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Vincenzo Criscuolo
Organizador
© edição brasileira:
autorizada por Servus Gieben - OFMCap.
Diretor do Istituto Storico dei Cappuccini - Roma / Itália
Apresentação
Prefácio
Não foi considerado oportuno fornecer o texto crítico dos vários documentos nem
reproduzir rígida e fielmente a linguagem e a grafia original de cada texto,
originalmente redigidos ou na língua latina ou na língua italiana de 1500. Nos limites
do possível e sem alterar o conteúdo, procedeu-se a uma leve “modernização”
lingüística, reduzindo ou eliminando inteiramente arcaísmos e latinismos supérfluos, e,
em casos muito raros, modificando, até, alguma sentença já incompreensível,
respeitando, contudo, o pensamento e o estilo dos autores e dos documentos.
Intervenções mais livres foram efetuadas em relação à pontuação e no uso de
maiúsculas, adequando o texto à linguagem contemporânea.
No que se refere aos documentos aqui publicados, boa parte deles se encontra
colecionada na recente edição de I Frati Cappuccini, para a qual se remete, vez por
vez. Consideramos, contudo, oportuno acrescentar inteiras sessões totalmente novas
ou documentação considerada indispensável para uma reta compreensão da fonte e
para o conhecimento preciso de nossa história.
Completamente inédito é todo o capítulo primeiro, no qual se apresenta o quadro
histórico do primeiro século de vida da Ordem. Ele constitui uma moldura sintética ou
uma urdidura sumária na qual se prendem, depois, num bordado complexo e unitário,
os diversos filamentos documentários publicados ao longo do volume. Na sessão dos
documentos pontifícios foram inseridos a bula da Penitenciaria Apostólica Ex parte
vestra, de 18 de maio de 1526, e o breve de Paulo V Ecclesiae militantis, de 15 de
outubro de 1608, com o qual os Capuchinhos são declarados verdadeiros frades
menores e verdadeiros filhos de São Francisco.
Quase inteiramente nova é também a sessão das ordenações dos capítulos
gerais, promulgadas respectivamente nas sessões capitulares, nas sessões
capitulares celebradas de 1549 a 1618 e tomadas diretamente das Tabulae
Capitulorum Generalium, conservadas no Arquivo Geral. Sua inclusão no presente
volume foi considerada essencial por sua fundamental contribuição para a verdadeira
história da Ordem que, sendo um organismo vivo, sente constante necessidade de
articular e modificar sua vida interna e sua atividade externa, ambas firmemente
ancoradas na fidelidade absoluta ao carisma franciscano, mas, ao mesmo tempo,
flexíveis e dóceis, ao longo dos séculos, às exigências da aculturação.
Novos textos documentários foram acrescentados nas sessões seguintes. Na
sessão referente à pregação, foi inserido o sermão de São Lourenço de Brindisi sobre
a Assunção da Virgem Maria. Na sessão referente à assistência caritativa foi
acrescentada nova documentação, tomada, em grande parte, das crônicas da Ordem,
da correspondência de Carlos Borromeu, da Storia dei cappuccini delle Marche de
Calisto Urbanelli, da obra De primordiis de Eduardo d‟Alençon ou das Biografie de
Bernardino de Orciano. A sessão sobre as missões foi enriquecida com novos
documentos tomados das crônicas, enquanto é inteiramente original a documentação
sobre a expedição missionária dos capuchinhos no Maranhão.
No fim deste trabalho, os membros da Comissão exprimem a certeza de haver
cumprido, dentro dos limites da possibilidade, a tarefa confiada pelos Superiores
Gerais. Eles desejam, sinceramente, que o atual volume único das Fontes
Capuchinhas possa atingir a finalidade proposta e contribuir, assim, em nível pessoal e
comunitário, para maturação e crescimento cultural e espiritual da Ordem.
Informes:
Em agosto de 2001, a Assembléia Geral da CCB define traduzir a obra I
Cappuccini.
Frei Sermo Dorizotto, então Ministro Provincial de São Paulo, assume articular o
primeiro encontro dos possíveis tradutores.
A responsabilidade de coordenação é entregue a Frei Carlos Zagonel, que
coordena os trabalhos.
Em junho de 2002, a pedido de Frei Dourival Ribeiro Miranda, então Presidente da
CCB, Frei Servus Gieben, Diretor do Instituto Histórico dos Frades Capuchinhos, a
quem pertencem os direitos autorais da obra, dá, por escrito, a licença favorável e
gratuita para a versão brasileira da obra.
Em abril de 2003, chegam às mãos de Frei Prudente Nery, revisor final do textos,
as últimas traduções.
Tradutores:
1. Frei Adelino G. Pilonetto
2. Frei Carlos Albino Zagonel
3. Frei Dyonisio Destefani
4. Frei José Carlos Corrêa Pedroso
5. Frei Maurílio Parisotto
6. Frei Mauro Strabelli
7. Frei Odair Verussa
8. Frei Serafim José Pereira
9. Frei Silvio Armigliato
10. Frei Prudente Nery
Os Tradutores
10
Mariano D’Alatri
Tradução de Carlos A. Zagonel
11
2. São os inícios daquela que, aprovada por Clemente VII, com a bula In suprema
(16 de novembro de 1532), será a vigorosa “reforma”, difundida, em seguida, na Itália,
na Áustria e Baviera, nos Bálcãs, na Polônia, na Hungria e em outros lugares. E, antes
que o “cinquecento” acabe, aos descalços (também conhecidos como alcantarinos), e
aos reformados se acrescentará a família dos recoletos, aprovados por Gregório XIII
em 1579.
Tudo isso não obstante a encarniçada luta com que a direção da Ordem se
esforçará para guardar sólida a unidade da grande família observante, sem contar sua
divisão entre cismontanos e ultramontanos. Mas, enquanto a cúpula zelava para
guardar o “sacramento da unidade”, na base, porém, percebia-se uma incontida
necessidade de maior fidelidade à regra professada. Além do que, muitos, com viva
inquietude, olhavam para Francisco como modelo de vida para o verdadeiro frade
menor.
Os primeiros capuchinhos
6. Por norma da constituição Ite vos, ninguém podia iniciar uma nova reforma
dentro da Ordem Franciscana se, antes, não obtivesse o consentimento do Ministro
Geral ou do superior da respectiva província. Um caminho, absolutamente,
impraticável para Ludovico que, por isso, se dirigiu ao Ministro Conventual das
Marcas, pedindo-lhe para colocar-se sob sua jurisdição. Isto deve ter acontecido após
o mês de junho de 1527, uma vez que, em seu Dialogo de la salute, publicado aos 5
de junho de 1527, João de Fano censurava Ludovico e companheiros de não serem
nem Conventuais nem Observantes. Por isso, a passagem deve ter ocorrido na
proximidade e em vista da aprovação da nascente reforma da parte de Clemente VII.
A iniciativa tornou-se possível graças à intervenção direta da Duquesa de Camerino,
Catarina Cybo, sobrinha do papa, residindo, então, em Viterbo, para onde se dirigiu
em meados de junho de 1528.
1
Nota do tradutor: lugar / lugares eram os casebres ou pequenas moradias, diferentemente
dos conventos posteriores, onde se recolhiam e habitavam os primeiros frades.
13
8. Retornando a Camerino, Catarina Cybo ordenou que a bula fosse lida nas
igrejas e proclamada nas praças e nas ruas pelos pregoeiros oficiais. Com certeza, o
evento obteve uma reação imediata. No mês de março de 1531, pouco mais de três
anos e meio depois da concessão da bula, os novos reformadores dispunham,
somente nas Marcas, de mais de nove eremitérios, construídos para poder acolher a
quantos desejassem viver como reformados. Na sua quase totalidade, esses
provinham das fileiras dos Observantes.
Inicialmente, os novos reformados foram chamados de “frades menores da vida
eremítica”, mas por pouco tempo, uma vez que, ao menos desde os inícios de 1531,
toma lugar a denominação de “capuchinhos”; primeiramente, “fratres a scapucino” ( o
capuz, relativamente, pequeno, que os distinguia dos Observantes e dos
Conventuais), passando, em seguida, a simplesmente “frades capuchinhos”.
Na Ordem Franciscana não era desconhecido o costume de denominar uma
família religiosa pela particularidade do modo de vestir. São mais que conhecidas as
denominações de zoccolanti (tamanqueiros), calçados, beccaroli, descalços,
capuchos, etc. Frades populares, nada admira que o povo os batize, impondo-lhes o
nome.
10. Por ocasião deste Capítulo, o primeiro celebrado pela nova família num clima
de capítulo das esteiras, foram promulgadas as constituições de Albacina, pequeno
centro nos arredores de Fabriano em cujo território surgiu o eremitério de Aquarella,
habitado pelos capuchinhos por breve período. O texto foi-nos transmitido pelo
cronista Matias de Saló na sua na sua Historia Capuccina,assim como foi redigido, em
14
língua vulgar, com bastante probabilidade, e permaneceu em vigor até 1535. Mais que
verdadeiras constituições propriamente ditas, orgânicas e completas, são estatutos
próprios para garantir uniformidade e segurança nos objetivos da nova família.
Deixadas de lado algumas curiosas prescrições ditadas pelo cuidado de manter
afastados os abusos provenientes da família de origem, os estatutos focalizam com
clareza os objetivos da reforma no campo espiritual e operativo. Os pontos
fundamentais, sobre os quais se insiste, são a pobreza, a austeridade, a oração, a
solidão e o silêncio. O legislador não pretende introduzir um novo modo de viver o
franciscanismo. Ele busca, antes de tudo, inspiração nos escritos e nos exemplos de
São Francisco, e, algo ainda mais surpreendente, é particularmente atento a recolher
a tradição genuinamente reformista da Ordem.
De modo particular, ele se inspira nos estatutos dos descalços da Espanha e
daqueles que o Ministro Geral Quiñones promulgou para as províncias da Espanha em
1523 e da Itália (1526). Em resumo, uma busca de autenticidade e não de
originalidade, embora esta não esteja ausente. De fato, nos estatutos de Albacina o
confronto acontece não tanto com a Regra Franciscana, mas com a pessoa e o
exemplo de Francisco. Além disso, à diferença dos movimentos reformísticos
anteriores e contemporâneos, para o frade capuchinho é reivindicado o direito e o
dever de harmonizar o empenho pastoral com a vida contemplativa.
11. Em 1529, a Reforma Capuchinha iniciou sua expansão fora das Marcas. No
mês de julho, Frei Ludovico encontrava-se em Roma, provavelmente, na comitiva de
Catarina Cybo, e, com seu auxílio, teria obtido uma licença de permanência ali.
Tratava-se de uma pequena casa junto à Porta do Povo e anexa à igrejinha de Santa
Maria dos Milagres. Ambas dependiam do hospital maior de São Tiago dos Incuráveis
e isto foi concedido a Ludovico por Lourenço Cybo, irmão de Catarina e curador do
hospital. Considerada também a relativa proximidade entre Santa Maria dos Milagres e
o hospital, os frades, de imediato, iniciaram a prestação de serviço espiritual e corporal
aos pobres “incuráveis”.
A permanência dos frades junto a Santa Maria dos Milagres foi breve, pois uma
inundação do rio Tigre, aos 7 de outubro de 1530, obrigou-os à transferência para
outro lugar, Santa Eufêmia, perto de São João do Latrão, colocada à sua disposição
pelo Cardeal André della Valle, protetor dos frades menores.
13. Obviamente, a reforma dos frades calabreses talvez seja anterior à tentada por
Mateus de Bascio, todavia eles entraram na Reforma Capuchinha quando esta já
estava juridicamente ereta; por isso, de modo algum, podem ser considerados os
fundadores. Isto, porém, não diminui a importância de seu ingresso no grupo
capuchinho; eles foram os primeiros a terem um vigário provincial próprio e, em 1534,
iniciaram a propagação da reforma na Sicília.
Considere-se também que, já em 1530, Ludovico de Fossombrone enviara seus
frades a Nápoles, a Castelluccio (hoje Castelmauro, Foggia), a Gênova, a Foligno e,
em 1532, a Montepulciano. Temos, assim, o embrião dos vicariatos que serão
canonicamente erigidos no Capítulo Geral dos anos de 1535-1536: das Marcas, de
Roma, da Úmbria, da Toscana, de Nápoles, de Foggia, da Apulia, da Sicília e de
Gênova.
17. Os antigos cronistas capuchinhos contam que, aos 25 de abril, festa de São
Marcos, os frades que habitavam no convento romano de Santa Eufêmia, saíram e,
em procissão solene, precedidos de uma grande cruz, transferiram-se para o mosteiro
de São Lourenço de Verano, onde foram generosamente acolhidos pelos cônegos do
Santíssimo Salvador. É muito difícil caracterizar este gesto, até certo ponto,
clamoroso. Possivelmente, desejava-se impressionar o povo que apreciara o trabalho
dos capuchinhos, especialmente, junto aos doentes. De fato, este não deixou de
manifestar sua indignação.
Enquanto isso, Ludovico teve tempo de procurar conselho e proteção junto a seus
amigos, que continuam a ser anônimos. O breve Pastoralis officio foi revogado e
substituído pelo Cum sicut accepimus, que se limita a proibir, de imediato, aos
capuchinhos de receber Observantes e de abrir novas casas sem a permissão da
Santa Sé.
2
Trad.: por um tempo ou provisoriamente.
17
1535/36: conformar-se com Francisco assim como ele se conformou com Cristo. O
legislador tem presente o Liber de conformitate de Bortolomeu de Pisa, cuja leitura é
repetidamente recomendada. Por isso, o cronista, Bernardino de Colpetrazzo, com
evidente ênfase, se pergunta: “Reformar-se que mais significa além de retornar à
própria forma, dada desde o início à santa religião? Ou não vedes que nada nos
confirma melhor que esta seja a verdadeira Reforma, quanto podermos verificá-la em
tudo conforme ao pai São Francisco e a todos os primeiros pais?”
21. Ao longo de 1536 deixaram a Reforma Capuchinha dois frades que, a título
diverso, haviam sido seus fundadores: o involuntário pioneiro, Mateus de Bascio, e
Ludovico de Fossombrone, o combativo reformador que, após ter-lhe garantido o
direito à vida, deu-lhe organização e a expandiu por todas as regiões da Itália.
Ludovico desistiu por não julgar conveniente submeter-se ao novo Vigário Geral, não
sabemos se por considerá-lo incompetente ou usurpador de um ofício que lhe cabia.
Abandonou a Ordem em dezembro de 1536. Poucas e incertas são as notícias que
dele temos após essa data. Parece que, num primeiro tempo, tenha se refugiado em
Perusa, onde teria sido descoberto por Bernardino de Colpetrazzo que, por missão
recebida do Vigário Geral, Eusébio de Ancona (1552-1558), fora oferecer-lhe o retorno
para junto dos capuchinhos. Ludovico aceitou o convite e, de imediato, retirou-se no
conventinho de Amélia. Mas lá permaneceu por pouco tempo, uma vez que, tendo
chegado a notícia ao conhecimento do Cardeal Pio de Carpi, protetor dos frades
menores, ele quis terminantemente que ele fosse afastado. O mesmo Bernardino de
Colpetrazzo conta: “o pobrezinho partiu chorando e nunca mais foi possível saber o
que aconteceu com ele a não ser que se refugiara nas montanhas de Cagli, num lugar
escondido, apenas conhecido por um seu amigo que, semanalmente, levava-lhe um
pouco de pão; e que conduzia uma vida anacorética”.
22. Não é conhecido o motivo pelo qual Mateus de Bascio deixou os capuchinhos,
junto aos quais vivera quase como estranho, inteiramente dedicado à pregação
itinerante como era seu ideal. Parece que sua saída tenha acontecido em meados de
1536, provavelmente, porque os superiores da Ordem procuraram limitar-lhe a
liberdade de movimento e de pregação com o objetivo de evitar desagradáveis
incidentes. Também não é certo que ele tenha retornado, oficialmente, para junto dos
Observantes. Pregou o evangelho, especialmente, na região de Montefeltro; dedicou-
se, com particular empenho, à catequese das crianças; foi em peregrinação ao monte
Gargano e aos lugares santos da Palestina; nos anos de 1546/47 prestou assistência
espiritual às tropas pontifícias enviadas à Alemanha por Paulo III sob o comando de
Otávio Farnese para combater os protestantes da Liga Esmalcádica. Com sua
pregação apocalíptica e monocórdia, Mateus forçava os pecadores à conversão sob
ameaça das penas do inferno.
Morreu em Veneza, num recanto do campanário da igreja de São Moisés, aos 6 de
agosto de 1552, e foi sepultado em São Francisco da Vinha pertencente aos padres
Observantes. Contrariando a vontade do núncio, Ludovico Beccadelli, que ordenara a
sepultura no cemitério comum dos frades, o corpo de Mateus foi transferido para a
igreja onde, mais acessível, podia ser venerado pelo povo. A respeito dos inúmeros
prodígios atribuídos à intercessão de Mateus, a comissão teológica nomeada por
Beccadelli, emitiu um parecer negativo, não encontrando neles nada de sobrenatural.
Mesmo que o patriarca de Veneza, João Tiepolo, em 1620, o tenha inserido em dois
catálogos dos santos da Igreja veneziana, mesmo assim, até o presente momento,
não foi reconhecido pela Igreja o título de beato ou de santo a Mateus. Portanto,
diferentemente do que aconteceu na observância, nos inícios da Reforma Capuchinha
teria faltado um “santo”. Os antigos cronistas capuchinhos defendiam-se da acusação
afirmando que esta ocorrera “no espírito do Fundador”!
23. O cronista Mário Fabiani escreve que a Reforma Capuchinha, com a eleição
de Bernardino de Asti, Vigário Geral, “tomou forma de verdadeira ordem religiosa, uma
vez que, até então, era considerada uma ordem de dispersos, de fugitivos e de
amedrontados. No tempo do frade de Asti, assumiu a forma que possuem as ordens
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religiosas bem organizadas”. E isto por diversos motivos. Em primeiro lugar, pela bula
Expone nobis de 25 de agosto de 1536, Paulo III transferiu para Bernardino de Asti e
seus sucessores os poderes que a Religionis zelus conferia a Ludovico de
Fossombrone. O novo digníssimo Vigário Geral fora eleito, canonicamente, por bem
duas vezes e por um grande número de frades reunidos em capítulo e, no governo da
Ordem, era assistido por seis definidores, notáveis por doutrina e bons costumes.
Nesse mesmo tempo foram redigidas e promulgadas as constituições e erigidas as
primeiras nove províncias, em cuja direção estavam vigários munidos dos poderes
próprios dos Ministros provinciais.
Todavia, o que mais contribuiu para firmeza e segurança da nova família
franciscana foi a personalidade e a direção de Bernardino de Asti. Numerosos
historiadores atribuem-lhe ter sido para os capuchinhos o que São Boaventura foi para
a inteira Ordem Franciscana e São Bernardino de Sena e João de Capistrano, para a
Observância.
25. Nos últimos anos de 1500, o cronista Bernardino Croli (ou Cioli), refletindo
sobre os inícios da reforma capuchinha, dos quais havia sido testemunha e
participante, afirmava que o período entre 1533 a 1543 foi “o mais glorioso aos olhos
do mundo”. Ainda que ele atribuísse o mérito disso, em geral, aos “doutos e grandes
pregadores”, refere-se, com evidência e de maneira especial, a Ochino, objeto de
estima e admiração da parte de Paulo III, de Carlos V (que em Nápoles, assistira às
suas pregações) e de numerosos prelados e príncipes. Talvez poucos soubessem da
vida repreensível levada por ele junto aos Observantes, onde favorecera o partido do
anti-reformista Paulo Pisotti.
Para aqueles que o conheciam, sua passagem para os capuchinhos tinha a
aparência de uma radical conversão; especialmente, considerando sua boa conduta e
como tal continuou dando provas durante o primeiro triênio de seu vicariato geral,
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26. Durante a quaresma que, por ordem de Paulo III, pregava na igreja de São
Marcos em Veneza, pronunciou algumas expressões com sabor de heresia. Por isso,
o núncio apostólico interrompeu sua pregação. Mas, em seguida, sob pressão popular
e do senado, permitiu que continuasse a pregação, mas não deixou de informar a
Paulo III a respeito do acontecido. Após a quaresma, transferiu-se para Verona, onde
esperava comentar as cartas de São Paulo aos frades e onde o alcançou uma carta
do papa que o convidava a dirigir-se a Roma para tratar de negócios referentes à
Ordem. A contra-gosto iniciou a viagem, mas chegando a Florença e encontrando-se
com o herege Pedro Mártir Vermigli, interrompeu a viagem e, abandonando a Ordem e
a Igreja católica, fugiu para Genebra.
É difícil imaginar se o trágico passo foi dado por medo do que lhe poderia
acontecer em Roma, de acordo com o parecer de Vermigli, ou se já havia assumido
sua opção pela heresia.
30. Foi por causa da estima que os capuchinhos resgatavam junto aos bispos e ao
papa puderam ser esvaziadas todas as tentativas dos Observantes para reconduzir a
Reforma para a obediência de seu próprio Ministro Geral. Houve sérias tentativas
neste sentido nos anos de 1558-59, quando, com o auxílio do Cardeal Carlos Carafa,
tinha sido preparada uma bula preconizando a submissão dos capuchinhos aos
Observantes. Somente a inopinada queda em desgraça do onipotente e celerado
sobrinho de Paulo IV impediu sua promulgação.
Em 1568, o geral Mário de Mercato Saraceno, em visita na Sicília, precisou
retornar precipitadamente a Roma, quando se considerava iminente a submissão aos
Observantes. Mas Pio V assegurou-lhe que isso não aconteceria e, como prova da
estima que nutria pela Ordem, nomeou Frei Jerônimo de Pistoia como seu teólogo.
Nem com isso cessaram as oposições. Em 1608, Paulo V considerou necessário
promulgar a constituição Ecclesiae militantis, na qual reafirmava solenemente que os
Capuchinhos eram “verdadeiros frades menores e também filhos de São Francisco”. E
foi o mesmo papa que, em 1619, mediante o breve Alias felicis recordationis, concedia
22
Difusão na Itália.
32. Até fins de 1500, a Ordem foi implantada nas várias ilhas do Mediterrâneo. Em
1540, Mariano de Nebbio introduziu-a em sua terra natal, a Córsega, cujo vigário
provincial pôde tomar parte no Capítulo Geral de 1543. E os frades que, em 1567,
foram destinados à ilha de Creta, lá erigiram cinco conventos e se dedicaram, de
modo especial, à assistência dos soldados enfermos ou feridos. Perto de 1589, os
capuchinhos da Província de Siracusa aportaram em Malta, fundando aí o convento de
Floriana. Frei Severino de Bergamo foi constituído comissário da Sardenha cujos
conventos foram erigidos como província autônoma em 1605.
34. A primeira expedição teve como meta a França, onde, já em 1562, o Cardeal
Carlos de Lorena havia inutilmente solicitado o envio dos capuchinhos. Guiados pelo
Comissário Geral, Pacífico de S. Gervásio, fixaram-se em Paris, numa localidade
chamada de Picpus, onde, no mesmo ano, foi aberto o noviciado. As fundações
continuaram em Lião (1575), a pedido dos comerciantes italianos, em Cognin, Avinhão
e em outros lugares, tanto que, em 1578, os dez conventos já existentes puderam ser
23
35. Após várias tentativas, esvaziadas pela oposição do rei Felipe II, somente em
1578 os capuchinhos puderam assumir uma primeira sede estável na Espanha, na
cidade de Barcelona, que, repetidas vezes, solicitara sua vinda. Dali se propagaram
para Rossillón (1580), para Valência (1596), para onde haviam sido chamados pelo
santo bispo João de Ribera, em Aragão (1598) e em Navarra (1607).
Mais dificultada foi a entrada da Ordem na região de Castela, onde o primeiro
convento surgiu em 1609, por obra de Lourenço de Brindisi, que viera a Madrid como
legado do imperador junto ao rei da Espanha. Os frades encontram o favor da nobreza
e do povo e as fundações cresceram tão rapidamente (em 1615, Felipe III concedeu
que elas poderiam somar o número de 36) que, em 1618, o então comissariado geral
podia ser elevado ao grau de província autônoma.
A pregação
43. É ilustrativo o caso da França. Aos 25 de janeiro de 1618, o rei Luís XIII
encarregara o arcebispo de Lião, Dionísio de Marquemont, seu orador junto a Paulo V,
de pedir diretamente ao papa, em favor dos capuchinhos franceses, a faculdade de
ouvir as confissões dos seculares. Ele considerava necessário que o pedido fosse
levado adiante independentemente do Capítulo Geral que seria proximamente
celebrado, uma vez que nele a maioria dos eleitores seria de italianos e, como tais,
rejeitariam certamente o pedido.
O rei diz claramente, em suas cartas, que o motivo principal pelo qual os
capuchinhos não ouviam as confissões provinha do fato de que a Ordem nascera na
Itália, onde não existiam hereges e o clero secular não tinha necessidade do auxílio
dos frades. A isso se ajuntava o fato que, nos inícios, eles moravam longe dos centros
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urbanos e não cultivavam os estudos teológicos. Mas depois que haviam se espalhado
por toda a França, exatamente aqueles que os haviam convidado, sentiam-se
defraudados de suas esperas, uma vez que deviam recorrer a outros para serem
absolvidos de seus pecados. De outra parte, cada província capuchinha na França
tinha de quarenta a cem pregadores que, antes de conseguirem a faculdade de
pregar, haviam se dedicado, por dois anos, ao estudo da filosofia e, por três, ao da
teologia. Por isso, em cada província havia mais de duzentos sacerdotes idôneos para
o ministério das confissões; não se deveria subestimar o fato que muitas almas
andavam perdidas por deficiência de confessores.
44. O arcebispo orador cumpriu sua missão, mas, aos 4 de março, teve que
informar ao rei que o papa não pensava, de forma alguma, em acolher o seu pedido,
embora prometesse interpelar alguns cardeais a propósito. O próprio orador, portanto,
aconselhava ao rei não mexer na questão antes da celebração do capítulo. Sugestão
que o rei acolheu, como resulta de uma carta de 26 de março. No dia 25 de junho, o
arcebispo orador informou ao rei que o recém eleito Ministro Geral, Clemente de Noto,
e seu definitório haviam rejeitado absolutamente o pedido; esperava, contudo, que
este fosse acolhido pelo papa. Mas se enganou, uma vez que, em outubro do mesmo
ano de 1618, o Cardeal Secretário de Estado escrevia ao núncio apostólico de Paris
que não se falasse mais da questão.
O Capítulo Geral de 1618 deixara intocada a prescrição das constituições;
contudo, estabelecera disposições a respeito da formação de confessores mediante o
ensino de teologia moral.
ceifou mais de 60.000 vítimas; dos capuchinhos, vindos para servir os enfermos, dois
morreram no exercício de seu ministério. Pouco depois, a coisa se repetiu em Ruão
(1583 a 1584), Tolosa (1588), Bordeu (1605/06) e, novamente, em Rouen (1615). Em
1589 foi a vez da Catalunha, onde os capuchinhos havia pouco tempo estavam
assentados; oito deles morreram no serviço aos empestados.
Irrompida a peste em Augsburg (1607), ao serviço dos doentes acorreram os
capuchinhos da província de Tirol-Baviera e o fizeram com tanto heroísmo que
despertaram admiração mesmo dos hereges, alguns dos quais, se converteram. A
coisa repetiu-se no mesmo ano de 1607 em Appenzell e, finalmente, nos anos de
1610/1611, quando a peste fez estragos em toda a Suíça e Alemanha.
Entre os soldados.
48. O Papa São Pio V quis que os capuchinhos fossem os capelães militares na
expedição naval de 1570, que deveria tirar Chipre das mãos dos turcos. Mas, na ilha
de Creta, onde a frota - formada de galeras espanholas, venezianas e pontifícias -
deveria organizar-se para o ataque, irrompeu a peste entre as tropas e aos
capuchinhos não restou outra coisa senão assistir espiritual e materialmente aos
doentes. Entre as vítimas da peste esteve Jerônimo de Pistoia, teólogo de Pio V e
chefe dos capelães, que induzira o papa a organizar a expedição.
No ano seguinte de 1571, outros capuchinhos tomaram parte na expedição que
culminou com a vitória de Lepanto. Sobre esses, Marcos Antonio Colonna escreveu
ao papa: “Os padres capuchinhos comportaram-se admiravelmente; na assistência à
armada, demonstraram muito fervor e zelo na fé cristã e na honra divina”.
Entre os hereges.
28
Na diplomacia.
56. Inicia a série o lombardo Matias Bellintani de Saló, em 1594, pacificador entre
o rei da Espanha e o arquiduque de Toscana. Segue-lhe Lourenço de Brindisi que, por
suas missões com bom êxito, e, mais ainda, pelo estilo genuinamente evangélico por
ele observado, pode ser considerado como modelo para os confrades que, sobretudo
ao longo de 1600, estarão empenhados na diplomacia. Seu primeiro empenho foi
promover a união entre os católicos, num momento em que os protestantes, fortes por
sua “união evangélica”, com armas em punho, estavam ocupando sistematicamente
os principados católicos da Europa.
Para colocar um freio à sua audácia, o duque de Baviera, Maximiliano, o Grande,
decidiu contrapor-lhes uma “Liga católica”, com objetivos meramente defensivos de
modo a fazer cessar as suas agressões. Mas quem, na Alemanha, estava disposto e
era capaz de preparar a guerra, mesmo com objetivo meramente dissuasivo? Os
diversos principados eclesiásticos eram fracos e inermes; o imperador Rodolfo II,
incapaz e sem autoridade, nada mais sabia fazer que intrigas contra seu irmão,
Matias, rei da Hungria. Urgia, portanto, um auxílio vindo de fora, em particular o do rei
da Espanha e do Papa. Na desesperada situação que se criara, o duque Maximiliano,
o núncio papal e o embaixador do rei da Espanha em Praga, convieram
concordemente em nomear embaixador Lourenço de Brindisi.
57. Ninguém melhor do que ele conhecia as coisas da Alemanha e nem era mais
eloqüente e estimado, por causa sobretudo de sua santa vida. Munido das
necessárias cartas credenciais, às quais foram acrescentadas as do Papa Paulo V,
Lourenço partiu de Praga, aos 16 de junho de 1609, para uma longa e demorada
viagem com duração de mais de ano, que devia levá-lo a Munique da Baviera, Milão,
Gênova, Madrid, Roma, Florença, Luca, Mântua e, novamente, a Praga e Munique,
onde chegou em meados de outubro de 1610. Foi uma inteligente e sofrida obra de
diplomacia, , especialmente difícil, junto às cortes de Madrid e de Roma, ocupada em
aplainar graves dificuldades políticas e financeiras, dissipar ciúmes e suspeitas e obter
o respeito pelos compromissos assumidos e a fé na palavra empenhada. Muitas
vezes, quando tudo parecia acertado, precisava recomeçar do princípio, tendo como
interlocutores soberanos hipócritas e sem consciência dos próprios deveres, ministros
maquiavélicos e informantes sempre prontos para inventar calúnias.
Lourenço esteve muitas vezes a ponto de ser exonerado do ofício de embaixador:
se as coisas pareciam, felizmente, alcançar o porto, não havia mais necessidade dele
e os outros esforçavam para atribuir a si o mérito do sucesso; se tudo era recolocado
em discussão, gritava-se-lhe na face ter-se deixado “enganar pelos ministros” e, por
isso, era demitido; mas, quando não sabiam mais a que santo apelar, então Lourenço
era reconvocado e esconjurado a remediar. Aconteceu assim até o último momento,
quando Maximiliano, percebendo-se privado do comando da Liga, que ele havia
criado do nada, ameaçou retirar-se. Somente as palavras e a amizade de Lourenço
puderam aplacar seu ânimo exarcebado e ele permaneceu na Liga. Foi suficiente para
que a “União Evangélica” dos protestantes desistisse de suas agressões; e até fez
algo a mais, pois humilhou-se pedindo um acordo com Maximiliano e seus aliados.
60. Estas poucas páginas introdutórias são menos que uma síntese histórica do
primeiro século da Reforma Capuchinha, que, em 1618, com seus 14.846 religiosos,
havia crescido de maneira considerável e havia assumido relevantes missões no seio
da Igreja salvífica e missionária. Elas querem apenas fornecer o quadro, no qual se
colocam os diversos aspectos da vida cotidiana (constituições e narrativas dos
cronistas), das inúmeras atividades (pregação, missões, assistência aos doentes
incuráveis e aos empestados), e do florescimento de uma espiritualidade evangélica
que atinge os esplendores de uma santidade reconhecida pela Igreja (testemunhos
dos processos canônicos).
32
Os Capuchinhos e a Santa Sé
Documentos Pontifícios
foi transmitido pelas fontes franciscanas de inspiração leonina e pela literatura dos
Espirituais.
A nova reforma tinha sido precedida, depois da supressão dos Espirituais em
1317, por vários movimentos que visavam a observância literal da Regra: basta
recordar aqui a Observância italiana, iniciada na terceira década do século XIV e
consolidada depois de 1370, e, fora da Itália, pelo final do século, diversos grupos da
mesma índole, mas distintos e independentes da Observância regular, para a qual
sucessivamente confluíram.
3
Trad.: à letra ou literalmente
35
73. A petição foi indeferida pela secretaria dos breves porque não trazia o
beneplácito do cardeal protetor da Ordem, ao qual ou não fora apresentada ou não
tinha agradado por incluir a admissão de Observantes, coisa inaceitável para os
superiores da Observância.
Na nova petição - cujo texto não chegou até nós - o astuto Ludovico teria
substituído o ponto relativo à admissão de religiosos com a cláusula de poder
participar dos privilégios dos camaldulenses, que tinham faculdade para aceitar
religiosos de qualquer congregação, casa ou mosteiro de mendicantes ou não.
75. Aos irmãos Ludovico e Rafael, “da Ordem dos frades menores”, colocados sob
a proteção dos Conventuais e desejosos de levar uma vida eremítica e observar a
Regra tanto quanto o permita a fragilidade humana, com prévia e ampla absolvição de
todas as censuras e impedimentos canônicos que pudessem constituir obstáculo à
validade do documento papal, era concedido levar vida eremítica segundo a Regra de
São Francisco, vestir o hábito com capuz quadrado, receber em sua associação
clérigos seculares, presbíteros e leigos, usar barba, retirar-se a qualquer eremitério ou
lugar com o consentimento dos proprietários, e ali permanecer, levar vida eremítica e
mendigar por toda parte, gozar aeque principaliter5 de todos os privilégios, indultos e
graças até então concedidos ou a serem alargados no futuro à Ordem dos frades
menores e aos camaldulenses de São Romualdo e seus eremitas.
A execução da bula era confiada a todas as autoridades eclesiásticas e, enfim, era
mencionada a explicita anulação e revogação de todas as disposições emanadas da
Igreja, que pudessem tornar duvidosa a legitimidade da nova família ou congregação.
76. Pelo teor da bula da nova congregação, ainda sem nome específico, poderia
dizer-se, juridicamente, uma reforma dos Conventuais; mas, como veremos a seguir,
ela será sempre considerada nos documentos pontifícios como uma verdadeira e
distinta família franciscana, internamente autônoma.
Entretanto, não apresentava novidades em relação às reformas precedentes de
estrita observância, cujos componentes tinham sido autorizados a levar vida eremítica
e a observar a Regra ad litteram, na primitiva pureza.
4
Trad.: intercedendo a Duquesa de Camerino.
5
Trad.: de igual modo principalmente.
37
79. Depois da eleição de Ludovico como Vigário Geral - logo após a imediata
renúncia de Frei Mateus para esse cargo - uma pequena comissão, ou quem sabe
Ludovico sozinho, estabeleceu as primeiras ordenações ou estatutos, impropriamente
denominados “constituições” de Albacina. Nesses estatutos, dispostos um tanto
desordenadamente, prevalece o primado concedido à contemplação e à estritíssima
pobreza, que, de resto, eram um corretivo aos diversos abusos existentes na
Observância.
Quanto à denominação da nova Reforma, já no título dos estatutos seus adeptos
se autodenominaram “frades menores da vida eremítica”, nome que entretanto não foi
oficializado nos documentos pontifícios, nos quais só a partir de 9 de abril de 1534 foi
assumida a denominação cappucciati e, em seguida, cappuccini, nome popular dado
praticamente desde o começo aos nossos eremitas, devido ao capuz.
81. O geral Paulo Pisotti (1529-1533) conseguia de Clemente VII o breve Cum
sicut nuper, de 14 de dezembro de 1529, com o qual eram anuladas todas as
concessões pontifícias feitas aos vagantes e fugitivos da Observância, e se ordenava,
ademais, que não fossem permitidas “novas seitas”, e que os frades não se
chamassem por outro nome senão aquele dado por São Francisco à sua Ordem.
O breve, muito genérico, não mencionava expressamente os capuchinhos e sua
reforma; por isso com um segundo breve, Cum sicut accepimus, de 27 de maio de
1530, endereçado ao geral e ao procurador da Observância, Honório Caiani, que
ademais era confessor do pontífice, Clemente VII retirava todas as concessões feitas
pela penitenciaria aos irmãos Ludovico e Rafael de Fossombrone, aos reformados da
Calábria e a outros; todos eles deviam ser obrigados a voltar aos conventos de origem
sob penas e censuras eclesiásticas e também com a ajuda do braço secular.
82. Ainda um outro breve, Alias postquam, de 2 de dezembro de 1531, dirigido aos
mesmos superiores da Observância, reproduzia o texto do documento anterior e
ordenava aos Observantes que tinham passado aos Capuchinhos depois de 27 de
maio do ano anterior, que retornassem à Observância; aos Capuchinhos ficava
proibido receber candidatos Observantes. Estes últimos seriam, sem outra
formalidade, declarados apóstatas e excomungados.
Este breve foi ainda renovado em 3 de julho de 1532 expressamente contra o
grupo dos ex-reformados calabreses, que deviam voltar à Observância sob graves
penas canônicas. A execução do breve foi todavia suspensa porque o papa preferiu
38
confiar a controvérsia aos cardeais Antônio del Monte e André della Valle. Esses, em
14 de agosto seguinte, baixaram um decreto intimativo proibindo aos Observantes de
molestar os capuchinhos e a estes de receber aqueles, enquanto não fosse
encontrada uma solução adequada.
83. Uma solução imediata, embora desfavorável aos capuchinhos, teria aparecido
talvez com a promulgação da bula In suprema militantis Ecclesiae, de 16 de novembro
do mesmo ano, na qual Clemente VII impunha a reforma da Observância mediante a
instituição, em cada província, de quatro ou cinco conventos para os zelantes que
aspirassem a uma observância pura e plena da Regra segundo as declarações papais
e a uma vida mais intensa de oração e contemplação.
A bula constituía o ato de fundação da reforma dita dos “Reformados” e devia pois
eliminar qualquer pretensão de optar pela família capuchinha. Conseqüentemente, a
bula colocava em risco a existência e a sobrevivência da Reforma Capuchinha, até
então alimentada quase exclusivamente de evasões da Observância.
84. Mas a bula foi suspensa até o próximo Capítulo Geral, a celebrar-se em 1535.
O que favoreceu uma fuga geral dos Observantes zelantes para os Capuchinhos.
Pelo fim de 1533 e começo de 1534 passaram para a família capuchinha figuras
de prestígio como Bernardino de Asti e Francisco de Jesi - dois dos quatro
Observantes que tinham solicitado a bula In suprema -, outros dois futuros vigários
gerais da Ordem, Bernardino Ochino e Eusébio de Ancona, o futuro cronista
Bernardino de Colpetrazzo e até o acérrimo perseguidor dos irmãos Tenaglia, João Pili
de Fano.
87. Em 13 de outubro de 1534, subia ao sólio pontifício Paulo III. Com a morte de
Clemente VII (25 de setembro), desaparecia de cena Catarina Cybo, mas a defesa e a
proteção dos Capuchinhos seriam retomadas por uma outra nobre senhora, Vitória
Colonna, marquesa de Pescara, muito ligada à reforma pré-tridentina.
Por seu lado, os superiores da Observância voltaram a fazer pressão contra a
Reforma Capuchinha, na esperança de conseguir maior sucesso com o novo pontífice.
Conseguiram o breve Accepimus quod, de 18 de dezembro de 1534, no qual se
proibia aos Observantes de passarem para os Capuchinhos sem licença especial da
Santa Sé; a estes se impunha, sob pena de excomunhão, não receberem religiosos
Observantes ou de qualquer outra Ordem, nem abrirem novas casas ou lugares até
que não fosse preparado, no Capítulo Geral da Observância a celebrar-se em maio
seguinte, o remédio oportuno.
Mas em seguida, com o breve Nuper accepto, de 12 de janeiro de 1535,
endereçado “aos diletos filhos da Ordem dos Menores chamados Capuchinhos”, o
papa apressou-se a explicar que a proibição anterior feita aos Capuchinhos não se
referia à acolhida de religiosos de outras ordens.
89. Enquanto isso, apesar dos breves proibitivos que se sucederam de 1530 a
1535, os eremitérios capuchinhos tinham chegado a 60, espalhados por quase toda a
Itália, com pelo menos 500 frades. Nesta altura pode-se tentar uma explicação ao
manifesto descumprimento das normas pontifícias, sobretudo da parte dos
Capuchinhos que professam a mais estrita observância da Regra, na qual é imposta
uma firme obediência aos sumos pontífices.
A razão deve ser buscada, antes de tudo, num motivo de consciência fundado no
direito natural e divino, na convicção de que ninguém se sentia obrigado a renunciar a
uma vida mais perfeita para voltar a viver uma mais relaxada. Ademais, nos citados
documentos, nunca foi mencionada ou abrogada a bula Religionis zelus, base jurídica
da existência da família capuchinha, nem foi contestado o privilégio, herdado dos
Camaldulenses, de receber candidatos de qualquer ordem.
90. O próprio suceder-se de breves repetitivos e ineficazes está a indicar sua fraca
obrigatoriedade. De fato, o papa não conhecia todas as cartas publicadas, em seu
40
nome, pela secretaria dos breves; elas tinham o beneplácito do cardeal protetor da
Ordem e depois o auditor se limitava a informar brevemente o santo padre sobre o seu
conteúdo.
Mas não é de se esquecer que também os Capuchinhos contavam com poderosos
protetores na Cúria Romana, cardeais e outros prelados, além das nobres senhoras
Catarina Cybo e Vitória Colonna.
92. Graças aos bons préstimos de Vitória Colonna, Paulo III autorizou a
celebração do Capítulo Geral em novembro de 1535. Ludovico esperava ser
confirmado no cargo de Vigário Geral, mas, ainda no primeiro escrutínio, foi eleito Frei
Bernardino de Asti. Este imediatamente, com os definidores e outros peritos, tratou de
elaborar as primeiras constituições da Ordem.
De sua parte, Ludovico, que durante o capítulo se opusera arrogantemente a
qualquer mudança na forma de vida até então seguida, agastado por sua não
confirmação como superior geral, logo procurou, com pretextos e intrigas, impugnar a
eleição de Frei Bernardino, invocando a invalidade do capítulo não livremente
convocado por ele, como único superior legítimo em força da bula Religionis zelus. Ao
contrário, teria estado pronto a colocar a congregação sob a jurisdição da
Observância.
93. Frei Bernardino de Asti pediu então uma declaração pontifícia sobre a validade
das eleições feitas no capítulo e a conseqüente transferência, para ele e seus
sucessores, das concessões que Clemente VII tinha feito aos irmãos Tenaglia na bula
de fundação. O papa em parte anuiu ao pedido com o breve Cum sicut nobis, de 29 de
abril de 1536, no qual se confirmava a eleição de Bernardino de Asti e se declaravam
excluídos da Ordem, com a proibição de usar o hábito capuchinho, os que se
recusassem a prestar obediência a Frei Bernardino e a seus sucessores.
Foi por força desse breve que Mateus de Bascio, que permaneceu sempre à parte
na formação e organização da congregação e não estando disposto a inserir-se na
vida comunitária, depôs o seu caro capuz quadrado e retornou à observância,
continuando nessa a sua vida itinerante de pregador penitencial.
96. Entretanto o ano de 1537 se abria com dois documentos pontifícios restritivos
aos Capuchinhos. A comissão cardinalícia acima referida, que desde dezembro de
1535 procurava uma solução para a pendência entre Observantes e Capuchinhos,
mascarou sua ineficiência com um compromisso que transparece no breve Regimini
universalis Ecclesiae, de 4 de janeiro, no qual Paulo III proibia a passagem dos
Observantes para os Capuchinhos, e destes para os Observantes, sem uma especial
licença in scriptis de seus respectivos superiores.
Ainda, para contentar os Observantes e o imperador Carlos V, no dia seguinte, 5
de janeiro, o papa emanava o breve Dudum siquidem, impondo aos capuchinhos, em
virtude da santa obediência e sob pena de excomunhão latae sententiae6, de não
passar além dos Alpes, até que a Santa Sé não tivesse tomado outras providências no
próximo Capítulo Geral da Observância.
6
Trad.: de sentença já emanada, isto é, sem que seja necessária uma sentença expressa e
nominal (ferendae sententiae), fica o transgressor, pelo próprio fato da transgressão,
excomungado.
42
que não levasse consigo uma licença especial e expressa do seu geral ou da Santa
Sé.
104. Sem esperar pela conclusão do Concílio de Trento, no qual ainda seria
tratada a reforma dos regulares, o Capítulo Geral de 3 de junho de 1552 decidiu
7
Trad.: em ou por oráculo de viva voz.
43
atualizar as constituições de 1536, à luz das experiências até então vividas e das
realidades dos tempos.
Foram eliminadas algumas prescrições já impraticáveis, como a renúncia à
isenção, as celas para os anacoretas, o esmolar para os pobres em tempo de carestia,
o serviço aos empestados, mas isto não significava distanciamento no serviço aos
pobres e sofredores, que continuará sendo uma característica da Ordem.
Antes, quase para tranqüilizar os mais zelosos e saudosistas dos primeiríssimos
tempos da reforma, nas ordenações feitas no mencionado capítulo, ocupa o primeiro
lugar a seguinte: Altissima paupertas et Regula serventur ad mentem sancti patris
Francisci, ad litteram et sine glosa8. De resto, nestas constituições de 1552 o texto
primitivo de 1536 permaneceu intacto, apesar de alterações e ampliações no estilo
literário.
8
Trad.: A altíssima pobreza e a Regra sejam observadas segundo a mente do santo pai
Francisco, literalmente e sem glosa
44
no que se refere à votação contrária à forma tridentina (eleições com voto secreto), e
convidava à observância, no futuro, dos decretos do Concílio.
Havia, contudo, no decreto de reforma da sessão XXII, c. 4, uma disposição que
teria privado a Ordem de seu caráter laical tradicional, ou seja, a negação do direito de
voto dos clérigos in minoribus9 e dos irmãos leigos. Em 1566, o procurador geral da
Ordem Eusébio de Ancona interrogou a propósito Pio V que confirmou, vivae vocis
oraculo, a antiga praxe da Ordem. A prerrogativa será mantida em todas as revisões
sucessivas das constituições.
110. Nos primeiros meses de 1569 houve tratativas de união entre os Observantes
e os Conventuais, conduzidas pelo vice-protetor de ambas as famílias, o cardeal
Alexandre Crivelli; o projeto, porém, não agradou nem a Pio V nem ao cardeal protetor
São Carlos Borromeu.
Espalhou-se o rumor de que os Capuchinhos também estavam envolvidos na
união e isto causou uma grave inquietação na Ordem. O papa, interpelado pelo Vigário
Geral Mário de Mercato Saraceno, tranquilizou-o dizendo que nunca fora sua intenção
incluir os capuchinhos naquela união.
9
Trad.: de ordens menores.
10
Trad.: por moção própria / de iniciativa própria.
11
Até aqui o texto vinha empregando, sistematicamente, o designativo frei, freis. A partir daqui,
o texto passa a usar o tratamento padre, padres. Neste capítulo, manterei, para o caso de
frades, a tradução frei, freis.
45
117. Já acenamos para a proibição feita por Pio IV, de 20 de abril de 1560, aos
terciários ou eremitas de São Francisco, do siciliano Lanza, de usar um hábito
semelhante ao dos capuchinhos no pano e na cor. Supressos oficialmente em 10 de
março de 1562 e tendo a maioria deles passado para os Conventuais reformados,
continuaram do mesmo modo a vestir o hábito a eles proibido. Por isso Gregório XIII,
com o breve Regularium personarum, de 4 de outubro de 1581, repetiu sob penas
canônicas a interdição de usar hábito como aqueles dos capuchinhos e impôs-lhes
vestirem o distintivo próprio dos Conventuais.
A este breve, em 22 de junho de 1582, seguir-se-á uma intimação do protonotário
apostólico Jerônimo Mattei aos frades hospitaleiros de São João de Deus e aos
Conventuais reformados de Nápoles, impondo-lhes expressamente o cumprimento da
bula de 2 de abril de 1560. Mais refratários para se desfazerem do hábito semelhante
ao dos capuchinhos foram os referidos Fatebenefratelli. A eles serão dirigidos
sucessivamente novos decretos proibitivos, com o recurso inclusive ao braço secular.
Mais tarde entrarão no conflito também as várias reformas de estrita observância
franciscana.
118. Um outro sinal da estima de Gregório XIII aos capuchinhos será o confiar-lhes
uma nova forma de apostolado heróico, ainda que de forma saltuária, ou seja, o
cuidado espiritual e material dos escravos cristãos na África setentrional.
Nas incursões barbarescas, tão freqüentes na segunda metade do século XVI,
alguns capuchinhos tinham sido capturados e presos; outros frades, que tinham
chegado à Argélia com o fim de levar conforto espiritual aos escravos cristãos foram
também encarcerados.
122. Com o breve Cum vos, de 27 de junho seguinte, endereçado aos três
missionários, Sixto V dava sua bênção e confirmava numerosas faculdades e
privilégios em vista do desenvolvimento do ministério e concluía com um caloroso
encorajamento para duplicar os talentos no serviço do Senhor. Devido à doença de
Frei Egídio, o Vigário Geral acrescentou à obediência uma cláusula assinada por ele
em Assis a 1º de agosto, agregando ao grupo Frei José de Leonissa - o futuro santo -
e um outro Frei José, também ele de Leonissa.
A missão fracassou devido à morte dos Freis Pedro e Dionísio e, ao retorno, em
1589, de Frei José - atrozmente torturado - e de seu companheiro e será retomada
somente trinta e cinco anos depois, em 1624.
123. Quando estava para completar os cinqüenta anos de vida da Ordem, que
continuava a observância das constituições de 1536, através da revisão de 1575,
apareceram alguns sinais de nostalgia das origens contemplativas dos primeiros
frades.
Durante o governo do Vigário Geral Jerônimo de Montefiore Conca (1575-1581) e
com o seu encorajamento pessoal, não oficial, nasceu, na província romana e também
em nível nacional, uma espécie de congregação secreta, cujos partidários foram
chamados os “Madalenas” ou “Madalenitas” justamente porque defendiam uma vida
exclusivamente contemplativa. O grupo foi dissolvido pelo Capítulo Geral de 1581 e o
Vigário Geral sofreu sanções por sua dureza no corrigir os abusos.
124. Ficou, porém, uma patente nostalgia dos antigos tempos, bem clara nos
relatórios sobre as origens da Ordem, que escreviam, entre 1579 e 1594, Mário de
Mercato Saraceno e Bernardino de Colpetrazzo. Aliás, prosperava na Ordem uma
atitude negativa ou pelo menos muito restritiva com relação a certa forma específica
de apostolado: a confissão de seculares, que segundo as constituições de 1536, e as
sucessivas revisões de 1552 e 1575, só deveria ser praticada em casos especiais,
quando a caridade e a necessidade o exigissem. Mas tal autorização devia ser
concedida pelo capitulo geral ou pelo Vigário Geral.
O capítulo de 1578 revogou todas as licenças até então concedidas; daí para
diante só poderiam ser dadas com o consenso majoritário do definitório. O Capítulo
Geral de 1581 restringirá ainda mais a norma, estabelecendo que tais licenças não
podem ser concedidas senão pelo Capítulo Geral. Entretanto, mesmo assim as
concessões não foram raras, devido às repetidas petições de personagens geralmente
48
ilustres, tanto na Itália como no exterior, onde os frades desenvolviam uma atividade
verdadeiramente missionária.
126. No mesmo ano de 1591, foram baixadas outras medidas para tutelar a
identidade e também a fisionomia externa da Ordem. Com o breve Beati Francisci, de
6 de julho, Gregório XIV renovou a proibição, já feita por seus predecessores, do uso
indébito do hábito capuchinho e, desta vez, explicitamente dirigida aos reformados
Conventuais e a certos eremitas acéfalos e vagantes.
Um outro sinal do retorno ao primeiríssimo carisma referia-se à observância da
Regra em toda sua pureza. Um vivae vocis oraculo, feito por Inocêncio IX em 11 de
dezembro de 1591 a pedido do procurador da Ordem, Boaventura de Montereale,
confirmava todos os privilégios papais anteriores, quibus tamen Regulae puritas
nostrae non relaxatur13.
12
Trad.: perpetuamente.
13
Trad.: pelas quais, porém, a pureza de nossa Regra não seja relaxada.
49
14
Trad.: em quaisquer lugares.
50
14.846 frades, número pouco inferior ao dos Conventuais. Por isso os superiores da
Ordem dirigiram ao papa um pedido solicitando a completa autonomia.
Paulo V acolheu favoravelmente o pedido com o breve Alias felicis recordationis,
de 28 de janeiro de 1619 (doc. 5: nn. 158-162). Nele se diz que o papa, levando em
conta os “frutos fecundos e saborosos” que os Capuchinhos colhem todo dia na
campo do Senhor, quer recompensá-los com favores e graças especiais: absolve de
qualquer censura ou pena para obter o efeito da concessão, qual seja a isenção
perpétua de pedir ao mestre conventual a confirmação da eleição feita do Vigário
Geral.
Com esta concessão o Vigário Geral e os vigários provinciais tornavam-se
automaticamente ministros gerais e ministros provinciais, com plena autoridade
conforme o direito franciscano. Doravante a Ordem capuchinha será, pleno iure15, a
terceira família da primeira Ordem franciscana.
Documentos
134. Lourenço, por misericórdia de Deus bispo de Palestrina, aos diletos filhos
Ludovico e Rafael de Fossombrone e Mateus de Bascio di Montefeltro, professos da
Ordem dos frades menores da Observância, saúde no Senhor.
135. Foi-nos dirigido de vossa parte o pedido que, para maior tranqüilidade de
vosso ânimo e proveito de uma vida melhor, já que, por diversos motivos, não achais
de permanecer e habitar nas casas de vossa Ordem sem detrimento de vossa
consciência, por isso pedis para viver o resto do tempo fora das casas da mencionada
Ordem e, mantendo vosso hábito, morar e permanecer por toda a vida em outro lugar
adequado, isolado dos homens, levando vida eremítica. Como duvidais de fazer isto
licitamente ou de receber a permissão sem que seja consultada a Sé Apostólica,
humildemente solicitastes que sobre estas coisas proceda juridicamente a mesma Sé
para uma solução oportuna.
15
Trad.: de pleno direito.
51
138. Por isso ordenamos ao venerável pai em Cristo e, por graça de Deus, bispo
de Camerino ou a seu vigário, em força da dita autoridade e delegação, pelo que
concerne a vós nas coisas acima referidas e mediante o auxílio de uma eficaz defesa,
que não permitam, por si mesmos ou por outros, que doravante sejais de qualquer
forma molestados, perturbados e estorvados em vossas pessoas ou nas outras coisas,
por qualquer questão que seja, por qualquer superior da mencionada Ordem, por
prelados ou frades ou juízes ou outras pessoas, tanto eclesiásticas como seculares,
mesmo agindo com autoridade apostólica. E se reprima, com as censuras
eclesiásticas ou outros oportunos remédios jurídicos, todo desobediente e rebelde,
inclusive invocando eventualmente o auxílio do braço secular.
Dado em Roma, junto a São Pedro, sob o protetorado do ofício da Penitenciaria,
aos 18 de maio, terceiro ano de pontificado do senhor papa Clemente VII.
139. Clemente bispo, servo dos servos de Deus, aos diletos filhos Ludovico e
Rafael de Fossombrone, professos da Ordem dos Frades Menores, saúde e bênção
apostólica.
140. O zelo pela religião, a honestidade da vida e dos costumes e outros méritos
louváveis de probidade e virtudes, pontos em que vós nos fostes recomendados por
um testemunho digno de confiança, levam-nos, quanto com Deus podemos, a anuir
favoravelmente aos vossos pedidos, principalmente no que diz respeito à salvação das
almas e à propagação da religião.
141. De fato, a petição apresentada a nós recentemente por vossa parte dizia que
vós, levados outrora pelo fervor de servir ao Altíssimo, entrastes na Ordem dos Frades
Menores da Observância, e nela, tendo feita a profissão, permanecestes por certo
tempo, e depois, com licença de vosso superior de então, de acordo com a forma da
carta apostólica feita para a união e a concórdia entre os preditos frades e os frades
chamados Conventuais, vos transferistes para o meio dos próprios frades Conventuais
e fostes benignamente recebidos pelo então mestre provincial da Província das
Marcas dos referidos frades Conventuais e fostes agregados ao número e convivência
dos outros frades Conventuais da mesma província. Depois, por vosso desejo, para a
salvação de vossas almas e para a glória de Deus, querendo levar vida eremítica e
observar a Regra de São Francisco quanto permite a fragilidade humana, o referido
52
mestre provincial vos deu licença de recorrer à Cúria Romana para pedir e impetrar de
nós e da Sé Apostólica tudo que vos parecesse oportuno para a salvação de vossas
almas e para a glória de Deus.
142. Também nosso dileto filho André, cardeal presbítero do título de Santa Prisca,
protetor da mesma Ordem, permitiu que vós fizésseis tal pedido com a condição,
porém, de que um de vosso grupo, em nome de todos vós, vos apresenteis todos os
anos ao mestre provincial ou ao capítulo da província dos referidos frades Conventuais
em que habitardes, em sinal de submissão, e o mesmo mestre, se lhe parecer, uma
vez por ano, vos visite e, se achar que vós não observais a citada Regra, possa vos
admoestar e forçar como for devido para observá-la plenamente. Fora isso, porém,
nem vos possa transferir de lugar, nem vos impor ou exigir de vós mais alguma coisa,
mas antes deve proteger-vos e defender-vos, para que possais servir em paz ao
Altíssimo nas coisas divinas, como se diz que está contido nas cartas patentes feitas
pelos referidos cardeal protetor e mestre provincial.
143. Por isso, de nossa parte, foi-nos suplicado humildemente que vos
concedêssemos a faculdade de levar desse modo a vida eremítica e nos dignássemos
conceder oportunamente outras coisas das já referidas, por benignidade apostólica.
144. Então nós, que desejamos a salvação das almas, absolvendo a cada um de
vós de qualquer vínculo de excomunhão, suspensão e interdito e outras sentenças,
censuras e penas eclesiásticas, lançadas seja a iure16, seja ab homine17, em qualquer
ocasião ou por qualquer causa, se estiver atado de qualquer modo por alguma delas,
só para efeito desta carta, absolvendo-o da série delas e tendo como absolvido para o
futuro, e tendo as referidas cartas e o que nelas se contém suficientemente expresso
nesta carta, inclinados para essas súplicas, por autoridade apostólica, no teor da
presente, vos permitimos que, para viver a predita vida eremítica segundo a Regra,
possais usar o habito com capuz quadrado e acolher em vossa convivência todos,
tanto clérigos seculares e presbíteros como leigos, e tanto vós como eles usar a barba
e ir para eremitérios ou quaisquer outros lugares, com o consentimento dos seus
donos, e neles morar e levar uma vida austera e eremítica e pedir esmola em todos os
lugares e vos concedemos licença e faculdade plena e livre de gozar todos e cada um
dos privilégios, indultos e graças concedidos até agora ou que forem concedidos no
futuro à Ordem dos Frades Menores como também ao eremitério camaldulense de
São Romualdo e aos seus eremitas em geral ou em particular, e dos quais eles de
qualquer maneira usam, possuem e gozam e poderão no futuro usar, possuir e gozar,
vós também, da mesma maneira, como eles, possais usar, possuir e gozar livre e
licitamente.
16
Trad.: por direito.
17
Trad.: por alguém ou por alguma pessoa humana.
53
146. Sem que obste a determinação de Bonifácio VIII, nosso predecessor de feliz
memória, também de uma e, no Concílio geral, de duas sessões, nem outras
constituições e ordenações apostólicas, como também os estatutos e costumes da
referida Ordem, mesmo reforçados sob juramento, confirmação apostólica ou qualquer
outra garantia, e mesmo os privilégios, indultos e cartas apostólicas emanadas por
qualquer dos Pontífices romanos nossos predecessores e por nós e pela referida Sé,
também por força de uma lei geral ou estatuto perpétuo, e por motu proprio e ciência
certa ou com a plenitude do poder apostólico, e com quaisquer cláusulas irritantes,
restitutivas, declarativas, atestativas da mente ou derrogatórias dos derrogatórios, e
outras mais eficazes, eficacíssimas e insólitas cláusulas e mesmo que tenham sido
dadas, confirmadas e renovadas repetidas vezes consistorialmente. De cujas coisas
todas, mesmo que para sua suficiente derrogação, delas e de todos os teores
especiais, individualmente e de palavra por palavra, mas não por cláusulas gerais
igualmente importantes, menção ou qualquer outra expressão deva ser tida ou deva
ser observada de uma forma certa rebuscada, e nas mesmas se cuide expressamente
que de maneira alguma possam ser derrogadas, também dos seus teores pela
presente como suficientemente expressas e inseridas palavra por palavra, e nem
modos ou formas que para isso devam ser observadas tendo como observadas pelo
indivíduo, por esta vez apenas, devendo ficar outras mantidas em sua força,
derrogamos especial e expressamente sua série e de tudo que possa ser contrário.
147. Portanto, não seja lícito a homem algum infringir ou com ousadia temerária ir
contra esta nossa página de absolução, concessão, mandato ou derrogação. Mas se
alguém presumir atentar isso, saiba que há de incorrer na indignação de Deus
Onipotente e dos bem-aventurados apóstolos Pedro e Paulo.
Dado em Viterbo, no dia 3 de julho do ano 1528 da Encarnação do Senhor, no
quinto ano de nosso pontificado.
148. Gregório bispo, servo dos servos de Deus, para a perpétua memória do fato.
Em força de nosso ofício pastoral, damos de bom grado atenção a tudo o que
possa favorecer a expansão de cada instituto religioso, especialmente daqueles que,
por especial devoção das populações, são solicitados em determinadas localidades.
149. Agora, pois, é expresso o desejo de que a congregação da Ordem dos frades
menores, ditos capuchinhos, constituída há tempo na Itália com grande utilidade e
atualmente em fase de constituição também nas regiões da França, particularmente
na alma cidade de Paris, seja consolidada. Entretanto Paulo III, de feliz memória,
nosso predecessor, devido a certas situações em seu tempo indicadas, dispôs motu
proprio, por santa obediência e sob pena de excomunhão latae sententiae, que os
diletos filhos, o Vigário Geral e os frades da mencionada Ordem e congregação não se
atrevessem a transpor os montes e lá aceitar novos lugares, até que não fosse por ele
estabelecido diversamente por ocasião do capítulo a celebrar-se em Roma. O
mencionado vigário e os frades estão convencidos de que tal determinação caiu com a
morte de nosso predecessor acima mencionado; temendo, entretanto, incorrer em
54
alguma transgressão culpável, até o presente momento não ousaram realizar nenhum
ato contrário ao disposto, sem a licença da Santa Sé.
151. Como seria difícil enviar a presente a todos os lugares onde seria necessário,
dispomos que a qualquer cópia desta, mesmo impressa, subscrita por um notário
público e provida com o carimbo de uma pessoa constituída em dignidade eclesiástica,
se deva prestar a mesma fé, em tribunal e fora dele, que se prestaria à presente, se
fosse exibida e mostrada.
152. Portanto, a ninguém seja lícito infringir este escrito de nossa abrogação,
restituição, concessão e disposição, ou, com temerária ousadia, contradizê-lo. Se
alguém tiver a presunção de tentar isso, saiba que incorrerá na indignação de Deus
onipotente e de seus bem-aventurados apóstolos Pedro e Paulo.
Dado em Roma, junto a São Pedro, no ano 1574 da Encarnação, aos 6 de maio,
segundo ano de nosso pontificado.
18
Trad.: restituição integral.
55
Concílio Tridentino, depois de madura reflexão, com esta nossa constituição válida
para sempre e com autoridade apostólica, declaramos que os frades capuchinhos são
verdadeiros frades menores e são verdadeiros filhos de São Francisco; e apesar de
não terem sido instituídos no tempo do Santo, eles, todavia, professam a sua Regra, e
as suas ordenações são conformes tanto com os estatutos da Regra como com as
declarações sobre a mesma Regra, contidas na constituição de Clemente V de feliz
memória, nosso predecessor, e promulgadas no Concílio Geral de Viena, que começa:
Exivi de Paradiso.
155. Além disso, suas constituições não contêm nada que não esteja de acordo
com a citada Regra de São Francisco e, deste modo, devem ser, por todos e por cada
um, considerados, estimados e julgados, declarando inútil e vã qualquer coisa
contrária a nossas asserções e que pudesse ser afirmada por qualquer pessoa, por
qualquer autoridade, com conhecimento ou ignorantemente.
156. Por esta razão com as presentes letras ordenamos a todos e a cada um dos
veneráveis irmãos patriarcas, arcebispos, bispos e aos diletos filhos núncios nossos e
da Sé Apostólica, que, por si mesmos ou por outros, depois de terem publicado
solenemente o conteúdo de nossas decisões, toda vez que for necessário e for
solicitado por parte dos referidos frades capuchinhos e assistindo aos mesmos frades
em todas as coisas com a ajuda de uma defesa eficaz, façam, com nossa autoridade,
com que pacificamente desfrutem e gozem, com a nossa autoridade, dos respectivos
direitos segundo o conteúdo e o teor das presentes letras.
157. Não permitam, ademais, que os frades sejam indevidamente molestados por
quem quer que seja, com qualquer autoridade, punindo os que contradizem, se
rebelam ou desobedecem a estas disposições, com sentenças, censuras e penas
eclesiásticas e outros remédios oportunos, recorrendo eventualmente ao braço
secular. Queremos ainda e estabelecemos com nossa autoridade que, às cópias do
presente, mesmo impressas, autenticadas por um notário público e reconhecidas com
o selo de uma pessoa constituída em dignidade eclesiástica, seja atribuído o mesmo
valor do presente documento original.
Dado em Roma, junto a São Marcos, sob o anel do Pescador, aos 15 de outubro
de 1608, quarto ano de nosso pontificado.
apresentação feita a ele, confirmar o vigário eleito; mas transcorridos os três dias sem
tê-lo confirmado, o eleito devia considerar-se confirmado pela autoridade da Sé
Apostólica, segundo certas modalidades e formas expressas naquela ocasião, como
está exaustivamente explicado nas mencionadas cartas de nosso predecessor Paulo
III, cujo conteúdo queremos que se mantenha suficientemente expresso nas presentes
letras.
159. Nós, fixando o olhar de nossa atenção nos frutos fecundos e saborosos que
os referidos frades capuchinhos colhem cada dia, com a bênção divina, no campo do
Senhor, desejando recompensar tais frades com favores e graças especiais,
inclinando-nos às súplicas humildemente apresentadas a nós em seu nome,
absolvemos e declaramos absolvidas, exclusivamente para conseguir o efeito de que
trata a presente carta, suas pessoas individualmente de qualquer sentença de
excomunhão, suspensão e interdito ou de outro tipo; das censuras e penas a iure e ab
homine sofridas em qualquer ocasião e por qualquer motivo, toda vez que de um ou
de outro modo nelas tivessem incorrido.
161. Não são obstáculo as cartas do acima lembrado Paulo, nosso predecessor,
nem constituições e ordenações apostólicas, estatutos e costumes das mencionadas
Ordens, mesmo se acompanhadas de juramento, confirmação apostólica ou qualquer
outro suporte, ou privilégios, indultos, cartas apostólicas, concedidos a eles, a seus
superiores, qualquer que seja o nome com que forem designados, aos frades, sob
qualquer forma e conteúdo, com qualquer revogação de derrogação, ou outras
cláusulas, mesmo as mais insólitas, eficazes e invalidantes, e outros decretos em
gênero e espécie, concedidos, confirmados e renovados de qualquer modo no
passado contra o preposto.
As Ordenações de Albacina
(1529)
Vincenzo Criscuolo
Tradução de Odair Verussa
59
164. Mesmo que os artigos que compõem estas ordenações não estejam
dispostos segundo uma ordem lógica, eles podem, todavia, ser agrupados em torno de
quatro temas basilares que são: 1. pobreza e austeridade, 2. oração, 3. disciplina
regular, 4. solidão e silêncio.
As motivações estão ligadas aos exemplos e às admoestações de São Francisco,
ao Testamento e à Regra, cuja observância estrita é recomendada. Muitas prescrições
são ditadas pela preocupação de manter longe usos e abusos lamentáveis entre os
Observantes.
Contrariamente ao que acontecia nas outras reformas franciscanas, as
constituições da Albacina prevêem para os frades um ativo compromisso no
apostolado, mas, inexplicavelmente, dada a atitude de Ludovico de Fossombrone,
nada se diz nelas da necessidade do trabalho manual como meio de sustentação.
166. 1. Em primeiro lugar, a respeito das coisas divinas e espirituais, rogo e exorto
a todos os nossos irmãos desta nossa fraternidade, especialmente os superiores, que
estão no lugar do Senhor, que, ajudem, mantenham e preservem a harmonia e ordem
do Senhor. E se todas as coisas, também as irracionais, vivem e conservam a ordem
que o Senhor lhes deu, muito mais as criaturas racionais, maximamente aqueles que
lhe são dedicados e chamados a assistir e estar diante do Senhor, em seus serviços,
como espelho e luz do mundo e meio adequado para chegar ao nosso fim, Deus
bendito, em verdade, com documentos e intenção santos e espirituais.
E para que todos os irmãos atendam uniformemente ao que as presentes
ordenações promulgam, saibam que não tenho a intenção de instituir nova regra, nem
que se introduza novo modo de viver, nem intento obrigar algum dos irmãos ao
pecado mortal, por transgredir as coisas infraescritas. Mas exorto com o beijo dos pés,
primeiramente os superiores, depois a todos os outros irmãos, que queiram observar
as seguintes ordenações, pura e simplesmente, sem glosa, até que para tanto o
Senhor se dignar ordenar diferentemente por algum servo seu mais iluminado que eu.
E mesmo ordenando as presentes, entendo sempre remeter estas e todas as outras
coisas que me competem aos mais inteligentes e de melhor juízo. Por ora, parece-me
apropriado anotar estas poucos constituições.
[Liturgia e contemplação]
60
168. 3. Ordenamos ainda que não se acrescente outro oficio obrigatório no coro,
com exceção ao de Nossa Senhora. E se for do agrado de algum frade e lhe der mais
devoção, possa rezar os sete salmos, o ofício dos mortos, Benedicta ou outras
orações vocais, contentando-se, porém em rezá-las individualmente ou com um outro
companheiro fora do coro, nos horários em que não se reza o ofício no coro, para não
molestar a algum frade que estivesse na igreja ou mesmo no coro exercitando a
oração secreta ou mental. Ordena-se isto para que os irmãos rezem, todos juntos e
mais devotamente, com as devidas pausas o ofício costumeiro, determinado pela
Regra, para que os frades tenham mais tempo de exercitar-se em orações secretas e
mentais, muito mais frutuosas que as vocais.
[Solidão]
171. 6. Ordenamos, outrossim, que se reze somente uma missa na Igreja, como é
costume segundo o uso da Ordem. E se outros frades sacerdotes quisessem ficar
somente com essa missa, conforme São Francisco exortou com beijo nos pés,
ordenamos que os frades sacerdotes não sejam obrigados pelos prelados a celebrar
missa a não ser que para tanto fossem levados pela devoção, ou nas solenidades ou
por necessidade. E ainda sobre isso, os prelados ajam com diligência e grande
cuidado, não se entendendo com os seculares no sentido de receber intenções de
trigésimo dia nem outras intenções de missas para que por esse motivo os sacerdotes
não sejam obrigados a rezar missa por necessidade. E os prelados guardem-se
totalmente da ambição de atrair as pessoas aos eremitérios e lugares onde residimos
para rezar missas e ofícios com o objetivo de trazerem esmolas e outras coisas.
A questão é esta: queremos e ordenamos que, de modo algum, aceitem missas.
Se alguém disser: “Frades, rezem para mim uma ou mais missas”, respondam-lhe
devota e discretamente, dizendo: “Nós rezaremos a Deus por vós em nossas missas”.
Poder-se-á ainda colocar uma oração particular na intenção daquela pessoa, mas se
esquivem totalmente em receber qualquer esmola por missas e orações. Porém, se
derem pão ou vinho, ou outras coisas relacionadas com o necessário para viver, se
possa receber como esmola, dada por quem não pede oração. As orações sejam
feitas por simples caridade e por amor a Deus.
19
Trad.:Corpo do Senhor
61
[Austeridade discreta]
172. 7. Da mesma forma, ordenamos que a disciplina se faça após as matinas,
exceto nos lugares muito frios, onde, no inverno, se possa fazer à tarde.
173. 8. Ordenamos também que a oração seja feita nos tempos previstos pela
Ordem. Se alguém se encontrar indisposto naquela hora, ordenamos que não deixe de
fazer uma hora de oração, mas estatuímos dois outros tempos de oração, sendo um
após as vésperas e outro antes de terça, mas que não seja oração pública com toque
de sino e, sim, secreta. Com isso não entendemos que se estiverem ocupados pelos
seus superiores em alguma necessidade não tenham que obedecer, antes, obedeçam.
Note-se que esta hora é assim estabelecida e ordenada pela religião, para bom
ordenamento e como uma necessidade e ainda mais para muitos frades tépidos e
preguiçosos. Assim sendo, não se falte a essa hora. Mas os irmãos devotos e
fervorosos não se contentem com uma, duas ou três horas, mas despendam todo o
seu tempo em orar, meditar e contemplar. E, como verdadeiros contempladores,
adorem o Pai em espírito e verdade. Exorto todos os irmãos a este esforço, por que
esta é a finalidade pela qual se tornaram religiosos.
175. 10. Do mesmo modo, ordenamos que neste tempo e em todos os outros, os
prelados tenham um diligente cuidado de que, chegando algum secular ou religioso
aos eremitérios onde habitamos, o porteiro, que seja escolhido por ser o mais discreto,
devoto e de bom exemplo, chame o guardião ou mesmo um outro que para tanto for
destacado, para atender acompanhar e falar com esses forasteiros. Os demais, aos
quais não é imposto esse serviço, abstenham-se de falar com pessoas que vêm ao
nosso lugar sem grande necessidade.
177. 12. Do mesmo modo, que não se introduzam seculares para comer com os
frades, exceto por grande necessidade. Não se prepare a mesa com toalhas, mas se
ponha uma toalhinha pobrezinha para cada frade.
178. 13. Do mesmo modo, ordenamos que à mesa não se sirva mais que um tipo
de comida, isto é, a sopa; e, quando se jejua, acrescente-se uma verdura cozida ou
crua. Quando for doado um pouco de peixe ou outra coisa, os frades possam comê-
los. Atentem sempre para isto: que não se leve à mesa mais que dois tipos de comida,
entendendo-se aquelas coisas que vão pelas mãos do cozinheiro.
20
Trad.: em frente dos frades.
21
Trad.: que à mesa dos religiosos haja leitura.
62
179. 14. Do mesmo modo, ordenamos que, se algum dos irmãos não quiser comer
carne nem beber vinho, e a isto eu os exorto, que possam abster-se e não sejam
forçados pelos prelados a comer e beber as preditas coisas, exceto se os prelados
souberem de algum que não saiba se orientar e agir com discrição e percebessem
indício de alguma enfermidade por causa da referida abstinência. Nisto os prelados os
exortem discreta, timorata e devotamente, até que entendam a necessidade e
aprendam a discrição. Exorto ainda os irmãos no Senhor que sejam discretos e não
sejam de cabeça dura. O vinho que se põe à mesa seja bem temperado.
180. 15. Do mesmo modo, se algum dos irmãos quiser jejuar ou fazer alguma
quaresma, não seja impedido, sempre levando em conta o que foi dito acima. E se for
necessário, seja-lhe concedido somente um tipo de alimento.
181. 16. Do mesmo modo, os utensílios sejam poucos e desprezíveis de tal modo
que in omni re ad nostrum usum22 resplandeça a parcimônia, a pobreza e a
austeridade.
182. 17. Do mesmo modo, ordenamos que não se busque ordinariamente nem
carne, nem ovos, nem queijo; quando, porém, ao se pedir esmola, alguma pessoa
inspirada pelo Senhor as oferecer, pode-se tomar, atentos sempre para que em tudo
se observe e reluza o estado da santa pobreza.
183. 18. Do mesmo modo, os superiores sejam muito atentos quando pedem
esmolas, para não fazerem longas provisões, mas cotidianamente, para dois ou três
dias, ou no máximo para uma semana, segundo a exigência dos lugares e sua
distância, tendo sempre no coração e na execução das obras, quanto possível, nosso
estado de vida pobre.
184. 19. Do mesmo modo, ordenamos que nenhum prelado, nem outro dentre os
irmãos, ouse repor garrafas de vinho nas moradias, nem garrafinhas nem barris, mas
tenham alguns frascos ou frasquinhos, o quanto pedir a pobre exigência dos frades.
[Austeridade no vestir]
185. 20. Do mesmo modo, se algum irmão não quiser usar outra veste, mas só um
hábito, ordenamos que lhe seja concedido, porque a Regra lho permite. E aquele a
quem não lhe baste o hábito tenha uma túnica pobre e curta que passe quatro dedos o
joelho. E havendo um irmão de compleição muito fria que tenha feito experiência de
não resistir com um hábito ou uma túnica, como são os irmãos idosos e débeis de
22
Trad.: em todas as coisas que estiverem em nosso uso.
23
Trad.: que nos constituiu, meus caríssimos irmãos, herdeiros e reis do Reino dos céus, nos
fez pobres de coisas, mas nos sublimou em virtudes. Seja esta a vossa herança, que leva para
a terra dos viventes.
63
espírito, se lhes conceda uma capa tão longa que estendendo os braços cubra a
extremidade das mãos, mas não a exceda e, sim, coincida com ela, ou cubra um
pouquinho mais somente, enfim, que a cubra e não mais. Os cordões sejam grossos e
desprezíveis, com nó simples e não trabalhados de propósito.
188. 23. Do mesmo modo, ordenamos que quem não puder andar descalço, tendo
primeiro provado, se não pode resistir, use as sandálias como as levavam os
apóstolos e os nossos antigos pais, o mais pobremente possível, como pede nosso
estado, e que não usem tamancos.
[A graça da pregação]
189. 24. Do mesmo modo, ordenamos também que os pregadores que devem
pregar a Palavra do Senhor, quando vão em viagem, de lugar em lugar, não levem
senão três livros, que seu ofício requererá.
Ordena-se também aos prelados que não deixem ficar ociosos os pregadores aos
quais o Senhor conceder tal graça, mas os façam trabalhar na vinha do Senhor,
pregando não somente na quaresma, mas também durante o ano e ainda em festas
ocasionais, ou em outros dias oportunos. E aqueles que forem encarregados de tal
ofício sejam de tal qualidade que sua primeira pregação seja sua vida boa e o seu
bom exemplo; não cioso de falar enfeitado, nem ainda de sutil especulação, mas
preguem pura e simplesmente o Evangelho do Senhor. Aos demais sacerdotes e
clérigos que não sabem pregar, seja-lhes concedido um livrinho espiritual, escrito à
mão ou impresso, o breviário para seu uso e nada mais.
190. 25. Do mesmo modo, ordenamos que nenhum irmão tome coisas que tenham
sido concedidas ao uso de algum outro irmão, sem licença do superior ou daquele que
as esteja usando. Quem infringir coma por uma vez pão e água e diga a culpa coram
fratribus; o padre guardião faça-lhe uma boa correção para que não o faça outra vez.
Cada um faça algum sinal naquela coisa que lhe foi concedida para uso.
191. 26. Do mesmo modo, ordenamos que os irmãos vistam-se todos de panos
vis, como diz a Regra, e dos mais vis que se encontrarem naquelas regiões, e dos
mais abjetos e desprezíveis e de cor mortiça que se encontrarem.
192. 27. Do mesmo modo, ordenamos que ninguém tenha botelha, bolsa ou
chapéu, mas somente dois pares de cuecas e quem tiver necessidade, dois lenços
pobres. Evitem que os breviários e outros livros sejam enfeitados ou ainda tenham
ilustrações curiosas nem rosários enfeitados ou outras coisinhas que são antes coisas
femininas que de religiosos. Os rosários sejam vis e desprezíveis.
64
[Estudo e devoção]
193. 28. Ninguém pretenda dedicar-se ao estudo, a não ser à leitura de alguma
lição das Sagradas Escrituras ou de algum livrinho devoto e espiritual que leve ao
amor de Cristo e a abraçar sua cruz.
194. 29. Do mesmo modo, que não se determinem confessores se não tiverem
pelo menos quarenta anos e que sejam de boa vida correta, discretos e de bom
exemplo e bem instruídos. Não se tenha por hábito atender confissões, exceto em
casos urgentes, ocasionais e sumamente necessários a juízo dos prelados, quia omnis
regula patitur exceptionem24.
195. 30. Do mesmo modo, ordenamos que de nenhum modo se assuma a cura de
mosteiros de monjas sem licença do Capítulo Geral.
196. 31. Do mesmo modo, que os livros estejam em um lugar comum, exceto
aqueles que foram concedidos por devoção para seu uso. E que, quando alguém pedir
emprestado, entregue-o com licença do superior, pois do contrário tornar-se-ia
proprietário. Da mesma forma, aja-se assim sobre outras coisas pequenas.
197. 32. Do mesmo modo, ordenamos também que nenhum frade dê coisa
alguma, nem dentro e nem fora da Ordem, sem licença dos seus superiores.
198. 33. Do mesmo modo, que não escrevam cartas, por si ou por outros, nem as
enviem ou recebam sem licença dos seus superiores.
199. 34. Do mesmo modo, quando alguém quiser abraçar esta nossa vida e entrar
na Ordem, seja mantido por quinze dias no lugar e os frades observem puramente
aquela passagem da Regra: quod vadant et vendant omnia sua et ea studeant
pauperibus erogare25. Em seguida: postea concedant eis pannos probationis26. Assim,
primeiro devem dar os seus bens aos pobres antes de serem vestidos.
200. 35. Do mesmo modo, não seja recebido na Ordem ninguém que não tenha
passado dos quinze anos e que tenha aparência pueril. Do contrário não seja
recebido. E sobre isto os prelados estejam advertidos que, de modo algum, os
recebam.
201. 36. Do mesmo modo, que os noviços clérigos aprendam a Regra de memória
durante o tempo do noviciado e, quanto a isso, os seus mestres sejam solícitos.
202. 37. Do mesmo modo, que os prelados dêem aos jovens clérigos e leigos um
mestre por quatro anos e sejam, neste tempo, instruídos na via perfeita do espírito.
203. 38. Do mesmo modo, que nenhum professo se atreva ou presuma entrar na
cela dos clérigos sem licença dos seus mestres ou do guardião e nenhum clérigo se
atreva a entrar na cela de algum outro frade sem licença do seu mestre ou do
24
Trad.: porque toda regra é passível de exceção.
25
Trad.: que vão e vendam todas as suas coisas, cuidando de distribui-las aos pobres.
26
Trad.: depois disso, concedam-lhe as roupas da provação.
65
guardião. Quem fizer o contrário, comerá pão e água por um dia, dizendo sua culpa
coram fratribus.
[Pobreza e austeridade]
204. 39. Do mesmo modo, que os irmãos não tenham navalhas, exceto uma por
lugar, para alguma necessidade que surgir e para a sangria dos enfermos. A cada
vinte dias façam a clériga27 com a tesourinha.
207. 42. Do mesmo modo, que não se tenham animais, mulas, cavalos, asnos
para os nossos lugares e os prelados viagem a pé. Se houver algum fraco e houver
necessidade de cavalgar, que ande em um jumentinho, porque nele andou Cristo
Nosso Senhor, bem como nosso pai São Francisco, quando esteve em sua extrema
necessidade. Se acontecer uma necessidade muito grande, a Regra já estabelece.
208. 43. Do mesmo modo, que os frades se guardem de usar barretes ou mesmo
chapéus.
211. 46. Do mesmo modo, ordenamos que nenhum frade tenha chave ou cadeado
na cela nem em outro lugar e que as celas estejam abertas, sem chave.
[Vida eremítica]
212. 47. Do mesmo modo, ordena-se que, em todo lugar onde se puder, se
construa uma ou duas pequenas celas separadas do lugar, na solidão, a fim de que,
se alguém recebesse do Senhor a graça de viver em silêncio, anacoreticamente, e
para isso fosse julgado idôneo pelos superiores, lhe seja dada essa comodidade, com
toda a caridade que se requer. Exorto os superiores e prelados que, encontrando
alguns que sejam aptos, não lhes neguem essa caridade. Estando este irmão na
solidão, faça silêncio e que ninguém o perturbe, fazendo-o falar, exceto com seu pai
espiritual. Ele não fale com mais ninguém sem licença do seu superior. Seja-lhe
levado seu pobre alimento em sua pequena cela com silêncio e sem barulho, para que
esteja sempre unido com o seu amoroso Jesus Cristo, esposo da sua alma.
27
Nota do tradutor: coroa (tonsura)
28
Nota do tradutor: O texto não é muito claro. Talvez seu sentido seja: porque se observa
inviolavelmente a pobreza.
66
215. 50. Do mesmo modo, não se recebam lugares fora do capítulo, exceto se
alguém tivesse particular autoridade e licença do Vigário Geral. Os lugares aceitos
estejam todos fora da cidade, distantes uma milha ou pouco menos. Que os ditos
lugares a serem aceitos ou construídos estejam sempre sob o domínio dos seus
donos ou da cidade e sejam aceitos sempre sob a condição de que, toda vez que
houvesse impedimento à nossa vida, os irmãos possam partir livremente. Quando os
donos não quiserem mais que os irmãos habitem o referido lugar, disponham-se estes
a partir, sem nenhuma contradição, indo para outro lugar fazer penitência com a
bênção do Senhor, onde forem colocados pelos seus superiores.
216. 51. Do mesmo modo, os lugares que forem construídos sejam fabricados o
mais humildemente possível, de vime e barro ou pedra e terra, exceto a igreja, que se
faça pequena. Isto suposto que se encontrem vime, barro e boa terra para construção.
As celas pareçam e sejam pequenas e pobres, de forma que tenham mais a
semelhança de sepulcros que de celas. As ditas celas sejam humildes e baixas.
217. 52. Do mesmo modo, que os frades não tenham nem possuam na cela,
figuras curiosas, mas somente alguma coisa pobrezinha, como por exemplo, um
crucifixo, uma simples figura, uma simples cruzinha com os mistérios da paixão, como
lança, esponja e pregos.
218. 53. Do mesmo modo, ordenamos que os lugares feitos que nos forem
oferecidos de nenhum modo sejam aceitos, se não forem pequeninos e pobrezinhos
na igreja e na habitação, segundo o que dissemos acima e segundo a vontade de
nosso pai São Francisco, que disse: quod fratres habeant ecclesias et abitacula
paupercula, et quae pro ipsis construuntur omnino non recipiant nisi fuerint secundum
sanctam paupertatem, quam in Regula firmiter promisimus, ibi hospitantes sicut
peregrini et advenae29 (Test. 28-29). E quando se aceitarem tais lugares, atenham-se
ao conselho de frades espirituais, devotos e exemplares.
[Austeridade discreta]
29
Trad.: Cuidem os frades de não receber de maneira alguma igrejas, moradias pobrezinhas e
tudo mais que para eles for construído se não forem conformes à santa pobreza que
prometemos na Regra, e sempre se hospedem nesses lugares como peregrinos e forasteiros.
67
219. 54. Do mesmo modo, os frades que não são fracos usem para dormir tábuas,
ou esteiras, ou palha, ou caniços, sem colchões, com uma almofada ou travesseiro de
palha, quem o quiser.
[Evitar distrações]
220. 55. Do mesmo modo, advirta-se com grande diligência que não se deixe
facilmente entrarem mulheres nos lugares e eremitérios em que habitamos; e se, com
bons modos, se puder agir de maneira que nenhuma entre, que assim se aja, quia
mundus et mulier non facile aliter quam fugiendo vincuntur, ut ait Augustinus30.
221. 56. Do mesmo modo, ordenamos que não se recebam mortos, exceto algum
pobrezinho que fosse levado ao nosso lugar sem que os frades lá fossem e que outros
não o tivessem querido sepultar, porque era pobre e não lhes pagaria. Estes tais,
quando forem levados aos lugares e eremitérios em que estamos, podem ser
sepultados, quia est opus pietatis et misericordiae31, e não se receba coisa alguma,
exceto que orem por caridade e por amor de Deus por sua alma.
222. 57. Do mesmo modo, ordena-se que os irmãos não ousem tomar refeição
alguma fora da mesa e do lugar ordenado e guardem-se, como coisa inconveniente e
irregular, de andar pela horta pegando coisas, comendo frutas ou outra coisa qualquer,
sem a licença e bênção dos seus superiores.
E quando saírem fora do lugar, e acostumem-se sempre a isso, ocorrendo
necessidade de tomar refeição, que a tomem, se precisarem, com a licença e bênção
do irmão mais velho. Quando chegarem a outros mosteiros e lugares, nada tomem
sem licença e bênção do superior do dito lugar.
223. 58. Do mesmo modo, ordena-se como coisa ccoerente e religiosa que,
quando suceder aos irmãos alguma necessidade de falar, em tempo de silêncio ou
fora, em outra hora, falem sempre em voz baixa, com afabilidade e humildade, com
toda reverência um pelo outro, não usando nenhum ato de soberba ou maioridade:
assim convém aos devotos e humildes servos do Crucificado.
[Obediência]
225. 60. Do mesmo modo, nenhum dos nossos irmãos vá sem a obediência,
quando caminha de lugar em lugar ou de província em província e sempre viaje com
um companheiro, se o puder fazer comodamente.
[Pequenas fraternidades]
226. 61. Do mesmo modo, nos nossos eremitérios o número de irmãos não passe
de sete ou oito, exceto se for uma cidade grande, em que comodamente e com toda
facilidade pudessem viver dez ou doze irmãos aproximadamente. Em outras terras ou
cidades comuns, quero que não se passe o número de oito irmãos e isso para que
mais cômoda e facilmente se observe a nossa Regra e pobreza, conforme a vontade
30
Trad.: Uma vez que o mundo e a mulher não são facilmente vencidos senão fugindo e não
de outro modo, como diz Agostinho.
31
Trad.: porque é obra de piedade e de misericórdia.
68
do nosso pai, do qual se lê nas crônicas da Ordem que esta era a sua vontade, isto é,
que estivessem poucos frades pelos lugares.
227. 62. Do mesmo modo, ordenamos, para que as presentes constituições sejam
melhor observadas, que os prelados façam-nas ler uma vez por semana; e se nisso
forem negligentes, sejam punidos pelos seus vigários. E se, admoestados três vezes
pelos seus superiores, não se emendarem, sejam depostos dos seus ofícios.
[Exigências de simplicidade]
229. 64. Do mesmo modo, que na igreja não tenham mais que dois ou três
paramentos, sendo um festivo e dois feriais, sem veludo, seda, ouro ou outro enfeite,
exceto em alguns lugares, onde se encontrassem os ornamentos já feitos,
maximamente as fímbrias e as cruzes, tanto nas casulas como nas alvas e palas.
230. 65. Os frontais de altar ou pálios sejam limpos, simples e de pano. Nos
lugares não haja mais que dois cálices e, se possível, de estanho. Neste sentido, faça-
se o possível para que sejam de estanho, para que nos lugares onde moramos se
exclua toda curiosidade, superfluidade e preciosidade de ouro, prata, seda, veludo e
brilhe neles toda pobreza e austeridade, considerando que o Senhor não olha as
mãos, os vasos, mas os nossos corações que hão de ser puros e limpos de toda
sujeira, cheios de afetos e desejos de pobreza, segundo diz nosso Pai São Francisco
heredes et reges nos regni coelorum instituit, pauperes rebus fecit, virtutibus
sublimavit; haec sit portio vestra, fratres carissimi, si vere divites esse cupimus et beati
32
(RB 6,5-6).
231. 66. Do mesmo modo, ordenamos que todos os hábitos velhos dos lugares
sejam postos em comunidade, escolhendo-se um frade encarregado que tenha o
diligente cuidado de remendá-los e lavá-los, e assim, quando algum frade quiser lavar
o seu hábito, tenha outro para trocar. O frade encarregado seja solícito e não se
esqueça do hábito emprestado, deixando-o usar por dois ou três meses, para que
depois o devolva sujo e rasgado, como é costume entre os frades. Ordena-se, pois,
que quem tomou os referidos hábitos se apresse logo em lavar e remendar o seu, a
fim de que não tenha de reter o hábito da comunidade mais que três ou quatro dias.
232. 67. E se a algum dos irmãos parecesse difícil alguma das coisas acima
referidas, recordem-se de Nosso Senhor Jesus Cristo, que apareceu e nasceu no
mundo pobre e humilde e toda sua vida foi para nós um espelho e exemplo de
humildade e pobreza. Ele ensinou isso e o mostrou ao nosso Pai São Francisco e aos
seus servos, dando a entender que o princípio, o meio e o fim da nossa conversão é
toda ela acompanhá-lo em sua santa cruz.
32
Trad.: Herdeiros e reis do Reino dos céus, que vos fez pobres de coisas e vos sublimou em
virtudes. Seja essa a vossa herança, irmãos caríssimos, se quisermos ser ricos de verdade e
felizes.
69
Quem percorreu e leu a vida dos santos e seus ditos, pode compreendê-lo, como
se disse de São Martinho, que, estando próximo da morte, falou aos discípulos que o
exortavam ut saltem vilia sibi sineret stramenta supponi: Non decet - inquit - filii,
christianum nisi in cinere et cilicio mori; ego si vobis aliud exemplus relinquo, ipse
pecco33.
Do glorioso Jerônimo, o que se lê? Por acaso não diz ele de si mesmo: quod nuda
humo vix ossa haerentia collidebat et quod de cibis et potu tacet, cum etiam
languentes monachi aqua frigida uterentur? Et coctum aliquod accepisse luxuriae
esset?34
Assim sendo, irmãos caríssimos, sigamos as doutrinas, exemplos e costumes dos
verdadeiros santos que não são suspeitos. Deixemos de lado as invenções e os ditos
dos homens, maximamente daqueles que são contrários à penitência e à cruz de
Cristo, à qual eu vos exorto e conforto que sigais.
Valete in Domino semper35 e lembrai-vos de mim, irmãos caríssimos, em vossas
orações.
33
Trad.: Que lhe deixassem pelo menos colocar debaixo de si pobres palhas, dizendo: Filhos,
ao cristão nada mais convém que morrer em cinza e cilício; eu mesmo pecaria se lhes desse
outro exemplo.
34
Trad.: Que no chão nu mal batia os ossos grudados e que se cala sobre bebidas e comidas,
uma vez que os monges doentes só usavam água fria? E que seria luxúria aceitar algo cosido?
35
Trad.: Passai bem sempre no Senhor.
36
Trad.: Terminam as ordenações dos Frades Menores da Vida Eremítica, instituídas pelo
reverendo padre Frei Ludovico de Fossombrone, Vigário Geral.
70
As Primeiras Constituições
(Roma - Santa Eufêmia 1536)
Vincenzo Criscuolo
Tradução de José Carlos Corrêa Pedroso
71
236. Mais que um texto legislativo, composto por prescrições miúdas e pontuais
normas jurídicas, as constituições de 1535-1536 são um verdadeiro código de
formação e de espiritualidade franciscana. Seu conteúdo, que permaneceu quase
intocado até 1968, foi retomado substancialmente nas redações sucessivas de 1552,
1575, 1608, 1643, 1909 e 1925. Com razão se escreveu: “Nenhum livro escrito por um
religioso da Ordem, nenhum tratado de vida espiritual capuchinha através dos séculos
pode comparar-se às constituições de 1536, se se propõe apresentar os autênticos
ideais da fraternidade, ou configurar as intenções dos iniciadores da reforma, ou
exprimir os valores que se encontram na imitação de Cristo e de Francisco”.
237. Para que a nossa congregação, como vinha do altíssimo Filho de Deus, se
conserve na observância espiritual da evangélica e seráfica Regra, pareceu bem ao
nosso Capítulo Geral, celebrado na alma cidade de Roma, em nosso local de Santa
Eufêmia, no ano do Senhor de 1536, ordenar alguns estatutos como sebe da predita
Regra, a fim de que, como a inexpugnável torre de Davi, tenha suas defesas,
mediante as quais possamos defender-nos de todos os inimigos do vivo espírito de
nosso Senhor Jesus Cristo e de todos os relaxamentos contrários ao ferventíssimo e
seráfico zelo de nosso pai São Francisco: os quais são estes.
Capítulo Primeiro
72
238. Primeiramente, quanto ao primeiro capítulo da Regra, ordena-se que, uma vez
que a evangélica doutrina, toda pura, celeste, sumamente perfeita e divina, trazida do
céu para nós pelo dulcíssimo Filho de Deus e por Ele mesmo promulgada e ensinada
por obras e palavras; e até aprovada e autenticada por seu Pai eterno no rio Jordão e
no monte Tabor quando disse: “Este é o meu Filho dileto, no qual coloquei minha
complacência, ouvi-o”, ensina-nos e nos mostra o caminho direto para ir a Deus. Mas
também todos os homens são obrigados à sua observância, máxime os cristãos que a
prometeram no sagrado batismo, e tanto mais nós frades, pois São Francisco, no
começo e no fim de sua Regra, faz expressa menção da observância do sagrado
Evangelho; e sua Regra não é outra coisa senão a medula do Evangelho; pelo que
também disse no seu Testamento que lhe tinha sido revelado que devia viver segundo
a forma do santo Evangelho.
Entretanto, para que os frades tenham sempre diante dos olhos de sua mente a
doutrina e vida de nosso Salvador Cristo Jesus e para que, a exemplo da Virgem
Cecília, carreguem sempre no seio de seu coração o Evangelho sagrado, ordena-se
que, por reverência da altíssima Trindade, leia-se em cada local, três vezes por ano,
os quatro Evangelhos, isto é, a cada mês um.
239. E porque a Regra de São Francisco é como um pequeno espelho no qual reluz
a evangélica perfeição, ordena-se que se leia todas as sextas-feiras em cada local,
distintamente e com a devida reverência e devoção, para que, impressa em nossas
mentes, possa observar-se melhor. Leia-se também alguma devotíssima lição para os
frades, exortando-os a seguir Cristo crucificado.
240. Os frades também se esforcem sempre por falar de Deus, pois isso ajuda
muito a inflamar-se no seu amor. E para que a doutrina evangélica possa frutificar em
nossos corações, para extirpar toda cizânia, pela qual poderia ser sufocada, ordena-se
que, em nossos locais, de modo algum sejam mantidos livros não úteis ou vãos,
perniciosos ao espírito de Cristo, Senhor e Deus nosso.
241. E porque as chamas do amor divino nascem da luz das coisas divinas, ordena-
se que se leia qualquer lição das sagradas Escrituras, expondo-a com santos e
devotos doutores. Embora aquela infinita, divina sabedoria seja incompreensível e
alta, todavia em Cristo nosso Salvador abaixou-se tanto que, sem outro meio, com o
olho puro, simples, columbino e limpo da fé, os simples e idiotas possam entendê-la,
mas proíbe-se a todos os frades que ousem ler ou estudar ciências impertinentes e
vãs, mas as Escrituras Sagradas, antes, o Cristo Jesus santíssimo, no qual, segundo
Paulo, estão todos os tesouros da sabedoria e ciência de Deus.
[Observância da Regra]
242. E porque não foi só vontade de nosso pai São Francisco, mas também de
Cristo nosso Redentor, que a Regra fosse observada simplesmente, à letra, sem
glosa, como a observaram aqueles nossos primeiros padres seráficos; assim como a
nossa Regra é claríssima, para que seja observada mais pura, santa e
espiritualmente, renuncia-se a todas as glosas e exposições carnais, inúteis, nocivas e
73
relaxantes, que tiram a Regra da piedosa, justa e santa mente de Cristo nosso Senhor,
que falava em São Francisco. E aceitamos como um singular e vivo comentário da
nossa Regra as declarações dos sumos pontífices e a santíssima vida, doutrina e
exemplos do nosso pai São Francisco.
243. E para que, como verdadeiros e legítimos filhos de Cristo, nosso Pai e Senhor,
dados à luz por ele mais uma vez em São Francisco, sejamos participantes de sua
herança, ordena-se que por todos seja observado o Testamento de nosso pai São
Francisco, ordenado por ele, quando, próximo à morte e marcado pelos sagrados
estigmas, cheio de fervor e Espírito Santo, anelava sumamente pela nossa salvação.
E nós o aceitamos como glosa espiritual e exposição da nossa Regra como foi por ele
escrito para esse fim, para que se observasse melhor e catolicamente a Regra
prometida.
Até, porque somos tanto mais filhos do seráfico pai quanto imitamos sua vida e
doutrina, pelo que o nosso Salvador disse aos hebreus: “Se sois filhos de Abraão,
fazei as obras de Abraão” (Jo 8,39) assim, se somos filhos de São Francisco, façamos
as obras de São Francisco. Mas ordena-se que cada um se esforce por imitar esse
nosso pai, dado a nós como regra, norma e exemplo, e mesmo nosso senhor Jesus
Cristo nele, não só na Regra e no Testamento, mas também em todas as suas
ardorosas palavras e amorosas obras: portanto leiam-se muitas vezes a sua vida e a
de seus companheiros.
244. E porque o nosso pai, todo divino, contemplava Deus em cada criatura,
máxime no homem e precipuamente no cristão, mas, sobretudo nos sacerdotes e
singularissimamente no sumo pontífice, que na terra é vigário de Cristo nosso Senhor
e cabeça de toda a Igreja militante; por isso quis, segundo a doutrina apostólica, que
os seus frades, por amor daquele que se esvaziou por nosso amor, fossem sujeitos a
Deus em todas as criaturas; pelo que os chamou de frades menores, para que, não só
com o coração se reputassem inferiores a todos, mas até, convidados na Igreja
militante para as núpcias do santíssimo esposo Jesus Cristo, procurassem estar no
último lugar, segundo o seu conselho e exemplo.
246. Até mais, como foi vontade de nosso pai, exortam-se todos os frades a
apresentar sempre a devida reverência a todos os sacerdotes. Exortam-se também os
frades a obedecer sempre com toda possível reverência ao sumo pontífice, pai
supremo de todos os cristãos, a todos os prelados e também a toda criatura que nos
mostrasse o caminho de Deus, sabendo quanto aquela pessoa, à qual se obedece por
amor de nosso Senhor Jesus Cristo, é mais vil tanto mais gloriosa é a obediência e
mais grata a Deus.
247. Também se ordena que os frades não só sejam submissos a todos os seus
vigários, custódios e guardiães, mas também se determinou que o nosso padre Vigário
Geral, quando for eleito, apresente-se humildemente ou mande ao reverendo padre
geral dos Conventuais, pelo qual deva ser confirmado.
248. E porque o nosso pai São Francisco em seu Testamento, para evitar
semelhantes privilégios, manda a seus frades que não peçam à corte romana alguma
carta para a preservação de seus corpos: pois o Capítulo Geral renunciou a todos os
privilégios que relaxam a Regra e, alargando o caminho do espírito, se dão por
satisfeitos com o sentido.
Capítulo segundo
249. Desejando que a nossa congregação cresça muito mais em virtude, perfeição
e espírito do que na multidão, sabendo que, como disse a verdade infalível, “muitos
são os chamados, mas poucos os escolhidos” [Mt 22,14] e que, assim como predisse
o seráfico pai próximo à sua morte, nenhuma coisa prejudica tanto a pura observância
da Regra quanto à multidão de frades inúteis, carnais e animais, ordena-se que os
vigários examinem diligentemente as suas condições e qualidades e que não os
recebam se não mostrarem que têm ótima intenção e fervorosa vontade.
Para evitar também toda admiração e escândalo, proíbe-se a recepção dos que não
tiverem completado dezesseis anos, ou então, se já os tiverem ultrapassado bem,
tiverem rosto pueril, para que saibam por experiência o que prometem.
250. Também se ordena que não se receba à profissão para clérigo alguém que
não tiver as letras convenientes para que, no persolver os louvores divinos, não
ofenda, antes, por entender o que diz, disso se nutra.
251. Ordena-se também que os que vão ser recebidos nesta vida, antes de se
vestirem, sejam experimentados em alguns dos nossos locais por alguns dias em
todas aquelas coisas que são observadas pelos frades, para que se veja a sua boa
vontade, e eles, em negócio tão importante, assumam com maior luz, maturidade e
deliberação. O que também se entende dos religiosos que quiserem vir para a nossa
vida.
E para que isso seja melhor observado, ordena-se que os vigários não recebam
sem o conselho e consentimento da maior parte dos frades que estiverem no local em
que se encontrará.
75
253. Ordena-se também que as roupas dos noviços que vêm do século sejam
guardadas até o dia da profissão e as dos religiosos por alguns dias. E, depois,
perseverando, as dos seculares sejam dadas aos pobres por eles mesmos e as dos
religiosos pelos vigários provinciais, imediatamente ou por meio de alguma pessoa
espiritual.
254. E para que não nos possa ser dito o que Cristo santíssimo disse aos escribas
e fariseus: “Ai de vós que percorreis mar e terra para fazer um prosélito e depois fazeis
com que seja um filho da geena muito pior do que vós” [Mt 23,15], determina-se que,
em toda província, os noviços sejam postos em um ou dois locais aptos para o
espírito, destinados a isso pelo capítulo.
E sejam-lhes dados os mestres entre os mais maduros, morigerados e iluminados
do caminho de Deus, os quais tenham diligente cuidado de ensinar-lhes não só as
cerimônias, mas as coisas do espírito, necessárias para imitar perfeitamente Cristo,
nossa luz, caminho, verdade e vida. E mostrem-lhes, com o exemplo e com palavras,
em que consiste a vida do cristão e do frade menor. E não seja recebido à profissão se
primeiro não souber perfeitamente o que deve prometer e observar.
[Pós-noviciado]
256. E para que aprendam melhor a carregar o jugo do Senhor, ordena-se que,
mesmo depois da profissão, estejam sob a disciplina do mestre pelo menos por três
anos, para que não percam facilmente o espírito recentemente adquirido, mas
corroborando-se sempre, caminhem se firmando e enraizando mais no amor de Cristo,
Senhor e Deus nosso.
[Austeridade no vestir]
258. E porque não foi sem motivo que Cristo recomendou a austeridade no vestir
de São João Batista, quando disse: “Os que se vestem de roupas finas estão no
palácio dos reis” [Mt 11,8; Lc 7,25]; ordenou-se que os frades, que escolheram ser
abjetos na casa de Deus, vistam-se com os panos mais vis, abjetos, austeros,
grosseiros e desprezados, que puderem ter comodamente nas províncias em que
estiverem. E recordem-se os frades de que os sacos, com os quais São Francisco quis
que se remendassem, e as cordas, com as quais quis que se cingissem, não são
convenientes para os ricos do mundo.
260. E para que a pobreza, tão dileta pelo Filho de Deus, e dada a nós por mãe
pelo seráfico pai, reluza em todas as coisas que usamos, ordena-se que as capas não
ultrapassem a extremidade das mãos e sejam sem capuz, a não ser em viagem; e não
se usem sem necessidade.
Os hábitos não passem da junta dos pés no comprimento, tenham onze palmos de
largura, e doze para os corpulentos. As mangas não sejam mais largas do que o
necessário para o braço sair e entrar e longas até a metade da mão ou um pouco
mais. As túnicas sejam vilíssimas e grossas, com a largura de oito ou nove palmos, e
pelo menos meio palmo mais curtas do que o hábito.
E o capuz seja quadrado, assim como se vê que foram os de São Francisco, que
ainda restam como relíquias, e de seus companheiros; também aparece pelas pinturas
antigas e está escrito nas Conformidades, de modo que o nosso hábito seja em forma
de Cruz, para que vejamos que estamos crucificados para o mundo e o mundo para
nós.
O cíngulo dos frades seja uma corda rude, vilíssima e grosseira, com nós
simplicíssimos, sem nenhuma curiosidade ou singularidade, para que, desprezados
pelo mundo, tenhamos mais ocasião de mortificar-nos. Não usem barretes, nem
chapéus, nem coisas duplas ou verdadeiramente supérfluas.
[Rouparia]
261. Haja também em cada local nosso um quartinho, onde alguém para isso
designado conserve as roupas da comunidade. Sejam por ele mantidas limpas e
remendadas para a necessidade dos pobres frades, os quais, uma vez que as tenham
usado, segundo as suas necessidades, deverão devolvê-las limpas, com ação de
graças.
262. E para que os nossos leitos sejam um tanto semelhantes àquela em que
morreu Aquele que disse: “As raposas têm suas tocas e os pássaros do céu os seus
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ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça” [Mt 8,20; Lc 9,58] e
também para serem mais vigilantes e solícitos na oração e conformes ao nosso pai
São Francisco, para o qual a terra nua foi leito e também a Cristo, santo dos santos,
precipuamente no deserto, ordena-se que nenhum frade, se já não for enfermo ou
muito débil, durma senão sobre tábuas nuas, esteiras, galhos, samambaias ou um
pouco de palha ou feno, e não durmam sobre os cobertores.
[Uso pobre]
264. E para que os frades ascendam para a celsitude da altíssima pobreza, rainha
e mãe de todas as virtudes, esposa de Cristo Senhor nosso, e do seráfico pai, e nossa
diletíssima mãe, exortam-se todos os frades a que não queiram ter nenhum afeto na
terra, mas sempre ter o seu amor no céu, usando quase à força estas coisas baixas,
parcimoniosamente, quanto é possível para a fragilidade humana, reputando-se ricos
por sua pobreza.
Contentem-se com um livreto espiritual, mormente do Cristo crucificado e de dois
lenços com duas cuecas. E recordem-se que, segundo o seráfico pai, o frade menor
não deve ser outra coisa senão um espelho de toda virtude, maximamente da
pobreza.
265. E para que corramos mais expeditamente pelo caminho dos preceitos divinos,
ordena-se que, em nossos locais, não haja nenhum animal nem se cavalgue; mas, em
caso de necessidade, a exemplo de Cristo e do seu imitador Francisco, se monte em
um asno, para que nossa vida pregue sempre Cristo humilde.
[Tonsura e barba]
266. Faça-se a tonsura de vinte em vinte dias, ou então uma vez por mês, com a
tesoura. E não se tenham bacias, mas só uma navalha para as ventosas. E use-se
barba, a exemplo de Cristo santíssimo e de todos os nossos antigos santos, pois é
coisa viril e natural, rígida, desprezada e austera.
Capítulo terceiro
267. Porque o nosso seráfico pai, todo católico, apostólico e divino, teve sempre
especial reverência à Igreja Romana, como juíza e mãe de todas as outras igrejas,
como ordenou na Regra que os clérigos rezassem o ofício divino segundo a ordem da
santa Igreja Romana, no seu Testamento proibiu que ele fosse variado de modo
algum, determinou-se que os frades, unidos em espírito sob uma mesma bandeira e
chamados para um só fim, nos louvores divinos observem, quanto possível, os
mesmos ritos quanto ao missal, breviário e calendário os quais observa e usa a santa
Igreja Romana. E tanto os clérigos quanto os leigos façam os cinco ofícios pelos
mortos, como se tem no calendário.
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268. Os clérigos e sacerdotes não muito letrados preparem o que hão de ler
publicamente na missa e no ofício divino, para que, com injúria das coisas divinas, não
perturbem os ouvintes nem provoquem, contra eles mesmos, os santos anjos, que
estão presentes nos louvores divinos.
E tanto nas missas quanto no ofício divino não se diga senão o que está nos
missais e breviários, com as devidas cerimônias.
270. E, para celebrar, não queiram receber na terra prêmio algum, a exemplo de
Cristo, sumo sacerdote, que sem nenhum prêmio para si ofereceu-se por nós na cruz.
Também reconheçam que, por isso, cresceu sua obrigação para com Deus.
Também se exortam os outros frades, que estiverem presentes junto aos
sacerdotes que celebram os divinos mistérios, que assistam com suma reverência,
com mente angélica, na presença de Deus, e celebrem espiritualmente, comunguem e
ofereçam a Deus o gratíssimo sacrifício.
[Solicitude no coro]
273. Ordena-se também que se diga o ofício divino com a devida devoção, atenção,
maturidade, uniformidade de voz e consonância do espírito, sem caudas ou cantos
duplos, com voz não muito alta ou baixa, mas mediana. E os frades se esforçarão para
salmodiar a Deus mais com o coração do que com a boca, para que não se possa
dizer a nós o que foi dito pelo nosso dulcíssimo Salvador aos hebreus: “Este povo me
honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim” [Mt 15,8; Mc 7,6].
79
274. Ordena-se também que os leigos reúnam-se no começo das matinas, das
vésperas e das completas e para o Te Deum laudamus e, feita a preparação comum,
possam retirar-se em qualquer parte segundo a sua devoção e dizer os Pai-nossos,
como é imposto na Regra.
Também se ordena que, em todas as festas, os leigos e clérigos, não impedidos
por causa razoável, reúnam-se nas vésperas e em todas as missas que puderem.
275. Ordena-se também que, para evitar coisas que poderiam ofender a altíssima
pobreza, a quietude espiritual e a tranqüila humildade, e para conservar a paz com os
outros clérigos e sacerdotes, e evitar toda impureza, que, com o tempo, poderia
macular nossa congregação, que em nossos locais não se recebam mortos, exceto se
for tal que pela pobreza não tivesse quem o quisesse sepultar. Nesse caso, deve-se
abrir para ele as entranhas da caridade.
276. Proíbe-se também que, em nossos lugares, façam-se sepulturas, nem para os
seculares e nem para os nossos frades. Antes, não queiramos que em nossas igrejas,
onde, pela presença de Cristo limpíssimo deve haver toda limpeza, sepultem-se
mortos, mas em algum lugar honesto, perto das igrejas, ou então no claustro.
E os frades, visitando os enfermos, guardem-se não só de induzi-los a sepultar-se
nos nossos locais, mas até, se quiserem, não consintam de modo algum. E para que
isto não seja ocasião de escândalo pela novidade, para os que não sabem as causas
razoáveis disto, será possível informá-los e torná-los verdadeiramente capazes.
277. Morrendo algum de nossos frades, os outros, com piedoso afeto de caridade,
se esforçarão por recomendar sua alma a Deus e cada sacerdote, que estiver na
província onde tiver morrido, diga por ele uma missa, os clérigos as vigílias de nove
lições e os leigos cem Pai-nossos. E cada sacerdote diga também todas as semanas
uma missa por todos os nossos frades defuntos.
278. E porque a oração é a mestra espiritual dos frades, para que o espírito da
devoção não se arrefeça nos frades, mas, ardendo continuamente no altar do coração,
acenda-se cada vez mais, como desejava o seráfico pai também que o verdadeiro
frade menor espiritual sempre ore, ordena-se nada menos que para isso sejam
determinadas para os tíbios duas horas particulares, uma depois das completas
durante todo o ano, a outra da Páscoa até a Exaltação da Santa Cruz, imediatamente
depois da nona, exceto que nos dias de jejum se transfira para depois da sexta; e da
Exaltação da Santa Cruz até a Páscoa, depois das matinas.
279. E lembrem-se os frades de que orar não é outra coisa senão falar a Deus com
o coração; por isso não ora quem fala a Deus só com a boca. Cada um se esforçará
por fazer oração mental e, segundo a doutrina de Cristo, ótimo mestre, adorar o Pai
Eterno em espírito e verdade, tendo diligente cuidado de iluminar a mente e inflamar o
afeto, mais do que formar palavras.
E, antes da oração, depois da nona ou matinas, ou então, em dia de jejum, depois
da sexta, digam-se sempre as ladainhas, invocando todos os santos para orar a Deus
conosco e por nós. E não se acrescente outro ofício no coro, exceto o de Nossa
80
Senhora, para que os frades tenham mais tempo para dedicar às orações particular e
mental, muito mais frutuosas que a vocal.
[Oração de intercessão]
280. E porque o nosso pai, como aparece no princípio e no fim da Regra, quis que
se tivesse especial reverência pelo sumo pontífice, como vigário de Cristo, nosso
Deus, e assim por todos os prelados e sacerdotes, ordena-se que, além da oração
comum, todo frade, em suas orações particulares suplique a divina bondade pelo feliz
estado da Igreja militante e por sua santidade, que lhe dê a graça de saber
claramente, querer eficazmente e fazer poderosamente todas as coisas que são para
honra e glória de sua Divina Majestade, salvação do povo cristão e conversão dos
infiéis. Semelhantemente, por todos os reverendos cardeais, bispos e prelados
sujeitos ao sumo pontífice, pelo sereníssimo imperador, por todos os reis e príncipes
cristãos e por todas as pessoas, precipuamente por aqueles a quem somos obrigados.
Ordena-se também que pelos benfeitores digam-se os cinco ofícios colocados no
calendário, como foi dito acima.
[“Silêncio evangélico”]
[Silêncio regular]
283. Ordena-se também que os frades não viajem sozinhos, mas com o
companheiro, a exemplo dos santos discípulos do santíssimo Salvador. E observada a
evangélica correção, não se emendando, denunciem aos seus prelados os defeitos
um do outro.
Nem vão sem a obediência in scriptis de seu prelado, marcada com o sigilo do
padre vigário, ou então do lugar. Por isso, ordena-se que todo local tenha o seu
carimbo, como é costume antigo dos religiosos.
Também não se separem pelo caminho, nem contendam entre si, mas, com toda
humildade e caridade, a exemplo de Cristo bendito, cada um se esforce por obedecer
e servir espiritualmente ao seu companheiro, considerando que são irmãos em Cristo.
[Saudação evangélica]
284. E porque São Francisco, em seu Testamento, diz que lhe foi revelado pelo
Senhor que, saudando as pessoas, devêssemos, a exemplo de Cristo, dizer: “O
81
Senhor vos dê a paz”, ordena-se que os frades usem sempre essa saudação
evangélica.
285. E porque os verdadeiros frades devem depender de seu piedoso e ótimo Pai
celeste, ordena-se que, em viagem, não levem nem frascos nem carne nem ovos nem
alimentos delicados ou preciosos, deixando todo cuidado de si mesmos a Deus, que
alimenta não só os animais, mas também aqueles que sempre o ofendem.
Nas cidades, ou vilas, que estiverem próximos de nossos locais, os frades não
parem para dormir ou comer fora desses locais, sem grande necessidade.
E porque quem se deleita com as festas do mundo facilmente se macula, ordena-se
que os frades não vão às festas a não ser para pregar a palavra de Deus, a exemplo
de Cristo, nosso único Mestre, que, convidado para a festa não quis aceitar, mas foi
depois para pregar. Recordando-se que, segundo Paulo apóstolo, somos um
espetáculo para Deus, os anjos e os homens do mundo, esforcem-se por dar tal
exemplo que por eles Deus seja glorificado e não blasfemado.
288. E para colocar termo à voracidade do ventre, à mesa não se dê senão uma
espécie de sopa. Mas, no tempo do jejum, ajunte-se uma salada cozida ou crua. E
pensem que pouco basta para satisfazer a necessidade e coisa alguma para contentar
a sensualidade.
290. Ordena-se também que, à mesa, não se faça especialidade para ninguém,
exceto para os enfermos, viajantes, velhos ou muito débeis, como busca e quer a
caridade.
E se algum frade quiser abster-se do vinho, carne, ovos, outros alimentos, ou jejuar
mais freqüentemente, se o prelado não achar que lhe faça muito mal, não o impeça,
antes o exorte a prosseguir, contanto que coma junto com os outros.
E, em sinal de pobreza, à nossa mesa não se usem toalhas, mas uma pobre
toalhinha por frade. E para que não só o corpo, mas muito mais o espírito se alimente,
ordena-se que, à mesa, sempre se faça uma leitura espiritual.
82
291. Ordena-se também que os frades não peçam nem recebam comidas
preciosas, que não convêm ao nosso estado pobre. Também não se usem temperos,
exceto quando for necessário para os enfermos, para os quais deve-se usar toda
caridade possível, como quer a Regra e toda lei justa, a exemplo de nosso pai
seráfico, que não se envergonhava de ir procurar carne publicamente para os
enfermos.
E se for mandado algum alimento supérfluo, agradecendo com humildade, o
recusarão, ou então, com o seu consentimento, o darão aos pobres.
292. E porque alguns dos antigos patriarcas mereceram receber anjos por sua
hospitalidade, ordena-se que em todo local seja encarregado um, que tenha o diligente
cuidado de receber os forasteiros com toda caridade possível. E, a exemplo do
humilde Filho de Deus, lavar-lhe-ão os pés, reunindo-se para esse ato de caridade
todos os frades. Dirão, no tempo em que estiverem lavando, algum hino ou salmo
devoto, julgando-se, porém, sempre servos inúteis, mesmo que fizéssemos toda coisa
a nós possível.
293. E para que o nosso corpo não recalcitre contra o espírito, mas lhe seja
obediente em tudo, e em memória daquela acerbíssima paixão e especialmente da
penosíssima flagelação do nosso dulcíssimo Salvador, ordena-se que as disciplinas
costumeiras, isto é, nas segundas, quartas e sextas-feiras, não se deixem mesmo nas
grandes solenidades. E sejam feitas depois das matinas, exceto quando for muito
grande o frio, façam-se de tarde. E na semana santa façam-na todas as tardes.
E, disciplinando-se os frades, pensem com o coração piedoso em seu doce Cristo
Filho de Deus amarrado na coluna. E se esforcem por sentir uma pequena parte de
suas penosíssimas dores. E, depois da Salve Regina37, digam-se cinco devotas
orações.
Capítulo quarto
294. Sabendo o nosso pai São Francisco que, segundo a doutrina apostólica, a
cobiça é raiz de todo mal, querendo extirpá-la totalmente do coração de seus filhos,
mandou na Regra que, de modo algum, os frades recebessem dinheiro ou pecúnia,
por si ou por pessoa interposta; e repete isso três vezes na Regra, para melhor
imprimi-lo na mente dos frades, como coisa que lhe estava muito no coração. Por isso
também Cristo Senhor nosso dizia: ”Guardai-vos de toda avareza” [Lc 12,15]. Mas
nós, querendo satisfazer integra e plenamente a piedosa intenção e mente de nosso
pai, inspirado pelo Espírito Santo, ordenamos que os frades não tenham de modo
algum síndico, procurador ou alguma pessoa na terra, seja como for chamada, que
tenha ou receba pecúnia ou dinheiro para os frades, ou por sua instância, requisição,
pedido, ou em nome deles, por algum respeito ou causa deles.
Mas o nosso procurador e advogado seja Jesus Cristo, nosso Deus, e a sua
dulcíssima Mãe seja a nossa substituta e advogada e todos os anjos e os outros
santos sejam nossos amigos espirituais.
[Exortação à pobreza]
37
Trad.: Salve Rainha.
83
295. E porque a altíssima pobreza foi a esposa dileta de Cristo Filho de Deus e de
nosso pai São Francisco, seu humilde servo, devem os frades pensar que não pode
ser violada sem que se desagrade sumamente a Deus e quem a ofende, ofende a
pupila de seus olhos.
O seráfico pai costumava dizer que os seus verdadeiros frades não deviam estimar
mais a pecúnia e o dinheiro do que o pó e até fugir deles com horror, como de uma
serpente venenosa.
Quantas vezes o piedoso e zeloso pai, prevendo em espírito que muitos frades,
relaxando essa pérola evangélica, haveriam de relaxar-se para receber legados,
testamentos e esmolas supérfluas, chorou a sua condenação, dizendo que estava
próximo da perdição o frade que estimava mais a pecúnia que o barro.
296. A experiência pode fazer ver a todos: logo que o frade afasta de si a pobreza,
cai em todo outro vício enorme. Mas os frades se esforcem, a exemplo do Salvador do
mundo e de sua dileta Mãe, por ser pobres das coisas do mundo, para que sejam ricos
da graça divina e das santas virtudes e celestiais riquezas.
E em tudo guardem-se de, ao visitar algum enfermo, induzi-lo direta ou
indiretamente a deixar-nos coisa alguma temporal; antes, se eles quiserem faze-lo,
não consintam, mas rejeitem quanto puderem justamente, pensando que não se pode
possuir ao mesmo tempo riquezas e pobreza.
Nem aceitem legados.
297. Da mesma forma, ordena-se, quanto aos amigos espirituais, para possuir mais
seguramente este precioso tesouro da pobreza, que de nenhum modo se recorra a
eles, mesmo para coisas necessárias, quando puderem tê-las comodamente de algum
outro modo permitido na Regra.
E para não sermos pesados para os amigos, nenhum frade faça comprar alguma
coisa de preço notável ou satisfação sem licença do padre vigário provincial. Concede-
se, porém, o recurso a eles para coisas verdadeiramente necessárias, que de outro
modo não se poderia ter, mas sempre com licença dos superiores, de maneira que em
todo recurso haja sempre a verdadeira necessidade e a licença.
298. E porque somos chamados a esta vida para que, mortificando este nosso
homem extrínseco, vivifiquemos o espírito, exortamos os frades a se acostumarem a
sofrer a penúria das coisas do mundo, a exemplo de Cristo que, sendo em tudo
Senhor, escolheu por nós ser pobre e padecer.
Capítulo quinto
300. Considerando que o nosso último fim é Deus, para o qual deve cada um
tender e anelar, tratando de se transformar nele, exortamos todos os frades a dirigir
todos os sentidos para esse alvo e para ele voltar todas as nossas intenções e
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desejos, com todo ímpeto de amor que for possível, para que, com todo o coração,
mente e alma, forças e virtudes, com atual, contínuo, intenso e puro amor, nos
unamos ao nosso ótimo Pai.
301. E porque sem meios não se chega ao fim, esforce-se cada um por colocar de
lado todas as coisas, que, como não úteis e perniciosas, retraiam ou impeçam o
caminho de Deus. E, não se importando com as não pertinentes, escolham as coisas
que são úteis ou necessárias para ir a Deus, elegendo entre as que mais servem,
assim como a altíssima pobreza, a ilibada castidade, a humilde obediência e as outras
virtudes evangélicas, que nos foram ensinadas pelo Filho de Deus com palavras e
exemplos em si mesmo e em seus santos.
302. Mas, porque é coisa difícil que o homem esteja sempre todo elevado em Deus,
para evitar o ócio, raiz de todo mal, dar bom exemplo ao próximo, e para não serem
pesados para o mundo, a exemplo do apóstolo Paulo, que pregando trabalhava, e dos
outros santos, para observar a admoestação de trabalhar, dada na Regra do nosso pai
São Francisco e conformar-nos nisso com a sua santa vontade, expressa no seu
Testamento, determina-se que, quando os frades não estiverem ocupados em
exercícios espirituais, trabalhem manualmente em qualquer exercício honesto; mas
não deixando de exercitar-se nesse tempo também com a mente em alguma
meditação espiritual, quanto o permitir a fragilidade humana.
Mas ordena-se que, enquanto se trabalha, sempre ou se fale de Deus ou se leia
algum livro devoto.
