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SUMÁRIO

PREFÁCIO....................................................................................... 7
Vânia Cristina Casseb Galvão

APRESENTAÇÃO ............................................................................ 9
Márcia Teixeira Nogueira
Nadja Paulino Pessoa Prata

FUNCIONALISMO E MODELOS DE GRAMÁTICA FUNCIONAL...... 15


Márcia Teixeira Nogueira
Nadja Paulino Pessoa Prata
Izabel Larissa Lucena Silva

FUNCIONALISMO E COGNIÇÃO.................................................... 51
Maria Claudete Lima
Leosmar Aparecido da Silva
Cibele Naidhig de Souza

FUNCIONALISMO, VARIAÇÃO E MUDANÇA.................................. 71


Fábio Fernandes Torres
Lavínia Rodrigues de Jesus
Sávio André de Souza Cavalcante
FUNCIONALISMO E TEXTO........................................................... 107
Rosângela do Socorro Nogueira de Sousa
Luciano Araújo Cavalcante Filho
André Silva Oliveira

FUNCIONALISMO E DISCURSO..................................................... 143


Cláudia Ramos Carioca
Maria de Fátima de Sousa Lopes

BIODATAS DOS AUTORES ............................................................. 183


FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

PREFÁCIO

Vânia Cristina Casseb Galvão

A obra “Funcionalismo Linguístico: Domínios de investigação”


é uma proposta de reflexão linguística baseada em um dos
aspectos mais salientes da vertente funcionalista da linguagem: a
sua multiplicidade de aplicação aos diferentes campos de estudos.
Trata-se de uma amostra das inúmeras possibilidades temáticas
de estudo da língua e da linguagem que é altamente necessária
para aqueles que pretendem enveredar pelos estudos sociointe-
racionistas da gramática.
As organizadoras representam duas gerações do funciona-
lismo brasileiro, responsáveis por difundir, fortalecer e ampliar
essa perspectiva de análise linguística que atravessou as barrei-
ras oceânicas e encontrou nas instituições de ensino e pesquisa
do país um solo fértil para se estabelecer como viés teórico que
ajudou a quebrar entraves ideológicos colonialistas dos estudos
gramaticais. Os funcionalistas brasileiros são conhecidos mun-
dialmente por fazer divulgação científica de excelência e descrição
gramatical realmente centrada no uso da língua em situações de
interação efetiva.
O grupo de autores, aqui reunidos sob a regência de Nogueira
e Prata, não foge à regra: é herdeiro de desbravadores de segunda
geração de pesquisadores que fincaram seus pés em ideias lin-
guísticas que passaram pelo refinamento de Moura Neves, Malu

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FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Braga, Edair Gorsky, Ataliba Castilho, entre outros expoentes. Este


último, idealizador do maior projeto de descrição da gramática
da língua em uso do mundo, “O projeto NURC”, é responsável por
estabelecer práticas discursivas e investigativas de base funcional
que se disseminaram de Norte a Sul do Brasil.
Essas práticas nos permitem vislumbrar, neste volume, aná-
lises, descrições e reflexões sustentáveis e sustentadas nos pilares
funcionalistas constituídos pelo reconhecimento do texto como
unidade básica da língua, da instabilidade linguística decorrente
da pressão de forças internas e externas ao sistema linguístico;
da base cognitiva da competência gramatical e da constituição
do significado; do discurso como o produto da atividade textual-
-interativa.
É uma honra prefaciar este livro, tão relevante para os estudos
funcionalistas, sejam clássicos ou contemporâneos recentes,
cujos autores na sua maioria são parceiros com os quais já tive
a alegria de trabalhar e que seguem construindo essa estrada do
conhecimento científico que não finda jamais, através de reflexões
refrescadas e refrescantes, com aroma de juventude, de renovação
sustentada em bases fortes.
Aos leitores, o meu convite para entrar sem receios neste
espaço de ideias profundamente verticalizadas no pensamento
funcionalista mais representativo, produzidas a partir de reflexões
provenientes da análise de dados reais da língua portuguesa e de
práticas investigativas sistematizadas.
Um forte e longo abraço.

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FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

APRESENTAÇÃO
Márcia Teixeira Nogueira
Nadja Paulino Pessoa Prata

A Linguística Funcional dedica-se ao estudo da linguagem


colocando em consideração a complexidade de aspectos lin-
guísticos, cognitivos, discursivos e sociointeracionais. Interessam,
portanto, ao Funcionalismo linguístico, não apenas as proprieda-
des formais da expressão linguística ou sistema linguístico consi-
derados em si mesmos, mas diferentes domínios da competência
comunicativa que podem explicar o papel da língua na mediação
das interações sociais. Na teorização e análise linguística funcio-
nalista sobre o uso efetivo da língua em diferentes contextos de
interação, algumas habilidades relacionadas a essa competência
são evocadas para explicação de diversos fenômenos gramaticais,
tais como ordenação e apagamento de constituintes oracionais,
entre outros. Além da descrição da expressão linguística, o conhe-
cimento da natureza dessas habilidades, sejam elas mais relacio-
nadas à cognição humana ou à adaptação desta às demandas dos
diferentes contextos discursivos, tem relevante contribuição no
cumprimento do propósito de estudar a língua em uso.
Identificamos, no amplo campo de desenvolvimento do Fun-
cionalismo linguístico, o interesse pela investigação de dimensões
implicadas no uso linguístico, em vertentes particularmente
voltadas para o tratamento da língua em uso com foco na rela-
ção com a cognição, com a variação e mudança linguística, com

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FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

a construção textual e discursiva, por exemplo. Esta obra trata


dessas diferentes dimensões de descrição e análise linguística
sobre as quais a Linguística Funcional, na interface com outras
áreas da Linguística e das Ciências Humanas, em geral, oferece
sua importante contribuição. Os capítulos foram escritos por
pesquisadores do Grupo de Estudos em Funcionalismo (GEF/CNPq).
O capítulo Funcionalismo e Modelos de Gramática Funcional,
de Márcia Teixeira Nogueira, Nadja Paulino Pessoa Prata e Izabel
Larissa Lucena Silva, trata da natureza de um modelo teórico de gra-
mática, dedicando-se especificamente a dois modelos teóricos de
gramática funcional: (i) a Gramática Sistêmico-Funcional (GSF),
de Michael Halliday (1985), para quem um modelo de gramática
funcional deve ser, ao mesmo tempo, uma gramática do sistema
(necessária para o entendimento dos sentidos do texto) e uma
gramática do texto (necessária para o entendimento do sistema);
e (ii) a Gramática Discursivo-Funcional (GDF), de Hengeveld e
Mackenzie (2008), a qual constitui uma expansão da Gramática
Funcional (GF), de Dik (1997), para quem um modelo teórico
de gramática funcional deve apresentar adequação tipológica,
adequação pragmática e adequação psicológica. As autoras as-
sumem que um modelo teórico de gramática funcional, quando
não se distancia dos usos linguísticos mais do que o necessário e
submete a eles seus postulados, arcabouço e terminologia mais
caros, tem contribuição imprescindível para o desenvolvimento
da ciência Linguística.
O capítulo Funcionalismo e Cognição, de Maria Claudete Lima,
Leosmar Aparecido da Silva e Cibele Naidhig de Souza, examina
as relações entre a Linguística Cognitiva e o Funcionalismo Lin-
guístico, de modo a estabelecer aproximações e distanciamentos
entre as duas orientações teóricas. Dividido em 4 tópicos, o ca-
pítulo apresenta, a partir de dados reais, possibilidades de análise
funcional-cognitiva, demonstrando como a “gramática é moldada
pela experiência socio-cognitivo-cultural dos falantes, apoiada em

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FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

processos cognitivos de domínio geral”, notadamente a associação


entre os processos envolvidos na percepção visual e a concepção
linguística, tendo em vista parâmetros como especificidade, fo-
calização, proeminência e perspectiva, conforme estabelecidos
por Langacker (2008). Ao longo do capítulo, os autores destacam
aspectos essenciais considerados pelo Funcionalismo, a saber: (i)
inter-relação de forma e significado, (ii) a não modularidade da
gramática, e (iii) o entendimento da estrutura gramatical emer-
gente e regularizada.
O capítulo Funcionalismo, Variação e Mudança, de Fábio Fer-
nandes Torres, Lavínia Rodrigues de Jesus e Sávio André de Souza
Cavalcante, explica que o Funcionalismo concebe a linguagem
como um instrumento de interação social cuja forma se adapta
às funções que exerce, reconhecendo, portanto, que o sistema é
heterogêneo. Essa necessidade de adaptação motiva a variação
e mudança em uma dada língua, o que explicaria, por exemplo,
o processo de gramaticalização [Discurso > sintaxe > morfologia
> morfofonêmica > zero (Givón, 1979, p. 209)]. Com base na re-
lação entre os processos de variação e mudança linguística, os
autores apresentam dados de uso sobre (i) a posição de cláusulas
temporais, mostrando que a ordem é sensível às funções textual-
-discursivas da temporal, locus da variação posicional e/ou da
fixidez; e (ii) a rota de gramaticalização do verbo “tomar”: verbo
pleno > verbo estendido >expressão cristalizada > verbo-suporte.
Esses dois casos demonstram que a mudança é uma propriedade
fundamental das línguas naturais e um mecanismo de reestrutu-
ração dos sistemas linguísticos.
O capítulo Funcionalismo e Texto, de Rosângela do Socorro
Nogueira de Sousa, Luciano Araújo Cavalcante Filho e André Silva
Oliveira, esclarece que, ao optar-se por uma abordagem funcio-
nalista, é natural que se tome o texto, unidade relativa a qualquer
instância de linguagem, como ponto de partida para a descrição
e análise do sistema linguístico. Os autores mostram, a partir de

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FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

diferentes perspectivas, uma estreita relação entre Funcionalis-


mo e Linguística de Texto, ambas amparadas pela perspectiva
pragmática, que considera o contexto e o falante/ouvinte no
processo de construção de sentidos. Eles consideram os aportes
dessa relação para a descrição e a análise que ultrapassa as fron-
teiras da frase, em temas como: (i) alargamento do tratamento
funcional dos aspectos coesivos da aposição encapsuladora com
base na Gramática Discursivo-Funcional; (ii) a coerência por meio
da proposta de uma estrutura textual hierárquica mantida por
relações retóricas estabelecidas entre as cláusulas e/ou porções
maiores do texto, com base na Teoria da Estrutura Retórica; e (iii)
a modalidade como uma estratégia textual-discursiva que marca
o envolvimento do falante com o que é dito.
O capítulo Funcionalismo e Discurso, de Cláudia Ramos Ca-
rioca e Maria de Fátima de Sousa Lopes, apresenta a interface
entre o Funcionalismo e a Análise do Discurso. O discurso, que
é histórico, social e culturalmente construído, se materializa,
conforme as autoras, em diversos gêneros textuais. A interação
verbal com atenção ao tipo de discurso ou instância discursiva em
que ela ocorre tem sido investigada em algumas vertentes fun-
cionalistas, tais como a Gramática Sistêmico-Funcional (GSF) e a
Gramática Discursivo-Funcional (GDF). Para ilustrar o tratamento
funcionalista da relação entre discurso e gramática, as autoras
referem estudos realizados por pesquisadores do GEF, sobre
evidencialidade, modalidade, articulação de orações, fenômenos
gramaticais instanciados na construção de discursos publicitários,
políticos, midiáticos, acadêmicos, jornalísticos, autobiográficos.
Dessa forma, fica demonstrado que a língua não pode ser vista
como abstrata, autônoma e homogênea, mas como um reflexo de
um processo de adaptação, estabelecido pelo falante, às diferentes
situações comunicativas.
A divisão desta obra em capítulos é meramente um modo de
informar, para os leitores aos quais supostamente ela se destina -

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FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

em geral, estudantes da Graduação em Letras e da Pós-Graduação


em Linguística, alguns dos principais campos de investigação da
Linguística Funcional. Entretanto, em cada situação de intera-
ção verbal, as dimensões aqui tratadas – gramaticais, cognitivas,
discursivas e sociais, estão presentes, conferindo grande com-
plexidade ao uso linguístico e, consequentemente, às tarefas de
descrição e análise linguística, bem como ao ensino de línguas. O
propósito deste livro é, portanto, favorecer o entendimento desse
objeto naturalmente complexo e, por esse motivo, fascinante, e
contribuir, desse modo, com a formação linguística de pesquisa-
dores e professores.

Referências
DIK, S. C. The Theory of functional grammar. Part 1: the structure of
the clause. New York: Mouton de Gruyter, 1997.
GIVÓN, Talmy. On Understanding Grammar. New York: Academic
Press, 1979.
HALLIDAY, M. A. K. An introduction to functional grammar. 1. ed.
London: Edward Arnold, 1985.
HENGEVELD, K.; MACKENZIE, J. L. Functional Discourse Grammar:
a tipologically-based theory of language structure. New York: Oxford
University Press, 2008.
LANGACKER, R. W. Cognitive grammar: a basic introduction. New York,
Oxford University Press. 2008.

