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OS CAPUCHINHOS

Fontes documentárias e narrativas


do primeiro século
(1525-1619)

Vincenzo Criscuolo
Organizador

Conferência dos Capuchinhos do Brasil


Belo Horizonte - 2005
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Tradução brasileira do original:


Vincenzo Criscuolo (Ed.)
I Cappuccini - Fonti documentarie e narrative
Curia Generale dei Cappuccini - Edizioni Collegio San Lorenzo da Brindisi
Circunv. Occidentale 6850 (GRA) km 65.050
00163 - ROMA (Aurelio) - Italia

© edição brasileira:
autorizada por Servus Gieben - OFMCap.
Diretor do Istituto Storico dei Cappuccini - Roma / Itália

Conferência dos Capuchinhos do Brasil - CCB


Rua Iara, 171 - Pompéia
30280-370 - Belo Horizonte - MG - Brasil
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Apresentação

O ano de 1977 foi marcado significativamente pela publicação das Fontes


Franciscanas que, além do mais, apareceram traduzidas em diversas línguas. Na Itália
a publicação, segundo Ernesto Balducci, constituiu-se em “evento muito importante, a
meu parecer, para a cultura em geral e, no parecer de todos, um evento decisivo para
a historiografia sobre Francisco e sobre as origens da Ordem por ele fundada”
(Francesco d‟Assisi, Fiesole,1989,7).
Na esteira deste fenômeno, todos os ramos da exuberante árvore iniciaram
reflexões sobre sua história particular, lendo-a na contra-luz da edição das Fontes
Franciscanas.
Os franciscanos capuchinhos, por sua vez, fizeram o mesmo, e, cultivando este
terreno, surgiu neles o desejo de conhecer melhor a produção literária, histórica e
espiritual que acompanhou os primeiros decênios de vida da Reforma, talvez
exageradamente, mas afetivamente qualificada desde o início como bela e santa
(Bernardino de Colpetrazzo, MHOC IV,7).
Foi assim que, na reunião de 10 de novembro de 1978 em Collevalenza, os
Ministros Provinciais da Conferência Capuchinha Italiana discutiram a proposta de
iniciar uma pesquisa com o objetivo de publicar um volume, recolhendo a referida
produção. O consenso na Conferência não foi fácil nem imediato, mas foi obtido.
Excluiu-se, de imediato, nomear a pesquisa de Fontes Capuchinhas e isso por
diversos motivos. Primeiramente, por um justo e profundo senso de família: as Fontes
de nossa família capuchinha são, fundamentalmente, as Fontes Franciscanas. Além
disso, por razão científica. À pesquisa a ser publicada não caberia o termo Fontes no
sentido técnico usado pelos historiógrafos.
Pensando a quem confiar o trabalho, formou-se a costumeira comissão composta
de frades que, nos últimos anos, trabalharam neste campo, com seriedade científica e
com bom resultado editorial. Frei Costanzo Cargnoni, conhecido especialista das
origens de nossa Ordem, foi indicado coordenador da comissão. Empenhou-se, de
imediato, na obra e com entusiasmo. Reuniu colaboradores, discutiu com eles o
esquema e a metodologia e foi iniciado o trabalho. A obra deveria responder aos
objetivos e finalidade previstos pelos Ministros Provinciais. Ou seja, oferecer uma
contribuição para a história, qualificar-se como um instrumento pedagógico e colocar-
se como válido auxílio para a vida espiritual.
O trabalho tomou caminho.
Foi então que, descendo ao concreto, se observou que aquilo que parecia uma
plácida lagoa com pequenas ilhas de fácil aproximação e estudo, apresentou-se com
um verdadeiro arquipélago com incontáveis ilhéus, surpreendentes de beleza e de
riqueza de sua terra e vegetação. Os documentos e manuscritos cresciam
continuamente em número, provindos de diversos países da Europa. Que fazer? Que
escolher ou deixar de lado e com qual critério proceder? Não seria, por acaso, uma
providencial oportunidade para recolher e publicar um material precioso que, de outro
modo, acabaria sendo destruído pelo tempo e pela ignorância?
Sem hesitar e surpreendendo um pouco a todos, Frei Costanzo escolheu a
segunda hipótese e, quando apareceu o primeiro fruto do cansativo trabalho,
encontrou-se em nossas mãos um livro com mais de 1.000 páginas, constituindo,
apenas, o primeiro de uma série, cujo número não era possível prever. A Conferência,
responsável pela obra, rediscutiu o problema e, não obstante alguma perplexidade,
acabou reconhecendo a validade e a oportunidade da reformulação do projeto e
aprovou sua continuidade.
Naturalmente, a quase totalidade do trabalho recolhido foi assumida pelo
infatigável Frei Costanzo.
Publicou-se um segundo volume. O terceiro continha uma surpresa: constava de
2.505 páginas acompanhadas da inconfundível informação: Tomo primeiro.
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A essa altura, os diques estavam rompidos e era inútil pensar na possibilidade de


entregar, primeiro, aos capuchinhos e, depois, aos amigos da Ordem uma publicação
manejável, de acessível leitura e consulta.
Cogitou-se, então, apresentar o problema ao Definitório Geral, que o estudou
atentamente. Foi reconhecida a validade da obra e a grande conveniência do material
recolhido pudesse ser utilizado por todos os frades. E optou-se pelo projeto de uma
Edição menor, que preenchesse tal objetivo, inclusive, pela concreta possibilidade de
sua tradução em diversas línguas.
Na data de 15 de janeiro de 1992, o Definitório Geral nomeou um comissão
especial, presidida pelo Superior do Instituto Histórico da Ordem, Frei Vincenzo
Criscuolo, a quem foi confiado também o encargo de providenciar sua publicação,
agora, sob os auspícios da Cúria Geral. Hoje, exultamos com a conclusão feliz de um
longo caminho.
A obra é um dom, compartilhado com nossas irmãs, as Clarissas Capuchinhas,
com quem comungamos fraternalmente a aspiração de viver o ideal de Francisco e de
Clara. A elas, também, oferecemos as mensagens, aqui recolhidas, de sua Reforma.
Graças a Deus, com certeza, mas também graças aos irmãos, uma vez que a
impressão mais positiva que me ficou, ao longo deste percurso, foi o interesse e
mesmo o amor com que todos os irmãos acompanhavam e aguardam a publicação da
obra.
O volume está, agora, em nossas mãos e depende de cada um de nós possibilitar
que também este pequeno instrumento de graça produza seu fruto.
A formação, no seu estágio inicial e permanente, constitui excelente oportunidade
mediante a qual os Superiores e os Formadores podem animar os irmãos ao contato
com estes textos, nos quais brilha a vivacidade pura e forte da nossa espiritualidade,
caminho seguro na estrada da perfeita caridade.

Roma, 29 de novembro de 1993.


Festa dos Santos Franciscanos.

Frei Flávio Roberto Carraro,


Ministro Geral OFMCap.
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Prefácio

Já foram expostas, na apresentação assinada pelo Ministro Geral, Flávio Roberto


Carraro, as etapas e os motivos que deram origem à composição e publicação do
presente volume. Torna-se, porém, necessário explicitar ulteriormente os motores e os
momentos do trabalho concluído.
A oportunidade, vivamente advertida e mais vezes manifesta, de poder aceder de
maneira fácil e imediata às fontes documentárias e narrativas da Ordem, foi objeto
específico de reflexão na reunião do Definitório Geral de 15 de janeiro de 1992,
quando foi decidida a nomeação de uma Comissão “para a publicação da Fontes
Capuchinhas, num único volume e para uso de toda a Ordem”. Como membros desta
comissão foram nomeados Vincenzo Criscuolo - a quem se confiou a presidência -
Mariano D‟Alatri, Servus Gieben, Lázaro Iriarte e Giuseppe Santarelli.
Na carta de nomeação, datada em 21 de janeiro, estavam delineados os critérios e
a finalidade de tal publicação: devia “ser um instrumento fundamental para a reflexão,
a formação, a espiritualidade e a informação a toda a Ordem, além de ser uma
preciosa oportunidade de retorno às nossas origens”.
A comissão iniciou animadamente o trabalho. Foram fixados, de imediato, os
critérios editoriais e as características internas e externas do volume. A sua
consistência deveria atestar-se sobre pouco mais de mil páginas. As dimensões
externas não deveriam exceder às do breviário; o conteúdo, limitado,
determinadamente, ao ambiente histórico do primeiro século de vida dos capuchinhos,
concentrar-se-ia sobre os principais documentos e recolher as fontes pontifícias,
legislativas, documentárias, narrativas e hagiográficas da Ordem, com um resumo final
dedicado às Irmãs Capuchinhas.
No que diz respeito ao âmbito cronológico, decidiu-se ater-se rigidamente ao
período de 1525, ano considerado, por quase todos, como início da Reforma
Capuchinha, e 1619. Esta data é considerada importante, porque no dia 28 de janeiro
do mesmo ano, mediante o breve pontifício de Paulo V Alias felicis recordationis foi
concedida aos capuchinhos completa e perpétua isenção dos Conventuais e, portanto,
foi oficialmente reconhecida a plena e completa autonomia da Ordem. Determinou-se,
ao mesmo tempo, publicar os documentos em sua total simplicidade, fornecendo-lhes
apenas uma breve introdução e reportando às anotações históricas e ao aparato
crítico de publicações anteriores. Desta forma, seriam alcançados a agilidade para o
volume e o acesso mais fácil e imediato aos textos.
O trabalho foi respectivamente dividido entre os membros da comissão e foi
concluído rapidamente, usando, em diversos casos, de material já disponível. As 14
sessões do presente volume, confiadas aos diversos colaboradores, foram assim
fixadas e distribuídas:

1. O primeiro século - 1525-1619. Quadro histórico: Mariano D‟Alatri.


2. Documentos pontifícios - 1526-1619: Isidoro Agudo de Villapadierna.
3. As ordenações de Albacina: Vincenzo Criscuolo.
4. As primeiras constituições: Vincenzo Criscuolo.
5. As ordenações dos capítulo gerais - 1549-1618: Vincenzo Criscuolo.
6. Testemunho de Yves Magistri, defesa de Vitória Colonna e as primeiras cartas
circulares dos Ministros gerais: Servus Gieben e Vincenzo Criscuolo.
7. As crônicas: Mariano D‟Alatri.
8. A pregação capuchinha: Servus Gieben e Vincenzo Criscuolo.
9. A assistência caritativa: Giuseppe Santarelli.
10. Missões e missionários: Giuseppe Santarelli.
11. Santos e santidade: Mariano D‟Alatri.
12. Expansão na Europa: Lázaro Iriarte.
13. As Clarissas capuchinhas: Lázaro Iriarte.
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14. Índice analítico-temático: Vincenzo Criscuolo e Ottaviano Schmucki.

Não foi considerado oportuno fornecer o texto crítico dos vários documentos nem
reproduzir rígida e fielmente a linguagem e a grafia original de cada texto,
originalmente redigidos ou na língua latina ou na língua italiana de 1500. Nos limites
do possível e sem alterar o conteúdo, procedeu-se a uma leve “modernização”
lingüística, reduzindo ou eliminando inteiramente arcaísmos e latinismos supérfluos, e,
em casos muito raros, modificando, até, alguma sentença já incompreensível,
respeitando, contudo, o pensamento e o estilo dos autores e dos documentos.
Intervenções mais livres foram efetuadas em relação à pontuação e no uso de
maiúsculas, adequando o texto à linguagem contemporânea.
No que se refere aos documentos aqui publicados, boa parte deles se encontra
colecionada na recente edição de I Frati Cappuccini, para a qual se remete, vez por
vez. Consideramos, contudo, oportuno acrescentar inteiras sessões totalmente novas
ou documentação considerada indispensável para uma reta compreensão da fonte e
para o conhecimento preciso de nossa história.
Completamente inédito é todo o capítulo primeiro, no qual se apresenta o quadro
histórico do primeiro século de vida da Ordem. Ele constitui uma moldura sintética ou
uma urdidura sumária na qual se prendem, depois, num bordado complexo e unitário,
os diversos filamentos documentários publicados ao longo do volume. Na sessão dos
documentos pontifícios foram inseridos a bula da Penitenciaria Apostólica Ex parte
vestra, de 18 de maio de 1526, e o breve de Paulo V Ecclesiae militantis, de 15 de
outubro de 1608, com o qual os Capuchinhos são declarados verdadeiros frades
menores e verdadeiros filhos de São Francisco.
Quase inteiramente nova é também a sessão das ordenações dos capítulos
gerais, promulgadas respectivamente nas sessões capitulares, nas sessões
capitulares celebradas de 1549 a 1618 e tomadas diretamente das Tabulae
Capitulorum Generalium, conservadas no Arquivo Geral. Sua inclusão no presente
volume foi considerada essencial por sua fundamental contribuição para a verdadeira
história da Ordem que, sendo um organismo vivo, sente constante necessidade de
articular e modificar sua vida interna e sua atividade externa, ambas firmemente
ancoradas na fidelidade absoluta ao carisma franciscano, mas, ao mesmo tempo,
flexíveis e dóceis, ao longo dos séculos, às exigências da aculturação.
Novos textos documentários foram acrescentados nas sessões seguintes. Na
sessão referente à pregação, foi inserido o sermão de São Lourenço de Brindisi sobre
a Assunção da Virgem Maria. Na sessão referente à assistência caritativa foi
acrescentada nova documentação, tomada, em grande parte, das crônicas da Ordem,
da correspondência de Carlos Borromeu, da Storia dei cappuccini delle Marche de
Calisto Urbanelli, da obra De primordiis de Eduardo d‟Alençon ou das Biografie de
Bernardino de Orciano. A sessão sobre as missões foi enriquecida com novos
documentos tomados das crônicas, enquanto é inteiramente original a documentação
sobre a expedição missionária dos capuchinhos no Maranhão.
No fim deste trabalho, os membros da Comissão exprimem a certeza de haver
cumprido, dentro dos limites da possibilidade, a tarefa confiada pelos Superiores
Gerais. Eles desejam, sinceramente, que o atual volume único das Fontes
Capuchinhas possa atingir a finalidade proposta e contribuir, assim, em nível pessoal e
comunitário, para maturação e crescimento cultural e espiritual da Ordem.

Frei Vincenzo Criscuolo


Presidente da Comissão
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Siglas e abreviações bibliográficas

1. AGC: Archivio Generale dei Cappuccini, AG 1: Tabulae Capitulorum


Generalium ab an.. 1529 ad an. 1618.
2. Bernardino da Orciano, Biografie: Bernardino Marchionni da Orciano, Biografie
di cappuccini della provincia delle Marche e di altre provincie: Bologna, Archivio
Provinciale dei Cappuccini, manoscr. cart. autografo.
3. Bullarium capucinorum I: Bullarium Ordinis FF. Minorum S.P. Francisci
capucinorum, a cura di Michele da Zug, vol I, Romae, 1740.
4. Claude d‟Abbeville, Histoire de la Mission des Pères Capucins en l’Inde
nouvelle appellée Maragnan, Paris 1614.
5. Edoardo d‟Alençon, De primordiis Ordinis Fratrum Minorum Capuccinorum.
Commentarium historicum 1525-1534, Romae 1921.
6. I frati cappuccini. Documenti e testemonianze del primo secolo,I: Ispirazione e
istituzione, II: Storia e cronaca, III: Santità e Apostolato, IV: Espanzione e
inculturazione, a cura di Costanzo Cargnoni, Roma 1988-1992.
7. Lorenzo da Brindisi, La Vergine della Bibbia, a cura di Mariano d‟Alatri, Roma
1958.
8. MHOC I: Marius a Mercato Saraceno, Relationes de origine Ordinis Minorum
Capuccinorum, a cura di Melchiorre da Pobladura, Assisi 1937.
9. MHOC II: Bernardinus a Colpetrazzo, Historia Ordinis Fratrum Minorum
Capuccinorum (1525-1593), I: Praecipui nascentis Ordinis eventus, a cura di
Melchiorre da Pobladura, Assisi 1939.
10. MHOC III: Bernardinus a Colpetrazzo, Historia..., II: Biographiae selectae, a
cura di Melchiorre da Pobladura, Assisi 1940.
11. MHOC IV: Bernardinus a Colpetrazzo, Historia..., III: Ratio vivendi fratrum,
Ministri et vicarii generales, Cardinales protectores, a cura di Melchiorre da
Pobladura, Romae 1941.
12. Pontiggia Elena, S. Carlo Borromeo e fra Paulo Bellintani (lettere inedite) in
Brixia sacra n.s. 11 (1976) 41, 51-52.
13. Urbanelli Calisto, Storia dei cappuccini delle Marche, I/1: Origini della Riforma
Capuccina (1525-1536), I/2: Vicende del primo cinquantennio 1535-1538, I,3:
Documenti 1517-1609, Ancona 1978-1984.
14. Yves d'Évreux, Voyage dans le Nord du Brésil 1613-1614, Leipzig-Paris 1864.
8

Apresentação da Edição Brasileira


(a ser feita pelo atual Presidente da CCB)

Informes:
 Em agosto de 2001, a Assembléia Geral da CCB define traduzir a obra I
Cappuccini.
 Frei Sermo Dorizotto, então Ministro Provincial de São Paulo, assume articular o
primeiro encontro dos possíveis tradutores.
 A responsabilidade de coordenação é entregue a Frei Carlos Zagonel, que
coordena os trabalhos.
 Em junho de 2002, a pedido de Frei Dourival Ribeiro Miranda, então Presidente da
CCB, Frei Servus Gieben, Diretor do Instituto Histórico dos Frades Capuchinhos, a
quem pertencem os direitos autorais da obra, dá, por escrito, a licença favorável e
gratuita para a versão brasileira da obra.
 Em abril de 2003, chegam às mãos de Frei Prudente Nery, revisor final do textos,
as últimas traduções.

Organizador: Frei Carlos Zagonel

Tradutores:
1. Frei Adelino G. Pilonetto
2. Frei Carlos Albino Zagonel
3. Frei Dyonisio Destefani
4. Frei José Carlos Corrêa Pedroso
5. Frei Maurílio Parisotto
6. Frei Mauro Strabelli
7. Frei Odair Verussa
8. Frei Serafim José Pereira
9. Frei Silvio Armigliato
10. Frei Prudente Nery

Revisores: Frei Prudente Nery e ...


9

Introdução à Edição Brasileira

Como se verá, grande parte desta obra é composta de documentos e narrativas


provenientes do século XVI. Fiéis, em quase todos os casos, à sua própria inspiração
origininária, os textos impressionam não apenas por sua radicalidade de espírito, mas
também por uma extraordinária simplicidade literária. Despidos de toda suntuosidade
verbal, deixam entrever, por si mesmos, na sua literalidade, a austeridade de seus
fautores e escritores.

Na medida do possível, tentamos manter a tosca beleza de sua simplicidade,


mantendo-nos colados à sua linguagem simples, quase rude.

As expressões latinas ocorridas no corpo do texto original foram mantidas também


na versão brasileira, sendo traduzidas, em nota de roda-pé, uma única vez, a saber:
onde ocorrem pela primeira vez.

Os títulos dos documentos pontifícios, retirados, como dita a praxe da Igreja, de


suas palavras iniciais, foram mantidos em latim, sem tradução.

Os nomes próprios de lugares ou de origem, quando não dispunham de traduções


já consagradas em português, permaneceram em suas línguas originárias. Assim, por
exemplo, Milano, Norcia, Cascia, Cantalice, Leonessa, Napoli foram traduzidos,
respectivamente, por: Milão, Núrsia, Cássia, Cantalício, Leonissa, Lião, Nápoles, ao
passo que outros, como Città del Valle, Città di Castello, Reggio Calabria,
Fossombrone, Montefiore, Castelferretti, não foram traduzidos.

Os títulos das obras usadas ou indicadas nas referências bibliográficas aparecem


na língua em que essas obras estão disponíveis.

Ao contrário, dos nomes próprios de pessoas foram traduzidos apenas os (pré)


nomes, quando tinham equivalentes usuais em português, tais como Giuseppe = José,
Girolamo = Jerônimo, Paolo = Paulo, Pietro = Pedro, Giacomo = Tiago, permanecendo
seus sobrenomes na língua original.

Os Tradutores
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O primeiro século (1525-1619)


Quatro histórico

Mariano D’Alatri
Tradução de Carlos A. Zagonel
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1. Mediante a constituição apostólica Ite vos, de 29 de maio de 1517, Leão X


propunha-se, em primeiro lugar, realizar a unidade da Ordem Franciscana, de fato,
dividida entre Conventuais e Observantes, além de um grande leque de observâncias.
Historicamente, porém, é conhecida como bula da divisão (entre os Observantes e
Conventuais) e de união (entre as varias famílias da Observância). A divisão existia de
fato e foi facilmente formalizada do ponto de vista jurídico. No que diz respeito à união,
que devia reagrupar em uma só família, sob a orientação do Ministro Geral, os
Observantes propriamente ditos, martinianos, amadeítas, coletinos, clarenos e
guadalupenses (também conhecidos como do Santo Evangelho, do Capuz e mesmo
descalços), esta não foi além de um piedoso desejo. De fato, clarenos e amadeítas
continuaram vivendo independentes até 1568, quando, por desejo de São Carlos
Borromeu e de São Pio V, foram unidos aos Observantes. Além do mais, ao longo do
mesmo ano de 1517, Leão X aprovava a congregação espanhola dos pasqualistas
contrariando o Ministro Geral dos Conventuais.
Também na Itália, nos anos de 1518-19, no seio da Observância, foram
inauguradas casas de retiro habitadas por frades empenhados com um regime de vida
mais austero. Casas de retiro, neste estilo, são documentadas em Brescia, nos
Abruzzos e no Lácio, onde, em janeiro de 1519, o santuário de Fontecolombo foi
entregue a dois reformadores, Frei Estevão Molina e Frei Bernardino de Asti.

2. São os inícios daquela que, aprovada por Clemente VII, com a bula In suprema
(16 de novembro de 1532), será a vigorosa “reforma”, difundida, em seguida, na Itália,
na Áustria e Baviera, nos Bálcãs, na Polônia, na Hungria e em outros lugares. E, antes
que o “cinquecento” acabe, aos descalços (também conhecidos como alcantarinos), e
aos reformados se acrescentará a família dos recoletos, aprovados por Gregório XIII
em 1579.
Tudo isso não obstante a encarniçada luta com que a direção da Ordem se
esforçará para guardar sólida a unidade da grande família observante, sem contar sua
divisão entre cismontanos e ultramontanos. Mas, enquanto a cúpula zelava para
guardar o “sacramento da unidade”, na base, porém, percebia-se uma incontida
necessidade de maior fidelidade à regra professada. Além do que, muitos, com viva
inquietude, olhavam para Francisco como modelo de vida para o verdadeiro frade
menor.

Os primeiros capuchinhos

3. Entre as grandes reformas, surgidas do seio da Observância, está incluída a


capuchinha, mesmo que se apresente com características próprias e distintas. Frei
Mateus de Bascio foi o iniciador e artífice inconsciente; um observante das Marcas,
que, desejoso de seguir São Francisco na vida de pobreza, na pregação itinerante e
no mesma forma de vestir, fugiu do convento de Montefalcone para ir pedir
autorização ao papa. Tudo indica que obteve a licença, mas apenas oral, sem
documento algum que a comprovasse, e isso o colocou na desgraça. Retornando para
as Marcas, seu Ministro Provincial, João de Fano, o encarcerou como apóstata no
convento de Forano. Isto aconteceu nos primeiros meses de 1525.
Libertado do cárcere pela intercessão da Duquesa de Camerino, Catarina Cybo,
que admirara sua caridade no atendimento aos enfermos durante a peste de 1523. No
verão de 1525, apresentou-se a ele Frei Ludovico de Fossombrone que, em
companhia de seu irmão, Frei Rafael, queria associar-se a ele no incipiente gênero de
vida. Mateus, porém, não os acolheu, uma vez que não tinha licença para tanto e,
talvez, porque os dois fossombronenses queriam levar vida eremítica habitando em
lugares solitários e não como peregrinos de acordo com a intenção de Mateus.
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4. O cronista Mário de Mercato Saraceno escreve que Ludovico pedira ao Ministro


Provincial para “colocá-lo em qualquer lugar1 muito pobre junto a frades que tenham a
mesma intenção... e ali conviver de modo reformado”. O seu pedido era compartilhado
por muitos e isto preocupava a direção da Ordem em todos os níveis, com o receio de
verem renovadas as divisões. No momento, Frei Ludovico não pensava ainda em criar
uma nova família franciscana. Para ele bastava poder viver na solidão, na pura e fiel
observância da Regra Franciscana. Não lhe foi permitido. Pelo contrário, como fugitivo
do convento, foi considerado apóstata e excomungado pelo Ministro Geral, Francisco
Quiñones, durante a visita que realizou na Província das Marcas em novembro de
1525. Os fugitivos deveriam ser reconduzidos ao convento e, à força, submetidos à
obediência.
Fugindo da perseguição movida contra eles, Ludovico e Rafael refugiaram-se junto
aos camaldulenses de Massacio (24 de março de 1526). Desta permanência junto aos
camaldulenses, prolongada por diversos meses, a Reforma Capuchinha guardará
alguns sinais, entre outros, a denominação inicial de congregação de vida eremítica, o
uso da barba e, no momento da aprovação pontifícia, a comunicação dos privilégios
próprios dos camaldulenses. Atendo-se ao que escreve Bernardino de Colpetrazzo, a
idéia de dar vida a uma congregação de eremitas totalmente desligados dos frades
menores, teria sido sugerida a Frei Ludovico pelo camaldulense Jerônimo de Sessa.

5. Os dois primeiros documentos da Santa Sé, referentes aos iniciadores da


reforma capuchinha, datam da primeira metade de 1526. No primeiro, de 8 de março,
o papa ordena a captura dos apóstatas Ludovico,Rafael e Mateus. Com o outro, 18 de
maio, o penitenciário maior, Cardeal Lourenço Pucci, autoriza aos referidos frades
(citados na mesma ordem) a viver independentes dos superiores da Observância, sob
a proteção do bispo de Camerino. Foi isso que, finalmente, tornou Ludovico e Rafael
livres para viver num eremitério pobrezinho, o de São Cristóvão de Arcofiato, a cerca
de três quilômetros de Camerino. Aqui, Ludovico amadureceu o projeto de iniciar uma
nova reforma franciscana, enquanto se dedicava inteiramente ao serviço de Deus e,
também, dos homens, ao menos durante o flagelo da peste que se abateu sobre
Camerino em meados de 1527. Talvez, além do conselho do camaldulense Jerônimo
de Sessa, acima recordado, a isto o impulsionou o pedido de muitos frades
Observantes que, nas Marcas e em outros lugares, em vão, suplicavam aos próprios
superiores que pudessem dispor de eremitérios, onde pudessem viver na solidão e
fiéis à observância da Regra.

A bula “Religionis zelus” de 3 de julho de 1528

6. Por norma da constituição Ite vos, ninguém podia iniciar uma nova reforma
dentro da Ordem Franciscana se, antes, não obtivesse o consentimento do Ministro
Geral ou do superior da respectiva província. Um caminho, absolutamente,
impraticável para Ludovico que, por isso, se dirigiu ao Ministro Conventual das
Marcas, pedindo-lhe para colocar-se sob sua jurisdição. Isto deve ter acontecido após
o mês de junho de 1527, uma vez que, em seu Dialogo de la salute, publicado aos 5
de junho de 1527, João de Fano censurava Ludovico e companheiros de não serem
nem Conventuais nem Observantes. Por isso, a passagem deve ter ocorrido na
proximidade e em vista da aprovação da nascente reforma da parte de Clemente VII.
A iniciativa tornou-se possível graças à intervenção direta da Duquesa de Camerino,
Catarina Cybo, sobrinha do papa, residindo, então, em Viterbo, para onde se dirigiu
em meados de junho de 1528.

1
Nota do tradutor: lugar / lugares eram os casebres ou pequenas moradias, diferentemente
dos conventos posteriores, onde se recolhiam e habitavam os primeiros frades.
13

7. Junto com ela, em Viterbo, apresentou-se também Ludovico que, em nome


próprio e do irmão de sangue, Frei Rafael, apresentou ao papa uma súplica na qual
solicitava: a) - conservar a barba e usar o hábito que vestia; b) - poder viver em
lugares solitários sob a proteção dos Conventuais, cujo ministro pudesse visitá-los
uma vez por ano e a quem eles devessem apresentar-se, igualmente, uma vez por
ano; c) - poder eleger um custódio; d) - poder receber qualquer um, clérigo ou
religioso, de qualquer Ordem.
O pedido não foi aceito, por causa desta cláusula final, que autorizaria Ludovico e
seus sucessores a acolher também frades da Observância. Mas o pedido foi
reapresentado omitindo a cláusula questionada. Em compensação, solicitavam
participar de todos os privilégios concedidos ou a serem concedidos aos
camaldulenses, entre os quais estava também a permissão de receber frades de
qualquer Ordem. Tudo foi concedido mediante o breve Expone nobis , “intercedente
ducissa Camerinensi”, como pode ser lido no verso do rescrito com data de 3 de julho
de 1528, igual observação na bula Religionis zelus, que Ludovico tomou cuidado para
que fosse concedida na forma de bula.

8. Retornando a Camerino, Catarina Cybo ordenou que a bula fosse lida nas
igrejas e proclamada nas praças e nas ruas pelos pregoeiros oficiais. Com certeza, o
evento obteve uma reação imediata. No mês de março de 1531, pouco mais de três
anos e meio depois da concessão da bula, os novos reformadores dispunham,
somente nas Marcas, de mais de nove eremitérios, construídos para poder acolher a
quantos desejassem viver como reformados. Na sua quase totalidade, esses
provinham das fileiras dos Observantes.
Inicialmente, os novos reformados foram chamados de “frades menores da vida
eremítica”, mas por pouco tempo, uma vez que, ao menos desde os inícios de 1531,
toma lugar a denominação de “capuchinhos”; primeiramente, “fratres a scapucino” ( o
capuz, relativamente, pequeno, que os distinguia dos Observantes e dos
Conventuais), passando, em seguida, a simplesmente “frades capuchinhos”.
Na Ordem Franciscana não era desconhecido o costume de denominar uma
família religiosa pela particularidade do modo de vestir. São mais que conhecidas as
denominações de zoccolanti (tamanqueiros), calçados, beccaroli, descalços,
capuchos, etc. Frades populares, nada admira que o povo os batize, impondo-lhes o
nome.

Capítulo e Constituições de Albacina

9. Menos de um ano após a concessão da Religionis zelus, entre fins de 1528 e


meados do ano seguinte, os frades menores de vida eremítica reuniram-se no
eremitério de Santa Maria de Aquarella para eleger os próprios superiores, de acordo
com o capítulo VIII da Regra Franciscana. Na direção da pequena congregação (os
frades não eram mais do que 25), foi eleito Mateus de Bascio, ou seja, aquele que,
involuntariamente, tinha sido o pioneiro. Mas ele apressou-se, de imediato, a renunciar
ao mandato, quer por incapacidade, quer porque a idéia de uma nova família
franciscana autônoma não cabia em suas intenções. O ministério de Vigário Geral foi
assumido por Frei Ludovico de Fossombrone, verdadeiro artífice da nova Reforma e
que havia dado provas de ser capaz de lutar contra as dificuldades que a mesma
encontrava. Foram, também, nomeados os guardiães dos quatro primeiros conventos
da Ordem.

10. Por ocasião deste Capítulo, o primeiro celebrado pela nova família num clima
de capítulo das esteiras, foram promulgadas as constituições de Albacina, pequeno
centro nos arredores de Fabriano em cujo território surgiu o eremitério de Aquarella,
habitado pelos capuchinhos por breve período. O texto foi-nos transmitido pelo
cronista Matias de Saló na sua na sua Historia Capuccina,assim como foi redigido, em
14

língua vulgar, com bastante probabilidade, e permaneceu em vigor até 1535. Mais que
verdadeiras constituições propriamente ditas, orgânicas e completas, são estatutos
próprios para garantir uniformidade e segurança nos objetivos da nova família.
Deixadas de lado algumas curiosas prescrições ditadas pelo cuidado de manter
afastados os abusos provenientes da família de origem, os estatutos focalizam com
clareza os objetivos da reforma no campo espiritual e operativo. Os pontos
fundamentais, sobre os quais se insiste, são a pobreza, a austeridade, a oração, a
solidão e o silêncio. O legislador não pretende introduzir um novo modo de viver o
franciscanismo. Ele busca, antes de tudo, inspiração nos escritos e nos exemplos de
São Francisco, e, algo ainda mais surpreendente, é particularmente atento a recolher
a tradição genuinamente reformista da Ordem.
De modo particular, ele se inspira nos estatutos dos descalços da Espanha e
daqueles que o Ministro Geral Quiñones promulgou para as províncias da Espanha em
1523 e da Itália (1526). Em resumo, uma busca de autenticidade e não de
originalidade, embora esta não esteja ausente. De fato, nos estatutos de Albacina o
confronto acontece não tanto com a Regra Franciscana, mas com a pessoa e o
exemplo de Francisco. Além disso, à diferença dos movimentos reformísticos
anteriores e contemporâneos, para o frade capuchinho é reivindicado o direito e o
dever de harmonizar o empenho pastoral com a vida contemplativa.

A primeira expansão fora das Marcas

11. Em 1529, a Reforma Capuchinha iniciou sua expansão fora das Marcas. No
mês de julho, Frei Ludovico encontrava-se em Roma, provavelmente, na comitiva de
Catarina Cybo, e, com seu auxílio, teria obtido uma licença de permanência ali.
Tratava-se de uma pequena casa junto à Porta do Povo e anexa à igrejinha de Santa
Maria dos Milagres. Ambas dependiam do hospital maior de São Tiago dos Incuráveis
e isto foi concedido a Ludovico por Lourenço Cybo, irmão de Catarina e curador do
hospital. Considerada também a relativa proximidade entre Santa Maria dos Milagres e
o hospital, os frades, de imediato, iniciaram a prestação de serviço espiritual e corporal
aos pobres “incuráveis”.
A permanência dos frades junto a Santa Maria dos Milagres foi breve, pois uma
inundação do rio Tigre, aos 7 de outubro de 1530, obrigou-os à transferência para
outro lugar, Santa Eufêmia, perto de São João do Latrão, colocada à sua disposição
pelo Cardeal André della Valle, protetor dos frades menores.

12. Os capuchinhos prestaram serviço por muito tempo (como enfermeiros,


coletores de esmolas, ministros dos sacramentos) em São Tiago e, desde aqueles
primeiros tempos, conquistaram a confiança e a estima dos prelados, da nobreza e do
povo romano. Com sua chegada, o hospital modificou sua fama. Roma era uma
cidade cosmopolita e, com isso, os capuchinhos tornaram-se conhecidos também fora
e longe das Marcas.
Quase seguramente, foi em Santa Maria dos Milagres que Ludovico de
Fossombrone foi procurado pelo reformado calabrês, Frei Bernardino de Reggio,
chegado a Roma para solicitar um breve junto à Penitenciaria, que autorizasse a ele e
a mais uma dúzia de frades da Calábria para viverem como eremitas, fora dos
conventos dos Observantes. Tomando conhecimento que Ludovico instituíra uma
congregação autônoma, aos 16 de agosto de 1529, assinou um convênio, mediante o
qual ele e os demais frades reformados da Calábria seriam a ela agregados, sob a
condição do convênio ser ratificado pelos frades calabreses que deveriam eleger o
próprio vigário provincial. O pacto estipulado em Roma em 1529 tornou-se efetivo,
apenas em 28 de maio de 1532. E , pelo que aparece, o passo não foi muito pacífico,
uma vez que, em 1536, num momento particularmente crítico para a reforma
capuchinha, foi necessária toda a diplomacia do Vigário Geral, Bernardino de Asti,
15

para impedir que os reformados da Calábria retornassem à obediência dos


Observantes.

13. Obviamente, a reforma dos frades calabreses talvez seja anterior à tentada por
Mateus de Bascio, todavia eles entraram na Reforma Capuchinha quando esta já
estava juridicamente ereta; por isso, de modo algum, podem ser considerados os
fundadores. Isto, porém, não diminui a importância de seu ingresso no grupo
capuchinho; eles foram os primeiros a terem um vigário provincial próprio e, em 1534,
iniciaram a propagação da reforma na Sicília.
Considere-se também que, já em 1530, Ludovico de Fossombrone enviara seus
frades a Nápoles, a Castelluccio (hoje Castelmauro, Foggia), a Gênova, a Foligno e,
em 1532, a Montepulciano. Temos, assim, o embrião dos vicariatos que serão
canonicamente erigidos no Capítulo Geral dos anos de 1535-1536: das Marcas, de
Roma, da Úmbria, da Toscana, de Nápoles, de Foggia, da Apulia, da Sicília e de
Gênova.

Luta pela sobrevivência.

14. O notável desenvolvimento da Reforma Capuchinha que, lenta, mas


constantemente, multiplicava adeptos e eremitérios, irritava cada dia mais a direção da
Observância. Não tanto pelas centenas de frades que haviam passado dos
Observantes para os capuchinhos quanto pela inquietude e pela ousadia que
excitavam os frades que, no interior da Observância, clamavam pela reforma.
Procurando serenar os espíritos e estancar o êxodo, foi permitida a abertura de
conventos de recolhimento, onde vigorasse a perfeita observância da Regra. A
promessa, em 1532, esteve prestes a tornar-se realidade, uma vez que, motivado pelo
pedido de um grupo de frades das províncias vêneta e romana, Clemente VII publicou
a bula In suprema (16 de novembro de 1532). Ela previa a possibilidade de erigir, em
cada província, lugares de retiro, governados por um custódio eleito pelos frades
reformados que neles habitavam. Sabemos que a bula teve imediata aplicação nas
Marcas, com imensa alegria dos frades desejosos de reforma.
Se a iniciativa tivesse continuado, a Reforma Capuchinha teria terminado, uma vez
que poderia haver, no interior da Ordem, possibilidade de realizar aquilo que Ludovico
obtivera para si e para os seus mediante a bula Religionis zelus. Mas, na segunda
metade de 1533, a execução da bula In suprema foi suspensa até o próximo Capítulo
Geral de 1535. E o êxodo dos conventos da Observância reiniciou mais intensamente,
porém, com uma diferença: agora, vinham bater à porta dos eremitérios capuchinhos
os melhores homens da Observância, exatamente aqueles que seriam as colunas da
nova família franciscana. Citamos Bernardino de Asti, Francisco de Jesi, o antigo
ministro das Marcas, João de Fano, Bernardino Ochino, Eusébio de Ancona e tantos
outros.

15. Isso tudo terminou irritando os superiores da Observância que promoveram


contra os capuchinhos uma verdadeira guerra de breves com o propósito de uma
solução radical: a supressão da reforma. Assim, a pedido do Ministro Geral, Paulo
Pisotti, foram emitidos os breves Cum nuper (14 de dezembro de 1529), Cum sicut
accepimus (de 27 de maio de 1530), Alias postquam (de 2 de dezembro de 1531 e 3
de julho de 1532) que, todavia, ficaram substancialmente ineficazes, uma vez que a
Reforma Capuchinha neles citada confundia-se com os reformados vivendo dentro da
própria Observância ou com os frades que, com ou sem licença da Penitenciaria
Apostólica, viviam fora da Ordem, não raro conduzindo uma vida de andarilhos. Nos
sobreditos breves, é ignorada a bula Religionis zelus e os privilégios concedidos por
ela aos capuchinhos que, à moda dos camaldulenses, podiam receber também os
Observantes que a eles se apresentassem.
16

16. Aos 14 de agosto de 1532, em resposta a uma extensa denúncia que o


procurador dos Observantes, Honório Caiani, apresentara a Clemente VII citando para
julgamento Ludovico de Fossombrone, os cardeais Antônio de Monte e André della
Valle, em nome do papa, ordenaram que os capuchinhos se abstivessem, de imediato,
de receber Observantes, mas que os deixassem viver em paz. A paz, contudo,
permaneceu apenas sonho, mesmo porque, suspensa a bula In suprema, as fugas
dos conventos da observância e o acolhimento nos conventos capuchinhos tornaram-
se até mais freqüentes e os maiores protagonistas - como foi dito acima - eram os
melhores e os mais notáveis entre os frades da família observante.
Neste clima amadureceu o propósito de liquidação definitiva da Reforma
Capuchinha. De fato, cedendo à pressão da direção da Observância, o velho e
adoentado Clemente VII, com o breve Pastoralis officio, de 15 de abril de 1534,
ordenava que, sob pena de excomunhão, dentro de 15 dias, os Observantes que
haviam passado para os capuchinhos retornassem aos respectivos conventos e lá
vivessem sob a obediência de seus superiores. Ainda uma vez, os capuchinhos foram
tratados como simples Observantes que haviam recebido uma licença - ad tempus2 -
para viver fora dos conventos, ainda que a bula Religionis zelus os houvesse
constituído como família autônoma, com superiores próprios e sob a proteção do
mestre geral dos Conventuais. Se tivesse sido executado literalmente, o breve teria
aniquilado a nova família, uma vez que, a quase totalidade de seus membros provinha
da Observância.

17. Os antigos cronistas capuchinhos contam que, aos 25 de abril, festa de São
Marcos, os frades que habitavam no convento romano de Santa Eufêmia, saíram e,
em procissão solene, precedidos de uma grande cruz, transferiram-se para o mosteiro
de São Lourenço de Verano, onde foram generosamente acolhidos pelos cônegos do
Santíssimo Salvador. É muito difícil caracterizar este gesto, até certo ponto,
clamoroso. Possivelmente, desejava-se impressionar o povo que apreciara o trabalho
dos capuchinhos, especialmente, junto aos doentes. De fato, este não deixou de
manifestar sua indignação.
Enquanto isso, Ludovico teve tempo de procurar conselho e proteção junto a seus
amigos, que continuam a ser anônimos. O breve Pastoralis officio foi revogado e
substituído pelo Cum sicut accepimus, que se limita a proibir, de imediato, aos
capuchinhos de receber Observantes e de abrir novas casas sem a permissão da
Santa Sé.

O mais glorioso estado.

18. O cronista Bernardino de Colpetrazzo entrara para os capuchinhos aos 11 de


janeiro de 1534.Teve como mestres Bernardino de Asti, Francisco de Jesi e
Bernardino de Montolmo. Já no final de sua vida, refletindo sobre os primeiros tempos
da reforma capuchinha, escrevia: “comparando o estado da congregação de 1528 a
1533 e de 1533 a 1543, este último período foi mais glorioso. Mas eu, que me
encontrava naquele tempo na pobre congregação, repensando judiciosamente, afirmo
que o período mais glorioso que houve em nossa congregação ocorreu entre 1528 a
1533, porque melhor se conformou com o princípio da religião e do tempo do Pai São
Francisco (...) uma vez que, então, foram manifestados ao mundo o hábito, a vida, a
humildade, o desprezo do mundo e a verdadeira contemplação que o Pai São
Francisco viveu com seus companheiros”.
Aquilo que melhor caracteriza o esforço espiritual da nova reforma não é tanto o
retorno à pura observância da Regra, mas a vontade de imitar São Francisco e seus
companheiros, tomados como modelos de vida. Isto já aparece claramente nos
estatutos de Albacina e continua com insistência reforçada nas constituições de

2
Trad.: por um tempo ou provisoriamente.
17

1535/36: conformar-se com Francisco assim como ele se conformou com Cristo. O
legislador tem presente o Liber de conformitate de Bortolomeu de Pisa, cuja leitura é
repetidamente recomendada. Por isso, o cronista, Bernardino de Colpetrazzo, com
evidente ênfase, se pergunta: “Reformar-se que mais significa além de retornar à
própria forma, dada desde o início à santa religião? Ou não vedes que nada nos
confirma melhor que esta seja a verdadeira Reforma, quanto podermos verificá-la em
tudo conforme ao pai São Francisco e a todos os primeiros pais?”

O capítulo dos anos de 1535/36.

19. Haviam transcorrido seis anos desde a celebração do capítulo de Albacina e


os frades, já em número de mais ou menos 500, estavam dispersos em todas as
regiões da Itália, do Vêneto à Sicília. Seu Vigário Geral continuava sendo Frei
Ludovico, que concentrava em si todos os poderes. Isto contrariava a Regra
Franciscana que prescreve a celebração do capítulo a cada três anos. Por este motivo
e certamente também em vista das decisões que no capítulo deveriam ser tomadas
considerando as novas necessidades da família crescida em número, os frades mais
responsáveis solicitaram de Ludovico a convocação do capítulo; e como ele teimava
em considerá-lo inoportuno, fizeram com que o papa o ordenasse.
Os capitulares reuniram-se em Roma, no convento de Santa Eufêmia, em
novembro de 1535. Na abertura dos trabalhos, Ludovico pediu para ser deixado livre
de qualquer ofício. Levando, formalmente, a sério seu pedido, e talvez porque se
pensasse em evitar futuras dificuldades junto à direção da Ordem, onde Ludovico não
deixaria de fazer valer seus méritos e com sua conhecida tenacidade. Dando-se conta
de ter sido excluído, declarou inválidos os trabalhos capitulares, recusou obediência
ao novo Vigário Geral e retirou-se, por conta própria, para a solidão, acompanhado de
alguns fidelíssimos amigos, junto à igreja de Santo Tomás em Formis.
Como justificativa de seu comportamento, aduzia o fato de ter a seu favor a bula
de Clemente VII, enquanto o recém eleito Vigário Geral Bernardino de Asti estava
desprovido de qualquer documento. Permaneceu firme em seu comportamento,
mesmo depois de Paulo III ter declarado válida a eleição capitular e transferido para
Bernardino e seus sucessores os poderes que a Religionis zelus conferia a Ludovico
de Fossombrone.

20. De todo esse penoso acontecimento, conhecemos, com suficiente certeza, os


fatos, mas desconhecemos, quase completamente, os motivos. De qualquer maneira,
além de uma humana e compreensível reação diante do fato de ter sido colocado
completamente à parte, não há dúvida de que Ludovico foi movido, também, por
motivos ideais. Temia o comprometimento da vocação da nova reforma à vida
eremítica, à contemplação e ao trabalho manual e isto por causa do estudo e do
trabalho pastoral.
Por isso, valendo-se de suas amizades, obteve de Paulo III a reconvocação do
capítulo, celebrado novamente em Santa Eufêmia aos 22 de setembro de 1536, sob a
presidência do Cardeal Domingos De Cupis, conhecido como Cardeal de Trani, que
ficou muito impressionado com o pacífico desenvolvimento das votações que
confirmaram os superiores eleitos no mês de novembro do ano precedente. O capítulo
promulgou, também, as novas constituições articuladas em 12 capítulos e que,
substancialmente idênticas, assegurarão a vida da Ordem por mais de quatro séculos.
No capítulo estiveram presentes 83 vogais, ou seja: o vigário e dois custódios por
província e mais os guardiães de cada casa. Disso se deduz que as províncias até
então eretas eram nove em 1535, e, em 1536, os conventos atingiam o número de 60,
disseminados nas Províncias das Marcas, da Calábria, da Úmbria, de Nápoles, de
Roma, da Toscana, de Milão, de Veneza e da Sicília. Todas elas haviam sido eretas
contemporaneamente, a tal ponto que seria fora de lugar falar de províncias mães e de
províncias filhas.
18

Mateus de Bascio e Ludovico de Fossombrone.

21. Ao longo de 1536 deixaram a Reforma Capuchinha dois frades que, a título
diverso, haviam sido seus fundadores: o involuntário pioneiro, Mateus de Bascio, e
Ludovico de Fossombrone, o combativo reformador que, após ter-lhe garantido o
direito à vida, deu-lhe organização e a expandiu por todas as regiões da Itália.
Ludovico desistiu por não julgar conveniente submeter-se ao novo Vigário Geral, não
sabemos se por considerá-lo incompetente ou usurpador de um ofício que lhe cabia.
Abandonou a Ordem em dezembro de 1536. Poucas e incertas são as notícias que
dele temos após essa data. Parece que, num primeiro tempo, tenha se refugiado em
Perusa, onde teria sido descoberto por Bernardino de Colpetrazzo que, por missão
recebida do Vigário Geral, Eusébio de Ancona (1552-1558), fora oferecer-lhe o retorno
para junto dos capuchinhos. Ludovico aceitou o convite e, de imediato, retirou-se no
conventinho de Amélia. Mas lá permaneceu por pouco tempo, uma vez que, tendo
chegado a notícia ao conhecimento do Cardeal Pio de Carpi, protetor dos frades
menores, ele quis terminantemente que ele fosse afastado. O mesmo Bernardino de
Colpetrazzo conta: “o pobrezinho partiu chorando e nunca mais foi possível saber o
que aconteceu com ele a não ser que se refugiara nas montanhas de Cagli, num lugar
escondido, apenas conhecido por um seu amigo que, semanalmente, levava-lhe um
pouco de pão; e que conduzia uma vida anacorética”.

22. Não é conhecido o motivo pelo qual Mateus de Bascio deixou os capuchinhos,
junto aos quais vivera quase como estranho, inteiramente dedicado à pregação
itinerante como era seu ideal. Parece que sua saída tenha acontecido em meados de
1536, provavelmente, porque os superiores da Ordem procuraram limitar-lhe a
liberdade de movimento e de pregação com o objetivo de evitar desagradáveis
incidentes. Também não é certo que ele tenha retornado, oficialmente, para junto dos
Observantes. Pregou o evangelho, especialmente, na região de Montefeltro; dedicou-
se, com particular empenho, à catequese das crianças; foi em peregrinação ao monte
Gargano e aos lugares santos da Palestina; nos anos de 1546/47 prestou assistência
espiritual às tropas pontifícias enviadas à Alemanha por Paulo III sob o comando de
Otávio Farnese para combater os protestantes da Liga Esmalcádica. Com sua
pregação apocalíptica e monocórdia, Mateus forçava os pecadores à conversão sob
ameaça das penas do inferno.
Morreu em Veneza, num recanto do campanário da igreja de São Moisés, aos 6 de
agosto de 1552, e foi sepultado em São Francisco da Vinha pertencente aos padres
Observantes. Contrariando a vontade do núncio, Ludovico Beccadelli, que ordenara a
sepultura no cemitério comum dos frades, o corpo de Mateus foi transferido para a
igreja onde, mais acessível, podia ser venerado pelo povo. A respeito dos inúmeros
prodígios atribuídos à intercessão de Mateus, a comissão teológica nomeada por
Beccadelli, emitiu um parecer negativo, não encontrando neles nada de sobrenatural.
Mesmo que o patriarca de Veneza, João Tiepolo, em 1620, o tenha inserido em dois
catálogos dos santos da Igreja veneziana, mesmo assim, até o presente momento,
não foi reconhecido pela Igreja o título de beato ou de santo a Mateus. Portanto,
diferentemente do que aconteceu na observância, nos inícios da Reforma Capuchinha
teria faltado um “santo”. Os antigos cronistas capuchinhos defendiam-se da acusação
afirmando que esta ocorrera “no espírito do Fundador”!

A forma das verdadeiras ordens religiosas.

23. O cronista Mário Fabiani escreve que a Reforma Capuchinha, com a eleição
de Bernardino de Asti, Vigário Geral, “tomou forma de verdadeira ordem religiosa, uma
vez que, até então, era considerada uma ordem de dispersos, de fugitivos e de
amedrontados. No tempo do frade de Asti, assumiu a forma que possuem as ordens
19

religiosas bem organizadas”. E isto por diversos motivos. Em primeiro lugar, pela bula
Expone nobis de 25 de agosto de 1536, Paulo III transferiu para Bernardino de Asti e
seus sucessores os poderes que a Religionis zelus conferia a Ludovico de
Fossombrone. O novo digníssimo Vigário Geral fora eleito, canonicamente, por bem
duas vezes e por um grande número de frades reunidos em capítulo e, no governo da
Ordem, era assistido por seis definidores, notáveis por doutrina e bons costumes.
Nesse mesmo tempo foram redigidas e promulgadas as constituições e erigidas as
primeiras nove províncias, em cuja direção estavam vigários munidos dos poderes
próprios dos Ministros provinciais.
Todavia, o que mais contribuiu para firmeza e segurança da nova família
franciscana foi a personalidade e a direção de Bernardino de Asti. Numerosos
historiadores atribuem-lhe ter sido para os capuchinhos o que São Boaventura foi para
a inteira Ordem Franciscana e São Bernardino de Sena e João de Capistrano, para a
Observância.

24. Bernardino (ca. 1484-1557) nasceu no castelo de Rinco, próximo de Asti, e


transferiu-se logo a Roma por motivo de estudo; aqui, em 1499, ingressou nos
Observantes, junto aos quais se distinguiu pela austeridade de vida e por um grande
empenho na observância da Regra. No ano de 1518 encontra-se na casa de
recolhimento de Fontecolombo e, mesmo após ter sido obrigado a abandoná-la, não
desistiu de viver em pequenos eremitérios em companhia de outros frades animados
por idêntico desejo. Estava entre aqueles que solicitaram de Clemente VII a bula In
suprema (16 de novembro de 1532), mediante a qual introduzia-se, oficialmente, a
reforma entre os Observantes; e quando a mesma foi hostilizada, entre fins de 1533 e
início de 1534, passou para os capuchinhos.
Não obstante os temores de Ludovico de Fossombrone, que o considerava um
bom religioso, mas fraco de caráter e incapaz de conduzir e proteger a Reforma
Capuchinha, ele se revelou, desde o início, sábio e seguro na arte de governar e
defender os frades. Fora o principal autor das constituições e, em suas contínuas
visitas aos mais de 700 frades que compunham a Ordem, infundiu a observância,
insistindo, de modo especial, na necessidade da oração, da pobreza e da caridade
fraterna. Impediu que os capuchinhos da Calábria, lisonjeados pelo Ministro Geral,
Vicente Lunel, retornassem à obediência do Ministro Geral da Observância. Não
obstante as reiteradas proibições de acolher frades provenientes da Observância,
durante seu governo, os capuchinhos cresceram em número com a vinda de leigos, de
sacerdotes diocesanos e de religiosos de outras Ordens. Em 1538, enquanto visitava
a província das Marcas, caiu enfermo no convento de Santo Elias, nas proximidades
de Fano; procurando evitar que a Ordem ficasse sem um guia, apressou-se a
convocar o capítulo, logo em seguida, celebrado em Florença no mês de setembro do
mesmo ano.

Bernardino Ochino de Sena.

25. Nos últimos anos de 1500, o cronista Bernardino Croli (ou Cioli), refletindo
sobre os inícios da reforma capuchinha, dos quais havia sido testemunha e
participante, afirmava que o período entre 1533 a 1543 foi “o mais glorioso aos olhos
do mundo”. Ainda que ele atribuísse o mérito disso, em geral, aos “doutos e grandes
pregadores”, refere-se, com evidência e de maneira especial, a Ochino, objeto de
estima e admiração da parte de Paulo III, de Carlos V (que em Nápoles, assistira às
suas pregações) e de numerosos prelados e príncipes. Talvez poucos soubessem da
vida repreensível levada por ele junto aos Observantes, onde favorecera o partido do
anti-reformista Paulo Pisotti.
Para aqueles que o conheciam, sua passagem para os capuchinhos tinha a
aparência de uma radical conversão; especialmente, considerando sua boa conduta e
como tal continuou dando provas durante o primeiro triênio de seu vicariato geral,
20

quando solicitamente visitava os frades, afervorava-os com sua envolvente eloqüência


a seguir animadamente o caminho iniciado de uma mais fiel e rígida observância da
Regra. De resto, ele tinha prática de governo, por ter sido ministro da recém ereta
província observante de Sena e de ter exercido, em 1530, o encargo de Comissário
Geral para a região do Vêneto e de Vigário Geral pelas províncias cismontanas em
1533. Entre os capuchinhos foi eleito primeiro definidor geral nos capítulos de 1535/36.
Por isso, no capítulo celebrado em Nápoles em 1541, não obstante sua resistência, foi
reeleito com a totalidade dos votos para o governo geral da Ordem. Então, ele,
completamente ocupado em suas pregações nas principais cidades da Itália, descurou
a visita aos frades.

26. Durante a quaresma que, por ordem de Paulo III, pregava na igreja de São
Marcos em Veneza, pronunciou algumas expressões com sabor de heresia. Por isso,
o núncio apostólico interrompeu sua pregação. Mas, em seguida, sob pressão popular
e do senado, permitiu que continuasse a pregação, mas não deixou de informar a
Paulo III a respeito do acontecido. Após a quaresma, transferiu-se para Verona, onde
esperava comentar as cartas de São Paulo aos frades e onde o alcançou uma carta
do papa que o convidava a dirigir-se a Roma para tratar de negócios referentes à
Ordem. A contra-gosto iniciou a viagem, mas chegando a Florença e encontrando-se
com o herege Pedro Mártir Vermigli, interrompeu a viagem e, abandonando a Ordem e
a Igreja católica, fugiu para Genebra.
É difícil imaginar se o trágico passo foi dado por medo do que lhe poderia
acontecer em Roma, de acordo com o parecer de Vermigli, ou se já havia assumido
sua opção pela heresia.

27. A personalidade de Ochino continua, ainda, muito enigmática. Sua apostasia


jogou numa profunda consternação os pobres capuchinhos que, exatamente, por
causa dele, haviam conhecido um breve período de paz e de tranqüilidade. Com
Ochino, eram três os cabeças fundadores que abandonavam a sua própria religião
materna; e ele o fazia de maneira dramática, exatamente no momento em que a Igreja
recolhia todas suas forças para fazer frente aos progressos da revolução protestante.
Não causa admiração, portanto, que Paulo III, tão logo recebeu a notícia em Perusa,
pensasse na supressão da Ordem capuchinha. Se a cabeça estava arruinada, como
estariam os membros?
A temida supressão foi evitada graças à intervenção do Cardeal Antônio
Sanseverino; mas todos os capuchinhos tiveram suspenso o ministério da pregação e
foram submetidos a um rigoroso exame a respeito da fé por parte do Cardeal Rodolfo
Pio Leonelli de Carpi, protetor dos franciscanos. O governo da Ordem foi confiado a
um comissário, Francisco de Jesi, posteriormente confirmado no ofício de Vigário
Geral, no capítulo de Pentecostes, celebrado em Roma aos 11 de maio de 1543.
Coube-lhe o trabalho de confortar e restituir a confiança aos pobres frades, que tantos
perseguiam como hereges. Durante seu vicariato, em fins de 1543, ingressou entre os
capuchinhos Frei Félix de Catalício, o santo das ruas de Roma, que será o primeiro,
entre os capuchinhos, a ser exaltado às honras dos altares. Ao mesmo tempo, em
1545, participava nas sessões da Concílio de Trento, Frei Bernardino de Asti, em
representação do Vigário Geral, Francisco de Jesi.

Sob a insígnia de um excessivo rigor

28. Em 1546, Bernardino de Asti foi chamado de Trento para, novamente,


governar a família capuchinha. Paulo III costumava dizer que, enquanto vivesse
Bernardino, a Ordem não tinha nada a temer; pelo contrário, poderia esperar somente
coisas boas. Ele governou os frades por mais dois triênios, até 1552, com firmeza e
também com grande bondade.
21

De maneira diversa, alguns de seus sucessores foram extremamente exigentes na


acolhida dos novos candidatos à Ordem e de um excessivo rigor no governo dos
frades. Assim, em 1561, no final de seu primeiro triênio de governo, Tomás de Città di
Castello foi repreendido por seu excessivo rigor na punição dos frades; mas, logo em
seguida, os mesmos capitulares, não obstante sua resistência, quiseram que ele
continuasse governando a Ordem por mais um triênio.
O pior aconteceu para o santo e austeríssimo Jerônimo de Montefiore (1575-
1581), que, ao término de seu sexênio de vicariato, foi punido pelos capitulares com a
privação da voz ativa e passiva pelo resto de seus dias. A mesma sorte teve o
impulsivo e rígido Jerônimo de Polizzi (1587-1593), que ousara reconduzir a Ordem
para os rigores da austeridade dos primeiros tempos. Mas ele foi reabilitado em 1602
pelo santo Vigário Geral, Lourenço de Brindisi, que, quanto à austeridade e à firmeza
no governo dos frades, com certeza, não lhe era inferior.
Portanto, o Capítulo Geral não se limitava a eleger os superiores, mas julgava com
rigor seu procedimento; mesmo se depois, no fundo, fosse pela linha rígida, como
demonstra o fato que em outros vigários, como Mário de Mercato Saraceno (1567-
1573), foi reprovada uma brandura considerada contrária à austeridade da Ordem.

29. Enquanto a primeira geração de frades estava desaparecendo, sentiu-se a


necessidade de confiar à memória escrita a recordação dos inícios, que, em muitos
lugares, haviam sido marcadas por sofrimentos e pela austeridade com sabor de
heroicidade. Foi assim que foram escritas as crônicas de Mário de Mercato Saraceno,
de Bernardino de Colpetrazzo e, depois, de Matias de Saló e Paulo de Foligno. Mas
são apenas as mais importantes, nascidas sob o signo de oficialidade, uma vez que os
seus autores foram incitados pela direção da Ordem a escrever.
Em 1579, Bernardino de Colpetrazzo fora encarregado por Jerônimo de Montefiore
de descrever a vida, as penitências e os milagres dos santos frades antigos. Um
primeiro esboço de biografias foi entregue a Jerônimo antes de 21 de março de 1580 e
ele promovia sua leitura entre os frades por ocasião da visita aos diversos lugares.
Nos anos de 1562-1563, além do Vigário Geral, Tomás de Città di Castello,
tomaram parte nos trabalhos do Concílio de Trento também os capuchinhos
Evangelista de Cannobio, João de Valência, Francisco de Milão, Jerônimo de Pistoia,
Ângelo de Asti e Jerônimo de Palermo. Eles conquistaram a benevolência dos padres
conciliares tanto pela doutrina quanto pela austeridade de vida. Nas sessões públicas,
mais de um padre conciliar falou em seu favor, dizendo que os capuchinhos não
tinham necessidade de reforma e, por isso, “não deviam ser perturbados no seu modo
de vida” e “não se ocasionasse prejuízo para a vida santa dos capuchinhos”. Pelo
contrário, numerosos bispos italianos e estrangeiros solicitaram a implantação da
Ordem em suas respectivas dioceses.

30. Foi por causa da estima que os capuchinhos resgatavam junto aos bispos e ao
papa puderam ser esvaziadas todas as tentativas dos Observantes para reconduzir a
Reforma para a obediência de seu próprio Ministro Geral. Houve sérias tentativas
neste sentido nos anos de 1558-59, quando, com o auxílio do Cardeal Carlos Carafa,
tinha sido preparada uma bula preconizando a submissão dos capuchinhos aos
Observantes. Somente a inopinada queda em desgraça do onipotente e celerado
sobrinho de Paulo IV impediu sua promulgação.
Em 1568, o geral Mário de Mercato Saraceno, em visita na Sicília, precisou
retornar precipitadamente a Roma, quando se considerava iminente a submissão aos
Observantes. Mas Pio V assegurou-lhe que isso não aconteceria e, como prova da
estima que nutria pela Ordem, nomeou Frei Jerônimo de Pistoia como seu teólogo.
Nem com isso cessaram as oposições. Em 1608, Paulo V considerou necessário
promulgar a constituição Ecclesiae militantis, na qual reafirmava solenemente que os
Capuchinhos eram “verdadeiros frades menores e também filhos de São Francisco”. E
foi o mesmo papa que, em 1619, mediante o breve Alias felicis recordationis, concedia
22

à Reforma Capuchinha a plena autonomia, eximindo, assim, os frades da


subordinação, meramente formal, que, desde o início, os havia ligado à benemérita
família conventual.

Difusão na Itália.

31. As Marcas foram o berço da Reforma, mas, desde 1529, Ludovico de


Fossombrone iniciara o envio de frades para fora dos confins dessa região. Em ordem
cronológica, o primeiro lugar coube a Roma; em 1530 encontramos os capuchinhos
em Gênova junto ao grande hospital da cidade, em Nápoles, em Narni, em Terni e em
Foligno; em 1532, em Montepulciano; em 1532 os frades calabreses elegem o próprio
vigário; em 1533, Frei Túlio de Potenza, fundava um convento, primeiro, em Potenza
e, depois, em Rugge (Lecce) e os frades da Calábria passavam para a Sicília; em
1535, os frades se instalavam em Faenza, primeiro convento da Romagna, e em
Larino, enquanto Frei João de Fano encaminhava as fundações capuchinhas no
Vêneto e na Lombardia, cujo primeiro convento surgiu em Bergamo.
Por isso, ao serem erigidas as primeiras províncias da Ordem, em 1535, elas não
existiam apenas no papel, mas eram uma realidade viva e dinâmica, como deixam ver
as filiações e divisões surgidas logo em seguida. Foi deste modo que, em 1560, a
primitiva província da Apulia foi subdividida nas províncias de Lucania (Basilicata e
Salerno) e de São Nicolau (Bari e Lecce) que, por sua vez, em 1590, foi novamente
subdividida nas províncias de Bari e de Otranto. Mesmo fenômeno na Sicília, onde, em
1573, os cinqüenta conventos da única província foram distribuídos entre as províncias
de Palermo (20 conventos), de Messina (15 conventos) e de Siracusa (15 conventos).
Semelhantemente, em 1587, a primitiva província da Lombardia foi dividida na
província de Milão e de Brescia.

32. Até fins de 1500, a Ordem foi implantada nas várias ilhas do Mediterrâneo. Em
1540, Mariano de Nebbio introduziu-a em sua terra natal, a Córsega, cujo vigário
provincial pôde tomar parte no Capítulo Geral de 1543. E os frades que, em 1567,
foram destinados à ilha de Creta, lá erigiram cinco conventos e se dedicaram, de
modo especial, à assistência dos soldados enfermos ou feridos. Perto de 1589, os
capuchinhos da Província de Siracusa aportaram em Malta, fundando aí o convento de
Floriana. Frei Severino de Bergamo foi constituído comissário da Sardenha cujos
conventos foram erigidos como província autônoma em 1605.

As fundações além Alpes.

33. Não obstante seu entusiasmo e sua projeção, em 1535, Ludovico de


Fossombrone não tinha ainda imaginado enviar seus frades para além dos Alpes.
Além disso, o imperador Carlos V, na data de 4 de dezembro de 1535, escreve ao
Papa, pedindo que, de modo nenhum, permitisse que a Reforma pusesse pé na
Espanha, como se isso constituísse um grave negócio de Estado. Mas as pressões
foram renovadas, também sobre a Cúria Romana, a tal ponto que a proibição foi
reforçada por Paulo III em 1537 e por Júlio III em 1550. A revogação desta proibição
acontecerá apenas em 1574, quando Gregório XIII estabeleceu, de uma vez por todas,
que aos capuchinhos fosse lícito dirigir-se à “França e a todas as outras partes do
mundo e ali erigir casas, conventos, custódias e províncias”.

34. A primeira expedição teve como meta a França, onde, já em 1562, o Cardeal
Carlos de Lorena havia inutilmente solicitado o envio dos capuchinhos. Guiados pelo
Comissário Geral, Pacífico de S. Gervásio, fixaram-se em Paris, numa localidade
chamada de Picpus, onde, no mesmo ano, foi aberto o noviciado. As fundações
continuaram em Lião (1575), a pedido dos comerciantes italianos, em Cognin, Avinhão
e em outros lugares, tanto que, em 1578, os dez conventos já existentes puderam ser
23

divididos nos dois comissariados de Paris e de Avinhão, em 1580 promovidos ao grau


de províncias. Rapidamente, quase todas as regiões da França cobriram-se de
conventos, a tal ponto que tornou-se necessário reagrupá-los em nove províncias:
Tolosa (1588), Lorena (1606), Tours (1610), Savóia e Borgonha (1618). Em 1619, a
província de Tolosa contava já com 35 conventos.
Em 1585, os capuchinhos passaram da França para a Bélgica, onde, em 1587,
erigia-se um comissariado geral e os conventos se multiplicaram com tal velocidade
que, em 1616, puderam ser criadas duas províncias: Flandres-Bélgica e Valônica,
respectivamente com 18 e 22 conventos.

35. Após várias tentativas, esvaziadas pela oposição do rei Felipe II, somente em
1578 os capuchinhos puderam assumir uma primeira sede estável na Espanha, na
cidade de Barcelona, que, repetidas vezes, solicitara sua vinda. Dali se propagaram
para Rossillón (1580), para Valência (1596), para onde haviam sido chamados pelo
santo bispo João de Ribera, em Aragão (1598) e em Navarra (1607).
Mais dificultada foi a entrada da Ordem na região de Castela, onde o primeiro
convento surgiu em 1609, por obra de Lourenço de Brindisi, que viera a Madrid como
legado do imperador junto ao rei da Espanha. Os frades encontram o favor da nobreza
e do povo e as fundações cresceram tão rapidamente (em 1615, Felipe III concedeu
que elas poderiam somar o número de 36) que, em 1618, o então comissariado geral
podia ser elevado ao grau de província autônoma.

36. Acolhendo o convite de São Carlos Borromeu, em 1581, um grupo de


capuchinhos se dirigiu para a Suíça e fixou moradia em Altdorf, o primeiro convento
em território de língua alemã e primícias da província suíça, erigida apenas oito anos
após, em 1589. Daqui a Ordem se propagou para a Áustria Anterior (Freiburg im
Breisgau, 1599) e na Alsácia (Ensisheim, 1603). Ao mesmo tempo, por obra dos
capuchinhos vênetos, com a fundação dos conventos em Innsbruck (1593) e em
Munique (1600), foram lançados os fundamentos das futuras províncias,
respectivamente, do Tirol e da Baviera.
Na Renânia-Westfália, a Ordem foi introduzida pelo célebre Francisco Lavalin
Nugent, que, em 1611, fundava o primeiro convento em Colônia, imediatamente
erigido em noviciado. Finalmente, o Capítulo Geral de 1599 decretava o envio de um
grupo de frades para a Boêmia, com Lourenço de Brindisi à frente. Estabeleceram-se,
primeiro, em Viena, em Praga e em Graz, lançando os fundamentos das futuras
províncias da Áustria-Boêmia (1618) e da Estíria (1619).

Alguns dados estatísticos.

37. Remetendo às páginas que seguem com relação às causas, às circunstâncias


e aos homens que favoreceram tão rápido desenvolvimento e difusão da Reforma
Capuchinha, inicialmente na Itália e, depois, em grande parte da Europa, limitamo-nos
a indicar alguns dados estatísticos devidamente comprovados. Portanto, no primeiro
século de sua história, a Ordem capuchinha apresenta os seguintes dados:

Ano Províncias Conventos Religiosos


1529 04 ca.30
1536 12 ca. 700
1550 ca.15 ca.2.500
1575 18 ca. 3.300
1578 21 325 3.746
1599 30 689 7.868
1602 30 713 8.803
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1605 34 757 9.595


1608 35 808 10.708
1613 39 918 12.461
1618 40 1.030 14.846

A pregação

38. Desde os inícios da Reforma, a pregação foi a atividade específica e


proeminente dos capuchinhos. Contudo, mesmo durante o primeiro século de sua
história, numericamente, os pregadores foram uma minoria, uma vez que se
preocupavam em ter poucos pregadores, mas bem preparados e de vida exemplar.
Entre esses, encontramos frades de uma eloqüência arrebatadora, como Bernardino
Ochino de Sena, João de Fano (+1539), Francisco de Jesi (+1549), José de Ferno,
Matias Bellintani de Saló (+1611), Afonso Lobo (+1593), Pedro Trigoso de Calatayud,
Lourenço de Brindisi e tantos outros, muitos dos quais tiveram seus sermões
publicados.
Estes pregavam com freqüência, senão mesmo continuamente, durante todo o
ano. As constituições de Albacina prescreviam que os pregadores não se
contentassem com a pregação da Palavra de Deus somente durante a quaresma, mas
deviam atender aos pedidos durante todo o ano, especialmente, nos dias festivos. A
prescrição é retomada e com mais força inculcada nas constituições de 1535/36, onde
lemos que os pregadores “não pensem de fazer o bastante se pregarem somente no
tempo da quaresma ou do advento: mas se esforcem assiduamente em pregar, ao
menos, em todas as festas”. O exemplo de São José de Leonissa, que pregava, ao
mesmo tempo, em diversos lugares limítrofes, não devia ser totalmente excepcional.

39. Mas o que, desde o início, constituiu a característica e a eficácia da pregação


capuchinha foi o retorno à simplicidade substancial do anúncio evangélico. O cronista
Bernardino de Colpetrazzo, testemunha e ator por cerca de 60 anos da vida da
Ordem, escreveu uma página pitoresca e luminosa a respeito da novidade da
pregação dos capuchinhos.
Ele escreve: “Naquele tempo, os capuchinhos pregavam os mandamentos de
Deus, o Evangelho e a Sagrada Escritura; repreendiam com rudeza os vícios,
exaltavam e dignificavam as santas virtudes. E isto causou uma viva admiração em
toda a cristandade, uma vez que era uma pregação nova e com tanto fervor que
abrasava a qualquer um, uma vez que, naquele tempo, não se pregavam senão as
questões de Scoto e de Tomás; e no princípio sempre se cantava um sonho, dizendo:
“Nesta noite, pareceu-me, etc. Pregavam a filosofia, as fábulas de Esopo. E sempre,
por último, cantavam alguns versos de Petrarca ou de Ariosto. Jamais se nomeava o
Evangelho ou a Escritura Sagrada. De maneira que, surgindo os capuchinhos com
este estilo fervoroso de pregação evangélica, foi necessário que todos os pregadores
de outras religiões se adaptassem a pregar a Sagrada Escritura, se quisessem ser
aceitos (...) e deixassem tantas questões e subtilezas e tantas filosofias, do contrário,
pregariam aos bancos. Os capuchinhos, portanto, deram oportunidade a que se
pregasse a Escritura (...) e isso agradou de tal maneira universalmente que o povo,
quando não ouvia pregar o Evangelho, não o queria ouvir... e assim, todos foram
obrigados a deixar de lado as fábulas e pregar o Evangelho de Jesus Cristo, se
quisessem agradar!”
Mesmo que se queira diminuir o papel que os capuchinhos teriam tido na
renovação da pregação, Colpetrazzo é totalmente crível por aquilo que escreve a
propósito do modo catedrático ou burlesco com que se pregava ao povo. Nisto ele é
um testemunho.
25

40. Para tornar duradouros os frutos da pregação, os capuchinhos se esforçaram


por introduzir junto ao povo a prática da oração mental. Entre eles, distinguiu-se
Bernardino de Balvano, autor de um Specchio di oratione, muitas vezes reimpresso, e
Matias Bellintani de Saló que, pregando em Bréscia, induziu o bispo a celebrar,
publicamente, um tempo de oração, nas horas vespertinas, na catedral. A prática,
aprovada por São Carlos Borromeu, foi então introduzida também em Milão.
Na pregação dos capuchinhos ocupa um lugar totalmente particular a prática das
Quarenta Horas, à qual acrescentaram solenidade, fazendo-a de alguma forma própria
zelosos pregadores, como José de Ferno, Matias de Saló e Jacinto de Casale. Era o
tempo das grandes conversões e reconciliações, tanto públicas como privadas. De
preferência, eram celebradas nas duas semanas que antecediam à celebração da
Páscoa, mas qualquer tempo era oportuno e tinham papel de verdadeiras missões
populares, a tal ponto que, neste tempo, os capuchinhos pouco ou nada cuidavam
destas últimas.

41. Com freqüência, para favorecer a renovação da prática cristã, os capuchinhos,


na conclusão dos seus cursos de pregação, costumavam erigir congregações não
somente com finalidade devocional (meditação, culto eucarístico, freqüência aos
sacramentos), mas também de caráter social, como cuidar dos enfermos nos
hospitais, assistência aos encarcerados e o socorro aos pobres mediante a gestão de
montes alimentícios (cooperativa de alimentos), fundados ou mesmo revitalizados por
eles. Para citar um exemplo, foram estes os objetivos indicados às três associações
fundadas em Trapani por Arcângelo de Palermo (+1577).
Numerosos pregadores tiveram cuidado particular com os jovens pobres,
abandonados e órfãos, para os quais criaram lugares de acolhimento, onde fossem
alimentados e instruídos na doutrina cristã. Assim procedeu Francisco de Milão
(+1583) em Brescia e Pedro Calatayud em Ancona, em 1583. Afonso Lobo, pelo
contrário, foi expulso de Nápoles, onde pregava missões, porque se juntou às fileiras
do pobre povo oprimido pelos impostos.

O ministério das confissões.

42. No que tange à administração do sacramento da penitência, os capuchinhos o


assumiram, desde o início, muito reservados: ouviam as confissões dos seculares
apenas em caso de necessidade. Ateviveram-se a esta prática até 1591, quando
Gregório XIV, a pedido dos superiores da Ordem, proibiu draconiamente aos
capuchinhos de ouvirem confissões de seculares. Logo em seguida, os papas,
Clemente VIII e Paulo V mitigaram a proibição, mas somente para confessores
individualmente e em favor de penitentes particulares, mantendo firme a norma
constitucional que o proibia em geral. Isto criava dificuldade, especialmente, fora da
Itália (França, Suíça, Alemanha, Boêmia), onde os frades estavam empenhados na
conversão dos hereges e faltavam outros sacerdotes capazes de dar conta de r a
delicada tarefa.

43. É ilustrativo o caso da França. Aos 25 de janeiro de 1618, o rei Luís XIII
encarregara o arcebispo de Lião, Dionísio de Marquemont, seu orador junto a Paulo V,
de pedir diretamente ao papa, em favor dos capuchinhos franceses, a faculdade de
ouvir as confissões dos seculares. Ele considerava necessário que o pedido fosse
levado adiante independentemente do Capítulo Geral que seria proximamente
celebrado, uma vez que nele a maioria dos eleitores seria de italianos e, como tais,
rejeitariam certamente o pedido.
O rei diz claramente, em suas cartas, que o motivo principal pelo qual os
capuchinhos não ouviam as confissões provinha do fato de que a Ordem nascera na
Itália, onde não existiam hereges e o clero secular não tinha necessidade do auxílio
dos frades. A isso se ajuntava o fato que, nos inícios, eles moravam longe dos centros
26

urbanos e não cultivavam os estudos teológicos. Mas depois que haviam se espalhado
por toda a França, exatamente aqueles que os haviam convidado, sentiam-se
defraudados de suas esperas, uma vez que deviam recorrer a outros para serem
absolvidos de seus pecados. De outra parte, cada província capuchinha na França
tinha de quarenta a cem pregadores que, antes de conseguirem a faculdade de
pregar, haviam se dedicado, por dois anos, ao estudo da filosofia e, por três, ao da
teologia. Por isso, em cada província havia mais de duzentos sacerdotes idôneos para
o ministério das confissões; não se deveria subestimar o fato que muitas almas
andavam perdidas por deficiência de confessores.

44. O arcebispo orador cumpriu sua missão, mas, aos 4 de março, teve que
informar ao rei que o papa não pensava, de forma alguma, em acolher o seu pedido,
embora prometesse interpelar alguns cardeais a propósito. O próprio orador, portanto,
aconselhava ao rei não mexer na questão antes da celebração do capítulo. Sugestão
que o rei acolheu, como resulta de uma carta de 26 de março. No dia 25 de junho, o
arcebispo orador informou ao rei que o recém eleito Ministro Geral, Clemente de Noto,
e seu definitório haviam rejeitado absolutamente o pedido; esperava, contudo, que
este fosse acolhido pelo papa. Mas se enganou, uma vez que, em outubro do mesmo
ano de 1618, o Cardeal Secretário de Estado escrevia ao núncio apostólico de Paris
que não se falasse mais da questão.
O Capítulo Geral de 1618 deixara intocada a prescrição das constituições;
contudo, estabelecera disposições a respeito da formação de confessores mediante o
ensino de teologia moral.

A respeito dos enfermos e dos pesteados

45. O encontro de Mateus de Bascio e de Ludovico de Fossombrone com os


empestados de Camerino foi muito mais que uma ocasião de atos de heróica
caridade. Isso acabou influenciando e guiando as escolhas da Reforma por eles
iniciada. É significativo o fato que a primeira menção da presença dos frades em
Roma (1529), Gênova e Nápoles (1530) mostre-os empenhados em servir nos
hospitais dos incuráveis. A prática estava, de algum modo, codificada nas
constituições dos anos de 1535/36, onde lemos: “E visto que, para aqueles que não
possuem amor na terra, é doce, justo e coisa devida morrer por aquele que morreu
por nós na cruz, ordena-se que, no tempo da peste, os frades sirvam ai, conforme for
deposto seus vigários; e estes, em caso semelhante, se esforcem por manter abertos
os olhos da discreta caridade”. E mesmo que, nas constituições de 1552, o sobredito
inciso tenha sido omitido, os frades continuaram expondo sua própria vida nas
repetidas epidemias de peste.
Isto é documentado em Pádua e seu território em 1555, onde dois frades
perderam a vida ao servir os empestados; em Veneza nos anos de 1575/76, onde o
senado, como atestado de gratidão, confiou aos frades o cuidado do grande templo
votivo do Santíssimo Redentor. Enquanto, em 1576, a fúria da peste devastava a
cidade de Milão, São Carlos Borromeu chamou para lá os capuchinhos; entre os
muitos que se ofereceram, foram escolhidos doze, sob o comando de Paulo de Saló,
a quem foi confiada a total administração do lazareto. Bem uns dez frades morreram
“como vítimas da caridade”. Frei Paulo, cessada a peste em Milão, transferiu-se,
primeiro, para Bréscia e, depois, para Marselha, a fim de prestar o mesmo serviço de
caridade. Ele condensou os frutos de sua experiência na obra Diálogo da peste,
preciosa para conhecer a história da peste em Milão e a cultura do tempo.

46. O heróico voluntariado dos frades, acompanhado do indefectível sacrifício de


vidas, repetiu-se em Palermo (1575/76), Pavia (1577), Gênova (1579) e Turim (1599).
Não foi diferente além dos Alpes, onde os frades haviam apenas chegado. Em 1580, a
cidade de Paris foi dizimada pela peste, que, no espaço de três ou quatro meses,
27

ceifou mais de 60.000 vítimas; dos capuchinhos, vindos para servir os enfermos, dois
morreram no exercício de seu ministério. Pouco depois, a coisa se repetiu em Ruão
(1583 a 1584), Tolosa (1588), Bordeu (1605/06) e, novamente, em Rouen (1615). Em
1589 foi a vez da Catalunha, onde os capuchinhos havia pouco tempo estavam
assentados; oito deles morreram no serviço aos empestados.
Irrompida a peste em Augsburg (1607), ao serviço dos doentes acorreram os
capuchinhos da província de Tirol-Baviera e o fizeram com tanto heroísmo que
despertaram admiração mesmo dos hereges, alguns dos quais, se converteram. A
coisa repetiu-se no mesmo ano de 1607 em Appenzell e, finalmente, nos anos de
1610/1611, quando a peste fez estragos em toda a Suíça e Alemanha.

Entre os soldados.

47. Em 1535, Boaventura de Radicena (a hodierna Taurinova) viajou para a África


com a esquadra do imperador Carlos V, destinada à conquista de Túnis, de onde
Chaireddin Barbaroxa aterrorizava o Mediterrâneo com seus corsários.
Cronologicamente, é o primeiro capuchinho que encontramos no séquito de um
exército que vai à guerra. Os cronistas apresentam-no todo dedicado a cuidar dos
soldados enfermos e a administrar-lhes os sacramentos. Sua ativa participação na
expedição guerreira era motivada pelo desejo de confortar espiritualmente aqueles
que se expunham a um perigo de vida para defender uma causa justa: os corsários
devastavam territórios pacíficos, faziam escravos para deportar na África e se
constituíam uma inevitável ameaça para a cristandade. A isto se acrescentava, para o
capelão militar de 1500 (e, infelizmente, ainda por muitos séculos futuros), a
necessidade de cuidar dos enfermos e feridos, para não serem destinados a morrer
privados de toda ajuda. E, obviamente, com os soldados ele compartilhava privações
e perigos.

48. O Papa São Pio V quis que os capuchinhos fossem os capelães militares na
expedição naval de 1570, que deveria tirar Chipre das mãos dos turcos. Mas, na ilha
de Creta, onde a frota - formada de galeras espanholas, venezianas e pontifícias -
deveria organizar-se para o ataque, irrompeu a peste entre as tropas e aos
capuchinhos não restou outra coisa senão assistir espiritual e materialmente aos
doentes. Entre as vítimas da peste esteve Jerônimo de Pistoia, teólogo de Pio V e
chefe dos capelães, que induzira o papa a organizar a expedição.
No ano seguinte de 1571, outros capuchinhos tomaram parte na expedição que
culminou com a vitória de Lepanto. Sobre esses, Marcos Antonio Colonna escreveu
ao papa: “Os padres capuchinhos comportaram-se admiravelmente; na assistência à
armada, demonstraram muito fervor e zelo na fé cristã e na honra divina”.

49. Em 1593, o Papa Clemente VIII quis que 25 capuchinhos acompanhassem o


exército pontifício que, sob o comando de João Francisco Aldobrandini, correu em
auxílio do imperador Rodolfo II, empenhado em rechaçar os turcos que, sob a guia do
Sultão Amurad III, haviam invadido a Hungria e ameaçavam marchar sobre Viena. O
nome de outros capelães aparece ainda nas campanhas militares antiturcas nos anos
de 1596 e 1600, quando perderam a vida onze sacerdotes capuchinhos, que
prestavam assistência às tropas cristãs empenhadas em repelir os turcos que
assediavam Canezza.
Os historiadores exaltam a participação de Lourenço de Brindisi no encorajamento
dos generais do exército do imperador Matias, para que, em outubro de 1601,
enfrentassem as tropas turcas em Alba Reale. A sua incolumidade, enquanto, de
crucifixo na mão, ia na frente dos soldados cristãos na batalha, foi considerada
milagrosa e a vitória inesperadamente obtida significou a salvação da Hungria cristã.

Entre os hereges.
28

50. O motivo principal pelo qual os capuchinhos foram convidados e enviados


para a Suíça, França, Alemanha, Boêmia e Bélgica/Holanda foi o de bloquear a
difusão do protestantismo e reconduzir os errantes ao seio da Igreja Católica. Não
raramente, a ereção dos conventos propriamente ditos foi precedida e preparada pela
atividade desenvolvida in loco pelos itinerantes. Foi assim em Vitelina, onde os
capuchinhos, a pedido de São Carlos Borromeu, iniciaram sua atividade anti-herética
em 1572. O grupo de capuchinhos lombardos, guiados por Frei Francisco de Bormio
(+1583), mesmo no meio de perseguições e dificuldades de todo gênero, desenvolveu
uma eficaz ação missionária para o retorno de muitos ao seio da Igreja Católica.
Iniciando em 1595, os capuchinhos da província de Turim trabalharam
incansavelmente nos vales do Piemonte pela restauração da vida cristã. Entre suas
iniciativas esteve também a de formar um clero novo a quem confiar as paróquias
havia tempo privadas de pastor.
Na França, o apostolado entre os huguenotes se desenvolvia não só mediante
uma intensa ação capilar, mas também com solenes pregações que, não raro,
encontravam feroz oposição por parte da autoridade política. Aos capuchinhos que
reclamavam para si a liberdade da palavra e, para os católicos, o livre exercício da
religião, respondia-se, não raramente, com a perseguição e o exílio, como aconteceu
com Frei Ângelo da Joyeuse e Frei Arcângelo de Lião, desterrados pelo senado
parisiense por terem impugnado a legitimidade do Edito de Nantes de 13 de abril de
1598.

51. Um exemplo de como os capuchinhos empenharam-se para reconduzir os


povos à ortodoxia é oferecido pelo acontecimento da missão no Chablais, região da
Sabóia, onde eles trabalhavam desde 1576. Fixados em Thonon, capital do ducado,
ali reabriram duas igrejas para o culto católico, difundiram por toda a parte a devoção
das Quarenta Horas, fundaram a Casa da Bem-aventurada Maria da Compaixão para
instrução do povo, até então, constrangido a freqüentar escolas administradas por
calvinistas e, finalmente, erigiram a “Congregação dos convertidos” para acolher
aqueles que eram banidos por causa de seu retorno ao catolicismo.
O principal animador de todas estas obras foi Frei Querubim de Maurienne, que
em 1601, na casa de Thonon, celebrou o jubileu do ano precedente, com o concurso
de 300.000 fiéis, vindos também da França, da Borgonha e de Sabóia. Entre eles não
faltaram nem mesmo os hereges, atraídos pela novidade do evento. Alguns deles,
convertidos ao catolicismo, encontraram acolhida na Casa da Compaixão, presidida
por São Francisco de Sales, mas cuja gestão era confiada aos sacerdotes do
Oratório.
Do centro de Thonon, em 1602, os missionários estenderam sua ação para o
vizinho Vallese. Pioneiros no empreendimento foram os padres Agostinho de Asti e
Sebastião de Maurienne, que, após ter percorrido toda a região, puderam, finalmente,
entrar em Sion e lá reintroduziram o culto católico. Era o ano de 1604 e a missão, na
parte inferior de Vallese, foi confiada aos capuchinhos da província de Lião, enquanto,
na parte superior, de língua alemã, desde 1603, trabalhavam os frades da província
suíça.

52. As primeiras tentativas de estabelecer uma missão católica nas Ilhas


Britânicas remontam ao ano de 1599, quando Frei Benedito de Canfield e João
Crisóstomo Scozzeze ancoraram clandestinamente na Inglaterra. Mas suas tentativas
foram repetidamente truncadas pela prisão e pela expulsão para o exílio. Não
obstante isso, Paulo V, aos 29 de maio de 1608, concedia oficialmente a faculdade de
abrir uma missão capuchinha na Grã Bretanha e nas ilhas adjacentes.
O passo mais significativo foi realizado por Francisco Nugent, frade da província
Belga, que, em 1611, em Douai, começou a acolher candidatos para formar como
futuros missionários nas Ilhas Britânicas. Em seguida, o seminário foi transferido para
29

o convento de Charleville, onde Frei Francisco teve como colaborador eficiente o


intrépido João Crisóstomo Scozzeze, que, em 1613, aportava, pela terceira vez, na
Inglaterra. Capturado em Berwick, ficou prisioneiro por 15 meses na torre de Londres,
e, em 1621, foi novamente exilado.
A primeira missão canônica na Irlanda aconteceu em 1615/16 e era composta de
cinco frades, sob a guia de Estevão Daly, homem de grande coragem e prudência. Os
missionários se deslocavam clandestinamente de um para outro lugar para assistir
aos católicos e converter os hereges. A missão foi solenemente confirmada por Paulo
V em 1618.

O caminho na direção dos infiéis.

53. No primeiro século de vida da Ordem foram realizadas diversas tentativas de


anunciar a fé aos povos pagãos. Em 1551 morriam de inanição, no Cairo, os dois
capuchinhos, João de Medina Sidonia e João Pugliese, os mesmos que já haviam
sofrido flagelação e cárcere em Constantinopla, de onde, expulsos, dirigiram-se para
Alexandria no Egito.
Em 1587, Sisto V enviava a Constantinopla um pequeno grupo de missionários
capuchinhos, do qual fazia parte José de Leonissa, especialmente para dar
assistência aos numerosos escravos cristãos, que definhavam nos banhos turcos. As
diversas tentativas, inteiramente pessoais de José de Leonissa, para chegar até o
sultão e convencê-lo a modificar seu comportamento intolerante para com os cristãos,
terminaram no encarceramento e, finalmente, na cruel pena do “gancho”.
Sobrevivendo e libertado de modo humanamente inexplicável, retomou o caminho
para a Itália.

54. A respeito dos sacerdotes Mariano e Salvador que, em companhia de mais


dois outros companheiros, em 1603, partiram, como missionários, rumo ao Oriente
(provavelmente, a Pérsia), tem-se breve notícia através do breve de Clemente VIII.
Ainda que muito promissora, foi, também, de duração breve a missão, que, por
petição da rainha da França, Maria de Medicis, em 1612, foi aberta no estado
brasileiro do Maranhão pelos capuchinhos franceses, Cláudio de Abbeville, Ivo de
Evreux, Ambrósio de Amiens e Arsênio de Paris. Os missionários foram expulsos
pelos portugueses, vitoriosos sobre os franceses. Permaneceu no posto apenas
Cláudio de Abbeville (+1622), que, à semelhança de Ivo de Evreux, em diversas
cartas, narrou as vicissitudes da expedição missionária, além de fornecer informações
referentes à língua, aos costumes e à história dos indígenas. Inauguravam, deste
modo, a série de “relações”, com as quais tantos outros confrades seus teriam
transmitido suas gestas missionárias e a história dos povos por eles evangelizados.

Na diplomacia.

55. Não diferentemente de outras Ordens religiosas, também os capuchinhos


encontraram-se no dever de fazer escolhas dolorosas por motivos políticos. Nos
inícios de 1600, já há mais tempo, eles estavam espalhados na maior parte das
nações da Europa ocidental, cujos reis e príncipes, não raro, estavam em conflito mais
ou menos grave com a política da Santa Sé. Exatamente porque sua obediência para
com esta última era irrenunciável, foram freqüentemente obrigados a passos
verdadeiramente traumáticos. Basta citar o apoio que, na França, os capuchinhos
deram à liga contra o rei Henrique IV e, por isso, correram o risco de serem expulsos
da França. Mas, após a reconciliação com o Papa, o próprio Henrique IV passou a
querê-los tão bem que, seguidas vezes, ia para ouvir missa em suas igrejas.
Durante o interdito que Paulo V fulminou contra a República de Veneza (1606), os
capuchinhos, decididos a observá-lo, juntamente com os jesuítas e os teatinos, foram
expulsos de seus conventos e precisaram refugiar-se fora do território veneziano.
30

De outro lado, inesperadamente, relações inteiramente diferentes se estabelecem


entre os capuchinhos e a diversas cortes principescas da Europa. Em circunstâncias
particulares, alguns deles aparecem como de protagonistas na difícil e, no mínimo,
nada evangélica arte da diplomacia.

56. Inicia a série o lombardo Matias Bellintani de Saló, em 1594, pacificador entre
o rei da Espanha e o arquiduque de Toscana. Segue-lhe Lourenço de Brindisi que, por
suas missões com bom êxito, e, mais ainda, pelo estilo genuinamente evangélico por
ele observado, pode ser considerado como modelo para os confrades que, sobretudo
ao longo de 1600, estarão empenhados na diplomacia. Seu primeiro empenho foi
promover a união entre os católicos, num momento em que os protestantes, fortes por
sua “união evangélica”, com armas em punho, estavam ocupando sistematicamente
os principados católicos da Europa.
Para colocar um freio à sua audácia, o duque de Baviera, Maximiliano, o Grande,
decidiu contrapor-lhes uma “Liga católica”, com objetivos meramente defensivos de
modo a fazer cessar as suas agressões. Mas quem, na Alemanha, estava disposto e
era capaz de preparar a guerra, mesmo com objetivo meramente dissuasivo? Os
diversos principados eclesiásticos eram fracos e inermes; o imperador Rodolfo II,
incapaz e sem autoridade, nada mais sabia fazer que intrigas contra seu irmão,
Matias, rei da Hungria. Urgia, portanto, um auxílio vindo de fora, em particular o do rei
da Espanha e do Papa. Na desesperada situação que se criara, o duque Maximiliano,
o núncio papal e o embaixador do rei da Espanha em Praga, convieram
concordemente em nomear embaixador Lourenço de Brindisi.

57. Ninguém melhor do que ele conhecia as coisas da Alemanha e nem era mais
eloqüente e estimado, por causa sobretudo de sua santa vida. Munido das
necessárias cartas credenciais, às quais foram acrescentadas as do Papa Paulo V,
Lourenço partiu de Praga, aos 16 de junho de 1609, para uma longa e demorada
viagem com duração de mais de ano, que devia levá-lo a Munique da Baviera, Milão,
Gênova, Madrid, Roma, Florença, Luca, Mântua e, novamente, a Praga e Munique,
onde chegou em meados de outubro de 1610. Foi uma inteligente e sofrida obra de
diplomacia, , especialmente difícil, junto às cortes de Madrid e de Roma, ocupada em
aplainar graves dificuldades políticas e financeiras, dissipar ciúmes e suspeitas e obter
o respeito pelos compromissos assumidos e a fé na palavra empenhada. Muitas
vezes, quando tudo parecia acertado, precisava recomeçar do princípio, tendo como
interlocutores soberanos hipócritas e sem consciência dos próprios deveres, ministros
maquiavélicos e informantes sempre prontos para inventar calúnias.
Lourenço esteve muitas vezes a ponto de ser exonerado do ofício de embaixador:
se as coisas pareciam, felizmente, alcançar o porto, não havia mais necessidade dele
e os outros esforçavam para atribuir a si o mérito do sucesso; se tudo era recolocado
em discussão, gritava-se-lhe na face ter-se deixado “enganar pelos ministros” e, por
isso, era demitido; mas, quando não sabiam mais a que santo apelar, então Lourenço
era reconvocado e esconjurado a remediar. Aconteceu assim até o último momento,
quando Maximiliano, percebendo-se privado do comando da Liga, que ele havia
criado do nada, ameaçou retirar-se. Somente as palavras e a amizade de Lourenço
puderam aplacar seu ânimo exarcebado e ele permaneceu na Liga. Foi suficiente para
que a “União Evangélica” dos protestantes desistisse de suas agressões; e até fez
algo a mais, pois humilhou-se pedindo um acordo com Maximiliano e seus aliados.

58. Lourenço permaneceu na Alemanha até 1612, junto de Maximiliano, o Grande,


de quem foi amigo e conselheiro sempre ouvido. Para poder tê-lo sempre à
disposição, o duque mandou cavar um subterrâneo entre seu palácio e o convento
dos capuchinhos, no qual o santo residia. Em seguida aconteceu o retorno à Itália,
colorido com motivações plausíveis, mas, de fato, causado por intrigas políticas.
31

Não obstante, Lourenço morrerá como embaixador. Em fevereiro de 1618, por


ordem do Papa, teve que dirigir-se a Milão com a missão de pacificar o governador
espanhol, Dom Pedro de Toledo, com o duque de Sabóia. No ano seguinte, de
passagem por Nápoles, não soube resistir às suplicas e, mais ainda, à visão da
miséria à qual o mau governo e a prepotência do vice-rei espanhol, Pedro Girón,
duque de Osuna, havia reduzido o povo e a nobreza. Os seus representantes, após
munirem-se das necessárias cartas de permissão por parte do Papa e do Ministro
Geral dos capuchinhos, secretamente, foram suplicar-lhe que se dirigisse ao rei da
Espanha para advogar por sua causa desesperada.

59. Embora velho e em mau estado de saúde, na noite de 1 de outubro de 1618, a


cavalo e vestido de soldado valão, saiu de Nápoles. Sua viagem, como incógnito, na
direção de Terracina, Óstia, Gênova, Barcelona e Lisboa, enquanto era seguido pelas
embarcações de Osuna e das contra-ordens que este conseguira arrancar da Cúria
Romana, foi movimentada como um acontecimento romanesco.
Lourenço pôde falar com o rei a quem expôs a tristíssima condição da população
napolitana; foi ouvido benevolamente, mas nem por isso se mexeu um dedo para
fazer justiça aos súditos oprimidos. Então, com a liberdade apostólica que lhe era
própria, predisse sua morte iminente, talvez, apressada por veneno, e, dentro de dois
anos, também a morte do próprio rei. Antes de morrer, entregou ao marquês Dom
Pedro de Toledo, de quem era hóspede em Vilafranca del Bierzo, uma carta lacrada
para o soberano, na qual citava, dentro de dois anos, diante do tribunal de Deus, tanto
o rei Felipe III, omisso em suas obrigações mais graves, quanto Paulo V, que, por
temor de complicações políticas com o prepotente e imoral vice-rei de Nápoles, não
tinha ousado intervir para aliviar os sofrimentos de todo um povo.

60. Estas poucas páginas introdutórias são menos que uma síntese histórica do
primeiro século da Reforma Capuchinha, que, em 1618, com seus 14.846 religiosos,
havia crescido de maneira considerável e havia assumido relevantes missões no seio
da Igreja salvífica e missionária. Elas querem apenas fornecer o quadro, no qual se
colocam os diversos aspectos da vida cotidiana (constituições e narrativas dos
cronistas), das inúmeras atividades (pregação, missões, assistência aos doentes
incuráveis e aos empestados), e do florescimento de uma espiritualidade evangélica
que atinge os esplendores de uma santidade reconhecida pela Igreja (testemunhos
dos processos canônicos).
32

Os Capuchinhos e a Santa Sé
Documentos Pontifícios

Isidoro Agudo de Villapadierna


Tradução de Adelino G. Pilonetto
33

61. Aos sumos pontífices, supremos superiores de todos os institutos de vida


consagrada, compete aprovar as formas de vida, regulamentar com leis sua prática e
cuidar de seu crescimento e florescimento segundo o espírito do fundador e as sãs
tradições do instituto.
Na aprovação da Reforma Capuchinha, em 1528, Clemente VII menciona
explicitamente a sua forma fundamental de vida: “levar vida eremítica e observar a
Regra do Bem-aventurado Francisco tanto quanto o consinta a fragilidade humana”;
isto significa, na intenção dos iniciadores, depois expressa nas primeiras constituições
de 1536 e nas sucessivas revisões, observá-la “simplesmente, ao pé da letra e sem
glosa”, renunciando “a todas as glosas e exposições carnais, inúteis, nocivas e
atenuantes”, e aceitar como seu “comentário singular e vivo” as declarações dos
sumos pontífices e a santíssima vida, doutrina e exemplos de nosso pai São
Francisco.
As mesmas constituições determinavam que os frades não pedissem à Cúria
Romana “carta alguma” e acrescentavam que o Capítulo Geral tinha renunciado a
“todos os privilégios que relaxam a Regra”.
62. A Ordem capuchinha regia-se pelas próprias constituições, comentário
espiritual e prático da Regra e guia para sua observância estrita e integral.
Precisamente porque as constituições eram simples leis eclesiásticas particulares
da Ordem, a Santa Sé não achou necessário aprová-las explícita e solenemente ou de
forma ordinária; contudo, nas bulas de confirmação da Ordem de Paulo III e de Pio IV,
as define como “louváveis” e, em 1608 e 1627, declarará explicitamente que elas
“nada têm que não seja conforme a Regra de São Francisco”.

63. Os capuchinhos, desde o início, relutaram muito em pedir a intervenção da


Santa Sé. Embora no registro do bulário capuchinho se encontrem catalogados perto
de 500 documentos pontifícios para os primeiros cem anos da Ordem, quase todos
publicados no mesmo bulário, só uns setenta deles se referem estritamente à história
geral da Ordem.
Nesses documentos, a Santa Sé não interfere no programa de vida da Ordem e no
seu desenvolvimento e atuação ao longo dos tempos: limita-se a aprovar, confirmar,
tutelar e dar validade e obrigatoriedade às diversas opções da Ordem, derivadas
sempre do primitivo carisma, isto é, a observância estrita e integral da Regra.
De resto, na legislação particular da Ordem não existia nada de contrário ao direito
geral dos religiosos então vigente; a própria Ordem, nas diversas revisões de suas
constituições, se desvelou em adaptar-se aos novos decretos, tanto os que se
referiam ao direito geral como ao particular da Ordem Franciscana.

64. Entretanto, os documentos pontifícios, na sua magra formulação jurídica, são


lidos e interpretados como um testemunho positivo e autorizado da Santa Sé sobre o
espírito e a vida da Ordem em seu primeiro século.
Mesmo os documentos proibitivos acerca da recepção de Observantes na Ordem,
são entendidos e interpretados à luz do desvelo da Santa Sé em manter a paz entre
as famílias franciscanas. Da mesma forma, os documentos que proíbem outras ordens
e institutos religiosos de vestirem o hábito capuchinho, ou outro parecido com ele, não
devem ser interpretados como uma pretensão arrogante da Ordem, mas como o
exercício de seu direito natural de conservar e defender a própria identidade inclusive
externa.

Antecedentes e início da Reforma Capuchinha

65. O surgimento da Reforma Capuchinha na terceira década do século XVI não


foi uma novidade na história franciscana, na qual parece endêmica a tentação da vida
eremítica, entendida como condição indispensável a um retorno ao ideal primitivo, ou
seja, ao modelo de vida de São Francisco e dos seus primeiros companheiros como
34

foi transmitido pelas fontes franciscanas de inspiração leonina e pela literatura dos
Espirituais.
A nova reforma tinha sido precedida, depois da supressão dos Espirituais em
1317, por vários movimentos que visavam a observância literal da Regra: basta
recordar aqui a Observância italiana, iniciada na terceira década do século XIV e
consolidada depois de 1370, e, fora da Itália, pelo final do século, diversos grupos da
mesma índole, mas distintos e independentes da Observância regular, para a qual
sucessivamente confluíram.

66. A ocasião imediata para o surgimento da Reforma Capuchinha foi um episódio


interno da Ordem franciscana. A Observância regular, desde os tempos de São
Bernardino, tinha se estabilizado numa via média, caracterizada pela observância
moderada da Regra de acordo com as declarações papais e por uma ativa vida de
apostolado.
Essa, em 1517, já fortalecida com cerca de 30.000 frades e, sendo a mais potente
e prestigiosa de todas as ordens religiosas, obteve de Leão X a bula Ite vos, de 29 de
maio, pela qual incorporava a si os diversos grupos de estrita observância ainda
existentes: amadeítas, claretinos, coletinos e descalços. A bula, dita da união, não
agradou aos grupos supressos - alguns deles persistirão até 1568 - nem aos
numerosos Observantes insatisfeitos com a vida padronizada da própria família: eles
queriam uma observância mais radical da pobreza e uma maior facilidade para o retiro
e a contemplação.
Ainda em 1518 não poucos zelantes italianos começaram a agrupar-se em
eremitérios, em diversos lugares da península, mas logo foram obrigados pelo Ministro
Geral Francisco Licheto a retornar aos conventos de cidade.

67. Em 1523 o novo geral Francisco Quiñones tentou aplacar os zelantes da


Espanha com a instituição, em cada província, de cinco ou mais casas de retiro, para
uma observância mais pura da Regra, sobretudo quanto à pobreza e à oração.
Sem esperar por iniciativa semelhante para a Itália, onde o descontentamento dos
zelantes crescia dia a dia - especialmente nas Marcas, foco de uma forte tradição
mística e integrista -, foi precisamente um frade das Marcas que abriu a fila: Frei
Mateus da Bascio, carismático pregador itinerante. Querendo ele imitar mais de perto
a São Francisco também no modo de vestir, nos primeiros meses de 1525 retirou-se
no eremitério de Montefalcone a fim de obter de Clemente VII a permissão oral de usar
o capuz agudo, viver a Regra ad litteram3 e pregar à vontade por toda parte.
Frei Mateus não pensou, nem então nem jamais, em fundar um grupo de
reformados; mas, antes de novembro do mesmo ano, foi procurado por outros dois
Observantes fugitivos: os irmãos gêmeos Ludovico e Rafael Tenaglia de
Fossombrone, o primeiro sacerdote, o outro irmão não clérigo, ambos desejosos
também de observar a Regra espiritualmente.

68. Nesta altura aparece o primeiro documento pontifício, infelizmente negativo. A


pedido, de fato, do próprio ministro provincial, João Pili de Fano, os três foram
excomungados como apóstatas com o breve Cum nuper, de Clemente VII, a 3 de
março de 1526.
Para fugir à captura e ao encarceramento, os três fugitivos buscaram refúgio junto
aos camaldulenses da congregação de Monte Corona, há pouco fundada pelo bem-
aventurado Paulo Giustiniani. A seu conselho, os três apressaram-se a regularizar a
própria situação canônica, solicitando e obtendo a absolvição do penitenciário mor
cardeal Lourenço Pucci, o qual, depois de informar verbalmente o papa, assinou, em
18 de maio seguinte, o rescrito ou indulto Ex parte vestra (doc. 1: nn. 134-138); nele os
requerentes eram autorizados, entre outras coisas, a levar vida eremítica perpétua na

3
Trad.: à letra ou literalmente
35

observância da Regra “tanto quanto o consentisse a fragilidade humana”, sob a


obediência e a correção do ordinário do lugar.
69. A 26 de maio do mesmo ano de 1526, reuniu-se em Assis a congregação geral
da Observância, na qual Quiñones promulgou os estatutos para as casas italianas de
retiro, substancialmente idênticos aos da Espanha.
Mas, por oposição da maioria dos capitulares, preocupados em evitar uma ruptura
na unidade monolítica da Ordem há pouco conseguida, os estatutos não foram
executados, para grande amargura e desilusão dos zelantes.

70. Em seguida ao breve-rescrito de 18 de maio, Frei Mateus retornou à sua


pregação itinerante, enquanto os dois irmãos Tenaglia fixavam residência perto de
uma igreja rural nas proximidades de Camerino, dedicados à oração, ao trabalho
manual e a algum ministério ocasional nos arredores.
Pela caridade com que assistiram aos enfermos durante a peste que assolou a
região em maio de 1527, granjearam a estima e a proteção da duquesa de Camerino,
Catarina Cybo, sobrinha de Clemente VII, a qual em seguida prestará determinante
ajuda na aprovação da Reforma promovida pelos irmãos Tenaglia.

Aprovação da Reforma - anos difíceis - confirmação (1528-1536)

71. Diante da sistemática oposição dos superiores da Observância à abertura das


casas de retiro, muitos Observantes zelantes pediram aos irmãos Tenaglia que os
recebessem em sua companhia. Foi então que Frei Ludovico pensou seriamente em
fundar uma congregação eremítico-franciscana. Como ele continuava sendo
observante, embora exclaustrado, para iniciar uma nova reforma necessitava,
conforme a bula Ite vos, da permissão explícita do geral ou do provincial, os quais
certamente não lha dariam.
Mas como já havia acontecido com os descalços espanhóis, precisamente em
1517, para separar-se da Observância, também Ludovico burlou astutamente a
prescrição, colocando-se, com o irmão e Frei Mateus, sob a jurisdição dos
Conventuais, depois de obter para isso a permissão do novo provincial observante das
Marcas.

72. Autorizado pelo provincial conventual e pelo cardeal protetor da Ordem


franciscana André della Valle a recorrer ao Papa, Ludovico dirigiu-se com Catarina
Cybo a Viterbo, residência de Clemente VII desde o traumático “saque” de Roma.
No libellus supplex Ludovico pedia a permissão de usar hábito de mendicante e
eremita com um capuz pobre quadrado, barba longa, residir sob a proteção dos
Conventuais em lugares solitários adaptados à vida de oração, eleger um custódio
com autoridade análoga à dos ministros provinciais e acolher clérigos e religiosos de
qualquer Ordem e leigos.

73. A petição foi indeferida pela secretaria dos breves porque não trazia o
beneplácito do cardeal protetor da Ordem, ao qual ou não fora apresentada ou não
tinha agradado por incluir a admissão de Observantes, coisa inaceitável para os
superiores da Observância.
Na nova petição - cujo texto não chegou até nós - o astuto Ludovico teria
substituído o ponto relativo à admissão de religiosos com a cláusula de poder
participar dos privilégios dos camaldulenses, que tinham faculdade para aceitar
religiosos de qualquer congregação, casa ou mosteiro de mendicantes ou não.

74. Em 3 de julho de 1528 foi expedido o breve Exponi nobis, convertido, na


mesma data, em bula denominada Religionis zelus (doc. 2: nn. 139-147), que é o ato
36

jurídico de nascimento da família capuchinha. No verso da minuta do breve lia-se:


Intercedente ducissa Camerinensi4.
Na verdade, somente a poderosíssima intervenção da nobre senhora Catarina
Cybo tornou possível a concessão, inusitada, de uma bula que autorizava a dois
únicos requerentes exclaustrados - Frei Mateus não é mencionado - a fundar uma
congregação religiosa, quando, via de regra, uma bula ou documento do gênero era
concedido para confirmar, ou então regulamentar uma reforma que já tivesse
conseguido certo desenvolvimento e aprovação.

75. Aos irmãos Ludovico e Rafael, “da Ordem dos frades menores”, colocados sob
a proteção dos Conventuais e desejosos de levar uma vida eremítica e observar a
Regra tanto quanto o permita a fragilidade humana, com prévia e ampla absolvição de
todas as censuras e impedimentos canônicos que pudessem constituir obstáculo à
validade do documento papal, era concedido levar vida eremítica segundo a Regra de
São Francisco, vestir o hábito com capuz quadrado, receber em sua associação
clérigos seculares, presbíteros e leigos, usar barba, retirar-se a qualquer eremitério ou
lugar com o consentimento dos proprietários, e ali permanecer, levar vida eremítica e
mendigar por toda parte, gozar aeque principaliter5 de todos os privilégios, indultos e
graças até então concedidos ou a serem alargados no futuro à Ordem dos frades
menores e aos camaldulenses de São Romualdo e seus eremitas.
A execução da bula era confiada a todas as autoridades eclesiásticas e, enfim, era
mencionada a explicita anulação e revogação de todas as disposições emanadas da
Igreja, que pudessem tornar duvidosa a legitimidade da nova família ou congregação.

76. Pelo teor da bula da nova congregação, ainda sem nome específico, poderia
dizer-se, juridicamente, uma reforma dos Conventuais; mas, como veremos a seguir,
ela será sempre considerada nos documentos pontifícios como uma verdadeira e
distinta família franciscana, internamente autônoma.
Entretanto, não apresentava novidades em relação às reformas precedentes de
estrita observância, cujos componentes tinham sido autorizados a levar vida eremítica
e a observar a Regra ad litteram, na primitiva pureza.

77. A fórmula programática de Frei Ludovico, já presente no breve de 18 de maio


de 1525, ou seja, de “observar a Regra do bem-aventurado Francisco tanto quanto o
consentir a fragilidade humana”, estava ainda mais explícita nas bulas concedidas às
outras reformas franciscanas. Mesmo a autorização de usar o capuz quadrado ou
piramidal, que segundo a tradição dos Espirituais fazia parte da autêntica forma do
hábito de São Francisco, tinha sido já concedida em 1496 aos descalços espanhóis de
Frei João de Guadalupe, chamados precisamente “frades do capuz” ou vulgarmente
“capuchos”.
O único elemento novo, além da concessão dos privilégios dos camaldulenses,
seria o uso da barba, talvez assumido dos eremitas camaldulenses, para os quais
também a barba era um distintivo de honestidade e da qualidade de vida eremítica,
como será expresso no breve Inter multiplices de Clemente VII, de 3 de setembro de
1529, que ampliava e confirmava os privilégios da Ordem de São Romualdo.
A verdadeira diferença entre a Reforma Capuchinha e as outras reformas
franciscanas precedentes de estrita observância deve ser procurada no modo com que
os capuchinhos colocaram e resolveram o problema da vida contemplativa combinada
com a vida apostólica e na sua sobrevivência, até hoje, como terceira família
autônoma da primeira Ordem franciscana.

4
Trad.: intercedendo a Duquesa de Camerino.
5
Trad.: de igual modo principalmente.
37

78. A notícia do nascimento da nova reforma franciscana de estrita observância


fez afluir para ela um número notável de Observantes, entre os quais os componentes
de um grupo de cinco frades das Marcas, liderados por Frei Mateus de San Leo, que
entraram em bloco na recém nascida congregação depois de setembro de 1528.
No começo de 1529 já existiam quatro eremitérios com uns trinta frades. Tinham-
se, pois, alcançado as condições para dar uma estrutura interna e externa à nova
família, o que aconteceu no capítulo de Albacina, reunido em abril, se não antes, do
mesmo ano.

79. Depois da eleição de Ludovico como Vigário Geral - logo após a imediata
renúncia de Frei Mateus para esse cargo - uma pequena comissão, ou quem sabe
Ludovico sozinho, estabeleceu as primeiras ordenações ou estatutos, impropriamente
denominados “constituições” de Albacina. Nesses estatutos, dispostos um tanto
desordenadamente, prevalece o primado concedido à contemplação e à estritíssima
pobreza, que, de resto, eram um corretivo aos diversos abusos existentes na
Observância.
Quanto à denominação da nova Reforma, já no título dos estatutos seus adeptos
se autodenominaram “frades menores da vida eremítica”, nome que entretanto não foi
oficializado nos documentos pontifícios, nos quais só a partir de 9 de abril de 1534 foi
assumida a denominação cappucciati e, em seguida, cappuccini, nome popular dado
praticamente desde o começo aos nossos eremitas, devido ao capuz.

80. Em 16 de agosto de 1529, foi estipulado entre Ludovico de Fossombrone e


Frei Bernardino de Reggio, chefe de um grupo de doze reformados calabreses, uma
convenção de agregação destes à Reforma Capuchinha, mas sua incorporação
definitiva só acontecerá em 20 de maio de 1532. Estas tratativas e o afluxo contínuo
de zelantes Observantes, acolhidos pelos capuchinhos com base no supramencionado
privilégio herdado dos camaldulenses, alarmaram os superiores da Observância
regular, obsecados pela unidade da Ordem.
Inicia-se, assim, uma série de breves pontifícios por solicitação dos mencionados
superiores, proibindo a passagem de Observantes aos capuchinhos em nome das
desordens, abusos e brigas que tais fugas comportavam.

81. O geral Paulo Pisotti (1529-1533) conseguia de Clemente VII o breve Cum
sicut nuper, de 14 de dezembro de 1529, com o qual eram anuladas todas as
concessões pontifícias feitas aos vagantes e fugitivos da Observância, e se ordenava,
ademais, que não fossem permitidas “novas seitas”, e que os frades não se
chamassem por outro nome senão aquele dado por São Francisco à sua Ordem.
O breve, muito genérico, não mencionava expressamente os capuchinhos e sua
reforma; por isso com um segundo breve, Cum sicut accepimus, de 27 de maio de
1530, endereçado ao geral e ao procurador da Observância, Honório Caiani, que
ademais era confessor do pontífice, Clemente VII retirava todas as concessões feitas
pela penitenciaria aos irmãos Ludovico e Rafael de Fossombrone, aos reformados da
Calábria e a outros; todos eles deviam ser obrigados a voltar aos conventos de origem
sob penas e censuras eclesiásticas e também com a ajuda do braço secular.

82. Ainda um outro breve, Alias postquam, de 2 de dezembro de 1531, dirigido aos
mesmos superiores da Observância, reproduzia o texto do documento anterior e
ordenava aos Observantes que tinham passado aos Capuchinhos depois de 27 de
maio do ano anterior, que retornassem à Observância; aos Capuchinhos ficava
proibido receber candidatos Observantes. Estes últimos seriam, sem outra
formalidade, declarados apóstatas e excomungados.
Este breve foi ainda renovado em 3 de julho de 1532 expressamente contra o
grupo dos ex-reformados calabreses, que deviam voltar à Observância sob graves
penas canônicas. A execução do breve foi todavia suspensa porque o papa preferiu
38

confiar a controvérsia aos cardeais Antônio del Monte e André della Valle. Esses, em
14 de agosto seguinte, baixaram um decreto intimativo proibindo aos Observantes de
molestar os capuchinhos e a estes de receber aqueles, enquanto não fosse
encontrada uma solução adequada.

83. Uma solução imediata, embora desfavorável aos capuchinhos, teria aparecido
talvez com a promulgação da bula In suprema militantis Ecclesiae, de 16 de novembro
do mesmo ano, na qual Clemente VII impunha a reforma da Observância mediante a
instituição, em cada província, de quatro ou cinco conventos para os zelantes que
aspirassem a uma observância pura e plena da Regra segundo as declarações papais
e a uma vida mais intensa de oração e contemplação.
A bula constituía o ato de fundação da reforma dita dos “Reformados” e devia pois
eliminar qualquer pretensão de optar pela família capuchinha. Conseqüentemente, a
bula colocava em risco a existência e a sobrevivência da Reforma Capuchinha, até
então alimentada quase exclusivamente de evasões da Observância.

84. Mas a bula foi suspensa até o próximo Capítulo Geral, a celebrar-se em 1535.
O que favoreceu uma fuga geral dos Observantes zelantes para os Capuchinhos.
Pelo fim de 1533 e começo de 1534 passaram para a família capuchinha figuras
de prestígio como Bernardino de Asti e Francisco de Jesi - dois dos quatro
Observantes que tinham solicitado a bula In suprema -, outros dois futuros vigários
gerais da Ordem, Bernardino Ochino e Eusébio de Ancona, o futuro cronista
Bernardino de Colpetrazzo e até o acérrimo perseguidor dos irmãos Tenaglia, João Pili
de Fano.

85. Os superiores da Observância, através do procurador Honório Caiani, pediram


um breve extinguindo a Reforma Capuchinha. Esse, ao longo de sua redação, foi
desdobrado em dois. No primeiro, Cum sicut accepimus, de 9 de abril de 1534,
endereçado a Ludovico de Fossombrone “frate capucciato” e companheiros, se
impunha, sob pena de excomunhão, que não recebessem mais Observantes nem
aceitassem novos lugares sem especial permissão da Santa Sé.
O breve talvez tenha parecido brando aos superiores da Observância, que
conseguiram um segundo, Pastoralis officii cura, de 15 de abril seguinte. Nele se
ordenava aos Observantes que tinham passado aos Capuchinhos que retornassem
aos conventos de origem dentro de 15 dias, sob pena de excomunhão depois de
tríplice admoestação canônica individual.
Neste último documento, aponta-se para o verdadeiro motivo de fundo da
oposição da Observância à Reforma Capuchinha, ao mesmo tempo que se dá um
precioso testemunho, embora involuntário, daquilo que os cronistas da Ordem definem
como "a mais desesperada vida" dos primeiros capuchinhos: eles pretendem observar
a Regra à perfeição, não já segundo as declarações dos romanos pontífices, mas
segundo o sentido literal da mesma, e levam uma vida tão austera e rígida, quase
desumana, que provocam uma gravíssima crise de consciência nos frades zelantes
com respeito ao próprio modo de observar a Regra e a pobreza.

86. Por conselho do auditor Jerônimo Ghinucci, registrado na capa da primeira


redação de 9 de abril, isto é, que não parecia decente o santo padre obrigar a um
religioso a seguir uma forma de vida mais relaxada, o breve foi endereçado ao cardeal
protetor da Ordem franciscana, André della Valle.
Este, contudo, ao que parece, não lhe deu encaminhamento, seja porque não era
trabalho fácil e rápido fazer a cada frade incriminado a tríplice admoestação, seja
porque não estava disposto a proceder tão duramente contra os Capuchinhos, aos
quais ele mesmo, em 1530, tinha doado o convento generalício de Santa Eufêmia em
Roma.
39

87. Em 13 de outubro de 1534, subia ao sólio pontifício Paulo III. Com a morte de
Clemente VII (25 de setembro), desaparecia de cena Catarina Cybo, mas a defesa e a
proteção dos Capuchinhos seriam retomadas por uma outra nobre senhora, Vitória
Colonna, marquesa de Pescara, muito ligada à reforma pré-tridentina.
Por seu lado, os superiores da Observância voltaram a fazer pressão contra a
Reforma Capuchinha, na esperança de conseguir maior sucesso com o novo pontífice.
Conseguiram o breve Accepimus quod, de 18 de dezembro de 1534, no qual se
proibia aos Observantes de passarem para os Capuchinhos sem licença especial da
Santa Sé; a estes se impunha, sob pena de excomunhão, não receberem religiosos
Observantes ou de qualquer outra Ordem, nem abrirem novas casas ou lugares até
que não fosse preparado, no Capítulo Geral da Observância a celebrar-se em maio
seguinte, o remédio oportuno.
Mas em seguida, com o breve Nuper accepto, de 12 de janeiro de 1535,
endereçado “aos diletos filhos da Ordem dos Menores chamados Capuchinhos”, o
papa apressou-se a explicar que a proibição anterior feita aos Capuchinhos não se
referia à acolhida de religiosos de outras ordens.

88. O Capítulo Geral dos Observantes, celebrado em Nice a 15 de maio, aprovou


a ereção de casas de retiro para os reformados em todas as províncias. Já não havia
motivo válido para a passagem de Observantes aos Capuchinhos, e por isso com o
breve Pastoralis officii cura, de 14 de agosto seguinte, o papa renovava a proibição de
os capuchinhos receberem Observantes sem especial permissão da Santa Sé ou do
ministro ou comissário geral da Observância. Estes últimos, por sua vez, eram
exortados a receberem com caridade os frades que, tendo passado aos Capuchinhos,
quisessem voltar para seus conventos observantes.
Não obstante as melhores intenções, o decreto do capítulo de Nice não foi posto
em prática, motivo pelo qual o papa, cansado do eterno litígio, publicou o breve
Dudum postquam, de 29 de agosto do mesmo ano de 1535, ordenando que os
superiores da Observância construíssem, dentro de dois meses, as casas para os
reformados; caso contrário seria retirada dos Observantes a proibição de passarem
aos capuchinhos e a estes a de recebê-los e de aceitarem novas casas e lugares sem
incorrerem em censuras e penas canônicas. Sequer este breve foi executado dentro
da data fixada. Em conseqüência, os Capuchinhos sentiram-se no direito de continuar
recebendo os Observantes.
Em seguida o novo geral da Observância, Vicente Lunel, e o cardeal Quiñones
tentaram, através do imperador Carlos V em visita à Itália, fazer suprimir a “seita” dos
Capuchinhos agregando-a pacificamente à Observância. Para buscar uma solução,
mais uma vez, foi nomeada, no mês de dezembro, uma comissão de três cardeais, em
seguida aumentada para seis, mas também esta não chegou a nada de novo.

89. Enquanto isso, apesar dos breves proibitivos que se sucederam de 1530 a
1535, os eremitérios capuchinhos tinham chegado a 60, espalhados por quase toda a
Itália, com pelo menos 500 frades. Nesta altura pode-se tentar uma explicação ao
manifesto descumprimento das normas pontifícias, sobretudo da parte dos
Capuchinhos que professam a mais estrita observância da Regra, na qual é imposta
uma firme obediência aos sumos pontífices.
A razão deve ser buscada, antes de tudo, num motivo de consciência fundado no
direito natural e divino, na convicção de que ninguém se sentia obrigado a renunciar a
uma vida mais perfeita para voltar a viver uma mais relaxada. Ademais, nos citados
documentos, nunca foi mencionada ou abrogada a bula Religionis zelus, base jurídica
da existência da família capuchinha, nem foi contestado o privilégio, herdado dos
Camaldulenses, de receber candidatos de qualquer ordem.

90. O próprio suceder-se de breves repetitivos e ineficazes está a indicar sua fraca
obrigatoriedade. De fato, o papa não conhecia todas as cartas publicadas, em seu
40

nome, pela secretaria dos breves; elas tinham o beneplácito do cardeal protetor da
Ordem e depois o auditor se limitava a informar brevemente o santo padre sobre o seu
conteúdo.
Mas não é de se esquecer que também os Capuchinhos contavam com poderosos
protetores na Cúria Romana, cardeais e outros prelados, além das nobres senhoras
Catarina Cybo e Vitória Colonna.

91. Enquanto não cessava a hostilidade da Observância contra a nova família


capuchinha, nesta última as coisas não procediam pacificamente. A congregação
continuava sendo dirigida por Ludovico de Fossombrone. Ele devia ter reunido em
1532 o capítulo trienal, determinado pelas ordenações de Albacina, para a
confirmação do Vigário Geral.
Os frades provindos da Observância, entre os quais muitos qualificados por sua
espiritualidade e ciência, estavam descontentes com os modos autoritários e o
fechamento mental de Tenaglia; queriam esclarecer a identidade capuchinha e dar à
Reforma uma fisionomia definitiva, espiritual e jurídica.

92. Graças aos bons préstimos de Vitória Colonna, Paulo III autorizou a
celebração do Capítulo Geral em novembro de 1535. Ludovico esperava ser
confirmado no cargo de Vigário Geral, mas, ainda no primeiro escrutínio, foi eleito Frei
Bernardino de Asti. Este imediatamente, com os definidores e outros peritos, tratou de
elaborar as primeiras constituições da Ordem.
De sua parte, Ludovico, que durante o capítulo se opusera arrogantemente a
qualquer mudança na forma de vida até então seguida, agastado por sua não
confirmação como superior geral, logo procurou, com pretextos e intrigas, impugnar a
eleição de Frei Bernardino, invocando a invalidade do capítulo não livremente
convocado por ele, como único superior legítimo em força da bula Religionis zelus. Ao
contrário, teria estado pronto a colocar a congregação sob a jurisdição da
Observância.

93. Frei Bernardino de Asti pediu então uma declaração pontifícia sobre a validade
das eleições feitas no capítulo e a conseqüente transferência, para ele e seus
sucessores, das concessões que Clemente VII tinha feito aos irmãos Tenaglia na bula
de fundação. O papa em parte anuiu ao pedido com o breve Cum sicut nobis, de 29 de
abril de 1536, no qual se confirmava a eleição de Bernardino de Asti e se declaravam
excluídos da Ordem, com a proibição de usar o hábito capuchinho, os que se
recusassem a prestar obediência a Frei Bernardino e a seus sucessores.
Foi por força desse breve que Mateus de Bascio, que permaneceu sempre à parte
na formação e organização da congregação e não estando disposto a inserir-se na
vida comunitária, depôs o seu caro capuz quadrado e retornou à observância,
continuando nessa a sua vida itinerante de pregador penitencial.

94. Frei Ludovico e seus sustentadores conseguiram fazer estabelecer uma


segunda celebração do Capítulo Geral, na esperança de ainda vencer a disputa e
depois sujeitar a reforma à observância. Mas, no entretempo, Vitória Collona tinha
obtido a Bula Exponi nobis, de 25 de agosto de 1536, com a qual o papa confirmava
ad litteram a bula de fundação da Ordem e transferia à pessoa de Bernardino de Asti e
seus sucessores aquilo que Clemente VII, na bula predita, tinha concedido a Frei
Ludovico de Fossombrone.
Além disso, para tirar da Observância qualquer pretensão sobre esta estrita
Reforma franciscana, o papa reconheceu e especificou a jurisdição sobre ela do
Ministro Geral dos Conventuais: este devia confirmar, dentro de três dias, o novo eleito
Vigário Geral, conferindo-lhe a plena e livre jurisdição sobre todos os frades da Ordem,
mas sem jamais intrometer-se no seu regime e governo; aliás, tanto os vigários gerais
como os vigários provinciais eram verdadeiros ministros, aos quais os frades deviam
41

obedecer segundo o preceito da Regra. Em outras palavras: a Ordem capuchinha era


reconhecida como uma verdadeira e própria família franciscana autônoma, ao menos
internamente.

95. O Capítulo Geral, repetido em setembro de 1536, ratificou por unanimidade, a


22 daquele mês, a eleição de Bernardino de Asti como Vigário Geral. O papa, com o
breve Superioribus diebus, de 10 de outubro seguinte, confirmou a decisão capitular e
decretou a expulsão da Ordem do rebelde Ludovico. Além disso, no mencionado
capítulo, foram promulgadas as constituições já prontas há meses. Elas não
constituíam uma ruptura com a forma de vida que Ludovico tinha inaugurado, mas sua
confirmação e aperfeiçoamento.
Divididas em 12 capítulos, correspondentes aos da Regra, eram um comentário
espiritual e uma aplicação prática da Regra a ser observada literalmente, sem
atenuações nem privilégios tendentes ao relaxamento; estabeleciam uma organização
mais clara da fraternidade e um maior equilíbrio entre a vida contemplativa e ativa. O
texto permanecerá quase inalterado nas revisões sucessivas, atualizado
oportunamente em decorrência da evolução natural da Ordem e das novas
disposições canônico-jurídicas emanadas da Santa Sé.

Consolidação e evolução - os decretos tridentinos - além dos Alpes (1537-1575)

96. Entretanto o ano de 1537 se abria com dois documentos pontifícios restritivos
aos Capuchinhos. A comissão cardinalícia acima referida, que desde dezembro de
1535 procurava uma solução para a pendência entre Observantes e Capuchinhos,
mascarou sua ineficiência com um compromisso que transparece no breve Regimini
universalis Ecclesiae, de 4 de janeiro, no qual Paulo III proibia a passagem dos
Observantes para os Capuchinhos, e destes para os Observantes, sem uma especial
licença in scriptis de seus respectivos superiores.
Ainda, para contentar os Observantes e o imperador Carlos V, no dia seguinte, 5
de janeiro, o papa emanava o breve Dudum siquidem, impondo aos capuchinhos, em
virtude da santa obediência e sob pena de excomunhão latae sententiae6, de não
passar além dos Alpes, até que a Santa Sé não tivesse tomado outras providências no
próximo Capítulo Geral da Observância.

97. Mas a esta altura a família capuchinha, com afluxo de vocações de


proveniência diversa, não necessitará mais dos egressos da Observância e o limite
geográfico imposto contribuirá para a consolidação e o reconhecimento da Ordem na
sua experiência italiana.
Doravante os documentos pontifícios visarão sobretudo fortalecer e conservar as
diversas opções da Ordem, inserindo-as ademais no ordenamento religioso-jurídico
resultante do Concílio de Trento.

98. A celebração do Capítulo Geral da Observância, acenada nos breves de 4 e 5


de janeiro de 1537, foi adiada e alguns Observantes, inquietos por não verem a
reforma acontecer ou mesmo por outros motivos, recomeçaram a passar aos
Capuchinhos, entre os quais, todavia, nem sempre perseveraram.
Para remediar tais pertubações e escândalos, o papa, com o breve Accepimus
quod nonnulli, de 23 de agosto de 1539, insolitamente endereçado ao Vigário Geral
“da Ordem de São Francisco da Observância chamada dos Capuchinhos”, lhe proibia
de receber qualquer frade “das Ordens chamadas dos Mendicantes da Observância”,

6
Trad.: de sentença já emanada, isto é, sem que seja necessária uma sentença expressa e
nominal (ferendae sententiae), fica o transgressor, pelo próprio fato da transgressão,
excomungado.
42

que não levasse consigo uma licença especial e expressa do seu geral ou da Santa
Sé.

99. Finalmente, em junho de 1541, a Observância teve o Capítulo Geral em


Mântua, mas nem desta vez foi decidido algo sobre a própria reforma e sobre a
passagem dos frades aos Capuchinhos; por isso, crendo estes cessada a anterior
proibição pontifícia, obtiveram do papa um vivae vocis oraculo7 que os autorizava a
receber Observantes, mas a concessão foi anulada, a pedido dos superiores da
Observância, com o breve Romani pontificis, de 5 de agosto do mesmo ano, que
reproduzia o de 4 de janeiro de 1537.

100. No juízo de Bernardino de Colpetrazzo, o período 1533-1541 teria sido o mais


glorioso da Ordem “aos olhos do mundo” pelo número de frades doutos e grandes
pregadores. Mas essa glória e estima acusaram um duro golpe com a apostasia do
Vigário Geral Bernardino Ochino, ocorrida em fins de agosto de 1542.
Conforme o relato, talvez um tanto dramatizado, dos cronistas, Paulo III e outros
membros da Cúria Romana teriam sido do parecer favorável à extinção da Ordem
capuchinha. Uma profunda investigação a respeito da pureza de fé da Ordem,
conduzida a efeito pelo cardeal Pio de Capri, protetor de toda a Ordem franciscana,
coadjuvado pelo comissário geral Capuchinho Francisco de Jesi, demonstrou a sua
perfeita ortodoxia. Além disso, os pregadores, suspensos por certo tempo de seu
ministério, foram reabilitados após terem dado a explicação solicitada de 19 artigos
doutrinais a eles propostos.

101. Um sinal da confiança reconquistada foi a presença de Frei Bernardino de


Asti, em nome do Vigário Geral, em algumas sessões do primeiro período do Concílio
de Trento (1545-47).
Ele se opôs à união dos Capuchinhos com os Observantes, querida pelo geral da
Observância Vicente Lunel, e, em 14 de julho de 1546, fez um discurso sobre a
primeira fase da justificação.

102. Depois da morte de Paulo III (10 de novembro de 1549), entenderam os


capuchinhos que seus breves com a proibição de receber Observantes já não tinham
validade. Mas a pedido do geral da Observância e sempre pelos mesmos motivos de
escândalos, discórdias e litígios, Júlio III, com o breve Officii nostri, de 28 de agosto de
1550, renovou a proibição feita por Paulo III aos Capuchinhos, os quais, sob pena de
excomunhão e outras censuras, não poderão receber Observantes sem licença escrita
dos respectivos superiores; estes deverão repreendê-los e reconduzi-los à primitiva
estrutura religiosa, mesmo com o recurso do braço secular.
Além disso, com o breve Boni Pastoris, de 7 de novembro seguinte, renovou a
proibição aos Capuchinhos de passarem para além dos Alpes e proibiu aos
Observantes de usarem hábito semelhante ao dos capuchinhos.

103. Os Capuchinhos consideravam absurdo ou incongruente a proibição feita aos


Observantes de passarem à vida mais austera dos capuchinhos e, de outro lado,
permitir a alguns destes de abraçarem aquela menos austera da Observância.
Para evitar semelhantes litígios e perturbações, Júlio III, a pedido dos superiores
da Ordem Capuchinha, concedeu o breve In eminenti, de 15 de fevereiro de 1551,
proibindo aos Observantes de receberem Capuchinhos e vice-versa, sem licença
escrita dos respectivos superiores gerais ou provinciais.

104. Sem esperar pela conclusão do Concílio de Trento, no qual ainda seria
tratada a reforma dos regulares, o Capítulo Geral de 3 de junho de 1552 decidiu

7
Trad.: em ou por oráculo de viva voz.
43

atualizar as constituições de 1536, à luz das experiências até então vividas e das
realidades dos tempos.
Foram eliminadas algumas prescrições já impraticáveis, como a renúncia à
isenção, as celas para os anacoretas, o esmolar para os pobres em tempo de carestia,
o serviço aos empestados, mas isto não significava distanciamento no serviço aos
pobres e sofredores, que continuará sendo uma característica da Ordem.
Antes, quase para tranqüilizar os mais zelosos e saudosistas dos primeiríssimos
tempos da reforma, nas ordenações feitas no mencionado capítulo, ocupa o primeiro
lugar a seguinte: Altissima paupertas et Regula serventur ad mentem sancti patris
Francisci, ad litteram et sine glosa8. De resto, nestas constituições de 1552 o texto
primitivo de 1536 permaneceu intacto, apesar de alterações e ampliações no estilo
literário.

105. Os superiores da Observância, enquanto protelavam a execução da reforma


que lhes fora imposta em 1532, ainda uma vez tentaram submeter a família
capuchinha, valendo-se do cardeal Carlos Carafa, sobrinho de Paulo IV.
Parece que a bula de união já estava pronta, sem que os Capuchinhos o
soubessem. Descoberta a manobra, o Vigário Geral da Ordem, Tomás de Città di
Castello, conseguiu aparar o golpe, obtendo de Pio IV a bula Pastoralis officii, de 2 de
abril de 1560, com a qual o pontífice confirmava ad litteram a bula precedente de
Paulo III; além disso, para tutelar a identidade também externa da Ordem, proibia
expressamente que os eremitas de São Francisco, fundados pelo siciliano Jerônimo
Lanza, usassem um hábito semelhante ao dos capuchinhos.

106. Em dezembro de 1563, terminava o Concílio de Trento. Diversos


Capuchinhos tinham participado, como teólogos, no segundo (1551-51) e terceiro
período (1562-63). Neste último foi convidado também o Vigário Geral Tomás de Città
di Castello, que tomou assento entre os gerais das Ordens mendicantes. Mais de uma
vez, nas discussões do esquema de reforma dos regulares, foi posta em perigo a
identidade capuchinha.
Graças à defesa feita por não poucos padres conciliares, foi salvo o hábito, que
por determinação de um dos cânones, em seguida supresso, devia ser o mesmo dos
Conventuais, a quem os capuchinhos estavam juridicamente sujeitos; aos
Capuchinhos e aos Observantes foi ainda concedido o privilégio de não possuírem a
propriedade em comum de bens móveis e imóveis. Algumas decisões do Concílio
foram imediatamente incluídas nas ordenações do Capítulo Geral de 1564, entre elas
a da instituição dos estudos teológicos em cada província.

107. Um sinal de benevolência para com a Ordem capuchinha e um tácito


reconhecimento de sua quase autonomia encontram-se no breve Exhibita quidem, de
20 de abril de 1564, com o qual Pio IV, a pedido do Vigário Geral, nomeia vice-protetor
dos “frades menores da penitência chamados Capuchinhos” o cardeal Júlio della
Rovere, com direito de sucessão por ocasião da morte do então protetor de toda a
Ordem franciscana, Rodolfo Pio Leonelli di Capri (falecido em 2 de maio seguinte). Ao
passo que os Observantes e Conventuais continuaram a ter em comum o mesmo
protetor, São Carlos Borromeu.

108. Com o breve In principis Apostolorum, de 17 de fevereiro de 1565, Pio IV


revogava todos os privilégios concedidos às igrejas e ordens religiosas e que fossem
contrárias aos decretos e cânones do recente Concílio de Trento. Já em 27 de agosto
seguinte, o vice-protetor da Ordem, o cardeal Marcantonio Amuli (o protetor estava
ausente) emitia um atestado declarando que estava sanado o Capítulo Geral de 1564

8
Trad.: A altíssima pobreza e a Regra sejam observadas segundo a mente do santo pai
Francisco, literalmente e sem glosa
44

no que se refere à votação contrária à forma tridentina (eleições com voto secreto), e
convidava à observância, no futuro, dos decretos do Concílio.
Havia, contudo, no decreto de reforma da sessão XXII, c. 4, uma disposição que
teria privado a Ordem de seu caráter laical tradicional, ou seja, a negação do direito de
voto dos clérigos in minoribus9 e dos irmãos leigos. Em 1566, o procurador geral da
Ordem Eusébio de Ancona interrogou a propósito Pio V que confirmou, vivae vocis
oraculo, a antiga praxe da Ordem. A prerrogativa será mantida em todas as revisões
sucessivas das constituições.

109. Repetidos ingressos de Capuchinhos nos Conventuais constam no já


mencionado breve de Júlio III. Possivelmente pela primeira vez também nos
deparamos com o fato da passagem, talvez sem licença, de Capuchinhos à Ordem
dos mínimos de São Francisco de Paula, de vida eremítica, e dos mínimos aos
capuchinhos, com pertubações, inquietudes e maus exemplos em ambas as ordens.
Com o breve Sedis apostolicae solertia, de 6 de outubro de 1567, Pio V, motu
proprio10 e não a pedido das duas partes, proíbe essa troca mútua de uns e de outros,
seja qual for o tempo e o pretexto, mesmo com a licença dos superiores.

110. Nos primeiros meses de 1569 houve tratativas de união entre os Observantes
e os Conventuais, conduzidas pelo vice-protetor de ambas as famílias, o cardeal
Alexandre Crivelli; o projeto, porém, não agradou nem a Pio V nem ao cardeal protetor
São Carlos Borromeu.
Espalhou-se o rumor de que os Capuchinhos também estavam envolvidos na
união e isto causou uma grave inquietação na Ordem. O papa, interpelado pelo Vigário
Geral Mário de Mercato Saraceno, tranquilizou-o dizendo que nunca fora sua intenção
incluir os capuchinhos naquela união.

111. As constituições de 1552, como já acenamos, riscaram a ordenação relativa


ao serviço dos empestados. O que não significava a proibição desse ato heróico de
caridade. Ao contrário, será o próprio São Pio V a confiar aos capuchinhos uma nova
forma de apostolado, não menos heróica e arriscada: o ministério castrense, que
comportava um perigo de morte seja pelo contágio da peste como pelas ações bélicas.
Uma vez formada a Santa Aliança contra os turcos, Pio V quis que Frei11 Jerônimo
de Pistoia, seu teólogo pessoal e procurador geral da Ordem, se ocupasse, com
outros 26 confrades, da assistência espiritual da frota pontifícia pronta a partir para
Candia, onde chegou em agosto de 1570. Ao eclodir a peste, os capelães
capuchinhos dedicaram-se heroicamente no conforto e serviço dos enfermos: nesse
apostolado heróico encontraram a morte o próprio Frei Jerônimo (30 de outubro) e
outros confrades seus.

112. Na imediata organização da Aliança, Pio V quis de novo os capuchinhos


como capelães de sua frota, e o Vigário Geral, Mário de Mercato Saraceno, colocou à
disposição 29 frades, tendo à frente o Frei Anselmo de Pietramolara, nomeado
guardião e comissário apostólico.
Com o breve Cum dilectus filius, de 10 de março de 1571, o papa concedia a
esses capelães amplíssimas faculdades e privilégios na administração dos
sacramentos e na absolvição de censuras; autorizava-os a recolher esmolas em
benefício dos enfermos, devendo ser administradas por um síndico ou procurador de
acordo com o direito franciscano, e concluía recomendando aos frades observarem

9
Trad.: de ordens menores.
10
Trad.: por moção própria / de iniciativa própria.
11
Até aqui o texto vinha empregando, sistematicamente, o designativo frei, freis. A partir daqui,
o texto passa a usar o tratamento padre, padres. Neste capítulo, manterei, para o caso de
frades, a tradução frei, freis.
45

em tudo a própria Regra e obedecerem humildemente às determinações do Vigário


Geral.

113. Depois da vitória de Lepanto (7 de outubro de 1571), os sumos pontífices


continuaram a servir-se dos capelães militares capuchinhos. Gregório XIII, com o
breve Concessimus, de 30 de maio de 1572, endereçado a Dom João da Áustria,
comunicava ter concedido aos capuchinhos a faculdade de poder absolver os que
tivessem libertado ou ocultado prisioneiros turcos. E ainda o mesmo Sumo Pontífice,
no novo projeto de campanha contra os turcos, com o breve Ut animarum, de 1º de
setembro de 1573, nomeava capelães das embarcações pontifícias os Freis Vicente
de Espanha e Antônio de Pisa com as costumeiras faculdades e privilégios.
A seguir, encontraremos os capuchinhos capelães, enviados pelo papa, nas
campanhas contra os turcos até na Hungria, e nas da Aliança Católica contra os
protestantes.
114. Os capuchinhos italianos já eram bem conhecidos e estimados por altas
personalidades eclesiásticas, inclusive estrangeiras, que haviam participado do
Concílio de Trento, e por outras personalidades civis e militares, que tinham visto de
perto seu heroísmo em Lepanto. Não é, pois, de estranhar se, ainda em 1562, a
presença capuchinha é solicitada e exigida em muitas partes da Europa,
especialmente na França. No Capítulo Geral de 1573 foi decidido mandar a essa
nação alguns frades a fim de levar a termo a fundação já iniciada formalmente em
Paris, em 1572.
Gregório XIII, que pessoalmente desejava a propagação européia da Ordem, já
suficientemente reconhecida no serviço da Igreja e do povo na Itália, emanou, em 6 de
maio de 1574, a bula Ex nostri pastoralis officii (doc. 3: nn. 148-152), com a qual
abrogava o breve de Paulo III de 1537 e autorizava os Capuchinhos a se
estabelecerem livremente na França e nas outras nações da terra, onde poderiam
fundar casas, lugares, custódias e províncias, segundo seu costume ou direito
particular.

115. Ainda que algumas prescrições do Concílio de Trento, concretamente a


ereção de casas de estudo, já tivessem sido inseridas nas ordenações capitulares de
1564, Gregório XIII, com o breve Cum capitulum generale, de 10 de maio de 1575,
endereçado ao cardeal vice-protetor Júlio Antônio Santori, ordenava ao Capítulo Geral
daquele ano rever as constituições, que deviam em tudo estar de acordo com os
cânones e decretos do Concílio de Trento.
As novas constituições, “corrigidas e reformadas”, retomavam as de 1552; mas,
com a aceitação expressa dos decretos tridentinos, exprimiam uma abertura e um
aperfeiçoamento da vida da Ordem inserida na reforma católica. Além disso, com a
aceitação explícita dos decretais de Nicolau III e de Clemente V como “singular e vivo
comentário” da Regra, a Ordem se inseria no direito franciscano tradicional. É de notar
ainda que as constituições de 1575 se reportavam, no estilo, às primeiras de 1536,
sinal de despertar e de sensibilidade para com o primitivo carisma, que a Ordem
levaria consigo em sua expansão pela Europa.

Defesa da própria identidade - novas formas de apostolado - Primado da


contemplação (1576-1607)

116. A Reforma Capuchinha, bem consolidada e universalmente apreciada em sua


identidade externa, deverá empreender uma estrênua defesa do próprio hábito, sinal e
distintivo de sua estrita pobreza e austeridade.
Não faltavam grupos e congregações religiosas que se serviam do hábito
capuchinho, ou de um muito semelhante, para captar mais facilmente esmolas, em
prejuízo da Ordem, e, mais que tudo, escândalo dos seculares que nunca tinham visto
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e acreditado que um capuchinho, na sua integral observância da Regra, pudesse


aceitar e usar dinheiro, até então sempre totalmente recusado.
Uma questão penosa que se arrastará por muito tempo, envolvendo diversas
congregações, franciscanas ou não, e com um suceder-se de breves pontifícios nem
sempre eficazes.

117. Já acenamos para a proibição feita por Pio IV, de 20 de abril de 1560, aos
terciários ou eremitas de São Francisco, do siciliano Lanza, de usar um hábito
semelhante ao dos capuchinhos no pano e na cor. Supressos oficialmente em 10 de
março de 1562 e tendo a maioria deles passado para os Conventuais reformados,
continuaram do mesmo modo a vestir o hábito a eles proibido. Por isso Gregório XIII,
com o breve Regularium personarum, de 4 de outubro de 1581, repetiu sob penas
canônicas a interdição de usar hábito como aqueles dos capuchinhos e impôs-lhes
vestirem o distintivo próprio dos Conventuais.
A este breve, em 22 de junho de 1582, seguir-se-á uma intimação do protonotário
apostólico Jerônimo Mattei aos frades hospitaleiros de São João de Deus e aos
Conventuais reformados de Nápoles, impondo-lhes expressamente o cumprimento da
bula de 2 de abril de 1560. Mais refratários para se desfazerem do hábito semelhante
ao dos capuchinhos foram os referidos Fatebenefratelli. A eles serão dirigidos
sucessivamente novos decretos proibitivos, com o recurso inclusive ao braço secular.
Mais tarde entrarão no conflito também as várias reformas de estrita observância
franciscana.

118. Um outro sinal da estima de Gregório XIII aos capuchinhos será o confiar-lhes
uma nova forma de apostolado heróico, ainda que de forma saltuária, ou seja, o
cuidado espiritual e material dos escravos cristãos na África setentrional.
Nas incursões barbarescas, tão freqüentes na segunda metade do século XVI,
alguns capuchinhos tinham sido capturados e presos; outros frades, que tinham
chegado à Argélia com o fim de levar conforto espiritual aos escravos cristãos foram
também encarcerados.

119. Em 1584, a arquiconfraria romana de Gonfalone, para o resgate dos escravos


cristãos, decidiu enviar à Argélia a sua primeira missão de resgate; no grupo dos
missionários estavam dois capuchinhos, os Freis Pedro de Piacenza e Felipe de
Roccacontrada.
No breve Cum Algerium, de 5 de dezembro de 1584, Gregório XIII concedia a Frei
Pedro e seu companheiro jurisdição e amplas faculdades para exercerem o ministério.
Ambos, vítimas da peste, encontraram a morte no ano seguinte e receberão uma
recordação comovida e um louvor de Sixto V, no breve Cum benigna Mater, de 21 de
março de 1586, endereçado aos guardiães da arquiconfraria.
Mais tarde, Clemente VIII, com o breve Pastoralis officii, de 10 de junho de 1600,
incumbirá os Freis Ambrósio de Soncino (ou de Milão) e Inácio de Bolonha de pregar o
jubileu aos escravos cristãos na Argélia. E Urbano VIII, com o breve Ex omnibus
christianae caritatis, de 23 de abril de 1624, dará a Frei Ângelo de Corleone - já preso
na África - a licença apostólica para exercer o apostolado e a redenção dos escravos
cristãos na Argélia e noutras terras africanas.

120. Em 24 de abril de 1585 foi elevado ao sólio pontifício o conventual Sixto V,


portanto particularmente sensível à paz e ao progresso de toda a Ordem franciscana.
Mesmo se já havia cessado a fase mais aguda da migração de Observantes para os
Capuchinhos, talvez porque estes se mostraram mais obsequiosos aos preceitos
pontifícios em matéria, ainda existiam casos de passagem ilegal.
Para pôr fim a essa odiosa questão, fonte de litígios e escândalos, o papa tomou
uma providência drástica. Reportando-se às normas publicadas por Paulo III e Júlio III,
com o breve Pro ea, de 28 de janeiro de 1586, tornou a proibir os superiores gerais,
47

provinciais e locais capuchinhos de receberem e manterem os Observantes que


tinham passado para eles sem a licença especial da Santa Sé ou sem ela in scriptis
dos ministros gerais ou provinciais; os transgressores, Observantes e Capuchinhos,
eram ameaçados de excomunhão e outras penas canônicas; além disso aos
Capuchinhos revogavam-se e anulavam-se todas as concessões, faculdades e
indultos, mesmo os conseguidos “aeque principaliter” por comunicação de privilégios,
referentes à admissão de Observantes.

121. Mérito de Sixto V foi também a confirmação da escolha capuchinha pelo


apostolado entre os infiéis. Já antes houvera o caso esporádico de dois missionários
que trabalharam em Constantinopla por volta de 1550: João Zuazo de Medina del
Campo e João de Apulia (ou de Tróia), que, encarcerados, morreram de inanição no
Cairo em 1551.
Mas a primeira missão oficial foi decidida no Capítulo Geral de 1587, aceitando dar
a obediência a alguns frades que desejavam ir entre os infiéis, principalmente a
Constantinopla. Na data de 20 de junho, o recém eleito Vigário Geral Jerônimo de
Polizzi Generosa concedia as cartas obedienciais aos Freis Pedro de Croce, Egídio de
S. Maria e Dionísio de Roma.

122. Com o breve Cum vos, de 27 de junho seguinte, endereçado aos três
missionários, Sixto V dava sua bênção e confirmava numerosas faculdades e
privilégios em vista do desenvolvimento do ministério e concluía com um caloroso
encorajamento para duplicar os talentos no serviço do Senhor. Devido à doença de
Frei Egídio, o Vigário Geral acrescentou à obediência uma cláusula assinada por ele
em Assis a 1º de agosto, agregando ao grupo Frei José de Leonissa - o futuro santo -
e um outro Frei José, também ele de Leonissa.
A missão fracassou devido à morte dos Freis Pedro e Dionísio e, ao retorno, em
1589, de Frei José - atrozmente torturado - e de seu companheiro e será retomada
somente trinta e cinco anos depois, em 1624.

123. Quando estava para completar os cinqüenta anos de vida da Ordem, que
continuava a observância das constituições de 1536, através da revisão de 1575,
apareceram alguns sinais de nostalgia das origens contemplativas dos primeiros
frades.
Durante o governo do Vigário Geral Jerônimo de Montefiore Conca (1575-1581) e
com o seu encorajamento pessoal, não oficial, nasceu, na província romana e também
em nível nacional, uma espécie de congregação secreta, cujos partidários foram
chamados os “Madalenas” ou “Madalenitas” justamente porque defendiam uma vida
exclusivamente contemplativa. O grupo foi dissolvido pelo Capítulo Geral de 1581 e o
Vigário Geral sofreu sanções por sua dureza no corrigir os abusos.

124. Ficou, porém, uma patente nostalgia dos antigos tempos, bem clara nos
relatórios sobre as origens da Ordem, que escreviam, entre 1579 e 1594, Mário de
Mercato Saraceno e Bernardino de Colpetrazzo. Aliás, prosperava na Ordem uma
atitude negativa ou pelo menos muito restritiva com relação a certa forma específica
de apostolado: a confissão de seculares, que segundo as constituições de 1536, e as
sucessivas revisões de 1552 e 1575, só deveria ser praticada em casos especiais,
quando a caridade e a necessidade o exigissem. Mas tal autorização devia ser
concedida pelo capitulo geral ou pelo Vigário Geral.
O capítulo de 1578 revogou todas as licenças até então concedidas; daí para
diante só poderiam ser dadas com o consenso majoritário do definitório. O Capítulo
Geral de 1581 restringirá ainda mais a norma, estabelecendo que tais licenças não
podem ser concedidas senão pelo Capítulo Geral. Entretanto, mesmo assim as
concessões não foram raras, devido às repetidas petições de personagens geralmente
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ilustres, tanto na Itália como no exterior, onde os frades desenvolviam uma atividade
verdadeiramente missionária.

125. Durante o vicariato de Frei Jerônimo de Polizzi Generosa (1587-1593),


homem particularmente duro e austero, favorável, como Frei Jerônimo de Montefiore,
ao partido da contemplação, o problema tornou-se particularmente intolerável. O
Vigário Geral conseguiu de Gregório XIV uma providência drástica. Com o breve
Decet seraphicam religionem, de 1º de junho de 1591, dado motu proprio e válido in
perpetuo12, o papa proibia absolutamente aos capuchinhos de confessarem leigos e
clérigos seculares e revogava qualquer licença até então concedida.
A medida manifestou-se em seguida penosa e contraproducente, sobretudo nas
regiões européias onde o apostolado dos capuchinhos era praticamente missionário e
mais tarde será atenuada por um decreto de 2 de agosto de 1602 da Congregação
dos Bispos e dos Regulares, sancionado com o breve Alias felicis recordationis, de 3
de fevereiro de 1603, no qual se concedia ao Vigário Geral e a seu definitório, de
capítulo em capítulo, a faculdade de delegar frades para este ministério das
confissões.
Mas as constituições de 1608, e as de 1643, continuaram a manter a proibição
absoluta de confessar os seculares, “como é costume da nossa Religião, observada,
porém, a ordem dos pontífices”.

126. No mesmo ano de 1591, foram baixadas outras medidas para tutelar a
identidade e também a fisionomia externa da Ordem. Com o breve Beati Francisci, de
6 de julho, Gregório XIV renovou a proibição, já feita por seus predecessores, do uso
indébito do hábito capuchinho e, desta vez, explicitamente dirigida aos reformados
Conventuais e a certos eremitas acéfalos e vagantes.
Um outro sinal do retorno ao primeiríssimo carisma referia-se à observância da
Regra em toda sua pureza. Um vivae vocis oraculo, feito por Inocêncio IX em 11 de
dezembro de 1591 a pedido do procurador da Ordem, Boaventura de Montereale,
confirmava todos os privilégios papais anteriores, quibus tamen Regulae puritas
nostrae non relaxatur13.

Rumo à autonomia (1608-1619)


127. O Capítulo Geral de 1608 decidiu atualizar as constituições de 1575. Nas
novas constituições foram inseridas algumas prescrições dos capítulos posteriores a
1578 e vários novos decretos pontifícios. Mas elas eram um simples anel da corrente
legal que atualizava as anteriores e que seria superado nas seguintes de 1643.

128. Os repetidos atos de reconhecimento da Ordem capuchinha como verdadeira


terceira família franciscana da parte dos sumos pontífices e a contínua defesa de sua
identidade interna e externa deveriam ter eliminado qualquer dúvida sobre a sua
legitimidade jurídico-franciscana.
Mas não foi assim. Sobrevirá ainda uma contestação da parte de alguns
Observantes. Já houvera um precedente. Insinuações e até calúnias públicas tinham
espalhado o boato de que os reformados, que tinham conseguido já antes de 1579 e
ainda em 1596 a autonomia quase completa de suas custódias sob a dependência
direta do geral da Observância, não eram verdadeiros frades menores pois
observavam “uma nova Regra”.
Com o breve Ex iniuncto nobis, de 7 de setembro de 1602, Clemente VIII teve de
declarar que eles observavam a verdadeira e única Regra de São Francisco na sua
pureza e segundo as declarações pontifícias.

12
Trad.: perpetuamente.
13
Trad.: pelas quais, porém, a pureza de nossa Regra não seja relaxada.
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129. Uma campanha difamatória semelhante foi conduzida, possivelmente, pelos


próprios religiosos, contra os Capuchinhos. A estes era contestado o título de
verdadeiros frades menores, porque não tinham sido instituídos no tempo de São
Francisco.
Nesta altura Paulo V, com o breve Ecclesiae militantis, de 15 de outubro de 1608,
fechou a boca dos caluniadores atestando que os Capuchinhos eram, também eles,
verdadeiros frades menores que professavam a Regra de São Francisco, com a qual
estavam inteiramente conformes suas constituições (doc. 4: nn. 153-157). Uma
repetição deste breve, com uma exaustiva explicação, será feita por Urbano VIII em
1627.

130. Com tal declaração pontifícia e tendo em conta o crescente desenvolvimento


europeu da Ordem - em 1608 compreendia 35 províncias, 808 conventos e 10.708
frades -, os capuchinhos estavam em condição de merecer a própria autonomia de
modo a não depender mais, juridicamente, dos Conventuais. Alguns sinais
prenunciadores já se haviam feito sentir.
Um sinal externo da dependência jurídica dos Conventuais era a obrigação de
postar-se atrás da cruz deles nas procissões. Mas já no distante 1587, Sixto V, com
um vivae vocis oraculo de 24 de abril, tinha concedido aos Capuchinhos andarem
atrás da própria cruz nas procissões e imediatamente antes dos Observantes, quando
não estivessem os Conventuais.

131. Uma disposição de 12 de setembro de 1614 do cardeal Lante della Rovere,


sobre a precedência dos mendicantes e das confrarias nas procissões, com base no
breve Exposcit pastoralis, de 15 de julho de 1583, de Gregório XIII, declarava que os
Capuchinhos não estavam obrigados a enfileirar-se atrás da cruz dos Conventuais,
quer durante a procissão como no seu retorno.
Com data de 12 de setembro de 1616, a congregação dos Bispos e Regulares
determinava ainda que os Capuchinhos, ubique locorum14, podiam levar sua própria
cruz nas procissões e isto foi ratificado por Paulo V com o breve Pastoralis officii, de
12 de outubro de 1617.

132. Às vésperas da autonomia, a Santa Sé publicou alguns decretos que davam,


por assim dizer, os últimos retoques ao espírito da estrutura da Ordem. Embora por
norma das constituições (cap. XI) os frades já não devessem aceitar cuidado algum de
mosteiros, confrarias e congregações, Paulo V, no breve Sacri apostolatus de 11 de
agosto de 1618, na forma de motu proprio e válido in perpetuo, ratificava essa
proibição, exonerando os Capuchinhos de todo cuidado espiritual e temporal das
monjas, a fim de que tivessem mais liberdade para dedicar-se com maior empenho à
observância estrita da Regra, ao jejum, à oração e à sagrada pregação.
As constituições de 1536, 1552 e 1575 fixavam a duração do cargo do Vigário
Geral e, em decorrência, a celebração dos capítulos gerais, em três anos, ao passo
que as de 1608, em cinco anos. Para tornar mais eficiente e funcional o governo da
Ordem, Paulo V, com o breve In supremo Sedis, de 29 de outubro, determinou que a
duração do cargo do Vigário Geral fosse, in perpetuo, de seis anos.

133. Embora reduzida à simples confirmação dos vigários gerais, a dependência


jurídica dos Conventuais, por 91 anos, sempre foi pacífica e protetora e os superiores
da Ordem capuchinha não procuravam se libertar dela, justamente por sentir-se ali ao
abrigo das pretensões dos Observantes.
Mas a Ordem já podia sentir-se segura e amadurecida no seu desenvolvimento.
Pelas estatísticas apresentadas ao capítulo de 1618, ela contava com 40 províncias,
1.030 conventos, 6.819 presbíteros, 2.825 clérigos e 5.202 irmãos leigos, totalizando

14
Trad.: em quaisquer lugares.
50

14.846 frades, número pouco inferior ao dos Conventuais. Por isso os superiores da
Ordem dirigiram ao papa um pedido solicitando a completa autonomia.
Paulo V acolheu favoravelmente o pedido com o breve Alias felicis recordationis,
de 28 de janeiro de 1619 (doc. 5: nn. 158-162). Nele se diz que o papa, levando em
conta os “frutos fecundos e saborosos” que os Capuchinhos colhem todo dia na
campo do Senhor, quer recompensá-los com favores e graças especiais: absolve de
qualquer censura ou pena para obter o efeito da concessão, qual seja a isenção
perpétua de pedir ao mestre conventual a confirmação da eleição feita do Vigário
Geral.
Com esta concessão o Vigário Geral e os vigários provinciais tornavam-se
automaticamente ministros gerais e ministros provinciais, com plena autoridade
conforme o direito franciscano. Doravante a Ordem capuchinha será, pleno iure15, a
terceira família da primeira Ordem franciscana.

Documentos

1. Bula “Ex parte vestra” da Penitenciaria Apostólica


Roma, 18 de maio de 1526. - Lourenço Pucci, cardeal penitenciário maior, a
Ludovico e Rafael de Fossombrone e a Mateus de Bascio: aos três frades é concedida
a autorização de levar vida eremítica perpétua na observância da Regra, quanto o
permitir a fragilidade humana, sob a obediência e correção do ordinário do lugar.

C. Urbanelli, Storia dei cappuccini delle Marche I/3, 28-29.

134. Lourenço, por misericórdia de Deus bispo de Palestrina, aos diletos filhos
Ludovico e Rafael de Fossombrone e Mateus de Bascio di Montefeltro, professos da
Ordem dos frades menores da Observância, saúde no Senhor.

135. Foi-nos dirigido de vossa parte o pedido que, para maior tranqüilidade de
vosso ânimo e proveito de uma vida melhor, já que, por diversos motivos, não achais
de permanecer e habitar nas casas de vossa Ordem sem detrimento de vossa
consciência, por isso pedis para viver o resto do tempo fora das casas da mencionada
Ordem e, mantendo vosso hábito, morar e permanecer por toda a vida em outro lugar
adequado, isolado dos homens, levando vida eremítica. Como duvidais de fazer isto
licitamente ou de receber a permissão sem que seja consultada a Sé Apostólica,
humildemente solicitastes que sobre estas coisas proceda juridicamente a mesma Sé
para uma solução oportuna.

136. Portanto, por autoridade do papa, de cuja penitenciaria temos o cuidado, e


por incumbência especial, confiada a nós verbalmente, de nos ocupar disso, nós vos
concedemos a plena e livre faculdade para que, uma vez solicitada a licença de
vossos superiores, por vós mesmos ou por outro ou outros em vosso nome, ainda que
esta seja negada, possais livre e licitamente levar vida eremítica perpétua,
permanecendo fora das casas ou lugares regulares da dita Ordem e vivendo em
algum lugar eremítico, como vos aprouver, conservando de qualquer maneira o hábito
e observando a Regra quanto o consentir a humana fragilidade, e vivendo sob a
obediência e a correção do ordinário do lugar onde vos for dado residir; e possais
receber as esmolas que vos forem piedosamente oferecidas por algum cristão,
utilizando-as para vossas necessidades lícitas e honestas e ainda gozar e usar de
todos e cada um dos privilégios, favores e indultos.

137. Não obstante as constituições e ordenações apostólicas e os estatutos e


costumes das casas e da Ordem referida, mesmo reforçados por juramento ou

15
Trad.: de pleno direito.
51

confirmados pela autoridade apostólica ou por qualquer outra autoridade, e não


obstante os privilégios, indultos e cartas apostólicas enviadas à Ordem ou a qualquer
seu superior, prelado ou reformador, sob qualquer forma verbal ou cláusulas de
derrogação formuladas no modo mais forte, eficaz e insólito, porventura concedidas,
confirmadas e mais vezes renovadas verbalmente contra o que aqui se concede. A
todas estas coisas, em forma especial e expressamente, tão somente por esta vez,
tiramos o valor, ao passo que as outras, mesmo contrárias ao que aqui é concedido,
permanecerão em seu vigor jurídico.

138. Por isso ordenamos ao venerável pai em Cristo e, por graça de Deus, bispo
de Camerino ou a seu vigário, em força da dita autoridade e delegação, pelo que
concerne a vós nas coisas acima referidas e mediante o auxílio de uma eficaz defesa,
que não permitam, por si mesmos ou por outros, que doravante sejais de qualquer
forma molestados, perturbados e estorvados em vossas pessoas ou nas outras coisas,
por qualquer questão que seja, por qualquer superior da mencionada Ordem, por
prelados ou frades ou juízes ou outras pessoas, tanto eclesiásticas como seculares,
mesmo agindo com autoridade apostólica. E se reprima, com as censuras
eclesiásticas ou outros oportunos remédios jurídicos, todo desobediente e rebelde,
inclusive invocando eventualmente o auxílio do braço secular.
Dado em Roma, junto a São Pedro, sob o protetorado do ofício da Penitenciaria,
aos 18 de maio, terceiro ano de pontificado do senhor papa Clemente VII.

2. Bula “Religionis zelus” de Clemente VII

Viterbo, 3 de julho de 1528. - Aos irmãos Ludovico e Rafael de Fossombrone,


antes Observantes, mas agora sob a proteção dos Conventuais, com o fim de levar
vida eremítica e observar a Regra integralmente, são concedidas as seguintes
faculdades: de levar o hábito com capuz quadrado; receber candidatos; usar barba;
retirar-se nos eremitérios e mendigar em qualquer parte; gozar “aeque principaliter”
dos privilégios, indultos e favores concedidos ou a concederem-se à Ordem dos frades
menores e aos eremitas camaldulenses.

I frati cappuccini I, 61-69.

139. Clemente bispo, servo dos servos de Deus, aos diletos filhos Ludovico e
Rafael de Fossombrone, professos da Ordem dos Frades Menores, saúde e bênção
apostólica.

140. O zelo pela religião, a honestidade da vida e dos costumes e outros méritos
louváveis de probidade e virtudes, pontos em que vós nos fostes recomendados por
um testemunho digno de confiança, levam-nos, quanto com Deus podemos, a anuir
favoravelmente aos vossos pedidos, principalmente no que diz respeito à salvação das
almas e à propagação da religião.

141. De fato, a petição apresentada a nós recentemente por vossa parte dizia que
vós, levados outrora pelo fervor de servir ao Altíssimo, entrastes na Ordem dos Frades
Menores da Observância, e nela, tendo feita a profissão, permanecestes por certo
tempo, e depois, com licença de vosso superior de então, de acordo com a forma da
carta apostólica feita para a união e a concórdia entre os preditos frades e os frades
chamados Conventuais, vos transferistes para o meio dos próprios frades Conventuais
e fostes benignamente recebidos pelo então mestre provincial da Província das
Marcas dos referidos frades Conventuais e fostes agregados ao número e convivência
dos outros frades Conventuais da mesma província. Depois, por vosso desejo, para a
salvação de vossas almas e para a glória de Deus, querendo levar vida eremítica e
observar a Regra de São Francisco quanto permite a fragilidade humana, o referido
52

mestre provincial vos deu licença de recorrer à Cúria Romana para pedir e impetrar de
nós e da Sé Apostólica tudo que vos parecesse oportuno para a salvação de vossas
almas e para a glória de Deus.

142. Também nosso dileto filho André, cardeal presbítero do título de Santa Prisca,
protetor da mesma Ordem, permitiu que vós fizésseis tal pedido com a condição,
porém, de que um de vosso grupo, em nome de todos vós, vos apresenteis todos os
anos ao mestre provincial ou ao capítulo da província dos referidos frades Conventuais
em que habitardes, em sinal de submissão, e o mesmo mestre, se lhe parecer, uma
vez por ano, vos visite e, se achar que vós não observais a citada Regra, possa vos
admoestar e forçar como for devido para observá-la plenamente. Fora isso, porém,
nem vos possa transferir de lugar, nem vos impor ou exigir de vós mais alguma coisa,
mas antes deve proteger-vos e defender-vos, para que possais servir em paz ao
Altíssimo nas coisas divinas, como se diz que está contido nas cartas patentes feitas
pelos referidos cardeal protetor e mestre provincial.

143. Por isso, de nossa parte, foi-nos suplicado humildemente que vos
concedêssemos a faculdade de levar desse modo a vida eremítica e nos dignássemos
conceder oportunamente outras coisas das já referidas, por benignidade apostólica.

144. Então nós, que desejamos a salvação das almas, absolvendo a cada um de
vós de qualquer vínculo de excomunhão, suspensão e interdito e outras sentenças,
censuras e penas eclesiásticas, lançadas seja a iure16, seja ab homine17, em qualquer
ocasião ou por qualquer causa, se estiver atado de qualquer modo por alguma delas,
só para efeito desta carta, absolvendo-o da série delas e tendo como absolvido para o
futuro, e tendo as referidas cartas e o que nelas se contém suficientemente expresso
nesta carta, inclinados para essas súplicas, por autoridade apostólica, no teor da
presente, vos permitimos que, para viver a predita vida eremítica segundo a Regra,
possais usar o habito com capuz quadrado e acolher em vossa convivência todos,
tanto clérigos seculares e presbíteros como leigos, e tanto vós como eles usar a barba
e ir para eremitérios ou quaisquer outros lugares, com o consentimento dos seus
donos, e neles morar e levar uma vida austera e eremítica e pedir esmola em todos os
lugares e vos concedemos licença e faculdade plena e livre de gozar todos e cada um
dos privilégios, indultos e graças concedidos até agora ou que forem concedidos no
futuro à Ordem dos Frades Menores como também ao eremitério camaldulense de
São Romualdo e aos seus eremitas em geral ou em particular, e dos quais eles de
qualquer maneira usam, possuem e gozam e poderão no futuro usar, possuir e gozar,
vós também, da mesma maneira, como eles, possais usar, possuir e gozar livre e
licitamente.

145. E absolutamente a todos e a cada um dos arcebispos, bispos e abades e


outras pessoas eclesiásticas constituídas em dignidade, como também aos cônegos
metropolitanos ou de outras igrejas catedrais, e aos vigários gerais desses arcebispos,
bispos e abades nas coisas espirituais em geral, mandamos à vossa discrição por
carta apostólica que quanto cabe a cada um, por si ou por outro ou outros, que vos
assista e a cada um dos vossos com o favor de defesa eficaz nas coisas que
enumeramos acima, e faça a vós e a cada um dos vossos em todas e cada uma das
coisas acima referidas fruir e gozar pacificamente. E não permita que algum de vós,
contra o teor desta carta, possa ser molestado, impedido ou inquietado. Coibindo
quaisquer contraditores e rebeldes, também por quaisquer censuras, penas e outros
remédios de direito, do que lhes aprouver, postergando a apelação, invocando para
isso, se for preciso, até o auxílio do braço secular.

16
Trad.: por direito.
17
Trad.: por alguém ou por alguma pessoa humana.
53

146. Sem que obste a determinação de Bonifácio VIII, nosso predecessor de feliz
memória, também de uma e, no Concílio geral, de duas sessões, nem outras
constituições e ordenações apostólicas, como também os estatutos e costumes da
referida Ordem, mesmo reforçados sob juramento, confirmação apostólica ou qualquer
outra garantia, e mesmo os privilégios, indultos e cartas apostólicas emanadas por
qualquer dos Pontífices romanos nossos predecessores e por nós e pela referida Sé,
também por força de uma lei geral ou estatuto perpétuo, e por motu proprio e ciência
certa ou com a plenitude do poder apostólico, e com quaisquer cláusulas irritantes,
restitutivas, declarativas, atestativas da mente ou derrogatórias dos derrogatórios, e
outras mais eficazes, eficacíssimas e insólitas cláusulas e mesmo que tenham sido
dadas, confirmadas e renovadas repetidas vezes consistorialmente. De cujas coisas
todas, mesmo que para sua suficiente derrogação, delas e de todos os teores
especiais, individualmente e de palavra por palavra, mas não por cláusulas gerais
igualmente importantes, menção ou qualquer outra expressão deva ser tida ou deva
ser observada de uma forma certa rebuscada, e nas mesmas se cuide expressamente
que de maneira alguma possam ser derrogadas, também dos seus teores pela
presente como suficientemente expressas e inseridas palavra por palavra, e nem
modos ou formas que para isso devam ser observadas tendo como observadas pelo
indivíduo, por esta vez apenas, devendo ficar outras mantidas em sua força,
derrogamos especial e expressamente sua série e de tudo que possa ser contrário.

147. Portanto, não seja lícito a homem algum infringir ou com ousadia temerária ir
contra esta nossa página de absolução, concessão, mandato ou derrogação. Mas se
alguém presumir atentar isso, saiba que há de incorrer na indignação de Deus
Onipotente e dos bem-aventurados apóstolos Pedro e Paulo.
Dado em Viterbo, no dia 3 de julho do ano 1528 da Encarnação do Senhor, no
quinto ano de nosso pontificado.

3. Bula “Ex nostri pastoralis officii” de Gregório XIII

Roma, 6 de maio de 1574. - Revogando um breve precedente de Paulo III,


concede-se licença aos capuchinhos para estabelecer-se e fundar casas, lugares,
custódias e províncias segundo o costume da Ordem nas regiões da França e de toda
a terra.

I frati cappuccini I, 118-121

148. Gregório bispo, servo dos servos de Deus, para a perpétua memória do fato.
Em força de nosso ofício pastoral, damos de bom grado atenção a tudo o que
possa favorecer a expansão de cada instituto religioso, especialmente daqueles que,
por especial devoção das populações, são solicitados em determinadas localidades.

149. Agora, pois, é expresso o desejo de que a congregação da Ordem dos frades
menores, ditos capuchinhos, constituída há tempo na Itália com grande utilidade e
atualmente em fase de constituição também nas regiões da França, particularmente
na alma cidade de Paris, seja consolidada. Entretanto Paulo III, de feliz memória,
nosso predecessor, devido a certas situações em seu tempo indicadas, dispôs motu
proprio, por santa obediência e sob pena de excomunhão latae sententiae, que os
diletos filhos, o Vigário Geral e os frades da mencionada Ordem e congregação não se
atrevessem a transpor os montes e lá aceitar novos lugares, até que não fosse por ele
estabelecido diversamente por ocasião do capítulo a celebrar-se em Roma. O
mencionado vigário e os frades estão convencidos de que tal determinação caiu com a
morte de nosso predecessor acima mencionado; temendo, entretanto, incorrer em
54

alguma transgressão culpável, até o presente momento não ousaram realizar nenhum
ato contrário ao disposto, sem a licença da Santa Sé.

150. No propósito de ampliar a religião, nós abrogamos, com a autoridade das


presentes letras, aquela proibição e concedemos ao vigário e as frades referidos, com
relação à mesma, a restitutio in integrum18. Ainda mais, concedemos-lhes licença para
estenderem-se às regiões da França e de toda a terra, com a faculdade de ali construir
e fundar casas, lugares, custódias e províncias, conforme seu costume.
Não são, ademais, impedimento a tudo isto constituições e ordenações apostólicas
nem estatutos e costumes da mencionada Ordem e congregação, munidos de
confirmação apostólica, juramento ou qualquer outro vínculo.

151. Como seria difícil enviar a presente a todos os lugares onde seria necessário,
dispomos que a qualquer cópia desta, mesmo impressa, subscrita por um notário
público e provida com o carimbo de uma pessoa constituída em dignidade eclesiástica,
se deva prestar a mesma fé, em tribunal e fora dele, que se prestaria à presente, se
fosse exibida e mostrada.

152. Portanto, a ninguém seja lícito infringir este escrito de nossa abrogação,
restituição, concessão e disposição, ou, com temerária ousadia, contradizê-lo. Se
alguém tiver a presunção de tentar isso, saiba que incorrerá na indignação de Deus
onipotente e de seus bem-aventurados apóstolos Pedro e Paulo.
Dado em Roma, junto a São Pedro, no ano 1574 da Encarnação, aos 6 de maio,
segundo ano de nosso pontificado.

4. Breve “Ecclesiae militantis” de Paulo V

Roma, 15 de outubro de 1608. - Contrariamente ao que alguns insinuam, o papa


Paulo V declara que os capuchinhos são verdadeiros frades menores e verdadeiros
filhos de São Francisco, afirmando que suas constituições estão em tudo conformes
com a Regra professada.

Bullarium capucinorum I, 57.

153. Paulo V, papa, para a perpétua memória do fato.


Chamado pela vontade do Senhor a presidir, sem mérito nosso algum, o governo
da Igreja militante, temos por dever de nosso ofício providenciar para que aqueles que,
sob o estandarte do Bem-aventurado Francisco, que refulge em esplendor de glória
entre os valorosos soldados de Cristo, prestam na milícia desta vida o seu serviço ao
Altíssimo sob a regra da mais estrita disciplina do mesmo Bem-aventurado Francisco,
e, através da mortificação do corpo, do desprezo das riquezas, da abnegação de si
mesmos, dedicando-se a jejuns, orações, à sagrada pregação e outras obras
religiosas, com a palavra e o exemplo se mostram verdadeiros imitadores e filhos do
Bem-aventurado Francisco, como tais também sejam tidos por todos sem nenhuma
contestação.

154. Como, porém, conforme soubemos, alguns colocam em dúvida se os frades


da Ordem do mesmo São Francisco, chamados capuchinhos, são verdadeiros frades
menores; e também se são filhos de São Francisco, uma vez que, embora
professando a sua regra, não foram instituídos no tempo de São Francisco; e ainda, se
as suas constituições contêm prescrições contrárias à regra de São Francisco; nós,
querendo desfazer essas dúvidas com a palavra de uma declaração apostólica, com o
conselho de nossos veneráveis irmãos cardeais da santa Igreja Romana intérpretes do

18
Trad.: restituição integral.
55

Concílio Tridentino, depois de madura reflexão, com esta nossa constituição válida
para sempre e com autoridade apostólica, declaramos que os frades capuchinhos são
verdadeiros frades menores e são verdadeiros filhos de São Francisco; e apesar de
não terem sido instituídos no tempo do Santo, eles, todavia, professam a sua Regra, e
as suas ordenações são conformes tanto com os estatutos da Regra como com as
declarações sobre a mesma Regra, contidas na constituição de Clemente V de feliz
memória, nosso predecessor, e promulgadas no Concílio Geral de Viena, que começa:
Exivi de Paradiso.

155. Além disso, suas constituições não contêm nada que não esteja de acordo
com a citada Regra de São Francisco e, deste modo, devem ser, por todos e por cada
um, considerados, estimados e julgados, declarando inútil e vã qualquer coisa
contrária a nossas asserções e que pudesse ser afirmada por qualquer pessoa, por
qualquer autoridade, com conhecimento ou ignorantemente.

156. Por esta razão com as presentes letras ordenamos a todos e a cada um dos
veneráveis irmãos patriarcas, arcebispos, bispos e aos diletos filhos núncios nossos e
da Sé Apostólica, que, por si mesmos ou por outros, depois de terem publicado
solenemente o conteúdo de nossas decisões, toda vez que for necessário e for
solicitado por parte dos referidos frades capuchinhos e assistindo aos mesmos frades
em todas as coisas com a ajuda de uma defesa eficaz, façam, com nossa autoridade,
com que pacificamente desfrutem e gozem, com a nossa autoridade, dos respectivos
direitos segundo o conteúdo e o teor das presentes letras.

157. Não permitam, ademais, que os frades sejam indevidamente molestados por
quem quer que seja, com qualquer autoridade, punindo os que contradizem, se
rebelam ou desobedecem a estas disposições, com sentenças, censuras e penas
eclesiásticas e outros remédios oportunos, recorrendo eventualmente ao braço
secular. Queremos ainda e estabelecemos com nossa autoridade que, às cópias do
presente, mesmo impressas, autenticadas por um notário público e reconhecidas com
o selo de uma pessoa constituída em dignidade eclesiástica, seja atribuído o mesmo
valor do presente documento original.
Dado em Roma, junto a São Marcos, sob o anel do Pescador, aos 15 de outubro
de 1608, quarto ano de nosso pontificado.

3. Breve “Alias felicis recordationis” de Paulo V

Roma, 28 de janeiro de 1619. - Em consideração aos fecundos frutos que os


capuchinhos recolhem cada dia no campo do Senhor, é-lhes concedida a isenção total
e perpétua do dever de pedir a confirmação do Vigário Geral eleito ao Ministro Geral
dos Conventuais.

I frati cappuccini I, 134-138

158. Paulo V, papa, para a perpétua memória do fato.


No seu tempo, o papa Paulo III, de feliz memória, nosso predecessor, acolhendo
as súplicas dos diletos filhos, os frades da Ordem dos menores de São Francisco,
ditos capuchinhos, apresentadas a ele humildemente naquela ocasião, estabeleceu e
ordenou com autoridade apostólica e com conhecimento fundado, mediante cartas
munidas com sinete de chumbo, que, a partir daquele momento, os ditos frades,
verificada a presença da maior parte dos eleitores, apresentassem ou fizessem
apresentar, quanto antes possível comodamente, a eleição do Vigário Geral da
mencionada Ordem ao Ministro Geral dos frades menores, ditos Conventuais, como se
tinha praticado até então e até que a respeito disso a Sé Apostólica não disponha
diversamente. Em seguida, o Ministro Geral devia, dentro de três dias da
56

apresentação feita a ele, confirmar o vigário eleito; mas transcorridos os três dias sem
tê-lo confirmado, o eleito devia considerar-se confirmado pela autoridade da Sé
Apostólica, segundo certas modalidades e formas expressas naquela ocasião, como
está exaustivamente explicado nas mencionadas cartas de nosso predecessor Paulo
III, cujo conteúdo queremos que se mantenha suficientemente expresso nas presentes
letras.

159. Nós, fixando o olhar de nossa atenção nos frutos fecundos e saborosos que
os referidos frades capuchinhos colhem cada dia, com a bênção divina, no campo do
Senhor, desejando recompensar tais frades com favores e graças especiais,
inclinando-nos às súplicas humildemente apresentadas a nós em seu nome,
absolvemos e declaramos absolvidas, exclusivamente para conseguir o efeito de que
trata a presente carta, suas pessoas individualmente de qualquer sentença de
excomunhão, suspensão e interdito ou de outro tipo; das censuras e penas a iure e ab
homine sofridas em qualquer ocasião e por qualquer motivo, toda vez que de um ou
de outro modo nelas tivessem incorrido.

160. No teor das presentes letras concedemos e consentimos com autoridade


apostólica que doravante, in perpetuo nos tempos futuros, os mencionados frades
capuchinhos não sejam mais obrigados a apresentar a eleição do respectivo Vigário
Geral ao Ministro Geral referido nem a solicitar dele a confirmação da eleição feita,
nem possam ser coagidos ou forçados a isto por qualquer pessoa ou autoridade; em
virtude e segundo a norma da presente carta, desligamos, isentamos totalmente e
liberamos os mesmos frades capuchinhos da obrigação de apresentar tal eleição e de
pedir-lhe confirmação; tais frades são, e devem ser, totalmente desligados e
totalmente isentos e livres dessa obrigação; e as presentes páginas devem ser tidas
como válidas, estáveis e eficazes sempre e in perpetuo, e ser úteis aos ditos frades de
modo perfeito, em tudo e por tudo, e eles não podem nem devem sofrer
molestamento, perturbação e inquietação de qualquer espécie, de quem quer que seja
e de qualquer autoridade sobre isto; e se deverá julgar e decidir assim, e não
diversamente, em todo lugar, por parte de qualquer juiz ordinário ou delegado e dos
auditores de causas do palácio apostólico; seria inválido e vão intentar o contrário
nesta matéria por parte de qualquer pessoa e de qualquer autoridade, seja
cientemente ou por ignorância.

161. Não são obstáculo as cartas do acima lembrado Paulo, nosso predecessor,
nem constituições e ordenações apostólicas, estatutos e costumes das mencionadas
Ordens, mesmo se acompanhadas de juramento, confirmação apostólica ou qualquer
outro suporte, ou privilégios, indultos, cartas apostólicas, concedidos a eles, a seus
superiores, qualquer que seja o nome com que forem designados, aos frades, sob
qualquer forma e conteúdo, com qualquer revogação de derrogação, ou outras
cláusulas, mesmo as mais insólitas, eficazes e invalidantes, e outros decretos em
gênero e espécie, concedidos, confirmados e renovados de qualquer modo no
passado contra o preposto.

162. Derrogamos de modo particular e expresso, especificamente para esta vez,


todas e cada uma das referidas prescrições, também no caso em que se exigisse
delas e de todo seu conteúdo uma menção especial, específica, expressa e individual,
palavra por palavra, e não apenas cláusulas genéricas ou qualquer outra expressão ou
forma escolhida propositadamente; considerando as presentes letras expressas de
modo completo e suficiente, como se referisse o mencionado conteúdo e este fosse
inserido na mesma palavra por palavra, concedendo que, de resto, tais prescrições
permanecem no seu vigor. Derrogamos expressamente também qualquer outra
disposição que, de algum modo, estivesse em contrário.
57

Dado em Roma, junto a Santa Maria Maior, sob o anel do Pescador, em 28 de


janeiro de 1619, ano 14 do nosso pontificado.
58

As Ordenações de Albacina
(1529)

Vincenzo Criscuolo
Tradução de Odair Verussa
59

163. Mais do que como constituições, estes textos se caracterizam como


ordenações ou estatutos. Foram denominados de Albacina em vista do lugar onde fora
celebrado, em abril de 1529, o primeiro capítulo da reforma capuchinha. Certamente
compiladas em língua vulgar, foram promulgadas em nome próprio por Ludovico
Tenaglia de Fossombrone que, talvez, com o passar do tempo acrescentou-lhes novas
normas. O texto, em língua vulgar quinhentista nos foi transmitido por Matias Bellintani
de Saló em “Historia capuccina” e, na dependência deste, pelo cronista Paulo
Vitelleschi de Foligno.
Mais que apresentar um franciscanismo inédito e original, essas ordenações
repassam a experiência dos movimentos de reforma dos inícios do século XVI,
codificada nos estatutos que o Ministro Geral dos Observantes, Francisco Quiñones,
havia ditado para as províncias da Espanha (1523) e Itália (1526).

164. Mesmo que os artigos que compõem estas ordenações não estejam
dispostos segundo uma ordem lógica, eles podem, todavia, ser agrupados em torno de
quatro temas basilares que são: 1. pobreza e austeridade, 2. oração, 3. disciplina
regular, 4. solidão e silêncio.
As motivações estão ligadas aos exemplos e às admoestações de São Francisco,
ao Testamento e à Regra, cuja observância estrita é recomendada. Muitas prescrições
são ditadas pela preocupação de manter longe usos e abusos lamentáveis entre os
Observantes.
Contrariamente ao que acontecia nas outras reformas franciscanas, as
constituições da Albacina prevêem para os frades um ativo compromisso no
apostolado, mas, inexplicavelmente, dada a atitude de Ludovico de Fossombrone,
nada se diz nelas da necessidade do trabalho manual como meio de sustentação.

I frati cappuccini I, 177 - 225

165. [Prólogo] - As constituições feitas em Albacina se apresentam sob o nome de


Frei Ludovico de Fossombrone, porque com elas ele regeu a congregação capuchinha
durante todo o tempo em que a governou e pode ser que lhe houvesse acrescentado
alguma coisa, conforme sentia ser necessário.
E são estas:

166. 1. Em primeiro lugar, a respeito das coisas divinas e espirituais, rogo e exorto
a todos os nossos irmãos desta nossa fraternidade, especialmente os superiores, que
estão no lugar do Senhor, que, ajudem, mantenham e preservem a harmonia e ordem
do Senhor. E se todas as coisas, também as irracionais, vivem e conservam a ordem
que o Senhor lhes deu, muito mais as criaturas racionais, maximamente aqueles que
lhe são dedicados e chamados a assistir e estar diante do Senhor, em seus serviços,
como espelho e luz do mundo e meio adequado para chegar ao nosso fim, Deus
bendito, em verdade, com documentos e intenção santos e espirituais.
E para que todos os irmãos atendam uniformemente ao que as presentes
ordenações promulgam, saibam que não tenho a intenção de instituir nova regra, nem
que se introduza novo modo de viver, nem intento obrigar algum dos irmãos ao
pecado mortal, por transgredir as coisas infraescritas. Mas exorto com o beijo dos pés,
primeiramente os superiores, depois a todos os outros irmãos, que queiram observar
as seguintes ordenações, pura e simplesmente, sem glosa, até que para tanto o
Senhor se dignar ordenar diferentemente por algum servo seu mais iluminado que eu.
E mesmo ordenando as presentes, entendo sempre remeter estas e todas as outras
coisas que me competem aos mais inteligentes e de melhor juízo. Por ora, parece-me
apropriado anotar estas poucos constituições.

[Liturgia e contemplação]
60

167. 2. Primeiramente sobre o ofício divino. Acerca do ofício divino, exorto e


ordeno que se recite devotamente, com as pausas, sem arrastar, sem canto ou voz
feminina. As matinas, como de hábito, se rezem à meia noite, conforme é costume da
religião. As outras horas canônicas sejam rezadas nos seus momentos apropriados
com exceção da terça e da sexta que se rezem segundo o costume.

168. 3. Ordenamos ainda que não se acrescente outro oficio obrigatório no coro,
com exceção ao de Nossa Senhora. E se for do agrado de algum frade e lhe der mais
devoção, possa rezar os sete salmos, o ofício dos mortos, Benedicta ou outras
orações vocais, contentando-se, porém em rezá-las individualmente ou com um outro
companheiro fora do coro, nos horários em que não se reza o ofício no coro, para não
molestar a algum frade que estivesse na igreja ou mesmo no coro exercitando a
oração secreta ou mental. Ordena-se isto para que os irmãos rezem, todos juntos e
mais devotamente, com as devidas pausas o ofício costumeiro, determinado pela
Regra, para que os frades tenham mais tempo de exercitar-se em orações secretas e
mentais, muito mais frutuosas que as vocais.

[Solidão]

169. 4. Da mesma forma, ordenamos que na semana santa, em terras e cidades


onde os seculares podem participar do ofício das trevas em outros lugares, os frades
rezem as matinas e celebrem as trevas à noite e não à tarde. Este era o costume nos
tempos dos primeiros espíritos angélicos.

170. 5. Do mesmo modo, ordenamos que não se vá a ofício de mortos, nem a


velórios, exceto nos casos de grande necessidade, como também não se vá a
procissões, com exceção às de Corpus Domini19 e das Rogações, quando se visse
que não ir seria um escândalo, e em alguma outra procissão que se faça por qualquer
necessidade, sempre buscando se esquivar, se puderem se esquivar sem escândalo,
a fim de que permaneçamos em nossa quietude.

[Comunhão fraterna e pobreza]

171. 6. Ordenamos, outrossim, que se reze somente uma missa na Igreja, como é
costume segundo o uso da Ordem. E se outros frades sacerdotes quisessem ficar
somente com essa missa, conforme São Francisco exortou com beijo nos pés,
ordenamos que os frades sacerdotes não sejam obrigados pelos prelados a celebrar
missa a não ser que para tanto fossem levados pela devoção, ou nas solenidades ou
por necessidade. E ainda sobre isso, os prelados ajam com diligência e grande
cuidado, não se entendendo com os seculares no sentido de receber intenções de
trigésimo dia nem outras intenções de missas para que por esse motivo os sacerdotes
não sejam obrigados a rezar missa por necessidade. E os prelados guardem-se
totalmente da ambição de atrair as pessoas aos eremitérios e lugares onde residimos
para rezar missas e ofícios com o objetivo de trazerem esmolas e outras coisas.
A questão é esta: queremos e ordenamos que, de modo algum, aceitem missas.
Se alguém disser: “Frades, rezem para mim uma ou mais missas”, respondam-lhe
devota e discretamente, dizendo: “Nós rezaremos a Deus por vós em nossas missas”.
Poder-se-á ainda colocar uma oração particular na intenção daquela pessoa, mas se
esquivem totalmente em receber qualquer esmola por missas e orações. Porém, se
derem pão ou vinho, ou outras coisas relacionadas com o necessário para viver, se
possa receber como esmola, dada por quem não pede oração. As orações sejam
feitas por simples caridade e por amor a Deus.

19
Trad.:Corpo do Senhor
61

[Austeridade discreta]
172. 7. Da mesma forma, ordenamos que a disciplina se faça após as matinas,
exceto nos lugares muito frios, onde, no inverno, se possa fazer à tarde.

[Oração, silêncio, hospitalidade]

173. 8. Ordenamos também que a oração seja feita nos tempos previstos pela
Ordem. Se alguém se encontrar indisposto naquela hora, ordenamos que não deixe de
fazer uma hora de oração, mas estatuímos dois outros tempos de oração, sendo um
após as vésperas e outro antes de terça, mas que não seja oração pública com toque
de sino e, sim, secreta. Com isso não entendemos que se estiverem ocupados pelos
seus superiores em alguma necessidade não tenham que obedecer, antes, obedeçam.
Note-se que esta hora é assim estabelecida e ordenada pela religião, para bom
ordenamento e como uma necessidade e ainda mais para muitos frades tépidos e
preguiçosos. Assim sendo, não se falte a essa hora. Mas os irmãos devotos e
fervorosos não se contentem com uma, duas ou três horas, mas despendam todo o
seu tempo em orar, meditar e contemplar. E, como verdadeiros contempladores,
adorem o Pai em espírito e verdade. Exorto todos os irmãos a este esforço, por que
esta é a finalidade pela qual se tornaram religiosos.

174. 9. Do mesmo modo ordenamos que se observe inviolavelmente o silêncio


desde o primeiro sinal de completas até o final da missa conventual e ordinária e isto
sempre. Da Páscoa até o meio do mês de agosto, depois de lavar as escudelas dê-se
o sinal do silêncio, permanecendo até o toque de vésperas. E se algum frade faltar a
ele diga a sua culpa e faça a disciplina coram fratribus20.

175. 10. Do mesmo modo, ordenamos que neste tempo e em todos os outros, os
prelados tenham um diligente cuidado de que, chegando algum secular ou religioso
aos eremitérios onde habitamos, o porteiro, que seja escolhido por ser o mais discreto,
devoto e de bom exemplo, chame o guardião ou mesmo um outro que para tanto for
destacado, para atender acompanhar e falar com esses forasteiros. Os demais, aos
quais não é imposto esse serviço, abstenham-se de falar com pessoas que vêm ao
nosso lugar sem grande necessidade.

[Nutrir o corpo e o espírito]

176. 11. Do mesmo modo ordenamos e queremos que os guardiães tenham


solícito cuidado em sempre fazer ler alguns livros espirituais e devotos como é uso da
Ordem, uma vez que isto está registrado no decretal: Quod in mensa religiosorum
habeatur lectio21.

177. 12. Do mesmo modo, que não se introduzam seculares para comer com os
frades, exceto por grande necessidade. Não se prepare a mesa com toalhas, mas se
ponha uma toalhinha pobrezinha para cada frade.

178. 13. Do mesmo modo, ordenamos que à mesa não se sirva mais que um tipo
de comida, isto é, a sopa; e, quando se jejua, acrescente-se uma verdura cozida ou
crua. Quando for doado um pouco de peixe ou outra coisa, os frades possam comê-
los. Atentem sempre para isto: que não se leve à mesa mais que dois tipos de comida,
entendendo-se aquelas coisas que vão pelas mãos do cozinheiro.

20
Trad.: em frente dos frades.
21
Trad.: que à mesa dos religiosos haja leitura.
62

179. 14. Do mesmo modo, ordenamos que, se algum dos irmãos não quiser comer
carne nem beber vinho, e a isto eu os exorto, que possam abster-se e não sejam
forçados pelos prelados a comer e beber as preditas coisas, exceto se os prelados
souberem de algum que não saiba se orientar e agir com discrição e percebessem
indício de alguma enfermidade por causa da referida abstinência. Nisto os prelados os
exortem discreta, timorata e devotamente, até que entendam a necessidade e
aprendam a discrição. Exorto ainda os irmãos no Senhor que sejam discretos e não
sejam de cabeça dura. O vinho que se põe à mesa seja bem temperado.

180. 15. Do mesmo modo, se algum dos irmãos quiser jejuar ou fazer alguma
quaresma, não seja impedido, sempre levando em conta o que foi dito acima. E se for
necessário, seja-lhe concedido somente um tipo de alimento.

[Pobreza em todas as coisas]

181. 16. Do mesmo modo, os utensílios sejam poucos e desprezíveis de tal modo
que in omni re ad nostrum usum22 resplandeça a parcimônia, a pobreza e a
austeridade.

182. 17. Do mesmo modo, ordenamos que não se busque ordinariamente nem
carne, nem ovos, nem queijo; quando, porém, ao se pedir esmola, alguma pessoa
inspirada pelo Senhor as oferecer, pode-se tomar, atentos sempre para que em tudo
se observe e reluza o estado da santa pobreza.

Se as referidas coisas forem enviadas aos lugares em que residimos, atentem os


superiores e os outros irmãos para não serem vencidos pela pouca fé, pela avareza e
pela cupidez. Se houver dessas coisas no lugar, contentem-se com elas e não
busquem mais, considerando o nosso estado e a altíssima pobreza que prometemos e
quae nos, carissimos fratres meos, haeredes et reges regni coelorum instituit;
pauperes rebus fecit, virtutibus sublimavit. Haec sit portio vestra, quae perducit in
terram viventium (RB 6,5-6)23. Recebam-nas de tal modo que, na qualidade e na
quantidade, estejam conforme a nossa Regra.

183. 18. Do mesmo modo, os superiores sejam muito atentos quando pedem
esmolas, para não fazerem longas provisões, mas cotidianamente, para dois ou três
dias, ou no máximo para uma semana, segundo a exigência dos lugares e sua
distância, tendo sempre no coração e na execução das obras, quanto possível, nosso
estado de vida pobre.

184. 19. Do mesmo modo, ordenamos que nenhum prelado, nem outro dentre os
irmãos, ouse repor garrafas de vinho nas moradias, nem garrafinhas nem barris, mas
tenham alguns frascos ou frasquinhos, o quanto pedir a pobre exigência dos frades.

[Austeridade no vestir]

185. 20. Do mesmo modo, se algum irmão não quiser usar outra veste, mas só um
hábito, ordenamos que lhe seja concedido, porque a Regra lho permite. E aquele a
quem não lhe baste o hábito tenha uma túnica pobre e curta que passe quatro dedos o
joelho. E havendo um irmão de compleição muito fria que tenha feito experiência de
não resistir com um hábito ou uma túnica, como são os irmãos idosos e débeis de

22
Trad.: em todas as coisas que estiverem em nosso uso.
23
Trad.: que nos constituiu, meus caríssimos irmãos, herdeiros e reis do Reino dos céus, nos
fez pobres de coisas, mas nos sublimou em virtudes. Seja esta a vossa herança, que leva para
a terra dos viventes.
63

espírito, se lhes conceda uma capa tão longa que estendendo os braços cubra a
extremidade das mãos, mas não a exceda e, sim, coincida com ela, ou cubra um
pouquinho mais somente, enfim, que a cubra e não mais. Os cordões sejam grossos e
desprezíveis, com nó simples e não trabalhados de propósito.

186. 21. Do mesmo modo, ordenamos que se provejam os panos segundo a


necessidade presente, tendo sempre esperança no Senhor e fé.

187. 22. Do mesmo modo, cuidem os superiores e os irmãos que o comprimento


dos hábitos não seja maior que onze palmos comuns e para os mais corpulentos doze
e a túnica sete palmos. Cuidem que as mangas sejam estreitas e pobrezinhas de
modo que o braço possa entrar e sair livremente.

[Calçados no estilo apostólico]

188. 23. Do mesmo modo, ordenamos que quem não puder andar descalço, tendo
primeiro provado, se não pode resistir, use as sandálias como as levavam os
apóstolos e os nossos antigos pais, o mais pobremente possível, como pede nosso
estado, e que não usem tamancos.

[A graça da pregação]

189. 24. Do mesmo modo, ordenamos também que os pregadores que devem
pregar a Palavra do Senhor, quando vão em viagem, de lugar em lugar, não levem
senão três livros, que seu ofício requererá.
Ordena-se também aos prelados que não deixem ficar ociosos os pregadores aos
quais o Senhor conceder tal graça, mas os façam trabalhar na vinha do Senhor,
pregando não somente na quaresma, mas também durante o ano e ainda em festas
ocasionais, ou em outros dias oportunos. E aqueles que forem encarregados de tal
ofício sejam de tal qualidade que sua primeira pregação seja sua vida boa e o seu
bom exemplo; não cioso de falar enfeitado, nem ainda de sutil especulação, mas
preguem pura e simplesmente o Evangelho do Senhor. Aos demais sacerdotes e
clérigos que não sabem pregar, seja-lhes concedido um livrinho espiritual, escrito à
mão ou impresso, o breviário para seu uso e nada mais.

[Usar sem possuir]

190. 25. Do mesmo modo, ordenamos que nenhum irmão tome coisas que tenham
sido concedidas ao uso de algum outro irmão, sem licença do superior ou daquele que
as esteja usando. Quem infringir coma por uma vez pão e água e diga a culpa coram
fratribus; o padre guardião faça-lhe uma boa correção para que não o faça outra vez.
Cada um faça algum sinal naquela coisa que lhe foi concedida para uso.

[Simplicidade sem curiosidade]

191. 26. Do mesmo modo, ordenamos que os irmãos vistam-se todos de panos
vis, como diz a Regra, e dos mais vis que se encontrarem naquelas regiões, e dos
mais abjetos e desprezíveis e de cor mortiça que se encontrarem.

192. 27. Do mesmo modo, ordenamos que ninguém tenha botelha, bolsa ou
chapéu, mas somente dois pares de cuecas e quem tiver necessidade, dois lenços
pobres. Evitem que os breviários e outros livros sejam enfeitados ou ainda tenham
ilustrações curiosas nem rosários enfeitados ou outras coisinhas que são antes coisas
femininas que de religiosos. Os rosários sejam vis e desprezíveis.
64

[Estudo e devoção]
193. 28. Ninguém pretenda dedicar-se ao estudo, a não ser à leitura de alguma
lição das Sagradas Escrituras ou de algum livrinho devoto e espiritual que leve ao
amor de Cristo e a abraçar sua cruz.

[Trabalho pastoral e solidão]

194. 29. Do mesmo modo, que não se determinem confessores se não tiverem
pelo menos quarenta anos e que sejam de boa vida correta, discretos e de bom
exemplo e bem instruídos. Não se tenha por hábito atender confissões, exceto em
casos urgentes, ocasionais e sumamente necessários a juízo dos prelados, quia omnis
regula patitur exceptionem24.

195. 30. Do mesmo modo, ordenamos que de nenhum modo se assuma a cura de
mosteiros de monjas sem licença do Capítulo Geral.

[Sem nada possuir]

196. 31. Do mesmo modo, que os livros estejam em um lugar comum, exceto
aqueles que foram concedidos por devoção para seu uso. E que, quando alguém pedir
emprestado, entregue-o com licença do superior, pois do contrário tornar-se-ia
proprietário. Da mesma forma, aja-se assim sobre outras coisas pequenas.

197. 32. Do mesmo modo, ordenamos também que nenhum frade dê coisa
alguma, nem dentro e nem fora da Ordem, sem licença dos seus superiores.

198. 33. Do mesmo modo, que não escrevam cartas, por si ou por outros, nem as
enviem ou recebam sem licença dos seus superiores.

[Pastoral vocacional e formação]

199. 34. Do mesmo modo, quando alguém quiser abraçar esta nossa vida e entrar
na Ordem, seja mantido por quinze dias no lugar e os frades observem puramente
aquela passagem da Regra: quod vadant et vendant omnia sua et ea studeant
pauperibus erogare25. Em seguida: postea concedant eis pannos probationis26. Assim,
primeiro devem dar os seus bens aos pobres antes de serem vestidos.

200. 35. Do mesmo modo, não seja recebido na Ordem ninguém que não tenha
passado dos quinze anos e que tenha aparência pueril. Do contrário não seja
recebido. E sobre isto os prelados estejam advertidos que, de modo algum, os
recebam.

201. 36. Do mesmo modo, que os noviços clérigos aprendam a Regra de memória
durante o tempo do noviciado e, quanto a isso, os seus mestres sejam solícitos.

202. 37. Do mesmo modo, que os prelados dêem aos jovens clérigos e leigos um
mestre por quatro anos e sejam, neste tempo, instruídos na via perfeita do espírito.

203. 38. Do mesmo modo, que nenhum professo se atreva ou presuma entrar na
cela dos clérigos sem licença dos seus mestres ou do guardião e nenhum clérigo se
atreva a entrar na cela de algum outro frade sem licença do seu mestre ou do

24
Trad.: porque toda regra é passível de exceção.
25
Trad.: que vão e vendam todas as suas coisas, cuidando de distribui-las aos pobres.
26
Trad.: depois disso, concedam-lhe as roupas da provação.
65

guardião. Quem fizer o contrário, comerá pão e água por um dia, dizendo sua culpa
coram fratribus.

[Pobreza e austeridade]

204. 39. Do mesmo modo, que os irmãos não tenham navalhas, exceto uma por
lugar, para alguma necessidade que surgir e para a sangria dos enfermos. A cada
vinte dias façam a clériga27 com a tesourinha.

205. 40. Do mesmo modo, guardem-se os frades de, ao se receber lugares ou


algum eremitério, aceitarem outras coisas, se não considerarem convenientes ao
nosso pobre estado de vida.

206. 41. Do mesmo modo, não façamos sequer menção de procuradores e


síndicos, porque se observa tudo inviolavelmente28. Ordenamos, por isso, que não se
tenha outro procurador e outro síndico a não ser Cristo bendito e que a nossa
procuradora e a nossa protetora seja Nossa Senhora, Mãe de Deus e o nosso
substituto seja nosso Pai São Francisco. E inviolavelmente queremos que não
tenhamos que estar sob a proteção e cuidado de outros.

207. 42. Do mesmo modo, que não se tenham animais, mulas, cavalos, asnos
para os nossos lugares e os prelados viagem a pé. Se houver algum fraco e houver
necessidade de cavalgar, que ande em um jumentinho, porque nele andou Cristo
Nosso Senhor, bem como nosso pai São Francisco, quando esteve em sua extrema
necessidade. Se acontecer uma necessidade muito grande, a Regra já estabelece.

208. 43. Do mesmo modo, que os frades se guardem de usar barretes ou mesmo
chapéus.

209. 44. Do mesmo modo, que os casos reservados na família (entre os


Observantes) serão também reservados aos nossos superiores e ninguém os poderá
absolver.

210. 45. Do mesmo modo, em hipótese alguma se coma carne às quartas-feiras.

211. 46. Do mesmo modo, ordenamos que nenhum frade tenha chave ou cadeado
na cela nem em outro lugar e que as celas estejam abertas, sem chave.

[Vida eremítica]

212. 47. Do mesmo modo, ordena-se que, em todo lugar onde se puder, se
construa uma ou duas pequenas celas separadas do lugar, na solidão, a fim de que,
se alguém recebesse do Senhor a graça de viver em silêncio, anacoreticamente, e
para isso fosse julgado idôneo pelos superiores, lhe seja dada essa comodidade, com
toda a caridade que se requer. Exorto os superiores e prelados que, encontrando
alguns que sejam aptos, não lhes neguem essa caridade. Estando este irmão na
solidão, faça silêncio e que ninguém o perturbe, fazendo-o falar, exceto com seu pai
espiritual. Ele não fale com mais ninguém sem licença do seu superior. Seja-lhe
levado seu pobre alimento em sua pequena cela com silêncio e sem barulho, para que
esteja sempre unido com o seu amoroso Jesus Cristo, esposo da sua alma.

27
Nota do tradutor: coroa (tonsura)
28
Nota do tradutor: O texto não é muito claro. Talvez seu sentido seja: porque se observa
inviolavelmente a pobreza.
66

[Superiores para servir]

213. 48. Do mesmo modo, os superiores, vigários e guardiães poderão ser


confirmados em seus ofícios quanto forem reeleitos, se se comportarem bem e
mantiverem a vida regular.

214. 49. Do mesmo modo, ordenamos que, se os prelados maiores e menores,


isto é, vigários e guardiães, não se comportarem bem e se sua permanência for
perigosa ou prejudicial para a fraternidade, queremos que os discretos e vogais, que
elegeram os superiores maiores, os possam cassar e fazer um outro. E os guardiães,
que não se comportarem bem, os vigários, com o conselho dos definidores do
capítulo, possam depô-los e nomear outro.
A confirmação do vigário (geral) seja feita de três anos em três anos; dos
provinciais a cada ano; o mesmo, a dos guardiães, advertindo sempre a andar
puramente e buscar simplesmente a honra e glória do Senhor e a conservação da vida
regular sem nenhuma ambição, práticas ou conchavos. Quem fizer tais coisas, creio
que será amaldiçoado pelo Deus Eterno e pelo Pai São Francisco.

[Pequenas e pobres habitações dos frades]

215. 50. Do mesmo modo, não se recebam lugares fora do capítulo, exceto se
alguém tivesse particular autoridade e licença do Vigário Geral. Os lugares aceitos
estejam todos fora da cidade, distantes uma milha ou pouco menos. Que os ditos
lugares a serem aceitos ou construídos estejam sempre sob o domínio dos seus
donos ou da cidade e sejam aceitos sempre sob a condição de que, toda vez que
houvesse impedimento à nossa vida, os irmãos possam partir livremente. Quando os
donos não quiserem mais que os irmãos habitem o referido lugar, disponham-se estes
a partir, sem nenhuma contradição, indo para outro lugar fazer penitência com a
bênção do Senhor, onde forem colocados pelos seus superiores.

216. 51. Do mesmo modo, os lugares que forem construídos sejam fabricados o
mais humildemente possível, de vime e barro ou pedra e terra, exceto a igreja, que se
faça pequena. Isto suposto que se encontrem vime, barro e boa terra para construção.
As celas pareçam e sejam pequenas e pobres, de forma que tenham mais a
semelhança de sepulcros que de celas. As ditas celas sejam humildes e baixas.

217. 52. Do mesmo modo, que os frades não tenham nem possuam na cela,
figuras curiosas, mas somente alguma coisa pobrezinha, como por exemplo, um
crucifixo, uma simples figura, uma simples cruzinha com os mistérios da paixão, como
lança, esponja e pregos.

218. 53. Do mesmo modo, ordenamos que os lugares feitos que nos forem
oferecidos de nenhum modo sejam aceitos, se não forem pequeninos e pobrezinhos
na igreja e na habitação, segundo o que dissemos acima e segundo a vontade de
nosso pai São Francisco, que disse: quod fratres habeant ecclesias et abitacula
paupercula, et quae pro ipsis construuntur omnino non recipiant nisi fuerint secundum
sanctam paupertatem, quam in Regula firmiter promisimus, ibi hospitantes sicut
peregrini et advenae29 (Test. 28-29). E quando se aceitarem tais lugares, atenham-se
ao conselho de frades espirituais, devotos e exemplares.

[Austeridade discreta]

29
Trad.: Cuidem os frades de não receber de maneira alguma igrejas, moradias pobrezinhas e
tudo mais que para eles for construído se não forem conformes à santa pobreza que
prometemos na Regra, e sempre se hospedem nesses lugares como peregrinos e forasteiros.
67

219. 54. Do mesmo modo, os frades que não são fracos usem para dormir tábuas,
ou esteiras, ou palha, ou caniços, sem colchões, com uma almofada ou travesseiro de
palha, quem o quiser.

[Evitar distrações]

220. 55. Do mesmo modo, advirta-se com grande diligência que não se deixe
facilmente entrarem mulheres nos lugares e eremitérios em que habitamos; e se, com
bons modos, se puder agir de maneira que nenhuma entre, que assim se aja, quia
mundus et mulier non facile aliter quam fugiendo vincuntur, ut ait Augustinus30.

221. 56. Do mesmo modo, ordenamos que não se recebam mortos, exceto algum
pobrezinho que fosse levado ao nosso lugar sem que os frades lá fossem e que outros
não o tivessem querido sepultar, porque era pobre e não lhes pagaria. Estes tais,
quando forem levados aos lugares e eremitérios em que estamos, podem ser
sepultados, quia est opus pietatis et misericordiae31, e não se receba coisa alguma,
exceto que orem por caridade e por amor de Deus por sua alma.

222. 57. Do mesmo modo, ordena-se que os irmãos não ousem tomar refeição
alguma fora da mesa e do lugar ordenado e guardem-se, como coisa inconveniente e
irregular, de andar pela horta pegando coisas, comendo frutas ou outra coisa qualquer,
sem a licença e bênção dos seus superiores.
E quando saírem fora do lugar, e acostumem-se sempre a isso, ocorrendo
necessidade de tomar refeição, que a tomem, se precisarem, com a licença e bênção
do irmão mais velho. Quando chegarem a outros mosteiros e lugares, nada tomem
sem licença e bênção do superior do dito lugar.

223. 58. Do mesmo modo, ordena-se como coisa ccoerente e religiosa que,
quando suceder aos irmãos alguma necessidade de falar, em tempo de silêncio ou
fora, em outra hora, falem sempre em voz baixa, com afabilidade e humildade, com
toda reverência um pelo outro, não usando nenhum ato de soberba ou maioridade:
assim convém aos devotos e humildes servos do Crucificado.

[Obediência]

224. 59. Do mesmo modo, ordenamos, sob pena de excomunhão e privação do


ofício, que nenhum frade, que esteve na nossa fraternidade, passe de uma província
para outra sem a obediência do Vigário Geral.

225. 60. Do mesmo modo, nenhum dos nossos irmãos vá sem a obediência,
quando caminha de lugar em lugar ou de província em província e sempre viaje com
um companheiro, se o puder fazer comodamente.

[Pequenas fraternidades]

226. 61. Do mesmo modo, nos nossos eremitérios o número de irmãos não passe
de sete ou oito, exceto se for uma cidade grande, em que comodamente e com toda
facilidade pudessem viver dez ou doze irmãos aproximadamente. Em outras terras ou
cidades comuns, quero que não se passe o número de oito irmãos e isso para que
mais cômoda e facilmente se observe a nossa Regra e pobreza, conforme a vontade

30
Trad.: Uma vez que o mundo e a mulher não são facilmente vencidos senão fugindo e não
de outro modo, como diz Agostinho.
31
Trad.: porque é obra de piedade e de misericórdia.
68

do nosso pai, do qual se lê nas crônicas da Ordem que esta era a sua vontade, isto é,
que estivessem poucos frades pelos lugares.

[Fidelidade à norma de vida]

227. 62. Do mesmo modo, ordenamos, para que as presentes constituições sejam
melhor observadas, que os prelados façam-nas ler uma vez por semana; e se nisso
forem negligentes, sejam punidos pelos seus vigários. E se, admoestados três vezes
pelos seus superiores, não se emendarem, sejam depostos dos seus ofícios.

228. 63. Do mesmo modo, se os superiores maiores forem negligentes em fazer


observar as preditas constituições e em lê-las conforme se ordena e em dar penitência
aos faltosos, penitência esta que deixo ao seu arbítrio, admoestados que forem, se
não se emendarem, sejam depostos do seu ofício.

[Exigências de simplicidade]

229. 64. Do mesmo modo, que na igreja não tenham mais que dois ou três
paramentos, sendo um festivo e dois feriais, sem veludo, seda, ouro ou outro enfeite,
exceto em alguns lugares, onde se encontrassem os ornamentos já feitos,
maximamente as fímbrias e as cruzes, tanto nas casulas como nas alvas e palas.

230. 65. Os frontais de altar ou pálios sejam limpos, simples e de pano. Nos
lugares não haja mais que dois cálices e, se possível, de estanho. Neste sentido, faça-
se o possível para que sejam de estanho, para que nos lugares onde moramos se
exclua toda curiosidade, superfluidade e preciosidade de ouro, prata, seda, veludo e
brilhe neles toda pobreza e austeridade, considerando que o Senhor não olha as
mãos, os vasos, mas os nossos corações que hão de ser puros e limpos de toda
sujeira, cheios de afetos e desejos de pobreza, segundo diz nosso Pai São Francisco
heredes et reges nos regni coelorum instituit, pauperes rebus fecit, virtutibus
sublimavit; haec sit portio vestra, fratres carissimi, si vere divites esse cupimus et beati
32
(RB 6,5-6).

231. 66. Do mesmo modo, ordenamos que todos os hábitos velhos dos lugares
sejam postos em comunidade, escolhendo-se um frade encarregado que tenha o
diligente cuidado de remendá-los e lavá-los, e assim, quando algum frade quiser lavar
o seu hábito, tenha outro para trocar. O frade encarregado seja solícito e não se
esqueça do hábito emprestado, deixando-o usar por dois ou três meses, para que
depois o devolva sujo e rasgado, como é costume entre os frades. Ordena-se, pois,
que quem tomou os referidos hábitos se apresse logo em lavar e remendar o seu, a
fim de que não tenha de reter o hábito da comunidade mais que três ou quatro dias.

[Seguir Cristo Crucificado]

232. 67. E se a algum dos irmãos parecesse difícil alguma das coisas acima
referidas, recordem-se de Nosso Senhor Jesus Cristo, que apareceu e nasceu no
mundo pobre e humilde e toda sua vida foi para nós um espelho e exemplo de
humildade e pobreza. Ele ensinou isso e o mostrou ao nosso Pai São Francisco e aos
seus servos, dando a entender que o princípio, o meio e o fim da nossa conversão é
toda ela acompanhá-lo em sua santa cruz.

32
Trad.: Herdeiros e reis do Reino dos céus, que vos fez pobres de coisas e vos sublimou em
virtudes. Seja essa a vossa herança, irmãos caríssimos, se quisermos ser ricos de verdade e
felizes.
69

Quem percorreu e leu a vida dos santos e seus ditos, pode compreendê-lo, como
se disse de São Martinho, que, estando próximo da morte, falou aos discípulos que o
exortavam ut saltem vilia sibi sineret stramenta supponi: Non decet - inquit - filii,
christianum nisi in cinere et cilicio mori; ego si vobis aliud exemplus relinquo, ipse
pecco33.
Do glorioso Jerônimo, o que se lê? Por acaso não diz ele de si mesmo: quod nuda
humo vix ossa haerentia collidebat et quod de cibis et potu tacet, cum etiam
languentes monachi aqua frigida uterentur? Et coctum aliquod accepisse luxuriae
esset?34
Assim sendo, irmãos caríssimos, sigamos as doutrinas, exemplos e costumes dos
verdadeiros santos que não são suspeitos. Deixemos de lado as invenções e os ditos
dos homens, maximamente daqueles que são contrários à penitência e à cruz de
Cristo, à qual eu vos exorto e conforto que sigais.
Valete in Domino semper35 e lembrai-vos de mim, irmãos caríssimos, em vossas
orações.

233. Expliciunt ordinationes fratrum minorum vitae heremiticae per reverendum


patrem fratrem Ludovicum Forosemproniensem generalem vicarium ordinatae36.

33
Trad.: Que lhe deixassem pelo menos colocar debaixo de si pobres palhas, dizendo: Filhos,
ao cristão nada mais convém que morrer em cinza e cilício; eu mesmo pecaria se lhes desse
outro exemplo.
34
Trad.: Que no chão nu mal batia os ossos grudados e que se cala sobre bebidas e comidas,
uma vez que os monges doentes só usavam água fria? E que seria luxúria aceitar algo cosido?
35
Trad.: Passai bem sempre no Senhor.
36
Trad.: Terminam as ordenações dos Frades Menores da Vida Eremítica, instituídas pelo
reverendo padre Frei Ludovico de Fossombrone, Vigário Geral.
70

As Primeiras Constituições
(Roma - Santa Eufêmia 1536)

Vincenzo Criscuolo
Tradução de José Carlos Corrêa Pedroso
71

234. As primeiras constituições dos frades menores capuchinhos foram elaboradas


e aprovadas em Roma durante o Capítulo Geral, que teve lugar no convento de Santa
Eufêmia sobre o Esquilino, perto da basílica de Santa Maria Maior, e se desenvolveu
em duas sessões, a primeira em novembro de 1535, a segunda no mês de setembro
do ano seguinte.
A redação definitiva do texto foi confiada a uma comissão de frades, de que faziam
parte, junto ao recém-eleito Vigário Geral Bernardino de Asti, João de Fano, Francisco
de Jesi e Bernardino Ochino. Mas, além das contribuições pessoais de cada um dos
redatores, foi o capítulo em seu conjunto que definiu e depois promulgou as
constituições. A elaboração colegial do texto emerge expressamente no prólogo:
“Pareceu bem ao nosso Capítulo Geral [...] ordenar alguns estatutos”, e se nota pelas
fórmulas muitas vezes repetidas: “Ordenou-se..., estabeleceu-se..., determinou-se...”.

235. As constituições de Roma - Santa Eufêmia constituíram, por mais de quatro


séculos, a carteira de identidade da “bela e santa reforma” e caracterizaram
historicamente a forte dimensão espiritual interna e a sólida e uniforme estrutura
externa da Ordem. Os valores que dela emergem e que tornaram a Reforma
Capuchinha uma verdadeira fraternidade evangélica e franciscana são: a continuidade
e a renovação do carisma do Pobrezinho de Assis; a escolha de uma vida humilde,
pobre e austera; os fundamentos para uma verdadeira espiritualidade tipicamente
cristocêntrica e seráfica, vivida em fraternidade e em atitude penitencial; o sereno
equilíbrio entre uma vida dedicada à oração e à contemplação e às exigências dos
empenhos de apostolado e do trabalho manual; a dedicação heróica aos doentes e
aos empestados e o impulso missionário universal; o respeito pelos carismas pessoais
suscitados pelo Espírito e a obediência incondicionada à hierarquia.
Ao lado desses valores, colocavam-se escolhas precisas, ditadas pela vontade de
ser fiéis ao espírito franciscano e disponíveis ao serviço da Igreja. Neste âmbito, as
constituições sublinham a aceitação e observância do Testamento, a recusa dos
privilégios que relaxam a Regra, a renúncia à isenção dos ordinários diocesanos, a
confirmação da eleição do Vigário Geral por parte do Ministro Geral dos Conventuais,
as modalidades para depor o Vigário Geral incapaz.