[Modalidades do trabalho]
303. E guardem-se os frades de pôr o seu fim no trabalho e de colocar nele algum
afeto, ou ocupar-se tanto que extingam, diminuam ou retardem o espírito, ao qual
devem servir todas as coisas. Mas, tendo sempre o olho aberto para Deus, andem
pelo caminho mais alto e breve, para que o exercício dado ao homem por Deus, aceito
e recomendado pelos santos para conservar a devoção do espírito, não seja para eles
ocasião de distração ou de falta de devoção.
304. Por outra parte, todo frade pense que a pobreza evangélica consiste em não
ter afeto por coisa terrena, usar estas coisas do mundo com a maior parcimônia,
quase à força, obrigados pela necessidade, e para a glória de Deus, ao qual devemos
reconhecer que tudo pertence; e para glória da pobreza dar aos pobres aquilo que nos
sobra.
Recordem-se também os frades de que estamos na hospedaria e comemos os
pecados dos povos. Mas de tudo haveremos de prestar contas.
[Fugir do ócio]
305. E porque, como diz o devoto São Bernardo, nenhuma coisa é mais preciosa
do que o tempo e nenhuma hoje é tida como mais vil; e o mesmo também diz que de
todo tempo que nos é dado seremos sutilmente examinados sobre como o gastamos:
exortamos todos os nossos irmãos a que jamais estejam ociosos, nem gastem seu
tempo em coisas de pouca ou nenhuma utilidade, nem em palavras vãs ou inúteis,
85
Capítulo sexto
308. Ordena-se também que, quando os frades quiserem pegar um local novo,
segundo a doutrina do humilde Francisco, primeiro vão falar com o bispo, ou seu
vigário, e peçam licença para poder pegar aquele local em sua diocese. E obtida a
licença, vão com sua bênção à comunidade, ou ao senhor, e peçam que queira
emprestar-lhes um pouco de lugar.
[Habitações pobres]
86
311. Para essa finalidade foi feito um pequeno modelo, segundo o qual se
construirá. As celas não tenham mais do que nove palmos de comprimento e de
largura. Na altura, dez; as portas sete palmos de altura e dois e meio de largura. As
janelas dois e meio de altura e um e meio de largura. O corredor do dormitório com a
largura de seis palmos. E assim as outras oficinas sejam pequenas, humildes, pobres,
abjetas e baixas, para que tudo pregue humildade, pobreza e desprezo do mundo.
As igrejas também sejam pequenas, pobres e honestas. E não queiram que elas
sejam grandes para poder pregar, porque, como disse São Francisco, dá-se melhor
exemplo pregando nas igrejas dos outros do que nas nossas, maximamente quando
se ofende a santa pobreza.
312. Também para evitar todas as coisas que poderiam ofender a pobreza, ordena-
se que os frades de modo algum se intrometam nas construções, exceto para
demonstrar àqueles a quem foi confiado tal negócio a forma pobre do modelo,
solicitar-lhes e manualmente prestar-lhes ajuda.
Os frades também se esforçarão em fazer , quanto for possível, aquele tão pouco
de vime e barro, canas, tijolos crus e matéria vil, a exemplo de nosso pai e em sinal de
humildade e pobreza. E tenham como seu espelho as pequenas casas dos pobres e
não as habitações modernas.
313. E para evitar toda desordem, determina-se que não se aceite ou deixe nenhum
local, nem se edifique ou destrua, sem licença do Capítulo Provincial e do padre
Vigário Geral. E nenhum guardião possa edificar nem destruir, senão segundo lhe for
ordenado pelo seu vigário provincial, o qual, com alguns frades aptos para isso, vá
dizer o modo de ditos edifícios.
314. E para que os seculares possam servir-se de nós nas coisas espirituais e nós
deles nas temporais, ordena-se que os nossos locais não sejam tomados muito longe
das cidades, castelos ou vilas; mas também não muito próximos, para não sofrerem
detrimento pela presença demasiada deles. Basta que regularmente sejam distantes
uma milha e meia mais ou menos, aproximando-se sempre mais depressa (a exemplo
dos santos padres e precisamente do nosso) dos desertos solitários que das cidades
deliciosas.
87
[Hospedaria]
315. Também ficou determinado que, nos nossos locais, haja (se for possível) uma
pequena salinha com lareira para receber, quando preciso, os peregrinos e forasteiros,
como pede a caridade e suporta a nossa pobreza.
317. Ordena-se também que, se nos lugares que se tomaram houver videiras ou
árvores supérfluas, não sejam cortadas, mas, com o consentimento dos donos, dêem-
se os frutos aos pobres. E as videiras sejam arrancadas e sejam dadas para plantar-
se em outros lugares, ou para dar-se aos pobres.
319. E para fechar o caminho da supérflua provisão humana, ordena-se que, nos
nossos locais, não haja nem barricas nem barris, mas apenas algumas pobres
cabaças ou frascos. As lenhas, máxime para o tempo do inverno, poderão ser
guardadas por dois ou três meses.
320. E para que a mendicância dos frades não seja rica e delicada, de nome e não
de fato, ordena-se que não se busque (mesmo no carnaval) carne, ovos, queijo nem
peixes nem outras comidas preciosas, não convenientes ao nosso pobre estado,
exceto para os doentes; mas, dados sem ser pedidos, poderão ser recebidos, contanto
que não se ofenda a pobreza.
[Pobreza e desapego]
323. E porque a pobreza voluntária não tem nada e é rica de tudo e feliz e não teme
nem deseja nem pode perder coisa alguma, tendo posto o seu tesouro em lugar
seguro; porém, para arrancar fora realmente e na verdade as raízes das ocasiões de
toda propriedade, ordena-se que nenhum frade tenha chave de cela, caixa, escabelo
ou outra coisa, exceto os oficiais para conservar as coisas que têm que dispensar para
a comunidade dos frades, como é justo e razoável.
324. E porque nada possuímos neste mundo, a nenhum frade seja lícito dar coisa
alguma aos seculares, sem licença de seus guardiães; os quais também não podem
dispensá-las senão para coisas mínimas e vis, sem licença de seus vigários
provinciais.
325. E para satisfazer aos enfermos, conforme dita a razão, manda a Regra e
busca a caridade fraterna, ordena-se que, ficando enfermo algum frade,
imediatamente lhe seja designado pelo padre guardião um frade apto que lhe sirva em
todas as suas necessidades. E, quando for conveniente, que mude de lugar, proveja-
se subitamente.
E todo frade pense no que quereria que fosse feito para ele em semelhante caso.
Uma mãe terna e sensitiva não é tão obrigada ao seu filho único quanto cada irmão,
como expressou nosso piedoso pai na nossa Regra.
326. E porque para os que não têm amor na terra é coisa doce, justa e devida
morrer por quem morreu por nós na cruz, ordena-se que, em tempo de peste, os
frades sirvam, conforme dispuserem os seus vigários, os quais em caso semelhante
se esforçarão por ter abertos os olhos da discreta caridade.
Capítulo sétimo
[Confessar os seculares]
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327. Ordena-se em primeiro lugar, para evitar o perigo dos súditos e dos prelados,
que nenhum frade confesse seculares sem licença do capítulo ou do padre Vigário
Geral, para que tal ofício que, além da boa consciência e suficiência, pede também a
devida experiência, não seja exercido pelos que não são idôneos.
E aqueles que são designados como confessores, não confessem ordinariamente,
mas em casos particulares, quando forem obrigados pela caridade. E isso para evitar
todo perigo e distração da mente, para que, restritos e recolhidos em Cristo, possam
correr para a pátria celeste mais seguramente, sem impedimento.
[Reconciliação e Eucaristia]
328. Também se ordena que os frades se confessem no mínimo duas vezes por
semana, comunguem a cada quinze dias ou mais freqüentemente quando quiserem e
o seu prelado julgar que lhes seja oportuno. Mas no advento e na quaresma
comunguem todos os domingos.
E cuidem, segundo a admoestação apostólica, de examinar primeiro muito bem a si
mesmos, seu nada e indignidade, e, por outro lado, o nobre dom de Deus dado com
tanta caridade, para que o recebam não para o juízo de suas almas, mas para
aumento de luz, graças e virtudes.
E este altíssimo e divino sacramento, no qual o nosso dulcíssimo Salvador digna-se
tão docemente morar continuamente conosco, em todas as nossas igrejas, seja
mantido em lugar limpíssimo e tido por todos em suma reverência, diante do qual
estejam e orem, como se estivessem na pátria celeste, junto com os santos anjos.
329. Concede-se aos frades que, em caso de necessidade, quando estiverem fora
de nossos locais, possam confessar-se com outros sacerdotes.
[Hospitalidade e caridade]
330. E para nutrir a caridade, mãe de todas as virtudes, ordena-se que, com toda a
possível humanidade cristã, recebam-se pessoas que vierem aos nossos locais,
precipuamente os religiosos, como pessoas mais peculiarmente deputadas ao divino
obséquio, como exortava o nosso pai na sua primeira Regra.
332. Recordem-se também de que o nosso pai São Francisco costumava dizer que,
se quisermos levantar alguém que tivesse caído, precisamos agir por piedade, como
fez Cristo, piedosíssimo Salvador, quando lhe foi apresentada a adúltera e não estar
com rígida justiça e crueldade sobre o pecador. E mais: Cristo, Filho de Deus, para
salvar-nos, desceu do céu sobre a cruz e aos pecadores humilhados mostrou toda
doçura possível.
Pensem também que, se Deus devesse julgar-nos com justiça rígida, poucos ou
nenhum se salvaria. E, ao impor a penitência, tenham sempre o olho aberto para
90
salvar e não perder a alma e a fama daquele pobre frade, por cujo pecado nenhum
frade deve escandalizar-se, envergonhá-lo, fugir dele ou ter horror por ele; antes, deve
ter compaixão para com ele e amá-lo tanto mais quanto tem mais necessidade,
sabendo que, como dizia o pai São Francisco, todos nós faríamos muito pior se Deus
não nos preservasse com sua graça.
333. E mais: deixando no mundo como pastor universal, em seu lugar, São Pedro,
disse-lhe que queria que perdoasse o pecador mesmo que pecasse setenta vezes
sete. Mas São Francisco disse, em uma de suas cartas, na qual queria que, se o frade
pecasse quanto era possível, vistos os olhos do prelado, não fosse embora sem
misericórdia, quando a buscasse humildemente; e se não a buscasse, queria que o
prelado lha oferecesse; e se depois de mil vezes aparecesse na sua frente, queria que
nunca se mostrasse indignado ou que recordasse seu pecado; até, para atraí-lo para
Cristo, nosso piedosíssimo Senhor, o amasse com o coração, em verdade, sabendo
que o arrepender-se de coração com firme propósito de não pecar mais e exercitar-se
em ações virtuosas, basta diante de Deus. Mas Cristo, quando dava a penitência,
costumava dizer: Vá em paz e não queiras mais pecar.
334. Por outro lado, considerem que não punir quem peca é abrir a porta de todos
os vícios aos tristes e convidá-los a erros semelhantes; mas, segundo a Regra,
imponham-lhes com misericórdia a penitência condigna. Para isso, a fim de que a
propriedade do Senhor seja preservada por boa cerca, ordenamos que, nas nossas
coisas e especialmente nas correções e punições dos frades, não se observe a
sutileza da lei, ou então as intrigas judiciais.
336. E porque todos os cristãos e máxime nós frades de São Francisco devemos
sempre ter a íntegra e ilibada fé apostólica da santa Igreja Romana, mantê-la
firmemente e pregá-la sinceramente e para sua defesa estar preparados para
derramar o próprio sangue até a morte, ordenamos que, se algum frade, por tentação
diabólica, se encontrasse - Deus nos livre! - manchado por algum erro contra a fé
católica, seja posto em cárcere perpétuo. E para punir esses delinqüentes e outros
semelhantes, haja em alguns dos nossos locais os cárceres fortes, mas humanos.
337. E para que alguns frades, odiando nossa solidão e quietude, não voltem para
a carne do Egito, tendo sido libertados da fornalha da Babilônia, sejam excomungados
e denunciados como excomungados pelo nosso Vigário Geral e por todo o capítulo,
pela presente constituição, todos os que apostatam da nossa congregação, remetendo
ao dito Vigário Geral e aos provinciais a qualidade e quantidade das penas com que
devem ser punidos os ditos apóstatas e todos os outros delinqüentes.
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Esses vigários devem puni-los segundo a qualidade dos excessos, a humildade dos
penitentes e a caridosa discrição, segundo as antigas constituições e louváveis
costumes de nossa Ordem.
Nessas coisas, porque diz o exímio doutor Agostinho que, ou punindo ou
perdoando, sempre se faz para esse fim, para que a vida do homem seja corrigida,
assim será temperada a justiça com a misericórdia, que o rigor da disciplina não falte e
não se exceda por demasiada crueldade, mas seja cuidado o enfermo de punição e
nela se encontrem sempre juntas a misericórdia e a verdade e por isso elejam-se para
nossos prelados irmãos maduros, discretos, que tenham ciência, consciência e
experiência e, em todas as coisas, procedam com o conselho dos irmãos mais
antigos.
338. E, para que as punições, que entre nós se fazem com bom zelo, não sejam
impedidas ou sinistramente julgadas e ainda seja maior a liberdade de proceder contra
os delinqüentes, proibimos que os segredos da Ordem sejam manifestados; antes,
devemos conservar a fama de todos, quanto for possível, seguindo sempre as coisas
que são para o louvor e glória de Deus, ocasião de paz, edificação e salvação de
todos os nossos próximos.
Capítulo Oitavo
341. Ordena-se, quanto ao Capítulo Geral, que seja feito a cada três anos, na festa
de Pentecostes, por ser muito cômoda para tão grande negócio, designada pelo nosso
seráfico pai; e os provinciais, todos os anos, na segunda ou terceira sexta-feira depois
da Páscoa.
342. E em sinal de humildade e para demonstrar seu ânimo sincero, longe de toda
espécie de ambição, tanto o Vigário Geral no Capítulo Geral como os provinciais nos
capítulos provinciais, renunciarão livremente aos seus ofícios com toda autoridade,
nas mãos dos definidores eleitos pelo capítulo; e, em testemunho de perfeita
resignação, porão os selos nas mãos dos preditos definidores.
344. Ordena-se também, para dar um modo certo, seguro e fácil para depor o geral,
quando não for idôneo, como São Francisco impõe em sua Regra, que os três
primeiros definidores do capítulo pretérito, obtida a provável e suficiente informação de
sua insuficiência, possam e devam, onde e como lhes parecer conveniente, convocar
os frades para o Capítulo Geral, onde deverá ser discutido se é digno ou não de ser
deposto.
E se o geral tentasse impedir essa convocação para o capítulo, queremos que seja
privado do ofício. E, no caso em que o capítulo julgar que o geral não merece ser
deposto e que os referidos três definidores tiverem causado tal comoção na
congregação sem justa causa, sejam punidos gravemente a arbítrio do capítulo, por
terem procedido tão indiscretamente.
345. Determina-se também que, na eleição dos definidores, tenham voz passiva
todos os frades que se encontrarem no local do capítulo. E os vigários, em tal eleição,
tenham voz ativa: o geral no Capítulo Geral e os provinciais nos capítulos provinciais.
Também se determina que, no Capítulo Geral, sejam eleitos seis definidores, entre
os quais poderão estar no máximo dois dos que tiverem sido eleitos no capítulo
próximo passado. E, nos capítulos provinciais, elejam-se quatro definidores, dos quais
semelhantemente dois no máximo podem ser dos do ano próximo passado.
[Pausa no governo]
346. Também se ordena que os provinciais fiquem livres depois do seu triênio pelo
menos por um ano, se já não parecesse diferentemente ao padre Vigário Geral, por
causa razoável.
Capítulo nono
93
349. Impõe-se também aos pregadores que não preguem frioleiras, nem novidades,
poesias, histórias ou outras ciências vãs, supérfluas, curiosas, inúteis e perniciosas,
mas, a exemplo de Paulo apóstolo, preguem Cristo crucificado, no qual estão todos os
tesouros da sabedoria e da ciência de Deus.
Esta é aquela divina sabedoria que Paulo santíssimo pregava entre os perfeitos,
depois que se tornou um viril cristão; porque, quando era um hebreu pueril, pensava,
sabia e falava como uma criança, sobre as sombras e figuras do Velho Testamento.
Nem deveriam alegar outra coisa senão Cristo (cuja autoridade prevalece a todas
as pessoas e razões do mundo) e os santos doutores.
[Pregar assiduamente]
[Volta à solidão]
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[Viver pobremente]
353. Proíbe-se aos pregadores que recebam refeições, mas que vivam como
pobres e mendigos, como prometeram voluntariamente por amor de Cristo. E, acima
de tudo, guardem-se de todo tipo de avareza, para que, pregando Cristo livre e
sinceramente, lucrem fruto em maior abundância.
Pelo que se proíbe que façam pedidos, quando estão pregando, por si ou pelos
frades, para que, segundo a doutrina apostólica, seja por todos sabido que não
buscam suas coisas, mas de Jesus Cristo.
354. E como quem não sabe ler Cristo, livro da vida, não tem doutrina para poder
pregar, mas deve estudá-lo, proíbe-se aos pregadores que levem muitos livros, uma
vez que em Cristo encontra-se tudo.
E por ser este bendito ofício de pregar tão excelente e aceitíssimo para Cristo,
nosso Deus, que o demonstrou quando ele mesmo, com tanto fervor daquela sua
divina caridade, pela salvação de nossas almas, quis exercê-lo, propiciando-nos a
salubérrima doutrina evangélica; para poder, portanto, imprimir melhor no coração dos
pregadores a norma e modo que deverão ter, para que mais dignamente possam
evangelizar Cristo crucificado, pregar o reino de Deus e operar fervorosamente a
conversão e salvação das almas, como que replicando e de certa forma inculcando,
acrescentamos e impomos que em sua pregação usem a Sagrada Escritura e
precipuamente o Novo testamento, mas máxime o Evangelho, de modo que, sendo
nós pregadores evangélicos, tornemos evangélicos também os povos.
[Pregar a penitência]
355. E ponham de lado todas as vãs e inúteis questões e opiniões, os cantos que
causam pruridos, a sutileza inteligível por poucos, mas, a exemplo do santíssimo
precursor João Batista, dos santíssimos apóstolos e de outros santos pregadores,
inflamados de amor divino, aliás, a exemplo de nosso dulcíssimo Salvador, preguem:
fazei penitência, aproxima-se o reino dos céus.
E segundo o nosso pai seráfico, que admoesta na Regra: anunciem os vícios e as
virtudes, a pena e glória com brevidade de palavra; não desejando nem procurando
nada mais que a glória de Deus e a salvação das almas, remida com o preciosíssimo
sangue do Cordeiro imaculado, Cristo Jesus bendito.
356. E seu modo de falar seja examinado e casto e não desçam a nenhuma pessoa
particular, porque, como diz o glorioso São Jerônimo, falar em geral não ofende a
ninguém, exprobrando certamente os vícios, mas honrando na criatura a imagem do
seu Criador.
E como nos exorta o seráfico pai em seu Testamento, esforcem-se por temer, amar
e honrar os venerandos sacerdotes, os reverendos bispos, os reverendos cardeais e
acima de todos o santo e sumo pontífice, vigário de Cristo na terra, cabeça geral, pai e
pastor de todos os cristãos e de toda a Igreja militante, e todos os outros do estado
95
[Necessidade da oração]
357. E para que, pregando aos outros, não se tornem réprobos, deixem, de vez em
quando, de freqüentar as pessoas e, com o dulcíssimo Salvador, subam ao monte da
oração e contemplação e lá se esforcem por inflamar-se do amor divino como serafins,
para que, sendo eles bem quentes, possam aquecer os outros.
[Livros e biblioteca]
358. E, como já foi dito, não levem consigo muitos livros para que possam mais
assiduamente ler no excelentíssimo livro da cruz.
E porque sempre foi intenção de nosso doce pai que os livros necessários dos
frades fossem tidos em comum e não em particular, para observar melhor a pobreza e
remover do coração dos frades todo afeto e particularidade, ordena-se que, em nosso
local, haja uma pequena sala, na qual tenha-se a escritura sagrada e alguns santos
doutores.
Mas os livros inúteis dos gentios, que mais depressa tornam o homem pagão do
que cristão (como foi dito acima no primeiro capítulo) não sejam mantidos em nossos
locais. Mas, se acontecer que haja algum, seja dado aos pobres, segundo a
disposição dos padres vigários, geral ou provinciais.
360. E não busquem os estudantes adquirir a ciência que infla, mas a iluminativa e
incendiadora caridade de Cristo, que edifica a alma. Nem jamais mergulhem tanto no
estudo literal que, por isso, tenham que deixar de lado o estudo sagrado da oração,
porque agiriam expressamente contra a intenção do seráfico pai, que não queria
nunca que por algum estudo de letras se deixasse a santa oração.
Mas, para melhor poder ter o espírito de Cristo, esforçar-se-ão, tanto os lentes
quanto os estudantes, por dar maior força ao estudo espiritual que ao literal, e,
fazendo assim, tanto maior proveito obterão no estudo quanto mais derem atenção ao
espírito que à letra; pois sem o espírito não se adquire o verdadeiro sentido, antes a
mera letra, que cega e mata.
96
361. Mas esforçar-se-ão juntos, com a santa pobreza, por não deixar jamais o
caminho régio que conduz ao paraíso, a santa humildade, recordando-se
freqüentemente do dito de Jacopone, que ciência adquirida - dá mortal ferida - se não
for revestida - de coração humilhado.
Será ainda para eles causa de humilhar-se se reconhecerem ter acrescentado uma
nova obrigação para com Deus por terem sido promovidos ao estudo e feitos dignos
de ser introduzidos na verdadeira e suave inteligência das sagradas letras, sob o
sentido das quais está escondido aaquele, cujo espírito sopra o mel e é doce para
quem o saboreia.
362. E toda vez que entrarem na lição, exortamos a que se recordem, in spirito
humilitatis et in animo contrito38, por elevar sua mente a Deus e dizer:
Domine, iste vilissimus servus tuus et omni bono indignus, vult ingredi ad videndum
thesauros tuos. Placeat tibi ut ipsum indignissimum introducas et des sibi in his verbis
et sancta lectione tantum te diligere quantum te cognoscere, quia nolo te cognoscere
nisi ut te diligam, Domine Deus Creator meus. Amen.39
Capítulo décimo
363. Ordena-se que o padre Vigário Geral se esforce, em seu triênio, por visitar
pessoalmente todos os locais e frades de nossa congregação e que os vigários
provinciais sempre vão visitar os seus irmãos.
E tanto eles como os guardiães não cessem de exortar caridosamente os súditos
para a perfeita observância dos preceitos e conselhos evangélicos e divinos e da
Regra prometida e das presentes ordenações e, especialmente, da altíssima pobreza,
firmíssimo fundamento de toda a observância regular.
E corrijam os delinqüentes com toda humildade e caridade, sempre misturando o
vinho da justiça severa com o óleo da doce misericórdia.
364. E os frades súditos obedeçam com toda humildade aos seus prelados em
todas as coisas em que, sem dúvida nenhuma, não vão conhecer a ofensa divina.
E tenham para com seus prelados, como vigários de São Francisco e mesmo de
Cristo, nosso Deus, a devida reverência; e, quando forem repreendidos e corrigidos
por eles, segundo o louvável costume de nossos antigos e humildes padres e irmãos,
ajoelhem-se humildemente e suportem pacientemente toda repreensão e correção; e
não lhes respondam soberbamente e, de modo algum, ousem falar ao prelado,
máxime no capítulo ou no refeitório, se primeiro não tiverem pedido e obtido a licença.
E, se nisso agirem contrariamente, façam a disciplina diante dos frades pelo espaço
de um Miserere.
38
Trad.: em espírito de humildade e ânimo contrito.
39
Trad.: Senhor, este vilíssimo servo teu, indigno de todo bem, quer entrar para ver os teus
tesouros. Que te apraza introduzir a ele, indigníssimo, e lhe concedas que nestas palavras e
santas lições, tanto te amar quanto te conhecer, porque não quero te conhecer senão para te
amar, Senhor Deus, Criador meu. Amém.
97
E todos os frades esforcem-se com toda diligência por emendar-se de seus defeitos
e, com os freqüentes atos virtuosos, adquirir as virtudes celestiais e, com os bons
costumes, vencer os maus.
365. E guardem-se os prelado de prenderr as almas de seus súditos com preceitos
obedienciais, se não forem obrigados pela piedade divina ou pela caridosa
necessidade.
366. Também se ordena que os frades forasteiros sejam recebidos com toda
caridade, e que, como verdadeiros filhos do Eterno Pai, visitem primeiro a sua igreja e,
feita alguma reverência e oração, apresentem-se ao prelado, mostrando-lhe as suas
obediências, sem as quais a nenhum frade seja lícito andar fora de nossos locais.
E também os frades do mesmo local, quando vão para algum serviço, peçam antes
a bênção ao seu prelado e façam o mesmo quando retornarem.
[Obediência e devoção]
367. E para que tudo se faça com o mérito da santa obediência e com a devida
religiosidade, nenhum frade presuma tomar nenhuma refeição, tanto dentro como fora
dos nossos locais, sem a licença e a bênção do prelado ou do mais antigo padre ou
irmão.
369. Também ordenamos que nenhum frade fugitivo de uma província seja aceito
em outra, sem a licença por escrito do padre Vigário Geral e, se agirem de outra
forma, sua recepção seja nula e quem o recebeu seja gravemente punido ao arbítrio
do padre Vigário Geral.
370. E para evitar os possíveis inconvenientes, ordena-se que nenhum frade jovem
mande ou receba carta sem licença do seu prelado.
[Humildade e reverência]
371. E todos os frades sempre devam desejar ser súditos e obedecer, antes do que
ser prelados e mandar, a exemplo de nosso Senhor Jesus Cristo e do nosso seráfico
pai. Mas aqueles a quem forem impostas as prelaturas por obediência, não sejam
pertinazes em refutá-las, mas, com toda humildade e solicitude, cumpram o ministério
que lhes foi confiado.
374. E porque cabe aos verdadeiros religiosos e servos de Deus fugir não só dos
males e pecados evidentes, mas também de qualquer coisa que possa pretender
alguma espécie de mal, queremos que os frades não vão a mosteiro algum ou a
outras casas em que estejam mulheres religiosas em congregação, sem licença do
vigário provincial, que nisso seja vigilante e advirta muito bem que não conceda
facilmente tal licença, senão a frades provados e, em caso de necessidade ou de
grande piedade, porque dizia o nosso pai São Francisco que Deus nos havia tirado as
esposas, mas o demônio tinha arranjado as freiras para nós.
375. E porque, sendo limpos de coração, vemos Deus com os olhos da fé sincera e
ficamos mais aptos para as coisas celestiais, não tenham os frades consórcio suspeito
com mulheres, nem conversação supérflua, nem parlamentações prolixas e
desnecessárias com elas.
E, sendo obrigados pela necessidade a falar com elas, para dar um bom exemplo
ao mundo, sempre estejam em lugar aberto para serem vistos pelo companheiro, para
serem bom odor para Jesus Cristo em todo lugar, conversando com pureza, discrição
e honestidade, recordando-se daquele memorável exemplo que lemos em nossas
crônicas, do frade santo que, esmagando um pouco de palha, disse: “Quanto ganha a
palha com o fogo, tanto faz o religioso servo de Deus com as mulheres”.
De São Luís, bispo, frade nosso, diz o papa João XX [sic] na sua canonização que
o amor da castidade, desde a sua infância, estava de tal modo enraizado no coração
que, para a fiel guarda dela, fugia de qualquer modo dos consórcios com mulheres,
tanto que, em tempo algum, jamais falava a sós com elas, se não fosse com sua mãe
e as irmãs; pois ele tinha aprendido que a mulher é mais amarga do que a morte.
E São Bernardo diz que são duas as coisas que vituperam e confundem os frades:
a familiaridade com as mulheres e a especialidade dos alimentos.
[Clausura]
376. Também não queremos que nos nossos locais entrem mulheres sem grande
necessidade ou por excessiva devoção, quando não se pudesse negar sem
escândalo. E, entrando, tenham a modesta companhia de homens e de mulheres. Mas
antes de admiti-las, tenha-se primeiro o consentimento dos frades do local.
E sejam encarregados dois frades maduros e santos para acompanhá-las, falando
sempre de coisas edificantes, em Cristo Senhor nosso, e sobre a salvação da alma,
com toda honesta religiosidade e ótimo exemplo.
99
377. Para observar melhor a pureza da Regra com a ordem devida, junto com a
altíssima pobreza, ordenamos que nos nossos locais não estejam menos de seis
frades nem mais de doze, os quais, congregados no nome do doce Jesus, sejam um
só coração e uma só alma, sempre se esforçando por tender à maior perfeição.
E, para serem verdadeiros discípulos de Cristo, amem-se cordialmente, suportando
os defeitos uns dos outros, exercitando-se sempre no amor divino e na caridade
fraterna, esforçando-se sempre por dar ótimo exemplo um ao outro e a toda pessoa,
fazendo também contínua violência às próprias paixões e inclinações viciosas, porque,
como diz nosso Salvador, o reino dos céus padece violência e os violentos, isto é, os
que fazem força e violência, isto é, a si mesmos, arrebatam-no.
378. Também se ordena que nas nossas igrejas haja um só sino pequeno, de cento
e cinqüenta libras pequenas, mais ou menos.
E, nos nossos locais, não haja outra sacristia senão um armário, ou uma arca, com
uma boa chave, que um frade professo deve levar sempre consigo; nesse armário ou
arca, guardem-se as coisas necessárias para o culto divino.
Tenham-se dois cálices pequenos, um de estanho e outro só com a copa de prata.
E não se tenha mais do que três paramentos pobres, sem ouro, prata, veludo ou seda,
ou outra preciosidade ou curiosidade, mas com grande limpeza.
As coberturas do altar sejam de pano não precioso; os candelabros de madeira e
os nossos missais e breviários, como também todos os outros livros, sejam
pobremente encadernados e sem marcadores curiosos, para que, em todas as coisas
que estão ao nosso uso pobre, resplandeça a altíssima pobreza e se ascenda à
preciosidade das riquezas celestes, onde estão todo o nosso tesouro, delícias e glória.
379. E porque é coisa impossível ordenar a lei e estatutos para todos os casos
particulares que podem acontecer, não havendo nenhum número determinado deles,
exortamos na caridade de Cristo todos os nossos irmãos a que, em tudo que fizerem,
tenham diante dos olhos o sagrado Evangelho, a Regra prometida a Deus, os santos e
louváveis costumes e os sagrados exemplos dos santos, dirigindo todo o seu
pensamento, palavras e atos para a honra e a glória de Deus e a salvação do próximo;
e o Espírito Santo será seu mestre em todas as coisas.
380. Para a uniformidade das cerimônias, tanto no coro como em qualquer outro
lugar, leia-se a doutrina de São Boaventura e as ordenações de nossos antigos pais.
E, para melhor conhecer em todas as coisas a mente do nosso seráfico pai, leiam-
se os seus Fioretti, as Conformidades e os outros livros que falam sobre ele.
[Missão e missionários]
381. E porque a conversão dos infiéis esteve muito no coração de nosso pai
seráfico, por isso, para a glória de Deus e a salvação deles, ordena-se, segundo a
100
Regra, que, se alguns frades perfeitos, inflamados pelo amor de Cristo bendito e pelo
zelo de sua fé católica, quiserem, por divina inspiração, ir pregá-la entre eles, recorram
aos seus vigários provinciais ou ao padre Vigário Geral e, sendo julgados idôneos, vão
com sua licença e bênção para tão árdua empresa.
Mas não queiram os súditos julgar-se presunçosamente idôneos para negócio tão
difícil e perigoso, mas, com todo temor e humildade, remetam seu desejo ao juízo dos
seus prelados.
Poder-se-á ainda fazer diferença entre infiéis bastante cordatos dóceis e dispostos
a receber facilmente a fé cristã, como são aqueles recentemente encontrados por
espanhóis ou portugueses nas Índias, e, entre os turcos e agarenos, que, apenas com
armas e aplicação de tormentos, sustentam e defendem sua maldita seita.
Os prelados não considerem que os frades são poucos nem se doam pela partida
dos bons, mas, colocando toda sua solicitude e afã naquele que tem contínuo cuidado
por nós, façam em todas as coisas como ditar o Espírito de Deus e disponham tudo
com caridade, que não faz mal nenhuma coisa.
[Pobreza e limpeza]
382. E, para que a santa esposa de Cristo nosso Senhor e por nosso pai amada
pobreza permaneça sempre em nós, guardem-se os frades de que, nem nas coisas
pertinentes ao culto divino nem em nossos edifícios nem nos utensílios que usamos,
se encontre alguma curiosidade, superfluidade ou preciosidade, sabendo que Deus
prefere em nós a nossa obediência, prometida na santa pobreza, do que sacrifícios; e,
como diz Clemente na declaração, mais se ama com um coração limpo e por santas
operações do que nas coisas preciosas e mais ornadas.
Entretanto, em nossa pobreza, deve resplandecer toda limpeza.
383. E porque o nosso Salvador começou primeiro a fazer para depois ensinar os
outros, assim todos os nossos prelados sejam os primeiros a observar as presentes
constituições e depois, com toda a santa e eficaz ousadia, esforcem todos os súditos a
observá-las inviolavelmente. E, se por acaso, algumas coisas parecerem difíceis no
começo, o santo costume vai torná-las facílimas e agradáveis.
E. para que melhor se imprimam na mente dos frades e as observem, todos os
guardiães façam com que sejam lidas à mesa pelo menos uma vez por mês. E embora
não tencionemos, por estas constituições, obrigar os frades a pecado algum,
queremos, entretanto, e ordenamos que os transgressores delas sejam gravemente
punidos. E, se os guardiães forem negligentes em observá-las e fazê-las observar e
em punir os delinqüentes, sejam punidos mais gravemente pelos seus vigários
provinciais e eles, pelo padre Vigário Geral.
estas firmes, segundo as quais tenha que viver e ser regulada com santa uniformidade
toda a nossa congregação.
385. E porque nosso seráfico pai, estando para morrer, deixou a ampla bênção da
santíssima Trindade aos zeladores e verdadeiros observadores da Regra e
acrescentou também a sua bênção paterna, por isso entendamos diligentemente e
observemos com afeto e amor a perfeição a nós demonstrada e ensinada nessa
Regra e em nossa Ordem, deixando de lado qualquer negligência.
386. E porque servir sem outra intenção senão escapar da pena pertence somente
aos espíritos servis e mercenários, mas agir por amor de Deus e para fazer coisa
agradável a sua Majestade por divina graça e glória e para dar bom exemplo de si ao
próximo, e por muitas causas semelhantes, isto diz respeito só aos verdadeiros filhos
de Deus, guardem-se sumamente os frades de transgredir as presentes constituições
como não obrigatórias a alguma culpa; mas, conhecendo de quem somos espírito,
observem inviolavelmente as leis, sanções e estatutos da religião, para que se
acrescente graça à sua cabeça e mereçam, mediante estes obséquios da divina
clemência, e sejam conformes ao Filho de Deus, que, não sendo obrigado às leis
feitas por Ele, quis observá-las para a salvação de todos.
Mantenham, portanto, o sublime estado da religião e sejam causa de muitos bens
no próximo. Aos bons servidores certamente cabe não somente cumprir as coisas que
lhe mandam os seus patrões ou senhores, ameaçando-os, mas também querer
agradá-los em muitas outras coisas.
387. Portanto, seguindo estas coisas, dirigimos nossos olhos para o nosso
redentor, para que, tendo conhecido o seu divino beneplácito, nos esforcemos por
agradar-lhe, não só não desprezando as presentes constituições (pois o desprezo
seria pecado grave) mas, por seu amor, também não usar nenhuma negligência ao
observá-las.
Essas constituições, observando-as, ajudarão a cumprir não só a integra
observância da Regra prometida, mas também a lei divina e os conselhos evangélicos
e a graça de Deus por Jesus Cristo vai libertá-los dos perigos.
Nas fadigas ainda abundarão por Jesus Cristo a nossa consolação e poderemos
todas as coisas naquele que nos conforta, isto é, Cristo onipotente, e em todas as
coisas nos dará compreensão aquele que é virtude de Deus e Sabedoria e Salvador,
que dá a cada um abundantemente e não impropera; subministrará também as forças
aquele que é Virtude e Verbo, que traz todas as coisas.
[Aspirar à perfeição]
389. Estas coisas que prometemos, embora sejam grandes, não são nada em
comparação daquela retribuição eterna que Deus quer dar, se formos fiéis
observadores.
Ajamos, portanto, virilmente e não desconfiemos das forças, porque aquele ótimo
Pai que nos criou e nos deu observar a perfeição evangélica, que conhece de que
somos feitos, não só nos dará as forças com a sua ajuda, mas ainda dará os seus
dons celestiais em tanta quantidade e abundância que, superados todos os
impedimentos, não só poderemos obedecer ao seu dulcíssimo Filho, mas também
segui-lo e imitá-lo com grandíssima alegria e simplicidade de coração, desprezando
perfeitamente estas coisas visíveis e temporais e anelando sempre por aquelas que
são celestes e eternas.
390. Em Cristo, portanto, que é Deus e homem, luz verdadeira, esplendor de glória
e candor da luz eterna, espelho sem mancha e imagem de Deus, que foi constituído
pelo Pai Eterno juiz, legislador e salvação dos homens, sobre quem o Espírito Santo
deu testemunho, assim como nele estão os nossos méritos, exemplos de vida,
auxiliares, favores e prêmios, assim ainda nele estejam nossa meditação e imitação,
no qual todas as coisas são doces, fáceis, leves, suaves, doutas, santas e perfeitas, o
qual é luz e expectativa do povo, fim da lei, salvação de Deus, Pai do século futuro,
nossa esperança final, feito por Deus para nós sabedoria e justiça, santificação e
redenção, o qual com o Pai e o Espírito Santo co-eterno, consubstancial, co-igual e um
Deus, vive e reina, ao qual seja louvor sempiterno, honra, majestade e glória, nos
séculos dos séculos. Amém.
103
Vincenzo Criscuolo
Tradução de Maurílio Parisotto
104
391. Depois das constituições, as ordenações dos capítulos gerais são a segunda
fonte jurídica da Ordem Capuchinha. Sua finalidade é integrar e completar o ditado
constitucional, prever soluções a problemas práticos emergentes, esclarecer dúvidas
relativas a interpretações de normas e a novas situações, salvaguardar a observância
regular e eliminar os abusos que, paulatinamente, se infiltravam na vida da Ordem. O
Capítulo Geral de 1549 observava que as ordenações “foram ordenadas contra as
faltas que se cometem; não se cometam, portanto, e não se tornarão necessárias as
tantas ordenações”. No capítulo de 1618, as finalidades das ordenações foram assim
exemplificadas: “Para conservar a candura da disciplina e da observância regular e
prevenir contra os abusos que, por fraqueza da vida humana, vão pululando
diariamente entre as religiões”.
A formação das ordenações tinha lugar nos capítulos gerais. Os padres aí
reunidos, na base de sua experiência, tinham a possibilidade de verificar, com
amplitude, a fidelidade da vida vivida diante dos ideais professados e, portanto, de
intervir para remediar eventuais anomalias. O texto das ordenações era devidamente
discutido nas assembléias capitulares, aprovado, em geral, por unanimidade e
devidamente promulgado pelo Ministro Geral juntamente com seu definitório.
395. Aos capítulos gerais que forem feitos compareçam tantos custódios de cada
província quantas forem as custódias em que se encontram nossos lugares, como
consta no Costumário, mas que não excedam o número de cinco e nem sejam menos
que três.
396. Que em toda província, um dos custódios seja eleito por escrutínio secreto
pela maior parte dos vogais do capítulo provincial; a tal custódio os preditos vogais
105
397. Aqueles que vêm do século à nossa congregação não sejam guardiães antes
que não tenham terminado os cinco anos de religião, sem licença do padre geral. Os
religiosos que vêm à nossa congregação não tenham voz ativa e nem passiva por um
ano, exceto se ao padre geral, de alguns, parecesse diferentemente.
398. Para a eleição dos discretos locais, não se façam mais que cinco escrutínios
e, no quinto, se inscreva tanto quem dá como quem recebe voto. Não sendo eleito o
discreto neste escrutínio, comunique-se, sigilosamente, ao padre vigário e aos
definidores, a fim de que sejam punidos tais frades que foram muito pertinazes no
próprio parecer.
Observe-se que esta norma foi estabelecida antes da promulgação dos decretos
do Concílio de Trento referentes a esta matéria de eleição.
399. Pelos nossos frades, não se recebam na Ordem Terceira mulheres que não
tenham completado 40 anos e com escusa de não tê-las para ouvir em confissão e
que sempre tenham sido e continuem sendo de boa fama. Essas duas últimas
condições, semelhantemente, se observem no receber homens à predita Ordem
Terceira.
401. Nenhum frade ouse confessar qualquer pessoa sem licença do pároco. E
nenhum frade tenha zelo de confessar seculares sem ser licenciado pelo nosso
Vigário Geral, exceto em extrema necessidade.
403. Não se receba nenhum noviço para clérigo que não saiba ler, ao menos
mediocremente. Nenhum leigo tenha livreto algum, exceto a regra vulgar.
404. As coisas infra escritas foram ordenadas em nosso capítulo provincial, pelo
reverendo padre Frei Bernardino de Asti, Vigário Geral, e confirmadas pelo reverendo
padre Frei Eusébio de Ancona, Vigário Geral, e aceitas por todo o capítulo provincial,
celebrado no ano de 1553, em nosso lugar em Roma.
106
405. In primis40, que, por todos os frades que estão ou estarão nesta província de
Roma, se observe a santa pobreza e integramente toda a Regra prometida por nós,
segundo a pia vontade de nosso Senhor Jesus, revelada e expressa ao nosso seráfico
pai São Francisco, a quem disse que queria a Regra observada ad litteram e sem
glosa.
407. Não se compre, nem direta e nem indiretamente, coisa alguma, se não for
verdadeiramente necessária e que, com bom modo, não se possa obter mendigando,
especialmente coisas de comer.
408. Os frades não permitam que alguma pessoa receba dinheiro para comprar
carne, peixe e nem alguma coisa de comer. Os frades não permitam que alguma
pessoa peça alguma das preditas coisas para eles, exceto em caso de necessidade,
quando os frades não pudessem ir eles mesmos. Em tal caso poderão pedir aquelas
coisas que os frades poderiam pedir, se não fossem impedidos.
412. Os padres guardiães corrijam os oficiais, quando não fazem bem os seus
ofícios; mas, de outro modo, nem eles nem outros estorvem nem se intrometam em
seus ofícios. E dirijam-se à mesa sem saber o que terão para comer; e se esforcem
em não sabê-lo.
413. Os prelados e os oficiais sejam solícitos para que aos enfermos e sãos não
faltem as suas necessidades, de tal modo, porém, que não ofendam a santíssima
pobreza. Estejam no meio destas duas virtudes; e nas coisas necessárias, inclinem-se
para a caridade e naquelas que não são necessárias, para a pobreza.
414. Nenhum frade ouse medicar seculares nem dê conselho a algum enfermo
para que tome alguma coisa pela boca, sem conselho médico.
417. Não se introduzam seculares no refeitório para comer com os frades nem
também sem frades. Mas, acontecendo que alguns queiram a caridade dos frades, se
lhes dê na sala de forasteiros ou fora, em lugar honesto. Nem também queiramos que
se introduzam seculares em nossas oficinas, como são: refeitório, cozinha, dispensa,
40
Trad.: primeiramente.
107
dormitório, o coro, exceto de passagem, quando por devoção, quisessem ver o lugar.
E quem o permitisse por longo tempo ou introduzisse seculares em tais lugares, faça a
disciplina no refeitório por um Miserere.
418. Nenhum frade, súdito ou guardião, peça esmola por alguma pessoa fora da
nossa congregação, sem particular licença, in scriptis, do reverendo padre Vigário
Geral, ao qual diga a quem e quanto quer pedir. O tal padre Vigário Geral não lhe
conceda tal licença, senão quanto a caridade obriga.
419. Nenhum frade presuma ir comer com seculares, exceto em viagem e por
necessidade; e façam como os pobres, aceitem um pouco de pão e peçam de beber e,
restaurados, partam seguindo sua viagem. E quem fizer o contrário, o guardião do
lugar aonde chegar, imponha-lhes a disciplina, no refeitório, por um Miserere.
420. Nenhum frade tome alguma coisa dos lugares, convertendo-a em uso próprio,
como livros e semelhantes; nem hábitos velhos para remendos, sem licença do padre
guardião. E os guardiães não podem dar licença de levar para outros lugares livros
que foram destinados àquele lugar pelo doador, nem livros de grande valor, exceto
que, nesse lugar, houvesse mais do que um da mesma matéria; mas apenas com
licença do Padre Provincial. E os confessores, que encontrassem frades com tal falta,
não os absolvam, se não restituírem tais coisas.
421. Não se levem ervas à terra ou aos devotos; mas, quando vierem ou
mandarem pedir nos nossos lugares, se poderá oferecê-las honestamente.
423. Nenhum frade, de modo algum, ensine ler ou escrever aos leigos, nem em
segredo e nem em público; e quem ensina não possa ser absolvido de tal
desobediência, senão pelo padre vigário provincial, com uma boa penitência.
AGC, AG 1, f. 10r
424. Neste capítulo, foi estabelecido que tanto o procurador geral como o guardião
de Roma pudesse ser escolhido não só da província de Roma, como fora até agora,
mas de qualquer outra província.
A província de São Bernardino (Abruzzo), por ter poucos conventos e não tendo
esperança de um próximo incremento, foi supressa e seus conventos foram unidos,
em parte, à província de Roma e, em parte, à província das Marcas.
Foram, além disso, supressos cinco conventos da província da Apulia pelo fato
que neles não se podia viver segundo a pureza da Regra.
AGC, AG 1, f.12r
108
425. Neste capítulo, foi estabelecido que, em todas as províncias, deviam ser
instituídos os estudos teológicos; pois, antes, os frades estudavam apenas
privadamente. Todas as outras ordenações, em conformidade com os decretos do
Concílio de Trento, foram inseridas nas constituições publicadas em 1575.
Dão-se normas para a eleição do procurador geral, dos definidores gerais e dos
guardiães.
AGC, AG 1, f. 13r
426. O procurador geral deve ser eleito juntamente com o padre geral e com os
definidores gerais e não apenas pelo geral.
427. Ele participará, de direito, com voz ativa e passiva, no futuro Capítulo Geral,
como já fora estabelecido no Capítulo Geral dos Observantes em 1543, logo após
aprovado e confirmado de viva voz por Pio V.
428. No Capítulo Geral, dos seis definidores a eleger, três podem ser escolhidos
entre os definidores gerais precedentes; e, no capítulo provincial, dos quatro
definidores a eleger, dois dos precedentes.
429. No capítulo provincial, a eleição dos guardiães seja feita por escrutínio
secreto, pelo Padre Provincial e pelos definidores; em tal votação, o provincial tem um
único voto, como os definidores.
AGC, AG 1, f. 20r
430. Foi estabelecido que, para o futuro, ninguém pudesse ser punido com pena
grave, como cárcere, privação da voz e caparão, sem antes ter havido um processo
regular. Até agora, de fato, sem nenhum procedimento jurídico, mas somente e com
simples aquisição da verdade, os superiores, oportunamente e de bom ânimo, puniam
qualquer falta e os súditos tinham suportado as penas mesmo graves a eles impostas.
Esta disposição desgostou a muitos; tinha-se, de fato, que uma tal forma judiciária de
proceder poderia ofuscar e limitar a pureza e a simplicidade da Ordem.
AGC, AG 1, f.22r
109
431. Depois do primeiro triênio, o Vigário Geral pode ser eleito para o supremo
governo da Ordem para um outro triênio; mas, terminados os seis anos, por igual
tempo, não poderá assumir nenhuma outra prelatura.
434. Ninguém pode ser eleito geral se, antes, não foi, por três anos, provincial e
não tenha, pelo menos, vinte anos de religião.
435. Não se eleja para provincial quem não tenha sido, ao menos por três anos,
guardião e não tenha, ao menos, 16 anos de religião.
437. Que, quando ocorrer de mandar para fora do lugar algum frade, quem quer
que seja, ou da província ou fora, o guardião seja obrigado a saber, especificamente e
de vez a vez, onde o frade há ir, que coisa há de tratar e com quem. E guarde-se todo
frade de andar por outros lugares ou de realizar algo diferente do que lhe for ordenado
ou concedido pelo guardião. E, se por acaso, ocorrer de fazer algo diferente, deve
manifestá-lo depois ao guardião, quando retornar ao lugar. E quem fizer o contrário, a
primeira vez, faça disciplina no refeitório por um Miserere; a segunda, jejue a pão e
água, a terceira seja punido como de suspeito consórcio.
438. E, se a alguém ocorrer de falar com mulheres (do que se deve fugir quanto
possível), ou seja fora de nossos lugares ou nas nossas igrejas ou na porta de entrada
e aí esteja sempre presente um frade, pelo qual sejam vistos.
441. Porque ocorre que algum frade, por enfermidade, tenha necessidade de
banhos, para evitar abusos e não faltar à caridade, ordenamos que os padres
provinciais, com os definidores, tenham o cuidado de informar-se da necessidade; e,
obtida a opinião do médico, mandem-na ao padre geral que, após a informação,
providenciará segundo a necessidade; com isso, porém, os frades que precisam tomar
o banho ou entrar na água, não tenham que tirar o hábito nem estar em companhia de
seculares e nem, de modo algum, entrar aí com mulheres.
442. E, com isto, também se ordena que, se, para tal efeito, for necessário o
recurso de amigos espirituais, sejam obrigados a providenciar esmolas que se
gastariam para cada um deles pela província.
443. Os padres provinciais não enviem para os estudos de lógica jovens que não
tenham boa gramática; e sejam examinados por eles ou por outros em sua comissão e
depois da profissão por dois anos, como dizem as constituições. E, ao enviar, pois, a
dito estudo, o Padre Provincial com os padres definidores, no capítulo, façam madura
discussão de vita et moribus41 que será proposto e depois, em segredo, se dê a cada
um desses frades o voto. E, se não obtiver a maior parte dos votos, seja excluído.
E, em cada ano, façam-se estes escrutínios, também para os estudantes de
filosofia passarem ao estudo da teologia, a fim de que aqueles que forem
considerados não merecedores sejam mandados embora, procedendo nisso com toda
maturidade, responsabilizando suas consciências. Quem for excluído do estudo desse
modo não volte a ser nele admitido.
445. E, a fim de que cada um desses padres seja livre para dizer que é preciso em
relação a voto, sem temor de que seja publicado por algum dos companheiros a
estudantes e seja para eles causa de ódio, ordeno que, com juramento, jurem todos os
estudantes, padres provinciais e definidores manter segredo sobre tudo que for tratado
por eles a respeito dessa matéria. Este juramento pode ser feito também noutro modo,
quando se colhem os votos admitir ao estudo da lógica, filosofia e teologia.
41
Trad.: sobre a vida e os costumes.
42
Trad.: sobre a doutrina e os costumes.
111
451. O vigário e os custódios não levem consigo mais que um companheiro cada
um ao Capítulo Geral.
452. Que não se recebam religiosos de outra religião, sem nossa licença.
455. Do não dormir nas casas dos enfermos, onde estão os nossos lugares,
exceto em caso que isso não possa ser feito por qualquer pessoa determinada.
457. Ninguém vá falar a monjas se, além da licença dos ilustríssimos cardeais, não
tiver a licença do Padre Provincial; e quem fizer o contrário, seja privado por um ano
de uma e outra voz.
458. Em igual pena incorra quem escrever a monjas, se primeiro não mostrar a
carta ao padre guardião.
459. Não se procure nem ofício nem dinheiro nem coisa notável para parentes, se
não se der ciência de tal necessidade ao padre geral.
460. Não se envie a banhos fora da sua província, sem licença do padre geral. E,
se for necessário despir-se, não se mande de modo nenhum, exceto se for cômodo
tomá-los nos nossos lugares.
462. Tirar tanto os colchões dos lugares e não se busquem por empréstimo.
463. Podem-se fazer enxergões para não pedir colchões aos seculares.
43
Nota do tradutor: embora no texto original se encontre banditi (bandidos), o termo aqui, pelo
seu contexto, deve ser banidos.
44
Nota do tradutor: café da manhã.
112
464. Que não se gaste dinheiro por nenhum guardião nem por frades, sem licença,
in scriptis, do Padre Provincial, exceto em coisas mínimas, nas quais julgará o Padre
Provincial.
466. Não se dê afiliação sem antes informar-se a respeito da pessoa que a deseja.
468. E, por isso, se comunica que, se algum frade sair de nossa congregação por
qualquer motivo, se quiser voltar, não necessite procurar o padre geral ou o padre
procurador da corte, mas vá ao seu lugar indicado, isto é:
Aqueles que são da província de Nápoles, das províncias de Sicília, da província
do Santo Ângelo, das províncias da Apulia, das províncias de Calábria e de Basilicata
se dirijam, em Nápoles, ao Padre Provincial e, em sua ausência, ao padre guardião da
Conceição.
Aqueles que são da província de Bolonha, Milão, Brescia, Veneza e Suiça se
dirijam ao Padre Provincial de Bolonha e, em sua ausência, ao padre guardião do dito
lugar.
Aqueles que são da província de Provença, Tolosa, Paris, Lião, Barcelona, Lorena
e Flandres se dirijam ao Padre Provincial de Provença e, em sua ausência, ao padre
guardião de Avinhão.
469. E, se algum frade da província, onde estão esses padres que têm autoridade
de receber, não quisesse ir ao seu vigário ou guardião, como acima, vá ao lugar
vizinho, isto é, os de Nápoles a Roma; os de Bolonha a Milão e os de Provença a
Tolosa.
Os da província de Roma, de São Francisco, das Marcas, da Toscana, de
Abruzzo, da Córsega e da Sardenha, dirijam-se ao padre procurador em Roma.
E, se alguém contrariar a dita ordem [...].
E, se alguém pretende ter necessidade de dispensa, dirija-se aos ditos padres,
segundo a ordem supradita das províncias, os quais tratarão de escrever ao padre
procurador.
470. Sejam advertidos os padres vigários provinciais, quando sair algum frade de
sua província, que devam informar imediatamente ao padre geral, ao padre procurador
da corte e àquele padre que tiver autoridade de receber, para dar-lhe conta da ocasião
de sua partida ou fuga e dos costumes e vida do frade.
Sejam colocados em cárcere por quinze dias, jejuando três dias por semana a pão
e água, isto é, na segunda, quarta e sextas-feiras, fazendo a disciplina na sexta-feira;
use capuz de noviço por seis meses, dizendo a culpa todos os dias; assente-se à
mesa no último lugar, seja privado de voz ativa e passiva por três anos e, no tempo da
dita privação, não possa cuidar dos frades; e, se for pregador, seja privado da
pregação por um ano; e, na sua readmissão, seja absolvido da excomunhão incorrida
por apostasia, publicamente, no refeitório, com as costumeiras cerimônias e isto seja
observado na readmissão de qualquer tipo de apóstata.
473. E, se desertar uma segunda vez, possa ser recebido do mesmo modo,
redobrando-lhe as penitências e seja privado da voz ativa e passiva por seis anos.
474. Mas, partindo uma terceira vez, se voltar, seja assim mesmo recebido, pois
não queremos fechar o seio da misericórdia a ninguém. Porém, seja excluído do
convívio dos frades, isto é, seja privado do capuz na forma do hábito, usando-o um
pouco aberto no peito e sem cordão, com barrete ou outra coisa na cabeça e assente-
se sempre no último lugar à mesa. E, sendo in sacris45, seja suspenso do exercício de
ordens, privado de voz e de todo legítimo ato da religião, perpetuamente.
475. Se alguém, indo embora, tomar hábito secular ou tiver cometido qualquer
delito grave e escandaloso, tanto dentro como fora da Ordem, ou tenha fugido do
cárcere, mesmo sem deixar o hábito, ainda que seja a primeira saída, seja excluído do
convívio dos frades como acima.
476. Concede-se, porém, se algum desses, depois de ter estado pelo menos um
ano assim privado do capuz e excluído do convívio dos frades, mostrar verdadeira
contrição de sua falta e der boa demonstração de si mesmo, possa ser reintegrado e
restituído in pristinum46 pelo padre vigário e pelos padres definidores do capítulo
provincial..
477. Mas se algum incorrer na mesma pena uma segunda vez não poderá ser
restituído, senão pelo padre geral; e, incorrendo a terceira vez, não possa ser
restituído, senão no tempo do Capítulo Geral pelo padre geral e todos os definidores
juntos.
478. Mas se, além de ter saído, tiver cometido algum escândalo, retornando, além
das penitências a lhe serem dadas por apostasia, seja punido por suas faltas; e, se for
pregador, seja privado da pregação, perpetuamente.
479. Além disso, recorde-se ao padre que recebe os dos apóstatas que, ao
recebê-los, lhes absolva publicamente, no refeitório, com as costumeiras cerimônias;
e, depois, poderá remetê-lo para sua respectiva província, com o mesmo hábito com
que veio e avisar ao ministro provincial a respeito de quantas vezes tiver apostatado e
que lhe faça observar as penitências, no modo supradito. E todas essas penitências
devem ser observadas, também por aqueles apóstatas que apostataram antes que
fossem feitas estas constituições.
480. Porque da parte de todos os padres vogais, a viva voz e clamor, foi suplicado
ao padre geral e aos definidores, que se trate de alguma maneira a respeito das
preocupações, perigos e danos que a nossa religião recebe por alguns frades
45
Trad.: nas (ordens) sagradas, isto é, sendo clérigo.
46
Trad.: no estado anterior.
114
481. Frades inquietos e maus declaram-se que são aqueles que são fastidiosos
com os frades e arrogantes com os prelados, habituados a recalcitrar contra a
obediência, perturbadores da paz e, finalmente, frades que, por seu mau
comportamento e costumes, não encontram mais prelados que os queiram na sua
família, nem súditos que estejam de bom grado com eles e que, corrigidos, não se
emendam, e, pelo contrário, recebida a penitência, resmungam e perseveram neste
comportamento por algum tempo.
483. Estes doze juntos jurem, primeiro que vão dar o voto a eles segundo Deus e
segundo a consciência, e de jamais revelar por quem e quem foi proposto e declarado
como frade inquieto, a fim de que cada um possa proceder em tal ação mais segura e
livremente. Isto feito, submeta-se a escrutínio secreto o frade que será proposto para
tal. E, concorrendo as duas partes, faça-se, imediatamente, uma ata na qual se
explique este escrutínio:
484. Tendo sido proposto a nós, 12 infra escritos, se Frei... merece ser tido por
frade inquieto ou não, e, sendo obrigados a dizer o nosso parecer, nós, segundo Deus
e segundo a nossa consciência, damos o nosso voto conjuntamente e as duas partes
são concordes no sim. Em fé disso, subscrevemo-nos de nosso punho.
E assim todos se subscrevem e desta escritura se mande cópia autêntica ao muito
reverendo padre geral e ao padre procurador da corte, reservando o original no
arquivo da província.
485. Feita a escritura, o supra dito frade seja colocado no cárcere, donde não pode
ser tirado a não ser por ordem do padre geral, o qual o faça, se vir no frade sinais de
emendamento e parecer-lhe bem tirá-lo do cárcere, fazendo constar por escritura
como o supradito frade se humilhou, reconheceu seu erro e prometeu emendar-se e
viver quieto e que, por isso, ele o liberya do cárcere, com a condição de que, se
retornar a cair nos mesmos erros, será castigado mais severamente.
E essa escritura subscreva também o frade de próprio punho ou outro, no lugar
dele, não sabendo ele escrever, e as testemunhas que aí estiverem presentes. E, por
três anos, ese frade seja privado da voz ativa e passiva e não mereça fé em juízo
contra qualquer pessoa, não seja ouvido a não ser em causa própria, isto é, quando
prosequitur propriam iniuriam47.
486. Mas, se neste tempo, parecer que tenha mudado a vida verdadeiramente e
por três anos contínuos perseverado no emendamento, queremos que possa ser
reintegrado in pristinum pelo Capítulo Geral.
Porém, caindo uma segunda vez na pena do cárcere, como acima, queremos que
lhe seja duplicada a pena; e, caindo uma terceira vez, seja considerado e castigado
como incorrigível.
47
Trad.: descreve a própria injúria.
115
488. Que, em todo o ano, se reze a prima e terça hora juntas; mas, na quaresma e
todas as festas de preceito, se rezem juntas a prima, a terça e sexta hora.
489. Que, terminado o sinal para a prima hora, se dê início ao ofício e o sinal seja
dado pelo superior e, no final do ofício, o sinal seja dado pelo hebdomadário e isto seja
observado em todos os outros sinais do Ofício.
491. Que, durante todo o ano, as completas sejam rezadas antes da oração.
493. Que nas completas se diga Jube domne benedicere em voz alta, como se
entoa Fratres sobrii, etc.
494. Que não se reze a Salve Regina após o ofício, quando seguem as ladainhas,
missa e ofícios dos mortos, desde que indicados pelo missal e breviário.
495. Que o sacerdote permaneça parado até que tenha sido terminada toda a
oração e não vá caminhando pelo coro e não parta enquanto não se tenha entoado o
Te Deum laudamus e terminado o primeiro versículo.
496. Que aos santos duplos e aos domingos se toque o sino ao Te Deum
laudamus, tendo dado antes três badaladas para chamar os irmãos leigos, a fim de
que venham ao Te Deum, etc. e ao princípio das laudes.
497. Que os acólitos estejam sempre ao ambão enquanto se diz o ofício divino e
ainda estejam ao ambão enquanto se dizem todos os versículos; e, terminados os
ditos versículos, feita a devida reverência ao Santíssimo Sacramento, façam-na pois,
um depois do outro, e, assim, voltem a seus lugares, terminada a oração.
498. Quando tocar o último sinal do ofício, antes que termine, os frades se
levantem em pé e se dirijam ao seu lugar para dizer o Pater noster e a Ave Maria, sem
barulho, com quietude e com devoção.
501. Que, no dia dos mortos, se façam cerimônias em três lugares: primeiro,
diante do altar; segundo, no meio da igreja; terceiro, onde estão os nossos mortos.
116
502. Que, em todas as províncias, ao meio dia, se toque a Ave Maria durante todo
o ano; e, estando os frades à mesa, se levantem de pé.
504. Que, para a missa conventual de santos duplos e das festas solenes, se
toquem três sinais longos e um curto com as badaladas; e quando o sacerdote vai ao
altar, se dêem quatro ou cinco badaladas; nos outros dias se toquem somente dois
sinais longos e um sinal curto com as badaladas, como acima.
506. Que, onde se celebram muitas missas, não se toque, senão para as que se
celebram no altar grande.
508. Que, quando se usa o incenso, o clérigo que serve vista a cota, se for Natal,
Páscoa ou festa solene do Senhor, de Nossa Senhora, dos Apóstolos e de santos
solenes, do pai São Francisco e de qualquer santo de nossa Ordem.
509. Que, ao evangelho, o servidor da missa leve sempre o missal à outra parte e
não se acenda a vela.
510. Que se deixe a vela acesa da consagração até quando o sacerdote tiver
comungado.
513. Que se façam as procissões de ramos sempre com o Attolite portas, segundo
o uso de São Pedro de Roma.
515. Quando o sacerdote pronuncia Domine non sum dignus, não esteja ereto,
mas um pouco genuflexo com reverência.
517. Quando se faz a última purificação, seja feita na bandejinha ou no prato das
galhetas e se seque com o manustérgio e não com o sanguineo, como antigamente se
fazia.
519. Que o Creio seja rezado na festa de São Francisco e durante a oitava; nos
outros nossos santos, seja rezado apenas no dia da festa.
523. Nas missas votivas, não seja lido, no fim, o evangelho ferial, mas o In
principio erat Verbum.
524. Nas festas e domingos de preceito, não se ouça a culpa, exceto quando
parecer ao prelado, por algum caso particular.
527. Que, quando os acólitos dizem Gloria Patri, depois dos versículos ou
responsórios, estejam voltados para o Santíssimo Sacramento e para ele façam
reverência.
528. Que, quando o sacerdote se veste para a missa, o acólito lhe ponha a alva na
cabeça e, em seguida, puxe-a para baixo por detrás.
529. Que, nos nossos santos, isto é, o pai São Francisco, Santo Antônio, São Luís,
São Boaventura e Santa Clara, celebrem-se solenissimamente, como dizem as
rubricas, com suas oitavas.
530. Que São Diogo se celebre semi-duplo, no dia 13 de novembro, para não
impedir São Martinho, papa e mártir.
531. Que Santa Isabel, São Luís, rei da França, Santo Elzeário, Santo Ivo se
celebrem semi-duplos.
AGC, AG 1, f.96r-v.
539. Que não permitam que as celas sejam mantidas fechadas e qualquer um; e
que for encontrado tendo-a fechada seja punido como proprietário.
540. Que não permitam a simples sacerdotes e nem a clérigos, nem a leigos,
bolsinhas ou saquinhos ou coisas semelhantes.
541. Que não permitam aos pregadores algo além dos escritos e quatro ou cinco
livros mais necessários e os outros sejam depositados todos nos lugares pelo padre
provincial.
543. Que não se possam vestir três peças sem a licença do provincial.
544. Que de modo algum se permita esconjurar nem homens e nem mulheres,
nem qualquer tipo de pessoa.
548. Que os frades que vão girando mais que aquilo que explica a obediência,
sejam punidos pelos provinciais.
551. Que se observe a ordem acerca dos maus e, no decreto que se fizer, se
expliquem as causas.
552. Que não se recebam religiosos de outras religiões sem licença do padre
geral.
553. Que não se recebam noviços sem consultar os definidores, e, para tal fim,
poderão reunir-se duas vezes por ano e, na reunião, resolva-se também a distribuição
dos pregadores e a ordenação dos clérigos.
555. Que os frades que pediram para ser mudados da própria província para outra,
se isso lhes for concedido não possam ter voz passiva na outra província por três
anos.
556. Que os frades não se valham das obediências solicitadas pelos leigos e quem
o fizer seja privado da voz ativa e passiva por um ano.
557. Que aos frades que, de ordinário, não acorrem ao coro de dia e de noite,
mesmo que afirmem não ter condições, não se permita sair de casa, se o solicitarem.
AGC, AG 1, f.122r-v.
558. Se o padre geral pode ser confirmado por mais três anos ou não. Obteve 84
votos a favor e 22 contra.
559. Se o padre geral pode usar cavalgadura ou tenha liberdade de não usá-la:
sim, que deva usá-la 79, que não 27.
120
560. Se o padre geral deva ficar fora por três anos, se não for confirmado,
podendo, porém, ser guardião, definidor e provincial; e, se for confirmado, deva ficar
fora por seis anos e de qualquer outra prelatura por três anos: sim 59, não 47.
561. Se o provincial, concluído o triênio, sabendo que deve ficar livre de qualquer
prelatura por um ano (de acordo com as constituições antigas), tenha, porém, que ficar
fora do provincialato por seis ou mesmo por três anos: 73 por três anos; 33, por seis.
563. Se, em todas as províncias, os clérigos devem preceder aos leigos, mesmo
idosos: affirmative 99, negative 5.
566. Que os processos velhos não se revejam mais depois de seis anos, como
está melhor na constituição: affirmative 103, negative 1.
567. Que não se aceitem artigos não subscritos por quem os dá; e se forem falsos,
castiguem-se os autores: affirmative 76, negative 28.
568. Que os apóstatas sejam inábeis perpetuamente para toda prelatura e para o
definitório: affirmative 74, negative 31.
569. Acerca da dispensa aos ilegítimos deve-se observar a constituição, que é que
possam o provincial e os definidores da província dispensá-los de ser discretos,
vigários da casa, guardiães, definidores provinciais; mas, para ser custódio do capítulo
geral, provincial, definidores do capítulo geral e mesmo geral, o padre geral e os
definidores do capítulo geral possam-nos dispensar: foi colocado em votação e venceu
com 98 votos e contra foram 6 votos..
AGC, AG 1, f. 148v-152r.
121
Aos 4 de junho foram registrados os votos dos vogais do Capítulo Geral sobre os
tópicos infra- escritos:
570. E primeiro foi proposto se o padre geral devia durar somente três ou mais;
obtém-se o mais com 94 votos.
571. Se o geral devia durar somente quatro anos ou mais; obtém-se o mais com71
votos.
572. Se o geral devia durar cinco anos ou seis; obtêm-se para cinco 64 votos e,
com isto, que, por outro igual tempo, devesse ficar fora de toda prelatura.
574. Se quem foi geral devesse ter voto ou não nos capítulos provinciais e gerais
sem eleição: obtém-se que não com 78 votos.
577. Se os clérigos tenham que esperar oito anos antes de ser ordenados
sacerdotes. Obtém-se que sim com 85 votos, porém, que attingant octavum annum48.
579. Se o frade incorrigível deva ser mandado fora da nossa religião por sentença
definitiva de padres novos e velhos das províncias, isto é, dos provinciais, definidores
da mesma província e custódios do capítulo geral. Obtém-se que sim com 100 votos.
580. Propôs-se se o ofício do padre geral devesse durar cinco anos, a fim de que
pudesse em tal tempo visitar toda a religião, aquém e além dos montes. Obtém-se que
sim com 64 votos, mas que, porém, passado o tal tempo do qüinqüênio deva ficar fora
por igual tempo de toda prelatura.
581. Se o ofício do padre procurador devesse durar por outros cinco anos. Obtém-
se que sim com 62 votos, mas que depois tenha que ficar fora da procuradoria por
igual tempo.
582. Se o padre procurador de corte, expirado o seu qüinqüênio, tivesse que dizer
a culpa no capítulo geral seguinte. Obtém-se que sim com 100 votos e que a diga
antes que se façam as novas eleições.
48
Trad.: cheguem o oitavo ano.
49
Trad.: cheguem o quinto ano.
122
583. Se os clérigos, presentes e futuros, tivessem que ficar oito anos antes de se
fazerem sacerdotes. Obtém-se que sim com 85 votos, mas podem ser ordenados
iniciado o oitavo ano.
584. Se os guardiães têm que fazer servir e exercitar no ofício dos clérigos
também os sacerdotes que vieram e vêm para a religião, padres seculares ou
religiosos de qualquer Ordem, por quatro anos completos. Obtém-se que sim com 106
votos mas que, entrados no quinto ano sejam como os outros sacerdotes.
587. Ordenaram ainda que os apóstatas das províncias da Itália, que chegam a
Roma para apresentar-se ao padre procurador da Ordem, recebidos e absolvidos que
forem, voltem para suas províncias, com o mesmo hábito com que se apresentaram,
com prévia admoestação que observem durante a viagem a obrigação de sua
profissão.
Mas que os das províncias ultramontanas, por motivos razoáveis, sejam
mandados tomar o hábito não em suas províncias, mas nas contíguas, nos confins da
Itália, isto é, na de Milão, de Gênova ou de Veneza, conforme a estrada para a qual
serão endereçados pelas cartas obedienciais às próprias províncias, às quais,
oportunamente, serão acompanhados de lugar em lugar. Não se entende, porém, com
tal ordem, prejudicar o direito do padre procurador de restituir-lhes o hábito ainda em
Roma, quando assim à sua paternidade parecer expediente.
588. Para dar oportuno remédio a tantas dificuldades que nossa religião recebe
dos frades maus, depois de madura consideração, declarou-se e determinou-se que
os frades maus são os inquietos, os fastidiosos com frades, arrogantes com prelados,
acostumados a recalcitrar contra obediência, perturbadores da paz e, finalmente,
frades que, por seu mau comportamento, não encontram superiores que os queiram
nas suas famílias nem, ordinariamente, súditos que estejam de bom grado com eles.
589. Ordena-se ainda, que os vigários provinciais, todo ano, proponham nos
capítulos provinciais o problema dos maus e, negligenciando de colocá-la em
discussão, que tenham que passar a pão e vinho sempre que se repetir a negligência.
Mas, para propô-la de bom modo, convocarão, primeiro, os definidores com outros
padres principais e mais maduros da província, que cheguem ao número de oito, e,
depois, todos juntos, isto é, o padre provincial com os outros oito, jurem dar seu voto
123
segundo Deus e sua própria consciência e não revelar jamais a ninguém quem foi
proposto como mau, a fim de que cada um possa mais livremente proceder em tal
ação.
Antes, a fim de que tudo se faça com maior sigilo, queremos que cada um dos
ditos padres anote num bilhete quais osfrades que, segundo sua consciência,
merecem ser propostos como tais; e todos os bilhetes sejam colocados secretamente
juntos em um vasilha preparado para este fim. E quem não tiver conhecimento de
algum para propor como mau coloque na vasilha seu bilhete em branco. Depois, o
padre provincial ou qualquer um dos mesmos padres, por sua comissão retire os
bilhetes, um a um, e leia imediatamente com voz clara, que seja entendida por todos,
e ainda mostre publicamente o bilhete a cada um deles, a fim de que melhor se
descarte qualquer suspeição de fraude.
Publicados, entre eles, os nomes dos frades lidos nos bilhetes, será lícito então a
qualquer dos frades dizer o que lhe ditará a consciência em favor ou desfavor. Depois
disso, colocar-se-á em escrutínio secreto cada frade que for proposto como mau e
concorrendo dois terços dos votos, faça-se conjuntamente uma ata na semelhante
forma:
“Tendo sido proposto em definição para nós, abaixo assinados, se Frei.... merece
ser declarado mau ou não e, sendo nós constrangidos a manifestar nosso parecer,
segundo Deus e segundo a consciência, por obediência e zelo, demos os nossos
votos com juramento e duas partes são concordes no sim. Em fé disto subscrevemo-
nos de nosso punho”.
591. Acrescente-se que a intenção absoluta de nosso senhor papa Paulo V é que
não haja outros casos reservados a não ser aqueles que estão expressamente
especificados no decreto de Clemente VIII.
593. Que nenhum frade tem autoridade de confessar nos lugares a não ser os
confessores deputados de acordo com o decreto de Clemente VIII.
50
Trad.: outra vez ou pela segunda vez.
51
Trad.: acerca de revelação.
124
595. Que aos mesmos confessores deputados se lhes conceda a licença de poder
liberar o frade de todas as censuras e irregularidades incorridas, reservadas ao padre
provincial e ao padre geral, sed hoc in foro conscientiae tantum52.
596. Que os frades que vão aos lugares mais próximos de outras províncias, não
possam, de modo algum, ser mandados mais adiante nem pelos superiores locais e
nem pelos superiores maiores de tais províncias.
598. Que somente pelos dois primeiros anos os estudantes sejam propostos aos
estudo, por parte dos padres, por escrutínio acerca de sua suficiência; mas acerca das
coisas dos costumes, a cada ano; e antes de serem propostos ao estudo, no primeiro
ano, sejam examinados pelo padre provincial na presença de mais padres de saber.
599. Que não se promovam ao estudo, por dois anos, frades forasteiros, se não
eram estudantes de fato, quando partiram de suas províncias ou que não tenham dado
bom exemplo de si mesmos. Depois de suficiente prova por dois anos, podem ser
enviados aos estudos, observando, porém, o que foi dito acima a este propósito.
600. Que nem os padres das províncias nem os lentes peçam a obediência da
pregação para os estudantes enquanto não tiverem concluído inteiramente todo o
curso de teologia.
602. Que não se recebam esmolas pecuniárias por ocasião da pregação, sob
qualquer pretexto de pagamento, de vestimenta, de livros e de qualquer outra coisa.
604. Que se reze também o ofício próprio dos santos das dioceses, de acordo com
o calendário dos bispos.
605. Que, para todos os nossos coros, os guardiães dos lugares procurem ter o
martirológio do senhor Cardeal Barônio.
606. Que em todos os lugares haja a bula In Coena Domini ou, pelo menos, o seu
sumário.
607. Que, em toda província, se for possível, haja algum seminário de jovens
recentemente professos, onde sejam instruídos por algum frade idôneo nos exercícios
espirituais, tanto internos quanto externos.
52
Trad.: mas isto somente em foro de consciência.
125
610. Missa conventual. Que a missa conventual seja sempre aplicada para todos
os frades e benfeitores vivos e mortos e não para algum particular sem necessidade.
611. Patenas. Que todas as patenas sejam de prata ou, se forem de cobre, sejam
bem douradas.
53
Trad.: em nome do Senhor.
126
614. Luz. Recitando, de noite, os ofícios sagrados tanto de Nossa Senhora quanto
do Senhor, esteja sempre aceso o lume para que não se façam erros, se veja a
localização dos frades e possam entrar e sair sem atropelos; e tenha-se também
aceso algum lume durante o tempo da oração. Igualmente, arda no dormitório algum
lume, ao menos quando se chamam os frades para as matinas.
616. Ofício divino. Que se reze o ofício atenta e devotamente conforme as nossas
constituições e os sagrados cânones, com as devidas pausas e não apressadamente
e correndo.
617. Oração. Que não omitam as orações ordinárias e que nenhum frade seja
chamado da oração para tratar com seculares, se não forem grandes personagens ou
necessidade muito urgente e com licença do padre guardião.
Que se faça estudo particular sobre isso, conforme a exortação do nosso pai São
Francisco, no capítulo X.
618. Limpeza nas coisas do culto divino. Que se zele pela a limpeza das coisas do
culto divino, como a respeito do sagrado altar e as coisas a ele referentes:
paramentos, alvas, corporais e outras coisas; a respeito das quais, na visita, se fará
diligente inquisição. Ao contrário, deve-se evitar a limpeza exagerada e contentar-se
com aquela que convém ao nosso próprio estado. Véus de cálices, recamados de
seda e de ouro preciosíssimo, não sejam aceitos. Não se coloquem tapetes junto ao
altar-mor em qualquer festa, mas se atenda à nossa simplicidade.
619. Capas. Muitos usam os capas muito compridas e o abuso está crescendo;
por isso, ordena-se que os provinciais façam-nas cortar todas, conforme a medida das
constituições.
620. Celas. Não se permita que os frades mantenham as celas fechadas, como se
ouve que muitos fazem, mesmo não sendo oficiais.
622. Habito aberto. Não se vista o hábito aberto, de tal maneira que dos flancos se
veja a carne nua ou as ceroulas, mas se observe a devida religiosidade.
623. Falar a monjas. Alguns crêem que o decreto de não falar com monjas sem
licença não acarrete ou não inclua o pecado mortal; mas a sagrada congregação dos
regulares declarou que está incluído.
127
625. Viandantes. Os guardiães não mandem os frades fora de seus limites, nem
os custódios fora de sua custódia, nem os provinciais fora de suas províncias. E,
ocorrendo de fazê-lo por qualquer necessidade, dêem disso aviso imediato ao
superior.
626. Culpas a ouvir-se. Os guardiães não deixem de ouvir as culpas três dias por
semana, mesmo que não haja faltas particulares, a fim de que se mantenha essa
usança utilíssima para a religião. Nenhum frade ouse eximir-se da disciplina no
refeitório, sob pena do caparão por um mês.
629. Provinciais. Os padres provinciais não façam as visitas com pressa ou por
cerimônia: façam sermões sobre coisas da Regra, ao menos duas vezes por visita,
façam as expropriações todo ano, visitem as oficinas, as celas, as sacristias, as igrejas
e, na visita, façam ler estes lembretes do capítulo geral.
630. Estudantes. Quando se tem que fazer algum estudo, faça-se no capítulo,
pelos padres, uma discussão acerca daqueles que devem ser propostos, mas não
sejam nomeados enquanto, reunindo-se a primeira vez não forem chamados a tal
congregação e examinados na presença de todos os padres; os quais, observadas a
vida e a capacidade, façam a aprovação, em escrutínio secreto com grãos e favas, e
quem for aprovado pela maioria será estudante.
Realizem-se, durante os estudos, exercícios habituais; e aqueles que não querem
fazer as repetições, etc., sejam, decididamente, suspensos. Estudem-se a lógica e a
filosofia ao menos por três anos e a teologia por quatro anos. E os padres, realizando
a provação para a pregação, comprovem os anos de seu estudo com fé juramentada.
Ocorrendo que um estudante passe de uma província para outra, tenha a certidão
de uma e outra província, a fim de que se saiba todo o tempo que gastou no estudo.
631. Pregadores. Que os pregadores, por ocasião da pregação, não façam petição
para seus parentes, mandando-lhes dinheiro mediante letras de câmbio sob pena de
serem, ipso facto58, suspensos da pregação a nosso arbítrio.
54
Trad.: Esta é a eleição canônica.
55
Trad.: mudando aquilo que deve ser mudado.
56
Trad.: custódio dos custódios.
57
Trad.: do corpo, isto é, da corporação da província.
58
Trad.: pelo mesmo fato.
128
Que tampouco se recomendem parentes de frades, por mais pobres que sejam,
sem licença in scriptis do padre provincial da província onde pregarão; ao qual se
adverte que não seja fácil em concedê-la pelos muitos inconvenientes que se seguem.
Nem mesmo se faça petição para obras pias sem especificar qual há de ser a obra
pia, porque os seculares ficam escandalizados e fazem juízo de que as esmolas vão
para os pregadores ou seus parentes.
Não se enviem esmolas pedidas pelos pregadores para fora da cidade ou das
terras onde pregaram; mas empreguem-se para as necessidades daquelas mesmas
cidades ou terras.
Que os pregadores façam quaresma e jejuem,e não como fazem alguns que,
de manhã, após a pregação, tomam um bom desjejum como se fosse almoço e, à
noite, ainda ceiam, o que não pode passar sem admiração dos seculares.
Que sob nenhum pretexto se admitam mulheres nos quartos dos pregadores, mas
sejam Christi bonus odor in omni loco.59
Que não se procurem púlpitos, mas remetam-se à simples obediência e vejam
onde serão enviados.
633. Vogais para o capítulo geral. Que nihil innovetur60, mas observem-se as
nossas constituições, como foram observadas por tanto tempo por nossos padres de
prudência, doutrina e espírito, a fim de sermos mais conformes à nossa regra, aos
louváveis costumes e a toda boa e reta razão. E, tendo-me sido ordenado por nosso
senhor, por rescrito, referente a um memorial enviado por sua santidade, que eu faça
aquilo que convém, julguei conveniente que nihil innovetur .
634. Capítulos provinciais. Foi proposto por alguns padres que seria bom ordenar
que o capítulo provincial se fizesse uma vez a cada três anos e os padres provinciais e
definidores durassem por um triênio. Esta proposta leva consigo mil dificuldades e
grandíssimos inconvenientes; e, por isso, sendo feita duas outras vezes em capitulo
geral sem ser aprovada, julgou-se que não mais se deva propor no futuro, como coisa
que, quando passasse, seria muito prejudicial à nossa religião.
635. Príncipes seculares. Não há coisa mais contrária ao bom governo, tanto
temporal como espiritual, do que a razão de estado e que as nossas coisas se tratem
por interesses particulares de príncipes. E, por isso, ordena-se, melhor, recorda-se o
decreto da clementina de statu monachorum61, que nenhum religioso, sob pena de
excomunhão, recorra a cortes de príncipes em dano da religião.
Que não se trate de nenhum negócio em ditas cortes sem licença in scriptis, ou
minha ou do padre provincial.
Que não se lhes revelem os segredos da nossa religião.
Que não se fale mal e nem se digam bisbilhotices a respeito deles. Se alguém fizer
o contrário, seja acerbamente punido e expulso da província a nosso arbítrio.
636. Memoriais ou cartas. Que não se proíba e nem se tenha a intenção de proibir
o recurso de frades ao papa e aos senhores cardeais da congregação, tanto por cartas
59
Trad.: bom odor de Cristo em todo lugar.
60
Trad.: nada se inove.
61
Trad.: acerca do estado dos monges.
129
quanto por memoriais. Mas sejam recordadas a religiosa modéstia e reverência que se
devem ter com eles e com a religião. Se alguém for surpreendido fazendo o contrário e
usando palavrões impertinentes, será castigado severissimamente, conforme o
excesso, especialmente quem narrar falsidades e com modo indébito.
Nossos votos
62
Trad.: ao máximo.
63
Trad.: lapso da carne consumado por obra (ato) voluntário.
64
Trad.: atos exteriores.
65
Sifilis
130
640. Outras coisas indiferentes. Que não se aceitem províncias novas, se primeiro
não forem propostas e aceitas por votos secretos pelos padres vogais do capítulo
geral.
641. Que nas províncias novas e aceitas não se permita introduzir coisas diversas
e contrárias ao nosso instituto, como ter os frades cuidado de congregação de homens
seculares; fazer novas procissões na quinta-feira santa; celebrar a missa cantada com
sacerdote, diácono e subdiácono paramentados; permitir a jovens, no convento,
exercícios espirituais por algumas semanas, antes que sejam recebidos na religião,
como fazem os padres jesuítas e semelhantes, mas se observe a nossa simplicidade e
uniformidade; e onde foram introduzidas semelhantes coisas, com bom modo sejam
retiradas.
642. Que nossas constituições impressas sejam lidas por todos, em cada lugar
nosso, ao menos uma vez a cada dois meses. E, se aparecer algo a ser corrigido e
emendado, que se emende e se corrija; mas, por enquanto, sejam lidas assim como
estão. E os passos que pareçam obscuros ou não estão bem, entendam-se piamente
e sine preiuditio67.
643. Que, de nenhum modo, se ornem nossas igrejas com alfaias de seda e com
outros tecidos semelhantes.
644. Que seja retirada a novidade introduzida por algumas províncias, de celebrar,
em toda manhã, para sempre, uma missa para os fundadores de nossas lugares.
646. Que sendo concedida a sepultura para alguém, de modo algum permitam-se
enfeites no sepulcro ou colocar pedras de mármore ou outra curiosidade.
648. Que os capítulos nas províncias não se façam com muitas despesas e
excessos; mas, de acordo com as exigências de nossa pobreza, contentem-se com o
necessário.
649. Que as disciplinas a serem feitas no refeitório, tanto pelos frades professos
como pelos noviços, não sejam dispensadas e não sejam realizadas no dormitório ou
na igreja.
66
Trad.: a sós.
67
Trad.: sem preconceito (pré-julgamento)
131
650. Que os padres provinciais, quando lhes fizer a visita e falarem comigo, dêem-
me informações a respeito de suas províncias.
651. Que,na correspondência dirigida a mim, não me dêem outro tratamento além
de “muito reverendo” e os frades subscrevam-se com o nome próprio e ofício: leigo,
clérigo, sacerdote, pregador, etc.
652. Que todos rezem a Deus por mim e pela religião e estejam contentes todos
os sacerdotes, para tal fim, em celebrar uma missa, a fim de que nosso Senhor me
ilumine a fazer sua santa vontade e a bem e santamente governar a religião.
AGC, AG 1, f.215v-218r.
653. Por ser um antigo costume dos religiosos congregar os capítulos gerais para
conservar o candor da disciplina e a observância regular e prevenir abusos que, por
causa da fraqueza humana, diariamente, pululam nas religiões, para este fim, no
presente capítulo geral, celebrado em Roma, em 1618, da parte do muito reverendo
padre Frei Clemente de Noto, geral, e dos padres definidores, com madura
consideração, foram emanadas algumas ordens a serem inviolavelmente observadas
em toda a nossa congregação. E são as seguintes:
654. In primis, ordena-se pela santa obediência a todos os frades que ninguém
presuma recorrer fora da religião para obter dos superiores obediência e graças. E, se
alguém for observado fazendo o contrário, além da ofensa divina, que deve ser temida
acima de qualquer pena, será também punido como transgressor deste preceito.
655. Sendo que das visitas maduramente conduzidas depende, em grande parte,
a manutenção da nossa religião, ordena-se que os reverendos padres provinciais não
façam suas visitas apressadamente e, como se costuma dizer, por hábito; mas
permaneçam nos conventos tanto quanto possam comodamente informar-se sobre
como os frades caminham acerca da observância da regra, das constituições e das
ordens.
132
656. E, neste tempo, façam sermão sobre a regra, visitem as sacristias e todas as
outras oficinas do convento cuidando para que não haja nada e nem provisões
supérfluas. E realizem as expropriações, com diligência e sem parcialidade, não lhes
concedendo mais do que aquilo que discretamente se deve, segundo a condição dos
ofícios e das pessoas. E, se algum frade fosse descoberto na expropriação
escondendo alguma coisa, sem mostrá-la ao padre provincial, seja por ele
severamente punido como proprietário. Nem lhe valha dizer que quer mostrá-la ao
padre geral, ou que tem licença do mesmo, ou que a coisa é vil e de pouco valor.
657. Considerando, entre outras coisas, o grave dano que possam causar à Igreja
e à religião os pregadores pouco exemplares, ordenamos que não sejam mandados
pregar onde não possam ir a pé e que não permitam e muito menos procurem que
para eles sejam pagas barcas para viajarem por água. E, se encontrarem culpados
nisto, sejam punidos pelos padres provinciais de acordo com a falta.
658. Ordenamos ainda que, por ocasião da pregação, não façam coletas em favor
de parentes, mandando a eles dinheiro por letras de câmbio ou de outra maneira, sob
pena de serem gravemente punidos e suspensos do ofício da pregação, a critério do
padre geral. Mas, ocorrendo fazerem qualquer coleta ou recomendação para parentes
notavelmente pobres, seja pelos próprios pregadores ou por outros frades, queremos
que, de qualquer modo, obtenham primeiro a licença in scriptis do padre provincial da
província onde pregam e ele não seja fácil em concedê-la, sem primeiro informar-se
da gravidade da necessidade proposta; isto por causa dos muitos inconvenientes que
soem acontecer.
659. As coletas para outras obras pias não sejam feitas sem a licença do ordinário
e sem explicar ao povo a qualidade da obra a que se destinam. E não permitam, de
nenhuma maneira, que o dinheiro seja levado para seus quartos, a fim de evitar, junto
aos seculares, toda a sombra de dúvida ou suspeita; e, procedendo de modo
diferente, sejam punidos como proprietários.
660. As esmolas, recolhidas numa região, não sejam levadas para fora da cidade
ou da região em que foram recolhidas, mas deixem que os encarregados as
empreguem naquele lugar, sem nenhuma ingerência de nossa parte, como querem as
nossas constituições.
661. E, para que sejamos o bom odor em qualquer parte, ordena-se que, nos
quartos em que estão os pregadores, não se deixem entrar mulheres. E se, às vezes,
houver necessidade de tratar com elas por motivos de conselhos espirituais, façam-no
raramente, na igreja ou em outro lugar patente, onde possam ser vistos, ao menos,
pelo companheiro.
662. Quanto aos estudantes, considerando o prejuízo que causam à Ordem por
sua incapacidade e falta de bom espírito, ordena-se que, nisto, sejam observadas com
exatidão as constituições impressas e as ordenações do capítulo geral passado; isto é,
que, quando se trata de empreender um estudo novo, os padres, no capítulo
provincial, façam diligente reflexão a respeito dos jovens que irão estudar.
E, antes de serem nomeados e publicados, ordenamos que os estudantes sejam
convocados ao capítulo ou a outra congregação, onde for mais cômodo, para serem
examinados não superficialmente na presença de todos os mesmos padres e, feito o
dito exame, sejam submetidos ao escrutínio secreto por grãos e favas, no qual quem
133
663. A lógica e a filosofia seja lida pelo menos por três anos e a teologia por
quatro; e, no estudo, façam-se os exercícios ordinários. E aqueles que,
ordinariamente, se recusam a realizar as discussões e repetições costumeiras, sejam,
inapelavelmente, afastados do estudo.
666. Porque os antigos padres, com santo zelo, ordenaram que em nossas igrejas
não se sepultassem seculares, ordenamos que nenhum superior presuma conceder
sepultura a seculares e nem receba, em depósito, os corpos dos defuntos em nossas
igrejas, sem licença expressa do muito reverendo padre geral. E quem fizer o contrário
seja inapelavelmente privado de seu ofício
Ordena-se ainda, que se transfiram, onde existem, sepulturas perpétuas e
hereditárias de seculares de qualquer grau e condição, explicando os motivos pelos
quais o Capítulo Geral emanou esta ordem.
667. Quanto aos confessores, para prevenir os graves inconvenientes que, de sua
ignorância, podem ocorrer na administração do sacramento da penitência, ordenamos
estritamente que, em três ou quatro lugares de cada província, se estude, ao menos
três vezes por semana e em todas as festas, casos de consciência, explicados por
padres idôneos, deputados pela definição; a esse estudo devem comparecer todos os
sacerdotes e clérigos presentes no dito lugar.
134
669. Para pôr um fim à excessiva movimentação dos frades, ordena-se que os
guardiães não mandem frades fora de sua guardiania, nem os custódios fora de sua
custódia, nem os provinciais fora de sua província. E, especificamente, ordenamos
que os custódios não exerçam sua autoridade a não ser em casos urgentes, em que
não seja possível a presença ou a resposta do padre provincial. E, procedendo de
modo contrário, sejam corrigidos por seu provincial e, de modo algum, permita-se que
se usurpem maior autoridade do que a prevista pelas constituições.
[Construção de conventos]
673. E os padres provinciais quando fizerem visita aos lugares onde moram tais
jovens, queremos que façam diligente inquisição a respeito da observância dessa
nossa ordem, e castiguem, sem exceção, os transgressores. E, se encontrar algum
frade, que, para tais jovens, for motivo de relaxamento, com falatórios, revoltas,
conversas ou outros maus exemplos, castiguem-no severamente e seja
imediatamente removido daquela família.
674. E, por ser esta uma decisão por nós estimada acima das demais, pedimos e
exortamos eficazmente, por palavras e afetos, pelas entranhas de Jesus Cristo nosso
135
[Admissão ao Noviciado]
676. Ordena-se que não sejam recebidos religiosos de outras religiões, exceto as
militares, sem expressa licença do muito reverendo padre geral. E não seja recebido
ninguém que não seja acompanhado por pelo menos seis meses, após ter
manifestado sua intenção ao padre provincial. Durante este tempo, tomem-se
informações a respeito de sua natureza e comportamento e se provará se a vocação
é, de fato, firme.
[Novas fundações]
677. Ordenamos, ainda, que não se receba nenhum lugar e nem se construa outro
novo, se, antes, todos os padres, unidamente, não tiverem dado permissão e obtido
licença do muito reverendo padre geral; e antes que tal licença chegue, não se
proponha em capítulo e nem se tomem votos.
[Hospitalidade fraterna]
Quando estiverem à mesa, os oficiais provejam-lhes tudo que for necessário para
sua refeição, observando, de tempo a tempo, que não lhe falte coisa alguma. Mas os
outros frades, a quem não cabe o ofício, retirem-se e não fiquem rodeando a mesa,
rindo, gracejando, contando piadas, conversas fiadas, transformando a santa
hospitalidade religiosa quase num alojamento secular e estrepitoso de taberna.
683. Ninguém ouse mandar ou de abrir cartas sem esta consignação. sob pena de
fazer disciplina no refeitório, vez por vez. E, observando o superior pelas cartas que
lhe são confiadas, que alguns de seus súditos cometem excessos no escrever, corrija-
os; e quem, corrigido, não se emendar, faça, vez por vez, disciplina no refeitório, da
qual o superior não pode dispensá-los. E esse excesso dos frades no escrever cartas,
queremos que em tudo e por tudo seja submetido ao julgamento do superior.
684. Os jovens, antes de completar sete anos de religião, peçam licença antes de
escrever; e, quando tiverem escrito, levem a carta, mostrando-a ao superior e, uma
vez vista e fechada, seja confiada ao mesmo para o devido despacho. E quem fizer
diferentemente, seja submetido às penas acima referidas.
Igualmente, queremos que sejam abertas todas as cartas remetidas aos ditos
jovens. E, para entregá-las ou retê-las, desejamos que seja prudente e discreto,
considerando bem a qualidade das cartas e fazendo aquilo que lhe parecer oportuno,
no Senhor. E se o padre guardião ou outro superior não fizer observar as ordens
supraditas, o padre provincial, na visita, faça-o fazer a disciplina no refeitório ou dar-
lhe-á outra penitência mais grave, conforme a gravidade do excesso.
contrário e tratem de eliminar, por todos os meios, tais sinetes ou coisas semelhantes,
vãs e seculares.
686. Para prevenir os muitos clamores que de muitos lugares vieram por ocasião
das procissões, ordenamos que nas procissões, das quais nossos frades participam,
levem a cruz de acordo com a concessão a nós feita por “Breve” de sua santidade o
papa, Paulo V, que nos dá a faculdade de poder erguer a nossa cruz, conforme a
ordem de lugares prescrita por Gregório XIII na bula que inicia com Exposcit, na qual
se estabelece a ordem de precedência entre os mendicantes pela antiguidade da
fundação dos mosteiros; o mesmo foi determinado pela sagrada Congregação dos
Ritos e desde então foi observado aqui em Roma.
Cuidem, portanto, os frades, para evitar o escândalo entre os seculares, que nas
procissões não contendam e nem discutam por causa da precedência; mas,
humildemente, peçam aos ordinários o lugar que, por justiça, nos é devido. E, não
podendo obtê-lo sem discussão e altercações, contentem-se, segundo a doutrina de
Cristo, de permanecer no último lugar.
[Comissários e visitadores]
687. Ordenamos que os nossos comissários, daqui para frente, deixem o nome de
comissário, como nome curial e secular, e sejam chamados com o nome de
visitadores, conforme São Boaventura e ao antigo uso da religião; e não queremos
que possam ser eleitos provinciais nas províncias em que são enviados como
visitadores, exceto os permanentes, que por merecimento, julgamos não deverem ser
excluídos de tais eleições.
[Ingerências indébitas]
688. Declara-se, além disso, e ordena-se que nenhum frade possa e nem deva, de
modo nenhum, direta ou indiretamente, pedir aos noviços suas roupas seculares para
parentes ou para outras pessoas, nem se ingerir, sob qualquer pretexto, na
distribuição dos bens temporais aos outros, como expressamente manda nossa
Regra. E, se alguém fizer o contrário, queremos que seja severamente punido como
transgressor da Regra.
de todos os modos, uma vez que ela causa prejuízo à pura observância da regra e à
boa fama de nossa religião.
[Frades apóstatas]
692. Ordenamos, ainda, que os padres provinciais, sempre que apostatar algum
frade de suas províncias, informem de imediato o muito reverendo procurador da
corte, descrevendo o lugar, a data e a ocasião da apostasia, quantas vezes já saiu da
religião e, também, a situação e o comportamento do frade, a fim de que tudo possa
ser registrado no livro dos apóstatas e, na ocasião, sejam tomadas em Roma as
decisões convenientes. E também todos os apóstatas sejam inscritos, como acima
referido, em livros apropriados nas províncias de onde saíram.
[Silêncio regular]
[Estudantes e professores]
695. Declaração a respeito da quarta ordenação. Para tirar qualquer escrúpulo que
poderia nascer sobre a quarta ordenação dos estudantes, declaramos que, naquela
parte onde se requer dos padres para a aprovação para a pregação a fé juramentada
a respeito do bom comportamento e da vida dos estudantes, entende-se que tal
juramento deva ser dado de acordo com o conhecimento que os respectivos padres
tiverem; ou seja, o padre provincial e o padre leitor e se algum outro definidor
pertencesse à mesma família, o guardião de estudo, devem dar uma declaração
juramentada de acordo com o conhecimento prático e ocular que moralmente possam
ter.
Mas os outros sacerdotes que não possuem o mesmo conhecimento afirmem com
juramento a boa fama deles, ou, pelo menos, de não saber e não ter em mente
qualquer informação contrária.
139
68
Trad.: segundo o mais e o menos.
140
697. Yves Magistri, nascido em Laval, entre os anos 1540 e 1550, fez-se frade
menor observante aos 29 de junho de 1563.
De 1569 a1571 visitou os conventos da Itália e depois os da Espanha e Portugal
em 1573: a austeridade de vida que descobriu o induziu a trabalhar pela reforma da
Ordem. Levou uma vida muito dinâmica e movimentada. Foi capelão das tropas
espanholas em Paris, no ano 1591, e desempenhou várias funções de pároco. Deixou
vários escritos, nos quais expõe as suas impressões sobre as várias reformas
franciscanas, louvando particularmente a vida fraterna e austera dos Capuchinhos.
Realmente, na sua viagem na Itália ele ficou profundamente impressionado pelo
seu modo de viver. Em Sena, encontrou um pequeno convento, baixo, só com o plano
térreo, pobre e austero. Em Roma, o convento lhe pareceu uma modesta habitação de
anacoretas. Em Bolonha, encontrou o geral dos Capuchinhos, Mário de Mercato
Saraceno, então enfermo, o qual nunca quis despojar-se da túnica na sua
hospitalização.
O observante francês tudo descreve com espírito de admiração e estima pela vida
pobre dos frades, porém, animada de sentimentos de verdadeiro Júbilo, espírito de
caridade fraterna e perfeita alegria.
Cita, em seguida, um trecho de sua obra "Ocularia et manipulus fratrum minorum"
impressa em Paris no ano 1582. O texto, considerado como uma clara defesa das
reformas franciscanas e, em particular, da Reforma Capuchinha, apresenta-se com
uma carta enviada ao novo geral da Ordem, Francisco Gonzaga, exortando-o
vivamente a favorecer a reforma no interior dos Observantes, apesar das resistências
e dificuldades.
696. Não creio que vossa paternidade reverendíssima esteja perturbada pelas
viagens na Espanha e na Itália, encontrando em diversas províncias tantos irmãos,
recoletos, reformados, descalços, capuchinhos que constantemente, dia e noite, se
lançam no caminho da sua profissão. Mas isto não se vê, reverendíssimo e
ilustríssimo padre, em nossa província, exceto em um convento; ainda mais, o que é
pior, impedem àqueles que procuram reformá-la, definindo-os como hipócritas,
cismáticos, singulares e ambiciosos. É que pensam que os que zelam pela reforma da
província sejam levados a agir por raiva, por não terem chegado ao fastígio do
provincialato no capítulo de Amboise ou de Argentan. Não me admiro disto, pois
arranjam sempre míseras desculpas para os seus pecados.
Mas para que saibam as vossas paternidades reverendíssimas, que eu assumi a
causa e as queixas dos ditos padres santos recoletos, reformados, capuchinhos e
descalços, irei aqui relatar levemente a vossas paternidades as virtudes e a santidade
dos frades daquelas províncias que visitei na minha longa viagem [...] para a
edificação dos presentes e dos futuros [...].
699. Sempre ele [São Francisco] observava o jejum da quaresma que Cristo
consagrou com seu santo jejum. O mesmo observei que fazem também muitos frades
descalços nos reinos de Castela e Portugal; e não só na Espanha, mas também na
Itália encontrei diversos conventos onde todos observam este jejum, especialmente
entre os Capuchinhos [...] Aqui se deve notar que os capuchinhos e os descalços não
deixam aos seculares cultivar a horta, mas eles mesmos o fazem; preparam a sua
refeição, cozinham e não admitem outras pessoas seculares. Para lavar os pratos e
142
tigelas observam a seguinte ordem: quem celebrou a missa conventual, naquele dia, a
ele toca lavar e os outros religiosos colaboram, seja manualmente, seja com a voz,
com a recitação dos salmos Miserere mei Deus secundum misericordiam tuam, De
profundis, com três orações, isto é, Deus qui inter apostolicos, Deus veniae largitor
fidelium. Terminadas essas orações, cada um deve recitar um Pater noster e Ave
Maria para aquele que preparou o almoço.
Este costume santo e louvável difundiu-se não só na Espanha, mas também entre
os Capuchinhos da Itália e os Observantes [...].
700. Reverendo Padre, julguei ser mais conveniente ilustrar estas minhas páginas
com os exemplos de suas obras que podem levar outros a imitá-los, em vez de
prolongar o discurso com rudes palavras. Peço-te, porém, incessantemente, reverendo
padre, que não pense que haja nisto alguma mentira. É claro e evidente que não pode
haver utilidade onde ha falsidade e ficção.
Voltando, pois, a falar desse instituto e continuando a exposição, narraremos
também virtudes dos frades Capuchinhos italianos e se pode dizer que imitam os
espanhóis. Se alguém quisesse pintar com pincel a sua vida, deveria verdadeiramente
retornar à primeira parte das Crônicas do nosso beatíssimo padre e lembrar a vida
daqueles seus primeiros companheiros. Parece-me que éa mesma.
701. Em Sena visitei o seu primeiro convento: era muito pobre e humilde, sem
nenhuma suntuosidade; não como os nossos que, às vezes, têm quatro andares e
lembram mais os palácios dos grandes príncipes que a habitação de pobres.Todos os
frades estavam observando o jejum quaresmal de São Miguel, introduzido pelo nosso
seráfico pai, antes de receber os estigmas de Cristo.
Não tinham celeiros ou adegas. A comida e a bebida a pediam e mendigavam
cada dia de porta em porta e isto, habitualmente, em todas as dezoito ou vinte
províncias dos Capuchinhos. Não fazem provisão de trigo ou de vinho, mas, como
homens verdadeiramente evangélicos, colocam todas as suas preocupações em Deus
que os alimenta abundantemente, na preocupação de não ultrapassar os limites da
santa pobreza que abraçaram pessoal e comunitariamente, como verdadeiros e
legítimos filhos de um tão grande pai.
702. Quando vi o seu convento em Roma, fiquei muito pasmado porque, mesmo
sendo suas casas em outros lugares bastante pequenas, pareceu-me estranho que
em Roma tenham construído e escolhido uma habitação tão modesta. Moravam lá
bem uns cem religiosos, mas não tinha a aparência de convento; lembra mais uma
espelunca, como aquelas dos antigos santos padres que habitavam nos desertos da
Síria ou da Tebaida, levando uma vida paupérrima. Encontrando-me à ceia com outros
hospedes, não havia quase nada para comer, nem carne, nem ovos, nem algum
peixe.
Que dizer de seus aposentos? Todos em geral dormiam sobre palhas, só cobertos
de sua pobre veste. O seu hábito, de fato, é pequeno, de pano vil a grosseiro; mais
cilício que hábito, poder-se-ia dizer. E este é usado não só no convento, mas em todas
as suas casas, por toda a parte. É o que observei nas províncias da Toscana, das
Marcas, na região veneta e ligúria e em toda a Lombardia. Mas como demorei
diversos dias na província de Romanha, como hóspede, vou contar alguma coisa que
lá observei.
703. Estando em Bolonha, adoeceu num convento o seu Ministro Geral, que já era
velho, de aspecto venerável, de barba branca e fluente; durante todo o tempo de sua
doença, não quis despojar-se de sua túnica ou vestir uma camisa e nunca usou lençol
143
de linho em seu leito. É um sistema que se usa por toda parte no cuidado dos seus
enfermos.
Que dizer da pobreza daquele convento? Embora residissem lá trinta frades,
devendo preparar, conforme a prescrição dos médicos, carne assada para os doentes,
não se encontrou em casa nenhum espeto de ferro; o cozinheiro teve que arranjar um
de pau para assar!
Como vos descrever, reverendo padre, os seus leitos? Basta dizer que em toda a
província, que compreende 23 conventos, nunca vi mais de duas ou três almofadas de
lã, para servir os doentes, Que mais disto?
705. Ainda assim, estando hospedado em Forlí, um dia chegaram dois venerandos
religiosos anciãos, ex-superiores de sua congregação. Tinham feito uma longa viagem
a pé, vinham do sacro convento do Alverne e a temperatura era pesada, pois foi no
mês de agosto. Para preparar-lhes uma refeição não se encontrava em casa a não ser
um pouco de pão, óleo e legumes. Com isso o guardião começou a socorrê-los,
enquanto furtivamente mandou uns frades a mendigar alguma coisa de melhor de
porta em porta.
E a sua humildade? Estes, durante todo o tempo de sua permanência, não
quiseram tomar um alimento ou fazer qualquer outra coisa sem a licença e a bênção
do superior.
Vem aqui a propósito falar das virtudes de outros superiores, sobretudo para que
os prelados da nossa mísera província aprendam a governar.
clemência, para que vivendo virtuosamente nesta nossa ordem religiosa, mereçamos
tornar-nos herdeiros do reino celeste,
708. O nosso pai São Francisco, em toda a sua vida, não quis possuir nada, a não
ser a santíssima pobreza, esposa diletíssima e amantíssima do Senhor Jesus.
É prova disso o fato de que ele e seus seguidores estavam contentes com uma só
túnica, toda remendada exteriormente, com ceroulas e uma corda rude. Tudo o que
possuíam era colocado em comum e ninguém teria ousado dizer que fosse de sua
propriedade qualquer coisa, nem sequer um livro, o breviário ou o hábito, como lemos
no primeiro livro da primeira parte das Crônicas de nossa Ordem minorítica, as quais,
se Deus quiser, oferecerei traduzidas em francês, para que também os irmãos e as
irmãs possam ler e entender o sentido.
710. Eis aí o modo de viver desses nossos primeiros frades e sobretudo do nosso
seráfico pai Francisco, que de tal maneira maltratava o seu pequeno corpo a ponto de
sentir-se culpado por isso, no leito da morte. Com certeza, nós não chegaremos a este
ponto, a não ser que sejamos completamente extravagantes, porque não fugimos das
comodidades e delicadezas, como ele e os outros nossos pais.
Quanto aos nossos antigos frades fundadores e reformadores desta nossa Ordem,
chamada dos Frades da Regular Observância ou da Família, lemos ainda na terceira
parte das Crônicas, no livro sétimo, como escreve Frei Tiago das Marcas, homem
dotado de toda virtude e ciência, famoso por milagres na vida e na morte, sempre no
dizer das ditas Crônicas e como se admira também nas pinturas de Nápoles.
711. Este, indagado pelo seu irmão e companheiro para que lhe contasse alguma
coisa de edificante sobre a observância da Regra, como os frades viviam no seu
tempo, respondeu: "Quando entrei na Ordem, todos os frades andavam mendigando
de porta em porta a lenha e a carregavam nas costas e quantos feixes de lenha
carregamos! Todos trabalhavam na horta e andavam esmolando a pé. São Bernardino
e eu andávamos sempre juntos. Os frades então eram muito fervorosos no serviço de
Deus, tranqüilos e modestos, sempre prontos a reconciliar-se em fraternidade.
Raramente ultrapassavam a porta do convento.
Habitavam em paupérrimas choupanas e não faltava o necessário, embora,
mendigassem o pão uma só vez na semana. Cada um procurava jejuar para o outro e
passavam até seis meses sem provar um bocado de carne ou comer ovos.
145
712. Do que foi dito, transparece a nossa mísera realidade e se constata como é
grande o nosso excesso na alimentação, quanta esquisitice, quanta ostentação nas
palavras, no comportamento, no modo de vestir. Excluo, porém, aqui a santa
congregação dos Capuchinhos ou dos descalços, os quais vivem a Regra à letra,
como já se notou.
Certamente os que professam a vida evangélica devem muito refletir com quanto
rigor e amor de Deus e exercício de oração se alcance a perfeição da altíssima
pobreza, infelizmente descuidada pela maior parte dos frades modernos.
Se os prelados e os súditos tivessem gravadas em seu coração as palavras de
São Tiago que diz: "Quem transgride em um só ponto, torna-se culpado de toda a lei"
(2,10), com certeza seriam mais diligentes para medicar a chaga, visto que não
adianta observarem a Regra de São Francisco, se faltam num ponto só, isto é, na
pobreza com relação ao hábito, aos calçados, ao dinheiro e outras coisas?
Certamente quanto à pena do dano não vale nada.
714. Tome nota, te digo, pois os padres que agora te apresento, isto é, Frei
Bernardino de Asti, exímio teólogo, que por nove anos foi Ministro Geral dos
Capuchinhos; e Eusébio de Ancona, da mesma dignidade e do mesmo período, e Frei
José de Milão e Jerônimo de Pistoia, teólogo parisiense, e o padre Tittelmans que
faleceu enquanto era provincial de Roma; e Frei Honório de Toscana, ministro da
província de Romanha, famoso pelos milagres depois da morte, como eu mesmo
constatei na fértil Bolonha; todos estes foram duas ou três e alguns deles também
quatro e mais vezes provinciais e todos eram grandes teólogos. E já tinham sido
franciscanos ou da família dos Observantes ou Conventuais antes de passar para a
santa congregação capuchinha. Pois bem, esses foram sempre deste parecer, ou
melhor, todos os frades da congregação dos Capuchinhos assim pensam, que não
nos é licito, absolutamente, alimentar-nos de carne ou de peixe quando bastam e são
disponíveis legumes, azeite ou outros alimentos dos pobres. Quem age ao contrário
peca contra a Regra no voto de pobreza e também contra o preceito da pecúnia.
No Capítulo Geral de Roma a dita congregação dos Capuchinhos ordenou que
nenhum frade capuchinho, por motivo nenhum, fosse esmolar queijo, peixe, manteiga
146
715. Mas ai de nós, infelizes, que ainda não cansamos de ofender a Deus e ainda
não somos capazes de sofrer qualquer incômodo por seu amor, pois é certo que não
apreciaríamos tanto as coisas que temos, quanto as estimaríamos, se nos
esquecêssemos de nós mesmos e lançássemos todas as nossas preocupações no
Senhor e pensássemos em Deus apenas.
O motivo de nossa incapacidade para cumprir tais coisas é que queremos servir a
dois senhores: a Deus e ao dinheiro, pobreza e superfluidade, ventre e espírito.
Se somos filhos de Abraão, façamos as suas obras! O nosso pai e os seus
primeiros companheiros contentavam-se com poucas coisas e vis, como já dissemos;
muitas vezes, sustentavam-se com um pouco de pão e água, oxalá com alguns frutos
da horta, julgando-se mais felizes ao colher umas espigas como os apóstolos, que ter
panelas cheias de carne como os egípcios.
De que adianta ao frade menor ter deixado no mundo riquezas, rendas, vinhedos,
campos e outras propriedades, se depois, na religião, pretende ter vinho, pão, carne
de capado, frango, leitão e mais coisas e em abundância, como os ricos do mundo, e
continuamente se preocupa por adquirir essas coisas, que são abertamente contra a
nossa Regra, segundo Nicolau III, Ubertino e a Serena Cosciencia; de acordo com
eles, o pão quotidiano dos frades deve ser procurado com esmolas, diariamente,
mendigando de porta em porta.
716. O frade menor não pode passar a Ordens não mendicantes, exceto aos
cartuxos, e quem faz o contrário, é excomungado. Veja Martinho V no Concilio de
Constança, em Estravag. que inicia com Viam ambitiose. Mas São Boaventura, o
beato Bernardino de Arevalo e Frei Garcia sustentam a opinião que não pode desde
que se observe a Regra puramente e à letra.
Por isso eu penso que os frades Conventuais e os frades ditos da família da
Observância, que não observam a Regra puramente e à letra, podem, em consciência,
entrar nas fileiras dos cartuxos, contanto que tenham antes procurado ir aos
Capuchinhos ou descalços ou recoletos. Se estes não o aceitassem, então poderiam.
Mas reflitam antes e provejam se há possibilidade de entrar nesses institutos ou dos
descalços, ou dos recoletos ou dos Capuchinhos, porque, eu penso, nestes se
observa a Regra sem glosas: eles mesmos o demonstram com fatos que todos podem
ver.
717. Pelo que ficou dito, deve-se aceitar que é um grande risco procurar e comprar
carne ou peixe sem verdadeira e manifesta necessidade, ou exigir o valor dos amigos
espirituais ou dos benfeitores. Assim sempre entenderam e entendem todos os frades
capuchinhos e os descalços. Pelo menos, assim sempre me disseram e eu soube.
São do mesmo parecer os nossos fundadores da Observância [...].
Os frades menores descalços do reino de Castela e também de Portugal, bem
assim a reforma dos Capuchinhos, como acenei acima, vivem a Regra à letra sem
comentários; e nunca falta a graça e a ajuda do Alto para ter e observar um uso pobre
e. estrito das coisas, como desejam.
718. Frades meus, se acaso duvidais por serdes poucos para iniciar uma tal
empresa, isto é, a santa reforma de nossa Ordem e da nossa vida, perscrutai as
Escrituras e encontrareis no primeiro livro da terceira parte das Crônicas de nossa
Ordem, quantos seguidores tinha aquele homem apostólico, embora leigo, o bem-
aventurado Frei Paulo Trinci, quando deu inicio a celebre reforma da Regular
Observância. O mesmo vale para o bem-aventurado Mateus, reformador da religião
para a verdadeira norma, estado e hábito primitivo da Ordem. Ele, com poucos frades,
iniciou a congregação dos reverendos padres e irmãos nossos capuchinhos, tão
grande e famosa. O mesmo aconteceu com o bem aventurado Pedro de Alcântara,
que encaminhou e fundou as províncias dos descalços.
De resto, que diz Deus por meio do profeta (Jer 23,3-4): "Eu mesmo vou reunir o
resto de minhas ovelhas (isto é, os que zelam pelo próprio estado) de todos os países
(isto é, de todas as províncias e conventos), vão crescer e multiplicar (como se vê nos
nossos irmãos) e colocarei à frente deles pastores que delas cuidem (como, fora de
dúvida, desejará fazer o nosso reverendíssimo padre) e não tenham jamais medo ou
susto (contanto que observem os votos feitos) porque eu sou o seu protetor, diz o
Senhor". Consolai-vos com estas palavras, meus caríssimos irmãos.
719. Padres meus, o ouro não é puro e ótimo, como sabeis, se não é provado com
o fogo. Assim o Senhor colocou à prova os seus eleitos, como ouro no cadinho, e
depois os acolheu como holocausto e vitima. Temos lido que a barquinha de Pedro
também foi muito sacudida pelas ondas dos heréticos e de outros inúmeros perversos,
mas não se conseguiu jamais fazê-la naufragar, porque, segundo promessa do Senhor
Jesus, sua Cabeça, as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Assim acontece
com os zelantes da Regra e vida da própria Ordem. Quando me lembro daquelas
palavras que, muitas vezes, me dizia o meu venerando leitor e padre Frei Francisco
Juhée, sinto em mim uma grande alegria e esperança.. "Meu filho, dizia, se no
encontro de Baume e no Capítulo Geral de Paris tivessem logo acolhido o nosso
pedido (de recoletos e reformados) de fundar casas de recolhimento, também se não
tivéssemos sido colocados na berlinda, não teria aparecido nenhuma virtude
verdadeira; mas quanto maiores foram as contradições e controvérsias, tanto mais o
desejo de reforma se arraigou em nossos corações".
720. O mesmo aconteceu com os Capuchinhos, quando chegaram até nós. Tendo
começado construir no subúrbio de Santo Honorato em Paris aquela sua celebre casa,
digo célebre casa e sagrado domicílio, porque construído conforme o primitivo
costume da Ordem e a intenção do nosso beatíssimo e seráfico pai, Francisco, em
que consistia aquela casa e o sustento dos ditos frades, como eu vi com os meus
olhos (Deus sabe que não minto). Se quisesse ainda descrever a vida virtuosa
daqueles santos padres e irmãos que conheci nos dois meses que passei no seu
convento, tendo voltado, há pouco, da Espanha, nem que tivesse cem línguas, não
seria capaz de narrar mesmo uma mínima parte de sua vida austera.
Cada um poderá verificar pessoalmente. É o que eu vos aconselharia. O pobre do
guardião daqueles frades foi preso por um superior de nossa Ordem e trancado no
cárcere Mamertino. Mas, com o auxilio de Deus, ele escapou salvo das ameaças de
seus adversários. Que devo dizer da sua paciência e sofrimentos? Quem poderia
descrever o que fez contra eles o bispo daquela cidade? E também o chanceler real e
o primeiro presidente, induzidos por alguns dos nossos religiosos? Agora, porém, os
seus inimigos tornaram-se seus protetores. Nada de mais, desde que sempre assim
sucede àqueles que servem dignamente o Senhor.
723. Não foi difícil para Vitória Colona desmantelar uma a uma as insustentáveis
acusações formuladas contra os Capuchinhos, de origem mais passional que de um
julgamento sereno sobre suas atitudes.
Elas são todas rejeitadas, sobretudo se, como parecia, pretendiam golpear, no
coração, a Reforma Capuchinha, tentando sinuosas ligações entre eles e os
reformados, para sujeitá-los, depois, todos ao Ministro Geral dos Observantes.
Os próprios Observantes, ademais, que tantas dificuldades vão criando para a
nova reforma, não são isentos de infinitas imperfeições e levam uma vida nem sempre
conforme o espírito do fundador.
Este escrito, talvez, seja a página mais bela e inspirada da marquesa e uma das
melhores interpretações do espírito e da vida capuchinha das origens.
725. Pensava, reverendíssimo senhor, que as coisas por dez anos provadas, não
precisassem prová-las cada dia com palavras; pois, como Nosso Senhor disse: "As
obras que eu faço, elas dão testemunho de mim" (Jo 5,36). Daí para que a
perfeitíssima vida de setecentos frades, verdadeiros mendicantes, louvada já por todas
as cidades da Itália, não pairasse dúvida em ninguém, principalmente naqueles que,
149
há mais de cinco anos, diziam que queriam ver ainda outro ano como esta reforma
seguiria. E com isto, fechar a porta para que os frades da Observância não pudessem
vir, dizendo que aqueles se reformariam e estes não poderiam prosseguir. E assim,
com a porta aberta com a porta fechada, sempre deram a entender que a Observância
se reformaria. Mas, como se vê, claramente, aquela está continuamente relaxada e
esta, continuamente aumentada em ordem, em espírito, em numero de perfeitíssimos
e doutíssimos padres, assim que vossas senhorias deveriam já estar certos que é obra
de Cristo.
E os santos capítulos deles acompanhados por um reverendíssimo cardeal, e da
primeira ordem, além de outras dignas qualidades que lhes dão crédito, os
inumeráveis bons exemplos, as humildes e sábias pregações, não lhes fosse motivo
de renovar suas mágoas. Daí se conhece que alguns, não por ignorar a verdade, mas
pela dor da verdade, procuram cansá-los e fazer crer que estão em divergência, ódio e
erros. Mas no final este ouro no fogo se purifica e as lenhas das suas insídias se
consomem.
726. Muitas coisas me disseram que se opõem, mas que, colocando-nos diante de
Cristo e de São Francisco, serão resolvidas. Em primeiro lugar, parecem luteranos,
porque prezam a liberdade do espírito; que não são subordinados aos ordinários do
lugar; que não têm escritos; que não obedecem ao Ministro Geral; que vestem um
hábito diferente; e que aceitam os frades da Observância.
727. Quanto à primeira acusação, responde-se que, se São Francisco foi herege,
os seus imitadores são luteranos. E se pregar a liberdade sobre os vícios, mas
submissos às ordens da Santa. Igreja, chama-se erro, também seria erro observar o
Evangelho que fala em muitos lugares:"O Espírito é que vivifica” (Jo 6, 64) etc. Além
do mais, quem assim fala, prova abertamente que não entendeu a sua pregação; se a
entendessem e a praticassem um pouco, entendessem a sua humildade, a pobreza, a
vida, o exemplos, os costumes e a caridade, ser-lhe-iam tão devotos, que chorariam
por fazê-los vir a quatrocentas milhas sem nenhuma necessidade, e levá-los cada dia
aos tribunais, cansados, só para poder em paz observar a sua pobreza
729. A respeito dos escritos, responde-se que todos os que foram publicados na
Ordem de São Francisco em tantos anos, isto é, aqueles que se restringem e se
referem à observância da Regra, todos são dirigidos a estes padres (Capuchinhos),
como aqueles que se esforçam, quanto é possível, observá-los puramente. Há mais.
Têm a cópia autêntica da bula concedida a esta congregação pela santa memória do
Papa Clemente, a qual não é dirigida a particulares, como foram muitos escritos de
papas passados. E mais, os breves que confirmam o capítulo e o atual vigário; e
outros breves.
Contudo os milagrosos escritos que eles têm são as ardentíssimas obras que
manifestam cada um dos mesmos e todos juntos terem a bula das chagas de Cristo no
coração e os breves dos estigmas de São Francisco na mente, confirmados pelas
inúmeras bênçãos que, cada dia, recebem da santidade de nosso senhor. E aceitam
todos aqueles escritos que podem levar à estrita observância da Regra; e aqueles
que, de algum modo a relaxam, a todos renunciaram e renunciam.
730. Que não obedecem ao Ministro Geral, responde-se que se vê, se prova, se
sabe que a religião da Observância tem necessidade de reforma e, em três capítulos
gerais, concluíram pela reforma e não a fizeram e nem a puderam fazer.
Ainda mais, nos capítulos provinciais, foi dissipado e arrancado desde a raiz todo
principio de reforma. Sobre isto, há uma bula do Papa Clemente, de santa memória,
que a ordena e dois breves de sua santidade: um impetrado por eles e outro por estes.
Sim que evidentemente têm necessidade de reforma. E porque todas as reformas
feitas entre eles foram inutilizadas e esta só que não lhe é sujeita, cresce e precisa
que seja separada.
Pois, como vossas senhorias reverendíssimas sabem, aqueles que não aceitam a
reforma em si mesmos, também não a aceitam nos outros, porque parece que aquele
branco descubra o negro deles. E esta é a principal causa de tanta perseguição contra
estes.
731. Ora, se não os podem aceitar ausentes, como suportá-los presentes? Melhor,
eles os prendem para desgastá-los, de sorte que, ou fujam ou convivam com os
outros, só apelando para Deus que por sua piedade os atende.
E o reverendíssimo cardeal da Santa Croce sabe quanto ele se interessava para
que a Ordem se reformasse; e não entendo, agora, porque queira malbaratar, impedir
e arruinar aquela obra a que, pode-se dizer, sua senhoria reverendíssima deu inicio;
principalmente sabendo quem de uns anos para cá sempre foi relaxando, como se vê
publicamente, no habito, nas cerimônias, nas oficinas, nas músicas, nos testamentos
que aceitam, na maneira de conservar as coisas, aparecendo como proprietários,
pode-se entender aquilo que por honestidade se cala. Mas são coisas contrárias a
toda reforma, ainda muitas outras coisas que lhe desagradam e que, pelo amor de
Deus e zelo da verdade, dirão eles mesmos a vossas senhorias reverendíssimas.
732. Mais, além do Ministro Geral, a quem estes obedecem, em primeiro lugar, é a
São Francisco. Se aqueles obtiveram mudança no seu propósito, para não cair em
contradição no seu fácil modo de viver; estes, para viver mais estritamente e em paz,
obtiveram outra coisa.
Não que este Ministro Geral seja melhor do que aquele, mas porque este não lhes
impede, não os embaraça e não os odeia.
O máximo que se observa neste santo generalato, é que os ofendeu e os ofende;
e aquela ambição é a causa de todo mal. Estes pobres padres prefeririam andar pelas
selvas, antes que correr o risco da própria ruína.
151
733. Quanto a receber frades, que é, no meu entender, unde orta est haec
tempestas69, isto é, querer fechar, mais do que Deus o quer, esta porta, além de
outras causas que existem, o que me faz temer é que quem o faz, desagrade a Deus,
devendo lembrar aquela palavra do Senhor: Vae vobis qui clauditis regnum
coelorum70(Mt 23,12). Há tantas obrigações pelas quais devemos todos nos ajudar,
nos estimular, nos entusiasmar no caminho do Senhor e as Ordens religiosas, na sua
profissão, deveriam andar pedindo frade por frade, secular por secular, para que se
reformasse... Não posso entender porque São Francisco tenha menos sorte que os
outros santos nesta matéria.
Como vossas reverendíssimas sabem, na Ordem de São Bento, há umas dez
reformas, todas separadas, até se vestem do branco para mais se distinguirem do
preto; e é necessária, de toda maneira, a separação.
Santo Agostinho e todas as congregações agostinianas fizeram a sua reforma.
Ora, qual a maravilha que São Francisco queira que por duas vezes sejam reformados
os seus frades: a primeira, mediocremente, esta outra perfeitamente; e que o seu
hábito, a sua Regra evangélica, sem glosa, se observe em nossos tempos e que seja
excluída toda presunção de fundador e de vaidades.
Embora fosse um Frei Mateus, santíssimo homem, que começou esta reforma, o
qual vive hoje e está entre esses padres sem se preocupar de ambição, pois andava
pregando quando foi feita a bula da santa memória de Clemente.