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FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

FUNCIONALISMO E MODELOS DE
GRAMÁTICA FUNCIONAL

Márcia Teixeira Nogueira


Nadja Paulino Pessoa Prata
Izabel Larissa Lucena Silva

1. Considerações iniciais

U m modelo teórico consiste em uma representação cientifica-


mente elaborada de alguma realidade. Trata-se, portanto, de
uma abstração em relação aos fatos que a ciência investiga, porque
abstrai diferenças não relevantes das ocorrências que instanciam
conceitos teóricos (categorias), processos representados no mode-
lo. Para a elaboração de modelos teóricos, um sistema notacional
é utilizado a fim de expressar, de modo preciso, as generalizações
feitas por seu idealizador.
Em modelos teóricos de gramática, a ciência Linguística,
inserida entre as ciências Humanas, também recorre à forma-
lização de modelos, recurso próprio das ciências formais, que é
amplamente utilizado na abstração científica de ciências factuais
de diferentes áreas.
O adjetivo formal pode qualificar uma investigação das for-
mas linguísticas sem a consideração de suas funções. Desse modo,
confunde-se formalização como representação formal de um mo-
delo de gramática, seja ela formal ou funcional, com o estudo da

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FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

forma (Sintaxe formal), como autônoma em relação aos sentidos e


funções. Vale lembrar, com a ressalva necessária de que se evitem
generalizações em relação aos paradigmas Formalismo e Funciona-
lismo, a distinção feita por Newmeyer (1998) entre dois sentidos
do termo formalização: um relativo à consideração da forma ou
estrutura gramatical (Formalismo) em oposição à consideração do
significado ou uso (Funcionalismo); e outro relativo à utilização
de um sistema notacional para expressar de modo preciso e exato
as observações e as generalizações linguísticas.
Enfatizando a ideia de não autonomia do sistema linguís-
tico, Nichols (1984) chama a atenção para o fato de que, para o
funcionalista, a situação comunicativa motiva, restringe, explica
ou, de algum modo, determina a estrutura gramatical. Todavia,
ao tratar da distinção entre gramática formal e gramática fun-
cional, Nichols (1984) afirma que essa diferença está no fato de
que a gramática formal projeta modelos formais de linguagem,
enquanto a gramática funcional analisa a estrutura gramatical
em correlação com a situação comunicativa, que compreende o
propósito de cada evento de fala, seus participantes e o contexto
discursivo. Sabemos que a elaboração de modelos nas teorias
que tratam do sistema linguístico não está limitada às vertentes
teóricas estritamente interessadas nas relações imanentes desse
sistema por assumirem sua autonomia em relação ao uso efetivo.
Há modelos teóricos funcionalistas que, em menor ou maior grau
de formalização, registram regularidades atinentes, inclusive e
principalmente, a funções semânticas e pragmáticas acionadas
pelo uso das formas de codificação morfossintática e fonológica.
Neste capítulo, tratamos de características gerais que um
modelo teórico de gramática funcional apresenta tendo em vista
a representação de relações entre sistema e uso linguísticos. Para
ilustrar, de modo necessariamente panorâmico, a discussão so-
bre essas características, analisamos dois modelos de gramática
funcional amplamente conhecidos e utilizados no embasamento

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FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

teórico da pesquisa sobre a língua em uso: (i) a Gramática Sistêmi-


co-Funcional, de Michael Halliday; e (ii) a Gramática Discursivo-
-Funcional, de Hengeveld e Mackenzie. Os objetivos são, portanto,
apresentar e discutir os pressupostos teórico-metodológicos
gerais desses dois modelos teóricos de gramática, a arquitetura
formal dos modelos, sua utilidade descritiva para o tratamento
de alguns fenômenos, entre outros pontos.
Para tanto, o texto se organiza com a seguinte macro-
estrutura. Nesta introdução, discutimos sobre o que é um
modelo teórico nas ciências em geral, na Linguística e, mais
especificamente, nas teorias funcionalistas, e apresentamos
nossos objetivos. Na seção seguinte, tratamos das condições
que tornam um modelo teórico de gramática funcional mais
ajustado à investigação da língua em uso efetivo. Nas duas
seções a seguir, expomos, de forma sucinta, as características
gerais dos modelos teóricos da Gramática Sistêmico-Funcional
e da Gramática Discursivo-Funcional, e concluímos o capítulo
com nossas considerações finais.

2. Modelo teórico de gramática funcional

Assumimos, com Nuyts (1992), que a formalização está asso-


ciada ao propósito de modelar qualquer objeto de investigação;
é característica metodológica ligada ao objetivo de propor uma
representação formal de algum objeto; e não se restringe a teorias
linguísticas formalistas, pois há modelos teóricos funcionalistas
que consideram a língua em seu contexto de uso e função, mas
também utilizam notação matemática. A formalização em pro-
postas de gramáticas funcionais parece ser uma questão de grau.
Alguns funcionalistas criticam, com veemência, formalismos
teóricos; enquanto outros os utilizam e os revisam se necessário.
Segundo Nichols (1984), aqueles são, em geral, qualificados como
funcionalistas extremados; e estes, como moderados.

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FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Autores ligados ao chamado Funcionalismo Norte-americano


não são lembrados pela formalização de modelos teóricos das lín-
guas naturais, mas pela realização de estudos que se constituíram
marcos de orientação funcionalista no que constitui a chamada
sintaxe funcional. Talmy Givón é um desses funcionalistas norte-
-americanos cujas pesquisas demonstraram condicionamentos
discursivos sobre as estruturas gramaticais em estudos avaliados
como verdadeiros manifestos contra as abordagens formalistas.
No estudo sobre tipologia linguística, no entanto, Givón
(1995, 2001) assume uma posição intermediária e critica tanto
a visão de Chomsky de gramática como um algoritmo, quanto
o conceito de Paul Hopper, de uma gramática emergente, total-
mente flexível, sempre negociada e completamente dependente
do contexto comunicativo. Mesmo reconhecendo que a gramática
é um instrumento categorizador por excelência (e, como código,
é mais abstrato do que o que codifica), Givón (2001) lembra que
raramente há 100% de dominância em uma regra, sendo a flexi-
bilidade residual, a gradualidade e a variabilidade da gramática
motivadas de maneira adaptativa. Os universais linguísticos não
são vistos por Givón (2001) como necessariamente absolutos, mas
como uma questão de grau ou de tendência, em virtude da grande
complexidade dos subsistemas cognitivo, comunicativo e grama-
tical, em que múltiplos fatores interagem de maneira complexa e,
por vezes, competitiva. Segundo Givón (2001), sistemas com base
biológica são complexos e interativos, resistindo, frequentemente,
à formalização, que não consiste, segundo ele, numa explicação,
mas numa descrição mais geral e concisa.1
No modelo teórico da Gramática Sistêmico-Funcional (GSF),
de Michael Halliday, o sistema linguístico é visto como configu-
ração orgânica de funções (Halliday, 1985). A língua é interpre-

1 The insistence on substantive, adaptive, functional explanations is due in part to


the fact that biologically-based systems are complex and interactive, often defying
formalization. (...) Formalization is, in principle, not an explanation but rather a
more generalized, concise description (Givón 1979: Ch. 1). (Givón, 2001, p. 25)

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FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

tada como um sistema de significados funcionais, e o modelo


teórico representa redes de opções engrenadas em cada um de
seus subsistemas. Trata-se, portanto, de uma proposta bastante
elaborada de gramática como sistema de escolhas léxico-grama-
ticais. Ratifica-se, nela, a ideia de que o sistema linguístico está
organizado mediante um conjunto de componentes funcionais
altamente codificados que, apesar de compreender um número
muito grande de usos, organiza-se em torno de três macrofunções
(metafunções): ideacional, textual e interpessoal. Um modelo de
gramática funcional, segundo Halliday (1985), deve ser, ao mesmo
tempo, uma gramática do sistema (necessária para o entendimento
dos sentidos do texto) e uma gramática do texto (necessária para
o entendimento do sistema). Na seção 3, a Gramática Sistêmico-
-Funcional será tratada com referência a obras que desenvolvem,
principalmente, a face mais “sistêmica” do modelo, tais como
Halliday e Matthiessen (2004, 2014).
A Gramática Funcional (GF) de Simon Dik propõe um modelo
de interação verbal em que a expressão linguística é vista apenas
na mediação entre Falante e Ouvinte, já que fatores cognitivos,
interacionais e sociais têm papel determinante. Em outras pala-
vras, segundo Dik, para orientar a descrição e análise da expressão
linguística, um modelo teórico de gramática deve prever parâme-
tros explanatórios que não se restringem à capacidade linguís-
tica de quem usa uma língua, mas considerem sua competência
comunicativa, constituída por capacidade epistêmica, por meio da
qual ele constrói, mantém e explora uma base de conhecimento
organizado; capacidade lógica, que possibilita o emprego de regras
de raciocínio para a extração de novos conhecimentos a partir de
conhecimentos prévios; e capacidade social, que determina o uso
da linguagem em conformidade com o interlocutor, a situação e
os objetivos comunicativos.
Para Dik (1989, 1997), um modelo teórico de gramática fun-
cional deve apresentar adequação tipológica, adequação prag-

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FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

mática e adequação psicológica. Para que uma teoria apresente


adequação tipológica, é necessário que ela se volte, de forma
sistemática, para as similaridades e diferenças existentes entre as
línguas naturais, integrando estudos relativos à forma, ao sentido
e ao uso. A adequação pragmática de uma teoria relaciona-se à
integração da gramática (descrição e explanação das expressões
linguísticas) numa teoria pragmática mais ampla da interação
verbal. E a adequação psicológica reside na capacidade de rela-
cionar os comportamentos linguísticos com modelos psicológicos
da competência linguística. A gramática, portanto, deve ser vista
como uma construção composta de um modelo de produção, um
modelo de interpretação e de um estoque de elementos e princí-
pios usados nos modelos de produção e de interpretação. Segundo
Dik (1989), uma teoria geral da gramática pode falhar ou quando é
fraca demais, isto é, quando é concreta e próxima demais de uma
língua específica e, portanto, incapaz de permitir a descrição de
outras línguas particulares; ou quando é forte demais, ou seja, é
abstrata demais, de tal modo que pode representar uma classe
de gramáticas que excede amplamente o conjunto de línguas
humanas reais.2 Para evitar essa última falha, Dik propõe três
maneiras de restringir o poder descritivo de um modelo teórico
de gramática: evitar transformações ou operações de mudança de
estrutura, evitar filtros e não admitir predicados abstratos.
Com a necessidade de uma expansão da GF, foi
proposta a Gramática Discursivo-Funcional (GDF), de Henge-
veld e Mackenzie (2008). Segundo os teóricos, essa expansão se
justifica porque há muitos fenômenos linguísticos que só podem
ser explicados em termos de unidades maiores que a frase em si
mesma, tais como formas verbais narrativas, partículas discursi-
2 Abstractness and typological adequacy interrelate in the following way: when the
theory is too concrete in the description of particular languages, the notions used
cannot be transferred to the description of other languages, and thus stay short of
achieving typological adequacy. But when the theory is too abstract (= more abs-
tract than is required for typological adequacy), it overshoots its mark of defining
the most significant generalizations across languages, and thus loses in empirical
import: it does not tell us very much about languages anymore. (Dik, 1989, p. 15)

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FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

vas, cadeias anafóricas; e, por outro lado, há unidades linguísticas


que são menores do que a frase e, no entanto, funcionam como
enunciados completos e independentes no discurso. Idealizado,
então, como modelo teórico que propõe uma expansão da GF de
Simon Dik, pois toma o ato discursivo como unidade básica, seja
ele, morfossintaticamente, menor ou maior que uma sentença, a
GDF faz uso ainda mais elaborado de formalismos para enfrentar
o desafio de prever regularidades relacionadas não apenas à capa-
cidade linguística do usuário de uma língua, mas aos condiciona-
mentos cognitivos e contextuais na produção do ato discursivo.
Na seção 4, tratamos, de forma mais pormenorizada, do modelo
teórico da Gramática Discursivo-Funcional.

3. A Gramática Sistêmico-Funcional

Michael Alexander Kirkwood Halliday (1925-2018), principal


fundador da vertente conhecida como Linguística Sistêmico-Fun-
cional (doravante LSF), em artigo seminal, intitulado Language
structure and language function, publicado em 1970, em coletânea
organizada por John Lyons, lança o seguinte questionamento
acerca da natureza da língua: por que a língua é como é? (Halliday,
1970, p. 141, tradução nossa)3. A resposta a essa indagação reflete
a direção funcionalista de investigação que Halliday estabelece
para sua clássica gramática de usos, intitulada An Introduction
Functional Grammar, publicada em 1985.
Para o linguista britânico, a principal natureza da língua está
relacionada às necessidades que nós, seres humanos, lhe impomos,
ou seja, às funções que ela cumpre em nossa vida. Nos casos mais
concretos, essas funções são específicas de uma dada cultura,
como o uso da língua para organizar expedições de pesca na Ilha
Trobriand, descrito por Malinowski (1923). Todavia, subjacentes a
essas instâncias particulares de uso da língua, há, segundo o autor,

3 Why is a language as it is?

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FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

funções mais gerais que são comuns a todas as culturas, como no


uso da língua como meio para organizar pessoas ou determinar
comportamentos. Ainda no que diz respeito à indagação acerca
da natureza da língua, Halliday argumenta:

Uma descrição puramente extrínseca das funções


linguísticas, que não se baseia numa análise da es-
trutura linguística, não responderá à questão; não
podemos explicar a língua simplesmente listando
seus usos, e tal lista poderia, de qualquer modo,
prolongar-se indefinitivamente. O relato etnográfico
de Malinowski acerca das funções da linguagem, ba-
seado na distinção entre ‘pragmático’ e ‘mágico’, ou
a conhecida divisão tripartida de Bühler nas funções
representativa, expressiva e conativa mostram que
é possível generalizar; porém essas generalizações
são direcionadas para investigações sociológicas ou
psicológicas, e não pretendem principalmente lançar
luz sobre a natureza da estrutura linguística. Ao mes-
mo tempo, uma explicação da estrutura linguística
que não presta atenção às demandas que fazemos da
língua carece de perspicácia, uma vez que não ofe-
rece princípios para explicar por que a estrutura da
língua é organizada de uma maneira e não de outra
(Halliday, 1970, p. 141, tradução nossa)4.

4 A purely extrinsic account of linguistic functions, one which is not based on an


analysis of linguistic structure, will not answer the question; we cannot explain
language by simply listing its uses, and such a list could in any case be prolonged
indefinitely. Malinowski’s ethnographic account of the functions of language, ba-
sed on the distinction between ‘pragmatic’ and ‘magical’, or Biihler’s well-known
tripartite division into the ‘representation- al’, ‘expressive’ and ‘conative’ functions,
show that it is possible to generalize; but these generalizations are directed towards
sociological or psychological inquiries, and are not intended primarily to throw
light on the nature of linguistic structure. At the same time, an account of linguis-
tic structure that pays no attention to the demands that we make of language is
lacking in perspicacity, since it offers no principles for explaining why the structure
of language is organized in one way rather than in another.