236. Mais que um texto legislativo, composto por prescrições miúdas e pontuais
normas jurídicas, as constituições de 1535-1536 são um verdadeiro código de
formação e de espiritualidade franciscana. Seu conteúdo, que permaneceu quase
intocado até 1968, foi retomado substancialmente nas redações sucessivas de 1552,
1575, 1608, 1643, 1909 e 1925. Com razão se escreveu: “Nenhum livro escrito por um
religioso da Ordem, nenhum tratado de vida espiritual capuchinha através dos séculos
pode comparar-se às constituições de 1536, se se propõe apresentar os autênticos
ideais da fraternidade, ou configurar as intenções dos iniciadores da reforma, ou
exprimir os valores que se encontram na imitação de Cristo e de Francisco”.

Em nome de nosso Senhor Jesus Cristo começam as constituições dos frades


menores ditos capuchinhos.

237. Para que a nossa congregação, como vinha do altíssimo Filho de Deus, se
conserve na observância espiritual da evangélica e seráfica Regra, pareceu bem ao
nosso Capítulo Geral, celebrado na alma cidade de Roma, em nosso local de Santa
Eufêmia, no ano do Senhor de 1536, ordenar alguns estatutos como sebe da predita
Regra, a fim de que, como a inexpugnável torre de Davi, tenha suas defesas,
mediante as quais possamos defender-nos de todos os inimigos do vivo espírito de
nosso Senhor Jesus Cristo e de todos os relaxamentos contrários ao ferventíssimo e
seráfico zelo de nosso pai São Francisco: os quais são estes.

Capítulo Primeiro
72

[Doutrina e vida de Jesus Cristo]

238. Primeiramente, quanto ao primeiro capítulo da Regra, ordena-se que, uma vez
que a evangélica doutrina, toda pura, celeste, sumamente perfeita e divina, trazida do
céu para nós pelo dulcíssimo Filho de Deus e por Ele mesmo promulgada e ensinada
por obras e palavras; e até aprovada e autenticada por seu Pai eterno no rio Jordão e
no monte Tabor quando disse: “Este é o meu Filho dileto, no qual coloquei minha
complacência, ouvi-o”, ensina-nos e nos mostra o caminho direto para ir a Deus. Mas
também todos os homens são obrigados à sua observância, máxime os cristãos que a
prometeram no sagrado batismo, e tanto mais nós frades, pois São Francisco, no
começo e no fim de sua Regra, faz expressa menção da observância do sagrado
Evangelho; e sua Regra não é outra coisa senão a medula do Evangelho; pelo que
também disse no seu Testamento que lhe tinha sido revelado que devia viver segundo
a forma do santo Evangelho.
Entretanto, para que os frades tenham sempre diante dos olhos de sua mente a
doutrina e vida de nosso Salvador Cristo Jesus e para que, a exemplo da Virgem
Cecília, carreguem sempre no seio de seu coração o Evangelho sagrado, ordena-se
que, por reverência da altíssima Trindade, leia-se em cada local, três vezes por ano,
os quatro Evangelhos, isto é, a cada mês um.

[A Regra, espelho do Evangelho]

239. E porque a Regra de São Francisco é como um pequeno espelho no qual reluz
a evangélica perfeição, ordena-se que se leia todas as sextas-feiras em cada local,
distintamente e com a devida reverência e devoção, para que, impressa em nossas
mentes, possa observar-se melhor. Leia-se também alguma devotíssima lição para os
frades, exortando-os a seguir Cristo crucificado.

[Falar sempre de Deus e abolir leituras vãs]

240. Os frades também se esforcem sempre por falar de Deus, pois isso ajuda
muito a inflamar-se no seu amor. E para que a doutrina evangélica possa frutificar em
nossos corações, para extirpar toda cizânia, pela qual poderia ser sufocada, ordena-se
que, em nossos locais, de modo algum sejam mantidos livros não úteis ou vãos,
perniciosos ao espírito de Cristo, Senhor e Deus nosso.

[Ler e estudar a Palavra de Deus]

241. E porque as chamas do amor divino nascem da luz das coisas divinas, ordena-
se que se leia qualquer lição das sagradas Escrituras, expondo-a com santos e
devotos doutores. Embora aquela infinita, divina sabedoria seja incompreensível e
alta, todavia em Cristo nosso Salvador abaixou-se tanto que, sem outro meio, com o
olho puro, simples, columbino e limpo da fé, os simples e idiotas possam entendê-la,
mas proíbe-se a todos os frades que ousem ler ou estudar ciências impertinentes e
vãs, mas as Escrituras Sagradas, antes, o Cristo Jesus santíssimo, no qual, segundo
Paulo, estão todos os tesouros da sabedoria e ciência de Deus.

[Observância da Regra]

242. E porque não foi só vontade de nosso pai São Francisco, mas também de
Cristo nosso Redentor, que a Regra fosse observada simplesmente, à letra, sem
glosa, como a observaram aqueles nossos primeiros padres seráficos; assim como a
nossa Regra é claríssima, para que seja observada mais pura, santa e
espiritualmente, renuncia-se a todas as glosas e exposições carnais, inúteis, nocivas e
73

relaxantes, que tiram a Regra da piedosa, justa e santa mente de Cristo nosso Senhor,
que falava em São Francisco. E aceitamos como um singular e vivo comentário da
nossa Regra as declarações dos sumos pontífices e a santíssima vida, doutrina e
exemplos do nosso pai São Francisco.

[Testamento de São Francisco]

243. E para que, como verdadeiros e legítimos filhos de Cristo, nosso Pai e Senhor,
dados à luz por ele mais uma vez em São Francisco, sejamos participantes de sua
herança, ordena-se que por todos seja observado o Testamento de nosso pai São
Francisco, ordenado por ele, quando, próximo à morte e marcado pelos sagrados
estigmas, cheio de fervor e Espírito Santo, anelava sumamente pela nossa salvação.
E nós o aceitamos como glosa espiritual e exposição da nossa Regra como foi por ele
escrito para esse fim, para que se observasse melhor e catolicamente a Regra
prometida.
Até, porque somos tanto mais filhos do seráfico pai quanto imitamos sua vida e
doutrina, pelo que o nosso Salvador disse aos hebreus: “Se sois filhos de Abraão,
fazei as obras de Abraão” (Jo 8,39) assim, se somos filhos de São Francisco, façamos
as obras de São Francisco. Mas ordena-se que cada um se esforce por imitar esse
nosso pai, dado a nós como regra, norma e exemplo, e mesmo nosso senhor Jesus
Cristo nele, não só na Regra e no Testamento, mas também em todas as suas
ardorosas palavras e amorosas obras: portanto leiam-se muitas vezes a sua vida e a
de seus companheiros.

[Ao último lugar]

244. E porque o nosso pai, todo divino, contemplava Deus em cada criatura,
máxime no homem e precipuamente no cristão, mas, sobretudo nos sacerdotes e
singularissimamente no sumo pontífice, que na terra é vigário de Cristo nosso Senhor
e cabeça de toda a Igreja militante; por isso quis, segundo a doutrina apostólica, que
os seus frades, por amor daquele que se esvaziou por nosso amor, fossem sujeitos a
Deus em todas as criaturas; pelo que os chamou de frades menores, para que, não só
com o coração se reputassem inferiores a todos, mas até, convidados na Igreja
militante para as núpcias do santíssimo esposo Jesus Cristo, procurassem estar no
último lugar, segundo o seu conselho e exemplo.

[Renúncia à isenção dos ordinários]

245. Entretanto, considerando que a liberdade que se tem para os privilégios e


isenções de não ser submetidos aos ordinários, não só é a soberba próxima, mas
inimiga da humilde e minorítica sujeição e muitas vezes, perturbando a paz, gera
escândalo na Igreja de Deus; por isso, para nos conformarmos ao humilde Cristo
crucificado, que veio para nos servir, feito obediente até a áspera morte da cruz, não
estando submetido à lei, mas senhor dessa, quis submeter-se a ela e pagar o censo e
tributo, sendo livre: para evitar o escândalo renuncia-se por parte do Capítulo Geral
aos privilégios de ser livres e isentos dos ordinários. E aceitamos como sumo
privilégio, com o seráfico pai, ser submetidos a todos.
E ordena-se que todos os vigários, em suas províncias, vão a seus ordinários
diocesanos e prelados ordinários, que são membros humildemente submissos ao
romano pontífice, que é cabeça e superior de todos. E humildemente, por si e por
todos os seus frades, ofereçam-lhes obediência e reverência em todas as coisas
divinas e canônicas, cedendo todo privilégio que fizesse o contrário.

[Reverência pelos sacerdotes]


74

246. Até mais, como foi vontade de nosso pai, exortam-se todos os frades a
apresentar sempre a devida reverência a todos os sacerdotes. Exortam-se também os
frades a obedecer sempre com toda possível reverência ao sumo pontífice, pai
supremo de todos os cristãos, a todos os prelados e também a toda criatura que nos
mostrasse o caminho de Deus, sabendo quanto aquela pessoa, à qual se obedece por
amor de nosso Senhor Jesus Cristo, é mais vil tanto mais gloriosa é a obediência e
mais grata a Deus.

[Confirmação jurídica pelo geral dos Conventuais]

247. Também se ordena que os frades não só sejam submissos a todos os seus
vigários, custódios e guardiães, mas também se determinou que o nosso padre Vigário
Geral, quando for eleito, apresente-se humildemente ou mande ao reverendo padre
geral dos Conventuais, pelo qual deva ser confirmado.

[Renúncia aos privilégios que relaxam a Regra]

248. E porque o nosso pai São Francisco em seu Testamento, para evitar
semelhantes privilégios, manda a seus frades que não peçam à corte romana alguma
carta para a preservação de seus corpos: pois o Capítulo Geral renunciou a todos os
privilégios que relaxam a Regra e, alargando o caminho do espírito, se dão por
satisfeitos com o sentido.

Capítulo segundo

[Discernimento e aceitação na Ordem]

249. Desejando que a nossa congregação cresça muito mais em virtude, perfeição
e espírito do que na multidão, sabendo que, como disse a verdade infalível, “muitos
são os chamados, mas poucos os escolhidos” [Mt 22,14] e que, assim como predisse
o seráfico pai próximo à sua morte, nenhuma coisa prejudica tanto a pura observância
da Regra quanto à multidão de frades inúteis, carnais e animais, ordena-se que os
vigários examinem diligentemente as suas condições e qualidades e que não os
recebam se não mostrarem que têm ótima intenção e fervorosa vontade.
Para evitar também toda admiração e escândalo, proíbe-se a recepção dos que não
tiverem completado dezesseis anos, ou então, se já os tiverem ultrapassado bem,
tiverem rosto pueril, para que saibam por experiência o que prometem.

[Instrução conveniente para os clérigos]

250. Também se ordena que não se receba à profissão para clérigo alguém que
não tiver as letras convenientes para que, no persolver os louvores divinos, não
ofenda, antes, por entender o que diz, disso se nutra.

[Prova dos postulantes]

251. Ordena-se também que os que vão ser recebidos nesta vida, antes de se
vestirem, sejam experimentados em alguns dos nossos locais por alguns dias em
todas aquelas coisas que são observadas pelos frades, para que se veja a sua boa
vontade, e eles, em negócio tão importante, assumam com maior luz, maturidade e
deliberação. O que também se entende dos religiosos que quiserem vir para a nossa
vida.
E para que isso seja melhor observado, ordena-se que os vigários não recebam
sem o conselho e consentimento da maior parte dos frades que estiverem no local em
que se encontrará.
75

[Expropriação dos noviços]

252. E porque Cristo, sapientíssimo Mestre, impôs ao adolescente que mostrava


querer salvar-se que, se queria ser seu discípulo, vendesse primeiro tudo que possuía,
desse-o aos pobres e depois o seguisse; o que o imitador de Cristo, Francisco, não só
observou e ensinou com o exemplo em si e nos que recebia, mas também o impôs na
Regra: por isso, para conformar-nos a Cristo Senhor nosso e à vontade do seráfico
pai, ordena-se que não se vista ninguém, se antes (podendo) não tiver distribuído tudo
que era seu aos pobres,assim como convém a quem elege voluntariamente vida
mendicante. E nisso será possível ver, em parte, o seu espírito fervoroso ou tépido; e
ele poderá servir a Deus com a mente quieta e firme. E os frades, não tendo nenhuma
ocasião de se intrometer nas coisas dele, permanecerão sinceros na sua santa paz.

[Roupas seculares dos noviços]

253. Ordena-se também que as roupas dos noviços que vêm do século sejam
guardadas até o dia da profissão e as dos religiosos por alguns dias. E, depois,
perseverando, as dos seculares sejam dadas aos pobres por eles mesmos e as dos
religiosos pelos vigários provinciais, imediatamente ou por meio de alguma pessoa
espiritual.

[Mestre e formação dos noviços]

254. E para que não nos possa ser dito o que Cristo santíssimo disse aos escribas
e fariseus: “Ai de vós que percorreis mar e terra para fazer um prosélito e depois fazeis
com que seja um filho da geena muito pior do que vós” [Mt 23,15], determina-se que,
em toda província, os noviços sejam postos em um ou dois locais aptos para o
espírito, destinados a isso pelo capítulo.
E sejam-lhes dados os mestres entre os mais maduros, morigerados e iluminados
do caminho de Deus, os quais tenham diligente cuidado de ensinar-lhes não só as
cerimônias, mas as coisas do espírito, necessárias para imitar perfeitamente Cristo,
nossa luz, caminho, verdade e vida. E mostrem-lhes, com o exemplo e com palavras,
em que consiste a vida do cristão e do frade menor. E não seja recebido à profissão se
primeiro não souber perfeitamente o que deve prometer e observar.

255. E para que, no sossego, na paz e no silêncio melhor se fortifiquem no espírito,


ordena-se que ninguém fale com eles prolixamente, exceto o padre guardião e o seu
mestre. Também ninguém entre em sua cela, nem eles na cela de outros sem especial
licença.

[Pós-noviciado]

256. E para que aprendam melhor a carregar o jugo do Senhor, ordena-se que,
mesmo depois da profissão, estejam sob a disciplina do mestre pelo menos por três
anos, para que não percam facilmente o espírito recentemente adquirido, mas
corroborando-se sempre, caminhem se firmando e enraizando mais no amor de Cristo,
Senhor e Deus nosso.

[Preparação para a profissão]

257. E porque, segundo alguns doutores, os noviços, fazendo a sua profissão no


modo devido, são restituídos à inocência batismal, ordena-se que os ditos noviços,
antes de sua profissão, preparem-se com grande diligência, com confissão, comunhão
e muita oração, tendo feito a confissão geral, quando ingressaram na religião para
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vestir-se do homem novo. E, ao receber esses noviços, tanto na religião como na


profissão, usem-se os modos e cerimônias costumeiros e aprovados em nossa
Ordem.

[Austeridade no vestir]

258. E porque não foi sem motivo que Cristo recomendou a austeridade no vestir
de São João Batista, quando disse: “Os que se vestem de roupas finas estão no
palácio dos reis” [Mt 11,8; Lc 7,25]; ordenou-se que os frades, que escolheram ser
abjetos na casa de Deus, vistam-se com os panos mais vis, abjetos, austeros,
grosseiros e desprezados, que puderem ter comodamente nas províncias em que
estiverem. E recordem-se os frades de que os sacos, com os quais São Francisco quis
que se remendassem, e as cordas, com as quais quis que se cingissem, não são
convenientes para os ricos do mundo.

259. O Capítulo Geral também exorta todos os frades a se contentarem (podendo)


com um só hábito, como São Francisco expressou em seu Testamento sobre ele
mesmo e seus frades, quando disse: “E estávamos contentes com uma só túnica
remendada por dentro e por fora” [Test 20-21]. Entretanto, se os frades forem débeis
de corpo ou mesmo de espírito, concede-se-lhes pela Regra uma segunda túnica. E a
esses não se concede a capa sem necessidade e sem licença de seu prelado,
sabendo que um frade sadio usar três vestes é sinal manifesto de que o espírito se
extinguiu.

260. E para que a pobreza, tão dileta pelo Filho de Deus, e dada a nós por mãe
pelo seráfico pai, reluza em todas as coisas que usamos, ordena-se que as capas não
ultrapassem a extremidade das mãos e sejam sem capuz, a não ser em viagem; e não
se usem sem necessidade.
Os hábitos não passem da junta dos pés no comprimento, tenham onze palmos de
largura, e doze para os corpulentos. As mangas não sejam mais largas do que o
necessário para o braço sair e entrar e longas até a metade da mão ou um pouco
mais. As túnicas sejam vilíssimas e grossas, com a largura de oito ou nove palmos, e
pelo menos meio palmo mais curtas do que o hábito.
E o capuz seja quadrado, assim como se vê que foram os de São Francisco, que
ainda restam como relíquias, e de seus companheiros; também aparece pelas pinturas
antigas e está escrito nas Conformidades, de modo que o nosso hábito seja em forma
de Cruz, para que vejamos que estamos crucificados para o mundo e o mundo para
nós.
O cíngulo dos frades seja uma corda rude, vilíssima e grosseira, com nós
simplicíssimos, sem nenhuma curiosidade ou singularidade, para que, desprezados
pelo mundo, tenhamos mais ocasião de mortificar-nos. Não usem barretes, nem
chapéus, nem coisas duplas ou verdadeiramente supérfluas.

[Rouparia]

261. Haja também em cada local nosso um quartinho, onde alguém para isso
designado conserve as roupas da comunidade. Sejam por ele mantidas limpas e
remendadas para a necessidade dos pobres frades, os quais, uma vez que as tenham
usado, segundo as suas necessidades, deverão devolvê-las limpas, com ação de
graças.

[Qualidade dos leitos]

262. E para que os nossos leitos sejam um tanto semelhantes àquela em que
morreu Aquele que disse: “As raposas têm suas tocas e os pássaros do céu os seus
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ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça” [Mt 8,20; Lc 9,58] e
também para serem mais vigilantes e solícitos na oração e conformes ao nosso pai
São Francisco, para o qual a terra nua foi leito e também a Cristo, santo dos santos,
precipuamente no deserto, ordena-se que nenhum frade, se já não for enfermo ou
muito débil, durma senão sobre tábuas nuas, esteiras, galhos, samambaias ou um
pouco de palha ou feno, e não durmam sobre os cobertores.

[Nudez dos pés]

263. Também se ordena que, a exemplo de Cristo, os frades jovens e os que


possam andem descalços, em sinal de humildade, testemunho de pobreza,
mortificação da sensualidade e bom exemplo para o próximo. E, não podendo,
segundo a doutrina evangélica e para imitar os nossos antigos pais, usem sandálias
com licença do prelado, mas simples, puras, vis e pobres, sem nenhuma curiosidade.

[Uso pobre]

264. E para que os frades ascendam para a celsitude da altíssima pobreza, rainha
e mãe de todas as virtudes, esposa de Cristo Senhor nosso, e do seráfico pai, e nossa
diletíssima mãe, exortam-se todos os frades a que não queiram ter nenhum afeto na
terra, mas sempre ter o seu amor no céu, usando quase à força estas coisas baixas,
parcimoniosamente, quanto é possível para a fragilidade humana, reputando-se ricos
por sua pobreza.
Contentem-se com um livreto espiritual, mormente do Cristo crucificado e de dois
lenços com duas cuecas. E recordem-se que, segundo o seráfico pai, o frade menor
não deve ser outra coisa senão um espelho de toda virtude, maximamente da
pobreza.

[Humildade nas viagens]

265. E para que corramos mais expeditamente pelo caminho dos preceitos divinos,
ordena-se que, em nossos locais, não haja nenhum animal nem se cavalgue; mas, em
caso de necessidade, a exemplo de Cristo e do seu imitador Francisco, se monte em
um asno, para que nossa vida pregue sempre Cristo humilde.

[Tonsura e barba]

266. Faça-se a tonsura de vinte em vinte dias, ou então uma vez por mês, com a
tesoura. E não se tenham bacias, mas só uma navalha para as ventosas. E use-se
barba, a exemplo de Cristo santíssimo e de todos os nossos antigos santos, pois é
coisa viril e natural, rígida, desprezada e austera.

Capítulo terceiro

[Sobre o ofício divino e a missa]

267. Porque o nosso seráfico pai, todo católico, apostólico e divino, teve sempre
especial reverência à Igreja Romana, como juíza e mãe de todas as outras igrejas,
como ordenou na Regra que os clérigos rezassem o ofício divino segundo a ordem da
santa Igreja Romana, no seu Testamento proibiu que ele fosse variado de modo
algum, determinou-se que os frades, unidos em espírito sob uma mesma bandeira e
chamados para um só fim, nos louvores divinos observem, quanto possível, os
mesmos ritos quanto ao missal, breviário e calendário os quais observa e usa a santa
Igreja Romana. E tanto os clérigos quanto os leigos façam os cinco ofícios pelos
mortos, como se tem no calendário.
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268. Os clérigos e sacerdotes não muito letrados preparem o que hão de ler
publicamente na missa e no ofício divino, para que, com injúria das coisas divinas, não
perturbem os ouvintes nem provoquem, contra eles mesmos, os santos anjos, que
estão presentes nos louvores divinos.
E tanto nas missas quanto no ofício divino não se diga senão o que está nos
missais e breviários, com as devidas cerimônias.

[Celebrar “por mera caridade” e “com suma reverência”]

269. Exortam-se também os frades sacerdotes a que, celebrando, não tenham o


olho da intenção aberto para o favor ou glória humana, ou para coisa alguma temporal;
mas, com o coração simples, puro e limpo, olhem só para a honra divina, celebrando
por mera caridade, com toda humilde reverência, fé e devoção.
E preparem-se, quanto suporta sua fragilidade, pois é maldito aquele que faz as
obras de deus com negligência. Sendo esse ato mais divino que os outros, desagrada
sumamente quando se faz irreverentemente.

270. E, para celebrar, não queiram receber na terra prêmio algum, a exemplo de
Cristo, sumo sacerdote, que sem nenhum prêmio para si ofereceu-se por nós na cruz.
Também reconheçam que, por isso, cresceu sua obrigação para com Deus.
Também se exortam os outros frades, que estiverem presentes junto aos
sacerdotes que celebram os divinos mistérios, que assistam com suma reverência,
com mente angélica, na presença de Deus, e celebrem espiritualmente, comunguem e
ofereçam a Deus o gratíssimo sacrifício.

[Condições para admitir nas ordens sacras]

271. E porque celebrar é coisa de suma importância, determina-se que nenhum


clérigo seja ordenado sacerdote se não tiver passado dos vinte e quatro anos, assim
como desejam as sanções canônicas. E os ordenados se abstenham de celebrar
enquanto não tiverem o referido tempo.
Também se ordena que nenhum clérigo seja promovido ao sacerdócio se, além do
bom espírito, não tiver inteligência mediana, para que possa e saiba proferir e
entender, quando celebra, as palavras que diz. E, em todas as suas missas e orações,
lembrem-se dos benfeitores, orando a Deus para que os remunere na vida presente e
na futura.

[Solicitude no coro]

272. Ordena-se também que os clérigos e sacerdotes, que não estiverem


legitimamente impedidos, quando ouvirem o primeiro sinal do sino para o ofício divino,
reúnam-se no coro o mais depressa que puderem para preparar seus corações para o
Senhor; onde, com devoção, composição, mortificação, quietude e silêncio, pensem
que estão diante de Deus, onde devem assumir o ofício angélico de persolver os
louvores divinos.

[Ofício divino dos clérigos e dos leigos]

273. Ordena-se também que se diga o ofício divino com a devida devoção, atenção,
maturidade, uniformidade de voz e consonância do espírito, sem caudas ou cantos
duplos, com voz não muito alta ou baixa, mas mediana. E os frades se esforçarão para
salmodiar a Deus mais com o coração do que com a boca, para que não se possa
dizer a nós o que foi dito pelo nosso dulcíssimo Salvador aos hebreus: “Este povo me
honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim” [Mt 15,8; Mc 7,6].
79

274. Ordena-se também que os leigos reúnam-se no começo das matinas, das
vésperas e das completas e para o Te Deum laudamus e, feita a preparação comum,
possam retirar-se em qualquer parte segundo a sua devoção e dizer os Pai-nossos,
como é imposto na Regra.
Também se ordena que, em todas as festas, os leigos e clérigos, não impedidos
por causa razoável, reúnam-se nas vésperas e em todas as missas que puderem.

[“Não se recebam mortos”]

275. Ordena-se também que, para evitar coisas que poderiam ofender a altíssima
pobreza, a quietude espiritual e a tranqüila humildade, e para conservar a paz com os
outros clérigos e sacerdotes, e evitar toda impureza, que, com o tempo, poderia
macular nossa congregação, que em nossos locais não se recebam mortos, exceto se
for tal que pela pobreza não tivesse quem o quisesse sepultar. Nesse caso, deve-se
abrir para ele as entranhas da caridade.

276. Proíbe-se também que, em nossos lugares, façam-se sepulturas, nem para os
seculares e nem para os nossos frades. Antes, não queiramos que em nossas igrejas,
onde, pela presença de Cristo limpíssimo deve haver toda limpeza, sepultem-se
mortos, mas em algum lugar honesto, perto das igrejas, ou então no claustro.
E os frades, visitando os enfermos, guardem-se não só de induzi-los a sepultar-se
nos nossos locais, mas até, se quiserem, não consintam de modo algum. E para que
isto não seja ocasião de escândalo pela novidade, para os que não sabem as causas
razoáveis disto, será possível informá-los e torná-los verdadeiramente capazes.

[“E rezem pelos mortos”]

277. Morrendo algum de nossos frades, os outros, com piedoso afeto de caridade,
se esforçarão por recomendar sua alma a Deus e cada sacerdote, que estiver na
província onde tiver morrido, diga por ele uma missa, os clérigos as vigílias de nove
lições e os leigos cem Pai-nossos. E cada sacerdote diga também todas as semanas
uma missa por todos os nossos frades defuntos.

[Tempos da oração mental]

278. E porque a oração é a mestra espiritual dos frades, para que o espírito da
devoção não se arrefeça nos frades, mas, ardendo continuamente no altar do coração,
acenda-se cada vez mais, como desejava o seráfico pai também que o verdadeiro
frade menor espiritual sempre ore, ordena-se nada menos que para isso sejam
determinadas para os tíbios duas horas particulares, uma depois das completas
durante todo o ano, a outra da Páscoa até a Exaltação da Santa Cruz, imediatamente
depois da nona, exceto que nos dias de jejum se transfira para depois da sexta; e da
Exaltação da Santa Cruz até a Páscoa, depois das matinas.

[Oração mental e ladainha dos santos]

279. E lembrem-se os frades de que orar não é outra coisa senão falar a Deus com
o coração; por isso não ora quem fala a Deus só com a boca. Cada um se esforçará
por fazer oração mental e, segundo a doutrina de Cristo, ótimo mestre, adorar o Pai
Eterno em espírito e verdade, tendo diligente cuidado de iluminar a mente e inflamar o
afeto, mais do que formar palavras.
E, antes da oração, depois da nona ou matinas, ou então, em dia de jejum, depois
da sexta, digam-se sempre as ladainhas, invocando todos os santos para orar a Deus
conosco e por nós. E não se acrescente outro ofício no coro, exceto o de Nossa
80

Senhora, para que os frades tenham mais tempo para dedicar às orações particular e
mental, muito mais frutuosas que a vocal.

[Oração de intercessão]

280. E porque o nosso pai, como aparece no princípio e no fim da Regra, quis que
se tivesse especial reverência pelo sumo pontífice, como vigário de Cristo, nosso
Deus, e assim por todos os prelados e sacerdotes, ordena-se que, além da oração
comum, todo frade, em suas orações particulares suplique a divina bondade pelo feliz
estado da Igreja militante e por sua santidade, que lhe dê a graça de saber
claramente, querer eficazmente e fazer poderosamente todas as coisas que são para
honra e glória de sua Divina Majestade, salvação do povo cristão e conversão dos
infiéis. Semelhantemente, por todos os reverendos cardeais, bispos e prelados
sujeitos ao sumo pontífice, pelo sereníssimo imperador, por todos os reis e príncipes
cristãos e por todas as pessoas, precipuamente por aqueles a quem somos obrigados.
Ordena-se também que pelos benfeitores digam-se os cinco ofícios colocados no
calendário, como foi dito acima.

[“Silêncio evangélico”]

281. E porque o silêncio é custódia do judicioso espírito e, segundo São Tiago, vã é


a religião de quem não refreia sua língua, ordena-se que sempre, quanto suporta
nossa fragilidade, observe-se o silêncio evangélico, sabendo que, como disse a
infalível Verdade Cristo Jesus, vamos prestar contas de toda palavra ociosa. É tanta a
afluência das coisas divinas que não é pequeno erro que o frade, dedicado ao culto
divino, fale com a sagrada boca das coisas do mundo.

[Silêncio regular]

282. E quanto ao silêncio regular, seja perpétuo na igreja, no claustro e no


dormitório, mas no refeitório, desde o primeiro sinal da mesa até que sejam rendidas
as graças, e em todo lugar, desde que forem ditas as completas até que toque para a
prima; e da Páscoa até a Exaltação da Santa Cruz, depois da sexta, faça-se o sinal do
silêncio até que, depois da nona, seja acabada a oração. E quem romper o silêncio
diga no refeitório, com os braços em cruz, cinco Pai-nossos e cinco Ave-Marias.
E os frades se esforcem sempre, em todo lugar e tempo, por falar de Deus, com
voz submissa e humilde, com modéstia e caridade.

[“Quando os frades vão pelo mundo”]

283. Ordena-se também que os frades não viajem sozinhos, mas com o
companheiro, a exemplo dos santos discípulos do santíssimo Salvador. E observada a
evangélica correção, não se emendando, denunciem aos seus prelados os defeitos
um do outro.
Nem vão sem a obediência in scriptis de seu prelado, marcada com o sigilo do
padre vigário, ou então do lugar. Por isso, ordena-se que todo local tenha o seu
carimbo, como é costume antigo dos religiosos.
Também não se separem pelo caminho, nem contendam entre si, mas, com toda
humildade e caridade, a exemplo de Cristo bendito, cada um se esforce por obedecer
e servir espiritualmente ao seu companheiro, considerando que são irmãos em Cristo.

[Saudação evangélica]

284. E porque São Francisco, em seu Testamento, diz que lhe foi revelado pelo
Senhor que, saudando as pessoas, devêssemos, a exemplo de Cristo, dizer: “O
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Senhor vos dê a paz”, ordena-se que os frades usem sempre essa saudação
evangélica.

[Fé na providência e bom exemplo]

285. E porque os verdadeiros frades devem depender de seu piedoso e ótimo Pai
celeste, ordena-se que, em viagem, não levem nem frascos nem carne nem ovos nem
alimentos delicados ou preciosos, deixando todo cuidado de si mesmos a Deus, que
alimenta não só os animais, mas também aqueles que sempre o ofendem.
Nas cidades, ou vilas, que estiverem próximos de nossos locais, os frades não
parem para dormir ou comer fora desses locais, sem grande necessidade.
E porque quem se deleita com as festas do mundo facilmente se macula, ordena-se
que os frades não vão às festas a não ser para pregar a palavra de Deus, a exemplo
de Cristo, nosso único Mestre, que, convidado para a festa não quis aceitar, mas foi
depois para pregar. Recordando-se que, segundo Paulo apóstolo, somos um
espetáculo para Deus, os anjos e os homens do mundo, esforcem-se por dar tal
exemplo que por eles Deus seja glorificado e não blasfemado.

[Austeridade nas comidas e bebidas]

287. E porque a abstinência, austeridade e rigidez, principalmente nos santos, são


louvadas, uma vez que a exemplo de Cristo e de São Francisco, escolhemos uma vida
apertada, exortam-se os frades a fazer as santas quaresmas que São Francisco
costumava fazer, embora o frade penitente jejue sempre. E não se façam desjejuns
excessivos ou supérfluos e nem ordinárias. Nas quartas-feiras não se coma carne.

288. E para colocar termo à voracidade do ventre, à mesa não se dê senão uma
espécie de sopa. Mas, no tempo do jejum, ajunte-se uma salada cozida ou crua. E
pensem que pouco basta para satisfazer a necessidade e coisa alguma para contentar
a sensualidade.

289. E para que, segundo a doutrina do nosso santíssimo Salvador, os nossos


corações não fiquem pesados pela crápula e embriaguez, mas nossas mentes estejam
sempre sinceras e mortificados os sentidos, ordena-se que na mesa não se ponha
vinho senão muito bem aguado. O que também deve ser para eles delícia sensual,
considerando que, segundo o seráfico São Boaventura, nosso pai São Francisco não
ousava beber água fria suficiente para mitigar o ardor da sede. E costumava dizer que
é difícil satisfazer a necessidade sem obedecer os sentidos.
Será doce para eles se pensarem que a Cristo foi negada a água sobre a cruz e lhe
foi dado vinho com mirra ou vinagre e fel. E São Jerônimo escreve que, no seu tempo,
também os monges doentes bebiam água fria e comer alguma coisa cozida era
reputado luxúria.

[Pobreza, caridade e leitura à mesa]

290. Ordena-se também que, à mesa, não se faça especialidade para ninguém,
exceto para os enfermos, viajantes, velhos ou muito débeis, como busca e quer a
caridade.
E se algum frade quiser abster-se do vinho, carne, ovos, outros alimentos, ou jejuar
mais freqüentemente, se o prelado não achar que lhe faça muito mal, não o impeça,
antes o exorte a prosseguir, contanto que coma junto com os outros.
E, em sinal de pobreza, à nossa mesa não se usem toalhas, mas uma pobre
toalhinha por frade. E para que não só o corpo, mas muito mais o espírito se alimente,
ordena-se que, à mesa, sempre se faça uma leitura espiritual.
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291. Ordena-se também que os frades não peçam nem recebam comidas
preciosas, que não convêm ao nosso estado pobre. Também não se usem temperos,
exceto quando for necessário para os enfermos, para os quais deve-se usar toda
caridade possível, como quer a Regra e toda lei justa, a exemplo de nosso pai
seráfico, que não se envergonhava de ir procurar carne publicamente para os
enfermos.
E se for mandado algum alimento supérfluo, agradecendo com humildade, o
recusarão, ou então, com o seu consentimento, o darão aos pobres.

[Hospitalidade “com toda caridade”]

292. E porque alguns dos antigos patriarcas mereceram receber anjos por sua
hospitalidade, ordena-se que em todo local seja encarregado um, que tenha o diligente
cuidado de receber os forasteiros com toda caridade possível. E, a exemplo do
humilde Filho de Deus, lavar-lhe-ão os pés, reunindo-se para esse ato de caridade
todos os frades. Dirão, no tempo em que estiverem lavando, algum hino ou salmo
devoto, julgando-se, porém, sempre servos inúteis, mesmo que fizéssemos toda coisa
a nós possível.

[Tempo das “disciplinas costumeiras”]

293. E para que o nosso corpo não recalcitre contra o espírito, mas lhe seja
obediente em tudo, e em memória daquela acerbíssima paixão e especialmente da
penosíssima flagelação do nosso dulcíssimo Salvador, ordena-se que as disciplinas
costumeiras, isto é, nas segundas, quartas e sextas-feiras, não se deixem mesmo nas
grandes solenidades. E sejam feitas depois das matinas, exceto quando for muito
grande o frio, façam-se de tarde. E na semana santa façam-na todas as tardes.
E, disciplinando-se os frades, pensem com o coração piedoso em seu doce Cristo
Filho de Deus amarrado na coluna. E se esforcem por sentir uma pequena parte de
suas penosíssimas dores. E, depois da Salve Regina37, digam-se cinco devotas
orações.

Capítulo quarto

[Os nossos procuradores e advogados]

294. Sabendo o nosso pai São Francisco que, segundo a doutrina apostólica, a
cobiça é raiz de todo mal, querendo extirpá-la totalmente do coração de seus filhos,
mandou na Regra que, de modo algum, os frades recebessem dinheiro ou pecúnia,
por si ou por pessoa interposta; e repete isso três vezes na Regra, para melhor
imprimi-lo na mente dos frades, como coisa que lhe estava muito no coração. Por isso
também Cristo Senhor nosso dizia: ”Guardai-vos de toda avareza” [Lc 12,15]. Mas
nós, querendo satisfazer integra e plenamente a piedosa intenção e mente de nosso
pai, inspirado pelo Espírito Santo, ordenamos que os frades não tenham de modo
algum síndico, procurador ou alguma pessoa na terra, seja como for chamada, que
tenha ou receba pecúnia ou dinheiro para os frades, ou por sua instância, requisição,
pedido, ou em nome deles, por algum respeito ou causa deles.
Mas o nosso procurador e advogado seja Jesus Cristo, nosso Deus, e a sua
dulcíssima Mãe seja a nossa substituta e advogada e todos os anjos e os outros
santos sejam nossos amigos espirituais.

[Exortação à pobreza]

37
Trad.: Salve Rainha.
83

295. E porque a altíssima pobreza foi a esposa dileta de Cristo Filho de Deus e de
nosso pai São Francisco, seu humilde servo, devem os frades pensar que não pode
ser violada sem que se desagrade sumamente a Deus e quem a ofende, ofende a
pupila de seus olhos.
O seráfico pai costumava dizer que os seus verdadeiros frades não deviam estimar
mais a pecúnia e o dinheiro do que o pó e até fugir deles com horror, como de uma
serpente venenosa.
Quantas vezes o piedoso e zeloso pai, prevendo em espírito que muitos frades,
relaxando essa pérola evangélica, haveriam de relaxar-se para receber legados,
testamentos e esmolas supérfluas, chorou a sua condenação, dizendo que estava
próximo da perdição o frade que estimava mais a pecúnia que o barro.

296. A experiência pode fazer ver a todos: logo que o frade afasta de si a pobreza,
cai em todo outro vício enorme. Mas os frades se esforcem, a exemplo do Salvador do
mundo e de sua dileta Mãe, por ser pobres das coisas do mundo, para que sejam ricos
da graça divina e das santas virtudes e celestiais riquezas.
E em tudo guardem-se de, ao visitar algum enfermo, induzi-lo direta ou
indiretamente a deixar-nos coisa alguma temporal; antes, se eles quiserem faze-lo,
não consintam, mas rejeitem quanto puderem justamente, pensando que não se pode
possuir ao mesmo tempo riquezas e pobreza.
Nem aceitem legados.

[Recurso aos amigos espirituais]

297. Da mesma forma, ordena-se, quanto aos amigos espirituais, para possuir mais
seguramente este precioso tesouro da pobreza, que de nenhum modo se recorra a
eles, mesmo para coisas necessárias, quando puderem tê-las comodamente de algum
outro modo permitido na Regra.
E para não sermos pesados para os amigos, nenhum frade faça comprar alguma
coisa de preço notável ou satisfação sem licença do padre vigário provincial. Concede-
se, porém, o recurso a eles para coisas verdadeiramente necessárias, que de outro
modo não se poderia ter, mas sempre com licença dos superiores, de maneira que em
todo recurso haja sempre a verdadeira necessidade e a licença.

298. E porque somos chamados a esta vida para que, mortificando este nosso
homem extrínseco, vivifiquemos o espírito, exortamos os frades a se acostumarem a
sofrer a penúria das coisas do mundo, a exemplo de Cristo que, sendo em tudo
Senhor, escolheu por nós ser pobre e padecer.

[Guardar-se da falsa pobreza]

299. E guardem-se os frades do demônio meridiano, que se transfigura em anjo de


luz; isso acontece quando o mundo, por ter devoção por nós, aplaude-nos e faz festa,
honrando-nos e dando-nos de suas riquezas; essas coisas, muitas vezes, foram a
causa de muitos males para a religião.
E não queiram ser daqueles falsos pobres, dos quais diz o devoto Bernardo que há
alguns pobres que querem ser pobres de maneira que não lhes falte coisa alguma.

Capítulo quinto

[Deus último fim]

300. Considerando que o nosso último fim é Deus, para o qual deve cada um
tender e anelar, tratando de se transformar nele, exortamos todos os frades a dirigir
todos os sentidos para esse alvo e para ele voltar todas as nossas intenções e
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desejos, com todo ímpeto de amor que for possível, para que, com todo o coração,
mente e alma, forças e virtudes, com atual, contínuo, intenso e puro amor, nos
unamos ao nosso ótimo Pai.

[Meios para ir a Deus]

301. E porque sem meios não se chega ao fim, esforce-se cada um por colocar de
lado todas as coisas, que, como não úteis e perniciosas, retraiam ou impeçam o
caminho de Deus. E, não se importando com as não pertinentes, escolham as coisas
que são úteis ou necessárias para ir a Deus, elegendo entre as que mais servem,
assim como a altíssima pobreza, a ilibada castidade, a humilde obediência e as outras
virtudes evangélicas, que nos foram ensinadas pelo Filho de Deus com palavras e
exemplos em si mesmo e em seus santos.

[Modo e tempo de trabalhar]

302. Mas, porque é coisa difícil que o homem esteja sempre todo elevado em Deus,
para evitar o ócio, raiz de todo mal, dar bom exemplo ao próximo, e para não serem
pesados para o mundo, a exemplo do apóstolo Paulo, que pregando trabalhava, e dos
outros santos, para observar a admoestação de trabalhar, dada na Regra do nosso pai
São Francisco e conformar-nos nisso com a sua santa vontade, expressa no seu
Testamento, determina-se que, quando os frades não estiverem ocupados em
exercícios espirituais, trabalhem manualmente em qualquer exercício honesto; mas
não deixando de exercitar-se nesse tempo também com a mente em alguma
meditação espiritual, quanto o permitir a fragilidade humana.
Mas ordena-se que, enquanto se trabalha, sempre ou se fale de Deus ou se leia
algum livro devoto.

[Modalidades do trabalho]

303. E guardem-se os frades de pôr o seu fim no trabalho e de colocar nele algum
afeto, ou ocupar-se tanto que extingam, diminuam ou retardem o espírito, ao qual
devem servir todas as coisas. Mas, tendo sempre o olho aberto para Deus, andem
pelo caminho mais alto e breve, para que o exercício dado ao homem por Deus, aceito
e recomendado pelos santos para conservar a devoção do espírito, não seja para eles
ocasião de distração ou de falta de devoção.

[Sentido da pobreza evangélica]

304. Por outra parte, todo frade pense que a pobreza evangélica consiste em não
ter afeto por coisa terrena, usar estas coisas do mundo com a maior parcimônia,
quase à força, obrigados pela necessidade, e para a glória de Deus, ao qual devemos
reconhecer que tudo pertence; e para glória da pobreza dar aos pobres aquilo que nos
sobra.
Recordem-se também os frades de que estamos na hospedaria e comemos os
pecados dos povos. Mas de tudo haveremos de prestar contas.

[Fugir do ócio]

305. E porque, como diz o devoto São Bernardo, nenhuma coisa é mais preciosa
do que o tempo e nenhuma hoje é tida como mais vil; e o mesmo também diz que de
todo tempo que nos é dado seremos sutilmente examinados sobre como o gastamos:
exortamos todos os nossos irmãos a que jamais estejam ociosos, nem gastem seu
tempo em coisas de pouca ou nenhuma utilidade, nem em palavras vãs ou inúteis,
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lembrando-se sempre da tremenda sentença da Verdade infalível: que de toda palavra


ociosa vamos dar contas no dia do juízo [Mt 12,36].
Mas usem todo o tempo em exercícios espirituais ou corporais louváveis, honestos
e úteis, para honra e glória da divina Majestade e para edificação e bom exemplo dos
nossos próximos e irmãos, religiosos e seculares.

Capítulo sexto

[Pobreza vivida na imitação de Cristo]

306. O nosso seráfico pai São Francisco, considerando a altíssima pobreza de


Cristo, Rei do céu e da terra, o qual, quanto ao morar, nascendo também numa
hospedaria, não teve um pouco de lugar, vivendo como peregrino, morou na casa dos
outros e, morrendo, não teve onde reclinar a cabeça; ruminando também quanto foi
sempre paupérrimo em todas as outras coisas; para imitá-lo mandou na regra aos
seus frades que não tivessem coisa alguma própria, para que, mais expeditos, como
peregrinos na terra e cidadãos no céu, corressem com espírito fervoroso pelo caminho
de Deus.
Mas nós, querendo em tão nobre exemplo imitar Cristo em verdade e realmente
observar o seráfico preceito da celeste pobreza, para demonstrar de fato que não
temos nenhuma jurisdição, domínio, propriedade, posse jurídica, usufruto, nem uso
jurídico de coisa alguma, mesmo daquelas que usamos por necessidade.

[Precariedade dos locais]

307. Determinou-se que, em todo local, tenha-se um inventário, onde sejam


escritas todas as coisas de valor notável, emprestadas por seus donos para uso
necessário e simples.
E, dentro da oitava do seráfico pai, cada guardião vá primeiro ao dono do local e,
agradecendo-lhe pelo lugar a eles emprestado no ano pretérito, roguem humildemente
que se digne emprestá-lo aos frades também por um outro ano. Quando consentir,
poderão aí morar com consciência segura. Mas quando não quiser, sem nenhum sinal
de tristeza, até de coração alegre, acompanhados pela divina pobreza, irão embora,
reconhecendo-se agradecidos pelo tempo que lhes foi emprestado, e não ofendidos
se, sendo seu, ele não emprestar de novo, não sendo obrigado.
E façam o mesmo com todas as outras coisas de valor notável, levando-as também
aos seus donos, quando o puderem fazer comodamente, como cálices e coisas
semelhantes. Ou pelo menos prometam que vão levá-las, quando não as quiserem
emprestar mais. E quando não forem aptas para serem usadas, sejam devolvidas a
seus donos do jeito que estiverem, ou peçam licença para dá-las aos pobres.

[Modo de fundar locais novos]

308. Ordena-se também que, quando os frades quiserem pegar um local novo,
segundo a doutrina do humilde Francisco, primeiro vão falar com o bispo, ou seu
vigário, e peçam licença para poder pegar aquele local em sua diocese. E obtida a
licença, vão com sua bênção à comunidade, ou ao senhor, e peçam que queira
emprestar-lhes um pouco de lugar.

309. E guardem-se os frades de pegar algum local com obrigação de mantê-lo.


Aliás, impõe-se que não o aceitem sem o protesto expresso de poder deixá-lo toda vez
que lhes parecesse oportuno para a pura observância da Regra, para que, ocorrendo
deixa-lo, não haja escândalo.

[Habitações pobres]
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310. E porque, como peregrinos, a exemplo dos antigos patriarcas, deveremos


viver em pequenas cabanas, tugúrios e coberturas, exortam-se os frades a
recordarem-se das palavras do seráfico pai em seu Testamento, onde proíbe que de
modo algum recebam as igrejas e habitações que forem fabricadas para eles, se não
estiverem segundo a forma da altíssima pobreza; pelo que se pode intuir que muito
menos é lícito aos frades consentir que sejam construídas suntuosamente, ou
construí-las.
Os frades não devam, para dar prazer aos senhores do mundo, desagradar a Deus,
violar a Regra, escandalizar o próximo e ofender a pobreza evangélica prometida.
Deve haver uma grande diferença entre os grandes palácios dos ricos e os pequenos
tugúrios dos pobres mendigos, peregrinos e penitentes.
Mas ordena-se que não recebam locais, quer sejam feitos para nós ou para outros,
e muito menos que se fabriquem. E os frades não permitam que sejam fabricados para
eles, se não forem de acordo com a santíssima pobreza, que prometemos.

[Pequeno modelo para a fábrica]

311. Para essa finalidade foi feito um pequeno modelo, segundo o qual se
construirá. As celas não tenham mais do que nove palmos de comprimento e de
largura. Na altura, dez; as portas sete palmos de altura e dois e meio de largura. As
janelas dois e meio de altura e um e meio de largura. O corredor do dormitório com a
largura de seis palmos. E assim as outras oficinas sejam pequenas, humildes, pobres,
abjetas e baixas, para que tudo pregue humildade, pobreza e desprezo do mundo.
As igrejas também sejam pequenas, pobres e honestas. E não queiram que elas
sejam grandes para poder pregar, porque, como disse São Francisco, dá-se melhor
exemplo pregando nas igrejas dos outros do que nas nossas, maximamente quando
se ofende a santa pobreza.

[Responsabilidade das construtores]

312. Também para evitar todas as coisas que poderiam ofender a pobreza, ordena-
se que os frades de modo algum se intrometam nas construções, exceto para
demonstrar àqueles a quem foi confiado tal negócio a forma pobre do modelo,
solicitar-lhes e manualmente prestar-lhes ajuda.
Os frades também se esforçarão em fazer , quanto for possível, aquele tão pouco
de vime e barro, canas, tijolos crus e matéria vil, a exemplo de nosso pai e em sinal de
humildade e pobreza. E tenham como seu espelho as pequenas casas dos pobres e
não as habitações modernas.

313. E para evitar toda desordem, determina-se que não se aceite ou deixe nenhum
local, nem se edifique ou destrua, sem licença do Capítulo Provincial e do padre
Vigário Geral. E nenhum guardião possa edificar nem destruir, senão segundo lhe for
ordenado pelo seu vigário provincial, o qual, com alguns frades aptos para isso, vá
dizer o modo de ditos edifícios.

[Distância dos centros habitados]

314. E para que os seculares possam servir-se de nós nas coisas espirituais e nós
deles nas temporais, ordena-se que os nossos locais não sejam tomados muito longe
das cidades, castelos ou vilas; mas também não muito próximos, para não sofrerem
detrimento pela presença demasiada deles. Basta que regularmente sejam distantes
uma milha e meia mais ou menos, aproximando-se sempre mais depressa (a exemplo
dos santos padres e precisamente do nosso) dos desertos solitários que das cidades
deliciosas.
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[Hospedaria]

315. Também ficou determinado que, nos nossos locais, haja (se for possível) uma
pequena salinha com lareira para receber, quando preciso, os peregrinos e forasteiros,
como pede a caridade e suporta a nossa pobreza.

[Uma ou duas pequenas celas eremíticas]

316. Ordena-se também que, em todo o lugar, onde comodamente se puder, no


bosque ou terreno concedido aos frades, haja uma ou duas pequenas celas afastadas
da habitação comum dos frades e solitárias, para que, se algum frade quiser levar vida
anacorética (para isto julgado idôneo pelo seu prelado), possa quietamente, em
solidão, com vida angélica, dar-se todo a Deus, segundo o instinto do Espírito Santo.
E nesse tempo, a fim de que possa, em quietude, fruir Deus, ordena-se que não se
fale com ele, a não ser o seu padre espiritual, que lhe será como mãe para provê-lo,
segundo a piedosa mente de nosso seráfico pai, como lemos nas Conformidades.

[Fé na providência, mendicância e pobreza]

317. Ordena-se também que, se nos lugares que se tomaram houver videiras ou
árvores supérfluas, não sejam cortadas, mas, com o consentimento dos donos, dêem-
se os frutos aos pobres. E as videiras sejam arrancadas e sejam dadas para plantar-
se em outros lugares, ou para dar-se aos pobres.

318. E porque, segundo a doutrina evangélica os cristãos e máxime os pobres


frades de São Francisco, que especialmente assumiram seguir Cristo, sumo
Imperador e espelho sem mancha, pelo caminho da altíssima pobreza, devem pensar
que o seu Pai celeste saiba, possa e queira governá-los, e, portanto, tem especial
cuidado por eles: mas não como os gentios, que não crêem na divina providência,
devemos, com ânsia e supérflua solicitude, procurar essas coisas do mundo, que o
sumo Deus concede com mão larga até aos animais brutos. Mas como filhos do Pai
Eterno, pondo de lado toda solicitude, carnal, devemos em tudo depender daquela
divina liberalidade e entregar-nos na sua infinita bondade.
Por isso, ordena-se que, em nossos locais, não se faça provisão de coisa alguma,
mesmo necessária para o sustento humano, máxime daquelas que se podem
mendigar cotidianamente, mais do que por dois ou três dias, e, no máximo, por uma
semana, segundo a exigência dos tempos e lugares.
As frutas não podem ser guardadas a não ser por pouco tempo, segundo o
julgamento do provincial.

319. E para fechar o caminho da supérflua provisão humana, ordena-se que, nos
nossos locais, não haja nem barricas nem barris, mas apenas algumas pobres
cabaças ou frascos. As lenhas, máxime para o tempo do inverno, poderão ser
guardadas por dois ou três meses.

320. E para que a mendicância dos frades não seja rica e delicada, de nome e não
de fato, ordena-se que não se busque (mesmo no carnaval) carne, ovos, queijo nem
peixes nem outras comidas preciosas, não convenientes ao nosso pobre estado,
exceto para os doentes; mas, dados sem ser pedidos, poderão ser recebidos, contanto
que não se ofenda a pobreza.

[Exemplo de São Francisco]


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321. E sobretudo guardem-se os frades de abandonar a sua santíssima mãe


pobreza, tendo em abundância as esmolas pelo favor dos grandes e pela fé dos povos
e devoção do mundo, como não legítimos filhos de São Francisco. Mas recordem-se
daquelas belas palavras de seu pai, que costumava dizer, com ardentíssimo afeto de
amor: “Agradeço a Deus, porque, por sua bondade, sempre conservei a fidelidade a
minha dileta esposa pobreza. Nunca fui ladrão de esmolas, pois sempre peguei menos
do que precisava, para que os outros pobres não fossem defraudados de sua porção,
porque fazer o contrário é furto diante de Deus” (2Cel 151; LM 14,4; LP 111; EP 12).

[Esmolar pelos pobres em tempo de carestia]

322. Ordenou-se também que, no tempo de carestia, para acudir à necessidade


dos pobres, façam-se as buscas pelos frades que tiverem sido designados para isso
por seus prelados, a exemplo de nosso tão piedosíssimo pai, que tinha grande
compaixão pelos pobres. Pois, se lhe era dada alguma coisa por amor de Deus, não a
queria senão com este pacto de poder dá-la aos pobres, encontrando alguém mais
pobre do que ele. Muitas vezes, como se lê, para não ficar sem a veste nupcial e
evangélica da caridade, despojou-se das próprias roupas e deu-as aos pobres; aliás,
foi despojado pelo violento ímpeto do amor divino.

[Pobreza e desapego]

323. E porque a pobreza voluntária não tem nada e é rica de tudo e feliz e não teme
nem deseja nem pode perder coisa alguma, tendo posto o seu tesouro em lugar
seguro; porém, para arrancar fora realmente e na verdade as raízes das ocasiões de
toda propriedade, ordena-se que nenhum frade tenha chave de cela, caixa, escabelo
ou outra coisa, exceto os oficiais para conservar as coisas que têm que dispensar para
a comunidade dos frades, como é justo e razoável.

324. E porque nada possuímos neste mundo, a nenhum frade seja lícito dar coisa
alguma aos seculares, sem licença de seus guardiães; os quais também não podem
dispensá-las senão para coisas mínimas e vis, sem licença de seus vigários
provinciais.

[Cuidado dos frades doentes e das vítimas da peste]

325. E para satisfazer aos enfermos, conforme dita a razão, manda a Regra e
busca a caridade fraterna, ordena-se que, ficando enfermo algum frade,
imediatamente lhe seja designado pelo padre guardião um frade apto que lhe sirva em
todas as suas necessidades. E, quando for conveniente, que mude de lugar, proveja-
se subitamente.
E todo frade pense no que quereria que fosse feito para ele em semelhante caso.
Uma mãe terna e sensitiva não é tão obrigada ao seu filho único quanto cada irmão,
como expressou nosso piedoso pai na nossa Regra.

326. E porque para os que não têm amor na terra é coisa doce, justa e devida
morrer por quem morreu por nós na cruz, ordena-se que, em tempo de peste, os
frades sirvam, conforme dispuserem os seus vigários, os quais em caso semelhante
se esforçarão por ter abertos os olhos da discreta caridade.

Capítulo sétimo

[Confessar os seculares]
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327. Ordena-se em primeiro lugar, para evitar o perigo dos súditos e dos prelados,
que nenhum frade confesse seculares sem licença do capítulo ou do padre Vigário
Geral, para que tal ofício que, além da boa consciência e suficiência, pede também a
devida experiência, não seja exercido pelos que não são idôneos.
E aqueles que são designados como confessores, não confessem ordinariamente,
mas em casos particulares, quando forem obrigados pela caridade. E isso para evitar
todo perigo e distração da mente, para que, restritos e recolhidos em Cristo, possam
correr para a pátria celeste mais seguramente, sem impedimento.

[Reconciliação e Eucaristia]

328. Também se ordena que os frades se confessem no mínimo duas vezes por
semana, comunguem a cada quinze dias ou mais freqüentemente quando quiserem e
o seu prelado julgar que lhes seja oportuno. Mas no advento e na quaresma
comunguem todos os domingos.
E cuidem, segundo a admoestação apostólica, de examinar primeiro muito bem a si
mesmos, seu nada e indignidade, e, por outro lado, o nobre dom de Deus dado com
tanta caridade, para que o recebam não para o juízo de suas almas, mas para
aumento de luz, graças e virtudes.
E este altíssimo e divino sacramento, no qual o nosso dulcíssimo Salvador digna-se
tão docemente morar continuamente conosco, em todas as nossas igrejas, seja
mantido em lugar limpíssimo e tido por todos em suma reverência, diante do qual
estejam e orem, como se estivessem na pátria celeste, junto com os santos anjos.

329. Concede-se aos frades que, em caso de necessidade, quando estiverem fora
de nossos locais, possam confessar-se com outros sacerdotes.

[Hospitalidade e caridade]

330. E para nutrir a caridade, mãe de todas as virtudes, ordena-se que, com toda a
possível humanidade cristã, recebam-se pessoas que vierem aos nossos locais,
precipuamente os religiosos, como pessoas mais peculiarmente deputadas ao divino
obséquio, como exortava o nosso pai na sua primeira Regra.

[Misericórdia dos ministros para com os frades que pecam]

331. Ordena-se também que, nos casos reservados, os delinqüentes poderão,


quanto antes, sem dar na vista e com comodidade, recorrer humildemente aos seus
vigários, nos quais possam e devam confiar.
E os prelados, se os virem verdadeiramente contritos e humilhados, com firme
propósito de emendar-se e preparados para a penitência condigna, com doçura, a
exemplo de Cristo nosso verdadeiro Pai e Pastor, recebam-nos no modo que foi
recebido pelo piedosíssimo pai o filho pródigo. E com Cristo esforcem-se com alegria
por trazer de volta nos próprios ombros a ovelhinha perdida para o ovil angélico.

[Exortações de São Francisco]

332. Recordem-se também de que o nosso pai São Francisco costumava dizer que,
se quisermos levantar alguém que tivesse caído, precisamos agir por piedade, como
fez Cristo, piedosíssimo Salvador, quando lhe foi apresentada a adúltera e não estar
com rígida justiça e crueldade sobre o pecador. E mais: Cristo, Filho de Deus, para
salvar-nos, desceu do céu sobre a cruz e aos pecadores humilhados mostrou toda
doçura possível.
Pensem também que, se Deus devesse julgar-nos com justiça rígida, poucos ou
nenhum se salvaria. E, ao impor a penitência, tenham sempre o olho aberto para
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salvar e não perder a alma e a fama daquele pobre frade, por cujo pecado nenhum
frade deve escandalizar-se, envergonhá-lo, fugir dele ou ter horror por ele; antes, deve
ter compaixão para com ele e amá-lo tanto mais quanto tem mais necessidade,
sabendo que, como dizia o pai São Francisco, todos nós faríamos muito pior se Deus
não nos preservasse com sua graça.

333. E mais: deixando no mundo como pastor universal, em seu lugar, São Pedro,
disse-lhe que queria que perdoasse o pecador mesmo que pecasse setenta vezes
sete. Mas São Francisco disse, em uma de suas cartas, na qual queria que, se o frade
pecasse quanto era possível, vistos os olhos do prelado, não fosse embora sem
misericórdia, quando a buscasse humildemente; e se não a buscasse, queria que o
prelado lha oferecesse; e se depois de mil vezes aparecesse na sua frente, queria que
nunca se mostrasse indignado ou que recordasse seu pecado; até, para atraí-lo para
Cristo, nosso piedosíssimo Senhor, o amasse com o coração, em verdade, sabendo
que o arrepender-se de coração com firme propósito de não pecar mais e exercitar-se
em ações virtuosas, basta diante de Deus. Mas Cristo, quando dava a penitência,
costumava dizer: Vá em paz e não queiras mais pecar.

[Misericórdia com justiça]

334. Por outro lado, considerem que não punir quem peca é abrir a porta de todos
os vícios aos tristes e convidá-los a erros semelhantes; mas, segundo a Regra,
imponham-lhes com misericórdia a penitência condigna. Para isso, a fim de que a
propriedade do Senhor seja preservada por boa cerca, ordenamos que, nas nossas
coisas e especialmente nas correções e punições dos frades, não se observe a
sutileza da lei, ou então as intrigas judiciais.

[Carregar a cruz da penitência]

335. E segundo a concessão de Bonifácio VIII, de feliz memória, de Inocêncio e de


Clemente, a nenhum frade seja lícito apelar de seus prelados fora de nossa
congregação, sob pena de excomunhão latae sententiae e do cárcere e de ser expulso
da congregação, porque não viemos para a religião para litigar, mas para chorar
nossos pecados e emendar nossa vida e obedecer, carregar a cruz da penitência
seguindo Cristo.
E para que os maus, no tempo que virá, não sejam impedimento para os bons,
sejam punidos com misericórdia pelos prelados.

336. E porque todos os cristãos e máxime nós frades de São Francisco devemos
sempre ter a íntegra e ilibada fé apostólica da santa Igreja Romana, mantê-la
firmemente e pregá-la sinceramente e para sua defesa estar preparados para
derramar o próprio sangue até a morte, ordenamos que, se algum frade, por tentação
diabólica, se encontrasse - Deus nos livre! - manchado por algum erro contra a fé
católica, seja posto em cárcere perpétuo. E para punir esses delinqüentes e outros
semelhantes, haja em alguns dos nossos locais os cárceres fortes, mas humanos.

[Correção dos frades apóstatas]

337. E para que alguns frades, odiando nossa solidão e quietude, não voltem para
a carne do Egito, tendo sido libertados da fornalha da Babilônia, sejam excomungados
e denunciados como excomungados pelo nosso Vigário Geral e por todo o capítulo,
pela presente constituição, todos os que apostatam da nossa congregação, remetendo
ao dito Vigário Geral e aos provinciais a qualidade e quantidade das penas com que
devem ser punidos os ditos apóstatas e todos os outros delinqüentes.
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Esses vigários devem puni-los segundo a qualidade dos excessos, a humildade dos
penitentes e a caridosa discrição, segundo as antigas constituições e louváveis
costumes de nossa Ordem.
Nessas coisas, porque diz o exímio doutor Agostinho que, ou punindo ou
perdoando, sempre se faz para esse fim, para que a vida do homem seja corrigida,
assim será temperada a justiça com a misericórdia, que o rigor da disciplina não falte e
não se exceda por demasiada crueldade, mas seja cuidado o enfermo de punição e
nela se encontrem sempre juntas a misericórdia e a verdade e por isso elejam-se para
nossos prelados irmãos maduros, discretos, que tenham ciência, consciência e
experiência e, em todas as coisas, procedam com o conselho dos irmãos mais
antigos.

[Não revelar os segredos da Ordem]

338. E, para que as punições, que entre nós se fazem com bom zelo, não sejam
impedidas ou sinistramente julgadas e ainda seja maior a liberdade de proceder contra
os delinqüentes, proibimos que os segredos da Ordem sejam manifestados; antes,
devemos conservar a fama de todos, quanto for possível, seguindo sempre as coisas
que são para o louvor e glória de Deus, ocasião de paz, edificação e salvação de
todos os nossos próximos.

Capítulo Oitavo

[Autoridade como serviço]

339. E porque, segundo a doutrina de Cristo, humilde Senhor nosso, os prelados


cristãos não devem ser como os príncipes gentios, que nas dignidades se
engrandecem, antes devam tanto mais se abaixar quanto têm maior peso sobre seus
ombros, e pensar que, enquanto os outros frades têm que obedecer ao seu prelado,
eles têm que obedecer a todos os frades, como lhes é imposto por obediência pelo
capítulo que os elege, e servi-los e ministrá-los em todas as suas necessidades,
máxime nas espirituais, a exemplo de Cristo, que veio para nos servir, ministrar e dar
por nós sua própria vida.
Por isso exorta-se todos os prelados a serem ministros e servos de todos os seus
frades; o que farão se, segundo a doutrina do seráfico pai, ministrarem espírito e vida
aos seus súditos, pelo exemplo e pela doutrina.

[Humildade e simplicidade nas eleições]

340. E, em toda eleição, proceda-se pura, simples e santa e canonicamente,


esforçando-se, segundo a doutrina de Cristo, piedoso Senhor nosso, convidados para
as suas núpcias, por estar no último lugar com ele e não com Lúcifer, no primeiro;
sabendo que os primeiros serão os últimos e os últimos os primeiros. E fugindo das
dignidades com Cristo, não as aceitem, se não forem chamados por Deus com Aarão,
por uma santa obediência.

[Capítulos gerais e provinciais]

341. Ordena-se, quanto ao Capítulo Geral, que seja feito a cada três anos, na festa
de Pentecostes, por ser muito cômoda para tão grande negócio, designada pelo nosso
seráfico pai; e os provinciais, todos os anos, na segunda ou terceira sexta-feira depois
da Páscoa.

[Renúncia dos ministros]


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342. E em sinal de humildade e para demonstrar seu ânimo sincero, longe de toda
espécie de ambição, tanto o Vigário Geral no Capítulo Geral como os provinciais nos
capítulos provinciais, renunciarão livremente aos seus ofícios com toda autoridade,
nas mãos dos definidores eleitos pelo capítulo; e, em testemunho de perfeita
resignação, porão os selos nas mãos dos preditos definidores.

[Se o geral morrer]

343. E se acontecesse que o padre Vigário Geral morresse no seu triênio,


determina-se que, em tal caso, o primeiro definidor do capítulo pretérito seja
comissário geral e, se por acaso ele tivesse morrido, seja o segundo e assim com os
outros.
E seja obrigado, quanto antes, a convocar o capítulo para Pentecostes ou por perto,
ou em setembro, onde já for determinado, ou lhe parecer expediente, com o conselho
dos outros definidores, quando puderem ter-se comodamente.

[Se o geral for inapto]

344. Ordena-se também, para dar um modo certo, seguro e fácil para depor o geral,
quando não for idôneo, como São Francisco impõe em sua Regra, que os três
primeiros definidores do capítulo pretérito, obtida a provável e suficiente informação de
sua insuficiência, possam e devam, onde e como lhes parecer conveniente, convocar
os frades para o Capítulo Geral, onde deverá ser discutido se é digno ou não de ser
deposto.
E se o geral tentasse impedir essa convocação para o capítulo, queremos que seja
privado do ofício. E, no caso em que o capítulo julgar que o geral não merece ser
deposto e que os referidos três definidores tiverem causado tal comoção na
congregação sem justa causa, sejam punidos gravemente a arbítrio do capítulo, por
terem procedido tão indiscretamente.

[Eleição dos definidores]

345. Determina-se também que, na eleição dos definidores, tenham voz passiva
todos os frades que se encontrarem no local do capítulo. E os vigários, em tal eleição,
tenham voz ativa: o geral no Capítulo Geral e os provinciais nos capítulos provinciais.
Também se determina que, no Capítulo Geral, sejam eleitos seis definidores, entre
os quais poderão estar no máximo dois dos que tiverem sido eleitos no capítulo
próximo passado. E, nos capítulos provinciais, elejam-se quatro definidores, dos quais
semelhantemente dois no máximo podem ser dos do ano próximo passado.

[Pausa no governo]

346. Também se ordena que os provinciais fiquem livres depois do seu triênio pelo
menos por um ano, se já não parecesse diferentemente ao padre Vigário Geral, por
causa razoável.

[Orações durante o capítulo]

347. E, no tempo em que se celebra o Capítulo Geral, façam-se contínuas e


fervorosas orações por todos os frades de nossa congregação e, no tempo do capítulo
provincial, por todos os frades da província, pedindo que a divina clemência digne-se
colocar todas as nossas coisas segundo o seu beneplácito, para louvor, honra e glória
da sua Majestade e para utilidade de sua santa Igreja.

Capítulo nono
93

[Evangelização e escolha dos pregadores]

348. E porque evangelizar a Palavra de Deus, a exemplo de Cristo, mestre da vida,


é dos mais dignos, úteis, altos e divinos ofícios que há na Igreja de Deus, do que
depende principalmente a salvação do mundo, ordena-se que ninguém pregue se,
primeiro, examinado e aprovado pelo Capítulo Geral ou pelo padre Vigário Geral,
como quer a Regra, não lhe for concedido.
Não se lhes dê tal ofício se não virem que são de vida santa e exemplar, claro e
maduro juízo, forte e ardente vontade, porque a ciência e eloqüência sem caridade
não edificam, muitas vezes até destroem.
E os prelados cuidem diligentemente, ao impor tal ofício, que não façam acepção
de pessoas, nem se movam por amizade ou favor humano, mas, simplesmente, por
amor de Deus, preferindo mais rapidamente que sejam poucos e bons pregadores do
que muitos e insuficientes, a exemplo de Cristo, suma sabedoria, que no meio de uma
turba tão grande de hebreus só escolheu doze apóstolos e setenta e dois discípulos,
tendo primeiro rezado largamente.

[Pregar Cristo crucificado]

349. Impõe-se também aos pregadores que não preguem frioleiras, nem novidades,
poesias, histórias ou outras ciências vãs, supérfluas, curiosas, inúteis e perniciosas,
mas, a exemplo de Paulo apóstolo, preguem Cristo crucificado, no qual estão todos os
tesouros da sabedoria e da ciência de Deus.
Esta é aquela divina sabedoria que Paulo santíssimo pregava entre os perfeitos,
depois que se tornou um viril cristão; porque, quando era um hebreu pueril, pensava,
sabia e falava como uma criança, sobre as sombras e figuras do Velho Testamento.
Nem deveriam alegar outra coisa senão Cristo (cuja autoridade prevalece a todas
as pessoas e razões do mundo) e os santos doutores.

[Pregar por redundância do amor]

350. E porque para o nu e humilde Crucificado não são convenientes as palavras


polidas, enfeitadas e artificiosas, mas palavras nuas, puras, simples, humildes e
baixas, mas assim mesmo divinas, afogueadas e cheias de amor, a exemplo de Paulo,
vaso de eleição, que pregava não na sublimidade de sermão e de eloqüência humana,
mas em virtude do Espírito.
Por isso exortam-se os pregadores a imprimir-se Cristo bendito no coração e dar-
lhe posse pacífica de si, para que, por redundância de amor, seja Ele que fale neles,
não só com as palavras, mas muito mais com as obras, a exemplo de Paulo, doutor
dos povos, que não ousava pregar a outros alguma coisa, se Cristo não operava
primeiro nele; como também Cristo, perfeitíssimo mestre, nos ensinou não só com a
doutrina, mas com as obras. E estes são grandes no reino do céu, que primeiro
operam para si e depois ensinam e pregam aos outros.

[Pregar assiduamente]

351. Nem pensem que fazem o suficiente, se apenas pregarem a quaresma ou o


advento, mas esforcem-se assiduamente por pregar, pelo menos, em todas as festas,
a exemplo de Cristo, espelho de toda perfeição, que andava pela Judéia, Samaria e
Galiléia, pregando pelas cidades, vilas e, alguma vez, só para uma mulher, como se lê
sobre a Samaritana.

[Volta à solidão]
94

352. E quando, por praticarem com seculares, sentirem diminuir-se o espírito,


retornem para a solidão e lá estejam tanto que, repletos de Deus, mova-os o ímpeto a
espargir as graças divinas no mundo.
E assim, sendo ora Maria ora Marta, numa vida mista, seguirão a Cristo, que, tendo
orado no monte, descia ao templo para pregar; até desceu do céu à terra para salvar
as almas.

[Viver pobremente]

353. Proíbe-se aos pregadores que recebam refeições, mas que vivam como
pobres e mendigos, como prometeram voluntariamente por amor de Cristo. E, acima
de tudo, guardem-se de todo tipo de avareza, para que, pregando Cristo livre e
sinceramente, lucrem fruto em maior abundância.
Pelo que se proíbe que façam pedidos, quando estão pregando, por si ou pelos
frades, para que, segundo a doutrina apostólica, seja por todos sabido que não
buscam suas coisas, mas de Jesus Cristo.

[Método e conteúdo da pregação]

354. E como quem não sabe ler Cristo, livro da vida, não tem doutrina para poder
pregar, mas deve estudá-lo, proíbe-se aos pregadores que levem muitos livros, uma
vez que em Cristo encontra-se tudo.
E por ser este bendito ofício de pregar tão excelente e aceitíssimo para Cristo,
nosso Deus, que o demonstrou quando ele mesmo, com tanto fervor daquela sua
divina caridade, pela salvação de nossas almas, quis exercê-lo, propiciando-nos a
salubérrima doutrina evangélica; para poder, portanto, imprimir melhor no coração dos
pregadores a norma e modo que deverão ter, para que mais dignamente possam
evangelizar Cristo crucificado, pregar o reino de Deus e operar fervorosamente a
conversão e salvação das almas, como que replicando e de certa forma inculcando,
acrescentamos e impomos que em sua pregação usem a Sagrada Escritura e
precipuamente o Novo testamento, mas máxime o Evangelho, de modo que, sendo
nós pregadores evangélicos, tornemos evangélicos também os povos.

[Pregar a penitência]

355. E ponham de lado todas as vãs e inúteis questões e opiniões, os cantos que
causam pruridos, a sutileza inteligível por poucos, mas, a exemplo do santíssimo
precursor João Batista, dos santíssimos apóstolos e de outros santos pregadores,
inflamados de amor divino, aliás, a exemplo de nosso dulcíssimo Salvador, preguem:
fazei penitência, aproxima-se o reino dos céus.
E segundo o nosso pai seráfico, que admoesta na Regra: anunciem os vícios e as
virtudes, a pena e glória com brevidade de palavra; não desejando nem procurando
nada mais que a glória de Deus e a salvação das almas, remida com o preciosíssimo
sangue do Cordeiro imaculado, Cristo Jesus bendito.

[Pregação “examinada e casta”]

356. E seu modo de falar seja examinado e casto e não desçam a nenhuma pessoa
particular, porque, como diz o glorioso São Jerônimo, falar em geral não ofende a
ninguém, exprobrando certamente os vícios, mas honrando na criatura a imagem do
seu Criador.
E como nos exorta o seráfico pai em seu Testamento, esforcem-se por temer, amar
e honrar os venerandos sacerdotes, os reverendos bispos, os reverendos cardeais e
acima de todos o santo e sumo pontífice, vigário de Cristo na terra, cabeça geral, pai e
pastor de todos os cristãos e de toda a Igreja militante, e todos os outros do estado
95

eclesiástico, que vivem segundo a ordem da santa Igreja Romana, e estão


humildemente sujeitos à nossa predita cabeça, pai, senhor, isto é, o sumo pontífice.
E como o nosso predito santo pai nos ensina no mesmo Testamento, devemos
honrar e venerar a todos os pregadores, que nos administram as santíssimas palavras
divinas, como aqueles que nos administram o espírito e a vida.

[Necessidade da oração]

357. E para que, pregando aos outros, não se tornem réprobos, deixem, de vez em
quando, de freqüentar as pessoas e, com o dulcíssimo Salvador, subam ao monte da
oração e contemplação e lá se esforcem por inflamar-se do amor divino como serafins,
para que, sendo eles bem quentes, possam aquecer os outros.

[Livros e biblioteca]

358. E, como já foi dito, não levem consigo muitos livros para que possam mais
assiduamente ler no excelentíssimo livro da cruz.
E porque sempre foi intenção de nosso doce pai que os livros necessários dos
frades fossem tidos em comum e não em particular, para observar melhor a pobreza e
remover do coração dos frades todo afeto e particularidade, ordena-se que, em nosso
local, haja uma pequena sala, na qual tenha-se a escritura sagrada e alguns santos
doutores.
Mas os livros inúteis dos gentios, que mais depressa tornam o homem pagão do
que cristão (como foi dito acima no primeiro capítulo) não sejam mantidos em nossos
locais. Mas, se acontecer que haja algum, seja dado aos pobres, segundo a
disposição dos padres vigários, geral ou provinciais.

[Estudo das letras e das Escrituras]

359. E porque a quem deve pregar dignamente e com a devida ordem, é


necessário que tenha, além da vida religiosa e aprovada, também algum
conhecimento das Sagradas Escrituras, que, evidentemente, não se pode ter senão
mediante alguma ciência de estudo literal, e para que tão nobre e frutuoso exercício
que é o pregar (em nossa congregação) não diminua, com grandíssimo prejuízo das
pobres almas dos seculares, ordena-se que haja alguns devotos e santos estudos,
redundantes de caridade e humildade, tanto na gramática positiva quanto nas letras
sagradas.
Para esse estudo possam ser promovidos os frades, que, segundo o juízo do
vigário provincial e dos definidores, forem de fervorosa caridade, de costumes
louváveis, humilde e santo comportamento. Em segundo lugar, que sejam de tal modo
aptos para aprender que, depois, com vida e doutrina, possam ser úteis e frutuosos na
casa do Senhor.

[Exortação aos estudantes]

360. E não busquem os estudantes adquirir a ciência que infla, mas a iluminativa e
incendiadora caridade de Cristo, que edifica a alma. Nem jamais mergulhem tanto no
estudo literal que, por isso, tenham que deixar de lado o estudo sagrado da oração,
porque agiriam expressamente contra a intenção do seráfico pai, que não queria
nunca que por algum estudo de letras se deixasse a santa oração.
Mas, para melhor poder ter o espírito de Cristo, esforçar-se-ão, tanto os lentes
quanto os estudantes, por dar maior força ao estudo espiritual que ao literal, e,
fazendo assim, tanto maior proveito obterão no estudo quanto mais derem atenção ao
espírito que à letra; pois sem o espírito não se adquire o verdadeiro sentido, antes a
mera letra, que cega e mata.
96

[Estudar em pobreza e humildade]

361. Mas esforçar-se-ão juntos, com a santa pobreza, por não deixar jamais o
caminho régio que conduz ao paraíso, a santa humildade, recordando-se
freqüentemente do dito de Jacopone, que ciência adquirida - dá mortal ferida - se não
for revestida - de coração humilhado.
Será ainda para eles causa de humilhar-se se reconhecerem ter acrescentado uma
nova obrigação para com Deus por terem sido promovidos ao estudo e feitos dignos
de ser introduzidos na verdadeira e suave inteligência das sagradas letras, sob o
sentido das quais está escondido aaquele, cujo espírito sopra o mel e é doce para
quem o saboreia.

[Primeiro a oração, depois a lição]

362. E toda vez que entrarem na lição, exortamos a que se recordem, in spirito
humilitatis et in animo contrito38, por elevar sua mente a Deus e dizer:
Domine, iste vilissimus servus tuus et omni bono indignus, vult ingredi ad videndum
thesauros tuos. Placeat tibi ut ipsum indignissimum introducas et des sibi in his verbis
et sancta lectione tantum te diligere quantum te cognoscere, quia nolo te cognoscere
nisi ut te diligam, Domine Deus Creator meus. Amen.39

Capítulo décimo

[Visita e exortação dos ministros aos frades]

363. Ordena-se que o padre Vigário Geral se esforce, em seu triênio, por visitar
pessoalmente todos os locais e frades de nossa congregação e que os vigários
provinciais sempre vão visitar os seus irmãos.
E tanto eles como os guardiães não cessem de exortar caridosamente os súditos
para a perfeita observância dos preceitos e conselhos evangélicos e divinos e da
Regra prometida e das presentes ordenações e, especialmente, da altíssima pobreza,
firmíssimo fundamento de toda a observância regular.
E corrijam os delinqüentes com toda humildade e caridade, sempre misturando o
vinho da justiça severa com o óleo da doce misericórdia.

[Humilde obediência dos frades]

364. E os frades súditos obedeçam com toda humildade aos seus prelados em
todas as coisas em que, sem dúvida nenhuma, não vão conhecer a ofensa divina.
E tenham para com seus prelados, como vigários de São Francisco e mesmo de
Cristo, nosso Deus, a devida reverência; e, quando forem repreendidos e corrigidos
por eles, segundo o louvável costume de nossos antigos e humildes padres e irmãos,
ajoelhem-se humildemente e suportem pacientemente toda repreensão e correção; e
não lhes respondam soberbamente e, de modo algum, ousem falar ao prelado,
máxime no capítulo ou no refeitório, se primeiro não tiverem pedido e obtido a licença.
E, se nisso agirem contrariamente, façam a disciplina diante dos frades pelo espaço
de um Miserere.

38
Trad.: em espírito de humildade e ânimo contrito.
39
Trad.: Senhor, este vilíssimo servo teu, indigno de todo bem, quer entrar para ver os teus
tesouros. Que te apraza introduzir a ele, indigníssimo, e lhe concedas que nestas palavras e
santas lições, tanto te amar quanto te conhecer, porque não quero te conhecer senão para te
amar, Senhor Deus, Criador meu. Amém.
97

E todos os frades esforcem-se com toda diligência por emendar-se de seus defeitos
e, com os freqüentes atos virtuosos, adquirir as virtudes celestiais e, com os bons
costumes, vencer os maus.
365. E guardem-se os prelado de prenderr as almas de seus súditos com preceitos
obedienciais, se não forem obrigados pela piedade divina ou pela caridosa
necessidade.

[Acolhimento fraterno e bênção do superior]

366. Também se ordena que os frades forasteiros sejam recebidos com toda
caridade, e que, como verdadeiros filhos do Eterno Pai, visitem primeiro a sua igreja e,
feita alguma reverência e oração, apresentem-se ao prelado, mostrando-lhe as suas
obediências, sem as quais a nenhum frade seja lícito andar fora de nossos locais.
E também os frades do mesmo local, quando vão para algum serviço, peçam antes
a bênção ao seu prelado e façam o mesmo quando retornarem.

[Obediência e devoção]

367. E para que tudo se faça com o mérito da santa obediência e com a devida
religiosidade, nenhum frade presuma tomar nenhuma refeição, tanto dentro como fora
dos nossos locais, sem a licença e a bênção do prelado ou do mais antigo padre ou
irmão.

368. E todos os frades se esforcem por evitar os discursos supérfluos e vãos. E


nem queiram ir a outras igrejas para as indulgências, tendo muitos sumos pontífices
concedido maior quantidade para as nossas.

[Aceitação dos frades fugitivos]

369. Também ordenamos que nenhum frade fugitivo de uma província seja aceito
em outra, sem a licença por escrito do padre Vigário Geral e, se agirem de outra
forma, sua recepção seja nula e quem o recebeu seja gravemente punido ao arbítrio
do padre Vigário Geral.

[Permissão para escrever ou receber cartas]

370. E para evitar os possíveis inconvenientes, ordena-se que nenhum frade jovem
mande ou receba carta sem licença do seu prelado.

[Humildade e reverência]

371. E todos os frades sempre devam desejar ser súditos e obedecer, antes do que
ser prelados e mandar, a exemplo de nosso Senhor Jesus Cristo e do nosso seráfico
pai. Mas aqueles a quem forem impostas as prelaturas por obediência, não sejam
pertinazes em refutá-las, mas, com toda humildade e solicitude, cumpram o ministério
que lhes foi confiado.

372. E exortamos ainda a todos os nossos frades a que, segundo a admoestação


de nosso pai, no décimo capítulo da Regra, guardem-se de toda soberba e vanglória,
inveja e avareza, cuidado e solicitude deste século, de toda detração e murmuração,
máxime dos prelados eclesiásticos, do clero e de pessoas religiosas, especialmente
da nossa religião; mas prestemos reverência a cada um segundo o seu grau, tendo a
todos como nossos pais e maiores em Cristo Jesus, nosso Salvador.

Capítulo décimo primeiro


98

[Não aceitar cuidado de mosteiros]

373. Porque, segundo a sentença de santos doutores, máxime de São Jerônimo, os


servos de Deus devem evitar e fugir, com santa cautela, da familiaridade mesmo de
santas mulheres, por todo este nosso Capítulo Geral, com grandíssima maturidade,
conselho e deliberação, faz-se esta presente constituição para ser inviolavelmente
observada por toda a nossa congregação: que por nossos frades, de modo algum,
nem sob qualquer desculpa de bem, virtude ou santidade, nem a pedido de povos ou
senhores, aceitem-se cuidados de mosteiros nem de confrarias nem de alguma
congregação de homens ou de mulheres nem se lhes dêem confessores e não
tenham nenhum cuidado deles, crendo, nisto, mais nos vivificantes exemplos de Cristo
nosso Salvador e nas salubérrimas doutrinas dos santos do que nas persuasões
humanas.

[Não entrem nos mosteiros]

374. E porque cabe aos verdadeiros religiosos e servos de Deus fugir não só dos
males e pecados evidentes, mas também de qualquer coisa que possa pretender
alguma espécie de mal, queremos que os frades não vão a mosteiro algum ou a
outras casas em que estejam mulheres religiosas em congregação, sem licença do
vigário provincial, que nisso seja vigilante e advirta muito bem que não conceda
facilmente tal licença, senão a frades provados e, em caso de necessidade ou de
grande piedade, porque dizia o nosso pai São Francisco que Deus nos havia tirado as
esposas, mas o demônio tinha arranjado as freiras para nós.

[Prudência e discrição com as mulheres]

375. E porque, sendo limpos de coração, vemos Deus com os olhos da fé sincera e
ficamos mais aptos para as coisas celestiais, não tenham os frades consórcio suspeito
com mulheres, nem conversação supérflua, nem parlamentações prolixas e
desnecessárias com elas.
E, sendo obrigados pela necessidade a falar com elas, para dar um bom exemplo
ao mundo, sempre estejam em lugar aberto para serem vistos pelo companheiro, para
serem bom odor para Jesus Cristo em todo lugar, conversando com pureza, discrição
e honestidade, recordando-se daquele memorável exemplo que lemos em nossas
crônicas, do frade santo que, esmagando um pouco de palha, disse: “Quanto ganha a
palha com o fogo, tanto faz o religioso servo de Deus com as mulheres”.
De São Luís, bispo, frade nosso, diz o papa João XX [sic] na sua canonização que
o amor da castidade, desde a sua infância, estava de tal modo enraizado no coração
que, para a fiel guarda dela, fugia de qualquer modo dos consórcios com mulheres,
tanto que, em tempo algum, jamais falava a sós com elas, se não fosse com sua mãe
e as irmãs; pois ele tinha aprendido que a mulher é mais amarga do que a morte.
E São Bernardo diz que são duas as coisas que vituperam e confundem os frades:
a familiaridade com as mulheres e a especialidade dos alimentos.

[Clausura]

376. Também não queremos que nos nossos locais entrem mulheres sem grande
necessidade ou por excessiva devoção, quando não se pudesse negar sem
escândalo. E, entrando, tenham a modesta companhia de homens e de mulheres. Mas
antes de admiti-las, tenha-se primeiro o consentimento dos frades do local.
E sejam encarregados dois frades maduros e santos para acompanhá-las, falando
sempre de coisas edificantes, em Cristo Senhor nosso, e sobre a salvação da alma,
com toda honesta religiosidade e ótimo exemplo.
99

E, não só com mulheres, mas também com os homens seculares, nossa


conversação seja rara, porque muita familiaridade com eles é nociva para nós.

Capítulo décimo segundo

[Número dos frades nos locais e vida fraterna]

377. Para observar melhor a pureza da Regra com a ordem devida, junto com a
altíssima pobreza, ordenamos que nos nossos locais não estejam menos de seis
frades nem mais de doze, os quais, congregados no nome do doce Jesus, sejam um
só coração e uma só alma, sempre se esforçando por tender à maior perfeição.
E, para serem verdadeiros discípulos de Cristo, amem-se cordialmente, suportando
os defeitos uns dos outros, exercitando-se sempre no amor divino e na caridade
fraterna, esforçando-se sempre por dar ótimo exemplo um ao outro e a toda pessoa,
fazendo também contínua violência às próprias paixões e inclinações viciosas, porque,
como diz nosso Salvador, o reino dos céus padece violência e os violentos, isto é, os
que fazem força e violência, isto é, a si mesmos, arrebatam-no.

[Sinos e alfaias da igreja]

378. Também se ordena que nas nossas igrejas haja um só sino pequeno, de cento
e cinqüenta libras pequenas, mais ou menos.
E, nos nossos locais, não haja outra sacristia senão um armário, ou uma arca, com
uma boa chave, que um frade professo deve levar sempre consigo; nesse armário ou
arca, guardem-se as coisas necessárias para o culto divino.
Tenham-se dois cálices pequenos, um de estanho e outro só com a copa de prata.
E não se tenha mais do que três paramentos pobres, sem ouro, prata, veludo ou seda,
ou outra preciosidade ou curiosidade, mas com grande limpeza.
As coberturas do altar sejam de pano não precioso; os candelabros de madeira e
os nossos missais e breviários, como também todos os outros livros, sejam
pobremente encadernados e sem marcadores curiosos, para que, em todas as coisas
que estão ao nosso uso pobre, resplandeça a altíssima pobreza e se ascenda à
preciosidade das riquezas celestes, onde estão todo o nosso tesouro, delícias e glória.

[O Evangelho e a tradição da Ordem]

379. E porque é coisa impossível ordenar a lei e estatutos para todos os casos
particulares que podem acontecer, não havendo nenhum número determinado deles,
exortamos na caridade de Cristo todos os nossos irmãos a que, em tudo que fizerem,
tenham diante dos olhos o sagrado Evangelho, a Regra prometida a Deus, os santos e
louváveis costumes e os sagrados exemplos dos santos, dirigindo todo o seu
pensamento, palavras e atos para a honra e a glória de Deus e a salvação do próximo;
e o Espírito Santo será seu mestre em todas as coisas.

[Uniformidade nas cerimônias]

380. Para a uniformidade das cerimônias, tanto no coro como em qualquer outro
lugar, leia-se a doutrina de São Boaventura e as ordenações de nossos antigos pais.
E, para melhor conhecer em todas as coisas a mente do nosso seráfico pai, leiam-
se os seus Fioretti, as Conformidades e os outros livros que falam sobre ele.

[Missão e missionários]

381. E porque a conversão dos infiéis esteve muito no coração de nosso pai
seráfico, por isso, para a glória de Deus e a salvação deles, ordena-se, segundo a
100

Regra, que, se alguns frades perfeitos, inflamados pelo amor de Cristo bendito e pelo
zelo de sua fé católica, quiserem, por divina inspiração, ir pregá-la entre eles, recorram
aos seus vigários provinciais ou ao padre Vigário Geral e, sendo julgados idôneos, vão
com sua licença e bênção para tão árdua empresa.
Mas não queiram os súditos julgar-se presunçosamente idôneos para negócio tão
difícil e perigoso, mas, com todo temor e humildade, remetam seu desejo ao juízo dos
seus prelados.
Poder-se-á ainda fazer diferença entre infiéis bastante cordatos dóceis e dispostos
a receber facilmente a fé cristã, como são aqueles recentemente encontrados por
espanhóis ou portugueses nas Índias, e, entre os turcos e agarenos, que, apenas com
armas e aplicação de tormentos, sustentam e defendem sua maldita seita.
Os prelados não considerem que os frades são poucos nem se doam pela partida
dos bons, mas, colocando toda sua solicitude e afã naquele que tem contínuo cuidado
por nós, façam em todas as coisas como ditar o Espírito de Deus e disponham tudo
com caridade, que não faz mal nenhuma coisa.

[Pobreza e limpeza]

382. E, para que a santa esposa de Cristo nosso Senhor e por nosso pai amada
pobreza permaneça sempre em nós, guardem-se os frades de que, nem nas coisas
pertinentes ao culto divino nem em nossos edifícios nem nos utensílios que usamos,
se encontre alguma curiosidade, superfluidade ou preciosidade, sabendo que Deus
prefere em nós a nossa obediência, prometida na santa pobreza, do que sacrifícios; e,
como diz Clemente na declaração, mais se ama com um coração limpo e por santas
operações do que nas coisas preciosas e mais ornadas.
Entretanto, em nossa pobreza, deve resplandecer toda limpeza.

[Animação dos ministros na observância]

383. E porque o nosso Salvador começou primeiro a fazer para depois ensinar os
outros, assim todos os nossos prelados sejam os primeiros a observar as presentes
constituições e depois, com toda a santa e eficaz ousadia, esforcem todos os súditos a
observá-las inviolavelmente. E, se por acaso, algumas coisas parecerem difíceis no
começo, o santo costume vai torná-las facílimas e agradáveis.
E. para que melhor se imprimam na mente dos frades e as observem, todos os
guardiães façam com que sejam lidas à mesa pelo menos uma vez por mês. E embora
não tencionemos, por estas constituições, obrigar os frades a pecado algum,
queremos, entretanto, e ordenamos que os transgressores delas sejam gravemente
punidos. E, se os guardiães forem negligentes em observá-las e fazê-las observar e
em punir os delinqüentes, sejam punidos mais gravemente pelos seus vigários
provinciais e eles, pelo padre Vigário Geral.

[Ordenações gerais e uniformidade]

384. E porque as presentes constituições foram compostas com grandíssima


diligência e madura deliberação e aprovadas por todo o nosso Capítulo Geral e
também pela Sé Apostólica, não sejam mudadas sem o consentimento do Capítulo
Geral.
E, semelhantemente, exortamos os nossos padres e irmãos presentes e futuros
que não mudem, mesmo nos capítulos gerais, as presentes constituições, porque,
como vimos por experiência, tantas mudanças de constituições deram grande
detrimento à religião.
E não se façam constituições provinciais, mas, sucedendo outros casos
particulares, proveja-se e ordene-se nas tábuas dos capítulos gerais e deixem-se
101

estas firmes, segundo as quais tenha que viver e ser regulada com santa uniformidade
toda a nossa congregação.

[Bênção de Francisco aos frades zelantes]

385. E porque nosso seráfico pai, estando para morrer, deixou a ampla bênção da
santíssima Trindade aos zeladores e verdadeiros observadores da Regra e
acrescentou também a sua bênção paterna, por isso entendamos diligentemente e
observemos com afeto e amor a perfeição a nós demonstrada e ensinada nessa
Regra e em nossa Ordem, deixando de lado qualquer negligência.

[Servir a Deus com amor filial]

386. E porque servir sem outra intenção senão escapar da pena pertence somente
aos espíritos servis e mercenários, mas agir por amor de Deus e para fazer coisa
agradável a sua Majestade por divina graça e glória e para dar bom exemplo de si ao
próximo, e por muitas causas semelhantes, isto diz respeito só aos verdadeiros filhos
de Deus, guardem-se sumamente os frades de transgredir as presentes constituições
como não obrigatórias a alguma culpa; mas, conhecendo de quem somos espírito,
observem inviolavelmente as leis, sanções e estatutos da religião, para que se
acrescente graça à sua cabeça e mereçam, mediante estes obséquios da divina
clemência, e sejam conformes ao Filho de Deus, que, não sendo obrigado às leis
feitas por Ele, quis observá-las para a salvação de todos.
Mantenham, portanto, o sublime estado da religião e sejam causa de muitos bens
no próximo. Aos bons servidores certamente cabe não somente cumprir as coisas que
lhe mandam os seus patrões ou senhores, ameaçando-os, mas também querer
agradá-los em muitas outras coisas.

[Exortação à observância comum]

387. Portanto, seguindo estas coisas, dirigimos nossos olhos para o nosso
redentor, para que, tendo conhecido o seu divino beneplácito, nos esforcemos por
agradar-lhe, não só não desprezando as presentes constituições (pois o desprezo
seria pecado grave) mas, por seu amor, também não usar nenhuma negligência ao
observá-las.
Essas constituições, observando-as, ajudarão a cumprir não só a integra
observância da Regra prometida, mas também a lei divina e os conselhos evangélicos
e a graça de Deus por Jesus Cristo vai libertá-los dos perigos.
Nas fadigas ainda abundarão por Jesus Cristo a nossa consolação e poderemos
todas as coisas naquele que nos conforta, isto é, Cristo onipotente, e em todas as
coisas nos dará compreensão aquele que é virtude de Deus e Sabedoria e Salvador,
que dá a cada um abundantemente e não impropera; subministrará também as forças
aquele que é Virtude e Verbo, que traz todas as coisas.

[Pregação de São Francisco]

388. Recordemo-nos muitas vezes, padres e irmãos caríssimos, daquele sagrado e


memorável tema sobre o qual nosso seráfico pai fez uma soleníssima pregação a mais
de cinco mil frades.
“Grandes coisas prometemos a Deus, mas Deus nos prometeu coisas maiores.
Sirvamos, portanto, a estas que prometemos e, com ardente desejo, suspiremos por
chegar àqueles bens que nos foram prometidos. Os prazeres deste mundo são
breves, mas a pena infernal que se adquire por seguir delícias é perpétua. A paixão
que sustentamos por amor de Cristo e a penitência que fazemos por ele durarão
pouco, mas a glória que, por isso, nos será dada por Deus será infinita. Muitos foram
102

chamados ao reino da vida eterna, mas poucos são os escolhidos, porque


pouquíssimas pessoas seguem Cristo em verdade de coração. Mas, por último, Deus
dará a cada um a retribuição segundo as suas obras, tanto aos bons como aos tristes,
ou a glória ou a geena” [Fior 18, 2Cel 191].

[Aspirar à perfeição]

389. Estas coisas que prometemos, embora sejam grandes, não são nada em
comparação daquela retribuição eterna que Deus quer dar, se formos fiéis
observadores.
Ajamos, portanto, virilmente e não desconfiemos das forças, porque aquele ótimo
Pai que nos criou e nos deu observar a perfeição evangélica, que conhece de que
somos feitos, não só nos dará as forças com a sua ajuda, mas ainda dará os seus
dons celestiais em tanta quantidade e abundância que, superados todos os
impedimentos, não só poderemos obedecer ao seu dulcíssimo Filho, mas também
segui-lo e imitá-lo com grandíssima alegria e simplicidade de coração, desprezando
perfeitamente estas coisas visíveis e temporais e anelando sempre por aquelas que
são celestes e eternas.

[Por Cristo ao Pai no Espírito]

390. Em Cristo, portanto, que é Deus e homem, luz verdadeira, esplendor de glória
e candor da luz eterna, espelho sem mancha e imagem de Deus, que foi constituído
pelo Pai Eterno juiz, legislador e salvação dos homens, sobre quem o Espírito Santo
deu testemunho, assim como nele estão os nossos méritos, exemplos de vida,
auxiliares, favores e prêmios, assim ainda nele estejam nossa meditação e imitação,
no qual todas as coisas são doces, fáceis, leves, suaves, doutas, santas e perfeitas, o
qual é luz e expectativa do povo, fim da lei, salvação de Deus, Pai do século futuro,
nossa esperança final, feito por Deus para nós sabedoria e justiça, santificação e
redenção, o qual com o Pai e o Espírito Santo co-eterno, consubstancial, co-igual e um
Deus, vive e reina, ao qual seja louvor sempiterno, honra, majestade e glória, nos
séculos dos séculos. Amém.
103

Ordenações dos Capítulos Gerais


(1549 - 1618)

Vincenzo Criscuolo
Tradução de Maurílio Parisotto
104

391. Depois das constituições, as ordenações dos capítulos gerais são a segunda
fonte jurídica da Ordem Capuchinha. Sua finalidade é integrar e completar o ditado
constitucional, prever soluções a problemas práticos emergentes, esclarecer dúvidas
relativas a interpretações de normas e a novas situações, salvaguardar a observância
regular e eliminar os abusos que, paulatinamente, se infiltravam na vida da Ordem. O
Capítulo Geral de 1549 observava que as ordenações “foram ordenadas contra as
faltas que se cometem; não se cometam, portanto, e não se tornarão necessárias as
tantas ordenações”. No capítulo de 1618, as finalidades das ordenações foram assim
exemplificadas: “Para conservar a candura da disciplina e da observância regular e
prevenir contra os abusos que, por fraqueza da vida humana, vão pululando
diariamente entre as religiões”.
A formação das ordenações tinha lugar nos capítulos gerais. Os padres aí
reunidos, na base de sua experiência, tinham a possibilidade de verificar, com
amplitude, a fidelidade da vida vivida diante dos ideais professados e, portanto, de
intervir para remediar eventuais anomalias. O texto das ordenações era devidamente
discutido nas assembléias capitulares, aprovado, em geral, por unanimidade e
devidamente promulgado pelo Ministro Geral juntamente com seu definitório.

392. Ao contrário das constituições, as ordenações dos capítulos gerais


apresentam um aparato e uma construção prescritiva. Não raro, o conjunto de normas
muito minuciosas e as proibições de casos particularizados demais, dão uma clara
idéia da progressiva “jurisdicização” da vida da Ordem que, em alguns casos, podia
parecer necessária, em outros resultava redutiva e limitativa da espontaneidade
carismática, embora, esta não estivesse isenta de tendências desviantes.
Na historiografia da Ordem, não se dedicou ainda muita atenção às ordenações
gerais. Não obstante alguns traços discordantes da mentalidade moderna, em seu
complexo, essas tendem ao alcance de um sereno equilíbrio entre as fortes exigências
ideais e a fraqueza da pessoa e são motivadas pela necessidade de garantir, mesmo
nas pequenas coisas, a pureza e a uniformidade da observância regular.

Ordenações do Capítulo Geral de 1549

Afirma-se a necessidade das ordenações,visando a eliminação de abusos.


Emitem-se normas para as eleições e o número dos custódios, guardiães e discretos
locais, para a aceitação de mulheres na Ordem Terceira, para as confissões de
seculares, para a distinção entre clérigos e leigos.

I frati cappuccini I,470-72

393. Em nome do Senhor, começamos algumas coisas que foram ordenadas em


nosso Capítulo Geral, celebrado em Nápoles, no ano de 1549.

394. Primeiro - Adverte-se que ninguém se ressinta de tantas ordenações,


sabendo que foram ordenadas contra as faltas que se cometem; não se as cometam,
portanto, e não se farão necessárias tantas ordenações.

395. Aos capítulos gerais que forem feitos compareçam tantos custódios de cada
província quantas forem as custódias em que se encontram nossos lugares, como
consta no Costumário, mas que não excedam o número de cinco e nem sejam menos
que três.

396. Que em toda província, um dos custódios seja eleito por escrutínio secreto
pela maior parte dos vogais do capítulo provincial; a tal custódio os preditos vogais
105

contem os defeitos do vigário provincial a serem referidos ao padre geral e aos


definidores no Capítulo Geral.

397. Aqueles que vêm do século à nossa congregação não sejam guardiães antes
que não tenham terminado os cinco anos de religião, sem licença do padre geral. Os
religiosos que vêm à nossa congregação não tenham voz ativa e nem passiva por um
ano, exceto se ao padre geral, de alguns, parecesse diferentemente.

398. Para a eleição dos discretos locais, não se façam mais que cinco escrutínios
e, no quinto, se inscreva tanto quem dá como quem recebe voto. Não sendo eleito o
discreto neste escrutínio, comunique-se, sigilosamente, ao padre vigário e aos
definidores, a fim de que sejam punidos tais frades que foram muito pertinazes no
próprio parecer.
Observe-se que esta norma foi estabelecida antes da promulgação dos decretos
do Concílio de Trento referentes a esta matéria de eleição.

399. Pelos nossos frades, não se recebam na Ordem Terceira mulheres que não
tenham completado 40 anos e com escusa de não tê-las para ouvir em confissão e
que sempre tenham sido e continuem sendo de boa fama. Essas duas últimas
condições, semelhantemente, se observem no receber homens à predita Ordem
Terceira.

400. Morrendo o guardião de algum lugar um mês antes do capítulo provincial, o


vigário provincial, com o consentimento dos definidores, nomeie outro guardião; mas,
morrendo mais tarde, nomeie-se um vigário local até o capítulo.

401. Nenhum frade ouse confessar qualquer pessoa sem licença do pároco. E
nenhum frade tenha zelo de confessar seculares sem ser licenciado pelo nosso
Vigário Geral, exceto em extrema necessidade.

402. Quando se celebrarem os nossos capítulos, não se façam provisões senão


de coisas necessárias.

403. Não se receba nenhum noviço para clérigo que não saiba ler, ao menos
mediocremente. Nenhum leigo tenha livreto algum, exceto a regra vulgar.

Ordenações do Capítulo Geral de 1552

Várias normas a respeito do voto de pobreza e da observância das constituições,


com prescrições sobre o modo de dormir, de vestir, e sobre a correção fraterna.
Proíbe-se o exercício da medicina e a prática dos exorcismos, com várias penitências
para os frades incorrigíveis. É proibido aos seculares o acesso à cozinha e ao
refeitório do convento; aos frades se impõe não levar os livros da biblioteca e, aos
clérigos, não ensinar aos leigos a ler e escrever.

I frati cappuccini I, 473-478

404. As coisas infra escritas foram ordenadas em nosso capítulo provincial, pelo
reverendo padre Frei Bernardino de Asti, Vigário Geral, e confirmadas pelo reverendo
padre Frei Eusébio de Ancona, Vigário Geral, e aceitas por todo o capítulo provincial,
celebrado no ano de 1553, em nosso lugar em Roma.
106

405. In primis40, que, por todos os frades que estão ou estarão nesta província de
Roma, se observe a santa pobreza e integramente toda a Regra prometida por nós,
segundo a pia vontade de nosso Senhor Jesus, revelada e expressa ao nosso seráfico
pai São Francisco, a quem disse que queria a Regra observada ad litteram e sem
glosa.

406. Observem-se as nossas constituições, não, porém, obrigando a algum


pecado, mas às penitências que nelas estão contidas, se os prelados as ordenarem.

407. Não se compre, nem direta e nem indiretamente, coisa alguma, se não for
verdadeiramente necessária e que, com bom modo, não se possa obter mendigando,
especialmente coisas de comer.

408. Os frades não permitam que alguma pessoa receba dinheiro para comprar
carne, peixe e nem alguma coisa de comer. Os frades não permitam que alguma
pessoa peça alguma das preditas coisas para eles, exceto em caso de necessidade,
quando os frades não pudessem ir eles mesmos. Em tal caso poderão pedir aquelas
coisas que os frades poderiam pedir, se não fossem impedidos.

409. No dormir, observem-se as constituições: que os frades, não enfermos ou


muito débeis, não durmam sobre colchões ou outros panos, mas como dizem as
constituições existentes.

410. Os manteletes sejam como dizem as constituições existentes e sem cauda;


os mais compridos sejam cortados.

411. Nenhum frade leve nem tenha na cela coisa de comer.

412. Os padres guardiães corrijam os oficiais, quando não fazem bem os seus
ofícios; mas, de outro modo, nem eles nem outros estorvem nem se intrometam em
seus ofícios. E dirijam-se à mesa sem saber o que terão para comer; e se esforcem
em não sabê-lo.

413. Os prelados e os oficiais sejam solícitos para que aos enfermos e sãos não
faltem as suas necessidades, de tal modo, porém, que não ofendam a santíssima
pobreza. Estejam no meio destas duas virtudes; e nas coisas necessárias, inclinem-se
para a caridade e naquelas que não são necessárias, para a pobreza.

414. Nenhum frade ouse medicar seculares nem dê conselho a algum enfermo
para que tome alguma coisa pela boca, sem conselho médico.

415. Nenhum frade se intrometa a expulsar ou a esconjurar espíritos.

416. Aos frades incorrigíveis ou insuportáveis, o padre vigário provincial imponha-


lhe o caparão por seis meses ou um ano; e digam a culpa todo dia; e façam todas as
sextas-feiras a disciplina no refeitório. E, vendo que não basta, acrescente-se a
segunda e a quarta-feira a pão e água, a fim de que se corrijam ou cedam lugar para
outros.

417. Não se introduzam seculares no refeitório para comer com os frades nem
também sem frades. Mas, acontecendo que alguns queiram a caridade dos frades, se
lhes dê na sala de forasteiros ou fora, em lugar honesto. Nem também queiramos que
se introduzam seculares em nossas oficinas, como são: refeitório, cozinha, dispensa,

40
Trad.: primeiramente.
107

dormitório, o coro, exceto de passagem, quando por devoção, quisessem ver o lugar.
E quem o permitisse por longo tempo ou introduzisse seculares em tais lugares, faça a
disciplina no refeitório por um Miserere.

418. Nenhum frade, súdito ou guardião, peça esmola por alguma pessoa fora da
nossa congregação, sem particular licença, in scriptis, do reverendo padre Vigário
Geral, ao qual diga a quem e quanto quer pedir. O tal padre Vigário Geral não lhe
conceda tal licença, senão quanto a caridade obriga.

419. Nenhum frade presuma ir comer com seculares, exceto em viagem e por
necessidade; e façam como os pobres, aceitem um pouco de pão e peçam de beber e,
restaurados, partam seguindo sua viagem. E quem fizer o contrário, o guardião do
lugar aonde chegar, imponha-lhes a disciplina, no refeitório, por um Miserere.

420. Nenhum frade tome alguma coisa dos lugares, convertendo-a em uso próprio,
como livros e semelhantes; nem hábitos velhos para remendos, sem licença do padre
guardião. E os guardiães não podem dar licença de levar para outros lugares livros
que foram destinados àquele lugar pelo doador, nem livros de grande valor, exceto
que, nesse lugar, houvesse mais do que um da mesma matéria; mas apenas com
licença do Padre Provincial. E os confessores, que encontrassem frades com tal falta,
não os absolvam, se não restituírem tais coisas.

421. Não se levem ervas à terra ou aos devotos; mas, quando vierem ou
mandarem pedir nos nossos lugares, se poderá oferecê-las honestamente.

422. No inverno, após as matinas, não permaneçam conversando na cozinha;


mas, tomado o que for necessário para aquecer-se, vá cada qual para seus afazeres.
E, quando houvesse notável falta de tal coisa, na manhã seguinte seja feita a
disciplina no refeitório por um Miserere.

423. Nenhum frade, de modo algum, ensine ler ou escrever aos leigos, nem em
segredo e nem em público; e quem ensina não possa ser absolvido de tal
desobediência, senão pelo padre vigário provincial, com uma boa penitência.

Ordenações do Capítulo Geral de 1558

Normas sobre a eleição do procurador geral, supressão da província de Abruzzo e


de cinco conventos da província de da Apulia.

AGC, AG 1, f. 10r

424. Neste capítulo, foi estabelecido que tanto o procurador geral como o guardião
de Roma pudesse ser escolhido não só da província de Roma, como fora até agora,
mas de qualquer outra província.
A província de São Bernardino (Abruzzo), por ter poucos conventos e não tendo
esperança de um próximo incremento, foi supressa e seus conventos foram unidos,
em parte, à província de Roma e, em parte, à província das Marcas.
Foram, além disso, supressos cinco conventos da província da Apulia pelo fato
que neles não se podia viver segundo a pureza da Regra.

Ordenações do Capítulo Geral de 1564

Instituição dos estudos teológicos em todas as províncias da Ordem.

AGC, AG 1, f.12r
108

425. Neste capítulo, foi estabelecido que, em todas as províncias, deviam ser
instituídos os estudos teológicos; pois, antes, os frades estudavam apenas
privadamente. Todas as outras ordenações, em conformidade com os decretos do
Concílio de Trento, foram inseridas nas constituições publicadas em 1575.

Ordenações do Capítulo Geral de 1567

Dão-se normas para a eleição do procurador geral, dos definidores gerais e dos
guardiães.

AGC, AG 1, f. 13r

Entre as ordenações aprovadas no Capítulo Geral de 1567, são anotadas as


seguintes:

426. O procurador geral deve ser eleito juntamente com o padre geral e com os
definidores gerais e não apenas pelo geral.

427. Ele participará, de direito, com voz ativa e passiva, no futuro Capítulo Geral,
como já fora estabelecido no Capítulo Geral dos Observantes em 1543, logo após
aprovado e confirmado de viva voz por Pio V.

428. No Capítulo Geral, dos seis definidores a eleger, três podem ser escolhidos
entre os definidores gerais precedentes; e, no capítulo provincial, dos quatro
definidores a eleger, dois dos precedentes.

429. No capítulo provincial, a eleição dos guardiães seja feita por escrutínio
secreto, pelo Padre Provincial e pelos definidores; em tal votação, o provincial tem um
único voto, como os definidores.

Ordenações do Capítulo Geral de 1581

Antes de decretar uma pena grave, é necessário instruir um processo regular


sobre a gravidade da culpa.

AGC, AG 1, f. 20r

430. Foi estabelecido que, para o futuro, ninguém pudesse ser punido com pena
grave, como cárcere, privação da voz e caparão, sem antes ter havido um processo
regular. Até agora, de fato, sem nenhum procedimento jurídico, mas somente e com
simples aquisição da verdade, os superiores, oportunamente e de bom ânimo, puniam
qualquer falta e os súditos tinham suportado as penas mesmo graves a eles impostas.
Esta disposição desgostou a muitos; tinha-se, de fato, que uma tal forma judiciária de
proceder poderia ofuscar e limitar a pureza e a simplicidade da Ordem.

Ordenações do Capítulo Geral de 1587

Estabelecem-se normas sobre a duração do governo do geral, do procurador geral


e dos provinciais.

AGC, AG 1, f.22r
109

431. Depois do primeiro triênio, o Vigário Geral pode ser eleito para o supremo
governo da Ordem para um outro triênio; mas, terminados os seis anos, por igual
tempo, não poderá assumir nenhuma outra prelatura.

432. O procurador geral, ao contrário, permanece no cargo por um só triênio,


terminado o qual proceda-se à eleição do sucessor.

433. O vigário provincial, depois de um triênio de governo, não pode exercer


nenhuma prelatura por três anos.

434. Ninguém pode ser eleito geral se, antes, não foi, por três anos, provincial e
não tenha, pelo menos, vinte anos de religião.

435. Não se eleja para provincial quem não tenha sido, ao menos por três anos,
guardião e não tenha, ao menos, 16 anos de religião.

Ordenações do Capítulo Geral de 1596

Dão-se várias disposições referentes à ausência do convento e ao falar com


mulheres; a freqüência a banhos termais, que são tomados mediante prescrição
médica e sem tirar hábito; a admissão de clérigos ao estudo da filosofia e da teologia;
a concessão de permissão de pregar. Fornecem-se várias “recordações” aos padres
provinciais, com a indicação de muitas normas práticas, entre as quais são
assinaladas a instituição das bibliotecas conventuais, a interdição de falar a monjas e
a observância da pobreza. Outra normativa refere-se aos apóstatas, à sua readmissão
e ao comportamento a adotar-se com os frades mal comportados. Seguem, enfim,
várias ordenações referentes à observância uniforme na recitação do ofício divino e na
celebração da missa, com a indicação de algumas orações a serem recitadas em
tempos oportunos.

AGC, AG 1, f. 43v, 52v-56v

Ordens a cerca do sair para negócios ou visitas.

436. Todos os frades se esforcem para fugir de todos os vãos e supérfluos


discursos e, para evitar os possíveis inconvenientes, ordena-se:

437. Que, quando ocorrer de mandar para fora do lugar algum frade, quem quer
que seja, ou da província ou fora, o guardião seja obrigado a saber, especificamente e
de vez a vez, onde o frade há ir, que coisa há de tratar e com quem. E guarde-se todo
frade de andar por outros lugares ou de realizar algo diferente do que lhe for ordenado
ou concedido pelo guardião. E, se por acaso, ocorrer de fazer algo diferente, deve
manifestá-lo depois ao guardião, quando retornar ao lugar. E quem fizer o contrário, a
primeira vez, faça disciplina no refeitório por um Miserere; a segunda, jejue a pão e
água, a terceira seja punido como de suspeito consórcio.

438. E, se a alguém ocorrer de falar com mulheres (do que se deve fugir quanto
possível), ou seja fora de nossos lugares ou nas nossas igrejas ou na porta de entrada
e aí esteja sempre presente um frade, pelo qual sejam vistos.

439. E estejam os guardiães advertidos a fazer diligentemente observar todas as


coisas supraditas e a não ser fáceis em mandar frades fora do lugar e, muito menos,
saírem eles mesmos para melhor manter os frades em casa. E quem fizer o contrário
seja corrigido pelo padre vigário e, não se emendando, no capítulo seguinte, seja
privado de guardianato.
110

440. O que se diz de guardiães vale também para os vigários da casa, na


ausência de guardiães. Que se faltarem nestas coisas supraditas sejam privados e
não possam ter mais o cuidado de casa. E, se os padres vigários provinciais forem
negligentes na observância destas normas, sejam gravemente punidos pelo reverendo
padre geral.

Ordens acerca de frades que vão a banhos.

441. Porque ocorre que algum frade, por enfermidade, tenha necessidade de
banhos, para evitar abusos e não faltar à caridade, ordenamos que os padres
provinciais, com os definidores, tenham o cuidado de informar-se da necessidade; e,
obtida a opinião do médico, mandem-na ao padre geral que, após a informação,
providenciará segundo a necessidade; com isso, porém, os frades que precisam tomar
o banho ou entrar na água, não tenham que tirar o hábito nem estar em companhia de
seculares e nem, de modo algum, entrar aí com mulheres.

442. E, com isto, também se ordena que, se, para tal efeito, for necessário o
recurso de amigos espirituais, sejam obrigados a providenciar esmolas que se
gastariam para cada um deles pela província.

Modo a observar para colocar os estudantes no estudo ou retirá-los.

443. Os padres provinciais não enviem para os estudos de lógica jovens que não
tenham boa gramática; e sejam examinados por eles ou por outros em sua comissão e
depois da profissão por dois anos, como dizem as constituições. E, ao enviar, pois, a
dito estudo, o Padre Provincial com os padres definidores, no capítulo, façam madura
discussão de vita et moribus41 que será proposto e depois, em segredo, se dê a cada
um desses frades o voto. E, se não obtiver a maior parte dos votos, seja excluído.
E, em cada ano, façam-se estes escrutínios, também para os estudantes de
filosofia passarem ao estudo da teologia, a fim de que aqueles que forem
considerados não merecedores sejam mandados embora, procedendo nisso com toda
maturidade, responsabilizando suas consciências. Quem for excluído do estudo desse
modo não volte a ser nele admitido.

Modo a observar para promover os estudantes da teologia para a pregação

444. Devendo-se manter nisso um modo tanto particular e supremo quanto a


importância que tal ofício requer, concedendo-o a pessoas aptas, por isso se ordena
que o Padre Provincial com os padres definidores e seu professor se reúnam em lugar
conveniente para discutir entre eles de doctrine et moribus42 destes estudantes que
são propostos para a pregação, fazendo também experiência da sua doutrina e atitude
de pregar, além da informação favorável de seu professor; após ter recebido os votos
secretos um a um, mande ao padre geral tais votos obtidos com maioria; e quem não
obteve a maioria, seja excluído.

445. E, a fim de que cada um desses padres seja livre para dizer que é preciso em
relação a voto, sem temor de que seja publicado por algum dos companheiros a
estudantes e seja para eles causa de ódio, ordeno que, com juramento, jurem todos os
estudantes, padres provinciais e definidores manter segredo sobre tudo que for tratado
por eles a respeito dessa matéria. Este juramento pode ser feito também noutro modo,
quando se colhem os votos admitir ao estudo da lógica, filosofia e teologia.

41
Trad.: sobre a vida e os costumes.
42
Trad.: sobre a doutrina e os costumes.
111

Lembretes para os padres provinciais

446. Os padres provinciais sejam diligentes em mandar as bulas para os lugares


das suas províncias.

447. Acerca da facilidade de andar a cavalo.

448. Organizem-se bibliotecas em alguns lugares principais.

449. Do escrever tantas cartas.

450. Observem-se as constituições.

451. O vigário e os custódios não levem consigo mais que um companheiro cada
um ao Capítulo Geral.

452. Que não se recebam religiosos de outra religião, sem nossa licença.

453. Quanto aos banidos43, observem-se as condições da bula.

454. Dos desjejuns44 com pão, no tempo de jejum.

455. Do não dormir nas casas dos enfermos, onde estão os nossos lugares,
exceto em caso que isso não possa ser feito por qualquer pessoa determinada.

456. Negócios e litígios de parentes e de frades sejam resolvidos por um frade


especialmente deputado.

457. Ninguém vá falar a monjas se, além da licença dos ilustríssimos cardeais, não
tiver a licença do Padre Provincial; e quem fizer o contrário, seja privado por um ano
de uma e outra voz.

458. Em igual pena incorra quem escrever a monjas, se primeiro não mostrar a
carta ao padre guardião.

459. Não se procure nem ofício nem dinheiro nem coisa notável para parentes, se
não se der ciência de tal necessidade ao padre geral.

460. Não se envie a banhos fora da sua província, sem licença do padre geral. E,
se for necessário despir-se, não se mande de modo nenhum, exceto se for cômodo
tomá-los nos nossos lugares.

461. Ao receber os noviços, seja cauteloso em obter informações de pessoas que


os conheçam.

462. Tirar tanto os colchões dos lugares e não se busquem por empréstimo.

463. Podem-se fazer enxergões para não pedir colchões aos seculares.

43
Nota do tradutor: embora no texto original se encontre banditi (bandidos), o termo aqui, pelo
seu contexto, deve ser banidos.
44
Nota do tradutor: café da manhã.
112

464. Que não se gaste dinheiro por nenhum guardião nem por frades, sem licença,
in scriptis, do Padre Provincial, exceto em coisas mínimas, nas quais julgará o Padre
Provincial.

465. Não se faça discreto onde não houver guardião.

466. Não se dê afiliação sem antes informar-se a respeito da pessoa que a deseja.

Acerca dos apóstatas

467. Para precaver-se, quanto possível, a respeito dos muitos escândalos e da


grandíssima admiração que há corte romana a respeito dos apóstatas, ordena-se pelo
muito reverendo padre geral e definidores do Capítulo Geral, congregado aqui em
Roma, no presente ano de 1596, que, em diversos lugares da congregação, haja
padres, que tenham a autoridade de receber os apóstatas nas condições que se dirão:

468. E, por isso, se comunica que, se algum frade sair de nossa congregação por
qualquer motivo, se quiser voltar, não necessite procurar o padre geral ou o padre
procurador da corte, mas vá ao seu lugar indicado, isto é:
Aqueles que são da província de Nápoles, das províncias de Sicília, da província
do Santo Ângelo, das províncias da Apulia, das províncias de Calábria e de Basilicata
se dirijam, em Nápoles, ao Padre Provincial e, em sua ausência, ao padre guardião da
Conceição.
Aqueles que são da província de Bolonha, Milão, Brescia, Veneza e Suiça se
dirijam ao Padre Provincial de Bolonha e, em sua ausência, ao padre guardião do dito
lugar.
Aqueles que são da província de Provença, Tolosa, Paris, Lião, Barcelona, Lorena
e Flandres se dirijam ao Padre Provincial de Provença e, em sua ausência, ao padre
guardião de Avinhão.

469. E, se algum frade da província, onde estão esses padres que têm autoridade
de receber, não quisesse ir ao seu vigário ou guardião, como acima, vá ao lugar
vizinho, isto é, os de Nápoles a Roma; os de Bolonha a Milão e os de Provença a
Tolosa.
Os da província de Roma, de São Francisco, das Marcas, da Toscana, de
Abruzzo, da Córsega e da Sardenha, dirijam-se ao padre procurador em Roma.
E, se alguém contrariar a dita ordem [...].
E, se alguém pretende ter necessidade de dispensa, dirija-se aos ditos padres,
segundo a ordem supradita das províncias, os quais tratarão de escrever ao padre
procurador.

470. Sejam advertidos os padres vigários provinciais, quando sair algum frade de
sua província, que devam informar imediatamente ao padre geral, ao padre procurador
da corte e àquele padre que tiver autoridade de receber, para dar-lhe conta da ocasião
de sua partida ou fuga e dos costumes e vida do frade.

Modo a observar na recepção dos apóstatas.

471. A respeito dos apóstatas, ordena-se, no presente Capítulo Geral de 1596,


que os apóstatas, que, no presente, se encontram fora e estão legitimamente em uma
outra religião, não sejam recebidos, se quiserem retornar para nós.

472. E mais, se alguém sair de nossa congregação e tomar hábito em qualquer


outra religião ou congregação, voltando, possa ser recebido por seu vigário provincial
com as penitências infra-escritas.
113

Sejam colocados em cárcere por quinze dias, jejuando três dias por semana a pão
e água, isto é, na segunda, quarta e sextas-feiras, fazendo a disciplina na sexta-feira;
use capuz de noviço por seis meses, dizendo a culpa todos os dias; assente-se à
mesa no último lugar, seja privado de voz ativa e passiva por três anos e, no tempo da
dita privação, não possa cuidar dos frades; e, se for pregador, seja privado da
pregação por um ano; e, na sua readmissão, seja absolvido da excomunhão incorrida
por apostasia, publicamente, no refeitório, com as costumeiras cerimônias e isto seja
observado na readmissão de qualquer tipo de apóstata.

473. E, se desertar uma segunda vez, possa ser recebido do mesmo modo,
redobrando-lhe as penitências e seja privado da voz ativa e passiva por seis anos.

474. Mas, partindo uma terceira vez, se voltar, seja assim mesmo recebido, pois
não queremos fechar o seio da misericórdia a ninguém. Porém, seja excluído do
convívio dos frades, isto é, seja privado do capuz na forma do hábito, usando-o um
pouco aberto no peito e sem cordão, com barrete ou outra coisa na cabeça e assente-
se sempre no último lugar à mesa. E, sendo in sacris45, seja suspenso do exercício de
ordens, privado de voz e de todo legítimo ato da religião, perpetuamente.

475. Se alguém, indo embora, tomar hábito secular ou tiver cometido qualquer
delito grave e escandaloso, tanto dentro como fora da Ordem, ou tenha fugido do
cárcere, mesmo sem deixar o hábito, ainda que seja a primeira saída, seja excluído do
convívio dos frades como acima.

476. Concede-se, porém, se algum desses, depois de ter estado pelo menos um
ano assim privado do capuz e excluído do convívio dos frades, mostrar verdadeira
contrição de sua falta e der boa demonstração de si mesmo, possa ser reintegrado e
restituído in pristinum46 pelo padre vigário e pelos padres definidores do capítulo
provincial..

477. Mas se algum incorrer na mesma pena uma segunda vez não poderá ser
restituído, senão pelo padre geral; e, incorrendo a terceira vez, não possa ser
restituído, senão no tempo do Capítulo Geral pelo padre geral e todos os definidores
juntos.

478. Mas se, além de ter saído, tiver cometido algum escândalo, retornando, além
das penitências a lhe serem dadas por apostasia, seja punido por suas faltas; e, se for
pregador, seja privado da pregação, perpetuamente.

479. Além disso, recorde-se ao padre que recebe os dos apóstatas que, ao
recebê-los, lhes absolva publicamente, no refeitório, com as costumeiras cerimônias;
e, depois, poderá remetê-lo para sua respectiva província, com o mesmo hábito com
que veio e avisar ao ministro provincial a respeito de quantas vezes tiver apostatado e
que lhe faça observar as penitências, no modo supradito. E todas essas penitências
devem ser observadas, também por aqueles apóstatas que apostataram antes que
fossem feitas estas constituições.

Acerca dos maus.

480. Porque da parte de todos os padres vogais, a viva voz e clamor, foi suplicado
ao padre geral e aos definidores, que se trate de alguma maneira a respeito das
preocupações, perigos e danos que a nossa religião recebe por alguns frades

45
Trad.: nas (ordens) sagradas, isto é, sendo clérigo.
46
Trad.: no estado anterior.
114

inquietos, após madura reflexão e discussão, chegamos à seguinte deliberação que,


segundo Deus, parece que poderá ser oportuno remédio, e por isso:

481. Frades inquietos e maus declaram-se que são aqueles que são fastidiosos
com os frades e arrogantes com os prelados, habituados a recalcitrar contra a
obediência, perturbadores da paz e, finalmente, frades que, por seu mau
comportamento e costumes, não encontram mais prelados que os queiram na sua
família, nem súditos que estejam de bom grado com eles e que, corrigidos, não se
emendam, e, pelo contrário, recebida a penitência, resmungam e perseveram neste
comportamento por algum tempo.

482. Determinou-se que, anualmente, nos capítulos provinciais, o padre vigário e


os definidores façam sobre isso particular consideração; e, parecendo a todos juntos
ou em parte que nas províncias se encontre algum desses frades, o padre vigário com
seu definitório seja obrigado a convocar outros padres, somando o número de doze. e
estes sejam, ordinariamente, daqueles que foram vigários e definidores na mesma
província; na falta de tais, sejam escolhidos os mais principais, maduros e discretos
frades do capítulo.

483. Estes doze juntos jurem, primeiro que vão dar o voto a eles segundo Deus e
segundo a consciência, e de jamais revelar por quem e quem foi proposto e declarado
como frade inquieto, a fim de que cada um possa proceder em tal ação mais segura e
livremente. Isto feito, submeta-se a escrutínio secreto o frade que será proposto para
tal. E, concorrendo as duas partes, faça-se, imediatamente, uma ata na qual se
explique este escrutínio:

484. Tendo sido proposto a nós, 12 infra escritos, se Frei... merece ser tido por
frade inquieto ou não, e, sendo obrigados a dizer o nosso parecer, nós, segundo Deus
e segundo a nossa consciência, damos o nosso voto conjuntamente e as duas partes
são concordes no sim. Em fé disso, subscrevemo-nos de nosso punho.
E assim todos se subscrevem e desta escritura se mande cópia autêntica ao muito
reverendo padre geral e ao padre procurador da corte, reservando o original no
arquivo da província.

485. Feita a escritura, o supra dito frade seja colocado no cárcere, donde não pode
ser tirado a não ser por ordem do padre geral, o qual o faça, se vir no frade sinais de
emendamento e parecer-lhe bem tirá-lo do cárcere, fazendo constar por escritura
como o supradito frade se humilhou, reconheceu seu erro e prometeu emendar-se e
viver quieto e que, por isso, ele o liberya do cárcere, com a condição de que, se
retornar a cair nos mesmos erros, será castigado mais severamente.
E essa escritura subscreva também o frade de próprio punho ou outro, no lugar
dele, não sabendo ele escrever, e as testemunhas que aí estiverem presentes. E, por
três anos, ese frade seja privado da voz ativa e passiva e não mereça fé em juízo
contra qualquer pessoa, não seja ouvido a não ser em causa própria, isto é, quando
prosequitur propriam iniuriam47.

486. Mas, se neste tempo, parecer que tenha mudado a vida verdadeiramente e
por três anos contínuos perseverado no emendamento, queremos que possa ser
reintegrado in pristinum pelo Capítulo Geral.
Porém, caindo uma segunda vez na pena do cárcere, como acima, queremos que
lhe seja duplicada a pena; e, caindo uma terceira vez, seja considerado e castigado
como incorrigível.

47
Trad.: descreve a própria injúria.
115

Ritos emanados no Capítulo Geral do ano de 1596, para serem observados


uniformemente em toda a nossa congregação

487. Que em todos os nossos lugares, todos os domingos do ano e festas de


preceito, se toquem três sinais às matinas e às vésperas e que haja o devido espaço
entre um e outro sinal.

488. Que, em todo o ano, se reze a prima e terça hora juntas; mas, na quaresma e
todas as festas de preceito, se rezem juntas a prima, a terça e sexta hora.

489. Que, terminado o sinal para a prima hora, se dê início ao ofício e o sinal seja
dado pelo superior e, no final do ofício, o sinal seja dado pelo hebdomadário e isto seja
observado em todos os outros sinais do Ofício.

490. Que se faça comemoração do santo ou do patrono titular da igreja nas


vésperas e nas matinas, como diz a rubrica do breviário.

491. Que, durante todo o ano, as completas sejam rezadas antes da oração.

492. Que em todos os santos duplos e semiduplos, aos domingos e durante as


oitavas, os acólitos rezem sempre as antífonas das matinas, horas, vésperas e
completas duplas.

493. Que nas completas se diga Jube domne benedicere em voz alta, como se
entoa Fratres sobrii, etc.

494. Que não se reze a Salve Regina após o ofício, quando seguem as ladainhas,
missa e ofícios dos mortos, desde que indicados pelo missal e breviário.

495. Que o sacerdote permaneça parado até que tenha sido terminada toda a
oração e não vá caminhando pelo coro e não parta enquanto não se tenha entoado o
Te Deum laudamus e terminado o primeiro versículo.

496. Que aos santos duplos e aos domingos se toque o sino ao Te Deum
laudamus, tendo dado antes três badaladas para chamar os irmãos leigos, a fim de
que venham ao Te Deum, etc. e ao princípio das laudes.

497. Que os acólitos estejam sempre ao ambão enquanto se diz o ofício divino e
ainda estejam ao ambão enquanto se dizem todos os versículos; e, terminados os
ditos versículos, feita a devida reverência ao Santíssimo Sacramento, façam-na pois,
um depois do outro, e, assim, voltem a seus lugares, terminada a oração.

498. Quando tocar o último sinal do ofício, antes que termine, os frades se
levantem em pé e se dirijam ao seu lugar para dizer o Pater noster e a Ave Maria, sem
barulho, com quietude e com devoção.

499. Quando se rezam as preces longas, permaneça-se de joelhos até terminar a


oração; e depois se levantem em pé para os sufrágios.

500. Quando se reza o ofício dos mortos e os graduais, os frades estejam


sentados.

501. Que, no dia dos mortos, se façam cerimônias em três lugares: primeiro,
diante do altar; segundo, no meio da igreja; terceiro, onde estão os nossos mortos.
116

502. Que, em todas as províncias, ao meio dia, se toque a Ave Maria durante todo
o ano; e, estando os frades à mesa, se levantem de pé.

503. Quando se faz a disciplina, o hebdomadário não reze sozinho o Miserere,


mas se reze em coro. Ao coelorum candor, etc. se diga: Domine Jesu Christe, Fili Dei
vivi e não Omnipotens sempiterne Deus.

Com respeito à ordem da missa

504. Que, para a missa conventual de santos duplos e das festas solenes, se
toquem três sinais longos e um curto com as badaladas; e quando o sacerdote vai ao
altar, se dêem quatro ou cinco badaladas; nos outros dias se toquem somente dois
sinais longos e um sinal curto com as badaladas, como acima.

505. Que se removam os lençosou véus dos candeeiros ou castiçais do altar.

506. Que, onde se celebram muitas missas, não se toque, senão para as que se
celebram no altar grande.

507. Que sempre, no domingo e em toda festa, se acendam, ao menos, duas


velas às vésperas e matinas; nos santos de primeira classe, seis; nos de segunda
classe, quatro, onde, porém, se pode.

508. Que, quando se usa o incenso, o clérigo que serve vista a cota, se for Natal,
Páscoa ou festa solene do Senhor, de Nossa Senhora, dos Apóstolos e de santos
solenes, do pai São Francisco e de qualquer santo de nossa Ordem.

509. Que, ao evangelho, o servidor da missa leve sempre o missal à outra parte e
não se acenda a vela.

510. Que se deixe a vela acesa da consagração até quando o sacerdote tiver
comungado.

511. Quando se tiver de ler as profecias, no sábado santo e em Pentecostes,


sejam lidas no coro juntamente com os responsórios e as ladainhas, sem outro canto;
nem também se cante o Exultet iam angelica turba, etc. no sábado santo e o
martirológio na vigília do Natal e as lamentações na semana santa.

512. Que as pedras do altar sejam inteiras e de medida adequada.

513. Que se façam as procissões de ramos sempre com o Attolite portas, segundo
o uso de São Pedro de Roma.

514. Quando se expõe o Santíssimo Sacramento, seja colocado diretamente sobre


o corporal e tão alto quanto se pode, a fim de que todo o povo o possa ver bem.

515. Quando o sacerdote pronuncia Domine non sum dignus, não esteja ereto,
mas um pouco genuflexo com reverência.

516. Quando os frades comungam, ninguém use a casula, mas um lenço ou a


costumeira toalha.
117

517. Quando se faz a última purificação, seja feita na bandejinha ou no prato das
galhetas e se seque com o manustérgio e não com o sanguineo, como antigamente se
fazia.

518. Quando o sacerdote dá a comunhão aos frades ou aos seculares, voltado


para eles com o Sacramento, diga: Ecce Agnus Dei; depois diga: Domine non sum
dignus, tendo o Sacramento na mão esquerda, batendo no peito com a direita; e, feita
a comunhão, dê a bênção.

519. Que o Creio seja rezado na festa de São Francisco e durante a oitava; nos
outros nossos santos, seja rezado apenas no dia da festa.

520. Que se dê a paz todos os domingos do ano e todas as festas solenes.

521. Ninguém celebre missa privada no sábado ou na sexta-feira santa, mas


somente se reze a solene.

522. Que sejam tiradas as pontas dos amitos.

523. Nas missas votivas, não seja lido, no fim, o evangelho ferial, mas o In
principio erat Verbum.

524. Nas festas e domingos de preceito, não se ouça a culpa, exceto quando
parecer ao prelado, por algum caso particular.

525. Que os frades tirem a capa, quando comungam.

526. Que o martirológio e Preciosa se pronuncie um pouco mais baixo que a


oração, mas mais alto que as preces; e as três vezes em que se diz Deus inadiutorium
meum intende, depois da Preciosa, faça-se o sinal da cruz somente na primeira vez e
o mesmo se faça depois de completas e ao dizer, depois da oração, Benedicat nos
omnipotens Deus, antes da Salve Regina.

527. Que, quando os acólitos dizem Gloria Patri, depois dos versículos ou
responsórios, estejam voltados para o Santíssimo Sacramento e para ele façam
reverência.

528. Que, quando o sacerdote se veste para a missa, o acólito lhe ponha a alva na
cabeça e, em seguida, puxe-a para baixo por detrás.

529. Que, nos nossos santos, isto é, o pai São Francisco, Santo Antônio, São Luís,
São Boaventura e Santa Clara, celebrem-se solenissimamente, como dizem as
rubricas, com suas oitavas.

530. Que São Diogo se celebre semi-duplo, no dia 13 de novembro, para não
impedir São Martinho, papa e mártir.

531. Que Santa Isabel, São Luís, rei da França, Santo Elzeário, Santo Ivo se
celebrem semi-duplos.

532. Que o primeiro acólito leia o evangelho de manhã no refeitório e, à noite, a


epístola ou os Atos dos Apóstolos ou outra leitura da Escritura, conforme a disposição
dos prelados; e, lendo, esteja de pé e no seu lugar.
118

533. Terminem-se todos os ofícios com o Sacrosanctae; e, quando se rezarem as


ladainhas, se rezem depois das ladainhas.

534. Que, à bênção da mesa, à tarde, diga-se: Ad coenam vitae aeternae.

Ordenações do Capítulo Geral de 1602

Os lembretes aos padres provinciais referem-se à observância das constituições,


sobretudo em relação à oração, à pobreza pessoal e comunitária, à eliminação das
coisas supérfluas, ao vestir. Proíbe-se, além disso, a prática dos exorcismos, o
exercício da medicina fora da Ordem e qualquer ingerência em assuntos seculares.

AGC, AG 1, f.96r-v.

Lembretes aos padres provinciais

535. Que os tempos estabelecidos para a oração nas constituições impressas


sejam observados inviolavelmente.

536. Que façam observar todas as constituições impressas em todas as coisas e


tenham os olhos abertos para não deixar introduzir abusos e corruptelas e de banir
com toda a diligência as já introduzidas.

537. Que façam as visitas em todas as despensas e porões e em todos as partes


dos lugares e retirem as sobras de provisões.

538. Que, em todas as visitas, façam, infalivelmente, a expropriação e quem não


apresentar todas as coisas seja punido como proprietário e não lhe adiante dizer que
irá mostrá-las ao padre geral ou que tem concessão do mesmo.

539. Que não permitam que as celas sejam mantidas fechadas e qualquer um; e
que for encontrado tendo-a fechada seja punido como proprietário.

540. Que não permitam a simples sacerdotes e nem a clérigos, nem a leigos,
bolsinhas ou saquinhos ou coisas semelhantes.

541. Que não permitam aos pregadores algo além dos escritos e quatro ou cinco
livros mais necessários e os outros sejam depositados todos nos lugares pelo padre
provincial.

542. Que façam observar as constituições acerca dos paramentos da sacristia; e


sejam reformados os paramentos, que, no presente, não estiverem de acordo com
elas.

543. Que não se possam vestir três peças sem a licença do provincial.

544. Que de modo algum se permita esconjurar nem homens e nem mulheres,
nem qualquer tipo de pessoa.

545. Não permitam que se exerçam atos medicinais fora da religião.

546. Castiguem severamente os frades que forem encontrados tratando de


casamentos sob qualquer pretexto.
119

547. Que não permitam que os frades se intriguem em negócios de parentes; e,


necessitando fazer qualquer recomendação, não a façam eles mas seja feita por
outros.

548. Que os frades que vão girando mais que aquilo que explica a obediência,
sejam punidos pelos provinciais.

549. Que façam observar as constituições impressas acerca de escrever e receber


cartas; e quem for encontrado faltoso nisso, pela primeira vez, a disciplina; na
segunda, pão e água e na terceira, o caparão por um mês.

550. Que se observe o Modus procedendi.

551. Que se observe a ordem acerca dos maus e, no decreto que se fizer, se
expliquem as causas.

552. Que não se recebam religiosos de outras religiões sem licença do padre
geral.

553. Que não se recebam noviços sem consultar os definidores, e, para tal fim,
poderão reunir-se duas vezes por ano e, na reunião, resolva-se também a distribuição
dos pregadores e a ordenação dos clérigos.

554. Que façam, quanto for possível, os seminários de jovens professos,


especialmente clérigos, os quais se confessem a seus mestres ou guardiães, como
declarou Nosso Senhor, enquanto, de acordo com nossas as constituições, estão sob
disciplina.

555. Que os frades que pediram para ser mudados da própria província para outra,
se isso lhes for concedido não possam ter voz passiva na outra província por três
anos.

556. Que os frades não se valham das obediências solicitadas pelos leigos e quem
o fizer seja privado da voz ativa e passiva por um ano.

557. Que aos frades que, de ordinário, não acorrem ao coro de dia e de noite,
mesmo que afirmem não ter condições, não se permita sair de casa, se o solicitarem.

Ordenações do Capítulo Geral de 1605

Tratam dos resultados das votações capitulares a respeito de temas relacionados


com o tempo e o governo do geral e do provincial, da precedência dos superiores e a
dos clérigos e leigos, dos ilegítimos e dos apóstatas.

AGC, AG 1, f.122r-v.

Aos 9 de junho de 1605 foram colhidos os votos:

558. Se o padre geral pode ser confirmado por mais três anos ou não. Obteve 84
votos a favor e 22 contra.

559. Se o padre geral pode usar cavalgadura ou tenha liberdade de não usá-la:
sim, que deva usá-la 79, que não 27.
120

560. Se o padre geral deva ficar fora por três anos, se não for confirmado,
podendo, porém, ser guardião, definidor e provincial; e, se for confirmado, deva ficar
fora por seis anos e de qualquer outra prelatura por três anos: sim 59, não 47.

561. Se o provincial, concluído o triênio, sabendo que deve ficar livre de qualquer
prelatura por um ano (de acordo com as constituições antigas), tenha, porém, que ficar
fora do provincialato por seis ou mesmo por três anos: 73 por três anos; 33, por seis.

Aos 10 de junho foram propostas ao mesmo capítulo outras ordenações acerca da


precedência.

562. In primis acerca da precedência, se quem foi geral ou provincial, ou mesmo, é


definidor no ato do capítulo geral ou provincial, deva preceder a qualquer outro frade
que não seja seu guardião ou vigário de casa etc., como consta na precedência
estabelecida nas constituições: affirmative votos 87, negative 19.

563. Se, em todas as províncias, os clérigos devem preceder aos leigos, mesmo
idosos: affirmative 99, negative 5.

564. Se, contra os inquietos e maus, o provincial e os definidores novos e velhos,


mesmo só com nove padres, devam fazer escrutínio secreto, cada vez que lhes
parecer expediente, para condená-los ao cárcere, quando tiverem 2/3 dos votos
contra: affirmative 100, negative 4.

565. Acerca da dispensa para os ilegítimos, se se deve observar a nova


constituição: affirmative 98, negative 6.

566. Que os processos velhos não se revejam mais depois de seis anos, como
está melhor na constituição: affirmative 103, negative 1.

567. Que não se aceitem artigos não subscritos por quem os dá; e se forem falsos,
castiguem-se os autores: affirmative 76, negative 28.

568. Que os apóstatas sejam inábeis perpetuamente para toda prelatura e para o
definitório: affirmative 74, negative 31.

569. Acerca da dispensa aos ilegítimos deve-se observar a constituição, que é que
possam o provincial e os definidores da província dispensá-los de ser discretos,
vigários da casa, guardiães, definidores provinciais; mas, para ser custódio do capítulo
geral, provincial, definidores do capítulo geral e mesmo geral, o padre geral e os
definidores do capítulo geral possam-nos dispensar: foi colocado em votação e venceu
com 98 votos e contra foram 6 votos..

Ordenações do Capítulo Geral de 1608

São fornecidos os resultados das votações capitulares sobre a duração do


governo do geral, do procurador geral e dos comissários gerais. Outras votações tem
por objeto os clérigos, os guardiães e os frades incorrigíveis. Normativa ulterior refere-
se a aos frades maus, como comportar-se para com eles e as eventuais punições.
“Lembretes” finais vertem-se sobre confessores, à obediência, os estudantes,os
pregadores, e à oração comum.

AGC, AG 1, f. 148v-152r.
121

Aos 4 de junho foram registrados os votos dos vogais do Capítulo Geral sobre os
tópicos infra- escritos:

570. E primeiro foi proposto se o padre geral devia durar somente três ou mais;
obtém-se o mais com 94 votos.

571. Se o geral devia durar somente quatro anos ou mais; obtém-se o mais com71
votos.

572. Se o geral devia durar cinco anos ou seis; obtêm-se para cinco 64 votos e,
com isto, que, por outro igual tempo, devesse ficar fora de toda prelatura.

573. Se o procurador da corte devesse durar tanto quanto o geral ou mesmo


fazerem-se dois procuradores: o primeiro, que durasse três anos e o segundo, dois.
Obtém-se que durasse tanto quanto o geral, com 62 votos, e ficasse fora depois da
procuradoria por igual tempo.

574. Se quem foi geral devesse ter voto ou não nos capítulos provinciais e gerais
sem eleição: obtém-se que não com 78 votos.

575. Se os comissários gerais permanentes, mandados a assistir ao governo das


províncias que não elegem provinciais, devessem ter voto ou não no capítulo geral
sem eleição: obtém-se que não com 68 votos.

576. Se se devesse ouvir a culpa do procurador da corte no capítulo geral, antes


que se fizessem as novas eleições ou não: obtém-se que sim com 110 votos.

577. Se os clérigos tenham que esperar oito anos antes de ser ordenados
sacerdotes. Obtém-se que sim com 85 votos, porém, que attingant octavum annum48.

578. Se os guardiães tenham que fazer servir no ofício de clérigos os sacerdotes


que venham para nossa religião, padres seculares ou religiosos, por cinco anos.
Obtém-se que sim com 106 votos, porém, que attingant quintum annum49.

579. Se o frade incorrigível deva ser mandado fora da nossa religião por sentença
definitiva de padres novos e velhos das províncias, isto é, dos provinciais, definidores
da mesma província e custódios do capítulo geral. Obtém-se que sim com 100 votos.

Coisas resolvidas no Capítulo Geral de 1608

580. Propôs-se se o ofício do padre geral devesse durar cinco anos, a fim de que
pudesse em tal tempo visitar toda a religião, aquém e além dos montes. Obtém-se que
sim com 64 votos, mas que, porém, passado o tal tempo do qüinqüênio deva ficar fora
por igual tempo de toda prelatura.

581. Se o ofício do padre procurador devesse durar por outros cinco anos. Obtém-
se que sim com 62 votos, mas que depois tenha que ficar fora da procuradoria por
igual tempo.

582. Se o padre procurador de corte, expirado o seu qüinqüênio, tivesse que dizer
a culpa no capítulo geral seguinte. Obtém-se que sim com 100 votos e que a diga
antes que se façam as novas eleições.

48
Trad.: cheguem o oitavo ano.
49
Trad.: cheguem o quinto ano.
122

583. Se os clérigos, presentes e futuros, tivessem que ficar oito anos antes de se
fazerem sacerdotes. Obtém-se que sim com 85 votos, mas podem ser ordenados
iniciado o oitavo ano.

584. Se os guardiães têm que fazer servir e exercitar no ofício dos clérigos
também os sacerdotes que vieram e vêm para a religião, padres seculares ou
religiosos de qualquer Ordem, por quatro anos completos. Obtém-se que sim com 106
votos mas que, entrados no quinto ano sejam como os outros sacerdotes.

585. Se os frades incorrigíveis deveriam ser expulsos da Ordem por sentença


definitiva dos padres novos e velhos das províncias, isto é, dos provinciais, definidores
e custódios do capítulo geral. Obtém-se que sim com 100 votos. Mas, para conhecer
quais são esses incorrigíveis, se observem estes três modos:
O primeiro, que, quando se liberta da prisão com admoestação canônica, o frade
anteriormente declarado e encarcerado como mau, seja expulso como incorrigível, se
depois, pelos seus maus comportamentos for declarado uma outra vez como mau.
O segundo, que quando alguém foi sentenciado há pouco e punido por delito atroz
e por escândalo cometido entre os frades ou seculares, então, depois da terceira vez,
seja declarado incorrigível e, como tal, expulso.
O terceiro, que o frade depois da quarta fuga, como incorrigível, não seja mais
recebido; se, porém, aos padres não parecer diferente por respeitáveis razões, seja-
lhe dada pelos superiores a sentença definitiva de expulsão na forma devida.

586. Além disso, os padres do capítulo ordenaram acerca da particularidade dos


frades saídos da religião e retornados, que, quando por seus bons comportamentos,
forem restituídos a eles pelos superiores os anos de ordem, não se ouse nunca
restituir o tempo que estiveram fora dela, mesmo que tenham permanecido em
qualquer outra religião.

587. Ordenaram ainda que os apóstatas das províncias da Itália, que chegam a
Roma para apresentar-se ao padre procurador da Ordem, recebidos e absolvidos que
forem, voltem para suas províncias, com o mesmo hábito com que se apresentaram,
com prévia admoestação que observem durante a viagem a obrigação de sua
profissão.
Mas que os das províncias ultramontanas, por motivos razoáveis, sejam
mandados tomar o hábito não em suas províncias, mas nas contíguas, nos confins da
Itália, isto é, na de Milão, de Gênova ou de Veneza, conforme a estrada para a qual
serão endereçados pelas cartas obedienciais às próprias províncias, às quais,
oportunamente, serão acompanhados de lugar em lugar. Não se entende, porém, com
tal ordem, prejudicar o direito do padre procurador de restituir-lhes o hábito ainda em
Roma, quando assim à sua paternidade parecer expediente.

588. Para dar oportuno remédio a tantas dificuldades que nossa religião recebe
dos frades maus, depois de madura consideração, declarou-se e determinou-se que
os frades maus são os inquietos, os fastidiosos com frades, arrogantes com prelados,
acostumados a recalcitrar contra obediência, perturbadores da paz e, finalmente,
frades que, por seu mau comportamento, não encontram superiores que os queiram
nas suas famílias nem, ordinariamente, súditos que estejam de bom grado com eles.
589. Ordena-se ainda, que os vigários provinciais, todo ano, proponham nos
capítulos provinciais o problema dos maus e, negligenciando de colocá-la em
discussão, que tenham que passar a pão e vinho sempre que se repetir a negligência.
Mas, para propô-la de bom modo, convocarão, primeiro, os definidores com outros
padres principais e mais maduros da província, que cheguem ao número de oito, e,
depois, todos juntos, isto é, o padre provincial com os outros oito, jurem dar seu voto
123

segundo Deus e sua própria consciência e não revelar jamais a ninguém quem foi
proposto como mau, a fim de que cada um possa mais livremente proceder em tal
ação.
Antes, a fim de que tudo se faça com maior sigilo, queremos que cada um dos
ditos padres anote num bilhete quais osfrades que, segundo sua consciência,
merecem ser propostos como tais; e todos os bilhetes sejam colocados secretamente
juntos em um vasilha preparado para este fim. E quem não tiver conhecimento de
algum para propor como mau coloque na vasilha seu bilhete em branco. Depois, o
padre provincial ou qualquer um dos mesmos padres, por sua comissão retire os
bilhetes, um a um, e leia imediatamente com voz clara, que seja entendida por todos,
e ainda mostre publicamente o bilhete a cada um deles, a fim de que melhor se
descarte qualquer suspeição de fraude.
Publicados, entre eles, os nomes dos frades lidos nos bilhetes, será lícito então a
qualquer dos frades dizer o que lhe ditará a consciência em favor ou desfavor. Depois
disso, colocar-se-á em escrutínio secreto cada frade que for proposto como mau e
concorrendo dois terços dos votos, faça-se conjuntamente uma ata na semelhante
forma:
“Tendo sido proposto em definição para nós, abaixo assinados, se Frei.... merece
ser declarado mau ou não e, sendo nós constrangidos a manifestar nosso parecer,
segundo Deus e segundo a consciência, por obediência e zelo, demos os nossos
votos com juramento e duas partes são concordes no sim. Em fé disto subscrevemo-
nos de nosso punho”.

590. Conservar-se-á tal ata no arquivo e mandar-se-á cópia ao padre geral e ao


padre procurador da corte. Feita esta escritura, seja de todo modo colocado no
cárcere o frade condenado como mau pelo juízo dos padres da província e não seja
retirado do cárcere, se não der sinal de humilhação, prometendo emendamento de sua
vida e se não tiver também licença do padre geral e do seu comissário geral.
Equando for retirado do cárcere, faça-se constar em ata se o predito frade se
humilhou, reconheceu o seu erro, prometeu emendar-se e viver quieto. Então o
superior lhe faça in scriptis uma admoestação canônica que, falhando este na
promessa de emendamento, iterum50 será declarado pelos padres com mau e expulso
da religião como incorrigível.

591. Acrescente-se que a intenção absoluta de nosso senhor papa Paulo V é que
não haja outros casos reservados a não ser aqueles que estão expressamente
especificados no decreto de Clemente VIII.

592. Notifica-se, finalmente, a cada um que a sagrada congregação do Santo


Ofício declarou e determinou que as causas de simples revelação de confissão não
são causas reservadas ao Santo Ofício, desde que, em tais causas de revelatione51,
não esteja anexa alguma circunstância, que as faça pertinentes ao Santo Ofício.

Lembretes do muito reverendo padre geral estabelecidas no capítulo geral de 1608.

593. Que nenhum frade tem autoridade de confessar nos lugares a não ser os
confessores deputados de acordo com o decreto de Clemente VIII.

594. Que os guardiães e, na ausência deles, os vigários da casa, possam deputar


como confessores aqueles padres que, segundo o decreto, forem julgados aptos,
desde que já tenham sido admitidos às confissões.

50
Trad.: outra vez ou pela segunda vez.
51
Trad.: acerca de revelação.
124

595. Que aos mesmos confessores deputados se lhes conceda a licença de poder
liberar o frade de todas as censuras e irregularidades incorridas, reservadas ao padre
provincial e ao padre geral, sed hoc in foro conscientiae tantum52.

596. Que os frades que vão aos lugares mais próximos de outras províncias, não
possam, de modo algum, ser mandados mais adiante nem pelos superiores locais e
nem pelos superiores maiores de tais províncias.

597. Que os frades executem imediatamente a ordem dos superiores e não se


entretenham em lugar nenhum sob pretexto de ter rescrito e de esperar a resposta, e,
sem alongar a viagem, vão pela estrada ordinária.

598. Que somente pelos dois primeiros anos os estudantes sejam propostos aos
estudo, por parte dos padres, por escrutínio acerca de sua suficiência; mas acerca das
coisas dos costumes, a cada ano; e antes de serem propostos ao estudo, no primeiro
ano, sejam examinados pelo padre provincial na presença de mais padres de saber.

599. Que não se promovam ao estudo, por dois anos, frades forasteiros, se não
eram estudantes de fato, quando partiram de suas províncias ou que não tenham dado
bom exemplo de si mesmos. Depois de suficiente prova por dois anos, podem ser
enviados aos estudos, observando, porém, o que foi dito acima a este propósito.

600. Que nem os padres das províncias nem os lentes peçam a obediência da
pregação para os estudantes enquanto não tiverem concluído inteiramente todo o
curso de teologia.

601. Que os pregadores não se queixem em público e muito menos falem no


púlpito que estão sendo maltratados acerca de coisas de comer; se faltar o
necessário, fora do púlpito, com boas maneiras religiosas, poderão dizer e fazer tudo
que devidamente se deve.

602. Que não se recebam esmolas pecuniárias por ocasião da pregação, sob
qualquer pretexto de pagamento, de vestimenta, de livros e de qualquer outra coisa.

603. Que se reze o ofício de nossos santos, de suas transladações, do Santíssimo


Sacramento e de todo o remanescente, segundo dizem nossas rubricas.

604. Que se reze também o ofício próprio dos santos das dioceses, de acordo com
o calendário dos bispos.

605. Que, para todos os nossos coros, os guardiães dos lugares procurem ter o
martirológio do senhor Cardeal Barônio.

606. Que em todos os lugares haja a bula In Coena Domini ou, pelo menos, o seu
sumário.

607. Que, em toda província, se for possível, haja algum seminário de jovens
recentemente professos, onde sejam instruídos por algum frade idôneo nos exercícios
espirituais, tanto internos quanto externos.

Ordenações do Capítulo Geral de 1613

52
Trad.: mas isto somente em foro de consciência.
125

Após o esclarecimento a respeito do número de vogais a serem enviados ao


capítulo geral, são estabelecidas normas sobre oração em comum e, em particular,
sobre missa conventual, sobre confessores, sobre ofício divino e sobre limpeza dos
objetos do culto. Segue uma série de prescrições sobre o hábito, a capa,, a fechadura
das celas, a recreação, o falar às monjas, os custódios e os viajantes, o capítulo das
culpas, os ordenandos, a hospitalidade aos delinqüentes, as visita provinciais, os
estudantes, os pregadores, os discretos, os vogais para o capítulo geral, os capítulos
provinciais; as relações com os príncipes seculares e os cardeais da congregação dos
bispos e regulares. Enfim, entre outras, se acrescem disposições minuciosas sobre
observância dos três votos de pobreza, obediência e castidade.

AGC, AG 1,f. 181r-183v.

Acerca dos vogais para o capítulo geral

608. In nomine Domini53. Tendo o reverendo padre, Frei Honorato de Paris,


provincial da província de Paris, em nome dos padres franceses, e o padre Frei Pedro
de Barbastro, em nome dos padres espanhóis, feito requerimento no presente capítulo
geral, celebrado aqui em Roma, neste ano de 1613, a viva voz e com atas por esses
produzidas e subscritas, e, mais ainda, apelando para a memória de sua santidade, o
senhor papa Paulo V, que todos os vogais para o capítulo geral se reduzissem a dois
por província, alegando para isso algumas razões,
Nós, Frei Paulo de Cesena, geral, atento ao rescrito de nosso senhor para que se
faça aquilo que se convém fazer, por dever de nosso ofício, convocados todos os
padres definidores e outros padres principais de nossa religião, provinciais e
custódios, pregadores e teólogos e, feita sobre isso madura e diligente consideração e
consulta, de comum consenso, determinamos e concluímos que, atento ao teor de
nossa Regra e à intenção de nosso pai São Francisco e à bula de Leão X sobre a
união da Ordem e às nossas constituições e outras muitas razões, não se deva inovar
coisa alguma, mas seguir a antiga e louvável tradição. Em fé fizemos a presente,
subscrita por todos e de próprio punho. Dado em Roma, dia 8 de junho de 1613. Frei
Paulo de Cesena, geral.

Lembretes do muito reverendo padre geral dados no Capítulo Geral de 1613

609. Para a uniformidade de ritos em toda a religião, requer-se por muitos um


rituário ou cerimonial para nosso uso, mas, porém, conforme as rubricas do missal,
breviário e sacerdotal romano, a ser brevemente impresso.

610. Missa conventual. Que a missa conventual seja sempre aplicada para todos
os frades e benfeitores vivos e mortos e não para algum particular sem necessidade.

611. Patenas. Que todas as patenas sejam de prata ou, se forem de cobre, sejam
bem douradas.

612. Diáconos. Os clérigos diáconos exerçam durante o ano alguma função


própria a esta ordem, conforme a mente do Sagrado Concílio, como, por exemplo,
cantar no sábado santo o Exultet iam angelica turba, etc. e fazer, em algumas vezes, a
homilia, etc., no coro.

613. Comunhão. Todos os frades procurem comungar na missa conventual.

53
Trad.: em nome do Senhor.
126

614. Luz. Recitando, de noite, os ofícios sagrados tanto de Nossa Senhora quanto
do Senhor, esteja sempre aceso o lume para que não se façam erros, se veja a
localização dos frades e possam entrar e sair sem atropelos; e tenha-se também
aceso algum lume durante o tempo da oração. Igualmente, arda no dormitório algum
lume, ao menos quando se chamam os frades para as matinas.

615. Confessores. Os confessores tenham autoridade acerca de irregularidades e


censuras, in foro conscientiae, como os provinciais, e declara-se a respeito dos frades
viajantes que possam confessar-se um ao outro; e quanto aos casos reservados, foi
apresentado nosso procedimento à sagrada congregação da inquisição; e, quando
obtivermos a resolução, mandar-se-á para as províncias, a fim de que seja observada
em toda a Ordem.

616. Ofício divino. Que se reze o ofício atenta e devotamente conforme as nossas
constituições e os sagrados cânones, com as devidas pausas e não apressadamente
e correndo.

617. Oração. Que não omitam as orações ordinárias e que nenhum frade seja
chamado da oração para tratar com seculares, se não forem grandes personagens ou
necessidade muito urgente e com licença do padre guardião.
Que se faça estudo particular sobre isso, conforme a exortação do nosso pai São
Francisco, no capítulo X.

618. Limpeza nas coisas do culto divino. Que se zele pela a limpeza das coisas do
culto divino, como a respeito do sagrado altar e as coisas a ele referentes:
paramentos, alvas, corporais e outras coisas; a respeito das quais, na visita, se fará
diligente inquisição. Ao contrário, deve-se evitar a limpeza exagerada e contentar-se
com aquela que convém ao nosso próprio estado. Véus de cálices, recamados de
seda e de ouro preciosíssimo, não sejam aceitos. Não se coloquem tapetes junto ao
altar-mor em qualquer festa, mas se atenda à nossa simplicidade.

A respeito de nós mesmos

619. Capas. Muitos usam os capas muito compridas e o abuso está crescendo;
por isso, ordena-se que os provinciais façam-nas cortar todas, conforme a medida das
constituições.

620. Celas. Não se permita que os frades mantenham as celas fechadas, como se
ouve que muitos fazem, mesmo não sendo oficiais.

621. Recreações. Nos tempos de recreação, os frades não façam comédias,


representando ora mulheres, ora alcoviteiros contra a honestidade; e aqueles que
fizerem o contrário recebam algum castigo. Não se façam jogos de mão nem bailes e
nem saltos mortais, ou outras coisas não decentes ao estado religioso.

622. Habito aberto. Não se vista o hábito aberto, de tal maneira que dos flancos se
veja a carne nua ou as ceroulas, mas se observe a devida religiosidade.

623. Falar a monjas. Alguns crêem que o decreto de não falar com monjas sem
licença não acarrete ou não inclua o pecado mortal; mas a sagrada congregação dos
regulares declarou que está incluído.
127

624. Custódios. Na eleição dos custódios para ir a capítulo, os escrutinadores


façam depois do escrutínio como se faz na dos definidores, dizendo: Haec est electio
canonica54, etc.,mutatis mutandis55.
Os custódios eleitos para vir ao capítulo geral, tanto o primeiro, que chamamos
custos custodum56, quanto todos os outros, podem ser eleitos, mesmo ausentes,
mesmo que estejam fora da província, desde que sejam de corpore provinciae57, isto
é, incorporados àquela província onde se elegem.

625. Viandantes. Os guardiães não mandem os frades fora de seus limites, nem
os custódios fora de sua custódia, nem os provinciais fora de suas províncias. E,
ocorrendo de fazê-lo por qualquer necessidade, dêem disso aviso imediato ao
superior.

626. Culpas a ouvir-se. Os guardiães não deixem de ouvir as culpas três dias por
semana, mesmo que não haja faltas particulares, a fim de que se mantenha essa
usança utilíssima para a religião. Nenhum frade ouse eximir-se da disciplina no
refeitório, sob pena do caparão por um mês.

627. Ordenandos. Os provinciais não concedam logo licença de ordenar-se aos


clérigos após sua profissão, mas deixem passar pelo menos três anos sem fazê-los
ordenar; porque, tendo recebido o diaconato, facilmente procurarão depois dispensar-
se para o sacerdócio antes dos anos prefixados.

628. Que não se recebam facínoras em casa. A sagrada congregação dos


regulares intimou-nos, por um decreto de 21 de maio de 1613, que não se recebam
em nossos lugares, ciente e conhecidamente, homens delinqüentes e facínoras; e, por
isto, se observe.

629. Provinciais. Os padres provinciais não façam as visitas com pressa ou por
cerimônia: façam sermões sobre coisas da Regra, ao menos duas vezes por visita,
façam as expropriações todo ano, visitem as oficinas, as celas, as sacristias, as igrejas
e, na visita, façam ler estes lembretes do capítulo geral.

630. Estudantes. Quando se tem que fazer algum estudo, faça-se no capítulo,
pelos padres, uma discussão acerca daqueles que devem ser propostos, mas não
sejam nomeados enquanto, reunindo-se a primeira vez não forem chamados a tal
congregação e examinados na presença de todos os padres; os quais, observadas a
vida e a capacidade, façam a aprovação, em escrutínio secreto com grãos e favas, e
quem for aprovado pela maioria será estudante.
Realizem-se, durante os estudos, exercícios habituais; e aqueles que não querem
fazer as repetições, etc., sejam, decididamente, suspensos. Estudem-se a lógica e a
filosofia ao menos por três anos e a teologia por quatro anos. E os padres, realizando
a provação para a pregação, comprovem os anos de seu estudo com fé juramentada.
Ocorrendo que um estudante passe de uma província para outra, tenha a certidão
de uma e outra província, a fim de que se saiba todo o tempo que gastou no estudo.

631. Pregadores. Que os pregadores, por ocasião da pregação, não façam petição
para seus parentes, mandando-lhes dinheiro mediante letras de câmbio sob pena de
serem, ipso facto58, suspensos da pregação a nosso arbítrio.

54
Trad.: Esta é a eleição canônica.
55
Trad.: mudando aquilo que deve ser mudado.
56
Trad.: custódio dos custódios.
57
Trad.: do corpo, isto é, da corporação da província.
58
Trad.: pelo mesmo fato.
128

Que tampouco se recomendem parentes de frades, por mais pobres que sejam,
sem licença in scriptis do padre provincial da província onde pregarão; ao qual se
adverte que não seja fácil em concedê-la pelos muitos inconvenientes que se seguem.
Nem mesmo se faça petição para obras pias sem especificar qual há de ser a obra
pia, porque os seculares ficam escandalizados e fazem juízo de que as esmolas vão
para os pregadores ou seus parentes.
Não se enviem esmolas pedidas pelos pregadores para fora da cidade ou das
terras onde pregaram; mas empreguem-se para as necessidades daquelas mesmas
cidades ou terras.
Que os pregadores façam quaresma e jejuem,e não como fazem alguns que,
de manhã, após a pregação, tomam um bom desjejum como se fosse almoço e, à
noite, ainda ceiam, o que não pode passar sem admiração dos seculares.
Que sob nenhum pretexto se admitam mulheres nos quartos dos pregadores, mas
sejam Christi bonus odor in omni loco.59
Que não se procurem púlpitos, mas remetam-se à simples obediência e vejam
onde serão enviados.

632. Discretos. Que na eleição dos discretos se observem as constituições, que


devem ser lidas antes que se faça tal eleição, para que os frades saibam de sua
obrigação e do perigo do pecado mortal, caso não se comportem com simplicidade.
Mandamos que não se façam subornos, nem nesta e nem em outras eleições de
provinciais ou definidores, direta ou indiretamente, sob pena de privação de uma e
outra voz por três anos e outras a nosso arbítrio.

633. Vogais para o capítulo geral. Que nihil innovetur60, mas observem-se as
nossas constituições, como foram observadas por tanto tempo por nossos padres de
prudência, doutrina e espírito, a fim de sermos mais conformes à nossa regra, aos
louváveis costumes e a toda boa e reta razão. E, tendo-me sido ordenado por nosso
senhor, por rescrito, referente a um memorial enviado por sua santidade, que eu faça
aquilo que convém, julguei conveniente que nihil innovetur .

634. Capítulos provinciais. Foi proposto por alguns padres que seria bom ordenar
que o capítulo provincial se fizesse uma vez a cada três anos e os padres provinciais e
definidores durassem por um triênio. Esta proposta leva consigo mil dificuldades e
grandíssimos inconvenientes; e, por isso, sendo feita duas outras vezes em capitulo
geral sem ser aprovada, julgou-se que não mais se deva propor no futuro, como coisa
que, quando passasse, seria muito prejudicial à nossa religião.

635. Príncipes seculares. Não há coisa mais contrária ao bom governo, tanto
temporal como espiritual, do que a razão de estado e que as nossas coisas se tratem
por interesses particulares de príncipes. E, por isso, ordena-se, melhor, recorda-se o
decreto da clementina de statu monachorum61, que nenhum religioso, sob pena de
excomunhão, recorra a cortes de príncipes em dano da religião.
Que não se trate de nenhum negócio em ditas cortes sem licença in scriptis, ou
minha ou do padre provincial.
Que não se lhes revelem os segredos da nossa religião.
Que não se fale mal e nem se digam bisbilhotices a respeito deles. Se alguém fizer
o contrário, seja acerbamente punido e expulso da província a nosso arbítrio.

636. Memoriais ou cartas. Que não se proíba e nem se tenha a intenção de proibir
o recurso de frades ao papa e aos senhores cardeais da congregação, tanto por cartas

59
Trad.: bom odor de Cristo em todo lugar.
60
Trad.: nada se inove.
61
Trad.: acerca do estado dos monges.
129

quanto por memoriais. Mas sejam recordadas a religiosa modéstia e reverência que se
devem ter com eles e com a religião. Se alguém for surpreendido fazendo o contrário e
usando palavrões impertinentes, será castigado severissimamente, conforme o
excesso, especialmente quem narrar falsidades e com modo indébito.

Nossos votos

637. Pobreza. Suprimam-se nas províncias os procuradores, onde existirem; pois,


na sua condição, recebem esmolas indefinidas. Porém, precisando vender ou trocar
alguma coisa, para isso poderão nomear um para tal fim.
Nas construções sejam observadas as medidas de palmo das novas constituições.
Não se aceite ou se mude nenhum lugar sem o consentimento do capítulo
provincial ou do padre geral ou do procurador da corte. Que não se cometam
excessos em tais construções e nem se transgrida a forma prescrita pelas nossas
constituições, sob pena de privação de voz e outras, a nosso arbítrio.

638. Obediência. Que nenhum frade procure obediência do padre geral ou do


padre procurador da corte, ou do provincial ou de outro superior por meio de seculares
ou príncipes e senhores fora da religião. E reitera-se o preceito de santa obediência,
feito por mim, no capítulo geral, e adverte-se que quem fizer o contrário, primeiro, não
terá mérito algum da obediência e nem mesmo se colocará na carta: “com o mérito da
santa obediência”; segundo, agirá expressamente contra o preceito da obediência;
terceiro, será por mim anotado no livro e, como desobediente, será por mim
rigorosamente punido.
Que os frades que estão viajando ou de passagem, chegados aos lugares,
apresentem sua obediência aos superiores e os superiores tomem conhecimento dela;
e aos frades em giro que possuem tais obediências, não se usem de particularidades,
mas sejam tratados como frades da família e, até, mais ordinariamente.
Não se enviem tais frades passageiros, facilmente, para a cidade, onde chegam,
para ver certas curiosidades, como o Arsenal em Veneza, o Coliseu em Roma, o
Castelo em Milão ou semelhantes.
Que as obediências absolutas se entendem limitadas ad summum62 a dez dias,
depois dos quais, sigam viagem.
Não façam alongamentos de estrada, mas vão pela mais direta e breve.
Os frades forasteiros não saiam de casa com seus companheiros, mas se lhes
dêem companheiros do lugar. Não tratem de negócios, sem antes tê-los comunicado
ao superior do mosteiro.
Que não se me escreva e muito menos se procure por meio de seculares obter
obediência para lugares de devoção, mas busquem os frades conquistar a devoção
interna, que mais facilmente se conquista com o recolhimento do que com o andar
girando. E se alguém me escrever, não se lamente se eu não lhe responder, ou, com a
resposta, impuser-lhe alguma penitência, ou mesmo, se lhe der uma boa repreensão.

639. Castidade. Declara-se que o lapsus carnis voluntario opere consummatus63


não se entende somente em segunda pessoa, mas também em primeira pessoa, em
qualquer modo que se dê o fato e se procure actibus exterioribus64.
Os nossos apóstatas que retornam infectados do mal francês ou de Nápoles65,
possam ser expulsos da religião.

62
Trad.: ao máximo.
63
Trad.: lapso da carne consumado por obra (ato) voluntário.
64
Trad.: atos exteriores.
65
Sifilis
130

Que os frades, visitando mulheres seculares, não se retirem nem se alonguem


solus cum sola66, de modo que não possam ser vistos pelos companheiros, sob pena
de suspeito consórcio.
Que os frades, tomando os remédio de banhos, não estejam nus, sobretudo em
lugar onde estejam homens e mulheres seculares, mas tomem-nos ou no nosso
convento ou em qualquer lugar separado e honesto.
Que não se ponham apelidos nos frades.
Que o padre provincial dificulte as visitas e recreações com mulheres em suas
vilas, como no tempo da vindima, pernoitando inclusive, não raro, com perigo de
escândalo.

640. Outras coisas indiferentes. Que não se aceitem províncias novas, se primeiro
não forem propostas e aceitas por votos secretos pelos padres vogais do capítulo
geral.

641. Que nas províncias novas e aceitas não se permita introduzir coisas diversas
e contrárias ao nosso instituto, como ter os frades cuidado de congregação de homens
seculares; fazer novas procissões na quinta-feira santa; celebrar a missa cantada com
sacerdote, diácono e subdiácono paramentados; permitir a jovens, no convento,
exercícios espirituais por algumas semanas, antes que sejam recebidos na religião,
como fazem os padres jesuítas e semelhantes, mas se observe a nossa simplicidade e
uniformidade; e onde foram introduzidas semelhantes coisas, com bom modo sejam
retiradas.

642. Que nossas constituições impressas sejam lidas por todos, em cada lugar
nosso, ao menos uma vez a cada dois meses. E, se aparecer algo a ser corrigido e
emendado, que se emende e se corrija; mas, por enquanto, sejam lidas assim como
estão. E os passos que pareçam obscuros ou não estão bem, entendam-se piamente
e sine preiuditio67.

643. Que, de nenhum modo, se ornem nossas igrejas com alfaias de seda e com
outros tecidos semelhantes.

644. Que seja retirada a novidade introduzida por algumas províncias, de celebrar,
em toda manhã, para sempre, uma missa para os fundadores de nossas lugares.

645. Que não se permitam ou aceitem sepulturas perpétuas nas capelas de


nossas igrejas para os pais e seus descendentes; onde existirem, os padres
provinciais devem retirá-las imediatamente.

646. Que sendo concedida a sepultura para alguém, de modo algum permitam-se
enfeites no sepulcro ou colocar pedras de mármore ou outra curiosidade.

647. Que as coisas da definição se mantenham secretas.

648. Que os capítulos nas províncias não se façam com muitas despesas e
excessos; mas, de acordo com as exigências de nossa pobreza, contentem-se com o
necessário.

649. Que as disciplinas a serem feitas no refeitório, tanto pelos frades professos
como pelos noviços, não sejam dispensadas e não sejam realizadas no dormitório ou
na igreja.

66
Trad.: a sós.
67
Trad.: sem preconceito (pré-julgamento)
131

650. Que os padres provinciais, quando lhes fizer a visita e falarem comigo, dêem-
me informações a respeito de suas províncias.

651. Que,na correspondência dirigida a mim, não me dêem outro tratamento além
de “muito reverendo” e os frades subscrevam-se com o nome próprio e ofício: leigo,
clérigo, sacerdote, pregador, etc.

652. Que todos rezem a Deus por mim e pela religião e estejam contentes todos
os sacerdotes, para tal fim, em celebrar uma missa, a fim de que nosso Senhor me
ilumine a fazer sua santa vontade e a bem e santamente governar a religião.

Ordenações do Capítulo Geral de 1618

Depois de ter especificado a finalidade das ordenações gerais, apresentam-se


algumas disposições relativas à proibição de recorrer a estranhos à religião, às visitas
que os provinciais devem escrupulosamente realizar, à conduta pobre e modesta dos
pregadores, ao comportamento dos estudantes, aos confessores. Prescreve-se, ainda,
não dar sepultura a seculares nas igrejas capuchinhas; aos frades ordena-se não
perambularem inutilmente. São emanadas, também, algumas diretivas para a
instituição dos seminários e a formação dos jovens, para a construção de novos
conventos, para o capítulo das culpas, a hospedagem dos frades forasteiros, a
regulamentação do envio de correspondência externa. As últimas disposições dizem
respeito à ordem nas procissões e o comportamento com os apóstatas, à proibição de
envolver-se em questões seculares e de usar dinheiro.

AGC, AG 1, f.215v-218r.

Ordens do Capítulo Geral de 1618

653. Por ser um antigo costume dos religiosos congregar os capítulos gerais para
conservar o candor da disciplina e a observância regular e prevenir abusos que, por
causa da fraqueza humana, diariamente, pululam nas religiões, para este fim, no
presente capítulo geral, celebrado em Roma, em 1618, da parte do muito reverendo
padre Frei Clemente de Noto, geral, e dos padres definidores, com madura
consideração, foram emanadas algumas ordens a serem inviolavelmente observadas
em toda a nossa congregação. E são as seguintes:

[Recursos para fora]

654. In primis, ordena-se pela santa obediência a todos os frades que ninguém
presuma recorrer fora da religião para obter dos superiores obediência e graças. E, se
alguém for observado fazendo o contrário, além da ofensa divina, que deve ser temida
acima de qualquer pena, será também punido como transgressor deste preceito.

[Visita dos provinciais]

655. Sendo que das visitas maduramente conduzidas depende, em grande parte,
a manutenção da nossa religião, ordena-se que os reverendos padres provinciais não
façam suas visitas apressadamente e, como se costuma dizer, por hábito; mas
permaneçam nos conventos tanto quanto possam comodamente informar-se sobre
como os frades caminham acerca da observância da regra, das constituições e das
ordens.
132

656. E, neste tempo, façam sermão sobre a regra, visitem as sacristias e todas as
outras oficinas do convento cuidando para que não haja nada e nem provisões
supérfluas. E realizem as expropriações, com diligência e sem parcialidade, não lhes
concedendo mais do que aquilo que discretamente se deve, segundo a condição dos
ofícios e das pessoas. E, se algum frade fosse descoberto na expropriação
escondendo alguma coisa, sem mostrá-la ao padre provincial, seja por ele
severamente punido como proprietário. Nem lhe valha dizer que quer mostrá-la ao
padre geral, ou que tem licença do mesmo, ou que a coisa é vil e de pouco valor.

[Comportamento dos pregadores]

657. Considerando, entre outras coisas, o grave dano que possam causar à Igreja
e à religião os pregadores pouco exemplares, ordenamos que não sejam mandados
pregar onde não possam ir a pé e que não permitam e muito menos procurem que
para eles sejam pagas barcas para viajarem por água. E, se encontrarem culpados
nisto, sejam punidos pelos padres provinciais de acordo com a falta.

658. Ordenamos ainda que, por ocasião da pregação, não façam coletas em favor
de parentes, mandando a eles dinheiro por letras de câmbio ou de outra maneira, sob
pena de serem gravemente punidos e suspensos do ofício da pregação, a critério do
padre geral. Mas, ocorrendo fazerem qualquer coleta ou recomendação para parentes
notavelmente pobres, seja pelos próprios pregadores ou por outros frades, queremos
que, de qualquer modo, obtenham primeiro a licença in scriptis do padre provincial da
província onde pregam e ele não seja fácil em concedê-la, sem primeiro informar-se
da gravidade da necessidade proposta; isto por causa dos muitos inconvenientes que
soem acontecer.

659. As coletas para outras obras pias não sejam feitas sem a licença do ordinário
e sem explicar ao povo a qualidade da obra a que se destinam. E não permitam, de
nenhuma maneira, que o dinheiro seja levado para seus quartos, a fim de evitar, junto
aos seculares, toda a sombra de dúvida ou suspeita; e, procedendo de modo
diferente, sejam punidos como proprietários.

660. As esmolas, recolhidas numa região, não sejam levadas para fora da cidade
ou da região em que foram recolhidas, mas deixem que os encarregados as
empreguem naquele lugar, sem nenhuma ingerência de nossa parte, como querem as
nossas constituições.

661. E, para que sejamos o bom odor em qualquer parte, ordena-se que, nos
quartos em que estão os pregadores, não se deixem entrar mulheres. E se, às vezes,
houver necessidade de tratar com elas por motivos de conselhos espirituais, façam-no
raramente, na igreja ou em outro lugar patente, onde possam ser vistos, ao menos,
pelo companheiro.

[Os frades estudantes]

662. Quanto aos estudantes, considerando o prejuízo que causam à Ordem por
sua incapacidade e falta de bom espírito, ordena-se que, nisto, sejam observadas com
exatidão as constituições impressas e as ordenações do capítulo geral passado; isto é,
que, quando se trata de empreender um estudo novo, os padres, no capítulo
provincial, façam diligente reflexão a respeito dos jovens que irão estudar.
E, antes de serem nomeados e publicados, ordenamos que os estudantes sejam
convocados ao capítulo ou a outra congregação, onde for mais cômodo, para serem
examinados não superficialmente na presença de todos os mesmos padres e, feito o
dito exame, sejam submetidos ao escrutínio secreto por grãos e favas, no qual quem
133

obtiver a maioria dos votos seja aprovado e os outros sejam inapelavelmente


excluídos.
E oneramos gravemente a consciência dos padres, se nisso, donde resulta grande
fruto ou dano para a Ordem, não procederem com simplicidade, mas, movidos por
afeição ou paixões humanas, aprovarem ineptos ou indignos ou forem parciais na
votação.

663. A lógica e a filosofia seja lida pelo menos por três anos e a teologia por
quatro; e, no estudo, façam-se os exercícios ordinários. E aqueles que,
ordinariamente, se recusam a realizar as discussões e repetições costumeiras, sejam,
inapelavelmente, afastados do estudo.

664. Quando o padre provincial, os padres definidores e os professores fizerem a


aprovação dos estudantes para a pregação, a ser enviada ao muito reverendo padre
geral, façam-na juntos, enquanto estão reunidos em congregação e não separados
nem separadamente, via cartas. Na aprovação exprimam a bondade de vida, os anos
de estudo e o padre leitor a suficiência nas escritas, todos com fé jurada.

665. E, acontecendo que o estudante, a ser promovido à pregação, tivesse


completado seus estudos em outra província, queremos que tenha a aprovação, com
fé jurada, da parte dos padres de uma e de outra província, a fim de que melhor se
saiba o mérito do frade, a suficiência e o tempo que terá gasto no estudo.
Os estudantes que, por seu demérito, forem retirados uma vez do estudo,
ordenamos que não possam ser reenviados a estudar, se, ao menos por três anos
contínuos, não tiverem dado sinais de verdadeiro emendamento; depois dos quais,
tomadas as devidas informações, após darem provas de si mesmos e serem, por isso,
idôneos, agrada-nos que o Padre Provincial e seu definitório, querendo, possam
submetê-los ao escrutínio secreto. E, sendo aprovados pela maioria dos votos, sejam
enviados para o estudo. Mas aqueles que não foram aprovados por duas vezes, não
sejam enviados aos estudos, se, além do tempo de emendamento acima referido, não
obtiverem, por escrito, licença do muito reverendo padre geral para serem enviados ao
estudo.

[Sepultura dos seculares]

666. Porque os antigos padres, com santo zelo, ordenaram que em nossas igrejas
não se sepultassem seculares, ordenamos que nenhum superior presuma conceder
sepultura a seculares e nem receba, em depósito, os corpos dos defuntos em nossas
igrejas, sem licença expressa do muito reverendo padre geral. E quem fizer o contrário
seja inapelavelmente privado de seu ofício
Ordena-se ainda, que se transfiram, onde existem, sepulturas perpétuas e
hereditárias de seculares de qualquer grau e condição, explicando os motivos pelos
quais o Capítulo Geral emanou esta ordem.

[O ministério das confissões]

667. Quanto aos confessores, para prevenir os graves inconvenientes que, de sua
ignorância, podem ocorrer na administração do sacramento da penitência, ordenamos
estritamente que, em três ou quatro lugares de cada província, se estude, ao menos
três vezes por semana e em todas as festas, casos de consciência, explicados por
padres idôneos, deputados pela definição; a esse estudo devem comparecer todos os
sacerdotes e clérigos presentes no dito lugar.
134

668. E advertimos os confessores que, confessando, estejam de maneira decente,


como convém a um tal ministério. E, fazendo o contrário, sejam punidos severamente
pelo padre provincial.
Ordena-se, ainda, que os confessores sejam instituídos no capítulo pelos padres
da definição, de acordo com a necessidade dos lugares, assinalando-os nos quadros
com uma cruz ou com outro sinal julgado oportuno. E, ocorrendo que, durante o ano,
falte algum, por morte ou por transferência, o padre guardião possa subdelegar um
outro em seu lugar, até que o padre provincial faça outra provisão. E concedemos que
os viajantes possam confessar-se entre si, cada um por seu companheiro, desde que
sejam sacerdotes autorizados para confissões pelo superior maior.

[Disposições para as viagens]

669. Para pôr um fim à excessiva movimentação dos frades, ordena-se que os
guardiães não mandem frades fora de sua guardiania, nem os custódios fora de sua
custódia, nem os provinciais fora de sua província. E, especificamente, ordenamos
que os custódios não exerçam sua autoridade a não ser em casos urgentes, em que
não seja possível a presença ou a resposta do padre provincial. E, procedendo de
modo contrário, sejam corrigidos por seu provincial e, de modo algum, permita-se que
se usurpem maior autoridade do que a prevista pelas constituições.

[Construção de conventos]

670. Ordena-se, ademais, que na mesma província, ao mesmo tempo, não se


façam muitas construções, mas apenas as necessárias e para as quais o padre
provincial possa comodamente prover; não se pintem os quartos, nem os dormitórios e
as enfermarias que, daqui para frente, forem construídas, não ultrapasssem, de
ordinário, o tamanho de 12 palmos.

[Formação: seminários e pós noviciado]

671. E porque desejamos, de modo especial, que os jovens, que saem do


noviciado, não percam o espírito recém adquirido, mas cresçam de bem para melhor,
ordenamos que, onde comodamente se possa, se construam para isso os seminários.
E onde não se pode, pelo pequeno número de clérigos, queremos que sejam
recolhidos, quanto for possível, em lugares retirados, onde não haja frades relaxados e
de costumes incorretos que os possam escandalizar e impedir seu progresso.

672. E os guardiães mantenham-nos sob disciplina de noviços por quatro anos


contínuos, que nossas constituições prevêem para a educação destes jovens,
fazendo-os observar exatamente tudo o que pelos noviços se observava; e oneramos
gravemente suas consciências, se, nesses cuidados, forem omissos e negligentes,
assegurando-lhes que prestarão a Deus e ao pai São Francisco severíssimas contas
do grave dano espiritual que, tanto eles quanto a Ordem, receberão por sua
prejudicada educação.

673. E os padres provinciais quando fizerem visita aos lugares onde moram tais
jovens, queremos que façam diligente inquisição a respeito da observância dessa
nossa ordem, e castiguem, sem exceção, os transgressores. E, se encontrar algum
frade, que, para tais jovens, for motivo de relaxamento, com falatórios, revoltas,
conversas ou outros maus exemplos, castiguem-no severamente e seja
imediatamente removido daquela família.

674. E, por ser esta uma decisão por nós estimada acima das demais, pedimos e
exortamos eficazmente, por palavras e afetos, pelas entranhas de Jesus Cristo nosso
135

Senhor, que os padres provinciais e os padres guardiães insistam e tomem seriamente


a peito este gravíssimo dever do cuidado dos jovens, como algo de que depende a
reforma ou a ruína de nossa religião, tomando conta não apenas das coisas graves,
mas também dos pequenos relaxamentos. E cuidem que tais jovens, recentemente
professos, não sejam demasiadamente ocupados com exercícios corporais, como não
raro acontece, mas se lhes concedam tempo e condições de se dedicarem à oração e
ao exercício da mortificação interior.

[Admissão ao Noviciado]

675. Considerando que a excessiva e precipitada recepção de noviços traz não


poucos danos à Ordem, ordenamos que, no capítulo, o padre provincial e os padres
definidores, refletindo juntos, determinem um número preciso de noviços que naquele
ano deverão ser recebidos, de acordo com as necessidades de sua província; e o
padre provincial não possa, de modo algum, ultrapassar o número fixado pelos padres.
E não queremos que o número seja aumentado em outras reuniões que, por
ventura, se façam , mas que se fique com o número estabelecido em capítulo. Mas, no
presente ano, onde forem celebrados capítulos, estabeleça-se a presente resolução
na primeira reunião pelo tempo que ainda resta.

676. Ordena-se que não sejam recebidos religiosos de outras religiões, exceto as
militares, sem expressa licença do muito reverendo padre geral. E não seja recebido
ninguém que não seja acompanhado por pelo menos seis meses, após ter
manifestado sua intenção ao padre provincial. Durante este tempo, tomem-se
informações a respeito de sua natureza e comportamento e se provará se a vocação
é, de fato, firme.

[Novas fundações]

677. Ordenamos, ainda, que não se receba nenhum lugar e nem se construa outro
novo, se, antes, todos os padres, unidamente, não tiverem dado permissão e obtido
licença do muito reverendo padre geral; e antes que tal licença chegue, não se
proponha em capítulo e nem se tomem votos.

[Capítulo das culpas]

678. Quanto às culpas, que sumamente ajudam para a manutenção da disciplina


regular, ordenamos que não se transcurem de ouvi-las nos dias ordinários, se não for
por algum impedimento e causa razoável. E, se os padres guardiães falharem
notavelmente nisso, sejam severamente punidos pelo padre provincial e, no capítulo
seguinte, não sejam mais refeitos guardiães, se os padres julgarem que eles não se
emendariam por sua fraqueza.

679. Os súditos suportem, humildemente, a correção de seus defeitos e, apelando


da penitência ordinária, imposta no refeitório ou em outro lugar pelos superiores locais,
ou não querendo assumi-las, ou fazendo notável e escandaloso ressentimento, o
padre provincial colocar-lhes-ão o caparão por tanto tempo que julgar oportuno, de
acordo com a qualidade do excesso.

[Hospitalidade fraterna]

680. Quando chegarem frades forasteiros não se descuide, de modo algum, do


caridoso ofício de lavar-lhes os pés, como negligentemente costuma acontecer por
parte de muitos, mas faça-se a eles o devido acolhimento, conforme requer a fraterna
caridade e ensina a nossa Regra.
136

Quando estiverem à mesa, os oficiais provejam-lhes tudo que for necessário para
sua refeição, observando, de tempo a tempo, que não lhe falte coisa alguma. Mas os
outros frades, a quem não cabe o ofício, retirem-se e não fiquem rodeando a mesa,
rindo, gracejando, contando piadas, conversas fiadas, transformando a santa
hospitalidade religiosa quase num alojamento secular e estrepitoso de taberna.

[Comportamento fora de casa]

681. Quando os frades saem de casa a fim de negociar qualquer coisa,


manifestem, primeiro, a seu superior todos os negócios que desejam tratar e os
lugares aonde querem ir. E, ocorrendo algum caso em que sejam constrangidos a
fazer qualquer outra coisa antes não pensada nem prevista por eles, assim que
chegarem em casa, devem manifestar tudo ao superior. E levem sempre consigo um
companheiro do lugar, com o qual se contentem sem discussão ou lamentação.

[Normas sobre a correspondência epistolar]

682. E porque a licença e liberdade de escrever cartas, que temerariamente


muitos se dão, é coisa não só distante de todo bom instituto religioso, mas, pelo
contrário, é ocasião de grandes inconvenientes e grave detrimento de nossa religião,
por isso, ordena-se que os padres provinciais e padres guardiães procurem, com
santo zelo, moderar este gravíssimo abuso e castigar com a devida severidade os
excessos que nesta parte se cometem.
Mas, em particular, ordena-se que todos os súditos que queiram escrever cartas a
outros que não são seus prelados, entreguem as cartas fechadas na mão do superior
que terá o cuidado de enviá-las ao destino. E semelhantemente, as cartas que são
enviadas a esses sejam consignadas como acima, ou por eles ou por outros, na mão
do mesmo superior, a fim de que sejam dadas aos seus destinatários por ele.

683. Ninguém ouse mandar ou de abrir cartas sem esta consignação. sob pena de
fazer disciplina no refeitório, vez por vez. E, observando o superior pelas cartas que
lhe são confiadas, que alguns de seus súditos cometem excessos no escrever, corrija-
os; e quem, corrigido, não se emendar, faça, vez por vez, disciplina no refeitório, da
qual o superior não pode dispensá-los. E esse excesso dos frades no escrever cartas,
queremos que em tudo e por tudo seja submetido ao julgamento do superior.

684. Os jovens, antes de completar sete anos de religião, peçam licença antes de
escrever; e, quando tiverem escrito, levem a carta, mostrando-a ao superior e, uma
vez vista e fechada, seja confiada ao mesmo para o devido despacho. E quem fizer
diferentemente, seja submetido às penas acima referidas.
Igualmente, queremos que sejam abertas todas as cartas remetidas aos ditos
jovens. E, para entregá-las ou retê-las, desejamos que seja prudente e discreto,
considerando bem a qualidade das cartas e fazendo aquilo que lhe parecer oportuno,
no Senhor. E se o padre guardião ou outro superior não fizer observar as ordens
supraditas, o padre provincial, na visita, faça-o fazer a disciplina no refeitório ou dar-
lhe-á outra penitência mais grave, conforme a gravidade do excesso.

685. E, para expulsar a vaidade e confusão dos títulos quando escrever,


ordenamos que, nos sobrescritos das cartas, ao padre geral e aos definidores gerais,
que estão em exercício ou estiveram, se dê o título de muito reverendo. Ao padre
provincial ou definidores provinciais, que estão no exercício ou estiveram, se dê
somente o de reverendo. Aos outros inferiores, de muito venerando ou venerando,
segundo a qualidade da pessoa. E àqueles que não são sacerdotes, dileto irmão, ou
mesmo, devoto religioso. E acrescente-se que, ao escrever, não se use o sobrenome
e nem o sinete da família; e os padres provinciais penitenciem os que fizerem o
137

contrário e tratem de eliminar, por todos os meios, tais sinetes ou coisas semelhantes,
vãs e seculares.

[Participação nas procissões]

686. Para prevenir os muitos clamores que de muitos lugares vieram por ocasião
das procissões, ordenamos que nas procissões, das quais nossos frades participam,
levem a cruz de acordo com a concessão a nós feita por “Breve” de sua santidade o
papa, Paulo V, que nos dá a faculdade de poder erguer a nossa cruz, conforme a
ordem de lugares prescrita por Gregório XIII na bula que inicia com Exposcit, na qual
se estabelece a ordem de precedência entre os mendicantes pela antiguidade da
fundação dos mosteiros; o mesmo foi determinado pela sagrada Congregação dos
Ritos e desde então foi observado aqui em Roma.
Cuidem, portanto, os frades, para evitar o escândalo entre os seculares, que nas
procissões não contendam e nem discutam por causa da precedência; mas,
humildemente, peçam aos ordinários o lugar que, por justiça, nos é devido. E, não
podendo obtê-lo sem discussão e altercações, contentem-se, segundo a doutrina de
Cristo, de permanecer no último lugar.

[Comissários e visitadores]

687. Ordenamos que os nossos comissários, daqui para frente, deixem o nome de
comissário, como nome curial e secular, e sejam chamados com o nome de
visitadores, conforme São Boaventura e ao antigo uso da religião; e não queremos
que possam ser eleitos provinciais nas províncias em que são enviados como
visitadores, exceto os permanentes, que por merecimento, julgamos não deverem ser
excluídos de tais eleições.

[Ingerências indébitas]

688. Declara-se, além disso, e ordena-se que nenhum frade possa e nem deva, de
modo nenhum, direta ou indiretamente, pedir aos noviços suas roupas seculares para
parentes ou para outras pessoas, nem se ingerir, sob qualquer pretexto, na
distribuição dos bens temporais aos outros, como expressamente manda nossa
Regra. E, se alguém fizer o contrário, queremos que seja severamente punido como
transgressor da Regra.

689. Porque ingerir-se em negócios seculares prejudica gravemente a


tranqüilidade religiosa, ordenamos que os frades não se intrometam, de modo algum,
em assunto de casamentos, nem de parentes e nem de quem quer que seja, sob
qualquer pretexto, sendo tais ingerências não só inconvenientes ao nosso estado,
mas, o mais das vezes, ocasiões de escândalo e prejuízo, com grave dano para a
religião. E quem fizer o contrário, seja punido pelo Padre Provincial de acordo com a
gravidade da falta.

[Pobreza: recusa de dinheiro]

690. Ordena-se, para conservar a limpidez de nossa regra e distanciar-nos, em


tudo, do uso do dinheiro, tão aborrecido pelo seráfico pai, que nas cidades e terras
onde estão nossos lugares, não se permita que secular nenhum receba esmolas
pecuniárias indefinidas para missas ou outros interesses, gastando-as, depois, em
comilanças ou em outras necessidades ocorrentes aos frades e exercendo o ofício de
síndico e procuradores dos conventos e, como tais, sendo conhecidos e chamados
pelo povo, com conhecimento e permissão dos frades. De qualquer modo, onde se
encontrar esta desordem, os padres provinciais sejam diligentíssimos em exterminá-lo,
138

de todos os modos, uma vez que ela causa prejuízo à pura observância da regra e à
boa fama de nossa religião.

691. E recordamos a todos os frades que o síndico, que, segundo declaração de


Nicolau III, é permitido a nós, não serve para outra coisa senão para vender alguma
coisa que não nos seja mais necessária e permutar seu preço por outras mercadorias
necessárias aos conventos. E, para fazer isso, não é necessário e não queremos ter
síndico permanente, mas, simplesmente, se houver necessidade para um caso
particular, nomeie-se um síndico para isso e cesse, de imediato, seu ofício.

[Frades apóstatas]

692. Ordenamos, ainda, que os padres provinciais, sempre que apostatar algum
frade de suas províncias, informem de imediato o muito reverendo procurador da
corte, descrevendo o lugar, a data e a ocasião da apostasia, quantas vezes já saiu da
religião e, também, a situação e o comportamento do frade, a fim de que tudo possa
ser registrado no livro dos apóstatas e, na ocasião, sejam tomadas em Roma as
decisões convenientes. E também todos os apóstatas sejam inscritos, como acima
referido, em livros apropriados nas províncias de onde saíram.

[Silêncio regular]

693. E porque em nossas constituições está registrada a perfeita observância da


Regra e da disciplina religiosa, ordenamos que tanto os padres provinciais quanto os
padres guardiães sejam diligentíssimos em fazê-las observar em todas as suas partes,
especialmente sobre o silêncio regular, sem o qual qualquer religião é vã, tão pouco
apreciado por muitos religiosos. Oneramos nisso suas consciências, se nisso forem
negligentes e não castigarem com a devida severidade aos transgressores. E nós, na
visitas, daremos singularíssima atenção às transgressões neste ponto. Queremos
também que estas nossas ordens sejam publicadas de viva voz pelos padres
provinciais e sejam deixadas cópias em todos os conventos e sejam lidas, ao menos,
uma vez por mês.

[Bênção de São Francisco]

694. Finalmente, ordena-se que, ao ler a bênção de São Francisco, colocada no


fim do Testamento, começando com as palavras: “Cada um observará estas coisas”
até o fim, todos os frades se levantem em pé, por reverência, e escutem devotamente
a santa bênção que o nosso seráfico pai nos dá na terra e no-la pede no céu, junto à
Santíssima Trindade.

[Estudantes e professores]

695. Declaração a respeito da quarta ordenação. Para tirar qualquer escrúpulo que
poderia nascer sobre a quarta ordenação dos estudantes, declaramos que, naquela
parte onde se requer dos padres para a aprovação para a pregação a fé juramentada
a respeito do bom comportamento e da vida dos estudantes, entende-se que tal
juramento deva ser dado de acordo com o conhecimento que os respectivos padres
tiverem; ou seja, o padre provincial e o padre leitor e se algum outro definidor
pertencesse à mesma família, o guardião de estudo, devem dar uma declaração
juramentada de acordo com o conhecimento prático e ocular que moralmente possam
ter.
Mas os outros sacerdotes que não possuem o mesmo conhecimento afirmem com
juramento a boa fama deles, ou, pelo menos, de não saber e não ter em mente
qualquer informação contrária.
139

696. De modo semelhante, declaramos que a suficiência, da qual os professores


têm que fazer declaração juramentada, não exige uma exatidão, mas contenha em si
uma certa flexibilidade moral secundum magis et minus68. Isso, porém, por tal fé, não
se entende que todos os estudantes tenham igual suficiência, sejam todos idôneos e
possam ser grandes professores e eminentes pregadores, mas basta que todos
tenham suficiente inteligência, que dominem convenientemente as artes e a teologia e
possam dar razão de sua doutrina e expor-se, sem perigo de erros, ao ministério da
pregação nos lugares onde forem enviados, de acordo com sua capacidade maior ou
menor e segundo o costume da religião e de acordo com a justa medida de cada um.

68
Trad.: segundo o mais e o menos.
140

Testemunho de Yves Magistri


Defesa de Vitória Colonna
Primeiras Cartas Circulares dos Gerais

Servus Gieben e Vincenzo Criscuolo


Tradução de Silvio Armigliato
141

1. Testemunho de Yves Magistri

697. Yves Magistri, nascido em Laval, entre os anos 1540 e 1550, fez-se frade
menor observante aos 29 de junho de 1563.
De 1569 a1571 visitou os conventos da Itália e depois os da Espanha e Portugal
em 1573: a austeridade de vida que descobriu o induziu a trabalhar pela reforma da
Ordem. Levou uma vida muito dinâmica e movimentada. Foi capelão das tropas
espanholas em Paris, no ano 1591, e desempenhou várias funções de pároco. Deixou
vários escritos, nos quais expõe as suas impressões sobre as várias reformas
franciscanas, louvando particularmente a vida fraterna e austera dos Capuchinhos.
Realmente, na sua viagem na Itália ele ficou profundamente impressionado pelo
seu modo de viver. Em Sena, encontrou um pequeno convento, baixo, só com o plano
térreo, pobre e austero. Em Roma, o convento lhe pareceu uma modesta habitação de
anacoretas. Em Bolonha, encontrou o geral dos Capuchinhos, Mário de Mercato
Saraceno, então enfermo, o qual nunca quis despojar-se da túnica na sua
hospitalização.
O observante francês tudo descreve com espírito de admiração e estima pela vida
pobre dos frades, porém, animada de sentimentos de verdadeiro Júbilo, espírito de
caridade fraterna e perfeita alegria.
Cita, em seguida, um trecho de sua obra "Ocularia et manipulus fratrum minorum"
impressa em Paris no ano 1582. O texto, considerado como uma clara defesa das
reformas franciscanas e, em particular, da Reforma Capuchinha, apresenta-se com
uma carta enviada ao novo geral da Ordem, Francisco Gonzaga, exortando-o
vivamente a favorecer a reforma no interior dos Observantes, apesar das resistências
e dificuldades.

I frati cappuccini II, l15-140

[Em defesa das reformas franciscanas]

696. Não creio que vossa paternidade reverendíssima esteja perturbada pelas
viagens na Espanha e na Itália, encontrando em diversas províncias tantos irmãos,
recoletos, reformados, descalços, capuchinhos que constantemente, dia e noite, se
lançam no caminho da sua profissão. Mas isto não se vê, reverendíssimo e
ilustríssimo padre, em nossa província, exceto em um convento; ainda mais, o que é
pior, impedem àqueles que procuram reformá-la, definindo-os como hipócritas,
cismáticos, singulares e ambiciosos. É que pensam que os que zelam pela reforma da
província sejam levados a agir por raiva, por não terem chegado ao fastígio do
provincialato no capítulo de Amboise ou de Argentan. Não me admiro disto, pois
arranjam sempre míseras desculpas para os seus pecados.
Mas para que saibam as vossas paternidades reverendíssimas, que eu assumi a
causa e as queixas dos ditos padres santos recoletos, reformados, capuchinhos e
descalços, irei aqui relatar levemente a vossas paternidades as virtudes e a santidade
dos frades daquelas províncias que visitei na minha longa viagem [...] para a
edificação dos presentes e dos futuros [...].

[Jejum e trabalho manual]

699. Sempre ele [São Francisco] observava o jejum da quaresma que Cristo
consagrou com seu santo jejum. O mesmo observei que fazem também muitos frades
descalços nos reinos de Castela e Portugal; e não só na Espanha, mas também na
Itália encontrei diversos conventos onde todos observam este jejum, especialmente
entre os Capuchinhos [...] Aqui se deve notar que os capuchinhos e os descalços não
deixam aos seculares cultivar a horta, mas eles mesmos o fazem; preparam a sua
refeição, cozinham e não admitem outras pessoas seculares. Para lavar os pratos e
142

tigelas observam a seguinte ordem: quem celebrou a missa conventual, naquele dia, a
ele toca lavar e os outros religiosos colaboram, seja manualmente, seja com a voz,
com a recitação dos salmos Miserere mei Deus secundum misericordiam tuam, De
profundis, com três orações, isto é, Deus qui inter apostolicos, Deus veniae largitor
fidelium. Terminadas essas orações, cada um deve recitar um Pater noster e Ave
Maria para aquele que preparou o almoço.
Este costume santo e louvável difundiu-se não só na Espanha, mas também entre
os Capuchinhos da Itália e os Observantes [...].

[A vida pobre dos Capuchinhos na Itália]

700. Reverendo Padre, julguei ser mais conveniente ilustrar estas minhas páginas
com os exemplos de suas obras que podem levar outros a imitá-los, em vez de
prolongar o discurso com rudes palavras. Peço-te, porém, incessantemente, reverendo
padre, que não pense que haja nisto alguma mentira. É claro e evidente que não pode
haver utilidade onde ha falsidade e ficção.
Voltando, pois, a falar desse instituto e continuando a exposição, narraremos
também virtudes dos frades Capuchinhos italianos e se pode dizer que imitam os
espanhóis. Se alguém quisesse pintar com pincel a sua vida, deveria verdadeiramente
retornar à primeira parte das Crônicas do nosso beatíssimo padre e lembrar a vida
daqueles seus primeiros companheiros. Parece-me que éa mesma.

701. Em Sena visitei o seu primeiro convento: era muito pobre e humilde, sem
nenhuma suntuosidade; não como os nossos que, às vezes, têm quatro andares e
lembram mais os palácios dos grandes príncipes que a habitação de pobres.Todos os
frades estavam observando o jejum quaresmal de São Miguel, introduzido pelo nosso
seráfico pai, antes de receber os estigmas de Cristo.
Não tinham celeiros ou adegas. A comida e a bebida a pediam e mendigavam
cada dia de porta em porta e isto, habitualmente, em todas as dezoito ou vinte
províncias dos Capuchinhos. Não fazem provisão de trigo ou de vinho, mas, como
homens verdadeiramente evangélicos, colocam todas as suas preocupações em Deus
que os alimenta abundantemente, na preocupação de não ultrapassar os limites da
santa pobreza que abraçaram pessoal e comunitariamente, como verdadeiros e
legítimos filhos de um tão grande pai.

702. Quando vi o seu convento em Roma, fiquei muito pasmado porque, mesmo
sendo suas casas em outros lugares bastante pequenas, pareceu-me estranho que
em Roma tenham construído e escolhido uma habitação tão modesta. Moravam lá
bem uns cem religiosos, mas não tinha a aparência de convento; lembra mais uma
espelunca, como aquelas dos antigos santos padres que habitavam nos desertos da
Síria ou da Tebaida, levando uma vida paupérrima. Encontrando-me à ceia com outros
hospedes, não havia quase nada para comer, nem carne, nem ovos, nem algum
peixe.
Que dizer de seus aposentos? Todos em geral dormiam sobre palhas, só cobertos
de sua pobre veste. O seu hábito, de fato, é pequeno, de pano vil a grosseiro; mais
cilício que hábito, poder-se-ia dizer. E este é usado não só no convento, mas em todas
as suas casas, por toda a parte. É o que observei nas províncias da Toscana, das
Marcas, na região veneta e ligúria e em toda a Lombardia. Mas como demorei
diversos dias na província de Romanha, como hóspede, vou contar alguma coisa que
lá observei.

703. Estando em Bolonha, adoeceu num convento o seu Ministro Geral, que já era
velho, de aspecto venerável, de barba branca e fluente; durante todo o tempo de sua
doença, não quis despojar-se de sua túnica ou vestir uma camisa e nunca usou lençol
143

de linho em seu leito. É um sistema que se usa por toda parte no cuidado dos seus
enfermos.
Que dizer da pobreza daquele convento? Embora residissem lá trinta frades,
devendo preparar, conforme a prescrição dos médicos, carne assada para os doentes,
não se encontrou em casa nenhum espeto de ferro; o cozinheiro teve que arranjar um
de pau para assar!
Como vos descrever, reverendo padre, os seus leitos? Basta dizer que em toda a
província, que compreende 23 conventos, nunca vi mais de duas ou três almofadas de
lã, para servir os doentes, Que mais disto?

704. Encontrando-me ainda naquela província, chegou o geral deles à cidade de


Imola. O guardião, com espírito de fraterna caridade, tinha arranjado uma cama com
uma espécie de colchão para o geral velho e adoentado. Este, logo que soube,
mandou imediatamente retirar aquele colchão e corrigiu o guardião como se tivesse
cometido uma falta grave.

705. Ainda assim, estando hospedado em Forlí, um dia chegaram dois venerandos
religiosos anciãos, ex-superiores de sua congregação. Tinham feito uma longa viagem
a pé, vinham do sacro convento do Alverne e a temperatura era pesada, pois foi no
mês de agosto. Para preparar-lhes uma refeição não se encontrava em casa a não ser
um pouco de pão, óleo e legumes. Com isso o guardião começou a socorrê-los,
enquanto furtivamente mandou uns frades a mendigar alguma coisa de melhor de
porta em porta.
E a sua humildade? Estes, durante todo o tempo de sua permanência, não
quiseram tomar um alimento ou fazer qualquer outra coisa sem a licença e a bênção
do superior.
Vem aqui a propósito falar das virtudes de outros superiores, sobretudo para que
os prelados da nossa mísera província aprendam a governar.

706. Na cidade de Ravena encontrei-me com um guardião tão humilde que


cultivava a horta; ia esmolar a comida para sustentar o convento; ele mesmo
cozinhava, preparava o alimento e vestia um único e simples habito; às mais das
vezes, jejuava a pão e água e, com freqüência, entregava-se à oração.
É realmente um trabalho pesado para esses frades Capuchinhos esmolar o
necessário de porta em porta cada dia! Ainda mais, de casa em casa, mendigam a
lenha indispensável para cozinhar, além dos diversos alimentos. Mas não costumam
pedir carne ou peixe, queijo ou ovos para os frades que gozam de boa saúde. Por
isso, encontrando-me com eles na solenidade de Todos os Santos, não havia sequer
um pedacinho de carne em casa.
No domingo da Qüinquagésima fui a Bolonha para o seu convento e, ao almoço,
só serviram umas favas. E os frades não ficaram tristes, antes passaram aqueles dias
em perfeita alegria.

707. Sempre na mesma província italiana, permaneci cinco meses com um


guardião que era irmão leigo. Não terminaria de dizer quanto ele era humilde. Sendo
embora superior de um convento importante, aparecia como o mais simples de todos.
Era sempre o primeiro a trabalhar e sempre o ultimo a assentar-se e a descansar,
mesmo depois dos jovens clérigos, seus súditos.
Há outra coisa maravilhosa: apesar de haver naquela casa frades italianos,
espanhóis, portugueses, sardos, alemães e franceses, vivem tão unidos entre si e tão
uniformes no comportamento que a gente acreditaria que fossem verdadeiros irmãos
gêmeos. Eu, indignamente, fui encarregado do ouvir suas confissões, conhecendo
muitas línguas: quase não havia matéria de absolvição, tanto eram inocentes e bons!
Verdadeiramente pareciam, como eram na realidade, filhos autênticos daquele nosso
seráfico pai que invoco com humildade para nós, como eficaz patrono diante da divina
144

clemência, para que vivendo virtuosamente nesta nossa ordem religiosa, mereçamos
tornar-nos herdeiros do reino celeste,

[ A austeridade de São Francisco, nosso modelo]

708. O nosso pai São Francisco, em toda a sua vida, não quis possuir nada, a não
ser a santíssima pobreza, esposa diletíssima e amantíssima do Senhor Jesus.
É prova disso o fato de que ele e seus seguidores estavam contentes com uma só
túnica, toda remendada exteriormente, com ceroulas e uma corda rude. Tudo o que
possuíam era colocado em comum e ninguém teria ousado dizer que fosse de sua
propriedade qualquer coisa, nem sequer um livro, o breviário ou o hábito, como lemos
no primeiro livro da primeira parte das Crônicas de nossa Ordem minorítica, as quais,
se Deus quiser, oferecerei traduzidas em francês, para que também os irmãos e as
irmãs possam ler e entender o sentido.

709. Quanto à comida, muitas vezes, se alimentavam só de pão e água e, às


vezes, de legumes da própria horta; e, se alguém caísse doente, era socorrido com
poucas e pequenas coisas e medicinas simples. A sua mesa era o chão. Sempre
assim fizeram, durante a vida de Francisco, comendo sentados em terra em Santa
Maria dos Anjos, porque se encontravam juntos, como lemos na citada obra das
Crônicas.
Prova-o ainda o fato que, quanto à sua alimentação, mendigavam somente o pão.
A este propósito, o santo pai dizia que ele nunca foi ladrão das esmolas dos pobres,
buscando-as ou usando-as sem necessidade; "sempre - dizia - aceitei menos do que
podia receber com a consciência tranqüila e assim agia para não defraudar os
pobres".
Outro argumento para provar é o seguinte: a terra nua era o seu leito e o
travesseiro, uma pedra ou um pedaço de madeira; e, seguidamente, dormiam
sentados. E para terminar, também se lê que aborreciam a moleza e delicadeza, a
exemplo de São João Batista e de muitos santos, ou, para melhor dizer, a exemplo do
Santo dos santos.

710. Eis aí o modo de viver desses nossos primeiros frades e sobretudo do nosso
seráfico pai Francisco, que de tal maneira maltratava o seu pequeno corpo a ponto de
sentir-se culpado por isso, no leito da morte. Com certeza, nós não chegaremos a este
ponto, a não ser que sejamos completamente extravagantes, porque não fugimos das
comodidades e delicadezas, como ele e os outros nossos pais.
Quanto aos nossos antigos frades fundadores e reformadores desta nossa Ordem,
chamada dos Frades da Regular Observância ou da Família, lemos ainda na terceira
parte das Crônicas, no livro sétimo, como escreve Frei Tiago das Marcas, homem
dotado de toda virtude e ciência, famoso por milagres na vida e na morte, sempre no
dizer das ditas Crônicas e como se admira também nas pinturas de Nápoles.

711. Este, indagado pelo seu irmão e companheiro para que lhe contasse alguma
coisa de edificante sobre a observância da Regra, como os frades viviam no seu
tempo, respondeu: "Quando entrei na Ordem, todos os frades andavam mendigando
de porta em porta a lenha e a carregavam nas costas e quantos feixes de lenha
carregamos! Todos trabalhavam na horta e andavam esmolando a pé. São Bernardino
e eu andávamos sempre juntos. Os frades então eram muito fervorosos no serviço de
Deus, tranqüilos e modestos, sempre prontos a reconciliar-se em fraternidade.
Raramente ultrapassavam a porta do convento.
Habitavam em paupérrimas choupanas e não faltava o necessário, embora,
mendigassem o pão uma só vez na semana. Cada um procurava jejuar para o outro e
passavam até seis meses sem provar um bocado de carne ou comer ovos.
145

Realizávamos nossos encontros capitulares sem comprar carne e não a comíamos, a


não ser que nos fosse oferecida espontaneamente.
Os frades doentes eram curados com receitas simples, como caldos de farinha e
sopa de pãp cozido. Água de cevada era a nossa bebida. E assim transcorriam as
festas mais solenes. Não faltavam nunca frades na igreja, dia e noite, sempre imersos
na oração, principalmente depois das matinas. Se os superiores transferiam um frade
de um convento para outro, todos o saudavam com doces e amáveis abraços e se
derretiam em pranto porque muito se queriam em Cristo”.

712. Do que foi dito, transparece a nossa mísera realidade e se constata como é
grande o nosso excesso na alimentação, quanta esquisitice, quanta ostentação nas
palavras, no comportamento, no modo de vestir. Excluo, porém, aqui a santa
congregação dos Capuchinhos ou dos descalços, os quais vivem a Regra à letra,
como já se notou.
Certamente os que professam a vida evangélica devem muito refletir com quanto
rigor e amor de Deus e exercício de oração se alcance a perfeição da altíssima
pobreza, infelizmente descuidada pela maior parte dos frades modernos.
Se os prelados e os súditos tivessem gravadas em seu coração as palavras de
São Tiago que diz: "Quem transgride em um só ponto, torna-se culpado de toda a lei"
(2,10), com certeza seriam mais diligentes para medicar a chaga, visto que não
adianta observarem a Regra de São Francisco, se faltam num ponto só, isto é, na
pobreza com relação ao hábito, aos calçados, ao dinheiro e outras coisas?
Certamente quanto à pena do dano não vale nada.

713. De que adianta a observância e o cumprimento de muitos estatutos, quando


não observo em nada o voto da pobreza evangélica e não aceito na máxima fidelidade
a possibilidade de recorrer ao dinheiro ou à pecúnia conforme as declarações dos
sumos pontífices, dos padres da Ordem e de outros santos?
Os frades que professaram nesta Ordem cuidem atentamente que, mais do que
qualquer outro, fizeram voto de seguir rigorosamente a vida de Cristo e dos apóstolos,
desde que não podem possuir nada em comum nem em particular, senão o simples
uso de fato, como precisa o doutor João Perrin, na primeira conclusão do seu tratado.
Considera como a transgressão de um só preceito do teu santo voto apostólico, te
torna infeliz já nesta vida, para não dizer, é evidente, na futura, porque te priva de todo
bem e de todos os méritos acumulados nesta vida e também de todas as virtudes e
graças com que Deus te havia enriquecido.

[Sentenças de alguns capuchinhos sobre a pobreza]

714. Tome nota, te digo, pois os padres que agora te apresento, isto é, Frei
Bernardino de Asti, exímio teólogo, que por nove anos foi Ministro Geral dos
Capuchinhos; e Eusébio de Ancona, da mesma dignidade e do mesmo período, e Frei
José de Milão e Jerônimo de Pistoia, teólogo parisiense, e o padre Tittelmans que
faleceu enquanto era provincial de Roma; e Frei Honório de Toscana, ministro da
província de Romanha, famoso pelos milagres depois da morte, como eu mesmo
constatei na fértil Bolonha; todos estes foram duas ou três e alguns deles também
quatro e mais vezes provinciais e todos eram grandes teólogos. E já tinham sido
franciscanos ou da família dos Observantes ou Conventuais antes de passar para a
santa congregação capuchinha. Pois bem, esses foram sempre deste parecer, ou
melhor, todos os frades da congregação dos Capuchinhos assim pensam, que não
nos é licito, absolutamente, alimentar-nos de carne ou de peixe quando bastam e são
disponíveis legumes, azeite ou outros alimentos dos pobres. Quem age ao contrário
peca contra a Regra no voto de pobreza e também contra o preceito da pecúnia.
No Capítulo Geral de Roma a dita congregação dos Capuchinhos ordenou que
nenhum frade capuchinho, por motivo nenhum, fosse esmolar queijo, peixe, manteiga
146

e outros laticínios, a não ser para os doentes, os itinerantes e os idosos. Contudo, se


estas coisas fossem oferecidas espontaneamente, então poder-se-ia recebê-las, mas
não em grande quantidade. Assim estabeleceram para conservar a altíssima pobreza
evangélica. Li os seus estatutos gerais redigidos em Roma.

715. Mas ai de nós, infelizes, que ainda não cansamos de ofender a Deus e ainda
não somos capazes de sofrer qualquer incômodo por seu amor, pois é certo que não
apreciaríamos tanto as coisas que temos, quanto as estimaríamos, se nos
esquecêssemos de nós mesmos e lançássemos todas as nossas preocupações no
Senhor e pensássemos em Deus apenas.
O motivo de nossa incapacidade para cumprir tais coisas é que queremos servir a
dois senhores: a Deus e ao dinheiro, pobreza e superfluidade, ventre e espírito.
Se somos filhos de Abraão, façamos as suas obras! O nosso pai e os seus
primeiros companheiros contentavam-se com poucas coisas e vis, como já dissemos;
muitas vezes, sustentavam-se com um pouco de pão e água, oxalá com alguns frutos
da horta, julgando-se mais felizes ao colher umas espigas como os apóstolos, que ter
panelas cheias de carne como os egípcios.
De que adianta ao frade menor ter deixado no mundo riquezas, rendas, vinhedos,
campos e outras propriedades, se depois, na religião, pretende ter vinho, pão, carne
de capado, frango, leitão e mais coisas e em abundância, como os ricos do mundo, e
continuamente se preocupa por adquirir essas coisas, que são abertamente contra a
nossa Regra, segundo Nicolau III, Ubertino e a Serena Cosciencia; de acordo com
eles, o pão quotidiano dos frades deve ser procurado com esmolas, diariamente,
mendigando de porta em porta.

[Se o frade menor pode passar para religiões mais rigorosas]

716. O frade menor não pode passar a Ordens não mendicantes, exceto aos
cartuxos, e quem faz o contrário, é excomungado. Veja Martinho V no Concilio de
Constança, em Estravag. que inicia com Viam ambitiose. Mas São Boaventura, o
beato Bernardino de Arevalo e Frei Garcia sustentam a opinião que não pode desde
que se observe a Regra puramente e à letra.
Por isso eu penso que os frades Conventuais e os frades ditos da família da
Observância, que não observam a Regra puramente e à letra, podem, em consciência,
entrar nas fileiras dos cartuxos, contanto que tenham antes procurado ir aos
Capuchinhos ou descalços ou recoletos. Se estes não o aceitassem, então poderiam.
Mas reflitam antes e provejam se há possibilidade de entrar nesses institutos ou dos
descalços, ou dos recoletos ou dos Capuchinhos, porque, eu penso, nestes se
observa a Regra sem glosas: eles mesmos o demonstram com fatos que todos podem
ver.

[O recurso aos amigos espirituais]

717. Pelo que ficou dito, deve-se aceitar que é um grande risco procurar e comprar
carne ou peixe sem verdadeira e manifesta necessidade, ou exigir o valor dos amigos
espirituais ou dos benfeitores. Assim sempre entenderam e entendem todos os frades
capuchinhos e os descalços. Pelo menos, assim sempre me disseram e eu soube.
São do mesmo parecer os nossos fundadores da Observância [...].
Os frades menores descalços do reino de Castela e também de Portugal, bem
assim a reforma dos Capuchinhos, como acenei acima, vivem a Regra à letra sem
comentários; e nunca falta a graça e a ajuda do Alto para ter e observar um uso pobre
e. estrito das coisas, como desejam.

[Ânimo para abraçar a reforma]


147

718. Frades meus, se acaso duvidais por serdes poucos para iniciar uma tal
empresa, isto é, a santa reforma de nossa Ordem e da nossa vida, perscrutai as
Escrituras e encontrareis no primeiro livro da terceira parte das Crônicas de nossa
Ordem, quantos seguidores tinha aquele homem apostólico, embora leigo, o bem-
aventurado Frei Paulo Trinci, quando deu inicio a celebre reforma da Regular
Observância. O mesmo vale para o bem-aventurado Mateus, reformador da religião
para a verdadeira norma, estado e hábito primitivo da Ordem. Ele, com poucos frades,
iniciou a congregação dos reverendos padres e irmãos nossos capuchinhos, tão
grande e famosa. O mesmo aconteceu com o bem aventurado Pedro de Alcântara,
que encaminhou e fundou as províncias dos descalços.
De resto, que diz Deus por meio do profeta (Jer 23,3-4): "Eu mesmo vou reunir o
resto de minhas ovelhas (isto é, os que zelam pelo próprio estado) de todos os países
(isto é, de todas as províncias e conventos), vão crescer e multiplicar (como se vê nos
nossos irmãos) e colocarei à frente deles pastores que delas cuidem (como, fora de
dúvida, desejará fazer o nosso reverendíssimo padre) e não tenham jamais medo ou
susto (contanto que observem os votos feitos) porque eu sou o seu protetor, diz o
Senhor". Consolai-vos com estas palavras, meus caríssimos irmãos.