Digo,pois, que São Francisco é o Fundador, e estes não têm outro guia, nem
caminham sob outra orientação.
69
Trad.: o lugar de onde vem essa tempestade.
70
Trad.: ai de vós que fechais o reino dos céus.
152
736. Se aqueles que da Observância vêm a esta vida apertada, vão com certeza a
São Francisco.... Que prejuízo acontece disto para Deus, para a sua santidade e para
a Ordem?
Ou são bons ou são maus os que vão para a reforma.
Se são bons, é sinal evidente que entre os mesmos não podem observar bem a
sua Regra. Se são maus, devem procurar se purificar desta falha na sua observância.
Ou vêm por espírito, ou vêm por indignação. Se por espírito, é pecado muito grande
impedi-los. Se por indignação, felicíssima indignação que depois os faz viver tão
perfeitamente, como se vê.
Embora esta seja uma objeção falsa, não se pode crer que, para fugir de uma
disciplina, abracem uma penitência perpétua; e por uma ambição de não ter um oficio
(como dizem), vão perder para sempre toda ostentação de oficio e de ambição.
Também São Francisco não pede que se viva a sua Regra com cárcere, mortes e
torturas, mas com humildade, pobreza e caridade.
Quem recusa a obediência por caridade tem tão pouco amor, que não irá aonde
não há outra coisa que amor e caridade, principalmente porque há mil modos de fugir
dela, como se vê que, cada ano, saem uns quatrocentos para outros hábitos que não
de São Francisco.
Donde se percebe que não se lamenta ir os frades à perfeição, mas a pena de não
dar a entender de serem os primeiros na vida estreita, como aconteceu há muitos
anos e causou grande rumor.
737. Mas Deus não quer que aquela prata não se diferencie agora daquele ouro; e
que por vinte frades que têm esta fantasia, se consinta que centenas de pessoas,
cada dia, enganem a Deus, a profissão, o voto que fazem e todo o mundo; coisa que
causa sofrimento na grande maioria da vida religiosa. E quase em todas as cidades,
quando observam bem a situação, dizem àqueles da Observância que avaliem
retamente e aos Capuchinhos que vão vesti-los.
De fato, não sei porque, com raciocínios humanos, se desprezam os divinos; com
novas leis, rasgam-se as antigas e santas constituições da Igreja, que permitem
reprimir a qualquer pessoa regular e a ótima intenção de nosso senhor que os
defendeu, como cardeal e o Papa, que os lamenta pelo aborrecimento que lhes
causam. De maneira que, se se fecha novamente, será a ruína de todos os bons.
Portanto, é melhor resolver com a razão, com Cristo, com Paulo, com as leis do que
prejudicar com nosso julgamento.
vida e de seu ser. Eles não pedem grandeza, não querem ser ricos; só pelo amor das
Chagas de Cristo e dos Estigmas de seu pai suplicam que lhes seja permitido
permanecer na tranqüila paz de Deus e na verdadeira observância da sua Regra.
É certo que, ao incomodá-los, a cada dia, surgem três gravíssimos inconvenientes.
Primeiro: Favorecer, estimular e alimentar os relaxados no seu estado e
comodidade e fazê-los aparecer como invejosos, soberbos, ambiciosos, faltos de
caridade e de razão.
Segundo: O mal-estar que se espalha em todas as cidades da Itália e fora da
Itália, onde estes já são conhecidos e que haja tanta repugnância à ótima vida deles;
porque cada um vê as suas boas obras, mas nem todos entendem o canto da sereia
que os ofende.
Terceiro: Porque se não mais se falasse, aqueles, para não cair, emendar-se-iam
pouco a pouco; e estes, para manter-se, aceitariam pouquíssimos e todos fervorosos,
como já expressamente determinaram neste capítulo.
740. A respeito do hábito, parece-me a queixa tão imprópria que nem merece
resposta. Incrível! Aceitam-se mil hábitos licenciosos, admitem-se mil variedades nas
congregações fundadas sem propósito; tolera-se que para parecer um guelfo, outro
gibelino, ostentem os penachos contra excomunhão e estes não podem renovar o
hábito do seu glorioso pai, o qual, por aparecer tão desprezado e pobre, incute
grandíssima devoção no mundo.
Ainda mais. Não há frade devoto que sob aquele capuz não suporte qualquer
fadiga, pensando em quem a sofreu e contenta-se com uma pequena cela, onde pode
meditar as próprias fadigas. E não sem motivo aquele frade santo o vestiu e depois de
sessenta anos; é o que as imagens, selos, relíquias e pinturas o demonstram
claramente.
741. Ora, que razão há para mudar a obediência, quando, há já dez anos, estes
vivem com suma perfeição para satisfazer a ambição daqueles aos quais se sabe o
154
dano que lhes causou e lhes causa o generalato? Que conveniência exige que se falte
à lei, às antigas constituições, à caridade, à razão destes, porque se receia o
incômodo humano para ingressar numa vida apertada? E que consciência aceita que
se tire a devoção do hábito desses por causa da paixão daqueles?
Meu reverendíssimo senhor, os Capuchinhos não os prejudicam, antes os
edificam. Causou-lhes grande mal o cardeal protetor, o Ministro Geral e o favor do
dinheiro e das indulgências. Cuidem de corrigir as próprias superfluidades e os erros e
deixem em paz estes pobrezinhos.
E vossa senhoria que mais conhece, não será escusada diante de Deus se o
respeeito humano o impedir, uma vez que Cristo não teve medo para morrer por nós.
[Primado da caridade]
747. Quem, portanto, quiser estar seguro, quanto convém no presente estado,
tome a lição de um e de outro. E tende toda a certeza que, como a casa não pode
estar em pé sem os alicerces, assim nós, faltando a total observância da santíssima
pobreza, Deus permitirá que a nossa congregação caia em ruína.
E infelizes aqueles frades capuchinhos que procuram relaxar o nosso modo de
viver! Na verdade, não são frades menores de São Francisco, mas, antes, de Frei
Elias; e, como fala o apóstolo, inimigos da cruz de Cristo, nosso Deus, e demolidores
da nossa congregação.
748. Portanto, exorto e peço a cada um de vós, quanto sei e posso, que sejais
muito diligentes na prática da humilde e devota oração, rezando de coração ao Senhor
que nos conceda e aumente continuamente as santas virtudes, e, especialmente, a
santíssima caridade e pobreza, as quais, juntamente com a oração, são muito
necessárias e preciosíssimos ornamentos do frade menor; sem as mesmas nenhum
frade capuchinho pode agradar a Deus nem ter a esperança de poder entrar nas
núpcias eternas do divino e celeste esposo, o qual a todos vos abençoe e conserve na
sua graça em santa paz.
Todo vosso.
O Ministro Geral dos Capuchinhos
Frei Bernardino de Asti.
751. Portanto, lembro, em primeiro lugar, o que foi determinado no Capítulo Geral
de Ancona e, depois de algum tempo, confirmado particularmente naquele que se
celebrou em Roma, no ano 1581: que nenhum vigário provincial nem outro prelado
inferior possa mandar frades da sua província, sem a nossa licença por escrito, a não
ser que ocorresse caso urgente para a necessidade da religião ou da mesma
província. E, neste caso, mandem-se frades exemplares e de boa conduta.
Advirto mais a cada vigário que, sem extrema necessidade, não remova frades de
lugar, sabendo que, para satisfazer a um, perturba aquele outro na sua transferência,
onde estava residindo, tirando-o do lugar em que estava tranqüilo; molestam-se os
guardiães; dá-se ocasião para outros frades quererem mudar e, o que mais importa, é
que se dá aos seculares motivo de escândalo, porque se sabe que essas
transferências costumam ser feitas ou para tomar providências por fatos ocorridos, ou
para corrigir para que não mais aconteça no futuro.
E também aquele frade que procura a sua transferência, denota e se apresenta
como homem inquieto, instável, leviano, impaciente, pouco mortificado e menos
desejoso de sofrer alguma coisa e não conformar-se com Cristo crucificado.
752. Além disto, aviso a cada um dos guardiães que não podem andar e nem
mandar frades a não ser ao lugar mais próximo e vizinho ao seu, para não molestar
lugar algum.
157
754. Sabendo também quão é seja o demônio que, sob pretexto de bem,
freqüentemente, enganou os servos de Deus, julguei necessário dizer aos irmãos que,
libertados de qualquer outra preocupação, dando em si livre posse ao Espírito Santo,
não se preocupem muito em visitar este ou aquele lugar sagrado, pensando que foi
intenção dos sumos pontífices que os frades não devam andar viajando, procurando
obter diversas indulgências, pois as mesmas que são concedidas aos seculares, a nós
também são concedidas nas nossas igrejas, permanecendo em nossos conventos.
755. Finalmente, para pôr cobro e provisão às viagens que, freqüentemente, são
feitas pelos frades para ir visitar os parentes, socorrer pobres, ajustar diferenças, aviso
a todos os padres vigários que exijam a observância do 13º capítulo das
Constituições, estabelecidas em Ancona, no capítulo e confirmadas nos outros
capítulos gerais, as quais prescrevem que os frades não se intrometam a negociar nas
cortes dos cardeais, acrescentando que nenhum frade possa ir ver o pai e a mãe, nem
outro parente fora de sua custódia, sob qualquer pretexto que seja, sem a licença, por
escrito, cada vez, dos padres vigários provinciais. E quando andarem com tal
obediência, não possam de modo algum ficar na casa de parentes para dormir,
quando naquela cidade, terra ou castelo não muito longe, haja um convento ou
mosteiro nosso. E possam, duas ou três vezes, e não mais, ficar a comer com eles.
756. E toda vez que estiverem nas suas localidades por somente quatro ou cinco
dias, devem retornar às suas províncias e lugares, posposto todo e qualquer outro
pretexto, não tendo licença por escrito para mais tempo. E os padres vigários sejam
informados para não dar a estes tais os companheiros de seu gosto, mas os que
forem julgados mais exemplares. A esses vigários peço, pelas sagradas entranhas do
158
Senhor, que empreguem toda diligência, para que estes nossos avisos e advertência
sejam inteiramente observados; se por negligência faltarem, entendo que nos
capítulos provinciais tenham de ser punidos ao arbítrio dos padres definidores do
mesmo capítulo, como devem ser punidos os guardiães, falhando naquilo que lhes
compete.
71
Trad.: em ambos os direitos, isto é, civil e eclesiástico.
159
desejo esperado; não levando em conta para realizar a viagem nem os perigos de
guerras nem dos hereges nem o horror do inverno com os intensos frios nem
nenhuma outra dificuldade que em tal viagem se oferecia.
Mas tendo sido avisado por cartas dos nossos irmãos que estão na França e
confirmado por muitos seculares, que vêm dessas partes transmontanas, estar
grassando a peste por todos esses países da Alemanha, França, Flandres, mais
adiante e pelo contorno por onde eu projetava passar, fui forçado, contra toda a minha
vontade e com grandíssimo pesar, mudar o plano e parar por aqui por este inverno e
esperar a primavera, com a esperança que neste meio tempo cessará a pestilência, a
viagem será mais segura, o caminho mais acessível e tudo, com a minha e vossa
maior consolação e satisfação, terá um bom desfecho.
761. Conhecendo, porém, ser tal o impedimento da peste que por certo tornaria
inútil o meu e o vosso projeto de não poder de nenhum modo visitar, nem consolar
nem conversar com os seculares e que, embora de algum modo tivesse podido visitar
essa província, onde a peste não é tão espalhada, terei a certeza de não poder andar
mais adiante nem voltar atrás pela neve, a não ser com grande perigo e perda de
muito tempo ao reter-me e, talvez, ainda não poderia, assim levemente ter contato
com esses países, diante da diligência que se costuma a este respeito. Portanto, por
esta razão, não podendo eu pessoalmente visitar-vos, pelo amor que vos dedico,
quero fazê-lo em espírito com esta carta.
762. Com ela, em primeiro lugar, da parte do nosso pai, São Francisco, envio a
todas as vossas reverências a bênção paterna, oferecendo-me totalmente, como pai,
pastor e servo que sou, amar-vos e em todas as vossas necessidades espirituais e (no
que diz respeito à honra de Deus e à vossa salvação] em todo o problema temporal,
tanto em comum como em particular, ajudar-vos e servir-vos, não só com a fadiga e
suores corporais, mas também com o próprio sangue e vida, quando for necessário,
para o bem vosso e da província.
764. Ela é verdadeiramente paraíso, como diz São Basílio, porque como o paraíso
é lugar de felicidade, assim a religião é lugar de delicias e prazeres celestiais: onde,
pela oração e contemplação paratur Dei visis75.
72
Trad.: Eu, prisioneiro no Senhor, vos exorto a levardes uma vida digna da vocação que
recebestes, com toda humildade e mansidão, e com paciência, suportai-vos uns aos outros no
amor.
73
Trad.: que andeis de maneira digna do chamamento que recebestes.
74
Trad.: no abrigo de sua face longe das intrigas humanas.
75
Trad.: prepara-se a visão de Deus.
160
Ó que grande dom é este que nosso Senhor nos deu, irmãos! E por isso digo que
queirais freqüentemente lembrar e manifestar-vos agradecidos. "Com alegria, como
diz o apóstolo aos colossenses, dai graças ao Pai que vos tornou dignos de participar
da herança dos santos na luz; foi Ele que nos livrou do poder das trevas, transferindo-
nos para o reino de seu Filho amado" (1,12-13).
E nesta religião, neste paraíso, gozam-se, diz São Bernardo, daqueles
extraordinários privilégios que in ea vivit homo purius, cadit rarius, surgit citius, procedit
cautius, quiescit securius, visitatur a Deo frequentius, purgatur celerius, moritur
confidentius, et remuneratur abundantius. Nela, diz São Bernardo, o homem vive mais
puro, cai mais raramente, levanta-se mais apressadamente, caminha mais
cautelosamente, descansa mais seguro, é visitado por Deus mais freqüentemente, é
purificado mais rapidamente, morre com mais confiança e é recompensado mais
abundantemente.
Vede, pois, que paraíso e que graças, que privilégios nele se gozam. Felizes de
nós capuchinhos, se disto nos lembrássemos muitas vezes, quanto mais dignamente
caminharíamos, do que fazemos, nesta nossa vocação.
765. Ah! caríssimos irmãos, onde foi parar aquele grande fervor que tínhamos no
tempo do nosso noviciado; aqueles desejos de sofrer e de tirar proveito na vida divina
e na observância da Regra?
Parece que a transferência voluntária que fizemos do século para este paraíso,
nós a tornamos uma deslocação violenta; pois de tal maneira ela vai se debilitando e
diminuindo, como já se verifica quanto falhamos, que parece nos determos no primeiro
limiar da porta; a não ser que, o que é pior, não tenhamos voltado atrás. Parece
justamente que nos tornamos como certas estátuas pintadas, as quais na perspectiva
dão mostra de fazer certa força e grandes ações, contudo, na realidade, nem força e
nem ação alguma fazem.
767. È com esta proveitosa reflexão para caminhar de bem para melhor, como
convém ao estado ao qual fostes chamados, repito que deveis ter em mente muitas
vezes e considerar que deixastes o século com tudo aquilo que tínheis e esperáveis
possuir? "até a própria vida" (Lc 9,24) e voluntariamente ingressastes neste paraíso da
religião, prometendo observar esta vida por inspiração divina, vivida por tantos outros
fidelíssimos e zelosíssimos servos de Deus e nossos padres antecessores e irmãos
sob este hábito santíssimo e verdadeiro do nosso pai São Francisco e sob este
instituto e norma dos capuchinhos; e de estar bem advertidos para não voltar atrás
deste felicíssimo caminho abraçado e voltar ao século, não só com o corpo, andando
todo dia, vagando e conversando pelas cidades e praças, visitando, ora este, ora
aquele, ora aquele outro, como fazem muitos dissolutos com relaxamento do espírito,
não sem muita admiração e escândalo dos seculares e prejuízo da própria salvação.
Mas nem sequer com os pensamentos, sobrecarregando a mente de tantos negócios
e embaraços de parentes e amigos, que não tinham quando viviam no século; mas
quanto possível, desembaraçar-se e fugir para poder mais expeditamente correr para
Deus.
161
768. E com isto, igualmente, haveis de vos lembrar e colocar diante dos olhos o
fim pelo qual deixastes o mundo e viestes para esta santa religião; porque
reconhecendo que viestes livremente e sabendo que a via é estreita, a regra
estritíssima e altíssima, para se alcançar o reino do céu, vos animareis prosseguir e
em tudo observar com fervor e grandíssima alegria.
E porque a vossa finalidade foi mudar de vida e progredir do bem para melhor com
grande desejo de agradar a Deus, de sofrer, labutar com toda fadiga, exige-se de vós
muito esforço e muita violência para refrear as próprias paixões e suportar as
contrariedades, enquanto se deve exercitar nesta vinha, neste paraíso da religião,
para vencer e superar tantas tentações, que não faltam aos servos do Senhor. Porque
o "Reino dos Céus sofre violência e os violentos procuram arrebatá-lo" (Mt 11,12).
Esta é a fábrica de religiosos, a qual não poderá durar se não for baseada na
humildade e na mansidão, uma vez que ele concede a graça aos humildes" (Tg 4,6 e
1Pd 5,5), aprendendo de Cristo a mansidão, como nos é mostrado pelo fundador
desta nossa religião seráfica e por muitos outros seus discípulos, como qualquer um
pode, num momento de deliberada resignação e abandono de si mesmo, experimentar
e deduzir de bem certo, que experimentou, e do maior que lhe virá.
769. E porque o "reino dos céus padece violência" e eu me convenço que cada um
de vocês deixa qualquer outra satisfação para a conquista do céu; e que, portanto, se
esforçam por fazer a si mesmos violência no combate dos sentidos ou daquela razão
que ainda não foi subjugada pela resignação, quero persuadir-vos, para um bem
maior, que se algum irmão estivesse de má vontade nestes lugares, ou então tivesse
recebido de mim obediência para partir, com esta religiosa e santa violência, queira
reprimir os sentidos e mortificar a própria comodidade, aguardando com paciência,
nestes poucos meses de inverno até a primavera, a minha chegada; então, presentes,
estudarei as necessidades de cada um e, quanto possível, esforçar-me-ei para
satisfazer a todos. Por enquanto, dei ordem ao Padre Provincial para fazer o capítulo.
E assim como eu não deixo de rezar sempre ao Senhor e preocupar-me pelo
vosso bem e perseverança nesta comum observância de vida santa, assim desejo que
as vossas reverências se lembrem de mim nas orações e sacrifícios, para que,
segundo a vontade divina, eu possa a vós e a toda a congregação bem servir. E do
céu vos imploro toda bênção.
As Crônicas
Textos selecionados
Mariano D'Alatri
Tradução de Carlos A. Zagonel
163
773. Igualmente teve uma tríplice redação a crônica, muito mais volumosa e
extensa no tempo, de Bernardino Croli de Colpetrazzo ( 25/11/1514-07/02/1594). A
primeira redação estava pronta nos inícios de 1580, a pedido do Vigário Geral,
Jerônimo de Montefiore, que solicitara um relato breve sobre as virtudes, a penitência
e os milagres dos antigos frades; em vez disso, recebeu um enorme volume, rico de
informações, inclusive, sobre os inícios da Ordem. Um segundo relatório foi preparado
por iniciativa do próprio Bernardino, nos anos de 1582-84, quando, após a morte de
Fabiani (1580), se deu conta de que suas informações não haviam sido utilizadas. O
terceiro e definitivo relatório, Bernardino o preparou em dois tempos e a pedido de
diversas personalidades. No Capítulo Geral, celebrado em Roma aos 18 de maio de
1584, fora estabelecido que fossem publicadas as crônicas da Ordem e, no seguinte
mês de agosto, o Vigário Geral, Tiago de Mercato Saraceno, ordenou que Bernardino
76
Trad.: currículo da vida.
164
se dirigisse a Roma para preparar o manuscrito. O trabalho progrediu bem, mas não
foi concluído, uma vez que, com segura probabilidade, seguindo deliberação do
Capítulo Geral de maio de 1587, o encargo foi passado para Matias Bellintani de Saló,
no dizer de Bernardino, “mais sábio e preparado”.
776. O quarto entre os cronistas oficiais, cujos escritos permaneceram inéditos até
nossos dias, é Paulo Vitelleschi de Foligno (1560-1638). A incumbência foi-lhe
confiada no ano de 1615 e, auxiliado por uma pequena equipe de colaboradores,
trabalhou na preparação de sua crônica até 1627, quando o Ministro Geral, João Maria
de Noto, suspendeu-lhe o mandato. Posto que lhe fosse ordenado entregar todos os
manuscritos em seu poder, Vitelleschi conservou consigo, ao menos, os originais de
sua crônica, pelo visto, entre os anos de 1620 e 1627. A narrativa suspende-se em
1552 e, depois, seguem-lhe as biografias de 18 frades. Isto considerado, Vitelleschi
não é testemunha imediata dos fatos referidos, mesmo que diversas vezes se refira à
165
sua própria experiência: ele depende das narrativas dos confrades, dos documentos
de arquivo e, mais ainda, dos antigos cronistas.
777. Destas antigas crônicas foram extraídos os textos que seguem, com o
objetivo de sugerir uma idéia da temperatura espiritual e da vida cotidiana dos frades
nos primeiros sessenta anos da Reforma Capuchinha. Os textos foram reagrupados
de acordo com os diversos temas abaixo relacionados: significado e objetivos da
Reforma, importância da Regra e das constituições, primitivas habitações dos frades,
noviciado,estudos, silêncio, oração e trabalho, pobreza, austeridade, amor fraterno,
humildade, obediência, contemplação, pregação, recolhimento e abertura para o
mundo. Na seleção dos textos, foi privilegiado Colpetrazzo, testemunha de muitas
partes de sua narrativa transmitida com simplicidade e proximidade.
Acenávamos para os limites próprios de qualquer florilégio que, por sua própria
natureza, recolhe trechos e fragmentos. Esperamos que eles induzam muitos frades
para a leitura, na sua edição integral, de textos que testemunham a força expressiva e
a atormentada espiritualidade do período áureo do 1500 italiano.
1. A Reforma Capuchinha.
779. Deveis recordar que, até Clemente VII, a Ordem vivia em boa paz e muita
estima junto aos seculares. Existiam homens santos e, em toda a parte, gozava-se de
paz com quietude e satisfação generalizada; uma vez que a devoção dos seculares, a
oportunidade de um tempo de abundância de bens temporais, depreciados, causava
um bem estar corporal para os frades que de tudo tinham em abundância. E disto eu
mesmo sou testemunha ocular e tenho gosto de apresentar um exemplo referente a
um lugar conhecido da província de São Francisco, que, durante um sábado santo,
foram trazidos como esmola mais de cem cabritinhos. Silencio a respeito da
abundância, da qual poderia falar muito, na qual os padres daquele tempo
prosperavam.
Aprouve a Deus despertar a vida religiosa, uma vez que, por causa dos muitos
pecados, Deus permitiu que um exército viesse e Roma fosse saqueada pelo duque
de Bourbon. Apareceram, então, grandes privações e pestes gravíssimas em todo o
mundo. No dizer de Sávio, “Vexatio dat intellectum!77” e, por isso, as ordens religiosas
iniciaram uma reflexão sobre sua situação. E muitos homens santos, inspirados e
iluminados por Deus, retiraram-se para eremitérios e lugares pequenos e ali se
exercitavam na santa contemplação e na observância da Regra. E muitos sábios e
santos homens, diariamente, faziam reflexões a respeito da Regra e da vida regular,
descobrindo quanto a vida religiosa se havia alienado da verdadeira observância da
Regra. Outros falavam tãoveementemente das coisas de Deus que muitos se
inflamavam e, igualmente, decidiam retirar-se para o silêncio. E destes eu conheci
muitos que, iluminados por este caminho divino, deram-se conta do estado calamitoso
em que viviam e de quanto se tinham afastado da verdadeira observância da Regra.
77
Trad.: o vexame dá inteligência, isto é, a dificuldade faz com que se reflita.
166
780. Daqui nasceu a reflexão que os conduziu para a reforma, sabendo, por lúcida
experiência, ser impossível levar toda a Ordem para a austeridade, desejada por
nosso pai, São Francisco. E foi tão eficaz sua iniciativa que, aos poucos, conseguiram
envolver toda a Ordem. E foi iniciativa ordenada por Deus, uma vez que o movimento
se estendeu em todas as províncias e nos capítulos, tanto gerais quanto provinciais,
com muita insistência procurava-se dar início à reforma.
De outro lado, a carne amplamente cumpria com seu ofício e de tal maneira que
desconhecia tudo. Prevaleceu, porém, o espírito e muitos frades de grande valor
decidiram dirigir-se a sua santidade, Clemente VII, e lhe fizeram entender que a
Ordem estava relaxada demais e afastada da observância da Regra. Imaginavam os
sobreditos frades que, sendo o pontífice tão favorável, a reforma fosse já garantida.
Mas, pretendendo nos capítulos estabelecer esta ordem e iniciar as inscrições de
todos aqueles que desejam iniciar a reforma, elevou-se tão grande tumulto em todas
as províncias que, a muito custo, os frades Observantes conseguiram escapar de suas
mãos. Esta batalha durou cerca de três anos, impedindo qualquer iniciativa válida para
a Reforma (II, 23-26).
781. Aprouve ao Senhor Deus que, no terceiro ano de Clemente VII, apareceu, por
revelação divina, Frei Mateus de Bascio, homem simples e de grande espírito, com um
capuz agudo na cabeça. E, com a bênção de Deus e do sumo pontífice, começou a
pregar com vigor, revestido com hábito jamais visto, descalço e inflamado de fervor,
parecendo uma criatura saída do purgatório e desligado da terra qual um apóstolo de
Jesus Cristo.
Sua intervenção ocorreu no estilo de uma irrupção de uma boa nova importante
que causa, ao mesmo tempo, terror para os adversários e consolação para os de boa
vontade. Assim, o aparecimento de Frei Mateus causou temor aos frades relaxados e
grande alegria para os frades zelosos que desejavam a reforma. E quando os
superiores relaxados se deram conta que a lebre tinha fugido e não se conseguia mais
prendê-la, temendo que fugissem outros, procuraram fechar a porta, cativando os
frades zelantes com a possibilidade de iniciarem a reforma. Mas o procedimento era
tal que claramente se percebia a má vontade com que se permitia a prometida reforma
aos frades zelantes. E quando iniciavam a reforma, em pouco tempo, se criavam
dificuldades sob o pretexto de serviços de importância maior. De tal forma, porém, que
andava cambaleando (II,26s).
78
Nota do tradutor: no original, zoccolanti.
167
784. E foi tão importante o exemplo de Frei Mateus, que, em breve tempo,
enfileiraram-se atrás dele um grande número de descalços que, tais ovelhinhas
dispersas, ouvindo a voz do santo pastor, com grande ardor corriam pelos montes,
vales e lugares montanhosos para alcançar e unir-se sob guia e governo do santo
pastor Jesus Cristo, não se importando com espinhos e pedras e outros incômodos
das perseguições, abraçando voluntariamente a cruz de seu Pastor, desejando sofrer
diariamente por seu amor e seguir os passos de sua Majestade; e mesmo que a
viagem lhe fosse sensivelmente dolorosa, pela perda do guia que habitualmente se dá
às esquadras dos servos de Deus, interiormente estavam cheios de esperança, uma
vez que Deus nosso Senhor lhes concedeu providenciais auxílios que, pelo sim e pelo
não, os conservaram invencíveis (II,97).
786. Mas eu que, naquele tempo, pertencia àquela pobre congregação, avaliando
serenamente, afirmo que o seu melhor momento aconteceu de 1528 a 1533, por ter
sido o mais conforme com o ideal religioso e com o tempo de São Francisco. Não
nego, porém, que o segundo momento, até 1543, não tivesse sido o mais glorioso
perante o mundo e que não houvesse um maior número de frades, de sábios e de
pregadores; mas, considerando que a Ordem do seráfico Francisco é fundada na
humildade, na pobreza e no desprezo de si mesmo e na santa e perfeita
contemplação, ela nunca foi tão conforme com estas virtudes da perfeição cristã
quanto neste primeiro momento, quando, verdadeiramente, em todos os graus de
perfeição, renovou-se o primitivo vigor da Ordem e foi oferecido ao mundo o hábito, a
vida, a humildade, o desprezo do mundo e da verdadeira contemplação vivida por São
Francisco e por seus companheiros (II 259).
79
Nota do tradutor: zoccolanti / tamanqueiros.
168
imitar o pai São Francisco, nestas três virtudes: jejum, oração e silêncio; mas, de
modo especial, se não refrear a gula, mãe de todos os vícios, e se não se desprender,
mediante a pobreza de espírito, de todos os bens materiais. Nisto consiste o esforço
do religioso, de combater contra as próprias paixões e vencer a si mesmo, e para isso
são-lhe necessárias aquelas virtudes. Deus comunica-se com as almas purificadas; e,
então, tendo nós, por contínua contemplação, esculpido Cristo no coração, a fadiga
cessa completamente” (V,63s).
790. E assim iniciou a santa Reforma para a verdadeira vida religiosa. E estas
foram as primícias que os pobres Capuchinhos deram ao Senhor Deus, e tão
profundamente se consagraram a Deus que atingiram o máximo possível a fragilidade
humana e nunca mais foi possível a esta pobre congregação, nem em particular e nem
em geral, atingir a perfeição dos primeiros verdadeiros servos de Deus. E isto porque,
em tudo e por tudo, se esforçaram para conformar-se com o pai São Francisco e seus
companheiros. Não acredito que os lugares, escolhidos pelo pai São Francisco,
fossem mais pobres daqueles escolhidos, no início, pelos frades Capuchinhos. Nem
se vestiu o seráfico pai São Francisco, com seus companheiros, tão pobremente e
com panos tão vis quanto o fizeram os pobres Capuchinhos. E assim como se lê a
respeito de nosso pai São Francisco, e de seus companheiros, que nos inícios
habitavam em Rivotorto, nas Carceri de Assis, de Farneto, de Spiego de São Urbano,
de Rumita de Cese e outros lugares antigos; e deixando de lado as cerimônias e
outras coisas que dão preocupação, em nada mais se exercitavam a não ser na
contemplação; de igual modo os pobres Capuchinhos, lendo a Legenda dos Três
Companheiros, onde se encontra o estilo de vida seguido pelo pai, São Francisco,
esforçavam-se por imitá-lo e entregar-se totalmente à contemplação, princípio e fim da
vida religiosa (II,257s).
791. Foi notável o fervor que Deus concedeu àqueles seus servos iniciadores da
Ordem capuchinha. Por isso assumiram como principal fundamento e deliberação a
perfeita observância da Regra e do Testamento de nosso seráfico pai e, de modo
especial, o preceito da santa pobreza (IV, 149).
793. Um outro fundamento, aliás, admirável, foi que os frades, com humildade e
pureza de coração, se exercitassem continuamente na santa oração, mental e vocal
(IV, 6).
794. A Regra de São Francisco nada mais é que viver com empenho a santa
contemplação; não se parte, porém, da cruz; participando, todavia, da vida
contemplativa e ativa, torna-a vida mista mais perfeita que a simples vida
contemplativa, por ser mais conforme com o Evangelho e a vida apostólica:
observando com a pobreza os dois preceitos do amor a Deus e ao próximo, realizando
169
795. Portanto, sobre este inexpugnável, sólido e perfeito fundamento, como sábios
e habilitados arquitetos, aqueles veneráveis e santos padres fundaram a santa
Reforma dos Capuchinhos. Se bem considerado, são enviados pelo Espírito Santo e
não pelos homens; adornam e fortificam nossa Ordem que, observando bem, a
conservam como barquinho perfeito, no qual o seráfico pai orienta a vela; mas Jesus
Cristo, nosso Salvador, em sua bondade infinita, cuida do leme; neste caso, os frades,
estáveis nestes fundamentos, com certeza, serão conduzidos ao porto da salvação
(IV, 6s).
797. E isto ajudou de modo admirável aos cristãos, uma vez que o mundo estava
em trevas; os tempos eram extremamente atormentados e a população aflita por
causa das guerras que haviam agitado toda a Itália e as pestes que lhes seguiram. O
povo, porém, vendo estes frades tão austeros, parecendo desesperados, ficava atônito
e dizia: “Nunca foram vistos homens iguais. Ou, o fim do mundo está próximo, ou
grandes acontecimentos estão chegando”.
O povo teve com isso consolo, exemplo e ensinamento da reforma generalizada
que, passados os tempos de extermínios, teve começo auspicioso conduzindo as
pessoas à penitência, e iniciando no clero e nas ordens religiosas pequenas luzes
anunciadoras da aurora, após tantas trevas de tantos abusos e perturbações. E como
houvesse singular concórdia e conformidade entre esta reforma franciscana e a
reforma da Igreja, tornando-se a reforma franciscana princípio, meio e sinal da reforma
na Igreja universal, confirmada, depois, pelo concílio geral. A Reforma Capuchinha
correspondeu adequadamente à reforma do sagrado Concílio de Trento, instrumento
poderoso de que Deus se valeu para a reforma de sua Igreja (VI, 273s).
798. E Frei Bernardo de Offida ligou-se tão visceralmente à Ordem que, nos
momentos de maior tribulação, foi ele um de seus frades mais inabaláveis. E quando
alguém lhe dissesse que tudo acabaria em nada, fazia gozação. E animando os
confrades, dizia-lhes com muito fervor: “Estejamos firmes, irmãos; não duvideis. O
fundamento deste santo edifício é tão sólido que nenhuma força diabólica ou humana
poderá abalá-lo. O fundamento está na perfeita observância da Regra, igual à melhor
havida em outros tempos; a pobreza é sua pedra fundamental, pois, não temos
habitação segura, afastamos a fome com alguns pedaços de pão, ervas e frutas, e
cobrimos nosso corpo com hábitos feitos com inúmeros retalhos. E a derradeira
semelhança com a vida apostólica estaria na perseguição por causa do Evangelho, e
nós, por este motivo, não ousamos aparecer em público para não sermos
encarcerados.
Portanto, esta é a verdadeira Reforma. E não pode ser obra a não ser do Espírito
Santo, o fato de ter renovado uma vida tão austera e conforme com a Regra, com a
vida e com a mentalidade do nosso pai; e igualmente com o hábito vestido por ele e
dos nossos primeiros frades. E como, nós, gente simples, frágil e sem estudo,
teríamos podido recuperar a vida e o hábito, práticas já tão esquecidas na Ordem; e
170
por nós com pouco conhecimento daqueles tempos primitivos? E se é obra de Deus,
por que temer?
800. Assim falava o velho Mateus de Schio: “Recebi de Deus este dom e tanto me
agrada esta santa Ordem que, sendo eu nascido e sendo ela a casa de meu pai, não
saberia ser alguém além de capuchinho. E causa-me tristeza que esta santa Reforma
não tenha surgido antes, para nela ter servido a Deus desde a minha juventude e ter-
lhe oferecido a flor de minha vida. Quantos anos desperdicei, vivendo como homem
insensato, sem nunca ter considerado quais eram minhas obrigações! Apraza a Deus
que lhe sejam agradáveis estes quatro dias de minha velhice! Se mais eu tivesse,
mais eu lhe daria; e se mais eu pudesse, mais eu faria. Reconheço não ter recebido
de Deus um benefício maior, depois do batismo, e de ter a obrigação maior com sua
majestade por ter-me conservado até surgir esta santa Reforma. E quantas vezes
ocorreu-me pensar de ter desejado ver como o seráfico pai São Francisco vivia; eis
que eu o vejo, eis que eu vejo como o seráfico pai e seus companheiros observavam a
Regra” (III,380).
2. Regra e Constituições.
803. “Eu, se o Vigário Geral o permite, dizia Bernardino de Monte de Olmo, quero
percorrer todos os conventos pregando a Regra; uma vez que todos os nossos frades,
pela graça de Deus, têm boa vontade, mas pecam por ignorância, sem saber” (III, 66).
807. “Eu confesso com simplicidade, dizia Bernardino de Asti, que, encontrando-
me entre os Observantes reformados, onde se falava da Regra, eu sabia tão pouco
que aprendi muito com os leigos espirituais. E nunca entendi bem o verdadeiro sentido
da Regra a não ser quando me tornei capuchinho e pude ver como aqueles simples
capuchinhos a observavam, ensinados não por sábios, pois eram muito simples, mas
pelo Espírito Santo, uma vez que pelo enorme desejo que tinham de observá-la, Deus
lhes revelou em suas mentes como deviam proceder” (III, 185s).
809. “E se tu me perguntasses qual foi o objetivo do pai São Francisco, em nos dar
a Regra, eu responderia que ele não teve outro intento a não ser o de encaminhar
seus frades, livres de todo obstáculo, à santa oração, removendo de nós, mediante os
preceitos da Regra, tudo o que nos impede a santa oração e dando-nos os meios que
nos fazem adquirir o verdadeiro amor de Deus, objetivo da observância de qualquer
boa lei. E se tu me pedires que exercício deseja o pai São Francisco que pratiquemos
na vida religiosa, respondo-te aquilo que ele diz na Regra: “Orar sempre a Deus com
coração puro”. Esta foi, portanto, a razão de nos ter concedido a Regra, para que,
observando-a, fôssemos livres de toda preocupação terrena e de tal maneira que
pudéssemos dedicar-nos à santa oração” (III, 187).
810. Preservou-se Frei Francisco até a idade avançada e, quando não se sentia
mais apto a passar da oração à contemplação, iniciava a recitação da Regra. E certa
vez, sendo já bastante surdo, recitava-a em voz forte a ponto de certo frade
recomendar-lhe a recitação em voz mais baixa, mas o ministro provincial, ouvindo
isso, disse ao frade: “Deixa-o recitá-la porque ele reza bem melhor do que você” (IV,
215).
verdade aquilo que mais vezes ouvi dizer da parte de muitos homens: a Regra não é
compreendida a não ser por aquele que a observa. E aqueles que estão imersos na
vida sensual não podem entender a Regra, mesmo que sejam sábios, uma vez que a
Regra é espiritual e apenas pode ser entendida no espírito e na observância.
Quando ouvia a leitura da vida do pai São Francisco e de seus companheiros,
pareciam coisas simples e de pouca importância, uma vez que eu estava cego. Mas
agora sei o quanto são importantes. A divina sabedoria não podia colocar frivolidades
na Regra. E, por isso, andar a pé, descalço, remendado e não ter nada mais do que o
rosário e a Regra, embora pareçam coisas insignificantes, no entanto, sob estas
coisas, está escondido o espírito do Senhor; e são medida do espírito e do
conhecimento que temos de Deus.
816. E mais, tomaram como sólido fundamento que, para a perfeita observância
da Regra, se devesse observar o Testamento do nosso seráfico pai, não entendendo,
porém, obrigar-nos, pela profissão, prometer também o Testamento, nem mesmo por
voto particular; porém, que o devêssemos abraçar e observar como paterna
admoestação de nosso seráfico pai e como sendo aquilo que mais amplamente revela
a intenção do mesmo com respeito à observância da Regra. Concluíram aqueles
venerandos padres que, desejando observar perfeitamente a Regra, era necessário
observar o Testamento e, por isso, colocaram-no nas primeiras constituições.
E muitos anos depois, ingressando em nossa Ordem o venerável padre Frei
Francisco Titelmann, muito sábio e santo, confirmou a opinião daqueles primeiros
frades, afirmando que seria impossível observar perfeitamente a Regra sem abraçar
como guia e norma o Testamento de nosso seráfico pai. Afirmava o referido frade que,
se houvesse dificuldades na compreensão de alguns passos da Regra, o Testamento
é a glosa dada pelo Espírito Santo a respeito da nossa Regra, a mais bela e a mais
clara que se possa encontrar, elaborada no espírito da Regra, tal qual o afirma o
nosso pai: “E não digam os frades que esta é uma outra Regra, mas, como o Senhor
me concedeu escrever a Regra e estas palavras”, entendendo demonstrar que, por
revelação de Deus e com o mesmo espírito, havia escrito a Regra e o Testamento (IV,
5).
819. No Capítulo Geral celebrado em Roma, onde foi eleito o padre Frei Eusébio
de Ancona, pareceu a alguns frades que as constituições, em alguns pontos, eram
demasiadamente rígidas; e, por isso, acrescentaram e mudaram algumas prescrições.
Afirmou aquele bom frade, Bernardino de Asti: “Portanto, agora, nós avançamos tanto
quanto nos é possível; se avançarmos mais, atingiremos a Regra; até agora tivemos
uma espessa sebe que nos impediu de tocá-la. Agora, nós ultrapassamos o que a
Regra nos concede, quando, antes fazíamos mais do que a Regra nos ordena”.
Não há língua que possa expressar a importância daquela sebe, que de tal forma
protegia a vinha da nossa Regra, guarnecendo-a e protegendo-a a ponto de não ser
tocada nem mesmo nas folhas (IV, 8s).
822. Tendo nossa Ordem uma sebe tão segura, antes fortíssima muralha
circundando as bem elaboradas ordenações, caminha segura em todas aquelas
coisas oriundas, primeiramente, da vida e das palavras de nosso santíssimo pai e de
seus companheiros, e, nestes últimos tempos, daqueles frades que, de fato, foram
norma, guia e espelho. E felizes, nós, se prosseguirmos a empresa e o caminho
seguro por eles demonstrado em obras e palavras (I,246).
823. A pobreza, tão amada pelo seráfico Pai, foi assumida de maneira tão perfeita
naqueles primeiros tempos que ouso afirmar que nenhuma outra reforma atingiu tão
grande perfeição na pobreza como a Reforma dos Capuchinhos. Quando iniciou a
reforma da Observância, a maior parte dos conventos foi obtida da própria
175
824. Ocorreu, naqueles inícios, a nossos primeiros padres que, sendo por diversos
anos provados e submetidos a muito sofrimento, não somente na alimentação a pão e
água, mas muitos deles viveram comendo frutas, ervas e água; dormiam nas
cavernas, debaixo de árvores e onde pudessem (II, 213).
827. Cuidavam atentamente para reduzir ao máximo os gastos com dinheiro. Eles
trabalhavam manualmente, afadigavam-se com fidelidade e grande consolação de
espírito. Costumavam, naquele primeiro tempo, anualmente, visitar o dono da terra,
fosse a comunidade ou pessoa particular, levando-lhe alguns presentes da horta,
como verduras, frutos ou coisas semelhantes, agradecendo-lhes o aluguel daquele
ano, rogando-lhe renová-lo para o ano seguinte. Este costume foi, aos poucos,
abandonado por desgostar aos senhores e, acontecendo que a despesa atingisse a
diversas pessoas, poderia causar discórdia ou outros inconvenientes. Bastava aos
frades terem declarado que não possuíam jurisdição alguma sobre os sobreditos
lugares e que estavam prontos para sair, quando solicitados. Isto foi declarado
repetidamente em suas constituições (V, 279s).
830. Raniero de Borgo San Sepolcro não deixava de afadigar-se quanto pudesse;
porque, estando os frades daquele tempo sem habitações, ocuparam muitos lugarejos
e, com o próprio esforço, os frades pobrezinhos os construíam. O servo de Deus Frei
Raniero, com extrema fidelidade nisto se afadigava e Deus concedeu-lhe tamanha
bênção naquelas mãos que tudo faziam de maneira tão limpa e perfeita que era
enviado por nossos padres em quase todos os lugares em que se construía na
província. Durante o dia afadigava-se e a maior parte da noite gastava-a em orações.
E muitas vezes foi visitado por Deus nosso Senhor (III, 490).
831. As habitações construídas para eles eram tão baixas que um homem de boa
estatura quase alcançava o teto com a mão. Procediam desta maneira para adequar-
se aos lugares escolhidos por nosso pai São Francisco, que até hoje podem ser vistos.
Todos a beira chão e as celas eram pequenas e construídas com vimes e barro e
muito pobremente revestidas e delas se vangloriavam tanto os pobres Capuchinhos,
vivendo naquela pobreza, que tudo gritava espírito e devoção (IV, 175).
833. Enquanto não fosse construído aquele pobre refúgio, ocupado por eles,
dormiam em cabanas, nas cavernas e onde pudessem se retirar para estar a coberto.
E, de outro lado, cada dia eram visitados por alguma notícia ruim, da parte dos
adversários desejosos de destruí-los (II, 69s).
835. Padeceram muito naquele tempo antes que as pequenas habitações fossem
concluídas, uma vez que precisavam dormir juntos em qualquer cabana (IV, 152).
836. No que diz respeito à habitação, Bernardino de Asti, para si mesmo, sempre
se alegrou com habitações e celas muito pobres. Após seu primeiro período de
generalato, retirou-se para a habitação antiga de Nemi, não obstante estar ele
convalescendo, gozando de habitar naquele lugar devoto, pobre e solitário, a fim de
entregar-se mais comodamente à união com Deus na contemplação, depois de ter
servido ativamente no governo.
No convento de São Boaventura em Roma ainda podem ser vistas as pequenas
celas, construídas com canas e cal, do tamanho de um homem deitado, nas quais ele,
quando era Ministro Geral, procurador e guardião, se hospedava e, igualmente, seus
177
837. As igrejas eram muito pequenas e muitas eram construídas nas medidas da
Santa Casa de Nossa Senhora de Loreto (IV, 23).
839. Não quero omitir que o cardeal Gabriel Paleotti, arcebispo de Bolonha,
edificado com o zelo pela pobreza de Frei Honório de Montegranaro e, celebrando-a,
dizia repetidas vezes aos frades: “Frades, entendo que desejais colocar um precioso
painel junto ao altar e, com ele, um bonito ornamento. Eu vos aconselho a não
discordar e nem vos afastar da vossa santa pobreza. E afirmo-vos ter visto em algum
dos vossos lugares um tronco como âncora para o crucifixo e o pálio tecido de juncos
com uma cruz. E causavam-me uma devoção maior que se fossem confeccionadas
em brocados” (VII, 465s).
840. Por muito tempo, usaram cálices de chumbo, mas manchavam os corporais e
receosos que não se tivesse muita reverência ao Santíssimo Sacramento, permitiram
e colocaram nas constituições que pudessem ter dois cálices por convento com a copa
de prata. E, a respeito das outras coisas da igreja, baseavam-se nas declarações de
Nicolau III, que dizia não poderem os frades menores possuir vasos preciosos nem
figuras artísticas de muito valor; todas as coisas, porém, limpas, simples e de pouco
valor. Nem mesmo queriam que nas casulas, nos paramentos e outras alfaias
sagradas houvesse brocados, seda e outras preciosidades; pelo contrário, fossem de
panos simples, sem ouro ou prata. Em nosso convento de Roma, por muitos anos, o
palio do altar foi uma simples esteira.
De todas essas coisas, os leigos se admiravam muito. E quando viram que os
Capuchinhos começaram construir igrejas bonitas e receber imagens de alto preço,
embora fosse feito pelos frades com alto intuito de combater as heresias, aqueles que,
antes eram impressionados com a nossa simplicidade, agora, ficaram muito surpresos
(IV, 24s).
841. Pequenas e muito pobres eram as suas igrejas, com poucos e pobres
paramentos, ornamentos e vasos necessários para celebrar e conservar o Santíssimo
Sacramento. Nos tempos, quando as coisas divinas e a pobreza haviam caído no
esquecimento e a divina providência desejava despertar o mundo com esta novidade,
eles procediam de maneira extrema para nisso serem sinal de pobreza radical. A tal
ponto que uma pequena caixa de madeira branca era o tabernáculo do Santíssimo
Sacramento; o sacrário, uma caixa forrada com um corporal; os pálios, as esteiras, os
paramentos de tecidos simples ou tela; o turíbulo, uma concha suspensa por
pequenas cordinhas ou que o sacerdote segurava na mão; a naveta, uma caixinha de
madeira ou de papelão; os candelabros, um pedaço de madeira modelado por eles
mesmos ou um pedacinho de tábua com um prego com a ponta para cima; a âncora,
178
843. Para dormir, habitualmente, todos deitavam sobre tábuas nuas; mas no
inverno, alguns mais fracos ou velhos colocavam um pouco de palha e, sobre a
mesma, uma esteira de juncos. Nunca foram usados tecidos até a eleição de Frei
Eusébio de Ancona, especialmente na província de São Francisco; mas toda a
congregação costumava dormir sobre esteiras em vez de tecidos; mas a maior parte
sobre tábuas e muitos, por travesseiro, tinham um cepo ou um feixe de funcho ou
outras ervas.
E quando os seculares entravam para conhecer essas celas e a austeridade
guardada no dormir, edificavam-se muito (IV, 23s).
846. Estando Frei Jerônimo no bosque, cavando pequenos troncos secos, sendo,
naquele tempo, noviço de Frei Batista de Núrsia, cortou um ramo meio verde e meio
seco. Aquele bom padre, Frei Batista, passou-lhe uma severa repreensão e, para
ensinamento de todos, disse: “Vós não sabeis que não nos é lícito cortar o bosque,
que não é nosso, mas da comunidade de Perusa que nos permite, de acordo com
nossas necessidades, apanhar a lenha seca, mas não cortar a verde? O papa
concede-nos o bosque como espaço espiritual e para rezar e não para extrair madeira;
assim como seria contrário à Regra ter vinhedos e campos para extrair frutos, do
mesmo modo é contrário à Regra possuir bosques para retirar madeira”.
E, assim, enquanto ele viveu, sempre foi procurada madeira fora do bosque;
proibia que se cortasse um ramo sequer. Nunca permitiu que fossem plantadas
árvores frutíferas na horta e dizia: “Foi-nos concedida a horta para as verduras frescas
e não para outra finalidade. Foi julgado pela Igreja que seria excessiva distração para
a vida religiosa se, sempre que houvesse necessidade de verduras frescas,
precisasse mendigá-las; e para isso concede-nos as hortas. Em nossos constantes
jejuns, servimo-nos mais de ervas que de qualquer outra coisa (III, 275).
847. Este servo de Deus não podia ouvir, por amor à pobreza, que os frades
abandonassem estas habitações pobrezinhas para construir outras mais cômodas. E
179
dizia: “Não há ninguém que se afeiçoe às construções que não receba, no fim, a
punição da parte de Deus; e nada arruinou mais a vida religiosa que o número
excessivo de conventos; porque uma bela construção é procurada por muitos frades e
daqui nasce a familiaridade com os leigos, donde provém a amizade, e da amizade
nasce a perda de tempo e o abandono da oração e da santa devoção.
Além do mais, é necessário multiplicar os frades para ocupar os conventos e, por
isso, são recebidos, sem muita seleção, os inaptos à vida religiosa, enchendo-a de
frades inúteis que, com seu mau exemplo, a arruínam e escandalizam os leigos. Onde
há muitos frades, não basta a sobriedade e a pobreza cai na ruína; os seculares, por
causa da importunação, escandalizam-se e perdem a devoção e, retirando-se eles,
nascem os depósitos e provisões ilícitas (III, 272).
primeiros tempos quando trouxe para ela a flor das outras Ordens religiosas. Com
efeito, vemos que Deus, que a plantou e se deve confiar que dela tenha tido cuidado,
quis um outro caminho, menos solitário e menos austero e mais letrado. E a
experiência demonstra, todavia, que a multidão de frades, servindo à salvação de
muitos, é incompatível com as pequenas habitações afastadas e austeras, por causa
do atendimento aos enfermos, aos viandantes e outras necessidades.
É inegável que a Ordem foi prejudicada no fervor da observância, afastando-se da
austeridade, da solidão e da pequenez de antigamente. Portanto, se deveria
zelosamente manter, o quanto possível, não apenas as mesmas habitações antigas e
nelas observar o primitivo fervor, mas, nas modernas construções, vizinhas das
cidades e com grande número de frades, esforçar-se para conservar a santa discrição
e o zelo que existiu nos institutos antigos (VII, 199s).
851. A maior parte dos frades, na Ordem, mudou de opinião. E embora antes a
tivessem condenado, agora falavam bem dela e, como pude ver com meus próprios
olhos, alguns, de quem ninguém se imaginava, por serem frades de espírito fraco,
conversavam entre eles, dizendo: “Que fazemos nós aqui? Este, aquele (e
enumeravam a muitos) passaram-se para a Reforma dos Capuchinhos. Por que
demoramos tanto a fazer o mesmo? Saibam todos que a obra é de Deus e muito
favorecida por sua Majestade. Não poderia ter progredido tanto, consideradas as
dificuldades que enfrentou. Ser-nos-á cobrado por Deus que, tendo-nos preparado um
fácil caminho para a observância da Regra ad litteram, fiquemos aqui para salvar
nossas comodidades materiais. Deus abriu-nos as portas do paraíso; bem
aventurados aqueles que entrarem por elas (II, 276).
852. Foi do agrado de Deus que, nos anos trinta, cessassem as guerras, as pestes
e a carestia. Neste tempo, um grande número de frades veio de toda a Ordem para a
santa Reforma, não apenas simples e ignorantes, mas um grande número de sábios e
de santos homens, provenientes de toda a Ordem. E, então, aos olhos do mundo, a
pobre congregação levantou sua cabeça, uma vez que a vinda destes grandes
homens e por suas pregações tornaram a Reforma Capuchinha muito célebre em toda
a parte e, especialmente, junto aos prelados da Igreja (II,258).
853. Por isso, afirmavam aqueles servos de Deus: “Tanto a Ordem haverá de
progredir quanto os frades conservarem a simplicidade, uma vez que esta
congregação não se destina a muitos, mas a poucos e verdadeiros servos de Deus
desejosos de observar a Regra assim como a observou o nosso seráfico pai São
Francisco e seus companheiros. Mas quem deseja conduzir uma vida relaxada causa
um grande prejuízo vindo a esta congregação, uma vez que de congregações
relaxadas não há carência. Deveria procurar aquelas e deixar a esta na sua
simplicidade, como lugar de Deus e congregação dos verdadeiros servos e cavaleiros
de Cristo. Aqui poderiam retirar-se todos aqueles que desejam tender à perfeição e
dedicar-se mais estritamente à santa contemplação a fim de que, como sol, brilhasse
na Igreja de Deus e revelasse ao mundo a vida que teve nosso Senhor Jesus Cristo e
seus apóstolos; e, demonstrassem, com obras e com palavras, a pobreza, a
obediência, a humildade, a abstinência, o desprezo do mundo, o amor e a caridade
para com Deus e para com o próximo, a vida praticada por Jesus Cristo e seus
apóstolos, por São Francisco e seus companheiros e pelos verdadeiros servos de
Deus que, na vida religiosa, com católica e sã doutrina, com bom exemplo e santas
virtudes iluminaram tanto o mundo” (IV,167s).
854. Francisco de Jesi dizia que nada pior para arruinar a congregação que a
recepção de frades, cujas disposições deveriam ser iguais às disposições daqueles
181
que são recebidos à profissão da Regra. Não é suficiente considerar a boa vontade
dos jovens, uma vez que, sendo muito frágeis, muito jovenzinhos, enfermos
fragilizados e coisas semelhantes, não devem ser recebidos, porque se obrigariam
àquilo que não podem observar, ou seja: andar descalço, mal vestido, jejuar
assiduamente, suportar as fadigas exigidas pela vida religiosa por causa de sua
pobreza. No fim, acontece tudo pelo contrário, que não podem jejuar e nem fazer
outras coisas convenientes; pelo contrário, será necessário servi-los e sobrecarregar
aos leigos, procurando para eles comidas especiais.
Por isso, Deus permitiu existirem em sua Igreja muitas Regras, a fim de que, não
conseguindo observar tão grande perfeição, possam exercitar-se nas virtudes em
outra, viver religiosamente e salvar-se. Por isso, não se lhes causa constrangimento
recusando recebê-los.
856. O irmão leigo, Justino de Panicale, dizia: “Que procuramos com tantos
conventos? Esforçai-vos por receber poucos frades e por conservar os quatro
pequenos conventos que temos. Enquanto formos poucos, sempre haverá a
observância da Regra; mas, quando a Ordem se multiplicar, é forçada a decair, uma
vez que os verdadeiros servos de Deus sempre foram pouco numerosos. Não
aconteça de fundar uma nova Ordem relaxada; quem deseja viver com relaxamento e
habitar lugares bonitos, procure outras Ordens e deixe esta para alguns pobrezinhos
que desejam viver de acordo com a simples observância da Regra. Que desejam com
a multiplicação de conventos? Menos mal que aqueles que desejam viver com
relaxamento se dirijam para os Observantes, onde existem conventos prontos, não
precisando construir outros e nem causar maiores despesas ao mundo e o escândalo
da multiplicação de seitas.
Saibam que esta Ordem dos Capuchinhos foi instituída por Deus através das
orações daqueles santos homens que, por muito tempo, desejaram a observância da
Regra e derramaram tantas lágrimas a Deus para ver esta Reforma e que muitos
deles, conhecidos por mim, não a puderam ver; e, agora, nosso Senhor, por sua
misericórdia, concedeu a nós, pobrezinhos, poder observar a Regra de acordo com a
pura intenção do nosso pai São Francisco. Conservemos, portanto, este estado de
vida que nos foi concedido com tanta dificuldade, por graça de Deus; estado que, bem
182
857. Frei Batista nasceu de pais honestos numa cidade da Igreja na província de
Bolonha, conhecida como Favenza. Durante a juventude exercitou a arte militar com
honra e luxo. Foi coronel do duque de Urbino e conhecido como capitão Battiston de
Favenza. Foi homem valoroso e muito distinto. Deu muitas provas disso; e, entre
outras histórias, dizia-se que, certa vez, não sei em que cidade, sozinho, guardou uma
porta contra todo um exército. Era um homem de grande estatura, de olhar tão severo
que causava medo em quem o fixasse. Agarrava um homem pela cintura e segurava-o
erguido por longo tempo.
E se foi valente na arte militar, foi muito mais no serviço a Deus. Por esta razão,
tocado pelo Espírito Santo, decidiu abandonar todas as vaidades terrenas e tornar-se
religioso. E pensando consigo mesmo disse: “Batista, você cometeu muitos pecados e
com muita fidelidade serviu ao demônio e à vanglória mundana; mas, se deseja salvar-
se, precisa fazer penitência e com muito empenho, durante os poucos dias que restam
para servir a Deus”.
858. Por essa razão, de homem de bem, decidiu-se e tomou o hábito na Ordem
dos Capuchinhos. E foi-lhe dado um mestre muito severo; mesmo assim, quando
estava em sua frente com aquele rosto severo, o mestre tremia. E dando-se conta
disso, Frei Batista, chorando, disse-lhe: “Meu pai, eu tenho uma natureza vigorosa e
sou muito propenso a fazer a coisa do meu jeito; contudo, pensai que eu vim para
permanecer e para fazer penitência dos meus pecados. Não tenhais medo de mim;
pelo contrário, a torto e a direito, dai-me oportunidade para o merecimento, sem
respeito algum. E não me trateis como a esses jovenzinhos que desconhecem o que
seja pecado, mas castigai-me qual péssimo homem pecador que ofendeu demais a
Deus”.
Causava admiração que, dando-lhe o mestre as penitências, ele as cumpria com
tanta alegria que todos agradeciam a Deus e, em breve tempo, tornou-se qual um
manso cordeiro. E quando, considerada sua natureza altiva, lhe fugia o controle da
paciência, imediatamente, ao dar-se conta, o pobrezinho caia de joelhos e dizia:
“Perdoai-me, padre, pois não consigo vencer esta carniça; eu sou o pior dos homens
deste mundo, não me priveis da repreensão, mas ajudai-me a vencer este corpanzil”.
Foi, de fato, muito admirável ver um homenzarão tão terrível, em lágrimas, beijar o
chão e praticar toda sorte de penitências. Realizou sua profissão, com tantas lágrimas,
que todos os confrades foram constrangidos, igualmente, a chorar (III,504s).
tão disposto a caminhar que bastou indicar-lhe a estrada, na qual perseverou até a
morte, crescendo continuamente na perfeição (III,465).
860. João Batista de Terni foi, por diversos anos, guardião e mestre de noviços a
quem governou com muita simplicidade, prudência e grande caridade. Dedicava-lhes
tanto amor como se os tivesse gerado. E dizia que, acima de tudo, o mestre de
noviços deve comportar-se de tal maneira que estes sintam, mediante sinais externos,
que o mestre os carrega a todos no coração e nele tenham muita segurança, visto
que, se perderem a segurança, são despedidos (III,391).
861. Frei Pedro nasceu de família nobre, na cidade de Mazara, na ilha de Sicília.
Na idade juvenil, freqüentou a escola, mas, chegando aos vinte e um anos de idade,
dedicou-se à arte militar; exercitando-se nela, nasceu-lhe um desconhecido desdém e,
por ser um homem de coragem e de grande senso de honra, criou muitas inimizades.
Caiu na desgraça da corte e, não sabendo como se salvar, fugiu para o campo.
Tornou-se chefe de bandidos. Praticou muita maldade em diversas localidades, a
ponto de seu bando ser muito temido por todos.
Aprouve ao Espírito Santo inspirar-lhe abandonar aquele gênero de vida e seguir a
vida religiosa. Veio para a província de São Francisco e foi recebido na Ordem dos
Capuchinhos e foi tal sua conversão que todos tiveram certeza ter sido guiado pelo
Espírito Santo. Não passou muito tempo, foi eleito vigário provincial de toda a Sicília,
cujo ofício exercitou com muita prudência e bom exemplo. Era tão benigno e
misericordioso com seus irmãos, conhecendo-se, com facilidade, que ele se
considerava servo de todos, de acordo com o espírito de nosso pai São Francisco.
Nunca abandonou a abstinência ordinária, embora se desgastasse muito com o
exercício do oficio.
Foi também mestre de noviços. E todos afirmavam que não prestava para mestre,
visto que, por sua piedade, muitas vezes, quando um noviço merecia correção, tinha
por ele tamanha compaixão, por ser ainda jovem, que preferia cumpri-la ele mesmo. E
dizia: “Filhinho, você mereceria a disciplina, mas eu vou cumpri-la em seu lugar”. E
quando lhe era observado por alguns confrades que não era correto não castigá-los,
respondia: “São ainda tão inocentes que desconhecem o que seja o pecado e convém
que eu, que sou o pior dos homens existentes no mundo, faça a disciplina” (III,393-
396).
5. Os estudos
184
863. Não possuíam livros para estudar; seu livro era a cruz. Apenas os pregadores
dispunham de alguns poucos livros, se desejassem estudar; contudo, os livros
estavam ao dispor de todos. Grande privilégio era possuir o Novo Testamento para
uso particular. Não lhes era permitida a lanterna, a não ser na noite anterior à
pregação e não em outro tempo e isto para economizar óleo e para dedicarem-se mais
à oração que ao estudo. Para a lamparina que ardia diante do Santíssimo Sacramento
dirigia-se quem, por algum motivo, devia estudar, ler algum salmo ou por outro motivo
(VII,76s).
Os livros ensinam-nos a fazer o bem e realizar o que nos ensinam é complemento
da lição. Não se vai ao céu por saber ou por ter lido, mas por ter praticado aquilo que
os livros nos ensinam (II,281).
865. Embora Bernardino de Montolmo fosse sapientíssimo, nunca lhe agradou que
na Ordem se estudasse; costumava afirmar que, ao serem introduzidos os estudos,
ela decairia como aconteceu no passado, quando os estudos a arruinaram; e os
sábios que vieram para nossa Ordem, vieram para chorar seus pecados. As divinas
Escrituras devem ser entendidas no espírito em que foram escritas; e, para isso,
precisamos entregar-nos à oração, uma vez que a doutrina sem o espírito foi causa de
grandes males na vida religiosa e, no mundo, de muitas heresias. A Igreja de Deus, no
início, foi governada na oração e da oração provêm a inteligência e a verdadeira
interpretação das Escrituras; foi a ela que os santos homens recorreram para serem
iluminados; e, faltando esta iluminação, falta a luz de Deus e sem a luz de Deus não
conseguimos guiar nem a nós mesmos e nem aos outros; por isso, nosso santo pai
deu-lhe muita atenção.
867. Quando Bernardino de Asti, por causa da velhice, não conseguia mais
exercer o ofício de superior na Ordem, para não deixar de fazer o bem ao próximo,
convocou para Roma diversos jovens e lecionava-lhes a teologia. E, assim como eu
mesmo ouvi dizer, ele havia lido por bem onze vezes a Duns Scoto. E lia com tamanha
facilidade que parecia conhecê-lo de cor. E também eu o ouvi dizer: “Quem entende
bem Scoto conhece alguma coisa” (III,185).
185
869. Agradou ao bom Deus que Frei Querubim de Spoleto professasse na vida
religiosa. O venerável padre Frei Francisco de Jesi, conhecendo-lhe a cultura, a
prudência e a brilhante inteligência, chamou-o para perto de si. Em pouco tempo, ele
correspondeu de tal maneira que o instruiu com perfeição nas ciências e na sagrada
teologia. E por ser este venerável sacerdote tão profundo na sagrada teologia, como
poucos em toda a Ordem, comunicou ao jovem, de maneira eficiente, a sagrada
teologia que lhe servia, ao mesmo tempo, para o crescimento no saber e na oração.
Repassava-lhe tudo bem digerido. Por isso, inflamou-se tanto no amor a Deus que
vivia com a mente sempre voltada para o Senhor (III,401s).
871. O silêncio era observado pelos frades de tal modo e a toda a hora que,
mesmo durante os capítulos, ficava a impressão de não haver ninguém em casa,
embora lá estivessem muitos (I, 265).
872. Havia silêncio em toda a parte; falavam apenas por necessidade e com voz
baixa. Viviam todos retirados: quem nas celas, quem no eremitério ou na igreja
rezando; ou mesmo ocupados em alguns oportunos trabalhos. Ficava a impressão de
não haver gente no lugar (VII, 74).
próximo. De fato, nós nos afadigamos em vão, se não soubermos domar a serpente
venenosa de nossa língua” (III, 441s).
877. Causou excelente bom exemplo aos seculares o falar pouco e em voz baixa,
juntamente com a bela modéstia dos Capuchinhos; isso era suficiente para torná-los
espelho para qualquer um (IV, 36).
878. Entre eles nunca se falava das coisas do mundo; mas se alguém, por
imprudência, nelas se envolvesse, imediatamente, alguém, ajoelhando-se, fazia-lhe a
correção fraterna, dizendo: “Estas são palavras ociosas”. E o frade, reconhecendo sua
culpa, por sua vez, ajoelhava-se e dizia sua culpa. Mas, ocorrendo uma conversação,
falava-se das coisas de Deus ou da observância da Regra, de maneira breve e com
voz submissa. E quando ocorressem visitas de seculares, surpreendiam-se por não
notar a presença de ninguém no local. E isto acontecia porque, raras vezes, eles se
reuniam, a não ser para o Ofício, para a refeição e para outras coisas ordinárias da
vida religiosa. Depois, cada um ocupava-se de si mesmo (IV, 185s).
881. João Espanhol tinha um rosto de criança, uma diminuta barba, negra e rala;
com seus olhos pretos, devotos e um tanto alegres, alegrava a todos que o
contemplassem. E embora fosse muito austero consigo mesmo, não era menos
amável e piedoso com todos, a tal ponto que diziam parecer-se com o pai São
Francisco. E embora raramente ou quase nunca fosse visto sorrir, tinha um rosto
sempre sorridente. Brilhava naquele pequeno rosto um certo esplendor e uma visível
alegria, parecendo-se com um anjo. Ninguém, jamais, pôde ouvi-lo pronunciando uma
palavra ociosa; a tal ponto era controlado em seu falar! E na maioria das vezes, ao ser
interpelado, respondia mais com acenos do que com palavras, exceto quando lhe
fosse solicitado algum conselho ou se conversasse sobre vida espiritual; nessas
oportunidades, falava de modo humilde e submisso causando em todos uma grande
consolação.
Este servo de Deus era tão assíduo na contemplação, que raramente falava com
alguém; mas, ocorrendo por necessidade do próximo, envolvia-se e empenhava-se de
tal maneira em falar de Deus que mais parecia um anjo terrestre. E tão oportuna e
seguramente aconselhava que para todos era evidente que suas palavras provinham
de sua inteligência profundamente iluminada por Deus, na contínua familiaridade
187
883. Frei Bartolomeu de Spello era homem silencioso, especialmente nos tempos
estabelecidos. Naquele tempo, fazia-se questão disso. Por essa razão, sendo
guardião da localidade de San Valentino de Foligno, Frei Ludovico de Fossombrone
mandou para a visita local um de seus comissários gerais, Frei Agostinho de Bassano.
E acontecendo que os pobres frades do local não tendo campainha para acordar os
frades para as matinas, gritou fortemente: “Levantem, servos de Deus, levantem-se
para louvar a Deus!” Por esse motivo, ouvindo pela manhã a confissão, o sobredito
comissário impôs-lhe a disciplina e o repreendeu duramente por ter rompido o silêncio.
O servo de Deus fez a disciplina tão alegremente como se tivesse participado de festa
nupcial (III,260).
885. E não parecia que, naqueles lugares, habitasse alguém; todos estavam
ocupados, cada um para si ou em algum serviço necessário ou na santa contemplação
(II, 257).
887. E certa vez, vendo que eu estava perdendo tempo, Frei Mateus de Schio,
corrigiu-me, fraternalmente, e disse: “Que fizeste nesta manhã, meu filho”? E eu
respondi: “Pouca coisa, meu padre!” Respondeu-me o homem de Deus: “Eu me
precavi e não procedi do mesmo modo. Digo-o para servir de exemplo a você: Eu
rezei, celebrei a missa e o ofício no coro e compus um sermão para a glória de Deus.
Com muita solicitude, meu filho, os santos adquiriram as santas virtudes. E eu me
preocupo em não perder o tempo que, depois, não se consegue mais reconquistar”
(III,379).
888. Este santo homem, Francisco Titelmans, queria, igualmente, que os frades
trabalhassem manualmente e, com o trabalho, ganhassem o próprio alimento,
188
afirmando que este era o primeiro e mais seguro modo de viver segundo a Regra,
alegando o exemplo de São Paulo que, tão ocupado com os trabalhos da pregação,
de escrever e de rezar, queria viver de seu trabalho; e de Frei Egídio, companheiro de
São Francisco, que sempre ganhou o próprio sustento; mas, envelhecido na localidade
de Perusa, não conseguindo mais trabalhar, sofria de graves escrúpulos de
consciência, até que Frei Boaventura, Ministro Geral, visitando aquela localidade, o
livrou do sofrimento. Ele apresentava o exemplo de São Basílio, de São Bento e de
São Bernardo que prescreveram o trabalho para seus monges e assim procederam
todos os antigos padres.
Dizia, porém, que, não estando os frades ocupados nas coisas espirituais dos
ofícios, nas missas, nas orações, nos estudos e na pregação, devem trabalhar,
ganhando, ao menos em parte, o pão que comem. E ele mesmo, para dar exemplo
disso, aprendeu a fabricar cestos; e, sendo ele ministro provincial de Roma, ordenou
que os frades, especialmente os leigos, aprendessem a tecer panos, fabricar cestos e
outros objetos. E dizia que, muitas vezes, adquire-se mais facilmente o espírito
observando nisso a Regra e obedecendo a Deus do que, sob pretexto espiritual,
entregar-se à quietude temporal; e todos os frades, especialmente os jovens, não
conseguem manter-se castos se não fogem à ociosidade (VI, 182s).
890. Graciano de Núrsia foi, durante muitos anos, mestre de noviços leigos a
quem ensinava com muita caridade. Nunca aceitou aprender a ler e dizia: “O ofício dos
leigos não é ler, nem saber letras, mas servir à Ordem”. Realizava trabalhos de
cozinha com muito zelo de caridade e de pobreza; e, para não perder muito tempo,
durante o inverno cozinhava depois do ofício das matinas, uma vez acabada a oração
e os frades descansavam. E, iniciando a hora da prima, estava na igreja onde
permanecia até terminarem todas as missas. Recitava todas as horas na igreja. Pouco
tempo ou quase nunca dormia depois das matinas, mas costumava repousar um
pouco depois do almoço. Perseverava longamente na santa oração e usava o cilício;
na idade avançada, abandonou o cilício, pois afadigava-se muito e não lhe parecia
oportuno acrescentar mais aflições à natureza debilitada. Evitava a excessiva
familiaridade com leigos e permanecia com gosto ou na igreja ou no bosque (III, 307).
891. Francisco de Jesi viveu sempre de maneira muito humilde e, embora muito
sábio, nunca revelava sua condição a não ser quando o exercício do governo o
exigisse. Vestia com muita pobreza e, embora amantíssimo da solidão, não se
recusava a realizar serviços comuns e vis, sempre que tivesse oportunidade. Certa
vez, ele ficou sozinho em casa, enviando todos os outros a cortar lenha. Enquanto
isso, preparou-lhes a refeição. Retornando e após a refeição, Frei Batista disse-lhe:
“Esta sopa é muito boa; que condimentos colocastes nela?” Respondeu-lhe: “Coloquei
muita caridade!” (VI, 124).
894. E parecia mesmo que Deus colaborasse com sua graça, uma vez que,
trabalhando, cada qual vivia em seu canto e se esforçavam para manter sua mente
elevada em Deus; e com isso os seculares se edificavam muito (III,175).
896. Quando ocorria a Frei Bento de Subiaco de comer alguma coisa conseguida
com seu esforço e de outros frades daquele tempo, seguidamente, enquanto comia,
juntava as mãos e elevava seu olhar para o céu. E, muitas vezes, foi visto chorando e
dizia: “Agradecido seja Deus! Cumpriu-se o desejo que sempre alimentei de viver de
meu trabalho” (III,134).
190
897. Crescendo a Ordem e chegando frades que não estavam tão confirmados no
espírito, aqueles veneráveis padres, iluminados pelo Espírito Santo, perceberam que
colocar estes frades no trabalho e no serviço hospitalar teria sido uma desgraça,
julgando que esta empresa não era apta para todos. Pelo contrário, cessaram os
trabalhos, pensando que não se devessem perder tempo, mas afadigarem-se nas
santas orações e nos estudos sagrados, condenando, porém, em tudo e sempre, a
ociosidade. E assim falavam aqueles veneráveis padres: “Trabalha muito aquele que
se afadiga nas santas orações, nos santos ofícios e nos sagrados estudos e na
pregação. E nossos leigos gastam bem o seu tempo, quando se afadigam nos
exercícios e nos ofícios da vida religiosa” (IV,198).
898. Por isso, os Capuchinhos iniciaram, com grande solicitude, o estudo das
declarações dos sumos pontífices, as Crônicas da Ordem, a Legenda dos Três
Companheiros, o Livro das Conformidades e, nestes livros, entenderam o modo de
vida que a Ordem tinha em seus inícios. E, por muitos anos, à mesa, não se lia muita
coisa além dos escritos do pai São Francisco (IV, 171s).
899. Observando o venerável Frei Bernardino de Asti que Frei Francisco Titelmans
era um homem especial, ordenou-lhe que fizesse alguns sermões aos frades,
animando-os na observância da Regra. E, daquele tempo em diante, por
argumentação, fazia seguidos sermões aos frades e tão divinamente elogiava a Regra
que todos aqueles veneráveis frades, embora muitos sábios, afirmavam não terem
nunca escutado sentimentos e conceitos mais elevados. Inflamava-se o seu rosto
parecendo um querubim; penava por não dominar a língua vulgar, falava, porém, em
latim; e depois se constrangia, voltando seu olhar para os irmãos leigos, como se
sofresse por não conseguir alimentá-los com aqueles belos conceitos da Regra (III,
173s).
900. Certa vez, entre outras, Bernardino de Asti, no convento de Narni, onde, por
motivos de saúde, se deteve por um ano após o término de seu primeiro triênio de
generalato, agradava-lhe muito aquele convento por ser devoto e solitário, cercado de
bosques.
Fazendo eu parte da família, pedimos a ele, em nome de todos os frades, na noite
de carnaval, que viesse jantar qualquer coisa, lá no refeitório. Respondeu-me: “Eu não
vou jantar, mas dar-lhes uma pequena consolação; estarei com vocês à mesa e lhes
direi algumas palavras espirituais, a fim de que, recreando-se o corpo, faça carnaval o
espírito”. E, vindo à mesa, iniciou a falar em voz tão forte a respeito do paraíso que
todos ficamos estupefatos. E, terminando, disse-nos: “Desejo que vos alegreis um
pouco corporalmente e que riais bastante”. E contou-nos a historieta de um conde e de
um bispo alemão que, falando latim, disse-lhe: “volo comedere modicum80”; o conde
não entendeu, mas, como possuía um asno jovem de nome Módico, com grande
tristeza, assou-lhe o asno! E assim ele nos fez rir um pouco. E, modestamente,
retornou para seu quarto (III, 184).
902. Uma entre outras vezes, vendo Frei Bernardino de Montolmo tão extenuado,
eu disse ao cozinheiro: “Faça uma caridade para este pobre padre!” Respondeu-me:
“Ele não aceita. É um homem tão atento e tão zeloso de dar bom exemplo que nunca
se permitiu alguma particularidade em momento algum”. E, então, eu lhe acrescentei:
80
Trad.: quero comer um pouco.
191
903. Aquele frade bom e simples procedeu como eu lhe havia dito; mas ele,
encontrando a carne na escudela, sendo vigário da casa e não estando presente o
guardião, mandou chamar o cozinheiro a quem, ajoelhado no refeitório, disse-lhe:
“Meu filho, tu me fazes hipócrita à força; eu teria preferido que você tivesse colocado
um cascão na minha escudela em vez da carne. Nunca mais faça isso”.
E, com muito fervor, aproveitando a ocasião, fez um belíssimo sermão, pelo
espaço de meia hora, mostrando a conseqüência das particularidades na vida
religiosa. Disse: “Assim nascem as divisões na vida religiosa, onde os frades não
apenas se dividem e se afastam do amor mútuo, mas, odiando-se, são levados a
separarem-se um do outro e formar seitas. Se a vida religiosa se mantivesse unida em
todas as coisas e não buscasse as particularidades, mesmo que houvesse
imperfeições, não faltaria, a quem o desejasse, a oportunidade de fazer o bem,
oportunidade de servir a Deus e de observar a Regra. Mas, vendo alguns ser
machucados e não assistidos em suas necessidades e, por outro lado, outros
favorecidos e exaltados e bem providos em todas as suas necessidades, é coisa
intolerável que não pode durar e, então, não se faz outra coisa senão murmurar”.
E, voltando-se para nós, que éramos jovens, mais vezes nos disse: “Fugi, meus
filhos, das particularidades como se foge da condenação!” (III,61).
904. Frei Rufino de Galarate perseverou na vida santa até a idade bem avançada,
conduzindo-se na austeridade e santidade, levantando-se para as matinas até o fim de
sua vida e vigiando em suas orações. Disse-lhe um frade: “Padre ancião, não precisa
mais levantar-se para as matinas”. E ele, sabendo quão importante é o bom exemplo
dos velhos para os jovens, disse-lhe: “Meu filho, se eu levanto para as matinas,
ninguém me observa; mas se eu não levantar, todos me vêem” (VI, 486).
905. Por fim, Boaventura de Montereale se fez capuchinho e por isso teve uma
vida muito santa. Sua abstinência consistia em não jantar à noite; e afirmava ser esta
a melhor abstinência que se podia fazer na vida religiosa, comendo na parte da manhã
com os outros e daquilo que todos comem, uma vez que não se acomodar aos outros
prejudica os serventes. É melhor comer uma sopa de caldo de carne que encomendar
uma sopa quaresmal distinta da sopa da comunidade. E esta abstinência, mais
pacífica e menos vistosa, é mais segura, dizia ele (VI,241s).
906. Ângelo de Savona não foi homem de muita austeridade porque era de
natureza muito nobre e de corpo fraco. Não se conhecem outros milagres além da
verdadeira e perfeita observância da Regra; e tão grande era a beleza de seus
costumes que, por todos, em público, era reputado como santo (III,131s).
907. Era coisa admirável que Frei Félix de Cantalício, por causa de seu ofício,
fosse familiar com todos e, todavia, o Espírito Santo o governou de tal maneira que por
ninguém foi percebida sua santidade, apenas era considerado um homem simples e
de bem. Não apenas da parte dos seculares, mas também da parte dos próprios
frades não foi conhecida sua santidade, tão bem soube ocultá-la! E nisto o servo de
Deus parece ter sido perfeito, pois, sendo cheio de espírito e de perfeição, não era
conhecido como diferente dos demais (III,467).
perseverança é que coroa os eleitos de Deus; uma vez que não basta iniciar o serviço
divino, mas perseverar até a morte é que garante a coroa; e perseverança tanto maior
de não romper o pacto com Jesus Cristo de observar a Regra por todo o tempo de
nossa vida, uma vez que uma simples falta contra a mesma prejudica toda nossa vida;
mas a perseverança do início ao fim é merecedora de grande louvor (III,459s).
7. A pobreza
909. “Esta foi a intenção de nosso pai São Francisco - no dizer de Mateus de
Bascio - que seus frades vivessem completamente afastados do mundo, em perfeita
pobreza; e, por isso, chamou-a de altíssima pobreza, diferente de todas as pobrezas
do mundo. Por isso, filhinhos, podereis chamar-vos filhinhos legítimos do seráfico pai
São Francisco, quando, vivendo em lugares pobrezinhos, não tiverdes afeição alguma,
uma vez que a afeição das coisas terrenas é uma grave peso que prende a alma à
terra e impede-lhe de voar para o Criador. Sabei, porém, que nosso pai São Francisco,
iluminado por Deus, soube que era impossível dedicar-se plenamente ao exercício da
perfeita contemplação sem o verdadeiro fundamento da pobreza. Não vedes,
caríssimos filhinhos, que, embora em nosso Senhor Jesus Cristo habitassem, de
maneira excelente, todas as virtudes, contudo, a humildade e a pobreza brilharam
mais que as outras em sua majestade?” (II, 251).
911. Não conseguirei expressar com a língua o zelo que eu vi naqueles santos de
Deus com respeito à pobreza espiritual. E afirmavam ser este o fundamento da
perfeição religiosa (IV,183).
913. Antes da chegada da grande carestia geral do ano de 1570, alguns meses
antes de ser constatada, o núncio pontifício, cremonês de nascimento, visitando o
guardião do convento de Nápoles, preveniu o mesmo a respeito da carestia e disse-
lhe que seria prudente armazenar uma certa quantia de grãos. E respondendo-lhe que
193
não costumavam fazer provisões de grãos, mas apenas procuravam esmolar pão;
então, recomendou-lhe que o torrassem. O guardião respondeu-lhe que isso eles não
o faziam nunca e que nem por isso ele temia, pois estava certo e seguro que, embora
faltasse para os outros, para eles não iria faltar o pão. Disse, então, o núncio: “É uma
grande fé a de vocês!” E o guardião respondeu-lhe: “Nós estamos seguros porque
Cristo e São Francisco o prometeram”.
E assim, de fato, aconteceu que, chegando a tão terrível carestia, que em Nápoles
eram encontradas pessoas mortas ao longo dos caminhos, aos Capuchinhos nunca
faltou o pão, embora constituíssem uma grande família de cinqüenta frades; tiveram
em abundância pão e outros alimentos (V,328s).
914. Todos eram ainda zelosos a respeito das necessidades cotidianas e não
queriam saber de pequenos depósitos além das necessidades semanais. E quando os
vigários realizavam a visitação, obrigavam a dar aos pobres todas as coisas
guardadas e consideradas supérfluas, como mel, legumes, cebolas, nozes e outros
frutos; e, por causa disso, repreendiam duramente os guardiães. Era tal a pureza de
vida na observância da evangélica pobreza que, nas visitas, pouco havia para
repreender, com exceção de pequenas superfluidades, consideradas por eles como
grandes transgressões.
E diziam: “Felizes de nós se a Ordem se mantiver neste zelo de não ofender a
Regra nas coisas mínimas; mas quando não houver mais preocupação com estas
pequenas coisas, facilmente aparecerão transgressões de preceitos graves da Regra”.
E julgavam ultrapassar as exigências da pobreza, se houvesse mais que meia mina de
nozes ou de outros frutos (IV, 181s).
916. Nas suas viagens, Francisco de Jesi não levava consigo e não permitia ao
companheiro que o fizesse, a não ser pão, mesmo se acontecesse de andar por
caminhos onde não fosse possível encontrá-lo. E qual erasua convicção a respeito da
pobreza, demonstra-o este acidente. O companheiro assou três pombos, movido pela
compaixão por sua velhice, que precisava caminhar; chegada a hora da refeição,
sentou-se no chão e, pensando o bom velhinho que à passar a pão e água, disse: “Ao
menos desta vez vamos viver como frades menores!” Mas quando o companheiro
descobriu os pombos, perturbou-se, sentindo-se frustrado em seu desejo e privado do
tesouro da santa pobreza que comeu apenas uns bocados de pão sem ao menos
tocar nos pombos. Levantou-se e seguiu o caminho insatisfeito (IV, 126).
917. Nas viagens, não raro, aconteceu que Frei Jerônimo de Montefiore e seu
companheiro, tendo recebido pão para a alimentação e encontrando pobres pelo
caminho, dava-lhes o pão em quantidade tal que eles mesmos passavam
necessidade. Quando foi Ministro Geral, proibia aos frades de levarem consigo nada
mais que pão e vinho, frutas, cebolas e coisas semelhantes, e com muito dificuldade
permitia-lhes de levar consigo pequenas bacias. E, com esta intenção, verificava nos
bolsos e nas bagagens se não possuíam comidas especiais, dizendo-lhes: “Nós
devemos servir de exemplo para os outros”.
Se lhe acontecesse de sofrer por causa da pobreza, alegrava-se imensamente. E
aconteceu de ter que se alimentar, ele e seu companheiro, na região de Urbino,
194
andaram a procura por diversas vilas daquela localidade onde nada mais obtiveram
que alguns pedacinhos de pão. E, retirando-se para comer, ele, com indizível alegria,
disse ao companheiro: “Agora, façamos como fez o pai São Francisco, vejamos quem
recolheu mais esmola”. Ambos tiraram da bolsa os pedacinhos que haviam esmolado
e os comeram com alegria, afirmando, depois, o companheiro que nunca tinha
observado tanta alegria e contentamento naquele padre quanto naquela vez (VI,350).
918. Por isso, naqueles primeiros e afortunados tempos, tinham tudo em comum,
mesmo os livros, os hábitos e tudo aquilo que a Regra nos concede e até mais do que
era previsto pela Regra e, mesmo assim, tinham-no simplesmente como emprestado
de seu superior. Não davam e nem tomavam, um do outro, coisa alguma sem a
licença de seu superior, sabendo que tomar ou permutar, sem essa licença, é ato de
propriedade, segundo a afirmação de São Bernardino e de outros. De modo particular,
abstinham-se de levar para alguém aquilo que lhes fora concedido em uso nem
mesmo de levá-lo para qualquer outro lugar; mesmo que fosse uma agulha ou uma
simples pena e pequeno papel, consideravam-no como manifesto furto, se fosse
tomado sem conhecimento de quem lhe tinha o uso e sem licença do superior (I,249s).
920. Quando as coisas iam mal, o servo de Deus Frei Rufino de Galarate
entristecia-se muito; e sempre costumava manter o lugar bem limpo e que cada coisa
estivesse em seu lugar. E dizia aos frades: “Irmãos queridos, teremos de prestar
contas a Deus nosso Senhor a respeito das mínimas coisas, uma vez que todas são
esmolas e sangue de Cristo” (III, 458).
921. Vicente de Foiano zelava tanto pela pobreza que, além do breviário, não
queria ter nada além de um livro de apontamentos, onde anotava as coisas da vida
religiosa e algumas suas devoções; e, tornando-se mais velho, abandonou isso
também, parecendo livrar suas costas do peso de uma montanha (VI,204).
81
Trad.: Cordeiro de Deus, uma medalha de cera.
195
924. Tudo o que realizavam nossos primeiros frades, aqui em nossa região, era,
por sua vez, realizado também pelos frades da região da Calábria, quer nas
construções, na vida cotidiana e no vestir; seus hábitos mais pareciam ásperos cilícios
que panos de lã. De iguais panos vestem os frades da Apulia e da Sicília. E isto ocorre
por causa da qualidade das lãs, selvagens e muito ásperas, inferiores às lãs de outras
regiões; e mais ainda, por opção dos próprios frades, amantes de nossa vida austera e
observante e que procuram, por isso, panos vis, pouco apreciados e grosseiros,
embora pudessem ter outros menos rudes e não tão incômodos aos sentidos.
Esta sua opção nasce do desejo de penitência e ainda da consideração de que
Deus nosso Senhor, tendo-lhe concedido aquele tipo de lã, parece querer vesti-los
exatamente como eu o descrevo. E para realizar este seu desejo, os pobrezinhos
procuram a lã por amor de Deus e mandam, de propósito, fabricar os panos ásperos e
grosseiros.
Por isso mandam fiar a lã e, ao entrelaçá-la, não querem que se use óleo, a fim de
que permaneça selvagem, dizendo que assim procedem, ainda hoje, os colonos e os
pobres daquela região. E os fazem tecer do modo que melhor lhe agrada; de sorte
que, vestidos com aquela negritude própria daqueles panos, assemelham-se, ao vê-
los, ao próprio horror e, ao manejá-los, um tecido pungentíssimo ou mais áspero do
que se possa encontrar entre os panos, ou melhor, assemelham-se aos sacos de
cilício que os mercadores usam para embalar as mercadorias. Estas são suas
vestimentas (I,366).
925. Bernardino de Asti era muito sóbrio e muito ordenado. Esteve sempre muito
bem na vida regular, que, mesmo em seu tempo de governo geral, conduziu com
discrição e conveniência própria a vida religiosa onde vivem pessoas de diversas
condições. Mas na vida comum ele era singularmente austero. Qualquer que fosse a
ocupação ou necessidade que tivesse, não aceitava pratos especiais ou maiores; se o
82
Cf. nota 94.
196
responsável falhasse, ele havia estabelecido para si mesmo esta norma de não comer
a fim de que aprendessem a dar-lhe pouca comida. Certa vez, sendo Ministro Geral e
estando muito cansado e necessitado, o cozinheiro colocou diante dele um prato
abundante, ele nem sequer o tocou e, depois, confidenciou a um seu confrade: “Este
cozinheiro errou comigo, pois eu estava com muita fome, mas não pude comer porque
ele me deu comida demais (VI,19s).
926. Causava admiração que, embora fossem panos vis e com duração prevista
para um ano, duravam, ordinariamente, até quatro anos por causa dos remendos que
neles colocavam; muitos deles os mantiveram em uso entre quatorze e dezesseis
anos por amor e zelo pela santa pobreza (IV,15).
8. Austeridade penitente
929. Muitas vezes, os frades diziam a Pedro de Núrsia: “Frei Pedro, não faças isso
que vais ficar doente!” E ele respondia: “Jesus Cristo não ficou doente por mim, mas
morreu. Quando conseguirei reparar tantos pecados?” (III, 136).
930. E assim como afirmava o venerável Frei Francisco de Jesi “o efeito que a
abstinência causa no corpo humano, purificando-o de tantos maus humores a não
serem necessários, nem remédios e nem médicos, o mesmo efeito causa a
austeridade na vida religiosa: pois que a penúria da pobreza, o sentir falta de todas as
coisas, purifica o corpo da vida religiosa de tal modo que não venham homens
perversos e personagens ruins, não permitidos por Deus. E se ocorresse de virem
alguns, não agüentariam por muito tempo, pois o sofrimento os manda embora, uma
vez que o Espírito Santo procede como o bom horticultor que sempre limpa a horta de
todas as pestes. Ele limpa o jardim de Deus, a congregação religiosa que, enquanto
se mantêm na vida austera, não permite a permanência de homens que a destruam
com seu mau exemplo e com seu relaxamento. Nem precisa de xaropes de noviciados
e de chapéus e sem medicina de cepos e de cárcere, pois, vão embora por iniciativa
própria”
933. Pedro, o Português, foi dotado por Deus de notável simplicidade. Dificilmente
falava de temas que não fossem jejum e penitência. Não dormia mais que três ou
quatro horas por noite; o restante do tempo, gastava-o na disciplina e na oração. E
seguidamente dizia: “Grandes coisas fizeram os antigos santos!” E, depois, resumia
tudo na afirmação: “Este corpanzil é meu maior inimigo; se eu conseguir vencer esta
batalha, subjugando este meu inimigo, não terei feito pouca coisa” (III, 302).
934. Saibam, dizia Liberalino de Colle Val d‟Elsa, que da gula nasce todo mal e da
abstinência, todo bem. Enquanto os religiosos se ocuparam com a abstinência e com
a santa contemplação, as congregações sempre tiveram grandes e numerosos
homens santos e milagrosos; faltando, porém, a austeridade da vida, faltam, ao
mesmo tempo, os santos e os milagres e seguem-se os milagres de Lúcifer, de
escândalos infinitos” (III,330).
936. Por muitos anos, nos conventos dos pobres Capuchinhos, aparecia carne e
vinho muito raramente; uma vez que grande número deles, observava todas as
quaresmas que nosso pai São Francisco costumava realizar e não poucos deles
jejuavam continuamente, tomando apenas uma refeição diária. E, se houvesse alguém
desejoso de comida, vendo que os outros seus irmãos não comiam, ele também
jejuava. E, se por acaso lhe ofereciam um pouco de carne, renunciavam a oferta.
Deste modo, divulgou-se a notícia que os Capuchinhos não comiam carne; por isso,
poucas vezes lha ofereciam. E nem a recebiam, se não fosse carne de segunda;
frangos, pássaros e semelhantes não eram aceitos e, mesmo quando postos à mesa,
eles não os comiam.
E ocorrendo que lhe tivesse sido oferecida carne, mesmo por amor de Deus
aborreciam-se como se fosse uma serpente. E, muitas vezes, ouvi dizer na localidade
de Narni: “Gosto deste lugar por ser solitário e devoto, uma vez que, se entrar carne,
eu me sinto mal”. E o motivo era que o senhor Teodoro, semanalmente e por devoção,
oferecia duas pequenas lebres para os pobres Capuchinhos. E mesmo que lhe fosse
dito, mais vezes, que não o fizesse, ele sempre as oferecia, especialmente no verão;
nem era possível negá-las, pois ele as deixava na portaria e ia embora. Certa vez,
doou um atum salgado; nenhum dos frades quis comer dele e, por isso, Frei Raniero
de Borgo, deu-o ao gato, em minha própria presença. Na localidade de Núrsia, porque
198
Benedito Finocchiuolo nos trazia um pouco de carne, insistiram para que não mais
aparecesse por lá. E, se eu quisesse narrar desses exemplos, teria muito a dizer, uma
vez que, fora do tempo de Páscoa e de Carnaval, raramente e quase nunca se comia
carne (IV,18s).
937. Uma pequena vasilha de óleo seria suficiente para oito frades durante quinze
dias; o seu maior uso era para verduras frescas (IV, 154).
939. Eram muito abstinentes na bebida de vinho; misturavam o vinho com tanta
água que mais parecia água com vinho do que vinho com água. Embora o
misturassem tanto, assim mesmo, próximo ao vaso do vinho, colocavam outro vaso
com água pura; pois, se alguém desejasse acrescentar-lhe água, podia fazê-lo ou
mesmo beber água pura (I, 263).
940. A respeito de seu modo de viver - quem é que não pasma e não se assombra
apenas em ouvi-lo. Antônio Corso sempre viveu em absoluta abstinência quanto ao
alimento, não comendo nada além de pão e água, jejuando continuamente. Não
satisfeito com aquela vida austera, fez experiência em si mesmo para verificar de
quanto alimento precisava para sustentar a natureza. Assim, iniciando a experiência
por amor de Jesus Cristo e para mortificar em si mesmo o velho homem, iniciou
tomando apenas a medida de cinco onças diárias de pão e de figos secos, ou de uvas
ou de outras frutas, caso não houvesse destes, e bebendo, para finalizar, uma taça de
água.
Com este regime de abstinência tão rígida passou por mais de um ano inteiro e
teria prosseguido mais ainda; não sendo possível ter sempre frutas, obrigou-se ao
regime de pão e de água, como era seu costume anterior, ou seja: pouco de um e
menos do outro. E neste regime perseverou por longos anos.
942. Francisco de Jesi quase sempre se alimentava apenas uma vez ao dia e
afirmava que isso era próprio do religioso e considerava-o como sendo a melhor
abstinência possível, principalmente, porque se podia lucrar duas horas de tempo não
jantando; e quem não janta, especialmente no verão, lucra tempo para fazer o bem.
Costumava dizer: “O tempo é mais precioso que o comer ou o não comer”. Não lhe
agradavam aqueles que comiam, num dia, pão e água e depois não podiam saciar-se.
Mas afirmava que a verdadeira abstinência consiste em alimentar-se com sobriedade
e viver em paz com os outros. Porém, comer uma vez por dia à mesa com os outros e
comer daquilo que for oferecido, dizia, é uma ótima abstinência e mais sadia do que
fazer certos jejuns radicais e que não duram muito. E a abstinência não é boa se não
servir para a contemplação (III, 76).
945. Aqueles nossos primeiros irmãos andavam sempre descalços, tanto no verão
como no inverno. Porém, quando, por motivos de fraqueza ou de velhice, não podiam
mais, permitia-se um solado; nunca se forçou alguém a andar descalço, mas eles
mesmos assim escolhiam. Os solados eram simples. E, muitas vezes, ao longo das
estradas, encontrando algum calçado, recolhiam-no e com cordas fabricavam as
solas. E foi tal o temor que sobreveio aos seculares por causa de tamanha austeridade
que, ao vê-los no tempo da neve e de grandes frios andarem descalços, ficavam
estupefatos (IV,17).
200
946. Igualmente, eram muito austeros no modo de dormir, pois, durante o verão
dormiam sobre tábuas nuas e, durante o inverno, alguns deles usavam um pouco de
palha com uma esteira por cima. E por muitos anos, na congregação, não foram
usados nem sacos e nem tecidos, excetuados os muito velhos e os doentes; mas
dormiam sobre tábuas (IV, 174).
947. Naquele tempo, não era necessário insistir para os frades exercitarem-se na
abstinência, na oração e no cilício, nem mesmo na observância do silêncio e em todas
as boas maneiras, uma vez que foram continuamente praticadas na vida religiosa por
todos os bons e fervorosos frades; eles mesmos, por iniciativa própria, se exercitavam.
Pelo contrário, os superiores deviam cuidar para que não exagerassem, não
ultrapassassem suas forças, causando com isso muitas doenças. Era de todos e muito
grande o desejo daqueles servos de Deus que em nada mais pensavam a não ser no
sofrimento por amor de Jesus Cristo (II, 253).
948. E não havia ninguém bem corado. E muitas vezes eu ouvi dizer: “É conhecido
de todos que estes fazem austera penitência, todos eram pálidos e esmaecidos”.
Respondiam e diziam: “Quem imaginas que sejam estes frades? Na vida secular todos
foram grandes homens, soldados e comandantes, assassinos e homicidas, agora,
reduzidos a esta penitência. Deus lhes conceda perseverança. No mundo nunca foi
vista uma vida mais desesperada que esta. Todos estão consumidos pelo sofrimento,
comem pouco e, com esforço, um pouco de pão e água. São predestinados para a
vida eterna, pois Deus os converteu, porque deseja que se salvem (IV, 157s).
949. A paciência foi uma destas virtudes que, por ser grande e excelente, precisou
vencer três guerras. A primeira foi a do sofrimento extremo, voluntariamente suportado
por todos, ultrapassando o causado pelas necessidades dos tempos e pelo fato de
não serem ainda conhecidos. O fato dava ocasião, ao viajarem, de não encontrar nem
alimento e nem alojamento e, ao chegar da noite, tinham que se abrigar debaixo das
árvores, nas cavernas, nos estábulos, nos hospitais, nos depósitos de feno; e, além
dos lugares incômodos, muitos pensavam que fossem desordeiros e enganadores,
causando-lhes com isso um acréscimo de sofrimento.
E o caso de Frei Ludovico de Capranica pode servir de exemplo para muitos
outros casos semelhantes. Viajando este santo frade em companhia de outro santo,
Frei Pedro de Potremoli, das Marcas a Roma, certo homem nas montanhas de
Foligno, junto ao castelo de Col Fiorito, acompanhou-os com a espada
desembainhada e dando-lhes ponta pés. Acompanhou-os por três milhas, batendo ora
em um, ora no outro. E observando-lhe uma certa senhora: “Por que você causa mal a
esses pobrezinhos?” Ele respondeu: “Você não dirá isso quando lhe roubarem as
galinhas e lhe assaltarem a casa. Estes são vadios e ladrõezinhos que apenas
praticam o mal; deixa-me agir que eu vou pagá-los bem!” Este procedimento causou
tal alegria nos dois santos frades que não conseguiam ocultá-la; e, chegando em
Foligno, contavam a história aos outros frades, rindo e agradecendo a Deus que lhes
concedera a graça de sofrer alguma coisa por seu amor. E sempre que se recordavam
e recontavam o fato, não podiam ficar sem rir.
O mesmo Frei Ludovico, viajando de Nápoles a Narni, na companhia de Frei
Bento, leigo de Brescia, ao sair de Vallestrettura, encontrou um menino que, vendo-os
começou a gritar chorando. Por isso, acorreu muita gente e um deles deu-lhes muitas
bastonadas dizendo: “Ladrões, ladrões, vocês queriam roubar este menino”. Por causa
do acontecido, experimentaram e demonstraram grande alegria, narrando o fato aos
frades de Narni, com inusitado contentamento (V, 289).
950. Nos jejuns e em todas as coisas que nós praticamos, seguimos o exemplo
daqueles primeiros frades, não por hipocrisia nem por desesperação, como dizem
201
alguns, mas por obrigação, visto que fizemos profissão de observar a Regra do
seráfico Francisco, fundada na altíssima pobreza. Não deve, portanto, julgar como
indiscreta aquela vida que foi assumida por tantos e gloriosos santos e aprovada pela
santa Igreja (II, 32).
951. E dizia este santo homem, Francisco Titelmans, que nosso Senhor não se
preocupava com o exterior, quando não provinha do interior; São Francisco não se
preocupava com as cerimônias, mas com a bondade da vida e a retidão do coração
(III, 176).
“Na vida religiosa sempre desejei sofrer por amor a Jesus Cristo e, todavia, eu
conheci que se meu sofrimento não resultar, de alguma maneira, para a honra de
Deus e em benefício dos pobres, de nada vale. Que vale para o frade menor flagelar a
carne, jejuar e fazer outras penitências, se não ama a Deus acima de tudo e ao
próximo como a si mesmo?” Este desejo de mortificar a si mesmo e de ajudar ao
próximo sempre esteve bem enraizado no coração deste servo de Deus (III, 440, 442).
956. “Eu vos digo, meu caro Frei Bernardino, aconselhava João Espanhol, que vos
despojeis em tudo e por tudo do amor próprio e de vós mesmo e, então, onde quer
que estejais, como súdito ou superior, estareis em condição de praticar qualquer bem;
mas se retiverdes uma grama de amor próprio, esta contamina todas as obras boas
que praticardes e que não serão mais tão agradáveis a Deus quanto antes. Porém,
vós sois jovens, tomai conselho junto aos mais antigos, como eu ouvi, muitas vezes,
de homens santíssimos, que nisto se fundamenta e se firma toda a caminhada da vida
religiosa de quem procura seguir a perfeição: negar a vontade própria e conformar-se
totalmente à vontade de Deus (III, 296).
9. Caridade fraterna
957. E mesmo levando esse tipo de vida, contudo, entre eles, mostravam-se
familiares, sociáveis e amorosos, recordando-se do conselho de seu pai, no sexto
capítulo da Regra, onde afirma que os frades, onde quer que se encontrem, devem ser
familiares entre eles. Eu posso afirmar de mim mesmo e digo que, ao vestir este hábito
bendito e ao ver tanta alegria e tanta caridade e fraternidade, parecia-me entrar no céu
com os anjos; e experimentei tão grande contentamento que, muitas vezes, chorei de
alegria. E não somente com os doentes, mas entre eles, embora, sendo sãos,
pareciam tirar a comida da própria boca e a davam, com caridade e mesmo com
insistência, ao próprio irmão, afirmando que ele tinha necessidade maior que a deles.
E, para dizer tudo numa palavra, havia entre eles uma caridade inestimável (I, 265s).
960. Tal era a pureza da mente do venerável Frei Bernardino de Asti, que nunca
pensava mal de ninguém e, quando lhe referiam alguma falta, dizia: “Vós sabeis que
intenção teria tido o confrade? Eu não creio que tenha sido falta, uma vez que deve ter
havido uma boa conseqüência que nós desconhecemos. Mas, se houve falta, eu te
informarei”. Sempre tomava a defesa do acusado e tudo procurava interpretar pelo
lado positivo (III, 188).
961. Francisco de Torri dizia: “Não é pequena batalha, na vida religiosa, vencer a
murmuração; não lucramos tanto com a oração e com as boas obras, mesmo que nos
203
dediquemos a elas por longo tempo, quanto perdemos com uma murmuração” (III,
441s).
962. Antonino, siciliano, era tão generoso com o próximo que, se alguém lhe
pedisse um favor, ele não descansava até conseguir satisfazer seu irmão. Era tão
exemplar na conversação que, em toda a cidade de Roma, era considerado santo e,
particularmente por sua santidade (o Papa), que lhe dedicava grande estima,
procurando, seguidamente, conversar com ele: deleitava-se ao ouvi-lo falar com tanta
simplicidade. Foi tão correto no falar que nunca foi ouvida de sua boca uma palavra
ociosa. E, quando ouvia informações negativas a respeito de seu próximo, recolhia-se
em si mesmo e sofria muito com isso e depois, voltando-se para o informante, dizia: “Ó
irmão meu, não fale isso, não; saiba que aquele de quem você fala é seu irmão e
muito mais santo do que eu”. E retirava-se imediatamente (III, 454).
963. Bernardo de Offida afirma que nosso Senhor, no dia do julgamento, não nos
pedirá contas mais exatas de nenhuma outra obra mais que das obras de misericórdia.
Quando medito no que disse nosso Senhor Jesus Cristo, que, no amor a Deus e ao
próximo, se cumpre toda a lei, nunca me sinto mais contente do que na oração ou em
algum serviço ao próximo; e, quando não estou num desses dois serviços, não me
parece ser religioso, nem mesmo cristão (III, 47).
964. José de Collamato não sabia ler, mas exercitava-se sempre na caridade; e,
quando estava nos pequenos conventos, fazia a coroa clerical nos outros frades e
realizava todos os outros serviços vis e logo foi promovido a guardião e a mestre de
noviços, a todos governando com excelente exemplo. E todos diziam: “Esse bom frade
é a própria fidelidade”. E mostrava amabilidade, de modo igual, a qualquer um que lhe
pedisse algum serviço e não se aquietava enquanto não servisse a todos. E, embora
fosse muito austero consigo mesmo, era muito benigno com os outros (III, 36).
965. E, quando havia algum serviço vil para realizar, Frei Antonino, siciliano,
estava presente. E, muitas vezes, quando os clérigos iam varrer o convento ou o
refeitório, percebiam que Frei Antonino já se havia antecipado. Quase sempre lavava
todos os utensílios da cozinha; e, quando houvesse algum frade de idade, incapaz de
se ajudar, o piedoso frade, varias vezes por dia, visitava-o, oferecendo-se para auxiliá-
lo, parecendo um anjo. E eu que escrevo estas coisas, todas ou a maior parte delas,
eu mesmo as vi com meus próprios olhos (III, 455).
966. E, muitas vezes, o pão escasseava; por isso, passavam-no adiante, um para
o outro, dizendo: “Vós tendes maior necessidade, precisais de mais alimento e para
mim é suficiente este pedaço de pão que não é suficiente para vós!” E então, este
respondia: “Eu sou jovem e posso sofrer!” E, muitas vezes, nesta santa emulação,
sobravam pedaços; pois ninguém os queria, desejando que os outros frades os
tivessem comido (IV, 154).
967. Tão grande era o amor que se dedicavam mutuamente que, não raro, comiam
sentados em terra, ao redor dos alimentos, afirmando ter sido tradição dos santos
apóstolos alimentarem-se numa mesa redonda com o Salvador do mundo; colocavam
o guardião em seu meio, representando para eles Jesus Cristo. E, quando apareciam
primícias de frutos, o padre guardião chamava a todos e, com muita caridade,
recreava-se com todos os seus filhos (IV, 21).
968. Não foram ultrapassadas as medidas, previstas pelo Capítulo Geral, para as
celas ou quartos, com exceção para alguns pequenos quartos destinados aos
enfermos, construídos um pouco maiores - pouco, porém - ressalvando assim a
204
969. Não quero falar da caridade dedicada aos enfermos, pois não conseguiria
relatar a milésima parte dela. Apenas recordo que as palavras de nosso pai na
comparação, usada por ele, da ternura da mãe que ama e nutre seu filhinho carnal,
estavam esculpidas no coração daqueles bons frades; e, todavia, mais do que mãe,
eles se comportavam com os enfermos, por serem, em Cristo, irmãos espirituais; e
aquilo que eles poderiam ter desejado em suas próprias necessidades, com
abundância e muita afeição, faziam-no aos outros, nas suas enfermidades e
necessidades (I,266).
972. Frei Francisco de Torri servia com amor inaudito aos pobres enfermos e dizia:
“Tudo o que eu realizo na vida religiosa, não estou certo que agrade a Deus, nosso
Senhor, mas quando eu me dedico ao serviço do próximo necessitado, tenho absoluta
certeza que agrado ao Senhor Deus.
E, no exercício da caridade, fundamentou-se em nosso pai São Francisco, que
servia, com muita solicitude, aos leprosos, mesmo que fossem grandes pecadores.
Deus, por diversas vezes, manifestou-lhe que se agradava deste serviço,
especialmente quando lhe apareceu como leproso totalmente chagado. Ora, se
agrada a Deus que nós sirvamos aos leprosos e outros enfermos, por pecadores que
sejam, quanto mais lhe agradará que sirvamos a nossos irmãos enfermos, que são
religiosos e servos de Deus?” (III,441).
973. Também foi admirável o servo de Deus Jacó de Reggio, na caridade com o
próximo; pois que, ao adoecer qualquer frade e o guardião não lhe tivesse confiado o
cuidado, ele lastimava-se muito; pelo contrário, quando lhe confiasse o cuidado,
servia-o como se fosse o próprio Jesus Cristo. E, durante todo o tempo, dormia muito
pouco para não deixar seu confrade no sofrimento (III,450).
974. E visto que Batista de Faenza era um homem magnânimo e tão grande era
sua benevolência para com os frades que, vendo-os em alguma necessidade,
205
desejava colocá-los no próprio coração. E, com tanta diligência, servia aos enfermos
que quase não dormia durante todo o tempo, não fazendo outra coisa; contemplava-o
com olhar complacente e com sorriso nos lábios. Abraçava o enfermo e dizia-lhe: “Meu
caro padre, não duvideis, ficai alegre, pois não tendes mal algum” (III,507).
975. O rigor de Frei Justino de Panicale era temperado com a caridade, na qual,
vez ou outra, era auxiliado pelo próprio Deus, valendo-se ora da doçura e ora da
rispidez. Havia aprendido muito na enfermaria dos Observantes. Porque, na peste que
grassou naquele tempo em toda a Itália, acompanhado de um irmão, ele foi servir aos
pesteados. O companheiro administrava-lhes os sacramentos e os consolava e ele
raspava as pústulas enegrecidas, fazia os curativos e, se morressem, sepultava-os.
Visitava também, oportunamente, outros enfermos a quem oferecia bons
conselhos como remédio não só espiritual, mas também corporal. Por isso, muitos
afirmavam que se tivessem tido Frei Justino em suas enfermidades, não se teriam
preocupado com outros médicos. No cuidado com seus confrades, ultrapassava todas
as medidas (VII, 528).
979. Acontecendo que, por tentação diabólica, algum confrade saísse da Ordem,
não se aquietavam, enquanto ele não retornasse. Todos se enchiam de amargura e,
por diversos dias, rezavam por ele. E confessavam com simplicidade que, ao
recordarem a acolhida e amável conversação que haviam mantido com os confrades,
não conseguiam conter as lágrimas e, finalmente, aquela amabilidade forçava-os a
retornar (IV, 39, 153).
Perfeita humildade, portanto, consiste em conhecer que Deus opera em nós o bem e
somente atribuí-lo a Ele” (III, 274s).
982. Com efeito, foi muito bom o fundamento colocado pelo servo de Deus, Félix
de Cantalício, baseando-se na mortificação da carne e na verdadeira humildade e, no
mais importante de tudo, na mortificação da vontade própria. Resumo de humildade,
costumava dizer: “Eu vivo com os frades, mas não sou um frade; sou o pequeno asno
dos frades”. Nas palavras, nas conversações e em todos os seus gestos, nada mais
se via que humildade; se assim não fosse, teria caído o edifício espiritual por ele
construído ao longo de tantos anos, com base e sólido fundamento na santa
humildade; e nem Deus, nosso Senhor, por seus santos merecimentos, teria
manifestado nele tantos sinais e milagres (III, 470s).
984. Qual é a causa que nos faz mudar de convento em convento, de província em
província, andar girando todo dia, senão os próprios instintos. Eu lhes afirmo que na
vida religiosa, por longos anos, combati contra quatro inimigos: a gula, a luxúria que,
graças a Deus, tenho-as quase vencido; mas da soberba, embora a tenha mortificado
profundamente, ainda não me sinto feliz de ser tanto zombado como louvado, embora,
com a razão, goze mais nos vitupérios que nos louvores. Eu mesmo me sinto
mergulhado no labirinto de meu parecer; muitas vezes, mesmo não querendo, por mau
hábito, ainda não me sinto livre. Aqui está a realidade e nisto consiste a reforma
interior. Quanto aos hábitos e ao modo exterior de viver a vida religiosa, encontramo-
nos bastante bem; mas naquilo que mais importa, infelizmente, ainda não atingimos a
meta.
985. Nos assuntos espirituais, por causa de pequena mortificação, muitas vezes,
temos a impressão de rezar e amar intensamente a Deus, mas nós amamos a nós
207
989. E porque eu havia ouvido certas coisas espirituais muito lindas do pai Frei
Francisco de Jesi, foi inacreditável a importunação que me fez o servo de Deus Ângelo
de Sant'Angelo in Vado, para que lhas ensinasse; e por ser eu ainda muito jovem,
ficava constrangido ver aquele frade de tanta santidade suplicar-me, uma vez que eu
não era digno de falar-lhe nem de joelhos. E fui de tal maneira edificado pela
humildade daquele servo de Deus, que não me pareceu jamais ter visto um exemplo
tão vivo de humildade, como vi naquele venerando frade (III, 56).
208
990. Bernardino de Montolmo, embora fosse muito douto, jamais dizia uma palavra
em latim. E assim procedia por humildade. E, certa vez, acompanhando a discussão
entre um homem valente e um médico, teve a tentação de intervir. E percebendo que
se colocara em evidência, recuou, inclinou a cabeça e, depois, fugiu. E encontrando-
se com Frei Rufino dal Borgo, disse: “Eu, todavia, venci com a graça de Deus; e o
frade asno queria mostrar-se sábio” (III,64).
992. “Sede humildes. Onde houver humildade, ali está Deus e onde está Deus, lá
haverá todo bem” (III,397).
993. Por isso todos fugiam, quanto podiam, dos ofícios na vida religiosa e
considerava-se feliz quem não tinha nada a fazer além da obediência ao superior. E,
por este motivo, colocou-se nas constituições que, ao serem eleitos para qualquer
ofício, os frades não fossem obstinados em recusá-los (IV, 183).
994. E, uma vez entre outras, perguntando a João Espanhol se fosse lícito, na vida
religiosa, recusar um ofício para melhor dedicar-se à oração, ele me respondeu:
“Saibam que onde se observa a Regra e, com o ofício de superior, se pode exercitar a
observância da Regra e ser de utilidade ao próximo, não é lícito recusar o serviço com
obstinação, embora seja lícito escusar eficazmente e evitar, quanto for possível,
assumir a cura de almas, observados os exemplos de muitos santos que fugiram; não
se pode, porém, rebelar-se obstinadamente contra a obediência aquele que deseja
evitar o pecado mortal”.
E replicando-lhe eu que era jovem e conhecia, por experiência, quanto ficavam
prejudicadas as coisas espirituais e em quantos perigos eu me expunha, aceitando o
ofício de superior, respondeu o servo de Deus: “Nenhuma boa ação, realizada por
obediência, pode prejudicar o espírito; mas esse prejuízo espiritual que dizeis sofrer,
vem do fato de não realizar o ofício com diligência e simplesmente por amor de Deus.
É necessário vigiar para não exercer tal ofício, procurando o próprio interesse,
sentindo prazer de ser superior, mas somente pelo amor de Deus e para o bem do
próximo. Mas aqueles que desejam o cargo e o exercem em proveito próprio e que
não o aceitariam se não houvesse vantagem, estão em mau caminho e, muitas vezes,
são abandonados por Deus.
Dou-vos este conselho: sendo-lhe imposto um ofício, aceitai-o e exercei-o sem
distinção de pessoas, com observância da Regra e cuidai-vos e não temais ser
considerado inútil e nem tenhais vergonha; pois quem tem vergonha, procura manter-
se no ofício e, para tanto, suporta defeitos insuportáveis, fecha, muitas vezes, os olhos
quando os deveria guardar bem abertos. A ambição é conhecida, quando alguém se
esforça, quanto pode e com ofensa a Deus, para conquistar e manter amigos,
mediante presentes e adulações, especialmente, aqueles que podem ajudá-lo a
209
manter-se no cargo; estas coisas costumam ser causa de ruína da vida religiosa (III,
294s).
996. Com muita eficácia, durante as visitas, no tempo de seu governo geral, Frei
Bernardino de Asti exortava os prelados a procurarem conselho, afirmando não ser
digno de ser eleito superior o frade que evitasse, voluntariamente, procurar conselhos.
E dava o seu próprio exemplo, dizendo que, não tendo com quem se aconselhar,
procurava conselhos junto a seu companheiro, irmão leigo, e era bem sucedido (III,
188).
997. Naquele tempo, em nossa Ordem, eram eleitos superiores simples, visto que
não procuravam letrados, mas espirituais e zelosos observantes da Regra. Ocorrendo
a indicação de algum letrado, mas cujo nome tinha fama de liberal, nunca era eleito.
Uma vez que o saber literário não era levado em conta e, sim, o zelo pela observância
da Regra e que fosse homem de oração. E aqueles frades consideravam
inconveniente que, na eleição, houvesse interesse que não fosse o zelo pela
observância da Regra. Este é o motivo de serem eleitos, em sua grande maioria,
sacerdotes simples ou leigos. E Deus apreciava tanto aquela simplicidade que os
frades preferiam ser governados por frades simples e não por frades liberais e
cerimoniosos (IV, 9s).
999. Quem governa nunca deve deixar de ser pai para com os governados e
acolhê-los, amá-los e abraçá-los como filhos (I, 377).
bom pastor dava tamanha esperança que o inimigo, dificilmente, conseguia roubar-lhe
alguma de suas ovelhinhas, como soe acontecer com os pastores cruéis, quando as
pobres ovelhas, quando incorreram em algum pecado, temendo o pastor, preferem
fugir e cair nas garras de Lúcifer do que enfrentar o pastor cruel e irado (III, 666s).
1005. Tomás de Città di Castello, durante seu governo, foi muito zeloso pela
observância da pobreza e, temendo, pior, dando-se conta de que muitos vinham à
Ordem para causar prejuízo à rigorosa observância seguida até então, estabeleceu
rigorosas determinações, a fim de proceder com prudência na recepção de novos
211
1007. Mateus de Bascio, grande servo de Deus, iniciou com grande fervor a
visitação aos frades em suas localidades humildes. E quando, mesmo de longe, se
davam conta que estava chegando seu general, todos juntos, acompanhados do
guardião, iam-lhe ao encontro e gritavam em coro e por três vezes: Jesus! E depois, o
padre geral respondia o mesmo. E, juntando-se todos, o bom pastor abraçava-os com
muita ternura, dando-lhe o ósculo da paz. Em seguida, o grupo todo dirigia-se para o
convento. As visitas deste servo de Deus revestiam-se de alegria, não encontrando
nada que o entristecesse; pelo contrário, dava-lhe imensa alegria ver seus filhinhos tão
simples e desejosos de sofrimento (II, 250, 254).
1008. Suas visitas eram de grande utilidade, uma vez que se prolongavam por
quatro ou cinco dias em cada localidade e, em cada dia, fazia-lhes preleções sobre a
santa pobreza, corrigindo os mínimos defeitos (III, 76).
1010. Fez estas, entre outras muitas afirmações, explicando o que devem fazer os
frades e, particularmente, os superiores. Entre outras, disse que a justiça e a
clemência devem andar juntas e não se afastarem jamais. E acrescentava que
desejava ser revestido mais de clemência que de severidade.
E reafirmou que, ao ter que se apresentar diante do tribunal de Deus para prestar
contas de si mesmo e de seu comportamento, preferia estar revestido de misericórdia
que de rigor, uma vez que, se fosse por excessivo rigor, não poderia aduzir nem
motivos e nem escusas em defesa de si mesmo. Mas se fosse revestido de
misericórdia, logo teria com que se defender, afirmando que a misericórdia, a piedade
e a clemência, ele as havia aprendido na escola de Jesus Cristo que, movido pela
piedade, encarnou-se; impelido pela misericórdia, praticou a misericórdia e, como
homem mortal, deixou-se ver pelo mundo e por todo povo que o procurava, e,
inclusive, pelos pecadores, como clementíssimo. E todas estas coisas, ele as ensinou
212
de mil maneiras aos discípulos e a todo o cristianismo. E, por isso, ele queria seguir
este caminho, vendo que Deus, nosso Senhor, o havia praticado juntamente com
tantos amigos seus (I,415s).
1011. Para mortificar, o que mais importa, a própria vontade, prescreveram a santa
obediência, elegendo os melhores e os mais iluminados no serviço de Deus para seus
pastores e superiores, submetendo-se todos à vontade deles. E este foi considerado o
primeiro ou, ao menos, o mais seguro caminho no serviço de Deus; sabiam que, de tal
forma, Deus concorria com sua graça que seria impossível um verdadeiro obediente
ser condenado; a razão disso está no fato da obediência refrear todos os nossos
instintos.
Quando conheceram a grandeza, a nobreza e a necessidade da obediência, de tal
maneira se consolidaram no serviço de Deus e se firmaram na santa obediência que
receberam de Deus maior humildade, espírito e mortificação, mediante a santa
obediência, que não haviam conseguido pelas abstinências e outras aflições
padecidas durante as muitas perseguições (II, 213).
1012. Não haveria quem pudesse narrar tudo o que sofreram os primeiros
Capuchinhos. Como tenho ouvido, porém, muitas vezes, suas confidências, a
obediência tem o primado na vida religiosa. Diziam aqueles servos de Deus: “Fomos
condenados a ficar escondidos e solitários nos bosques, durante meses e anos, sem
ver-nos uns aos outros, mas íntegros pela graça de Deus; e viver na solidão e não
pecar é considerado milagre maior que ressuscitar mortos. E eu, segundo meu
parecer, não conheço vida mais segura do que viver na Ordem e deixar-se conduzir
por seu superior, nem desejaria que retornasse a condição de viver fugindo pelos
bosques e às soltas.
Ninguém conseguiria descrever as graves tentações que sofrem os servos de
Deus, na sua vida solitária; não afirmo que não sejam auxiliados por Deus; caso
contrário, não seria possível viver um dia, a não ser quando a divina majestade
permite que sejamos injustamente perseguidos. Neste caso, precisamos confiar em
sua bondade. Mas podemos ficar protegidos pela obediência na observância da
Regra, não precisamos procurar um melhor pão integral.
1013. O sofrimento foi fatigante, no início; mas, depois, a doçura da vida religiosa
nos facilitou tudo. Deus nos conserve na quietude, gozada no presente momento, e
afaste e nos faça superar toda tentação que nos induza a abandonar a vida religiosa,
pensando mais em entregar-nos com mais facilidade à santa contemplação; uma vez
que é falso pensar que, fora da vida religiosa, podemos ser melhores. Os fatos o
comprovam: todos aqueles que deixam a vida religiosa estão em perigo e Deus
permite que se enredem em toda sorte de pecado e se tornem piores que os seculares
e os infames deste mundo.
Feliz a decisão dos primeiros Capuchinhos de permanecer sob a obediência (II,
214).
1015. Respondeu-lhe o doutor: “Sem dúvida, seria legítimo, uma vez que sempre
se pode procurar um caminho mais perfeito e, se Deus lhe concedesse a graça de
contemplar e permanecer continuamente ligado a Ele, você não seria obrigado a mais
nada; visto que todas as coisas feitas pelas pessoas religiosas têm como objetivo o
amor de Deus e, quando se atinge o fim, não somos mais obrigados aos meios. Mas
213
eu não aconselho a ninguém assumir esta empresa se, antes, não lhe for concedida a
certeza, da parte de Deus, que esta é sua vontade, visto que é muito difícil, se não for
por vocação especial de Deus, um religioso proceder melhor fora da obediência do
que dentro dela. Esta é o vínculo que amarra com Deus, com a Igreja e com a Ordem
todas as pessoas da Ordem, fazendo que as ações delas sejam agradáveis a Deus.
Pois, na vida religiosa, se há de pensar que nela existem homens iluminados, sábios e
espirituais, capazes de iluminar os simples para não serem facilmente enganados.
Mas a solidão, não sendo graça especial de Deus, é muito perigosa.
Não realiza pouco aquele que faz tudo o que se pode fazer na vida religiosa,
desde que seja bem ordenada e seja vivida de acordo com os preceitos daquele que a
instituiu. Por isso, é denominada Regra, porque, caminhando de acordo com os
preceitos da mesma Regra, infalivelmente, nos conduz ao fim, de outra maneira não
poderia ser chamada de Regra. Isto não lhe seria possível no deserto; lá você
caminharia de acordo com sua vontade, facilmente passível de erro, se não for
conduzida por Deus”.
Esta resposta aquietou o servo de Deus Frei Ludovico, antes molestado,
continuamente, pelo desejo de partir para a solidão, não ver a ninguém e entregar-se
todo e por tudo à santa oração (III, 290).
1016. Por essa razão, prontamente, partiam para onde os enviasse a santa
obediência que, embora conhecessem muitas dificuldades, especialmente, quando
pegavam províncias novas, até se vangloriavam pelo fato do superior confiar neles.
Igualmente, não havia lugar no qual se ouvisse dizer que algum frade se tivesse
recusado ou feito resistência à santa obediência. Mas, ao ouvir a voz do superior,
ajoelhados e mansos, obedeciam ao mesmo e de tal maneira que, por muitos anos,
pouquíssimos frades permaneciam por longo tempo num convento ou numa mesma
província. (IV, 188).
1019. Foi o servo de Deus Frei Félix de Cantalício tão submisso na obediência que
nunca foi visto a replicar a qualquer coisa que lhe fosse imposta, por difícil, penosa e
fatigante ela fosse; mas, com muita humildade, abraçava e cumpria tudo o que lhe
214
1020. “Bem aventurado aquele que for hábil em não se afastar da doutrina da
santa Igreja e da devoção a seus prelados e ministros. Quando o seráfico Francisco,
iluminado pelo Espírito Santo, fundou sua Ordem, queria que fossem obedecidos os
prelados da Igreja e honrados os ministros que, encontrando-os, em viagem, não
apenas lhe beijassem as mãos sagradas, mas, ajoelhados, beijassem também os pés
de seus cavalos, como relata Frei Leão na Legenda dos Três Companheiros. De fato,
não existe outro refúgio mais seguro, neste tempestuoso mundo, que se colocar à
sombra do sumo pontífice e não se afastar da doutrina da santa Igreja. Nestas coisas,
Nosso Senhor Jesus Cristo promete-nos a salvação, comparando a Igreja com um
pequeno barco: fora deste barco não há salvação” (III, 84).
1021. O outro fundamento admirável, aliás, foi que os frades, com toda a
humildade e pureza de coração, se exercitassem continuamente nas santas orações
mentais e vocais (IV, 6).