22
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Pelo trecho citado, podemos observar que Halliday (1970)


aponta a insuficiência tanto de descrições puramente extrínsecas
das funções linguísticas, que não consideram a estrutura gramati-
cal da língua, como, também, de descrições estritamente formais,
que não consideram as necessidades do uso linguístico. Assim,
defendendo uma visão intermediária entre a instrumentalidade
da língua e a sistematicidade da estrutura gramatical, Halliday
propõe que “é necessário olhar tanto para o sistema da língua
como para suas funções em simultâneo” (Halliday, 1970, p. 142)5.
Isso significa optar por uma teoria que insiste no exame da orga-
nização interna da língua como reflexo das diferentes funções a
que a língua serve.
Halliday (1985) assume a noção de que a língua está organi-
zada como uma rede de estruturas sistêmicas construídas como
configurações orgânicas de funções, que representam as escolhas
significativas produzidas na vida dos indivíduos de uma dada
cultura. Daí a relevância da dimensão paradigmática na teoria,
porque, como diz Halliday (1985), usar a língua significa fazer
escolhas em meio a outras escolhas, uma vez que, como sistema,
a língua constitui um conjunto potencial de meios linguísticos
de ordem paradigmática disponível num dado contexto de uso
(geral e específico). No que diz respeito à dimensão funcional da
linguagem, Halliday (1985) esclarece que a língua representa as
escolhas significativas operadas pelos falantes num determinado
contexto para o cumprimento de funções da linguagem, que, para
ele, são três, além da função básica comunicativa: (i) ideacional
(que serve para a expressão do conteúdo ligado às experiências re-
ais do falante no mundo, incluindo às experiências de sua própria
consciência); (ii) interpessoal (que serve para o estabelecimento
e a manutenção das relações sociais, para a expressão de papéis
sociais, incluindo os comunicativos, como os de falante e ouvinte,
e a expressão de julgamentos e opiniões); e (iii) textual (que serve
5 It is necessary to look at both the system of language and its functions at the same
time.

23
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

para dar relevância aos significados ideacionais e interpessoais


organizados no formato de textos coesos e coerentes).
Na LSF, essas funções são denominadas de metafunções, e,
para além de uma concepção extrínseca das funções da linguagem,
assume-se que o caráter funcional da linguagem é inerente à or-
ganização do sistema linguístico. É como Halliday e Matthiessen
(2004, p. 31) explicam:

Por que esse termo um tanto pesado ‘metafunção’?


Poderíamos tê-los chamado simplesmente de “fun-
ções”; no entanto, há uma longa tradição de falar
sobre as funções da linguagem em contextos em que
‘função’ significa simplesmente propósito ou modo
de usar a linguagem, e não tem significado para a
análise da própria língua (cf. Halliday e Hasan, 1985:
Capítulo 1; Martin, 1990). Mas a análise sistêmica
mostra que a funcionalidade é intrínseca à língua:
ou seja, toda a arquitetura da língua é organizada em
linhas funcionais. A língua é como é por causa das
funções nas quais ela evoluiu na espécie humana.
O termo ‘metafunção’ foi adotado para sugerir que
a função era um componente integral dentro da
teoria geral (Halliday; Matthiessen, 2004, p. 30-31,
tradução nossa)6.

Embora o texto seja a unidade de análise e de descrição


da Gramática Sistêmico-Funcional (doravante GSF), a oração é
definida como a unidade central de processamento da léxico-

6 Why this rather unwieldy term ‘metafunction?’ We could have called them simply
‘functions’; however, there is a long tradition of talking about the functions of lan-
guage in contexts where ‘function’ simply means purpose or way of using language,
and has no significance for the analysis of language itself (cf. Halliday and Hasan,
1985: Chapter 1; Martin, 1990). But the systemic analysis shows that functionality is
intrinsic to language: that is to say, the entire architecture of language is arranged
along functional lines. Language is as it is because of the functions in which it has
evolved in the human species. The term ‘metafunction’ was adopted to suggest that
function was an integral component within the overall theory.

24
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

-gramática, pois, conforme Halliday e Matthiessen (2004, p. 10),


“é na oração que significados de diferentes tipos são mapeados
em uma estrutura gramatical integrada”7. Como unidade central
de processamento da estrutura gramatical, a oração pode ser vista,
simultaneamente, como representação (metafunção ideacional),
como troca (metafunção interpessoal) e como mensagem (meta-
função textual).
Na seção a seguir, discutimos a relevância da noção de con-
texto na configuração do modelo da GSF.

3.1 Contexto e metafunções

No aparato teórico da LSF, é fundamental a noção de con-


texto ligado ao texto, já que toda produção linguística ocorre em
um dado entorno contextual – geral e específico. Sendo o texto
o resultado da interação linguística, e, como unidade semântica,
o meio de expressão de significados ideacionais, interpessoais e
textuais, assume-se que o texto apresenta dois subtipos de coerên-
cia contextual: (i) contexto de situação (registro) e (ii) contexto de
cultura (gênero). No primeiro caso, o que se coloca são os fatores
extralinguísticos que afetam, de forma mais imediata, as escolhas
linguísticas quando se fala ou se escreve, ou seja, as variáveis
situacionais que determinam os significados expressos: campo
(que atividade é representada no texto?), relação (quais papéis
desempenham os interactantes?) e modo (como a linguagem está
intimamente ligada à experiência descrita?). No segundo caso,
o que se define é o reconhecimento de que o texto constitui um
exemplar de um determinado gênero a partir da identificação de
um propósito unificado que o motiva (Eggins, 2004).
Do ponto de vista de suas bases históricas, podemos dizer que
a noção de contexto da LSF se fundamenta na concepção antro-

7 […] it is in the clause that meanings of different kinds are mapped into an integrated
grammatical structure.

25
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

pológica de Malinowski (1923) acerca da relação imbricada entre


língua e contexto (não apenas imediato, mas também mais global,
o contexto de cultura) e na noção linguística de Firth (1957), que,
inspirado em Malinowski, construiu a noção de contexto dentro
de seu modelo de análise linguística, estabelecendo que o ‘sistema
de escolhas’ se molda em conformidade com as determinações de
aspectos sociais e culturais subjacentes aos diferentes eventos
comunicativos (Eggins; Martin, 1997). Essa noção de contexto, seja
na sua acepção situacional (micro), seja na sua acepção cultural
(macro), diz respeito, de modo geral, aos fatores contextuais que
determinam os significados evocados nos textos. Ao desenvolver
as categorias contextuais de registro e de gênero, a LSF consegue
dar conta de alguns desses aspectos contextuais, como explicam
Eggins e Martin (1997, p. 251):

O termo registro (contexto de situação) e gênero


(contexto de cultura) identificam as duas maiores
camadas do contexto que têm impacto sobre o tex-
to, e são, portanto, as duas principais dimensões da
variação entre textos. Na abordagem aqui enunciada,
registro e gênero são dois planos de realização em
uma visão semiótica de texto. Essa visão é inerente-
mente dialógica e interativa: texto é tanto a realiza-
ção de tipos de contextos quanto a representação do
que importa para os membros culturais nas situações
(Eggins; Martin, 1997, p. 251, tradução nossa)8.

Como já dissemos, a categoria registro está ligada às variáveis


situacionais campo (field), relações (tenor) e modo (mode). O cam-

8 The terms register (context of situation) and genre (context of culture) identify the
two major layers of context which have an impact on text, and are therefore the two
main dimensions of variation between texts. Within the approach outlined here,
register and genre variation are two realizational planes in a social semiotic view
of text. This view is inherently dialogic and interactive: text is both the realization
of types of context, and the enactment of what matters to cultural members in
situations.

26
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

po representa o evento comunicativo no qual o texto funciona,


incluindo, também, o propósito da atividade e o tema. A relação
diz respeito aos papéis definidos na interação e ao conjunto de
relações sociais relevantes na troca comunicativa. A variável modo
se refere à função do texto no evento, incluindo tanto o canal
utilizado pela linguagem como também o gênero ou o modo re-
tórico, tais como narrativo, didático, persuasivo (Halliday; Hasan,
1976). Cada uma dessas variáveis do contexto de situação está
relacionada a uma metafunção da linguagem, determinando a
seleção de opções em um componente semântico, que se liga,
por sua vez, a um sistema léxico-gramatical. Assim, a variável
campo, que se liga à metafunção ideacional, define a seleção de
significados experienciais realizados no sistema de Transitividade;
a variável relações, que diz respeito à metafunção interpessoal,
condiciona a seleção de significados interpessoais, realizados no
sistema de MODO e Modalidade; e a variável modo, que se vincula
à metafunção textual, restringe a seleção dos significados textuais,
operacionalizados no sistema da Estrutura Temática. No item
adiante, aprofundamos a discussão sobre a léxico-gramática e os
sistemas de escolhas acionados pelas metafunções experiencial,
interpessoal e textual.

3.2 Sistemas léxico-gramaticais

Segundo Halliday e Matthiessen (2004), qualquer unidade


gramatical é uma construção multifuncional que consiste na
manifestação de significados ligados a três metafunções (ideacio-
nal, interpessoal e textual) unificados na estrutura da oração. Da
perspectiva da metafunção ideacional9, a oração é interpretada

9 A metafunção ideacional se realiza por meio das funções experiencial e lógica.


A função experiencial se refere à representação das experiências dos indivíduos
no mundo e tem como unidade de análise a oração. A função lógica diz respeito
à combinação de elementos lexicais e oracionais, e sua unidade de análise é o
complexo oracional. O sistema de Transitividade está diretamente ligado à função
experiencial.

27
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

como uma representação ou uma configuração constituída de um


processo, participantes e circunstâncias. O sistema responsável por
fornecer as opções léxico-gramaticais ligadas ao uso da lingua-
gem como exteriorização de nossas experiências no mundo é o
sistema de Transitividade, que, na visão da Halliday e Matthiessen
(2004), diz respeito a uma propriedade integral da oração, vista
como a realização de escolhas entre processos (material, mental,
relacional, comportamental, verbal e existencial), participantes
(grupos nominais) e circunstâncias (grupos adverbiais ou grupos
preposicionais). Os processos material, mental e relacional são
os principais tipos de processos do sistema de Transitividade. Há,
ainda, categorias híbridas, localizadas nas fronteiras entre esses
três processos básicos. Na fronteira entre o material e o mental,
estão os processos comportamentais. Na fronteira entre os pro-
cessos mental e relacional, está a categoria de processos verbais.
Na fronteira entre os processos relacional e material, estão os
processos existenciais.
Os processos materiais têm relação com ações físicas e con-
cretas que demandam algum tipo de energia, interpretadas por um
quantitativo de mudanças no fluxo dos eventos descritos, como
em “O leão saltou”10. Os processos mentais dizem respeito às ex-
periências de nossa própria consciência, que se constroem por um
quantitativo de mudanças dos eventos que fluem da consciência
de alguém ou que nela interferem, como em “Maria gostou do
presente”11. Os processos relacionais estabelecem ligações entre
entidades, servindo para caracterizá-las ou identificá-las, como,
respectivamente, em “Sara é sábia”12 e “Sara é a líder”13. Os pro-
cessos verbais concernem às relações simbólicas da consciência
humana mediadas pela linguagem, como em “Ele disse: ‘estou com
fome’”14. Os processos comportamentais representam as manifes-
10 The lion sprang (Halliday; Matthiessen, 2004, p. 180).
11 Mary liked the gift (ibid., p. 201).
12 Sarah is wise (ibid., p. 216).
13 Sarah is the leader (ibid., p. 216).
14 (He said) ‘I’m hungry’ (ibid., p. 253).

28
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

tações tipicamente humanas de comportamentos psicológicos


(como “sorrir”, “sonhar” e “olhar”) ou fisiológicos (como “respirar”,
“tossir”, “dormir”), como em “Ela está sorrindo”15. Os processos
existenciais são aqueles reconhecidos como existentes, como, por
exemplo, “Hoje há o Cristianismo no Sul”16. Por fim, é importante
ainda lembrar que as opções feitas no sistema de Transitividade
são opções de representação semântica, o que significa dizer que
uma oração na voz ativa pode ser passada para a voz passiva,
sem alteração na representação semântica do estado de coisas
subjacente.
Simultaneamente à sua organização enquanto representa-
ção de processos, a oração pode também organizar significados
interpessoais, que, como vimos, é a função que nos habilita a
participar da situação de fala, usando a linguagem para estabe-
lecer relações sociais. Por meio dessa função interativa, podemos
estabelecer papéis comunicativos e expressar nossas opiniões,
julgamentos e avaliações. Para Halliday e Matthiessen (2004),
os tipos mais fundamentais de função de fala são dois: dar e de-
mandar. Nas palavras dos autores: “ou o falante está dando algo
ao ouvinte [...] ou está demandando algo dele [...]: dar significa
“convidar a receber”, e demandar significa “convidar a dar” [...]:
é uma troca, em que dar implica receber e demandar implica dar
em resposta”17. Nessa troca, há dois valores (ou “mercadorias”)
que podem ser trocados: informações ou bens e serviços. Na troca
de informação, a oração toma a forma de uma proposição. Na troca
de bens e serviços, a oração assume a forma de uma proposta. Sob
o ponto de vista interpessoal, a oração assume um papel de troca,
pois é vista como um ato de fala que determina relações sociais,
permuta de papéis em interações retóricas, como declarações e

15 She’s laughing (ibid. p. 251).


16 Today there’s Christianity in the south (ibid., p. 171).
17 Either the speaker is giving something to the listener […] or he is demanding
something from him […]: giving means ‘inviting to receive’, and demanding me-
ans ‘inviting to give’ […]: it is an exchange, in which giving implies receiving and
demanding implies giving in response (Ibid., p. 107).