[A perseguição é a prova da verdadeira reforma]

719. Padres meus, o ouro não é puro e ótimo, como sabeis, se não é provado com
o fogo. Assim o Senhor colocou à prova os seus eleitos, como ouro no cadinho, e
depois os acolheu como holocausto e vitima. Temos lido que a barquinha de Pedro
também foi muito sacudida pelas ondas dos heréticos e de outros inúmeros perversos,
mas não se conseguiu jamais fazê-la naufragar, porque, segundo promessa do Senhor
Jesus, sua Cabeça, as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Assim acontece
com os zelantes da Regra e vida da própria Ordem. Quando me lembro daquelas
palavras que, muitas vezes, me dizia o meu venerando leitor e padre Frei Francisco
Juhée, sinto em mim uma grande alegria e esperança.. "Meu filho, dizia, se no
encontro de Baume e no Capítulo Geral de Paris tivessem logo acolhido o nosso
pedido (de recoletos e reformados) de fundar casas de recolhimento, também se não
tivéssemos sido colocados na berlinda, não teria aparecido nenhuma virtude
verdadeira; mas quanto maiores foram as contradições e controvérsias, tanto mais o
desejo de reforma se arraigou em nossos corações".

720. O mesmo aconteceu com os Capuchinhos, quando chegaram até nós. Tendo
começado construir no subúrbio de Santo Honorato em Paris aquela sua celebre casa,
digo célebre casa e sagrado domicílio, porque construído conforme o primitivo
costume da Ordem e a intenção do nosso beatíssimo e seráfico pai, Francisco, em
que consistia aquela casa e o sustento dos ditos frades, como eu vi com os meus
olhos (Deus sabe que não minto). Se quisesse ainda descrever a vida virtuosa
daqueles santos padres e irmãos que conheci nos dois meses que passei no seu
convento, tendo voltado, há pouco, da Espanha, nem que tivesse cem línguas, não
seria capaz de narrar mesmo uma mínima parte de sua vida austera.
Cada um poderá verificar pessoalmente. É o que eu vos aconselharia. O pobre do
guardião daqueles frades foi preso por um superior de nossa Ordem e trancado no
cárcere Mamertino. Mas, com o auxilio de Deus, ele escapou salvo das ameaças de
seus adversários. Que devo dizer da sua paciência e sofrimentos? Quem poderia
descrever o que fez contra eles o bispo daquela cidade? E também o chanceler real e
o primeiro presidente, induzidos por alguns dos nossos religiosos? Agora, porém, os
seus inimigos tornaram-se seus protetores. Nada de mais, desde que sempre assim
sucede àqueles que servem dignamente o Senhor.

721. Lede com empenho e atentamente a seguinte transcrição das Quaerimoniae


apresentadas no Concilio de Constança e um exemplar das conclusões da
148

Universidade de Paris e descobrireis o caminho e o modo com que os nossos padres


e os nossos conventos foram laureados e com quais virtudes e como corajosamente
se opuseram e resistiram as tempestades desencadeadas contra eles.
E então, se de fato sois filhos de Abraão, fazei as suas obras. Quanto mais um
vaso é esfregado, tanto mais brilha. Assim os bons e perfeitos religiosos, bem firmes
na fé, são estáveis e constantes.

II. Vitória Colonna defende os Capuchinhos

722. São conhecidos os grandes méritos, sob vários aspectos fundamentais, da


duquesa de Pescara, em favor dos Capuchinhos: deve-se a ela uma grande estima,
comunicada também a outras altas personagens do seu tempo, para com a nova
Reforma, bem de acordo com as suas pessoais inclinações de renovação e reforma
da Igreja e urna apaixonada defesa da vida e das atitudes dos frades contra
indiscriminados ataques externos.
O documento que aqui vai ser apresentado é um escrito de Vitória Colonna ao
Cardeal Gaspar Contarini, também ele favorável aos movimentos de renovação
religiosa.
Mais que uma Carta, é uma vigorosa apologia da Reforma Capuchinha, da qual
defende a conformidade doutrinal aos requisitos do Evangelho e a santidade do vida
dos frades.
As acusações feitas aos Capuchinhos podem esquematicamente ser assim
sintetizadas: eles são luteranos porque pregam a liberdade do espírito, são submissos
aos ordinários diocesanos, não têm aprovação da Santa Sé, não obedecem ao
Ministro Geral, recebem religiosos de outras obediências, vestem um hábito
estranhamente muito diferente daquele usado por outros franciscanos.

723. Não foi difícil para Vitória Colona desmantelar uma a uma as insustentáveis
acusações formuladas contra os Capuchinhos, de origem mais passional que de um
julgamento sereno sobre suas atitudes.
Elas são todas rejeitadas, sobretudo se, como parecia, pretendiam golpear, no
coração, a Reforma Capuchinha, tentando sinuosas ligações entre eles e os
reformados, para sujeitá-los, depois, todos ao Ministro Geral dos Observantes.
Os próprios Observantes, ademais, que tantas dificuldades vão criando para a
nova reforma, não são isentos de infinitas imperfeições e levam uma vida nem sempre
conforme o espírito do fundador.
Este escrito, talvez, seja a página mais bela e inspirada da marquesa e uma das
melhores interpretações do espírito e da vida capuchinha das origens.

I frati cappuccini II, 216-227

724. Reverendíssimo senhor.


A devoção que tenho ao glorioso São Francisco, o apelo da consciência, com a
confiança que me transmite a bondade de vossa senhoria, me garantem que não
atribuirão o meu escrito à presunção, mas à devoção; não à temeridade, mas ao zelo
da verdade. E quanto a feminil ignorância e ousadia excessiva me tiram de crédito,
tanto a razão e o único interesse cristão, que me move, concede-me a autoridade.

["A perfeitíssima vida de setecentos frades"]

725. Pensava, reverendíssimo senhor, que as coisas por dez anos provadas, não
precisassem prová-las cada dia com palavras; pois, como Nosso Senhor disse: "As
obras que eu faço, elas dão testemunho de mim" (Jo 5,36). Daí para que a
perfeitíssima vida de setecentos frades, verdadeiros mendicantes, louvada já por todas
as cidades da Itália, não pairasse dúvida em ninguém, principalmente naqueles que,
149

há mais de cinco anos, diziam que queriam ver ainda outro ano como esta reforma
seguiria. E com isto, fechar a porta para que os frades da Observância não pudessem
vir, dizendo que aqueles se reformariam e estes não poderiam prosseguir. E assim,
com a porta aberta com a porta fechada, sempre deram a entender que a Observância
se reformaria. Mas, como se vê, claramente, aquela está continuamente relaxada e
esta, continuamente aumentada em ordem, em espírito, em numero de perfeitíssimos
e doutíssimos padres, assim que vossas senhorias deveriam já estar certos que é obra
de Cristo.
E os santos capítulos deles acompanhados por um reverendíssimo cardeal, e da
primeira ordem, além de outras dignas qualidades que lhes dão crédito, os
inumeráveis bons exemplos, as humildes e sábias pregações, não lhes fosse motivo
de renovar suas mágoas. Daí se conhece que alguns, não por ignorar a verdade, mas
pela dor da verdade, procuram cansá-los e fazer crer que estão em divergência, ódio e
erros. Mas no final este ouro no fogo se purifica e as lenhas das suas insídias se
consomem.

[Oposições e acusações contra os Capuchinhos]

726. Muitas coisas me disseram que se opõem, mas que, colocando-nos diante de
Cristo e de São Francisco, serão resolvidas. Em primeiro lugar, parecem luteranos,
porque prezam a liberdade do espírito; que não são subordinados aos ordinários do
lugar; que não têm escritos; que não obedecem ao Ministro Geral; que vestem um
hábito diferente; e que aceitam os frades da Observância.

1. [Parecem luteranos porque pregam a liberdade do espírito]

727. Quanto à primeira acusação, responde-se que, se São Francisco foi herege,
os seus imitadores são luteranos. E se pregar a liberdade sobre os vícios, mas
submissos às ordens da Santa. Igreja, chama-se erro, também seria erro observar o
Evangelho que fala em muitos lugares:"O Espírito é que vivifica” (Jo 6, 64) etc. Além
do mais, quem assim fala, prova abertamente que não entendeu a sua pregação; se a
entendessem e a praticassem um pouco, entendessem a sua humildade, a pobreza, a
vida, o exemplos, os costumes e a caridade, ser-lhe-iam tão devotos, que chorariam
por fazê-los vir a quatrocentas milhas sem nenhuma necessidade, e levá-los cada dia
aos tribunais, cansados, só para poder em paz observar a sua pobreza

2. [Estão subordinados aos ordinários do lugar]

728. Quanto à segunda acusação de estarem subordinados aos ordinários,


responde-se que jamais se fez uma obra mais humilde e mais cristã do que esta.
Ainda bastaria dizer que quem lastima esta ordenação, vai contra a mente de São
Francisco, o qual no seu tempo colocou esta mesma observância, contudo, esses
mesmos, como aqueles que não buscam outra coisa que voltar à pureza da Regra e à
simples intenção de seu autor, não secretamente, mas em público capítulo por eles
ultimamente celebrado, não só renovaram este artigo; mas sendo já corrompido por
outros, restauraram-no e reintegraram-no à primitiva observância. Isto é, submeter-se,
primeiramente, à santidade de nosso Senhor, como à cabeça, se querem estar na
obediência dos prelados, como fazem os membros de tal cabeça.
Há muito mais humildade e devoção dos que amam e observam e querem estar
sujeitos à cabeça com todos os membros, do que aqueles que querem e falam de
outra maneira, principalmente, verificando o escândalo que provoca e a ruína das
almas que esta discórdia e discussão que acontece todo o dia na cidade e na diocese.
É o que escuto de senhores que têm verdadeira experiência.

3. ["Não têm escritos"]


150

729. A respeito dos escritos, responde-se que todos os que foram publicados na
Ordem de São Francisco em tantos anos, isto é, aqueles que se restringem e se
referem à observância da Regra, todos são dirigidos a estes padres (Capuchinhos),
como aqueles que se esforçam, quanto é possível, observá-los puramente. Há mais.
Têm a cópia autêntica da bula concedida a esta congregação pela santa memória do
Papa Clemente, a qual não é dirigida a particulares, como foram muitos escritos de
papas passados. E mais, os breves que confirmam o capítulo e o atual vigário; e
outros breves.
Contudo os milagrosos escritos que eles têm são as ardentíssimas obras que
manifestam cada um dos mesmos e todos juntos terem a bula das chagas de Cristo no
coração e os breves dos estigmas de São Francisco na mente, confirmados pelas
inúmeras bênçãos que, cada dia, recebem da santidade de nosso senhor. E aceitam
todos aqueles escritos que podem levar à estrita observância da Regra; e aqueles
que, de algum modo a relaxam, a todos renunciaram e renunciam.

4. ["Não obedecem ao Ministro Geral"]

730. Que não obedecem ao Ministro Geral, responde-se que se vê, se prova, se
sabe que a religião da Observância tem necessidade de reforma e, em três capítulos
gerais, concluíram pela reforma e não a fizeram e nem a puderam fazer.
Ainda mais, nos capítulos provinciais, foi dissipado e arrancado desde a raiz todo
principio de reforma. Sobre isto, há uma bula do Papa Clemente, de santa memória,
que a ordena e dois breves de sua santidade: um impetrado por eles e outro por estes.
Sim que evidentemente têm necessidade de reforma. E porque todas as reformas
feitas entre eles foram inutilizadas e esta só que não lhe é sujeita, cresce e precisa
que seja separada.
Pois, como vossas senhorias reverendíssimas sabem, aqueles que não aceitam a
reforma em si mesmos, também não a aceitam nos outros, porque parece que aquele
branco descubra o negro deles. E esta é a principal causa de tanta perseguição contra
estes.

731. Ora, se não os podem aceitar ausentes, como suportá-los presentes? Melhor,
eles os prendem para desgastá-los, de sorte que, ou fujam ou convivam com os
outros, só apelando para Deus que por sua piedade os atende.
E o reverendíssimo cardeal da Santa Croce sabe quanto ele se interessava para
que a Ordem se reformasse; e não entendo, agora, porque queira malbaratar, impedir
e arruinar aquela obra a que, pode-se dizer, sua senhoria reverendíssima deu inicio;
principalmente sabendo quem de uns anos para cá sempre foi relaxando, como se vê
publicamente, no habito, nas cerimônias, nas oficinas, nas músicas, nos testamentos
que aceitam, na maneira de conservar as coisas, aparecendo como proprietários,
pode-se entender aquilo que por honestidade se cala. Mas são coisas contrárias a
toda reforma, ainda muitas outras coisas que lhe desagradam e que, pelo amor de
Deus e zelo da verdade, dirão eles mesmos a vossas senhorias reverendíssimas.

732. Mais, além do Ministro Geral, a quem estes obedecem, em primeiro lugar, é a
São Francisco. Se aqueles obtiveram mudança no seu propósito, para não cair em
contradição no seu fácil modo de viver; estes, para viver mais estritamente e em paz,
obtiveram outra coisa.
Não que este Ministro Geral seja melhor do que aquele, mas porque este não lhes
impede, não os embaraça e não os odeia.
O máximo que se observa neste santo generalato, é que os ofendeu e os ofende;
e aquela ambição é a causa de todo mal. Estes pobres padres prefeririam andar pelas
selvas, antes que correr o risco da própria ruína.
151

E sabe-se que não é por um pouco de humildade que se submetem a todo o


mundo, mas para não serem impedidos e nem removidos de tão santo propósito.
Até penso que seja obrigada toda boa pessoa e tanto mais a sua santidade e
vossas senhorias reverendíssimas, favorecê-los, defendê-los e proibir tudo o que
possa criar suspeita, nada que contrarie o que prometeram a Deus e a São Francisco,
que sem temor possam observar tranqüilamente.
Parece que é uma disputa de ambição querer que sejam diretamente sujeitos para
a sua ruína e não indiretamente, como estão , para sobreviver.

5. ["Aceitam os frades da Observância"]

733. Quanto a receber frades, que é, no meu entender, unde orta est haec
tempestas69, isto é, querer fechar, mais do que Deus o quer, esta porta, além de
outras causas que existem, o que me faz temer é que quem o faz, desagrade a Deus,
devendo lembrar aquela palavra do Senhor: Vae vobis qui clauditis regnum
coelorum70(Mt 23,12). Há tantas obrigações pelas quais devemos todos nos ajudar,
nos estimular, nos entusiasmar no caminho do Senhor e as Ordens religiosas, na sua
profissão, deveriam andar pedindo frade por frade, secular por secular, para que se
reformasse... Não posso entender porque São Francisco tenha menos sorte que os
outros santos nesta matéria.
Como vossas reverendíssimas sabem, na Ordem de São Bento, há umas dez
reformas, todas separadas, até se vestem do branco para mais se distinguirem do
preto; e é necessária, de toda maneira, a separação.
Santo Agostinho e todas as congregações agostinianas fizeram a sua reforma.
Ora, qual a maravilha que São Francisco queira que por duas vezes sejam reformados
os seus frades: a primeira, mediocremente, esta outra perfeitamente; e que o seu
hábito, a sua Regra evangélica, sem glosa, se observe em nossos tempos e que seja
excluída toda presunção de fundador e de vaidades.
Embora fosse um Frei Mateus, santíssimo homem, que começou esta reforma, o
qual vive hoje e está entre esses padres sem se preocupar de ambição, pois andava
pregando quando foi feita a bula da santa memória de Clemente.
Digo,pois, que São Francisco é o Fundador, e estes não têm outro guia, nem
caminham sob outra orientação.

734. Sabem as vossas senhorias reverendíssimas quanto o monsenhor Santa


Croce exagera sobre o escândalo que dá a entender que possa nascer por causa da
reforma destes pobrezinhos. Não é tanto quanto ele o imagina e aumenta.
Pelo contrário, é grandíssima a edificação e a utilidade para toda a Ordem de São
Francisco; e para dois terços dos Frades Observantes, não vou dizer mais nada que
poderia dizer e que desagrada a perseguição que se faz e eles. Cada dia, escrevem
que rezemos instantemente a Deus para que possam livremente realizar a reforma; e
por amor a Deus pedem que resistam à perseguição, que insistam pela caridade
fraterna a ajudá-los; porque para eles é proibido falar, precisa que escrevam em
segredo.
E até o cárcere, as cruzes, as ameaças são tais que lhes convém mostrar-se
inimigos dos Capuchinhos e da verdadeira observância que a Deus prometeram.
E se vossas senhorias reverendíssimas estivessem no coração deles, que sabem
qual foi o seu sofrimento enquanto ali viveram aguardando uma oportunidade para
abraçar esta reforma, que não há nenhum deles que não tenha esperado dez, doze e
vinte anos, com a esperança que lá se reformassem, teriam deles compaixão quando
são recebidos.

69
Trad.: o lugar de onde vem essa tempestade.
70
Trad.: ai de vós que fechais o reino dos céus.
152

735. E se o reverendíssimo protetor e os dez que governam considerassem a


questão de outro modo, não teria havido jamais uma palavra, principalmente se
dissessem: "Estes são nossos irmãos, filhos do mesmo pai, têm uma vida mais
austera, Deus os inspira e lhes dá força para observar aquela austeridade que no
início foi ordenada; não queremos impedir aqueles que querem segui-los, até nos
alegramos de ver a nossa Regra na primitiva pureza; e nós, pouco a pouco, pelo
menos iremos reduzindo nossas glosas da Regra".
Ficaríamos todos tranqüilos e satisfeitos, porque na Ordem de São Francisco
haveria o bom, o melhor e o ótimo. E caso não se possa levar as outras reformas ao
que convém, pelo menos não se ofenda esta que é a mais perfeita, o que seria indício
de pouca vontade no serviço de Deus, no viver cristão e na pureza evangélica e na
Regra prometida.
E não se diga perda aquilo que é evidente ganho para a Igreja de Deus.

736. Se aqueles que da Observância vêm a esta vida apertada, vão com certeza a
São Francisco.... Que prejuízo acontece disto para Deus, para a sua santidade e para
a Ordem?
Ou são bons ou são maus os que vão para a reforma.
Se são bons, é sinal evidente que entre os mesmos não podem observar bem a
sua Regra. Se são maus, devem procurar se purificar desta falha na sua observância.
Ou vêm por espírito, ou vêm por indignação. Se por espírito, é pecado muito grande
impedi-los. Se por indignação, felicíssima indignação que depois os faz viver tão
perfeitamente, como se vê.
Embora esta seja uma objeção falsa, não se pode crer que, para fugir de uma
disciplina, abracem uma penitência perpétua; e por uma ambição de não ter um oficio
(como dizem), vão perder para sempre toda ostentação de oficio e de ambição.
Também São Francisco não pede que se viva a sua Regra com cárcere, mortes e
torturas, mas com humildade, pobreza e caridade.
Quem recusa a obediência por caridade tem tão pouco amor, que não irá aonde
não há outra coisa que amor e caridade, principalmente porque há mil modos de fugir
dela, como se vê que, cada ano, saem uns quatrocentos para outros hábitos que não
de São Francisco.
Donde se percebe que não se lamenta ir os frades à perfeição, mas a pena de não
dar a entender de serem os primeiros na vida estreita, como aconteceu há muitos
anos e causou grande rumor.

737. Mas Deus não quer que aquela prata não se diferencie agora daquele ouro; e
que por vinte frades que têm esta fantasia, se consinta que centenas de pessoas,
cada dia, enganem a Deus, a profissão, o voto que fazem e todo o mundo; coisa que
causa sofrimento na grande maioria da vida religiosa. E quase em todas as cidades,
quando observam bem a situação, dizem àqueles da Observância que avaliem
retamente e aos Capuchinhos que vão vesti-los.
De fato, não sei porque, com raciocínios humanos, se desprezam os divinos; com
novas leis, rasgam-se as antigas e santas constituições da Igreja, que permitem
reprimir a qualquer pessoa regular e a ótima intenção de nosso senhor que os
defendeu, como cardeal e o Papa, que os lamenta pelo aborrecimento que lhes
causam. De maneira que, se se fecha novamente, será a ruína de todos os bons.
Portanto, é melhor resolver com a razão, com Cristo, com Paulo, com as leis do que
prejudicar com nosso julgamento.

6. [Os Capuchinhos "crescem em número e perfeição"]

738. Na situação em que estes se encontram, verifica-se o admirável benefício


que prestam e quanto crescem em número e perfeição. Eu não sei como vossas
senhorias reverendíssimas não receiam pôr a mão e mudar uma coisa mínima de sua
153

vida e de seu ser. Eles não pedem grandeza, não querem ser ricos; só pelo amor das
Chagas de Cristo e dos Estigmas de seu pai suplicam que lhes seja permitido
permanecer na tranqüila paz de Deus e na verdadeira observância da sua Regra.
É certo que, ao incomodá-los, a cada dia, surgem três gravíssimos inconvenientes.
Primeiro: Favorecer, estimular e alimentar os relaxados no seu estado e
comodidade e fazê-los aparecer como invejosos, soberbos, ambiciosos, faltos de
caridade e de razão.
Segundo: O mal-estar que se espalha em todas as cidades da Itália e fora da
Itália, onde estes já são conhecidos e que haja tanta repugnância à ótima vida deles;
porque cada um vê as suas boas obras, mas nem todos entendem o canto da sereia
que os ofende.
Terceiro: Porque se não mais se falasse, aqueles, para não cair, emendar-se-iam
pouco a pouco; e estes, para manter-se, aceitariam pouquíssimos e todos fervorosos,
como já expressamente determinaram neste capítulo.

739. Sim, por amor do Deus e do oficio de vossas senhorias reverendíssimas,


queiram ajudá-los. E sabemos que precisaria conversar com os anjos para observar
esta santa Regra. Como podem estar todos em combustão no fogo sem queimar? E
se não fosse a vontade de Deus que assim simplesmente se observasse, nem aquele
grande santo a teria escrita, nem aquele bom Papa teria aprovado, nem tantas vezes
seria reformada. Ainda, quando o Papa inicialmente a aprovou, houve alguma objeção
de cardeais e um cardeal, inspirado por Deus, disse: “Se Vossa Santidade não aprova
esta Regra, precisa negar o Evangelho de Cristo em que é fundada”. Ora, quanto bem
infinito fez aquela simples palavra, falando de coisa de futuro incerto, e quanto
infinitamente mais poderão fazer as palavras de vossas senhorias reverendíssimas,
louvando esta reforma, já, há dez anos, estabelecida, conservada e crescida.
Esta é a verdadeira vocação, para a qual são chamados todos os frades de São
Francisco. Essas fervorosas pregações podem ser de utilidade para a Igreja. Pois eu
não acredito que Deus permita esta inútil tribulação, a não ser para que a sua luz
penetre mais intimamente nos olhos de vossas senhorias reverendíssimas e outros se
tornem capazes de, pacificamente, rezar por sua santidade e por vossas senhorias
reverendíssimas: e não tenham pretexto de andar exclamando e chorando a Deus e à
sua santidade por esta culpa; nem se dê oportunidade de alegria para tantos hereges
que há; que se vê hoje no mundo como está e a quantas coisas das quais se deve
cuidar.
E este único nervo da fé de Cristo, do serviço de sua santidade e da Igreja se quer
romper ou atenuar, é o que se deve extremamente evitar pela prudência das vossas
senhorias reverendíssimas.

7. ["Usam um hábito diferente"]

740. A respeito do hábito, parece-me a queixa tão imprópria que nem merece
resposta. Incrível! Aceitam-se mil hábitos licenciosos, admitem-se mil variedades nas
congregações fundadas sem propósito; tolera-se que para parecer um guelfo, outro
gibelino, ostentem os penachos contra excomunhão e estes não podem renovar o
hábito do seu glorioso pai, o qual, por aparecer tão desprezado e pobre, incute
grandíssima devoção no mundo.
Ainda mais. Não há frade devoto que sob aquele capuz não suporte qualquer
fadiga, pensando em quem a sofreu e contenta-se com uma pequena cela, onde pode
meditar as próprias fadigas. E não sem motivo aquele frade santo o vestiu e depois de
sessenta anos; é o que as imagens, selos, relíquias e pinturas o demonstram
claramente.

741. Ora, que razão há para mudar a obediência, quando, há já dez anos, estes
vivem com suma perfeição para satisfazer a ambição daqueles aos quais se sabe o
154

dano que lhes causou e lhes causa o generalato? Que conveniência exige que se falte
à lei, às antigas constituições, à caridade, à razão destes, porque se receia o
incômodo humano para ingressar numa vida apertada? E que consciência aceita que
se tire a devoção do hábito desses por causa da paixão daqueles?
Meu reverendíssimo senhor, os Capuchinhos não os prejudicam, antes os
edificam. Causou-lhes grande mal o cardeal protetor, o Ministro Geral e o favor do
dinheiro e das indulgências. Cuidem de corrigir as próprias superfluidades e os erros e
deixem em paz estes pobrezinhos.
E vossa senhoria que mais conhece, não será escusada diante de Deus se o
respeeito humano o impedir, uma vez que Cristo não teve medo para morrer por nós.

Serva de vossa senhoria reverendíssima


A Marquesa de Pescara

(no verso) Ao Reverendíssimo monsenhor Catarino


Sei bem que não precisava mandá-la a vossa senhoria, mas por amor a Cristo,
tenha a paciência de lê-la quando puder.

Carta Circular de Bernardino de Asti

742. Bernardino de Asti, homem de grande prestígio junto aos Observantes,


tornou-se um dos mais fervorosos fautores, defensores e propagadores da nascente
reforma capuchinha. Eleito Geral da Ordem no Capítulo de 1535, renunciou
espontaneamente deste seu ofício em 1538. Sempre mais apreciado por sua grande
prudência e por sua fama de santidade, foi convocado novamente a dirigir a Ordem
aos 11 de junho de 1549. Faleceu em Roma em 1557.
A carta circular aqui divulgada, que também é primeira no gênero que nos foi
conservada, foi escrita em Castrogiovanni (hoje Enna, na Sicília), aos 06 de junho de
1548. Ela traz um retrato fiel e completo, na sua brevidade, da fisionomia espiritual do
Capuchinho, baseada na prática do amor fraterno, da oração e da pobreza integral.

I frati cappuccini II, 831-833

Veneráveis padres, irmãos e filhos, saudação.

[As virtudes ornamento da alma]

743. Alegrai-vos sempre no Senhor; repito, alegrai-vos. 0 Senhor está próximo e


tem um cuidado contínuo de todos nós.Como as vestes preciosas enfeitam o corpo e o
fazem melhor do que é, assim as santas virtudes são preciosas vestes e ornamento da
alma, que a tornam, na verdade, mais bela e a revestem de tanta dignidade e
elevação que a alma pecadora, de adúltera e escrava do demônio, se torna esposa do
sumo imperador Deus, nosso Senhor, Jesus Cristo, rainha e imperatriz do reino e
império celeste.

[Primado da caridade]

744. Destas virtudes, a mais digna e a principal é a caridade e o amor. É uma


virtude muito doce e agradável. Porém, os homens sensuais, seculares e animais
fingem estar revestidos de caridade; desses devemos precaver-nos e evitá-los, como
nos admoesta o ótimo Mestre. Ele diz que os conheceremos pelos seus frutos, isto é,
por suas obras. Contudo, quero dar-vos dois exemplos e sinais para conhecerdes se
em vós e nos outros a caridade é verdadeira.

[Sinais da verdadeira caridade]


155

745. Quando virem um frade capuchinho continuamente solicito na oração e


zeloso da santíssima pobreza, ser caridoso com seus irmãos espirituais e o próximo
em geral, crede que este tem a verdadeira caridade. Mas se encontrarem alguém
negligente na oração e ao qual agrada o caminho fácil e a abundância das coisas
sensíveis e prega e louva a caridade, fugi dele e considerai-o suspeito; e a sua
caridade não creiam que seja a verdadeira caridade, mas antes sensualidade e amor
carnal e sensual; porque a caridade não pode estar em nós sem as outras virtudes
necessárias e, especialmente, sem as duas já lembradas, isto é, a oração e a pobreza.

746. Portanto, a contínua solicitude pela oração e, principalmente, pela santíssima


pobreza, são os verdadeiros sinais da caridade legitima, não fingida e das outras
virtudes. E se encontrarem um frade capuchinho que não seja observante e zeloso
pela total prática da santíssima pobreza, tenham como suspeita a sua oração e o seu
zelo pela pobreza. Porque já vimos alguns frades nos quais parecia que havia algum
zelo pela pobreza e, depois, arrependeram-se e retornaram à vida cômoda; a respeito
deles não nos pertence julgá-los.
Mas creio que a principal causa de sua ruína tenha sido a falta da humilde oração.

[A pobreza, fundamento da fraternidade capuchinha]

747. Quem, portanto, quiser estar seguro, quanto convém no presente estado,
tome a lição de um e de outro. E tende toda a certeza que, como a casa não pode
estar em pé sem os alicerces, assim nós, faltando a total observância da santíssima
pobreza, Deus permitirá que a nossa congregação caia em ruína.
E infelizes aqueles frades capuchinhos que procuram relaxar o nosso modo de
viver! Na verdade, não são frades menores de São Francisco, mas, antes, de Frei
Elias; e, como fala o apóstolo, inimigos da cruz de Cristo, nosso Deus, e demolidores
da nossa congregação.

[Oração, caridade, pobreza]

748. Portanto, exorto e peço a cada um de vós, quanto sei e posso, que sejais
muito diligentes na prática da humilde e devota oração, rezando de coração ao Senhor
que nos conceda e aumente continuamente as santas virtudes, e, especialmente, a
santíssima caridade e pobreza, as quais, juntamente com a oração, são muito
necessárias e preciosíssimos ornamentos do frade menor; sem as mesmas nenhum
frade capuchinho pode agradar a Deus nem ter a esperança de poder entrar nas
núpcias eternas do divino e celeste esposo, o qual a todos vos abençoe e conserve na
sua graça em santa paz.

De Castrogiovanni, 06 de junho de 1548

Todo vosso.
O Ministro Geral dos Capuchinhos
Frei Bernardino de Asti.

Carta Circular de Tiago de Mercato Saraceno

749. No mês de maio de 1584, os frades reunidos em Capítulo Geral em Roma,


elegeram para o supremo governo da Ordem, Tiago de Mercato Saraceno, que desde
1582 regia a Província de Bolonha.
Eminente pregador, teve um verdadeiro amor fraterno para com os seus súditos,
aos quais sempre exortou à perfeita observância da Regra e ao crescimento na vida
espiritual. Visitou com grande fruto a Itália e a Suíça.
156

Estando em viagem para a visita pastoral na França, faleceu em Gênova nos


últimos dias de dezembro de 1586.
A carta circular, aqui apresentada, foi escrita em Fossombrone, no dia 23 de
agosto de 1584. Tem como finalidade dar algumas diretivas para eliminar uns abusos
que, aos poucos, se infiltravam na Ordem, sobretudo com relação às transferências e
às viagens muito freqüentes e nem sempre autorizadas; à possibilidade de curas
termais, à realização de peregrinações, à visita de parentes, à observância das
normas internas; a tudo isto seguem disposições para aceitação de candidatos à
Ordem e para a pobreza no vestir.

I frati cappuccini II 901-906

750. 0 grande compromisso que eu tenho de servir com fidelidade e diligência à


nossa religião para o bem comum de todos os irmãos para a pura e integra
observância da Regra, das ordenações e constituições a nós dadas pelos nosso
antigos padres, leva-me a refletir freqüentemente e verificar quais sejam os
impedimentos que surgem, dia a dia, no avançar do proveito espiritual e na aquisição
daquelas virtudes, que, de acordo com o nosso hábito e profissão, convêm para a
gloria de Deus e em beneficio do mundo.
E observando que, entre outros, um é particular: o andar fora dos nossos lugares e
conventos sem urgentíssima causa e, por esta razão, omitem-se as orações
ordinárias, a vida em comum e a regular disciplina, dando-se ocasião para mil
distrações, perturbação da mente; daí seguem diversas tentações e relaxamentos e
até mesmo a própria morte da alma, sendo o religioso fora do mosteiro como que um
peixe em terra seca.
Portanto, depois de ter freqüentemente recorrido ao Crucificado com lágrimas e
tendo conversado com alguns padres venerandos por meio de cartas e
espiritualmente, no sentido de aconselhar-me qual atitude se deveria tomar diante de
desordens tão grandes e notáveis, que começaram entre nós por tantos giros de
frades, tomei a resolução de escrever a cada um dos padres provinciais os avisos que
seguem para que cada um deles mande fazer cópia e envie a todos os guardiães dos
lugares, para que leiam agora e a cada dois ou três meses, depois de serem lidas as
nossas constituições impressas e, quanto seja possível, observá-los.

751. Portanto, lembro, em primeiro lugar, o que foi determinado no Capítulo Geral
de Ancona e, depois de algum tempo, confirmado particularmente naquele que se
celebrou em Roma, no ano 1581: que nenhum vigário provincial nem outro prelado
inferior possa mandar frades da sua província, sem a nossa licença por escrito, a não
ser que ocorresse caso urgente para a necessidade da religião ou da mesma
província. E, neste caso, mandem-se frades exemplares e de boa conduta.
Advirto mais a cada vigário que, sem extrema necessidade, não remova frades de
lugar, sabendo que, para satisfazer a um, perturba aquele outro na sua transferência,
onde estava residindo, tirando-o do lugar em que estava tranqüilo; molestam-se os
guardiães; dá-se ocasião para outros frades quererem mudar e, o que mais importa, é
que se dá aos seculares motivo de escândalo, porque se sabe que essas
transferências costumam ser feitas ou para tomar providências por fatos ocorridos, ou
para corrigir para que não mais aconteça no futuro.
E também aquele frade que procura a sua transferência, denota e se apresenta
como homem inquieto, instável, leviano, impaciente, pouco mortificado e menos
desejoso de sofrer alguma coisa e não conformar-se com Cristo crucificado.

752. Além disto, aviso a cada um dos guardiães que não podem andar e nem
mandar frades a não ser ao lugar mais próximo e vizinho ao seu, para não molestar
lugar algum.
157

E. ocorrendo alguma necessidade para outro convento ou mosteiro, na sua


custódia, poderá obter licença do custódio. Mas acontecendo andar ou mandar fora da
Custódia, escreva ao padre vigário; sem o seu consentimento, não seja licito também
a qualquer custódio transferir-se a um lugar fora da sua custódia. E qualquer guardião
ou custódio que não observa ou faz que outros não observem isto, o padre vigário
deverá, na visita, impor-lhe a rezar uma vez os sete salmos e dar-lhe um jejum a pão e
vinho.

753. Vendo também que é ocasião de andar girando a tentação de banhar-se ou


buscar a água de banhos, além dos muitos incômodos dos lugares, onde há os tais
banhos, e alguma admiração dos seculares, pareceu-me avisar aos padres guardiães
de cada lugar que devem dizer aos próprios médicos que, por amor de Deus, queiram
prescrever aos nossos frades indispostos e enfermos qualquer outro remédio: não
queiram assim facilmente condescender com os frades que, por iniciativa própria,
entenderam ou pensam que tais banhos lhes são proveitosos, como prescritos dos
mesmos; pelo contrário, cada dez, nove ficam meio estropiados, pois ao tomá-los e
quando os receberam, não podem pela austeridade da vida, do vestir, do dormir, ficar
naquelas observância que conviria. E os mais excelentes médicos de Veneza e de
Pádua disseram que verdadeiramente os banhos não são para os Capuchinhos.
Contudo, se os próprios médicos julgarem ser-lhes necessários, procurem verificar
se nas próprias províncias há tais banhos; e, então, poder-se-ia fazer a caridade aos
pobres enfermos; e será suficiente que o padre vigário lhe forneça a obediência.
Mas se resolverem ser necessário ir a lugares distantes, agrada-me que os
enfermos sejam consolados e possam ir, mas com a condição que enviem a receita
desses médicos e, juntamente, o consentimento dos vigários provinciais, os quais, por
carta, me comunicarão sobre a tal necessidade. E, então, providenciarei com a
paterna e religiosa piedade mandar-lhes a obediência, sem a qual, de modo algum,
parece-me que seja licito passar de província em província, onerando com isto a
consciência dos senhores médicos e dos próprios padres vigários.

754. Sabendo também quão é seja o demônio que, sob pretexto de bem,
freqüentemente, enganou os servos de Deus, julguei necessário dizer aos irmãos que,
libertados de qualquer outra preocupação, dando em si livre posse ao Espírito Santo,
não se preocupem muito em visitar este ou aquele lugar sagrado, pensando que foi
intenção dos sumos pontífices que os frades não devam andar viajando, procurando
obter diversas indulgências, pois as mesmas que são concedidas aos seculares, a nós
também são concedidas nas nossas igrejas, permanecendo em nossos conventos.

755. Finalmente, para pôr cobro e provisão às viagens que, freqüentemente, são
feitas pelos frades para ir visitar os parentes, socorrer pobres, ajustar diferenças, aviso
a todos os padres vigários que exijam a observância do 13º capítulo das
Constituições, estabelecidas em Ancona, no capítulo e confirmadas nos outros
capítulos gerais, as quais prescrevem que os frades não se intrometam a negociar nas
cortes dos cardeais, acrescentando que nenhum frade possa ir ver o pai e a mãe, nem
outro parente fora de sua custódia, sob qualquer pretexto que seja, sem a licença, por
escrito, cada vez, dos padres vigários provinciais. E quando andarem com tal
obediência, não possam de modo algum ficar na casa de parentes para dormir,
quando naquela cidade, terra ou castelo não muito longe, haja um convento ou
mosteiro nosso. E possam, duas ou três vezes, e não mais, ficar a comer com eles.

756. E toda vez que estiverem nas suas localidades por somente quatro ou cinco
dias, devem retornar às suas províncias e lugares, posposto todo e qualquer outro
pretexto, não tendo licença por escrito para mais tempo. E os padres vigários sejam
informados para não dar a estes tais os companheiros de seu gosto, mas os que
forem julgados mais exemplares. A esses vigários peço, pelas sagradas entranhas do
158

Senhor, que empreguem toda diligência, para que estes nossos avisos e advertência
sejam inteiramente observados; se por negligência faltarem, entendo que nos
capítulos provinciais tenham de ser punidos ao arbítrio dos padres definidores do
mesmo capítulo, como devem ser punidos os guardiães, falhando naquilo que lhes
compete.

757. Lembrai-vos, caríssimos irmãos, que altíssima é a nossa profissão;


atendamos pois, diligentemente, não só à Regra prometida, mas também às
constituições em impressão e às ordens que foram dadas, como já falei no precedente
Capítulo Geral de 1581; tudo isto entendo que se observe em tudo e por tudo.
E além destas lembranças, no momento, ainda recordo-vos mais aquilo que eu
disse no Capítulo Geral de não receber clérigos jovens ignorantes, nem para leigos
pessoas não aptas, para que a congregação não se inche de homens inúteis. Também
recordo a cada vigário de província que faça aprender a gramática aos seus clérigos,
impondo a cada um dos guardiães, aptos para ensinar, que devam fazer-lhes a devida
caridade.

758. Evitem-se as curiosidades de vestimentas, de cordões, de toda outra coisa


que contradiz a nossa simples observância; e procuremos ser tais, que a nosso
exemplo resulte a glória de Deus, a edificação do próximo, aumento da graça, em
nossa alma e espírito.
Rezai por mim, como eu nas frias orações e nos meus sacrifícios não cesso de
lembrar-me de vós e para todos peço graça e bênção do Senhor, ajuda, proteção e
defesa do nosso pai, glorioso patriarca, São Francisco, e Deus vos abençoe.

Fossombrone, 23 de agosto de 1584.

Frei Tiago de Mercato Saraceno


Ministro Geral dos Frades Capuchinhos, manu propria.

Carta Pastoral de Jerônimo de Sorbo

759. Nascido em 1547, depois de ter concluído os estudos jurídicos e conseguido


a láurea in utroque jure71, entrou na Ordem no ano 1570. Após ter sido professor,
custódio, definidor e duas vezes Provincial de Nápoles, duas vezes foi definidor geral.
No dia 31 de maio de 1596, foi eleito para o supremo governo da Ordem. Depois do
Generalato, retornou para a sua Província, onde faleceu aos 17 de abril de 1602.
A carta pastoral, escrita de Cardano, no dia 13 de outubro de 1597, é endereçada
aos Capuchinhos da Suíça, aonde ele devia dirigir-se, mas foi impedido por causa de
uma epidemia. Nessa carta, ele exorta os irmãos a agradecerem ao Senhor por terem
sido chamados ao estado religioso e abraçado a austera vida capuchinha: é
necessário caminhar na via do espírito e prosseguir com coragem no caminho
empreendido.
Promete, enfim que, se for possível, terá grande alegria em visitá-los e ouvi-los
pessoalmente.

I frati cappuccini II, 856-861

760. Muito reverendos irmãos em Cristo.


Não sem muita fadiga e labuta, transportei-me de Roma até os pés dos montes,
deixando todas as outras províncias da Lombardia, para passar além e chegar a visitar
e consolar os reverendos e veneráveis irmãos e meus filhos amantíssimos em Cristo,
conforme exigia a minha obrigação, e também sei que por vós igualmente era com

71
Trad.: em ambos os direitos, isto é, civil e eclesiástico.
159

desejo esperado; não levando em conta para realizar a viagem nem os perigos de
guerras nem dos hereges nem o horror do inverno com os intensos frios nem
nenhuma outra dificuldade que em tal viagem se oferecia.
Mas tendo sido avisado por cartas dos nossos irmãos que estão na França e
confirmado por muitos seculares, que vêm dessas partes transmontanas, estar
grassando a peste por todos esses países da Alemanha, França, Flandres, mais
adiante e pelo contorno por onde eu projetava passar, fui forçado, contra toda a minha
vontade e com grandíssimo pesar, mudar o plano e parar por aqui por este inverno e
esperar a primavera, com a esperança que neste meio tempo cessará a pestilência, a
viagem será mais segura, o caminho mais acessível e tudo, com a minha e vossa
maior consolação e satisfação, terá um bom desfecho.

761. Conhecendo, porém, ser tal o impedimento da peste que por certo tornaria
inútil o meu e o vosso projeto de não poder de nenhum modo visitar, nem consolar
nem conversar com os seculares e que, embora de algum modo tivesse podido visitar
essa província, onde a peste não é tão espalhada, terei a certeza de não poder andar
mais adiante nem voltar atrás pela neve, a não ser com grande perigo e perda de
muito tempo ao reter-me e, talvez, ainda não poderia, assim levemente ter contato
com esses países, diante da diligência que se costuma a este respeito. Portanto, por
esta razão, não podendo eu pessoalmente visitar-vos, pelo amor que vos dedico,
quero fazê-lo em espírito com esta carta.

762. Com ela, em primeiro lugar, da parte do nosso pai, São Francisco, envio a
todas as vossas reverências a bênção paterna, oferecendo-me totalmente, como pai,
pastor e servo que sou, amar-vos e em todas as vossas necessidades espirituais e (no
que diz respeito à honra de Deus e à vossa salvação] em todo o problema temporal,
tanto em comum como em particular, ajudar-vos e servir-vos, não só com a fadiga e
suores corporais, mas também com o próprio sangue e vida, quando for necessário,
para o bem vosso e da província.

763. Em segundo lugar, é conveniente dizer-vos que, freqüentemente, queirais


lembrar o grande beneficio recebido da bondade de Deus, que nos chamou e
encaminhou para esta santa religião, e ser agradecidos como vos direi com São Paulo
aos Efésios: Ego vinctus in Domino obsecro vos, ut digne ambuletis vocatione qua
vocati estis, cum omni humilitate et mansuetudine, cum patientia supportantes vos
invicem in charitate72 (Ef 4,1). Eu, vosso servo e ministro, peço-vos, exorto e
esconjuro, não o ordeno porque sei que tendes um ânimo generoso de verdadeiros
filhos e não de servos, para a vossa comum salvação, ut digne ambuletis vocatione
qua vocati estis73; isto é, que considereis vivamente, entre todos aqueles que
receberam do Senhor Deus grandíssimos benefícios, sermos nós capuchinhos, a
quem escondeu in abscondito faciei suae a conturbatione hominum74 (Sl 30,20).
Arrancou-nos das vaidades e perigos do mundo e nos conduziu para a sua casa
particular, colocando-nos neste paraíso terrestre da santa religião.

764. Ela é verdadeiramente paraíso, como diz São Basílio, porque como o paraíso
é lugar de felicidade, assim a religião é lugar de delicias e prazeres celestiais: onde,
pela oração e contemplação paratur Dei visis75.

72
Trad.: Eu, prisioneiro no Senhor, vos exorto a levardes uma vida digna da vocação que
recebestes, com toda humildade e mansidão, e com paciência, suportai-vos uns aos outros no
amor.
73
Trad.: que andeis de maneira digna do chamamento que recebestes.
74
Trad.: no abrigo de sua face longe das intrigas humanas.
75
Trad.: prepara-se a visão de Deus.
160

Ó que grande dom é este que nosso Senhor nos deu, irmãos! E por isso digo que
queirais freqüentemente lembrar e manifestar-vos agradecidos. "Com alegria, como
diz o apóstolo aos colossenses, dai graças ao Pai que vos tornou dignos de participar
da herança dos santos na luz; foi Ele que nos livrou do poder das trevas, transferindo-
nos para o reino de seu Filho amado" (1,12-13).
E nesta religião, neste paraíso, gozam-se, diz São Bernardo, daqueles
extraordinários privilégios que in ea vivit homo purius, cadit rarius, surgit citius, procedit
cautius, quiescit securius, visitatur a Deo frequentius, purgatur celerius, moritur
confidentius, et remuneratur abundantius. Nela, diz São Bernardo, o homem vive mais
puro, cai mais raramente, levanta-se mais apressadamente, caminha mais
cautelosamente, descansa mais seguro, é visitado por Deus mais freqüentemente, é
purificado mais rapidamente, morre com mais confiança e é recompensado mais
abundantemente.
Vede, pois, que paraíso e que graças, que privilégios nele se gozam. Felizes de
nós capuchinhos, se disto nos lembrássemos muitas vezes, quanto mais dignamente
caminharíamos, do que fazemos, nesta nossa vocação.

765. Ah! caríssimos irmãos, onde foi parar aquele grande fervor que tínhamos no
tempo do nosso noviciado; aqueles desejos de sofrer e de tirar proveito na vida divina
e na observância da Regra?
Parece que a transferência voluntária que fizemos do século para este paraíso,
nós a tornamos uma deslocação violenta; pois de tal maneira ela vai se debilitando e
diminuindo, como já se verifica quanto falhamos, que parece nos determos no primeiro
limiar da porta; a não ser que, o que é pior, não tenhamos voltado atrás. Parece
justamente que nos tornamos como certas estátuas pintadas, as quais na perspectiva
dão mostra de fazer certa força e grandes ações, contudo, na realidade, nem força e
nem ação alguma fazem.

766. Daí, para concluir com a exortação do mesmo apóstolo, é necessário


caminhar "com toda humildade e mansidão"; que por isso somos chamados frades
menores; "com paciência, suportai-vos uns aos outros no amor" (Ef 4,2), tendo
paciência nas tribulações e nas adversidades, perdoando-vos uns aos outros.
"Carregai os fardos uns dos outros, assim cumprireis a lei de Cristo" (Gál 6,2). E para
chegar ao cumprimento desta lei de Cristo, repetindo as primeiras palavras de São
Paulo, "Eu, prisioneiro no Senhor, vos exorto a levardes uma vida digna da vocação
que recebeste" (Ef 4,1), isto é, que precisa empregar os meios.

767. È com esta proveitosa reflexão para caminhar de bem para melhor, como
convém ao estado ao qual fostes chamados, repito que deveis ter em mente muitas
vezes e considerar que deixastes o século com tudo aquilo que tínheis e esperáveis
possuir? "até a própria vida" (Lc 9,24) e voluntariamente ingressastes neste paraíso da
religião, prometendo observar esta vida por inspiração divina, vivida por tantos outros
fidelíssimos e zelosíssimos servos de Deus e nossos padres antecessores e irmãos
sob este hábito santíssimo e verdadeiro do nosso pai São Francisco e sob este
instituto e norma dos capuchinhos; e de estar bem advertidos para não voltar atrás
deste felicíssimo caminho abraçado e voltar ao século, não só com o corpo, andando
todo dia, vagando e conversando pelas cidades e praças, visitando, ora este, ora
aquele, ora aquele outro, como fazem muitos dissolutos com relaxamento do espírito,
não sem muita admiração e escândalo dos seculares e prejuízo da própria salvação.
Mas nem sequer com os pensamentos, sobrecarregando a mente de tantos negócios
e embaraços de parentes e amigos, que não tinham quando viviam no século; mas
quanto possível, desembaraçar-se e fugir para poder mais expeditamente correr para
Deus.
161

768. E com isto, igualmente, haveis de vos lembrar e colocar diante dos olhos o
fim pelo qual deixastes o mundo e viestes para esta santa religião; porque
reconhecendo que viestes livremente e sabendo que a via é estreita, a regra
estritíssima e altíssima, para se alcançar o reino do céu, vos animareis prosseguir e
em tudo observar com fervor e grandíssima alegria.
E porque a vossa finalidade foi mudar de vida e progredir do bem para melhor com
grande desejo de agradar a Deus, de sofrer, labutar com toda fadiga, exige-se de vós
muito esforço e muita violência para refrear as próprias paixões e suportar as
contrariedades, enquanto se deve exercitar nesta vinha, neste paraíso da religião,
para vencer e superar tantas tentações, que não faltam aos servos do Senhor. Porque
o "Reino dos Céus sofre violência e os violentos procuram arrebatá-lo" (Mt 11,12).
Esta é a fábrica de religiosos, a qual não poderá durar se não for baseada na
humildade e na mansidão, uma vez que ele concede a graça aos humildes" (Tg 4,6 e
1Pd 5,5), aprendendo de Cristo a mansidão, como nos é mostrado pelo fundador
desta nossa religião seráfica e por muitos outros seus discípulos, como qualquer um
pode, num momento de deliberada resignação e abandono de si mesmo, experimentar
e deduzir de bem certo, que experimentou, e do maior que lhe virá.

769. E porque o "reino dos céus padece violência" e eu me convenço que cada um
de vocês deixa qualquer outra satisfação para a conquista do céu; e que, portanto, se
esforçam por fazer a si mesmos violência no combate dos sentidos ou daquela razão
que ainda não foi subjugada pela resignação, quero persuadir-vos, para um bem
maior, que se algum irmão estivesse de má vontade nestes lugares, ou então tivesse
recebido de mim obediência para partir, com esta religiosa e santa violência, queira
reprimir os sentidos e mortificar a própria comodidade, aguardando com paciência,
nestes poucos meses de inverno até a primavera, a minha chegada; então, presentes,
estudarei as necessidades de cada um e, quanto possível, esforçar-me-ei para
satisfazer a todos. Por enquanto, dei ordem ao Padre Provincial para fazer o capítulo.
E assim como eu não deixo de rezar sempre ao Senhor e preocupar-me pelo
vosso bem e perseverança nesta comum observância de vida santa, assim desejo que
as vossas reverências se lembrem de mim nas orações e sacrifícios, para que,
segundo a vontade divina, eu possa a vós e a toda a congregação bem servir. E do
céu vos imploro toda bênção.

De Cardano, aos 13 de outubro de 1597.

Vosso irmão e servo,


Frei Jerônimo de Sorbo, Ministro Geral.
162

As Crônicas
Textos selecionados

Mariano D'Alatri
Tradução de Carlos A. Zagonel
163

770. O presente florilégio de textos apresenta as vantagens e os limites próprios


do gênero das seleções. Foram extraídos de uma série de crônicas abrangendo o
primeiro século da História da Reforma Capuchinha, escrita por quatro frades
testemunhas da maior parte dos fatos narrados. O “curriculum vitae76” dos mesmos,
além de conferir autenticidade a seu testemunho, ajuda a entender melhor o que nos
descrevem em seus relatos. Em resumo, mais que registrar datas e dados relativos
aos personagens, aos fatos e eventos, eles quiseram, de modo especial, descrever o
evento da vida capuchinha dos anos de mil e quinhentos. Se não conseguiram
documentar com precisão os fatos externos, souberam, sobretudo, caracterizar bem o
objetivo, a vida e as ações dos primeiros frades. As páginas de suas crônicas são
amplas janelas abertas sobre a vida do “povo” dos novos filhos de São Francisco,
mais que informação asséptica sobre circunstâncias e eventos meramente externos.

771. Entre os cronistas, Mário Fabiano de Mercato Saraceno (1512/13-6 de maio


de 1581) é o mais antigo. Estudara filosofia e teologia com os agostinianos e
transferiu-se para os Capuchinhos nos anos de 1539/40. Concluído o noviciado em
Camerino, foi envolvido quase ininterruptamente, até a morte que o surpreendeu, em
Tolentino, durante a viagem que o conduzia para o Capítulo Geral, em ofícios de
grande responsabilidade como mestre de noviços, guardião, vigário provincial (ao
menos, por três vezes), definidor geral (quatro períodos) e vigário de toda a Ordem por
dois triênios (1567-1573).Teve, portanto, tempo e condições de conhecer bem e influir
sobre a vida da Ordem, à qual garantiu um regime moderado. Isto correspondia à sua
índole humilde, mas não o impediu de intervir com firmeza na defesa da autonomia da
Ordem, quando, em 1568, corriam boatos que Pio V pretendesse reunir os
Capuchinhos às outras famílias franciscanas.

772. A respeito das origens da Reforma Capuchinha escreveu três relatórios: o


primeiro, muito breve, em 1565, a pedido de Cosme I de Médici, que desejava ser
informado; o segundo, mais amplo, em 1578, a pedido do cardeal protetor da Ordem,
Júlio Antônio Santori; o terceiro, finalmente, em 1580, para restabelecer a verdade
histórica contra a afirmação do veneziano José Zarlino que atribuía a paternidade da
Reforma a Paulo de Chioggia em prejuízo de Mateus de Bascio.
Os três relatórios abrangem o breve período que vai de 1525 até a tribulação
surgida com a apostasia de Ochino (1542). Mário considera o ano de 1525 como
sendo a data do surgimento da Reforma Capuchinha. Portanto, ele relata fatos que, na
sua grande maioria, aconteceram antes de sua entrada nos Capuchinhos, mas que lhe
foram relatados por testemunhas qualificadas e diretas; em primeiro lugar a de
Eusébio de Ancona, José de Collamato e o próprio Mateus de Bascio. Por aquilo que
mais nos interessa, no momento, ele é uma testemunha bem informada e objetiva em
tudo o que se refere à vida da primeira geração de capuchinhos.

773. Igualmente teve uma tríplice redação a crônica, muito mais volumosa e
extensa no tempo, de Bernardino Croli de Colpetrazzo ( 25/11/1514-07/02/1594). A
primeira redação estava pronta nos inícios de 1580, a pedido do Vigário Geral,
Jerônimo de Montefiore, que solicitara um relato breve sobre as virtudes, a penitência
e os milagres dos antigos frades; em vez disso, recebeu um enorme volume, rico de
informações, inclusive, sobre os inícios da Ordem. Um segundo relatório foi preparado
por iniciativa do próprio Bernardino, nos anos de 1582-84, quando, após a morte de
Fabiani (1580), se deu conta de que suas informações não haviam sido utilizadas. O
terceiro e definitivo relatório, Bernardino o preparou em dois tempos e a pedido de
diversas personalidades. No Capítulo Geral, celebrado em Roma aos 18 de maio de
1584, fora estabelecido que fossem publicadas as crônicas da Ordem e, no seguinte
mês de agosto, o Vigário Geral, Tiago de Mercato Saraceno, ordenou que Bernardino

76
Trad.: currículo da vida.
164

se dirigisse a Roma para preparar o manuscrito. O trabalho progrediu bem, mas não
foi concluído, uma vez que, com segura probabilidade, seguindo deliberação do
Capítulo Geral de maio de 1587, o encargo foi passado para Matias Bellintani de Saló,
no dizer de Bernardino, “mais sábio e preparado”.

774. Iniciou o trabalho, a pedido do célebre Frederico Cesi, duque de Acquasparta,


e igualmente porque mons. Fulvio Tesorieri, amigo do cardeal João Garcia Millini,
enviara-lhe de Roma a carta necessária ,“tão oportuna e afável” que melhor não se
podia desejar. Assim, ele escrevia na dedicatória ao mesmo Cesi, com data de 02 de
setembro de 1592. Mas, para Bernardino, escrever as memórias dos inícios da Ordem
era uma necessidade e igualmente um dever, considerando que “já eram falecidos
todos os antigos que podiam recordar-se e... escrever”; considerava “um grande
pecado” deixar cair no esquecimento “a memória das obras de tão grandes servos de
Deus, iniciadores de nossa congregação que ilustraram a Igreja de Deus com obras
tão santas, com pregações e milagres”.
Bernardino entrara nos Observantes em 1531, passara aos Capuchinhos em 11 de
janeiro de 1534 e, excluídos apenas três, conhecera todos os primeiros frades da
Reforma. Na sua vida longa, foi guardião em diversos conventos, mestre de noviços,
vigário provincial na Úmbria, companheiro dos ministros gerais, Francisco de Jesi e
Bernardino de Asti. Escreve: “Vivi em profunda familiaridade com todos os padres que
governaram a nossa Ordem em seus inícios; eles, por sua vez, referiam-me,
detalhadamente e como expressão de confiança, todos os assuntos secretos tratados
tanto no conselho como nos capítulos”. Não apenas viu e escutou, mas era dotado de
uma memória indelével, como ele mesmo revela: “Iniciando a redação..., eu recordava
com tamanha facilidade os detalhes e as obras, como se as visse com os olhos
corporais no presente momento. Por graça de Jesus Cristo, fui dotado, por natureza,
de excelente memória”. Em resumo, Bernardino, mais que um historiador, foi uma
testemunha bem informada e veraz, em nada condicionado com preocupações
literárias ou de qualquer gênero. Ele escreve por necessidade de relatar e não levar
para a sepultura as memórias dos sofridos inícios da Reforma Capuchinha e para não
perder a memória de tantos frades, conhecidos por ele, distintos por vida santa,
austeridade e milagres.

775. Como foi acenado, em 1587, o simples Bernardino de Colpetrazzo foi


substituído, como memorialista da Ordem capuchinha, pelo douto Matias Bellintani de
Saló (29/06/1535 - 20/07/1611). Sua cultura era, sobretudo, teológica e bíblica, como
convinha a um professor e famoso pregador capuchinho de 1500, solicitado de um
canto a outro da Itália. Bellintani viajou muito por compromissos de governo (definidor
geral e, mais vezes, vigário das províncias de Milão e de Brescia) e por difusão da
Ordem e, também, para visitar os frades na França, na Suíça e na Boêmia. Viveu,
portanto, uma experiência imediata da vida capuchinha, tal qual vinha se
desenvolvendo com o passar dos anos e como ocorria na prática cotidiana em tantas
províncias da Ordem. É precisamente este valor de testemunha contido em seu
relatório (abrangendo os inícios de 1584, com o acréscimo de notícias diversas
cobrindo até 1600) que lhe dá o direito de figurar em nosso florilégio.

776. O quarto entre os cronistas oficiais, cujos escritos permaneceram inéditos até
nossos dias, é Paulo Vitelleschi de Foligno (1560-1638). A incumbência foi-lhe
confiada no ano de 1615 e, auxiliado por uma pequena equipe de colaboradores,
trabalhou na preparação de sua crônica até 1627, quando o Ministro Geral, João Maria
de Noto, suspendeu-lhe o mandato. Posto que lhe fosse ordenado entregar todos os
manuscritos em seu poder, Vitelleschi conservou consigo, ao menos, os originais de
sua crônica, pelo visto, entre os anos de 1620 e 1627. A narrativa suspende-se em
1552 e, depois, seguem-lhe as biografias de 18 frades. Isto considerado, Vitelleschi
não é testemunha imediata dos fatos referidos, mesmo que diversas vezes se refira à
165

sua própria experiência: ele depende das narrativas dos confrades, dos documentos
de arquivo e, mais ainda, dos antigos cronistas.

777. Destas antigas crônicas foram extraídos os textos que seguem, com o
objetivo de sugerir uma idéia da temperatura espiritual e da vida cotidiana dos frades
nos primeiros sessenta anos da Reforma Capuchinha. Os textos foram reagrupados
de acordo com os diversos temas abaixo relacionados: significado e objetivos da
Reforma, importância da Regra e das constituições, primitivas habitações dos frades,
noviciado,estudos, silêncio, oração e trabalho, pobreza, austeridade, amor fraterno,
humildade, obediência, contemplação, pregação, recolhimento e abertura para o
mundo. Na seleção dos textos, foi privilegiado Colpetrazzo, testemunha de muitas
partes de sua narrativa transmitida com simplicidade e proximidade.
Acenávamos para os limites próprios de qualquer florilégio que, por sua própria
natureza, recolhe trechos e fragmentos. Esperamos que eles induzam muitos frades
para a leitura, na sua edição integral, de textos que testemunham a força expressiva e
a atormentada espiritualidade do período áureo do 1500 italiano.

I frati cappuccini II, 1091-1244).

1. A Reforma Capuchinha.

778. Todas as congregações religiosas são fundadas para procurar a perfeição e


tiveram em seus inícios tal rigor e perfeição que a fragilidade humana a muito custo
conseguia atingir. Depois, gradativamente, decaíram tanto a ponto de não haver muita
diferença entre religiosos e leigos. E isto foi motivo de muitas reformas e, se estas não
tivessem acontecido, já estariam aniquiladas. Mas, uma vez que Deus, nosso Senhor,
não deseja o desaparecimento das congregações religiosas, de tempo em tempo, de
acordo com seu beneplácito, suscitou servos fiéis que as reconduziram, novamente,
para a perfeição (MHO (omitido daqui para frente) II,37).

779. Deveis recordar que, até Clemente VII, a Ordem vivia em boa paz e muita
estima junto aos seculares. Existiam homens santos e, em toda a parte, gozava-se de
paz com quietude e satisfação generalizada; uma vez que a devoção dos seculares, a
oportunidade de um tempo de abundância de bens temporais, depreciados, causava
um bem estar corporal para os frades que de tudo tinham em abundância. E disto eu
mesmo sou testemunha ocular e tenho gosto de apresentar um exemplo referente a
um lugar conhecido da província de São Francisco, que, durante um sábado santo,
foram trazidos como esmola mais de cem cabritinhos. Silencio a respeito da
abundância, da qual poderia falar muito, na qual os padres daquele tempo
prosperavam.
Aprouve a Deus despertar a vida religiosa, uma vez que, por causa dos muitos
pecados, Deus permitiu que um exército viesse e Roma fosse saqueada pelo duque
de Bourbon. Apareceram, então, grandes privações e pestes gravíssimas em todo o
mundo. No dizer de Sávio, “Vexatio dat intellectum!77” e, por isso, as ordens religiosas
iniciaram uma reflexão sobre sua situação. E muitos homens santos, inspirados e
iluminados por Deus, retiraram-se para eremitérios e lugares pequenos e ali se
exercitavam na santa contemplação e na observância da Regra. E muitos sábios e
santos homens, diariamente, faziam reflexões a respeito da Regra e da vida regular,
descobrindo quanto a vida religiosa se havia alienado da verdadeira observância da
Regra. Outros falavam tãoveementemente das coisas de Deus que muitos se
inflamavam e, igualmente, decidiam retirar-se para o silêncio. E destes eu conheci
muitos que, iluminados por este caminho divino, deram-se conta do estado calamitoso
em que viviam e de quanto se tinham afastado da verdadeira observância da Regra.

77
Trad.: o vexame dá inteligência, isto é, a dificuldade faz com que se reflita.
166

780. Daqui nasceu a reflexão que os conduziu para a reforma, sabendo, por lúcida
experiência, ser impossível levar toda a Ordem para a austeridade, desejada por
nosso pai, São Francisco. E foi tão eficaz sua iniciativa que, aos poucos, conseguiram
envolver toda a Ordem. E foi iniciativa ordenada por Deus, uma vez que o movimento
se estendeu em todas as províncias e nos capítulos, tanto gerais quanto provinciais,
com muita insistência procurava-se dar início à reforma.
De outro lado, a carne amplamente cumpria com seu ofício e de tal maneira que
desconhecia tudo. Prevaleceu, porém, o espírito e muitos frades de grande valor
decidiram dirigir-se a sua santidade, Clemente VII, e lhe fizeram entender que a
Ordem estava relaxada demais e afastada da observância da Regra. Imaginavam os
sobreditos frades que, sendo o pontífice tão favorável, a reforma fosse já garantida.
Mas, pretendendo nos capítulos estabelecer esta ordem e iniciar as inscrições de
todos aqueles que desejam iniciar a reforma, elevou-se tão grande tumulto em todas
as províncias que, a muito custo, os frades Observantes conseguiram escapar de suas
mãos. Esta batalha durou cerca de três anos, impedindo qualquer iniciativa válida para
a Reforma (II, 23-26).

781. Aprouve ao Senhor Deus que, no terceiro ano de Clemente VII, apareceu, por
revelação divina, Frei Mateus de Bascio, homem simples e de grande espírito, com um
capuz agudo na cabeça. E, com a bênção de Deus e do sumo pontífice, começou a
pregar com vigor, revestido com hábito jamais visto, descalço e inflamado de fervor,
parecendo uma criatura saída do purgatório e desligado da terra qual um apóstolo de
Jesus Cristo.
Sua intervenção ocorreu no estilo de uma irrupção de uma boa nova importante
que causa, ao mesmo tempo, terror para os adversários e consolação para os de boa
vontade. Assim, o aparecimento de Frei Mateus causou temor aos frades relaxados e
grande alegria para os frades zelosos que desejavam a reforma. E quando os
superiores relaxados se deram conta que a lebre tinha fugido e não se conseguia mais
prendê-la, temendo que fugissem outros, procuraram fechar a porta, cativando os
frades zelantes com a possibilidade de iniciarem a reforma. Mas o procedimento era
tal que claramente se percebia a má vontade com que se permitia a prometida reforma
aos frades zelantes. E quando iniciavam a reforma, em pouco tempo, se criavam
dificuldades sob o pretexto de serviços de importância maior. De tal forma, porém, que
andava cambaleando (II,26s).

782. Esta foi, portanto, a justificativa do surgimento de nossa congregação;


surgindo Frei Mateus e padre Frei Ludovico de Fossombrone que, obtendo, primeiro, o
breve e, depois, a bula, a multidão dos frades zelantes, ligados ao corpo da Ordem,
percebendo que a reforma dos frades tamanqueiros78, por causa da oposição, não
progredia, decidiram separar-se da mesma e unir-se à nossa congregação (II,27s).

783. E aproximando-se da última enfermidade, na localidade de Motta Filocastro,


antes do agravamento ou de apresentar qualquer sinal de morte, Ludovico de Regio
afirmou claramente que haveria de morrer daquela enfermidade. E confortava os
frades, exortando-os com inflamadas palavras para a perfeita observância da Regra e
perseverar na santa Reforma provocada por Deus. Disse-lhe, então, um frade: “Padre,
abandonou-nos padre Jorge e vós também nos abandonais. Como ficará nossa
congregação, tão condenada e perseguida? Vós dois a tendes sustentado e defendido
contra seus adversários; na vossa falta, falta-nos todo e qualquer socorro e nada mais
podemos esperar senão a destruição da Reforma”. Respondeu-lhes o santo ancião:
“Não tenhais dúvidas, filhinhos, porque a Reforma progredirá. Ela foi plantada por
Deus e Deus mesmo a defenderá” (V, 198s).

78
Nota do tradutor: no original, zoccolanti.
167

784. E foi tão importante o exemplo de Frei Mateus, que, em breve tempo,
enfileiraram-se atrás dele um grande número de descalços que, tais ovelhinhas
dispersas, ouvindo a voz do santo pastor, com grande ardor corriam pelos montes,
vales e lugares montanhosos para alcançar e unir-se sob guia e governo do santo
pastor Jesus Cristo, não se importando com espinhos e pedras e outros incômodos
das perseguições, abraçando voluntariamente a cruz de seu Pastor, desejando sofrer
diariamente por seu amor e seguir os passos de sua Majestade; e mesmo que a
viagem lhe fosse sensivelmente dolorosa, pela perda do guia que habitualmente se dá
às esquadras dos servos de Deus, interiormente estavam cheios de esperança, uma
vez que Deus nosso Senhor lhes concedeu providenciais auxílios que, pelo sim e pelo
não, os conservaram invencíveis (II,97).

785. Neste momento manifesta-se a divina providência sobre a ordem de São


Francisco, que, sendo ela dividida em duas partes - a dos padres Conventuais e dos
padres recoletos79 - e devendo surgir uma terceira, que seria a dos Capuchinhos, as
duas primeiras não foram anuladas. Os Observantes a perseguem e os Conventuais a
defenderam; e para perfazer um triângulo perfeito, saindo a linha dos Observantes
para os Conventuais e destes para os Capuchinhos, fechando o triângulo. E de tal
maneira que as três linhas com os três ângulos exprimem perfeitamente a Ordem de
São Francisco, inspirando-se na tríplice chamada do crucifixo para reformar três Igreja,
para abrir o missal por três vezes a fim de conhecer a vontade de Deus e sua vocação
e de ter impresso no coração e expresso no hábito e na vida o sagrado sinal do Tau,
com três pontas e tudo isso para a glória da Santíssima Trindade (V, 118).

786. Mas eu que, naquele tempo, pertencia àquela pobre congregação, avaliando
serenamente, afirmo que o seu melhor momento aconteceu de 1528 a 1533, por ter
sido o mais conforme com o ideal religioso e com o tempo de São Francisco. Não
nego, porém, que o segundo momento, até 1543, não tivesse sido o mais glorioso
perante o mundo e que não houvesse um maior número de frades, de sábios e de
pregadores; mas, considerando que a Ordem do seráfico Francisco é fundada na
humildade, na pobreza e no desprezo de si mesmo e na santa e perfeita
contemplação, ela nunca foi tão conforme com estas virtudes da perfeição cristã
quanto neste primeiro momento, quando, verdadeiramente, em todos os graus de
perfeição, renovou-se o primitivo vigor da Ordem e foi oferecido ao mundo o hábito, a
vida, a humildade, o desprezo do mundo e da verdadeira contemplação vivida por São
Francisco e por seus companheiros (II 259).

787. Inspirando-se na experiência e nas admoestações do seráfico pai, foram


escritas para utilidade de todos nos livros de nossa Ordem, ou sejam: Conformidades,
Crônicas da Ordem, Legenda de São Boaventura e aquela que foi escrita pelos três
soleníssimos companheiros do seráfico pai São Francisco: Frei Leão, Frei Ângelo e
Frei Rufino. Esse foi o motivo que levou os primeiros Capuchinhos a terem em grande
apreço estes livros, e, à mesa, depois da leitura das Escrituras sagradas, pouco se lia
além dos escritos de São Francisco e da vida religiosa; daqui extraíram a forma e o
estilo de viver e como nosso seráfico pai, São Francisco, queria que fossem o hábito,
os lugares e as outras coisas que, por necessidade, devem ser usadas por seus
frades. E os nossos veneráveis padres colocaram nas primeiras constituições que,
diligente e devotamente, fossem lidas e bem consideradas todas estas coisas (IV, 4s).

788. Francisco de Cartoceto era um homem de grande santidade e muito zeloso


na observância da Regra; ensinado pela experiência do Espírito Santo, costumava
dizer: “Não é possível que um frade atinja o perfeito domínio sobre si mesmo, se não

79
Nota do tradutor: zoccolanti / tamanqueiros.
168

imitar o pai São Francisco, nestas três virtudes: jejum, oração e silêncio; mas, de
modo especial, se não refrear a gula, mãe de todos os vícios, e se não se desprender,
mediante a pobreza de espírito, de todos os bens materiais. Nisto consiste o esforço
do religioso, de combater contra as próprias paixões e vencer a si mesmo, e para isso
são-lhe necessárias aquelas virtudes. Deus comunica-se com as almas purificadas; e,
então, tendo nós, por contínua contemplação, esculpido Cristo no coração, a fadiga
cessa completamente” (V,63s).

789. E disse-lhes Francisco de Cartoceto: “Felizes vocês, filhinhos, que receberam


de Deus este precioso dom de conhecer esta santa Reforma (coisa desejada por
muitos santos frades, mas não concedida). Uma vez que todos aqueles que
perseverarem no seu primitivo fervor serão santos. Sofrerão, sim, muitas
perseguições; mas sede fortes, filhinhos, e abraçai a cruz, uma vez que este é o
caminho de Cristo e de seus santos. E eu agradeço a Deus por tão grande favor, que
não me permitiu ver a morte sem antes comprazer-se de tornar-me digno do bendito
hábito de meu glorioso pai São Francisco. Agora, Senhor, deixai vosso servo em paz,
que em paz dormirei serenamente e me repousarei” (V, 83).

790. E assim iniciou a santa Reforma para a verdadeira vida religiosa. E estas
foram as primícias que os pobres Capuchinhos deram ao Senhor Deus, e tão
profundamente se consagraram a Deus que atingiram o máximo possível a fragilidade
humana e nunca mais foi possível a esta pobre congregação, nem em particular e nem
em geral, atingir a perfeição dos primeiros verdadeiros servos de Deus. E isto porque,
em tudo e por tudo, se esforçaram para conformar-se com o pai São Francisco e seus
companheiros. Não acredito que os lugares, escolhidos pelo pai São Francisco,
fossem mais pobres daqueles escolhidos, no início, pelos frades Capuchinhos. Nem
se vestiu o seráfico pai São Francisco, com seus companheiros, tão pobremente e
com panos tão vis quanto o fizeram os pobres Capuchinhos. E assim como se lê a
respeito de nosso pai São Francisco, e de seus companheiros, que nos inícios
habitavam em Rivotorto, nas Carceri de Assis, de Farneto, de Spiego de São Urbano,
de Rumita de Cese e outros lugares antigos; e deixando de lado as cerimônias e
outras coisas que dão preocupação, em nada mais se exercitavam a não ser na
contemplação; de igual modo os pobres Capuchinhos, lendo a Legenda dos Três
Companheiros, onde se encontra o estilo de vida seguido pelo pai, São Francisco,
esforçavam-se por imitá-lo e entregar-se totalmente à contemplação, princípio e fim da
vida religiosa (II,257s).

791. Foi notável o fervor que Deus concedeu àqueles seus servos iniciadores da
Ordem capuchinha. Por isso assumiram como principal fundamento e deliberação a
perfeita observância da Regra e do Testamento de nosso seráfico pai e, de modo
especial, o preceito da santa pobreza (IV, 149).

792. Um outro fundamento colocaram aqueles veneráveis padres, ou seja: a


submissão e a reverência, a devoção e a obediência aos prelados da Igreja Romana;
igualmente, inscrito nas constituições (IV, 6).

793. Um outro fundamento, aliás, admirável, foi que os frades, com humildade e
pureza de coração, se exercitassem continuamente na santa oração, mental e vocal
(IV, 6).

794. A Regra de São Francisco nada mais é que viver com empenho a santa
contemplação; não se parte, porém, da cruz; participando, todavia, da vida
contemplativa e ativa, torna-a vida mista mais perfeita que a simples vida
contemplativa, por ser mais conforme com o Evangelho e a vida apostólica:
observando com a pobreza os dois preceitos do amor a Deus e ao próximo, realizando
169

o amor a Deus na oração, e, na pregação, o amor ao próximo. Desse modo, nossa


Regra junto com a pobreza purifica-nos de qualquer afeição terrena e torna-nos aptos
para a oração. A oração relaciona-nos com Deus e a pregação e o bom exemplo, com
o próximo (III, 79s).

795. Portanto, sobre este inexpugnável, sólido e perfeito fundamento, como sábios
e habilitados arquitetos, aqueles veneráveis e santos padres fundaram a santa
Reforma dos Capuchinhos. Se bem considerado, são enviados pelo Espírito Santo e
não pelos homens; adornam e fortificam nossa Ordem que, observando bem, a
conservam como barquinho perfeito, no qual o seráfico pai orienta a vela; mas Jesus
Cristo, nosso Salvador, em sua bondade infinita, cuida do leme; neste caso, os frades,
estáveis nestes fundamentos, com certeza, serão conduzidos ao porto da salvação
(IV, 6s).

796. Mas todos, unanimemente, concordavam que Deus enviara ao mundo os


Capuchinhos para consolar os pobres demasiadamente aflitos e iluminar a cada um
deles a respeito do que, no meio de tanta ignorância, abusos e excessos, deviam
fazer. Desse modo, Deus enviara os pobres Capuchinhos para confortar os
atribulados, guiar os pecadores, socorrer os necessitados, admoestar os prelados e
para exemplo e forma de vida cristã e para mediadores junto de Deus (VII, 78).

797. E isto ajudou de modo admirável aos cristãos, uma vez que o mundo estava
em trevas; os tempos eram extremamente atormentados e a população aflita por
causa das guerras que haviam agitado toda a Itália e as pestes que lhes seguiram. O
povo, porém, vendo estes frades tão austeros, parecendo desesperados, ficava atônito
e dizia: “Nunca foram vistos homens iguais. Ou, o fim do mundo está próximo, ou
grandes acontecimentos estão chegando”.
O povo teve com isso consolo, exemplo e ensinamento da reforma generalizada
que, passados os tempos de extermínios, teve começo auspicioso conduzindo as
pessoas à penitência, e iniciando no clero e nas ordens religiosas pequenas luzes
anunciadoras da aurora, após tantas trevas de tantos abusos e perturbações. E como
houvesse singular concórdia e conformidade entre esta reforma franciscana e a
reforma da Igreja, tornando-se a reforma franciscana princípio, meio e sinal da reforma
na Igreja universal, confirmada, depois, pelo concílio geral. A Reforma Capuchinha
correspondeu adequadamente à reforma do sagrado Concílio de Trento, instrumento
poderoso de que Deus se valeu para a reforma de sua Igreja (VI, 273s).

798. E Frei Bernardo de Offida ligou-se tão visceralmente à Ordem que, nos
momentos de maior tribulação, foi ele um de seus frades mais inabaláveis. E quando
alguém lhe dissesse que tudo acabaria em nada, fazia gozação. E animando os
confrades, dizia-lhes com muito fervor: “Estejamos firmes, irmãos; não duvideis. O
fundamento deste santo edifício é tão sólido que nenhuma força diabólica ou humana
poderá abalá-lo. O fundamento está na perfeita observância da Regra, igual à melhor
havida em outros tempos; a pobreza é sua pedra fundamental, pois, não temos
habitação segura, afastamos a fome com alguns pedaços de pão, ervas e frutas, e
cobrimos nosso corpo com hábitos feitos com inúmeros retalhos. E a derradeira
semelhança com a vida apostólica estaria na perseguição por causa do Evangelho, e
nós, por este motivo, não ousamos aparecer em público para não sermos
encarcerados.
Portanto, esta é a verdadeira Reforma. E não pode ser obra a não ser do Espírito
Santo, o fato de ter renovado uma vida tão austera e conforme com a Regra, com a
vida e com a mentalidade do nosso pai; e igualmente com o hábito vestido por ele e
dos nossos primeiros frades. E como, nós, gente simples, frágil e sem estudo,
teríamos podido recuperar a vida e o hábito, práticas já tão esquecidas na Ordem; e
170

por nós com pouco conhecimento daqueles tempos primitivos? E se é obra de Deus,
por que temer?

799. Permanecei, portanto, alegres, e agradeçamos a Deus que, sendo nós os


homens mais vis do mundo, por sua bondade, dignou-se usar-nos para dar início a
esta sua querida Ordem. E sejamos humildes, deixando a Ele a glória, pois,
exatamente por isso escolheu-nos simples, ignorantes e sem governo. Se fôssemos
de sangue nobre, de grandes estudos ou de alta dignidade, facilmente atribuiríamos
isto ao nosso esforço ou valor.
Finalmente, sejamos constantes na luta contra as impugnações, comuns e
particulares, do demônio porque, com certeza, ele perderá a luta; e, do tronco de
nossa palmeira, Deus, no fim, colherá o fruto abundante e previsto” (VII,498s).

800. Assim falava o velho Mateus de Schio: “Recebi de Deus este dom e tanto me
agrada esta santa Ordem que, sendo eu nascido e sendo ela a casa de meu pai, não
saberia ser alguém além de capuchinho. E causa-me tristeza que esta santa Reforma
não tenha surgido antes, para nela ter servido a Deus desde a minha juventude e ter-
lhe oferecido a flor de minha vida. Quantos anos desperdicei, vivendo como homem
insensato, sem nunca ter considerado quais eram minhas obrigações! Apraza a Deus
que lhe sejam agradáveis estes quatro dias de minha velhice! Se mais eu tivesse,
mais eu lhe daria; e se mais eu pudesse, mais eu faria. Reconheço não ter recebido
de Deus um benefício maior, depois do batismo, e de ter a obrigação maior com sua
majestade por ter-me conservado até surgir esta santa Reforma. E quantas vezes
ocorreu-me pensar de ter desejado ver como o seráfico pai São Francisco vivia; eis
que eu o vejo, eis que eu vejo como o seráfico pai e seus companheiros observavam a
Regra” (III,380).

801. E assim falavam aqueles servos de Deus: “A Ordem permanecerá em pé,


enquanto os frades se conservarem na simplicidade; uma vez que esta Ordem não é
para muitos, mas para poucos e verdadeiros servos de Deus, desejosos de observar a
Regra, assim como a observou nosso pai São Francisco e seus companheiros. Mas
quem deseja ter uma vida relaxada causa grande mal entrando nesta Ordem, uma vez
que ordens religiosas relaxadas não faltam. Deveriam procurar aquelas e deixar esta
na sua simplicidade como lugar de Deus e a Ordem de verdadeiros cavaleiros de
Cristo, na qual pudessem entrar aqueles que desejam tender à perfeição e dedicar-se
rigidamente à santa contemplação; a fim de que resplandecesse como um sol na
Igreja de Deus e demonstrasse ao mundo a vida que levava neste mundo nosso
Senhor Jesus Cristo e seus santos apóstolos, comprovando, com obras e palavras, a
pobreza, a obediência, a humildade, a abstinência, o desprezo do mundo, o amor e a
caridade para com Deus e com o próximo, vivida por nosso Senhor Jesus Cristo, por
seus santos apóstolos, por nosso pai São Francisco e por seus companheiros e
verdadeiros servos de Deus, que, na vida religiosa, com doutrina segura e católica,
com bom exemplo e santas virtudes, iluminaram o mundo”.
E assim falavam aqueles grandes servos de Deus: “Ai daqueles frades que
relaxam esta Ordem, privando a Igreja de Deus desta luz tão necessária nestes
difíceis tempos, porque receberão a maldição de Deus e de nosso seráfico pai, São
Francisco” (IV, 167s).

802. A bondade infinita nos conceda a graça de permanecer na Reforma que


consistiu no retorno à forma e modo primitivo de viver, concedida por nosso seráfico
pai e por todos os seus primeiros companheiros. E, de fato, decaímos quando nos
afastamos daquela primitiva forma. E este foi o objetivo da Reforma Capuchinha:
reassumir o modo de vida de São Francisco que fundou sua Ordem na altíssima
pobreza, no desprezo do mundo e na contínua oração e devoção. Amém (II,485s).
171

2. Regra e Constituições.

803. “Eu, se o Vigário Geral o permite, dizia Bernardino de Monte de Olmo, quero
percorrer todos os conventos pregando a Regra; uma vez que todos os nossos frades,
pela graça de Deus, têm boa vontade, mas pecam por ignorância, sem saber” (III, 66).

804. Eusébio de Ancona, quando era superior, exortava continuamente à


observância da Regra e todos seus sermões inspiravam-se na Regra. E quando foi
eleito Ministro Geral, quis explicar toda a Regra, em todas as províncias, durante os
seis anos de governo. E seus sermões produziram não poucos frutos (III, 122).

805. E quando o santo homem Francisco de Jesi chegava a um convento,


descansando durante dois dias, começava a pregação aos frades a respeito do estado
de perfeição que prometemos a Deus realizar mediante a Regra; parecia um serafim
inflamado de amor a Deus. Buscava toda sua inspiração na Regra revelando toda sua
perfeição e dizia ser difícil os frades manterem-se nesta perfeição, uma vez que,
aquele que observa perfeitamente a Regra de São Francisco, pode ser chamado de
santo (III,79).

806. Sendo Tiago de Molfetta guardião da mesma localidade, quando o reino


estava repleto de franceses, nesse tempo, Frei Ludovico enviou dois frades para
Puglia, região de Otranto, à procura de lugares; passando por Molfetta, foram bem
recebidos pelo guardião. Na hora da janta, à luz de tocha, estando ele no refeitório
para agradá-los e vendo a sombra dos Capuchinhos projetada no muro, não
conseguia conter o riso.
E depois, considerada a austeridade de sua vida, disse consigo mesmo: “Se estes
levam esta vida por devoção, está bem; mas se a conduzem porque são obrigados,
são ignorantes; se o fazem por hipocrisia, são mártires do diabo”. E movido por estes
pensamentos, disse-lhes: Irmãos, por que razão levais esta vida?” Responderam que
assim procediam para observar a Regra. E, querendo observar-lhes que pela Regra
não estavam obrigados a tanto, responderam, raciocinando tão bem e seguramente
sobre as obrigações da Regra, que ele ficou confuso, considerando que ele, com tanto
saber, desconhecia a Regra que havia prometido a Deus, mediante voto, observar e
da qual haveria de prestar contas. De imediato comprometeu-se estudá-la
profundamente. Procedeu com diligência e, para que isso fosse feito também pelos
outros, ordenou que fossem lidas à mesa as declarações (VI,246s).

807. “Eu confesso com simplicidade, dizia Bernardino de Asti, que, encontrando-
me entre os Observantes reformados, onde se falava da Regra, eu sabia tão pouco
que aprendi muito com os leigos espirituais. E nunca entendi bem o verdadeiro sentido
da Regra a não ser quando me tornei capuchinho e pude ver como aqueles simples
capuchinhos a observavam, ensinados não por sábios, pois eram muito simples, mas
pelo Espírito Santo, uma vez que pelo enorme desejo que tinham de observá-la, Deus
lhes revelou em suas mentes como deviam proceder” (III, 185s).

808. Ora, eu entendo a Regra, dizia Mateus de Schio, porque a observo, e


acrescentava com simplicidade que ninguém pode entender a Regra se não a
observar, uma vez que a Regra não consiste em observância de cerimônias; mas
aquele que está apaixonado por Deus e iluminado pelo Espírito Santo pode observar a
Regra do divino Francisco, uma vez que consiste em ter desprezo de si mesmo e fugir
de tudo o que, normalmente, ocupa nosso coração e no verdadeiro amor de Deus. A
Regra é espiritual e ela precisa ser observada pelo espírito e espiritualmente.
Agradeçamos, pois, a Deus que nos concedeu a graça de ver São Francisco
ressuscitado, não ele, mas sua vida” (III, 380).
172

809. “E se tu me perguntasses qual foi o objetivo do pai São Francisco, em nos dar
a Regra, eu responderia que ele não teve outro intento a não ser o de encaminhar
seus frades, livres de todo obstáculo, à santa oração, removendo de nós, mediante os
preceitos da Regra, tudo o que nos impede a santa oração e dando-nos os meios que
nos fazem adquirir o verdadeiro amor de Deus, objetivo da observância de qualquer
boa lei. E se tu me pedires que exercício deseja o pai São Francisco que pratiquemos
na vida religiosa, respondo-te aquilo que ele diz na Regra: “Orar sempre a Deus com
coração puro”. Esta foi, portanto, a razão de nos ter concedido a Regra, para que,
observando-a, fôssemos livres de toda preocupação terrena e de tal maneira que
pudéssemos dedicar-nos à santa oração” (III, 187).

810. Preservou-se Frei Francisco até a idade avançada e, quando não se sentia
mais apto a passar da oração à contemplação, iniciava a recitação da Regra. E certa
vez, sendo já bastante surdo, recitava-a em voz forte a ponto de certo frade
recomendar-lhe a recitação em voz mais baixa, mas o ministro provincial, ouvindo
isso, disse ao frade: “Deixa-o recitá-la porque ele reza bem melhor do que você” (IV,
215).

811. E quando ocorria a visitação, não se importavam se houvesse alguns


legumes a mais, frutos ou escrúpulos tais. Mas quando se falasse de faltas referentes
à Regra, haveria tal comoção, elevando-se as vozes até o céu, considerando que os
Capuchinhos praticassem algo contra a Regra (IV,9).
Era tal o zelo pela observância da Regra naqueles primeiros frades que as
mínimas coisas eram corrigidas. E porque aqueles bons frades sabiam o que tinha
causado o relaxamento da vida religiosa, diziam: “Começa-se com pequenas coisas; é
preciso vigiar para que a sebe da vinha não se rompa, uma vez que, rompida,
facilmente, atinge-se o desastre completo. Assim, aquelas coisas que parecem de
pouca importância, desde que sejam corrigidos os seus transgressores, não se
ofenderá a Regra; mas, se não forem punidas as pequenas faltas, será necessário
corrigir e punir aquelas que são contra a Regra e os pecados mortais” (III,183).

812. Aqueles primeiros frades decidiram observar de maneira perfeita a Regra,


não distinguindo entre preceitos e conselhos, mas observá-la toda inteira, os preceitos,
porém, como preceitos e os conselhos, como conselhos. Procediam em tudo por
amor, considerando como leme de todo o regimento e de qualquer observância da
Regra o proceder em tudo por amor. E considerando que, neste admirável e árduo
sofrimento, se inflamaram tanto no amor de Deus, que, para eles, era suficiente que
São Francisco o tivesse colocado na Regra ou que fosse segundo o santo Evangelho
de Jesus Cristo. E isto deu a eles tal liberdade de espírito que superaram com a
verdadeira observância da Regra qualquer dificuldade. Não tinham necessidade de
declarações da Regra nem de muitas questões ou de privilégios; visto que, tal soava a
letra da Regra, com igual simplicidade a observavam (IV,7).

813. Alguns frades viviam em Albacina, outros em lugares desertos e em cabanas;


outros andavam a pregar aqui ou ali; e todos se deixavam guiar por Deus, atentos
apenas à severa observância da Regra, com uma extraordinária vida que não somente
edificava, mas pasmava o mundo (V, 155).

814. Frei Bernardino de Colpetrazzo confessa que não tinha conhecido


capuchinho, igual a Frei Bernardo de Offida, tão zeloso na observância das mínimas
determinações da Regra! Ele, exortando os outros frades à perfeita observância da
Regra, mesmo nas minúcias exteriores, dizia: “Por quantos anos muitos de nós
permanecemos na vida religiosa e talvez nunca tenhamos entendido bem o que
significa observar a Regra! Eu, com sinceridade, confesso não o ter entendido a não
ser nestes poucos dias em que a pratiquei com os Capuchinhos. E confesso ser
173

verdade aquilo que mais vezes ouvi dizer da parte de muitos homens: a Regra não é
compreendida a não ser por aquele que a observa. E aqueles que estão imersos na
vida sensual não podem entender a Regra, mesmo que sejam sábios, uma vez que a
Regra é espiritual e apenas pode ser entendida no espírito e na observância.
Quando ouvia a leitura da vida do pai São Francisco e de seus companheiros,
pareciam coisas simples e de pouca importância, uma vez que eu estava cego. Mas
agora sei o quanto são importantes. A divina sabedoria não podia colocar frivolidades
na Regra. E, por isso, andar a pé, descalço, remendado e não ter nada mais do que o
rosário e a Regra, embora pareçam coisas insignificantes, no entanto, sob estas
coisas, está escondido o espírito do Senhor; e são medida do espírito e do
conhecimento que temos de Deus.

815. E porque estas coisas confluem no desprezo do mundo e no afastamento das


criaturas, resumo da sabedoria cristã, do mesmo modo, quanto mais o frade é
obediente, pobre, humilde e afastado do mundo, tanto mais possui espírito; assim,
quanto mais ele se exercitar na observância destas coisas por amor de Deus, tanto
mais adquire iluminação e espírito de Deus. E como nos sacramentos, onde, sob as
vis aparências da matéria, está presente e age a graça divina, de igual maneira, sob
as observâncias e diligências externas, age o verdadeiro espírito de Deus. Porém, não
podemos desprezá-las.
E creio que um verdadeiro frade menor não pode ter a abundância de espírito e
nem conservá-lo se não tiver estima das pequenas coisas. Experimentei em mim
mesmo que, se não nos precavemos contra as pequenas faltas, rapidamente
incorreremos nas grandes.
Eu mesmo, em outros tempos, procurava acomodar-me em lugares bem arejados,
com bons pratos, com panos duplicados, com celas cômodas e outras sensualidades;
e parecia-me servir a Deus, quando servia à carne e, talvez, ao demônio. Agradecido
seja Deus que se dignou enviar-me, em tempo oportuno, esta luz para o mundo do
hábito e da vida do pai São Francisco” (VII, 497 s).

816. E mais, tomaram como sólido fundamento que, para a perfeita observância
da Regra, se devesse observar o Testamento do nosso seráfico pai, não entendendo,
porém, obrigar-nos, pela profissão, prometer também o Testamento, nem mesmo por
voto particular; porém, que o devêssemos abraçar e observar como paterna
admoestação de nosso seráfico pai e como sendo aquilo que mais amplamente revela
a intenção do mesmo com respeito à observância da Regra. Concluíram aqueles
venerandos padres que, desejando observar perfeitamente a Regra, era necessário
observar o Testamento e, por isso, colocaram-no nas primeiras constituições.
E muitos anos depois, ingressando em nossa Ordem o venerável padre Frei
Francisco Titelmann, muito sábio e santo, confirmou a opinião daqueles primeiros
frades, afirmando que seria impossível observar perfeitamente a Regra sem abraçar
como guia e norma o Testamento de nosso seráfico pai. Afirmava o referido frade que,
se houvesse dificuldades na compreensão de alguns passos da Regra, o Testamento
é a glosa dada pelo Espírito Santo a respeito da nossa Regra, a mais bela e a mais
clara que se possa encontrar, elaborada no espírito da Regra, tal qual o afirma o
nosso pai: “E não digam os frades que esta é uma outra Regra, mas, como o Senhor
me concedeu escrever a Regra e estas palavras”, entendendo demonstrar que, por
revelação de Deus e com o mesmo espírito, havia escrito a Regra e o Testamento (IV,
5).

817. No célebre capítulo de Albacina, redigiram umas devotas constituições, mais


divinas que humanas. Na sua primeira visita ao convento de Foligno, apenas
chegados, aqueles frades, trazendo-as consigo, disseram: “Eis que vos trazemos as
constituições”! Todos aqueles pobres fradezinhos acorreram. E recordo-me bem que a
alegria foi imensa a tal ponto que, mesmo sendo noite, reunimo-nos para a leitura das
174

sobreditas constituições. E iniciando sua leitura, Frei Francisco de Cesena, clérigo,


todos começaram devotamente a chorar, uma vez que tínhamos, agora, uma luz clara
para saber como devíamos proceder. E foi admirável que, por frades tão simples e em
tão curto espaço de tempo, fossem redigidas constituições tão apropriadas à nossa
vida, tão breves e tão substanciosas como, ao serem redigidas em Roma, as que,
atualmente, nos governam, foram delas extraídas e ampliadas (II,288,249).

818. Igualmente, Frei Mateus de Bascio recomendava as constituições,


fortalecendo a esperança com que haveria de comparecer perante o tribunal de Deus
e de São Francisco, revestido de inocência e de santa observância da Regra, o
capuchinho que fielmente, por amor a Deus e não por temor da penitência, e
observando-as com alegria, viverá protegido como por uma sebe da Regra. Esta
comodidade não foi concedida há tantos anos e a tantos frades, mesmo santos, que
tão ansiosamente a haviam procurado e pedido a Deus (VII,81).

819. No Capítulo Geral celebrado em Roma, onde foi eleito o padre Frei Eusébio
de Ancona, pareceu a alguns frades que as constituições, em alguns pontos, eram
demasiadamente rígidas; e, por isso, acrescentaram e mudaram algumas prescrições.
Afirmou aquele bom frade, Bernardino de Asti: “Portanto, agora, nós avançamos tanto
quanto nos é possível; se avançarmos mais, atingiremos a Regra; até agora tivemos
uma espessa sebe que nos impediu de tocá-la. Agora, nós ultrapassamos o que a
Regra nos concede, quando, antes fazíamos mais do que a Regra nos ordena”.
Não há língua que possa expressar a importância daquela sebe, que de tal forma
protegia a vinha da nossa Regra, guarnecendo-a e protegendo-a a ponto de não ser
tocada nem mesmo nas folhas (IV, 8s).

820. E assim se exprimiam aqueles veneráveis frades: “Enquanto a Ordem


observar as constituições, observará, igualmente, a Regra; mas, rompida a sebe das
constituições, facilmente a vinha será devorada pela serpente infernal”(IV,172).

821. Foram, portanto, advertidos para não transgredir as constituições e não


modificá-las, recordando que, tanto aumenta o relaxamento quanto diminui a luz e o
espírito de Deus. Ora, em outros tempos, atingiu-se tal decadência que os próprios
sábios defendiam as conhecidas transgressões e aos zelosos Observantes se
atormentava a consciência, de um lado, lendo o que prescrevia a santa Regra e as
declarações dos papas e dos doutores da Igreja e a prática do pai São Francisco; e,
de outro lado, observando a caminhada da Ordem, falsamente considerada ótima
pelos literatos e severamente sustentado como tal pelos superiores. Deus bendito nos
guarde, por sua misericórdia, de chegar a tal perplexidade. Mas, se, no futuro,
chegarem a tal ponto, aproximem-se do caminho seguro da doutrina e do exemplo dos
nossos antigos e santos pais, uma vez que foi aprovado por Deus (VII, 527s).

822. Tendo nossa Ordem uma sebe tão segura, antes fortíssima muralha
circundando as bem elaboradas ordenações, caminha segura em todas aquelas
coisas oriundas, primeiramente, da vida e das palavras de nosso santíssimo pai e de
seus companheiros, e, nestes últimos tempos, daqueles frades que, de fato, foram
norma, guia e espelho. E felizes, nós, se prosseguirmos a empresa e o caminho
seguro por eles demonstrado em obras e palavras (I,246).

3. As primitivas moradias e seus habitantes

823. A pobreza, tão amada pelo seráfico Pai, foi assumida de maneira tão perfeita
naqueles primeiros tempos que ouso afirmar que nenhuma outra reforma atingiu tão
grande perfeição na pobreza como a Reforma dos Capuchinhos. Quando iniciou a
reforma da Observância, a maior parte dos conventos foi obtida da própria
175

congregação e, às vezes, foram tomadas províncias sadias com frades e conventos,


reformando-os depois, segundo as possibilidades e de acordo com o costume da sua
reforma. A pobre Reforma dos Capuchinhos não recebeu da congregação um pedaço
de quarto; mas aqueles lugares pobrezinhos que conseguiam obter eram todos
reconstruídos e, na maioria das vezes, com o próprio esforço e tão pobremente que
era impossível fazê-los mais pobres. E eu, que estava entre eles, tenho autoridade
para falar (II, 69).

824. Ocorreu, naqueles inícios, a nossos primeiros padres que, sendo por diversos
anos provados e submetidos a muito sofrimento, não somente na alimentação a pão e
água, mas muitos deles viveram comendo frutas, ervas e água; dormiam nas
cavernas, debaixo de árvores e onde pudessem (II, 213).

825. E alegravam-se muito quando pudessem abrigar-se em igrejas abandonadas,


nas cavernas, nos hospitais e em outros lugares pobres e conformes à sua pobreza e
viviam como peregrinos nada possuindo além dos trapos com que se vestiam (II, 212).

826. Suas habitações, no início, eram cabanas pobres e pequeninas ou lugares


desertos, muito incômodos, sem quartos individuais, necessários para a solidão, como
convém a religiosos; quando, pela graça de Deus, conseguiam um lugarzinho,
construído por eles na mais estrema pobreza, usando, quanto mais lhes fosse
possível, adobe em vez de cal. As pequenas celas e os apartamentos eram de vimes
e de barro, estreitos e baixos. E tomavam como um favor singularíssimo de Deus o
fato de disporem de um quartinho qualquer para retirar-se.
Pelo contrário, se alguma fosse construída fora dos critérios de extrema
rusticidade e pobreza que todos desejavam, era imediatamente desfeita, tendo sempre
a preocupação de não exceder, na construção, a pobreza e a intenção de São
Francisco. E quanto mais fossem miseráveis, pobres e desconfortáveis, tanto mais se
alegravam; e para que se mantivesse uma forma de celas, simples e pobre, suportável
a todos, ordenou-se que não tivessem mais que 9 palmos quadrados de área e 10 de
altura.

827. Cuidavam atentamente para reduzir ao máximo os gastos com dinheiro. Eles
trabalhavam manualmente, afadigavam-se com fidelidade e grande consolação de
espírito. Costumavam, naquele primeiro tempo, anualmente, visitar o dono da terra,
fosse a comunidade ou pessoa particular, levando-lhe alguns presentes da horta,
como verduras, frutos ou coisas semelhantes, agradecendo-lhes o aluguel daquele
ano, rogando-lhe renová-lo para o ano seguinte. Este costume foi, aos poucos,
abandonado por desgostar aos senhores e, acontecendo que a despesa atingisse a
diversas pessoas, poderia causar discórdia ou outros inconvenientes. Bastava aos
frades terem declarado que não possuíam jurisdição alguma sobre os sobreditos
lugares e que estavam prontos para sair, quando solicitados. Isto foi declarado
repetidamente em suas constituições (V, 279s).

828. Durante a construção, ajudavam manualmente e fabricavam tudo o que


pudessem realizar por conta própria; e do resto não se embaraçavam. Tudo
construíam pobremente e de pequenas dimensões; as repartições internas, todas
eram de vime e de lodo. Os muros externos, igualmente, eram construídos com terra
e, depois, rebocavam-nos com cal, mas de tal maneira que aparecessem, por fora, as
pedras descobertas (IV,152s).

829. Benedito de Subiaco viveu nos inícios da fundação da congregação e, por


muito tempo, ocorreu-lhe viver nos lugares em construção e com muita alegria ajudava
em tudo o que lhe fosse possível. Costumava dizer: “Nestas pequenas habitações
podemos viver tranqüilamente, uma vez que os temos construído com nosso próprio
176

esforço e seguem as normas da santa pobreza”. Alegrava-se tanto com aquelas


coisas que, ao ouvir falar a respeito delas, parecia que tudo se resolvesse em amor
(III, 133s).

830. Raniero de Borgo San Sepolcro não deixava de afadigar-se quanto pudesse;
porque, estando os frades daquele tempo sem habitações, ocuparam muitos lugarejos
e, com o próprio esforço, os frades pobrezinhos os construíam. O servo de Deus Frei
Raniero, com extrema fidelidade nisto se afadigava e Deus concedeu-lhe tamanha
bênção naquelas mãos que tudo faziam de maneira tão limpa e perfeita que era
enviado por nossos padres em quase todos os lugares em que se construía na
província. Durante o dia afadigava-se e a maior parte da noite gastava-a em orações.
E muitas vezes foi visitado por Deus nosso Senhor (III, 490).

831. As habitações construídas para eles eram tão baixas que um homem de boa
estatura quase alcançava o teto com a mão. Procediam desta maneira para adequar-
se aos lugares escolhidos por nosso pai São Francisco, que até hoje podem ser vistos.
Todos a beira chão e as celas eram pequenas e construídas com vimes e barro e
muito pobremente revestidas e delas se vangloriavam tanto os pobres Capuchinhos,
vivendo naquela pobreza, que tudo gritava espírito e devoção (IV, 175).

832. Entre os primeiros Capuchinhos, vindos da Observância para a Reforma,


estava Frei Ludovico de Foligno, sacerdote, inclinado mais à oração que ao estudo,
dotado de não muito saber literário, embora fosse pregador; recebido por Frei
Ludovico de Fossombrone, foi por ele enviado à província das Marcas. Lá ele
construiu a habitação pobrezinha de Santo Elias nos arredores de Fano, feita de vimes
e de barro, acabada em 25 dias de trabalho e nela se instalou e celebrou missa em
honra ao Espírito Santo. Ele mesmo trabalhava na construção e se afadigava com
grande humildade, causando admiração nos habitantes de Fano que, ao visitar a
localidade, encontraram este frade Ludovico todo sujo de terra, pois estavam
preenchendo com lodo as esteiras de vime (VI,196).

833. Enquanto não fosse construído aquele pobre refúgio, ocupado por eles,
dormiam em cabanas, nas cavernas e onde pudessem se retirar para estar a coberto.
E, de outro lado, cada dia eram visitados por alguma notícia ruim, da parte dos
adversários desejosos de destruí-los (II, 69s).

834. Na localidade de Foligno, onde os frades novamente iniciaram uma


construção, os pobrezinhos habitavam uma cabana tão pequena que, ao estender os
pés durante a noite, tocavam numa poça de água, uma vez que havia chovido.
Naquela cabana recitavam o ofício e celebravam a missa e faziam suas orações. Não
se bebia vinho e nem se comia alimentação cozida, mas, normalmente, ervas cruas;
de vez em quando cozinhavam uma panela de pão (III, 245).

835. Padeceram muito naquele tempo antes que as pequenas habitações fossem
concluídas, uma vez que precisavam dormir juntos em qualquer cabana (IV, 152).

836. No que diz respeito à habitação, Bernardino de Asti, para si mesmo, sempre
se alegrou com habitações e celas muito pobres. Após seu primeiro período de
generalato, retirou-se para a habitação antiga de Nemi, não obstante estar ele
convalescendo, gozando de habitar naquele lugar devoto, pobre e solitário, a fim de
entregar-se mais comodamente à união com Deus na contemplação, depois de ter
servido ativamente no governo.
No convento de São Boaventura em Roma ainda podem ser vistas as pequenas
celas, construídas com canas e cal, do tamanho de um homem deitado, nas quais ele,
quando era Ministro Geral, procurador e guardião, se hospedava e, igualmente, seus
177

sucessores, até que o aumento da Ordem e de seus compromissos obrigou a ampliar


o número e as medidas dos quartos para tais ministros.
Para a comunidade, zelou muito para que nada manchasse a santa pobreza; nisto
ele foi muito correto, de tal maneira que, nas construções realizadas em seu tempo e
sob suas ordens, nada se encontra de repreensível. Repreendeu amargamente a um
guardião de Roma, por ter feito revestir de tijolos um pequeno claustro, embora sem
uso de dinheiro, apenas porque parecia ser uma obra supérflua e contrária à santa
pobreza e simplicidade (VII, 241).

837. As igrejas eram muito pequenas e muitas eram construídas nas medidas da
Santa Casa de Nossa Senhora de Loreto (IV, 23).

838. Naqueles primeiros tempos, nas sacristias, falando de nossos frades, as


coisas relacionadas ao culto divino eram poucas e simples, mas lindas, limpas e
delicadíssimas. E, por muitos e muitos anos, não usando ouro, veludo ou seda em
nossos paramentos e em nossos altares e igrejas, como ainda hoje não são usados,
os frades conservam grande simplicidade (I, 261).

839. Não quero omitir que o cardeal Gabriel Paleotti, arcebispo de Bolonha,
edificado com o zelo pela pobreza de Frei Honório de Montegranaro e, celebrando-a,
dizia repetidas vezes aos frades: “Frades, entendo que desejais colocar um precioso
painel junto ao altar e, com ele, um bonito ornamento. Eu vos aconselho a não
discordar e nem vos afastar da vossa santa pobreza. E afirmo-vos ter visto em algum
dos vossos lugares um tronco como âncora para o crucifixo e o pálio tecido de juncos
com uma cruz. E causavam-me uma devoção maior que se fossem confeccionadas
em brocados” (VII, 465s).

840. Por muito tempo, usaram cálices de chumbo, mas manchavam os corporais e
receosos que não se tivesse muita reverência ao Santíssimo Sacramento, permitiram
e colocaram nas constituições que pudessem ter dois cálices por convento com a copa
de prata. E, a respeito das outras coisas da igreja, baseavam-se nas declarações de
Nicolau III, que dizia não poderem os frades menores possuir vasos preciosos nem
figuras artísticas de muito valor; todas as coisas, porém, limpas, simples e de pouco
valor. Nem mesmo queriam que nas casulas, nos paramentos e outras alfaias
sagradas houvesse brocados, seda e outras preciosidades; pelo contrário, fossem de
panos simples, sem ouro ou prata. Em nosso convento de Roma, por muitos anos, o
palio do altar foi uma simples esteira.
De todas essas coisas, os leigos se admiravam muito. E quando viram que os
Capuchinhos começaram construir igrejas bonitas e receber imagens de alto preço,
embora fosse feito pelos frades com alto intuito de combater as heresias, aqueles que,
antes eram impressionados com a nossa simplicidade, agora, ficaram muito surpresos
(IV, 24s).

841. Pequenas e muito pobres eram as suas igrejas, com poucos e pobres
paramentos, ornamentos e vasos necessários para celebrar e conservar o Santíssimo
Sacramento. Nos tempos, quando as coisas divinas e a pobreza haviam caído no
esquecimento e a divina providência desejava despertar o mundo com esta novidade,
eles procediam de maneira extrema para nisso serem sinal de pobreza radical. A tal
ponto que uma pequena caixa de madeira branca era o tabernáculo do Santíssimo
Sacramento; o sacrário, uma caixa forrada com um corporal; os pálios, as esteiras, os
paramentos de tecidos simples ou tela; o turíbulo, uma concha suspensa por
pequenas cordinhas ou que o sacerdote segurava na mão; a naveta, uma caixinha de
madeira ou de papelão; os candelabros, um pedaço de madeira modelado por eles
mesmos ou um pedacinho de tábua com um prego com a ponta para cima; a âncora,
178

um simples desenho toscamente estampado em papel e uma cruz de madeira não


polida (V, 157).

842. E quando receberam as primeiras celas, pareceu-lhes ressuscitar da morte


para a vida e, com grande alegria, diziam: “Muitas graças para nosso Senhor e Deus,
pois temos algumas celas construídas com nosso esforço e de acordo com as
intenções de nosso pai São Francisco”. E quando fosse construída alguma cela
parecendo a eles curiosa, todos se exaltavam em zelo até ser absolutamente
necessário destruí-la (IV, 152s).

843. Para dormir, habitualmente, todos deitavam sobre tábuas nuas; mas no
inverno, alguns mais fracos ou velhos colocavam um pouco de palha e, sobre a
mesma, uma esteira de juncos. Nunca foram usados tecidos até a eleição de Frei
Eusébio de Ancona, especialmente na província de São Francisco; mas toda a
congregação costumava dormir sobre esteiras em vez de tecidos; mas a maior parte
sobre tábuas e muitos, por travesseiro, tinham um cepo ou um feixe de funcho ou
outras ervas.
E quando os seculares entravam para conhecer essas celas e a austeridade
guardada no dormir, edificavam-se muito (IV, 23s).

844. Não queriam nada de supérfluo naqueles lugares e, quanto às mesinhas,


havia uma para cada frade e quando as lavavam, reservava-se apenas uma para cada
frade; tudo o que fosse supérfluo, durante as visitação, os vigários obrigavam a dá-lo
aos pobres, por amor a Deus. E assim procediam a respeito de todas as coisas, até os
penicos, metais, ferramentas, alfaias da sacristia e semelhantes. E, diligentemente, em
todas as visitações, desfaziam-se do supérfluo (IV,24).

845. Não somente fixaram-se em lugares distantes, onde habitavam em máxima


pobreza, mas foram muitos que, obtida a licença dos superiores, construíam pequenas
celas onde habitavam para viver em maior solidão, jejuando continuamente a pão e
água, a fim de entregar-se mais profundamente à santa contemplação. E alguns deles
não comiam pão, mas frutas e legumes. E este foi o motivo porque escreveram nas
primeiras constituições: “Quem deseja ter vida de eremita, após ter sido julgado apto a
tal propósito pelos superiores, não seja impedido, pelo contrário, seja favorecido” (IV,
42).

846. Estando Frei Jerônimo no bosque, cavando pequenos troncos secos, sendo,
naquele tempo, noviço de Frei Batista de Núrsia, cortou um ramo meio verde e meio
seco. Aquele bom padre, Frei Batista, passou-lhe uma severa repreensão e, para
ensinamento de todos, disse: “Vós não sabeis que não nos é lícito cortar o bosque,
que não é nosso, mas da comunidade de Perusa que nos permite, de acordo com
nossas necessidades, apanhar a lenha seca, mas não cortar a verde? O papa
concede-nos o bosque como espaço espiritual e para rezar e não para extrair madeira;
assim como seria contrário à Regra ter vinhedos e campos para extrair frutos, do
mesmo modo é contrário à Regra possuir bosques para retirar madeira”.
E, assim, enquanto ele viveu, sempre foi procurada madeira fora do bosque;
proibia que se cortasse um ramo sequer. Nunca permitiu que fossem plantadas
árvores frutíferas na horta e dizia: “Foi-nos concedida a horta para as verduras frescas
e não para outra finalidade. Foi julgado pela Igreja que seria excessiva distração para
a vida religiosa se, sempre que houvesse necessidade de verduras frescas,
precisasse mendigá-las; e para isso concede-nos as hortas. Em nossos constantes
jejuns, servimo-nos mais de ervas que de qualquer outra coisa (III, 275).

847. Este servo de Deus não podia ouvir, por amor à pobreza, que os frades
abandonassem estas habitações pobrezinhas para construir outras mais cômodas. E
179

dizia: “Não há ninguém que se afeiçoe às construções que não receba, no fim, a
punição da parte de Deus; e nada arruinou mais a vida religiosa que o número
excessivo de conventos; porque uma bela construção é procurada por muitos frades e
daqui nasce a familiaridade com os leigos, donde provém a amizade, e da amizade
nasce a perda de tempo e o abandono da oração e da santa devoção.
Além do mais, é necessário multiplicar os frades para ocupar os conventos e, por
isso, são recebidos, sem muita seleção, os inaptos à vida religiosa, enchendo-a de
frades inúteis que, com seu mau exemplo, a arruínam e escandalizam os leigos. Onde
há muitos frades, não basta a sobriedade e a pobreza cai na ruína; os seculares, por
causa da importunação, escandalizam-se e perdem a devoção e, retirando-se eles,
nascem os depósitos e provisões ilícitas (III, 272).

848. Francisco de Jesi criticava duramente as construções suntuosas e afirmava


que os muros, na vida religiosa, são perigosos e induzem, facilmente, a ofender à
santa pobreza. E quando ele passou por Veneza, mandou construir um pequeno
convento e um leigo, estimulado pela confiança, disse-lhe: “Padre, parece-me que vos
excedestes um pouco nesta construção”. E o santo respondeu-lhe: “Não te maravilhes,
filho, uma vez que, tão logo um frade entre no convento, com ele entra o demônio que
lhe rouba o cérebro e o induz a pecar contra a pobreza”.
E dizia: “Não conhecemos nada que tocasse tanto o nosso seráfico pai quanto os
edifícios contrários à pobreza. E quando encontrasse conventos que excedessem as
medidas ou retirava os frades ou mandava demoli-los. E na localidade de Santa Maria
dos Anjos, enquanto viveu, o nosso pai São Francisco, não permitiu que houvesse
construção em pedra e cal, mas as pobres celas dos frades eram de vimes e de lodo e
cobertas com palha. E saibam que nada prejudicou mais a vida religiosa e arruinou os
frades que os conventos excessivos. E saibam que sempre que as nossas habitações
forem mais belas e de valor maior que as casas dos pobrezinhos, ultrapassam as
normas da pobreza que nos assemelham ao modo de viver dos mesmos; e assim
como devemos imitar os pobrezinhos do lugar quanto ao modo de vestir, de igual
maneira suas habitações devem servir-nos de exemplo. E se desejamos proceder
corretamente, saibam que não podemos usar habitações belas e de grande valor do
mesmo modo que não podemos usar panos preciosos e alimentos refinados; pelo
contrário, devemos contentar-nos com a alimentação que satisfaz aos pobres (III,77).

849. Justino de Panicale, quando os frades ocupavam alguma habitação, sempre


dizia: “Não foram ditas inutilmente as palavras do seráfico pai, São Francisco, no
Testamento, referentes a ele e a seus companheiros: que habitavam com satisfação
nas igrejas abandonadas. Digo eu que devemos proceder da mesma maneira. Existem
tantas igrejas piedosas e abandonadas por todos; podemos ocupar uma dessas
igrejas e não fazer gastos e reparações além do necessário para nelas habitar e
observar a nossa Regra. Esta foi a intenção do pai São Francisco; pois digo-vos que
virão frades novos que, insatisfeitos com nossa simplicidade, abandonarão essas
habitações construídas com tanto sofrimento e edificarão outras, suntuosas e grandes,
nas proximidades da cidade. Nós, a quem Deus concedeu este espírito e que
pudemos conhecer, por sua graça, a observância da santa pobreza e da Regra,
construamos essas habitações da maneira mais pobre possível, a fim de que, tendo
de abandoná-las, não percamos grande coisa (III, 433-35).

850. Mas Deus, querendo a Ordem a serviço da Igreja mediante a pregação e


sóbria vida mista, isto é, de conversação e de solidão, permitiu que se inclinasse pelos
caminhos mais favoráveis aos divinos desígnios.
Os pensamentos de Frei Ludovico pareciam prudentes e sábios e foram
aprovados por alguns dos frades mais sensatos, os quais afirmavam que se a Ordem
perseverasse na simplicidade e na primitiva austeridade, mesmo que não tivesse
erigido casas de estudo, Deus não lhe deixaria faltar sábios, tal havia acontecido nos
180

primeiros tempos quando trouxe para ela a flor das outras Ordens religiosas. Com
efeito, vemos que Deus, que a plantou e se deve confiar que dela tenha tido cuidado,
quis um outro caminho, menos solitário e menos austero e mais letrado. E a
experiência demonstra, todavia, que a multidão de frades, servindo à salvação de
muitos, é incompatível com as pequenas habitações afastadas e austeras, por causa
do atendimento aos enfermos, aos viandantes e outras necessidades.
É inegável que a Ordem foi prejudicada no fervor da observância, afastando-se da
austeridade, da solidão e da pequenez de antigamente. Portanto, se deveria
zelosamente manter, o quanto possível, não apenas as mesmas habitações antigas e
nelas observar o primitivo fervor, mas, nas modernas construções, vizinhas das
cidades e com grande número de frades, esforçar-se para conservar a santa discrição
e o zelo que existiu nos institutos antigos (VII, 199s).

4. Aceitação e provação para os aspirantes

851. A maior parte dos frades, na Ordem, mudou de opinião. E embora antes a
tivessem condenado, agora falavam bem dela e, como pude ver com meus próprios
olhos, alguns, de quem ninguém se imaginava, por serem frades de espírito fraco,
conversavam entre eles, dizendo: “Que fazemos nós aqui? Este, aquele (e
enumeravam a muitos) passaram-se para a Reforma dos Capuchinhos. Por que
demoramos tanto a fazer o mesmo? Saibam todos que a obra é de Deus e muito
favorecida por sua Majestade. Não poderia ter progredido tanto, consideradas as
dificuldades que enfrentou. Ser-nos-á cobrado por Deus que, tendo-nos preparado um
fácil caminho para a observância da Regra ad litteram, fiquemos aqui para salvar
nossas comodidades materiais. Deus abriu-nos as portas do paraíso; bem
aventurados aqueles que entrarem por elas (II, 276).

852. Foi do agrado de Deus que, nos anos trinta, cessassem as guerras, as pestes
e a carestia. Neste tempo, um grande número de frades veio de toda a Ordem para a
santa Reforma, não apenas simples e ignorantes, mas um grande número de sábios e
de santos homens, provenientes de toda a Ordem. E, então, aos olhos do mundo, a
pobre congregação levantou sua cabeça, uma vez que a vinda destes grandes
homens e por suas pregações tornaram a Reforma Capuchinha muito célebre em toda
a parte e, especialmente, junto aos prelados da Igreja (II,258).

853. Por isso, afirmavam aqueles servos de Deus: “Tanto a Ordem haverá de
progredir quanto os frades conservarem a simplicidade, uma vez que esta
congregação não se destina a muitos, mas a poucos e verdadeiros servos de Deus
desejosos de observar a Regra assim como a observou o nosso seráfico pai São
Francisco e seus companheiros. Mas quem deseja conduzir uma vida relaxada causa
um grande prejuízo vindo a esta congregação, uma vez que de congregações
relaxadas não há carência. Deveria procurar aquelas e deixar a esta na sua
simplicidade, como lugar de Deus e congregação dos verdadeiros servos e cavaleiros
de Cristo. Aqui poderiam retirar-se todos aqueles que desejam tender à perfeição e
dedicar-se mais estritamente à santa contemplação a fim de que, como sol, brilhasse
na Igreja de Deus e revelasse ao mundo a vida que teve nosso Senhor Jesus Cristo e
seus apóstolos; e, demonstrassem, com obras e com palavras, a pobreza, a
obediência, a humildade, a abstinência, o desprezo do mundo, o amor e a caridade
para com Deus e para com o próximo, a vida praticada por Jesus Cristo e seus
apóstolos, por São Francisco e seus companheiros e pelos verdadeiros servos de
Deus que, na vida religiosa, com católica e sã doutrina, com bom exemplo e santas
virtudes iluminaram tanto o mundo” (IV,167s).

854. Francisco de Jesi dizia que nada pior para arruinar a congregação que a
recepção de frades, cujas disposições deveriam ser iguais às disposições daqueles
181

que são recebidos à profissão da Regra. Não é suficiente considerar a boa vontade
dos jovens, uma vez que, sendo muito frágeis, muito jovenzinhos, enfermos
fragilizados e coisas semelhantes, não devem ser recebidos, porque se obrigariam
àquilo que não podem observar, ou seja: andar descalço, mal vestido, jejuar
assiduamente, suportar as fadigas exigidas pela vida religiosa por causa de sua
pobreza. No fim, acontece tudo pelo contrário, que não podem jejuar e nem fazer
outras coisas convenientes; pelo contrário, será necessário servi-los e sobrecarregar
aos leigos, procurando para eles comidas especiais.
Por isso, Deus permitiu existirem em sua Igreja muitas Regras, a fim de que, não
conseguindo observar tão grande perfeição, possam exercitar-se nas virtudes em
outra, viver religiosamente e salvar-se. Por isso, não se lhes causa constrangimento
recusando recebê-los.

855. O grande número de frades causa um outro inconveniente: são necessárias


habitações grandes, próximas da cidade para favorecê-los. Das grandes habitações
decorre a familiaridade com os leigos, a dificuldade de observar a santa pobreza,
fundamento de nossa Regra; perde-se a quietude e não se busca a santa oração,
finalidade principal de nossa Regra.
Porém, afirmava que a Regra de São Francisco nada mais é que viver bem
adequado à santa contemplação. Não se parte, porém, da cruz: participando de um e
de outro, da vida contemplativa e da vida ativa, tornando-a vida mista, mais perfeita
que a simples contemplação, por ser mais conforme ao santo Evangelho e à vida
apostólica, observando, com a pobreza, os dois preceitos do amor a Deus e ao
próximo, cuidando do amor de Deus na oração e na pregação, do amor ao próximo.
Assim, a nossa Regra, com a pobreza, purifica-nos de toda afeição terrena e nos torna
aptos à oração; com a oração, afina-nos com Deus e, com a pregação e o bom
exemplo, com o próximo.
E por estes serem exercícios de perfeição, só sejam recebidos na Ordem homens
aptos; do contrário, prejudica-se a Regra. Não se nega, porém, que, por necessidade
de serviços, não se possam receber alguns que não tenham aptidão para a pregação
e para a contemplação, bastando serem aptos para os serviços em que se ocupam e,
assim, possam participar das esmolas oferecidas à vida religiosa. Aqueles, porém, que
não são aptos nem para um nem para outro ofício, prejudica-se à Regra recebendo-os
(III, 79s).

856. O irmão leigo, Justino de Panicale, dizia: “Que procuramos com tantos
conventos? Esforçai-vos por receber poucos frades e por conservar os quatro
pequenos conventos que temos. Enquanto formos poucos, sempre haverá a
observância da Regra; mas, quando a Ordem se multiplicar, é forçada a decair, uma
vez que os verdadeiros servos de Deus sempre foram pouco numerosos. Não
aconteça de fundar uma nova Ordem relaxada; quem deseja viver com relaxamento e
habitar lugares bonitos, procure outras Ordens e deixe esta para alguns pobrezinhos
que desejam viver de acordo com a simples observância da Regra. Que desejam com
a multiplicação de conventos? Menos mal que aqueles que desejam viver com
relaxamento se dirijam para os Observantes, onde existem conventos prontos, não
precisando construir outros e nem causar maiores despesas ao mundo e o escândalo
da multiplicação de seitas.
Saibam que esta Ordem dos Capuchinhos foi instituída por Deus através das
orações daqueles santos homens que, por muito tempo, desejaram a observância da
Regra e derramaram tantas lágrimas a Deus para ver esta Reforma e que muitos
deles, conhecidos por mim, não a puderam ver; e, agora, nosso Senhor, por sua
misericórdia, concedeu a nós, pobrezinhos, poder observar a Regra de acordo com a
pura intenção do nosso pai São Francisco. Conservemos, portanto, este estado de
vida que nos foi concedido com tanta dificuldade, por graça de Deus; estado que, bem
182

considerado, resume-se na santa pobreza, na austeridade de vida e em sermos pouco


numerosos” (III, 434).

857. Frei Batista nasceu de pais honestos numa cidade da Igreja na província de
Bolonha, conhecida como Favenza. Durante a juventude exercitou a arte militar com
honra e luxo. Foi coronel do duque de Urbino e conhecido como capitão Battiston de
Favenza. Foi homem valoroso e muito distinto. Deu muitas provas disso; e, entre
outras histórias, dizia-se que, certa vez, não sei em que cidade, sozinho, guardou uma
porta contra todo um exército. Era um homem de grande estatura, de olhar tão severo
que causava medo em quem o fixasse. Agarrava um homem pela cintura e segurava-o
erguido por longo tempo.
E se foi valente na arte militar, foi muito mais no serviço a Deus. Por esta razão,
tocado pelo Espírito Santo, decidiu abandonar todas as vaidades terrenas e tornar-se
religioso. E pensando consigo mesmo disse: “Batista, você cometeu muitos pecados e
com muita fidelidade serviu ao demônio e à vanglória mundana; mas, se deseja salvar-
se, precisa fazer penitência e com muito empenho, durante os poucos dias que restam
para servir a Deus”.

858. Por essa razão, de homem de bem, decidiu-se e tomou o hábito na Ordem
dos Capuchinhos. E foi-lhe dado um mestre muito severo; mesmo assim, quando
estava em sua frente com aquele rosto severo, o mestre tremia. E dando-se conta
disso, Frei Batista, chorando, disse-lhe: “Meu pai, eu tenho uma natureza vigorosa e
sou muito propenso a fazer a coisa do meu jeito; contudo, pensai que eu vim para
permanecer e para fazer penitência dos meus pecados. Não tenhais medo de mim;
pelo contrário, a torto e a direito, dai-me oportunidade para o merecimento, sem
respeito algum. E não me trateis como a esses jovenzinhos que desconhecem o que
seja pecado, mas castigai-me qual péssimo homem pecador que ofendeu demais a
Deus”.
Causava admiração que, dando-lhe o mestre as penitências, ele as cumpria com
tanta alegria que todos agradeciam a Deus e, em breve tempo, tornou-se qual um
manso cordeiro. E quando, considerada sua natureza altiva, lhe fugia o controle da
paciência, imediatamente, ao dar-se conta, o pobrezinho caia de joelhos e dizia:
“Perdoai-me, padre, pois não consigo vencer esta carniça; eu sou o pior dos homens
deste mundo, não me priveis da repreensão, mas ajudai-me a vencer este corpanzil”.
Foi, de fato, muito admirável ver um homenzarão tão terrível, em lágrimas, beijar o
chão e praticar toda sorte de penitências. Realizou sua profissão, com tantas lágrimas,
que todos os confrades foram constrangidos, igualmente, a chorar (III,504s).

859. Estando Frei Félix de Cantalício a rezar longamente na igreja, o guardião


levou-o para casa. E vendo-o jovem e devoto e apto para a vida religiosa,
encaminhou-o para o padre Provincial em Roma mediante uma carta. Este o recebeu
benignamente e lhe deu o hábito religioso. Foi enviado ao noviciado em Anticoli; lá,
sob a direção do mestre, Frei Bonifácio de Anticoli, homem de vida santíssima, o
jovem devoto progrediu muito no serviço a Deus. E não causa admiração, visto que o
santo mestre, tendo encontrado o jovem bem disposto, gravou nele, segundo seu
desejo, uma excelente e religiosa educação, capacitando-o para a perfeita
observância da Regra e considerando seu desejo de progredir na perfeição religiosa,
precisava fundamentar-se na sólida base da santa humildade, perfeito fundamento de
qualquer edifício espiritual.
E, de tal maneira, se aprofundou este servo de Deus nos bons ensinamentos que
realizou maravilhosamente todo seu noviciado, sempre pronto e disposto à santa
obediência, bastando-lhe um simples sinal. Era tão mortificado que o mestre afirmava
não ter tido jamais um noviço que se acomodasse tão facilmente a todas as virtudes
como ele o fez. Entregava-se de tal maneira à oração que, mesmo nos serviços
ordinários, nunca afastava sua mente da contemplação de Deus. E isto porque estava
183

tão disposto a caminhar que bastou indicar-lhe a estrada, na qual perseverou até a
morte, crescendo continuamente na perfeição (III,465).

860. João Batista de Terni foi, por diversos anos, guardião e mestre de noviços a
quem governou com muita simplicidade, prudência e grande caridade. Dedicava-lhes
tanto amor como se os tivesse gerado. E dizia que, acima de tudo, o mestre de
noviços deve comportar-se de tal maneira que estes sintam, mediante sinais externos,
que o mestre os carrega a todos no coração e nele tenham muita segurança, visto
que, se perderem a segurança, são despedidos (III,391).

861. Frei Pedro nasceu de família nobre, na cidade de Mazara, na ilha de Sicília.
Na idade juvenil, freqüentou a escola, mas, chegando aos vinte e um anos de idade,
dedicou-se à arte militar; exercitando-se nela, nasceu-lhe um desconhecido desdém e,
por ser um homem de coragem e de grande senso de honra, criou muitas inimizades.
Caiu na desgraça da corte e, não sabendo como se salvar, fugiu para o campo.
Tornou-se chefe de bandidos. Praticou muita maldade em diversas localidades, a
ponto de seu bando ser muito temido por todos.
Aprouve ao Espírito Santo inspirar-lhe abandonar aquele gênero de vida e seguir a
vida religiosa. Veio para a província de São Francisco e foi recebido na Ordem dos
Capuchinhos e foi tal sua conversão que todos tiveram certeza ter sido guiado pelo
Espírito Santo. Não passou muito tempo, foi eleito vigário provincial de toda a Sicília,
cujo ofício exercitou com muita prudência e bom exemplo. Era tão benigno e
misericordioso com seus irmãos, conhecendo-se, com facilidade, que ele se
considerava servo de todos, de acordo com o espírito de nosso pai São Francisco.
Nunca abandonou a abstinência ordinária, embora se desgastasse muito com o
exercício do oficio.
Foi também mestre de noviços. E todos afirmavam que não prestava para mestre,
visto que, por sua piedade, muitas vezes, quando um noviço merecia correção, tinha
por ele tamanha compaixão, por ser ainda jovem, que preferia cumpri-la ele mesmo. E
dizia: “Filhinho, você mereceria a disciplina, mas eu vou cumpri-la em seu lugar”. E
quando lhe era observado por alguns confrades que não era correto não castigá-los,
respondia: “São ainda tão inocentes que desconhecem o que seja o pecado e convém
que eu, que sou o pior dos homens existentes no mundo, faça a disciplina” (III,393-
396).

862. E Frei Jerônimo de uma cidade da Lombardia, chamada Novara, nasceu de


família nobilíssima de sobrenome Avvocadri. Jovem ainda, dedicou-se ao estudo das
letras e teve sucesso na gramática positiva. Era de grande estatura e de corpo
elegante, tão delicado que parecia uma noiva, adornado de tão maravilhosa educação
que por todos era considerado muito nobre.
Atingindo a idade de mais ou menos dezessete anos, por graça do Espírito Santo,
conheceu os enganos deste mundo. Decidiu abandoná-lo e servir a Deus em qualquer
congregação religiosa. Dirigiu-se para aos Capuchinhos, recebendo o hábito em Milão
com muita devoção e desejo de observar a Regra prometida a Deus. E, observando
sua vida irrepreensível e santa, nossos padres entregaram-lhe o cuidado dos noviços.
A tal ponto que, enquanto viveu na Ordem, não deixou o ofício de mestre de noviços.
Este servo de Deus foi fervoroso e zeloso na observância da Regra e tão
obediente que nunca ocorreu de responder aos superiores quando estes lhe
impusessem qualquer ordem. E tão humilde em sua conversação que, por mais que
os noviços se esforçassem por imitá-lo, pouquíssimos conseguiam atingir a
mortificação do mestre. E tudo isso ocorreu porque foi, desde o nascimento, dotado
por Deus de natural mansidão que era impossível agastar-se (III,370s).

5. Os estudos
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863. Não possuíam livros para estudar; seu livro era a cruz. Apenas os pregadores
dispunham de alguns poucos livros, se desejassem estudar; contudo, os livros
estavam ao dispor de todos. Grande privilégio era possuir o Novo Testamento para
uso particular. Não lhes era permitida a lanterna, a não ser na noite anterior à
pregação e não em outro tempo e isto para economizar óleo e para dedicarem-se mais
à oração que ao estudo. Para a lamparina que ardia diante do Santíssimo Sacramento
dirigia-se quem, por algum motivo, devia estudar, ler algum salmo ou por outro motivo
(VII,76s).
Os livros ensinam-nos a fazer o bem e realizar o que nos ensinam é complemento
da lição. Não se vai ao céu por saber ou por ter lido, mas por ter praticado aquilo que
os livros nos ensinam (II,281).

864. “Sabei - dizia Boaventura de Montereale - que qualquer doutrina, ciência e


qualquer estudo é concedido por Deus para fazer o bem. Não se deve estudar por
outro motivo que não seja para aprender a fazer o bem e para ensinar ao próximo a
praticar o bem; porém, quem possui a doutrina sem as boas obras iguala-se a quem
possui a videira sem o fruto para o bom vinho. E como dizia o pai São Francisco:
“Tanto conhecemos quanto praticamos o bem e nada mais”. Serão duplamente
punidos no inferno aqueles que tiveram conhecimento, mas não agiram bem; pior que
os ignorantes que nada conheceram. Sabei também que as boas obras propiciam
maior conhecimento de Deus do que a doutrina. A Igreja de Deus, quando tinha pouca
doutrina e muitas obras boas, estava repleta de santos; agora, que possui muita
doutrina e poucas obras, não vemos santos. De igual modo, nossa Ordem, no
princípio, eram todos simples e todos santos, como transparece em nosso pai São
Francisco e em seus companheiros” (III, 320).

865. Embora Bernardino de Montolmo fosse sapientíssimo, nunca lhe agradou que
na Ordem se estudasse; costumava afirmar que, ao serem introduzidos os estudos,
ela decairia como aconteceu no passado, quando os estudos a arruinaram; e os
sábios que vieram para nossa Ordem, vieram para chorar seus pecados. As divinas
Escrituras devem ser entendidas no espírito em que foram escritas; e, para isso,
precisamos entregar-nos à oração, uma vez que a doutrina sem o espírito foi causa de
grandes males na vida religiosa e, no mundo, de muitas heresias. A Igreja de Deus, no
início, foi governada na oração e da oração provêm a inteligência e a verdadeira
interpretação das Escrituras; foi a ela que os santos homens recorreram para serem
iluminados; e, faltando esta iluminação, falta a luz de Deus e sem a luz de Deus não
conseguimos guiar nem a nós mesmos e nem aos outros; por isso, nosso santo pai
deu-lhe muita atenção.

866. Desde o início de sua vida capuchinha, Jerônimo de Montefiore manifestou


repugnância perante os estudos, afirmando que se os Capuchinhos mantiverem
fidelidade à sua vocação de humildade e de oração, Deus haveria de enviar-lhes
homens sábios. E, por isso, ele recusava, embora humildemente, a própria leitura.
Mas, ao ser nomeado superior, constatada, por experiência, a necessidade dos
estudos, procurou favorecê-los e ele mesmo, tendo condições, começou a ler, tendo,
porém, maior diligência na oração para que os estudos e os estudantes fossem
devotos e humildes (VI, 350s).

867. Quando Bernardino de Asti, por causa da velhice, não conseguia mais
exercer o ofício de superior na Ordem, para não deixar de fazer o bem ao próximo,
convocou para Roma diversos jovens e lecionava-lhes a teologia. E, assim como eu
mesmo ouvi dizer, ele havia lido por bem onze vezes a Duns Scoto. E lia com tamanha
facilidade que parecia conhecê-lo de cor. E também eu o ouvi dizer: “Quem entende
bem Scoto conhece alguma coisa” (III,185).
185

868. Conhecendo nossos padres o zelo e a vida santa de Bartolomeu de


Lucignano, nomearam-no professor na província de Milão, onde ensinava com tanta
simplicidade e bom exemplo, que era um ótimo guia para todos os estudantes (III,169).

869. Agradou ao bom Deus que Frei Querubim de Spoleto professasse na vida
religiosa. O venerável padre Frei Francisco de Jesi, conhecendo-lhe a cultura, a
prudência e a brilhante inteligência, chamou-o para perto de si. Em pouco tempo, ele
correspondeu de tal maneira que o instruiu com perfeição nas ciências e na sagrada
teologia. E por ser este venerável sacerdote tão profundo na sagrada teologia, como
poucos em toda a Ordem, comunicou ao jovem, de maneira eficiente, a sagrada
teologia que lhe servia, ao mesmo tempo, para o crescimento no saber e na oração.
Repassava-lhe tudo bem digerido. Por isso, inflamou-se tanto no amor a Deus que
vivia com a mente sempre voltada para o Senhor (III,401s).

870. Frei Tomás de Città di Castello, extremamente zeloso pela observância


regular e, entre os diversos ministros gerais já passados, foi amantíssimo da Ordem.
Por essa razão, ao contemplar a bela juventude que vinha para a Ordem, dizia: “Ah se
eu pudesse ver esta juventude amadurecida, quanto isso me daria prazer!” Desejava
ardentemente que os jovens progredissem nos estudos, afirmando conhecer como era
importante o conhecimento da doutrina, uma vez que ele apenas havia estudado como
leigo as letras humanas; pois, entrando na vida religiosa com idade provecta, não
pudera dedicar-se aos estudos (VI,296).

6. Silêncio, oração e trabalho

871. O silêncio era observado pelos frades de tal modo e a toda a hora que,
mesmo durante os capítulos, ficava a impressão de não haver ninguém em casa,
embora lá estivessem muitos (I, 265).

872. Havia silêncio em toda a parte; falavam apenas por necessidade e com voz
baixa. Viviam todos retirados: quem nas celas, quem no eremitério ou na igreja
rezando; ou mesmo ocupados em alguns oportunos trabalhos. Ficava a impressão de
não haver gente no lugar (VII, 74).

873. E, por muitas vezes, eu os ouvi dizer: “O silêncio é o guarda do espírito


interior; não se lucra tanto num mês de oração quanto se perde em uma hora de
tagarelice. Quando me aproximo da confissão, tendo observado o silêncio, não sei o
que confessar. É uma palavra importante a do Espírito Santo que, pela boca de São
Tiago, disse: „ser vã a religião daquele que não refreia a sua língua‟. De fato, não se
pode chamar de religioso aquele que não possui o ornamento do santo silêncio”
(IV,35s).

874. Do silêncio nasce grande tranqüilidade mental e da tranqüilidade, a santa


contemplação. Da tagarelice nascem murmurações e palavras ociosas e destas
surgem discórdias entre os irmãos, inimizades e discussões e grandes inquietações
mentais (IV, 35).

875. Francisco de Torri obteve a graça especial do silêncio perpétuo e apenas


raramente deixava sair uma palavra de sua boca. Gozava de tal tranqüilidade que
guardava sua mente sempre voltada para Deus. E dizia: “Quando vou confessar-me,
preciso confessar-me por palavras ociosas ou por murmurações; mas quando eu
guardo o silêncio interior e exterior, especialmente, referentes a fatos do próximo, não
sei o que confessar. Na vida religiosa suportamos muitas tribulações com pouco fruto
por não violentar nossas más inclinações que sempre nos amarram a muitos defeitos
causadores de um resfriamento de nossa alma no amor para com Deus e para com o
186

próximo. De fato, nós nos afadigamos em vão, se não soubermos domar a serpente
venenosa de nossa língua” (III, 441s).

876. “E reafirmo - repetia Antônio de Monteciccardo - que nada resfria e amarra


mais o espírito que o excesso de palavras vãs e pode considerar-se grande servo de
Deus aquele que domina sua língua. Mas, enquanto não formos donos da língua,
estamos sempre muito expostos a perder em uma única palavra os merecimentos que
havíamos conquistado com fadigas de muitos anos” (III, 235s).

877. Causou excelente bom exemplo aos seculares o falar pouco e em voz baixa,
juntamente com a bela modéstia dos Capuchinhos; isso era suficiente para torná-los
espelho para qualquer um (IV, 36).

878. Entre eles nunca se falava das coisas do mundo; mas se alguém, por
imprudência, nelas se envolvesse, imediatamente, alguém, ajoelhando-se, fazia-lhe a
correção fraterna, dizendo: “Estas são palavras ociosas”. E o frade, reconhecendo sua
culpa, por sua vez, ajoelhava-se e dizia sua culpa. Mas, ocorrendo uma conversação,
falava-se das coisas de Deus ou da observância da Regra, de maneira breve e com
voz submissa. E quando ocorressem visitas de seculares, surpreendiam-se por não
notar a presença de ninguém no local. E isto acontecia porque, raras vezes, eles se
reuniam, a não ser para o Ofício, para a refeição e para outras coisas ordinárias da
vida religiosa. Depois, cada um ocupava-se de si mesmo (IV, 185s).

879. Frei Antônio, o Português, foi adornado de todas as santas virtudes. Em


particular, ele recebeu de Deus a graça de não se permitir nenhuma palavra ociosa.
Evitava a conversação com os frades e quando, por obediência, era-lhe imposto algum
serviço manual, sempre o realizava sozinho para evitar a oportunidade de falar
(III,145).

880. Jerônimo de Montepulciano era de grande estatura e de bela aparência, mas


mantinha sempre o capuz até os olhos e, quando conversava, parecia envergonhar-se
disso. Vivia retirado e fugia das oportunidades de falar, refugiando-se sempre no
quarto ou na igreja. Mas quando a necessidade o impelia, as suas palavras devotas
pronunciadas com aquele rosto venerando deixavam a impressão que ele vivia
ocupado em devotíssimas meditações como, de fato, acontecia com ele guardando
sua mente sempre voltada para santos pensamentos, especialmente, o da morte (VI,
200).

881. João Espanhol tinha um rosto de criança, uma diminuta barba, negra e rala;
com seus olhos pretos, devotos e um tanto alegres, alegrava a todos que o
contemplassem. E embora fosse muito austero consigo mesmo, não era menos
amável e piedoso com todos, a tal ponto que diziam parecer-se com o pai São
Francisco. E embora raramente ou quase nunca fosse visto sorrir, tinha um rosto
sempre sorridente. Brilhava naquele pequeno rosto um certo esplendor e uma visível
alegria, parecendo-se com um anjo. Ninguém, jamais, pôde ouvi-lo pronunciando uma
palavra ociosa; a tal ponto era controlado em seu falar! E na maioria das vezes, ao ser
interpelado, respondia mais com acenos do que com palavras, exceto quando lhe
fosse solicitado algum conselho ou se conversasse sobre vida espiritual; nessas
oportunidades, falava de modo humilde e submisso causando em todos uma grande
consolação.
Este servo de Deus era tão assíduo na contemplação, que raramente falava com
alguém; mas, ocorrendo por necessidade do próximo, envolvia-se e empenhava-se de
tal maneira em falar de Deus que mais parecia um anjo terrestre. E tão oportuna e
seguramente aconselhava que para todos era evidente que suas palavras provinham
de sua inteligência profundamente iluminada por Deus, na contínua familiaridade
187

mantida com Jesus Cristo, na santa contemplação e revelação; dom extraordinário


concedido pela bondade divina a este seu servo (III, 294,296).

882. Quando no dormitório fossem ouvidos barulhos causados por caminhar


apressado, no fechar portas ou outras causas, sempre confessavam a falta no
refeitório e faziam questão disso (IV, 36).

883. Frei Bartolomeu de Spello era homem silencioso, especialmente nos tempos
estabelecidos. Naquele tempo, fazia-se questão disso. Por essa razão, sendo
guardião da localidade de San Valentino de Foligno, Frei Ludovico de Fossombrone
mandou para a visita local um de seus comissários gerais, Frei Agostinho de Bassano.
E acontecendo que os pobres frades do local não tendo campainha para acordar os
frades para as matinas, gritou fortemente: “Levantem, servos de Deus, levantem-se
para louvar a Deus!” Por esse motivo, ouvindo pela manhã a confissão, o sobredito
comissário impôs-lhe a disciplina e o repreendeu duramente por ter rompido o silêncio.
O servo de Deus fez a disciplina tão alegremente como se tivesse participado de festa
nupcial (III,260).

884. E quando Francisco Titelmans via os frades desperdiçando tempo,


repreendia-os severamente. E afirmava que era impossível, especialmente para os
jovens, observar a castidade sem um contínuo exercício espiritual ou manual e que
não eram dignos das esmolas aqueles frades jovens e robustos que, não estando
ocupados nos estudos e nas coisas divinas como os leigos, viviam na abundância das
mesmas sem afadigar-se (III, 176).

885. E não parecia que, naqueles lugares, habitasse alguém; todos estavam
ocupados, cada um para si ou em algum serviço necessário ou na santa contemplação
(II, 257).

886. Bernardino de Asti repreendia os frades que se retiravam para os próprios


quartos para fabricar sacolas ou cruzinhas ou coisas semelhantes; e queria que, ao se
cansarem nos exercícios da oração, se ocupassem em serviços comuns da casa,
como trabalhar na horta, cozinhar ou ajudar aos enfermos. Nem lhe agradavam
aqueles frades que, sob pretexto de devoção, recusavam os afazeres domésticos;
menos ainda, aqueles que deles se ocupavam de tal maneira que perdiam o gosto
pela oração; ensinava ser necessário equilibrar trabalho e oração de tal maneira que
não se prejudiquem um ao outro; pelo contrário, se completem. Afirmava que o frade
que bem usasse o tempo e a oração criava para si duas asas ou sejam, a vida
contemplativa e a vida ativa, que o conduziriam para o céu. Por essa razão, censurava
aqueles frades que, sem equilíbrio, se entregavam à oração, dizendo que o demônio,
com eles, usava do artifício do médico, escondendo o veneno de suas tentações sob o
mel do gosto espiritual; por isso, louvando a discrição, afirmava que ela era o
condimento de todas as virtudes (VI,26).

887. E certa vez, vendo que eu estava perdendo tempo, Frei Mateus de Schio,
corrigiu-me, fraternalmente, e disse: “Que fizeste nesta manhã, meu filho”? E eu
respondi: “Pouca coisa, meu padre!” Respondeu-me o homem de Deus: “Eu me
precavi e não procedi do mesmo modo. Digo-o para servir de exemplo a você: Eu
rezei, celebrei a missa e o ofício no coro e compus um sermão para a glória de Deus.
Com muita solicitude, meu filho, os santos adquiriram as santas virtudes. E eu me
preocupo em não perder o tempo que, depois, não se consegue mais reconquistar”
(III,379).

888. Este santo homem, Francisco Titelmans, queria, igualmente, que os frades
trabalhassem manualmente e, com o trabalho, ganhassem o próprio alimento,
188

afirmando que este era o primeiro e mais seguro modo de viver segundo a Regra,
alegando o exemplo de São Paulo que, tão ocupado com os trabalhos da pregação,
de escrever e de rezar, queria viver de seu trabalho; e de Frei Egídio, companheiro de
São Francisco, que sempre ganhou o próprio sustento; mas, envelhecido na localidade
de Perusa, não conseguindo mais trabalhar, sofria de graves escrúpulos de
consciência, até que Frei Boaventura, Ministro Geral, visitando aquela localidade, o
livrou do sofrimento. Ele apresentava o exemplo de São Basílio, de São Bento e de
São Bernardo que prescreveram o trabalho para seus monges e assim procederam
todos os antigos padres.
Dizia, porém, que, não estando os frades ocupados nas coisas espirituais dos
ofícios, nas missas, nas orações, nos estudos e na pregação, devem trabalhar,
ganhando, ao menos em parte, o pão que comem. E ele mesmo, para dar exemplo
disso, aprendeu a fabricar cestos; e, sendo ele ministro provincial de Roma, ordenou
que os frades, especialmente os leigos, aprendessem a tecer panos, fabricar cestos e
outros objetos. E dizia que, muitas vezes, adquire-se mais facilmente o espírito
observando nisso a Regra e obedecendo a Deus do que, sob pretexto espiritual,
entregar-se à quietude temporal; e todos os frades, especialmente os jovens, não
conseguem manter-se castos se não fogem à ociosidade (VI, 182s).

889. Bernardino de Asti repreendia os frades leigos que permaneciam na


ociosidade e não queriam realizar os ofícios da cozinha, da horta e outros. E dizia não
serem dignos de viver das esmolas aqueles que se recusam fazer os ofícios
necessários para a vida religiosa e nem são aptos a serem perdoados se não se
emendam (III, 188).

890. Graciano de Núrsia foi, durante muitos anos, mestre de noviços leigos a
quem ensinava com muita caridade. Nunca aceitou aprender a ler e dizia: “O ofício dos
leigos não é ler, nem saber letras, mas servir à Ordem”. Realizava trabalhos de
cozinha com muito zelo de caridade e de pobreza; e, para não perder muito tempo,
durante o inverno cozinhava depois do ofício das matinas, uma vez acabada a oração
e os frades descansavam. E, iniciando a hora da prima, estava na igreja onde
permanecia até terminarem todas as missas. Recitava todas as horas na igreja. Pouco
tempo ou quase nunca dormia depois das matinas, mas costumava repousar um
pouco depois do almoço. Perseverava longamente na santa oração e usava o cilício;
na idade avançada, abandonou o cilício, pois afadigava-se muito e não lhe parecia
oportuno acrescentar mais aflições à natureza debilitada. Evitava a excessiva
familiaridade com leigos e permanecia com gosto ou na igreja ou no bosque (III, 307).

891. Francisco de Jesi viveu sempre de maneira muito humilde e, embora muito
sábio, nunca revelava sua condição a não ser quando o exercício do governo o
exigisse. Vestia com muita pobreza e, embora amantíssimo da solidão, não se
recusava a realizar serviços comuns e vis, sempre que tivesse oportunidade. Certa
vez, ele ficou sozinho em casa, enviando todos os outros a cortar lenha. Enquanto
isso, preparou-lhes a refeição. Retornando e após a refeição, Frei Batista disse-lhe:
“Esta sopa é muito boa; que condimentos colocastes nela?” Respondeu-lhe: “Coloquei
muita caridade!” (VI, 124).

892. Muitíssimas vezes não dormiam após as matinas, mas permaneciam na


igreja em oração. E certa vez, na localidade de San Valentino de Foligno, vieram dois
religiosos e, para observá-los, hospedaram-se naquela noite. E, ao verem que,
terminadas as matinas, todos se retiraram, pensaram os ditos religiosos que tivessem
se retirado para descansar; acenderam o lúme e se dirigiram para seus quartos e, não
os encontrando nem na igreja e nem nos quartos, ficaram pensativos imaginando para
onde se tivessem retirado.
189

E, partindo daquela localidade com esta interrogação, por acaso descobriram


pequenos oratórios que cada um deles havia construído com folhagens. Ouviam
batidas e muitos, com lágrimas, continuavam sua oração. E, para terem uma idéia
bem clara, permaneceram no local até a manhã a fim de ver o que faziam. Verificaram
que nenhum deles, após as matinas, fora repousar, mas haviam perseverado na
disciplina e na oração. De manhã, antes de partir, disseram: “Padres, perseverai; pois
esta é a verdadeira reforma em fatos e não em palavras” (IV,24).

893. Embora possamos viver de esmolas oferecidas ou mendigadas, como


prescreve a Regra, todavia o mais perfeito modo de viver, segundo a pureza da Regra,
seria viver do próprio trabalho. E isto nós o encontramos entre os antigos padres que
colocaram em suas Regras que se deve trabalhar, assim como encontramos em
nosso seráfico pai São Francisco que diz em seu Testamento: “Eu trabalho com
minhas mãos e quero trabalhar e quero, firmemente, que meus frades trabalhem...”
Por isso, os Capuchinhos, todos os que sabiam trabalhar em serviços honestos,
como tecer, costurar panos, fabricar sapatos, sacolas, cestos de juncos e coisas
semelhantes, continuavam trabalhando; e, em muitos lugares, organizaram teares,
como eu pude ver com meus próprios olhos, em Roma, em São Nicolau onde estavam
instalados quatro ou cinco teares e lucravam tanto que quase conseguiam sustentar
todos os frades. A mesma coisa acontecia em Genova, onde teciam panos de grande
valor e também destilavam ervas. E, assim, em muitos lugares, quase viviam do
próprio trabalho (IV, 194s)

894. E parecia mesmo que Deus colaborasse com sua graça, uma vez que,
trabalhando, cada qual vivia em seu canto e se esforçavam para manter sua mente
elevada em Deus; e com isso os seculares se edificavam muito (III,175).

895. Nasceu entre os padres uma discussão a respeito do viver do próprio


trabalho. O venerável padre Frei Bernardino de Asti e Frei Francisco de Jesi, Frei João
de Fano e muitos outros padres, ilustres e santos homens, não queriam que a
iniciativa prosseguisse. “E suficiente, diziam eles, que toda a Ordem viva da
mendicância e, se houver quem deseje viver do próprio trabalho, seja-lhe concedido,
desde que, procurando organizar uma congregação de santos religiosos, dedicados à
celebração de missas, aos santos ofícios, aos estudos da Escritura e à pregação, não
façamos uma Ordem de comerciantes; e considere-se que os ofícios mecânicos
exigem muito relacionamento com seculares; e ainda, para dar continuidade ao
empreendimento, é difícil manter o equilíbrio, evitando precipitar-se de tal maneira no
trabalho que não se extinga o espírito, considerando que todas as coisas nos foram
ordenadas por Deus para servirem ao espírito, como ordena o seráfico pai na Regra”.
Por isso, foi colocado nas constituições que se deve precaver para não colocar seu
objetivo no trabalho, mas apenas trabalhar para afastar a ociosidade, inimiga da alma.
E esta é a razão pela qual todos os exercícios foram moderados pelo venerável padre
Frei Francisco de Jesi.
Não obstante isso, todos aqueles primeiros frades afirmavam que o serviço
hospitalar e o trabalho lhes incendiavam o espírito. E, como eu vi com meus próprios
olhos, Frei Gregório de Viterbo, homem de notável perfeição, enquanto comia, caiam-
lhe sobre a mesa grossas lagrimas mais numerosas que os bocados que engolia. Tal
era a ternura que lhe brotava ao considerar o pão feito com sua própria fadiga e na
perfeita observância da Regra (IV,196s).

896. Quando ocorria a Frei Bento de Subiaco de comer alguma coisa conseguida
com seu esforço e de outros frades daquele tempo, seguidamente, enquanto comia,
juntava as mãos e elevava seu olhar para o céu. E, muitas vezes, foi visto chorando e
dizia: “Agradecido seja Deus! Cumpriu-se o desejo que sempre alimentei de viver de
meu trabalho” (III,134).
190

897. Crescendo a Ordem e chegando frades que não estavam tão confirmados no
espírito, aqueles veneráveis padres, iluminados pelo Espírito Santo, perceberam que
colocar estes frades no trabalho e no serviço hospitalar teria sido uma desgraça,
julgando que esta empresa não era apta para todos. Pelo contrário, cessaram os
trabalhos, pensando que não se devessem perder tempo, mas afadigarem-se nas
santas orações e nos estudos sagrados, condenando, porém, em tudo e sempre, a
ociosidade. E assim falavam aqueles veneráveis padres: “Trabalha muito aquele que
se afadiga nas santas orações, nos santos ofícios e nos sagrados estudos e na
pregação. E nossos leigos gastam bem o seu tempo, quando se afadigam nos
exercícios e nos ofícios da vida religiosa” (IV,198).

898. Por isso, os Capuchinhos iniciaram, com grande solicitude, o estudo das
declarações dos sumos pontífices, as Crônicas da Ordem, a Legenda dos Três
Companheiros, o Livro das Conformidades e, nestes livros, entenderam o modo de
vida que a Ordem tinha em seus inícios. E, por muitos anos, à mesa, não se lia muita
coisa além dos escritos do pai São Francisco (IV, 171s).

899. Observando o venerável Frei Bernardino de Asti que Frei Francisco Titelmans
era um homem especial, ordenou-lhe que fizesse alguns sermões aos frades,
animando-os na observância da Regra. E, daquele tempo em diante, por
argumentação, fazia seguidos sermões aos frades e tão divinamente elogiava a Regra
que todos aqueles veneráveis frades, embora muitos sábios, afirmavam não terem
nunca escutado sentimentos e conceitos mais elevados. Inflamava-se o seu rosto
parecendo um querubim; penava por não dominar a língua vulgar, falava, porém, em
latim; e depois se constrangia, voltando seu olhar para os irmãos leigos, como se
sofresse por não conseguir alimentá-los com aqueles belos conceitos da Regra (III,
173s).

900. Certa vez, entre outras, Bernardino de Asti, no convento de Narni, onde, por
motivos de saúde, se deteve por um ano após o término de seu primeiro triênio de
generalato, agradava-lhe muito aquele convento por ser devoto e solitário, cercado de
bosques.
Fazendo eu parte da família, pedimos a ele, em nome de todos os frades, na noite
de carnaval, que viesse jantar qualquer coisa, lá no refeitório. Respondeu-me: “Eu não
vou jantar, mas dar-lhes uma pequena consolação; estarei com vocês à mesa e lhes
direi algumas palavras espirituais, a fim de que, recreando-se o corpo, faça carnaval o
espírito”. E, vindo à mesa, iniciou a falar em voz tão forte a respeito do paraíso que
todos ficamos estupefatos. E, terminando, disse-nos: “Desejo que vos alegreis um
pouco corporalmente e que riais bastante”. E contou-nos a historieta de um conde e de
um bispo alemão que, falando latim, disse-lhe: “volo comedere modicum80”; o conde
não entendeu, mas, como possuía um asno jovem de nome Módico, com grande
tristeza, assou-lhe o asno! E assim ele nos fez rir um pouco. E, modestamente,
retornou para seu quarto (III, 184).

901. Aqueles padres repreendiam severamente, quando observam qualquer


novidade que aparecesse ou na forma ou na vileza do hábito, como aqueles que
faziam o capuz tão pequeno parecendo apenas uma ponta aguda (IV,172).

902. Uma entre outras vezes, vendo Frei Bernardino de Montolmo tão extenuado,
eu disse ao cozinheiro: “Faça uma caridade para este pobre padre!” Respondeu-me:
“Ele não aceita. É um homem tão atento e tão zeloso de dar bom exemplo que nunca
se permitiu alguma particularidade em momento algum”. E, então, eu lhe acrescentei:

80
Trad.: quero comer um pouco.
191

“Engane-o, colocando um pedaço de carne em sua escudela da sopa, de tal maneira


que não se dê conta, pois este é um homem raro e nossa Ordem perderá muito
quando este santo homem morrer”.

903. Aquele frade bom e simples procedeu como eu lhe havia dito; mas ele,
encontrando a carne na escudela, sendo vigário da casa e não estando presente o
guardião, mandou chamar o cozinheiro a quem, ajoelhado no refeitório, disse-lhe:
“Meu filho, tu me fazes hipócrita à força; eu teria preferido que você tivesse colocado
um cascão na minha escudela em vez da carne. Nunca mais faça isso”.
E, com muito fervor, aproveitando a ocasião, fez um belíssimo sermão, pelo
espaço de meia hora, mostrando a conseqüência das particularidades na vida
religiosa. Disse: “Assim nascem as divisões na vida religiosa, onde os frades não
apenas se dividem e se afastam do amor mútuo, mas, odiando-se, são levados a
separarem-se um do outro e formar seitas. Se a vida religiosa se mantivesse unida em
todas as coisas e não buscasse as particularidades, mesmo que houvesse
imperfeições, não faltaria, a quem o desejasse, a oportunidade de fazer o bem,
oportunidade de servir a Deus e de observar a Regra. Mas, vendo alguns ser
machucados e não assistidos em suas necessidades e, por outro lado, outros
favorecidos e exaltados e bem providos em todas as suas necessidades, é coisa
intolerável que não pode durar e, então, não se faz outra coisa senão murmurar”.
E, voltando-se para nós, que éramos jovens, mais vezes nos disse: “Fugi, meus
filhos, das particularidades como se foge da condenação!” (III,61).

904. Frei Rufino de Galarate perseverou na vida santa até a idade bem avançada,
conduzindo-se na austeridade e santidade, levantando-se para as matinas até o fim de
sua vida e vigiando em suas orações. Disse-lhe um frade: “Padre ancião, não precisa
mais levantar-se para as matinas”. E ele, sabendo quão importante é o bom exemplo
dos velhos para os jovens, disse-lhe: “Meu filho, se eu levanto para as matinas,
ninguém me observa; mas se eu não levantar, todos me vêem” (VI, 486).

905. Por fim, Boaventura de Montereale se fez capuchinho e por isso teve uma
vida muito santa. Sua abstinência consistia em não jantar à noite; e afirmava ser esta
a melhor abstinência que se podia fazer na vida religiosa, comendo na parte da manhã
com os outros e daquilo que todos comem, uma vez que não se acomodar aos outros
prejudica os serventes. É melhor comer uma sopa de caldo de carne que encomendar
uma sopa quaresmal distinta da sopa da comunidade. E esta abstinência, mais
pacífica e menos vistosa, é mais segura, dizia ele (VI,241s).

906. Ângelo de Savona não foi homem de muita austeridade porque era de
natureza muito nobre e de corpo fraco. Não se conhecem outros milagres além da
verdadeira e perfeita observância da Regra; e tão grande era a beleza de seus
costumes que, por todos, em público, era reputado como santo (III,131s).

907. Era coisa admirável que Frei Félix de Cantalício, por causa de seu ofício,
fosse familiar com todos e, todavia, o Espírito Santo o governou de tal maneira que por
ninguém foi percebida sua santidade, apenas era considerado um homem simples e
de bem. Não apenas da parte dos seculares, mas também da parte dos próprios
frades não foi conhecida sua santidade, tão bem soube ocultá-la! E nisto o servo de
Deus parece ter sido perfeito, pois, sendo cheio de espírito e de perfeição, não era
conhecido como diferente dos demais (III,467).

908. E se são conhecidos os servos de Deus, agradecidos à sua Majestade


quando operam milagres, a perseverança por tantos e longos anos sem fazer nada em
contrário, considero-o como o milagre maior que um servo de Deus possa operar;
viver tantos anos privado de sua vontade própria e submetido à santa obediência. A
192

perseverança é que coroa os eleitos de Deus; uma vez que não basta iniciar o serviço
divino, mas perseverar até a morte é que garante a coroa; e perseverança tanto maior
de não romper o pacto com Jesus Cristo de observar a Regra por todo o tempo de
nossa vida, uma vez que uma simples falta contra a mesma prejudica toda nossa vida;
mas a perseverança do início ao fim é merecedora de grande louvor (III,459s).

7. A pobreza

909. “Esta foi a intenção de nosso pai São Francisco - no dizer de Mateus de
Bascio - que seus frades vivessem completamente afastados do mundo, em perfeita
pobreza; e, por isso, chamou-a de altíssima pobreza, diferente de todas as pobrezas
do mundo. Por isso, filhinhos, podereis chamar-vos filhinhos legítimos do seráfico pai
São Francisco, quando, vivendo em lugares pobrezinhos, não tiverdes afeição alguma,
uma vez que a afeição das coisas terrenas é uma grave peso que prende a alma à
terra e impede-lhe de voar para o Criador. Sabei, porém, que nosso pai São Francisco,
iluminado por Deus, soube que era impossível dedicar-se plenamente ao exercício da
perfeita contemplação sem o verdadeiro fundamento da pobreza. Não vedes,
caríssimos filhinhos, que, embora em nosso Senhor Jesus Cristo habitassem, de
maneira excelente, todas as virtudes, contudo, a humildade e a pobreza brilharam
mais que as outras em sua majestade?” (II, 251).

910. “A pobreza exterior consiste em três coisas: na habitação, no vestir e no


comer. A esta virtude somos obrigados pela Regra e por nossa profissão. Porém,
sabei que nada é tão difícil na vida religiosa quanto o preceito da pobreza, que
consiste no uso de coisas vis e necessárias para o sustento da natureza. E se esta
pobreza exterior é tão importante que quem não a observa não pode possuir o
espírito, que diremos da importância da pobreza espiritual, que consiste no perfeito
despojamento de todas as coisas terrenas? E digo-vos que o homem pode praticar a
abstinência que desejar, entregar-se à oração, dirigir-se a congregações austeras ou
procurar o deserto; não obstante isso, se lhe restar um mínimo de amor próprio ou de
afeição pelas coisas terrenas, nunca viverá do verdadeiro espírito.
Esta, portanto, é a verdadeira pobreza espiritual, não possuir afeição alguma a não
ser ao próprio Deus. E a isso nosso seráfico pai chamava de altíssima sabedoria. Mas,
para detalhar um pouco mais, afirmo-lhes que aqueles que possuírem afeições a
parentes, à pátria, à província, a lugares, a amigos, a coisinhas de seu uso, como
livros e outras objetos, não pode amar com perfeição a Deus” (III, 77s).

911. Não conseguirei expressar com a língua o zelo que eu vi naqueles santos de
Deus com respeito à pobreza espiritual. E afirmavam ser este o fundamento da
perfeição religiosa (IV,183).

912. Francisco Titelmans, na forma de reflexão, seguidamente, fazia sermões aos


frades e tão divinamente falava da Regra que todos aqueles veneráveis padres,
embora sendo eles muito sábios, diziam não terem nunca ouvido conceitos e
sentimentos tão elevados. Exaltava sobremaneira o preceito da pobreza, partindo da
palavra: Altíssima pobreza e denominava-a fundamento da Ordem e de qualquer
virtude, punhal cortante que corta e afasta dos servos de Deus qualquer resistência
que possa dificultar ou retardar a perfeita contemplação, objetivo final da vida religiosa.
A pobreza, introduzida no mundo não por um homem, mas por Jesus Cristo, Filho de
Deus, e deixada como testamento para a Igreja, sua esposa (III, 173s).

913. Antes da chegada da grande carestia geral do ano de 1570, alguns meses
antes de ser constatada, o núncio pontifício, cremonês de nascimento, visitando o
guardião do convento de Nápoles, preveniu o mesmo a respeito da carestia e disse-
lhe que seria prudente armazenar uma certa quantia de grãos. E respondendo-lhe que
193

não costumavam fazer provisões de grãos, mas apenas procuravam esmolar pão;
então, recomendou-lhe que o torrassem. O guardião respondeu-lhe que isso eles não
o faziam nunca e que nem por isso ele temia, pois estava certo e seguro que, embora
faltasse para os outros, para eles não iria faltar o pão. Disse, então, o núncio: “É uma
grande fé a de vocês!” E o guardião respondeu-lhe: “Nós estamos seguros porque
Cristo e São Francisco o prometeram”.
E assim, de fato, aconteceu que, chegando a tão terrível carestia, que em Nápoles
eram encontradas pessoas mortas ao longo dos caminhos, aos Capuchinhos nunca
faltou o pão, embora constituíssem uma grande família de cinqüenta frades; tiveram
em abundância pão e outros alimentos (V,328s).

914. Todos eram ainda zelosos a respeito das necessidades cotidianas e não
queriam saber de pequenos depósitos além das necessidades semanais. E quando os
vigários realizavam a visitação, obrigavam a dar aos pobres todas as coisas
guardadas e consideradas supérfluas, como mel, legumes, cebolas, nozes e outros
frutos; e, por causa disso, repreendiam duramente os guardiães. Era tal a pureza de
vida na observância da evangélica pobreza que, nas visitas, pouco havia para
repreender, com exceção de pequenas superfluidades, consideradas por eles como
grandes transgressões.
E diziam: “Felizes de nós se a Ordem se mantiver neste zelo de não ofender a
Regra nas coisas mínimas; mas quando não houver mais preocupação com estas
pequenas coisas, facilmente aparecerão transgressões de preceitos graves da Regra”.
E julgavam ultrapassar as exigências da pobreza, se houvesse mais que meia mina de
nozes ou de outros frutos (IV, 181s).

915. Quando foi celebrado o pequeno capítulo de Albacina, referiram-me aqueles


padres que para as refeições não havia nada mais que algumas frutas, um pouco de
pão e uma grande jarra sem tampa de vinho; e, tendo encontrado naquele casebre
uma taça sem pés, com ela todos se serviam; e após terem bebido, viravam o resto
para a jarra. E estes foram os preciosos alimentos e as grandes provisões que a
comunidade costumava fazer nos tempos dos capítulos. E alegravam-se tanto aqueles
servos de Deus com sua pobreza que partiam muito mais restabelecidos no seu
espírito do que costuma acontecer corporalmente com alimentação refinada (II,290).

916. Nas suas viagens, Francisco de Jesi não levava consigo e não permitia ao
companheiro que o fizesse, a não ser pão, mesmo se acontecesse de andar por
caminhos onde não fosse possível encontrá-lo. E qual erasua convicção a respeito da
pobreza, demonstra-o este acidente. O companheiro assou três pombos, movido pela
compaixão por sua velhice, que precisava caminhar; chegada a hora da refeição,
sentou-se no chão e, pensando o bom velhinho que à passar a pão e água, disse: “Ao
menos desta vez vamos viver como frades menores!” Mas quando o companheiro
descobriu os pombos, perturbou-se, sentindo-se frustrado em seu desejo e privado do
tesouro da santa pobreza que comeu apenas uns bocados de pão sem ao menos
tocar nos pombos. Levantou-se e seguiu o caminho insatisfeito (IV, 126).

917. Nas viagens, não raro, aconteceu que Frei Jerônimo de Montefiore e seu
companheiro, tendo recebido pão para a alimentação e encontrando pobres pelo
caminho, dava-lhes o pão em quantidade tal que eles mesmos passavam
necessidade. Quando foi Ministro Geral, proibia aos frades de levarem consigo nada
mais que pão e vinho, frutas, cebolas e coisas semelhantes, e com muito dificuldade
permitia-lhes de levar consigo pequenas bacias. E, com esta intenção, verificava nos
bolsos e nas bagagens se não possuíam comidas especiais, dizendo-lhes: “Nós
devemos servir de exemplo para os outros”.
Se lhe acontecesse de sofrer por causa da pobreza, alegrava-se imensamente. E
aconteceu de ter que se alimentar, ele e seu companheiro, na região de Urbino,
194

andaram a procura por diversas vilas daquela localidade onde nada mais obtiveram
que alguns pedacinhos de pão. E, retirando-se para comer, ele, com indizível alegria,
disse ao companheiro: “Agora, façamos como fez o pai São Francisco, vejamos quem
recolheu mais esmola”. Ambos tiraram da bolsa os pedacinhos que haviam esmolado
e os comeram com alegria, afirmando, depois, o companheiro que nunca tinha
observado tanta alegria e contentamento naquele padre quanto naquela vez (VI,350).

918. Por isso, naqueles primeiros e afortunados tempos, tinham tudo em comum,
mesmo os livros, os hábitos e tudo aquilo que a Regra nos concede e até mais do que
era previsto pela Regra e, mesmo assim, tinham-no simplesmente como emprestado
de seu superior. Não davam e nem tomavam, um do outro, coisa alguma sem a
licença de seu superior, sabendo que tomar ou permutar, sem essa licença, é ato de
propriedade, segundo a afirmação de São Bernardino e de outros. De modo particular,
abstinham-se de levar para alguém aquilo que lhes fora concedido em uso nem
mesmo de levá-lo para qualquer outro lugar; mesmo que fosse uma agulha ou uma
simples pena e pequeno papel, consideravam-no como manifesto furto, se fosse
tomado sem conhecimento de quem lhe tinha o uso e sem licença do superior (I,249s).

919. E afirmavam que ter em particular é muito perigoso de afeiçoar-se


desordenadamente. Observou-se, não raras vezes, o exemplo de alguns,
especialmente leigos, que, possuindo o Ofício de nossa Senhora, qualquer outro
livrinho ou pequenas coisas, sendo delas privados por iniciativa dos superiores,
ficaram tão aborrecidos que abandonaram a Ordem. Não se admitia possuir Agnus
Dei81curiosos, rosários, cruzinhas ou coisas semelhantes; tais superficialidades
sufocam o espírito, e muitos simples possuem estas coisas sem mostrá-las a seu
superior, correndo o perigo de cometer um ato de propriedade. Ocorrem ainda outras
desordens durante o tempo dos capítulos, quando carregam consigo bolsas de coisas
ou agravam os leigos, pedindo que lhas tragam. Um frade livre e pobre de tudo tem
grande oportunidade de ficar quieto e sempre mais submisso à santa obediência;
exatamente o contrário dos frades que se alegram com tantas bagatelas e,
especialmente, possuídas por curiosidade mais que por utilidade ou necessidade.
Durante o tempo dos capítulos, quando havia mudanças ou quando tivessem que
viajar, você não encontraria ninguém levando bolsas, excetuados os pregadores,
quando alguns deles tinham uma pequena bolsa com alguns poucos livrinhos.
Causava grande admiração aos seculares e eles, por sua vez, caminham mais
livres e rápidos. Não possuíam facas, mas ocorrendo de estacionar para comer um
pouco de pão, quem dela precisasse a pedia emprestada aos leigos. O pão,
normalmente, carregavam-no entre as mangas. E muitos, considerando o que Senhor
disse aos apóstolos de não carregarem bastões, andavam sem eles; mas os mais
anciãos, que deles precisavam, utilizavam-se de uma cana como bengala (IV, 38).

920. Quando as coisas iam mal, o servo de Deus Frei Rufino de Galarate
entristecia-se muito; e sempre costumava manter o lugar bem limpo e que cada coisa
estivesse em seu lugar. E dizia aos frades: “Irmãos queridos, teremos de prestar
contas a Deus nosso Senhor a respeito das mínimas coisas, uma vez que todas são
esmolas e sangue de Cristo” (III, 458).

921. Vicente de Foiano zelava tanto pela pobreza que, além do breviário, não
queria ter nada além de um livro de apontamentos, onde anotava as coisas da vida
religiosa e algumas suas devoções; e, tornando-se mais velho, abandonou isso
também, parecendo livrar suas costas do peso de uma montanha (VI,204).

81
Trad.: Cordeiro de Deus, uma medalha de cera.
195

922. Adoecendo gravemente de dor no peito, Boaventura de Montereale, na


localidade de Monte Malbi, os frades pensaram que ele não conseguisse mais se
reerguer. Todavia, o santo ancião, estando os frades no refeitório, levantou-se e,
arrastando-se como podia, sem que alguém se apercebesse disso, alcançou o
refeitório e, colocando-se de joelhos, pediu perdão a todos dizendo com muitas
lágrimas: “Caríssimos irmãos, eu vou partir, sinto que o Senhor me chama; e porque
fui sempre um ingrato e mau religioso, pelo mau exemplo que lhes dei e pelos muitos
incômodos que sofrestes por minha causa, durante a minha enfermidade, peço perdão
a todos e rogo que me perdoem e supliquem a Deus por minha alma, embora eu não o
mereça”.
E depois, tomou a disciplina, o rosário, a Regra e o lenço que tinha na manga, e
entregou tudo ao guardião dizendo-lhe: “Eu devolvo estas coisas que me tendes
emprestado até que delas eu tivesse necessidade; considerando que delas eu não
preciso mais, devolvo-as”.
Choravam todos os frades, vendo aquele santo velho despojando-se com tal zelo,
entregando-se, humildemente, nas mãos do superior e preparando-se para a chegada
da morte. Levantando-se da mesa, foi transportado nos braços para o leito (III, 318s).

923. E a respeito da vestimenta, toda a Ordem usava um hábito de tecido grosso,


feito de lã suja, denominada de arbascio82; era o pano mais vil que se podia encontrar.
E quando não encontrassem o arbascio, vestiam-se com os panos usados pelos
camponeses. Mas na província das Marcas, de São Francisco e da Toscana, o tecido
de lã era bastante delicado, ninguém queria daqueles panos, considerando-os finos
demais. E quando não podiam fazer de modo diferente, cobriam-no com tufos de
cabelos e, especialmente, com pano de sacos (IV, 155).

924. Tudo o que realizavam nossos primeiros frades, aqui em nossa região, era,
por sua vez, realizado também pelos frades da região da Calábria, quer nas
construções, na vida cotidiana e no vestir; seus hábitos mais pareciam ásperos cilícios
que panos de lã. De iguais panos vestem os frades da Apulia e da Sicília. E isto ocorre
por causa da qualidade das lãs, selvagens e muito ásperas, inferiores às lãs de outras
regiões; e mais ainda, por opção dos próprios frades, amantes de nossa vida austera e
observante e que procuram, por isso, panos vis, pouco apreciados e grosseiros,
embora pudessem ter outros menos rudes e não tão incômodos aos sentidos.
Esta sua opção nasce do desejo de penitência e ainda da consideração de que
Deus nosso Senhor, tendo-lhe concedido aquele tipo de lã, parece querer vesti-los
exatamente como eu o descrevo. E para realizar este seu desejo, os pobrezinhos
procuram a lã por amor de Deus e mandam, de propósito, fabricar os panos ásperos e
grosseiros.
Por isso mandam fiar a lã e, ao entrelaçá-la, não querem que se use óleo, a fim de
que permaneça selvagem, dizendo que assim procedem, ainda hoje, os colonos e os
pobres daquela região. E os fazem tecer do modo que melhor lhe agrada; de sorte
que, vestidos com aquela negritude própria daqueles panos, assemelham-se, ao vê-
los, ao próprio horror e, ao manejá-los, um tecido pungentíssimo ou mais áspero do
que se possa encontrar entre os panos, ou melhor, assemelham-se aos sacos de
cilício que os mercadores usam para embalar as mercadorias. Estas são suas
vestimentas (I,366).

925. Bernardino de Asti era muito sóbrio e muito ordenado. Esteve sempre muito
bem na vida regular, que, mesmo em seu tempo de governo geral, conduziu com
discrição e conveniência própria a vida religiosa onde vivem pessoas de diversas
condições. Mas na vida comum ele era singularmente austero. Qualquer que fosse a
ocupação ou necessidade que tivesse, não aceitava pratos especiais ou maiores; se o

82
Cf. nota 94.
196

responsável falhasse, ele havia estabelecido para si mesmo esta norma de não comer
a fim de que aprendessem a dar-lhe pouca comida. Certa vez, sendo Ministro Geral e
estando muito cansado e necessitado, o cozinheiro colocou diante dele um prato
abundante, ele nem sequer o tocou e, depois, confidenciou a um seu confrade: “Este
cozinheiro errou comigo, pois eu estava com muita fome, mas não pude comer porque
ele me deu comida demais (VI,19s).

926. Causava admiração que, embora fossem panos vis e com duração prevista
para um ano, duravam, ordinariamente, até quatro anos por causa dos remendos que
neles colocavam; muitos deles os mantiveram em uso entre quatorze e dezesseis
anos por amor e zelo pela santa pobreza (IV,15).

927. Boaventura de Montereale vestia um hábito completamente remendado e,


quando percebia que alguma peça de vestuário se arruinava, lamentava-se muito e
dizia aos frades: “Se os pobres tivessem esta peça, eles não a desprezariam como
fazemos nós; pelo contrário, eles a costurariam nas suas vestimentas e, não obstante,
eles não fizeram voto de pobreza como nós” (III,318).

928. Durante o inverno, calçavam sandálias feitas de pedaços de couro,


encontrados ao longo das estradas e esmolavam nas sapatarias e depois os
encordoavam (IV,155).

8. Austeridade penitente

929. Muitas vezes, os frades diziam a Pedro de Núrsia: “Frei Pedro, não faças isso
que vais ficar doente!” E ele respondia: “Jesus Cristo não ficou doente por mim, mas
morreu. Quando conseguirei reparar tantos pecados?” (III, 136).

930. E assim como afirmava o venerável Frei Francisco de Jesi “o efeito que a
abstinência causa no corpo humano, purificando-o de tantos maus humores a não
serem necessários, nem remédios e nem médicos, o mesmo efeito causa a
austeridade na vida religiosa: pois que a penúria da pobreza, o sentir falta de todas as
coisas, purifica o corpo da vida religiosa de tal modo que não venham homens
perversos e personagens ruins, não permitidos por Deus. E se ocorresse de virem
alguns, não agüentariam por muito tempo, pois o sofrimento os manda embora, uma
vez que o Espírito Santo procede como o bom horticultor que sempre limpa a horta de
todas as pestes. Ele limpa o jardim de Deus, a congregação religiosa que, enquanto
se mantêm na vida austera, não permite a permanência de homens que a destruam
com seu mau exemplo e com seu relaxamento. Nem precisa de xaropes de noviciados
e de chapéus e sem medicina de cepos e de cárcere, pois, vão embora por iniciativa
própria”

931. E dizia: “Sabei que o principal fundamento de nossa Ordem é o sofrimento


por amor de Jesus Cristo; nele, a alma se purifica e esta purificação, Deus nosso
Senhor a preenche com o espírito, com dons e muitas graças. Esta é a fonte de todo o
bem. Mas, dos espíritos apaixonados e nada mortificados, nascem todos os males”.
Foi este, portanto, o motivo do escasso crescimento da Ordem em seus inícios,
que sofria demais e a ela acorriam tão somente homens desejosos de grande
sofrimento. E quando percebiam que não eram defraudados na sua primeira
esperança, acontecendo de sofrer até mais do que o povo afirmava, enchiam-se de
intensa alegria e gozavam tanto naquele sofrimento que, se tivessem de morrer, eles
não abandonariam o hábito. Acontecia com eles o mesmo que acontece com quem
guarda a bola quente na mão e a mão conserva o calor da bola. Assim, o sofrimento
acendia neles o amor de Deus e o amor os aquecia e confortava no sofrimento (III,
39s).
197

932. “E posto que pareça insignificante comer alimentos assados e esquisitos,


dizia Francisco de Jesi, todavia, aquele que se cuida a respeito disso e se mantém
forte na observância da Regra, encontra-se protegido pelo espírito do Senhor. E
saibam que Deus fez este pacto conosco, frades menores: quanto mais nós nos
mortificarmos na observância zelosa da Regra, nas comodidades do corpo e da gula
por alimentos e em todas as afeições terrenas, tanto mais nosso Senhor nos preenche
com gosto pelas coisas espirituais. E saibam que nós nos enganamos, se pensamos
tornar a vida fácil mediante acomodações corporais; pelo contrário, nós a tornamos
mais difícil, uma vez que, quanto mais nos concentramos nas coisas sensuais, tanto
mais a vida religiosa se transforma em inferno, perdendo o espírito. Pelo contrário, a
vida religiosa se torna fácil quando, mediante a observância da Regra, estamos, pois,
repletos do espírito e não existe nada de tão grave que não se torne fácil mediante o
espírito. É isso, porém, que devemos procurar com empenho: ter espírito, pois viver na
vida religiosa sem espírito é intolerável”(III, 77s).

933. Pedro, o Português, foi dotado por Deus de notável simplicidade. Dificilmente
falava de temas que não fossem jejum e penitência. Não dormia mais que três ou
quatro horas por noite; o restante do tempo, gastava-o na disciplina e na oração. E
seguidamente dizia: “Grandes coisas fizeram os antigos santos!” E, depois, resumia
tudo na afirmação: “Este corpanzil é meu maior inimigo; se eu conseguir vencer esta
batalha, subjugando este meu inimigo, não terei feito pouca coisa” (III, 302).

934. Saibam, dizia Liberalino de Colle Val d‟Elsa, que da gula nasce todo mal e da
abstinência, todo bem. Enquanto os religiosos se ocuparam com a abstinência e com
a santa contemplação, as congregações sempre tiveram grandes e numerosos
homens santos e milagrosos; faltando, porém, a austeridade da vida, faltam, ao
mesmo tempo, os santos e os milagres e seguem-se os milagres de Lúcifer, de
escândalos infinitos” (III,330).

935. Satisfaziam suas necessidades alimentares com ervas, legumes e frutas. E


tal era seu gosto por ervas que se descuidavam de outros alimentos. E muitos deles
não se alimentavam com alimento cozido, mas ervas cruas e frutas. E a melhor sopa
feita naqueles tempos, presente em suas mesas, consistia em pão cozido, couves e
favas (IV, 19).

936. Por muitos anos, nos conventos dos pobres Capuchinhos, aparecia carne e
vinho muito raramente; uma vez que grande número deles, observava todas as
quaresmas que nosso pai São Francisco costumava realizar e não poucos deles
jejuavam continuamente, tomando apenas uma refeição diária. E, se houvesse alguém
desejoso de comida, vendo que os outros seus irmãos não comiam, ele também
jejuava. E, se por acaso lhe ofereciam um pouco de carne, renunciavam a oferta.
Deste modo, divulgou-se a notícia que os Capuchinhos não comiam carne; por isso,
poucas vezes lha ofereciam. E nem a recebiam, se não fosse carne de segunda;
frangos, pássaros e semelhantes não eram aceitos e, mesmo quando postos à mesa,
eles não os comiam.
E ocorrendo que lhe tivesse sido oferecida carne, mesmo por amor de Deus
aborreciam-se como se fosse uma serpente. E, muitas vezes, ouvi dizer na localidade
de Narni: “Gosto deste lugar por ser solitário e devoto, uma vez que, se entrar carne,
eu me sinto mal”. E o motivo era que o senhor Teodoro, semanalmente e por devoção,
oferecia duas pequenas lebres para os pobres Capuchinhos. E mesmo que lhe fosse
dito, mais vezes, que não o fizesse, ele sempre as oferecia, especialmente no verão;
nem era possível negá-las, pois ele as deixava na portaria e ia embora. Certa vez,
doou um atum salgado; nenhum dos frades quis comer dele e, por isso, Frei Raniero
de Borgo, deu-o ao gato, em minha própria presença. Na localidade de Núrsia, porque
198

Benedito Finocchiuolo nos trazia um pouco de carne, insistiram para que não mais
aparecesse por lá. E, se eu quisesse narrar desses exemplos, teria muito a dizer, uma
vez que, fora do tempo de Páscoa e de Carnaval, raramente e quase nunca se comia
carne (IV,18s).

937. Uma pequena vasilha de óleo seria suficiente para oito frades durante quinze
dias; o seu maior uso era para verduras frescas (IV, 154).

938. E porque saciavam a fome com alimentos grosseiros, acontecia-lhes nunca


desejarem nada mais que pão e alimentos grosseiros, seguindo o exemplo dos
pobrezinhos esfaimados que se satisfazem com pão. Diziam, porém, aqueles servos
de Deus: “Para não desejar alimentos refinados é suficiente não se saciar com
alimentos grosseiros, uma vez que, sempre que estes nos causassem náusea por
causa da abundância, tais quais aborrecidos, procuraremos a carne e outros alimentos
apetitosos”.
Não havendo muitos conventos, naqueles primeiros tempos, não possuíam hortas;
algumas vezes, desejando alimentar-se de ervas, procuravam mendigá-las ou
procuravam nos campos ervas selvagens. Ao chegar em casa, carregando as ditas
ervas, reuniam-se todos com muita alegria e, num prato grande ou numa pequena
bacia, comiam-nas todos juntos. E todos bebiam num vaso comum.
E muitos deles choravam por causa da doçura que experimentavam em seu íntimo
ao se sentirem cheios de amor e de caridade, própria de irmãos, que, tais quais os
pobres, tomam o que lhes é necessário (IV, 20).

939. Eram muito abstinentes na bebida de vinho; misturavam o vinho com tanta
água que mais parecia água com vinho do que vinho com água. Embora o
misturassem tanto, assim mesmo, próximo ao vaso do vinho, colocavam outro vaso
com água pura; pois, se alguém desejasse acrescentar-lhe água, podia fazê-lo ou
mesmo beber água pura (I, 263).

940. A respeito de seu modo de viver - quem é que não pasma e não se assombra
apenas em ouvi-lo. Antônio Corso sempre viveu em absoluta abstinência quanto ao
alimento, não comendo nada além de pão e água, jejuando continuamente. Não
satisfeito com aquela vida austera, fez experiência em si mesmo para verificar de
quanto alimento precisava para sustentar a natureza. Assim, iniciando a experiência
por amor de Jesus Cristo e para mortificar em si mesmo o velho homem, iniciou
tomando apenas a medida de cinco onças diárias de pão e de figos secos, ou de uvas
ou de outras frutas, caso não houvesse destes, e bebendo, para finalizar, uma taça de
água.
Com este regime de abstinência tão rígida passou por mais de um ano inteiro e
teria prosseguido mais ainda; não sendo possível ter sempre frutas, obrigou-se ao
regime de pão e de água, como era seu costume anterior, ou seja: pouco de um e
menos do outro. E neste regime perseverou por longos anos.

941. Avançando na idade, inflamado, melhor, ardendo de amor divino, dedicou-se


a uma abstinência ainda maior, não se preocupando se as forças fossem minguando;
por isso, quanto mais estas se enfraqueciam mais cresciam as forças do espírito. Por
isso, o bom velhinho programou-se para tomar alimento, jejuando, apenas três vezes
por semana, e nada mais que pão e água. Os dias em que se alimentava eram o
domingo, a terça e a quinta-feira; nos outros dias, passava-os sem tomar alimento
algum. E, neste estilo, perseverou até à morte, quando se encontrava com ânimo
robusto e com afetuosa decisão de fazer penitências maiores do que em seus inícios.
A vida deste homem foi algo de extraordinário e acima das forças humanas; e os
frades que a tudo assistiram podem claramente testemunhar mais e melhor do que eu
(I, 285s).
199

942. Francisco de Jesi quase sempre se alimentava apenas uma vez ao dia e
afirmava que isso era próprio do religioso e considerava-o como sendo a melhor
abstinência possível, principalmente, porque se podia lucrar duas horas de tempo não
jantando; e quem não janta, especialmente no verão, lucra tempo para fazer o bem.
Costumava dizer: “O tempo é mais precioso que o comer ou o não comer”. Não lhe
agradavam aqueles que comiam, num dia, pão e água e depois não podiam saciar-se.
Mas afirmava que a verdadeira abstinência consiste em alimentar-se com sobriedade
e viver em paz com os outros. Porém, comer uma vez por dia à mesa com os outros e
comer daquilo que for oferecido, dizia, é uma ótima abstinência e mais sadia do que
fazer certos jejuns radicais e que não duram muito. E a abstinência não é boa se não
servir para a contemplação (III, 76).

943. Bernardino de Asti preocupou-se em plantar e enraizar bem a santa pobreza


na Ordem; é bem verdade que não tinha muito a restringir, pelo contrário, a aconselhar
a discrição a fim de que a caminhada acontecesse, preservando a saúde e a
santidade dos frades. Por isso, ordenou que as sopas fossem sobriamente
condimentadas uma vez que era da alçada do discreto oficial deixá-las sem
condimento ou mesmo sem sal. E ninguém ousava, nem mesmo o próprio guardião,
remediar, parecendo, inclusive, escândalo amenizar a aspereza, qualquer ela fosse.
Ordenou também que o vinho fosse bem aguado, contudo não deixasse de ser vinho e
não como soia acontecer, água com vinho ou, pior ainda, enxaguadura de vasilhame
(VII,246).

944. João de Fano, entrando na cidade, os meninos, movidos pela estranheza


daquele hábito, com gritos e barulhos pueris, começaram cercá-lo com gracejos e
zombarias e, pior ainda, com pedradas; o bom Frei João nem mesmo os via, pois
guardava o capuz cobrindo a cabeça, mas conservava o rosto descoberto e
caminhava pacientemente com o companheiro, sem manifestar um mínimo sinal de
ressentimento; pelo contrário, com o rosto alegre, como se tivesse encontrado o que
procurava, caminhava lentamente para dar tempo à criançada de escarnecê-lo.
Finalmente, alcançou a igreja a fim de apresentar-se primeiro, conforme seu
costume e exemplo de Cristo, a Deus, agradecendo-lhe o favor de ter sido desprezado
por seu amor e para suplicar-lhe bom êxito na viagem e no empreendimento. E eis que
enquanto rezava, o senhor Túlio o reconheceu e, aproximando-se dele, perguntou-lhe
se não queria parar em Verona. A quem Frei João respondeu positivamente, uma vez
que haviam encontrado uma bela ocasião de servir a Deus, desde que não fossem
enxotados. “Como enxotados?” - disse-lhes Crispoldo - O bispo os acolherá
benignamente em sua própria casa. Não vos afasteis daqui até meu retorno”. Correu
direto ao bispo, informando-o que dois Capuchinhos se encontravam na igreja. O
bispo, desejoso de ver algum deles por causa da sua fama, de imediato, o fez chamar
à sua presença. E, vendo-os com hábitos e jeitos tão vis e desprezíveis, cheio de
estupor, perguntou-lhes se, de fato, assim andavam todos os Capuchinhos ou se eles,
por maior humildade, se desprezavam tanto. Respondeu-lhe Frei João que, fazendo
os Capuchinhos profissão de perfeita humildade e pobreza, emulavam entre eles para
ver quem andasse de maneira mais vil e desprezível (V, 216).

945. Aqueles nossos primeiros irmãos andavam sempre descalços, tanto no verão
como no inverno. Porém, quando, por motivos de fraqueza ou de velhice, não podiam
mais, permitia-se um solado; nunca se forçou alguém a andar descalço, mas eles
mesmos assim escolhiam. Os solados eram simples. E, muitas vezes, ao longo das
estradas, encontrando algum calçado, recolhiam-no e com cordas fabricavam as
solas. E foi tal o temor que sobreveio aos seculares por causa de tamanha austeridade
que, ao vê-los no tempo da neve e de grandes frios andarem descalços, ficavam
estupefatos (IV,17).
200

946. Igualmente, eram muito austeros no modo de dormir, pois, durante o verão
dormiam sobre tábuas nuas e, durante o inverno, alguns deles usavam um pouco de
palha com uma esteira por cima. E por muitos anos, na congregação, não foram
usados nem sacos e nem tecidos, excetuados os muito velhos e os doentes; mas
dormiam sobre tábuas (IV, 174).

947. Naquele tempo, não era necessário insistir para os frades exercitarem-se na
abstinência, na oração e no cilício, nem mesmo na observância do silêncio e em todas
as boas maneiras, uma vez que foram continuamente praticadas na vida religiosa por
todos os bons e fervorosos frades; eles mesmos, por iniciativa própria, se exercitavam.
Pelo contrário, os superiores deviam cuidar para que não exagerassem, não
ultrapassassem suas forças, causando com isso muitas doenças. Era de todos e muito
grande o desejo daqueles servos de Deus que em nada mais pensavam a não ser no
sofrimento por amor de Jesus Cristo (II, 253).

948. E não havia ninguém bem corado. E muitas vezes eu ouvi dizer: “É conhecido
de todos que estes fazem austera penitência, todos eram pálidos e esmaecidos”.
Respondiam e diziam: “Quem imaginas que sejam estes frades? Na vida secular todos
foram grandes homens, soldados e comandantes, assassinos e homicidas, agora,
reduzidos a esta penitência. Deus lhes conceda perseverança. No mundo nunca foi
vista uma vida mais desesperada que esta. Todos estão consumidos pelo sofrimento,
comem pouco e, com esforço, um pouco de pão e água. São predestinados para a
vida eterna, pois Deus os converteu, porque deseja que se salvem (IV, 157s).

949. A paciência foi uma destas virtudes que, por ser grande e excelente, precisou
vencer três guerras. A primeira foi a do sofrimento extremo, voluntariamente suportado
por todos, ultrapassando o causado pelas necessidades dos tempos e pelo fato de
não serem ainda conhecidos. O fato dava ocasião, ao viajarem, de não encontrar nem
alimento e nem alojamento e, ao chegar da noite, tinham que se abrigar debaixo das
árvores, nas cavernas, nos estábulos, nos hospitais, nos depósitos de feno; e, além
dos lugares incômodos, muitos pensavam que fossem desordeiros e enganadores,
causando-lhes com isso um acréscimo de sofrimento.
E o caso de Frei Ludovico de Capranica pode servir de exemplo para muitos
outros casos semelhantes. Viajando este santo frade em companhia de outro santo,
Frei Pedro de Potremoli, das Marcas a Roma, certo homem nas montanhas de
Foligno, junto ao castelo de Col Fiorito, acompanhou-os com a espada
desembainhada e dando-lhes ponta pés. Acompanhou-os por três milhas, batendo ora
em um, ora no outro. E observando-lhe uma certa senhora: “Por que você causa mal a
esses pobrezinhos?” Ele respondeu: “Você não dirá isso quando lhe roubarem as
galinhas e lhe assaltarem a casa. Estes são vadios e ladrõezinhos que apenas
praticam o mal; deixa-me agir que eu vou pagá-los bem!” Este procedimento causou
tal alegria nos dois santos frades que não conseguiam ocultá-la; e, chegando em
Foligno, contavam a história aos outros frades, rindo e agradecendo a Deus que lhes
concedera a graça de sofrer alguma coisa por seu amor. E sempre que se recordavam
e recontavam o fato, não podiam ficar sem rir.
O mesmo Frei Ludovico, viajando de Nápoles a Narni, na companhia de Frei
Bento, leigo de Brescia, ao sair de Vallestrettura, encontrou um menino que, vendo-os
começou a gritar chorando. Por isso, acorreu muita gente e um deles deu-lhes muitas
bastonadas dizendo: “Ladrões, ladrões, vocês queriam roubar este menino”. Por causa
do acontecido, experimentaram e demonstraram grande alegria, narrando o fato aos
frades de Narni, com inusitado contentamento (V, 289).

950. Nos jejuns e em todas as coisas que nós praticamos, seguimos o exemplo
daqueles primeiros frades, não por hipocrisia nem por desesperação, como dizem
201

alguns, mas por obrigação, visto que fizemos profissão de observar a Regra do
seráfico Francisco, fundada na altíssima pobreza. Não deve, portanto, julgar como
indiscreta aquela vida que foi assumida por tantos e gloriosos santos e aprovada pela
santa Igreja (II, 32).

951. E dizia este santo homem, Francisco Titelmans, que nosso Senhor não se
preocupava com o exterior, quando não provinha do interior; São Francisco não se
preocupava com as cerimônias, mas com a bondade da vida e a retidão do coração
(III, 176).

952. Quando apareceram os Capuchinhos, logo ingressou neles Antônio Corso e


foi recebido por Frei Ludovico, que o enviou para a Província de São Francisco,
vivendo no primeiro convento de Foligno, San Valentino, e tamanha foi sua
austeridade e santidade em sua vida, que, na cidade e em toda a região, era chamado
de frade santo. E se sua santidade interior fosse igual à aparência exterior,
especialmente na rudeza do sofrimento, ele teria sido um outro São Francisco; mas
cada qual tem sua estatura desenhada pela providência de Deus (VI, 171).

953. Frei Tadeu de Montepetriolo perguntou-lhe por quanto tempo havia


perseverado naquela modalidade de vida. Respondeu-lhe o servo de Deus, Antônio
Corso: “Nesta austeridade eu perseverei, mais ou menos, por vinte e cinco anos; mas
para isso o que fiz? As obras são boas enquanto agradam a Deus e à divina
majestade agradam quando são realizadas por amor. Para isso, procurei despojar-me
do amor próprio que contagia todas as obras boas. Quem jamais conseguirá libertar-
se da vanglória, na prática das boas obras? Se Deus nosso Senhor não endireitasse
nosso coração, todas as nossas obras seriam praticadas por nossa glória e não pela
glória de Deus. E se de nós procedem e nelas não concorrer a graça divina, todas
cheiram mal diante de Deus. Tudo, portanto, consiste nisso: nós somos purificados do
veneno de nossas próprias paixões e então todas as nossas obras, por pequenas que
sejam, serão apreciáveis diante de sua majestade. Precisamos ainda preparar-nos
exteriormente. Todas as coisas que guardamos para nosso uso particular, sem
verdadeira necessidade, impedem-nos de sermos chamados verdadeiros observantes
de nossa Regra; reprimem nosso espírito e nos condenam às penas do purgatório” (III,
253).

954. Bom foi o fundamento do servo de Deus, Félix de Cantalício, baseado na


mortificação da carne e na verdadeira humildade e, no que mais importa, na perfeita
mortificação da própria vontade, em saber conservar o fervor de espírito nas múltiplas
ocupações, resignado na vontade de Deus a ele demonstrada pela santa obediência
que o designara para o ofício de esmoler. Nunca procurou, nem direta e nem
indiretamente, ser removido de seu prolongado ofício; mas, assumindo-o com
indubitável fé que era vontade de Deus, suportou, pacificamente, qualquer sofrimento
físico ou espiritual, confiando em Deus que poderia conservá-lo no meio de tantos
sofrimentos e distrações, como num bosque, onde não se vê criatura alguma. Isto o
engrandeceu e o defendeu de qualquer mal, porque a mortificação da própria vontade
é o fundamento da perfeição; pelo contrário, guardando uma grama da vontade
própria, torna-se impossível a verdadeira perfeição, mesmo que estejamos na graça
de Deus (III, 470).

955. “Tendo de deixar o mundo, pensava Francisco de Torri, eu vou inscrever-me


na mais rígida e pobre congregação religiosa, a fim de lá fazer penitência de meus
pecados”. E sempre conduziu uma vida mais angelical que humana, entregando-se
totalmente ao desprezo de si mesmo; realizando os serviços mais vis e servindo aos
frades com muita caridade, especialmente aos enfermos. Nada mais desejava além de
ser colocado em cárcere por muitos meses, castigado a pão e água.
202

“Na vida religiosa sempre desejei sofrer por amor a Jesus Cristo e, todavia, eu
conheci que se meu sofrimento não resultar, de alguma maneira, para a honra de
Deus e em benefício dos pobres, de nada vale. Que vale para o frade menor flagelar a
carne, jejuar e fazer outras penitências, se não ama a Deus acima de tudo e ao
próximo como a si mesmo?” Este desejo de mortificar a si mesmo e de ajudar ao
próximo sempre esteve bem enraizado no coração deste servo de Deus (III, 440, 442).

956. “Eu vos digo, meu caro Frei Bernardino, aconselhava João Espanhol, que vos
despojeis em tudo e por tudo do amor próprio e de vós mesmo e, então, onde quer
que estejais, como súdito ou superior, estareis em condição de praticar qualquer bem;
mas se retiverdes uma grama de amor próprio, esta contamina todas as obras boas
que praticardes e que não serão mais tão agradáveis a Deus quanto antes. Porém,
vós sois jovens, tomai conselho junto aos mais antigos, como eu ouvi, muitas vezes,
de homens santíssimos, que nisto se fundamenta e se firma toda a caminhada da vida
religiosa de quem procura seguir a perfeição: negar a vontade própria e conformar-se
totalmente à vontade de Deus (III, 296).

9. Caridade fraterna

957. E mesmo levando esse tipo de vida, contudo, entre eles, mostravam-se
familiares, sociáveis e amorosos, recordando-se do conselho de seu pai, no sexto
capítulo da Regra, onde afirma que os frades, onde quer que se encontrem, devem ser
familiares entre eles. Eu posso afirmar de mim mesmo e digo que, ao vestir este hábito
bendito e ao ver tanta alegria e tanta caridade e fraternidade, parecia-me entrar no céu
com os anjos; e experimentei tão grande contentamento que, muitas vezes, chorei de
alegria. E não somente com os doentes, mas entre eles, embora, sendo sãos,
pareciam tirar a comida da própria boca e a davam, com caridade e mesmo com
insistência, ao próprio irmão, afirmando que ele tinha necessidade maior que a deles.
E, para dizer tudo numa palavra, havia entre eles uma caridade inestimável (I, 265s).

958. E deste modo, afastados de qualquer preocupação mundana, viviam


naqueles lugares solitários como anjos de Deus em perfeita paz e união. Raramente
saiam daqueles lugares e, quando acontecia de sairem para esmolar, o retorno
parecia-lhes demorado demais. Saboreavam tanto a conversação fraterna que,
estando fora de casa, entristeciam-se muito (II,457s).

959. “Deixo-lhe uma recordação do meu amor, - disse um frade da província de


Gênova para seu co-irmão - assim como eu nunca me preocupei com os
acontecimentos da vida religiosa, mas, pelo contrário, procurei viver com simplicidade
e pureza de coração e nunca julguei mal as ações dos outros, considerando todos os
frades melhores e mais fiéis a Deus do que eu, proceda da mesma maneira, se deseja
viver com tranqüilidade e conquistar aquela paz que, por admirável graça, nos une à
divina essência”. Dito isto, juntos recitaram as ladainhas e, terminada a recitação, o
bom frade entregou sua alma a Deus (VI, 555).

960. Tal era a pureza da mente do venerável Frei Bernardino de Asti, que nunca
pensava mal de ninguém e, quando lhe referiam alguma falta, dizia: “Vós sabeis que
intenção teria tido o confrade? Eu não creio que tenha sido falta, uma vez que deve ter
havido uma boa conseqüência que nós desconhecemos. Mas, se houve falta, eu te
informarei”. Sempre tomava a defesa do acusado e tudo procurava interpretar pelo
lado positivo (III, 188).

961. Francisco de Torri dizia: “Não é pequena batalha, na vida religiosa, vencer a
murmuração; não lucramos tanto com a oração e com as boas obras, mesmo que nos
203

dediquemos a elas por longo tempo, quanto perdemos com uma murmuração” (III,
441s).

962. Antonino, siciliano, era tão generoso com o próximo que, se alguém lhe
pedisse um favor, ele não descansava até conseguir satisfazer seu irmão. Era tão
exemplar na conversação que, em toda a cidade de Roma, era considerado santo e,
particularmente por sua santidade (o Papa), que lhe dedicava grande estima,
procurando, seguidamente, conversar com ele: deleitava-se ao ouvi-lo falar com tanta
simplicidade. Foi tão correto no falar que nunca foi ouvida de sua boca uma palavra
ociosa. E, quando ouvia informações negativas a respeito de seu próximo, recolhia-se
em si mesmo e sofria muito com isso e depois, voltando-se para o informante, dizia: “Ó
irmão meu, não fale isso, não; saiba que aquele de quem você fala é seu irmão e
muito mais santo do que eu”. E retirava-se imediatamente (III, 454).

963. Bernardo de Offida afirma que nosso Senhor, no dia do julgamento, não nos
pedirá contas mais exatas de nenhuma outra obra mais que das obras de misericórdia.
Quando medito no que disse nosso Senhor Jesus Cristo, que, no amor a Deus e ao
próximo, se cumpre toda a lei, nunca me sinto mais contente do que na oração ou em
algum serviço ao próximo; e, quando não estou num desses dois serviços, não me
parece ser religioso, nem mesmo cristão (III, 47).

964. José de Collamato não sabia ler, mas exercitava-se sempre na caridade; e,
quando estava nos pequenos conventos, fazia a coroa clerical nos outros frades e
realizava todos os outros serviços vis e logo foi promovido a guardião e a mestre de
noviços, a todos governando com excelente exemplo. E todos diziam: “Esse bom frade
é a própria fidelidade”. E mostrava amabilidade, de modo igual, a qualquer um que lhe
pedisse algum serviço e não se aquietava enquanto não servisse a todos. E, embora
fosse muito austero consigo mesmo, era muito benigno com os outros (III, 36).

965. E, quando havia algum serviço vil para realizar, Frei Antonino, siciliano,
estava presente. E, muitas vezes, quando os clérigos iam varrer o convento ou o
refeitório, percebiam que Frei Antonino já se havia antecipado. Quase sempre lavava
todos os utensílios da cozinha; e, quando houvesse algum frade de idade, incapaz de
se ajudar, o piedoso frade, varias vezes por dia, visitava-o, oferecendo-se para auxiliá-
lo, parecendo um anjo. E eu que escrevo estas coisas, todas ou a maior parte delas,
eu mesmo as vi com meus próprios olhos (III, 455).

966. E, muitas vezes, o pão escasseava; por isso, passavam-no adiante, um para
o outro, dizendo: “Vós tendes maior necessidade, precisais de mais alimento e para
mim é suficiente este pedaço de pão que não é suficiente para vós!” E então, este
respondia: “Eu sou jovem e posso sofrer!” E, muitas vezes, nesta santa emulação,
sobravam pedaços; pois ninguém os queria, desejando que os outros frades os
tivessem comido (IV, 154).

967. Tão grande era o amor que se dedicavam mutuamente que, não raro, comiam
sentados em terra, ao redor dos alimentos, afirmando ter sido tradição dos santos
apóstolos alimentarem-se numa mesa redonda com o Salvador do mundo; colocavam
o guardião em seu meio, representando para eles Jesus Cristo. E, quando apareciam
primícias de frutos, o padre guardião chamava a todos e, com muita caridade,
recreava-se com todos os seus filhos (IV, 21).

968. Não foram ultrapassadas as medidas, previstas pelo Capítulo Geral, para as
celas ou quartos, com exceção para alguns pequenos quartos destinados aos
enfermos, construídos um pouco maiores - pouco, porém - ressalvando assim a
204

necessidade para os enfermos, a caridade e a discrição, mas sem ofender a pobreza


(I, 256).

969. Não quero falar da caridade dedicada aos enfermos, pois não conseguiria
relatar a milésima parte dela. Apenas recordo que as palavras de nosso pai na
comparação, usada por ele, da ternura da mãe que ama e nutre seu filhinho carnal,
estavam esculpidas no coração daqueles bons frades; e, todavia, mais do que mãe,
eles se comportavam com os enfermos, por serem, em Cristo, irmãos espirituais; e
aquilo que eles poderiam ter desejado em suas próprias necessidades, com
abundância e muita afeição, faziam-no aos outros, nas suas enfermidades e
necessidades (I,266).

970. E, quando alguém adoecesse, era o guardião quem primeiro o servia e,


depois, todos os frades, com tal ternura e caridade que nunca foi vista mãe tão terna e
amorosa com seu filhinho, assim como procediam aqueles verdadeiros servos de
Deus, no cuidado dos seus irmãos enfermos (IV, 153s).

971. Conhecendo os frades as boas maneiras, a paciência e a humildade de


Bernardo de Offida, destinaram-no para a enfermaria, onde servia aos doentes com
tanta solicitude e com tanta paciência, parecendo que, no meio de tantas fadigas,
passava o dia e a noite no júbilo. O servo de Deus nunca manifestou cansaço no
servir. E dizia: “Não sem motivo, nosso pai São Francisco impôs na Regra que se
deve servir aos enfermos, como desejaríamos ser servidos; e nos acrescenta o
exemplo da ternura da mãe para com seu filhinho. Isto nos é dito para nos mostrar que
nunca fazemos o bastante que não tenhamos que fazer mais para nosso irmão
enfermo. E se, em todas as necessidades, o Senhor Deus quer que nos ajudemos
mutuamente, muito mais na enfermidade, que é a maior entre todas as necessidades
corporais”. E, refletindo sobre isso, alegava sempre para aquilo que fez o nosso pai
São Francisco, após sua conversão, dedicando-se, de imediato, nos hospitais ao
serviço dos enfermos e dos leprosos. Considerava este serviço como o maior entre as
obras de misericórdia corporal; e, entre as obras de misericórdia espiritual, ajudar ao
próximo sair do pecado e buscar a própria salvação. E, todavia, julgamos ter nosso
padre se exercitado de modo especial com estas duas sobre as demais obras de
misericórdia (III, 46s).

972. Frei Francisco de Torri servia com amor inaudito aos pobres enfermos e dizia:
“Tudo o que eu realizo na vida religiosa, não estou certo que agrade a Deus, nosso
Senhor, mas quando eu me dedico ao serviço do próximo necessitado, tenho absoluta
certeza que agrado ao Senhor Deus.
E, no exercício da caridade, fundamentou-se em nosso pai São Francisco, que
servia, com muita solicitude, aos leprosos, mesmo que fossem grandes pecadores.
Deus, por diversas vezes, manifestou-lhe que se agradava deste serviço,
especialmente quando lhe apareceu como leproso totalmente chagado. Ora, se
agrada a Deus que nós sirvamos aos leprosos e outros enfermos, por pecadores que
sejam, quanto mais lhe agradará que sirvamos a nossos irmãos enfermos, que são
religiosos e servos de Deus?” (III,441).

973. Também foi admirável o servo de Deus Jacó de Reggio, na caridade com o
próximo; pois que, ao adoecer qualquer frade e o guardião não lhe tivesse confiado o
cuidado, ele lastimava-se muito; pelo contrário, quando lhe confiasse o cuidado,
servia-o como se fosse o próprio Jesus Cristo. E, durante todo o tempo, dormia muito
pouco para não deixar seu confrade no sofrimento (III,450).

974. E visto que Batista de Faenza era um homem magnânimo e tão grande era
sua benevolência para com os frades que, vendo-os em alguma necessidade,
205

desejava colocá-los no próprio coração. E, com tanta diligência, servia aos enfermos
que quase não dormia durante todo o tempo, não fazendo outra coisa; contemplava-o
com olhar complacente e com sorriso nos lábios. Abraçava o enfermo e dizia-lhe: “Meu
caro padre, não duvideis, ficai alegre, pois não tendes mal algum” (III,507).

975. O rigor de Frei Justino de Panicale era temperado com a caridade, na qual,
vez ou outra, era auxiliado pelo próprio Deus, valendo-se ora da doçura e ora da
rispidez. Havia aprendido muito na enfermaria dos Observantes. Porque, na peste que
grassou naquele tempo em toda a Itália, acompanhado de um irmão, ele foi servir aos
pesteados. O companheiro administrava-lhes os sacramentos e os consolava e ele
raspava as pústulas enegrecidas, fazia os curativos e, se morressem, sepultava-os.
Visitava também, oportunamente, outros enfermos a quem oferecia bons
conselhos como remédio não só espiritual, mas também corporal. Por isso, muitos
afirmavam que se tivessem tido Frei Justino em suas enfermidades, não se teriam
preocupado com outros médicos. No cuidado com seus confrades, ultrapassava todas
as medidas (VII, 528).

976. Igualmente o servo de Deus Alberto de Nápoles tinha grande compaixão


pelos enfermos. Uma entre tantas vezes, cuidando de um frade enfermo e não tendo
nada para oferecer, dirigiu-se ao bosque e armou dois laços. E, cada vez que lá
retornava, encontrava presos dois tordos. O admirável é que não era temporada de
tordos e, em toda a região, não era visto um se quer. E quando retornava com a caça,
mostrava-a para os frades com muita alegria e, rindo um pouco, sem dizer palavra
alguma, preparava-os para o enfermo. Por essa razão, o fato foi conhecido como
milagre de Deus, por causa da grande caridade de seu servo, Frei Alberto (III, 310s).

977. Isto considerado, quando chegavam frades forasteiros, iam-lhe ao encontro e


os acolhiam com grande alegria, com abraços e beijos de santa paz e com tanta
caridade que pareciam ser verdadeiros irmãos, manifestavam-lhes outras acolhidas
muito festivas e os serviam em todas as necessidades que soubessem como
necessárias. E, ao partir, acompanhavam-nos e, separando-se uns dos outros, uns
partiam alegres e os outros ficavam entristecidos, às vezes, até as lágrimas (I, 265).

978. E, quando chegavam os frades ao lugar, ao aproximarem-se, gritavam por


três vezes: Jesus! E os frades do local respondiam, igualmente: Jesus. E,
seguidamente, iam-lhe ao encontro e os abraçavam com ternura e lágrimas,
permanecendo enlaçados por bastante tempo sem pronunciar palavra alguma. E
quando partiam, eram acompanhados por longo trecho de estrada e sofriam tanto que
pareciam romper-se os vasos do coração (IV, 186).

979. Acontecendo que, por tentação diabólica, algum confrade saísse da Ordem,
não se aquietavam, enquanto ele não retornasse. Todos se enchiam de amargura e,
por diversos dias, rezavam por ele. E confessavam com simplicidade que, ao
recordarem a acolhida e amável conversação que haviam mantido com os confrades,
não conseguiam conter as lágrimas e, finalmente, aquela amabilidade forçava-os a
retornar (IV, 39, 153).

10 - Sobre o sólido fundamento da humildade

980. O servo de Deus João Batista de Núrsia repreendia severamente as pessoas


afoitas que confiavam excessivamente em si mesmas e dizia-lhes: “Disto nasce todo
mal; todo bem que atribuímos a nós mesmos, nós o roubamos de Deus; tudo aquilo
que procuramos para nossa comodidade, contra a vontade de Deus, vem da soberba.
E considero a humildade como uma perfeita entrega de si mesmo à vontade de Deus
e conhecer a verdade que tanto dependemos de Deus, no ser quanto no fazer o bem.
206

Perfeita humildade, portanto, consiste em conhecer que Deus opera em nós o bem e
somente atribuí-lo a Ele” (III, 274s).

981. Jerônimo de Montepulciano viveu de modo admirável, porque à moda dos


antigos frades, fundamentou sua caminhada na base solidíssima da santa humildade,
base do edifício espiritual, realizando na vida religiosa todos os exercícios mais vis. E
tanto mortificava seus sentidos, que os frades diziam: “Este homem vive morto” (III,
323).

982. Com efeito, foi muito bom o fundamento colocado pelo servo de Deus, Félix
de Cantalício, baseando-se na mortificação da carne e na verdadeira humildade e, no
mais importante de tudo, na mortificação da vontade própria. Resumo de humildade,
costumava dizer: “Eu vivo com os frades, mas não sou um frade; sou o pequeno asno
dos frades”. Nas palavras, nas conversações e em todos os seus gestos, nada mais
se via que humildade; se assim não fosse, teria caído o edifício espiritual por ele
construído ao longo de tantos anos, com base e sólido fundamento na santa
humildade; e nem Deus, nosso Senhor, por seus santos merecimentos, teria
manifestado nele tantos sinais e milagres (III, 470s).

983. Exercitava-se admiravelmente o servo de Deus Bernardino de Montolmo na


mortificação da vontade própria. E, muito interessado, perguntei-lhe diversas vezes a
respeito de algumas virtudes. Certo dia, respondeu-me: “Meu querido Frei Bernardino,
sem humildade, todas as nossas obras nada mais são que falsidades; quem não se
fundamenta na mortificação de si mesmo e não adquire uma boa dose de santa
humildade, não imagine nunca possuir espiritualidade; e se conservar um grama de
amor próprio, mesmo que procure a Ordem religiosa mais austera possível, pratique a
abstinência que desejar, se não mortificar a si mesmo, perde tempo e não se
abandona totalmente nas mãos de Deus, que, com providência, conduz todas as
coisas ao seu devido fim. Nada mais honra a Deus que um verdadeiro abandono de si
mesmo ao seu beneplácito.
Aqui, nosso seráfico pai São Francisco fundamentou toda a sua vida religiosa,
querendo que seus frades esperassem da providência todas as coisas necessárias
para viver; e que fugissem dos estoques por muito tempo, parecendo-se com aqueles
que não acreditam na sua bondade. Pela fé, gozamos daquelas coisas que não
vemos; do mesmo modo, devemos viver e esperar que a sua bondade nos governe e
tenha cuidado de nós como de si mesmo e nos direcione para o caminho do céu. E
aqueles que confiam serem governados, na vida religiosa, por Deus e não pelos
homens, adquirem uma grande paz, aliás, muito necessária para a contemplação.
Daqui, surge o fato de termos poucos contemplativos, porque poucos se exercitam na
mortificação de si mesmos.

984. Qual é a causa que nos faz mudar de convento em convento, de província em
província, andar girando todo dia, senão os próprios instintos. Eu lhes afirmo que na
vida religiosa, por longos anos, combati contra quatro inimigos: a gula, a luxúria que,
graças a Deus, tenho-as quase vencido; mas da soberba, embora a tenha mortificado
profundamente, ainda não me sinto feliz de ser tanto zombado como louvado, embora,
com a razão, goze mais nos vitupérios que nos louvores. Eu mesmo me sinto
mergulhado no labirinto de meu parecer; muitas vezes, mesmo não querendo, por mau
hábito, ainda não me sinto livre. Aqui está a realidade e nisto consiste a reforma
interior. Quanto aos hábitos e ao modo exterior de viver a vida religiosa, encontramo-
nos bastante bem; mas naquilo que mais importa, infelizmente, ainda não atingimos a
meta.

985. Nos assuntos espirituais, por causa de pequena mortificação, muitas vezes,
temos a impressão de rezar e amar intensamente a Deus, mas nós amamos a nós
207

mesmos; seguimos nossos instintos e, parecendo contemplar, fazemos uma bonita


reflexão. Porque, assim como aquele que não fala francês, não consegue expressar
coisa alguma, usando aquela língua, igualmente, aquele que não tem o amor de Deus,
não pode amá-lo; também não pode amar a Deus quem ama a si mesmo, pois são
contrários entre si, como o fogo e a água. Quem tem maior amor a Deus, possui
menor amor de si mesmo; pelo contrário, aquele que tem maior amor próprio, tem
menor amor por Deus. Tudo o que nós fazemos na vida religiosa, se quisermos que
seja meritório, é necessário que se ordene ao amor de Deus; de outra forma, ele não
tende ao próprio fim. E enganam-se muito os nossos pobres frades, contentando-se
simplesmente com a celebração da missa e do ofício e de realizar as orações
ordinárias; o restante tempo, é gasto em coisas de pouco merecimento. Eu sempre
tenho um câncer no coração, não tenho medo de condenar-me e nem tenho certeza
de fazer tudo o que eu poderia (III, 62s).

986. E, retornando Bernardino Ochino ao convento, Francisco Calabrese, pregador


e padre de muito bem, companheiro de viagem, disse-lhe: “Mantende-vos firme, pois
estais em grande perigo! Ai de mim! Que favores tão grandes são estes?” Respondeu-
lhe o Senense: “Estes santos prelados fizeram esta cerimônia por boa educação,
fazem-no por eles mesmos”.
Não era senão um aviso que Deus lhe enviava por meio daquele bom frade, uma
vez que, estando em tão alto crédito e tão grandes favores, tinha necessidade de uma
profunda humildade, da qual foi julgado depois de tê-la perdido e, por causa da
soberba, Deus o deixou cair, assim como se narra na Legenda dos Três
Companheiros do pai São Francisco, quando existia na Ordem um grande pregador,
denominado apóstolo de Cristo, e, não pouco tempo depois, de maneira detestável,
saiu da vida religiosa.
E quando perguntaram ao pai São Francisco, para saber qual teria sido a causa da
desgraça, uma vez que parecia adornado de bons costumes e era considerado como
santo por todos e, não obstante isso, caiu de modo tão miserável, o seráfico pai São
Francisco respondeu: “Filhinho, excelente é a pobreza, a obediência, a castidade e
boas são todas as virtudes, mas se não forem fundadas na humildade, pouco ou nada
valem”. Assim aconteceu com o desgraçado Bernardino Ochino que, dignificado por
tantos favores, não estava fundamentado na santa humildade (II, 432).

987. Frei Paulo de Chioggia andava sempre descalço, contentava-se com um


hábito apenas, pequeno, rude e todo remendado. Quase nunca comia mais do que
uma vez por dia e, quase sempre, pão e água. Muito humilde, considerava-se um
nada e ordinariamente era chamado de inútil. Quando pensava em Deus, derramava-
se em lágrimas e dizia: “Eu fui traidor de meu Senhor, mas sua bondade não olhou
para minha péssima ingratidão; pelo contrário, como ovelha perdida, reconduziu-me
para o rebanho (V, 106).

988. Bartolomeu de Spello dedicava-se tanto à humildade que todos os piores


serviços do convento queria fazê-los ele mesmo, lavando o vasilhame, os panos,
varrendo o lugar. Ele cuidava da horta, lavava os pés dos frades e outros atos de
humildade. Não aceitava que outros fizessem tais ofícios (III, 260).

989. E porque eu havia ouvido certas coisas espirituais muito lindas do pai Frei
Francisco de Jesi, foi inacreditável a importunação que me fez o servo de Deus Ângelo
de Sant'Angelo in Vado, para que lhas ensinasse; e por ser eu ainda muito jovem,
ficava constrangido ver aquele frade de tanta santidade suplicar-me, uma vez que eu
não era digno de falar-lhe nem de joelhos. E fui de tal maneira edificado pela
humildade daquele servo de Deus, que não me pareceu jamais ter visto um exemplo
tão vivo de humildade, como vi naquele venerando frade (III, 56).
208

990. Bernardino de Montolmo, embora fosse muito douto, jamais dizia uma palavra
em latim. E assim procedia por humildade. E, certa vez, acompanhando a discussão
entre um homem valente e um médico, teve a tentação de intervir. E percebendo que
se colocara em evidência, recuou, inclinou a cabeça e, depois, fugiu. E encontrando-
se com Frei Rufino dal Borgo, disse: “Eu, todavia, venci com a graça de Deus; e o
frade asno queria mostrar-se sábio” (III,64).