1022. Cuidaram, quanto lhes foi possível, de não introduzir na Ordem aqueles
costumes existentes na grande maioria da vida religiosa; não costumes, mas abusos e
como conseguiram afastar-se o mais possível das cerimônias superficiais, das
conversações supérfluas com seculares e outras coisas nada convenientes a bons
religiosos. E recolheram-se, quanto lhes foi possível, livres de toda superficialidade,
para ter tempo de entregar-se inteiramente e em toda a parte à santa contemplação.
E, por isso, afirmavam: “Nós vemos que toda a vida religiosa se ordena para a
finalidade da santa contemplação que, sozinha, garante a observância da Regra; e
sem ela, mesmo que as outras coisas estejam bem, não são perfeitas, uma vez que
são meios que nos conduzem ao fim (IV, 172s).
1023. Posto que todas as coisas colocadas na Regra por nosso pai sejam
importantes e, bem observadas, admiravelmente, nos disponham à santa
contemplação, mostrou, porém, que nenhuma lhe estava mais ao coração que a santa
contemplação, enquanto objetivo final de tudo. E, todavia, dizia o venerável Frei
Bernardino de Asti: “Até o momento em que os frades observarem a Regra, Deus
defenderá sempre a Ordem, mas não poderão observar a Regra se não praticarem a
oração, uma vez que o fim de toda a Regra não é outro senão a santa contemplação”
(II,400).
de sua graça; do mesmo modo, na santa oração, temos certeza de receber de sua
majestade a graça solicitada ou outra melhor ainda. A oração engrandeceu, junto a
Deus, todos aqueles primeiros frades. Se desejais ser bons, rezai. Todos aqueles que
se imaginam atravessar o mar tempestuoso deste mundo, dispensando aquela
pequena nave, enganaram-se e afogaram-se.
1025. E se você perguntasse qual foi a intenção do pai São Francisco, ao dar-nos
a Regra, responderei que ele não teve outra intenção a não ser encaminhar seus
frades, livres de todo impedimento, para a oração, removendo de nós, mediante os
preceitos da Regra, aquelas coisas que nos impedem a santa oração e dando-nos
aqueles meios que nos fazem adquirir o verdadeiro amor de Deus, para o qual deve
conduzir toda boa lei. E se você me perguntar qual exercício nos prescreve o pai São
Francisco, na vida religiosa, respondo-lhe, citando o que ele diz na Regra: “Rezai
sempre a Deus com o coração puro”.
Esta foi, portanto, a razão porque nos deu a Regra, mediante a qual, observando-
a, liberta-nos de toda preocupação terrena, para podermos dedicar-nos à oração. É,
certamente, admirável aquilo que nos disse o santo pai São Francisco: que os frades
que deixarem a oração para adquirir a ciência, tornar-se-ão tenebrosos. Ora, se para
estudar as ciências, coisas admiráveis, deixarem a oração, tornam-se tenebrosos,
muito mais aqueles que, não para estudar, mas por outros motivos vãos, deixam a
oração, perderão a divina graça?”
1027. “E todos aqueles que não cuidam da santa oração, observava Batista de
Núrsia, e não forem zelosos em comparecer ao coro, dificilmente perseveram na vida
religiosa. Pelo contrário, os zelosos observantes destas coisas, por defeituosos que
sejam, Deus nunca os abandona, e, freqüentando a santa oração, é quase impossível
que não se transformem em bons religiosos, tendo o culto divino grande força para
santificar quem se esforça em celebrá-lo” (III,273).
1029. “Saibam, dizia Antônio de Monteciccardo, que todos aqueles que, na vida
religiosa, desejam adquirir a graça da oração, precisam despojar-se das paixões e das
más inclinações. Não podem conviver o amor próprio e o amor de Deus, sem
detrimento grave para a perfeição. Qualquer coisa, por mínima que seja, quem a
conservar com afeição, retarda o verdadeiro amor de Deus. Por isso, nosso pai São
Francisco nunca aceitou como uso pessoal a não ser o que a Regra nos concede;
tudo o que ultrapassar disso, cria-nos necessidades e reclama dispensas” (III,231).
oração, ordinariamente, até a hora terça e, depois das vésperas, até completas;
recolhiam-se, de acordo com o tempo, na igreja, na capela ou no bosque (IV, 23).
1031. Antônio Corso dormia pouco, três horas no máximo. Todo o tempo restante,
gastava-o em santas orações. Especialmente após as matinas, perseverava na oração
até a manhã, preparando-se demoradamente para a celebração da missa. Celebrada
a missa, no tempo de inverno, recolhia-se imediatamente para o quarto e, no verão,
retirava-se para o bosque, onde permanecia até a hora do desjejum.
1032. E certa vez, um frade lhe disse: “Como é possível que prolongueis tanto a
oração, especialmente à noite? Que fazeis para que não lhe venha o sono?”
Respondeu-lhe o servo de Deus: “Nosso Senhor Jesus Cristo olha fixamente seus
servos no coração e não apenas se deleita nas boas obras, provenientes mais de sua
Majestade que de nós, quanto nos bons desejos. Basta-me permanecer com o desejo
de honrar sua divina majestade e ficar em meu canto, preparado para receber, se lhe
apraz, qualquer dom ou graça. Se me der algo, é por sua misericórdia; se não me der
nada, gastei meu tempo, fazendo corte à sua majestade na igreja e estando pronto, se
lhe apraz, servir-se desse instrumento vil.
Saibam que os servos de Deus perdem muitas graças por não fazer, de sua parte,
aquilo que lhes é proposto. O Senhor, em absoluto, afirma querer dar-nos a graça;
mas, no Evangelho, persuade-nos e aconselha-nos a pedir, se desejamos o bom
espírito e que Ele quer dá-lo desde que o peçamos, afirmando: “Batei e vos será
aberta a porta; pedi e recebereis; procurai e encontrareis”. O que fazemos na santa
oração, nada mais é, de nossa parte, que preparar-nos para receber. Por isso, eu
pecador, conhecendo-me pobre de qualquer bem, recorro a quem pode auxiliar-me”
(III, 252).
1034. Esta foi, portanto, a mina de onde Félix de Cantalício extraiu o ouro mais fino
do perfeito amor de Deus, pois que colocou um bom fundamento durante o noviciado e
incendiou-se em fervor mediante este nobilíssimo exercício da oração.
Por essa razão, este foi seu costume, claro e conhecido de todos os frades, que,
embora estivesse muito cansado, por causa das caminhadas pedindo esmola e por
causa do jejum, nunca foi repousar cedo de noite e, uma vez terminadas as orações
comumente realizadas por todos após completas e, no inverno, após as matinas,
quando os frades se retiram para o repouso, para que o Senhor não ficasse sozinho,
perto das duas horas da madrugada, ele encerrava seu sono e encaminhava-se para a
igreja, onde rezava até a hora das matinas, quando tocava o sino, convocando os
frades para a oração e, quando estes iniciavam a recitação do ofício, ele voltava a
dormir um pouco a fim de conceder ao corpo o descanso necessário para sobreviver.
Concluída a oração das matinas e retirando-se os frades para o descanso, ele
retornava para a igreja, nela permanecendo até a aurora. Dava o sinal da aurora e,
logo em seguida, auxiliava na primeira missa celebrada ao despertar da aurora e
comungava. Feita esta oração, partia para seu ofício de esmoler ou àquele que lhe
fosse imposto pela obediência.
1035. Não é conhecido o seu método de oração, visto que entrava na igreja, com
uma vela na mão, vasculhava todo o ambiente para verificar se não havia alguém, a
fim de estar mais livre, inclusive de rezar em voz alta, conversando com nosso Senhor.
Todavia, não conseguiu proteger seu segredo por muito tempo, pois os frades,
desejosos de conhecer como procedia, se escondiam em qualquer canto onde não
pudessem ser vistos por ele e, assim, descobriram algo a respeito de sua oração.
217
Por isso, certa vez, foi visto dirigir-se ao cemitério situado no porão da igreja e aqui
pronunciou estas palavras: “Caríssimos irmãos - falando aos mortos - vocês fizeram a
parte que lhes cabia; agora, é a minha vez”.
1036. Assim falava, recordando o grande fervor daqueles servos de Deus ali
sepultados e por ele conhecidos. Logo em seguida, iniciou a disciplina, recitando o
salmo do Miserere. E, após ter recitado dois ou três versos, prorrompeu em pranto tão
copioso que aqueles que o observavam ouviam-no chorar tão forte, como se ele
tivesse visto o próprio Cristo ser flagelado pelos verdugos. E, passado um bom espaço
de tempo, recitava outro versículo do salmo, continuando a disciplina e a
contemplação de Deus e da paixão de seu Filho. E quase sempre iniciava sua oração
com o sofrimento corporal, disciplinando-se duramente e, depois, colocava-se no
centro da igreja. Muitas vezes, ouviram sua oração: “Meu Senhor, recomendo-te esta
cidade”; depois disso, fazia pedidos em favor dos mais necessitados.
Seria longo demais contar todos os fatos, vistos por diversos frades e referentes à
oração deste servo de Deus. Mas para quem observa sua vida externa tão boa e tão
regular, facilmente, pode conjeturar que tudo procedia do salutar exercício, ao qual se
dedicava durante a maior parte do tempo de sua santa oração, fonte de todo bem para
o religioso e mais agradável à majestade divina que qualquer outro exercício, sendo a
oração o objetivo final de todos os outros exercícios (III, 468-470).
1039. Recitava-se o ofício devagar, bem pronunciado e com voz não muito alta (IV,
23).
1040. Mateus de Schio ainda tão muito zeloso do ofício divino que, muitas vezes,
embora estivesse muito cansado, levantava-se sempre para as matinas e nunca ou
quase nunca, dado o caso de não estar em casa, faltava ao coro e dizia: “Tenho a
impressão de não celebrar o ofício, se não estou no coro com os outros frades” (III,
379).
1048. Naquele tempo, viera dos Observantes para a Reforma Capuchinha um tal
Frei Ângelo de Asti, doutor parisiense, muito letrado, e fora recebido por Frei
Bernardino de Asti e colocado na província de São Francisco. Era, de fato, muito
espiritual e viera para a Reforma movido por grande desejo de observância. Julgando-
se muito mais fraco do que era, disse ao Ministro Geral que, na quaresma, não
poderia jejuar e pregar ao mesmo tempo. O Ministro Geral, considerando quanto é
importante o exemplo do pregador para o povo que dele escuta a Palavra de Deus e
não querendo, com esta ocasião, abrir a porta, permitindo aos pregadores deixarem o
jejum enquanto pregam, considerando que são obrigados pela Regra e pela Igreja,
disse-lhe: “Se não podes fazer as duas coisas ao mesmo tempo, deixa a pregação,
pois ao jejum estás obrigado, mas não à pregação”. Calou-se Frei Ângelo.
Pouco depois, pesando-lhe muito deixar a pregação, disse-lhe: “Padre, se vos
parecer bem, ponho-me à prova e se não puder pregar todos os dias, jejuando, farei a
pregação, quando eu puder”. O Geral gostou da resposta e o mandou pregar em
Spello. E, de fato, o bom e sábio pregador provou, por experiência, que podia pregar e
jejuar ao mesmo tempo (VI, 289s).
outro”! Não se pode repreender a soberba existente nos outros, quando eu mesmo
estou repleto dela! E assim, dos outros vícios.
Portanto, eu me encontro na Vida religiosa com o firme desejo de pregar a mim
mesmo; quando aprouver ao Senhor que eu tenha pregado o suficiente a mim mesmo,
se me for imposto, pregarei também aos outros (III, 324).
1050. Mateus de Schio, tendo que pregar sobre a Assunção de Nossa Senhora,
compadecido, eu lhe disse: “Padre, amanhã de manhã tereis que pregar na catedral
de Narni; como havereis de pregar, se, hoje, jejuais a pão e água?” Respondeu: “Se
aprouver a Deus, pregarei com a boca. Esta é a verdadeira pregação: primeiro, com
as obras e depois com a doutrina. Certa vez, um pintor muito devoto da Mãe de Deus,
quando devia pintar a imagem de Nossa Senhora, sempre jejuava antes a pão e água,
por dois ou três dias, pedindo a Deus que lhe desse a graça de pintá-la, quanto fosse
possível, representando, com perfeição, a figura de Maria, quando tinha o Menino em
seus braços. E Deus concedia-lhe tal graça, que ninguém conseguia pintar imagens
mais devotas e belas do que ele, ainda que fossem célebres e esforçados pintores.
Com pincel e tinta se pode representar a beleza do corpo, mas como poderia
representar as outras virtudes da Mãe de Deus, que são tantas e tão belas que nem
um anjo conseguiria. Assim como quem nunca degustou o mel pode falar de suas
qualidade, mas jamais poderá descrever sua doçura e outras qualidades, do mesmo
modo, ninguém poderá falar da grandeza da virtude, se, antes, não a experimentou
em si mesmo.
Quem, de boa vontade, jejua, prega com mais eficácia, experimentando em si
mesmo o fruto que a alma obtém. Quando falamos das coisas que nós amamos,
falamos com muito carinho e isto é importante para agradar e daqui nasce o fruto da
pregação”. E quando, de manhã, foi pregar, aprouve a Deus que eu fosse seu
companheiro e pude constatar o efeito de suas palavras, pois pregou tão divinamente
e com tanto fervor que inflamou toda aquela cidade. Parecia que uma chama de fogo
saía de sua boca (III, 379).
1051. Ludovico de Foligno nunca quis outra coisa além de um hábito, todo
remendado, tanto no verão como no inverno, e, perto do pé, à frente do mesmo,
costurou um pequeno bolso onde carregava o livro de suas pregações populares. Não
queria saber de malas!
Foi ordenado sacerdote, celebrava quase diariamente e com muita devoção. E
vendo Frei Ludovico de Fossombrone que era um homem exemplar, mesmo que não
fosse muito letrado, considerada a carestia de pregadores, deu-lhe autorização de
pregar nas vilas, castelos e pequenos povoados. Cumpriu a tarefa com muita
simplicidade, pregando sobre os mandamentos de Deus e outras coisas úteis. E Deus,
Nosso Senhor, mediante a pregação deste seu servo, produziu excelentes frutos junto
às pessoas simples.
E uma vez, entre tantas, pregando nas montanhas de Foligno, numa vila onde
surgira uma grande inimizade entre duas importantes famílias e, embora, muitas
pessoas importantes e governantes da cidade de Foligno tivessem tentado pacificá-
las, nada conseguiram, aprouve a Deus que, pregando este servo de Deus,
estivessem presentes na sua pregação os principais envolvidos. Num momento de
grande fervor, tomou o crucifixo em suas mãos e dialogava com Ele dizendo: “Ó
Senhor, quem vos colocou na cruz? Foram os escribas e os fariseus?” E respondia
negativamente. E, de novo: “Foram, então, os judeus?” E depois de um longo diálogo,
fez como se o Senhor respondesse: “Foram estes que estão presentes na pregação e
que não querem se perdoar, estes me puseram na cruz!” E, inflamando-se de tanto
fervor, dirigia-se ora a uma facção e ora a outra, ameaçando-os com a ira de Deus.
Espantados com tais palavras, ali mesmo na igreja se abraçaram e se reconciliaram
(III,286s).
220
1056. Demoraram-se, por algum tempo, em Abbadia (Brescia) por haver igreja e
uns poucos cômodos, embora completamente em desordem por lá residiam ainda os
que a tinham feito. Daqui partia o inflamado João de Fano, descalço, mesmo durante o
inverno, dirigia-se, de manhã, direto para a igreja da cidade, viagem de mais de duas
milhas. Esperava pela hora da pregação, sem nenhum cômodo, e, na hora marcada,
221
1057. João de Fano, tendo-se retirado por alguns meses em Scandriglia, o padre
Ludovico de Fossombrone o enviou para a Lombardia, conhecendo-o como
instrumento muito apto para tal empresa de pregar e de se informar a respeito das
condições daqueles lugares. E a primeira cidade, onde pregou com hábito capuchinho,
foi Verona. E realizada a primeira pregação, agradou de tal maneira ao monsenhor e a
toda aquela população que, na segunda pregação, o povo não cabia na igreja.
E permanecendo por mais dias naquela localidade, foram obrigados a improvisar
um púlpito na praça e lá pregava; lá compareciam o bispo, as autoridades e uma
grande multidão de povo. E, muitas vezes, enchia-se completamente a praça, como
me informaram pessoas que participaram dos eventos. E o servo de Deus não quis
acomodar-se na casa do senhor bispo, mas como um pobre frade menor recolhia-se
junto a seus confrades em uma igreja pequenina, onde não havia culto público e
dispunha de uma repartição em forma de coro; ali comia e dormia e na igreja
celebrava missa todas as manhãs.
1058. Ali colheu abundantes frutos, especialmente certa manhã, quando convidou
o povo a meditar sobre a morte. E foi tal a afluência de cavalheiros e damas, vindos
em seus coches, e de grande multidão de povo que de tal maneira encheram a praça
que, se fosse derramado trigo sobre suas cabeças, este não chegaria até o chão. E
encontrando-se o santo velho no púlpito e vendo aquela devoção, pregou com tal
fervor que parecia sair um chama de fogo de sua boca e sua face ficou tão vermelha,
parecendo um finíssimo pano escarlate e sua voz ficou tão clara e sonora, parecendo
sair da boca de um touro.
Iniciou a pregação sobre a morte e tão fortemente sobre o desprezo do mundo,
insistindo em três pontos: a morte horrenda, a vaidade de nossa vida e o desprezo do
mundo, que atemorizou toda aquela multidão. E escutavam-no tão silenciosamente,
parecendo não haver ninguém por ali, além do pregador. E, por fim, sacou uma
caveira, olhando, ora para ela e ora para o povo. Sua pregação foi tão eficaz que
penetrou no coração dos cavaleiros e das damas, reformando-se quase toda a cidade
das vaidades das mulheres e dos jovens. E, fortalecida esta obra pelo santo pastor (o
bispo), a reforma se prolongou por muitos anos (III,93-95).
1060. Pregou nas principais cidades da Itália e sua pregação durava mais de três
horas; agradava tanto que não parecia ter durado mais que meia hora. Não raro,
participavam mais de vinte e cinco mil pessoas e sua pregação era tão ressonante e
sua voz tão bela que tanto a ouvia quem estava perto como quem estava longe.
Repreendia tão severamente que, ao partirem, após sua pregação, regressavam para
suas casas atônitos e espantados que não podiam mais retornar para seus negócios
222
temporais. Fazia participar da Oração das Quarenta Horas, melhor organizada que a
do Frei José de Ferno, uma vez que, em cada intervalo ao término da hora, fazia uma
breve reflexão, ordenando a todos se abraçarem e se reconciliarem. E o Senhor Deus
lhe dava tanta força que não havia paz impossível de ser conseguida, conduzindo
todos à oração. E, quando a devoção acabava, toda a cidade estava pacificada.
Sempre, no fim da pregação, voltava-se para o crucifixo e lhe falava
fervorosamente, às vezes, durante uma hora, e com voz tão convincente a ponto de
não sobrar ninguém que, por mais mundano, cruel e duro que fosse, não chorasse
abundantemente. E tocava de tal maneira o coração das pessoas que, onde pregava,
impressionavam-se tanto que abandonavam as bodegas e as diversões a ponto de
apenas se dedicarem à confissão, à comunhão, à freqüência da igreja e da
comunidade. E sua fama se espalhou de tal maneira em toda a Itália que apenas ia
pregar a pedido da cidade, do protetor da Ordem ou do próprio Papa.
1063. Tinha a seu favor uma belíssima aparência e disposição do corpo, uma
estatura não muito grande, uma memória indelével, rosto gracioso, barba cheia e
longa, uma voz tão sonora que, certa vez, pregando na cidade de Perusa, onde eu
estava presente, voltando-se para o crucifixo, fez um sermãozinho de mais de uma
hora e, por fim, quando todo mundo pensava que não houvesse mais nada, lançou um
grito, que meu companheiro me sussurrou: “Frei Bernardino, são muitos anos que sou
companheiro em pregações de grandes emoções, mas garanto-lhe que nunca ouvi
uma que me causasse tamanha impressão como esta”. E pareceu-me que, por assim
dizer, aquela voz levantasse parte do teto, uma vez que eu ouvi aquele ribombo sair
da igreja como se fosse uma descarga de artilharia.
1064. Não lhe faltaram, porém, as emboscadas, pois lhe foi dado veneno por mais
de uma vez e sempre foi livrado por Deus; eu mesmo vi, em carta ocasião, ao pregar
numa cidade da província de São Francisco, quando, movidas pelas repreensões
feitas pelo pregador, algumas pessoas desonestas ofereceram, em minha presença,
ao companheiro, uma garrafinha de vinho envenenado, dizendo: “Dai este vinho ao
pregador, pois é muito precioso; é vinho branco velho”. Perguntou o companheiro: “É
bom para a missa?” Respondeu o malfeitor: “Não serve para a missa; entregai-o ao
pregador”. Por causa destas palavras, o companheiro, sendo homem prudente,
223
1066. Este foi o grande fruto produzido na Igreja de Deus que, de então em diante,
todos pregassem a Escritura (IV, 160).
1068. E foi admirável observar que, à sua pregação, toda a cristandade acordou; e
onde, antes, se comungava uma vez por ano, agora, comungavam mais
seguidamente; e se organizavam bons grupos que, movidos por bom espírito,
freqüentavam os santos sacramentos e se dedicavam às obras de misericórdia.
Naquele tempo, estava muito enfraquecida a vivência cristã; mas, com a pregação dos
Capuchinhos, muitos senhores, cavaleiros e pessoas distintas viviam a vida espiritual;
entre a população realizavam-se muitas restituições e muitos se convertiam à vida
espiritual (IV, 193).
1070. “Se não for garantido um encaminhamento, dizia Liberalino de Col Val
d‟Elsa, para manter alguma devoção e para freqüentar os santos sacramentos, partido
224
1073. Esta foi, portanto, a intenção de nossos primeiros padres: imitar nosso pai
São Francisco, afastando-se do mundo quanto possível e ocupar lugares distantes
umas duas milhas da cidade. E, para evitar a ocasião de envolver-se nos negócios do
mundo, colocaram nas constituições que os frades não confessem seculares, não
freqüentem velórios e não realizem enterros. Não por estas coisas não serem boas,
mas, querendo viver de acordo com a Regra, não sejamos amarrados as estas coisas
e nem tenhamos este tipo de compromissos na Igreja de Deus. Nossa obrigação é
dedicar-nos à oração, fazer pregação com o bom exemplo e com a observância da
sadia e católica doutrina. As outras obrigações são próprias do clero secular que,
desejando nós realizá-las, não conseguimos sem causar-lhe desagrado. E, não raro,
são vistos grandes escândalos de religiosos que, por privilégio, conseguiram a cura de
almas ao preço de escândalo para o próximo (IV, 42).
1075. Não contente de pregar na região, procurava outras terras onde houvesse
católicos e sempre com grande fruto. Imagine-se o desgosto e o tormento que isso
causava aos hereges obstinados, principalmente aos pregadores, isto apenas pode
ser imaginado por quem conhece a raivosa inveja dos heréticos e dos inventores e
promotores de heresias.
Isso foi demonstrado pelo fato de dois pregadores que fizeram acordo de matá-lo,
enquanto se deslocava do lugar, onde pregara com muita consolação para os
católicos, para Appenzell; e, aguardando-o num bosque por onde deveria passar, o
assaltaram. Mas, chegando um camponês católico, satisfizeram-se com ofensas
verbais e injuriosas e, constrangidos, o deixaram prosseguir livremente sua viagem. A
autoridade local, tomando conhecimento do caso e não podendo prendê-los, limitou-se
a bani-los (IV, 461s).
225
1080. E Frei Ludovico, conhecendo que esta era obra de Deus, que esses seus
servos estivessem tão inflamados para realizar obra tão piedosa e com perigo de
perderem a própria vida, alegrou-se e os reteve por um dia e uma noite, tempo em
que, juntos, elevaram orações muito fervorosas, rogando o Senhor Jesus Cristo que
se dignasse, em tão difícil tarefa, conceder-lhes proteção e impedir que fossem
enganados.
1082. Tendo Frei Ludovico dito estas e outras palavras, irrompeu um copioso
choro da parte destes servos de Deus e, em uníssono, gritavam em voz alta: “Oxalá,
agradasse ao Senhor que, tendo morrido por mim, eu morresse por seu amor,
servindo ao meu próximo; mas são tantos os meus pecados que não creio ser digno
de tão grande bem. Mas, pai caríssimo, rogai a Deus por nós para que nos conserve e
não o ofendamos”. Respondeu-lhes Frei Ludovico: “Não é conveniente que, estando
meus filhos em tão grande fadiga, eu permaneça aqui em repouso”. E assim,
acompanhou a todos e, tomando consigo um companheiro, dirigiu-se para outra
localidade, onde serviu aos empestados. E, recebida a bênção, dirigiram-se, muito
alegres, para as localidades destinadas por Frei Ludovico.
1083. E foi tão grande a alegria daquele povo ao se darem conta de ter entre eles
dois capuchinhos, parecendo, inclusive, que todo mal se esvaia deles. E, entrando nas
propriedades, apressaram-se e, em pouco tempo, visitaram os empestados e,
consideradas suas necessidades, providenciavam quanto precisassem. Onde
houvesse alguém em estado grave, confessavam-no; e, se alguém estivesse em
perigo de morrer de fome, recorriam aos ricos e providenciavam suas necessidades.
Muitas meninas pobres que ficaram órfãs de pai e de mãe, para defendê-las contra
toda sorte de perigos, colocavam-nas em conventos ou em outros lugares seguros. Os
227
defuntos pobres, abandonados por todos, eram sepultados pelos próprios servos de
Deus. E quando alguns estivessem prestes a morrer, com grande fervor, os induziam
ao arrependimento e à confiança na divina misericórdia, a fazer o próprio testamento,
a acomodar suas coisas e restituir o que não lhes pertencia. Os pesteados confiavam
tanto neles como se eles fossem anjos de Deus. Eles não administravam outro
sacramento que não fosse a confissão, necessária para a salvação.
1084. Por suas boas palavras, foram realizadas muitas restituições; e muitos
pobres que teriam morrido sem confissão ou outras coisas necessárias ou teriam
morrido como animais irracionais, confessavam-se, arrependidos, e vendo-se na
presença daqueles servos de Deus, morriam alegremente.
A repercussão foi enorme e sua fama espalhou-se por toda a Itália. E todas
aquelas povoações gravaram em seu próprio coração a lembrança daqueles servos de
Deus, de sorte que até hoje guardam recordação. E não foi pequeno o auxílio que este
bom exemplo causou à pobre congregação, uma vez que a duquesa de Camerino,
Catarina Cybo, ao tomar conhecimento deste bom exemplo, escreveu ao Papa,
Clemente VII, seu tio, que aqueles Capuchinhos, a quem sua Santidade havia
concedido o “Breve”, eram todos santos. Narrou-lhe o trabalho que eles realizavam e,
se não existia informação, ela descrevia um fato em favor dos pobres Capuchinhos.
Disso o papa se alegrou muito e, dentro de breve tempo, concedeu-lhes a bula de
aprovação. E foi dito que, confabulando com seus íntimos, sua santidade dizia: “Vede
quanto bem fizemos ao dar ouvidos àqueles pobres Capuchinhos e vede o que
escreveu a minha sobrinha”. E fazia ler a carta publicamente.
1085. Aprouve a Deus que, perseverando naquele serviço, de acordo com seu
próprio testemunho, foram de tal modo preservados por Deus que diziam: “Como se
fôssemos troncos, nunca nos passou pela mente um pensamento desonesto”. E foi
admirável, pois, tratando com todo tipo de gente, de dia e de noite, com homens e
mulheres, com meninas nuas e nas casas onde estavam sozinhas, pareciam que
fossem anjos sem corpo.
E diziam: “Quem não tem boa vontade e não é preservado por Deus, não se meta
em tal empreendimento e jamais aconselharia a quem quer que seja, se não for muito
provado, se meta em tal empreendimento. Alguns jogavam-nos as bolsas cheias de
escudos e nos diziam: “Padre faça o que aprouver!” E nós lhes respondíamos: “Não
temos licença para guardar dinheiro para ninguém, não podemos dispor dele ou
recebê-lo para nós, uma vez que a Regra não quer que toquemos nele”.
E então, o enfermo chamava ora um ora outro e gritava: “De fato, estes são
verdadeiros servos de Deus! No tempo da peste acontecem muitos latrocínios, pois
quem se dispõe a sepultar os mortos e tratar com empestados, ordinariamente, o faz
para estufar-se de dinheiro; mas os estes servos de Deus fazem-no por amor e
enfrentam a morte para nos auxiliar. Sede benditos.
1086. Espalhou-se por toda a parte que estes santos religiosos nada querem, mas
tudo fazem por amor de Deus. Por isto, acreditam tanto neles como nos próprios
filhos. Aprouve ao Senhor Deus que, em 1530, cessasse a peste e, como eu mesmo
ouvi, foi dito que morreu mais de um terço do povo e, em muitos lugares, mais da
metade. E foi uma peste espalhada em toda a Europa e quase no mundo inteiro. Os
nossos Capuchinhos, todos, retornaram para junto de Frei Ludovico e contavam-se as
grandes maravilhas que Deus havia operado por seu intermédio e como os havia
protegido de modo que ninguém teve se quer uma dor de cabeça, mas sempre com
saúde e alegria. E muitos estavam tristes por não ter morrido; e, com alegria, todos
agradeciam a Deus.
E, em certo dia, a senhora duquesa foi pessoalmente ao lugar onde se
encontravam e quis ver a todos e lhes disse: “Não tenhais mais medo de que vossa
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congregação caia por terra, pois são tantos os vossos méritos que é impossível Deus
abandonar esta reforma”. (II, 222-225).
1087. Boaventura de Cremona, como ele mesmo me informou, estava, certa vez,
numa cidade, onde grassava uma grande peste, e isto faz tanto tempo que nem me
recordo onde aconteceu, mas recordo-me bem que me deu informação em nosso
convento de Forlí; com licença dos superiores, alistou-se naquela peste e realizou
grande bem para as almas, administrando para elas os santos sacramentos; servia a
muitos abandonados e sepultava a muitos defuntos, abandonados por causa de sua
pobreza. E sempre desejava morrer por Cristo (III, 241).
1092. Ele mereceu tanta admiração que foi visitado por muitos padres
ultramontanos que o tinham conhecido tão honrado na Ordem e, agora, o
encontravam sem livros, como um simples irmãozinho, descalço e vestido com hábito
de jardineiro; servia, com muito amor, àqueles pobres enfermos e, com muita
admiração, diziam-lhe: “Como pudestes deixar, de fato, o estudo?” Respondia-lhes o
servo de Deus: “Eu escolhi o serviço que me ensinou o seráfico pai São Francisco. E
sabei que os meus agostinhos, os meus jerônimos e crisóstomos, eu os troquei por
estes aqui; eles são a minha biblioteca: servir a estes pobrezinhos tão recomendados
por nosso Senhor e Deus” (II,281).
1094. E foi tão agradável a Deus o serviço deste santo homem que, estando o
hospital em más condições, por péssima administração, quase destruído e
abandonado, ele o recolocou em tão boas condições que se tornou o melhor hospital
de Roma; e era conservado tão limpo e a medicamentação e tudo o mais eram
administrados com tanta delicadeza que muitas pessoas distintas e pessoas da
nobreza, em suas enfermidades, lá se apresentavam por causa da higiene e para
serem visitados por aquele venerável padre. E, muitas vezes, ouviu-se dizer que lá se
apresentavam tantos enfermos que se colocavam até três leitos encostados um no
outro, e, no outro lado, mais três leitos separados por um corredor. Seguidamente,
preenchia-se o número de quinhentos leitos. E, se não houvesse outra coisa a fazer a
não ser recomendar-lhes a alma, teria sido o suficiente.
Não obstante, nunca se omitiu nesses exercícios, a ponto de dizer: “Quem perdeu
a fé, vá para o hospital dos Incuráveis. Eu me encontrei na situação em que o hospital
estava endividado com dez mil escudos e, todavia, a multidão dos enfermos crescia de
230
tal maneira que, às vezes, faltava ânimo para resistir a tantas e tão grandes despesas.
Deus seja bendito! Acontecia que, de repente, falecia um personagem importante e
doava tantos leitos, lençóis e outras coisas necessárias para o hospital que,
seguidamente, dobrava tudo o que era necessário para o hospital. E apareciam
doações de vinte, trinta ou quarenta mil escudos de uma única vez!
1097. Frei Martinho era flamengo de nacionalidade e, em seu país, fez-se frade
observante e, por humildade, quis ser irmão. Sabendo ele que Frei Francisco
Titelmans, na Itália, desejava ingressar na Reforma dos Capuchinhos, obteve com
insistência a graça singular de vir com ele e com ele foi recebido em Roma e porque lá
os Capuchinhos tinham o cuidado do hospital dos leprosos de São Tiago dos
Incuráveis, pediu, por graça, ser enviado a esta obra de caridade e de humildade. E,
naquele lugar e naquele serviço, empenhou toda sua vida por longos quinze anos e
com tanta diligência e humildade que causava admiração em toda a cidade de Roma.
Procurou o serviço mais vil e nojento, lavar a roupa dos leprosos. Servia a todos os
enfermos, pois sua prontidão e mansidão inspiravam confiança para todos, a ponto de
231
1098. Neste mesmo lugar, estava Frei José de Milão, homem capaz de confortar
um condenado, não só por sua doutrina, mas por sua benignidade e doçura,
parecendo ter nascido para confortar os aflitos (VI, 305).
1099. Frei Justino de Panicale, jovem e habilidoso, embora não fosse estudado, foi
colocado a serviço da enfermaria, onde prestou serviço por diversos anos, com muita
caridade, e exerceu seu ofício, fazendo grandes experiências. Era muito caridoso para
com o próximo e onde ele estivesse, vendo algum enfermo, logo ia visitá-lo com muita
caridade e prestando-lhe inúmeros serviços com sua arte. E muitos diziam: “Quando
ficar doente e se estiver por perto Frei Justino, pouco me importariam os outros
médicos” (III,431-435).
1101. Naquele tempo, houve grande carestia e aqueles servos de Deus iam
procurar entre os ricos e abastados grãos, favas, pão ou qualquer coisa para comer e
repassavam-nas para os pobres envergonhados que passavam por grandes
necessidades (II, 189)
1102. Não menos piedoso para com os pobres era Francisco de Macerata.
Quando vinham rodeá-lo para pedir-lhe alguma coisa, seu coração se inflamava a
ponto de cair em êxtase; e nem se poderia contê-lo na oferta, enquanto tivesse pão no
alforje. Diversas vezes, aconteceu-lhe de voltar para casa com as sacolas vazias,
mesmo sabendo que seria repreendido pelos superiores.
Aprouve a Deus mostrar que aquele proceder não provinha de uma teimosa
desobediência ou falta de discrição, mas de prudência e do mais puro espírito
diferente do que mostrava o exterior de sua simplicidade. Certo dia, enviado a
esmolar, com ordem de retornar para a hora do almoço, pois não havia pão em casa
nem para os frades e nem para alguns professores que trabalhavam com eles, deixou
que os pobres retirassem, com suas próprias mãos, tanto pão que sobraram apenas
trinta pedaços para levar para casa. E eis que pela estrada encontrou-se com trinta
peregrinos que retornavam de Roma; e, naquele tempo de carestia, não tinham
provado alimento algum, estando quase mortos e estendidos no chão.
Comovido com aquela visão, Frei Francisco volta-se para o companheiro e lhe diz:
“Irmãozinho, com tanta necessidade desses miseráveis, esse pão é deles e não é
nosso; cumpramos nosso dever e não vamos deixá-los morrer”. E, tomando nas mãos
as tigelas de que dispunham, começaram a jogar pão e vinho nas mesmas e as
passavam de boca em boca. E os pobres coitados, primeiro, chupavam aquele pão
molhado com vinho e, depois, comiam o miolo de pão devagarzinho e se reanimavam
até espiritualmente (VII,472).
1104. Nesse tempo, o papa Pio V convenceu, mediante seu zelo, os príncipes
cristãos a combater com uma poderosa armada os turcos invasores. E ordenou que
recorressem aos Capuchinhos, tanto para as confissões como para a animação dos
soldados e no serviço aos enfermos. Entre muitos, aceitaram o desafio Frei Jerônimo
de Pistoia, célebre pregador, e Frei Otão de Nápoles, frade da província de Milão.
Ambos empenharam a vida no serviço cristão pela causa pública. Frei Jerônimo viera
dos Observantes há bastante tempo e, entre os Capuchinhos, havia governado
províncias ou lecionado, quando não era provincial. Imprimiu alguns sermões
populares e um livro sobre a filosofia de Duns Scoto; e influenciou na reedição da obra
de São Boaventura, muito escassa na época. Era, entre tantas virtudes, muito
caridoso para com todos, mas de modo todo especial para com os enfermos. Deus
quis, no fim de sua vida, coroar esta virtude da caridade mediante esta obra singular
que, purificando-o das imperfeições humanas, o conduzisse para o prêmio de seus
trabalhos. Pois, movido de fervor, servia aos soldados empestados, não temendo se
quer a morte, carregava-os nos braços, se houvesse necessidade e, em tudo, servia a
eles com humildade e imensa piedade. Em seu serviço contraiu a peste e morreu.
Durante o generalato de Frei João Maria, o protetor, cardeal de Santa Severina,
mandou trazer seu corpo para a Itália e sepultá-lo com honra em Caserta (VI, 326).
1105. Diziam aqueles santos homens: “Temos dois objetivos contrários, o mundo e
Deus; quanto mais nos distanciarmos do mundo e das curiosidades mundanas no
vestir, na habitação, no comer e na conversação, tanto mais nos aproximaremos de
Deus. E quando, abandonando a simplicidade, nos aproximamos das pompas e
curiosidades mundanas, tanto mais nos afastamos de Deus e da pura observância de
nossa profissão; e quando pensamos edificar os leigos, nós os escandalizamos, pois
eles procuram em nós o bom exemplo e a simplicidade. À guisa de exemplo, ver um
capuchinho de hábito de pano grosseiro e andando todo dia pela cidade no meio dos
cidadãos, esta não é nossa vocação; mas vê-lo no bosque, este é seu lugar.
Encontrá-lo numa casa rebocada, vistosa e curiosa, é coisa desprezível e
escandalosa; mas encontrá-lo numa casinha pobre, humilde e baixa, em quartos
pequenos e simples, em igrejas igualmente pequenas e simples, isso convém ao
Capuchinho. Vê-lo à mesa com uma pobre toalha e com bons pedaços de carne e
comida preciosa, não é conveniente; mas uma pobre toalha, uma fatia de pão com um
pedacinho de carne, copos e talheres simples, isso é conforme nosso modo pobre de
viver (IV, 166).
1107. E diziam aqueles veneráveis padres que todos os santos homens fugiram da
conversação secularesca, como pode ser visto na vida dos santos Padres que,
consideravam feliz quem podia fugir para ásperos desertos e não ver ninguém; como
233
afirmava o bem aventurado Egídio: “Muitos vão pescar e, porque não sabem pescar,
afogam-se”; querendo dizer que os pregadores, não sendo perfeitos como se exige
para conversar de modo louvável com seculares, muitos vão, pensando converter os
seculares para a vida espiritual, e, em vez disso, os seculares causam a morte de
suas almas, a ponto de se enfastiarem das coisas religiosas e apenas se alegrarem
com a recreação junto aos seculares.
E mais, as esmolas que se fazem por amizade têm pouco mérito junto de Deus; e
as amizades mundanas são causa da perda de muitas missas, da má recitação do
ofício, de não dar importância à oração e de encher a mente de coisas vãs que,
desejando recolher-se em Deus no tempo da oração, não conseguem, uma vez que,
queiramos ou não, na hora da oração acode aquilo que, antes, comemos e
conversamos. E, assim, se perde o bom espírito; e, perdido o apreço espiritual,
facilmente se procuram as afeições e os atrativos carnais e, pouco a pouco, cai-se em
toda sorte de vícios. Era isso que aqueles santos e verdadeiros superiores mais
repreendiam nas suas visitas (IV, 163s).
1109. Batista de Núrsia dizia: “A vida religiosa nada mais é que uma batalha com o
mundo, com o demônio e com a carne. E, se você me perguntar qual é o maior inimigo
entre os três, diria que é o mundo. Você quer saber porque nossa congregação é
considerada perfeita por todos? Não por outro motivo a não ser por estarmos longe do
mundo; e, quando se multiplicarem os frades, começarão a perder o bom espírito e
nada mais farão a não ser aproximar-se do mundo e construir para si casas bonitas
perto das cidades, entregar-se aos estudos para parecer sábios, vestir-se com hábitos
bonitos, parecendo limpos e freqüentar grandes homens, parecendo nobres. Ora, você
não percebe que aproximar-se do mundo sempre estraga a vida religiosa? Nenhum
outro inimigo é mais nocivo que este (III, 275).
1114. E, por sua vez, Batista de Núrsia, advertia: “Não importa que os religiosos,
raramente, sejam vistos pelos seculares. Confirma-se nesta cidade de Perusa, tão
devotada aos Capuchinhos; quando dois frades partem de Montemalbe, assim que
entram na cidade, todos se aproximam para vê-los, como se fossem apóstolos de
Cristo; isto acontece porque nos vêem raramente. Eu fiquei três ou quatro meses sem
sair de casa, nem eu e nem meus confrades. E são tantas as ofertas que chegam para
nós que, para não ofender à nossa santa pobreza, parecendo-me excessivo receber
cada coisa, eu sofro muito em não recebê-las.
Daqui podemos concluir quanto é importante o bom exemplo, donde nasce a
verdadeira observância da Regra, pois ele nos providencia as coisas necessárias,
para as quais precisaria recorrer, de modo ilícito, a privilégios, a procuradores e a
receber dinheiro. De todas essas coisas liberta-nos a devoção que os seculares nos
dedicam. Portanto, é importante que nossos conventos estejam situados um tanto
longe da cidade, a fim de vivermos afastados.
Sabei que a solidão é mãe do espírito e a conversa com os seculares é a mãe de
todos os vícios. Seja o secular devoto o quanto se queira, quando conversa íntima e
longamente com os frades, perde a estima pelos mesmos. Por isso, certos serviços
são perigosos, uma vez que exigem constante contato com os seculares e a oração
fica prejudicada (III, 272s).
83
Trad.: Não deixa de rezar quem não deixa de praticar o bem.
235
1116. Seria longo demais pretender descrever a vida de todos aqueles que
levaram vida de anacoreta, pois, em cada província, havia alguém. Por este motivo, a
congregação encheu-se de entusiasmo e de fervor que, se os superiores tivessem
permitido, a maior parte teria levado vida de anacoreta; mas apenas concedia a
licença para pessoas verdadeiramente vocacionadas. Por isso, colocaram nas
constituições que aquele que desejasse viver retirado no bosque e levar vida solitária
de anacoreta, lhe fosse concedido, desde que fosse julgado idôneo pelos padres (IV,
191).
1117. E, nesta época, por serem os servos de Deus pouco conhecidos, sofriam
muito nas viagens, pois, não raro, precisavam alojar-se debaixo de árvores, em
cavernas, nas estrebarias, em albergues e em hospitais. Encontravam pouca caridade,
pois os seculares não os conheciam e pensavam que fossem aproveitadores e
homens de mau comportamento (IV, 156).
1119. Alguns daqueles que não tinham o dom da pregação, iniciavam a reflexão a
respeito das coisas de Deus com tanta familiaridade que obtinham, de imediato, mais
êxito do que na pregação; e, quando eram hospedados por algum leigo, logo acorriam
vizinhos para ouvir falar das coisas de Deus. E, embora fossem leigos e simples,
falavam tão bem das coisas de Deus que os seculares imaginavam serem sacerdotes.
Cuidavam-se muito para não falar de coisas mundanas com os leigos. E, muitas
vezes, ocorria pacificarem, com suas reflexões, importantes e antigas desavenças. E,
deste modo, sua vida, marcada pelo bom exemplo, tornava-se pregação. Quem
sofresse muito com tribulações, pedia a presença dos Capuchinhos e, ouvindo-os falar
das coisas de Deus, se consolava (IV, 45s).
1120. Mateus de Leonissa parecia não se dar conta das fadigas, quando pudesse
ajudar ao próximo. Era de índole doce, afável e de imensa compaixão pelo próximo,
que todos pareciam ser seus filhos. De outro lado, os seculares dedicavam-lhe tanta
estima que faziam tudo o que ele pedisse (III, 149).
1122. Raniero de Borgo San Sepolcro foi tão iluminado pelo Espírito Santo que
conheceu o quanto agradava a Deus o amor ao próximo, parecendo que todos fossem
seus queridos irmãos. Amava tão ternamente a todos que parecia levá-los todos
impressos em seu coração: se alguém lhe pedisse para ser recomendado junto a
Deus e traçasse o sinal da cruz sobre o corpo por causa de alguma enfermidade, de
imediato, num gesto incontido, abraçava-o e beijava-o tão ternamente, de maneira
indistinta, homem e mulheres, moços, moças e velhos, como se fossem uma simples e
pura criança, sem recordar-se da modéstia religiosa e sem perguntar-se se isto
convinha a um religioso.
236
1123. O servo de Deus Frei Félix, tratando com tanta gente e de todas as
condições e por longos anos, nunca desagradou a ninguém. Com sua vida santa,
edificou e levou toda sorte de favores espirituais e materiais, possíveis e legítimos, a
algumas pessoas miseráveis e necessitadas de esmolas. Deu bom exemplo a grandes
e nobres pessoas, que, por todos, era amado e considerado como um santo religioso.
E, embora tivesse recebido de Deus uma natureza rústica e muito simples no falar e
no conversar, nem por isto o Espírito Santo deixava de operar neste seu servo, pois a
rudeza rendia maior fruto junto às mulheres, especialmente matronas e mulheres da
nobreza. Falava tão familiarmente com estas pessoas, parecendo um anjo terrestre;
produzia nelas grandes frutos e agradava tanto aquele seu proceder que, embora as
repreendesse severamente, todas levavam o conselho gravado no coração, por causa
de sua grande modéstia. E, quando o recebiam em suas casas, tinham a impressão
de receber o próprio São Francisco. E Deus, por este tempo, operou grandes milagres
por causa da fé e devoção que lhe devotavam. Por outro lado, é admirável como este
servo de Deus, relacionando-se com tanta gente e por tanto tempo, nunca se tenha
complicado, quer na alma e quer no corpo; e tantas graças lhe concedeu o Senhor
Deus que, no meio do mundo, se comportou como se estivesse no bosque. Colheu
muitos frutos, vendo as misérias do mundo, pois, movido pela caridade, passava a
noite inteira na igreja, rezando a Deus pelas necessidades que via nas pobres
criaturas (III,466s).
1124. “Meus padres, dizia o cardeal Trani, ficai tranqüilos que eu me sinto bem
edificado com esta santa congregação. Eu vi muito bem e toco com as mãos que,
entre vós, não há ambição, como duvidávamos, mas somente simplicidade. Eu
sempre vos favoreci e continuarei favorecendo-vos. Cuidai de viver este belo estado
de vida que Deus nosso Senhor vos concedeu no seio da Igreja, nestes tempos tão
malignos. Não prejudiqueis a vós mesmos e à santa Igreja que tanto espera de vós,
considerando-vos todos santos. Todos os olhares voltam-se para vós. E não há, hoje,
outro espelho que nos mostre a vida apostólica e a vida religiosa na qual haja
manifestação de santidade e de observância do Evangelho de Cristo, a não ser em
vossa congregação.
E digo-vos que na cúria, quando se quer avaliar um santo homem, dizemos:
“Parece um capuchinho!” Por outro lado, sendo que o inimigo da natureza humana não
se ausentará deste jardim de São Francisco, de tão belas plantas, procurando plantar
alguma espécie perigosa, selvagem e mal cheirosa, fortalecei-vos com o exemplo que
nos deixou o Senhor que, depois de sua ressurreição, apareceu à Madalena em forma
de jardineiro, com enxada nas mãos, como se ali estivesse pronto para arrancar todas
as ervas más que, depois da Ascensão ao céu, nascessem no jardim da santa Igreja.
Assim procedei vós; não poupeis a enxada” (II, 396s).
1125. E de tal maneira sua santidade Paulo III ficou convencido com as palavras
daquele venerável padre a respeito da bondade da congregação que, de então para
cá, recebeu todos os favores possíveis. E a tomou em tão grande conceito que, certo
dia, indo para um retiro, encontrou o Ministro Geral acompanhado de outro padre e o
bom pastor, com muita reverência e humildade, abençoou-os, saudou-os e fez-lhes
reverência com a cabeça.
E, parecendo ao mestre de cerimônia que não ficava bem para sua santidade,
estando em público, inclinar-se para os dois frades, estando à mesa para uma
pequena recreação, disse: “Santo Padre, não tendes observado a gravidade, nesta
237
A pregação capuchinha
parte final, aparece o breve método, proposto por Frei Jerônimo de Narni, de como
elaborar e declamar uma pregação eficaz e útil.
Bernardino Ochino
1130. Nós conhecemos a Deus mediante douta sabedoria, como quando vemos e
com nossos olhos corporais observamos os bens que estão sob o céu. Então, com
santo Agostinho, dizemos: "Se Deus preparou tantas coisas para nós na prisão, que
fará quando estiermos no palácio?" Isto significa: se o Deus vivente nos preparou para
este vale de lágrimas tão grandes e belas coisas, quais e quanto maiores não serão
em seu celeste palácio? Se nós, aqui, vemos uma estrela e a mínima parte de seu
tesouro, qual não será este tesouro e este Deus? E assim, amar as criaturas em Deus
e não descansar naquelas com teu amor, nem desviar de ti o amor de Deus, mas
removido e arrancado o próprio amor, poderás dizer com Davi: "Porque me alegrais,
Senhor, com a vossa obra, prorrompo em júbilo pelas vossas ações" (Sl 92(91), 5). Tu,
Senhor, me alegraste com tuas obras e nesta grande fábrica do universo, posso dizer
com Paulo: "Desde a criação do mundo, com efeito, os atributos invisíveis de Deus,
tanto o seu poder eterno como a sua divindade, tornam-se reconhecíveis" (Rom 1, 20),
isto é, através do homem e de toda a ordem do universo nós podemos e devemos
chegar ao conhecimento das coisas invisíveis de Deus. E assim, neste livro, os sábios
e ignorantes podem conhecer a Deus.
Mas, ai de mim, ó meu cristão, que és tão ingrato e insensato, porque com teu
coração repousas nestas criaturas, tu rico nas riquezas, tu luxurioso no lodo de tua
luxúria, tu soberbo nas honras e ambições, tu sábio em tua cega prudência e doutrina,
tu pai e mãe no amor de teus filhos, tu insensato no próprio amor para contigo mesmo.
241
1131. Ai de mim, não te envergonhas, ó meu cristão, de doar, como disse, o teu
amor ao servo que te trouxe os dons e não ao Senhor que os doa e manda para seu
servo? Desta maneira, Deus foi conhecido pela prudência humana, pelos filósofos e
sábios, que "os abandonou em poder da concupiscência dos seus corações" (Rom 1,
24). Tais filósofos e sábios, com sua cega prudência e fúteis pensamentos, tornaram-
se estultos.
E isto certamente não basta. São necessárias outras coisas para conhecer a Deus
além destas questões filosóficas e doutrinas vãs, se não se vai para além. Por isso se
somente os outros conseguissem a caridade de Deus, o que deveriam fazer os
indoutos e os simples? Mas, não é assim. Existe uma grande diferença porque são
muitos que conhecem Deus somente pela ciência e pela doutrina humana e não pelo
gosto da suave caridade. Por exemplo: o sábio estuda e lê e, lendo, aprende que o
mel é doce, mas não o degustou e nem saboreou sua doçura e suavidade. Desta
maneira a cega e carnal prudência com sua vã doutrina e suas inúteis questões,
argumentos e contestações conhecem o poder, a bondade e a sabedoria de Deus e
possuem somente o conhecimento de sua imensa caridade e, não obstante, nem a
degustaram em si mesmos, nem a saborearam.
Mas o ignorante, simples e bom cristão, mediante a fé, nelas acredita mais que se
fossem presentes e - todo apaixonado, aceso e abrasado da caridade de Deus - nela
se abandona, nela se exercita e, ébrio e saciado, esquece-se de si mesmo.
Transformado em chama de verdadeira caridade nada teme, não ofende alguma coisa
criada e prejudicial. Não é mais homem terreno, mas celestial, nem sua conversação
se prende à terra, mas está no céu.
1133. Oh, pelo amor de Deus, meu irmão, reflita um pouco, peço-te: quando o
tempo está sereno e o ar puro e limpo de toda névoa, à tarde pessoalmente recolhido
ergue os olhos, contempla o céu ornado com o sol, a lua e as estrelas, vê quanto é
belo e diga: "Ai de mim! Se o palácio de meu doce Senhor de longe e com
incompreensível distância pode ser visto em tanta ordem e sem algum erro e através
do universo se compreende e se vê e se mostra aos nossos olhos tão belo, ai de mim!,
o que será então vê-lo por dentro, com todos os bem-aventurados? O que será ver a
Deus face a face, onde, mediante Cristo Jesus, posso ir e lá habitar eternamente?"
Então tu te irritarás contra ti mesmo que, por tanto tempo, ficaste revolto neste esterco
e lodo e te envergonharás, no tempo vindouro, de não te ter entregado totalmente a
Cristo. Conseqüentemente o homem se inflama de amor a Cristo e conhece a Deus.
242
1136. Se tens todas as coisas criadas, as riquezas, os filhos, tudo o que pode ser
adquirido neste mundo, se sofres perseguições, injustiças e todo tipo de tribulação que
se pode sofrer nesta frágil vida, Deus é tudo para ti. Portanto, por sua imensa bondade
permite que sofras tal tribulação para preservar-te e livrar-te daquela grande ira e
tribulação eterna da qual fala Paulo: "A ira e a indignação, a tribulação e a angústia
para os que são orgulhosamente pertinazes" (Rm 2, 8).
Porém, em qualquer tribulação, com João evangelista na nave e que vê o Senhor
à distância, deixa a nave e abandona-a completamente dizendo: "É o Senhor que me
visita em sua bondade". E assim, corre ao seu encontro e abraça as tribulações,
aceitando-as com coração alegre, como dons e presentes de teu clementíssimo
Senhor e com Jó dize: "Se aceitamos o bem das mãos de Deus, por que não
haveremos de aceitar o mal?" (Jó 2,10). E se tiveres tido perdas nos filhos, nos bens,
na honra e em tudo, dize: "Ai de mim, se Deus entregou seu filho com todos os seus
tesouros para minha salvação, quanto mais me daria um filho se eu não tivesse filhos,
nem me teria tirado o filho, os bens, a honra, a posição, a dignidade e a saúde se isso
não tivesse sido oportuno à minha saúde. "Nós sabemos que Deus em tudo coopera
para o bem" (Rm 8,28), isto é, a quem ama a Deus tudo o ajuda para o bem.
1137. E mais ainda, quando te acontecer algo contra tua vontade e teu amor
próprio: "Ai de mim, porque estou falhando no amor de Deus, pois que Deus entregou,
para minha salvação, seu próprio Filho com todos os seus tesouros, crês, ó minha
alma ingrata, que te negasse uma moedinha, se ela fosse oportuna para tua salvação?
E em seguida, dize com o profeta: "Quero bendizer ao Senhor em todo o tempo, ter
sempre em meus lábios o seu louvor" (Sal 33,2), isto é, bendirei o meu Senhor em
todo o tempo, nas tribulações ou prosperidade, sempre devo louvar o Senhor, porque
dele infalivelmente provém todo bem e tudo permite para minha salvação. Agindo de
tal maneira, encontrarás a vida na morte, a sabedoria na estultícia, alegria no pranto,
felicidade na infelicidade.
243
1138. Não creio, meu irmão, que se encontre e nem jamais tenha existido nesta
cidade alguém tão soberbo e altivo, que jamais tenha julgado para si um mal se,
enquanto caminhar pela estrada e contra o sol, a sombra de seu corpo for sujada ou
pisada por alguém. Não certamente. E isto, por quê? Porque é sombra e, por isso, não
se interessa.
Se tu, ó cristão, considerasses que és sombra nesta vida, como diz Jó: "Brota e
murcha como uma flor, foge como a sombra, sem parar" (Jó 14,2) e que as riquezas,
os prazeres e todas as coisas criadas são sombras, certamente não levarias a mal
quando delas te vires privado e as desprezarias como algo que logo te faltaria e as
quais, queiras ou não, brevemente deverias deixar. Isto Deus permitiu para
demonstrar que dessas coisas tu não és patrão, mas apenas dispensador e não
poderás levá-las contigo.
depósitos e carruagens das boas obras e não as retardes, porque, assim e com as
mencionadas coisas poderás conquistar a perfeita caridade de Deus".
1141. Dez palavras de São Bernardino e te despacho. Seria, por assim dizer,
indelicadeza e incivilidade se, para o louvor de Deus e a salvação e exemplo do
próximo, eu não dissesse alguma coisa de São Bernardino, italiano e nascido em
minha pátria senense, e de nossa Ordem, se bem que faria o mesmo embora fosse de
outra Ordem. Somente quero anunciar-te sua imensa caridade para com Deus e o
próximo, a fim de que, a seu exemplo, tu te inflames e te aqueças no amor de Deus e
do próximo, onde se encontra o fundamento de nossa lei e que, a seu exemplo, tu
conheças os pobrezinhos e os ames como teus irmãos e membros de Cristo, embora
te pareçam nojentos e disformes, dizendo à tua alma: "Ai de mim, minha alma, se
Cristo tivesse tido horror e repulsão à infame e fétida escalada da cruz, como estaria a
minha situação?"
1142. Ainda em tenra idade, Bernardino mostrava-se tão alegre com os pobres
que, pela sua delicadeza, não podia conter as lágrimas. Fazia-lhes grandes esmolas,
dando, ao mesmo tempo, o seu amor e, freqüentemente, dizia à sua tia: "Pelo amor de
Deus, ó minha cara tia, peço-te a parte de pão que me toca para o jantar", e ia dá-lo
aos pobres. De boa vontade, ouvia a palavra de Deus e as pregações. Voltando para
casa, subia em pequena elevação e tudo repetia. Isto ele contava também as outras
crianças que, se por acaso tinham vontade ou começado a dizer alguma palavra
desonesta, logo que viam Bernardino, diziam um ao outro: "Fiquemos quietos, está
chegando Bernardino".
Bernardino, portanto, revestido de fé viva e da caridade perfeita de Deus e do
próximo, despojou-se da sabedoria humana e da carnal prudência. Desprezou o
mundo com suas concupiscências, reconhecendo-se devedor não ao mundo e a seus
prazeres e delícias, mas somente ao doce Jesus, ao próximo e aos pobrezinhos em
Cristo.
Exorto-te, portanto, com todo o coração, que tu o queiras imitar na fé viva, na
esperança e caridade para que sejas feliz nesta e na outra vida.
1143. Aquele douto discípulo de Cristo Jesus, cuja vida e escritos sempre
inspiraram ardente amor de caridade ao seu Mestre, diz a nós cristãos e a todos: "Não
ameis o mundo e nem as coisas do mundo" (1 Jo 2,15), isto é, "Não queirais amar, ó
meus cristãos, o mundo, nem as coisas que estão no mundo".
Nós, ontem, vimos de que maneira e por qual caminho devemos optar para
inebriar-nos do amor de Cristo. Hoje desejo mostrar o que devemos fazer para
desprezar o mundo com suas concupiscências, porque não é possível amarmos
Cristo, se não odiamos o mundo.
É deste desprezo que quero falar e pregar. Certamente será um assunto útil e
necessário. Prestai atenção e iniciemos em nome de Cristo.
245
1145. Mas eu te digo que ele é um mundo mau, traidor, vazio de fé, um grande
enganador e, finalmente, totalmente contrário às suas afirmações.
Em primeiro lugar, não nego, mas confesso que este mundo deve ser exemplar e
semelhante àquele mundo que estava na mente divina e, por isso, ótimo e perfeito.
Mas de tal maneira foi pervertido pelos seus habitantes que se encontra totalmente
diferente.
Em segundo lugar, nego que seja a causa de nossa criação, porque todas as
criaturas tiveram sua origem e princípio em Deus e as substâncias com as quais nos
nutrimos recebemos não dele, mas de Deus. Se, em determinado ano, nosso Pai
celeste não fizesse nascer o sol e não mandasse a chuva sobre a terra, pergunto-te,
então, se a terra e também o mundo com todas suas forças poderiam nutrir-te e dar-te
de comer?
Em terceiro lugar, recebemos a ciência e todos os bens de Deus e não do mundo.
Em quarto lugar, dizes que o mundo te oferece muitas honras, dignidades e
prazeres. Deixa-me dizer-te que suas dignidades, suas honras e riquezas e todas as
outras coisas são sombras e sonhos.
1147. Mas, por que me delongo tanto com as criaturas? Vamos ao Cristo. Não
perseguiu ele a Cristo nosso Redentor, inocentíssimo, durante 33 anos com cruéis e
constantes perseguições? E, finalmente, não o perseguiu até à cruz? Não persegue
continuamente e enxota os bons? Pisa-os, rebaixa-os, despreza-os e odeia-os
84
Trad.: desde (toda) a eternidade.
246
constantemente. Por isso, Cristo diz: "Se o mundo vos odeia, ficai sabendo que,
primeiro do que a vós, odiou a mim" (Jo 15,18).
No entanto, deixa-me dizer: Não queiras dar-lhe crédito. Quando lhe dizes "Os
atributos invisíveis de Deus, tanto seu poder eterno como sua divindade, tornam-se
reconhecíveis com a consideração da mente humana acerca das coisas criadas" (Rom
1,20); e "Porque me alegrais, Senhor, com a vossa obra, prorrompo em júbilo pelas
vossas ações" (Sl 91,5), tudo isto é verdadeiro. Mas, ai de mim, tu não te delicias no
Senhor, mas repousas nos enganos, nas trevas, nos laços e redes deste mundo e
nadas nos rios de seus falsos prazeres. Abandonas a viva e verdadeira fonte, cuja
semelhança esta representa e exprime! É verdade que estão escondidos infinitos
tesouros sob esta mísera veste e contentes deste miserável mundo, como diz Paulo:
"Os atributos invisíveis de Deus, tanto seu poder eterno como sua divindade, tornam-
se reconhecíveis com a consideração da mente humana acerca das coisas criadas"
(Rom 1,20). Mas, ai de mim, tu abandonas as riquezas e abraças a pobreza, deixas a
luz e procuras as trevas!
1149. Mas eu disse que este mundo é semelhante a uma fruta. Sem dúvida, é
ainda mais vil e menor, porque ele é como um grão de milho. E o que é um grão de
milho comparado com os céus? Estes matemáticos dizem que uma só estrela é muito
maior que toda a terra. Pois bem, pense como é grande o primeiro céu e o primeiro
céu quanto é inferior ao segundo, o segundo ao terceiro, o terceiro ao quarto e assim
por diante. E, em seguida, em quanto o céu cristalino supera os demais céus! E agora,
julga, ó meu cristão, e compara o que é este grão de milho em comparação a tamanha
grandeza!
Tu dizes que ele é grande, como tu o vês. Deixa-me dizer: Enganas-te, porque
assim como um pequeno ducado, colocado diante de teus olhos, te impede de ver
este mundo, que tu o julgas grande, da mesma maneira este pequeno mundo,
colocado contra e diante teus olhos, te impede de ver as coisas celestes, maiores e
em forma eminente do que estas mínimas.
Além disto, este grão de milho é, sem comparação, menor que a água, o ar e o
fogo. Além deste grão de milho, das cinco partes, apenas vives em duas delas, que
são dois quintos. E por causa deste grão, ou melhor, destes dois quintos de um grão
de milho, queres, ó cristão, perder todos os infinitos tesouros e os bens celestes?
1150. Ouve o que Gregório lhe diz: “Se considerarmos quão grandes são as
coisas que nos prometeram no céu, certamente se tornarão vis, como lixo e lodo,
todas as coisas que temos na terra. Por isso, toda a felicidade e prazeres do mundo,
comparados à felicidade eterna, são opressão e peso, miséria e descontentamento”.
Queres que eu seja mais claro ainda? Sobe a uma alta torre e olha para baixo: os
homens se assemelham a passarinhos. Sobe mais alto ainda: os homens
desapareceram! Se tu subisses até o céu, de lá observarias como são vis e mínimas
as coisas deste mundo em comparação com as superiores. Desta maneira,
247
1151. Eleva, eleva, portanto, tua mente e alma às coisas celestes, se quiseres
conhecer a vileza, a miséria e a infelicidade destas coisas terrenas e se desejas
alcançar o verdadeiro desprezo do mundo com suas concupiscências, e de ti mesmo.
Oh, se te fosse concedido por Deus, ainda que brevemente como o respiro, subir até o
céu e ver a Santíssima Trindade, aquele bem perfeito, sumo e infinito e imediatamente
retornares a este mundo! Sem dúvida, dir-te-ia, chorarias durante todo o tempo de tua
vida e envergonhar-te-ias enormemente, ao considerar até que ponto amaste coisas
tão vis, dando-lhes teu amor e desprezando sempre os dons celestes.
1153. Não tens tu o exemplo do espelho, que te mostra a sombra de teu corpo,
cuja semelhança depende do verdadeiro? Assim, este mundo é sombra e todas suas
enganosas delícias, seus prazeres e riquezas são sombra, que dependem do
verdadeiro e representam a semelhança da vida celeste, como diz Paulo: "Desde a
criação do mundo, com efeito, os atributos invisíveis de Deus, tanto o seu poder eterno
como a sua divindade, tornam-se reconhecíveis" (Rom 1, 20).
Contigo ocorre o que não diferentemente ocorre com uma criancinha, a qual logo
após o nascimento a mãe nutre e educa em uma prisão completamente escura até a
idade de sete anos. Depois, a mãe manda vir uma vela acesa e, conservando a
criança em pé, coloca a luz atrás de suas costas. A criança vê a sombra de seu corpo
e imediatamente pensa que é verdadeira e que está viva e, acreditando pertinaz e
malignamente, persevera nessa mesma idéia. E ela é apenas sombra!
Assim, ó cristão, tu estás encarcerado e fechado na escura prisão deste mundo,
imerso e envolvido nestas coisas transitórias e caducas, sem a luz da graça e, quando
vier alguma graça do Espírito Santo por arrependimento interno ou pela palavra
pregada, esta mostra que este mundo é uma sombra. Ma, tu estás tão amarrado à tua
opinião que acreditas que a sombra esteja viva, verdadeira e estável.
pensas em conservar todas as coisas deste mundo. Mas, ai de mim, ainda não vês?
Quando alguém está para morrer, chama seus parentes e amigos, chama o advogado
e no seu testamento diz: "Eu deixo, deixo, deixo tal coisa para fulano". Deixa tudo
porque nada pode levar. E isso porque não as quis levar consigo, mas se tivesse dado
seus bens aos pobres e depositado seus bens no céu perto de Cristo, como poderia
ter feito, não os teria deixado.
Portanto, envia, envia adiante de ti as carruagens, muda de vida, despoja-te do
homem velho, reveste-te de Cristo Jesus, desconta teus pecados com as esmolas.
Não esperes e não confies nas promessas dos outros. Os exemplos dos outros são
teus documentos.
1155. Outros afirmaram que este mundo é um teatro. E, de fato, é isto mesmo.
Não sabes de que maneira são feitas as comédias e as tragédias? Se não o
souberes, eu te explicarei para que o saibas. Escolhe-se um grande teatro, uma
grande sala e nela se montam palácios, castelos, praças, jardins e quartos onde se
usam vestes de seda, belas de serem vistas. Mas os palácios são falsos. Em seguida,
escolhem-se 15 ou 20 jovens, que se vestem de seda. Verás, então, um pobre rapaz
representar um rei ou um duque, outro um rico; um outro tu verás de rico, feliz e
galante transformar-se em pobre, miserável e doente. Verás um outro ser exaltado e
aquele outro humilhado e rebaixado. Verás os bons serem perseguidos e os maus
premiados, as virtudes desprezadas e os vícios honrados, os jovens corrompidos
estimados e os virtuosos e de bons costumes escarnecidos. Finalmente a comédia
termina e as casas, os palácios, os ricos, os duques, os senhores, que antes pareciam
verdadeiros, agora retornam ao nada. Assim este mundo, este teatro, os palácios, as
casas, os bens, os prazeres, as delícias, as beldades e suas riquezas terminam todos.
1156. Inicia a comédia. Muitos homens e mulheres, nobres e vis, ricos e pobres,
desde o nascimento, entram nesta comédia. Vês um pobre e miserável converter-se
em rico, um vil em nobre, um bastardo em príncipe e, ao contrário, um rico mudar-se
em pobre, um nobre em vil. Freqüentemente, verás os bons serem perseguidos,
expulsos e atormentados porque o mundo não é digno deles. Verás os maus e
criminosos serem exaltados, engrandecidos, honrados e colocados no vértice das
honras e felicidades terrenas.
Finalmente, terminada a comédia, que dura quatro ou cinco horas, vem a febre,
chega a hora da morte e acaba a comédia. Do ventre materno saímos nus e nus
voltaremos a ser. Seremos todos iguais quanto aos bens do mundo, às riquezas, à
nobreza, à glória e a qualquer coisa. Não existirá diferença entre rico e pobre, entre
poderoso e impotente, entre servo e senhor.
1159. Vai, portanto, ó minha cidade, com a rainha, com teus afetos e pensamentos
ao reino de Salomão, desprezando o teu, do qual Salomão disse "Vaidades sobre
vaidades, tudo é vaidade a não ser amar a Deus" (Eclo 1,2). Tudo, tudo o que se vê e
pode deliciar em baixo do céu, tudo é vaidade, à exceção de amar a Deus.
Ouve o que Jeremias diz: "São apenas vaidades, obras dignas de mofa" (Jer
10,15). Todas, todas as obras, riquezas e condições dos homens são vaidade e
dignas de escárnio e desprezo. Por isso, Cristo disse:"A rainha de Sabá erguer-se-á
no dia do juízo com esta geração e condená-la-á" (Mt 12,42; Lc 11,31). A rainha de
Sabá, no dia do juízo, se levantará contra vós e vos condenará.
Crê, portanto, no Espírito Santo e no pregador e não te apoiarás às sombras deste
mundo, porque, ó caro cristão, todas estas coisas são sombras, apenas sombras.
Como as sombras não te podem saciar ainda que fossem infinitas, assim as coisas
deste miserável mundo não te podem saciar, nem tranqüilizar e todas são como
sonhos, embora possam parecer verdadeiros. Ao despertares, na verdade perceberás
que são vãos e falsos. Desta maneira, nem mais nem menos, ó caro cristão, são os
bens deste mundo.
Animo-te, portanto, a dar as costas a este miserável, traidor e pérfido mundo, para
que sejas feliz nesta e na outra vida.
1160. Creio que José e Nicodemos usaram grande reverência tanto ao depô-lo da
cruz como ao ungi-lo com preciosos aromas. Tal respeito foi maior ainda com a
Madalena, quando, depois de ressuscitado, quis tocá-lo no horto. E não menor o
respeito de São João Evangelista, quando, na última ceia, reclinou sua cabeça sobre o
peito de Cristo. Grande veneração, penso, manifestou São João Batista, quando, no
rio Jordão, o batizou. Altíssima a reverência da Virgem Maria, quando, na manjedoura,
cuidava do Filho de Deus.
Inexplicável alegria notamos em Simeão, quando, no templo, recebeu em seus
braços o pequeno Jesus, que o levou a dizer: "Agora, Senhor, podes deixar ir em paz
o teu servo segundo a tua promessa (Lc 2, 28-29): Senhor, estou pronto para morrer,
quando tu o quiseres, porque eu vi e apalpei aquele que deve salvar o mundo e que
há tanto tempo esperava". Semelhante consideração, vejo-a no centurião que, não se
250
julgando digno que Cristo entrasse em sua casa, disse: "Senhor, não sou digno de que
entres debaixo do meu teto" (Mt 8,8), etc.
Ora, se com tanta reverência e honra tocaram Cristo na carne, mortal e passível,
com muito maior veneração devemos e somos obrigados a reverenciar, honrar e
agradecer este Cristo, no lenho da cruz. E daí esta boa nova, nesta manhã, que nós
encontraremos o caminho e a maneira de contemplar Cristo na cruz com fé viva e
ardente caridade, como estou certo que a Virgem Maria o fez (agora um pouco de
silêncio).
1161. A Virgem Maria (um pouco de reação), a Virgem santa foi quem, mais
perfeitamente e acima de toda criatura, contemplou Cristo pendente da cruz com fé
viva e assim devemos também nós contemplá-lo.
E observa este ponto: contemplar Cristo em sua cruz é de tamanha importância e
tão necessário que, contemplá-lo com reverência, é mais do que um sacerdote
administrando o sacramento do corpo de Cristo Jesus. E a razão é esta: porque tu
administras Cristo e o usas com teu espírito, enquanto o sacerdote o administra com
as mãos. E sendo que teu espírito é mais nobre que as mãos, urge ter reverência e
utilizar tudo o que é preciso para que o sacerdote se prepare e disponha a este
santíssimo sacramento. Se não existir esse espírito e esta intenção, não haverá
sacramento.
1162. Que o sacramento de Cristo na cruz seja tão digno, deves saber que o fim é
mais nobre que as coisas que se destinam ao fim, isto é, sendo que o sacramento do
altar se destina ao seu fim, que é Deus, é muito mais nobre estar em Deus e em Cristo
que no sacramento. Isto é verdadeiro e Cristo te diz: "Fazei isto em memória de mim"
(Lc 2,19; 1Cor 11,24). E ainda: "Todas as vezes, portanto, que comeis deste pão e
bebeis deste cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha". Deixo-vos este
sacramento para que, cada vez que comerdes deste pão, vos lembreis de minha
Paixão, da qual recebemos tantos frutos. E principalmente porque, em sua morte, o sol
se obscureceu (Lc 23,45) para iluminar-nos. O véu do templo se partiu para abrir os
olhos de nossa ignorância. A terra tremeu para que nós tremamos, com grande
reverência, vendo o grande amor que Cristo nos trouxe. As pedras se quebraram para
romper nosso coração da dureza da obstinação. Os sepulcros abriram-se e assim,
mediante Cristo, levantemos a pedra dos maus costumes. Ressuscitaram mortos:
assim ressuscitemos dos pecados.
Esta manhã falaremos desta reverência e de como podemos realizar coisas úteis e
até utilíssimas ao verdeiro cristão. Por isso, purificai-vos um pouco e iniciemos.
1163. Quanto mais alta e grande é uma coisa, mais perigosa ela se torna. Diz
Platão: "Quantos mais ótimos gênios existem numa cidade ou numa república, etc.",
isto é, quanto maiores são os gênios em uma cidade ou república, maior é o perigo.
Vendo a pequena estatura, o talento e a vivacidade de Temístocles, assim disseram:
"Ou este será a salvação ou a ruína de nossa pátria". Um senhor de Vineggia, que
seja bom e prudente, é utilíssimo à sua cidade. No entanto, se é criminoso e ruim,
seria suficiente para arruinar e destruir a cidade com sua perversidade, a não ser que
fosse acorrentado. Tal como sois, assim acontecerá para nós.
Quem contempla Cristo na cruz de falsas maneiras, não só não ajuda, mas até
prejudica. Ao contrário, quem com viva fé e ardente caridade medita com o olho vivo
do coração a Cristo na carne, alcança muitos frutos, de sabor inestimável.
1164. Mas há alguém que pode considerar a Paixão de Cristo com modos
derrisórios. Estes são os sábios do mundo, dos quais diz São Paulo:"Nós pregamos a
Cristo crucificado, que é um escândalo para os judeus e uma loucura para os gentios"
251
(1Cor 1,23). Se tu queres que um sábio do mundo creia que Cristo na cruz é Deus,
parecer-lhe-á tolice.
Alguns contemplam Cristo como fazem muitos maus pregadores, que anunciam
Cristo às almas apenas com a boca, por curiosidade, quando foi, como, porquê, etc.
Esta meditação é inútil. Outros trazem Cristo pendurado ao pescoço e pensam que,
levando consigo um trecho ou o evangelho, não morrerão mal. Pensar em Cristo desta
maneira é infrutuoso, porque é necessário que Cristo esteja escrito no coração.
1167. É preciso contemplar Cristo de outra maneira, não nos braços de Simeão,
nem sobre o Monte Tabor com Pedro e outros que o queriam transformado e
transfigurado em sua glória, nem com os olhos dos sentidos, nem com os olhos
materiais, mas com uma fé viva transformada pela caridade, com os olhos corporais
fechados para melhor contemplá-lo. Entre naquela santa escuridão, naquela sábia
ignorância e encontrarás que Cristo sobre a cruz, movido somente pela sua ardente
caridade, sofreu a dura morte para comprar a alma. Mas, preste atenção, é preciso
uma fé viva, como a dos Apóstolos.
Para que isto seja verdadeiro, vai, lê e encontrarás que Cristo disse. "Felizes os
que crêem sem terem visto!" (Jo 20, 29). Bem-aventurados serão os que, embora não
o tenham visto na carne, acreditam pela fé em mim e no Pai.
[O caminho do exemplo]
252
1171. Eu te vejo depois preso e amarrado por aqueles cães de judeus. Desta
maneira, desejo, a teu exemplo, estar amarrado a ti e não desejo desligar-me de tua
vontade. Vejo-te levado para a casa de Anás e de Caifás em meio a tantos flagelos.
Para melhor sentir tua Paixão, quero torturar meu corpo com alguma disciplina. Vejo
que te cospem no rosto e estas gentis senhoras dizem que não querem mais maquiar-
se, mas contentar-se com a beleza que Deus lhes deu.
Contemplo-te com a coroa régia, porque recusaste um reino e ensinaste que teu
Reino não é daqui e te colocaram uma coroa de espinhos. Assim também eu, a teu
exemplo, ó Cristo, não aspiro a dignidades ou ambições temporais, mas contigo
coroar-me de espinhos e com eles sufocar minha vanglória.
Observo-te amarrado à coluna e muito flagelado e, para maior vitupério, ser levado
diante de todo o povo e dizer: Eis o homem!" (Jo 19,15). Assim também eu, Senhor,
por teu exemplo, não quero mais incomodar-me com os vitupérios que receber. Depois
caminhaste até o monte Calvário com a cruz às costas; assim eu também desejo
acompanhar-te, enquanto tiver vida. E, se cair sob a cruz, ficarei contente e prometo
submeter-me a qualquer cruz por teu amor.
253
1173. Vejo-te com o lado aberto e, da mesma maneira, quero livrar meu coração
de todos os meus pecados, especialmente dos internos e dos segredos do coração.
Contemplo-te morto e indo ao Limbo para esvaziá-lo. Eu também quero confessar-me
e esvaziar minha alma de todo pecado. Eu te vejo enviando o Espírito Santo sobre os
apóstolos. Da mesma maneira, espero que teu Espírito Santo acenda em minha alma
o teu amor. Eu te contemplo indo para o céu e, eu, pelos teus méritos, espero que
poderei chegar perto de ti.
Desta maneira, alma querida, contempla Cristo na cruz com viva fé de espírito e
com caridade porque, do contrário, não seria meritório. Mas, espera ainda um pouco!
[O caminho da doação]
1174. Existe outro modo, não menos nobre, mas mais digno e excelente deste
contemplar Cristo na cruz, que São Pedro, pregando ao povo, disse: "Reconheça,
pois, firmemente toda a casa de Israel que a ele justamente Deus constituiu Senhor e
Messias, esse Jesus que vós crucificastes" (At 2,36). Com estas poucas palavras, um
temor penetrou em todos, que se espantaram e disseram: "Que havemos de fazer,
irmãos?" (At 2,37). Que devemos fazer para cancelar este pecado? Pedro respondeu-
lhes: "Convertei-vos e batize-se cada um de vós no nome de Jesus Cristo" (At 2,38).
Observa esta grande coisa: somente por causa destas palavras, 3.000 pessoas que
ouviram a pregação foram batizadas.
Tu necessitas contemplar Cristo na cruz para ti e por ti, porque Deus eterno o
mandou sofrer a morte e paixão não pelos seus, mas pelos nossos pecados. Cristo
era inocente e não merecia a morte, mas para cancelar nossos pecados; por isso, tu
foste a causa da morte de Cristo na cruz.
1175. Tua soberba fez com que ele nascesse pobre neste mundo. Meus pecados
o fizeram viver durante 33 anos sem casa. Pelos meus pecados, na Última Ceia, deu-
se a si mesmo como alimento e remédio de minha alma. No horto, quando reza, pede
ao Pai por mim para que perdoe meus pecados. E porque eu estava amarrado nas
mãos de Lúcifer, Cristo quis ser preso e levado pelos judeus.
Pelos pecados que cometi, quis ser flagelado. Pelas minhas vaidades, ele foi
cuspido no rosto. Por causa de minha arrogância, Cristo quis ser flagelado e coroado
de espinhos. Para abafar o desejo de meus desordenados afetos, Cristo foi despojado
diante de Caifás e Pilatos. Mas, fui eu, com meu exemplo, que arranquei Cristo de
muitas almas. Por causa de minha timidez, Cristo permitiu que Pedro o negasse e,
depois, com apenas um olhar, converteu-o para demonstrar-me que muito maior é sua
misericórdia que minha maldade.
1176. Por causa de minha grande soberba, Cristo permitiu que fosse mostrado, de
modo vergonhoso, a todo o povo. Por causa de minha sensualidade e prazeres
mundanos, quis ser flagelado tão longamente. A minha avareza crucificou as mãos e
os pés de Cristo para que eu visse que, de todo seu corpo, goteja seu precioso
sangue. Por causa de minha vanglória, Cristo quis ser elevado entre o céu e a terra,
zombado por todo o povo. Por causa dos ódios e rancores que eu tive no coração,
Cristo mostrou-se contente que seu lado fosse aberto. Para satisfazer minha
254
voracidade gulosa, Cristo aceitou matar a sede com fel e vinagre. Em meio a tantas
dores, Cristo teria desejado sofrer ainda mais para ajudar seus eleitos.
Contudo, ó minha cidade, não é preciso chorar a Paixão de Cristo por Ele, mas por
nós, porque nossos pecados foram a causa de sua morte. Bem dizia São Paulo:
"Tende em vós os mesmos sentimentos" (Flp 2,5). Senti em vós esta Paixão, porque
fomos nós a causa e o crucificamos diariamente. Dizia às mulheres de Jerusalém: Não
choreis. Sim, como diz o profeta: "Por causa dele, hão de bater no peito", e não diz:
"Por causa dele, batam o peito", mas "Por causa dele, hão de bater no peito" (Ap 1,7),
isto é, devemos chorar Cristo em nós e contemplar Cristo na cruz por nós e pelos
nossos pecados. É desta maneira que contemplarás com fé, esperança e caridade e
esta consideração te será salutar e frutuosa.
1177. Ó, felizes as almas que se deliciam em ver Cristo, em estar com Cristo, em
falar com Cristo, não com muitos Pai Nossos, mas dentro do íntimo do teu coração,
onde tu encontrarás muito fruto, muita luz e graças. Aprenderás todas as virtudes de
Cristo. Com sua humildade, expulsas a soberba, com sua liberalidade a avareza, com
sua paciência o desespero, com sua benignidade a tua malícia, com sua prudência
afastarás a tua imbecilidade, com sua fortaleza a tua indolência. E, finalmente, se com
teu vivo olho da fé vires este Cristo, encontrarás todos os bens, todos os paraísos que
se possam descobrir.
Porém, ó minha cidade de Vineggia, faze com que tenhas Cristo crucificado como
teu guia, teu refúgio, teu estandarte, teu protetor, tua norma, tua regra, teu
companheiro, teu bem, teu descanso, tua esperança, teu defensor, teu capitão, teu
Senhor e teu Deus. Mas, paremos um pouco.
1178. Não julgueis que vos baste ter contemplado Cristo na cruz com tantos
flagelos e pregos e que tenha morrido. Isto não é suficiente porque também os judeus
acreditam nisto e os pecadores também acreditam que morreu. É preciso que, além
dos dois modos que vos indiquei, que tu o contemples imitando-o, que tu contemples
sua Paixão em ti e pelos teus pecados. Mas é necessário ir mais adiante, isto é, refletir
sobre a causa pela qual Deus decidiu enviar seu Filho unigênito ao mundo: não foi
outra senão a grande caridade que Deus e Cristo trouxeram a todos os seus eleitos.
Queres constatá-lo? É Cristo que te o diz: "Deus amou tanto o mundo que deu o seu
filho unigênito" (Jo 3,16), isto é, Deus amou tanto as criaturas do mundo que lhe
entregou seu unigênito Filho, no qual se encontra toda a sabedoria de Deus, todo
poder e bondade. Sim, não podia ter feito por nós do que fez.
1179. E desta sua caridade, as Escrituras estão cheias. Paulo: "Movido pela
imensa caridade com que nos amou" (Ef 2,4); "Ninguém tem maior amor do que
aquele que dá a vida pelos amigos" (Jo 15,13). Maior caridade não podíamos ter
recebido de Cristo que dar-nos o corpo, a alma, a vida e o céu. Ao falar desta sua
caridade para conosco e do fruto de sua Paixão, Cristo disse: "E eu, quando for
levantado da terra, atrairei todos a mim" (Jo 12,13). Com isto, quis aludir que, na
Paixão de Cristo, se manifestava esta sua ardentíssima caridade e que nossos
corações se acenderiam desta caridade, sendo atraídos e movidos pelo seu amor.
E ocorreu conosco como se alguém tivesse assassinado uma pessoa na estrada
de um bosque, ocultando-a de tal modo que ninguém o soubesse a não ser o
imperador, que tinha somente um filho e este fosse acusado desse homicídio e
assassínio, e fosse condenado à morte injustamente, levado à cidade para ser matado
e visto passar para ser conduzido à morte inocentemente. O que acreditas tu que diria,
em seu coração, aquele que, de fato, cometeu esse crime? Creio que essa pessoa,
sabendo que o malfeitor é ele e inocentemente levado à morte o filho do imperador, no
seu íntimo ficaria perturbado pelo remorso da morte do inocente. O mesmo fez Deus
255
conosco e, porque nós não podíamos satisfazer pelos nossos pecados, não quis
perdoar seu filho, como diz São Paulo: "Ele, que nem sequer poupou seu Filho, mas o
entregou à morte por todos nós" (Rom 8,32).
1180. Sem dúvida, demonstrou grande caridade. Porém, nós deveríamos imitá-lo,
seguindo-o em sua caridade e as estradas pelas quais caminhou deveríamos também
nós caminhar.
Dou-te um exemplo: se existisse uma mulher que cometeu todos os males do
mundo, que merecesse ser arrastada e encarcerada e, pronunciada a sentença,
deveria ser morta, e que seu marido, querendo-lhe muito bem, fosse a Roma por
estradas secretas e não conhecidas; e, chegando a Roma pedisse clemência e que
não somente sua mulher fosse absolvida da morte, mas que tivesse sido eleito
imperador e que escrevesse à mulher que viesse a Roma para ser imperatriz,
avisando-lhe que haveria duas estradas: uma bela e agradável e com bons
restaurantes, mas muito perigosa; a outra, estreita, espinhosa, com bosques, dolorosa,
mas muito segura. Por qual destas duas estradas, crês tu, que esta mulher andaria?
Estou certo que, amando seu marido, ela diria: "Se meu marido percorreu aquela
estrada ruim, eu também poderei trilhá-la. Se ele se cansou, eu também quero me
cansar, principalmente porque é segura, certa e não perigosa".
1181. O mesmo deverias fazer tu. Existem muitos caminhos que conduzem ao
céu. Parece-me que o mais seguro é aquele que Cristo nos ensinou através do
caminho da cruz. Cada um se contente com sua cruz, porque, nesta vida, não
podemos viver sem ela. Seria mais útil à nossa alma aceitá-la das mãos de Deus para
nosso bem. Se sofremos com as coisas materiais, confortemo-nos com Cristo que veio
a este mundo sem bens materiais.
Se nos enviar enfermidades, suportemo-las por amor de Deus, para imitar nosso
mestre Cristo no madeiro da cruz, que foi obediente à vontade do Pai, que desejou
somente o que queria seu eterno Pai. E se tu tivesses somente um filho e Deus o
desejasse levar, tu deverias dizer: "Ó meu Senhor, eu sei que tu me amas e que não o
levarias se não fosse para minha salvação. Mas, ó meu Jesus, se eu tivesse cem
filhos, faze deles e de mim o que te agradar". E assim, aceita por amor de teu Cristo
todas as cruzes que te sobrevierem neste vida. Descansemos um pouco.
1182. Não houve nenhuma criatura neste mundo que tenha sentido mais
intensamente a Paixão de Cristo que a Virgem Maria. No entanto, não daquela
maneira que alguns dizem, que gritava, dilacerando-se e fazendo outras loucuras.
Não, não. Não acredites que a Mãe de Deus tivesse feito tais coisas porque era
prudentíssima e nunca saiu dos limites da razão. Ela permanecia imóvel e sentia tudo
dentro de si: "Conservava todas estas palavras, ponderando-as no seu coração" (Lc
2,19). Em seu coração, ruminava e mastigava este mistério da Paixão de Cristo.
Tem como certo que sofreu uma dor extrema, principalmente sabendo que seu
filho devia morrer, e, não sabendo a hora, isto lhe foi uma cruz e um tormento que
continuou desde que Cristo nasceu. Não sabendo a hora, em todos os momentos
esperava que isto acontecesse.
1183. Além disso, sua dor foi máxima porque, não sabendo o tipo de suplício - eu
penso que não existiu no mundo um suplício tão cruento, tão duro e amargo -, ela nem
o imaginava e se deveria ser executado no corpo de seu filho.
Alguém poderá dizer: "Mas, a Virgem Maria conhecia as Escrituras e devia saber o
tempo de sua morte, a natureza e o tipo do suplício". Se ela o sabia, sua dor, no
entanto, foi enorme porque, sabendo-o, seu martírio durou 33 anos. E, desde o dia em
que Ele foi colocado na cruz, imagino que ela tinha espinhos, pregos e a lança
256
continuamente em seu coração e todos os outros tormentos. Julgo que todas as vezes
que via Cristo, sentia tamanha angústia em seu coração que não podia olhá-lo,
pensando na dolorosa paixão que deveria sofrer.
1184. O mesmo se pode crer de Cristo que, embora tivesse o mesmo plano do Pai
de reconquistar o mundo, devia sentir maior sofrimento e tormento, superando todos
os demais martírios dos mártires, porque eles sofreram pelos próprios pecados,
enquanto Cristo sofreu pelos pecados dos outros. Cristo sentiu enormemente a paixão
na cruz, porque era tão grande sua caridade que no corpo sentia todos os martírios e
aflições que deviam sofrer seus eleitos.
Sua dor foi sem limites ainda porque vendo e contemplando na cruz, a dureza e a
obstinação de muitos pecadores, porque não desejarão salvar-se pela dureza de
coração. Esta foi a causa de seu maior sofrimento. Se tomasses uma balança e, num
prato da mesma, colocasses todos os tormentos que Cristo sofreu na cruz e todos os
martírios que sofreram seus eleitos e, no outro prato da balança, colocasses um só
pecado mortal, maior angústia e tormento sentiria desse pecado que de todos os
outros martírios, porque, sendo infinita sua caridade e tendo entregue sua vida por
nós, muito mais infinitamente teria dado milhares de vidas para honrar seu Pai eterno.
Sem dúvida, este foi o maior sofrimento de Cristo na cruz. Segundo a opinião de
doutores, esta dor foi tão intensa em Cristo por causa da obstinação dos pecadores
que, se não estivesse unido à divindade que o sustentava, não teria vivido 33 anos,
embora eu não aceite esta opinião.
1185. Portanto, ó minha cidade de Vineggia, peço-te que não sejas daqueles
obstinados que não participaram da Paixão do Filho de Deus que, ao contrário,
diariamente o crucificarão infinitas vezes. Por isso, emenda-te dos pecados.
Contempla, com fé viva e ardente caridade, este benefício da Paixão de Cristo,
considerando que Deus, por causa do pecado, castigou inocentemente seu Filho.
Pensa: "Se fazem isto na madeira verde, que será da seca?" (Lc 23,31). Se Ele, que
era inocente, sofreu, pensa o que fará aos obstinados pecadores.
Mas enamora-te de Cristo crucificado! Faze que sua Paixão esteja sempre à tua
frente! E imita o povo de Israel que, sendo ferido pelas serpentes, não tinha outro
remédio a não ser olhar aquela serpente de bronze e, vendo-a, eram curados de sua
enfermidade. Assim acontecerá contigo, se continuamente olhares Cristo na cruz. Ele
cancelará todos os teus pecados, te purificará e iluminará, te encherá de graças
celestes. No entanto, peço e rogo-te que esta seja tua glória e estrada, tua verdade e
vida para que, assim agindo, sejas feliz e, na outra vida, alcances o céu. Ao qual, etc.
Jerônimo de Pistoia
Considerando esta realidade, Paulo falou aos Romanos no capítulo décimo, onde está
escrito: "Com o coração se crê para ter a justiça e pela boca se professa a fé para
obter a salvação (Rom 10,10). É preciso crer, mas não basta, urge confessar-se com
as próprias palavras. Sobre estas palavras o Romano discorre com Paulo, e Paulo se
sentirá satisfeito em responder ao Romano.
1187. Romano: Dize, portanto, ó Paulo, que confissão devemos fazer para nos
salvar?
Paulo: O homem deve confessar seus pecados na presença de Deus, que foi
ofendido e desonrado pelo pecado. Isto fez Davi que, falando de si mesmo, disse:
"Confesso ao Senhor a minha falta e vós perdoais a culpa do meu pecado" (Sl 32,5).
A segunda confissão que o homem deve fazer é da bondade de Deus, para não
ser ingrato. Por isso, Davi disse: "Dai graças ao Senhor porque é bom, porque perene
é a sua misericórdia" (Sl 118, 1.29).
A terceira é a da verdade cristã, da qual disse Cristo: "Se alguém me confessar
diante dos homens, eu o confessarei diante de meu Pai; não o declararei meu amigo
quem se envergonhar de confessar-me diante do mundo".
Quarto, é a confissão da própria fragilidade, que se faz na correção fraterna, da
qual disse Tiago no cap. 5: "Não vos desculpeis, irmãos, mas confessai mutuamente
vossas fragilidades": "Confessai, pois, os pecados uns aos outros" (Tg 5,16).
Quinto, a confissão necessária à salvação é a que o homem deve fazer de todos
os seus pecados ao próprio sacerdote.
1188. Romano: Vamos, Paulo, eu quero confessar-me, porque, com tantos belos e
sábios meios com os quais tu me persuadiste, satisfizeste minhas perguntas. Dize-me,
portanto, quantos pecados devo confessar, os do coração, ou os da boca. ou os das
obras somente, ou então todos eles?
Paulo: É preciso confessá-los todos. Se tu não confessas um deles, continuas
doente e no perigo da perdição eterna. Seria como quem se expõe ao perigo de morte
que, tendo quatro ou cinco feridas, cura a todas, menos uma só; ou então, como
aquele idiota que tendo dez inimigos, deseja livrar-se de nove, confiando que não será
agredido pelo décimo, sendo na verdade este suficiente a dar-lhe a morte. Seria
também imbecil quem quisesse sarar de uma ferida e não tirasse o ferro que está
dentro da carne. Semelhantemente, seria tão louco e até mais o pecador que,
confessando-se dos pecados, calasse ao confessor e não tirasse totalmente do
coração a faca de alguma culpa ou pecado.
Toma portanto, ó Romano, o exemplo de Davi, que no salmo 76 assim te
ensina:"Medito de noite no meu coração, reflito e meu espírito esquadrinha" (Sl 77,7).
Na escuridão de tua vida medita, ó Romano, e exercita-te em encontrar todas as tuas
culpas. Depois, pega a vassoura, a escova da confissão e lança fora todos os teus
pecados.
1190. A vassoura tira todas as sujeiras e limpa toda a casa. A confissão lança fora
do coração todos os pecados, tornando-o purificado: "Levanta-te e vomita" (Sir 31,21).
A vassoura tem uma parte limpa e outra suja. A confissão como lei do Espírito
acomoda e pacifica, a carne mais se atormenta.
A vassoura lança para fora até as pulgas. A confissão elimina as tentações dos
afetos terrenos que assaltam a alma.
A vassoura tira as aranhas, as quais apanham as moscas. A confissão joga por
terra a avareza e a cupidez que tecem os falsos contratos, frutos, roubos e mil
enganos. O exemplo é de Zaqueu, que disse: "Vê, Senhor, dou aos pobres metade de
meus bens e, se defraudei alguém em qualquer coisa, vou restituir o quádruplo" (Lc
19,8).
A vassoura limpa somente do pó e de outras imundícies. A confissão purifica de
todos pecados.
Matias de Saló
Viver o Advento significa preparar-se para "dar lugar a Deus". Tal preparação
exige, em primeiro lugar, a freqüência constante e intensa dos sacramentos,
especialmente da confissão e da comunhão, para que o desejo de contínua conversão
seja sempre alimentado.
1192. Quem olha com atenção as ações naturais e as operações divinas descobre
que a globalidade do homem consiste em preparar-se bem para o que necessita.
Penso que a vida presente não é outra coisa que um mecanismo para a outra. Deus
podia ter feito os homens felizes e criá-los no céu, sem a necessidade de peregrinar
na terra e padecer tantas privações. Mas quis que, através da obediência, nos
preparássemos. Poderia dar sua graça ao homem, quando esta lhe faltasse. Mas quis
que se preparasse para ela, convertendo-se a ele e abandonando o pecado.
Seus sacramentos, que são os vasos comunicantes de sua graça, se são
recebidos sem a apropriada preparação, produzem mais mal do que bem. A palavra
de Deus, fonte de todo bem, se não cair em terra bem disposta, mas ou nas pedras ou
entre os espinhos, permanece infrutuosa. A morte, que é a porta para sair deste
obscuro cárcere, quem a receber sem devida preparação, recebe sua eterna
condenação. Até quando formos orar, Deus quer que nos preparemos. Não o ouvis?
"Antes de fazer um voto, anda preparado e não sejas como quem tenta a Deus" (Sir
18,31).
259
1196. Porém, a Arca era coberta por dois tipos de envoltórios: de peles veludosas
e de preciosas cortinas. Estes dois elementos cobriam o lugar de Deus, onde ele
habitava. A mesma Arca era feita de tábuas de madeira, de chapas de ouro, madeira e
ouro em toda parte. A dignidade de Deus e a nossa indignidade juntas, em uma atenta
e viva reflexão, completam o lugar de Deus e fazem a preparação.
Preparai um lugar para Deus desta maneira. Quando deveis comungar, retirai-vos
ou numa igreja ou em vosso quarto e oratório. Nele, recolhidos profundamente,
fechada a porta do coração e de qualquer pensamento, pensai na grandeza de Cristo,
vosso Criador e Salvador, que, através deste Santíssimo Sacramento, vem visitar-vos.
Não é possível que, de imediato, chegueis à perfeição deste santo pensamento, que
compreendais completamente o imenso e infinito, mas esforçai-vos ao menos para
260
85
Trad.: o (mais) santo dos santos.
261
1201. Ó feliz de ti, se puderes ao menos conhecer quanto és ruim, quão maldoso é
teu pecado, quanta malícia existe em tua iniqüidade, quanta feiúra se esconde em tua
culpa, quanta indignidade em tua perversidade, de quantos erros estão cheias as tuas
abominações. Ó homem, que ofendes a Deus, ingrato à sua bondade, irreverente à
sua majestade, desobediente à sua vontade, rebelde à sua paciência, inimigo de seu
amor!
Ó homem, tão vil por natureza, tão indigno pela culpa, tão distante pela própria
vontade! Ó homem, que acrescentas à tua pequenez o nada, à tua ínfima condição o
pecado, que te afastas tanto de Deus; diferente e indigno dele, crudelíssimo inimigo
contra ele! Tu, tu ousas comungar? Unir-te com Cristo? Avizinhar-te a tanta bondade?
Unir-te a semelhante amor? Receber a fonte da vida, o pai da graça, a luz da glória, o
mar de todo bem? Colocarás a tua malícia perto da bondade de Deus? A tua
iniqüidade ao lado de sua santidade, a tua fealdade à sua pureza, as tuas trevas ao
seu fulgor; tu, pecador, a Deus, o santo dos santos, autor da justiça, doador da pureza,
salvador e purificador de nossa natureza?
1202. Ao desejar comungar, tende estes pensamentos que vos humilharão, ato de
suma necessidade neste caso. Com a humildade, segue este outro passo, isto é, de
purificar-vos perfeitamente, quanto podeis.
Assim, portanto, três coisas vos ensinam na primeira carta. A primeira é a
consideração de Deus e de vós mesmos; a segunda é humilhar-vos profundamente; a
terceira é purificar-vos muito bem. Esta terceira parte divide-se em quatro outras:
exame de consciência, dor do pecado, confissão completa e boas obras. A meditação
de Deus e de vós, já vos estimulou a purificar-vos. Por isso, em vós há um grande
desejo de ser - se não se pode em tudo - ao menos de ser tão dignos, quanto
possível. Sabei que não há outra coisa que nos faça mais indignos do que o pecado.
Para afugentá-lo, necessita-se de grande diligência.
Em primeiro lugar, procura conhecê-lo e vê-lo em tua consciência. Esta, porém,
deve ser examinada com suma diligência, rever todos os pontos, discutir todas as
nossas ações passadas, todas as palavras, todos os pensamentos, todos os desejos.
Este exame requer duas coisas: uma é conhecer e lembrar tudo o que fizemos,
falamos, pensamos e desejamos; a outra é de distinguir o que é e o que não é pecado,
262
qual é o maior e o menor, qual o venial e qual o mortal. Quem não age desta maneira,
atua mal nesta primeira parte e todo o resto será uma derrocada.
1203. Esta é a raiz da árvore. Se a raiz está estragada, toda árvore secará. Este é
o alicerce do edifício. Se o alicerce foi mal feito, o edifício ruirá. Neste particular, não
se deve nem ser negligente, nem ter muita confiança, nem sequer seguir os maus
costumes.
Quantos são os que lá vão irrefletidamente, como se fosse a algo de pouco ou
nenhum valor, de pouca ou nenhuma importância? Quantos que, confiando em Deus
de maneira presunçosa, crêem que não são obrigados a obedecer-lhe? Quantos
julgam ser dever seu aprovar o que eles fazem? E como, no momento, oculta o seu
furor e não o mostra passo por passo, assim ele deva agir sempre, e que nunca
chegue o tempo em que, zangado, os castigue. Estes são os que seguem os maus
costumes do viver corrupto e perverso dos cristãos. Para eles parece ser grande
coisa, se fazem o que os outros cristãos fazem.
Estes não procuram ver se isto é suficiente para sua salvação. Oh - dizem - já é
bastante se fizer o que os outros fazem! Isto me basta. Não quero ser nem mais sábio,
nem mais santo que os outros. Ó pobre homem, ó pobre mulher! Não sabes que a
estrada mais larga é a da perdição?
1204. Tu, mulher, quando preparas o jantar com verduras, não procuras com
diligência ver, se dentro delas, há algum verme ou outra sujeira para tirá-las? Se
queres preparar legumes, não escolhes um por um, para tirar as pedras e outros
objetos? E quando fores, com tua alma, diante de Cristo, não examinarás
minuciosamente o que há por dentro? Também não te atreves a sair em público sem
antes espelhar-te bem, lavar teu rosto, se houver alguma manchinha. E irás, então,
descaradamente, com o rosto da alma sujo diante da face de Deus? Não examinarás
antes para ver como ela está?
Dir-te-ei o que Deus lhe diz pelo profeta: "Naquele tempo, esquadrinharei
Jerusalém com lanternas e castigarei os homens que, enrijecidos sobre seus
excrementos, dizem entre si: Javé não faz nem bem nem mal" (Sof 1,12). O que tu não
queres ver, Deus o verá. O que tu deixas correr sem preocupar-te, Deus te pedirá
contas e contas severíssimas. Esquadrinharei Jerusalém com lanternas, dizia este
profeta, ameaçando a cidade de Jerusalém, indicando que nenhum habitante
escaparia e nem poderia esconder-se, porque Deus, com uma lanterna na mão,
giraria, procurando-o em todos os cantos.
1205. Usa este modo humano de falar, porque nós, quando procuramos com
diligência, costumamos fazer assim. Deus não precisa de lanternas. Suas lanternas
são seus olhos, que tudo penetram. Assim como vê todos os habitantes de Jerusalém,
assim vê os de nossa alma, mística Jerusalém.
Supõe que vês a Deus com a lanterna na mão, procurando todos os secretos
lugares de tua consciência, e que descobrirá o que agora tu não queres ver, o que não
te interessa procurar. Pensas que, se a consciência não te censura, isto seja
suficiente? Deus o verá e, colocando-o em juízo, serás castigado.
Algumas vezes, ficam na cal algumas pedrinhas mal cozidas que, colocadas em
cima do muro, com o tempo estouram, arrebentam e estragam o muro. Fizeram seu
serviço, mas o executaram mal. Estes, estes são os pecados que se deixam de lado
durante o exame de consciência, porque não precisam de penitência, mas, no fim,
estouram e explodem e, com a disformidade da alma, deixam-se ver e conhecer.
1206. Fazei, fazei bem, portanto, o exame de consciência. Não digais: O Senhor
não faz nem bem nem mal. Não digais: "Deus não levará a mal estas sutilezas, com
dizeis vós pregadores. Deus é misericordioso, não nos castigará". Não, não digais
assim. Fazei, fazei o exame de consciência. Fazei-o bem para que Deus o aprove,
263
para que o demônio não o apresente diante do tremendo tribunal do juiz severo para
vosso infinito prejuízo.
Reconhecei, portanto, todos os vossos pecados, discernindo a qualidade e a
quantidade deles. Tendo-os visto e conhecido, suscitai o justo arrependimento que
convém para o caso. Não existiu e nem deve existir coisa tão desagradável e danosa -
que tanta dor vos ocasiona na alma - quanta pode ser a provocada pelo pecado. Este
é que ofendeu a Deus, que condenou a alma e o corpo, que deteriorou o mundo, que
vos priva de todo bem, e que vos faz dignos de todo o mal. Oh, quem poderia
conhecer a fealdade e a ruína do pecado! Oh, quem poderia ver quanto desagrada a
Deus e quanto prejudica o homem! Este, sem dúvida, se arrependeria de tê-lo
cometido.
1208. Anos seriam necessários - não digo dois, quatro ou dez - para fazer digna
penitência. Seriam necessários os anos de Matusalém e ainda não seriam suficientes.
Ai de mim, e nós nos colocamos no último lugar da fila para nos confessar e,
imediatamente, sem ter feito a penitência, corremos temerariamente àquele
diviníssimo sacramento! Ó irreverência, ó temeridade, ó sem-vergonhice! É esta a
melhor preparação? É desta maneira que nos preparamos? É assim que nos
colocamos diante do grande Filho de Deus?
E onde está a meditação de sua santa Paixão, requerida pela preparação? Nos
vãos que ornam as muralhas, colocam-se belos quadros, figuras magníficas,
executadas por mãos de artistas. Este, este é o quadro, esta a figura e a atenta
lembrança da Paixão de Cristo Nosso Senhor. Este sacramento é um memorial e
quem o recebe deve conservar sua memória.
Pensa, ó cristão, quando estás para comungar, o que Cristo sofreu por ti. Ele te
deixou este gloriosíssimo sacramento para que fosse um memorial de sua Paixão.
Não ouves? "Todas as vezes que comeis deste pão e bebeis deste cálice, anunciais a
morte do Senhor até que ele venha" (1Cor 11,26). Ó digno memorial, ó morte
veneranda!
Ó cristão, neste pão celeste encontras o teu Cristo da paixão, suas fadigas e
sofrimentos, suas orações e lágrimas, as cadeias e amarras, os golpes e os opróbrios,
as injúrias e acusações, os falsos testemunhos e as insídias dos judeus, a inveja dos
príncipes e o furor do povo, a crueldade dos servos e os flagelos, as chagas e os
espinhos, as confusões e o sangue, o peso e o tormento da cruz, a cruel paixão e a
dura morte, os sofrimentos vergonhosos e a vergonha dolorosa. Aqui encontras tudo o
que fez, sofreu e ganhou por ti. Tudo aqui está recolhido, como num vaso, para dar-te
tudo de uma só vez.
264
1210. Estás para receber o fruto de sua morte e, então, não pensarás nesta árvore
e nesta morte? Ele se dá como memória neste sacramento e tu não o farás memória
em tua mente? Ele sofreu tanto por ti e te desagrada de colocar diante dos olhos este
sofrimento e de contemplá-lo bem? Oh, que ingratos são nossos ânimos! Oh, como
são frias e negligentes as nossas mentes!
Ó alma pecadora, pela qual Deus se fez carne, como a pecadora sente dentro de ti
este amor, que te foi oferecido com sua morte. Achega-te perto de quem pode
inflamar-te! Tem os olhos sempre abertos em teu Senhor crucificado, no teu Cristo da
paixão, no teu Redentor morto. Coloca diante dos olhos este bem-aventurado sinal da
cruz e do amor, aceita-o por ti e para ti, doado a ti e dentro de ti.
1212. Tudo te sirva para alcançar este objetivo: as chagas no corpo, as feridas nas
mãos, os furos dos pés, as lágrimas nos olhos, os espinhos na cabeça, os cuspos na
face, o fel nos lábios, o cansaço na musculatura, a tristeza na alma e tudo o que nele
vês e podes ver.
Ah, Cristo meu Senhor, que com tanta fartura deste a ti mesmo neste sacramento,
como te entregaste na cruz, faze que, recebendo-te naquele, nesta possamos
contemplar-te; aquele na boca, esta em nossos olhos; aquele em nosso interior,
aquela em nossa mente. Nele temos a nossa vida, nesta a tua morte, da qual nos veio
a vida. Aquela é vida quando toda transformada nesta morte.
Como nos deste tua real presença, assim dá-nos a íntima memória para que um e
outro, cheios de ti, sejamos dignos de ver-te lá, onde, a presença e a memória serão
uma única coisa. Ver-te será como comer-te. Recebendo-te dentro de nós, em ti nos
espelharemos sempre. Isto nos conceda o Pai eterno, através da força da Paixão do
Filho, que, com o Espírito Santo, um só Deus, nos abençoe sempre. Amém.
São José, esposo de Maria, foi definido "excelso e admirável em todas virtudes,
nas graças celestes e dons do Espírito Santo". Tendo apenas os poucos dados
evangélicos, o casto esposo da Virgem Maria é apresentado como excelso modelo
das três virtudes teologais (fé, esperança e caridade) e das quatro virtudes cardeais
(prudência, justiça, fortaleza e temperança). Portanto, é com razão e também em vista
da peculiaríssima missão a ele confiada, que foi ornado dos sete dons do Espírito
Santo e de toda graça e virtude.
1213. A graça divina, que docemente habita nos justos, mostra e difunde luzes
esplêndidas e raios luminosos de honra e glória, que se colocam entre as grandes
maravilhas produzidas pela natureza, imaginadas pela arte e propostas pela
265
inteligência humana. Algo de mais ilustre e memorável existe na alma do justo, cujos
pensamentos, fatos e palavras, descanso e fadigas são grandes e estupendos.
Se fosse possível ver o invisível, penetrar os corações, enumerar os dons e as
virtudes que no justo existem, ninguém poderia compreender a grande majestade e o
nobre esplendor que nele [em São José] se encontram: pensamentos santos, palavras
elevadas, fatos preclaros, descanso virtuoso, doces fadigas, paz ditosa e gloriosa que
fazem maravilhar-se os olhares e os espíritos de quantos existem na terra. Nele se
glorifica e exalta o excelso Deus, alegram-se os anjos, honram-se os homens,
enfadam-se os demônios, os céus e a terra se maravilham.
1215. Ficai atentos! O glorioso José descende de famosa, real e antiga linhagem,
porque - como dizem os Evangelhos - ele provém do piedoso Davi e do justo Abraão,
não menos justo do que este, nem do outro diferente em mansidão e piedade. Este
homem foi tão pleno de dons e graças divinas que, depois de seu bendito Filho e da
fiel esposa, não creio que se encontre outro homem na terra a ele semelhante, nem no
céu igual.
Grande e famoso, não apenas em dons naturais, mas excelso e admirável em
todas as virtudes, em graças celestes e dons do Espírito Santo. Possuía aspecto
respeitável, santidade sincera, forças valorosas, juízo nobre, elevado intelecto,
vontade extraordinária, pensamentos puros, moderação nas palavras, justo no agir,
santo em seus negócios, grato e alegre na conversa. Para mostrar como fosse justo
em tudo, não pôde o evangelista mostrá-lo com melhor epíteto que chamando-o
“justo”, porque, como dizem os doutos, a justiça se entende como uma virtude geral,
que todas as outras abraça. Por isso, hoje, eu mesmo procurarei mostrá-las, em parte,
discorrendo sobre suas variadas virtudes.
1216. O eterno Deus fez a criatura racional revestida de tanta dignidade, que a ela
submeteu todas as coisas criadas sob o céu, ordenando-lhe que no fim repousasse
nesse princípio incriado em eterna paz. Por isso, revestiu-o de sua imagem divina
quanto aos dons naturais e à sua semelhança nos outros gratuitos. Deu-lhe memória
para que dele sempre se lembrasse, intelecto para que o conhecesse, vontade para
que, conhecido como ótimo e infinito bem, sumamente o amasse.
Mas, ó casualidade lamentável, ó grande desgraça do mísero homem! Como
durou pouco este feliz e agradável estado, porque, pelo pecado grave de nossos
primogenitores, fomos todos despojados e privados da graça divina e gravemente
feridos nos dons naturais. Por isso, tornou-se necessário que viesse aquele
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Samaritano para curar este semivivo abandonado. E o fez muito bem, pagando com
sua morte nossa dívida e, com sua vida divina, reformou nossa vida corrompida.
Mas três divinos remédios de virtudes, perfeitíssimos entre os demais, nos deu
para nosso alívio: a fé, a esperança e a caridade. A fé reforma e restaura o intelecto,
no qual se encontra a memória, destinada à lembrança das coisas passadas. As
outras duas virtudes reformam a vontade: a esperança em sua parte irascível e a
caridade na outra chamada concupiscível. Como a primeira imagem que foi dada ao
homem se chamava “criação”, assim esta, que resulta das três virtudes, chama-se,
pelo seu efeito, “recriação”.
1218. A fé perfeita é aquela que se apóia na primeira e suma verdade, como foi a
de Moisés, constituída pela caridade como a da Madalena; fervorosa como a da
mulher, à qual disse Cristo: "Ó mulher, é grande a tua fé!" (Mt 15,28); provada por
boas obras, como a do centurião Cornélio; constante como a do protomártir Estêvão,
de Lourenço e dos outros mártires; ornada pela obediência como a do pai Abraão;
obediente por humildade como a da Virgem, mãe de Deus.
E ainda que nossa fé, como verdadeira, seja certíssima não somente por infinitos e
estupendos milagres, mas ainda por muitas razões e eficacíssimos argumentos
provada, não deve apoiar-se principalmente naqueles, mas somente na verdade
primeira, porque, como o santíssimo Gregório disse: "A fé, à qual a razão humana
apresenta um fato, não tem mérito". A fé perfeita salva o verdadeiro fiel, purifica a
mente, luta contra o mundo, alcança qualquer justo pedido, concede a perseverança,
despreza todo o temporal, justifica e, no fim, beatifica.
1219. A esperança não é outra coisa senão a segura expectativa da glória futura.
Esta procede da graça divina e dos próprios méritos, porque esperar sem méritos, não
digo que é esperar, mas é supor. Mas prestai atenção, a esperança ou é de perdão,
quando diz o salmista: "A vós, Senhor, recorro, não seja eu jamais confundido" (Sl
30,2); ou é de graça, e desta diz ainda: "Quem espera no Senhor, o favor o envolverá"
(Sl 31,10); ou é de glória, e desta assim escrevem os Provérbios: "Quem confia em
Deus vive seguro" (Sl 29,25).
A bendita virtude da esperança concede-nos tantas graças que nos livra das
aflições e aí estão os exemplos de Sansão, Davi e Daniel; conforta, como fez com a
mãe dos sete Macabeus, irmãos matados pelo rei Antíoco: "Admirável e digna de
eterna memória é a mãe, que, amparada pela esperança no Senhor, soube portar-se
corajosamente" (2Mac 7.20); eleva a mente: "Os que esperam no Senhor, renovam
suas forças e tomam asas como a águia" (Is 40,31); salva: "Tu, que salvas dos
agressores os que buscam refúgio na tua direita" (Sl 16,7); administra também as
coisas temporais: "Os olhos de todos em vós esperam" (Sl 144,15). A esperança é
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uma força, uma âncora e medicina, uma jóia e um descanso, uma chave, uma árvore
da vida. Força, porque nos defende de nosso inimigo; âncora, porque nos dá
segurança e nos fortalece nas tribulações; medicina, porque nos cura e preserva de
toda a corrupção; jóia que nos enriquece; descanso, porque a todos consola; chave,
porque abre o céu; árvore da vida que se dá e conduz à vida eterna.
1221. Não é sem razão, portanto, que o glorioso São José era, diante de Deus e
dos homens, de honra e de glória digníssimo, porque a fé robusta, a esperança certa e
a perfeita caridade muito o exaltaram. Que isto seja verdadeiro é evidente, porque se o
justo vive pela fé, quanto mais a fé deste grande justo? Outra prova é aceitação
imediata do anúncio do santo anjo, quando lhe apareceu em sonho. Abrindo-lhe o
mistério da Encarnação do Senhor Jesus, mostrou-se renitente como o incrédulo
Zacarias, mas imediatamente submeteu seu intelecto em sinal de obediência à
primeira verdade.
Foi repleto de esperança e, por causa desta, apoiou-se em Deus. Era constante no
afã, auxiliado na necessidade, liberto dos perigos e sempre devoto das coisas do alto.
Por isso, em seu coração nascia o ardentíssimo fogo da viva caridade, que tudo
iluminava, tudo aquecia, acendia e purificava. De tal modo se elevava e transformava
em Deus que outra coisa não sentia a não ser Deus.
1222 . Mas, porque este mundo proceloso e volúvel empresta-nos uma moradia e,
enquanto vivemos na carne mortal, somos todos peregrinos na terra, por isso
devemos sempre aspirar à pátria celeste. Como a estrada desta viagem é estreita e a
entrada difícil, é somente com a grande ajuda da graça divina e das virtudes santas
que poderemos alcançar o que desejamos. Por isso, necessitamos continuamente
viver bem observando a lei divina, mas também estar sempre prontos a sofrer as
aflições e suportar constantes males, porque estas são duas portas para entrar no
céu. Está escrito: "Se queres entrar na vida" (Mt 19,17), e em outro lugar: "Através de
muitas tribulações é que temos de entrar no reino de Deus" (At 14,22).
Como nossa corrompida natureza é muito difícil e inclinada ao mal, é necessária
tal ajuda que, livre de todo desvio e forte contra o mal, se encaminhe e tenha
facilidade de agir bem. Isto farão em nós as santas virtudes, com a graça divina.
Sendo que o homem deve encaminhar-se a Deus e ao próximo e, nestas duas
realidades, pode inserir-se a desordem, por isso convém que tenhas hábitos virtuosos
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com certa robustez e vigor, enquanto o homem tende e aspira a Deus. Isto se faz
através das virtudes teológicas. Deve possuir ainda outros hábitos virtuosos que
fortaleçam sua fraqueza contra si mesmo e contra o próximo: esta ajuda é dada pelas
quatro virtudes, que se chamam cardeais. O mesmo e com razão parece ter ocorrido
com a lei divina, quando alguns preceitos encaminham para Deus e outros para o
próximo.
1223. As virtudes são tesouros realmente benditos, são luzes, asas velocíssimas e
ornamentos imortais que enriquecem, alumiam, elevam ao alto e ornam as mentes e
os corações de seus possuidores. Oh, como podemos ver muito bem tudo isso em
nosso glorioso São José! Por estas enriquecido, iluminado, sublimado e ornado, com
facilidade se sentia encaminhado ao bem, pela observância da lei divina, forte contra a
adversidade e bem ordenado para seu Deus, para si mesmo e o próximo. Por isso, era
prudentíssimo em escolher o bem do mal e do bem o melhor; forte contra todo o mal;
sóbrio na prosperidade e justo em dar a cada um o seu.
Como varão prudente, lembrando-se das coisas passadas e dispondo bem as
presentes, possuía grande previdência e iluminação das futuras. Como varão forte,
com confiança e fé, aspirava às coisas do alto, era paciente na adversidade e
perseverante em fugir do mal e perseguir o bem. Como varão sóbrio, usava o freio da
continência à concupiscência, da clemência contra a ira e, com suma modéstia, vivia
sempre feliz. Como varão justo, prestava o devido culto de suprema honra ao
Altíssimo, a todos uma digna estima, obediência às leis, aos superiores o obséquio, e
verdade sincera em todos os tempos e lugares.
1225. Estes tipos de prudência resplandeciam de tal maneira em nosso santo que,
aos olhos de todos, aparecia antes como um anjo terrestre e um homem divino do que
simples mortal. Era simples como uma pomba, prudente como a serpente. É preciso
observar que muitas são as astúcias da serpente, com as quais se deve defrontar a
prudência dos santos.
A serpente, quando atacada, defende sua cabeça e expõe os demais membros ás
batidas. Assim faz o justo quando, para proteger em si mesmo a cabeça de Cristo,
despreza a si mesmo e as outras coisas. Por isso, diz São Paulo: "Por amor dele
renunciei a todas as coisas e reputo-as como lixo" (Fil 3,8).
A serpente, para perder sua velha casca sem necessidade de fadiga e sofrimento,
entra em um buraco estreito, e assim a renova. Desta maneira, o justo prudente
percorre a estrada estreita da penitência, para despojar-se do homem velho.
269
1226. A serpente - repito-o - para trocar sua velha pele, é preciso que o buraco
não seja muito estreito e nele permaneça imóvel. Assim o justo não somente deve
caminhar pela estrada estreita da penitência, mas ser perseverante e manter os bons
propósitos.
A astuta serpente, para não ser encantada, tapa um dos ouvidos com seu rabo e o
outro o encosta na terra para não sofrer o encantamento. Assim o justo, para não ouvir
as muitas e várias seduções diabólicas, as mundanas e carnais seduções, fecha um
dos ouvidos com a lembrança da morte e, com o outro, pensa em sua vileza, sempre
atento aos perigos que o podem derrubar.
A serpente arma ciladas ao calcanhar da mulher, como diz a Escritura, e o justo
mata e anula este objetivo, que é fruto das obras da carne.
A serpente, pela irreconciliável inimizade com o homem, sempre se esconde,
procurando evitá-lo. Assim, o justo prudente, conhecendo a dura inimizade que o
mundo possui, foge e rejeita-o.
1227. Sendo que o glorioso São José sempre foi assim, quanto então não deveria
ser honrado por todos? "Quem é, portanto, o servo fiel e prudente?" (Mt 24,47). Nada
digo além do que o bendito Jesus Cristo respondeu: "Ele o constituirá superintende de
todos os seus haveres" (Mt 24,47).
E porque era possuidor de maravilhosa justiça, com razão o Senhor
sobrecarregou-o com muitas fadigas, impôs-lhe muitas aflições, fazendo-o passar pelo
fogo e água, e provou-o de várias maneiras, porque esta é maneira com a qual trata
seus eleitos. Mas, então, qual não foi sua fortaleza, paciência, confiança e invencível
perseverança? Tudo foi tão excelso que dele se pode dizer: "Cinge com energia os
seus rins" (Pr 31,17). Se em tudo, sempre e em qualquer lugar, não fugia das coisas
difíceis - contanto que pudesse dar glória ao seu Deus -, virilmente desprezou tudo o
que era terreno e quis ser pobre, exercitando-se em uma arte muito honrada.
Mas, que tristeza para nós! Foi demais grave a infelicidade e danosa a culpa de
nossos primogenitores que, por não se submeterem ao eterno e único Senhor e
permanecerem donos de toda criatura sob os céus, tornaram-se rebeldes a Deus e,
com eles, todas as criaturas se revoltaram. Ou melhor, em si mesmos e depois em
todos seus descendentes, sentiram dentro de si a sempre dura batalha e penosa
guerra, que os molestam.
1228. Por isso, o espírito se opõe à carne e a carne não cessa de combater contra
o espírito. Os sentidos combatem a razão e, na luta da razão contra os sentidos,
tornou-se necessário que, diante de tamanha miséria, a divina clemência viesse em
sua ajuda. Aquela eterna piedade colocou à disposição, para nossa defesa em tal
guerra, a santa virtude da temperança.
Esta dispõe e levanta a alma, refreia os apetites viciosos, extingue os movimentos
carnais e sensuais, ordena nossas obras, mantém equilíbrio, foge dos extremos
depravados, dos quais toda a verdadeira virtude se afasta, caminhando pela estrada
certa.
Diz o glorioso Bernardo: "Mantém a linha do meio, se não quiseres perder a
medida justa". É um provérbio comum dizer que "a medida justa conserva felizes e
caminharás bem protegido no meio". Para seguir e conservar esta justa medida, Cristo
deu-nos exemplo com seu nascimento, sua vida, sua morte e ressurreição. Ao nascer,
encontrou-se entre dois animais; vivendo, sentou-se em meio aos doutores; morrendo,
foi suspenso entre dois ladrões; após a ressurreição, apareceu entre os discípulos e o
evangelista João o viu no céu entre dois candelabros de ouro.
que, creio, nenhum homem o pode igualar. Era sóbrio, modesto, benévolo e tão
continente que não é chamado casto, mas virgem puríssimo nos atos e nas palavras e
em todos seus justos pensamentos. Fato realmente maravilhoso. Por isso, escutai-o!
Na antiga lei, foi sempre louvado e comentado o sentido sagrado do matrimônio e
nem era costume fazer voto de virgindade a Deus, para que, desta maneira, o santo
povo eleito de Deus se multiplicasse e assim crescesse o verdadeiro culto divino. Mas,
eis então uma coisa nova e prenúncio de grande novidade: José e também sua santa
esposa, embora não se conhecendo, mas avisados por divino oráculo, fazem a Deus o
voto de perpétua virgindade. Depois de confirmado este voto, saiu do ventre materno,
para iluminar o mundo, esta luz incriada e escondida na nuvem de nossa mortal
natureza. No livro Das Núpcias, Agostinho assim diz: "Depois que a Bem-aventurada
Virgem gerou o filho, manifestou juntamente com seu esposo o voto de virgindade e
ambos permaneceram virgens". E Jerônimo, o santo da virgindade de José, diz:
"Graça agradável e flórida foi a união da virgem Mãe de Deus e José e, como eram
amantes da pureza no matrimônio, foram eleitos pelo Espírito Santo". E Agostinho, no
livro Do Bem Conjugal, diz: "Se José não fosse virgem, de maneira nenhuma lhe teria
sido dada a Mãe de Deus como esposa, do contrário teria falhado este santo
matrimônio". Com isto, não quer dizer que contrariassem o preceito divino, porque,
como aquele, foi mandado por Deus, assim também foi dado por Deus, que
especialmente o revelou e impôs.
1230. Por que Deus permitiu que a sagrada Virgem fosse desposada com José?
Poderíamos indicar muitas razões. Em primeiro lugar, dizemos que, entre a Virgem e
José, houve verdadeiro matrimônio, porque para este não é necessário o ato carnal,
mas, sim, o consenso e a união de vontades. Por isso, há um provérbio que diz que é
o consenso e não a coabitação que faz o casamento. Portanto, a Virgem era
desposada com José para que, com tal matrimônio, se pudesse comparar a Igreja
santa, desposada com Cristo.