29
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

perguntas (quando toma a forma de proposição) e ofertas e co-


mandos (quando toma a forma de proposta). Proposições podem
ser afirmadas ou negadas, postas em dúvida, aceitas ou refutadas;
propostas, por outro lado, não.
O recurso léxico-gramatical que dá forma aos significados
interpessoais é o sistema de MODO, que consiste na gramaticali-
zação das funções de fala da oração (em declarativo, interrogativo
e imperativo) como elemento responsável por realizar as propo-
sições e as propostas nas interações linguísticas. Nesse sistema
de MODO, a oração está organizada em dois constituintes: Modo
e Resíduo. O Modo se constitui de dois elementos: Sujeito e Fini-
to. O Sujeito é um grupo nominal a quem a responsabilidade da
Proposição é atribuída; e o Finito faz parte do grupo verbal, sendo
responsável pelas relações temporais e modais da proposição. O
Resíduo é composto por três elementos: o Predicador, o Comple-
mento e os Adjuntos. Como a GSF foi desenvolvida para a descrição
da língua inglesa, o elemento Modo apresenta certa limitação no
que se refere à sua aplicação tipológica.
Na metafunção interpessoal, destacam-se, ainda, os sistemas
de Polaridade e Modalidade. A Polaridade é a escolha entre o ‘sim’
e o ‘não’, a Modalidade representa os vários graus intermediários
entre os pólos positivo e negativo. Para Halliday e Matthiessen
(2004), esse espaço entre o ‘sim’ e o ‘não’ tem um significado
diferente para a Proposição e para a Proposta: (i) na Proposição,
a noção de modalidade recebe a denominação de modalização e
consiste na expressão de graus de probabilidade (possível/pro-
vável/certo) ou graus de usualidade (algumas vezes/usualmente/
sempre); (ii) na Proposta, a noção de modalidade recebe a deno-
minação de modulação e consiste na expressão de graus de obri-
gação (permitido/aceitável/necessário) e de inclinação (inclinado/
desejoso/determinado).
Por fim, a metafunção textual, que nos habilita a criar textos,
define a oração como organização da mensagem, que se realiza,

30
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

na léxico-gramática, por meio da Estrutura Temática (Tema e


Rema). Em termos gerais, podemos dizer que a oração consiste
em um Tema acompanhado de um Rema. O Tema é o elemento
que serve de ponto de partida da mensagem; é, segundo Halliday
e Matthiessen (2004), o que localiza e orienta a oração dentro
de seu contexto. Estruturalmente, pode ser um grupo nominal,
ou um grupo adverbial, ou um grupo preposicional. Corresponde
ao elemento que aparece em posição inicial, como o primeiro
constituinte com função experiencial (Participante, Processo ou
Circunstância). O Rema, por sua vez, é a parte que desenvolve
o Tema, o restante da oração. Halliday e Matthiessen (2004) es-
tabelecem, ainda, a distinção entre Tema não marcado e Tema
marcado, cuja definição varia conforme o Modo da oração. Na
oração declarativa, por exemplo, o Tema não marcado é o Sujei-
to da oração, e o Tema marcado é qualquer elemento diferente
do Sujeito. Halliday e Matthiessen (2014, p.98) esclarecem que
a forma usual de Tema Marcado é um grupo adverbial, como
“hoje”18 ou frase preposicional, como “à noite”19. Além dessa
distinção entre não marcado versus marcado, Halliday e Mat-
thiessen (2004), também, estabelecem a distinção entre Tema
Simples, composto por um único elemento experiencial, e Tema
Múltiplo, composto por um Tema tópico precedido por outros
tipos de Temas que não exercem função experiencial (Temas
interpessoais ou textuais).
Na Figura 1, apresentamos uma visão geral da arquitetura
da GSF, dada a exposição acerca dos sistemas léxico-gramaticais.

18 Today (Halliday; Matthiessen, 2014, p. 98).


19 At night (Idem).

31
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Figura 1: As dimensões da linguagem sob a perspectiva da GSF

Fonte: Traduzido e adaptado de Halliday e Matthiessen (2014, p.21).

Na Figura 1, é a dimensão sistêmica que fundamenta a expli-


cação de cada elemento da gramática em correlação com o todo da
linguagem. No extremo à esquerda, apresentam-se os elementos
do contexto, que, por sua vez, ligam-se aos componentes de sig-
nificado (mais ao centro), que, por seu turno, organizam as opções
na léxico-gramática (mais à direita), ‘redes’ sistêmicas nas quais
os falantes operam, simultaneamente, suas escolhas significativas.
Quanto mais à direita, mais específica é a dimensão da linguagem
e da gramática representada no modelo.
Para terminar este breve panorama acerca dos postulados
e das categorias mais centrais da GSF, ressaltamos, ainda, que a
Gramática Sistêmico-Funcional, além de arcabouço teórico am-
plamente utilizado na descrição de línguas e de diferentes tipos
textuais, também, tem grande relevância na área da Linguística
Aplicada, sobretudo no que diz respeito à resolução de proble-
mas práticos em que a linguagem constitui elemento central. No

32
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Brasil, destacam-se, ainda, relevantes publicações de divulgação


dos pressupostos teóricos da LSF, tais como a Introdução à Gramá-
tica Sistêmico-Funcional em Língua Portuguesa, de Fuzer e Cabral
(2014), e Estudos e Pesquisas em Linguística Sistêmico-Funcional,
organizado por Barbara, Rodrigues-Júnior e Hoy. (2017).
Finalizada a exposição acerca da GSF, apresentamos, a se-
guir, o arcabouço teórico que caracteriza o modelo da Gramática
Discursivo-Funcional.

4. A Gramática Discursivo-Funcional

Nichols (1984) explana que a gramática de Dik era mais


estrutural/formal do que funcionalista, e que sua principal con-
tribuição era a proposta de uma hierarquia estrutural que requer
uma referência a funções (sintáticas, semânticas e pragmáticas),
sendo, portanto, esse modelo identificado pela autora entre
os “funcionalistas moderados”. Tal denominação poderia ser
atribuída também à Gramática Discursivo-Funcional (GDF), de
Hengeveld e Mackenzie (2008), uma vez que ela constitui uma
expansão da Gramática Funcional (GF), de Dik (1997), em que
pesem suas diferenças.
Hengeveld e Mackenzie (2008) reconhecem também que a
GDF ocupa uma posição intermediária entre os “funcionalistas
radicais” e os “formalistas radicais”. Hengeveld e Mackenzie (2008)
explicam que a GDF está relacionada a outras duas teorias da
linguagem funcional-estrutural: a Gramática de Papel e da Refe-
rência (RRG) e a Linguística Sistêmica-Funcional (LSF). Vejamos:

A posição assumida pela GDF situa-se entre estes


extremos. A GDF, como os modelos formalistas,
procura descrever o conhecimento subjacente a uma
língua potencial do usuário para se comunicar em seu
idioma de forma explícita e altamente formalizada.

33
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

(...) Contudo, a GDF assume a posição de que este


conhecimento das unidades e sua combinação é
instrumental na comunicação interpessoal e surgiu
como resultado de processos históricos: formas que
serviram bem aos oradores ao longo dos tempos se
sedimentaram no repertório agora disponível para os
usuários de idiomas e são bem adaptados aos seus
propósitos (Hengeveld; Mackenzie, 2008, p. 26-27,
tradução nossa).

Trata-se de uma abordagem forma-função-forma, o que


significa dizer que as formas/estruturas são variáveis, mas limi-
tadas pelas necessidades comunicativas dos falantes e por suas
restrições cognitivas. Mackenzie (2022) explica que a GDF é uma
teoria estrutural-funcional e, no continuum desde a Gramática
Gerativa (GG) de Chomsky até a Gramática Emergente de Hopper,
a GDF estaria situada a meio-termo entre estas abordagens. O
autor defende que, apesar de usar de formalismos, a GDF se difere
teoricamente da GG, já que sua arquitetura prevê operações de
Formulação (viés funcional) e de Codificação (viés estrutural)
e a interação do Componente Gramatical com os demais com-
ponentes. Apesar de prever a interação entre os componentes,
GDF não é uma gramática do discurso ou do texto, mas uma
gramática das unidades que compõem os discursos, ou seja, dos
Atos Discursivos.
A GDF tenta assemelhar-se a uma descrição da produção
discursiva, vendo a gramática como um processo dinâmico. Essa
implementação dinâmica da gramática pode ser observada quan-
do se considera que a intenção comunicativa do falante molda
a estrutura gramatical para que se transmita o que ele deseja. A
gramática é vista, portanto, como uma ferramenta ou instrumento
de interação social de comunicação, que se relaciona diretamente à
imaginação e à capacidade inferencial dos falantes, como explica
Mackenzie (2022).

34
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Além disso, a GDF planeja ser psicologicamente adequada,


como explica o autor. Essa adequação psicológica (ou realidade
psicológica) também está refletida na arquitetura da gramática,
tipologicamente baseada, pois, ao contrário da GF, é motivada
pela organização do processamento da linguagem (modelo top
down). Esse modelo, segundo Mackenzie (2012), recebeu nítida
influência da Gramática Funcional de Procedimentos, de Nuyts
(1992), o qual propunha um modelo do falante, que empregava
vários procedimentos em tempo real: raciocínio, textualização,
sentencialização, predicação, expressão e articulação.
Mackenzie (2012) sugere que a noção de “adequação psico-
lógica” deveria ser substituída por outras que desempenharam
papel na gênese da GDF:

(i) a incrementalidade (“cada unidade linguística (...) é um acrés-


cimo às unidades que a precedem” (Mackenzie, 2012, p. 15);

(ii) as expectativas (formular uma expressão completa para o


ouvinte);

(iii) o priming (“um efeito psicológico relacionado com a memória


implícita pelo qual a exposição a certos estímulos afeta a resposta
a estímulos posteriores.” (Mackenzie, 2012, p. 17); e

(iv) o alinhamento dialógico (influência mútua dos interlocutores


na formulação e na codificação de expressões linguísticas).

Apesar de tentar refletir as evidências psicológicas em sua


arquitetura, por esboçar o percurso da intenção para a articulação,
seguindo um processo descendente de produção da linguagem,
a GDF não planeja ser um modelo do falante, mas uma teoria de
gramática, como veremos na próxima seção.

35
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

4.1 A arquitetura geral da GDF: Componentes, níveis e camadas

Concebendo-se a GDF numa teoria de interação verbal mais


ampla, percebemos uma estreita relação entre o Componente
Gramatical (CG) e os demais componentes, a saber: (i) o Com-
ponente Conceitual (responsável pela intenção comunicativa
e conceituações relacionadas aos eventos extralinguísticos);
(ii) o Componente Contextual (dados do discurso precedente e
dos papéis sociais dos Participantes no evento de fala) e (iii) o
Componente de Saída (responsável por gerar sinais acústicos ou
expressões gráficas a partir das informações do CG).
Conforme Arquitetura Geral da GDF, constante na Figura 2,
parte-se da intenção comunicativa que orienta a formulação dos
aspectos pragmáticos e semânticos, para a codificação, que ma-
peia ou alinha unidades pragmáticas e semânticas em unidades
morfossintáticas e fonológicas. Vejamos:

Figura 2: Arquitetura Geral da GDF

Fonte: Hengeveld e Mackenzie (2009, p. 182)

36
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

No modelo geral da GDF, o Componente Conceitual é a força


motriz por trás do Componente Gramatical, como explicam os au-
tores. Ele inclui os aspectos cognitivos que afetam imediatamente
a intenção comunicativa e que serão mapeados no Componente
Gramatical.
O Componente Contextual diz respeito aos aspectos da
situação sociocultural da interação verbal que colaboram para
a estrutura dos enunciados. Este componente contém dois tipos
de informação: (i) informação imediata recebida do Componen-
te Gramatical (o discurso precedente no caso da anáfora) e (ii)
informação de longo-termo sobre a interação que seja relevante
para a formulação ou codificação numa língua, como o sexo dos
participantes do ato de fala (ex.: Obrigada! ou Obrigado!). Confor-
me explicita a Figura 2, o Componente Contextual pode impactar
tanto a formulação como a codificação.
Por sua vez, o Componente de Saída converte a estrutura final
do Componente Gramatical em output, que pode ser de distintas
naturezas, como acústicas, gestual, gráficas.
Apesar de considerar esses três componentes não-linguísti-
cos, o centro da GDF é o Componente Gramatical, cuja unidade
básica de análise é o Ato Discursivo. Esse componente está estru-
turado hierarquicamente por níveis e camadas, pelas operações
de Formulação (Nível Interpessoal e Nível Representacional) e de
Codificação (Nível Morfossintático e Nível Fonológico).
As regras de Formulação são específicas para cada língua
e está previsto, no modelo teórico, um conjunto de primitivos
(frames, lexemas e operadores), que configuram os Níveis Inter-
pessoal e Representacional. Tais configurações são repassadas,
a partir de regras de Codificação, por meio de um conjunto de
primitivos (templates, morfemas e operadores) para o Nível Mor-
fossintático e, similarmente, para o Nível Fonológico. Cada nível
da representação é estruturada em camadas de modo hierárquico

37
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

do seguinte modo: (πv1: [núcleo (v1)Φ]: [Φ (v1)Φ])Φ (Hengeveld;


Mackenzie, 2008, p. 14).
O Nível Interpessoal (NI) diz respeito às distinções prag-
máticas que refletem a interação entre o Falante e o Ouvinte.
Sua maior unidade é o Movimento (M), que se compõe de um ou
mais Atos Discursivos (A), que contém uma Ilocução, Participantes
envolvidos na situação comunicativa (P1-Falante; P2-Ouvinte), e
um Conteúdo Comunicado (C):

(M1: [(A1: [(F1) (P1)S (P2)A (C1: [(T1){Φ}…(T1+N){Φ} (R1){Φ}…(R1+N){Φ}] (C1){Φ})]


( A 1 ) … ( A 1 + N ) { Φ } ] ( M 1 ) )
(Hengeveld; Mackenzie, 2008, p. 15).

O Nível Representacional (NR) diz respeito aos aspectos


semânticos da unidade linguística, cujas camadas relevantes
são: Conteúdo Proposicional (constructos mentais) (p) > Episódio
(conjunto de Estados-de coisas coerentes tematicamente) (ep) >
Estado-de-coisas (eventos ou estados de algum mundo) (e) > Pro-
priedade Configuracional (marco de predicação de um EC: valência)
(f) > Propriedade lexical:

(p1: [(ep1: [(e1: [(f1: [(f2)n (x1)Φ...(x1+n)Φ](f1))...(f1+n) (e1)Φ])...(e1+n){Φ}]


(ep1))...(ep1+n){Φ}] (p1)) (Hengeveld; Mackenzie, 2008, p. 15).

O Nível Morfossintático (NM) se ocupa dos aspectos estrutu-


rais (morfológicos e sintáticos) de uma unidade linguística, cuja
ordem é, em parte, motivada funcionalmente pelos princípios de
iconicidade, integridade de domínio e manutenção das relações
de escopo, em que pese uma certa arbitrariedade no arranjo dos
constituintes básicos. A Expressão Linguística (Le) é uma unidade
morfossintática superior, que pode ser constituída por Cláusula
(oração) (Cl), Sintagma (Xp) ou Palavra (Temas e afixos) (Xw):

38
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

(Le1: [(Xw1) (Xp1) (Cl1: [(Xw2) (Xp2: [(Xw3) (Xp3) (Cl3)] (Xp2)){Φ}(Cl2)
{Φ}
] (Cl1))] (Le1)) (Hengeveld; Mackenzie, 2008, p. 17).

