Você está na página 1de 11

Tratamento de Problemas Não-Lineares na Mecânica dos Sólidos

____________________________________________________________________________

ANEXO 2: CRITÉRIOS DE ESCOAMENTO MULTI-AXIAIS

Introdução

Se o estado de tensões em um ponto é uniaxial, o limite elástico será aquele obtido de um


ensaio de tração ou compressão simples. Genericamente, chamaremos de k1, k2, ... ki, estes
dados obtidos de ensaios. Se, no entanto, o estado de tensões é multiaxial, deverão ser
adotados critérios de escoamento multiaxiais. Estes critérios vão estabelecer uma relação
entre as grandezas ki, que definem o limite elástico uniaxialmente, e o estado de tensões no
ponto. É comum representar estes critérios através de superfícies no espaço (de 9
dimensões!) de tensões. Estas superfícies são denominadas de superfícies de escoamento1 e
matematicamente podem ser expressas como:

f ( σ ij , k1, k2, ..., ki) = 0

As tensões de Cauchy σ ij podem ser representadas por suas tensões principais ( σ 1 , σ 2 , σ 3 ) e


r r r
suas correspondentes direções principais ( n1 , n 2 , n 3 ). Logo a equação acima pode ser
reescrita como:
r r r
f ( σ 1 ,σ 2 , σ 3 , n1 , n 2 , n 3 , k1, k2, ..., ki) = 0 (A.2.1)

A expressão acima constitue a expressão mais geral para as superfícies de escoamento. Se o


material é isótropo, então as direções consideradas no material não são importantes de
modo que a equação acima pode ser reescrita como:

f ( σ 1 ,σ 2 , σ 3 , k1, k2, ..., ki) = 0

ou (A.2.2)

f ( Iσ , IIσ , IIIσ , k1, k2, ..., ki) = 0

onde Iσ , IIσ , IIIσ são o primeiro, o segundo e o terceiro invariante do tensor de tensão de
Cauchy, respectivamente. Abaixo consideraremos dois tipos de materiais: aqueles onde o
limite elástico independe da pressão hidrostática (neste caso, na equação acima, desaparece
a dependência da superfície ao termo Iσ ) e aqueles no qual há dependência.

Limite elástico independente da pressão hidrostática

Os critérios mais empregadas neste caso são os de Guest-Tresca e de von Mises.


1
As superfícies de escoamento são sempre convexas e a deformação plástica é normal à superfície, o que
pode ser demonstrado considerando que as deformações plásticas são irreversíveis e produzem um trabalho
positivo. Esta demonstração é conhecida como “Postulado de Drucker”. Ver, por exemplo, Chen, WF e Han,
DJ em Plasticity for Structural Engineers.

xii
Tratamento de Problemas Não-Lineares na Mecânica dos Sólidos
____________________________________________________________________________

a) Critério de Guest-Tresca

Este critério estabelece que o limite elástico é alcançado quando as tensões tangenciais
máximas num ponto atingem as tensões tangenciais que se desenvolvem num ensaio de
tração simples no início do escoamento. Neste caso, a única constante (k) do material é a
tensão de início de escoamento ( σ e ). Matematicamente este critério pode ser escrito como:

f = σ max. − σ min − σ e = 0

ou (A.2.3)

σ max. − σ min = σ e

Inicialmente vamos traçar a superfície f definida por (A.2.3) no plano formado pelas tensões
principais 1 e 2. Para tanto, considere, no caso abaixo, uma placa em estado plano de
tensões, na qual aplicam-se tensões normais σ 1 e σ 2:

σ1

σ2 σ2

σ1

Fig. (A.2.1)

Neste caso, as seguintes combinações são possíveis (observe que estamos considerando que
o comportamento em tração e compressão do material é o mesmo).

Relação σ 1 / σ 2 Tensões Máx./Mín. Aplicação de (A.2.3)


σ 1 > σ 2 ( σ 1, σ 2 > 0) σ max= σ 1 ; σ min = 0 σ 1= σ e
σ 1 < σ 2 ( σ 1’, σ 2 < 0) σ max= 0 ; σ min = σ 1 σ1 = σ e
σ 2 > σ 1 ( σ 1, σ 2 > 0) σ max= σ 2 ; σ min = 0 σ 2= σ e
σ 2 < σ 1 ( σ 1, σ 2 < 0) σ max= 0 ; σ min = σ 2 σ2 = σe
σ2< 0, σ1>0 σ max= σ 1; σ min = σ 2 σ1- σ2 = σe
σ2> 0, σ1<0 σ max= σ 2 ; σ min= σ 1 σ2- σ1 = σe

As equações descritas na terceira coluna da tabela acima representam 6 retas no espaço σ 1


x σ 2. Abaixo estas retas estão graficadas

xiii
Tratamento de Problemas Não-Lineares na Mecânica dos Sólidos
____________________________________________________________________________

σ2

Superfície f de
escoamento de
σe Guest-Tresca

σe
σ1
−σe

−σ e

Fig. (A.2.2)

Se o estado de tensões é tal que o mesmo se encontra no interior da superfície de


escoamento (neste caso f < 0), então o estado de tensões é considerado elástico. Se o
estado de tensões encontra-se sobre a superfície de escoamento (f = 0), então o ponto
atingiu o limite elástico e entra em plastificação. O estado de tensões não pode estar
localizado fora da superfície de plastificação.