991- Foram muitas as calúnias levantadas e espalhadas no meio do povo que os


pobres Capuchinhos despenderam muito esforço para defender-se. E muitos frades
simples, nestas acusações, não sabendo o que responder, recebiam tudo como
correção fraterna; e, baixando a cabeça, pediam para os acusadores que rezassem,
pedindo que Deus os iluminasse, pois eram, de fato, grandes pecadores. Nos
confrontos, muitos que não eram muito treinados na paciência, discutiam com os
acusadores. Mas, com certeza, os primeiros deram melhor exemplo, seu silêncio foi a
melhor resposta e não aquelas com que pretendiam mostrar sua inocência. E sua
humildade edificava a muitos que, onde houvesse dúvida anterior a respeito de sua
vida, agora ficava confirmado que eles eram, de fato, verdadeiros servos de Deus
(II,30).

992. “Sede humildes. Onde houver humildade, ali está Deus e onde está Deus, lá
haverá todo bem” (III,397).

11. A bem-aventurança da obediência

993. Por isso todos fugiam, quanto podiam, dos ofícios na vida religiosa e
considerava-se feliz quem não tinha nada a fazer além da obediência ao superior. E,
por este motivo, colocou-se nas constituições que, ao serem eleitos para qualquer
ofício, os frades não fossem obstinados em recusá-los (IV, 183).

994. E, uma vez entre outras, perguntando a João Espanhol se fosse lícito, na vida
religiosa, recusar um ofício para melhor dedicar-se à oração, ele me respondeu:
“Saibam que onde se observa a Regra e, com o ofício de superior, se pode exercitar a
observância da Regra e ser de utilidade ao próximo, não é lícito recusar o serviço com
obstinação, embora seja lícito escusar eficazmente e evitar, quanto for possível,
assumir a cura de almas, observados os exemplos de muitos santos que fugiram; não
se pode, porém, rebelar-se obstinadamente contra a obediência aquele que deseja
evitar o pecado mortal”.
E replicando-lhe eu que era jovem e conhecia, por experiência, quanto ficavam
prejudicadas as coisas espirituais e em quantos perigos eu me expunha, aceitando o
ofício de superior, respondeu o servo de Deus: “Nenhuma boa ação, realizada por
obediência, pode prejudicar o espírito; mas esse prejuízo espiritual que dizeis sofrer,
vem do fato de não realizar o ofício com diligência e simplesmente por amor de Deus.
É necessário vigiar para não exercer tal ofício, procurando o próprio interesse,
sentindo prazer de ser superior, mas somente pelo amor de Deus e para o bem do
próximo. Mas aqueles que desejam o cargo e o exercem em proveito próprio e que
não o aceitariam se não houvesse vantagem, estão em mau caminho e, muitas vezes,
são abandonados por Deus.
Dou-vos este conselho: sendo-lhe imposto um ofício, aceitai-o e exercei-o sem
distinção de pessoas, com observância da Regra e cuidai-vos e não temais ser
considerado inútil e nem tenhais vergonha; pois quem tem vergonha, procura manter-
se no ofício e, para tanto, suporta defeitos insuportáveis, fecha, muitas vezes, os olhos
quando os deveria guardar bem abertos. A ambição é conhecida, quando alguém se
esforça, quanto pode e com ofensa a Deus, para conquistar e manter amigos,
mediante presentes e adulações, especialmente, aqueles que podem ajudá-lo a
209

manter-se no cargo; estas coisas costumam ser causa de ruína da vida religiosa (III,
294s).

995. Como podemos observar em todos os regimentos, espirituais ou temporais,


tanto prosperam as congregações quanto forem bem conduzidas (II, 404).

996. Com muita eficácia, durante as visitas, no tempo de seu governo geral, Frei
Bernardino de Asti exortava os prelados a procurarem conselho, afirmando não ser
digno de ser eleito superior o frade que evitasse, voluntariamente, procurar conselhos.
E dava o seu próprio exemplo, dizendo que, não tendo com quem se aconselhar,
procurava conselhos junto a seu companheiro, irmão leigo, e era bem sucedido (III,
188).

997. Naquele tempo, em nossa Ordem, eram eleitos superiores simples, visto que
não procuravam letrados, mas espirituais e zelosos observantes da Regra. Ocorrendo
a indicação de algum letrado, mas cujo nome tinha fama de liberal, nunca era eleito.
Uma vez que o saber literário não era levado em conta e, sim, o zelo pela observância
da Regra e que fosse homem de oração. E aqueles frades consideravam
inconveniente que, na eleição, houvesse interesse que não fosse o zelo pela
observância da Regra. Este é o motivo de serem eleitos, em sua grande maioria,
sacerdotes simples ou leigos. E Deus apreciava tanto aquela simplicidade que os
frades preferiam ser governados por frades simples e não por frades liberais e
cerimoniosos (IV, 9s).

998. Dizia Bernardino de Montolmo: “O superior não consegue governar direito


sem espírito e não possuirá espírito, se não se exercitar na santa oração.
Normalmente, os prelados sábios imaginam conservar os frades na observância da
Regra mediante uma série de ordenações; mas, se pensassem bem, as leis nada mais
são que laços que aprisionam os pobres súditos. Nosso seráfico pai São Francisco
não se ocupava de outra coisa que não fosse a oração.
E como narra a Legenda dos Três Companheiros, interrogado por um frade a
respeito de quem ele considerava apto para o governo geral, disse: “Não conheço
ninguém na Ordem que seja apto, mas vou descrever como deveria ser o Ministro
Geral: ele deve ser perfeito observante da Regra e pregar muito mais com o exemplo
do que por palavras. A manhã, como tempo mais nobre, ele deve gastá-la na oração,
celebrar ou participar da celebração da missa, até o horário do almoço. Depois, deverá
descansar um pouco e, rezadas as vésperas, dará audiência aos frades. Deve ser
muito zeloso na prática de todas as virtudes, de maneira especial, porém, da santa
pobreza, satisfazendo-se com um pedaço de papel e um tinteiro; evitar carregar
sacolas nas viagens. Deve ser tão misericordioso que, se o delinqüente se
apresentasse em sua presença por sete vezes ao dia, deveria recebê-lo com rosto
alegre e jamais cheio de ira; e, mesmo que por mil vezes o delinqüente se
apresentasse, não muda de procedimento. E, quando a pequena ovelha não
procurasse misericórdia, ele deve oferecê-la ao pecador (III, 67).

999. Quem governa nunca deve deixar de ser pai para com os governados e
acolhê-los, amá-los e abraçá-los como filhos (I, 377).

1000. A benignidade do santo homem Bernardino de Montolmo, que, embora fosse


vigário por diversas vezes da província das Marcas e de Nápoles, ninguém poderá
dizer de tê-lo visto de rosto irado, embora tivesse tido oportunidade, consideradas as
dificuldades que um superior deve enfrentar. Dizia: “Se eu fosse Ministro Geral, eu
arruinaria a Ordem; pois sou incapaz de fazer uma repreensão”. Contudo, conseguia
muito mais com sua benignidade, sendo amado por todos, do que outros, temidos por
suas asperezas. Era obedecido, exatamente, por sua amabilidade. Aos pecadores, o
210

bom pastor dava tamanha esperança que o inimigo, dificilmente, conseguia roubar-lhe
alguma de suas ovelhinhas, como soe acontecer com os pastores cruéis, quando as
pobres ovelhas, quando incorreram em algum pecado, temendo o pastor, preferem
fugir e cair nas garras de Lúcifer do que enfrentar o pastor cruel e irado (III, 666s).

1001. Antônio de Monteccicardo, já idoso, foi eleito vigário na província das


Marcas, governando-a por diversos anos e com muita paz. Ao chegar em algum
convento, dava a impressão de estar chegando São Francisco. Era tanta a
amabilidade e a satisfação com seus súditos que nem parecia superior, mas um pai
amoroso que a todos gerara. E, se por tentação diabólica, alguém estivesse sofrendo,
bastava seu olhar e sua mão colocada sobre a cabeça, consolava-se tanto como se o
Espírito Santo descesse sobre ele. Nunca, ninguém conseguiu vê-lo alterado, mas
sempre de rosto alegre, consolando a cada um, por desesperado que estivesse,
convidando-o a confiar nele como num pai cheio de amor (III, 234).

1002. Era tão grande a humildade e a piedosa conversação de Raniero de Borgo


San Sepolcro que todos o procuravam. Exerceu por diversas vezes o ofício de
guardião, com bom exemplo e muita paz para seus súditos; e embora fosse um
simples irmão leigo, governava tão prudentemente que todos os frades desejavam
permanecer com ele (III, 490).

1003. Ludovico de Foligno construiu o antigo convento de Fano, denominado


Santo Lia, tão pobre, que foi concluído em vinte e dois dias. Foi celebrada a missa do
Espírito Santo e habitou nele juntamente com seus companheiros. E durante a
construção, os governantes de Fano foram visitá-lo; e, perguntando quem era o
guardião, os frades logo indicaram Frei Ludovico, a quem os senhores queriam ver.
Veio-lhes ao encontro com o hábito todo sujo de argila e igualmente a barba, pois
estavam salpicando as paredes das celas com argila que respingava demais.
E quando os governantes viram este santo homem, tão desprezível e cansado,
ficaram todos estupefatos e, olhando uns para os outros, diziam: “É este mesmo o
padre guardião?” E ele, com rosto sorridente, dizia: “Sou eu mesmo, o grande
pecador!”
E, freqüentemente, falando entre eles, os senhores diziam: “Podemos garantir que
estes pobres não são poltrões! Se o padre guardião se afadiga tanto, imaginem os
outros. De fato, esses são servos de Deus” (III, 288).

1004. O vigário provincial, Jerônimo de Montepulciano, não fazia muitos sermões,


mas esforçava-se por pregar aos frades com seu exemplo, desculpando-se sempre de
não ter o dom da palavra. Os frades consideravam-se, porém, muito mais felizes com
a pregação do bom exemplo do que se lhes fizesse sermão de muitas palavras.
Sentiam-se estimulados à observância da Regra e às obras espirituais, seguindo um
venerável confrade revestido de tanta santidade que dificilmente conseguiriam segui-lo
com perfeição.
E quando algum frade não se levantava para as matinas, o santo homem, na hora
da culpa, dizia-lhe: “Filho meu, ontem de tarde eu cheguei cansado; nesta noite, com a
graça de Deus, levantei-me, fiz a oração e a disciplina com os outros frades. Não lhe
digo mais nada”. E, muitas vezes, repetindo estas palavras, muitos frades eram vistos
com lágrimas, agradecendo a Deus por ter-lhe dado, como pastor e guia, um homem
tão santo (III, 325).

1005. Tomás de Città di Castello, durante seu governo, foi muito zeloso pela
observância da pobreza e, temendo, pior, dando-se conta de que muitos vinham à
Ordem para causar prejuízo à rigorosa observância seguida até então, estabeleceu
rigorosas determinações, a fim de proceder com prudência na recepção de novos
211

candidatos. Observando também que o crescimento numérico engendrava tibieza em


alguns e surgiam faltosos, usou de rigor maior na punição aos delinqüentes.
Terminado o primeiro triênio, convocou em Roma, sob Pio IV, o décimo Capítulo
Geral, no qual o seu primeiro definidor, Frei Eusébio, sendo seu imediato antecessor,
repreendeu-o severamente por esta rigorosa correção e punição, dizendo-lhe merecer
punição como havia punido aos outros. E deram-lhe como penitência lavar, por não sei
quantas vezes, os pratos. E o piedoso e bom Frei Tomás aceitou a repreensão e a
penitência não apenas com paciência, mas com imensa alegria, esperando ser
dispensado do compromisso pesado do governo da Ordem. Mas Deus, demonstrando
que seu governo não lhe havia desagradado, moveu os frades a reelegê-lo (VI, 293s).

1006. Bernardino de Asti sempre tomava a defesa do acusado e sempre


interpretava os fatos pelo lado positivo. Mas, quando descobria malícia no defeito,
castigava-o duramente. Dizia que a fragilidade merecia misericórdia, mas a malícia
despoja-nos de tudo, não restando nada mais que a alma e o corpo, criaturas de
Deus, glorificáveis, desde que se emendem; mas, permanecendo na malícia, tudo é
propriedade do demônio. Por isso, o castigo deve ser tal que arranque o pecador da
malícia; e se a punição não o corrige, é entregue a Lúcifer (III, 188s).

1007. Mateus de Bascio, grande servo de Deus, iniciou com grande fervor a
visitação aos frades em suas localidades humildes. E quando, mesmo de longe, se
davam conta que estava chegando seu general, todos juntos, acompanhados do
guardião, iam-lhe ao encontro e gritavam em coro e por três vezes: Jesus! E depois, o
padre geral respondia o mesmo. E, juntando-se todos, o bom pastor abraçava-os com
muita ternura, dando-lhe o ósculo da paz. Em seguida, o grupo todo dirigia-se para o
convento. As visitas deste servo de Deus revestiam-se de alegria, não encontrando
nada que o entristecesse; pelo contrário, dava-lhe imensa alegria ver seus filhinhos tão
simples e desejosos de sofrimento (II, 250, 254).

1008. Suas visitas eram de grande utilidade, uma vez que se prolongavam por
quatro ou cinco dias em cada localidade e, em cada dia, fazia-lhes preleções sobre a
santa pobreza, corrigindo os mínimos defeitos (III, 76).

1009. Com meus próprios ouvidos, escutei tais pregações, especialmente na


localidade de Sant‟Angelo in Vado, e isto aconteceu no ano do Senhor de 1547, sendo
Bernardino de Asti Ministro Geral. Chegando para a visita e, encontrando-se
indisposto, demorou-se mais dias. E enquanto se recuperava, vieram três vigários
provinciais e ainda outros frades. Falando, seguidamente, na presença de todos os
frades, este santo homem, uma entre outras vezes, expôs este particular ensinamento.
E eu que considerava suas palavras como oráculo vivo e divino, gravei na memória
seus ensinamentos e, mais ainda, os escrevi para melhor conservá-los.

1010. Fez estas, entre outras muitas afirmações, explicando o que devem fazer os
frades e, particularmente, os superiores. Entre outras, disse que a justiça e a
clemência devem andar juntas e não se afastarem jamais. E acrescentava que
desejava ser revestido mais de clemência que de severidade.
E reafirmou que, ao ter que se apresentar diante do tribunal de Deus para prestar
contas de si mesmo e de seu comportamento, preferia estar revestido de misericórdia
que de rigor, uma vez que, se fosse por excessivo rigor, não poderia aduzir nem
motivos e nem escusas em defesa de si mesmo. Mas se fosse revestido de
misericórdia, logo teria com que se defender, afirmando que a misericórdia, a piedade
e a clemência, ele as havia aprendido na escola de Jesus Cristo que, movido pela
piedade, encarnou-se; impelido pela misericórdia, praticou a misericórdia e, como
homem mortal, deixou-se ver pelo mundo e por todo povo que o procurava, e,
inclusive, pelos pecadores, como clementíssimo. E todas estas coisas, ele as ensinou
212

de mil maneiras aos discípulos e a todo o cristianismo. E, por isso, ele queria seguir
este caminho, vendo que Deus, nosso Senhor, o havia praticado juntamente com
tantos amigos seus (I,415s).

1011. Para mortificar, o que mais importa, a própria vontade, prescreveram a santa
obediência, elegendo os melhores e os mais iluminados no serviço de Deus para seus
pastores e superiores, submetendo-se todos à vontade deles. E este foi considerado o
primeiro ou, ao menos, o mais seguro caminho no serviço de Deus; sabiam que, de tal
forma, Deus concorria com sua graça que seria impossível um verdadeiro obediente
ser condenado; a razão disso está no fato da obediência refrear todos os nossos
instintos.
Quando conheceram a grandeza, a nobreza e a necessidade da obediência, de tal
maneira se consolidaram no serviço de Deus e se firmaram na santa obediência que
receberam de Deus maior humildade, espírito e mortificação, mediante a santa
obediência, que não haviam conseguido pelas abstinências e outras aflições
padecidas durante as muitas perseguições (II, 213).

1012. Não haveria quem pudesse narrar tudo o que sofreram os primeiros
Capuchinhos. Como tenho ouvido, porém, muitas vezes, suas confidências, a
obediência tem o primado na vida religiosa. Diziam aqueles servos de Deus: “Fomos
condenados a ficar escondidos e solitários nos bosques, durante meses e anos, sem
ver-nos uns aos outros, mas íntegros pela graça de Deus; e viver na solidão e não
pecar é considerado milagre maior que ressuscitar mortos. E eu, segundo meu
parecer, não conheço vida mais segura do que viver na Ordem e deixar-se conduzir
por seu superior, nem desejaria que retornasse a condição de viver fugindo pelos
bosques e às soltas.
Ninguém conseguiria descrever as graves tentações que sofrem os servos de
Deus, na sua vida solitária; não afirmo que não sejam auxiliados por Deus; caso
contrário, não seria possível viver um dia, a não ser quando a divina majestade
permite que sejamos injustamente perseguidos. Neste caso, precisamos confiar em
sua bondade. Mas podemos ficar protegidos pela obediência na observância da
Regra, não precisamos procurar um melhor pão integral.

1013. O sofrimento foi fatigante, no início; mas, depois, a doçura da vida religiosa
nos facilitou tudo. Deus nos conserve na quietude, gozada no presente momento, e
afaste e nos faça superar toda tentação que nos induza a abandonar a vida religiosa,
pensando mais em entregar-nos com mais facilidade à santa contemplação; uma vez
que é falso pensar que, fora da vida religiosa, podemos ser melhores. Os fatos o
comprovam: todos aqueles que deixam a vida religiosa estão em perigo e Deus
permite que se enredem em toda sorte de pecado e se tornem piores que os seculares
e os infames deste mundo.
Feliz a decisão dos primeiros Capuchinhos de permanecer sob a obediência (II,
214).

1014. Ludovico de Foligno desejou ardentemente morrer na solidão, porém, sob a


obediência. Aconteceu que, certo dia, foi buscar conselho junto a um grande doutor,
chamado Leonardo, dizendo-lhe: “Seria lícito a um servo de Deus abandonar a vida
religiosa e buscar a solidão e, encontrando-se nela, teria que ouvir missa nos dias de
festa?”

1015. Respondeu-lhe o doutor: “Sem dúvida, seria legítimo, uma vez que sempre
se pode procurar um caminho mais perfeito e, se Deus lhe concedesse a graça de
contemplar e permanecer continuamente ligado a Ele, você não seria obrigado a mais
nada; visto que todas as coisas feitas pelas pessoas religiosas têm como objetivo o
amor de Deus e, quando se atinge o fim, não somos mais obrigados aos meios. Mas
213

eu não aconselho a ninguém assumir esta empresa se, antes, não lhe for concedida a
certeza, da parte de Deus, que esta é sua vontade, visto que é muito difícil, se não for
por vocação especial de Deus, um religioso proceder melhor fora da obediência do
que dentro dela. Esta é o vínculo que amarra com Deus, com a Igreja e com a Ordem
todas as pessoas da Ordem, fazendo que as ações delas sejam agradáveis a Deus.
Pois, na vida religiosa, se há de pensar que nela existem homens iluminados, sábios e
espirituais, capazes de iluminar os simples para não serem facilmente enganados.
Mas a solidão, não sendo graça especial de Deus, é muito perigosa.
Não realiza pouco aquele que faz tudo o que se pode fazer na vida religiosa,
desde que seja bem ordenada e seja vivida de acordo com os preceitos daquele que a
instituiu. Por isso, é denominada Regra, porque, caminhando de acordo com os
preceitos da mesma Regra, infalivelmente, nos conduz ao fim, de outra maneira não
poderia ser chamada de Regra. Isto não lhe seria possível no deserto; lá você
caminharia de acordo com sua vontade, facilmente passível de erro, se não for
conduzida por Deus”.
Esta resposta aquietou o servo de Deus Frei Ludovico, antes molestado,
continuamente, pelo desejo de partir para a solidão, não ver a ninguém e entregar-se
todo e por tudo à santa oração (III, 290).

1016. Por essa razão, prontamente, partiam para onde os enviasse a santa
obediência que, embora conhecessem muitas dificuldades, especialmente, quando
pegavam províncias novas, até se vangloriavam pelo fato do superior confiar neles.
Igualmente, não havia lugar no qual se ouvisse dizer que algum frade se tivesse
recusado ou feito resistência à santa obediência. Mas, ao ouvir a voz do superior,
ajoelhados e mansos, obedeciam ao mesmo e de tal maneira que, por muitos anos,
pouquíssimos frades permaneciam por longo tempo num convento ou numa mesma
província. (IV, 188).

1017. Com grande sinceridade, aqueles frades obedeciam e reverenciavam seus


superiores, como se fossem o próprio pai São Francisco. E, quando algum deles
replicasse, por eles era considerado como um grande escândalo e assim falavam: “Ai
de mim, ele ousou replicar à obediência!” E diziam: “Sempre que estou certo da
vontade do superior para que se faça ou se deixe de fazer determinada coisa, eu me
sinto obrigado em consciência”. A obediência era tão fiel entre aqueles venerandos
frades que se pode afirmar, sem mentira, que, naquele convento, o guardião fazia
todas as coisas. Igualmente dos outros prelados (IV, 12).

1018. Quando Frei Ludovico de Stroncone soube que os Capuchinhos assumiram


o governo do hospital de São Tiago dos Incuráveis, para conformar-se com o pai São
Francisco, com muita insistência rogou a Frei Ludovico de Fossombrone que lhe
aprouvesse enviá-lo a serviço dos pobres leprosos, junto aos quais entendia realizar,
por amor de Deus, os serviços mais vis. E mais, repensando melhor o fato, conheceu
a dúvida e se perguntava: “Sei eu se Deus me chama para este serviço? Errei quando
pedi esta destinação, uma vez que, nestes momentos, importa procurar a vontade de
Deus”.
Por este motivo, escreveu novamente: “Venerável padre, a minha intenção era a
de exercitar-me na mortificação, quando lhe escrevi a respeito do hospital; agora,
retrato-me e, com muita submissão, coloco-me à disposição de vossa vontade”. Mas,
quando aprouve a Deus que seus superiores o enviassem para o hospital, elevou os
braços ao céu e agradeceu-lhe, dizendo: “Agora, sim, vejo que Deus quer que me
exercite na virtude da caridade para com o próximo” (III,264).

1019. Foi o servo de Deus Frei Félix de Cantalício tão submisso na obediência que
nunca foi visto a replicar a qualquer coisa que lhe fosse imposta, por difícil, penosa e
fatigante ela fosse; mas, com muita humildade, abraçava e cumpria tudo o que lhe
214

fosse mandado pelos superiores, sem nunca se lamentar ou resmungar. E, em tudo o


que fazia, sempre procurou que fosse de acordo com a santa obediência, não teria
feito visitas e nem oferecido parte das esmolas durante a coleta, sem a licença do
guardião. E era tão bom e confiável que todos os frades estavam disso muito seguros.
Não era menos obediente a quem quer que lhe pedisse algum serviço (III,470).

1020. “Bem aventurado aquele que for hábil em não se afastar da doutrina da
santa Igreja e da devoção a seus prelados e ministros. Quando o seráfico Francisco,
iluminado pelo Espírito Santo, fundou sua Ordem, queria que fossem obedecidos os
prelados da Igreja e honrados os ministros que, encontrando-os, em viagem, não
apenas lhe beijassem as mãos sagradas, mas, ajoelhados, beijassem também os pés
de seus cavalos, como relata Frei Leão na Legenda dos Três Companheiros. De fato,
não existe outro refúgio mais seguro, neste tempestuoso mundo, que se colocar à
sombra do sumo pontífice e não se afastar da doutrina da santa Igreja. Nestas coisas,
Nosso Senhor Jesus Cristo promete-nos a salvação, comparando a Igreja com um
pequeno barco: fora deste barco não há salvação” (III, 84).

12. Orações e devoções

1021. O outro fundamento admirável, aliás, foi que os frades, com toda a
humildade e pureza de coração, se exercitassem continuamente nas santas orações
mentais e vocais (IV, 6).

1022. Cuidaram, quanto lhes foi possível, de não introduzir na Ordem aqueles
costumes existentes na grande maioria da vida religiosa; não costumes, mas abusos e
como conseguiram afastar-se o mais possível das cerimônias superficiais, das
conversações supérfluas com seculares e outras coisas nada convenientes a bons
religiosos. E recolheram-se, quanto lhes foi possível, livres de toda superficialidade,
para ter tempo de entregar-se inteiramente e em toda a parte à santa contemplação.
E, por isso, afirmavam: “Nós vemos que toda a vida religiosa se ordena para a
finalidade da santa contemplação que, sozinha, garante a observância da Regra; e
sem ela, mesmo que as outras coisas estejam bem, não são perfeitas, uma vez que
são meios que nos conduzem ao fim (IV, 172s).

1023. Posto que todas as coisas colocadas na Regra por nosso pai sejam
importantes e, bem observadas, admiravelmente, nos disponham à santa
contemplação, mostrou, porém, que nenhuma lhe estava mais ao coração que a santa
contemplação, enquanto objetivo final de tudo. E, todavia, dizia o venerável Frei
Bernardino de Asti: “Até o momento em que os frades observarem a Regra, Deus
defenderá sempre a Ordem, mas não poderão observar a Regra se não praticarem a
oração, uma vez que o fim de toda a Regra não é outro senão a santa contemplação”
(II,400).

1024. Bernardino de Asti zelava pela oração. Certa vez, pronunciando um


belíssimo sermão sobre a oração, disse estas palavras: “Túlio, na Retórica, diz: Se me
perguntares em que consiste, respondo-te que consiste na pronúncia. E, se de novo,
tu me perguntares, por três vezes, dou-te, por três vezes, a mesma resposta.
Assim eu digo a vocês. Se vocês me perguntarem em que consiste a vida
religiosa, respondo-lhes que consiste na oração. E se, ainda assim, você me
perguntar, eu lhe respondo que consiste na santa oração. Da mortificação e da santa
oração nasce, no servo de Deus, todo bem; da pouca mortificação e da pouca oração,
todo o mal. Não existe frade tão relaxado que, freqüentando a santa oração, em pouco
tempo, não se transforme em anjo; e não existe um tão santo que, abandonando a
oração, em pouco tempo, não se torne como um demônio. Do mesmo modo, nos
santos sacramentos recebidos com devido respeito, o Senhor Deus nos dá a certeza
215

de sua graça; do mesmo modo, na santa oração, temos certeza de receber de sua
majestade a graça solicitada ou outra melhor ainda. A oração engrandeceu, junto a
Deus, todos aqueles primeiros frades. Se desejais ser bons, rezai. Todos aqueles que
se imaginam atravessar o mar tempestuoso deste mundo, dispensando aquela
pequena nave, enganaram-se e afogaram-se.

1025. E se você perguntasse qual foi a intenção do pai São Francisco, ao dar-nos
a Regra, responderei que ele não teve outra intenção a não ser encaminhar seus
frades, livres de todo impedimento, para a oração, removendo de nós, mediante os
preceitos da Regra, aquelas coisas que nos impedem a santa oração e dando-nos
aqueles meios que nos fazem adquirir o verdadeiro amor de Deus, para o qual deve
conduzir toda boa lei. E se você me perguntar qual exercício nos prescreve o pai São
Francisco, na vida religiosa, respondo-lhe, citando o que ele diz na Regra: “Rezai
sempre a Deus com o coração puro”.
Esta foi, portanto, a razão porque nos deu a Regra, mediante a qual, observando-
a, liberta-nos de toda preocupação terrena, para podermos dedicar-nos à oração. É,
certamente, admirável aquilo que nos disse o santo pai São Francisco: que os frades
que deixarem a oração para adquirir a ciência, tornar-se-ão tenebrosos. Ora, se para
estudar as ciências, coisas admiráveis, deixarem a oração, tornam-se tenebrosos,
muito mais aqueles que, não para estudar, mas por outros motivos vãos, deixam a
oração, perderão a divina graça?”

1026. Quando realizava a visitação e encontrava algum frade tentado, dizia-lhe:


“Meu filho, você faz sua oração?” Respondendo-lhe negativamente, dizia:“O‟
pobrezinho, não admira que sejas tentado, mas é milagre de Deus que ainda não te
arruinaste. Não é possível perseverar na observância da Regra sem a oração. A arma
dos servos de Deus, vencedores das insídias do inimigo, é a santa oração; agarre,
portanto, esta arma fortíssima, com a qual venceram os valentes combatentes de
Cristo (III, 186-188).

1027. “E todos aqueles que não cuidam da santa oração, observava Batista de
Núrsia, e não forem zelosos em comparecer ao coro, dificilmente perseveram na vida
religiosa. Pelo contrário, os zelosos observantes destas coisas, por defeituosos que
sejam, Deus nunca os abandona, e, freqüentando a santa oração, é quase impossível
que não se transformem em bons religiosos, tendo o culto divino grande força para
santificar quem se esforça em celebrá-lo” (III,273).

1028. “E saibam que, acrescentava Tiago da Cetona, assim como do alimento se


nutre o nosso corpo e, sem ele, pode morrer, do mesmo modo nossa alma nutre-se,
fortalece-se e vive da santa oração. E quando o frade abandona a freqüência à santa
oração, de imediato, a alma adoece, enfraquece e perde entusiasmo e inclina-se ao
pecado; e, se não retornar ao sólido alimento da santa oração, morre em breve tempo”
(III, 357).

1029. “Saibam, dizia Antônio de Monteciccardo, que todos aqueles que, na vida
religiosa, desejam adquirir a graça da oração, precisam despojar-se das paixões e das
más inclinações. Não podem conviver o amor próprio e o amor de Deus, sem
detrimento grave para a perfeição. Qualquer coisa, por mínima que seja, quem a
conservar com afeição, retarda o verdadeiro amor de Deus. Por isso, nosso pai São
Francisco nunca aceitou como uso pessoal a não ser o que a Regra nos concede;
tudo o que ultrapassar disso, cria-nos necessidades e reclama dispensas” (III,231).

1030. As orações ordinárias, como estão nas constituições, eram rezadas em


comum na igreja; mas isto era o mínimo, uma vez que, celebrada a missa, quase
todos os frades que não estavam ocupados em ofícios religiosos, perseveravam na
216

oração, ordinariamente, até a hora terça e, depois das vésperas, até completas;
recolhiam-se, de acordo com o tempo, na igreja, na capela ou no bosque (IV, 23).

1031. Antônio Corso dormia pouco, três horas no máximo. Todo o tempo restante,
gastava-o em santas orações. Especialmente após as matinas, perseverava na oração
até a manhã, preparando-se demoradamente para a celebração da missa. Celebrada
a missa, no tempo de inverno, recolhia-se imediatamente para o quarto e, no verão,
retirava-se para o bosque, onde permanecia até a hora do desjejum.

1032. E certa vez, um frade lhe disse: “Como é possível que prolongueis tanto a
oração, especialmente à noite? Que fazeis para que não lhe venha o sono?”
Respondeu-lhe o servo de Deus: “Nosso Senhor Jesus Cristo olha fixamente seus
servos no coração e não apenas se deleita nas boas obras, provenientes mais de sua
Majestade que de nós, quanto nos bons desejos. Basta-me permanecer com o desejo
de honrar sua divina majestade e ficar em meu canto, preparado para receber, se lhe
apraz, qualquer dom ou graça. Se me der algo, é por sua misericórdia; se não me der
nada, gastei meu tempo, fazendo corte à sua majestade na igreja e estando pronto, se
lhe apraz, servir-se desse instrumento vil.
Saibam que os servos de Deus perdem muitas graças por não fazer, de sua parte,
aquilo que lhes é proposto. O Senhor, em absoluto, afirma querer dar-nos a graça;
mas, no Evangelho, persuade-nos e aconselha-nos a pedir, se desejamos o bom
espírito e que Ele quer dá-lo desde que o peçamos, afirmando: “Batei e vos será
aberta a porta; pedi e recebereis; procurai e encontrareis”. O que fazemos na santa
oração, nada mais é, de nossa parte, que preparar-nos para receber. Por isso, eu
pecador, conhecendo-me pobre de qualquer bem, recorro a quem pode auxiliar-me”
(III, 252).

1033. Construindo o muro de proteção para a horta na localidade de Florença,


chamada Montughi, Frei Honório de Pistoia, carregava, durante todo dia, um pequeno
cesto e, como recompensa, passava quase a noite inteira em oração (IV, 571).

1034. Esta foi, portanto, a mina de onde Félix de Cantalício extraiu o ouro mais fino
do perfeito amor de Deus, pois que colocou um bom fundamento durante o noviciado e
incendiou-se em fervor mediante este nobilíssimo exercício da oração.
Por essa razão, este foi seu costume, claro e conhecido de todos os frades, que,
embora estivesse muito cansado, por causa das caminhadas pedindo esmola e por
causa do jejum, nunca foi repousar cedo de noite e, uma vez terminadas as orações
comumente realizadas por todos após completas e, no inverno, após as matinas,
quando os frades se retiram para o repouso, para que o Senhor não ficasse sozinho,
perto das duas horas da madrugada, ele encerrava seu sono e encaminhava-se para a
igreja, onde rezava até a hora das matinas, quando tocava o sino, convocando os
frades para a oração e, quando estes iniciavam a recitação do ofício, ele voltava a
dormir um pouco a fim de conceder ao corpo o descanso necessário para sobreviver.
Concluída a oração das matinas e retirando-se os frades para o descanso, ele
retornava para a igreja, nela permanecendo até a aurora. Dava o sinal da aurora e,
logo em seguida, auxiliava na primeira missa celebrada ao despertar da aurora e
comungava. Feita esta oração, partia para seu ofício de esmoler ou àquele que lhe
fosse imposto pela obediência.

1035. Não é conhecido o seu método de oração, visto que entrava na igreja, com
uma vela na mão, vasculhava todo o ambiente para verificar se não havia alguém, a
fim de estar mais livre, inclusive de rezar em voz alta, conversando com nosso Senhor.
Todavia, não conseguiu proteger seu segredo por muito tempo, pois os frades,
desejosos de conhecer como procedia, se escondiam em qualquer canto onde não
pudessem ser vistos por ele e, assim, descobriram algo a respeito de sua oração.
217

Por isso, certa vez, foi visto dirigir-se ao cemitério situado no porão da igreja e aqui
pronunciou estas palavras: “Caríssimos irmãos - falando aos mortos - vocês fizeram a
parte que lhes cabia; agora, é a minha vez”.

1036. Assim falava, recordando o grande fervor daqueles servos de Deus ali
sepultados e por ele conhecidos. Logo em seguida, iniciou a disciplina, recitando o
salmo do Miserere. E, após ter recitado dois ou três versos, prorrompeu em pranto tão
copioso que aqueles que o observavam ouviam-no chorar tão forte, como se ele
tivesse visto o próprio Cristo ser flagelado pelos verdugos. E, passado um bom espaço
de tempo, recitava outro versículo do salmo, continuando a disciplina e a
contemplação de Deus e da paixão de seu Filho. E quase sempre iniciava sua oração
com o sofrimento corporal, disciplinando-se duramente e, depois, colocava-se no
centro da igreja. Muitas vezes, ouviram sua oração: “Meu Senhor, recomendo-te esta
cidade”; depois disso, fazia pedidos em favor dos mais necessitados.
Seria longo demais contar todos os fatos, vistos por diversos frades e referentes à
oração deste servo de Deus. Mas para quem observa sua vida externa tão boa e tão
regular, facilmente, pode conjeturar que tudo procedia do salutar exercício, ao qual se
dedicava durante a maior parte do tempo de sua santa oração, fonte de todo bem para
o religioso e mais agradável à majestade divina que qualquer outro exercício, sendo a
oração o objetivo final de todos os outros exercícios (III, 468-470).

1037. Bernardino de Asti celebrava devotamente todas as manhãs e sempre, antes


e depois da missa, rezava durante uma hora. E, por muitas vezes, eu o ouvi dizer: “Eu
não encerro nunca a missa sem confessar-me” (III,185).

1038. O Santíssimo Sacramento era conservado de maneira muito pobre, mas


limpa; e, do mesmo modo, todos os objetos e as alfaias necessárias para o santíssimo
sacrifício eram mantidas muito asseadas. Iniciando na igreja a fabricação de
tabernáculos para a conservação do Santíssimo Sacramento, os Capuchinhos,
recordando o que São Francisco disse no Testamento que deseja tê-lo em lugares
preciosos, puseram-se a fabricar tabernáculos lindos e cobertos de seda, ainda que
não fossem grandes, mas acomodados às suas igrejas. Considerando que as novas
rubricas litúrgicas prescreviam véus de seda para os cálices e, querendo observar tais
rubricas, admitiram os véus de seda. Mas, excetuados os véus e os tabernáculos,
mantiveram e ainda mantêm seu costume de não usar ouro ou seda (V, 280).

1039. Recitava-se o ofício devagar, bem pronunciado e com voz não muito alta (IV,
23).

1040. Mateus de Schio ainda tão muito zeloso do ofício divino que, muitas vezes,
embora estivesse muito cansado, levantava-se sempre para as matinas e nunca ou
quase nunca, dado o caso de não estar em casa, faltava ao coro e dizia: “Tenho a
impressão de não celebrar o ofício, se não estou no coro com os outros frades” (III,
379).

1041. Bernardino de Asti, embora estivesse muito cansado, no tempo da visitação,


nunca ou quase nunca deixava de comparecer às matinas no coro com os outros e
participar da disciplina e das orações; e repreendia duramente os frades que, por
cansaço, deixavam de comparecer ao ofício das matinas (III, 185)

1042. Francisco de Soriano, embora, por causa da pregação, tivesse, na maioria


das vezes, de recitar o ofício sozinho, todavia recitava-o no tempo estabelecido, de pé
ou ajoelhado, devagar e com as devidas inclinações, como se estivesse no coro (III,
166).
218

1043. Boaventura de Montereale nunca deixava de recitar, diariamente, o ofício


dos mortos e, muitas vezes, os sete salmos. E quando encontrasse clérigos
discutindo, tomava-os de lado e dizia: “Filhinhos, não temos tempo a perder. Destes
de comer aos mortos?” E respondendo negativamente, acrescentava: “Por acaso, vós
comestes muito bem? “ E, imediatamente, entoava a antífona dos mortos (III,314s).

1044. Eu me dei conta, diversas vezes, que Boaventura de Montereale tinha um


livro que tratava da paixão de nosso Senhor. O santo ancião abria aquele livro e lia
quatro ou seis parágrafos, até compungir-se e, logo em seguida, fechava-o,
rapidamente; chorava tão copiosamente a paixão de Cristo como se o tivesse diante
dos próprios olhos, crucificado. Às vezes ficava por duas ou três horas de braços em
cruz, chorando continuamente; E, como não conseguisse ficar de pé por tão longo
tempo, apoiava-se na balaustrada diante do Santíssimo Sacramento (III, 315s).

1045. Batista de Núrsia nunca deixava de rezar o rosário de nossa Senhora e


quando encontrasse jovens que não rezavam o ofício de nossa Senhora, repreendia-
os severamente, dizendo: “Meu filho, tu não perseverarás na vida religiosa, se não
fores devoto de nossa Senhora, que é mãe de todos, mas, especialmente, de seus
devotos (III, 273).

1046. O servo de Deus Jerônimo de Montepulciano teve singular devoção à Mãe


de Jesus Cristo; por isso, em seu tempo, ao ver um frade devoto de nossa Senhora,
repetia-se na forma de provérbio: “Parece um outro Frei Jerônimo de Montepulciano”.
Ocorrendo uma festa de nossa Senhora, preparava-se com uma oitava de jejum a pão
e água, quatro dias antes e quatro dias depois. E não sendo impedido, celebrava a
missa votiva a nossa Senhora (III, 325).

1047. Mateus de Cássia perseverou na ordem e na província de São Francisco


cerca de quarenta anos e, tornando-se velho, o santo homem, parecendo não poder
fazer outro bem, dedicou-se a fabricar rosários e dava-os aos frades, convidando-os a
recitar a coroa de nossa Senhora (III, 156).

13. Pregadores evangélicos

1048. Naquele tempo, viera dos Observantes para a Reforma Capuchinha um tal
Frei Ângelo de Asti, doutor parisiense, muito letrado, e fora recebido por Frei
Bernardino de Asti e colocado na província de São Francisco. Era, de fato, muito
espiritual e viera para a Reforma movido por grande desejo de observância. Julgando-
se muito mais fraco do que era, disse ao Ministro Geral que, na quaresma, não
poderia jejuar e pregar ao mesmo tempo. O Ministro Geral, considerando quanto é
importante o exemplo do pregador para o povo que dele escuta a Palavra de Deus e
não querendo, com esta ocasião, abrir a porta, permitindo aos pregadores deixarem o
jejum enquanto pregam, considerando que são obrigados pela Regra e pela Igreja,
disse-lhe: “Se não podes fazer as duas coisas ao mesmo tempo, deixa a pregação,
pois ao jejum estás obrigado, mas não à pregação”. Calou-se Frei Ângelo.
Pouco depois, pesando-lhe muito deixar a pregação, disse-lhe: “Padre, se vos
parecer bem, ponho-me à prova e se não puder pregar todos os dias, jejuando, farei a
pregação, quando eu puder”. O Geral gostou da resposta e o mandou pregar em
Spello. E, de fato, o bom e sábio pregador provou, por experiência, que podia pregar e
jejuar ao mesmo tempo (VI, 289s).

1049. Jerônimo de Montepulciano, quando lhe perguntavam se queria pregar,


respondia: “Ainda não preguei a mim mesmo”; é preciso, primeiro, pregar a si mesmo
e converter-se e, depois, pregar ao próximo, a fim de que não nos possam dizer:
“Hipócrita, tira, primeiro, a trave de teu olho e, depois, poderá tirar a palha do olho do
219

outro”! Não se pode repreender a soberba existente nos outros, quando eu mesmo
estou repleto dela! E assim, dos outros vícios.
Portanto, eu me encontro na Vida religiosa com o firme desejo de pregar a mim
mesmo; quando aprouver ao Senhor que eu tenha pregado o suficiente a mim mesmo,
se me for imposto, pregarei também aos outros (III, 324).

1050. Mateus de Schio, tendo que pregar sobre a Assunção de Nossa Senhora,
compadecido, eu lhe disse: “Padre, amanhã de manhã tereis que pregar na catedral
de Narni; como havereis de pregar, se, hoje, jejuais a pão e água?” Respondeu: “Se
aprouver a Deus, pregarei com a boca. Esta é a verdadeira pregação: primeiro, com
as obras e depois com a doutrina. Certa vez, um pintor muito devoto da Mãe de Deus,
quando devia pintar a imagem de Nossa Senhora, sempre jejuava antes a pão e água,
por dois ou três dias, pedindo a Deus que lhe desse a graça de pintá-la, quanto fosse
possível, representando, com perfeição, a figura de Maria, quando tinha o Menino em
seus braços. E Deus concedia-lhe tal graça, que ninguém conseguia pintar imagens
mais devotas e belas do que ele, ainda que fossem célebres e esforçados pintores.
Com pincel e tinta se pode representar a beleza do corpo, mas como poderia
representar as outras virtudes da Mãe de Deus, que são tantas e tão belas que nem
um anjo conseguiria. Assim como quem nunca degustou o mel pode falar de suas
qualidade, mas jamais poderá descrever sua doçura e outras qualidades, do mesmo
modo, ninguém poderá falar da grandeza da virtude, se, antes, não a experimentou
em si mesmo.
Quem, de boa vontade, jejua, prega com mais eficácia, experimentando em si
mesmo o fruto que a alma obtém. Quando falamos das coisas que nós amamos,
falamos com muito carinho e isto é importante para agradar e daqui nasce o fruto da
pregação”. E quando, de manhã, foi pregar, aprouve a Deus que eu fosse seu
companheiro e pude constatar o efeito de suas palavras, pois pregou tão divinamente
e com tanto fervor que inflamou toda aquela cidade. Parecia que uma chama de fogo
saía de sua boca (III, 379).

1051. Ludovico de Foligno nunca quis outra coisa além de um hábito, todo
remendado, tanto no verão como no inverno, e, perto do pé, à frente do mesmo,
costurou um pequeno bolso onde carregava o livro de suas pregações populares. Não
queria saber de malas!
Foi ordenado sacerdote, celebrava quase diariamente e com muita devoção. E
vendo Frei Ludovico de Fossombrone que era um homem exemplar, mesmo que não
fosse muito letrado, considerada a carestia de pregadores, deu-lhe autorização de
pregar nas vilas, castelos e pequenos povoados. Cumpriu a tarefa com muita
simplicidade, pregando sobre os mandamentos de Deus e outras coisas úteis. E Deus,
Nosso Senhor, mediante a pregação deste seu servo, produziu excelentes frutos junto
às pessoas simples.
E uma vez, entre tantas, pregando nas montanhas de Foligno, numa vila onde
surgira uma grande inimizade entre duas importantes famílias e, embora, muitas
pessoas importantes e governantes da cidade de Foligno tivessem tentado pacificá-
las, nada conseguiram, aprouve a Deus que, pregando este servo de Deus,
estivessem presentes na sua pregação os principais envolvidos. Num momento de
grande fervor, tomou o crucifixo em suas mãos e dialogava com Ele dizendo: “Ó
Senhor, quem vos colocou na cruz? Foram os escribas e os fariseus?” E respondia
negativamente. E, de novo: “Foram, então, os judeus?” E depois de um longo diálogo,
fez como se o Senhor respondesse: “Foram estes que estão presentes na pregação e
que não querem se perdoar, estes me puseram na cruz!” E, inflamando-se de tanto
fervor, dirigia-se ora a uma facção e ora a outra, ameaçando-os com a ira de Deus.
Espantados com tais palavras, ali mesmo na igreja se abraçaram e se reconciliaram
(III,286s).
220

1052. Domingos de Boschetto era um homem, naturalmente, simples, de pouco


estudo, mas de muito fervor no serviço a Deus. Vendo os superiores o grande fruto
que produzia, permitiram a pregação. Exerceu este ministério por longos anos;
contudo, pregava em vilarejos, povoados e lugares humildes.
Por causa de sua santidade e simplicidade, o Senhor operava grandes frutos e
inflamava a todos e tanto no amor de Deus que, tendo-lhes oferecido pregadores mais
letrados, recusaram, preferindo sempre Frei Domingos. Conseguia sempre pacificá-
los, por mais difícil que fosse.Tão grande era a devoção que o povo lhe dedicava que
feliz era quem fosse por ele abençoado. E, com o sinal da cruz, fez muitos milagres.
Era tanto o zelo pela salvação das almas que tinha este servo de Deus que, se
nas festas não lhe fosse dado pregar, enchia-se de melancolia, parecendo-lhe estar
perdendo tempo.E, muitas vezes, sentindo-se gravemente enfermo, os frades,
sabendo de seu grande amor, diziam-lhe: “Frei Domingos, se você não estivesse
enfermo, iria pregar”. O servo de Deus, de imediato, levantava-se do leito e dizia: “Não
estou muito doente, não, e, com a graça de Deus, eu vou sarar; mandai-me a pregar!”
E já estava curado (III, 384s).

1053. Os leigos pregavam os mandamentos de Deus, alguns exemplos e faziam


fortes repreensões contra os vícios; produziam excelentes frutos junto aos simples.
Frei Egídio de Orvieto, irmão leigo de grande valor, chegando a um povoado da
campanha de Roma, de imediato, aquela povoação o rodeava, pedindo-lhe que
pregasse. Mas, suspeitando que estivesse presente algum letrado, usou um santo
estratagema para certificar-se. Pediu papel e tinta, pois queria anotar alguma coisa.
Responderam aqueles camponeses: “Padre, aqui não temos nem papel e nem tinta;
não há ninguém que saiba alguma coisa”. Disse, então, Frei Egídio: “Ide, dai o sinal da
pregação, pois eu vou pregar”.
E, pregando, agradou tanto que o forçaram para uma pregação de mais de 15
dias. Motivou tanto aquela gente simples a fazer as pazes que foi algo de maravilhoso.
E, por ocasião de uma festa, um frade de santo Agostinho, doutor em teologia, quis
participar da festa e Frei Egídio, temendo que não o aprovasse em sua pregação, com
muita humildade rogou ao frade que o substituísse na pregação; forçou-o para a
pregação. Não agradou aos camponeses e nem quiseram mais ouvi-lo, mas obrigaram
Frei Egídio continuar sua pregação. E não apenas naquela localidade, mas em muitas
outras ele fez coisas admiráveis (IV, 44).

1054. E não apenas os simples, mas, igualmente, os grandes pregadores,


deixando de lado as sutilezas próprias daquele tempo, pregavam com simplicidade o
Evangelho de Jesus Cristo e a Sagrada Escritura (IV, 93).

1055. “Eu pregava - conta Bernardino de Montolmo - seguindo um sermonário


denominado O Discípulo, e Deus colaborava de tal maneira que colhia muitos frutos.
E, por causa dos hereges, comecei a ensinar um pouco de doutrina; Deus me
castigou. Quando eu pregava com simplicidade, tinha sempre a igreja cheia, agora
não tenho três pessoas. Saibam, portanto, que Deus escolheu esta congregação para
pregar aos simples, ensinando a eles os mandamentos de Deus e o que um cristão
precisa para salvar-se; não precisamos preocupar-nos com a cidade, onde exigem
doutrina, pois eles tem seus sábios pregadores, mas os pobres camponeses, que
nada têm com que pagar, são abandonados pelos pregadores. É a estes que o Senhor
nos mandou. (III, 645).

1056. Demoraram-se, por algum tempo, em Abbadia (Brescia) por haver igreja e
uns poucos cômodos, embora completamente em desordem por lá residiam ainda os
que a tinham feito. Daqui partia o inflamado João de Fano, descalço, mesmo durante o
inverno, dirigia-se, de manhã, direto para a igreja da cidade, viagem de mais de duas
milhas. Esperava pela hora da pregação, sem nenhum cômodo, e, na hora marcada,
221

subia o púlpito. Terminada a pregação, sem tomar lanche ou descanso, iniciava a


longa viagem de retorno para o albergue de Abbadia. E sua pregação era tão
inflamada que, certa vez, pregando sobre o inferno e olhando para baixo, os ouvintes
se ergueram para verificar se a terra não se tivesse mesmo aberto e de lá se
enxergasse o abismo do inferno (V, 218).

1057. João de Fano, tendo-se retirado por alguns meses em Scandriglia, o padre
Ludovico de Fossombrone o enviou para a Lombardia, conhecendo-o como
instrumento muito apto para tal empresa de pregar e de se informar a respeito das
condições daqueles lugares. E a primeira cidade, onde pregou com hábito capuchinho,
foi Verona. E realizada a primeira pregação, agradou de tal maneira ao monsenhor e a
toda aquela população que, na segunda pregação, o povo não cabia na igreja.
E permanecendo por mais dias naquela localidade, foram obrigados a improvisar
um púlpito na praça e lá pregava; lá compareciam o bispo, as autoridades e uma
grande multidão de povo. E, muitas vezes, enchia-se completamente a praça, como
me informaram pessoas que participaram dos eventos. E o servo de Deus não quis
acomodar-se na casa do senhor bispo, mas como um pobre frade menor recolhia-se
junto a seus confrades em uma igreja pequenina, onde não havia culto público e
dispunha de uma repartição em forma de coro; ali comia e dormia e na igreja
celebrava missa todas as manhãs.

1058. Ali colheu abundantes frutos, especialmente certa manhã, quando convidou
o povo a meditar sobre a morte. E foi tal a afluência de cavalheiros e damas, vindos
em seus coches, e de grande multidão de povo que de tal maneira encheram a praça
que, se fosse derramado trigo sobre suas cabeças, este não chegaria até o chão. E
encontrando-se o santo velho no púlpito e vendo aquela devoção, pregou com tal
fervor que parecia sair um chama de fogo de sua boca e sua face ficou tão vermelha,
parecendo um finíssimo pano escarlate e sua voz ficou tão clara e sonora, parecendo
sair da boca de um touro.
Iniciou a pregação sobre a morte e tão fortemente sobre o desprezo do mundo,
insistindo em três pontos: a morte horrenda, a vaidade de nossa vida e o desprezo do
mundo, que atemorizou toda aquela multidão. E escutavam-no tão silenciosamente,
parecendo não haver ninguém por ali, além do pregador. E, por fim, sacou uma
caveira, olhando, ora para ela e ora para o povo. Sua pregação foi tão eficaz que
penetrou no coração dos cavaleiros e das damas, reformando-se quase toda a cidade
das vaidades das mulheres e dos jovens. E, fortalecida esta obra pelo santo pastor (o
bispo), a reforma se prolongou por muitos anos (III,93-95).

1059. Chegando à congregação dos Capuchinhos, Francisco de Soriano


incendiou-se de um inacreditável fervor para observar diligentemente sua profissão. E
sabendo que Bernardino de Asti se fizera capuchinho, não quis esperar por mais
tempo. Chegou e foi recebido por Ludovico de Fossombrone. E, assim que vestiu o
hábito, sendo já pregador, iniciou a pregação com tanto fervor que, já naquele tempo,
foi considerado o maior pregador da Itália. Não era muito letrado, mas, pela prática,
dominava tão bem todas as ciências que parecia tê-las estudado.E todos os sábios
que não o conheciam, ouvindo-o, consideravam-no como o mais importante filósofo e
teólogo do mundo. Dominava tão bem os segredos da filosofia e da sagrada teologia
que pasmava a todos.

1060. Pregou nas principais cidades da Itália e sua pregação durava mais de três
horas; agradava tanto que não parecia ter durado mais que meia hora. Não raro,
participavam mais de vinte e cinco mil pessoas e sua pregação era tão ressonante e
sua voz tão bela que tanto a ouvia quem estava perto como quem estava longe.
Repreendia tão severamente que, ao partirem, após sua pregação, regressavam para
suas casas atônitos e espantados que não podiam mais retornar para seus negócios
222

temporais. Fazia participar da Oração das Quarenta Horas, melhor organizada que a
do Frei José de Ferno, uma vez que, em cada intervalo ao término da hora, fazia uma
breve reflexão, ordenando a todos se abraçarem e se reconciliarem. E o Senhor Deus
lhe dava tanta força que não havia paz impossível de ser conseguida, conduzindo
todos à oração. E, quando a devoção acabava, toda a cidade estava pacificada.
Sempre, no fim da pregação, voltava-se para o crucifixo e lhe falava
fervorosamente, às vezes, durante uma hora, e com voz tão convincente a ponto de
não sobrar ninguém que, por mais mundano, cruel e duro que fosse, não chorasse
abundantemente. E tocava de tal maneira o coração das pessoas que, onde pregava,
impressionavam-se tanto que abandonavam as bodegas e as diversões a ponto de
apenas se dedicarem à confissão, à comunhão, à freqüência da igreja e da
comunidade. E sua fama se espalhou de tal maneira em toda a Itália que apenas ia
pregar a pedido da cidade, do protetor da Ordem ou do próprio Papa.

1061. E Deus operou, mediante suas pregações, incontáveis restituições,


conversões de meretrizes e de muitos jovens que abandonavam o mundo e se
tornavam frades e reconciliações impressionantes, especialmente na ilha de Sicília,
onde pregou durante três anos em todas as principais cidades e com aceitação tal que
pareciam renovados os tempos do Messias, pois, por serem distanciadas as cidades e
os lugarejos uns dos outros onde ele pregava, para lá dirigiam-se em caravanas,
reunindo, especialmente em dia de festa, quatro ou cinco mil pessoas. Era tal a
devoção e a fé desse povo que todos aqueles que tivessem doentes ou possessos
colocavam-nos junto às estradas por onde ele passava e, passando, com o sinal da
cruz, curava a quase todos. Não há língua capaz de narrar todas as restituições, todos
os abandonos de concubinas e outros pecados.

1062. Foram tantos os benefícios deste santo homem em suas pregações e em


suas iniciativas, aquela pregação eficaz, a disponibilidade de todas as próprias coisas,
aquela vigorosa argumentação própria para persuadir e dissuadir, aquela veemência
no repreender e no condenar os vícios, aquele bater no peito e na alma dos
pecadores, aquele martelamento dos corações, aquele envolvimento no temor, aquela
submersão no inferno, aquele engrandecimento das virtudes e a animação a cada um
para seguí-las e, por fim, aquelas elevações dos justos para o céu. Não há pena capaz
de escrever ou língua capaz de exprimir a quantos este servo de Deus arrancou do
profundo inferno e endereçou para o caminho das santas virtudes.

1063. Tinha a seu favor uma belíssima aparência e disposição do corpo, uma
estatura não muito grande, uma memória indelével, rosto gracioso, barba cheia e
longa, uma voz tão sonora que, certa vez, pregando na cidade de Perusa, onde eu
estava presente, voltando-se para o crucifixo, fez um sermãozinho de mais de uma
hora e, por fim, quando todo mundo pensava que não houvesse mais nada, lançou um
grito, que meu companheiro me sussurrou: “Frei Bernardino, são muitos anos que sou
companheiro em pregações de grandes emoções, mas garanto-lhe que nunca ouvi
uma que me causasse tamanha impressão como esta”. E pareceu-me que, por assim
dizer, aquela voz levantasse parte do teto, uma vez que eu ouvi aquele ribombo sair
da igreja como se fosse uma descarga de artilharia.

1064. Não lhe faltaram, porém, as emboscadas, pois lhe foi dado veneno por mais
de uma vez e sempre foi livrado por Deus; eu mesmo vi, em carta ocasião, ao pregar
numa cidade da província de São Francisco, quando, movidas pelas repreensões
feitas pelo pregador, algumas pessoas desonestas ofereceram, em minha presença,
ao companheiro, uma garrafinha de vinho envenenado, dizendo: “Dai este vinho ao
pregador, pois é muito precioso; é vinho branco velho”. Perguntou o companheiro: “É
bom para a missa?” Respondeu o malfeitor: “Não serve para a missa; entregai-o ao
pregador”. Por causa destas palavras, o companheiro, sendo homem prudente,
223

desconfiou que fosse envenenado e, chegando o médico, mandou examiná-lo,


descobrindo ser um veneno poderosíssimo.
Aprouve, finalmente, a Deus, nosso Senhor, premiá-lo com tantas fadigas que,
tendo pregado em Roma, em São Lourenço em Dâmaso, concluído seu compromisso,
chegou-lhe a obediência, enviando-o para uma nova pregação em Nápoles. Pondo-se
a caminho, por ser velho e não estar muito bem de saúde, o servo de Deus adoeceu
gravemente, precisando retornar a Roma. Agravou-se mais ainda sua enfermidade,
bem disposto e cheio de méritos, tendo recebido todos os sacramentos, sua belíssima
alma passou para o Criador e ele foi sepultado em Roma (III, 158-162, 166s).

1065. Os Capuchinhos naquele tempo pregavam os mandamentos de Deus, o


Evangelho e as Sagradas Escrituras; fustigando muito asperamente os vícios,
exaltavam e glorificavam as santas virtudes. E isto causou grande assombro a toda a
cristandade, porque era um pregar novo e com tanto fervor que abrasava a todos, De
fato, naquele tempo, não se pregavam senão as questões de Scoto e de Santo
Tomás; e, no princípio, sempre se contava algum sonho, dizendo: “Esta noite me
parecia...” Pregavam a filosofia, as fábulas de Esopo. E, no final, sempre declamavam
alguns versos de Petrarca ou de Ariosto. Nem sequer mencionavam o Evangelho e a
Escritura Sagrada. De modo que, ao surgirem os Capuchinhos com aquele seu modo
fervoroso de pregar a Escritura, os pregadores todos das outras congregações, para
serem aceitos, tiveram de conformar-se a pregar as Escrituras (...) deixando de lado
tantas questões e sutilezas e tantas filosofias; de outro modo, pregariam aos bancos.
Os Capuchinhos deram, pois, ocasião a que se pregasse a Escritura (...) e tanto e tão
universalmente agradou, que as populações não queriam ouvir os que não pregassem
o Evangelho e assim foram todos obrigados, se queriam ser aceitos, a deixar de lado
as fábulas e pregar o Evangelho de Jesus Cristo (IV, 159,193,44).

1066. Este foi o grande fruto produzido na Igreja de Deus que, de então em diante,
todos pregassem a Escritura (IV, 160).

1067. Outros saiam a pregar. Pregavam a Sagrada Escritura e, em especial, o


Evangelho, ameaçando com o inferno e propondo a piedade de Cristo com ardor
apostólico. E Frei Mateus, Ministro Geral, tinha dado a todos, inclusive aos leigos,
licença para fazer reflexões aos seculares e que ensinassem a fazer penitência dos
pecados e se dedicassem a observar os santos preceitos de Deus e freqüentar os
sacramentos (VII, 74).

1068. E foi admirável observar que, à sua pregação, toda a cristandade acordou; e
onde, antes, se comungava uma vez por ano, agora, comungavam mais
seguidamente; e se organizavam bons grupos que, movidos por bom espírito,
freqüentavam os santos sacramentos e se dedicavam às obras de misericórdia.
Naquele tempo, estava muito enfraquecida a vivência cristã; mas, com a pregação dos
Capuchinhos, muitos senhores, cavaleiros e pessoas distintas viviam a vida espiritual;
entre a população realizavam-se muitas restituições e muitos se convertiam à vida
espiritual (IV, 193).

1069. E, pelos Capuchinhos, foi reassumida a Devoção das Quarenta Horas do


venerável Frei José de Ferno, milanês, hoje, muito difundida. E, mais ainda, foram
organizadas instituições para cuidar dos hospitais e, de modo especial, o cuidado dos
órfãos e de outras obras pias, todos despertados mediante a pregação dos
Capuchinhos (IV, 194).

1070. “Se não for garantido um encaminhamento, dizia Liberalino de Col Val
d‟Elsa, para manter alguma devoção e para freqüentar os santos sacramentos, partido
224

o pregador, em pouco tempo, cai no esquecimento todo o conhecimento obtido com a


pregação; nos grupos, porém, se mantêm a devoção (III, 330).

1071. Afirmava Honório de Montegranaro que não se colhe fruto na pregação se


não for organizado algum grupo, encarregado de alguma devoção, mediante a qual se
renovam no espírito e se exercitam na freqüência aos santos sacramentos. E, de
modo especial, recomendava o grupo mariano, por ser muito devoto de nossa
Senhora (III, 173).

1072. Durante a pregação, Eusébio de Ancona não tomava refeições, apenas


acolhia uma pequena porção daquilo que lhe enviavam de alimentos pobres, o resto
devolvia, especialmente, alimentos preciosos. E dizia não ser conforme o costume
capuchinho tomar alimentos refinados: mostrar austeridade no caminho e comer
alimentos preciosos em casa, como fazem os hipócritas que mostram santidade para
ganhar dinheiro e saborear boas refeições (III, 122s).

1073. Esta foi, portanto, a intenção de nossos primeiros padres: imitar nosso pai
São Francisco, afastando-se do mundo quanto possível e ocupar lugares distantes
umas duas milhas da cidade. E, para evitar a ocasião de envolver-se nos negócios do
mundo, colocaram nas constituições que os frades não confessem seculares, não
freqüentem velórios e não realizem enterros. Não por estas coisas não serem boas,
mas, querendo viver de acordo com a Regra, não sejamos amarrados as estas coisas
e nem tenhamos este tipo de compromissos na Igreja de Deus. Nossa obrigação é
dedicar-nos à oração, fazer pregação com o bom exemplo e com a observância da
sadia e católica doutrina. As outras obrigações são próprias do clero secular que,
desejando nós realizá-las, não conseguimos sem causar-lhe desagrado. E, não raro,
são vistos grandes escândalos de religiosos que, por privilégio, conseguiram a cura de
almas ao preço de escândalo para o próximo (IV, 42).

1074. Frei Ludovico de Saxônia, recém formado em teologia, nomeado pregador,


foi enviado a Appenzell, com autorização do núncio, para pregar, confessar, absolver e
reconciliar. E ele foi muito aceito, não obstante ser indizível o seu sofrimento; seu
companheiro, pelo excessivo frio, perdeu as unhas de quase todos os dedos dos pés.
Em fevereiro, para lá se dirigiu também o comissário, passando por sofrimentos
indizíveis, devendo caminhar sobre neves e geleiras com os pés descalços e passar
por lugares habitados por hereges interessados em devorá-lo vivo. Escolheu o lugar
para construção do convento e apresentou a planta da construção sobre a neve, tendo
esta uma altura maior que um homem. Frei Ludovico pregou durante a quaresma e
confessou, por ocasião da Páscoa, mais de mil e cem católicos e mais de cem
hereges se converteram e comungaram de maneira católica.

1075. Não contente de pregar na região, procurava outras terras onde houvesse
católicos e sempre com grande fruto. Imagine-se o desgosto e o tormento que isso
causava aos hereges obstinados, principalmente aos pregadores, isto apenas pode
ser imaginado por quem conhece a raivosa inveja dos heréticos e dos inventores e
promotores de heresias.
Isso foi demonstrado pelo fato de dois pregadores que fizeram acordo de matá-lo,
enquanto se deslocava do lugar, onde pregara com muita consolação para os
católicos, para Appenzell; e, aguardando-o num bosque por onde deveria passar, o
assaltaram. Mas, chegando um camponês católico, satisfizeram-se com ofensas
verbais e injuriosas e, constrangidos, o deixaram prosseguir livremente sua viagem. A
autoridade local, tomando conhecimento do caso e não podendo prendê-los, limitou-se
a bani-los (IV, 461s).
225

1076. Guiados por um grande e piedoso zelo, os responsáveis pela arquiconfraria


do Gonfalone, desejando ativar a pia obra (do resgate de escravos) e não apenas
procurar a libertação dos escravos, mas, ao mesmo tempo, a consolação e a saúde
das suas almas, enviaram a Argélia, com licença de Gregório XIII, redentores e, entre
eles, dois professos da Ordem dos Menores, chamados Capuchinhos, para que não
apenas resgatassem os escravos, mas pudessem e devessem ajudá-los, ouvindo-lhes
as confissões e ministrando-lhes os sacramentos eclesiásticos, dando consolação aos
aflitos, fortificando os fracos na fé, confirmando os duvidosos e vacilantes e ensinando
àqueles que tivessem necessidade de doutrina; e, onde houvesse maior perigo,
apresentar a si mesmos como diligentes ministros de Cristo. E eles andaram solícitos
pela saúde espiritual dos sobreditos escravos, iluminando-os com a palavra e com
bom exemplo, realizaram coisas de utilidade e de edificação para o próximo e de
exaltação para a fé católica. No fim, contagiados pela peste, lamentados com gemidos
e lágrimas dos escravos, dormiram em paz (VI, 477s).

1077. Durante muitos meses, todas as vezes que se encontravam, conversavam


sobre os favores que Deus lhes dava e como os inflamava interiormente. E levantou-
se entre eles uma reflexão a respeito de sua ida junto aos infiéis e de pregar-lhes a fé
católica e de morrer por ela. Diziam uns aos outros: “Não foi por outra razão que Deus
nos mandou tantas tribulações, a não ser para tornar-nos o mundo fastidioso. Nós
somos membros inúteis e todo mundo nos odeia. Temos sofrido tanto que, agora,
nada nos sobra além da nossa pobre vida. Vamos oferecê-la a Jesus Cristo; e como
Ele morreu por nós, morramos nós por seu amor e para converter nosso próximo à
verdadeira fé” (II, 215).

14. Os obreiros do bem

1078. Em 1523, permitida por Deus, na cidade de Camerino, sobreveio uma


grande peste, logo espalhada para muitos lugares. Neste tempo, Frei Mateus
encontrava-se no convento dos Observantes, em Camerino. Inflamado de imenso
desejo de morrer por Jesus Cristo, como se sabe ter feito o grande servo de Deus Frei
Bernardino de Sena, procurou o guardião do sobredito convento e, com muitas
lágrimas, suplicou que lhe fosse concedido o mérito da santa obediência e a bênção
para se pôr a serviço dos empestados. O guardião, vendo o grande desejo de Frei
Mateus e sabendo de sua vida boa e santa, de verdadeira conversão e de ser homem
provado na vida espiritual, concedeu-lhe a bênção e o mérito da santa obediência.
Imediatamente, Frei Mateus, com alegria e exemplo para toda a cidade, com
solicitude, se pôs a serviço dos pesteados, provendo-os de alimento corporal e em
outras necessidades. Mas o que mais lhe importava era servi-los espiritualmente,
exortando-os à recepção dos santos sacramentos e à restituição do que haviam
roubado. Providenciava o necessário para muitos abandonados e, quando não havia
quem os sepultasse, fazia-o com suas próprias mãos. Confessava-os e administrava-
lhes os outros sacramentos e confortava-os, admiravelmente, na hora da morte. Foi tal
o bom exemplo e a dedicação do servo de Deus aos pesteados da cidade que todos o
consideravam santo (II,101s).

1079. Em 1528 e 1529, a peste e a carestia foram imensas e eu mesmo me


recordo muito bem, pois fui atingido pela peste em uma coxa. Em toda parte, nada
mais se viam a não ser mortos de fome, de peste ou assassinados por péssimos
homens ou por violentos soldados, a tal ponto que, por onde se andasse, apenas eram
vistos cadáveres sendo devorados por lobos. Era aterrorizante viajar, pois se
encontrava pouca gente e muitas cidades foram incendiadas e as terras se tornaram
desertos.
Neste tempo, os pobres Capuchinhos tiveram descanso, pois cessaram todas as
perseguições; e isto porque havia algo de diferente para pensar, pois não havia, entre
226

os religiosos, conventos sem doentes ou mortos. Parecia que o próprio ar chorasse.


Por isso, o fogo de amor que ardia no coração daqueles servos de Deus não podia
ficar escondido e, entre eles mesmos, clamavam: “E nós o que fazemos? É agora o
tempo de empenhar a vida por Jesus Cristo, pois tantos pobres e irmãos morrem
desesperados, sentindo-se abandonados de todos e a maioria, sem receber os
sacramentos. Vamos ao padre Frei Ludovico e, com sua bênção, se lhe apraz, vamos
nós também, alguém por aqui e outros por ali, a servir aos pesteados”. E, informando
a toda a multidão, dirigiram-se a Camerino, na localidade de Colmenzone.

1080. E Frei Ludovico, conhecendo que esta era obra de Deus, que esses seus
servos estivessem tão inflamados para realizar obra tão piedosa e com perigo de
perderem a própria vida, alegrou-se e os reteve por um dia e uma noite, tempo em
que, juntos, elevaram orações muito fervorosas, rogando o Senhor Jesus Cristo que
se dignasse, em tão difícil tarefa, conceder-lhes proteção e impedir que fossem
enganados.

1081. Na manhã seguinte, Frei Ludovico celebrou missa em honra do Espírito


Santo e deu a todos a eucaristia. Concluída a celebração da missa, dirigiu-lhe uma
belíssima homilia, dizendo: “Filhinhos e irmãos benditos, eu mesmo, antes de vocês,
encontrei-me em semelhante empresa, servindo aos empestados, quando em 1523,
na localidade de Camerino, irrompeu uma grande peste e, então, me coloquei a
serviço deles e, por experiência, conheci todos os perigos que se apresentam.
Contudo, não confieis em vós mesmos mas esperai somente no Senhor que vos
defenderá de qualquer tentação do demônio. Por isso, tende em mente andar sempre
dois a dois, uma vez que tereis de tratar com toda sorte de povo e com grande perigo
de fazer o mal.
Eu vos digo isso, por experiência própria, que quem vai com reta intenção é
admiravelmente ajudado por Deus. Cuidai de passar boa parte da noite cantando
louvores a Deus e recitai o ofício divino e, de manhã, celebrai a missa, uma vez que,
durante o dia, não tereis tempo. Guardai-vos de receber dinheiro de quem quer que
seja e nem vos amarreis com qualquer espécie de negócios; ocupai-vos,
exclusivamente, na salvação das almas. E sabei que empenhar a vida pela saúde do
próximo é uma espécie de martírio e muito agradável à divina Majestade. Portanto,
uni-vos, em espírito, a Jesus Cristo e, por puro amor a Ele, ide a esta obra de
caridade. E, se morrerdes, estai certos de vossa salvação.

1082. Tendo Frei Ludovico dito estas e outras palavras, irrompeu um copioso
choro da parte destes servos de Deus e, em uníssono, gritavam em voz alta: “Oxalá,
agradasse ao Senhor que, tendo morrido por mim, eu morresse por seu amor,
servindo ao meu próximo; mas são tantos os meus pecados que não creio ser digno
de tão grande bem. Mas, pai caríssimo, rogai a Deus por nós para que nos conserve e
não o ofendamos”. Respondeu-lhes Frei Ludovico: “Não é conveniente que, estando
meus filhos em tão grande fadiga, eu permaneça aqui em repouso”. E assim,
acompanhou a todos e, tomando consigo um companheiro, dirigiu-se para outra
localidade, onde serviu aos empestados. E, recebida a bênção, dirigiram-se, muito
alegres, para as localidades destinadas por Frei Ludovico.

1083. E foi tão grande a alegria daquele povo ao se darem conta de ter entre eles
dois capuchinhos, parecendo, inclusive, que todo mal se esvaia deles. E, entrando nas
propriedades, apressaram-se e, em pouco tempo, visitaram os empestados e,
consideradas suas necessidades, providenciavam quanto precisassem. Onde
houvesse alguém em estado grave, confessavam-no; e, se alguém estivesse em
perigo de morrer de fome, recorriam aos ricos e providenciavam suas necessidades.
Muitas meninas pobres que ficaram órfãs de pai e de mãe, para defendê-las contra
toda sorte de perigos, colocavam-nas em conventos ou em outros lugares seguros. Os
227

defuntos pobres, abandonados por todos, eram sepultados pelos próprios servos de
Deus. E quando alguns estivessem prestes a morrer, com grande fervor, os induziam
ao arrependimento e à confiança na divina misericórdia, a fazer o próprio testamento,
a acomodar suas coisas e restituir o que não lhes pertencia. Os pesteados confiavam
tanto neles como se eles fossem anjos de Deus. Eles não administravam outro
sacramento que não fosse a confissão, necessária para a salvação.

1084. Por suas boas palavras, foram realizadas muitas restituições; e muitos
pobres que teriam morrido sem confissão ou outras coisas necessárias ou teriam
morrido como animais irracionais, confessavam-se, arrependidos, e vendo-se na
presença daqueles servos de Deus, morriam alegremente.
A repercussão foi enorme e sua fama espalhou-se por toda a Itália. E todas
aquelas povoações gravaram em seu próprio coração a lembrança daqueles servos de
Deus, de sorte que até hoje guardam recordação. E não foi pequeno o auxílio que este
bom exemplo causou à pobre congregação, uma vez que a duquesa de Camerino,
Catarina Cybo, ao tomar conhecimento deste bom exemplo, escreveu ao Papa,
Clemente VII, seu tio, que aqueles Capuchinhos, a quem sua Santidade havia
concedido o “Breve”, eram todos santos. Narrou-lhe o trabalho que eles realizavam e,
se não existia informação, ela descrevia um fato em favor dos pobres Capuchinhos.
Disso o papa se alegrou muito e, dentro de breve tempo, concedeu-lhes a bula de
aprovação. E foi dito que, confabulando com seus íntimos, sua santidade dizia: “Vede
quanto bem fizemos ao dar ouvidos àqueles pobres Capuchinhos e vede o que
escreveu a minha sobrinha”. E fazia ler a carta publicamente.

1085. Aprouve a Deus que, perseverando naquele serviço, de acordo com seu
próprio testemunho, foram de tal modo preservados por Deus que diziam: “Como se
fôssemos troncos, nunca nos passou pela mente um pensamento desonesto”. E foi
admirável, pois, tratando com todo tipo de gente, de dia e de noite, com homens e
mulheres, com meninas nuas e nas casas onde estavam sozinhas, pareciam que
fossem anjos sem corpo.
E diziam: “Quem não tem boa vontade e não é preservado por Deus, não se meta
em tal empreendimento e jamais aconselharia a quem quer que seja, se não for muito
provado, se meta em tal empreendimento. Alguns jogavam-nos as bolsas cheias de
escudos e nos diziam: “Padre faça o que aprouver!” E nós lhes respondíamos: “Não
temos licença para guardar dinheiro para ninguém, não podemos dispor dele ou
recebê-lo para nós, uma vez que a Regra não quer que toquemos nele”.
E então, o enfermo chamava ora um ora outro e gritava: “De fato, estes são
verdadeiros servos de Deus! No tempo da peste acontecem muitos latrocínios, pois
quem se dispõe a sepultar os mortos e tratar com empestados, ordinariamente, o faz
para estufar-se de dinheiro; mas os estes servos de Deus fazem-no por amor e
enfrentam a morte para nos auxiliar. Sede benditos.

1086. Espalhou-se por toda a parte que estes santos religiosos nada querem, mas
tudo fazem por amor de Deus. Por isto, acreditam tanto neles como nos próprios
filhos. Aprouve ao Senhor Deus que, em 1530, cessasse a peste e, como eu mesmo
ouvi, foi dito que morreu mais de um terço do povo e, em muitos lugares, mais da
metade. E foi uma peste espalhada em toda a Europa e quase no mundo inteiro. Os
nossos Capuchinhos, todos, retornaram para junto de Frei Ludovico e contavam-se as
grandes maravilhas que Deus havia operado por seu intermédio e como os havia
protegido de modo que ninguém teve se quer uma dor de cabeça, mas sempre com
saúde e alegria. E muitos estavam tristes por não ter morrido; e, com alegria, todos
agradeciam a Deus.
E, em certo dia, a senhora duquesa foi pessoalmente ao lugar onde se
encontravam e quis ver a todos e lhes disse: “Não tenhais mais medo de que vossa
228

congregação caia por terra, pois são tantos os vossos méritos que é impossível Deus
abandonar esta reforma”. (II, 222-225).

1087. Boaventura de Cremona, como ele mesmo me informou, estava, certa vez,
numa cidade, onde grassava uma grande peste, e isto faz tanto tempo que nem me
recordo onde aconteceu, mas recordo-me bem que me deu informação em nosso
convento de Forlí; com licença dos superiores, alistou-se naquela peste e realizou
grande bem para as almas, administrando para elas os santos sacramentos; servia a
muitos abandonados e sepultava a muitos defuntos, abandonados por causa de sua
pobreza. E sempre desejava morrer por Cristo (III, 241).

1088. O servo de Deus Justino de Panicale, estando a serviço dos empestados e


sobrevindo uma grande epidemia, com licença dos superiores, jogou-se na luta e fez
grandes coisas em favor da alma e do corpo dos empestados; fazia que se
confessassem ao confrade sacerdote, enquanto ele medicava-lhes as feridas e a
muitos, abandonados por causa de sua pobreza, dava-lhes, ao morrer, uma digna
sepultura.

1089. Depois disso e contemporaneamente (1570), a peste espalhou-se por


muitos lugares na Itália, especialmente em Milão, onde os Capuchinhos serviram com
muita caridade. Foi-lhes entregue a responsabilidade de cuidar espiritual e
temporalmente do lazareto, com plena autorização para as confissões e, ao mesmo
tempo, estavam investidos de poder para castigar os delinqüentes, aliás, necessário
para reprimir a fornicação que, naquela confusão de tanta gente - umas duas mil
pessoas - facilmente se cometia, sem muito cuidado, prejudicando não só a alma, mas
também o corpo, com a difusão da peste e o retardamento da cura. A vigilância do
coordenador foi muito oportuna.
O próprio Frei Paulo de Saló, controlada a peste em Milão e chegada em Brescia,
governou ainda o lazareto de Brescia. E, migrando a peste, dois ou três anos depois,
para Marselha, lá estava ele, exercendo o mesmo ofício de caridade com grandes
frutos e convertendo, inclusive, heréticos na hora de sua morte. E nestes atos heróicos
de caridade, morreram muitos frades (VI, 343s).

1090. Para observar integralmente o Testamento, colocaram-se a serviço dos


leprosos nos hospitais, assim como foi confirmado em Roma, Nápoles, Gênova e
outros lugares, mas, especialmente, no hospital dos Incuráveis de São Tiago em
Roma; aliás, hospital quase abandonado; mas, entrando os Capuchinhos, foi
reformado de tal modo por eles que se tornou, naquele tempo, um hospital de
referência em toda a Itália. Por causa disso, as ofertas cresceram tanto que puderam
abrir mais repartições que as existentes - quase a metade - de modo que, nos
momentos críticos, havia mais de 500 leitos disponíveis, todos ocupados por doentes,
e o cuidado maior era confiá-los aos Capuchinhos. Isto causou admiração em toda a
cristandade.
E bem como eu vi e foi confirmado pelos padres administradores do hospital,
entravam, às vezes, vinte mil escudos em doações. E foi conduzido com tanta higiene
e tão perfeita ordem e governo que muitos nobres e senhores se faziam transferir para
o sobredito hospital, a fim de aproveitar o bom serviço e de ser ensinados nas coisas
espirituais por aqueles veneráveis servos de Deus.
E tal era a solicitude, de dia e de noite, no serviço aos pobres doentes que,
conseguindo a cura do corpo, retornavam para casa convertidos, uma vez que, no
início, eram induzidos à confissão e à comunhão; nas refeições, rezava-se e faziam-se
leituras espirituais; e, todos os dias, celebrava-se missa para eles, evangelizando-os.
E tão grande era o fervor de servir aos leprosos que todos os frades pediam aos
superiores aquele serviço; e muitos aplicaram-se de tal modo que morreram
piedosamente no serviço (IV, 195s).
229

1091. Francisco Titelmans, para melhor mortificar-se, pediu a graça de ser


colocado no hospital dos Incuráveis e a serviço dos leprosos, assim como se lê a
respeito de nosso pai São Francisco. Naquele tempo, aquele hospital, dirigido pelos
Capuchinhos, havia, no mínimo, dez a doze frades a serviço dos leprosos. Obtida a
licença, serviu durante diversos meses no sobredito hospital, realizando o mais
humilde dos ofícios que era manter limpos os lugares mais imundos. Lavava a roupa,
servia a comida, varria e outros serviços com tanto fervor e solicitude, que parecia um
outro São Francisco (III, 173).

1092. Ele mereceu tanta admiração que foi visitado por muitos padres
ultramontanos que o tinham conhecido tão honrado na Ordem e, agora, o
encontravam sem livros, como um simples irmãozinho, descalço e vestido com hábito
de jardineiro; servia, com muito amor, àqueles pobres enfermos e, com muita
admiração, diziam-lhe: “Como pudestes deixar, de fato, o estudo?” Respondia-lhes o
servo de Deus: “Eu escolhi o serviço que me ensinou o seráfico pai São Francisco. E
sabei que os meus agostinhos, os meus jerônimos e crisóstomos, eu os troquei por
estes aqui; eles são a minha biblioteca: servir a estes pobrezinhos tão recomendados
por nosso Senhor e Deus” (II,281).

1093. Quando aprouve ao Senhor Deus que Ludovico de Stroncone fosse


colocado pelos superiores a serviço do hospital, levantou as mãos ao céu e,
agradecido a Deus, disse: “Agora vejo que o Senhor quer que eu me exercite na
virtude da caridade para com o próximo”. Procurou, no dito hospital, o serviço mais vil
que existisse; lavava as roupas para os leprosos e, mais ainda, estava sempre pronto,
vestido com o avental, com a tesoura na mão, cortando, costurando e remendando as
ditas roupas e, enquanto durava o tratamento, não se ouvia no hospital, da parte dos
pobres doentes, a não ser o reclamar a presença de padre Frei Ludovico. E quando as
roupas estavam prontas, ia, com rosto alegre, confortando-os um a um e perguntando
se estavam satisfeitas suas exigências.
Permaneceu naquele serviço durante quatorze anos seguidos. E foi maravilhoso,
pois, vivendo continuamente naquele cheiro horrível e, no verão, naquele calor
insuportável, nunca foi ouvido por ninguém se queixando e nem procurando sua
transferência. E, quando os leprosos eram medicados, passava um por um,
confortando-os, com semblante amável, que parecia um anjo de Deus. E como eu
estive presente por várias vezes, não se ouvia outra coisa da parte dos pobres
enfermos: “Oh padre Frei Ludovico, onde está o padre Frei Ludovico?” Era o refrigério
para cada enfermo e tinha o costume de ler, enquanto os enfermos se alimentavam, e
de abençoar a mesa e de agradecer a Deus. E celebrava diariamente a missa para os
enfermos do hospital.

1094. E foi tão agradável a Deus o serviço deste santo homem que, estando o
hospital em más condições, por péssima administração, quase destruído e
abandonado, ele o recolocou em tão boas condições que se tornou o melhor hospital
de Roma; e era conservado tão limpo e a medicamentação e tudo o mais eram
administrados com tanta delicadeza que muitas pessoas distintas e pessoas da
nobreza, em suas enfermidades, lá se apresentavam por causa da higiene e para
serem visitados por aquele venerável padre. E, muitas vezes, ouviu-se dizer que lá se
apresentavam tantos enfermos que se colocavam até três leitos encostados um no
outro, e, no outro lado, mais três leitos separados por um corredor. Seguidamente,
preenchia-se o número de quinhentos leitos. E, se não houvesse outra coisa a fazer a
não ser recomendar-lhes a alma, teria sido o suficiente.
Não obstante, nunca se omitiu nesses exercícios, a ponto de dizer: “Quem perdeu
a fé, vá para o hospital dos Incuráveis. Eu me encontrei na situação em que o hospital
estava endividado com dez mil escudos e, todavia, a multidão dos enfermos crescia de
230

tal maneira que, às vezes, faltava ânimo para resistir a tantas e tão grandes despesas.
Deus seja bendito! Acontecia que, de repente, falecia um personagem importante e
doava tantos leitos, lençóis e outras coisas necessárias para o hospital que,
seguidamente, dobrava tudo o que era necessário para o hospital. E apareciam
doações de vinte, trinta ou quarenta mil escudos de uma única vez!

1095. O povo comovia-se tanto em favor daquele hospital, especialmente os


cardeais e os grandes senhores, que, ao fazer grandes ofertas, sempre as dirigiam
para o Hospital de São Tiago dos Incuráveis, para os Capuchinhos. E diziam:
“Sabemos que serão bem administradas e Frei Ludovico não enriquece com elas”. Se
faltasse alguma coisa no hospital, bastava um sinal para que logo fosse providenciado.
E parecendo ao santo homem não poder exercitar-se tanto na contemplação por
causa dos muitos trabalhos suportados no hospital e de não poder rezar o ofício a seu
modo e manifestando esta sua preocupação ao papa Paulo III, este lhe concedeu
indulgência plenária a cada vez que entrasse na capela junto ao hospital, onde era
conservado o Santíssimo Sacramento e rezasse cinco vezes o Pai nosso e a Ave
Maria. E todo mundo edificava-se com o devotamento dos Capuchinhos naquele
hospital.
Nesta vida de caridade e bom exemplo, Frei Ludovico perseverou por mais de
doze anos. Depois, pareceu-lhe bem, por ser velho, voltar à província de São
Francisco, para aliviar-se um pouco das muitas fadigas sofridas. Com grande
dificuldade, obteve esta licença junto ao guardião do hospital e junto aos superiores da
Ordem, porque era conhecido de todos e considerado por todos como santo homem e
sua saída seria nociva para o hospital, tanto para o cuidado dos enfermos como para o
recebimento de ofertas. Tiveram, porém, compaixão por causa de sua velhice.

1096. E, retornando para a província, foi destinado ao convento de Carcerelle de


Assis, onde, com ele, convivi por diversos meses, e de sua boca obtive tudo o que
estou escrevendo. Vendo a grande falta que fazia para o hospital, o guardião e os
demais superiores insistiram tanto junto aos cardeais que o Ministro Geral foi obrigado
a mandá-lo de volta. E, com isso, muito se alegrou o servo de Deus, pois parecia-lhe
ter buscado interesse pessoal, ao pedir a própria saída do hospital. Foi então que, de
joelhos e com lágrimas, agradeceu a Deus que o fazia, contra a própria vontade e por
obediência, retornar e morrer junto àqueles pobres.
E, tendo retornado, lá permaneceu por mais dois anos e, depois, sim, saiu por
velhice e por enfermidade e por não poder mais servir. Agravando-se sua
saúde,recebidos os santos sacramentos, bem disposto, passou para a vida melhor. E
foi chorado por todos aqueles pobres do hospital e Roma inteira doeu-se com sua
morte e a uma voz dizia: “Morreu o grande servo de Deus, Frei Ludovico de
Stroncone! Nunca foi visto naquele hospital um homem mais santo e que servisse com
tanta caridade; esperamos que, assim como nos ajudou tanto nesta vida, agora, no
céu, junto de Jesus Cristo, a quem serviu por tantos anos e com fidelidade, nos ajude
muito mais!” A Ele honra e glória eternamente. Amém (III, 264-267).

1097. Frei Martinho era flamengo de nacionalidade e, em seu país, fez-se frade
observante e, por humildade, quis ser irmão. Sabendo ele que Frei Francisco
Titelmans, na Itália, desejava ingressar na Reforma dos Capuchinhos, obteve com
insistência a graça singular de vir com ele e com ele foi recebido em Roma e porque lá
os Capuchinhos tinham o cuidado do hospital dos leprosos de São Tiago dos
Incuráveis, pediu, por graça, ser enviado a esta obra de caridade e de humildade. E,
naquele lugar e naquele serviço, empenhou toda sua vida por longos quinze anos e
com tanta diligência e humildade que causava admiração em toda a cidade de Roma.
Procurou o serviço mais vil e nojento, lavar a roupa dos leprosos. Servia a todos os
enfermos, pois sua prontidão e mansidão inspiravam confiança para todos, a ponto de
231

exigirem sua presença sempre que tivessem necessidade. E ele, alegre e


prontamente, a todos servia (VI, 185).

1098. Neste mesmo lugar, estava Frei José de Milão, homem capaz de confortar
um condenado, não só por sua doutrina, mas por sua benignidade e doçura,
parecendo ter nascido para confortar os aflitos (VI, 305).

1099. Frei Justino de Panicale, jovem e habilidoso, embora não fosse estudado, foi
colocado a serviço da enfermaria, onde prestou serviço por diversos anos, com muita
caridade, e exerceu seu ofício, fazendo grandes experiências. Era muito caridoso para
com o próximo e onde ele estivesse, vendo algum enfermo, logo ia visitá-lo com muita
caridade e prestando-lhe inúmeros serviços com sua arte. E muitos diziam: “Quando
ficar doente e se estiver por perto Frei Justino, pouco me importariam os outros
médicos” (III,431-435).

1100. O servo de Deus Vicente de Foiano deleitava-se muito ao comer ervas,


legumes e castanhas para sustento de sua natureza; e comia pouco pão. Dizia ao
porteiro: “Por graça, suplico-vos que deis aos pobres a minha porção de pão e, a mim,
dai-me castanhas” (III, 340).

1101. Naquele tempo, houve grande carestia e aqueles servos de Deus iam
procurar entre os ricos e abastados grãos, favas, pão ou qualquer coisa para comer e
repassavam-nas para os pobres envergonhados que passavam por grandes
necessidades (II, 189)

1102. Não menos piedoso para com os pobres era Francisco de Macerata.
Quando vinham rodeá-lo para pedir-lhe alguma coisa, seu coração se inflamava a
ponto de cair em êxtase; e nem se poderia contê-lo na oferta, enquanto tivesse pão no
alforje. Diversas vezes, aconteceu-lhe de voltar para casa com as sacolas vazias,
mesmo sabendo que seria repreendido pelos superiores.
Aprouve a Deus mostrar que aquele proceder não provinha de uma teimosa
desobediência ou falta de discrição, mas de prudência e do mais puro espírito
diferente do que mostrava o exterior de sua simplicidade. Certo dia, enviado a
esmolar, com ordem de retornar para a hora do almoço, pois não havia pão em casa
nem para os frades e nem para alguns professores que trabalhavam com eles, deixou
que os pobres retirassem, com suas próprias mãos, tanto pão que sobraram apenas
trinta pedaços para levar para casa. E eis que pela estrada encontrou-se com trinta
peregrinos que retornavam de Roma; e, naquele tempo de carestia, não tinham
provado alimento algum, estando quase mortos e estendidos no chão.
Comovido com aquela visão, Frei Francisco volta-se para o companheiro e lhe diz:
“Irmãozinho, com tanta necessidade desses miseráveis, esse pão é deles e não é
nosso; cumpramos nosso dever e não vamos deixá-los morrer”. E, tomando nas mãos
as tigelas de que dispunham, começaram a jogar pão e vinho nas mesmas e as
passavam de boca em boca. E os pobres coitados, primeiro, chupavam aquele pão
molhado com vinho e, depois, comiam o miolo de pão devagarzinho e se reanimavam
até espiritualmente (VII,472).

1103. Frei Aleixo de Budrio de Romagna, antigo porteiro no convento de Roma,


era um bom religioso, de natureza alegre e sempre sereno. E se acontecesse alguma
perturbação na convivência fraterna, superava-a mediante uma alegre piada. Era
muito cuidadoso com os pobres. E como, na portaria, sempre vinham muitos pobres,
tinha licença do guardião para fazer-lhes a seguinte caridade: recolhia as peças inúteis
existentes na casa e, com elas, fabricava gorros, sapatinhos e outras peças; recolhia
panos e sempre tinha um bom volume deles no depósito (VI, 480).
232

1104. Nesse tempo, o papa Pio V convenceu, mediante seu zelo, os príncipes
cristãos a combater com uma poderosa armada os turcos invasores. E ordenou que
recorressem aos Capuchinhos, tanto para as confissões como para a animação dos
soldados e no serviço aos enfermos. Entre muitos, aceitaram o desafio Frei Jerônimo
de Pistoia, célebre pregador, e Frei Otão de Nápoles, frade da província de Milão.
Ambos empenharam a vida no serviço cristão pela causa pública. Frei Jerônimo viera
dos Observantes há bastante tempo e, entre os Capuchinhos, havia governado
províncias ou lecionado, quando não era provincial. Imprimiu alguns sermões
populares e um livro sobre a filosofia de Duns Scoto; e influenciou na reedição da obra
de São Boaventura, muito escassa na época. Era, entre tantas virtudes, muito
caridoso para com todos, mas de modo todo especial para com os enfermos. Deus
quis, no fim de sua vida, coroar esta virtude da caridade mediante esta obra singular
que, purificando-o das imperfeições humanas, o conduzisse para o prêmio de seus
trabalhos. Pois, movido de fervor, servia aos soldados empestados, não temendo se
quer a morte, carregava-os nos braços, se houvesse necessidade e, em tudo, servia a
eles com humildade e imensa piedade. Em seu serviço contraiu a peste e morreu.
Durante o generalato de Frei João Maria, o protetor, cardeal de Santa Severina,
mandou trazer seu corpo para a Itália e sepultá-lo com honra em Caserta (VI, 326).

15. O convento e a estrada

1105. Diziam aqueles santos homens: “Temos dois objetivos contrários, o mundo e
Deus; quanto mais nos distanciarmos do mundo e das curiosidades mundanas no
vestir, na habitação, no comer e na conversação, tanto mais nos aproximaremos de
Deus. E quando, abandonando a simplicidade, nos aproximamos das pompas e
curiosidades mundanas, tanto mais nos afastamos de Deus e da pura observância de
nossa profissão; e quando pensamos edificar os leigos, nós os escandalizamos, pois
eles procuram em nós o bom exemplo e a simplicidade. À guisa de exemplo, ver um
capuchinho de hábito de pano grosseiro e andando todo dia pela cidade no meio dos
cidadãos, esta não é nossa vocação; mas vê-lo no bosque, este é seu lugar.
Encontrá-lo numa casa rebocada, vistosa e curiosa, é coisa desprezível e
escandalosa; mas encontrá-lo numa casinha pobre, humilde e baixa, em quartos
pequenos e simples, em igrejas igualmente pequenas e simples, isso convém ao
Capuchinho. Vê-lo à mesa com uma pobre toalha e com bons pedaços de carne e
comida preciosa, não é conveniente; mas uma pobre toalha, uma fatia de pão com um
pedacinho de carne, copos e talheres simples, isso é conforme nosso modo pobre de
viver (IV, 166).

1106. Fugiam dos seculares e de sua excessiva familiaridade. E, quando os


superiores faziam a visita, repreendiam com rigor a excessiva familiaridade com os
leigos. E diziam ser impossível para um frade, dado à vida mundana, ter um bom
espírito. A familiaridade com leigos sempre causou grandes danos à vida religiosa,
afirmavam aqueles servos de Deus, a ponto de orientar que a familiaridade com leigos
e a conversação com os mesmos não deve ser por amizade, como são as amizades
seculares, mas por devoção espiritual.
E quando os frades visitam as casas dos seculares, não devem fazê-lo por
amizade, nem para comer ou para recreação corporal, mas para motivá-los à vida com
Deus, mediante boas palavras e bons exemplos. De modo semelhante, os leigos não
devem vir às nossas casas por amizade, nem para tomar refeições com os frades ou
recrear-se com eles, mas por santa devoção, para participar da santa Missa e dos
ofícios divinos e obter deles algum bom ensinamento.

1107. E diziam aqueles veneráveis padres que todos os santos homens fugiram da
conversação secularesca, como pode ser visto na vida dos santos Padres que,
consideravam feliz quem podia fugir para ásperos desertos e não ver ninguém; como
233

afirmava o bem aventurado Egídio: “Muitos vão pescar e, porque não sabem pescar,
afogam-se”; querendo dizer que os pregadores, não sendo perfeitos como se exige
para conversar de modo louvável com seculares, muitos vão, pensando converter os
seculares para a vida espiritual, e, em vez disso, os seculares causam a morte de
suas almas, a ponto de se enfastiarem das coisas religiosas e apenas se alegrarem
com a recreação junto aos seculares.
E mais, as esmolas que se fazem por amizade têm pouco mérito junto de Deus; e
as amizades mundanas são causa da perda de muitas missas, da má recitação do
ofício, de não dar importância à oração e de encher a mente de coisas vãs que,
desejando recolher-se em Deus no tempo da oração, não conseguem, uma vez que,
queiramos ou não, na hora da oração acode aquilo que, antes, comemos e
conversamos. E, assim, se perde o bom espírito; e, perdido o apreço espiritual,
facilmente se procuram as afeições e os atrativos carnais e, pouco a pouco, cai-se em
toda sorte de vícios. Era isso que aqueles santos e verdadeiros superiores mais
repreendiam nas suas visitas (IV, 163s).

1108. Bernardino de Asti considerava todas estas supérfluas ocupações, como


astúcias diabólicas para fazer-nos perder o espírito de oração; repreendia
severamente os frades vagabundos que conversavam demais com os seculares e os
chamava de corpos mortos que já, já seriam como que vomitados na praia pelo mar da
vida religiosa. E dizia: “Frade mundano, inimigo de São Francisco. É impossível que
um frade mundano tenha o bom espírito” (III, 188).

1109. Batista de Núrsia dizia: “A vida religiosa nada mais é que uma batalha com o
mundo, com o demônio e com a carne. E, se você me perguntar qual é o maior inimigo
entre os três, diria que é o mundo. Você quer saber porque nossa congregação é
considerada perfeita por todos? Não por outro motivo a não ser por estarmos longe do
mundo; e, quando se multiplicarem os frades, começarão a perder o bom espírito e
nada mais farão a não ser aproximar-se do mundo e construir para si casas bonitas
perto das cidades, entregar-se aos estudos para parecer sábios, vestir-se com hábitos
bonitos, parecendo limpos e freqüentar grandes homens, parecendo nobres. Ora, você
não percebe que aproximar-se do mundo sempre estraga a vida religiosa? Nenhum
outro inimigo é mais nocivo que este (III, 275).

1110. Aprouve a Deus que Frei Ludovico de Fossombrone enviasse o santo


homem Ludovico de Foligno para a província de São Francisco, onde, por diversas
vezes, foi guardião. Governou com muita maturidade, deleitando-se, sobretudo, com a
santa oração e fugia sempre das amizades seculares, de modo que, se ficasse por
dez anos num lugar, não se teria apegado a ninguém por amizade.
E eu que, por diversas vezes, fui membro da comunidade religiosa, o ouvi dizer: “A
amizade com seculares é causa de relacionamentos diversos na vida religiosa; e,
muitas vezes, são feitas ofertas apenas por amizade e não por amor de Deus e assim
se perde o merecimento; e, vindo às nossas casas, são motivo de fazerem os frades
perder tempo. E, quando os frades se envolvem com amizade, envergonham-se de
não lhes dar atenção conveniente e, assim, se prejudica o dever e se dá oportunidade
à murmuração; e, se não se lhes dá atenção, escandalizam-se. Conclusão: quem
quiser paz, não se complique com seculares.
Ordinariamente, todos os frades mundanos são inimigos da vida religiosa; não é
frade que se possa ver e muitos, por causa disso, se arruinaram. Com os seculares,
nossas conversas devem ser raras e de ótimo exemplo; se eles vierem a nós, que
venham por devoção, para receber alguma boa orientação espiritual e não por
amizade mundana; uma vez que os religiosos que deixaram o mundo e seus
interesses por amor de Deus, do mesmo modo devem deixar a amizade que não
menos impede o bom espírito e seus interesses” (III, 228s).
234

1111. Quem se deleita, advertia Liberalino de Col Val d‟Elsa, na excessiva


freqüência a seculares, sempre se sairá mal ou por ter perdido tempo ou por ter dado
mau exemplo ou por ter desagradado aos confrades” (III, 331).

1112. Frei Bernardino de Asti, predecessor de Ochino, disse a mesma coisa:


“Padre, vós vos entusiasmastes em muitas tarefas seculares e pelos estudos e não
vos vimos nunca na oração. Prestai bem atenção sobre isto. Ficai firme na humildade.
Tende também cuidado para com vossa alma. De outra forma, Deus confundir-vos-á
e, no fim, encontrar-vos-eis com as mãos cheias de moscas e, como um soldado de
Cristo, sem armas”. A ele, Bernardino Ochino respondeu com a sentença: “Non cessat
orare, qui non cessat bene facere83. Desta sentença muitos se servem, como ele, de
maneira errada, como desculpa para suas ocupações mundanas e distraídas,
verdadeiras pestes para as pessoas religiosas (VII, 264).

1113. José de Certona sempre procurou lugares solitários, ocupando-se quase


continuamente de estar em oração, tendo o cuidado de não ser conhecido pelos
seculares; e afirmava que o estar em contato com os seculares é causa da perda de
muito tempo para os frades. “Eu, dizia, cada vez que conversei com os seculares,
sempre me deixaram a cabeça cheia de curiosidades, a ponto de, ao retornar à
oração, o inimigo as devolveu todas para minha imaginação, a tal ponto que não fiz
mais que um bagaço de oração”. E advertia, muitas vezes, aos jovens, dizendo:
“Filhinhos, amai a solidão, porque ela é a mãe do espírito; sem ela, é impossível, na
vida religiosa, ter a graça da oração. Três coisas são necessárias: silêncio, abstinência
e solidão, e uma quarta, a pureza da mente” (III, 356s).

1114. E, por sua vez, Batista de Núrsia, advertia: “Não importa que os religiosos,
raramente, sejam vistos pelos seculares. Confirma-se nesta cidade de Perusa, tão
devotada aos Capuchinhos; quando dois frades partem de Montemalbe, assim que
entram na cidade, todos se aproximam para vê-los, como se fossem apóstolos de
Cristo; isto acontece porque nos vêem raramente. Eu fiquei três ou quatro meses sem
sair de casa, nem eu e nem meus confrades. E são tantas as ofertas que chegam para
nós que, para não ofender à nossa santa pobreza, parecendo-me excessivo receber
cada coisa, eu sofro muito em não recebê-las.
Daqui podemos concluir quanto é importante o bom exemplo, donde nasce a
verdadeira observância da Regra, pois ele nos providencia as coisas necessárias,
para as quais precisaria recorrer, de modo ilícito, a privilégios, a procuradores e a
receber dinheiro. De todas essas coisas liberta-nos a devoção que os seculares nos
dedicam. Portanto, é importante que nossos conventos estejam situados um tanto
longe da cidade, a fim de vivermos afastados.
Sabei que a solidão é mãe do espírito e a conversa com os seculares é a mãe de
todos os vícios. Seja o secular devoto o quanto se queira, quando conversa íntima e
longamente com os frades, perde a estima pelos mesmos. Por isso, certos serviços
são perigosos, uma vez que exigem constante contato com os seculares e a oração
fica prejudicada (III, 272s).

1115. Ocupem residências distantes da cidade como é costume em todas as


províncias, sendo que algumas distam três a quatro milhas. Este foi o motivo do
primitivo título da reforma: “Frades Capuchinhos da Vida Eremítica”. E, não estando
satisfeitos com as residências, por solitárias que fossem, muitos frades se retiraram
para o bosque e construíam suas casinhas cobertas e fabricadas, nas quais
conduziam vida eremítica e solitária (IV, 190).

83
Trad.: Não deixa de rezar quem não deixa de praticar o bem.
235

1116. Seria longo demais pretender descrever a vida de todos aqueles que
levaram vida de anacoreta, pois, em cada província, havia alguém. Por este motivo, a
congregação encheu-se de entusiasmo e de fervor que, se os superiores tivessem
permitido, a maior parte teria levado vida de anacoreta; mas apenas concedia a
licença para pessoas verdadeiramente vocacionadas. Por isso, colocaram nas
constituições que aquele que desejasse viver retirado no bosque e levar vida solitária
de anacoreta, lhe fosse concedido, desde que fosse julgado idôneo pelos padres (IV,
191).

1117. E, nesta época, por serem os servos de Deus pouco conhecidos, sofriam
muito nas viagens, pois, não raro, precisavam alojar-se debaixo de árvores, em
cavernas, nas estrebarias, em albergues e em hospitais. Encontravam pouca caridade,
pois os seculares não os conheciam e pensavam que fossem aproveitadores e
homens de mau comportamento (IV, 156).

1118. Quando as mulheres e as crianças os viam, fugiam espantadas. E, algumas


vezes, afugentavam-nos a pedradas e jogavam contra eles barro ou outras imundícies.
E, por sua vez, quando se encontravam, com grande alegria, contavam uns aos outros
o que tinham sofrido por amor a Cristo. Ao entrarem na cidade, era tal o concurso de
crianças zombeteiras que, pobrezinhos, não podiam aparecer em lugar nenhum e não
se encontrava quem os quisesse hospedar (IV, 157).

1119. Alguns daqueles que não tinham o dom da pregação, iniciavam a reflexão a
respeito das coisas de Deus com tanta familiaridade que obtinham, de imediato, mais
êxito do que na pregação; e, quando eram hospedados por algum leigo, logo acorriam
vizinhos para ouvir falar das coisas de Deus. E, embora fossem leigos e simples,
falavam tão bem das coisas de Deus que os seculares imaginavam serem sacerdotes.
Cuidavam-se muito para não falar de coisas mundanas com os leigos. E, muitas
vezes, ocorria pacificarem, com suas reflexões, importantes e antigas desavenças. E,
deste modo, sua vida, marcada pelo bom exemplo, tornava-se pregação. Quem
sofresse muito com tribulações, pedia a presença dos Capuchinhos e, ouvindo-os falar
das coisas de Deus, se consolava (IV, 45s).

1120. Mateus de Leonissa parecia não se dar conta das fadigas, quando pudesse
ajudar ao próximo. Era de índole doce, afável e de imensa compaixão pelo próximo,
que todos pareciam ser seus filhos. De outro lado, os seculares dedicavam-lhe tanta
estima que faziam tudo o que ele pedisse (III, 149).

1121. E, quando Francisco de Macerata era saudado pelos seculares, ele


respondia: “Deus te dê o paraíso”. A voz tremia-lhe um tanto, parecendo que sempre
estivesse chorando. Foi de grande caridade para com o próximo e, quando olhava
para o rosto de alguém, fazia-o com tanta unção, dando a impressão de levar a todos
no coração. Nunca podia pensar mal de ninguém, a não ser de si mesmo, pois
considerava-se o maior pecador do mundo. Quando pedia esmola, seguidamente
voltava para casa sem nada, pois redistribuía quase tudo, por amor de Deus (III, 405).

1122. Raniero de Borgo San Sepolcro foi tão iluminado pelo Espírito Santo que
conheceu o quanto agradava a Deus o amor ao próximo, parecendo que todos fossem
seus queridos irmãos. Amava tão ternamente a todos que parecia levá-los todos
impressos em seu coração: se alguém lhe pedisse para ser recomendado junto a
Deus e traçasse o sinal da cruz sobre o corpo por causa de alguma enfermidade, de
imediato, num gesto incontido, abraçava-o e beijava-o tão ternamente, de maneira
indistinta, homem e mulheres, moços, moças e velhos, como se fossem uma simples e
pura criança, sem recordar-se da modéstia religiosa e sem perguntar-se se isto
convinha a um religioso.
236

E, quando o companheiro o advertia, dizendo: “Ó Frei Raniero, fizeste um erro”, o


servo de Deus respondia: “Perdoa-me, eu nem me dei conta!” E isto nascia de sua
grande pureza, colocada por Deus em seu coração. E, para que todos reconhecessem
que isto vinha de Deus, Deus mesmo concorria, curando a maioria daqueles que o
santo homem marcava com o sinal da cruz (III, 491).

1123. O servo de Deus Frei Félix, tratando com tanta gente e de todas as
condições e por longos anos, nunca desagradou a ninguém. Com sua vida santa,
edificou e levou toda sorte de favores espirituais e materiais, possíveis e legítimos, a
algumas pessoas miseráveis e necessitadas de esmolas. Deu bom exemplo a grandes
e nobres pessoas, que, por todos, era amado e considerado como um santo religioso.
E, embora tivesse recebido de Deus uma natureza rústica e muito simples no falar e
no conversar, nem por isto o Espírito Santo deixava de operar neste seu servo, pois a
rudeza rendia maior fruto junto às mulheres, especialmente matronas e mulheres da
nobreza. Falava tão familiarmente com estas pessoas, parecendo um anjo terrestre;
produzia nelas grandes frutos e agradava tanto aquele seu proceder que, embora as
repreendesse severamente, todas levavam o conselho gravado no coração, por causa
de sua grande modéstia. E, quando o recebiam em suas casas, tinham a impressão
de receber o próprio São Francisco. E Deus, por este tempo, operou grandes milagres
por causa da fé e devoção que lhe devotavam. Por outro lado, é admirável como este
servo de Deus, relacionando-se com tanta gente e por tanto tempo, nunca se tenha
complicado, quer na alma e quer no corpo; e tantas graças lhe concedeu o Senhor
Deus que, no meio do mundo, se comportou como se estivesse no bosque. Colheu
muitos frutos, vendo as misérias do mundo, pois, movido pela caridade, passava a
noite inteira na igreja, rezando a Deus pelas necessidades que via nas pobres
criaturas (III,466s).

1124. “Meus padres, dizia o cardeal Trani, ficai tranqüilos que eu me sinto bem
edificado com esta santa congregação. Eu vi muito bem e toco com as mãos que,
entre vós, não há ambição, como duvidávamos, mas somente simplicidade. Eu
sempre vos favoreci e continuarei favorecendo-vos. Cuidai de viver este belo estado
de vida que Deus nosso Senhor vos concedeu no seio da Igreja, nestes tempos tão
malignos. Não prejudiqueis a vós mesmos e à santa Igreja que tanto espera de vós,
considerando-vos todos santos. Todos os olhares voltam-se para vós. E não há, hoje,
outro espelho que nos mostre a vida apostólica e a vida religiosa na qual haja
manifestação de santidade e de observância do Evangelho de Cristo, a não ser em
vossa congregação.
E digo-vos que na cúria, quando se quer avaliar um santo homem, dizemos:
“Parece um capuchinho!” Por outro lado, sendo que o inimigo da natureza humana não
se ausentará deste jardim de São Francisco, de tão belas plantas, procurando plantar
alguma espécie perigosa, selvagem e mal cheirosa, fortalecei-vos com o exemplo que
nos deixou o Senhor que, depois de sua ressurreição, apareceu à Madalena em forma
de jardineiro, com enxada nas mãos, como se ali estivesse pronto para arrancar todas
as ervas más que, depois da Ascensão ao céu, nascessem no jardim da santa Igreja.
Assim procedei vós; não poupeis a enxada” (II, 396s).

1125. E de tal maneira sua santidade Paulo III ficou convencido com as palavras
daquele venerável padre a respeito da bondade da congregação que, de então para
cá, recebeu todos os favores possíveis. E a tomou em tão grande conceito que, certo
dia, indo para um retiro, encontrou o Ministro Geral acompanhado de outro padre e o
bom pastor, com muita reverência e humildade, abençoou-os, saudou-os e fez-lhes
reverência com a cabeça.
E, parecendo ao mestre de cerimônia que não ficava bem para sua santidade,
estando em público, inclinar-se para os dois frades, estando à mesa para uma
pequena recreação, disse: “Santo Padre, não tendes observado a gravidade, nesta
237

manhã, quando vos inclinastes diante de dois frades capuchinhos.”Resposta de sua


Santidade: “Ora, não sou eu obrigado a reverenciar as relíquias do santos?”
Respondeu-lhe que sim; e então o Papa disse: “Eu fiz reverência a dois santos e,
portanto, não faltei com a gravidade. Aqueles são santos religiosos, em quem
resplendem a vida apostólica e a santidade de vida, como em nenhum outro religioso
de nosso tempo” (II, 411).
238

A pregação capuchinha

Servus Gieben e Vincenzo Criscuolo


Tradução de Dyonisio Destefani
239

1126. Entre as várias atividades, que caracterizaram o apostolado capuchinho no


primeiro século de vida da Ordem, a pregação ocupa lugar central. Antes dos decretos
da reforma do Concílio de Trento, dedicavam-se à pregação os sacerdotes e os
irmãos leigos, freqüentemente obrigados a pregar pelos próprios fiéis.
O caráter específico da pregação capuchinha era essencialmente evangélico,
tanto no conteúdo como no método. Deixando à parte os fortes influxos e os
conteúdos clássicos, aos quais recorriam em geral os pregadores de 1500, a pregação
dos primeiros Capuchinhos pode ser qualificada como itinerante, popular,
acentuadamente penitencial e moralista. A principal fonte e inspiração da pregação era
a Palavra de Deus, com a qual eram modeladas as admoestações para mudar de vida
e para fortalecer a piedade religiosa e vida cristã.
Somente após as reformas do Concílio de Trento, codificada em particulares
decretos, percebeu-se a necessidade de uma formação específica dos pregadores,
baseada no curso normal dos estudos filosóficos e teológicos. A atividade de cada
pregador devia ser autorizada pelo superior da Ordem e pelos bispos diocesanos.

1127. O sucesso da pregação capuchinha foi enorme. Dava-lhe autoridade e peso


a vida dos mesmos pregadores, bem visível pelo aspecto externo e pela rigidez de
suas atitudes, aliás recomendada e imposta pela legislação da Ordem e, de maneira
especial, pelas Constituições e Ordenações dos Capítulos gerais. De fato, não podia
ser pregador quem não pudesse ir a pé até a cidade para a qual fora destinado, ou
quem, por vários motivos, não podia observar escrupulosamente o rígido jejum
quaresmal. Em alguns casos, por exemplo, os de Matias de Saló e os de Jacinto de
Casale, a Santa Sé, para garantir a continuidade da pregação deles, teve que intervir
com oportunas dispensas.
Os contínuos e urgentes pedidos de pregadores capuchinhos, freqüentemente
encaminhados diretamente à Cúria Romana pelas autoridades das mais importantes
cidades italianas, além do forte exemplo de vida, eram motivados pela urgência e
genuinidade da mensagem e pelos numerosos e duradouros frutos espirituais e
sociais que obtinham. Por exemplo, as pacificações públicas, as fundações de
fraternidades, orfanatos, casas especiais de câmbio e ajuda (Monti di Pietà) por eles
criadas em favor dos pobres. Alguns pedidos eram condicionados também à
gratuidade econômica da pregação capuchinha. Sobre este aspecto, convém ler a
documentação, recentemente publicada, e que se encontra nos arquivos vaticanos da
Congregação dos Bispos e Regulares.

1128. Quanto ao conteúdo e ao método da primitiva pregação capuchinha


somente podemos obter informações por assimilação ou aproximação. Os textos
chegados até nós - alguns deles são somente observações da parte dos ouvintes -
são poucos. Outro fato que precisa ser valorizado é a diferença entre a palavra escrita
e a palavra pregada. Há outros fatores, por exemplo, a personalidade específica dos
vários pregadores, a natureza e a maneira da transmissão da palavra, o real impacto
da palavra nos ouvintes que, em geral, eram heterogêneos e, por isso, condicionavam
a palavra e o comportamento do orador.
Na brevíssima antologia, aqui apresentada, seguiu-se o critério da melhor
representatividade tanto dos pregadores capuchinhos como dos temas e conteúdos da
pregação. E isto da seguinte maneira: de Frei Bernardino Ochino, quando ainda
capuchinho e considerado o melhor pregador de seu tempo, estão incluídos três
sermões: o primeiro sobre a caridade, o segundo sobre o desprezo do mundo e o
terceiro sobre a Paixão de Cristo; de Frei Jerônimo de Pistoia, uma pregação sobre a
confissão; de Frei Matias de Saló sobre o advento; de São José de Leonissa sobre
São José. A antologia continua com duas pregações de São Lourenço de Brindisi,
uma sobre a Eucaristia e a outra sobre Nossa Senhora; duas pregações de avisos de
Frei Jacinto de Casale, a primeira para diversas categorias de pessoas divididas
segundo a própria atividade e a segunda para pessoas espirituais e religiosas. Na
240

parte final, aparece o breve método, proposto por Frei Jerônimo de Narni, de como
elaborar e declamar uma pregação eficaz e útil.

Bernardino Ochino

1. Da verdadeira caridade e como se pode adquiri-la ( Lucca, 1538)

A fé viva e coerente é o fundamento da verdadeira caridade. Somente Deus é


digno de amor. Por isso, é necessário combater o egoísmo, o orgulho, aproximar-se
de Deus com humildade, dedicar-se a um conhecimento fervoroso da Escritura e
mostrar eterna gratidão ao Senhor, louvando sempre sua grande bondade e infinita
misericórdia. Na parte final, mostra-se o exemplo de São Bernardino de Sena

I frati cappuccini III/1, 2146-2155

1129. Certamente é muito difícil, estimadíssimos irmãos em Cristo Jesus, amar


com perfeita caridade o Bem infinito, puro, sincero, sólido e perfeito, porque ele é
suma bondade sem malícia, sabedoria sem ignorância, verdade sem erro. É difícil,
repito, aos que servem e querem servir mais as criaturas que o Criador, porque é difícil
odiar sua alma, o pai e a mãe, a mulher, os filhos, as propriedades, abandonar a
própria vontade e desprezar todas as coisas que estão sob o céu, como diariamente
podes provar.
Mas, quando alguém se encontra na caridade, despreza tudo o que acima se
mencionou. Portanto, é dificílimo alcançar esta suma caridade para os que estão
ligados ao mundo. Quanto a isto, assim diz nosso Salvador: "Estreita é a porta e
apertada é a via que leva à vida" (Mt 7, 14), isto é, estreita e muito difícil é a estrada
que nos conduz à verdadeira vida e nem menos tu, falso cristão, podes alargá-la. Mas
quem desprezou e abandonou, por amor de Cristo, estas coisas vis, baixas, frágeis,
caducas e passageiras, para estes a estrada é facílima, porque todas as coisas, acima
mencionadas, as julgam como esterco e barro, e com muita facilidade a desprezam.
A estes diz o Senhor: "O meu jugo é suave, e o meu peso é leve" (Mt 11,30),
isto é, o meu jugo é muito suave e o meu peso é leve, alegre e muito doce. Hoje quero
falar contigo sobre a verdadeira caridade e como se pode adquiri-la. Sem dúvida, será
assunto necessário e útil. Presta atenção e iniciemos em nome de Jesus.

1130. Nós conhecemos a Deus mediante douta sabedoria, como quando vemos e
com nossos olhos corporais observamos os bens que estão sob o céu. Então, com
santo Agostinho, dizemos: "Se Deus preparou tantas coisas para nós na prisão, que
fará quando estiermos no palácio?" Isto significa: se o Deus vivente nos preparou para
este vale de lágrimas tão grandes e belas coisas, quais e quanto maiores não serão
em seu celeste palácio? Se nós, aqui, vemos uma estrela e a mínima parte de seu
tesouro, qual não será este tesouro e este Deus? E assim, amar as criaturas em Deus
e não descansar naquelas com teu amor, nem desviar de ti o amor de Deus, mas
removido e arrancado o próprio amor, poderás dizer com Davi: "Porque me alegrais,
Senhor, com a vossa obra, prorrompo em júbilo pelas vossas ações" (Sl 92(91), 5). Tu,
Senhor, me alegraste com tuas obras e nesta grande fábrica do universo, posso dizer
com Paulo: "Desde a criação do mundo, com efeito, os atributos invisíveis de Deus,
tanto o seu poder eterno como a sua divindade, tornam-se reconhecíveis" (Rom 1, 20),
isto é, através do homem e de toda a ordem do universo nós podemos e devemos
chegar ao conhecimento das coisas invisíveis de Deus. E assim, neste livro, os sábios
e ignorantes podem conhecer a Deus.
Mas, ai de mim, ó meu cristão, que és tão ingrato e insensato, porque com teu
coração repousas nestas criaturas, tu rico nas riquezas, tu luxurioso no lodo de tua
luxúria, tu soberbo nas honras e ambições, tu sábio em tua cega prudência e doutrina,
tu pai e mãe no amor de teus filhos, tu insensato no próprio amor para contigo mesmo.
241

Desta maneira, tu desprezas o Senhor e estimas o servo, apegas-te à criatura e


abandonas o Criador, desprezas e trocas o ouro e escolhes o chumbo, doas teu amor
ao servo que te dá ofertas, e não ao Senhor que os concedeu e do qual procede e se
origina qualquer coisa de bom que tens e vês.

1131. Ai de mim, não te envergonhas, ó meu cristão, de doar, como disse, o teu
amor ao servo que te trouxe os dons e não ao Senhor que os doa e manda para seu
servo? Desta maneira, Deus foi conhecido pela prudência humana, pelos filósofos e
sábios, que "os abandonou em poder da concupiscência dos seus corações" (Rom 1,
24). Tais filósofos e sábios, com sua cega prudência e fúteis pensamentos, tornaram-
se estultos.
E isto certamente não basta. São necessárias outras coisas para conhecer a Deus
além destas questões filosóficas e doutrinas vãs, se não se vai para além. Por isso se
somente os outros conseguissem a caridade de Deus, o que deveriam fazer os
indoutos e os simples? Mas, não é assim. Existe uma grande diferença porque são
muitos que conhecem Deus somente pela ciência e pela doutrina humana e não pelo
gosto da suave caridade. Por exemplo: o sábio estuda e lê e, lendo, aprende que o
mel é doce, mas não o degustou e nem saboreou sua doçura e suavidade. Desta
maneira a cega e carnal prudência com sua vã doutrina e suas inúteis questões,
argumentos e contestações conhecem o poder, a bondade e a sabedoria de Deus e
possuem somente o conhecimento de sua imensa caridade e, não obstante, nem a
degustaram em si mesmos, nem a saborearam.
Mas o ignorante, simples e bom cristão, mediante a fé, nelas acredita mais que se
fossem presentes e - todo apaixonado, aceso e abrasado da caridade de Deus - nela
se abandona, nela se exercita e, ébrio e saciado, esquece-se de si mesmo.
Transformado em chama de verdadeira caridade nada teme, não ofende alguma coisa
criada e prejudicial. Não é mais homem terreno, mas celestial, nem sua conversação
se prende à terra, mas está no céu.

1132. Mas, com a ignorância douta mais seguramente se conhece e se ama a


Deus. Por isso, dizia Agostinho: "Aparecem os ignorantes e roubam o céu; e nós, com
nossas doutrinas, somos lançados ao inferno". Quando tu não julgas com tua
inteligência nem com tua ciência de poder conhecer a Deus, é então que O conheces.
Quando desconfias que não penetras e nem compreendes sua sabedoria, bondade e
poder, é então que, sendo humilde na presença de teu doce Senhor, O conheces e o
amoroso Jesus se revela a ti. Esta é a grande eficácia e poder que possui a virtude da
humildade diante dele.
Por isso, a Igreja canta da Virgem: "O que os céus não puderam conter, teu seio
recebeu". Ó Virgem gloriosa, o que os céus não puderam conter, tu, com a graça da
profunda humildade, o conheceste, encerrando-o em teu seio e abraçando-o com teus
puríssimos braços.

1133. Oh, pelo amor de Deus, meu irmão, reflita um pouco, peço-te: quando o
tempo está sereno e o ar puro e limpo de toda névoa, à tarde pessoalmente recolhido
ergue os olhos, contempla o céu ornado com o sol, a lua e as estrelas, vê quanto é
belo e diga: "Ai de mim! Se o palácio de meu doce Senhor de longe e com
incompreensível distância pode ser visto em tanta ordem e sem algum erro e através
do universo se compreende e se vê e se mostra aos nossos olhos tão belo, ai de mim!,
o que será então vê-lo por dentro, com todos os bem-aventurados? O que será ver a
Deus face a face, onde, mediante Cristo Jesus, posso ir e lá habitar eternamente?"
Então tu te irritarás contra ti mesmo que, por tanto tempo, ficaste revolto neste esterco
e lodo e te envergonharás, no tempo vindouro, de não te ter entregado totalmente a
Cristo. Conseqüentemente o homem se inflama de amor a Cristo e conhece a Deus.
242

1134. Da mesma maneira nas Sagradas Escrituras, humildemente entendidas e


degustadas com espírito interior, conhece-se a Deus não através de questões
filosóficas, para alcançar acuidade e sutileza de intelecto, para estudar por ostentação
e para saber que se sabe. Não é deste modo que se conhece a Deus. Mas é
semelhante à criancinha que corre ardorosa às mamas do peito de sua mãe, sorve o
leito e as abraça com todo o peito, sem olhar se é vermelho ou branco, mas somente
atento a degustar o leite.
Assim deve fazer o cristão quando quer estudar: ir não aos filósofos ou a outras
ciências profanas, mas à fonte do doce leite, que é a Sagrada Escritura e, com
humildade e fervor de espírito, para experimentar e conhecer a bondade do Deus que
entra em nós e a nossa ingratidão para com ele e para conseguir uma luz a fim de ver
o verdadeiro caminho e a verdadeira estrada que nos conduz ao amor de Deus e para
poder ensinar e mostrar ao próximo não com outras finalidades e dizer com Paulo:"As
questões estultas, as genealogias, as disputas e os debates em torno da lei, evita-as"
Tt 3,9).

1135. Nas tribulações facilmente se conhece a Deus e também na prosperidade,


dizendo com o seráfico São Francisco: "Deus meus, Deus meus, es mihi omnia
iminibus”". Apaixonado de seu doce Redentor, dizia São Francisco:"Ó meu Deus, ó
meu Deus, tu és tudo para mim em todas as coisas", isto é, em todas as coisas, ó meu
Senhor, eu conheço tua bondade, tua mão e tua suma providência.
Portanto, se tu comes, é Deus que te dá a saúde com a qual podes comer e te
oferece o alimento, as forças e a inteligência para poder procurá-lo. Se obedeces a teu
prelado ou a teu superior, dize: "É Deus que nele fala e manda"; se ouves a palavra de
Deus, dize:"É Deus que fala e prega"; "Porque não sois vós que falais" (Mt 10, 20).

1136. Se tens todas as coisas criadas, as riquezas, os filhos, tudo o que pode ser
adquirido neste mundo, se sofres perseguições, injustiças e todo tipo de tribulação que
se pode sofrer nesta frágil vida, Deus é tudo para ti. Portanto, por sua imensa bondade
permite que sofras tal tribulação para preservar-te e livrar-te daquela grande ira e
tribulação eterna da qual fala Paulo: "A ira e a indignação, a tribulação e a angústia
para os que são orgulhosamente pertinazes" (Rm 2, 8).
Porém, em qualquer tribulação, com João evangelista na nave e que vê o Senhor
à distância, deixa a nave e abandona-a completamente dizendo: "É o Senhor que me
visita em sua bondade". E assim, corre ao seu encontro e abraça as tribulações,
aceitando-as com coração alegre, como dons e presentes de teu clementíssimo
Senhor e com Jó dize: "Se aceitamos o bem das mãos de Deus, por que não
haveremos de aceitar o mal?" (Jó 2,10). E se tiveres tido perdas nos filhos, nos bens,
na honra e em tudo, dize: "Ai de mim, se Deus entregou seu filho com todos os seus
tesouros para minha salvação, quanto mais me daria um filho se eu não tivesse filhos,
nem me teria tirado o filho, os bens, a honra, a posição, a dignidade e a saúde se isso
não tivesse sido oportuno à minha saúde. "Nós sabemos que Deus em tudo coopera
para o bem" (Rm 8,28), isto é, a quem ama a Deus tudo o ajuda para o bem.

1137. E mais ainda, quando te acontecer algo contra tua vontade e teu amor
próprio: "Ai de mim, porque estou falhando no amor de Deus, pois que Deus entregou,
para minha salvação, seu próprio Filho com todos os seus tesouros, crês, ó minha
alma ingrata, que te negasse uma moedinha, se ela fosse oportuna para tua salvação?
E em seguida, dize com o profeta: "Quero bendizer ao Senhor em todo o tempo, ter
sempre em meus lábios o seu louvor" (Sal 33,2), isto é, bendirei o meu Senhor em
todo o tempo, nas tribulações ou prosperidade, sempre devo louvar o Senhor, porque
dele infalivelmente provém todo bem e tudo permite para minha salvação. Agindo de
tal maneira, encontrarás a vida na morte, a sabedoria na estultícia, alegria no pranto,
felicidade na infelicidade.
243

Envergonhe-se, portanto, um impuro e enlameado de tratar e manusear essa


pureza e brancura, isto é, se és cristão, envergonha-te de amar Cristo, suma pureza,
pregado e envolvido nesta impuríssima criatura e afetos terrenos. Ai de mim, se
Nicodemos e José, ambos justos, e o puro João Batista não ousaram tocar Cristo; se
os espíritos angélicos servem, com grande reverência, o Deus vivente, quanto mais tu
deves espiritualmente servir esse Deus; não servi-lo com tão pouca consideração e
com tanta impureza e com tal servidão que te envergonharias de servir um senhor
temporal e uma criatura corruptível.

1138. Não creio, meu irmão, que se encontre e nem jamais tenha existido nesta
cidade alguém tão soberbo e altivo, que jamais tenha julgado para si um mal se,
enquanto caminhar pela estrada e contra o sol, a sombra de seu corpo for sujada ou
pisada por alguém. Não certamente. E isto, por quê? Porque é sombra e, por isso, não
se interessa.
Se tu, ó cristão, considerasses que és sombra nesta vida, como diz Jó: "Brota e
murcha como uma flor, foge como a sombra, sem parar" (Jó 14,2) e que as riquezas,
os prazeres e todas as coisas criadas são sombras, certamente não levarias a mal
quando delas te vires privado e as desprezarias como algo que logo te faltaria e as
quais, queiras ou não, brevemente deverias deixar. Isto Deus permitiu para
demonstrar que dessas coisas tu não és patrão, mas apenas dispensador e não
poderás levá-las contigo.

1139. Acumula, portanto, tesouros no céu e, à semelhança dos duques, dos


senhores e príncipes, manda as carruagens na frente de ti e não as deixes atrás
porque em nada te beneficiarão. Ai de mim, Deus te fez patrão de tuas coisas, isto é,
riquezas e bens, a fim de que tu possas levá-las contigo. E tu, ingrato e inimigo de ti
mesmo, as deixas e recusas levá-las contigo. Nisto tu nem pensas. Pobrezinho!
Ai de mim, tu, rico, que tanto te afadigas para armazenar tuas mercadorias e,
então, permaneces tranqüilo e despreocupado, quando as colocastes em lugar seguro
e, não obstante, tal segurança é falsa, não é verdadeira. Mas não procuras colocá-las
nas mãos dos pobrezinhos de Cristo - verdadeiro, sólido e seguro depósito -, mas até
zombas, como a experiência diária o comprova. Donde se origina erro tão grande?
Não de outra coisa certamente porque tu não tens fé em Cristo, não confias nele para
dar-lhe, em depósito, o que é teu, como tu confias mais - ai de mim - em um mercador
rico e homem terreno.

1140. Alguém dirá: "Ó companheiro, tenho fé e caridade e tenho vontade de


cumprir tudo o que me dizes, padre, [mas] basta que, na hora da morte, eu recorra e
invoque a misericórdia de Deus e a sua bondade, que é abundantíssima e infinita,
como dizes e ensinas, e a encontrarei e nunca me faltará". Ó miserável e infeliz, estás
completamente errado e te enganas! Enquanto vives, és viajante. Manda, então
manda à frente teus depósitos e carruagens, porque diz Agostinho: "Podemos amar as
coisas odiosas, mas nunca as desconhecidas", isto é, ainda que tu não vejas um
homem bom e virtuoso, podes amá-lo, conhecendo-o pela fama e pelo nome de
virtuoso e bom; mas, se não o conheceres, não será possível que tu o possas amar.
No entanto, se nunca conheceste Deus na obediência e observância de seus
preceitos e mandamentos, de que maneira poderás amá-lo começando agora, dir-te-ei
esta palavra: "Se tu acreditasses perfeitamente, ó meu cristão, que a bondade de
Deus é tão grande e, tal como dizes, que, na hora da morte, te perdoaria todos os
pecados, certamente, digo-te, que deixarias de lado qualquer delonga e agora, neste
momento, movido pela penitência, te desprenderias completamente deste mundo falso
com todas suas concupiscências e te transferirias todo inteiro em seu dulcíssimo
amor. Mas, ai de mim, tu não crês no que dizes, isto é, que Deus, por sua bondade,
não esteja por afastar-se de ti na hora da morte. Manda, porém, manda na frente teus
244

depósitos e carruagens das boas obras e não as retardes, porque, assim e com as
mencionadas coisas poderás conquistar a perfeita caridade de Deus".

1141. Dez palavras de São Bernardino e te despacho. Seria, por assim dizer,
indelicadeza e incivilidade se, para o louvor de Deus e a salvação e exemplo do
próximo, eu não dissesse alguma coisa de São Bernardino, italiano e nascido em
minha pátria senense, e de nossa Ordem, se bem que faria o mesmo embora fosse de
outra Ordem. Somente quero anunciar-te sua imensa caridade para com Deus e o
próximo, a fim de que, a seu exemplo, tu te inflames e te aqueças no amor de Deus e
do próximo, onde se encontra o fundamento de nossa lei e que, a seu exemplo, tu
conheças os pobrezinhos e os ames como teus irmãos e membros de Cristo, embora
te pareçam nojentos e disformes, dizendo à tua alma: "Ai de mim, minha alma, se
Cristo tivesse tido horror e repulsão à infame e fétida escalada da cruz, como estaria a
minha situação?"

1142. Ainda em tenra idade, Bernardino mostrava-se tão alegre com os pobres
que, pela sua delicadeza, não podia conter as lágrimas. Fazia-lhes grandes esmolas,
dando, ao mesmo tempo, o seu amor e, freqüentemente, dizia à sua tia: "Pelo amor de
Deus, ó minha cara tia, peço-te a parte de pão que me toca para o jantar", e ia dá-lo
aos pobres. De boa vontade, ouvia a palavra de Deus e as pregações. Voltando para
casa, subia em pequena elevação e tudo repetia. Isto ele contava também as outras
crianças que, se por acaso tinham vontade ou começado a dizer alguma palavra
desonesta, logo que viam Bernardino, diziam um ao outro: "Fiquemos quietos, está
chegando Bernardino".
Bernardino, portanto, revestido de fé viva e da caridade perfeita de Deus e do
próximo, despojou-se da sabedoria humana e da carnal prudência. Desprezou o
mundo com suas concupiscências, reconhecendo-se devedor não ao mundo e a seus
prazeres e delícias, mas somente ao doce Jesus, ao próximo e aos pobrezinhos em
Cristo.
Exorto-te, portanto, com todo o coração, que tu o queiras imitar na fé viva, na
esperança e caridade para que sejas feliz nesta e na outra vida.

2. Do desprezo do mundo com suas concupiscências (feita em Lucca, 1538)

Apesar de todas as aparências, o mundo se revela traidor e enganador, com


perspectivas e exigências contrárias à verdadeira vida cristã. Promete prazer e
sucesso a todos, que resultam em infelicidade e desespero. O mundo é uma prisão
imunda, onde não penetra a pura luz da graça; é um teatro, onde tudo é sombra e
hipocrisia. O dever de todo cristão é abandonar o mundo com suas concupiscências,
aceitar a luz da graça e abraçar uma conversão radical e profunda.

I frati cappuccini III/1, 2155-2167

1143. Aquele douto discípulo de Cristo Jesus, cuja vida e escritos sempre
inspiraram ardente amor de caridade ao seu Mestre, diz a nós cristãos e a todos: "Não
ameis o mundo e nem as coisas do mundo" (1 Jo 2,15), isto é, "Não queirais amar, ó
meus cristãos, o mundo, nem as coisas que estão no mundo".
Nós, ontem, vimos de que maneira e por qual caminho devemos optar para
inebriar-nos do amor de Cristo. Hoje desejo mostrar o que devemos fazer para
desprezar o mundo com suas concupiscências, porque não é possível amarmos
Cristo, se não odiamos o mundo.
É deste desprezo que quero falar e pregar. Certamente será um assunto útil e
necessário. Prestai atenção e iniciemos em nome de Cristo.
245

1144. Este mundo é um mundo mau e traidor, desprovido de fé e realmente vazio


de todo o bem, infeliz, cheio de miséria, vil, instável, insaciável. Suas alegrias são
lágrimas, seus prazeres aflições, suas doçuras amargura, sua saúde manifesta
doença, sua vida uma morte perpétua.
Outros dirão:"Ó frade, és injusto ao falar mal deste mundo, porque, com razões, eu
quero louvá-lo e defendê-lo. Sabes bem - e não me enganarás -, este mundo é figura
e semelhança daquele mundo ab aeterno84 criado na mente divina e tudo o que vem
de Deus é bom, ou melhor, ótimo e perfeito. É através deste mundo que nós
conhecemos aquele mundo mais perfeito, isto é, a pátria celeste, dizendo com Paulo:
"Os atributos invisíveis de Deus, tanto seu poder eterno como sua divindade, tornam-
se reconhecíveis com a consideração da mente humana acerca das coisas criadas"
(Rom 1,20); E Davi: "Porque me alegrais, Senhor, com a vossa obra, prorrompo em
júbilo pelas vossas ações" (Sl 91,5), isto é, tu, Senhor, me alegraste com tuas obras.
Por meio deste mundo nutrimo-nos, adquirimos a ciência, conseguimos tantos outros
bens, gozamos das riquezas e prazeres, conquistamos as honras e somos promovidos
às dignidades".

1145. Mas eu te digo que ele é um mundo mau, traidor, vazio de fé, um grande
enganador e, finalmente, totalmente contrário às suas afirmações.
Em primeiro lugar, não nego, mas confesso que este mundo deve ser exemplar e
semelhante àquele mundo que estava na mente divina e, por isso, ótimo e perfeito.
Mas de tal maneira foi pervertido pelos seus habitantes que se encontra totalmente
diferente.
Em segundo lugar, nego que seja a causa de nossa criação, porque todas as
criaturas tiveram sua origem e princípio em Deus e as substâncias com as quais nos
nutrimos recebemos não dele, mas de Deus. Se, em determinado ano, nosso Pai
celeste não fizesse nascer o sol e não mandasse a chuva sobre a terra, pergunto-te,
então, se a terra e também o mundo com todas suas forças poderiam nutrir-te e dar-te
de comer?
Em terceiro lugar, recebemos a ciência e todos os bens de Deus e não do mundo.
Em quarto lugar, dizes que o mundo te oferece muitas honras, dignidades e
prazeres. Deixa-me dizer-te que suas dignidades, suas honras e riquezas e todas as
outras coisas são sombras e sonhos.

1146. Queres um exemplo de sua perfídia e leviandade? Ao duque de Florença,


quantos bens, quantas riquezas, dignidade, posições, felicidade, prazeres,
comodidades, esperanças, saúde e segurança lhe prometeu! Em apenas um
momento, tudo perdeu! Quantas promessas fez a Clemente, a Leão, a Adriano e
outros sumos pontífices, cardeais, bispos, imperadores, reis, duques e condes e a
outros também de tua cidade! A todos enganou indistintamente, não cumpriu sua
palavra com eles e tirou-lhes todas as coisas.
Não conheces tu, concretamente, quantos bens e coisas te prometeu e te
enganou? E se, por acaso, ainda não te enganou, de qualquer modo te enganará,
assim como enganou outros, que tu os viste exuberantes, inundados de falsos
prazeres, riquezas e vãs honras.
Àquele velho prometeu longa vida e, não obstante, faltou com sua palavra. Assim
fará contigo, velho, contigo jovem insensato, contigo mulher vaidosa, contigo avarento,
contigo carnal; falhará como falhou com teus antepassados.

1147. Mas, por que me delongo tanto com as criaturas? Vamos ao Cristo. Não
perseguiu ele a Cristo nosso Redentor, inocentíssimo, durante 33 anos com cruéis e
constantes perseguições? E, finalmente, não o perseguiu até à cruz? Não persegue
continuamente e enxota os bons? Pisa-os, rebaixa-os, despreza-os e odeia-os

84
Trad.: desde (toda) a eternidade.
246

constantemente. Por isso, Cristo diz: "Se o mundo vos odeia, ficai sabendo que,
primeiro do que a vós, odiou a mim" (Jo 15,18).
No entanto, deixa-me dizer: Não queiras dar-lhe crédito. Quando lhe dizes "Os
atributos invisíveis de Deus, tanto seu poder eterno como sua divindade, tornam-se
reconhecíveis com a consideração da mente humana acerca das coisas criadas" (Rom
1,20); e "Porque me alegrais, Senhor, com a vossa obra, prorrompo em júbilo pelas
vossas ações" (Sl 91,5), tudo isto é verdadeiro. Mas, ai de mim, tu não te delicias no
Senhor, mas repousas nos enganos, nas trevas, nos laços e redes deste mundo e
nadas nos rios de seus falsos prazeres. Abandonas a viva e verdadeira fonte, cuja
semelhança esta representa e exprime! É verdade que estão escondidos infinitos
tesouros sob esta mísera veste e contentes deste miserável mundo, como diz Paulo:
"Os atributos invisíveis de Deus, tanto seu poder eterno como sua divindade, tornam-
se reconhecíveis com a consideração da mente humana acerca das coisas criadas"
(Rom 1,20). Mas, ai de mim, tu abandonas as riquezas e abraças a pobreza, deixas a
luz e procuras as trevas!

1148. No entanto, permite-me dizer-te: Este mundo é, sem dúvida, semelhante a


uma fruta redonda. Isto foi expressamente simbolizado na árvore da vida do paraíso,
proibido a Adão e Eva. Eles viviam felizes até quando não saborearam do fruto e, no
paraíso, gozavam de imensa felicidade e degustavam de variados e deliciosos frutos.
Todavia, logo que comeram do fruto proibido, foram expulsos e rechaçados como
infelizes, cheios e sobrecarregados de misérias, como diariamente nós, seus filhos,
experimentamos.
Assim nós, meus cristãos, se nos privarmos e espezinharmos completamente este
cego mundo, não nos deleitando dele com afeto e esperança, seremos então felizes,
alegres e livres. Mas logo que experimentarmos esta fruta deste mundo falaz e nos
envolvermos em seus grupos e em suas redes, seguindo seus afagos e falsidades,
seremos enxotados e privados de sua graça, cheios e sobrecarregados de misérias.

1149. Mas eu disse que este mundo é semelhante a uma fruta. Sem dúvida, é
ainda mais vil e menor, porque ele é como um grão de milho. E o que é um grão de
milho comparado com os céus? Estes matemáticos dizem que uma só estrela é muito
maior que toda a terra. Pois bem, pense como é grande o primeiro céu e o primeiro
céu quanto é inferior ao segundo, o segundo ao terceiro, o terceiro ao quarto e assim
por diante. E, em seguida, em quanto o céu cristalino supera os demais céus! E agora,
julga, ó meu cristão, e compara o que é este grão de milho em comparação a tamanha
grandeza!
Tu dizes que ele é grande, como tu o vês. Deixa-me dizer: Enganas-te, porque
assim como um pequeno ducado, colocado diante de teus olhos, te impede de ver
este mundo, que tu o julgas grande, da mesma maneira este pequeno mundo,
colocado contra e diante teus olhos, te impede de ver as coisas celestes, maiores e
em forma eminente do que estas mínimas.
Além disto, este grão de milho é, sem comparação, menor que a água, o ar e o
fogo. Além deste grão de milho, das cinco partes, apenas vives em duas delas, que
são dois quintos. E por causa deste grão, ou melhor, destes dois quintos de um grão
de milho, queres, ó cristão, perder todos os infinitos tesouros e os bens celestes?

1150. Ouve o que Gregório lhe diz: “Se considerarmos quão grandes são as
coisas que nos prometeram no céu, certamente se tornarão vis, como lixo e lodo,
todas as coisas que temos na terra. Por isso, toda a felicidade e prazeres do mundo,
comparados à felicidade eterna, são opressão e peso, miséria e descontentamento”.
Queres que eu seja mais claro ainda? Sobe a uma alta torre e olha para baixo: os
homens se assemelham a passarinhos. Sobe mais alto ainda: os homens
desapareceram! Se tu subisses até o céu, de lá observarias como são vis e mínimas
as coisas deste mundo em comparação com as superiores. Desta maneira,
247

desprezarias estas coisas vis, frágeis e caducas. Se elevasses a mente às coisas


celestes, certamente te envergonharias de ter amado e doado teu amor ao estrume e
ao lodo deste mísero mundo.

1151. Eleva, eleva, portanto, tua mente e alma às coisas celestes, se quiseres
conhecer a vileza, a miséria e a infelicidade destas coisas terrenas e se desejas
alcançar o verdadeiro desprezo do mundo com suas concupiscências, e de ti mesmo.
Oh, se te fosse concedido por Deus, ainda que brevemente como o respiro, subir até o
céu e ver a Santíssima Trindade, aquele bem perfeito, sumo e infinito e imediatamente
retornares a este mundo! Sem dúvida, dir-te-ia, chorarias durante todo o tempo de tua
vida e envergonhar-te-ias enormemente, ao considerar até que ponto amaste coisas
tão vis, dando-lhes teu amor e desprezando sempre os dons celestes.

1152. Vê este exemplo: as formigas são vis e pequenas, as quais reúnem 25 ou


40 grãos de trigo e logo se julgam felizes e ricas. Dize-me: Se tu visses algumas delas
querer o primado e ser a mais honrada, feliz e rica, por acaso não ririas? Assim tu, ó
cristão, embora sejas verme e não homem, o mínimo nestas cavernosas prisões,
julgas-te o príncipe e o maior de todos, feliz e rico, porque possuis palácios e mil reais!
Oh, miserável e realmente cego!
O prudente Demócrito riu-se de nossas comparações irracionais; Diógenes
chorava-as. Além disto, tu tens um palácio grande e belo e julgas-te importante porque
nele habitas. Mas quando estevires longe da cidade a uns quatro quilômetros e
olhares toda a cidade, teu palácio é um nada em comparação à mesma cidade. Desta
maneira, as coisas momentâneas, caducas, miseráveis e frágeis deste mundo infeliz
são um nada, ou melhor, são fedor e mau cheiro comparadas às celestes. Mas como
estás submerso nestas coisas caducas, elas te parecem algo importante. Mas, ó alma
inteligente, se tu te movimentasses e te afastasses destas caducidades e te elevasses
ao alto, julgarias as coisas humanas um nada e como imundície.

1153. Não tens tu o exemplo do espelho, que te mostra a sombra de teu corpo,
cuja semelhança depende do verdadeiro? Assim, este mundo é sombra e todas suas
enganosas delícias, seus prazeres e riquezas são sombra, que dependem do
verdadeiro e representam a semelhança da vida celeste, como diz Paulo: "Desde a
criação do mundo, com efeito, os atributos invisíveis de Deus, tanto o seu poder eterno
como a sua divindade, tornam-se reconhecíveis" (Rom 1, 20).
Contigo ocorre o que não diferentemente ocorre com uma criancinha, a qual logo
após o nascimento a mãe nutre e educa em uma prisão completamente escura até a
idade de sete anos. Depois, a mãe manda vir uma vela acesa e, conservando a
criança em pé, coloca a luz atrás de suas costas. A criança vê a sombra de seu corpo
e imediatamente pensa que é verdadeira e que está viva e, acreditando pertinaz e
malignamente, persevera nessa mesma idéia. E ela é apenas sombra!
Assim, ó cristão, tu estás encarcerado e fechado na escura prisão deste mundo,
imerso e envolvido nestas coisas transitórias e caducas, sem a luz da graça e, quando
vier alguma graça do Espírito Santo por arrependimento interno ou pela palavra
pregada, esta mostra que este mundo é uma sombra. Ma, tu estás tão amarrado à tua
opinião que acreditas que a sombra esteja viva, verdadeira e estável.

1154. O mesmo que tu, acreditaram o homem rico do Evangelho e outros de


nosso tempo. "Entregaram-se aos seus pensamentos vãos" (Rom 1,21). Assim, ó rico,
que não crês, acontecerá contigo, e a ti, mundano, se não mudarem de vida e fé,
como aconteceu aos que não ouviram e nem quiseram crer: "Entregaram-se aos seus
pensamentos vãos" (Rom 1,21).
Da mesma maneira como àquela criança, chamada pela mãe ao jardim, que lhe
mostra uma bacia cheia de água. A criança, olhando para a bacia, vê somente uma
estrela. Estendeu a mão para pegá-la, mas não conseguiu. Assim tu, ó meu cristão,
248

pensas em conservar todas as coisas deste mundo. Mas, ai de mim, ainda não vês?
Quando alguém está para morrer, chama seus parentes e amigos, chama o advogado
e no seu testamento diz: "Eu deixo, deixo, deixo tal coisa para fulano". Deixa tudo
porque nada pode levar. E isso porque não as quis levar consigo, mas se tivesse dado
seus bens aos pobres e depositado seus bens no céu perto de Cristo, como poderia
ter feito, não os teria deixado.
Portanto, envia, envia adiante de ti as carruagens, muda de vida, despoja-te do
homem velho, reveste-te de Cristo Jesus, desconta teus pecados com as esmolas.
Não esperes e não confies nas promessas dos outros. Os exemplos dos outros são
teus documentos.

1155. Outros afirmaram que este mundo é um teatro. E, de fato, é isto mesmo.
Não sabes de que maneira são feitas as comédias e as tragédias? Se não o
souberes, eu te explicarei para que o saibas. Escolhe-se um grande teatro, uma
grande sala e nela se montam palácios, castelos, praças, jardins e quartos onde se
usam vestes de seda, belas de serem vistas. Mas os palácios são falsos. Em seguida,
escolhem-se 15 ou 20 jovens, que se vestem de seda. Verás, então, um pobre rapaz
representar um rei ou um duque, outro um rico; um outro tu verás de rico, feliz e
galante transformar-se em pobre, miserável e doente. Verás um outro ser exaltado e
aquele outro humilhado e rebaixado. Verás os bons serem perseguidos e os maus
premiados, as virtudes desprezadas e os vícios honrados, os jovens corrompidos
estimados e os virtuosos e de bons costumes escarnecidos. Finalmente a comédia
termina e as casas, os palácios, os ricos, os duques, os senhores, que antes pareciam
verdadeiros, agora retornam ao nada. Assim este mundo, este teatro, os palácios, as
casas, os bens, os prazeres, as delícias, as beldades e suas riquezas terminam todos.

1156. Inicia a comédia. Muitos homens e mulheres, nobres e vis, ricos e pobres,
desde o nascimento, entram nesta comédia. Vês um pobre e miserável converter-se
em rico, um vil em nobre, um bastardo em príncipe e, ao contrário, um rico mudar-se
em pobre, um nobre em vil. Freqüentemente, verás os bons serem perseguidos,
expulsos e atormentados porque o mundo não é digno deles. Verás os maus e
criminosos serem exaltados, engrandecidos, honrados e colocados no vértice das
honras e felicidades terrenas.
Finalmente, terminada a comédia, que dura quatro ou cinco horas, vem a febre,
chega a hora da morte e acaba a comédia. Do ventre materno saímos nus e nus
voltaremos a ser. Seremos todos iguais quanto aos bens do mundo, às riquezas, à
nobreza, à glória e a qualquer coisa. Não existirá diferença entre rico e pobre, entre
poderoso e impotente, entre servo e senhor.

1157. E, no entanto, cristão, onde colocas tua esperança? Em sombras e em


comédias e neste falso mundo cheio de misérias, agitado por contínuas iras, de
desdém, de ódios, de fome, de peste, de contínuas guerras, nas quais vês engolfada
esta mísera Itália, neste grande incêndio e fogo de tribulações.
Tu, cidade de Lucca, foste um vaso de prata, no qual se encontrava o Sacramento
do Corpo e Sangue do Senhor, miraculosamente preservado do fogo, quando queimou
completamente a igreja. Assim, digo, tu, estimada Lucca, foste preservada de maneira
especial do fogo das tribulações da Itália; deverias ser um vaso sagrado e nutrir Cristo
no pobre, acima de qualquer outra cidade, e deverias ser uma sacristia de virtudes e
de perfeição cristã. Mas, ai de mim, fazes tudo o contrário, porque os outros que não
saborearam os dons, os quais tu saboreaste, conhecem muito mais a tua graça, que tu
desconheces.

1158. A rainha de Sabá teve um maravilhoso reino no Oriente, que mostrava a


todos, pensando que não se encontraria outro melhor que o seu. Todos os que o viam,
louvavam-no e afirmavam que não existia outro reino mais bonito. Finalmente, dois
249

hebreus, quando lá estiveram e o viram, muito o louvaram e à rainha disseram: "Saiba


que Salomão tem outro mais belo ainda". A rainha, ao ouvir este anúncio,
imediatamente dirigiu-se até o reino de Salomão, deixando o seu e acreditando nas
palavras daqueles dois hebreus.
Assim tu, rico neste mundo, emaranhando tua alma com usuras e roubos,
juntamente com a alma de teus filhos, julgas e pensas e usas deste mundo como se
acreditasses que não existisse outro mundo e nem outro reino mais belo. Ai de mim!
Dois hebreus te fazem compreender que há outro reino que possa ser comparado ao
teu, "é peso, não ajuda", isto é, descobrirás que teu reino, em comparação àquele
anunciado pelos dois hebreus, é um peso, uma miséria e a própria infelicidade.

1159. Vai, portanto, ó minha cidade, com a rainha, com teus afetos e pensamentos
ao reino de Salomão, desprezando o teu, do qual Salomão disse "Vaidades sobre
vaidades, tudo é vaidade a não ser amar a Deus" (Eclo 1,2). Tudo, tudo o que se vê e
pode deliciar em baixo do céu, tudo é vaidade, à exceção de amar a Deus.
Ouve o que Jeremias diz: "São apenas vaidades, obras dignas de mofa" (Jer
10,15). Todas, todas as obras, riquezas e condições dos homens são vaidade e
dignas de escárnio e desprezo. Por isso, Cristo disse:"A rainha de Sabá erguer-se-á
no dia do juízo com esta geração e condená-la-á" (Mt 12,42; Lc 11,31). A rainha de
Sabá, no dia do juízo, se levantará contra vós e vos condenará.
Crê, portanto, no Espírito Santo e no pregador e não te apoiarás às sombras deste
mundo, porque, ó caro cristão, todas estas coisas são sombras, apenas sombras.
Como as sombras não te podem saciar ainda que fossem infinitas, assim as coisas
deste miserável mundo não te podem saciar, nem tranqüilizar e todas são como
sonhos, embora possam parecer verdadeiros. Ao despertares, na verdade perceberás
que são vãos e falsos. Desta maneira, nem mais nem menos, ó caro cristão, são os
bens deste mundo.
Animo-te, portanto, a dar as costas a este miserável, traidor e pérfido mundo, para
que sejas feliz nesta e na outra vida.

3. Pregação feita em Vinegia, no sábado após o domingo da paixão MDXXXIX


(1539)

O verdadeiro modo de viver e participar da Paixão de Cristo consiste na


contemplação do crucifixo. Esta contemplação pode ser falsa, se se origina na
curiosidade, no ódio pelos hebreus ou então é somente emocional e muito ligada aos
sentimentos. A verdadeira contemplação deve ser animada pela "vida de fé inflamada
pela caridade", da qual deriva a imitação, tendo como modelo a atitude de Nossa
Senhora e o exemplo de Cristo, até a plena partilha de suas ações e sentimentos.

I frati cappuccini III/1, 2215-2230

1160. Creio que José e Nicodemos usaram grande reverência tanto ao depô-lo da
cruz como ao ungi-lo com preciosos aromas. Tal respeito foi maior ainda com a
Madalena, quando, depois de ressuscitado, quis tocá-lo no horto. E não menor o
respeito de São João Evangelista, quando, na última ceia, reclinou sua cabeça sobre o
peito de Cristo. Grande veneração, penso, manifestou São João Batista, quando, no
rio Jordão, o batizou. Altíssima a reverência da Virgem Maria, quando, na manjedoura,
cuidava do Filho de Deus.
Inexplicável alegria notamos em Simeão, quando, no templo, recebeu em seus
braços o pequeno Jesus, que o levou a dizer: "Agora, Senhor, podes deixar ir em paz
o teu servo segundo a tua promessa (Lc 2, 28-29): Senhor, estou pronto para morrer,
quando tu o quiseres, porque eu vi e apalpei aquele que deve salvar o mundo e que
há tanto tempo esperava". Semelhante consideração, vejo-a no centurião que, não se
250

julgando digno que Cristo entrasse em sua casa, disse: "Senhor, não sou digno de que
entres debaixo do meu teto" (Mt 8,8), etc.
Ora, se com tanta reverência e honra tocaram Cristo na carne, mortal e passível,
com muito maior veneração devemos e somos obrigados a reverenciar, honrar e
agradecer este Cristo, no lenho da cruz. E daí esta boa nova, nesta manhã, que nós
encontraremos o caminho e a maneira de contemplar Cristo na cruz com fé viva e
ardente caridade, como estou certo que a Virgem Maria o fez (agora um pouco de
silêncio).

1161. A Virgem Maria (um pouco de reação), a Virgem santa foi quem, mais
perfeitamente e acima de toda criatura, contemplou Cristo pendente da cruz com fé
viva e assim devemos também nós contemplá-lo.
E observa este ponto: contemplar Cristo em sua cruz é de tamanha importância e
tão necessário que, contemplá-lo com reverência, é mais do que um sacerdote
administrando o sacramento do corpo de Cristo Jesus. E a razão é esta: porque tu
administras Cristo e o usas com teu espírito, enquanto o sacerdote o administra com
as mãos. E sendo que teu espírito é mais nobre que as mãos, urge ter reverência e
utilizar tudo o que é preciso para que o sacerdote se prepare e disponha a este
santíssimo sacramento. Se não existir esse espírito e esta intenção, não haverá
sacramento.

1162. Que o sacramento de Cristo na cruz seja tão digno, deves saber que o fim é
mais nobre que as coisas que se destinam ao fim, isto é, sendo que o sacramento do
altar se destina ao seu fim, que é Deus, é muito mais nobre estar em Deus e em Cristo
que no sacramento. Isto é verdadeiro e Cristo te diz: "Fazei isto em memória de mim"
(Lc 2,19; 1Cor 11,24). E ainda: "Todas as vezes, portanto, que comeis deste pão e
bebeis deste cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha". Deixo-vos este
sacramento para que, cada vez que comerdes deste pão, vos lembreis de minha
Paixão, da qual recebemos tantos frutos. E principalmente porque, em sua morte, o sol
se obscureceu (Lc 23,45) para iluminar-nos. O véu do templo se partiu para abrir os
olhos de nossa ignorância. A terra tremeu para que nós tremamos, com grande
reverência, vendo o grande amor que Cristo nos trouxe. As pedras se quebraram para
romper nosso coração da dureza da obstinação. Os sepulcros abriram-se e assim,
mediante Cristo, levantemos a pedra dos maus costumes. Ressuscitaram mortos:
assim ressuscitemos dos pecados.
Esta manhã falaremos desta reverência e de como podemos realizar coisas úteis e
até utilíssimas ao verdeiro cristão. Por isso, purificai-vos um pouco e iniciemos.

[Falsos modos de contemplar Cristo na Cruz]

1163. Quanto mais alta e grande é uma coisa, mais perigosa ela se torna. Diz
Platão: "Quantos mais ótimos gênios existem numa cidade ou numa república, etc.",
isto é, quanto maiores são os gênios em uma cidade ou república, maior é o perigo.
Vendo a pequena estatura, o talento e a vivacidade de Temístocles, assim disseram:
"Ou este será a salvação ou a ruína de nossa pátria". Um senhor de Vineggia, que
seja bom e prudente, é utilíssimo à sua cidade. No entanto, se é criminoso e ruim,
seria suficiente para arruinar e destruir a cidade com sua perversidade, a não ser que
fosse acorrentado. Tal como sois, assim acontecerá para nós.
Quem contempla Cristo na cruz de falsas maneiras, não só não ajuda, mas até
prejudica. Ao contrário, quem com viva fé e ardente caridade medita com o olho vivo
do coração a Cristo na carne, alcança muitos frutos, de sabor inestimável.

1164. Mas há alguém que pode considerar a Paixão de Cristo com modos
derrisórios. Estes são os sábios do mundo, dos quais diz São Paulo:"Nós pregamos a
Cristo crucificado, que é um escândalo para os judeus e uma loucura para os gentios"
251

(1Cor 1,23). Se tu queres que um sábio do mundo creia que Cristo na cruz é Deus,
parecer-lhe-á tolice.
Alguns contemplam Cristo como fazem muitos maus pregadores, que anunciam
Cristo às almas apenas com a boca, por curiosidade, quando foi, como, porquê, etc.
Esta meditação é inútil. Outros trazem Cristo pendurado ao pescoço e pensam que,
levando consigo um trecho ou o evangelho, não morrerão mal. Pensar em Cristo desta
maneira é infrutuoso, porque é necessário que Cristo esteja escrito no coração.

1165. Há outros que contemplam Cristo: os judeus que o prenderam e flagelaram,


Pilatos que aprovou uma sentença injusta e depois o crucificaram com tantos pregos e
sofrimentos. Estes outros se enraivecem tanto contra os judeus que os devorariam
como cães. Eu, porém, vi em alguma cidade que, nestes tempos de sexta-feira santa,
não os deixam sair de casa, porque seriam matados. Esta não é uma boa maneira de
contemplar Cristo, mas é tudo o contrário. Ai de mim! Oh! Deus morreu somente por
caridade e nós queremos fazer o contrário, alimentando o ódio e, onde pensamos
merecer algo, caímos em algum pecado. Mas, não, não se deve agir assim. Desejo
que tu odeies o pecado dos judeus, mas não os seus corpos. Ao contrário, julgue-os
teu próximo e reze para que Deus os liberte da dureza do seu coração e que ilumine a
cegueira e as trevas deles.
Outros ainda contemplam Cristo devotamente e, para provocar alguma
lagrimazinha, colocam-se diante da Mãe do Filho de Deus, porque as mães são ternas
e doces de coração para com seus filhos. Em suas mentes, criam certos discursos
crendo que a Virgem Maria os falava assim. E para melhor inflamar-se, se esta alma
tiver filhos sabe quanto os ama, desta mesma maneira quer meditar a Paixão de
Cristo, que não é boa contemplação e nem frutuosa.

1166. Alguns contemplam Cristo na cruz somente nos sofrimentos, pregos,


tormentos, flagelos, pregado nas mãos e pés, com o lado aberto. E, sendo sensuais,
afligem-se por amor natural e, no entanto, não sentem compaixão e nem choram a dor
de Cristo. Estes se assemelham às mulheres que choravam quando Cristo era levado
ao monte Calvário, às quais Cristo disse: "Filhas de Jerusalém, não choreis por mim,
chorai antes por vós mesmas e por vossos filhos" (Lc 23,28). Não queirais chorar por
mim, porque disto não preciso. Chorai por vós mesmos, pelos vossos pecados. No
entanto, estas lágrimas de amor e de caridade não são genuínas, porque vêm apenas
dos sentidos e do natural. Até os pecadores podem sentir esta dor.
Em muitos outros modos pode-se contemplar Cristo na cruz, que não são bons e
nem meritórios.

[O verdadeiro modo de contemplar Cristo]

1167. É preciso contemplar Cristo de outra maneira, não nos braços de Simeão,
nem sobre o Monte Tabor com Pedro e outros que o queriam transformado e
transfigurado em sua glória, nem com os olhos dos sentidos, nem com os olhos
materiais, mas com uma fé viva transformada pela caridade, com os olhos corporais
fechados para melhor contemplá-lo. Entre naquela santa escuridão, naquela sábia
ignorância e encontrarás que Cristo sobre a cruz, movido somente pela sua ardente
caridade, sofreu a dura morte para comprar a alma. Mas, preste atenção, é preciso
uma fé viva, como a dos Apóstolos.
Para que isto seja verdadeiro, vai, lê e encontrarás que Cristo disse. "Felizes os
que crêem sem terem visto!" (Jo 20, 29). Bem-aventurados serão os que, embora não
o tenham visto na carne, acreditam pela fé em mim e no Pai.

[O caminho do exemplo]
252

1168. Levanta-te, irmão, como devemos entendê-lo? Há duas maneiras de


compreendê-lo: pelo exemplo e pela doação.
São Pedro em sua carta diz: "Cristo padeceu por vós, deixando-vos o exemplo,
para que vos dediqueis a seguir as suas pegadas" (1Ped 2,21). Se queremos
contemplar bem e perfeitamente Cristo sobre a cruz, é preciso seguir seu exemplo,
sua vida, suas pegadas.
Primeiramente, com olho vivo e ardente, considera Cristo, que, vindo do céu para
esta terra, onde viveu 33 anos, não teve nem casa nem teto: "As raposas têm covas e
as aves do céu ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça" (Mt
8,20; Lc 9,58). O Filho de Deus não tinha nem casa nem teto, comia sempre na casa
de um ou outro amigo. E tu sabes com quanto respeito se come na casa dos outros.

1169. Nasceu paupérrimo, desprezível, humilde. Por isso, com fé viva o


contemplarás e lhe dirás: "Meu Senhor, vendo tua humildade e aniquilação, o
desprezo das coisas terrenas, eu quero obrigar-me, a teu exemplo, a ser pobre de
espírito e desapegar-me de todo afeto mundano".
Tu o vês peregrinando, com dificuldade, durante 33 anos e lhe dizes: "Eu desejo
que todo meu cansaço durante a vida seja em tua honra e tudo o que fizer, desde
agora, quero fazê-lo por teu amor".
Se eu te contemplo na Última Ceia que, com tanta caridade, te entregaste como
alimento para vivificar nossas almas, assim eu quero alimentar-me de obras virtuosas.
E porque eu te vejo, após a ceia, fazer teu testamento aos apóstolos, e com aquele
discurso que os ensinaste, instruíste e inflamaste, assim eu, durante o tempo que me
restar, quero esforçar-me, da maneira que puder e a teu exemplo, a lembrar, a
admoestar e a persuadir todas as criaturas que vivam em ti e que reconheçam os teus
benefícios.

1170. Se eu te contemplo, ó Cristo, ajoelhado e lavando os pés dos teus discípulos


com tanta suavidade e humildade e não somente dos que amavas, mas também de
Judas que te trairia, por isso, por teu amor, estou contente com as humilhações e
esqueço as injúrias recebidas.
Ai de mim, se te contemplo no Jardim das Oliveiras, onde te vejo tão aflito que
dizes: "Minha alma está triste até a morte" (Mt 26,38; Mc 14,24). Por isso, desejo, a
teu exemplo e durante toda a vida, sentir a angústia de tua Paixão em minha alma.
Vejo-te ainda em oração, três vezes orando ao Pai e em agonia, derramando teu
precioso sangue. Assim também eu quero sujeitar-me, de hoje em diante, a viver
sempre com esta agonia e desejo de derramar meu sangue por ti.

1171. Eu te vejo depois preso e amarrado por aqueles cães de judeus. Desta
maneira, desejo, a teu exemplo, estar amarrado a ti e não desejo desligar-me de tua
vontade. Vejo-te levado para a casa de Anás e de Caifás em meio a tantos flagelos.
Para melhor sentir tua Paixão, quero torturar meu corpo com alguma disciplina. Vejo
que te cospem no rosto e estas gentis senhoras dizem que não querem mais maquiar-
se, mas contentar-se com a beleza que Deus lhes deu.
Contemplo-te com a coroa régia, porque recusaste um reino e ensinaste que teu
Reino não é daqui e te colocaram uma coroa de espinhos. Assim também eu, a teu
exemplo, ó Cristo, não aspiro a dignidades ou ambições temporais, mas contigo
coroar-me de espinhos e com eles sufocar minha vanglória.
Observo-te amarrado à coluna e muito flagelado e, para maior vitupério, ser levado
diante de todo o povo e dizer: Eis o homem!" (Jo 19,15). Assim também eu, Senhor,
por teu exemplo, não quero mais incomodar-me com os vitupérios que receber. Depois
caminhaste até o monte Calvário com a cruz às costas; assim eu também desejo
acompanhar-te, enquanto tiver vida. E, se cair sob a cruz, ficarei contente e prometo
submeter-me a qualquer cruz por teu amor.
253

1172. E tendo chegado ao monte Calvário, contemplo-te cravado na cruz, com as


mãos e pés pregados. De minha parte, quero pregar minha mão esquerda, restituindo
o que do sangue dos pobres eu tenho. Depois desejo perfurar a mão direita para que
brotem obras de piedade para meu próximo dos meus bens injustamente adquiridos.
Eu te contemplo sendo elevado da terra, com tantos insultos. Em contrapartida, eu
desejo suportar todas as injúrias que me forem feitas. Vejo, então, tua grande caridade
com a qual rezas ao Pai para que perdoe os crucificadores. A teu exemplo, prometo
perdoar todos os meus inimigos e abraçá-los em tua caridade.

1173. Vejo-te com o lado aberto e, da mesma maneira, quero livrar meu coração
de todos os meus pecados, especialmente dos internos e dos segredos do coração.
Contemplo-te morto e indo ao Limbo para esvaziá-lo. Eu também quero confessar-me
e esvaziar minha alma de todo pecado. Eu te vejo enviando o Espírito Santo sobre os
apóstolos. Da mesma maneira, espero que teu Espírito Santo acenda em minha alma
o teu amor. Eu te contemplo indo para o céu e, eu, pelos teus méritos, espero que
poderei chegar perto de ti.
Desta maneira, alma querida, contempla Cristo na cruz com viva fé de espírito e
com caridade porque, do contrário, não seria meritório. Mas, espera ainda um pouco!

[O caminho da doação]

1174. Existe outro modo, não menos nobre, mas mais digno e excelente deste
contemplar Cristo na cruz, que São Pedro, pregando ao povo, disse: "Reconheça,
pois, firmemente toda a casa de Israel que a ele justamente Deus constituiu Senhor e
Messias, esse Jesus que vós crucificastes" (At 2,36). Com estas poucas palavras, um
temor penetrou em todos, que se espantaram e disseram: "Que havemos de fazer,
irmãos?" (At 2,37). Que devemos fazer para cancelar este pecado? Pedro respondeu-
lhes: "Convertei-vos e batize-se cada um de vós no nome de Jesus Cristo" (At 2,38).
Observa esta grande coisa: somente por causa destas palavras, 3.000 pessoas que
ouviram a pregação foram batizadas.
Tu necessitas contemplar Cristo na cruz para ti e por ti, porque Deus eterno o
mandou sofrer a morte e paixão não pelos seus, mas pelos nossos pecados. Cristo
era inocente e não merecia a morte, mas para cancelar nossos pecados; por isso, tu
foste a causa da morte de Cristo na cruz.

1175. Tua soberba fez com que ele nascesse pobre neste mundo. Meus pecados
o fizeram viver durante 33 anos sem casa. Pelos meus pecados, na Última Ceia, deu-
se a si mesmo como alimento e remédio de minha alma. No horto, quando reza, pede
ao Pai por mim para que perdoe meus pecados. E porque eu estava amarrado nas
mãos de Lúcifer, Cristo quis ser preso e levado pelos judeus.
Pelos pecados que cometi, quis ser flagelado. Pelas minhas vaidades, ele foi
cuspido no rosto. Por causa de minha arrogância, Cristo quis ser flagelado e coroado
de espinhos. Para abafar o desejo de meus desordenados afetos, Cristo foi despojado
diante de Caifás e Pilatos. Mas, fui eu, com meu exemplo, que arranquei Cristo de
muitas almas. Por causa de minha timidez, Cristo permitiu que Pedro o negasse e,
depois, com apenas um olhar, converteu-o para demonstrar-me que muito maior é sua
misericórdia que minha maldade.

1176. Por causa de minha grande soberba, Cristo permitiu que fosse mostrado, de
modo vergonhoso, a todo o povo. Por causa de minha sensualidade e prazeres
mundanos, quis ser flagelado tão longamente. A minha avareza crucificou as mãos e
os pés de Cristo para que eu visse que, de todo seu corpo, goteja seu precioso
sangue. Por causa de minha vanglória, Cristo quis ser elevado entre o céu e a terra,
zombado por todo o povo. Por causa dos ódios e rancores que eu tive no coração,
Cristo mostrou-se contente que seu lado fosse aberto. Para satisfazer minha
254

voracidade gulosa, Cristo aceitou matar a sede com fel e vinagre. Em meio a tantas
dores, Cristo teria desejado sofrer ainda mais para ajudar seus eleitos.
Contudo, ó minha cidade, não é preciso chorar a Paixão de Cristo por Ele, mas por
nós, porque nossos pecados foram a causa de sua morte. Bem dizia São Paulo:
"Tende em vós os mesmos sentimentos" (Flp 2,5). Senti em vós esta Paixão, porque
fomos nós a causa e o crucificamos diariamente. Dizia às mulheres de Jerusalém: Não
choreis. Sim, como diz o profeta: "Por causa dele, hão de bater no peito", e não diz:
"Por causa dele, batam o peito", mas "Por causa dele, hão de bater no peito" (Ap 1,7),
isto é, devemos chorar Cristo em nós e contemplar Cristo na cruz por nós e pelos
nossos pecados. É desta maneira que contemplarás com fé, esperança e caridade e
esta consideração te será salutar e frutuosa.

1177. Ó, felizes as almas que se deliciam em ver Cristo, em estar com Cristo, em
falar com Cristo, não com muitos Pai Nossos, mas dentro do íntimo do teu coração,
onde tu encontrarás muito fruto, muita luz e graças. Aprenderás todas as virtudes de
Cristo. Com sua humildade, expulsas a soberba, com sua liberalidade a avareza, com
sua paciência o desespero, com sua benignidade a tua malícia, com sua prudência
afastarás a tua imbecilidade, com sua fortaleza a tua indolência. E, finalmente, se com
teu vivo olho da fé vires este Cristo, encontrarás todos os bens, todos os paraísos que
se possam descobrir.
Porém, ó minha cidade de Vineggia, faze com que tenhas Cristo crucificado como
teu guia, teu refúgio, teu estandarte, teu protetor, tua norma, tua regra, teu
companheiro, teu bem, teu descanso, tua esperança, teu defensor, teu capitão, teu
Senhor e teu Deus. Mas, paremos um pouco.

[Meditar a caridade de Deus, causa da Paixão]

1178. Não julgueis que vos baste ter contemplado Cristo na cruz com tantos
flagelos e pregos e que tenha morrido. Isto não é suficiente porque também os judeus
acreditam nisto e os pecadores também acreditam que morreu. É preciso que, além
dos dois modos que vos indiquei, que tu o contemples imitando-o, que tu contemples
sua Paixão em ti e pelos teus pecados. Mas é necessário ir mais adiante, isto é, refletir
sobre a causa pela qual Deus decidiu enviar seu Filho unigênito ao mundo: não foi
outra senão a grande caridade que Deus e Cristo trouxeram a todos os seus eleitos.
Queres constatá-lo? É Cristo que te o diz: "Deus amou tanto o mundo que deu o seu
filho unigênito" (Jo 3,16), isto é, Deus amou tanto as criaturas do mundo que lhe
entregou seu unigênito Filho, no qual se encontra toda a sabedoria de Deus, todo
poder e bondade. Sim, não podia ter feito por nós do que fez.

1179. E desta sua caridade, as Escrituras estão cheias. Paulo: "Movido pela
imensa caridade com que nos amou" (Ef 2,4); "Ninguém tem maior amor do que
aquele que dá a vida pelos amigos" (Jo 15,13). Maior caridade não podíamos ter
recebido de Cristo que dar-nos o corpo, a alma, a vida e o céu. Ao falar desta sua
caridade para conosco e do fruto de sua Paixão, Cristo disse: "E eu, quando for
levantado da terra, atrairei todos a mim" (Jo 12,13). Com isto, quis aludir que, na
Paixão de Cristo, se manifestava esta sua ardentíssima caridade e que nossos
corações se acenderiam desta caridade, sendo atraídos e movidos pelo seu amor.
E ocorreu conosco como se alguém tivesse assassinado uma pessoa na estrada
de um bosque, ocultando-a de tal modo que ninguém o soubesse a não ser o
imperador, que tinha somente um filho e este fosse acusado desse homicídio e
assassínio, e fosse condenado à morte injustamente, levado à cidade para ser matado
e visto passar para ser conduzido à morte inocentemente. O que acreditas tu que diria,
em seu coração, aquele que, de fato, cometeu esse crime? Creio que essa pessoa,
sabendo que o malfeitor é ele e inocentemente levado à morte o filho do imperador, no
seu íntimo ficaria perturbado pelo remorso da morte do inocente. O mesmo fez Deus
255

conosco e, porque nós não podíamos satisfazer pelos nossos pecados, não quis
perdoar seu filho, como diz São Paulo: "Ele, que nem sequer poupou seu Filho, mas o
entregou à morte por todos nós" (Rom 8,32).

1180. Sem dúvida, demonstrou grande caridade. Porém, nós deveríamos imitá-lo,
seguindo-o em sua caridade e as estradas pelas quais caminhou deveríamos também
nós caminhar.
Dou-te um exemplo: se existisse uma mulher que cometeu todos os males do
mundo, que merecesse ser arrastada e encarcerada e, pronunciada a sentença,
deveria ser morta, e que seu marido, querendo-lhe muito bem, fosse a Roma por
estradas secretas e não conhecidas; e, chegando a Roma pedisse clemência e que
não somente sua mulher fosse absolvida da morte, mas que tivesse sido eleito
imperador e que escrevesse à mulher que viesse a Roma para ser imperatriz,
avisando-lhe que haveria duas estradas: uma bela e agradável e com bons
restaurantes, mas muito perigosa; a outra, estreita, espinhosa, com bosques, dolorosa,
mas muito segura. Por qual destas duas estradas, crês tu, que esta mulher andaria?
Estou certo que, amando seu marido, ela diria: "Se meu marido percorreu aquela
estrada ruim, eu também poderei trilhá-la. Se ele se cansou, eu também quero me
cansar, principalmente porque é segura, certa e não perigosa".

1181. O mesmo deverias fazer tu. Existem muitos caminhos que conduzem ao
céu. Parece-me que o mais seguro é aquele que Cristo nos ensinou através do
caminho da cruz. Cada um se contente com sua cruz, porque, nesta vida, não
podemos viver sem ela. Seria mais útil à nossa alma aceitá-la das mãos de Deus para
nosso bem. Se sofremos com as coisas materiais, confortemo-nos com Cristo que veio
a este mundo sem bens materiais.
Se nos enviar enfermidades, suportemo-las por amor de Deus, para imitar nosso
mestre Cristo no madeiro da cruz, que foi obediente à vontade do Pai, que desejou
somente o que queria seu eterno Pai. E se tu tivesses somente um filho e Deus o
desejasse levar, tu deverias dizer: "Ó meu Senhor, eu sei que tu me amas e que não o
levarias se não fosse para minha salvação. Mas, ó meu Jesus, se eu tivesse cem
filhos, faze deles e de mim o que te agradar". E assim, aceita por amor de teu Cristo
todas as cruzes que te sobrevierem neste vida. Descansemos um pouco.

[O martírio de Maria aos pés da cruz]

1182. Não houve nenhuma criatura neste mundo que tenha sentido mais
intensamente a Paixão de Cristo que a Virgem Maria. No entanto, não daquela
maneira que alguns dizem, que gritava, dilacerando-se e fazendo outras loucuras.
Não, não. Não acredites que a Mãe de Deus tivesse feito tais coisas porque era
prudentíssima e nunca saiu dos limites da razão. Ela permanecia imóvel e sentia tudo
dentro de si: "Conservava todas estas palavras, ponderando-as no seu coração" (Lc
2,19). Em seu coração, ruminava e mastigava este mistério da Paixão de Cristo.
Tem como certo que sofreu uma dor extrema, principalmente sabendo que seu
filho devia morrer, e, não sabendo a hora, isto lhe foi uma cruz e um tormento que
continuou desde que Cristo nasceu. Não sabendo a hora, em todos os momentos
esperava que isto acontecesse.

1183. Além disso, sua dor foi máxima porque, não sabendo o tipo de suplício - eu
penso que não existiu no mundo um suplício tão cruento, tão duro e amargo -, ela nem
o imaginava e se deveria ser executado no corpo de seu filho.
Alguém poderá dizer: "Mas, a Virgem Maria conhecia as Escrituras e devia saber o
tempo de sua morte, a natureza e o tipo do suplício". Se ela o sabia, sua dor, no
entanto, foi enorme porque, sabendo-o, seu martírio durou 33 anos. E, desde o dia em
que Ele foi colocado na cruz, imagino que ela tinha espinhos, pregos e a lança
256

continuamente em seu coração e todos os outros tormentos. Julgo que todas as vezes
que via Cristo, sentia tamanha angústia em seu coração que não podia olhá-lo,
pensando na dolorosa paixão que deveria sofrer.

[A maior dor de Cristo]

1184. O mesmo se pode crer de Cristo que, embora tivesse o mesmo plano do Pai
de reconquistar o mundo, devia sentir maior sofrimento e tormento, superando todos
os demais martírios dos mártires, porque eles sofreram pelos próprios pecados,
enquanto Cristo sofreu pelos pecados dos outros. Cristo sentiu enormemente a paixão
na cruz, porque era tão grande sua caridade que no corpo sentia todos os martírios e
aflições que deviam sofrer seus eleitos.
Sua dor foi sem limites ainda porque vendo e contemplando na cruz, a dureza e a
obstinação de muitos pecadores, porque não desejarão salvar-se pela dureza de
coração. Esta foi a causa de seu maior sofrimento. Se tomasses uma balança e, num
prato da mesma, colocasses todos os tormentos que Cristo sofreu na cruz e todos os
martírios que sofreram seus eleitos e, no outro prato da balança, colocasses um só
pecado mortal, maior angústia e tormento sentiria desse pecado que de todos os
outros martírios, porque, sendo infinita sua caridade e tendo entregue sua vida por
nós, muito mais infinitamente teria dado milhares de vidas para honrar seu Pai eterno.
Sem dúvida, este foi o maior sofrimento de Cristo na cruz. Segundo a opinião de
doutores, esta dor foi tão intensa em Cristo por causa da obstinação dos pecadores
que, se não estivesse unido à divindade que o sustentava, não teria vivido 33 anos,
embora eu não aceite esta opinião.

1185. Portanto, ó minha cidade de Vineggia, peço-te que não sejas daqueles
obstinados que não participaram da Paixão do Filho de Deus que, ao contrário,
diariamente o crucificarão infinitas vezes. Por isso, emenda-te dos pecados.
Contempla, com fé viva e ardente caridade, este benefício da Paixão de Cristo,
considerando que Deus, por causa do pecado, castigou inocentemente seu Filho.
Pensa: "Se fazem isto na madeira verde, que será da seca?" (Lc 23,31). Se Ele, que
era inocente, sofreu, pensa o que fará aos obstinados pecadores.
Mas enamora-te de Cristo crucificado! Faze que sua Paixão esteja sempre à tua
frente! E imita o povo de Israel que, sendo ferido pelas serpentes, não tinha outro
remédio a não ser olhar aquela serpente de bronze e, vendo-a, eram curados de sua
enfermidade. Assim acontecerá contigo, se continuamente olhares Cristo na cruz. Ele
cancelará todos os teus pecados, te purificará e iluminará, te encherá de graças
celestes. No entanto, peço e rogo-te que esta seja tua glória e estrada, tua verdade e
vida para que, assim agindo, sejas feliz e, na outra vida, alcances o céu. Ao qual, etc.

Jerônimo de Pistoia

Sermão XVII - Da confissão

A confissão é uma intensa e contínua terapia espiritual, onde se manifesta a


grande misericórdia de Deus e se recebe o perdão de todos os pecados. Muito a
propósito, a confissão é comparada à utilíssima ação de uma vassoura, que deve ser
freqüentemente usada para conservar o coração puro e manter-se na graça de Deus.

I frati cappuccini III/1, 2354-2357

1186. Se um doente desejar sarar de grave enfermidade, precisa especificá-la ao


sábio e experimentado médico. O homem, em pecado mortal e desejando curar-se e
dele liberar-se, é necessário que ao confessor, vigário de Cristo e médico por Cristo
marcado para esta função, confesse, com sua própria boca, sua enfermidade.
257

Considerando esta realidade, Paulo falou aos Romanos no capítulo décimo, onde está
escrito: "Com o coração se crê para ter a justiça e pela boca se professa a fé para
obter a salvação (Rom 10,10). É preciso crer, mas não basta, urge confessar-se com
as próprias palavras. Sobre estas palavras o Romano discorre com Paulo, e Paulo se
sentirá satisfeito em responder ao Romano.

1187. Romano: Dize, portanto, ó Paulo, que confissão devemos fazer para nos
salvar?
Paulo: O homem deve confessar seus pecados na presença de Deus, que foi
ofendido e desonrado pelo pecado. Isto fez Davi que, falando de si mesmo, disse:
"Confesso ao Senhor a minha falta e vós perdoais a culpa do meu pecado" (Sl 32,5).
A segunda confissão que o homem deve fazer é da bondade de Deus, para não
ser ingrato. Por isso, Davi disse: "Dai graças ao Senhor porque é bom, porque perene
é a sua misericórdia" (Sl 118, 1.29).
A terceira é a da verdade cristã, da qual disse Cristo: "Se alguém me confessar
diante dos homens, eu o confessarei diante de meu Pai; não o declararei meu amigo
quem se envergonhar de confessar-me diante do mundo".
Quarto, é a confissão da própria fragilidade, que se faz na correção fraterna, da
qual disse Tiago no cap. 5: "Não vos desculpeis, irmãos, mas confessai mutuamente
vossas fragilidades": "Confessai, pois, os pecados uns aos outros" (Tg 5,16).
Quinto, a confissão necessária à salvação é a que o homem deve fazer de todos
os seus pecados ao próprio sacerdote.

1188. Romano: Vamos, Paulo, eu quero confessar-me, porque, com tantos belos e
sábios meios com os quais tu me persuadiste, satisfizeste minhas perguntas. Dize-me,
portanto, quantos pecados devo confessar, os do coração, ou os da boca. ou os das
obras somente, ou então todos eles?
Paulo: É preciso confessá-los todos. Se tu não confessas um deles, continuas
doente e no perigo da perdição eterna. Seria como quem se expõe ao perigo de morte
que, tendo quatro ou cinco feridas, cura a todas, menos uma só; ou então, como
aquele idiota que tendo dez inimigos, deseja livrar-se de nove, confiando que não será
agredido pelo décimo, sendo na verdade este suficiente a dar-lhe a morte. Seria
também imbecil quem quisesse sarar de uma ferida e não tirasse o ferro que está
dentro da carne. Semelhantemente, seria tão louco e até mais o pecador que,
confessando-se dos pecados, calasse ao confessor e não tirasse totalmente do
coração a faca de alguma culpa ou pecado.
Toma portanto, ó Romano, o exemplo de Davi, que no salmo 76 assim te
ensina:"Medito de noite no meu coração, reflito e meu espírito esquadrinha" (Sl 77,7).
Na escuridão de tua vida medita, ó Romano, e exercita-te em encontrar todas as tuas
culpas. Depois, pega a vassoura, a escova da confissão e lança fora todos os teus
pecados.

1189. A vassoura compõe-se de ramos infrutíferos e a confissão se faz de todas


as coisas mortíferas: "Mas que frutos obtivestes então dessas coisas? Eram tais que
atualmente vos envergonhais deles" (Rm 6,21); por esses pecados, bem disse Cristo:
"Dizei: Somos servos inúteis" (Lc 17.10).
A vassoura que varre o forno é feita com trapos velhos e rasgados. A confissão,
que varre o coração, é feita daqueles pecados cometidos para imitar nosso antigo pai
Adão.
A vassoura limpa os lugares planos. A confissão tranqüiliza as consciências
racionais e serenas, não as escrupulosas e indiscretas, que jamais se satisfazem:
"Cuidamos de Babilônia, mas não sarou" (Jr 51,9).
A vassoura ocupa o lugar de quem limpa; a confissão, o lugar do Espírito Santo:
"Levanta-te, ó Austro! Sopra no meu jardim: exalem-se os seus aromas" (Cânt 4,16).
258

1190. A vassoura tira todas as sujeiras e limpa toda a casa. A confissão lança fora
do coração todos os pecados, tornando-o purificado: "Levanta-te e vomita" (Sir 31,21).
A vassoura tem uma parte limpa e outra suja. A confissão como lei do Espírito
acomoda e pacifica, a carne mais se atormenta.
A vassoura lança para fora até as pulgas. A confissão elimina as tentações dos
afetos terrenos que assaltam a alma.
A vassoura tira as aranhas, as quais apanham as moscas. A confissão joga por
terra a avareza e a cupidez que tecem os falsos contratos, frutos, roubos e mil
enganos. O exemplo é de Zaqueu, que disse: "Vê, Senhor, dou aos pobres metade de
meus bens e, se defraudei alguém em qualquer coisa, vou restituir o quádruplo" (Lc
19,8).
A vassoura limpa somente do pó e de outras imundícies. A confissão purifica de
todos pecados.

1191. A vassoura mantém ligadas todas as suas partes. A confissão, todos os


pecados.
A vassoura fica na mão de uma só pessoa e é segurada com a direita. A confissão
se faz somente a um confessor com reta intenção.
A vassoura joga-se num canto, quando fez seu trabalho, e não aparece. Na
confissão, deve-se sempre calar.
A vassoura, finalmente, é ajudada pela água e até limpa o templo de Deus. A
confissão é acompanhada pelo pranto e limpa o coração, templo santo de Deus. E
porque, com muita freqüência, nós varremos a casa, com freqüência devemos
confessar-nos, se desejarmos manter-nos na graça do Senhor, que nos abençoa.
Amém.

Matias de Saló

Quarto domingo do Advento: segunda parte

Viver o Advento significa preparar-se para "dar lugar a Deus". Tal preparação
exige, em primeiro lugar, a freqüência constante e intensa dos sacramentos,
especialmente da confissão e da comunhão, para que o desejo de contínua conversão
seja sempre alimentado.

I frati cappuccini III/2, 2567-2578

1192. Quem olha com atenção as ações naturais e as operações divinas descobre
que a globalidade do homem consiste em preparar-se bem para o que necessita.
Penso que a vida presente não é outra coisa que um mecanismo para a outra. Deus
podia ter feito os homens felizes e criá-los no céu, sem a necessidade de peregrinar
na terra e padecer tantas privações. Mas quis que, através da obediência, nos
preparássemos. Poderia dar sua graça ao homem, quando esta lhe faltasse. Mas quis
que se preparasse para ela, convertendo-se a ele e abandonando o pecado.
Seus sacramentos, que são os vasos comunicantes de sua graça, se são
recebidos sem a apropriada preparação, produzem mais mal do que bem. A palavra
de Deus, fonte de todo bem, se não cair em terra bem disposta, mas ou nas pedras ou
entre os espinhos, permanece infrutuosa. A morte, que é a porta para sair deste
obscuro cárcere, quem a receber sem devida preparação, recebe sua eterna
condenação. Até quando formos orar, Deus quer que nos preparemos. Não o ouvis?
"Antes de fazer um voto, anda preparado e não sejas como quem tenta a Deus" (Sir
18,31).
259

1193. Deus quer que, individualmente, estejamos preparados para recebê-lo,


quando a nós vier. Por isso, quando ele apareceu no monte Sinai em formas sensíveis
de nuvem, fogo e trovões, quis que, por três dias, se preparassem para recebê-lo e
fossem ao seu ao encontro. Quando ele quis vir e habitar com eles no Tabernáculo,
quis que se preparassem e fizessem um lugar adequado e um quarto digno.
Quando ele quis encarnar-se, preparou-se mediante centenas e milhares de anos
e através de figuras e profecias a seu respeito, com desejos e preces e muitas outras
disposições. Quando vem espiritualmente na festa do Santo Natal e da Páscoa, a
Igreja organiza uma preparação de muitos dias, com jejuns e leituras sacras, com
cerimônias devotas e santas pregações. Quando é recebido sacramentalmente, ela
mesma, instruída por São Paulo, ensina aos seus filhos a se prepararem bem, que se
examinem e se façam examinar e, quando aprovados, recebê-lo dignamente.

1194. Esta modalidade de preparar-se gostaria que estivesse em teu coração,


porque com esta se recebe o fruto dos outros. Por isso, digo-vos, irmãos: Preparai o
caminho do Senhor. Preparai o caminho, abri a porta, ornai a casa, limpai o quarto,
embelezai o lugar onde ele virá. A honra e o seu desejo o requerem; o útil e o
conveniente o exigem e requerem.
Aquele que vos convida à esta preparação, é a mesma preparação, ao menos em
parte. Se considerardes a grandeza e a majestade de Cristo, do Filho do Altíssimo,
que vem, não é, por acaso, um grande convite e um preceito que vos convida à
preparação? Se tu consideras quem é que vem, quem é o personagem de tanta
importância, pensarás tu recebê-lo desprevenido, sem preparação, como se entrasse
em tua casa um simples agricultor? Não vedes que a majestade e a claridade de sua
glória vos excita, vos move, vos impele, vos força à preparação? Esta mesma reflexão
é uma boa parte da preparação. O simples colocar diante dos olhos esta sua
grandeza, é um dispor-se, é um compor-se, um colocar-se em dia para recebê-lo bem.

1195. O mesmo sucede na consideração de vós mesmos. Atendei a vós mesmos,


pensai sobre vós mesmos, conhecei-vos bem. Tudo isto vos convida a preparar-vos e
vos preparar juntos. Se vês tua indignidade, a tua necessidade, quanta vergonha
sentirás, se não te preparares. Um verme, um pecador, um mendigo em extrema
necessidade está para receber em sua casa, no coração e corpo o Criador do céu e
da terra, que, nele entrando, quer fazê-lo justo, rico e feliz; pode ele permanecer
descuidadoso diante desse fato? Não fará a necessária preparação? Não seria isto
algo inconveniente?
Portanto, o simples voltar os olhos sobre ti mesmo será um estímulo a preparar-te.
E qual melhor preparação tu podes fazer que perceber tua indignidade e humilhar-te?
Ver tua necessidade e desejá-lo ardentemente? Contemplar tua obrigação infinita e
satisfazê-la? Entender o fruto imenso que receberás e procurá-lo? Por isso, conhecer
a nós mesmo é um preparar-se para ele. Porém, deve o cristão, nesta tão grande e
importante empresa, ter estes dois olhos: olhar a Deus e para si mesmo; olhar a Deus
em si mesmo e a si mesmo em Deus.

1196. Porém, a Arca era coberta por dois tipos de envoltórios: de peles veludosas
e de preciosas cortinas. Estes dois elementos cobriam o lugar de Deus, onde ele
habitava. A mesma Arca era feita de tábuas de madeira, de chapas de ouro, madeira e
ouro em toda parte. A dignidade de Deus e a nossa indignidade juntas, em uma atenta
e viva reflexão, completam o lugar de Deus e fazem a preparação.
Preparai um lugar para Deus desta maneira. Quando deveis comungar, retirai-vos
ou numa igreja ou em vosso quarto e oratório. Nele, recolhidos profundamente,
fechada a porta do coração e de qualquer pensamento, pensai na grandeza de Cristo,
vosso Criador e Salvador, que, através deste Santíssimo Sacramento, vem visitar-vos.
Não é possível que, de imediato, chegueis à perfeição deste santo pensamento, que
compreendais completamente o imenso e infinito, mas esforçai-vos ao menos para
260

conseguir o que puderdes, ver ao menos quanto é necessário abaixar o orgulho de


vosso ânimo, para humilhar-vos, para envergonhar-vos, para fazer-vos tremer,
pensando que Deus virá a vós com tamanha majestade e que em vós entrará o
supremo Monarca de infinita dignidade; que vós recebereis aquele cuja grandeza é
imensa, cuja substância é incompreensível, cuja glória é invisível, cuja luz, bondade e
poder ninguém pode compreender.

1197. Entrai, entrai quanto puderdes, nesta digna e devota meditação. As


mulheres vigiavam, diz a Escritura, à porta do Tabernáculo. Os homens entravam no
átrio, os sacerdotes no santuário, o sumo pontífice no Sancta Sanctorum85, onde se
encontrava Deus. Mas nem ele podia olhar o lugar da presença de Deus. Com o
incenso fazia tanta fumaça e névoa, que enchia aquele lugar. Mesmo que alguém o
tivesse visto completamente vazio, nada via porque Deus não queria que de seu ser
fosse feita alguma figura.
Há quem mais e quem menos penetra no conhecimento de Deus, mas ninguém
chega a ser perfeito. Sua luz ofusca qualquer olhar: "E habita numa luz inacessível" (1
Tim 6,16). Não será pouco para nós se ficarmos à porta com as mulheres. Se
permanecermos fora, poderemos ao menos dar uma olhadela no seu interior. Seja
esta porta feita de duas partes, que juntas se encontram e completam. Assim eram
feitas as portas do templo, portas com duas partes.

1198. Considerai, de uma parte, a grandeza da majestade da substância, do poder


e da glória divina. Considerai, da outra parte, a grandeza da bondade, do amor, da
piedade e da doçura divina. De ambas as partes fazei uma porta que, aberta, permita
um olhar, aos segredos interiores, mesmo ficando o corpo fora.
Da grandeza de Deus, quanto ao ser, ao poder e majestade sua, não saberia o
que vos dizer: a terra é pequenina diante desta grandeza; os céus são estreitos; toda a
imensa abóbada do universo é um nada. Salomão, após ter feito a casa de Deus - que
foi o templo -, confessou que não era porque Deus deveria nele habitar e pudesse ser
compreendido como se compreende a construção de uma sala. Não, não, assim disse
este sábio rei: "Os céus e os céus dos céus não vos podem conter: quanto menos,
pois, esta casa que eu construí" (1 Re 8,27).
Ó Deus, e no entanto é verdade que aquele que é tão grande, que nenhum lugar
pode contê-lo, nenhum espírito por mais extenso que possa ser poderá chegar ao fim,
vem e vem totalmente habitar no corpo de um pobre homem, de uma pobre mulher, de
uma pequena e vil criatura. Tudo se coloca naquela pequena hóstia consagrada,
naquela pequena comunhão, naquele diminuto fragmento. Tudo entra em nós, tudo
fica em nós, tudo se doa a nós.

1199. Sua tremenda majestade, a glória sumamente resplandecente, a dignidade


merecedora de sumo culto e veneração, o poder infinito, que fez o mundo do nada e o
sustém com três dedos, ou melhor, somente com sua vontade; aquele, que ao ver sua
face, tremem os anjos e os mais altos poderes do céu; aquele que em qualquer
perfeição e grau é tão grande, que todas as criaturas juntas, corporais e espirituais,
não podem compreender: este, este Deus tão grande é aquele que vem a ti no bendito
sacramento do altar.
Esta consideração perturba qualquer coração, empalidece qualquer atrevido e faz
tremer qualquer temerário e presunçoso! Para sentir mais gosto, antes de aproximar-
se da bondade divina, contrapõe à divina grandeza tua pequenez. Ó homem, ó barro,
ó verme, ó bolha, ó nada, quem és tu? Quem és? Tu que receberás o grande Deus,
com que disponibilidade de teu ser irás ao seu encontro? Deus entra em ti. Tu
receberás Deus! Deus estará dentro de ti. Serás tu o lugar de Deus?

85
Trad.: o (mais) santo dos santos.
261

Ó contraposição extrema! Mas, com tanta desproporção, com distância tão


grande, com tão ampla diferença, com tão incomparável desigualdade, ainda não
temes? Ainda não tremes? Ainda vais lá tão afoito, sem que teu coração dispare? Teu
peito vai à frente sem respeito? Tua face sem o rubor? O corpo sem o tremor? O
espírito sem o espanto? Encaminhas-te sem a devida reverência?

1200. Vede se é necessário pensar bem na grandeza de Deus e na pequenez do


homem. Fazei o mesmo de sua bondade, do nosso mal e da nossa necessidade. Ó
Bondade divina, quem poderá contemplar-te? Tu és infinito e sem medida, ó limite, ó
sem fim! Todo mundo é um teu sinal, mas um sinal mínimo diante de tão enorme
grandeza. É uma sombra muito tênue, um traço sutil, um ponto indivisível. Oh, por que
eu não tenho palavras para exprimir quão mínimo sinal seja de ti, tu que és a
imensidão? Não digo de manifestar-te, porque nem posso, nem quero fazê-lo. Alegro-
me em não poder fazer isso. E este é também um sinal de tua grandeza.
Ai de mim, porque nem eu, nem todo o mundo, nem os anjos, nem os arcanjos,
nem todas as herarquias do céu poderíamos explicar-te ou anunciar-te? Não, não, não
seja isto verdadeiro. Não serias aquela tão grande bondade que és, se nós
pudéssemos explicar-te plenamente. Ó amigo, quanto menos posso eu dizer e tu
podes compreender, tanto mais saibas como é grande a bondade de Deus. Esta
nossa impotência seja para ti sinal de, ao menos, conhecer pequena parte. Colocando
de lado tua malícia, isto te ajude a unir estas duas realidades.

1201. Ó feliz de ti, se puderes ao menos conhecer quanto és ruim, quão maldoso é
teu pecado, quanta malícia existe em tua iniqüidade, quanta feiúra se esconde em tua
culpa, quanta indignidade em tua perversidade, de quantos erros estão cheias as tuas
abominações. Ó homem, que ofendes a Deus, ingrato à sua bondade, irreverente à
sua majestade, desobediente à sua vontade, rebelde à sua paciência, inimigo de seu
amor!
Ó homem, tão vil por natureza, tão indigno pela culpa, tão distante pela própria
vontade! Ó homem, que acrescentas à tua pequenez o nada, à tua ínfima condição o
pecado, que te afastas tanto de Deus; diferente e indigno dele, crudelíssimo inimigo
contra ele! Tu, tu ousas comungar? Unir-te com Cristo? Avizinhar-te a tanta bondade?
Unir-te a semelhante amor? Receber a fonte da vida, o pai da graça, a luz da glória, o
mar de todo bem? Colocarás a tua malícia perto da bondade de Deus? A tua
iniqüidade ao lado de sua santidade, a tua fealdade à sua pureza, as tuas trevas ao
seu fulgor; tu, pecador, a Deus, o santo dos santos, autor da justiça, doador da pureza,
salvador e purificador de nossa natureza?

1202. Ao desejar comungar, tende estes pensamentos que vos humilharão, ato de
suma necessidade neste caso. Com a humildade, segue este outro passo, isto é, de
purificar-vos perfeitamente, quanto podeis.
Assim, portanto, três coisas vos ensinam na primeira carta. A primeira é a
consideração de Deus e de vós mesmos; a segunda é humilhar-vos profundamente; a
terceira é purificar-vos muito bem. Esta terceira parte divide-se em quatro outras:
exame de consciência, dor do pecado, confissão completa e boas obras. A meditação
de Deus e de vós, já vos estimulou a purificar-vos. Por isso, em vós há um grande
desejo de ser - se não se pode em tudo - ao menos de ser tão dignos, quanto
possível. Sabei que não há outra coisa que nos faça mais indignos do que o pecado.
Para afugentá-lo, necessita-se de grande diligência.
Em primeiro lugar, procura conhecê-lo e vê-lo em tua consciência. Esta, porém,
deve ser examinada com suma diligência, rever todos os pontos, discutir todas as
nossas ações passadas, todas as palavras, todos os pensamentos, todos os desejos.
Este exame requer duas coisas: uma é conhecer e lembrar tudo o que fizemos,
falamos, pensamos e desejamos; a outra é de distinguir o que é e o que não é pecado,
262

qual é o maior e o menor, qual o venial e qual o mortal. Quem não age desta maneira,
atua mal nesta primeira parte e todo o resto será uma derrocada.

1203. Esta é a raiz da árvore. Se a raiz está estragada, toda árvore secará. Este é
o alicerce do edifício. Se o alicerce foi mal feito, o edifício ruirá. Neste particular, não
se deve nem ser negligente, nem ter muita confiança, nem sequer seguir os maus
costumes.
Quantos são os que lá vão irrefletidamente, como se fosse a algo de pouco ou
nenhum valor, de pouca ou nenhuma importância? Quantos que, confiando em Deus
de maneira presunçosa, crêem que não são obrigados a obedecer-lhe? Quantos
julgam ser dever seu aprovar o que eles fazem? E como, no momento, oculta o seu
furor e não o mostra passo por passo, assim ele deva agir sempre, e que nunca
chegue o tempo em que, zangado, os castigue. Estes são os que seguem os maus
costumes do viver corrupto e perverso dos cristãos. Para eles parece ser grande
coisa, se fazem o que os outros cristãos fazem.
Estes não procuram ver se isto é suficiente para sua salvação. Oh - dizem - já é
bastante se fizer o que os outros fazem! Isto me basta. Não quero ser nem mais sábio,
nem mais santo que os outros. Ó pobre homem, ó pobre mulher! Não sabes que a
estrada mais larga é a da perdição?

1204. Tu, mulher, quando preparas o jantar com verduras, não procuras com
diligência ver, se dentro delas, há algum verme ou outra sujeira para tirá-las? Se
queres preparar legumes, não escolhes um por um, para tirar as pedras e outros
objetos? E quando fores, com tua alma, diante de Cristo, não examinarás
minuciosamente o que há por dentro? Também não te atreves a sair em público sem
antes espelhar-te bem, lavar teu rosto, se houver alguma manchinha. E irás, então,
descaradamente, com o rosto da alma sujo diante da face de Deus? Não examinarás
antes para ver como ela está?
Dir-te-ei o que Deus lhe diz pelo profeta: "Naquele tempo, esquadrinharei
Jerusalém com lanternas e castigarei os homens que, enrijecidos sobre seus
excrementos, dizem entre si: Javé não faz nem bem nem mal" (Sof 1,12). O que tu não
queres ver, Deus o verá. O que tu deixas correr sem preocupar-te, Deus te pedirá
contas e contas severíssimas. Esquadrinharei Jerusalém com lanternas, dizia este
profeta, ameaçando a cidade de Jerusalém, indicando que nenhum habitante
escaparia e nem poderia esconder-se, porque Deus, com uma lanterna na mão,
giraria, procurando-o em todos os cantos.

1205. Usa este modo humano de falar, porque nós, quando procuramos com
diligência, costumamos fazer assim. Deus não precisa de lanternas. Suas lanternas
são seus olhos, que tudo penetram. Assim como vê todos os habitantes de Jerusalém,
assim vê os de nossa alma, mística Jerusalém.
Supõe que vês a Deus com a lanterna na mão, procurando todos os secretos
lugares de tua consciência, e que descobrirá o que agora tu não queres ver, o que não
te interessa procurar. Pensas que, se a consciência não te censura, isto seja
suficiente? Deus o verá e, colocando-o em juízo, serás castigado.
Algumas vezes, ficam na cal algumas pedrinhas mal cozidas que, colocadas em
cima do muro, com o tempo estouram, arrebentam e estragam o muro. Fizeram seu
serviço, mas o executaram mal. Estes, estes são os pecados que se deixam de lado
durante o exame de consciência, porque não precisam de penitência, mas, no fim,
estouram e explodem e, com a disformidade da alma, deixam-se ver e conhecer.

1206. Fazei, fazei bem, portanto, o exame de consciência. Não digais: O Senhor
não faz nem bem nem mal. Não digais: "Deus não levará a mal estas sutilezas, com
dizeis vós pregadores. Deus é misericordioso, não nos castigará". Não, não digais
assim. Fazei, fazei o exame de consciência. Fazei-o bem para que Deus o aprove,
263

para que o demônio não o apresente diante do tremendo tribunal do juiz severo para
vosso infinito prejuízo.
Reconhecei, portanto, todos os vossos pecados, discernindo a qualidade e a
quantidade deles. Tendo-os visto e conhecido, suscitai o justo arrependimento que
convém para o caso. Não existiu e nem deve existir coisa tão desagradável e danosa -
que tanta dor vos ocasiona na alma - quanta pode ser a provocada pelo pecado. Este
é que ofendeu a Deus, que condenou a alma e o corpo, que deteriorou o mundo, que
vos priva de todo bem, e que vos faz dignos de todo o mal. Oh, quem poderia
conhecer a fealdade e a ruína do pecado! Oh, quem poderia ver quanto desagrada a
Deus e quanto prejudica o homem! Este, sem dúvida, se arrependeria de tê-lo
cometido.

1207. Contritos, ide confessar-vos de tudo, com humildade, devotamente,


colocando-vos diante do sacerdote como se fosse diante de Deus. Depois, cumpri a
penitência que vos der, ou melhor, que tendes merecido, embora seja pequena. Mas,
nem disto deveis contentar-vos. Deveis acrescentar outras boas obras para vos
tornardes digno de tão grande hóspede.
Quando se espera uma pessoa importante, não se varre somente a casa, não se
lavam somente os bancos e os objetos. Ela fica toda adornada. Enfeitam-se os muros
com belos tapetes. Nos quartos, colocam-se camas bem arrumadas. Nas salas,
dispõem-se as melhores cadeiras. Tudo se ajeita para que apareçam o gracioso e o
precioso. Assim e desta maneira convém que façamos com Cristo.
O exame de consciência, o ato de arrepender-se, de confessar-se e de fazer
penitência são gestos que pertencem ao fato de varrer a casa e deixar tudo em ordem.
Mas não basta isto: é preciso orná-la ricamente. E isto se faz através das boas obras,
com o jejum, com as esmolas e com as orações. Mas onde se encontra tudo isto?
Onde esta ornamentação? Ou melhor, onde está este fato de lavar e limpar bem?
Quem faz digna penitência de seus pecados?

1208. Anos seriam necessários - não digo dois, quatro ou dez - para fazer digna
penitência. Seriam necessários os anos de Matusalém e ainda não seriam suficientes.
Ai de mim, e nós nos colocamos no último lugar da fila para nos confessar e,
imediatamente, sem ter feito a penitência, corremos temerariamente àquele
diviníssimo sacramento! Ó irreverência, ó temeridade, ó sem-vergonhice! É esta a
melhor preparação? É desta maneira que nos preparamos? É assim que nos
colocamos diante do grande Filho de Deus?
E onde está a meditação de sua santa Paixão, requerida pela preparação? Nos
vãos que ornam as muralhas, colocam-se belos quadros, figuras magníficas,
executadas por mãos de artistas. Este, este é o quadro, esta a figura e a atenta
lembrança da Paixão de Cristo Nosso Senhor. Este sacramento é um memorial e
quem o recebe deve conservar sua memória.
Pensa, ó cristão, quando estás para comungar, o que Cristo sofreu por ti. Ele te
deixou este gloriosíssimo sacramento para que fosse um memorial de sua Paixão.
Não ouves? "Todas as vezes que comeis deste pão e bebeis deste cálice, anunciais a
morte do Senhor até que ele venha" (1Cor 11,26). Ó digno memorial, ó morte
veneranda!
Ó cristão, neste pão celeste encontras o teu Cristo da paixão, suas fadigas e
sofrimentos, suas orações e lágrimas, as cadeias e amarras, os golpes e os opróbrios,
as injúrias e acusações, os falsos testemunhos e as insídias dos judeus, a inveja dos
príncipes e o furor do povo, a crueldade dos servos e os flagelos, as chagas e os
espinhos, as confusões e o sangue, o peso e o tormento da cruz, a cruel paixão e a
dura morte, os sofrimentos vergonhosos e a vergonha dolorosa. Aqui encontras tudo o
que fez, sofreu e ganhou por ti. Tudo aqui está recolhido, como num vaso, para dar-te
tudo de uma só vez.
264

1210. Estás para receber o fruto de sua morte e, então, não pensarás nesta árvore
e nesta morte? Ele se dá como memória neste sacramento e tu não o farás memória
em tua mente? Ele sofreu tanto por ti e te desagrada de colocar diante dos olhos este
sofrimento e de contemplá-lo bem? Oh, que ingratos são nossos ânimos! Oh, como
são frias e negligentes as nossas mentes!
Ó alma pecadora, pela qual Deus se fez carne, como a pecadora sente dentro de ti
este amor, que te foi oferecido com sua morte. Achega-te perto de quem pode
inflamar-te! Tem os olhos sempre abertos em teu Senhor crucificado, no teu Cristo da
paixão, no teu Redentor morto. Coloca diante dos olhos este bem-aventurado sinal da
cruz e do amor, aceita-o por ti e para ti, doado a ti e dentro de ti.

1211. Contempla sua cabeça inclinada em sinal de obediência ao Pai, ou melhor,


para chegar até perto de ti. Vê os braços abertos para receber-te e para manifestar-te
o melhor de si mesmo para que, conhecendo-o, o ames, desejes, procures e te lances
completamente nele. Penetra o teu coração e o seu coração, onde se encontra o teu
tesouro. Ele, no entanto, conserva seu peito aberto para que permaneça livre para ti a
entrada daquele precioso e estimado tesouro de seu amor infinito.
Entra por esta porta, ou melhor, por todos os lados que puderes, porque vês seu
corpo todo dilacerado. Em todas as suas partes, podes observar quanto te amou. Isto
é entrar no coração, conhecer o coração, ver o amor, degustar a caridade, sentir o
calor deste fogo, aquecer-se, inflamar-se, arder, queimar-se.

1212. Tudo te sirva para alcançar este objetivo: as chagas no corpo, as feridas nas
mãos, os furos dos pés, as lágrimas nos olhos, os espinhos na cabeça, os cuspos na
face, o fel nos lábios, o cansaço na musculatura, a tristeza na alma e tudo o que nele
vês e podes ver.
Ah, Cristo meu Senhor, que com tanta fartura deste a ti mesmo neste sacramento,
como te entregaste na cruz, faze que, recebendo-te naquele, nesta possamos
contemplar-te; aquele na boca, esta em nossos olhos; aquele em nosso interior,
aquela em nossa mente. Nele temos a nossa vida, nesta a tua morte, da qual nos veio
a vida. Aquela é vida quando toda transformada nesta morte.
Como nos deste tua real presença, assim dá-nos a íntima memória para que um e
outro, cheios de ti, sejamos dignos de ver-te lá, onde, a presença e a memória serão
uma única coisa. Ver-te será como comer-te. Recebendo-te dentro de nós, em ti nos
espelharemos sempre. Isto nos conceda o Pai eterno, através da força da Paixão do
Filho, que, com o Espírito Santo, um só Deus, nos abençoe sempre. Amém.

São José de Leonissa

São José, esposo da Virgem Maria

São José, esposo de Maria, foi definido "excelso e admirável em todas virtudes,
nas graças celestes e dons do Espírito Santo". Tendo apenas os poucos dados
evangélicos, o casto esposo da Virgem Maria é apresentado como excelso modelo
das três virtudes teologais (fé, esperança e caridade) e das quatro virtudes cardeais
(prudência, justiça, fortaleza e temperança). Portanto, é com razão e também em vista
da peculiaríssima missão a ele confiada, que foi ornado dos sete dons do Espírito
Santo e de toda graça e virtude.

I frati cappuccini III/2, 2592-2614

1213. A graça divina, que docemente habita nos justos, mostra e difunde luzes
esplêndidas e raios luminosos de honra e glória, que se colocam entre as grandes
maravilhas produzidas pela natureza, imaginadas pela arte e propostas pela
265

inteligência humana. Algo de mais ilustre e memorável existe na alma do justo, cujos
pensamentos, fatos e palavras, descanso e fadigas são grandes e estupendos.
Se fosse possível ver o invisível, penetrar os corações, enumerar os dons e as
virtudes que no justo existem, ninguém poderia compreender a grande majestade e o
nobre esplendor que nele [em São José] se encontram: pensamentos santos, palavras
elevadas, fatos preclaros, descanso virtuoso, doces fadigas, paz ditosa e gloriosa que
fazem maravilhar-se os olhares e os espíritos de quantos existem na terra. Nele se
glorifica e exalta o excelso Deus, alegram-se os anjos, honram-se os homens,
enfadam-se os demônios, os céus e a terra se maravilham.

1214. Pasmam-se os filhos de Jacó da fortuna de seu irmão José, os filisteus da


força de Sansão, Saul, o rei, da audácia de Davi, o mundo da glória de Salomão. Ao
protomártir Estêvão não há língua nem acuidade de espírito que possa resistir. Aos
apóstolos santos nem ameaças, nem tormentos, nem a morte podem impedir, antes,
esses são temidos e esconjurados a não falarem mais de Jesus Nazareno. O que de
mais maravilhoso do que ver o divino Paulo fazer milagres, ouvi-lo pregar e converter
o mundo? Qual ciência humana e douta filosofia pôde jamais vencer a invencível
virtude de Catarina, a virgem? Quais lisonjas ou ameaças, qual injúria ou tormento,
superaram a santa virgem Inês?
Qualquer que seja esta graça divina, sempre esplendorosa e gloriosa e
manifestada em todos os tempos, em tantos justos e virtuosos, com quanto maior
dádiva e relevante privilégio resplandece no santo e sempre venerável José, de cujo
sagrado natal hoje a Igreja Católica militante se alegra e a triunfante o festeja
alegremente? Não creio que exista coração ou língua humana que possam pensá-lo
de maneira plena ou mostrá-lo com palavras. Por isso, parece-me justo, caríssimos
ouvintes, vamos propor hoje em seu louvor ao menos um pouco de seus preclaros
exemplos, graças e virtudes.

1215. Ficai atentos! O glorioso José descende de famosa, real e antiga linhagem,
porque - como dizem os Evangelhos - ele provém do piedoso Davi e do justo Abraão,
não menos justo do que este, nem do outro diferente em mansidão e piedade. Este
homem foi tão pleno de dons e graças divinas que, depois de seu bendito Filho e da
fiel esposa, não creio que se encontre outro homem na terra a ele semelhante, nem no
céu igual.
Grande e famoso, não apenas em dons naturais, mas excelso e admirável em
todas as virtudes, em graças celestes e dons do Espírito Santo. Possuía aspecto
respeitável, santidade sincera, forças valorosas, juízo nobre, elevado intelecto,
vontade extraordinária, pensamentos puros, moderação nas palavras, justo no agir,
santo em seus negócios, grato e alegre na conversa. Para mostrar como fosse justo
em tudo, não pôde o evangelista mostrá-lo com melhor epíteto que chamando-o
“justo”, porque, como dizem os doutos, a justiça se entende como uma virtude geral,
que todas as outras abraça. Por isso, hoje, eu mesmo procurarei mostrá-las, em parte,
discorrendo sobre suas variadas virtudes.

1216. O eterno Deus fez a criatura racional revestida de tanta dignidade, que a ela
submeteu todas as coisas criadas sob o céu, ordenando-lhe que no fim repousasse
nesse princípio incriado em eterna paz. Por isso, revestiu-o de sua imagem divina
quanto aos dons naturais e à sua semelhança nos outros gratuitos. Deu-lhe memória
para que dele sempre se lembrasse, intelecto para que o conhecesse, vontade para
que, conhecido como ótimo e infinito bem, sumamente o amasse.
Mas, ó casualidade lamentável, ó grande desgraça do mísero homem! Como
durou pouco este feliz e agradável estado, porque, pelo pecado grave de nossos
primogenitores, fomos todos despojados e privados da graça divina e gravemente
feridos nos dons naturais. Por isso, tornou-se necessário que viesse aquele
266

Samaritano para curar este semivivo abandonado. E o fez muito bem, pagando com
sua morte nossa dívida e, com sua vida divina, reformou nossa vida corrompida.
Mas três divinos remédios de virtudes, perfeitíssimos entre os demais, nos deu
para nosso alívio: a fé, a esperança e a caridade. A fé reforma e restaura o intelecto,
no qual se encontra a memória, destinada à lembrança das coisas passadas. As
outras duas virtudes reformam a vontade: a esperança em sua parte irascível e a
caridade na outra chamada concupiscível. Como a primeira imagem que foi dada ao
homem se chamava “criação”, assim esta, que resulta das três virtudes, chama-se,
pelo seu efeito, “recriação”.

1217. Esta foi a primeira imagem da Santíssima Trindade, porque a memória


representa o Pai, o intelecto o Filho, a vontade o Espírito Santo. A unidade da alma
nestas três potências é a unidade da divina essência. Assim, a segunda imagem dos
três, chamadas virtudes, chama-se imagem da recriação. É imagem porque esse
ternário representa a Santíssima Trindade: a fé o Filho, a esperança o Pai e a caridade
o Espírito Santo. A unidade da graça é a essência divina. Esta é também chamada
recriação, porque reforma, restaura, e quase recria a primeira, quanto à graça.
A esta segunda imagem, segue a outra, chamada imagem de glorificação, que
consiste nos três dotes e na unidade de glória. Esta clara visão, que sucede à fé,
representa o Filho; a possessão segura, que sucede à esperança, representa o Pai, e
o perfeito amor e gozo representa o Espírito Santo, e sucede à caridade. E, em
seguida, a unidade da glória é a unidade da essência divina.
A fé me encaminha para acreditar na primeira verdade; a esperança para me
achegar às coisas difíceis e às que se esperam; a caridade impele a desejar e amar o
sumo bem.

1218. A fé perfeita é aquela que se apóia na primeira e suma verdade, como foi a
de Moisés, constituída pela caridade como a da Madalena; fervorosa como a da
mulher, à qual disse Cristo: "Ó mulher, é grande a tua fé!" (Mt 15,28); provada por
boas obras, como a do centurião Cornélio; constante como a do protomártir Estêvão,
de Lourenço e dos outros mártires; ornada pela obediência como a do pai Abraão;
obediente por humildade como a da Virgem, mãe de Deus.
E ainda que nossa fé, como verdadeira, seja certíssima não somente por infinitos e
estupendos milagres, mas ainda por muitas razões e eficacíssimos argumentos
provada, não deve apoiar-se principalmente naqueles, mas somente na verdade
primeira, porque, como o santíssimo Gregório disse: "A fé, à qual a razão humana
apresenta um fato, não tem mérito". A fé perfeita salva o verdadeiro fiel, purifica a
mente, luta contra o mundo, alcança qualquer justo pedido, concede a perseverança,
despreza todo o temporal, justifica e, no fim, beatifica.

1219. A esperança não é outra coisa senão a segura expectativa da glória futura.
Esta procede da graça divina e dos próprios méritos, porque esperar sem méritos, não
digo que é esperar, mas é supor. Mas prestai atenção, a esperança ou é de perdão,
quando diz o salmista: "A vós, Senhor, recorro, não seja eu jamais confundido" (Sl
30,2); ou é de graça, e desta diz ainda: "Quem espera no Senhor, o favor o envolverá"
(Sl 31,10); ou é de glória, e desta assim escrevem os Provérbios: "Quem confia em
Deus vive seguro" (Sl 29,25).
A bendita virtude da esperança concede-nos tantas graças que nos livra das
aflições e aí estão os exemplos de Sansão, Davi e Daniel; conforta, como fez com a
mãe dos sete Macabeus, irmãos matados pelo rei Antíoco: "Admirável e digna de
eterna memória é a mãe, que, amparada pela esperança no Senhor, soube portar-se
corajosamente" (2Mac 7.20); eleva a mente: "Os que esperam no Senhor, renovam
suas forças e tomam asas como a águia" (Is 40,31); salva: "Tu, que salvas dos
agressores os que buscam refúgio na tua direita" (Sl 16,7); administra também as
coisas temporais: "Os olhos de todos em vós esperam" (Sl 144,15). A esperança é
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uma força, uma âncora e medicina, uma jóia e um descanso, uma chave, uma árvore
da vida. Força, porque nos defende de nosso inimigo; âncora, porque nos dá
segurança e nos fortalece nas tribulações; medicina, porque nos cura e preserva de
toda a corrupção; jóia que nos enriquece; descanso, porque a todos consola; chave,
porque abre o céu; árvore da vida que se dá e conduz à vida eterna.

1220. A estas duas virtudes, segue a terceira, chamada caridade, excelente e


preclaríssima entre todas as outras e, de todas a forma, o ornamento, a beleza e o
valor. Com esta, ama-se a Deus somente por si mesmo e as outras coisas em Deus
ou por Deus. Com esta amamos a Deus, como algo acima de nós; depois a nós
mesmos e, em seguida, aos que estão perto de nós, o nosso próximo: os bons e
amigos em Deus e os inimigos de Altíssimo. Por último, amamos o que existe em nós
de inferior, isto é, o próprio corpo e aquele de nosso próximo, como algo que ainda
chegará ao primeiro princípio, que é seu fim último.
A caridade afugenta o pecado e toda injustiça, faz observar a lei, une o homem
com Deus, adorna a mente humana de virtudes, tornando-as perfeitas. Faz-nos amar
novamente a Deus e conquista a glória celeste. Ela é princípio do bem, porque vem de
Deus; é meio porque é segundo a vontade de Deus, fim porque age por Deus. Ordena,
ergue, sustenta e é forte como a morte:"O amor é forte como a morte" (Cânt 8,6).
Suporta qualquer coisa, é fogo que ilumina, esquenta, acende, consome, queima.
Ilumina o intelecto, esquenta e acende o afeto, consome e arde todo vício e mancha
que maculam nossas almas. É ouro puríssimo - o ouro de Ofir - que, nas íntimas e
secretas profundezas de nossos corações, produz a eficaz influência da graça divina,
aumentando-a e conservando-a. Sem esta virtude, é quase impossível agradar a Deus
e salvar-se. Com esta, é impossível perder-se. Compreendei quantas e quais são
estas virtudes e que tesouro para os seus possuidores.