Esse matrimônio foi também realizado para que José fosse testemunha da
integridade da Virgem Maria e, do mesmo modo, para que, por meio de José, se
mostrasse a origem e a estirpe de Maria, porque é costume da Sagrada Escritura
narrar a genealogia de alguém da parte dos homens.
1231. Outra razão foi também para evitar a infâmia da pura Virgem Maria, que,
certamente, teria acontecido após o nascimento do filho, caso não tivesse marido. E
ainda mais para que a Virgem não fosse julgada e condenada como adúltera, como
ordenava a lei. Acrescente-se também porque a Virgem e o seu Filho necessitavam do
sustento material, através do trabalho e fadigas de José.
E mais: o mistério da humana reparação devia ser entendido pelo inimigo infernal
e, por outro lado, também para evitar que os judeus perseguissem Cristo exatamente
por ser filho ilegítimo. Outra motivação: o Senhor, que veio para cumprir a lei que
ordenava casar-se, não devia aparecer como quem fosse contra o matrimônio,
proibindo-o para sua Mãe. Por outro lado, agradava também a Deus que a Virgem
Maria fosse desposada com José, para que ela não se tornasse causa de desonra,
mas, sim, ele a honrasse em todos seus estados de virgem, casada e viúva, nos quais
se encontrou a Virgem, tornando-se digna do 100, 60 e 30 por cento da recompensa,
como fala a parábola evangélica.
diante da justiça, porque, sendo ela uma virtude perene, após a morte, somente ela
permanece, quanto à essência e quanto ao uso. As demais virtudes - as cardeais -,
embora permaneçam quanto à essência, não assim quanto ao uso natural que lhes
convém, porque a temperança não precisa moderar os movimentos ilícitos, nem a
prudência nos defenderá das insídias e fraudes, nem a fortaleza se encontrará diante
de situações difíceis e terríveis, porque estas coisas não existirão mais. Somente a
justiça permanecerá em sua integridade.
1233. A Sagrada Escritura nos convida a seguir e a possuir esta virtude, que muito
a lembra e a louva. Diz S. Agostinho que a justiça é a inclinação natural que se
encontra no coração humano que, com sua experiência, a demonstra claramente. A
isto convida-nos também nosso corpo que, por sua estatura reta, se diferencia dos
animais. Não seria uma loucura que um corpo assim tão nobre tivesse uma vontade
tão distorcida?
Quanto esforço não deveria fazer a pessoa humana para possuir esta preciosa
jóia, porque é a justiça que nos faz felizes: "Bem-aventurados os que têm fome e sede
de justiça" (Mt 5,6) e "Bem-aventurados se tiverdes que sofrer por causa da justiça" (1
Pe 3,14). O Eclesiástico louva-a, dizendo:"Luta pela justiça até a morte" (Sir 4, 28).
Freia as desordenadas tendências da concupiscência: "A justiça será o cinto de seus
rins" (Is 11,5). Prepara a digna habitação de Deus em nós: "A justiça e o direito são as
bases do vosso trono" (Sl 88,15). Livra da morte eterna: "A justiça livrará da morte" (Pr
11,4). E coroa: "Desde agora me está preparada a coroa de justiça" (1Tim 4,8). É
recompensa: "O Senhor retribuiu-me segundo a minha justiça" (Sl 17, 25). Não
menciono outras admiráveis qualidades, dons extraordinários e infinitas graças que
esta celeste e graciosa virtude oferece aos que a possuem. Tudo isto se encontra e
claramente se pode ver ao examinar a vida do glorioso José, porque, durante todo seu
viver e falar, pareceu mais celeste e superior que qualquer mortal. Por isso, o
Evangelho chama-o Justo, como se disse no início.
1234. Que maravilha, portanto, se a bondosa mão do Pai celeste tanto o exaltou
porque está escrito:"As bênçãos caem sobre a cabeça do justo" (Pr 10,6). E, se estava
repleto desta virtude, quem não acreditaria que o Supremo doador de toda graça o
tenha adornado de todos os dons do Espírito Santo, como se diz em outro lugar: "A
sabedoria repousa no coração do ponderado" (Pr 14,33)? Portanto, o temor purificou-
o, a piedade concedeu-lhe a doçura, a ciência ornou-o, a fortaleza sempre o
sustentou, o conselho dirigiu-lhe os passos, o intelecto iluminou-o e a sabedoria
concedeu-lhe a coroa, elevando-o ao sumo grau das virtudes.
Estes são os sete dons do Espírito Santo que, com divina ação, recriam, reformam
e renovam o homem. Deus criou o mundo em sete dias e, com estes sete dons do
Espírito Santo, reformou e recriou este pequeno mundo, que é o homem. Os quatro
dons menores reformam a vida ativa, isto é, o temor, a piedade, a ciência e a fortaleza;
os três maiores, isto é, conselho, intelecto e sabedoria, reformam a vida contemplativa.
1235. Estes são aquelas sete lâmpadas que ardiam no templo que, como normas
eternas, iluminam nossos corações. Sete eram os filhos de Jó que, com suas três
irmãs, banqueteavam-se e comiam deliciosos iguarias. E sete são estes dons que,
com as três divinas virtudes - fé, esperança e caridade - alimentam e saciam com
manjares celestes as almas dos justos e santos.
Sendo sete os espíritos imundos que, como disse Jesus Cristo, entram na alma e
também sete os vícios capitais, os dons de Deus devem igualmente ser sete, isto é, o
temor que afasta a soberba, a piedade a inveja, a ciência a ira, a fortaleza a preguiça,
o conselho a avareza, o intelecto a gula e a sabedoria mortifica nossa soberba
sensualidade.
272
1237. Assemelha-se ainda - e bastante - ao feliz e ditoso patriarca José que foi
amado acima de todos os filhos pelo bom e velho pai Jacó, assim o glorioso José foi
especialmente amado, entre todos os homens, pelo Pai onipotente. Aquele, vendido
por inveja pelos seus irmãos, foi levado para o Egito; este, fugindo da perseguição do
soberbo Herodes, levou o Salvador para o Egito.
Aquele mostrou-se fidelíssimo ao seu Faraó, fugindo e recusando o desonesto
pedido da rainha; este, por seu temor reverencial, sempre foi o guarda fiel da Virgem
Imaculada. Àquele foi concedida a graça de interpretar sonhos; a este foram revelados
os altos e divinos segredos e sacramentos da libertação humana. Aquele, fazendo
provisões para os anos de carestia, conservou o trigo para o povo; este, o pão
angélico e celeste, que a todos dá vida.
1238. O grande Faraó deu a José o anel; a este Deus concedeu o anel e a graça
da fiel e santa conversação com sua Esposa. Aquele recebeu uma estola de tecido
finíssimo e de brancura admirável; este recebeu a cândida estola da ilibada virgindade.
Aquele, para ornar seu pescoço, obteve um colar de ouro; este foi revestido pelo dom
de Deus da ardentíssima e luzente caridade.
O feliz patriarca José, por vontade do rei, subiu no carro real; este, conservou em
suas mãos e orientou o Deus iluminado. Faraó mandou que aquele fosse aclamado
como salvador; este foi chamado pai pelo verdadeiro Salvador do universo. A José foi
dada, como mulher, a filha do grande sacerdote do Egito; este teve como esposa o
templo vivo do sumo sacerdote Jesus Cristo que, com sua oferenda, devia reconciliar
todo o gênero humano.
1239. Quando foi celebrado este sacrossanto e virginal matrimônio - dizem alguns
-, a Virgem tinha completado 14 anos. José também era jovem e de aspecto elegante,
embora alguns digam que ele era velho. Tal opinião não parece racional, porque,
tendo sido dado para proteger a Virgem e seu bendito Filho, não seria muito crível que
fosse velho, pois, em tal situação, deveria mais receber cuidados que dá-los. Sem
dúvida, em tal caso, teria sido não um protetor, mas um peso à Virgem. Pensa-se
também que ele era jovem para conservar a fama da Virgem Maria diante dos pérfidos
judeus e para esconder o divino mistério ao inimigo infernal.
E porque, como disse o angélico doutor São Tomás, quem Deus escolheu para
alguma missão prepara-os e de tal modo os dispõe que se tornem idôneos desta
escolha, assim Deus fez com o manso Moisés, quando o colocou como guia de seu
povo; com Saul, quando o escolheu como rei de Israel; com Davi e com seu filho
Absalão, dando-lhes tão prodigiosa sabedoria. Deus fez tudo isto, com grandes
bênçãos, na Virgem Maria, toda cheia de graças divina para que fosse, na terra, digno
receptáculo do Rei celeste. Não devemos crer que tenha feito diferentemente com o
glorioso e bendito José que, escolhendo-o para tão elevado mistério, o tornou
eminente destas maravilhosas virtudes, a ponto de não se julgar digno de tais dons.
273
Disso tudo deixo aos meus ouvintes o julgamento quanto à grandeza e dignidade
deste homem divino que, entre tantos homens do mundo, somente ele foi julgado
digno de ser chamado e julgado pai do Salvador.
1241. Foi ainda com sua esposa, quando a tenra criança - com sofrimento de
ambos - recebeu a circuncisão e, na apresentação ao templo, as sentenças graves e
dolorosas sobre Jesus e Maria, tornaram-se a espada penetrante e dolorida.
Com ela fugiu ao Egito para salvar o Senhor Jesus das mãos do ímpio Herodes.
Ao retornarem, não sem grandes fadigas, sentiram-se opressos por outra imensa dor,
temendo novo perigo contra o Salvador, como diz o evangelista: "Tendo, porém,
ouvido que na Judéia reinava Arquelau, em lugar de Herodes, seu pai, receou ir para
lá" (Mt 2,22). Como era costume, quando se dirigiram ao sagrado templo de
Jerusalém, perderam o caro filho, que estava com eles. Deste fato, se grande foi a dor
de Adão e de sua esposa Eva ao chorar o assassinato do bom e justo filho Abel; se
grande foi a dor do velho Jacó ao perder seu filho José, do santo rei Davi pela morte
de Absalão, do piedoso Tobias com sua mulher pelo caro filho Tobias, maior foi a
aflição de José e de sua esposa que se afligiam, lamentavam-se e choravam a perda
do Menino Jesus. Deixo à consideração das almas devotas quantos sofrimentos e
duras fadigas José enfrentou durante sua vida, com a santa Virgem e seu santo Filho.
E - como alguns dizem - viveu até o tempo do batismo do Salvador.
1243. Se possível, pensai quem era a dileta criança de José, quando, como é
normal na tenra idade, beijava suavemente sua face, quando, com seus pequenos
braços, se lançava ao seu pescoço e o alegrava com muitos outros atos de amor e
reverência! O que se poderia dizer da enorme alegria, quando o chamava pai, quando
lhe era sujeito e, com grande obediência e reverência, o servia?
Se o simples tocar as vestes do Salvador produzia tantos efeitos que não havia
enfermidade que não sarasse, nem males que não desaparecessem e, Ele, ao tocar
alguém, curava os leprosos, sarava os doentes, iluminava os cegos, expulsava os
demônios, fazia os mudos falarem, os surdos ouvirem, os mortos reviverem, este
glorioso santo, que podia tê-lo em seus braços, qual e quanta virtude, qual e quanto
amor - crede vós - que ele não teria? Oh, como poderia repetir com o profeta: "As
vossas consolações regozijam minha alma" (Sl 9,319)!
1244. Tudo isto ele teve em vida, mas na morte, quando a humana condição está
para pagar seu débito, que alegria e júbilo sentiu sua alma, vendo-se morrer nos
274
braços de sua santíssima esposa e Mãe de Deus, entre os amplexos do Deus feito
homem. Como se confortava com aquelas divinas palavras, com as celestes
promessas e revelações! Morrendo entre eles, sua alma foi repousar feliz no seio de
seu pai Abraão, suscitando nova alegria às embaixadas angélicas que libertavam as
almas justas de seus antepassados, presas até então no Limbo!
1246. Eis, portanto, irmãos caríssimos, quanta luz e raios de honra e favores, que
assombrosas maravilhas produz, conserva e mostra a graça divina sobre quem ela
repousa! Quem, em condições normais de mente e juízo, pode estimá-la tão pouco,
como hoje acontece com este mundo cego e estulto? Olhai, peço-vos, para este
glorioso santo que, hoje, a santa Igreja vos apresenta como exemplo a ser imitado,
que sempre o estimou, valorizou e conservou. E justamente nele mostrou tamanhas
maravilhas e o fez tão glorioso e trasbordante de todas as virtudes, prudente, forte,
moderado, justo, fiel e digno receptáculo da septiforme graça do Divino Espírito e
abençoado em todo grau de bem-aventuranças, que ninguém, na terra, a ele se
assemelha ou iguala.
Não houve graça nem virtude concedida aos antigos padres que nele não
resplandecesse, tal como foi a justiça de Noé, a caridade de Melquisedeque, a
obediência de Abraão, a bênção de Isaac, a escolha de Jacó, a sorte de José, a
ciência de Moisés, a humildade de Davi, a sabedoria de Salomão, o zelo de Elias, a
doutrina de Isaias, a piedade de Jeremias, a verdade de Daniel, a paciência de Jó, a
constância dos Macabeus, a misericórdia de Tobias, a pureza, a sinceridade e a
inocência de João Batista.
1247. Se, portanto, é verdade, como diz o filósofo em sua Ética, que o prêmio da
virtude é a honra, quem deste mundo poderá prestar-lhe a devida honra e cantar-lhe
os louvores? Quem deste mundo poderá render-lhe a digna reverência?
Como ele foi colocado diante de nós como exemplo perfeito de imitação, nele
devemos fixar o olhar de tal maneira que, quanto é possível, não cessemos de imitá-lo
e segui-lo. Esta é a melhor maneira, entre as demais, de honrar os santos.
1248. Ó vós todos, portanto, coragem! Eis o claro espelho onde deveis refletir-vos
e o exemplo que deve ser imitado. Coragem! Procurai uma verdadeira maneira de
segui-lo: vós, incrédulos, seguindo como norma sua fé sincera; vós, de pouca fé, sua
firme esperança. Vós, tépidos e negligentes, sacudi de vossos corações todo torpor e
preguiça; aquecei-vos ao fogo de sua santa caridade. Aprendei, vós imprudentes, vós
fracos, vós intemperantes e maus, a sua prudência, a fortaleza constante e a justiça
celeste. Vós, perversos e maus, vinde e agarrai aqueles dons espirituais e vivificantes
que nele vedes refulgir. Vós todos, mundanos cegos e estultos, que não conheceis
vosso verdadeiro fim e nem o estimais, eis o santo e glorioso José: espelhai-vos nele e
assim o conhecereis e o amareis. Ele vos mostrará a estrada para consegui-lo. Ah, o
que vos impede agora? Ou, então, não são estes os verdadeiros tesouros, amados e
grandes? Coragem, pois, não haja mais engano, não mais o mundo, não mais vossa
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vã soberba, não vos supere mais vossa imunda concupiscência, não mais os pecados,
não mais o mundo.
O céu é vosso, irmãos. Na terra, sois peregrinos e logo partireis daqui. O céu é
vosso e pouco o tempo que vos resta, aqui na terra. Não percebeis que, a cada dia,
falta um dia à vossa vida? E rapidamente chegará a implacável e inexorável morte,
pela qual, como por uma porta, sairemos desta vida para entrar na outra. Já é tempo
de retirar vossos pés do caminho mal iniciado, que até agora haveis palmilhado, e
iniciar a reta estrada, que é a seqüela do vosso Jesus Cristo, pois somente Ele vos
conduzirá ao verdadeiro repouso.
1249. Mas, ai de mim, porque vejo claramente que outra coisa não fazem os
semeadores da Palavra de Deus senão jogá-la sobre pedras, entre espinhos e nas
estradas pelas quais continuamente se passa. Vós sois as pedras que, não tendo
raízes para se manterem em pé, nem a terra da humildade e o húmus da graça, fazeis
secar e permanecer sem fruto a Palavra de Deus. Vós sois aqueles lugares
espinhentos que, por causa da exagerada atenção dada a este mundo e às riquezas,
sufocais em vosso íntimo a virtude eficaz da palavra divina.
Vós sois aquelas estradas que são pisadas continuamente pelas vossas vãs
concupiscências, por frívolos pensamentos e gravíssimos pecados, onde vosso maior
inimigo caminha por todos os lados e faz uma competição, arrancando-vos a santa
operação, que em vós deveria produzir as sementes das boas pregações. Ai de ti,
mundo sujo e imundo! Ai de ti, cristão, que, vendo e percebendo que não encontras
um verdadeiro bem neste mundo, te vês envolto nestes bens aparentes aliado com o
mundo, como se nada mais se esperasse e nem para outra coisa fosses criado e
direcionado. Desta maneira, estás submerso neste mar revolto.
1250. Por isso, digo-te que, se não mudares de estilo de vida, se não valorizares
tua saúde, nem desejares teu verdadeiro bem, ficarás afogado e submerso neste teu
mundo e mar proceloso. Cego, insensato, exaltado, qual criatura vês mais miserável e
infeliz que tu? Todas as coisas, os céus e os demais elementos procuram e ordenam-
se ao próprio fim, que é o do bem e o da perfeição. Somente tu não te preocupas!
Estulto! Não o procuras? Então não o terás. Não o procuras? Então não o encontrarás.
Chegará logo, logo, aquela hora, quando aparecerá tua loucura e tu conhecerás o
engano, com o grave e eterno prejuízo que lhe seguirá. E, quanto ao tempo, que agora
tão pouco estimas, quererias naquele dia que, ao menos uma hora, te fosse concedida
e não a terás. Compreendeste tudo isto?
A misericórdia divina te presenteia e doa este precioso tempo, esperando que
faças penitência. Irmão, não o jogues fora, não o jogues, mas comece, com vontade
resoluta, a renovar-te. E, se até agora, estavas com as rédeas soltas e sem freio na
corrida para o inferno pela larga estrada dos vícios, volte e entre pela estrada estreita
das santas virtudes e, cheio de fé, esperança e caridade, como também prudente,
forte, moderado e justo, aspira dar maior espaço, dentro de ti, ao Espírito Santo.
Assim, cheio de seus dons celestes e graças divinas, como foi este santo glorioso,
possas sempre, através da graça, viver em Deus, para seres digno, no final, de gozá-
lo na glória, que o Pai eterno nos oferece e doa!
1251. Como, entre os planetas, o mais excelente é o sol, entre as estrelas o ponto
de convergência, entre os elementos o fogo, entre os céus o firmamento, entre os
animais o homem, entre os anjos o serafim, assim o mais excelente entre os
sacramentos da Igreja de Cristo é o diviníssimo sacramento da Eucaristia. Este é o
sacramento da graça, da caridade e do amor entre todos os sacramentos. Não é,
porém, tão superior aos demais sacramentos como o sol aos demais planetas e
estrelas, o fogo aos outros elementos, o firmamento aos outros céus, o homem aos
demais animais e o serafim aos demais anjos, mas quanto Deus é superior às outras
criaturas, porque o que contém este sacramento é Jesus Cristo, Filho de Deus e da
Virgem Maria, Deus e homem.
Esta superioridade do Santíssimo Sacramento do altar sobre os demais quero
demonstrá-la nesta manhã, para que se inflamem nossos ânimos e corações à
devoção deste excelente sacramento e, cheios de fé e devoção, recebamos a
santíssima comunhão para alcançar a vida eterna.
1253. Oh! Que benefício! Não há outra nação tão grande, de tão nobre e excelente
dignidade e honra, de tão elevada glória na terra, porque o nosso Deus, o Criador do
céu e da terra, do qual dependem o céu e a natureza, que com três dedos mantém
suspenso o mundo e, em sua mão, encerra o universo e que, por si mesmo e em si
mesmo, totalmente perfeito, perfeitamente feliz e glorioso de glória incomparável,
incompreensível, infinita e eterna, sem princípio e fim, o alfa e o ômega de todas as
coisas, o alfa sem o alfa, o ômega sem o ômega, princípio sem princípio, fim sem fim.
Este Deus sumo, imenso, ótimo, máximo, infinitamente inestimável, que justamente se
estima, quando se julgar de não poder estimar, quem nem o céu, nem os céus dos
céus podem compreender. Este Deus, este nosso Deus está conosco, toda vez que o
invocamos (Deut 4,7).
Ó Moisés, estes eram os grandes benefícios de teu povo: um Deus que habitava
no santuário, que fazia chover o maná para alimentá-lo e brotar a água da pedra para
saciá-lo, que o guiava com uma nuvem gloriosa durante o dia e com uma pirâmide de
fogo durante a noite, que, com tão numerosos sinais e prodígios, o arrancou do Egito,
dando-lhe a lei, o culto, a religião, as santas cerimônias, os justos juizes, que o ouvia
277
1255. E que pensais, meus ouvintes, que fosse aquele divino tabernáculo senão
um enigma incompreensível de Cristo? O que era aquela arca senão a figura da carne
de Cristo assumida pelo Verbo em unidade pessoal? "Nele habita, conjunta com a
humanidade, a plenitude da divindade" (Col 2,9).
Que pensais que fossem aquela vara florida, as tábuas da lei e o vaso de maná
senão os símbolos manifestos do poder, da sabedoria e bondade divina em Cristo,
comunicadas à natureza humana pela união hipostática das naturezas, da qual resulta
a comunicação dos “idiomas” naturais? E o propiciatório divino sobre o qual estava
Deus, não era a figura da alma santíssima de Cristo, à qual principalmente se uniu a
divindade e da alma à carne? E os querubins da glória não se assemelhavam ao
intelecto e ao afeto na parte superior da alma de Cristo, que sempre foi bem-
aventurada e gloriosa desde o primeiro instante da concepção? Eis, enigmaticamente
descrito, todo o Cristo.
1256. Não sabeis que aquele tabernáculo interior era chamado sancta sanctorum,
com o mesmo nome representando Cristo, o santo dos santos: Até que seja ungido o
Santo dos santos? Não lestes em Daniel que assim o anjo chamou Cristo? Cristo,
portanto, santo dos santos, é o sancta sanctorum. E não sabeis, ó sábios, que aquele
tabernáculo era um lugar super-secreto e que somente o sumo sacerdote podia entrar
e ver aqueles mistérios? Que estava coberto com um véu, impedindo de ver o que
existia lá dentro?
Eis, eis o santíssimo e diviníssimo sacramento, o sancta sanctorum velado, Cristo,
santo dos santos, encerrado no sacramento, escondido pelas espécies dos acidentes
de pão e vinho, mas que contêm o verdadeiro corpo de Cristo, aquele sumo sacerdote
que instituiu este diviníssimo sacramento.
1257. De nós, realmente, e dos hebreus Moisés disse, como nossa figura: Não há
nação tão grande, que tenha divindade tão perto de si, como está o Senhor nosso
278
Deus, toda vez que o invocamos. E que povo existiu no mundo com o privilégio de
alimentar-se sacramentalmente com o corpo e sangue verdadeiros do Deus vivo e
verdadeiro, se não o povo cristão?
Deus está conosco, Cristo Deus e homem e, com ele, nós não somente por
essência, poder e presença naturalmente como Deus, nem só por graça, mas também
por presença corporal neste sacramento. Está presente não apenas em sua forma
visível aos nossos olhos, mas em sua real substância, em sua própria pessoa em três
substâncias: Verbo, alma e carne: E eis que estou convosco todos os dias até o fim do
mundo.
Ó Deus, ó Deus! Toda esta infinita grandeza de Deus está em Cristo, e todo o
Cristo neste divino sacramento. Portanto, o Deus completo, o nosso Deus, o nosso
Deus está conosco. Quem for capaz de compreender, compreenda (Mt 19,12).
1262. Há outra singular prerrogativa: não somente contém Cristo como fonte de
graça, mas encerra o autor da natureza e o rei da glória e senhor de todo o universo:
"Foi-me dado todo o poder no céu e na terra" (Mt 28,18). Como o sol é o rei de todas
as estrelas, assim Cristo neste sacramento é o rei da glória de todos os bem-
aventurados do céu: "O Senhor dos exércitos, ele é o rei da glória" (Sl 23,10).
Lembrai-vos, caros ouvintes, como Cristo apareceu em sua gloriosa
transfiguração? "Seu rosto brilhou como o sol e as vestes tornaram-se brancas como a
luz" (Mt 17,2). Cristo, assim glorioso, ressuscitou e subiu ao céu para sentar-se à
direita do Pai. E não compreendeis, ó sábios, que, na ressurreição dos justos, seus
corpos glorificados resplandecerão como outros sóis? "Os justos fulgirão como sol no
reino de seu Pai" (Mt 13,43). Não tendes lido, por acaso, em Paulo que a glória de
todos os justos não será igual? "Um é o brilho do sol, outro o da lua e outro o das
estrelas, pois uma estrela difere da outra em brilho; assim se dá também ao
ressuscitarem os corpos dos mortos?" (1Cor 15, 41-42). Entre todos os bem-
aventurados, a glória de Cristo é como a sol entre as estrelas no firmamento. Ora, se a
menor estrela deste céu possui esplendor e luz maior que nosso sol, que será do sol
da glória entre aquelas estrelas gloriosas? Ó Deus imortal! Que língua poderá
proclamar tal verdade ou qual intelecto poderá compreendê-la?
1263. Direi, senhores, que a glória de Cristo é tão grande que não a supera a
glória de todos os bem-aventurados que existem e existirão no céu. Se Deus
proclamasse beatos todos os anjos que caíram com Lúcifer, todos os condenados que
estão no inferno e as almas do Limbo e criasse quantos homens e anjos que
desejasse e os glorificasse, ainda assim a glória de Cristo seria infinitamente maior,
porque é tamanha a glória deste sumo sol, Cristo, que Deus não pode, nem sabe criar
maior, porque iguala a glória do mesmo Deus, que é absolutamente infinita. E, não
obstante, toda esta glória está contida neste Santíssimo Sacramento, porque, sob as
espécies sacramentais, está oculto o Cristo glorioso, com todos os infinitos tesouros
de sua glória.
Ó sacramento, ó sacramento super-excelentíssimo, graciosíssimo, gloriosíssimo,
diviníssimo, verdadeiro Deus! O nosso Deus está conosco, o nosso Deus está
conosco!
280
1265. Foi dádiva muito grande, ó almas estimadas, que Cristo se deu a nós como
preço, morrendo. Não menor foi o dar-se a nós como alimento consagrado, porque se,
como preço, nos libertou da morte, como alimento, nos dá a vida eterna. Se, como
preço, nos absolve dos pecados, como alimento nos nutre com a graça; se, como
preço, nos deu medicina contra os vícios, como alimento nos restaura as virtudes; se,
como preço, conseguiu que não pecássemos, como alimento faz com que não
desejemos pecar; se, como preço, reconciliou-nos com Deus, como alimento com sua
graça nos reconcilia com todas as pessoas.
Direi também o que é verdadeiro: se, como preço, nos resgatou da escravidão do
demônio e do pecado, como alimento nos vivifica e deifica como seus membros. Como
preço, libertou-nos da morte, mas não para que ficássemos livres da morte, mas como
alimento nos dá a vida eterna da graça com a qual podemos viver para sempre. Como
preço, justificou-nos, mas como alimento nos glorifica e beatifica na vida eterna do
céu: "Quem come minha carne tem a vida eterna; Eu sou o pão vivo que desci do céu;
se alguém comer deste pão viverá eternamente" (Jo 6, 41.50-51.55.57).
Lourenço de Brindisi, A Virgem da Bíblia, organizado por Frei Mariano de Alatri, Roma
1958, 3-16.
"Grande e maravilhoso sinal apareceu no céu: uma mulher com o sol a servir-lhe de
manto, com a lua debaixo dos pés" (Apoc 12,1).
1266. O apóstolo e evangelista João, discípulo amado por Cristo e, depois de sua
morte, proclamado filho da Virgem Mãe de Deus, enquanto se encontrava no exílio de
Patmos, sofrendo por causa da fé em Cristo, foi consolado por Deus com muitas
revelações celestes e divinas. De fato, escreve São Paulo: "É certo, do mesmo modo,
como são abundantes para nós os sofrimentos de Cristo, assim por obra de Cristo é
também superabundante a nossa consolação" (2Cor 1,15), porque "Quando se
multiplicam no meu interior os afãs, regozijam minha alma as vossas consolações" (Sl
93,19).
João, que com amor especial reclinou-se sobre o peito do Senhor e que tinha
escolhido a melhor parte de Maria e que não lhe será tirada, dedicou-se à
contemplação divina após a ascensão de Cristo ao céu. No entanto, mais
intensamente, consagrou-se aos problemas de Deus durante a perseguição, sendo
este sempre o costume dos santos.
Por isso, João, naquele período, "sendo arrebatado em Deus, inflamado por uma
chama mais ardente, e sendo elevado ao alto por certos ardores seráficos, começou a
inundar-se mais copiosa e abundantemente das doçuras da divina contemplação e a
sentir, sem limites, os carismas de celestes inspirações".
1267. Por esta razão, "Deus, Pai das misericórdias e Deus de toda a consolação, o
qual nos consola em todas as nossas tribulações" (2Cor 1,3-4), consolou-o como fez
com o patriarca Jacó na visão da escada celeste, com Moisés na aparição divina da
sarça ardente, com os três jovens na fornalha acesa com o conforto angélico e celeste
alívio. Para consolá-lo, arrebatou Paulo até terceiro céu no paraíso e o deleitou com a
vista inefável da glória celeste. Da mesma maneira consolou, por diversas vezes,
João.
Às vezes, na amplidão do céu, mostrou-lhe, como fez a Estêvão, a glória do
paraíso, a glória de Cristo, a glória de Deus. Freqüentemente aliviou-o com a presença
e conversa dos anjos e encheu-o de grande alegria. Com freqüência, da sublimidade
do céu, apareceu-lhe o dulcíssimo Salvador, mostrando-lhe também a glória do Pai.
Feliz João! Mil vezes feliz pela graça do amor divino!
1268. Somente uma coisa podia faltar a João. Ele amava Cristo acima de tudo,
com todo afeto, com sinceridade de coração tal como uma esposa amada o seu
adorável esposo. Por outro lado, quem poderia duvidar que não amasse também a
Virgem Mãe de Deus, a santíssima mãe de Cristo com suma piedade, que a
circundasse de inefável amor, como a mais doce e amada mãe? Ele sabia muito bem
que também era amado por ela, como o filho mais caro depois de Cristo, porque tinha
dito à sua mãe: "Eis o teu filho", e a João: "Eis a tua mãe. E a partir daquele momento,
o discípulo levou-a para sua casa" (Jo 19,26-27).
O que existia de especial no mundo de João que, para seguir Cristo, abandonou
tudo, o pai, a mãe e a si mesmo? Como podia levar para sua casa a Virgem, a Mãe de
Jesus, ele que, tendo deixado tudo, nada possuía? Mas, aqui se trata de amor.
Recebeu-a como um ser estimado acima de todas as outras coisas, como riqueza
inestimável, como preço de valor infinito, como seu tesouro pessoal, toda sua
substância e seu ser. Desta maneira, João demonstrava grande, inefável e
incomparável afeto.
No entanto, poucos anos após a ascensão de Cristo ao Céu, também Maria foi
recebida por Cristo no paraíso para sentar, como rainha, à direita do sumo Imperador,
como "a rainha com ouro de Ofir" (Sl 44,10).
A Virgem Mãe de Deus foi elevada aos céus uns 15 anos depois da Ascensão de
Cristo. João viveu até o tempo do imperador Trajano. Quando pelo imperador
Domiciano, "monstro horrendo de crueldade", foi exilado na ilha de Patmos, a Virgem
282
Santíssima, já nos céus, tinha-o deixado neste vale de lágrimas para ser útil à Igreja,
segundo o projeto de Cristo.
1269. João se alegrava imensamente em seu espírito, sabendo que a Virgem tinha
sido elevada aos céus, exaltada sobre todos os coros angélicos e à direita de Cristo.
Contudo, privado do diálogo, do conforto e da consolação da Virgem, não podia
entristecer-se. A Virgem via tudo isto e o sentia. Podemos pensar que ela se teria
esquecido de João? Como poderia esquecê-lo, a ele que a acompanhou com grande
amor, no lugar de Jesus? O ingrato servidor do Faraó esqueceu-se do inocente José
na prisão, mas Maria não podia esquecê-lo.
Por isso, agrada-nos acreditar que, freqüentemente, a Virgem santíssima, dos
altos céus, visitava João e, como mãe caríssima, consolava o filho muito amado.
1270. Penso que João quis dedicar a uma singular aparição da Virgem, em suas
imorredouras lembranças, quando escreveu: "Grande e maravilhoso sinal apareceu no
céu: uma mulher com o sol a servir-lhe de manto, com a lua debaixo dos pés e uma
coroa de 12 estrelas a cingir-lhe a cabeça" (Ap 12,1). Aqui João se refere à Virgem
Mãe de Deus, como assim o julgaram Epifânio, Bernardo, Roberto e outros padres.
Parece que João tenha insinuado isto mais claramente quando disse: "Deu à luz um
filho, um varão, destinado a governar todas as nações com cetro de ferro" (Ap 12,5).
Tais palavras indicam, sem dúvida, Cristo rei dos reis e Senhor dos
governantes, o Unigênito Filho de Deus e da Virgem Mãe. A Virgem Mãe de Deus, a
Mãe de Cristo, a Esposa de Deus, a Rainha do céu, a Senhora dos anjos apareceu,
portanto, a João, revestida de glória celeste e de esplendores divinos, com admirável
majestade: Um grande sinal apareceu no céu.
O Senhor quis, com esta visão, mostrar a João qual foi o tesouro de fé autêntica
que lhe tinha sido confiado na terra, em cujas mãos estavam todos os valores da
riqueza e da glória celeste. Quis, além disso, mostrar, por meio de João à toda a Igreja
católica universal, a todos os fiéis de Cristo, qual a grandeza da glória da Virgem Maria
no céu, diante dos anjos e eleitos de Deus para que não pensássemos que - ousaria
dizer - seria pouco glorificada pelo fato que o Espírito Santo, nas Sagradas Escrituras,
a circundou com uma auréola de sagrado silêncio.
genealogia, sem ter nem começo de dias nem fim de vida (Heb 7,1-3). Nada sobre isto
encontramos nas páginas sagradas.
Desta maneira e com certa majestade divina foi apresentado o sacerdócio,
como algo celeste e divino, não humano nem nascido da terra. Como com o silêncio
louva-se a Deus, segundo diz o divino profeta: A ti se deve o silêncio, o louvor, ó Deus,
em Sião (Sl 61,1), porque não podemos dignamente falar de Deus. É melhor
contemplar as coisas divinas em silêncio que falar delas fria e levianamente. Da
mesma maneira, o Espírito Santo, por cuja inspiração falaram os homens santos de
Deus, com este silêncio quis honrar a Mãe de Deus. Quis apenas dizer que ela era
digna de ser a esposa de Deus, de conceber e gerar o Unigênito Filho de Deus.
Eis porque, com certa divina majestade, a Virgem Santíssima foi apresentada
sobre a terra: "O anjo Gabriel foi enviado por Deus... a uma Virgem... ao entrar para
junto dela, disse: Salve, ó cheia de graça, o Senhor é contigo" (Lc 1,26-28). Da mesma
maneira: "Um grande sinal apareceu no céu". Apareceu inesperadamente, de aspecto
divino e celeste, como nova obra saída das mãos e da arte de Deus. Como a primeira
mulher Eva, mãe dos viventes, foi criada à semelhança de Adão, primeiro homem
vindo à terra, assim Maria, mulher celeste, foi semelhante a Cristo, o segundo homem
que veio do céu. Por isso, disse "um grande sinal apareceu no céu".
1273. Deus, com esta visão celeste, quis manifestar à verdadeira Igreja as
grandezas divinas de Maria e revelar aos fiéis as maravilhas escondidas na Virgem,
para que todos pudéssemos conhecer quanta glória emerge das poucas frases que
foram escritas sobre ela.
Sumariamente, pode-se dizer que duas coisas foram comunicadas a respeito da
Virgem: que ela é esposa de Deus e Mãe de Cristo, assim como Eva foi mulher de
Adão e geradora dos homens. Nesta visão, estas duas coisas apresentam-se à nossa
consideração: que é esposa de Deus, Rainha do céu, Esposa do Sumo Rei, e que
concebeu e gerou Cristo, Filho Unigênito de Deus e verdadeiro Deus. Quanta glória
acompanham estes dois fatos. Aparecem as vestes, o trono e a coroa: Uma mulher
vestida de sol, a lua debaixo de seus pés e na cabeça uma coroa com 12 estrelas.
Que visão admirável!
1274. Lemos, com freqüência, que Deus apareceu aos santos, aos patriarcas
dignos de Deus e aos profetas, para manifestar sua glória. Mas nunca foi com
tamanha glória e majestade. Apareceu a Abraão entre as estrelas do céu. Apareceu a
Jacó no alto da celeste escada, enquanto os anjos o serviam. Apareceu a Moisés na
sarça ardente. Apareceu a Isaias sobre um trono excelso e elevado e os serafins
cantavam o divino santo por três vezes. Apareceu a Jeremias com uma vara vigilante;
a Ezequiel, sobre um caro triunfal de glória; a Daniel, na majestade de juiz. Mas em
nenhuma encontramos tais vestes, trono e coroa.
Cristo mostrou sua glória no monte santo aos apóstolos escolhidos. Quando se
transfigurou diante deles, sua face refulgiu como o sol, suas vestes tornaram-se
brancas como a neve. Mas não refulgiu como o sol em toda sua pessoa, nem se
mostrou coroado de estrelas ou apareceu exaltado sobre a lua. Outras vezes, como
lemos no Apocalipse, Cristo aparece a João na glória, com a face refulgente como o
sol, ora entre sete candelabros de ouro e estrelados, ora coroado de arco-íris ou de
muitas coroas. No entanto, nunca com tamanha glória. Que significa isto? Talvez que
a Virgem no céu é superior à glória de Cristo e à glória de Deus? Nada disto!
Como nas cortes dos reis e dos príncipes deste mundo é costume que a rainha,
nas núpcias e em públicas solenidades, se apresente em vestes esplêndidas e ricas,
ornadas de ouro e de gemas preciosas, quase direi, muito melhor que o rei ou o
príncipe filho do rei, por conveniência de condição e de sexo, assim Maria aparece no
céu revestida de maior glória do que aquela em que jamais Deus ou Cristo apareceu.
284
Singularidade de Maria
1275. Isto não causa maravilha. Cristo, de fato, embora resplandecendo no mundo
com uma glória cheia de prodígios e milagres, quis, todavia, que seus apóstolos,
especialmente Pedro, seu vigário e chefe dos apóstolos, resplandecessem não de
menor, mas de maior glória de milagres. "Quem crê em mim fará também ele as obras
que eu faço; antes, fará outras ainda maiores" (Jo 14,12). Por isso, quis que a Mãe
aparecesse circundada de maior glória que a sua: Um grande sinal apareceu no céu.
Realmente, um grande sinal: milagre grande, augusto, divino! Este é o grande
sinal: o milagre. Como, por exemplo: "Pede ao Senhor, teu Deus, um sinal à tua
escolha" (Is 7,11), isto é, um milagre. "Mestre, queríamos ver-te fazer um milagre" (Mt
12,38). Mas está escrito que não fez muitos milagres. Da mesma maneira Ezequias
pediu a Isaias um sinal e, de João, está escrito que não fez milagres. Por isso, um
grande sinal deve ser entendido como um milagre. Este é o primeiro louvor à Virgem
Mãe de Deus, que ela mesma se apresente ao mundo como um grande milagre.
1276. Santo Inácio, na primeira carta a João, chama a Mãe de Deus "celeste sinal
e espetáculo santíssimo". Santo Efrém Sírio, no livro dos Louvores à Virgem, chama-a
"extraordinário milagre do mundo e coroa dos santos". João Crisóstomo, no discurso
do Natal, diz que, de fato, a Virgem foi um grande milagre. Também Epifânio, em seu
discurso, diz: "Uma mulher vestida de sol é um milagre estupendo nos céus. Uma
mulher, que irradia luz dos braços, é um milagre assombroso nos céus. Maravilhoso
milagre nos céus, um outro trono de querubim. Extraordinário milagre o tálamo da
Virgem que traz o Filho de Deus".
Foi admirável a escada que apareceu a Jacó, quando disse: "Verdadeiramente
neste lugar está o Senhor... e cheio de reverência: Quão venerável é este lugar! Ele é
a casa de Deus, e esta é a porta do céu!" (Gên 28,12-17). No entanto, Deus escolheu
a Virgem como "verdadeira casa de Deus". Admirável foi a sarça ardente de Moisés:
"Quero pôr-me de lado para ver este grande espetáculo, como é que a sarça não se
consome" (Ex 3,3). Por outro lado, Deus mostra que a Virgem tem, ao mesmo tempo,
"a alegria de mãe com a honra da virgindade".
Admirável foi a vara de Arão que floresceu, ficou verde e milagrosamente produziu
frutos. Esta foi o tipo desta Virgem: "Despontará um rebento do trono de Jessé" (Is
11,1); surgirá um cetro de Israel" (Num 24,17). Admirável foi a arca do testamento que
operou tantos milagres. Mas, o que foi isto senão a figura da Virgem? Admirável foi o
templo de Deus, do qual se diz: "Queremos saciar-nos dos bens de vossa casa, da
santidade de vosso templo" (Sl 64,5-6). Mas o verdadeiro templo de Deus foi Maria, na
qual habitou toda a plenitude da Divindade. Milagre foi a casa de Salomão, que
maravilhou a própria rainha de Sabá. Mas esta foi a verdadeira casa do verdadeiro
Salomão, Cristo, Rei pacífico: Eis, aqui está quem é mais do que Salomão" (Mt 12,42).
1277. Ó grande milagre! Aquele que os céus não podiam conter, ela o fechou em
seu seio: "O Senhor cria uma coisa nova na terra: a mulher circundará o homem; Eis a
virgem que concebe e dá a luz um filho" (Jer 31,22; Is 7,14): o Emanuel, o homem-
Deus, perfeito Deus e perfeito homem. "Quem jamais ouviu coisa semelhante? Quem
viu jamais coisa igual?" (Is 66,8).
Cristo, nas Sagradas Escrituras, é também chamado milagre: "Cujo nome é
Admirável" (Is 9,6), que, em hebraico, significa milagre. Lemos também: "Sabemos
que o Senhor tornou admirável o seu nome santo" (Sl 4,4). Que Cristo seja chamado
milagre encerra um mistério, porque as obras de Deus, principalmente a criação, a
justificação e a glorificação, podem chamar-se milagres.
Por isso, dizem as Escrituras: "Dou-te graças por tão espantosas maravilhas;
admiráveis são as tuas obras" (Sl 138,14) e, em outro lugar: "Só ele fez grandes
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maravilhas... com sabedoria fez os céus... estendeu a terra sobre as águas, criou os
grandes luzeiros" (Sl 135,4-7).
Mas Cristo-homem, entre todas as obras de Deus, é como o sol entre os astros, o
milagre mais augusto de Deus. Por isso, o anjo que, na pessoa de Cristo, apareceu
aos parentes de Sansão era admirável, ou melhor, milagre, ou era também chamado o
operador de milagres. Também no Salmo 88, lemos: "Celebrem-se nos céus as
vossas maravilhas, Senhor" (Sl 88,6) que, no texto hebraico, diz: Os céus louvem o teu
milagre e a tua verdade, ó Senhor. Quem não sabe que Cristo é a verdade de Deus?
1278. Sendo Cristo, portanto, o mais sublime milagre de Deus, do qual também
fala Isaias: "Exaltar-vos-ei e louvarei o vosso nome porque executastes maravilhosos
desígnios" (Is 25,1), Maria não pode não ser um grande milagre, porque é semelhante
a Cristo, como a lua cheia é semelhante ao sol. Por isso, como Deus, no início,
colocou nos céus dois grandes luminares, assim colocou também no paraíso dois
grandes milagres: Cristo e Maria.
Lemos que os anjos olham admirados para Cristo: "Quem é este rei da glória?
Quem é este rei da glória?" (Sl 23,8.10). "Quem é este, que avança tingido de
vermelho e com as vestes mais salpicadas do que as de um vindimador? Sou eu, que
me glorio de justiça e sou grande em trazer salvação" (Is 63, 1-2).
Da mesma maneira, lemos, olhando maravilhados para Maria: "Quem é esta
que sobe do deserto entre colunas de fumaça, exalando mirra e incenso e toda a
espécie de aromas de perfumaria? (Cânt 3,1), e ainda: "Quem é esta que avança qual
aurora, formosa como a lua, resplandecente como o sol, terrível como esquadrão
formado?" (Cânt 6,10). Todos admiramos três coisas: que Maria, como Cristo, é um
tríplice milagre da natureza, da graça e da glória. Como Cristo é o grande milagre para
os anjos, assim o é também Maria. Cristo, grande milagre; Maria, grande milagre, Mãe
de Cristo. Um grande sinal apareceu no céu.
cheia de graça, se não a reconhecia muito mais repleta de graças que os anjos? Ó
milagre de santidade!
Maria foi um grande milagre em tudo. Foi concebida, milagrosamente, de pais
estéreis e velhos, como Isaac e João; anunciada sua concepção como a deles e
também a de Sansão. Nasceu por um milagre e muitos ficaram atônitos, como
aconteceu com o nascimento de João. Foi um milagre no corpo: "A mais bela entre as
mulheres" (Ct 1,7); um milagre na alma: santíssima entre as almas; milagre na vida
sobre-humana, super-evangélica, mais que seráfica; admirável na morte, porque "De
grande preço é aos olhos do Senhor a morte de seus santos" (Sl 115,15). Se Deus
honra e enobrece a morte de seus santos com muitos milagres, quanto mais a morte
da mesma santíssima sua Mãe?
1282. Ainda hoje, como mãe de misericórdia, fonte de graças divinas, mar de
imenso amor e clemência, Maria mostra-se ornada de admirável humildade e caridade
para conosco, a fim de aliviar as necessidades e misérias. A todos os fiéis de Cristo,
ela revela sua materna caridade, acompanhando-os com intenso amor de mãe,
porque, quando na cruz, Deus lhe confiou os fiéis na pessoa de João, com estas
palavras: "Mulher, eis ai teu filho" (Jo 19,26). O mesmo diz-nos Isaias que "não pode
uma mãe esquecer o próprio filhinho e não se enternecer pelo fruto de suas
entranhas" (Is 49,15). Tudo isto se aplica à Virgem Maria. Por isso, ela se revestiu de
sol. O sol, apesar de ser um só, ilumina todos e a cada um dos homens, ajudando-os
com seu calor, que parece feito especialmente para cada um: "Nada foge ao seu
calor" (Sl 18,7). Assim a Virgem Maria, mãe de todos e cada um, é de tal maneira mãe
de todos como se fosse a mãe de cada uma das pessoas.
Como todos e cada um vê o sol inteiro e cada homem conserva em seus olhos sua
imagem íntegra, assim cada fiel, que com sinceridade se consagra à Virgem, pode
gozar de seu amor total como fosse seu único filho. Por isso, Cristo falou
singularmente dizendo: "Eis o teu filho".
O mesmo Redentor parece que julgou sua ressurreição como o sinal máximo e o
maior milagre, quando disse aos judeus, ávidos de milagres: "Nenhum prodígio lhe
será dado ver, senão o do profeta Jonas" (Mt 12,39). Um grande sinal do céu e
admirável, como eles pediam, porque ressuscitou com a mesma majestade e glória da
transfiguração, quando sua face refulgia como o sol. Se Cristo na glória, após a morte,
é um grande milagre, eis Maria, gloriosíssima após a morte: "Grande e maravilhoso
sinal apareceu no céu: uma mulher com o sol a servir-lhe de manto, com a lua debaixo
dos pés, e uma coroa de doze estrelas a cingir-lhe a cabeça"
E que sinal! Diante da harmonia dos céus, o régio profeta canta: "Agora verei o
vosso céu, lavor de vossos dedos, a lua e as estrelas que ali pusestes" (Sl 8,4). Verei,
isto é, contemplarei, admirarei. A Sabedoria diz do sol: Obra admirável, obra do
Altíssimo (Sir 43,2). Tal espetáculo nunca é visto em sua totalidade, porque de dia se
vê o sol, não as estrelas; de noite aparecem as estrelas, mas o sol se escondeu e a
lua, quando está em baixo do sol, não é visível, desaparece completamente. Em
nosso caso, vê-se o sol e a lua, em baixo dele, aparece esplêndida e as fulgúreas
estrelas resplandecem no céu ao mesmo tempo. Deus Criador ornou Maria com todos
os fulgores do céu. Portanto, como é admirável!
Quem deseja entrar na vida religiosa deve não somente ter boa vontade, mas
também corresponder à vocação mediante as obras, principalmente as obras de
penitência, que se manifestam em abraçar a cruz com Cristo e suportar qualquer coisa
para crescer na graça e merecer o paraíso.
1284. Com estas palavras de São Lucas, no capítulo 12 de seu evangelho, nosso
Redentor descreve o tipo de vida do bom cristão que deseja alcançar o paraíso, isto é,
abster-se dos pecados, fazer o bem e, finalmente, acompanhar a graça de Deus com
as boas obras.
Melhor, descreve a vida de quem, chamado por Deus a servi-lo na Ordem, deixa o
mundo e se reveste do hábito religioso, dando-lhe a entender que não é suficiente ter
apenas a boa vontade e o desejo de servir a Deus, ter deixado tudo por seu amor,
mas é preciso o acompanhamento das boas obras, verificando-se então o que anotou
São Mateus no capítulo 7º de seu evangelho: "Nem todo o que diz: Senhor, Senhor,
entrará no reino dos céus, mas o que faz a vontade de meu Pai que está nos céus" (Mt
7,21). Segundo a opinião de Orígenes, queria dizer:"O reino de Deus não está nas
palavras, mas na virtude e na observância de seus mandamentos e nas boas obras".
Para servir a Deus, corresponder à vocação e salvar sua alma não bastam
palavras, a boa vontade, o hábito recebido na Ordem, porque o hábito não faz o
monge. São necessárias, no entanto, as boas obras, acompanhadas pela graça de
Deus. Urge fazer violência às próprias paixões, afastar as tentações, combater
valorosamente contra os sentidos, o mundo e todo o inferno, alcançando sobre eles
gloriosa vitória.
louvar sua divina Majestade e a razão o aceita: "Porque não há atividade, nem razão,
nem cognição, nem sabedoria entre os mortos, para onde vais" (Ecle 9,10). Nem a
riqueza, nem a nobreza, nem a razão, nem a ciência ou qualquer outra coisa mundana
ajudará para a outra vida, mas somente as boas obras.
Diz São João: "Felizes os mortos que, a partir de agora, morrem no Senhor. Sim,
diz o Espírito, que descansem das suas fadigas, porque as suas obras vão com eles"
(Ap 14,13). Isto é tão verdadeiro, acrescenta o apóstolo São Paulo, que com tudo o
que Cristo sofreu, derramou seu sangue, suportou a cruel morte por nosso amor e sua
Paixão tenha sido mais que suficiente e a Redenção copiosíssima, não obstante tudo
isto, se não fizermos o bem e, com as obras, acompanharmos a graça de Deus, nem a
Paixão do Filho de Deus, nem o sangue derramado, nem a morte aceita por nossa
salvação, nada nos ajudarão em obter o céu.
1286. "Tornado perfeito, fez-se causa de salvação eterna para todos os que lhe
estão submissos" (Hb 5,9). Eis as palavras do apóstolo com as quais nos possibilita
entender claramente a questão. Notai as palavras Tornado perfeito através dos
flagelos, dos espinhos, dos tormentos, dos pregos, da cruz e da morte, fez-se causa
de salvação, mas somente para os que lhe estão submissos. O apóstolo quis dizer
que nem a fé, nem o batismo, nem o professar-se cristão, religioso, nem qualquer
outra coisa feita por Cristo para nossa salvação nos conseguirá a glória eterna, se não
acrescentarmos às boas obras a graça de Deus.
Isto aparece, em figura, naquilo que foi conservado, como se lê no capítulo 9 do
primeiro livro dos Reis, pela sagacidade de Samuel a Saul, colocando-o sobre a mesa
como alimento: "Eis diante de ti o que te foi reservado" (1Sam 9,24). Mas que maneira
de agir, pode-se dizer, é esta: convida-se um rei para a refeição e coloca-se diante
dele as sobras, o que restou dos outros?
Quanto mais deverá isto ser observado por quem, entre tantos do mundo obteve o
privilégio de Deus de ser chamado a servi-lo em uma Ordem tão santa e boa. Nela
existem tantas oportunidades de fazer o bem e tanta facilidade de oração, de jejuns,
de disciplinas, de mortificação, de sofrimentos e de tantas obras boas que, pela
misericórdia de Deus, se fazem entre nós, que somente Deus as vê e conhece, e
quem as faz pode descrevê-las.
1289. Oh! Quanto se deve agradecer a Deus, amá-lo e servi-lo e repetir com o real
profeta: "Pronto está o meu coração, ó Deus, pronto está o meu coração" (Sl 56,8;
107,2). É preciso mostrar não somente ter vontade e desejo de dedicar-se, com todo
afeto, com todo o coração, com todas as forças, ao seu serviço, mas também com os
efeitos que, no entanto, diz-se duplamente preparado, afirma o Incógnito, que um se
refira ao trabalho e o outro à palavra. O rei Davi, que tinha o coração preparado às
ordens divinas e pronto em servi-lo e amá-lo, dava a entender que o que fazia era com
a vontade e com os fatos, agindo bem e em graça de Deus, com vontade de praticar
coisas maiores em honra e glória da Majestade divina.
Isto é o que Deus deseja de nós. Por esta razão, colocou-nos nesta casa para
que, servindo-o com fidelidade e perseverança até o fim, ricos de boas obras e com
méritos nesta vida, mereçamos a glória na outra. A Deus agrada este nosso e vosso
modo agir através de sua infinita misericórdia e amor.
O vosso nome, em nossa Ordem, será Frei... . Este santo, do qual tendes o nome,
iniciou bem, prosseguiu melhor ainda e terminou ótima e santamente sua vida,
amando e servindo com fidelidade e perseverança a divina Majestade. Se tendes o
nome, imitai-o nos fatos para que, seguindo-o nesta vida no agir bem, sejais dignos
em sua companhia de louvar a Deus no céu com a Virgem santa, com o seráfico São
Francisco e com todos os santos.
"Fazei votos ao Senhor, vosso Deus, e cumpri-os; todos os vizinhos a ele tragam
oferendas" (Sl 75,12).
1290. Com estas palavras do Salmo 75, o real profeta convida e persuade,
segundo o parecer de Eutímio, a prometer a Deus dons de penitência a eles devido
como uma obrigação, e não faltar à palavra, prometendo a Deus, diz este doutor, os
dons da penitência e ofertá-los como uma obrigação necessária. E isto, com muita
razão, por causa da grande necessidade que temos de obter de Deus sua divina graça
durante nossa vida e, na outra, a glória do paraíso.
Assim o faz entender o profeta João no capítulo 4 do Apocalipse quando, em
êxtase, diz que viu um trono real, onde Deus estava sentado e, diante do trono, se
estendia um mar de vidro tão puro e transparente que parecia cristal: "Havia um trono
no céu, sobre o qual havia alguém sentado. Diante do trono há um como mar de vidro
semelhante ao cristal" (Apoc 4,2.6).
Quanto a esta visão, embora os santos padres manifestem interpretações
variadas, todavia agarro-me ao que disse o abade Joaquim, afirmando que São João
foi arrebatado em êxtase para contemplar o mistério da SS. Trindade: viu o Pai, o Filho
290
e o Espírito Santo, três pessoas distintas em única essência. Mas o que significa o mar
que Deus tinha diante de seu trono, sobre o qual estava sentado? Responde Dionísio
Cartusiano que significa a penitência. Com prudência e segundo nosso parecer é isto
mesmo, para que entendamos que, depois do pecado, outro meio não existe para
obter a graça de Deus e glória do paraíso senão fazer penitência: "É impossível - eis
as palavras do Cartusiano - que a alma depois do pecado chegue ao trono da glória a
não ser que tenha navegado pelo mar da penitência".
1291. Nenhuma maravilha, portanto, se, sendo tão necessária a penitência para
chegar ao gozo de Deus, o rei Davi nos exorte a oferecer seus dons à divina
Majestade: Fazei votos ao Senhor, vosso Deus, e cumpri-os; todos os vizinhos a ele
tragam oferendas, e com o comentário de Eutímio, prometei a Deus os dons da
penitência e ofertai-os como uma obrigação necessária.
Se isto é verdade, é preciso lembrar que os dons penitenciais são muitos com os
quais podemos a Deus oferecê-los em satisfação pelos nossos pecados. Se a alguns
deles quiséssemos dar a primazia, deve-se dá-la aos dons dos votos que os religiosos
oferecem à divina Majestade em sua profissão, após o ano de provação do noviciado.
É deles que o real profeta fala no mencionado salmo: Fazei votos ao Senhor, vosso
Deus, e cumpri-os; todos os vizinhos a ele tragam oferendas. Ó vós, iluminados por
Deus, que tendo conhecido o engano e vaidade do mundo, abandonando-o, viestes
servir a Deus na Ordem e, durante o ano de provação, oferecestes os diversos dons
da abnegação da própria vontade, da mortificação da carne e dos sentidos, da
austeridade de vida, das disciplinas, dos jejuns, das orações, das vigílias e de outras
boas obras. Para completar o que tendes feito para a glória da divina Majestade e para
a salvação da vossa alma, falta somente que ofereçais os dons mais preciosos, que
são os votos de pobreza, de castidade e de obediência.
1292. Tudo isto pode ser provado, embora os bens que temos possam ser
reduzidos a três tipos. Alguns são bens exteriores de coisas e riquezas, e estes
renunciamos e oferecemos a Deus mediante o voto da pobreza, que, entre nós, é tão
rigoroso que bane toda propriedade, pessoal e comunitária, contentando-se como
simples uso.
Outros são bens e deleites do corpo e estes renunciamos e oferecemos a Deus
através do voto de castidade, que proíbe não somente toda impureza de fatos, de
desejo e de vontade contra a castidade, mas também, em força da Regra que
professamos, qualquer suspeita que possa ocasionar uma sombra de defeito e
pecado.
E, finalmente, outros são os bens interiores da alma. Estes os oferecemos a Deus
pelo voto de obediência, com o qual renunciamos à nossa vontade, submetendo-a
totalmente ao superior em tudo o que lhe agrada mandar-nos, contanto que não seja
contra a divina Majestade e a nossa alma. Tudo isto ensinou-nos o seráfico Pai na
Regra, pedindo-nos que vivêssemos em obediência, sem nada de próprio e em
castidade. Não diz o seráfico Pai que sejamos obedientes, pobres e castos, mas que
vivamos tudo isto, para insinuar o que quer de nós quanto aos votos, querendo ver-
nos sempre preparados a vivê-los e observá-los.
1293. Aliás, é isto mesmo que deu a entender o Salvador ao nosso seráfico Pai e
a nós todos com seu exemplo, quando quis que o Beatíssimo Pai, por três vezes, lhe
oferecesse três moedas de ouro que, milagrosamente, encontrou em seu seio. Estas
significavam os três votos, dos quais o pai São Francisco foi fiel observante, afirmando
que nunca a consciência o repreendeu pela mínima falta contra eles.
Assim, persuadidos pelo real profeta e pela imitação do seráfico Pai, estai
preparados a oferecer estes três dons a Deus e a obrigar-vos a Deus pelos três votos
de pobreza, de castidade e de obediência. Como estais prontos a estas ofertas, pedi à
divina bondade que vos conceda a graça de serdes a elas fiéis observantes para que,
291
86
Nota do tradutor: Aretino é um tipo de baile, designando também a pessoa originária da
cidade de Arezzo
292
Músicos e instrumentistas
1296. Santo Agostinho diz: "Mais agrada a Deus o latido dos cães, o mugido dos
bovinos, o grunhido dos porcos do que o canto de clérigos licenciosos". Ouvi os
concertos estupendos que se fazem nas festas e nas maiores solenidades? Aquelas
passagens, aquelas pilhérias, aqueles enredos, aqueles acentos e ecos? Ficai
sabendo que, se os músicos não tiverem outro objetivo senão mostrar a própria
habilidade, serem louvados, pagos, amados, aparecer, etc., isto significa "clérigos
licenciosos", seus afazeres são de tão pouco valor que Deus os estima menos que o
latir dos cães, o mugir dos bovinos e o grunhir dos porcos.
E isto com razão, porque estes não ofendem a Deus, mas aqueles, muitas vezes,
escandalizam e provocam irreverências em quem os escuta. Mas há algo ainda pior e
vós o sabeis, principalmente se são monjas e outras mulheres que cantam desta
maneira.
1297. Quando, nas casas, ensinais os meninos e meninas, sede cautelosos e fiéis.
Deus perdoe a quem tiver esta tentação de ensinar às filhas a cantarem e a tocarem
instrumentos. Além dos grandes perigos a que se expõem por causa disto, é um
tempo jogado fora, porque, como são casadas, ao primeiro filho que tiverem "nos
salgueiros daquela terra penduram as nossas cítaras" (Sl 136,2). E se não são
aquelas que vivem desta arte, outras dependuram a poesia e a lira nos salgueiros: em
suas cabeças há bem outra coisa que cantar!
Gosto da música, mas que não seja libidinosa nem incite a isto. Na igreja deve ser
devota, exprimindo bem as palavras sagradas e elevando os corações ao céu. Quem
canta, não o faça por vaidade e com vaidade, mas para louvar a Deus. Não alicie, não
admire a si mesmo e aos outros. Em casa e pelas estradas seja modesta, honesta,
sem outras intenções, sem perturbar à noite a paz dos casados, o silêncio das casas,
com as alvoradas, as serenatas e outras loucuras semelhantes.
Livreiros
1298. Vós que Imprimis e vendeis a lei de Deus impressa em folhas de papel,
vossa alma é como uma tábua limpa, na qual nada de bom se encontra escrito.
Vendeis santos e estais longe da santidade. Às vezes, contra a consciência,
conservais, emprestais e vendeis livros proibidos e desonestos. Não permiti, a vós e a
outros, que em vossos negócios haja gente murmuradora, que fale mal dos outros ou
que fale algo de impudico, de livrecos famosos. Prestai atenção se vos trouxerem
livros de alguma pobre viúva ou órfão: não façais um preço tão baixo que apenas
pague a capa, vendendo-os depois como novos. Pensai que existe a consciência,
embora dela não vos lembrais.
Ao imprimir livros, não usai papel tão fino e mal feito, por causa da vantagem do
preço, que podem ser lidos com dificuldade porque as palavras transpassam do outro
lado. Não sois diligentes nas correções nem revisais bem as tabelas dos livros para
que sejam exatos os números e, hoje, é preciso quebrar a cabeça para estudar por
causa dos tantos erros que se encontram. E isso porque aproveitais de qualquer
revisor que cobra pouco - e isto vos basta! - e com isso vossos lucros caminham bem.
Ó enorme vergonha! Sei que alguns livreiros se desculpam, dizendo que muitos
merecem isto, porque somente procuram livros baratos quando os compram e não
olham se são bem impressos e corrigidos e somente querem ganhar dois ou três
dinheiros por livro. Assim eles dão ocasião aos livreiros de vendê-los a bom preço.
Grande vergonha também para eles!
293
1299. Mas o que mais sinto, é que descobri em tantas cidades entre vós, livreiros,
uma inveja tão grande que faz chorar amargamente. Se alguém imprime um livro bom,
logo se quer reimprimi-lo em vez de imprimir infinitos outros bons livros que não se
encontram no mercado. Quereis imprimir aquele ou para danificar alguns ou porque
existe qualquer mágoa entre vós, não pensando que vós estais causando a mesma
mágoa que recebestes.
Sei que fazeis empréstimos, mas também sei que alguns são fingidos e que Deus
os conhece. Não queirais perseguir-vos tão abertamente, pois isto não se costuma
fazer entre os verdadeiros amigos. Se isto fazeis, é porque no coração existe o
caruncho da inveja e não sei com que consciência fazeis isto. Irmãos, irmãos, o livro
escrito é mostrado, onde aparecerão as malícias, os rancores, os enganos. Ó Deus,
pobres de vós! Pensai, pensai em vossos negócios, se não quiserdes ficar confusos
no dia do juízo. Deus vos ajude, porque disto tendes necessidade.
Boticários, farmacêuticos
1300. Tomai cuidado, boticários, farmacêuticos, para não venderdes uma coisa
por outra, coisas velhas por novas, ruins por boas, venenos e tóxicos a quem
suspeitais que os usará mal. Se quereis uma boa regra para preparar os remédios -
nos quais entram muitos ingredientes e se não tendes alguns deles colocais outro
equivalente ou, como dizeis popularmente, o quid pro quo - pensai se faríeis isto para
vós mesmos, para vossos filhos. Pensai se vosso agir seria este e usarieis tais
ingredientes, ou, então, teríeis procurado um bom médico.
Se para vós fizésseis esse remédio, seria bom sinal. Os outros poderiam também
ficar tranqüilos. Mas se não os preparardes para vós, com que consciência o fareis
para os outros? Ó que boa regra, se souberdes entendê-la! Muito melhor se a
puserdes em prática!
1301. Sabei que, com o fogo, amoleceis os metais e fabricais tudo o que vos
agrada. Com a madeira esculpis imagens de santos e santas, flores, frutas, animais,
homens e tudo o que quiserdes. Pensai, de vez em quando, na fornalha do inferno e
que abrasador é esse fogo. Preparai-vos uma armadura de paciência, uma faca e
espada de caridade, um escudo de boa vontade, uma lança de perfeito amor de Deus.
Colocai ferros nos pés de vossos maus afetos com pregos de amor e, se fabricardes
santos, tornai-vos a eles semelhantes.
Reparai bem como a madeira, o ferro, o ouro e a prata se deixam cortar, aguçar,
furar e queimar para se obter um crucifixo ou um anjo? Assim fizeram os santos.
Também vós deixai-vos antes esfolar, pelar e queimar do que ofender a divina
bondade. Suportai com paciência as perseguições, a pobreza, as adversidades, as
doenças, as tentações. Tornar-vos-eis semelhantes às obras que fabricais.
Padeiros
1302. Vós sabeis fazer o pão para o corpo e vossas almas permanecem em jejum
da graça e da vida. Mal vos lembrais que Deus existe. Não santificais o dia e nem há
imagens de santos em vossa casa. Não freqüentais os sacramentos. Miseráveis, e no
forno onde fazeis o pão, considerai o que disse Davi: "Atirá-los-eis como numa
fornalha acesa" (Sl 20,10). Senhor, tu os colocarás no forno de fogo no dia do juízo.
Pobre alma, pobre corpo, colocado em um forno, sem esperança de jamais sair. Que
farás? Que dirás?
Pedreiros
294
1303. Enquanto construís, sede fiéis à obra aceita. Se for por dia, não enganeis o
tempo nem o aumenteis além do justo. Não apresseis demasiadamente o trabalho,
quando está ao vosso encargo. Não estragueis o trabalho, indicado pela vossa
consciência. Se tiverdes enganado no material ou na forma ou na diligência do
compromisso contratado e prometido, lembrai-vos que podeis enganar os homens e
cobrir com embustes as falhas, mas não enganareis a Deus, que diz pelo
profeta:"Destruirei o muro que rebocastes com argamassa, arrasá-lo-ei, e porei a
descoberto os seus alicerces" (Ez 13,14). Descobrirei as astúcias que estão em baixo,
quebrando a crosta do muro até os alicerces; fá-lo-ei cair para que se veja vossa
maldade e sejais castigados.
Antes de fazer o contrato, refleti sobre o que podeis ou não podeis fazer. Não
aceiteis qualquer obra, indiferentemente, sem esta reflexão. Não deveis aceitar mais
do que podeis fazer. Não prometais fazer para tal dia, se não puderdes cumprir a
palavra. Em caso contrário, ofendereis a Deus ao jurar falso e em ao danificar o
próximo nas coisas materiais e a vós mesmos na alma. Contentai-vos com o justo.
Não enganeis nas medidas e nos números. Não obrigueis a pagar uma coisa duas
vezes. Tende paz em vossa casa. Edificai com o bom exemplo vossa família, vossos
empregados. Se construís e gastais o tempo e a vida em acumular coisas terrenas
para os outros - que o tempo destruirá e reduzirá a cinzas - não sejais tão estultos em
não usar o tempo para aquele lugar onde devereis viver eternamente.
Alfaiates
1304. Tantas mentiras, tantos enganos, tantos roubos! Muitos de vós roubais até
de Deus, quando trabalhais à noite, nos dias de festa e nem vos dais conta. Porém,
sois sempre os mais miseráveis e falidos. Pobres de vós! Se algumas vezes pensais
nisto, que ficais acordados para fazer roupas para um homem nobre, para uma mulher
para ganhar quatro dinheiros e a benevolência deles, vós estais nus, sois mendigos,
despojados da veste nupcial da graça recebida no batismo, com o perigo de ser
eternamente afastados do banquete celeste. Vós manejais as mãos e as tesouras
segundo vossa maneira e Deus escreve e anota tudo para fazer as contas, em tempo
oportuno. Asseguro-vos que vos serão necessárias outras coisas para salvar-vos.
Sapateiros
1305. Vós que sabeis cortar o couro, amolecê-lo e puxá-lo com força até o risco e
o sinal marcado. No entanto, não sabeis levar vossa vontade até o risco ou as normas
da lei de Deus, amolecê-la, torná-la mais suave, ajustá-la e cortar as sobras da roupa
dos outros e a abundância de vossa língua mordaz! Se vendeis carneiros ou outros
por couro de cabra, ou solas de cavalo pelas de boi, o couro queimado por bom; se
fazeis o negócio de entregar esse tipo de couro, mostrando o bom para conquistar o
comprador, e depois o trocais com outro pior, pecais mortalmente. Se trabalhais nas
vigílias ou depois da meia noite ou nas festas, sem a necessária licença; se perdeis a
missa, as festas ou as fazeis perder aos empregados para trabalhar, pecais
mortalmente.
Quantos de vós compram o pior couro e meio podre para que se arrebentem
quanto antes os sapatos, para ter melhor mercado, e, ao vendê-los, jurais que são
bonitos, fortes e de bom material e, na verdade, são ruins e de vitelo, de carneiro ou
de outro pior ainda? Com que consciência podeis fazer isto? Se são curtos e estreitos,
vós os colocais nas formas a fim de que alcancem a medida certa somente para
vendê-los. Pelo amor de Deus, colocai antes a vossa consciência na justa medida.
Examinai vossa situação, que bem tendes necessidade.
Barbeiros
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Camponeses
1308. Mas dizeis: Que Deus não mande a chuva durante seis meses e vereis a
quem deveis atribuir os bens que usufruis. Se vier um desastre, dais a culpa às
feiticeiras, aos demônios, à aridez do país, à negligência de vossos operários. Não,
não é assim. Dizei o que Deus não quer e vereis se todo o inferno e todas as
feiticeiras poderão fazer cair uma tempestade ou outro mal. É Deus, o qual "Se ele
retiver as águas, tudo secará; se as deixar correr, estraga a terra" (Jó 12,15). É Deus
que concede as graças por sua graciosa bondade e com maior boa vontade do que
nós somos seus amigos. Flagela-nos pela sua justiça e permite os sofrimentos por
causa de nossos pecados, quando somos seus inimigos.
Sede a ele agradecidos, vivendo sem ofender um Senhor tão bom. Confessai-vos
com freqüência. Ficai contentes com o vosso, seja pouco ou muito. Sede fiéis às
vossas esposas, aos vossos patrões, sem enganos, sem falsidade, sem mentiras. Se
ele vos dá a erva na terra e frutos que se estragam, com muito maior boa vontade dar-
vos-á bens e frutos imorredouros no céu.
Pescadores
1309. Duvido que a maior parte de vós, na hora da morte, tenha, entre lágrimas e
infinita tristeza, de dizer estas palavras a São Pedro: "Mestre, afadigamo-nos toda a
noite e nada apanhamos. Exercitarmo-nos noite e dia durante toda a nossa vida e, no
fim, nos encontramos com as mãos vazias: "E nada apanhamos" (Lc 5,5).
296
É incrível, irmãos, que jamais penseis na alma, tal como se não a tivésseis. "Ó
padre, a pobreza! Temos que trabalhar dia e noite para manter a família e ainda não é
suficiente. Vede, é possível ainda cuidar da alma?" Meus caros irmãos, mais abaixo o
direi ainda aos moendeiros e, agora, a vós, a todos os artistas e a outros pobres que
vivem do próprio suor. Protesto que esta demasiada solicitude e esta vossa pouca fé
sejam a razão porque sois pobres e falidos, que vos falte o tempo e o respiro e,
finalmente, vos faltará também Deus. Dizei-me: se Deus quisesse que todo vosso
tempo fosse empregado para o corpo e não para a alma, credes que a haveria dado?
Creio que não.
1310. Quanto a mim, daqui a pouco provarei tudo. Antes vos teria feito animais
que homens. Ora, se vos fez homens e vos deu uma alma racional, para que vo-la
concedeu? Para que morra e acabe como a dos animais? "Não, padre, mas para que
se salve e viva eternamente!" Bem, mas pode ela viver e salvar-se, se não a
alimentais e dela não cuidais? "Não, padre!" Portanto, porque Ele vos deu a alma, sem
dúvida quer que dela cuideis, não é verdade? "Sim, padre!"
Ma, se empregais todo o tempo para o corpo - como dizeis - , para que ele vos deu
alma? Se ele vos deu a alma, como não vos daria o tempo para dela zelar? Ou Deus
faz algo em vão ou falta a necessária Providência às coisas! Tanto um como o outro
seria uma ímpia blasfêmia, porque Deus e a natureza nada fazem inutilmente e a
todas as criaturas provêm suficientemente, segundo suas próprias qualidades e
necessidades.
1311. Portanto, é forçoso crer e confessar que nem todo o tempo deve ser
dedicado ao corpo e que nem tudo deva servir apenas às necessidades temporais,
mas, se desejamos conhecê-lo, poderemos tê-lo para um e para outro. É a vossa
pouca fé, pobrezinhos, porque não destes o lugar mais importante e principal à vossa
alma. Juro em nome de Cristo que digo a verdade e que não me deixará mentir: "E
todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo" (Mt 6, 33; Lc 12,31). Sem dúvida,
conceder-vos-ia o tempo para um e para outro. É obrigado a fazê-lo. Assim prometeu
no Evangelho. É mais fácil faltarem o céu e a terra do que sua palavra falhar. Mas
porque, incrédulos, não pensais no reino dos céus e em vossa alma, a não ser nas
desgraças, sofrereis e morrereis como animais e, no fim, trabalhamos durante toda a
noite, e vos encontrareis com a alma e o corpo perdidos. Deus vos ilumine para
compreender esta verdade, a vós e a tantos outros que necessitam.
Contentai-vos com um lucro moderado. O que vale dois, não peçais seis ou mais,
como fazem muitos vendedores aos novos peregrinos que não conhecem os preços.
Em todo caso, se o lucro é além da medida e do justo, eles e vós sereis obrigados a
restitui-lo e não o podereis reter. Não jureis falsamente. Não sejais impacientes. Não
amaldiçoeis nem blasfemeis, mas recebei da mão de Deus qualquer acontecimento
imprevisto.
Açougueiros
agia assim, mas era modesto, piedoso e caridoso - não quereis, digo, às vezes dar
aos pobres pequena quantidade de carne que, talvez, seria para um pobre doente. Ao
contrário, com injúrias e com palavras duras, os expulsais.
1313. Duvido que não, porque vejo que vós sabeis desfalcar mais que os
encarregados de recolher as décimas. Estes dizem onze de peso; vós dizeis doze e
retendes ainda dois ou três. Não são canônicos nem legítimos nem justos estes
vossos roubos. Não vale dizer que o fazeis de pouco a pouco e que de minimis non
curat praetor87. Digo-vos o que Cristo disse aos fariseus:"Ai de vós, escribas e fariseus
hipócritas, que pagais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e descuidais as
coisas mais importantes da lei" (Mt 23,23; Lc 11,42). Vós roubais pouco a pouco e
Deus vos fará pagar tudo de uma só vez. "Ai de ti, devastador, que não foste
devastado!" (Is 33,1).
Considerai que os animais que vós matais, o sofrimento deles termina com apenas
quatro mugidos e com quatro pontapés Mas vós, se morrerdes como animais
ignorantes, sem o conhecimento de Deus, sem emenda e penitência de vossa má
vida, não acabareis com a morte, mas ireis para outro lugar, onde seria o maior gozo
poder morrer e a morte fugirá de vós, como diz São João.
1315. Não duvideis que o macaco vai tirar toda a água. Não me entendeis?
Explico-me: Um comerciante de vinho tinha em um navio 40 pipas de vinho, das quais,
com a ajuda da água, conseguiu fazer 60 e assim vendê-las a bom preço. Ora,
enquanto sulcava o mar, com muita alegria conservava em sua mão uma bolsa com
todo o dinheiro. No entanto, um macaco, muito bem treinado, arrancou-lhe a bolsa das
mãos e rapidamente trepou no alto do mastro.
No início, o comerciante, comovido, começou a rir. Quando viu que o macaco
começou abrir a bolsa, empalideceu. Seus amigos sugeriram que se atirasse no
animal. Mas, se cair no mar? dizia o mercador. Outros provocavam medo; outros
propuseram que mostrasse ao macaco maçãs ou outras frutas. De nada adiantou. O
macaco tirou uma moeda, jogando-a ao patrão. Ele se alegra. Tira a segunda e atira-a
87
Trad.: o pretor não cuida das coisas mínimas.
298
1316. Assim Deus fará, um dia, convosco. Pagareis tudo de uma só vez. Quem
será o macaco? Uma doença, uma prisão, uma acusação de terdes acolhido ladrões
ou qualquer outro acidente, os impostos, o médico ou outro vosso inimigo tirará a água
de todos vossos ilícitos lucros.
Prestai atenção que no inferno se exercita vosso trabalho, como também dos
açougueiros. Assim diz o profeta:"Jura o Senhor Deus por sua santidade: Eis que virão
dias sobre vós" (Am 4,2; Sl 88,36; Lc 19,43) para admoestar-vos: agora comportai-vos
como açougueiros da vida e das carnes dos outros. Chegará o dia em que tudo isto se
fará contra vós. "Virão dias em que vos levarão embora com garras e à vossa
posteridade, com arpões" (Am 4.2). Os demônios vos farão em pedaços e uma
carnificina de vós e vos colocarão a ferver e assar em óleos ferventes. Refleti bem
sobre vós.
Moleiros
1317. Quem vai ao moinho se suja, diz o provérbio. A vossa arte é perigosa
porque peca contra o sétimo mandamento. No moinho faz-se o farelo. E, como se diz,
farelo em latim? Diz-se furfur; a palavra fur significa ladrão; portanto, ladrão duas
vezes. Sabeis fazer a farinha, mas não sabeis confessar-vos e nem rezar um Pai
Nosso. Reparai, irmãos, que a água corre para baixo. Assim também vós estais
correndo para o inferno. Observai que a roda do moinho gira e nunca sai do lugar;
assim muitos de vós, vagueais pela estrada dos ímpios (Sl 11,9). A roda gira durante
um ano e vós sempre os mesmos; gira dois anos e vós sempre no mesmo lugar de
pecado. Retorna a Páscoa e estamos sempre como no início.
A água faz girar a roda de pedra que, com dificuldade, muitos homens poderiam
mover. E, no entanto, as inúmeras águas divinas não conseguem mover-vos. Não
dizei: "Padre, a minha alma criou um triste costume e não pode dele sair". A graça de
Deus chegará, que é a água, e se vós quiserdes e abrirdes o canal de vossa bondade,
vos lavará do pecado e vos tornará bons.
Revendedores
1319. Vós comprais coisas velhas e as revendeis como novas. Comprais por preço
muito baixo e as vendeis o mais caro possível. Procurais estar a postos para comprar
dos agricultores e dos peregrinos antes que as mercadorias cheguem à praça.
Calculais o peso que mais vos agrada. Misturais coisas ruins com as boas e assim
ides pensando que roubar aos poucos não é pecado. Mostrar-vos-ei que muitos
gramas fazem centenas de gramas e estes chegam a um quilo ou mais. Os muito
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poucos fazem um bastante! Um pouco hoje, outro amanhã e, no fim, chega-se à boa
soma. Tendes vendido vossa alma ao demônio uma e mil vezes. Agora, deveis
revendê-la a Cristo para não mais entregá-la a outros.
Barqueiros e carroceiros
1320. Não há gente que maltrate mais a Deus e aos santos que vós. Sempre os
tendes na boca com tanta irreverência que é um milagre que vossa língua não seque
após cada palavra. Ó paciência invencível de Deus! Os hebreus não ousavam
pronunciar seu nome santíssimo, tremiam ao dizê-lo e, quando o encontravam escrito,
passavam ao longe com grande reverência ou trocavam-no por outro nome. Mas, que
digo? Os antigos marinheiros, antes da vinda de Cristo ao mundo, adoravam um deus
de madeira, pobres cegos e loucos, de cuja loucura bem disse o Sábio: "Invoca um
lenho ainda mais frágil do que aquele que o transporta" (Sab 14,1). Que loucura! Um
homem pede ajuda a um lenho ainda mais frágil daquele que o transporta pelo mar,
mais fraco que o barco no qual navega.
Era grande tolice, mas não obstante confundia os marinheiros cristãos, porque
aqueles não abandonavam nem quebravam seus deuses de estuque e madeira. Ao
contrário, julgavam grande sacrilégio tocá-los com irreverência. No entanto, nós
cristãos, vós barqueiros e carroceiros, como também outros, que temos um Deus que
pode dar a vida e a morte: "Eu mato e ressuscito" (Dt 32,39); que somente ele é o
Deus vivo e verdadeiro, onipotente, ótimo e máximo: "Não há deus ao meu lado" (Dt
32,39); que com um sopro pode aniquilar: "Mas, se escondeis o rosto, perturbam-se"
(Sl 103,29), sem necessidade e de maneira ignominiosa, usamos e abusamos deste
nome sacrossanto.
Servos e servas
1322. Dirijo-me a vós, que servis por puro interesse, sem amor e afeição às coisas
do patrão, e que recebestes o título do antigo provérbio: Quantas cabeças, tantos
empregados. Esses senhores têm o mesmo número de inimigos e de empregados e
empregadas. Digo: inimigos contra a honra, a vida, a alma e objetos deles.
Quantas vezes combateis a honra deles, levando mensagens prejudiciais por um
vil lucro? Servis de mediadores às filhas, às patroas, às senhoritas? Ó servos, vós
mesmos não sois pudicos como José. As empregadas? Se o patrão está apaixonado,
tornam-se soberbas e altivas, maltratam as patroas e colocam entre o marido e a
mulher mil dúvidas, mil desgostos e rancores. E até as mais maduras e idosas
ensinam aos filhos e às filhas extravagantes novidades.
1323. Quantos segredos íntimos descobris de vossos patrões, com grave dano da
honra deles? Quantas vezes murmurais e falais mal daqueles que vivem na casa?
300
Sois incontentáveis! Se eles não vos doam, logo os chamais de avarentos. Se vos
doam alguma coisa, dizeis que é pouco. Estais sempre murmurando e quereis tudo
para vós.
Ofendeis o patrão nas mercadorias, tirando-as da casa para manter qualquer outro
poltrão. Às vezes, para dá-las às vossas mulheres, maridos, filhos ou aos parentes.
Isto não pode ser feito em boa consciência. Se o patrão não está sempre presente,
deixais que as coisas se estraguem, porque delas não cuidais. E, no entanto, diz São
Paulo: "Não só sob seu olhar" (Ef 6,6; Col 3,22). Se tendes o encargo de registrar as
contas, de cobrar e de pagar, quantos enganos cometeis? Quantas duplicidades?
Quantas mentiras? Às vezes, não escreveis exatamente. Entrais de acordo com os
devedores, enganais agricultores e outros com os quais tratais. São velhacarias, são
ladroagens. Sois obrigados a restituir, se quereis salvar-vos.
1324. Muitas vezes traís a vida e a alma do patrão, para demonstrar que sois seus
amigos em todas as oportunidades. Para poder ganhar, não há mal neste mundo que
não façais. Sois ministros e operários da iniqüidade de vossos senhores: se são
ardorosos no pecar, vós os louvais; se são medrosos, vós os adulais e animais; quase
nunca lhes dizeis a verdade. Se eles não conseguem a maneira de concretizar os
maus pensamentos, vós os encaminhais e encontrais o modo. Jogais, blasfemais e
ensinais os filhos e os jovens. E, para jogar, roubaríeis até ao Crucificado, não
satisfeitos de vosso salário e recompensa, salvo sempre os que se conservam bons.
Chorai, miseráveis, e bradai porque, de uma passageira escravidão, passareis, se
assim viverdes, para outra escravidão miserável, irreparável e eterna. Talvez, Deus
começará a castigar-vos agora, como se vê claramente que muitos de vós estais nas
mãos da justiça ou em algum hospital, acabando seus dias miseravelmente.
1325. "Não cesseis de orar" (1Tes 5,17). Isto não significa que se deva estar
sempre em oração, mas demonstra que o homem espiritual deve ser tão cuidadoso
com a aquisição desta virtude que, se fosse possível, viveria sempre em oração.
Quando puder roubar um pouco de tempo, embora mínimo, retire-se em si mesmo,
faça alguma genuflexão, alguns suspiros, duas batidas no peito, um ato de amor a
Deus. Enfim, não deixe passar a ocasião que se apresentar e, depois, retorne aos
seus trabalhos.
Persuada-se de que a oração ou o fim da oração é despojar-se do velho Adão, dos
costumes e inclinações más e revestir-se de Cristo e das virtudes ensinadas por sua
vida, morte e paixão. Por isso, na oração deveria fazer como o falcão, segundo o que
ensina São Gregório com as palavras de Jó: "É talvez pela tua sabedoria que o falcão
levanta vôo e estende suas asas em direção ao meio-dia?" (Jó 39,26). Esta ave,
quando está com as penas velhas, para que nasçam as novas, coloca-se, durante a
301
1328. Se é escrupuloso, seja obediente ao diretor espiritual, não discuta com ele,
mas faça simplesmente o que ele disser. Agindo desta maneira, a responsabilidade de
sua alma recai sobre o outro, conservando a consciência tranqüila. Não fale de suas
dúvidas com outras pessoas, mas somente com ele, embora sejam pessoas sábias.
Quanto mais falar, mais se complica. A humildade e a obediência dão o remédio que
toda a sabedoria dos teólogos não saberia oferecer-lhe. Nas questões duvidosas, se
ele as confessou, não é obrigado a confessá-las novamente, porque nasceriam do
escrúpulo.
Quando o confessor impuser que comungue sem confessar-se, faça-o com
segurança e não duvide. Acredite na consciência do outro. Manifeste-lhe as tentações
e, caso desejar comunicá-las a outros, escolha pessoas de espírito e de sabedoria,
porque às pessoas imperfeitas e ignorantes não convém que as diga e nem faz bem a
quem as ouve.
1329. Na festa dos santos, lê suas vidas, refleta sobre suas virtudes e peça a
Deus sua graça e, por amor a eles, faça alguma mortificação, embora seja pequena ou
faça uma esmola, visite algum doente, ensine os ignorantes ou dedique-se a alguma
obra de misericórdia.
302
Ao comungar, procure recebê-la com grande desejo de agradar a Deus, com ânsia
de adquirir alguma virtude e com grande sentimento de humildade. Acima de tudo,
evita procurar o gozo espiritual, mas esforça-te por agradar a Deus, ao recebê-lo e
dar-lhe digna morada em seu coração.
1331. Evita entrar em discussões inúteis e que se prolonguem, porque nem todas
as coisas ociosas são ditas ociosamente. Não obstante, há certos arrazoados que,
quando iniciados, mesmo os mais peritos falam excessivamente. Às vezes, iniciamos
um tema para distrair-nos ou sob pretexto de zelo ou de certa utilidade. No entanto,
pouco a pouco, envolve o homem que perde horas inteiras e, no fim, encontra-se
muito longe da intenção inicial. Semelhantes discursos costumam ser os de guerra, de
princípios, de parentes, do tempo que se perdeu inutilmente no mundo e outros mais.
Afinal de contas, é muito louvável falar pouco.
Mantenha uma alegria modesta, que foi muito louvada pelo pai São Francisco e
recomendada aos seus frades porque "o espírito abatido resseca os ossos" (Pr 17,22;
12,25; 15,13). O demônio vive contente nos melancólicos e da tristeza deles faz que
não suportem o jugo do Senhor. Sem dúvida, alegra muito e edifica os outros quem
sofre com júbilo no coração. Não se deve censurar o homem que, quando em solidão,
canta canções espirituais e exorta os outros a se alegrarem no Senhor; se lê alguma
poesia moral, se ouve de boa vontade alguma música devota conveniente a elevar o
espírito a Deus e se, por certo tempo, se entretém em modesta conversação, mas
dentro de certos limites, por exemplo, meia hora ou no máximo uma hora, para não
cair nos inconvenientes, acima descritos. Todos os extremos são viciosos.
sem obstinar-se e zangar-se para levá-lo a coisas mais importantes e necessárias: "De
todos me fiz servo, a fim de ganhar o maior número" (1Cor 9,19), diz São Paulo.
Jerônimo de Narni
1334. Não falaremos do proêmio porque hoje os pregadores não o usam mais.
Vamos diretamente à pregação que exige quatro partes: introdução, divisão, discurso
e repreensão.
Introdução
Divisão
primeiro é de Pedro: "Mestre, é bom para nós estarmos aqui" (Lc 9,33), isto é,
estamos contentes com esta vida. O segundo é de Moisés e Elias: "Falavam de seu
trânsito que ia dar-se em Jerusalém" (Lc 9,30), isto é, a dificuldade das paixões,
aflições e sofrimentos. O terceiro é do Pai eterno: "Este é o meu Filho, escutai-o" (Lc
9,35), isto é, a observância da lei e dos preceitos divinos.
1337. Note-se que, se a introdução é literal, a divisão também deve ser literal, por
exemplo, a respeito da Transfiguração consideram-se três coisas: o lugar, o modo e os
presentes. O lugar é o monte Tabor; o modo é o resplendor da face e o candor das
vestes; os presentes são os discípulos, os profetas e as pessoas divinas. Mas se a
introdução é mística, também a divisão deve ser mística, como, no exemplo dado, os
meios para chegar à glória. Se a divisão fosse mística e a introdução literal, ou o
contrário, dever-se-ia pintar um corpo humano com a cabeça de uma fera: a cabeça e
os membros devem ser da mesma natureza.
Alguns fazem esta parte implícita somente por artifício, mas é bom que seja
explícita para atrair os ouvintes e também porque se ajuda os simples a levarem para
casa boa parte da pregação. É muito bom não deixar esta parte, porque, então, não
seria pregação, mas, sim, homilia e causaria danos ao pregador e aos ouvintes.
Discurso
1339. Quanto ao primeiro ponto, conceito - logos - não significa qualquer palavra
sobre um objeto, mas indica tema sutil e perspicaz consideração com a qual se prova
alguma proposição.
Quanto ao segundo ponto, consta de três partes: uma citação da Sagrada
Escritura, uma semelhança de coisas naturais e artificiais e um exemplo do mundo. A
passagem da Escritura pode ser histórica, profética e doutrinal. O doutrinal refere-se à
instrução, o histórico aos sucessos ocorridos no passado, o profético ao que pode
acontecer.
Quanto ao terceiro ponto, para explicá-lo devidamente, é preciso dividi-lo em três
partes: na primeira, propor claramente a citação da Sagrada Escritura ou a
semelhança ou o exemplo; na segunda, explicar os termos, aplicando-os ao assunto
em questão; na terceira, aplicar todo o trecho escriturístico ou a semelhança ou o
exemplo histórico ao assunto. Vamos dar o exemplo, formando um conceito quanto à
proposição do motivo que não pode haver glória nesta vida e na outra. Provamos com
uma citação histórica da Sagrada Escritura, na qual se lê que os israelitas eram tão
305
ávidos das coisas deste mundo que não podiam tolerar o mínimo sofrimento que Deus
lhes mandava para experimentá-los. O pior, porém, é que, quando desejavam algo,
queriam-no imediatamente, senão murmuravam contra Deus e os seus servos Moisés
e Aarão. Não lemos que algum deles tenha entrado na terra prometida, mas nenhum
deles entrou, sendo esta a digna recompensa de seus desenfreados desejos. Esta é a
primeira parte do conceito, na qual se descreve a história, a semelhança ou a citação
bíblica.
1341. Destas três partes do discurso seria bom tratar duas na primeira parte da
pregação e a terceira na segunda parte, devendo esta ser mais breve que a primeira,
porque os ouvintes já estão mais cansados. Além disso, estas três partes do discurso
tenham, se é possível, um sentido moral, fazendo que os trechos místicos do
Evangelho sejam tropológicos para o fim da pregação, que é correção dos costumes.
Quando não se podem fazer estas três partes, façam-se ao menos duas. Se
aparecerem outros pensamentos, é bom encaminhá-los à moralidade para o bem das
almas.
1342. É bom lembrar que, embora estes três pontos devam convergir para o bem
das almas, com freqüência deve haver diferença. Não podem, no entanto, os
pregadores sufocar-se tanto e ter pulmões suficiente para os três pontos. Alguns o
fazem no terceiro ponto, isto é, no fim da segunda parte. Eu prefiro fazê-lo no segundo
ponto, que é o fim da primeira parte ou para provocar esmolas, porque, encontrando-
se os ânimos mais comovidos, fazem-no com maior boa vontade, ou porque, depois
de ter usado o fogo da repreensão na primeira parte, é bom usar um lenitivo de
bondade no fim da segunda parte, para que as pessoas não fiquem muito irritadas,
mas, sim, comovidas de suave comoção.
Não é necessário criar conexões artificiosas entre estas partes, mas é suficiente -
após a explicação do primeiro ponto - retomá-lo e logo explicar o segundo e, no início
da segunda parte, recomeçar com os dois primeiros pontos e acrescentar o terceiro.
Quanto à quantidade dos conceitos, note-se: se o pregador é veloz, os conceitos
devem ser proporcionais à velocidade da comunicação. Se é circunspecto - que é
muito melhor - contente-se com poucos.
também que pertença a um só marido, assim o conceito deve ser bonito, mas não
comum e na boca de todos e, se é possível, seja só do pregador, ou ao menos usado
por pouquíssimos.
Repreensão
1345. Para suscitar a compaixão podem ser usados autores de autoridade suave,
como os Cânticos e outros semelhantes. Para que a repreensão seja mais eficaz, é
bom explicar a autoridade do profeta que for citado e prestar atenção para atacar os
maiores vícios e os pecados mais graves do povo.
Quando se repreende, produz grande efeito elevar a voz mais que o normal, ou
melhor, usar toda a força da voz. Assim se penetra nos corações. Quando se
repreende e se ergue a voz é bom ficar ao lado do Crucifixo, abraçá-lo, tocar-lhe as
chagas e, em ocasiões importantes, como na conversão das meretrizes e na
pacificação dos inimigos, é bom tirar o Cristo de seu lugar e, durante toda a
repreensão, segurá-lo nas mãos e mostrá-lo.
Nas exagerações, em casos particulares, pode-se esconder o crucifixo ou virá-lo
de costas. Quando se faz este gesto, sempre seja acompanhado de uma boa
autoridade. Não se faça isto com afetação ou fingimento, mas use-se o afeto que o
Espírito Santo mover o ânimo do pregador naquele momento.
Gestos
1346. Como é diferente a maneira de conduzir a pregação por causa dos dotes
naturais do pregador e da graça, dada a cada um nestes momentos particulares, é
impossível também dar normas certas e infalíveis ao orador cristão. Apresentaremos
apenas alguns avisos para não cair em erros que, neste assunto, é muito fácil
cometer. Às vezes, foram vistos pregadores cativar a benevolência e o ânimo dos
ouvintes mais por um gesto bem feito no início, por uma palavra com elegância e
graça do que pela novidade dos conceitos ou pela clareza de dicção durante todo o
raciocínio.
O pregador estude bem o discurso porque, então, o gesto acompanha
naturalmente a palavra pronta e segura. Antes de pregar, não vá atrás de negócios.
Ao subir ao púlpito, seja como um homem novo para toda a platéia, coloque-se no
meio com o capuz na cabeça, puxado-o um pouco para baixo, com o mantelo e não
olhe para os ouvintes.
307
1347. Depois, pouco a pouco, tire o capuz com seriedade, faça profunda
reverência ao Crucifixo e, se houver o Santíssimo Sacramento, uma genuflexão com
um só dos joelhos. Em seguida, saúde o povo inclinando um pouco a cabeça. Então,
poderá dar uma olhada antes de rezar o Actiones nostras, erguendo os olhos ao céu e
unindo as mãos. Feito o sinal da cruz ajoelhado para o Crucifixo, reze a Ave Maria.
Tendo-a acabado e estando nesta atitude, tire a capa, coloque-se no meio do púlpito e
comece com voz não muito alta, nem baixa, mas medíocre. E assim se comporte
durante toda a introdução, sem pressa, permanecendo no meio do púlpito. Tome
cuidado para não gesticular durante o tema e no início da introdução. Depois de ter
dito algumas palavras, comece a fazer gestos lentamente com mão direita, tendo o
indicador e o polegar unidos, e os outros dedos arcados e separados para
acompanhar a palavra com o gesto.
O pregador não deve, com demasiada coragem ou com voz áspera ou, como
muitos fazem, repreender e começar a gritar, mas mostrar certo temor na voz como
fazia Cícero, quando falava. Esta atitude é um dever do pregador, porque a indiscreta
ousadia e a aspereza da voz gera, nos ouvintes, certo mal-estar. Ao contrário, mostrar
no início certo temor conquista a benevolência, necessária ao orador.
1349. O capuz, que deve ter sempre na cabeça, se, durante o discurso, se dirigir a
Cristo, à Nossa Senhora ou a qualquer santo, deve tirá-lo, mas somente no fim da
pregação, na recomendação, ou, então de vez em quando ao término da primeira
parte, se for necessário.
O pregador não deve ser afetado quando fala e nos gestos. Raciocine com calma,
use palavras selecionadas, claras e muito expressivas. Mostre-se ponderado e não
apressado, porque falar compassadamente e gesticular rapidamente não se
harmonizam. Ao contrário, seja um como o outro, feitos às pressas ou todos os dois,
não comovem o coração dos ouvintes, como o orador desejaria. Esforce-se o orador
por ter boa pronúncia, porque, embora não seja a parte principal do orador, contudo é
uma das principais, como disse aquele orador que, ao ser interrogado sobre o que é
necessário para ser orador, respondeu: a pronúncia. E, perguntado outras vezes,
sempre dava a mesma resposta.
Conselhos
Não caminhe pelo púlpito porque, movendo-se aqui ou acolá, a outra parte dos
fiéis não poderá nem vê-lo nem entendê-lo. Mantenha-se no meio e gire somente a
cabeça ora à direita ora à esquerda. Assim todos o entenderão. Quando estiver
entusiasmado, poderá mover-se um pouco mais.
Nunca aborreça os ouvintes, sendo demasiado longo. Ao contrário, quando
perceber que estão gostando, acabe logo. Assim eles ficarão com mais vontade de
ouvi-lo.
1352. Não se perturbe quando perceber que não está agradando e nem perca o
ânimo porque, com freqüência, alguns fazem barulho. Não se acredite que você esteja
agradando a todos, embora eles mesmos assim digam isso. Humilhe-se diante de
Deus.
Não finja e, no púlpito, não se mostre outra pessoa do que costuma ser, para não
despertar suspeitas de hipocrisia. Não se acuse que está indisposto, que não teve
tempo de estudar, porque também esta é uma hipocrisia. Se a indisposição é física,
será vista por todos e não é preciso falar; se é íntima, reze.
Nunca louve um fiel, porque é impossível que seja amado por todos. Seus
adversários indignar-se-ão e contra ele semearão mentiras. Jamais defenda uma parte
mais que outra, quando ambas estão presentes. Conserve-se neutro.
1353. Não instigue os pecadores ao desespero nem lhes diga palavras cruéis, mas
ofereça esperança de salvação. Não cite longas sentenças de doutores, porque isto é
demonstrar memória, vaidade e perda de tempo.
Não louve demais a religiosidade para não desesperar os que vivem no mundo.
Não se altere nem grite do púlpito, quando perceber que os pecadores não se
emendam, mas continue a pregar e orar a Deus por eles, porque talvez o fruto ainda
não se conheça. Nunca diga que, vivendo em tal estado, nada de bem nele se
encontra.
Não acredite quando alguém fala mal de algum prelado, nem dele fale no púlpito.
Se houve qualquer coisa urgente, visite-o secretamente e admoeste-o.
1355. Não use qualificações inconvenientes, a não ser em casos graves e com
ordem, para que a pregação continue crescendo. Não seja pobre de palavras e nem
dê a impressão que as está mendigando. Por isso, habitue-se aos sinônimos para que
uma palavra não entendida em um modo, seja compreendida no outro.
309
Nunca deve ser falador demais se não entender bem da arte. Para isto é bom um
livro, chamado o Saravallo, ou La Piazza universale de Garzoni.
Não se faça demonstrações, na pregação, com o uso de sons e trompas, porque,
raras vezes, obtêm bom resultado. No fim, pregar é uma coisa e representar é outra.
Quem não tiver uma voz piedosa quando fala da Paixão, poderá mostrar algum
Crucifixo, com possibilidade de movimentar seus braços e pés. Estes movimentos
comovem muito. Isto fazia um de nossos primeiros pregadores e obtinha resultados
maravilhosos. Mas se não se sabe usar bem deste meio, é melhor não usá-lo, porque
poderá provocar riso. Algumas vezes, incline-se sobre o púlpito para dizer alguma
palavra, mas logo se erga. Outras vezes, estenda os braços sobre o povo, como se
quisesse tocá-lo, dizendo: Deus vos ilumine, meus filhos; Deus vos conceda a sua
graça. Em outras oportunidades, vire-se para o Crucifixo com voz delicada e chorosa,
lamentando-se. Outras vezes, com voz enérgica, segundo a diversidade dos assuntos,
colocando os braços em forma de cruz.
310
A assistência caritativa
Giuseppe Santarelli
Tradução de Dyonisio Destefani
311
MHOC I, 35-36
1358. Durante a grande carestia e a peste, que em1527 foi duríssima, este novo
cavaleiro de Jesus Cristo ajudava as almas dos fiéis não somente com as pregações e
a Palavra de Deus, mas ajudava esses pobrezinhos com nova maneira de ajuda e
socorro. Em diversos lugares, e sempre por amor de Deus, ele encontrou grande
quantidade de favas. De pessoas ricas conseguiu, por aquele ano, emprestar suas
terras, onde para os pobres e em nome deles mandou semear as favas, que tinha
recebido com abundância.
Desta maneira prestou inestimável ajuda às pessoas pobres, que se debilitavam e
morriam de forme. Avisou-os que cada um podia recolher, quando estavam maduras,
estas favas, gratuitamente. Chegado, pois, o tempo da colheita, os pobres começaram
a servir-se das favas. Por sua bondade milagrosa, Deus mostrou ao mundo que foi Ele
que, com cinco pães, saciou multidões. Por isso, quanto mais os pobres recolhiam as
favas, tanto mais parecia que se multiplicavam de tal modo que, até a colheita do
milho, nunca faltaram.
1359. Desejo recordar como esse bom frade no tempo da peste, da qual já falei,
por amor daquele que para nossa salvação foi suspenso na cruz, sofreu e morreu, e
também para imitar o pai São Francisco, quando se dirigia a cuidar dos leprosos,
312
A peste de 1575-1576
1360. O arcebispo de Milão, São Carlos Borromeu, durante aquela terrível peste,
chamou também os Capuchinhos para assistirem espiritual e materialmente os
doentes. Em carta de 13 de novembro de 1576 ao Monsenhor César Speciano, muito
os louvou, observando que os maiores trabalhos recaíam sobre esses frades, aos
quais estavam confiados três hospitais, e que, embora alguns deles tivessem morrido,
nunca lhe faltou o pessoal, porque sempre estavam prontos outros Capuchinhos a
assumirem tão difícil e perigoso trabalho.
Durante esta peste, distinguiu-se o capuchinho Frei Paulo Bellintani de Saló, irmão
mais velho do conhecido Frei Matias de Saló. Ele organizou admiravelmente a vida
religiosa e a assistência sanitária no lazareto de Milão. A rica experiência adquirida,
acrescida com sua ativa presença nos lazaretos de Brescia (1577-1578) e de
Marselha (1580), induziu-o a descrever em seu "Diálogo da peste", nos anos oitenta
do século XVI, conselhos práticos para outros em semelhantes circunstâncias.
Além de alguns trechos do "Diálogo da peste" de Frei Paulo Bellintani, aparecem,
no presente trabalho, três passagens de cartas entre São Carlos Borromeu e os
capuchinhos Frei Tiago Giussanti e Paulo de Saló, e alguns outros trechos da "Vida de
alguns frades capuchinhos da Província de Milão, ilustres em virtudes e santidade", de
Salvador de Rivolta.
Lodi, 22 de agosto de 1576. Esta carta informa que, após o pedido do cardeal de
poder dispor de frades capuchinhos para cuidar dos empestados, encontrou
totalmente disponível Frei Paulo Bellintani de Saló, com outro sacerdote capuchinho.
Não tendo mais nada no momento, ajoelhado, peço reverentemente sua santa
bênção.
De Lodi, aos 22 de agosto de 1576.
De vossa reverendíssima,
seu humilde e indigno
Frei Tiago capuchinho
Lodi, 25 de agosto de 1576 - Declara sua plena disponibilidade para iniciar, com
outro sacerdote capuchinho, a atividade assistencial em favor dos pesteados em
Milão.
1364. Amigo - Parece-me que é bom iniciar da parte espiritual, que deve preceder
qualquer outra coisa, e da qual, julgo, que dependa todo o restante. Sendo assim,
creio que a peste é um flagelo de Deus, com o qual somos castigados pelos nossos
pecados da parte da Divina Majestade, para que nos emendemos e mudemos de vida.
Frei Paulo - Sem dúvida, você falou bem. Acredite firmemente que é assim e que a
peste é um flagelo de Deus. Quem pensa o contrário, engana-se por completo. A
Sagrada Escritura, que é a Palavra de Deus, demonstra-o claramente. No Êxodo,
capítulo 5º, Moisés e Aarão disseram ao Faraó: "O Deus dos hebreus veio ao nosso
encontro. Consente, pois, que vamos deserto adentro três dias de caminho e
ofereçamos sacrifícios ao Senhor, nosso Deus, para que ele não venha contra nós
com a peste ou com a espada" (Ex 5,3). No livro dos Números, capítulo 14, também
Deus diz: "Até quando me ultrajará este povo? Até quando se negará a crer em mim,
não obstante todos os milagres que operei no meio deles? Eu os ferirei com a peste e
os aniquilarei" (Num 14, 11-12). Quando Davi pecou, fazendo o recenseamento do
povo, Deus a todos castigou com a peste. Não diz claramente a Sagrada Escritura no
primeiro livro dos Paralipômenos, capítulo 21: "Suscitou então o Senhor a peste em
Israel e morreram setenta mil israelitas?" (1Cro 21.14).
Poderia citar muitos outros passos da Sagrada Escritura, mas são suficientes os
acima para crer que a peste é um flagelo de Deus para punir nossa iniqüidade e para
que a ele recorramos como a um pai misericordioso, através da penitência. Portanto, a
cidade deve recorrer àqueles três principais remédios, com os quais se abranda seu
furor, justamente irritado, não digo contra nós, que nos ama, como está escrito: "Vós
amais todos os seres e não sentis aversão por nada do que fizestes" (Sab 11, 24),
mas contra nossos pecados graves e enormes, como disseste.
1365. Amigo - Colocados os guardas, o que resta a fazer para prover a cidade
para que não fique fechada, sem antes conseguir as necessárias reservas?
Frei Paulo - Antes de tudo, deve haver boas reservas de farinha, vinho, óleo,
carne, ovos e de outros coisas necessárias, segundo as necessidades. Fazer tudo
logo, antes que o lazareto caia na penúria. E isso porque, logo que aparecer a peste e
as cidades circunvizinhas o percebam, imediatamente se fecham as entradas,
suspendendo o comércio. E se as comunidades não tiverem as provisões, ocorrem
muitos roubos e grande confusão, porque cada um deseja viver o mais que puder. Se
não tiver o necessário, roubará onde encontrar. Somente pessoas de confiança
coordenem estas provisões, para que sejam distribuídas fielmente a quem conheçam,
sem nada querer ganhar. Quando a cidade não quiser mais comprar estas coisas, é
suficiente colocá-las de lado para futuras necessidades e fazer uma descrição de tudo
o que se possui e de quanto lhe é necessário.
Amigo - Esta é uma boa recomendação e creio que, se não se fizer esta reserva,
as cidades sofreriam muito, quando começar a peste. Mas continue a descrever se é
necessário fazer outras reservas.
1366. Frei Paulo - Muitas outras provisões são necessárias. No entanto, feita a
provisão de alimentos, organize-se um "monte de piedade", ao qual todos possam
recorrer. Muitas vezes, a pessoa possui muitos bens e, não tendo alguém que o possa
ajudar, não pode deles servir-se em suas necessidades. Não há dúvida que este
"monte de piedade" favorecerá muito as pessoas, com menos despesas para as
88
Nota do tradutor: Monte de piedade indica um tipo de banco para favorecer os pobres.
Quando, por exemplo, alguém precisava de um quilo de macarrão e não o tinha, levava para
estes Monti di Pietà um quilo de arroz e retirava o desejado quilo de macarrão. Era troca de
mercadorias e não de dinheiro.
315
comunidades, que devem sustentar a todos os que não possuem com o que viver.
Com este sistema, tudo se fará de maneira ordenada.
A comunidade deve também, com toda solicitude, manter a cidade limpa e
purificada; cavar canais para levar as imundícies para fora, evitando odores
desagradáveis. As mulheres de má vida tornaram-se uma grande causa deste mal e
creio que não há outra coisa que provoque mais pestes do que comercializar este tipo
de má vida. Mas foram totalmente extirpadas. Além disso, mandaram que os
mendigos, que durante o dia passam de porta em porta, sejam absolutamente
removidos.
1367. Amigo - O que se deve fazer com este tipo de gente? Deixar que se
percam? Mas é necessário que também elas vivam até que agrade à Divina
Majestade. Não induzi-las ao desespero, mas, dentro do possível, salvar suas almas.
Frei Paulo - Sou do mesmo parecer. Não devem ser lançadas no desespero, mas,
quando possível, salvá-las. No entanto, não é justo que, para deixá-las viver, os outros
devam perecer. Encontre-se, portanto, um lugar fora da cidade e bem fechado e lá se
coloquem estas mulheres de má vida. Coloquem-se guardas bons que não as deixem
sair, alimentado-as de pão e água. Se quiserem coisa melhor, tratem de ganhá-la. Mas
é muito bom que tenham algum trabalho para que não fiquem ociosas e assim possam
ganhar alguma coisa para comer com o pão. Se não se encontrar um lugar apto para
isto, sejam fechadas em um bairro distante da cidade, com bons guardas, para que
nem elas possam sair nem outros procurá-las, tendo cuidado de não entregar ovelhas
para que sejam vigiadas pelo lobo.
Como o cardeal Borromeu caminhava em Milão visitando seu povo. Capítulo 10º.
1370. Frei Paulo - O amor pelas suas ovelhas e o zelo pela salvação delas, não
lhe permitia permanecer em casa. Agia como quem, ardendo de caridade pela sua
316
grei, visitava os seus continuamente, não temendo qualquer coisa que lhe fizesse mal,
mas somente zeloso pela salvação de seus cidadãos. Trazia nas mãos uma vara,
como o fazem todos os suspeitos de peste, para mostrar que também ele era um
suspeito. Assim avisava a todos os que não o sabiam, a fim de que ficassem longe
dele, para que não incorressem em algum perigo. Triste espetáculo ver tal homem,
caminhar como se fosse uma simples e qualquer pessoa!
No entanto, a edificação que dava aos que o viam andar tão vilmente era
extraordinária, deixando-os maravilhados do pouco apreço pela sua própria vida.
Parece-me que neste caso se assemelha a São Paulo, que desejava ardentemente
dar sua vida pelos seus irmãos.
Além disto, ao menos uma vez por mês visitava todos no lazareto, passando um
por um, falando agradavelmente com todos os doentes e consolando os atribulados
sem medo de infectar-se do mal. Quando não podia vir, queria que eu fosse até ele
para prestar-lhe conta do andamento geral, ainda que, diariamente, enviasse um dos
seus para saber de mim se tinha necessidade de alguma coisa.
1371. Quando vinha ao lazareto, ou então andava pela cidade, não pense que
ficava (como se diz) com as mãos na cintura. Não, não. Sempre dava esmolas,
levando consigo boa quantidade de moedas em seu bolso para dá-las aos pobres,
além das esmolas que, às escondidas, dava aos lugares sagrados. Dispunha de
qualquer coisa de sua casa para melhor servir os pobres. E, no fim, mandou cortar os
tecidos de seu quarto para vestir os nus.
Que teria feito Milão, no início, se ele não tivesse socorrido o lazareto, enviando
pão, vinho, carne e qualquer outra coisa necessária? Este costume de agir,
conservou-o até o fim. Nunca se desculpou dizendo (como muitos o teriam dito!): "Isto
não é de minha responsabilidade!" Ao contrário, por amor de Cristo que se fez pobre
por nós, assumiu esta obra como sua própria, como já disse. Isto devem fazer, com
solicitude e desejo de imitar, os prelados e pastores que são responsáveis pelas
almas. Para isto lhe descrevi tão nobre exemplo.
1372. Amigo - Muito me alegra ouvir estes fatos, realmente maravilhosos e dignos
de eterna memória. Mas, diga-me, como conseguiu confessores para o lazareto em
tempo tão espantoso? Creio que todos fugiam.
Frei Paulo - Mandou para um lugar - acima de Milão - da Suíça, chamado
Leventina, para encontrar um bom sacerdote, chamado padre Leonardo, homem de
conduta exemplar e muito prático nos casos de peste. Trouxe-o até à cidade,
pagando-lhe a viagem. Mandou que ficasse no lazareto, onde havia muita gente. Ele
foi o primeiro que começou confessar os pesteados.
Depois, constando que o mal aumentava continuamente e que, ao redor de Milão,
aumentavam também as cabanas e todas pediam confessores, não sabendo como
atender tantos pedidos, convocou os superiores dos conventos regulares. Dirigiu-lhes
um vigoroso discurso. Lamentou-se que simples cristãos seculares se ofereciam, por
amor de Deus, a ir servir os empestados, e os religiosos, aos quais cabe dar bom
exemplo, e que tendo abandonado o mundo, ou melhor, estando mortos para o mundo
através da profissão perpétua, mostravam-se tão agarrados a esta vida do corpo, a
qual, queira ou não, por força devemos perdê-la. Acrescentou ainda muitas outras
palavras de forte ressonância. Mas ninguém se ofereceu para ajudar.
1373. Somente nosso beato padre comissário da Província, que se chama padre
Frei Tiago Calderino de Milão, amigo íntimo do senhor cardeal Borromeu, disse que se
não tivesse o cargo [de visitador], se ofereceria para esta obra tão santa. No entanto,
acrescentou que visitaria os conventos mais próximos (se não pudesse visitar toda a
Província) e se encontrasse algum frade apto e disposto, lhe daria toda a licença,
317
1376. Naquele ínterim, em meu lugar, foram quatro de nossos capuchinhos: dois
sacerdotes e dois irmãos leigos, todos fervorosos no amor a Cristo. O primeiro
chamava-se padre Frei Felipe de Milão, homem de grande pureza e caridade; o
segundo, padre Frei Tiago de Volterra, zelosíssimo pela salvação das almas; o
terceiro, Frei Mateus de Mântua, homem de grande oração; o quarto, que ainda vive,
Frei André de Bione, completamente dedicado aos doentes. Os três primeiros
morreram logo. O quarto ficou doente e muito grave, mas, graças a Deus, sarou e
continuou a servir os doentes comigo e, com ele, fui até Brescia. Recebeu o apelido de
coveiro, porque, em Milão, os varredores de rua eram assim chamados. Ele era muito
dedicado em sepultar os mortos. Neste particular, desejo contar-lhe um fato, que
talvez, ao mesmo tempo, o fará rir e horrorizar-se.
318
1377. Em certa noite, fazia-se uma festa, com baile, para momentos de alegria, em
um dos quartos do lazareto. Eu tinha proibido estas manifestações sob graves penas.
Frei André lembrou-se que, nos dias anteriores, tinha descarregado entre os mortos,
de um dos carros, uma senhora bem idosa. Resolveu ir apanhá-la e, com ela, acabar
com a festa, espalhando terror entre os bailarinos. Sendo já escuro, sem usar luzes,
dirigiu-se à grande fossa, no meio do lazareto, onde se jogavam os cadáveres. Após
procurá-la, encontrou o corpo daquela senhora bem idosa. Quando a colocou nos
ombros, comprimiu-lhe o ventre e imediatamente, por causa do ar acumulado
internamente, fez grande barulho pela boca.
Quem não se teria espantado? Mas, ele não. Animado disse em nosso dialeto:
"Ma tas, meda, che te voi portá a balá", isto é, "Mas fique quieta, comadre, que quero
levar-te ao baile!". Ao chegar na frente do quarto, onde se dançava, bateu na porta.
Responderam: "Quem é?" Ele não respondeu como nós frades costumamos, isto é,
"Deo gratias89", mas disse: "Amigos, queremos dançar". E a porta foi aberta. Entrou e
jogou o cadáver da velha idosa entre as pernas dos dançarinos e dançarinas, gritando:
"Força, fazei dançar também a esta!. E acrescentou: "É possível que vós, tendo
sempre a morte diante dos olhos, queirais estar aqui fazendo esta confusão e
ofendendo a Deus?" Nada mais disse e foi embora. O baile acabou imediatamente.
Amigo - Parece-me que foi um grande frade! Ter coragem de ir à noite e entre
tantos cadáveres procurar o da senhora idosa. Sua iniciativa de provocar o pavor entre
aquela gente foi genial. Assim cessaram as ofensas contra Deus. Mas voltemos ao
nosso principal assunto. Diga-me como você foi para o lazareto, uma vez que no início
não pôde ir, como disse antes.
O autor continua narrando como, não tendo podido antes, conseguiu chegar ao
lazareto e que autoridade lhe foi outorgada. Capítulo 14.
1378. Frei Paulo - Nesse ínterim, tendo eu recuperado a saúde, escrevi para
Milão, avisando-lhes que eu não tinha mudado meu projeto, mas que, por causa da
doença e sentindo-me ainda fraco, não poderia ir a pé até Milão. No entanto, se
desejassem que os ajudasse, poderiam enviar-me uma cavalgadura. Logo que o
senhor Cardeal Borromeu conheceu meu desejo, mandou buscar-me, pedindo que
fosse quanto antes. Isto eu executei imediatamente. Chegando em Milão, fiz uma
confissão geral. Preparei-me, diligentemente, com detalhado exame de consciência.
Em seguida, fui ter com o senhor cardeal e por outros senhores acompanhado até o
lazareto, no dia de São Miguel, 29 de setembro de 1576. Ali estive quase um mês,
administrando somente os santos sacramentos. No entanto, percebendo o senhor
cardeal que as questões temporais não corriam bem, que os pobres não eram
ajudados em suas necessidades temporais, fez com que o excelentíssimo Senado me
conferisse também esta autoridade temporal, que exercitei por um ano. Depois fui para
o lazareto de Brescia, onde permaneci muitos meses.
Amigo - Antes de continuarmos, gostaria de saber qual era essa sua autoridade
temporal e o que abrangia.
1379. Frei Paulo - Explico tudo de maneira breve. Eu tinha autoridade sobre todos
os empestados e os que eram suspeitos de ter peste. Se você quiser saber com mais
clareza, leia aqui a autoridade que me foi concedida.
89
Trad.: Graças a Deus.
319
pessoa apta para tal tarefa e sabendo que nesse lugar se encontra o reverendo padre
Paulo Bellintano de Saló da Ordem dos Capuchinhos, homem de grande bondade,
caridade, zelo e diligência, idôneo para qualquer outra tarefa que lhe for confiada,
escolhemos então sua pessoa e assim, com o presente documento, elegemos e
delegamos [Frei Paulo] a fazer observar tudo quanto por nós foi mandado e será
ordenado, concedendo-lhe autoridade de deter e também de interrogar, com suplícios,
os malfeitores ou os imputados e indiciados por algum delito.
Mandamos também a qualquer pessoa, que se encontra nesse lugar ou que no
futuro nele entrar, que, sob pena pecuniária, privação de salários, flagelação,
tratamentos com cordas, trabalhos forçados ou castigo maior segundo nosso parecer,
obedeça, ajude e auxilie esse reverendo padre Frei Paulo. Quem estiver nesse lugar,
seja homem ou mulher, coveiro ou coveira, e outra pessoa de qualquer condição,
advertimos que, se cometer erros, será irremediável e imediatamente castigada,
quando formos avisados de delitos através do mencionado reverendo padre, a cuja
palavra se dará crédito e fé, como se juridicamente fosse feito um processo sem a
presença deles. Em fé do que se fez o presente documento, assinado por nós mesmo,
e carimbada com o carimbo de nosso Departamento.
Milão, aos 21 de outubro de 1576.
Mons. Presidente
Ghingora Eques Jerônimo, escrevente
(lugar do carimbo)
1380. Amigo - Gostei muito de ler esses poderes, que lhe foram outorgados. Mas,
diga-me, vieram outros religiosos servir os doentes no lazareto ou foram somente
vocês os capuchinhos?
Frei Paulo - Ao contrário, vieram muitos outros religiosos, porque, vendo que nós
capuchinhos assumimos o cuidado do São Gregório (assim se chama o lazareto de
Milão), com muito zelo pela honra de Deus e salvação das almas, dispostos a morrer
por seu amor e assim ser de agrado à Divina Majestade, resolveram também eles,
como em mútuo desafio, servir os pesteados por amor de Deus. Desta maneira e
rapidamente, foram resolvidas todas as necessidades, com grande admiração da
cidade, que não pensava em tal sensibilização. E mais admiração causava, vendo que
muitos religiosos de todo tipo, comodamente instalados em seus conventos, se
dispuseram a servir os pesteados. Eis, caro amigo, que agora você entendeu os fatos.
Este exemplo poderá servir a todos os bispos, quando perceberem a necessidade.
Por isso, tudo descrevi com minúcias. Para que melhor se possa servir-se [deles],
seria bom que se peça à sua Santidade a autoridade de chamar regulares fora dos
conventos, mesmo contra a vontade de seus superiores. Isto o fez o senhor cardeal
Borromeu, e também D. Domingos Bollani, bispo de Brescia porque, muitas vezes, os
súditos iriam ajudar, mas os seus superiores, para não perdê-los, não querem.
Amigo - Grande alegria estou sentindo ao ouvir sua descrição. Veja como é
importante dar o bom exemplo. No início, ninguém queria assumir esta santa
atividade. Mas depois e quase imediatamente, encontraram-se tantos [religiosos] e,
com muito fervor, disputavam entre si os trabalhos.
1381. [São Carlos] depois de passar bom tempo refletindo sobre quais pessoas
poderiam ajudá-lo no governo e no serviço interno dos hospitais, construídos em Milão
ou fora - obra mais importante que qualquer outra e que poderia, com escândalo muito
320
generalizado, ser impedida por arte do demônio ou por negligência ou malícia, ou por
outra qualquer desordenada paixão dos ministros, que exigia prudência, pureza,
fidelidade e caridade toda singular -, pensou em servir-se do ministério dos
capuchinhos porque, segundo ele, neles se encontravam todos os requisitos que seu
zelo prudentíssimo pudesse desejar.
1382. Sobre esta decisão escreveu à sua santidade Gregório XIII, sumo pontífice
daquele tempo, pedindo-lhe, com grande afeto, que lhe concedesse, em caso de
necessidade por causa de grave e geral peste em sua cidade ou diocese, ampla
autorização de servir-se de todos os capuchinhos da Província de Milão, naquele
tempo unida com a de Brescia, que, inspirados pelo Senhor, se oferecessem para
servir os pesteados.
Obtido facilmente do Papa quanto desejava, chamou o ministro provincial
daqueles frades, que era o padre Frei Francisco de Bormio e o padre Frei Tiago de
Milão, chamado "il Calderino", guardião em sua cidade. Mostrou-lhes o indulto
apostólico, pedindo que escrevessem imediatamente a todos os conventos da
província, explicando aos frades que os que se sentissem em condições de servir os
pobres doentes, em Milão ou fora da cidade, se manifestassem e estivessem prontos
a qualquer chamada. Quando foi enviado este aviso celeste aos conventos, todos os
frades se comoveram e quase lutando para se vencerem na caridade, todos queriam
encontrar-se em meio às necessidades desses corpos oprimidos e debilitados, entre
os horrores da miséria e da morte.
1383. A calamidade daquele tempo, que podia sem dúvida chamar-se tempo da
visita do Senhor, exigia assistência e trabalho de muitos ministros, tanto na cidade
como fora da mesma. Os principais lugares fora da cidade eram Vittoria, situada entre
Melegnano e Milão, e Monza, distante de Milão umas dez milhas. Na cidade [de Milão]
havia dois hospitais: um, o menor, construído por São Dionísio e o outro grande
chamado o Lazareto, fora da Porta Oriental, perto dos muros. Para este lugar, eram
levados os empestados para que o resto da cidade permanecesse mais livre e
purificado e também porque os doentes, assim reunidos, pudessem receber mais
facilmente melhores cuidados quanto ao corpo e ao espírito, o que não teriam
recebido, caso se encontrassem na própria casa e também por falta de servidores.
Em todos esses lugares foram colocados os frades capuchinhos, cujas ofertas
tinham sido aceitas pelo santo cardeal e aprovadas pelos superiores dos mesmos
frades. O trabalho deles foi tão fervoroso nesse piedoso e caridoso ministério que,
quando o soube o ilustríssimo prelado de gloriosa memória, rendeu mil graças a Deus
pela escolha feita. Também as pessoas nobres e qualificadas, que foram solicitadas
para assistir como superintendentes desta pia obra, louvaram o fervor e a
infatigabilidade dos servos de Deus e inflamaram-se ainda mais nas obras de
caridade, vendo este especial exemplo. Os mesmos doentes sentiram nesses pobres
capuchinhos um forte e terno amor paterno e materno.
1384. Para o lugar chamado Vittoria foi o padre Frei Alexandre de Milão, sacerdote
que faleceu no trabalho, ao qual sucedeu Frei Atanásio de Brescia, clérigo. Em Monza,
o padre Frei Apolônio de Brescia, homem de singulares qualidades, com Frei Jerônimo
de Brusada. No hospital São Dionísio, o padre Frei Sigismundo de Brescia, Mateus de
Corano, Masseu de Cozzo e Januário de Drugoli, leigos. Os demais trabalharam
sucessivamente no lazareto, conforme exigiam as circunstâncias.
O lazareto (que ainda existe hoje e do qual tratamos agora) era uma construção
com grande capacidade, edificada pelos duques de Milão, para recolher e curar, no
tempo de peste, o maior número possível de doentes e também os suspeitos de
contágio.
321
1385. O prédio tinha a forma quadrada e um pátio muito espaçoso. Nos quatro
ângulos dispunha de quatro ordens de quartos com pórticos, feitos com criativa
arquitetura. Nas duas partes, uma no oriente e outra no ocidente, havia duas portas.
Pela porta oriental, entravam os doentes, quando vinham de suas casas e, pela
mesma, levavam-se os mortos fora do lazareto. Por isso, era chamada "porta feia".