Por fim, o Nível Fonológico (NF) diz respeito às representa-


ções fonológicas “internas” ao sistema e se organiza hierarquica-
mente em Enunciado (U) > Sintagma Entonacional (IP) > Sintagma
Fonológico (PP) > Pé > Sílaba: (U1: [(IP1: [(PP1: [(PW1)] (PP1))] (IP1))]
(U1)) (Hengeveld; Mackenzie, 2008, p. 15).
Vale lembrar que nem sempre se dá um mesmo tipo de ali-
nhamento20 entre os níveis. Dessa forma, tendo em vista a diver-
sidade de línguas, a GDF reconhece três tipos de alinhamento:
(i) alinhamento interpessoal (ex.: Tagalo); (ii) alinhamento re-
presentacional (ex.: Achém); e (iii) alinhamento morfossintático
(ex.: Inglês). O tipo de alinhamento permite “(...) classificar as
línguas conforme a organização da gramática de que dispõem;
dito de outro modo: se uma gramática se organiza segundo prin-
cípios interpessoais, segundo princípios representacionais, ou,
alternativamente ainda, segundo princípios morfossintáticos”
(Hengeveld; Mackenzie, 2009, p. 186).
No que tange à relação entre linguagem e contexto, Con-
nolly (2007) explica que a GDF necessita considerá-la mais
seriamente, uma vez que a “informação pragmática” facilita o
desenvolvimento da comunicação. O autor propõe, inclusive,
várias distinções para o conceito de “contexto”, como a que
distingue “contexto situacional” e “contexto discursivo”, con-
siderando o discurso como inerentemente multimodal. Para
ele, o contexto é uma estrutura hierárquica multidimensional.
Connolly (2007) propõe um “super-componente contextual”,
repartido em três: componente contextual discursivo, com-
ponente contextual situacional e componente de conteúdo,
como uma proposta de melhor esclarecer e definir o papel do
20 “Na GDF, o termo alinhamento é usado para designar o mapeamento de unidades
pragmáticas e semânticas em unidades morfossintáticas” (Hengeveld; Mackenzie,
2009, p. 185)

39
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

contexto em um modelo de gramática que visa a ser pragma-


ticamente orientado.
Em 2014, a revista Pragmatics publicou vários artigos rela-
cionados ao Componente Contextual na GDF21. Em um deles, os
autores da GDF apresentam uma proposta para esse componente.
Segundo Hengeveld e Mackenzie (2014), a noção de “contexto”
na GDF não abrange tudo o que aparece na Pragmática, mas deve
ser restrita e baseada em princípios. Isso se deve ao fato de que
o Componente Contextual não é idêntico para todas as línguas,
pois a gramática de cada língua é sensível a diferentes partes da
informação contextual. Os autores elaboram uma noção de Com-
ponente Contextual dividido em quatro strata, relacionados a cada
um dos quatro níveis do Componente Gramatical. A informação
situacional é relevante para os níveis da formulação, enquanto a
informação discursiva está disponível para os quatro. Vejamos:

Estrato Interpessoal: (i) Fonte situacional: partici-


pantes, tempo de enunciado, local de enunciação;
ii) Fonte discursiva: Atos executados no discurso
anterior.
Estrato Representacional: (i) Fonte situacional: en-
tidades percebidas, como Indivíduos, Eventos, Pro-
priedades; (ii) Fonte discursiva: entidades denotadas
no discurso anterior
Estrato Morfossintático: Fonte discursiva: unidades
morfossintáticas produzidas no discurso anterior
Estrato Fonológico: Fonte discursiva: unidades fono-
lógicas produzidas no discurso anterior (Hengeveld;
Mackenzie, 2014, p. 210, tradução nossa).

Como a interação entre os Componentes Contextual e Gra-


matical é complexa, a manipulação das informações seria feita

21 Cf. https://benjamins.com/catalog/prag.24.2. Acesso: 20 fev. 2023.

40
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

por uma interface denominada “Contextualizador”22. Vejamos a


Figura 3:

Figura 3: O Contextualizador

Fonte: Traduzido de Hengeveld e Mackenzie (2014, p. 213)

O contextualizador recebe o input dos 4 Estratos do Compo-


nente Contextual e o distribui adequadamente entre os níveis do
Componente Gramatical.
Para Mackenzie (2014), o Componente Contextual é “públi-
co” no sentido de que está disponível a todos os participantes da
interação verbal. Ao assumir o compartilhamento do Componente
Contextual da GDF, o autor reforça a ideia de que a GDF faz parte
de uma teoria mais ampla de interação verbal, o que permitiria
compreender a interação entre fatores gramaticais e contextuais
das formas linguísticas.

4.2 Aplicações da GDF para a descrição e a análise linguística

Considerando que “(...) a gramática das línguas naturais


opera descrições da estrutura linguística, considerada a interface
entre os componentes sintático, semântico e pragmático.” (Neves;
Mackenzie; Coneglian, 2020, p. 18), podemos dizer que a teoria
proposta pela GDF tem contribuído para a descrição de línguas e
para a discussão, com orientação funcionalista, como as pesquisas
22 Hengeveld e Mackenzie (2011) explicam que o modelo distingue três módulos: o
Conceitualizador (Componente Conceptual), o Formulador (Componente Grama-
tical) e o Articulador (Componente de Saída).

41
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

desenvolvidas pelo “Grupo de Estudos em Funcionalismo” (GEF/


UFC) como detalham Nogueira e Prata (2023).
Dentre alguns temas importantes para a Linguística, notada-
mente as investigações baseadas na GDF, mapeamos brevemente
algumas macrotemáticas23:
a) Subordinação e coordenação: Diversos trabalhos versavam
sobre as orações relativas, as completivas, as condicionais, as
causais-condicionais, condicionais-concessivas, finais, as conces-
sivas etc. Para Garcia e Pezatti (2013), as concessivas independen-
tes (introduzidas, nesse caso, por “apesar que”) constituem um
Movimento, maior unidade do NI, pois são unidades autônomas
da interação, que apresentam independência morfossintática e
fonológica. Com relação à coordenação, Pezatti e Mackenzie (2022)
defendem ser um fenômeno morfossintático que envolve dupla-
mente os níveis Interpessoal e Representacional. Dessa forma,
para as relações aditiva e alternativa, há um paralelismo em NI e
NR; enquanto a relação adversativa é idêntica à aditiva no NR e
distinta no NI, pois atribui a função retórica de Concessão ao Ato
Discursivo dependente.
b) Modalidade: Os trabalhos analisam as diferentes cate-
gorias de modalidade, tais como volitiva, deôntica, facultativa e
epistêmica. Oliveira (2020), por exemplo, trata da relação entre
os valores modais volitivos (exortação, intenção, optação e desi-
deração) e o escopo de atuação desses valores nas camadas do NR
(Conteúdo Proposicional, Episódio, Estado-de-coisas e Proprie-
dade Configuracional) na língua espanhola. Segundo o autor, na
camada do Conteúdo Proposicional, o único valor modal possível
foi o de desideração.

23 Para o mapeamento, usamos o programa Publish or Perish, disponível em: Publish or


Perish (harzing.com). Para isso, configuramos a busca até 100 itens com o seguinte:
palavra-chave “discursivo-funcional” (material escrito em português), do período de
2008 a 2023, considerando o Google Scholar. A partir da lista fornecida, verificamos
as palavras-chave do título e/ou do resumo de cada material. Dada a quantidade de
trabalhos, não fazemos menção a todos eles.

42
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

c) Evidencialidade: Os trabalhos versam sobre a descrição e


análise de verbos como “saber” (Prata; Vidal, 2022), “ver”, “ou-
vir” e “sentir” (Ferrari, 2012), ou, ainda, sobre uma abordagem
tipológico-funcional da evidencialidade de línguas indígenas no
Brasil (Hattnher, 2012). Segundo Prata e Vidal (2022), o verbo
“saber” foi considerado evidencial de tipo “reportativo” em 64,96%
e também apresentou usos relacionados à inferência e à dedução.
Nos casos dos verbos “ver”, “ouvir” e “sentir” em português, Ferrari
(2012) demonstra que, à exceção de “sentir”, todos codificam a
evidencialidade reportativa, a inferencial e a direta.
d) Aposição: As pesquisas analisam e descrevem aposições do
português brasileiro contemporâneo e propõem a representação
de construções apositivas nos níveis e camadas da GDF. Márcia
Teixeira Nogueira (2018), por exemplo, propõe uma classificação e
a formalização de aposições não restritivas com base em relações
textual-semânticas que estão tipicamente, mas não exclusivamen-
te, relacionadas a algumas funções textual-discursivas. Lemson
(2016) e Lemson e Nogueira (2019) descrevem e formalizam apo-
sições restritivas com e sem preposição.
e) Gramaticalização: Os trabalhos versam sobre o processo
de gramaticalização a partir da análise de verbos como “dar” (uso
modal facultativo) (Souza, 2017); “ver” e “olhar” (Nogueira, L.C.,
2021); e expressões como “por mucho” (Parra-Araújo, 2020) e
itens como “ainda”, que apresenta cinco usos (Fontes, 2014), para
mencionar apenas alguns.
Além disso, alguns temas se interseccionam com outros,
motivo pelo qual apenas sinalizamos os macrotemas encontrados
nos materiais disponíveis. Exemplos disso são os trabalhos rela-
cionados, simultaneamente, à evidencialidade e gramaticalização
(Casseb-Galvão, 2011; Caldas, 2021); ou à modalidade e subjeti-
vidade (Nagamura, 2016); ou à modalidade e gramaticalização
(Souza, 2017); à aposição, oração relativa e cossubordinação
(Tojeira-Ramos; Pezatti, 2021), entre outros.

43
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Como vemos, devido à arquitetura estratificada em camadas


pertencentes a níveis diferentes da gramática, à interação do
Componente Gramatical com outros componentes, bem como
à formalização que, nos termos de Dik (1997), busca adequação
tipológica, a GDF possibilita a descrição de línguas naturais, e
ainda suscita apontamentos para o ensino ser mais reflexivo e
contextualizado, como menciona Precioso (2014) no que tange
às orações relativas, por exemplo.

Considerações finais

Como dissemos no início deste capítulo, a formalização


de modelos teóricos de gramática não se restringe à chamada
Linguística Formal, em que o sistema linguístico é considerado
em sua imanência e autonomia em relação aos contextos de uso
efetivo. Modelos teóricos orientados no Funcionalismo linguístico
registram regularidades que dizem respeito, principalmente, à
instanciação de funções semânticas e pragmáticas como opções
significativas no uso de uma língua e, por esse motivo, podem ser
acionadas por meio de recursos de codificação morfossintática e
fonológica.
As dificuldades impostas à formalização de um modelo
teórico de gramática funcional dizem respeito à complexidade
dos fatores linguísticos, cognitivos e socioculturais que exercem
influência sobre essas opções, motivando mudanças frequentes,
mas necessárias, na sua representação formal.
Nessa breve exposição sobre os pressupostos teórico-me-
todológicos gerais, a arquitetura formal e a utilidade descritiva
de dois importantes modelos teóricos de gramática funcional
- a Gramática Sistêmico-Funcional e a Gramática Discursivo-
-Funcional, esperamos ter demonstrado que eles: a) apresentam
uma abstração sistematizadora peculiar a qualquer teorização
científica; b) consistem numa gramática teórica que se erige (e

44
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

serve ao propósito) da descrição de gramáticas particulares das


línguas naturais; c) fazem uso instrumental, como metalingua-
gem, de uma notação matemática buscando garantir, ao modelo,
consistência e rigor. Cientes de tais características, assumimos,
então, que um modelo teórico de gramática funcional, quando
não se distancia dos usos linguísticos mais do que o necessário e
submete a eles seus postulados, arcabouço e terminologia mais
caros, tem contribuição imprescindível para o desenvolvimento
da ciência Linguística.

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50
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

FUNCIONALISMO E COGNIÇÃO

Maria Claudete Lima


Leosmar Aparecido da Silva
Cibele Naidhig de Souza

Considerações iniciais

A nalisar a linguagem em uma perspectiva funcionalista sig-


nifica assumir, de diferentes maneiras, que a estrutura lin-
guística é moldada pelo uso, pelas demandas sociocognitivas e
interativas dos falantes. Nessa mesma direção, de se considerar a
experiência do falante como, de algum modo, determinante para a
estrutura linguística e a inter-relação entre forma e função, está a
Linguística Cognitiva. As duas orientações teóricas compartilham,
portanto, pontos de contato, sendo, por vezes, propostas análises
que as integram.
Longe, portanto, de exibirem grandes diferenças, a ponto de
se constituírem perspectivas teóricas completamente distintas,
como é o caso, por exemplo do que se verifica no cotejo entre
Linguística Cognitiva e Gerativismo (Croft; Cruse, 2004; Ferrari,
2011) ou entre Funcionalismo e Gerativismo (Dik, 1989; Neves,
1997), a Linguística Cognitiva e o Funcionalismo estabelecem-se
por relações mais de semelhanças, e menos por diferenças, o que
torna as fronteiras não tão marcadas ou, nos termos de Butler e
Gonzálvez-García (2012), vistas em termos de matiz ou ênfase.

51
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Interessa a este capítulo examinar relações entre a Linguística


Cognitiva e o Funcionalismo Linguístico, revelando as possibilida-
des de análises funcional-cognitivas praticadas pelos estudiosos.
A fim de cumprir tal objetivo, o texto se apresentará em duas
seções, além da introdução e das considerações finais. Na primeira
seção, busca-se examinar aproximações e diferenças entre as duas
perspectivas teóricas. Na seção 2, propõe-se uma análise com base
na noção de ajustes focais, a fim de demonstrar como aspectos
cognitivos podem ser aplicados para a explicitação da gramática.
As considerações finais encerram o texto.