1221. Não é sem razão, portanto, que o glorioso São José era, diante de Deus e
dos homens, de honra e de glória digníssimo, porque a fé robusta, a esperança certa e
a perfeita caridade muito o exaltaram. Que isto seja verdadeiro é evidente, porque se o
justo vive pela fé, quanto mais a fé deste grande justo? Outra prova é aceitação
imediata do anúncio do santo anjo, quando lhe apareceu em sonho. Abrindo-lhe o
mistério da Encarnação do Senhor Jesus, mostrou-se renitente como o incrédulo
Zacarias, mas imediatamente submeteu seu intelecto em sinal de obediência à
primeira verdade.
Foi repleto de esperança e, por causa desta, apoiou-se em Deus. Era constante no
afã, auxiliado na necessidade, liberto dos perigos e sempre devoto das coisas do alto.
Por isso, em seu coração nascia o ardentíssimo fogo da viva caridade, que tudo
iluminava, tudo aquecia, acendia e purificava. De tal modo se elevava e transformava
em Deus que outra coisa não sentia a não ser Deus.

1222 . Mas, porque este mundo proceloso e volúvel empresta-nos uma moradia e,
enquanto vivemos na carne mortal, somos todos peregrinos na terra, por isso
devemos sempre aspirar à pátria celeste. Como a estrada desta viagem é estreita e a
entrada difícil, é somente com a grande ajuda da graça divina e das virtudes santas
que poderemos alcançar o que desejamos. Por isso, necessitamos continuamente
viver bem observando a lei divina, mas também estar sempre prontos a sofrer as
aflições e suportar constantes males, porque estas são duas portas para entrar no
céu. Está escrito: "Se queres entrar na vida" (Mt 19,17), e em outro lugar: "Através de
muitas tribulações é que temos de entrar no reino de Deus" (At 14,22).
Como nossa corrompida natureza é muito difícil e inclinada ao mal, é necessária
tal ajuda que, livre de todo desvio e forte contra o mal, se encaminhe e tenha
facilidade de agir bem. Isto farão em nós as santas virtudes, com a graça divina.
Sendo que o homem deve encaminhar-se a Deus e ao próximo e, nestas duas
realidades, pode inserir-se a desordem, por isso convém que tenhas hábitos virtuosos
268

com certa robustez e vigor, enquanto o homem tende e aspira a Deus. Isto se faz
através das virtudes teológicas. Deve possuir ainda outros hábitos virtuosos que
fortaleçam sua fraqueza contra si mesmo e contra o próximo: esta ajuda é dada pelas
quatro virtudes, que se chamam cardeais. O mesmo e com razão parece ter ocorrido
com a lei divina, quando alguns preceitos encaminham para Deus e outros para o
próximo.

1223. As virtudes são tesouros realmente benditos, são luzes, asas velocíssimas e
ornamentos imortais que enriquecem, alumiam, elevam ao alto e ornam as mentes e
os corações de seus possuidores. Oh, como podemos ver muito bem tudo isso em
nosso glorioso São José! Por estas enriquecido, iluminado, sublimado e ornado, com
facilidade se sentia encaminhado ao bem, pela observância da lei divina, forte contra a
adversidade e bem ordenado para seu Deus, para si mesmo e o próximo. Por isso, era
prudentíssimo em escolher o bem do mal e do bem o melhor; forte contra todo o mal;
sóbrio na prosperidade e justo em dar a cada um o seu.
Como varão prudente, lembrando-se das coisas passadas e dispondo bem as
presentes, possuía grande previdência e iluminação das futuras. Como varão forte,
com confiança e fé, aspirava às coisas do alto, era paciente na adversidade e
perseverante em fugir do mal e perseguir o bem. Como varão sóbrio, usava o freio da
continência à concupiscência, da clemência contra a ira e, com suma modéstia, vivia
sempre feliz. Como varão justo, prestava o devido culto de suprema honra ao
Altíssimo, a todos uma digna estima, obediência às leis, aos superiores o obséquio, e
verdade sincera em todos os tempos e lugares.

1224. Entre os graves danos e as mil e outras desgraças que nossos


primogenitores provocaram para si e para sua posteridade, sobressaem quatro cruéis
feridas: ignorância, malícia, doença e concupiscência. Destas, porém, este grande
justo viu-se livre e curado através do bom remédio das quatro virtudes. Por isso, era
prudente contra a ignorância, justo contra todo tipo de malícia, forte contra a doença e
fraqueza e temperante em superar toda má concupiscência.
Estas quatro virtudes são como um guia para nossas almas, mas estáveis porque
uma figura quadrada, de qualquer parte que seja colocada, sempre permanece
estável. Na parte anterior da alma, coloca-se a prudência para defender-nos das
coisas futuras; na parte posterior, a justiça para remediar as passadas; na esquerda, a
fortaleza para que as adversidades não nos afundem.
Há três tipos de prudência: uma, que é do coração, para dispor as coisas
presentes, reconhecer as passadas e prever as futuras. Desta falava o santo Moisés
no Deuteronômio: "Se fossem sábios, compreenderiam estas coisas, perceberiam seu
êxito final" (Deut 32,29). A segunda prudência refere-se à boca: "Quem modera seus
lábios é prudentíssimo" (Pr 10,10). A outra consiste nas atitudes, que é, segundo Túlio,
em fugir do mal e fazer o bem: "Evita o mal e faze o bem" (Sl 36, 27).

1225. Estes tipos de prudência resplandeciam de tal maneira em nosso santo que,
aos olhos de todos, aparecia antes como um anjo terrestre e um homem divino do que
simples mortal. Era simples como uma pomba, prudente como a serpente. É preciso
observar que muitas são as astúcias da serpente, com as quais se deve defrontar a
prudência dos santos.
A serpente, quando atacada, defende sua cabeça e expõe os demais membros ás
batidas. Assim faz o justo quando, para proteger em si mesmo a cabeça de Cristo,
despreza a si mesmo e as outras coisas. Por isso, diz São Paulo: "Por amor dele
renunciei a todas as coisas e reputo-as como lixo" (Fil 3,8).
A serpente, para perder sua velha casca sem necessidade de fadiga e sofrimento,
entra em um buraco estreito, e assim a renova. Desta maneira, o justo prudente
percorre a estrada estreita da penitência, para despojar-se do homem velho.
269

1226. A serpente - repito-o - para trocar sua velha pele, é preciso que o buraco
não seja muito estreito e nele permaneça imóvel. Assim o justo não somente deve
caminhar pela estrada estreita da penitência, mas ser perseverante e manter os bons
propósitos.
A astuta serpente, para não ser encantada, tapa um dos ouvidos com seu rabo e o
outro o encosta na terra para não sofrer o encantamento. Assim o justo, para não ouvir
as muitas e várias seduções diabólicas, as mundanas e carnais seduções, fecha um
dos ouvidos com a lembrança da morte e, com o outro, pensa em sua vileza, sempre
atento aos perigos que o podem derrubar.
A serpente arma ciladas ao calcanhar da mulher, como diz a Escritura, e o justo
mata e anula este objetivo, que é fruto das obras da carne.
A serpente, pela irreconciliável inimizade com o homem, sempre se esconde,
procurando evitá-lo. Assim, o justo prudente, conhecendo a dura inimizade que o
mundo possui, foge e rejeita-o.

1227. Sendo que o glorioso São José sempre foi assim, quanto então não deveria
ser honrado por todos? "Quem é, portanto, o servo fiel e prudente?" (Mt 24,47). Nada
digo além do que o bendito Jesus Cristo respondeu: "Ele o constituirá superintende de
todos os seus haveres" (Mt 24,47).
E porque era possuidor de maravilhosa justiça, com razão o Senhor
sobrecarregou-o com muitas fadigas, impôs-lhe muitas aflições, fazendo-o passar pelo
fogo e água, e provou-o de várias maneiras, porque esta é maneira com a qual trata
seus eleitos. Mas, então, qual não foi sua fortaleza, paciência, confiança e invencível
perseverança? Tudo foi tão excelso que dele se pode dizer: "Cinge com energia os
seus rins" (Pr 31,17). Se em tudo, sempre e em qualquer lugar, não fugia das coisas
difíceis - contanto que pudesse dar glória ao seu Deus -, virilmente desprezou tudo o
que era terreno e quis ser pobre, exercitando-se em uma arte muito honrada.
Mas, que tristeza para nós! Foi demais grave a infelicidade e danosa a culpa de
nossos primogenitores que, por não se submeterem ao eterno e único Senhor e
permanecerem donos de toda criatura sob os céus, tornaram-se rebeldes a Deus e,
com eles, todas as criaturas se revoltaram. Ou melhor, em si mesmos e depois em
todos seus descendentes, sentiram dentro de si a sempre dura batalha e penosa
guerra, que os molestam.

1228. Por isso, o espírito se opõe à carne e a carne não cessa de combater contra
o espírito. Os sentidos combatem a razão e, na luta da razão contra os sentidos,
tornou-se necessário que, diante de tamanha miséria, a divina clemência viesse em
sua ajuda. Aquela eterna piedade colocou à disposição, para nossa defesa em tal
guerra, a santa virtude da temperança.
Esta dispõe e levanta a alma, refreia os apetites viciosos, extingue os movimentos
carnais e sensuais, ordena nossas obras, mantém equilíbrio, foge dos extremos
depravados, dos quais toda a verdadeira virtude se afasta, caminhando pela estrada
certa.
Diz o glorioso Bernardo: "Mantém a linha do meio, se não quiseres perder a
medida justa". É um provérbio comum dizer que "a medida justa conserva felizes e
caminharás bem protegido no meio". Para seguir e conservar esta justa medida, Cristo
deu-nos exemplo com seu nascimento, sua vida, sua morte e ressurreição. Ao nascer,
encontrou-se entre dois animais; vivendo, sentou-se em meio aos doutores; morrendo,
foi suspenso entre dois ladrões; após a ressurreição, apareceu entre os discípulos e o
evangelista João o viu no céu entre dois candelabros de ouro.

1229. A sobriedade, a continência e a modéstia pertencem à virtude da


temperança. A modéstia modera o gosto desordenado; a continência faz fugir e liberta
da impureza carnal; a modéstia melhora e regula o falar, o ver, o ouvir, o tocar e o
cheirar. Ora, foi tão inato este celeste dom da temperança em nosso glorioso santo
270

que, creio, nenhum homem o pode igualar. Era sóbrio, modesto, benévolo e tão
continente que não é chamado casto, mas virgem puríssimo nos atos e nas palavras e
em todos seus justos pensamentos. Fato realmente maravilhoso. Por isso, escutai-o!
Na antiga lei, foi sempre louvado e comentado o sentido sagrado do matrimônio e
nem era costume fazer voto de virgindade a Deus, para que, desta maneira, o santo
povo eleito de Deus se multiplicasse e assim crescesse o verdadeiro culto divino. Mas,
eis então uma coisa nova e prenúncio de grande novidade: José e também sua santa
esposa, embora não se conhecendo, mas avisados por divino oráculo, fazem a Deus o
voto de perpétua virgindade. Depois de confirmado este voto, saiu do ventre materno,
para iluminar o mundo, esta luz incriada e escondida na nuvem de nossa mortal
natureza. No livro Das Núpcias, Agostinho assim diz: "Depois que a Bem-aventurada
Virgem gerou o filho, manifestou juntamente com seu esposo o voto de virgindade e
ambos permaneceram virgens". E Jerônimo, o santo da virgindade de José, diz:
"Graça agradável e flórida foi a união da virgem Mãe de Deus e José e, como eram
amantes da pureza no matrimônio, foram eleitos pelo Espírito Santo". E Agostinho, no
livro Do Bem Conjugal, diz: "Se José não fosse virgem, de maneira nenhuma lhe teria
sido dada a Mãe de Deus como esposa, do contrário teria falhado este santo
matrimônio". Com isto, não quer dizer que contrariassem o preceito divino, porque,
como aquele, foi mandado por Deus, assim também foi dado por Deus, que
especialmente o revelou e impôs.

1230. Por que Deus permitiu que a sagrada Virgem fosse desposada com José?
Poderíamos indicar muitas razões. Em primeiro lugar, dizemos que, entre a Virgem e
José, houve verdadeiro matrimônio, porque para este não é necessário o ato carnal,
mas, sim, o consenso e a união de vontades. Por isso, há um provérbio que diz que é
o consenso e não a coabitação que faz o casamento. Portanto, a Virgem era
desposada com José para que, com tal matrimônio, se pudesse comparar a Igreja
santa, desposada com Cristo.
Esse matrimônio foi também realizado para que José fosse testemunha da
integridade da Virgem Maria e, do mesmo modo, para que, por meio de José, se
mostrasse a origem e a estirpe de Maria, porque é costume da Sagrada Escritura
narrar a genealogia de alguém da parte dos homens.

1231. Outra razão foi também para evitar a infâmia da pura Virgem Maria, que,
certamente, teria acontecido após o nascimento do filho, caso não tivesse marido. E
ainda mais para que a Virgem não fosse julgada e condenada como adúltera, como
ordenava a lei. Acrescente-se também porque a Virgem e o seu Filho necessitavam do
sustento material, através do trabalho e fadigas de José.
E mais: o mistério da humana reparação devia ser entendido pelo inimigo infernal
e, por outro lado, também para evitar que os judeus perseguissem Cristo exatamente
por ser filho ilegítimo. Outra motivação: o Senhor, que veio para cumprir a lei que
ordenava casar-se, não devia aparecer como quem fosse contra o matrimônio,
proibindo-o para sua Mãe. Por outro lado, agradava também a Deus que a Virgem
Maria fosse desposada com José, para que ela não se tornasse causa de desonra,
mas, sim, ele a honrasse em todos seus estados de virgem, casada e viúva, nos quais
se encontrou a Virgem, tornando-se digna do 100, 60 e 30 por cento da recompensa,
como fala a parábola evangélica.

1232. Do que acima dissemos, qualquer um pode facilmente compreender quanta


prudência, fortaleza e temperança possuiu, além das demais virtudes, este santo
homem e tão insigne foi na justiça, dando a cada um o que necessitava.
A justiça requer duas coisas: desejar a todos ajudar e a ninguém prejudicar. A
Sagrada Escritura não teria podido melhor manifestar a estima que merece esta
virtude, quando diz: "Luta pela justiça até a morte" (Sir 4,28). Qual a coisa, neste
mundo, mais preciosa que a vida? No entanto, devemos estimá-la com um nada
271

diante da justiça, porque, sendo ela uma virtude perene, após a morte, somente ela
permanece, quanto à essência e quanto ao uso. As demais virtudes - as cardeais -,
embora permaneçam quanto à essência, não assim quanto ao uso natural que lhes
convém, porque a temperança não precisa moderar os movimentos ilícitos, nem a
prudência nos defenderá das insídias e fraudes, nem a fortaleza se encontrará diante
de situações difíceis e terríveis, porque estas coisas não existirão mais. Somente a
justiça permanecerá em sua integridade.

1233. A Sagrada Escritura nos convida a seguir e a possuir esta virtude, que muito
a lembra e a louva. Diz S. Agostinho que a justiça é a inclinação natural que se
encontra no coração humano que, com sua experiência, a demonstra claramente. A
isto convida-nos também nosso corpo que, por sua estatura reta, se diferencia dos
animais. Não seria uma loucura que um corpo assim tão nobre tivesse uma vontade
tão distorcida?
Quanto esforço não deveria fazer a pessoa humana para possuir esta preciosa
jóia, porque é a justiça que nos faz felizes: "Bem-aventurados os que têm fome e sede
de justiça" (Mt 5,6) e "Bem-aventurados se tiverdes que sofrer por causa da justiça" (1
Pe 3,14). O Eclesiástico louva-a, dizendo:"Luta pela justiça até a morte" (Sir 4, 28).
Freia as desordenadas tendências da concupiscência: "A justiça será o cinto de seus
rins" (Is 11,5). Prepara a digna habitação de Deus em nós: "A justiça e o direito são as
bases do vosso trono" (Sl 88,15). Livra da morte eterna: "A justiça livrará da morte" (Pr
11,4). E coroa: "Desde agora me está preparada a coroa de justiça" (1Tim 4,8). É
recompensa: "O Senhor retribuiu-me segundo a minha justiça" (Sl 17, 25). Não
menciono outras admiráveis qualidades, dons extraordinários e infinitas graças que
esta celeste e graciosa virtude oferece aos que a possuem. Tudo isto se encontra e
claramente se pode ver ao examinar a vida do glorioso José, porque, durante todo seu
viver e falar, pareceu mais celeste e superior que qualquer mortal. Por isso, o
Evangelho chama-o Justo, como se disse no início.

1234. Que maravilha, portanto, se a bondosa mão do Pai celeste tanto o exaltou
porque está escrito:"As bênçãos caem sobre a cabeça do justo" (Pr 10,6). E, se estava
repleto desta virtude, quem não acreditaria que o Supremo doador de toda graça o
tenha adornado de todos os dons do Espírito Santo, como se diz em outro lugar: "A
sabedoria repousa no coração do ponderado" (Pr 14,33)? Portanto, o temor purificou-
o, a piedade concedeu-lhe a doçura, a ciência ornou-o, a fortaleza sempre o
sustentou, o conselho dirigiu-lhe os passos, o intelecto iluminou-o e a sabedoria
concedeu-lhe a coroa, elevando-o ao sumo grau das virtudes.
Estes são os sete dons do Espírito Santo que, com divina ação, recriam, reformam
e renovam o homem. Deus criou o mundo em sete dias e, com estes sete dons do
Espírito Santo, reformou e recriou este pequeno mundo, que é o homem. Os quatro
dons menores reformam a vida ativa, isto é, o temor, a piedade, a ciência e a fortaleza;
os três maiores, isto é, conselho, intelecto e sabedoria, reformam a vida contemplativa.

1235. Estes são aquelas sete lâmpadas que ardiam no templo que, como normas
eternas, iluminam nossos corações. Sete eram os filhos de Jó que, com suas três
irmãs, banqueteavam-se e comiam deliciosos iguarias. E sete são estes dons que,
com as três divinas virtudes - fé, esperança e caridade - alimentam e saciam com
manjares celestes as almas dos justos e santos.
Sendo sete os espíritos imundos que, como disse Jesus Cristo, entram na alma e
também sete os vícios capitais, os dons de Deus devem igualmente ser sete, isto é, o
temor que afasta a soberba, a piedade a inveja, a ciência a ira, a fortaleza a preguiça,
o conselho a avareza, o intelecto a gula e a sabedoria mortifica nossa soberba
sensualidade.
272

1236. Desta maneira, o homem se reforma completamente, tornando-se humilde


pelo temor, afável pela piedade, discreto pela ciência, livre pela fortaleza, prudente
pelo conselho, discreto pelo intelecto, maduro e cauteloso pela sabedoria. De tal modo
estes raios, luzes e divinas chamas purificaram e renovaram completamente o homem
que, embora nascido da carne e vivendo na carne, mas renovado pelo espírito e
espiritualizado em tudo, organiza seu viver de maneira toda espiritual.
Elevado a esta altura, o glorioso José era justíssimo entre os justos, beatíssimo
entre os bem-aventurados, porque nele se encontram todas as bem-aventuranças: era
pobre e humilde, benigno e dócil, com freqüência chorava por causa das misérias da
vida presente e do desejo da futura que o esperava e de compaixão pelos seus
vizinhos; tinha fome de justiça com um cervo se sacia na fonte cristalina; cheio de
misericórdia, de coração puro e amante da verdadeira paz. Por isso, tornou-se digno
de ser nutridor e julgado pai do Príncipe da Paz (Is 9,6), Jesus Cristo.

1237. Assemelha-se ainda - e bastante - ao feliz e ditoso patriarca José que foi
amado acima de todos os filhos pelo bom e velho pai Jacó, assim o glorioso José foi
especialmente amado, entre todos os homens, pelo Pai onipotente. Aquele, vendido
por inveja pelos seus irmãos, foi levado para o Egito; este, fugindo da perseguição do
soberbo Herodes, levou o Salvador para o Egito.
Aquele mostrou-se fidelíssimo ao seu Faraó, fugindo e recusando o desonesto
pedido da rainha; este, por seu temor reverencial, sempre foi o guarda fiel da Virgem
Imaculada. Àquele foi concedida a graça de interpretar sonhos; a este foram revelados
os altos e divinos segredos e sacramentos da libertação humana. Aquele, fazendo
provisões para os anos de carestia, conservou o trigo para o povo; este, o pão
angélico e celeste, que a todos dá vida.

1238. O grande Faraó deu a José o anel; a este Deus concedeu o anel e a graça
da fiel e santa conversação com sua Esposa. Aquele recebeu uma estola de tecido
finíssimo e de brancura admirável; este recebeu a cândida estola da ilibada virgindade.
Aquele, para ornar seu pescoço, obteve um colar de ouro; este foi revestido pelo dom
de Deus da ardentíssima e luzente caridade.
O feliz patriarca José, por vontade do rei, subiu no carro real; este, conservou em
suas mãos e orientou o Deus iluminado. Faraó mandou que aquele fosse aclamado
como salvador; este foi chamado pai pelo verdadeiro Salvador do universo. A José foi
dada, como mulher, a filha do grande sacerdote do Egito; este teve como esposa o
templo vivo do sumo sacerdote Jesus Cristo que, com sua oferenda, devia reconciliar
todo o gênero humano.

1239. Quando foi celebrado este sacrossanto e virginal matrimônio - dizem alguns
-, a Virgem tinha completado 14 anos. José também era jovem e de aspecto elegante,
embora alguns digam que ele era velho. Tal opinião não parece racional, porque,
tendo sido dado para proteger a Virgem e seu bendito Filho, não seria muito crível que
fosse velho, pois, em tal situação, deveria mais receber cuidados que dá-los. Sem
dúvida, em tal caso, teria sido não um protetor, mas um peso à Virgem. Pensa-se
também que ele era jovem para conservar a fama da Virgem Maria diante dos pérfidos
judeus e para esconder o divino mistério ao inimigo infernal.
E porque, como disse o angélico doutor São Tomás, quem Deus escolheu para
alguma missão prepara-os e de tal modo os dispõe que se tornem idôneos desta
escolha, assim Deus fez com o manso Moisés, quando o colocou como guia de seu
povo; com Saul, quando o escolheu como rei de Israel; com Davi e com seu filho
Absalão, dando-lhes tão prodigiosa sabedoria. Deus fez tudo isto, com grandes
bênçãos, na Virgem Maria, toda cheia de graças divina para que fosse, na terra, digno
receptáculo do Rei celeste. Não devemos crer que tenha feito diferentemente com o
glorioso e bendito José que, escolhendo-o para tão elevado mistério, o tornou
eminente destas maravilhosas virtudes, a ponto de não se julgar digno de tais dons.
273

Disso tudo deixo aos meus ouvintes o julgamento quanto à grandeza e dignidade
deste homem divino que, entre tantos homens do mundo, somente ele foi julgado
digno de ser chamado e julgado pai do Salvador.

1241. Foi ainda com sua esposa, quando a tenra criança - com sofrimento de
ambos - recebeu a circuncisão e, na apresentação ao templo, as sentenças graves e
dolorosas sobre Jesus e Maria, tornaram-se a espada penetrante e dolorida.
Com ela fugiu ao Egito para salvar o Senhor Jesus das mãos do ímpio Herodes.
Ao retornarem, não sem grandes fadigas, sentiram-se opressos por outra imensa dor,
temendo novo perigo contra o Salvador, como diz o evangelista: "Tendo, porém,
ouvido que na Judéia reinava Arquelau, em lugar de Herodes, seu pai, receou ir para
lá" (Mt 2,22). Como era costume, quando se dirigiram ao sagrado templo de
Jerusalém, perderam o caro filho, que estava com eles. Deste fato, se grande foi a dor
de Adão e de sua esposa Eva ao chorar o assassinato do bom e justo filho Abel; se
grande foi a dor do velho Jacó ao perder seu filho José, do santo rei Davi pela morte
de Absalão, do piedoso Tobias com sua mulher pelo caro filho Tobias, maior foi a
aflição de José e de sua esposa que se afligiam, lamentavam-se e choravam a perda
do Menino Jesus. Deixo à consideração das almas devotas quantos sofrimentos e
duras fadigas José enfrentou durante sua vida, com a santa Virgem e seu santo Filho.
E - como alguns dizem - viveu até o tempo do batismo do Salvador.

1242. E porque foi sobrecarregado de tanto peso e trabalho, tornou-se digno de


grandes consolações e, creio, que não houve no mundo homem mais confortado por
celestes consolações que ele.
Grande foi a consolação de Abraão que, tão freqüentemente, falava com Deus
como um amigo a amigo; grande a do patriarca Jacó na celeste visão da misteriosa
escada e quando lutou com o anjo; grande a de Moisés a quem Deus se mostrava
continuamente; grande a alegria do velho Simeão, quando sustentou nos braços o
desejado Salvador; grande a de Isabel, quando foi visitada pela Virgem Maria, e de
João Batista, quando, à presença do Senhor, fez festa no ventre materno; grande a
alegria do apóstolo Pedro ao conversar e viver com Cristo, porém, ele disse: "Para
quem iremos nós, Senhor? Tu tens as palavras de vida eterna" (Jo 6,69); e quando o
viu, ao ser glorificado no Monte Tabor; grande a alegria do discípulo dileto, quando
reclinou sua cabeça no peito do Senhor, tornando-se partícipe dos profundos segredos
da divindade; grande a da Madalena, quando, aos pés do Salvador, absorvia suas
palavras; grande a do divino Paulo, quando foi arrebatado ao terceiro céu. Maior do
que a de todos estes foi a alegria do feliz e venturoso José que, enquanto viveu neste
mundo, sempre teve sob seu cuidado e diante dos olhos aquele eterno monarca, o
Filho do Deus vivente, o Senhor dos Anjos e o Criador do universo.

1243. Se possível, pensai quem era a dileta criança de José, quando, como é
normal na tenra idade, beijava suavemente sua face, quando, com seus pequenos
braços, se lançava ao seu pescoço e o alegrava com muitos outros atos de amor e
reverência! O que se poderia dizer da enorme alegria, quando o chamava pai, quando
lhe era sujeito e, com grande obediência e reverência, o servia?
Se o simples tocar as vestes do Salvador produzia tantos efeitos que não havia
enfermidade que não sarasse, nem males que não desaparecessem e, Ele, ao tocar
alguém, curava os leprosos, sarava os doentes, iluminava os cegos, expulsava os
demônios, fazia os mudos falarem, os surdos ouvirem, os mortos reviverem, este
glorioso santo, que podia tê-lo em seus braços, qual e quanta virtude, qual e quanto
amor - crede vós - que ele não teria? Oh, como poderia repetir com o profeta: "As
vossas consolações regozijam minha alma" (Sl 9,319)!

1244. Tudo isto ele teve em vida, mas na morte, quando a humana condição está
para pagar seu débito, que alegria e júbilo sentiu sua alma, vendo-se morrer nos
274

braços de sua santíssima esposa e Mãe de Deus, entre os amplexos do Deus feito
homem. Como se confortava com aquelas divinas palavras, com as celestes
promessas e revelações! Morrendo entre eles, sua alma foi repousar feliz no seio de
seu pai Abraão, suscitando nova alegria às embaixadas angélicas que libertavam as
almas justas de seus antepassados, presas até então no Limbo!

1245. Portanto, bem-aventurado e mil vezes bem-aventurado! Venturoso e feliz na


vida e bem-aventurado na morte, mas, depois da morte, felicíssimo e, agora,
eternamente feliz, glorioso e abençoado! Se um copo de água fria, dado em nome de
Deus, terá sua recompensa na outra vida, que prêmio - crês tu - não tenha recebido de
Deus, quem consumiu todos seus bens, todos seus meios e fadigas e ainda mais a si
mesmo, para a glória de Deus, para sustentar o unigênito Filho e sua santa Mãe!
Entre os mencionados privilégios, pelos quais se coloca acima dos outros bem-
aventurados, servem-lhe de coroa aquelas duas belas auréolas: uma que lhe convém
como virgem e a outra como doutor e pregador, porque, por sua doutrina e palavras,
foi pregador, mostrando o Verbo encarnado aos pastores, aos magos e a muitos
outros!

1246. Eis, portanto, irmãos caríssimos, quanta luz e raios de honra e favores, que
assombrosas maravilhas produz, conserva e mostra a graça divina sobre quem ela
repousa! Quem, em condições normais de mente e juízo, pode estimá-la tão pouco,
como hoje acontece com este mundo cego e estulto? Olhai, peço-vos, para este
glorioso santo que, hoje, a santa Igreja vos apresenta como exemplo a ser imitado,
que sempre o estimou, valorizou e conservou. E justamente nele mostrou tamanhas
maravilhas e o fez tão glorioso e trasbordante de todas as virtudes, prudente, forte,
moderado, justo, fiel e digno receptáculo da septiforme graça do Divino Espírito e
abençoado em todo grau de bem-aventuranças, que ninguém, na terra, a ele se
assemelha ou iguala.
Não houve graça nem virtude concedida aos antigos padres que nele não
resplandecesse, tal como foi a justiça de Noé, a caridade de Melquisedeque, a
obediência de Abraão, a bênção de Isaac, a escolha de Jacó, a sorte de José, a
ciência de Moisés, a humildade de Davi, a sabedoria de Salomão, o zelo de Elias, a
doutrina de Isaias, a piedade de Jeremias, a verdade de Daniel, a paciência de Jó, a
constância dos Macabeus, a misericórdia de Tobias, a pureza, a sinceridade e a
inocência de João Batista.

1247. Se, portanto, é verdade, como diz o filósofo em sua Ética, que o prêmio da
virtude é a honra, quem deste mundo poderá prestar-lhe a devida honra e cantar-lhe
os louvores? Quem deste mundo poderá render-lhe a digna reverência?
Como ele foi colocado diante de nós como exemplo perfeito de imitação, nele
devemos fixar o olhar de tal maneira que, quanto é possível, não cessemos de imitá-lo
e segui-lo. Esta é a melhor maneira, entre as demais, de honrar os santos.

1248. Ó vós todos, portanto, coragem! Eis o claro espelho onde deveis refletir-vos
e o exemplo que deve ser imitado. Coragem! Procurai uma verdadeira maneira de
segui-lo: vós, incrédulos, seguindo como norma sua fé sincera; vós, de pouca fé, sua
firme esperança. Vós, tépidos e negligentes, sacudi de vossos corações todo torpor e
preguiça; aquecei-vos ao fogo de sua santa caridade. Aprendei, vós imprudentes, vós
fracos, vós intemperantes e maus, a sua prudência, a fortaleza constante e a justiça
celeste. Vós, perversos e maus, vinde e agarrai aqueles dons espirituais e vivificantes
que nele vedes refulgir. Vós todos, mundanos cegos e estultos, que não conheceis
vosso verdadeiro fim e nem o estimais, eis o santo e glorioso José: espelhai-vos nele e
assim o conhecereis e o amareis. Ele vos mostrará a estrada para consegui-lo. Ah, o
que vos impede agora? Ou, então, não são estes os verdadeiros tesouros, amados e
grandes? Coragem, pois, não haja mais engano, não mais o mundo, não mais vossa
275

vã soberba, não vos supere mais vossa imunda concupiscência, não mais os pecados,
não mais o mundo.
O céu é vosso, irmãos. Na terra, sois peregrinos e logo partireis daqui. O céu é
vosso e pouco o tempo que vos resta, aqui na terra. Não percebeis que, a cada dia,
falta um dia à vossa vida? E rapidamente chegará a implacável e inexorável morte,
pela qual, como por uma porta, sairemos desta vida para entrar na outra. Já é tempo
de retirar vossos pés do caminho mal iniciado, que até agora haveis palmilhado, e
iniciar a reta estrada, que é a seqüela do vosso Jesus Cristo, pois somente Ele vos
conduzirá ao verdadeiro repouso.

1249. Mas, ai de mim, porque vejo claramente que outra coisa não fazem os
semeadores da Palavra de Deus senão jogá-la sobre pedras, entre espinhos e nas
estradas pelas quais continuamente se passa. Vós sois as pedras que, não tendo
raízes para se manterem em pé, nem a terra da humildade e o húmus da graça, fazeis
secar e permanecer sem fruto a Palavra de Deus. Vós sois aqueles lugares
espinhentos que, por causa da exagerada atenção dada a este mundo e às riquezas,
sufocais em vosso íntimo a virtude eficaz da palavra divina.
Vós sois aquelas estradas que são pisadas continuamente pelas vossas vãs
concupiscências, por frívolos pensamentos e gravíssimos pecados, onde vosso maior
inimigo caminha por todos os lados e faz uma competição, arrancando-vos a santa
operação, que em vós deveria produzir as sementes das boas pregações. Ai de ti,
mundo sujo e imundo! Ai de ti, cristão, que, vendo e percebendo que não encontras
um verdadeiro bem neste mundo, te vês envolto nestes bens aparentes aliado com o
mundo, como se nada mais se esperasse e nem para outra coisa fosses criado e
direcionado. Desta maneira, estás submerso neste mar revolto.

1250. Por isso, digo-te que, se não mudares de estilo de vida, se não valorizares
tua saúde, nem desejares teu verdadeiro bem, ficarás afogado e submerso neste teu
mundo e mar proceloso. Cego, insensato, exaltado, qual criatura vês mais miserável e
infeliz que tu? Todas as coisas, os céus e os demais elementos procuram e ordenam-
se ao próprio fim, que é o do bem e o da perfeição. Somente tu não te preocupas!
Estulto! Não o procuras? Então não o terás. Não o procuras? Então não o encontrarás.
Chegará logo, logo, aquela hora, quando aparecerá tua loucura e tu conhecerás o
engano, com o grave e eterno prejuízo que lhe seguirá. E, quanto ao tempo, que agora
tão pouco estimas, quererias naquele dia que, ao menos uma hora, te fosse concedida
e não a terás. Compreendeste tudo isto?
A misericórdia divina te presenteia e doa este precioso tempo, esperando que
faças penitência. Irmão, não o jogues fora, não o jogues, mas comece, com vontade
resoluta, a renovar-te. E, se até agora, estavas com as rédeas soltas e sem freio na
corrida para o inferno pela larga estrada dos vícios, volte e entre pela estrada estreita
das santas virtudes e, cheio de fé, esperança e caridade, como também prudente,
forte, moderado e justo, aspira dar maior espaço, dentro de ti, ao Espírito Santo.
Assim, cheio de seus dons celestes e graças divinas, como foi este santo glorioso,
possas sempre, através da graça, viver em Deus, para seres digno, no final, de gozá-
lo na glória, que o Pai eterno nos oferece e doa!

São Lourenço de Brindisi

1. O Santíssimo Sacramento do Altar

Completamente convencido da excelência do sacramento da Eucaristia sobre os


demais sacramentos, porque contém o próprio autor da vida e da graça, o santo
doutor capuchinho mostra sua importância para a vida da Igreja e para a vida de cada
cristão, mostrando um riquíssimo simbolismo bíblico e defendendo a presença
sacramental e corporal de Cristo no sacramento do altar.
276

I frati cappuccini III/2, 2669 - 2678

1251. Como, entre os planetas, o mais excelente é o sol, entre as estrelas o ponto
de convergência, entre os elementos o fogo, entre os céus o firmamento, entre os
animais o homem, entre os anjos o serafim, assim o mais excelente entre os
sacramentos da Igreja de Cristo é o diviníssimo sacramento da Eucaristia. Este é o
sacramento da graça, da caridade e do amor entre todos os sacramentos. Não é,
porém, tão superior aos demais sacramentos como o sol aos demais planetas e
estrelas, o fogo aos outros elementos, o firmamento aos outros céus, o homem aos
demais animais e o serafim aos demais anjos, mas quanto Deus é superior às outras
criaturas, porque o que contém este sacramento é Jesus Cristo, Filho de Deus e da
Virgem Maria, Deus e homem.
Esta superioridade do Santíssimo Sacramento do altar sobre os demais quero
demonstrá-la nesta manhã, para que se inflamem nossos ânimos e corações à
devoção deste excelente sacramento e, cheios de fé e devoção, recebamos a
santíssima comunhão para alcançar a vida eterna.

1252. O grande profeta de Deus, Moisés, o maior de todos os profetas, como


primeiro de todos os sábios do mundo, contemplava, com o olhar aquilino de sua
notável mente, e fixava seus olhares na face daquele eterno sol no qual existe a luz
inacessível, que ninguém pode ou poderá ver, a não ser por especialíssima graça e
dom de Deus. Ao considerar, com sua elevada mente, a inefável presença de Deus
em meio do povo hebreu, naquele divino santuário do sancta sanctorum, em benefício
e glória de sua gente israelítica, pode dizer com muita razão: "De fato, que nação
existe tão grande, que tenha divindade tão perto de si, como está o Senhor nosso
Deus, toda vez que o invocamos?" (Deut 4,7).
O Deus que habitava entre eles não era um deus fingido ou mentiroso, como o
dos outros povos, um Saturno, um Júpiter, um Netuno, um Plutão, Mercúrio ou Marte.
Era, sim, o verdadeiro e vivo Deus, não feito de temor, não de horror imaginário, não
criado por intimidação humana, não fabricado pela arte, não surgido pelo acaso, não
gerado pela natureza, não produzido pelo tempo, mas por si mesmo, pela sua
natureza onipotente, pela sua sabedoria infinita e bondade inestimável, que do nada
criou o céu e a terra, as plantas, os animais e o homem, os planetas, as estrelas e os
anjos.
Este era o Deus que habitava entre eles naquele divino tabernáculo tão familiar
que, continuamente, como filhos caríssimos, alimentava-os com o maná celeste e
dava-lhes de beber da pedra as águas mais doces que o leite e o mel.

1253. Oh! Que benefício! Não há outra nação tão grande, de tão nobre e excelente
dignidade e honra, de tão elevada glória na terra, porque o nosso Deus, o Criador do
céu e da terra, do qual dependem o céu e a natureza, que com três dedos mantém
suspenso o mundo e, em sua mão, encerra o universo e que, por si mesmo e em si
mesmo, totalmente perfeito, perfeitamente feliz e glorioso de glória incomparável,
incompreensível, infinita e eterna, sem princípio e fim, o alfa e o ômega de todas as
coisas, o alfa sem o alfa, o ômega sem o ômega, princípio sem princípio, fim sem fim.
Este Deus sumo, imenso, ótimo, máximo, infinitamente inestimável, que justamente se
estima, quando se julgar de não poder estimar, quem nem o céu, nem os céus dos
céus podem compreender. Este Deus, este nosso Deus está conosco, toda vez que o
invocamos (Deut 4,7).
Ó Moisés, estes eram os grandes benefícios de teu povo: um Deus que habitava
no santuário, que fazia chover o maná para alimentá-lo e brotar a água da pedra para
saciá-lo, que o guiava com uma nuvem gloriosa durante o dia e com uma pirâmide de
fogo durante a noite, que, com tão numerosos sinais e prodígios, o arrancou do Egito,
dando-lhe a lei, o culto, a religião, as santas cerimônias, os justos juizes, que o ouvia
277

em todas as ocasiões e aceitava seus sacrifícios, santificando-o, justificando-o e até


deificando-o.

1254. Sucumbam, no entanto, todas estas grandezas do povo hebreu ao


cristianismo, família eleita de Deus, sacerdócio real e reino sacerdotal, gente santa,
povo adquirido, porque aquele mesmo Deus que assumiu nossa carne e dela se fez
um tabernáculo mais amplo e perfeito, não criado pela mão humana, mas por obra
divina: "E o Verbo se fez carne e habitou entre nós" (Jo 1,14). Nele se verifica este
divino oráculo: "Porei a minha habitação no meio de vós e nunca me indignarei
convosco. Demorar-me-ei no meio de vós e serei o vosso Deus e vós sereis o meu
povo" (Lev 26,11-12). Não somente quis este Deus estar conosco pelo
incompreensível mistério da encarnação, feito Deus homem para fazer dos homens
participantes da natureza divina, mas também, outrossim, incompreensível e inefável
através do diviníssimo sacramento do altar, no qual verdadeiramente Deus está no
meio de nós. Cristo Jesus, Filho de Deus e da Virgem Maria, verdadeiro Deus e
perfeito homem, vive neste Santíssimo Sacramento: "Deus está no meio de nós. E eis
que estou convosco todos os dias até o fim do mundo" (Mt 28,20).
Não percebestes, ó sábios, nas Sagradas Escrituras que este nosso Deus outra
coisa não significa que Cristo? "Ouve, Israel, o Senhor é nosso Deus, o Senhor é
único; abençoa-nos o Senhor, nosso Deus; abençoe-nos Deus" (Deut 6,4; Sal 66,7).
Deus é uno por essência, mas trino nas pessoas: "Santo, santo, santo é o Senhor dos
exércitos" (Is 6,3). Coloca-se o nome de Deus, mas não é Deus nosso por
encarnação, senão o Filho de Deus, a segunda pessoa da SS. Trindade. Notai que a
palavra nosso é adicionada ao segundo nome: Deus, nosso Deus, Deus uno;
abençoe-nos Deus, nosso Deus, abençoe-nos. Coragem: Nosso Deus, o Deus homem
está conosco.

1255. E que pensais, meus ouvintes, que fosse aquele divino tabernáculo senão
um enigma incompreensível de Cristo? O que era aquela arca senão a figura da carne
de Cristo assumida pelo Verbo em unidade pessoal? "Nele habita, conjunta com a
humanidade, a plenitude da divindade" (Col 2,9).
Que pensais que fossem aquela vara florida, as tábuas da lei e o vaso de maná
senão os símbolos manifestos do poder, da sabedoria e bondade divina em Cristo,
comunicadas à natureza humana pela união hipostática das naturezas, da qual resulta
a comunicação dos “idiomas” naturais? E o propiciatório divino sobre o qual estava
Deus, não era a figura da alma santíssima de Cristo, à qual principalmente se uniu a
divindade e da alma à carne? E os querubins da glória não se assemelhavam ao
intelecto e ao afeto na parte superior da alma de Cristo, que sempre foi bem-
aventurada e gloriosa desde o primeiro instante da concepção? Eis, enigmaticamente
descrito, todo o Cristo.

1256. Não sabeis que aquele tabernáculo interior era chamado sancta sanctorum,
com o mesmo nome representando Cristo, o santo dos santos: Até que seja ungido o
Santo dos santos? Não lestes em Daniel que assim o anjo chamou Cristo? Cristo,
portanto, santo dos santos, é o sancta sanctorum. E não sabeis, ó sábios, que aquele
tabernáculo era um lugar super-secreto e que somente o sumo sacerdote podia entrar
e ver aqueles mistérios? Que estava coberto com um véu, impedindo de ver o que
existia lá dentro?
Eis, eis o santíssimo e diviníssimo sacramento, o sancta sanctorum velado, Cristo,
santo dos santos, encerrado no sacramento, escondido pelas espécies dos acidentes
de pão e vinho, mas que contêm o verdadeiro corpo de Cristo, aquele sumo sacerdote
que instituiu este diviníssimo sacramento.

1257. De nós, realmente, e dos hebreus Moisés disse, como nossa figura: Não há
nação tão grande, que tenha divindade tão perto de si, como está o Senhor nosso
278

Deus, toda vez que o invocamos. E que povo existiu no mundo com o privilégio de
alimentar-se sacramentalmente com o corpo e sangue verdadeiros do Deus vivo e
verdadeiro, se não o povo cristão?
Deus está conosco, Cristo Deus e homem e, com ele, nós não somente por
essência, poder e presença naturalmente como Deus, nem só por graça, mas também
por presença corporal neste sacramento. Está presente não apenas em sua forma
visível aos nossos olhos, mas em sua real substância, em sua própria pessoa em três
substâncias: Verbo, alma e carne: E eis que estou convosco todos os dias até o fim do
mundo.

1258. Segundo a divindade, Cristo se encontra, por essência, em todas as coisas


criadas. Nos justos, não somente está, mas habita pela graça, naquela humanidade
que assumiu mediante a união de pessoas. Estas são três maneiras de ser de Cristo
enquanto Deus. Segundo a humanidade, encontra-se também em três modos:
primeiramente, no Verbo como pessoa; em segundo lugar, no celeste firmamento à
direita de Deus, seu lugar natural; em terceiro lugar, na hóstia como sacramento.
Segundo a divindade, encontra-se todo, total e essencialmente em todas as coisas
criadas; segundo a humanidade, encontra-se todo e totalmente, mas
sacramentalmente em todas as hóstias e cálices consagrados nos altares do mundo.
Ó sacramento diviníssimo, não menos incompreensível e inefável que o próprio Deus!
Ó milagre de infinita maravilha! Assim, este diviníssimo sacramento é tão
incompreensível, inestimável e inefável como é o mesmo Deus: O nosso Deus, o
nosso Deus está conosco. Ó sacramento de infinita excelência!

1259. Todos os sacramentos da Igreja são excelentes, ó ouvintes, porque contêm


a graça de Deus, aquela a forma celeste, participação e união da natureza divina.
Que excelência a do batismo, que de trevas nos faz luz, de réus de morte a
sermos dignos da glória do paraíso, de escravos do demônio filhos de Deus! O crisma
faz-nos soldados de Cristo, heróis e semideuses de valor invencível para combater
contra todos os inimigos do vivo espírito de Cristo! A penitência de pecadores
transforma-nos em justos, de vasos da ira em receptáculos da graça e da glória, de
inimigos em amigos de Deus. O matrimônio desposa nossas almas com Deus! A
unção dos enfermos faz-nos entrar nos tabernáculos do paraíso! A ordem sagrada faz-
nos quase outros deuses na terra pela dignidade, honra e poder. Mas este diviníssimo
sacramento da Eucaristia deifica-nos, une-nos com Deus, transforma-nos em Deus,
faz-nos outros deuses.
Os outros sacramentos são vasos da graça de Cristo. Este contém o próprio
Cristo, com toda sua plenitude fontal da graça, dos méritos, da glória e da divindade
de Cristo: Deus está conosco.

1260. Quem desejasse, meus senhores, falar cabalmente deste sacramento,


necessitaria entrar naquele mar infinito da excelência de Deus, de Cristo e depois
proclamar que não existe menor excelência e valor deste sacramento do que a
excelência e o valor de Deus e de Cristo. Ó excelência incompreensível, ó valor
incomparável, ó infinita profundidade!
Pensai, caras almas, com a parte mais sublime de vossa mente e do espírito como
Deus é grande. Diante dele, todo o universo é apenas um grão de milho. Subi acima
de todos os elementos, acima do céu estrelado, acima do firmamento; subi acima de
todos os coros angélicos, pensai na criatura mais sublime que Deus criou ou possa
criar e, então, com os olhos da mente, olhai para o alto, ao céu da divindade de Deus,
em cuja comparação toda criatura, embora nobilíssima, é terra vil. Lá vereis que como
é impossível nosso olhar divisar além do firmamento celeste, assim é impossível e
sem comparação alguma poder com o intelecto chegar à altura de Deus, que é
simplesmente infinito.
279

Ó Deus, ó Deus! Toda esta infinita grandeza de Deus está em Cristo, e todo o
Cristo neste divino sacramento. Portanto, o Deus completo, o nosso Deus, o nosso
Deus está conosco. Quem for capaz de compreender, compreenda (Mt 19,12).

1261. Falarei da graça deste Santíssimo Sacramento relativamente à dos outros


sacramentos. A graça deste sacramento supera tanto a dos outros quanto a luz do sol
em comparação com os demais planetas. Este sacramento contém Cristo, sol de
justiça, fonte da graça santificante, como um sol iluminador. Os outros planetas,
quando têm luz, recebem-na do sol. Os demais sacramentos, quando possuem a
graça, conseguem-na deste sacramento, porque Cristo é o autor de toda graça dos
sacramentos.
A graça deste sacramento é não somente maior em comparação com a graça dos
outros sacramentos, mas é ainda maior do que a graça que se encontra em todos os
eleitos de Deus, homens e anjos, assim como a luz do sol é maior não somente que a
luz dos planetas, mas que todas as outras estrelas do céu. Direi mais: se se colocasse
em um prato da balança uma parte da graça deste sacramento e, no outro, toda a
graça possuída pelos eleitos de Deus, na terra e no céu, homens e anjos e ainda
quantos Deus puder criar, esta pesaria mais que toda a areia do mar a um punhado de
terra. Esta sempre seria como um sol e aquela como a lua. Tamanha é a graça deste
sacramento, meus ouvintes, que Deus com toda sua onipotência e sabedoria não
pôde e não sabe criar maior, embora possa criar mil e infinitos mundos. Ó graça
infinita, sem fim e sem limite deste diviníssimo sacramento!

1262. Há outra singular prerrogativa: não somente contém Cristo como fonte de
graça, mas encerra o autor da natureza e o rei da glória e senhor de todo o universo:
"Foi-me dado todo o poder no céu e na terra" (Mt 28,18). Como o sol é o rei de todas
as estrelas, assim Cristo neste sacramento é o rei da glória de todos os bem-
aventurados do céu: "O Senhor dos exércitos, ele é o rei da glória" (Sl 23,10).
Lembrai-vos, caros ouvintes, como Cristo apareceu em sua gloriosa
transfiguração? "Seu rosto brilhou como o sol e as vestes tornaram-se brancas como a
luz" (Mt 17,2). Cristo, assim glorioso, ressuscitou e subiu ao céu para sentar-se à
direita do Pai. E não compreendeis, ó sábios, que, na ressurreição dos justos, seus
corpos glorificados resplandecerão como outros sóis? "Os justos fulgirão como sol no
reino de seu Pai" (Mt 13,43). Não tendes lido, por acaso, em Paulo que a glória de
todos os justos não será igual? "Um é o brilho do sol, outro o da lua e outro o das
estrelas, pois uma estrela difere da outra em brilho; assim se dá também ao
ressuscitarem os corpos dos mortos?" (1Cor 15, 41-42). Entre todos os bem-
aventurados, a glória de Cristo é como a sol entre as estrelas no firmamento. Ora, se a
menor estrela deste céu possui esplendor e luz maior que nosso sol, que será do sol
da glória entre aquelas estrelas gloriosas? Ó Deus imortal! Que língua poderá
proclamar tal verdade ou qual intelecto poderá compreendê-la?

1263. Direi, senhores, que a glória de Cristo é tão grande que não a supera a
glória de todos os bem-aventurados que existem e existirão no céu. Se Deus
proclamasse beatos todos os anjos que caíram com Lúcifer, todos os condenados que
estão no inferno e as almas do Limbo e criasse quantos homens e anjos que
desejasse e os glorificasse, ainda assim a glória de Cristo seria infinitamente maior,
porque é tamanha a glória deste sumo sol, Cristo, que Deus não pode, nem sabe criar
maior, porque iguala a glória do mesmo Deus, que é absolutamente infinita. E, não
obstante, toda esta glória está contida neste Santíssimo Sacramento, porque, sob as
espécies sacramentais, está oculto o Cristo glorioso, com todos os infinitos tesouros
de sua glória.
Ó sacramento, ó sacramento super-excelentíssimo, graciosíssimo, gloriosíssimo,
diviníssimo, verdadeiro Deus! O nosso Deus está conosco, o nosso Deus está
conosco!
280

Ó meu Deus, quem poderá celebrar este sacramento incompreensível e inefável?


Oh! Se todas as criaturas fossem línguas mais sábias que seráficas, não poderiam
jamais explicar plenamente a infinita excelência desta santíssima Eucaristia!

1264. Ó almas estimadas, conheçamos, peço-vos, a infinita caridade de Cristo


para conosco na instituição deste sacramento, dom infinitamente inestimável, que
justamente se estima quando se julga que não se pode estimar. Dom este
incompreensível que se começa a compreender, quando se compreende que não
pode ser compreendido. Dom inefável, do qual se fala bem, quando, pela grande
maravilha, diante dele se cala de assombro de suas grandezas divinas: O nosso Deus,
o nosso Deus está conosco. A mesma honra devida a Deus deve ser dada a este
sacramento. O louvor que convém a Deus deve ser prestado a este sacramento. A
adoração e o culto que se concedem a Deus devem ser dados a este sacramento
diviníssimo, porque é o mesmo Deus: Deus está conosco.
Oh, como seremos ingratos a Cristo se não glorificarmos com honras divinas, se
não adorarmos como sumo respeito este Santíssimo Sacramento! Depois que entre
todas as coisas mais memoráveis feitas por Cristo a nosso favor, e todas são
digníssimas de eterna memória, não fez outra maior que esta. Com razão o profeta,
quando lhe foi revelado este mistério, pode dizer: "Tornou memoráveis as suas
maravilhas, tão misericordioso e clemente é o Senhor; aos que o temem deu alimento,
lembrado eternamente de sua promessa" (Sl 110, 4-5). As inúmeras maravilhas feitas
por Deus, na criação do mundo e na redenção do gênero humano, todas estão
compreendidas em Cristo. E Cristo - inteiro, todo e totalmente - está neste
sacramento.

1265. Foi dádiva muito grande, ó almas estimadas, que Cristo se deu a nós como
preço, morrendo. Não menor foi o dar-se a nós como alimento consagrado, porque se,
como preço, nos libertou da morte, como alimento, nos dá a vida eterna. Se, como
preço, nos absolve dos pecados, como alimento nos nutre com a graça; se, como
preço, nos deu medicina contra os vícios, como alimento nos restaura as virtudes; se,
como preço, conseguiu que não pecássemos, como alimento faz com que não
desejemos pecar; se, como preço, reconciliou-nos com Deus, como alimento com sua
graça nos reconcilia com todas as pessoas.
Direi também o que é verdadeiro: se, como preço, nos resgatou da escravidão do
demônio e do pecado, como alimento nos vivifica e deifica como seus membros. Como
preço, libertou-nos da morte, mas não para que ficássemos livres da morte, mas como
alimento nos dá a vida eterna da graça com a qual podemos viver para sempre. Como
preço, justificou-nos, mas como alimento nos glorifica e beatifica na vida eterna do
céu: "Quem come minha carne tem a vida eterna; Eu sou o pão vivo que desci do céu;
se alguém comer deste pão viverá eternamente" (Jo 6, 41.50-51.55.57).

2. A admirável mulher do Apocalipse

A partir da "admirável visão" do Apocalipse, Maria é identificada como a mulher


"vestida de sol,com a lua debaixo de seus pés". Confirma-se sua maternidade divina e
maternidade universal de todos os homens em Cristo. Ela é o verdadeiro "sinal" de
Deus, verdadeiro "milagre da natureza, da graça, da glória".

Lourenço de Brindisi, A Virgem da Bíblia, organizado por Frei Mariano de Alatri, Roma
1958, 3-16.

"Grande e maravilhoso sinal apareceu no céu: uma mulher com o sol a servir-lhe de
manto, com a lua debaixo dos pés" (Apoc 12,1).

As consoladoras visões de São João


281

1266. O apóstolo e evangelista João, discípulo amado por Cristo e, depois de sua
morte, proclamado filho da Virgem Mãe de Deus, enquanto se encontrava no exílio de
Patmos, sofrendo por causa da fé em Cristo, foi consolado por Deus com muitas
revelações celestes e divinas. De fato, escreve São Paulo: "É certo, do mesmo modo,
como são abundantes para nós os sofrimentos de Cristo, assim por obra de Cristo é
também superabundante a nossa consolação" (2Cor 1,15), porque "Quando se
multiplicam no meu interior os afãs, regozijam minha alma as vossas consolações" (Sl
93,19).
João, que com amor especial reclinou-se sobre o peito do Senhor e que tinha
escolhido a melhor parte de Maria e que não lhe será tirada, dedicou-se à
contemplação divina após a ascensão de Cristo ao céu. No entanto, mais
intensamente, consagrou-se aos problemas de Deus durante a perseguição, sendo
este sempre o costume dos santos.
Por isso, João, naquele período, "sendo arrebatado em Deus, inflamado por uma
chama mais ardente, e sendo elevado ao alto por certos ardores seráficos, começou a
inundar-se mais copiosa e abundantemente das doçuras da divina contemplação e a
sentir, sem limites, os carismas de celestes inspirações".

1267. Por esta razão, "Deus, Pai das misericórdias e Deus de toda a consolação, o
qual nos consola em todas as nossas tribulações" (2Cor 1,3-4), consolou-o como fez
com o patriarca Jacó na visão da escada celeste, com Moisés na aparição divina da
sarça ardente, com os três jovens na fornalha acesa com o conforto angélico e celeste
alívio. Para consolá-lo, arrebatou Paulo até terceiro céu no paraíso e o deleitou com a
vista inefável da glória celeste. Da mesma maneira consolou, por diversas vezes,
João.
Às vezes, na amplidão do céu, mostrou-lhe, como fez a Estêvão, a glória do
paraíso, a glória de Cristo, a glória de Deus. Freqüentemente aliviou-o com a presença
e conversa dos anjos e encheu-o de grande alegria. Com freqüência, da sublimidade
do céu, apareceu-lhe o dulcíssimo Salvador, mostrando-lhe também a glória do Pai.
Feliz João! Mil vezes feliz pela graça do amor divino!

Também a Virgem consola João com suas aparições

1268. Somente uma coisa podia faltar a João. Ele amava Cristo acima de tudo,
com todo afeto, com sinceridade de coração tal como uma esposa amada o seu
adorável esposo. Por outro lado, quem poderia duvidar que não amasse também a
Virgem Mãe de Deus, a santíssima mãe de Cristo com suma piedade, que a
circundasse de inefável amor, como a mais doce e amada mãe? Ele sabia muito bem
que também era amado por ela, como o filho mais caro depois de Cristo, porque tinha
dito à sua mãe: "Eis o teu filho", e a João: "Eis a tua mãe. E a partir daquele momento,
o discípulo levou-a para sua casa" (Jo 19,26-27).
O que existia de especial no mundo de João que, para seguir Cristo, abandonou
tudo, o pai, a mãe e a si mesmo? Como podia levar para sua casa a Virgem, a Mãe de
Jesus, ele que, tendo deixado tudo, nada possuía? Mas, aqui se trata de amor.
Recebeu-a como um ser estimado acima de todas as outras coisas, como riqueza
inestimável, como preço de valor infinito, como seu tesouro pessoal, toda sua
substância e seu ser. Desta maneira, João demonstrava grande, inefável e
incomparável afeto.
No entanto, poucos anos após a ascensão de Cristo ao Céu, também Maria foi
recebida por Cristo no paraíso para sentar, como rainha, à direita do sumo Imperador,
como "a rainha com ouro de Ofir" (Sl 44,10).
A Virgem Mãe de Deus foi elevada aos céus uns 15 anos depois da Ascensão de
Cristo. João viveu até o tempo do imperador Trajano. Quando pelo imperador
Domiciano, "monstro horrendo de crueldade", foi exilado na ilha de Patmos, a Virgem
282

Santíssima, já nos céus, tinha-o deixado neste vale de lágrimas para ser útil à Igreja,
segundo o projeto de Cristo.

1269. João se alegrava imensamente em seu espírito, sabendo que a Virgem tinha
sido elevada aos céus, exaltada sobre todos os coros angélicos e à direita de Cristo.
Contudo, privado do diálogo, do conforto e da consolação da Virgem, não podia
entristecer-se. A Virgem via tudo isto e o sentia. Podemos pensar que ela se teria
esquecido de João? Como poderia esquecê-lo, a ele que a acompanhou com grande
amor, no lugar de Jesus? O ingrato servidor do Faraó esqueceu-se do inocente José
na prisão, mas Maria não podia esquecê-lo.
Por isso, agrada-nos acreditar que, freqüentemente, a Virgem santíssima, dos
altos céus, visitava João e, como mãe caríssima, consolava o filho muito amado.

A singular aparição da Virgem em Patmos

1270. Penso que João quis dedicar a uma singular aparição da Virgem, em suas
imorredouras lembranças, quando escreveu: "Grande e maravilhoso sinal apareceu no
céu: uma mulher com o sol a servir-lhe de manto, com a lua debaixo dos pés e uma
coroa de 12 estrelas a cingir-lhe a cabeça" (Ap 12,1). Aqui João se refere à Virgem
Mãe de Deus, como assim o julgaram Epifânio, Bernardo, Roberto e outros padres.
Parece que João tenha insinuado isto mais claramente quando disse: "Deu à luz um
filho, um varão, destinado a governar todas as nações com cetro de ferro" (Ap 12,5).
Tais palavras indicam, sem dúvida, Cristo rei dos reis e Senhor dos
governantes, o Unigênito Filho de Deus e da Virgem Mãe. A Virgem Mãe de Deus, a
Mãe de Cristo, a Esposa de Deus, a Rainha do céu, a Senhora dos anjos apareceu,
portanto, a João, revestida de glória celeste e de esplendores divinos, com admirável
majestade: Um grande sinal apareceu no céu.
O Senhor quis, com esta visão, mostrar a João qual foi o tesouro de fé autêntica
que lhe tinha sido confiado na terra, em cujas mãos estavam todos os valores da
riqueza e da glória celeste. Quis, além disso, mostrar, por meio de João à toda a Igreja
católica universal, a todos os fiéis de Cristo, qual a grandeza da glória da Virgem Maria
no céu, diante dos anjos e eleitos de Deus para que não pensássemos que - ousaria
dizer - seria pouco glorificada pelo fato que o Espírito Santo, nas Sagradas Escrituras,
a circundou com uma auréola de sagrado silêncio.

Os livros inspirados pouco falam de Maria

1271. Surpreende-nos que a Sagrada Escritura se mostre tão sóbria a respeito da


Virgem Maria, como também da natureza dos anjos e da glória do paraíso, da qual
Moisés, em sua cosmogonia, nada menciona nem acena à criação deles, embora,
inspirado pelo Divino Espírito, tenha falado muito sobre o mundo visível, o paraíso
terrestre - para imorredoura lembrança - e mencionado tantas obras de Deus e dos
homens, com sobriedade e verdade realmente histórica. Com este silêncio, Moisés
talvez tenha colocado em segundo plano a natureza dos anjos e da Jerusalém celeste,
da qual Deus é fundador e artífice? Por que não falou? Sem dúvida, absteve-se, de
maneira prudente, de tratar destas questões, superiores à capacidade da mente e
razão humanas, porque não teria tido forças suficientes para isso.

1272. Epifânio, em seu Panarion, pensa da mesma maneira a respeito da Virgem


Maria: "A Escritura cala-se por causa da grandiosidade do milagre e para não causar
assombro na mente dos homens". Por esta razão, a Escritura não fala dos parentes da
Virgem, de sua concepção, nascimento, como o fez de João Batista. Nada diz sobre
sua idade, vida, costumes, modo de viver, nem uma palavra sobre sua morte. Quis
apresentá-la de maneira inesperada, como fez com o grande sacerdote de Deus,
Melquisedeque, rei de Salém, do qual diz São Paulo que foi sem pai, sem mãe, sem
283

genealogia, sem ter nem começo de dias nem fim de vida (Heb 7,1-3). Nada sobre isto
encontramos nas páginas sagradas.
Desta maneira e com certa majestade divina foi apresentado o sacerdócio,
como algo celeste e divino, não humano nem nascido da terra. Como com o silêncio
louva-se a Deus, segundo diz o divino profeta: A ti se deve o silêncio, o louvor, ó Deus,
em Sião (Sl 61,1), porque não podemos dignamente falar de Deus. É melhor
contemplar as coisas divinas em silêncio que falar delas fria e levianamente. Da
mesma maneira, o Espírito Santo, por cuja inspiração falaram os homens santos de
Deus, com este silêncio quis honrar a Mãe de Deus. Quis apenas dizer que ela era
digna de ser a esposa de Deus, de conceber e gerar o Unigênito Filho de Deus.
Eis porque, com certa divina majestade, a Virgem Santíssima foi apresentada
sobre a terra: "O anjo Gabriel foi enviado por Deus... a uma Virgem... ao entrar para
junto dela, disse: Salve, ó cheia de graça, o Senhor é contigo" (Lc 1,26-28). Da mesma
maneira: "Um grande sinal apareceu no céu". Apareceu inesperadamente, de aspecto
divino e celeste, como nova obra saída das mãos e da arte de Deus. Como a primeira
mulher Eva, mãe dos viventes, foi criada à semelhança de Adão, primeiro homem
vindo à terra, assim Maria, mulher celeste, foi semelhante a Cristo, o segundo homem
que veio do céu. Por isso, disse "um grande sinal apareceu no céu".

Conteúdo e valor da visão

1273. Deus, com esta visão celeste, quis manifestar à verdadeira Igreja as
grandezas divinas de Maria e revelar aos fiéis as maravilhas escondidas na Virgem,
para que todos pudéssemos conhecer quanta glória emerge das poucas frases que
foram escritas sobre ela.
Sumariamente, pode-se dizer que duas coisas foram comunicadas a respeito da
Virgem: que ela é esposa de Deus e Mãe de Cristo, assim como Eva foi mulher de
Adão e geradora dos homens. Nesta visão, estas duas coisas apresentam-se à nossa
consideração: que é esposa de Deus, Rainha do céu, Esposa do Sumo Rei, e que
concebeu e gerou Cristo, Filho Unigênito de Deus e verdadeiro Deus. Quanta glória
acompanham estes dois fatos. Aparecem as vestes, o trono e a coroa: Uma mulher
vestida de sol, a lua debaixo de seus pés e na cabeça uma coroa com 12 estrelas.
Que visão admirável!

1274. Lemos, com freqüência, que Deus apareceu aos santos, aos patriarcas
dignos de Deus e aos profetas, para manifestar sua glória. Mas nunca foi com
tamanha glória e majestade. Apareceu a Abraão entre as estrelas do céu. Apareceu a
Jacó no alto da celeste escada, enquanto os anjos o serviam. Apareceu a Moisés na
sarça ardente. Apareceu a Isaias sobre um trono excelso e elevado e os serafins
cantavam o divino santo por três vezes. Apareceu a Jeremias com uma vara vigilante;
a Ezequiel, sobre um caro triunfal de glória; a Daniel, na majestade de juiz. Mas em
nenhuma encontramos tais vestes, trono e coroa.
Cristo mostrou sua glória no monte santo aos apóstolos escolhidos. Quando se
transfigurou diante deles, sua face refulgiu como o sol, suas vestes tornaram-se
brancas como a neve. Mas não refulgiu como o sol em toda sua pessoa, nem se
mostrou coroado de estrelas ou apareceu exaltado sobre a lua. Outras vezes, como
lemos no Apocalipse, Cristo aparece a João na glória, com a face refulgente como o
sol, ora entre sete candelabros de ouro e estrelados, ora coroado de arco-íris ou de
muitas coroas. No entanto, nunca com tamanha glória. Que significa isto? Talvez que
a Virgem no céu é superior à glória de Cristo e à glória de Deus? Nada disto!
Como nas cortes dos reis e dos príncipes deste mundo é costume que a rainha,
nas núpcias e em públicas solenidades, se apresente em vestes esplêndidas e ricas,
ornadas de ouro e de gemas preciosas, quase direi, muito melhor que o rei ou o
príncipe filho do rei, por conveniência de condição e de sexo, assim Maria aparece no
céu revestida de maior glória do que aquela em que jamais Deus ou Cristo apareceu.
284

Singularidade de Maria

1275. Isto não causa maravilha. Cristo, de fato, embora resplandecendo no mundo
com uma glória cheia de prodígios e milagres, quis, todavia, que seus apóstolos,
especialmente Pedro, seu vigário e chefe dos apóstolos, resplandecessem não de
menor, mas de maior glória de milagres. "Quem crê em mim fará também ele as obras
que eu faço; antes, fará outras ainda maiores" (Jo 14,12). Por isso, quis que a Mãe
aparecesse circundada de maior glória que a sua: Um grande sinal apareceu no céu.
Realmente, um grande sinal: milagre grande, augusto, divino! Este é o grande
sinal: o milagre. Como, por exemplo: "Pede ao Senhor, teu Deus, um sinal à tua
escolha" (Is 7,11), isto é, um milagre. "Mestre, queríamos ver-te fazer um milagre" (Mt
12,38). Mas está escrito que não fez muitos milagres. Da mesma maneira Ezequias
pediu a Isaias um sinal e, de João, está escrito que não fez milagres. Por isso, um
grande sinal deve ser entendido como um milagre. Este é o primeiro louvor à Virgem
Mãe de Deus, que ela mesma se apresente ao mundo como um grande milagre.

1276. Santo Inácio, na primeira carta a João, chama a Mãe de Deus "celeste sinal
e espetáculo santíssimo". Santo Efrém Sírio, no livro dos Louvores à Virgem, chama-a
"extraordinário milagre do mundo e coroa dos santos". João Crisóstomo, no discurso
do Natal, diz que, de fato, a Virgem foi um grande milagre. Também Epifânio, em seu
discurso, diz: "Uma mulher vestida de sol é um milagre estupendo nos céus. Uma
mulher, que irradia luz dos braços, é um milagre assombroso nos céus. Maravilhoso
milagre nos céus, um outro trono de querubim. Extraordinário milagre o tálamo da
Virgem que traz o Filho de Deus".
Foi admirável a escada que apareceu a Jacó, quando disse: "Verdadeiramente
neste lugar está o Senhor... e cheio de reverência: Quão venerável é este lugar! Ele é
a casa de Deus, e esta é a porta do céu!" (Gên 28,12-17). No entanto, Deus escolheu
a Virgem como "verdadeira casa de Deus". Admirável foi a sarça ardente de Moisés:
"Quero pôr-me de lado para ver este grande espetáculo, como é que a sarça não se
consome" (Ex 3,3). Por outro lado, Deus mostra que a Virgem tem, ao mesmo tempo,
"a alegria de mãe com a honra da virgindade".
Admirável foi a vara de Arão que floresceu, ficou verde e milagrosamente produziu
frutos. Esta foi o tipo desta Virgem: "Despontará um rebento do trono de Jessé" (Is
11,1); surgirá um cetro de Israel" (Num 24,17). Admirável foi a arca do testamento que
operou tantos milagres. Mas, o que foi isto senão a figura da Virgem? Admirável foi o
templo de Deus, do qual se diz: "Queremos saciar-nos dos bens de vossa casa, da
santidade de vosso templo" (Sl 64,5-6). Mas o verdadeiro templo de Deus foi Maria, na
qual habitou toda a plenitude da Divindade. Milagre foi a casa de Salomão, que
maravilhou a própria rainha de Sabá. Mas esta foi a verdadeira casa do verdadeiro
Salomão, Cristo, Rei pacífico: Eis, aqui está quem é mais do que Salomão" (Mt 12,42).

1277. Ó grande milagre! Aquele que os céus não podiam conter, ela o fechou em
seu seio: "O Senhor cria uma coisa nova na terra: a mulher circundará o homem; Eis a
virgem que concebe e dá a luz um filho" (Jer 31,22; Is 7,14): o Emanuel, o homem-
Deus, perfeito Deus e perfeito homem. "Quem jamais ouviu coisa semelhante? Quem
viu jamais coisa igual?" (Is 66,8).
Cristo, nas Sagradas Escrituras, é também chamado milagre: "Cujo nome é
Admirável" (Is 9,6), que, em hebraico, significa milagre. Lemos também: "Sabemos
que o Senhor tornou admirável o seu nome santo" (Sl 4,4). Que Cristo seja chamado
milagre encerra um mistério, porque as obras de Deus, principalmente a criação, a
justificação e a glorificação, podem chamar-se milagres.
Por isso, dizem as Escrituras: "Dou-te graças por tão espantosas maravilhas;
admiráveis são as tuas obras" (Sl 138,14) e, em outro lugar: "Só ele fez grandes
285

maravilhas... com sabedoria fez os céus... estendeu a terra sobre as águas, criou os
grandes luzeiros" (Sl 135,4-7).
Mas Cristo-homem, entre todas as obras de Deus, é como o sol entre os astros, o
milagre mais augusto de Deus. Por isso, o anjo que, na pessoa de Cristo, apareceu
aos parentes de Sansão era admirável, ou melhor, milagre, ou era também chamado o
operador de milagres. Também no Salmo 88, lemos: "Celebrem-se nos céus as
vossas maravilhas, Senhor" (Sl 88,6) que, no texto hebraico, diz: Os céus louvem o teu
milagre e a tua verdade, ó Senhor. Quem não sabe que Cristo é a verdade de Deus?

1278. Sendo Cristo, portanto, o mais sublime milagre de Deus, do qual também
fala Isaias: "Exaltar-vos-ei e louvarei o vosso nome porque executastes maravilhosos
desígnios" (Is 25,1), Maria não pode não ser um grande milagre, porque é semelhante
a Cristo, como a lua cheia é semelhante ao sol. Por isso, como Deus, no início,
colocou nos céus dois grandes luminares, assim colocou também no paraíso dois
grandes milagres: Cristo e Maria.
Lemos que os anjos olham admirados para Cristo: "Quem é este rei da glória?
Quem é este rei da glória?" (Sl 23,8.10). "Quem é este, que avança tingido de
vermelho e com as vestes mais salpicadas do que as de um vindimador? Sou eu, que
me glorio de justiça e sou grande em trazer salvação" (Is 63, 1-2).
Da mesma maneira, lemos, olhando maravilhados para Maria: "Quem é esta
que sobe do deserto entre colunas de fumaça, exalando mirra e incenso e toda a
espécie de aromas de perfumaria? (Cânt 3,1), e ainda: "Quem é esta que avança qual
aurora, formosa como a lua, resplandecente como o sol, terrível como esquadrão
formado?" (Cânt 6,10). Todos admiramos três coisas: que Maria, como Cristo, é um
tríplice milagre da natureza, da graça e da glória. Como Cristo é o grande milagre para
os anjos, assim o é também Maria. Cristo, grande milagre; Maria, grande milagre, Mãe
de Cristo. Um grande sinal apareceu no céu.

Como Maria é um milagre de Deus

1279. Definimos milagre sobrenatural e divino o fato que supera as forças da


natureza, que unicamente pode ser feito pelas mãos de Deus, porque "a Deus nada é
impossível" (Lc 1,37).
Mas qual força dos elementos da natureza, dos céus e até dos homens e dos
anjos teria podido elevar a tal sinal uma mulher de nascimento humilde, exaltando-a
acima de todas as criaturas em méritos e virtudes, superior também aos anjos em
pureza e aos serafins na verdade, desposada com Deus para conceber o mesmo
Deus em seu seio e gerá-lo ao mundo, a Virgem intacta e, ao mesmo tempo, Mãe e
Virgem?
Qualquer novo evento, inédito e raro que, observando-o, em nós provoca
admiração e assombro, costumamos chamar milagre. Mas qual novo, raro e inédito
evento da onipotência de Deus e Maria! "Porque me fez grandes coisas o Todo-
Poderoso, é santo o seu nome" (Lc 1,49). Moisés, que desceu do monte com o rosto
resplandecente, apareceu como milagre aos hebreus. Ora, se a nós e a João fosse
concedido ver Maria em sua glória celeste, oh! que milagre! Mas, no mundo, Maria foi
também um milagre de virtude e de santidade sobre-humana, super-evangélica, quase
divina.

1280. Nós proclamamos admirável, um verdadeiro milagre da natureza quem é o


máximo em arte ou em qualquer profissão, do qual os homens admiram as atividades,
mas especialmente as obras. Ora, eis aí Maria, excelentíssima na arte e na profissão
das virtudes e da santidade. Sendo já o receptáculo das virtudes, tornou-se o templo
da honra e da glória junto de Deus e dos anjos do céu. Por isso, o arcanjo Gabriel, o
príncipe dos anjos, admirando a virtude de Maria, saudou-a, com grande reverência,
dizendo: "Salve, ó cheia de graça, o Senhor é contigo" (Lc 1,28). Por que a chamou
286

cheia de graça, se não a reconhecia muito mais repleta de graças que os anjos? Ó
milagre de santidade!
Maria foi um grande milagre em tudo. Foi concebida, milagrosamente, de pais
estéreis e velhos, como Isaac e João; anunciada sua concepção como a deles e
também a de Sansão. Nasceu por um milagre e muitos ficaram atônitos, como
aconteceu com o nascimento de João. Foi um milagre no corpo: "A mais bela entre as
mulheres" (Ct 1,7); um milagre na alma: santíssima entre as almas; milagre na vida
sobre-humana, super-evangélica, mais que seráfica; admirável na morte, porque "De
grande preço é aos olhos do Senhor a morte de seus santos" (Sl 115,15). Se Deus
honra e enobrece a morte de seus santos com muitos milagres, quanto mais a morte
da mesma santíssima sua Mãe?

1281. Finalmente, um grande milagre operou-se depois da morte, quando


acordada como de um leve sono pelo seu Filho amado, destruidor da morte e autor da
vida, acompanhada pelos anjos, foi elevada aos céus, envolvida de glória imortal,
colocada como Rainha à direita da Majestade, Esposa de Deus e Mãe de Cristo. Por
isso, justamente, apareceu um grande sinal no céu. Mas, Maria é um milagre de
virtudes e de santidade. Um santo doutor dizia que "três milagres lhe pareciam
realmente grandes: Deus e Homem, e este é o primeiro; Mãe e Virgem, o segundo; fé
e coração humano, o terceiro".
Cristo, ao conhecer a fé do centurião, demonstrou sua maravilha. Em Maria, a fé
alcançou a perfeição: "Ditosa aquela que acreditou que teriam cumprimento as coisas
que lhe foram ditas da parte do Senhor" (Lc 1,45). De fato, grande milagre é também o
coração humano, quando a fé é viva, não como um corpo sem espírito, mas quando
age com amor e caridade. A fé de Maria foi viva e, por isso, ouvindo com fé o anjo,
"dirigiu-se apressadamente para a montanha, a uma cidade de Judá" (Lc 1,39,43) para
visitar sua prima Isabel. Ó admirável fé, caridade e humildade! "E donde me é dado a
graça que venha visitar-me a mãe de meu Senhor?" Estas honras divinas não
modificaram a maneira de viver da Virgem Maria.

Maria, milagre de misericórdia

1282. Ainda hoje, como mãe de misericórdia, fonte de graças divinas, mar de
imenso amor e clemência, Maria mostra-se ornada de admirável humildade e caridade
para conosco, a fim de aliviar as necessidades e misérias. A todos os fiéis de Cristo,
ela revela sua materna caridade, acompanhando-os com intenso amor de mãe,
porque, quando na cruz, Deus lhe confiou os fiéis na pessoa de João, com estas
palavras: "Mulher, eis ai teu filho" (Jo 19,26). O mesmo diz-nos Isaias que "não pode
uma mãe esquecer o próprio filhinho e não se enternecer pelo fruto de suas
entranhas" (Is 49,15). Tudo isto se aplica à Virgem Maria. Por isso, ela se revestiu de
sol. O sol, apesar de ser um só, ilumina todos e a cada um dos homens, ajudando-os
com seu calor, que parece feito especialmente para cada um: "Nada foge ao seu
calor" (Sl 18,7). Assim a Virgem Maria, mãe de todos e cada um, é de tal maneira mãe
de todos como se fosse a mãe de cada uma das pessoas.
Como todos e cada um vê o sol inteiro e cada homem conserva em seus olhos sua
imagem íntegra, assim cada fiel, que com sinceridade se consagra à Virgem, pode
gozar de seu amor total como fosse seu único filho. Por isso, Cristo falou
singularmente dizendo: "Eis o teu filho".

Maria, milagre do céu

1283. A ressurreição de Lázaro, segundo a opinião de muitos, apresentou-se


como um grande milagre, magnífico milagre, vértice dos milagres de Cristo. Por isso,
Cristo tinha dito: "Esta doença não é mortal, mas é para a glória de Deus, para o Filho
do homem ser glorificado por ela" (Jo 11,4).
287

O mesmo Redentor parece que julgou sua ressurreição como o sinal máximo e o
maior milagre, quando disse aos judeus, ávidos de milagres: "Nenhum prodígio lhe
será dado ver, senão o do profeta Jonas" (Mt 12,39). Um grande sinal do céu e
admirável, como eles pediam, porque ressuscitou com a mesma majestade e glória da
transfiguração, quando sua face refulgia como o sol. Se Cristo na glória, após a morte,
é um grande milagre, eis Maria, gloriosíssima após a morte: "Grande e maravilhoso
sinal apareceu no céu: uma mulher com o sol a servir-lhe de manto, com a lua debaixo
dos pés, e uma coroa de doze estrelas a cingir-lhe a cabeça"
E que sinal! Diante da harmonia dos céus, o régio profeta canta: "Agora verei o
vosso céu, lavor de vossos dedos, a lua e as estrelas que ali pusestes" (Sl 8,4). Verei,
isto é, contemplarei, admirarei. A Sabedoria diz do sol: Obra admirável, obra do
Altíssimo (Sir 43,2). Tal espetáculo nunca é visto em sua totalidade, porque de dia se
vê o sol, não as estrelas; de noite aparecem as estrelas, mas o sol se escondeu e a
lua, quando está em baixo do sol, não é visível, desaparece completamente. Em
nosso caso, vê-se o sol e a lua, em baixo dele, aparece esplêndida e as fulgúreas
estrelas resplandecem no céu ao mesmo tempo. Deus Criador ornou Maria com todos
os fulgores do céu. Portanto, como é admirável!

Para a vestição dos noviços

Homilia para a vestição dos noviços

Quem deseja entrar na vida religiosa deve não somente ter boa vontade, mas
também corresponder à vocação mediante as obras, principalmente as obras de
penitência, que se manifestam em abraçar a cruz com Cristo e suportar qualquer coisa
para crescer na graça e merecer o paraíso.

I frati cappuccini III/2, 2748-2752

"Estejam cingidos os vossos rins e acesas as vossas lâmpadas, assumindo o


comportamento de homens que esperam o seu senhor, ao voltar das núpcias" (Lc 35-
36).

1284. Com estas palavras de São Lucas, no capítulo 12 de seu evangelho, nosso
Redentor descreve o tipo de vida do bom cristão que deseja alcançar o paraíso, isto é,
abster-se dos pecados, fazer o bem e, finalmente, acompanhar a graça de Deus com
as boas obras.
Melhor, descreve a vida de quem, chamado por Deus a servi-lo na Ordem, deixa o
mundo e se reveste do hábito religioso, dando-lhe a entender que não é suficiente ter
apenas a boa vontade e o desejo de servir a Deus, ter deixado tudo por seu amor,
mas é preciso o acompanhamento das boas obras, verificando-se então o que anotou
São Mateus no capítulo 7º de seu evangelho: "Nem todo o que diz: Senhor, Senhor,
entrará no reino dos céus, mas o que faz a vontade de meu Pai que está nos céus" (Mt
7,21). Segundo a opinião de Orígenes, queria dizer:"O reino de Deus não está nas
palavras, mas na virtude e na observância de seus mandamentos e nas boas obras".
Para servir a Deus, corresponder à vocação e salvar sua alma não bastam
palavras, a boa vontade, o hábito recebido na Ordem, porque o hábito não faz o
monge. São necessárias, no entanto, as boas obras, acompanhadas pela graça de
Deus. Urge fazer violência às próprias paixões, afastar as tentações, combater
valorosamente contra os sentidos, o mundo e todo o inferno, alcançando sobre eles
gloriosa vitória.

1285. Isto é o que nos admoesta o Espírito Santo no capítulo 9 do Eclesiastes:


"Tudo o que consegues fazer, fá-lo alegremente" (Ecle 9,10). Enquanto temos tempo,
Deus nos espera com grande misericórdia e amor. Em todos os momentos devemos
288

louvar sua divina Majestade e a razão o aceita: "Porque não há atividade, nem razão,
nem cognição, nem sabedoria entre os mortos, para onde vais" (Ecle 9,10). Nem a
riqueza, nem a nobreza, nem a razão, nem a ciência ou qualquer outra coisa mundana
ajudará para a outra vida, mas somente as boas obras.
Diz São João: "Felizes os mortos que, a partir de agora, morrem no Senhor. Sim,
diz o Espírito, que descansem das suas fadigas, porque as suas obras vão com eles"
(Ap 14,13). Isto é tão verdadeiro, acrescenta o apóstolo São Paulo, que com tudo o
que Cristo sofreu, derramou seu sangue, suportou a cruel morte por nosso amor e sua
Paixão tenha sido mais que suficiente e a Redenção copiosíssima, não obstante tudo
isto, se não fizermos o bem e, com as obras, acompanharmos a graça de Deus, nem a
Paixão do Filho de Deus, nem o sangue derramado, nem a morte aceita por nossa
salvação, nada nos ajudarão em obter o céu.

1286. "Tornado perfeito, fez-se causa de salvação eterna para todos os que lhe
estão submissos" (Hb 5,9). Eis as palavras do apóstolo com as quais nos possibilita
entender claramente a questão. Notai as palavras Tornado perfeito através dos
flagelos, dos espinhos, dos tormentos, dos pregos, da cruz e da morte, fez-se causa
de salvação, mas somente para os que lhe estão submissos. O apóstolo quis dizer
que nem a fé, nem o batismo, nem o professar-se cristão, religioso, nem qualquer
outra coisa feita por Cristo para nossa salvação nos conseguirá a glória eterna, se não
acrescentarmos às boas obras a graça de Deus.
Isto aparece, em figura, naquilo que foi conservado, como se lê no capítulo 9 do
primeiro livro dos Reis, pela sagacidade de Samuel a Saul, colocando-o sobre a mesa
como alimento: "Eis diante de ti o que te foi reservado" (1Sam 9,24). Mas que maneira
de agir, pode-se dizer, é esta: convida-se um rei para a refeição e coloca-se diante
dele as sobras, o que restou dos outros?

1287. Deixemos, agora, a letra e consideremos o sentido espiritual. Podemos dizer


que delicioso foi o jantar que Cristo fez em sua Paixão, quando reuniu as iguarias das
dores e dos tomentos em seu corpo, colocou-se à mesa e comeu tão abundantemente
que pagou, em excesso, ao Pai Eterno o preço de nossa salvação. Todos somos
convidados a este banquete, mas as sobras são as que restaram a Cristo. Mas, o que
sobrou para Cristo? O que nos deixou do banquete de sua Paixão, quando São
Gregório diz que "Cristo nos redimiu através de sua cruz"? Cristo nos resgatou das
mãos do demônio e por nós satisfez, com abundância, ao seu Pai.
Respondo que, embora a Paixão de Cristo tenha sido suficiente e a Redenção
copiosa, e para nós satisfez ao Pai Eterno de maneira exuberante, é também
verdadeiro o que diz o mesmo santo que "Cristo não completou todas as coisas".
Cristo não comeu tudo no seu banquete. Deixou alguma coisa também para nós. Mas
o que nos deixou? Ouvi o que acrescenta São Gregório: "Mas sobrou que, quem
deseja ser remido e reinar com Deus, deverá ser novamente crucificado". Que belas
palavras, misteriosas, substanciosas e dignas de consideração! Eis as sobras, eis o
que Cristo nos deixou em sua Paixão - digo, a sua satisfação - , as boas obras
acompanhadas pela graça divina, com as quais se torna eficaz a redenção de Cristo e
nos garante a glória do paraíso.

1288. Se isto é necessário ao cristão para que a fé o ajude a obter a herança


eterna que o Filho de Deus, feito homem, adquiriu com sua Paixão e derramamento de
sangue e morte aceita por seu amor, digo que é preciso agir bem, fugir dos pecados,
viver na graça de Deus e suportar, com paciência, a cruz de Cristo, renegando a
própria vontade, mortificando a si mesmo e conformando-se em tudo com a vontade
de Deus. Tudo isto deve fazer e é necessário ao religioso que, por amor de Deus,
abandonou o mundo, deixou todas as coisas e abraçou a Ordem para servir a
Majestade divina.
289

Quanto mais deverá isto ser observado por quem, entre tantos do mundo obteve o
privilégio de Deus de ser chamado a servi-lo em uma Ordem tão santa e boa. Nela
existem tantas oportunidades de fazer o bem e tanta facilidade de oração, de jejuns,
de disciplinas, de mortificação, de sofrimentos e de tantas obras boas que, pela
misericórdia de Deus, se fazem entre nós, que somente Deus as vê e conhece, e
quem as faz pode descrevê-las.

1289. Oh! Quanto se deve agradecer a Deus, amá-lo e servi-lo e repetir com o real
profeta: "Pronto está o meu coração, ó Deus, pronto está o meu coração" (Sl 56,8;
107,2). É preciso mostrar não somente ter vontade e desejo de dedicar-se, com todo
afeto, com todo o coração, com todas as forças, ao seu serviço, mas também com os
efeitos que, no entanto, diz-se duplamente preparado, afirma o Incógnito, que um se
refira ao trabalho e o outro à palavra. O rei Davi, que tinha o coração preparado às
ordens divinas e pronto em servi-lo e amá-lo, dava a entender que o que fazia era com
a vontade e com os fatos, agindo bem e em graça de Deus, com vontade de praticar
coisas maiores em honra e glória da Majestade divina.
Isto é o que Deus deseja de nós. Por esta razão, colocou-nos nesta casa para
que, servindo-o com fidelidade e perseverança até o fim, ricos de boas obras e com
méritos nesta vida, mereçamos a glória na outra. A Deus agrada este nosso e vosso
modo agir através de sua infinita misericórdia e amor.
O vosso nome, em nossa Ordem, será Frei... . Este santo, do qual tendes o nome,
iniciou bem, prosseguiu melhor ainda e terminou ótima e santamente sua vida,
amando e servindo com fidelidade e perseverança a divina Majestade. Se tendes o
nome, imitai-o nos fatos para que, seguindo-o nesta vida no agir bem, sejais dignos
em sua companhia de louvar a Deus no céu com a Virgem santa, com o seráfico São
Francisco e com todos os santos.

Para a profissão dos noviços

Homilia de admissão dos noviços à profissão

A vida religiosa é uma vida de penitência, com o objetivo de constante crescimento


espiritual. A oferta de si mesmos a Deus, mediante a observância dos três votos de
obediência, pobreza e castidade, conduz à glória eterna, garantida pela promessa de
Cristo e pelas palavras da Regra.

I frati cappuccini III, 2752-2755

"Fazei votos ao Senhor, vosso Deus, e cumpri-os; todos os vizinhos a ele tragam
oferendas" (Sl 75,12).

1290. Com estas palavras do Salmo 75, o real profeta convida e persuade,
segundo o parecer de Eutímio, a prometer a Deus dons de penitência a eles devido
como uma obrigação, e não faltar à palavra, prometendo a Deus, diz este doutor, os
dons da penitência e ofertá-los como uma obrigação necessária. E isto, com muita
razão, por causa da grande necessidade que temos de obter de Deus sua divina graça
durante nossa vida e, na outra, a glória do paraíso.
Assim o faz entender o profeta João no capítulo 4 do Apocalipse quando, em
êxtase, diz que viu um trono real, onde Deus estava sentado e, diante do trono, se
estendia um mar de vidro tão puro e transparente que parecia cristal: "Havia um trono
no céu, sobre o qual havia alguém sentado. Diante do trono há um como mar de vidro
semelhante ao cristal" (Apoc 4,2.6).
Quanto a esta visão, embora os santos padres manifestem interpretações
variadas, todavia agarro-me ao que disse o abade Joaquim, afirmando que São João
foi arrebatado em êxtase para contemplar o mistério da SS. Trindade: viu o Pai, o Filho
290

e o Espírito Santo, três pessoas distintas em única essência. Mas o que significa o mar
que Deus tinha diante de seu trono, sobre o qual estava sentado? Responde Dionísio
Cartusiano que significa a penitência. Com prudência e segundo nosso parecer é isto
mesmo, para que entendamos que, depois do pecado, outro meio não existe para
obter a graça de Deus e glória do paraíso senão fazer penitência: "É impossível - eis
as palavras do Cartusiano - que a alma depois do pecado chegue ao trono da glória a
não ser que tenha navegado pelo mar da penitência".

1291. Nenhuma maravilha, portanto, se, sendo tão necessária a penitência para
chegar ao gozo de Deus, o rei Davi nos exorte a oferecer seus dons à divina
Majestade: Fazei votos ao Senhor, vosso Deus, e cumpri-os; todos os vizinhos a ele
tragam oferendas, e com o comentário de Eutímio, prometei a Deus os dons da
penitência e ofertai-os como uma obrigação necessária.
Se isto é verdade, é preciso lembrar que os dons penitenciais são muitos com os
quais podemos a Deus oferecê-los em satisfação pelos nossos pecados. Se a alguns
deles quiséssemos dar a primazia, deve-se dá-la aos dons dos votos que os religiosos
oferecem à divina Majestade em sua profissão, após o ano de provação do noviciado.
É deles que o real profeta fala no mencionado salmo: Fazei votos ao Senhor, vosso
Deus, e cumpri-os; todos os vizinhos a ele tragam oferendas. Ó vós, iluminados por
Deus, que tendo conhecido o engano e vaidade do mundo, abandonando-o, viestes
servir a Deus na Ordem e, durante o ano de provação, oferecestes os diversos dons
da abnegação da própria vontade, da mortificação da carne e dos sentidos, da
austeridade de vida, das disciplinas, dos jejuns, das orações, das vigílias e de outras
boas obras. Para completar o que tendes feito para a glória da divina Majestade e para
a salvação da vossa alma, falta somente que ofereçais os dons mais preciosos, que
são os votos de pobreza, de castidade e de obediência.

1292. Tudo isto pode ser provado, embora os bens que temos possam ser
reduzidos a três tipos. Alguns são bens exteriores de coisas e riquezas, e estes
renunciamos e oferecemos a Deus mediante o voto da pobreza, que, entre nós, é tão
rigoroso que bane toda propriedade, pessoal e comunitária, contentando-se como
simples uso.
Outros são bens e deleites do corpo e estes renunciamos e oferecemos a Deus
através do voto de castidade, que proíbe não somente toda impureza de fatos, de
desejo e de vontade contra a castidade, mas também, em força da Regra que
professamos, qualquer suspeita que possa ocasionar uma sombra de defeito e
pecado.
E, finalmente, outros são os bens interiores da alma. Estes os oferecemos a Deus
pelo voto de obediência, com o qual renunciamos à nossa vontade, submetendo-a
totalmente ao superior em tudo o que lhe agrada mandar-nos, contanto que não seja
contra a divina Majestade e a nossa alma. Tudo isto ensinou-nos o seráfico Pai na
Regra, pedindo-nos que vivêssemos em obediência, sem nada de próprio e em
castidade. Não diz o seráfico Pai que sejamos obedientes, pobres e castos, mas que
vivamos tudo isto, para insinuar o que quer de nós quanto aos votos, querendo ver-
nos sempre preparados a vivê-los e observá-los.

1293. Aliás, é isto mesmo que deu a entender o Salvador ao nosso seráfico Pai e
a nós todos com seu exemplo, quando quis que o Beatíssimo Pai, por três vezes, lhe
oferecesse três moedas de ouro que, milagrosamente, encontrou em seu seio. Estas
significavam os três votos, dos quais o pai São Francisco foi fiel observante, afirmando
que nunca a consciência o repreendeu pela mínima falta contra eles.
Assim, persuadidos pelo real profeta e pela imitação do seráfico Pai, estai
preparados a oferecer estes três dons a Deus e a obrigar-vos a Deus pelos três votos
de pobreza, de castidade e de obediência. Como estais prontos a estas ofertas, pedi à
divina bondade que vos conceda a graça de serdes a elas fiéis observantes para que,
291

mediante esta observância, mereçais a glória eterna, prometida a quem fielmente


observar esta vida e Regra e a esperar aquilo que foi prometido por Deus.
Invoquemos o Espírito Santo para que vos assista com sua graça divina e encha
vosso coração com seu divino amor, a fim de que a oferta seja melhor aceita e, em
contrapartida, vos dê a perseverança para agir bem e cumule vossa alma de méritos
nesta vida e de glória na outra.
Veni Creator Spiritus.

Jacinto de Casale Monferrato

1. Avisos aos diversos estados e graus de pessoas

Jacinto Natta de Casale apresenta amplo leque de exortações espirituais às


diversas categorias de pessoas e, em particular, aos pintores, escultores, músicos,
instrumentistas, livreiros, farmacêuticos, ourives, operários, cortadores de lenha,
padeiros, pedreiros, alfaiates, sapateiros, barbeiros, agricultores, pescadores,
açougueiros, taberneiros, vinhateiros, moendeiros, revendedores, barqueiros,
carroceiros, empregados e empregadas.

I frati cappuccini III/2, 2808-2825

Artes liberais e mecânicas: pintores e escultores

1294. Aristóteles, em sua Política, e Platão, em sua República, proibiram, com


grande zelo, as imagens e as estátuas libidinosas, desonestas. Ambos eram pagãos.
Não sabiam que podiam ser pecado mortal, quando assim mostradas, porque
representavam e impeliam o ânimo a coisas impudicas.
Suetônio, na vida de Tibério, detestava um artista que fazia tais pinturas para
provocar a luxúria. Suetônio não conheceu nem tinha fé em Cristo, que julgará não
somente quem peca, mas também quem apresenta ocasiões ao pecado.
Não digais que vossa intenção não é esta, mas, sim, mostrar vossa arte e valor
artístico. Responderei que quem usa ou não máscara com vestes transparentes que
mostrem notável parte do corpo - que devem estar cobertas - , embora isto faça por
brincadeira e para mostrar a boa disposição pessoal, segundo os teólogos, peca
mortalmente. É vergonha e vitupério! Parece que alguns de vós não sabeis mostrar o
valor de vosso pincel, se não o manchais nas imundícies e no barro.

1295. Os retratos naturais que fazeis de homens ou mulheres casadas, das


pessoas que não lhes é licito desejar, principalmente quando conheceis seus amores
e desejos ou deles duvidais, serão ídolos e demônios que, na hora da morte, gritarão
contra eles e contra vós.
Se quiserdes, podeis fácil e honradamente salvar vossa alma. Tendes um trabalho
que pode levar-vos à devoção, ocupar-vos todo o dia e honestamente, longe de tantos
obstáculos, solitários, dóceis à imitação das coisas boas, quando estais pintando (esta
é uma qualidade da pintura). E vós, com vantagem e uma arte tão propícia para fazer
o bem, procurais as figuras dos Aretinos86, inventadas por Belzebu, odiadas por Deus,
excluídas pelas antigas leis, detestáveis às mesmas repúblicas pagãs, vituperadas
pelos filósofos e pelos historiadores e condenadas por Cristo. Prestai atenção para
não ir para o inferno por causa das pinturas, das cores e figuras, porque isto seria
muito pior. Fugi da avareza, da vanglória, do excessivo desejo de trabalhar, que vos
incita a desprezar os dias de festa e do tempo destinado à alma. Pintai, de boa

86
Nota do tradutor: Aretino é um tipo de baile, designando também a pessoa originária da
cidade de Arezzo
292

vontade, histórias sagradas, ações morais e boas, figuras de santos e percebereis o


efeito maravilhoso que produzirá em vós.

Músicos e instrumentistas

1296. Santo Agostinho diz: "Mais agrada a Deus o latido dos cães, o mugido dos
bovinos, o grunhido dos porcos do que o canto de clérigos licenciosos". Ouvi os
concertos estupendos que se fazem nas festas e nas maiores solenidades? Aquelas
passagens, aquelas pilhérias, aqueles enredos, aqueles acentos e ecos? Ficai
sabendo que, se os músicos não tiverem outro objetivo senão mostrar a própria
habilidade, serem louvados, pagos, amados, aparecer, etc., isto significa "clérigos
licenciosos", seus afazeres são de tão pouco valor que Deus os estima menos que o
latir dos cães, o mugir dos bovinos e o grunhir dos porcos.
E isto com razão, porque estes não ofendem a Deus, mas aqueles, muitas vezes,
escandalizam e provocam irreverências em quem os escuta. Mas há algo ainda pior e
vós o sabeis, principalmente se são monjas e outras mulheres que cantam desta
maneira.

1297. Quando, nas casas, ensinais os meninos e meninas, sede cautelosos e fiéis.
Deus perdoe a quem tiver esta tentação de ensinar às filhas a cantarem e a tocarem
instrumentos. Além dos grandes perigos a que se expõem por causa disto, é um
tempo jogado fora, porque, como são casadas, ao primeiro filho que tiverem "nos
salgueiros daquela terra penduram as nossas cítaras" (Sl 136,2). E se não são
aquelas que vivem desta arte, outras dependuram a poesia e a lira nos salgueiros: em
suas cabeças há bem outra coisa que cantar!
Gosto da música, mas que não seja libidinosa nem incite a isto. Na igreja deve ser
devota, exprimindo bem as palavras sagradas e elevando os corações ao céu. Quem
canta, não o faça por vaidade e com vaidade, mas para louvar a Deus. Não alicie, não
admire a si mesmo e aos outros. Em casa e pelas estradas seja modesta, honesta,
sem outras intenções, sem perturbar à noite a paz dos casados, o silêncio das casas,
com as alvoradas, as serenatas e outras loucuras semelhantes.

Livreiros

1298. Vós que Imprimis e vendeis a lei de Deus impressa em folhas de papel,
vossa alma é como uma tábua limpa, na qual nada de bom se encontra escrito.
Vendeis santos e estais longe da santidade. Às vezes, contra a consciência,
conservais, emprestais e vendeis livros proibidos e desonestos. Não permiti, a vós e a
outros, que em vossos negócios haja gente murmuradora, que fale mal dos outros ou
que fale algo de impudico, de livrecos famosos. Prestai atenção se vos trouxerem
livros de alguma pobre viúva ou órfão: não façais um preço tão baixo que apenas
pague a capa, vendendo-os depois como novos. Pensai que existe a consciência,
embora dela não vos lembrais.
Ao imprimir livros, não usai papel tão fino e mal feito, por causa da vantagem do
preço, que podem ser lidos com dificuldade porque as palavras transpassam do outro
lado. Não sois diligentes nas correções nem revisais bem as tabelas dos livros para
que sejam exatos os números e, hoje, é preciso quebrar a cabeça para estudar por
causa dos tantos erros que se encontram. E isso porque aproveitais de qualquer
revisor que cobra pouco - e isto vos basta! - e com isso vossos lucros caminham bem.
Ó enorme vergonha! Sei que alguns livreiros se desculpam, dizendo que muitos
merecem isto, porque somente procuram livros baratos quando os compram e não
olham se são bem impressos e corrigidos e somente querem ganhar dois ou três
dinheiros por livro. Assim eles dão ocasião aos livreiros de vendê-los a bom preço.
Grande vergonha também para eles!
293

1299. Mas o que mais sinto, é que descobri em tantas cidades entre vós, livreiros,
uma inveja tão grande que faz chorar amargamente. Se alguém imprime um livro bom,
logo se quer reimprimi-lo em vez de imprimir infinitos outros bons livros que não se
encontram no mercado. Quereis imprimir aquele ou para danificar alguns ou porque
existe qualquer mágoa entre vós, não pensando que vós estais causando a mesma
mágoa que recebestes.
Sei que fazeis empréstimos, mas também sei que alguns são fingidos e que Deus
os conhece. Não queirais perseguir-vos tão abertamente, pois isto não se costuma
fazer entre os verdadeiros amigos. Se isto fazeis, é porque no coração existe o
caruncho da inveja e não sei com que consciência fazeis isto. Irmãos, irmãos, o livro
escrito é mostrado, onde aparecerão as malícias, os rancores, os enganos. Ó Deus,
pobres de vós! Pensai, pensai em vossos negócios, se não quiserdes ficar confusos
no dia do juízo. Deus vos ajude, porque disto tendes necessidade.

Boticários, farmacêuticos

1300. Tomai cuidado, boticários, farmacêuticos, para não venderdes uma coisa
por outra, coisas velhas por novas, ruins por boas, venenos e tóxicos a quem
suspeitais que os usará mal. Se quereis uma boa regra para preparar os remédios -
nos quais entram muitos ingredientes e se não tendes alguns deles colocais outro
equivalente ou, como dizeis popularmente, o quid pro quo - pensai se faríeis isto para
vós mesmos, para vossos filhos. Pensai se vosso agir seria este e usarieis tais
ingredientes, ou, então, teríeis procurado um bom médico.
Se para vós fizésseis esse remédio, seria bom sinal. Os outros poderiam também
ficar tranqüilos. Mas se não os preparardes para vós, com que consciência o fareis
para os outros? Ó que boa regra, se souberdes entendê-la! Muito melhor se a
puserdes em prática!

Ourives, ferreiros, lenhadores

1301. Sabei que, com o fogo, amoleceis os metais e fabricais tudo o que vos
agrada. Com a madeira esculpis imagens de santos e santas, flores, frutas, animais,
homens e tudo o que quiserdes. Pensai, de vez em quando, na fornalha do inferno e
que abrasador é esse fogo. Preparai-vos uma armadura de paciência, uma faca e
espada de caridade, um escudo de boa vontade, uma lança de perfeito amor de Deus.
Colocai ferros nos pés de vossos maus afetos com pregos de amor e, se fabricardes
santos, tornai-vos a eles semelhantes.
Reparai bem como a madeira, o ferro, o ouro e a prata se deixam cortar, aguçar,
furar e queimar para se obter um crucifixo ou um anjo? Assim fizeram os santos.
Também vós deixai-vos antes esfolar, pelar e queimar do que ofender a divina
bondade. Suportai com paciência as perseguições, a pobreza, as adversidades, as
doenças, as tentações. Tornar-vos-eis semelhantes às obras que fabricais.

Padeiros

1302. Vós sabeis fazer o pão para o corpo e vossas almas permanecem em jejum
da graça e da vida. Mal vos lembrais que Deus existe. Não santificais o dia e nem há
imagens de santos em vossa casa. Não freqüentais os sacramentos. Miseráveis, e no
forno onde fazeis o pão, considerai o que disse Davi: "Atirá-los-eis como numa
fornalha acesa" (Sl 20,10). Senhor, tu os colocarás no forno de fogo no dia do juízo.
Pobre alma, pobre corpo, colocado em um forno, sem esperança de jamais sair. Que
farás? Que dirás?

Pedreiros
294

1303. Enquanto construís, sede fiéis à obra aceita. Se for por dia, não enganeis o
tempo nem o aumenteis além do justo. Não apresseis demasiadamente o trabalho,
quando está ao vosso encargo. Não estragueis o trabalho, indicado pela vossa
consciência. Se tiverdes enganado no material ou na forma ou na diligência do
compromisso contratado e prometido, lembrai-vos que podeis enganar os homens e
cobrir com embustes as falhas, mas não enganareis a Deus, que diz pelo
profeta:"Destruirei o muro que rebocastes com argamassa, arrasá-lo-ei, e porei a
descoberto os seus alicerces" (Ez 13,14). Descobrirei as astúcias que estão em baixo,
quebrando a crosta do muro até os alicerces; fá-lo-ei cair para que se veja vossa
maldade e sejais castigados.
Antes de fazer o contrato, refleti sobre o que podeis ou não podeis fazer. Não
aceiteis qualquer obra, indiferentemente, sem esta reflexão. Não deveis aceitar mais
do que podeis fazer. Não prometais fazer para tal dia, se não puderdes cumprir a
palavra. Em caso contrário, ofendereis a Deus ao jurar falso e em ao danificar o
próximo nas coisas materiais e a vós mesmos na alma. Contentai-vos com o justo.
Não enganeis nas medidas e nos números. Não obrigueis a pagar uma coisa duas
vezes. Tende paz em vossa casa. Edificai com o bom exemplo vossa família, vossos
empregados. Se construís e gastais o tempo e a vida em acumular coisas terrenas
para os outros - que o tempo destruirá e reduzirá a cinzas - não sejais tão estultos em
não usar o tempo para aquele lugar onde devereis viver eternamente.

Alfaiates

1304. Tantas mentiras, tantos enganos, tantos roubos! Muitos de vós roubais até
de Deus, quando trabalhais à noite, nos dias de festa e nem vos dais conta. Porém,
sois sempre os mais miseráveis e falidos. Pobres de vós! Se algumas vezes pensais
nisto, que ficais acordados para fazer roupas para um homem nobre, para uma mulher
para ganhar quatro dinheiros e a benevolência deles, vós estais nus, sois mendigos,
despojados da veste nupcial da graça recebida no batismo, com o perigo de ser
eternamente afastados do banquete celeste. Vós manejais as mãos e as tesouras
segundo vossa maneira e Deus escreve e anota tudo para fazer as contas, em tempo
oportuno. Asseguro-vos que vos serão necessárias outras coisas para salvar-vos.

Sapateiros

1305. Vós que sabeis cortar o couro, amolecê-lo e puxá-lo com força até o risco e
o sinal marcado. No entanto, não sabeis levar vossa vontade até o risco ou as normas
da lei de Deus, amolecê-la, torná-la mais suave, ajustá-la e cortar as sobras da roupa
dos outros e a abundância de vossa língua mordaz! Se vendeis carneiros ou outros
por couro de cabra, ou solas de cavalo pelas de boi, o couro queimado por bom; se
fazeis o negócio de entregar esse tipo de couro, mostrando o bom para conquistar o
comprador, e depois o trocais com outro pior, pecais mortalmente. Se trabalhais nas
vigílias ou depois da meia noite ou nas festas, sem a necessária licença; se perdeis a
missa, as festas ou as fazeis perder aos empregados para trabalhar, pecais
mortalmente.
Quantos de vós compram o pior couro e meio podre para que se arrebentem
quanto antes os sapatos, para ter melhor mercado, e, ao vendê-los, jurais que são
bonitos, fortes e de bom material e, na verdade, são ruins e de vitelo, de carneiro ou
de outro pior ainda? Com que consciência podeis fazer isto? Se são curtos e estreitos,
vós os colocais nas formas a fim de que alcancem a medida certa somente para
vendê-los. Pelo amor de Deus, colocai antes a vossa consciência na justa medida.
Examinai vossa situação, que bem tendes necessidade.

Barbeiros
295

1306. Vós cortais a barba e tosquiais os outros com os instrumentos do ofício.


Tomai cuidado que em vossos salões não se usem navalhas que cortem a fama e a
honra dos bons. Os vossos salões são normalmente escolas de mentiras e de
murmurações. Vós, consentindo nisto, sois participantes desses pecados, ainda que
vós não murmurais, não mentis. A ocasião de entrar nas casas dos outros faz com que
leveis mensagens. Deus sabe se estas são de devoção ou não. Um dia, descobrir-se-
á tudo e sereis confundidos. Tomai cuidado da ira de quem vos pode castigar.
Não sejais murmuradores, provocadores de rixas, de cabelos desgrenhados e de
longas cabeleiras. Se quereis a bênção de Deus em vossa casa, em nome de Deus
vos mando, como ministro embora indigno, avisai os fregueses, ao menos uma vez,
dizendo: "Senhor, quereis que vos deixe este cabelo longo assim ou que o corte, como
ordenou o padre pregador?" Se eles consentirem, sejam abençoados eles e vós. Se
nada disserem, fazei o que Deus vos inspirar.
Peço-vos, tende em vossos salões alguma figura da Virgem Maria ou da Paixão de
Cristo, alguma folha impressa com bons exemplos. Mas, de maneira alguma,
conservai provérbios ou frases sujas, nem figuras desonestas, nem lascivas e, acima
de tudo, lembrai-vos de observar as festas. Sob nenhum pretexto trabalhai porque
Deus vos tosquiará, nesta e na outra vida.

Camponeses

1307. Vós deveríeis ser os melhores homens do mundo, porque, diariamente, ou


melhor, em cada momento, vedes e constatais novos benefícios de Deus, quando vos
dá o sol, o ar, a erva, o fruto. Diante de vossos olhos, vedes crescer e germinar as
plantas e as sementes para gozar o verão, para descansar no inverno, para todas as
estações, para todos os gostos e apetites dos homens.
Mas vós, à maneira de mudos animais, não tendes outra coisa a não ser a erva e
outra coisa não desejais. Não conseguis erguer-vos da erva até o conhecimento
daquela virtude que, agindo oculta e intrinsecamente, opera o crescimento e a
perfeição da erva, da criatura ao Criador, "que faz crescer para as alimárias" (Sl
103,14; 146,8). Antes, atribuis todos os sucessos à vossa diligência, ao terreno bom,
ao bom adubo, ao acaso, ao tempo, à sorte.

1308. Mas dizeis: Que Deus não mande a chuva durante seis meses e vereis a
quem deveis atribuir os bens que usufruis. Se vier um desastre, dais a culpa às
feiticeiras, aos demônios, à aridez do país, à negligência de vossos operários. Não,
não é assim. Dizei o que Deus não quer e vereis se todo o inferno e todas as
feiticeiras poderão fazer cair uma tempestade ou outro mal. É Deus, o qual "Se ele
retiver as águas, tudo secará; se as deixar correr, estraga a terra" (Jó 12,15). É Deus
que concede as graças por sua graciosa bondade e com maior boa vontade do que
nós somos seus amigos. Flagela-nos pela sua justiça e permite os sofrimentos por
causa de nossos pecados, quando somos seus inimigos.
Sede a ele agradecidos, vivendo sem ofender um Senhor tão bom. Confessai-vos
com freqüência. Ficai contentes com o vosso, seja pouco ou muito. Sede fiéis às
vossas esposas, aos vossos patrões, sem enganos, sem falsidade, sem mentiras. Se
ele vos dá a erva na terra e frutos que se estragam, com muito maior boa vontade dar-
vos-á bens e frutos imorredouros no céu.

Pescadores

1309. Duvido que a maior parte de vós, na hora da morte, tenha, entre lágrimas e
infinita tristeza, de dizer estas palavras a São Pedro: "Mestre, afadigamo-nos toda a
noite e nada apanhamos. Exercitarmo-nos noite e dia durante toda a nossa vida e, no
fim, nos encontramos com as mãos vazias: "E nada apanhamos" (Lc 5,5).
296

É incrível, irmãos, que jamais penseis na alma, tal como se não a tivésseis. "Ó
padre, a pobreza! Temos que trabalhar dia e noite para manter a família e ainda não é
suficiente. Vede, é possível ainda cuidar da alma?" Meus caros irmãos, mais abaixo o
direi ainda aos moendeiros e, agora, a vós, a todos os artistas e a outros pobres que
vivem do próprio suor. Protesto que esta demasiada solicitude e esta vossa pouca fé
sejam a razão porque sois pobres e falidos, que vos falte o tempo e o respiro e,
finalmente, vos faltará também Deus. Dizei-me: se Deus quisesse que todo vosso
tempo fosse empregado para o corpo e não para a alma, credes que a haveria dado?
Creio que não.

1310. Quanto a mim, daqui a pouco provarei tudo. Antes vos teria feito animais
que homens. Ora, se vos fez homens e vos deu uma alma racional, para que vo-la
concedeu? Para que morra e acabe como a dos animais? "Não, padre, mas para que
se salve e viva eternamente!" Bem, mas pode ela viver e salvar-se, se não a
alimentais e dela não cuidais? "Não, padre!" Portanto, porque Ele vos deu a alma, sem
dúvida quer que dela cuideis, não é verdade? "Sim, padre!"
Ma, se empregais todo o tempo para o corpo - como dizeis - , para que ele vos deu
alma? Se ele vos deu a alma, como não vos daria o tempo para dela zelar? Ou Deus
faz algo em vão ou falta a necessária Providência às coisas! Tanto um como o outro
seria uma ímpia blasfêmia, porque Deus e a natureza nada fazem inutilmente e a
todas as criaturas provêm suficientemente, segundo suas próprias qualidades e
necessidades.

1311. Portanto, é forçoso crer e confessar que nem todo o tempo deve ser
dedicado ao corpo e que nem tudo deva servir apenas às necessidades temporais,
mas, se desejamos conhecê-lo, poderemos tê-lo para um e para outro. É a vossa
pouca fé, pobrezinhos, porque não destes o lugar mais importante e principal à vossa
alma. Juro em nome de Cristo que digo a verdade e que não me deixará mentir: "E
todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo" (Mt 6, 33; Lc 12,31). Sem dúvida,
conceder-vos-ia o tempo para um e para outro. É obrigado a fazê-lo. Assim prometeu
no Evangelho. É mais fácil faltarem o céu e a terra do que sua palavra falhar. Mas
porque, incrédulos, não pensais no reino dos céus e em vossa alma, a não ser nas
desgraças, sofrereis e morrereis como animais e, no fim, trabalhamos durante toda a
noite, e vos encontrareis com a alma e o corpo perdidos. Deus vos ilumine para
compreender esta verdade, a vós e a tantos outros que necessitam.
Contentai-vos com um lucro moderado. O que vale dois, não peçais seis ou mais,
como fazem muitos vendedores aos novos peregrinos que não conhecem os preços.
Em todo caso, se o lucro é além da medida e do justo, eles e vós sereis obrigados a
restitui-lo e não o podereis reter. Não jureis falsamente. Não sejais impacientes. Não
amaldiçoeis nem blasfemeis, mas recebei da mão de Deus qualquer acontecimento
imprevisto.

Açougueiros

1312. Açougueiros, vós estais acostumados a trabalhar com carne e sangue, a


esquartejar e a tirar a pele dos animais. Oh, quanto retendes destas coisas que tratais.
Vossa vida é animal, carnal, incapaz das coisas espirituais. Deus sabe se ouvis a
missa, se vos confessais, se sabeis as coisas necessárias para vossa salvação. Ide,
ide também vós à doutrina cristã e aprendei a viver como homens e não como
animais. Deus sabe se, enquanto matais os animais, pensais em vossa morte e que
para vós existe outra vida.
Creio que não e para mim é um grande sinal ver que comprais o inferno por preço
tão vil. Por qualquer coisa, vós blasfemais, contais mentiras, vos encolerizais.
Coléricos e impacientes, tratais mal os homens humildes e, especialmente, os pobres
que não quereis. Muitos de vós - digo muitos e não todos porque conheci um que não
297

agia assim, mas era modesto, piedoso e caridoso - não quereis, digo, às vezes dar
aos pobres pequena quantidade de carne que, talvez, seria para um pobre doente. Ao
contrário, com injúrias e com palavras duras, os expulsais.

1313. Duvido que não, porque vejo que vós sabeis desfalcar mais que os
encarregados de recolher as décimas. Estes dizem onze de peso; vós dizeis doze e
retendes ainda dois ou três. Não são canônicos nem legítimos nem justos estes
vossos roubos. Não vale dizer que o fazeis de pouco a pouco e que de minimis non
curat praetor87. Digo-vos o que Cristo disse aos fariseus:"Ai de vós, escribas e fariseus
hipócritas, que pagais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e descuidais as
coisas mais importantes da lei" (Mt 23,23; Lc 11,42). Vós roubais pouco a pouco e
Deus vos fará pagar tudo de uma só vez. "Ai de ti, devastador, que não foste
devastado!" (Is 33,1).
Considerai que os animais que vós matais, o sofrimento deles termina com apenas
quatro mugidos e com quatro pontapés Mas vós, se morrerdes como animais
ignorantes, sem o conhecimento de Deus, sem emenda e penitência de vossa má
vida, não acabareis com a morte, mas ireis para outro lugar, onde seria o maior gozo
poder morrer e a morte fugirá de vós, como diz São João.

Taberneiros, vendedores de vinho e de aves

1314. Na Alemanha, ó taberneiros, vosso trabalho não é ordinário e de pouco


valor, como entre nós na Itália. Ou porque as pessoas, naquele país, que o exercitam
são as mais honradas na cidade e na vila, ou porque o fazem de maneira honrada e
justa, sem fraude, enganos, injustiça e baixeza. Sem dúvida, um deve nascer do outro,
porque se é feito honradamente, as pessoas honradas não se envergonham de fazê-
lo. E se as pessoas que o exercem são honradas, torna-se mais enobrecido.
Entre nós, nenhum mais indigno nem mais baixo - não quero dizer infame -
trabalho se faz quando é desempenhado por pessoas más, porque vossos troféus,
quase ordinariamente, são enganar, mentir, roubar, jurar falso, renegar. Tratais mal as
mulheres para aliciar os clientes. Dais a mão aos ladrões, aos jogadores
inescrupulosos. Entregais documentos e dados falsos. Assassinais na própria casa.
Pedis maior pagamento do que é o justo. Pretendeis que alguém vos pague o que
perdestes com os outros. E isto não pode ser feito, porque vosso trabalho é uma arte
ou comércio, e deveis enfrentar ou as perdas ou os lucros, assim como acontecem.
Dais a entender que uma coisa é outra e dela exigis o pagamento. Passais a mesma
mercadoria a várias pessoas, obrigando-as a pagá-la. Mas, que digo? Fazeis pagar
até o que não se come e nem se recebe, mas, sim, porque aparece sobre a mesa.
Pretendeis que se pegue o que não se quer ou do que não se gosta e fazeis pagar
quem come e quem não come. Falsificais o vinho, vendendo-o como puro e genuíno e
proveniente de tal país, quando nunca de lá veio.

1315. Não duvideis que o macaco vai tirar toda a água. Não me entendeis?
Explico-me: Um comerciante de vinho tinha em um navio 40 pipas de vinho, das quais,
com a ajuda da água, conseguiu fazer 60 e assim vendê-las a bom preço. Ora,
enquanto sulcava o mar, com muita alegria conservava em sua mão uma bolsa com
todo o dinheiro. No entanto, um macaco, muito bem treinado, arrancou-lhe a bolsa das
mãos e rapidamente trepou no alto do mastro.
No início, o comerciante, comovido, começou a rir. Quando viu que o macaco
começou abrir a bolsa, empalideceu. Seus amigos sugeriram que se atirasse no
animal. Mas, se cair no mar? dizia o mercador. Outros provocavam medo; outros
propuseram que mostrasse ao macaco maçãs ou outras frutas. De nada adiantou. O
macaco tirou uma moeda, jogando-a ao patrão. Ele se alegra. Tira a segunda e atira-a

87
Trad.: o pretor não cuida das coisas mínimas.
298

ao patrão, que ri um pouco menos. O macaco tira a terceira moeda, jogando-a na


água. O patrão suspira. E assim faz pela segunda e terceira vez e o patrão grita, chora
e se desespera. E, desta maneira, esvazia a bolsa, dando ao patrão o justo preço do
vinho, tirando toda a água que ele tinha vendido como vinho, restituindo-a ao mar.
Deste fato, nasceu o provérbio "O macaco tirará toda a água".

1316. Assim Deus fará, um dia, convosco. Pagareis tudo de uma só vez. Quem
será o macaco? Uma doença, uma prisão, uma acusação de terdes acolhido ladrões
ou qualquer outro acidente, os impostos, o médico ou outro vosso inimigo tirará a água
de todos vossos ilícitos lucros.
Prestai atenção que no inferno se exercita vosso trabalho, como também dos
açougueiros. Assim diz o profeta:"Jura o Senhor Deus por sua santidade: Eis que virão
dias sobre vós" (Am 4,2; Sl 88,36; Lc 19,43) para admoestar-vos: agora comportai-vos
como açougueiros da vida e das carnes dos outros. Chegará o dia em que tudo isto se
fará contra vós. "Virão dias em que vos levarão embora com garras e à vossa
posteridade, com arpões" (Am 4.2). Os demônios vos farão em pedaços e uma
carnificina de vós e vos colocarão a ferver e assar em óleos ferventes. Refleti bem
sobre vós.

Moleiros

1317. Quem vai ao moinho se suja, diz o provérbio. A vossa arte é perigosa
porque peca contra o sétimo mandamento. No moinho faz-se o farelo. E, como se diz,
farelo em latim? Diz-se furfur; a palavra fur significa ladrão; portanto, ladrão duas
vezes. Sabeis fazer a farinha, mas não sabeis confessar-vos e nem rezar um Pai
Nosso. Reparai, irmãos, que a água corre para baixo. Assim também vós estais
correndo para o inferno. Observai que a roda do moinho gira e nunca sai do lugar;
assim muitos de vós, vagueais pela estrada dos ímpios (Sl 11,9). A roda gira durante
um ano e vós sempre os mesmos; gira dois anos e vós sempre no mesmo lugar de
pecado. Retorna a Páscoa e estamos sempre como no início.
A água faz girar a roda de pedra que, com dificuldade, muitos homens poderiam
mover. E, no entanto, as inúmeras águas divinas não conseguem mover-vos. Não
dizei: "Padre, a minha alma criou um triste costume e não pode dele sair". A graça de
Deus chegará, que é a água, e se vós quiserdes e abrirdes o canal de vossa bondade,
vos lavará do pecado e vos tornará bons.

1318. Não digais: "Padre, nós e todos os artiesãos morreremos de fome, se


quisermos ser justos; devemos ajudar-nos". Respondo que isto não é verdade. Jamais
vi um homem de bem abandonado, dizia o rei Davi, e nem seus filhos mendigando o
pão. O importante é evitar o mal e fazer o bem: "Evita o mal e faze o bem" (Sl 36,
25.27).
Seria blasfêmia pensar e afirmar que Deus abandona um homem justo, quando é
justo de verdade. E porque não o sois, continuais pobres e avarentos. É verdade que,
às vezes, Deus quer provar-nos se temos paciência, mas, no fim, nos ajuda e conforta.
Mas seja como for: qual é o melhor? Que morra de fome o burro ou o patrão? O corpo
ou a alma?

Revendedores

1319. Vós comprais coisas velhas e as revendeis como novas. Comprais por preço
muito baixo e as vendeis o mais caro possível. Procurais estar a postos para comprar
dos agricultores e dos peregrinos antes que as mercadorias cheguem à praça.
Calculais o peso que mais vos agrada. Misturais coisas ruins com as boas e assim
ides pensando que roubar aos poucos não é pecado. Mostrar-vos-ei que muitos
gramas fazem centenas de gramas e estes chegam a um quilo ou mais. Os muito
299

poucos fazem um bastante! Um pouco hoje, outro amanhã e, no fim, chega-se à boa
soma. Tendes vendido vossa alma ao demônio uma e mil vezes. Agora, deveis
revendê-la a Cristo para não mais entregá-la a outros.

Barqueiros e carroceiros

1320. Não há gente que maltrate mais a Deus e aos santos que vós. Sempre os
tendes na boca com tanta irreverência que é um milagre que vossa língua não seque
após cada palavra. Ó paciência invencível de Deus! Os hebreus não ousavam
pronunciar seu nome santíssimo, tremiam ao dizê-lo e, quando o encontravam escrito,
passavam ao longe com grande reverência ou trocavam-no por outro nome. Mas, que
digo? Os antigos marinheiros, antes da vinda de Cristo ao mundo, adoravam um deus
de madeira, pobres cegos e loucos, de cuja loucura bem disse o Sábio: "Invoca um
lenho ainda mais frágil do que aquele que o transporta" (Sab 14,1). Que loucura! Um
homem pede ajuda a um lenho ainda mais frágil daquele que o transporta pelo mar,
mais fraco que o barco no qual navega.
Era grande tolice, mas não obstante confundia os marinheiros cristãos, porque
aqueles não abandonavam nem quebravam seus deuses de estuque e madeira. Ao
contrário, julgavam grande sacrilégio tocá-los com irreverência. No entanto, nós
cristãos, vós barqueiros e carroceiros, como também outros, que temos um Deus que
pode dar a vida e a morte: "Eu mato e ressuscito" (Dt 32,39); que somente ele é o
Deus vivo e verdadeiro, onipotente, ótimo e máximo: "Não há deus ao meu lado" (Dt
32,39); que com um sopro pode aniquilar: "Mas, se escondeis o rosto, perturbam-se"
(Sl 103,29), sem necessidade e de maneira ignominiosa, usamos e abusamos deste
nome sacrossanto.

1321. Irmãos barqueiros e carroceiros, disseram-me que, quando vós podeis


enganar alguém, não o perdoais. Vós jurais tantas vezes que outros fazem o mesmo
com as moedas - dizem - nas contas, em pegar mercadorias supérfluas e que tendes
tantas despesas. Mas não é verdade. Jurando assim, pecais mortalmente. Não estais
conscientes disso?
Se em vossas barcas ou carroças se diz ou se faz o mal, vós rides, vos divertis e
bateis palmas. Desta maneira, tendes mil ofensas a Deus em vossas mãos: quem por
luxúria, quem rapta a mulher dos outros, quem rouba, quem mata, muitos de vós
venderiam Cristo por menos do que fez Judas. Permaneceis anos sem confessar-vos
e, quando ides ao confessor, não tendes o bom propósito de emendar-vos e de deixar
vossos costumes. Ó irmãos, lembrai-vos que sois homens e homens cristãos,
batizados, e que morrereis um dia. Por favor, não vendais por preço tão vil vossa
alma, porque ela custou o sangue do Filho de Deus.

Servos e servas

1322. Dirijo-me a vós, que servis por puro interesse, sem amor e afeição às coisas
do patrão, e que recebestes o título do antigo provérbio: Quantas cabeças, tantos
empregados. Esses senhores têm o mesmo número de inimigos e de empregados e
empregadas. Digo: inimigos contra a honra, a vida, a alma e objetos deles.
Quantas vezes combateis a honra deles, levando mensagens prejudiciais por um
vil lucro? Servis de mediadores às filhas, às patroas, às senhoritas? Ó servos, vós
mesmos não sois pudicos como José. As empregadas? Se o patrão está apaixonado,
tornam-se soberbas e altivas, maltratam as patroas e colocam entre o marido e a
mulher mil dúvidas, mil desgostos e rancores. E até as mais maduras e idosas
ensinam aos filhos e às filhas extravagantes novidades.

1323. Quantos segredos íntimos descobris de vossos patrões, com grave dano da
honra deles? Quantas vezes murmurais e falais mal daqueles que vivem na casa?
300

Sois incontentáveis! Se eles não vos doam, logo os chamais de avarentos. Se vos
doam alguma coisa, dizeis que é pouco. Estais sempre murmurando e quereis tudo
para vós.
Ofendeis o patrão nas mercadorias, tirando-as da casa para manter qualquer outro
poltrão. Às vezes, para dá-las às vossas mulheres, maridos, filhos ou aos parentes.
Isto não pode ser feito em boa consciência. Se o patrão não está sempre presente,
deixais que as coisas se estraguem, porque delas não cuidais. E, no entanto, diz São
Paulo: "Não só sob seu olhar" (Ef 6,6; Col 3,22). Se tendes o encargo de registrar as
contas, de cobrar e de pagar, quantos enganos cometeis? Quantas duplicidades?
Quantas mentiras? Às vezes, não escreveis exatamente. Entrais de acordo com os
devedores, enganais agricultores e outros com os quais tratais. São velhacarias, são
ladroagens. Sois obrigados a restituir, se quereis salvar-vos.

1324. Muitas vezes traís a vida e a alma do patrão, para demonstrar que sois seus
amigos em todas as oportunidades. Para poder ganhar, não há mal neste mundo que
não façais. Sois ministros e operários da iniqüidade de vossos senhores: se são
ardorosos no pecar, vós os louvais; se são medrosos, vós os adulais e animais; quase
nunca lhes dizeis a verdade. Se eles não conseguem a maneira de concretizar os
maus pensamentos, vós os encaminhais e encontrais o modo. Jogais, blasfemais e
ensinais os filhos e os jovens. E, para jogar, roubaríeis até ao Crucificado, não
satisfeitos de vosso salário e recompensa, salvo sempre os que se conservam bons.
Chorai, miseráveis, e bradai porque, de uma passageira escravidão, passareis, se
assim viverdes, para outra escravidão miserável, irreparável e eterna. Talvez, Deus
começará a castigar-vos agora, como se vê claramente que muitos de vós estais nas
mãos da justiça ou em algum hospital, acabando seus dias miseravelmente.

2. Avisos às pessoas espirituais ou religiosas

Uma série de exortações foi reservada às pessoas espirituais e religiosas. Estas


têm várias obrigações para com Deus, consigo mesmas e com os outros. Entre os
diversos deveres para com Deus, elencam-se a oração, a meditação, a mortificação, a
aquisição das virtudes, a imitação dos santos. Os deveres para consigo incluem a
modéstia, a aceitação das adversidades, a alegria interior e exterior. Nas relações com
os outros é necessário evitar críticas, juízos descaridosos, conservar a calma em
todas as ocasiões, aceitar as observações dos outros, fugir dos louvores e adulações,
ser disponíveis e rezar pelos outros.

I frati cappuccini III/2, 2825-2830

Para com Deus

1325. "Não cesseis de orar" (1Tes 5,17). Isto não significa que se deva estar
sempre em oração, mas demonstra que o homem espiritual deve ser tão cuidadoso
com a aquisição desta virtude que, se fosse possível, viveria sempre em oração.
Quando puder roubar um pouco de tempo, embora mínimo, retire-se em si mesmo,
faça alguma genuflexão, alguns suspiros, duas batidas no peito, um ato de amor a
Deus. Enfim, não deixe passar a ocasião que se apresentar e, depois, retorne aos
seus trabalhos.
Persuada-se de que a oração ou o fim da oração é despojar-se do velho Adão, dos
costumes e inclinações más e revestir-se de Cristo e das virtudes ensinadas por sua
vida, morte e paixão. Por isso, na oração deveria fazer como o falcão, segundo o que
ensina São Gregório com as palavras de Jó: "É talvez pela tua sabedoria que o falcão
levanta vôo e estende suas asas em direção ao meio-dia?" (Jó 39,26). Esta ave,
quando está com as penas velhas, para que nasçam as novas, coloca-se, durante a
301

primavera, na direção do sul, começa a bater as asas. Assim caem as velhas e


começam a aparecer as novas. As asas de nossa alma são o intelecto e a vontade,
que devem lançar-se ao sul, isto é, para Deus, meditando sobre aquelas virtudes que
desejamos adquirir através do mistério de sua vida e paixão.

1326. Nós devemos bater as duas asas, isto é, primeiramente o intelecto,


considerando atentamente a humildade, a paciência, a obediência ou a caridade do
Filho de Deus que se manifesta nesse mistério. Mas, ao mesmo tempo, devemos
bater a outra, da vontade e do afeto, fazendo propósitos, resoluções e pedindo a Deus
a graça de, quando chegar determinada ocasião em nossa vida, exercitar esta virtude.
Enfim, queremos fazer o que vemos que o Salvador fez por nós.
Agindo desta maneira, "Durante as minhas reflexões acende-se um fogo" (Sl 38,4),
nossa alma se aquece e nela se acenderá o desejo. Agindo com paciência e
perseverança, perceberá que, de suas duas asas, cairão as penas velhas dos vícios,
dos quais desejamos corrigir-nos. Sentirá, então, que aparecerão as novas penas das
virtudes, contrárias àqueles vícios.
Ó feliz aviso do céu! Talvez muitos batam somente a asa do intelecto, refletindo
com amor e sentimentos elevados e curiosos e deleitáveis, os profundos mistérios da
fé, mas se esquecem de bater a outra asa. Depois de longas orações, permanecem
cheios de si mesmos e de amor próprio, inquietos, impacientes, soberbos, assim como
se encontravam antes. Deste piedoso exercício, não conseguem obter fruto algum.

1327. Da oração o homem deve principalmente aprender a mortificação de si


mesmo, destruir os vícios e plantar virtudes sólidas. Dos outros seus efeitos, deixe o
cuidado a Deus para que faça como lhe agradar, que console, conserve, eleve,
conceda particulares sentimentos e luzes à alma; ou então, que a conserve árida,
pequena, vil, como Ele quiser. O verdadeiro homem de oração não faz as coisas para
agradar a si mesmo, mas para contentar a quem ama e isto lhe basta.
Ao confessar os pecados veniais, não seja excessivo. É melhor emendar-se dos
veniais que confessá-los ansiosamente. Alguns pensam que, quando se confessaram,
já fizeram bastante e não se interessam em corrigir-se. A correção de si mesmo é
mais necessária do que a simples confissão, quando se trata de pecados veniais.
Deve esforçar-se em fazer atos de amor e de confiança em Deus, com o desejo de
agradar-lhe e de emendar-se de seus hábitos porque um desses atos cancela mais
facilmente todo defeito venial do que escrupulosa discussão dos mesmos.

1328. Se é escrupuloso, seja obediente ao diretor espiritual, não discuta com ele,
mas faça simplesmente o que ele disser. Agindo desta maneira, a responsabilidade de
sua alma recai sobre o outro, conservando a consciência tranqüila. Não fale de suas
dúvidas com outras pessoas, mas somente com ele, embora sejam pessoas sábias.
Quanto mais falar, mais se complica. A humildade e a obediência dão o remédio que
toda a sabedoria dos teólogos não saberia oferecer-lhe. Nas questões duvidosas, se
ele as confessou, não é obrigado a confessá-las novamente, porque nasceriam do
escrúpulo.
Quando o confessor impuser que comungue sem confessar-se, faça-o com
segurança e não duvide. Acredite na consciência do outro. Manifeste-lhe as tentações
e, caso desejar comunicá-las a outros, escolha pessoas de espírito e de sabedoria,
porque às pessoas imperfeitas e ignorantes não convém que as diga e nem faz bem a
quem as ouve.

1329. Na festa dos santos, lê suas vidas, refleta sobre suas virtudes e peça a
Deus sua graça e, por amor a eles, faça alguma mortificação, embora seja pequena ou
faça uma esmola, visite algum doente, ensine os ignorantes ou dedique-se a alguma
obra de misericórdia.
302

Ao comungar, procure recebê-la com grande desejo de agradar a Deus, com ânsia
de adquirir alguma virtude e com grande sentimento de humildade. Acima de tudo,
evita procurar o gozo espiritual, mas esforça-te por agradar a Deus, ao recebê-lo e
dar-lhe digna morada em seu coração.

Para consigo mesmo

1330. Não se lamente a pessoa, que deseja agradar a Deus, de algum


acontecimento, sofrimento ou desgostos corporais e se não tem aquelas comodidades
que desejaria. Com os outros, seja bondoso. Consigo mesmo, rigoroso. Não acredite
facilmente que o corpo exija necessidades, porque, na verdade, a experiência mostra
que se poderia fazer mais do que antes se pensava e a natureza se contenta com
pouco. Naturalmente, fala-se das pessoas sadias. Os doentes deixem-se orientar
pelos enfermeiros.
Não louve a ti mesmo, a não ser quando se prevê grande fruto para o serviço de
Deus e, neste caso, use-se a terceira pessoa porque é melhor e mais seguro para a
humildade que nomear a si mesmo. Não aumente os fatos, mas deves contá-los
simplesmente e como aconteceram. Deixa que a verdade produza seu fruto que, às
vezes, é impedido por causa da arte e da prudência humana. Não se obstine em
afirmar alguma coisa e nem assevera o que não conhece bem.

1331. Evita entrar em discussões inúteis e que se prolonguem, porque nem todas
as coisas ociosas são ditas ociosamente. Não obstante, há certos arrazoados que,
quando iniciados, mesmo os mais peritos falam excessivamente. Às vezes, iniciamos
um tema para distrair-nos ou sob pretexto de zelo ou de certa utilidade. No entanto,
pouco a pouco, envolve o homem que perde horas inteiras e, no fim, encontra-se
muito longe da intenção inicial. Semelhantes discursos costumam ser os de guerra, de
princípios, de parentes, do tempo que se perdeu inutilmente no mundo e outros mais.
Afinal de contas, é muito louvável falar pouco.
Mantenha uma alegria modesta, que foi muito louvada pelo pai São Francisco e
recomendada aos seus frades porque "o espírito abatido resseca os ossos" (Pr 17,22;
12,25; 15,13). O demônio vive contente nos melancólicos e da tristeza deles faz que
não suportem o jugo do Senhor. Sem dúvida, alegra muito e edifica os outros quem
sofre com júbilo no coração. Não se deve censurar o homem que, quando em solidão,
canta canções espirituais e exorta os outros a se alegrarem no Senhor; se lê alguma
poesia moral, se ouve de boa vontade alguma música devota conveniente a elevar o
espírito a Deus e se, por certo tempo, se entretém em modesta conversação, mas
dentro de certos limites, por exemplo, meia hora ou no máximo uma hora, para não
cair nos inconvenientes, acima descritos. Todos os extremos são viciosos.

Para com os outros

1332. Fala sempre bem de todos, principalmente dos religiosos e eclesiásticos.


Desculpa-os e não revela seus defeitos tanto quanto possível. Não os julgues
temerariamente, mas sempre pensa o melhor. Se, por acaso, erram, crê que foi mais
por falta de consideração que de vontade.
Não se brinque com os defeitos naturais ou internos ou externos do próximo,
porque a isso manifesta pouca caridade. Guarda-te de entristecê-lo com palavras
picantes, suspeitas e ambíguas. A cada um chama pelo seu nome. Dar nomes
estranhos a outros indica soberba e presunção.
Não repreendas os outros, quando estiveres encolerizado. Espera um pouco que
passe o ímpeto e, depois, faze-o com modéstia, humanidade e habilidade. Aceita com
facilidade as desculpas para não altercar. Conquista o amigo pouco a pouco e não
confundindo-o. Adapta-te à natureza do outro, cedendo também em alguma coisa,
303

sem obstinar-se e zangar-se para levá-lo a coisas mais importantes e necessárias: "De
todos me fiz servo, a fim de ganhar o maior número" (1Cor 9,19), diz São Paulo.

1333. Ama a quem te repreende. Agradece a quem te corrige e reconhece o


grande benefício que te é feito, como dizia Davi: "Fustigue-me o justo com amor e me
censure mal" (Sl 140,5). Foje dos louvores e das adulações que para o homem são um
veneno: "Não rejeita a minha cabeça óleo virulento" (Sl 140,5).
Prefire servir e ajudar a todos, emular as virtudes de todos, rezar por todos, ganhá-
los para Deus, recomendar-se à oração de todos, compadecer-se dos outros, a todos
desculpar, amar igualmente a todos, aprender de todos, colocar-se em último lugar e
julgar-se o mais inútil e miserável de todos.

Jerônimo de Narni

Maneira breve e facílima de organizar as pregações em estilo moderno, que vise o


útil e não o puro diletantismo

Em base a uma experiência comprovada, o pregador apostólico Jerônimo Mautini


de Narni apresenta um método fácil para organizar, de maneira correta e frutuosa, a
pregação. Esta deve ter uma introdução, na qual se anuncia o tema. Este se subdivide
em alguns pontos, geralmente três. A repreensão se articula na condenação dos vícios
e na exortação às virtudes. E, no fim, uma apropriada conclusão. São importantes
também o controle da voz, uma exata dicção e gestos ordenados e incisivos.

I frati cappuccini III/1, 2883-2894

1334. Não falaremos do proêmio porque hoje os pregadores não o usam mais.
Vamos diretamente à pregação que exige quatro partes: introdução, divisão, discurso
e repreensão.

Introdução

1335. A introdução é comunicar uma proposição principal, que seja a finalidade do


Evangelho. Esta pode ser literal ou mística. A literal é como quem, no Evangelho da
transfiguração, enunciasse esta proposição: Cristo se transfigurou sobre o Monte
Tabor. A mística fundamenta-se no texto literal e em seu sentido, como quem, por
exemplo, enunciasse que Deus comunica aos bons a sua glória, a qual é simbolizada
pela luz, que Deus comunicou ao seu corpo. Assim fará em seu corpo místico, que são
os eleitos. Esta idéia introdutória mística se multiplica conforme a variedade dos
sentidos místicos: tropológico (linguagem figurada), alegórico, anagógico
(interpretação das Escrituras do sentido literal ao místico) e misto. Para estes é licito
usar a finura de palavras, porém, que não sejam afetadas, mas cheias de delicados
conceitos para dispor os fiéis ao restante da pregação.

Divisão

1336. A divisão é um artificioso desmembramento das partes do Evangelho, que


normalmente são três, mas não menos que duas e nem mais de quatro. Menos de
duas, não seria uma divisão; mais de quatro cria facilmente confusão, desordem ou
então uma ordem confusa, difícil, desagradável aos ouvintes e perigosa para o
pregador. A divisão pode ser concatenada com a introdução e assim será mais bela e
inteligente do que separada.
No exemplo da transfiguração, depois da introdução que Deus nos preparou a sua
glória, dividiremos os meios que serão usados para consegui-la. Diremos que, no
Evangelho, aparecem três meios, conforme as três opiniões contidas no Evangelho. O
304

primeiro é de Pedro: "Mestre, é bom para nós estarmos aqui" (Lc 9,33), isto é,
estamos contentes com esta vida. O segundo é de Moisés e Elias: "Falavam de seu
trânsito que ia dar-se em Jerusalém" (Lc 9,30), isto é, a dificuldade das paixões,
aflições e sofrimentos. O terceiro é do Pai eterno: "Este é o meu Filho, escutai-o" (Lc
9,35), isto é, a observância da lei e dos preceitos divinos.

1337. Note-se que, se a introdução é literal, a divisão também deve ser literal, por
exemplo, a respeito da Transfiguração consideram-se três coisas: o lugar, o modo e os
presentes. O lugar é o monte Tabor; o modo é o resplendor da face e o candor das
vestes; os presentes são os discípulos, os profetas e as pessoas divinas. Mas se a
introdução é mística, também a divisão deve ser mística, como, no exemplo dado, os
meios para chegar à glória. Se a divisão fosse mística e a introdução literal, ou o
contrário, dever-se-ia pintar um corpo humano com a cabeça de uma fera: a cabeça e
os membros devem ser da mesma natureza.
Alguns fazem esta parte implícita somente por artifício, mas é bom que seja
explícita para atrair os ouvintes e também porque se ajuda os simples a levarem para
casa boa parte da pregação. É muito bom não deixar esta parte, porque, então, não
seria pregação, mas, sim, homilia e causaria danos ao pregador e aos ouvintes.

Discurso

1338. O discurso é a explicação das partes do Evangelho e da pregação,


apresentadas brevemente na divisão. Para fazê-la bem, inicia-se do primeiro ponto da
divisão, da qual se extrai algumas sutilezas fundamentadas nessa parte do Evangelho,
como no exemplo acima indicado. O primeiro ponto são as palavras de Pedro:
"Mestre, é bom para nós estarmos aqui". Quanto à palavra "aqui", pode-se dizer que o
pensamento dos homens, quanto ao meio e ao modo de conseguir a glória, é querer
ser felizes nesta e na outra vida. Pedro não somente sabia e acreditava que havia a
glória, como tantas vezes Cristo tinha ensinado, mas a esperava e a desejava, quando
apenas encontra certo gosto pela terra logo apela à outra e diz: "É bom". Este primeiro
parecer não foi bom e nem mereceu resposta. Ou então, pode-se formar outro
pensamento sobre a queda de Pedro, que aconteceu porque na presença de Deus, de
Moisés e de Elias e disse: "É bom". Cassiano reflete que quem deseja simpatias e
aceita os prazeres desta vida, cai e ofende a Deus. Ao invés de caminhar para o alto
da glória, precipita-se no inferno.
Esta parte mística do Evangelho serve como fundamento sobre a qual se formam
os conceitos. Conceito significa qualquer coisa concebida pela mente. Os teólogos a
chamam de Palavra. Consideraremos três aspectos sobre o conceito: o que significa
em relação à pregação, do que é formado e de que maneira se forma.

1339. Quanto ao primeiro ponto, conceito - logos - não significa qualquer palavra
sobre um objeto, mas indica tema sutil e perspicaz consideração com a qual se prova
alguma proposição.
Quanto ao segundo ponto, consta de três partes: uma citação da Sagrada
Escritura, uma semelhança de coisas naturais e artificiais e um exemplo do mundo. A
passagem da Escritura pode ser histórica, profética e doutrinal. O doutrinal refere-se à
instrução, o histórico aos sucessos ocorridos no passado, o profético ao que pode
acontecer.
Quanto ao terceiro ponto, para explicá-lo devidamente, é preciso dividi-lo em três
partes: na primeira, propor claramente a citação da Sagrada Escritura ou a
semelhança ou o exemplo; na segunda, explicar os termos, aplicando-os ao assunto
em questão; na terceira, aplicar todo o trecho escriturístico ou a semelhança ou o
exemplo histórico ao assunto. Vamos dar o exemplo, formando um conceito quanto à
proposição do motivo que não pode haver glória nesta vida e na outra. Provamos com
uma citação histórica da Sagrada Escritura, na qual se lê que os israelitas eram tão
305

ávidos das coisas deste mundo que não podiam tolerar o mínimo sofrimento que Deus
lhes mandava para experimentá-los. O pior, porém, é que, quando desejavam algo,
queriam-no imediatamente, senão murmuravam contra Deus e os seus servos Moisés
e Aarão. Não lemos que algum deles tenha entrado na terra prometida, mas nenhum
deles entrou, sendo esta a digna recompensa de seus desenfreados desejos. Esta é a
primeira parte do conceito, na qual se descreve a história, a semelhança ou a citação
bíblica.

1340. Continua-se com a segunda parte, na qual se aplicam os particulares,


explicando que os israelitas significam os cristãos e o são para que vejam a Deus e
que isto corresponde a dizer Israel, isto é, ver a Deus. A terra prometida, para onde se
encaminham, significa a glória de Deus, prometida aos seus eleitos e para a qual
caminhamos. O deserto, que atravessam, é nosso mundo, mediante o qual, como
peregrinos, alcançaremos a pátria celeste.
Na terceira parte, faz-se a aplicação do texto e conclui-se, dizendo: como os filhos
de Israel, que quiseram satisfazer todas as vontades durante a vida e assim agradar
seus caprichos, não foram admitidos nem introduzidos na terra prometida, da mesma
maneira, os cristãos que nesta vida saciaram todos seus gostos e ficaram contentes,
serão excluídos, sem nenhuma dúvida, da verdadeira felicidade e glória.

1341. Destas três partes do discurso seria bom tratar duas na primeira parte da
pregação e a terceira na segunda parte, devendo esta ser mais breve que a primeira,
porque os ouvintes já estão mais cansados. Além disso, estas três partes do discurso
tenham, se é possível, um sentido moral, fazendo que os trechos místicos do
Evangelho sejam tropológicos para o fim da pregação, que é correção dos costumes.
Quando não se podem fazer estas três partes, façam-se ao menos duas. Se
aparecerem outros pensamentos, é bom encaminhá-los à moralidade para o bem das
almas.

1342. É bom lembrar que, embora estes três pontos devam convergir para o bem
das almas, com freqüência deve haver diferença. Não podem, no entanto, os
pregadores sufocar-se tanto e ter pulmões suficiente para os três pontos. Alguns o
fazem no terceiro ponto, isto é, no fim da segunda parte. Eu prefiro fazê-lo no segundo
ponto, que é o fim da primeira parte ou para provocar esmolas, porque, encontrando-
se os ânimos mais comovidos, fazem-no com maior boa vontade, ou porque, depois
de ter usado o fogo da repreensão na primeira parte, é bom usar um lenitivo de
bondade no fim da segunda parte, para que as pessoas não fiquem muito irritadas,
mas, sim, comovidas de suave comoção.
Não é necessário criar conexões artificiosas entre estas partes, mas é suficiente -
após a explicação do primeiro ponto - retomá-lo e logo explicar o segundo e, no início
da segunda parte, recomeçar com os dois primeiros pontos e acrescentar o terceiro.
Quanto à quantidade dos conceitos, note-se: se o pregador é veloz, os conceitos
devem ser proporcionais à velocidade da comunicação. Se é circunspecto - que é
muito melhor - contente-se com poucos.

1343. Para formar os conceitos, é preciso que os novos pregadores e também os


idosos usem autores muito bons. Vale mais e goza de maior estima um conceito
medíocre de um padre que um belíssimo de outros. Apresento o exemplo da mulher.
Se fosse colocada, a quem tem juízo, a questão de indicar uma destas duas mulheres,
qual escolheria: a filha de um príncipe riquíssimo, mas de beleza medíocre, ou uma
dona de casa, mas muito mais bela? Sem dúvida, escolheria a de beleza medíocre, a
princesa, que a dona de casa. Assim é muito melhor que o intelecto se aplique a uma
consideração de um padre santo que a outra de maior aparência, mas de outro autor.
Como estamos comparando o conceito à mulher, convém abster-se dos conceitos
comuns porque, como para a mulher não é suficiente que seja bonita, mas precisa
306

também que pertença a um só marido, assim o conceito deve ser bonito, mas não
comum e na boca de todos e, se é possível, seja só do pregador, ou ao menos usado
por pouquíssimos.

Repreensão

1344. A repreensão é o fim principal da pregação, que é chamada o modo


pomposo de falar, porque tem como finalidade a censura dos pecados: "Clama a
plenos pulmões, sem cessar, ao meu povo sua infidelidade"(Is 58,1). Infeliz o pregador
que deixa esta parte, mais importante que as outras. Esta não precisa das outras,
como se pode ver em Amós e nos profetas, que pregavam somente gritando e
repreendendo, mas não as outras sem esta. Não seria pregação, mas qualquer outro
tipo de raciocínio.
Esta se faz de duas maneiras, isto é, com o exagero do vício e a exortação à
virtude. A primeira chama-se, ordinariamente, repreensão e exageração; a segunda,
consideração. A primeira se faz com rigor e dureza, gerando temor no ânimo dos
ouvintes. A segunda com doçura e, se possível, com lágrimas, produzindo amor e
piedade nos fiéis. Não é necessário que a repreensão se faça em um único ponto da
pregação, mas em toda ocasião que se apresentar. Por norma - como se diz - deve
ser feita no fim da primeira parte e, nas outras partes, com menos fervor. Se é feita
com ardor, seja mais moderada. É muito bom usar as palavras do Evangelho, dos
profetas e do Espírito Santo.

1345. Para suscitar a compaixão podem ser usados autores de autoridade suave,
como os Cânticos e outros semelhantes. Para que a repreensão seja mais eficaz, é
bom explicar a autoridade do profeta que for citado e prestar atenção para atacar os
maiores vícios e os pecados mais graves do povo.
Quando se repreende, produz grande efeito elevar a voz mais que o normal, ou
melhor, usar toda a força da voz. Assim se penetra nos corações. Quando se
repreende e se ergue a voz é bom ficar ao lado do Crucifixo, abraçá-lo, tocar-lhe as
chagas e, em ocasiões importantes, como na conversão das meretrizes e na
pacificação dos inimigos, é bom tirar o Cristo de seu lugar e, durante toda a
repreensão, segurá-lo nas mãos e mostrá-lo.
Nas exagerações, em casos particulares, pode-se esconder o crucifixo ou virá-lo
de costas. Quando se faz este gesto, sempre seja acompanhado de uma boa
autoridade. Não se faça isto com afetação ou fingimento, mas use-se o afeto que o
Espírito Santo mover o ânimo do pregador naquele momento.

Gestos

1346. Como é diferente a maneira de conduzir a pregação por causa dos dotes
naturais do pregador e da graça, dada a cada um nestes momentos particulares, é
impossível também dar normas certas e infalíveis ao orador cristão. Apresentaremos
apenas alguns avisos para não cair em erros que, neste assunto, é muito fácil
cometer. Às vezes, foram vistos pregadores cativar a benevolência e o ânimo dos
ouvintes mais por um gesto bem feito no início, por uma palavra com elegância e
graça do que pela novidade dos conceitos ou pela clareza de dicção durante todo o
raciocínio.
O pregador estude bem o discurso porque, então, o gesto acompanha
naturalmente a palavra pronta e segura. Antes de pregar, não vá atrás de negócios.
Ao subir ao púlpito, seja como um homem novo para toda a platéia, coloque-se no
meio com o capuz na cabeça, puxado-o um pouco para baixo, com o mantelo e não
olhe para os ouvintes.
307

1347. Depois, pouco a pouco, tire o capuz com seriedade, faça profunda
reverência ao Crucifixo e, se houver o Santíssimo Sacramento, uma genuflexão com
um só dos joelhos. Em seguida, saúde o povo inclinando um pouco a cabeça. Então,
poderá dar uma olhada antes de rezar o Actiones nostras, erguendo os olhos ao céu e
unindo as mãos. Feito o sinal da cruz ajoelhado para o Crucifixo, reze a Ave Maria.
Tendo-a acabado e estando nesta atitude, tire a capa, coloque-se no meio do púlpito e
comece com voz não muito alta, nem baixa, mas medíocre. E assim se comporte
durante toda a introdução, sem pressa, permanecendo no meio do púlpito. Tome
cuidado para não gesticular durante o tema e no início da introdução. Depois de ter
dito algumas palavras, comece a fazer gestos lentamente com mão direita, tendo o
indicador e o polegar unidos, e os outros dedos arcados e separados para
acompanhar a palavra com o gesto.
O pregador não deve, com demasiada coragem ou com voz áspera ou, como
muitos fazem, repreender e começar a gritar, mas mostrar certo temor na voz como
fazia Cícero, quando falava. Esta atitude é um dever do pregador, porque a indiscreta
ousadia e a aspereza da voz gera, nos ouvintes, certo mal-estar. Ao contrário, mostrar
no início certo temor conquista a benevolência, necessária ao orador.

1348. Terminada a introdução e apresentada a divisão do raciocínio, comece a


aplicar os conceitos do primeiro ponto e, no início, dê uma olhada do meio do púlpito.
Durante o raciocínio, os gestos sejam feitos com a mão direita, nunca com a esquerda,
a não ser em caso de repreensão, acompanhando-a com direita. Tome cuidado de
não erguer a mão acima da cabeça e nem abaixá-la além do púlpito. Quando está
afervorado, não é proibido ao orador fazer, raramente, alguns destes gestos, porque
então são exigidos pelo momento e pelas palavras.
Mas porque o púlpito tem três partes: o meio, o lado direito e o esquerdo, algumas
ações do pregador devem ser feitas em uma parte e não na outra. No meio, quando
raciocina e expõe os dogmas. Mover-se demais no púlpito não convém, porque dá a
impressão mais de cômico que de pregador. Tudo deve ser feito com gravidade e no
tempo certo.

1349. O capuz, que deve ter sempre na cabeça, se, durante o discurso, se dirigir a
Cristo, à Nossa Senhora ou a qualquer santo, deve tirá-lo, mas somente no fim da
pregação, na recomendação, ou, então de vez em quando ao término da primeira
parte, se for necessário.
O pregador não deve ser afetado quando fala e nos gestos. Raciocine com calma,
use palavras selecionadas, claras e muito expressivas. Mostre-se ponderado e não
apressado, porque falar compassadamente e gesticular rapidamente não se
harmonizam. Ao contrário, seja um como o outro, feitos às pressas ou todos os dois,
não comovem o coração dos ouvintes, como o orador desejaria. Esforce-se o orador
por ter boa pronúncia, porque, embora não seja a parte principal do orador, contudo é
uma das principais, como disse aquele orador que, ao ser interrogado sobre o que é
necessário para ser orador, respondeu: a pronúncia. E, perguntado outras vezes,
sempre dava a mesma resposta.

Conselhos

1350. No púlpito, o pregador não se mostre demasiadamente humilde, nem se


comporte como homem valente, nem se ofereça para resolver todas as dúvidas, mas
diga que nada propõe que não possa provar e que não seja verdadeiro.
Jamais se obrigue a provar todas as coisas com determinados raciocínios e
autoridades, porque pode ocorrer que se esqueça de algumas e isto lhe será motivo
de confusão.
Não diga aos ouvintes que fiquem atentos porque ouvirão grandes coisas, a não
ser em raríssimos casos.
308

Não caminhe pelo púlpito porque, movendo-se aqui ou acolá, a outra parte dos
fiéis não poderá nem vê-lo nem entendê-lo. Mantenha-se no meio e gire somente a
cabeça ora à direita ora à esquerda. Assim todos o entenderão. Quando estiver
entusiasmado, poderá mover-se um pouco mais.
Nunca aborreça os ouvintes, sendo demasiado longo. Ao contrário, quando
perceber que estão gostando, acabe logo. Assim eles ficarão com mais vontade de
ouvi-lo.

1351. Quando houver um momento de silêncio, não reinicie impetuosamente nem


encolerizado, mas com humildade.
Nunca diga ao povo que fará uma grande pregação. Nunca diga: esta questão não
a compreendestes com outros pregadores. Isto é sinal de grande soberba e de pouca
estima pelos demais oradores passados.
Não diga coisas frívolas, não conte sonhos, visões e nem piadas. Embora isto
fosse lícito em outras épocas, atualmente não se costuma usar e não convém ao
nosso hábito. Se, por qualquer coisa, o povo risse, diga-se com modéstia: Não riais
destas coisas, antes deveríeis chorar.

1352. Não se perturbe quando perceber que não está agradando e nem perca o
ânimo porque, com freqüência, alguns fazem barulho. Não se acredite que você esteja
agradando a todos, embora eles mesmos assim digam isso. Humilhe-se diante de
Deus.
Não finja e, no púlpito, não se mostre outra pessoa do que costuma ser, para não
despertar suspeitas de hipocrisia. Não se acuse que está indisposto, que não teve
tempo de estudar, porque também esta é uma hipocrisia. Se a indisposição é física,
será vista por todos e não é preciso falar; se é íntima, reze.
Nunca louve um fiel, porque é impossível que seja amado por todos. Seus
adversários indignar-se-ão e contra ele semearão mentiras. Jamais defenda uma parte
mais que outra, quando ambas estão presentes. Conserve-se neutro.

1353. Não instigue os pecadores ao desespero nem lhes diga palavras cruéis, mas
ofereça esperança de salvação. Não cite longas sentenças de doutores, porque isto é
demonstrar memória, vaidade e perda de tempo.
Não louve demais a religiosidade para não desesperar os que vivem no mundo.
Não se altere nem grite do púlpito, quando perceber que os pecadores não se
emendam, mas continue a pregar e orar a Deus por eles, porque talvez o fruto ainda
não se conheça. Nunca diga que, vivendo em tal estado, nada de bem nele se
encontra.
Não acredite quando alguém fala mal de algum prelado, nem dele fale no púlpito.
Se houve qualquer coisa urgente, visite-o secretamente e admoeste-o.

1354. Repreendendo alguém, jamais repita as blasfêmias, mas diga a natureza do


pecado, sem contar as circunstâncias. Não fale nem francês ou espanhol, quando se
refere a um desses países. Fale a língua que todos entendem. Não faça juramento
cruzando os braços, não estique os braços quando é calor, nem bata com freqüência
no púlpito, nem uma mão na outra, porque isto gera enfado.
Não se use com freqüência certas palavras das quais se possam criar apelidos ao
pregador, como, notai bem, sim sim, não não. Não use sinônimos e epítetos sem
necessidade para não ser julgado pretensioso, falador e prestidigitador.

1355. Não use qualificações inconvenientes, a não ser em casos graves e com
ordem, para que a pregação continue crescendo. Não seja pobre de palavras e nem
dê a impressão que as está mendigando. Por isso, habitue-se aos sinônimos para que
uma palavra não entendida em um modo, seja compreendida no outro.
309

Nunca deve ser falador demais se não entender bem da arte. Para isto é bom um
livro, chamado o Saravallo, ou La Piazza universale de Garzoni.
Não se faça demonstrações, na pregação, com o uso de sons e trompas, porque,
raras vezes, obtêm bom resultado. No fim, pregar é uma coisa e representar é outra.
Quem não tiver uma voz piedosa quando fala da Paixão, poderá mostrar algum
Crucifixo, com possibilidade de movimentar seus braços e pés. Estes movimentos
comovem muito. Isto fazia um de nossos primeiros pregadores e obtinha resultados
maravilhosos. Mas se não se sabe usar bem deste meio, é melhor não usá-lo, porque
poderá provocar riso. Algumas vezes, incline-se sobre o púlpito para dizer alguma
palavra, mas logo se erga. Outras vezes, estenda os braços sobre o povo, como se
quisesse tocá-lo, dizendo: Deus vos ilumine, meus filhos; Deus vos conceda a sua
graça. Em outras oportunidades, vire-se para o Crucifixo com voz delicada e chorosa,
lamentando-se. Outras vezes, com voz enérgica, segundo a diversidade dos assuntos,
colocando os braços em forma de cruz.
310

A assistência caritativa

Giuseppe Santarelli
Tradução de Dyonisio Destefani
311

1356. A dimensão caritativa caracterizou, desde o início da Reforma, toda a


atividade dos Capuchinhos. A própriia origem da Reforma, segundo as fontes
narrativas, deu-se por um gesto de caridade de Frei Mateus de Bascio para com "um
pobrezinho despido e enrijecido por causa do frio, que implorava piedade". Pertence à
história dos primeiros anos da Ordem a atividade assistencial dos irmãos Frei
Ludovico e Frei Rafael Tenaglia de Fossombrone em favor dos pesteados na cidade
de Camerino em 1527, e de Frei Mateus de Bascio e Frei Paulo de Chioggia no
mesmo período na região da cidade de Fabriano. Foi esta atividade que despertou a
grande admiração da duquesa de Camerino, Catarina Cybo, através da qual foi obtida
da Chancelaria pontifícia a bula "Religionis zelus", promulgada aos 3 de julho de 1528
"com a intercessão da duquesa de Camerino".
Apesar dos fortes propósitos de vida contemplativa, também na fase
rigorosamente eremítica da Reforma, entre 1529 e 1535, a vida dos primeiros
Capuchinhos distinguiu-se na grande dimensão assistencial em favor dos doentes e
marginalizados. Basta lembrar as ações solidárias pelos pobres de Frei Mateus de
Bascio e o grande empenho de assistência espiritual e material aos doentes do
hospital São Tiago dos Incuráveis, junto ao qual os Capuchinhos estabeleceram a
primeira sede romana em 1529.
Nas páginas que seguem, pretende-se historiar brevemente a atividade caritativa
dos Capuchinhos para com os empestados - a primeira cronologicamente
documentada -, depois para com os doentes, os moribundos e, finalmente, para com
os encarcerados e condenados à morte.

Assistência aos empestados

1357. Em 1527, Ludovico e Rafael Tenaglia de Fossombrone desenvolveram em


Camerino magnífica obra de caridade para com as pessoas atingidas pela peste,
enquanto Mateus de Bascio e Paulo de Chioggia desenvolviam a mesma atividade na
região da cidade de Fabriano. Inserimos aqui a descrição do padre Mário de Mercato
Saraceno para uma mais completa visão desta atividade na primeira fase da Reforma
Capuchinha, que poderia ser chamada de "carismática"

Frei Mateus de Bascio assiste os necessitados durante a carestia e a peste de


1527 no território de Fabriano

MHOC I, 35-36

1358. Durante a grande carestia e a peste, que em1527 foi duríssima, este novo
cavaleiro de Jesus Cristo ajudava as almas dos fiéis não somente com as pregações e
a Palavra de Deus, mas ajudava esses pobrezinhos com nova maneira de ajuda e
socorro. Em diversos lugares, e sempre por amor de Deus, ele encontrou grande
quantidade de favas. De pessoas ricas conseguiu, por aquele ano, emprestar suas
terras, onde para os pobres e em nome deles mandou semear as favas, que tinha
recebido com abundância.
Desta maneira prestou inestimável ajuda às pessoas pobres, que se debilitavam e
morriam de forme. Avisou-os que cada um podia recolher, quando estavam maduras,
estas favas, gratuitamente. Chegado, pois, o tempo da colheita, os pobres começaram
a servir-se das favas. Por sua bondade milagrosa, Deus mostrou ao mundo que foi Ele
que, com cinco pães, saciou multidões. Por isso, quanto mais os pobres recolhiam as
favas, tanto mais parecia que se multiplicavam de tal modo que, até a colheita do
milho, nunca faltaram.

1359. Desejo recordar como esse bom frade no tempo da peste, da qual já falei,
por amor daquele que para nossa salvação foi suspenso na cruz, sofreu e morreu, e
também para imitar o pai São Francisco, quando se dirigia a cuidar dos leprosos,
312

seguindo também o fervoroso servo do Senhor São Bernardino no zelo pelos


empestados de Santa Maria della Scala em sua cidade de Sena, repito que esse bom
frade, em um tempo de tão perigoso contágio, começou a cuidar e a ajudar, em todas
as maneiras possíveis, os atacados pela peste, sem tomar nenhum cuidado nem
temor da morte.
Com este seu auxílio e ajuda, o fervoroso servo de Jesus Cristo serviu os pobres
doentes e também os sadios, espiritualmente alimentados por ele. Ajudava tanto as
almas como os corpos dos que se enfraqueciam por causa da doença. Ele, pela
bondade de Deus, nunca foi atingido por nenhum mal.

A peste de 1575-1576

1360. O arcebispo de Milão, São Carlos Borromeu, durante aquela terrível peste,
chamou também os Capuchinhos para assistirem espiritual e materialmente os
doentes. Em carta de 13 de novembro de 1576 ao Monsenhor César Speciano, muito
os louvou, observando que os maiores trabalhos recaíam sobre esses frades, aos
quais estavam confiados três hospitais, e que, embora alguns deles tivessem morrido,
nunca lhe faltou o pessoal, porque sempre estavam prontos outros Capuchinhos a
assumirem tão difícil e perigoso trabalho.
Durante esta peste, distinguiu-se o capuchinho Frei Paulo Bellintani de Saló, irmão
mais velho do conhecido Frei Matias de Saló. Ele organizou admiravelmente a vida
religiosa e a assistência sanitária no lazareto de Milão. A rica experiência adquirida,
acrescida com sua ativa presença nos lazaretos de Brescia (1577-1578) e de
Marselha (1580), induziu-o a descrever em seu "Diálogo da peste", nos anos oitenta
do século XVI, conselhos práticos para outros em semelhantes circunstâncias.
Além de alguns trechos do "Diálogo da peste" de Frei Paulo Bellintani, aparecem,
no presente trabalho, três passagens de cartas entre São Carlos Borromeu e os
capuchinhos Frei Tiago Giussanti e Paulo de Saló, e alguns outros trechos da "Vida de
alguns frades capuchinhos da Província de Milão, ilustres em virtudes e santidade", de
Salvador de Rivolta.

1. Frei Tiago Giussanti ao cardeal Carlos Borromeu

Lodi, 22 de agosto de 1576. Esta carta informa que, após o pedido do cardeal de
poder dispor de frades capuchinhos para cuidar dos empestados, encontrou
totalmente disponível Frei Paulo Bellintani de Saló, com outro sacerdote capuchinho.

E. Pontiggia, S. Carlos Borromeu e Frei Paulo Bellintani (cartas inéditas) em Brixia


sacra n. s, 11 (1976) 41.

1361. Ilustríssimo e reverendíssimo senhor, paz.


Tendo gostado muito do pedido de vossa reverendíssima para o serviço de nossos
frades em favor do empestados, agradou a Nosso Senhor Jesus Cristo realizar seu
desejo, porque, em Lodi, encontrei nosso Frei Paulo, irmão do padre Frei Matias, que
foi seu protetor. Ele com outro sacerdote estão muito dispostos e desejosos de exercer
este santo apostolado de caridade, sem levar em conta qualquer outra consideração.
Escrevia-me com instância, pedindo-me - desconhecendo a tal necessidade em
Milão - que eu o deixasse ir a Veneza para este apostolado. Para melhor assegurar-se
de seu desejo, em anexo envio-lhe a carta dele, a mim enviada, para que possa
perceber seu fervor e saber que disporá de alguns bons frades e muito aptos a este
serviço, que a qualquer seu pedido farão quanto lhes for imposto.
Somente falta que vossa reverendíssima encaminhe o pedido ao nosso Padre
geral para obter a idoneidade e a licença de confessar, para que sejam aptos para as
necessidades. Assim, os frades irão com maior alegria e segurança de consciência.
Ouvi dizer que há outros de nossos frades dispostos a este apostolado.
313

Não tendo mais nada no momento, ajoelhado, peço reverentemente sua santa
bênção.
De Lodi, aos 22 de agosto de 1576.
De vossa reverendíssima,
seu humilde e indigno
Frei Tiago capuchinho

2. Frei Paulo Bellintani de Saló ao cardeal Carlos Borromeu

Lodi, 25 de agosto de 1576 - Declara sua plena disponibilidade para iniciar, com
outro sacerdote capuchinho, a atividade assistencial em favor dos pesteados em
Milão.

1362. Ilustríssimo e reverendíssimo monsenhor, paz.


Depois de ter compreendido a grande mortalidade de pessoas em Veneza e o
abandono de quem os serve e administra os santíssimos sacramentos, não podendo
mais agüentar tal situação, inspirado pelo Senhor, escrevi aos meus superiores para
que me concedessem a graça de exercer este santíssimo trabalho, tão grato a Deus e
edificante para o mundo. Como agora se apresenta uma oportunidade tão perto de
Milão e percebendo como sua senhoria ilustríssima, com tanto zelo, está em busca de
religiosos para este apostolado, penso que Deus, no momento atual, deseja servir-se
de mim. Por isso, dirigi-me aos responsáveis e, com outro sacerdote, ajoelhado, me
ofereci, pedindo que não rejeitasse minha súplica, para a qual estou preparado em
qualquer momento.
E, de joelhos e reverente, peço que me abençoe.
De vossa senhoria ilustríssima,
humilde servo
Frei Paulo capuchinho de Saló

3. Carlos Borromeu a Paulo de Saló

Milão, 26 de agosto de 1576 - Manifesta grande satisfação pela decisão de


dedicar-se à assistência espiritual dos empestados em Milão, para a qual nem sempre
se encontra pessoal suficiente.

1363. A Frei Paulo capuchinho de Saló.


Reverendo padre.
Com muito alívio, percebi, através da carta de sua reverendíssima, sua imediata
caridade, com a de outro sacerdote, para socorrer, mediante o ministério dos
santíssimos sacramentos, estes pesteados, tão necessitados de sua ajuda. Por aqui,
existe também indiferença, como o senhor escreve de Veneza. Hoje, caiu acamado o
sacerdote, que, há muitos dias, não tinha visitado este lazareto, que tinha extrema
necessidade desta ajuda.
Portanto, aguardo ansioso sua reverência, porque o reverendo vigário de sua
província prometeu-me que o traria logo. Desejo que seja seu companheiro.
O Senhor o abençoe e esteja com o senhor.
De Milão, 26 de agosto de 1576.

4. "Diálogo sobre a peste" de Paulo Bellintani de Saló

I frati cappuccini, III/2, 3737-3761

Obrigação de usar as graças em benefício dos outros. Cap. 1.


314

1364. Amigo - Parece-me que é bom iniciar da parte espiritual, que deve preceder
qualquer outra coisa, e da qual, julgo, que dependa todo o restante. Sendo assim,
creio que a peste é um flagelo de Deus, com o qual somos castigados pelos nossos
pecados da parte da Divina Majestade, para que nos emendemos e mudemos de vida.
Frei Paulo - Sem dúvida, você falou bem. Acredite firmemente que é assim e que a
peste é um flagelo de Deus. Quem pensa o contrário, engana-se por completo. A
Sagrada Escritura, que é a Palavra de Deus, demonstra-o claramente. No Êxodo,
capítulo 5º, Moisés e Aarão disseram ao Faraó: "O Deus dos hebreus veio ao nosso
encontro. Consente, pois, que vamos deserto adentro três dias de caminho e
ofereçamos sacrifícios ao Senhor, nosso Deus, para que ele não venha contra nós
com a peste ou com a espada" (Ex 5,3). No livro dos Números, capítulo 14, também
Deus diz: "Até quando me ultrajará este povo? Até quando se negará a crer em mim,
não obstante todos os milagres que operei no meio deles? Eu os ferirei com a peste e
os aniquilarei" (Num 14, 11-12). Quando Davi pecou, fazendo o recenseamento do
povo, Deus a todos castigou com a peste. Não diz claramente a Sagrada Escritura no
primeiro livro dos Paralipômenos, capítulo 21: "Suscitou então o Senhor a peste em
Israel e morreram setenta mil israelitas?" (1Cro 21.14).
Poderia citar muitos outros passos da Sagrada Escritura, mas são suficientes os
acima para crer que a peste é um flagelo de Deus para punir nossa iniqüidade e para
que a ele recorramos como a um pai misericordioso, através da penitência. Portanto, a
cidade deve recorrer àqueles três principais remédios, com os quais se abranda seu
furor, justamente irritado, não digo contra nós, que nos ama, como está escrito: "Vós
amais todos os seres e não sentis aversão por nada do que fizestes" (Sab 11, 24),
mas contra nossos pecados graves e enormes, como disseste.

Como se deve prover-se de alimentos e de um "monte de piedade88". Capítulo 5.

1365. Amigo - Colocados os guardas, o que resta a fazer para prover a cidade
para que não fique fechada, sem antes conseguir as necessárias reservas?
Frei Paulo - Antes de tudo, deve haver boas reservas de farinha, vinho, óleo,
carne, ovos e de outros coisas necessárias, segundo as necessidades. Fazer tudo
logo, antes que o lazareto caia na penúria. E isso porque, logo que aparecer a peste e
as cidades circunvizinhas o percebam, imediatamente se fecham as entradas,
suspendendo o comércio. E se as comunidades não tiverem as provisões, ocorrem
muitos roubos e grande confusão, porque cada um deseja viver o mais que puder. Se
não tiver o necessário, roubará onde encontrar. Somente pessoas de confiança
coordenem estas provisões, para que sejam distribuídas fielmente a quem conheçam,
sem nada querer ganhar. Quando a cidade não quiser mais comprar estas coisas, é
suficiente colocá-las de lado para futuras necessidades e fazer uma descrição de tudo
o que se possui e de quanto lhe é necessário.
Amigo - Esta é uma boa recomendação e creio que, se não se fizer esta reserva,
as cidades sofreriam muito, quando começar a peste. Mas continue a descrever se é
necessário fazer outras reservas.

1366. Frei Paulo - Muitas outras provisões são necessárias. No entanto, feita a
provisão de alimentos, organize-se um "monte de piedade", ao qual todos possam
recorrer. Muitas vezes, a pessoa possui muitos bens e, não tendo alguém que o possa
ajudar, não pode deles servir-se em suas necessidades. Não há dúvida que este
"monte de piedade" favorecerá muito as pessoas, com menos despesas para as

88
Nota do tradutor: Monte de piedade indica um tipo de banco para favorecer os pobres.
Quando, por exemplo, alguém precisava de um quilo de macarrão e não o tinha, levava para
estes Monti di Pietà um quilo de arroz e retirava o desejado quilo de macarrão. Era troca de
mercadorias e não de dinheiro.
315

comunidades, que devem sustentar a todos os que não possuem com o que viver.
Com este sistema, tudo se fará de maneira ordenada.
A comunidade deve também, com toda solicitude, manter a cidade limpa e
purificada; cavar canais para levar as imundícies para fora, evitando odores
desagradáveis. As mulheres de má vida tornaram-se uma grande causa deste mal e
creio que não há outra coisa que provoque mais pestes do que comercializar este tipo
de má vida. Mas foram totalmente extirpadas. Além disso, mandaram que os
mendigos, que durante o dia passam de porta em porta, sejam absolutamente
removidos.

Como se deve dar ordens às meretrizes, aos pobres e semelhantes. Capítulo 6.

1367. Amigo - O que se deve fazer com este tipo de gente? Deixar que se
percam? Mas é necessário que também elas vivam até que agrade à Divina
Majestade. Não induzi-las ao desespero, mas, dentro do possível, salvar suas almas.
Frei Paulo - Sou do mesmo parecer. Não devem ser lançadas no desespero, mas,
quando possível, salvá-las. No entanto, não é justo que, para deixá-las viver, os outros
devam perecer. Encontre-se, portanto, um lugar fora da cidade e bem fechado e lá se
coloquem estas mulheres de má vida. Coloquem-se guardas bons que não as deixem
sair, alimentado-as de pão e água. Se quiserem coisa melhor, tratem de ganhá-la. Mas
é muito bom que tenham algum trabalho para que não fiquem ociosas e assim possam
ganhar alguma coisa para comer com o pão. Se não se encontrar um lugar apto para
isto, sejam fechadas em um bairro distante da cidade, com bons guardas, para que
nem elas possam sair nem outros procurá-las, tendo cuidado de não entregar ovelhas
para que sejam vigiadas pelo lobo.

1368. Da mesma maneira, coloquem-se os pobres mendigos, dos quais falamos


acima, em algum hospital bem vigiado. Os vagabundos, que não pertencem à cidade,
sejam inexoravelmente mandados embora. Aqueles que são do lugar sejam enviados,
se necessário, a trabalhar nos lazaretos e arrumar as camas para os pobres doentes.
Se não houver lazaretos, procurem-se tábuas com as quais se façam bons quartos de
madeira em Milão, chamadas cabanas que, com esse nome, as indicarei daqui para
frente. Para isto, escolham-se lugares altos, onde possivelmente exista abundância de
águas correntes e boas, abertos para o vento do norte, em lugares secos e não
pantanosos.
Além disso, faça-se um registro dos pobres, indicando quais não podem viver sem
a ajuda diária da caridade. Anotem-se todos os que estão sadios, a fim de ajudarem
os doentes. Isto se faça tanto dos homens como das mulheres.

1369. A razão é que, originando-se o mal tanto de um como do outro sexo, há


grande necessidade, especialmente no início, que muitos não morram, de tal maneira
que dos 12 que você colocar nesse lugar, três ou quatro se salvem e possam ser
úteis. Os ajudantes devem ser muitos até que a fúria da peste não tenha cessado.
Como já foram atacados pela peste e se salvaram, então não há mais perigo.
Finalmente, ordene-se que, em cada bairro, existam duas pessoas de confiança e
boas: um deles chamar-se-á delegado, o outro idoso. O idoso será do povo e cuidará
de todos os pobres da paróquia ou região, caso a paróquia seja grande. Entregará
fielmente a esses pobres a esmola que os superiores determinaram, não se deixando
comover pelas simpatias ou antipatias. Cuidará que cada um faça seu dever, pois, do
contrário, deverá prestar contas a Deus no dia sua morte.

Como o cardeal Borromeu caminhava em Milão visitando seu povo. Capítulo 10º.

1370. Frei Paulo - O amor pelas suas ovelhas e o zelo pela salvação delas, não
lhe permitia permanecer em casa. Agia como quem, ardendo de caridade pela sua
316

grei, visitava os seus continuamente, não temendo qualquer coisa que lhe fizesse mal,
mas somente zeloso pela salvação de seus cidadãos. Trazia nas mãos uma vara,
como o fazem todos os suspeitos de peste, para mostrar que também ele era um
suspeito. Assim avisava a todos os que não o sabiam, a fim de que ficassem longe
dele, para que não incorressem em algum perigo. Triste espetáculo ver tal homem,
caminhar como se fosse uma simples e qualquer pessoa!
No entanto, a edificação que dava aos que o viam andar tão vilmente era
extraordinária, deixando-os maravilhados do pouco apreço pela sua própria vida.
Parece-me que neste caso se assemelha a São Paulo, que desejava ardentemente
dar sua vida pelos seus irmãos.
Além disto, ao menos uma vez por mês visitava todos no lazareto, passando um
por um, falando agradavelmente com todos os doentes e consolando os atribulados
sem medo de infectar-se do mal. Quando não podia vir, queria que eu fosse até ele
para prestar-lhe conta do andamento geral, ainda que, diariamente, enviasse um dos
seus para saber de mim se tinha necessidade de alguma coisa.

1371. Quando vinha ao lazareto, ou então andava pela cidade, não pense que
ficava (como se diz) com as mãos na cintura. Não, não. Sempre dava esmolas,
levando consigo boa quantidade de moedas em seu bolso para dá-las aos pobres,
além das esmolas que, às escondidas, dava aos lugares sagrados. Dispunha de
qualquer coisa de sua casa para melhor servir os pobres. E, no fim, mandou cortar os
tecidos de seu quarto para vestir os nus.
Que teria feito Milão, no início, se ele não tivesse socorrido o lazareto, enviando
pão, vinho, carne e qualquer outra coisa necessária? Este costume de agir,
conservou-o até o fim. Nunca se desculpou dizendo (como muitos o teriam dito!): "Isto
não é de minha responsabilidade!" Ao contrário, por amor de Cristo que se fez pobre
por nós, assumiu esta obra como sua própria, como já disse. Isto devem fazer, com
solicitude e desejo de imitar, os prelados e pastores que são responsáveis pelas
almas. Para isto lhe descrevi tão nobre exemplo.

Como o cardeal Borromeu enviou confessores ao lazareto. Capítulo 11.

1372. Amigo - Muito me alegra ouvir estes fatos, realmente maravilhosos e dignos
de eterna memória. Mas, diga-me, como conseguiu confessores para o lazareto em
tempo tão espantoso? Creio que todos fugiam.
Frei Paulo - Mandou para um lugar - acima de Milão - da Suíça, chamado
Leventina, para encontrar um bom sacerdote, chamado padre Leonardo, homem de
conduta exemplar e muito prático nos casos de peste. Trouxe-o até à cidade,
pagando-lhe a viagem. Mandou que ficasse no lazareto, onde havia muita gente. Ele
foi o primeiro que começou confessar os pesteados.
Depois, constando que o mal aumentava continuamente e que, ao redor de Milão,
aumentavam também as cabanas e todas pediam confessores, não sabendo como
atender tantos pedidos, convocou os superiores dos conventos regulares. Dirigiu-lhes
um vigoroso discurso. Lamentou-se que simples cristãos seculares se ofereciam, por
amor de Deus, a ir servir os empestados, e os religiosos, aos quais cabe dar bom
exemplo, e que tendo abandonado o mundo, ou melhor, estando mortos para o mundo
através da profissão perpétua, mostravam-se tão agarrados a esta vida do corpo, a
qual, queira ou não, por força devemos perdê-la. Acrescentou ainda muitas outras
palavras de forte ressonância. Mas ninguém se ofereceu para ajudar.

1373. Somente nosso beato padre comissário da Província, que se chama padre
Frei Tiago Calderino de Milão, amigo íntimo do senhor cardeal Borromeu, disse que se
não tivesse o cargo [de visitador], se ofereceria para esta obra tão santa. No entanto,
acrescentou que visitaria os conventos mais próximos (se não pudesse visitar toda a
Província) e se encontrasse algum frade apto e disposto, lhe daria toda a licença,
317

mais, exortá-lo-ia e lhe daria o mérito da santa obediência. Os demais superiores


apresentaram suas desculpas e, assim, todos retornaram aos seus conventos. O
senhor Cardeal, aflito, com lágrimas e grande fervor começou a orar (como ouvi o fato
de pessoas fidedignas) ao Senhor, que lhe enviasse pessoas aptas para este trabalho.

Como o autor foi servir os pesteados. Capítulo 12.

1370. Amigo - Gostaria de saber como o senhor foi servir os empestados.


Frei Paulo - De boa vontade lhe contarei tudo. Enquanto se tratavam estas coisas
em Milão, eu estava em Lodi, onde os frades me disseram que o Prefeito de Crema
procurava, muito interessado, pessoas para enviar a Veneza, ao serviço dos
empestados. Esclareceu que não havia quem sepultasse os mortos, os quais jaziam
insepultos pelas casas e que não havia confessores que administrassem os
santíssimos sacramentos e nem os socorresse na hora da morte.
Eu, ouvindo estas calamidades, fiquei comovido. Não sabendo ainda que, em
Milão, havia necessidade de confessores, escrevi uma carta ao mencionado padre
comissário, pedindo-lhe, por amor de Deus, que me concedesse a licença de ir até
Veneza para servir os pesteados. Tendo enviado esta carta pelo correio, chegou
quando o mesmo padre comissário estava para viajar a Lodi. Ao receber a carta,
alegrou-se muito. Por isso, apressou-se a chegar logo a Lodi. Disse-me que, se eu
quisesse servir os empestados, não era necessário ir até Veneza, porque havia
grande necessidade em Milão. Repetiu-me todo o discurso feito pelo senhor Cardeal e
que, se eu quisesse ajudá-lo, faria grande favor à Igreja e a ele. Respondi-lhe que meu
desejo era de colocar a vida ao serviço dos empestados, por amor daquele que, por
mim pecador deu sua vida, e que poderia ir para qualquer lugar, contanto que servisse
o Senhor.

1375. Observando em mim esta disponibilidade e como estava tão resolvido de


morrer por Cristo, escreveu uma carta ao senhor cardeal, ao qual me pediu que eu
também lhe escrevesse uma carta. Tendo recebido ambas as cartas, enviou-me a
obediência para viajar quanto antes. Procurei obedecer imediatamente, colocando-me
a caminho. Quando estava a duas milhas do convento, por causa do mau tempo, tive
que retornar. Fui, então, acometido por febre que durou vários dias. Senti muito
pensando que não poderia fazer um trabalho tão grato a Deus, por causa de meus
pecados, julgando que meu desejo de sacrificar minha vida não tinha sido aceito pela
Divina Majestade. Conformei-me quanto pude à vontade de Deus. Lembrei-me de São
Romualdo que queria pregar a verdadeira fé na Polônia. Quando ele começava viajar,
era acometido pela febre, a qual, quando ele parava, também desaparecia; quando
queria reiniciar a viagem, imediatamente retornava a febre.

Como outros frades foram ao lazareto. Capítulo 13.

1376. Naquele ínterim, em meu lugar, foram quatro de nossos capuchinhos: dois
sacerdotes e dois irmãos leigos, todos fervorosos no amor a Cristo. O primeiro
chamava-se padre Frei Felipe de Milão, homem de grande pureza e caridade; o
segundo, padre Frei Tiago de Volterra, zelosíssimo pela salvação das almas; o
terceiro, Frei Mateus de Mântua, homem de grande oração; o quarto, que ainda vive,
Frei André de Bione, completamente dedicado aos doentes. Os três primeiros
morreram logo. O quarto ficou doente e muito grave, mas, graças a Deus, sarou e
continuou a servir os doentes comigo e, com ele, fui até Brescia. Recebeu o apelido de
coveiro, porque, em Milão, os varredores de rua eram assim chamados. Ele era muito
dedicado em sepultar os mortos. Neste particular, desejo contar-lhe um fato, que
talvez, ao mesmo tempo, o fará rir e horrorizar-se.
318

1377. Em certa noite, fazia-se uma festa, com baile, para momentos de alegria, em
um dos quartos do lazareto. Eu tinha proibido estas manifestações sob graves penas.
Frei André lembrou-se que, nos dias anteriores, tinha descarregado entre os mortos,
de um dos carros, uma senhora bem idosa. Resolveu ir apanhá-la e, com ela, acabar
com a festa, espalhando terror entre os bailarinos. Sendo já escuro, sem usar luzes,
dirigiu-se à grande fossa, no meio do lazareto, onde se jogavam os cadáveres. Após
procurá-la, encontrou o corpo daquela senhora bem idosa. Quando a colocou nos
ombros, comprimiu-lhe o ventre e imediatamente, por causa do ar acumulado
internamente, fez grande barulho pela boca.
Quem não se teria espantado? Mas, ele não. Animado disse em nosso dialeto:
"Ma tas, meda, che te voi portá a balá", isto é, "Mas fique quieta, comadre, que quero
levar-te ao baile!". Ao chegar na frente do quarto, onde se dançava, bateu na porta.
Responderam: "Quem é?" Ele não respondeu como nós frades costumamos, isto é,
"Deo gratias89", mas disse: "Amigos, queremos dançar". E a porta foi aberta. Entrou e
jogou o cadáver da velha idosa entre as pernas dos dançarinos e dançarinas, gritando:
"Força, fazei dançar também a esta!. E acrescentou: "É possível que vós, tendo
sempre a morte diante dos olhos, queirais estar aqui fazendo esta confusão e
ofendendo a Deus?" Nada mais disse e foi embora. O baile acabou imediatamente.
Amigo - Parece-me que foi um grande frade! Ter coragem de ir à noite e entre
tantos cadáveres procurar o da senhora idosa. Sua iniciativa de provocar o pavor entre
aquela gente foi genial. Assim cessaram as ofensas contra Deus. Mas voltemos ao
nosso principal assunto. Diga-me como você foi para o lazareto, uma vez que no início
não pôde ir, como disse antes.

O autor continua narrando como, não tendo podido antes, conseguiu chegar ao
lazareto e que autoridade lhe foi outorgada. Capítulo 14.

1378. Frei Paulo - Nesse ínterim, tendo eu recuperado a saúde, escrevi para
Milão, avisando-lhes que eu não tinha mudado meu projeto, mas que, por causa da
doença e sentindo-me ainda fraco, não poderia ir a pé até Milão. No entanto, se
desejassem que os ajudasse, poderiam enviar-me uma cavalgadura. Logo que o
senhor Cardeal Borromeu conheceu meu desejo, mandou buscar-me, pedindo que
fosse quanto antes. Isto eu executei imediatamente. Chegando em Milão, fiz uma
confissão geral. Preparei-me, diligentemente, com detalhado exame de consciência.
Em seguida, fui ter com o senhor cardeal e por outros senhores acompanhado até o
lazareto, no dia de São Miguel, 29 de setembro de 1576. Ali estive quase um mês,
administrando somente os santos sacramentos. No entanto, percebendo o senhor
cardeal que as questões temporais não corriam bem, que os pobres não eram
ajudados em suas necessidades temporais, fez com que o excelentíssimo Senado me
conferisse também esta autoridade temporal, que exercitei por um ano. Depois fui para
o lazareto de Brescia, onde permaneci muitos meses.
Amigo - Antes de continuarmos, gostaria de saber qual era essa sua autoridade
temporal e o que abrangia.

1379. Frei Paulo - Explico tudo de maneira breve. Eu tinha autoridade sobre todos
os empestados e os que eram suspeitos de ter peste. Se você quiser saber com mais
clareza, leia aqui a autoridade que me foi concedida.

Presidente e auxiliares da saúde do Estado de Milão


Sabendo nós que, em São Gregório, não estão sendo cumpridas nossas ordens e
mandatos, julgamos proceder desta maneira, porque ainda não havia alguma pessoa
por delegada para este lugar. À esta compete, como executor de nossas ordens, usar
toda diligência em fazê-las cumprir. Após termos tudo considerado para encontrar a

89
Trad.: Graças a Deus.
319

pessoa apta para tal tarefa e sabendo que nesse lugar se encontra o reverendo padre
Paulo Bellintano de Saló da Ordem dos Capuchinhos, homem de grande bondade,
caridade, zelo e diligência, idôneo para qualquer outra tarefa que lhe for confiada,
escolhemos então sua pessoa e assim, com o presente documento, elegemos e
delegamos [Frei Paulo] a fazer observar tudo quanto por nós foi mandado e será
ordenado, concedendo-lhe autoridade de deter e também de interrogar, com suplícios,
os malfeitores ou os imputados e indiciados por algum delito.
Mandamos também a qualquer pessoa, que se encontra nesse lugar ou que no
futuro nele entrar, que, sob pena pecuniária, privação de salários, flagelação,
tratamentos com cordas, trabalhos forçados ou castigo maior segundo nosso parecer,
obedeça, ajude e auxilie esse reverendo padre Frei Paulo. Quem estiver nesse lugar,
seja homem ou mulher, coveiro ou coveira, e outra pessoa de qualquer condição,
advertimos que, se cometer erros, será irremediável e imediatamente castigada,
quando formos avisados de delitos através do mencionado reverendo padre, a cuja
palavra se dará crédito e fé, como se juridicamente fosse feito um processo sem a
presença deles. Em fé do que se fez o presente documento, assinado por nós mesmo,
e carimbada com o carimbo de nosso Departamento.
Milão, aos 21 de outubro de 1576.
Mons. Presidente
Ghingora Eques Jerônimo, escrevente
(lugar do carimbo)

Como outros religiosos foram ajudar os empestados. Capítulo 15.

1380. Amigo - Gostei muito de ler esses poderes, que lhe foram outorgados. Mas,
diga-me, vieram outros religiosos servir os doentes no lazareto ou foram somente
vocês os capuchinhos?
Frei Paulo - Ao contrário, vieram muitos outros religiosos, porque, vendo que nós
capuchinhos assumimos o cuidado do São Gregório (assim se chama o lazareto de
Milão), com muito zelo pela honra de Deus e salvação das almas, dispostos a morrer
por seu amor e assim ser de agrado à Divina Majestade, resolveram também eles,
como em mútuo desafio, servir os pesteados por amor de Deus. Desta maneira e
rapidamente, foram resolvidas todas as necessidades, com grande admiração da
cidade, que não pensava em tal sensibilização. E mais admiração causava, vendo que
muitos religiosos de todo tipo, comodamente instalados em seus conventos, se
dispuseram a servir os pesteados. Eis, caro amigo, que agora você entendeu os fatos.
Este exemplo poderá servir a todos os bispos, quando perceberem a necessidade.
Por isso, tudo descrevi com minúcias. Para que melhor se possa servir-se [deles],
seria bom que se peça à sua Santidade a autoridade de chamar regulares fora dos
conventos, mesmo contra a vontade de seus superiores. Isto o fez o senhor cardeal
Borromeu, e também D. Domingos Bollani, bispo de Brescia porque, muitas vezes, os
súditos iriam ajudar, mas os seus superiores, para não perdê-los, não querem.
Amigo - Grande alegria estou sentindo ao ouvir sua descrição. Veja como é
importante dar o bom exemplo. No início, ninguém queria assumir esta santa
atividade. Mas depois e quase imediatamente, encontraram-se tantos [religiosos] e,
com muito fervor, disputavam entre si os trabalhos.

5. "Vida de alguns frades capuchinhos da Província de Milão, célebres na virtude e


santidade" de Salvador de Rivolta

I frati cappuccini, III/2, 3763-3769

1381. [São Carlos] depois de passar bom tempo refletindo sobre quais pessoas
poderiam ajudá-lo no governo e no serviço interno dos hospitais, construídos em Milão
ou fora - obra mais importante que qualquer outra e que poderia, com escândalo muito
320

generalizado, ser impedida por arte do demônio ou por negligência ou malícia, ou por
outra qualquer desordenada paixão dos ministros, que exigia prudência, pureza,
fidelidade e caridade toda singular -, pensou em servir-se do ministério dos
capuchinhos porque, segundo ele, neles se encontravam todos os requisitos que seu
zelo prudentíssimo pudesse desejar.

1382. Sobre esta decisão escreveu à sua santidade Gregório XIII, sumo pontífice
daquele tempo, pedindo-lhe, com grande afeto, que lhe concedesse, em caso de
necessidade por causa de grave e geral peste em sua cidade ou diocese, ampla
autorização de servir-se de todos os capuchinhos da Província de Milão, naquele
tempo unida com a de Brescia, que, inspirados pelo Senhor, se oferecessem para
servir os pesteados.
Obtido facilmente do Papa quanto desejava, chamou o ministro provincial
daqueles frades, que era o padre Frei Francisco de Bormio e o padre Frei Tiago de
Milão, chamado "il Calderino", guardião em sua cidade. Mostrou-lhes o indulto
apostólico, pedindo que escrevessem imediatamente a todos os conventos da
província, explicando aos frades que os que se sentissem em condições de servir os
pobres doentes, em Milão ou fora da cidade, se manifestassem e estivessem prontos
a qualquer chamada. Quando foi enviado este aviso celeste aos conventos, todos os
frades se comoveram e quase lutando para se vencerem na caridade, todos queriam
encontrar-se em meio às necessidades desses corpos oprimidos e debilitados, entre
os horrores da miséria e da morte.

1383. A calamidade daquele tempo, que podia sem dúvida chamar-se tempo da
visita do Senhor, exigia assistência e trabalho de muitos ministros, tanto na cidade
como fora da mesma. Os principais lugares fora da cidade eram Vittoria, situada entre
Melegnano e Milão, e Monza, distante de Milão umas dez milhas. Na cidade [de Milão]
havia dois hospitais: um, o menor, construído por São Dionísio e o outro grande
chamado o Lazareto, fora da Porta Oriental, perto dos muros. Para este lugar, eram
levados os empestados para que o resto da cidade permanecesse mais livre e
purificado e também porque os doentes, assim reunidos, pudessem receber mais
facilmente melhores cuidados quanto ao corpo e ao espírito, o que não teriam
recebido, caso se encontrassem na própria casa e também por falta de servidores.
Em todos esses lugares foram colocados os frades capuchinhos, cujas ofertas
tinham sido aceitas pelo santo cardeal e aprovadas pelos superiores dos mesmos
frades. O trabalho deles foi tão fervoroso nesse piedoso e caridoso ministério que,
quando o soube o ilustríssimo prelado de gloriosa memória, rendeu mil graças a Deus
pela escolha feita. Também as pessoas nobres e qualificadas, que foram solicitadas
para assistir como superintendentes desta pia obra, louvaram o fervor e a
infatigabilidade dos servos de Deus e inflamaram-se ainda mais nas obras de
caridade, vendo este especial exemplo. Os mesmos doentes sentiram nesses pobres
capuchinhos um forte e terno amor paterno e materno.

1384. Para o lugar chamado Vittoria foi o padre Frei Alexandre de Milão, sacerdote
que faleceu no trabalho, ao qual sucedeu Frei Atanásio de Brescia, clérigo. Em Monza,
o padre Frei Apolônio de Brescia, homem de singulares qualidades, com Frei Jerônimo
de Brusada. No hospital São Dionísio, o padre Frei Sigismundo de Brescia, Mateus de
Corano, Masseu de Cozzo e Januário de Drugoli, leigos. Os demais trabalharam
sucessivamente no lazareto, conforme exigiam as circunstâncias.
O lazareto (que ainda existe hoje e do qual tratamos agora) era uma construção
com grande capacidade, edificada pelos duques de Milão, para recolher e curar, no
tempo de peste, o maior número possível de doentes e também os suspeitos de
contágio.
321

1385. O prédio tinha a forma quadrada e um pátio muito espaçoso. Nos quatro
ângulos dispunha de quatro ordens de quartos com pórticos, feitos com criativa
arquitetura. Nas duas partes, uma no oriente e outra no ocidente, havia duas portas.
Pela porta oriental, entravam os doentes, quando vinham de suas casas e, pela
mesma, levavam-se os mortos fora do lazareto. Por isso, era chamada "porta feia".
Mas da parte ocidental, que era conhecida com o nome de "porta limpa" saiam os
que tinham recuperado a saúde e por ela entravam os mantimentos, os remédios e
outras coisas necessárias. No entanto, somente podia entrar quem não tivesse
nenhuma suspeito de contágio da doença. Não faltava à piedade e ao tamanho do
edifício uma capela, onde se podia celebrar e conservar, com decoro, o Sacramento
do altar para administrá-lo aos necessitados.

1386. Quem teve a felicidade de entrar por primeiro neste lugar, no dia 25 de
agosto de 1576, foram os padres Frei Felipe de Milão, que trabalhou, até sua morte,
como superior dos outros, e Frei Tiago de Volterra, ambos sacerdotes. Os leigos Freis
Masseu de Mântua, Sabino de Cremona e André de Val di Sabio, embora poucos,
sustentaram, com seus ombros, toda a máquina de serviços, pesada pelas fadigas,
pela constância e atenção que exigia. Mereceram todo o louvor, porque conseguiram
superar, para aquela administração, o caos e deixar tudo em grande ordem. Estes
frades, crescendo a necessidade e ficando doentes ou morrendo alguns deles, tiveram
novos companheiros ou sucessores, que continuaram até o fim.

1387. Os departamentos e os encargos introduzidos no hospital foram muitos,


porque tudo dependia deles. Estes incluíam o ministério dos sacramentos, exercido
pelos sacerdotes com extrema diligência; o cuidado das duas portas principais para
acolher os doentes, mandar para fora os mortos e entrar as pessoas de serviço que
não deviam ter nenhuma suspeita da doença. Estes preparavam as refeições, faziam
os remédios e davam-nos aos doentes. Estes servidores tornavam-se um espetáculo
digno do céu, vê-los com tanta freqüência e doçura visitando os doentes para dar-lhes
o necessário e consolá-los e, com tanta caridade, servindo-os em qualquer
necessidade. Eles não se importavam nem com o trabalho nem com as contradições
nem com o perigo de morte.
Para que nada faltasse a este ministério da caridade, com os próprios braços
carregavam os cadáveres nas carroças que os conduziam ao cemitério e lá,
novamente, os tiravam para sepultá-los.

1388. Observou-se ainda que algum frade, levantando a alta hora da noite, fazia a
ronda no segredo da noite, para ver se algum operário, confiando na escuridão,
ousava cometer qualquer escândalo, roubo ou algo ato desonesto. Esta vigilância
serviu admiravelmente para evitar os excessos.
Este trabalho dos capuchinhos era ainda mais admirável porque eles nunca
abandonavam o lugar, a não ser em caso de caridade (o que ocorria muito raramente).
Vivendo continuamente no lugar, mantinham-se em contínuas vigílias e trabalhos
unindo o dia com a noite e a noite com o dia. Esta assiduidade tornou-se para os
frades causa de graves doenças e até de morte.

1389. Padre Frei Felipe de Milão, como se disse, era o superior de seus frades e
morreu após dois meses. Sucedeu-lhe o padre Frei Paulo de Saló, homem de grande
percepção e não menos apto à ação que à contemplação.
Do santo cardeal ele recebeu, antes de tudo, o encargo do governo espiritual de
todo o lazareto com suprema autoridade. Passado pouco tempo, foi incumbido
também do poder temporal pelo excelentíssimo Senado. Este, julgando necessário
que alguém tivesse todo o poder secular para ser freio e terror para os dissolutos e
considerada a prudência e o valor do padre, resolveu conferir-lhe este encargo. A
proposição foi aprovada rapidamente porque - pensava - que se uma mesma pessoa
322

tivesse ambos os poderes, impedia a caminhada das desordens que a divisão dos
encargos pudesse gerar.

1390. A dupla autoridade leiga e eclesiástica, a perspicácia e vivacidade de


inteligência do padre Frei Paulo, juntamente com o zelo que lhe ardia no peito, tirou-
lhe todo o descanso para seu corpo. As graves e contínuas doenças dos empestados
ocuparam-no completamente. A necessidade espiritual dos enfermos, principalmente
dos que estavam perto das portas - que sempre eram numerosos - , chamavam-no ao
ministério dos sacramentos, embora nisto fosse auxiliado pelos demais sacerdotes. As
necessidades corporais exigiam que ele providenciasse os alimentos e outras coisas
necessárias. A pouca caridade que ele percebia em alguns dos ministros e servidores
seculares obrigavam-no, com freqüência, a ir ver se os doentes sofriam de alguma
coisa e alguns começassem a decompor-se. As incumbências que ele precisava fazer
em todo instante, as consultas, os processos criminais por ocasião de delitos - que,
apesar da vigilância, às vezes aconteciam - ou de furtos, ou de sensualidade ou de
qualquer outro excesso, não lhe permitiam nenhum descanso. Além de perceber
quanto era importante que a porta ocidental fosse fielmente vigiada, ele mesmo se
dava a este trabalho durante grande parte do tempo.

Assistência aos doentes e moribundos

1391. O serviço aos empestados é apenas uma das manifestações, embora seja a
mais antiga e historicamente talvez seja a mais significativa, do comportamento dos
capuchinhos em favor dos doentes em geral.
Neste campo, a caridade dos frades estendia-se aos seus irmãos, no interior dos
conventos ou dos hospitais e também às pessoas estranhas.
Quanto a isto, além do que se referiu na seção das "Crônicas", seguem alguns
trechos das crônicas de Frei Bernardino de Oricano e Frei Bernardino de Colpetrazzo.

1. Os cuidados de Jerônimo de Lapedona

1392. Padre Frei Jerônimo de Lapedona era guardião do convento de Fano,


quando lhe foi confiado o doente Frei Clemente de Pesaro, que se adoentou em
convento ainda em construção. Frei Jerônimo, naquele tempo, era mestre dos noviços.
Eis o que dele refere Frei Bernardino de Orciano.

C. Urbanelli, História dos Capuchinhos das Marcas I/2, 400-401.

Quando este padre o viu, recebeu-o com rosto alegre e grande espírito acolhedor
e lhe disse que não deixasse faltar nada, porque tanto ele tinha muito o que fazer no
convento quanto ele, que era guardião. E imediatamente lhe deu o melhor colchão que
existia na casa, providenciando que fosse instalado em boa enfermaria e ordenou,
expressamente, a um frade que dele cuidasse e que não lhe faltasse as coisas
necessárias. Ele mesmo ia com freqüência ao seu quarto para ver se lhe faltava
alguma coisa. Levava embora o lixo, varria o quarto e fazia os demais serviços dos
doentes com palavras tão amorosas e rosto alegre que confortava o frade doente.

2. O exemplo de Geraldo de Florença

1393. O irmão leigo Frei Geraldo de Florença costumava pedir que fosse enviado
aos conventos para remendar os colchões destinados aos doentes e para assisti-los.

C. Urbanelli, História dos capuchinhos das Marcas I/2, 401.


323

Quando chegava o Ministro provincial, pedia a graça de ser enviado a cuidar dos
frades doentes na Província. Por isso, freqüentemente, os provinciais mandavam
chamá-lo e lhe confiavam alguns doentes. Neste trabalho, não fugia de nenhuma
fadiga ou coisas repugnantes. Sofria frio, falta de sono e qualquer desconforto. Estes
mencionados serviços eram de grande ajuda aos Ministros provinciais, que então não
dispunham de frades para estas atividades e caridade. Ocupou-se nestas tarefas
caritativas durante toda sua vida e muito se alegrava, quando recebia estas
incumbências, desempenhadas em nome da caridade e da pobreza da Regra.

3. Frei Francisco de San Giovanni: "pessoa de grande caridade"

1394. Sempre se oferecia para assistir os confrades doentes. Na juventude, tinha


pedido aos superiores para ajudar os doentes no hospital romano dos incuráveis.

C. Urbanelli, História dos capuchinhos das Marcas I/2, 401.

Era pessoa de grande caridade para com os doentes. Por isso, quando sabia que
algum frade estava doente em qualquer lugar, encontrando-se com o Ministro
provincial, pedia para ir tomar conta dele. No entanto, eram poucos os frades e os
doentes. Por isso, ocorria raramente que alguém fosse por ele cuidado, porque havia
outros frades idosos que faziam o mesmo pedido neste sentido.

4. Os engenhosos meios caritativos de Adeodato de Ripatrassone

1395. Foi um religioso muito estimado. Viveu na Província da Úmbria e na das


Marcas, sendo também mestre dos noviços.

C. Urbanelli, História dos capuchinhos das Marcas, I/2, 401-402.

Estando em Fermo, chamado San Savino, onde existia ambiente muito insalubre,
muitos frades adoeciam. Os médicos, por causa dos inúmeros doentes na cidade, não
podiam sair e atender os capuchinhos. Por isso, os frades levaram seus doentes para
a cidade, em uma casa um tanto afastada. Aqui se encontrava o padre Frei Deodato
que, com toda caridade possível, cuidava deles com fatos e palavras, sem se poupar.
Para alegrá-los nas graves enfermidades e aliviar os males, encontrou um instrumento
e, como sabia tocar muito bem o órgão, muitas vezes tocava para eles.

5. Os capuchinhos doentes levados aos hospitais

1396. O costume dos capuchinhos de curar seus confrades doentes fora do


convento, em casas ou hospitais dentro da cidade, fundamentava-se no vivo amor
pela saúde desses enfermos. Alguns interpretaram estes gestos como sinal de pouca
atenção para com os frades doentes. Assim respondia Frei Colpetrazzo a estas
insinuações.

MHOC IV, 186-187.

Tamanha era a caridade entre eles que, quando alguém adoecia, nunca se
deixava de prestar-lhe toda a caridade possível. Parecendo-lhes, algumas vezes, não
dispor da facilidade de encontrar o médico e outras coisas necessárias para o doente
nos conventos, porque longe da cidade, levavam-nos em alguma fraternidade ou lugar
honesto, onde, com ótimos remédios, recuperavam a saúde. No entanto, os
adversários aproveitaram desta ocasião para caluniar-nos, e diziam: "Não há caridade.
Quando adoece algum deles, levam-no ao hospital", não considerando que isto de
fazia para mostrar-lhes maior caridade ainda.
324

Assistência aos incuráveis

1397. No dia seguinte à bula "Religionis zelus" (3 de julho de 1528), Frei Ludovico
de Fossombrone, Vigário Geral, obteve em Roma em 1529 uma casa próxima e de
propriedade do hospital São Tiago dos Incuráveis. Nela moraram alguns frades, com a
incumbência de assistir espiritual e materialmente os doentes, quase todos com
doenças incuráveis e, por isso, abandonados a si mesmos.
Os capuchinhos distinguiram-se no cuidado aos incuráveis não somente em
Roma, mas também em outras cidades. Frei Colpetrazzo lembra que "começaram
cuidar dos leprosos em Nápoles, em Gênova" e em outros lugares.
Na seção das "Crônicas" já foi lembrado o serviço dos capuchinhos no hospital
romano de São Tiago e em outras casas de cura. Basta agora transcrever parte do
texto de um "motu proprio" e os exemplos de Frei Francisco de San Giovanni, para o
hospital São Tiago, e de Frei Bento de Collamato, na Sicília.

1. Francisco de San Giovanni cuida dos incuráveis de Roma

1398. Bernardino de Orciano assim descreve o serviço do capuchinho Francisco


de San Giovanni, que muito se assemelha a São Francisco, quando cuidava das
chagas dos leprosos.

C. Urbanelli, História dos capuchinhos das Marcas I/2, 562.

Quando jovem, pediu licença aos seus superiores para colocar-se ao cuidado dos
enfermos no hospital dos incuráveis em Roma. Eles, conhecendo-o como pessoa de
vida santa e apto a qualquer vil trabalho e que daria bom exemplo, concederam-lhe a
licença.
No hospital, exercia sua caridade para com todos, indiferentemente. Limpava-lhes
as chagas ulcerosas. Medicava-os e levava embora os cântaros. Varria, lavava, não
se cansava nem de dia nem de noite, mostrando muita consolação interior e exterior.
Isto edificava a todos os frades e seculares. Neste exercício da caridade ocupou-se
durante muitos anos e nesse lugar creio - acrescenta quem descreve o que se referiu -
foi acometido de um câncer no peito, curado milagrosamente.

2. Um "motu proprio" sobre o trabalho dos capuchinhos no hospital romano de São


Tiago

1399. Em data imprecisa, mas entre 1535 e 1540, os Superiores da Ordem


decidiram retirar os frades do hospital São Tiago. Os responsáveis pelo hospital
recorreram ao papa Paulo III para que impedisse a saída, esperando que assinasse
um "motu proprio", do qual se conservam três cópias no arquivo do mencionado
hospital. O texto evidencia dois fatos importantes: de um lado o elogiável cuidado dos
frades para com os doentes e, do outro, a nova orientação da Ordem, depois do
Capítulo geral de 1535-1536, quando se permitiu um trabalho habitual e estável dos
frades nos hospitais, não proibindo uma assistência esporádica, também prolongada,
em tempo de calamidades públicas, especialmente nas pestes.

Eduardo de Alençon, De primordiis, 87-88.

1400. Até agora, alguns frades da observância da Ordem de São Francisco,


chamados capuchinhos, encarregados pelo Vigário Geral da mesma Ordem ou por
outros superiores em exercício pro tempore90, serviam pia e louvavelmente no

90
Trad.: temporariamente.
325

venerável arqui-hospital de São Tiago dos Incuráveis na cidade de Roma. Estavam


acostumados não somente a administrar fiel e caridosamente os sacramentos aos
enfermos no mesmo hospital, mas também dedicar aos doentes atenções e trabalhos
pessoais, cuidar e distribuir o pão, o vinho, os demais alimentos e também o vestuário
e outros objetos necessários aos próprios doentes e aos ajudantes do hospital.
Todavia, há algum tempo, os mesmos frades, talvez porque prometeram a Deus
oferecer um serviço perpétuo, não sem escrúpulo de consciência, temerosos de não
poderem continuar na administração, pensaram em subtrair-se da mesma.

1401. Nós, desejando que o hospital seja honrada e fielmente governado tanto no
espiritual como temporal e informados de maneira segura quanto à administração e
previdência desses frades, tendo firme esperança e confiança que, por meio dos
mesmos frades, servindo os pobres se oferece a Deus, como é óbvio, um
agradabilíssimo serviço, segundo a afirmação do Senhor, que disse: o que fizestes a
um destes, é a mim que o fizestes, motu proprio et ex certa scientia91, confiamos e
ordenamos ao dileto filho Vigário Geral e a qualquer outro superior da Ordem, agora e
pro tempore existente, em força do presente documento e em virtude da santa
obediência e sob pena de excomunhão, que destine o mesmo número de frades da
mesma Ordem, que serviram até o momento o mesmo hospital, e seja um número
segundo a necessidade e oportunidade, guiados pelos guardiães pro tempore do
mesmo hospital.

1042. Concedemos a licença e a faculdade aos mesmos frades, que servirão pro
tempore ou servirão no mesmo hospital, de poder viver, pernoitar e exercer os
cuidados espirituais e temporais, como fizeram até agora, livremente e sem escrúpulo
de consciência e, em caso de necessidade, com as mesmas atividades, concedemos
benévola dispensa.
Concedemos aos mesmos frades, que trabalharão pro tempore, de poder gozar e
usufruir de todas e cada uma das indulgências e "remissão dos pecados", concedidas
aos confrades do mencionado hospital pelos sumos pontífices, nossos predecessores,
e por nós aprovadas e renovadas. Enquanto os tratamos com benignidade,
ordenamos urgentemente ao Vigário Geral e a todos os superiores da mesma Ordem
que não ousem ou presumam colocar impedimentos ou pesos aos frades delegados
pro tempore destinados a cuidar do mencionado hospital (seguem as conclusões
normais).

3. Frei Bento de Collamato serve os doentes em um hospital de Palermo

1403. Irmão leigo de alta espiritualidade, grande amante da pobreza franciscana e


muito caridoso, Bento de Collamato participou do Capítulo provincial das Marcas em
1566 e foi guardião de Scapezzano. Companheiro de Eusébio de Ancona durante o
generalato (1552-1555), faleceu em Civitanova, Marcas em 1584. Bernardino de
Orciano refere este significativo episódio que destaca sua caridade para com os
enfermos.

Bernardino de Orciano, Biografias, f. 616r-v.

De Frei Bento de Collamato, leigo, do qual em outro lugar conta Frei Tiago de
Ascoli, acima mencionado, que, sendo companheiro do muito reverendo padre Frei
Eusébio Fardini de Ancona, Ministro Geral, em seu generalato, padre Eusébio foi para
a Sicília no início do inverno, na festa de Todos os Santos ou mais tarde.
Chegando a saber Bento que o Ministro geral estaria, neste inverno, na ilha e que
não tinha necessidade de auxiliares e, por isso, seria inútil esperá-lo, pediu-lhe licença

91
Trad.: por moção própria / de iniciativa própria e a partir de seguro saber.
326

de servir os doentes em um grande hospital de Palermo. Para adquirir os méritos da


humildade e da caridade, concedeu-lhe a obediência. Permaneceu, então, naquele
hospital até a partida do Ministro geral da ilha. Dedicou-se intensamente aos doentes
sem poupar-se de qualquer coisa repugnante e maus odores, exercitando a caridade
para com todos. Limpava, varria e lavava os cômodos com grande alegria. Exortava-
os com palavras santas a conformarem-se à divina vontade, a confessar-se e
comungar e fez-lhes muito bem. Quando partiu da ilha, o Ministro geral chamou-o
novamente.

Assistência aos moribundos

1404. O cuidado dos doentes nos lazaretos, nos hospitais dos incuráveis e em
outras casas de saúde exigia, é claro, também a assistência espiritual em caso de
morte, na qual os capuchinhos se distinguiram de maneira toda especial.
Na Ordem, este apostolado foi sempre um ponto de honra. Em algumas
províncias, costumava-se designar algum frade para esta atividade específica, o qual,
em qualquer lugar, era chamado "padre operário". De algumas passagens dos Anais
da Ordem pode-se intuir qual fosse a "técnica" usada pelos frades sacerdotes com os
moribundos: palavras de exortação e de esperança e oração.
Neste apostolado, os capuchinhos tornaram-se eficazes e competentes. Alguns
deles escreveram tratados específicos sobre a maneira de atender os moribundos.
Aqui é suficiente incluir alguns trechos das "Advertências para os moribundos", feitos
pelo padre Gregório de Nápoles e publicados em Veneza em 1589.

I frati cappuccini III/2, 3450-3451, 3463-3466, 3486-3488, 3493

Advertências necessárias para a salvação eterna dos pobres doentes

1405. E porque na parte anterior desta segunda parte de nosso Enchiridion


inserimos meditações para a prática cristã, pareceu-me oportuno apresentar uma série
de brevíssimos conselhos para ajudar meus irmãos, quando são chamados a visitar
um doente. Com eles poderão lembrar-se rapidamente de algum pensamento e
sentenças da Escritura e destas continuar com palavras convenientes para a
consolação e salvação do doente e também sua. Antes de tudo, é preciso avisar o
doente que não deixe este mundo enganado pela paixão ou pela inadvertência do
confessor (...).
Observe-se se o doente é dos que não administraram a justiça, ou é um senhor
com dependentes. Cuide-se que não morra enganado, sem fazer a restituição e, para
isto, o lembrará do memorial92(...). Se esse memorial ainda não tiver sido feito, não por
isso, em consciência, está dispensado da restituição, por razões naturais, do
testamento e da contenda entre dependente e senhor, que nele está marcado.

1406. E depois, se for inocente de culpa e pena de quanto se falou, assim como
nosso mencionado alegre Frei Félix capuchinho se mostrou verdadeiro e não fingido
observante da Seráfica Regra e assim foi gozar da eterna glória dos beatos. O Senhor,
querendo fazer conhecido ao mundo quanto era querido o verdadeiro religioso
observante de sua prometida Regra, quis honrá-lo, fazendo milagres ao tocar seu
hábito. Realizando-se em Roma a festa da canonização do glorioso São Diogo de
Alcalà, da Espanha, leigo professo da Observância regular de nosso seráfico São
Francisco e que faleceu há uns cem anos - quando ainda não se pensava na Reforma
franciscana dos Capuchinhos -, o Senhor quis manifestar ao mundo a alegria de Frei
Félix, permitindo que de seu sepulcro emanasse um óleo útil para curar várias
enfermidades.

92
Nota do tradutor: memorial é usado aqui em sentido de testamento.
327

1407. Retornando ao anterior pensamento, poderão os meus irmãos tanto pelas


obrigações consigo mesmos, pela profissão da vida cristã e monacal, quanto em
avisar os doentes quanto à periculosidade da doença, para a qual se dê um remédio à
salvação da alma e não com uma vã esperança de saúde, seja condenado por não ter
refletido sobre as obrigações que lhes pesavam na consciência.
Por isso, querendo, com a ajuda do Deus misericordioso, oferecer uma
advertência sobre o fim para o qual Deus o criou, possa utilizar dos meios para
alcançá-lo. Por conseguinte, pareceu-me útil oferecer as seguintes advertências que
brevemente compilei do opúsculo da doutrina e preparação para bem morrer do
teólogo Iudoco Clichtoveo.

Advertência VI: a principal norma do bem morrer é o estudo da vida honesta e boa,
que, em geral, leva a uma boa morte

1408. A principal e especial norma daquele que deseja morrer bem é amar a boa e
santa vida, ornada de virtudes e justiça, temendo a Deus e obedecendo a seus
mandamentos. Esta norma é quase suficiente para morrer pia e religiosamente,
porque faz agir bem e abraçar as virtudes, enquanto há tempo. Pelos exemplos da
vida cotidiana, sabemos que tal pessoa assim como viveu, assim morrerá.
Por isso, Santo Agostinho, no primeiro livro De civitate Dei, diz: "Não se deve
pensar que suceda uma morte má, quando a precedeu uma vida boa, não podendo
morrer mal aquele que acompanha a morte. E, no livro da doutrina cristã, afirma que
não pode morrer mal quem viveu bem e que, dificilmente, morre bem quem viveu mal.
Por isso, o Salmo 115 diz: "De grande preço é aos olhos do Senhor a morte de seus
santos" (Sl 115, 15). Certamente, quem leva esta vida pia e lê a vida dos santos, do
íntimo do coração, pede a Deus, dizendo: "Possa eu morrer a morte do justo, e seja o
meu fim semelhante ao dele" (Num 23,10). O que de melhor se pode desejar? Que de
mais útil se pode pedir a Deus a não ser uma morte santa e gloriosa semelhante a dos
santos?

1409. Fazem o contrário os que, levando uma vida cheia de iniqüidade e maldade,
que não se envergonham nem de Deus nem dos homens, mas como animais sem
freios correram atrás de suas concupiscências e desonestos desejos, enquanto
viveram neste mundo. Tremam, portanto, diante da aventura da morte como os que
são levados à força ao tribunal de um juiz severo e receber o prêmio de suas obras,
das quais diz o Apóstolo aos Romanos: "O salário do pecado é a morte" (Rom 6,23).
Certamente conscientes de suas perversidades, com a mente atônita, pensando
na gravidade e multidão de suas culpas e pecados, recusam arrepender-se, procuram
meios para não morrer, a fim de não serem levados diante do juiz severo e receber a
sentença de condenação, dos quais o profeta diz no Salmo 33: "A morte dos
pecadores é péssima" (Sl 33,22).

1410. Se você cometeu um pecado, purifique-o com lágrimas de contrição e


cancele-o com o sacramento da penitência, enquanto dispuser de tempo. Como você
tem a oportunidade, acostume-se ao amor das virtudes com a contínua prática da
justiça. Torne-se amigo e familiar da mesma, conforme a sentença da Escritura aos
Gálatas: "Enquanto para isso temos tempo, façamos o bem" (Gal 6,10) e também o
Eclesiastes: "Tudo o que consegues fazer fá-lo alegremente, porque não há
atividades, nem razão, nem cognição, nem sabedoria entre os mortos, para onde vais"
(Ecle 9,10), e o Eclesiástico: "Toda carne, como a roupa, deteriora-se; e a lei eterna é:
“É necessário morrer”" (Eclo 14,17). Diante destas admoestações abra seus ouvidos e
com seu ânimo pratique-as. Assim, no tempo de sua morte não terá temor, medo e
espanto, mas ajudado pelo auxílio divino e anjo da guarda, sentirá agradável e fácil a
328

morte, isenta de ansiedade e horror, sem temor. Após a morte, sua alma voará e será
levada à Jerusalém celeste.