Mas da parte ocidental, que era conhecida com o nome de "porta limpa" saiam os
que tinham recuperado a saúde e por ela entravam os mantimentos, os remédios e
outras coisas necessárias. No entanto, somente podia entrar quem não tivesse
nenhuma suspeito de contágio da doença. Não faltava à piedade e ao tamanho do
edifício uma capela, onde se podia celebrar e conservar, com decoro, o Sacramento
do altar para administrá-lo aos necessitados.
1386. Quem teve a felicidade de entrar por primeiro neste lugar, no dia 25 de
agosto de 1576, foram os padres Frei Felipe de Milão, que trabalhou, até sua morte,
como superior dos outros, e Frei Tiago de Volterra, ambos sacerdotes. Os leigos Freis
Masseu de Mântua, Sabino de Cremona e André de Val di Sabio, embora poucos,
sustentaram, com seus ombros, toda a máquina de serviços, pesada pelas fadigas,
pela constância e atenção que exigia. Mereceram todo o louvor, porque conseguiram
superar, para aquela administração, o caos e deixar tudo em grande ordem. Estes
frades, crescendo a necessidade e ficando doentes ou morrendo alguns deles, tiveram
novos companheiros ou sucessores, que continuaram até o fim.
1388. Observou-se ainda que algum frade, levantando a alta hora da noite, fazia a
ronda no segredo da noite, para ver se algum operário, confiando na escuridão,
ousava cometer qualquer escândalo, roubo ou algo ato desonesto. Esta vigilância
serviu admiravelmente para evitar os excessos.
Este trabalho dos capuchinhos era ainda mais admirável porque eles nunca
abandonavam o lugar, a não ser em caso de caridade (o que ocorria muito raramente).
Vivendo continuamente no lugar, mantinham-se em contínuas vigílias e trabalhos
unindo o dia com a noite e a noite com o dia. Esta assiduidade tornou-se para os
frades causa de graves doenças e até de morte.
1389. Padre Frei Felipe de Milão, como se disse, era o superior de seus frades e
morreu após dois meses. Sucedeu-lhe o padre Frei Paulo de Saló, homem de grande
percepção e não menos apto à ação que à contemplação.
Do santo cardeal ele recebeu, antes de tudo, o encargo do governo espiritual de
todo o lazareto com suprema autoridade. Passado pouco tempo, foi incumbido
também do poder temporal pelo excelentíssimo Senado. Este, julgando necessário
que alguém tivesse todo o poder secular para ser freio e terror para os dissolutos e
considerada a prudência e o valor do padre, resolveu conferir-lhe este encargo. A
proposição foi aprovada rapidamente porque - pensava - que se uma mesma pessoa
322
tivesse ambos os poderes, impedia a caminhada das desordens que a divisão dos
encargos pudesse gerar.
1391. O serviço aos empestados é apenas uma das manifestações, embora seja a
mais antiga e historicamente talvez seja a mais significativa, do comportamento dos
capuchinhos em favor dos doentes em geral.
Neste campo, a caridade dos frades estendia-se aos seus irmãos, no interior dos
conventos ou dos hospitais e também às pessoas estranhas.
Quanto a isto, além do que se referiu na seção das "Crônicas", seguem alguns
trechos das crônicas de Frei Bernardino de Oricano e Frei Bernardino de Colpetrazzo.
Quando este padre o viu, recebeu-o com rosto alegre e grande espírito acolhedor
e lhe disse que não deixasse faltar nada, porque tanto ele tinha muito o que fazer no
convento quanto ele, que era guardião. E imediatamente lhe deu o melhor colchão que
existia na casa, providenciando que fosse instalado em boa enfermaria e ordenou,
expressamente, a um frade que dele cuidasse e que não lhe faltasse as coisas
necessárias. Ele mesmo ia com freqüência ao seu quarto para ver se lhe faltava
alguma coisa. Levava embora o lixo, varria o quarto e fazia os demais serviços dos
doentes com palavras tão amorosas e rosto alegre que confortava o frade doente.
1393. O irmão leigo Frei Geraldo de Florença costumava pedir que fosse enviado
aos conventos para remendar os colchões destinados aos doentes e para assisti-los.
Quando chegava o Ministro provincial, pedia a graça de ser enviado a cuidar dos
frades doentes na Província. Por isso, freqüentemente, os provinciais mandavam
chamá-lo e lhe confiavam alguns doentes. Neste trabalho, não fugia de nenhuma
fadiga ou coisas repugnantes. Sofria frio, falta de sono e qualquer desconforto. Estes
mencionados serviços eram de grande ajuda aos Ministros provinciais, que então não
dispunham de frades para estas atividades e caridade. Ocupou-se nestas tarefas
caritativas durante toda sua vida e muito se alegrava, quando recebia estas
incumbências, desempenhadas em nome da caridade e da pobreza da Regra.
Era pessoa de grande caridade para com os doentes. Por isso, quando sabia que
algum frade estava doente em qualquer lugar, encontrando-se com o Ministro
provincial, pedia para ir tomar conta dele. No entanto, eram poucos os frades e os
doentes. Por isso, ocorria raramente que alguém fosse por ele cuidado, porque havia
outros frades idosos que faziam o mesmo pedido neste sentido.
Estando em Fermo, chamado San Savino, onde existia ambiente muito insalubre,
muitos frades adoeciam. Os médicos, por causa dos inúmeros doentes na cidade, não
podiam sair e atender os capuchinhos. Por isso, os frades levaram seus doentes para
a cidade, em uma casa um tanto afastada. Aqui se encontrava o padre Frei Deodato
que, com toda caridade possível, cuidava deles com fatos e palavras, sem se poupar.
Para alegrá-los nas graves enfermidades e aliviar os males, encontrou um instrumento
e, como sabia tocar muito bem o órgão, muitas vezes tocava para eles.
Tamanha era a caridade entre eles que, quando alguém adoecia, nunca se
deixava de prestar-lhe toda a caridade possível. Parecendo-lhes, algumas vezes, não
dispor da facilidade de encontrar o médico e outras coisas necessárias para o doente
nos conventos, porque longe da cidade, levavam-nos em alguma fraternidade ou lugar
honesto, onde, com ótimos remédios, recuperavam a saúde. No entanto, os
adversários aproveitaram desta ocasião para caluniar-nos, e diziam: "Não há caridade.
Quando adoece algum deles, levam-no ao hospital", não considerando que isto de
fazia para mostrar-lhes maior caridade ainda.
324
1397. No dia seguinte à bula "Religionis zelus" (3 de julho de 1528), Frei Ludovico
de Fossombrone, Vigário Geral, obteve em Roma em 1529 uma casa próxima e de
propriedade do hospital São Tiago dos Incuráveis. Nela moraram alguns frades, com a
incumbência de assistir espiritual e materialmente os doentes, quase todos com
doenças incuráveis e, por isso, abandonados a si mesmos.
Os capuchinhos distinguiram-se no cuidado aos incuráveis não somente em
Roma, mas também em outras cidades. Frei Colpetrazzo lembra que "começaram
cuidar dos leprosos em Nápoles, em Gênova" e em outros lugares.
Na seção das "Crônicas" já foi lembrado o serviço dos capuchinhos no hospital
romano de São Tiago e em outras casas de cura. Basta agora transcrever parte do
texto de um "motu proprio" e os exemplos de Frei Francisco de San Giovanni, para o
hospital São Tiago, e de Frei Bento de Collamato, na Sicília.
Quando jovem, pediu licença aos seus superiores para colocar-se ao cuidado dos
enfermos no hospital dos incuráveis em Roma. Eles, conhecendo-o como pessoa de
vida santa e apto a qualquer vil trabalho e que daria bom exemplo, concederam-lhe a
licença.
No hospital, exercia sua caridade para com todos, indiferentemente. Limpava-lhes
as chagas ulcerosas. Medicava-os e levava embora os cântaros. Varria, lavava, não
se cansava nem de dia nem de noite, mostrando muita consolação interior e exterior.
Isto edificava a todos os frades e seculares. Neste exercício da caridade ocupou-se
durante muitos anos e nesse lugar creio - acrescenta quem descreve o que se referiu -
foi acometido de um câncer no peito, curado milagrosamente.
90
Trad.: temporariamente.
325
1401. Nós, desejando que o hospital seja honrada e fielmente governado tanto no
espiritual como temporal e informados de maneira segura quanto à administração e
previdência desses frades, tendo firme esperança e confiança que, por meio dos
mesmos frades, servindo os pobres se oferece a Deus, como é óbvio, um
agradabilíssimo serviço, segundo a afirmação do Senhor, que disse: o que fizestes a
um destes, é a mim que o fizestes, motu proprio et ex certa scientia91, confiamos e
ordenamos ao dileto filho Vigário Geral e a qualquer outro superior da Ordem, agora e
pro tempore existente, em força do presente documento e em virtude da santa
obediência e sob pena de excomunhão, que destine o mesmo número de frades da
mesma Ordem, que serviram até o momento o mesmo hospital, e seja um número
segundo a necessidade e oportunidade, guiados pelos guardiães pro tempore do
mesmo hospital.
1042. Concedemos a licença e a faculdade aos mesmos frades, que servirão pro
tempore ou servirão no mesmo hospital, de poder viver, pernoitar e exercer os
cuidados espirituais e temporais, como fizeram até agora, livremente e sem escrúpulo
de consciência e, em caso de necessidade, com as mesmas atividades, concedemos
benévola dispensa.
Concedemos aos mesmos frades, que trabalharão pro tempore, de poder gozar e
usufruir de todas e cada uma das indulgências e "remissão dos pecados", concedidas
aos confrades do mencionado hospital pelos sumos pontífices, nossos predecessores,
e por nós aprovadas e renovadas. Enquanto os tratamos com benignidade,
ordenamos urgentemente ao Vigário Geral e a todos os superiores da mesma Ordem
que não ousem ou presumam colocar impedimentos ou pesos aos frades delegados
pro tempore destinados a cuidar do mencionado hospital (seguem as conclusões
normais).
De Frei Bento de Collamato, leigo, do qual em outro lugar conta Frei Tiago de
Ascoli, acima mencionado, que, sendo companheiro do muito reverendo padre Frei
Eusébio Fardini de Ancona, Ministro Geral, em seu generalato, padre Eusébio foi para
a Sicília no início do inverno, na festa de Todos os Santos ou mais tarde.
Chegando a saber Bento que o Ministro geral estaria, neste inverno, na ilha e que
não tinha necessidade de auxiliares e, por isso, seria inútil esperá-lo, pediu-lhe licença
91
Trad.: por moção própria / de iniciativa própria e a partir de seguro saber.
326
1404. O cuidado dos doentes nos lazaretos, nos hospitais dos incuráveis e em
outras casas de saúde exigia, é claro, também a assistência espiritual em caso de
morte, na qual os capuchinhos se distinguiram de maneira toda especial.
Na Ordem, este apostolado foi sempre um ponto de honra. Em algumas
províncias, costumava-se designar algum frade para esta atividade específica, o qual,
em qualquer lugar, era chamado "padre operário". De algumas passagens dos Anais
da Ordem pode-se intuir qual fosse a "técnica" usada pelos frades sacerdotes com os
moribundos: palavras de exortação e de esperança e oração.
Neste apostolado, os capuchinhos tornaram-se eficazes e competentes. Alguns
deles escreveram tratados específicos sobre a maneira de atender os moribundos.
Aqui é suficiente incluir alguns trechos das "Advertências para os moribundos", feitos
pelo padre Gregório de Nápoles e publicados em Veneza em 1589.
1406. E depois, se for inocente de culpa e pena de quanto se falou, assim como
nosso mencionado alegre Frei Félix capuchinho se mostrou verdadeiro e não fingido
observante da Seráfica Regra e assim foi gozar da eterna glória dos beatos. O Senhor,
querendo fazer conhecido ao mundo quanto era querido o verdadeiro religioso
observante de sua prometida Regra, quis honrá-lo, fazendo milagres ao tocar seu
hábito. Realizando-se em Roma a festa da canonização do glorioso São Diogo de
Alcalà, da Espanha, leigo professo da Observância regular de nosso seráfico São
Francisco e que faleceu há uns cem anos - quando ainda não se pensava na Reforma
franciscana dos Capuchinhos -, o Senhor quis manifestar ao mundo a alegria de Frei
Félix, permitindo que de seu sepulcro emanasse um óleo útil para curar várias
enfermidades.
92
Nota do tradutor: memorial é usado aqui em sentido de testamento.
327
Advertência VI: a principal norma do bem morrer é o estudo da vida honesta e boa,
que, em geral, leva a uma boa morte
1408. A principal e especial norma daquele que deseja morrer bem é amar a boa e
santa vida, ornada de virtudes e justiça, temendo a Deus e obedecendo a seus
mandamentos. Esta norma é quase suficiente para morrer pia e religiosamente,
porque faz agir bem e abraçar as virtudes, enquanto há tempo. Pelos exemplos da
vida cotidiana, sabemos que tal pessoa assim como viveu, assim morrerá.
Por isso, Santo Agostinho, no primeiro livro De civitate Dei, diz: "Não se deve
pensar que suceda uma morte má, quando a precedeu uma vida boa, não podendo
morrer mal aquele que acompanha a morte. E, no livro da doutrina cristã, afirma que
não pode morrer mal quem viveu bem e que, dificilmente, morre bem quem viveu mal.
Por isso, o Salmo 115 diz: "De grande preço é aos olhos do Senhor a morte de seus
santos" (Sl 115, 15). Certamente, quem leva esta vida pia e lê a vida dos santos, do
íntimo do coração, pede a Deus, dizendo: "Possa eu morrer a morte do justo, e seja o
meu fim semelhante ao dele" (Num 23,10). O que de melhor se pode desejar? Que de
mais útil se pode pedir a Deus a não ser uma morte santa e gloriosa semelhante a dos
santos?
1409. Fazem o contrário os que, levando uma vida cheia de iniqüidade e maldade,
que não se envergonham nem de Deus nem dos homens, mas como animais sem
freios correram atrás de suas concupiscências e desonestos desejos, enquanto
viveram neste mundo. Tremam, portanto, diante da aventura da morte como os que
são levados à força ao tribunal de um juiz severo e receber o prêmio de suas obras,
das quais diz o Apóstolo aos Romanos: "O salário do pecado é a morte" (Rom 6,23).
Certamente conscientes de suas perversidades, com a mente atônita, pensando
na gravidade e multidão de suas culpas e pecados, recusam arrepender-se, procuram
meios para não morrer, a fim de não serem levados diante do juiz severo e receber a
sentença de condenação, dos quais o profeta diz no Salmo 33: "A morte dos
pecadores é péssima" (Sl 33,22).
morte, isenta de ansiedade e horror, sem temor. Após a morte, sua alma voará e será
levada à Jerusalém celeste.
1411. Além disso, nosso adversário luta com outra lança aguda e novas flechas
para ferir o doente, que está deixando este mundo. Representa-lhe o horror da morte
que está às portas. A natureza tenta esconder-se, perturba a mente, fazendo-o
desvairar. Apresenta-lhe a flecha ainda mais nociva do temor e medo extremo do juízo
na hora da morte, quando, no exame, prestará contas de todas as obras do passado,
tanto de ações como de pensamentos e de omissão, e dar contas de seus talentos
que Deus lhe concedeu em toda a vida. Qual o fruto e a recompensa deste tempo
quando está esperando a sentença irrevogável, da qual não há apelação!
Permanecerá eternamente na sentença de vida ou de morte que receberá. Jamais
poderá modificá-la.
Nosso inimigo sugerirá tudo isto a quem está morrendo. Enquanto estava com
saúde, procurava esquecer tudo, não pensar nisso para que não fosse impedido de
pecar licenciosamente, nem apavorar-se e assustar com seu estado de pecado. O
demônio apresenta estas coisas à mente doente e perturbada para que o terror e o
horror lhe causem espanto. Assim, o homem, em sua ansiedade, sente-se
atormentado. Ficará duro e sem vontade diante da morte.
1414. Sabe-se que as prisões do século XVI eram duras e, muitas vezes,
impiedosas. Os locais eram estreitos, escuros, insalubres e, quase sempre,
apinhadass de gente. Depois do Concílio de Trento, alguns visitadores apostólicos
denunciaram tais situações, dando normas severas para um tratamento mais
higiênico, mais humano dos presos.
Nesse mundo de desolação e também de desespero desceu também a benéfica
ação caritativa dos capuchinhos. Eles, além de interessar-se por casos de libertação
de presos, fundaram instituições ou confrarias que tinham como finalidade ocupar-se
dos encarcerados e dos condenados à morte. É o caso, como se verá, do padre
Boaventura de Reggio Emilia.
Incluiremos, aqui, duas cartas que atestam o interesse dos frades pela a libertação
de algumas pessoas, movidos por eventuais razões dos familiares, mas sempre
inspirados pela caridade cristã e, em seguida, alguns documentos que mostram a
iniciativa do padre Boaventura de Reggio.
93
Trad.: em ambos os homens (ou ofícios), isto é, neste caso: como pessoa e como cardeal
330
94
Nota do tradutor: moeda do papa Júlio que valia 50 centésimos.
331
1419. O mesmo fez na cidade de Fermo, porque pregou, com enorme proveito, e
nela fundou a companhia da Piedade, que é a associação mais nobre da cidade.
Ainda vive muito religiosamente, exercendo boas obras. Quando se fazem as eleições
dos oficiais, chamam os capuchinhos para escrutinadores, porque fazem em segredo,
à maneira dos capuchinhos. Tal fato é mencionado no proêmio da confraria, como o
que tenho impresso em mãos e também todas as ordens e estatutos.
O texto é o seguinte: "Sendo do agrado à divina bondade do onipotente Deus
enviar a esta nossa cidade no corrente ano do Senhor de 1564 o reverendo padre
Boaventura de Reggio de Lombada, da Ordem dos capuchinhos, a semear a Palavra
divina para a glória de sua Divina Majestade e a comunicar seu sacratíssimo
Evangelho para a salvação dos fiéis, sucede que, entre as muitas santas e
maravilhosas obras deste reverendo padre, ele ainda se afadigou muito com
exortações eficacíssimas para aconselhar-nos e persuadir-nos a aceitar as obras de
piedade e misericórdia em favor dos pobres encarcerados, doentes e outras pessoas
miseráveis e, especialmente, de ir exortá-los à paciência e suscitar o arrependimento
dos pecados daqueles miseráveis que, por certo tempo, chegarão nesta nossa cidade
para serem, através da justiça, condenados à morte.
95
Trad.: por votos secretos.
332
Úteis lembranças e remédios para os que são condenados à morte pela justiça
humana
momento presente. A outra é preparar-lhes a alma para a salvação na outra vida. Esta
é uma obra de misericórdia em vista do futuro, mas torna-se mais importante que a
primeira, ou melhor, a primeira deve encaminhar-se para esta, confortando a pessoa
para que melhor se disponha à salvação.
Este apostolado tão importante faz-se, utilizando dois meios: um é amolecer e
dispor o coração do paciente à penitência; o outro é que faça, naquele pouco de
tempo disponível, o maior bem que possa fazer para merecer a glória do céu. Por isso,
procure-se suscitar nele três coisas: o conforto, a penitência e o mérito. Inicia-se pela
primeira e, em seguida, pela segunda e a terceira, nunca deixando a primeira, quando
for necessária.
1424. Para conseguir estas finalidades, usem-se dois tipos de remédios: alguns
gerais que servem para todos; outros especiais segundo o tipo das pessoas, que é
necessário conhecer bem porque as situações podem ser várias.
Quanto à condição natural e humana, alguns são grosseiros de mente e outros
delicados, alguns são nobres e honrados, outros são baixos e vis.
Quanto ao pecado cometido, alguns são velhos na má vida e outros novos; alguns
pecados são arquitetados com malignidade e outros por desgraça; alguns são autores
principais e outros persuadidos e arrastados; alguns cometeram delitos enormes, e
outros comuns e leves; outros delitos vergonhosos e outros, no mundo dos
respeitáveis, como vingar-se honradamente.
1425. Quanto à situação presente, alguns são duros para se converterem, outros
fáceis e outros são convertidos. Alguns desprezam a morte e mostram-se alegres,
nada se interessando pela alma e isto provém ou da loucura, ou de uma vaidade
mundana, ou de particular tentação do demônio. Aqueles que são duros sofrem tal
dureza ou pela sua malícia inveterada, porque sempre viveram mal, ou pela opressão
iminente da morte que os sufoca, ou porque se julgam ofendidos pela justiça ou por
quem os conduziu à morte. Nesse instante, situa-se o fundamental de todos os
confortos e remédios, pelo qual, quando necessário, se deve iniciar. Em seguida,
usem-se os remédios gerais, segundo sejam convenientes à pessoa e às
necessidades. Por fim, algumas especiais inspirações.
1427. O primeiro e o mais fácil será algum exemplo dos santos, os quais muito
padeceram pela outra vida, como os santos de vida austera e os mártires, ou como
alguns maus que se converteram à penitência e isso porque as histórias são ouvidas
de boa vontade e com atenção. Com isto se consegue o desejado fruto de conduzir a
mente do paciente ao mundo espiritual.
Depois de contado o exemplo, façam-se sobre o mesmo estas considerações.
Primeira, que agora aquele santo se encontra no céu. Pergunte-se ao paciente se
acredita nisto e aprofundar bem esta verdade: o seu sofrimento, que lhe mereceu o
céu, já passou e não retornará mais. Tentar que ele reflita bem nisto, acrescentando
que todas as coisas passam e tudo o que passa é brevíssimo. Mas não se alongue
demais ao caso do paciente, porque ainda não é a hora.
Em terceiro lugar, considere-se como é proveitoso um santo e forte propósito,
porque também o santo ou penitente, apresentado como exemplo, superou as
dificuldades da vida e ganhou a vida eterna através de firme e generosa resolução. E,
334
em seguida, louve-se a grande força da mente humana que pode superar qualquer
dificuldade e submeter o corpo e os sentidos. Acrescente-se que isto é algo louvável e
de pessoas magnânimas e até fácil com a ajuda da graça divina, com a condição, no
entanto, de abrir o coração, de receber esta graça e fazer estes atos heróicos.
[A fé católica]
1428. A segunda coisa para libertar a mente é a fé. Por isso, pergunte-se ao
paciente se tem a fé católica romana. Se disser que sim, indague-se se ele está
contente de ter essa fé e se a considera como graça de Deus. Se responder sim,
demonstre-se que foi Deus que lha deu, para que dela se utilize nas necessidades,
como fazemos nas demais necessidades normais da vida, como do alimento, do
vestir, das armas, dos amigos, etc.
Em seguida, demonstre-se que a fé faz-nos conhecer e considerar a verdade de
Deus e das coisas da vida. Para imprimir mais esta idéia, diga-se: A fé nos diz que
Deus existe, que ele nos criou e que governa todas as coisas; que não cai uma folha
de árvore sem sua divina providência, que existem o paraíso e o inferno; que o paraíso
está aberto aos penitentes e o inferno aos obstinados; que, com um ato virtuoso, feito
agora, pode-se conquistar os bens do céu e fugir dos males do inferno e ambos são
eternos. De tal modo que, com um ato brevíssimo, é possível dispor-se para a
eternidade. Se os condenados pudessem fazer este ato, ficariam contentes em
retornar a este mundo e serem enforcados, esquartejados, queimados, atormentados
com tenazes, etc., e isso mil vezes perante todo o mundo, tenham eles sido papas,
cardeais, imperadores, reis, príncipes, nobres, mulheres, etc. Não teriam medo de
nenhuma vergonha ou punição com a condição de poderem fazer este ato de
penitência, que os livrariam das penas eternas, tornando-os dignos da vida eterna.
1429. A fé também diz que a alma é imortal. Morrendo o corpo, ela não morre,
mas irá ou para o lugar de salvação ou de condenação. E unir-se-á a este corpo para
receber o que agora se ganha. Se bem que o homem morra, ele, porém, passado este
momento, se sentirá vivo na alma e se encontrará na outra vida ou bem ou mal. E que
a outra é vida e nós somos aqueles mesmos, que viveremos naquela como somos os
mesmos que vivemos nesta. Isto, como é verdadeiro, é preciso fazer que se
compreenda bem.
A fé faz compreender que Deus, para salvar os homens, fez-se homem, padeceu e
morreu. Esta consideração, nesse exato momento, servirá para encaminhar o homem
a pensar como é importante a salvação da alma, mais que do corpo, porque Deus veio
à terra para arrancar das almas o pecado - que é a morte deles - e doar a vida eterna.
Não quis isentar ninguém da morte, porque também ele se submeteu à morte.
1430. E porque os ignorantes não entendem este grande bem e porque quando se
fala de Deus permanecem cegos, deve-se comparar Cristo a um grande príncipe que,
agora, estivesse no mundo. Apresentar-lhes, então, o caso que ele aceitaria a morte
corporal para libertá-los da morte corporal, à qual estão condenados. Falando-lhes de
sua libertação, logo suas mentes internas abrir-se-ão.
Se eles entenderem que graça seria que tal príncipe morresse para libertá-los,
mostre-se então duas coisas. Uma é mostrar quanto mais importante é a vida da alma,
que é eterna que a do corpo, que é momentânea. A outra, quanto Deus feito homem é
maior do que qualquer outro príncipe temporal. Desta maneira, com estas e outras
considerações, esforce-se para que o paciente aceite, em seu ânimo, o pensamento e
a consideração sobre mundo espiritual e não permaneça submerso em seu momento
presente de morrer, que o sufoca.
[A Divina Providência]
335
1431. O terceiro passo para encorajar sua mente é fazê-lo compreender que Deus
governa tudo, especialmente os homens. Neste momento, deve-se usar o caminho
mais fácil e cômodo de acordo com as qualidades do paciente. Se é grosseiro, inicie-
se lembrando alguns de seus amigos ou parentes mais próximos, que morreu mal,
mas que se pode presumir que não tenha sido condenado. Pergunte-se se sabe se
morreu e como, se tem medo que tenha sido condenado ou não. E, se responder sim
a todas estas perguntas, acrescente-se, interrogando-o, se ele, estando em pecado
mortal, tenha estado em perigo de morte ou talvez tivesse morrido. Se confessar que
sim, mostrar-lhe que, se então tivesse morrido, agora estaria no inferno, onde os
sofrimentos são muito maiores que os da vida presente.
Em seguida, fazê-lo compreender como a Divina Providência o preservou da
morte, para que se salvasse eternamente. Nesse momento, penetre-se mais a fundo,
falando sobre a Divina Providência, em cujas mãos se encontra todo mundo e também
as vontades humanas e diabólicas, principalmente ao se realizarem os planos
humanos, porque por maior mal que se queira ou se trame, nada poderá ser feito se
Deus não quiser.
Procure-se que entenda bem este ponto e compreenda que tudo o que acontece
no mundo - de mal ou de bem - tudo ocorre pela vontade de Deus, que ou permite, ou
manda ou move e é para essa vontade que tudo convergirá. Servirá muito o exemplo
de Jó que referia a Deus o mal recebido do demônio, dos Sabei e de outros: "Deus me
deu e Deus mos tirou". Conte-se este exemplo com detalhes, para manter sua mente
ocupada e, pouco a pouco, o afaste da pressão da morte iminente.
Monólogo acrescentado
1432. Eis-me aqui, Deus de infinita piedade, Deus de eterna justiça, eis-me aqui
diante de vossa Divina Majestade. Sei que sou indigno de comparecer diante de vós,
que, por tantas vezes e em tantos modos, vos ofendi. Mas porque sei que vós não vos
indignais de receber quem, arrependido de vos ter ofendido e a vós recorre com
confiança, eis-me aqui, meu Deus, e me jogo em vossos braços e no seio de vossa
infinita misericórdia me abandono.
Confesso que pequei e vos neguei e que minhas culpas são muito mais e maiores
das que eu possa conhecer. Vós somente, que fostes ofendido, conheceis o número e
a grandeza deles, porque somente vós compreendeis o vosso infinito e a minha
malícia. Mas eis-me resolvido a colocar um ponto final às minhas ofensas, que até
agora, sem fim, cometi, por fragilidade, contra vosso poder, por ignorância contra
vossa sabedoria, por malícia contra a vossa vontade.
1433. Agora, detesto e aborreço, de todo o coração, os meus pecados. E isto não
por temor da pena, mas por razões de amor. Proponho que jamais transgredirei vossa
santa lei, nunca mais pisarei sobre vosso preciosíssimo sangue, como fiz no passado,
com tantos pecados cometidos. Toda vez que respiro, quero detestar tudo o que vos
desagrada. Meu amorável Jesus, quereria ter a dor e o ódio ao pecado
correspondente à sua gravidade. Por isso, suplico-vos aceitar, por mim, o ódio que vós
sentis contra o pecado. Pela dor que me falta, ofereço-vos vossas dores, ó meu caro
Jesus, as vossas santíssimas chagas, o vosso preciosíssimo sangue. Fazei que eu
seja aquele que grita por piedade e misericórdia. Qualquer outro sofrimento, qualquer
outra ânsia serão para mim delícias, contanto que sirvam de meio para amar-vos.
Ó caro meu Jesus, não me abandones em tantas necessidades, e tende piedade
para que deixe estes meus restos mortais, com vosso santíssimo nome em minha
boca: Ó Jesus, sede para mim Jesus!
336
Missões e Missionários
Giuseppe Santarelli
Tradução de Serafim José Pereira
337
1434. O capítulo XII da Regra bulada de São Francisco trata "daqueles que vão
em missão entre os sarracenos e infiéis". Portanto, na Reforma Capuchinha - que se
refunda em tudo e por tudo na vida e Regra do Fundador - não poderia faltar a
dimensão missionária.
Contudo, é preciso reconhecer que, na primeira fase da Reforma, caracterizada
por uma destacada tendência para a vida eremítico-contemplativa, essa dimensão
missionária estava apenas latente, em nível, se tanto, de aspiração. Nas Constituições
de Albacina (15290, não se fala de missões. Ao passo que as constituições de 1536
registram o apelo missionário, de acordo com o capítulo XII da Regra.
Num primeiro momento, a atividade missionária dos capuchinhos foi esporádica,
quase sempre assumida por iniciativa pessoal, como no caso de João Zuazo de
Medina del Campo e João de Troia, mortos no Cairo em 1551. Apenas em 1569
aparece a primeira expedição: esta, motivada principalmente pelo espírito missionário,
teve em vista a ilha de Creta (ou Candia), onde a Ordem tencionava estabelecer
algumas bases, além de difundir e consolidar a religião católica.
1437. Frei João era de uma cidade antiga na Apúlia, de nome Troia. Nasceu de
pais honestos, porém, não abastados. Ainda bem novo de idade, foi ajudante de um
cavalheiro espanhol, o qual, ao voltar para a Espanha e achando-se bem servido por
esse jovem, convidou-o para ir com ele para a Espanha; porém, não muito tempo
depois que morava na Espanha a serviço do patrão, viu, um dia, alguns frades da
reforma da Espanha da Província de Santo Ângelo. Levado pelo Espírito Santo,
resolveu deixar o mundo e fazer parte daqueles frades, dos quais ouvia falar bem, que
andavam permanentemente descalços, não bebiam vinho, usavam vestes toscas e
eram cuidadosíssimos na observância da Regra.
Para fazer severa penitência de seus pecados, recebeu o hábito na Província de
Santo Ângelo, mencionada acima, onde permaneceu, por alguns anos, em rigorosa
penitência. Daí ficar conhecido como Frei João Espanhol. Andava sempre descalço,
coberto com um grosseiro burel96. Jejuava quase continuamente. Nasceu-lhe um
desejo de morrer por Cristo, ir entre os infiéis e pregar a fé em Jesus Cristo, a fim de
receber deles o santo martírio. E, visto que se dizia a muitos santos homens que este
era um empreendimento de homens perfeitos, o servo de Deus exercitava-se em toda
sorte de mortificações, para que, ao acontecer que lhe fosse dado essa licença, se
encontrasse bem preparado e exercitado há longo tempo nas santas virtudes,
especialmente na humildade, fundamento de qualquer edifício espiritual.
1438. Aconteceu, como foi do agrado do Senhor, obter do Geral a obediência para
ir divulgar a fé na terra dos infiéis. Tendo ido à Itália, fez-se acompanhar do santo
homem Frei Bartolomeu de Città di Castello, e se transferiram para a terra dos
mouros. Pregando para eles com muita constância a fé cristã, desprezando a falsa lei
de Maomé, receberam daqueles mouros muitas pancadas e, depois, puseram-nos,
mais mortos que vivos, em um poço sem água, muito profundo, onde os mouros
costumavam conservar o trigo. Então, jogavam sobre eles, toda manhã, um vaso de
urina e outras imundícies, de maneira que a fedentina era tanta que, devido o lugar ser
apertado, estavam quase morrendo.
Eram quatro frades que ali permaneceram por cerca de vinte e dois dias. Porém,
não querendo o chefe dos mouros que fossem martirizados, mas preferindo tirar algum
lucro, mandou tirá-los de lá e os deu a um mercador cristão, que pagou por eles muito
dinheiro, com a condição de que os transportasse obrigatoriamente para a terra de
cristãos. Durante o tempo em que estiveram naquele fosso, alguns judeus, levados
pela compaixão, lhes davam pão e outras coisas necessárias.
1439. Todavia, Frei João, não se contentando com isso e inconformado com o fato
de ter estado tão perto do santo martírio e não ter morrido por amor de Jesus Cristo,
não ficou sossegado, enquanto não voltar sozinho, desta vez, a outro país de infiéis.
Aconteceu que, encontrando alguns mercadores cristãos que se dirigiam para a parte
dos infiéis, rogou-lhes encarecidamente que o quisessem levar em seu navio até que
chegassem à terra dos turcos, e, quando estivessem na costa do mar, o deixassem
em terra secretamente, para não lhes acontecer qualquer coisa de mal. E assim foi
feito.
Não muito tempo depois, foi encontrado por alguns daqueles turcos, que lhe
deram muitas pancadas e, depois de bem amarrado, o levaram depressa ao seu
96
Nota do tradutor: no original albagio, vocábulo do dialeto romagnolo.
339
chefe, com quem falou por meio de intérprete. Mas aquele turgimão97 lhe disse várias
vezes em língua italiana: "Padre, se disseres estas coisas ao nosso chefe, ele te fará
queimar vivo". Respondeu Frei João: "É isso mesmo que eu desejo, morrer por amor
ao meu Senhor Jesus Cristo". Respondeu o intérprete: "Não acredito que tu queiras
morrer, porque se fosse este o teu desejo, não precisarias vir até aqui perante nós,
mas te bastaria ir a Roma e dizer a verdade ao teu Papa e ele te faria morrer".
Frei João respondeu: "Ó miserável, tu és um cristão renegado, pois falas da nossa
maneira, tão bem". Disse o intérprete: "Não é verdade, sou mesmo mouro legítimo,
mas aprendi a língua cristã". Frei João acrescentou: "Fala, então, ao teu senhor como
lhe digo: "Como servo de Cristo e, em seu nome, lhe digo que, se não se converter,
morrerá condenado como Maomé, com todos aqueles que o seguiram". Disse o
turgimão: "Fica sabendo que te custará caro". Respondeu Frei João: "Dize assim
mesmo". E voltando o intérprete ao seu chefe, chamado cadi na língua deles, não lhe
disse o que Frei João exigia, porém, palavras mais suaves.
1440. E vendo Frei João que o cadi não se enfurecia, percebeu a manobra e, por
isso, voltou-se para o intérprete com grande fervor e disse: "Fala como eu estou te
dizendo". Provocado com estas palavras, o tal intérprete disse tudo ao alcaide.
Entendendo tudo, este se encheu de furor e mandou que ele fosse amarrado e jogado
no chão, fez-lhe dar mais de cinqüenta pancadas com uma régua nas plantas do pés e
outras pancadas sem conta na cabeça. E mandou-o pôr na prisão. Não mais o viu até
que apareceu a oportunidade dos mercadores; mandou transportá-lo, então, para terra
de cristãos, contra a vontade de Frei João.
Não se conformando com isso, Frei João voltou ali ainda mais duas vezes, mas
nunca permitiu o Senhor Deus que chegasse ao ponto de morrer; contudo não deixou
de receber deles inúmeros tormentos, como eu ouvi de sua própria boca, mostrando-
me a cabeça cheia de ferimentos, já cicatrizados.
Foi do agrado do Senhor que, encontrando-se na Espanha, ouviu dizer que, na
Itália, haviam surgido os capuchinhos e, pensando que mais facilmente conseguiria a
permissão por meio dos capuchinhos, foi a Roma com licença do Geral; mas como
viajava sozinho, mesmo tendo a obediência, não deixou de sofrer na viagem muitas
tribulações [... ].
Chegando, foi imediatamente procurar os capuchinhos e, recomendando-se a eles
com muita humildade, foi recebido pelo Padre Frei Ludovico de Fossombrone e
revestido do hábito capuchinho.
97
Nota do tradutor: o termo (turcimanno) designa o intérprete entre os países do Levante.
340
aqueles valorosos servos de Deus eram tão habituados a lutar contra os demônios nos
desertos e grutas, contra as diversas e muitas tentações que tinham sofrido naquele
tempo em que lhes parecia estar ociosos, quando não tinham ocasião de mostrar
quanto desejariam sofrer por amor de Cristo.
E foi por muitos meses que, todas as vezes em que se encontravam, refletiam
sobre os favores que Deus nosso Senhor lhes concedia e os inflamava interiormente.
E combinaram entre si irem todos à terra dos infiéis e pregar para eles a fé cristã e,
por esta, morrer. E diziam um ao outro: Não por outro motivo o Senhor nos tem
mandado tantas tribulações senão para nos fazer desprezar o mundo; somos
membros sem valor e todo o mundo nos odeia. Temos sofrido tanto que, agora, não
nos resta outra coisa senão nossa pobre vida: vamos oferecê-la a Jesus Cristo; e
como Ele por nós morreu, assim morremos por seu amor e para converter nosso
próximo à verdadeira fé.
1442. Sendo assim, o padre Frei Ludovico teve que se esforçar para que muitos o
deixassem de incomodar; e custou-lhe muito para convencê-los a se limitarem às
práticas da Regra, depois de terem saboreado a contemplação com tanta doçura e
estarem naquela austeridade tão habituados à solidão, a ponto de parecer algo difícil
conversar um com o outro, pois suas mentes encontravam-se tão absorvidas nas
orações e conceitos divinos, que qualquer outra ocupação lhes parecia errada.
Todo o objetivo deles era fazer oração e diziam: A base da Regra e da Vida
Religiosa não é outra coisa senão que, quando - com os meios indicados da
abstinência, da pobreza e do silêncio - as paixões e afeições desordenadas se
encontram dominadas e o corpo reduzido à sujeição do espírito, seja esta a sua
finalidade: a contemplação. Vã seria a observância da Regra nas coisas exteriores que
nos são ordenadas pelo Espírito Santo para mortificar a carne, se, depois de fazermos
todas essas coisas, não tivessem um objetivo pelo qual as fizemos, isto é, entregar-
nos à perfeita contemplação e permanecermos, quanto suporta a fragilidade humana,
unidos com Deus. Tudo o que Ele fez foi porque deseja ser amado.
1443. Encontrando-nos, pois, neste estado, onde por meio de perseguições fomos
milagrosamente colocados por Deus nosso Senhor, não nos parece conveniente,
depois de enfrentados tantos sofrimentos para chegar a este estado, deixar que se
perca, retornar mais uma vez às práticas, conversações, exercícios manuais e outras
ocupações supérfluas que, embora feitas por obediência e meritórias, não são
suficientes para quem pode fazer mais. Da mesma forma, um comerciante que pode
ganhar mil escudos não deve contentar-se com o ganho de dois baiocchi98.
Temos o exemplo do Seráfico Pai São Francisco que, embora, para mortificar o
corpo, se tenha submetido no início a muitos exercícios, o Senhor o fez passar ainda
por muitas tribulações. Mas, quando se encontrou purificado, esforçava-se de toda
maneira por evitar qualquer outra ocupação e se entregava totalmente à santa
contemplação. E assim conseguiu o maior lucro, pois pela alta contemplação foi
totalmente iluminado por Deus e iluminou todo o mundo, ao mostrar, com a sua vida e
sua Regra, o verdadeiro caminho de servir a Deus.
98
Nota do tradutor: Baiocco é a moeda de cobre usada nos Estados Pontifícios até 1866.
341
1445. O padre João Zuazo de Medina del Campo morou alguns anos na Província
de São Francisco, com muita tranqüilidade e satisfação e, em particular no lugar nos
Cárceri de Assis, cidade do seráfico pai São Francisco e dizia que de tal maneira tinha
impressas na mente as obras do seráfico Pai, que lhe parecia, para onde quer que
virasse o olhar, vê-lo prostrado de joelhos em oração; porque poucos lugares dos mais
afastados daquela montanha teriam deixado de ser banhados pelas lágrimas desse
Pai.
Aprouve a Deus que, chegando o venerável padre Frei Bernardino de Asti,
naquele tempo geral de nossa Congregação, para a visita a esse lugar nos Cárceri,
encontrando-se esse santo homem no tempo do Perdão de Assis, o grande servo de
Deus Frei João não conseguiu manter escondida aquela chama de fogo do Espírito
Santo que, continuamente, lhe incendiava o coração: morrer por Jesus Cristo. E mais
ainda, falando com o grande servo de Deus, Frei João da Apúlia, leigo, que, com o
mesmo desejo, havia, por mais de vinte anos, importunado os prelados, querendo ir
receber o santo martírio e não tinha jamais conseguido obter essa licença,
combinando entre si, resolveram pedir ao padre geral permissão para, primeiramente,
irem visitar os lugares santos, onde morreu o nosso Redentor e, depois, irem
encontrar os mouros para pregarem a santa fé de Jesus Cristo e, se necessário, por
ela morrerem, confiando na Sua graça para lhes conceder forças.
haveria língua que pudesse narrar com quanta devoção aqueles servos de Deus
visitaram os lugares santos. Depois, tomaram o caminho em direção à grande Cairo
do Egito.
Sofreram muitas coisas durante a viagem por estarem entre gente desconhecida,
mas, mesmo assim, ajudados pela graça divina, chegaram à cidade de Alexandria; e,
procurando um lugar para se alojarem, disseram-lhes: Mora um cristão aqui na nossa
cidade, que aprecia muito a religião franciscana. Enquanto procuravam, aprouve a
Deus que descobrissem ser ele prelado da religião, que se filiou à religião de São
Francisco; e, com muita caridade, recebia em sua casa todos os frades daquela
religião. E, depois de mostrar-lhe a obediência, foram com muita caridade recebidos
por ele. Ali descansaram alguns dias e mostraram àquele homem de bem o desejo
que tinham de morrer por Cristo. Foi esse homem quem informou aos cristãos e aos
padres tamanqueiros99 sobre o martírio desses dois servos de Deus.
1449. Aquele judeu, pensando que lhes estivesse fazendo um favor, foi dizer que
dois sacerdotes orientais ambulantes tinham coisa de importância para dizer a sua
senhoria e se lhe interessaria ouvi-los. O paxá mandou que fossem trazidos à sua
presença, o que foi feito imediatamente. Então Frei João, com grandíssimo e incrível
fervor, num longo sermão, anunciou-lhe o Cristo, acrescentando que, se não
recebesse a fé cristã, ele e toda a multidão de maometanos caminhariam para a
perdição com este tal de Maomé. O paxá ouviu com muita paciência essas palavras e
os fitava com olhar de piedade, pensando que, pelo muito sofrimento, houvessem
enlouquecido; e, por isso, mandou que lhes fosse dado comida e repouso, esperando
que, voltando a si ou por força ou por amor, ele os converteria para a diabólica seita
maometana e que seriam ótimos eremitas de Maomé.
1450. Depois de alguns dias, durante os quais tinham descansado bem, foram
levados à presença do paxá; o qual, ao vê-los, começou com palavras suaves a
persuadi-los a deixar a fé cristã. Ao lhes dar licença para falar, o sacerdote Frei João,
retomando grande fervor, glorificou e exaltou a fé cristã, vilipendiando e xingando
Maomé e sua lei, afirmando que não seria possível morrer naquela seita e encontrar
misericórdia diante de Deus.
Ao ouvir tais palavras, o paxá encheu-se de muita ira e mandou que fossem
duramente flagelados, o que foi cumprido imediatamente pelas mãos dos mouros. Mas
eles, recebendo pancadas atrozes e cruéis, com muito fervor, agradeciam ao Senhor
99
Nota do tradutor: no original, zoccolanti.
343
Deus, confessando com muita fortaleza que Cristo é o verdadeiro Redentor e Salvador
de todos e que todos aqueles que não crêem nele caminharão para as penas eternas.
E depois de flagelados até quase morrer, foram jogados num tenebroso cárcere. Ali os
pobrezinhos confortavam um ao outro dizendo: Já pusemos um pé no paraíso, em
breve nossas almas, com a palma do martírio, voarão para o céu.
1451. Muitos dias durou a prisão destes servos de Deus, quando sofreram
enormemente, sem comer, sem dormir, privados de tudo o que sustenta a natureza,
mas com rosto alegre e tão grande júbilo no coração que o transbordar do fervor tudo
lhes tornava suportável; as feridas que haviam recebido no corpo lhes pareciam rosas
e flores; e não cessavam de agradecer a Deus, que se dignara incluí-los no grande
exército dos santos mártires.
Muitas e muitas vezes, foram apresentados àquele tribunal, que, diante da
constância deles, os fazia flagelar de diversas maneiras; mas eles, sempre com maior
fervor, confessavam nosso Senhor Jesus Cristo. E quando, com as pancadas e outros
meios, os tinham reduzido a tanta fraqueza que aos pobrezinhos não havia restado
senão os ossos com alguma carne reduzida a feridas, foram, assim maltratados,
recolocados no mesmo cárcere.
O paxá, saciado e desabafado com o sangue deles, vendo que a vida deles não
iria longe, com muito ódio até de ouvir seus nomes e perdida toda esperança de poder
convertê-los, abandonou-os naquele cárcere, como pérfidos inimigos de Maomé;
desejava que, por si mesmos, morressem de fome. Não se falou mais neles, nem
houve mais por eles nenhuma preocupação.
1452. Neste ínterim, passou por ali o embaixador do rei da França, o qual, sendo
informado pelos mercadores cristãos sobre estes servos de Deus, foi pessoalmente ao
paxá e os pediu, por favor. Porém, indo ao cárcere, encontraram ambos mortos.
Sendo assim, não se fez mais nada. Parece que foram sepultados como cristãos.
Felizes, pois, estes servos de Deus que, com tamanho exemplo de vida religiosa e
finalmente com a palma do martírio, tinham concluído o seu curso de vida e, agora,
felizes e na bem-aventurança, podemos crer que rezam por nós no céu, Frei João e
Frei João, onde habitou a graça de Deus e, com o hábito capuchinho na verdadeira
observância da Regra, voaram para o céu.
Roma, 7 de junho de 1567. - O papa Pio V a Aloísio Delfino, bispo de Agia. Com o
seu breve, o papa pede ao bispo Delfino que prepare na ilha de Creta, para sete
frades capuchinhos, uma casa religiosa a ser canonicamente erigida.
344
1455. Nós, portanto, que desejamos, com intenso afeto, o aumento e pleno vigor
da religião e do culto, sobretudo em nossos tempos, condescendendo a estes pedidos,
com autoridade apostólica, em força da presente carta, concedemos plena e livre
licença a ti, venerável irmão, para mandar construir e preparar nessa ilha, num lugar
em que os frades possam sustentar-se facilmente com esmolas, uma casa - para o
uso e moradia de sete frades dessa Ordem, dos quais um seja o guardião pro tempore
segundo os usos e costumes dessa Ordem - com refeitório, dormitório, celas, igreja,
campanário, sino, pomar, horta e outros locais necessários para o trabalho, sem
prejuízo de outros; como também para ceder e entregar a esses frades essa casa para
uso e moradia deles, segundo os usos, costumes e Regra e constituições dessa
Ordem; também para deixar esses frades recebê-la e conservá-la em perpétuo; e para
estabelecer e decidir que os mesmos devam conformar-se aos usos dos institutos
regulares, bem como à observância das outras casas religiosas da Ordem.
1456. Nós, portanto, quando entregares a referida casa a estes frades como fica
proposto, concedemos, pela autoridade e em força do presente documento, à casa e
aos frades que nela morarem pro tempore, que usem, retenham, gozem - e possam
usar, reter e gozar - de todos e cada um dos privilégios, prerrogativas, imunidades,
isenções, favores, graças e indultos, de que as outras casas e os frades dessa Ordem
tenham feito uso, possuído e gozado até agora e que os conservem de qualquer forma
para o futuro.
Do modo mais absoluto, a quem quer que seja, de qualquer dignidade, estado,
ordem e condição, também sob pena de excomunhão e de outras sentenças, censuras
e penas, proibimos molestar, perturbar ou inquietar, os referidos frades sobre quanto
lhes está sendo concedido no momento, em perpétuo e para o futuro [ segue a
conclusão costumeira]
1458. Mas como tem sido igualmente manifestada pelo povo de Stettimo e de
Canea a mesma disposição em aceitá-los e providenciar-lhes um convento, mas
estes, devido ao pequeno número, não podem atender ao desejo e necessidade de
três cidades; porém, sabendo eu como vossa Ilustríssima e Reverendíssima mantém
particular proteção desta Ordem, resolvi, nesta ocasião, com meus respeitos, suplicar-
lhe que - ajudando, para a glória de Deus, esta pia e frutuosa obra - se digne dar
ordem para que sejam enviados para cá outros padres experientes para formar os três
conventos mencionados. Neste caso, um ou dois deles devem ser dos primeiros
pregadores que a congregação possua, sendo necessário que a devoção já suscitada
neste início se conserve e cresça, como esperamos que aconteça, dilatando-se esta
Ordem em todo o oriente.
Além de ser um aumento da religião latina e católica em benefício destas almas,
isso será também uma perpétua memória por estas partes do ilustríssimo nome do
senhor, por quem eu, com perene devotamento juntamente com esses padres,
desejarei, perante Deus Altíssimo, longa vida e a maior realização.
E agora, beijando-lhes respeitosamente a sacratíssima mão, recomendo-me,
quanto posso, à sua boa graça.
De Cândia, 26 de julho de 1568.
De vossa senhoria ilustríssima e reverendíssima
devotíssimo servo
bispo de Sitia, sufragâneo de Candia
1460. Aos reverendos caríssimos em Cristo, padres Frei Pedro de Croce, Frei
Egídio de Santa Maria, pregadores, e Frei Dionísio de Roma, sacerdotes da Ordem
dos frades menores capuchinhos de São Francisco, Frei Jerônimo de Polizzi, geral
(embora indigno) da mesma Ordem, saudação sempiterna no Senhor.
Já que, seguidores do zelo de nosso seráfico Pai pelas almas (sobretudo dos
infiéis) e desejosos de seguir o conselho do mesmo santo Pai expresso na Regra, nos
tendes humilde e insistentemente pedido, conceder-vos a permissão e bênção para
passar aos países dos infiéis e particularmente à cidade de Constantinopla e lá pregar
o evangelho de Cristo, administrar os divinos sacramentos aos fiéis e exercer outras
obras de misericórdia e caridade como verdadeiros filhos de um Pai tão católico e
apostólico.
1462. E, para que possais exercer mais puramente e com maior lucro de méritos
uma tão grande tarefa, ordenamo-vos, em virtude da santa obediência e vos damos,
além disso, nossa licença e autorização para cuidar das almas e dos corpos como se
concede normalmente aos súditos, salvaguardando sempre a pura observância da
Regra e da vossa profissão religiosa.
Por estes motivos, pedimos a todos os religiosos e seculares, entre os quais
acontecer de estardes, que vos acolham com benevolência e vos prestem os bons
cuidados de caridade, certos de receberem do Senhor um abundante prêmio.
Passai bem no Senhor e Deus torne feliz a vossa viagem.
Dado em Roma, na nossa casa de São Boaventura, dia 20 do mês de junho de
1587.
(lugar do carimbo)
1463. E para que tudo proceda e se faça em ordem, pela presente decidimos e
nomeamos a ti, padre Frei Pedro de Croce, com toda a nossa autoridade e poder,
superior e guardião dos irmãos acima e de qualquer outro que chegar àquelas terras.
E mandamos a esses que te respeitem e obedeçam em tudo que não for contra Deus
e contra a nossa Regra; e te concedemos e transmitimos aquela mesma autoridade
que nós temos sobre eles, de maneira que possas exercê-la em respeito a eles,
quando for oportuno.
Tu, portanto, como bom pastor, cuidarás de nutrir, com o ensino e exemplo, o
rebanho que te é confiado. E na falta do padre Frei Egídio, te acrescento o padre Frei
José de Leonissa, sacerdote e pregador da nossa Ordem, e, além disso, Frei
Gregório, também ele de Leonissa.
Dado em Assis [Cárceri] 1º de agosto de 1587.
A Clemente VIII
1468. Graças a Deus, chegou a santa paz; mas, até agora, não somente não se vê
ajuda, mas os hereges se tornaram mais arrogantes, resolvendo entre eles não querer
assistir às pregações dos católicos; quem vier é castigado e quem passar a católico é
ameaçado de morte. Uniram-se aos hereges de Pragellato; a verdade é que pouco ou
nenhum fruto se colhe, nem se espera, nesses vales. Estive ali durante dois anos;
depois, por ordem do ilustríssimo monsenhor núncio, vim para o marquesado de
Saluzzo, numa região de presídio chamada Dronero e, pelos genebreses, pequena
Genebra, onde atualmente me encontro; chamam-na assim não por serem todos
hereges, mas apenas uma quarta parte; não porque o governador seja herege, mas
porque, já há muitos anos, o filho do senhor de Manta mantém o governo; e já que sua
beatitude conhece muito bem aquele ilustríssimo cavaleiro - tendo mandado uma carta
pastoral com bênçãos para ele - lugar-tenente de sua alteza em todo o marquesado de
Saluzzo, não preciso dizer mais nada, senão que, muitas e muitas vezes, me disse
que, chegando a paz e sendo isso do gosto de sua alteza, prometia sob seu comando
[...] fazer todos os hereges do marquesado passar a católicos.
1469. Acredito nisso, porque [...] todos acreditam; e, no ano passado, ele
conseguiu que os principais deste lugar resolvessem passar a católicos, fato que
agradou a sua alteza e ao ilustríssimo monsenhor núncio. Ora, a causa por que os
genebreses chamam este lugar de pequena Genebra não fora de propósito e vejo que
100
Trad.: Vai, Francisco, e repara a minha casa, que está ruindo.
349
isso se tornará verdadeiro, caso não for aplicado um remédio, o que afirmo com
lágrimas nos olhos; os hereges já tentaram, por duas vezes, assenhorar-se desta
terra, com a intenção de implantar a sede no Piemonte, para infeccionar a Itália.
Primeira coisa: os forasteiros, como os que foram expulsos de várias partes do
Piemonte por sua alteza por causa da heresia, vieram, com espírito maligno e
perverso, habitar em Dronero e controlam quase tudo; atualmente, sendo alguns, pelo
mesmo motivo, constrangidos a largar suas casas, resolvem vir eles também. Tendo
feito queixa a quem de direito, responderam-me que no marquesado se permite
liberdade de consciência e, sem ordem do príncipe, não querem dar vexame a
nenhum deles. E, deste modo, a terra se contamina mais, conquistando a heresia mais
poder.
Uma segunda coisa é sobre os livros, porque em todo o marquesado há livros
heréticos e proibidos, mas especialmente neste lugar são lidos livremente seja em
companhia ou em particular; seja em casa ou fora de casa; seja na presença de
católicos ou entre eles. Nesses livros não há falsidade que não se encontre, não há
injúria que não se diga contra Jesus Cristo, seus santíssimos sacramentos, chamando
a santa Igreja de Babilônia, meretriz e outras blasfêmias semelhantes que, por
modéstia, deixo de mencionar. Com isso, fortificam-se os hereges na sua perfídia,
escandalizando os simples e iletrados e, às vezes, fazendo vacilar a mente dos
verdadeiros fiéis.
1471. A sétima é que se usam, nesta terra, juros exorbitantes, pelo que, ficando
amarradas as consciências, tornam-se os católicos incapazes dos santíssimos
sacramentos e os hereges mais dificilmente se tornam aptos a passar a católicos.
A oitava é que existe igreja prestigiadíssima nesta terra, com prestigiadíssima
renda, além de capelas titulares, mas com os altares despojados e os bens das
capelas usurpados, porque até os hereges - ou melhor, os ministros - estão na posse
destes bens, e a Igreja, sem a residência do pastor, mantendo somente padres
mercenários e ignorantes. Acho que, enquanto se briga por este benefício, seria
350
1473. Beatíssimo Padre, se há decisão tão santa é esta a hora, porque Deus fez
com que estes príncipes resolvessem remeter a questão do marquesado ao juízo de
sua beatitude e encontra-se residente no marquesado o monsenhor núncio, ao qual é
necessário que vossa beatitude ordene e comande que não saia, mas que procure
providenciar quanto for necessário, até que tudo, para a glória de Deus, seja resolvido.
Tenho fé que jamais se apresentará tão bela ocasião. As missões serão uma
frustração, tendo tantos opositores que favorecem os hereges; bem cedo, este
marquesado será um monturo de heresias, com grave detrimento para toda a Itália,
como aconteceu em outros reinos e estados; e toda a reforma feita depois que o
sereníssimo duque possui o marquesado, tudo será frustratório e vão.
Portanto, humildemente prostrado aos pés de sua beatitude, com lágrimas nos
olhos, suplico que, quando estiver com sua beatitude o sereníssimo duque de Sabóia,
digne-se demonstrar-lhe os grandes excessos que cometem os poucos hereges no
marquesado, especialmente em Dronero, dizendo-lhe que abusam dos santos
sacramentos, especialmente do batismo e matrimônio, e quanto dano trazem os livros
feitos pelos hereges, o caso dos forasteiros, dos notários heréticos, dos relapsos, da
vinda dos falsos ministros, da educação dos filhos e da maldita resolução deles de não
ouvir as pregações dos católicos e tudo isso sob pretexto de liberdade de consciência;
pelo que Deus é ofendido gravemente e também a santa Igreja. Diante do grave
351
prejuízo para as almas, exortando-o firmemente sobre isso, ordene-lhe e imponha que,
no marquesado, se viva catolicamente, debaixo da obediência da Igreja Católica,
Apostólica, Romana; quem não quiser, que se mude.
1474. Quanto aos outros vales, Lucerna, Angrogna, Perosa, Santo Martino, a fim
de que os padres da missão possam ajudar aquelas pobres almas enganadas, que ele
mande os hereges desocupar aqueles estados e que o povo seja obrigado a ouvir as
pregações dos pregadores mandados por vossa santidade; aqueles do povo que
persistirem nos seus erros não possam ter permissão para habitar na planície do
Piemonte para pastorear seus rebanhos no inverno, como se costuma; este será, no
momento, para aqueles vales ótimo remédio, desejado até por muitos de seus
hereges.
E, para demonstrar a exigüidade dos hereges no marquesado, mando à sua
beatitude o nome das terras contaminadas, com o número de casas, bem como a lista
dos forasteiros do Dronero, lista dos matrimônios entre católicos e hereges e das
crianças nascidas desses matrimônios e batizadas na Igreja e que vivem na heresia,
lista dos notários que juraram a fé católica, tudo isso para justificar-me, se alguém
quiser contradizer. E se, acaso, sua beatitude não julgar oportuno tomar providências
sobre isso agora, suplico-lhe que se digne permitir a mim, juntamente com os outros
frades nossos, retirarmo-nos para os nossos conventos, por não haver esperança de
se obterem os frutos desejados e não podendo tolerar ver Deus tão desonrado e
odiado pelos funcionários de sua alteza por causa dos recados que são levados a
vossa beatitude, ou ao ilustríssimo monsenhor núncio, sobre estes inconvenientes.
1475. Rogo-lhe, outrossim, que não queira atribuir este meu escrito à presunção,
pois tudo foi para meu desencargo de consciência; se houver falta, quem sabe movido
por excessivo zelo, peço perdão ao Senhor Deus e a vossa beatitude.
Entretanto, continuarei a rogar a nosso Senhor Jesus Cristo por sua beatitude,
para que lhe conceda a graça de expurgar o marquesado destes pobres hereges, para
a segurança da Itália, visto que a sua Divina Majestade a favoreceu ao providenciar
um rei tão grande para a Santa Igreja e conquistou um reino tão turbulento,
consolidando uma grande paz entre os príncipes cristãos.
E humildemente beijando os sagrados pés, peço a sua bênção.
De Drovero, aos 19 de novembro de 1598.
De sua beatitude
humilde servo em Jesus Cristo
Frei Valeriano Berna, capuchinho
1476. A vida dos missionários capuchinhos nos vales do Piemonte, passada fora
dos conventos, sem oportunidade e a possibilidade de seguir as práticas da vida
comum e da mendicância, suscitou dúvidas e perplexidade em alguns capuchinhos e,
de modo particular, nos superiores. No dia 19 de março de 1604, o padre Paulo Maria
Pergamo de Asti, vigário provincial de Gênova, de cuja jurisdição dependiam então os
capuchinhos piemonteses, enviou alguns quesitos ao padre Santi Tesauro de Roma,
especializado na exposição da Regra. Este, em 6 de julho seguinte, deu-lhe clara
resposta, numa justa valorização da exigência prioritária da salvação das almas, que
legitima o derrogar algum preceito da Regra, segundo a intenção de São Francisco.
1478. 3º. No caso de não se poder, nessa missão, observar as coisas essenciais
da Regra, pelo preceito da Regra no capítulo X, onde se manda que, quando o frade
não pode em algum lugar observar a Regra espiritualmente, é obrigado a recorrer ao
prelado para ajuda, para que lhe seja dado um lugar onde possa observá-la; e como
não observar a Regra espiritualmente, segundo a exposição da Regra, é quando, por
causa de uma ocasião próxima, se encontra em perigo a castidade, quando não se
pode observar a pobreza, porque se lhe anexa a propriedade, ou quando, por causa
da pobreza do lugar, não se pode viver da mendicância e precisa procurar recursos
não recomendáveis quanto à pureza da Regra, ou outras coisas semelhantes, que não
vou prolongar; pode-se consultar o Quattro Maestri, São Boaventura, I Pisani.
E, em vista do mesmo preceito, o prelado é obrigado, quando o súdito recorre, a
oferecer-lhe meios para que possa observar a sua Regra; do contrário, peca
mortalmente, porque - segundo Corduba, no capítulo X, o mesmo vínculo e preceito
com que a Regra obriga o súdito a recorrer, da mesma forma obriga o prelado a
atendê-lo, e, conseqüentemente, se o súdito sabe que, em determinado lugar, não
pode observar a Regra espiritualmente, não pode ir para lá e não é obrigado a
obedecer ao prelado, porque está lhe mandando uma coisa que é contra a Regra e a
alma. Assim, também o prelado, se o mandar para um lugar tal que não o pode
mandar, peca mortalmente.
1479. 4º. Nós não podemos usar privilégios que dispensem da observância da
Regra, porque a todos esses privilégios já temos renunciado, como se vê em nossas
constituições. E nós, emitindo profissão de viver segundo a pureza e simplicidade da
Regra, não devemos buscá-los nem nos preocupar com eles.
5º. Se o papa, como quem habet plenitudinem potestatis102 sobre a Igreja e a
religião, nos manda e dispensa em alguma coisa ex causa vera103, porém, as coisas
que são de jure divino104, como são os votos que fazemos, não pode o papa dispensá-
las sem verdadeira causa, como afirmam todos os doutores, pois, se o fizesse sem
motivo algum, não seria dispensar, mas dissipar. Somos, portanto, obrigados a
obedecer; porém, é necessário que o papa esteja bem informado da causa e
veracidade do fato, pois, não sendo bem informado e não existindo verdadeira causa e
suficiente, o que for dispensado non est tutus in conscientia105.
6º. Agora, colocadas essas coisas, respondo a carta de vossa paternidade:
101
Trad.: não se devem fazer coisas más para que aconteçam coisas boas.
102
Trad.: tem a plenitude de poder.
103
Trad.: por causa verdadeira.
104
Trad.: de direito divino.
105
Trad.: não é (está) assegurado na consciência.
353
1480. 1º. Se as coisas que são ditas na informação citada são verdadeiras, os
súditos não podem estar em boa consciência e são obrigados, pelo preceito da Regra,
a recorrer ao prelado para a solução; e, se são mandados para esse lugar, não são
obrigados a obedecer; e os prelados são obrigados a dar uma solução no caso de
recurso e, se não houve recurso, removê-los com a autoridade que possuem, pois
sabem que aí não se pode observar a Regra espiritualmente. Porém, precisa notar se
tais problemas vêm não pela condição de lugar, isto é, que os frades, estando lá, não
possam viver e estar segundo a nossa observância da Regra, mas por causa dos
frades relaxados, que não querem viver como são obrigados pela profissão, mas com
independência, conforme o próprio capricho e comodidade.
Em tal caso, é preciso que vossa paternidade afaste, de qualquer maneira, esses
frades e, se estes se valerem do favor de sua alteza, do senhor núncio e de outros
favores do mundo, é necessário que vossa paternidade dê satisfação a esses
senhores, informando-lhes sobre os problemas e vida relaxada desses frades, sem
nenhuma ressalva, porque, sendo esses senhores informados sobre as coisas que
acontecem, sem dúvida alguma, ficarão satisfeitos com o afastamento deles, porque
estou certo de que não quererão a ofensa de Deus e prejuízo da religião,
especialmente se vossa paternidade se oferecer para mandar outros frades bons e
exemplares; e, nesta circunstância, vossa paternidade não fique preocupado por
escandalizar aqueles senhores, ao fazê-los saber os defeitos desses frades - porque,
para remediar a ofensa a Deus, não se pode agir de outra maneira - pelo contrário,
ficarão edificados, vendo que vossa paternidade zela pela honra de Deus e da religião.
Porém, não deixe vossa paternidade de executar este dever com toda a veemência,
ou, no caso de não poder pessoalmente, faça com que seja feito; e então se
participará ao senhor cardeal Aldobrandino e, também, se for preciso, a sua
Santidade, de modo que daqui não terão ajuda nem favor nenhum.
1481. 2º. Mas se aí não se pode viver de fato da mendicância e estar de acordo
com a observância da Regra, precisa ver: se for possível, com boas maneiras e sem
escândalo, transferir os frades, sejam transferidos; no caso de não se poder, é preciso
informar bem o papa, fazendo-o saber que, naquela atividade, os frades não podem
observar a Regra. Se, então, o papa, com a sua autoridade, ordenar que os frades
permaneçam e que os dispensa, deve-se obedecer; porém, mesmo assim, usem os
frades toda diligência possível para viver da mendicância, segundo nosso estado de
pobreza e não como fidalgos, exigindo pão branco, vinhos especiais, pitança106 e
especiarias em toda refeição.
3º. Tendo que mandar frades, vossa paternidade ou o prelado, a quem competir no
futuro, é obrigado a mandar, para uma obra de tanta importância, frades bons,
instruídos, exemplares e não qualquer tipo de frades; e quando não corresponderem
ao seu dever, mandá-los embora.
4º. E, sendo necessário que os frades continuem nesse trabalho, deve-se usar
toda diligência possível para construir ali um lugar, onde os frades estejam com a
devida religiosidade, como convém ao nosso estado e à nossa profissão, para evitar
os muitos descontroles e perigos que se correm, estando os frades em liberdade fora
dos lugares.
Digo isso conforme minha opinião, remetendo-me ao parecer de quem entende
melhor. A informação aqui enviada por vossa paternidade a conservarei para o
Capítulo Geral, para que os padres sejam bem informados das coisas, como estão
acontecendo.
Com isso, termino, saudando-o e me recomendando às suas orações.
De vossa reverenda paternidade
106
Nota do tradutor: Pietanza vem da mesma raiz que pitança (iguaria); nos conventos significa
um segundo prato especial.
354
servo no Senhor
Frei Santi Romano, capuchinho
1484. O padre Cláudio entrou para a Ordem capuchinha em 1601. Em 1612 partiu,
juntamente com outros três co-irmãos, para a missão do Maranhão. Voltando à pátria,
morreu em 1632, na Província de Paris, à qual pertencia.
Deixou dois trabalhos sobre o Maranhão: 1. "L'arrivée des Péres Capucins en Inde
nouvelle appellée Maragnan" (Paris 1612), reeditada, várias vezes, nos anos
ulteriores, além de uma tradução em alemão, em 1613; 2. "Histoire de la Mission des
Pères Capucins en l' Isle de Maragnan et terres circonvoisines" (Paris 1614), traduzida
em português em 1874 e reeditada em 1963.
Os escritos de padre Cláudio são de importante interesse histórico, não só para o
início e evolução da missão, mas também para estudo da vida e costumes dos índios
no Maranhão.
107
Nota do tradutor: Isto é, do francês para o italiano.
355
Vão aqui as páginas que descrevem a primeira missa celebrada naquela terra e a
colocação da cruz no Forte de São Luiz, tomando os textos da "Histoire de la Mission",
conforme a edição original de 1614.
1486. Quando chegou o ofertório, foi fechada a entrada da cabana segundo as normas
da Igreja, que admite a presença somente de fiéis cristãos a este divino mistério.
Ficaram muito admirados e surpresos, tanto por serem privados da alegria que
experimentavam ao nos assistir, quanto pela ofensa que pensavam ter recebido. Até
alguns dos católicos se escandalizaram, por não serem bem instruídos sobre a
separação dos catecúmenos e infiéis durante o ofertório e o divino mistério, de acordo
como manda a Igreja, supondo-se que estes não saberiam apreciar estes momentos.
Os índios entenderam que não poderíamos admitir senão os que fossem
batizados; restou-lhes somente um grande desejo de receberem logo instrução e
batismo, a fim de, para sua grande alegria, poderem gozar da graça e participar dos
frutos admiráveis que os fazíamos perceber, reservados pelo Salvador do mundo, o
qual está realmente e de fato presente neste Santíssimo Sacramento.
Desde então, ao participar da missa, ao descer da cobertura na entrada da
cabana, afastavam-se logo espontaneamente, com exceção dos batizados, que
assistiam tudo sem interrupção até o fim, como os franceses, contentando-se em
contemplar no seu interior o que não podiam ver com os olhos.
1487. Tendo sido arrumadas todas essas coisas, foi dito aos índios que, se
quisessem fazer aliança com os franceses e abraçar a sua religião católica, apostólica
e romana, como tinham prometido tantas vezes, precisavam, antes de mais nada,
plantar e levantar solenemente o símbolo da santa cruz, que para todos serviria como
testemunho do desejo que eles tinham de receber o cristianismo, memória perene
para eles e para toda a posteridade; e também como testemunho da finalidade pela
qual estávamos tomando posse de suas terras em nome de Jesus Cristo, conforme o
pedido que eles próprios tinham feito ao nosso rei cristianíssimo, de modo que, por
meio e em virtude deste glorioso sinal, eles fossem sempre vencedores de todos os
seus inimigos e da escravidão do cruel Jurupari, que é o diabo; e, restituídos à gloriosa
356
liberdade dos verdadeiros filhos de Deus, após a regeneração pela água do santo
batismo.
Este sermão agradou-lhes de tal maneira que resolveram reunir-se no dia 8 de
setembro [de 1612], dia da Natividade da Santíssima Imaculada Virgem Maria.
1490. Logo que terminou o sermão, o senhor Des Vaux explicou, aos chefes dos
índios e aos outros de seu povo que estavam presentes, a razão daquela cerimônia e
o motivo por que erguíamos aquela cruz, dizendo-lhes que se tratava de um
testemunho da aliança que eles faziam com Deus e uma confissão solene de que
abraçariam a nossa religião, renunciando totalmente ao maldito Jurupari, que não
poderá mais sustentar-se diante daquela santa cruz, que ia ser benzida, e será
obrigado a abandonar o lugar onde ela está plantada.
Para isso eles teriam, antes de tudo, de renunciar o errado modo de vida e,
principalmente, não comer mais carne humana, mesmo do pior inimigo; em segundo
lugar, teriam que obedecer às nossas leis e tudo aquilo que os Paí (os missionários)
lhes ensinassem; finalmente, combater gloriosamente debaixo deste poderoso sinal e
preferir mil vezes morrer do que permitir que aquela cruz fosse tirada de lá depois de
plantada.
1492. Depois dos franceses, também os índios todos a adoraram, um a um, com
incomparável respeito e humildade. Em primeiro lugar, adiantaram-se os chefes com
particular devoção, servindo de bom exemplo a todos os outros: estes vinham
cobertos com vistosas casacas azuis-celeste, trazendo, na frente e nas costas, cruzes
brancas; foram-lhes oferecidas pelos tenentes-generais para esta cerimônia e outras
solenidades semelhantes. Foram seguidos pelos velhos e anciãos e, por fim, por todos
demais índios presentes.
Chegavam todos em ordem, um a um, com as mãos postas, sem confusão, para
prostrar-se de joelhos no chão diante da cruz, como nos tinham visto fazer, adorando-
a, beijando-a com muito respeito, humildade e devoção, como se toda a vida deles
tivesse sido formada para o cristianismo. Assim, pelo exterior deles, se podia ver que o
Espírito de Deus cobria estas pobres almas selvagens e as preparava, pelo influxo de
sua graça, para abraçar a verdadeira religião. Não fazeis uma idéia da quantidade de
lágrimas que desciam de nossos olhos, ao vermos venerandos anciãos e crianças
prostrar-se daquela maneira aos pés da santa cruz!
1493. Quem poderia descrever o fervor deste povo ao ajudar a nós franceses a
erguer este glorioso estandarte dentro em sua terra? Vós os podeis ver porfiando em
levantar, com indizível zelo e coragem não de pagãos, mas realmente cristã,
triunfando assim, vitoriosamente, sobre esse cruel e maldito Jurupari, ao qual,
publicamente, renunciaram por este ato heróico e cristão, depondo-o e afastando-o do
seu reino, para acolher e ali entronizar o monarca soberano do céu e da terra, Jesus
Cristo.
108
Trad.: Surgem os estandartes do Rei.
109
Trad.: Ó cruz, ave única esperança.
358
sua irmã na terra: Maria de Medici, rainha da França e Navarra, que a divina bondade
queira conservar por longo tempo.
1495. O padre Ivo, nascido por volta de 1577, vestiu o hábito capuchinho em 1595.
Em 1611, foi destacado para superior do pequeno grupo de missionários com destino
ao Maranhão, onde chegou no ano seguinte. Trabalhou ali por três anos. Depois,
atingido por uma forma de paralisia e por causa também das longas e penosas
viagens, teve que deixar a missão, em 1614, contra a sua vontade. Morreu depois de
1620, em data incerta.
Ivo de Evreux deixou a obra seguinte: "Histoire de la Mission des Capucins dans
l'Isle de Maragnon en 1613 e 1614 (Paris, 1615), republicada em Lipsia e Paris em
1864 por M. F. Denis com o título "Voyage dans le Nord du Brèsil fait durant les
années 1613 e 1614 par le Père Yve d'Evreux", traduzida em português em 1929.
Trata-se de uma narração animada por forte entusiasmo missionário. Destacamos,
aqui, duas passagens: um sobre a construção das capelas de São Francisco e de São
Luiz (1613-1614); outro sobre a interessante iniciativa do capuchinho de traduzir na
língua dos índios Tupinambás do Maranhão o catecismo cristão, dando realce em
primeiro lugar ao "Pater Noster" e "Ave Maria". A iniciativa é significativa, também por
se apresentar com uma tentativa de "inculturação" ante litteram110.
1496. [...] Os primeiros sacrifícios que Deus recebeu do povo de Israel, quando
este tomou posse da Terra da Promissão - de onde este povo baniu a infidelidade -
tiveram lugar debaixo de tendas e barracas do Tabernáculo; porém, depois da
construção do Templo, ali foram oferecidos aqueles mesmos sacrifícios.
Algo semelhante nos aconteceu, a nós que estivemos naquelas paragens
(Maranhão) cheias de infidelidade e ignorância de Deus, - povoado de diabos
tiranizadores daquelas pobres almas, suas prisioneiras - para levar-lhes a luz do
evangelho, expelir a falta de fé, expulsar os demônios, implantar e construir a Igreja de
Deus. De fato, celebramos os santos sacrifícios sob uma bela tenda, durante quatro
meses ou mais, entre o verde das árvores.
Depois, quando partiu para a França uma parte de nossa expedição à procura de
ajuda e a outra permaneceu para fundar a colônia, fizemos construir a capela de São
Francisco do Maranhão, num lindo e agradável recanto, vizinho ao mar, provido de
uma bela fonte permanente. Ali escolhi minha habitação, como no convento, para
servir os religiosos que esperava virem em meu auxílio.
1497. Esta capela ficou concluída na vigília do Natal, dia mais que indicado,
correspondendo à devoção de São Francisco, a quem a capela era dedicada. De fato,
entre todas as festas do ano ele destacava aquela Noite, toda luminosa e sem trevas,
do nascimento do verdadeiro Sol, Jesus Cristo. O santo Pai tinha o costume de
construir um presépio, onde passava essa Noite em alta contemplação do mistério da
Encarnação e a tão extraordinária descida do Altíssimo à terra.
Na verdade, nesta pequena capela feita de madeira e coberta de palmas, mais
semelhante a um presépio do que aos ricos templos da Europa, eu ficava muito feliz,
ao sentir que nós franceses salmodiávamos, com grande devoção, as matinas dessa
Noite; depois, aproximando-nos do sacramento da penitência, receber o próprio Filho
110
Trad.: antes da palavra, isto é, antes de ter surgido este conceito.
359
2. Doutrina cristã na língua dos Tupinambás: Pai Nosso e Ave Maria. 111
111
Nota do tradutor: A transcrição, naturalmente, é conforme a fonética francesa.
360
Santos e Santidade
Mariano D'Alatri
Tradução de Serafim José Pereira
362
1505. Quando lhe sobrava tempo, ou não podia sair por causa do mau tempo,
fabricava cruzinhas de buxo, hoje cercadas de tamanha veneração que todo mundo
procura adquirir uma.
Não sabia ler nem escrever, nem conhecia as letras; em sua conversação, era
afável com todos, embora fosse solitário e evitasse ficar conversando. Costumava
rezar certas orações, que ele chamava de canções, e geralmente as ensinava aos
meninos. Uma delas era a seguinte: O Giesù, Giesù, figliulo di Maria, chi ti possedesse
quanto bene averia!112
1506. Uma vez, saindo eu com Frei Félix para esmolar nesta cidade (mais ou
menos há dez ou doze anos), Frei Félix foi chamado à casa de uma nobre senhora
que, apresentando-lhe três filhinhos, disse-lhe: "Frei Félix, aqui estão os teus
filhinhos"; e ele os acariciava e os chamava pelo nome. Recordava-se do nome de
todos os que conhecia. Na ocasião íamos esmolar vinho e aquela senhora deu-nos a
esmola. Quando partimos, Frei Félix me disse: "Não te escandalizes, pois esta
senhora, uma vez, me disse que não tinha filhos e que eu rezasse a Deus por ela para
que lhos desse e eu respondi: Não tenha dúvida, em breve a senhora dará à luz um
filho homem. E ela teve filhos, como vistes; por isso os chamou de filhos meus, como
ouviste; naquele tempo, quando esta senhora me disse aquelas palavras, eu nunca a
tinha visto, nem sabia quem era ela". Eu não a conheço, mas sei a casa onde morava,
vizinha de Cortesavella, entre Cappellari e Cortesavella; para quem vem de Cappellari
para Cortesavella, fica à direita; eu reconheceria a casa; o marido me parece que era
comerciante ou vendeiro.
1507. Ouvi dele e de outros, mais de uma vez, que ele era de Cantalício; ouvi dizer
que nascera de família pobre e que, no século, tomava conta dos bois; e que teve a
inspiração de vir para a religião quando ouviu ler a Vida dos Santos Padres, onde se
conta que alguns comiam talos de ervas nos desertos do Egito. E veio-lhe um grande
desejo de querer sofrer, resolveu entrar para a religião e ir para aquele lugar sem ter
nada para comer.
Este Frei Félix costumava dizer que viera para a religião pensando não ter pão
nunca mais; contudo, "pela sua graça, Deus teve a bondade de fazer-me senhor de
todo o pão de Roma", por não fazer outra coisa senão carregar pão nos ombros.
Também dizia Frei Félix que, quando havia carestia e ninguém ou poucos conseguiam
ter pão, ofereciam a ele uma grande quantidade. Encontrando um importante senhor,
que lamentava não ter conseguido pão, pedindo a Frei Félix que lhe desse dois
pãezinhos, este de boa vontade lhos deu.
1508. Faz mais ou menos dezenove anos que entrei para a religião, mas não
permaneci este tempo todo em Roma, porque ia e vinha conforme me era mandado
pelos superiores. Durante o tempo que tenho estado em Roma, conversei com este
Frei Félix e, especialmente, de um ano e meio para cá, quando fui seu companheiro
de mendicância.
Conheci Frei Félix, de ótima vida e costumes e humilde na conversação; disse-me,
mais de uma vez, que, se os superiores lhe ordenassem ir para outro lugar que não
Roma, iria com muito prazer para fazer a obediência.
Não me lembro de outra coisa a não ser que, indo com ele para a mendicância, o
senhor De Rustici, a cuja casa tínhamos ido para pedir, lhe disse: "Frei Félix é um
hipócrita e vai roubando pão na Roma inteira". Mas ele não respondeu nada nem deu
sinal de perturbação, apenas sorria.
112
Trad.: Ó Jesus, Jesus, filhinho de Maria, quem te possuísse, quanto bem teria!
364
1509. Todas as palavras que ele dizia eram sempre boas e de edificação. E
quando íamos à casa de alguma matrona, costumava dizer-lhe: ” A senhora não dá
livremente seu coração a Cristo como faz fulana de tal" (e citava outras que não
tinham nem marido nem filhos) "porque a senhora entregou o seu coração ao marido e
aos filhos". E, exortando-lhe a entregar seu coração a Cristo, ensinava-lhe uma
canção que dizia: "Giesù, Giesù, piglia lo mio core, e non me lo render piú"113.
Fugia de conversação o mais que pudesse, mesmo com os religiosos, ficando ou
na cela ou na igreja, cantando alguma oração ou suspirando.
Na oração, Frei Félix costumava ser assíduo: de dia, no espaço que lhe restava
depois da mendicância; mas de noite, costumava sempre levantar-se às duas ou três
horas da manhã para ir à igreja, onde ficava até que se desse o primeiro sinal para as
matinas. Apenas soado o sinal, saía e se recolhia na cela. E quando os frades
retornavam das matinas, ele voltava à igreja e permanecia ali até depois de assistir a
primeira missa, que ele ajudava, e então comungava. Isto fazia sempre, e eu o
presenciava durante o tempo em que fiquei naquele convento. E ouvi dos frades que
Frei Félix, durante muitos anos até aqui, tem feito desta maneira.
Era reservadíssimo em suas coisas e fazia tudo de maneira que os frades não
ficassem sabendo o que tinha feito. Costumava dizer-me muitas vezes que era preciso
fazer oração a Cristo com amor e que o Santo Deus não queria outra coisa de nós
senão atos de amor. E me dizia isso com grande afeto, como eu podia perceber.
1510. Sempre vestiu-se de estopa114, o tecido mais grosseiro que existia entre nós.
Procurava sempre os hábitos mais estragados que encontrasse; somente de não sei
quantos dias para cá, por precisão e necessidade, começou a usar certas peças de
pano que nós costumamos usar debaixo do hábito. Esse era do nosso tecido, que
costumamos usar, e que é um pouco mais macio que a estopa. Era extremamente
parco no comer e, quando chegava da mendicância, costumava comer logo (porque
tinha que levantar-se bem cedo). E, se os senhores lhe davam qualquer coisa, ele só
comia daquilo se não tivesse pão e água, sem pedir nada e sem dizer nada.
De vez em quando acrescentava água à sopa, dizendo que estava fazendo aquilo
porque a sopa estava quente. Mas eu acho que ele assim fazia para que não tivesse
tanto sabor e não sentisse tanto prazer ao comer. E o pouco que comia, o fazia
apressado e com desprezo, como se o estivesse jogando fora.
1512. Chamava a atenção de todos os frades, quando via fazerem algo que não
convinha. Sei que, muitas vezes, advertiu a mim também, pois não podia ver algo que
não fosse conveniente a um religioso. Era zeloso pela religião; dizia-me,
113
Nota do tradutor: Jesus, Jesus, toma meu coração e não mo entregues mais!
114
Nota do tradutor: Albagia (albagio, arbagio ou galbagio), termo arcaico, significa: tecido
grosseiro.
365
freqüentemente, que não aprovava andarem os frades pra lá e pra cá, viajando, e que
estava com vontade de dizer isto ao Protetor e até ao Papa. No seu trabalho, socorria
a muitos carentes, dando-lhes pão, vinho e, muitas vezes, óleo e carne. E visitava
também os doentes do convento.
Imagino que já a previa [a morte], porque, quando eu lhe dizia que ficaria curado,
ele respondia que o burro tinha caído e não se levantaria mais. E acrescentava: "Sim,
sim!", rindo, quase caçoando. E me disse muitas outras palavras de que não me
recordo, mas conseguia compreender muito bem.
1513. Sei que, indo com ele para a mendicância, muitos lhe pediam que tocasse
com o rosário onde se sentiam mal, ou rezasse o Pater noster. E ele os tocava,
fazendo o sinal da cruz e dizendo: "Segundo a tua fé". Não sei, porém, se eles ficavam
curados.
Ele me disse uma vez que havia outras pessoas, cujos nomes não me recordo,
mas me basta a certeza com que me lembro de que indo Frei Félix ao hospital de São
João de Latrão, onde se encontrava alguém gravemente enfermo, e, perguntando ele
aos outros doentes se o médico lhe tinha dado vinho, responderam-me que não lhe
dava; e ele disse que "deveria dar-lhe um pouco de vinho bem fraco". Então conseguiu
que dessem um pouco àquele enfermo grave e ele imediatamente começou a sentir-
se melhor.
Ouvi contar muitas coisas, mas aquilo de que não tenho certeza, não menciono
aqui.
mais apego por este do que por aquele. Na conversa era simplicíssimo e não tinha a
proferir senão palavras santas e edificantes.
Lembro-me de que, uma vez entre outras, indo com ele à casa do senhor
advogado Bernardino Biscia, Frei Félix entrou numa sala e ficou girando onde havia
grande quantidade de livros e também um pequeno nicho com um crucifixo. Logo que
Frei Félix o viu, parou e ficou mirando; depois disse: "Senhor Bernardino, atenção que
Frei Félix tem algo a lhe dizer". E, então, Frei Félix, voltando-se para nós dentro
daquela sala e mostrando o crucifixo, disse ao senhor Bernardino: "Veja, senhor
Bernardino, todos esses livros foram feitos para entender este".
1517. Era tão zeloso pela religião que, indo pelas estradas e encontrando alguma
folha com escritos do missal ou do breviário, a recolhia e, se fosse limpa, guardava-a
na manga; se estivesse suja, levava-a na mão e, entrando em uma casa, colocava-a
num lugar digno ou queimava-a.
Este Frei Félix era também humilde e mortificado. Ouvi um dos padres de São
Jerônimo contar-me que, estando em Pozzo Bianco e querendo experimentar se Frei
Félix era mortificado, ao encontrá-lo em Pellegrino, colocou-lhe um chapéu na cabeça,
dizendo: "Vai fazer muita mendicância agora". E Frei Félix ficou no seu trabalho até
que o padre livrasse do chapéu. Recordo-me também o que, tendo ido com ele à Porta
Pia para colher rosas, ele tinha preparado um feixe para o sacristão; ao ver que muita
gente lhe vinha ao encontro, eu disse a Frei Félix : "Deixa-me colocar este ramalhete
na tua orelha". E ele me disse: "Deixa-me quieto". Mas eu lhe coloquei o ramalhete na
orelha e ele o foi levando até o povo estar quase chegando. E eu lhe disse: "Queres
na verdade carregar este ramalhete sobre a orelha até que o pessoal te veja?" E ele
respondeu: "Que me importa?" Eu, então, o retirei.
1518. Ouvi uma senhora dizer-me - não sei onde mora nem seu nome - que,
estando Frei Félix a esmolar, esta senhora lhe deu uma panhota115; Frei Félix,
pegando o pão nas mãos, olhou para senhora e lhe disse: "Como vai a senhora?" E
ela respondeu: "Padre, estou muito abalada". Frei Félix lhe disse: "Reze um rosário de
Nossa Senhora, que Deus a ajudará". E aquela senhora foi rezar o rosário e
imediatamente desapareceu a sua aflição. E aconteceu que, depois da morte de Frei
Félix, saindo eu para a mendicância, aquela senhora me pediu um pedaço do hábito
de Frei Félix e eu lhe dei um retalho. Foi ela que me contou tudo isso.
Outra vez, encontrando-se em casa de uma importante matrona romana, enquanto
estávamos sentados na sala, Frei Félix começou a chorar, soltando lágrimas dos
olhos. Aquela senhora, vendo que Frei Félix chorava, começou a lhe dizer: "Pai, que
tem? por que chora? Talvez está chorando porque sou pecadora, não é verdade?" E
assim lhe respondeu o pai Félix : "Não é certo, senhora, não é certo; se eu não lhe
digo isso, ninguém lhe dirá. A senhora é jovem e sabe que os açougueiros, quando
têm um belo pedaço de carne, põe-no à mostra para que todo mundo tenha desejo de
comprá-lo. Perdoe-me, senhora, mas senhora leva este peito tão à mostra. Perdoe-
me". E assim Frei Félix, a senhora e eu, começamos todos a chorar. E a senhora
replicou: "Seja bendita a boca de Frei Félix. Daqui em diante, ninguém verá mais o
meu peito". E cobriu-se com um pano. Foi só isso. Fomos embora. Conheci essa
senhora, mesmo depois da morte de Frei Félix, durante muito tempo; e sempre, até à
morte, viveu com muita modéstia tanto no vestir-se como nos costumes.
Ouvi falar sobre este interrogado Frei Félix e o conheci muito bem; ouvi falar sobre
ele no noviciado de Anticoli. Era considerado um santo frade, por isso desejei
conhecê-lo e vim até Roma. Conheci-o bem porque ele me ensinou a esmolar para os
doentes. E, convivi com ele por doze anos, por causa da mendicância, pois íamos
juntos.
115
Nota do tradutor: Panhota (pagnotta) é um pão redondo de tamanho maior.
367
1519. Frei Félix fazia tudo com esmero, melhor do que faziam os outros frades.
Especialmente ficava acordado mais que os outros frades. E, pelo que o observava,
ele ia dormir cedo e ficava na cama uma hora e meia ou, no máximo, duas horas.
Depois se levantava e ficava na igreja até uma hora da manhã. Soando o primeiro
sinal para as matinas, voltava para a cela durante a recitação das matinas e demais
orações dos frades, mais ou menos compreendendo três horas e meia. Depois,
quando os frades iam descansar, ele voltava para a igreja e tocava o primeiro sinal
para a missa da manhã, que ele ajudava e comungava toda manhã. Depois, saía para
a sua mendicância.
Indo esmolar, ao encontrar os que o conheciam - meninos, senhoras, homens,
cardeais e príncipes - e aos que o cumprimentavam, costumava dizer: Deo gratias!
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!". E aos meninos e mulheres costumava
perguntar se haviam rezado o rosário. Às vezes, aglomeravam-se em volta dele
quinze ou vinte meninos; todos costumavam dizer: "Diga-me, santinho!", porque ele
costumava chamar os meninos por este nome. E ele dizia: "Sejam abençoados.
Rezem o rosário". Quando, às vezes, tinha até trinta meninos em volta dele, lhes dizia:
"Queres que eu te chame de santinho? Mas eu prefiro cantarmos juntos um pouco.
Repitam comigo: O Giesú, o Giesú, o Giesú, pigliate lo mio core e non me lo render
piú116.
E dizia: "Vamos cantar outra vez, mas com voz mais forte, como estou dizendo". E
repetia mais alto o nome de Jesus, recitando a mesma canção espiritual: Piglia il mio
cuore, e non me lo rendere piú117.
1520. Sei também que, quando visitava algum doente ou pessoa com problemas,
partilhava grandemente daquela enfermidade ou daquela angústia e, pela compaixão,
quase se transformava naqueles sofredores. Dizia-lhes que repetissem com ele uma
bela canção: Chi la croce stringe bene Giesú Cristo li sovviene e il paradiso ottiene e la
gloria eternale118.
E, muitas vezes, ao fazer os enfermos e angustiados recitar esta canção, sentia-a
com tal devoção a ponto de lhe virem lágrimas aos olhos pela unção das palavras e
sentimento pelo próximo, pedindo que repetissem essa oração bem devagar. E aos
enfermos e angustiados, quando estavam no máximo do sofrimento ou aflição, dizia
que se recolhessem no próprio interior com a cruz de Cristo, porque assim se ganharia
o paraíso.
116
Trad.: Ó Jesus, ó Jesus, ó Jesus, tomai meu coração e não mo entregueis mais.
117
Trad.: Toma meu coração e não mo entregues mais
118
Trad.: A quem abraça bem a cruz, Jesus Cristo ampara, obtém o paraíso e a eterna glória.
368
1522. Tinha tanta caridade para com o próximo, que a quantos encontrasse, de
acordo com a ocasião, convidava todos para o amor a Cristo, da Bem-aventurada
Virgem e de São Francisco. E muitas vezes nas praças, nas estradas, nas casas, nas
cantinas, aos artistas, prelados e outras classes de pessoas dizia palavras para
converter os pecadores; algumas vezes, recitava alguma passagem da Sagrada
Escritura, dos profetas, que ele tinha ouvido nas pregações.
Lembro-me de que, uma vez, em que esteve na casa de um advogado bacharel
nesta cidade, vendo a sua biblioteca, disse-lhe que lhe queria apresentar um livro que
o faria entender todos aqueles livros. E, descobrindo um crucifixo que estava ali, disse:
"Senhor, quem não entende deste livro não sabe o que é livro; e se entender este livro,
entenderá todos os outros livros". Nesse ínterim, tendo sido trazida uma bezerra para
ser abatida e uma peça de queijo para esse senhor advogado, a bezerra berrava. E
Frei Félix disse: "Sabe o que está dizendo aquela bezerra? Eu estou compreendendo:
ela diz que vossa senhoria deve defender as causas justas desses vossos clientes
para que, no dia do juízo, bezerras e queijo não gritem contra vossa senhoria". Aquele
fidalgo ficou edificadíssimo e agradeceu gentilmente o pai Frei Félix.
Alguma vez, dava alguma panhota aos pobres por amor de Deus (o que aos
esmoleres é permitido). Uma vez, um judeu pediu-lhe uma panhota por amor de Nossa
Senhora. Ele respondeu: "Pede-me por amor de Jesus Cristo", e aquele disse: "Não!"
Mas depois ele lhe deu. O papa Sixto, quando cardeal, ao encontrá-lo, pedia um
panhota, por amor de Deus; fazia isto por motivo espiritual. Uma vez, sendo já papa,
encontrando-o perto de Trinitá de' Monti, mandou que o chamassem e lhe pediu uma
panhota por amor de Deus. E, enquanto Frei Félix procurava a melhor, o papa lhe
disse que lhe desse a que lhe viesse à mão; e, por acaso, veio-lhe uma escura e mal
assada, que ele deu ao papa dizendo: "Tende paciência, santo padre, porque ainda
sois frade!"
1523. Sei que Frei Félix era humílimo e, embora fosse tido por todos como um
homem santo, especialmente pelo beato Felipe Neri, contudo julgava a si mesmo com
muita humildade e se apelidava de "burrinho dos frades". Ficando doente e sendo
levado para a enfermaria, disse: "O burrinho dos frades caiu e não se levantará mais".
Tanta era a sua humildade que, um dia, quando saímos para esmolar em Banchi,
começando por Zecca Vecchia, apareceu o beato Felipe Neri, da Chiesa Nova, e disse
a Frei Félix : "Ladrãozinho, esta manhã quero ver se és mortificado". Tirou da cabeça
o próprio chapéu e o colocou na cabeça de Frei Félix dizendo-lhe: "Leva-o na cabeça
através de Banchi inteira até Pellegrino, fazendo a mendicância". E Frei Félix o levou
sem nenhuma reação.
As pessoas viam aquela humildade de Frei Félix com o chapéu e cada um dizia
alguma coisa: "Frei Félix levando aquele chapéu... deve estar doente"; outros diziam
que, na velhice começava a usar chapéu; alguns achavam que era exercício espiritual;
outros, brincadeira. E Frei Félix, sem se perturbar, sem dar ouvidos a ninguém, com o
rosto alegre como sempre. Chegados à praça San Lorenzo em Damaso no Campo di
Fiore, voltou o beato Felipe e lhe tirou o chapéu da cabeça, dizendo-lhe: "Oh! que belo
exemplo deste na cidade esta manhã! Quero ir falar com teus superiores, que te dêem
uma boa penitência!" E Frei Félix respondeu: "E eu a receberei de bom grado, por
amor de Deus".
Poucos dias depois, na estrada do Vale, cheia de lama porque chovia,
encontraram-se o mesmo beato Felipe e Frei Félix. Disse-lhe o beato Felipe: "Ó Frei
Félix, eu vou passar montado nesta mula. Que acha?" Frei Félix respondeu: "Vai me
parecer um burro montando uma mula!". O beato Felipe disse: "Tu estás caçoando de
mim!". E Frei Félix respondeu: "Tem paciência, mais uma vez". Eu estive presente a
tudo isso.
1524 Vem-me à lembrança um outro caso de grande mortificação: indo Frei Félix e
eu buscar rosas, na volta encontramos senhor cardeal Sforza, o velho, que viajava de
369
carroça. Ao ver Frei Félix, chamou-o e colocou-lhe uma rosa na orelha e deu-lhe um
pêssego, mandando que fosse cheirando o pêssego até o convento e que levasse a
flor sem tirá-la de jeito nenhum. E me disse: "Padre companheiro, sabes dizer-me se
ele a levará?" E ele disse: "Eu a levarei e cheirarei o pêssego". E, de fato, o fez,
embora tenha encontrado muita gente que via Frei Félix com a flor na orelha e
cheirando o pêssego e admiravam-se. E quando chegamos à portaria do convento,
tirei-lhe a flor e apanhei o pêssego, dizendo-lhe: "Já fizeste a mortificação, agora eu
aproveito o pêssego".
Ao lidar com as pessoas e também comigo, tinha o costume de dizer: "Frei Aleixo,
não podemos caminhar de dia como se faz à noite. Mesmo indo pelo caminho e
conversando com as pessoas, não é o caso de ficarmos sem alguma oração e alguma
elevação pessoal da mente a Deus bendito, pedindo-lhe que não nos abandone e que
nos dê a sua graça."
Outras vezes, dizia: "Façamos alguma oração com a língua, com a boca, oração
vocal, dizendo o Pater noster ou ainda a Ave Maria, Louvado seja Jesus Cristo e sua
santíssima Mãe e outras orações semelhantes, porque o demônio tem grande força ao
tentar o frade sem oração ".
exercícios pessoais, que o repreendeu duramente e lhe disse que não andasse
espiando daquele jeito, senão Deus o castigaria.
Um noite, no tempo da colheita de chuva, despojou-se das vestes na igreja e ficou
nu, apenas com a ceroula, e gritava: "Misericórdia, ó Deus! Misericórdia, ó Deus!"
Permaneceu repetindo isso mais de uma hora, sempre com a disciplina nas mãos e
dizendo: "Senhor, não olheis para os nossos pecados, tende misericórdia de nós!"
Observei que, a partir daquela noite, a chuva cessou e fez-se a colheita.
1528. Procurei, uma vez, o beato Félix, perguntando-lhe: "Pai ancião, não encontro
paz na oração; aponte-me algum remédio". Respondeu-me: "Não acredito em
remédio, jovem soldado, meu filho, enquanto não tenhamos aprendido a servir a Deus
no pouco e no muito. Deus quer ser servido à sua maneira: às vezes permite
experiências de aborrecimentos e batalhas e quer que levemos com paciência essas
distrações, sem consentimento da vontade; outras vezes, quer ser servido na paz e
tranqüilidade. Penso que eu sou um destes, porque, desde que sou frade, não tenho
tido jamais angústia nem enfermidade, mas sempre paz; por isso, suspeito de mim
mesmo, pois vemos que todos os amigos íntimos de Deus passaram por amarguras e
tribulações. Por isso, ora a Deus por mim". Conheço, por experiência própria, as
coisas acima expostas. Ele as fazia normalmente; às vezes mais, às vezes menos.
1529. Uma vez trouxemos para casa um presunto assado. Depois que o
colocamos na prateleira, Frei Félix virou-se para mim e disse: "Esta minha gulodice
está querendo um pouco daquele presunto". Cortei então um pedaço e lhe dei. Ele o
comeu com um pouco de pão. Quando o chamei para o refeitório, começou a
resmungar contra si mesmo dizendo: "Esta gulodice! Não custava nada fazer violência
a si mesma! Ela vai me pagar!" Eu lhe disse: "Pai ancião, vamos ao refeitório, os
padres já estão comendo". Respondeu: "Vai, vai. Eu não quero ir". Era quinta-feira de
manhã. Ele ficou sem comer até domingo. Perguntei-lhe: "Pai ancião, não te sentes
bem?". Respondeu: "Minha boca está com mau cheiro de terra; assim se castigam os
jumentos gulosos". Eu sei disso porque percebi que ele não comeu nem sexta nem
sábado. Estou a par disso porque trabalhava com ele, pois estávamos juntos como
esmoleres.
Quanto ao vestir-se, era com tecido de burel grosso de Gênova, velho, com muitos
remendos, curto até ao meio da perna e puído. Quando chovia aqueles fios pegavam
lama e lhe chicoteavam as pernas e calcanhares. Estes estavam todos rachados com
se tivessem levado cortes de faca. E, muitas vezes, principalmente no tempo de frio
intenso, aquelas rachaduras gotejavam de sangue. E, várias vezes, eu as costurei
com uma agulha de sapateiro; depois ele mesmo deixava cair sebo coado para
preencher aqueles talhos.
1530. Uma vez, entre o Collegio e o palácio do cardeal Salviati, havia um caminho
fundo, cheio de lama, onde havia restado uma pequena trilha enxuta perto do muro.
Frei Félix encontrou-se com um bispo naquela estrada estreita. O bispo parou para dar
a vez a Frei Félix; mas Frei Félix também parou. O pessoal começou a aglomerar-se
de um lado e do outro. Frei Félix meteu-se na lama até os joelhos, para que o bispo
passasse. O bispo, muito admirado, disse: "Frei Félix, Deus te perdoe! Que fizeste?"
Respondeu Frei Félix: "Fiz papel de burro para o meu Monsenhor. Dai-me a vossa
bênção". Ao chegar ao convento, os frades vendo-o tão cheio de lama, pegaram-no a
força e levaram-no no lugar onde os frades costumavam lavar os pés. E ele dizia:
"Fazeis um bom trabalho com isso, mas eu não o mereço". Sei disso porque eu estava
presente.
Sei ainda que, estando nos aquecendo ao fogo, Frei Félix, eu e muitos outros
frades conversando juntos, Frei Félix, ao chegar, esquentou um pouco as mãos e os
pés e foi logo embora. Então, eu lhe disse: "Pai ancião, esquente-se bem".
Respondeu-me: "Quando se está em volta do fogo é preciso prestar muita atenção nas
371
palavras, pois São Pedro negou a Cristo perto do fogo". Depois me disse: "Vou te
dizer uma coisa maravilhosa. Na noite passada, estando eu na igreja, uma lanterna
apagou-se; peguei uma vela e fui à cozinha. Quando a acendi, olhei em volta do fogo.
Havia quatro ou cinco frades, sentados com as mãos dentro das mangas e os capuzes
enfiados na cabeça. Olhei bem para eles e reconheci a todos; e disse a um deles:
"Não és Frei fulano? Não tinhas morrido?" Respondeu que sim. E, da mesma forma,
todos os outros um a um. "Que fazeis aqui? Não tínheis morrido?" Disseram que sim.
"E, então, por que estais aqui?" "Deus nos deu por penitência e expiação das faltas
cometidas em volta do fogo, ficarmos aqui. Pede a Deus por nós".
1531. Eu estava presente quando ministraram o viático a Frei Félix; foi levado pelo
padre romano Félix, que era sacristão. Quando entrou na cela com o Santíssimo
Sacramento, Frei Félix levantou a cabeça e disse estas palavras: "Ó sagrado banquete
no qual está Cristo, recebo-te em memória de tua santíssima paixão". Ao terminar
estas palavras, começou a chorar e recebeu o Santíssimo Sacramento. Foi na parte
da manhã, na hora do almoço. Depois, à tarde, ministraram-lhe o óleo santo e
recomendaram-lhe a alma. Eu não estava presente, mas os frades me contaram.
1533. Não sabia ler nem escrever. E o pouco que sabia de cor, era eu que lhe
ensinava. O ofício dele era de esmoler. Quando ouvia citar o nome de Deus ou de
Jesus, sempre se levantava, como sinal de grande respeito diante de Deus. Tinha
Deus no coração e costumava dizer sempre "Jesus" e fazer com que os outros o
dissessem, quando encontrava meninos ou mesmo sacerdotes: "Diga: Jesus". Depois
da chegada de padre Lupo, começou a dizer: Deo gratias. Falava a qualquer um com
liberdade. Senti muito, pois vinha continuamente me ver. Ajudava-me na enfermidade
e dava-me grande conforto. Porém, fico feliz por ele ter ido para o paraíso. Ele sempre
glorificou a Deus e Deus o glorificou.
Quando exortava outros a serem frades, Frei Félix costumava perguntar se estava
disposto a comer verduras e beber água. Depois de frade, tornou-se "dono de todos os
fornos e cantinas de Roma". E "a minha sacola era a minha alabarda". Na
conversação, não dava escândalo a ninguém. Jamais dizia palavras vãs. E, quando
372
1534. Andava descalço. Depois que ficou velho, calçava sandálias e as usava no
inverno. E, quando lhe rebentavam os pés, deixando-lhe grandes rachaduras,
mantinha-as costuradas. Nunca me replicou com palavras, quando eu o admoestava
ou lhe dizia qualquer coisa. Aliás, quando lhe diziam qualquer coisa, não replicava
jamais, se não se tratasse de algo que lhe parecesse mal, especialmente contra o
nosso modo de vida. Uma vez, eu lhe disse: "Frei Félix, tu tens uma cela e eu não, que
sou frade mais velho; gostaria de te tirar daqui para ires experimentar algum dos
lugares fora". E ele não respondeu nada, mas abaixou a cabeça. E, passados alguns
anos, ele me lembrou aquelas palavras e me disse que, sobre o assunto, gostaria de
sair. E eu lhe repliquei que, se os padres o mandassem, ele saísse; caso contrário,
não o fizesse, porque se tornaria sério prejuízo diante de Deus. Depois que eu falei
assim, ficou tranqüilo.
Ele me tratava com grande reverência, tão grande que era demais. E me
chamava: "Ó padre ancião". Quanto à pobreza, levou continuamente aquele hábito
grosseiro, sempre de estopa. Com este morreu. Sempre se levantava antes dos
outros. E já fazia isso quando era noviço, juntamente com um outro frade de nome Frei
Miguel de Susa, que viveu setenta anos na religião. Ia sempre à igreja fazer oração.
Rezava os Pater noster. Era de grande contemplação. Sei disso porque refletia
comigo. E não havia outro com quem tivesse mais intimidade do que comigo. Quando
se rezavam as matinas, ele se retirava. E logo que terminava o ofício, ele voltava para
a oração, tocava o sinal da manhã e ajudava sempre a primeira missa. E de quinze
anos para cá, comungava todas as manhãs. Depois ia para a mendicância. E, durante
quarenta anos, fez a vida de frade aqui em Roma.
1535. Quando não estava fazendo a mendicância, não se detinha a falar com
ninguém. Se não estivesse conversando com Frei Lupo ou outros com quem pudesse
aprender alguma coisa, permanecia na cela. Nesta hora, consertava as sacolas e suas
roupas. Nunca ficava perdendo o tempo. Digo isso porque os bons frades sempre
costumaram recolher-se, porém, nunca ficar ociosos, como o meu primeiro guardião,
que era dos reformados em S. Apostolo, e que jamais ficava ocioso. Foi um santo
homem e fez milagres em vida.
Vejam se Frei Félix não era amigo da obediência: já alquebrado, nem assim quis
deixar a mendicância, ou lamentar-se ou procurar abandoná-la. Pelo contrário, eu lhe
disse algumas vezes, mas ele não quis jamais deixar aquele ofício e fadiga. Estava
sempre alegre. Quem tem a consciência tranqüila está sempre alegre; mas se tem
remorso na consciência, então anda contrariado. Era imensamente caridoso e não só
no nosso convento com os frades, mas também com os de fora, porque muitas
pessoas na pobreza acanhada eram ajudadas por ele. E se dava bem com todos (uma
grande coisa que revelava o espírito de Deus): com os frades de São Bento, que
moravam acima de nós, com os frades de Santa Maria dos Anjos em Termini, com os
de Santo Agostinho, com os da Minerva.
1536. No dia de São Jerônimo, completar-se-ão quatro anos que estou de cama e
não pude ver Frei Félix, senão quando ele costumava vir aqui, com freqüência, me
visitar. E, algumas vezes, quando aparecia, eu queria oferecer-lhe bebida. E ele dizia:
"Não quero vir aqui, porque queres me oferecer bebida". Eu ficava com pena dele,
porque chegava exausto, principalmente, por causa do peso que carregava. E no
comer era comedido. Comia depressa e, em vista de sua compleição e o trabalho
373
pesado que fazia, comia menos que o suficiente. Comia do que lhe fosse oferecido e
quanto à sua vida era despreocupadíssimo.
Quando ele morreu, eu não pude estar presente, porque me encontro enfermo
aqui, de cama. Agora me recordo que o nosso médico, que se chama Domenico
Gagliardello, me contou que Frei Félix lhe disse: "Senhor médico, não me enganeis.
Se sabeis que estou para morrer, dizei-me". E o médico lhe disse que estava para
morrer. Então Frei Félix começou a demonstrar grande alegria, dizendo, várias vezes,
em alta voz: "Deo gratias! Deo gratias!" Mais tarde, o médico lhe disse que tinha
melhorado e ele começou a dizer: "Que triste notícia me dais". E, se bem me recordo,
morreu naquela tarde.
1537. Acredito perfeitamente que era casto, porque os frades que o receberam
falavam muito bem dele. E ainda parece-me que, neste ponto, os frades, ao
receberem noviços, tomam muitas precauções contra os que tiverem sido dissolutos
no mundo. E os frades ficam ainda mais cuidadosos aos acolhê-los e também no dar-
lhes direção e cuidados e também quem cuide deles..
Frei Félix mantinha grande respeito pelos sacerdotes, religiosos, além dos bispos
e cardeais. E, quando encontrava o cardeal Farnese, ajoelhava-se e lhe pedia a
bênção. Eu lhe tinha grande dedicação, mas não contava com quanto fez o bendito
Deus acontecer. Quem teria acreditado! Pois parecia um homem selvagem! E fazê-lo
morrer durante um Capítulo Geral, quando estavam todos os padres em Roma!
1539. Quando Frei Raniero estava no século, não querendo casar-se, os seus pais
o fizeram receber uma mulher em casamento contra a sua vontade. E na noite de
núpcias, vendo a mulher comer muito macarrão, lhe disse diretamente: "Não comas
tanto, do contrário vais te arrebentar". E como esse Frei Raniero queria conservar
intacta a sua virgindade, fez um voto a Nossa Senhora de Loreto que, se o libertasse
dos laços do matrimônio, iria servir na Santa Casa durante um mês. E o voto que ele
fez foi ouvido, pois a sua mulher, por ter comido muito macarrão à noite, começou a
sentir-se mal e, de manhã, foi encontrada morta. Isso me contou o próprio Frei
Raniero.
Frei Raniero disse-me pessoalmente e creio que fizesse parte do mesmo
propósito, que, quando se viu tão milagrosamente liberado do matrimônio, foi cumprir
o voto a Nossa Senhora de Loreto e ali permaneceu, servindo por espaço de um mês.
Tendo cumprido o voto, voltou para a sua casa. E, com freqüência, ia, de noite, assistir
ao canto das matinas dos nossos frades, no lugar de nome Montecasale, embora
distante de sua casa.
Também me disse pessoalmente Frei Raniero que, quando estava servindo na
casa da Senhora de Loreto, viu passar dois dos primeiros frades capuchinhos de
nossa religião e que, conversando com eles, resolveu fazer-se frade entre os
capuchinhos. Parece-me que foi em Roma que ele me contou isso, quando, uma vez,
juntos fomos fazer a devoção das sete igrejas.
1540. Frei Raniero era ardorosíssimo na oração, pois sempre era visto com a
mente voltada para o alto; e conversava pouquíssimo, seja com os frades ou com os
seculares. E, se por acaso se dirigia a nós, após proferir quatro palavras, retirava-se
imediatamente ou para a igreja ou para a cela. E embora Frei Raniero se fatigasse nos
374
1542. Lembro-me também que tinha grande caridade, principalmente para com os
pobres, porque, exercendo o ofício de porteiro, quando os pobres vinham pedir-lhe
esmola, Frei Raniero o fazia com muito prazer e procurava atender a todos. Uma vez,
conversando Frei Raniero comigo familiarmente, ele me disse que, no início de sua
vida de frade, tinha servido com alguns outros frades no Hospital dos Incuráveis em
Roma.
No convento, era caridoso com o pessoal da casa, pois se oferecia para ajudar a
todos no que precisassem; e eu, pessoalmente, posso dizer que verifiquei isso a meu
favor, pois, fazendo eu o trabalho de cozinha tanto na casa de Sant'Anna como aqui,
na casa de Todi, Frei Raniero, mesmo idoso, queria sempre ajudar-me e oferecia-se,
mesmo que eu não aceitasse por ser ele já velho. De qualquer maneira, exercitava-se
sempre em trabalhos simples como varrer a casa e lavar as tigelas e vasilhas .
1443. Quando Frei Raniero veio para Montecchio, como disse, as pessoas
andavam à sua procura, chamando-o de santo e retalhavam-lhe o hábito. Como o
senhor Guido dissesse-lhe que não deixasse cortar daquele jeito, porque iria voltar
semi-nu para casa, respondeu: "Deixa-os agir assim, tudo é caridade; e quem o fez o
alongará". E assim o pessoal continuou a lhe retalhar o hábito. E havia um alfaiate de
Marcellano, chamado Bartolomeu, que lhe cortava o hábito com sua tesoura; e eu
ainda tenho em casa, como recordação, um bom pedaço que foi cortado naquele
tempo. Recordo-me ainda de que, de manhã, não se percebia que o hábito tivesse
sido cortado e as pessoas ficavam admiradas. Em Montecchio, até hoje, todos contam
estas coisas.
119
Trad.: Menininho de cabelos encaracolados, como tu és bonito.
375
1546. Como ouvi dizer por boca do padre Frei Ângelo de Cività Nuova, homem de
santíssima vida por ter sido muito tempo mestre dos noviços e exercitado na vida
espiritual em todas as virtudes, e também por tantas palestras espirituais que com ele
mantive, isto é, com o Frei Ângelo, sei que morreu virgem como saiu do útero materno.
Ora, estando todos nós três na família de Cività Nuova, isto é, esse padre, Frei
Serafim e eu, e vendo tanta afluência de gente para Frei Serafim, insistiu para que
esse lhe contasse com que meios ele havia conquistado tanta perfeição, mas Frei
Serafim recusava fazê-lo. Finalmente, disse-lhe o padre guardião que queria saber
com detalhes e que, se não contasse espontaneamente, lhe mandaria por santa
obediência.
1547. Frei Serafim, então, solicitou que eu me ausentasse, por ser muito jovem na
religião, e contou como ele, sendo pessoa desajeitada para qualquer ofício, ficou
admirado de ter sido recebido na santa religião e depois admitido à profissão.
Pouco depois, foi transferido do noviciado e mandado para uma casa de
professos, onde havia um guardião que queria que as coisas do convento andassem
em ordem, de maneira que os sacerdotes fossem servidos pelos irmãos leigos, de
acordo com o nosso costume. Frei Serafim disse que, por ser ele desajeitado em
todos os ofícios, em qualquer função que o colocavam não executava bem e, por isso,
o padre guardião lhe dava muitas penitências e mortificações, às quais ajuntou-se uma
tentação diabólica que acarretou tanta angústia a Frei Serafim, a ponto de pensar em
deixar a religião.
1548. Certo dia, pôs-se na igreja a fazer uma oração diante do Santíssimo
Sacramento, na qual fez um grande desabafo perante o Senhor, dizendo: "Senhor,
estes frades estudaram a minha vida; se eu não fosse apto para a profissão, não me
admitissem; mas já que me admitiram por que me fazem sofrer com tantas
376
mortificações?" Enquanto ele estava expondo estas queixas como as sentia, ouviu
uma voz vinda do Santíssimo Sacramento a lhe dizer: "Frei Serafim, não é este o
caminho de servir-me, a mim que tanto sofri pela redenção do gênero humano?" A
esta voz, Frei Serafim ficou muito assustado e, ajudado pelo Espírito Santo, começou
a entrar em si mesmo; e, para vencer a si mesmo, fez o propósito de recitar o rosário
de Nossa Senhora, da qual era devotíssimo, todas as vezes que lhe fosse feito ou dito
alguma coisa contrária aos seus sentimentos. E, de fato, assim o fazia.
1549. No princípio, começou fazer uma outra oração, dizendo que era muito difícil
entender o Pater noster e Ave Maria; mas, depois, esforçou-se de tal maneira e
venceu tanto a si próprio, a ponto de dizer que não fazia uma oração tão boa senão
quando rezava, com o formulário acima, por aqueles que lhe aprontassem qualquer
contrariedade aos seus sentimentos.
Uma vez, depois de exercitar-se durante algum tempo em tal oração, ao encontrar-
se rezando assim diante do Santíssimo Sacramento, do modo exposto acima, ouviu de
novo aquela voz do Santíssimo Sacramento: "Frei Serafim, já que por amor a mim,
venceste e mortificaste a ti mesmo, apresenta-me então a graça que quiseres, que a
receberás de mim". Isto me contou o dito padre Ângelo que, há pouquinho, o tinha
ouvido do Frei Serafim.
1550. Frei Serafim falava muito entre nós sobre os mistérios acima; ouvi dizer mais
de uma vez. Sei que era apreciado ao falar disso com freqüência, ainda mais sendo
ele iletrado, pois não sabia nada. Recordo-me de uma particularidade: uma noite,
tendo cada um de nós estudantes feito um sermão, conforme o costume de nossa
religião, o padre guardião, na época Frei Nicolau de Monte Rubbiano, ordenou a Frei
Serafim que também ele subisse ao púlpito e fizesse um sermão - e não dissera isso a
nenhum dos outros leigos a não ser a ele. O pai apresentou muita resistência, mas
finalmente obedeceu e tomou como tema de seu sermão o Salmo Qui habitat in
adjutorio Altissimi120, sobre o qual disse coisas tão bonitas que o padre guardião, bem
como o padre Cornélio de Recanati, sendo homens doutos, ficaram por demais
maravilhados e muito mais nós estudantes, que não atingiríamos nível tão alto.
Toda a vida de Frei Serafim era para a glória de Deus e desprezo de si mesmo,
porque todas as suas ações levavam a isso; e aquilo que vossa senhoria ilustríssima
me diz sobre a perseguição, acho que dá para entender, porque nós estudantes o
mortificávamos constantemente ao dizer-lhe: "Fingidão, mulambento, santarrão", e ele
logo se punha de joelhos e nos abraçava e nos beijava os pés, quase sempre dizendo
estas palavras: "Ah santinho, santinho, que recebas um pão de primeira". Todos
sabem disso.
1552. Sei também que o referido padre Frei José, na idade de trinta e três anos foi
para Constantinopla para morrer por Cristo, porque na mesma idade, como ele me
disse, Cristo Nosso Senhor morreu por nós. Tentou entrar nas mesquitas e encontrar-
se com o chefe principal para pregar a fé e obter a coroa do martírio, mas foi repelido
120
Trad.: Aquele que mora no auxílio do Altíssimo..
377
1553. Era sedento da salvação das almas, principalmente dos infiéis e, muito mais,
dos hereges obstinados. Porém, oferecia a Deus os jejuns, disciplinas, orações e
outras boas coisas que fazia e, em particular, quando oferecia o sacrifício da missa e
fazia a Deus seus fervorosos pedidos pela conversão e salvação deles.
Encontrando um leproso no caminho, no vale de Strettura, diocese de Espoleto, e
não tendo nada para lhe dar, recorreu ao seu companheiro, que era eu, Frei
Francisco, para que lhe desse a beber um pouco de vinho que eu trazia num frasco.
Não havendo nada à mão onde pudesse servi-lo e eu recusasse deixá-lo pôr a boca
na garrafinha, arrumando ele a ponta do mantelo, pediu que eu o derramasse ali;
então, fez o leproso pôr ali a boca e assim bebeu. Não foi senão por milagre que o
vinho parasse no mantelo, tão estragado como era o seu.
A esses pobres dava as peças de roupa que estivesse usando, quando, no
caminho, os encontrava nus e sofrendo. Ao chegar aos lugares, primeiramente visitava
os hospitais e pobrezinhos, arrumava as camas deles e lhes limpava a sujeira.
1555. Gostava de ser procurado para pregar em lugares onde houvesse outros
povoados vizinhos, para poder pregar em mais de um lugar, como costumava; muitas
vezes, chegou a fazer sete ou oito práticas por dia; e, na sexta-feira santa, costumava
fazer três ou quatro pregações, continuando a pregar até o sábado santo.
E quando acontecia haver em algum hospital enfermos à beira da morte, não os
abandonava até morrer e interessava-se para que se confessassem e comungassem.
Também aos encarcerados levava para comerem o que podia conseguir no
convento ou dos benfeitores; aconselhava-os a terem paciência e interessava-se por
seus recursos perante os governantes.
378
1556. Tendo ocasião, dava assistência aos condenados à morte. E uma vez, entre
outras, havendo um condenado de Amatrice aqui em Espoleto que se chamava Marco
Attilio, com outros cúmplices, contou-me o senhor Mário Martelli - presente nessa
execução - que este padre, subindo ao cadafalso e confortando cada um dos
condenados com o seu costumeiro crucifixo na mão, quando chegou a hora de ser
executado Marco Attilio, deixou o seu crucifixo e pegou o crucifixo grande que era
levado pelos confrades e, com esse, benzia, fazendo no ar o sinal da cruz. E, tendo-
lhe o senhor Mário, que saiu com o padre após a execução, perguntado por que tinha
deixado o seu crucifixo e apanhado o da Irmandade, fazendo aquelas bênçãos, por
algum tempo ele não queria dizer nada, mas depois lhe confiou que tinha visto muitos
demônios no ar que vinham carregar aquela alma, porém, ele tinha conseguido vitória.
1559. Era fato muito conhecido na província, de modo que para o padre Frei José
era preciso escolher companheiros muito austeros, que pudessem resistir na
companhia dele, principalmente porque, muitas vezes, só retornava no adiantado da
noite, para comer. Como ouvi de seus companheiros, alimentava-se de pão e vinho
com um pouco de verdura, com favas que eram nem bem cozidas nem cruas; era tão
caridoso e compassivo para com o seu companheiro quanto rigoroso consigo mesmo.
Tudo isso que contei, além de tê-lo ouvido dos que foram seus companheiros, de
379
diversos outros e alguma palavra também da boca do mesmo padre Frei José, era voz
e fama geral.
Possuía uma desentranhada caridade para com os pobrezinhos e enfermos. Ouvi,
muitas vezes, por companheiros do Frei José, que, na quaresma, ele exercitava a
hospitalidade como em Otricoli, San Giacomo de Espoleto e em outros lugares; nesta
acolhida, servia aos pobrezinhos, lavando os pés de alguns, curando as feridas de
outros, para uns conseguindo comida, para outros arranjando roupa. Também tudo
isso, além de ter ouvido com discrição da boca de Frei José e de muitos e muitos
outros, era voz geral e sabido por todos.
1560. Sobre o fato de ter ele recebido, pela fé em Cristo, outros martírios, além do
que relatei acima, reparei bem que Frei José tinha uma cicatriz na mão que não sei se
atravessava de uma lado a outro, mas parece que sim; mas uma outra que ele levava
no calcanhar passava de um lado a outro, onde caberia um dedo; e tanto no pé quanto
na mão eram do lado direito. Uma vez, entre outras, quando estávamos perto de Nera,
por baixo do povoado de Macenano, ao lhe perguntar o que lhe tinha causado aquela
marca na mão, respondeu-me que foi um ferro; mas sobre o pé não lhe perguntei.
Que Frei José tenha estado em Constantinopla é sabido em toda a província; e
também que estes sinais, de que falei, tinham sido recebidos por ele naquela cidade
de Constantinopla, por ter sido submetido ao martírio do gancho, pendurado por três
dias e que, depois, foi libertado por obra de um anjo. É o que é conhecido e sabido em
toda a província.
1561. Outra coisa: o povo havia preparado para Frei José uma boa casa dentro do
Castello, mas tendo sabido que uma mulher que ali habitava tinha sido despejada, não
a aceitou também; ficou com uma casa pequena perto da igreja, fora do Castello. E,
durante todo o tempo do quaresmal, não quis dormir no enxergão sobre o catre, mas
numa enxergazinha no chão, dormindo assim toda a quaresma.
Freqüentemente e, de modo especial, em todos os dias de festa, depois de ter
pregado no citado lugar de Grotti, ia pregar em outros castelos e lugares
circunvizinhos; mandava um aviso, mais ou menos uma hora antes, que se tocasse o
sino para a pregação e que se providenciasse para não haver atraso, a fim de poder
pregar logo depois que chegasse; para poder ir depois a outros lugares. Na Semana
Santa, fez tantas pregações que eu não sei dizer quantas; e, enquanto íamos por
estes povoados, este Frei José não quis entrar em casa de ninguém, mesmo sendo
convidado; daí, ou voltávamos para a casa em Grotti para comer, ou então, como eu
trazia um pouco de pão - porque Frei José me dizia, muitas vezes, para levar comigo
alguma coisa para os pobres - comíamos aquilo perto de um poço de água. Como
sempre, Frei José não fazia questão de ter comida fina, mas se contentava com
comida bruta como alho, cebola, maçã e favas, e me dizia: "Que interessa saborear
comidas delicadas? Se é para encher o corpo, com palha ou capim é a mesma coisa".
1563. Da mesma forma, para utilidade dos peregrinos viajantes e dos pastores em
lugares montanhosos vizinhos de Verchiano - por onde se passa para ir a Nossa
Senhora de Loreto - a fim de que pudessem abrigar-se durante o mau tempo,
começou uma capela, isto é, carregamos as pedras, fazendo-nos ajudar também por
outros. Então, levantou ali um grande cruz de madeira para que os transeuntes e
outras pessoas, vendo aquela cruz, se lembrassem da paixão do Senhor; e durante o
mau tempo, viriam para perto daquela cruz e se protegeriam dentro da capela.
Em uma vila de Amatrice chamada Campotosto, também para serviço dos pobres,
fundou a pia obra do trigo. E eu, junto com ele, quando começou aquela campanha, fui
recolhendo o trigo para isso; e hoje continua em pé e sempre crescente; estou certo
disso, porque este ano fui companheiro do pregador que ali esteve. Tudo isso que
relato é muito conhecido por todos e comentado.
1564. Chamo-me Frei João. Sou sacerdote capuchinho. Tenho 68 anos de idade.
Meu pai se chamava Pier Domenico Persechetti e minha mãe Sarca Marcocchi, de
Campicello, distrito e diocese desta cidade. Sou sacerdote e, ordinariamente, digo a
missa todas as manhãs.