A representação acima nos dá apenas uma visão bi-dimensional da superfície de Guest-


Tresca. Antes de tentar visualizar tri-dimensionalmente esta superfície, vamos tentar
representar vetorialmente o tensor de tensão de Cauchy no espaço de tensões principais.
Conforme vimos no item 4.1,

σ=s + pI (A.2.4)
~ ~ ~

onde p é a pressão hidrostática

1
p = (σ 1 + σ 2 + σ 3 ) (A.2.5)
3
r
Seja agora, na figura abaixo, o espaço das tensões principais, no qual o vetor t representa
r
um estado de tensões cujas componentes são σ 1 , σ 2 , σ 3 . Seja agora o vetor unitário h , cujas

xiv
Tratamento de Problemas Não-Lineares na Mecânica dos Sólidos
____________________________________________________________________________

1 1 1
componentes são , , (ou seja, este vetor faz o mesmo ângulo com os três eixos
3 3 3
r r r
da base vetorial). A projeção de t na direção h , fornecerá o vetor p (ver figura abaixo). O
r
módulo de p vale:

r r r
p = h • t = 3p (A.2.6)

e suas componentes,
r rr
p = p n = {p, p, p} (A.2.7)
r
Por esta razão o eixo definido pela direção de h é denominado de eixo hidrostático, pois a
projeção das tensões principais neste eixo fornecerá como componentes a pressão
r r r
hidrostática do tensor de tensões. Se realizarmos a operação t − p , resultará o vetor d (ver
r
figura abaixo), perpendicular à p , que terá como componentes (ver equação (A.2.4)), as
tensões desviadoras principais:
r
d = {s1 , s 2 , s 3 } (A.2.8)
r
Para qualquer posição do vetor d , ele estará medindo sempre tensões desviadoras. Por esta
r r
razão, os planos gerados pela rotação de d em torno de p são denominados planos
r
desviadores. É interessante observar que o módulo de d vale:
r r r
d = d • d = s12 + s 22 + s 32 = 2J 2 (A.2.9)

onde J2 é o segundo invariante do tensor desviador.

σ2

r r
t = {σ 1 , σ 2 ,σ 3 } d = {s1 , s 2 , s 3 }

eixo hidrostático
r
p = {p, p, p}

r  1 1 1  plano desviador
h= , , 
 3 3 3 σ1

σ3
Fig. (A.2.3)

xv
Tratamento de Problemas Não-Lineares na Mecânica dos Sólidos
____________________________________________________________________________

Na figura abaixo pode-se observar como se projetam as componentes de tensão no plano


desviador:

eixo hidrostático

 1 
α = arccos  
 3
σ1

2
σ 1 sen α = σ 1 plano desviador
3

Fig. (A.2.4)

Assim a visualização da superfície de Guest-Tresca no plano desviador (observador olhando


na direção do eixo hidrostático) é mostrada na figura abaixo (novamente foi considerado
que o comportamento em tração e compressão é o mesmo):

2
σ3
3

2
σ
3 e

2 2
σe σe
3 3

2 2
σ σe
3 e 3

2 2
2 σe σ1
σ2 3 3
3

Fig. (A.2.5)

Logo, no plano desviador, Guest-Tresca apresenta-se sob a forma de um hexágono.


Observe que este critério independe da pressão hidrostática (ver equação (A.2.3)), assim, a
forma da superfície em qualquer plano desviador é sempre igual. Portanto, no espaço das
tensões principais, este critério se apresenta na forma de um prisma de seção hexagonal
constante, centrado no eixo hidrostático, conforme indica a figura abaixo:

xvi
Tratamento de Problemas Não-Lineares na Mecânica dos Sólidos
____________________________________________________________________________

σ2

σ1

σ3

Fig. (A.2.6)

b) Critério de von Mises

O critério de von Mises estabelece que a energia de distorção é a magnitude determinante no


fenômeno de plastificação. Assim, o escoamento do material inicia quando a energia de
deformação atinge um valor crítico. Porém, inicialmente, o critério foi proposto como uma
alternativa matemática mais simples que Guest-Tresca: consiste num cilindro circunscrito ao
2
prisma de Guest-Tresca. Logo o raio deste cilindro vale σ . Ou (ver fig. (A.2.3)):
3 e

r 2
d = σe
3

Da equação (A.2.9):

2
2J 2 = σ (A.2.10)
3 e

xvii
Tratamento de Problemas Não-Lineares na Mecânica dos Sólidos
____________________________________________________________________________