Advertência XIV: trata do terror da morte, da imortalidade da alma e do temor na hora


do juízo, apresentado pelo demônio ao qual deseja opor-se e colocar-se diante da
misericórdia

1411. Além disso, nosso adversário luta com outra lança aguda e novas flechas
para ferir o doente, que está deixando este mundo. Representa-lhe o horror da morte
que está às portas. A natureza tenta esconder-se, perturba a mente, fazendo-o
desvairar. Apresenta-lhe a flecha ainda mais nociva do temor e medo extremo do juízo
na hora da morte, quando, no exame, prestará contas de todas as obras do passado,
tanto de ações como de pensamentos e de omissão, e dar contas de seus talentos
que Deus lhe concedeu em toda a vida. Qual o fruto e a recompensa deste tempo
quando está esperando a sentença irrevogável, da qual não há apelação!
Permanecerá eternamente na sentença de vida ou de morte que receberá. Jamais
poderá modificá-la.
Nosso inimigo sugerirá tudo isto a quem está morrendo. Enquanto estava com
saúde, procurava esquecer tudo, não pensar nisso para que não fosse impedido de
pecar licenciosamente, nem apavorar-se e assustar com seu estado de pecado. O
demônio apresenta estas coisas à mente doente e perturbada para que o terror e o
horror lhe causem espanto. Assim, o homem, em sua ansiedade, sente-se
atormentado. Ficará duro e sem vontade diante da morte.

1412. Contra estas tentações do inimigo, é necessário que o doente seja


fortificado com as armas com que expulse os enganos do inimigo. Este remédio é
ânimo forte e reto, com o qual demonstra que, na morte, nada o horroriza.
Compreende que todos os seres, depois da momentânea existência, se encontrem
diante da morte e serão obrigados a passar à natural corrupção de nossa carne
mortal. Por isso, não é algo extraordinário passar pela morte e nem contrária à nossa
condição de chegar à corrupção, imposta a todos os homens, mesmo ilustres ou
dignitários. A sentença de morte é para todos.
Desta maneira, nossa vida é semelhante à do navegador. Aqueles que viajam pelo
mar, ou estejam em pé, ou sentados, ou deitados no navio, todos eles estão sendo
levados. Assim também para nós: quer estejamos atentos, ou dormindo, ou deitados,
ou caminhando, querendo ou não, somos levados ao nosso fim, à morte. Ela é o fim
de uma prisão, uma consumação, uma chegada ao porto, o término da peregrinação,
deixar um peso gravíssimo, descer de um cavalo furioso, uma libertação da casa em
ruínas, o término de todas as doenças, a eliminação de todos os perigos, pagamento
de dívida à natureza, retorno à pátria, o ingresso na glória.
Quem, portanto, temerá a morte? Ficará pasmado, porque ela nos dará tantas
coisas úteis e nos cumulará de inúmeros benefícios. Todos os santos mártires, os
confessores e as virgens, após terem passado por várias tribulações, almejaram
chegar a obter estes benefícios e confortos.

Assistência aos encarcerados e aos condenados à morte

1413. Os capuchinhos não se omitiram em atender os encarcerados e os


condenados à morte. É oportuno distinguir em duas partes esta obra de misericórdia,
porque cada uma delas exige atitudes diversas, embora, com freqüência, ligadas entre
si.

Assistência aos encarcerados


329

1414. Sabe-se que as prisões do século XVI eram duras e, muitas vezes,
impiedosas. Os locais eram estreitos, escuros, insalubres e, quase sempre,
apinhadass de gente. Depois do Concílio de Trento, alguns visitadores apostólicos
denunciaram tais situações, dando normas severas para um tratamento mais
higiênico, mais humano dos presos.
Nesse mundo de desolação e também de desespero desceu também a benéfica
ação caritativa dos capuchinhos. Eles, além de interessar-se por casos de libertação
de presos, fundaram instituições ou confrarias que tinham como finalidade ocupar-se
dos encarcerados e dos condenados à morte. É o caso, como se verá, do padre
Boaventura de Reggio Emilia.
Incluiremos, aqui, duas cartas que atestam o interesse dos frades pela a libertação
de algumas pessoas, movidos por eventuais razões dos familiares, mas sempre
inspirados pela caridade cristã e, em seguida, alguns documentos que mostram a
iniciativa do padre Boaventura de Reggio.

1. Tomás de Città di Castello para a libertação do pai de dois capuchinhos

Veneza, 2 de fevereiro de 1563 -Tomás Gnotti de Città di Castello foi o primeiro


superior geral da Ordem que participou do Concílio de Trento. Durante seu generalato,
enviou uma carta ao cardeal Júlio Della Rovere, protetor da Ordem, suplicando que
interviesse a favor de um certo Francisco de Castello, pai de dois capuchinhos,
encarcerado por fúteis motivos.

I frati capuccini II, 1048-1049

1415. Ilustríssimo e reverendíssimo Cardeal, meu senhor respeitabilíssimo.


Não posso deixar de socorrer e ajudar as pessoas atribuladas, junto à vossa
senhoria ilustríssima e reverendíssima, pela confiança e segurança que temos em vós
e, principalmente, quando os casos são de compaixão e de pessoas muito caras a
nós.
Esclareço que o senhor Francisco de Castello foi encarcerado por ter quebrado as
prisões daquela cidade pela alegria do nascimento do filho daqueles senhores Vitelli.
Não creio que ele tenha causado tanta desordem, porque sei que ele é homem e
cristão muito bom, temente a Deus e que, por causa de sua bondade, cuida dos
órfãos.
No entanto, sendo que nossa fragilidade é tal e tamanha que em todos os
momentos estamos propensos a cometer erros e, de maneira especial, naquela cidade
parece que existe esse costume, quando há tais manifestações de alegria, e ainda
hoje se cometem tais excessos. Esteja a questão em qualquer situação, que tenha
sido ele ou não a quebrar a prisão, recomendo-o com todo o coração à vossa senhoria
ilustríssima e reverendíssima, porque é pai de nossos frades e muito o estimo.
Qualquer graça que lhe fizer, considero-a feita a mim e a colocarei entre as obrigações
que temos com vossa senhoria, à qual humildemente me recomendo.
O Senhor o faça feliz em utroque homine93 e o conserve em sua graça divina.
Veneza, 2 de fevereiro de 1563,
De vossa senhoria ilustríssima e reverendíssima,
humilde servo,
O geral dos frades capuchinhos

2. Querubim de Peschiera pede para ajudar dois encarcerados de Mercato Saraceno

Roma, 24 de agosto de 1566 - Querubim de Peschiera foi um dos capuchinhos


mais conhecidos da Província das Marcas, na segunda metade de 1500. Diversas

93
Trad.: em ambos os homens (ou ofícios), isto é, neste caso: como pessoa e como cardeal
330

vezes Ministro provincial, pregador muito procurado e animador de várias associações


religiosas. Com a carta abaixo, ele pede ao cardeal Júlio della Rovere, protetor da
Ordem, para ajudar dois encarcerados de Mercato Saraceno, que então pertenciam ao
ducado de Urbino.

I frati cappuccini II, 1050-1051

1416. Ilustríssimo e reverendíssimo Cardeal, meu senhor estimadíssimo.


Vejo-me coagido pela lei da natureza e de Cristo Jesus a comparecer diante de
sua senhoria reverendíssima e apresentar esta súplica que é uma obrigação e dívida
minha. Eu, meu senhor cardeal, para animar aqueles pobrezinhos de Mercato
Saraceno, submeti-me a viajar até Roma neste tempo de grande calor, sabendo que
esta minha visita seria grata à sua senhoria reverendíssima, para que estes seus
súditos pudessem mostrar como são fiéis e obedientes. Minha opinião foi que, entre
15 ou 20 dias ou mais, se tivesse terminado com o caso daqueles pobres e miseráveis
seus súditos. Mas passaram 20 e até 30 dias e, até agora, não se vê nenhuma
resolução e até se duvida que a questão demore muito.
Por isso, decidi-me a enviar-lhe, com confiança, esta minha, suplicando-o
fortemente que envie uma sua ao senhor Michelangelo, dizendo-lhe que deveria
examinar esta questão o mais sumariamente possível; que não continuasse a usar e a
exigir, com estes pobrezinhos, aquele rigor e aquelas caminhadas que se costumam
fazer nesta bendita corte de Roma; que mostrasse que são seus súditos, os quais
desejam ardentemente e sempre submeter-se à autoridade da casa de Montefeltro.

1417. O cunhado de Frei Mário, nosso pai amoroso, encontra-se há 25 dias na


prisão. Foi examinado, foram feitas cópias de seus processos, mas ainda não foi
encaminhado. Eles também foram examinados, passaram um tipo de martírio, sendo
conduzidos presos pela polícia até aqui. Todos estão encarcerados, concordando em
pagar pela prisão e alimento três júlios94 por dia, sem contar as outras despesas.
Encontram-se na prisão como em um grave purgatório. Se a questão se prolongar,
receio que alguns deles morrerão, porque sofreram gravemente durante a viagem,
principalmente, o pobre idoso chamado senhor Tosco.
Meu senhor, alguns dizem: São estes homens do cardeal de Urbino? Por que não
são ajudados pela sua senhoria reverendíssima? Ah, senhor cardeal, colocai sua mão
neste caso. Não esqueça de enviar uma carta, bem comovida, ao senhor
Michelangelo, porque se fará tudo o que o senhor quiser. E esta será uma obra muito
bem aceita pelo nosso Deus e Senhor. Eles terão a ocasião de se mostrar dedicados
servidores seus. E eu, com todo o coração, peço que faça quanto lhe peço e com a
firme confiança que não deixará de escrevê-la. Termino e, com reverência, beijo suas
sagradas mãos.
Roma, 24 de agosto de 1566.
De vossa senhoria reverendíssima,
humilde servo
Frei Querubim capuchinho

2. Ato de registro da fundação da confraria da Piedade de Fermo

Fermo, 4 de abril de 1564 - Depois da pregação da quaresma pelo capuchinho


Boaventura de Reggio Emília, o povo de Fermo decidiu constituir uma confraria com a
obrigação de assistir os encarcerados e os condenados à morte, denominada
"Piedade" e colocada sob o patrocínio de São João Degolado. O registro foi pedido
pelo escrivão Horácio Civitella.

94
Nota do tradutor: moeda do papa Júlio que valia 50 centésimos.
331

G. Mazzocconi, Cenni storici del tempio de San Bartolomeo apostolo e


dell’arciconfraternità dela Pietà di Fermo II, Fermo 1872, 28.

1418. A associação religiosa da magnífica cidade de Fermo, denominada Piedade,


iniciada e fundada por inspiração de Deus pelo reverendo em Cristo padre Frei
Boaventura de Reggio, da Ordem religiosa dos frades capuchinhos, sendo pregador
da cidade de Fermo, no ano do nascimento de Cristo de mil quinhentos e sessenta e
quatro, sob o pontificado e feliz governo do santo padre em Cristo Pio IV, papa por
disposição da divina providência, em seu quarto ano, aos quatro de abril do
mencionado ano foi constituída, a pedido de Horácio Civitella, público escrivão com
autoridade apostólica da mencionada cidade e, no presente, escrivão e chanceler
eleito e designado desta associação ad secreta vota95 no ano, dia e mês acima
indicados.

4. Proêmio dos "Capítulos da Venerável Confraria da Piedade de Fermo"

Ancona, 1562 - O cronista Bernardino de Orciano lembra em suas "Biografias" a


iniciativa de Boaventura de Reggio Emília a favor dos encarcerados e condenados à
morte, apresentando, entre outras coisas, o proêmio dos "Capítulos".

I frati cappuccini II, 1493-1494.

1419. O mesmo fez na cidade de Fermo, porque pregou, com enorme proveito, e
nela fundou a companhia da Piedade, que é a associação mais nobre da cidade.
Ainda vive muito religiosamente, exercendo boas obras. Quando se fazem as eleições
dos oficiais, chamam os capuchinhos para escrutinadores, porque fazem em segredo,
à maneira dos capuchinhos. Tal fato é mencionado no proêmio da confraria, como o
que tenho impresso em mãos e também todas as ordens e estatutos.
O texto é o seguinte: "Sendo do agrado à divina bondade do onipotente Deus
enviar a esta nossa cidade no corrente ano do Senhor de 1564 o reverendo padre
Boaventura de Reggio de Lombada, da Ordem dos capuchinhos, a semear a Palavra
divina para a glória de sua Divina Majestade e a comunicar seu sacratíssimo
Evangelho para a salvação dos fiéis, sucede que, entre as muitas santas e
maravilhosas obras deste reverendo padre, ele ainda se afadigou muito com
exortações eficacíssimas para aconselhar-nos e persuadir-nos a aceitar as obras de
piedade e misericórdia em favor dos pobres encarcerados, doentes e outras pessoas
miseráveis e, especialmente, de ir exortá-los à paciência e suscitar o arrependimento
dos pecados daqueles miseráveis que, por certo tempo, chegarão nesta nossa cidade
para serem, através da justiça, condenados à morte.

1420. Através da operação do Espírito Santo nas mentes de algumas pessoas


devotas e honestas de nossa cidade, aceitaram que esta gloriosa e santa obra não
caísse no esquecimento, mas, reunidos, deliberam pôr em pé ou fundar uma confraria
com o nome de Piedade, propondo colocar-se sob a proteção de São João Batista. E
para que este devoto e cristão propósito não ficasse sem efeito, mas crescesse e
aumentasse dia-a-dia, sob a proteção de Deus, sempre obedecendo às constituições
e regras para manter esta confraria, criaram (com a autoridade da Santa Sé Apostólica
e consentimento de Dom Lourenço Lenti, bispo desta cidade) algumas boas
ordenações e capítulos".

2. Pedido da presença de Boaventura de Reggio em Fermo

95
Trad.: por votos secretos.
332

Fermo, 16 de maio de 1565 - O reitor da confraria da Piedade de Fermo pede ao


cardeal Júlio Della Rovere, protetor da Ordem, que pressione o Capítulo provincial dos
capuchinhos das Marcas para que transfira Boaventura de Reggio para o convento de
sua cidade.

C. Urbanelli, Storia dei cappuccini delle Marche I/3, 217.

1421. Reverendíssimo e ilustríssimo senhor, nosso senhor e benfeitor


respeitabilíssimo.
Embora estejamos certos de que vossa senhoria reverendíssima e ilustríssima, por
sua genuína liberalidade e delicadeza, se lembre de nossa boa e santa intenção que o
reverendo padre Frei Boaventura de Reggio, pregador da Ordem dos capuchinhos,
mediante sua intercessão, seja destinado, a nosso pedido, por estes reverendos
definidores do Capítulo, para o presente ano, a este nosso lugar, já que de nosso
orador foi completamente informado. Contudo, pelo nosso grande desejo, almejamos
que este pedido obtenha seu efeito, segundo nossa esperança, em benefício de toda a
cidade e também de nossa Confraria. Pareceu-nos bem, com a presente, lembrá-lo e
pedir-lhe se digne, pela honra de Deus e a salvação de tantas almas, de tudo fazer
junto a esses reverendos padres para tão justo e racional pedido. A autoridade de sua
senhoria reverendíssima e ilustríssima se comprometa que superará todas as
dificuldades que poderão surgir.
Não podendo nós agradecer dignamente à infinita gratidão de seu ânimo,
demonstrada ao mesmo nosso orador para conosco, de gratificá-lo mais ainda,
rezaremos humildemente ao Senhor Deus que o conserve em sua graça e também a
nós, para mostrar-lhe quanto somos seus devotos e fiéis servidores.
Terminando, humildemente beijamos as mãos.
Fermo, 16 de maio de 1565.
De vossa senhoria reverendíssima e ilustríssima
devotadíssimos servidores
o Reitor e confrades
da Confraria da Piedade de Fermo

Assistência aos condenados à morte

1422. Entre os vários campos da assistência caritativa, os capuchinhos atenderam


também o delicado e dificílimo encargo de assistir os condenados à morte nos seus
últimos e dramáticos momentos de vida. A história marca o exemplo de Jerônimo
Finucci de Pistoia, que desenvolveu este apostolado em Roma com tamanha
dedicação e eficácia que foi considerado um dos peritos neste campo. Ficou famosa
sua assistência ao ex-protonotário apostólico Pedro Carnesecchi, justifiçado em
Roma, por heresia, durante o pontificado de Pio V, aos 01 de outubro de 1567.
Este apostolado dos capuchinhos em favor dos condenados à morte, enriquecido
com todos os meios da razão e da fé, resultou em um opúsculo de Matias Bellintani de
Saló, com o título: "Úteis lembranças e remédios para os que são condenados à morte
pela justiça humana", publicado após sua morte em Saló, no ano de 1614, e do qual
seguem alguns trechos.

I frati cappuccini III/2, 3498-3503, 3533-3534

Úteis lembranças e remédios para os que são condenados à morte pela justiça
humana

1423. O propósito que se deve ter, quando se vai confortar e ajudar os


condenados à morte, deve ter duas finalidades. Uma é consolá-los, tirando-lhes a
ânsia presente. Esta é uma obra de misericórdia que socorre às necessidades da
333

momento presente. A outra é preparar-lhes a alma para a salvação na outra vida. Esta
é uma obra de misericórdia em vista do futuro, mas torna-se mais importante que a
primeira, ou melhor, a primeira deve encaminhar-se para esta, confortando a pessoa
para que melhor se disponha à salvação.
Este apostolado tão importante faz-se, utilizando dois meios: um é amolecer e
dispor o coração do paciente à penitência; o outro é que faça, naquele pouco de
tempo disponível, o maior bem que possa fazer para merecer a glória do céu. Por isso,
procure-se suscitar nele três coisas: o conforto, a penitência e o mérito. Inicia-se pela
primeira e, em seguida, pela segunda e a terceira, nunca deixando a primeira, quando
for necessária.

1424. Para conseguir estas finalidades, usem-se dois tipos de remédios: alguns
gerais que servem para todos; outros especiais segundo o tipo das pessoas, que é
necessário conhecer bem porque as situações podem ser várias.
Quanto à condição natural e humana, alguns são grosseiros de mente e outros
delicados, alguns são nobres e honrados, outros são baixos e vis.
Quanto ao pecado cometido, alguns são velhos na má vida e outros novos; alguns
pecados são arquitetados com malignidade e outros por desgraça; alguns são autores
principais e outros persuadidos e arrastados; alguns cometeram delitos enormes, e
outros comuns e leves; outros delitos vergonhosos e outros, no mundo dos
respeitáveis, como vingar-se honradamente.

1425. Quanto à situação presente, alguns são duros para se converterem, outros
fáceis e outros são convertidos. Alguns desprezam a morte e mostram-se alegres,
nada se interessando pela alma e isto provém ou da loucura, ou de uma vaidade
mundana, ou de particular tentação do demônio. Aqueles que são duros sofrem tal
dureza ou pela sua malícia inveterada, porque sempre viveram mal, ou pela opressão
iminente da morte que os sufoca, ou porque se julgam ofendidos pela justiça ou por
quem os conduziu à morte. Nesse instante, situa-se o fundamental de todos os
confortos e remédios, pelo qual, quando necessário, se deve iniciar. Em seguida,
usem-se os remédios gerais, segundo sejam convenientes à pessoa e às
necessidades. Por fim, algumas especiais inspirações.

O fundamento de todos os confortos

1426. O fundamental de todos os confortos é afastar a mente do paciente do


presente caso e levá-lo à consideração de Deus e da outra vida. Para alcançar este
objetivo, ajudarão estas coisas.

[Exemplo dos santos]

1427. O primeiro e o mais fácil será algum exemplo dos santos, os quais muito
padeceram pela outra vida, como os santos de vida austera e os mártires, ou como
alguns maus que se converteram à penitência e isso porque as histórias são ouvidas
de boa vontade e com atenção. Com isto se consegue o desejado fruto de conduzir a
mente do paciente ao mundo espiritual.
Depois de contado o exemplo, façam-se sobre o mesmo estas considerações.
Primeira, que agora aquele santo se encontra no céu. Pergunte-se ao paciente se
acredita nisto e aprofundar bem esta verdade: o seu sofrimento, que lhe mereceu o
céu, já passou e não retornará mais. Tentar que ele reflita bem nisto, acrescentando
que todas as coisas passam e tudo o que passa é brevíssimo. Mas não se alongue
demais ao caso do paciente, porque ainda não é a hora.
Em terceiro lugar, considere-se como é proveitoso um santo e forte propósito,
porque também o santo ou penitente, apresentado como exemplo, superou as
dificuldades da vida e ganhou a vida eterna através de firme e generosa resolução. E,
334

em seguida, louve-se a grande força da mente humana que pode superar qualquer
dificuldade e submeter o corpo e os sentidos. Acrescente-se que isto é algo louvável e
de pessoas magnânimas e até fácil com a ajuda da graça divina, com a condição, no
entanto, de abrir o coração, de receber esta graça e fazer estes atos heróicos.

[A fé católica]

1428. A segunda coisa para libertar a mente é a fé. Por isso, pergunte-se ao
paciente se tem a fé católica romana. Se disser que sim, indague-se se ele está
contente de ter essa fé e se a considera como graça de Deus. Se responder sim,
demonstre-se que foi Deus que lha deu, para que dela se utilize nas necessidades,
como fazemos nas demais necessidades normais da vida, como do alimento, do
vestir, das armas, dos amigos, etc.
Em seguida, demonstre-se que a fé faz-nos conhecer e considerar a verdade de
Deus e das coisas da vida. Para imprimir mais esta idéia, diga-se: A fé nos diz que
Deus existe, que ele nos criou e que governa todas as coisas; que não cai uma folha
de árvore sem sua divina providência, que existem o paraíso e o inferno; que o paraíso
está aberto aos penitentes e o inferno aos obstinados; que, com um ato virtuoso, feito
agora, pode-se conquistar os bens do céu e fugir dos males do inferno e ambos são
eternos. De tal modo que, com um ato brevíssimo, é possível dispor-se para a
eternidade. Se os condenados pudessem fazer este ato, ficariam contentes em
retornar a este mundo e serem enforcados, esquartejados, queimados, atormentados
com tenazes, etc., e isso mil vezes perante todo o mundo, tenham eles sido papas,
cardeais, imperadores, reis, príncipes, nobres, mulheres, etc. Não teriam medo de
nenhuma vergonha ou punição com a condição de poderem fazer este ato de
penitência, que os livrariam das penas eternas, tornando-os dignos da vida eterna.

1429. A fé também diz que a alma é imortal. Morrendo o corpo, ela não morre,
mas irá ou para o lugar de salvação ou de condenação. E unir-se-á a este corpo para
receber o que agora se ganha. Se bem que o homem morra, ele, porém, passado este
momento, se sentirá vivo na alma e se encontrará na outra vida ou bem ou mal. E que
a outra é vida e nós somos aqueles mesmos, que viveremos naquela como somos os
mesmos que vivemos nesta. Isto, como é verdadeiro, é preciso fazer que se
compreenda bem.
A fé faz compreender que Deus, para salvar os homens, fez-se homem, padeceu e
morreu. Esta consideração, nesse exato momento, servirá para encaminhar o homem
a pensar como é importante a salvação da alma, mais que do corpo, porque Deus veio
à terra para arrancar das almas o pecado - que é a morte deles - e doar a vida eterna.
Não quis isentar ninguém da morte, porque também ele se submeteu à morte.

1430. E porque os ignorantes não entendem este grande bem e porque quando se
fala de Deus permanecem cegos, deve-se comparar Cristo a um grande príncipe que,
agora, estivesse no mundo. Apresentar-lhes, então, o caso que ele aceitaria a morte
corporal para libertá-los da morte corporal, à qual estão condenados. Falando-lhes de
sua libertação, logo suas mentes internas abrir-se-ão.
Se eles entenderem que graça seria que tal príncipe morresse para libertá-los,
mostre-se então duas coisas. Uma é mostrar quanto mais importante é a vida da alma,
que é eterna que a do corpo, que é momentânea. A outra, quanto Deus feito homem é
maior do que qualquer outro príncipe temporal. Desta maneira, com estas e outras
considerações, esforce-se para que o paciente aceite, em seu ânimo, o pensamento e
a consideração sobre mundo espiritual e não permaneça submerso em seu momento
presente de morrer, que o sufoca.

[A Divina Providência]
335

1431. O terceiro passo para encorajar sua mente é fazê-lo compreender que Deus
governa tudo, especialmente os homens. Neste momento, deve-se usar o caminho
mais fácil e cômodo de acordo com as qualidades do paciente. Se é grosseiro, inicie-
se lembrando alguns de seus amigos ou parentes mais próximos, que morreu mal,
mas que se pode presumir que não tenha sido condenado. Pergunte-se se sabe se
morreu e como, se tem medo que tenha sido condenado ou não. E, se responder sim
a todas estas perguntas, acrescente-se, interrogando-o, se ele, estando em pecado
mortal, tenha estado em perigo de morte ou talvez tivesse morrido. Se confessar que
sim, mostrar-lhe que, se então tivesse morrido, agora estaria no inferno, onde os
sofrimentos são muito maiores que os da vida presente.
Em seguida, fazê-lo compreender como a Divina Providência o preservou da
morte, para que se salvasse eternamente. Nesse momento, penetre-se mais a fundo,
falando sobre a Divina Providência, em cujas mãos se encontra todo mundo e também
as vontades humanas e diabólicas, principalmente ao se realizarem os planos
humanos, porque por maior mal que se queira ou se trame, nada poderá ser feito se
Deus não quiser.
Procure-se que entenda bem este ponto e compreenda que tudo o que acontece
no mundo - de mal ou de bem - tudo ocorre pela vontade de Deus, que ou permite, ou
manda ou move e é para essa vontade que tudo convergirá. Servirá muito o exemplo
de Jó que referia a Deus o mal recebido do demônio, dos Sabei e de outros: "Deus me
deu e Deus mos tirou". Conte-se este exemplo com detalhes, para manter sua mente
ocupada e, pouco a pouco, o afaste da pressão da morte iminente.

Monólogo acrescentado

1432. Eis-me aqui, Deus de infinita piedade, Deus de eterna justiça, eis-me aqui
diante de vossa Divina Majestade. Sei que sou indigno de comparecer diante de vós,
que, por tantas vezes e em tantos modos, vos ofendi. Mas porque sei que vós não vos
indignais de receber quem, arrependido de vos ter ofendido e a vós recorre com
confiança, eis-me aqui, meu Deus, e me jogo em vossos braços e no seio de vossa
infinita misericórdia me abandono.
Confesso que pequei e vos neguei e que minhas culpas são muito mais e maiores
das que eu possa conhecer. Vós somente, que fostes ofendido, conheceis o número e
a grandeza deles, porque somente vós compreendeis o vosso infinito e a minha
malícia. Mas eis-me resolvido a colocar um ponto final às minhas ofensas, que até
agora, sem fim, cometi, por fragilidade, contra vosso poder, por ignorância contra
vossa sabedoria, por malícia contra a vossa vontade.

1433. Agora, detesto e aborreço, de todo o coração, os meus pecados. E isto não
por temor da pena, mas por razões de amor. Proponho que jamais transgredirei vossa
santa lei, nunca mais pisarei sobre vosso preciosíssimo sangue, como fiz no passado,
com tantos pecados cometidos. Toda vez que respiro, quero detestar tudo o que vos
desagrada. Meu amorável Jesus, quereria ter a dor e o ódio ao pecado
correspondente à sua gravidade. Por isso, suplico-vos aceitar, por mim, o ódio que vós
sentis contra o pecado. Pela dor que me falta, ofereço-vos vossas dores, ó meu caro
Jesus, as vossas santíssimas chagas, o vosso preciosíssimo sangue. Fazei que eu
seja aquele que grita por piedade e misericórdia. Qualquer outro sofrimento, qualquer
outra ânsia serão para mim delícias, contanto que sirvam de meio para amar-vos.
Ó caro meu Jesus, não me abandones em tantas necessidades, e tende piedade
para que deixe estes meus restos mortais, com vosso santíssimo nome em minha
boca: Ó Jesus, sede para mim Jesus!
336

Missões e Missionários

Giuseppe Santarelli
Tradução de Serafim José Pereira
337

1434. O capítulo XII da Regra bulada de São Francisco trata "daqueles que vão
em missão entre os sarracenos e infiéis". Portanto, na Reforma Capuchinha - que se
refunda em tudo e por tudo na vida e Regra do Fundador - não poderia faltar a
dimensão missionária.
Contudo, é preciso reconhecer que, na primeira fase da Reforma, caracterizada
por uma destacada tendência para a vida eremítico-contemplativa, essa dimensão
missionária estava apenas latente, em nível, se tanto, de aspiração. Nas Constituições
de Albacina (15290, não se fala de missões. Ao passo que as constituições de 1536
registram o apelo missionário, de acordo com o capítulo XII da Regra.
Num primeiro momento, a atividade missionária dos capuchinhos foi esporádica,
quase sempre assumida por iniciativa pessoal, como no caso de João Zuazo de
Medina del Campo e João de Troia, mortos no Cairo em 1551. Apenas em 1569
aparece a primeira expedição: esta, motivada principalmente pelo espírito missionário,
teve em vista a ilha de Creta (ou Candia), onde a Ordem tencionava estabelecer
algumas bases, além de difundir e consolidar a religião católica.

1435. Em 1584, os capuchinhos, depois da bula "Ex nostri pastoralis officii" de


Gregório XIII, que lhes dava permissão de abrirem sedes em outras nações européias,
tentaram, por intermédio do cardeal Júlio Antônio Santori e o consentimento do Papa,
transferir-se para as Américas como missionários; mas a política de Felipe II, que, em
força da burocracia do padroado, via com suspeita o pessoal missionário estrangeiro,
tornou-se para isso um forte impedimento.
Aconteceu uma verdadeira expedição missionária em 1589 para Constantinopla,
da qual participou também São José de Leonissa. Em 1596, por iniciativa de Valeriano
Berna de Pinerolo, foi aberta uma Missão nos vales sub-alpinos do Piemonte em
defesa das minorias católicas e um apelo de volta aos irmãos separados. Mas uma
verdadeira e própria expansão missionária dos capuchinhos verificou-se somente na
primeira metade do século XVII. Esta, contudo, vai além do limite cronológico deste
extrato, com exceção de uma tentativa dos capuchinhos de Paris, que se lançaram ao
Maranhão em 1612, permanecendo ali, porém, apenas três anos. Saiba-se, portanto,
que as fontes aqui em seguida reproduzidas referem-se unicamente às passagens
missionárias mencionadas acima.

Primeiras aspirações missionárias

1436 .Os capuchinhos da primeira fase da Reforma (1528-1536) procediam quase


todos daquela parte da Observância que sentia mais a urgência de uma renovação
franciscana no âmbito interno da Ordem, trazendo consigo, portanto, uma forte carga
missionária. Alguns Observantes conseguiram realizar uma expedição a Marrocos.
Entre esses apareciam Bartolomeu de Spello e João de Troia, que passaram, depois,
aos capuchinhos em 1530.
Precisamos notar que a situação da Reforma Capuchinha entre 1528 e 1536,
ainda não bem consolidada e nem ainda muito rica de pessoal, não dava possibilidade
para um verdadeiro programa missionário. Talvez por isso mesmo, Ludovico de
Fossombrone não concedeu que alguns de seus seguidores partissem para as
missões, como haviam pedido. Colpetrazzo, que registra o episódio, parece insinuar
também que a preocupação preferencial com a contemplação, que se percebe
fortemente naquele período da Reforma, pudesse comprometer-se por outras
atividades, não se excluindo a atividade missionária.
Logo a seguir, reproduzimos dois momentos: o primeiro refere-se à tentativa
missionária de Frei João de Troia e do padre Bartolomeu de Città di Castello, antes de
passarem aos capuchinhos; o outro menciona o pedido dirigido a Ludovico de
Fossombrone por parte de alguns frades para irem morrer entre os infiéis. Ambos são
úteis para se esclarecer o surgimento e desenvolvimento do fervoroso sentimento
missionário na Ordem capuchinha.
338

Frei João de Troia, primeiramente com outros frades da Observância, e depois


sozinho, parte como missionário entre os infiéis e, em seguida, passa para os
capuchinhos.

MHOC III, 416-419

1437. Frei João era de uma cidade antiga na Apúlia, de nome Troia. Nasceu de
pais honestos, porém, não abastados. Ainda bem novo de idade, foi ajudante de um
cavalheiro espanhol, o qual, ao voltar para a Espanha e achando-se bem servido por
esse jovem, convidou-o para ir com ele para a Espanha; porém, não muito tempo
depois que morava na Espanha a serviço do patrão, viu, um dia, alguns frades da
reforma da Espanha da Província de Santo Ângelo. Levado pelo Espírito Santo,
resolveu deixar o mundo e fazer parte daqueles frades, dos quais ouvia falar bem, que
andavam permanentemente descalços, não bebiam vinho, usavam vestes toscas e
eram cuidadosíssimos na observância da Regra.
Para fazer severa penitência de seus pecados, recebeu o hábito na Província de
Santo Ângelo, mencionada acima, onde permaneceu, por alguns anos, em rigorosa
penitência. Daí ficar conhecido como Frei João Espanhol. Andava sempre descalço,
coberto com um grosseiro burel96. Jejuava quase continuamente. Nasceu-lhe um
desejo de morrer por Cristo, ir entre os infiéis e pregar a fé em Jesus Cristo, a fim de
receber deles o santo martírio. E, visto que se dizia a muitos santos homens que este
era um empreendimento de homens perfeitos, o servo de Deus exercitava-se em toda
sorte de mortificações, para que, ao acontecer que lhe fosse dado essa licença, se
encontrasse bem preparado e exercitado há longo tempo nas santas virtudes,
especialmente na humildade, fundamento de qualquer edifício espiritual.

1438. Aconteceu, como foi do agrado do Senhor, obter do Geral a obediência para
ir divulgar a fé na terra dos infiéis. Tendo ido à Itália, fez-se acompanhar do santo
homem Frei Bartolomeu de Città di Castello, e se transferiram para a terra dos
mouros. Pregando para eles com muita constância a fé cristã, desprezando a falsa lei
de Maomé, receberam daqueles mouros muitas pancadas e, depois, puseram-nos,
mais mortos que vivos, em um poço sem água, muito profundo, onde os mouros
costumavam conservar o trigo. Então, jogavam sobre eles, toda manhã, um vaso de
urina e outras imundícies, de maneira que a fedentina era tanta que, devido o lugar ser
apertado, estavam quase morrendo.
Eram quatro frades que ali permaneceram por cerca de vinte e dois dias. Porém,
não querendo o chefe dos mouros que fossem martirizados, mas preferindo tirar algum
lucro, mandou tirá-los de lá e os deu a um mercador cristão, que pagou por eles muito
dinheiro, com a condição de que os transportasse obrigatoriamente para a terra de
cristãos. Durante o tempo em que estiveram naquele fosso, alguns judeus, levados
pela compaixão, lhes davam pão e outras coisas necessárias.

1439. Todavia, Frei João, não se contentando com isso e inconformado com o fato
de ter estado tão perto do santo martírio e não ter morrido por amor de Jesus Cristo,
não ficou sossegado, enquanto não voltar sozinho, desta vez, a outro país de infiéis.
Aconteceu que, encontrando alguns mercadores cristãos que se dirigiam para a parte
dos infiéis, rogou-lhes encarecidamente que o quisessem levar em seu navio até que
chegassem à terra dos turcos, e, quando estivessem na costa do mar, o deixassem
em terra secretamente, para não lhes acontecer qualquer coisa de mal. E assim foi
feito.
Não muito tempo depois, foi encontrado por alguns daqueles turcos, que lhe
deram muitas pancadas e, depois de bem amarrado, o levaram depressa ao seu

96
Nota do tradutor: no original albagio, vocábulo do dialeto romagnolo.
339

chefe, com quem falou por meio de intérprete. Mas aquele turgimão97 lhe disse várias
vezes em língua italiana: "Padre, se disseres estas coisas ao nosso chefe, ele te fará
queimar vivo". Respondeu Frei João: "É isso mesmo que eu desejo, morrer por amor
ao meu Senhor Jesus Cristo". Respondeu o intérprete: "Não acredito que tu queiras
morrer, porque se fosse este o teu desejo, não precisarias vir até aqui perante nós,
mas te bastaria ir a Roma e dizer a verdade ao teu Papa e ele te faria morrer".
Frei João respondeu: "Ó miserável, tu és um cristão renegado, pois falas da nossa
maneira, tão bem". Disse o intérprete: "Não é verdade, sou mesmo mouro legítimo,
mas aprendi a língua cristã". Frei João acrescentou: "Fala, então, ao teu senhor como
lhe digo: "Como servo de Cristo e, em seu nome, lhe digo que, se não se converter,
morrerá condenado como Maomé, com todos aqueles que o seguiram". Disse o
turgimão: "Fica sabendo que te custará caro". Respondeu Frei João: "Dize assim
mesmo". E voltando o intérprete ao seu chefe, chamado cadi na língua deles, não lhe
disse o que Frei João exigia, porém, palavras mais suaves.

1440. E vendo Frei João que o cadi não se enfurecia, percebeu a manobra e, por
isso, voltou-se para o intérprete com grande fervor e disse: "Fala como eu estou te
dizendo". Provocado com estas palavras, o tal intérprete disse tudo ao alcaide.
Entendendo tudo, este se encheu de furor e mandou que ele fosse amarrado e jogado
no chão, fez-lhe dar mais de cinqüenta pancadas com uma régua nas plantas do pés e
outras pancadas sem conta na cabeça. E mandou-o pôr na prisão. Não mais o viu até
que apareceu a oportunidade dos mercadores; mandou transportá-lo, então, para terra
de cristãos, contra a vontade de Frei João.
Não se conformando com isso, Frei João voltou ali ainda mais duas vezes, mas
nunca permitiu o Senhor Deus que chegasse ao ponto de morrer; contudo não deixou
de receber deles inúmeros tormentos, como eu ouvi de sua própria boca, mostrando-
me a cabeça cheia de ferimentos, já cicatrizados.
Foi do agrado do Senhor que, encontrando-se na Espanha, ouviu dizer que, na
Itália, haviam surgido os capuchinhos e, pensando que mais facilmente conseguiria a
permissão por meio dos capuchinhos, foi a Roma com licença do Geral; mas como
viajava sozinho, mesmo tendo a obediência, não deixou de sofrer na viagem muitas
tribulações [... ].
Chegando, foi imediatamente procurar os capuchinhos e, recomendando-se a eles
com muita humildade, foi recebido pelo Padre Frei Ludovico de Fossombrone e
revestido do hábito capuchinho.

Alguns capuchinhos enviam ao Geral Frei Ludovico de Fossombrone o pedido


para irem às missões, recebendo, porém, resposta negativa.

MNOC II, 214-216.

1441. Um imperador no mundo, depois de vencer e desbaratar o exército inimigo,


saqueando e tomando suas terras, retorna com muito fausto e pompa, feliz ao
máximo; convida os barões e pessoas de destaque de seu império, para fazer festa
com ele e alegrar-se pela vitória conseguida. Assim, sem mais nem menos, faziam
aqueles servos de Deus, os primeiros capuchinhos, quando se encontravam fora das
pesadas tribulações por eles sofridas. Encontravam-se todos com muita alegria e um
relatava ao outro tudo o que havia sofrido por parte dos adversários; com imensa
alegria, cada um deles exortava ao próprio irmão a sofrer, no futuro, qualquer mal que
lhes acontecesse, pois queriam observar a sua profissão.
Eram de tal maneira fortalecidos por Deus e inflamados no sofrimento, que
lamentavam o fato de estarem fora, a exemplo dos valorosos capitães, que tanto mais
se sentem bem quanto mais se encontram em combate com o inimigo. Desta maneira,

97
Nota do tradutor: o termo (turcimanno) designa o intérprete entre os países do Levante.
340

aqueles valorosos servos de Deus eram tão habituados a lutar contra os demônios nos
desertos e grutas, contra as diversas e muitas tentações que tinham sofrido naquele
tempo em que lhes parecia estar ociosos, quando não tinham ocasião de mostrar
quanto desejariam sofrer por amor de Cristo.
E foi por muitos meses que, todas as vezes em que se encontravam, refletiam
sobre os favores que Deus nosso Senhor lhes concedia e os inflamava interiormente.
E combinaram entre si irem todos à terra dos infiéis e pregar para eles a fé cristã e,
por esta, morrer. E diziam um ao outro: Não por outro motivo o Senhor nos tem
mandado tantas tribulações senão para nos fazer desprezar o mundo; somos
membros sem valor e todo o mundo nos odeia. Temos sofrido tanto que, agora, não
nos resta outra coisa senão nossa pobre vida: vamos oferecê-la a Jesus Cristo; e
como Ele por nós morreu, assim morremos por seu amor e para converter nosso
próximo à verdadeira fé.

1442. Sendo assim, o padre Frei Ludovico teve que se esforçar para que muitos o
deixassem de incomodar; e custou-lhe muito para convencê-los a se limitarem às
práticas da Regra, depois de terem saboreado a contemplação com tanta doçura e
estarem naquela austeridade tão habituados à solidão, a ponto de parecer algo difícil
conversar um com o outro, pois suas mentes encontravam-se tão absorvidas nas
orações e conceitos divinos, que qualquer outra ocupação lhes parecia errada.
Todo o objetivo deles era fazer oração e diziam: A base da Regra e da Vida
Religiosa não é outra coisa senão que, quando - com os meios indicados da
abstinência, da pobreza e do silêncio - as paixões e afeições desordenadas se
encontram dominadas e o corpo reduzido à sujeição do espírito, seja esta a sua
finalidade: a contemplação. Vã seria a observância da Regra nas coisas exteriores que
nos são ordenadas pelo Espírito Santo para mortificar a carne, se, depois de fazermos
todas essas coisas, não tivessem um objetivo pelo qual as fizemos, isto é, entregar-
nos à perfeita contemplação e permanecermos, quanto suporta a fragilidade humana,
unidos com Deus. Tudo o que Ele fez foi porque deseja ser amado.

1443. Encontrando-nos, pois, neste estado, onde por meio de perseguições fomos
milagrosamente colocados por Deus nosso Senhor, não nos parece conveniente,
depois de enfrentados tantos sofrimentos para chegar a este estado, deixar que se
perca, retornar mais uma vez às práticas, conversações, exercícios manuais e outras
ocupações supérfluas que, embora feitas por obediência e meritórias, não são
suficientes para quem pode fazer mais. Da mesma forma, um comerciante que pode
ganhar mil escudos não deve contentar-se com o ganho de dois baiocchi98.
Temos o exemplo do Seráfico Pai São Francisco que, embora, para mortificar o
corpo, se tenha submetido no início a muitos exercícios, o Senhor o fez passar ainda
por muitas tribulações. Mas, quando se encontrou purificado, esforçava-se de toda
maneira por evitar qualquer outra ocupação e se entregava totalmente à santa
contemplação. E assim conseguiu o maior lucro, pois pela alta contemplação foi
totalmente iluminado por Deus e iluminou todo o mundo, ao mostrar, com a sua vida e
sua Regra, o verdadeiro caminho de servir a Deus.

Os dois primeiros missionários capuchinhos

1444. Nos primórdios da Reforma Capuchinha reaparecem fenômenos que


caracterizaram as origens da Ordem franciscana. Isso vale também para os dois
primeiros missionários capuchinhos, padre João Zuazo de Medina del Campo e Frei
João de Troia, que coroaram com o martírio seu ardor missionário.
João de Zuazo, dos Descalços da Espanha, passou aos capuchinhos e vestiu o
hábito na Toscana, em 1534; ao passo que João de Troia passou aos capuchinhos

98
Nota do tradutor: Baiocco é a moeda de cobre usada nos Estados Pontifícios até 1866.
341

vindo dos Observantes, em 1530. Depois de um período de vida transcorrido em


solidão contemplativa, o padre João Zuazo, de acordo com Frei João de Troia, pediu
em 1549 a Bernardino de Asti, então Vigário Geral, a licença de partir para o Egito
como missionário, juntamente com seu co-irmão da Apúlia. O Vigário Geral deu seu
consentimento, valorizado pelo de Paulo III. Destacamos, em seguida, o trecho em
vivas cores de Colpetrazzo, sobre a expedição dos dois "protomártires" capuchinhos.

1445. O padre João Zuazo de Medina del Campo morou alguns anos na Província
de São Francisco, com muita tranqüilidade e satisfação e, em particular no lugar nos
Cárceri de Assis, cidade do seráfico pai São Francisco e dizia que de tal maneira tinha
impressas na mente as obras do seráfico Pai, que lhe parecia, para onde quer que
virasse o olhar, vê-lo prostrado de joelhos em oração; porque poucos lugares dos mais
afastados daquela montanha teriam deixado de ser banhados pelas lágrimas desse
Pai.
Aprouve a Deus que, chegando o venerável padre Frei Bernardino de Asti,
naquele tempo geral de nossa Congregação, para a visita a esse lugar nos Cárceri,
encontrando-se esse santo homem no tempo do Perdão de Assis, o grande servo de
Deus Frei João não conseguiu manter escondida aquela chama de fogo do Espírito
Santo que, continuamente, lhe incendiava o coração: morrer por Jesus Cristo. E mais
ainda, falando com o grande servo de Deus, Frei João da Apúlia, leigo, que, com o
mesmo desejo, havia, por mais de vinte anos, importunado os prelados, querendo ir
receber o santo martírio e não tinha jamais conseguido obter essa licença,
combinando entre si, resolveram pedir ao padre geral permissão para, primeiramente,
irem visitar os lugares santos, onde morreu o nosso Redentor e, depois, irem
encontrar os mouros para pregarem a santa fé de Jesus Cristo e, se necessário, por
ela morrerem, confiando na Sua graça para lhes conceder forças.

1446. O padre geral, meditando longamente sobre o assunto, se pôs em oração


durante muitos dias e, com muita humildade, recomendou aos frades que todos, por
vários dias, fizessem orações juntamente com ele, a fim de que sua Majestade se
dignasse iluminá-lo em tão difícil empreendimento; depois, esse bom padre, após
convocar alguns padres dos mais prudentes, fez-se aconselhar por eles e todos
unanimemente responderam que, sendo esses dois homens tão bem provados em
toda sorte de virtudes, eram de parecer que se deveria conceder-lhes esta licença.
O padre comunicou-se imediatamente com Sua Santidade e, com muita
benevolência e sua bênção, deu-lhes a tal obediência, pela qual, genuflexos e
elevando os olhos para o céu, com muitas lágrimas, deram graças a sua Majestade,
que lhes concedia poder morrer por Seu amor. E, recomendando-se humildemente a
todos aqueles servos de Deus, cheios de ardor tomaram o caminho para Veneza e,
em pouquíssimo tempo, conseguiram entrar num navio de partida para Jerusalém.
Não levavam consigo nada além da obediência in scriptis, vestidos com um hábito
rústico - que se parecia mais com cilício que pano - e um pobre mantelo, para
defender-se da chuva; mirrados e macilentos devido à grande abstinência que faziam,
demonstravam, como apóstolos de Cristo, não possuir nada neste mundo, mas todo o
seu desejo e riqueza haviam colocado no céu. Pouco conversavam sob outra coisa
senão Deus e o empreendimento que tinham em vista. Para aqueles que os
contemplassem eram um espelho de virtudes.

1447. Aprouve ao Senhor Deus que, em pouco tempo, sãos e salvos, se


encontrassem com grande satisfação na Cidade Santa, onde ficaram alguns meses
para terem oportunidade de visitar todos os lugares santos, onde tinha vivido o Filho
de Deus e padecido pela nossa redenção. E quando chegaram na cavidade onde foi
fixada a santa cruz, com grande dor, ambos caíram sobre aquele lugar como mortos,
por um bom espaço de tempo; depois, voltando a si e derramando muitas lágrimas,
avolumou-se neles um imenso fervor de morrer por Aquele que por nós morreu. Não
342

haveria língua que pudesse narrar com quanta devoção aqueles servos de Deus
visitaram os lugares santos. Depois, tomaram o caminho em direção à grande Cairo
do Egito.
Sofreram muitas coisas durante a viagem por estarem entre gente desconhecida,
mas, mesmo assim, ajudados pela graça divina, chegaram à cidade de Alexandria; e,
procurando um lugar para se alojarem, disseram-lhes: Mora um cristão aqui na nossa
cidade, que aprecia muito a religião franciscana. Enquanto procuravam, aprouve a
Deus que descobrissem ser ele prelado da religião, que se filiou à religião de São
Francisco; e, com muita caridade, recebia em sua casa todos os frades daquela
religião. E, depois de mostrar-lhe a obediência, foram com muita caridade recebidos
por ele. Ali descansaram alguns dias e mostraram àquele homem de bem o desejo
que tinham de morrer por Cristo. Foi esse homem quem informou aos cristãos e aos
padres tamanqueiros99 sobre o martírio desses dois servos de Deus.

1448. Partindo com muitos agradecimentos àquele anfitrião, tomaram o caminho


em direção à grande Cairo; e se antes já haviam sofrido, nesta viagem sofreram ainda
mais. Finalmente chegaram. Morando no Cairo, arranjavam-se como melhor podiam
em casa de mercadores cristãos. Contudo, andavam percorrendo a cidade e chorando
quase constantemente ao ver tamanha multidão de gente ficar privada da fé cristã;
enganados debaixo da nefasta lei de Maomé, iam todos para a perdição. Desejavam
iluminá-los, mas, por não conhecerem a língua dos mouros, não sabiam como
encontrar um modo de pregar-lhes com eficiência a ponto de serem entendidos e ter a
possibilidade de levá-los a converter-se.
Para maior eficácia, combinaram começar com o chefe, esperando que,
conseguindo vitória com ele, com muita facilidade a teriam com os outros. E não tendo
quem os apresentasse ao grão-paxá, aprouve ao Senhor Deus mandar-lhes um judeu,
o qual, por ter estado em bancos da Itália e ter conhecido os capuchinhos, ofereceu-
lhes boa acolhida. E vendo os pobrezinhos que este seria um bom intermediário, por
ser o judeu amigo do paxá, disseram-lhe que eles tinham que dizer ao grão-paxá
coisas de muita importância e rogaram-lhe encarecidamente que se dispusesse a
apresentá-los.

1449. Aquele judeu, pensando que lhes estivesse fazendo um favor, foi dizer que
dois sacerdotes orientais ambulantes tinham coisa de importância para dizer a sua
senhoria e se lhe interessaria ouvi-los. O paxá mandou que fossem trazidos à sua
presença, o que foi feito imediatamente. Então Frei João, com grandíssimo e incrível
fervor, num longo sermão, anunciou-lhe o Cristo, acrescentando que, se não
recebesse a fé cristã, ele e toda a multidão de maometanos caminhariam para a
perdição com este tal de Maomé. O paxá ouviu com muita paciência essas palavras e
os fitava com olhar de piedade, pensando que, pelo muito sofrimento, houvessem
enlouquecido; e, por isso, mandou que lhes fosse dado comida e repouso, esperando
que, voltando a si ou por força ou por amor, ele os converteria para a diabólica seita
maometana e que seriam ótimos eremitas de Maomé.

1450. Depois de alguns dias, durante os quais tinham descansado bem, foram
levados à presença do paxá; o qual, ao vê-los, começou com palavras suaves a
persuadi-los a deixar a fé cristã. Ao lhes dar licença para falar, o sacerdote Frei João,
retomando grande fervor, glorificou e exaltou a fé cristã, vilipendiando e xingando
Maomé e sua lei, afirmando que não seria possível morrer naquela seita e encontrar
misericórdia diante de Deus.
Ao ouvir tais palavras, o paxá encheu-se de muita ira e mandou que fossem
duramente flagelados, o que foi cumprido imediatamente pelas mãos dos mouros. Mas
eles, recebendo pancadas atrozes e cruéis, com muito fervor, agradeciam ao Senhor

99
Nota do tradutor: no original, zoccolanti.
343

Deus, confessando com muita fortaleza que Cristo é o verdadeiro Redentor e Salvador
de todos e que todos aqueles que não crêem nele caminharão para as penas eternas.
E depois de flagelados até quase morrer, foram jogados num tenebroso cárcere. Ali os
pobrezinhos confortavam um ao outro dizendo: Já pusemos um pé no paraíso, em
breve nossas almas, com a palma do martírio, voarão para o céu.

1451. Muitos dias durou a prisão destes servos de Deus, quando sofreram
enormemente, sem comer, sem dormir, privados de tudo o que sustenta a natureza,
mas com rosto alegre e tão grande júbilo no coração que o transbordar do fervor tudo
lhes tornava suportável; as feridas que haviam recebido no corpo lhes pareciam rosas
e flores; e não cessavam de agradecer a Deus, que se dignara incluí-los no grande
exército dos santos mártires.
Muitas e muitas vezes, foram apresentados àquele tribunal, que, diante da
constância deles, os fazia flagelar de diversas maneiras; mas eles, sempre com maior
fervor, confessavam nosso Senhor Jesus Cristo. E quando, com as pancadas e outros
meios, os tinham reduzido a tanta fraqueza que aos pobrezinhos não havia restado
senão os ossos com alguma carne reduzida a feridas, foram, assim maltratados,
recolocados no mesmo cárcere.
O paxá, saciado e desabafado com o sangue deles, vendo que a vida deles não
iria longe, com muito ódio até de ouvir seus nomes e perdida toda esperança de poder
convertê-los, abandonou-os naquele cárcere, como pérfidos inimigos de Maomé;
desejava que, por si mesmos, morressem de fome. Não se falou mais neles, nem
houve mais por eles nenhuma preocupação.

1452. Neste ínterim, passou por ali o embaixador do rei da França, o qual, sendo
informado pelos mercadores cristãos sobre estes servos de Deus, foi pessoalmente ao
paxá e os pediu, por favor. Porém, indo ao cárcere, encontraram ambos mortos.
Sendo assim, não se fez mais nada. Parece que foram sepultados como cristãos.
Felizes, pois, estes servos de Deus que, com tamanho exemplo de vida religiosa e
finalmente com a palma do martírio, tinham concluído o seu curso de vida e, agora,
felizes e na bem-aventurança, podemos crer que rezam por nós no céu, Frei João e
Frei João, onde habitou a graça de Deus e, com o hábito capuchinho na verdadeira
observância da Regra, voaram para o céu.

A expedição na ilha de Creta: primeira missão capuchinha organizada.

1453. O empreendimento missionário do padre João Zuazo e Frei João de Troia


foi uma iniciativa pessoal, mesmo autenticada pela obediência da Ordem e da Igreja.
A primeira iniciativa oficial da Ordem, com finalidade também missionária, foi a
expedição de alguns capuchinhos à Ilha de Creta (ou Cândia) por decisão do Capítulo
Geral de maio de 1567. O primeiro objetivo da expedição era implantar a Ordem
capuchinha na ilha, como já tinham feito outros institutos religiosos; mas tinha também
a intenção de promover um apostolado entre os cismáticos, que constituíam a maior
parte da população da ilha.
O trabalho dos capuchinhos foi muito apreciado, como se conclui também da carta
do bispo de Sitia, sufragâneo de Cândia, escrita em 26 de julho de 1568. A expedição
à Ilha tem um conotação significativa, porque, desde as origens, conjuga a exigência
missionária com a finalidade da implantação da Ordem na mesma região, como
aconteceu, de maneira sistematizada e mais consciente, nos tempos modernos.

Pio V promove a implantação dos capuchinhos na ilha de Creta

Roma, 7 de junho de 1567. - O papa Pio V a Aloísio Delfino, bispo de Agia. Com o
seu breve, o papa pede ao bispo Delfino que prepare na ilha de Creta, para sete
frades capuchinhos, uma casa religiosa a ser canonicamente erigida.
344

Bullarium capucinorum I, 30-31

1454. Pio, papa V.


Venerável irmão, saudação e bênção apostólica.
A reputação da santa religião, na qual os diletos filhos, frades da Ordem de São
Francisco da Observância, chamados capuchinhos, oferecem um devoto e diligente
serviço a Deus, bem merece que Nós venhamos a favor de seus pedidos,
principalmente naquelas coisas que se referem ao aumento do culto divino, à salvação
das almas e à propagação da religião.
Na verdade, há pouco tempo, os mesmos frades, considerando o fato de não
haver na ilha de Creta nenhuma casa para a moradia deles - onde, vivendo segundo a
sua Regra e constituições, possam oferecer a Deus um diligente serviço -
manifestaram a Nós o vivo desejo de haver, para a honra e glória de Deus, algum
convento para o uso deles como moradia de sete frades (dos quais um, segundo o uso
e costume da mesma Ordem, na qualidade de guardião) com refeitório, dormitório,
celas, igreja, campanário, sino, pomar, horta e outros locais necessário para o
trabalho.
Para isso, fizeram humildemente chegar até nós o seu pedido para que, por
benignidade apostólica, nos dignássemos providenciar oportunamente as coisas
acima.

1455. Nós, portanto, que desejamos, com intenso afeto, o aumento e pleno vigor
da religião e do culto, sobretudo em nossos tempos, condescendendo a estes pedidos,
com autoridade apostólica, em força da presente carta, concedemos plena e livre
licença a ti, venerável irmão, para mandar construir e preparar nessa ilha, num lugar
em que os frades possam sustentar-se facilmente com esmolas, uma casa - para o
uso e moradia de sete frades dessa Ordem, dos quais um seja o guardião pro tempore
segundo os usos e costumes dessa Ordem - com refeitório, dormitório, celas, igreja,
campanário, sino, pomar, horta e outros locais necessários para o trabalho, sem
prejuízo de outros; como também para ceder e entregar a esses frades essa casa para
uso e moradia deles, segundo os usos, costumes e Regra e constituições dessa
Ordem; também para deixar esses frades recebê-la e conservá-la em perpétuo; e para
estabelecer e decidir que os mesmos devam conformar-se aos usos dos institutos
regulares, bem como à observância das outras casas religiosas da Ordem.

1456. Nós, portanto, quando entregares a referida casa a estes frades como fica
proposto, concedemos, pela autoridade e em força do presente documento, à casa e
aos frades que nela morarem pro tempore, que usem, retenham, gozem - e possam
usar, reter e gozar - de todos e cada um dos privilégios, prerrogativas, imunidades,
isenções, favores, graças e indultos, de que as outras casas e os frades dessa Ordem
tenham feito uso, possuído e gozado até agora e que os conservem de qualquer forma
para o futuro.
Do modo mais absoluto, a quem quer que seja, de qualquer dignidade, estado,
ordem e condição, também sob pena de excomunhão e de outras sentenças, censuras
e penas, proibimos molestar, perturbar ou inquietar, os referidos frades sobre quanto
lhes está sendo concedido no momento, em perpétuo e para o futuro [ segue a
conclusão costumeira]

O bispo de Sitia pede outros mais capuchinhos para Creta.

Cândia, 26 de julho de 1568. - Gaspar Viviani, bispo de Sitia, escreve ao cardeal


Júlio della Rovere, protetor da Ordem, pedindo-lhe para se interessar pela vinda de
outros capuchinhos para Creta, onde, dada sua fervorosa atividade apostólica, são
desejados por algumas cidades.
345

I frati cappuccini II, 335-337

1457. Ilustríssimo e reverendíssimo senhor e meu respeitabilíssimo superior.


Tendo já, há muitos anos, notado quanta reverência e obediência os gregos
dedicam a seus monges, os quais, pelo hábito e nome, se chamam Observantes de
São Basílio, mas na prática são muito diferentes daqueles, sempre desejei que, para o
zelo e bem destas almas e a ampliação do culto católico, para aqui se trouxesse
alguma de nossas religiões latinas reformadas, esperando que a vida exemplar deles
e doutrina (pois dessas duas condições os gregos são vazios) pudessem fomentar nos
ânimos o fervor espiritual e, conseqüentemente, tornar patente a imperfeição desses
monges.
Em vista disso, tendo sido vontade do Senhor Deus que acontecesse chegar aqui
o reverendo Frei Pacífico, de Brescia, com outros cinco padres capuchinhos, recebi-os
com muitíssimo prazer. Segurando-os aqui, sucedeu que, com sua vida super-
reformada e com a sã doutrina demonstrada em algumas de suas pregações,
inflamaram imediatamente os ânimos de toda esta magnífica colônia vêneta e de
todos os outros gregos com tanta veneração por sua congregação, que todos de
comum acordo têm insistido muitíssimo comigo para que eu os retenha aqui. Porém,
conforme foi de meu agrado e também deles, eu lhes providenciei um convento fora
desta cidade, à escolha dos mesmos padres, onde poderão morar comodamente dez
ou até doze sacerdotes.

1458. Mas como tem sido igualmente manifestada pelo povo de Stettimo e de
Canea a mesma disposição em aceitá-los e providenciar-lhes um convento, mas
estes, devido ao pequeno número, não podem atender ao desejo e necessidade de
três cidades; porém, sabendo eu como vossa Ilustríssima e Reverendíssima mantém
particular proteção desta Ordem, resolvi, nesta ocasião, com meus respeitos, suplicar-
lhe que - ajudando, para a glória de Deus, esta pia e frutuosa obra - se digne dar
ordem para que sejam enviados para cá outros padres experientes para formar os três
conventos mencionados. Neste caso, um ou dois deles devem ser dos primeiros
pregadores que a congregação possua, sendo necessário que a devoção já suscitada
neste início se conserve e cresça, como esperamos que aconteça, dilatando-se esta
Ordem em todo o oriente.
Além de ser um aumento da religião latina e católica em benefício destas almas,
isso será também uma perpétua memória por estas partes do ilustríssimo nome do
senhor, por quem eu, com perene devotamento juntamente com esses padres,
desejarei, perante Deus Altíssimo, longa vida e a maior realização.
E agora, beijando-lhes respeitosamente a sacratíssima mão, recomendo-me,
quanto posso, à sua boa graça.
De Cândia, 26 de julho de 1568.
De vossa senhoria ilustríssima e reverendíssima
devotíssimo servo
bispo de Sitia, sufragâneo de Candia

Missão de Constantinopla em 1587

1459. Se a expedição capuchinha a Creta em 1567 previa a uma atividade


missionária unida e subordinada à implantação da Ordem, a de Constantinopla, vinte
anos depois, tinha por única finalidade "pregar o evangelho de Cristo". Isso se deduz
claramente da carta obediencial de 20 de junho de 1587, expedida pelo Vigário Geral
da Ordem, Jerônimo Errante de Polizzi Generosa, a Pedro de Croce, Egídio de Santa
Maria, Dionísio de Roma e, num suplemento, a José de Leonissa, o futuro santo, e a
Gregório de Leonissa.
346

O Vigário Geral, ao conceder de bom grado a obediência insistentemente


solicitada, refere-se à vida e Regra de São Francisco e às constituições capuchinhas,
numa já adiantada conscientização missionária, também no que concerne ao mandato
canônico para "aquelas terras de infiéis".
Esta carta, redigida em latim, constitui o primeiro ato oficial da Ordem em relação à
sua verdadeira e própria atividade missionária entre os infiéis. Esta adquire, depois,
um interesse particular porque, em apêndice, o Vigário Geral associa ao pequeno
grupo missionário São José de Leonissa.

Roma, 20 de junho de 1587 - Assis, 1º de agosto de 1587. - Jerônimo de Polizzi


Generosa, Vigário Geral da Ordem, concede obediência para a missão de
Constantinopla a Pedro de Croce, Egídio de Santa Maria, Dionísio de Roma, José de
Leonissa e Gregório de Leonissa.

I frati cappuccini I, 1646-1653

1460. Aos reverendos caríssimos em Cristo, padres Frei Pedro de Croce, Frei
Egídio de Santa Maria, pregadores, e Frei Dionísio de Roma, sacerdotes da Ordem
dos frades menores capuchinhos de São Francisco, Frei Jerônimo de Polizzi, geral
(embora indigno) da mesma Ordem, saudação sempiterna no Senhor.
Já que, seguidores do zelo de nosso seráfico Pai pelas almas (sobretudo dos
infiéis) e desejosos de seguir o conselho do mesmo santo Pai expresso na Regra, nos
tendes humilde e insistentemente pedido, conceder-vos a permissão e bênção para
passar aos países dos infiéis e particularmente à cidade de Constantinopla e lá pregar
o evangelho de Cristo, administrar os divinos sacramentos aos fiéis e exercer outras
obras de misericórdia e caridade como verdadeiros filhos de um Pai tão católico e
apostólico.

1461. Nós, com o mesmo propósito e ardente desejo, e em força de nossa


profissão e ofício, confiantes em vossa maturidade, doutrina, probidade de vida e
santo zelo, com muito prazer vos damos a nossa licença e bênção para passar àquela
terra de infiéis, que terão necessidade de vossa solicitude e do vosso zelo, e também
para ensinar e explicar, com a vida e doutrina, a fé católica, como sustenta e ensina a
santa Igreja Romana, mãe e mestra de todas as igrejas; para iluminar tudo aquilo que
jaz nas trevas, para robustecer os fracos, revigorar os corações fatigados e reconduzir
os pecadores para o seu puríssimo princípio.
Tende sempre diante dos olhos a instrução dada aos pregadores pelo sacro
Concílio de Trento e pela nossa Regra, isto é, que os vossos discursos sejam
comedidos e castos para edificar o corpo místico de Cristo, indicando-lhe o vício e a
virtude, a pena e a glória, sem rebusques de linguagem desordenada.

1462. E, para que possais exercer mais puramente e com maior lucro de méritos
uma tão grande tarefa, ordenamo-vos, em virtude da santa obediência e vos damos,
além disso, nossa licença e autorização para cuidar das almas e dos corpos como se
concede normalmente aos súditos, salvaguardando sempre a pura observância da
Regra e da vossa profissão religiosa.
Por estes motivos, pedimos a todos os religiosos e seculares, entre os quais
acontecer de estardes, que vos acolham com benevolência e vos prestem os bons
cuidados de caridade, certos de receberem do Senhor um abundante prêmio.
Passai bem no Senhor e Deus torne feliz a vossa viagem.
Dado em Roma, na nossa casa de São Boaventura, dia 20 do mês de junho de
1587.
(lugar do carimbo)

Frei Jerônimo como acima, de própria mão.


347

1463. E para que tudo proceda e se faça em ordem, pela presente decidimos e
nomeamos a ti, padre Frei Pedro de Croce, com toda a nossa autoridade e poder,
superior e guardião dos irmãos acima e de qualquer outro que chegar àquelas terras.
E mandamos a esses que te respeitem e obedeçam em tudo que não for contra Deus
e contra a nossa Regra; e te concedemos e transmitimos aquela mesma autoridade
que nós temos sobre eles, de maneira que possas exercê-la em respeito a eles,
quando for oportuno.
Tu, portanto, como bom pastor, cuidarás de nutrir, com o ensino e exemplo, o
rebanho que te é confiado. E na falta do padre Frei Egídio, te acrescento o padre Frei
José de Leonissa, sacerdote e pregador da nossa Ordem, e, além disso, Frei
Gregório, também ele de Leonissa.
Dado em Assis [Cárceri] 1º de agosto de 1587.

Frei Jerônimo como acima, de própria mão.

Missões capuchinhas nos vales do Piemonte

1464. Jerônimo de Castelferretti, em uma carta de 26 de julho de 1623, enviada ao


cronista da Ordem, Paulo Vitelleschi de Foligno, descrevendo a atividade missionária
dos capuchinhos, entre outras coisas, anotava: "Na Província do Piemonte, temos oito
missões para oito vales". Tratava-se de vales habitados por valdenses, com infiltração
de calvinistas.
Padre Valeriano Berna de Pinerolo, desde muito tempo, aspirava evangelizar
aquelas populações a fim de reconduzi-las à Igreja católica ou para cuidar daquelas
que lhe permaneceram fiéis. Encontrando-se em 1595 como guardião do convento de
Pinerolo, esforçou-se ele para convencer as autoridades eclesiásticas e estatais para
fundar uma missão capuchinha naqueles vales.
Em 1596, Valeriano de Pinerolo, Maurício de La Morra e Estêvão de Gambalò
formaram o primeiro grupo missionário em alguns daqueles vales. Em 1597, veio unir-
se a eles o padre Felipe Ribotti de Pancalieri. Ao lado de cada missionário sacerdote,
era destacado um irmão leigo como companheiro. O trabalho deles, que durou quatro
anos, é descrito no epistolário do padre Valeriano.

1465. Em um primeiro momento, eles se preocuparam em recuperar para o culto


muitas igrejas paroquiais em Porte, Perosa, Dubbione e Pinacchia, no vale de Perosa,
"mantidas e tratadas como estrebarias" e, depois, com problemas também
econômicos superados, graças a subvenções do duque de Sabóia e do Papa.
Os missionários capuchinhos preferiram defrontar os valdenses e calvinistas
pela polêmica, que estes procuravam evitar, e achegar-se ao povo com "argumentos
familiares e espirituais". Não faltaram solenes disputas em público, nem sempre
desprovidas de excessos verbais. À pregação e colóquios familiares, os capuchinhos
uniam o ensino do catecismo para os católicos, levado num tom controversista,
culminando, algumas vezes, em suntuosas procissões.
Não faltaram os frutos espirituais, mas foram também muitos os sacrifícios e
injúrias suportadas pelos missionários, que, alguma vez, correram até perigo de vida.
No fim de 1598, Valeriano de Pinerolo enviou uma carta a Clemente VIII, expondo
seus planos e métodos missionários e prevendo problemas inerentes à evangelização
dos vales piemonteses. Trata-se de uma espécie de revisão crítica e, ao mesmo
tempo, de um relatório do que se fez naquelas missões.

1466. Devido às dificuldades causadas também pelos "tumultos de guerra" e,


sobretudo, pela prepotência dos adversários, padre Valeriano pede para si e seus
irmãos "a licença de retirar-se" para a paz orante dos conventos. Porém, o papa e as
outras autoridades, providencialmente, não concederam a licença e, assim, os
348

missionários capuchinhos puderam continuar na sua atividade, que contribuiu


eficazmente para a defesa e difusão da fé católica naquelas terras.
Um vibrante testemunho da situação daquelas missões nos inícios do século XVII,
recolhe-se também do epistolário do padre Felipe Ribotti de Pancalieri: missionário
laborioso e ativíssimo, em contínuo movimento pelos diversos centros dos vales,
sempre pronto para a catequese, prática das Quarenta Horas e as manifestações de
fé, principalmente, nas procissões; seu campo de missão foram os vales de Perosa,
San Martino, Macra e Varaita.

Dronero, 19 de novembro de 1598. - Valeriano de Pinerolo ao papa Clemente VIII:


expõe a atividade missionária dos capuchinhos nos vales piemonteses e prevê alguns
problemas a ela inerentes.

I frati cappuccini III/2, 4194-4201

A Clemente VIII

1467. Beatíssimo Padre, saudações


O seráfico pai São Francisco recebeu aquele oráculo divino, no princípio de sua
conversão: Vade, Francisce, repara domum meam quae labitur100. E eu, imitando-o,
ardendo de desejo de cooperar para a salvação das almas, já são três anos que me
submeto às ordens de sua beatitude, abraçando a árdua função de pregar a santa fé
aos hereges, em companhia de outros dos nossos padres, nos vales de sua alteza
sereníssima o duque de Sabóia e outros lugares infestados de heresia, no
marquesado de Saluzzo.
De início, conseguiu-se bastante, fortalecendo os pobres católicos e reconduzindo
muitas almas ao seio da santa Igreja; mas, chegando, depois, os tumultos de guerra,
em vista do grande perigo com poucos frutos, eu, em nome de todos, mais de uma
vez, tanto de sua alteza como do ilustríssimo monsenhor núncio, tenho pedido
permissão de retirarmo-nos aos nossos conventos, o que não foi considerado certo
para não deixar passagem livre aos hereges e dar desgosto aos católicos, na espera
da paz, para, então, se providenciar uma possível ajuda.

1468. Graças a Deus, chegou a santa paz; mas, até agora, não somente não se vê
ajuda, mas os hereges se tornaram mais arrogantes, resolvendo entre eles não querer
assistir às pregações dos católicos; quem vier é castigado e quem passar a católico é
ameaçado de morte. Uniram-se aos hereges de Pragellato; a verdade é que pouco ou
nenhum fruto se colhe, nem se espera, nesses vales. Estive ali durante dois anos;
depois, por ordem do ilustríssimo monsenhor núncio, vim para o marquesado de
Saluzzo, numa região de presídio chamada Dronero e, pelos genebreses, pequena
Genebra, onde atualmente me encontro; chamam-na assim não por serem todos
hereges, mas apenas uma quarta parte; não porque o governador seja herege, mas
porque, já há muitos anos, o filho do senhor de Manta mantém o governo; e já que sua
beatitude conhece muito bem aquele ilustríssimo cavaleiro - tendo mandado uma carta
pastoral com bênçãos para ele - lugar-tenente de sua alteza em todo o marquesado de
Saluzzo, não preciso dizer mais nada, senão que, muitas e muitas vezes, me disse
que, chegando a paz e sendo isso do gosto de sua alteza, prometia sob seu comando
[...] fazer todos os hereges do marquesado passar a católicos.

1469. Acredito nisso, porque [...] todos acreditam; e, no ano passado, ele
conseguiu que os principais deste lugar resolvessem passar a católicos, fato que
agradou a sua alteza e ao ilustríssimo monsenhor núncio. Ora, a causa por que os
genebreses chamam este lugar de pequena Genebra não fora de propósito e vejo que

100
Trad.: Vai, Francisco, e repara a minha casa, que está ruindo.
349

isso se tornará verdadeiro, caso não for aplicado um remédio, o que afirmo com
lágrimas nos olhos; os hereges já tentaram, por duas vezes, assenhorar-se desta
terra, com a intenção de implantar a sede no Piemonte, para infeccionar a Itália.
Primeira coisa: os forasteiros, como os que foram expulsos de várias partes do
Piemonte por sua alteza por causa da heresia, vieram, com espírito maligno e
perverso, habitar em Dronero e controlam quase tudo; atualmente, sendo alguns, pelo
mesmo motivo, constrangidos a largar suas casas, resolvem vir eles também. Tendo
feito queixa a quem de direito, responderam-me que no marquesado se permite
liberdade de consciência e, sem ordem do príncipe, não querem dar vexame a
nenhum deles. E, deste modo, a terra se contamina mais, conquistando a heresia mais
poder.
Uma segunda coisa é sobre os livros, porque em todo o marquesado há livros
heréticos e proibidos, mas especialmente neste lugar são lidos livremente seja em
companhia ou em particular; seja em casa ou fora de casa; seja na presença de
católicos ou entre eles. Nesses livros não há falsidade que não se encontre, não há
injúria que não se diga contra Jesus Cristo, seus santíssimos sacramentos, chamando
a santa Igreja de Babilônia, meretriz e outras blasfêmias semelhantes que, por
modéstia, deixo de mencionar. Com isso, fortificam-se os hereges na sua perfídia,
escandalizando os simples e iletrados e, às vezes, fazendo vacilar a mente dos
verdadeiros fiéis.

1470. A terceira são os matrimônios que se fizeram constantemente entre


católicos e hereges, realizados também pelo cura, com as solenidades da santa Igreja.
Daí tem acontecido que ou o marido subverta a mulher ou a mulher subverta o marido;
ou, quanto à disparidade de culto, concordam pacificamente entre si. Mas o pior é que,
feitas as promessas, algumas vezes, o católico, para agradar a outra parte, contraiu o
matrimônio perante o ministro herege, que, como eu sei, o faz com o propósito de
levá-los a batizar as crianças, e isto contra a ordem do príncipe, que, embora este lhes
permita fazer algum ato de sua falsa e pretensiosa religião em todo o marquesado,
eles não somente os unem em matrimônio, mas fazem o católico jurar viver de acordo
com a seita deles.
A quarta é que, na educação dos filhos, procuram mestres suspeitos na fé,
combinando com eles para educar os filhos de acordo com o gosto do pai ou da mãe,
quer dizer, ou na heresia ou no católico; e as mães prevalecem nesse assunto, de
modo que, sendo o pai católico, os filhos e toda a família vivem na heresia; pior ainda,
muitos filhos batizados na Igreja são educados na heresia.
A quinta é que há muitos notários que vivem hereticamente; embora tendo jurado
a fé católica ao receber o cargo de notário, ou quando foram confirmados por sua
alteza, são mesmo perjuros. Estes tais, ao receber o testamento, se declaram inimigos
da santa Igreja, recusando-se a fazer os pios legados
A sexta é que combinaram entre si não ouvir as pregações dos católicos e, pior
ainda, porque, para desculpar-se perante os senhores causídicos, inventam mentiras
caluniosas contra os pregadores, tentando colocá-los em má reputação perante
aqueles e entre si; enquanto a heresia toma maior fôlego, a santa fé padece
detrimento.

1471. A sétima é que se usam, nesta terra, juros exorbitantes, pelo que, ficando
amarradas as consciências, tornam-se os católicos incapazes dos santíssimos
sacramentos e os hereges mais dificilmente se tornam aptos a passar a católicos.
A oitava é que existe igreja prestigiadíssima nesta terra, com prestigiadíssima
renda, além de capelas titulares, mas com os altares despojados e os bens das
capelas usurpados, porque até os hereges - ou melhor, os ministros - estão na posse
destes bens, e a Igreja, sem a residência do pastor, mantendo somente padres
mercenários e ignorantes. Acho que, enquanto se briga por este benefício, seria
350

melhor dar-lhe um bom pastor, porque a igreja é desprovida de paramentos e de


governo.
Quanto já tendes ajudado, ajudai, tanto para apoiar a assistência do ilustríssimo
monsenhor núncio neste marquesado (que não há palavras para se descrever), tanto
na reforma do clero como do povo; ele usa a arte, indústria, poder e esforço para
reconduzir os hereges ao seio da santa Igreja; e, para impedir que a heresia tome pé,
procurando que sejam castigados os atrevidos, aplicando remédios aos
inconvenientes que expus a sua beatitude e que agora o monsenhor núncio está
enfrentando. Porém, ele encontra tanta contrariedade, tantos opositores que, por
vezes, fica muito enfastiado por não poder executar quanto julga necessário, para a
glória de Deus, da santa fé e salvação das almas.

1472. Ele vai, portanto, mostrando a estes senhores a necessidade de se


remediarem tantos inconvenientes, fazendo com que entendam que, embora sua
alteza lhes tenha permitido liberdade de consciência, não é jamais esta a sua opinião,
pois tenho certeza de que é um príncipe tão piedoso que jamais o teria tolerado [... ],
caso isso lhe fosse levado ao conhecimento. Mas estes senhores, seus funcionários,
aos quais esses inconvenientes foram comunicados e juridicamente aprovados, estão
muito reservados para tomar providências, dizendo que voltariam a prejudicar-lhes a
liberdade concedida e temem um levante do povo; e, quando não sabem mais o que
dizer, afirmam ver nisso a vontade de sua alteza.
Na verdade, na minha opinião, é um sutil engano do diabo, pois são os hereges
que prejudicam a Igreja, contrariando toda promessa feita ao príncipe, e como pode
haver perigo de levante do povo, estando os católicos escandalizadíssimos ao verem
impunes as falcatruas dos hereges, que são apenas um para mil católicos? E me
parece que se comete injustiça com sua alteza que mantém os oficiais para manterem
a justiça nos seus estados; por outro lado, pode-se ver o efeito que se segue: toda
iniciativa lançada pelo ilustríssimo monsenhor núncio, ou para castigar os delinqüentes
ou aplicar remédio a tantas desordens, não recebe toda a execução que para isso
desejaria; e os hereges vão tomando pé, espalhando vozes infamatórias e falsíssimas,
ao dizerem que os prelados da Igreja provocam estas coisas para fazer dinheiro e não
pelo zelo que temos pela sua salvação, e que o senhor de Manta disse que não
duvidem serem essas coisas invenções dos padres e frades, e que, se resolverem
castigá-los por isso, defendam-se de toda maneira, porque não concordam com isso,
nem sua alteza nem ele próprio.

1473. Beatíssimo Padre, se há decisão tão santa é esta a hora, porque Deus fez
com que estes príncipes resolvessem remeter a questão do marquesado ao juízo de
sua beatitude e encontra-se residente no marquesado o monsenhor núncio, ao qual é
necessário que vossa beatitude ordene e comande que não saia, mas que procure
providenciar quanto for necessário, até que tudo, para a glória de Deus, seja resolvido.
Tenho fé que jamais se apresentará tão bela ocasião. As missões serão uma
frustração, tendo tantos opositores que favorecem os hereges; bem cedo, este
marquesado será um monturo de heresias, com grave detrimento para toda a Itália,
como aconteceu em outros reinos e estados; e toda a reforma feita depois que o
sereníssimo duque possui o marquesado, tudo será frustratório e vão.
Portanto, humildemente prostrado aos pés de sua beatitude, com lágrimas nos
olhos, suplico que, quando estiver com sua beatitude o sereníssimo duque de Sabóia,
digne-se demonstrar-lhe os grandes excessos que cometem os poucos hereges no
marquesado, especialmente em Dronero, dizendo-lhe que abusam dos santos
sacramentos, especialmente do batismo e matrimônio, e quanto dano trazem os livros
feitos pelos hereges, o caso dos forasteiros, dos notários heréticos, dos relapsos, da
vinda dos falsos ministros, da educação dos filhos e da maldita resolução deles de não
ouvir as pregações dos católicos e tudo isso sob pretexto de liberdade de consciência;
pelo que Deus é ofendido gravemente e também a santa Igreja. Diante do grave
351

prejuízo para as almas, exortando-o firmemente sobre isso, ordene-lhe e imponha que,
no marquesado, se viva catolicamente, debaixo da obediência da Igreja Católica,
Apostólica, Romana; quem não quiser, que se mude.

1474. Quanto aos outros vales, Lucerna, Angrogna, Perosa, Santo Martino, a fim
de que os padres da missão possam ajudar aquelas pobres almas enganadas, que ele
mande os hereges desocupar aqueles estados e que o povo seja obrigado a ouvir as
pregações dos pregadores mandados por vossa santidade; aqueles do povo que
persistirem nos seus erros não possam ter permissão para habitar na planície do
Piemonte para pastorear seus rebanhos no inverno, como se costuma; este será, no
momento, para aqueles vales ótimo remédio, desejado até por muitos de seus
hereges.
E, para demonstrar a exigüidade dos hereges no marquesado, mando à sua
beatitude o nome das terras contaminadas, com o número de casas, bem como a lista
dos forasteiros do Dronero, lista dos matrimônios entre católicos e hereges e das
crianças nascidas desses matrimônios e batizadas na Igreja e que vivem na heresia,
lista dos notários que juraram a fé católica, tudo isso para justificar-me, se alguém
quiser contradizer. E se, acaso, sua beatitude não julgar oportuno tomar providências
sobre isso agora, suplico-lhe que se digne permitir a mim, juntamente com os outros
frades nossos, retirarmo-nos para os nossos conventos, por não haver esperança de
se obterem os frutos desejados e não podendo tolerar ver Deus tão desonrado e
odiado pelos funcionários de sua alteza por causa dos recados que são levados a
vossa beatitude, ou ao ilustríssimo monsenhor núncio, sobre estes inconvenientes.

1475. Rogo-lhe, outrossim, que não queira atribuir este meu escrito à presunção,
pois tudo foi para meu desencargo de consciência; se houver falta, quem sabe movido
por excessivo zelo, peço perdão ao Senhor Deus e a vossa beatitude.
Entretanto, continuarei a rogar a nosso Senhor Jesus Cristo por sua beatitude,
para que lhe conceda a graça de expurgar o marquesado destes pobres hereges, para
a segurança da Itália, visto que a sua Divina Majestade a favoreceu ao providenciar
um rei tão grande para a Santa Igreja e conquistou um reino tão turbulento,
consolidando uma grande paz entre os príncipes cristãos.
E humildemente beijando os sagrados pés, peço a sua bênção.
De Drovero, aos 19 de novembro de 1598.
De sua beatitude
humilde servo em Jesus Cristo
Frei Valeriano Berna, capuchinho

A vida missionária e a observância da Regra

1476. A vida dos missionários capuchinhos nos vales do Piemonte, passada fora
dos conventos, sem oportunidade e a possibilidade de seguir as práticas da vida
comum e da mendicância, suscitou dúvidas e perplexidade em alguns capuchinhos e,
de modo particular, nos superiores. No dia 19 de março de 1604, o padre Paulo Maria
Pergamo de Asti, vigário provincial de Gênova, de cuja jurisdição dependiam então os
capuchinhos piemonteses, enviou alguns quesitos ao padre Santi Tesauro de Roma,
especializado na exposição da Regra. Este, em 6 de julho seguinte, deu-lhe clara
resposta, numa justa valorização da exigência prioritária da salvação das almas, que
legitima o derrogar algum preceito da Regra, segundo a intenção de São Francisco.

Roma, 16 de julho de 1604. - Santi Tesauro da Roma a Paulo Maria Pergamo de


Asti: Em referência a uma consulta de esclarecimento sobre dificuldades inerentes à
observância dos preceitos da Regra para os missionários; são apresentadas
elucidações oportunas inspiradas no equilíbrio e clarividência.
352

I frati cappuccini III/2, 4314-4319

1477. Reverendo padre no Senhor,


Recebi por intermédio do padre João Batista a carta de vossa paternidade de 19
de maio, com informação sobre a missão e abusos que ali acontecem, a qual
respondo brevemente em alguns parágrafos.
1º. O trabalho dessa missão é bom e santo, porque nela se visa a glória de Deus,
a promoção da santa fé católica, a conversão dos hereges e salvação das almas;
porém, nós a devemos abraçar com todo afeto e fervor, não poupando qualquer
sacrifício, mesmo que tivéssemos de empenhar nisso a própria vida.
2º. Devemos atender esta obra de tal maneira que o frade possa observar as
coisas essenciais da Regra, se bem que, em alguma coisa, fosse necessário diminuir
um pouco o fervor da nossa simplicidade, porque ninguém é obrigado a pôr em perigo
a própria salvação pela salvação dos outros; et non sunt facienda mala ut veniant
bona101 [Rom 3,8].

1478. 3º. No caso de não se poder, nessa missão, observar as coisas essenciais
da Regra, pelo preceito da Regra no capítulo X, onde se manda que, quando o frade
não pode em algum lugar observar a Regra espiritualmente, é obrigado a recorrer ao
prelado para ajuda, para que lhe seja dado um lugar onde possa observá-la; e como
não observar a Regra espiritualmente, segundo a exposição da Regra, é quando, por
causa de uma ocasião próxima, se encontra em perigo a castidade, quando não se
pode observar a pobreza, porque se lhe anexa a propriedade, ou quando, por causa
da pobreza do lugar, não se pode viver da mendicância e precisa procurar recursos
não recomendáveis quanto à pureza da Regra, ou outras coisas semelhantes, que não
vou prolongar; pode-se consultar o Quattro Maestri, São Boaventura, I Pisani.
E, em vista do mesmo preceito, o prelado é obrigado, quando o súdito recorre, a
oferecer-lhe meios para que possa observar a sua Regra; do contrário, peca
mortalmente, porque - segundo Corduba, no capítulo X, o mesmo vínculo e preceito
com que a Regra obriga o súdito a recorrer, da mesma forma obriga o prelado a
atendê-lo, e, conseqüentemente, se o súdito sabe que, em determinado lugar, não
pode observar a Regra espiritualmente, não pode ir para lá e não é obrigado a
obedecer ao prelado, porque está lhe mandando uma coisa que é contra a Regra e a
alma. Assim, também o prelado, se o mandar para um lugar tal que não o pode
mandar, peca mortalmente.

1479. 4º. Nós não podemos usar privilégios que dispensem da observância da
Regra, porque a todos esses privilégios já temos renunciado, como se vê em nossas
constituições. E nós, emitindo profissão de viver segundo a pureza e simplicidade da
Regra, não devemos buscá-los nem nos preocupar com eles.
5º. Se o papa, como quem habet plenitudinem potestatis102 sobre a Igreja e a
religião, nos manda e dispensa em alguma coisa ex causa vera103, porém, as coisas
que são de jure divino104, como são os votos que fazemos, não pode o papa dispensá-
las sem verdadeira causa, como afirmam todos os doutores, pois, se o fizesse sem
motivo algum, não seria dispensar, mas dissipar. Somos, portanto, obrigados a
obedecer; porém, é necessário que o papa esteja bem informado da causa e
veracidade do fato, pois, não sendo bem informado e não existindo verdadeira causa e
suficiente, o que for dispensado non est tutus in conscientia105.
6º. Agora, colocadas essas coisas, respondo a carta de vossa paternidade:

101
Trad.: não se devem fazer coisas más para que aconteçam coisas boas.
102
Trad.: tem a plenitude de poder.
103
Trad.: por causa verdadeira.
104
Trad.: de direito divino.
105
Trad.: não é (está) assegurado na consciência.
353

1480. 1º. Se as coisas que são ditas na informação citada são verdadeiras, os
súditos não podem estar em boa consciência e são obrigados, pelo preceito da Regra,
a recorrer ao prelado para a solução; e, se são mandados para esse lugar, não são
obrigados a obedecer; e os prelados são obrigados a dar uma solução no caso de
recurso e, se não houve recurso, removê-los com a autoridade que possuem, pois
sabem que aí não se pode observar a Regra espiritualmente. Porém, precisa notar se
tais problemas vêm não pela condição de lugar, isto é, que os frades, estando lá, não
possam viver e estar segundo a nossa observância da Regra, mas por causa dos
frades relaxados, que não querem viver como são obrigados pela profissão, mas com
independência, conforme o próprio capricho e comodidade.
Em tal caso, é preciso que vossa paternidade afaste, de qualquer maneira, esses
frades e, se estes se valerem do favor de sua alteza, do senhor núncio e de outros
favores do mundo, é necessário que vossa paternidade dê satisfação a esses
senhores, informando-lhes sobre os problemas e vida relaxada desses frades, sem
nenhuma ressalva, porque, sendo esses senhores informados sobre as coisas que
acontecem, sem dúvida alguma, ficarão satisfeitos com o afastamento deles, porque
estou certo de que não quererão a ofensa de Deus e prejuízo da religião,
especialmente se vossa paternidade se oferecer para mandar outros frades bons e
exemplares; e, nesta circunstância, vossa paternidade não fique preocupado por
escandalizar aqueles senhores, ao fazê-los saber os defeitos desses frades - porque,
para remediar a ofensa a Deus, não se pode agir de outra maneira - pelo contrário,
ficarão edificados, vendo que vossa paternidade zela pela honra de Deus e da religião.
Porém, não deixe vossa paternidade de executar este dever com toda a veemência,
ou, no caso de não poder pessoalmente, faça com que seja feito; e então se
participará ao senhor cardeal Aldobrandino e, também, se for preciso, a sua
Santidade, de modo que daqui não terão ajuda nem favor nenhum.

1481. 2º. Mas se aí não se pode viver de fato da mendicância e estar de acordo
com a observância da Regra, precisa ver: se for possível, com boas maneiras e sem
escândalo, transferir os frades, sejam transferidos; no caso de não se poder, é preciso
informar bem o papa, fazendo-o saber que, naquela atividade, os frades não podem
observar a Regra. Se, então, o papa, com a sua autoridade, ordenar que os frades
permaneçam e que os dispensa, deve-se obedecer; porém, mesmo assim, usem os
frades toda diligência possível para viver da mendicância, segundo nosso estado de
pobreza e não como fidalgos, exigindo pão branco, vinhos especiais, pitança106 e
especiarias em toda refeição.
3º. Tendo que mandar frades, vossa paternidade ou o prelado, a quem competir no
futuro, é obrigado a mandar, para uma obra de tanta importância, frades bons,
instruídos, exemplares e não qualquer tipo de frades; e quando não corresponderem
ao seu dever, mandá-los embora.
4º. E, sendo necessário que os frades continuem nesse trabalho, deve-se usar
toda diligência possível para construir ali um lugar, onde os frades estejam com a
devida religiosidade, como convém ao nosso estado e à nossa profissão, para evitar
os muitos descontroles e perigos que se correm, estando os frades em liberdade fora
dos lugares.
Digo isso conforme minha opinião, remetendo-me ao parecer de quem entende
melhor. A informação aqui enviada por vossa paternidade a conservarei para o
Capítulo Geral, para que os padres sejam bem informados das coisas, como estão
acontecendo.
Com isso, termino, saudando-o e me recomendando às suas orações.
De vossa reverenda paternidade

106
Nota do tradutor: Pietanza vem da mesma raiz que pitança (iguaria); nos conventos significa
um segundo prato especial.
354

servo no Senhor
Frei Santi Romano, capuchinho

A expedição dos capuchinhos franceses ao Maranhão

1482. Em 1612, quatro capuchinhos franceses da província de Paris foram como


missionários para o Maranhão (Brasil), acompanhados pelo conde Francisco de
Rasilly, que tinha recebido da autoridade real a missão de explorar aquelas regiões,
onde já estava implantada uma colônia francesa.
O objetivo missionário conjugava-se obviamente com um projeto político. Contudo,
deve-se dizer que o zelo pelo anúncio do evangelho era vivo não só entre os
capuchinhos, mas também entre os leigos, como se percebe pelos relatórios escritos
sobre esta região. Trata-se de uma interessante expressão da missionariedade do
laicato católico daquele tempo.
A expedição teve dois momentos: em 1612, partiram quatro capuchinhos: Cláudio
de Abbeville, Arsênio de Paris, Ambrósio de Amiens e Ivo de Evreux; em 1614,
partiram outros doze, ou, segundo alguns, dezoito, com o superior Arcângelo de
Pembroke.
Os frades da primeira expedição aportaram no Maranhão dia 6 de agosto de 1612.
Evangelizaram os índios tupinambás, que, segundo o estudioso José de Alcalar,
significa "gente amiga dos Tupis". Tupã era o nome do deus pagão que estes
adoravam.

1483. A missão teve grande repercussão em toda a França e vem atraindo a


atenção dos estudiosos até os nossos tempos. Os capuchinhos abandonaram
espontaneamente o Maranhão em 1614-1615, depois que os franceses, em outubro
de 1612, tinham sido vencidos e expulsos do lugar.
Há quem sustente que a missão do Maranhão tenha continuado, nos anos
seguintes, com uma avançada até Porto Seguro. Assim pensa, entre outros, Frei
Metódio de Nembro, porém, contestado, com razões válidas, por Francisco Leite Faria.
De qualquer forma, a missão, mesmo interrompida, reveste-se de grande
importância histórica, porque representa uma primeira tentativa missionária dos
capuchinhos fora da Europa e dirigida, pela primeira vez, à evangelização de povos
pagãos.
Dos quatro frades que partiram em 1612, dois deixaram importante relatório sobre
a relativa expedição missionária: padre Cláudio d'Abbeville e padre Ivo d'Évreux.
Transcrevemos aqui alguns trechos, traduzidos do texto francês do século XVI .107

Cláudio d'Abbeville "Histoire de la Mission"

1484. O padre Cláudio entrou para a Ordem capuchinha em 1601. Em 1612 partiu,
juntamente com outros três co-irmãos, para a missão do Maranhão. Voltando à pátria,
morreu em 1632, na Província de Paris, à qual pertencia.
Deixou dois trabalhos sobre o Maranhão: 1. "L'arrivée des Péres Capucins en Inde
nouvelle appellée Maragnan" (Paris 1612), reeditada, várias vezes, nos anos
ulteriores, além de uma tradução em alemão, em 1613; 2. "Histoire de la Mission des
Pères Capucins en l' Isle de Maragnan et terres circonvoisines" (Paris 1614), traduzida
em português em 1874 e reeditada em 1963.
Os escritos de padre Cláudio são de importante interesse histórico, não só para o
início e evolução da missão, mas também para estudo da vida e costumes dos índios
no Maranhão.

107
Nota do tradutor: Isto é, do francês para o italiano.
355

Vão aqui as páginas que descrevem a primeira missa celebrada naquela terra e a
colocação da cruz no Forte de São Luiz, tomando os textos da "Histoire de la Mission",
conforme a edição original de 1614.

1. A primeira missa celebrada no Maranhão no dia de Santa Clara. (12.8.1612)

Cláudio de dÁbbeville, Histoire de la Mission,, Paris 1614, cc.64-65v.

1485. No domingo seguinte, 12 de agosto, celebramos, cada um de nós quatro, o


santo sacrifício da missa neste lugar, com uma alegria tal que prefiro deixar-vos
imaginar em vez de descrevê-la; pois, realmente, não se pode descrever,
contentando-me somente em notar que não foi sem mistério que Deus, na sua
providência, quis que esse dia, em que a Igreja Romana e particularmente a Ordem
comemorava a festa da beata virgem Clara, fosse destinado para oferecer, pela
primeira vez, o augustíssimo sacrifício: ele iluminou este novo mundo com a nova luz
do verdadeiro Sol divino, nosso Salvador Jesus Cristo, oferecido neste lugar como
neste dia ele iluminara todo o mundo de lá com a nova luz do nome, vida e milagres
desta gloriosa santa.
Não é o caso de perguntar, se aquela pobre gente se consolava, ao ver as lindas
cerimônias que se fazem neste divino mistério e, particularmente, ao ver os belos
paramentos, com que estávamos revestidos no altar; julgando bem, eles estavam
profundamente envolvidos por um mistério que não compreendiam. Não contavam o
tempo que passavam admirando as belas cerimônias.

1486. Quando chegou o ofertório, foi fechada a entrada da cabana segundo as normas
da Igreja, que admite a presença somente de fiéis cristãos a este divino mistério.
Ficaram muito admirados e surpresos, tanto por serem privados da alegria que
experimentavam ao nos assistir, quanto pela ofensa que pensavam ter recebido. Até
alguns dos católicos se escandalizaram, por não serem bem instruídos sobre a
separação dos catecúmenos e infiéis durante o ofertório e o divino mistério, de acordo
como manda a Igreja, supondo-se que estes não saberiam apreciar estes momentos.
Os índios entenderam que não poderíamos admitir senão os que fossem
batizados; restou-lhes somente um grande desejo de receberem logo instrução e
batismo, a fim de, para sua grande alegria, poderem gozar da graça e participar dos
frutos admiráveis que os fazíamos perceber, reservados pelo Salvador do mundo, o
qual está realmente e de fato presente neste Santíssimo Sacramento.
Desde então, ao participar da missa, ao descer da cobertura na entrada da
cabana, afastavam-se logo espontaneamente, com exceção dos batizados, que
assistiam tudo sem interrupção até o fim, como os franceses, contentando-se em
contemplar no seu interior o que não podiam ver com os olhos.

2. A cruz de Cristo é plantada no Maranhão

Cláudio de dÁbbeville, Histoire de la Mission,, Paris 1614 cc 85v-90v

1487. Tendo sido arrumadas todas essas coisas, foi dito aos índios que, se
quisessem fazer aliança com os franceses e abraçar a sua religião católica, apostólica
e romana, como tinham prometido tantas vezes, precisavam, antes de mais nada,
plantar e levantar solenemente o símbolo da santa cruz, que para todos serviria como
testemunho do desejo que eles tinham de receber o cristianismo, memória perene
para eles e para toda a posteridade; e também como testemunho da finalidade pela
qual estávamos tomando posse de suas terras em nome de Jesus Cristo, conforme o
pedido que eles próprios tinham feito ao nosso rei cristianíssimo, de modo que, por
meio e em virtude deste glorioso sinal, eles fossem sempre vencedores de todos os
seus inimigos e da escravidão do cruel Jurupari, que é o diabo; e, restituídos à gloriosa
356

liberdade dos verdadeiros filhos de Deus, após a regeneração pela água do santo
batismo.
Este sermão agradou-lhes de tal maneira que resolveram reunir-se no dia 8 de
setembro [de 1612], dia da Natividade da Santíssima Imaculada Virgem Maria.

1488. Naquele dia, não deixaram de apresentar-se, cedinho, juntamente com os


franceses. E, depois de termos celebrado o santo sacrifício da missa na nossa capela,
partimos todos dali, processionalmente, até o mencionado forte.
À frente, caminhava um fidalgo, levando a água benta; seguia-o um outro, com o
incenso, e outro, com o turíbulo; atrás deste, vinha um que segurava um belíssimo
crucifixo que nos tinha sido oferecido pelo senhor Du Manoir; dois jovens índios, filhos
dos chefes, levavam, de um lado e outro da cruz, dois castiçais com as velas acesas;
um deles se chamava Juí (que passou, depois, a se chamar Carlos por ocasião de seu
batismo), filho de Japy Suassu, chefe de toda a ilha; o outro era filho de Markoyá Peró,
um dos mais poderosos do lugar e chamava-se Patuá, sendo o mais novo dos seis
que levamos para a França e se chamou Tiago, ao receber o batismo, pouco antes de
morrer.
Estes dois jovens índios eram da mesma idade; e o senhor de Rasilly os tinha feito
vestir com as mesmas librés e tinham sido entregues a ele desde a nossa chegada ao
Maranhão.

1489. Nós, os quatro religiosos, vestidos com nossas sobrepelizes brancas,


seguíamos a cruz por ordem. Atrás vinha o senhor de Rasilly, tenente-general de sua
majestade, junto com toda a nobreza, cada um no seu lugar. O resto dos franceses
caminhava com os índios sem distinção.
Enquanto isso, começamos a cantar as ladainhas de Nossa Senhora, como
tínhamos feito, ao erguermos a cruz na ilha de Santana.
Chegados ao forte, no lugar escolhido para se fixar a cruz, que era muito grande e
se encontrava pronta na praça, um de nós entoou o Te Deum laudamus, continuado
com algumas orações.
Depois disso, fez-se uma pregação para os franceses sobre a glória, honra e
mérito que eles adquiriam perante Deus e o mundo, por serem como primeiros
apóstolos a levantar gloriosamente o santo lenho nesta terra de infiéis; e por terem
oferecido a Deus Pai o sacrifício, que tanto lhe agrada, do santíssimo Corpo e Sangue
de seu Filho, nosso único Salvador, na cerimônia que acabávamos de realizar com a
santa missa, jamais celebrada antes por alguém neste lugar.

1490. Logo que terminou o sermão, o senhor Des Vaux explicou, aos chefes dos
índios e aos outros de seu povo que estavam presentes, a razão daquela cerimônia e
o motivo por que erguíamos aquela cruz, dizendo-lhes que se tratava de um
testemunho da aliança que eles faziam com Deus e uma confissão solene de que
abraçariam a nossa religião, renunciando totalmente ao maldito Jurupari, que não
poderá mais sustentar-se diante daquela santa cruz, que ia ser benzida, e será
obrigado a abandonar o lugar onde ela está plantada.
Para isso eles teriam, antes de tudo, de renunciar o errado modo de vida e,
principalmente, não comer mais carne humana, mesmo do pior inimigo; em segundo
lugar, teriam que obedecer às nossas leis e tudo aquilo que os Paí (os missionários)
lhes ensinassem; finalmente, combater gloriosamente debaixo deste poderoso sinal e
preferir mil vezes morrer do que permitir que aquela cruz fosse tirada de lá depois de
plantada.

1491. Os índios mantiveram-se tão atentos a este discurso que demonstravam


claramente no exterior a emoção que lhes havia internamente provocado; prometeram
que, voluntariamente e com prazer, recebiam e abraçavam o que lhes era proposto,
porque há muito tempo ansiavam por conhecer o Deus que nós adoramos e aprender
357

como se deveria servi-lo e adorá-lo, protestando que nunca haveriam de quebrar a


promessa que solenemente estavam fazendo.
Depois disso, foi benzida a cruz com todas as cerimônias que estão inseridas no
Pontifical Romano. Depois, foi adorada por todos: primeiramente por nós quatro,
depois pelo senhor de Rasilly, pelos fidalgos e todos os franceses, um por um. Era
uma cena maravilhosa, pois cada um se portava com tanta devoção naquela adoração
e com tanta ordem, a ponto de enternecer os mais duros corações.
Durante a adoração cantávamos o hino Vexilla Regis prodeunt108, que todos
repetiam mais forte até o versículo O crux, ave Spes unica109.

1492. Depois dos franceses, também os índios todos a adoraram, um a um, com
incomparável respeito e humildade. Em primeiro lugar, adiantaram-se os chefes com
particular devoção, servindo de bom exemplo a todos os outros: estes vinham
cobertos com vistosas casacas azuis-celeste, trazendo, na frente e nas costas, cruzes
brancas; foram-lhes oferecidas pelos tenentes-generais para esta cerimônia e outras
solenidades semelhantes. Foram seguidos pelos velhos e anciãos e, por fim, por todos
demais índios presentes.
Chegavam todos em ordem, um a um, com as mãos postas, sem confusão, para
prostrar-se de joelhos no chão diante da cruz, como nos tinham visto fazer, adorando-
a, beijando-a com muito respeito, humildade e devoção, como se toda a vida deles
tivesse sido formada para o cristianismo. Assim, pelo exterior deles, se podia ver que o
Espírito de Deus cobria estas pobres almas selvagens e as preparava, pelo influxo de
sua graça, para abraçar a verdadeira religião. Não fazeis uma idéia da quantidade de
lágrimas que desciam de nossos olhos, ao vermos venerandos anciãos e crianças
prostrar-se daquela maneira aos pés da santa cruz!

1493. Quem poderia descrever o fervor deste povo ao ajudar a nós franceses a
erguer este glorioso estandarte dentro em sua terra? Vós os podeis ver porfiando em
levantar, com indizível zelo e coragem não de pagãos, mas realmente cristã,
triunfando assim, vitoriosamente, sobre esse cruel e maldito Jurupari, ao qual,
publicamente, renunciaram por este ato heróico e cristão, depondo-o e afastando-o do
seu reino, para acolher e ali entronizar o monarca soberano do céu e da terra, Jesus
Cristo.

1494. Não conseguiria jamais fazer-vos entender a alegria que experimentávamos,


pela felicidade obtida de ver, com os próprios olhos, o cumprimento das promessas
que fizera o grande Deus de levantar um sinal em regiões longínquas, ao dizer Ele
próprio por meio do profeta: Ecce levabo ad gentes manum meam et ad populos
exaltabo signum meum [Is 49, 22]: eis que levantarei para as nações a minha mão e
erguerei entre os povos o meu estandarte.
E quantos louvores e agradecimentos lhe teríamos de render pelo fato de a Divina
Majestade ter-se dignado servir-se de nós, dentre todos os povos, para ir colocar seu
estandarte entre esses que, até então, eram tão resistentes às suas santas leis e onde
ninguém tomara, ou pelo menos não conseguira realizar, a iniciativa de levantar e fixar
este sinal triunfante como foi levantado, nesse importante dia, na ilha do Maranhão,
para grande felicidade de todos!
Depois de erguida a cruz, como se disse, foi benzida também a ilha, enquanto, do
forte e dos nossos barcos, eram disparadas pelos canhões fortes salvas de tiro em
sinal de júbilo. O senhor de Rasilly denominou o forte de Forte São Luiz, em perpétua
homenagem a Luiz XIII, rei da França e Navarra; e chamou o ancoradouro, ou porto
ao pé do forte, de Porto de Santa Maria, seja em homenagem à Rainha do Céu, a
Santa Virgem Maria, cuja natividade se comemorava naquele dia, ou em respeito à

108
Trad.: Surgem os estandartes do Rei.
109
Trad.: Ó cruz, ave única esperança.
358

sua irmã na terra: Maria de Medici, rainha da França e Navarra, que a divina bondade
queira conservar por longo tempo.

Yves d'Evreux, ""Histoire de la Mission"

1495. O padre Ivo, nascido por volta de 1577, vestiu o hábito capuchinho em 1595.
Em 1611, foi destacado para superior do pequeno grupo de missionários com destino
ao Maranhão, onde chegou no ano seguinte. Trabalhou ali por três anos. Depois,
atingido por uma forma de paralisia e por causa também das longas e penosas
viagens, teve que deixar a missão, em 1614, contra a sua vontade. Morreu depois de
1620, em data incerta.
Ivo de Evreux deixou a obra seguinte: "Histoire de la Mission des Capucins dans
l'Isle de Maragnon en 1613 e 1614 (Paris, 1615), republicada em Lipsia e Paris em
1864 por M. F. Denis com o título "Voyage dans le Nord du Brèsil fait durant les
années 1613 e 1614 par le Père Yve d'Evreux", traduzida em português em 1929.
Trata-se de uma narração animada por forte entusiasmo missionário. Destacamos,
aqui, duas passagens: um sobre a construção das capelas de São Francisco e de São
Luiz (1613-1614); outro sobre a interessante iniciativa do capuchinho de traduzir na
língua dos índios Tupinambás do Maranhão o catecismo cristão, dando realce em
primeiro lugar ao "Pater Noster" e "Ave Maria". A iniciativa é significativa, também por
se apresentar com uma tentativa de "inculturação" ante litteram110.

1. Construção das capelas de São Francisco e de São Luiz no Maranhão.

Yves d'Evreux, Voyage dans le Nord du Brèsil, 9-11

1496. [...] Os primeiros sacrifícios que Deus recebeu do povo de Israel, quando
este tomou posse da Terra da Promissão - de onde este povo baniu a infidelidade -
tiveram lugar debaixo de tendas e barracas do Tabernáculo; porém, depois da
construção do Templo, ali foram oferecidos aqueles mesmos sacrifícios.
Algo semelhante nos aconteceu, a nós que estivemos naquelas paragens
(Maranhão) cheias de infidelidade e ignorância de Deus, - povoado de diabos
tiranizadores daquelas pobres almas, suas prisioneiras - para levar-lhes a luz do
evangelho, expelir a falta de fé, expulsar os demônios, implantar e construir a Igreja de
Deus. De fato, celebramos os santos sacrifícios sob uma bela tenda, durante quatro
meses ou mais, entre o verde das árvores.
Depois, quando partiu para a França uma parte de nossa expedição à procura de
ajuda e a outra permaneceu para fundar a colônia, fizemos construir a capela de São
Francisco do Maranhão, num lindo e agradável recanto, vizinho ao mar, provido de
uma bela fonte permanente. Ali escolhi minha habitação, como no convento, para
servir os religiosos que esperava virem em meu auxílio.

1497. Esta capela ficou concluída na vigília do Natal, dia mais que indicado,
correspondendo à devoção de São Francisco, a quem a capela era dedicada. De fato,
entre todas as festas do ano ele destacava aquela Noite, toda luminosa e sem trevas,
do nascimento do verdadeiro Sol, Jesus Cristo. O santo Pai tinha o costume de
construir um presépio, onde passava essa Noite em alta contemplação do mistério da
Encarnação e a tão extraordinária descida do Altíssimo à terra.
Na verdade, nesta pequena capela feita de madeira e coberta de palmas, mais
semelhante a um presépio do que aos ricos templos da Europa, eu ficava muito feliz,
ao sentir que nós franceses salmodiávamos, com grande devoção, as matinas dessa
Noite; depois, aproximando-nos do sacramento da penitência, receber o próprio Filho

110
Trad.: antes da palavra, isto é, antes de ter surgido este conceito.
359

de Deus no presépio do coração, envolto nas espécies do Santíssimo Sacramento do


altar.

1498. Solenizamos o dia com uma celebração semelhante à da noite, adaptando a


pregação, o que procuramos continuar fazendo sempre nas festas e nos domingos.
Embora tenhamos sofrido muito no início, mesmo assim, provávamos tanta satisfação
durante estas celebrações que o tempo transcorria tão rapidamente, a ponto de um dia
inteiro nos parecer durar menos de duas horas [...].
Aumentou ainda mais esta devoção, quando se construiu, no forte, a capela de
São Luiz, seguindo o estilo e modelo das igrejas dos nossos conventos, com
travamento e coberta com boas telhas feitas da madeira chamada akaiucantin. Ali ia
celebrar a missa, cantar as vésperas, pregar e batizar os catecúmenos. De tarde,
quando se tocava o sino, todos, antes de dormir, se recolhiam nessa capela, onde se
cantava a Salvação e soava o Perdão. Depois cada um se retirava para onde
quisesse.

2. Doutrina cristã na língua dos Tupinambás: Pai Nosso e Ave Maria. 111

Yve d'Evreux, Voyage dans le Nord du Brésil, 272-273.

1499. Pai nosso

Ore-rouue vuac peté covare,


ymoe-tepoire derere-toico,
to-oure de-reigne.
teiè-mognan deremimotare
yboipé vuacpe iémognan eaue.
oreremiou-are aiedouare eiméIoury oreue
de-ieurou orèyangaypaue ressè,
ore recome-mossaré soupè oreieuron eaue,
moar-ocar humé yepé tecomemo-puopé,
oré pessuron peyepè máe ayue souy.

Pai nosso que estais nos céus,


Santificado seja o vosso nome
Venha a nós o vosso reino
Seja feita a vossa vontade
Assim na terra como no céu.
O pão nosso de cada nos daí hoje
E perdoai-nos as nossas dívidas
Como nós perdoamos aos nossos devedores
E não nos deixeis cair em tentação
Mas livrai-nos do mal. Amém.

1500. Ave Maria

Aue Maria gratia, Resse tenoussem váe,


Deyron yandé yaré-reco,
Ymonbeu Katou poïre aue edereico Kougnan souy,
Ymombeau Katou poïre aur demeinboïre Iesus.
Sancta Maria Toupan seu,
Hé Toupan mongueta oreyangaypaue vaë ressé
Cahu yran ore-requi ore-roumeué. Amen.

111
Nota do tradutor: A transcrição, naturalmente, é conforme a fonética francesa.
360

Ave Maria, cheia de graça,


O Senhor é convosco,
Bendita sois vós entre a mulheres
E bendito é o fruto do vosso ventre Jesus.
Santa Maria, Mãe de Deus,
Rogai por nós, pecadores,
Agora e na hora de nossa morte. Amém
361

Santos e Santidade

Mariano D'Alatri
Tradução de Serafim José Pereira
362

1501. Durante o primeiro século da história dos capuchinhos, surge um pequeno


batalhão de "santos", em sua maioria absoluta, italianos. Em certo ponto, isso era
previsível, porque somente pelo fim do século XVI foi permitido aos frades da nova
família passar além dos Alpes. Mas também ali não faltou o testemunho de santidade,
reconhecido mais ou menos solenemente pela Igreja, como testifica a vida santa de
Fidélis de Sigmaringa (1578-1622), protomártir da Propaganda Fidei, e do venerável
Honorato de Paris (1566-1624).
No correr dos anos quinhentos, a Santa Sé tinha aprovado repetidamente a
Reforma Capuchinha e suas constituições, reconhecendo que uma e outras se
encontravam no veio genuíno do movimento religioso suscitado pelo Santo de Assis.
Contudo, em uma comunidade, homens e costumes não pesam menos do que as
boas leis, das quais são uma espécie de encarnação. Por isso, nesta nossa
apresentação do primeiro século da Reforma Capuchinha, é indispensável abrir
espaço para a "memória" dos santos, dando ocasião para falarem aqueles que viram e
ouviram, isto é, testemunhas diretas de sua vida.

1502. Assim nasceu a idéia do florilégio de testemunhos diretos, extraídos das


atas dos processos canônicos relativos a oito "santos", falecidos nos quatro decênios
que vão de 1587 a 1626. Quatro deles, pela canonização, atingiram a faixa de
chegada. São os Irmãos leigos Félix de Cantalício e Serafim de Montegranaro e os
sacerdotes José de Leonissa e Lourenço de Brindisi. Dois são venerados com o título
de beatos: o irmão leigo Jeremias de Valacchia e o sacerdote Benedito de Urbino. Por
fim, para outros dois foi reconhecido o título de venerável: o irmão leigo Raniero de
Sansepolcro e o sacerdote Francisco de Bergamo. Poder-se-ia dizer que até o céu se
encarregou de demonstrar, com o selo da santidade, a não clericalização da Reforma
Capuchinha.
Em vez de compor uma ficha biográfica, onde se registrassem as características
da santidade de cada um deles, preferiu-se dar a palavra às testemunhas: portanto,
uma história a várias vozes, ou então uma memória coletiva, que nos revela como foi o
santo e como o viram os que com ele viveram. De fato, os depoimentos são, antes de
mais nada, revelação do que as testemunhas viram e ouviram, enquanto atestam
gestos, fatos, palavras e eventos realmente acontecidos, portanto, uma realidade
histórica. Além disso, eles refletem a idéia que fazia o depoente (e, antes, o
organizador do questionário que foi base do processo) sobre a santidade em geral e
da santidade da pessoa investigada.

1503. Na seleção do florilégio - fragmentário, em força das condições - preferiram-


se os testemunhos mais imediatos, mais simples, mais transparentes, apresentados
por homens e mulheres observadores da realidade, em vez daqueles habituados a
pensar em categorias ideológicas. Muitos deles eram até incapazes disso.
Como outras tantas peças, estes trechos terminam compondo-se num mosaico,
onde toma forma e vida uma santidade penitente (jejuns, vigílias, trabalho, disciplinas),
orante (contemplação e retiro), aberta às obras de misericórdia (ajuda aos pobres,
assistência aos sofredores e doentes), comprometida com o apostolado (pregação,
catequese, ministério do confessionário, bom exemplo). Portanto, uma santidade
evangélica e eclesial, que no fundo reafirma a quotidianidade - valorizada pela luz do
heroísmo - do que era a vida dos capuchinhos no primeiro século de sua história.

São Félix de Cantalício

1504. Nascido em Cantalício (Rieti), em 1515, e falecido em Roma, no dia 18 de


maio de 1587. Pastor e agricultor, entrou para a Ordem dos capuchinhos pelo final de
1543. Esmoler, conselheiro iluminado, amigo de santos, está sepultado na igreja
romana Santissima Concezione. Beatificado, 4 de junho de 1625; canonizado por
Clemente XI, 22 de maio de 1712.
363

I frati cappuccini III/2, 4647-4735

1505. Quando lhe sobrava tempo, ou não podia sair por causa do mau tempo,
fabricava cruzinhas de buxo, hoje cercadas de tamanha veneração que todo mundo
procura adquirir uma.
Não sabia ler nem escrever, nem conhecia as letras; em sua conversação, era
afável com todos, embora fosse solitário e evitasse ficar conversando. Costumava
rezar certas orações, que ele chamava de canções, e geralmente as ensinava aos
meninos. Uma delas era a seguinte: O Giesù, Giesù, figliulo di Maria, chi ti possedesse
quanto bene averia!112

1506. Uma vez, saindo eu com Frei Félix para esmolar nesta cidade (mais ou
menos há dez ou doze anos), Frei Félix foi chamado à casa de uma nobre senhora
que, apresentando-lhe três filhinhos, disse-lhe: "Frei Félix, aqui estão os teus
filhinhos"; e ele os acariciava e os chamava pelo nome. Recordava-se do nome de
todos os que conhecia. Na ocasião íamos esmolar vinho e aquela senhora deu-nos a
esmola. Quando partimos, Frei Félix me disse: "Não te escandalizes, pois esta
senhora, uma vez, me disse que não tinha filhos e que eu rezasse a Deus por ela para
que lhos desse e eu respondi: Não tenha dúvida, em breve a senhora dará à luz um
filho homem. E ela teve filhos, como vistes; por isso os chamou de filhos meus, como
ouviste; naquele tempo, quando esta senhora me disse aquelas palavras, eu nunca a
tinha visto, nem sabia quem era ela". Eu não a conheço, mas sei a casa onde morava,
vizinha de Cortesavella, entre Cappellari e Cortesavella; para quem vem de Cappellari
para Cortesavella, fica à direita; eu reconheceria a casa; o marido me parece que era
comerciante ou vendeiro.

1507. Ouvi dele e de outros, mais de uma vez, que ele era de Cantalício; ouvi dizer
que nascera de família pobre e que, no século, tomava conta dos bois; e que teve a
inspiração de vir para a religião quando ouviu ler a Vida dos Santos Padres, onde se
conta que alguns comiam talos de ervas nos desertos do Egito. E veio-lhe um grande
desejo de querer sofrer, resolveu entrar para a religião e ir para aquele lugar sem ter
nada para comer.
Este Frei Félix costumava dizer que viera para a religião pensando não ter pão
nunca mais; contudo, "pela sua graça, Deus teve a bondade de fazer-me senhor de
todo o pão de Roma", por não fazer outra coisa senão carregar pão nos ombros.
Também dizia Frei Félix que, quando havia carestia e ninguém ou poucos conseguiam
ter pão, ofereciam a ele uma grande quantidade. Encontrando um importante senhor,
que lamentava não ter conseguido pão, pedindo a Frei Félix que lhe desse dois
pãezinhos, este de boa vontade lhos deu.

1508. Faz mais ou menos dezenove anos que entrei para a religião, mas não
permaneci este tempo todo em Roma, porque ia e vinha conforme me era mandado
pelos superiores. Durante o tempo que tenho estado em Roma, conversei com este
Frei Félix e, especialmente, de um ano e meio para cá, quando fui seu companheiro
de mendicância.
Conheci Frei Félix, de ótima vida e costumes e humilde na conversação; disse-me,
mais de uma vez, que, se os superiores lhe ordenassem ir para outro lugar que não
Roma, iria com muito prazer para fazer a obediência.
Não me lembro de outra coisa a não ser que, indo com ele para a mendicância, o
senhor De Rustici, a cuja casa tínhamos ido para pedir, lhe disse: "Frei Félix é um
hipócrita e vai roubando pão na Roma inteira". Mas ele não respondeu nada nem deu
sinal de perturbação, apenas sorria.

112
Trad.: Ó Jesus, Jesus, filhinho de Maria, quem te possuísse, quanto bem teria!
364

1509. Todas as palavras que ele dizia eram sempre boas e de edificação. E
quando íamos à casa de alguma matrona, costumava dizer-lhe: ” A senhora não dá
livremente seu coração a Cristo como faz fulana de tal" (e citava outras que não
tinham nem marido nem filhos) "porque a senhora entregou o seu coração ao marido e
aos filhos". E, exortando-lhe a entregar seu coração a Cristo, ensinava-lhe uma
canção que dizia: "Giesù, Giesù, piglia lo mio core, e non me lo render piú"113.
Fugia de conversação o mais que pudesse, mesmo com os religiosos, ficando ou
na cela ou na igreja, cantando alguma oração ou suspirando.
Na oração, Frei Félix costumava ser assíduo: de dia, no espaço que lhe restava
depois da mendicância; mas de noite, costumava sempre levantar-se às duas ou três
horas da manhã para ir à igreja, onde ficava até que se desse o primeiro sinal para as
matinas. Apenas soado o sinal, saía e se recolhia na cela. E quando os frades
retornavam das matinas, ele voltava à igreja e permanecia ali até depois de assistir a
primeira missa, que ele ajudava, e então comungava. Isto fazia sempre, e eu o
presenciava durante o tempo em que fiquei naquele convento. E ouvi dos frades que
Frei Félix, durante muitos anos até aqui, tem feito desta maneira.
Era reservadíssimo em suas coisas e fazia tudo de maneira que os frades não
ficassem sabendo o que tinha feito. Costumava dizer-me muitas vezes que era preciso
fazer oração a Cristo com amor e que o Santo Deus não queria outra coisa de nós
senão atos de amor. E me dizia isso com grande afeto, como eu podia perceber.

1510. Sempre vestiu-se de estopa114, o tecido mais grosseiro que existia entre nós.
Procurava sempre os hábitos mais estragados que encontrasse; somente de não sei
quantos dias para cá, por precisão e necessidade, começou a usar certas peças de
pano que nós costumamos usar debaixo do hábito. Esse era do nosso tecido, que
costumamos usar, e que é um pouco mais macio que a estopa. Era extremamente
parco no comer e, quando chegava da mendicância, costumava comer logo (porque
tinha que levantar-se bem cedo). E, se os senhores lhe davam qualquer coisa, ele só
comia daquilo se não tivesse pão e água, sem pedir nada e sem dizer nada.
De vez em quando acrescentava água à sopa, dizendo que estava fazendo aquilo
porque a sopa estava quente. Mas eu acho que ele assim fazia para que não tivesse
tanto sabor e não sentisse tanto prazer ao comer. E o pouco que comia, o fazia
apressado e com desprezo, como se o estivesse jogando fora.

1511. Muitas vezes, provocava-nos, por estarmos comendo tanto, dizendo-nos:


"Como estão unidos na hora de comer!". Estando um padre pregador à mesa com as
pernas cruzadas, chamou-lhe a atenção, dizendo-lhe que não estava bem estar à
mesa daquela maneira. Creio que fazia todas as costumeiras disciplinas. Mas quando
estava na igreja e os frades não estavam ali, não se pode saber o que fazia.
Costumava ter crises de cólica e reclamava muito pouco, geralmente cantava.
Quando lhe perguntavam o que estava fazendo, ele costumava responder: "Um pouco
de lamento, um pouco de canto". Com muito pouca vontade, tomava remédios. Nesta
sua última doença, estava alegre. E, quando lhe disse que estaria curado dentro de
poucos dias, me respondeu que o burro tinha caído e não ia mais levantar-se. Na
última noite (pois morreu no dia seguinte), disse-me ter sonhado, durante aquela noite,
que o padre geral e o padre vigário tinham vindo visitá-lo e deram-lhe a absolvição.

1512. Chamava a atenção de todos os frades, quando via fazerem algo que não
convinha. Sei que, muitas vezes, advertiu a mim também, pois não podia ver algo que
não fosse conveniente a um religioso. Era zeloso pela religião; dizia-me,

113
Nota do tradutor: Jesus, Jesus, toma meu coração e não mo entregues mais!
114
Nota do tradutor: Albagia (albagio, arbagio ou galbagio), termo arcaico, significa: tecido
grosseiro.
365

freqüentemente, que não aprovava andarem os frades pra lá e pra cá, viajando, e que
estava com vontade de dizer isto ao Protetor e até ao Papa. No seu trabalho, socorria
a muitos carentes, dando-lhes pão, vinho e, muitas vezes, óleo e carne. E visitava
também os doentes do convento.
Imagino que já a previa [a morte], porque, quando eu lhe dizia que ficaria curado,
ele respondia que o burro tinha caído e não se levantaria mais. E acrescentava: "Sim,
sim!", rindo, quase caçoando. E me disse muitas outras palavras de que não me
recordo, mas conseguia compreender muito bem.

1513. Sei que, indo com ele para a mendicância, muitos lhe pediam que tocasse
com o rosário onde se sentiam mal, ou rezasse o Pater noster. E ele os tocava,
fazendo o sinal da cruz e dizendo: "Segundo a tua fé". Não sei, porém, se eles ficavam
curados.
Ele me disse uma vez que havia outras pessoas, cujos nomes não me recordo,
mas me basta a certeza com que me lembro de que indo Frei Félix ao hospital de São
João de Latrão, onde se encontrava alguém gravemente enfermo, e, perguntando ele
aos outros doentes se o médico lhe tinha dado vinho, responderam-me que não lhe
dava; e ele disse que "deveria dar-lhe um pouco de vinho bem fraco". Então conseguiu
que dessem um pouco àquele enfermo grave e ele imediatamente começou a sentir-
se melhor.
Ouvi contar muitas coisas, mas aquilo de que não tenho certeza, não menciono
aqui.

1514. Ao receber o hábito capuchinho, eu deveria ter de 26 a 27 anos; e já sou


frade há dez ou onze anos. Sou Irmão leigo. Sei ler e escrever um pouco. Minha terra
é Prato, na Toscana, embora tenha nascido aqui em Roma. Conforme o uso de nossa
religião, costumamos comungar ordinariamente duas vezes por semana, isto é, no
domingo e quinta-feira, e em todas as festas que caem durante a semana. Graças a
Deus, comunguei quinta-feira e, outra vez, hoje de manhã.
Depois que voltei da França, da Província de Tolosa, e cheguei aqui em Roma, no
Domingo de Ramos, não morreu outro senão Frei Félix de Cantalício. Depois dele,
morreu um outro frade milanês: Frei Isidoro de Marignano, leitor e pregador.
Não conheci nem o pai nem a mãe de Frei Félix, mas muito bem um irmão dele,
que vi, comendo com ele, no nosso refeitório da enfermaria. E os dois se pareciam no
modo de falar e em tudo, parecendo que os dois tivessem nascido num só corpo. Faz
vários anos que isto aconteceu, creio que serão de seis a sete anos. Parece-me que
esse disse que tinha vindo para vender uma junta de bois. Estava mal vestido; e
perguntando-lhe Frei Félix onde havia dormido, respondeu que tinha dormido em
Campo Vaccino. E replicando-lhe que deveria ter vindo ao convento, aquele disse que
não pensou nisso. Sua terra era Cantalício, povoado de Civita Ducale. Já o conheci
frade aqui em Roma, quando eu era secular e teria cerca de quinze anos e ele vinha à
casa de meu pai para esmolar.

1515. Desde que comecei a conhecê-lo, via-o continuamente esmolando. Depois


que me tornei frade, continuei a vê-lo sempre no mesmo ofício, aqui em Roma. Estava
sempre alegre. Via-o quase sempre descalço com enormes rachaduras nos pés.
Como frade, costurei-lhe as solas dos pés com linha duas ou três vezes. Em seus
últimos tempos de vida, contraía tais rachaduras quando vinha o frio intenso. Uma vez,
ele disse rindo ao padre Guardião: "Chegaram-me os embaixadores". Perguntando-lhe
o padre o que ele queria dizer, respondeu: "Sinto formigar-me os dedos dos pés; acho
que é podagra; consigo caminhar, mas me canso e sinto também muita dor nos pés"

1516. Há cerca de quatorze ou quinze anos que o conheço. Achei-o um homem


simplicíssimo, porque tratava tão familiarmente com um cardeal como se estivesse
tratando com um pobrezinho. Tratava a todos da mesma forma. Não demonstrava
366

mais apego por este do que por aquele. Na conversa era simplicíssimo e não tinha a
proferir senão palavras santas e edificantes.
Lembro-me de que, uma vez entre outras, indo com ele à casa do senhor
advogado Bernardino Biscia, Frei Félix entrou numa sala e ficou girando onde havia
grande quantidade de livros e também um pequeno nicho com um crucifixo. Logo que
Frei Félix o viu, parou e ficou mirando; depois disse: "Senhor Bernardino, atenção que
Frei Félix tem algo a lhe dizer". E, então, Frei Félix, voltando-se para nós dentro
daquela sala e mostrando o crucifixo, disse ao senhor Bernardino: "Veja, senhor
Bernardino, todos esses livros foram feitos para entender este".

1517. Era tão zeloso pela religião que, indo pelas estradas e encontrando alguma
folha com escritos do missal ou do breviário, a recolhia e, se fosse limpa, guardava-a
na manga; se estivesse suja, levava-a na mão e, entrando em uma casa, colocava-a
num lugar digno ou queimava-a.
Este Frei Félix era também humilde e mortificado. Ouvi um dos padres de São
Jerônimo contar-me que, estando em Pozzo Bianco e querendo experimentar se Frei
Félix era mortificado, ao encontrá-lo em Pellegrino, colocou-lhe um chapéu na cabeça,
dizendo: "Vai fazer muita mendicância agora". E Frei Félix ficou no seu trabalho até
que o padre livrasse do chapéu. Recordo-me também o que, tendo ido com ele à Porta
Pia para colher rosas, ele tinha preparado um feixe para o sacristão; ao ver que muita
gente lhe vinha ao encontro, eu disse a Frei Félix : "Deixa-me colocar este ramalhete
na tua orelha". E ele me disse: "Deixa-me quieto". Mas eu lhe coloquei o ramalhete na
orelha e ele o foi levando até o povo estar quase chegando. E eu lhe disse: "Queres
na verdade carregar este ramalhete sobre a orelha até que o pessoal te veja?" E ele
respondeu: "Que me importa?" Eu, então, o retirei.

1518. Ouvi uma senhora dizer-me - não sei onde mora nem seu nome - que,
estando Frei Félix a esmolar, esta senhora lhe deu uma panhota115; Frei Félix,
pegando o pão nas mãos, olhou para senhora e lhe disse: "Como vai a senhora?" E
ela respondeu: "Padre, estou muito abalada". Frei Félix lhe disse: "Reze um rosário de
Nossa Senhora, que Deus a ajudará". E aquela senhora foi rezar o rosário e
imediatamente desapareceu a sua aflição. E aconteceu que, depois da morte de Frei
Félix, saindo eu para a mendicância, aquela senhora me pediu um pedaço do hábito
de Frei Félix e eu lhe dei um retalho. Foi ela que me contou tudo isso.
Outra vez, encontrando-se em casa de uma importante matrona romana, enquanto
estávamos sentados na sala, Frei Félix começou a chorar, soltando lágrimas dos
olhos. Aquela senhora, vendo que Frei Félix chorava, começou a lhe dizer: "Pai, que
tem? por que chora? Talvez está chorando porque sou pecadora, não é verdade?" E
assim lhe respondeu o pai Félix : "Não é certo, senhora, não é certo; se eu não lhe
digo isso, ninguém lhe dirá. A senhora é jovem e sabe que os açougueiros, quando
têm um belo pedaço de carne, põe-no à mostra para que todo mundo tenha desejo de
comprá-lo. Perdoe-me, senhora, mas senhora leva este peito tão à mostra. Perdoe-
me". E assim Frei Félix, a senhora e eu, começamos todos a chorar. E a senhora
replicou: "Seja bendita a boca de Frei Félix. Daqui em diante, ninguém verá mais o
meu peito". E cobriu-se com um pano. Foi só isso. Fomos embora. Conheci essa
senhora, mesmo depois da morte de Frei Félix, durante muito tempo; e sempre, até à
morte, viveu com muita modéstia tanto no vestir-se como nos costumes.
Ouvi falar sobre este interrogado Frei Félix e o conheci muito bem; ouvi falar sobre
ele no noviciado de Anticoli. Era considerado um santo frade, por isso desejei
conhecê-lo e vim até Roma. Conheci-o bem porque ele me ensinou a esmolar para os
doentes. E, convivi com ele por doze anos, por causa da mendicância, pois íamos
juntos.

115
Nota do tradutor: Panhota (pagnotta) é um pão redondo de tamanho maior.
367

1519. Frei Félix fazia tudo com esmero, melhor do que faziam os outros frades.
Especialmente ficava acordado mais que os outros frades. E, pelo que o observava,
ele ia dormir cedo e ficava na cama uma hora e meia ou, no máximo, duas horas.
Depois se levantava e ficava na igreja até uma hora da manhã. Soando o primeiro
sinal para as matinas, voltava para a cela durante a recitação das matinas e demais
orações dos frades, mais ou menos compreendendo três horas e meia. Depois,
quando os frades iam descansar, ele voltava para a igreja e tocava o primeiro sinal
para a missa da manhã, que ele ajudava e comungava toda manhã. Depois, saía para
a sua mendicância.
Indo esmolar, ao encontrar os que o conheciam - meninos, senhoras, homens,
cardeais e príncipes - e aos que o cumprimentavam, costumava dizer: Deo gratias!
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!". E aos meninos e mulheres costumava
perguntar se haviam rezado o rosário. Às vezes, aglomeravam-se em volta dele
quinze ou vinte meninos; todos costumavam dizer: "Diga-me, santinho!", porque ele
costumava chamar os meninos por este nome. E ele dizia: "Sejam abençoados.
Rezem o rosário". Quando, às vezes, tinha até trinta meninos em volta dele, lhes dizia:
"Queres que eu te chame de santinho? Mas eu prefiro cantarmos juntos um pouco.
Repitam comigo: O Giesú, o Giesú, o Giesú, pigliate lo mio core e non me lo render
piú116.
E dizia: "Vamos cantar outra vez, mas com voz mais forte, como estou dizendo". E
repetia mais alto o nome de Jesus, recitando a mesma canção espiritual: Piglia il mio
cuore, e non me lo rendere piú117.

1520. Sei também que, quando visitava algum doente ou pessoa com problemas,
partilhava grandemente daquela enfermidade ou daquela angústia e, pela compaixão,
quase se transformava naqueles sofredores. Dizia-lhes que repetissem com ele uma
bela canção: Chi la croce stringe bene Giesú Cristo li sovviene e il paradiso ottiene e la
gloria eternale118.
E, muitas vezes, ao fazer os enfermos e angustiados recitar esta canção, sentia-a
com tal devoção a ponto de lhe virem lágrimas aos olhos pela unção das palavras e
sentimento pelo próximo, pedindo que repetissem essa oração bem devagar. E aos
enfermos e angustiados, quando estavam no máximo do sofrimento ou aflição, dizia
que se recolhessem no próprio interior com a cruz de Cristo, porque assim se ganharia
o paraíso.

1521. E quando encontrava os alunos do Colégio Germânico, em fila de dois


chegando ao todo até cinqüenta, fazia-os parar, pedindo-lhes por favor; e pedia-lhes
para dizer Deo gratias e eles assim faziam. Daí, ao encontrarem o pai Frei Félix ou
vendo-o, mesmo de longe, veio costume de dizerem entre si: "Lá vem o Deo gratias".
E gritavam: Deo gratias! E Frei Félix, com muita alegria, respondia: "Deo gratias". E,
enternecido, vinham-lhe as lágrimas aos olhos . Conheço todas essas coisas por ter
sido seu companheiro e ter visto e ouvido.
Frei Félix tinha grande amor a Deus, por isso se ocupava, com prazer, das coisas
que, por meio de fatos ou palavras, se relacionassem com a paixão de Cristo.
Muitíssimas vezes, bendizia o nome de Jesus Cristo, dizendo: "Se queres a cruz, é
preciso ser paciente". Aquelas cruzinhas, ele as dava indiferentemente a qualquer um
sem apego particular. Sei que fez dez para a senhora Felice Colonna, que dizia ter
intenção de enviá-las para a Espanha e lhe tinha pedido com muita insistência. E, um
dia, levando-as, ele as distribuiu todas pelo caminho, de modo que foi preciso fabricar
outras para aquela senhora.

116
Trad.: Ó Jesus, ó Jesus, ó Jesus, tomai meu coração e não mo entregueis mais.
117
Trad.: Toma meu coração e não mo entregues mais
118
Trad.: A quem abraça bem a cruz, Jesus Cristo ampara, obtém o paraíso e a eterna glória.
368

1522. Tinha tanta caridade para com o próximo, que a quantos encontrasse, de
acordo com a ocasião, convidava todos para o amor a Cristo, da Bem-aventurada
Virgem e de São Francisco. E muitas vezes nas praças, nas estradas, nas casas, nas
cantinas, aos artistas, prelados e outras classes de pessoas dizia palavras para
converter os pecadores; algumas vezes, recitava alguma passagem da Sagrada
Escritura, dos profetas, que ele tinha ouvido nas pregações.
Lembro-me de que, uma vez, em que esteve na casa de um advogado bacharel
nesta cidade, vendo a sua biblioteca, disse-lhe que lhe queria apresentar um livro que
o faria entender todos aqueles livros. E, descobrindo um crucifixo que estava ali, disse:
"Senhor, quem não entende deste livro não sabe o que é livro; e se entender este livro,
entenderá todos os outros livros". Nesse ínterim, tendo sido trazida uma bezerra para
ser abatida e uma peça de queijo para esse senhor advogado, a bezerra berrava. E
Frei Félix disse: "Sabe o que está dizendo aquela bezerra? Eu estou compreendendo:
ela diz que vossa senhoria deve defender as causas justas desses vossos clientes
para que, no dia do juízo, bezerras e queijo não gritem contra vossa senhoria". Aquele
fidalgo ficou edificadíssimo e agradeceu gentilmente o pai Frei Félix.
Alguma vez, dava alguma panhota aos pobres por amor de Deus (o que aos
esmoleres é permitido). Uma vez, um judeu pediu-lhe uma panhota por amor de Nossa
Senhora. Ele respondeu: "Pede-me por amor de Jesus Cristo", e aquele disse: "Não!"
Mas depois ele lhe deu. O papa Sixto, quando cardeal, ao encontrá-lo, pedia um
panhota, por amor de Deus; fazia isto por motivo espiritual. Uma vez, sendo já papa,
encontrando-o perto de Trinitá de' Monti, mandou que o chamassem e lhe pediu uma
panhota por amor de Deus. E, enquanto Frei Félix procurava a melhor, o papa lhe
disse que lhe desse a que lhe viesse à mão; e, por acaso, veio-lhe uma escura e mal
assada, que ele deu ao papa dizendo: "Tende paciência, santo padre, porque ainda
sois frade!"

1523. Sei que Frei Félix era humílimo e, embora fosse tido por todos como um
homem santo, especialmente pelo beato Felipe Neri, contudo julgava a si mesmo com
muita humildade e se apelidava de "burrinho dos frades". Ficando doente e sendo
levado para a enfermaria, disse: "O burrinho dos frades caiu e não se levantará mais".
Tanta era a sua humildade que, um dia, quando saímos para esmolar em Banchi,
começando por Zecca Vecchia, apareceu o beato Felipe Neri, da Chiesa Nova, e disse
a Frei Félix : "Ladrãozinho, esta manhã quero ver se és mortificado". Tirou da cabeça
o próprio chapéu e o colocou na cabeça de Frei Félix dizendo-lhe: "Leva-o na cabeça
através de Banchi inteira até Pellegrino, fazendo a mendicância". E Frei Félix o levou
sem nenhuma reação.
As pessoas viam aquela humildade de Frei Félix com o chapéu e cada um dizia
alguma coisa: "Frei Félix levando aquele chapéu... deve estar doente"; outros diziam
que, na velhice começava a usar chapéu; alguns achavam que era exercício espiritual;
outros, brincadeira. E Frei Félix, sem se perturbar, sem dar ouvidos a ninguém, com o
rosto alegre como sempre. Chegados à praça San Lorenzo em Damaso no Campo di
Fiore, voltou o beato Felipe e lhe tirou o chapéu da cabeça, dizendo-lhe: "Oh! que belo
exemplo deste na cidade esta manhã! Quero ir falar com teus superiores, que te dêem
uma boa penitência!" E Frei Félix respondeu: "E eu a receberei de bom grado, por
amor de Deus".
Poucos dias depois, na estrada do Vale, cheia de lama porque chovia,
encontraram-se o mesmo beato Felipe e Frei Félix. Disse-lhe o beato Felipe: "Ó Frei
Félix, eu vou passar montado nesta mula. Que acha?" Frei Félix respondeu: "Vai me
parecer um burro montando uma mula!". O beato Felipe disse: "Tu estás caçoando de
mim!". E Frei Félix respondeu: "Tem paciência, mais uma vez". Eu estive presente a
tudo isso.

1524 Vem-me à lembrança um outro caso de grande mortificação: indo Frei Félix e
eu buscar rosas, na volta encontramos senhor cardeal Sforza, o velho, que viajava de
369

carroça. Ao ver Frei Félix, chamou-o e colocou-lhe uma rosa na orelha e deu-lhe um
pêssego, mandando que fosse cheirando o pêssego até o convento e que levasse a
flor sem tirá-la de jeito nenhum. E me disse: "Padre companheiro, sabes dizer-me se
ele a levará?" E ele disse: "Eu a levarei e cheirarei o pêssego". E, de fato, o fez,
embora tenha encontrado muita gente que via Frei Félix com a flor na orelha e
cheirando o pêssego e admiravam-se. E quando chegamos à portaria do convento,
tirei-lhe a flor e apanhei o pêssego, dizendo-lhe: "Já fizeste a mortificação, agora eu
aproveito o pêssego".
Ao lidar com as pessoas e também comigo, tinha o costume de dizer: "Frei Aleixo,
não podemos caminhar de dia como se faz à noite. Mesmo indo pelo caminho e
conversando com as pessoas, não é o caso de ficarmos sem alguma oração e alguma
elevação pessoal da mente a Deus bendito, pedindo-lhe que não nos abandone e que
nos dê a sua graça."
Outras vezes, dizia: "Façamos alguma oração com a língua, com a boca, oração
vocal, dizendo o Pater noster ou ainda a Ave Maria, Louvado seja Jesus Cristo e sua
santíssima Mãe e outras orações semelhantes, porque o demônio tem grande força ao
tentar o frade sem oração ".

1525. Quanto à oração pessoal à noite na igreja, como o observei muitíssimas


vezes, ele usava a norma seguinte: Indo à igreja a uma hora ou duas da manhã,
acendia uma vela e ia procurando na igreja toda; e, se encontrasse frades, dizia-lhes
humildemente que fossem repousar para que pudessem estar mais dispostos de
manhã. Quando achava que não havia ninguém na igreja, ele começava suas práticas
espirituais de várias maneiras. Ficava, às vezes, tomado de tanto fervor que não se
ouvia dizer outra coisa senão: "Oh, oh, oh!". Essa forma durava talvez três horas,
antes de passar a outra, quando dizia: "Não havia ninguém! não havia ninguém!".
Repetia isso, muitíssimas vezes. "Pelo menos houvesse alguém que dissesse uma
palavra a vosso favor! Em seguida, elevado em espírito, dizia: "Ó meu Senhor Jesus
Cristo, ó meu Senhor Jesus Cristo!". E outras vezes "Que abandono é esse!" Depois
entrava em entrecortado pranto, com tanta ansiedade e sufoco que parecia estar em
agonia. Quando os frades o surpreendiam nestas práticas, todos os que o ouviam
comoviam-se, edificados até às lágrimas.

1526. Às vezes, punha-se de pé à porta da igreja e caminhava devagarzinho em


direção ao Santíssimo Sacramento, com os braços abertos em cruz, repetindo apenas
estas palavras: "Bendito seja Deus! bendito seja Deus!" Isso durava por cerca de duas
horas. Outras vezes, prostrava-se, no piso, com o rosto por terra diante do Santíssimo
Sacramento e com os braços em forma de cruz; ficava ali, às vezes, por um espaço de
uma a duas horas, sem dizer nada. Outras vezes, punha-se a cantar com a voz
finíssima de um menino, mas não se conseguia entender o que estaria dizendo;
porém, os que estivessem presentes sentiam muito bem a unção que emanava
daquela oração. Nessas práticas, ele pensava estar sozinho, mas, de vez em quando,
estavam presentes de quinze a vinte frades.
De vez em quando, o padre Lupo, espanhol, que tinha grande estima e confiança
em Frei Félix, ia se esconder dentro do púlpito da igreja para ouvir as práticas de Frei
Félix. Ouvi este grande sacerdote contar ao padre Monopoli, que foi cardeal, mas,
então, era um jovem pregador: "Fique seguro disso, meu padre, que Frei Félix tem o
espírito de Deus, porque os exercícios que ele faz na igreja não são humanos, mas ele
é arrebatado pelo Espírito. Se isso é verdade pelo efeito que produz naqueles que o
ouvem, como aconteceu comigo, pense como deve sentir-se ele no seu interior!"

1527. Um frade, uma noite, observou-o pondo-se debaixo do estrado para,


escondido, não ser visto por Frei Félix. Subiu Frei Félix no estrado e começou seus
exercícios com as práticas de sempre. O pobre frade, que estava debaixo do estrado
no altar-mor, deu um espirro. Frei Félix ficou tão agastado por ele ter ouvido seus
370

exercícios pessoais, que o repreendeu duramente e lhe disse que não andasse
espiando daquele jeito, senão Deus o castigaria.
Um noite, no tempo da colheita de chuva, despojou-se das vestes na igreja e ficou
nu, apenas com a ceroula, e gritava: "Misericórdia, ó Deus! Misericórdia, ó Deus!"
Permaneceu repetindo isso mais de uma hora, sempre com a disciplina nas mãos e
dizendo: "Senhor, não olheis para os nossos pecados, tende misericórdia de nós!"
Observei que, a partir daquela noite, a chuva cessou e fez-se a colheita.

1528. Procurei, uma vez, o beato Félix, perguntando-lhe: "Pai ancião, não encontro
paz na oração; aponte-me algum remédio". Respondeu-me: "Não acredito em
remédio, jovem soldado, meu filho, enquanto não tenhamos aprendido a servir a Deus
no pouco e no muito. Deus quer ser servido à sua maneira: às vezes permite
experiências de aborrecimentos e batalhas e quer que levemos com paciência essas
distrações, sem consentimento da vontade; outras vezes, quer ser servido na paz e
tranqüilidade. Penso que eu sou um destes, porque, desde que sou frade, não tenho
tido jamais angústia nem enfermidade, mas sempre paz; por isso, suspeito de mim
mesmo, pois vemos que todos os amigos íntimos de Deus passaram por amarguras e
tribulações. Por isso, ora a Deus por mim". Conheço, por experiência própria, as
coisas acima expostas. Ele as fazia normalmente; às vezes mais, às vezes menos.

1529. Uma vez trouxemos para casa um presunto assado. Depois que o
colocamos na prateleira, Frei Félix virou-se para mim e disse: "Esta minha gulodice
está querendo um pouco daquele presunto". Cortei então um pedaço e lhe dei. Ele o
comeu com um pouco de pão. Quando o chamei para o refeitório, começou a
resmungar contra si mesmo dizendo: "Esta gulodice! Não custava nada fazer violência
a si mesma! Ela vai me pagar!" Eu lhe disse: "Pai ancião, vamos ao refeitório, os
padres já estão comendo". Respondeu: "Vai, vai. Eu não quero ir". Era quinta-feira de
manhã. Ele ficou sem comer até domingo. Perguntei-lhe: "Pai ancião, não te sentes
bem?". Respondeu: "Minha boca está com mau cheiro de terra; assim se castigam os
jumentos gulosos". Eu sei disso porque percebi que ele não comeu nem sexta nem
sábado. Estou a par disso porque trabalhava com ele, pois estávamos juntos como
esmoleres.
Quanto ao vestir-se, era com tecido de burel grosso de Gênova, velho, com muitos
remendos, curto até ao meio da perna e puído. Quando chovia aqueles fios pegavam
lama e lhe chicoteavam as pernas e calcanhares. Estes estavam todos rachados com
se tivessem levado cortes de faca. E, muitas vezes, principalmente no tempo de frio
intenso, aquelas rachaduras gotejavam de sangue. E, várias vezes, eu as costurei
com uma agulha de sapateiro; depois ele mesmo deixava cair sebo coado para
preencher aqueles talhos.

1530. Uma vez, entre o Collegio e o palácio do cardeal Salviati, havia um caminho
fundo, cheio de lama, onde havia restado uma pequena trilha enxuta perto do muro.
Frei Félix encontrou-se com um bispo naquela estrada estreita. O bispo parou para dar
a vez a Frei Félix; mas Frei Félix também parou. O pessoal começou a aglomerar-se
de um lado e do outro. Frei Félix meteu-se na lama até os joelhos, para que o bispo
passasse. O bispo, muito admirado, disse: "Frei Félix, Deus te perdoe! Que fizeste?"
Respondeu Frei Félix: "Fiz papel de burro para o meu Monsenhor. Dai-me a vossa
bênção". Ao chegar ao convento, os frades vendo-o tão cheio de lama, pegaram-no a
força e levaram-no no lugar onde os frades costumavam lavar os pés. E ele dizia:
"Fazeis um bom trabalho com isso, mas eu não o mereço". Sei disso porque eu estava
presente.
Sei ainda que, estando nos aquecendo ao fogo, Frei Félix, eu e muitos outros
frades conversando juntos, Frei Félix, ao chegar, esquentou um pouco as mãos e os
pés e foi logo embora. Então, eu lhe disse: "Pai ancião, esquente-se bem".
Respondeu-me: "Quando se está em volta do fogo é preciso prestar muita atenção nas
371

palavras, pois São Pedro negou a Cristo perto do fogo". Depois me disse: "Vou te
dizer uma coisa maravilhosa. Na noite passada, estando eu na igreja, uma lanterna
apagou-se; peguei uma vela e fui à cozinha. Quando a acendi, olhei em volta do fogo.
Havia quatro ou cinco frades, sentados com as mãos dentro das mangas e os capuzes
enfiados na cabeça. Olhei bem para eles e reconheci a todos; e disse a um deles:
"Não és Frei fulano? Não tinhas morrido?" Respondeu que sim. E, da mesma forma,
todos os outros um a um. "Que fazeis aqui? Não tínheis morrido?" Disseram que sim.
"E, então, por que estais aqui?" "Deus nos deu por penitência e expiação das faltas
cometidas em volta do fogo, ficarmos aqui. Pede a Deus por nós".

1531. Eu estava presente quando ministraram o viático a Frei Félix; foi levado pelo
padre romano Félix, que era sacristão. Quando entrou na cela com o Santíssimo
Sacramento, Frei Félix levantou a cabeça e disse estas palavras: "Ó sagrado banquete
no qual está Cristo, recebo-te em memória de tua santíssima paixão". Ao terminar
estas palavras, começou a chorar e recebeu o Santíssimo Sacramento. Foi na parte
da manhã, na hora do almoço. Depois, à tarde, ministraram-lhe o óleo santo e
recomendaram-lhe a alma. Eu não estava presente, mas os frades me contaram.

1532. Já há mais de sessenta anos que estou na religião dos capuchinhos.


Quando eu passei aos capuchinhos era frade de Santo Apóstolo, então reformados.
Tinha estado, mais ou menos, doze anos naquela religião. E, quando me tornei frade,
não tinha ainda vinte anos.
Sou irmão converso, não sou sacerdote. A religião me indicou diversas funções,
como tem acontecido, exceto para celebrar missa. E, todas as manhãs, recebo a
comunhão aqui, na capela dos enfermos.
Não o conheci quando ele era secular. Mas, logo depois que ele recebeu o hábito,
os frades o puseram sob minha orientação aqui em Roma; e eu o levei para Anticoli,
com um outro noviço, onde Frei Félix ficou um ano conosco. Depois foi mandado para
Tívoli. Antes, fez a profissão em Monte San Giovanni, onde ficou por pouco tempo. Em
seguida, foi colocado em Tívoli, onde permaneceu um ano. Mais tarde foi transferido
para Viterbo, onde ficou mais um ano. De Viterbo foi mandado outra vez para Tívoli,
depois para Roma, onde ficou sempre.
Sua vida era irrepreensível. E reclamava que os frades não o deixavam fazer nada
de penitência. Os frades tinham demorado a aceitá-lo porque tinha febre, cada seis ou
sete dias. Mas depois que se fez frade, não teve mais febre, a não ser para morrer. Às
vezes, apareciam-lhe dores de cólica e, uma vez, sofreu pontadas dolorosas.
Dizia que era de Cantalício, terra di Civita Ducale. Conheci dois de seus irmãos,
que eram muito pobres e vinham a Roma trazendo cabritos para vender. Eram boas
pessoas e confirmavam isso. Quando ele se fez frade, era jovem robusto e forte como
ferro. Não sei se chegava a trinta anos. Já faz tanto tempo que não consigo ter uma
idéia exata. Tenho certeza de que, naquele tempo, eu tinha vinte anos mais que ele.

1533. Não sabia ler nem escrever. E o pouco que sabia de cor, era eu que lhe
ensinava. O ofício dele era de esmoler. Quando ouvia citar o nome de Deus ou de
Jesus, sempre se levantava, como sinal de grande respeito diante de Deus. Tinha
Deus no coração e costumava dizer sempre "Jesus" e fazer com que os outros o
dissessem, quando encontrava meninos ou mesmo sacerdotes: "Diga: Jesus". Depois
da chegada de padre Lupo, começou a dizer: Deo gratias. Falava a qualquer um com
liberdade. Senti muito, pois vinha continuamente me ver. Ajudava-me na enfermidade
e dava-me grande conforto. Porém, fico feliz por ele ter ido para o paraíso. Ele sempre
glorificou a Deus e Deus o glorificou.
Quando exortava outros a serem frades, Frei Félix costumava perguntar se estava
disposto a comer verduras e beber água. Depois de frade, tornou-se "dono de todos os
fornos e cantinas de Roma". E "a minha sacola era a minha alabarda". Na
conversação, não dava escândalo a ninguém. Jamais dizia palavras vãs. E, quando
372

precisava dar alguma repreensão a alguém, dizia-lhe: "Quero fazer-lhe um reparo",


queria dizer uma exortação. E quando era jovem, despojava-se e ficava nu com o
ventre no chão sobre o piso da capela velha, como penitência. Fez isso mais de uma
vez e eu lhe chamei a atenção. E ele me respondia que fazia assim como desprezo de
si mesmo e para reprimir a carne. Era o que dizia ele: para desprezo de si mesmo e
por penitência; mas, depois que eu o adverti, deixou de fazê-lo.

1534. Andava descalço. Depois que ficou velho, calçava sandálias e as usava no
inverno. E, quando lhe rebentavam os pés, deixando-lhe grandes rachaduras,
mantinha-as costuradas. Nunca me replicou com palavras, quando eu o admoestava
ou lhe dizia qualquer coisa. Aliás, quando lhe diziam qualquer coisa, não replicava
jamais, se não se tratasse de algo que lhe parecesse mal, especialmente contra o
nosso modo de vida. Uma vez, eu lhe disse: "Frei Félix, tu tens uma cela e eu não, que
sou frade mais velho; gostaria de te tirar daqui para ires experimentar algum dos
lugares fora". E ele não respondeu nada, mas abaixou a cabeça. E, passados alguns
anos, ele me lembrou aquelas palavras e me disse que, sobre o assunto, gostaria de
sair. E eu lhe repliquei que, se os padres o mandassem, ele saísse; caso contrário,
não o fizesse, porque se tornaria sério prejuízo diante de Deus. Depois que eu falei
assim, ficou tranqüilo.
Ele me tratava com grande reverência, tão grande que era demais. E me
chamava: "Ó padre ancião". Quanto à pobreza, levou continuamente aquele hábito
grosseiro, sempre de estopa. Com este morreu. Sempre se levantava antes dos
outros. E já fazia isso quando era noviço, juntamente com um outro frade de nome Frei
Miguel de Susa, que viveu setenta anos na religião. Ia sempre à igreja fazer oração.
Rezava os Pater noster. Era de grande contemplação. Sei disso porque refletia
comigo. E não havia outro com quem tivesse mais intimidade do que comigo. Quando
se rezavam as matinas, ele se retirava. E logo que terminava o ofício, ele voltava para
a oração, tocava o sinal da manhã e ajudava sempre a primeira missa. E de quinze
anos para cá, comungava todas as manhãs. Depois ia para a mendicância. E, durante
quarenta anos, fez a vida de frade aqui em Roma.

1535. Quando não estava fazendo a mendicância, não se detinha a falar com
ninguém. Se não estivesse conversando com Frei Lupo ou outros com quem pudesse
aprender alguma coisa, permanecia na cela. Nesta hora, consertava as sacolas e suas
roupas. Nunca ficava perdendo o tempo. Digo isso porque os bons frades sempre
costumaram recolher-se, porém, nunca ficar ociosos, como o meu primeiro guardião,
que era dos reformados em S. Apostolo, e que jamais ficava ocioso. Foi um santo
homem e fez milagres em vida.
Vejam se Frei Félix não era amigo da obediência: já alquebrado, nem assim quis
deixar a mendicância, ou lamentar-se ou procurar abandoná-la. Pelo contrário, eu lhe
disse algumas vezes, mas ele não quis jamais deixar aquele ofício e fadiga. Estava
sempre alegre. Quem tem a consciência tranqüila está sempre alegre; mas se tem
remorso na consciência, então anda contrariado. Era imensamente caridoso e não só
no nosso convento com os frades, mas também com os de fora, porque muitas
pessoas na pobreza acanhada eram ajudadas por ele. E se dava bem com todos (uma
grande coisa que revelava o espírito de Deus): com os frades de São Bento, que
moravam acima de nós, com os frades de Santa Maria dos Anjos em Termini, com os
de Santo Agostinho, com os da Minerva.

1536. No dia de São Jerônimo, completar-se-ão quatro anos que estou de cama e
não pude ver Frei Félix, senão quando ele costumava vir aqui, com freqüência, me
visitar. E, algumas vezes, quando aparecia, eu queria oferecer-lhe bebida. E ele dizia:
"Não quero vir aqui, porque queres me oferecer bebida". Eu ficava com pena dele,
porque chegava exausto, principalmente, por causa do peso que carregava. E no
comer era comedido. Comia depressa e, em vista de sua compleição e o trabalho
373

pesado que fazia, comia menos que o suficiente. Comia do que lhe fosse oferecido e
quanto à sua vida era despreocupadíssimo.
Quando ele morreu, eu não pude estar presente, porque me encontro enfermo
aqui, de cama. Agora me recordo que o nosso médico, que se chama Domenico
Gagliardello, me contou que Frei Félix lhe disse: "Senhor médico, não me enganeis.
Se sabeis que estou para morrer, dizei-me". E o médico lhe disse que estava para
morrer. Então Frei Félix começou a demonstrar grande alegria, dizendo, várias vezes,
em alta voz: "Deo gratias! Deo gratias!" Mais tarde, o médico lhe disse que tinha
melhorado e ele começou a dizer: "Que triste notícia me dais". E, se bem me recordo,
morreu naquela tarde.

1537. Acredito perfeitamente que era casto, porque os frades que o receberam
falavam muito bem dele. E ainda parece-me que, neste ponto, os frades, ao
receberem noviços, tomam muitas precauções contra os que tiverem sido dissolutos
no mundo. E os frades ficam ainda mais cuidadosos aos acolhê-los e também no dar-
lhes direção e cuidados e também quem cuide deles..
Frei Félix mantinha grande respeito pelos sacerdotes, religiosos, além dos bispos
e cardeais. E, quando encontrava o cardeal Farnese, ajoelhava-se e lhe pedia a
bênção. Eu lhe tinha grande dedicação, mas não contava com quanto fez o bendito
Deus acontecer. Quem teria acreditado! Pois parecia um homem selvagem! E fazê-lo
morrer durante um Capítulo Geral, quando estavam todos os padres em Roma!

Venerável Raniero de Sansepolcro

1538. Nascido em Sansepolcro (Arezzo) em 1511 e falecido em Todi no dia 25 de


agosto de 1589. Religioso ativo, penitente, carismático. O processo canônico foi
introduzido em 3 de março de 1629.

I frati cappuccini III/2, 4735-4786

1539. Quando Frei Raniero estava no século, não querendo casar-se, os seus pais
o fizeram receber uma mulher em casamento contra a sua vontade. E na noite de
núpcias, vendo a mulher comer muito macarrão, lhe disse diretamente: "Não comas
tanto, do contrário vais te arrebentar". E como esse Frei Raniero queria conservar
intacta a sua virgindade, fez um voto a Nossa Senhora de Loreto que, se o libertasse
dos laços do matrimônio, iria servir na Santa Casa durante um mês. E o voto que ele
fez foi ouvido, pois a sua mulher, por ter comido muito macarrão à noite, começou a
sentir-se mal e, de manhã, foi encontrada morta. Isso me contou o próprio Frei
Raniero.
Frei Raniero disse-me pessoalmente e creio que fizesse parte do mesmo
propósito, que, quando se viu tão milagrosamente liberado do matrimônio, foi cumprir
o voto a Nossa Senhora de Loreto e ali permaneceu, servindo por espaço de um mês.
Tendo cumprido o voto, voltou para a sua casa. E, com freqüência, ia, de noite, assistir
ao canto das matinas dos nossos frades, no lugar de nome Montecasale, embora
distante de sua casa.
Também me disse pessoalmente Frei Raniero que, quando estava servindo na
casa da Senhora de Loreto, viu passar dois dos primeiros frades capuchinhos de
nossa religião e que, conversando com eles, resolveu fazer-se frade entre os
capuchinhos. Parece-me que foi em Roma que ele me contou isso, quando, uma vez,
juntos fomos fazer a devoção das sete igrejas.

1540. Frei Raniero era ardorosíssimo na oração, pois sempre era visto com a
mente voltada para o alto; e conversava pouquíssimo, seja com os frades ou com os
seculares. E, se por acaso se dirigia a nós, após proferir quatro palavras, retirava-se
imediatamente ou para a igreja ou para a cela. E embora Frei Raniero se fatigasse nos
374

trabalhos manuais como pedreiro e carpinteiro a serviço do convento, mesmo sendo


idoso, não deixava por isso de levantar-se todas as noites para as matinas e participar
de todas as práticas espirituais que mandam a Regra e nossas Constituições, e
especialmente da oração.
Ainda mais: Frei Raniero tinha o costume de ser o último a sair da igreja, à noite,
ficando a fazer orações; à noite, para as matinas, levantava-se sempre antes de todos
os outros frades e ia à igreja fazer oração, como muitas vezes o via, e, pela oração,
Frei Raniero obtinha tudo o que queria.
Perguntando-lhe eu, diversas vezes, qual o modo que ele usava para fazer oração
e como fazia para conseguir tantas graças, ele me disse, com a confiança que em mim
depositava, que rezava ao Pai Eterno para que, pelos méritos da Paixão de Jesus
Cristo seu Filho e pelos da bem-aventurada Virgem Maria, com todos os santos e
santas, lhe concedesse graças para aqueles que lhe pediam; e, pela fé que eles
tinham, obtinham a graça.

1541. Eu me encontrava em Assis, na estalagem que então os frades mantinham


naquela cidade (porque ainda não existia o lugar atual) e, estando ali com o padre Frei
Mário de Foligno, naquele tempo guardião da antiga casa, aconteceu chegarem
também o padre Frei João de Foligno, pregador, e Frei Raniero, vindos de Gubbio;
chegou também um certo cônego de Assis, chamado senhor Domenico Colino.
Enquanto estávamos todos juntos à mesa para a refeição da manhã, começaram a
soar os sinos de San Rufino, com o bonito toque dobrado, e o padre Frei João
perguntou a Frei Raniero se ele sabia o que os sinos estavam falando. Frei Raniero
disse que não sabia o que eles diziam; mas Frei João acrescentou: "Não percebes,
Frei Raniero, que os sinos estão dizendo: Bambinello ricciutello molto sei bello!119 A
essas palavras, Frei Raniero deixou imediatamente de comer e, ficando de pé, estático
e fora de si, abraçou apertadamente o padre Frei João, que estava perto dele, e
permaneceu algum tempo abraçado com ele, absorto e sem dizer nem uma palavra,
pelo que ficamos todos perplexos e também edificados.

1542. Lembro-me também que tinha grande caridade, principalmente para com os
pobres, porque, exercendo o ofício de porteiro, quando os pobres vinham pedir-lhe
esmola, Frei Raniero o fazia com muito prazer e procurava atender a todos. Uma vez,
conversando Frei Raniero comigo familiarmente, ele me disse que, no início de sua
vida de frade, tinha servido com alguns outros frades no Hospital dos Incuráveis em
Roma.
No convento, era caridoso com o pessoal da casa, pois se oferecia para ajudar a
todos no que precisassem; e eu, pessoalmente, posso dizer que verifiquei isso a meu
favor, pois, fazendo eu o trabalho de cozinha tanto na casa de Sant'Anna como aqui,
na casa de Todi, Frei Raniero, mesmo idoso, queria sempre ajudar-me e oferecia-se,
mesmo que eu não aceitasse por ser ele já velho. De qualquer maneira, exercitava-se
sempre em trabalhos simples como varrer a casa e lavar as tigelas e vasilhas .

1443. Quando Frei Raniero veio para Montecchio, como disse, as pessoas
andavam à sua procura, chamando-o de santo e retalhavam-lhe o hábito. Como o
senhor Guido dissesse-lhe que não deixasse cortar daquele jeito, porque iria voltar
semi-nu para casa, respondeu: "Deixa-os agir assim, tudo é caridade; e quem o fez o
alongará". E assim o pessoal continuou a lhe retalhar o hábito. E havia um alfaiate de
Marcellano, chamado Bartolomeu, que lhe cortava o hábito com sua tesoura; e eu
ainda tenho em casa, como recordação, um bom pedaço que foi cortado naquele
tempo. Recordo-me ainda de que, de manhã, não se percebia que o hábito tivesse
sido cortado e as pessoas ficavam admiradas. Em Montecchio, até hoje, todos contam
estas coisas.

119
Trad.: Menininho de cabelos encaracolados, como tu és bonito.
375

São Serafim de Montegranaro

1544. Nascido em Montegranaro (Ascoli Piceno), em 1540, e falecido em Ascoli


Piceno, no dia 12 de outubro de 1604, onde está sepultado na igreja de Santa Maria in
Solestà. Exercendo os serviços humildes de porteiro, cozinheiro e esmoler. Beatificado
em 18 de julho de 1729; canonizado por Clemente XIII no dia 16 de julho de 1767.

I frati cappuccini III/2, 4787-4835

1545. Estive presente centenas de vezes, quando muitas e diversas classes de


pessoas, homens e mulheres, grandes e pequenos, nobres e plebeus, ricos e pobres,
cidadãos e camponeses iam até o nosso convento dos capuchinhos, aqui em Ascoli,
para se encontrar com Frei Serafim, acima citado, e conversar a respeito de suas
diversas aflições, preocupações e necessidades, como também sobre tentações e,
depois do encontro com ele, partiam consoladíssimos na grande confiança que nele
depositavam, considerando-o um santo. Frei Serafim dava a cada um deles bons
conselhos espirituais, exortando-os à paciência, à fé e à confiança em Deus,
oferecendo-se também a rezar a Deus por eles e por suas necessidades; em suma, de
muitas e diversas maneiras caridosas, esforçava-se para consolá-los e ajudá-los
espiritualmente. E sei disso por ter também eu estado presente, quando eu era
secular, e pela convivência que eu tinha com o Frei Serafim, como disse acima.
Foi sempre humílimo e fugia a todos os louvores humanos; sei disto, porque
muitos lhe retalhavam o hábito por devoção e, quando ele percebia isso, não gostava;
e, quando via que não podia evitar, dizia: "Guardai-o com carinho, por ser hábito de
São Francisco". Isto aconteceu muitas vezes, como presenciei e ouvi contar e é sabido
por todos.

1546. Como ouvi dizer por boca do padre Frei Ângelo de Cività Nuova, homem de
santíssima vida por ter sido muito tempo mestre dos noviços e exercitado na vida
espiritual em todas as virtudes, e também por tantas palestras espirituais que com ele
mantive, isto é, com o Frei Ângelo, sei que morreu virgem como saiu do útero materno.
Ora, estando todos nós três na família de Cività Nuova, isto é, esse padre, Frei
Serafim e eu, e vendo tanta afluência de gente para Frei Serafim, insistiu para que
esse lhe contasse com que meios ele havia conquistado tanta perfeição, mas Frei
Serafim recusava fazê-lo. Finalmente, disse-lhe o padre guardião que queria saber
com detalhes e que, se não contasse espontaneamente, lhe mandaria por santa
obediência.

1547. Frei Serafim, então, solicitou que eu me ausentasse, por ser muito jovem na
religião, e contou como ele, sendo pessoa desajeitada para qualquer ofício, ficou
admirado de ter sido recebido na santa religião e depois admitido à profissão.
Pouco depois, foi transferido do noviciado e mandado para uma casa de
professos, onde havia um guardião que queria que as coisas do convento andassem
em ordem, de maneira que os sacerdotes fossem servidos pelos irmãos leigos, de
acordo com o nosso costume. Frei Serafim disse que, por ser ele desajeitado em
todos os ofícios, em qualquer função que o colocavam não executava bem e, por isso,
o padre guardião lhe dava muitas penitências e mortificações, às quais ajuntou-se uma
tentação diabólica que acarretou tanta angústia a Frei Serafim, a ponto de pensar em
deixar a religião.

1548. Certo dia, pôs-se na igreja a fazer uma oração diante do Santíssimo
Sacramento, na qual fez um grande desabafo perante o Senhor, dizendo: "Senhor,
estes frades estudaram a minha vida; se eu não fosse apto para a profissão, não me
admitissem; mas já que me admitiram por que me fazem sofrer com tantas
376

mortificações?" Enquanto ele estava expondo estas queixas como as sentia, ouviu
uma voz vinda do Santíssimo Sacramento a lhe dizer: "Frei Serafim, não é este o
caminho de servir-me, a mim que tanto sofri pela redenção do gênero humano?" A
esta voz, Frei Serafim ficou muito assustado e, ajudado pelo Espírito Santo, começou
a entrar em si mesmo; e, para vencer a si mesmo, fez o propósito de recitar o rosário
de Nossa Senhora, da qual era devotíssimo, todas as vezes que lhe fosse feito ou dito
alguma coisa contrária aos seus sentimentos. E, de fato, assim o fazia.

1549. No princípio, começou fazer uma outra oração, dizendo que era muito difícil
entender o Pater noster e Ave Maria; mas, depois, esforçou-se de tal maneira e
venceu tanto a si próprio, a ponto de dizer que não fazia uma oração tão boa senão
quando rezava, com o formulário acima, por aqueles que lhe aprontassem qualquer
contrariedade aos seus sentimentos.
Uma vez, depois de exercitar-se durante algum tempo em tal oração, ao encontrar-
se rezando assim diante do Santíssimo Sacramento, do modo exposto acima, ouviu de
novo aquela voz do Santíssimo Sacramento: "Frei Serafim, já que por amor a mim,
venceste e mortificaste a ti mesmo, apresenta-me então a graça que quiseres, que a
receberás de mim". Isto me contou o dito padre Ângelo que, há pouquinho, o tinha
ouvido do Frei Serafim.

1550. Frei Serafim falava muito entre nós sobre os mistérios acima; ouvi dizer mais
de uma vez. Sei que era apreciado ao falar disso com freqüência, ainda mais sendo
ele iletrado, pois não sabia nada. Recordo-me de uma particularidade: uma noite,
tendo cada um de nós estudantes feito um sermão, conforme o costume de nossa
religião, o padre guardião, na época Frei Nicolau de Monte Rubbiano, ordenou a Frei
Serafim que também ele subisse ao púlpito e fizesse um sermão - e não dissera isso a
nenhum dos outros leigos a não ser a ele. O pai apresentou muita resistência, mas
finalmente obedeceu e tomou como tema de seu sermão o Salmo Qui habitat in
adjutorio Altissimi120, sobre o qual disse coisas tão bonitas que o padre guardião, bem
como o padre Cornélio de Recanati, sendo homens doutos, ficaram por demais
maravilhados e muito mais nós estudantes, que não atingiríamos nível tão alto.
Toda a vida de Frei Serafim era para a glória de Deus e desprezo de si mesmo,
porque todas as suas ações levavam a isso; e aquilo que vossa senhoria ilustríssima
me diz sobre a perseguição, acho que dá para entender, porque nós estudantes o
mortificávamos constantemente ao dizer-lhe: "Fingidão, mulambento, santarrão", e ele
logo se punha de joelhos e nos abraçava e nos beijava os pés, quase sempre dizendo
estas palavras: "Ah santinho, santinho, que recebas um pão de primeira". Todos
sabem disso.

São José de Leonissa

1551. Nascido em Leonissa (Rieti), em 8 de janeiro de 1556, e falecido em


Amatrice, no dia 4 de fevereiro de 1612. Pregador e promotor de obras sociais,
missionário em Constantinopla para assistência aos escravos cristãos; torturado
gravemente pelo sultão turco. Beatificado em 22 de junho de 1737; canonizado por
Bento XIV, em 29 de junho de 1746.

I frati cappuccini III/2, 4836-4940

1552. Sei também que o referido padre Frei José, na idade de trinta e três anos foi
para Constantinopla para morrer por Cristo, porque na mesma idade, como ele me
disse, Cristo Nosso Senhor morreu por nós. Tentou entrar nas mesquitas e encontrar-
se com o chefe principal para pregar a fé e obter a coroa do martírio, mas foi repelido

120
Trad.: Aquele que mora no auxílio do Altíssimo..
377

pelos guardas com pontapés, socos, tapas e xingamentos. Combateu contra um


arcebispo renegado que, em recompensa, fora feito paxá pelo citado chefe e o
reconduziu à fé católica romana.
Disse-me ainda o próprio Frei José que ele tinha grande desejo de morrer pela fé
no Cristo e derramar o seu sangue e pregar o santo Evangelho aos infiéis e conquistar
as almas para Deus. Lembro-me particularmente de uma vez em que ele me disse, no
convento de Leonissa ou talvez no de Amatrice, mostrando-me o seu crucifixo, depois
que voltou de Constantinopla: "Oh quantas almas este crucifixo converteu para Deus
e, quando o mostro ao povo, quantos propósitos e correções se realizam!".

1553. Era sedento da salvação das almas, principalmente dos infiéis e, muito mais,
dos hereges obstinados. Porém, oferecia a Deus os jejuns, disciplinas, orações e
outras boas coisas que fazia e, em particular, quando oferecia o sacrifício da missa e
fazia a Deus seus fervorosos pedidos pela conversão e salvação deles.
Encontrando um leproso no caminho, no vale de Strettura, diocese de Espoleto, e
não tendo nada para lhe dar, recorreu ao seu companheiro, que era eu, Frei
Francisco, para que lhe desse a beber um pouco de vinho que eu trazia num frasco.
Não havendo nada à mão onde pudesse servi-lo e eu recusasse deixá-lo pôr a boca
na garrafinha, arrumando ele a ponta do mantelo, pediu que eu o derramasse ali;
então, fez o leproso pôr ali a boca e assim bebeu. Não foi senão por milagre que o
vinho parasse no mantelo, tão estragado como era o seu.
A esses pobres dava as peças de roupa que estivesse usando, quando, no
caminho, os encontrava nus e sofrendo. Ao chegar aos lugares, primeiramente visitava
os hospitais e pobrezinhos, arrumava as camas deles e lhes limpava a sujeira.

1554. Visitava também os encarcerados, recolhia esmolas para eles e os


recomendava aos superiores locais.
Procurava ser convidado para pregações nos lugares de passagem, como foi em
San Giacomo de Espoleto, especialmente no ano santo em Otricoli, a fim de poder
ajudar os pobres passageiros, o que fazia com toda a caridade, lavando-lhes os pés,
as feridas, cortando-lhes os cabelos e fazendo para com eles muitos atos de caridade.
E conheço tudo isso, porque uma parte eu mesmo testemunhei, outra parte ele me
contava e outras ouvi de seus companheiros, particularmente de Frei Mateus de
Montefalco e também de Frei Bernardino de Núrsia; ainda hoje isto é comentado e
conhecido por todos.
Era muito caridoso para com os pobres e, quando podia, empenhava-se em ajudá-
los, seja conseguindo, seja tirando, para isso, da própria boca, ou ainda recolhendo
todas as sobras da cozinha para distribui-las a esses pobres; não podia suportar vê-
los sofrendo e, por isso, levava pedaços de pão para dá-los aos pobres.
Este padre Frei José encarregava-se, com grande caridade, de sepultar os mortos,
quando acontecia de encontrá-los pelas estradas, como sucedeu uma vez em
Campello di Espoleto, em Montereale e em Leonissa, até levando-os sobre os próprios
ombros, quando não havia outro jeito; isto ouvi de Frei Rufino de Amatrice e, em
Leonissa, presenciei.

1555. Gostava de ser procurado para pregar em lugares onde houvesse outros
povoados vizinhos, para poder pregar em mais de um lugar, como costumava; muitas
vezes, chegou a fazer sete ou oito práticas por dia; e, na sexta-feira santa, costumava
fazer três ou quatro pregações, continuando a pregar até o sábado santo.
E quando acontecia haver em algum hospital enfermos à beira da morte, não os
abandonava até morrer e interessava-se para que se confessassem e comungassem.
Também aos encarcerados levava para comerem o que podia conseguir no
convento ou dos benfeitores; aconselhava-os a terem paciência e interessava-se por
seus recursos perante os governantes.
378

Exercitava-se continuamente em boas obras, servindo aos doentes nos hospitais


ou em outros lugares, onde os encontrasse, dando-lhes de comer ou beber, fazendo a
limpeza, arrumando os leitos e limpando-os, mesmo que as doenças fossem
contagiosas e asquerosas. E, quando acontecia haver em algum hospital enfermos à
beira da morte, não os abandonava até morrer e interessava-se para que se
confessassem e comungassem.

1556. Tendo ocasião, dava assistência aos condenados à morte. E uma vez, entre
outras, havendo um condenado de Amatrice aqui em Espoleto que se chamava Marco
Attilio, com outros cúmplices, contou-me o senhor Mário Martelli - presente nessa
execução - que este padre, subindo ao cadafalso e confortando cada um dos
condenados com o seu costumeiro crucifixo na mão, quando chegou a hora de ser
executado Marco Attilio, deixou o seu crucifixo e pegou o crucifixo grande que era
levado pelos confrades e, com esse, benzia, fazendo no ar o sinal da cruz. E, tendo-
lhe o senhor Mário, que saiu com o padre após a execução, perguntado por que tinha
deixado o seu crucifixo e apanhado o da Irmandade, fazendo aquelas bênçãos, por
algum tempo ele não queria dizer nada, mas depois lhe confiou que tinha visto muitos
demônios no ar que vinham carregar aquela alma, porém, ele tinha conseguido vitória.

1557. Quando encontrava pobres mendigos nas estradas, esfarrapados, tirava


alguma peça que vestia, ou pedia aos outros, e dava a eles; e dava-lhes pão, vinho,
quando tinha; e também, enquanto pregava nos lugares como em San Giacomo e
Otricoli, onde apareciam pobres mendigos, chamava-os à casa onde estivesse e lhes
dava de comer e beber; e punha-os para dormir na sua cama, pondo-se sobre uma
cama de varas, ou algo semelhante.
Era também exemplar e de elevado grau na obediência, a tal ponto que, se
pudesse penetrar na intenção do superior, não teria esperado palavra nem incomodar-
se com qualquer outra coisa, a não ser que se tratasse de perigo de vida. Isto conheço
por ter visto e provado, quando ele era súdito meu; o que é reconhecido também por
outros guardiães de outros tempos, com o padre Salvador de Perusa, em Narni; padre
Francisco de Badia e outros de quem não me lembro.

1558. Esta caridade ele a exercia em toda parte e infatigavelmente. Percorreu


muitos lugares semeando a palavra de Deus e se inflamava tanto no zelo e glória de
Deus e salvação das almas redimidas pelo sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo,
que, ao ser convidado para pregar a quaresma em algum lugar, não se contentava
com uma só comunidade de ouvintes, mas girava por todos os lugares circunvizinhos,
castelos e vilas, distante até muitas milhas.
Nesses lugares, como várias vezes ouvi dizer por parte de diversos companheiros
seus e de muitos outros, tanto frades quanto seculares, ele fazia quatro, seis e talvez
mais de dez práticas por dia, até o adiantado da noite, sem comer nada durante o dia.
O fervor da caridade amenizava-lhe a rudeza das caminhadas pelos montes, pedras e
perigos e abrandava-lhe a aspereza do tempo chuvoso, tempestuoso e nevoso, pois
ouvi de seus companheiros - principalmente de Frei Bernardino de Núrsia - que,
pregando em lugares de montanha, andava girando para pregar em diversos lugares,
com tempo duríssimo e grandíssimos sofrimentos por causa da neve, chuva e lama.
Isto ouvi também de muitos outros.

1559. Era fato muito conhecido na província, de modo que para o padre Frei José
era preciso escolher companheiros muito austeros, que pudessem resistir na
companhia dele, principalmente porque, muitas vezes, só retornava no adiantado da
noite, para comer. Como ouvi de seus companheiros, alimentava-se de pão e vinho
com um pouco de verdura, com favas que eram nem bem cozidas nem cruas; era tão
caridoso e compassivo para com o seu companheiro quanto rigoroso consigo mesmo.
Tudo isso que contei, além de tê-lo ouvido dos que foram seus companheiros, de
379

diversos outros e alguma palavra também da boca do mesmo padre Frei José, era voz
e fama geral.
Possuía uma desentranhada caridade para com os pobrezinhos e enfermos. Ouvi,
muitas vezes, por companheiros do Frei José, que, na quaresma, ele exercitava a
hospitalidade como em Otricoli, San Giacomo de Espoleto e em outros lugares; nesta
acolhida, servia aos pobrezinhos, lavando os pés de alguns, curando as feridas de
outros, para uns conseguindo comida, para outros arranjando roupa. Também tudo
isso, além de ter ouvido com discrição da boca de Frei José e de muitos e muitos
outros, era voz geral e sabido por todos.

1560. Sobre o fato de ter ele recebido, pela fé em Cristo, outros martírios, além do
que relatei acima, reparei bem que Frei José tinha uma cicatriz na mão que não sei se
atravessava de uma lado a outro, mas parece que sim; mas uma outra que ele levava
no calcanhar passava de um lado a outro, onde caberia um dedo; e tanto no pé quanto
na mão eram do lado direito. Uma vez, entre outras, quando estávamos perto de Nera,
por baixo do povoado de Macenano, ao lhe perguntar o que lhe tinha causado aquela
marca na mão, respondeu-me que foi um ferro; mas sobre o pé não lhe perguntei.
Que Frei José tenha estado em Constantinopla é sabido em toda a província; e
também que estes sinais, de que falei, tinham sido recebidos por ele naquela cidade
de Constantinopla, por ter sido submetido ao martírio do gancho, pendurado por três
dias e que, depois, foi libertado por obra de um anjo. É o que é conhecido e sabido em
toda a província.

1561. Outra coisa: o povo havia preparado para Frei José uma boa casa dentro do
Castello, mas tendo sabido que uma mulher que ali habitava tinha sido despejada, não
a aceitou também; ficou com uma casa pequena perto da igreja, fora do Castello. E,
durante todo o tempo do quaresmal, não quis dormir no enxergão sobre o catre, mas
numa enxergazinha no chão, dormindo assim toda a quaresma.
Freqüentemente e, de modo especial, em todos os dias de festa, depois de ter
pregado no citado lugar de Grotti, ia pregar em outros castelos e lugares
circunvizinhos; mandava um aviso, mais ou menos uma hora antes, que se tocasse o
sino para a pregação e que se providenciasse para não haver atraso, a fim de poder
pregar logo depois que chegasse; para poder ir depois a outros lugares. Na Semana
Santa, fez tantas pregações que eu não sei dizer quantas; e, enquanto íamos por
estes povoados, este Frei José não quis entrar em casa de ninguém, mesmo sendo
convidado; daí, ou voltávamos para a casa em Grotti para comer, ou então, como eu
trazia um pouco de pão - porque Frei José me dizia, muitas vezes, para levar comigo
alguma coisa para os pobres - comíamos aquilo perto de um poço de água. Como
sempre, Frei José não fazia questão de ter comida fina, mas se contentava com
comida bruta como alho, cebola, maçã e favas, e me dizia: "Que interessa saborear
comidas delicadas? Se é para encher o corpo, com palha ou capim é a mesma coisa".

1562. Depois, enquanto esteve em Verchiano, andava pregando pelos lugares


circunvizinhos, como sempre; e uma vez quis pregar em Camerino, sobre os montes;
e partimos bem tarde da noite. Depois de termos caminhado um trecho naquela
escuridão, Frei José disse que, se encontrássemos um estalagem, repousaríamos um
pouco. Encontramos, finalmente, uma casa onde repousamos; e, ao amanhecer, Frei
José começou a pregar no primeiro lugar que encontramos e assim foi fazendo
durante toda aquela viagem. Enquanto andava, as pessoas que antes o tinham ouvido
pregar acompanhavam-no como ovelhinhas para ouvi-lo novamente em outras vilas.
No lugar acima, Verchiano, havia um hospital para os pobres e Frei José ia muito
àquele hospital e servia àqueles pobres e levava-lhes da comida que nos era dada.
Recordo-me de que, uma vez entre outras, quando estava entrando para a pregação,
viu alguns peregrinos e ordenou-me que fosse fazer a caridade de dar de comer
àqueles peregrinos, como o fiz na nossa casa, enquanto Frei José estava pregando.
380

1563. Da mesma forma, para utilidade dos peregrinos viajantes e dos pastores em
lugares montanhosos vizinhos de Verchiano - por onde se passa para ir a Nossa
Senhora de Loreto - a fim de que pudessem abrigar-se durante o mau tempo,
começou uma capela, isto é, carregamos as pedras, fazendo-nos ajudar também por
outros. Então, levantou ali um grande cruz de madeira para que os transeuntes e
outras pessoas, vendo aquela cruz, se lembrassem da paixão do Senhor; e durante o
mau tempo, viriam para perto daquela cruz e se protegeriam dentro da capela.
Em uma vila de Amatrice chamada Campotosto, também para serviço dos pobres,
fundou a pia obra do trigo. E eu, junto com ele, quando começou aquela campanha, fui
recolhendo o trigo para isso; e hoje continua em pé e sempre crescente; estou certo
disso, porque este ano fui companheiro do pregador que ali esteve. Tudo isso que
relato é muito conhecido por todos e comentado.

1564. Chamo-me Frei João. Sou sacerdote capuchinho. Tenho 68 anos de idade.
Meu pai se chamava Pier Domenico Persechetti e minha mãe Sarca Marcocchi, de
Campicello, distrito e diocese desta cidade. Sou sacerdote e, ordinariamente, digo a
missa todas as manhãs.
Sobre Frei José, em questão, sei que possuía ardorosíssima caridade para
com o próximo e não media esforços nem perigos para a salvação de alguém, tanto da
alma quanto do corpo; sei particularmente que, encontrando-me em sua companhia no
ano de 1606, se bem me recordo, numa viagem que fizemos de Leonissa a
Montereale, enquanto íamos, encontramo-nos - em uma vila de Montereale chamada
Fano - em meio a bandidos rivais, que seriam oito ou dez de cada lado, atirando entre
si com arcabuzes. Então Frei José tomou nas mãos um crucifixo que carregava e, com
ele, lançou-se entre as duas partes, gritando: "Parem, parem!" E aqueles diziam: "Para
trás! Senão vos matamos também!" Mas ele seguia sem se importar, ora de um lado
ora do outro, levando sempre nas mãos crucifixo erguido e dizia que parassem.

1565. Finalmente, depois de terem disparado muitos tiros de um lado e do outro,


sem, porém, ferir nem o padre nem algum deles, uma das partes entrou num pombal
ali perto; e os outros foram com gravetos até à porta para pôr fogo e queimá-los ali
dentro. Então o padre novamente não consentiu que houvesse aquele incêndio e
intermediou a paz entre eles: fez sair os que estavam dentro do pombal e
imediatamente fizeram as pazes por mão de Frei José. Como disse, estive presente a
todo este acontecimento.
E quando Frei José se pôs no meio dos disparos de arcabuzes vindos de uma e
outra parte, como descrevi acima, eu havia me retirado com medo das balas para
perto de um barranco, de onde podia ver sem ser atingido. Depois, seguimos viagem.
Não fiquei sabendo qual era este grupo de bandidos; ouvi dizer que uma parte deles
era de Amatrice.

1566. Eu me chamo Frei Francisco de Beda, diocese de Milão. Tenho cerca de 50


anos de idade e sou leigo capuchinho; no século tinha o mesmo nome de Francisco.
Meu pai chamava-se Giovanni Passari e minha mãe, senhora Margherita Brenta.
Confessei-me e comunguei nesta páscoa, como faço pelo menos duas vezes por
semana em Cárceri de Assis, no nosso convento.
Lembro-me de que, morando no convento de San Nicola di Agubio, há cerca de
vinte e dois anos, parece-me que era no mês de junho, chegou ali o Padre Provincial
em visita e trazia consigo, como companheiro, Frei José de Leonissa; este padre José,
tendo ido à cozinha lavar os pratos, cheguei lá também, porque eu era cozinheiro, e,
não conseguindo que ele se retirasse, pus-me a ajudá-lo. Como sabia que ele havia
estado em Constantinopla, perguntei-lhe se poderíamos voltar lá. E ele me respondeu
que seria melhor eu ficar ali a servir com paciência aqueles padres.
381

1567. E quando lhe pedi que me contasse alguma coisa de quanto havia sofrido lá,
respondeu-me: "Sofri um pouco" e explicou que tinha sido pendurado. Eu continuei a
perguntar como tinha sido libertado e ele ficou vermelho e, depois, me disse que um
menino o tinha livrado. E perguntei-lhe quem poderia ter sido aquele menino e me
respondeu: "Quem achas que foi? Só pode ter sido Jesus Cristo"; e disse que,
voltando para a Itália, foi transportado numa barca por um cristão renegado que ele
não conseguiu converter; e que, para não ser descoberto pelos turcos, na passagem
de um rio, esse cristão atormentou muito ao padre José. Quando ele me contou estas
coisas estávamos sozinhos. E quando me disse que foi pendurado, lembro-me de que
contou ter sido pendurado pelo pé; de que maneira, não perguntei. Ouvi contar isso
também por boca de outros frades, dos quais não me recordo agora os nomes.

1568. Meu pai se chamava Tiago e minha mãe, Otavia. Sou frade capuchinho,
sacerdote e pregador.
Sei que Frei José desprezava e não desejava superioridade, tendo me dito mais
de uma vez, enquanto era meu companheiro no meu provincialato, que não lhe desse
o cuidado de frades como guardião e exortava também aos outros a não ter esses
cargos, alegando ser perigoso governar os outros.
Sei, por experiência, que a caridade deste servo de Deus era grande para com
Deus, porque queria estar continuamente ativo, não somente orando pelos pecadores,
mas pregando e exortando as pessoas a evitarem os pecados; e, se fosse livre para
escolher, não teria feito outra coisa senão pregar e louvar a Deus, de tal maneira, que
chegava, às vezes, a fazer quatro ou cinco pregações por dia. Na verdade, quando a
outros pregadores se indicava um púlpito, para ele era preciso designar lugares; e
percorria totalmente, com grande satisfação, os lugares difíceis, pobres e
desprezados, onde outros não queriam ir. E muitas vezes, para chegar a um lugar,
mesmo sem importância, não pensava duas vezes em atravessar águas, torrentes e
rios; tinha tanta vontade de pregar, especialmente nos dias de festa, que, quando o
guardião lhe negava a licença, repetia o pedido pela segunda e terceira vez; quando
aquele lhe negava pela terceira vez, então se aquietava. Dava o mesmo conselho aos
pregadores jovens.

1569. Sei também que visitava os encarcerados e procurava consolá-los e ajudá-


los no que pudesse. Recordo-me de um particular: há cerca de trinta e cinco anos,
estando na prisão aqui em Leonissa um tal Ferrante de Montereale, condenado à
morte pelos seus delitos, e não querendo converter-se de nenhuma maneira,
desesperava-se e chamava todos os demônios do inferno, blasfemando contra Deus e
os santos. Sabendo disso, Frei José foi até ao cárcere e disse-lhe: "Ferrante, meu
irmão, estás para morrer". E perguntava-lhe se não queria dispor-se a morrer bem,
exortando-o para isso com várias e comoventes palavras. O tal Ferrante, que era
obstinadíssimo, como já disse, tornou-se manso e converteu-se imediatamente sem
replicar nada, embora tivesse dito antes que não queria que Frei José lhe aparecesse
na frente e que, se ele viesse, ele ia entregar-se ao diabo. Estou certíssimo disso,
porque eu estava presente, pois eu era do acompanhamento de misericórdia.

1570. Não julgava a ninguém temerariamente. Olhava as coisas do lado bom.


Desculpava todos com muita caridade e compartilhava dos sofrimentos dos outros.
Não altercava com ninguém; cedia a todos. E, para fugir dessas imperfeições, nunca
era surpreendido murmurando, mas falava bem de todos. E, quando ouvia falar mal do
próximo, não gostava e dizia: "Não entreis na vida dos outros121, porque isso
desagrada a Deus". Isto presenciei e ouvi muitas vezes. Dissimulava, com discrição,
quando via algo que não lhe agradasse e não podia remediar. Esforçava-se em dar

121
Nota do tradutor: no original, non entrate nella vigna di Bartolo.
382

bom exemplo a todos; eu o ouvi dizer: "Deus te vê, deve-se manter o temor" e
palavras semelhantes.

1571. No castelo citado, no dia de São Lucas do ano 1611, em uma pregação que
fez, tomando por tema as palavras de São Paulo Salutat vos Lucas medicus122, fundou
uma pia Obra do Trigo, para o serviço dos pobres; e, embora essa Obra tenha iniciado
com pouco trigo - conseguido por ele e por mim através de doações - hoje aumentou
grandemente: sem contar o que já foi vendido para as necessidades de cera, óleo e
outros serviços para o Santíssimo Sacramento, ainda estão disponíveis cem somas123
de trigo, ou mais. Ele me recomendou mui calorosamente que cuidasse dessa Obra e
eu jamais consegui afastar-me dela, pela dedicação a esse padre; continuo hoje a
cuidar dela mais do que nunca. E sempre que Frei José pregava nesse castelo, tendo
sempre consigo o seu crucifixo, comovia o povo de tal modo, que todos caíam em
pranto.

São Lourenço de Brindisi

1572. Nascido em Brindisi, em 22 de julho de 1559, e falecido em Belém (Lisboa)


no dia 22 de julho de 1619. Teólogo, pregador, poliglota, Ministro Geral, diplomata e
capelão militar. Beatificado em 1º de junho de 1783 e canonizado por Leão XIII, no dia
8 de dezembro de 1881. Foi declarado doutor da Igreja por João XXIII, pela bula
"Celsitudo", de 19 de março de 1959.

I frati cappuccini III/2, 1491-5115

1573. Nesta oportunidade, quero dizer uma coisa a respeito da missa dele, algo
admirável que, porém, já é publicamente conhecido. Enquanto ele estava em Nápoles,
ficou doente de gota e não podia movimentar-se no leito e ninguém o podia nem
mesmo tocar, sem que sentisse muita dor. Porém, quando tinha que celebrar missa,
que jamais deixava mesmo tão maltratado pela gota e outras enfermidades, fazia
carregar-se até o lugar onde devia celebrá-la; e, uma vez chegado ao altar, ficava de
pé, embora meio apoiado no altar. Ali permanecia três ou quatro horas, celebrando a
missa; e isto não só uma vez, mas muitíssimas, não somente em Nápoles, mas em
Milão, Bassano e outros lugares, onde se encontrasse; um grandíssimo milagre e,
além disso, todos acham que era sinal da grande devoção que tinha pela santa missa.
Quando estava bem, sua missa durava de oito a dez horas. E, uma vez, no dia de
Natal, durou dezesseis horas, sem necessitar de qualquer coisa corporal durante todo
aquele tempo.

1574. A última ida deste padre Brindisi à Espanha foi assim: Ele se encontrava em
Caserta, com obediência para chegar até Brindisi, tendo-o chamado o sereníssimo
senhor duque da Baviera, por causa do novo convento e igreja que sua alteza tinha
feito construir ali. Em Caserta, contudo, chegou uma carta do padre guardião de
Nápoles, chamando-o de volta, dizendo que, por ordem do nosso ilustríssimo e
reverendíssimo senhor cardeal protetor, ele devia retornar a Nápoles.
Ao receber este aviso, o padre Brindisi, voltando-se para mim, seu companheiro,
disse: "Creio que é a vontade do Senhor que eu não vá mais a Brindisi, porque já por
duas vezes me pus em viagem e sempre tive de adiá-la; então, vamos para Nápoles".
Voltando, portanto, a Nápoles, chegamos pelas duas horas da manhã para fugir da
aglomeração do povo. Entramos no convento e, recebida a bênção, o padre se retirou
para a cela. Logo veio o padre guardião e disse que tinham chegado ao convento os

122
Trad.: Saúda-vos Lucas, o médico.
123
Nota do tradutor: soma é uma medida antiga de capacidade entre 90 e 164 litros, variável de
acordo com o lugar.
383

mais destacados personagens de Nápoles e de todo o Reino e que queriam falar com
o padre sobre coisas muito importantes. O padre Brindisi, ao ouvir isso, ficou meio
indeciso e perguntou o que queriam. Respondeu o padre guardião que aqueles
senhores queriam conversar com sua Paternidade e deles poderia saber o assunto.
Então o padre Brindisi disse ao guardião que fizesse aqueles senhores entrar no
refeitório e que ele desceria também.

1575. Veio, então, o padre Brindisi ao refeitório e eu sempre fazendo-lhe


companhia. Chegando ali, encontrou reunidos cerca de dezoito ou vinte dos mais
importantes senhores de todo o reino de Nápoles, os quais, ao verem o padre,
puseram-se todos de joelho, chorando amargamente; e explicaram que - para reparar
as ofensas contra a Divina Majestade, o dano tanto espiritual das almas como o
temporal na perda dos bens ou da honra, por causa de tantos escândalos que
aconteciam no Reino, bem como em prejuízo para a Majestade católica - tinham
insistido tanto que, finalmente, o senhor duque de Ossona, vice-rei, tinha dado licença
para se reunirem todos e, querendo, pudessem eleger e mandar um embaixador à
Espanha.
E que se tinha feito a assembléia de toda a cidade de Nápoles e que todos, do
primeiro ao último, tinham defendido e concluído que, de toda maneira, se mandasse o
embaixador e que a escolha fosse feita pelos senhores principais. E que estes tinham
escolhido o padre Brindisi para seu embaixador; e, então, suplicavam-lhe que, por
amor e glória de Deus e da beatíssima Virgem, aceitasse este cargo e não os
abandonasse em tamanha necessidade, porque se encontravam em perigo de perder
os bens e honra, mas também as almas; e sua Majestade católica estava em perigo
de perder todo o reino.

1576. Quando o padre Brindisi viu e ouviu isto, começou a esquivar-se fortemente
e começou a desculpar-se como idoso e enfermo, e pediu àqueles senhores que se
dispusessem a eleger uma outra pessoa. Mas aqueles senhores insistiram ainda mais
e chorando com tanto sentimento que o padre guardião e alguns outros dos frades e
eu, com os que estávamos presentes, fomos levados a chorar com eles.
Apresentaram ao padre a obediência pela qual o ilustríssimo e reverendíssimo senhor
cardeal protetor lhe mandava que aceitasse o cargo e fosse.
Quando o padre Brindisi viu, por um lado, a ordem do senhor cardeal protetor e,
por outro, as lágrimas e insistências daqueles senhores, rendeu-se e, considerando
que esta era a vontade divina, aceitou o cargo e se dispôs a ir lá; e, vencidas as
dificuldades e perigos, chegou a Gênova. Com ele vieram o padre guardião de
Nápoles, com um outro sacerdote capuchinho nosso, um leigo capuchinho dos nossos
e eu.

1577. Sei que o padre Frei Lourenço de Brindisi viveu na religião sempre com
ótimo exemplo, tanto de santidade de vida como de excelente doutrina, e exerceu
todos os cargos que normalmente se dão às pessoas de merecimento na religião dos
padres capuchinhos. Eu, particularmente, conheci esse padre Frei Lourenço de
grandíssima capacidade e de felicíssima memória; sabia de cor quase toda a bíblia,
não só de maneira geral, mas citava distintamente capítulos e versículos. Tinha
grande habilidade de responder prontamente a dúvidas sobre a Escritura. Conhecia
também várias e diversas línguas: latim, grego, hebraico, caldeu, alemão e outras. Sei
disso pela convivência e conversação que mantinha com ele e por ouvi-lo pregar,
citando e explicando a Escritura em língua grega, hebraica e caldéia.
Eu conheci o referido padre Frei Lourenço por cerca de vinte e dois ou vinte três
anos e com ele conversei e convivi muitas vezes, em diversos lugares e tempos, por
ter sido ele meu Geral e homem importante na religião. Ouvi-o principalmente durante
toda uma quaresma, que pregou nesta cidade, na igreja do Espírito Santo, há mais ou
menos vinte anos; foi onde presenciei que, durante a pregação, explicava as
384

passagens da Escritura nessas línguas. E, conversando com ele familiarmente,


percebia que tinha esta habilidade.

1578. Sobre esse padre Frei Lourenço de Brindisi, sei que ele, junto ao imperador,
encontrando-se a exortar o exército cristão a combater valorosamente contra o
exército dos turcos, com uma cruz na mão, montado a cavalo, à frente do exército
cristão, ao sinal de início da batalha, traçando o sinal da cruz várias vezes contra o
exército contrário, anulou as rajadas dos arcabuzes, artilharia e flecheiros dos
inimigos, de modo que não passavam de seu cavalo. Uma grossa bala de artilharia
ficou presa na sela de seu cavalo.
E isto eu ouvi do próprio padre Frei Lourenço enquanto pregava na igreja do
Espírito Santo em Nápoles, discorrendo assim: "Conheço uma pessoa que vive e fala
e que, com sua confiança no santíssimo sinal da cruz e na santíssima Virgem, aparou
as balas de artilharia, flocos incendiários e flechas, que não passavam do seu cavalo
para atingir o exército cristão. E, um milagre ainda maior, uma grossa bala ficou presa
no cabeçote da sela desse homem que vive e fala. E, embora sendo os turcos bem
mais numerosos do que os cristãos, foram todos postos em fuga e em grande parte
mortos, ficando o exército cristão - que era menor em número e condições e fatigado
por contínuas batalhas - milagrosamente vitorioso".

1579. Todos percebiam naturalmente que ele estava falando de sua pessoa,
discorrendo assim por humildade; também na nossa religião essa opinião é comum;
naqueles lugares, junto ao imperador, não há nenhuma dúvida sobre esse milagre.
Digo mais: quando esse padre Frei Lourenço era esperado em Nápoles para
pregar naquela igreja do Espírito Santo, encontrei em Poggio Reale uma carruagem
com forasteiros que me parecia serem franceses; e perguntaram-me se era verdade
que o padre Brindisi estava para chegar, a fim de pregar em Nápoles a próxima
quaresma, a que estava para chegar; e eu respondi que era certamente verdade. E
eles me replicaram: "Nós queremos permanecer de propósito em Nápoles para ouvir
este grande padre, que é um santo de Deus". E acrescentaram: "Padre, aqui vós não
o conheceis nem Nápoles o conhece; mas na Hungria, junto ao imperador e ao
exército, este homem é comumente conhecido por santo, porque fez coisas
maravilhosas e estupendas no exército com um simples sinal de cruz".

1580. Quando o reverendo padre Frei Lourenço de Brindisi foi feito Geral, visitou
toda a religião sempre a pé, embora a religião lhe permitisse andar a cavalo; de
qualquer maneira, quis submeter-se a tamanha fadiga e tão incômoda, quanto aos
jejuns, frio e lamaçais enormes e outras coisas, como acontece em viagens. E isto
como bom prelado, verdadeiro servo do Senhor e autêntico observante da seráfica
Regra. Isso ouvi de todos os frades, sem exceção, mas eu, pessoalmente, não o vi,
porque não visitou a nossa província de Santo Antônio, na qual eu me encontrava, na
época.
Vi chegarem multidões, com grande quantidade de pessoas que vinham para
conseguir a sua bênção, isto é, desse reverendo padre Frei Lourenço de Brindisi,
como homem de vida santa e autêntico servo do Senhor, olhado por todos com santa
veneração e reverência. Isto nas cidades de Mântua, Verona, Montagnana, e pelas
estradas; nem por isso, nunca percebi nele, em meio aos aplausos de tamanho
número de gente, o menor sinal de que com isso se deleitasse, porque, com grande
caridade, humildade e paciência, ao ser chamado pelo companheiro, vinha da cela e
chegava à igreja. dando a todos a bênção; a mesma coisa fazia também pela estrada.
Tudo isso presenciei. encontrando-me nos lugares acima e também vindo pela estrada
de Montagnana até Este; isto há mais ou menos treze anos.

1581. Morei em Mântua, quando estava ali fazendo parte da família, no tempo em
que o reverendo padre Frei Lourenço de Brindisi pregava aos sábados aos hebreus;
385

estive presente em algumas daquelas pregações que fazia para os hebreus, os quais
vinham numerosos; e via que o padre levava para o púlpito diversos livros em hebraico
e, no púlpito, lia a Sagrada Escritura para eles naquela língua; e quando lia o texto na
língua deles, eu percebia que os hebreus ficavam muito atentos. Assim lhes
apresentava a Escritura com grandíssima profundidade e fazia-os tocar com a mão a
vinda do Messias e o engano que depositavam em seus textos; e falava e denunciava
muitas mentiras que eles haviam colocado nos textos.
Da mesma forma, expunha a Sagrada Escritura em língua latina e língua vulgar
para todo o auditório, de maneira que todos pudessem compreender a malícia dos
hebreus, que eram em grande número. Não os censurava asperamente; pelo
contrário, com benignidade e no aprofundamento da Escritura, procurava convencê-los
da própria cegueira. Eu me encontrava nas salas do ducado, onde estava esse
reverendo padre, e vieram alguns hebreus para agradecer-lhe por tratá-los com
benignidade e que, por terem que se ausentar da cidade, se desculpavam por não
poderem estar presentes às suas pregações. Isto há cerca de treze anos.

1582. Não conheci este padre, quando eu era menino, porque já estava na religião
três anos antes de mim; mas sei bem que, nos primeiros anos que o conheci na
religião, era muito debilitado, cheio de enfermidades e, por isso, era submetido a
muitos cautérios; pensava-se que fosse terminar tísico; mesmo assim, não o
amedrontavam as austeridades da religião, mas mantinha-se sempre persistente e
constante. Em suas doenças, com que era tremendamente castigado, demonstrou
grande paciência e nunca se lamentava; apenas algumas vezes se ouvia ele exclamar
"Ai demim!", mas sempre demonstrou grande fortaleza e constância no controlar e
refrear das paixões de sua natureza e no conservar a mansidão e perseverante fineza.
Conheço isso, porque mantive com ele convivência e intimidade, como já disse acima.

1583. Na Alemanha, tendo eu tido ocasião de ser companheiro do reverendo


padre Frei Jacinto Natta de Casale, sacerdote capuchinho e pregador apostólico, que,
durante toda a vida, teve a graça de desdobrar-se em prol da Liga Católica da
Alemanha, ouvi diretamente da boca de vários príncipes que o primeiro autor e
promotor daquela Liga Católica foi esse padre Brindisi, o qual se sacrificou muito nesta
iniciativa pelo zelo de manter e propagar a fé católica. Podia acontecer-lhe o que quer
que fosse, sempre percebi - e não poderia dizer de outra maneira - que o padre
Brindisi punha todo o seu coração e toda a sua esperança e confiança em Deus.

1584. Para isso, percorreu diversas partes do mundo, como Alemanha, Espanha e
Itália, encontrando-se ora com sua santidade, ora com a majestade cesárea, ora com
a majestade católica, ora com outros príncipes. E nessas viagens, acolhi-o muitas
vezes no nosso convento de Milão, enquanto ele ia e vinha.
Sei que esse padre Brindisi, com a ajuda da graça divina, tanto fez e tanto disse
que a Santa Sé Apostólica e as duas citadas majestades cesárea e católica e o
Sereníssimo da Baviera e outros príncipes eclesiásticos e seculares, se convenceram
a realizar muitas coisas em favor da manutenção e propagação da fé católica e
dispuseram-se a acrescentar aquela santa Liga Católica, de onde nasceu tanto bem,
especialmente para o Império e para a Alemanha, como hoje se vê.

1585. O costume normal desse padre, quando viajava no tempo de seu


generalato, era primeiramente manter silêncio, durante o qual cada um de nós, seus
companheiros, se dedicava às próprias devoções. Quando já tínhamos caminhado um
pouco, começava o padre a discorrer sobre Deus e passagens da Sagrada Escritura
com tanta autoridade, que parecia conhecê-la toda de cor como o Pater noster. Com
estas reflexões, ficávamos todos nós inflamados.
Nas suas palestras, esse padre teve ocasião de argumentar em língua hebraica,
da qual se mostrava grande conhecedor. E em Tolosa, França, vendo o padre alguns
386

escritos em hebraico, perguntou quem os havia feito; ouvindo que tinha sido um frade
estudante nosso, chamou o frade e lhe demonstrou sua satisfação.
Era seu ofício próprio, quando os estudantes tinham concluído os estudos e
estivessem aprovados, prepará-los para pregadores a fim de, por estes meios, manter
e propagar a fé católica e salvar as almas. Entre outras vezes, recordo-me
especialmente de que, em Barcelona, por ocasião da visita e capítulo provincial,
havendo alguns estudantes para assumir a pregação, ele os examinou; e, neste
exame, descobriu-se tanta doutrina nesse padre que foi considerado e chamado de
outro Santo Tomás.

1586. Quando o padre via algum enfermo ou atribulado, comovia-se


profundamente e, para ajudar e consolar essas pessoas, fazia todo o possível. Isso
experimentei também em causa própria, isto é, quando fiquei doente na Calábria e
Sicília. Sei ainda que o padre não podia tolerar certas desumanidades; mesmo que a
pessoa fosse culpada, fazia diferença entre o erro e a pessoa. Quanto ao vício, o
abominava fortemente e, se fosse o caso, o padre tornava-se um fogo ardente ao
censurar o vício. Quanto às pessoas, mostrava benignidade e piedade em favor dos
delinqüentes e, assim, procurava que o vício fosse mais detestado e, acima de tudo,
Deus fosse amado.

1587. Era muito zeloso contra as construções sofisticadas e castigava aqueles que
tivessem cometido excesso e mandava que se retirasse tudo o que fosse contrário à
santa pobreza. Lembro-me de que ouvi de sua própria boca que, quando foi provincial,
antes de ser geral, proibiu em certo convento que se fizessem sobre as celas umas
coisas que ele julgava desnecessárias. Quando o padre viajou, o frade não observou a
ordem dada. Ao voltar ali àquele convento, mais uma vez, encontrou aquela confusão,
pois o pobre frade estava quase morrendo e dizia: "Tirem esta cal que me está
queimando".

1588. Era muito devoto quanto à missa e jamais a deixava de rezar nem por
enfermidade, nem por outro motivo; o que presenciei aqui em Munique, enquanto ele
estava aqui e eu também ainda estava aqui: Embora sofrendo de gota nos pés, gota
quirarga nas mãos e com febre, queria de qualquer jeito celebrar missa e era preciso
carregá-lo até à capela de baixo, onde costumava celebrar missa e fazer suas
orações, separado dos outros frades; precisava, antes, ajeitar-lhe as faixas com que
eram envoltas as mãos e deixar livres os dedos para poder segurar a hóstia sagrada;
e quando era revestido dos paramentos sacerdotais para a missa, ficava em pé,
embora não conseguisse nem um pouquinho se mexer quando estava na cama; e ali,
no altar, ficava de pé, às vezes duas ou três horas, ou mais ou menos esse tempo. Já,
ao terminar a missa, não conseguia ficar em pé e era preciso transportá-lo numa
cadeira até à sua cela.

1589. Uma vez, entre outras, atravessando a ponte para ir ter com a senhora Dona
Maria de Prenestein, que tinha mandado a ele algumas baronesas hereges para que o
padre as esclarecesse sobre a verdadeira fé - como fazia continuamente com barões e
outros, de acordo com as ocasiões apresentadas - fomos encontrados no meio da
ponte por alguns boêmios, em número de cinco ou seis, que pegaram o padre pela
barba e um deles o jogou no chão e começou a dar-lhe pontapés, como fizeram
também os outros. Outro pegou-me pelo capuz para me fazer a mesma coisa, mas,
sendo eu um pouco mais forte, não conseguiu fazer nada; só procurava, com palavras,
pedir-lhes que deixassem em paz o pobre padre.
Enquanto estávamos nestes apuros, apareceu, do outro lado da ponte, um
sobrinho do núncio Spinelli, que ia com dois servos ao colégio dos padres jesuítas. Um
dos servos começou a gritar: "Senhor João Batista, estão matando o padre!" E
correndo os dois servos, dos quais não sei o nome, com espadas na mão, os boêmios
387

fugiram; e assim saímos daquele perigo. Ajudei a levantar o padre. Neste momento,
chegou aquele senhor e, perguntando-lhe se o haviam machucado, respondeu: "É
isso! Por simplicidade, maltrataram-me!".

1590. Próximo do carnaval, chegou para o padre uma carta de Viena, dizendo que
os pobres frades que restavam, estavam sendo molestados demais e angustiados
porque, de algumas janelas mais altas, às duas ou três horas da madrugada, havia
disparadas de arcabuzes. E uma tarde daquelas, estavam todos os frades ali em volta
de uma mesa redonda estudando alemão, veio um tiro de arcabuz e, se Deus não
tivesse feito Frei Júlio de Veneza ter-se levantado antes, ter-lhe-ia atravessado a
cabeça de lado a lado.
Ao saber desses problemas, o padre, com sua costumeira caridade, se dispôs a
viajar até Viena, não obstante fosse uma longa viagem, grande a quantidade de neve
e a estrada quase desconhecida. Todavia, não conseguia ficar tranqüilo, se não fosse
consolar aqueles pobres frades, perguntando-nos nossa opinião, dissemos-lhe que
aquele tempo era de morrer e poria em risco tanto bem que se poderia fazer: "Vossa
paternidade poderia escrever um carta para consolá-los e, logo que houve um tempo
mais ameno, iria ter com eles". Foi o que ele fez depois.

Beato Jeremias de Valacchia

1591. Nascido em Tzazo (Valacchia), em 29 de junho de 1556, e falecido em Torre


del Greco, no dia 5 de março de 1625. Heróico enfermeiro, pelo espaço de quarenta
anos na enfermaria de S. Eframo Nuovo em Nápoles. Introdução da causa em 1627 e
beatificação no dia 30 de outubro de 1983.

I frati cappuccini III/2, 5115-51-95

1592. A partir de mais ou menos dezenove anos de idade, motivado interiormente


pelas palavras de sua mãe a lhe dizer que na Itália estavam os verdadeiros e bons
cristãos, onde também está o papa, o Deus na terra, expondo-lhe muitas coisas sobre
a glória do paraíso preparada para os bons cristãos e sobre as grandes penas do
inferno reservadas para os maus, resolveu - atemorizado diante desses castigos
infernais - abraçar todos os meios possíveis para evitá-los e, de qualquer modo, ir para
a Itália, onde se encontravam os bons cristãos. Comunicando sua boa intenção em
primeiro lugar à sua mãe, obteve sua licença e muitos documentos por ser um homem
de bem; e, entre outras coisas, que agisse sempre bem porque pouco interessava ser
cristão e não fazer as boas obras como cristão.
Partiu para a Itália, levando consigo, para as necessidades da viagem, não mais
que cerca de dois ducados; esgotados esses em pouco tempo, foi obrigado a pedir
esmola pelo caminho, trabalhando como operário onde encontrava, a fim de
sobreviver. Finalmente, enfrentando as dificuldades, chegou à cidade de Bari, onde se
deteve por algum tempo, observando os costumes dos cristãos da Itália; mas esses,
não lhe parecendo da maneira como lhe tinha dito a sua mãe, tomou a resolução de
voltar para a sua pátria. E, de fato, encaminhou-se para a costa para embarcar; mas
um velho, desconhecido para ele, pondo-se diante dele, lhe disse: "João, aonde vais?"
Ele respondeu: "Volto para minha pátria, porque não encontro aqui na Itália bons
cristãos, como me haviam falado". Replicou o velho: "Eu te aconselho que tomes o
caminho de Nápoles, Roma e da Casa Santa de Loreto".

1593. O próprio Frei Jeremias disse-me que imaginava ser aquele velho uma
pessoa mandada por Deus para lhe dar aquele conselho, "ensinando-me tudo o que
eu devia fazer naquela viagem", porque, ao virar-se Frei Jeremias, não viu mais o
velho na larga praça, onde lhe tinha dado o conselho. Aceitando o conselho do velho,
tomou imediatamente o caminho para Nápoles e, se bem me recordo do que ele me
388

disse, propondo a si mesmo fazer-se religioso na religião da qual encontrasse os


primeiros religiosos que lhe agradassem.
Chegando à cidade de Nápoles, encontrou-se logo com padres capuchinhos;
edificado pelo hábito e comportamento deles, recorreu logo aos superiores, pedindo
insistentemente o nosso hábito, com o qual vestindo-se, fez o noviciado no nosso
lugar chamado Sessa; e, depois, a profissão, vivendo santissimamente toda a sua vida
para edificação de toda a nossa religião e com fama de santo. Tudo o que relatei, ouvi
dele mesmo em diversos lugares e épocas, em particular e em público, na presença
de diversas pessoas.

1594. Para melhor servir-lhes [aos frades enfermos] e com maior solicitude,
ocupava uma cela bem perto deles para ouvir mais facilmente, de dia e de noite,
quando chamassem ou precisassem de alguma coisa, dormindo, às vezes, na própria
cela do doente para melhor atendê-los, mesmo com algum desconforto.
Sei que serviu, entre outros, ao padre Basílio de Giffuni, completamente aleijado
de mãos e pés pela gota, tanto que quase não podia movê-los nem alimentar-se com
as próprias mãos, por isso ele o ajudava para comer e o acomodava no leito conforme
precisava; além disso, sofria este enfermo de uma doença no estômago, precisando
de um pouco de vinho forte; e como o vinho normal da mendicância, muitas vezes,
não lhe resolvia o problema, Frei Jeremias, quando saía do convento, sempre
conseguia para ele um frasquinho, com revolta dos esmoleres, os quais o
repreendiam, dizendo que lhes estava perturbando a mendicância, dando
preocupação a mais aos benfeitores; porém, ele, não se preocupando, fazia com muito
prazer esta caridade, usando um vidrinho sem gargalo; por isso, ele o chamava de
bandido. E quando o levava àquele enfermo, dizia-lhe, brincando e rindo para consolá-
lo: "Fica feliz, pois eu te trago o bandido, mas levei uma tremenda reclamação dos
esmoleres".

1595. Costumava dizer que as nossas obras não valem nada, se não são
baseadas nos méritos e sangue de Cristo nosso Senhor e em sua puríssima Mãe e
que não foi jamais prejudicado por ter deixado pai, mãe e pátria e se entregado a
nosso Senhor, o qual se encarregaria de dar-lhe meios para conseguir a salvação
eterna de sua alma; e tudo isto mostrava com rosto alegre, a ponto de causar
admiração a todos que com ele conviviam, pois era visto sempre com aquele rosto
alegre e feliz; suas obras e palavras eram condimentadas com esta alegria do espírito,
consolando a todos e exortando para a santa esperança e confiança em Deus, o
grande Pai, que é tão bom Senhor e remunerador.
Conseqüentemente, quem conversava com ele sentia-se alegrar imensamente; eu
mesmo o provei várias vezes, pois me sentia enlevado no amor de Deus; e, tendo
saído diversas vezes do convento em companhia dele, com obediência para visitar
doentes, quando entrava em alguma casa de senhores, seculares ou outros, mesmo
havendo religiosos diversos e importantes, todos se levantavam à chegada de Frei
Jeremias; e das palavras simples de Frei Jeremias brotavam maravilhas, ao dar
àqueles enfermos, com tanta simplicidade, a coragem para confiarem em nosso
Senhor, pois, saboreando o fruto de suas palavras, sentiam-se enlevados e aliviados
de seu mal.

1596. Era hábito seu, ao ser solicitado para ensinar alguma devoção ou oração,
dizer sempre que se recitassem o Pater noster e a Ave Maria com devoção, porque as
sete petições do Pater noster englobam tudo o que é necessário para a alma e para o
corpo e não se poderia ser melhor, pois foi composta pela boca de Cristo. Ia também
refletindo sobre estas palavras Pater noster qui es in coelis124e dizendo que

124
Trad.: Pai nosso, que estás nos céus.
389

abraçavam ut supra125, dizia-nos tantas coisas que nos extasiavam; falava que nosso
Senhor a havia feito breve, para que se pudesse repetir com freqüência e que a Ave
Maria tinha sido feita pelo anjo; eu o via muitas vezes repetir aquele Dominus
tecum126.

1597. Frei Jeremias contava-me que, quando era rapazinho, guardava os animais
de seu pai; e que, no tempo de quaresma, quando os outros jovens companheiros
consumiam laticínios, ele comia pão seco e não tomava leite. Os outros diziam que ele
era fingido e que comesse sem se preocupar; e ele se calava; mas um sacerdote o
defendeu quando disse àqueles jovens: "Se soubésseis quanto mérito tem isso: que,
enquanto pode consumir laticínio, faz mortificação por amor de Deus e não usa, não
falaríeis deste modo". Com essas palavras do sacerdote, ele ficou confortado. Além
disso, já o disse acima, ele jejuava em devoção a São Pedro e São Paulo e fazia
outras quaresmas persuadido por sua mãe.
Frei Jeremias costumava jejuar, durante todo o tempo que o conheci entre nós - e
ouvi dizer que já o fazia antes de receber o hábito - durante todas as quaresmas em
que usava jejuar o nosso pai São Francisco, que, todos sabem , tomam quase o ano
todo; ordinariamente, comia pão, verduras e favas e, muitas vezes, aproveitava o pão
que sobrava dos doentes. Quando era mais jovem, comia verdura de preferência crua;
mas quando ficou mais velho e sentia-se pior de estômago e fraqueza nas pernas, por
causa disso, comia mais as favas com polpa de frutas, que ele dizia darem-lhe mais
força.

1598. São coisas que presenciei; e, muitas vezes, voltávamos de fora atrasados e
exaustos e ele não encontrava nada na cozinha; nessas quaresmas extraordinárias ou
preparava um pouco de verdura ou comia somente pão e vinho e com tanta alegria,
dizendo que nem o imperador se sentia como ele. Comia ainda um peixinho.
Fora destas quaresmas, comia alguma coisinha à tarde, porém pouco. Nunca
comia carne, exceto alguma vez, em festas solenes ou no carnaval, uma ou duas
vezes, mas logo via-o reclamar que lhe fazia mal ao estômago. Estas suas favas com
polpa de fruta faziam-no eufórico e dizia que eram boas; e os frades viam-no passar
com aquelas favas, indo para a enfermaria, porque também os enfermos, às vezes, as
procuravam e ele, com muito prazer, lhes dava um pouco a cada um, como presenciei
diversas vezes e percebi que, muitas vezes, Deus lhes dava, de fato, um sabor
agradável. Resumindo, foi um homem de grande abstinência e feita por ele com
grande alegria; isto é conhecido publicamente, não somente por mim, mas por todos
os frades e ainda por outros seculares: as favas de Frei Jeremias.

1599. Frei Jeremias disse-me e, como soube, contou a diversas pessoas, em


vários lugares, tempos e ocasiões, como, encontrando-se em companhia do seu pai
em seu país, viu alguns pássaros voando no ar e seu pai lhe disse: "Vê como voam
estes pássaros? Assim voam os monges para o paraíso". Desde então, ao ouvir isso,
fez o propósito de se tornar monge. E contou-me também como, quando era pequeno
em seu país, apareceu-lhe um velho, que não tinha visto antes e, depois de olhá-lo
durante algum tempo, lhe disse: "Tu terás que ir a países longínquos do meio-dia, mas
com alegria e hás de servir um grande senhor, mas serás bem pago". Disse-me
também que, por causa disso, partiu do seu país para vir à Itália, sem dizer a ninguém
onde queria ir.