Sobre Frei José, em questão, sei que possuía ardorosíssima caridade para
com o próximo e não media esforços nem perigos para a salvação de alguém, tanto da
alma quanto do corpo; sei particularmente que, encontrando-me em sua companhia no
ano de 1606, se bem me recordo, numa viagem que fizemos de Leonissa a
Montereale, enquanto íamos, encontramo-nos - em uma vila de Montereale chamada
Fano - em meio a bandidos rivais, que seriam oito ou dez de cada lado, atirando entre
si com arcabuzes. Então Frei José tomou nas mãos um crucifixo que carregava e, com
ele, lançou-se entre as duas partes, gritando: "Parem, parem!" E aqueles diziam: "Para
trás! Senão vos matamos também!" Mas ele seguia sem se importar, ora de um lado
ora do outro, levando sempre nas mãos crucifixo erguido e dizia que parassem.
1567. E quando lhe pedi que me contasse alguma coisa de quanto havia sofrido lá,
respondeu-me: "Sofri um pouco" e explicou que tinha sido pendurado. Eu continuei a
perguntar como tinha sido libertado e ele ficou vermelho e, depois, me disse que um
menino o tinha livrado. E perguntei-lhe quem poderia ter sido aquele menino e me
respondeu: "Quem achas que foi? Só pode ter sido Jesus Cristo"; e disse que,
voltando para a Itália, foi transportado numa barca por um cristão renegado que ele
não conseguiu converter; e que, para não ser descoberto pelos turcos, na passagem
de um rio, esse cristão atormentou muito ao padre José. Quando ele me contou estas
coisas estávamos sozinhos. E quando me disse que foi pendurado, lembro-me de que
contou ter sido pendurado pelo pé; de que maneira, não perguntei. Ouvi contar isso
também por boca de outros frades, dos quais não me recordo agora os nomes.
1568. Meu pai se chamava Tiago e minha mãe, Otavia. Sou frade capuchinho,
sacerdote e pregador.
Sei que Frei José desprezava e não desejava superioridade, tendo me dito mais
de uma vez, enquanto era meu companheiro no meu provincialato, que não lhe desse
o cuidado de frades como guardião e exortava também aos outros a não ter esses
cargos, alegando ser perigoso governar os outros.
Sei, por experiência, que a caridade deste servo de Deus era grande para com
Deus, porque queria estar continuamente ativo, não somente orando pelos pecadores,
mas pregando e exortando as pessoas a evitarem os pecados; e, se fosse livre para
escolher, não teria feito outra coisa senão pregar e louvar a Deus, de tal maneira, que
chegava, às vezes, a fazer quatro ou cinco pregações por dia. Na verdade, quando a
outros pregadores se indicava um púlpito, para ele era preciso designar lugares; e
percorria totalmente, com grande satisfação, os lugares difíceis, pobres e
desprezados, onde outros não queriam ir. E muitas vezes, para chegar a um lugar,
mesmo sem importância, não pensava duas vezes em atravessar águas, torrentes e
rios; tinha tanta vontade de pregar, especialmente nos dias de festa, que, quando o
guardião lhe negava a licença, repetia o pedido pela segunda e terceira vez; quando
aquele lhe negava pela terceira vez, então se aquietava. Dava o mesmo conselho aos
pregadores jovens.
121
Nota do tradutor: no original, non entrate nella vigna di Bartolo.
382
bom exemplo a todos; eu o ouvi dizer: "Deus te vê, deve-se manter o temor" e
palavras semelhantes.
1571. No castelo citado, no dia de São Lucas do ano 1611, em uma pregação que
fez, tomando por tema as palavras de São Paulo Salutat vos Lucas medicus122, fundou
uma pia Obra do Trigo, para o serviço dos pobres; e, embora essa Obra tenha iniciado
com pouco trigo - conseguido por ele e por mim através de doações - hoje aumentou
grandemente: sem contar o que já foi vendido para as necessidades de cera, óleo e
outros serviços para o Santíssimo Sacramento, ainda estão disponíveis cem somas123
de trigo, ou mais. Ele me recomendou mui calorosamente que cuidasse dessa Obra e
eu jamais consegui afastar-me dela, pela dedicação a esse padre; continuo hoje a
cuidar dela mais do que nunca. E sempre que Frei José pregava nesse castelo, tendo
sempre consigo o seu crucifixo, comovia o povo de tal modo, que todos caíam em
pranto.
1573. Nesta oportunidade, quero dizer uma coisa a respeito da missa dele, algo
admirável que, porém, já é publicamente conhecido. Enquanto ele estava em Nápoles,
ficou doente de gota e não podia movimentar-se no leito e ninguém o podia nem
mesmo tocar, sem que sentisse muita dor. Porém, quando tinha que celebrar missa,
que jamais deixava mesmo tão maltratado pela gota e outras enfermidades, fazia
carregar-se até o lugar onde devia celebrá-la; e, uma vez chegado ao altar, ficava de
pé, embora meio apoiado no altar. Ali permanecia três ou quatro horas, celebrando a
missa; e isto não só uma vez, mas muitíssimas, não somente em Nápoles, mas em
Milão, Bassano e outros lugares, onde se encontrasse; um grandíssimo milagre e,
além disso, todos acham que era sinal da grande devoção que tinha pela santa missa.
Quando estava bem, sua missa durava de oito a dez horas. E, uma vez, no dia de
Natal, durou dezesseis horas, sem necessitar de qualquer coisa corporal durante todo
aquele tempo.
1574. A última ida deste padre Brindisi à Espanha foi assim: Ele se encontrava em
Caserta, com obediência para chegar até Brindisi, tendo-o chamado o sereníssimo
senhor duque da Baviera, por causa do novo convento e igreja que sua alteza tinha
feito construir ali. Em Caserta, contudo, chegou uma carta do padre guardião de
Nápoles, chamando-o de volta, dizendo que, por ordem do nosso ilustríssimo e
reverendíssimo senhor cardeal protetor, ele devia retornar a Nápoles.
Ao receber este aviso, o padre Brindisi, voltando-se para mim, seu companheiro,
disse: "Creio que é a vontade do Senhor que eu não vá mais a Brindisi, porque já por
duas vezes me pus em viagem e sempre tive de adiá-la; então, vamos para Nápoles".
Voltando, portanto, a Nápoles, chegamos pelas duas horas da manhã para fugir da
aglomeração do povo. Entramos no convento e, recebida a bênção, o padre se retirou
para a cela. Logo veio o padre guardião e disse que tinham chegado ao convento os
122
Trad.: Saúda-vos Lucas, o médico.
123
Nota do tradutor: soma é uma medida antiga de capacidade entre 90 e 164 litros, variável de
acordo com o lugar.
383
mais destacados personagens de Nápoles e de todo o Reino e que queriam falar com
o padre sobre coisas muito importantes. O padre Brindisi, ao ouvir isso, ficou meio
indeciso e perguntou o que queriam. Respondeu o padre guardião que aqueles
senhores queriam conversar com sua Paternidade e deles poderia saber o assunto.
Então o padre Brindisi disse ao guardião que fizesse aqueles senhores entrar no
refeitório e que ele desceria também.
1576. Quando o padre Brindisi viu e ouviu isto, começou a esquivar-se fortemente
e começou a desculpar-se como idoso e enfermo, e pediu àqueles senhores que se
dispusessem a eleger uma outra pessoa. Mas aqueles senhores insistiram ainda mais
e chorando com tanto sentimento que o padre guardião e alguns outros dos frades e
eu, com os que estávamos presentes, fomos levados a chorar com eles.
Apresentaram ao padre a obediência pela qual o ilustríssimo e reverendíssimo senhor
cardeal protetor lhe mandava que aceitasse o cargo e fosse.
Quando o padre Brindisi viu, por um lado, a ordem do senhor cardeal protetor e,
por outro, as lágrimas e insistências daqueles senhores, rendeu-se e, considerando
que esta era a vontade divina, aceitou o cargo e se dispôs a ir lá; e, vencidas as
dificuldades e perigos, chegou a Gênova. Com ele vieram o padre guardião de
Nápoles, com um outro sacerdote capuchinho nosso, um leigo capuchinho dos nossos
e eu.
1577. Sei que o padre Frei Lourenço de Brindisi viveu na religião sempre com
ótimo exemplo, tanto de santidade de vida como de excelente doutrina, e exerceu
todos os cargos que normalmente se dão às pessoas de merecimento na religião dos
padres capuchinhos. Eu, particularmente, conheci esse padre Frei Lourenço de
grandíssima capacidade e de felicíssima memória; sabia de cor quase toda a bíblia,
não só de maneira geral, mas citava distintamente capítulos e versículos. Tinha
grande habilidade de responder prontamente a dúvidas sobre a Escritura. Conhecia
também várias e diversas línguas: latim, grego, hebraico, caldeu, alemão e outras. Sei
disso pela convivência e conversação que mantinha com ele e por ouvi-lo pregar,
citando e explicando a Escritura em língua grega, hebraica e caldéia.
Eu conheci o referido padre Frei Lourenço por cerca de vinte e dois ou vinte três
anos e com ele conversei e convivi muitas vezes, em diversos lugares e tempos, por
ter sido ele meu Geral e homem importante na religião. Ouvi-o principalmente durante
toda uma quaresma, que pregou nesta cidade, na igreja do Espírito Santo, há mais ou
menos vinte anos; foi onde presenciei que, durante a pregação, explicava as
384
1578. Sobre esse padre Frei Lourenço de Brindisi, sei que ele, junto ao imperador,
encontrando-se a exortar o exército cristão a combater valorosamente contra o
exército dos turcos, com uma cruz na mão, montado a cavalo, à frente do exército
cristão, ao sinal de início da batalha, traçando o sinal da cruz várias vezes contra o
exército contrário, anulou as rajadas dos arcabuzes, artilharia e flecheiros dos
inimigos, de modo que não passavam de seu cavalo. Uma grossa bala de artilharia
ficou presa na sela de seu cavalo.
E isto eu ouvi do próprio padre Frei Lourenço enquanto pregava na igreja do
Espírito Santo em Nápoles, discorrendo assim: "Conheço uma pessoa que vive e fala
e que, com sua confiança no santíssimo sinal da cruz e na santíssima Virgem, aparou
as balas de artilharia, flocos incendiários e flechas, que não passavam do seu cavalo
para atingir o exército cristão. E, um milagre ainda maior, uma grossa bala ficou presa
no cabeçote da sela desse homem que vive e fala. E, embora sendo os turcos bem
mais numerosos do que os cristãos, foram todos postos em fuga e em grande parte
mortos, ficando o exército cristão - que era menor em número e condições e fatigado
por contínuas batalhas - milagrosamente vitorioso".
1579. Todos percebiam naturalmente que ele estava falando de sua pessoa,
discorrendo assim por humildade; também na nossa religião essa opinião é comum;
naqueles lugares, junto ao imperador, não há nenhuma dúvida sobre esse milagre.
Digo mais: quando esse padre Frei Lourenço era esperado em Nápoles para
pregar naquela igreja do Espírito Santo, encontrei em Poggio Reale uma carruagem
com forasteiros que me parecia serem franceses; e perguntaram-me se era verdade
que o padre Brindisi estava para chegar, a fim de pregar em Nápoles a próxima
quaresma, a que estava para chegar; e eu respondi que era certamente verdade. E
eles me replicaram: "Nós queremos permanecer de propósito em Nápoles para ouvir
este grande padre, que é um santo de Deus". E acrescentaram: "Padre, aqui vós não
o conheceis nem Nápoles o conhece; mas na Hungria, junto ao imperador e ao
exército, este homem é comumente conhecido por santo, porque fez coisas
maravilhosas e estupendas no exército com um simples sinal de cruz".
1580. Quando o reverendo padre Frei Lourenço de Brindisi foi feito Geral, visitou
toda a religião sempre a pé, embora a religião lhe permitisse andar a cavalo; de
qualquer maneira, quis submeter-se a tamanha fadiga e tão incômoda, quanto aos
jejuns, frio e lamaçais enormes e outras coisas, como acontece em viagens. E isto
como bom prelado, verdadeiro servo do Senhor e autêntico observante da seráfica
Regra. Isso ouvi de todos os frades, sem exceção, mas eu, pessoalmente, não o vi,
porque não visitou a nossa província de Santo Antônio, na qual eu me encontrava, na
época.
Vi chegarem multidões, com grande quantidade de pessoas que vinham para
conseguir a sua bênção, isto é, desse reverendo padre Frei Lourenço de Brindisi,
como homem de vida santa e autêntico servo do Senhor, olhado por todos com santa
veneração e reverência. Isto nas cidades de Mântua, Verona, Montagnana, e pelas
estradas; nem por isso, nunca percebi nele, em meio aos aplausos de tamanho
número de gente, o menor sinal de que com isso se deleitasse, porque, com grande
caridade, humildade e paciência, ao ser chamado pelo companheiro, vinha da cela e
chegava à igreja. dando a todos a bênção; a mesma coisa fazia também pela estrada.
Tudo isso presenciei. encontrando-me nos lugares acima e também vindo pela estrada
de Montagnana até Este; isto há mais ou menos treze anos.
1581. Morei em Mântua, quando estava ali fazendo parte da família, no tempo em
que o reverendo padre Frei Lourenço de Brindisi pregava aos sábados aos hebreus;
385
estive presente em algumas daquelas pregações que fazia para os hebreus, os quais
vinham numerosos; e via que o padre levava para o púlpito diversos livros em hebraico
e, no púlpito, lia a Sagrada Escritura para eles naquela língua; e quando lia o texto na
língua deles, eu percebia que os hebreus ficavam muito atentos. Assim lhes
apresentava a Escritura com grandíssima profundidade e fazia-os tocar com a mão a
vinda do Messias e o engano que depositavam em seus textos; e falava e denunciava
muitas mentiras que eles haviam colocado nos textos.
Da mesma forma, expunha a Sagrada Escritura em língua latina e língua vulgar
para todo o auditório, de maneira que todos pudessem compreender a malícia dos
hebreus, que eram em grande número. Não os censurava asperamente; pelo
contrário, com benignidade e no aprofundamento da Escritura, procurava convencê-los
da própria cegueira. Eu me encontrava nas salas do ducado, onde estava esse
reverendo padre, e vieram alguns hebreus para agradecer-lhe por tratá-los com
benignidade e que, por terem que se ausentar da cidade, se desculpavam por não
poderem estar presentes às suas pregações. Isto há cerca de treze anos.
1582. Não conheci este padre, quando eu era menino, porque já estava na religião
três anos antes de mim; mas sei bem que, nos primeiros anos que o conheci na
religião, era muito debilitado, cheio de enfermidades e, por isso, era submetido a
muitos cautérios; pensava-se que fosse terminar tísico; mesmo assim, não o
amedrontavam as austeridades da religião, mas mantinha-se sempre persistente e
constante. Em suas doenças, com que era tremendamente castigado, demonstrou
grande paciência e nunca se lamentava; apenas algumas vezes se ouvia ele exclamar
"Ai demim!", mas sempre demonstrou grande fortaleza e constância no controlar e
refrear das paixões de sua natureza e no conservar a mansidão e perseverante fineza.
Conheço isso, porque mantive com ele convivência e intimidade, como já disse acima.
1584. Para isso, percorreu diversas partes do mundo, como Alemanha, Espanha e
Itália, encontrando-se ora com sua santidade, ora com a majestade cesárea, ora com
a majestade católica, ora com outros príncipes. E nessas viagens, acolhi-o muitas
vezes no nosso convento de Milão, enquanto ele ia e vinha.
Sei que esse padre Brindisi, com a ajuda da graça divina, tanto fez e tanto disse
que a Santa Sé Apostólica e as duas citadas majestades cesárea e católica e o
Sereníssimo da Baviera e outros príncipes eclesiásticos e seculares, se convenceram
a realizar muitas coisas em favor da manutenção e propagação da fé católica e
dispuseram-se a acrescentar aquela santa Liga Católica, de onde nasceu tanto bem,
especialmente para o Império e para a Alemanha, como hoje se vê.
escritos em hebraico, perguntou quem os havia feito; ouvindo que tinha sido um frade
estudante nosso, chamou o frade e lhe demonstrou sua satisfação.
Era seu ofício próprio, quando os estudantes tinham concluído os estudos e
estivessem aprovados, prepará-los para pregadores a fim de, por estes meios, manter
e propagar a fé católica e salvar as almas. Entre outras vezes, recordo-me
especialmente de que, em Barcelona, por ocasião da visita e capítulo provincial,
havendo alguns estudantes para assumir a pregação, ele os examinou; e, neste
exame, descobriu-se tanta doutrina nesse padre que foi considerado e chamado de
outro Santo Tomás.
1587. Era muito zeloso contra as construções sofisticadas e castigava aqueles que
tivessem cometido excesso e mandava que se retirasse tudo o que fosse contrário à
santa pobreza. Lembro-me de que ouvi de sua própria boca que, quando foi provincial,
antes de ser geral, proibiu em certo convento que se fizessem sobre as celas umas
coisas que ele julgava desnecessárias. Quando o padre viajou, o frade não observou a
ordem dada. Ao voltar ali àquele convento, mais uma vez, encontrou aquela confusão,
pois o pobre frade estava quase morrendo e dizia: "Tirem esta cal que me está
queimando".
1588. Era muito devoto quanto à missa e jamais a deixava de rezar nem por
enfermidade, nem por outro motivo; o que presenciei aqui em Munique, enquanto ele
estava aqui e eu também ainda estava aqui: Embora sofrendo de gota nos pés, gota
quirarga nas mãos e com febre, queria de qualquer jeito celebrar missa e era preciso
carregá-lo até à capela de baixo, onde costumava celebrar missa e fazer suas
orações, separado dos outros frades; precisava, antes, ajeitar-lhe as faixas com que
eram envoltas as mãos e deixar livres os dedos para poder segurar a hóstia sagrada;
e quando era revestido dos paramentos sacerdotais para a missa, ficava em pé,
embora não conseguisse nem um pouquinho se mexer quando estava na cama; e ali,
no altar, ficava de pé, às vezes duas ou três horas, ou mais ou menos esse tempo. Já,
ao terminar a missa, não conseguia ficar em pé e era preciso transportá-lo numa
cadeira até à sua cela.
1589. Uma vez, entre outras, atravessando a ponte para ir ter com a senhora Dona
Maria de Prenestein, que tinha mandado a ele algumas baronesas hereges para que o
padre as esclarecesse sobre a verdadeira fé - como fazia continuamente com barões e
outros, de acordo com as ocasiões apresentadas - fomos encontrados no meio da
ponte por alguns boêmios, em número de cinco ou seis, que pegaram o padre pela
barba e um deles o jogou no chão e começou a dar-lhe pontapés, como fizeram
também os outros. Outro pegou-me pelo capuz para me fazer a mesma coisa, mas,
sendo eu um pouco mais forte, não conseguiu fazer nada; só procurava, com palavras,
pedir-lhes que deixassem em paz o pobre padre.
Enquanto estávamos nestes apuros, apareceu, do outro lado da ponte, um
sobrinho do núncio Spinelli, que ia com dois servos ao colégio dos padres jesuítas. Um
dos servos começou a gritar: "Senhor João Batista, estão matando o padre!" E
correndo os dois servos, dos quais não sei o nome, com espadas na mão, os boêmios
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fugiram; e assim saímos daquele perigo. Ajudei a levantar o padre. Neste momento,
chegou aquele senhor e, perguntando-lhe se o haviam machucado, respondeu: "É
isso! Por simplicidade, maltrataram-me!".
1590. Próximo do carnaval, chegou para o padre uma carta de Viena, dizendo que
os pobres frades que restavam, estavam sendo molestados demais e angustiados
porque, de algumas janelas mais altas, às duas ou três horas da madrugada, havia
disparadas de arcabuzes. E uma tarde daquelas, estavam todos os frades ali em volta
de uma mesa redonda estudando alemão, veio um tiro de arcabuz e, se Deus não
tivesse feito Frei Júlio de Veneza ter-se levantado antes, ter-lhe-ia atravessado a
cabeça de lado a lado.
Ao saber desses problemas, o padre, com sua costumeira caridade, se dispôs a
viajar até Viena, não obstante fosse uma longa viagem, grande a quantidade de neve
e a estrada quase desconhecida. Todavia, não conseguia ficar tranqüilo, se não fosse
consolar aqueles pobres frades, perguntando-nos nossa opinião, dissemos-lhe que
aquele tempo era de morrer e poria em risco tanto bem que se poderia fazer: "Vossa
paternidade poderia escrever um carta para consolá-los e, logo que houve um tempo
mais ameno, iria ter com eles". Foi o que ele fez depois.
1593. O próprio Frei Jeremias disse-me que imaginava ser aquele velho uma
pessoa mandada por Deus para lhe dar aquele conselho, "ensinando-me tudo o que
eu devia fazer naquela viagem", porque, ao virar-se Frei Jeremias, não viu mais o
velho na larga praça, onde lhe tinha dado o conselho. Aceitando o conselho do velho,
tomou imediatamente o caminho para Nápoles e, se bem me recordo do que ele me
388
1594. Para melhor servir-lhes [aos frades enfermos] e com maior solicitude,
ocupava uma cela bem perto deles para ouvir mais facilmente, de dia e de noite,
quando chamassem ou precisassem de alguma coisa, dormindo, às vezes, na própria
cela do doente para melhor atendê-los, mesmo com algum desconforto.
Sei que serviu, entre outros, ao padre Basílio de Giffuni, completamente aleijado
de mãos e pés pela gota, tanto que quase não podia movê-los nem alimentar-se com
as próprias mãos, por isso ele o ajudava para comer e o acomodava no leito conforme
precisava; além disso, sofria este enfermo de uma doença no estômago, precisando
de um pouco de vinho forte; e como o vinho normal da mendicância, muitas vezes,
não lhe resolvia o problema, Frei Jeremias, quando saía do convento, sempre
conseguia para ele um frasquinho, com revolta dos esmoleres, os quais o
repreendiam, dizendo que lhes estava perturbando a mendicância, dando
preocupação a mais aos benfeitores; porém, ele, não se preocupando, fazia com muito
prazer esta caridade, usando um vidrinho sem gargalo; por isso, ele o chamava de
bandido. E quando o levava àquele enfermo, dizia-lhe, brincando e rindo para consolá-
lo: "Fica feliz, pois eu te trago o bandido, mas levei uma tremenda reclamação dos
esmoleres".
1595. Costumava dizer que as nossas obras não valem nada, se não são
baseadas nos méritos e sangue de Cristo nosso Senhor e em sua puríssima Mãe e
que não foi jamais prejudicado por ter deixado pai, mãe e pátria e se entregado a
nosso Senhor, o qual se encarregaria de dar-lhe meios para conseguir a salvação
eterna de sua alma; e tudo isto mostrava com rosto alegre, a ponto de causar
admiração a todos que com ele conviviam, pois era visto sempre com aquele rosto
alegre e feliz; suas obras e palavras eram condimentadas com esta alegria do espírito,
consolando a todos e exortando para a santa esperança e confiança em Deus, o
grande Pai, que é tão bom Senhor e remunerador.
Conseqüentemente, quem conversava com ele sentia-se alegrar imensamente; eu
mesmo o provei várias vezes, pois me sentia enlevado no amor de Deus; e, tendo
saído diversas vezes do convento em companhia dele, com obediência para visitar
doentes, quando entrava em alguma casa de senhores, seculares ou outros, mesmo
havendo religiosos diversos e importantes, todos se levantavam à chegada de Frei
Jeremias; e das palavras simples de Frei Jeremias brotavam maravilhas, ao dar
àqueles enfermos, com tanta simplicidade, a coragem para confiarem em nosso
Senhor, pois, saboreando o fruto de suas palavras, sentiam-se enlevados e aliviados
de seu mal.
1596. Era hábito seu, ao ser solicitado para ensinar alguma devoção ou oração,
dizer sempre que se recitassem o Pater noster e a Ave Maria com devoção, porque as
sete petições do Pater noster englobam tudo o que é necessário para a alma e para o
corpo e não se poderia ser melhor, pois foi composta pela boca de Cristo. Ia também
refletindo sobre estas palavras Pater noster qui es in coelis124e dizendo que
124
Trad.: Pai nosso, que estás nos céus.
389
abraçavam ut supra125, dizia-nos tantas coisas que nos extasiavam; falava que nosso
Senhor a havia feito breve, para que se pudesse repetir com freqüência e que a Ave
Maria tinha sido feita pelo anjo; eu o via muitas vezes repetir aquele Dominus
tecum126.
1597. Frei Jeremias contava-me que, quando era rapazinho, guardava os animais
de seu pai; e que, no tempo de quaresma, quando os outros jovens companheiros
consumiam laticínios, ele comia pão seco e não tomava leite. Os outros diziam que ele
era fingido e que comesse sem se preocupar; e ele se calava; mas um sacerdote o
defendeu quando disse àqueles jovens: "Se soubésseis quanto mérito tem isso: que,
enquanto pode consumir laticínio, faz mortificação por amor de Deus e não usa, não
falaríeis deste modo". Com essas palavras do sacerdote, ele ficou confortado. Além
disso, já o disse acima, ele jejuava em devoção a São Pedro e São Paulo e fazia
outras quaresmas persuadido por sua mãe.
Frei Jeremias costumava jejuar, durante todo o tempo que o conheci entre nós - e
ouvi dizer que já o fazia antes de receber o hábito - durante todas as quaresmas em
que usava jejuar o nosso pai São Francisco, que, todos sabem , tomam quase o ano
todo; ordinariamente, comia pão, verduras e favas e, muitas vezes, aproveitava o pão
que sobrava dos doentes. Quando era mais jovem, comia verdura de preferência crua;
mas quando ficou mais velho e sentia-se pior de estômago e fraqueza nas pernas, por
causa disso, comia mais as favas com polpa de frutas, que ele dizia darem-lhe mais
força.
1598. São coisas que presenciei; e, muitas vezes, voltávamos de fora atrasados e
exaustos e ele não encontrava nada na cozinha; nessas quaresmas extraordinárias ou
preparava um pouco de verdura ou comia somente pão e vinho e com tanta alegria,
dizendo que nem o imperador se sentia como ele. Comia ainda um peixinho.
Fora destas quaresmas, comia alguma coisinha à tarde, porém pouco. Nunca
comia carne, exceto alguma vez, em festas solenes ou no carnaval, uma ou duas
vezes, mas logo via-o reclamar que lhe fazia mal ao estômago. Estas suas favas com
polpa de fruta faziam-no eufórico e dizia que eram boas; e os frades viam-no passar
com aquelas favas, indo para a enfermaria, porque também os enfermos, às vezes, as
procuravam e ele, com muito prazer, lhes dava um pouco a cada um, como presenciei
diversas vezes e percebi que, muitas vezes, Deus lhes dava, de fato, um sabor
agradável. Resumindo, foi um homem de grande abstinência e feita por ele com
grande alegria; isto é conhecido publicamente, não somente por mim, mas por todos
os frades e ainda por outros seculares: as favas de Frei Jeremias.
1600. E assim, depois de sua morte, embora não faltem bons frades que, a seu
exemplo e por caridade, fazem a mesma coisa, contudo, a ser como Frei Jeremias,
quem poderá chegar? Temos chorado muitas vezes como se tivesse sido nossa mãe;
125
Trad.: como acima.
126
Trad.: O Senhor esteja contigo.
390
sei disso por ter estado na família, juntamente com ele, na casa de Concezione; vi isso
com meus próprios olhos e é de conhecimento público e sabido por todos os frades.
Pela caridade que fez, juntamente com Frei Pacífico de Salerno, por ordem dos
superiores, indo a Torre del Greco, distante de Nápoles cerca de oito milhas, para
visitar o então enfermo senhor João de Avalos, adoeceu com pleurisia por causa do
tempo muito ruim e estação fria e ventosa; e assim, com aquela enfermidade e febre
maligna juntas, veio a falecer; e sua alma partiu, como acredito, para gozar os frutos
de sua grande caridade. Isto aconteceu pelo fim de fevereiro e ele morreu no princípio
de março do ano 1625.
1601. Uma vez, indo como companheiro dele à casa do senhor príncipe de
Stigliano, encontramo-lo juntamente com a senhora princesa, a qual perguntou a Frei
Jeremias como era feita a alma. Ele respondeu que era invisível e impalpável,
substância espiritual com memória, inteligência e vontade. A princesa respondeu: "Isto
eu já sabia, mas eu queria saber como poderia criar um conceito ou formar uma
imagem para entendê-la bem ou compreendê-la". Frei Jeremias respondeu: "Vossa
excelência está vendo este ar, que cor tem?" A princesa respondeu: "Não tem cor".
"Vossa excelência vê se pode pegar-lhe um pedaço". A princesa respondeu: "Se é ar,
como quereis que lhe pegue um pedaço?" Frei Jeremias respondeu: "Se disto que é ar
e é corpo, não podeis pegar um pedaço e não tem cor, como quereis que eu mostre a
alma que é espírito, que não é visível nem palpável?" Aí, o príncipe levantou-se
dizendo: "Santo Tomás não poderia ter dito melhor para satisfazer o raciocínio da
princesa".
Uma vez, no claustro de Concezione, nesta cidade, estava Frei Jeremias
contemplando o céu, dizendo: "Ó grandeza de Deus!" Perguntado por mim de que se
encantava, respondeu: "Estou maravilhado com a grande capacidade que Deus
concedeu ao nosso olho capaz de poder ver a oitava esfera, digo mais: veríamos o
céu empíreo se Deus não nos tivesse dado a visão aqui na terra? Ele fez isto para que
nos inflamássemos no anseio de vê-Lo e de ir para o paraíso".
1604. Antes de professar, fez testamento e deixou boa parte de seus bens aos
pobres; por sua vontade, teria deixado tudo, mas pelo fato de encontrar-se a sua
família, naquela época, em situação de alguma necessidade, esse motivo o fez
desistir; e reclamando os seus irmãos, achando que ele tinha feito demais, replicou
que seu voto seria deixar tudo por amor de Deus, mas por compaixão deles, tinha
doado só aquele tanto.
391
1605. Saía para a mendicância com boa vontade e, quando era guardião, saía
uma vez por mês. Tendo lhe dito alguém, em Cagli, que era muito peso para ele,
respondeu que era melhor carregar o peso do pão que de pecados. Se acontecia
parar em algum lugar, não continuava nunca se antes o companheiro - mesmo leigo e
jovem - não lhe dissesse primeiro: "Padre, vamos". Então, colocava imediatamente o
alforje sobre os ombros, sem dizer palavra; fato este percebido também com
freqüência pelos seculares, com grande edificação para estes.
Ordenava ao companheiro, onde não era conhecido, que não dissesse que era ele
o guardião, seja para evitar as reverências, seja também para não ser tido como
espiritual e humilde, ao fazer semelhantes práticas. Varria a casa, abria a porta da
igreja e, pela manhã, as janelas, na hora certa; dava uma mão a qualquer serviço,
como se fosse um simples leigo.
1606. Brilhava neste bom padre uma simplicidade de coração tão grande que
parecia levar o coração nas mãos; e contava com a maior simplicidade o que lhe
acontecia, vivendo muito longe de fingimento e hipocrisia; não podia acreditar que os
outros não se comportassem com simplicidade, por isso julgava a todos como santos,
incapaz de suspeitar algo mau no próximo, se não o visse com os próprios olhos, mas,
nesse caso, desculpava a intenção.
Conversando com ele o padre Frei Clemente de Noto, quando era Geral, disse que
ele parecia um São Bernardino e que tinha descoberto nele a simplicidade da pomba
e, na verdade, esta virtude dele era admirável; desta pode-se entender a pureza de
seu coração e a transparência de sua consciência.
Era imparcial com todos: tanto agia com o menor dos leigos ou clérigos, quanto
com qualquer padre emérito, com exceção da posição de superior ou o mérito maior
ou menor da virtude e bondade, da qual fazia particularíssima estima. Era de tal
maneira grato pelos benefícios, mesmo pequenos, que jamais os esquecia e, mesmo
depois de muito tempo os retribuía em toda ocasião e agradecia aos benfeitores por
eles; daí pode-se concluir quanto fosse grato a Deus bendito e como lhe agradecia
continuamente pelos benefícios, não só correspondendo aos recebidos, como também
tornando-se digno de outros por meios destes.
1607. Tinha grandíssima caridade para com o próximo, principalmente para com
os doentes, os quais visitava com prazer, tanto dentro quanto fora da religião; e,
quando era superior, não deixava de providenciar tudo para eles, com toda caridade
paterna, servindo-lhes pessoalmente, mesmo nos serviços mais difíceis e asquerosos.
Era de grande caridade para com os pobres e queria que sempre lhes fosse dada
uma esmola, especialmente aos idosos e os mais necessitados. Na quaresma,
ordenava ao companheiro que não mandasse embora nenhum pobre sem alguma
coisa e, quando não tivesse outra coisa, pelos menos lhe desse uma noz; tamanha era
a caridade para com eles.
Quando falecia algum de nossos frades, além de celebrar a missa por ele, como
mandam as nossas constituições, ele rezava também os três noturnos dos mortos e,
muitas vezes, imediatamente após receber a notícia. Quando algum frade tinha
cometido alguma falta, usava com ele a correção fraterna, fosse quem fosse, mesmo
em pequenas coisas, como por exemplo: quem faltasse às ladainhas ou outras atos da
comunidade, quem omitisse o nome de algum santo ao recitar as ladainhas, quem
deixasse de dizer a missa. Agia da mesma forma com os padres e outros religiosos,
quando não faziam bem as coisas e cometiam erros nas ações pertencentes ao culto
divino.
1608. Sua vida era uma contínua oração, porque, além das duas horas ordinárias
da religião, ele se levantava, à noite, sempre ao menos uma hora antes dos outros e,
muitas vezes, duas; depois voltava a repousar meia hora ou um pouco mais e logo
392
retornava à igreja, que ele dizia ser a nossa vinha, e ficava ali até à hora da oração,
preparando-se para rezar a missa. Depois voltava para o ofício e permanecia até que
terminassem todas as missas.
Era grande devoto da cruz, por isso a reverenciava e beijava por completo,
principalmente no início e no topo da escada do dormitório, todas as vezes que
passava; a mesma coisa fazia com a beatíssima Virgem, tendo alguma no breviário,
que ele beijava muitas vezes, em suas devoções durante o dia.
1611. Chegando a Roma, e percebendo que meu irmão mantinha uma vida
espiritual, confessando-se com o beato Felipe, da Chiesa Nuova, e comungando
algumas vezes por semana e, vendo o bom exemplo da vida dele, quis eu também
imitá-lo e, assim, comecei a confessar-me com o mesmo beato Felipe e pôr-me sob
sua direção.
Nessa ocasião, sendo eu chamado por Deus para a religião dos capuchinhos,
perguntei àquele beato se poderia ajudar-me, apresentando-lhe este meu desejo; e ele
me disse que não era a religião para mim e que eu não teria conseguido suportar; e
me propôs outras religiões que não fossem tão rigorosas; mas eu não conseguia
interessar-me por outra religião senão pela dos capuchinhos.
Comecei a freqüentar a casa dos capuchinhos e confiar aos padres este meu
desejo; porém, também eles me diziam a mesma coisa, que a minha compleição não
conseguiria resistir aquela vida.
1612. Por fim, continuando eu um ano deste jeito e vendo o beato Felipe minha
perseverança nesta vocação, interessou-se para que eu fosse recebido e assim fui
acolhido na ordem pelo padre geral Frei Tomás de Castello e pelo Padre Provincial
Frei Francisco de Nápoles; e recebi o hábito no dia 17 de março de 1560, em Tívoli,
sendo guardião o padre Frei Ptolomeu de Crema. No ano do noviciado, sofri grande
tentação de ser leigo, julgando-me insuficiente para o ofício de clérigo; e, confiando
este meu desejo ao padre guardião mais de uma vez, ele não concordou e até me
disse que, se eu lhe falasse mais nisso, me daria minhas roupas e me mandaria
embora. A tal tentação desapareceu.
393
1613. Foi-me dada, então, obediência para ir a Roma, no tempo de Pio V e fui
mandado para fazer parte da família na casa de Aspra; fui eleito discreto local pelo
capítulo e, por esse capítulo, nomeado guardião de Monte San Giovanni, por dois
anos, onde me aconteceu uma coisa: havendo nos anos 1570-1571 grande carestia, a
ponto de se comer pão de bolotas de carvalho e verduras e não se encontrar trigo
para comprar, em vista das necessidades que sofriam os pobrezinhos, ordenei que do
pão que chegasse em casa se partisse cada um em quatro partes e se desse um
pedaço a cada um de todos que viessem pedir esmola, da maneira como dispus seria
mais pão que se distribuía do que o que chegava em casa, porque os esmoleres
traziam poucos e se distribuíam muitos.
E um dia o encarregado procurou-me e me disse: "Padre, os frades estão
reclamando de vossa paternidade". E perguntando-lhe eu "de que?", disse: "Por que
se distribui tanto pão na portaria e não se acha mais nenhum". E eu lhe perguntei se
havia pão para a manhã, respondeu: "Acho que não, não haverá bastante". E eu, indo
com ele, para ver o pão que havia, entrando na despensa, encontrei uma grande
quantidade de pão e lhe disse: "Por que reclamas, se há tanto pão?" Ele me afirmou,
dizendo: "Padre, quando eu fui lá em cima encontrar vossa paternidade, não havia
estes pães". O frade era Frei Francisco de Piperno. Assim, percebeu-se que
milagrosamente se multiplicava o pão em casa.
1614. Depois que parti de Monte San Giovanni, fui nomeado guardião de Anticoli
durante um ano e, assim, os padres me deram, seguidamente, o cuidado da casa dos
professos e dos noviços. A partir de 1581, fui nomeado confessor das monjas em
Roma durante cinco anos, e três anos, das monjas de Sena.
Encontrando-me, uma vez, em Rieti como guardião dos noviços resolvi, com ajuda
dos noviços, fechar uma parte do terreno, fazendo um muro, onde se achava uma
grande pedra mais alta que uma pessoa. Mandei dois noviços descalçá-la em volta
para tirá-la daquele lugar. Vendo que já se tinha cavado bastante e já estava no jeito
de cair, com medo que ela fosse parar numa plantação de trigo que estava embaixo e
a estragasse, pois o trigo já estava maduro, corri e a firmei com a mão para segurá-la;
mas visto já ter começado a inclinar-se, o grande peso me jogou por terra e me
passou por cima; porém, não obstante aquele peso, parecia que fosse de algodão, e
pela graça de Deus não me fez mal algum.
1615. Em Subiaco, quando era guardião o padre Frei Desidério, piemontês, para
abrir o caminho em direção à fonte, eu tinha que cortar um tanto de um barranco;
como era alto, subi numa escada e cortei um bom pedaço que não dava sinal de estar
para cair; mas senti interiormente uma inspiração que me mandava ir ver o que estava
fazendo o padre guardião, que trabalhava com os noviços; e, saindo, em menos de um
De profundis desabou todo aquele barranco, acabou com a escada e fez uma grande
ruína. O Senhor quis preservar-me daquele perigo, ao enviar-me aquela inspiração.
Quando eu era presidente da casa na Ilha Bisentina, disse-me Venâncio Fabro
que fosse ver um filho seu, em Capo di Monte, que estava muito mal e em fase
terminal. Fui vê-lo e o acariciei um pouco, pois era pequenino. O menino ficou curado,
de modo que Venâncio e a mulher começaram a dizer que o menino estava morto e
que eu o havia ressuscitado. Mas o fato não foi assim, porque, quando eu lhe falava e
o tocava, estava vivo e não morto e, depois de algumas semanas, morreu.
1616. Em Scandiglia, a nora de um capitão, tendo uma doença nos olhos, quis que
eu lhe fizesse sobre eles o sinal da cruz; depois, disse-me o capitão que estava
394
1617. Indo a Gallicano, partindo de volta para Penestrina, veio atrás de mim uma
mulher, pedindo-me para parar e esperá-la. Chegando perto de mim, pôs-se de
joelhos e pedia-me que lhe fizesse o sinal da cruz sobre o nariz, onde sofria de um
mal. Depois de lhe opor resistência, por algum tempo, a benzi; comigo estavam quatro
homens que me acompanhavam durante uma parte - não me recordo quem eram,
mas me parece que era gente parente do padre Francisco de Gallicano. Disseram-me
depois que aquela mulher ficou curada e que o mal era um cancro.
Além de outros lugares, fui também guardião um ano em Piperno; em Rieti, na
casa antiga, dois anos com os noviços; na casa nova, dois anos; em Aspra, com os
noviços, dois anos; em Palanzana, com os noviços, três anos; em Penestrina, com os
noviços, dois anos e outros dois com os professos; em Anagni, com os noviços, dois
anos; em Subiaco, com os noviços um ano e com os professos, um; em Orvieto um,
em Viterbo um, em Ronciglione um, em Cività Castellana dois, em Cività Ducale um,
em Scandiglia dois; confessor das monjas em Roma, cinco anos; das monjas de Sena,
três anos e três meses.
Eu, Frei Francisco, bergamasco, confirmo tudo como acima.
Eu, Frei Francisco de Carpineto, atualmente guardião da casa de Penestrino,
escrevi o conteúdo acima de verbo ad verbum127 conforme pelo padre Frei Francisco
bergamasco me foi dito, etc.
1618. Soube também que, nos capítulos provinciais que se realizam todo ano,
sendo perguntado pelos frades como se comportavam os seus noviços, dos quais era
ordinariamente ora guardião ora mestre, sempre respondia com um sorriso na boca:
"Todos são melhores do que eu". Isto ouvi, particularmente, do padre Frei Antonio de
Felmi, atualmente vigário do nosso convento de Roma.
Mostrava humildade ao vestir-se pobremente e mal apresentado e, principalmente,
nos serviços servis e humildes, lavando as vasilhas na cozinha, indo para à
mendicância, capinando o pomar ou fazendo outros serviços comuns, embora fosse
guardião idoso e muito respeitado pelo conceito de santidade, como ouvi dos frades
que conviveram com ele em família e, em particular, do padre Frei Antônio de
Bergamo, sacerdote nosso.
Eu, levado pela opinião comum, enquanto era provincial, achei por bem mandar-
lhe, como preceito em virtude da obediência, que relatasse as coisas mais importantes
de sua vida, desde o tempo em que se tornou religioso, e das coisas mais notáveis
que lhe aconteceram na religião, como de fato o fez, como se vê num papel escrito
pelo padre Frei Francisco de Carpineto, seu guardião em Palestrina e assinado pelo
mesmo padre Frei Francisco, de própria mão, folha que está em poder do Padre
Provincial, ao qual me refiro.
127
Trad.: palavra por palavra.
395
1619. Conheci este padre Frei Francisco de Bergamo. A primeira oportunidade foi
em Bagnaia, onde ele era guardião e fazia parte da família e fazia a “quéstua”; e,
sendo aquele ano de '91 de grande carestia, desconfiava da ordem recebida daquele
padre de dar continuamente esmolas, porque não se poderia atender a todos; e
ficando aquele padre sabendo de minha desconfiança, chamou-me à parte do povo e
disse: "Não fiques desanimado, mas atende e distribui as esmolas como te disse, que
Deus providenciará".
E toda manhã ele tinha ordenado que se preparasse, e, de fato, assim se fazia,
uma grande caldeirão de legumes e verduras, para se dar de manhã aos pobres que
costumavam vir todo dia, em número de mais de cem; para alguns ainda mais
carentes acrescentava-se também um pouco de pão; e assim continuou durante todo
o inverno. Uma certa manhã, avisando ao padre que não havia pão, ele me disse:
"Fica tranqüilo que Deus providenciará". E, antes que chegasse a hora do desjejum,
veio um de Viterbo com um animal trazendo um saco de pão comum e um peixe, não
sei qual, que não me recordo da parte de quem foi enviado, e assim lhe supriu aquela
necessidade.
1620. No mesmo lugar acima, onde permaneci três anos contínuos enquanto ele
era guardião, posso testemunhar que continuamente afluíam pessoas com muitas
necessidades e enfermidades à procura desse padre e todos partiam consolados, por
terem obtido alguma graça; eu o ia chamar continuamente, reclamou comigo para não
chamá-lo tantas vezes ou se não poderia moderar um pouco e eu lhe repliquei: "Meu
padre, não se pode fazer outra coisa senão de intermediário para as suas
necessidades".
Outra vez, creio que já faz agora dez ou mais anos, encontrando-me na família de
Scandriglia, onde ele era o padre guardião, um dia, enquanto estávamos empenhados
em cercar o convento e fazer algumas muretas de pedra a seco, esse padre, que as
estava levantando, mandou que eu subisse na montanha acima das muretas e
cavasse em volta das pedras; enquanto eu ia cavando, procurava deixá-las cair em
baixo devagarzinho, para não atingir o padre; mas veio-me uma pedra grossa que não
daria para ser abraçada por dois homens; esta me escapou a ponto de eu não
conseguir segurá-la com as mãos.
1621. Avisei imediatamente ao padre que tomasse cuidado porque ela descia
precipitando-se em direção ao padre, o qual, avisado e vendo a pedra que vinha em
cima, levantou as duas mãos contra a pedra e lhe disse: "Onde estás querendo ir?
Para aí mesmo". E a pedra parou, mas naturalmente, por ser o lugar inclinado, não
poderia parar, enquanto as outras iam até embaixo no pé da montanha. Eu ouvi
aquelas palavras ditas pelo padre e vi, com meus olhos, tudo isso e fiquei
maravilhado; dizendo-lhe eu: "Padre ancião, escapastes de um grande perigo", ele,
sorrindo, me falou que não dissesse nada, como de fato o fiz até à sua morte; e fui
chamado aqui para testemunhar o que sabia sobre este padre.
Neste acontecimento que contei, estavam presentes dois outros frades, dos quais
um se chamava Frei Vittorio Milanese, pedreiro, e o outro não recordo, atualmente
falecidos, os quais também ficaram cientes disto; e a mesma proibição que fez a mim,
fez também a eles.
396
Expansão da Europa
Lázaro Iriarte
Tradução de Mauro Strabelli
397
Os Capuchinhos na França
1622. A 6 de maio de 1574 o papa Gregório XIII promulgou a bula “Ex nostri pastoralis
officii”, com a qual revogava o breve de Paulo III de 1537, que proibia aos capuchinhos
saírem da Itália, e os autorizava a “instalarem-se nas regiões da França e em todo o
mundo”. O papa levava em consideração que a Ordem já estava em fase de
instalação na cidade de Paris.
De fato, desde 1570, por iniciativa de um frade saído dos cordígeros, Pedro
Deschamps, tinha surgido espontaneamente, numa localidade chamada Picpus, uma
comunidade de capuchinhos, de tipo de vida decididamente eremítico. Eles tiveram a
segura proteção do bispo de Sisteron e depois da rainha-mãe Catarina de Medici e
também do cardeal Charles de Lorraine. Em 1574 a comunidade mudou-se para o
bairro de Saint-Honoré. No mesmo ano, chegou o primeiro comissário geral, Pacífico
de San Gervasio, da província de Veneza, juntamente com um grupo de capuchinhos
italianos; em 1575 ele foi substituído por Matias Bellintani de Saló, a quem devemos o
relato mais harmônico das origens da Ordem em França.
1624. Foi também ordenado, no dito capítulo de Ancona, que se enviassem frades
para a França para procurarem lugar naquele reino, coisa que teve um fraquíssimo e
desprezível começo, mas que o tempo mostrou depois com o progresso da Ordem ter
sido aquilo a vontade de Deus. A coisa começou assim. Havia em Paris um tal Frei
Pedro Chempis, clérigo entre os cordígeros - pois assim eram chamados em França
os frades menores - o qual, apostatando da religião, andou girando, além da França,
pela Espanha e Itália. E tendo visto que na Itália os capuchinhos gozavam de grande
simpatia, resolveu voltar à França e vestir o hábito daquela Ordem, coisa que ele fez
por si mesmo, sem nenhuma autorização, sem o consentimento de ninguém e sem o
conhecimento de nenhum superior. E arranjou como companheiro um velho e
simplório eremita que se chamava Frei Miguel, dando a ele o hábito capuchinho; e um
398
comerciante chamado Villevor os acomodou numa casa fora da cidade, num lugar
chamado Picpus onde havia uma capela. E no espaço de quatro meses se juntaram a
eles outros três candidatos a quem Frei Pedro deu também o hábito capuchinho.
1625. Dois anos depois, isto é, em 1572, morreu o comerciante e aquela casa
ficou à venda, tendo-a comprado, em nome daqueles frades, o bispo de Sisteron. Esse
bispo era uma boa pessoa e muito simples e, tendo sido um tipo de palhaço na corte
real para divertir o rei, recebera aquele bispado como remuneração pelo seu trabalho.
Mas, como era uma pessoa de boa índole e de sincera simplicidade, acabara se
afeiçoando àqueles frades, os quais, excetuando o Frei Pedro, viviam muito
simplesmente e, acreditavam estar prestando agradável serviço a Deus, o bispo os
ajudava em suas necessidades. E foi para eles um bom intermediário, quando eles
precisaram de alguns favores na corte real.
Frei Pedro e seus companheiros foram estimados e ajudados por muitas pessoas
boas, algumas das quais lhes tinham real veneração. Com a ajuda do citado bispo e
de outras pessoas, construíram naquele lugar uma igreja, chamando-a Santa Maria
das Graças; mas tudo isso sem as devidas licenças; e, mesmo sem licença e
continuando apóstata, o citado Frei Pedro foi ordenado sacerdote; celebrava missas e
exercia do sagrado ministério. Vendo isso, o pároco de São Paulo, em cuja paróquia
ficava o citado lugar, homem muito culto e de grande zelo pastoral e que
posteriormente foi bispo de Narbona, procurou, com a ajuda do bispo de Paris, que na
ocasião era o cardeal Gondio, impedir que Frei Pedro continuasse celebrando. Foi
quando Frei Pedro, não tendo outra saída, disse àquele reverendo pároco: “Então eu
vou é à Itália e vou trazer de lá os capuchinhos”. Ao que o pároco respondeu: “Pode ir,
pois mesmo sendo você um sujeito à toa, estará fazendo uma coisa boa”.
Blois, abril de 1572. - O rei Carlos IX, filho de Henrique I e Catarina de Medici,
autoriza os “Pobres Eremitas” a construírem uma igreja em Picpus e proíbe o pároco
da Paróquia de São Paulo de persegui-los.
1626. Carlos, por graça de Deus, rei da França, a todos os presentes e futuros.
Saudações.
1627. Mas, nesse afã, eles estão sendo molestados e impedidos tanto pelo pároco
da citada paróquia de São Paulo, sob o pretexto de que a igreja deles ou capela não
foi consagrada e portanto não é lícito aos requerentes celebrarem ali o culto divino,
como se de dez a quinze anos para cá os párocos de São Paulo não tivessem, muitas
e muitas vezes, mandado padres para aquela capela para celebrem ali a missa, e não
399
1628. Por isso mandamos aos nossos prezados e fiéis membros do Parlamento de
Paris, à autoridade religiosa do lugar, ao funcionário do setor de privilégios da
Universidade e a todos os demais, que não impeçam aos sobreditos padres
capuchinhos de usarem e usufruírem da presente concessão, impedindo e eliminando
toda e qualquer perturbação ou obstáculo que possam ser colocados seja da parte do
pároco de São Paulo, seja da parte dos religiosos das quatro Ordens mendicantes da
cidade de Paris ou de quaisquer outros [...] .
Ordenamos, além disso, aos religiosos do convento dos franciscanos que não
façam mal algum e nem abram processo penal contra Frei Pedro Deschamps,
guardião dos supracitados capuchinhos, pelo fato de ele os ter deixado e ter-se
juntado a esses capuchinhos para assim levar uma vida mais rigorosa e austera, pois
que, com isso, ele não cometeu nenhuma infração contra os decretos e concessões
dos nossos santos padres e nem mesmo mudou de Ordem, visto que ambos os
conventos foram fundados pelo mesmo patrono e pela mesma Ordem.
Dada e passada em Blois, no mês de abril do ano da graça de mil quinhentos e
setenta e dois, décimo segundo do nosso reinado.
Pedem dia a dia seu alimento e, se recebem mais do que podem consumir, eles dão
aos pobres a sobra por amor de Deus.
Em seu convento realizam os serviços divinos e cantam a missa. Não sei se eles,
como os franciscanos, pregam ao Evangelho nos seus conventos e alhures, porque
não estou informado sobre isso. Eles vêm da Itália, penso eu, e não faz muito tempo
que eles, como os jesuítas, saíram e se instalaram em França. Muita gente ilustre da
França, impressionada pela vida santa que eles levam, ingressou, por uma devoção
especial, na Ordem deles para glorificar a Deus. E por ora isso é tudo.
1630. Frei Pedro conseguiu, por meio do bispo de Sisteron, na Corte do rei, cartas
de recomendação, com as quais foi a Roma, onde, por grande sorte sua, encontrava-
se o cardeal de Lorena, irmão do duque de Guise, prelado de grandíssima autoridade
no reino de França, e ali se encontrava também o cardeal Ramboglietto. Tendo o
cardeal de Lorena visto as cartas dos príncipes da Corte e ouvido o que, a seu modo,
lhe narrou Frei Pedro, tratou de não perder a ocasião de enviar para a França os
capuchinhos; e, tomando a peito a tarefa, tanto ele fez que o geral, que na ocasião se
encontrava em Nápoles, não pôde deixar de aceitar Frei Pedro e seus companheiros
sob a sua obediência; e, não lhe parecendo correto enviar frades da Itália antes do
Capítulo Geral, ele nomeou Frei Pedro guardião daqueles seus frades e deu-lhe
ordem de não receber, porém, mais ninguém e que ele viesse ao capitulo geral
seguinte, a fim de que esse capítulo deliberasse a respeito desse fato.
1631. Voltando à França com essa obediência, era, todavia, importunado pelo
bispo e pelo pároco supracitado, pois ele não tinha bula papal e achavam que aquela
obediência era subreptícia e sem nenhum valor. Recorreu ele ao rei Carlos IX, o qual,
com suas cartas, muito favoreceu suas empreitadas. Mas, por não ter ele sólido
fundamento, não pôde enfrentar seus superiores eclesiásticos, o que ensejou a
obrigação de ele ter que ir ao Capítulo Geral, ao qual talvez ele nem iria, já que não
tinha obedecido a ordem de não receber outros, tendo recebido um tal de Frei Luís,
com o qual foi ao capítulo de Ancona, no ano de 1573, no qual foi decidido que se
enviassem frades da Itália para averiguarem e darem informações depois, sem nada
mudar, deixando intacta a obediência dada pelo geral Frei Mário.
Desse modo, foram enviados dois frades da província de Milão, que tinham os
nomes dos principais santos protetores da França: Frei Dionísio de Milão, sacerdote, e
Frei Remígio de Lodi, leigo. E a solução daquele problema foi deixada aos cuidados
do procurador da Ordem em Roma, que era Frei Tomás de Castello, ex-geral, o qual,
através de freqüentes cartas, pedia a Frei Dionísio que o informasse a respeito da
situação, mas nunca recebia resposta; e o próprio Frei Dionísio também escrevia
muitas vezes e nunca recebeu carta alguma, isso porque Frei Pedro retinha tanto
umas quanto as outras, até o dia em que se descobriu tal deslealdade. O geral enviou
no mês de agosto mais dois frades, prometendo enviar logo em seguida um
comissário geral.
1632. Chegados lá, o bispo de Sisteron fez uma entrada para igreja e convento,
com o consentimento de Frei Pedro; mas os italianos não aceitaram; não podendo,
porém, impedir, foram embora do lugar juntamente com dois franceses que os
401
acompanharam e ficaram fora por três dias, na casa dos reverendos padres jesuítas,
que os acolheram de graça, até que a tal entrada foi fechada. Por isso mesmo os
italianos insistiam por meio de cartas com Roma para que mandasse um comissário;
mas as cartas, pelas mesmas razões já mencionadas acima, não chegavam ao
destino. Por tudo isso foi que Frei Tomás, em novembro, constituiu guardião a Frei
Francisco de Briga, da província de Gênova.
Nesse tempo, volta à França o cardeal de Lorena e o cardeal de Urbino, protetor
da Ordem, o constitui seu vice protetor em França; dá aos frades uma casa sua que
tinha um grande bosque, em Medone, lugar distante duas léguas de Paris, onde
construiu uma igreja e ali Frei Tomás, procurador, constituiu como guardião, no
mesmo ano de 1573, o sobredito Frei Dionísio. E, por meio desse mesmo cardeal, as
cartas começaram a chegar livremente ao seu destino. Pelo que, o comissário geral,
Frei Jerônimo de Montefiore, tendo morrido o geral, enviou como comissário à França
Frei Pacífico de San Gervasio, um bresciano, o qual já tinha sido provincial em Milão e
em outros lugares e agora era guardião em Mântua; com ele, foram também Frei
Jerônimo de Milão, na ocasião guardião em Brescia, e outros frades.
1633. Mas antes da chegada dele os frades tinham resolvido sair de Picpus, não
de propósito, pois o cardeal de Lorena queria arranjar-lhes algum lugar na cidade. E
Deus ajudou de modo tal que a rainha Catarina, mãe do rei, no ano de 1574, depois
da Páscoa, foi ver os frades em Picpus, e quis ver tudo minuciosamente. E ali,
impressionada pela pobreza e simplicidade, foi tomada por grande simpatia pela
Ordem e decidiu ajudá-la. Imediatamente, doou-lhes um jardim com a casa, era o seu
grande jardim, chamado Jardim das Tulherias, nos subúrbios de Saint-Honoré, onde
os frades, ao deixar o antigo lugar, vieram morar e ali foram feitos depois o convento
com a igreja.
Frei Pedro tinha sido chamado à Itália e voltou à França com o sobredito
comissário, o qual mandou, em janeiro de 1575, Frei Jerônimo, de Paris a Lião, para
ficar no lugar dele e naquele ano, no mês de julho, ele recebeu um lugar além de São
Paulo, onde estão agora os frades. E, morrendo Frei Pacífico no mês de fevereiro em
Paris, em fama de santidade, o supracitado Frei Jerônimo, pouco antes da Páscoa, foi
feito vice comissário.
1634. E foi enviado ao Capítulo Geral celebrado em Roma, no ano de 1575, como
comissário, um definidor do capitulo geral, que era provincial na província de Milão, o
qual na viagem recebeu um lugar chamado Chambery, e, no mês de março de 1576,
enviou Frei Jerônimo para tomar posse do mesmo em Avinhão. E ele no mesmo ano
em que chegou a Paris conseguiu que o cristianíssimo rei Henrique III e o Parlamento
de Paris aceitassem a congregação capuchinha como filha da França, incorporando-a
ao reino - e tudo isso graças aos bons préstimos da rainha mãe, e de dois senadores a
quem os frades ficaram devendo obrigações: um que se chamava Monsu, o Arqueiro,
e o outro, que era irmão do cardeal Ramboglietto.
E assim devagarzinho a Ordem foi-se estendendo por diversos lugares da França.
Paris, julho de 1576. - Henrique III, rei de França, estimando sempre mais os
frades capuchinhos, concede-lhes a faculdade de instalarem-se em todo o território do
reino.
[...] Deus que cuida de sua Igreja, suscitou no meio de nós além de um bom número
de bispos e santos doutores e pregadores, grandes na doutrina e nas virtudes, outras
pessoas famosas pela piedade, pela vida religiosa e santas conversas, tanto seculares
como religiosas, e além disso ainda os frades menores capuchinhos da Regra do
senhor São Francisco, os quais, professando fielmente a primeira instituição de sua
Regra, são, pela graça de Deus, exemplo para muitos do modo de se fazer o bem.
Passam o seu tempo rezando os salmos, jejuando, orando, meditando e pregando,
dando assim ótima esperança do crescimento de sua glória, o que se percebe no
aumento de seus membros e de seus conventos.
Esse fato teria levado o nosso santo padre o papa, por pedido de nossa
respeitabilíssima mãe e senhora a rainha, e de muitos príncipes e distintos senhores
do nosso reino, a permitir que um grupo dos sobreditos religiosos viessem da Itália,
onde tinham iniciado sua primeira fundação, para o nosso reino. E sob a proteção do
nosso ilustríssimo senhor e irmão o rei Carlos IX, recentemente falecido, e que Deus o
tenha, foram fundados para eles alguns conventos e um também nos subúrbios de
Saint-Honoré, de nossa cidade de Paris, próximo de nosso palácio das Tulherias, um
outro no povoado de Meudon, também perto de Paris, e dois outros na cidade de Lião
e de Avinhão, para grande alegria de cada um e grande edificação dos bons e fiéis
católicos, que estavam profundamente tocados e edificados pela santa vida que
levavam.
1636. Por isso, seguindo o exemplo dos reis nossos predecessores, os quais por
terem tido sempre grandíssimo cuidado para não só conservar, mas também fazer
crescer a religião cristã e o serviço de Deus, sem economizar seus bens e víveres,
conquistaram sobre todos os príncipes cristãos o belo título de cristianíssimos e
primeiros filhos da Igreja católica, nós fizemos saber e decidimos tomar esses frades
menores sob nossa especial proteção e tutela [...].
Queremos e gostaríamos que todos e cada um o quisesse, que todos os lugares
até agora doados ou oferecidos a eles, quer da parte de nosso senhor e irmão, quer
da parte de nossa senhora e mãe, e outros que ainda poderiam, de agora em diante,
serem dados a eles por nós ou por qualquer outra pessoa, para que construíssem
igrejas e mosteiros, igrejas e conventos, moradias e claustros, que eles possam
aceitá-los e livremente aí permanecer e morar, que possam construir mosteiros e
conventos e celebrar o culto divino, pregar nas igrejas e desenvolver outras atividades
semelhantes no nosso reino e no país a nós submisso, conforme a Regra do senhor
São Francisco e os louváveis costumes de suas assembléias e capítulos [...].
E para que isso se torne permanente e estável para sempre, colocamos o nosso
selo nas precedentes e nas presentes letras.
Dado e passado em Paris, no mês de julho de 1576, terceiro ano de nosso
reinado.
Henrique.
1637. [...] Neste ano de 1579 começou a peste na França onde foi violenta e
causou uma cruel mortandade, de modo especial nesta grande cidade de Paris, onde
o enorme e contínuo ajuntamento de pessoas que iam e vinham pelas estradas
incessantemente, acabava provocando acúmulo de sujeira e muita lama. Mas pouco
403
tempo depois, essa cidade, antes tão populosa, tornou-se repentinamente deserta
pela grande mortandade de gente de ambos os sexos, de todas as idades, de tal
modo que se via crescer mato onde jamais ele tinha aparecido, isto é, nas grandes
avenidas de Paris. Pensem agora no que acontecia pelas médias e pequenas
estradas.
Vendo essas coisas, os nossos pobres padres evangélicos, exatamente esses
desprezados capuchinhos, odiados e rejeitados em toda parte, esses religiosos,
imitadores de seu seráfico pai, colocaram-se todos à disposição do nosso reverendo
padre comissário, com uma intrepidez vista somente nos primeiros mártires, para
atender aqueles pobres abandonados e sem socorro material e espiritual, tanto para
atendê-los em confissão, quanto para providenciar-lhes alguma coisa que pudesse
ajudá-los na sua miséria.
1638. O padre comissário, diante de tão grande messe, enviou muitos operários,
entre os quais , na primeira turma, o reverendo padre Deschamps, o reverendo padre
Bernardino de Bordéus, logo convocado com o reverendo padre André de Dijon, todos
sacerdotes; Frei Tiago de Provença, irmão do senhor César, padre de vida santa e
muito afeiçoado à nossa santa Ordem [...]; Frei Egídio de Paris, irmão leigo; Frei
Daniel de Chaumont, também leigo, e Frei Masseu de Pantin, nas vizinhanças de
Paris, também ele leigo, pertenciam todos eles ao número dos enviados.
Todos esses religiosos, cheios de caridade para com o próximo, colocaram-se à
disposição como bravos e generosos soldados de Jesus Cristo e verdadeiros filhos de
nosso seráfico Pai. Desejando sacrificar a própria vida por amor ao seu Redentor,
começaram, por primeiro, neste reino de França, essa atividade tão santa, heróica e
trasbordante de caridade, abrindo a porta e indicando o caminho para alcançar a coroa
da glória, tornando-se mártires da caridade, lá onde acabaram morrendo no santo
serviço ao próximo [...].
1639. É verdade afirmar, e nós confessamos isso diante de todos, que agora
somos nós que saboreamos o fruto de suas fadigas e daquele maravilhoso bom
exemplo que eles deram na ocasião, prestando àqueles pobres abandonados socorros
tão edificantes e caridosos. E foi por esse motivo que conquistamos o amor e a
veneração do povo e que mostrou para toda a França como éramos úteis ao próximo,
sendo religiosos desinteressados, que procuram a glória de Deus e a salvação das
almas. Isso fez com que o nosso pequeno grupo crescesse como o grão de mostarda,
como diz a Escritura, e se tornasse a grande árvore seráfica. [...].
O que confirmou ao povo esse perfume de santidade foi que eles andavam pela
cidade, pedindo esmolas e procurando comida para aqueles pobres doentes
abandonados. Eles os alimentavam com o suor de seu próprio rosto, fazendo aquilo
que para os orgulhosos é vergonha e fazia corar, pedindo comida de porta em porta
para aqueles com quem haveriam de morrer e isso não para uma centena de doentes,
mas para milhares, de ambos os sexos; e, se não o tivessem feito, muitos e muitos
deles teriam morrido mais de fome do que de peste [...].
1640. Os atos de caridade feitos pelos nossos padres, naquela ocasião, abriram-
nos o coração dos grandes e dos pequenos, dos ricos e dos pobres. O povo e o clero
transformaram sua inimizade em amor, seu ódio em respeito e seu desprezo em
profunda admiração para com aqueles pobres capuchinhos, ao ponto de apresentarem
nossos padres como modelos [...]. Os eclesiásticos começaram a fazer meditação e o
povo a freqüentar os sacramentos, duas coisas totalmente abandonadas, pois a
maioria nunca tinha ouvido falar em meditação ou coisa semelhante, até virem os
capuchinhos meditando duas vezes ao dia em horários diferentes e marcados para
isso. Todos queriam aprender esse modo de rezar e acorriam às nossas igrejas para
aí participar desse ato.
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Muitos religiosos e religiosas adotaram o nosso tom nos seus cantos, deixaram de
vestir roupa de linho e se transformaram completamente, alguns deixando até os
calçados e todos começaram a construir igrejas com um coro, seguindo o modelo do
nosso, colocado atrás do altar.
suficientes para sustentar a lenha na boca do fogão. Agora, porém, pelo grande
número de religiosos nos conventos, foi preciso tirar as pedras que impediam os
frades de se esquentarem e foram colocadas pequenas grades de ferro para maior
comodidade.
1644. Essa pobreza era a tal ponto extrema que, não havendo lenha, eles
andavam pelo quintal juntando tocos e galhos para queimar e aquecê-los. E faziam
isso por amor à pobreza e para economizar o pouco de bosque que ainda tinham e
que lhes tinha sido doado e para não incomodarem seus benfeitores.
Os frades clérigos e leigos não levavam velas para seus quartos e quando, por
qualquer necessidade, fosse preciso permitir isso a alguém, tomava-se cuidado de
pegar somente a cera que sobrava ou que filtrava para debaixo dos castiçais.
Não se usava a vela para cantar o Ofício de Nossa Senhora, nem as Laudes do
grande Ofício divino, nem as ladainhas, orações e tudo o mais; todavia, dezessete ou
dezoito anos depois, foi preciso usá-la, porque quem não tivesse uma boa memória
enchia-se de confusões.
Nunca se dispensavam os jovens da disciplina no refeitório, exceto quando fazia
muito frio; aí, então, era permitido fazê-la nas próprias celas.
Observava-se rigoroso silêncio, não somente o da língua, mas também o dos pés
e quando alguém entrava na própria cela, fechava a porta tão docemente com as duas
mãos e de tal modo que não se ouvia barulho algum. Se alguém andava, fazia-o com
tamanha discrição que os que estavam nas celas não o percebiam passar.
tarefa com empenho, servindo-se também das anotações cronísticas escritas pelo
comissário geral Hipólito de Bergamo e colheu muitos testemunhos que, de modo
simples, mas eficiente, acentuam os diversos aspectos da vida dos primeiros
capuchinhos nos Países Baixos.
1648. Em seguida, pelo ano de 1587, o duque de Parma deu aos padres
supracitados, que trabalhavam em Anversa, uma velha casa particular com jardins
espaçosos e, com subvenção sua e dos cidadãos, adaptou-a e transformou em
convento e foi esse o primeiro convento capuchinho na Bélgica. Levadas por esse
exemplo, outras cidades pediram logo capuchinhos, oferecendo-lhes lugares ou, pelo
menos, dando-lhes ampla liberdade para construírem conventos, de modo que, nos
primeiros vinte anos, construíram nas diversas cidades mais de vinte conventos, todos
eles dentro de cidades, ou de vilas cercadas de muros, pois não seria muito seguro
para os religiosos na Bélgica construírem suas casas na periferia ou na zona rural por
causa das constantes guerras[...].
1649. Em primeiro lugar, o reverendo padre Hipólito de Bergamo, que, com seu
poder de comissário geral administrava a província com muita dedicação e procurava
formá-la santamente, com seu admirável exemplo, brilhava diante de todos os outros
pela seráfica austeridade e religiosidade. Era tão sóbrio e mortificado no comer e no
beber, tão afastado das amizades e do convívio com as pessoas de fora, sobretudo
com as mulheres, tão simples e em tudo irrepreensível que nós todos éramos não só
questionados por esse seu modo de viver e por esse seu comportamento, mas
também sentíamos-nos arrastados [...].
E dentre as muitas e extraordinárias coisas que fez e que nós, por brevidade,
falamos por alto, uma merece ser lembrada. Quando visitava a Província, mesmo
chegando à noite, cansado e abatido, ao convento dos frades, ele não deixava jamais
de participar do ofício noturno no coro e participava, infalivelmente, da meditação
comum; e ainda, quando terminava o tempo de meditação e os frades saíam do coro,
ele ficava ainda lá por longo tempo, rezando e meditando.
1650. Muitas vezes, entrando no refeitório depois da refeição comum dos frades,
não chamava o cozinheiro e nem o refeitoreiro, mas ia diretamente à mesa e comia
rápido, rápido aquilo que achava no seu guardanapo, ou pedaços de pão ou qualquer
407
outra coisa e mais rapidamente saía, sem aceitar que lhe dessem o prato de comida,
que, sem dúvida, já tinha sido deixado para ele.
Inculcou sempre a devoção à Virgem Mãe de Deus e à Paixão do Senhor, temas
para serem meditados sempre, pois amava grandemente a simplicidade e a
humildade.
O número de jovens que se apresentavam diariamente para serem admitidos à
nossa vida era muito grande, quase um milagre, sobretudo na custódia valônica, onde,
se fossem aceitos todos os que se apresentavam, facilmente o noviciado dessa única
Custódia teria todo ano uns 50 noviços e, ainda mais, todos eles estudados,
praticantes da religião e vindos de famílias simples ou nobres. Daqui se pode concluir
como era grande a simpatia do povo. Todavia, na custódia de Flandres, não se notou
tanto fervor, talvez por causa das muitas seitas heréticas, que, há mais de quarenta
anos, perturbavam seriamente aquela região.
1651. Parece certo que a ida dos frades capuchinhos para a Bélgica foi benéfica
para todos os estados. Temos visto como o povo, por toda a parte, cresceu na prática
do bem e mudou vícios em virtudes, enquanto, doutra parte, os religiosos de muitas
ordens foram reformados, partindo do exemplo dos capuchinhos, como parece; e, de
fato, todos sabem que somente depois da vinda dos capuchinhos, não antes, os
observantes, os carmelitas, os dominicanos e os agostinianos da Bélgica procuraram
reformar-se.
Além disso, se observardes atentamente como eram as cidades, antes que nelas
viessem morar os capuchinhos, e como são hoje, notareis grandíssima diferença, de
modo especial na piedade, na prática devocional externa, na freqüência aos
sacramentos da confissão e da Eucaristia. Quem não admiraria o fervor e o empenho
do povo, especialmente quando os nossos pregadores dirigiam a oração das Quarenta
Horas?
1653. Nos primeiros anos, havia entre os frades inacreditável zelo pela seráfica
pobreza e um grande desejo de austeridade. Nossos frades costumavam rejeitar
comidas especiais que as pessoas mandavam de fora e até a contragosto aceitavam o
pouco necessário para sua subsistência. Em alguns conventos, os frades jejuavam
quase continuamente e de maneira muito rigorosa. E pensar que, segundo o povo
belga, o apetite voraz não é considerado gula, mas uma necessidade natural!
No mesmo convento de Bruxelas, ou seja, na principal cidade da Bélgica, onde os
nossos frades deveriam e até teriam podido receber um tratamento mais abundante,
apenas uma vez por semana, era servida carne. Na Quaresma, mesmo aos domingos,
o almoço dos frades consistia numa única sopa e nada mais e, ao jantar, servia-se um
prato muito simples e assim aquilo que nos dias de semana era passado numa só
408
refeição, aos domingos, dividia-se em duas. Realmente, tal frugalidade na comida era
coisa grandemente considerada pelos belgas, que são glutões por natureza.
1654. Os primeiros conventos, todos eles, foram construídos muito estreitos, com
pequenas janelas e com diminutas celas, muito menores do que as prescritas pelas
nossas constituições gerais.
Quanto à vida espiritual, essa era assumida de modo admirável por quase todos
os frades. Realmente, ininterrupta e contínua era a prática da contemplação, da
meditação, da oração mental e da piedosa e devota recitação do ofício. Todas as
conversas dos frades versavam sobre a realidade da vida interior e as mortificações
interiores das paixões. Em todos os momentos, os livros mais usados pelos frades
eram as obras espirituais de Tauler, de Ruusbroec, de Herp e de outros, com a firme
intenção de pôr em prática os seus santos ensinamentos. A tal ponto que, para dizer
numa só palavra, toda a província parecia espiritualizada, com exceção de uns
poucos, que, lamentando-se por alguns abusos que vez ou outra aconteciam na
prática da vida espiritual, se opuseram tenazmente à expansão do verdadeiro espírito.
Que Deus os perdoe.
Quais, quantas e quão admiráveis fossem as mortificações dos noviços e dos
novos professos, não podemos expressar em palavras. Todavia eram praticadas com
entusiasmo e alegria[...].
1656. E assim para eles era coisa muito importante e muito natural rejeitar tudo o
que fosse supérfluo ou refinado, bem como privar-se, de vez em quando, até de coisas
que pareciam necessárias; e, levando uma vida assim austera, contentando-se com
comidas vulgares, procuravam dominar até nas coisas mínimas qualquer desejo de
prazer ou de comodidade.
Por amor à mesma pobreza, usavam às mesas do refeitório guardanapos muito
rústicos, ordinários e estreitos e nunca usavam toalhas para cobrir as mesas, como
até hoje não se usam. Gloriando-se da mais pura e simplicíssima pobreza em todas as
coisas, não queriam também saber de panelas, pratos, moringas e outros apetrechos
culinários e utensílios que servem para fritar, assar, temperar ou cozinhar de modo
mais saboroso a carne ou peixes.
1657. Usavam hábitos meio esfarrapados, ou, como dizem, remendados com
panos de saco e outros tecidos que costuravam no dorso, nos cotovelos das mangas e
em outras partes. O mesmo se diga do manto que usavam. [...]
Não se interessavam em ter muitos livros, mas cada um se contentava em ter um
livro espiritual qualquer ou um resumo de casos de consciência; e até aos próprios
pregadores, só a muito custo, era permitido usarem livros e podiam ter somente uns
dois ou três livros de pregação.
409
1659. Portanto, quem quiser aspirar pelo amor da oração, adquira primeiramente o
hábito de dedicar um tempo a ela, depois recorrer a ela mais amiúde, nela perseverar
e, finalmente, nela imergir o quanto puder e não desistir por causa de tédio ou
superficialidade, a menos que a fraqueza física ou uma urgente necessidade ou ainda
uma justa obrigação o exija; mas voltar a ela novamente, evitando que uma longa
dissipação leve à perda do hábito da oração e esfrie os afetos. É bom experimentar,
de vez em quando, as diversas maneiras de se rezar, formando-se assim a própria
maneira de exprimir os pedidos, cuidando de sua variedade, de modo a fazer brotar o
afeto em qualquer devoção e que permaneça, para se poder experimentar a sua
eficácia.
Se, pois, uma dor de cabeça ou do corpo o impede, então reze um pouco menos e
mais vezes, domine as distrações, mantendo os sentidos sob rígido controle,
invocando humildemente a Deus por cada coisa; e todas as vezes que não conseguir
êxito nos próprios propósitos, suporte-se pacientemente. Às vezes a lentidão no
caminho para a perfeição é já o próprio caminho da perfeição, desde que feito com
humildade. Por isso Deus segura com sabedoria a nossa caminhada para que ela se
torne mais longa e assim nos tornemos protegidos contra a soberba, porque, muitas
vezes, a excessiva segurança no caminhar e o fervor contínuo acabam exaurindo as
forças físicas. Esse é o ensinamento de São Boaventura.
1660. É muito importante para pedir o espírito e elevar a mente a Deus rezar
estendendo os braços em forma de cruz, como nosso seráfico pai ensinava aos seus
410
discípulos a rezar; ficar de mãos postas, ficar ereto, de pé ou ajoelhado e não apoiar-
se, como é o costume dos bons frades.
O estudo está dirigido para tal finalidade, isto é, que os frades não diminuam o
fervor, mas quanto mais perceberem ter chegado a um mais alto grau através do
estudo das disciplinas humanas e divinas, tanto mais se humilhem e sejam mais
virtuosos do que os outros, de modo que possam depois distribuir o alimento espiritual
e ensinar o povo. Por isso, as constituições da Ordem estabelecem que, se alguns
forem destinados ao estudo, não devem absolutamente deixar as coisas espirituais,
porque a ciência, sem o espírito de devoção, não vale nada.
E, do mesmo modo, os estudantes devem servir de exemplo aos outros e levar um
tipo de vida que os outros possam seguir, seja nas coisas espirituais como também na
observância da Regra e participem de todos os trabalhos necessários do Convento,
tanto na horta e jardim como na cozinha, lavando os utensílios depois das refeições.
E, no tempo estabelecido, façam a limpeza da casa, cuidem dos doentes e exercitem-
se nas obras de caridade e de humildade, como o fizeram os bons padres e frades, os
quais, para estudar, não se esqueceram de Jesus Cristo e dos coirmãos. É esta,
realmente, a vontade de nosso seráfico pai.
1661. Se, por acaso, lhes parecer que não estão progredindo nos estudos tanto
como o desejavam, fiquem sabendo que terão maior proveito, fazendo obras de
bondade e humildade do que quando, sem estas e somente com a própria habilidade,
se esforçassem para aprender alguma coisa. Na verdade, essas obras levam a
conquistar o Espírito de Deus e o dom da ciência, por meio do qual, depois, cheios
também de espírito, pregarão como os apóstolos, não como os pagãos.
Não deixem, portanto, por causa dos estudos, as próprias devoções, que talvez
tenham conquistado com grande esforço, tendo em mente que, se abandonarem
Cristo ou dele não se preocuparem mais ou ainda esquecerem-se de si mesmos,
acabarão arrastados, tornando-se assim piores do que os outros.
Não desanimem como se não fosse possível dedicar-se à devoção, pois que a
verdadeira devoção consiste no obedecer e no trabalhar pela salvação das almas, a
fim de que, se Deus o permitir , isso possa libertá-las dos laços do demônio; e não
pensem que estarão desagradando Deus ou que não poderão alcançar suas graças,
quando estão simplesmente obedecendo
Confiem em Deus e usem bem do tempo, que é muito precioso, elevem suas
preces a Deus, antes e depois das aulas, para que aquilo que se esforçam por
compreender se torne um louvor a ele, uma ajuda à própria salvação e à dos
coirmãos.
1663. Finalidade da Regra. - Daqui procede que a Regra não será nunca
observada espiritualmente, se alguém não pratica aquilo que é espiritual ou ainda que
a própria observância da Regra não o faça tal , ou ainda se não tenha já o Espírito do
Senhor, ou mais ainda não o conquiste pela prática da própria Regra. É fora de dúvida
que a Regra é um meio eficaz para tal fim. De fato, ela é espiritual, como diz São
Paulo sobre a lei na carta aos Romanos, onde afirma: “A lei é espiritual” (Rom 7,14),
porque, se observada, tornava o homem espiritual e justo e isso se pode dizer muito
mais da Regra seráfica, sendo essa a medula do santo Evangelho.
1664. A Regra dos frades menores é espiritual. - Sendo ela espiritual, é claro que
as pessoas sensuais não a podem observar, a menos que deixem sua sensualidade:
“O homem não-espiritual, de fato, não aceita o que vem do Espírito de Deus” (2Cor
2,14), mas os espirituais, os quais, segundo São Paulo, manifestam coisas espirituais
aos espirituais, ou seja aos homens espirituais, são eles que estão habilitados para
ensinar a doutrina do Espírito. Aqueles, porém, que na profissão da Regra seráfica
não deixam de ser sensuais, está claro que não a observam espiritualmente. Porque,
como diz ainda São Paulo aos romanos, “aqueles que vivem segundo a carne, se
voltam para o que é da carne; os que vivem segundo o Espírito se voltam para o que é
espiritual” (Rom 8,5). Pode-se dizer da Regra seráfica o que se diz da amizade: ela
procura os que lhe são semelhantes ou os faz semelhantes, isto é, espirituais.
1666. A letra que mata e o espírito que dá vida na Regra. - Prevendo esse perigo,
o santo pai no capítulo dois de nossa Regra “aconselha e exorta os frades a não
desprezarem nem julgarem os homens que virem vestidos de roupas finas e coloridas,
alimentando-se com comidas caras e bebidas delicadas, mas prefira cada um julgar e
desprezar a si mesmo”. Daqui se pode deduzir que a Regra seráfica, de certo modo,
pode ser observada também superficialmente e literalmente; todavia, não ajuda em
nada, se não for observada segundo o espírito. Se você disser: o seráfico pai quer,
apesar de tudo, que a Regra seja observada absolutamente ao pé da letra; então é
válida a observância literal dela.
valor sem a observância espiritual. O santo pai, no final das contas, não exclui a
observância espiritual, quando diz que a Regra deve ser observada ao pé da letra,
pois, como é sabido que um corpo sem alma não pode ficar de pé, assim também não
pode haver uma observância literal da Regra sem a espiritual. Pelo que, se se quiser
defender e promover a observância literal, acrescente-se a ela a espiritual.
Não nos deixemos enganar pela aparência do bem, como os judeus, dos quais
São Paulo diz, na carta aos Romanos, no capítulo dois: “Não é verdadeiro judeu o que
aparece tal apenas pelo exterior, nem é verdadeira circuncisão uma simples incisão na
carne. Verdadeiro judeu é o que se distingue como judeu por seu interior e verdadeira
circuncisão é a do coração, segundo o espírito e não segundo a letra. Esta é que
recebe o louvor, não dos homens, mas de Deus” (Rom 2,28-29). E, na mesma carta,
no capítulo 9, diz: “De fato, nem todos os descendentes de Israel são Israel; nem é por
serem descendentes de Abraão que todos são seus filhos”, isto é, “não são os filhos
físicos que são filhos de Deus” (Rom 9,6-8).
Do mesmo modo, não é verdadeiro frade menor aquele que se mostra
exteriormente, andando de pés descalços, vestido com trajes pobres, mas aquele que
se considera pequeno e desprezível interiormente, que tem um coração verdadeiro,
que se desfaz de todo afeto mundano, procurando revestir-se inteiramente de Cristo. E
se alguém for proibido de seguir esse tipo de observância pode e deve recorrer aos
seus ministros.
1668. Sobre o Espírito do Senhor, o que ele é e por que se recebe, segundo as
seguintes palavras: Lembrem-se de que, acima de tudo, devem desejar ter o Espírito
do Senhor.
Para mim que vou falar do Espírito do Senhor, o qual o santo pai Francisco ensina
que os frades devem desejar ter acima de todas as coisas, seria desejar aquilo que
uma vez o devotíssimo São Bernardo pediu para si, tratando da compunção: que ele
preferia antes sentir a compunção do que conhecer sua definição, ou seja, eu
desejaria qualquer experiência daquele Espírito do Senhor, para que, tentando provar
uma coisa da qual nunca tive experiência, não me assemelhe a um cego que quer
falar de cores ou a alguém que se esforça para explicar a puríssima doçura do mel; e
também é um grande risco; todavia, falo para não parecer que deixei de lado, com
nosso silêncio, nessa minha obra este Espírito do Senhor que o seráfico Pai quis que
os seus frades não se cansassem jamais de desejar; de fato, não convém que os
comentadores da seráfica Regra sejam do número daqueles de quem falam os Atos
dos Apóstolos, no capítulo 19, os quais, sendo interrogados por São Paulo: Vós
recebestes o Espírito Santo, quando abraçastes a fé, responderam: Nem sequer
ouvimos dizer que existe Espírito Santo (At 19,2); o que, certamente, se é uma coisa
indigna para qualquer religioso, muito mais é de dar pena que existam tantos
religiosos que não sabem quase nada sobre o Espírito Santo ou que dele não tenham
experiência alguma.
1669. Por isso, referindo-nos aos escritos daqueles santos homens, que,
inspirados por esse Espírito, deixaram aos pósteros alguma coisa para ser lida sobre
eles, procuraremos explicar que tipo de contato tiveram com esse Espírito do Senhor,
guiados pela experiência.
Não se trata da terceira pessoa divina. - Antes de mais nada é preciso notar que
esse tipo de exposição não se refere ao Espírito do Senhor como terceira pessoa da
Santíssima Trindade, mas ao seu dom ou aos seus dons e nem a todos obviamente.
Os teólogos, de fato, distinguem os dons do Espírito Santo em gratis dati128, como o
dom das línguas, o dom da profecia e outros de que não pretendemos falar, mas
128
Trad.: dados gratuitamente.
413
sobretudo falaremos dos outros, chamados pelos teólogos de gratum facientes129, isto
é, aqueles que tornam a pessoa que o possui agradável a Deus e que não podem ser
obtidos por quem, manchado pelo pecado mortal, está em estado de inimizade com
Deus [...].
1671. Quem são exatamente os espirituais. - Do que foi dito sobre os que, embora
justificados pelo Espírito de santificação, devem ainda ser considerados, de certo
modo, entre os carnais, pode-se ao contrário deduzir sem dificuldade quais sejam,
entre esses justificados e santificados, os verdadeiros espirituais e, por conseqüência,
o que vem a ser aquele Espírito do Senhor que, segundo as prescrições da Regra, os
frades devem desejar acima de todas as coisas. Pois se, segundo o apóstolo, aqueles
que são criancinhas em Cristo são ainda carnais, conclui-se que são ainda criancinhas
em Cristo aqueles que, como diz Paulo na carta aos hebreus, capítulo cinco, têm
ainda necessidade de que alguém lhes ensine os primeiros rudimentos das palavras
de Deus. Têm necessidade de leite em lugar de alimento sólido. Ora, quem se
alimenta de leite não é capaz de compreender uma doutrina profunda, porque é ainda
criança (Hb 5,12-13).
São, porém, espirituais aqueles que, como perfeitos, se alimentam de comida
sólida, e têm a experiência para distinguir o bem e o mal (Hb 5,14), entre os quais
Paulo, na primeira carta aos coríntios, capítulo dois, diz que falam de sabedoria: Entre
os fiéis plenamente instruídos, de certo, falamos de sabedoria, não porém a sabedoria
deste mundo nem a sabedoria dos poderosos deste mundo, fadados a
desaparecerem. Falamos da misteriosa sabedoria de Deus, a sabedoria escondida
que, desde a eternidade, Deus destinou para nossa glória (1Cor 2,6-7).
129
Trad.: que tornam grato.
414
conhecemos e já seguimos a sua intenção nas coisas que devem ser aceitas ou
rejeitadas, e isso acontece com poucos; desse modo, também aqui o espírito é
absolutamente indispensável para alcançar as realidades mais sublimes e perfeitas.
Por meio deste Espírito, de fato, diz Paulo, Deus revela aos seus algo que os
olhos jamais viram, nem os ouvidos ouviram, nem coração algum jamais pressentiu. O
Espírito sonda tudo, mesmo as profundezas de Deus. Quem, dentre as pessoas,
conhece o que é próprio do ser humano, a não ser o espírito humano que nele está?
Assim também, ninguém conhece o que é de Deus, a não ser o Espírito de Deus
(1Cor 2,9-11). E quem não tiver esse Espírito, cansa-se em vão.
Os Capuchinhos na Suíça
1677. Não foram fáceis e nem pacíficas as instalações dos capuchinhos nos
cantões invadidos pelos protestantes; e era exatamente a veneração do povo
conquistada pelos frades por seu fervor, austeridade e pregação o que levava ao ódio
dos pregadores contra eles; em 1622, São Fidelis de Sigmaringa selava com seu
sangue a coragem profética dos pregadores capuchinhos.
Como testemunhos mais significativos, apresentamos aqui o relatório enviado por
Francisco de Bormio a São Carlos Borromeu em 1582, a informação de um
protestante escrita no mesmo ano, a declaração dos capuchinhos diante do Conselho
da cidade de Luzern, em 1584, verdadeiro programa de vida capuchinha da nova
comunidade e um resumo da “Historia capuccina” de Matias Bellintani de Saló sobre a
origem da Ordem na Suíça.
1. Primeiro relatório para Carlos Borromeu a respeito da vinda dos Capuchinhos para
a Suíça.
1679. Agora, estimulado, quer-me parecer por bom zelo, deixado qualquer falso
respeito, da maneira mais breve que puder, venho informar vossa ilustríssima senhoria
que, tendo o nosso senhor o papa Gregório XIII declarado e manifestado aos nossos
padres do Capítulo Geral a sua absoluta vontade de que fossem enviados frades para
Altdorf, eles, não podendo fazer-se desentendidos, por essa razão nos enviaram, com
má vontade e muita aversão, murmurando e falando mal, e isso talvez porque não
tendo eles informações sobre as condições do país e nem do povo, temiam e tinham
quase certeza de que os frades não poderiam viver e permanecer aqui sem muito e
grande relaxamento de nossa observância regular e, mandando-nos para cá, nos
confinaram precisamente nesta terra de Aldorff, com ordem expressa de não irmos
mais longe para conseguir outros lugares, com intenção talvez de fazer o que fizeram
em Valtellina, pelo que até hoje os céus choram, isto é, de arrancar tudo, quando esse
papa morrer, ele que hoje os favorece, e foi por isso também que me mandaram a
eles, eu, sem condições e sem a mínima competência para tal empreendimento.
416
1680. Mas espero que nosso Senhor Deus, que para sua glória e salvação destes
povos começou essa obra, a confirmará de tal forma e de tal forma a fortalecerá que
nem as portas do inferno, nem os homens de pouco zelo a poderão arruinar e nem
prejudicar.
Esse povos têm para conosco grandíssimo devotamento e veneração e, com suas
esmolas diárias, socorrem-nos suficientemente, conforme o nosso estado e com muito
menor preocupação nossa do que na Itália, França, Espanha e outras partes; por essa
razão, eu e todos os frades que aqui estamos, achamos que os frades viverão aqui
muito mais puramente e segundo a simplicidade da Regra do que em outros lugares,
porque aqui não fazemos estoque e nem provisão nenhuma de vinho ou de outra
coisa, a não ser daquilo que é estritamente necessário para a subsistência diária de
uma pessoa.
1681. O frio do inverno aqui parece ser longo e intenso e, não obstante a
comodidade das estufas, nós o passamos muito mais comodamente, com menos
agasalhos, lenha e perda de tempo do que na Itália, já que por experiência os frades o
conhecem e atestam.
Quanto aos frutos espirituais pela nossa presença neste meio, só Deus sabe ao
certo; eles aparecerão depois, junto aos católicos e aos hereges, junto aos seculares e
aos religiosos. Supomos que não será pouco o fruto, porque todos admiram e louvam
a nossa vida e, com grandíssimo desejo, esperam as nossas pregações, coisas que
não tinham ouvido até agora, porque eu não conheço a língua alemã a ponto de poder
pregar, todavia vou praticando para poder começar a pregar. Os outros, são jovens.
1682. Aqui, em Aldorff, moram ordinariamente dez frades, mas por não ter sido
ainda construído o mosteiro, somos seis, dos quais três são sacerdotes, dois são
clérigos e um é irmão leigo.
Um dos sacerdotes jovens, que é de Milão, leciona lógica para os clérigos e
espero que tenham bom proveito, assim serão logo sacerdotes e pregadores. Eu, para
o serviço de Deus, acredito e desejo que, uma vez construído o mosteiro, o que
deverá ocorrer logo logo, nos mandassem ainda aqueles três outros jovens alemães,
aptos para o estudo e que estão nas Províncias de Milão e Roma, e assim, em muito
breve tempo, possamos enviar outros tantos ceifadores para essas abundantes
regiões, já brancas e maduras para a colheita. Sobre isso voltarei a escrever para
vossa senhoria ilustríssima no tempo devido, para poder conseguir esses jovens com
a sua mediação.
1683. E porque uma mão lava a outra e um irmão ajuda o outro, havendo nesta
região sempre focos de peste, julgo não só conveniente, mas necessário arranjar um
outro lugar, pois acontecendo qualquer desgraça num lugar, o outro possa socorrer e
aqui vindo, como já vieram jovens alemães, desejosos e aptos para servir a Deus na
nossa congregação, possam ser recebidos e colocados não num lugar de estudos,
mas num lugar de noviços. E isso se poderia e se deveria fazer, especialmente
ocorrendo agora a oportunidade oferecida pelo Coronel Lussi, o qual, por sua
veneração por nós, oferece-se espontaneamente para construir um mosteiro para nós
na sua terra e no seu Cantão de Underbald.
Tudo isso, eu mesmo conferi pessoalmente com o reverendíssimo monsenhor
bispo de Vercelli e isso é de seu agrado e, quanto puder, ele nos ajudará. Escrevi
também para Roma, para alguns de nossos padres, muitos dos quais aprovam a idéia,
mas o padre geral, que é siciliano, não está inclinado a aprovar, de forma que temo
que isso vá dar em nada, se vossa senhoria ilustríssima não puser o dedo aí, agindo
eficazmente com sua santidade, dando uma ordem formal ao padre procurador da
corte, que está no lugar do geral em Roma, e ele logo cumprirá a ordem, porque ele é
totalmente favorável. Fazendo esse mosteiro para nós em Underbald, será depois
muito mais difícil aos homens arrancar a religião dali.
417
1684. Além disso, o nosso Padre geral, mandando-me para essas regiões,
concedeu somente a mim a faculdade de ouvir confissões de seculares em ocasiões
de grandes devoções; e aqui todas as ocasiões são de grande devoção, quem está
aqui sabe; mas a minha autoridade não vai além do que me podia conceder e
concedeu o vigário do ilustríssimo monsenhor bispo de Constança, e precisaria que
fosse maior ou, ao menos, tanta quanta é a dos padres jesuítas em Luzern; porém, se
for melhor a vossa senhoria ilustríssima conseguir isso de Sua Santidade, eu o
aceitarei para o serviço de Deus e salvação desses pobrezinhos, pelos quais,
deixando eu todo meu conforto, aceito espontaneamente toda e qualquer fadiga
possível.
Deixo tudo ao sereno julgamento de vossa senhoria ilustríssima e, para que Deus
seja servido e honrado, com tudo me alegrarei.
Suplicando humildemente que vossa senhoria ilustríssima me recomende, em
suas orações, à Divina Majestade.
De vossa reverendíssima e ilustríssima senhoria, devotíssimo servo em Cristo
Francisco Bormio, capuchinho
e traz uma enorme barba negra. O outro, um homem grande e imponente, deve ser
originário de Uri.
1688. Concluindo o sermão, ele teria dito que o povo deveria contentar-se com
esse e, numa próxima vez, ele faria melhor e se expressaria mais claramente.
Resumindo: tudo o que diz respeito a estes dois hipócritas é santo. Não acreditaria
que eles eram assim tão estimados se não tivesse visto o prefeito da cidade de
Schmid, o cavalheiro Roll e outras pessoas importantes do lugar, como também outras
pessoas que eu não conheço, cumprimentá-los com grandes honras e inclinarem-se
diante deles quase até ao chão.
1689. No que diz respeito ao nosso modo de vida, este está assim estruturado: à
meia noite iniciamos a oração de nossas horas, isto é, as matinas e as outras orações
prescritas pela nossa Regra. Isso dura da meia noite à uma hora da manhã. Depois
disso, pelas 6, começamos a recitação das horas chamadas prima e terça e quando
terminam, os que são sacerdotes celebram a missa. Depois das celebrações das
missas, rezamos as horas sexta e nona.
À tarde, pelas duas horas, cantamos as vésperas e pelas quatro, as completas.
Essas são as orações que rezamos juntos na igreja. Do outro tipo de oração, da
meditação e da contemplação que fazemos além dessas comuns, não vou tratar aqui
por não julgar necessário. Oferecemos as nossas orações sobretudo pelo bem estar
temporal e espiritual dos nossos benfeitores e de modo especial por essa cidade e
seus cidadãos que nos fornecem acomodações e alimentação.
1690. Além disso, queremos informar a vossas senhorias como é que nós
queremos nos comportar habitualmente, tanto na cidade como nesses territórios fora
da igreja. Nós estamos sempre disponíveis para celebrar fora de nosso convento em
qualquer lugar onde nossa presença for necessária, de modo que possamos ajudar os
muitos padres que nos pedirem e isso nós faremos com prazer, pelo menos toda vez
que nos for possível , e fica claro que isso não poderá atrapalhar aquilo que é próprio
do serviço divino em nossa igreja.
419
Daqui a algum tempo, tão logo estivermos servidos de frades alemães em nossa
Ordem - como esperamos que aconteça - queremos, com prazer, nos dedicar também
à pregação, dentro e fora do território da cidade de vossas senhorias, isso quando vós
nos mandardes, todavia, de maneira que não sejamos obrigados a residir
estavelmente em lugares fora do convento ou obrigados a aceitar aqui ou ali uma
paróquia ou capelania.
Não obstante isso, onde houver falta de sacerdotes e haja necessidade de um ou
dois dos nossos, como durante a quaresma ou qualquer outro tempo sacro para
celebrar, ouvir confissões ou pregar, nós faremos isso da melhor maneira e ficaremos
durante toda a quaresma ou tempo sacro, no tempo necessário, pois nada nos é tão
caro e gratificante como ajudar a construir a comunidade na Igreja de Cristo.
ordenou ao geral Frei João Maria de Tusa e aos padres capitulares que, não admitindo
mais desculpa alguma, enviassem frades para aquelas regiões.
1693. E assim foi mandado como comissário o sobredito Frei Francisco de Bormio,
o qual, indo à Província de Milão, tomou como companheiros Frei Mateus, do vale de
Torre, sacerdote; Frei João Batista de Lugano e Frei Sebastião de Altdorf, ambos
clérigos, e Frei Fortunato de Milão, irmão leigo. E foi com eles para Altdorf, onde, de
início, foram acolhidos com amabilidades, mas tiveram em seguida grandes
transtornos suscitados pelo demônio, o qual via ser muito contrária aos seus desígnios
infernais essa chegada de capuchinhos na região.
E foram contrários a eles também o governador, que agora dirigia o Cantão e o
decano dos padres, que era um homem muito culto e de grande poder de
comunicação, que pregava ordinariamente e era muito estimado por aquele povo. E,
em conseqüência disso, também muitas outras pessoas eclesiásticas e seculares.
Mas, ao final, foi mais forte a mão de Deus que, por meio de outros, tanto fez que
aqueles frades fossem aceitos livremente, a fim de que pudessem residir nesta terra.
1695. Pouco depois, passou por lá, como visitador apostólico, monsenhor
Buonhomini, bispo de Vercelli, o qual, indo mais além, levou consigo Frei Francisco
até Constança, o que foi ocasião para que o hábito franciscano fosse se mostrando e
que Frei Francisco e o companheiro tivessem que sofrer muito por isso.
Pelo que, chegados a Constança e indo mais longe ainda o visitador apostólico,
resolveram voltar, passando por lugares difíceis, por meio de gente que jamais tinha
visto pessoas como eles e ainda por muitos povoados de hereges, sujeitados a duras
provações, como a fome e péssimos alojamentos, além do cansaço da viagem,
insultos, livrando-se dos costumes bárbaros deles, contatando pessoas ignorantes,
mas tudo serviu para espalhar naquela terra e fazer morrer a semente, a qual, com o
tempo, haveria de multiplicar os frutos.
1696. Tendo agora uma cela fixa aqui em Altdorf e tendo os frades grande
oportunidade de dedicarem-se ao espírito de oração, por não entender a língua, a não
ser somente dois deles, o comissário e Frei Sebastião, e seguindo o ritos da Ordem
com a mesma observância de sua profissão, foram para todos exemplos de
grandíssima edificação e tidos por eles em grande consideração. Pelo que lhes
enviam esmolas suficientes que quase nunca precisavam sair do convento ou da casa
para ir pedir esmolas, o que mais condições lhes dava para estarem retirados e
ocupados nas santas orações, rezando pelos pobres pecadores, os quais naquelas
regiões eram ovelhas perdidas. Essas coisas contribuíram para acabar com a
oposição daqueles que antes eram contrários à vinda dos frades. Por essa razão o
comissário, vendo acalmada a situação, escreveu ao comissário geral em Roma, que
agora era Frei Francisco de Milão, pedindo outros frades da província de Milão e
130
Trad.: Esta é o meu descanso.
421
especialmente Frei Aleixo de Milão, para que ensinasse aos dois clérigos lógica e
outras ciências, a fim de se tornarem pessoas úteis para aqueles países. O qual aqui
chegou na vigília da Imaculada Conceição da Beatíssima Virgem Maria, no mesmo
ano de 1581, e deu aulas aos dois clérigos.
Os Capuchinhos na Espanha
1697. O breve de Paulo III de janeiro de 1537, que proibia os frades capuchinhos
de morarem nas regiões ultramontanas, tinha sido obtido por Carlos V, com a
finalidade sobretudo de impedir que a nova Reforma chegasse à Espanha, onde os
Observantes eram muito numerosos e influentes e onde tinha se originado a
austeríssima reforma dos descalços.
Nas províncias da Itália, havia muitos capuchinhos de origem espanhola, alguns
famosos, como João Zuazo de Medina, Pedro Trigoso de Calatayud, Alfonso Lobo de
Medina Sidonia. Não faltaram contatos entre os descalços da Espanha com os
capuchinhos, visando até uma possível fusão das duas reformas.
Entre 1570 e 1575, muitos nobres espanhóis com funções oficiais na Itália
tentaram inutilmente desbloquear a interdição. A tentativa de maior pressão foi a do
marquês de Santa Cruz, don Álvaro de Bazán, general das galeras de Nápoles, o qual,
em sinal de reconhecimento a Deus pela vitória de Lepanto, quis construir nos seus
domínios um convento para os capuchinhos e obteve de Gregório XIII um breve em
1577; mas não foi possível levar para frente a fundação.
1698. Foi preciso renunciar mesmo à entrada dos capuchinhos em Castela, mas
ao mesmo tempo a Catalunha abria suas portas aos capuchinhos por iniciativa do
Conselho municipal de Barcelona, que, em 6 de junho de 1576, se dirigia ao geral da
Ordem, pedindo a presença dos frades na cidade; a fundação deu-se em 1578, sob a
direção do padre Arcângelo de Alarcón, comissário geral, e de seu irmão João de
Alarcón. O sucesso foi tão grande que, em 1582, se pôde celebrar o primeiro capítulo
provincial.
A expansão alcançou rapidamente todo o reino de Aragão; em 1605, foi
desmembrada a província de Valência e, em 1607, a de Aragão. Em 1609, São
Lourenço de Brindisi conseguiu introduzir a Ordem em Castela com a fundação de
Madri.
As primeiras fundações dos capuchinhos no século XVI foram caracterizadas por
uma forte tendência à vida eremítica, acompanhada de uma grande austeridade e
pobreza, o que atraiu para os recém-chegados muitos dos Observantes, descalços e
recoletos. Em 1583, passaram para os capuchinhos de uma só vez não menos de
quarenta Observantes e ameaçaram fazer a mesma coisa uma centena de recoletos
dirigidos pelo seu próprio custódio provincial, se não tivessem atendidas suas
reivindicações. As exigências da vida e do ministério levaram logo a uma evolução
equilibrada.
Na presente coletânea de testemunhos, demos preferência aos documentos que se
referem aos primeiros assentamentos e às informações que dizem respeito à vida e ao
espírito dos capuchinhos, nos primeiros decênios de sua expansão em terras de
Espanha.
Barcelona, 6 de junho de 1576. - A fronteira catalã foi decisiva para a difusão dos
capuchinhos na Espanha. Parece que a iniciativa foi tomada pelo farmacêutico Miguel
Querol, junto ao Conselho municipal de Barcelona., cujos membros escreveram ao
superior da Ordem, pedindo uma fundação na cidade e oferecendo para isso todas as
facilidades.
422
1701. Uma cópia vai anexa à presente e assim pedimos a vossa Paternidade que
se dedique com entusiasmo e empenho a este empreendimento tão santo para o
serviço que terá o Senhor e a particular vantagem para a população desta cidade, no
caso que o senhor decida efetivamente enviar os reverendos padres de sua Ordem,
aqueles que o senhor, a seu juízo, julgar serem os mais indicados.
Esteja certo que, de nossa parte, não deixaremos de fazer todo o possível na nossa
terra, para que o vosso piedoso e santo desejo alcance o efeito devido.
Que o Senhor o conserve em vida e saúde por muitos anos e aumente cada vez
mais a sua graça e bênção.
De Barcelona, 16 de junho de 1576
De Vossa Paternidade reverendíssima
Os Conselheiros de Barcelona
Recebi sua carta de 6 de julho último e tomei conhecimento de seu grande desejo
de ajudar e servir a nossa Ordem e, por isso, lhe somos imensamente gratos.
Pelo que me diz de ter recebido por meio de Frei Maximino uma carta minha na
qual se fala da vontade de se ter uma casa nessa cidade e reino, quero lhe dizer que
eu não escrevi tal carta. Quem a escreveu e tratou do assunto à minha revelia fez
423
1703. Se, com o passar do tempo, Nosso Senhor orientar nossa Ordem para
essas regiões, como até se deseja, digo-lhe que aceitaremos isso de bom grado, se o
permitirem os citados padres de “Jesus” e , em caso contrário, poderemos achar um
lugar conveniente para nós para a alegria daquela cidade, onde se poderia construir
um convento com pouco gasto.
Até que Jesus bendito não disponha diversamente, faço o pouco que posso e não
deixaremos de rezar todos os dias a Nosso Senhor para que o conserve na sua santa
graça. E dê-nos generosamente a sua glória nesta e na outra vida.
De nosso convento da Conceição de Nápoles, 11 de outubro de 1576
Se chegar qualquer escrito em meu nome, que não esteja carimbado com esse
sinal e nossa assinatura, não o considere autêntico, como foi feito com o outro.
Afeiçoadíssimo
O geral dos frades capuchinhos
131
Trad.: resistiram frontalmente.
424
Em vista disto, muitos padres dos mais ilustres dos recoletos e outros frades
menores passaram para os capuchinhos, fato que fez a província da Catalunha - único
lugar de toda a Espanha onde os capuchinhos tinham uma residência - alcançar o
número de 60 frades; e todos fizeram o noviciado, passando a usar o chamado
caparão, distintivo dos noviços, e a maior parte fez a profissão.
S. C. R. M.
pedimos a esse respeito aquilo que achamos que seja melhor para o maior serviço a
Deus e à vossa majestade e paz e sossego para o povo.
Visto que os Observantes se acham muito bem no reino cristão e particularmente
aqui, e têm dado notáveis frutos férteis, parece-nos que não têm eles motivo de
mandar imprimir e publicar aos quatro ventos carta como aquela e nem querer com ela
inquietar o povo como fizeram. De fato, por graça de Deus, toda essa nossa região e
ainda outras nutrem tamanha devoção ao hábito do bem-aventurado pai São
Francisco, de tal forma que as numerosas casas dos Observantes e dos capuchinhos
terão sempre o necessário sustento e, na atual situação, uma nunca atrapalhará a
outra, como se pode constatar, estando ambas unidas pacificamente.
1708. Dirigimos então uma humilde súplica a vossa majestade, no sentido de que
seja complacente e não impeça a construção de novas casas e que permita que os
capuchinhos possam ter todos os lugares que quiserem e assim aquela Ordem possa
livremente difundir-se pelo território e região, como já tinha começado a fazer. De fato,
sem prejuízo algum da parte dos Observantes e de outros religiosos, eles darão férteis
frutos, o povo tirará grande proveito e encontrará ajuda para tudo o que diz respeito ao
serviço de Deus e de vossa majestade.
Se, em todo caso, por qualquer piedosa ou santa justificativa, se tornar necessária
qualquer limitação em relação a eles, visto que vossa majestade tem sob sua
dependência ministros nesta província e em cuja prudência poderá confiar, pode
delegar-lhes e informá-los de tudo quanto, sem prejuízo algum, possa ser feito daquilo
que os súditos desejam.
Dirigimos dessa forma nossos pedidos a vossa majestade para que, em virtude de
sua autoridade real, ordene, por meio dos citados ministros, que se ponha um fim a
todas essas intrigas e de sua decisão venham a lucrar o serviço de Deus e de vossa
majestade, exatamente como o esperamos de um rei cristianíssimo e senhor nosso.
Que Nosso Senhor conserve vossa majestade para que possa conquistar reinos e
domínios sempre maiores, como desejam os fidelíssimos súditos de vossa majestade.
Desta cidade de Barcelona, 7 de julho de 1584
S. C. R. M.
426
1709 Senhor, em sua carta de 7 do corrente mês, que recebi hoje, vossa majestade
pede meu parecer sobre a licença que os frades capuchinhos lhe pediram para se
expandirem livremente nestes reinos. Não tive nenhum relacionamento com eles a não
ser de um ano para cá, nesta cidade.
Em todo este tempo, eles comportaram-se bem, com ótimos exemplos e
edificação do povo. Embora não atendam confissões, parecem-me de grande proveito,
pois são homens muito mortificados, de muita oração e muito úteis no ministério dos
doentes, coisa de grande utilidade ao próximo e, pelo que me parece, não são de
causar transtornos.
É por isso que estou convencido de que vossa majestade não cometerá erro
algum, concedendo-lhes a licença pedida, com a condição de que estejam em lugares
grandes e com um bom número de frades, exortando vossa majestade os prelados a
que não concedam licenças diferentes dessa aos capuchinhos, porque ouço dizer que
eles estão acostumados a construir conventinhos em todos os lugares onde chegam.
Isso eu acho que não é conveniente, nem a eles e nem aos outros religiosos.
Que Deus dirija vossa majestade a fim de que possa cumprir tudo o que convém
ao seu serviço e o conserve por longos anos.
6. Decreto de liberação
Sila, 26 de agosto de 1599. - Conhecido o parecer das autoridades locais, Felipe III
promulgou um edito real, verdadeiro decreto de liberação, pelo qual estabelecia a
Ordem capuchinha em toda a Coroa de Aragão, exceto algumas pequenas limitações
de índole econômica, pastoral e demográfica. Com esse documento ficavam
revogadas as disposições jurídicas contrárias estabelecidas por Carlos V.
1710. Nós, dom Felipe, por graça de Deus, rei de Castela, de Aragão, de Leon,
das duas Sicílias, de Jerusalém, de Portugal, aos ilustres, nobres, magníficos e
amados conselheiros, aos nossos representantes e capitães gerais, oficiais da
secretaria e doutores das leis, ao muito reverendos, aos reverendos, veneráveis e
amados arcebispos, bispos, abades, priores e todas as pessoas eclesiásticas dos
nossos reinos de Aragão, Valência, principado da Catalunha e condados de Rossellón
e Cerdaña, presentes e futuros, àquele e a todos a quem as presentes letras
chegarem e forem apresentadas ou forem perguntados sobre seu conteúdo, saúde e
predileção.
427
Saibam que da parte dos religiosos capuchinhos da Ordem de São Francisco foi-
nos apresentado um relatório, segundo o qual eles, de alguns anos para cá,
começaram fundar nos citados reinos, principados e condados alguns conventos, e
pela vantagem que eles têm usufruído por causa de sua Ordem, de seus exemplos e
pregações em benefício das populações locais dos citados reinos, principados e
condados, e para que, em cada um dos citados reinos, possam ter um província que
subsista por si e ter assim uma maior observância de sua Ordem, desejam expandir-
se nos citados reinos e condados e me pediram para conceder-lhes autorização.
1711. Nós, depois de prévia informação obtida junto aos nossos representantes,
capitães gerais e arcebispos dos citados reinos, principados e condados,
considerando que, com alguma exceção, eles o aceitaram, creio ser bom adotá-lo na
seguinte forma.
Pelo que, conforme as presentes disposições, em virtude de nosso indubitável
conhecimento e autoridade real, deliberada e conscientemente damos licença e
faculdade aos citados religiosos capuchinhos, quer presentes quer futuros, de
poderem fundar e que fundem, com a prévia licença de seus superiores, nos citados
reinos, principados e condados, casas e mosteiros como melhor julgarem, observando
neles as próprias leis e estatutos; fora disso, não poderão construir nem erigir casas
ou mosteiros a não ser nas cidades, territórios e lugares espaçosos, cômodos,
adaptados e sobre o tamanho e conveniência de tais lugares devem ser informados os
vice-reis e os arcebispos de todo o reino. Isso vale pela citada motivação e que não
sejam construídos mais mosteiros além dos que possam ser mantidos com certa
comodidade por cada um dos citados vice-reis e arcebispos juntos, cada um no
próprio reino e província.
Eu, o rei.
JHS
428
1715. Segundo ponto: o modo de construir e não só nos eremitérios, onde nada
mais fizeram do que adaptá-los como moradia para os frades, e - digamos - bem
incômodas, mas também de outros lugares, recebidos em pleno descampado. Tanto
num caso como noutro, na construção das casas não só não se levou em conta as
dimensões prescritas pelas Constituições, até pelo contrário, muitas tiveram até
reduzidas suas dimensões a dois palmos, outras a dois palmos e meio e algumas um
pouco mais; e assim, terminadas as casas, para muitas foi preciso fazer de três celas
uma, fazer portas, mudar divisórias. A causa disso tudo foi a pressa em construir, ou o
zelo, ou ainda o desejo de sofrer incômodos nesse tipo de casa.
A esses aborrecimentos necessariamente seguiram-se outros, como de fato
surgiram, tais como repartições defeituosas, estragadas e incômodas como, por
exemplo, as cozinhas, os refeitórios, os armários, as bibliotecas, as hospedarias. O
corredor de cima, sendo curto e estreito, não permitia ambientes mais amplos e
espaçosos, nem mesmo como o exigiam a mais rigorosa necessidade, as orientações
da Ordem e as intenções dos padres que fizeram aquelas construções, quaisquer que
fossem eles.
1716. Não só houve erros na medida, mas também foi usado material já
descartado, como a madeira, etc. Tudo isso foi motivo de muito trabalho: já de início,
foi preciso certos conventos mudarem de lugar, como o de Valls, quer pela distância
de uma légua do povoado, quer porque foram construídos muito mal.
Há alguns anos, foi preciso mudar o convento de Gerona, por causa da distância,
por causa do lugar árido e porque também fora mal construído; e, apesar de terem
sido feitos trabalhos e melhorias em mais de três conventos ao mesmo tempo, a coisa
andava de mal a pior. O convento de S. Celoni foi feito num lugar árido e exigiu muito
trabalho de manutenção e assim também, na mesma região, alguns conventos foram
refeitos, parcial ou totalmente, como os de Perpiñan e Manresa, não se encontrando
neles nada de aproveitável, e também o de Ceret, pelo mesmo motivo; e a mesma
coisa está precisando o convento de Blanes, que, conforme quem o examinou bem,
não tem outro remédio senão o de construi-lo de novo; e depois o de Figueras,
construído de novo pela metade, compreendido o poço.
429
1717. Outros, por não terem muros, foi preciso fechá-los, como aconteceu há
pouco em Gerona e Bañolas. S. Eulália, Vilafranca e Cervera deverão ser fechados
também. Todavia, se houvesse um ou outro convento que fosse construído próximo de
povoados e num bom lugar, com muros, bem fechados e solidamente construídos,
como o exigem nossas santas Constituições, certamente não viria à mente de nenhum
religioso fazer reformas, nem de transferir conventos ou reconstruir outros, como disso
não se preocupam e nem devem se preocupar os religiosos de outras províncias bem
organizadas , embora sejam velhas e de outros tempos.
1718. A comida habitual deles era tão pobre que no dia de nosso pai São
Francisco vi a comunidade de S. Eulália comer pão cozido no óleo, não havendo nem
carne nem qualquer outra coisa melhor e, num domingo da qüinquagésima, quando
até os mais tradicionais se permitem uma refeição conveniente e moderada,
despedindo-se assim da carne e do jantar, iniciando o jejum quaresmal, em tal dia, vi a
comunidade de Monte Calvário em Barcelona não comer outra coisa senão meia dúzia
de folhas de legumes fritas, um pouco de farinha e meia cebola.
Para não me censurar por ter dito uma mentira, devo dizer que, no começo, foi
servida uma salada de verdura crua, da horta, da qual se podia servir quem quisesse.
Estando eu pessoalmente presente, testemunhando tudo o que acima referi, posso
garantir que, no convento de Bañoles, nos dois anos que ali passei, foi servido carne
ou peixe muito raramente e, nos dias de carnaval, não foi servida outra coisa, senão
um pouco de massa de farinha cozida.
A refeição ordinária consistia num prato de legumes ou verdura cozida, alface crua
com vinagre, sem nenhum primeiro prato e nem frutas; aliás, a fruta não podia ser
conservada por muito tempo, mas era servida como uma refeição leve.
Os religiosos viviam contentes só com isso e as doenças naquele tempo não eram
tantas como hoje em dia.
lugares que lhes parecerem bons e úteis, possam erigir e construir conventos para a
Ordem deles.
Isso nós tiramos do escrito original de Frei Lourenço a sua alteza o príncipe aqui
presente e que vossa alteza mandou nos entregar. Agora nós não conseguimos saber
se nas terras germânicas existam tais conventos e igrejas desta Ordem capuchinha,
talvez porque eles não conhecem a língua alemã.
Igualmente, percebemos que eles levam uma vida dura e na Itália e por toda a
parte eles têm os seus conventos, com sua vida exemplar e santa e com a pregação e
o anúncio da palavra de Deus, eles são de grande utilidade para a construção da
comunidade e do povo de Deus na doutrina e na conduta que agrada a Deus. Por
isso, talvez poderia ser fácil responder benignamente ao humilde pedido deles acima
exposto.
1724. Ficaria, pois, à livre vontade, na ocasião que desejarem e à bondade dos
súditos e magistrados de vossa alteza querer ou não fornecer e dar aos citados
religiosos suas esmolas e ajuda para a construção e ereção de seus conventos e
igrejas, como também para o diário sustento deles. Mas se vossa alteza o príncipe
tiver dúvidas em dar ou em mandar preparar para eles seu consentimento conforme o
pedido feito, fazendo logo um documento geral, precisaria indicar claramente ao citado
provincial - quando sua alteza o príncipe estivesse de acordo - quais os lugares e
regiões no principado e terras de sua alteza o príncipe os frades de sua Ordem (que
deveriam saber alemão) poderiam escolher, se pensam, com prévia indicação e
consenso dos vossos obedientíssimos súditos e habitantes, erigir ou construir um ou
mais conventos.
Sua alteza o príncipe deveria, pois, segundo as informações tomadas, resolver e
decidir cada coisa com benignidade e que tudo permaneça [...].
16 de abril de 1575
O Regimento
1725. Aos cinco citados acima segue o sexto, padre Ludovico de Saxônia, nascido
de pais hereges, mas nobres, cujo pai era da célebre família Einsidl e, como dizem
alguns, supremo chanceler da Saxônia, enquanto a mãe era da família Pflug. Na
adolescência, estudando na Itália, teve muitas vezes inspirações internas enviadas por
Deus para mudar sua fé luterana para a católica, mas ele sempre as frustrava ou
deixava para resolver no dia seguinte, propondo-se porém que um dia as aceitaria.
Resolvendo ir a Roma por mar, quando tinha embarcado em Gênova, aconteceu
que, de repente formou-se inesperada tempestade que aumentou tanto que todos no
navio tiveram certeza de que corriam sério perigo de vida e a morte parecia iminente.
Em tal perigo, enquanto ele sem saber ainda o que fazer, cheio de dúvidas e anseios,
e sentindo-se pungido pela própria consciência por não ter ainda aceitado a fé
católica, tomou firme resolução e fez uma promessa a Deus de que, se fosse salvo da
tal perigo, ele realizaria o mais rápido possível aquilo que até agora tanto tinha
retardado por próprio desleixo. E acrescentou com grande firmeza à decisão de fazer-
se católico a de entrar para uma Ordem que soubesse ser a mais austera na Igreja.
convento de padres capuchinhos que havia ali, para lá se dirigiu. Tocou o sino na
portaria e perguntou pelo guardião ou superior da casa, pois tinha um assunto
importante para tratar com ele e não podia demorar. Quando o encontrou, narrou-lhe
longamente e com detalhes o acontecido. Revelou-lhe a promessa que fizera a Deus:
que queria ser instruído nos artigos da fé e, por fim, com toda a certeza, queria tornar-
se capuchinho e com muita humildade e decisão pediu que isso lhe fosse concedido
[...].
Frei Ludovico foi mandado para o noviciado e ali fez a profissão; aplicando-se
depois aos estudos literários, tornou-se um pregador tão insigne e famoso que não se
encontrava em toda a Alemanha um igual. Era especialista sobretudo no trabalho de
conversão dos hereges. Quando os padres capuchinhos foram enviados por São
Carlos Borromeu para a Suíça, Frei Ludovico, já sacerdote e pregador, não foi o último
entre os que foram pregar naqueles lugares a palavra de Deus, com grande louvor e
aprovação do povo por muitos anos e não sem incômodo. De fato, no inverno, andava
pela neve, gelo, água, sempre sem os meios necessários e de pés descalços, coisas a
que não dava importância e suportava voluntariamente por zelo pelas almas, pelo que,
com seu incansável trabalho, converteu à fé católica um número incalculável de
hereges e, merecidamente, até hoje os suíços o chamam de seu apóstolo [...].
1729. No que se refere à vida e aos hábitos do padre Ludovico, ele foi
fervorosíssimo na sua profissão religiosa, muito humilde e afável em tudo, muito
querido por todos, inteiramente espiritual no seu falar, homem de grande prudência, a
cujos conselhos muitos príncipes de grande valor obedeciam e por ele se deixavam
guiar. Era, sobretudo, afeito às humildes ocupações. Mesmo exercendo tarefas
importantes como a de pregador ou de guardião ou ainda outros trabalhos insignes,
não esquecia as ocupações humildes e ordinárias da vida religiosa, como, por
exemplo: lavar pratos, utensílios, costurar calças e arrumar roupas nos armários e
outras semelhantes que ele fazia e que eram apontadas como exemplo aos noviços
por seus mestres [...].
433
1615. - Dos costumes da província: horário a ser seguido para a oração nos
conventos e disposições para a pregação dominical.
1730. As matinas são rezadas à uma hora da manhã; terminadas estas, durante
todo o ano, três vezes por semana, na segunda, quarta e sexta feiras fazem-se as
disciplinas habituais. Da Natividade da santíssima Virgem Maria até a Páscoa,
acrescentem-se também as ladainhas de todos os santos e uma hora inteira de
meditação - assim que a comunidade terminar no final de hora.
Às seis da manhã recitam-se as horas prima e terça, seguidas de missas, uma
depois da outra, e vão habitualmente até às 10 da manhã, mais ou menos.
Terminadas as missas, recitam-se sexta e noa. A hora noa, da festa da Páscoa até a
festa da Natividade da santíssima Virgem Maria, se reza às 17 horas da tarde e se
acrescenta a Ladainha de todos os santos, com uma hora inteira de meditação.
As vésperas se rezam, durante todo o ano, às 2 horas da tarde, as completas às 4
e a ela se acrescente a ladainha de Nossa Senhora e uma hora inteira de meditação,
de modo que termine pelas 6. A todas essas orações, acrescentem-se a cada dia, no
coro ou fora dele, o ofício de Nossa Senhora e os salmos para os benfeitores vivos e
defuntos.
1731. Porque das santas pregações derivam grandes frutos para todos, os frades
capuchinhos cuidarão que, em todos os domingos e nos dias santos, na igreja de
Nossa Senhora ou na própria ou ainda em outra que seja cômoda para o povo e que
deverá sempre ser comunicada a eles, se faça um sermão para o povo presente, e
esse sermão, para não atrapalhar o que é feito na catedral, deverá começar uma hora
depois, isto é, às 8 da manhã.
E para que a pregação não seja omitida por falta de ouvintes, lembre-se aquele a
quem essa tarefa foi confiada, que o Salvador, embora cansado pela caminhada,
pregou para uma só mulher, a qual, além do mais, não era lá muito pudica.
1734. Por missão a mim confiada por Deus três vezes, maximamente tenho
obrigação de impedir que isso aconteça com remédios salutares e, não encontrando,
especialmente para os italianos contaminados pela peste da heresia e que vivem aqui
e ali na Boêmia e, com a língua materna, fazem desviar do verdadeiro e católico sentir
muitos outros conterrâneos, nesse tempo nenhum outro remédio melhor que possa
afervorar e alimentar a fé senão homens corretos, honestos e verdadeiramente
católicos, chamados de outros países para nossa pátria boêmia, dos quais há aqui
grande falta; e, tendo falado disso com o generoso e ilustre senhor, senhor João Popel
de Lobkoviz, etc., presidente supremo no tribunal de apelação da sagrada cesárea e
real majestade, que é um grande incentivador e propagador da religião católica e
tendo conversado longamente, finalmente concordamos os dois que pela propagação
da religião católica na Boêmia devíamos buscar auxílio nos franciscanos capuchinhos.
1735. Soube que vossa senhoria ilustríssima tem sob sua jurisdição um grande
número desses frades; por isso para amparar a sincera fé católica, peço a vossa
senhoria ilustríssima, com a maior firmeza, que se digne enviar-me aqui para Praga
seis frades franciscanos capuchinhos, para os quais tudo será providenciado
abundantemente para que tenham o suficiente em tudo, quer de minha parte quer do
citado generoso senhor João Popel de Lobkoviz, etc.
E, se os meus pedidos encontrarem acolhida junto a vossa ilustríssima senhoria,
gostaria de pedir também, não levando a mal, que me respondesse logo quando é que
poderia me enviar tais frades, porque, a partir de então eles viajarão, para nossa pátria
da Boêmia, pagos por mim e pelo generoso senhor João Popel de Lobkoviz e serão
aceitos com muito prazer; e eu também retribuirei a vossa senhoria ilustríssima com
favores e benevolências e estarei sempre pronto para o serviço de vossa senhoria
ilustríssima, a quem desejo toda prosperidade e que tudo seja de acordo com o seu
desejo.
435
Saudações
Praga, 4 de setembro de 1575.
1737. Poderemos esperar isso somente se, numa messe assim grande e
abundante, existirem numerosos operários que, com o bom exemplo de vida e com
meios convenientes, reerguessem pouco a pouco aquilo que os contratempos tinham
abatido, reconduzindo ao reto caminho da fé católica aqueles que dela tinham se
afastado, arrastados pelos erros da heresia, e exortando com seriedade e eficácia o
povo desta pátria, para que seguisse as pegadas de seus antepassados que
abraçavam fervorosamente a fé católica, entre os quais têm lugar principal os santos
patronos Venceslau e Adalberto, cujos sepulcros e sagradas relíquias nós veneramos
todos os dias.
Portanto, pela missão a nós confiada, esforçar-nos-emos com todo empenho para
fazer crescer a religião, a fé católica, o fervor, o empenho das pessoas e a extirpar a
malícia humana, que, nestes tempos calamitosos, cresce cada vez mais e se fortalece,
e o esmorecimento da piedade.