Esta equação aparece na literatura de múltiplas formas, dependendo da expressão


empregada para o segundo invariante do tensor desviador J2. Por exemplo2

1
J 2 = s ijs ij
2

6 [ 2
]
J 2 = (σ 11 − σ 22 ) + (σ 22 − σ 33 ) + (σ 33 − σ 11 ) + σ 12 + σ 23 + σ 31
1 2 2 2 2 2

(
1 2 2 2
J 2 = s1 + s 2 + s 3
2
) (A.2.11)

6 [
J 2 = (σ 1 − σ 2 ) + (σ 2 − σ 3 ) + (σ 3 − σ 1 )
1 2 2
]2

6 [ 2 2
]
J 2 = (s1 − s 2 ) + (s 2 − s 3 ) + (s 3 − s1 )
1 2

etc...

Assim, se empregarmos (A.2.11)1 em (A.2.10), a expressão de von Mises resulta:

2
s ijs ij = σ e 2 (A.2.12)
3

que é a equação mais usual para o critério de von Mises.

Graficamente, o critério de von Mises pode então ser representado por um cilindro de raio
2
σ centrado no eixo hidrostático, conforme a figura abaixo.
3 e

2
Ver por exemplo, Fung, A First Course on Continuum Mechanics.

xviii
Tratamento de Problemas Não-Lineares na Mecânica dos Sólidos
____________________________________________________________________________

σ2

σ1

σ3

Fig. (A.2.7)

Se substituirmos (A.2.11)4 em (A.2.10), para σ 3 = 0 , podemos obter a expressão


matemática para a superfície de von Mises, quando a mesma cruza o plano σ 1x σ 2 :

σ 1 2 − σ 1σ 2 + σ 2 2 = σ e 2 (A.2.13)

que representa uma elipse neste plano, conforme indica a figura abaixo:

xix
Tratamento de Problemas Não-Lineares na Mecânica dos Sólidos
____________________________________________________________________________

σ2

Superfície f de
escoamento de
σe Guest-Tresca

Superfície f de
escoamento de
von Mises

σe
σ1
−σe

−σ e

Fig. (A.2.8)

Observe que a maior discrepância entre as duas teorias acontece para σ 1 = − σ 2


σe σ
(cisalhamento puro). ( τ max = , por Guest-Tresca e τ max = e por von Mises). Lembrando
2 3
que pontos no interior da superfície são considerados elásticos, fica evidente das figuras
acima que a teoria de von Mises permite combinações de tensões maiores do que Guest-
Tresca, sem que haja plastificação.

Limite elástico dependente da pressão hidrostática

Muitos materiais não metálicos (solos, rochas, concreto, etc) são caracterizados pelo fato do
limite elástico ser dependente da pressão hidrostática. Portanto, neste caso, a superfície de
escoamento será função do primeiro invariante do tensor de tensões. (Metais também terão
seu comportamento dependente da pressão, se forem consideradas a presença de vazios na
matriz metálica, conforme discutido no capítulo 4).

xx
Tratamento de Problemas Não-Lineares na Mecânica dos Sólidos
____________________________________________________________________________

a) Critério de Rankine :

Neste caso, as tensões principais não podem ultrapassar as tensões limites obtidas num
ensaio de tração e compressão simples. Matematicamente esta superfície pode ser expressa
pelas equações:

para σ min < 0 , σ min = σ LC


e (A.2.14)
para σ max > 0 , σ max = σ LT

que correspondem a 6 planos perpendiculares no espaço das tensões principais. A


visualização parcial (apenas a equação (A.2.14)2) da superfície está indicada na figura
abaixo, onde também é mostrado a forma da mesma no cruzamento com um plano desviador
(observe que agora a forma da superfície no plano desviador depende do valor da pressão).

σ2

Superfície f de
Rankine
σ LT

σ LT σ LT σ1

Forma da superfície em
um plano desviador

σ3

Fig. (A.2.9)

b) Critério de Drucker-Prager

O critério de Drucker-Prager é uma generalização do critério de von Mises, no qual é


incluída a influência da pressão hidrostática. Assim, a equação (A.2.10) pode ser reescrita
como:

k 1 Iσ + J 2 = k 2 (A.2.15)

onde I σ é o primeiro invariante do tensor de tensão e k1 e k2 são as constantes que definem


r
o material. Como o módulo de d é igual a 2J 2 , logo

xxi
Tratamento de Problemas Não-Lineares na Mecânica dos Sólidos
____________________________________________________________________________

r
d = 2J 2 = 2 ( k 2 − I σ k1 ) (A.2.16)

Assim, o raio da superfície de plastificação no plano desviador será agora uma função de da
pressão e dada pela expressão 2 ( k 2 − I σ k 1 ) . Sua visualização no espaço de tensões
principais é indicado na figura abaixo:

σ2

σ3

σ1

Fig. (A.2.10)

xxii

Você também pode gostar