1. Funcionalismo e cognição: intersecções

As perspectivas funcionalista e cognitiva exibem, como já


apontado na introdução deste texto, aproximações teóricas, o que
permite análises integrativas, complementares. Nessa direção,
autores como Nuyts (2007) e Butler e Gonzálvez-Garcia (2012),
entre outros, lançam atenção à análise das aproximações e dos
distanciamentos entre as duas orientações teóricas.
Com o propósito de distinguir as duas perspectivas teóricas,
Nuyts (2007) procura delimitar os domínios de atuação de cada
uma delas. Indica o autor que os estudos da Linguística Cognitiva
são divididos em um corpo de premissas concentrado, basica-
mente, ou na análise semântica (Talmy, 2000; Fauconnier, 1997;
Langacker, 1987 ; entre outros) ou em modelos de gramática de
construções (Croft, 2001; Goldberg, 1995, entre outros).
Para o Funcionalismo Linguístico, Nuyts (2007) reconhece
que é mais difícil definir níveis específicos de desenvolvimento de
estudos, uma vez que existem diferentes funcionalismos e mode-
los de gramáticas funcionais, como a de Dik (1989), a de Halliday
(2004), a de Hengeveld e Mackenzie (2008), os estudos de Givón
(1995), entre outros. Ainda assim, segundo o estudioso, é possí-
vel identificar domínios de atuação dos estudos funcionalistas,

52
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

tais como: 1) gramática (sintaxe orientada pelo discurso, como


praticado por Givón, 1995, por Chafe, 1994, a escola de Columbia;
os estudos tipológicos de Greenberg, 1978; Comrie, 1981; Croft,
1990 etc.); 2) semântica (estudos desenvolvidos por Wierzbicka,
1996); 3) estudos discursivos (a teoria da estrutura retórica de
Mann e Thompson, 1992; os estudos de Halliday e Hasan, 1976);
4) estudos da mudança linguística (Heine, Claudi e Hünnemayer,
1991; Hopper e Traugott, 1993 etc.).
No que se refere aos domínios da língua considerados em cada
uma das perspectivas, Nuyts (2007) considera, também, tendências
para cada uma das perspectivas teóricas. Observa o autor que a
Linguística Cognitiva, incluindo-se os estudos da gramática de
construções, é fortemente orientada para o estudo de fenômenos
semânticos, em perspectiva sincrônica, dentre esses fenômenos
estão “a categorização e a esquematização na conceptualização do
mundo (modelos cognitivos, espaços mentais, relações type-token,
metaforização, imagética etc.)”1. A linguística funcionalista,
por outro lado, nota Nuyts (2007), é orientada para o estudo do
sistema linguístico, e das influências dos níveis pragmático e se-
mântico nesse sistema. Diferentemente da Linguística Cognitiva,
no Funcionalismo, pesquisas puramente semânticas são raras. O
interesse da perspectiva funcional na semântica diz respeito ao
fato de que a expressão linguística tende a exibir propriedades
semânticas em sua gramática, o que representa um desafio para
linguísticas que se dedicam ao estudo do sistema linguístico.
O Funcionalismo Linguístico dedica importância não só
para a estrutura gramatical dos enunciados, mas também para a
estrutura do discurso e os estudos sobre análise da conversação
são prova disso, aponta Nuyts (2007). Na Linguística Cognitiva, a
atenção dada ao discurso diz respeito às operações construais, à
perspectivização da informação, ao modo como o falante concep-
1 Original inglês: “Phenomena such as categorization and schematization in con-
ceptualization the world (cognitive models, mental spaces, type-token relations,
metaphorization, imagery, etc).

53
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

tualiza a situação, e não necessariamente em termos de como o


enunciado se relaciona com o contexto de uso, no que se refere à
continuidade e mudança de tópico, rematicidade da informação,
desenvolvimento do texto, contrastividade e outros temas dos
estudos funcionais ligados ao texto. Além disso, o Funcionalismo
tem uma tradição de realizar pesquisas com perspectiva pancrôni-
ca, associando-se diacronia e sincronia para explicar fenômenos
gramaticais.
A respeito da metodologia comumente adotada por cada
orientação teórica, Nuyts (2007) também indica tendências dife-
renciais. A análise de um fenômeno linguístico baseado em corpus
sistemático é mais comum no Funcionalismo do que na Linguística
Cognitiva. O uso sistemático e em larga escala de dados translin-
guísticos em pesquisas tipológicas é um exemplo de pesquisa que
se utiliza de corpus no Funcionalismo. A Linguística Cognitiva,
por outro lado, tende a fazer uso do método comparativo, como
forma, por exemplo, de verificar, entre uma língua e outra, con-
ceptualizações metafóricas e/ou metonímicas. Isso não significa,
porém, que a Linguística Cognitiva não lance mão de corpora para
realizar suas pesquisas, ressalta Nuyts.
É preciso considerar, ainda, nessa diferenciação, segundo
Nuyts (2007), o interesse da Linguística Cognitiva para o método
experimental e também a busca pelo uso de evidências neuroló-
gicas e neuropsicológicas como forma de fundamentar teorias e,
nessa direção, reconhece-se que Linguística Cognitiva estabelece
diálogo interdisciplinar com a neurociência da linguagem, por
exemplo.
Um ponto em comum entre Funcionalismo e Linguística
Cognitiva, por outro lado, é o compartilhamento do conceito
de gramática baseada no uso, em clara oposição à noção de
competência da gramática gerativa. Tanto cognitivistas socio-
culturalmente situados quanto funcionalistas concordam que o
conhecimento linguístico é o conhecimento adquirido por meio

54
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

do uso da lingua(gem) e que o sistema linguístico constitui uma


subparte da cognição humana.
Em sua análise dos pontos de contato e divergências entre
funcionalismo e cognitivismo, Butler e Gonzálvez-García (2012)
optam por indicar traços distintivos. Dizem os autores que, tan-
to o funcionalismo quanto o cognitivismo assumem a sintaxe
vinculada à semântica e à pragmática, a determinação de fatores
externos no sistema linguístico e a aquisição cultural de língua
materna, sem se desconsiderar que possa haver estruturas inatas
ou universais.
Em relação às diferenças, os autores consideram que, de
um lado, o Funcionalismo confere maior importância para a
comunicação, para as relações entre falantes e ouvintes numa
determinada situação de uso da língua. De outro, a Linguística
Cognitiva dá maior importância para a cognição, para o modo
como o conhecimento é adquirido, processado e externalizado
pelo usuário da língua com base na interação do sujeito cognos-
cente com o meio. Outra diferença apontada por Butler e Gon-
zálvez-García (2012) diz respeito ao objeto de estudo principal.
O Funcionalismo foca na inter-relação entre fatores estruturais,
semânticos e pragmáticos. A Linguística Cognitiva considera que
os fatores semânticos antecedem os estruturais. O Funcionalismo
dá considerável importância para a diacronia, enquanto que, na
Linguística Cognitiva, a atenção à diacronia é escassa. Quanto à
língua em uso, segundo os autores, essa é uma tradição de base
no Funcionalismo e, na Linguística Cognitiva, é uma tradição
relativamente recente.
Há de se considerar, ainda, estudos que integram pressu-
postos funcionalistas e cognitivos, revelando sua complementa-
ridade para a análise de fenômenos linguísticos. Para Sperança-
-Criscoulo (2014, p. 31), a abordagem funcional e a cognitiva se
complementam a partir do que conhecemos como adequação
psicológica das gramáticas funcionais, uma vez que nesse pon-

55
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

to há “compatibilidade entre a teoria gramatical e os modelos


psicológicos de competência linguística, ou seja, processos de
produção (codificação) e de compreensão (decodificação)”. Por
meio da adequação psicológica, a experiência humana pode se
mostrar no uso linguístico.
Bybee (2010) é estudiosa referenciada pelos estudos que
buscam integração entre as duas abordagens. Segundo ela, a te-
oria linguística de base funcional tem o propósito de descrever e
explicar as propriedades da estrutura linguística a partir de pro-
cessos cognitivos gerais, os quais atuam em conjunto com outros
domínios cognitivos diferentes da linguagem, como a visão e a
música. Essa perspectiva nega a tese gerativista de que há um
módulo específico para a linguagem.
Furtado da Cunha (2017, p. 106), em perspectiva cognitivo-
-funcional (apoiada em Bybee (2010), entre outros), observa
que o ponto de partida da perspectiva cognitivo-funcional é a
busca de dados naturais de uso da língua. Tal perspectiva “busca
a explicação para os fenômenos linguísticos tanto em aspectos
comunicativos, presentes nas situações de interação, como na
atuação contínua de processos cognitivos gerais”. A cota do
Funcionalismo é descrever e explicar os fenômenos linguísti-
cos próprios da interação em situações reais de uso. A cota da
Linguística Cognitiva é oferecer o suporte teórico que trata dos
processos cognitivos gerais, que se manifestam principalmente
por meio do que Bybee (2010) chama de; categorização, capacida-
de humana para a formação de conjuntos com propriedades co-
muns; chunking, amálgama entre unidades que ocorrem sempre
próximas; analogização, formação de novos conceitos com base
em conceitos já existentes; memória enriquecida, capacidade de
armazenamento de experiências socioambientais compartilha-
das; associação transmodal, estabelecimento de relações entre
forma e função.

56
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Batoréo, Oliveira e Aguiar (2021) observam a base cognitiva


para algumas análises funcionalistas, indicando que postulados
funcionaslitas de iconicidade, marcação, derivação semântica e
direcionalidade, por exemplo, têm forte base cognitivista. Em rela-
ção à iconicidade, o subprincípio da ordenação linear mostra que a
nossa cognição tende a espelhar, por meio das descrições e narra-
tivas realizadas linguisticamente, a mesma ordem que os eventos
ocorrem no mundo sociofísico. Em relação à marcação, apoiadas em
Givón (1995), as autoras mostram que quanto maior a complexidade
cognitiva de um elemento linguístico ou de uma construção maior
será a sua complexidade estrutural e menor será a sua frequência.
Daí, temos uma construção marcada. Inversamente proporcional, é
a construção não marcada, pois quanto menor for a sua complexi-
dade cognitiva, menor será a sua complexidade estrutural e maior
será a sua frequência no uso. A derivação semântica, por sua vez,
inclui os casos de metaforização que integram os processos de mu-
dança conhecidos como gramaticalização e construcionalização. Os
processos de abstração do tipo espaço > tempo > texto, de Traugott
e Heine (1991), e do tipo corpo > objeto > processo > espaço > tempo
> qualidade, de Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991), são exemplos
de metaforização muito usados em pesquisas funcionalistas. No
que se refere à direcionalidade [[Forma] <---> [Conteúdo]], e não
mais a unidirecionalidade como defendia o funcionalismo clássico,
as autoras, baseadas em Traugott e Trousdale (2013), afirmam que
a consideração da direcionalidade nessa nova perspectiva é um
modo de deixar mais evidente o equilíbrio entre o eixo da forma e
o do conteúdo. Os componentes do eixo da forma são as proprie-
dades fonológicas, morfológicas e sintáticas. Já os componentes
do eixo do conteúdo são as propriedades semânticas, pragmáticas
e discursivas.
Feitas as considerações gerais sobre funcionalismo e cog-
nição, apresentamos, na próxima seção, análises para a relação
entre linguagem e cognição, postulado comum às duas orientações
teóricas.

57
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

2. Cognição e gramática
Como discutido na seção anterior, os estudos da Linguística
Cognitiva e do Funcionalismo se diferenciam, mas também se
aproximam. Em termos gerais, pode-se observar que a Linguís-
tica Cognitiva tem ênfase na função semiológica da linguagem
o que significa que, embora considere, como o Funcionalismo,
que a base da linguagem é a interação social, insiste que, mesmo
na sua função social, a linguagem é dependente criticamente da
conceitualização (Langacker, 2000).
A despeito das diferenças, há pontos em comum, como desta-
ca Silva (2004, p.1), segundo o qual as abordagens funcionalistas
de modo geral partilham o princípio de que “a linguagem é parte
integrante da cognição, se fundamenta em processos cognitivos,
sociointeracionais e culturais e deve ser estudada no seu uso [...]”.
Como parte integrante da cognição humana, é plausível
propor, como faz Givón (1995, p. 394), que a linguagem se desen-
volveu a partir do processamento visual. O autor apresenta vários
argumentos que endossam sua hipótese:

• os principais componentes neurológicos ligados ao processa-


mento da linguagem e ao processamento visual já estão presentes
em pré-humanos;

• o canal visual assume facilmente o papel de codificação em caso


de comprometimento auditivo;

• a aquisição do vocabulário e o desenvolvimento da gramática


parte do mais concreto, icônico e sensório-motor para o mais
abstrato e arbitrário;

• o percurso diacrônico tende a partir de sentidos concretos


espaço-visuais para sentidos mais abstratos.

58
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

A relação entre visão e linguagem transparece na forte


associação entre os processos envolvidos na percepção visual
e na concepção linguística, como ilustra a figura 1. Na ilustra-
ção, o sujeito da percepção visual que observa uma cena cor-
responde ao conceitualizador que concebe uma dada situação
ou um objeto.

Figura 1: Percepção visual e concepção linguística

Fonte: adaptada de Langacker (2017, p.6)

A forma como o conceitualizador concebe a situação de-


pende não apenas da própria situação, mas das habilidades,
das experiências e do propósito comunicativo do sujeito, o
que resulta em formas alternativas de conceber e retratar
uma mesma situação, como ilustram os exemplos (1), (2) e (3),
retirados de manchetes jornalísticas de um mesmo fato. Em
(1), o jornal opta pela impessoalização do agente por meio da
nominalização ataque de guerrilha. A manchete (2) focaliza o
resultado do ataque usando um verbo de processo morrer. Já
a manchete (3) atribui um agente ao evento construído com
verbo de ação-processo.

1. Ataque de guerrilha contra base militar deixa 9 mortos na Co-


lômbia (Veja, 29 mar. 2023)2.

2 Retirado de: <https://veja.abril.com.br/mundo/ataque-de-guerrilha-contra-base-


-militar-deixa-9-mortos-na-colombia>. Acesso: 27 maio 2023.

59
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

2. Nove soldados colombianos morrem em ataque de guerrilheiros


em meio a negociações de paz (CNN, 29 mar. 2023 )3.

3. ELN mata nove militares em ataque na Colômbia (Estado de


Minas, 29 mar. 2023)4.