1600. E assim, depois de sua morte, embora não faltem bons frades que, a seu
exemplo e por caridade, fazem a mesma coisa, contudo, a ser como Frei Jeremias,
quem poderá chegar? Temos chorado muitas vezes como se tivesse sido nossa mãe;

125
Trad.: como acima.
126
Trad.: O Senhor esteja contigo.
390

sei disso por ter estado na família, juntamente com ele, na casa de Concezione; vi isso
com meus próprios olhos e é de conhecimento público e sabido por todos os frades.
Pela caridade que fez, juntamente com Frei Pacífico de Salerno, por ordem dos
superiores, indo a Torre del Greco, distante de Nápoles cerca de oito milhas, para
visitar o então enfermo senhor João de Avalos, adoeceu com pleurisia por causa do
tempo muito ruim e estação fria e ventosa; e assim, com aquela enfermidade e febre
maligna juntas, veio a falecer; e sua alma partiu, como acredito, para gozar os frutos
de sua grande caridade. Isto aconteceu pelo fim de fevereiro e ele morreu no princípio
de março do ano 1625.

1601. Uma vez, indo como companheiro dele à casa do senhor príncipe de
Stigliano, encontramo-lo juntamente com a senhora princesa, a qual perguntou a Frei
Jeremias como era feita a alma. Ele respondeu que era invisível e impalpável,
substância espiritual com memória, inteligência e vontade. A princesa respondeu: "Isto
eu já sabia, mas eu queria saber como poderia criar um conceito ou formar uma
imagem para entendê-la bem ou compreendê-la". Frei Jeremias respondeu: "Vossa
excelência está vendo este ar, que cor tem?" A princesa respondeu: "Não tem cor".
"Vossa excelência vê se pode pegar-lhe um pedaço". A princesa respondeu: "Se é ar,
como quereis que lhe pegue um pedaço?" Frei Jeremias respondeu: "Se disto que é ar
e é corpo, não podeis pegar um pedaço e não tem cor, como quereis que eu mostre a
alma que é espírito, que não é visível nem palpável?" Aí, o príncipe levantou-se
dizendo: "Santo Tomás não poderia ter dito melhor para satisfazer o raciocínio da
princesa".
Uma vez, no claustro de Concezione, nesta cidade, estava Frei Jeremias
contemplando o céu, dizendo: "Ó grandeza de Deus!" Perguntado por mim de que se
encantava, respondeu: "Estou maravilhado com a grande capacidade que Deus
concedeu ao nosso olho capaz de poder ver a oitava esfera, digo mais: veríamos o
céu empíreo se Deus não nos tivesse dado a visão aqui na terra? Ele fez isto para que
nos inflamássemos no anseio de vê-Lo e de ir para o paraíso".

1602. Que Frei Jeremias confiasse grandemente na bondade de Deus e na


clemência da Virgem bendita, que ele com voz amorosíssima costumava chamar
"Mãezinha nossa", eu sei por meio dele mesmo, pois assim exortava continuamente
os outros a essa confiança. E, encontrando-me eu com ânimo angustiado, procurava
desabafar-me com ele e o motivo era por ele manter sempre um semblante alegre e
um rosto radiante. Cada um que sabe os efeitos da esperança e confiança e a raiz de
tal esperança e confiança, que é sentir - como se deve sentir - a bondade e perfeição
de Deus, sabe quanto é verdade o que se contém neste assunto. Que ele, com aquele
seu semblante alegre e sempre feliz, fizesse alegrar aqueles com quem se relacionava
era experimentado por quem quer que fosse.

Beato Bento de Urbino

1603. Nascido em Urbino, no dia 13 de setembro de 1560, e falecido em


Fossombrone, no dia 30 de abril de 1625. Zeloso pregador popular e grande penitente.
Beatificado por Pio IX, em 10 de fevereiro de 1867.

I frati cappuccini III/2, 5196-5223

1604. Antes de professar, fez testamento e deixou boa parte de seus bens aos
pobres; por sua vontade, teria deixado tudo, mas pelo fato de encontrar-se a sua
família, naquela época, em situação de alguma necessidade, esse motivo o fez
desistir; e reclamando os seus irmãos, achando que ele tinha feito demais, replicou
que seu voto seria deixar tudo por amor de Deus, mas por compaixão deles, tinha
doado só aquele tanto.
391

1605. Saía para a mendicância com boa vontade e, quando era guardião, saía
uma vez por mês. Tendo lhe dito alguém, em Cagli, que era muito peso para ele,
respondeu que era melhor carregar o peso do pão que de pecados. Se acontecia
parar em algum lugar, não continuava nunca se antes o companheiro - mesmo leigo e
jovem - não lhe dissesse primeiro: "Padre, vamos". Então, colocava imediatamente o
alforje sobre os ombros, sem dizer palavra; fato este percebido também com
freqüência pelos seculares, com grande edificação para estes.
Ordenava ao companheiro, onde não era conhecido, que não dissesse que era ele
o guardião, seja para evitar as reverências, seja também para não ser tido como
espiritual e humilde, ao fazer semelhantes práticas. Varria a casa, abria a porta da
igreja e, pela manhã, as janelas, na hora certa; dava uma mão a qualquer serviço,
como se fosse um simples leigo.

1606. Brilhava neste bom padre uma simplicidade de coração tão grande que
parecia levar o coração nas mãos; e contava com a maior simplicidade o que lhe
acontecia, vivendo muito longe de fingimento e hipocrisia; não podia acreditar que os
outros não se comportassem com simplicidade, por isso julgava a todos como santos,
incapaz de suspeitar algo mau no próximo, se não o visse com os próprios olhos, mas,
nesse caso, desculpava a intenção.
Conversando com ele o padre Frei Clemente de Noto, quando era Geral, disse que
ele parecia um São Bernardino e que tinha descoberto nele a simplicidade da pomba
e, na verdade, esta virtude dele era admirável; desta pode-se entender a pureza de
seu coração e a transparência de sua consciência.
Era imparcial com todos: tanto agia com o menor dos leigos ou clérigos, quanto
com qualquer padre emérito, com exceção da posição de superior ou o mérito maior
ou menor da virtude e bondade, da qual fazia particularíssima estima. Era de tal
maneira grato pelos benefícios, mesmo pequenos, que jamais os esquecia e, mesmo
depois de muito tempo os retribuía em toda ocasião e agradecia aos benfeitores por
eles; daí pode-se concluir quanto fosse grato a Deus bendito e como lhe agradecia
continuamente pelos benefícios, não só correspondendo aos recebidos, como também
tornando-se digno de outros por meios destes.

1607. Tinha grandíssima caridade para com o próximo, principalmente para com
os doentes, os quais visitava com prazer, tanto dentro quanto fora da religião; e,
quando era superior, não deixava de providenciar tudo para eles, com toda caridade
paterna, servindo-lhes pessoalmente, mesmo nos serviços mais difíceis e asquerosos.
Era de grande caridade para com os pobres e queria que sempre lhes fosse dada
uma esmola, especialmente aos idosos e os mais necessitados. Na quaresma,
ordenava ao companheiro que não mandasse embora nenhum pobre sem alguma
coisa e, quando não tivesse outra coisa, pelos menos lhe desse uma noz; tamanha era
a caridade para com eles.
Quando falecia algum de nossos frades, além de celebrar a missa por ele, como
mandam as nossas constituições, ele rezava também os três noturnos dos mortos e,
muitas vezes, imediatamente após receber a notícia. Quando algum frade tinha
cometido alguma falta, usava com ele a correção fraterna, fosse quem fosse, mesmo
em pequenas coisas, como por exemplo: quem faltasse às ladainhas ou outras atos da
comunidade, quem omitisse o nome de algum santo ao recitar as ladainhas, quem
deixasse de dizer a missa. Agia da mesma forma com os padres e outros religiosos,
quando não faziam bem as coisas e cometiam erros nas ações pertencentes ao culto
divino.

1608. Sua vida era uma contínua oração, porque, além das duas horas ordinárias
da religião, ele se levantava, à noite, sempre ao menos uma hora antes dos outros e,
muitas vezes, duas; depois voltava a repousar meia hora ou um pouco mais e logo
392

retornava à igreja, que ele dizia ser a nossa vinha, e ficava ali até à hora da oração,
preparando-se para rezar a missa. Depois voltava para o ofício e permanecia até que
terminassem todas as missas.
Era grande devoto da cruz, por isso a reverenciava e beijava por completo,
principalmente no início e no topo da escada do dormitório, todas as vezes que
passava; a mesma coisa fazia com a beatíssima Virgem, tendo alguma no breviário,
que ele beijava muitas vezes, em suas devoções durante o dia.

Venerável Francisco de Bérgamo

1609. Nasceu em Berbenno (Bérgamo), em 1536, e faleceu em Roma, no dia 2 de


outubro de 1626. Mestre dos noviços e homem de grande caridade e austeridade.
Introdução da causa: 24 de setembro de 1785.

I frati cappuccini III/2, 5223-5272

1610. Tendo sido ordenado a mim, Frei Francisco, bergamasco, sacerdote


capuchinho, pelo muito reverendo padre Frei Salvador de Todi, provincial da província
de Roma, que lhe desse um relatório minucioso do andamento de minha vida, tanto no
século como na religião, por isso, obrigado por esse mandamento, como filho da
obediência, embora contra a minha vontade, relato quanto segue:
Meu nascimento foi na região de Bérgamo, no Val di Magna, por volta de 1536,
paróquia de Santo Antônio de Berber, e ali fui batizado com o nome de Gioan
Francesco. Meu pai chamava-se Pietro Passeri e a minha mãe, Felicita, do mesmo
lugar; ali permaneci até os treze anos, aprendendo a ler e escrever. Depois, meu pai
chamou-me para Ancona, onde tinha uma loja de panos, e fiquei nessa profissão até
1557. Depois, meu irmão mais velho, que tinha uma loja em Roma, chamou-me a fim
de ir a Roma para ajudá-lo; e, como desejava esta oportunidade de ir a Roma, parti
sem licença de meu pai, para me livrar da ocasião de uma má companhia.

1611. Chegando a Roma, e percebendo que meu irmão mantinha uma vida
espiritual, confessando-se com o beato Felipe, da Chiesa Nuova, e comungando
algumas vezes por semana e, vendo o bom exemplo da vida dele, quis eu também
imitá-lo e, assim, comecei a confessar-me com o mesmo beato Felipe e pôr-me sob
sua direção.
Nessa ocasião, sendo eu chamado por Deus para a religião dos capuchinhos,
perguntei àquele beato se poderia ajudar-me, apresentando-lhe este meu desejo; e ele
me disse que não era a religião para mim e que eu não teria conseguido suportar; e
me propôs outras religiões que não fossem tão rigorosas; mas eu não conseguia
interessar-me por outra religião senão pela dos capuchinhos.
Comecei a freqüentar a casa dos capuchinhos e confiar aos padres este meu
desejo; porém, também eles me diziam a mesma coisa, que a minha compleição não
conseguiria resistir aquela vida.

1612. Por fim, continuando eu um ano deste jeito e vendo o beato Felipe minha
perseverança nesta vocação, interessou-se para que eu fosse recebido e assim fui
acolhido na ordem pelo padre geral Frei Tomás de Castello e pelo Padre Provincial
Frei Francisco de Nápoles; e recebi o hábito no dia 17 de março de 1560, em Tívoli,
sendo guardião o padre Frei Ptolomeu de Crema. No ano do noviciado, sofri grande
tentação de ser leigo, julgando-me insuficiente para o ofício de clérigo; e, confiando
este meu desejo ao padre guardião mais de uma vez, ele não concordou e até me
disse que, se eu lhe falasse mais nisso, me daria minhas roupas e me mandaria
embora. A tal tentação desapareceu.
393

Concluído o noviciado, no mesmo dia 17 do ano seguinte, emiti a profissão e fui


mandado pelo capítulo para Rieti, onde fiquei três anos e meio. Neste tempo, recebi as
ordens menores e a Epístola, em Orte; depois fiquei dois anos em Aquila e recebi o
Evangelho; e daí a cinco anos e meio a Missa.

1613. Foi-me dada, então, obediência para ir a Roma, no tempo de Pio V e fui
mandado para fazer parte da família na casa de Aspra; fui eleito discreto local pelo
capítulo e, por esse capítulo, nomeado guardião de Monte San Giovanni, por dois
anos, onde me aconteceu uma coisa: havendo nos anos 1570-1571 grande carestia, a
ponto de se comer pão de bolotas de carvalho e verduras e não se encontrar trigo
para comprar, em vista das necessidades que sofriam os pobrezinhos, ordenei que do
pão que chegasse em casa se partisse cada um em quatro partes e se desse um
pedaço a cada um de todos que viessem pedir esmola, da maneira como dispus seria
mais pão que se distribuía do que o que chegava em casa, porque os esmoleres
traziam poucos e se distribuíam muitos.
E um dia o encarregado procurou-me e me disse: "Padre, os frades estão
reclamando de vossa paternidade". E perguntando-lhe eu "de que?", disse: "Por que
se distribui tanto pão na portaria e não se acha mais nenhum". E eu lhe perguntei se
havia pão para a manhã, respondeu: "Acho que não, não haverá bastante". E eu, indo
com ele, para ver o pão que havia, entrando na despensa, encontrei uma grande
quantidade de pão e lhe disse: "Por que reclamas, se há tanto pão?" Ele me afirmou,
dizendo: "Padre, quando eu fui lá em cima encontrar vossa paternidade, não havia
estes pães". O frade era Frei Francisco de Piperno. Assim, percebeu-se que
milagrosamente se multiplicava o pão em casa.

1614. Depois que parti de Monte San Giovanni, fui nomeado guardião de Anticoli
durante um ano e, assim, os padres me deram, seguidamente, o cuidado da casa dos
professos e dos noviços. A partir de 1581, fui nomeado confessor das monjas em
Roma durante cinco anos, e três anos, das monjas de Sena.
Encontrando-me, uma vez, em Rieti como guardião dos noviços resolvi, com ajuda
dos noviços, fechar uma parte do terreno, fazendo um muro, onde se achava uma
grande pedra mais alta que uma pessoa. Mandei dois noviços descalçá-la em volta
para tirá-la daquele lugar. Vendo que já se tinha cavado bastante e já estava no jeito
de cair, com medo que ela fosse parar numa plantação de trigo que estava embaixo e
a estragasse, pois o trigo já estava maduro, corri e a firmei com a mão para segurá-la;
mas visto já ter começado a inclinar-se, o grande peso me jogou por terra e me
passou por cima; porém, não obstante aquele peso, parecia que fosse de algodão, e
pela graça de Deus não me fez mal algum.

1615. Em Subiaco, quando era guardião o padre Frei Desidério, piemontês, para
abrir o caminho em direção à fonte, eu tinha que cortar um tanto de um barranco;
como era alto, subi numa escada e cortei um bom pedaço que não dava sinal de estar
para cair; mas senti interiormente uma inspiração que me mandava ir ver o que estava
fazendo o padre guardião, que trabalhava com os noviços; e, saindo, em menos de um
De profundis desabou todo aquele barranco, acabou com a escada e fez uma grande
ruína. O Senhor quis preservar-me daquele perigo, ao enviar-me aquela inspiração.
Quando eu era presidente da casa na Ilha Bisentina, disse-me Venâncio Fabro
que fosse ver um filho seu, em Capo di Monte, que estava muito mal e em fase
terminal. Fui vê-lo e o acariciei um pouco, pois era pequenino. O menino ficou curado,
de modo que Venâncio e a mulher começaram a dizer que o menino estava morto e
que eu o havia ressuscitado. Mas o fato não foi assim, porque, quando eu lhe falava e
o tocava, estava vivo e não morto e, depois de algumas semanas, morreu.

1616. Em Scandiglia, a nora de um capitão, tendo uma doença nos olhos, quis que
eu lhe fizesse sobre eles o sinal da cruz; depois, disse-me o capitão que estava
394

curada. Em Genazzaro, tendo a neta do capitão, que estava possessa de espíritos,


recebido um de meus rosários, disseram-me que, enquanto o levava consigo, não lhe
vinham mais e ficavam quietos; mas, depois que o perdeu, começaram a perturbá-la.
Conseguindo um outro, voltava como antes. Se foi assim ou não, não digo nada.
Como da parte de muitas e muitas pessoas e em vários lugares fui solicitado,
muitas vezes, para fazer o sinal da cruz sobre alguma doença que sofriam e, diante da
insistência delas, quando isso era feito, dizendo "Eu te assinalo e Deus te cure",
muitíssimas pessoas me contaram que tinham conseguido a graça do Senhor por sua
misericórdia, não por meus méritos; como casos de escrófulas e outras enfermidades,
embora tocando uma pessoa com escrófulas que não estavam arrebentadas, mas
tinha bolhas que não sei se eram de escrófulas. Quanto a mim, sei que estou cheio de
imperfeições e defeitos.

1617. Indo a Gallicano, partindo de volta para Penestrina, veio atrás de mim uma
mulher, pedindo-me para parar e esperá-la. Chegando perto de mim, pôs-se de
joelhos e pedia-me que lhe fizesse o sinal da cruz sobre o nariz, onde sofria de um
mal. Depois de lhe opor resistência, por algum tempo, a benzi; comigo estavam quatro
homens que me acompanhavam durante uma parte - não me recordo quem eram,
mas me parece que era gente parente do padre Francisco de Gallicano. Disseram-me
depois que aquela mulher ficou curada e que o mal era um cancro.
Além de outros lugares, fui também guardião um ano em Piperno; em Rieti, na
casa antiga, dois anos com os noviços; na casa nova, dois anos; em Aspra, com os
noviços, dois anos; em Palanzana, com os noviços, três anos; em Penestrina, com os
noviços, dois anos e outros dois com os professos; em Anagni, com os noviços, dois
anos; em Subiaco, com os noviços um ano e com os professos, um; em Orvieto um,
em Viterbo um, em Ronciglione um, em Cività Castellana dois, em Cività Ducale um,
em Scandiglia dois; confessor das monjas em Roma, cinco anos; das monjas de Sena,
três anos e três meses.
Eu, Frei Francisco, bergamasco, confirmo tudo como acima.
Eu, Frei Francisco de Carpineto, atualmente guardião da casa de Penestrino,
escrevi o conteúdo acima de verbo ad verbum127 conforme pelo padre Frei Francisco
bergamasco me foi dito, etc.

1618. Soube também que, nos capítulos provinciais que se realizam todo ano,
sendo perguntado pelos frades como se comportavam os seus noviços, dos quais era
ordinariamente ora guardião ora mestre, sempre respondia com um sorriso na boca:
"Todos são melhores do que eu". Isto ouvi, particularmente, do padre Frei Antonio de
Felmi, atualmente vigário do nosso convento de Roma.
Mostrava humildade ao vestir-se pobremente e mal apresentado e, principalmente,
nos serviços servis e humildes, lavando as vasilhas na cozinha, indo para à
mendicância, capinando o pomar ou fazendo outros serviços comuns, embora fosse
guardião idoso e muito respeitado pelo conceito de santidade, como ouvi dos frades
que conviveram com ele em família e, em particular, do padre Frei Antônio de
Bergamo, sacerdote nosso.
Eu, levado pela opinião comum, enquanto era provincial, achei por bem mandar-
lhe, como preceito em virtude da obediência, que relatasse as coisas mais importantes
de sua vida, desde o tempo em que se tornou religioso, e das coisas mais notáveis
que lhe aconteceram na religião, como de fato o fez, como se vê num papel escrito
pelo padre Frei Francisco de Carpineto, seu guardião em Palestrina e assinado pelo
mesmo padre Frei Francisco, de própria mão, folha que está em poder do Padre
Provincial, ao qual me refiro.

127
Trad.: palavra por palavra.
395

1619. Conheci este padre Frei Francisco de Bergamo. A primeira oportunidade foi
em Bagnaia, onde ele era guardião e fazia parte da família e fazia a “quéstua”; e,
sendo aquele ano de '91 de grande carestia, desconfiava da ordem recebida daquele
padre de dar continuamente esmolas, porque não se poderia atender a todos; e
ficando aquele padre sabendo de minha desconfiança, chamou-me à parte do povo e
disse: "Não fiques desanimado, mas atende e distribui as esmolas como te disse, que
Deus providenciará".
E toda manhã ele tinha ordenado que se preparasse, e, de fato, assim se fazia,
uma grande caldeirão de legumes e verduras, para se dar de manhã aos pobres que
costumavam vir todo dia, em número de mais de cem; para alguns ainda mais
carentes acrescentava-se também um pouco de pão; e assim continuou durante todo
o inverno. Uma certa manhã, avisando ao padre que não havia pão, ele me disse:
"Fica tranqüilo que Deus providenciará". E, antes que chegasse a hora do desjejum,
veio um de Viterbo com um animal trazendo um saco de pão comum e um peixe, não
sei qual, que não me recordo da parte de quem foi enviado, e assim lhe supriu aquela
necessidade.

1620. No mesmo lugar acima, onde permaneci três anos contínuos enquanto ele
era guardião, posso testemunhar que continuamente afluíam pessoas com muitas
necessidades e enfermidades à procura desse padre e todos partiam consolados, por
terem obtido alguma graça; eu o ia chamar continuamente, reclamou comigo para não
chamá-lo tantas vezes ou se não poderia moderar um pouco e eu lhe repliquei: "Meu
padre, não se pode fazer outra coisa senão de intermediário para as suas
necessidades".
Outra vez, creio que já faz agora dez ou mais anos, encontrando-me na família de
Scandriglia, onde ele era o padre guardião, um dia, enquanto estávamos empenhados
em cercar o convento e fazer algumas muretas de pedra a seco, esse padre, que as
estava levantando, mandou que eu subisse na montanha acima das muretas e
cavasse em volta das pedras; enquanto eu ia cavando, procurava deixá-las cair em
baixo devagarzinho, para não atingir o padre; mas veio-me uma pedra grossa que não
daria para ser abraçada por dois homens; esta me escapou a ponto de eu não
conseguir segurá-la com as mãos.

1621. Avisei imediatamente ao padre que tomasse cuidado porque ela descia
precipitando-se em direção ao padre, o qual, avisado e vendo a pedra que vinha em
cima, levantou as duas mãos contra a pedra e lhe disse: "Onde estás querendo ir?
Para aí mesmo". E a pedra parou, mas naturalmente, por ser o lugar inclinado, não
poderia parar, enquanto as outras iam até embaixo no pé da montanha. Eu ouvi
aquelas palavras ditas pelo padre e vi, com meus olhos, tudo isso e fiquei
maravilhado; dizendo-lhe eu: "Padre ancião, escapastes de um grande perigo", ele,
sorrindo, me falou que não dissesse nada, como de fato o fiz até à sua morte; e fui
chamado aqui para testemunhar o que sabia sobre este padre.
Neste acontecimento que contei, estavam presentes dois outros frades, dos quais
um se chamava Frei Vittorio Milanese, pedreiro, e o outro não recordo, atualmente
falecidos, os quais também ficaram cientes disto; e a mesma proibição que fez a mim,
fez também a eles.
396

Expansão da Europa

Lázaro Iriarte
Tradução de Mauro Strabelli
397

Os Capuchinhos na França

1622. A 6 de maio de 1574 o papa Gregório XIII promulgou a bula “Ex nostri pastoralis
officii”, com a qual revogava o breve de Paulo III de 1537, que proibia aos capuchinhos
saírem da Itália, e os autorizava a “instalarem-se nas regiões da França e em todo o
mundo”. O papa levava em consideração que a Ordem já estava em fase de
instalação na cidade de Paris.
De fato, desde 1570, por iniciativa de um frade saído dos cordígeros, Pedro
Deschamps, tinha surgido espontaneamente, numa localidade chamada Picpus, uma
comunidade de capuchinhos, de tipo de vida decididamente eremítico. Eles tiveram a
segura proteção do bispo de Sisteron e depois da rainha-mãe Catarina de Medici e
também do cardeal Charles de Lorraine. Em 1574 a comunidade mudou-se para o
bairro de Saint-Honoré. No mesmo ano, chegou o primeiro comissário geral, Pacífico
de San Gervasio, da província de Veneza, juntamente com um grupo de capuchinhos
italianos; em 1575 ele foi substituído por Matias Bellintani de Saló, a quem devemos o
relato mais harmônico das origens da Ordem em França.

1623. Os capuchinhos chegaram à França num momento histórico de forte tensão


política e religiosa, na qual um significativo setor da sociedade culta era atraído pelos
valores espirituais. Os frades, com sua austeridade, sua reclusão e vida de oração,
conquistaram a afeição e a veneração do povo; logo começaram a surgir vocações em
grande número, muitas delas provindas da nobreza. Os frades eram procurados como
exímios mestres do espírito e os escritores capuchinhos figuram na linha de frente
entre os representantes da mística francesa do século 17.
As fundações multiplicaram-se rapidamente. Em 1590, já havia 31 conventos,
distribuídos em quatro províncias ; em 1610, 128 conventos, em seis províncias; em
1624, 260 conventos, em oito Províncias, com um total de 3.894 religiosos.
A vitalidade das províncias teve múltiplas manifestações: na pregação, na
polêmica contra os protestantes e jansenistas, na expansão missionária, na ação
social e até política e na produção científica.
Nos limites cronológicos desta seleção de textos, deu-se preferência aos que
dizem respeito às vicissitudes do início da implantação da Ordem e aos que refletem
os traços peculiares da inculturação francesa do ideal capuchinho.

1. Pedro Deschamps e o eremitério de Picpus

Frei Pedro Deschamps, frade menor observante do grande convento de Paris,


insatisfeito com o modo de vida que se vivia naquele convento, fugiu para a Itália;
tendo ouvido falar da reforma dos capuchinhos, vestiu o hábito capuchinho, retornou à
França e fundou a ermida de Picpus, graças à proteção de Aymeric de Rochechouart,
bispo de Sisteron, e com a ajuda de um comerciante parisiense chamado Villecourt.

I frati cappuccini IV, 45-46

1624. Foi também ordenado, no dito capítulo de Ancona, que se enviassem frades
para a França para procurarem lugar naquele reino, coisa que teve um fraquíssimo e
desprezível começo, mas que o tempo mostrou depois com o progresso da Ordem ter
sido aquilo a vontade de Deus. A coisa começou assim. Havia em Paris um tal Frei
Pedro Chempis, clérigo entre os cordígeros - pois assim eram chamados em França
os frades menores - o qual, apostatando da religião, andou girando, além da França,
pela Espanha e Itália. E tendo visto que na Itália os capuchinhos gozavam de grande
simpatia, resolveu voltar à França e vestir o hábito daquela Ordem, coisa que ele fez
por si mesmo, sem nenhuma autorização, sem o consentimento de ninguém e sem o
conhecimento de nenhum superior. E arranjou como companheiro um velho e
simplório eremita que se chamava Frei Miguel, dando a ele o hábito capuchinho; e um
398

comerciante chamado Villevor os acomodou numa casa fora da cidade, num lugar
chamado Picpus onde havia uma capela. E no espaço de quatro meses se juntaram a
eles outros três candidatos a quem Frei Pedro deu também o hábito capuchinho.

1625. Dois anos depois, isto é, em 1572, morreu o comerciante e aquela casa
ficou à venda, tendo-a comprado, em nome daqueles frades, o bispo de Sisteron. Esse
bispo era uma boa pessoa e muito simples e, tendo sido um tipo de palhaço na corte
real para divertir o rei, recebera aquele bispado como remuneração pelo seu trabalho.
Mas, como era uma pessoa de boa índole e de sincera simplicidade, acabara se
afeiçoando àqueles frades, os quais, excetuando o Frei Pedro, viviam muito
simplesmente e, acreditavam estar prestando agradável serviço a Deus, o bispo os
ajudava em suas necessidades. E foi para eles um bom intermediário, quando eles
precisaram de alguns favores na corte real.
Frei Pedro e seus companheiros foram estimados e ajudados por muitas pessoas
boas, algumas das quais lhes tinham real veneração. Com a ajuda do citado bispo e
de outras pessoas, construíram naquele lugar uma igreja, chamando-a Santa Maria
das Graças; mas tudo isso sem as devidas licenças; e, mesmo sem licença e
continuando apóstata, o citado Frei Pedro foi ordenado sacerdote; celebrava missas e
exercia do sagrado ministério. Vendo isso, o pároco de São Paulo, em cuja paróquia
ficava o citado lugar, homem muito culto e de grande zelo pastoral e que
posteriormente foi bispo de Narbona, procurou, com a ajuda do bispo de Paris, que na
ocasião era o cardeal Gondio, impedir que Frei Pedro continuasse celebrando. Foi
quando Frei Pedro, não tendo outra saída, disse àquele reverendo pároco: “Então eu
vou é à Itália e vou trazer de lá os capuchinhos”. Ao que o pároco respondeu: “Pode ir,
pois mesmo sendo você um sujeito à toa, estará fazendo uma coisa boa”.

2. Carlos IX aos “Pobres Eremitas” de Picpus

Blois, abril de 1572. - O rei Carlos IX, filho de Henrique I e Catarina de Medici,
autoriza os “Pobres Eremitas” a construírem uma igreja em Picpus e proíbe o pároco
da Paróquia de São Paulo de persegui-los.

I frati cappuccini IV, 50-53

1626. Carlos, por graça de Deus, rei da França, a todos os presentes e futuros.
Saudações.

Os nossos amadíssimos e devotos pregadores religiosos e seu convento,


chamados capuchinhos, da Ordem e observância de São Francisco, fundados no lugar
chamado Picpus, paróquia de São Paulo, nas proximidades de nossa cidade de Paris,
informaram-nos muito humildemente, que começaram, há pouco tempo, a construir
uma igrejinha no citado lugar de Picpus, vizinha a uma capela já anteriormente ali
edificada, onde presentemente celebram os ofícios divinos. Eles querem continuar e
terminar essa construção, com a ajuda e as esmolas de pessoas gradas e dos bons
católicos, para assim poderem continuar com o serviço religioso com maior
comodidade, coisa que não existe na outra capela, e viverem, como fizeram voto, a
estreita observância da Regra de São Francisco, fundador e patrono da citada Ordem,
que proíbe-lhes terem posse de quaisquer bens e rendimentos para o próprio sustento
e vida a não ser um alforje.

1627. Mas, nesse afã, eles estão sendo molestados e impedidos tanto pelo pároco
da citada paróquia de São Paulo, sob o pretexto de que a igreja deles ou capela não
foi consagrada e portanto não é lícito aos requerentes celebrarem ali o culto divino,
como se de dez a quinze anos para cá os párocos de São Paulo não tivessem, muitas
e muitas vezes, mandado padres para aquela capela para celebrem ali a missa, e não
399

só da parte dele como também da parte de outros religiosos e de conventos


franciscanos e de outros mendicantes da cidade de Paris, os quais procuram, por
todos os meios que lhes são possíveis, acabar e colocar fora da lei a sobredita Ordem,
afirmando que ela é uma novidade nunca vista em França, mesmo tendo sido
aprovada pelos nossos santos padres os papas e tida e considerada em Roma e
tantos outros lugares como a verdadeira e legítima Ordem e observância de São
Francisco.
Desejando acertar isso, fazemos saber que nós, no desejo de que o culto divino
continue e aumente neste reino e de que esses frades capuchinhos sejam acolhidos e
aceitos, a fim de poderem conservar o bom zelo e fervor que têm e observarem e
seguirem a rigorosa regra de São Francisco, fundador e dirigente de sua Ordem, e
para persuadi-los e obrigá-los a rezarem a Deus pela paz, tranqüilidade e
prosperidade deste reino, queremos, declaramos e havemos por bem mandar que eles
tenham e sejam-lhes conservados os mesmos direitos e prerrogativas que têm os
outros religiosos de sua Ordem e observância, aprovados por Roma [...] no que se
refere ao seu sustento, roupas e término de sua igreja, na forma e modo idênticos a
tudo o que se usa para os religiosos das quatro Ordens mendicantes da cidade de
Paris [...].

1628. Por isso mandamos aos nossos prezados e fiéis membros do Parlamento de
Paris, à autoridade religiosa do lugar, ao funcionário do setor de privilégios da
Universidade e a todos os demais, que não impeçam aos sobreditos padres
capuchinhos de usarem e usufruírem da presente concessão, impedindo e eliminando
toda e qualquer perturbação ou obstáculo que possam ser colocados seja da parte do
pároco de São Paulo, seja da parte dos religiosos das quatro Ordens mendicantes da
cidade de Paris ou de quaisquer outros [...] .
Ordenamos, além disso, aos religiosos do convento dos franciscanos que não
façam mal algum e nem abram processo penal contra Frei Pedro Deschamps,
guardião dos supracitados capuchinhos, pelo fato de ele os ter deixado e ter-se
juntado a esses capuchinhos para assim levar uma vida mais rigorosa e austera, pois
que, com isso, ele não cometeu nenhuma infração contra os decretos e concessões
dos nossos santos padres e nem mesmo mudou de Ordem, visto que ambos os
conventos foram fundados pelo mesmo patrono e pela mesma Ordem.
Dada e passada em Blois, no mês de abril do ano da graça de mil quinhentos e
setenta e dois, décimo segundo do nosso reinado.

3. Opinião dos contemporâneos sobre os capuchinhos

1573. As opiniões dos contemporâneos a respeito dos capuchinhos, chegados há


pouco em França, eram as mais diversas. Muitos, por uma certa suspeita que o clero
nutria em ralação aos recém-chegados, mantinham certa reserva. Outros, pelo
contrário, manifestavam simpatia. O testemunho dado por Claude Hatton nas suas
“Memórias” é muito objetivo. Contenta-se ele em relatar apenas o que conhece, sem
fazer nenhum juízo de mérito

I fratri cappuccini IV, 58-59

1629. No correr do presente ano vieram morar em Paris alguns religiosos


chamados capuchinhos, por sinal sem nenhuma apresentação, vestidos de cinza
como os franciscanos, mas de maneira diferente; e o rei ou outras pessoas lhes deram
para morar um lugar fora da cidade de Paris, um espaço logo depois do albergue de
Santo Antônio, além da porta de Santo Antônio de Paris, no caminho do bosque de
Vincennes.
Creio que esses religiosos vivam como eremitas, em grande pobreza e pedindo
esmola sem nada possuir; não semeiam para amanhã e levam uma vida austeríssima.
400

Pedem dia a dia seu alimento e, se recebem mais do que podem consumir, eles dão
aos pobres a sobra por amor de Deus.
Em seu convento realizam os serviços divinos e cantam a missa. Não sei se eles,
como os franciscanos, pregam ao Evangelho nos seus conventos e alhures, porque
não estou informado sobre isso. Eles vêm da Itália, penso eu, e não faz muito tempo
que eles, como os jesuítas, saíram e se instalaram em França. Muita gente ilustre da
França, impressionada pela vida santa que eles levam, ingressou, por uma devoção
especial, na Ordem deles para glorificar a Deus. E por ora isso é tudo.

4. A primeira expansão dos capuchinhos em França segundo o relato de Matias de


Saló

O testemunho da crônica de Matias Bellintani a respeito da primeiríssima


propagação da Ordem em França tem grande valor documentário porque o autor foi
um dos principais protagonistas.

I frati cappuccini IV, 66-71

1630. Frei Pedro conseguiu, por meio do bispo de Sisteron, na Corte do rei, cartas
de recomendação, com as quais foi a Roma, onde, por grande sorte sua, encontrava-
se o cardeal de Lorena, irmão do duque de Guise, prelado de grandíssima autoridade
no reino de França, e ali se encontrava também o cardeal Ramboglietto. Tendo o
cardeal de Lorena visto as cartas dos príncipes da Corte e ouvido o que, a seu modo,
lhe narrou Frei Pedro, tratou de não perder a ocasião de enviar para a França os
capuchinhos; e, tomando a peito a tarefa, tanto ele fez que o geral, que na ocasião se
encontrava em Nápoles, não pôde deixar de aceitar Frei Pedro e seus companheiros
sob a sua obediência; e, não lhe parecendo correto enviar frades da Itália antes do
Capítulo Geral, ele nomeou Frei Pedro guardião daqueles seus frades e deu-lhe
ordem de não receber, porém, mais ninguém e que ele viesse ao capitulo geral
seguinte, a fim de que esse capítulo deliberasse a respeito desse fato.

1631. Voltando à França com essa obediência, era, todavia, importunado pelo
bispo e pelo pároco supracitado, pois ele não tinha bula papal e achavam que aquela
obediência era subreptícia e sem nenhum valor. Recorreu ele ao rei Carlos IX, o qual,
com suas cartas, muito favoreceu suas empreitadas. Mas, por não ter ele sólido
fundamento, não pôde enfrentar seus superiores eclesiásticos, o que ensejou a
obrigação de ele ter que ir ao Capítulo Geral, ao qual talvez ele nem iria, já que não
tinha obedecido a ordem de não receber outros, tendo recebido um tal de Frei Luís,
com o qual foi ao capítulo de Ancona, no ano de 1573, no qual foi decidido que se
enviassem frades da Itália para averiguarem e darem informações depois, sem nada
mudar, deixando intacta a obediência dada pelo geral Frei Mário.
Desse modo, foram enviados dois frades da província de Milão, que tinham os
nomes dos principais santos protetores da França: Frei Dionísio de Milão, sacerdote, e
Frei Remígio de Lodi, leigo. E a solução daquele problema foi deixada aos cuidados
do procurador da Ordem em Roma, que era Frei Tomás de Castello, ex-geral, o qual,
através de freqüentes cartas, pedia a Frei Dionísio que o informasse a respeito da
situação, mas nunca recebia resposta; e o próprio Frei Dionísio também escrevia
muitas vezes e nunca recebeu carta alguma, isso porque Frei Pedro retinha tanto
umas quanto as outras, até o dia em que se descobriu tal deslealdade. O geral enviou
no mês de agosto mais dois frades, prometendo enviar logo em seguida um
comissário geral.

1632. Chegados lá, o bispo de Sisteron fez uma entrada para igreja e convento,
com o consentimento de Frei Pedro; mas os italianos não aceitaram; não podendo,
porém, impedir, foram embora do lugar juntamente com dois franceses que os
401

acompanharam e ficaram fora por três dias, na casa dos reverendos padres jesuítas,
que os acolheram de graça, até que a tal entrada foi fechada. Por isso mesmo os
italianos insistiam por meio de cartas com Roma para que mandasse um comissário;
mas as cartas, pelas mesmas razões já mencionadas acima, não chegavam ao
destino. Por tudo isso foi que Frei Tomás, em novembro, constituiu guardião a Frei
Francisco de Briga, da província de Gênova.
Nesse tempo, volta à França o cardeal de Lorena e o cardeal de Urbino, protetor
da Ordem, o constitui seu vice protetor em França; dá aos frades uma casa sua que
tinha um grande bosque, em Medone, lugar distante duas léguas de Paris, onde
construiu uma igreja e ali Frei Tomás, procurador, constituiu como guardião, no
mesmo ano de 1573, o sobredito Frei Dionísio. E, por meio desse mesmo cardeal, as
cartas começaram a chegar livremente ao seu destino. Pelo que, o comissário geral,
Frei Jerônimo de Montefiore, tendo morrido o geral, enviou como comissário à França
Frei Pacífico de San Gervasio, um bresciano, o qual já tinha sido provincial em Milão e
em outros lugares e agora era guardião em Mântua; com ele, foram também Frei
Jerônimo de Milão, na ocasião guardião em Brescia, e outros frades.

1633. Mas antes da chegada dele os frades tinham resolvido sair de Picpus, não
de propósito, pois o cardeal de Lorena queria arranjar-lhes algum lugar na cidade. E
Deus ajudou de modo tal que a rainha Catarina, mãe do rei, no ano de 1574, depois
da Páscoa, foi ver os frades em Picpus, e quis ver tudo minuciosamente. E ali,
impressionada pela pobreza e simplicidade, foi tomada por grande simpatia pela
Ordem e decidiu ajudá-la. Imediatamente, doou-lhes um jardim com a casa, era o seu
grande jardim, chamado Jardim das Tulherias, nos subúrbios de Saint-Honoré, onde
os frades, ao deixar o antigo lugar, vieram morar e ali foram feitos depois o convento
com a igreja.
Frei Pedro tinha sido chamado à Itália e voltou à França com o sobredito
comissário, o qual mandou, em janeiro de 1575, Frei Jerônimo, de Paris a Lião, para
ficar no lugar dele e naquele ano, no mês de julho, ele recebeu um lugar além de São
Paulo, onde estão agora os frades. E, morrendo Frei Pacífico no mês de fevereiro em
Paris, em fama de santidade, o supracitado Frei Jerônimo, pouco antes da Páscoa, foi
feito vice comissário.

1634. E foi enviado ao Capítulo Geral celebrado em Roma, no ano de 1575, como
comissário, um definidor do capitulo geral, que era provincial na província de Milão, o
qual na viagem recebeu um lugar chamado Chambery, e, no mês de março de 1576,
enviou Frei Jerônimo para tomar posse do mesmo em Avinhão. E ele no mesmo ano
em que chegou a Paris conseguiu que o cristianíssimo rei Henrique III e o Parlamento
de Paris aceitassem a congregação capuchinha como filha da França, incorporando-a
ao reino - e tudo isso graças aos bons préstimos da rainha mãe, e de dois senadores a
quem os frades ficaram devendo obrigações: um que se chamava Monsu, o Arqueiro,
e o outro, que era irmão do cardeal Ramboglietto.
E assim devagarzinho a Ordem foi-se estendendo por diversos lugares da França.

5. Henrique III favorece os capuchinhos

Paris, julho de 1576. - Henrique III, rei de França, estimando sempre mais os
frades capuchinhos, concede-lhes a faculdade de instalarem-se em todo o território do
reino.

I frati cappuccini IV, 87-90

1635. Henrique, por graça de Deus rei de França e da Polônia, a todos os


presentes e aos futuros, saudações.
402

[...] Deus que cuida de sua Igreja, suscitou no meio de nós além de um bom número
de bispos e santos doutores e pregadores, grandes na doutrina e nas virtudes, outras
pessoas famosas pela piedade, pela vida religiosa e santas conversas, tanto seculares
como religiosas, e além disso ainda os frades menores capuchinhos da Regra do
senhor São Francisco, os quais, professando fielmente a primeira instituição de sua
Regra, são, pela graça de Deus, exemplo para muitos do modo de se fazer o bem.
Passam o seu tempo rezando os salmos, jejuando, orando, meditando e pregando,
dando assim ótima esperança do crescimento de sua glória, o que se percebe no
aumento de seus membros e de seus conventos.
Esse fato teria levado o nosso santo padre o papa, por pedido de nossa
respeitabilíssima mãe e senhora a rainha, e de muitos príncipes e distintos senhores
do nosso reino, a permitir que um grupo dos sobreditos religiosos viessem da Itália,
onde tinham iniciado sua primeira fundação, para o nosso reino. E sob a proteção do
nosso ilustríssimo senhor e irmão o rei Carlos IX, recentemente falecido, e que Deus o
tenha, foram fundados para eles alguns conventos e um também nos subúrbios de
Saint-Honoré, de nossa cidade de Paris, próximo de nosso palácio das Tulherias, um
outro no povoado de Meudon, também perto de Paris, e dois outros na cidade de Lião
e de Avinhão, para grande alegria de cada um e grande edificação dos bons e fiéis
católicos, que estavam profundamente tocados e edificados pela santa vida que
levavam.

1636. Por isso, seguindo o exemplo dos reis nossos predecessores, os quais por
terem tido sempre grandíssimo cuidado para não só conservar, mas também fazer
crescer a religião cristã e o serviço de Deus, sem economizar seus bens e víveres,
conquistaram sobre todos os príncipes cristãos o belo título de cristianíssimos e
primeiros filhos da Igreja católica, nós fizemos saber e decidimos tomar esses frades
menores sob nossa especial proteção e tutela [...].
Queremos e gostaríamos que todos e cada um o quisesse, que todos os lugares
até agora doados ou oferecidos a eles, quer da parte de nosso senhor e irmão, quer
da parte de nossa senhora e mãe, e outros que ainda poderiam, de agora em diante,
serem dados a eles por nós ou por qualquer outra pessoa, para que construíssem
igrejas e mosteiros, igrejas e conventos, moradias e claustros, que eles possam
aceitá-los e livremente aí permanecer e morar, que possam construir mosteiros e
conventos e celebrar o culto divino, pregar nas igrejas e desenvolver outras atividades
semelhantes no nosso reino e no país a nós submisso, conforme a Regra do senhor
São Francisco e os louváveis costumes de suas assembléias e capítulos [...].
E para que isso se torne permanente e estável para sempre, colocamos o nosso
selo nas precedentes e nas presentes letras.
Dado e passado em Paris, no mês de julho de 1576, terceiro ano de nosso
reinado.
Henrique.

1. Os capuchinhos durante a peste de Paris de 1579-1580

A grande peste de 1579-1580, que assolou Paris e redondezas e que causou


cerca de 30.000 vítimas, tornou-se para os capuchinhos a ocasião propícia de
provarem sua caridade e dedicação, mesmo com o sacrifício da própria vida, o que
provocou uma mudança total da opinião dos parisienses sobre eles.

I frati cappuccini IV, 99-105

1637. [...] Neste ano de 1579 começou a peste na França onde foi violenta e
causou uma cruel mortandade, de modo especial nesta grande cidade de Paris, onde
o enorme e contínuo ajuntamento de pessoas que iam e vinham pelas estradas
incessantemente, acabava provocando acúmulo de sujeira e muita lama. Mas pouco
403

tempo depois, essa cidade, antes tão populosa, tornou-se repentinamente deserta
pela grande mortandade de gente de ambos os sexos, de todas as idades, de tal
modo que se via crescer mato onde jamais ele tinha aparecido, isto é, nas grandes
avenidas de Paris. Pensem agora no que acontecia pelas médias e pequenas
estradas.
Vendo essas coisas, os nossos pobres padres evangélicos, exatamente esses
desprezados capuchinhos, odiados e rejeitados em toda parte, esses religiosos,
imitadores de seu seráfico pai, colocaram-se todos à disposição do nosso reverendo
padre comissário, com uma intrepidez vista somente nos primeiros mártires, para
atender aqueles pobres abandonados e sem socorro material e espiritual, tanto para
atendê-los em confissão, quanto para providenciar-lhes alguma coisa que pudesse
ajudá-los na sua miséria.

1638. O padre comissário, diante de tão grande messe, enviou muitos operários,
entre os quais , na primeira turma, o reverendo padre Deschamps, o reverendo padre
Bernardino de Bordéus, logo convocado com o reverendo padre André de Dijon, todos
sacerdotes; Frei Tiago de Provença, irmão do senhor César, padre de vida santa e
muito afeiçoado à nossa santa Ordem [...]; Frei Egídio de Paris, irmão leigo; Frei
Daniel de Chaumont, também leigo, e Frei Masseu de Pantin, nas vizinhanças de
Paris, também ele leigo, pertenciam todos eles ao número dos enviados.
Todos esses religiosos, cheios de caridade para com o próximo, colocaram-se à
disposição como bravos e generosos soldados de Jesus Cristo e verdadeiros filhos de
nosso seráfico Pai. Desejando sacrificar a própria vida por amor ao seu Redentor,
começaram, por primeiro, neste reino de França, essa atividade tão santa, heróica e
trasbordante de caridade, abrindo a porta e indicando o caminho para alcançar a coroa
da glória, tornando-se mártires da caridade, lá onde acabaram morrendo no santo
serviço ao próximo [...].

1639. É verdade afirmar, e nós confessamos isso diante de todos, que agora
somos nós que saboreamos o fruto de suas fadigas e daquele maravilhoso bom
exemplo que eles deram na ocasião, prestando àqueles pobres abandonados socorros
tão edificantes e caridosos. E foi por esse motivo que conquistamos o amor e a
veneração do povo e que mostrou para toda a França como éramos úteis ao próximo,
sendo religiosos desinteressados, que procuram a glória de Deus e a salvação das
almas. Isso fez com que o nosso pequeno grupo crescesse como o grão de mostarda,
como diz a Escritura, e se tornasse a grande árvore seráfica. [...].
O que confirmou ao povo esse perfume de santidade foi que eles andavam pela
cidade, pedindo esmolas e procurando comida para aqueles pobres doentes
abandonados. Eles os alimentavam com o suor de seu próprio rosto, fazendo aquilo
que para os orgulhosos é vergonha e fazia corar, pedindo comida de porta em porta
para aqueles com quem haveriam de morrer e isso não para uma centena de doentes,
mas para milhares, de ambos os sexos; e, se não o tivessem feito, muitos e muitos
deles teriam morrido mais de fome do que de peste [...].

1640. Os atos de caridade feitos pelos nossos padres, naquela ocasião, abriram-
nos o coração dos grandes e dos pequenos, dos ricos e dos pobres. O povo e o clero
transformaram sua inimizade em amor, seu ódio em respeito e seu desprezo em
profunda admiração para com aqueles pobres capuchinhos, ao ponto de apresentarem
nossos padres como modelos [...]. Os eclesiásticos começaram a fazer meditação e o
povo a freqüentar os sacramentos, duas coisas totalmente abandonadas, pois a
maioria nunca tinha ouvido falar em meditação ou coisa semelhante, até virem os
capuchinhos meditando duas vezes ao dia em horários diferentes e marcados para
isso. Todos queriam aprender esse modo de rezar e acorriam às nossas igrejas para
aí participar desse ato.
404

Muitos religiosos e religiosas adotaram o nosso tom nos seus cantos, deixaram de
vestir roupa de linho e se transformaram completamente, alguns deixando até os
calçados e todos começaram a construir igrejas com um coro, seguindo o modelo do
nosso, colocado atrás do altar.

1641. Adotaram também o nosso modo de manter um tabernáculo e fazem como


nós as grades dos seus altares, os quadros e as prostrações que fazemos, beijando o
chão diante do Santíssimo Sacramento; enfim todas essas coisas foram imitadas por
muitos religiosos e religiosas que conheceram os nossos usos e costumes.
Todos colocaram grandes cruzes de madeira dentro e fora de suas igrejas e, como
nós, usaram madeira simples. Enfim, todos porfiando uns com os outros, imitaram-nos
na nossa pobreza e propriedades, exceto na rígida pobreza, que permanece como
elemento específico e fundamento de nossa Ordem seráfica.
Tal imitação aconteceu por meio de uma surpreendente emulação, não somente
da parte de religiosos e religiosas, mas também em todas as capelas e igrejas
paroquiais de Paris e de todas as demais cidades, vilas e bairros, onde, antes disso, o
Santíssimo Sacramento era pessimamente conservado e a nossa pobreza conseguiu
que, em todas as igrejas, fosse agora conservado, juntamente com a limpeza das
igrejas, capelas e oratórios.
Além disso, começou-se a freqüentar mais assiduamente os sacramentos da
confissão e da Eucaristia e constatou-se que esse costume de receber os
sacramentos freqüentemente procede dos nossos antigos padres; de tal modo esse
costume estava esquecido na França que, antes que chegássemos a esse reino, era
considerada muito beata a pessoa que comungasse duas ou três vezes no ano.

1642. Podemos dizer, para a glória de Deus, que o pouquinho de fervor e de


caridade que existem agora em França vem dos bons exemplos, do testemunho, das
pregações e da austeridade dos nossos padres, que estimulavam o povo a imitá-los
não somente na freqüência aos sacramentos, mas também na assiduidade à oração, à
escuta da Palavra de Deus e às santas práticas. Do mesmo modo, os nossos antigos
padres tinham grande respeito e guardavam grande fidelidade a tudo o que dizia
respeito à Santa Sé e a tudo que dela proviesse.

7. Austeridade dos primeiros capuchinhos em França

No espaço de alguns anos, a província de Paris não só teve rápido


desenvolvimento, mas contribuiu também para fundar diversas outras províncias. Tal
desenvolvimento foi obra dos comissários gerais, mas também do fervor dos religiosos
e do bom exemplo deles. A pobreza e a austeridade de vida deles, conforme os
exemplos que vemos na Chronologie historique, foram uma das causas principais de
seu sucesso.

I frati cappucini IV, 107-109

1643. Os nossos padres [...] viviam em grandíssima austeridade de vida e havia


uma altíssima pobreza nos seus costumes, pois não aceitavam trigo a não ser na
esmola diária, ficando, às vezes, mais de seis semanas sem comer carne, nem peixe,
e, na falta de vinho, bebiam água. Quando não tinham à disposição almeirão ou
legumes, comiam verduras ardidas que davam na horta, como o espinafre, que
cortavam bem finas. Caracóis e erva doce eram consideradas coisas deliciosas. Não
tinham lareiras nas cozinhas, bastando um fogão, e isso durou até os nossos dias de
1630, quando, devido ao grande número de frades, foi preciso construir uma.
Eram eles tão pobres que não tinham nem assadeiras, nem frigideiras e nem
utensílios para peneirar ervilhas; e não usavam aquecedores grandes, como até hoje
não usam, e nem açucareiros, nem pás ou foles; uma pedra ou duas eram mais que
405

suficientes para sustentar a lenha na boca do fogão. Agora, porém, pelo grande
número de religiosos nos conventos, foi preciso tirar as pedras que impediam os
frades de se esquentarem e foram colocadas pequenas grades de ferro para maior
comodidade.

1644. Essa pobreza era a tal ponto extrema que, não havendo lenha, eles
andavam pelo quintal juntando tocos e galhos para queimar e aquecê-los. E faziam
isso por amor à pobreza e para economizar o pouco de bosque que ainda tinham e
que lhes tinha sido doado e para não incomodarem seus benfeitores.
Os frades clérigos e leigos não levavam velas para seus quartos e quando, por
qualquer necessidade, fosse preciso permitir isso a alguém, tomava-se cuidado de
pegar somente a cera que sobrava ou que filtrava para debaixo dos castiçais.
Não se usava a vela para cantar o Ofício de Nossa Senhora, nem as Laudes do
grande Ofício divino, nem as ladainhas, orações e tudo o mais; todavia, dezessete ou
dezoito anos depois, foi preciso usá-la, porque quem não tivesse uma boa memória
enchia-se de confusões.
Nunca se dispensavam os jovens da disciplina no refeitório, exceto quando fazia
muito frio; aí, então, era permitido fazê-la nas próprias celas.
Observava-se rigoroso silêncio, não somente o da língua, mas também o dos pés
e quando alguém entrava na própria cela, fechava a porta tão docemente com as duas
mãos e de tal modo que não se ouvia barulho algum. Se alguém andava, fazia-o com
tamanha discrição que os que estavam nas celas não o percebiam passar.

Os Capuchinhos nos Países Baixos

1645. O primeiro capuchinho flamengo foi Frei Francisco Tittelmans de Hasselt,


famoso escritor de inúmeros livros de exegese, o qual em 1535, interrompendo
bruscamente sua carreira, foi para a Itália e abraçou a Reforma Capuchinha. Morreu
em 1537, como vigário provincial da província romana.
Em 1585, chegaram os capuchinhos procedentes da província de Paris e
estabeleceram-se em Amsterdã. Em 1587, tiveram um comissário geral, padre Hipólito
de Bergamo, que posteriormente governou a província ereta em 1595. As vocações
afluíram em grande número, motivo pelo qual a província foi dividida em duas em
1616: Flandro-Belga e Franco-Belga.

1646. Como em França e, talvez, de maneira mais acentuada, os capuchinhos


conquistaram a veneração e geral admiração quer pelo rigor e austeridade de suas
vidas, quer por sua tendência de cultivar a contemplação mística, com uma clara
predileção pelas obras dos representantes da espiritualidade nórdica: Ruusbroec,
Tauler, Herp e outros, não sem certos exageros, que deram origem a uma verdadeira
polêmica interna e suscitaram ferrenhos adversários externos, de modo especial os
escritores carmelitas; chegou-se por fim a um processo, que correu em Roma nos
anos 1596-1600.
Da abundante e interessante documentação, escolhemos a informação histórica
de Felipe de Cambrai, cuja primeira redação é de 1612. Depois, alguns tópicos do
“Cerimonial” para a nova província, redigido por Hipólito de Bergamo, entre 1594-
1595, como também algumas explicações da Regra franciscana de Cipriano de
Anversa.

1. Testemunho de Felipe de Cambrai

Felipe de Cambrai era guardião do convento de Athe, superior da custódia


valônica e definidor, quando, em 1612, foi incumbido de juntar as notícias mais
importantes sobre a história primitiva da província belga, para serem enviadas depois
à Itália, aos cronistas Tiago de Saló e Paulo Vitelleschi de Foligno. Ele se dedicou à
406

tarefa com empenho, servindo-se também das anotações cronísticas escritas pelo
comissário geral Hipólito de Bergamo e colheu muitos testemunhos que, de modo
simples, mas eficiente, acentuam os diversos aspectos da vida dos primeiros
capuchinhos nos Países Baixos.

I frati cappuccini IV, 442-479

1647. Os capuchinhos chegaram à Bélgica, ou Alemanha Inferior, na primeira vez,


para se estabelecerem aí de maneira estável, quando Alexandre Farnese, de gloriosa
memória, duque de Parma, em nome de Felipe II, rei da Espanha, governava com
grande energia aquela parte da Bélgica, que era submissa ao seu príncipe natural e
não tinha aderido os rebeldes batavos. Aquele glorioso duque, levado por piedosa e
verdadeira afeição cristã e devoção religiosa, pediu e suplicou ao Papa Sixto V
autorização para que os capuchinhos pudessem fundar uma nova província na Bélgica
e, exatamente, durante aquele terrível vendaval que tinha arruinado tudo e que afligia
a Bélgica com a guerra, com o ódio dos hereges, com revoltas e todo tipo de
calamidade e de miséria.
Em 1585, quatro ou cinco padres da província de Paris foram para Amsterdã e aí,
de início, hospedaram-se num hospital, vivendo uma vida austera e paupérrima, ou
seja, de acordo com a vocação seráfica, e dependiam, nesses primeiros tempos , do
provincial de Paris que veio, uma vez, visitá-los. Depois o padre Frei Hipólito de
Bergamo, homem verdadeiramente santo, foi nomeado comissário geral, não mais
dependendo da província de Paris. Ele, fazendo as vezes do Ministro Geral, guiou os
primeiros passos desta nova província até o ano de 1595, ano em que se realizou o
primeiro Capítulo provincial, no qual ele foi eleito ministro provincial.

1648. Em seguida, pelo ano de 1587, o duque de Parma deu aos padres
supracitados, que trabalhavam em Anversa, uma velha casa particular com jardins
espaçosos e, com subvenção sua e dos cidadãos, adaptou-a e transformou em
convento e foi esse o primeiro convento capuchinho na Bélgica. Levadas por esse
exemplo, outras cidades pediram logo capuchinhos, oferecendo-lhes lugares ou, pelo
menos, dando-lhes ampla liberdade para construírem conventos, de modo que, nos
primeiros vinte anos, construíram nas diversas cidades mais de vinte conventos, todos
eles dentro de cidades, ou de vilas cercadas de muros, pois não seria muito seguro
para os religiosos na Bélgica construírem suas casas na periferia ou na zona rural por
causa das constantes guerras[...].

1649. Em primeiro lugar, o reverendo padre Hipólito de Bergamo, que, com seu
poder de comissário geral administrava a província com muita dedicação e procurava
formá-la santamente, com seu admirável exemplo, brilhava diante de todos os outros
pela seráfica austeridade e religiosidade. Era tão sóbrio e mortificado no comer e no
beber, tão afastado das amizades e do convívio com as pessoas de fora, sobretudo
com as mulheres, tão simples e em tudo irrepreensível que nós todos éramos não só
questionados por esse seu modo de viver e por esse seu comportamento, mas
também sentíamos-nos arrastados [...].
E dentre as muitas e extraordinárias coisas que fez e que nós, por brevidade,
falamos por alto, uma merece ser lembrada. Quando visitava a Província, mesmo
chegando à noite, cansado e abatido, ao convento dos frades, ele não deixava jamais
de participar do ofício noturno no coro e participava, infalivelmente, da meditação
comum; e ainda, quando terminava o tempo de meditação e os frades saíam do coro,
ele ficava ainda lá por longo tempo, rezando e meditando.

1650. Muitas vezes, entrando no refeitório depois da refeição comum dos frades,
não chamava o cozinheiro e nem o refeitoreiro, mas ia diretamente à mesa e comia
rápido, rápido aquilo que achava no seu guardanapo, ou pedaços de pão ou qualquer
407

outra coisa e mais rapidamente saía, sem aceitar que lhe dessem o prato de comida,
que, sem dúvida, já tinha sido deixado para ele.
Inculcou sempre a devoção à Virgem Mãe de Deus e à Paixão do Senhor, temas
para serem meditados sempre, pois amava grandemente a simplicidade e a
humildade.
O número de jovens que se apresentavam diariamente para serem admitidos à
nossa vida era muito grande, quase um milagre, sobretudo na custódia valônica, onde,
se fossem aceitos todos os que se apresentavam, facilmente o noviciado dessa única
Custódia teria todo ano uns 50 noviços e, ainda mais, todos eles estudados,
praticantes da religião e vindos de famílias simples ou nobres. Daqui se pode concluir
como era grande a simpatia do povo. Todavia, na custódia de Flandres, não se notou
tanto fervor, talvez por causa das muitas seitas heréticas, que, há mais de quarenta
anos, perturbavam seriamente aquela região.

1651. Parece certo que a ida dos frades capuchinhos para a Bélgica foi benéfica
para todos os estados. Temos visto como o povo, por toda a parte, cresceu na prática
do bem e mudou vícios em virtudes, enquanto, doutra parte, os religiosos de muitas
ordens foram reformados, partindo do exemplo dos capuchinhos, como parece; e, de
fato, todos sabem que somente depois da vinda dos capuchinhos, não antes, os
observantes, os carmelitas, os dominicanos e os agostinianos da Bélgica procuraram
reformar-se.
Além disso, se observardes atentamente como eram as cidades, antes que nelas
viessem morar os capuchinhos, e como são hoje, notareis grandíssima diferença, de
modo especial na piedade, na prática devocional externa, na freqüência aos
sacramentos da confissão e da Eucaristia. Quem não admiraria o fervor e o empenho
do povo, especialmente quando os nossos pregadores dirigiam a oração das Quarenta
Horas?

1652. É inacreditável quantas pessoas, freqüentemente, se aproximam da


comunhão nas nossas igrejas e, de modo especial, na custódia da Valônia. De fato,
nas cidades de Rijsel, Béthune, Bergen e em outros lugares, muitos comungam nas
missas celebradas pelos nossos sacerdotes e, nas festas solenes, quase não se pode
contá-los. E tanta gente participa e com tal ardor dos sermões de nossos pregadores
que, quando um capuchinho prega, os pregadores das outras Ordens na mesma
cidade ficam sem auditório.
E isso acontece particularmente quando celebramos a oração das Quarenta
Horas. Nesse tempo, por quatro ou cinco dias, quase todo o povo comunga para
ganhar a indulgência e participa com muita assiduidade dos sermões que, por
costume, são feitos pelos nossos frades, quatro ou cinco vezes ao dia. A maior
devoção é manifestada na procissão solene, que se faz habitualmente pela cidade
com o Santíssimo Sacramento, no último dia das Quarenta Horas. Uma imensa
multidão precede ou acompanha o Santíssimo com carruagens e velas acesas [...].

1653. Nos primeiros anos, havia entre os frades inacreditável zelo pela seráfica
pobreza e um grande desejo de austeridade. Nossos frades costumavam rejeitar
comidas especiais que as pessoas mandavam de fora e até a contragosto aceitavam o
pouco necessário para sua subsistência. Em alguns conventos, os frades jejuavam
quase continuamente e de maneira muito rigorosa. E pensar que, segundo o povo
belga, o apetite voraz não é considerado gula, mas uma necessidade natural!
No mesmo convento de Bruxelas, ou seja, na principal cidade da Bélgica, onde os
nossos frades deveriam e até teriam podido receber um tratamento mais abundante,
apenas uma vez por semana, era servida carne. Na Quaresma, mesmo aos domingos,
o almoço dos frades consistia numa única sopa e nada mais e, ao jantar, servia-se um
prato muito simples e assim aquilo que nos dias de semana era passado numa só
408

refeição, aos domingos, dividia-se em duas. Realmente, tal frugalidade na comida era
coisa grandemente considerada pelos belgas, que são glutões por natureza.

1654. Os primeiros conventos, todos eles, foram construídos muito estreitos, com
pequenas janelas e com diminutas celas, muito menores do que as prescritas pelas
nossas constituições gerais.
Quanto à vida espiritual, essa era assumida de modo admirável por quase todos
os frades. Realmente, ininterrupta e contínua era a prática da contemplação, da
meditação, da oração mental e da piedosa e devota recitação do ofício. Todas as
conversas dos frades versavam sobre a realidade da vida interior e as mortificações
interiores das paixões. Em todos os momentos, os livros mais usados pelos frades
eram as obras espirituais de Tauler, de Ruusbroec, de Herp e de outros, com a firme
intenção de pôr em prática os seus santos ensinamentos. A tal ponto que, para dizer
numa só palavra, toda a província parecia espiritualizada, com exceção de uns
poucos, que, lamentando-se por alguns abusos que vez ou outra aconteciam na
prática da vida espiritual, se opuseram tenazmente à expansão do verdadeiro espírito.
Que Deus os perdoe.
Quais, quantas e quão admiráveis fossem as mortificações dos noviços e dos
novos professos, não podemos expressar em palavras. Todavia eram praticadas com
entusiasmo e alegria[...].

1655. Eram, realmente, grandes, naqueles tempos, a austeridade e o bom


exemplo dos nossos pregadores, entre os quais merece ser mencionado como o
principal o padre Frei Antônio de Gand, que foi um dos primeiros fundadores desta
província. Do mesmo modo, o padre Frei Cornélio de Recanati, que, durante todas as
quaresmas em Anversa, se contentava apenas com pão e cerveja, como refeição.
Toda a província sabe que esse costume de disciplinar-se e de jejuar assim,
sentados no chão, alimentando-se de pão e cerveja, está ainda em vigor e observa-se
nos supracitados dias [...].
É coisa sabida nesta Província que aqueles primeiros padres e irmãos desejavam,
como verdadeiros filhos e imitadores do bem-aventurado Pai São Francisco, lançar um
firme e sólido alicerce para a observância da nossa Regra e deixar aos seus
seguidores notáveis exemplos de pobreza, simplicidade, penitência e de outras
virtudes que convêm ao perfeito frade menor.

1656. E assim para eles era coisa muito importante e muito natural rejeitar tudo o
que fosse supérfluo ou refinado, bem como privar-se, de vez em quando, até de coisas
que pareciam necessárias; e, levando uma vida assim austera, contentando-se com
comidas vulgares, procuravam dominar até nas coisas mínimas qualquer desejo de
prazer ou de comodidade.
Por amor à mesma pobreza, usavam às mesas do refeitório guardanapos muito
rústicos, ordinários e estreitos e nunca usavam toalhas para cobrir as mesas, como
até hoje não se usam. Gloriando-se da mais pura e simplicíssima pobreza em todas as
coisas, não queriam também saber de panelas, pratos, moringas e outros apetrechos
culinários e utensílios que servem para fritar, assar, temperar ou cozinhar de modo
mais saboroso a carne ou peixes.

1657. Usavam hábitos meio esfarrapados, ou, como dizem, remendados com
panos de saco e outros tecidos que costuravam no dorso, nos cotovelos das mangas e
em outras partes. O mesmo se diga do manto que usavam. [...]
Não se interessavam em ter muitos livros, mas cada um se contentava em ter um
livro espiritual qualquer ou um resumo de casos de consciência; e até aos próprios
pregadores, só a muito custo, era permitido usarem livros e podiam ter somente uns
dois ou três livros de pregação.
409

Nenhum frade ousava escrever ou receber cartas sem a expressa licença do


superior, ao qual se entregavam todas as cartas para ler e que não eram enviadas,
senão depois de carimbadas com o carimbo da família religiosa.
Não se admitiam janelas de vidro, exceto nas igrejas e sacristias [...].

2. Um “Cerimonial” belga nos anos 1594-1595

O documento foi redigido e apresentado por Hipólito de Bérgamo, superior dos


frades da província belga, agora dividida em dois grupos: o dos “espirituais ou
interiores” e o dos “cerimoniosos ou exteriores”. O tema central parece mostrar o
genuíno critério do “verdadeiro” espírito de oração e devoção ou do “verdadeiro”
Espírito do Senhor que leva à união contemplativa, sem, porém, impedir os frades de
encarnarem aquele “espírito” nas obras externas de oração, penitência e obediência,
trabalho e caridade fraterna.

I frati cappuccini IV, 481-487

1658. Em nada devemos estar mais interessados do que em extirpar as heresias e


suas fontes, o quanto possível, ensinar o povo com o exemplo e a palavra e dedicar-
se à oração a fim de que seja alimentado o espírito de devoção e de amor nos outros,
especialmente em nós, com a elevação de nossa mente a Deus.
De fato, como diz São Bernardo, semelhante a um favo sem mel e a uma comida
sem tempero, assim é a vida do religioso sem amor à devoção interior, se bem que,
nestes tempos, muitos deles andam insensíveis e desinteressados por ela, não a
desejam e muito menos a procuram. Antes, nem acreditam nela e por fim até caçoam
e criticam a devoção que os outros têm.
Mas eles devem saber, diz São Boaventura, que uma religião se torna árida e
destinada à ruína, se não procurar o espírito da divina suavidade e, sobretudo, se não
tiver aquele impulso de amor pela oração e pela pureza do coração, onde de modo
manifesto o Espírito Santo dá testemunho ao nosso espírito de que somos filhos de
Deus (Rom 8,16).

1659. Portanto, quem quiser aspirar pelo amor da oração, adquira primeiramente o
hábito de dedicar um tempo a ela, depois recorrer a ela mais amiúde, nela perseverar
e, finalmente, nela imergir o quanto puder e não desistir por causa de tédio ou
superficialidade, a menos que a fraqueza física ou uma urgente necessidade ou ainda
uma justa obrigação o exija; mas voltar a ela novamente, evitando que uma longa
dissipação leve à perda do hábito da oração e esfrie os afetos. É bom experimentar,
de vez em quando, as diversas maneiras de se rezar, formando-se assim a própria
maneira de exprimir os pedidos, cuidando de sua variedade, de modo a fazer brotar o
afeto em qualquer devoção e que permaneça, para se poder experimentar a sua
eficácia.
Se, pois, uma dor de cabeça ou do corpo o impede, então reze um pouco menos e
mais vezes, domine as distrações, mantendo os sentidos sob rígido controle,
invocando humildemente a Deus por cada coisa; e todas as vezes que não conseguir
êxito nos próprios propósitos, suporte-se pacientemente. Às vezes a lentidão no
caminho para a perfeição é já o próprio caminho da perfeição, desde que feito com
humildade. Por isso Deus segura com sabedoria a nossa caminhada para que ela se
torne mais longa e assim nos tornemos protegidos contra a soberba, porque, muitas
vezes, a excessiva segurança no caminhar e o fervor contínuo acabam exaurindo as
forças físicas. Esse é o ensinamento de São Boaventura.

1660. É muito importante para pedir o espírito e elevar a mente a Deus rezar
estendendo os braços em forma de cruz, como nosso seráfico pai ensinava aos seus
410

discípulos a rezar; ficar de mãos postas, ficar ereto, de pé ou ajoelhado e não apoiar-
se, como é o costume dos bons frades.
O estudo está dirigido para tal finalidade, isto é, que os frades não diminuam o
fervor, mas quanto mais perceberem ter chegado a um mais alto grau através do
estudo das disciplinas humanas e divinas, tanto mais se humilhem e sejam mais
virtuosos do que os outros, de modo que possam depois distribuir o alimento espiritual
e ensinar o povo. Por isso, as constituições da Ordem estabelecem que, se alguns
forem destinados ao estudo, não devem absolutamente deixar as coisas espirituais,
porque a ciência, sem o espírito de devoção, não vale nada.
E, do mesmo modo, os estudantes devem servir de exemplo aos outros e levar um
tipo de vida que os outros possam seguir, seja nas coisas espirituais como também na
observância da Regra e participem de todos os trabalhos necessários do Convento,
tanto na horta e jardim como na cozinha, lavando os utensílios depois das refeições.
E, no tempo estabelecido, façam a limpeza da casa, cuidem dos doentes e exercitem-
se nas obras de caridade e de humildade, como o fizeram os bons padres e frades, os
quais, para estudar, não se esqueceram de Jesus Cristo e dos coirmãos. É esta,
realmente, a vontade de nosso seráfico pai.

1661. Se, por acaso, lhes parecer que não estão progredindo nos estudos tanto
como o desejavam, fiquem sabendo que terão maior proveito, fazendo obras de
bondade e humildade do que quando, sem estas e somente com a própria habilidade,
se esforçassem para aprender alguma coisa. Na verdade, essas obras levam a
conquistar o Espírito de Deus e o dom da ciência, por meio do qual, depois, cheios
também de espírito, pregarão como os apóstolos, não como os pagãos.
Não deixem, portanto, por causa dos estudos, as próprias devoções, que talvez
tenham conquistado com grande esforço, tendo em mente que, se abandonarem
Cristo ou dele não se preocuparem mais ou ainda esquecerem-se de si mesmos,
acabarão arrastados, tornando-se assim piores do que os outros.
Não desanimem como se não fosse possível dedicar-se à devoção, pois que a
verdadeira devoção consiste no obedecer e no trabalhar pela salvação das almas, a
fim de que, se Deus o permitir , isso possa libertá-las dos laços do demônio; e não
pensem que estarão desagradando Deus ou que não poderão alcançar suas graças,
quando estão simplesmente obedecendo
Confiem em Deus e usem bem do tempo, que é muito precioso, elevem suas
preces a Deus, antes e depois das aulas, para que aquilo que se esforçam por
compreender se torne um louvor a ele, uma ajuda à própria salvação e à dos
coirmãos.

3. Cipriano Crouser de Anversa explica a Regra franciscana

Cipriano de Anversa publicou um curioso e difundido comentário à Regra com o


título: Lectiones paraeneticae, que não teve boa aceitação na Ordem e acabou
proscrito, por sua tendência espiritualística. Transcrevemos algumas páginas relativas
à observância espiritual da Regra.

I frati cappuccini IV, 579-626

1. Observância espiritual da Regra (no capítulo 10)

1662. O que quer dizer observar espiritualmente a Regra. - Mas alguém


perguntará: o que significa observar espiritualmente a Regra? Para responder a essa
pergunta, é preciso saber que uma coisa se realiza espiritualmente, quando é feita não
somente com a mente, mas também quando, com a ajuda do corpo, é feita pela
moção do Espírito Santo e para uma finalidade desejada pelo mesmo Espírito.
411

Disso pode-se concluir facilmente o que significa observar a Regra


espiritualmente. De fato, outra coisa não é senão realizar, sob o impulso interior do
Espírito Santo, tudo aquilo que a Regra prescreve, seja em relação a ações corporais,
seja em relação ao espírito, sejam ações externas ou internas, conforme a finalidade
entendida pela Regra sob inspiração do Espírito Santo e que outra coisa não é senão
possuir o Espírito do Senhor e a sua santa operação.

1663. Finalidade da Regra. - Daqui procede que a Regra não será nunca
observada espiritualmente, se alguém não pratica aquilo que é espiritual ou ainda que
a própria observância da Regra não o faça tal , ou ainda se não tenha já o Espírito do
Senhor, ou mais ainda não o conquiste pela prática da própria Regra. É fora de dúvida
que a Regra é um meio eficaz para tal fim. De fato, ela é espiritual, como diz São
Paulo sobre a lei na carta aos Romanos, onde afirma: “A lei é espiritual” (Rom 7,14),
porque, se observada, tornava o homem espiritual e justo e isso se pode dizer muito
mais da Regra seráfica, sendo essa a medula do santo Evangelho.

1664. A Regra dos frades menores é espiritual. - Sendo ela espiritual, é claro que
as pessoas sensuais não a podem observar, a menos que deixem sua sensualidade:
“O homem não-espiritual, de fato, não aceita o que vem do Espírito de Deus” (2Cor
2,14), mas os espirituais, os quais, segundo São Paulo, manifestam coisas espirituais
aos espirituais, ou seja aos homens espirituais, são eles que estão habilitados para
ensinar a doutrina do Espírito. Aqueles, porém, que na profissão da Regra seráfica
não deixam de ser sensuais, está claro que não a observam espiritualmente. Porque,
como diz ainda São Paulo aos romanos, “aqueles que vivem segundo a carne, se
voltam para o que é da carne; os que vivem segundo o Espírito se voltam para o que é
espiritual” (Rom 8,5). Pode-se dizer da Regra seráfica o que se diz da amizade: ela
procura os que lhe são semelhantes ou os faz semelhantes, isto é, espirituais.

1665. Se é possível não observar a Regra espiritualmente. - Chegados a esse


ponto alguém poderá perguntar: é possível observar a Regra de uma maneira
diferente da observância espiritual? Para esclarecer a questão, é preciso notar que,
assim como na Palavra de Deus se distinguem espírito e letra, o mesmo acontece com
a Regra seráfica, que foi tirada das Escrituras: nela podemos distinguir também o
espírito e a letra.
Podemos chamar letra as observâncias exteriores impostas pela Regra; espírito,
porém, é aquilo a que tudo se refere na mesma observância, ou seja, “o Espírito do
Senhor e a sua santa operação”. E de fato, assim como a letra da Sagrada Escritura,
sem o espírito, mata, assim também, excluído ou desprezado o espírito, também a
letra da Regra mata; ou ainda, sem o espírito, a letra da Regra não pode ser
observada e, desse modo, a pessoa é levada a transgredi-la; e ainda, se se observa
apenas superficialmente, então se faz brotar a soberba, a vanglória, os juízos
temerários e coisas do gênero nas pessoas que a observam sem o Espírito do Senhor.

1666. A letra que mata e o espírito que dá vida na Regra. - Prevendo esse perigo,
o santo pai no capítulo dois de nossa Regra “aconselha e exorta os frades a não
desprezarem nem julgarem os homens que virem vestidos de roupas finas e coloridas,
alimentando-se com comidas caras e bebidas delicadas, mas prefira cada um julgar e
desprezar a si mesmo”. Daqui se pode deduzir que a Regra seráfica, de certo modo,
pode ser observada também superficialmente e literalmente; todavia, não ajuda em
nada, se não for observada segundo o espírito. Se você disser: o seráfico pai quer,
apesar de tudo, que a Regra seja observada absolutamente ao pé da letra; então é
válida a observância literal dela.

1667. Como se deve observar a Regra ao pé da letra. - Respondo que não se


pode negar que tal observância seja válida, mas não se pode admitir que isso tenha
412

valor sem a observância espiritual. O santo pai, no final das contas, não exclui a
observância espiritual, quando diz que a Regra deve ser observada ao pé da letra,
pois, como é sabido que um corpo sem alma não pode ficar de pé, assim também não
pode haver uma observância literal da Regra sem a espiritual. Pelo que, se se quiser
defender e promover a observância literal, acrescente-se a ela a espiritual.
Não nos deixemos enganar pela aparência do bem, como os judeus, dos quais
São Paulo diz, na carta aos Romanos, no capítulo dois: “Não é verdadeiro judeu o que
aparece tal apenas pelo exterior, nem é verdadeira circuncisão uma simples incisão na
carne. Verdadeiro judeu é o que se distingue como judeu por seu interior e verdadeira
circuncisão é a do coração, segundo o espírito e não segundo a letra. Esta é que
recebe o louvor, não dos homens, mas de Deus” (Rom 2,28-29). E, na mesma carta,
no capítulo 9, diz: “De fato, nem todos os descendentes de Israel são Israel; nem é por
serem descendentes de Abraão que todos são seus filhos”, isto é, “não são os filhos
físicos que são filhos de Deus” (Rom 9,6-8).
Do mesmo modo, não é verdadeiro frade menor aquele que se mostra
exteriormente, andando de pés descalços, vestido com trajes pobres, mas aquele que
se considera pequeno e desprezível interiormente, que tem um coração verdadeiro,
que se desfaz de todo afeto mundano, procurando revestir-se inteiramente de Cristo. E
se alguém for proibido de seguir esse tipo de observância pode e deve recorrer aos
seus ministros.

2. O Espírito do Senhor é um dom especial e perfeito

1668. Sobre o Espírito do Senhor, o que ele é e por que se recebe, segundo as
seguintes palavras: Lembrem-se de que, acima de tudo, devem desejar ter o Espírito
do Senhor.
Para mim que vou falar do Espírito do Senhor, o qual o santo pai Francisco ensina
que os frades devem desejar ter acima de todas as coisas, seria desejar aquilo que
uma vez o devotíssimo São Bernardo pediu para si, tratando da compunção: que ele
preferia antes sentir a compunção do que conhecer sua definição, ou seja, eu
desejaria qualquer experiência daquele Espírito do Senhor, para que, tentando provar
uma coisa da qual nunca tive experiência, não me assemelhe a um cego que quer
falar de cores ou a alguém que se esforça para explicar a puríssima doçura do mel; e
também é um grande risco; todavia, falo para não parecer que deixei de lado, com
nosso silêncio, nessa minha obra este Espírito do Senhor que o seráfico Pai quis que
os seus frades não se cansassem jamais de desejar; de fato, não convém que os
comentadores da seráfica Regra sejam do número daqueles de quem falam os Atos
dos Apóstolos, no capítulo 19, os quais, sendo interrogados por São Paulo: Vós
recebestes o Espírito Santo, quando abraçastes a fé, responderam: Nem sequer
ouvimos dizer que existe Espírito Santo (At 19,2); o que, certamente, se é uma coisa
indigna para qualquer religioso, muito mais é de dar pena que existam tantos
religiosos que não sabem quase nada sobre o Espírito Santo ou que dele não tenham
experiência alguma.

1669. Por isso, referindo-nos aos escritos daqueles santos homens, que,
inspirados por esse Espírito, deixaram aos pósteros alguma coisa para ser lida sobre
eles, procuraremos explicar que tipo de contato tiveram com esse Espírito do Senhor,
guiados pela experiência.
Não se trata da terceira pessoa divina. - Antes de mais nada é preciso notar que
esse tipo de exposição não se refere ao Espírito do Senhor como terceira pessoa da
Santíssima Trindade, mas ao seu dom ou aos seus dons e nem a todos obviamente.
Os teólogos, de fato, distinguem os dons do Espírito Santo em gratis dati128, como o
dom das línguas, o dom da profecia e outros de que não pretendemos falar, mas

128
Trad.: dados gratuitamente.
413

sobretudo falaremos dos outros, chamados pelos teólogos de gratum facientes129, isto
é, aqueles que tornam a pessoa que o possui agradável a Deus e que não podem ser
obtidos por quem, manchado pelo pecado mortal, está em estado de inimizade com
Deus [...].

1670. O que se quer dizer exatamente nessa passagem sobre o Espírito do


Senhor. - Investiguemos então o que é que o nosso santo Pai entende nessa
passagem por Espírito do Senhor. Para explicar brevemente o meu ponto de vista, eu
acho que por Espírito do Senhor se entende aquele dom da graça pelo qual algumas
pessoas de modo especial se tornam espirituais, como as define o apóstolo, seja
porque já o possuem ou, pelo menos, porque se empenham decididamente em
possuí-lo. É certo, sem dúvida, segundo Paulo apóstolo, que nem todos os que já
possuem o Espírito santificador do Senhor mereçam ser chamados espirituais; até
pelo contrário, muitos deles são ainda chamados de carnais e animais pelo apóstolo,
na carta aos Coríntios, capítulo três, onde diz: “Irmãos, não vos pude falar como a
pessoas espirituais. Tive de vos falar como a pessoas carnais, como a crianças na
vida em Cristo. Eu vos alimentei com leite, não com alimento sólido, de acordo com a
vossa capacidade. E nem atualmente sois capazes de tomar alimento sólido, pois
ainda estais no nível da carne. As rivalidades e contendas que existem no meio de vós
acaso não mostram que sois carnais e que procedeis de modo humano apenas?”
(1Cor 3,1-3) [...].

1671. Quem são exatamente os espirituais. - Do que foi dito sobre os que, embora
justificados pelo Espírito de santificação, devem ainda ser considerados, de certo
modo, entre os carnais, pode-se ao contrário deduzir sem dificuldade quais sejam,
entre esses justificados e santificados, os verdadeiros espirituais e, por conseqüência,
o que vem a ser aquele Espírito do Senhor que, segundo as prescrições da Regra, os
frades devem desejar acima de todas as coisas. Pois se, segundo o apóstolo, aqueles
que são criancinhas em Cristo são ainda carnais, conclui-se que são ainda criancinhas
em Cristo aqueles que, como diz Paulo na carta aos hebreus, capítulo cinco, têm
ainda necessidade de que alguém lhes ensine os primeiros rudimentos das palavras
de Deus. Têm necessidade de leite em lugar de alimento sólido. Ora, quem se
alimenta de leite não é capaz de compreender uma doutrina profunda, porque é ainda
criança (Hb 5,12-13).
São, porém, espirituais aqueles que, como perfeitos, se alimentam de comida
sólida, e têm a experiência para distinguir o bem e o mal (Hb 5,14), entre os quais
Paulo, na primeira carta aos coríntios, capítulo dois, diz que falam de sabedoria: Entre
os fiéis plenamente instruídos, de certo, falamos de sabedoria, não porém a sabedoria
deste mundo nem a sabedoria dos poderosos deste mundo, fadados a
desaparecerem. Falamos da misteriosa sabedoria de Deus, a sabedoria escondida
que, desde a eternidade, Deus destinou para nossa glória (1Cor 2,6-7).

1672. O que vem a ser aqui o Espírito do Senhor. - O Espírito do Senhor,


necessário a esse estado de espiritualidade, e que os frades devem desejar acima de
qualquer outra coisa, não será nada mais que aquele dom pelo qual a mente, na
inteligência e no afeto, adapta-se e dilata-se para compreender sempre mais as
realidades mais sublimes e perfeitas.
Em realidade, esse Espírito, como especial dom de Deus, não é comum a todos os
justificados, mas somente àqueles que, com São Paulo na primeira carta aos coríntios,
capítulo dois, podem dizer: Nós, todavia, temos o pensamento de Cristo (1Cor 2,16),
ou seja, preocupamo-nos com as coisas do alto como o próprio Cristo, seja a nível de
inteligência como de vontade, como diz ainda o apóstolo aos Filipenses, no capítulo
dois: Haja entre vós o mesmo sentir e pensar que no Cristo Jesus (Fl 2,5);

129
Trad.: que tornam grato.
414

conhecemos e já seguimos a sua intenção nas coisas que devem ser aceitas ou
rejeitadas, e isso acontece com poucos; desse modo, também aqui o espírito é
absolutamente indispensável para alcançar as realidades mais sublimes e perfeitas.
Por meio deste Espírito, de fato, diz Paulo, Deus revela aos seus algo que os
olhos jamais viram, nem os ouvidos ouviram, nem coração algum jamais pressentiu. O
Espírito sonda tudo, mesmo as profundezas de Deus. Quem, dentre as pessoas,
conhece o que é próprio do ser humano, a não ser o espírito humano que nele está?
Assim também, ninguém conhece o que é de Deus, a não ser o Espírito de Deus
(1Cor 2,9-11). E quem não tiver esse Espírito, cansa-se em vão.

1673. Explica-se mais profundamente o que vem a ser o Espírito do Senhor. - É,


de fato, somente por meio deste Espírito que podemos conhecer tudo o que Deus nos
concedeu. E é deste Espírito e na sua doutrina que os homens santos, por ele
instruídos, falam, exprimindo e adaptando realidades espirituais em termos espirituais.
E é por meio deste Espírito que o homem espiritual julga as coisas ou discerne; ele,
porém, não pode ser julgado por ninguém; em outras palavras, pode-se argumentar
que uma outra pessoa será ou espiritual, e então terá o mesmo modo de pensar, ou
não o será e então, se quisesse julgar quem é espiritual, faria um ato temerário [....].

1674. Diferença na Regra entre o Espírito do Senhor e o espírito de oração e


devoção. - Neste ponto, alguém poderá perguntar-se se o Espírito do Senhor, do qual
se trata aqui, não seria o mesmo espírito da santa oração e devoção, lembrado no
capítulo cinco da Regra. Antes de responder, é preciso saber o que sejam oração e
devoção e, depois, o que significa espírito de oração e de devoção. A oração
propriamente dita outra coisa não é senão um exercício por meio do qual a mente,
voltada à contemplação das realidades celestes e divinas, desejando e querendo
possuí-las ou outras a elas semelhantes, eleva-se a Deus. Em vez, o espírito de
oração, conforme seu significado, outra coisa não é senão um impulso divino para
esse exercício e para nele permanecer. O profeta Zacarias, no capítulo 12, assim fala
desse espírito: Derramarei sobre a casa de Davi e os cidadãos de Jerusalém um
espírito de perdão e de misericórdia (Zac 12,10). Também Paulo fala a mesma coisa,
na carta aos Romanos, capítulo 8: É o próprio Espírito que intercede em nosso favor,
com gemidos inefáveis (Rom 8,26).

1675. Nesta acepção, se o espírito de oração é o Espírito do Senhor, não sempre,


mas pode-se dizer também o contrário, que o Espírito do Senhor é o espírito de
oração. O Espírito do Senhor envolve mais realidades que o espírito de oração. Às
vezes, porém, a oração propriamente dita significa todo exercício de piedade. Nesse
sentido, costuma-se dizer que não deixa de rezar quem não deixa de fazer o bem. Por
isso, acredito que o espírito que impulsiona a rezar seja o mesmo Espírito do Senhor e
com ele se identifica.

Os Capuchinhos na Suíça

1676. As primeiras instalações capuchinhas no território da confederação suíça


surgiram em 1535; faziam parte da província da Lombardia. A expansão da Ordem
para além dos Alpes não foi feita pelos frades por própria iniciativa; eles foram
convidados pelas autoridades católicas da Suíça central e por manifesto interesse de
São Carlos Borromeu, arcebispo de Milão, o qual, em 1571, tinha enviado dois
capuchinhos para o Cantão Ticino.
Em 1581, foi aceito Altdorf como primeiro convento capuchinho em território de
língua alemã; em seguida, vieram os conventos de Stans, Luzern e Schwyz. No
decorrer de cinco anos, a Ordem já se tinha instalado solidamente na Suíça central
católica, sob a direção do Comissário geral padre Francisco de Bormio. A fundação de
Appenzell assinalou uma nova etapa, com a qual Ordem se empenhava no projeto da
415

restauração católica. Em 1589, foi erigida a Província suíça; a Ordem se propagou


também na vizinha Alemanha meridional e Vallese.

1677. Não foram fáceis e nem pacíficas as instalações dos capuchinhos nos
cantões invadidos pelos protestantes; e era exatamente a veneração do povo
conquistada pelos frades por seu fervor, austeridade e pregação o que levava ao ódio
dos pregadores contra eles; em 1622, São Fidelis de Sigmaringa selava com seu
sangue a coragem profética dos pregadores capuchinhos.
Como testemunhos mais significativos, apresentamos aqui o relatório enviado por
Francisco de Bormio a São Carlos Borromeu em 1582, a informação de um
protestante escrita no mesmo ano, a declaração dos capuchinhos diante do Conselho
da cidade de Luzern, em 1584, verdadeiro programa de vida capuchinha da nova
comunidade e um resumo da “Historia capuccina” de Matias Bellintani de Saló sobre a
origem da Ordem na Suíça.

1. Primeiro relatório para Carlos Borromeu a respeito da vinda dos Capuchinhos para
a Suíça.

Altdorf, 4 de janeiro de 1582. - Francisco de Bormio, primeiro comissário geral dos


capuchinhos na Suíça, agradece a Carlos Borromeu pelo seu zelo manifestado para a
aceitação do convento de Aldorf, informa sobre o Capítulo Geral dos capuchinhos de
1581, sobre a vida e atividade dos capuchinhos em Altdorf, sobre os
encaminhamentos para a fundação da província, com a construção de um novo
convento em Unterwalden e solicita uma faculdade mais ampla para atender
confissões.

I frati cappuccini IV, 718-724

1678. Reverendíssimo e ilustríssimo senhor meu em Jesus Cristo, humildes


saudações.
Sabendo muito bem do esforço, trabalho e zelo que vossa senhoria ilustríssima
tem manifestado para conseguir que, nestas regiões dos senhores suíços, se
implantasse nossa religião ou congregação dos capuchinhos, por dever de gratidão, já
outras vezes lhe escrevi e informei sobre o êxito da ordem dada ou de nossa vinda e
ao mesmo tempo da amável recepção e caridosa ajuda destes egrégios senhores e do
povo simples, mas a consideração de minha imperfeição sempre me deteve e me
impediu de escrever, como também o estado de vossa ilustríssima senhoria à qual eu
devia escrever.

1679. Agora, estimulado, quer-me parecer por bom zelo, deixado qualquer falso
respeito, da maneira mais breve que puder, venho informar vossa ilustríssima senhoria
que, tendo o nosso senhor o papa Gregório XIII declarado e manifestado aos nossos
padres do Capítulo Geral a sua absoluta vontade de que fossem enviados frades para
Altdorf, eles, não podendo fazer-se desentendidos, por essa razão nos enviaram, com
má vontade e muita aversão, murmurando e falando mal, e isso talvez porque não
tendo eles informações sobre as condições do país e nem do povo, temiam e tinham
quase certeza de que os frades não poderiam viver e permanecer aqui sem muito e
grande relaxamento de nossa observância regular e, mandando-nos para cá, nos
confinaram precisamente nesta terra de Aldorff, com ordem expressa de não irmos
mais longe para conseguir outros lugares, com intenção talvez de fazer o que fizeram
em Valtellina, pelo que até hoje os céus choram, isto é, de arrancar tudo, quando esse
papa morrer, ele que hoje os favorece, e foi por isso também que me mandaram a
eles, eu, sem condições e sem a mínima competência para tal empreendimento.
416

1680. Mas espero que nosso Senhor Deus, que para sua glória e salvação destes
povos começou essa obra, a confirmará de tal forma e de tal forma a fortalecerá que
nem as portas do inferno, nem os homens de pouco zelo a poderão arruinar e nem
prejudicar.
Esse povos têm para conosco grandíssimo devotamento e veneração e, com suas
esmolas diárias, socorrem-nos suficientemente, conforme o nosso estado e com muito
menor preocupação nossa do que na Itália, França, Espanha e outras partes; por essa
razão, eu e todos os frades que aqui estamos, achamos que os frades viverão aqui
muito mais puramente e segundo a simplicidade da Regra do que em outros lugares,
porque aqui não fazemos estoque e nem provisão nenhuma de vinho ou de outra
coisa, a não ser daquilo que é estritamente necessário para a subsistência diária de
uma pessoa.

1681. O frio do inverno aqui parece ser longo e intenso e, não obstante a
comodidade das estufas, nós o passamos muito mais comodamente, com menos
agasalhos, lenha e perda de tempo do que na Itália, já que por experiência os frades o
conhecem e atestam.
Quanto aos frutos espirituais pela nossa presença neste meio, só Deus sabe ao
certo; eles aparecerão depois, junto aos católicos e aos hereges, junto aos seculares e
aos religiosos. Supomos que não será pouco o fruto, porque todos admiram e louvam
a nossa vida e, com grandíssimo desejo, esperam as nossas pregações, coisas que
não tinham ouvido até agora, porque eu não conheço a língua alemã a ponto de poder
pregar, todavia vou praticando para poder começar a pregar. Os outros, são jovens.

1682. Aqui, em Aldorff, moram ordinariamente dez frades, mas por não ter sido
ainda construído o mosteiro, somos seis, dos quais três são sacerdotes, dois são
clérigos e um é irmão leigo.
Um dos sacerdotes jovens, que é de Milão, leciona lógica para os clérigos e
espero que tenham bom proveito, assim serão logo sacerdotes e pregadores. Eu, para
o serviço de Deus, acredito e desejo que, uma vez construído o mosteiro, o que
deverá ocorrer logo logo, nos mandassem ainda aqueles três outros jovens alemães,
aptos para o estudo e que estão nas Províncias de Milão e Roma, e assim, em muito
breve tempo, possamos enviar outros tantos ceifadores para essas abundantes
regiões, já brancas e maduras para a colheita. Sobre isso voltarei a escrever para
vossa senhoria ilustríssima no tempo devido, para poder conseguir esses jovens com
a sua mediação.

1683. E porque uma mão lava a outra e um irmão ajuda o outro, havendo nesta
região sempre focos de peste, julgo não só conveniente, mas necessário arranjar um
outro lugar, pois acontecendo qualquer desgraça num lugar, o outro possa socorrer e
aqui vindo, como já vieram jovens alemães, desejosos e aptos para servir a Deus na
nossa congregação, possam ser recebidos e colocados não num lugar de estudos,
mas num lugar de noviços. E isso se poderia e se deveria fazer, especialmente
ocorrendo agora a oportunidade oferecida pelo Coronel Lussi, o qual, por sua
veneração por nós, oferece-se espontaneamente para construir um mosteiro para nós
na sua terra e no seu Cantão de Underbald.
Tudo isso, eu mesmo conferi pessoalmente com o reverendíssimo monsenhor
bispo de Vercelli e isso é de seu agrado e, quanto puder, ele nos ajudará. Escrevi
também para Roma, para alguns de nossos padres, muitos dos quais aprovam a idéia,
mas o padre geral, que é siciliano, não está inclinado a aprovar, de forma que temo
que isso vá dar em nada, se vossa senhoria ilustríssima não puser o dedo aí, agindo
eficazmente com sua santidade, dando uma ordem formal ao padre procurador da
corte, que está no lugar do geral em Roma, e ele logo cumprirá a ordem, porque ele é
totalmente favorável. Fazendo esse mosteiro para nós em Underbald, será depois
muito mais difícil aos homens arrancar a religião dali.
417

1684. Além disso, o nosso Padre geral, mandando-me para essas regiões,
concedeu somente a mim a faculdade de ouvir confissões de seculares em ocasiões
de grandes devoções; e aqui todas as ocasiões são de grande devoção, quem está
aqui sabe; mas a minha autoridade não vai além do que me podia conceder e
concedeu o vigário do ilustríssimo monsenhor bispo de Constança, e precisaria que
fosse maior ou, ao menos, tanta quanta é a dos padres jesuítas em Luzern; porém, se
for melhor a vossa senhoria ilustríssima conseguir isso de Sua Santidade, eu o
aceitarei para o serviço de Deus e salvação desses pobrezinhos, pelos quais,
deixando eu todo meu conforto, aceito espontaneamente toda e qualquer fadiga
possível.
Deixo tudo ao sereno julgamento de vossa senhoria ilustríssima e, para que Deus
seja servido e honrado, com tudo me alegrarei.
Suplicando humildemente que vossa senhoria ilustríssima me recomende, em
suas orações, à Divina Majestade.
De vossa reverendíssima e ilustríssima senhoria, devotíssimo servo em Cristo
Francisco Bormio, capuchinho

De Aldtorff, 4 de janeiro de 1582

2. Relatório de um protestante sobre os primeiros capuchinhos em Altdorf

Altdorf, março de 1582. - Henrique Thomann (1520-1592), conselheiro municipal


de Zurique, encontrando-se em Altdorf a negócios, faz relatório ao cunhado João
Tiago Wick, cônego protestante da catedral, sobre a nova Ordem dos capuchinhos.

I frati cappuccini IV, 724-727.

1685. Em Altdorf, principal povoado de Uri, se pretende construir um convento para


uma nova Ordem, como direi. No local onde se pretende construir já estão as pedras e
areia. Em Uri, encontram-se dois monges, ou seja dois exemplares de hipócritas, de
quem louvam a santa conduta de vida. Os moradores de Uri chamam-nos de
“Caposchiner” ou “Capoziner”. Na realidade se deveria chamar com aqueles nomes
que o nosso mestre Hans Schmidli, em Zurique, por brincadeira costuma apelidar os
bons companheiros. O patrono deles deve ser São Francisco.
Eles usam um hábito acinzentado que vai até os pés, feito de pano áspero e
ordinário com grandes e longas mangas, amarrado pela cintura por um cinto ou por
um cordão e na cabeça têm um grande capuz pontiagudo e que puxam de trás, de
modo que quando querem descobrir a cabeça ele se apóia nos ombros. Não usam
camisa e nem roupas de linho ou de algodão. Não usam também sapatos, mas um
pano amarrado aos pés e às solas.

1686. Apenas vimos essas máscaras carnavalescas de nossa hospedaria, o dono


já nos deu informações de tudo o que valia a pena saber. Deveria ser uma das Ordens
mais rigorosas que existia na cristandade. Não teriam nenhuma propriedade, não
pedem esmolas e não exigem nada, não pedem nada a ninguém, mas se contentam
com o que lhes é oferecido espontaneamente, seja comida, bebida ou dinheiro. Não
podem comer ou beber quanto querem, mas somente quanto for necessário para
manterem-se vivos. O que sobra das esmolas em alimentos, bebidas ou dinheiro,
depois do uso necessário, eles não podem conservá-los em cofres ou em casa , mas
devem distribuir logo tudo aos pobres, por amor de Deus.
Devem jejuar muito durante o ano. Não dormem em camas, mas sobre duros
estrados, tendo um toco de madeira como travesseiro. Não podem dormir mais do que
duas horas. O mais velho dos dois deve ser de família nobre, de conde ou de príncipe,
418

e traz uma enorme barba negra. O outro, um homem grande e imponente, deve ser
originário de Uri.

1687. Segundo as informações do nosso hospedeiro, ele doou para a construção


do convento cerca de 1.200 coroas, da herança recebida do pai, e o resto, cerca de
3.000 coroas, foram doadas pelos seus herdeiros mais próximos. Também uma
senhora idosa deve ter doado os seus bens para essa construção, que recebe a cada
dia doações de diversas pessoas. Um homem da região de Zurique propôs-se a entrar
para essa Ordem e a vestição deve ser feita no período da Quaresma. Não souberam
dizer-me qual é o nome dele nem seu endereço, nem se é empregado ou outra coisa.
O mais velho conseguiu um tal domínio da língua alemã que, no último Domingo
da Quaresma passada, fez ao povo uma bela pregação. Era sua primeira pregação e
ainda hoje se fala desse magnífico sermão: há muita rã nesse riacho.

1688. Concluindo o sermão, ele teria dito que o povo deveria contentar-se com
esse e, numa próxima vez, ele faria melhor e se expressaria mais claramente.
Resumindo: tudo o que diz respeito a estes dois hipócritas é santo. Não acreditaria
que eles eram assim tão estimados se não tivesse visto o prefeito da cidade de
Schmid, o cavalheiro Roll e outras pessoas importantes do lugar, como também outras
pessoas que eu não conheço, cumprimentá-los com grandes honras e inclinarem-se
diante deles quase até ao chão.

3. Declaração dos Capuchinhos diante do Conselho da cidade de Luzern

Luzern, 19 de janeiro de 1584. - No mês de julho de 1583, os capuchinhos foram


morar, como primeira casa, em Luzern, no mosteiro de S. Anna im Bruch, que estava
vazio. Mas dado que suas condições eram precárias, eles procuraram bem depressa
arranjar um lote onde pudessem construir um convento, conforme as suas
constituições. O Comissário provincial, padre Francisco Foresti de Brescia, no dia 19
(ou 9) de janeiro de 1584, enviou ao Conselho da cidade uma declaração na qual
expunha o modo de vida dos capuchinhos.

I frati cappuccini IV, 739-745

1689. No que diz respeito ao nosso modo de vida, este está assim estruturado: à
meia noite iniciamos a oração de nossas horas, isto é, as matinas e as outras orações
prescritas pela nossa Regra. Isso dura da meia noite à uma hora da manhã. Depois
disso, pelas 6, começamos a recitação das horas chamadas prima e terça e quando
terminam, os que são sacerdotes celebram a missa. Depois das celebrações das
missas, rezamos as horas sexta e nona.
À tarde, pelas duas horas, cantamos as vésperas e pelas quatro, as completas.
Essas são as orações que rezamos juntos na igreja. Do outro tipo de oração, da
meditação e da contemplação que fazemos além dessas comuns, não vou tratar aqui
por não julgar necessário. Oferecemos as nossas orações sobretudo pelo bem estar
temporal e espiritual dos nossos benfeitores e de modo especial por essa cidade e
seus cidadãos que nos fornecem acomodações e alimentação.

1690. Além disso, queremos informar a vossas senhorias como é que nós
queremos nos comportar habitualmente, tanto na cidade como nesses territórios fora
da igreja. Nós estamos sempre disponíveis para celebrar fora de nosso convento em
qualquer lugar onde nossa presença for necessária, de modo que possamos ajudar os
muitos padres que nos pedirem e isso nós faremos com prazer, pelo menos toda vez
que nos for possível , e fica claro que isso não poderá atrapalhar aquilo que é próprio
do serviço divino em nossa igreja.
419

Daqui a algum tempo, tão logo estivermos servidos de frades alemães em nossa
Ordem - como esperamos que aconteça - queremos, com prazer, nos dedicar também
à pregação, dentro e fora do território da cidade de vossas senhorias, isso quando vós
nos mandardes, todavia, de maneira que não sejamos obrigados a residir
estavelmente em lugares fora do convento ou obrigados a aceitar aqui ou ali uma
paróquia ou capelania.
Não obstante isso, onde houver falta de sacerdotes e haja necessidade de um ou
dois dos nossos, como durante a quaresma ou qualquer outro tempo sacro para
celebrar, ouvir confissões ou pregar, nós faremos isso da melhor maneira e ficaremos
durante toda a quaresma ou tempo sacro, no tempo necessário, pois nada nos é tão
caro e gratificante como ajudar a construir a comunidade na Igreja de Cristo.

1691. No que diz respeito a entradas temporais e à nossa alimentação, informo


que não temos nenhuma entrada de dinheiro, não permitimos isso e não aceitamos
dinheiro, mesmo quando queiram sugerir-nos ou obrigar-nos a tal, mas pedimos
comida e coisas de que precisamos, de casa em casa, por amor de Deus e não só na
cidade, mas também na zona rural, e isso de acordo com a generosidade e a boa
vontade de cada um, porque não queremos ser pesados a ninguém. E para que
ninguém venha a se enraivecer conosco, devem saber vossas senhorias que os que
pertencem à nossa Ordem capuchinha não podem conservar as esmolas que sobram
num lugar mais que em outros, mas cada convento se regula, nesse caso, conforme
as circunstâncias e conveniências e tudo isso é feito segundo as normas da Ordem e
sob a obediência do nosso Geral ou dos superiores ou dos provinciais. Isso quanto à
nossa alimentação.
No que diz respeito a esmolas em dinheiro, informamos que usamos delas
somente para comprar alguns tecidos ou algum remédio da farmácia para os doentes
ou coisas assim. Todavia não guardamos esse dinheiro conosco, mas sempre o
deixamos com o nosso procurador, que deve ser um membro do Conselho.

4. A difusão dos capuchinhos na Suíça, segundo a “Historia” de Matias Bellintani de


Saló

Matias Bellintani de Saló, contemporâneo dos acontecimentos que narra, foi


comissário geral na Suíça, em 1591. A sua narrativa sobre a fundação da Ordem na
Suíça abrange mais ou menos os primeiros dez anos da história, de 1581 a 1590.
Descreve com vivacidade e precisão a atividade carismática e apostólica dos primeiros
fundadores e o tempo dos primeiros assentamentos dos frades em Altdorf, Stans,
Luzern, Schwyz, Appenzell, Porrentuy, Solothurn, Baden.

I frati cappuccini IV, 790-815

1692. Os senhores suíços e especialmente os de Torf tinham procurado por meio


de bispos e de príncipes ter os capuchinhos. A tal empreendimento deu grande
colaboração Frei Francisco de Bormio, pregador da Província de Milão, o qual por ser
a sua cidade de Bormio capital da Valtellina, tinha estado quando jovem na Alemanha
e tinha ali aprendido bem a língua alemã; por isso tinha gosto e colaborava para que
se fosse para aquelas regiões para fundar a Ordem, esperando assim grandíssimo
fruto. E ele foi enviado pela Ordem para visitar o país, levando em sua companhia Frei
Mateus de Corano, irmão leigo da mesma província, homem de vida santa e que tinha
sido várias vezes guardião e mestre dos noviços leigos.
Mas não indo a coisa para frente, os senhores de Altdorf apelaram para o Papa
Gregório XIII, expondo à Sua Santidade a grande necessidade que tinham e o muito
fruto que esperavam e ainda as promessas feitas pelos seus predecessores ao
sobredito senhor Ama Lusio, que tinha sido embaixador dos Cantões católicos na
Corte de Roma. Por essa razão, Sua Santidade, no ano de 1581, no Capítulo Geral,
420

ordenou ao geral Frei João Maria de Tusa e aos padres capitulares que, não admitindo
mais desculpa alguma, enviassem frades para aquelas regiões.

1693. E assim foi mandado como comissário o sobredito Frei Francisco de Bormio,
o qual, indo à Província de Milão, tomou como companheiros Frei Mateus, do vale de
Torre, sacerdote; Frei João Batista de Lugano e Frei Sebastião de Altdorf, ambos
clérigos, e Frei Fortunato de Milão, irmão leigo. E foi com eles para Altdorf, onde, de
início, foram acolhidos com amabilidades, mas tiveram em seguida grandes
transtornos suscitados pelo demônio, o qual via ser muito contrária aos seus desígnios
infernais essa chegada de capuchinhos na região.
E foram contrários a eles também o governador, que agora dirigia o Cantão e o
decano dos padres, que era um homem muito culto e de grande poder de
comunicação, que pregava ordinariamente e era muito estimado por aquele povo. E,
em conseqüência disso, também muitas outras pessoas eclesiásticas e seculares.
Mas, ao final, foi mais forte a mão de Deus que, por meio de outros, tanto fez que
aqueles frades fossem aceitos livremente, a fim de que pudessem residir nesta terra.

1694. Era uma casinha pequena, de madeira, sobre um monte, na cidade de


Altdorf, perto da qual havia uma capelinha de todos os santos. No mais, era todo
deserta aquela região, não havendo ali senão pedras e madeira.
Trazidos para cá, foram ver se o lugar era adequado para eles; andando pelos
arredores, encontraram um imenso rochedo, onde chegando os frades com aqueles
senhores, levados pelo espírito de São Francisco, batendo duas vezes na terra com os
pés, disse e repetiu essas palavras: Haec requies mea130. Tais palavras, por ora, não
chamaram a atenção das pessoas e nem foram por elas reparadas; mas quando
depois as viram cumpridas, as pessoas ficaram profundamente admiradas e muito
edificadas e foram tomadas como um sinal de que era obra de Deus a vinda dos
capuchinhos.

1695. Pouco depois, passou por lá, como visitador apostólico, monsenhor
Buonhomini, bispo de Vercelli, o qual, indo mais além, levou consigo Frei Francisco
até Constança, o que foi ocasião para que o hábito franciscano fosse se mostrando e
que Frei Francisco e o companheiro tivessem que sofrer muito por isso.
Pelo que, chegados a Constança e indo mais longe ainda o visitador apostólico,
resolveram voltar, passando por lugares difíceis, por meio de gente que jamais tinha
visto pessoas como eles e ainda por muitos povoados de hereges, sujeitados a duras
provações, como a fome e péssimos alojamentos, além do cansaço da viagem,
insultos, livrando-se dos costumes bárbaros deles, contatando pessoas ignorantes,
mas tudo serviu para espalhar naquela terra e fazer morrer a semente, a qual, com o
tempo, haveria de multiplicar os frutos.

1696. Tendo agora uma cela fixa aqui em Altdorf e tendo os frades grande
oportunidade de dedicarem-se ao espírito de oração, por não entender a língua, a não
ser somente dois deles, o comissário e Frei Sebastião, e seguindo o ritos da Ordem
com a mesma observância de sua profissão, foram para todos exemplos de
grandíssima edificação e tidos por eles em grande consideração. Pelo que lhes
enviam esmolas suficientes que quase nunca precisavam sair do convento ou da casa
para ir pedir esmolas, o que mais condições lhes dava para estarem retirados e
ocupados nas santas orações, rezando pelos pobres pecadores, os quais naquelas
regiões eram ovelhas perdidas. Essas coisas contribuíram para acabar com a
oposição daqueles que antes eram contrários à vinda dos frades. Por essa razão o
comissário, vendo acalmada a situação, escreveu ao comissário geral em Roma, que
agora era Frei Francisco de Milão, pedindo outros frades da província de Milão e

130
Trad.: Esta é o meu descanso.
421

especialmente Frei Aleixo de Milão, para que ensinasse aos dois clérigos lógica e
outras ciências, a fim de se tornarem pessoas úteis para aqueles países. O qual aqui
chegou na vigília da Imaculada Conceição da Beatíssima Virgem Maria, no mesmo
ano de 1581, e deu aulas aos dois clérigos.

Os Capuchinhos na Espanha

1697. O breve de Paulo III de janeiro de 1537, que proibia os frades capuchinhos
de morarem nas regiões ultramontanas, tinha sido obtido por Carlos V, com a
finalidade sobretudo de impedir que a nova Reforma chegasse à Espanha, onde os
Observantes eram muito numerosos e influentes e onde tinha se originado a
austeríssima reforma dos descalços.
Nas províncias da Itália, havia muitos capuchinhos de origem espanhola, alguns
famosos, como João Zuazo de Medina, Pedro Trigoso de Calatayud, Alfonso Lobo de
Medina Sidonia. Não faltaram contatos entre os descalços da Espanha com os
capuchinhos, visando até uma possível fusão das duas reformas.
Entre 1570 e 1575, muitos nobres espanhóis com funções oficiais na Itália
tentaram inutilmente desbloquear a interdição. A tentativa de maior pressão foi a do
marquês de Santa Cruz, don Álvaro de Bazán, general das galeras de Nápoles, o qual,
em sinal de reconhecimento a Deus pela vitória de Lepanto, quis construir nos seus
domínios um convento para os capuchinhos e obteve de Gregório XIII um breve em
1577; mas não foi possível levar para frente a fundação.

1698. Foi preciso renunciar mesmo à entrada dos capuchinhos em Castela, mas
ao mesmo tempo a Catalunha abria suas portas aos capuchinhos por iniciativa do
Conselho municipal de Barcelona, que, em 6 de junho de 1576, se dirigia ao geral da
Ordem, pedindo a presença dos frades na cidade; a fundação deu-se em 1578, sob a
direção do padre Arcângelo de Alarcón, comissário geral, e de seu irmão João de
Alarcón. O sucesso foi tão grande que, em 1582, se pôde celebrar o primeiro capítulo
provincial.
A expansão alcançou rapidamente todo o reino de Aragão; em 1605, foi
desmembrada a província de Valência e, em 1607, a de Aragão. Em 1609, São
Lourenço de Brindisi conseguiu introduzir a Ordem em Castela com a fundação de
Madri.
As primeiras fundações dos capuchinhos no século XVI foram caracterizadas por
uma forte tendência à vida eremítica, acompanhada de uma grande austeridade e
pobreza, o que atraiu para os recém-chegados muitos dos Observantes, descalços e
recoletos. Em 1583, passaram para os capuchinhos de uma só vez não menos de
quarenta Observantes e ameaçaram fazer a mesma coisa uma centena de recoletos
dirigidos pelo seu próprio custódio provincial, se não tivessem atendidas suas
reivindicações. As exigências da vida e do ministério levaram logo a uma evolução
equilibrada.
Na presente coletânea de testemunhos, demos preferência aos documentos que se
referem aos primeiros assentamentos e às informações que dizem respeito à vida e ao
espírito dos capuchinhos, nos primeiros decênios de sua expansão em terras de
Espanha.

1. O Conselho Municipal de Barcelona ao Ministro Geral dos Capuchinhos

Barcelona, 6 de junho de 1576. - A fronteira catalã foi decisiva para a difusão dos
capuchinhos na Espanha. Parece que a iniciativa foi tomada pelo farmacêutico Miguel
Querol, junto ao Conselho municipal de Barcelona., cujos membros escreveram ao
superior da Ordem, pedindo uma fundação na cidade e oferecendo para isso todas as
facilidades.
422

I frati cappuccini IV, 970-972

1699. Ao reverendíssimo padre em Jesus Cristo Frei Jerônimo de Montefiori, geral


dos frades capuchinhos da Ordem do glorioso São Francisco, e, na sua ausência, ao
seu representante em Roma.

1700. Através de Miguel Querol, farmacêutico desta cidade, tivemos conhecimento


do grande desejo e vontade de vossa paternidade de edificar nesta cidade um
convento de sua Ordem, se obtivesse nossa licença.

Nós, conhecendo a santidade e a vida tão austera, de que dá prova a vossa


Ordem, e que benefícios singulares traz para a cristandade e, de modo especial, para
o povo que fica edificado pelo estilo de vida, pelo exemplo, singular doutrina e
pregação dos citados religiosos, não obstante que pela graça de Deus na nossa
cidade e região existam diversos mosteiros de diversas Ordens e, também entre eles,
haja religiosos de santa vida e de singular doutrina, não só temos prazer de que no
território da citada cidade surgisse um mosteiro de sua Ordem, mas queremos dar-
lhes uma boa casa e igreja, chamada de Santa Matrona, que está aqui perto, apenas
fora dos muros da citada cidade, às faldas do monte Montjuich, que, há algum tempo,
a cidade havia dado aos Observantes do convento chamado de Jesus, os quais,
porém, o recusaram por terem já diversos mosteiros e casas de sua Ordem, quer
dentro quer fora da cidade, como Vossa Paternidade poderá constatar pessoalmente,
visto a concessão feita a propósito pelo Conselho Ordinário desta cidade.

1701. Uma cópia vai anexa à presente e assim pedimos a vossa Paternidade que
se dedique com entusiasmo e empenho a este empreendimento tão santo para o
serviço que terá o Senhor e a particular vantagem para a população desta cidade, no
caso que o senhor decida efetivamente enviar os reverendos padres de sua Ordem,
aqueles que o senhor, a seu juízo, julgar serem os mais indicados.
Esteja certo que, de nossa parte, não deixaremos de fazer todo o possível na nossa
terra, para que o vosso piedoso e santo desejo alcance o efeito devido.
Que o Senhor o conserve em vida e saúde por muitos anos e aumente cada vez
mais a sua graça e bênção.
De Barcelona, 16 de junho de 1576
De Vossa Paternidade reverendíssima
Os Conselheiros de Barcelona

2. Resposta de Jerônimo de Montefiori a Miguel Querol

Nápoles, 11 de outubro de 1576. - A resposta do Vigário Geral dos capuchinhos foi


sem dúvida decepcionante para Miguel Querol e para o Conselho. Denunciava até
uma tentativa de instalação da Ordem por lá à revelia dos superiores. Todavia,
agradecia pelo interesse que Barcelona demonstrava para com a Ordem e não
descartava a possibilidade de eventualmente apoiar esse desejo deles, que no
momento era ainda inoportuno.

I frati cappuccini IV, 973-975

1702. Muito egrégio senhor.

Recebi sua carta de 6 de julho último e tomei conhecimento de seu grande desejo
de ajudar e servir a nossa Ordem e, por isso, lhe somos imensamente gratos.
Pelo que me diz de ter recebido por meio de Frei Maximino uma carta minha na
qual se fala da vontade de se ter uma casa nessa cidade e reino, quero lhe dizer que
eu não escrevi tal carta. Quem a escreveu e tratou do assunto à minha revelia fez
423

grande mal. Vossa senhoria me fará um favor e verdadeira caridade, se mantiver em


segredo o nome da pessoa que cometeu tal erro, uma vez que se trata de pessoa de
bom nome.
O senhor me fará ainda o favor de entregar, em meu nome, a carta endereçada
aos membros do Conselho daquela cidade, que é uma resposta à carta de vossa
senhoria e agradeça-lhes pelo grande desejo que têm de nos fazer grandes favores,
de modo especial, oferecendo-nos aquela casa santa que, como escreveram, no-la
dariam.

1703. Se, com o passar do tempo, Nosso Senhor orientar nossa Ordem para
essas regiões, como até se deseja, digo-lhe que aceitaremos isso de bom grado, se o
permitirem os citados padres de “Jesus” e , em caso contrário, poderemos achar um
lugar conveniente para nós para a alegria daquela cidade, onde se poderia construir
um convento com pouco gasto.
Até que Jesus bendito não disponha diversamente, faço o pouco que posso e não
deixaremos de rezar todos os dias a Nosso Senhor para que o conserve na sua santa
graça. E dê-nos generosamente a sua glória nesta e na outra vida.
De nosso convento da Conceição de Nápoles, 11 de outubro de 1576

Se chegar qualquer escrito em meu nome, que não esteja carimbado com esse
sinal e nossa assinatura, não o considere autêntico, como foi feito com o outro.
Afeiçoadíssimo
O geral dos frades capuchinhos

3. Simpatia dos descalços e recoletos para com os capuchinhos

Valência e Catalunha, 1582-1583. - Se os “descalços de Castela”, como às vezes


foram chamados, mostravam grande simpatia em relação aos capuchinhos e não
havendo capuchinhos ainda na Espanha, não poucos deles vestiram o hábito
capuchinho na Itália e acariciaram a idéia de unirem-se a eles oficialmente com toda a
sua Reforma, nos territórios da Coroa de Aragão verificou-se fenômeno análogo entre
os recoletos. Em ambos os casos, a estratégia adotada pelos Observantes contra os
capuchinhos foi idêntica.
Entre as pessoas influenciadas por aquela crise, surgiu o beato Nicolás Factor,
que passou dos Observantes para os recoletos e, destes, aos capuchinhos, para voltar
mais tarde aos Observantes.

I frati cappuccini IV, 984-987

1704. Os padres recoletos da Catalunha, Aragão e Valência obtiveram um breve


de Gregório XIII para constituírem, somente eles, separados da Observância, uma
província com seu provincial, assim que, depois de uma votação, todos os conventos
dos Observantes que passassem para os recoletos permanecessem efetivamente
recoletos. E porque o padre Nicolás Factor favorecia em muitas ocasiões o partido dos
recoletos e especialmente durante um capítulo local feito no convento de Jesus em
Valência, e do qual eu também participava, os padres da Observância o repreenderam
duramente e ele por sua vez os repreendeu também, resisterunt in faciem131.
O clima ficou pesado, o que deu ensejo a que o citado padre Nicolás Factor, vendo
que não havia nenhuma vantagem em favor daquela reforma, passou para os
sobreditos recoletos, que já viviam autônomos em alguns conventos, conforme o breve
recebido. Mas depois de grandes e exaustivas investigações da Observância, o citado
breve foi revisto e os recoletos voltaram para a obediência do provincial e à Província
da Observância.

131
Trad.: resistiram frontalmente.
424

Em vista disto, muitos padres dos mais ilustres dos recoletos e outros frades
menores passaram para os capuchinhos, fato que fez a província da Catalunha - único
lugar de toda a Espanha onde os capuchinhos tinham uma residência - alcançar o
número de 60 frades; e todos fizeram o noviciado, passando a usar o chamado
caparão, distintivo dos noviços, e a maior parte fez a profissão.

1705. O padre Nicolás continuou conventual no nosso convento de Montecalvario.


Passou a pregar em todas as igrejas de Barcelona com tanto espírito, aplauso e
satisfação de toda a cidade de Barcelona, onde pregava todos os dias, e não somente
nos feriados, mas também nos dias de semana. Todos acompanhavam-no para vê-lo,
ouvi-lo, falar-lhe, tocar no seu hábito e receber a sua bênção e muitos, com muito
cuidado, até cortavam pedaços de sua capa, de tal forma que ele voltava para o
convento com a capa em pedaços.
Se à tarde ficasse no convento, acorria tanta gente para vê-lo e falar com ele que
não podendo atender a todos pessoalmente, reunia-os todos no jardim do convento,
falando de modo tão sublime de Deus que, no ímpeto de seu amor, arrebatava e
inflamava os corações. Durante tais pregações, acontecia, vez ou outra, ser
arrebatado em êxtase e depois cair violentamente no chão. Falava de coisas tão
sublimes que ultrapassavam a capacidade de compreensão até das pessoas mais
eruditas nas letras e no espírito. Em todos os seus sermões, repetia-se sempre o
mesmo fenômeno de ser arrebatado em êxtase no púlpito, fato esse que interrompia
sua pregação.

4. Carta dos deputados da Catalunha ao rei

Barcelona, 7 de julho de 1584. - Por força de mandato de intimação,


apresentaram-se diante do tribunal do arcebispo quarenta recoletos que tinham
entrado para os capuchinhos, mas todos os seus documentos estavam em dia.
Todavia, em obediência à ordem do rei, foi suspensa a construção de vários
conventos. O arcebispo, contrário à vida eremítica, conseguiu colocá-la sob censura
canônica por um concílio provincial, atitude essa que desagradou tanto os recoletos
quanto os capuchinhos. Esses últimos, perseguidos assim por tanta gente - rei,
núncio, arcebispo, Observantes - recorreram aos seus benfeitores de sempre, ou seja,
às autoridades locais da Catalunha, que constituíam a chamada ”Generalidad” (Corte),
que pediu explicações ao provincial dos Observantes e impugnou as denúncias deles
contra os capuchinhos - explicações essas expostas todas numa carta ao rei Felipe II.
Superada essa difícil crise, a Província freou momentaneamente a sua expansão,
para incrementar sua presença, dez anos depois, nas regiões de Valência e de
Aragão.

I frati cappuccini IV, 993-997

1706. À sua cesárea Majestade real o nosso rei e senhor

S. C. R. M.

Os frades Observantes mandaram publicar nas igrejas e lugares públicos das


cidades e povoados deste principado e condado de sua majestade uma cópia
impressa de uma carta de sua majestade, datada de 9 de março último, dirigida ao
bispo de Tarragona, na qual, entre outras coisas, sua majestade ordena-lhe não
permitir e nem conceder licença aos capuchinhos de construírem ou terem posse de
outras casas, senão das doze construídas anteriormente. Tal publicação tinha a
finalidade de impedir a real ereção de novas casas capuchinhas.
Por tudo isso o povo ficou inquieto e descontente, tanto que nós fomos obrigados
a apresentar à vossa majestade os sentimentos por que passa aqui a comunidade, e
425

pedimos a esse respeito aquilo que achamos que seja melhor para o maior serviço a
Deus e à vossa majestade e paz e sossego para o povo.
Visto que os Observantes se acham muito bem no reino cristão e particularmente
aqui, e têm dado notáveis frutos férteis, parece-nos que não têm eles motivo de
mandar imprimir e publicar aos quatro ventos carta como aquela e nem querer com ela
inquietar o povo como fizeram. De fato, por graça de Deus, toda essa nossa região e
ainda outras nutrem tamanha devoção ao hábito do bem-aventurado pai São
Francisco, de tal forma que as numerosas casas dos Observantes e dos capuchinhos
terão sempre o necessário sustento e, na atual situação, uma nunca atrapalhará a
outra, como se pode constatar, estando ambas unidas pacificamente.

1707. De modo particular, no final das contas, os capuchinhos contentam-se com


tão pouco na construção de suas casas, com roupa e comida, que eles não
incomodam a ninguém e nem impedem também a presença de outros religiosos. Por
isso é que eles gozam de grande estima, por sua típica austeridade, por sua vida
exemplar e por seus ensinamentos. Os lugares que não contam com a presença de
outros religiosos - que vamos e venhamos, se poderia manter com pouco gasto - mas
que gozam do ministério e da ajuda espiritual dos capuchinhos, sentirão sem dúvidas
a sua falta.
Com tudo isso, se o santo zelo de vossa majestade o leva a limitar a presença
deles e isso por causa de informações a respeito de coisas erradas atribuídas a eles,
nós podemos garantir fielmente a vossa majestade que, por graça de Deus, disso
nunca se ouviu falar e não se ouve outra coisa sobre eles que não seja de bons
exemplos para o povo e para todos os religiosos. Tenha por certo que é devido à
divina misericórdia e à singular graça de sua majestade divina que os capuchinhos
vieram para esta nação e que aumentem e se multipliquem suas casas e o seu
número, para deter, nos seus limites, os inimigos de nossa fé católica. A presença
deles é um poderoso remédio contra todos os males a que toda região está exposta,
seja na fronteira com a França, seja por sua conformação montanhosa e rochosa, seja
por falta do atendimento espiritual, que antigamente prestavam os inúmeros mosteiros
e santas casas, que os reis cristianíssimos e de feliz memória, predecessores de
vossa majestade, tinham fundado e protegido, como certamente vossa majestade o
sabe muito bem.

1708. Dirigimos então uma humilde súplica a vossa majestade, no sentido de que
seja complacente e não impeça a construção de novas casas e que permita que os
capuchinhos possam ter todos os lugares que quiserem e assim aquela Ordem possa
livremente difundir-se pelo território e região, como já tinha começado a fazer. De fato,
sem prejuízo algum da parte dos Observantes e de outros religiosos, eles darão férteis
frutos, o povo tirará grande proveito e encontrará ajuda para tudo o que diz respeito ao
serviço de Deus e de vossa majestade.
Se, em todo caso, por qualquer piedosa ou santa justificativa, se tornar necessária
qualquer limitação em relação a eles, visto que vossa majestade tem sob sua
dependência ministros nesta província e em cuja prudência poderá confiar, pode
delegar-lhes e informá-los de tudo quanto, sem prejuízo algum, possa ser feito daquilo
que os súditos desejam.
Dirigimos dessa forma nossos pedidos a vossa majestade para que, em virtude de
sua autoridade real, ordene, por meio dos citados ministros, que se ponha um fim a
todas essas intrigas e de sua decisão venham a lucrar o serviço de Deus e de vossa
majestade, exatamente como o esperamos de um rei cristianíssimo e senhor nosso.
Que Nosso Senhor conserve vossa majestade para que possa conquistar reinos e
domínios sempre maiores, como desejam os fidelíssimos súditos de vossa majestade.
Desta cidade de Barcelona, 7 de julho de 1584

S. C. R. M.
426

Os vossos humildes e fidelíssimos súditos, os deputados da Corte (= Generalidad)


do Principado da Catalunha, residentes em Barcelona, beijam as mãos de vossa
majestade real.

5. Resposta do arcebispo Alonso de Gregório ao rei Felipe III

Caspe, 27 de abril de 1599. - O rei Felipe III, apenas coroado, mostrou


benevolência para com os capuchinhos. No dia 7 de abril de 1599 pediu aos
arcebispos de Valência e de Saragoza o parecer deles sobre o pedido feito pelos
capuchinhos para expandirem-se livremente. A resposta do arcebispo de Saragoza
mostra o retrato que se fazia de um frade capuchinho.

I frati cappuccini IV, 1010-1012

1709 Senhor, em sua carta de 7 do corrente mês, que recebi hoje, vossa majestade
pede meu parecer sobre a licença que os frades capuchinhos lhe pediram para se
expandirem livremente nestes reinos. Não tive nenhum relacionamento com eles a não
ser de um ano para cá, nesta cidade.
Em todo este tempo, eles comportaram-se bem, com ótimos exemplos e
edificação do povo. Embora não atendam confissões, parecem-me de grande proveito,
pois são homens muito mortificados, de muita oração e muito úteis no ministério dos
doentes, coisa de grande utilidade ao próximo e, pelo que me parece, não são de
causar transtornos.
É por isso que estou convencido de que vossa majestade não cometerá erro
algum, concedendo-lhes a licença pedida, com a condição de que estejam em lugares
grandes e com um bom número de frades, exortando vossa majestade os prelados a
que não concedam licenças diferentes dessa aos capuchinhos, porque ouço dizer que
eles estão acostumados a construir conventinhos em todos os lugares onde chegam.
Isso eu acho que não é conveniente, nem a eles e nem aos outros religiosos.
Que Deus dirija vossa majestade a fim de que possa cumprir tudo o que convém
ao seu serviço e o conserve por longos anos.

Caspe, 27 de abril de 1599


O arcebispo de Cesaraugusta

6. Decreto de liberação

Sila, 26 de agosto de 1599. - Conhecido o parecer das autoridades locais, Felipe III
promulgou um edito real, verdadeiro decreto de liberação, pelo qual estabelecia a
Ordem capuchinha em toda a Coroa de Aragão, exceto algumas pequenas limitações
de índole econômica, pastoral e demográfica. Com esse documento ficavam
revogadas as disposições jurídicas contrárias estabelecidas por Carlos V.

I frati cappuccini IV, 1012-1015

1710. Nós, dom Felipe, por graça de Deus, rei de Castela, de Aragão, de Leon,
das duas Sicílias, de Jerusalém, de Portugal, aos ilustres, nobres, magníficos e
amados conselheiros, aos nossos representantes e capitães gerais, oficiais da
secretaria e doutores das leis, ao muito reverendos, aos reverendos, veneráveis e
amados arcebispos, bispos, abades, priores e todas as pessoas eclesiásticas dos
nossos reinos de Aragão, Valência, principado da Catalunha e condados de Rossellón
e Cerdaña, presentes e futuros, àquele e a todos a quem as presentes letras
chegarem e forem apresentadas ou forem perguntados sobre seu conteúdo, saúde e
predileção.
427

Saibam que da parte dos religiosos capuchinhos da Ordem de São Francisco foi-
nos apresentado um relatório, segundo o qual eles, de alguns anos para cá,
começaram fundar nos citados reinos, principados e condados alguns conventos, e
pela vantagem que eles têm usufruído por causa de sua Ordem, de seus exemplos e
pregações em benefício das populações locais dos citados reinos, principados e
condados, e para que, em cada um dos citados reinos, possam ter um província que
subsista por si e ter assim uma maior observância de sua Ordem, desejam expandir-
se nos citados reinos e condados e me pediram para conceder-lhes autorização.

1711. Nós, depois de prévia informação obtida junto aos nossos representantes,
capitães gerais e arcebispos dos citados reinos, principados e condados,
considerando que, com alguma exceção, eles o aceitaram, creio ser bom adotá-lo na
seguinte forma.
Pelo que, conforme as presentes disposições, em virtude de nosso indubitável
conhecimento e autoridade real, deliberada e conscientemente damos licença e
faculdade aos citados religiosos capuchinhos, quer presentes quer futuros, de
poderem fundar e que fundem, com a prévia licença de seus superiores, nos citados
reinos, principados e condados, casas e mosteiros como melhor julgarem, observando
neles as próprias leis e estatutos; fora disso, não poderão construir nem erigir casas
ou mosteiros a não ser nas cidades, territórios e lugares espaçosos, cômodos,
adaptados e sobre o tamanho e conveniência de tais lugares devem ser informados os
vice-reis e os arcebispos de todo o reino. Isso vale pela citada motivação e que não
sejam construídos mais mosteiros além dos que possam ser mantidos com certa
comodidade por cada um dos citados vice-reis e arcebispos juntos, cada um no
próprio reino e província.

1712. E com a presente declaração e limitação, e não diversamente, concedemos


essa nossa licença e a impomos a vós, nossos representantes e capitães gerais, e a
todos os oficiais e súditos nossos, sob pena de nosso desprezo e indignação e multa
de 1.000 florins de ouro de Aragão e outros bens que exigiremos de quem se
comportar diversamente e que serão depositados nos nossos cofres. E exortamos os
sobreditos arcebispos, bispos e todo o pessoal eclesiástico a eles sujeito, que
conservem e guardem esta nossa presente licença e se esforcem para que seja
defendida, guardada e observada, se não quiserem incorrer, além do nosso desprezo
e indignação, na sobredita punição.
Sila, aos 26 de agosto de 1599 do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Eu, o rei.

7. As primitivas e inadequadas construções de conventos na Espanha

Barcelona, 29 de dezembro de 1616. - O definitório provincial da Catalunha,


esboçando a história do miserável e inadequado modo de construção dos primeiros
conventos, informava o definitório geral sobre as razões que motivaram tais
construções e que tornaram necessárias uma imediata reconstrução, ampliação,
mudança e aparelhamento melhor, com a necessidade de aceitar entradas
extraordinárias, como o legado deixado pela senhora Jerônima Colón.

I frati cappuccini IV, 1077-1082

1713. Relatório ao padre geral e seu definitório a respeito de um legado em favor


dos conventos da província da Catalunha, deixado em seu testamento pela senhora
Jerônima Colón, viúva do senhor Tiago Alós, naturais de Barcelona

JHS
428

1714. Muito reverendo padre.


Os religiosos desta província da Mãe de Deus da Catalunha julgaram bem
examinar e realmente examinaram a questão de se fazerem algumas reformas em um
ou outro convento da província e que outros fossem inteiramente reconstruídos no
mesmo terreno e lugar onde estavam e outros ainda que fossem mudados e
reconstruídos em outros terrenos e lugares, um pouco mais perto das cidades e vilas
de que estavam distanciados. Alguns desses religiosos, dado que faltam outros,
pedem que vossa paternidade muito reverenda tenha a bondade e ler e julgar o
conteúdo desta carta.
Antes de mais nada, essa atitude está condicionada pela fortíssima oposição feita
pelos frades Observantes por causa da fundação da província, o que exigiu da parte
dos padres fundadores certa pressa em construir. E aconteceu que, no prazo de
poucos anos, foram recebidos muitos conventos e, de fato, por causa dessa pressa e
de dessa preocupação de aumentar conventos, não tiveram os padres o cuidado na
escolha dos lugares.
Está fora de dúvida que alguns conventos poderiam ter sido construídos em
lugares mais próximos de áreas com possibilidade de irrigação e, ao invés,
escolheram lugares longe em áreas secas; aceitavam qualquer eremitério como um
bom lugar, como, por exemplo, Elna, Figueras, Bañolas, Gerona, Blanes, S. Celoni,
Manresa e Valls.

1715. Segundo ponto: o modo de construir e não só nos eremitérios, onde nada
mais fizeram do que adaptá-los como moradia para os frades, e - digamos - bem
incômodas, mas também de outros lugares, recebidos em pleno descampado. Tanto
num caso como noutro, na construção das casas não só não se levou em conta as
dimensões prescritas pelas Constituições, até pelo contrário, muitas tiveram até
reduzidas suas dimensões a dois palmos, outras a dois palmos e meio e algumas um
pouco mais; e assim, terminadas as casas, para muitas foi preciso fazer de três celas
uma, fazer portas, mudar divisórias. A causa disso tudo foi a pressa em construir, ou o
zelo, ou ainda o desejo de sofrer incômodos nesse tipo de casa.
A esses aborrecimentos necessariamente seguiram-se outros, como de fato
surgiram, tais como repartições defeituosas, estragadas e incômodas como, por
exemplo, as cozinhas, os refeitórios, os armários, as bibliotecas, as hospedarias. O
corredor de cima, sendo curto e estreito, não permitia ambientes mais amplos e
espaçosos, nem mesmo como o exigiam a mais rigorosa necessidade, as orientações
da Ordem e as intenções dos padres que fizeram aquelas construções, quaisquer que
fossem eles.

1716. Não só houve erros na medida, mas também foi usado material já
descartado, como a madeira, etc. Tudo isso foi motivo de muito trabalho: já de início,
foi preciso certos conventos mudarem de lugar, como o de Valls, quer pela distância
de uma légua do povoado, quer porque foram construídos muito mal.
Há alguns anos, foi preciso mudar o convento de Gerona, por causa da distância,
por causa do lugar árido e porque também fora mal construído; e, apesar de terem
sido feitos trabalhos e melhorias em mais de três conventos ao mesmo tempo, a coisa
andava de mal a pior. O convento de S. Celoni foi feito num lugar árido e exigiu muito
trabalho de manutenção e assim também, na mesma região, alguns conventos foram
refeitos, parcial ou totalmente, como os de Perpiñan e Manresa, não se encontrando
neles nada de aproveitável, e também o de Ceret, pelo mesmo motivo; e a mesma
coisa está precisando o convento de Blanes, que, conforme quem o examinou bem,
não tem outro remédio senão o de construi-lo de novo; e depois o de Figueras,
construído de novo pela metade, compreendido o poço.
429

1717. Outros, por não terem muros, foi preciso fechá-los, como aconteceu há
pouco em Gerona e Bañolas. S. Eulália, Vilafranca e Cervera deverão ser fechados
também. Todavia, se houvesse um ou outro convento que fosse construído próximo de
povoados e num bom lugar, com muros, bem fechados e solidamente construídos,
como o exigem nossas santas Constituições, certamente não viria à mente de nenhum
religioso fazer reformas, nem de transferir conventos ou reconstruir outros, como disso
não se preocupam e nem devem se preocupar os religiosos de outras províncias bem
organizadas , embora sejam velhas e de outros tempos.

8. Rigorismo das províncias espanholas

Barcelona, último quarto do século XVI - Madri, início do século XVII. - As


distâncias cronológicas e geográficas amenizaram o rigorismo que caracterizou a vida
capuchinha nas províncias espanholas, como o testemunham os respectivos cronistas.

I frati cappuccini IV, 1086-1088

1718. A comida habitual deles era tão pobre que no dia de nosso pai São
Francisco vi a comunidade de S. Eulália comer pão cozido no óleo, não havendo nem
carne nem qualquer outra coisa melhor e, num domingo da qüinquagésima, quando
até os mais tradicionais se permitem uma refeição conveniente e moderada,
despedindo-se assim da carne e do jantar, iniciando o jejum quaresmal, em tal dia, vi a
comunidade de Monte Calvário em Barcelona não comer outra coisa senão meia dúzia
de folhas de legumes fritas, um pouco de farinha e meia cebola.
Para não me censurar por ter dito uma mentira, devo dizer que, no começo, foi
servida uma salada de verdura crua, da horta, da qual se podia servir quem quisesse.
Estando eu pessoalmente presente, testemunhando tudo o que acima referi, posso
garantir que, no convento de Bañoles, nos dois anos que ali passei, foi servido carne
ou peixe muito raramente e, nos dias de carnaval, não foi servida outra coisa, senão
um pouco de massa de farinha cozida.
A refeição ordinária consistia num prato de legumes ou verdura cozida, alface crua
com vinagre, sem nenhum primeiro prato e nem frutas; aliás, a fruta não podia ser
conservada por muito tempo, mas era servida como uma refeição leve.
Os religiosos viviam contentes só com isso e as doenças naquele tempo não eram
tantas como hoje em dia.

1719. O desejo de se fundar uma província estimulava muito, superiores e súditos,


a um ardor especial e assim, de comum acordo, para evitar que a generosidade das
ofertas desse ocasião a qualquer relaxamento ou excesso, eles se adaptaram a um
tipo de moderada abstinência que, como acontece ainda hoje, pudesse ser observada
por todos, sem permitir que ao jantar fosse servida carne, mas apenas verduras
cozidas ou cruas.
Às sextas-feiras se alimentavam com um prato de verdura apenas; acompanhado,
às vezes, com pouco peixe de mar ou outro peixe, não passando de um único prato.
Nesse dia, antes do almoço, todos faziam a disciplina, como é uso e costume entre os
noviços. Acrescente-se que, no advento e na quaresma, o jejum das sextas-feiras era
feito a pão e água, comendo de joelhos; na segunda e terças-feiras, a comida era
como a das sextas-feiras durante o ano e, todas as noites da semana santa, havia a
disciplina, como manda a tradição.
Muito rigoroso era, porém, o fato de andarem descalços, com a proibição de usar
ordinariamente sandálias. O mesmo se diga do vestuário, não sendo permitida a
camisa a não ser por evidente necessidade e ainda só para os frades velhos. Esse
estilo de vida valia para todas as coisas: tudo era visto sob a ótica do pouco e pobre.

Os Capuchinhos nos países do Centro-Leste Europeu


430

1720. A Europa centro-oriental ofereceu aos capuchinhos, no início do século XVII,


um vasto campo onde pudessem desenvolver a própria atividade e enfrentar desafios,
em grande parte novos. As novas regiões de presença e de apostolado, pertencentes -
exceto a Polônia - ao império alemão, estavam tomadas pela reforma protestante, que
encontrava resistência somente nos principados eclesiásticos e nos territórios dos
Wittelsbach, na Baviera, e dos Habsburgos, na Áustria. Apoiados por Roma, foram
sobretudo os membros dessa famílias que promoveram a vinda dos capuchinhos.
A situação religiosa do povo era desoladora; os bispos não podiam confiar a não
ser nas Ordens religiosas. O povo, depois da surpresa provocada pelo aparecimento
desse novo tipo de religiosos e da aversão inicial suscitada pelos ambientes
protestantes, ficou logo a favor deles.

1721. O primeiro convento nesses territórios foi o de Innsbruck, fundado em 1593.


Em 1630, já tinham sido formadas quatro províncias: Bávaro-Tirolesa; Austro-Boema,
Estíria e Renana. A difusão inicial foi confiada à província belga para os lados do Reno
e à vêneta, para os outros territórios, com a colaboração de outras províncias italianas.
Entre as figuras mais representativas desse empreendimento lembramos: São
Lourenço de Brindisi, Jacinto de Casale, Valeriano Magni de Milão, Francisco Nugent,
Constantino de Barbanson, Ludovico de Saxônia, Remígio de Bozzolo e Tomás de
Olera.
A instalação nos países germânicos não foi fácil para os frades, por causa do
clima, da língua e da hostilidade do povo. Não faltaram perseguições e maus tratos.
Mas eles não demoraram para conquistar a veneração do clero e do povo. O primeiro
meio de apostolado foi o da pregação, à qual os capuchinhos acrescentaram, não
obstante a proibição das Constituições, o ministério das confissões, exigido pelos fiéis.
Mas o sucesso do grande contributo deles à causa católica foi o testemunho de sua
vida evangélica, pobre, austera e cheia de caridade.

I. Instalação no Tirol e na Baviera

1722. Os capuchinhos estavam no Trentino desde 1575, com a fundação do


convento de Rovereto, e naquela data já projetavam instalarem-se no Tirol; foram
chamados oficialmente em 1582, por insistência de Anna Catarina Gonzaga, esposa
do arquiduque Fernando II, mas somente em 1593 foi construído o primeiro convento
em Innsbruck. Seguiram depois as fundações de Salzburg, Bolzano, Munique e
Augusta.
A presença dos frades na Baviera teve certa cor política, devido às mediações de
paz conduzidas pelos capuchinhos, naqueles anos; nesse caso foi mérito particular de
São Lourenço de Brindisi.

1. Agradecimentos dos capuchinhos a Fernando II

Innsbruck, 16 de abril de 1575. - O governo do Tirol comunica ao arquiduque


Fernando II o agradecimento dos capuchinhos pela licença dada para se instalarem
em Rovereto e o próprio parecer favorável sobre a instalação deles em terras
germânicas.

1723. Alteza, o superior da Ordem dos capuchinhos da província de Santo


Antônio, Frei Lourenço de Bergamo, agradece sua alteza o príncipe por haver
permitido que fosse construído um convento de sua Ordem na cidade de Rovereto e
de poderem instalar-se ali, e pede ainda que sua alteza o príncipe (como no ano
passado foi permitido a eles pelo falecido rei da França no seu reino e foi publicado
com sua ordem geral e selado com seu selo real) de igual modo queira bondosamente
conceder e permitir que eles, por onde andarem nos domínios de vossa alteza e nos
431

lugares que lhes parecerem bons e úteis, possam erigir e construir conventos para a
Ordem deles.
Isso nós tiramos do escrito original de Frei Lourenço a sua alteza o príncipe aqui
presente e que vossa alteza mandou nos entregar. Agora nós não conseguimos saber
se nas terras germânicas existam tais conventos e igrejas desta Ordem capuchinha,
talvez porque eles não conhecem a língua alemã.
Igualmente, percebemos que eles levam uma vida dura e na Itália e por toda a
parte eles têm os seus conventos, com sua vida exemplar e santa e com a pregação e
o anúncio da palavra de Deus, eles são de grande utilidade para a construção da
comunidade e do povo de Deus na doutrina e na conduta que agrada a Deus. Por
isso, talvez poderia ser fácil responder benignamente ao humilde pedido deles acima
exposto.
1724. Ficaria, pois, à livre vontade, na ocasião que desejarem e à bondade dos
súditos e magistrados de vossa alteza querer ou não fornecer e dar aos citados
religiosos suas esmolas e ajuda para a construção e ereção de seus conventos e
igrejas, como também para o diário sustento deles. Mas se vossa alteza o príncipe
tiver dúvidas em dar ou em mandar preparar para eles seu consentimento conforme o
pedido feito, fazendo logo um documento geral, precisaria indicar claramente ao citado
provincial - quando sua alteza o príncipe estivesse de acordo - quais os lugares e
regiões no principado e terras de sua alteza o príncipe os frades de sua Ordem (que
deveriam saber alemão) poderiam escolher, se pensam, com prévia indicação e
consenso dos vossos obedientíssimos súditos e habitantes, erigir ou construir um ou
mais conventos.
Sua alteza o príncipe deveria, pois, segundo as informações tomadas, resolver e
decidir cada coisa com benignidade e que tudo permaneça [...].
16 de abril de 1575
O Regimento

2. Necrológio do padre Ludovico de Saxônia

4 de agosto de 1608. - Breves traços biográficos do padre Ludovico de Saxônia,


como é relatado no necrológio da província do Tirol na Baviera.

I frati cappuccini IV, 1209-1214

1725. Aos cinco citados acima segue o sexto, padre Ludovico de Saxônia, nascido
de pais hereges, mas nobres, cujo pai era da célebre família Einsidl e, como dizem
alguns, supremo chanceler da Saxônia, enquanto a mãe era da família Pflug. Na
adolescência, estudando na Itália, teve muitas vezes inspirações internas enviadas por
Deus para mudar sua fé luterana para a católica, mas ele sempre as frustrava ou
deixava para resolver no dia seguinte, propondo-se porém que um dia as aceitaria.
Resolvendo ir a Roma por mar, quando tinha embarcado em Gênova, aconteceu
que, de repente formou-se inesperada tempestade que aumentou tanto que todos no
navio tiveram certeza de que corriam sério perigo de vida e a morte parecia iminente.
Em tal perigo, enquanto ele sem saber ainda o que fazer, cheio de dúvidas e anseios,
e sentindo-se pungido pela própria consciência por não ter ainda aceitado a fé
católica, tomou firme resolução e fez uma promessa a Deus de que, se fosse salvo da
tal perigo, ele realizaria o mais rápido possível aquilo que até agora tanto tinha
retardado por próprio desleixo. E acrescentou com grande firmeza à decisão de fazer-
se católico a de entrar para uma Ordem que soubesse ser a mais austera na Igreja.

1726. Feita a promessa, só ele e uma mulher simples conseguiram alcançar o


porto, enquanto todos os que estavam no navio afundaram. E ele não esqueceu a
promessa feita. Chegando a Roma, começou logo a procurar com presteza quais eram
os religiosos que levavam vida mais austera. Orientado por algumas pessoas para um
432

convento de padres capuchinhos que havia ali, para lá se dirigiu. Tocou o sino na
portaria e perguntou pelo guardião ou superior da casa, pois tinha um assunto
importante para tratar com ele e não podia demorar. Quando o encontrou, narrou-lhe
longamente e com detalhes o acontecido. Revelou-lhe a promessa que fizera a Deus:
que queria ser instruído nos artigos da fé e, por fim, com toda a certeza, queria tornar-
se capuchinho e com muita humildade e decisão pediu que isso lhe fosse concedido
[...].
Frei Ludovico foi mandado para o noviciado e ali fez a profissão; aplicando-se
depois aos estudos literários, tornou-se um pregador tão insigne e famoso que não se
encontrava em toda a Alemanha um igual. Era especialista sobretudo no trabalho de
conversão dos hereges. Quando os padres capuchinhos foram enviados por São
Carlos Borromeu para a Suíça, Frei Ludovico, já sacerdote e pregador, não foi o último
entre os que foram pregar naqueles lugares a palavra de Deus, com grande louvor e
aprovação do povo por muitos anos e não sem incômodo. De fato, no inverno, andava
pela neve, gelo, água, sempre sem os meios necessários e de pés descalços, coisas a
que não dava importância e suportava voluntariamente por zelo pelas almas, pelo que,
com seu incansável trabalho, converteu à fé católica um número incalculável de
hereges e, merecidamente, até hoje os suíços o chamam de seu apóstolo [...].

1727. Da Suíça veio para a nossa província do Tirol e o conseguiu, depois de


muito insistir, a sereníssima arquiduquesa Anna, esposa do sereníssimo arquiduque
Fernando; e depois, por pedido do sereníssimo arquiduque Fernando, que hoje detém
com louvor o cetro imperial, e de sua sereníssima mãe, foi mandado pelo sumo
pontífice para Graz, onde, com suas ardentes pregações, realizou grandes obras em
relação aos hereges.
Em seguida, chamado de novo para Augsburg, por um humilde pedido do
reverendíssimo e ilustríssimo senhor Henrique, bispo da mesma cidade, e dos
senhores condes Fugger, e aí fez muito bem anunciando a palavra de Deus, por cuja
atividade, foi o primeiro na nossa Ordem que obteve o célebre púlpito dos cônegos
regulares de Santo Agostinho em Santa Cruz, herdado depois por outros pregadores
que o seguem até hoje [...].

1728. Conseguiu também que os senhores Fugger nos construíssem um convento


em Augsburg às próprias custas. Ali ele instituiu a Confraria do Santíssimo Corpo de
Cristo e, depois, a solene procissão da sexta-feira santa que até hoje é admirada e
embelezada com muitas representações. E enquanto antes da chegada do padre
Ludovico os católicos, como medrosíssimas lebres, não ousavam organizar uma
procissão em público, antes pelo contrário, mesmo quando uma já organizada pelo
próprio padre Ludovico e pronta para ir às ruas, eles se recusassem sair, ele os
estimulava a sair batendo neles com um pau.
Tendo êxito louvável essa primeira procissão e sem nenhuma perturbação por
parte dos hereges, todo ano, intrépidos, não se envergonhavam - como até hoje não
se envergonham - de instituir e organizar procissões sacras quase por todas as
praças.

1729. No que se refere à vida e aos hábitos do padre Ludovico, ele foi
fervorosíssimo na sua profissão religiosa, muito humilde e afável em tudo, muito
querido por todos, inteiramente espiritual no seu falar, homem de grande prudência, a
cujos conselhos muitos príncipes de grande valor obedeciam e por ele se deixavam
guiar. Era, sobretudo, afeito às humildes ocupações. Mesmo exercendo tarefas
importantes como a de pregador ou de guardião ou ainda outros trabalhos insignes,
não esquecia as ocupações humildes e ordinárias da vida religiosa, como, por
exemplo: lavar pratos, utensílios, costurar calças e arrumar roupas nos armários e
outras semelhantes que ele fazia e que eram apontadas como exemplo aos noviços
por seus mestres [...].
433

Esse grande e verdadeiro luminar da Igreja e de nossa Ordem faleceu no convento


dos frades em Augsburg, no dia 4 de agosto de 1608, e porque, em vida, por
humildade, tinha pedido para ser sepultado na terra, depois que morreu, foi sepultado,
conforme seu pedido, no conhecido cemitério dos frades.

3. Alguns costumes da província do Tirol

1615. - Dos costumes da província: horário a ser seguido para a oração nos
conventos e disposições para a pregação dominical.

I frati cappuccini IV, 1226-1228.

1730. As matinas são rezadas à uma hora da manhã; terminadas estas, durante
todo o ano, três vezes por semana, na segunda, quarta e sexta feiras fazem-se as
disciplinas habituais. Da Natividade da santíssima Virgem Maria até a Páscoa,
acrescentem-se também as ladainhas de todos os santos e uma hora inteira de
meditação - assim que a comunidade terminar no final de hora.
Às seis da manhã recitam-se as horas prima e terça, seguidas de missas, uma
depois da outra, e vão habitualmente até às 10 da manhã, mais ou menos.
Terminadas as missas, recitam-se sexta e noa. A hora noa, da festa da Páscoa até a
festa da Natividade da santíssima Virgem Maria, se reza às 17 horas da tarde e se
acrescenta a Ladainha de todos os santos, com uma hora inteira de meditação.
As vésperas se rezam, durante todo o ano, às 2 horas da tarde, as completas às 4
e a ela se acrescente a ladainha de Nossa Senhora e uma hora inteira de meditação,
de modo que termine pelas 6. A todas essas orações, acrescentem-se a cada dia, no
coro ou fora dele, o ofício de Nossa Senhora e os salmos para os benfeitores vivos e
defuntos.

1731. Porque das santas pregações derivam grandes frutos para todos, os frades
capuchinhos cuidarão que, em todos os domingos e nos dias santos, na igreja de
Nossa Senhora ou na própria ou ainda em outra que seja cômoda para o povo e que
deverá sempre ser comunicada a eles, se faça um sermão para o povo presente, e
esse sermão, para não atrapalhar o que é feito na catedral, deverá começar uma hora
depois, isto é, às 8 da manhã.
E para que a pregação não seja omitida por falta de ouvintes, lembre-se aquele a
quem essa tarefa foi confiada, que o Salvador, embora cansado pela caminhada,
pregou para uma só mulher, a qual, além do mais, não era lá muito pudica.

II. Instalação na Áustria e Boêmia

1732. A chegada dos capuchinhos na Áustria Inferior e na Boêmia deveu-se à


iniciativa das autoridades eclesiásticas locais. Já em 1575 o arcebispo de Praga,
Antônio Brus, tinha-se dirigido a São Carlos Borromeu para conseguir capuchinhos; a
tentativa não teve sucesso. Em 1597, o seu sucessor, Zbynek Berka, dirigiu-se ao
geral da Ordem, com o apoio do imperador, do núncio em Praga e de alguns cardeais;
desta vez o pedido foi atendido: o Capítulo Geral de 1599 decidiu o envio do primeiro
grupo, guiado por São Lourenço de Brindisi.
Vencidas as dificuldades iniciais, em pouco tempo surgiram várias fundações. O
comissariado da Boêmia, Áustria e Estíria precisou ser dividido em 1608. Em 1618, foi
erigida em província a parte boemo-austríaca e, no ano seguinte, a Estíria. A atividade
pastoral desenvolvida pelos frades foi logo muito intensa, sobretudo por meio da
pregação e do confessionário.

1. Carta de Antônio Brus a Carlos Borromeu


434

Praga, 4 de setembro de 1575. - O arcebispo de Praga Antônio Brus pede a Carlos


Borromeu, arcebispo de Milão, doze frades para enfrentar graves necessidades
pastorais de sua diocese.

I frati cappuccini IV, 1272-1275.

1733. Ilustríssimo e reverendíssimo senhor, senhor e pai respeitadíssimo.


O amplíssimo reino da Boêmia, outrora cheio de homens santíssimos, entre os
quais, deixando de lado outros por motivo de brevidade, São Venceslau, que foi rei da
Boêmia, ocupa o primeiro lugar pelo celestial e salutar orvalho que, pela santa
onipotência divina, ainda hoje se difunde frutuosamente por toda a terra dos boêmios,
tem uma abundante messe, mas os operários são poucos, de modo que, nestes
nossos tempos turbulentos e dolorosos nos quais, ó dor!, somos envolvidos, os que
temos não são suficientes para colherem o trigo do Senhor e Salvador nosso no
celeiro católico da salvação, dadas as iminentes agitações, os detestáveis hereges e
as abomináveis idéias quiméricas que, na nossa região, com seu grito infernal,
arrastam um número infinito de almas ao horrendo inferno, à perdição.
E, se bem que eu tenha à mão os reverendos padres jesuítas que, certamente,
cada dia, recolhem frutos imensos na Igreja de Deus, todavia só eles não são
suficientes, dada a imensidão das colheitas nesta terra da Boêmia, na qual Deus,
Ótimo e Máximo, se mostra presente com sua inefável misericórdia, mas sinto, a cada
dia, como o diabo, qual leão que ruge, anda ao redor do reino da Boêmia para engolir
e devorar muitos, que estão sozinhos e privados de pastores fiéis e devotos, os envia
assim para os castigos eternos, onde há eterno ranger de dentes, torna-os iguais aos
espíritos infernais, despoja-os da imagem de Deus e priva-os da eterna e feliz
eternidade, que consiste na visão de Deus Criador e redentor nosso.

1734. Por missão a mim confiada por Deus três vezes, maximamente tenho
obrigação de impedir que isso aconteça com remédios salutares e, não encontrando,
especialmente para os italianos contaminados pela peste da heresia e que vivem aqui
e ali na Boêmia e, com a língua materna, fazem desviar do verdadeiro e católico sentir
muitos outros conterrâneos, nesse tempo nenhum outro remédio melhor que possa
afervorar e alimentar a fé senão homens corretos, honestos e verdadeiramente
católicos, chamados de outros países para nossa pátria boêmia, dos quais há aqui
grande falta; e, tendo falado disso com o generoso e ilustre senhor, senhor João Popel
de Lobkoviz, etc., presidente supremo no tribunal de apelação da sagrada cesárea e
real majestade, que é um grande incentivador e propagador da religião católica e
tendo conversado longamente, finalmente concordamos os dois que pela propagação
da religião católica na Boêmia devíamos buscar auxílio nos franciscanos capuchinhos.

1735. Soube que vossa senhoria ilustríssima tem sob sua jurisdição um grande
número desses frades; por isso para amparar a sincera fé católica, peço a vossa
senhoria ilustríssima, com a maior firmeza, que se digne enviar-me aqui para Praga
seis frades franciscanos capuchinhos, para os quais tudo será providenciado
abundantemente para que tenham o suficiente em tudo, quer de minha parte quer do
citado generoso senhor João Popel de Lobkoviz, etc.
E, se os meus pedidos encontrarem acolhida junto a vossa ilustríssima senhoria,
gostaria de pedir também, não levando a mal, que me respondesse logo quando é que
poderia me enviar tais frades, porque, a partir de então eles viajarão, para nossa pátria
da Boêmia, pagos por mim e pelo generoso senhor João Popel de Lobkoviz e serão
aceitos com muito prazer; e eu também retribuirei a vossa senhoria ilustríssima com
favores e benevolências e estarei sempre pronto para o serviço de vossa senhoria
ilustríssima, a quem desejo toda prosperidade e que tudo seja de acordo com o seu
desejo.
435

Saudações
Praga, 4 de setembro de 1575.

2. O arcebispo de Praga ao Ministro Geral

Praga, 10 de fevereiro de 1597. - O arcebispo de Praga, Zbynek Berka von Duba,


pede ao Ministro Geral dos capuchinhos para enviar alguns religiosos para sua
diocese.

I frati cappuccini IV, 1275-1278

1736. Reverendo padre


Os muitos mosteiros e igrejas construídos com grandes despesas e os edifícios
em que os religiosos serviam a Deus com assiduidade testemunham facilmente
quanto era, um tempo, neste reino da Boêmia, logo depois de sua conversão e depois
por longo tempo, a pureza da fé e da religião católica e quão grande era o ardor dos
homens ao aceitar e favorecer o culto divino de todas as maneiras. Essas coisas, logo
em seguida, perderam em grande parte sua dignidade e exímio esplendor pelo
resfriamento do fervor da caridade e pelas desavenças surgidas, por causa das
heresias e das guerras feitas por instinto, e não poderia acontecer para nós coisa mais
desejável do que ver aquelas coisas restabelecidas e florescentes também no nosso
tempo, quando temos (embora indignos) a missão de apascentar o rebanho do
Senhor.

1737. Poderemos esperar isso somente se, numa messe assim grande e
abundante, existirem numerosos operários que, com o bom exemplo de vida e com
meios convenientes, reerguessem pouco a pouco aquilo que os contratempos tinham
abatido, reconduzindo ao reto caminho da fé católica aqueles que dela tinham se
afastado, arrastados pelos erros da heresia, e exortando com seriedade e eficácia o
povo desta pátria, para que seguisse as pegadas de seus antepassados que
abraçavam fervorosamente a fé católica, entre os quais têm lugar principal os santos
patronos Venceslau e Adalberto, cujos sepulcros e sagradas relíquias nós veneramos
todos os dias.
Portanto, pela missão a nós confiada, esforçar-nos-emos com todo empenho para
fazer crescer a religião, a fé católica, o fervor, o empenho das pessoas e a extirpar a
malícia humana, que, nestes tempos calamitosos, cresce cada vez mais e se fortalece,
e o esmorecimento da piedade.

1738. Entre os meios que nos propomos para conseguir tal efeito, julgamos que o
mais idôneo seria convidar e trazer para cá, da Itália, os padres capuchinhos, da
Ordem dos menores de São Francisco, cuja integridade e inocência de vida jamais foi
posta em dúvida por ninguém, antes, todos reconhecem e confirmam que eles, onde
quer que se encontrem, praticam as obras de caridade e de piedade, com as quais se
ajuda muitíssimo a Igreja e se alcança um crescimento muito grande de homens bons,
com os santos exemplos e exortações dados por eles.
Desejando isso, decidimos realizá-lo e expor a nossa paterna intenção em relação
a esses frades; pedimos, fervorosamente, a vossa paternidade reverenda que
escolhesse cinco ou seis frades de sua Ordem e os enviasse a Praga, para que
fizessem produzir na Boêmia aqueles frutos que o talento deles é capaz e para
ganharem para Deus as almas enganadas pelas ciladas dos hereges.
Para tanto, já temos o consentimento da sagrada cesárea majestade, sob cuja
proteção vão viver, e pudemos constatar o desejo e benignísssima vontade da mesma
majestade de que esses frades sejam enviados para cá.
436

1739. Noutro lugar, tratar-se-á, de maneira oportuna, sobre uma cômoda moradia,
com igreja, jardim, que já indicamos, e todas as demais coisas necessárias.
Soubemos que há alguns que falam alemão: queira vossa paternidade enviá-los para
cá, assim poderão pregar, falar e se relacionar com o povo em alemão. Se o nosso
justo pedido, feito sob o desejo de difundir a glória de Deus, encontrar o vosso favor,
coisa de que não temos a menor dúvida, poderá responder-nos. Os padres, quando
chegarem, serão bem recebidos, muito estimados e terão o calor de nosso paterno
amor e, se Deus quiser, terão o número aumentado. Recomendamo-nos às vossas
piedosa orações.
Praga, 10 de fevereiro de 1597

3. Matias Bellintani de Saló a Marco Aurélio Grattarola

Praga, 15 de março de 1603. - Matias de Saló comunica ao preboste do San


Sepolcro, em Milão, Marco Aurélio Grattarola, que recebeu as imagens do beato
Carlos Borromeu. Os capuchinhos são recebidos, procurados e ajudados mesmo
pelos protestantes. Fala-se de um novo convento em Linz.

I frati cappuccini IV, 1287-1289

1740. Muito reverendo e prezadíssimo monsenhor.


Recebi as santas relíquias, com o Agnus Dei, enviadas, por intermédio de vossa
senhoria muito reverenda, pelo nosso ilustríssimo e reverendíssimo senhor cardeal, a
quem muito agradeço. Eu já tinha sido avisado pelo senhor Adão sobre elas e,
ocorrendo-me enviar à sua senhoria ilustríssima uma interpretação de passagens do
Apocalipse, eu lhe agradeci, mas queira Deus que as cartas cheguem ao endereço.
Com esta minha, novamente agradeço a sua senhoria ilustríssima e reverendíssima.
Desse modo, aqueles benditos santos, cujas relíquias o senhor me mandou, lhe sejam
contínuos protetores e defensores.
De igual modo, gostei muito dos santinhos de nosso beato Carlos, que me
agradaram muito; dei um para o monsenhor núncio, que é muito devoto do beato e um
outro a um dos nossos padres. Os demais darei a alguns senhores, para torná-los
devotos desse beato. Agradeço-lhe muito.

1741. Esta grande cidade, que até há pouco era inteiramente herética, começa a
abrir os olhos, pouco a pouco. A nossa pobreza nos tornou queridos não somente aos
católicos, mas aos próprios hereges também, a começar pelos senhores, e também ao
povo. Essa afeição, reverência e esmolas deles, percebe-se, é a porta através da qual
a santa fé vai entrando docemente, parecendo-lhes impossível que tais pessoas, como
nós, não tenham a fé verdadeira; há neles tamanha convicção que muitos se tornam
católicos, mas com jeito e quase às escondidas, pois muitas famílias chamam
secretamente os sacerdotes para instrui-las na fé. O sol sobe sem ver o próprio
movimento.

1742. Linz é uma cidade importante na Áustria, onde se faz a feira três vezes por
ano, da qual participam também italianos. É totalmente herética e, não obstante isso,
pede-nos para construir lá um convento. A coisa não está certa, meio secreta. Venient
et qui volent divites fieri, idcirco aversum pauperes132. Já viram, por acaso, um artifício
divino mais bonito? E isso é uma coisa, por que aqui ainda nos querem bem e ajudam
e dizem-me os frades que, em Viena, recebem mais esmolas dos hereges do que dos
católicos. Messis multa operarii autem pauci. Roguemus Dominum messis133, etc.

132
Trad.: Virão também os que querem enriquecer-se e por isso são contra os pobres.
133
Trad.: A messe é grande, mas os operários são poucos. Peçamos ao Senhor da messe...
437

Beijo humildemente as mãos do ilustríssimo e reverendíssimo senhor cardeal e


recomendo-me à vossa reverendíssima, rezando a Deus nosso Senhor para que
esteja sempre conosco.
De Praga, aos 15 de março de 1603.
De vossa senhoria muito reverenda

O mínimo em Cristo
Frei Matias, capuchinho

III. Os Capuchinhos na Região do Reno

1743. Os primeiros pedidos para uma presença de capuchinhos na região do Reno


remontam ao ano 1599; mas a realização do projeto de sua instalação é obra do
arcebispo-eleitor de Mogúncia João Schweikhart von Kronberg, que, em 1608, se
dirigiu ao geral da Ordem. Foi o irlandês padre Francisco Nugent o encarregado de
guiar o primeiro grupo de capuchinhos destinados para lá; a primeira fundação não foi
em Mogúncia, por causa das dificuldades criadas pelo arcebispo, mas em Colônia,
onde os frades foram recebidos, em 1611; as fundações foram-se multiplicando por
toda a região.
O comissariado foi elevado a província em 1626. Não foi fácil para os capuchinhos
conciliarem a observância interna tradicional com as exigências impostas pela pastoral
para a qual tinham sido chamados.

1. Francisco Nugent superior da missão em Mogúncia

Roma, 28 de agosto de 1610. - O Ministro Geral dos capuchinhos, Jerônimo de


Castelferreti, escolhe o capuchinho irlandês Francisco Nugent como comissário geral
da missão em Mogúncia.

I frati cappuccini IV, 1344-1346

1744. Ao reverendo, em Cristo, padre Francisco irlandês, pregador da Ordem dos


frades menores capuchinhos de São Francisco, Frei Jerônimo de Castelferreti, geral
da mesma Ordem, embora imerecidamente, deseja saúde no Senhor.

1745. O ilustríssimo e reverendíssimo senhor arcebispo de Mogúncia, por sua


singular piedade espiritual e imensa veneração para com a nossa Ordem, tem grande
esperança que os nossos frades darão grande ajuda e colaboração, com a palavra e
com o exemplo, para a salvação das almas a ele confiadas, na importantíssima cidade
de Mogúncia, se os mandarmos para ali se instalarem e residirem.
Por isso, porque ele nos pede com insistência frades para tal finalidade e
porque não podemos e nem devemos deixar de atender os pedidos de tão grande
prelado, submetemos ao santíssimo senhor nosso tal pedido e Sua Santidade deu
benignamente o seu consentimento. Enquanto pensávamos na pessoa mais indicada
para enviar, vieste-nos à mente, em quem confiamos inteiramente, por tua fé e
doutrina católica e ortodoxa, pela vida, probidade e integridade de costumes.

1746. Em virtude das presentes letras, pois, te escolhemos, constituímos e


delegamos como nosso comissário e representante e te damos a faculdade de
transferir-te para a citada cidade de Mogúncia , de escolher um lugar, construir um
convento, levar contigo outros frades de nossa Ordem, da província de Flandres, que
a ti e ao provincial lhes parecerem idôneos, para levá-los para a citada cidade, de
governá-los e de poder fazer tudo o que os guardiães, os vigários provinciais e os
nossos comissários costumam fazer. Além disso, concedemos-te a faculdade de
438

receber na Ordem todos os que considerares idôneos, e no mais, observar tudo o que
deve ser observado.
Ordenamos-te com o salutar mérito da obediência, ir para aquela cidade o mais
rápido possível e queremos firmemente que os frades que morarem naquela região
que estará sob teus cuidados obedeçam-te e sigam em tudo como a nós mesmos,
segundo manda a nossa Regra.
Sendo só isso, vai e o Senhor torne fecundo o teu caminho e te proteja sempre
com a sua graça.
Roma, de nossa casa de São Boaventura, 28 de agosto de 1610

2. Relatório do núncio Albergati sobre a presença dos capuchinhos na Alemanha

Colônia, 25 de setembro de 1611. - O núncio Albergati ao cardeal secretário de


Estado Cipião Borghese: pedem-se frades para a fundação de conventos em várias
cidades; os capuchinhos quereriam levar uma vida completamente conventual, mas é
preciso deles um trabalho apostólico.

I frati cappuccini IV, 1348-1349

1747. De muitos lugares chegam pedidos para se ter esses frades. Em Aquisgrana
um comendador já vai construir um mosteiro; em Novesio, o coadjutor de Colônia; em
Mogúncia, o eleitor; em Westfália, há outros nobres que igualmente insistem em ter
frades lá e que eles lhes darão terreno. Todo o problema está em fazer aqui um boa
base, por ser essa cidade uma cidade de estudos e porta para todas as outras
províncias, de modo que, quando for fundado e instalado aqui um mosteiro, se possa
ajudar a fundar passim134 os outros, mandando-lhes daqui uns bons frades operários.
Uma das maiores dificuldades que acho nesse negócio é que esses bons padres
que vieram para cá pensam que podem fazer por aqui o que fazem os frades na Itália
e pensam que, estando em seus mosteiros rezando ofício, fazendo orações, e às
vezes fazendo uma pregação para o povo, sem fazer outra coisa, isso basta; e sempre
que eu peço para que alguns deles vão pregar nas cidades vizinhas tão necessitadas,
como pede o povo, eles não aceitam de muito bom grado; e tendo ainda pedido a eles
que para ajudar espiritualmente esse povo e incentivá-lo na devoção, que fizessem
algumas pregações nas suas igrejas depois das vésperas, umas três vezes por
semana para confrarias, como por exemplo a da Paixão de Nosso Senhor , falando da
mortificação e de outros temas semelhantes, não consegui nada, pois eles são
difíceis. Mas é esse o caminho que tem que ser feito para cultivar essas almas rudes e
ineptas e levá-las a um verdadeiro conhecimento da fé.

1748. Além disso, quando os padres entendem que de tantos lugares vêm pedidos
para eles irem para lá fundar mosteiros, embora retirados, eles dão como pretexto que
não têm frades, mas na verdade é porque eles não querem sair de sua rotina e até
pensam em formar frades desta cidade para depois mandá-los para aqueles lugares e
assim eles não se incomodarem; tal idéia vai levar de 10 a 12 anos e assim perderão a
oportunidade que o povo lhes deu por estimá-los [...].
Se forem para lá frades alemães que quisessem e se pudesse haver fundos ali
para fundar tal mosteiro, seria uma grande coisa e logo nós veríamos muitos frutos
[...].
Quantos frades aptos para pregar e competentes para dirigir mosteiro viessem
para cá, tantos mosteiros seriam fundados nessas províncias. Nem seria preciso para
eles esmolas de fora, como agora se faz em Colônia, porque num lugar como aqui,
onde, por excesso de lugares piedosos e de religiosos, não se tem a devida estima por
eles - e nós temos insistido para que sejam bem recebidos - assim naqueles outros

134
Trad.: pouco a pouco.
439

lugares, onde eles são pedidos por faltarem sacerdotes, eles seriam aceitos de muito
boa vontade.

3. Dificuldade de inculturação dos capuchinhos em Colônia

Colônia, 11 de dezembro de 1611. - O núncio Albergati ao secretário de Estado


Cipião Borghese. Dificuldade dos capuchinhos para aceitar o projeto sobre a fundação
da confraria da Paixão; eles deveriam celebrar, pelo menos vez ou outra, com diácono
e subdiácono, para não provocar suspeitas aos reformados.

I frati cappuccini IV, 1350-1351

1749. Farei esforço para acomodar os padres carmelitas descalços em algumas


cidades vizinhas, quando chegar o tempo deles e eu for procurado, mas será bom,
quando assim mandar vossa senhoria ilustríssima, falar antes muito claro com eles a
fim de não cairmos nas mesmas dificuldades dos capuchinhos e para que eles nos
dêem mais satisfação do que deram estes.
Desejavam alguns que temiam a Deus, porque esses padres não podem ouvir
confissões nem pregar na catedral, que pelo menos fundassem uma associação nas
suas igrejas, com o nome de Paixão de Nosso Senhor e que, uma vez por semana, às
sextas-feiras, se reunissem e o padre guardião fizesse um sermãozinho De passione
Christi135, dividindo-o em tantos pontos quanto suficientes para o ano todo, e
esperavam, com este meio, edificar e confundir os hereges que andam disseminando
por toda parte que nós não damos importância à Paixão de Cristo. E, para evitar
confusão, desejavam que tal confraria não tivesse mais que 24 pessoas e também
que, na reunião, não se tratasse de dinheiro, de esmolas e nem de outras coisas
temporais, mas somente de coisas espirituais. E tais pessoas assim tratadas e
instruídas poderiam fazer muito bem, cada um nessa cidade e em outros lugares; mas
nem com tudo isso os padres quiseram atendê-los.

1750. É costume nesta cidade que, em todas as igrejas, se cante sempre nas
festas a missa solene, coisa feita também pelos jesuítas, se bem que em outros
lugares não o fazem mais. E porque os padres capuchinhos não cantam nunca uma
missa e nem tem costume de usar diácono ou subdiácono, algumas pessoas lhes
pediram para que, ao menos, nas solenidades cantassem a missa com o canto
comum deles, para assim acabar com as calúnias dos hereges, que andam dizendo
que os capuchinhos não acham necessárias as ordens do diácono e subdiácono,
porque nunca viram servirem-se delas. E, com esse modo de agir, eles não dão
nenhuma ajuda para esse povo...

IV.Instalação dos Capuchinhos na Estíria

1751. A província da Estíria teve origem na divisão do comissariado austro-boemo,


em 1608. Os capuchinhos chegaram aí em 1600, dirigidos por São Lourenço de
Brindisi, a chamado do arquiduque Fernando. A Estíria constituía então uma província
do império de Habsburgos e compreendia os territórios da Caríntia, Croácia, Carniola
e Ístria. O desejo de restabelecer aqui a vitalidade do catolicismo diante da invasão
protestante foi o motivo da chamada dos capuchinhos.
No início de 1599, o arquiduque Fernando II da Estíria dirigiu-se ao núncio em
Graz para conseguir o envio do padre Ludovico de Saxônia, com a finalidade de
fundar um convento; mas a fundação aconteceu em 1600, por obra de São Lourenço
de Brindisi, comissário geral. Seguiram-se as fundações dos conventos de Lubliana e

135
Trad.: Sobre a paixão de Cristo.
440

de Bruck an der Mur. Em 1608 os conventos da Estíria constituíram um comissariado


autônomo, que foi elevado a província, em 1619.

1. Carta do cardeal Camilo Borghese

Roma, 26 de junho de 1599. - O cardeal Camilo Borghese para a ex-duquesa de


Ferrara. Padre Ludovico de Saxônia está em Graz para fundar um convento.

I frati cappuccini IV, 1423-1424

1752. Tão logo recebi a carta de vossa alteza, dei ciência ao nosso senhor da
tarefa que me pedia a respeito do desejo da sereníssima arquiduquesa sua irmã para
mandar ficar em Innsbruck o padre Frei Ludovico de Saxônia, capuchinho.
Compreendida por sua santidade a razão pela qual ele tinha sido destinado a
Graz, que era a de abrir naquela cidade uma casa ou um convento de sua Ordem, isso
significou para sua santidade uma grande experiência. Ele tem, para esse serviço,
alguma habilidade e condições que não se encontram comumente em outros. Por
esses motivos e também porque a ausência do padre de Innsbruck não será senão
por pouco tempo, não pareceu conveniente à sua santidade mudar de resolução, tanto
mais que depois ele poderá voltar a servir a sereníssima arquiduquesa, nas suas
confissões.
Acredita Sua santidade que vossa alteza, como muito afeiçoada a esses padres,
sentirá prazer sabendo que a Ordem deles aumentaria com uma casa em Graz
recebida das mãos de seu confessor.
E, desejando a vossa alteza toda prosperidade, beijo-lhe as mãos
De Roma, aos 26 de junho de 1599

2. Fundação do convento de Graz

1600. - “Plantatio crucis136” e lançamento da primeira pedra para o convento de


Graz

I frati cappuccini IV, 1424-1425

1753. No mesmo ano de 1600, o padre comissário, chamado pelo sereníssimo


arquiduque Fernando, foi a Graz, metrópole da Estíria, onde, na presença do mesmo
sereníssimo arquiduque, escolheu o lugar e a posição adequados para a fundação de
um segundo convento; e, no dia 10 de agosto, festa de São Lourenço mártir, o
ilustríssimo e reverendíssimo senhor conde Jerônimo Porcia, bispo de Ádria e núncio
apostólico junto ao sereníssimo arquiduque, ergueu a cruz e lançou a primeira pedra
com cerimônia e bênçãos solenes, às quais esteve presente o mesmo sereníssimo
arquiduque com os sereníssimos irmãos, irmãs e mãe, com grande participação de
nobres e uma multidão de pessoas.
Para cuidar da construção desse convento, o padre comissário deixou o padre Frei
Vitório de Vícoli e mais alguns outros frades.

3. Pedidos para as confissões dos seculares

Graz, 18 de agosto de 1614. - O núncio em Graz pede ao secretário de Estado


licença para poder autorizar os capuchinhos a ouvir confissões, uma vez que são
muito solicitados.

I frati cappuccini IV, 1441-1442

136
Trad.: implantação da cruz.
441

1754. O senhor Marco Antônio Mosconi, que ultimamente converteu-se à religião


católica, deseja grandemente confessar-se com os padres capuchinhos, onde
encontrar conventos deles nestas províncias arquiducais, uma vez que lhes tem
particular afeição; e tendo feito o pedido, eu não o pude conceder-lhe, sem
autorização de vossa senhoria ilustríssima e ainda para informá-lo, aproveitando a
ocasião, que muitas vezes me são feitos semelhantes pedidos por pessoas distintas: e
não podendo eu conceder-lhes pela jurisdição do meu breve de faculdades, percebo
que ficam aborrecidos, ainda mais porque os próprios capuchinhos lhes dizem que o
meu antecessor já lhes dava tal autorização.

Se parecer, porém, à suma prudência de nosso senhor e de vossa senhoria


ilustríssima conceder-me tal faculdade, tenho certeza de colher grandes frutos, e a
usarei com todas circunspecção que convém e disso espero a resolução que convier à
vossa senhoria ilustríssima dar-me e faço-lhe humilde reverência.

De Graz, dia 18 de agosto de 1614

4. Procissão de sexta feira santa em Lubliana

Lubliana, 21 de maio de 1619. - O bispo de Lubliana escreve ao geral dos


capuchinhos para que seja retomada a procissão de sexta-feira santa, instituída na
cidade por Fortunato de Verona e depois suspensa por um qualquer.

I frati cappuccini IV, 1442-1445.

1755. Desejando a abundância do Espírito Santo em Cristo Jesus nosso Senhor, por
meio das orações de sua Virgem Mãe e a bênção para a salvação, impulsionado pela
caridade e pela devoção, com a toda a presteza para com o pedido dos meus
concidadãos que vivem em Lubliana, enraizados na fé católica no Senhor, sou
obrigado a escrever essa carta à vossa paternidade venerável e religiosíssima e
espero que me ajudará a sua piedade.
Não faz muito tempo, com meu consentimento de bispo e ordinário, depois de uma
madura reflexão, insistentemente pedida pelo reverendo padre Fortunato, então
comissário dos meus religiosos os frades capuchinhos - digo meus, porque eles
vieram para Lubliana quando era eu o bispo - na sexta-feira santa foi celebrada
durante alguns anos uma devota procissão de flagelantes, instituída pelos próprios
capuchinhos, precedida por algumas pregações apropriadas ao tema ou outras e das
quais participavam o capítulo, eu mesmo, o meu clero, com toda a nobreza e uma
multidão de cidadãos, todos tirando daí grande edificação.

1756. O reverendo padre Justo de São Justo, comissário, sem ouvir conselhos,
orações, o meu parecer e o de outros, por sua própria autoridade, aboliu-a
repentinamente, há dois anos. Agora foram levados para outro lugar (antes eram
guardados pelos capuchinhos, durante o ano, numa cela) os instrumentos e as
insígnias da Paixão do Senhor, que eram levados em procissão, juntamente com as
vestimentas dos flagelantes, porque ele ameaça queimar tudo. Foram, pois, levados
para o convento dos padres franciscanos, para serem conservados lá.
E assim, não obstante os nossos protestos, feitos por grande devoção, a procissão
foi suspensa por dois anos. Nesse entretempo, junto ao povo, para que não
acontecesse nenhum escândalo mais grave, pusemos a culpa de tal suspensão na
contínua passagem de soldados que iam para a guerra. Teria sido muito melhor não
ter começado uma prática assim tão piedosa do que ter que abandoná-la depois.
442

1757. Quis escrever essa carta à vossa paternidade venerável e religiosíssima


para pedir-lhe, pelo desejo e vontade de despertar a piedade e a devoção deste meu
povo, dos cidadãos e sobretudo das milícias católicas italianas, pelo que vossa
paternidade puder fazer com santa prudência e com a suprema autoridade da Ordem
dos capuchinhos, que se digne conceder e aprovar para mim e para as minhas
ovelhas, fervorosas e ardentes, de modo extraordinário, como também o sinto na
vossa Ordem, de piedade e de devoção, especialmente no dia precioso e santíssimo,
no qual o Salvador do mundo expia na cruz os nossos pecados, a citada procissão
que sai do convento dos frades capuchinhos, onde foi instituída, o uso das vestes e
das outras coisas pertinentes. As mentes receberão, sem dúvida, um impulso para
elevarem-se mais a Deus, serão semeados os mais abundantes frutos de santa
penitência, o amor do meu povo sairá fortalecido e serão muito maiores as esmolas
dadas aos padres capuchinhos.
Eu, com o capítulo e o meu clero, estarei presente por primeiro na procissão, do
começo ao fim, encerrando-a com a bênção pontifical, e esforçar-nos-emos para
inculcar em nossa alma e levar por toda parte nossa homenagem por esse favor e
gesto de amor. Aguardamos uma resposta de vossa caridade.
De nossa residência episcopal de Oberburg, 21 de maio de 1619

Tomás, bispo.
443

As Clarissas Capuchinhas

Lázaro Iriarte
Tradução de Mauro Strabelli
444

1758. A origem das capuchinhas está ligada ao nome da nobre senhora catalã
Maria Lourença Longo (Llonc). Tendo ficado viúva, em 1510, e curada milagrosamente
de paralisia no santuário de Loreto, dedicou o resto de sua vida às obras de caridade;
fundou o Hospital dos Incuráveis em Nápoles, inaugurado em 1522. Em 1530,
acolheu, nas dependências do hospital, os primeiros capuchinhos chegados a
Nápoles. Sentindo-se incapaz de continuar a assistência pessoal aos doentes,
resolveu consagrar o resto da vida à contemplação, fundando, no mesmo complexo
beneficente, uma comunidade de enclausuradas, sob a Regra de Santa Clara.
Obteve de Paulo III uma bula promulgada no dia 19 de fevereiro de 1535, em
virtude da qual ela ficava autorizada a fundar o mosteiro. O número de irmãs, fixado de
início em doze, foi aumentado no ano seguinte para trinta e três, fato que deu à
comunidade o nome pelo qual é agora conhecida. Em 1538, o mesmo papa colocava
o citado mosteiro sob a direção dos capuchinhos, dos quais assumiu o estilo de vida
austera e simples, grande valor à oração contemplativa, espontaneidade no
relacionamento fraterno, mas acentuando muito a vida de clausura, esboçada pela
fundadora nas suas “ordenações”.

1759. Maria Lourença Longo faleceu em 1542, com grande fama de santidade. O
povo não demorou muito em dar às novas clarissas reformadas o nome de
“capuchinhas”; os superiores da Ordem capuchinha, porém, nunca aceitaram que elas
fossem consideradas como ramo feminino de sua Reforma; as constituições de
Albacina e as de 1536 proibiam terminantemente o atendimento de monjas; e foi
somente por imposição da Sé Apostólica que se aceitou cuidar do mosteiro de
Nápoles e logo em seguida dos mosteiros de Roma e de Milão.
A fama de santidade da comunidade das “Trinta e três” deu origem à fundação de
outros mosteiros em toda a Itália. O primeiro foi o de Perusa, em 1556; no ano
seguinte, começou, de forma espontânea, uma comunidade em Gúbio, cujo mosteiro
foi erigido canonicamente em 1568; seguiram-se a fundação de Brindisi, em 1571, a
de Roma, no Quirinal, em 1576, a de Gênova em 1577,a de Milão, em 1578, por
iniciativa de São Carlos Borromeu. No fim do século os mosteiros na Itália eram cerca
de vinte.

1760. Em 1588, surgia a primeira comunidade capuchinha, fora da Itália, a de


Granada, na Espanha, em força de uma bula de Sixto V . Em 1599, foi fundado o
mosteiro de Barcelona, do qual se originarão depois quase todos os outros mosteiros,
na Espanha, na Sardenha e na América. Três anos depois, em 1602, as capuchinhas
se fazem presentes na França, com a fundação do mosteiro de Paris.
No correr do século XVII, serão fundados 65 novos mosteiros nos atuais territórios
da Itália, 23 na Espanha, 7 na França, 2 em Portugal e 2 na América.
Além da reforma das clarissas capuchinhas, surgiram outras reformas com o nome
de capuchinhas, mas ligadas à Ordem Terceira Regular, todas, porém, nascidas e
desenvolvidas por influência dos capuchinhos. Como, por exemplo, a comunidade de
Pfanneregg, na Suíça, iniciada em 1591 por obra do padre Ludovico de Saxônia, e
muito difundida na regiões alemãs; a comunidade de Saint Omer, na França, surgida
em 1614, por iniciativa de Francisca Taffin, e que teve grande expansão.

1761. A comunidade de Nápoles, inicialmente composta por terceiras


franciscanas, sob a Regra de Santa Clara, a partir de 1538 passou a pertencer à
Ordem de Santa Clara. Não aceitava dotes das candidatas, uma vez que a fundadora
queria que ela fosse aberta a ricas e pobres sem distinção; mas, em virtude da bula
papal, os rendimentos da fundação davam-lhe certa segurança econômica; alguns
anos depois, porém, o capítulo da comunidade decidiu renunciar a rendas fixas para
serem fiéis à regra professada.
Praticamente desde o início foram adotadas as constituições da reforma de Santa
Coleta, com as necessárias adaptações e atualização, completadas mais tarde com os
445

decretos do Concílio de Trento. Em 1610, foi publicado o texto definitivo das


constituições, “revistas e reformadas”, com a autoridade do geral dos capuchinhos Frei
Jerônimo de Castelferreti. A essas constituições ateve-se a maioria dos mosteiros,
embora completando-as ou adaptando-as, sob a autoridade dos respectivos bispos.
Na impossibilidade de reproduzir aqui a abundante documentação referente a
cada mosteiro em particular bem como a toda Ordem em geral, escolhemos os
documentos que nos oferecem os testemunhos mais genuínos dos ideais que
inspiraram a origem e o desenvolvimento inicial desta, por assim dizer, interpretação
feminina e contemplativa do espírito franciscano-capuchinho.

1. Documentos Pontifícios

1. Bula “Debitum pastoralis officii” de Paulo III

Roma, 19 de fevereiro de 1535. - Autorização para Maria Lourença Longo construir o


mosteiro Santa Maria de Jerusalém e constituir uma comunidade de clausura, sob a
regra de santa Clara.

I frati cappuccini IV, 1785-1793

1762. Paulo bispo, servo dos servos de Deus. Para perpétua memória.
O dever do ofício pastoral, a nós confiado do alto, exige e nos estimula a estarmos
sempre dispostos para acolher, ouvir e ceder benevolamente aos desejos que levam
as virgens prudentes a oferecerem a própria virgindade, com voto solene na vida
religiosa, ao único esposo Jesus Cristo e ir ao seu encontro com suas lâmpadas
acesas, a ele que é o mais belo dentre os filhos do homem, a fim de que daqui
nasçam as flores de honra, da honestidade e da observância regular.
Pois bem, foi-nos apresentado por parte da querida filha em Cristo Maria Lourença
Longo, senhora catalã, um pedido no qual constava que a citada senhora Maria tinha
erigido, construindo desde os alicerces e aparelhado, em Nápoles, o hospital chamado
de Santa Maria do Povo destinado aos doentes pobres e incuráveis e que ela se
dedicava diariamente à assistência dos mesmo doentes.

1763. Mas que agora, sob o peso de doenças e da velhice, levada pelo zelo da
religião e devoção, deseja passar da vida ativa à contemplativa, como a mais
conveniente; e que, para tanto, iniciou, junto ao citado hospital e em lugar por ela
indicado, a construção de um mosteiro de monjas, sob a invocação de Santa Maria de
Jerusalém, com a oferta de piedosas contribuições e de bens que Deus lhe concedeu.
E, além do mais, que recebeu algumas senhoras pobres, que rezam com ela o
ofício divino. E que quer terminar o citado mosteiro para a propaganda de sua própria
Ordem e para a glória e engrandecimento do culto e do nome de Deus, se tiver o
apoio da autorização da Sé Apostólica.
E que, da parte da mesma senhora Maria, que afirma estar decidida a enclausurar-
se no citado mosteiro junto com outras monjas e viver uma vida religiosa, nos foi
suplicado que, com a benevolência apostólica, nos dignemos conceder-lhe licença
para terminar o mesmo mosteiro e providenciar tudo o que for necessário para tal fim.

1764. Nós, que desejamos vivamente a expansão da vida religiosa, sobretudo


nesses nossos tempos, levando muito em consideração no Senhor o piedoso desejo
da sobredita senhora Maria, acolhemos a sua súplica e, com a autoridade apostólica,
em virtude da presente bula, concedemos à citada senhora Maria a necessária licença
para que possa levar a cabo as obras do citado mosteiro, junto ao mesmo hospital e
no lugar por ela escolhido, como foi dito, com uma capela simples, torre, sinos,
cemitério, claustro, dormitório, refeitório, horta, jardins e demais dependências e
espaços necessários; sem necessidade nenhuma de pedir licença ao bispo local, a
446

nenhum outro superior e nem ao reitor em cujos limites paroquiais está o terreno do
mosteiro a ser construído e nem mesmo ao reitor do sobredito hospital.
Com a autoridade e o teor das presentes letras, revogadas disposições contrárias,
o erigimos e instituímos, desde que provido com a conveniente clausura, em mosteiro
de monjas da Terceira Ordem de São Francisco, segundo a Regra de Santa Clara,
sob a invocação acima citada, com uma abadessa e doze monjas que professem os
três votos religiosos da mesma Ordem; as quais, pelo menos nessa primeira vez,
serão admitidas pela mesma senhora Maria e no futuro, segundo os estatutos da
mesma Ordem e das normas oportunas estabelecidas pela mesma Maria. Serão
recebidas sem nenhum dote. No número não contam as conversas e as mulheres que
trabalham no mosteiro.

1765. Deverão servir ao Altíssimo, observando a Regra da mesma Ordem em


perpétua clausura, sob a proteção da Sé Apostólica e cuidados de um confessor do
clero secular ou regular, cuja obrigação será a de apenas celebrar a missa, atender às
confissões delas e administrar os sacramentos; deverá ser um sacerdote maduro, de
idade e vida exemplares e zeloso pela religião; será escolhido pela mesma senhora
Maria, enquanto viver, e depois pela abadessa e a maioria das monjas professas, seja
por tempo indeterminado ou por um tempo que elas determinarem; poderão também
dispensá-lo e substituí-lo por um outro; a ele compete instruir as monjas com a
doutrina, edificá-las com seu exemplo e estimulá-las para uma vida perfeita.
Não poderão sair do mosteiro a não ser em caso de extrema necessidade e por
poucos dias, com a licença e consentimento da maioria das monjas.
E, com a autoridade e o teor das presentes letras, igualmente concedemos e
permitimos que a mesma Maria possa, durante toda sua vida, dirigir e governar o
sobredito mosteiro; e as monjas estão obrigadas a obedecer-lhe como à sua própria
mãe e superiora. Concedemos, além disso, que possa pedir uma ou duas monjas de
qualquer outra Ordem e que o aceitem voluntariamente, pedida e obtida a licença de
seus superiores, que sejam transferidas para o citado mosteiro com a finalidade de
dirigir e instruir as monjas nos ritos, usos e observância regular; essas estarão
incluídas no citado número das doze.

1766. Poderá também escolher e encarregar uma das monjas para sucedê-la
depois de sua morte; indicar como mestra das monjas noviças, como julgar
conveniente, uma outra monja, com a tarefa de instruí-las e ensiná-las; indicar
substitutas nos cargos das monjas falecidas e, sempre que ficarem vagas funções no
mosteiro, designar anualmente outras monjas, a fim de que tais funções não fiquem
ociosas mais de um triênio. Concedemos ainda que, depois da morte da citada Maria,
as monjas professas do mosteiro possam eleger, à morte de cada abadessa, uma
outra, pela maioria de votos [...].
Concedemos à mesma Maria que possa, com sábio discernimento, estabelecer
ordenações e estatutos justos e dignos não contrários aos sagrados cânones, que
deverão ser observados pela abadessa e pelas monjas que se sucederem.

1767. Além disso concedemos à abadessa e às monjas presentes e futuras que


possam ter em comum quaisquer quantidades de bens móveis, imóveis e semoventes
como também pensões, rendas e proventos e todo tipo de ofertas, legados e pias
doações feitos ao citado mosteiro pela mesma senhora Maria ou recebidos de outros
fiéis, para as necessidades legítimas e necessárias das mesmas monjas, das
conversas e das serviçais, cujo número não poderá ser aumentado, como também
para o sustento e alimentação conveniente.
Concedemos ainda que os reitores do supracitado hospital possam tirar dos bens
do hospital, sem escrúpulo de consciência, ad interim137, em favor da abadessa Maria

137
Trad.: no entretempo.
447

e das demais monjas, o necessário para seu sustento, como é feito no presente, e que
elas possam também recebê-lo.
Dado em Roma, junto a São Pedro, no ano da Encarnação do Senhor de 1534
(segundo o calendário florentino; ou 1535 segundo o calendário moderno), no dia 19
de fevereiro, primeiro ano de nosso pontificado.

2. Breve “Cum monasterium” de Paulo III

Roma, 10 de dezembro de 1538. - O pontífice confia aos capuchinhos o cuidado


da comunidade de Santa Maria de Jerusalém, em Nápoles.

I fratri cappuccini IV, 1798-1801

1768. À querida filha em Cristo Maria Lourença Longo.


Querida filha em Cristo, saúde e bênção apostólica
Tendo sido fundado por vós, em Nápoles um mosteiro para monjas sob a
invocação de Santa Maria de Jerusalém, da Ordem de Santa Clara, e tendo sido
visitado até agora pelos frades da Ordem de São Francisco chamados capuchinhos,
os quais atenderam também às suas confissões e das monjas que aí moram, dando-
lhes a absolvição, é conveniente que vós e as monjas da comunidade sejam dirigidas
e pelos frades da sobredita Ordem, desde o momento que professais a observância
estrita da Regra de Santa Clara.
Portanto nós, motu próprio e com conhecimento certo, e sem que nos tenha sido
apresentada nenhuma súplica em vosso favor, ordenamos e queremos que vós e a
abadessa encarregada de vosso mosteiro tenhais à disposição um confessor da citada
Ordem dos mendicantes reformados, chamados capuchinhos, o qual, depois de ter
ouvido diligentemente vossas confissões, possa dar-lhes a absolvição e impor-vos
salutar penitência, e possa administrar-vos tanto em vida como no momento da morte,
todos os sacramentos.

1769. Concedemos ainda e permitimos, por benevolência da Sé Apostólica, que o


citado confessor possa receber as monjas que desejam emitir a profissão e benzer,
fora da clausura, o véu da profissão delas e que depois lhes será imposto dentro da
clausura, por vós ou pela sobredita abadessa; e que possa exercer livremente seu
ofício de visitador em relação a vós e em relação a qualquer monja, mas somente na
grade, sem entrar no mosteiro, e realizar tudo o que fazem os confessores e
visitadores das monjas da mesma Ordem de Santa Clara, conforme a Regra, as
constituições e costumes.

1770. Ordenamos ao geral e ao ministro da sobredita Ordem de concederem um


tal confessor e proibimos, em virtude da santa obediência e sob pena de excomunhão
latae sententiae - na qual incorrerão ipso facto os que contrariarem tal disposição e da
qual não poderão ser absolvidos, exceto em perigo de morte, senão por nós ou pela
Sé Apostólica - ao geral e ao vigário ou ministro da província e a todos os outros,
recusarem seguir tudo o que foi dito. E proibimos a quaisquer superiores, prelados ou
outras pessoas de ousar molestar-vos, perturbar-vos ou inquietar-vos de qualquer
maneira, por palavras ou atos, em relação a tudo quanto acima foi dito, vós e os
escolhidos e requisitados ou que, com o tempo, venham a ser escolhidos.
Não obstante em contrário as constituições apostólicas precedentes e outras, as
ordenações, os estatutos e usos, ordens, concessões, confirmadas ou renovadas ao
mesmo mosteiro e outros mosteiros ou Ordens regulares, nem os estatutos e
disposições estabelecidas ou por estabelecerem-se no futuro em capítulos gerais da
sobredita Ordem dos capuchinhos[...].
Dado em Roma, junto a São Pedro, sob o anel do Pescador, aos 10 de dezembro
de 1538, quarto ano do nosso pontificado.
448

3. As capuchinhas de Nápoles ao cardeal protetor

Nápoles, 23 de abril de 1543. - As monjas pedem o apoio do cardeal para poderem


continuar a usufruir da direção espiritual dos capuchinhos.

I frati cappuccini IV, 1804-1806

1771. Ilustríssimo e reverendíssimo senhor.


A santa memória da irmã Maria Longa, fundadora desse nosso mosteiro, desde o
início, escolheu para confessores e visitadores os reverendos padres da Ordem de
São Francisco chamados capuchinhos e isso tem-se observado até hoje, se bem que
têm havido algumas controvérsias a respeito, mas foi do agrado do Senhor Deus que
assim, em santa observância, a coisa tem permanecido.
Agora que o Capítulo Geral desses reverendos padres se realiza em Roma,
duvidamos que o inimigo de todos não venha a semear alguma cizânia, de modo a
tirar o nosso sossego e trazer-nos prejuízo e dissabores. E mesmo não tendo eles a
direção de um outro mosteiro e, mais ainda, tendo sido o nosso mosteiro fundado
desde o princípio sob a direção e orientação deles, nós sentimos temor que não se
nos deva vetar aquilo que a outros se veta.

1772. E dependendo tudo da nímia bondade, vontade e válida proteção de vossa


ilustríssima e reverendíssima senhoria, como protetor de toda a Ordem, e muito mais
de nós, pobres mulheres, que de maior proteção precisamos, encontrando-nos
voluntariamente fechadas nestes muros a serviço do Senhor Deus, recorremos com
esperança aos seus favores, suplicando-lhe, pelo amor e serviço do Senhor de todos,
que se digne ajudar-nos e favorecer-nos nesta nossa grande necessidade e fazer de
tudo para que nesse Capítulo Geral se decida para sempre que esses padres não
deixem de nos atender nas confissões, coisa que para eles não será difícil e que para
as nossas almas será muito útil e grande benefício. E nos sentimos obrigadas e
comprometidas a rezar sempre ao Senhor Deus pela santidade, felicíssimo estado e
honra de vossa ilustríssima e reverendíssima senhoria.

1773. E para que a obrigação seja maior, pedimos-lhe que tenham sempre em
consideração esses reverendos padres e nessa perseguição por que passaram (pela
apostasia de Ochino) possam sentir que, com o seu favor e proteção, poderão respirar
e ter liberdade como tinham nos anos passados e que, mais tranqüilamente, possam
servir o Senhor Deus, que por todo o bem que se fará na Ordem, tendo fundamento a
estima e o valor deles, conquistem méritos da parte do Senhor Deus e veneração junto
aos homens, como sempre a tiveram por seus trabalhos.
Recomendamo-nos às suas atenções e sentimos-nos sempre dispostas e
obrigadas a rezar pela sua saúde ao Senhor Deus.
De Nápoles aos XXIII de abril de 1543.
De vossa ilustríssima e reverendíssima senhoria,
Servas e devotas
A abadessa e as monjas de Santa Maria de Jerusalém

Ao ilustríssimo e reverendíssimo senhor e protetor nosso digníssimo senhor


cardeal de Capri, legado de nosso senhor em Roma.
Ao reverendíssimo em Cristo padre geral, Frei Eusébio das Marcas de Ancona,
digníssimo pai em Cristo.

4. Breve “Exigit legationis officium” do núncio em Madri


449

Barcelona, 26 de maio de 1599. - O núncio em Madri Camilo Gaetani, por pedido


de Ângela Serafina, delega ao bispo de Barcelona a ereção de um mosteiro de
capuchinhas sob a direção dos frades capuchinhos.

I frati cappuccini IV, 1842-1846

1774. Camilo Gaetani, por graça de Deus e da Sé Apostólica, patriarca de


Alexandria e núncio, com poderes de Legado, do santíssimo senhor nosso Clemente
VIII, papa pela providência divina, e da mesma Santa Sé, nos reinos da Espanha, e
ainda coletor geral dos direitos da Câmara Apostólica, ao venerável pai em Cristo, o
bispo de Barcelona, saúde e sincero amor no Senhor.
Exige o ofício da legação, por nós exercido sem nenhum mérito, que atendamos a
tudo aquilo que diz respeito ao incremento do culto divino e à salvação e ao bem das
almas e que providenciemos, com bondade apostólica, a tudo o que nos vem pedido.

1775. Pois bem, nos foi apresentada uma petição pela querida irmã em Cristo
Ângela Serafina, cidadã de Barcelona, através da qual expunha que há cerca de
quinze anos ela usa o hábito que costumam usar as monjas capuchinhas da Ordem
dos menores de São Francisco e que, desejando fundar um mosteiro nesta cidade,
mora numa casa com onze mulheres de conduta exemplar, levando uma vida piedosa
e quase religiosa, seguindo a Regra e os estatutos que professam as monjas
capuchinhas da cidade de Roma e de Granada da Ordem dos Menores de São
Francisco, servindo com elas o Senhor; e muitos dos mais nobres desta cidade, de
vida exemplar, e desejosos da salvação das almas, apóiam a idéia da construção e
ereção de um mosteiro de capuchinhas dessa Ordem nessa cidade Por isso, suplica-
nos humildemente que nos dignássemos condescender a um propósito assim louvável
e a providenciar, com bondade apostólica, a tudo quanto fosse oportuno.

1776. Portanto, nós, devidamente munidos da necessária faculdade para tais


casos concedida pela mesma Sé Apostólica, atendendo a suplicante [...], atentos a tais
súplicas, encarregamos e recomendamos à tua circunspeção com a presente, por
autoridade apostólica que nesse caso nos compete, de conceder e permitir à mesma
suplicante, se assim julgares conveniente no Senhor, observando as normas do
Concílio de Trento, que possa ela erigir e fundar na citada casa, onde agora reside ou
num outro lugar que agrade a ti, mas sem prejuízo de ninguém, um mosteiro com sua
igreja e outros requisitos, sob a Regra dos menores capuchinhos de São Francisco,
tendo ainda as salas, oficinas, coro, locutório, direitos e prerrogativas, comuns aos
mosteiros semelhantes, com abadessa ou priora, que seja a responsável e superiora
dessas mulheres e outras que, deixando o mundo, quisessem ali professar e fazer
penitência sob o hábito regular que usam as monjas capuchinhas de Roma e de
Granada; e que emitam, nas mãos daquela que for a abadessa ou priora na ocasião,
observando o que deve ser observado, a mesma profissão que costumam fazer
aquelas monjas, observando para sempre rigorosa e inviolável clausura. E devem
viver sujeitas aos cuidados e jurisdição dos frades capuchinhos desta cidade de
Barcelona, observando as normas do Concílio de Trento e as constituições da mesma
Ordem.

1777. Não obstante as constituições e ordenações apostólicas, nem os estatutos e


costumes, privilégios, indultos ou cartas apostólicas concedidas em quaisquer
circunstâncias aprovadas ou renovadas, da mesma Ordem dos capuchinhos de São
Francisco; e nem qualquer outra coisa em contrário. E ordenamos, em virtude da
santa obediência, aos superiores e aos frades do mesmo convento dos capuchinhos
desta cidade que acolham sob seus cuidados e responsabilidade esse mosteiro, logo
depois de fundado; e que dirijam as sobreditas monjas benevolamente e as dirijam
segundo as suas constituições e ordenações; e devem indicar um confessor ou
450

vigário, que atendam às confissões das monjas, conforme a forma que se observa nos
mosteiros das mesmas monjas de Roma e de Granada.
Dado em Barcelona, no ano 1599, aos 26 de maio, oitavo ano do pontificado do
sobredito santíssimo senhor nosso o papa.

5. Bula “Debitum pastoralis officii” de Clemente VIII

Roma, 13 de setembro de 1603. - Ereção do mosteiro das capuchinhas de Paris:


entre outras coisas, dispõe-se a mudança da sede desejada pela fundadora Luiza de
Lorena, no seu testamento, e coloca-se o mosteiro sob a jurisdição dos capuchinhos.

I frati cappuccini IV, 1846-1852

1778. Clemente, bispo, servo dos servos de Deus, para perpétua memória do fato.
O dever do ofício pastoral a nós confiado pelo Alto, nos leva [...].
Pois bem, o nosso caríssimo filho em Cristo, Henrique, rei dos franceses e de
Navarra e a caríssima filha em Cristo, Maria, rainha, esposos cristianíssimos,
expuseram-nos recentemente, em nome deles, do nosso venerável irmão Henrique,
bispo de Verdun e dos queridos filhos, demais executores testamentários de Luiza,
que foi rainha de França, de feliz memória, bem como da querida filha em Cristo, a
nobre senhora Maria de Luxemburgo, viúva de Felipe Emanuel de Lorena, duque de
Mercoeur, que a sobredita rainha Luiza, tempos antes de morrer, desejosa de trocar,
numa feliz permuta, o terreno pelo celestial e o transitório pelo eterno, para o louvor e
glória do Deus onipotente, rei dos reis e ótimo doador de todos os bens, e para
incrementar as pias obras, dispôs no seu testamento, feito pouco antes de morrer,
construir e edificar um mosteiro de monjas chamadas capuchinhas, que vivem
segundo o modo de vida da Ordem dos frades, chamados também eles capuchinhos
de São Francisco, na cidade de Bourges e no local que fixasse o sobredito Felipe
Emanuel, seu irmão, o qual. ainda vivo, foi constituído por ela seu herdeiro universal; e
para tanto destinou 20.000 escudos [...].

1779. Mas - como acrescentava a mesma exposição - sendo a cidade de Bourges


muito pequena e limitada e estando sob o peso de diversas outras Ordens
mendicantes, e não podendo o citado mosteiro das capuchinhas receber dotes,
conforme mandava a primitiva Regra, mas devendo manter-se com as esmolas dadas
por pessoas piedosas, pode-se concluir que em tal cidade não haverá esmolas em
quantidade suficiente para mantê-lo. E pelo contrário, na cidade de Paris, a mais
célebre e poderosa do reino de França, não há nenhum mosteiro de monjas
capuchinhas e há ali muitas jovens da cidade desejosas de consagrarem-se ao serviço
do Senhor na humildade de espírito e na candura da virgindade sob o suave jugo da
vida religiosa e que desejam abraçar e professar, preferivelmente a outros institutos, a
vida religiosa das monjas capuchinhas.
E tanto o bispo Henrique como também os outros executores testamentários,
como a citada Maria, levando em consideração tais razões, julgaram que seria melhor
construir o citado mosteiro na cidade de Paris, onde ele poderá ser mantido
comodamente com a magnanimidade dos reis cristianíssimos e com a liberalidade dos
príncipes, dos magnatas e senhores que para lá confluem de todas as partes, e ainda
mais com as esmolas da cidade, destinando-se para a construção a citada soma de
20.000 escudos; e se poderá transferir do mosteiro de Santa Clara para o mosteiro a
ser construído, o corpo da citada rainha Luiza e ali sepultá-lo.

1780. O rei Henrique, depois de ter considerado seriamente a questão e


consultado o conselho supremo da cidade, acolheu esse parecer; em conseqüência
disso, ele e a rainha Maria, em nome dos supracitados, nos suplicaram humildemente
451

que nos dignássemos, com benignidade apostólica, aquiescer a tal desejo e


providenciar quanto fosse possível para realizá-lo.
Nós, portanto, [...] com a autoridade apostólica e sem prejuízo de outros,
erigimos e fundamos o mosteiro das capuchinhas da citada Ordem, com uma
abadessa e um número de monjas não inferior a doze e não mais que cinqüenta, as
quais deverão usar o hábito que usam as monjas capuchinhas e emitir a profissão que
elas emitem e, além disso, observar perpetuamente a clausura e tanto quanto
possível, também os ritos, o modo de vida, costumes e usos da mesma Ordem dos
frades menores capuchinhos, sendo assíduas ao divino ofício e aos louvores de Deus;
e deverão viver sob a obediência, visitas, correções e autoridade dos superiores atuais
e futuros da citada Ordem, do mesmo modo como o fazem os mosteiros de Roma e de
Nápoles [...].

1781. E deverão ter capelães e confessores da mesma Ordem dos frades


menores capuchinhos, que serão indicados pelo Capítulo Geral de tempos em tempos,
os quais deverão celebrar as missas e os divinos ofícios, exercer todos os outros
ministérios, atender confissões da abadessa e das monjas e administrar-lhes os
sacramentos [...]; além do que poderão fazer e promulgar estatutos, ordenações,
capítulos e decretos [...], os quais deverão, porém, ser examinados e aprovados pelos
superiores atuais e futuros [...].
Decretamos que, além dos capelães e confessores acima citados, sejam eleitos
visitadores ordinários e extraordinários do mesmo mosteiro em todo Capítulo Geral da
Ordem dos frades menores capuchinhos, ou fora do capítulo, pelo Ministro Geral
sempre que for necessário, [...].
Dado em Roma, junto a São Marcos, no ano da Encarnação do Senhor de 1603,
aos 7 de setembro, décimo segundo ano de nosso pontificado.

6. Breve “Sacri apostolatus” de Paulo V

Roma, 11 de agosto de 1618. - Proibição aos capuchinhos de assumirem o


cuidado espiritual das monjas e dos seus mosteiros.

I frati cappuccini IV, 1852-1854

1782. Paulo V papa, para perpétua memória do fato.


Colocados à frente do sagrado ministério apostólico pela abundância da graça
divina, sem nenhum mérito de nossa parte, voltamos nosso olhar para os abundantes
frutos que produzem na Igreja de Deus os frades menores de São Francisco,
chamados capuchinhos, que servem ao Altíssimo na rigorosa observância da Regra,
com jejuns, orações, sagrada pregação e outras atividades religiosas; preocupamos-
nos porque essa Ordem pode fazer ulteriores e grandes progressos, se não tiver nada
que a impeça, queremos dar nosso favorável apoio, conforme julgarmos ser mais
conveniente no Senhor.
Portanto, levando em consideração que o cuidado de monjas não está muito de
acordo com a profissão deles e que isso facilmente pode trazer-lhes distrações e
incômodos, motu proprio e com conhecimento de causa, em virtude de nosso pleno
poder, decretamos e ordenamos, com essa nossa constituição de perpétua validade,
que os religiosos da citada Ordem não poderão e nem deverão aceitar para o futuro o
cuidado, orientação, administração de qualquer tipo de monjas, de seus mosteiros,
bens ou interesses, e nem poderão ser obrigados ou constrangidos a isso por parte de
ninguém, qualquer que seja a autoridade que tenha.

1783. Vetamos e proibimos a todos os seus superiores e ao cardeal protetor de


aceitar ou permitir que se aceite, de agora em diante, qualquer tipo de cuidado,
orientação ou administração tanto de coisas materiais como espirituais. Declaramos
452

nulo e sem valor tudo o que for intentado a esse respeito, conscientemente ou por
ignorância e da parte de qualquer pessoa, independentemente da autoridade que
possa ter.
Não obstante [...].
Dado em Roma, junto a Santa Maria Maior, sob o anel do Pescador, aos 11 de
agosto de 1618, décimo quarto ano de nosso pontificado.

2. Crônicas e Testemunhos

7. As origens das capuchinhas na “Historia" de Matias de Saló.

O cronista Matias Bellintani de Saló, costumeiramente bem informado, teve em


mãos um certo relatório recebido de Nápoles e escrito, ao que parece, pouco depois
da morte da fundadora, baseado em testemunhos muito próximos. Apesar da forte
inclinação a contínuos recursos a fatos prodigiosos e miraculosos, a narração merece
consideração pelo indubitável valor de seu núcleo histórico.

I frati cappuccini IV, 1859-1877

Sobre Maria Lourença, chamada a Senhora Viúva Lunga, Fundadora das


Capuchinhas de Nápoles

1. De sua conversão e como foi curada milagrosamente de uma doença e fundou o


hospital dos Incuráveis.

1784. Porque nos primeiros tempos desta reforma foi fundado o mosteiro das
monjas de Santa Clara, em Nápoles, as quais foram sempre chamadas capuchinhas,
é natural que falemos, antes de mais nada, de sua fundação e de sua fundadora.
Aquele mosteiro foi fundado no ano do Senhor de 1535 por uma senhora
espanhola da Catalunha, chamada Maria Lourença, da classe nobre dos Richenza, a
qual casou-se com um cavalheiro da classe dos Lunga, e que foi chefe da chancelaria
do rei católico da Espanha, que o favorecia muito.
E porque a citada senhora, prudente e virtuosa, para ter sua casa bem controlada,
repreendia suas empregadas quando erravam e as trazia em cabresto curto, acabou
sendo odiada por muitas delas, de tal modo que uma sua escrava resolveu envenená-
la. E, acontecendo que a patroa tivesse sede numa festa onde dançava, a celerada
escrava deu-lhe um copo com água no qual pusera veneno, que ela bebeu e acabou
envenenada. E, por mais remédios que tivesse tomado, não conseguiu curar-se
totalmente; porém, salva da morte, ficou de tal modo estropiada que nem podia se
mover. Isso até foi por permissão divina, para poder servir-se dela para grandes
gestos para a glória de Deus e benefício dos povos.

1785. Tendo vindo a Nápoles o rei católico e trazendo consigo o chefe da


chancelaria Lungo, a mulher deste ficou em dúvida se deveria acompanhá-lo, mesmo
aleijada, ou ficar na Espanha. E, pedindo conselhos ao seu confessor, ambos
chegaram à conclusão de que deveriam fazer uma oração. Feita a oração, o confessor
aconselhou-a a que enviasse o caso para um santo eremita conhecido dela, para um
conselho e decisão; este mandou dizer-lhe que ela deveria ir tranqüilamente com o
marido, que Deus a levaria sã e salva e que se valeria dela naquela região. Tal
conselho, apesar de muita gente aconselhar o contrário, ela seguiu prontamente.
Esteve em Nápoles com o marido por muitos anos e veio-lhe grande desejo de
visitar a Casa santa da santíssima Virgem de Loreto; o que fez tão logo seu marido
veio a morrer. Os médicos desaconselhavam-na por estar doente, fraca e aleijada;
mas pôde mais a inspiração interna de Deus, que, com esse meio, tinha estabelecido
453

tomá-la por sua serva e colaboradora de seus desígnios. Por essa razão, confiada em
Deus, pôs-se a caminho da maneira mais adequada à sua condição de enferma.

1786. Tão logo chegou e entrou na igreja, pediu para rezarem uma missa; mas
não havia mais missas por já ser tarde. E, procurando o capelão para mandar rezá-la,
este não foi encontrado. Apareceu de repente um sacerdote desconhecido e que pedia
para celebrar missa. E, tendo entrado na santa capela, postou-se ao lado da epístola e
ali celebrou, mas de uma maneira estranha e com cerimônias desconhecidas, o que
causou admiração a todos. Leu o evangelho do paralítico que tinha estado doente por
38 anos; e, virando-se, disse aos que assistiam à missa: “Dai graças a Deus” e,
naquele instante, a senhora sentiu um grande tremor, que começando pelos pés
envolveu-lhe todo seu corpo.
Terminada a missa, ela estava completamente curada; e, tendo procurado o
sacerdote para dar-lhe uma oferta, não foi mais encontrado e nem visto e ninguém
sabia de onde viera e nem para onde tinha ido. Ela se levantou e caminhou livremente
com seus próprios pés, perfeitamente curada, louvando a Deus e a bem-aventurada
Virgem; e bem convinha que começasse com a Rainha das Virgens a reforma das
santas virgens e, de modo especial, as de santa Clara, a qual diante do altar da
beatíssima Virgem, tendo-lhe sido cortados os cabelos, consagrou-lhe sua virgindade.

1787. Permaneceu alguns dias por ali, depois da graça recebida, recebendo junto
novo espírito para servir à Divina Majestade de maneira mais nobre e mais perfeita
que no passado. E, para tanto, recebeu o hábito das irmãs terceiras de São Francisco.
E, ainda em Nápoles, para onde voltou, outras mulheres, imitando-a, fizeram a mesma
coisa. E todas puseram-se a serviço de Deus no hospital dos Incuráveis, que estava
então sendo construído; e ela, colocando sobre seus ombros grande peso, procurava
leitos e lugares para acomodar os doentes pobres, enquanto não fossem terminadas
as obras do hospital; e, para tanto, foram feitas algumas acomodações perto do dique
e de S. Nicola Vecchio e que já foi destruído. Ela tomou a sério essa tarefa, assumindo
a responsabilidade pelos doentes, tanto homens como mulheres, com um admirável
exemplo e testemunho que deu não só à cidade de Nápoles, mas também fora,
ajudando ela mesma as pobres criaturas, não somente quanto à saúde do corpo, mas
também quanto à saúde da alma.

1788. Pregava por esse tempo em Nápoles o zeloso pregador e santo religioso
Padre Calisto de Piacenza, cônego regular, por cujas exortações e ações se fundou,
em Nápoles, em 1519, a Companhia dos Brancos, chamada Santa Maria succurre
miseris138, cuja função era a de preparar, com exortações e palavras de conforto, os
condenados à morte, antes de serem executados.
Esse irmãos, que ordinariamente eram os homens importantes de Nápoles, por
pedido da senhora Lunga, esforçaram-se muito em prol do citado hospital e, vestidos
com suas túnicas brancas, iam todos os sábados pedir ajuda para o hospital, tanto
comida como para a construção e outras necessidades. Por isso, pareceu-lhe que já
podia licitamente desfazer-se desse peso, uma vez que já havia outros que o podiam
carregar. E, para tal finalidade, ela não deixou de pedir repetidamente a um tal senhor
Ettore Vernaccia, genovês, que tinha sido a causa principal e companheiro dela para a
fundação daquele piedoso lugar.

1789. E, estando ela, um dia, pensando nisso, certa manhã durante a missa, tendo
fixo o pensamento nessa sua resolução, ouviu uma voz quase perceptível que lhe
perguntava: “Você amava o seu marido?” E ela respondeu: “Mira!”, que quer dizer:
claro que eu o amava.

138
Trad.: Santa Maria, socorro dos miseráveis.
454

E a voz continuou: “Você ama os seus filhinhos?”. E ela respondeu de novo:


“Mira!”.
E a voz acrescentou: “E por que você não me ama, a mim, que lhe concedi tantas
graças e lhe dei ultimamente a santidade?”
E sentiu interiormente iluminada pelo Espírito Santo, que aquilo que lhe era dito
era para que amasse aqueles pobrezinhos, porque neles estava Cristo.

1790. E foi essa inspiração de tal modo eficaz que a levou a não mais pensar em
deixar tal empreendimento e, decidida por esse santo propósito e com grande ardor de
caridade, continuando seu trabalho, proveu mais abundantemente o hospital com
alimentos, roupas, leitos e outras coisas necessárias, de tal modo que ele se tornou
muito superior a outras instituições piedosas semelhantes e que tinham entradas
excepcionais. E foi esse o motivo por que a Companhia dos Brancos, que antes se
reunia em San Pietro ad Ara, propriedade dos cônegos regulares, onde morava o
Padre Calisto, se reunisse no hospital então construído perto de S. Maria della Grazia,
que agora se chama S. Maria del Popolo, o que foi motivo de grande vantagem para o
hospital por causa das muitas esmolas, que eram recolhidas nessa ocasião.
E, cuidando ela do governo do hospital, exercitava-se além da caridade para com
os doentes e da prudência e zelo na condução da casa, também nas virtudes cristãs,
como a humildade, o jejum, as oração. Desprezava-se a si mesma, servindo os outros
como se fosse uma empregada, servindo os doentes com as próprias mãos, de modo
especial os doentes mais graves, a todos exortando e consolando. E era tão zelosa e
eficaz nesse serviço que os pobres doentes ficavam consolados com sua meiguice e
seus carinhos e muitos deles, depois que ela morreu, sonhavam que ela os visitava e
acariciava, sentindo nisso grande conforto, como se ela estivesse de vigília ao pé de
suas camas e aquilo tudo fosse pura realidade.