1738. Entre os meios que nos propomos para conseguir tal efeito, julgamos que o
mais idôneo seria convidar e trazer para cá, da Itália, os padres capuchinhos, da
Ordem dos menores de São Francisco, cuja integridade e inocência de vida jamais foi
posta em dúvida por ninguém, antes, todos reconhecem e confirmam que eles, onde
quer que se encontrem, praticam as obras de caridade e de piedade, com as quais se
ajuda muitíssimo a Igreja e se alcança um crescimento muito grande de homens bons,
com os santos exemplos e exortações dados por eles.
Desejando isso, decidimos realizá-lo e expor a nossa paterna intenção em relação
a esses frades; pedimos, fervorosamente, a vossa paternidade reverenda que
escolhesse cinco ou seis frades de sua Ordem e os enviasse a Praga, para que
fizessem produzir na Boêmia aqueles frutos que o talento deles é capaz e para
ganharem para Deus as almas enganadas pelas ciladas dos hereges.
Para tanto, já temos o consentimento da sagrada cesárea majestade, sob cuja
proteção vão viver, e pudemos constatar o desejo e benignísssima vontade da mesma
majestade de que esses frades sejam enviados para cá.
436
1739. Noutro lugar, tratar-se-á, de maneira oportuna, sobre uma cômoda moradia,
com igreja, jardim, que já indicamos, e todas as demais coisas necessárias.
Soubemos que há alguns que falam alemão: queira vossa paternidade enviá-los para
cá, assim poderão pregar, falar e se relacionar com o povo em alemão. Se o nosso
justo pedido, feito sob o desejo de difundir a glória de Deus, encontrar o vosso favor,
coisa de que não temos a menor dúvida, poderá responder-nos. Os padres, quando
chegarem, serão bem recebidos, muito estimados e terão o calor de nosso paterno
amor e, se Deus quiser, terão o número aumentado. Recomendamo-nos às vossas
piedosa orações.
Praga, 10 de fevereiro de 1597
1741. Esta grande cidade, que até há pouco era inteiramente herética, começa a
abrir os olhos, pouco a pouco. A nossa pobreza nos tornou queridos não somente aos
católicos, mas aos próprios hereges também, a começar pelos senhores, e também ao
povo. Essa afeição, reverência e esmolas deles, percebe-se, é a porta através da qual
a santa fé vai entrando docemente, parecendo-lhes impossível que tais pessoas, como
nós, não tenham a fé verdadeira; há neles tamanha convicção que muitos se tornam
católicos, mas com jeito e quase às escondidas, pois muitas famílias chamam
secretamente os sacerdotes para instrui-las na fé. O sol sobe sem ver o próprio
movimento.
1742. Linz é uma cidade importante na Áustria, onde se faz a feira três vezes por
ano, da qual participam também italianos. É totalmente herética e, não obstante isso,
pede-nos para construir lá um convento. A coisa não está certa, meio secreta. Venient
et qui volent divites fieri, idcirco aversum pauperes132. Já viram, por acaso, um artifício
divino mais bonito? E isso é uma coisa, por que aqui ainda nos querem bem e ajudam
e dizem-me os frades que, em Viena, recebem mais esmolas dos hereges do que dos
católicos. Messis multa operarii autem pauci. Roguemus Dominum messis133, etc.
132
Trad.: Virão também os que querem enriquecer-se e por isso são contra os pobres.
133
Trad.: A messe é grande, mas os operários são poucos. Peçamos ao Senhor da messe...
437
O mínimo em Cristo
Frei Matias, capuchinho
receber na Ordem todos os que considerares idôneos, e no mais, observar tudo o que
deve ser observado.
Ordenamos-te com o salutar mérito da obediência, ir para aquela cidade o mais
rápido possível e queremos firmemente que os frades que morarem naquela região
que estará sob teus cuidados obedeçam-te e sigam em tudo como a nós mesmos,
segundo manda a nossa Regra.
Sendo só isso, vai e o Senhor torne fecundo o teu caminho e te proteja sempre
com a sua graça.
Roma, de nossa casa de São Boaventura, 28 de agosto de 1610
1747. De muitos lugares chegam pedidos para se ter esses frades. Em Aquisgrana
um comendador já vai construir um mosteiro; em Novesio, o coadjutor de Colônia; em
Mogúncia, o eleitor; em Westfália, há outros nobres que igualmente insistem em ter
frades lá e que eles lhes darão terreno. Todo o problema está em fazer aqui um boa
base, por ser essa cidade uma cidade de estudos e porta para todas as outras
províncias, de modo que, quando for fundado e instalado aqui um mosteiro, se possa
ajudar a fundar passim134 os outros, mandando-lhes daqui uns bons frades operários.
Uma das maiores dificuldades que acho nesse negócio é que esses bons padres
que vieram para cá pensam que podem fazer por aqui o que fazem os frades na Itália
e pensam que, estando em seus mosteiros rezando ofício, fazendo orações, e às
vezes fazendo uma pregação para o povo, sem fazer outra coisa, isso basta; e sempre
que eu peço para que alguns deles vão pregar nas cidades vizinhas tão necessitadas,
como pede o povo, eles não aceitam de muito bom grado; e tendo ainda pedido a eles
que para ajudar espiritualmente esse povo e incentivá-lo na devoção, que fizessem
algumas pregações nas suas igrejas depois das vésperas, umas três vezes por
semana para confrarias, como por exemplo a da Paixão de Nosso Senhor , falando da
mortificação e de outros temas semelhantes, não consegui nada, pois eles são
difíceis. Mas é esse o caminho que tem que ser feito para cultivar essas almas rudes e
ineptas e levá-las a um verdadeiro conhecimento da fé.
1748. Além disso, quando os padres entendem que de tantos lugares vêm pedidos
para eles irem para lá fundar mosteiros, embora retirados, eles dão como pretexto que
não têm frades, mas na verdade é porque eles não querem sair de sua rotina e até
pensam em formar frades desta cidade para depois mandá-los para aqueles lugares e
assim eles não se incomodarem; tal idéia vai levar de 10 a 12 anos e assim perderão a
oportunidade que o povo lhes deu por estimá-los [...].
Se forem para lá frades alemães que quisessem e se pudesse haver fundos ali
para fundar tal mosteiro, seria uma grande coisa e logo nós veríamos muitos frutos
[...].
Quantos frades aptos para pregar e competentes para dirigir mosteiro viessem
para cá, tantos mosteiros seriam fundados nessas províncias. Nem seria preciso para
eles esmolas de fora, como agora se faz em Colônia, porque num lugar como aqui,
onde, por excesso de lugares piedosos e de religiosos, não se tem a devida estima por
eles - e nós temos insistido para que sejam bem recebidos - assim naqueles outros
134
Trad.: pouco a pouco.
439
lugares, onde eles são pedidos por faltarem sacerdotes, eles seriam aceitos de muito
boa vontade.
1750. É costume nesta cidade que, em todas as igrejas, se cante sempre nas
festas a missa solene, coisa feita também pelos jesuítas, se bem que em outros
lugares não o fazem mais. E porque os padres capuchinhos não cantam nunca uma
missa e nem tem costume de usar diácono ou subdiácono, algumas pessoas lhes
pediram para que, ao menos, nas solenidades cantassem a missa com o canto
comum deles, para assim acabar com as calúnias dos hereges, que andam dizendo
que os capuchinhos não acham necessárias as ordens do diácono e subdiácono,
porque nunca viram servirem-se delas. E, com esse modo de agir, eles não dão
nenhuma ajuda para esse povo...
135
Trad.: Sobre a paixão de Cristo.
440
1752. Tão logo recebi a carta de vossa alteza, dei ciência ao nosso senhor da
tarefa que me pedia a respeito do desejo da sereníssima arquiduquesa sua irmã para
mandar ficar em Innsbruck o padre Frei Ludovico de Saxônia, capuchinho.
Compreendida por sua santidade a razão pela qual ele tinha sido destinado a
Graz, que era a de abrir naquela cidade uma casa ou um convento de sua Ordem, isso
significou para sua santidade uma grande experiência. Ele tem, para esse serviço,
alguma habilidade e condições que não se encontram comumente em outros. Por
esses motivos e também porque a ausência do padre de Innsbruck não será senão
por pouco tempo, não pareceu conveniente à sua santidade mudar de resolução, tanto
mais que depois ele poderá voltar a servir a sereníssima arquiduquesa, nas suas
confissões.
Acredita Sua santidade que vossa alteza, como muito afeiçoada a esses padres,
sentirá prazer sabendo que a Ordem deles aumentaria com uma casa em Graz
recebida das mãos de seu confessor.
E, desejando a vossa alteza toda prosperidade, beijo-lhe as mãos
De Roma, aos 26 de junho de 1599
136
Trad.: implantação da cruz.
441
1755. Desejando a abundância do Espírito Santo em Cristo Jesus nosso Senhor, por
meio das orações de sua Virgem Mãe e a bênção para a salvação, impulsionado pela
caridade e pela devoção, com a toda a presteza para com o pedido dos meus
concidadãos que vivem em Lubliana, enraizados na fé católica no Senhor, sou
obrigado a escrever essa carta à vossa paternidade venerável e religiosíssima e
espero que me ajudará a sua piedade.
Não faz muito tempo, com meu consentimento de bispo e ordinário, depois de uma
madura reflexão, insistentemente pedida pelo reverendo padre Fortunato, então
comissário dos meus religiosos os frades capuchinhos - digo meus, porque eles
vieram para Lubliana quando era eu o bispo - na sexta-feira santa foi celebrada
durante alguns anos uma devota procissão de flagelantes, instituída pelos próprios
capuchinhos, precedida por algumas pregações apropriadas ao tema ou outras e das
quais participavam o capítulo, eu mesmo, o meu clero, com toda a nobreza e uma
multidão de cidadãos, todos tirando daí grande edificação.
1756. O reverendo padre Justo de São Justo, comissário, sem ouvir conselhos,
orações, o meu parecer e o de outros, por sua própria autoridade, aboliu-a
repentinamente, há dois anos. Agora foram levados para outro lugar (antes eram
guardados pelos capuchinhos, durante o ano, numa cela) os instrumentos e as
insígnias da Paixão do Senhor, que eram levados em procissão, juntamente com as
vestimentas dos flagelantes, porque ele ameaça queimar tudo. Foram, pois, levados
para o convento dos padres franciscanos, para serem conservados lá.
E assim, não obstante os nossos protestos, feitos por grande devoção, a procissão
foi suspensa por dois anos. Nesse entretempo, junto ao povo, para que não
acontecesse nenhum escândalo mais grave, pusemos a culpa de tal suspensão na
contínua passagem de soldados que iam para a guerra. Teria sido muito melhor não
ter começado uma prática assim tão piedosa do que ter que abandoná-la depois.
442
Tomás, bispo.
443
As Clarissas Capuchinhas
Lázaro Iriarte
Tradução de Mauro Strabelli
444
1758. A origem das capuchinhas está ligada ao nome da nobre senhora catalã
Maria Lourença Longo (Llonc). Tendo ficado viúva, em 1510, e curada milagrosamente
de paralisia no santuário de Loreto, dedicou o resto de sua vida às obras de caridade;
fundou o Hospital dos Incuráveis em Nápoles, inaugurado em 1522. Em 1530,
acolheu, nas dependências do hospital, os primeiros capuchinhos chegados a
Nápoles. Sentindo-se incapaz de continuar a assistência pessoal aos doentes,
resolveu consagrar o resto da vida à contemplação, fundando, no mesmo complexo
beneficente, uma comunidade de enclausuradas, sob a Regra de Santa Clara.
Obteve de Paulo III uma bula promulgada no dia 19 de fevereiro de 1535, em
virtude da qual ela ficava autorizada a fundar o mosteiro. O número de irmãs, fixado de
início em doze, foi aumentado no ano seguinte para trinta e três, fato que deu à
comunidade o nome pelo qual é agora conhecida. Em 1538, o mesmo papa colocava
o citado mosteiro sob a direção dos capuchinhos, dos quais assumiu o estilo de vida
austera e simples, grande valor à oração contemplativa, espontaneidade no
relacionamento fraterno, mas acentuando muito a vida de clausura, esboçada pela
fundadora nas suas “ordenações”.
1759. Maria Lourença Longo faleceu em 1542, com grande fama de santidade. O
povo não demorou muito em dar às novas clarissas reformadas o nome de
“capuchinhas”; os superiores da Ordem capuchinha, porém, nunca aceitaram que elas
fossem consideradas como ramo feminino de sua Reforma; as constituições de
Albacina e as de 1536 proibiam terminantemente o atendimento de monjas; e foi
somente por imposição da Sé Apostólica que se aceitou cuidar do mosteiro de
Nápoles e logo em seguida dos mosteiros de Roma e de Milão.
A fama de santidade da comunidade das “Trinta e três” deu origem à fundação de
outros mosteiros em toda a Itália. O primeiro foi o de Perusa, em 1556; no ano
seguinte, começou, de forma espontânea, uma comunidade em Gúbio, cujo mosteiro
foi erigido canonicamente em 1568; seguiram-se a fundação de Brindisi, em 1571, a
de Roma, no Quirinal, em 1576, a de Gênova em 1577,a de Milão, em 1578, por
iniciativa de São Carlos Borromeu. No fim do século os mosteiros na Itália eram cerca
de vinte.
1. Documentos Pontifícios
1762. Paulo bispo, servo dos servos de Deus. Para perpétua memória.
O dever do ofício pastoral, a nós confiado do alto, exige e nos estimula a estarmos
sempre dispostos para acolher, ouvir e ceder benevolamente aos desejos que levam
as virgens prudentes a oferecerem a própria virgindade, com voto solene na vida
religiosa, ao único esposo Jesus Cristo e ir ao seu encontro com suas lâmpadas
acesas, a ele que é o mais belo dentre os filhos do homem, a fim de que daqui
nasçam as flores de honra, da honestidade e da observância regular.
Pois bem, foi-nos apresentado por parte da querida filha em Cristo Maria Lourença
Longo, senhora catalã, um pedido no qual constava que a citada senhora Maria tinha
erigido, construindo desde os alicerces e aparelhado, em Nápoles, o hospital chamado
de Santa Maria do Povo destinado aos doentes pobres e incuráveis e que ela se
dedicava diariamente à assistência dos mesmo doentes.
1763. Mas que agora, sob o peso de doenças e da velhice, levada pelo zelo da
religião e devoção, deseja passar da vida ativa à contemplativa, como a mais
conveniente; e que, para tanto, iniciou, junto ao citado hospital e em lugar por ela
indicado, a construção de um mosteiro de monjas, sob a invocação de Santa Maria de
Jerusalém, com a oferta de piedosas contribuições e de bens que Deus lhe concedeu.
E, além do mais, que recebeu algumas senhoras pobres, que rezam com ela o
ofício divino. E que quer terminar o citado mosteiro para a propaganda de sua própria
Ordem e para a glória e engrandecimento do culto e do nome de Deus, se tiver o
apoio da autorização da Sé Apostólica.
E que, da parte da mesma senhora Maria, que afirma estar decidida a enclausurar-
se no citado mosteiro junto com outras monjas e viver uma vida religiosa, nos foi
suplicado que, com a benevolência apostólica, nos dignemos conceder-lhe licença
para terminar o mesmo mosteiro e providenciar tudo o que for necessário para tal fim.
nenhum outro superior e nem ao reitor em cujos limites paroquiais está o terreno do
mosteiro a ser construído e nem mesmo ao reitor do sobredito hospital.
Com a autoridade e o teor das presentes letras, revogadas disposições contrárias,
o erigimos e instituímos, desde que provido com a conveniente clausura, em mosteiro
de monjas da Terceira Ordem de São Francisco, segundo a Regra de Santa Clara,
sob a invocação acima citada, com uma abadessa e doze monjas que professem os
três votos religiosos da mesma Ordem; as quais, pelo menos nessa primeira vez,
serão admitidas pela mesma senhora Maria e no futuro, segundo os estatutos da
mesma Ordem e das normas oportunas estabelecidas pela mesma Maria. Serão
recebidas sem nenhum dote. No número não contam as conversas e as mulheres que
trabalham no mosteiro.
1766. Poderá também escolher e encarregar uma das monjas para sucedê-la
depois de sua morte; indicar como mestra das monjas noviças, como julgar
conveniente, uma outra monja, com a tarefa de instruí-las e ensiná-las; indicar
substitutas nos cargos das monjas falecidas e, sempre que ficarem vagas funções no
mosteiro, designar anualmente outras monjas, a fim de que tais funções não fiquem
ociosas mais de um triênio. Concedemos ainda que, depois da morte da citada Maria,
as monjas professas do mosteiro possam eleger, à morte de cada abadessa, uma
outra, pela maioria de votos [...].
Concedemos à mesma Maria que possa, com sábio discernimento, estabelecer
ordenações e estatutos justos e dignos não contrários aos sagrados cânones, que
deverão ser observados pela abadessa e pelas monjas que se sucederem.
137
Trad.: no entretempo.
447
e das demais monjas, o necessário para seu sustento, como é feito no presente, e que
elas possam também recebê-lo.
Dado em Roma, junto a São Pedro, no ano da Encarnação do Senhor de 1534
(segundo o calendário florentino; ou 1535 segundo o calendário moderno), no dia 19
de fevereiro, primeiro ano de nosso pontificado.
1773. E para que a obrigação seja maior, pedimos-lhe que tenham sempre em
consideração esses reverendos padres e nessa perseguição por que passaram (pela
apostasia de Ochino) possam sentir que, com o seu favor e proteção, poderão respirar
e ter liberdade como tinham nos anos passados e que, mais tranqüilamente, possam
servir o Senhor Deus, que por todo o bem que se fará na Ordem, tendo fundamento a
estima e o valor deles, conquistem méritos da parte do Senhor Deus e veneração junto
aos homens, como sempre a tiveram por seus trabalhos.
Recomendamo-nos às suas atenções e sentimos-nos sempre dispostas e
obrigadas a rezar pela sua saúde ao Senhor Deus.
De Nápoles aos XXIII de abril de 1543.
De vossa ilustríssima e reverendíssima senhoria,
Servas e devotas
A abadessa e as monjas de Santa Maria de Jerusalém
1775. Pois bem, nos foi apresentada uma petição pela querida irmã em Cristo
Ângela Serafina, cidadã de Barcelona, através da qual expunha que há cerca de
quinze anos ela usa o hábito que costumam usar as monjas capuchinhas da Ordem
dos menores de São Francisco e que, desejando fundar um mosteiro nesta cidade,
mora numa casa com onze mulheres de conduta exemplar, levando uma vida piedosa
e quase religiosa, seguindo a Regra e os estatutos que professam as monjas
capuchinhas da cidade de Roma e de Granada da Ordem dos Menores de São
Francisco, servindo com elas o Senhor; e muitos dos mais nobres desta cidade, de
vida exemplar, e desejosos da salvação das almas, apóiam a idéia da construção e
ereção de um mosteiro de capuchinhas dessa Ordem nessa cidade Por isso, suplica-
nos humildemente que nos dignássemos condescender a um propósito assim louvável
e a providenciar, com bondade apostólica, a tudo quanto fosse oportuno.
vigário, que atendam às confissões das monjas, conforme a forma que se observa nos
mosteiros das mesmas monjas de Roma e de Granada.
Dado em Barcelona, no ano 1599, aos 26 de maio, oitavo ano do pontificado do
sobredito santíssimo senhor nosso o papa.
1778. Clemente, bispo, servo dos servos de Deus, para perpétua memória do fato.
O dever do ofício pastoral a nós confiado pelo Alto, nos leva [...].
Pois bem, o nosso caríssimo filho em Cristo, Henrique, rei dos franceses e de
Navarra e a caríssima filha em Cristo, Maria, rainha, esposos cristianíssimos,
expuseram-nos recentemente, em nome deles, do nosso venerável irmão Henrique,
bispo de Verdun e dos queridos filhos, demais executores testamentários de Luiza,
que foi rainha de França, de feliz memória, bem como da querida filha em Cristo, a
nobre senhora Maria de Luxemburgo, viúva de Felipe Emanuel de Lorena, duque de
Mercoeur, que a sobredita rainha Luiza, tempos antes de morrer, desejosa de trocar,
numa feliz permuta, o terreno pelo celestial e o transitório pelo eterno, para o louvor e
glória do Deus onipotente, rei dos reis e ótimo doador de todos os bens, e para
incrementar as pias obras, dispôs no seu testamento, feito pouco antes de morrer,
construir e edificar um mosteiro de monjas chamadas capuchinhas, que vivem
segundo o modo de vida da Ordem dos frades, chamados também eles capuchinhos
de São Francisco, na cidade de Bourges e no local que fixasse o sobredito Felipe
Emanuel, seu irmão, o qual. ainda vivo, foi constituído por ela seu herdeiro universal; e
para tanto destinou 20.000 escudos [...].
nulo e sem valor tudo o que for intentado a esse respeito, conscientemente ou por
ignorância e da parte de qualquer pessoa, independentemente da autoridade que
possa ter.
Não obstante [...].
Dado em Roma, junto a Santa Maria Maior, sob o anel do Pescador, aos 11 de
agosto de 1618, décimo quarto ano de nosso pontificado.
2. Crônicas e Testemunhos
1784. Porque nos primeiros tempos desta reforma foi fundado o mosteiro das
monjas de Santa Clara, em Nápoles, as quais foram sempre chamadas capuchinhas,
é natural que falemos, antes de mais nada, de sua fundação e de sua fundadora.
Aquele mosteiro foi fundado no ano do Senhor de 1535 por uma senhora
espanhola da Catalunha, chamada Maria Lourença, da classe nobre dos Richenza, a
qual casou-se com um cavalheiro da classe dos Lunga, e que foi chefe da chancelaria
do rei católico da Espanha, que o favorecia muito.
E porque a citada senhora, prudente e virtuosa, para ter sua casa bem controlada,
repreendia suas empregadas quando erravam e as trazia em cabresto curto, acabou
sendo odiada por muitas delas, de tal modo que uma sua escrava resolveu envenená-
la. E, acontecendo que a patroa tivesse sede numa festa onde dançava, a celerada
escrava deu-lhe um copo com água no qual pusera veneno, que ela bebeu e acabou
envenenada. E, por mais remédios que tivesse tomado, não conseguiu curar-se
totalmente; porém, salva da morte, ficou de tal modo estropiada que nem podia se
mover. Isso até foi por permissão divina, para poder servir-se dela para grandes
gestos para a glória de Deus e benefício dos povos.
tomá-la por sua serva e colaboradora de seus desígnios. Por essa razão, confiada em
Deus, pôs-se a caminho da maneira mais adequada à sua condição de enferma.
1786. Tão logo chegou e entrou na igreja, pediu para rezarem uma missa; mas
não havia mais missas por já ser tarde. E, procurando o capelão para mandar rezá-la,
este não foi encontrado. Apareceu de repente um sacerdote desconhecido e que pedia
para celebrar missa. E, tendo entrado na santa capela, postou-se ao lado da epístola e
ali celebrou, mas de uma maneira estranha e com cerimônias desconhecidas, o que
causou admiração a todos. Leu o evangelho do paralítico que tinha estado doente por
38 anos; e, virando-se, disse aos que assistiam à missa: “Dai graças a Deus” e,
naquele instante, a senhora sentiu um grande tremor, que começando pelos pés
envolveu-lhe todo seu corpo.
Terminada a missa, ela estava completamente curada; e, tendo procurado o
sacerdote para dar-lhe uma oferta, não foi mais encontrado e nem visto e ninguém
sabia de onde viera e nem para onde tinha ido. Ela se levantou e caminhou livremente
com seus próprios pés, perfeitamente curada, louvando a Deus e a bem-aventurada
Virgem; e bem convinha que começasse com a Rainha das Virgens a reforma das
santas virgens e, de modo especial, as de santa Clara, a qual diante do altar da
beatíssima Virgem, tendo-lhe sido cortados os cabelos, consagrou-lhe sua virgindade.
1787. Permaneceu alguns dias por ali, depois da graça recebida, recebendo junto
novo espírito para servir à Divina Majestade de maneira mais nobre e mais perfeita
que no passado. E, para tanto, recebeu o hábito das irmãs terceiras de São Francisco.
E, ainda em Nápoles, para onde voltou, outras mulheres, imitando-a, fizeram a mesma
coisa. E todas puseram-se a serviço de Deus no hospital dos Incuráveis, que estava
então sendo construído; e ela, colocando sobre seus ombros grande peso, procurava
leitos e lugares para acomodar os doentes pobres, enquanto não fossem terminadas
as obras do hospital; e, para tanto, foram feitas algumas acomodações perto do dique
e de S. Nicola Vecchio e que já foi destruído. Ela tomou a sério essa tarefa, assumindo
a responsabilidade pelos doentes, tanto homens como mulheres, com um admirável
exemplo e testemunho que deu não só à cidade de Nápoles, mas também fora,
ajudando ela mesma as pobres criaturas, não somente quanto à saúde do corpo, mas
também quanto à saúde da alma.
1788. Pregava por esse tempo em Nápoles o zeloso pregador e santo religioso
Padre Calisto de Piacenza, cônego regular, por cujas exortações e ações se fundou,
em Nápoles, em 1519, a Companhia dos Brancos, chamada Santa Maria succurre
miseris138, cuja função era a de preparar, com exortações e palavras de conforto, os
condenados à morte, antes de serem executados.
Esse irmãos, que ordinariamente eram os homens importantes de Nápoles, por
pedido da senhora Lunga, esforçaram-se muito em prol do citado hospital e, vestidos
com suas túnicas brancas, iam todos os sábados pedir ajuda para o hospital, tanto
comida como para a construção e outras necessidades. Por isso, pareceu-lhe que já
podia licitamente desfazer-se desse peso, uma vez que já havia outros que o podiam
carregar. E, para tal finalidade, ela não deixou de pedir repetidamente a um tal senhor
Ettore Vernaccia, genovês, que tinha sido a causa principal e companheiro dela para a
fundação daquele piedoso lugar.
1789. E, estando ela, um dia, pensando nisso, certa manhã durante a missa, tendo
fixo o pensamento nessa sua resolução, ouviu uma voz quase perceptível que lhe
perguntava: “Você amava o seu marido?” E ela respondeu: “Mira!”, que quer dizer:
claro que eu o amava.
138
Trad.: Santa Maria, socorro dos miseráveis.
454
1790. E foi essa inspiração de tal modo eficaz que a levou a não mais pensar em
deixar tal empreendimento e, decidida por esse santo propósito e com grande ardor de
caridade, continuando seu trabalho, proveu mais abundantemente o hospital com
alimentos, roupas, leitos e outras coisas necessárias, de tal modo que ele se tornou
muito superior a outras instituições piedosas semelhantes e que tinham entradas
excepcionais. E foi esse o motivo por que a Companhia dos Brancos, que antes se
reunia em San Pietro ad Ara, propriedade dos cônegos regulares, onde morava o
Padre Calisto, se reunisse no hospital então construído perto de S. Maria della Grazia,
que agora se chama S. Maria del Popolo, o que foi motivo de grande vantagem para o
hospital por causa das muitas esmolas, que eram recolhidas nessa ocasião.
E, cuidando ela do governo do hospital, exercitava-se além da caridade para com
os doentes e da prudência e zelo na condução da casa, também nas virtudes cristãs,
como a humildade, o jejum, as oração. Desprezava-se a si mesma, servindo os outros
como se fosse uma empregada, servindo os doentes com as próprias mãos, de modo
especial os doentes mais graves, a todos exortando e consolando. E era tão zelosa e
eficaz nesse serviço que os pobres doentes ficavam consolados com sua meiguice e
seus carinhos e muitos deles, depois que ela morreu, sonhavam que ela os visitava e
acariciava, sentindo nisso grande conforto, como se ela estivesse de vigília ao pé de
suas camas e aquilo tudo fosse pura realidade.
1791. Apesar de tudo isso ela era, porém, muito rigorosa e austera consigo mesma,
vivendo frugalmente e jejuando todas as sextas-feiras a pão e água e, aos sábados,
acrescentando um pouco de caldo de pão cozido com óleo, mas muito pouco. Era
fervorosíssima, pressurosa, solícita nas santas orações, em que fez tamanho
progresso que, muitas vezes, foi ouvida falar com Cristo e alcançou tamanho
entendimento das divinas Escrituras que homens instruídos aprendiam com ela
profundas interpretações e segredos, ficando realmente muito admirados pela grande
iluminação que ela recebia de Deus. E as pessoas que estavam em pecado, vindo a
ela, atraídas pela força e eficácia de suas exortações, saíam dali convertidas. E muitas
personalidades ilustres iam até ela para pedirem conselhos. E, muitas vezes,
aconteceu que ela predissesse acontecimentos futuros, os quais, realizando-se
conforme predissera, serviram para torná-la digna de fé e ser considerada uma
iluminada pelo Espírito Santo.
feitos, sem dúvida nenhuma pelas mãos dos anjos, por intercessão desta serva de
Cristo.
1793. Chegou ao hospital uma pobre mulher espanhola, vítima da febre francesa.
Acolhendo-a a piedosa e santa diretora, cuidou dela como o fazia com os outros,
servindo-a com as próprias mãos, procurando refrescá-la e ajudando-a. Uma vez
curada, exortou-a a deixar o pecado, ficando no hospital para ajudar ou tomando outra
direção na vida com sua ajuda. Mas a infeliz, já destinada ao diabo, não quis aceitar
de jeito nenhum e voltou à sua antiga e abominável vida. Por isso mesmo, tornou a
voltar ao hospital com a mesma doença e foi, como na primeira vez, acolhida com
carinho, orientada e servida até que novamente recuperasse a saúde. Por maiores
que fossem as súplicas e exortações feitas a ela pela santa mulher, ela não quis nem
ficar aí e nem deixar a vida perversa que levava. Pelo que a piedosa senhora,
voltando-se para Deus, ajoelhando-se diante do crucifixo, rezou, dizendo: “Meu
Senhor, se essa mulher resolver pecar mais ainda, fazei que lhe advenha uma tal
doença que ela não possa mais ofender a vossa divina Majestade”.
E Deus atendeu imediatamente suas fervorosas e piedosas orações; por isso,
pouco tempo depois, a infeliz voltou trazida numa maca e tão desfigurada que parecia
uma leprosa, não se distinguindo nela feições humanas, e irreconhecível, sabendo-se
quem era ela somente pela voz. Foi recebida e atendida até à morte, levada que foi
por doença tão horrível.
1794. Sobreveio uma grande peste, por causa da qual se fechavam todas as
casas suspeitas de contágio e até o hospital ficou fechado um tempo por esse motivo;
finalmente reaberto, os vigilantes sanitários iam todos os dias visitar os doentes, para
constatar se não tinham contraído a doença e a mesma coisa faziam com as mulheres
que ali trabalhavam. A senhora Lunga tinha uma companheira muito estimada que se
chamava irmã Maria, mulher de grande espiritualidade e imitadora das virtudes da
senhora Lunga. Essa irmã, quando o hospital reabriu, contraiu gravíssima febre da
peste e, estando três dias sem comer nada, estava para morrer.
A dor da santa diretora era imensa, não apenas por poder perder aquela irmã que
tanto amava, mas porque, morrendo ela e descobrindo-se que a causa da morte era a
peste, o hospital seria fechado de novo. Não tendo outro remédio, voltou-se ela para a
oração; indo a uma capela, ajoelhou no chão e rezou longamente e, ao fim, erguendo-
se com a certeza de uma graça recebida, foi com pressa até à enferma e lhe disse:
“Irmã Maria, faça-me o favor de comer qualquer coisa”.
E ela, embora estivesse num estado em que já não podia ouvir, ouviu e obedeceu.
Em seguida, disse-lhe que repousasse; o que ela fez. Nesse tempo, ajoelhada de
novo, a devotíssima diretora rezou. A doente acordou pouco depois, perfeitamente
curada, como se não tivesse jamais ficado doente, e disse que tinha sentido como que
um orvalho caindo sobre ela, refrescando-a por inteiro.
1795. Desse modo, através da oração a santa mulher libertou tanto a irmã da
morte quanto o hospital do perigo e do transtorno de ser fechado novamente, com
grave prejuízo para os doentes.
Foi ela quem introduziu aquele Pai nosso que, à tarde, se reza pelos falecidos.
Ela ia muito à zona de prostituição, tentando ali, com insistentes exortações,
justificativas e propostas, tirar as prostitutas do pecado; e quando não conseguia tudo
o que pretendia, ajoelhava-se diante delas e lhes pedia que, pelo menos na sexta-feira
santa e no sábado santo, se abstivessem desse pecado; e, naqueles dias, a fim de
que alguma necessidade ou mesmo a cobiça por dinheiro não as obrigasse a pecar,
ela mesma lhes pagava. E para aquelas, que ela conseguia conquistar, arranjava-lhes
casamento ou contratava-as para trabalharem no hospital.
Ela foi a primeira que recebeu os frades capuchinhos em Nápoles e, por seu
intermédio, é que lhes foi concedida a localidade chamada S. Eframo; nesse ínterim,
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1796. Foi ela também a primeira que deu acolhida em Nápoles aos padres
teatinos, colocando-os numa casa perto do hospital, na qual moraram as monjas antes
de se construir o mosteiro; e tanto ela como as monjas colocaram-se sob a orientação
espiritual dos citados padres, até passarem posteriormente aos cuidados dos frades
capuchinhos.
Morava perto do hospital a duquesa de Termoli, a qual, por detrás das aparências
- como é o costume de tais senhoras - se preocupava mais com as futilidades e
grandezas do mundo; mas, conseguindo viver profunda amizade com a santa mulher,
foi pela força das suas santas palavras, orações e virtudes, convertida para a santa
humildade cristã, pondo-se à disposição para fazer toda espécie de bem. Por isso, ela
a tinha como sua filha espiritual, alimentando-a com santos exemplos e exortações,
levando-a a fazer muitas boas obras. Colocou-a sob a orientação dos frades
capuchinhos, os quais a atendiam em confissão, aconselhavam e orientavam, e
impuseram-lhe o hábito da Ordem Terceira de São Francisco; e ela, de sua parte,
ajudava-os nas suas necessidades e se dispôs a distribuir seus bens por amor de
Deus.
1798. Tal empreendimento foi, sem dúvida alguma, como depois a experiência o
demonstrou, uma intenção de Deus, o qual se vale de seus ministros com lhe convém.
Foi por sua misericórdia que curou essa mulher para o bem do hospital e de tantas
outras obras. Agora, para construir o santo mosteiro, a fez reincidir na antiga doença,
a qual tanto a desfigurou que todos achavam que sem dúvida ela iria morrer. Por isso
recebeu a extrema unção. Estando ela assim enferma, esquecida de si mesma,
esperava ansiosamente recolher as virgens, reanimando-se sempre mais para fazer-
lhe um mosteiro. Nem mesmo sendo uma pessoa que julgavam morta e que, por isso,
esperavam estar dissuadida dessa idéia, ela não cedeu, não perdeu o entusiasmo do
espírito e nem o zelo para prosseguir na causa. E, reduzida quase ao extremo da vida,
ainda a todos que a visitavam, ela, para espanto geral, dizia que ainda ia construir o
mosteiro em honra de São Francisco.
Não morreu de fato, como se esperava, daquela doença; e mesmo tendo ficado
aleijada, teve tempo e coragem para fazer o mosteiro. Tendo terminado a obra, o povo
julgou que ela tivesse tido uma revelação, levando em conta que, estando em iminente
perigo de morte, ainda perseverou nesse propósito até poder realizá-lo. E foi também
falado pelo povo que, tendo ela acabado de construir o hospital, o qual de agora em
diante já não precisaria mais dela, Deus, tendo-lhe tirado a saúde, lhe tivesse
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colocado na mente uma outra obra santa, da qual ela poderia cuidar, mesmo estando
enferma; e porque a doença era até um estímulo Deus a fez ter uma recaída, para
aumentar os seus merecimentos.
1799. Naquele tempo veio da Espanha aquele eremita, por cujo conselho ela tinha
vindo à Itália; e visitada por ele, ela imediatamente o conheceu, apesar de nunca tê-lo
visto, agradeceu-lhe pelo conselho que lhe dera na Espanha.
Encontrada uma casa que ela finalmente adaptou como mosteiro e tendo sido feita
a clausura, fez-se conduzir em procissão, com as monjas cobrindo o rosto com o véu,
entrando com todas em procissão na casa. E porque ela sempre desejara ir a
Jerusalém e, acreditando as pessoas que ela tivesse recebido por revelação uma
promessa de Cristo a esse respeito, ele a inspirara agora e lhe revelara que esse
mosteiro deveria chamar-se Jerusalém, assim ela o chamou e assim é chamado até
hoje como mosteiro de Jerusalém.
3. Sobre o governo que ela exerceu com muita santidade. Sobre sua morte e milagres.
1804. Certa vez, ela viu o demônio em forma de um moreno escuro, o qual tentava
uma monja, que estava muito obstinada, recusando a santa obediência. Uma tal irmã
Clara, que era considerada por ela como uma filhinha muito querida e que vivia a
obediência de tal modo que toda noite ia até ela para manifestar-lhe as tentações que
tivera naquele dia, e era de vida santa, estava à morte, e antes de expirar perdeu a
voz, mas subitamente a recuperou e abrindo os olhos disse, com rosto alegre e
sorrindo: “Estou feliz, estou feliz”.
Estando a monja para expirar, a senhora Lunga viu junto dela de um lado São
Francisco e doutro santo Antônio, os quais ficaram ao seu lado até que expirou. De tal
modo manifestou-se aí a santidade de ambas: da monja, que estava entre dois santos
e da abadessa, que via os santos. E para consolar as suas filhinhas e fazê-las
acreditar, para edificá-las, na monja falecida, revelou que uma pessoa é que tinha tido
aquela visão sobre a monja, mas soube-se no fim que quem tinha tido a visão tinha
sido ela mesma.
1805. Uma jovem, tendo entrado para o mosteiro para ser monja, foi tentada
fortemente para sair, antes mesmo de receber o hábito; por mais admoestações que
lhe fizesse a santa mulher, ela não quis acalmar-se, persistindo na firme resolução de
sair. Então a piedosa mãe pediu-lhe que esperasse pelo menos por um mês; e ela
deu-lhe a palavra. E, nesse tempo, tão fervorosamente rezou ao Senhor por ela que
ela se alegrou em receber o hábito; e recebeu-o com tanta devoção que perseverou
no mosteiro com uma vida exemplar.
E muitas coisas desse tipo fez a santa mulher, naquele santo mosteiro. Esteve por
quatro anos à frente do mosteiro, mesmo aleijada, mas, próxima ao fim da vida, no
mês de agosto, foi arrebatada como que fora de si, ficando insensível, não respirando,
estando ali presente ainda a duquesa de Termoli; e ficou nesse estado por meia hora,
pelo que achavam que estivesse morta. E, para certificarem-se disso, fizeram muitos
cortes, com o que ela voltou a si; e logo com uma cara alegre e sorrindo disse-lhes:
“Que Deus os perdoe; quisera não ter eu sido reanimada. Quisera eu não ter
recobrado os sentidos. Oh, que coisa eu vi! Oh, que coisa fui ver! Iremos, iremos!”
1806. A Irmã Maria, sua fiel e devotada companheira, pediu-lhe muito que
dissesse o que é que tinha visto; mas ela, sorrindo, não o quis revelar-lhe.
Logo renunciou ao cargo de abadessa e indicou como abadessa a irmã Jerônima,
que tinha sido monja em outro mosteiro e tinha vindo para este, levada pelo desejo de
reforma e pelo rigor de vida. De igual modo, ela indicou a vigária e as demais
encarregadas do mosteiro; deixou todos os outros trabalhos, preparando-se assim
para a morte, e ficou na expectativa de que poderia morrer logo de uma hora para
outra.
Estando assim, mostrou também o que já teria feito se tivesse tido no mosteiro
superioras; obedecia prontamente como se fosse a irmã mais insignificante; nunca
deixou essa humildade, por mais que a abadessa lhe pedisse, dizendo que cabia a ela
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mandar e corrigir. Desse modo, com exemplos e palavras, exortava as demais para
uma humilde obediência. E, ficando aquele pouco de tempo recolhida em si mesma,
não fazia outra coisa senão exortações sobre a observância dos preceitos de Deus e
da Regra, da paz e da união, da humildade, obediência e pobreza, mortificação e
desprezo de si mesma, exortando-as com muita eficácia a vencerem-se a si mesmas.
O que fazia com tanto fervor e espírito, com tanta benignidade que levava todas às
lágrimas e ao fervor de Deus.
1807. Dois dias antes de morrer, fez a elas uma grande pregação, exortando-as à
observância da Regra e às virtudes, mas de modo especial à paz, usando as palavras
que Jesus disse aos apóstolos: Eu vos dou a minha paz, eu vos deixo a minha paz
(João 14, 27). E, abraçando a todas, uma a uma, recomendando-as em particular às
mais velhas, pediu à abadessa que cuidasse delas, ajudando-as na observância,
tendo-lhes compaixão e não deixando-lhes faltar nada, mesmo nas necessidades
materiais.
Depois pediu para ser levada diante de um crucifixo que estava numa capela,
onde ficou por muitas horas, olhando-o com os olhos fixos e falando pouco. Mas, por
obediência, a abadessa a fez voltar para seu quarto, onde se entreteve veladamente
com seu confessor, Frei Francisco Liardo; e, entre outras coisas, disse-lhe que o
Senhor Deus estava muito irado contra a cidade. E pouco demorou para começarem
os tremores de terra em Nápoles. Exortava as monjas a que rezassem, pedindo que
Deus aplacasse a sua ira. Mandou chamar a duquesa de Termoli, a qual ficou com ela
todo aquele tempo e, muitas vezes, conversou com ela secretamente e lhe revelou
que pouco tempo ela tinha de vida.
1808. Chegada ao fim, viu-se que ela lutava com o demônio, mostrando-lhe o
rosto agitado e ameaçando-o. Quis a sua fiel irmã Maria confortá-la dizendo que não
temesse; mas ela, voltando-se, disse-lhe na sua língua: “Cagliá vos”, que quer dizer:
calai!
E, pondo o dedo nos lábios, fez-lhe sinal para que ficasse quieta, dizendo: “ Eu
tenho quem me ajude!”
Voltando-se com o rosto alegre para a direita, onde estava o crucifixo, mostrava-o
com as mãos à irmãs, para dizer que era ele quem a ajudava.
E, pouco antes de expirar, voltando-se para as irmãs, disse-lhes: “Irmãs, parece a
vós que eu fiz inúmeras boas obras; mas eu não confio em nada de mim mesma, mas
inteiramente no Senhor”.
E mostrando a ponta do dedo mínimo disse: “Um tantinho de fé me salvou”.
E disse isso com muita jocosidade e belíssimo rosto. E conservava sempre o
crucifixo nas mãos. E pouco depois de dizer essas palavras, beijando o crucifixo, disse
por três vezes: “Jesus”! E expirou.
1809. Seu bendito corpo foi colocado diante da grade; uma multidão ali acorreu,
todos beijando seus pés, gritando que aqueles pés exalavam perfume; a duquesa
estava aos pés, chorando, e dizia que por meio dela é que ela fora salva. E porque a
senhora tinha pedido para ser sepultada com as irmãs e não havia ainda sepulturas,
colocaram o corpo num caixão e o sepultaram em baixo do altar do coro.
A duquesa já avisada pela santa senhora sobre sua morte próxima, começou a se
preparar com uma extraordinária mudança de vida. Fez testamento e doou boa parte
de seus bens para o hospital e outras instituições. E, antes de morrer, teve a graça de
ver a santa mulher, senhora Maria Lourença, aparecer-lhe belíssima e gloriosa. E ela
mesma contou isso depois às monjas, para consolação delas.
No início do ano, logo depois da morte da santa mulher, sentindo-se a duquesa
próxima da morte, resolveu entrar para o mosteiro, uma vez que já tinha licença do
papa para poder morrer lá dentro. Mas Deus, que já dispusera de outro modo, não lhe
quis conceder tal graça; por isso, enquanto estava se preparando para entrar para o
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mosteiro, lembrando-se de que tinha que por em ordem algumas coisas suas, voltou
ao hospital, mas já decidida voltar logo para o mosteiro. Era um domingo. Apenas
chegada ao hospital foi atacada pela artrite e, ao cabo de cinco, dias acabou morrendo
ali.
1810. Deixou, porém, o pedido de ser sepultada junto com a senhora Maria
Lourença. E, ao fazer-se isso, encontrou-se o corpo dessa senhora todo inteiro,
saudável, com seus cabelos, com as unhas das mãos e dos pés crescidas como se
estivesse viva; e todos gritaram: Milagre! Milagre! O corpo permaneceu o dia todo no
coro, e exalava o perfume das violetas para a admiração de todos. E, querendo Deus
com outros milagres ainda aprovar a vida da santa mulher, fez isso acontecer.
Havia ali um irmã jovem que tinha um abscesso em um lado e que tinha usado
muitos remédios que não ajudaram em nada. Uma outra irmã, Vitória d‟Aflito, monja de
santa vida e piedosíssima, levou a citada jovem onde estava o corpo e, tendo feito ali
uma breve oração, pegou a mão do corpo morto e a colocou sobre o abscesso da
jovem; e logo, sem outro remédio, ela ficou curada.
1811. Mas o seguinte foi um milagre maior. O túmulo para se colocar também o
corpo da duquesa não era grande e então foi feito um maior. Ali se colocaria o corpo
da duquesa junto ao da senhora Lunga; esse, porém, levantando o braço
milagrosamente, estendeu-o em direção da duquesa e abraçou-a e assim permaneceu
firme, a fim de mostrar que assim como tinham sido unidas em vida, não ficariam
separadas na morte. Presenciaram isso quatro monjas, ou seja, a abadessa, a vigária,
a irmã Maria e uma velha irmã, Bernardina, quatro pedreiros e o senhor Gismondo.
Eles todos, vendo isso, gritaram: Milagre! Milagre! E o caso espalhou-se por toda a
cidade e foi motivo de muita devoção do povo para com aquela beata e de dar muitas
graças a Deus.
Tendo sido feita, depois de seis meses, a conveniente sepultura e desejando na
ocasião transportar os corpos, encontrou-se o corpo da santa mulher um tanto desfeito
e já sem muito perfume por estar unido ao da duquesa, que era corpulenta e
rapidamente se corrompera. E tão logo depositaram o corpo da santa mulher em um
túmulo na sepultura, não obstante ser um lugar úmido, o caixão quebrou-se e
igualmente o corpo. E por ocasião do sepultamento de uma monja, vendo-se o corpo
corrompido, pegaram-no, limparam a cabeça da beata, a qual cabeça ainda hoje exala
perfume de violeta [...].
1814. Sobre essa celestial fundação, coisa nova para a Espanha, onde até agora
não houve uma semelhante, pouca coisa poderei dizer e isso de modo geral, porque
no trabalho que faço não é permitido descer a certas particularidades, as quais, se
viessem a público, não somente causariam admiração, mas sobretudo seriam coisas
inacreditáveis em mulheres tão frágeis.
A Ordem delas é a das capuchinhas, que começou na Itália, na primeira metade
do século que está para acabar. A esse nome de capuchinhas foi acrescentado pela
bula de fundação dessas religiosas o nome peculiar de Descalças Mínimas do Deserto
da Penitência. Sem dúvida, que, pela vida retirada que levam, pode-se dizer com toda
verdade que elas vivem quase num deserto, porque não se comunicam com ninguém
de fora, a não ser com os confessores e somente com eles; com seus pais e irmãos é-
lhes permitida comunicação uma só vez - não sei se é ao ano ou ao mês - e isso no
locutório e com testemunhas. Dentro da clausura, há quartinhos que mais parecem
pequenas sepulturas e que elas chamam de eremitérios, nos quais vivem com total
alheamento umas das outras, vendo-se apenas nos atos comuns do coro, refeitório e
quarto de repouso ou dormitório comum.
1815. Não têm renda nenhuma. A manutenção da casa e tudo o que é necessário
para o culto divino, elas o esperam diariamente da providência divina. E não admitem
outro poder ou propriedade a não ser a piedade dos fiéis que lhes dá esmolas e estas
sem que elas peçam nem por si e nem por meio de empregados, que elas não têm. E
o que causa mais admiração, é que a fundação foi feita sem capital, nem dotes e que
a bula de fundação contém a expressa clausula que diz que sem dotes, nem capital, é
que devem ser recebidas as honestas e virtuosas jovens chamadas por Deus para
uma instituição assim tão austera.
Durante todo o ano, comem peixe e fazem jejum. O despojamento delas é tal que
admite somente o hábito com a túnica do mesmo pano, se bem que menos grosseiro;
pés e pernas desprotegidos é que dão justamente a elas o nome de Descalças, uma
vez que não admitem nem o mínimo conforto de chinelos ou pequenas sandálias
como o permitia a primitiva Regra de Santa Clara às suas filhas. Dormem sobre uma
tábua com uma pedra como travesseiro, deitando-se vestidas como estão, isto é, com
o hábito, seja inverno ou verão, sem outra permissão senão a de afrouxar um pouco o
cordão com o qual estão cingidas.
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1816. Rezam todo o Ofício divino, em tom lúgubre. As matinas são rezadas à meia
noite, e logo em seguida, na maior parte do ano, fazem uma hora de meditação; essa,
a fazem três vezes ao dia. Comungam todos os dias e também em todos os dias
fazem a disciplina, durante o advento e a quaresma; nos outros tempos litúrgicos, três
dias por semana.
No culto, são extremamente zelosas quanto à limpeza e ao cuidado com os
paramentos, igreja, altares. Dizem que o Senhor advertiu a madre ou superiora,
quando lhe inspirou a fundação, que o templo e sua ornamentação, ele os queria
como o do tabernáculo que ele mandou Moisés fazer: com as coisas mais preciosas e
ricas possíveis. Agora é ainda pobre, mas na sua mesma pobreza é tão arrumado e
limpo que infunde devoção, quando se celebra nele o santo sacrifício da missa;
sobrepelizes, toalhas, corporais saem a cada dia bem dobrados como pele de arminho
e perfumados com perfumes celestes. Em suma, elas são tão dedicadas a esse
particular que me consta que, muitas vezes, elas renunciam até à comida para que
nada falte ao culto do Senhor.
1817. A uma observância de vida comum assim tão rigorosa e celestial - na qual,
para sua continuidade dia e noite alternando o coro, a oração, os trabalhos, eu as
considero como aqueles serafins, sempre acordados e ardentes no amor, que ora
estavam louvando e homenageando o Senhor diante do trono ora fora dele - cada uma
delas acrescenta particulares rigores de penitência, como Deus lhes inspira e a
obediência lhes permite, voando como branca pomba à solidão de um canto ou de um
telhado.
Em tudo isso, vemos as maravilhas e as propostas da graça que atemorizam e
trazem confusão aos corações mais fortes e viris. Muito mais que as penitências dos
padres do Egito! Mas não pretendo fazer comparações que possam parecer
exageradas; direi somente a vossa senhoria, com São João Clímaco, que “não viram
os olhos preguiçosos e nem ouviram jamais os ouvidos negligentes e nem o coração
tíbio pode perceber” aquilo que experimentamos nós, confessores, neste deserto
realmente de penitência, como o chama a Sé Apostólica; e quanto posso eu dizer a
mim mesmo com o mesmo santo doutor, que, vendo tantos esforços e ânsias de amor
e de caridade em mulheres tão frágeis, me encho de tristeza, considerando a minha
vida tão tíbia.
III. Legislação
1820. As coisas que forem dadas por esmola e que não possam passar pela
rotatória, sejam entregues entre a primeira e a segunda portas, e as irmãs tenham o
cuidado em recebê-las e ficam advertidas que jamais poderão ser vistas por pessoa
alguma, fazendo-as fechar na cara a primeira porta, antes de irem elas pegar as ditas
coisas.
O visitador deve fazer a visita pela grade e à grade deve convocar as irmãs no
devido tempo, para exercer juridicamente seu dever. Nem pelo motivo de ser visitador
pode entrar no mosteiro, mas seguir de fora o rigor e a justiça, de acordo com a
inspiração de Deus.
Para corrigir e disciplinar as irmãs, não é lícito a bispo algum, com ou sem licença,
entrar no mosteiro, mesmo para confirmar alguma abadessa recém eleita, ou
abençoá-la ou fazer vestição de monja; o que tiver que fazer, faça-o da grade.
E quando parecer que não se possa impedir algum reverendíssimo cardeal que
queira entrar no mosteiro, que não entre; queremos que, nesse caso, as abadessas e
as monjas, que canonicamente estarão ali de tempo em tempo, com muita humildade
e devoção lhe peçam que não entre.
1821. Exortamos que o mesmo se faça com qualquer outra pessoa, nobre,
espiritual, temporal, mesmo que seja autoridade e tenha licença da Sé Apostólica: que
de modo nenhum entrem no mosteiro.
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1822. Essa senhora Maria Lourença Longa, acima citada, foi uma santa mulher e
foi a fundadora deste mosteiro de Santa Maria de Jerusalém de Nápoles e foi a
primeira que fez observar a reforma das ordenações da Beata Coleta, onde também
ela se enclausurou. E deve-se observar tudo aquilo que disse; e nós o observamos até
o presente, exceto para dar a extrema-unção, a qual não pode ser dada de fora do
mosteiro.
1823. O que está neste capítulo não é de preceito, mas é observado aqui por
aqueles que quiserem.
Tendo sido o mosteiro de Santa Maria de Jerusalém na cidade de Nápoles, por
vontade de Nosso Senhor Jesus Cristo fundado sob a Regra primeira da Beata Clara
com a reforma da Beata Coleta, aquela Regra pela graça do Senhor se observa ad
litteram, a fim de que a sobredita observância se mantenha; observam-se alguns usos
além da sobredita Regra, dos quais lembraremos alguns, mas como coisa de pouca
importância.
1824. 1. As monjas são recebidas, como diz a Regra, sem dote e sem nenhum
contrato de bens temporais daquela que deseja entrar para servir a Deus; mas se
exige que tenha boa e fervorosa caridade e liberdade.
2. Não se recebem mocinhas, mas de idade adulta, conhecedoras do bem e do
mal. Ficam muito tempo fazendo experiências e aplicando a Regra aos seus casos; às
vezes ficam mais de um ou dois anos fazendo essas experiências, e isso segundo as
condições da idade de cada uma. E mais, espera-se que sejam praticadas todas as
condições que a Regra impõe.
3 .Vestir-se de panos rudes, tanto na cor quanto no preço. Dorme-se sobre tábuas;
por baixo há uma esteira com um manto ralo; o comprimento é de acordo com a
pessoa, e usam-se mantos brancos. Aquelas que não têm saúde podem usar colchão
de palha.
4. A comida é queijo, ovos e óleo, isto é, três vezes na semana come-se queijo:
segunda, terça e quinta; nos outros dias comem-se ovos com óleo.
e nem qualquer outra pessoa, por mais importante que seja, nem para visitar e nem só
para ver, mesmo que as irmãs tivessem bulas de dispensas. O médico não entra, a
não ser por grande necessidade.
1827. Nota sobre as coisas principais que observamos, nós pobres capuchinhas
de Santa Bárbara.
1. Nós não temos nada de próprio, nem em comum e nem em particular, mas
vivemos só de esmolas, mandando procurar aquilo de que precisamos. Mas sucede
que, freqüentemente, passamos muitas necessidades, tanto as doentes como as sãs.
2. Andamos sempre descalças, tanto no inverno como no verão.
3. Andamos sempre vestidas com roupa cinzenta, rude, sem outra coisa qualquer
sobre o corpo nu e nem mesmo as doentes por mais achacadas que estejam ou
mesmo moribundas.
4. Dormimos sobre tábuas, cobertas com os habituais mantos ralos, vestidas com
o hábito e o cordão e as doentes dormem sobre um colchão de palha.
5. Levantamos sempre à meia noite para rezar as matinas, tanto no inverno como
no verão e da festa da Santa Cruz em setembro até a Páscoa, depois das matinas,
fazemos uma hora de meditação. No coro, rezamos os salmos pausadamente e
sempre de pé, sem nenhum apoio, o que faz sofrer muito
1828. 6. Três dias por semana, isto é, na segunda, quarta e sexta, fazemos a
disciplina e nos últimos três sábados do carnaval se acrescenta uma quarta disciplina
pelos pecadores e, nesse dia, rezam-se os sete salmos penitenciais, andando em
procissão, sem sandálias e com uma corda no pescoço; esse é o nosso carnaval.
7. O jejum é diário, exceto aos domingos e no dia de Natal; mas nesses dias, se se
come bem, não se come nunca carne, pois essa só é dada em caso de doença a
quem o médico receitar.
8. Fazemos quatro quaresmas no ano e guardamos todas as sextas-feiras, de
modo que comemos comida de quaresma por meio ano, além das freqüentes e
costumeiras abstinências a pão e caldo, com mais outras penitências de cilícios e
correntes maiores ou menores, conforme as forças de cada uma e a vontade dos
superiores.
9. A nossa comida diária são alimentos muito ruins e o vinho é tão ruim que é
melhor um pouco água pura.
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1829. 10. Ficamos em silêncio a maior parte do dia e, depois de feita a santa
profissão, não se fala e nem se visita mais os pais e nem outras pessoas, exceto se,
com o tempo, a pessoa ficar porteira.
11. Rezamos todos os dias o santo rosário da santíssima Virgem com muitas
outras devoções. Todos os dias fazemos duas horas de meditação em comum e
ficamos muito tempo de joelhos.
12. A obediência é praticada às cegas, tanto nas coisas espirituais como nas
corporais. Humildade e submissão resignada nas mãos dos superiores, ou seja, é
preciso ser como criança sem vontade própria e isso não somente em relação às
superioras, mas também com as religiosas, mesmo de pouco tempo de vida religiosa
ou mais novas na idade, porque é preciso, por assim dizer, estar sempre debaixo dos
pés dos outros, até à morte.
1830. 13. De mais a mais, como não conversamos, é até bom fazer trabalhos
cansativos como lavar roupas, carregar lenha, varrer continuamente, cozinhar, servir
as doentes, dar assistência às moribundas, vestir e cuidar das defuntas, em suma,
fazem-se coisas, no dia a dia e nos recintos de trabalho, que exigem uma humildade
inimaginável. As mortificações são contínuas, isto é, na igreja, no refeitório e no
trabalho. As repreensões das superioras são freqüentes, mesmo em público e, muitas
vezes, sem nenhuma culpa da pessoa.
Os primeiros quatro anos são passados no noviciado rigorosamente e as noviças
não falam nunca com as outras religiosas, somente entre elas, e não lhes é permitido,
por assim dizer, nem respirar sem licença da sua reverenda madre mestra.
1831. Se alguma quiser ser capuchinha, que saiba ler bem para poder ler em
público, no refeitório, no tempo que estivermos à mesa e ler corretamente no coro as
leituras.
De mais a mais, para poder observar tudo na vida capuchinha, exige-se boa saúde
e força física, acompanhadas de ardente desejo de sofrer até à morte e,
particularmente, é bom que não se sofra do estômago nem tenha dor de cabeça,
porque o contínuo jejum, as longas vigílias e a freqüência a tudo, a atenção às coisas
do espírito e à meditação, a contínua presença de Deus, tudo isso exige uma cabeça
forte para carregar esse peso.
Em tudo sejas capaz e que não sofras de melancolia, porque a vida já é por si
mesma melancólica e sem um mínimo de prazer. Por isso, para carregar o peso
daquela vida é preciso que sejamos de natureza alegre e generosas para carregar a
cruz alegremente até à morte.
Viva Jesus santíssimo!
467
Índice analítico
Siglas e abreviações
Índice analítico
Aragão, difusão dos cap. 35, 1698, 1703-1705, 1709 / prov. cap. 1698.
Arcângelo Barlow (de Pembroke), cap. (+1632) 1482.
Arcângelo de Lyon (de Puy), cap. (+1630) 50.
Arcângelo de Pembroke cf. Arcângelo Barlow.
Arcângelo de Tordesilhas (+1598) 1698.
Argélia 1076 / miss. cap. 118s.
Ariosto Tomás 39
Aristóteles (+322 a.C.) 1294.
Arquivo provincial dos cap. 484, 590, 693 / arquivo geral cf. prefácio.
Arsênio de Paris, cap. 54, 1482.
Artur de Cosse, bispo de Costanza (+1587) 1684.
Árvores frutíferas nos conventos 317.
Ascoli Piceno 1544, igreja cap. 1544-1545.
Asno nos conventos cap. 207, 265 / cf. também cavalgar.
Aspra, conv. cap. 1613, 1617.
Assinatura dos membros da comissão para condenar os díscolos 589 / de frade
díscolo arrependido 485 / de frades que escrevem ao vigário geral 651.
Assis, igreja São Rufino 1541/ conv. cap. Carcerelle 1096, 1445, 1463, 1566 /
estalagem cap. 1541 / erem. Carceri 790 / erem. Rivotorto 790 / Santa Maria dos
Anjos 709, 848.
Assistência caritativa, característica dos cap. 1356 / assistência aos pobres 1100-
1103 / aos empestados 1076, 1078-1089, 1104, 1357-1391, 1636-1642 / aos
enfermos 850, 895, 955, 968-976, 1099, 1104, 1391-1396, 1639, 1660, 1691 / da
parte de São Félix de Cantalício 1512, 1520, 1536 / de São José de Leonissa
1554-1556, 1569 / de Lourenço de Brindisi 1586 / de Jeremias de Valacchia 1594-
1595, 1600 / aos incuráveis 1018, 1090-1097, 1397-1403 / aos moribundos 1404-
1412, 1709 / aos encarcerados 41, 1413-1421/ aos condenados à morte 1098,
1422-1433 / dificuldade carismática no serviço hospitalar 1399-1403.
Atanásio de Brescia, cap. 1384.
Athe, conv. cap. 1646.
Atividades secularescas 534, 546-547, 638, 652, 681, 689, 767.
Attolite portas, litur. 513.
Augsburg, canônicos regulares de Santo Agostinho 1727 / igreja de Santa Cruz
1727 / confraria Corpo de Cristo 1728 / conv. cap. 46, 1722, 1727-1729.
Austeridade e pobreza de vida dos cap. 10, 85, 103, 144, 164, 181, 720, 735, 753,
759, 774, 797, 833, 835, 850, 854, 856, 910, 929-930, 933-934, 945, 947, 952-953,
1623 / nas habitações 215-218, 219 / no vestir-se e no aspecto externo 258-260,
266, 708, 753 / no comer e no beber 287-290, 709-710 / no dormir 843, 946 / no
culto litúrgico 230 / na prov. de Paris 1642-1644 / nos Países Baixos 1646-1647,
1653 / na Suíça 1677, 1686, 1691/ na Espanha 1698, 1707 / na Alemanha 1721 /
na Itália 1723 / cf. também pobreza, jejum, penitência.
Áustria 1720, 1742 / prov. cap. 36, 1721, 1732-1742 / cf também Boêmia, Estíria,
Tirol.
Autonomia da Ordem cap. 76-77, 94, 127-133 / cf. também conventuais,
observância regular, sumos pontífices / cf. prefácio.
Avareza 182, 294.
Ave Maria, oração 282, 498, 699, 1095, 1524, 1549 / traduzida na língua dos
Tupinambás 1495 1500 / recomendada por Jeremias de Valacchia 1596 / recitar
antes da pregação 1347.
Avinhão, conv. cap. 3, 468, 1634-1635 / prov. cap. 34.
Avogadro, fam. 861.
Aymeric de Rochecouart, bispo de Sisteron 1622-1624, 1630, 1632.
Baden, conv. cap. 1691.
472
Berka Zbynek von Duba, arc. de Praga (+1607) 1732, 1735-1739 / pede a
presença dos cap. para a Boêmia 1735-1739.
Bernardina, clar. cap. 1811.
Bernardino de Arévalo, obs. (+1553) 716.
Bernardino de Asti (Palli), cap. (+1554) 1, 12, 23-24, 28-30, 84, 742-748 (= cartas
circulares), 774, 807, 819, 836, 867, 886, 889, 895, 899-900, 925, 943, 960, 996,
1006, 1009, 1023-1025, 1037, 1040, 1048, 1059, 1108, 1112, 1444-1445 / vigário
geral cap. 23-24, 28, 92-93, 95, 403, 714 / no Concílio de Trento 27, 101 / sua
postura para com os súditos 1010.
Bernardino de Balvano (Ferraris), cap. (+1568/69) 40 / Specchio di oratione 40.
Bernardino de Bordeaux, cap. (+1649) 1638.
Bernardino de Colpetrazzo (Croli ou Cioli), cap. (+1594) 4, 18, 21, 25, 29, 39, 84,
100, 123, 773-774 (perfil bio-bibliográfico), 775, 777, 814, 1063, 1391, 1396, 1436 /
cf. Prefácio e Siglas e Abreviação bibliográfica.
Bernardino de Montolmo (Ducaina), cap. (+1565) 18, 803, 865, 902, 983, 990, 998,
1000, 1055.
Bernardino de Núrsia (Bucci), cap. (+1636) companheiro de São José de Leonissa
1554, 1558.
Bernardino de Orciano (Marchionni), cap. (+1622) 1391-1392, 1398, 1403, 1418 /
cf. Prefácio.
Bernardino de Reggio Calabria (Molizzi, chamado Giorgio), cap. (+1535) 12, 80,
783.
Bernardino de Sena (Tommasini, chamado Ochino), ex-cap. (+1564) 14, 25-28, 38,
84, 234, 986, 1112, 1128, 1772 / sua apostasia 26-27, 100, 772 / pregações: Da
verdadeira caridade e de que modo se pode conquistá-la 1129-1142 / Do desprezo
do mundo com suas concupiscência 1142-1159 / Sobre a paixão de Cristo 1159-
1185.
Bernardino de Sena, santo obs. (+1444) 66, 711, 918, 1078, 1128, 1141-1142,
1606 / amor para com os pobres 1142 / assistência aos empestados de Sena
1359.
Bernardo de Clairvaux (Claraval), santo, cist. (+1153) 299, 305, 375, 764, 888,
1228, 1270, 1658, 1668.
Bernardo de Offida, cap. (+1558) 798, 814, 963, 971.
Béthune, conv. cap.
Bíblia (Sagrada Escritura) 787, 865, 1060, 1065-1067, 1128, 1179, 1183, 1219,
1226, 1230, 1232-1233, 1239, 1254, 1270-1272, 1277, 1339, 1364, 1405, 1410,
1522, 1639, 1665, 1791, 1802 / leitura e exposição 193, 241, 354, 358-359, 532,
718 / conhecimento de memória por São Lourenço de Brindisi 1577, 1581, 1585 /
fonte de toda a nossa ciência segundo Ochino 1134.
Biblioteca dos conv. cap. 196, 358, 403, 435, 448, 541 / cf. também leitura, livros,
estudos.
Biscia Bernardino 1516.
Bispos, oração e respeito dos cap. 280, 356 / permissão para aceitação de um
conv. 308 / oposição do bispo de Paris ao assentamento dos cap. 720.
Blanes, conv. cap. 1714, 1716.
Blois 1625, 1628.
Boaventura Bagnoregio, santo, card. min. (+1274) 289, 380, 529, 687, 716, 888,
1104, 1478, 1658 / Legenda Maior 787.
Boaventura de Cremona, cap. (+1571) 1087.
Boaventura de Montereale, cap. (+1604) 126, 864, 905, 922, 926, 1043-1044.
Boaventura de Reggio Emilia (Schimizzi), cap. (+1572) 1414, 1417-1421.
Boêmia 1733-1735, 1738 / difusão e atividade dos cap. 36, 42, 50 / prov. cap.
1721, 1732-1742 / cf. também Áustria, confissões, hereges, Lourenço de Brindisi.
474
Bolonha, conv. cap. 697, 706 / prov. cap. 468-469, 702-704, 706-707, 714.
Bolzano, conv. cap. 1722.
Bollani Domenico, bispo de Brescia (+1574) 1380.
Bonifácio de Anticoli, cap. (1590) 859.
Bonifácio VIII, papa (+1303) 146, 335.
Bonomi João Francisco (Bonhomini), bispo de Vercelli (+1587) 1683, 1695.
Bordeaux, conv. cap. 46.
Borghese Camilo, card. (+1621) 1751-1752 / cf. também Paulo V.
Borgonha, conv. cap. 34.
Bormio 1692.
Bourges 1778-1779
Brasão de leigos sepultados nas igrejas cap. 646.
Brasil cf. Maranhão
Brenta Margarida 1566.
Brescia, atividade dos cap. 40-41, 45; conv. cap. 1056, 1632 / prov. cap. 31, 468,
760, 775, 1382 / conv. obs. 1 / most. clar. cap. 1801 / lazareto e assistência aos
pesteados 1089, 1360, 1376, 1378.
Bretanha, atividade dos cap. 52.
Breviário dos cap. 189, 192. 267-268, 378, 490, 494, 609, 708 / cf. também ofício
divino.
Brindisi 1572 / most. clar. cap.1759.
Bruck an der Mur, conv. cap. 1751.
Brus Antônio, arc. de Praga, (+1580) pede a presença dos cap. para a Boêmia
1732-1735.
Bruxelas, conv. cap. 1653.
Caetano Camillo, patriarca de Alexandria e núncio apost. na Espanha (+1599)
1773-1777 / Exigit leationis officium 1774-1777.
Caetano de Thiene, santo (+1547) 1802.
Caffarelli-Borghese Cipião, card. secretário de Estado (+1633) 1746-1750.
Cagli 1605.
Caiani Honório, obs. 81, 85 / cf. também observantes, trânsito.
Cairo, miss. cap. 53, 121, 1434, 1447.
Caixa, proibida aos cap. 323 / cf. também dinheiro, pobreza.
Calabria 1586 / prov. cap. 12-13, 20, 31, 80, 82, 468, 924.
Calçado, uso para os cap. 188,712 / cf. também sandálias.
Calçados, nome popular dos conventuais 8.
Calendário litúrgico dos cap. 267, 280.
Calixto de Piacenza, cônego regular 1788, 1790.
Calvinistas 1464-1465.
Camaldulenses, most. de Masaccio e os cap. 4, 68, 77 / comunicação de seus
privilégios aos cap. 73, 89, 144.
Camerino 1562 / primeira atividade dos cap. 5, 70, 138 / conv. cap. (noviciado) 771
/ conv. obs. 1078 / os cap. e a peste (de 1523) 1078, 1081-1084, (de 1527) 1079-
1082, 1356s.
Camisa, uso proibido também para os doentes 703.
Campainha na vida dos cap. 173-174, 272, 378, 497, 489, 496, 498, 504, 506 / cf.
também missa, ofício divino, oração mental, silêncio.
Campello di Espoleto 1554.
Campotosto, monte frumentário erigido por São José de Leonissa 1563, 1571.
Canas como material de construção 312.
Cândia, capelanias militares cap. 111 / cf. também Creta.
Canea 1458.
475
Castidade 301, 375, 430, 607, 639 / voto 1292-1293 / cf. também clausura,
mulheres, familiaridade, virtude evangélica.
Castrogiovanni cf. Enna.
Casulas nas igrejas dos cap. 229, 516 / cf. também paramentos.
Catalunha 1698, 1704-1705, 1710 / atividade dos cap. 46 / oposição aos cap.
catalães da parte dos obs. 1705-1708, 1714 / prov. cap. 1704 1712-1714.
Catarina de Medici, rainha da França (+1589) 1622, 1625, 1632.
Catarina, santa 1214.
Catecismo, ensinamento pelos cap. nos vales piemonteses 1465.
Cavalgar, proibição e permissão para os cap. 207, 265, 447, 559 / os prelados e
outros frades andem a pé 229, 657, 705, 711.
Cecília, santa 238.
Ceia em dias de jejum 631.
Celas nos conv. cap. 203, 211, 216, 255, 311, 323, 411, 539, 607, 620, 629, 649,
670, 740 / celas eremíticas 104, 212, 316 / cf também conventos, noviciado, vida
eremítica.
Celebração litúrgica cf. breviário, calendário, missa, ofício divino.
Cemitério dos cap. não deve estar situado nas igrejas 276, 501.
Censuras, absolvição ou cominação 112, 138, 144-145, 157, 159, 595 / cf. também
absolvição, punição, excomunhão.
Ceret, conv. cap. 1716.
Cerimonial 609, da prov. cap. Flandro-Bélgica 1646, 1657-1661.
Cerimônias litúrgicas 254, 257, 268, 380, 472, 479.
Cervera, conv. cap. 1717.
César, irmão de Tiago de Provença 1638.
Cesi Federico, duque de Acquasparta (+1630) 774.
Cibo cf. Cybo.
Ciência nos superiores e pregadores 337, 348-349, 359-361 / cf. também
pregação, estudos, superiores.
Cíngulo 185, 258, 260, 474, 708, 758.
Cinzas e cilício 232.
Cipriano de Anversa (Crousers), cap. (+1631) 1646, 1661-1675 / Lectiones
paraeneticae 1662-1675.
Cipro, capelanias militares cap. 47.
Civita Castellana, conv. cap. 1617.
Civita Ducale, conv. cap. 1617.
Civitanova Marche, conv. cap. 1403.
Civitella Horácio, notário de Fermo 1417-1418.
Clara de Assis, santa (+1253) 529 / na sua festa celebra-se a primeira missa na
missão do Maranhão 1485.
Clarenos 1, 66.
Cláudio de Abbeville, cap. (+1632) 54, 1482-1494 / Histoire de la Mission des
Pères Capucins 1484-1494 / L'arrivée des Pères Capucins en l"inde 1484 / cf.
também Maranhão.
Claustro dos conv. cap. 276, 282 / cf. também conventos.
Clausura nos conv, cap. 376 / nos most. das cap. 1758, 1764-1765, 1772, 1776,
1780, 1799, 1818-1822.
Clemente de Noto (Di Lorenzo), cap. (+1631) 44, 653, 1606.
Clemente de Pesaro, cap. (+1616) 1392.
Clemente V, papa (+1314) 115, 154, 335, 382, 635.
Clemente VII, papa (+1534) 70, 87, 138, 779-781, 1084 / e os cap. 6, 14-16, 19,
23, 61, 67, 72, 89, 92-94, 591, 729-730, 733, 739 / e a controvérsia entre os cap. e
a Observância 2, 7, 14-18, 24, 68, 77, 81-82, 85 / Cum nuper (08.03.1526) 68 /
478
Exponi nobis (03.07.1528) 7, 74 / Religionis zelus (03.07.1528) 7-9, 14, 16, 19, 23,
61, 74-76, 89, 92, 139-147, 1084, 1356, 1397 / Inter multiplices (03.09.1529) 77 /
Cum sicut nuper (14.12.1529) 15, 81 / Cum sicut accepimus (27.05.1530) 15, 81 /
Alias postquam (02.12.1531) 15, 82 / Alias postquam (03.07.1532) 15 / In suprema
militantis Ecclesiae (16.11.1532) 2, 14, 16, 24, 83-84 / Cum sicut accepimus
(09.04.1534) 17, 85 / Pastoralis officii cura (15.04.1534) 16-17, 95.
Clemente VIII, papa (+1605) 42, 54, 49, 119, 125, 128, 593, 1465, 1467, 1774 /
Pastoralis officii (10.06.1600) 119 / Ex iniuncto nobis (07.09.1602) 128 / Alias felicis
redordationis (03.02.1603) 125 / Debitum pastoralis officii (13.09.1603) 1777-1781
(= texto).
Clemente XI, papa (+1721) 1504.
Clemente XIII, papa (+1769) 1544.
Clérigos (frades que aspiram o sacerdócio) cf. irmãos clérigos.
Clicthove Josse (+1453) 1407.
Cognin, conv. cap. 34
Col Fiorito 949.
Coleta de Corbie, santa, clar. (+1447) 1761, 1822-1823.
Coletinos 1, 66.
Colino Domenico 1541.
Colón Jerônima 1712-1713.
Colônia 1746 / confraria da Paixão 1749 / conv. cap. 1743.
Colonna Felice cf. Orsini Felice.
Colonna Marco Antônio 48.
Colonna Virtória, marquesa de Pescara (+1547) 87, 90, 92, 94, 697, 722-741 / cf.
Prefácio.
Collevalenza cf. Prefácio
Comemoração dos santos patronos 490 / dos defuntos 501.
Comida, alimentos especiais 375, 411-412 / petição de porta em porta
cotidianamente 701, 714 / cf. também cozinha, cozinheiro, mesa, quaresma.
Comissão de frades para decidir sobre frades díscolos 482-484, 564, 590 / cf.
também díscolos, processo, punição.
Comissário geral no lugar do vigário geral falecido 342, 569, 590.
Companheiro, de viagem (não viajar sozinho) 225, 283, 638, 668, 681, 711, 756 /
como testemunho de colóquio com uma mulher 375, 438, 639, 661 / cf também
castidade, mulheres, familiaridade, cartas obedienciais.
Completas, litur. 174, 274, 278, 282, 491-493, 526, 1030, 1034, 1689, 1730 / cf.
também ofício divino.
Comunhão eucarística na vida dos cap. 257, 270, 328, 510, 516, 518, 525, 613 / cf.
também missa.
Comunidade, família religiosa 323 / quarto comum dos hábitos 231, 261.
Concórdia entre os observantes e conventuais 141.
Condenados à morte cf. assistência caritativa.
Conduta escandalosa 481, 588, 671, 673-674 692, 712.
Conferência Italiana dos Ministros Provinciais cf Apresentação.
Confirmação do vigário geral da parte do mestre geral dos con. 158, 160, 247 / cf.
também conventuais, eleição.
Confissão sacramental dos frades 257, 328-329, 420, 707, / dos neo-professos
554 / dos seculares da parte dos cap. 42-44, 123-125, 194, 327, 392, 399, 401,
593, 1327-1328 1641 / proibição aos cap. de confessar seculares 44, 194, 569,
594-595, 607, 615, 652, 667-668, 1709, 1749 / faculdade para os cap. de
confessar seculares 194, 1090, 1361, 1796 / durante a peste nas Marcas 1083-
1084, 1088 / em Milão 1089, 1372-1374 / durante a guerra contra os turcos 1104 /
confessores de monjas 373 / cf. também capuchinhas, cura espiritual / confessores
479
Conventuais 7, 30, 106, 110, 117, 126, 130, 133, 785 / os primeiros cap. sob a
proteção dos con. 71-72, 141 / sujeição jurídica e confirmação da eleição do vigário
geral cap. 94, 127-133, 247 / isenção e autonomia dos cap. 133, 158-162 / trânsito
de conv. para os cap. 716 / cf. também calçados.
Conventuais reformados 117.
Conversação dos cap. 223 / humilde conversação para ser promovido ao estudo
359 / conversação escandalosa 673 / cf. também silêncio, estudos.
Conversão dos cap. 232 / oração e pregação para a conversão dos infiéis 280,
354, 381 / cf. também evangelização, missão.
Cornélio de Recanati (Lunari), cap. (+1632) 1550, 1655.
Coro na vida dos cap. 168, 272, 279, 380, 417, 495, 500, 503, 522, 557, 612, 887,
1027, 1040-1042, 1640, 1649 / para as cap. 1802, 1817, 1827, 1831 / cf. também
conventos, ofício divino.
Coroa dos cap. 204 / cf. também identidade externa, tonsura.
Correção fraterna 334, 363-364, 403, 679, 683, 887, 991, 1005-1006 / dos frades
em viagem 283 / cf. também admoestação, culpa, emendamento, punição.
Correspondência epistolar 198, 370, 449, 458, 549, 652, 682-684, 750, 1657 /
escrever ao sumo-pontífice e às congregações romanas 636.
Córsega, chegada dos cap. 32 / prov. cap.469.
Cosme I de Medici, grão-duque de Toscana (+1574) 772.
Cozinha nos conventos cap. 180, 403, 699 / cf. também austeridade, comidas,
conventos, jejum.
Cozinheiro cap. 178, 403, 703, 706 / cf. também cozinha, mesa.
Crema 1374.
Creta 1453 / implantação e atividade cap. 48 / cf. também capelães militares,
implantatio Ordinis em Creta.
Criscuolo Vincenzo, cap. cf. Apresentaçao, Prefácio.
Crispoldi Marco Túlio de Rieti (+1573) 944.
Crivelli Alexandre, card. (+1574) 110.
Croácia 1751.
Crônicas cap. 770-1125 / cf. também Bernardino de Colpetrazzo, Mario de Mercato
Saraceno, Matias de Salò, Paulo de Foligno.
Crônicas da Ordem Franciscana cf. Marcos de Lisboa.
Cruz de Cristo 193, 232, 245, 270, 289, 326, 332, 335, 747 / cruz como tribulação
734 / sinal da cruz 526, 668 / levada nas procissões 686 / ler no livro da cruz 358 /
hábito em forma de cruz 260 / oração com os braços abertos em forma de cruz 282
/ cruz de Cristo plantada no Maranhão1487-1494 / cf. também paixão.
Cuecas na idumentária cap. 192, 264, 622, 708.
Culpa, acusação pública dos próprios erros 174, 190, 203, 416, 482, 524, 576,
582, 607, 652, 678, 710, 878, 882-883, 1004 / cf. também admoestação, disciplina,
emendamento, punição.
Culto divino dos frades e nas igrejas cap. 281, 378, 382 / objetos do culto divino
607, 618.
Cupidez 182, 294, 353, 372 / cf. também missa, pregação, questa.
Cura espiritual das clar. cap. confiada aos cap. 195, 373-374, 1758-1759, 1767-
1773, 1776-1777, 1781, 1801-1802 / proibição de Paulo V 1781-1783 / cf. também
Barcelona, capuchinhas, capuchinhos, confissão, Milão, mosteiros, Nápoles, Paris,
Perugia, Roma.
Cúria Romana e os cap. 33, 59, 61, 90, 100, 141, 467, 1127, / renúncia a
privilégios e proteção 248 / cf. também congregação dos bispos e regulares,
congregação dos ritos, congregação do Santo Ofício, Penitenciaria Apostólica,
privilégios, Regra, Santa Sé, sumos pontífices.
Curiosidade 192, 217, 229-230, 260, 263, 349, 378, 383, 638, 758.
481
Espírito Santo e São Francisco 243, 294 / o mestre dos frades 379, 381, 390, 727,
754 / pregar da plenitude do Espírito Santo 350 / seu influxo na vida espiritual
1668-1675.
Espirituais, reforma franciscana radical 65, 77 / postura interior 176, 218.
Espiritualidade das Constituições (1536) 235-236 / nas Cartas Circulares de
Bernardino de Asti 742-748 / cf. também austeridade, carisma original, caridade,
minoridade, obediência, penitência, humildade.
Espoleto 1556.
Espórtula de missas e primeiros cap. 171, 269-270, 690 / cf. também missa,
orações, trigésimos.
Estatística dos frades, conventos e províncias dos cap. 37, 78, 89, 130, 133 / dos
frades na Itália (1536) 725 / do conv. cap. Santa Eufêmia de Roma 702 / e do
conv. cap. de Bolonha 702.
Estatutos das Ordens Franciscanas 713.
Este 1580.
Estêvão de Gambalò (Pavia), cap. (+1617) 1464.
Estêvão, santo, protomártir 1214, 1218, 1267.
Estigmas de São Francisco e vida dos cap. 243, 729, 738.
Estíria, prov. cap. 36, 1721, 1732, 1751-1757 / expansão dos cap. 1751-1757.
Estrutura jurídica nas constituições cap. 235 / duração do vigário geral e
periodicidade do capítulo geral 131-132 / cf. também amigos espirituais, capítulo
geral, capítulo provincial, comissário geral, custódios provinciais, definitório geral,
irmãos clérigos, irmãos leigos, guardião, leitor, ministro geral, ministro provincial,
superiores, vigário geral, vigário local, vigário provincial, visita.
Estudos na Ordem cap. 20, 106, 193, 241, 359-361, 424-425, 630, 662-665, 695 /
finalidade espiritual dos estudos 850, 864-865, 884, 897, 1092, 1660-1661 / nunca
separado da oração 865, 869, 1025 / pobreza nos estudos 863 / deveres
específicos também materiais dos estudantes 1660 / doutrina teológica dos
estudantes 695-696 / promoção ao estudo 630, 662 / papel dos examinadores 695-
696 / repetitórios escolásticas dos estudantes cap. 663 / ensinamento 866-868 /
perigo dos estudos 1109, 1112 / aversão ao estudo 866 / estudo proibido aos
leigos 890 / necessário sobretudo para a pregação 863, 866, 870, 1126 / na Suíça
1683.
Eusébio de Ancona (Fardini) cap. (+1569) 14, 21, 84, 108, 404, 714, 772, 804, 819,
843, 1005, 1072, 1403, 1773.
Eutímio 1290-1291.
Eva, pers.bibl. 1148, 1241, 1272-1273.
Evangelho, à mesa 509, 523 / observar e anunciar 189, 238, 263, 354, 379, 532,
727, 735 / caráter evangélico da Reforma Capuchinha 722, 739 / cf. também
pregação, regra, estudos.
Evangelista de Cannobio (Ferratina), cap. (+1595) 29.
Evangelização 348, 354 / cf. também pregação.
Exame dos candidatos à Ordem 249 / dos estudantes e futuros pregadores 348,
443, 598, 662.
Excessos construções cap. 637 / na vida 679, 682-684, 689, 712 / cf. também
correção, disciplina, punição.
Excomunhão da Santa Sé 82, 85, 87, 96, 120, 144, 149, 159, 335, 635, 716, 740 /
nos textos legislativos 224, 337, 472.
Exemplo a seguir e a dar 189, 194, 232, 242, 263, 265, 270, 283, 286-287, 291,
292, 298, 301-302, 305-306, 311-312, 314, 322, 331, 348-352, 355, 371, 373, 375-
376, 377, 379, 386, 599, 661, 673, 700, 725, 727, 751, 756 / cf. também
capuchinhos, contemplação, Francisco de Assis, imitação, trabalho, pregadores,
escândalo, supeiores.
485
206-207, 214, 218, 226, 230, 232, 242-246, 252, 258, 260, 262, 264-265, 267, 278,
280, 284, 287, 289, 294-295, 302, 306-308, 311-312, 314, 316, 318, 321-322, 330,
332-333, 339, 341, 344, 355-356, 358, 360, 364, 371, 374, 380-381, 405, 508, 519,
529, 608, 617, 672, 690, 694, 697, 700-701, 707-710, 712, 715, 720, 723, 724-725,
727-728, 758 / bênção e exortação à observância regular 385, 388 / seu exemplo
no servir os enfermos e leprosos 971-972, 1018, 1091-1092, 1359, 1398 / seu
exemplo na mortificação 1443 / seu exemplo na oração e contemplação 786, 1443
/ devoção para com o mistério do Natal 1497/ devoção para com ele 1522 /
enamoramento de Cristo 1135 / recomenda a perfeita alegria 1331 / seu exemplo
de vida e pobreza 801, 821-822, 831, 848, 1073 / seu exemplo de jejum 1597/
estrita observância de sua Regra 780, 791, 798, 800-801, 816, 853, 856, 893, 971,
1292, 1626, 1655 / observância de seu Testamento 791, 816, 849, 893, 1038,
1090 / explicação da Regra 899 / explicação espiritual da Regra de Cipriano de
Anversa 1646, 1661-1675 / Opúsculos segundo as constituições 143 / Carta a um
Ministro 332-333 / Regra não-bulada 330 / cf. também Bartolomeu de Pisa,
carisma, companheiros de São Francisco, constituições, Fioretti, frades menores,
ideal primitivo, pobreza, Regra, vida contemplativa, Testamento.
Francisco de Bergamo (Passeri), cap. (+ 1626) 1502, 1609-1621 (= disposições
processuais) / filho espiritual de São Felipe Neri 1611-1612 / caridade para com os
pobres 1613, 1619 / confessor das cap. em Roma e Sena 1614, 1617 / santidade e
milagres 1613-1617, 1619-1621 / caridade para com os enfermos 1620 /
humildade e moritificação 1618 / atividade de questa 1618.
Francisco de Bevagna (Ranaldi), cap. (+1630) 1568.
Francisco de Bormio (Sirmondi), cap. (+1583) 50, 1382, 1676-1684, 1692-1695 /
consciência da língua alemã 1681, 1687, 1692.
Francisco de Brescia (Foresti), cap. (+ 1626) 1688.
Francisco de Briga, cap. 1632.
Francisco de Carpineto Romano, cap. (+1630) 1617-1618.
Francisco de Castello 1414-1415.
Francisco de Cesena, cap. 817.
Francisco de Gallicano, cap. 1617.
Francisco de Haselt (Tittelmans), obs./cap. (+1537) 714, 816, 884, 888, 899, 912,
951, 1091-1092, 1097, 1645.
Francisco de Jesi (Ripanti), cap. (+1549) 14, 18, 27, 38, 100, 234, 774, 805, 848,
854, 869, 891, 895, 916, 930, 932, 942, 989.
Francisco de Leonissa (Chiodoli),cap. (+1644) companheiro de São José de
Leonissa 1553.
Francisco de Macerata, cap. (+1568) 1102, 1121.
Francisco de Milão (Arcone, chamado Meazza), cap. (+ 1583) 29, 1683, 1696.
Francisco de Nápoles, cap. 1612.
Francisco de Paula, santo (+1507) 109, 117.
Francisco de Piperno, cap. (+1597) 1613.
Francisco de Razilly, conde 1482, 1488-1489, 1491, 1494.
Francisco de Sales, santo, bispo (+ 1622) relações com os cap. 51.
Francisco de San Giovanni, cap. 1394, 1397-1398.
Francisco de Soriano nel Cimino, cap. (+1567) 1042, 1059.
Francisco de Torri, cap. (+1557) 875, 955, 961, 972.
Francisco de Villa Beda (Passeri), cap. 1566.
Francisco Lavalin Nugent, cap. (+1635) 36, 52, 1721, 1743-1746.
Francisco Liardo, cap. 1807.
Fraqueza física ou espiritual como motivo para uma dispensa 259, 262, 290, 653 /
cf. também doença.
488
Fraternidade na Ordem cap. 95, 235-236, 283, 697, 711 / cf. também amor,
caridade, espiritualidade.
Fratres, sobrii estote, oração 493.
Freiburg im Breisgau, conv. cap. 36
Fuga diante das mulheres e do mundo 220, 374 / do conv. 469 / cf. também
apóstatas, excomunhão.
Fugger, fam. 1727-1728.
Funerais de estranhos 170 / cf. também sepultura.
Gagliardelli Domenico, médico 1536.
Galhetas para a celebração da missa 517.
Gallicano 1617.
Gargano, santuário 22.
Garzoni Tomás de Bagnacavallo 1355.
Gazzano 1616.
Genaro de Drugolo, cap. 1384.
Generosidade na vida cap. 763.
Genitores, visita da parte dos frades 755.
Gênova 893, 1576, 1725 / conv. cap. 13, 31, 45-46, 57, 749 / prov. cap. 13, 587,
702, 959, 1476, 1632 / assistência aos incuráveis 1090, 1397 / most. clar. cap.
1759.
Geraldo de Firenze, cap. 1393.
Gerona, conv. cap. 1714, 1716-1717.
Ghingora Jerônimo 1379.
Ghinucci Jerônimo (+1541) 86.
Gieben Servus cf. Prefácio.
Gloria Patri, oração 527.
Gondi Pedro, card. (+1616) 1625.
Gonfalone, arquiconfraria 119, 1076 / cf. também escravos cristãos.
Gonzaga Ana Catarina 1722, 1727, 1751-1752.
Gonzaga Francisco, obs. 697.
Governo do vigário geral ou provincial, duração 557-558, 570-573, 580-581, 634 /
oração pelo bom governo 652 / pausa depois de completado o ofício 560-561 / não
recusar os empenhos de governo 994 / cf. também estrutura jurídica.
Graça, preserva da queda 332, 758 / dá a força da observância integral das
constituições 386-387 / riqueza da graça como fruto da pobreza 296 / da pregação
189, 352.
Graciano de Núrsia, cap. (+1534) 890.
Gramática, estudo 359, 443, 757 / cf. também estudos.
Granada, most. clar. cap. 1760, 1775-1777, 1813-1818.
Grattarola Marco Aurélio, oblato (+1618) 1739-1742.
Graz 1727, 1751 / conv. cap. 36, 1751-1753.
Gregório de Leonissa, cap. (+1615) 1459, 1463.
Gregório de Nápoles. cap. (+1601) 1404 / Advertências para os moribundos 1404-
1412.
Gregório de Viterbo, cap. 895.
Gregório I Magno, santo, papa (+604) 1150, 1218, 1287, 1325.
Gregório XIII, papa (+1585) 2, 33, 113-115, 117-119, 131, 148-152, 686, 1076,
1382, 1435, 1622, 1679, 1692, 1697, 1704, 1801 / Concessimus (07.10.1571) 113 /
Ut animarum (01.09.1573) 113 / Ex nostri pastoralis officii (06.05.1574) 33, 114,
148-152 (=texto) 1435, 1622 / cf. também expansão / Cum capitulum generale
(10.05.1575) 115 / Regularium personarum (04.10.1581) 117 / Exposcit pastoralis
(15.07.1583) 131 / Cum Algerium (05.12.1584) 119.
489
Gregório XIV, papa (+1591) 42, 125, 126 / Decet seraphicam religionem
(01.06.1591) 125 / cf. também confissão / Beati Francisci (06.07.1591) 126.
Grotti de Espoleto 1561.
Guadalupenses ou do Santo Evangelho ou do Capuz 1 / cf também descalços.
Guardião, suas tarefas 20, 175-176, 190, 203, 213, 214, 247, 255, 307, 324-325,
328, 363, 383, 392, 397, 400, 412, 424, 429, 435, 439, 458, 464-465, 468-469,
554, 560, 562, 569, 578, 584, 594, 605, 617, 626, 668-669, 672, 674, 678, 693,
706-707, 750, 752, 752-753 / cf. também superiores, vigários provinciais.
Gúbio 1541 / conv. cap. 1566 / most. clar. cap. 1759, 1801.
Habitação cf. convento
Hábito capuchinho 7, 18, 231, 403, 420, 435, 441, 460, 475, 607, 731, 733, 767 /
sinal de pobreza e austeridade 116-117, 185, 258-259, 697, 702-703, 901, 923-
924, 926-927, 944, 957, 984, 987, 1072, 1109, 1657, 1685 / forma, dimensão,
qualidade do pano 260, 622, 708, 718, 722, 724 / identidade externa 64, 71, 135-
136, 144, 1695 / defesa 102, 106, 117, 126 / novidade 781, 944 / hábitos em
comum 918 / único, segundo a vontade de São Francisco 259, 706 / hábito dos
cap. semelhante àquele de São Francisco 260, 740, 786-787, 798 / limpeza 231 /
reparos 231, 258-259, 261 / cf. também barba, cíngulo, cordão, tonsura, , mantelo,
cuecas, sandálias.
Habsburgo, fam. 1720.
Hatton Claude 1628-1629.
Hebdomadário no ofício divino cap. 489, 503.
Henrique de Knoeringen, bispo de Augsburg (+1646) 1727.
Henrique de Lorena, bispo de Verdun (+1623) 1778-1779.
Henrique II, rei da França (+1559) 1625.
Henrique III, rei da França (+1589) 1634-1636, 1722 / concede aos cap. a
faculdade de instalar-se em toda a França 1634-1636, 1722.
Henrique IV, rei da França (+1610) 55, 1778-1779.
Hereges, sua conversão promovida pelos cap. 42, 50-51, 739, 760, / cf também
Bélgica, Boêmia, Carlos Borromeu, França, Alemanha, Holanda, Savoia, Suíça,
Turim, Valtellina.
Herp Henrique van (Harphius), obs. (+1477) 1646, 1654.
Hipólito de Bergamo (de Scalve), cap. (+1618/1619) 1645-1647, 1649 / austeridade
e santidade de vida 1649-1650 / assiduidade na oração e espírito de oração 1649 /
devoção a Nossa Senhora e para com a Paixão de Cristo 1650 / autor do
cerimonial belga 1657-1661 / cf. também cerimonial.
Holanda, atividade cap. 50 / cf. também Flandro-Bélgica, Países Baixos.
Homens, respeito para com todos 246 / evitar a familiaridade 376, 639 / evitar os
exorcismos 544 / sua admissão na Ordem Terceira 399.
Homilia dos irmãos diáconos 612.
Honestidade na recreação 621 / no contato com mulheres 375-376 / cf. também
castidade, mulheres, familiaridade.
Honorato de Paris (Bochard de Champigny), cap. (+1624) 608, 1501.
Honório de Montegranaro (Todini), cap. (+1569) 839, 1071.
Honório de Toscana, cap. 714.
Horta nos conv. cap. 699, 706, 709, 711, 715.
Hospitalidade para com os seculares e confrades 175, 177, 292, 315, 330, 366,
638, 652, 680 / para com os delinqüentes 607.
Humildade, característica dos cap. 18, 223, 245, 263, 283, 291, 311-312, 337, 342,
361-362, 363, 371, 679, 686, 705, 707, 727-728, 732, 736, 746, 748, 766, 768,
980-992 / cf. também conversação, isenção, pobreza, estudos.
Hungria 1579 / presença dos cap. 49, 113.
Iapy Ouassou, índio do Maranhão 1488.
490
Isenção de jurisdição do ordinário, renúncia dos cap. 235, 245. / cf. também
minoridade, obediência, ordinário.
Isidoro de Melegnano, cap. 1514.
Isidoro de Villapadierna (Agudo), cap. cf. Prefácio.
Isola Bisentina, conv. cap. 1615.
Istria 1751.
Itália 775, 1157, 1314, 1584, 1591, 1599, 1623-1624, 1627-1628, 1630-1631,
1633, 1635, 1645-1646, 1680-1681, 1725, 1738, 1747, 1760, 1799, 1814 /
observância regular 65, 697 / difusão dos cap. 19, 31, 97, 698-700, 707, 724, 738 /
número dos frades (1536) 725 / proibição de transpor os Alpes e sua revogação
33, 96-97, 114, 148-152 / expansão fora da Itália 33-36 / atividade dos cap. 58-59,
114, 749 / competência de absolvição dos apóstatas 587.
Iube, Domine, benedicere, oração litur. 493.
Ivo de Evreux, cap. 54, 1482-1483, 1495-1500 / Histoire de la Mission des
Capucins 1495-1500 / cf. também Maranhão, missão.
Ivo de Tréguier (Hélory), santo, ofs (+1303) 531.
Jacinto de Casale Monferrato (Natta). cap. (+1627) 40, 1127-1128, 1583, 1721 /
pregação Avvisi a diversi stati e gradi di persone 1293-1324 / pintores e escultores
1294-1295 / músicos e instrumentistas 1296-1297 / livreiros 1298-1299 / boticários
e farmecêuticos 1300 / ouríves, ferreiros, lenhadores 1301 / panificadores 1302 /
pedreiros1303 / alfaiates1304 / sapateiros 1305 / barbeiros 1306 / camponeses
1307-1308 / pescadores 1309-1311 / açougueiros 1312-1313 / taberneiros,
vendedores de vinho e aves 1314-1316 / moleiros 1317-1318 / revendedores 1319
/ barqueiros e carroceiros 1320-1321 / servos e servas 1322-1324 / avisos às
pessoas espirituais e religiosas 1324-1333 / para com Deus 1324-1329 / para
consigo mesmo 1330-1331 / para com os outros 1332-1333.
Jacó, pers. bibli. 1214, 1237, 1241-1242, 1246, 1267, 1274, 1276.
Jacopone de Todi, min. (+1306) 361.
Janelas dos conventos, dimensões 311 / cf. também conventos.
Jejum dos frades cap. 179, 153, 278-279, 437, 472, 706, 711, 950 / jejum
quaresmal e pregação 1048, 1127 / cf. também abstinência, austeridade, mesa,
punição, quaresma.
Jeremias de Valacchia (Stoica), beato, cap. (+1625) 1502, 1591-1602 (=
depoimentos processuais) / exortado pela mãe para a vida religiosa 1592 / pelo pai
1599 / serviço aos enfermos 1594-1595, 1600 / grande confiança em Deus 1595-
1596, 1602 / devoção a Nossa Senhora 1595-1596, 1602 / espírito de penitência e
de jejum 1597-1598 / sua santa morte 1600 / sabedoria e argúcia 1601.
Jeremias, pers. blib. 1159, 1246, 1274.
Jerônima, clar. cap. 1806.
Jerônimo de Brusada, cap. (+1576) 1384.
Jerônimo de Castelferretti (Geradoni), cap. (+1626) 593-607, 1464, 1743-1746,
1761.
Jerônimo de Lapedona, cap. 1392.
Jerônimo de Milão (Caluschi), cap. (+1584) 1632-1634.
Jerônimo de Montefiore Conca (Pratelli), cap. (+1584) 28-29, 123, 125, 773, 866,
917, 1361, 1632, 1699, 1701-1703.
Jerônimo de Montepulciano (Paganucci), cap. (+1546) 880, 981, 1004, 1046, 1049.
Jerônimo de Narni (Mautini), cap. (+1632) 1128 / Modo breve e facilíssimo de
compor as pregações 1333-1355.
Jerônimo de Novara (Avogrado), cap. (+1582) 862.
Jerônimo de Palermo, cap. (+1579) 29.
Jerônimo de Pistoia (Finucci), cap. (+1570/1571) 714, 1104, 1128. 1422 / Sobre a
confissão 1185-1191.
492
Jerônimo de Polizzi Generosa (Errante), cap. (+1611) 28-30, 121, 125, 1459.
Jerônimo de Sessa, cam. 4-5.
Jerônimo de Sorbo Serpico (Stefani), cap. (+1602) 759-769, 1735-1739.
Jerônimo, santo (+419/420) 232, 289, 356, 373, 1229.
Jerusalém 1204-1205, 1241, 1446, 1710.
Jesuítas da Boêmia 1733 / da França 1632 / da Alemanha 1750 / da Suíça 1684.
Jesus Cristo, sumo sacerdote 270 / o seu exemplo e sua vontade expressa no
evangelho 235, 238, 243-244, 252, 254, 260, 262, 264-266, 270, 273, 279, 286-
287, 289, 292-293, 296, 298, 301, 305-306, 318, 331-333, 335, 339-340, 348-352,
354, 357, 371, 373, 375, 383, 386, 389, 405, 631, 674, 686, 699, 708, 713, 719,
725-726, 733, 737, 739, 741, 744 / amor e devoção dos cap. 193, 206, 232, 237,
239-245, 249, 256, 276, 281, 283-284, 327-328, 350, 353. 360, 364, 372, 376-378,
381, 387-388, 701, 711, 729, 737-738, 743, 751, 760, 766, 768, 1522 / a vida dos
cap. prega sempre Cristo humilde 265 / devoção para com a paixão de Cristo
1036, 1044, 1208, 1285, 1287, 1306, 1521, 1525, 1531, 1540, 1563, 1650, 1749 /
pregação de Ochino sobre a paixão 1160-1185 / devoção para com o nome de
Jesus 1521, 1533 / devoção para com o Santíssimo Sacramento 1526 / pregação
de Lourenço de Brindisi 1250-1265 / disposição para receber a Eucaristia 1191-
1212.
Jó, pers. bíbl. 1235, 1431.
João Batista de Lugano, cap. 1693.
João Batista de Núrsia, cap. (+1549) 980.
João Batista de Terni, cap. 860.
João Batista, santo 258, 355, 709, 1137, 1160, 1242, 1246, 1275, 1280.
João Cassiano (+435) 1338.
João Climaco, santo (+649) 1817.
João Crisóstomo Scozzese (Campbell), cap. 52.
João Crisóstomo, santo (+407) 1276.
João de Áustria (+1571) 113.
João de Avalos 1600.
João de Fano (Pili), cap. (+1539) 3, 6, 14, 31, 38, 68, 84, 234, 895, 944, 1056-1057
/ atividade de pregador 1056-1058 / Dialogo de la salute 6.
João de Foligno, cap. (+1598) 1541.
João de Guadalupe, desc. (+1505) 77 / cf. também descalços.
João de Leonissa (Persechetti), cap. (+1565) 1564.
João de Medina del Campo (Zuazo), desc. / cap. (+1551) 53, 121, 881, 956, 994,
1434, 1444-1453, 1697.
João de Ribera, santo, arc. de Valência (+1611) 35, 1708.
João de Tordesilhas (Alarcón), cap. (+1603) 1698.
João de Troia (Pugliese), obs. / cap. (+1551) 1434, 1436-1440, 1444-1453.
João de Valência, cap. 29.
João Duns Scoto, beato, min. (+1308) 39, 867, 1065, 1104.
João Evangelista, santo 1136, 1160, 1228, 1242, 1266-1270, 1272, 1274, 1276,
1279, 1282, 1285, 1290, 1313.
João Maria de Noto, cap. (+1631) 776.
João Maria de Tusa (Bruno), cap. (+1584) 1104, 1683-1684, 1692.
João Spagnolo cf. João de Medina del Campo.
João XXII, papa, (+1334) 375.
João XXIII, papa, (+1964) 1572 / Celsitudo (19.03.1959) 1572.
Joaquim de Fiore, cist. (+1202) 1290.
José de Alcalar 1482.
José de Arimatéia 1137, 1160.
José de Collamato (Antonini), cap. (+1567) 772, 964 / atividade de barbeiro 964.
493
José de Ferno (de Milão, Piantanida), cap., (+1556) 38, 40, 814, 1060, 1069, 1098
/ cf. também quarenta horas.
José de Leonissa (irmão leigo), cap. 122.
José de Leonissa, santo, cap. (+1612) 38, 53, 122, 1128, 1435, 1459, 1463, 1502,
1551-1571 (= depoimentos processuais) / aspiração missionária e ao martírio
1552, 1560, 1566-1567, 1677 / ardor pela salvação e conversão das almas 1552-
1553, 1564, 1570 / espírito de mortificação e humildade 1553, 1561, 1566, 1568 /
caridade para com os pobres 1553-1554, 1557, 1559, 1561-1562, 1571 /
assistência aos encarcerados 1554-1555, 1569 / assistência aos enfermos 1555,
1559 / pregação inspirada e carismática 1558, 1568 / nos lugares de passagem
1554 / nos lugares não longe entre si 1555, 1558, 1561, 1568 / com sete ou oito
pregaçãos ao dia 1555, 1558 / assitência aos moribundos 1555 / assitência aos
condenados à morte 1556 / sepultura dos mortos 1554 / obediência 1557 / espírito
de hospitalidade 1559 / resistência nas fadigas apost. 1559 / operador da paz
1564-1565 / pregação sobre São José 1212-1250.
José, santo, esposo da Virgem Maria 1212-1250 (=pregação de São José de
Leonissa).
Juhée Francisco, obs. 719.
Juízo divino 305, 328 / dos superiores 194 / maduro juízo sobre os pregadores 348
/ juízo sobre a idoneidade dos missionários 381 / o frade díscolo incapaz de ser
ouvido em juízo 485.
Júlio de Veneza, cap. (+1604) 1590.
Júlio della Rovere, card. protetor (+1578) 107, 1414-1417, 1420-1421, 1457-1458,
1632.
Júlio III, papa (+1553) 33, 102-103, 109, 120, 1801 / Officii nostri (28.08.1550) 102
/ Boni Pastoris (07.11.1550) 102 / In eminienti (15.02.1551) 103.
Juramento do vigário provincial e de seus definidores 445 / da comissão para
apontar os frades díscolos e para a promoção à pregação 483, 589, 664-665,
695s.
Justiça, evitar o rigor 332, 334, 363 / cf. também misericórdia, punição.
Justino de Panicale (Saccalossi), cap. (+1545) 849, 856, 975, 1088, 1099.
Justo de Monte San Justo (Bonafede). cap. (+1631) 1756.
La Verna, santuário franciscano 705.
Lante della Rovere Marcelo, card. (+1652) 131.
Lanza Jerônimo, eremita de São Francisco 105, 117.
L'Aquila, conv. cap. 1612.
Larino, conv. cap. 31
Laticínio na vida dos cap. 714.
Laudes, litur. 496, 1360-1362, 1374 / cf. também ofício divino.
Lava-pés para os hóspedes 292, 680 / cf. também hospitalidade.
Lazio, casas de recolhimento obs. 1.
Leão de Assis, companheiro de São Francisco (+1271) 787, 1020 / fontes da
inspiração leonina 65 / cf. também vida eremítica.
Leão X, papa (+1521) 1, 6, 66, 71, 608 / Ite vos (29.05.1517) 1, 6, 66, 71.
Leão XIII, papa (+1903) 1572.
Legenda dos Três Companheiros 787, 790, 898, 986, 998, 1020.
Legenda Maior cf. Boaventura de Bagnoregio.
Legislação particular dos cap. conforme o direito regular comum 63 / cf. também
constituições.
Legumes para o alimento 705, 709, 714.
Leigos, irmãos cf. irmãos leigos
Leito dos cap. 219, 262, 409, 462-463, 704, 709, 753 / esclavina (colchão pobre e
austero) 462-463, 703 / cf. também austeridade.
494
Leitores de filosofia e teologia 444, 600, 664, 695-696 / de sagrada disciplina 362,
667 / cf. também estudos.
Leitura durante a missa e o ofício divino 268, 511 / durante as refeições 176, 227-
228, 238-239, 290, 383, 532, 632, 642, 693 / cf. também constituições, devoção,
evangelho, livros, punição.
Lenços, dotação e uso da parte dos frades cap. 192, 264, 516s.
Lenha, provisão 319, 706, 711.
Lenti Lourenço, bispo de Fermo 1420.
Leon (Espanha) 1710.
Leonardo de Cantão Ticino, sacerdote diocesano 1372.
Leonardo, doutor 1014-1015.
Leonissa 1551, 1554, 1564.
Lepanto, batalha 1697 / atividade e participação dos cap. 48, 112-114, 1104 / cf.
também capelães militares.
Ler à mesa 787, 898.
Liberalino de Colle Val d'Elsa, cap. 934, 1070, 1111.
Liberdade de espírito 722, 726-727.
Licença ou permissão a requerer dos superiores 141, 190, 195-196, 203, 215, 222,
255, 259, 263, 290, 297, 307, 313, 324, 367, 370, 374, 381, 397, 400-401, 418,
420, 457, 464, 543, 590, 595, 617, 623, 627, 631, 634, 656, 658-659, 677, 682,
684, 705, 752-753, 756 / cf. também capítulo geral, cela, conventuais, guardião,
superiores.
Licheto Francisco, obs. (+1520) 66.
Liga Católica e capelanias militares cap. 56-57, 113 / promovida por São Lourenço
de Brindisi 1583-1584 / cf. também ação diplomática, Santa Sé, União Evangélica.
Liga Santa contra os turcos 111-112.
Linz, conv. cap. 1739, 1742.
Litanias de todos os santos 279, 511, 959, 1730 / litanias lauretanas antes da
meditação 278, 494, 533.
Liturgia, participação 268, 270 / celebração entre os obs. 730 / e contemplação
167-168 / oração litúrgica 499, 526 / cf. também mesa, ofício divino.
Livraria cf. biblioteca, livros.
Livros concedidos aos cap. para leitura pública ou pessoal 176, 189, 194, 196,
240, 264, 302, 354, 378, 403, 420, 541, 602, 708 / livro dos cap. é a cruz 863 / o
crucifixo para Félix de Cantalício 1522 / concedidos aos pregadores 863, 919 /
poucos livros por pobreza na Bélgica, mesmo para os pregadores 1657 / livros
franciscanos para se ler à mesa 787 / distanciamento dos livros 910, 1092 / livros
em comum 918 / deveres dos editores e dos livreiros 1298 / livros favorecem a
difusão da heresia em Piemonte 1469, 1473 / cf. também biblioteca, pregação,
estudos.
Lobo Afonso cf. Afonso de Medina Sidonia.
Lógica, estudo na Ordem 443-445, 630, 633 / cf. também estudos.
Lorena, prov. cap. 34, 468.
Loreto, Santa Casa de Nossa Senhora 837, 1539, 1563, 1592, 1758, 1785-1787.
Louças para lavar 174, 699.
Lourenço de Bergamo, cap.(+1593) 1723.
Lourenço de Brindisi (Russo), santo, cap. (+1619) 28, 35-36, 38, 49, 56-59, 1128,
1502, 1572-1590 (= depoimentos processuais), 1721, 1723, 1751 / devoção na
celebração da missa 1573, 1588 / missão diplomática na Espanha 56-59, 1574-
1576 / santidade e doutrina 1577, 1580, 1585 / grande momória e conhecimento
de línguas 1577, 1585 / atividade no exército imperial 1578-1579 / pregador 1578-
1579, 1581 / humildade 1579-1580 / caridade para com os enfermos 1586 / visita à
Ordem 1580 / espírito de mortificação 1582, 1589 / promotor da Liga Católica
495
1381-1390, 1632, 1634, 1692-1693, 1696 / most. clar. cap. Santa Bárbara 1826-
1831 / most. clar. cap. Santa Praxedes 1759, 1801, 1811-1813 / cura espiritual
entregue aos cap. 1759 / lazareto San Gregorio 1360, 1378-1380, 1383-1385 /
lazareto La Vittoria 1383-1384 / hospital San Dionigi 1383-1384 / senado milanês
dá autoridade sobre os pesteados a Paulo de Salò 1378-1379, 1389 / atividade
dos cap. durante a peste cf. peste.
Millini, João Garcia, card. (+1629) 774.
Mínimos 109.
Ministro geral, independência jurídica dos conventuais 133, 158-162, 391 / cf.
também autonomia / os cap. não obedeceriam o ministro geral dos obs. 722, 726,
730, 740.
Minoridade, livre escolha dos cap. 244-245, 258, 292, 340, 372, 686, 732 / cf.
também obediência, humildade.
Miserere, salmo 417, 419, 437, 503, 1036 / cf. também flagelação.
Misericórdia para com os irmãos pecadores 331-335, 337, 363, 474 / cf. também
apóstatas, justiça, pobres, punição, sepultura, visita.
Missa nos conventos cap. 171, 174, 268-269, 271, 274, 277, 504-534, 652, 769 /
missa conventual 504, 521, 607, 610, 613, 699 / missa solene cantada com
diácono e subdiácono 641 / missa votiva 523 / missa perpétua por benfeitores 644
/ cf. também comunhão eucarística, orações, participação, oração, espórtula.
Missal segundo o rito romano usado pelos cap. 267, 494, 509, 609.
Missionários cap. cf. Ambrósio de Amiens, Arcângelo de Pembroke, Arsênio de
Paris, Bartolomeu de Spello, Cláudio de Abbeville, Dionísio de Roma, Egídio de
Santa Maria, Felipe de Pancalieri, João de Medina del Campo (Zuazo), João de
Troia, Jerônimo de Polizzi Generosa, José de Leonissa, Gregório de Leonissa, Ivo
de Evreux, Mariano missionário, Maurício de La Morra d'Asti, Pacífico de San
Gervasio Bresciano, Pedro da Croce, Salvador missionário, Estêvão de Gambalò,
Valeriano de Pinerolo.
Missões cap. 53-54, 121, 235, 381, 1434,1500 / dimensão missionária da Regra
1434-1461 / dificuldade de observar a Regra para os missionários cap. em relação
à vida comum e à mendicância 1476-1481 / consciência missionária 1459 /
finalidade das missões: difusão da fé, conversão dos hereges e salvação das
almas 1477 / aspirações missionárias e disponibilidade ao martírio 1077, 1436-
1437, 1441-1443, 1445-1451, 1465, 1552 / Ludovico de Fossombrone contrário às
missões externas porque não combinam com a contemplação 1436, 1440-1443 /
missões não contempladas nas ordenações de Albacina 1434 / missões cap. em
Creta (Cândia) 1434, 1453-1459 / missões entre os muçulmanos em
Constantinopla com a presença de São José de Leonissa 1435, 1459-1463, 1552,
1560, 1566-1567 / missões em Marrocos 1436 / no Egito 1434, 1444-1452 / nos
vales piemonteses entre os valdenses e calvinistas 1435, 1464-1476 / no
Maranhão 1435, 1482-1500, primeira missa no dia de Santa Clara 1485,
construção das capelas de São Francisco e São Luiz 1495-1500 / missões na
Pérsia 54 / missões entre os hereges na Suíça 1595 / cf. também Alexandria no
Egito, Argélia, Androgna, Cairo, Constantinopla, Dronero, Dubbione, Lucerna,
Macra, Maranhão, Perosa, Pérsia, Pinacchia, Porte, Porto Seguro, Pragellato,
Saluzzo, San Martino, Valperosa, Varaita.
Mística dos cap. na França 1623 / nos Países Baixos 1646, 1654, 1657-1659,
1668-1675 / comportamento externa na oração contemplativa 1660 / oposição à
mística dos Países Baixos 1646, 1654, 1658 / postura diante da mística belga 1661
/ tentação da contemplação 1013-1015.
Modéstia no falar e escrever 282, 636, 711.
Modus procedendi 555 / cf. também díscolos, processo.
Mogúncia, conv. cap. 1745-1747.
499
Moisés, pers. bíbl. 1218, 1224, 1239, 1242, 1246, 1252-1253, 1257, 1267, 1271,
1274, 1276, 1279, 1336, 1338-1339, 1364.
Molfetta, conv. cap. 806.
Molina Estêvão 1.
Montagnana 1580.
Monte frumentário, fundado por São José de Leonissa em Compotosto 1563, 1571
Monte San Giovanni Campano, conv. cap. 1532, 1613-1614.
Montecasale, conv. cap. 1539.
Montecchio 1543
Montefalcone, conv. obs. 3, 67.
Montefeltro, fam. 1416.
Montegranaro 1544.
Montemalbe, conv. cap. 922, 1114.
Montepulciano, conv. cap. 13.
Montereale 1554, 1564.
Monumentos sepulcrais nas igrejas cap. 646 / cf. também sepultura.
Monza 1383.
Moribundos cf. assistência caritativa.
Mortificação e penitência entre os cap. 263, 272, 287-291, 298, 674, 769, 903-904,
981, 985, 1024, 1327 / mortificação dos noviços 1654 / cf. também austeridade,
jejum, flagelação, penitência.
Mosconi, Marco Antônio 1754.
Mosteiros de monjas, proibida a cura espiritual 195, 373-374, 435, 457-458, 1782-
1783 / falar com monjas 607, 623 / cf. também confissão, cura espiritual,
familiaridade.
Motta Filocastro, conv. cap. 783.
Mulheres, evitar toda familiaridade 220, 373-376, 435, 438, 441, 544, 621, 631,
661 / admissão à Ordem Terceira 399 / cf. também castidade, claususa,
exorcismo.
Munique de Baviera 1588 / conv. cap. 36, 57-58, 1722.
Murmuração 372, 961-962.
Música para aliviar os sofrimentos dos doentes 1395 / finalidade da música e do
canto 1296-1297 / música nas celebrações litúrgicas obs. 731.
Nápoles 913, 1064, 1573-1574, 1592-1593, 1630, 1783, 1785, 1787 / assistência
dos cap. aos incuráveis 1090, 1397, 1758 / conv. cap. S. Eframo Vecchio 1795 /
conv. cap. S. Eframo Nuovo (o Santissima Concezione) 13, 25, 31, 38, 41, 45, 58-
59, 468, 913, 1574, 1591, 1600-1601, 1703 / prov. cap. 13, 20, 468-470, 759, 1000
/ igreja San Pietro ad Aram 1790 / Espírito Santo 1578-1579 / confraria dos Bianchi
S. Maria sucurre miseris 1788, 1790 / most. clar. cap.Santa Maria in Gerusalemme
1758-1759, 1761-1773, 1780, 1783-1811, 1822 / cura espiritual confiada aos cap.
1759, 1767-1773, 1795-1796, 1801-1802 / hospital dos Incuráveis fundado por
Maria Lourença Longo 1758, 1762, 1783, 1787, 1794-1795.
Narni 949, 1050, 1557 / conv. cap. 31, 900, 936.
Navalha nos conv. individuais para sangria 204, 266.
Necessidades humanas e espirituais dos frades 186, 259-261, 285, 288-289, 297,
301, 304, 306, 329, 365, 374, 401, 408, 413, 419, 610, 617, 648, 692, 705, 727,
751 / cf. também hábito, mesa, roupas, superiores.
Negligência 269, 385, 672, 693, 745, 756.
Nemi, conv. cap. 836.
Neoprofessos 554, 607, 671-674 / cf. também formação, mestre, seminário.
Nicolás Factor, beato obs. (+1583) 1703-1705 / fama de santidade 1705.
Nicolau de Monte Rubbiano, cap. (+1618) 1550.
Nicolau III, papa (+1280) 115, 691, 715, 840.
500
Pregações 38-39, 100, 153, 189, 286, 311, 336, 348-359, 725, 727, 850, 855, 1661
/ característica do apostolado cap. 794, 1126 / método evangélico da pregação
cap. 354, 712, 1054-1055, 1065-1067, 1126 / pregar Cristo crucificado por
redundância de amor 349-350 / pregar a penitência 355 / pregação e jejum
quaresmal 1127, 1048 / necessária autorização 1126 / assiduidade da pregação e
testemunho de vida 351, 353, 607, 652, 657, 658 / retorno à contemplação 352,
357 / gratuidade e remuneração 602, 1127 / frutos da pregação: pacificação social,
fundação de confrarias, orfanatos e montes de piedade 353, 1127 / Método breve
e facilíssimo de compor a pregação 1333-1355 / controle da linguagem 356, 601 /
evitar alusões a pessoas individuais 356 / evitar questões sutis 355 / importância
dos gestos 1346-1349 / talentos e pregação 696 / pregação dos cap. na Áustria e
Boêmia 1732 / na França 1623 / na Alemanha 1721, 1747-1748 / na Suíça 1677,
1681, 1687-1688, 1690 / no Tirol 1731 / nos vales piemonteses 1465 / cf. também
apostolado, quarenta horas.
Pregadores cap. imitados por outros 1065 / pacificadores sociais 1051-1053, 1060-
1061, 1119 / vivificadores da prática cristã 1060-1062, 1068-1069 / os mais
frequentados 1652 / muito requeridos 1127 / irmãos leigos pregadores 1053, 1067,
1118, 1126 / formação dos pregadores 1126 / livros e estudo para os pregadores
358-362, 541 / escolha, exame e faculdade dos pregadores 348, 435, 444, 553,
569, 6000, 630, 664-665, 695-696 / ministro da vida 354 / título de pragador 651 /
exemplo e austeridade dos pregadores cap. 1049-1051, 1073, 1107, 1127 / muito
austeros na Bélgica 1655 / cf. também Afonso de Medina Sidonia, Bernardino
Ochino de Sena, Eusébio de Ancona, Francisco de Jesi, Jacinto de Casale,
Jerônimo de Narni, Jerônimo de Pistoia, José de Leonissa, Lourenço de Brindisi,
Matias de Salò.
Prelados, obediência e reverência dos frades para com os prelados 246, 728 /
evitar críticas 372 / rezar por eles 280 / cf. também isenção, obediência,
superiores.
Pretiosa, oração 526.
Prima, litur. 282, 488-489, 1689, 1730 / cf. também ofício divino.
Princípios cristãos em relação aos cap. 280, 607, 635, 638.
Privação de voz ativa e passiva, pena 430, 457-458, 472-474, 478, 486, 555-556,
632, 637 / de todo ato legítimo 474 / do ofício 666 / cf. também punição.
Priverno (Piperno), conv. cap. 1617.
Privilégios, comunicação dos 4, 7, 73, 80, 89, 120, 126, 137, 144 / renúncia aos
privilégios 144, 160-161, 235, 245, 248, 1479, 1626 / privilégio de não possuir nada
em comum 106 / evitar o recurso para obter privilégios 654 / cf. também
camaldulenses, isenção, pobreza, trânsito.
Processo regular contra frades delinqüentes 429-430, 566.
Procissões, participação e precedências 130-131, 170, 625 / procissão de quinta-
feira santa 641 / de sexta-feira santa 1754-1757.
Procurador geral da Ordem, eleição 423-427, 468, 469-470, 484, 569, 573, 576,
581-582, 587, 590, 637-638, 692 / procurador leigo que age em nome da Ordem
637, 690-691 / cf. amigos espirituais, síndicos.
Profissão religiosa, condições para admissão 250, 253 / preparação e celebração
257 / observar as obrigações 587, 627, 713, 718, 733, 737, 750, 756, 767 /
pregação para a profissão dos noviços 1289-1293.
Propriedade, não se exclui qualquer forma 306, 323, 708,715 / é proprietário
também aquele que usa objetos sem licença 196, 538-539, 629, 656, 659, 731 / cf.
também pobreza.
Provença, conv. cap. 468-469.
Providência divina, confiança dos cap. 285, 318-319, 743, 768.
506
Romualdo, santo (1027) 75, 77, 144, 1375 / cf. também camaldulenses.
Ronciglione, conv. cap. 1617.
Rosário, oração, 1045, 1047.
Rossiglione, expansão dos cap. 35.
Rouen, assistência aos pesteados 46.
Roupas seculares ou hábitos religiosos de outras Ordens 253, 688 / para os
hábitos ou paramentos 186, 191, 258-259, 261, 378, 409, 543, 602 / cf. também
hábito, vestição.
Rovereto, conv. cap. 1722-1723.
Rufino de Amatrice, cap. 1554.
Rufino de Assis, companheiro de São Francisco 787.
Rufino de Borgo, cap. 990.
Rufino de Gallarate, cap. (+1587) 904, 920.
Rugge (Lecce), conv. cap. 31.
Rustici Jerônimo de, bispo, 1508.
Ruusbroec João, místico flamengo (+1381) 1646, 1654.
Sabedoria divina 241, 348-349, 387, 390 / cf. também Bíblia, estudos.
Sabino de Cremona, cap. 1386.
Sacerdotes, reverência 244, 246, 275, 356 / disposições acerca dos sacerdotes da
Ordem 171, 189, 269-271, 277, 495, 528, 651-652, 667-668, 685 / rezar pelos
sacerdotes 280 / sacerdotes simples 540 / sacerdotes diocesanos que entraram na
Ordem 578, 584 / número de sacerdotes na Ordem 133 / cf. também missa,
pregação, estatística.
Sacristia dos cap. 378, 542, 629, 656 / cf. também igrejas capuchinhas,
paramentos.
Sacrosanctae, oração litur. 533.
Sagrada Escritura cf. Bíblia.
Salmos, recitação 292 / os sete salmos penitenciais como punição 752 / cf.
também punição.
Salomão, pers. bíbl. 1158-1159, 1214, 1239, 1246, 1276.
Saluzzo (marchesato), miss. cap. 1467-1468.
Salvação da alma 140-141, 332, 338, 348, 352, 354-355, 376, 379, 762-763, 767,
1477, 1552-1553, 1564, 1570.
Salvador de Perusa, cap. (+1631) 1557.
Salvador de Rivolta d'Adda (Rasari), cap. (+1643) 1360 / Vida de alguns frades
capuchinhos 1381-1390.
Salvador de Todi (Astancolio), cap. (+1630) 1610.
Salvatore, missionário no Oriente, cap. 54 / cf. também missionários, missões.
Salve Regina, na litur. e depois da disciplina 293, 494, 526 / cf. também ofício
divino.
Salviati Antônio Maria, card. (+1602) 1530.
Salzburg, conv. cap. 1722.
San Martino, miss. cap. 1466, 1474.
Sandálias 928, 945 / direito de usá-la 188, 263 / não se usam por penitência na
Espanha 1719 / possibilidade de andar descalço entre os cap. 188, 263.
Sangria dos frades 204, 266.
Sansão, pers. bíbl. 1214, 1219.
Sansepolcro 1538.
Sanseverino Antônio, card. (+1543) 27.
Sant Celoni, conv. cap. 1714.
Santa Sé, obediência dos cap. 55-60, 95 / respeito e fidelidade 1642 / intervenções
em referência à Ordem 63-64, 76, 80-90, 96-97, 384, 722 / cf. também hábito,
admissão, apostolado, ação diplomática, cúria romana, congregação da inquisição,
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