Esta capacidade, chamada de construto ou perspectivação con-


ceitual, como costuma se traduzir o termo construal de Langacker
(1987), envolve operações análogas à percepção visual, que dizem
respeito, resumidamente, a: para onde se olha, ou foco; de onde
se olha, ou ponto de vista, e quão cuidadosamente se olha algo,
ou granularidade. Classificam-se, segundo Langacker (2008) em:
especificidade, focalização, proeminência e perspectiva.
A especificidade (e seu inverso, esquematicidade) diz respeito
ao grau de detalhamento com que uma dada situação é concebida/
retratada. Assemelha-se à resolução na fotografia, em que uma
imagem em resolução mais alta apresenta mais detalhes e uma
em resolução mais baixa permitiria perceber apenas traços mais
gerais. O fenômeno tanto se manifesta no léxico como em cons-
truções mais complexas, como ilustrado em (4), em que se vai do
mais esquemático ao mais específico.

+ esquemático
Algo acontecia.
Alguém fazia algo.
Uma menina lia algo.
Uma menina bem jovem estava lendo uma revista.
Uma menina bem jovem estava lendo uma revista de negócios.
+ específico

3 Retirado de: <https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/nove-soldados-colom-


bianos-morrem-em-ataque-de-guerrilheiros-em-meio-a-negociacoes-de-paz/>.
Acesso: 27 maio 2023.
4 Retirado de: <https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2023/03/29/in-
terna_internacional,1474992/eln-mata-nove-militares-em-ataque-na-colombia.
shtml>. Acesso: 27 maio 2023.

60
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Na gramática, uma construção medial é mais esquemática


do que uma construção ativa, por exemplo, por perfilar apenas a
parte final da cadeia de ação. Compare-se (5) e (6):

(5) A codeína está deteriorando sua mente. (Twitter)

(6) Meu joelho está se deteriorando aos poucos. (Twitter)

Em (5), a frase ativa é mais específica porque apresenta o


agente e o paciente de deteriorar. Já a frase medial em (6) é mais
esquemática porque apresenta apenas o paciente do processo.
A focalização envolve a seleção e o arranjo Figura e Fundo de
conteúdo conceitual. Um dos aspectos da seleção é o escopo, que
concerne a uma dada parte de um domínio conceitual evocado e
utilizado como base para o significado de uma expressão e que,
como mostrado na Figura 1, pode ser imediato ou máximo. O ar-
ranjo Figura e Fundo consiste, segundo Langacker (2008), em uma
concepção que precede e facilita, em alguma medida, a emergência
de outra. Em uma narrativa, como mostraram Hopper e Thompson
(1980), as descrições dos personagens e situações constituem o
Fundo contra o qual os eventos são narrados. Na gramática, uma
oração subordinada pode servir de Fundo a uma oração principal.
Em (7) e (8), o escopo da expressão “dor de cotovelo” é o que
permite uma adequada compreensão.

(7) 10 músicas para curtir a “dor de cotovelo” no Dia dos Namo-


rados (Tracklist, 12 jun. 2021)5

(8) Dor de cotovelo: saiba tudo sobre a epicondilite lateral (Clínica


Ortopédica Paulista)6

5 Disponível em: <https://tracklist.com.br/musicas-dor-de-cotovelo/106832>. Acesso:


27 maio 2023.
6 Disponível em: <https://clinicaortopedicapaulista.com.br/blog/dor-de-cotovelo-
-saiba-tudo-sobre-a-epicondilite-lateral/>. Acesso: 27 maio 2023.

61
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Em (7), a expressão em destaque tem como escopo imediato


“Dia dos Namorados”, o que aciona seu sentido metafórico de dor
emocional por ciúme ou tristeza amorosa. Em (8), a presença do
termo técnico “epicondilite lateral” no escopo imediato aciona o
sentido literal de dor física na região do cotovelo. Por sua vez, a
palavra cotovelo tem como escopo imediato braço e como escopo
máximo corpo.
A proeminência se manifesta em dois fenômenos: perfila-
mento e alinhamento Trajetor/Marco e se relaciona à focalização,
uma vez que a seleção de algo lhe atribui saliência. Perfilamento
consiste em destacar uma dada subestrutura dentro de um escopo
imediato. Assim, é possível duas expressões partilharem o mes-
mo escopo imediato, mas se diferenciarem quanto ao perfil. No
exemplo do cotovelo, apresentado anteriormente, cotovelo partilha
com mão o mesmo escopo imediato (braço), mas divergem quanto
ao perfil. Do mesmo modo, os termos marido e esposa partilham
o mesmo escopo imediato (casamento), mas divergem quanto
ao perfilamento7, como ilustra a Figura 2, em que a linha mais
grossa indica o elemento perfilado, isto é, a entidade referida no
conteúdo evocado.

Figura 2: Perfilamento de marido x esposa

Fonte: Adaptada de Langacker (2017, p.10)

Os dois exemplos são nomes que perfilam coisas, mas uma


expressão pode perfilar uma relação. É o que ocorre, por exemplo,

7 Cumpre salientar que o exemplo considera a relação prototípica. Na prática, há


variações disso.

62
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

com preposições como sobre e embaixo que perfilam uma relação


entre duas entidades no eixo vertical e, nesse sentido, não di-
vergem quanto ao perfilamento. As expressões X está sobre Y e Y
está embaixo de X perfilam a mesma relação de posição no eixo
vertical. A diferença semântica ocorre devido à diferença no grau
de saliência dos dois participantes focais X e Y em cada ocorrência:
o Trajetor, o participante focal primário, que é a entidade descrita,
avaliada ou localizada; e o Marco, o participante focal secundário,
que é a segunda entidade envolvida na relação perfilada.
Por vezes, o contexto discursivo determina qual entidade
deve ser Trajetor ou Marco, como nas frases em (9), adaptadas
de Langacker (2008, p. 71). O contexto da pergunta em (9a), que
estabelece lustre como a entidade que está sendo localizada, torna
mais adequada a resposta em (1a) em que lustre é o participante
focal primário, o Trajetor (TR). Já o contexto de (9b) torna mais
plausível a resposta (b1), em que mesa é a entidade localizada e
lustre o participante focal secundário, o Marco (M).

(9) a. Onde está o lustre?


a1) O lustreTR está sobre a mesaM
a2) *A mesaTR está embaixo do lustreM
b. Onde fica a mesa?
b1) A mesaTR fica embaixo do lustreM
b2) *O lustreTR fica sobre a mesaM

Outro fenômeno correlato à percepção visual que tem papel


na gramática é a perspectiva, que diz respeito ao ponto de vista a
partir do qual uma dada situação é apreendida ou retratada. Um
exemplo claro de perspectiva é a diferença entre a construção ativa
e passiva, como em (10) e (11). Na ativa, a perspectiva adotada é a
do agente, no caso, Paraná, na frase (10). Na passiva, a perspectiva
é a do paciente, salários, na frase (11).

63
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

(10) Paraná aumenta o salário mínimo para 1,7 mil, o maior do


país (RICMAIS, 8 fev.2023)8

(11) Salários de Presidente, STF e parlamentares foram aumen-


tados (UOL, 21 dez. 2022)9

A diferença de perspectiva é bem evidente em certos pares


lexicais como comprar/vender e ir/vir, cuja diferença de significa-
do reside na mudança de perspectiva. Ferrari (2011) observa que
pode haver diferença no significado de uma mesma expressão,
resultante do ponto de vista do enunciador. A expressão preço
bom, por exemplo, pode significar “o preço mais alto possível”
ou “o preço mais baixo possível”, a depender de o enunciador
ser o comprador ou o vendedor do bem. É o que se observam nos
exemplos reais retirados do Twitter:

(12) eu preciso muito de uma calça jeans mas não sei onde compro
por um preço bom ajudem essa pobre proletária a aposentar a calça
velha sem deixar um rim na loja pra comprar uma nova (Twitter).

(13) vendi meu celular (iphone 8 de 64gb) por 1200 vcs acham q
vendi barato ou tipo tá no preço bom já q ele saiu de linha e já tô
com ele faz uns 4 anos? (Twitter).

Todas essas operações de construto servem como estratégias


discursivas para atender a determinados propósitos comunicati-
vos, uma vez que podem evocar vieses ideológicos. É o que mostra
Hart (2014), em sua análise de protestos estudantis contra taxas e
o que ilustramos ao comparar duas manchetes sobre o vazamento
de documentos militares secretos dos EUA, fato noticiado em
abril de 2023.
8 Disponível em: <https://ricmais.com.br/economia/salario-minimo-e-reajustado-
-para-mais-de-r-17-mil-no-parana/> . Acesso: 27 maio 2023.
9 Disponível em: <https://jc.ne10.uol.com.br/colunas/jamildo/2022/12/15145975-sa-
larios-de-presidente-stf-e-parlamentares-foram-aumentados-confira-os-valores.
html> . Acesso: 27 maio 2023.

64
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

(14) Rússia acusa jornalista americano de espionagem (Exame)

(15) Jornalista dos EUA preso na Rússia é acusado formalmente


de espionagem (G1).

A construção ativa de (14), em que Rússia é o Trajetor e jor-


nalista é o Marco, mostra um observador em linha com o Agente
Rússia e oposto ao Paciente jornalista. Já a construção passiva em
(15) retrata um observador mais próximo do Paciente, o jornalista,
e mais distante do Agente, que nesta construção é Marco. Essa
aproximação do observador/conceitualizador com o Agente ou
o Paciente está representada na Figura 3., em que V representa
o ponto de vista; A, o Agente e P, o Paciente. A linha mais grossa
representa o elemento mais proeminente, o Trajetor.

Figura 3: Perspectiva na construção ativa e na passiva

Fonte: Hart (2014, p. 127)

Tais considerações a respeito das operações de construto


demonstram, como diz Langacker (2008, p.4), que “a gramática
não é apenas simbólica, mas reflete a experiência de mover-se,
perceber e agir no mundo”.

Considerações finais

A proposta deste capítulo foi discutir as relações entre lin-


guística cognitiva e funcionalismo evidenciando-se pontos de
contato, divergências, e buscando-se demonstrar que parâmetros

65
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

cognitivos podem ser utilizados para explicar a gramática da lín-


gua, em uma orientação para os usos linguísticos.
O que a pesquisa bibliográfica revela, em termos bastante
gerais, é que os estudos da Linguística Cognitiva têm preocupação
maior com a questão da conceitualização, enquanto os estudos
funcionalistas tendem a se ocupar mais da descrição do sistema,
investigando como a estrutura da língua tem determinações se-
mânticas, pragmáticas.
As duas orientações compartilham premissas como a inter-
-relação de forma e significado, a não modularidade da gramática,
o entendimento da estrutura gramatical emergente e regularizada.
Como observam os estudiosos que dedicaram atenção a mostrar
diferenças e aproximações entre as duas orientações teóricas
(Nuyts, 2007; Butler; Gonzálvez-García, 2012; entre outros), as
diferenças são mais de traços, de nuances, de ênfase. As fronteiras
entre as orientações tendem a ser, portanto, mais fluidas e existem
pesquisas linguísticas que se apoiam em pressupostos de ambas,
de modo complementar, em uma orientação cognitivo-funcional.
Entre esses estudos, pode-se destacar a perspectiva teórica
dos Modelos Baseados no Uso (Barlow; Kemmer, 2000) que reúne
conjunto bastante variado de pesquisas que procuram integrar
pressupostos funcionalistas e cognitivistas, com desenvolvi-
mentos apoiados na Gramática de Construções (Goldberg, 1995,
2006; Traugott; Trousdale, 2013; entre outros). Atualmente,
no Brasil, existem vários grupos de pesquisa que desenvolvem
descrições gramaticais apoiados nessas orientações. Tais grupos
assumem o pressuposto segundo o qual a gramática é moldada
pela experiência socio-cognitivo-cultural dos falantes, apoiada
em processos cognitivos de domínio geral. A língua é constituída
por pareamentos de forma e função, convencionais, organizados
em rede. Há pesquisas que consideram essas redes em termos
diacrônicos (Traugott; Trousdale, 2013) demonstrando a constante
acomodação da gramática.

66
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Na segunda seção deste capítulo, procurou-se apresentar


análise em que se revela a linguagem humana como parte de pro-
cessos cognitivos mais gerais, em específico, do processamento
visual. Com base em Givón (1995), observou-se que existem vários
argumentos para defender que a constituição da linguagem tem
apoio em processos visuais. A partir disso, analisou-se a questão
da perspectivização conceitual na linguagem, considerando-se
subtipos propostos por Langacker (1987): especificidade, focaliza-
ção, proeminência, perspectiva. Assim, por exemplo, o significado
de uma expressão como preço bom, em uma ocorrência real, está
em dependência do ponto de vista do enunciador. A relação com
os usos linguísticos e a análise das expressões como estratégias
discursivas que se realizam no enunciado, em associação com
fatores de ordem cognitiva, revelam que as orientações cognitiva
e funcionalista, associadas, podem ser interessante suporte para
análises baseadas no uso.
As discussões empreendidas neste capítulo, cujo objetivo foi
cumprir a proposta de cotejar as orientações cognitiva e funcio-
nalista, são um recorte de pontos considerados mais relevantes,
e, como tal, obviamente, não esgotam as possibilidades de se ex-
plorarem e se desenvolveram outros aspectos relativos à temática.

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70
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

FUNCIONALISMO,
VARIAÇÃO E MUDANÇA

Fábio Fernandes Torres


Lavínia Rodrigues de Jesus
Sávio André de Souza Cavalcante

1. Considerações iniciais

A perspectiva funcionalista caracteriza-se por conceber a língua


como instrumento de interação, sujeita a pressões socioco-
municativas que determinam a estrutura gramatical. Assim, o
sistema linguístico é estruturado e reestruturado pelo uso que os
falantes fazem das expressões linguísticas em condições reais de
produção da linguagem, sendo, portanto, de natureza adaptativa. A
linguagem é analisada com base nas funções comunicativas, e toda
explicação deve ser proveniente da língua em uso nos contextos
comunicativos. Logo, a análise de um fenômeno linguístico com
base nas concepções funcionalistas deve levar em consideração as
situações de uso (os sujeitos em interação, o contexto etc.), e, por-
tanto, a estrutura gramatical é determinada por essas situações.
Castilho (2012) explica que:

O funcionalismo não é uma abordagem monolítica;


ao contrário, ele reúne um conjunto de subteorias
que coincidem na postulação de que a língua tem
funções cognitivas e sociais que desempenham um

71
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

papel central na determinação das estruturas e dos


sistemas que organizam a gramática de uma língua.
(Castilho, 2012, p. 21).