1791. Apesar de tudo isso ela era, porém, muito rigorosa e austera consigo mesma,
vivendo frugalmente e jejuando todas as sextas-feiras a pão e água e, aos sábados,
acrescentando um pouco de caldo de pão cozido com óleo, mas muito pouco. Era
fervorosíssima, pressurosa, solícita nas santas orações, em que fez tamanho
progresso que, muitas vezes, foi ouvida falar com Cristo e alcançou tamanho
entendimento das divinas Escrituras que homens instruídos aprendiam com ela
profundas interpretações e segredos, ficando realmente muito admirados pela grande
iluminação que ela recebia de Deus. E as pessoas que estavam em pecado, vindo a
ela, atraídas pela força e eficácia de suas exortações, saíam dali convertidas. E muitas
personalidades ilustres iam até ela para pedirem conselhos. E, muitas vezes,
aconteceu que ela predissesse acontecimentos futuros, os quais, realizando-se
conforme predissera, serviram para torná-la digna de fé e ser considerada uma
iluminada pelo Espírito Santo.

2. Sobre os muitos e maravilhosos efeitos de sua santidade e como fundou um


mosteiro de monjas chamadas capuchinhas.

1792. Maravilhosos efeitos manifestaram a santidade dessa mulher da qual Deus


se serviu nas suas obras. O hospital foi socorrido e ajudado milagrosamente muitas
vezes. Faltando pão, certa vez, e não sabendo os funcionários da casa como
consegui-lo, de repente, apareceram à porta do hospital duas mulas carregadas de
pães, sem ninguém saber de onde é que tinham vindo. Naquele lugar, davam-se
esmolas aos pobres que lá iam pedi-las. E, tendo aparecido lá, certa vez, um pobre
pedindo esmola, porque estava morrendo de fome, a senhora mandou às empregadas
que lhe dessem pão. E, respondendo elas que não havia, porque já à refeição da
manhã não havia o suficiente, ela respondeu que procurassem então outra coisa. E
procurando, elas encontraram duas cestas cheias de pães brancos e quentinhos,
455

feitos, sem dúvida nenhuma pelas mãos dos anjos, por intercessão desta serva de
Cristo.

1793. Chegou ao hospital uma pobre mulher espanhola, vítima da febre francesa.
Acolhendo-a a piedosa e santa diretora, cuidou dela como o fazia com os outros,
servindo-a com as próprias mãos, procurando refrescá-la e ajudando-a. Uma vez
curada, exortou-a a deixar o pecado, ficando no hospital para ajudar ou tomando outra
direção na vida com sua ajuda. Mas a infeliz, já destinada ao diabo, não quis aceitar
de jeito nenhum e voltou à sua antiga e abominável vida. Por isso mesmo, tornou a
voltar ao hospital com a mesma doença e foi, como na primeira vez, acolhida com
carinho, orientada e servida até que novamente recuperasse a saúde. Por maiores
que fossem as súplicas e exortações feitas a ela pela santa mulher, ela não quis nem
ficar aí e nem deixar a vida perversa que levava. Pelo que a piedosa senhora,
voltando-se para Deus, ajoelhando-se diante do crucifixo, rezou, dizendo: “Meu
Senhor, se essa mulher resolver pecar mais ainda, fazei que lhe advenha uma tal
doença que ela não possa mais ofender a vossa divina Majestade”.
E Deus atendeu imediatamente suas fervorosas e piedosas orações; por isso,
pouco tempo depois, a infeliz voltou trazida numa maca e tão desfigurada que parecia
uma leprosa, não se distinguindo nela feições humanas, e irreconhecível, sabendo-se
quem era ela somente pela voz. Foi recebida e atendida até à morte, levada que foi
por doença tão horrível.

1794. Sobreveio uma grande peste, por causa da qual se fechavam todas as
casas suspeitas de contágio e até o hospital ficou fechado um tempo por esse motivo;
finalmente reaberto, os vigilantes sanitários iam todos os dias visitar os doentes, para
constatar se não tinham contraído a doença e a mesma coisa faziam com as mulheres
que ali trabalhavam. A senhora Lunga tinha uma companheira muito estimada que se
chamava irmã Maria, mulher de grande espiritualidade e imitadora das virtudes da
senhora Lunga. Essa irmã, quando o hospital reabriu, contraiu gravíssima febre da
peste e, estando três dias sem comer nada, estava para morrer.
A dor da santa diretora era imensa, não apenas por poder perder aquela irmã que
tanto amava, mas porque, morrendo ela e descobrindo-se que a causa da morte era a
peste, o hospital seria fechado de novo. Não tendo outro remédio, voltou-se ela para a
oração; indo a uma capela, ajoelhou no chão e rezou longamente e, ao fim, erguendo-
se com a certeza de uma graça recebida, foi com pressa até à enferma e lhe disse:
“Irmã Maria, faça-me o favor de comer qualquer coisa”.
E ela, embora estivesse num estado em que já não podia ouvir, ouviu e obedeceu.
Em seguida, disse-lhe que repousasse; o que ela fez. Nesse tempo, ajoelhada de
novo, a devotíssima diretora rezou. A doente acordou pouco depois, perfeitamente
curada, como se não tivesse jamais ficado doente, e disse que tinha sentido como que
um orvalho caindo sobre ela, refrescando-a por inteiro.

1795. Desse modo, através da oração a santa mulher libertou tanto a irmã da
morte quanto o hospital do perigo e do transtorno de ser fechado novamente, com
grave prejuízo para os doentes.
Foi ela quem introduziu aquele Pai nosso que, à tarde, se reza pelos falecidos.
Ela ia muito à zona de prostituição, tentando ali, com insistentes exortações,
justificativas e propostas, tirar as prostitutas do pecado; e quando não conseguia tudo
o que pretendia, ajoelhava-se diante delas e lhes pedia que, pelo menos na sexta-feira
santa e no sábado santo, se abstivessem desse pecado; e, naqueles dias, a fim de
que alguma necessidade ou mesmo a cobiça por dinheiro não as obrigasse a pecar,
ela mesma lhes pagava. E para aquelas, que ela conseguia conquistar, arranjava-lhes
casamento ou contratava-as para trabalharem no hospital.
Ela foi a primeira que recebeu os frades capuchinhos em Nápoles e, por seu
intermédio, é que lhes foi concedida a localidade chamada S. Eframo; nesse ínterim,
456

acolheu-os no hospital dos Incuráveis. E depois, quando passavam por grande


tribulação, deu-lhes não pequena ajuda junto a Carlos V, o qual, conhecendo a
santidade e qualidades desta mulher, muito a estimava e sempre levava em
consideração as suas palavras. E a mesma coisa ela fez junto a Paulo III. O que deu
ensejo para que eles aceitassem depois o cuidado espiritual do mosteiro de monjas,
que ela edificou - como se verá em seguida.

1796. Foi ela também a primeira que deu acolhida em Nápoles aos padres
teatinos, colocando-os numa casa perto do hospital, na qual moraram as monjas antes
de se construir o mosteiro; e tanto ela como as monjas colocaram-se sob a orientação
espiritual dos citados padres, até passarem posteriormente aos cuidados dos frades
capuchinhos.
Morava perto do hospital a duquesa de Termoli, a qual, por detrás das aparências
- como é o costume de tais senhoras - se preocupava mais com as futilidades e
grandezas do mundo; mas, conseguindo viver profunda amizade com a santa mulher,
foi pela força das suas santas palavras, orações e virtudes, convertida para a santa
humildade cristã, pondo-se à disposição para fazer toda espécie de bem. Por isso, ela
a tinha como sua filha espiritual, alimentando-a com santos exemplos e exortações,
levando-a a fazer muitas boas obras. Colocou-a sob a orientação dos frades
capuchinhos, os quais a atendiam em confissão, aconselhavam e orientavam, e
impuseram-lhe o hábito da Ordem Terceira de São Francisco; e ela, de sua parte,
ajudava-os nas suas necessidades e se dispôs a distribuir seus bens por amor de
Deus.

1797. E tendo começado, pela pregação dos frades capuchinhos, o grupo


chamado as Convertidas, foram elas recebidas por essas senhoras, ajudadas e
orientadas; e a duquesa fez para elas com seus bens o mosteiro. Assim ela,
crescendo em virtudes se entregou com grande admiração da cidade de Nápoles a
uma vida santa, encontrando-se, sempre que possível, com a santa mulher, de cujo
conselho dependia e pelos quais regulamentava todas as suas ações. E à santa
mulher também, quando se retirou para o mosteiro das monjas feito por ela, sucedeu
no governo do hospital.
Viveu a santa mulher, depois de recuperada a saúde, por mais 20 anos, tempo em
que construiu e dirigiu o hospital. Mas desejosa, como é próprio das pessoas santas,
de aumentar sempre mais o santo serviço de Deus e colher grandes frutos, resolveu
fazer um mosteiro de monjas virgens. E para tanto recolheu algumas no hospital.

1798. Tal empreendimento foi, sem dúvida alguma, como depois a experiência o
demonstrou, uma intenção de Deus, o qual se vale de seus ministros com lhe convém.
Foi por sua misericórdia que curou essa mulher para o bem do hospital e de tantas
outras obras. Agora, para construir o santo mosteiro, a fez reincidir na antiga doença,
a qual tanto a desfigurou que todos achavam que sem dúvida ela iria morrer. Por isso
recebeu a extrema unção. Estando ela assim enferma, esquecida de si mesma,
esperava ansiosamente recolher as virgens, reanimando-se sempre mais para fazer-
lhe um mosteiro. Nem mesmo sendo uma pessoa que julgavam morta e que, por isso,
esperavam estar dissuadida dessa idéia, ela não cedeu, não perdeu o entusiasmo do
espírito e nem o zelo para prosseguir na causa. E, reduzida quase ao extremo da vida,
ainda a todos que a visitavam, ela, para espanto geral, dizia que ainda ia construir o
mosteiro em honra de São Francisco.
Não morreu de fato, como se esperava, daquela doença; e mesmo tendo ficado
aleijada, teve tempo e coragem para fazer o mosteiro. Tendo terminado a obra, o povo
julgou que ela tivesse tido uma revelação, levando em conta que, estando em iminente
perigo de morte, ainda perseverou nesse propósito até poder realizá-lo. E foi também
falado pelo povo que, tendo ela acabado de construir o hospital, o qual de agora em
diante já não precisaria mais dela, Deus, tendo-lhe tirado a saúde, lhe tivesse
457

colocado na mente uma outra obra santa, da qual ela poderia cuidar, mesmo estando
enferma; e porque a doença era até um estímulo Deus a fez ter uma recaída, para
aumentar os seus merecimentos.

1799. Naquele tempo veio da Espanha aquele eremita, por cujo conselho ela tinha
vindo à Itália; e visitada por ele, ela imediatamente o conheceu, apesar de nunca tê-lo
visto, agradeceu-lhe pelo conselho que lhe dera na Espanha.
Encontrada uma casa que ela finalmente adaptou como mosteiro e tendo sido feita
a clausura, fez-se conduzir em procissão, com as monjas cobrindo o rosto com o véu,
entrando com todas em procissão na casa. E porque ela sempre desejara ir a
Jerusalém e, acreditando as pessoas que ela tivesse recebido por revelação uma
promessa de Cristo a esse respeito, ele a inspirara agora e lhe revelara que esse
mosteiro deveria chamar-se Jerusalém, assim ela o chamou e assim é chamado até
hoje como mosteiro de Jerusalém.

1800. Desse modo, a responsabilidade pelo hospital ficou a cargo da duquesa de


Termoli e ela foi a abadessa do mosteiro por determinação de Paulo III, que a indicou
em vida.
Foi desse modo instituído, no tempo da última reforma da Ordem franciscana e da
santa Igreja, como primeiro mosteiro de monjas reformadas de Santa Clara, que, pela
ligação que têm com os capuchinhos, são chamadas pelo povo capuchinhas.
Observam sem privilégios a Regra de santa Clara, como foi dada pelo pai São
Francisco e estabelecida por ela. Não têm nada de próprio e vivem de seus trabalhos
e de esmolas como os frades. Andam descalças; vestem-se roupas rudes e grosseiras
e rezando no coro as santas orações. É certo que não lhes é vedado o uso do dinheiro
como para os frades e nem é tão escasso o número de roupas para elas, uma vez que
as mulheres precisam mais do que os homens. Mas, doutra parte, as que têm saúde
não podem dormir em colchões, mesmo de palha, e têm que jejuar o ano todo e não
comer carne nunca.

1801. Os frades aceitaram o cuidado espiritual daquele mosteiro, como São


Francisco aceitou o do mosteiro de santa Clara. Foram feitos outros depois em
Perusa, em Agobbio, em Milão, em Brescia e se tentou que os frades cuidassem
desses também; mas eles sempre recusaram e, se bem que Júlio III com um breve
mandasse que aceitassem o de Perusa , eles tanto fizeram que o breve acabou sendo
revogado. Mas Gregório XIII, em 1576, os obrigou a cuidar do mosteiro que foi feito
em Roma.

3. Sobre o governo que ela exerceu com muita santidade. Sobre sua morte e milagres.

1802. Uma vez reclusa no mosteiro, entregou-se inteiramente à oração e aos


exercícios espirituais, uma vez que devido à doença não podia fazer corporalmente
quase nada. E ensinava às suas filhinhas a observância da Regra, conforme a
intenção de São Francisco e de santa Clara, no que era orientada pelos frades
capuchinhos, que as atendiam em confissão e dirigiam todas. Sobretudo ela tinha
grande zelo pelo culto divino, nele envolvendo e afervorando as monjas. E, enquanto
não foi construído o coro, ela mandava rezar o ofício divino num quartinho, para onde
pedia para ser levada, a fim de participar com todas. Recebia a comunhão a cada oito
dias e nos dias santos e nesses dias falava muito pouco, permanecendo sempre em
oração com muitas lágrimas, permanecendo como se estivesse fora de si, absorta.
Dom Caetano (de Thiene), um dos primeiros fundadores da ordem dos padres
teatinos a visitava muitas vezes, porque ela falava das coisas divinas e tinha admirável
e profunda compreensão das Escrituras, do que ele se admirava muito e ficava muito
consolado e dizia que dela ele recebia grande luz, muito mais que da leitura de livros.
Isso acontecia também com os outros que por esses mesmos motivos a visitavam.
458

1803. E todos os que tinham tribulações tiravam de suas palavras e de sua


presença grandes consolações e os homens importantes iam recomendar-se às
orações dela e ouvir seus conselhos e explicações, pelas quais, às vezes, revelava-
lhes coisas ocultas. Por esse motivo, ela gozava de grandíssima credibilidade junto a
todos e era tida como um oráculo divino. Mas, acima de tudo e de todos, ela inflamava
as suas monjas, procurando, no pouco tempo de vida que lhe restava, instrui-las bem,
fazendo tudo com grande discernimento e prudência, tanto nas coisas materiais como
nas espirituais. Admoestava e corrigia com maravilhoso fervor e tanto em geral como
em particular ela, tantas vezes, adivinhava as tentações das irmãs, revelando-lhes a
disposição interna de seus corações, fato esse que as confundia e maravilhava e as
levava a emendarem-se.

1804. Certa vez, ela viu o demônio em forma de um moreno escuro, o qual tentava
uma monja, que estava muito obstinada, recusando a santa obediência. Uma tal irmã
Clara, que era considerada por ela como uma filhinha muito querida e que vivia a
obediência de tal modo que toda noite ia até ela para manifestar-lhe as tentações que
tivera naquele dia, e era de vida santa, estava à morte, e antes de expirar perdeu a
voz, mas subitamente a recuperou e abrindo os olhos disse, com rosto alegre e
sorrindo: “Estou feliz, estou feliz”.
Estando a monja para expirar, a senhora Lunga viu junto dela de um lado São
Francisco e doutro santo Antônio, os quais ficaram ao seu lado até que expirou. De tal
modo manifestou-se aí a santidade de ambas: da monja, que estava entre dois santos
e da abadessa, que via os santos. E para consolar as suas filhinhas e fazê-las
acreditar, para edificá-las, na monja falecida, revelou que uma pessoa é que tinha tido
aquela visão sobre a monja, mas soube-se no fim que quem tinha tido a visão tinha
sido ela mesma.

1805. Uma jovem, tendo entrado para o mosteiro para ser monja, foi tentada
fortemente para sair, antes mesmo de receber o hábito; por mais admoestações que
lhe fizesse a santa mulher, ela não quis acalmar-se, persistindo na firme resolução de
sair. Então a piedosa mãe pediu-lhe que esperasse pelo menos por um mês; e ela
deu-lhe a palavra. E, nesse tempo, tão fervorosamente rezou ao Senhor por ela que
ela se alegrou em receber o hábito; e recebeu-o com tanta devoção que perseverou
no mosteiro com uma vida exemplar.
E muitas coisas desse tipo fez a santa mulher, naquele santo mosteiro. Esteve por
quatro anos à frente do mosteiro, mesmo aleijada, mas, próxima ao fim da vida, no
mês de agosto, foi arrebatada como que fora de si, ficando insensível, não respirando,
estando ali presente ainda a duquesa de Termoli; e ficou nesse estado por meia hora,
pelo que achavam que estivesse morta. E, para certificarem-se disso, fizeram muitos
cortes, com o que ela voltou a si; e logo com uma cara alegre e sorrindo disse-lhes:
“Que Deus os perdoe; quisera não ter eu sido reanimada. Quisera eu não ter
recobrado os sentidos. Oh, que coisa eu vi! Oh, que coisa fui ver! Iremos, iremos!”

1806. A Irmã Maria, sua fiel e devotada companheira, pediu-lhe muito que
dissesse o que é que tinha visto; mas ela, sorrindo, não o quis revelar-lhe.
Logo renunciou ao cargo de abadessa e indicou como abadessa a irmã Jerônima,
que tinha sido monja em outro mosteiro e tinha vindo para este, levada pelo desejo de
reforma e pelo rigor de vida. De igual modo, ela indicou a vigária e as demais
encarregadas do mosteiro; deixou todos os outros trabalhos, preparando-se assim
para a morte, e ficou na expectativa de que poderia morrer logo de uma hora para
outra.
Estando assim, mostrou também o que já teria feito se tivesse tido no mosteiro
superioras; obedecia prontamente como se fosse a irmã mais insignificante; nunca
deixou essa humildade, por mais que a abadessa lhe pedisse, dizendo que cabia a ela
459

mandar e corrigir. Desse modo, com exemplos e palavras, exortava as demais para
uma humilde obediência. E, ficando aquele pouco de tempo recolhida em si mesma,
não fazia outra coisa senão exortações sobre a observância dos preceitos de Deus e
da Regra, da paz e da união, da humildade, obediência e pobreza, mortificação e
desprezo de si mesma, exortando-as com muita eficácia a vencerem-se a si mesmas.
O que fazia com tanto fervor e espírito, com tanta benignidade que levava todas às
lágrimas e ao fervor de Deus.

1807. Dois dias antes de morrer, fez a elas uma grande pregação, exortando-as à
observância da Regra e às virtudes, mas de modo especial à paz, usando as palavras
que Jesus disse aos apóstolos: Eu vos dou a minha paz, eu vos deixo a minha paz
(João 14, 27). E, abraçando a todas, uma a uma, recomendando-as em particular às
mais velhas, pediu à abadessa que cuidasse delas, ajudando-as na observância,
tendo-lhes compaixão e não deixando-lhes faltar nada, mesmo nas necessidades
materiais.
Depois pediu para ser levada diante de um crucifixo que estava numa capela,
onde ficou por muitas horas, olhando-o com os olhos fixos e falando pouco. Mas, por
obediência, a abadessa a fez voltar para seu quarto, onde se entreteve veladamente
com seu confessor, Frei Francisco Liardo; e, entre outras coisas, disse-lhe que o
Senhor Deus estava muito irado contra a cidade. E pouco demorou para começarem
os tremores de terra em Nápoles. Exortava as monjas a que rezassem, pedindo que
Deus aplacasse a sua ira. Mandou chamar a duquesa de Termoli, a qual ficou com ela
todo aquele tempo e, muitas vezes, conversou com ela secretamente e lhe revelou
que pouco tempo ela tinha de vida.

1808. Chegada ao fim, viu-se que ela lutava com o demônio, mostrando-lhe o
rosto agitado e ameaçando-o. Quis a sua fiel irmã Maria confortá-la dizendo que não
temesse; mas ela, voltando-se, disse-lhe na sua língua: “Cagliá vos”, que quer dizer:
calai!
E, pondo o dedo nos lábios, fez-lhe sinal para que ficasse quieta, dizendo: “ Eu
tenho quem me ajude!”
Voltando-se com o rosto alegre para a direita, onde estava o crucifixo, mostrava-o
com as mãos à irmãs, para dizer que era ele quem a ajudava.
E, pouco antes de expirar, voltando-se para as irmãs, disse-lhes: “Irmãs, parece a
vós que eu fiz inúmeras boas obras; mas eu não confio em nada de mim mesma, mas
inteiramente no Senhor”.
E mostrando a ponta do dedo mínimo disse: “Um tantinho de fé me salvou”.
E disse isso com muita jocosidade e belíssimo rosto. E conservava sempre o
crucifixo nas mãos. E pouco depois de dizer essas palavras, beijando o crucifixo, disse
por três vezes: “Jesus”! E expirou.

1809. Seu bendito corpo foi colocado diante da grade; uma multidão ali acorreu,
todos beijando seus pés, gritando que aqueles pés exalavam perfume; a duquesa
estava aos pés, chorando, e dizia que por meio dela é que ela fora salva. E porque a
senhora tinha pedido para ser sepultada com as irmãs e não havia ainda sepulturas,
colocaram o corpo num caixão e o sepultaram em baixo do altar do coro.
A duquesa já avisada pela santa senhora sobre sua morte próxima, começou a se
preparar com uma extraordinária mudança de vida. Fez testamento e doou boa parte
de seus bens para o hospital e outras instituições. E, antes de morrer, teve a graça de
ver a santa mulher, senhora Maria Lourença, aparecer-lhe belíssima e gloriosa. E ela
mesma contou isso depois às monjas, para consolação delas.
No início do ano, logo depois da morte da santa mulher, sentindo-se a duquesa
próxima da morte, resolveu entrar para o mosteiro, uma vez que já tinha licença do
papa para poder morrer lá dentro. Mas Deus, que já dispusera de outro modo, não lhe
quis conceder tal graça; por isso, enquanto estava se preparando para entrar para o
460

mosteiro, lembrando-se de que tinha que por em ordem algumas coisas suas, voltou
ao hospital, mas já decidida voltar logo para o mosteiro. Era um domingo. Apenas
chegada ao hospital foi atacada pela artrite e, ao cabo de cinco, dias acabou morrendo
ali.

1810. Deixou, porém, o pedido de ser sepultada junto com a senhora Maria
Lourença. E, ao fazer-se isso, encontrou-se o corpo dessa senhora todo inteiro,
saudável, com seus cabelos, com as unhas das mãos e dos pés crescidas como se
estivesse viva; e todos gritaram: Milagre! Milagre! O corpo permaneceu o dia todo no
coro, e exalava o perfume das violetas para a admiração de todos. E, querendo Deus
com outros milagres ainda aprovar a vida da santa mulher, fez isso acontecer.
Havia ali um irmã jovem que tinha um abscesso em um lado e que tinha usado
muitos remédios que não ajudaram em nada. Uma outra irmã, Vitória d‟Aflito, monja de
santa vida e piedosíssima, levou a citada jovem onde estava o corpo e, tendo feito ali
uma breve oração, pegou a mão do corpo morto e a colocou sobre o abscesso da
jovem; e logo, sem outro remédio, ela ficou curada.

1811. Mas o seguinte foi um milagre maior. O túmulo para se colocar também o
corpo da duquesa não era grande e então foi feito um maior. Ali se colocaria o corpo
da duquesa junto ao da senhora Lunga; esse, porém, levantando o braço
milagrosamente, estendeu-o em direção da duquesa e abraçou-a e assim permaneceu
firme, a fim de mostrar que assim como tinham sido unidas em vida, não ficariam
separadas na morte. Presenciaram isso quatro monjas, ou seja, a abadessa, a vigária,
a irmã Maria e uma velha irmã, Bernardina, quatro pedreiros e o senhor Gismondo.
Eles todos, vendo isso, gritaram: Milagre! Milagre! E o caso espalhou-se por toda a
cidade e foi motivo de muita devoção do povo para com aquela beata e de dar muitas
graças a Deus.
Tendo sido feita, depois de seis meses, a conveniente sepultura e desejando na
ocasião transportar os corpos, encontrou-se o corpo da santa mulher um tanto desfeito
e já sem muito perfume por estar unido ao da duquesa, que era corpulenta e
rapidamente se corrompera. E tão logo depositaram o corpo da santa mulher em um
túmulo na sepultura, não obstante ser um lugar úmido, o caixão quebrou-se e
igualmente o corpo. E por ocasião do sepultamento de uma monja, vendo-se o corpo
corrompido, pegaram-no, limparam a cabeça da beata, a qual cabeça ainda hoje exala
perfume de violeta [...].

8. Do diário de João Batista Casale (1554-1598)

Inauguração do mosteiro de Santa Praxedes de Milão: 26 de abril de 1579

I frati cappuccini IV, 1881

1812. Lembrança de como no ano de 1579, no dia 26 de abril, um domingo, o


ilustríssimo cardeal Borromeu, arcebispo de Milão, deu início à Ordem das
capuchinhas em Milão, numa cerimônia que até então não fizera. Sua senhoria a
realizou na Catedral e fez a vestição de dezenove jovens com o cilício, com tanta
cerimônia que nem se pode imaginar.
Primeiramente, saíram as citadas jovens de uma casa que ficava na Porta Tosa,
onde tinham começado a preparação; dirigiram-se todas para a Catedral, vestidas de
branco, com o véu cobrindo o rosto, acompanhadas pelas mais importantes
condessas e por ilustres senhores de Milão, com grande acompanhamento do povo. E
chegadas ali, logo em seguida entrou na catedral, em vestes pontificais, o
reverendíssimo cardeal, acompanhado pelo clero. A missa era cantada; logo após o
evangelho, ele foi ao púlpito e fez um belo sermão sobre essa circunstância.
Comungaram todas aquelas senhoras e outras e terminada a missa, benzeu os cilícios
461

e cordões. Em seguida, tirou-lhes as citadas vestes brancas e ficaram só com o cilício


que tinham por baixo e lhes colocou um manto por cima com fechos e os cordões.

1813. Terminada essa cerimônia, sua senhoria ilustríssima, em vestes pontificais,


com todo o séqüito de frades, padres e povo, acompanhou-as até à casa delas; e elas
iam em procissão com uma grande cruz nos ombros, de duas em duas, e ali estavam
também os padres capuchinhos.
E chegadas ao citado lugar, o reverendíssimo cardeal, com todas as cerimônias
que se possa imaginar, lançou a primeira pedra da igreja que seria edificada naquele
lugar. Eu e o meu filho Davi colocamos naquele alicerce, onde estava a primeira
pedra, umas outras pedras em memória do início dessa santa ordem das capuchinhas.

9. Vida das capuchinhas de Granada no começo de sua fundação

Granada, 1590. - Testemunho do capelão do mosteiro enviado a um “personagem da


corte”.

I frati cappuccini, IV 1926-1932

1814. Sobre essa celestial fundação, coisa nova para a Espanha, onde até agora
não houve uma semelhante, pouca coisa poderei dizer e isso de modo geral, porque
no trabalho que faço não é permitido descer a certas particularidades, as quais, se
viessem a público, não somente causariam admiração, mas sobretudo seriam coisas
inacreditáveis em mulheres tão frágeis.
A Ordem delas é a das capuchinhas, que começou na Itália, na primeira metade
do século que está para acabar. A esse nome de capuchinhas foi acrescentado pela
bula de fundação dessas religiosas o nome peculiar de Descalças Mínimas do Deserto
da Penitência. Sem dúvida, que, pela vida retirada que levam, pode-se dizer com toda
verdade que elas vivem quase num deserto, porque não se comunicam com ninguém
de fora, a não ser com os confessores e somente com eles; com seus pais e irmãos é-
lhes permitida comunicação uma só vez - não sei se é ao ano ou ao mês - e isso no
locutório e com testemunhas. Dentro da clausura, há quartinhos que mais parecem
pequenas sepulturas e que elas chamam de eremitérios, nos quais vivem com total
alheamento umas das outras, vendo-se apenas nos atos comuns do coro, refeitório e
quarto de repouso ou dormitório comum.

1815. Não têm renda nenhuma. A manutenção da casa e tudo o que é necessário
para o culto divino, elas o esperam diariamente da providência divina. E não admitem
outro poder ou propriedade a não ser a piedade dos fiéis que lhes dá esmolas e estas
sem que elas peçam nem por si e nem por meio de empregados, que elas não têm. E
o que causa mais admiração, é que a fundação foi feita sem capital, nem dotes e que
a bula de fundação contém a expressa clausula que diz que sem dotes, nem capital, é
que devem ser recebidas as honestas e virtuosas jovens chamadas por Deus para
uma instituição assim tão austera.
Durante todo o ano, comem peixe e fazem jejum. O despojamento delas é tal que
admite somente o hábito com a túnica do mesmo pano, se bem que menos grosseiro;
pés e pernas desprotegidos é que dão justamente a elas o nome de Descalças, uma
vez que não admitem nem o mínimo conforto de chinelos ou pequenas sandálias
como o permitia a primitiva Regra de Santa Clara às suas filhas. Dormem sobre uma
tábua com uma pedra como travesseiro, deitando-se vestidas como estão, isto é, com
o hábito, seja inverno ou verão, sem outra permissão senão a de afrouxar um pouco o
cordão com o qual estão cingidas.
462

1816. Rezam todo o Ofício divino, em tom lúgubre. As matinas são rezadas à meia
noite, e logo em seguida, na maior parte do ano, fazem uma hora de meditação; essa,
a fazem três vezes ao dia. Comungam todos os dias e também em todos os dias
fazem a disciplina, durante o advento e a quaresma; nos outros tempos litúrgicos, três
dias por semana.
No culto, são extremamente zelosas quanto à limpeza e ao cuidado com os
paramentos, igreja, altares. Dizem que o Senhor advertiu a madre ou superiora,
quando lhe inspirou a fundação, que o templo e sua ornamentação, ele os queria
como o do tabernáculo que ele mandou Moisés fazer: com as coisas mais preciosas e
ricas possíveis. Agora é ainda pobre, mas na sua mesma pobreza é tão arrumado e
limpo que infunde devoção, quando se celebra nele o santo sacrifício da missa;
sobrepelizes, toalhas, corporais saem a cada dia bem dobrados como pele de arminho
e perfumados com perfumes celestes. Em suma, elas são tão dedicadas a esse
particular que me consta que, muitas vezes, elas renunciam até à comida para que
nada falte ao culto do Senhor.

1817. A uma observância de vida comum assim tão rigorosa e celestial - na qual,
para sua continuidade dia e noite alternando o coro, a oração, os trabalhos, eu as
considero como aqueles serafins, sempre acordados e ardentes no amor, que ora
estavam louvando e homenageando o Senhor diante do trono ora fora dele - cada uma
delas acrescenta particulares rigores de penitência, como Deus lhes inspira e a
obediência lhes permite, voando como branca pomba à solidão de um canto ou de um
telhado.
Em tudo isso, vemos as maravilhas e as propostas da graça que atemorizam e
trazem confusão aos corações mais fortes e viris. Muito mais que as penitências dos
padres do Egito! Mas não pretendo fazer comparações que possam parecer
exageradas; direi somente a vossa senhoria, com São João Clímaco, que “não viram
os olhos preguiçosos e nem ouviram jamais os ouvidos negligentes e nem o coração
tíbio pode perceber” aquilo que experimentamos nós, confessores, neste deserto
realmente de penitência, como o chama a Sé Apostólica; e quanto posso eu dizer a
mim mesmo com o mesmo santo doutor, que, vendo tantos esforços e ânsias de amor
e de caridade em mulheres tão frágeis, me encho de tristeza, considerando a minha
vida tão tíbia.

1818. Em meio a esse quadro austero de penitência e dureza, o tratamento delas,


para quem tem privilégio de usufrui-lo, é de todo angelical, alegre, humilde, sincero,
cordial, transparente e sem nenhum vislumbre de soberba ou superioridade.
Certamente que um tal estilo de vida não está de acordo com o modelo soberbo e as
falsidades políticas do mundo, mas encontra boa acolhida naqueles que são animados
pela verdadeira piedade ou iluminados verdadeiramente pela luz divina.
A fundadora é desta cidade, uma senhora ilustre e muito agraciada por Deus. Mas,
como nenhum profeta é recebido na sua terra, ela encontrou grandes dificuldades. Foi
pessoalmente a Roma e obteve uma bula do senhor papa Sixto V para a sua
fundação, a qual foi realizada com a licença e a aprovação do senhor Méndez de
Salvatierra, arcebispo que depois faleceu. Por isso o capítulo, sede vacante, a
expulsou do convento. Ela recorreu novamente e pessoalmente à Santa Sé e obteve
um rescrito com restrições ao ordinário e com penas e censuras contra os que fossem
contrários, que é o que agora se está fazendo.

E, não obstante a intervenção da suprema autoridade de sua Santidade e das


grandes maravilhas que são divulgadas pela cidade sobre a nova fundação, há muitos
ainda que a combatem e que gostariam de vê-la extinta. Que Deus assista com sua
luz essa obra e ilumine a todos nós para que o sirvamos; e que vossa senhoria me
guarde, como lhe suplico.
463

III. Legislação

10. Normas sobre clausura dadas por Maria Lourença Longo

Nápoles, 5 de outubro de 1538. - O texto está conservado num manuscrito, depois


daquele da Regra de Santa Clara. O “motu proprio” de 10 de dezembro de 1538 supõe
que essas normas estavam já em vigor naquela data. Em virtude da bula de Paulo III
de 1535, a fundadora tinha a faculdade de dar à comunidade “estatutos e
ordenações”. O documento é de grande importância para avaliar a fama de reclusão e
de rígida austeridade de que passou a gozar, logo a nova reforma.
Presumivelmente, foi sob o impulso da austeridade recebida dos capuchinhos, que
assumiram, como diretores espirituais no início de 1538, que a senhora Longo quis
mergulhar com suas generosas filhas espirituais numa clausura assim tão rigorosa,
muito mais rigorosa do que a recomendada pela Regra. Sob a direção dos mesmos
capuchinhos, a comunidade não tardará a encontrar o justo equilíbrio.

I frati cappuccini IV, 1951-1953

1819. Maria Lourença Longo, indigna serva de Jesus Cristo.


Não obstante as santíssimas ordenações contidas na citada regra e forma de vida,
as quais, com todo empenho e fervor, devem esforçar-se para observar as citadas
irmãs, queremos ainda, devido a entrada de estranhos no mosteiro, que a nenhuma
pessoa, de qualquer grau, estado ou condição, seja permitido entrar em tempo algum
e por motivo nenhum no mosteiro.
O capelão deve dar comunhão, atender confissões ou dar a extrema-unção no
confessionário; e, na celebração do ofício dos mortos, deve seguir tudo aquilo que a
igreja estabelece e as monjas respondem de dentro da clausura.
O médico, tanto o clínico quanto o cirurgião, examine pela grade as doentes,
tomando o pulso, sangrando veias quando necessário e não faça nada de outro modo.
Para sepulturas, tanto para abri-las ou fechá-las, não seja lícito a nenhuma
pessoa, em tempo algum, entrar na clausura, mas as próprias irmãs farão essa
caridade umas pelas outras, como um exercício, pois todas deverão morrer.

1820. As coisas que forem dadas por esmola e que não possam passar pela
rotatória, sejam entregues entre a primeira e a segunda portas, e as irmãs tenham o
cuidado em recebê-las e ficam advertidas que jamais poderão ser vistas por pessoa
alguma, fazendo-as fechar na cara a primeira porta, antes de irem elas pegar as ditas
coisas.
O visitador deve fazer a visita pela grade e à grade deve convocar as irmãs no
devido tempo, para exercer juridicamente seu dever. Nem pelo motivo de ser visitador
pode entrar no mosteiro, mas seguir de fora o rigor e a justiça, de acordo com a
inspiração de Deus.
Para corrigir e disciplinar as irmãs, não é lícito a bispo algum, com ou sem licença,
entrar no mosteiro, mesmo para confirmar alguma abadessa recém eleita, ou
abençoá-la ou fazer vestição de monja; o que tiver que fazer, faça-o da grade.
E quando parecer que não se possa impedir algum reverendíssimo cardeal que
queira entrar no mosteiro, que não entre; queremos que, nesse caso, as abadessas e
as monjas, que canonicamente estarão ali de tempo em tempo, com muita humildade
e devoção lhe peçam que não entre.

1821. Exortamos que o mesmo se faça com qualquer outra pessoa, nobre,
espiritual, temporal, mesmo que seja autoridade e tenha licença da Sé Apostólica: que
de modo nenhum entrem no mosteiro.
464

Pedindo às citadas irmãs que queiram observar diligentemente tal ordenação


nossa, pela sua salvação e pelo amor do Senhor Jesus, ao qual se ofereceram em
perpétua clausura e pobreza
Dado em Nápoles, aos 5 de outubro de 1538, no quarto ano do pontificado do
santíssimo papa Paulo III, pontífice máximo

1822. Essa senhora Maria Lourença Longa, acima citada, foi uma santa mulher e
foi a fundadora deste mosteiro de Santa Maria de Jerusalém de Nápoles e foi a
primeira que fez observar a reforma das ordenações da Beata Coleta, onde também
ela se enclausurou. E deve-se observar tudo aquilo que disse; e nós o observamos até
o presente, exceto para dar a extrema-unção, a qual não pode ser dada de fora do
mosteiro.

11. Usos do mosteiro de Santa Maria de Jerusalém

Este elenco de observância foi ajuntado ao texto da Regra e das constituições de


santa Coleta no manuscrito proveniente de Milão. Da própria redação se percebe que
se trata de um anotação enviada do mosteiro das Trinta e três, por pedido talvez do
procurador da Ordem.

I frati cappuccini IV, 1957-1959

1823. O que está neste capítulo não é de preceito, mas é observado aqui por
aqueles que quiserem.
Tendo sido o mosteiro de Santa Maria de Jerusalém na cidade de Nápoles, por
vontade de Nosso Senhor Jesus Cristo fundado sob a Regra primeira da Beata Clara
com a reforma da Beata Coleta, aquela Regra pela graça do Senhor se observa ad
litteram, a fim de que a sobredita observância se mantenha; observam-se alguns usos
além da sobredita Regra, dos quais lembraremos alguns, mas como coisa de pouca
importância.

1824. 1. As monjas são recebidas, como diz a Regra, sem dote e sem nenhum
contrato de bens temporais daquela que deseja entrar para servir a Deus; mas se
exige que tenha boa e fervorosa caridade e liberdade.
2. Não se recebem mocinhas, mas de idade adulta, conhecedoras do bem e do
mal. Ficam muito tempo fazendo experiências e aplicando a Regra aos seus casos; às
vezes ficam mais de um ou dois anos fazendo essas experiências, e isso segundo as
condições da idade de cada uma. E mais, espera-se que sejam praticadas todas as
condições que a Regra impõe.
3 .Vestir-se de panos rudes, tanto na cor quanto no preço. Dorme-se sobre tábuas;
por baixo há uma esteira com um manto ralo; o comprimento é de acordo com a
pessoa, e usam-se mantos brancos. Aquelas que não têm saúde podem usar colchão
de palha.
4. A comida é queijo, ovos e óleo, isto é, três vezes na semana come-se queijo:
segunda, terça e quinta; nos outros dias comem-se ovos com óleo.

1825. 5. Jejua-se o ano inteiro, exceto aos domingos.


6. Não se tem nada de próprio, nem em comum e nem em particular, nem muito
nem pouco. Em particular, procura-se vivamente não ter nada, além do que a Regra
permite. Qualquer coisa mandada por esmola, mesmo mandada em particular pelos
pais, é distribuída por todas, por menor que seja. Foge-se, como do fogo, de dar
presentes; nem para amigos e nem para parentes e nem mesmo enviar-lhes folhas de
plantas.
7. Evita-se qualquer prática supérflua dos seculares e mesmo de religiosos. Falar
dos pais é muito raro. Não se permite de modo algum que os pais entrem no mosteiro
465

e nem qualquer outra pessoa, por mais importante que seja, nem para visitar e nem só
para ver, mesmo que as irmãs tivessem bulas de dispensas. O médico não entra, a
não ser por grande necessidade.

1826. 8. Na enfermaria, há uma janelinha do lado de fora, por meio da qual o


médico vê a doente e lhe pega no pulso.
9. A grade e o locutório têm portinhas de ferro, estreitas, com pregos grossos e
longos do lado de fora; e, do lado de dentro, as portinhas são de madeira. No
locutório, há uma cortina que nunca se levanta. Na grade, há também uma cortina,
que se levanta quando há eleição da abadessa, ou quando se faz a visita ou mesmo
pregações.
10. Não se usa outro tipo de calçado senão certas sandálias, como usam os frades
capuchinhos, de cânhamo ou couro.

12. Usos peculiares do mosteiro de Santa Bárbara em Milão

Em 1584, uma comunidade feminina, que morava no mosteiro de Santa Bárbara,


foi transformada em comunidade de capuchinhas por São Carlos Borromeu. Tiveram
legislação própria e usos particulares, dos quais transcrevemos o seguinte texto:

I frati cappuccini IV, 1982-1984

1827. Nota sobre as coisas principais que observamos, nós pobres capuchinhas
de Santa Bárbara.

Jesus, Maria, José

1. Nós não temos nada de próprio, nem em comum e nem em particular, mas
vivemos só de esmolas, mandando procurar aquilo de que precisamos. Mas sucede
que, freqüentemente, passamos muitas necessidades, tanto as doentes como as sãs.
2. Andamos sempre descalças, tanto no inverno como no verão.
3. Andamos sempre vestidas com roupa cinzenta, rude, sem outra coisa qualquer
sobre o corpo nu e nem mesmo as doentes por mais achacadas que estejam ou
mesmo moribundas.
4. Dormimos sobre tábuas, cobertas com os habituais mantos ralos, vestidas com
o hábito e o cordão e as doentes dormem sobre um colchão de palha.
5. Levantamos sempre à meia noite para rezar as matinas, tanto no inverno como
no verão e da festa da Santa Cruz em setembro até a Páscoa, depois das matinas,
fazemos uma hora de meditação. No coro, rezamos os salmos pausadamente e
sempre de pé, sem nenhum apoio, o que faz sofrer muito

1828. 6. Três dias por semana, isto é, na segunda, quarta e sexta, fazemos a
disciplina e nos últimos três sábados do carnaval se acrescenta uma quarta disciplina
pelos pecadores e, nesse dia, rezam-se os sete salmos penitenciais, andando em
procissão, sem sandálias e com uma corda no pescoço; esse é o nosso carnaval.
7. O jejum é diário, exceto aos domingos e no dia de Natal; mas nesses dias, se se
come bem, não se come nunca carne, pois essa só é dada em caso de doença a
quem o médico receitar.
8. Fazemos quatro quaresmas no ano e guardamos todas as sextas-feiras, de
modo que comemos comida de quaresma por meio ano, além das freqüentes e
costumeiras abstinências a pão e caldo, com mais outras penitências de cilícios e
correntes maiores ou menores, conforme as forças de cada uma e a vontade dos
superiores.
9. A nossa comida diária são alimentos muito ruins e o vinho é tão ruim que é
melhor um pouco água pura.
466

1829. 10. Ficamos em silêncio a maior parte do dia e, depois de feita a santa
profissão, não se fala e nem se visita mais os pais e nem outras pessoas, exceto se,
com o tempo, a pessoa ficar porteira.
11. Rezamos todos os dias o santo rosário da santíssima Virgem com muitas
outras devoções. Todos os dias fazemos duas horas de meditação em comum e
ficamos muito tempo de joelhos.
12. A obediência é praticada às cegas, tanto nas coisas espirituais como nas
corporais. Humildade e submissão resignada nas mãos dos superiores, ou seja, é
preciso ser como criança sem vontade própria e isso não somente em relação às
superioras, mas também com as religiosas, mesmo de pouco tempo de vida religiosa
ou mais novas na idade, porque é preciso, por assim dizer, estar sempre debaixo dos
pés dos outros, até à morte.

1830. 13. De mais a mais, como não conversamos, é até bom fazer trabalhos
cansativos como lavar roupas, carregar lenha, varrer continuamente, cozinhar, servir
as doentes, dar assistência às moribundas, vestir e cuidar das defuntas, em suma,
fazem-se coisas, no dia a dia e nos recintos de trabalho, que exigem uma humildade
inimaginável. As mortificações são contínuas, isto é, na igreja, no refeitório e no
trabalho. As repreensões das superioras são freqüentes, mesmo em público e, muitas
vezes, sem nenhuma culpa da pessoa.
Os primeiros quatro anos são passados no noviciado rigorosamente e as noviças
não falam nunca com as outras religiosas, somente entre elas, e não lhes é permitido,
por assim dizer, nem respirar sem licença da sua reverenda madre mestra.

1831. Se alguma quiser ser capuchinha, que saiba ler bem para poder ler em
público, no refeitório, no tempo que estivermos à mesa e ler corretamente no coro as
leituras.
De mais a mais, para poder observar tudo na vida capuchinha, exige-se boa saúde
e força física, acompanhadas de ardente desejo de sofrer até à morte e,
particularmente, é bom que não se sofra do estômago nem tenha dor de cabeça,
porque o contínuo jejum, as longas vigílias e a freqüência a tudo, a atenção às coisas
do espírito e à meditação, a contínua presença de Deus, tudo isso exige uma cabeça
forte para carregar esse peso.
Em tudo sejas capaz e que não sofras de melancolia, porque a vida já é por si
mesma melancólica e sem um mínimo de prazer. Por isso, para carregar o peso
daquela vida é preciso que sejamos de natureza alegre e generosas para carregar a
cruz alegremente até à morte.
Viva Jesus santíssimo!
467

Índice analítico

Vincenzo Criscuolo e Ottaviano Schmucki


Tradução e adaptação de Prudente Nery
468

Siglas e abreviações

(...) = ano ou informação específica


+ = morte
apost. = apóstolo, apostólico (s)
arc. = arcebispo
bíbl. = bíblico, bíblia
ca. = cerca de
cam. = camaldulense(s)
cap. = capuchinho(s) ou capuchinha(s)
card. = cardeal
cist. = cisterciense (s)
clar. = clarissa (s)
con. = conventual (s)
conv. = convento
cust. = custódia, custódio
desc. = descalços
erem. = eremitério (s)
imp. = imperador
litur. = hino, prece, canto ou hora litúrgica
miss. = missão (s)
most. = mosteiro (s)
obs. = observante (s)
ofs = Ordem Franciscana Secular
pers. = personagem
prov. = província, provincial, provinciais

Índice analítico

 Aachen, conv. cap. 1747


 Aarão, pers.bibl. 340, 1364.
 Abnegação de si 153 / cf. também austeridade, cruz, mortificação, penitência.
 Abraão, pers. bibl. 243, 715, 721, 1215, 1218, 1242, 1244, 1246, 1274, 1667.
 Abruços, prov. cap. 423-424, 469.
 Absolvição, sacramental 707 / dos pecados reservados 206, 331, 591, 615 / da
apostasia 479, 587 / de irregularidade e censuras 595, 615 / cf. também apóstatas,
censuras, confissão.
 Abstinência de alimento e bebida 179, 287, 290.
 Abusos 123, 164, 391-392, 441, 536, 619, 653, 680, 682, 749 / cf. também
punição.
 Ação diplomática desempenhada pelos cap. 55-60 / cf. também Felipe II, Lourenço
de Brindisi, Liga Católica, Maximiliano o Grande, Matias de Salò, União
Evangélica.
 Acolhimento de frades forasteiros 977-978, 988.
 Acólitos 492, 497, 527, 532.
 Ad coenam vitae aeternae, litur. 534
 Adalberto, santo (+997) 1737.
 Adão, pers. bíbl. 1148, 1189, 1241, 1272-1273.
 Adegas nos conv. cap. 701 / proibidos os barris 184, 319.
 Adeodato de Ripatransone, cap. (+ca. 1566) 1395.
 Admissão de candidatos à Ordem 7, 24, 72-73, 80 / disposições da Santa Sé 85,
87-88, 96, 99, 102-103, 120, 144 / disposições internas 199-200, 249, 251-252,
452-453, 552-553, 641, 675, 749, 1117-1118 / admissão de ilegítimos 565 /
469

admissão de clérigos ignorantes e leigos inúteis 757 / de outros religiosos 676,


716, 722, 726, 733-736, 738 / cf. também vocações cap.
 Admoestação 190, 227-228, 587, 638, 704 / canônica 585 / cf. também culpa,
emendamento, punição.
 Advento 328, 351 / pregação de Matias de Salò 1191-1212.
 Afiliação à Ordem 466.
 Afonso de Medina Sidonia (Lobo, Lupo), cap. (+1593) 38, 41, 1526, 1533, 1535,
1697.
 África setentrional 118-119.
 Agostinho de Asti (Pelleta), cap. (+1621) 51.
 Agostinho de Bassano, cap. 883.
 Agostinho, santo (+430) 220, 337, 733, 1130, 1132, 1140, 1229, 1233, 1296, 1408.
 Agostinianos 771, 1053, 1651.
 Água, única bebida para matar a sede 289, 824, 939-940, 1533, 1643 / também
para as cap. 1828 / cf. também pão e água, punição, quaresma.
 Ajoelhar-se durante repreensão 364 / durante as funções litúrgicas 499, 515.
 Alba Reale 49 / cf. também capelães militares.
 Albacina, eremitério S. Maria dell'Acquarella 9, 813 / capítulo geral (1529) 9-10, 19,
78, 163, 915 / ordenações 10, 18, 38, 79, 91, 163-164, 165-233 (texto), 817, 1759 /
obrigatoriedade das ordenações 166 / cf. também ordenações.
 Albergati Antônio, bispo de Bisceglie e núncio apost. na Alemanha (+1634) 1746-
1750.
 Alberto de Nápoles, cap. (+1551) 976.
 Alcantarinos cf. descalços.
 Aldobrandini João Francisco (+1573) 49.
 Aldobrandino Pedro, card. (+1621) 1480.
 Alegria na vida cap. 331, 697, 706, 743, 759, 768.
 Aleixo de Budrio, cap. (+1586) 1103.
 Aleixo de Milão (Del Bene), cap. (+1618) 1696.
 Aleixo de Sezze Romano, cap. (+1621) 1524.
 Alemanha 1314, 1583-1584, 1647, 1676, 1692, 1726 / presença e expansão dos
cap. 36, 42, 50, 760, 1720-1721, 1743-1750 / cap. alemães estudantes na Itália
707.
 Alexandre de Milão, cap. (+1576) 1384.
 Alexandria no Egito, miss.cap. 53, 1447.
 Alimentos cf. comida, mesa.
 Almofadas (travesseiros) nas enfermarias cap. 703.
 Alonso de Gregorio, arc. de Saragoza 1708-1709.
 Alós Tiago 1713.
 Altdorf, conv. cap. 36, 1676-1677, 1679, 1682, 1684-1688, 1691-1695.
 Alvarez Pedro de Toledo, marquês de Villafranca, governador espanhol (+1627)
58-59.
 Álvaro de Bazán, marquês de Santa Croce 1697.
 Alvas na legislação cap. 229, 528, 618 / cf. também paramento.
 Amadeítas 1, 66.
 Amatrice 1551, 1556, 1563 / conv. cap. 1552
 Ambição, deve ser evitada nas eleições 214, 342, 697, 731, 733, 736.
 Ambrósio de Amiens, cap. 1482.
 Ambrósio de Soncino (de Milão), cap. (+1601) 119.
 América Latina, miss.cap. 381 / cf. também Brasil, Maranhão.
 Amigos espirituais, recurso a eles em caso de necessidade 294, 297, 442, 717 / cf.
também procurador, síndico.
470

 Amito para a celebração eucarística 522.


 Amor de Deus, nos textos constitucionais 241, 256, 264, 300, 321-322, 350, 353-
355, 386, 712, 715, 734, 736, 738-739, 753 / fraterno 742, 745, 749, 761-763, 766 /
cf. também caridade, fraternidade.
 Amsterdã 1645.
 Amurad III, sultão 49.
 Anacoretas cap. 104, 212, 702 / cf. também vida contemplativa, vida eremítica.
 Anagni, conv. cap. 1617.
 Ancianidade religiosa 367, 586 / exceção da observância regular pelos irmãos
anciãos 290, 714.
 Ancona, 1418, 1610, 1624 / conv. cap. 41 / capítulo geral (1573) 751, 755, 1624,
1631.
 André de Bione, cap. 1376-1377.
 André de Dijon, cap. 1638.
 André de Val di Sabio, cap. 1386.
 Ângela Serafina, clar. cap. (+1608)1773, 1775.
 Ângelo de Asti, cap. (+1560) 29, 1048.
 Ângelo de Civitanova Marche, cap. (+1611) 1546, 1549.
 Ângelo de Corleone, cap. (+depois de 1643) 119.
 Ângelo de Joyeuse, cap. (+1608) 50.
 Ângelo de Sant'Angelo in Vado, cap.(+1569) 989.
 Ângelo de Savona (Della Chiesa), cap. (+1556) 906.
 Ângelo Tancredi (de Rieti), companheiro de São Francisco 787.
 Angelus Domini, oração 502.
 Angrogna, miss.cap. 1474.
 Anselmo de Monopoli (Marzati), card. (+1607) 1526.
 Anselmo de Pietramolara (Franceschi ou Teano), cap. (+1584) 112.
 Anticoli, conv. cap. (noviciado) 859, 1517, 1532, 1614.
 Antonino Siciliano, cap. (+1555) 962, 965.
 Antônio Corso, cap. (+1548) 940-941, 952-953, 1031-1032.
 Antônio de Bergamo, cap. (+1639) 1618.
 Antônio de Felmi, cap. 1618.
 Antônio de Gand/Gent, cap. (+1609) 1655.
 Antônio de Monteciccardo, cap. (+1550) 876, 1001,1029.
 Antônio de Pádua, santo, min. (+1231) 529, 1804.
 Antônio de Pisa, cap. 113.
 Antônio Português, cap. (+1545) 879.
 Anversa, conv. cap. 1648, 1655.
 Apelo à autoridade externa à Ordem 335.
 Aplicação de missas 610.
 Apolônio de Brescia (Porcellaga), cap. (+1603) 1384.
 Apóstatas da Ordem 337, 367-379, 477, 485-486, 568, 585, 586-587, 639, 652,
692 / cf. também fugitivos, punições, excomunhão.
 Apostolado e vida contemplativa 10, 20, 77 / formas de apostolado 124, 164 / cf.
também pesteados, assistência caritativa, ação diplomática, capelães militares,
encarcerados, Casa da B. Maria della Compassione, confissões, congregações,
doutrina cristã, hereges, doentes, missões, mosteiros, obras religiosas, hospitais,
paz, pacificação social, pregação, escravos cristãos.
 Appenzell, conv. cap. 46, 1074, 1676, 1691.
 Apúlia, conv. cap. 13, 31, 424, 806, 924.
 Aquecimento nos conv. cap. 697, 1643 / facilidade à crítica 1520.
 Árabes, dificuldade na evangelização 381.
471

 Aragão, difusão dos cap. 35, 1698, 1703-1705, 1709 / prov. cap. 1698.
 Arcângelo Barlow (de Pembroke), cap. (+1632) 1482.
 Arcângelo de Lyon (de Puy), cap. (+1630) 50.
 Arcângelo de Pembroke cf. Arcângelo Barlow.
 Arcângelo de Tordesilhas (+1598) 1698.
 Argélia 1076 / miss. cap. 118s.
 Ariosto Tomás 39
 Aristóteles (+322 a.C.) 1294.
 Arquivo provincial dos cap. 484, 590, 693 / arquivo geral cf. prefácio.
 Arsênio de Paris, cap. 54, 1482.
 Artur de Cosse, bispo de Costanza (+1587) 1684.
 Árvores frutíferas nos conventos 317.
 Ascoli Piceno 1544, igreja cap. 1544-1545.
 Asno nos conventos cap. 207, 265 / cf. também cavalgar.
 Aspra, conv. cap. 1613, 1617.
 Assinatura dos membros da comissão para condenar os díscolos 589 / de frade
díscolo arrependido 485 / de frades que escrevem ao vigário geral 651.
 Assis, igreja São Rufino 1541/ conv. cap. Carcerelle 1096, 1445, 1463, 1566 /
estalagem cap. 1541 / erem. Carceri 790 / erem. Rivotorto 790 / Santa Maria dos
Anjos 709, 848.
 Assistência caritativa, característica dos cap. 1356 / assistência aos pobres 1100-
1103 / aos empestados 1076, 1078-1089, 1104, 1357-1391, 1636-1642 / aos
enfermos 850, 895, 955, 968-976, 1099, 1104, 1391-1396, 1639, 1660, 1691 / da
parte de São Félix de Cantalício 1512, 1520, 1536 / de São José de Leonissa
1554-1556, 1569 / de Lourenço de Brindisi 1586 / de Jeremias de Valacchia 1594-
1595, 1600 / aos incuráveis 1018, 1090-1097, 1397-1403 / aos moribundos 1404-
1412, 1709 / aos encarcerados 41, 1413-1421/ aos condenados à morte 1098,
1422-1433 / dificuldade carismática no serviço hospitalar 1399-1403.
 Atanásio de Brescia, cap. 1384.
 Athe, conv. cap. 1646.
 Atividades secularescas 534, 546-547, 638, 652, 681, 689, 767.
 Attolite portas, litur. 513.
 Augsburg, canônicos regulares de Santo Agostinho 1727 / igreja de Santa Cruz
1727 / confraria Corpo de Cristo 1728 / conv. cap. 46, 1722, 1727-1729.
 Austeridade e pobreza de vida dos cap. 10, 85, 103, 144, 164, 181, 720, 735, 753,
759, 774, 797, 833, 835, 850, 854, 856, 910, 929-930, 933-934, 945, 947, 952-953,
1623 / nas habitações 215-218, 219 / no vestir-se e no aspecto externo 258-260,
266, 708, 753 / no comer e no beber 287-290, 709-710 / no dormir 843, 946 / no
culto litúrgico 230 / na prov. de Paris 1642-1644 / nos Países Baixos 1646-1647,
1653 / na Suíça 1677, 1686, 1691/ na Espanha 1698, 1707 / na Alemanha 1721 /
na Itália 1723 / cf. também pobreza, jejum, penitência.
 Áustria 1720, 1742 / prov. cap. 36, 1721, 1732-1742 / cf também Boêmia, Estíria,
Tirol.
 Autonomia da Ordem cap. 76-77, 94, 127-133 / cf. também conventuais,
observância regular, sumos pontífices / cf. prefácio.
 Avareza 182, 294.
 Ave Maria, oração 282, 498, 699, 1095, 1524, 1549 / traduzida na língua dos
Tupinambás 1495 1500 / recomendada por Jeremias de Valacchia 1596 / recitar
antes da pregação 1347.
 Avinhão, conv. cap. 3, 468, 1634-1635 / prov. cap. 34.
 Avogadro, fam. 861.
 Aymeric de Rochecouart, bispo de Sisteron 1622-1624, 1630, 1632.
 Baden, conv. cap. 1691.
472

 Bagnaia, conv. cap. 1619.


 Balducci Ernesto, cf. Apresentação.
 Banhos termais freqüentados pelos cap. 435, 441-442, 460, 639, 749, 753.
 Banimento, admissão à Ordem dos atingidos 453.
 Bañolas, conv. cap. 1714, 1717-1718.
 Barba prescrita aos cap. 4, 7, 72, 77, 144, 266, 703.
 Barbarossa Khair ad-din (Chaireddin), corsário (+1546) 47.
 Barcelona 1585, 1698, 1701, 1705, 1708, 1717 / conv. cap. 35, 1698-1703 / Monte
Calvário 1705 1718 / Santa Eulália 1717-1718 / prov. cap. 468 / conv. obs. de
Jesus 1700, 1703 / most. clar. cap. 1760, 1773-1777 (= cura espiritual confiada aos
cap.)
 Bari 1592 / prov. cap. 31, 35.
 Baronio César, card. (+1607) 605.
 Barrete, proibido aos cap. 208, 260, 474 / cf. também chapéu.
 Bartolomeu de Città di Castello, cap. (+1625)1436, 1438.
 Bartolomeu de Lucignano (Baffi), cap. (+1577) 868.
 Bartolomeu de Marcellano 1543.
 Bartolomeu de Pisa (de Rinonico) (+1401) 18, 260, 316, 380, 395 / Conformidade
ou De conformitate vitae 787, 898.
 Bartolomeu de Spello (Spellucci), cap. (+1562) 883, 988, 1436.
 Basilianos 1457.
 Basilicata, prov. cap. 468.
 Basílio de Giffoni, cap. (+1608)1594.
 Basílio Magno, santo (+379) 764, 888.
 Bassano del Grappa 1573.
 Batista de Faenza (Galli Castelli), cap. (+1562) 857-858, 974.
 Batista de Núrsia, cap. (+1549) 846, 1027, 1045, 1109, 1114.
 Battistone de Faenza cf. Batista de Faenza.
 Baviera 1720 / prov. cap. 36, 46, 1721, 1724 / expansão dos cap. 1722-1731.
 Beccadelli Ludovico, arc. de Ragusa e núncio apost. em Veneza (+1572) 22.
 Beccaroli cf. terciários regulares.
 Belchior de Pobladura, cap. (+1983) cf. Prefácio.
 Belém (Lisboa) 1572.
 Bélgica 1647-1648, 1651, 1653 / prov. cap. 34, 50, 760 / cf. também Flandro-
Bélgica, prov. cap.
 Bênção, de São Francisco no Testamento 694 / do superior 366, 758, 762, 769 /
do sacerdote 518, 526 / da mesa 534.
 Benedicta (oração) 168.
 Benedito de Brescia, cap. (+1560) 949.
 Benedito de Canfield (Fitsch), cap. (+1610) 52.
 Benedito de Collamato, cap. (+1584) 1397, 1403.
 Benedito de Núrsia, santo (+543 / 547) 733, 888.
 Benedito de Subiaco, cap. (+1575) 829.
 Benedito de Urbino (Passionei), beato cap. (+1625) 1502, 1603-1608 (=
depoimentos precessuais) / amor pelos pobres 1604, 1607 / atividade de questa
1605 / espírito de mortificação e serviço 1605 / simplicidade de coração 1606 /
caridade para com o próximo 1607 / visita aos enfermos 1607 / sufrágio pelos
defuntos 1607 / correção fraterna 1607 / espírito de oração 1608 / devoção para
com a Cruz e Nossa Senhora 1608.
 Benfeitores, rezar pelos 271, 280, 610, 1606, 1644, 1689, 1705, 1730.
 Bergamo, most. clar. cap. 31.
 Bergen, conv. cap. 1652.
473

 Berka Zbynek von Duba, arc. de Praga (+1607) 1732, 1735-1739 / pede a
presença dos cap. para a Boêmia 1735-1739.
 Bernardina, clar. cap. 1811.
 Bernardino de Arévalo, obs. (+1553) 716.
 Bernardino de Asti (Palli), cap. (+1554) 1, 12, 23-24, 28-30, 84, 742-748 (= cartas
circulares), 774, 807, 819, 836, 867, 886, 889, 895, 899-900, 925, 943, 960, 996,
1006, 1009, 1023-1025, 1037, 1040, 1048, 1059, 1108, 1112, 1444-1445 / vigário
geral cap. 23-24, 28, 92-93, 95, 403, 714 / no Concílio de Trento 27, 101 / sua
postura para com os súditos 1010.
 Bernardino de Balvano (Ferraris), cap. (+1568/69) 40 / Specchio di oratione 40.
 Bernardino de Bordeaux, cap. (+1649) 1638.
 Bernardino de Colpetrazzo (Croli ou Cioli), cap. (+1594) 4, 18, 21, 25, 29, 39, 84,
100, 123, 773-774 (perfil bio-bibliográfico), 775, 777, 814, 1063, 1391, 1396, 1436 /
cf. Prefácio e Siglas e Abreviação bibliográfica.
 Bernardino de Montolmo (Ducaina), cap. (+1565) 18, 803, 865, 902, 983, 990, 998,
1000, 1055.
 Bernardino de Núrsia (Bucci), cap. (+1636) companheiro de São José de Leonissa
1554, 1558.
 Bernardino de Orciano (Marchionni), cap. (+1622) 1391-1392, 1398, 1403, 1418 /
cf. Prefácio.
 Bernardino de Reggio Calabria (Molizzi, chamado Giorgio), cap. (+1535) 12, 80,
783.
 Bernardino de Sena (Tommasini, chamado Ochino), ex-cap. (+1564) 14, 25-28, 38,
84, 234, 986, 1112, 1128, 1772 / sua apostasia 26-27, 100, 772 / pregações: Da
verdadeira caridade e de que modo se pode conquistá-la 1129-1142 / Do desprezo
do mundo com suas concupiscência 1142-1159 / Sobre a paixão de Cristo 1159-
1185.
 Bernardino de Sena, santo obs. (+1444) 66, 711, 918, 1078, 1128, 1141-1142,
1606 / amor para com os pobres 1142 / assistência aos empestados de Sena
1359.
 Bernardo de Clairvaux (Claraval), santo, cist. (+1153) 299, 305, 375, 764, 888,
1228, 1270, 1658, 1668.
 Bernardo de Offida, cap. (+1558) 798, 814, 963, 971.
 Béthune, conv. cap.
 Bíblia (Sagrada Escritura) 787, 865, 1060, 1065-1067, 1128, 1179, 1183, 1219,
1226, 1230, 1232-1233, 1239, 1254, 1270-1272, 1277, 1339, 1364, 1405, 1410,
1522, 1639, 1665, 1791, 1802 / leitura e exposição 193, 241, 354, 358-359, 532,
718 / conhecimento de memória por São Lourenço de Brindisi 1577, 1581, 1585 /
fonte de toda a nossa ciência segundo Ochino 1134.
 Biblioteca dos conv. cap. 196, 358, 403, 435, 448, 541 / cf. também leitura, livros,
estudos.
 Biscia Bernardino 1516.
 Bispos, oração e respeito dos cap. 280, 356 / permissão para aceitação de um
conv. 308 / oposição do bispo de Paris ao assentamento dos cap. 720.
 Blanes, conv. cap. 1714, 1716.
 Blois 1625, 1628.
 Boaventura Bagnoregio, santo, card. min. (+1274) 289, 380, 529, 687, 716, 888,
1104, 1478, 1658 / Legenda Maior 787.
 Boaventura de Cremona, cap. (+1571) 1087.
 Boaventura de Montereale, cap. (+1604) 126, 864, 905, 922, 926, 1043-1044.
 Boaventura de Reggio Emilia (Schimizzi), cap. (+1572) 1414, 1417-1421.
 Boêmia 1733-1735, 1738 / difusão e atividade dos cap. 36, 42, 50 / prov. cap.
1721, 1732-1742 / cf. também Áustria, confissões, hereges, Lourenço de Brindisi.
474

 Bolonha, conv. cap. 697, 706 / prov. cap. 468-469, 702-704, 706-707, 714.
 Bolzano, conv. cap. 1722.
 Bollani Domenico, bispo de Brescia (+1574) 1380.
 Bonifácio de Anticoli, cap. (1590) 859.
 Bonifácio VIII, papa (+1303) 146, 335.
 Bonomi João Francisco (Bonhomini), bispo de Vercelli (+1587) 1683, 1695.
 Bordeaux, conv. cap. 46.
 Borghese Camilo, card. (+1621) 1751-1752 / cf. também Paulo V.
 Borgonha, conv. cap. 34.
 Bormio 1692.
 Bourges 1778-1779
 Brasão de leigos sepultados nas igrejas cap. 646.
 Brasil cf. Maranhão
 Brenta Margarida 1566.
 Brescia, atividade dos cap. 40-41, 45; conv. cap. 1056, 1632 / prov. cap. 31, 468,
760, 775, 1382 / conv. obs. 1 / most. clar. cap. 1801 / lazareto e assistência aos
pesteados 1089, 1360, 1376, 1378.
 Bretanha, atividade dos cap. 52.
 Breviário dos cap. 189, 192. 267-268, 378, 490, 494, 609, 708 / cf. também ofício
divino.
 Brindisi 1572 / most. clar. cap.1759.
 Bruck an der Mur, conv. cap. 1751.
 Brus Antônio, arc. de Praga, (+1580) pede a presença dos cap. para a Boêmia
1732-1735.
 Bruxelas, conv. cap. 1653.
 Caetano Camillo, patriarca de Alexandria e núncio apost. na Espanha (+1599)
1773-1777 / Exigit leationis officium 1774-1777.
 Caetano de Thiene, santo (+1547) 1802.
 Caffarelli-Borghese Cipião, card. secretário de Estado (+1633) 1746-1750.
 Cagli 1605.
 Caiani Honório, obs. 81, 85 / cf. também observantes, trânsito.
 Cairo, miss. cap. 53, 121, 1434, 1447.
 Caixa, proibida aos cap. 323 / cf. também dinheiro, pobreza.
 Calabria 1586 / prov. cap. 12-13, 20, 31, 80, 82, 468, 924.
 Calçado, uso para os cap. 188,712 / cf. também sandálias.
 Calçados, nome popular dos conventuais 8.
 Calendário litúrgico dos cap. 267, 280.
 Calixto de Piacenza, cônego regular 1788, 1790.
 Calvinistas 1464-1465.
 Camaldulenses, most. de Masaccio e os cap. 4, 68, 77 / comunicação de seus
privilégios aos cap. 73, 89, 144.
 Camerino 1562 / primeira atividade dos cap. 5, 70, 138 / conv. cap. (noviciado) 771
/ conv. obs. 1078 / os cap. e a peste (de 1523) 1078, 1081-1084, (de 1527) 1079-
1082, 1356s.
 Camisa, uso proibido também para os doentes 703.
 Campainha na vida dos cap. 173-174, 272, 378, 497, 489, 496, 498, 504, 506 / cf.
também missa, ofício divino, oração mental, silêncio.
 Campello di Espoleto 1554.
 Campotosto, monte frumentário erigido por São José de Leonissa 1563, 1571.
 Canas como material de construção 312.
 Cândia, capelanias militares cap. 111 / cf. também Creta.
 Canea 1458.
475

 Cantalício 1504, 1514, 1532.


 Canto litúrgico nas igrejas cap. 511.
 Caparão, sinal de punição 416, 430, 549, 626, 679, 1704 / cf. também capuz do
noviço, punição.
 Capelães militares cap. 111-114 / cf. também Alba Reale, Chipre, Creta, Liga
Católica, Lepanto.
 Capitulares do capítulo geral 480/ cf. também capítulo geral, eleição, vogais.
 Capitulo geral obs. 711, 719, 427 / cap. 427, 451, 477, 486, 575-576, 624, 629,
633, 638, 653, 662, 666, 725, 728, 729, 738, 755 / (Albacina 1529) 9-10, 19, 79,
163, 195, 215, 915 (1532 não convocado) 91 / (Roma-Santa Eufêmia 1535/36) 19-
23, 92, 95, 234, 237-390 ( = texto das constituições) 247, 259, 327, 337, 341-346,
348, 364, 373, 384 / (Florença 1538) 24 / (Nápoles 1541) 25 / (Roma 1543) 27, 32-
33 / (Nápoles 1549) 391-403 / (Roma 1552) 819 / (Nápoles 1558) 423-424 / (Roma
1561) 1005 / (Forlí 1564) 108, 424-426 / (Roma 1567) 425-429, 1453 / (Ancona
1573) 1624, 1631 / (Roma 1575) 1634 / (Roma 1578) 124 / (Roma 1581) 123-124,
429-430, 751, 757, 771, 1677 / (Roma 1584) 749, 773 / (Roma 1587) 121, 430-
534, 773, 1537 / (Roma 1596) 468-469 / (Roma 1599) 1732 / (Roma 1602) 534-
557 / (Roma 1605) 557-569 / (Roma 1608) 127, 391, 569-607 / (Roma 1613) 607-
652 / (Roma 1618) 44, 652-696 / periodicidade da celebração 123 / cf. também
custódios, definidores, eleição, vogais.
 Capítulo local 251, 364.
 Capítulo provincial 341, 345, 347, 364, 476, 482, 607, 634, 648, 662, 711, 730,
756, 769 / celebração e competências 142, 154, 313, 400, 428, 443, 575, 589, 637,
648, 675, 677-678 / ordenações (Roma 1553) 403-423 / cf. também custódios,
definidores, vigários provinciais.
 Cappucciati, nome popular primitivo dos cap. 79, 85 / cf. também denominação.
 Capuchinhas, origem e primeiro desenvolvimento 1758-1831 / fundadas por Maria
Lourença Longo 1758, 1792-1801 / com a colaboração dos cap. 31 / sua renúncia
aos dotes 1761, 1764, 1824 / mortificação e penitência 1800, 1814, 1816, 1824,
1826-1828 / grande pobreza e austeridade 1815, 1818, 1825 / clausura perpétua
1758, 1764-1765, 1772, 1776, 1780, 1799, 1818-1822, 1825, 1829 / observância
estrita da Regra de Santa Clara 1800, 1815, 1823 / cura espiritual da parte dos
cap. 1759, 1767-1773, 1776-1777, 1781, 1801, 1818 / cf. também Ângela Serafina,
Maria Lourença Longo, Taffin Francisca, Francisco de Bergamo, Granada, Milão,
Nápoles.
 Capuchinhos, origem do nome 8, 79 / perfil histórico do primeiro século 1-133 /
documentos constitutivos 134-138, 139-147 148-152 163-390 / tendência à
perfeição 853-854 / verdadeiros filhos de São Francisco 1501 / vocação dos cap.
759-769 (= carta de Jerônimo de Sorbo) / seguem a estrita Regra de São
Francisco 1627 / dão bom exemplo ao povo 1114, 1119 / exemplo para outras
Ordens pela reforma 1640, 1651 / atividade apostólica 38-42, 47-48, 50-60, 111-
114 / não atendem confissão 1073 / conforto dos tribulados 796-797 / recusam a
cura espiritual das monjas 1801 / recusam a cura paroquial 1073 / fundadores de
confrarias 1068, 1070-1071 / incrementam a piedade eucarística e a vida cristã
1651-1652 / vida exemplar na França 1635 / na Espanha 1709 / cf. também
admissão de candidatos, apostolado, camaldulenses, capítulo geral, carisma
original, conventuais, denominação, governo, ideal primitivo, madalenos, pobreza,
pregação, províncias, oração mental, observância regular, regra, espiritualidade,
estatística, estrutura jurídica, vigários provinciais, vida contemplativa, vocação
religiosa.
 Capuchos ou descalços da Espanha 1, 77.
 Capuz do hábito cap. 8, 67, 72, 77, 79, 93, 144, 260, 474, 476, 740, 880, 944 /
capuz pontiagudo 781, 901, 1685 / dos noviços ou caparão 472 / normativa sobre
476

quando o pregador deve colocá-lo e levá-lo na cabeça 1346-1347, 1349 / cf.


também hábito, caparão.
 Carafa Carlos, card. (+1561) 30, 105.
 Caráter clerical-laical da Ordem cap. 108.
 Cárcere conventual para frades delinqüentes ou presumidos como tais 335-336,
430, 472, 475, 564, 585, 590, 720, 734 / perdão da pena de cárcere 476, 486 / cf.
também delito, demissão, punição, processo, escândalo.
 Cardano al Campo, conv. cap. 759, 769.
 Cardeais 280, 356, 607, 725, 737, 739 / comissão de três ou seis cardeais 88, 96 /
consultação de cardeais por parte de Paulo V 154 / card. protetor 90, 735.
 Cargnoni Constâncio, cap. cf. Prefácio e Abreviações...
 Caridade na oração e vida dos cap. 171, 221, 269, 275, 277, 282-283, 290-291,
292, 315, 322, 325, 327-328, 330-333, 348, 354, 359, 362, 366, 377, 379, 381,
417-418, 423, 441, 680, 697, 704, 727, 734, 744-746, 748, 753, 757 / caridade
fraterna 711, 957-979 / caridade para com o próximo 1120-1122 / cf. também
amor, fraternidade, misericórdia, hospitalidade.
 Carinzia 1751.
 Carisma original dos cap. 63, 115, 126, 153, 235, 742-748 (= cartas circulares de
Bernardino de Asti) / cf. também constituições, ideal primitivo, Santa Sé,
espiritualidade, sumos pontífices.
 Carlos Borromeu, santo, card. (+1584) 1, 30, 36, 45, 50, 107, 110, 1732, 1739-
1740 / convoca os cap. para dar assistência aos pesteados de Milão 1360-1363,
1370-1375, 1378, 1380-1381, 1383, 1389 / favorece a expansão dos cap. na Suíça
1676-1684, 1726 / promove para as cap. a fundação do most. de Santa Praxedes
1812-1813 / e de Santa Bárbara 1826.
 Carlos de Angennes de Rambouillet, card. (+1587)1630, 1634.
 Carlos de Lorena (de Guisa), card. (+1574) 34, 1622, 1630, 1632-1633.
 Carlos Emanuel I, duque de Savoia 1465, 1467, 1473 / cf. também missões cap.
nos vales piemonteses.
 Carlos IX, rei da França (+1574) 1625-1628, 1630, 1635.
 Carlos V, imp. (+1558) 25, 33, 47, 88, 96, 1697, 1709, 1795.
 Carmelitanos 1646, 1651, 1749.
 Carne, questa e ingestão 182, 210, 285, 287, 290, 320, 408, 703, 706, 711, 714-
715, 717 / cf. também abstinência, austeridade.
 Carnesecchi Pedro (+1567) 1422.
 Carniola 1751.
 Carraro Flávio Roberto, cap. min. ger. cf. Apresentação, Prefácio.
 Cartas cf. correpondência epistolar.
 Cartas de câmbio, proibidas aos pregadores cap. 631, 658 / cf. também dinheiro,
pregação, questa.
 Cartas obedienciais na Ordem cap. 121, 224-225, 283, 366, 556, 587, 596, 638,
653, 753, 769 / cf. também companheiro, obediência, sigilo.
 Cartuxos, trânsito legítimo dos mendicantes aos cartuxos 716.
 Casa da B. Maria da Compaixão, fundada pelos cap. em Thonon 51 / cf. também
doutrina cristã.
 Casale Davi 1813.
 Casale Giambattista 1811-1813.
 Caserta 1574 / most. clar. cap. 1574.
 Casos de consciência, explicação 667.
 Casos reservados cf. absolvição.
 Castela 1698, 1710 / conv. descalços 699, 717 / difusão dos cap. 35 / prov. cap.
1698.
 Castelmauro (Castelluccio prov. de Foggia) conv. cap. 13.
477

 Castidade 301, 375, 430, 607, 639 / voto 1292-1293 / cf. também clausura,
mulheres, familiaridade, virtude evangélica.
 Castrogiovanni cf. Enna.
 Casulas nas igrejas dos cap. 229, 516 / cf. também paramentos.
 Catalunha 1698, 1704-1705, 1710 / atividade dos cap. 46 / oposição aos cap.
catalães da parte dos obs. 1705-1708, 1714 / prov. cap. 1704 1712-1714.
 Catarina de Medici, rainha da França (+1589) 1622, 1625, 1632.
 Catarina, santa 1214.
 Catecismo, ensinamento pelos cap. nos vales piemonteses 1465.
 Cavalgar, proibição e permissão para os cap. 207, 265, 447, 559 / os prelados e
outros frades andem a pé 229, 657, 705, 711.
 Cecília, santa 238.
 Ceia em dias de jejum 631.
 Celas nos conv. cap. 203, 211, 216, 255, 311, 323, 411, 539, 607, 620, 629, 649,
670, 740 / celas eremíticas 104, 212, 316 / cf também conventos, noviciado, vida
eremítica.
 Celebração litúrgica cf. breviário, calendário, missa, ofício divino.
 Cemitério dos cap. não deve estar situado nas igrejas 276, 501.
 Censuras, absolvição ou cominação 112, 138, 144-145, 157, 159, 595 / cf. também
absolvição, punição, excomunhão.
 Ceret, conv. cap. 1716.
 Cerimonial 609, da prov. cap. Flandro-Bélgica 1646, 1657-1661.
 Cerimônias litúrgicas 254, 257, 268, 380, 472, 479.
 Cervera, conv. cap. 1717.
 César, irmão de Tiago de Provença 1638.
 Cesi Federico, duque de Acquasparta (+1630) 774.
 Cibo cf. Cybo.
 Ciência nos superiores e pregadores 337, 348-349, 359-361 / cf. também
pregação, estudos, superiores.
 Cíngulo 185, 258, 260, 474, 708, 758.
 Cinzas e cilício 232.
 Cipriano de Anversa (Crousers), cap. (+1631) 1646, 1661-1675 / Lectiones
paraeneticae 1662-1675.
 Cipro, capelanias militares cap. 47.
 Civita Castellana, conv. cap. 1617.
 Civita Ducale, conv. cap. 1617.
 Civitanova Marche, conv. cap. 1403.
 Civitella Horácio, notário de Fermo 1417-1418.
 Clara de Assis, santa (+1253) 529 / na sua festa celebra-se a primeira missa na
missão do Maranhão 1485.
 Clarenos 1, 66.
 Cláudio de Abbeville, cap. (+1632) 54, 1482-1494 / Histoire de la Mission des
Pères Capucins 1484-1494 / L'arrivée des Pères Capucins en l"inde 1484 / cf.
também Maranhão.
 Claustro dos conv. cap. 276, 282 / cf. também conventos.
 Clausura nos conv, cap. 376 / nos most. das cap. 1758, 1764-1765, 1772, 1776,
1780, 1799, 1818-1822.
 Clemente de Noto (Di Lorenzo), cap. (+1631) 44, 653, 1606.
 Clemente de Pesaro, cap. (+1616) 1392.
 Clemente V, papa (+1314) 115, 154, 335, 382, 635.
 Clemente VII, papa (+1534) 70, 87, 138, 779-781, 1084 / e os cap. 6, 14-16, 19,
23, 61, 67, 72, 89, 92-94, 591, 729-730, 733, 739 / e a controvérsia entre os cap. e
a Observância 2, 7, 14-18, 24, 68, 77, 81-82, 85 / Cum nuper (08.03.1526) 68 /
478

Exponi nobis (03.07.1528) 7, 74 / Religionis zelus (03.07.1528) 7-9, 14, 16, 19, 23,
61, 74-76, 89, 92, 139-147, 1084, 1356, 1397 / Inter multiplices (03.09.1529) 77 /
Cum sicut nuper (14.12.1529) 15, 81 / Cum sicut accepimus (27.05.1530) 15, 81 /
Alias postquam (02.12.1531) 15, 82 / Alias postquam (03.07.1532) 15 / In suprema
militantis Ecclesiae (16.11.1532) 2, 14, 16, 24, 83-84 / Cum sicut accepimus
(09.04.1534) 17, 85 / Pastoralis officii cura (15.04.1534) 16-17, 95.
 Clemente VIII, papa (+1605) 42, 54, 49, 119, 125, 128, 593, 1465, 1467, 1774 /
Pastoralis officii (10.06.1600) 119 / Ex iniuncto nobis (07.09.1602) 128 / Alias felicis
redordationis (03.02.1603) 125 / Debitum pastoralis officii (13.09.1603) 1777-1781
(= texto).
 Clemente XI, papa (+1721) 1504.
 Clemente XIII, papa (+1769) 1544.
 Clérigos (frades que aspiram o sacerdócio) cf. irmãos clérigos.
 Clicthove Josse (+1453) 1407.
 Cognin, conv. cap. 34
 Col Fiorito 949.
 Coleta de Corbie, santa, clar. (+1447) 1761, 1822-1823.
 Coletinos 1, 66.
 Colino Domenico 1541.
 Colón Jerônima 1712-1713.
 Colônia 1746 / confraria da Paixão 1749 / conv. cap. 1743.
 Colonna Felice cf. Orsini Felice.
 Colonna Marco Antônio 48.
 Colonna Virtória, marquesa de Pescara (+1547) 87, 90, 92, 94, 697, 722-741 / cf.
Prefácio.
 Collevalenza cf. Prefácio
 Comemoração dos santos patronos 490 / dos defuntos 501.
 Comida, alimentos especiais 375, 411-412 / petição de porta em porta
cotidianamente 701, 714 / cf. também cozinha, cozinheiro, mesa, quaresma.
 Comissão de frades para decidir sobre frades díscolos 482-484, 564, 590 / cf.
também díscolos, processo, punição.
 Comissário geral no lugar do vigário geral falecido 342, 569, 590.
 Companheiro, de viagem (não viajar sozinho) 225, 283, 638, 668, 681, 711, 756 /
como testemunho de colóquio com uma mulher 375, 438, 639, 661 / cf também
castidade, mulheres, familiaridade, cartas obedienciais.
 Completas, litur. 174, 274, 278, 282, 491-493, 526, 1030, 1034, 1689, 1730 / cf.
também ofício divino.
 Comunhão eucarística na vida dos cap. 257, 270, 328, 510, 516, 518, 525, 613 / cf.
também missa.
 Comunidade, família religiosa 323 / quarto comum dos hábitos 231, 261.
 Concórdia entre os observantes e conventuais 141.
 Condenados à morte cf. assistência caritativa.
 Conduta escandalosa 481, 588, 671, 673-674 692, 712.
 Conferência Italiana dos Ministros Provinciais cf Apresentação.
 Confirmação do vigário geral da parte do mestre geral dos con. 158, 160, 247 / cf.
também conventuais, eleição.
 Confissão sacramental dos frades 257, 328-329, 420, 707, / dos neo-professos
554 / dos seculares da parte dos cap. 42-44, 123-125, 194, 327, 392, 399, 401,
593, 1327-1328 1641 / proibição aos cap. de confessar seculares 44, 194, 569,
594-595, 607, 615, 652, 667-668, 1709, 1749 / faculdade para os cap. de
confessar seculares 194, 1090, 1361, 1796 / durante a peste nas Marcas 1083-
1084, 1088 / em Milão 1089, 1372-1374 / durante a guerra contra os turcos 1104 /
confessores de monjas 373 / cf. também capuchinhas, cura espiritual / confessores
479

cap. na Argélia 1076 / na Alemanha 1721 / em Estíria 1753-1754 / na Suíça 1074,


1677, 1684, 1690 / pregação de Jerônimo de Pistoia sobre a confissão 1185-1191 /
prática da confissão no advento 1191, 1202-1212.
 Conformidade (De conformitate vitae ou Liber de conformitate) cf. Bartolomeu de
Pisa.
 Confraternidade feminina ou masculina, assitência espiritual proibida aos cap. 375,
641.
 Congregação dos ritos 685 / dos bispos e regulares 131, 607, 623, 628 / do Santo
Ofício e segredo de confissão 592 / da Inquisição e pecados reservados 615 / da
Propaganda Fidei 1501.
 Congregações com caráter devocional e social, fundadas pelos cap. 41, 51 / cf.
também Doutrina cristã, hereges, pobres.
 Constância 1695 / concílio de Constança 716.
 Constantino de Barbason, cap. (+1631) 1721.
 Constantinopla 1460, 1551, 1560, 1566 / miss. cap. 53, 121-122, 1552, 1560 / cf.
também missões.
 Constituições cap., conhecimento e observância 63, 95, 108, 124-125, 127, 403,
406, 409-410, 443, 450, 534-536, 542, 549, 554, 561-562, 565-566, 608, 616, 619,
632-633, 637, 642, 655, 669, 731, 741, 750, 757, 803, 820-821/ constituições ou
ordenações de Albacina cf. Albacina / constituições de Roma-Santa Eufêmia
(1536) 20, 23-24, 38, 43, 62, 92, 95, 234-235, 236-390 (= texto), 363, 380, 383-
384, 817-818, 827, 840, 845, 895, 993, 1073, 1116, 1759 / sebe da Regra 819-820
/ obrigatoriedade 383 / revisões (1552) 63, 95, 104 / (1575) 115, 123, 425 / (1608)
127, 129, 153-157 / correção do texto publicado 642.
 Constituições provinciais, não são admitidas 384.
 Construção cf. igrejas, conventos, construção.
 Construções cap. 183, 216, 602, 637, 652, 670 / segundo a forma da altíssima
pobreza 310, 382 / modelo de construção dos conv. cap. 311-312 / cf. também
conventos.
 Construtores, irmãos prepostos às construções 322.
 Contarini Gaspar, card. (+1542) 722-741 / cf. também Colonna Vitória.
 Contemplação dos cap. 793, 801, 845, 855, 874, 881, 885, 909 / característica da
Ordem 786, 794 / nem sempre entendida corretamente 1441-1443 / finalidade da
vida religiosa 912, 983, 1022-1025, 1036 / vivida como imitação de São Francisco
790 / monte da contemplação 352, 357 / cf. também oração mental, oração, vida
contemplativa.
 Contrição pelos pecados cometidos 331, 476, 485, 590.
 Conventos cap. 20, 60, 133 / nos documentos pontifícios 135-136, 144, 150 / nos
textos legislativos da Ordem ou testemunhos históricos 171, 175, 177, 183, 199,
205, 215-216, 218, 220-222, 225-226, 229-230, 238-239, 275, 307-310, 330-331,
358, 366, 367, 376, 377-378, 417, 420-421, 424, 435, 437-438, 439, 446, 448, 462,
467, 534-536, 541, 557, 596, 605, 638, 641-642, 644, 652, 655-656, 667-668, 677,
681, 690, 693, 696, 701-702, 706, 711, 718, 720-721, 750, 752-753, 755 / pobreza
nas construções 790, 823, 826, 828-829, 831-832, 834, 836, 842, 845, 847-850,
855-856, 909, 924, 958, 1003, 1105, 1109, 1643, 1654 / não-propriedade dos conv.
215, 306-309 / construir longe das populações 183, 314, 1114-1115 / ajuda
prestada na construção dos conventos 312 / uso de argila 216, 312 / tijolos crus
como material de construção 312 / utensílios nos conv. cap. 181, 382 / bosque com
pequena cela eremítica 316 / corredor do dormitório dos conv. 311 / construções
inadequadas e muito pobres na Espanha 1713-1717 / fundação dos conv. em terra
alemã 1724 / cf. também biblioteca, cantina, celas, igrejas, construções, adegas,
coro, cozinha, lugares retirados, oficinas, horta, refeitório, estatística, estrutura
jurídica.
480

 Conventuais 7, 30, 106, 110, 117, 126, 130, 133, 785 / os primeiros cap. sob a
proteção dos con. 71-72, 141 / sujeição jurídica e confirmação da eleição do vigário
geral cap. 94, 127-133, 247 / isenção e autonomia dos cap. 133, 158-162 / trânsito
de conv. para os cap. 716 / cf. também calçados.
 Conventuais reformados 117.
 Conversação dos cap. 223 / humilde conversação para ser promovido ao estudo
359 / conversação escandalosa 673 / cf. também silêncio, estudos.
 Conversão dos cap. 232 / oração e pregação para a conversão dos infiéis 280,
354, 381 / cf. também evangelização, missão.
 Cornélio de Recanati (Lunari), cap. (+1632) 1550, 1655.
 Coro na vida dos cap. 168, 272, 279, 380, 417, 495, 500, 503, 522, 557, 612, 887,
1027, 1040-1042, 1640, 1649 / para as cap. 1802, 1817, 1827, 1831 / cf. também
conventos, ofício divino.
 Coroa dos cap. 204 / cf. também identidade externa, tonsura.
 Correção fraterna 334, 363-364, 403, 679, 683, 887, 991, 1005-1006 / dos frades
em viagem 283 / cf. também admoestação, culpa, emendamento, punição.
 Correspondência epistolar 198, 370, 449, 458, 549, 652, 682-684, 750, 1657 /
escrever ao sumo-pontífice e às congregações romanas 636.
 Córsega, chegada dos cap. 32 / prov. cap.469.
 Cosme I de Medici, grão-duque de Toscana (+1574) 772.
 Cozinha nos conventos cap. 180, 403, 699 / cf. também austeridade, comidas,
conventos, jejum.
 Cozinheiro cap. 178, 403, 703, 706 / cf. também cozinha, mesa.
 Crema 1374.
 Creta 1453 / implantação e atividade cap. 48 / cf. também capelães militares,
implantatio Ordinis em Creta.
 Criscuolo Vincenzo, cap. cf. Apresentaçao, Prefácio.
 Crispoldi Marco Túlio de Rieti (+1573) 944.
 Crivelli Alexandre, card. (+1574) 110.
 Croácia 1751.
 Crônicas cap. 770-1125 / cf. também Bernardino de Colpetrazzo, Mario de Mercato
Saraceno, Matias de Salò, Paulo de Foligno.
 Crônicas da Ordem Franciscana cf. Marcos de Lisboa.
 Cruz de Cristo 193, 232, 245, 270, 289, 326, 332, 335, 747 / cruz como tribulação
734 / sinal da cruz 526, 668 / levada nas procissões 686 / ler no livro da cruz 358 /
hábito em forma de cruz 260 / oração com os braços abertos em forma de cruz 282
/ cruz de Cristo plantada no Maranhão1487-1494 / cf. também paixão.
 Cuecas na idumentária cap. 192, 264, 622, 708.
 Culpa, acusação pública dos próprios erros 174, 190, 203, 416, 482, 524, 576,
582, 607, 652, 678, 710, 878, 882-883, 1004 / cf. também admoestação, disciplina,
emendamento, punição.
 Culto divino dos frades e nas igrejas cap. 281, 378, 382 / objetos do culto divino
607, 618.
 Cupidez 182, 294, 353, 372 / cf. também missa, pregação, questa.
 Cura espiritual das clar. cap. confiada aos cap. 195, 373-374, 1758-1759, 1767-
1773, 1776-1777, 1781, 1801-1802 / proibição de Paulo V 1781-1783 / cf. também
Barcelona, capuchinhas, capuchinhos, confissão, Milão, mosteiros, Nápoles, Paris,
Perugia, Roma.
 Cúria Romana e os cap. 33, 59, 61, 90, 100, 141, 467, 1127, / renúncia a
privilégios e proteção 248 / cf. também congregação dos bispos e regulares,
congregação dos ritos, congregação do Santo Ofício, Penitenciaria Apostólica,
privilégios, Regra, Santa Sé, sumos pontífices.
 Curiosidade 192, 217, 229-230, 260, 263, 349, 378, 383, 638, 758.
481

 Custódia como circunscrição cap. 150, 625, 669, 752, 755.


 Custódios provinciais 20, 392, 395-396, 451, 579, 585, 607-608, 624, 669, 752 / cf.
também capítulo geral.
 Cybo Catarina, duquesa de Camerino (+1557) 3, 6-8, 11, 69, 72, 87, 90, 140, 1084,
1046, 1356.
 Cybo Lourenço 11.
 Chambéry, conv. cap. 1634.
 Chapéu, proibido aos cap. 192, 208, 260 / cf. também barrete.
 Charleville, casa de formação cap. 52.
 Chaves, proibidas para as celas cap. 211, 323, 539 / admitida para a sacristia 378.
 D'Afflitto Vitória, clar. cap. 1810.
 D'Alatri Mariano cf. Prefácio, 1265.
 Daly Estêvão, cap. 52.
 Daniel de Chaumont, cap. 1638.
 Davi, pers. bibl. 1130, 1144, 1187-1188, 1214-1215, 1219, 1239, 1241, 1246,
1274, 1289, 1291, 1302, 1318, 1333, 1364, 1674.
 De Cupi João Domingos, card. de Trani (+1553) 20, 1124.
 De profundis, salmo 699.
 Declarações pontifícias da Regra 713.
 Defeitos, correção contida nas ordenações dos cap. geral 391, 394, 422, 430, 478,
626, 657, 679 / correção mútua dos defeitos 283, 377 / emendamento dos defeitos
283, 331, 335, 364, 416, 439, 590, 665, 678, 683, 738 / cf. também correção
fraterna, díscolos, punição.
 Defesa dos propósitos da Reforma cap. 145, 156.
 Definidores gerais como conselheiros do vigário ou ministro geral 23, 92, 124, 214,
342-345, 391, 396, 428, 467, 562, 568-569, 608, 653, 685 / definidores provinciais
343, 345, 359, 428-429, 441, 443-445, 476, 482, 553, 560, 562, 564, 568-569, 579,
585, 589-590, 624, 632, 634, 647, 667-668, 675, 685, 695, 756 / cf. também
eleição, estudos, estrutura jurídica.
 Defuntos, sufrágios pelos irmãos defuntos 277 / proibida a sepultura de seculares
nas igrejas cap. 275 / cf. também sepultura.
 Del Castello Garcia 716.
 Del Monte Antônio Maria Ciocchi, card. (+1533) 16, 82.
 Delfino Luiz, bispo de Agia (Canea) (+1587) 1453.
 Delinqüentes, frades 607 / hospitalidade a seculares delinqüentes 628.
 Delitos de frades apóstatas 475.
 Della Valle André, card. protetor (+1534) 11, 16, 72, 82, 86, 142.
 Demissão da Ordem de frades delinqüentes 335, 579, 585, 590.
 Denominação da Ordem, capoccini 734 / "nossa congregação" 237, 249, 275, 335 /
congregação ou frades menores de ou da vida eremítica 4, 8, 79, 1115 /
confraternidade 166, 214, 225 / religião 299, 335 / professos da Ordem dos frades
menores 139/ Ordem ou congregação dos frades menores chamados capuchinhos
87, 185, 236 / frades menores da penitência chamados capuchinhos 107 /
verdadeiros frades menores 129 / "reforma destes pobrezinhos" 734.
 Denúncia anônima de frades 567.
 Deposição de superiores maiores ou menores indignos 214, 227-228, 235 / de um
vigário geral inapto 344 / cf. também admoestação, eleição, punição.
 Descalços (ou Alcantarinos), reforma 1-2, 8, 66, 77, 698-699, 712, 716-718, 1697-
1698, 1703 / cf. também João de Guadalupe.
 Desidério Piemontese, cap. (+1613) 1615.
 Desprezo do mundo 18, 768 / cf. também austeridade, penitência.
 Detração 372.
 Deus qui inter apostolicos, oração 699.
482

 Deus veniae largitor, oração 699.


 Devoção como postura religiosa nos textos constitucionais 167-168, 171, 173,
176, 238, 241, 269, 272, 278, 302-303, 616, 638, 694, 724, 727-728, 740-741 /
afeição do povo para com frades 298, 321, 376, 417, 421 / devoção para com a
eucaristia 173, 328, 497, 514, 527, 1038, 1191-1212 / cf. também oração,
santuários.
 Diabo, tentação e astúcia 336, 374, 754 / alma pecadora escrava do diabo 743.
 Diáconos cap. 612, 627, 641.
 Diego de Alcalà, santo, obs. (+1463) 530, 1406.
 Diligência dos frades 220, 230, 257, 439, 536, 693, 712, 750, 756-757, 761.
 Dinheiro, proibição absoluta 294-295, 652, 713, 1691 / recolhido por motivos não
conformes à Ordem 116, 631, 658-659 / serpente venenosa 295 / cf. também
pobreza, propriedade, questa.
 Dionísio Cartusiano (+1471) 1290.
 Dionísio de Milão, cap. 1631-1632.
 Dionísio de Roma, cap. (+1588/89) 121-122 1459-1463 / cf. também missões.
 Direção espiritual cf. mestre, pai espiritual.
 Disciplina regular 153, 164, 256, 337, 391, 554, 672, 678, 693, 736, 750 / prática
penitencial 861, 883, 892, 1036, 1041, 1644 / instrumento de flagelação 922 / cf.
também flagelação.
 Díscolos, frades habitualmente irrequietos e arrogantes 477, 480-486, 551, 564,
569, 585, 588-590 / frades incorrigíveis e tratamento a eles reservado 416, 486,
569, 579, 585 / cf. também cárcere, demissão, processo.
 Discretos como delegados e vogais ao capítulo geral ou provincial 214, 465, 607 /
discretos locais 392, 398, 569, 632 / cf. também eleição, estrutura jurídica.
 Discrição como postura de prudência 175, 179-180, 194, 326, 337, 339, 344, 375,
482, 633, 656, 674, 684 / cf. também eleição, superiores.
 Discursos vãos 368, 375.
 Dispensa dos conv. cap. 417, 537.
 Dispensas, recurso para recebê-las 469 / dispensas de candidatos ilegítimos 565,
569.
 Disputas missionárias nos vales piemonteses 1465 / cf. também missões / disputas
escolásticas dos irmãos clérigos 663.
 Distração 303, 327, 750.
 Doçura dos superiores no tratar os frades pecadores 331-332.
 Doentes, assistência espiritual e corporal da parte dos cap. 41, 45, 235, 276, 320,
325, 455, 752-753 / assitência aos confrades 325, 413, 441, 703, 709, 711, 714 /
não induz os frades à doença uma maior abstinência 179, 290 / doença como
causa de dispensa 262, 290-291 / cf. também assistência caritativa, banhos
termais, caridade fraterna, hospitais.
 Domenico de Boschetto, cap. (+1589) 1052.
 Domine, non sum dignus, oração 515,518.
 Domingos na vida litúrgica dos cap. 487, 492, 496, 507, 520, 524 / cf. também
ofício divino
 Dominicanos 1651.
 Dons concedidos aos frades 299 / dos frades aos seculares 197, 324.
 Dormitório, silêncio 282 / dimensões do corredor do dormitório 311 / lume no
dormitório 614 / aspecto e dimensões externas 670.
 Douai, casa de formação para missionários nas ilhas britânicas 52.
 Doutrina cristã, forma de apostolado cap. 41.
 Dronero, miss. cap. 1468-1469, 1473-1475.
 Dubbione, miss. cap. 1464.
 Ecce Agnus Dei, oração 518.
483

 Eduardo de Alençon, cap. (+1928) 1399 / cf. Prefácio


 Efrém Siro, santo (+372) 1276.
 Egídio de Assis, companheiro de São Francisco (+1261/62) 888, 1107.
 Egídio de Orvieto, cap. 1053.
 Egídio de Paris, cap. 1638.
 Egídio de Santa Maria, cap. 121-122, 1459-1463 / cf. também missões.
 Egito 1237-1238, 1241, 1253.
 Eleição dos vigário geral e provincial 214, 340, 574, 576, 582, 632 / dos custódios
provinciais 396, 398, 624 / cf. também escrutínio, vogais, votação.
 Elias de Assis (de Cortona) (+1253), min. 747.
 Elisabete de Hungria, santa, patrona da ofs (+1231) 531.
 Elne, conv. cap. 1714.
 Eloquência e pregações cap. 348, 350 / cf. também pregação.
 Elzeário de Sabran, santo, (+1323), ofs 531.
 Embriaguez cf. vinho.
 Empestados, assistência dos cap. 5, 60, 111 / legislação sobre a assistência 45,
104, 111, 326 / cf. também assistência caritativa, Bernardino de Sena, Brescia,
Carlos Borromeu, Gênova, Jerônimo de Pistoia, Ludovico de Fossombrone,
Marselha, Mateus de Bascio, Milão, Palermo, Paulo de Chioggia, Paulo de Salò,
Paris, Pavia, peste, Rafael de Fossombrone, Rouen.
 Encarcerados cf. assistência caritativa.
 Enfermaria nos conventos cap. 670.
 Enfermeiro, irmão 325.
 Enfermos cf. assistência caritativa, doentes.
 Ensisheim, conv. cap. 36.
 Epifânio de Salamina, santo (+403) 1270, 1272, 1276 / Panarion 1272.
 Erbe 421
 Eremitas de São Francisco, congregação fundada por Jerônimo Lanza 105, 116.
 Eremitério cf. capuchinhos, vida eremítica.
 Eremitério, desejo na Ordem Franciscana e entre os cap. 4, 7, 14, 66, 78 / cf.
também solidão, vida eremítica.
 Eremitérios cf. conventos, vida eremítica.
 Eremitismo dos primeiros cap. 1012, 1115-1116 / eremitismo e rigorismo dos cap.
da Espanha 1698, 1717-1719.
 Escândalo dos frades ou dado pelos frades 309-310, 332, 376, 475, 478, 585, 631,
639, 671, 673, 679, 686, 689, 728, 734, 738, 752, 767 / cf. também exemplo,
minoridade, paz, humildade.
 Escravos cristãos, cura da parte dos cap. 118-119 / resgate 1076 / cf. também
Ângelo de Soncino, apostolado, Felipe de Roccacontrada, Inácio de Bolonha.
 Escrutínio nas votações 396, 398, 429, 443-444, 473, 589, 624, 630, 662 / cf.
também eleição.
 Esmolas para os frades ou recolhida pelos frades 136, 182-183, 321, 602, 631,
660, 709, 715 / cf. também dinheiro, letras de câmbio, questa, espórtula, vinho.
 Espanha 1437, 1440, 1444, 1574-1575, 1584, 1624, 1647, 1680, 1703-1704, 1760,
1774, 1785, 1799, 1814 / conv. franciscanos 697-700 / chegada e expansão dos
cap. 35, 1697-1719 / estudantes cap. na Itália 707 / prov. Sant'Angelo obs. 1437.
 Espelho como imagem de vida e virtude franciscana 166, 239, 264.
 Esperança, virtude recomendada aos cap. 186.
 Espírito de oração e devoção 1325-1327, 1668-1675, 1696 / no Tirol 1729-1731 /
cf. também oração e devoção.
 Espírito religioso, importância na vida espiritual 173, 202, 237, 240, 281, 293, 298,
303, 306, 339, 352, 360-361, 386, 662, 671, 693, 725, 736, 759, 767.
484

 Espírito Santo e São Francisco 243, 294 / o mestre dos frades 379, 381, 390, 727,
754 / pregar da plenitude do Espírito Santo 350 / seu influxo na vida espiritual
1668-1675.
 Espirituais, reforma franciscana radical 65, 77 / postura interior 176, 218.
 Espiritualidade das Constituições (1536) 235-236 / nas Cartas Circulares de
Bernardino de Asti 742-748 / cf. também austeridade, carisma original, caridade,
minoridade, obediência, penitência, humildade.
 Espoleto 1556.
 Espórtula de missas e primeiros cap. 171, 269-270, 690 / cf. também missa,
orações, trigésimos.
 Estatística dos frades, conventos e províncias dos cap. 37, 78, 89, 130, 133 / dos
frades na Itália (1536) 725 / do conv. cap. Santa Eufêmia de Roma 702 / e do
conv. cap. de Bolonha 702.
 Estatutos das Ordens Franciscanas 713.
 Este 1580.
 Estêvão de Gambalò (Pavia), cap. (+1617) 1464.
 Estêvão, santo, protomártir 1214, 1218, 1267.
 Estigmas de São Francisco e vida dos cap. 243, 729, 738.
 Estíria, prov. cap. 36, 1721, 1732, 1751-1757 / expansão dos cap. 1751-1757.
 Estrutura jurídica nas constituições cap. 235 / duração do vigário geral e
periodicidade do capítulo geral 131-132 / cf. também amigos espirituais, capítulo
geral, capítulo provincial, comissário geral, custódios provinciais, definitório geral,
irmãos clérigos, irmãos leigos, guardião, leitor, ministro geral, ministro provincial,
superiores, vigário geral, vigário local, vigário provincial, visita.
 Estudos na Ordem cap. 20, 106, 193, 241, 359-361, 424-425, 630, 662-665, 695 /
finalidade espiritual dos estudos 850, 864-865, 884, 897, 1092, 1660-1661 / nunca
separado da oração 865, 869, 1025 / pobreza nos estudos 863 / deveres
específicos também materiais dos estudantes 1660 / doutrina teológica dos
estudantes 695-696 / promoção ao estudo 630, 662 / papel dos examinadores 695-
696 / repetitórios escolásticas dos estudantes cap. 663 / ensinamento 866-868 /
perigo dos estudos 1109, 1112 / aversão ao estudo 866 / estudo proibido aos
leigos 890 / necessário sobretudo para a pregação 863, 866, 870, 1126 / na Suíça
1683.
 Eusébio de Ancona (Fardini) cap. (+1569) 14, 21, 84, 108, 404, 714, 772, 804, 819,
843, 1005, 1072, 1403, 1773.
 Eutímio 1290-1291.
 Eva, pers.bibl. 1148, 1241, 1272-1273.
 Evangelho, à mesa 509, 523 / observar e anunciar 189, 238, 263, 354, 379, 532,
727, 735 / caráter evangélico da Reforma Capuchinha 722, 739 / cf. também
pregação, regra, estudos.
 Evangelista de Cannobio (Ferratina), cap. (+1595) 29.
 Evangelização 348, 354 / cf. também pregação.
 Exame dos candidatos à Ordem 249 / dos estudantes e futuros pregadores 348,
443, 598, 662.
 Excessos construções cap. 637 / na vida 679, 682-684, 689, 712 / cf. também
correção, disciplina, punição.
 Excomunhão da Santa Sé 82, 85, 87, 96, 120, 144, 149, 159, 335, 635, 716, 740 /
nos textos legislativos 224, 337, 472.
 Exemplo a seguir e a dar 189, 194, 232, 242, 263, 265, 270, 283, 286-287, 291,
292, 298, 301-302, 305-306, 311-312, 314, 322, 331, 348-352, 355, 371, 373, 375-
376, 377, 379, 386, 599, 661, 673, 700, 725, 727, 751, 756 / cf. também
capuchinhos, contemplação, Francisco de Assis, imitação, trabalho, pregadores,
escândalo, supeiores.
485

 Exercícios corporais cf. trabalho manual.


 Exercícios espirituais de mais semanas para os candidatos cap. 641 / cf. também
admissão, práticas religiosas.
 Exorcismos, proibição para os cap. 403, 415, 534, 544.
 Exortação, tarefa dos superiores 363.
 Expansão dos cap. fora da Itália 150, 1435, 1501 / proibido aos cap. transpor os
Alpes 96, 102, 148-152, 1622, 1697 / expansão da Ordem na Europa 1622-1757 /
na França 775, 1622-1644, 1723 / nos países baixos 1645-1674 / na Suíça 775,
1676-1696 / na Espanha 1697-1719 / na Alemanha 1720-1721, 1743-1750 / no
Tirol e na Baviera 1722-1731 / na Áustria e Boêmia 775, 1732-1742 / em Estíria
1751-1757.
 Expulsão da Ordem cf. demissão.
 Exsultet na liturgia cap. 511, 612.
 Ezequiel, pers. bibl. 1274.
 Fabriano, peste (1527) 1356s.
 Fabro Venâncio 1615.
 Faculdade cf. privilégios.
 Faenza, conv. cap. 31.
 Fama, tutela da fama dos irmãos pecadores 332 / dos estudantes examinandos
695.
 Fano, conv. S. Elia cap. 24, 832, 1003, 1392.
 Faria Francisco Leite de, cap. 1483.
 Farnese Alexandre, card. (+1589) 1357.
 Farnese Alexandre, duque de Parma e Piacenza (+1592) 1647-1648.
 Farnese Otávio (+1586) 22.
 Fatebenefratelli 117.
 Favas 706, 935 / semeadas por Mateus de Bascio para os pobres 1358 / muito
apreciadas por Jeremias de Valacchia 1597-1598 / usadas com os grãos para os
escrutínios 630, 662.
 Fé, espírito de fé dos cap. 182, 186, 269, 285, 375 / pregar a fé aos infiéis como
Francisco 381 / pureza da fé 336, 739 / cf. também pregação, providência.
 Felipe de Cambrai, cap. (+1640) 1646-1657.
 Felipe de Milão, cap. (+1576) 1376, 1386, 1389.
 Felipe de Pancalieri (Ribotti), cap. (+1617) 1464, 1466.
 Felipe de Roccacontrada (Catalani), cap. (+1585) 119 / cf. também Gonfalone,
escravos cristãos.
 Felipe Emanuel de Lorena, duque de Mercoeur 1778.
 Felipe II, rei de Espanha (+1598) 35, 1435, 1647.
 Felipe III, rei de Espanha (+1621) 35, 59, 1708-1712.
 Felipe Neri, santo (+1595) 1517, 1523, 1611-1612.
 Félix de Cantalício, santo cap. (+1587) 27, 859, 907, 954, 1123, 1502, 1504-1537
(disposições processuais) / origem humilde 1507 / trabalho de cruzinhas no tempo
livre 1505, 1521 / nunca ficava ocioso 1535 / compunha e ensinava canções
sacras 1505, 1509, 1519-1520 / reserva e retiro 1509 / espírito de oração e
devoção 1034-1036, 1123, 1509, 1516, 1518-1521, 1524-1528, 1534 / obediência
1019, 1535 / castidade 1537 / austeridade no comer e no vestir 1510, 1515, 1529,
1534 / intervenções para obter prole 1506 / correção fraterna 1511-1512, 1518,
1533 / caridade para com os pobres 1507, 1512, 1522, 1535 / empenho apost.
1522 / amor para com o Crucificado e a Eucaristia 1522, 1531 / visita aos enfermos
1512, 1520, 1536 / paciência nos sofrimentos 1511 / santidade e milagres 1406,
1513, 1518, 1522 / fidúcia na Providência 1507 / humildade e mortificação 954,
982, 1508, 1517, 1523-1524, 1529-1530, 1533 / empenho na questa 1019, 1034,
1506-1510, 1513, 1515, 1517-1519, 1523, 1534-1535.
486

 Félix de Roma, cap. (+1621) 1531.


 Ferdinando II, arquiduque da Áustria e depois imp. 1722, 1727, 1751, 1753.
 Férias dos frades em família 756.
 Fermo, confraternidade da Piedade 1417-1421 / conv San Savino cap. 1395.
 Ferrante de Montereale 1569.
 Fervor na vida espiritual dos candidatos e dos frades 173, 249, 252, 278, 306, 354,
359, 383, 711, 738, 765, 768 / cf. também admissão, devoção, oração.
 Festas, participação dos cap. 286 / liturgia das festas solenes e de preceito 487,
507-508, 520, 711.
 Fidelis de Sigmaringen (Roy), santo cap. (+1622) 1501, 1677.
 Figueiras, conv. cap. 1714, 1716.
 Filosofia, estudo dos cap. 435, 443, 445, 663 / cf. também instrução, estudos.
 Fímbrias nos paramentos cap. 229 / cf. também paramentos.
 Finalidade da vida religiosa 173, 300-301, 303 / cf. também amor, trabalho manual,
união a Deus.
 Finocchiulo Benedito 936.
 Fioretti, recomenda-se a leitura 380.
 Fisionomia externa cf. hábito cap.
 Flagelação ou disciplina dos cap. 172, 174, 293, 364, 416-417, 419, 422, 437, 472,
549, 626, 649, 683-684 / segunda, quarta e sexta-feiras, dias de disciplina 287,
293, 416-417, 472 / memória da paixão durante a disciplina 293 / cf. também
austeridade, culpa, penitência, punição.
 Flandro-Bélgica, prov. cap. 34, 468, 1645, 1647, 1649, 1721, 1746 / cf. também
Bélgica, Holanda, Países Baixos.
 Florença, conv. cap. Montughi 21, 24, 57, 1033.
 Floriana (Malta), conv. cap. 32.
 Foligno 949, 1051 / conv. San Valentino cap. 13, 817, 834, 882, 951.
 Fontecolombo, casa de recolhimento obs. 1, 24.
 Fontes Franciscanas cf. Apresentação
 Forano, conv. obs. 3.
 Forasteiros, postura espiritual 218, 304 / hospitalidade para com os forasteiros 292,
315, 366, 417, 838, 652, 680 / cf. também hospitalidade.
 Forlí, conv. cap. 704, 1087.
 Formação dos noviços e dos frades clérigos ou leigos 202-203, 254, 652, 672, 674
/ cf. também disciplina, mestre, noviciado, seminário.
 Fortunato de Milão, cap. 1693.
 Fortunato de Verona (Morando), cap. (+1630) 1754-1755.
 Fossombrone 1603 / conv. cap. 749, 758.
 Frades menores da vida eremítica: denominação inicial para os cap. 8, 79 / cf.
também denominação.
 Frades menores de São Francisco nos textos constituicionais 154, 244, 254, 264,
278, 747, 766.
 Fragilidade humana e ideal de vida 264, 269, 281, 302.
 França 1514, 1627-1628, 1630-1634, 1642, 1646, 1680, 1707 / expansão dos cap.
32-34, 42, 50, 114, 148-150, 749, 760, 1622-1644, 1723 / atividade missionária e
social 1623.
 Francisco Calabrese, cap. 986.
 Francisco Cartoceto, obs. (+1525) 788-789.
 Francisco de Abbadia di Ferentillo, cap. 1557.
 Francisco de Assis, santo ( + 1226) 2, 10, 18, 22, 61, 65, 67, 81, 163, 808, 812,
814-815, 826, 861, 864-865, 881, 909, 913, 917, 936, 951, 983, 986, 998, 1001,
1020, 1123-1124, 1668, 1804 / nos documentos pontifícios 128-129, 153-158 / sua
forma de vida e vontade nos textos legislativos e históricos da Ordem 163, 171,
487

206-207, 214, 218, 226, 230, 232, 242-246, 252, 258, 260, 262, 264-265, 267, 278,
280, 284, 287, 289, 294-295, 302, 306-308, 311-312, 314, 316, 318, 321-322, 330,
332-333, 339, 341, 344, 355-356, 358, 360, 364, 371, 374, 380-381, 405, 508, 519,
529, 608, 617, 672, 690, 694, 697, 700-701, 707-710, 712, 715, 720, 723, 724-725,
727-728, 758 / bênção e exortação à observância regular 385, 388 / seu exemplo
no servir os enfermos e leprosos 971-972, 1018, 1091-1092, 1359, 1398 / seu
exemplo na mortificação 1443 / seu exemplo na oração e contemplação 786, 1443
/ devoção para com o mistério do Natal 1497/ devoção para com ele 1522 /
enamoramento de Cristo 1135 / recomenda a perfeita alegria 1331 / seu exemplo
de vida e pobreza 801, 821-822, 831, 848, 1073 / seu exemplo de jejum 1597/
estrita observância de sua Regra 780, 791, 798, 800-801, 816, 853, 856, 893, 971,
1292, 1626, 1655 / observância de seu Testamento 791, 816, 849, 893, 1038,
1090 / explicação da Regra 899 / explicação espiritual da Regra de Cipriano de
Anversa 1646, 1661-1675 / Opúsculos segundo as constituições 143 / Carta a um
Ministro 332-333 / Regra não-bulada 330 / cf. também Bartolomeu de Pisa,
carisma, companheiros de São Francisco, constituições, Fioretti, frades menores,
ideal primitivo, pobreza, Regra, vida contemplativa, Testamento.
 Francisco de Bergamo (Passeri), cap. (+ 1626) 1502, 1609-1621 (= disposições
processuais) / filho espiritual de São Felipe Neri 1611-1612 / caridade para com os
pobres 1613, 1619 / confessor das cap. em Roma e Sena 1614, 1617 / santidade e
milagres 1613-1617, 1619-1621 / caridade para com os enfermos 1620 /
humildade e moritificação 1618 / atividade de questa 1618.
 Francisco de Bevagna (Ranaldi), cap. (+1630) 1568.
 Francisco de Bormio (Sirmondi), cap. (+1583) 50, 1382, 1676-1684, 1692-1695 /
consciência da língua alemã 1681, 1687, 1692.
 Francisco de Brescia (Foresti), cap. (+ 1626) 1688.
 Francisco de Briga, cap. 1632.
 Francisco de Carpineto Romano, cap. (+1630) 1617-1618.
 Francisco de Castello 1414-1415.
 Francisco de Cesena, cap. 817.
 Francisco de Gallicano, cap. 1617.
 Francisco de Haselt (Tittelmans), obs./cap. (+1537) 714, 816, 884, 888, 899, 912,
951, 1091-1092, 1097, 1645.
 Francisco de Jesi (Ripanti), cap. (+1549) 14, 18, 27, 38, 100, 234, 774, 805, 848,
854, 869, 891, 895, 916, 930, 932, 942, 989.
 Francisco de Leonissa (Chiodoli),cap. (+1644) companheiro de São José de
Leonissa 1553.
 Francisco de Macerata, cap. (+1568) 1102, 1121.
 Francisco de Milão (Arcone, chamado Meazza), cap. (+ 1583) 29, 1683, 1696.
 Francisco de Nápoles, cap. 1612.
 Francisco de Paula, santo (+1507) 109, 117.
 Francisco de Piperno, cap. (+1597) 1613.
 Francisco de Razilly, conde 1482, 1488-1489, 1491, 1494.
 Francisco de Sales, santo, bispo (+ 1622) relações com os cap. 51.
 Francisco de San Giovanni, cap. 1394, 1397-1398.
 Francisco de Soriano nel Cimino, cap. (+1567) 1042, 1059.
 Francisco de Torri, cap. (+1557) 875, 955, 961, 972.
 Francisco de Villa Beda (Passeri), cap. 1566.
 Francisco Lavalin Nugent, cap. (+1635) 36, 52, 1721, 1743-1746.
 Francisco Liardo, cap. 1807.
 Fraqueza física ou espiritual como motivo para uma dispensa 259, 262, 290, 653 /
cf. também doença.
488

 Fraternidade na Ordem cap. 95, 235-236, 283, 697, 711 / cf. também amor,
caridade, espiritualidade.
 Fratres, sobrii estote, oração 493.
 Freiburg im Breisgau, conv. cap. 36
 Fuga diante das mulheres e do mundo 220, 374 / do conv. 469 / cf. também
apóstatas, excomunhão.
 Fugger, fam. 1727-1728.
 Funerais de estranhos 170 / cf. também sepultura.
 Gagliardelli Domenico, médico 1536.
 Galhetas para a celebração da missa 517.
 Gallicano 1617.
 Gargano, santuário 22.
 Garzoni Tomás de Bagnacavallo 1355.
 Gazzano 1616.
 Genaro de Drugolo, cap. 1384.
 Generosidade na vida cap. 763.
 Genitores, visita da parte dos frades 755.
 Gênova 893, 1576, 1725 / conv. cap. 13, 31, 45-46, 57, 749 / prov. cap. 13, 587,
702, 959, 1476, 1632 / assistência aos incuráveis 1090, 1397 / most. clar. cap.
1759.
 Geraldo de Firenze, cap. 1393.
 Gerona, conv. cap. 1714, 1716-1717.
 Ghingora Jerônimo 1379.
 Ghinucci Jerônimo (+1541) 86.
 Gieben Servus cf. Prefácio.
 Gloria Patri, oração 527.
 Gondi Pedro, card. (+1616) 1625.
 Gonfalone, arquiconfraria 119, 1076 / cf. também escravos cristãos.
 Gonzaga Ana Catarina 1722, 1727, 1751-1752.
 Gonzaga Francisco, obs. 697.
 Governo do vigário geral ou provincial, duração 557-558, 570-573, 580-581, 634 /
oração pelo bom governo 652 / pausa depois de completado o ofício 560-561 / não
recusar os empenhos de governo 994 / cf. também estrutura jurídica.
 Graça, preserva da queda 332, 758 / dá a força da observância integral das
constituições 386-387 / riqueza da graça como fruto da pobreza 296 / da pregação
189, 352.
 Graciano de Núrsia, cap. (+1534) 890.
 Gramática, estudo 359, 443, 757 / cf. também estudos.
 Granada, most. clar. cap. 1760, 1775-1777, 1813-1818.
 Grattarola Marco Aurélio, oblato (+1618) 1739-1742.
 Graz 1727, 1751 / conv. cap. 36, 1751-1753.
 Gregório de Leonissa, cap. (+1615) 1459, 1463.
 Gregório de Nápoles. cap. (+1601) 1404 / Advertências para os moribundos 1404-
1412.
 Gregório de Viterbo, cap. 895.
 Gregório I Magno, santo, papa (+604) 1150, 1218, 1287, 1325.
 Gregório XIII, papa (+1585) 2, 33, 113-115, 117-119, 131, 148-152, 686, 1076,
1382, 1435, 1622, 1679, 1692, 1697, 1704, 1801 / Concessimus (07.10.1571) 113 /
Ut animarum (01.09.1573) 113 / Ex nostri pastoralis officii (06.05.1574) 33, 114,
148-152 (=texto) 1435, 1622 / cf. também expansão / Cum capitulum generale
(10.05.1575) 115 / Regularium personarum (04.10.1581) 117 / Exposcit pastoralis
(15.07.1583) 131 / Cum Algerium (05.12.1584) 119.
489

 Gregório XIV, papa (+1591) 42, 125, 126 / Decet seraphicam religionem
(01.06.1591) 125 / cf. também confissão / Beati Francisci (06.07.1591) 126.
 Grotti de Espoleto 1561.
 Guadalupenses ou do Santo Evangelho ou do Capuz 1 / cf também descalços.
 Guardião, suas tarefas 20, 175-176, 190, 203, 213, 214, 247, 255, 307, 324-325,
328, 363, 383, 392, 397, 400, 412, 424, 429, 435, 439, 458, 464-465, 468-469,
554, 560, 562, 569, 578, 584, 594, 605, 617, 626, 668-669, 672, 674, 678, 693,
706-707, 750, 752, 752-753 / cf. também superiores, vigários provinciais.
 Gúbio 1541 / conv. cap. 1566 / most. clar. cap. 1759, 1801.
 Habitação cf. convento
 Hábito capuchinho 7, 18, 231, 403, 420, 435, 441, 460, 475, 607, 731, 733, 767 /
sinal de pobreza e austeridade 116-117, 185, 258-259, 697, 702-703, 901, 923-
924, 926-927, 944, 957, 984, 987, 1072, 1109, 1657, 1685 / forma, dimensão,
qualidade do pano 260, 622, 708, 718, 722, 724 / identidade externa 64, 71, 135-
136, 144, 1695 / defesa 102, 106, 117, 126 / novidade 781, 944 / hábitos em
comum 918 / único, segundo a vontade de São Francisco 259, 706 / hábito dos
cap. semelhante àquele de São Francisco 260, 740, 786-787, 798 / limpeza 231 /
reparos 231, 258-259, 261 / cf. também barba, cíngulo, cordão, tonsura, , mantelo,
cuecas, sandálias.
 Habsburgo, fam. 1720.
 Hatton Claude 1628-1629.
 Hebdomadário no ofício divino cap. 489, 503.
 Henrique de Knoeringen, bispo de Augsburg (+1646) 1727.
 Henrique de Lorena, bispo de Verdun (+1623) 1778-1779.
 Henrique II, rei da França (+1559) 1625.
 Henrique III, rei da França (+1589) 1634-1636, 1722 / concede aos cap. a
faculdade de instalar-se em toda a França 1634-1636, 1722.
 Henrique IV, rei da França (+1610) 55, 1778-1779.
 Hereges, sua conversão promovida pelos cap. 42, 50-51, 739, 760, / cf também
Bélgica, Boêmia, Carlos Borromeu, França, Alemanha, Holanda, Savoia, Suíça,
Turim, Valtellina.
 Herp Henrique van (Harphius), obs. (+1477) 1646, 1654.
 Hipólito de Bergamo (de Scalve), cap. (+1618/1619) 1645-1647, 1649 / austeridade
e santidade de vida 1649-1650 / assiduidade na oração e espírito de oração 1649 /
devoção a Nossa Senhora e para com a Paixão de Cristo 1650 / autor do
cerimonial belga 1657-1661 / cf. também cerimonial.
 Holanda, atividade cap. 50 / cf. também Flandro-Bélgica, Países Baixos.
 Homens, respeito para com todos 246 / evitar a familiaridade 376, 639 / evitar os
exorcismos 544 / sua admissão na Ordem Terceira 399.
 Homilia dos irmãos diáconos 612.
 Honestidade na recreação 621 / no contato com mulheres 375-376 / cf. também
castidade, mulheres, familiaridade.
 Honorato de Paris (Bochard de Champigny), cap. (+1624) 608, 1501.
 Honório de Montegranaro (Todini), cap. (+1569) 839, 1071.
 Honório de Toscana, cap. 714.
 Horta nos conv. cap. 699, 706, 709, 711, 715.
 Hospitalidade para com os seculares e confrades 175, 177, 292, 315, 330, 366,
638, 652, 680 / para com os delinqüentes 607.
 Humildade, característica dos cap. 18, 223, 245, 263, 283, 291, 311-312, 337, 342,
361-362, 363, 371, 679, 686, 705, 707, 727-728, 732, 736, 746, 748, 766, 768,
980-992 / cf. também conversação, isenção, pobreza, estudos.
 Hungria 1579 / presença dos cap. 49, 113.
 Iapy Ouassou, índio do Maranhão 1488.
490

 Idade para admissão à Ordem 249 / cf. também admissão


 Ideal primitivo da Ordem Franciscana e cap. segundo as constituições 65, 235, 252
/ cf. também capuchinhos, carisma, espiritualidade, vida contemplativa.
 Identidade externa cf. hábito, barba, capuz, coroa, sandálias.
 Ieropary, diabo segundo os índios do Maranhão 1487, 1490, 1493.
 Igrejas dos cap. 216, 218, 229, 276, 282, 310-311, 328, 366, 378, 438, 501, 629,
649, 754 / pobreza na construção 837, 841, 849 / altares 507, 512, 618 / cálices
230, 307, 378 / evitar as alfaias 643 / capelas sepulcrais 645, 666 / armário da
sacristia 378 / máxima limpeza nas igrejas cap. 378, 618 / cf. também conventos,
defuntos, paramentos, sepultura.
 Imagens nas celas dos cap. 217 / cf. também cruz, paixão.
 Imitação de Cristo como forma de vida 389-390 / finalidade precípua da vida cap.
153, 788, 790 / forma de vida de São Francisco e de seus companheiros 18, 65,
260, 700, 716 / cf. também exemplo.
 Imola, conv. cap. 704.
 Implantatio Ordinis 1016 / em Creta 1453, 1459 / breve de Pio V aos bispo Aloisio
Delfino para a fundação de um conv. cap.1453-1456 / o bispo Gaspar Viviani
promove três novas fundações 1457-1458 / na França 1622-1644, 1723 / em Paris
1622-1629 / rapidez da difusão 1623 / fundação de Picpus 1623-1625.
 Inácio de Antioquia, santo (+ca.110) 1276.
 Inácio de Bolonha, cap. (+1602) 119 / cf. também escravos cristãos.
 Inculturação, favorecida pela tradução das orações 1495 / dificuldade de
inculturação na Alemanha nas pregações, fraternidades e celebrações litúrgicas
1746-1750.
 Incuráveis cf. assitência caritativa.
 Indulgências referentes aos cap. 368, 741, 754.
 Indultos cf. privilégios.
 Inês, santa 1214.
 Informações acerca de futuros noviços 461, 676.
 Inglaterra, tentativas de atividade anti-anglicana pelos cap. 52 / cf. também
hereges.
 Innsbruck 1752 / conv. cap. 36, 1721-1722.
 Inocêncio III, papa (+1216) 737.
 Inocêncio IV, papa (+1362) 335.
 Inocênio IX, papa (+1591) 126.
 Inspiração divina para a fidelidade na vida cap. 767 / para a vocação missionária
381.
 Instrução dos candidatos clérigos 250, 403 / dos frades confessores 192 / cf.
também estudos.
 Interdito cf. censura.
 Inventário de todos os objetos do conv. 307.
 Ioú'y (Carlos), índio do Maranhão 1488.
 Iriarte Lázaro, cap. cf. Prefácio.
 Irlanda, tentativa de uma missão cap. 52.
 Irmãos clérigos 133, 189, 201-202, 267, 271, 274, 392, 403, 423, 435, 441-445,
508, 540, 554, 563, 569, 577-578, 583, 598-599, 607, 630, 651, 662, 667, 671,
695-696, 707, 757, 1612 / cf. também formação, instrução, mestre, sacerdócio,
seminário, estatística, estudos.
 Irmãos estudantes cf. irmãos clérigos.
 Irmãos leigos 133, 267, 274, 392, 403, 423, 496, 554, 563, 651, 685, 707, 1612 /
cf. também caráter laical, oficinas, estatística.
 Isaías, pers. bíbl. 1274-1275, 1278, 1282.
491

 Isenção de jurisdição do ordinário, renúncia dos cap. 235, 245. / cf. também
minoridade, obediência, ordinário.
 Isidoro de Melegnano, cap. 1514.
 Isidoro de Villapadierna (Agudo), cap. cf. Prefácio.
 Isola Bisentina, conv. cap. 1615.
 Istria 1751.
 Itália 775, 1157, 1314, 1584, 1591, 1599, 1623-1624, 1627-1628, 1630-1631,
1633, 1635, 1645-1646, 1680-1681, 1725, 1738, 1747, 1760, 1799, 1814 /
observância regular 65, 697 / difusão dos cap. 19, 31, 97, 698-700, 707, 724, 738 /
número dos frades (1536) 725 / proibição de transpor os Alpes e sua revogação
33, 96-97, 114, 148-152 / expansão fora da Itália 33-36 / atividade dos cap. 58-59,
114, 749 / competência de absolvição dos apóstatas 587.
 Iube, Domine, benedicere, oração litur. 493.
 Ivo de Evreux, cap. 54, 1482-1483, 1495-1500 / Histoire de la Mission des
Capucins 1495-1500 / cf. também Maranhão, missão.
 Ivo de Tréguier (Hélory), santo, ofs (+1303) 531.
 Jacinto de Casale Monferrato (Natta). cap. (+1627) 40, 1127-1128, 1583, 1721 /
pregação Avvisi a diversi stati e gradi di persone 1293-1324 / pintores e escultores
1294-1295 / músicos e instrumentistas 1296-1297 / livreiros 1298-1299 / boticários
e farmecêuticos 1300 / ouríves, ferreiros, lenhadores 1301 / panificadores 1302 /
pedreiros1303 / alfaiates1304 / sapateiros 1305 / barbeiros 1306 / camponeses
1307-1308 / pescadores 1309-1311 / açougueiros 1312-1313 / taberneiros,
vendedores de vinho e aves 1314-1316 / moleiros 1317-1318 / revendedores 1319
/ barqueiros e carroceiros 1320-1321 / servos e servas 1322-1324 / avisos às
pessoas espirituais e religiosas 1324-1333 / para com Deus 1324-1329 / para
consigo mesmo 1330-1331 / para com os outros 1332-1333.
 Jacó, pers. bibli. 1214, 1237, 1241-1242, 1246, 1267, 1274, 1276.
 Jacopone de Todi, min. (+1306) 361.
 Janelas dos conventos, dimensões 311 / cf. também conventos.
 Jejum dos frades cap. 179, 153, 278-279, 437, 472, 706, 711, 950 / jejum
quaresmal e pregação 1048, 1127 / cf. também abstinência, austeridade, mesa,
punição, quaresma.
 Jeremias de Valacchia (Stoica), beato, cap. (+1625) 1502, 1591-1602 (=
depoimentos processuais) / exortado pela mãe para a vida religiosa 1592 / pelo pai
1599 / serviço aos enfermos 1594-1595, 1600 / grande confiança em Deus 1595-
1596, 1602 / devoção a Nossa Senhora 1595-1596, 1602 / espírito de penitência e
de jejum 1597-1598 / sua santa morte 1600 / sabedoria e argúcia 1601.
 Jeremias, pers. blib. 1159, 1246, 1274.
 Jerônima, clar. cap. 1806.
 Jerônimo de Brusada, cap. (+1576) 1384.
 Jerônimo de Castelferretti (Geradoni), cap. (+1626) 593-607, 1464, 1743-1746,
1761.
 Jerônimo de Lapedona, cap. 1392.
 Jerônimo de Milão (Caluschi), cap. (+1584) 1632-1634.
 Jerônimo de Montefiore Conca (Pratelli), cap. (+1584) 28-29, 123, 125, 773, 866,
917, 1361, 1632, 1699, 1701-1703.
 Jerônimo de Montepulciano (Paganucci), cap. (+1546) 880, 981, 1004, 1046, 1049.
 Jerônimo de Narni (Mautini), cap. (+1632) 1128 / Modo breve e facilíssimo de
compor as pregações 1333-1355.
 Jerônimo de Novara (Avogrado), cap. (+1582) 862.
 Jerônimo de Palermo, cap. (+1579) 29.
 Jerônimo de Pistoia (Finucci), cap. (+1570/1571) 714, 1104, 1128. 1422 / Sobre a
confissão 1185-1191.
492

 Jerônimo de Polizzi Generosa (Errante), cap. (+1611) 28-30, 121, 125, 1459.
 Jerônimo de Sessa, cam. 4-5.
 Jerônimo de Sorbo Serpico (Stefani), cap. (+1602) 759-769, 1735-1739.
 Jerônimo, santo (+419/420) 232, 289, 356, 373, 1229.
 Jerusalém 1204-1205, 1241, 1446, 1710.
 Jesuítas da Boêmia 1733 / da França 1632 / da Alemanha 1750 / da Suíça 1684.
 Jesus Cristo, sumo sacerdote 270 / o seu exemplo e sua vontade expressa no
evangelho 235, 238, 243-244, 252, 254, 260, 262, 264-266, 270, 273, 279, 286-
287, 289, 292-293, 296, 298, 301, 305-306, 318, 331-333, 335, 339-340, 348-352,
354, 357, 371, 373, 375, 383, 386, 389, 405, 631, 674, 686, 699, 708, 713, 719,
725-726, 733, 737, 739, 741, 744 / amor e devoção dos cap. 193, 206, 232, 237,
239-245, 249, 256, 276, 281, 283-284, 327-328, 350, 353. 360, 364, 372, 376-378,
381, 387-388, 701, 711, 729, 737-738, 743, 751, 760, 766, 768, 1522 / a vida dos
cap. prega sempre Cristo humilde 265 / devoção para com a paixão de Cristo
1036, 1044, 1208, 1285, 1287, 1306, 1521, 1525, 1531, 1540, 1563, 1650, 1749 /
pregação de Ochino sobre a paixão 1160-1185 / devoção para com o nome de
Jesus 1521, 1533 / devoção para com o Santíssimo Sacramento 1526 / pregação
de Lourenço de Brindisi 1250-1265 / disposição para receber a Eucaristia 1191-
1212.
 Jó, pers. bíbl. 1235, 1431.
 João Batista de Lugano, cap. 1693.
 João Batista de Núrsia, cap. (+1549) 980.
 João Batista de Terni, cap. 860.
 João Batista, santo 258, 355, 709, 1137, 1160, 1242, 1246, 1275, 1280.
 João Cassiano (+435) 1338.
 João Climaco, santo (+649) 1817.
 João Crisóstomo Scozzese (Campbell), cap. 52.
 João Crisóstomo, santo (+407) 1276.
 João de Áustria (+1571) 113.
 João de Avalos 1600.
 João de Fano (Pili), cap. (+1539) 3, 6, 14, 31, 38, 68, 84, 234, 895, 944, 1056-1057
/ atividade de pregador 1056-1058 / Dialogo de la salute 6.
 João de Foligno, cap. (+1598) 1541.
 João de Guadalupe, desc. (+1505) 77 / cf. também descalços.
 João de Leonissa (Persechetti), cap. (+1565) 1564.
 João de Medina del Campo (Zuazo), desc. / cap. (+1551) 53, 121, 881, 956, 994,
1434, 1444-1453, 1697.
 João de Ribera, santo, arc. de Valência (+1611) 35, 1708.
 João de Tordesilhas (Alarcón), cap. (+1603) 1698.
 João de Troia (Pugliese), obs. / cap. (+1551) 1434, 1436-1440, 1444-1453.
 João de Valência, cap. 29.
 João Duns Scoto, beato, min. (+1308) 39, 867, 1065, 1104.
 João Evangelista, santo 1136, 1160, 1228, 1242, 1266-1270, 1272, 1274, 1276,
1279, 1282, 1285, 1290, 1313.
 João Maria de Noto, cap. (+1631) 776.
 João Maria de Tusa (Bruno), cap. (+1584) 1104, 1683-1684, 1692.
 João Spagnolo cf. João de Medina del Campo.
 João XXII, papa, (+1334) 375.
 João XXIII, papa, (+1964) 1572 / Celsitudo (19.03.1959) 1572.
 Joaquim de Fiore, cist. (+1202) 1290.
 José de Alcalar 1482.
 José de Arimatéia 1137, 1160.
 José de Collamato (Antonini), cap. (+1567) 772, 964 / atividade de barbeiro 964.
493

 José de Ferno (de Milão, Piantanida), cap., (+1556) 38, 40, 814, 1060, 1069, 1098
/ cf. também quarenta horas.
 José de Leonissa (irmão leigo), cap. 122.
 José de Leonissa, santo, cap. (+1612) 38, 53, 122, 1128, 1435, 1459, 1463, 1502,
1551-1571 (= depoimentos processuais) / aspiração missionária e ao martírio
1552, 1560, 1566-1567, 1677 / ardor pela salvação e conversão das almas 1552-
1553, 1564, 1570 / espírito de mortificação e humildade 1553, 1561, 1566, 1568 /
caridade para com os pobres 1553-1554, 1557, 1559, 1561-1562, 1571 /
assistência aos encarcerados 1554-1555, 1569 / assistência aos enfermos 1555,
1559 / pregação inspirada e carismática 1558, 1568 / nos lugares de passagem
1554 / nos lugares não longe entre si 1555, 1558, 1561, 1568 / com sete ou oito
pregaçãos ao dia 1555, 1558 / assitência aos moribundos 1555 / assitência aos
condenados à morte 1556 / sepultura dos mortos 1554 / obediência 1557 / espírito
de hospitalidade 1559 / resistência nas fadigas apost. 1559 / operador da paz
1564-1565 / pregação sobre São José 1212-1250.
 José, santo, esposo da Virgem Maria 1212-1250 (=pregação de São José de
Leonissa).
 Juhée Francisco, obs. 719.
 Juízo divino 305, 328 / dos superiores 194 / maduro juízo sobre os pregadores 348
/ juízo sobre a idoneidade dos missionários 381 / o frade díscolo incapaz de ser
ouvido em juízo 485.
 Júlio de Veneza, cap. (+1604) 1590.
 Júlio della Rovere, card. protetor (+1578) 107, 1414-1417, 1420-1421, 1457-1458,
1632.
 Júlio III, papa (+1553) 33, 102-103, 109, 120, 1801 / Officii nostri (28.08.1550) 102
/ Boni Pastoris (07.11.1550) 102 / In eminienti (15.02.1551) 103.
 Juramento do vigário provincial e de seus definidores 445 / da comissão para
apontar os frades díscolos e para a promoção à pregação 483, 589, 664-665,
695s.
 Justiça, evitar o rigor 332, 334, 363 / cf. também misericórdia, punição.
 Justino de Panicale (Saccalossi), cap. (+1545) 849, 856, 975, 1088, 1099.
 Justo de Monte San Justo (Bonafede). cap. (+1631) 1756.
 La Verna, santuário franciscano 705.
 Lante della Rovere Marcelo, card. (+1652) 131.
 Lanza Jerônimo, eremita de São Francisco 105, 117.
 L'Aquila, conv. cap. 1612.
 Larino, conv. cap. 31
 Laticínio na vida dos cap. 714.
 Laudes, litur. 496, 1360-1362, 1374 / cf. também ofício divino.
 Lava-pés para os hóspedes 292, 680 / cf. também hospitalidade.
 Lazio, casas de recolhimento obs. 1.
 Leão de Assis, companheiro de São Francisco (+1271) 787, 1020 / fontes da
inspiração leonina 65 / cf. também vida eremítica.
 Leão X, papa (+1521) 1, 6, 66, 71, 608 / Ite vos (29.05.1517) 1, 6, 66, 71.
 Leão XIII, papa (+1903) 1572.
 Legenda dos Três Companheiros 787, 790, 898, 986, 998, 1020.
 Legenda Maior cf. Boaventura de Bagnoregio.
 Legislação particular dos cap. conforme o direito regular comum 63 / cf. também
constituições.
 Legumes para o alimento 705, 709, 714.
 Leigos, irmãos cf. irmãos leigos
 Leito dos cap. 219, 262, 409, 462-463, 704, 709, 753 / esclavina (colchão pobre e
austero) 462-463, 703 / cf. também austeridade.
494

 Leitores de filosofia e teologia 444, 600, 664, 695-696 / de sagrada disciplina 362,
667 / cf. também estudos.
 Leitura durante a missa e o ofício divino 268, 511 / durante as refeições 176, 227-
228, 238-239, 290, 383, 532, 632, 642, 693 / cf. também constituições, devoção,
evangelho, livros, punição.
 Lenços, dotação e uso da parte dos frades cap. 192, 264, 516s.
 Lenha, provisão 319, 706, 711.
 Lenti Lourenço, bispo de Fermo 1420.
 Leon (Espanha) 1710.
 Leonardo de Cantão Ticino, sacerdote diocesano 1372.
 Leonardo, doutor 1014-1015.
 Leonissa 1551, 1554, 1564.
 Lepanto, batalha 1697 / atividade e participação dos cap. 48, 112-114, 1104 / cf.
também capelães militares.
 Ler à mesa 787, 898.
 Liberalino de Colle Val d'Elsa, cap. 934, 1070, 1111.
 Liberdade de espírito 722, 726-727.
 Licença ou permissão a requerer dos superiores 141, 190, 195-196, 203, 215, 222,
255, 259, 263, 290, 297, 307, 313, 324, 367, 370, 374, 381, 397, 400-401, 418,
420, 457, 464, 543, 590, 595, 617, 623, 627, 631, 634, 656, 658-659, 677, 682,
684, 705, 752-753, 756 / cf. também capítulo geral, cela, conventuais, guardião,
superiores.
 Licheto Francisco, obs. (+1520) 66.
 Liga Católica e capelanias militares cap. 56-57, 113 / promovida por São Lourenço
de Brindisi 1583-1584 / cf. também ação diplomática, Santa Sé, União Evangélica.
 Liga Santa contra os turcos 111-112.
 Linz, conv. cap. 1739, 1742.
 Litanias de todos os santos 279, 511, 959, 1730 / litanias lauretanas antes da
meditação 278, 494, 533.
 Liturgia, participação 268, 270 / celebração entre os obs. 730 / e contemplação
167-168 / oração litúrgica 499, 526 / cf. também mesa, ofício divino.
 Livraria cf. biblioteca, livros.
 Livros concedidos aos cap. para leitura pública ou pessoal 176, 189, 194, 196,
240, 264, 302, 354, 378, 403, 420, 541, 602, 708 / livro dos cap. é a cruz 863 / o
crucifixo para Félix de Cantalício 1522 / concedidos aos pregadores 863, 919 /
poucos livros por pobreza na Bélgica, mesmo para os pregadores 1657 / livros
franciscanos para se ler à mesa 787 / distanciamento dos livros 910, 1092 / livros
em comum 918 / deveres dos editores e dos livreiros 1298 / livros favorecem a
difusão da heresia em Piemonte 1469, 1473 / cf. também biblioteca, pregação,
estudos.
 Lobo Afonso cf. Afonso de Medina Sidonia.
 Lógica, estudo na Ordem 443-445, 630, 633 / cf. também estudos.
 Lorena, prov. cap. 34, 468.
 Loreto, Santa Casa de Nossa Senhora 837, 1539, 1563, 1592, 1758, 1785-1787.
 Louças para lavar 174, 699.
 Lourenço de Bergamo, cap.(+1593) 1723.
 Lourenço de Brindisi (Russo), santo, cap. (+1619) 28, 35-36, 38, 49, 56-59, 1128,
1502, 1572-1590 (= depoimentos processuais), 1721, 1723, 1751 / devoção na
celebração da missa 1573, 1588 / missão diplomática na Espanha 56-59, 1574-
1576 / santidade e doutrina 1577, 1580, 1585 / grande momória e conhecimento
de línguas 1577, 1585 / atividade no exército imperial 1578-1579 / pregador 1578-
1579, 1581 / humildade 1579-1580 / caridade para com os enfermos 1586 / visita à
Ordem 1580 / espírito de mortificação 1582, 1589 / promotor da Liga Católica
495

1583-1584 / confiança em Deus 1583 / zelo pela observância regular 1587 /


caridade fraterna 1590 / introduz os cap. em Castilha 1689 / na Baviera 1722 / na
Áustria e na Boêmia 1732 / em Estíria 1751-1753 / pregação Do Santíssimo
Sacramento do Altar 1250-1265 / A admirável senhora do Apocalipse 1265-1283.
 Lourenço, santo (+258) 1218, 1753.
 Louvor divino no ofício litúrgico 267-268, 272 / cf. também ofício divino.
 Lubliana, conv. cap. 1751, 1756 / conv. obs. 1756 / procissão da sexta-feira santa
1754-1757.
 Lucas, evangelista, santo 1284.
 Lucca 1128, 1142, 1157 / atividade dos cap. 57.
 Lucchetti cf. chaves.
 Lucerna (valle do Piemonte) miss. cap. 1474.
 Ludovico de Capranica, cap. 949.
 Ludovico de Foligno (Poggi), cap. (+1557) 832, 1003, 1014, 1051, 1110.
 Ludovico de Fossombrone (Tenaglia), cap. (+ca.1560) 3-7, 9, 11-12, 16-17, 19, 21,
24, 33, 45, 92, 94-95, 782, 832, 882, 952, 1018, 1051, 1059, 1079-1082, 1086,
1110, 1397, 1436, 1440 / inicia e difunde a Reforma Capuchinha 68, 70-71, 80, 85,
91-92, 134-140, 782, 806, 1057 / assitência aos pesteados em Camerino 1079-
1082, 1356-1357 / contrário às missões para os cap. 1436, 1440-1443 /
Ordenações de Albacina 79, 163, 165-233 (= texto).
 Ludovico de Reggio Calabria (Cumi), cap. (+ 1537) 783.
 Ludovico de Saxônia (Einsidl), cap. (+1608) 1074-1075, 1721, 1724-1729, 1751-
1752 / pregação 1074, 1727 / mortificação e humildade 1729 / funda as terciárias
cap. de Pfanneregg 1760.
 Ludovico de Stroncone, cap. (+1562) 1018, 1093-1096.
 Ludovico de Toulouse (d'Anjou), santo, bispo (+1297) 375, 529.
 Lugares cf. conventos
 Lugares retirados para os neoprofessos 670 / cf. também conventos, seminário,
solidão.
 Luiz IX, rei da França, santo, patrono da ofs (+1270) 531.
 Luiz XIII, rei da França (+1643) 43, 1494.
 Luiza de Lorena, rainha da França (+1601) 1777-1778
 Lunel Vicente (de Barbastro), obs. (+1549), como ministro geral contesta a
Reforma Capuchinha 24, 88, 101.
 Lupo Afonso cf. Afonso de Medina Sidonia.
 Lusio Ama 1692.
 Lussy Belchior (1606) 1683.
 Luteranos, apelativo atribuidos aos cap. 722, 726-727.
 Luzern (Suíça) 1677, 1684 / conv. cap. 1676, 1688, 1691 / most. S. Anna im Bruch
1688.
 Lyon 1633, 1635; conv. cap. 34.
 Macenano 1560
 Macra, miss. cap. 1466.
 Madalenos (Madalenitas), congragação secreta entre os cap. 123 / cf. também vida
contemplativa.
 Madri, 1717 / conv. cap. 35, 57, 1698.
 Magistri Yves de Laval, obs. 697-721.
 Mangas do hábito cap. 187, 260 / cf. também hábito.
 Manresa, conv. cap. 1714, 1716.
 Mantelo dos cap. 185, 259-260, 410, 607, 619 / quando o pregador deve levá-lo
1346-1347 / cf. também hábito.
 Mântua 1580-1581 / conv. cap. 57, 1632 / cap. ger. obs. (1541) 99.
 Maomé 1438-1439, 1448-1451.
496

 Maranhão, miss. cap. 54, 1482-1500.


 Marcantonio Amuli, card. vice-protetor (+1570) 108.
 Marcas 949 / prov. cap. 13, 20, 24, 469, 702, 832, 923, 1000-1001, 1393, 1395,
1415 / capítulo provincial (1566) 1403 / tradição mística 67 / prov. con. 141.
 Marco Attilio, executado em Espoleto 1556.
 Marcos de Lisboa, bispo, obs. (+1591): Crônicas 226, 375, 700, 708, 710, 718,
787, 898.
 Marcocchi Sarca 1564.
 Maria Ayerba, duquesa de Termoli 1796-1797, 1800, 1805, 1807, 1809-1811.
 Maria de Luxemburgo, duquesa de Mercoeur 1778
 Maria de Medici, rainha da França (+1642) 54, 1494, 1778-1780.
 Maria di Prenestain 1589.
 Maria Lourença Longo (Llonc), clar. cap. (+1543) 1758-1759, 1761-1771, 1783-
1811, 1818-1822 / serviço aos enfermos1787-1790, 1793 / ensina suas monjas
com a palavra e o exemplo 1802-1803, 1806 / mortificação e penitência 1791 /
humildade e obediência 1806 / normas sobre a clausura 1818-1822 / aceita em
Nápoles os cap. 1795 / e os teatinos 1796 / cf. também capuchinhas, Nápoles.
 Maria Madalena, santa 1124,1160, 1218, 1242.
 Maria Virgem 206, 294, 296, 508 / sua humildade e grandeza 1132, 1218 / seu
papel na paixão de Cristo 1160-1161, 1182-1183 / amor e devoção dos cap. para
com Nossa Senhora 1045-1046, 1050, 1306, 1522, 1650 / cap. fundadores de
confrarias de Nossa Senhora 1071 / pregação de São Lourenço de Brindisi: A
admirável senhora do Apocalipse 1265-1283 / pregação de Mateus de Schio sobre
a Assunta 1050 / cf. também Ave Maria, Casa da B. Maria, litanias, ofício de Nossa
Senhora, Salve Rainha.
 Maria, clar. cap.1806, 1808, 1811.
 Mariano de Nebbio, cap. (+1558) 32.
 Mariano, missionário na Pérsia, cap. 54 / cf. também missionários.
 Mário de Foligno, cap. 1541.
 Mário de Mercato Saraceno (Fabiani), cap. (+1581) 4, 23, 28-29, 124, 771-772 ( =
perfil bio-bibliográfico) 773, 1357, 1417, 1630-1631 / vigário geral 28, 30, 110, 112,
697, 703-704.
 Markoya Pero, índio do Maranhão 1488.
 Marquemont Dionísio, arc. de Lyon (+1626) 43.
 Marselha, presença e atividade dos cap. 45 / lazareto e assistência aos pesteados
1089, 1360.
 Martelli Mário 1556.
 Martinho de Tours, santo (397) 232.
 Martinho Fiammingo, cap. (+ antes de 1562) 1097.
 Martinho I, papa, santo (+655) 530.
 Martinho V, papa (+1431) 716.
 Martinianos 1.
 Martírio cf. missões.
 Martirológio 526, 605.
 Massaccio, most. cam. 4.
 Masseu de Cozzo, cap. 1384.
 Masseu de Pantin, cap. 1638.
 Mateus (ou Masseo) de Mântua, cap. (+1576) 1376, 1386.
 Mateus de Bascio (Serafini), cap. obs. (+1552) 21-22, 93, 772, 781-782, 818, 909,
1007, 1067, 1356 / pioneiro da Reforma Capuchinha 3-5, 9, 13, 45, 67, 70-71, 79,
718, 733, 782, 784 / assistência aos pesteados em Camerino 1078 / em Fabriano
13556-1357, 1359 / semeia favas para os pobres 1358.
 Mateus de Cássia, cap. 1047.
497

 Mateus de Corano, cap. 1384, 1692.


 Mateus de Leonissa (Silvestri), cap. (+1553) 1120.
 Mateus de Montefalco, cap. 1554.
 Mateus de San Leo, cap. (+1531 ou 1536) 78.
 Mateus de Schio (Pedrazza), cap. (+1550) 800, 808, 887, 1040, 1050.
 Mateus della Val di Torre, cap. 1693.
 Matias de Salò (Bellintani), cap. (+1611) 10, 29, 38, 40, 56, 163, 773, 775 (= perfil
biográfico) 1127-1128, 1360-1361, 1422, 1628-1634, 1691, 1739 / pregação sobre
o advento 1191-1212 / expansão da Ordem na França 775, 1622, 1628-1634 / na
Suiça 775, 1677, 1691-1696, 1726 / na Boêmia 775, 1739-1742 / Lembretes úteis
e remédios para aqueles que foram condenados à morte pela justiça 1422-1433 /
origem das cap. 1783-1811 / Historia cappuccina 10.
 Matias, arquiduque e imp. (+1619) 49, 56.
 Matinas, litur. 168-169, 172, 274, 278-279, 293, 422, 487, 490, 492, 507, 614, 711,
883, 890, 892, 904, 1004, 1031, 1034, 1040-1041, 1498, 1509, 1519, 1525, 1534,
1539-1540, 1689, 1730 / para as cap. 1816, 1827 / cf. também ofício divino.
 Matrimônios, proibida a ingerência dos frades 546, 689 / matrimônios entre
católicos e hereges favorece a heresia em Piemonte 1470, 1473-1474.
 Mattei Jerônimo, protonotário apost. 117.
 Maturidade como reflexão do cap. geral 373, 608, 653 / da comissão para indicar
os frades díscolos 482, 588-589 / dos candidatos 252 / dos mestres de noviços
254 / cf. também admissão, díscolos, mestre, noviciado.
 Matusalém, pers. bíbl. 1207.
 Maurício de la Morra d'Asti (Gambarini), cap. (+1613) 1464.
 Maximiliano I, duque de Baviera (+1651) 56-58, 1574, 1584 / cf. também ação
diplomática, Liga Católica.
 Mazzocconi G. 1417.
 Medicina, proibida aos cap. a prática com os seculares 403, 414, 534, 545 /
prescrições médicas para os frades doentes 435, 441, 703, 709, 711, 752 / cf.
também banhos termais.
 Meditação, Cristo objeto principal da meditação 390 / durante o trabalho manual
303, 740 / cf. também trabalho manual, oração mental.
 Melegnano 1383.
 Méndez de Salvatierra João, arc. de Granada (+1588) 1818.
 Mendicância (questa) como forma de vida cap. 310, 320, 352-353 / cf. também
questa.
 Mendicantes, ordens mendicantes e trânsito para outras ordens 716 / os cap. são
verdadeiros mendicantes 724.
 Mercato Saraceno 1415.
 Mesa, alimento e leitura 176-178, 287-291, 412, 474, 502, 532, 534, 709, 720 /
refeição à mesa ou fora dela 222, 285, 367, 680, 699 / cf. também cibo, cozinha,
leitura, livros, oficiais, questa, refeitório, toalha, toalhinha.
 Messina, prov. cap. 31.
 Mestre dos noviços, qualidades e tarefas 201, 254-255 / dos neo-professos 202-
203, 256, 554, 607 / cf. também formação, seminário.
 Mestre provincial conv. 141-142.
 Metódio de Nembro (Carobbio), cap. (+1976) 1483.
 Meudon, conv, cap. 1632, 1635.
 Miguel de Susa, cap. 1534.
 Miguel de Zug, cap. (+1755) cf. Prefácio.
 Miguel, companheiro de Pedro de Amiens 1624.
 Milão 1573 / atividade dos cap. 57, 58, 638 / conv. Immacolata Concezione a Porta
Orientale cap. 1584 / prov. cap. 20, 31, 468-469, 587, 760, 775, 868, 1104, 1360,
498

1381-1390, 1632, 1634, 1692-1693, 1696 / most. clar. cap. Santa Bárbara 1826-
1831 / most. clar. cap. Santa Praxedes 1759, 1801, 1811-1813 / cura espiritual
entregue aos cap. 1759 / lazareto San Gregorio 1360, 1378-1380, 1383-1385 /
lazareto La Vittoria 1383-1384 / hospital San Dionigi 1383-1384 / senado milanês
dá autoridade sobre os pesteados a Paulo de Salò 1378-1379, 1389 / atividade
dos cap. durante a peste cf. peste.
 Millini, João Garcia, card. (+1629) 774.
 Mínimos 109.
 Ministro geral, independência jurídica dos conventuais 133, 158-162, 391 / cf.
também autonomia / os cap. não obedeceriam o ministro geral dos obs. 722, 726,
730, 740.
 Minoridade, livre escolha dos cap. 244-245, 258, 292, 340, 372, 686, 732 / cf.
também obediência, humildade.
 Miserere, salmo 417, 419, 437, 503, 1036 / cf. também flagelação.
 Misericórdia para com os irmãos pecadores 331-335, 337, 363, 474 / cf. também
apóstatas, justiça, pobres, punição, sepultura, visita.
 Missa nos conventos cap. 171, 174, 268-269, 271, 274, 277, 504-534, 652, 769 /
missa conventual 504, 521, 607, 610, 613, 699 / missa solene cantada com
diácono e subdiácono 641 / missa votiva 523 / missa perpétua por benfeitores 644
/ cf. também comunhão eucarística, orações, participação, oração, espórtula.
 Missal segundo o rito romano usado pelos cap. 267, 494, 509, 609.
 Missionários cap. cf. Ambrósio de Amiens, Arcângelo de Pembroke, Arsênio de
Paris, Bartolomeu de Spello, Cláudio de Abbeville, Dionísio de Roma, Egídio de
Santa Maria, Felipe de Pancalieri, João de Medina del Campo (Zuazo), João de
Troia, Jerônimo de Polizzi Generosa, José de Leonissa, Gregório de Leonissa, Ivo
de Evreux, Mariano missionário, Maurício de La Morra d'Asti, Pacífico de San
Gervasio Bresciano, Pedro da Croce, Salvador missionário, Estêvão de Gambalò,
Valeriano de Pinerolo.
 Missões cap. 53-54, 121, 235, 381, 1434,1500 / dimensão missionária da Regra
1434-1461 / dificuldade de observar a Regra para os missionários cap. em relação
à vida comum e à mendicância 1476-1481 / consciência missionária 1459 /
finalidade das missões: difusão da fé, conversão dos hereges e salvação das
almas 1477 / aspirações missionárias e disponibilidade ao martírio 1077, 1436-
1437, 1441-1443, 1445-1451, 1465, 1552 / Ludovico de Fossombrone contrário às
missões externas porque não combinam com a contemplação 1436, 1440-1443 /
missões não contempladas nas ordenações de Albacina 1434 / missões cap. em
Creta (Cândia) 1434, 1453-1459 / missões entre os muçulmanos em
Constantinopla com a presença de São José de Leonissa 1435, 1459-1463, 1552,
1560, 1566-1567 / missões em Marrocos 1436 / no Egito 1434, 1444-1452 / nos
vales piemonteses entre os valdenses e calvinistas 1435, 1464-1476 / no
Maranhão 1435, 1482-1500, primeira missa no dia de Santa Clara 1485,
construção das capelas de São Francisco e São Luiz 1495-1500 / missões na
Pérsia 54 / missões entre os hereges na Suíça 1595 / cf. também Alexandria no
Egito, Argélia, Androgna, Cairo, Constantinopla, Dronero, Dubbione, Lucerna,
Macra, Maranhão, Perosa, Pérsia, Pinacchia, Porte, Porto Seguro, Pragellato,
Saluzzo, San Martino, Valperosa, Varaita.
 Mística dos cap. na França 1623 / nos Países Baixos 1646, 1654, 1657-1659,
1668-1675 / comportamento externa na oração contemplativa 1660 / oposição à
mística dos Países Baixos 1646, 1654, 1658 / postura diante da mística belga 1661
/ tentação da contemplação 1013-1015.
 Modéstia no falar e escrever 282, 636, 711.
 Modus procedendi 555 / cf. também díscolos, processo.
 Mogúncia, conv. cap. 1745-1747.
499

 Moisés, pers. bíbl. 1218, 1224, 1239, 1242, 1246, 1252-1253, 1257, 1267, 1271,
1274, 1276, 1279, 1336, 1338-1339, 1364.
 Molfetta, conv. cap. 806.
 Molina Estêvão 1.
 Montagnana 1580.
 Monte frumentário, fundado por São José de Leonissa em Compotosto 1563, 1571
 Monte San Giovanni Campano, conv. cap. 1532, 1613-1614.
 Montecasale, conv. cap. 1539.
 Montecchio 1543
 Montefalcone, conv. obs. 3, 67.
 Montefeltro, fam. 1416.
 Montegranaro 1544.
 Montemalbe, conv. cap. 922, 1114.
 Montepulciano, conv. cap. 13.
 Montereale 1554, 1564.
 Monumentos sepulcrais nas igrejas cap. 646 / cf. também sepultura.
 Monza 1383.
 Moribundos cf. assistência caritativa.
 Mortificação e penitência entre os cap. 263, 272, 287-291, 298, 674, 769, 903-904,
981, 985, 1024, 1327 / mortificação dos noviços 1654 / cf. também austeridade,
jejum, flagelação, penitência.
 Mosconi, Marco Antônio 1754.
 Mosteiros de monjas, proibida a cura espiritual 195, 373-374, 435, 457-458, 1782-
1783 / falar com monjas 607, 623 / cf. também confissão, cura espiritual,
familiaridade.
 Motta Filocastro, conv. cap. 783.
 Mulheres, evitar toda familiaridade 220, 373-376, 435, 438, 441, 544, 621, 631,
661 / admissão à Ordem Terceira 399 / cf. também castidade, claususa,
exorcismo.
 Munique de Baviera 1588 / conv. cap. 36, 57-58, 1722.
 Murmuração 372, 961-962.
 Música para aliviar os sofrimentos dos doentes 1395 / finalidade da música e do
canto 1296-1297 / música nas celebrações litúrgicas obs. 731.
 Nápoles 913, 1064, 1573-1574, 1592-1593, 1630, 1783, 1785, 1787 / assistência
dos cap. aos incuráveis 1090, 1397, 1758 / conv. cap. S. Eframo Vecchio 1795 /
conv. cap. S. Eframo Nuovo (o Santissima Concezione) 13, 25, 31, 38, 41, 45, 58-
59, 468, 913, 1574, 1591, 1600-1601, 1703 / prov. cap. 13, 20, 468-470, 759, 1000
/ igreja San Pietro ad Aram 1790 / Espírito Santo 1578-1579 / confraria dos Bianchi
S. Maria sucurre miseris 1788, 1790 / most. clar. cap.Santa Maria in Gerusalemme
1758-1759, 1761-1773, 1780, 1783-1811, 1822 / cura espiritual confiada aos cap.
1759, 1767-1773, 1795-1796, 1801-1802 / hospital dos Incuráveis fundado por
Maria Lourença Longo 1758, 1762, 1783, 1787, 1794-1795.
 Narni 949, 1050, 1557 / conv. cap. 31, 900, 936.
 Navalha nos conv. individuais para sangria 204, 266.
 Necessidades humanas e espirituais dos frades 186, 259-261, 285, 288-289, 297,
301, 304, 306, 329, 365, 374, 401, 408, 413, 419, 610, 617, 648, 692, 705, 727,
751 / cf. também hábito, mesa, roupas, superiores.
 Negligência 269, 385, 672, 693, 745, 756.
 Nemi, conv. cap. 836.
 Neoprofessos 554, 607, 671-674 / cf. também formação, mestre, seminário.
 Nicolás Factor, beato obs. (+1583) 1703-1705 / fama de santidade 1705.
 Nicolau de Monte Rubbiano, cap. (+1618) 1550.
 Nicolau III, papa (+1280) 115, 691, 715, 840.
500

 Nice, capítulo geral obs. (1535) 88.


 Noa, litur. 278, 282, 1689, 1730 / cf. também ofício divino.
 Notário para autenticar transcrição de documentos pontifícios 151, 157 / cf.
também Santa Sé, sigilo, sumos pontífices.
 Novesio 1747.
 Noviciado, instituição e objetivos 34, 201-202, 254-255, 403, 461, 553, 649, 671,
672, 675, 688, 765 ; noviciado e formação 857-862 / sermão para a vestição dos
noviços 1283-1289 / sermão para a profissão dos noviços 1289-1293 // cf. também
admissão, formação, mestre, religiosos de outras Ordens.
 Nugent Francisco Lavalin cf. Francisco Lavalin Nugent.
 Número de frades nos conventos individuais 226, 377 / medo da multidão dos
frades 249 / crescimento numérico dos cap. 738 / número de frades e obra
missionária 381 / número máximo de noviços para cada província 675 / cf. também
admissão, missões, estatística.
 Núrsia, conv. cap. 936.
 Obediência para com os superiores 93-94, 173, 246-247, 301, 339-340, 364, 367,
371, 423, 481, 569, 588-589, 607, 631, 638, 654, 727-728, 730-732, 993-1020,
1292-1293 / para com a Igreja Romana 235, 245-246, 792 / para com o padre
espiritual 1328 / mútua 283 / limites da obediência 364 / desobediência dos frades
423, 638 / cf. também cartas obedienciais, ministro geral, sumos pontífices.
 Obras religiosas como apostolado dos cap. 153 / coleta de esmolas para as obras
religiosas 631, 659.
 Observantes 1, 65-66, 76-77, 82-83, 96, 98-99, 710-711, 774, 785, 823, 832, 856,
975, 1048, 1104, 1651, 1698, 1704 / relacionamentos conflituais com a nascente
Reforma Capuchinha 13-14, 16, 30, 71-73, 80, 92-93, 97, 117, 134, 137-138, 141,
164, 173, 209, 716-718, 720, 833 / contrários à difusão da Reforma Capuchinha na
Espanha 1697, 1703 / trânsito de obs. para os cap. 14-16, 24, 64, 80-90, 96, 98,
102, 105, 110, 120, 128-129, 723, 725, 730-734, 736.
 Obstinação 179 / cf. também obediência.
 Ócio 302, 305, 889, 895, 897 / cf. também trabalho manual.
 Ocupação dos frades 173 / cf. também trabalho manual, obediência, pregação,
superiores.
 Ochino cf. Bernardino de Sena
 Oficiais, frades a serviço da comunidade 323, 412, 620, 680 ; cf. também cozinha.
 Oficinas dos conventos 311, 417, 629, 655 / cf. também canova, coro, cozinha,
refeitório.
 Ofício divino 167-169, 250, 267-268, 272-274, 489, 494, 496, 498, 603, 607, 614,
616, 985, 1034, 1039-1042, 1081, 1106-1107, 1644, 1689, 1730 / compostura
externa 272 / estar de pé durante o ofício 499 / e durante a leitura da bênção de
São Francisco 694 / canto do ofício por parte dos cap. 1640 / tarefa do
hebdomadário 489, 503 / ofício dos pai-nossos dos irmãos leigos 274, 277 / ofício
de Nossa Senhora 168, 919, 1045, 1644, 1730 / ofício dos defuntos 168, 170-171,
267, 277, 494, 500, 1043 / ofícios devocionais a serem recitados fora do coro 168 /
ofício divino das cap. 1763, 1802, 1816 / cf. também breviários, calendário,
completas, funerais, laudes, matinas, nona, prima, terça, sexta, vésperas.
 Óleo na alimentação cap. 705, 714, 937, 1365, 1718 / fiamento dos tecidos e
roupas 924 / alimento penitencial 1815 / sinal de misericórdia 363 / pedido durante
a questa 1571.
 Onofre de Pistoia, cap. (+1584) 1033.
 Oração e devoção dos cap. 802, 847, 855, 892, 1021-1047, 1107, 1623 / nos
textos legislativos 168, 173, 278-279, 491, 535, 614, 617 / fundamento da vida 793,
997, 1112 / recomendada pela Regra 809-810 / oração vocal e mental 40, 168, 279
/ exercício contínuo 1021 / intercessão pelos outros 171, 232, 280, 652, 758, 769 /
cf. também devoção, fervor, oração, agradecimento, vida contemplativa.
501

 Orações franciscanas, propósito fundamental da Reforma Capuchinha 10, 153,


164, 221, 262, 271, 277, 278-280, 292-293, 347-348, 352, 357, 360, 362, 534, 569,
607, 674, 706, 711-712, 742, 745-746, 750, 764 / cf. também devoção, oração,
ofício divino, vida contemplativa.
 Ordem Terceira Secular e os cap. 392, 399.
 Ordenação diaconal e sacerdotal dos irmãos clérigos 271, 553, 577, 583, 607, 627
/ cf. também irmãos clérigos, estudos.
 Ordenações de Albacina 163-165, 166-233 (= texto) / cf. também Albacina / dos
cap. geral 384, 391-696 (= texto), 479, 655, 662, 673, 714, 750, 755 / cf. também
capítulo geral, estrutura jurídica.
 Ordinário do lugar, renúncia à isenção 136, 245, 722, 726, 728 / licença do
ordinário para coleta em favor das obras pias 659 / consulta para a precedência
nas procissões 686.
 Orígines (+ ca. 251) 1284.
 Orsini Felícia (dita Colonna, do sobrenome do marido Marcantonio Colonna),
devota de Félix de Cantalício 1521.
 Orte, conv. cap. 1612.
 Orvieto, conv. cap. 1617.
 Osuna, duque cf. Téllez Girón
 Otão de Nápoles, cap. (+1571) 1104.
 Otranto. prov. cap. 31.
 Otricoli 1554, 1557, 1559.
 Ouro na confecção dos paramentos litúrgicos 229-230, 378, 611, 618 / imagem da
purificação interior 721, 725 / cf. também curiosidade, parementos, pobreza.
 Ovo no alimento dos frades 182, 285, 320, 706, 714 / cf. também austeridade,
esmolas, mendicância, questa.
 Paciência na vida cap. 769, 949.
 Pacífico de Salerno, cap. (+1637) 1600.
 Pacífico de San Gervasio Bresciano, cap. (+1575) 34, 1457, 1622, 1632-1633.
 Padre espiritual para o irmão eremita cap. 188, 316 / cf. também confissão, mestre.
 Pádua, atividade dos cap. na cidade e no território 45, 753.
 Pai Nosso, oração 282, 498, 699, 1095, 1177, 1317, 1524, 1534, 1549, 1585, 1795
/ traduzido na língua tupinambá 1495, 1499 / recomendado por Jeremias de
Valacchia 1596 / cf. também ofício dos irmãos leigos.
 Países Baixos, expansão dos cap. 1645-1674 / cust. cap. de Flandres 1650 / cust.
cap. de Valônia 1646, 1650, 1652 / prov. cap. 1647, 1649, 1721 / capítulo
provincial (1595) 1647 / cf. também Flandro-Bélgica.
 Paixão humana 377, 662, 768.
 Paixão, culto e estampas nas celas cap. 217, 293 / devoção para com a Paixão de
Cristo 1036, 1044, 1208, 1285, 1287, 1306, 1521, 1525, 1531, 1540, 1563, 1650,
1749.
 Palanzana (Viterbo), conv. cap. 1617.
 Palavras ociosas e palavrões 281, 305, 636.
 Paleotti Gabriel, card. arc. de Bolonha (+1597) 839.
 Palermo, presença e atividade cap. 46 / prov. cap. 31 / assistência hospitalar dos
cap. 1403 / cf. também pesteados, hospitais, províncias.
 Palestina 22, 351.
 Palestrina, conv. cap. 1617-1618.
 Paliotto do altar, legislação 230, 378 / cf. também paramentos.
 Pão, esmola e nutrimento 171, 419, 705, 711 / pão e água sinal de jejum 454, 706,
709, 715, 845, 916, 940-942, 948, 955, 987, 1046, 1050, 1510 / também para as
cap. 1791 / pão e água como punição 190, 416, 437, 472, 549, 589 / pão e vinho
como punição 752 / cf. também jejum, pobreza, punição, quaresma.
502

 Paolluccio de Foligno (Trinci), beato obs. (+1391?) 718.


 Paraíso, imagem da vida religiosa 763-765, 767-768.
 Paramentos dos cap. e pobreza 229-230, 378, 542, 618, 838-841 / cf. também
cálices, alvas, corporais, cruz, curiosidade, fímbrias, frontal do altar, casulas.
 Parentes dos frades 456, 459, 547, 631, 658, 688-689, 749, 767.
 Paris 1627, 1633-1634, 1636 / Implantatio Ordinis 1622-1644 / assentamento em
Picpus 1623-1628, 1633 / conv. cap. 34, 46, 114, 149-150, 720, 1633, 1635 / prov.
cap. 468, 608, 1482, 1645, 1647 / conv. obs. 1623-1624, 1628 / most. clar. cap.
1760, 1777-1781 / cura espiritual confiada aos cap. 1777, 1781 / most. clar. Santa
Clara 1778 / bosque de Vincennes 1628 / igreja Santa Maria das Graças 1625 /
parlamento 1628, 1634 / paróquia São Paulo 1625-1628 / peste (1579-1580) 1636-
1642.
 Passagem de uma familia religiosa para outra cf. trânsito.
 Pássaros, exemplo da divina providência 262.
 Passeri Felicita 1610.
 Passeri João 1566.
 Passeri Pedro 1610.
 Patoua (Tiago), índio do Maranhão 1488.
 Paulo de Cesane (Angelini), cap. (+1638) 608-652.
 Paulo de Chioggia (Barbieri), cap. (+1531) 772, 987 / assitência aos pesteados em
Fabriano 1356s.
 Paulo de Foligno (Vitelleschi), cap. (+1638) 29, 163, 776 (= perfil biográfico), 1464,
1646.
 Paulo de Salò (Bellintanti), cap. (+1590) assistência aos pesteados 45, 1089, 1360-
1380, 1389-1390 / Diálogo da peste 1360, 1364-1380 / cf. também pesteados.
 Paulo III, papa (+1549) 19-23, 25-28, 33, 62-63, 87-88, 92, 94-96, 99-100, 102,
120, 148-152, 158-162, 1095, 1125, 1444, 1758, 1795, 1800, 1818, 1821 /
Accepimus quod (18.12.1534) 87 / Nuper accepto (12.01.1535) 87 / Debitum
pastoralis officii (19.02.1535) 1758, 1760-1767 / Pastoralis officii cura (14.08.1535)
/ Dudum postquam (29.08.1535) 88 / Cum sicut nobis (29.04.1536) 93 / Exponi
nobis (25.08.1536) 23, 94 / Superioribus diebus (10.10.1536) 95 / Regimini
universalis Ecclesiae (04.01.1537) 96 / Cum sicut accepimus para o hospital dos
Incuráveis em Roma 1399-1402 / Dudum siquidem (05.01.1537) 96, 1622, 1697 /
Accepimus quod nonnulli (23.08.1539) 98 / Romani pontificis (05.08.1541) 99.
 Paulo IV, papa (+1559) 30.
 Paulo Maria de Asti (Pergamo), cap. (+1640) 1476-1481.
 Paulo V, papa (+1621) 30, 52, 57, 59, 129, 131-132, 153-157, 591, 608, 633, 685 /
Ecclesia militantis (15.10.1608) 30, 129, 153-157 (= texto) / Pastoralis officii
(12.10.1617) 131 / Sacri apostolatus (11.08.1618) 132, 1781-1783 / In supremo
Sedis (29.10.1618) 132 / Alias felicis recordationis (1619) 30, 133, 158-162 (=
texto) / cf. também autonomia.
 Paulo, santo, apost. 147, 152, 241, 244, 286, 294, 302, 349-350, 353, 737, 747,
763-764, 766, 888, 1130, 1134, 1136, 1144, 1147, 1153, 1164, 1176, 1179, 1186-
1188, 1193, 1209, 1214, 1225, 1242, 1262, 1266-1267, 1285-1286, 1323, 1332,
1370, 1571, 1663-1664, 1667, 1670-1672, 1674.
 Pavia, assitência aos pesteados 46.
 Paz como rito litúrgico 520 / freqüentemente perturbada pela isenção dos regulares
245, 727-728 / esforços para restituir a paz entre parentes 456, 755 / paz interior
333, 748 / paz na Ordem 338, 481, 588, 689, 732, 739, 741.
 Pecado 374 / formas de pecados graves (monjas, eleições feitas sem simplicidade,
desobediência) 623, 632, 639, 654, 736 / os frades "comem" o pecado do povo 304
/ as constituições não obrigam sob pecado 383, 386, 406 / postura para com os
frades pecadores 331-333, 335.
503

 Pedro de Alcântara, santo, desc. (+1562) 718.


 Pedro de Amiens (Deschamps ou Champs), ex-cap. (+1589) 1622-1625, 1628,
1630-1633, 1638.
 Pedro de Barbastro, cap. (+1624) 608.
 Pedro de Calatayud (Trigoso), cap. (+1593) 38, 41, 1697.
 Pedro de Croce, cap. (+1588/1589) 121-122, 1459-1463 / cf. também
Constantinopla, miss. cap.
 Pedro de Mazara (La Rocca), cap. (+1550) 861.
 Pedro de Núrsia, cap. 929.
 Pedro de Piacenza, cap. (+1585) 119 / cf também Argélia, escravos cristãos.
 Pedro de Pontremoli, cap. 949.
 Pedro Português, cap. (+1567) 933
 Pedro, santo, apost. 147, 152, 333, 1167-1168, 1174-1175, 1242, 1275, 1309,
1336, 1338.
 Penitência como forma de vida 216, 232, 388, 736 / vida penitente no jejum e na
pobreza 287, 310 / fazer penitência pelos pecados 331-332, 335 / impor penitência
com misericórdia 331-332, 334, 429-430 / pregar a penitência 355 / cf. também
austeridade, confissão, flagelação, pregação, punição.
 Penitenciaria apostólica, relação com Ludovico, Rafael de Fossombrone e Mateus
de Bascio 134 / cf. também Pucci Lourenço.
 Pentecostes, capítulo 341, 343 / festa 511 / cf. também capítulo geral.
 Peregrinação 749 / os cap. peregrinos e penitentes 306, 310 / cf. também
santuários.
 Peretti Alexandre de Montalto, card. protetor (+1623) 1574, 1576.
 Perfeição evangélica 239, 389, 725, 738 / cf. também evangelho.
 Pernoite fora dos conventos 285, 455, 639;
 Perosa, miss. cap. 1464, 1474.
 Perpiñan, conv. cap. 1716.
 Perrin João 713.
 Persechetti Pedro Domenico 1564.
 Perseverança na vida empreendida 908.
 Pérsia, miss. cap. 54.
 Perusa 846, 888, 1063, 1114 / most. clar. cap. 1759, 1801 / cura espiritual dos cap.
1801.
 Peste 975 / obstáculo para a visita do vigário geral 760-761 / em Camerino 1356-
1357 / em Fabriano 1356-1357 / em Milão 1360-1390 / em Paris 1636-1642 / em
Veneza 1361-1363, 1374 / na Suíça 1683 / em Nápoles 1794-1795 / na Argélia
1076 / cf. também empestados, assistência caritativa, Paulo de Salò.
 Petrarca Francisco 39.
 Pflug, fam. 1725.
 Picpus, romitorio dos Pobres Eremitas 1622-1628, 1633 / cf. também Paris.
 Piedade 365, 374 / cf. também pobres, preceitos, sepultura.
 Pinacchia, miss. cap. 1464.
 Pinerolo, conv. cap. 1464.
 Pintura, papel e finalidade 1294-1295.
 Pio de Carpi Rodolfo Leonelli, card. protetor (+1564) 21, 27, 100, 107, 1773.
 Pio IV, papa (+1565) 62, 105, 107-108, 117, 1418 / Pastoralis officcii (02.04.1560)
105 / Exhibita quidem (20.04.1564) 107/ In principis Apostolorum (17.02.1565) 108.
 Pio V, santo, papa (+1572) 1, 30, 48, 109-112, 427, 1104, 1422, 1613 / promove a
implantatio Ordinis na ilha de Creta 1453-1456 / vozes sobre a união com as outras
famílias franciscanas 771 / Sedis apostolicae solertia (06.10.1567) 109 / Cum
dilectus filius (10.03.1571) 112.
 Pisani João, comentário sobre a Regra 1478.
504

 Pisotti Paulo de Parma, obs. (+1534) 15, 25, 81.


 Platão (+ 347 a.C.) 1163, 1294.
 Pobres, São Francisco e os pobres 321, 709 / congregações para os pobres
instituídas pelos cap. 41 / socorrer os pobres 755 / questa para os pobres 104,
322, 658 / coisas supérfluas devem ser distribuídas para os pobres 291, 304, 307,
317, 358, 419 / alimento dos pobres 714 / sepultura dos pobres seculares nos
nossos conv. 221.
 Pobreza 10, 66, 116, 297-298, 321, 713, 798, 802, 811, 844, 847, 855, 909, 913,
921, 998, 1008, 1114 / nos documentos da Santa Sé 86, 106, 153 / altíssima
pobreza nos textos legislativos e documentos históricos 79, 104, 164, 182-184,
206, 215-218, 230, 232, 260, 275, 290, 294-299, 301, 304, 306-307, 310-312, 315,
318-321, 323, 358, 361, 363, 382, 403, 405, 413, 534, 618, 637, 648, 697, 701,
703, 712-715, 727, 736, 742, 745-748, 749, 791, 1292-1293 / como rainha das
virtudes 260, 264, 295, 708 / fundamento da toda virtude 912 / pupila dos olhos de
São Francisco 295 / fundamento para a Ordem cap. 747 / pobreza em grau
altíssimo 823, 909, 950, 1005 / separação de todo bem 910-911 / não-propriedade
dos lugares 827 / não aceitar legados 295-296 / distribuir os próprios bens para os
pobres 199, 254, 688 / evitar provisões de trigo e fruta 318, 701 / pobreza no
comer 798, 824, 834, 845, 848, 905, 910, 914-917, 919, 925, 932, 935-936, 940-
942, 948, 987, 1105, 1643-1644, 1653, 1655-1656, 1718-1719 / uso de carne 936,
938, / de pão 888, 913, 915-917, 919, 938, 940-941, 948, 966, 987 / de peixe 178,
320, 408, 706, 714, 717 / de óleo 705, 714, 937 / de vinho 915, 939, 943 / cf.
também óleo, pão, vinho / pobreza no vestir 798, 825, 848, 854, 909, 923-924,
926-927 / evitar a superfluidade nos objetos de uso 230, 260, 382, 715 / cf.
também austeridade, dinheiro, letras de câmbio, leito, livros, licença, pobres,
proprietário, uso das coisas, visita.
 Polônia 1375, 1635, 1720.
 Pontiggia Helena 1360-1363.
 Popel João von Lobkowitz 1734-1735.
 Porcia Jerônimo, bispo de Adria e núncio apost. em Graz (+1612) 1751, 1753-
1754.
 Porrentruy, conv. cap. 1691.
 Porta do convento 438 / das celas 211, 311.
 Porte, miss. cap. 1464.
 Porteiro 175.
 Porto Seguro, miss. cap. 1483.
 Portugal 1710, 1760 / cap. portugueses na Itália 707 / conv. desc. 697-698, 717 /
missões exteriores 381.
 Postulantado dos futuros noviços 251, 676 / cf. também admissão, noviciado.
 Potenza, conv. cap. 31.
 Praga 1732, 1735, 1738-1739 / ação desenvolvida por São Lourenço de Brindisi
57.
 Pragellato, dificuldade entreposta pelos hereges às missões 1468.
 Prata nos paramentos cap. 230, 378, 611.
 Práticas religiosas com o trabalho manual 302, 305.
 Prato 1514.
 Pratos cf. louças.
 Precedência dos mendicantes durante as procissões 131, 686 / dos ex-superiores
e dos irmãos clérigos 562-563.
 Preceitos e jurisdição dos conventuais 142 / preceitos obedienciais 365 / preceitos
dos superiores 597.
 Preciosidades, nos objetos de culto 382.
505

 Pregações 38-39, 100, 153, 189, 286, 311, 336, 348-359, 725, 727, 850, 855, 1661
/ característica do apostolado cap. 794, 1126 / método evangélico da pregação
cap. 354, 712, 1054-1055, 1065-1067, 1126 / pregar Cristo crucificado por
redundância de amor 349-350 / pregar a penitência 355 / pregação e jejum
quaresmal 1127, 1048 / necessária autorização 1126 / assiduidade da pregação e
testemunho de vida 351, 353, 607, 652, 657, 658 / retorno à contemplação 352,
357 / gratuidade e remuneração 602, 1127 / frutos da pregação: pacificação social,
fundação de confrarias, orfanatos e montes de piedade 353, 1127 / Método breve
e facilíssimo de compor a pregação 1333-1355 / controle da linguagem 356, 601 /
evitar alusões a pessoas individuais 356 / evitar questões sutis 355 / importância
dos gestos 1346-1349 / talentos e pregação 696 / pregação dos cap. na Áustria e
Boêmia 1732 / na França 1623 / na Alemanha 1721, 1747-1748 / na Suíça 1677,
1681, 1687-1688, 1690 / no Tirol 1731 / nos vales piemonteses 1465 / cf. também
apostolado, quarenta horas.
 Pregadores cap. imitados por outros 1065 / pacificadores sociais 1051-1053, 1060-
1061, 1119 / vivificadores da prática cristã 1060-1062, 1068-1069 / os mais
frequentados 1652 / muito requeridos 1127 / irmãos leigos pregadores 1053, 1067,
1118, 1126 / formação dos pregadores 1126 / livros e estudo para os pregadores
358-362, 541 / escolha, exame e faculdade dos pregadores 348, 435, 444, 553,
569, 6000, 630, 664-665, 695-696 / ministro da vida 354 / título de pragador 651 /
exemplo e austeridade dos pregadores cap. 1049-1051, 1073, 1107, 1127 / muito
austeros na Bélgica 1655 / cf. também Afonso de Medina Sidonia, Bernardino
Ochino de Sena, Eusébio de Ancona, Francisco de Jesi, Jacinto de Casale,
Jerônimo de Narni, Jerônimo de Pistoia, José de Leonissa, Lourenço de Brindisi,
Matias de Salò.
 Prelados, obediência e reverência dos frades para com os prelados 246, 728 /
evitar críticas 372 / rezar por eles 280 / cf. também isenção, obediência,
superiores.
 Pretiosa, oração 526.
 Prima, litur. 282, 488-489, 1689, 1730 / cf. também ofício divino.
 Princípios cristãos em relação aos cap. 280, 607, 635, 638.
 Privação de voz ativa e passiva, pena 430, 457-458, 472-474, 478, 486, 555-556,
632, 637 / de todo ato legítimo 474 / do ofício 666 / cf. também punição.
 Priverno (Piperno), conv. cap. 1617.
 Privilégios, comunicação dos 4, 7, 73, 80, 89, 120, 126, 137, 144 / renúncia aos
privilégios 144, 160-161, 235, 245, 248, 1479, 1626 / privilégio de não possuir nada
em comum 106 / evitar o recurso para obter privilégios 654 / cf. também
camaldulenses, isenção, pobreza, trânsito.
 Processo regular contra frades delinqüentes 429-430, 566.
 Procissões, participação e precedências 130-131, 170, 625 / procissão de quinta-
feira santa 641 / de sexta-feira santa 1754-1757.
 Procurador geral da Ordem, eleição 423-427, 468, 469-470, 484, 569, 573, 576,
581-582, 587, 590, 637-638, 692 / procurador leigo que age em nome da Ordem
637, 690-691 / cf. amigos espirituais, síndicos.
 Profissão religiosa, condições para admissão 250, 253 / preparação e celebração
257 / observar as obrigações 587, 627, 713, 718, 733, 737, 750, 756, 767 /
pregação para a profissão dos noviços 1289-1293.
 Propriedade, não se exclui qualquer forma 306, 323, 708,715 / é proprietário
também aquele que usa objetos sem licença 196, 538-539, 629, 656, 659, 731 / cf.
também pobreza.
 Provença, conv. cap. 468-469.
 Providência divina, confiança dos cap. 285, 318-319, 743, 768.
506

 Provisões, para os capítulos 402 / despesa contida para os capítulos 648 / de


víveres nos nossos conv. 183, 318-319, 534, 537, 656, 701 / para as viagens dos
frades 285 / cf. também pobreza, questa.
 Prudência cf. discrição.
 Pucci Lourenço, card. (+1531) 5, 68 / Ex parte vestra (18.05.1526) 5, 68, 77, 134-
138 (= texto)
 Punição de frades ou superiores 190, 203, 227-228, 334-335, 337-338, 344, 369,
383, 403, 406, 413, 439-440, 472-479, 478-479, 481, 485, 538-539, 546, 548-549,
568, 579, 585, 589, 612, 626, 635, 654, 656-657, 666, 668, 673, 679, 682-685,
688-689, 752, 757 / evitar uma postura muito severa 332, 337 / cf. também
admoestação, caparão, cárcere, demissão, díscolos, flagelação, privação.
 Quarenta Horas, prática pia promovida pelos cap. 40, 51, 1060, 1069 / nos vales
piemonteses 1466 / nos Países Baixos 1651-1652 / cf. também apostolado, José
de Ferno, pregação.
 Quaresma, observância entre os cap. 699 / entre os pregadores 631 / comunhão
eucarística durante a quaresma 328 / prescrições litúrgicas 488 / observar as
quaresmas voluntárias de São Francisco 287, 701 / pregação durante a quaresma
351.
 Quarto dos hábitos 261 / cf. também comunidade.
 Quatro Mestres (comentário da Regra) 1478.
 Queijo, pedido pelos cap. na questa 182, 320, 706, 714 / cf. também carne,
esmolas, questa, ovo.
 Querol Miguel 1698, 1700-1703.
 Querubim de Maurienne (Fournier), cap. (+1609) 51.
 Querubim de Peschiera, cap. (+1587) 1415-1417
 Querubim de Espoleto, cap. 869.
 Questa (mendicância), forma e limites 75, 104, 112, 144, 183, 320, 322, 353, 407-
408, 418, 625, 701, 705-706, 709, 711, 714-715, 958, 1102, 1121, 1619, 1643,
1691, 1696 / gravidade de necessidades para a questa 658 / a favor dos doentes
1639 / dos pobres 322 / feita por Félix de Cantalício 1506-1510, 1513, 1515, 1517-
1519, 1523, 1534-1535 / por Jeremias de Valacchia 1594 / por Benedito de Urbino
1605 / por Francisco de Bergamo 1618.
 Quietude meditativa dos primeiros conv. e dos frades 170, 255, 275, 316, 337, 738
/ cf. também silêncio, vida contemplativa.
 Quiñones Francisco de los Angeles, card. obs. (+1540), estatutos para as casas de
recolhimento 4, 10, 67, 69, 88, 163.
 Rafael de Fossombrone (Tenaglia), cap. (+1539?) 3-5, 67, 71, 134, 139 /
assistência aos pesteados em Camerino 1356s.
 Ranaldi Otávia 1568.
 Ranaldi Tiago 1568.
 Raniero de Sansepolcro (Sfaldelli), cap. (+1589) 830, 936, 1002, 1122, 1502, 1538-
1543 (= depoimentos processuais) devoção a Nossa Senhora de Loreto 1539 /
espírito de oração e contemplação 830, 1540-1541 / caridade para com os pobres
1542.
 Ravenna, conv. cap. 706.
 Recoletos 2, 697, 716, 719, 1698, 1703-1705.
 Recolhimento, casas na Espanha e na Itália 1, 15, 83, 88, 719.
 Recreação 607, 621, 639.
 Recursos dos frades ao papa e às congregações romanas 636 / à autoridade
externa 652, 654 / cf. também amigos espirituais, príncipes.
 Redundância do amor na pregação cap. 350, 352.
 Refeitório nos conventos cap. 282, 364, 403, 416-417, 437, 472, 479, 532, 626,
649, 679-680, 683-684 / cf. também cozinha, mesa, oficiais, oficinas, hospitalidade.
507

 Reforma capuchinha, sinais característicos e elementos de originalidade 4, 18, 72,


77, 235-236, 674, 697, 722-741, 742-748 / tendência à perfeição 778 / busca de
uma vida pobre e austera 779 / exercício da contemplação 779 / observância
estrita da Regra 779 / desejada pelos frades zelantes 781 / o mais glorioso estado
18, 25, 100, 786 / autonomia dos con. 30 / cf. também autonomia.
 Reformados 2, 83, 128, 699, 719, 807.
 Regra Franciscana, nos documentos da Santa Sé 63, 76-77, 83, 85, 112, 126, 129,
141, 144, 153-157 / nos textos legislativos e históricos 61, 95, 104, 115, 164, 168,
182, 185, 191, 199, 201, 297, 226, 230, 235-236, 237-239, 252, 259, 267, 274,
280, 291, 294, 207, 302, 306, 309-310, 325, 334, 348, 355, 363, 372, 377, 379,
381, 385, 387, 391, 403, 405, 413, 424, 608, 627, 633, 653, 655-656, 680, 688-
690, 693, 712, 714-717, 719, 728, 729, 733, 735-736, 738-739, 749-750, 757, 765,
768 / perfeição 805 / observância da Regra 2, 4-5, 10, 18, 24-25, 61, 67-68, 136,
729, 732-733, 735-736, 780, 791, 798, 800-801, 816, 853, 856, 893, 971, 1292,
1626, 1655 / observância estrita e sem glosa 104, 242, 405, 716-717, 733, 735,
804, 806-808, 811-816, 818, 846, 849, 851, 853, 856, 859, 862, 878, 899, 905,
932, 950, 994, 997, 1004, 1012, 1022-1023, 1114 / observância espiritual segundo
Cipriano de Anversa 1662-1667 / conhecimento 803, 807-808 / punir as
transgressões 811 / cf. também Francisco de Assis, obediência, observância, vida
regular.
 Relaxamento da vida regular 673-674, 678, 750.
 Remígio de Bozzolo, cap. (+1627) 1721.
 Remígio de Lodi, cap. 1631.
 Renânia, prov. cap. 1721, 1743 / expansão dos cap. 36, 1743-1750.
 Renúncia aos privilégios e dispensas de observar a Regra 1479, 1626 / cf. também
dispensas, privilégios.
 Representação cênica nos conventos 621.
 Requinte do viver 712.
 Responsórios e salmos responsoriais 511, 527.
 Reverência, para com a Eucaristia 269-270, 328, 515, 527 / e obediência ao sumo
pont. 246, 636 / ao escutar a bênção de São Francisco 694 / aos superiores 364,
372.
 Rieti, conv. cap. 1612, 1614, 1617.
 Rigorismo 28, 1005 / dos cap. na Espanha 1698, 1717-1719.
 Rijsel, conv. cap. 1652.
 Ritos da Igreja romana 267 / uniformidade de ritos 487-534.
 Rodolfo II, imp. (+1612) 49, 56.
 Rogações, procissão cf. procissões.
 Roma 17, 19, 57, 162, 638, 686, 773-774, 867, 949, 962, 1064, 1096-1097, 1102,
1416, 1422, 1504, 1508, 1514-1515, 1518, 1532, 1592, 1609-1611, 1613, 1627,
1630, 1646, 1683, 1692, 1699, 1720, 1725-1726, 1767, 1770, 1781, 1783, 1818 /
conv. cap. Santa Maria dei Miracoli 11, 31 / Santa Eufêmia 11-12, 19-20, 27, 85,
234, 238, 587, 697, 702, 714 / São Boaventura (ou São Nicolau de Portiis) 836,
840, 893, 1103, 1618, 1726, 1746 / prov. cap. 13, 123, 424, 469, 888, 1610, 1645 /
most. clar. cap. 1759, 1775-1777, 1780 / cura espiritual dos cap. 1759, 1801 /
Francisco de Bergamo, confessor das cap. 1614, 1617 / arquiconfraria de
Gonfalone 1076 / igrejas: Nova 1523, 1611/ São Lourenço in Damaso 1064, 1523 /
São Pedro 513 / Santíssima Conceição cap. 1504 / São Tomás in Formis 19 /
devoção das Sete Igrejas 1539 / hospital São Tiago dos Incuráveis 11-12, 45,
1018, 1090-1091, 1093-1097, 1356, 1394, 1397-1402, 1542 / hospital São João
em Latrão 1513 / vias e localidades: Banchi 1523 / Campo dei Fiori 1523 / Campo
Vaccino (foro) 1514 / Cappellari 1506 / Colégio Germânico 1521 / Cortesavella
1506 / Pellegrino 1523 / Porta Pia 1517 / Pozzo Bianco 1517 / Trinità dei Monti
1522 / Valle 1523 / Zecca Vecchia 1523.
508

 Romualdo, santo (1027) 75, 77, 144, 1375 / cf. também camaldulenses.
 Ronciglione, conv. cap. 1617.
 Rosário, oração, 1045, 1047.
 Rossiglione, expansão dos cap. 35.
 Rouen, assistência aos pesteados 46.
 Roupas seculares ou hábitos religiosos de outras Ordens 253, 688 / para os
hábitos ou paramentos 186, 191, 258-259, 261, 378, 409, 543, 602 / cf. também
hábito, vestição.
 Rovereto, conv. cap. 1722-1723.
 Rufino de Amatrice, cap. 1554.
 Rufino de Assis, companheiro de São Francisco 787.
 Rufino de Borgo, cap. 990.
 Rufino de Gallarate, cap. (+1587) 904, 920.
 Rugge (Lecce), conv. cap. 31.
 Rustici Jerônimo de, bispo, 1508.
 Ruusbroec João, místico flamengo (+1381) 1646, 1654.
 Sabedoria divina 241, 348-349, 387, 390 / cf. também Bíblia, estudos.
 Sabino de Cremona, cap. 1386.
 Sacerdotes, reverência 244, 246, 275, 356 / disposições acerca dos sacerdotes da
Ordem 171, 189, 269-271, 277, 495, 528, 651-652, 667-668, 685 / rezar pelos
sacerdotes 280 / sacerdotes simples 540 / sacerdotes diocesanos que entraram na
Ordem 578, 584 / número de sacerdotes na Ordem 133 / cf. também missa,
pregação, estatística.
 Sacristia dos cap. 378, 542, 629, 656 / cf. também igrejas capuchinhas,
paramentos.
 Sacrosanctae, oração litur. 533.
 Sagrada Escritura cf. Bíblia.
 Salmos, recitação 292 / os sete salmos penitenciais como punição 752 / cf.
também punição.
 Salomão, pers. bíbl. 1158-1159, 1214, 1239, 1246, 1276.
 Saluzzo (marchesato), miss. cap. 1467-1468.
 Salvação da alma 140-141, 332, 338, 348, 352, 354-355, 376, 379, 762-763, 767,
1477, 1552-1553, 1564, 1570.
 Salvador de Perusa, cap. (+1631) 1557.
 Salvador de Rivolta d'Adda (Rasari), cap. (+1643) 1360 / Vida de alguns frades
capuchinhos 1381-1390.
 Salvador de Todi (Astancolio), cap. (+1630) 1610.
 Salvatore, missionário no Oriente, cap. 54 / cf. também missionários, missões.
 Salve Regina, na litur. e depois da disciplina 293, 494, 526 / cf. também ofício
divino.
 Salviati Antônio Maria, card. (+1602) 1530.
 Salzburg, conv. cap. 1722.
 San Martino, miss. cap. 1466, 1474.
 Sandálias 928, 945 / direito de usá-la 188, 263 / não se usam por penitência na
Espanha 1719 / possibilidade de andar descalço entre os cap. 188, 263.
 Sangria dos frades 204, 266.
 Sansão, pers. bíbl. 1214, 1219.
 Sansepolcro 1538.
 Sanseverino Antônio, card. (+1543) 27.
 Sant Celoni, conv. cap. 1714.
 Santa Sé, obediência dos cap. 55-60, 95 / respeito e fidelidade 1642 / intervenções
em referência à Ordem 63-64, 76, 80-90, 96-97, 384, 722 / cf. também hábito,
admissão, apostolado, ação diplomática, cúria romana, congregação da inquisição,
509

congregação dos ritos, congregação do Santo Ofício, congregação dos bispos e


regulares, obediência, sumos pontífices.
 Sant'Angelo in Vado, conv. cap. 1008.
 Santarelli Giuseppe, cap. cf. Prefácio.
 Santi de Roma (Tesauro), cap. (+1621) 1476-1481.
 Santori Júlio Antônio, card. protetor (+1602) 115, 772, 1104, 1435.
 Santos e santidade entre os cap. 1501-1621 / importância dos depoimentos
processuais 1502-1503 / festas e exemplos dos santos para os cap. 232, 262, 287,
301-303, 355, 373, 379, 492, 496, 504, 507, 529, 603-604, 713, 733, 768 / oração
pela santidade 280 / cf. também Benedito de Urbino, Félix de Cantalício, Francisco
de Bergamo, Jeremias de Valacchia, José de Leonissa, Lourenço de Brindisi,
Raniero de Sansepolcro, Serafim de Montegranaro, Honorato de Paris.
 Santuários, visita da parte dos cap. 638, 754.
 São Tiago de Espoleto 1554, 1557, 1559.
 Saque de Roma 779.
 Sardenha 1760 / prov. cap. 469 / estudantes sardos na Itália central 707.
 Saxônia 1725.
 Saudação evangélica da paz 284 / de Ludovico de Fossombrone aos frades 232.
 Saul, pers. bíbl. 1214, 1239, 1286.
 Savoia, prov. cap. 34, 51.
 Scandriglia 1616 / conv. cap.1057, 1617, 1620.
 Scapezzano, conv. cap. 1403.
 Scapucini, nome popular dos primeiros cap. 8 / cf. também denominação.
 Schmidli Hans 1685.
 Schmucki Ottaviano, cap. cf. Prefácio.
 Schweikhard von Kronenberg João Sicardo, arc. de Mogúncia (+1626) 1743, 1745.
 Schwyz, conv. cap. 1676, 1691.
 Sebastião de Altdorf (Scheitler), cap. (+1583) 1693, 1696.
 Sebastião de Maurienne, cap. (+1634) 51.
 Seculares e capuchinhos 175, 177, 403, 441, 540, 556, 585, 617, 631, 638, 659,
666, 690, 699, 752, 754 / fugir da familiaridade com os seculares 1105, 1112, 1114
/ cf. também amigos espirituais, confissão, cozinha, devoção, matrimônios,
hospitalidade, parentes, refeitório, sepultura.
 Seda como material dos paramentos sagrados 229-230, 378, 618, 643 / cf.
também alvas, frontal do altar, casulas.
 Sede, contentar-se com a água para saciá-la 287, 289, 824, 939-940, 1533, 1643.
 Segredo sacramental 592 / segredos da Ordem 338, 635.
 Seminário de neoprofessos 554, 607, 652, 671-674 / cf. também formação, mestre.
 Sena, conv. cap. 697, 701 / most. clar. cap. 1614, 1617 / hospital Santa Maria della
Scala 1359 / prov. obs. 25.
 Sepultura, os frades defuntos não devem ser sepultados na igreja 276 / proibida a
sepultura de seculares nas igrejas cap. 221, 275-276, 645, 652, 666 / cf. também
igrejas, cemitério, monumentos sepulcrais, pobreza, brasão.
 Serafim de Montegranaro (De Nicola), santo, cap. (+1604) 1502, 1544-1550 (=
depoimentos processuais) / espírito de conselho 1545 / humildade 1545 / devoção
a Nossa Senhora 1548 / mortificação e desprezo de si mesmo 1547-1550.
 Serena Consciência (comentário anônimo da Regra) 715.
 Sessa Aurunca, conv. cap. (noviciado) 1593.
 Sexta, litur. 167, 278, 282, 488, 1689, 1730 / cf. também ofício divino.
 Sforza Alexandre de Santa Fiora, card. (+1581) 1524.
 Sicília 1061, 1403, 1586 / expansão dos cap. 13, 20, 31 / prov. cap. 13, 31, 468,
861, 924.
 Sífilis, frades afetados 639.
510

 Sigilo (carimbo) como sinal de autenticidade de documentos pontifícios 151, 157-


158 / sigilo do vigário geral ou provincial e do guardião 283, 342, 682, 684 / do
sobrenome de um frade individual 685.
 Sigismundo de Brescia (Foresti), cap. (+1614) 1384.
 Silêncio como postura fundamental dos cap. 10, 164, 175, 212, 255, 272, 422 /
evangélico 281 / regular 282, 693 / silêncio e retiro 871-877, 879-881, 883, 947,
1113, 1644 / dom de Deus 875 / evitar rumores inúteis 882 / guarda da língua 281 /
punições para a perturbação do silêncio 883 / não falar das coisas do mundo 878,
1105, 1114 / cf. também conversação, solidão, vida eremítica.
 Simplicidade como postura espiritual 241, 340, 348, 389, 430, 618, 641, 662, 739,
757, 801.
 Síndicos para garantir a pobreza, recusados pelos cap. 112, 206, 295 / aceitos em
casos individuais 690-691 / cf. também amigos espirituais, dinheiro, pobreza,
procurador.
 Sion, conv. cap. 51.
 Sisto V, papa (+1590) 53, 119-122, 130, 1522, 1647, 1760, 1818 / Pro era
(28.01.1586) 120 / Cum benigna Mater (21.03.1586) 119 / Cum vos (27.06.1587)
122.
 Soberba 223, 372.
 Sobrenome de família, proibição de usá-lo para os cap. 685.
 Sobrenome, entre os frades 639, 1332, 1354.
 Solidão 850, 891, 900, 1113-1114 / perigos da solidão 1014-1015 / solidão na vida
cap. 10, 72, 164, 212, 314, 316, 337, 352 / cf. também silêncio, vida eremítica.
 Solothurn, conv. cap. 1691.
 Sopa para os frades doentes 711.
 Speciano César, bispo de Novara e Cremona (+1607) 1360.
 Spello 1048.
 Spinelli Felipe, núncio em Praga 1589.
 Spinelli João Batista 1589.
 Stans, conv. cap. 1676, 1691.
 Stettimo 1458.
 Strettura 1553.
 Subiaco, conv. cap. 1615, 1617.
 Suborno cf. eleição.
 Substituto cf. síndicos.
 Sufrágios 277, 499 / cf. também defuntos.
 Suíça, chegada, atividade e expansão dos cap. 36, 42, 46, 50-51, 1676-1696, 1726
/ prov. cap. 36, 468, 749, 759-769, 1676-1677 / apostolado subsidiário dos cap.
1690 / Cantão Ticino 1676 / Cantão de Uri 1685-1686 / Vallese 1676.
 Sumos pontífices, reverência e obediência 245-246, 356, 728 / oração pelo papa
280 / influência na vida e atividade dos cap. 89, 125, 242, 244-245, 368, 729, 737,
739, 754.
 Superiores, nos textos legislativos cap. 166, 171, 173, 175, 179-180, 189-190, 194,
209, 212, 214, 222, 283, 316, 331, 333, 335, 337, 339, 348, 364, 367, 370-371,
381, 383, 406, 412, 481, 524, 568, 585-586, 588, 597, 638, 668, 679, 681-684, 705
/ normas para sua escolha 993-1002, 1004-1005, 1011/ postura clemente para
com os súditos 1010 / papel do superior como serviço 339 / exemplo dos
superiores 331-333 / solicitude no cumprimento das funções específicas 371.
 Suspensão dos frades apóstatas in sacris 474 / dos pregadores indignos 631, 658 /
cf. também censuras.
 Tadeu de Montepetriolo, cap. (+1580) 953.
 Taffin Francisca, clar. cap. 1760.
 Tamancos, proibidos aos cap. 188 / cf. também austeridade, sandálias.
511

 Tapetes nas igrejas cap. 618.


 Tauler João (+1361) 1646, 1654.
 Te Deum laudamus 274.
 Teatinos 1796, 1802.
 Tecidos nas igrejas cap. 643.
 Téllez Girón Pedro, vice-rei de Nápoles, conde de Ureña e duque de Osuna 58,
1575.
 Tempo, reto uso 305.
 Tentações pelo contato com o mundo 750-751, 768.
 Teodoro de Narni 936.
 Teologia, estudo no interno da Ordem cap. 435, 443, 445, 600, 630, 663, 696 /
ensinamento da teologia moral para os confessores 44, 667 / cf. também casos de
consciência, confissão, instrução, estudos.
 Terça, litur. 167, 488 / cf. também ofício divino.
 Terciárias cap. 1760 / de Pfanneregg (Suíça) 1760 / de Sain-Omer (Flandres)
1760.
 Terciários regulares 8.
 Terni, conv. cap. 31.
 Tesorieri Fúlvio 774.
 Tesouras para tonsura dos cap. 204, 266.
 Testamento de São Francisco, fonte de inspiração 164, 238, 248, 259, 267, 284,
302, 310, 356, 694 / observância do Testamento 235, 243, 791, 816, 849, 893,
1038, 1090 / cf. também Francisco de Assis.
 Testamentos, proibidos aos cap. 295 / requerido por outros religiosos 731 / cf.
também pobreza.
 Testemunhos por assinatura do frade díscolo arrependido 485.
 Thomann Henrique, conselheiro comunal de Zurique 1684-1688.
 Thonon, igreja cap. 51.
 Tiago apost., santo 281, 712, 873.
 Tiago de Ascoli, cap. (+1614) 1403.
 Tiago de Cetona, cap. 1028, 1113.
 Tiago de Marca, santo. obs. (+1476) 710.
 Tiago de Mercato Saraceno (Gaudenzi), cap. (+1586) 749-758, 773.
 Tiago de Milão (Giussani, chamado il Calderino), cap. (+1584) e a peste de Milão
1360-1361, 1373, 1382.
 Tiago de Molfetta (Paniscotti), cap. (+1561) 806.
 Tiago de Provence, cap. 1638.
 Tiago de Reggio Calabria (Foti), cap. (+1561) 973.
 Tiago de Salò, cap. (+1621) 1646.
 Tiago de Volterra, cap. (+1576) 1376, 1386.
 Tibieza 173, 252, 278.
 Tiepolo João, patriarca de Veneza (+1653) 22.
 Tirol 1722 / prov. cap. 36, 46, 1721, 1724, 1727, 1729-1731 / expansão dos cap.
1722-1731.
 Tittelmans Francisco de Hasselt cf. Francisco de Hasselt
 Títulos a usar nas cartas ao vigário geral 651 / e aos outros frades 685.
 Tivoli, conv. cap. 1532, 1612.
 Toalhas dos conventos cap. 177, 290, 516.
 Toalhinhas, seu uso à mesa 177, 290, 844, 1105, 1650.
 Tocha na liturgia cap. 504, 509-510.
 Todi 1538 / conv. cap. 1542.
 Tolentino 771.
512

 Tolomeu de Crema, cap. (ca. 1570) 1612.


 Tolosa 1585 / prov. cap. 34, 46, 468-469, 1514.
 Tomás de Aquino, santo (1274) 39, 1065, 1239, 1585, 1601.
 Tomás de Città di Castello (Gnotti), cap. (+1576) 28-29, 105-106, 870, 1005, 1414-
1415, 1612, 1631-1632.
 Tomás de Olera, cap. (+1631) 1721.
 Tomás, bispo de Lubliana 1754-1757.
 Tonsura dos frades, deve ser feita todo mês 266 / cf. também coroa.
 Torre del Greco 1591, 1600-1601.
 Toscana 1444 / prov. cap. 13, 20, 702, 923.
 Tours, prov. cap. 34.
 Trabalho manual 888, 893 / nos textos legislativos cap. 164, 235, 302-303, 305,
674, 707 / ofícios domésticos 885-886, 889-891, 1660 / não perder o tempo 887 /
segundo a Regra e o Testamento 893 / trabalho devoto 894 / viver do próprio
trabalho 896 / controvérsia acerca do trabalho 895 / bom exemplo para o próximo
305, 338, 348, 758 / trabalho na horta 886, 988, 1660 / cf. também Félix de
Cantalício, meditação, ocupação, ócio.
 Trani, card. de cf. De Cupis Domenico.
 Transferência de frades 142, 215, 668, 711, 751 / cf. também cartas obedienciais,
obediência.
 Trânsito de observantes aos cap. 80-85, 88, 96, 99, 120, 714, 716 / dos con. aos
cap. 714, 716 / dos religiosos franciscanos aos cartuxos 716 / dos cap. aos obs.
103, 109 / dos cap. aos mínimos 109 / dos cap. a outras Ordens 471-473, 587 /
dos cap. de uma prov. para outra 555, 630, 665 / necessária a licença do vigário
geral 224 / cf. também admissão, Santa Sé, sumos pontífices.
 Trentino, presença cap. 1722.
 Trento, concílio 29, 97, 106, 154, 398, 425, 611, 797, 1126, 1414, 1461, 1761,
1776 / cap. presentes ao concílio 101, 106, 114.
 Triênio do vigário geral e provincial 363, 431, 560-561, 634.
 Trigésimo dia de morte 171 / cf. também missa, espórtula.
 Trigoso Pedro cf. Pedro Calatayud
 Trinci Paoluccio cf. Paoluccio de Foligno
 Túnica, concedida aos frades 185, 259-260 / cf. também hábito, austeridade,
pobreza.
 Tunis, capelães militaris cap. 47 / cf. também missões.
 Tupã, deus adorado pelos Tupinambás 1482.
 Tupinambás, grupo de índios do Maranhão evangelizado pelos cap. franceses
1482, 1495, 1499.
 Turcos, campanha militar anti-turca 49, 111-113 / difícil terra de missão 381 / cf.
também capelães militares, José de Leonissa, Lourenço de Brindisi.
 Turim, presença e atividade dos cap. 46, 50.
 Tzazo (Valacchia) 1591.
 Ubertino de Casale (+1329?) 715.
 Umbria, prov. cap. 13, 20, 469, 774, 843, 861, 923, 951, 1048, 1064, 1095, 1110,
1395, 1445 / prov. obs. 779.
 União espiritual com Deus 300 / da Ordem na liturgia 267 / na convivência fraterna
377 / cf. também missa, ofício divino.
 União Evangélica e Lourenço de Brindisi 57 / cf. também ação diplomática, Liga
Católica, Santa Sé.
 Unidade da Ordem Franciscana, promoção e salvaguarda 2, 69, 80-81, 110, 141 /
cf. também admissão, conventuais, observantes, privilégios, trânsito.
 Uniformidade, nas cerimônias litúrgicas 380, 609 / na observância das
constituições 384, 392, 641, 707.
513

 Unterwalden, conv. cap. 1677, 1683.


 Urbanelli Calixto, cap. 133, 1392-1395, 1398, 1420.
 Urbano VIII, papa (+1644) 119, 129 / Ex omnibus christianae caritatis (23.04.1624)
119.
 Urbino 917, 1603 / (ducato) 1415.
 Usanças da Ordem 171, 176, 337, 626, 633, 653, 655, 687.
 Uso das coisas entre os cap. 190, 304, 307, 713 / cf. também pobreza.
 Usufruto não é permitido aos cap. 306.
 Vaidade do mundo 763.
 Valdenses 1464-1465.
 Valência (Espanha) 1704-1705, 1710 / conv. cap. 35 / prov. cap. 1698 / conv. de
Jesus 1704.
 Valeriano de Milão (Magni), cap. (+1661) 1721.
 Valeriano de Pinerolo (Berna), cap. (+1617) 1435, 1464-1475 (= carta a Clemente
VIII).
 Valperosa, miss. cap. 1465-1466.
 Valtellina 1679, 1692 / ação anti-herética dos cap. 50 / cf. também Carlos
Borromeu.
 Valle Leventina (Suíça) 1372.
 Vallestrettura 949.
 Valls, conv. cap. 1714, 1716.
 Vanglória 372, 685 / cf. também títulos, minoridade, humildade.
 Varaita, miss. cap. 1466.
 Velas e candelabros nas igrejas cap. 378, 505, 507.
 Veludo, excluído como material dos paramentos litúrgicos 229-230, 378 / cf.
também casula, frontal do altar.
 Venceslau, santo (+ 935) 1733, 1737.
 Vêneto, most. das cap. fundados pelos cap. 31.
 Veneza 1159, 1163, 1177, 1185, 1446 / eventos e atividade dos cap. 22, 26, 45,
55, 638, 753 / conv. cap. 848, 1415 / prov. cap. 20 36, 468, 587, 702, 1580, 1622,
1721, 1723.
 Verchiano 1562-1563.
 Verdura cf. jejum, mesa.
 Vermigli Pedro Martire (+1562) 26.
 Vernacia Ettore 1788.
 Verona 944, 1057, 1580 / permanência de Bernardino Ochino 26.
 Vésperas, litur. 173, 274, 487, 489 / cf. também ofício divino.
 Vestição dos noviços cap. 199, 251-252 / pregação para a vestição dos noviços
1283-1289 / cf. também noviciado, pobreza.
 Vestimentas cf. hábito, austeridade, panos.
 Viagem dos frades cap. 225, 283, 285, 290, 437, 439, 596-597, 607, 615, 625, 638,
652, 669, 714, 749-750, 753-756, 767 / uso de embarcações para os pregadores
656 / recolhimento durante as viagens 638 / confissão dos frades viandantes 668 /
cf. também companheiro, cartas obedienciais, obediência, superiores.
 Vicente de Foiano, cap. (+1573) 921, 1100.
 Vícios dos frades 296, 334, 377 / na pregação 355, 727.
 Vida ativa e contemplativa dos cap. 794, 836, 850, 855, 886 / mais conforme ao
Evangelho 855 / dedicação indiscreta à oração 886, 888 / vida mista dos
pregadores cap. 352 / exemplo de Marta e Maria 352.
 Vida comum dos frades 750 / evitar a particularidade 905-907 / cf. também
fraternidade.
 Vida contemplativa dos frades menores da estrita observância 66 / como
característica dos cap., mas unida ao apostolado 10, 18, 20, 77, 79, 95, 123, 141,
514

235, 316 / cf. também apostolado, congregação de vida eremítica, eremitério,


Madalenos, ofício divino, oração mental, oração, silêncio, solidão, vida eremítica.
 Vida desesperada, qualificação da vida dos primeiros cap. 85, 948 / cf. também
austeridade, penitência.
 Vida eremítica dos cap.7, 61, 65, 68, 77, 135-136, 141, 144, 316 / cf. também vida
contemplativa.
 Videiras supérfluas nos conventos 317.
 Viena 1590, 1742 / conv. cap. 36, 49.
 Vigário geral, disposições da Santa Sé 94, 112, 132-133, 149-150, 158-162, 235 /
nos textos constitucionais e nos documentos da Ordem 132, 214-215, 235, 247,
283, 327, 337, 342-343, 346, 348, 358, 363, 369, 381, 383, 396-397, 401, 418,
426, 430-431, 434, 440-441, 444, 459-460, 467-468, 477, 538, 552, 557-560, 562,
569-572, 574, 580, 590, 593-607, 608-652, 658, 664-666, 675, 677, 685, 687, 690,
692, 729, 751, 753, 762 / cf. também comissário geral, confirmação, conventuais,
ministro geral, obediência, Santa Sé, sumos pontífices, estrutura jurídica, visita.
 Vigário local nos conv. cap. 400, 440, 569, 594.
 Vigário provincial, competência, reeleição, ausência 133, 213-214, 227, 249, 251,
253, 297, 313, 318, 324, 326, 330, 337, 342, 346, 358-359, 363, 374, 381, 383,
396, 400, 416, 420-421, 429, 430, 433-436, 439-441, 443-445, 446-466, 469-470,
476, 482, 535, 557, 560-562, 564, 569, 579, 585, 589, 595, 598, 600, 608, 615,
619, 625, 629, 631-632, 635, 645, 650, 652, 655-656, 658, 664-665, 668-670, 673-
676, 678, 679, 682, 684-685, 687, 690, 692-693, 695, 750-753, 755-757 / cf.
também admoestação, capítulo geral, deposição, eleição, guardiães, ministros
provinciais.
 Vilas e conventos cap. 314.
 Villafranca del Bierzo, corpo de São Lourenço de Brindisi 59.
 Villafranca del Panadés, conv. cap. 1717.
 Villecourt, mercante de Paris 1623-1624.
 Vimes como material de construção 312 / cf. também construções.
 Vindima, saída dos conventos 639.
 Vinho 171, 179, 184, 285, 289, 317, 701, 715, 915, 917, 936 / beba-se com água
939, 943, 1513 / para um leproso, no mantelo de São José de Leonissa 1553 /
procurado para os doentes por Félix de Cantalício 1513 / Jeremias de Valacchia
1594 / cf. também esmolas, pobres, mendicância, questa.
 Violência espiritual para vencer as tendências negativas 377, 768s.
 Virtudes evangélicas na vida e atividade dos frades 301, 355, 364, 700, 707, 710,
713, 719, 721-722, 743, 745, 748, 750 / cf. também castidade, obediência,
pobreza.
 Visita dos frades da parte dos vigários gerais e provinciais142, 363, 538, 580, 607,
618, 629, 652, 655-656, 673, 687, 693, 752, 759-762 / visita geral 996, 1007-1009,
1026, 1040, 1106 / dos leigos dos nossos conv. 417 / cf. também hospítalidade,
estrutura jurídica, vigário provincial, vigário geral.
 Visitadores gerais (comissários) 686.
 Vitelli, fam. 1415.
 Viterbo 6-7 / conv. cap. 1617.
 Vitório de Vicoli, cap. 1753.
 Vitório milanês, cap. 1621
 Viviani Gaspar, bispo de Sitia (+1605) 1453 / aprecia a obra dos cap. em Creta
1453 / pede o envio de outros padres 1457-1458.
 Vocação religiosa 763-767 / missionária 381 / estabilidade da vocação nos
candidatos religiosos 676 / cf. também admissão, mestre, missionários, missões,
noviciado.
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 Vocações cap., postura e pastoral vocacional 847, 851-852, 854-856 /


discernimento 1005 / espírito penitencial 857-858, 931, 948 / na França 1623 / na
Bélgica 1650.
 Vogais ao capítulo geral 607, 633, 640 / cf. também eleição, escrutínio, votação.
 Votação na ordem cap. 108, 340, 345, 484, 569 / cf. também eleição, privação,
escrutínio, superiores, voz ativa e passiva.
 Voz ativa e passiva 397, 427, 574 / cf. também eleição, privação, votação.
 Wick João Tiago 1684-1688.
 Wittelsbach, fam. 1720.
 Zacarias 1221, 1674.
 Zaqueu, pers. bíbl. 1190.
 Zarlino José de Chioggia (+1590) 772.
 Zeferino de Bergamo, cap. (+1605) 32.
 Zelo pela Ordem 589, 666, 682, 724.
 Zoccolanti (tamanqueiros / recoletos), nome popular dos observantes 8 / cf.
também observantes.
 Zurique 1687.
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