As abordagens funcionalistas são tão distintas que não é


possível reuni-las em torno de um único modelo teórico. Mesmo
assim, é possível reconhecer um ponto em comum entre os diver-
sos estudos que se abrigam sob o rótulo de funcionalistas. Todos
concebem a linguagem como um instrumento de comunicação e
de interação social cuja forma se adapta às funções que exercem.
Da perspectiva geral do Funcionalismo, são as condições e as
exigências comunicacionais que moldam o sistema linguístico,
que existe para cumprir funções essencialmente comunicativas.
No Funcionalismo, as línguas são concebidas como instrumento
de interação social e devem ser descritas e explicadas a partir
do esquema efetivo da interação verbal. Segundo Neves (2013),
a descrição da gramática de uma língua particular feita a partir
de dados reais de uso é a descrição do próprio funcionamento
da linguagem, descrição essa que não se coaduna com qualquer
atividade de encaixamento em modelos pré-fabricados, tendo em
vista a constante adaptação da gramática às pressões externas.
Para a autora, são pontos centrais, nas reflexões sobre a gramática
de uma língua, baseada na orientação funcionalista, “o uso (em
relação ao sistema), o significado (em relação à forma) e o social
(em relação ao individual)” (Neves, 2013, p. 17). Nesse sentido, a
gramática é vista como um sistema flexível, fortemente suscetível
à mudança e intensamente afetado pelo emprego que lhe é dado
no dia a dia, isto é, trata-se de “um conjunto de convenções resul-
tantes de motivações de natureza distinta, em que se sobressaem
as pressões do uso” (Cunha; Souza, 2007, p. 15).
Segundo Cunha e Souza (2007), os funcionalistas estão inte-
ressados em explicar as regularidades observadas no uso interativo
da língua, analisando as condições discursivas em que isso ocorre,
isto é, a situação comunicativa, que envolve os interlocutores,

72
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

seus propósitos comunicativos e o contexto discursivo. Segundo


as autoras, o Funcionalismo se fundamenta em dois pressupos-
tos gerais: “(i) a língua desempenha funções que são externas ao
sistema linguístico; (ii) essas funções externas contribuem para
moldar a organização interna do sistema linguístico” (Cunha;
Souza, 2007, p. 15).
Sendo a linguagem um instrumento de comunicação e de
interação social, o sistema linguístico não se estrutura indepen-
dentemente da interação social. Na perspectiva funcionalista, o
sistema linguístico não tem uma ordem de funcionamento própria,
mas é moldado a partir das condições e exigências comunicacio-
nais. Nesse sentido, as expressões linguísticas produzidas pelos
falantes não seguem uma estruturação dada a priori pelas regras
de um sistema linguístico autônomo, mas são determinadas pelas
condições reais de produção da linguagem.
Segundo Neves (2013), partindo-se de uma concepção geral,
desvinculada de modelos de propostas particulares, o Funcio-
nalismo Linguístico é uma teoria que se liga, acima de qualquer
coisa, aos fins a que servem as unidades linguísticas e ocupa-se,
principalmente, dos meios linguísticos da expressão. Para a autora,
a base dos estudos funcionalistas é considerar a linguagem como
dinâmica, pela qual estrutura e função são vistas como instáveis.
Dessa forma, o Funcionalismo rejeita uma preocupação com a
competência para a organização gramatical de frases apenas,
e a reflexão se dirige para a multifuncionalidade dos itens, das
estruturas linguísticas, cuja natureza é funcional.

Estruturas linguísticas são, pois, configurações de


funções, e as diferentes funções são os diferentes
modos de significação no enunciado, que conduzem
à eficiência da comunicação entre os usuários de uma
língua. Nessa concepção, funcional é a comunicação,
e funcional é a própria organização interna da lin-
guagem (Neves, 2013, p. 18).

73
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Bagno e Casseb-Galvão (2017) apontam a importância em


compreender e descrever as alterações formais e funcionais das
entidades linguísticas e que é comum, na tradição linguístico-
-descritiva do português brasileiro, serem harmonizados prin-
cípios variacionistas e funcionalistas, numa clara demonstração
de que esses modelos de análise se complementam a partir do
pressuposto de que a língua é um fenômeno social. O Funciona-
lismo define a língua como heterogênea, visto que as sociedades
humanas têm experiências históricas, sociais, culturais e políticas
diferentes, e essas experiências se refletem no comportamento
linguístico de seus membros, além de estar em constante uso,
sendo atravessada por variação e mudança. Como destaca Marte-
lotta (2003), a trajetória de mudança de um elemento linguístico
é resultado de tempo, cognição e uso. Assim, em conformidade
com Givón (1995), não se justifica a separação feita por Saussure
entre descrição sincrônica e diacrônica dos fatos linguísticos, o que
pode ser visto como um aspecto idealizado. O problema, segundo
o linguista norte-americano, não é ignorar as mudanças da língua
em condições particulares, afinal os falantes são obrigados a fazer
escolhas linguísticas sob a implacável pressão da comunicação. O
problema é rejeitar a relevância de dados de mudança e de variação
para entender a estrutura sincrônica.
Levando isso em consideração, neste capítulo, contemplamos
um diálogo sobre a multifuncionalidade dos itens linguísticos e
princípios funcionalistas, com foco na variação e a mudança na
perspectiva da gramaticalização. Abordaremos esse diálogo a par-
tir do estudo de fenômenos de gramaticalização, cujas reflexões
partem do princípio de que a variação e a mudança linguística
são fenômenos inerentes à língua e ocorrem em contextos reais
de uso. Do ponto de vista retórico, este capítulo organiza-se do
seguinte modo: inicialmente, empreendemos uma discussão so-
bre mudança linguística, na perspectiva da gramaticalização; em
seguida, apresentamos dois estudos de caso, em que o primeiro
analisa a relação entre variação e gramaticalização, a partir da

74
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

variação da ordem das cláusulas temporais, e o segundo analisa a


relação entre gramaticalização e mudança, a partir do processo de
gramaticalização do verbo tomar, cujos usos se distribuem em um
continuum de abstratização, do emprego como verbo pleno, com
sentido concreto, ao emprego como verbo suporte, com sentido
mais abstrato. Por fim, nas conclusões, retomamos os resultados
mais salientes que esses dois estudos nos fornecem.

2. A gramaticalização

Uma propriedade fundamental dos sistemas linguísticos é a


mudança. Martelotta (2013) discute dois postulados fundamentais
a ela relacionados: as línguas são essencialmente dinâmicas e não
podem funcionar senão mudando. Sob esse aspecto, a mudança
é um fenômeno essencialmente funcional. Esses postulados são
compatíveis com concepções da Teoria da Variação e Mudança
Linguística – TVML, proposta por Weinreich, Labov e Herzog
([1968] 2006), segundo a qual a língua é um sistema inerentemente
heterogêneo e ordenado, que varia e muda, de forma lenta, regu-
lar e contínua, e a competência linguística do falante comporta a
capacidade de operar com heterogeneidade linguística.
Segundo Martelotta (2013), os homens mudam o mundo,
mudam a forma como se referem a ele, e as línguas desenvolvem
formas alternativas a esta finalidade, o que motiva mudanças em
suas estruturas ao longo do tempo. Para Givón (1995), a língua
não pode ser definida como um sistema autônomo porque a
gramática só pode ser entendida como fazendo referência a pa-
râmetros como cognição e comunicação, processamento mental,
interação e cultura, mudança e variação, aquisição e evolução,
ou seja, enquanto a linguagem é adquirida, a gramática emerge
e muda, a forma ajusta-se às novas funções e significados. Desse
modo, a variação e a mudança apontam para a natureza adaptativa
da linguagem – “um sistema de comunicação que oferece opções

75
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

para os seus falantes, refletindo suas habilidades de utilizar essas


variedades adequadamente” (Martelotta, 2013, p. 25).
Concebendo-se o sistema linguístico como heterogêneo,
que varia e muda conforme as necessidades comunicativas dos
indivíduos em sociedade, pode-se afirmar que a gramática de
uma língua, em qualquer que seja o estágio, é resultado das re-
gularidades resultantes das pressões do uso. Du Bois (1985) traz
à tona a noção de sistema adaptável, isto é, sistema parcialmen-
te autônomo (estável) e adaptável, por ser sensível às pressões
do uso. Essa ideia tem como premissa a natureza variável e a
tendência à estabilidade de qualquer sistema linguístico, isto
é, embora as línguas sofram constantes processos de variação e
mudança, esses processos se direcionam para uma estabilidade
no sistema linguístico, por isso o sistema é parcialmente estável
e adaptável, ou seja, a gramática não é um produto acabado, mas
em constante processo de gramaticalização. Para Hopper (1991), a
gramática é sempre emergente, cuja estabilidade é relativa, já que
as formas gramaticais, aparentemente estáveis, sofrem processos
de restrição de uso e esvaziamento semântico, o que desencadeia
processos de mudança. Assim, em diferentes épocas e por dife-
rentes perspectivas de estudo, a mudança ocupou o interesse
particular entre os estudiosos da linguagem, dada a necessidade
de se explicar a evolução dos sistemas linguísticos ao longo do
tempo. Dentre os pressupostos teóricos que explicam o fenômeno
da mudança linguística, encontram-se os da gramaticalização, tão
caros à compreensão da natureza de qualquer sistema linguístico.
Entende-se por gramaticalização o processo pelo qual uma
forma linguística adquire propriedades de formas gramaticais ou
quando uma forma que já possui um estatuto gramatical torna-
-se ainda mais gramatical (Silva; Torres, 2021). Desse modo, as
formas da língua podem ser distribuídas em duas categorias: (i)
os itens lexicais – que são empregados para fazer referência ao
universo biossocial, designando qualidades, entidades etc. e (ii)

76
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

os itens gramaticais – empregados para expressar noções gra-


maticais, como tempo, aspecto, pessoa etc. e valores relacionais,
como é o caso das preposições e conjunções. Ainda que os itens de
uma língua possam ser organizados nessas duas categorias, essa
organização se dá em razão de um conjunto de propriedades que
permitem agrupá-los em cada categoria.
O termo “gramaticalização” foi empregado pela primeira
vez por Meillet (1912), em seu artigo “L’évolution des formes
gramaticales”, em que o definiu como a atribuição de um caráter
gramatical a uma palavra anteriormente autônoma, ou seja, o
termo refere-se ao fato de uma palavra autônoma passar à função
de elemento gramatical. Meillet (1912) afirma que há dois meios
pelos quais novas formas gramaticais surgem, ou via inovação
analógica ou via gramaticalização, mas, enquanto a analogia não
interfere no sistema global da língua, “a gramaticalização de cer-
tas palavras cria formas novas, introduz categorias para as quais
não existiam expressões linguísticas, transforma todo o sistema”1
(Meillet, 1912, p. 133). Assim, a gramaticalização é um fenômeno
que pode ser atestado em todas as línguas naturais e pode envolver
qualquer tipo de função, segundo Heine et al. (1991b).
Para Heine et al. (1991a), o princípio subjacente ao conceito
de gramaticalização é um princípio cognitivo específico pelo qual
se exploram velhos significados e formas para novas funções,
ou seja, conceitos concretos são empregados para compreender,
explicar e descrever conceitos menos concretos; estruturas clara-
mente delimitadas são acionadas para entender estruturas menos
delimitadas; experiências não físicas são entendidas em termos
de experiências físicas, tempo em termos de espaço etc. Assim, a
base cognitiva da gramaticalização tem a ver com a manipulação
metafórica de conceitos. Desse modo, a gramaticalização não se
restringe a explicar a evolução das formas linguísticas como pro-
1 “La grammaticalisation de certains mots creé des formes neuves, introduit des
catégories qui n’avaient pás d’expression linguistique, transforme l’ensemble du
système” (Meillet, 1912, p. 133).

77
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

cesso diacrônico, mas também se interessa pelo emprego metafó-


rico das expressões linguísticas, resultantes da fluidez categorial,
em que termos de significados mais abstratos são compreendidos
a partir de termos com significados mais concretos.
Givón (1971) deu relevantes contribuições para a compre-
ensão da sintaxe sincrônica de uma língua. A asserção givoniana
mais conhecida e repetida entre os que se dedicam aos fenômenos
sintáticos e aos processos de gramaticalização é, sem dúvida, a
de que “a morfologia de hoje é a sintaxe de ontem” (Givón, 1971,
p. 413, tradução nossa)2. Segundo o linguista norte-americano,
“para compreender as morfologias e as morfotáticas atuais de
uma língua, deve-se construir hipóteses específicas sobre a ordem
sintática e estrutura transformacional da língua em algum estágio
anterior de seu desenvolvimento histórico” (Givón, 1971, p. 394,
tradução nossa)3. Givón (1979) apresenta uma revisão de seus pres-
supostos que inclui a pragmática como o maior parâmetro para
entender a estrutura linguística em geral e o desenvolvimento de
estruturas sintáticas e categorias gramaticais em particular. Sob
esse aspecto, uma nova asserção, que engloba a primeira, ganha
destaque: “a sintaxe de hoje é a pragmática discursiva de ontem”.
Givón (1979) argumenta que, no processo de gramaticalização,
um modo mais pragmático de comunicação dá lugar a um modo
mais sintático, em que estruturas discursivas paratáticas frouxas
evoluem para estruturas sintáticas fechadas, obedecendo ao mo-
delo apresentado a seguir:

Discurso > sintaxe > morfologia > morfofonêmica > zero


(Givón, 1979, p. 209).

2 “Today’s morphology is yesterday’s syntax” (Givón, 1971, p. 413).


3 “In order to understand current morphologies and morphotactics of a language, one
must construct specific hypothesis about the syntactic order and transformational
structure of the language at some earlier stage of its historical development” (Givón,
1971, p. 394).

78
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Para Heine et al. (1991b), as discussões sobre gramaticali-


zação estão, implícita ou explicitamente, ligadas a três postu-
lados pós-saussurianos, que guiaram os modelos de gramática:
a) a descrição linguística deve ser estritamente sincrônica; b) a
relação entre forma e significado é arbitrária e c) uma forma lin-
guística tem apenas uma função ou significado. Para os autores,
a gramaticalização pode ser descrita alternativamente como um
fenômeno diacrônico ou sincrônico. Diacronicamente, pode-se
dizer que um item lexical adquiriu uma propriedade gramatical
ou um item gramatical adquiriu uma propriedade ainda mais
gramatical, isto é, tem como precedente o item lexical ou item
gramatical do qual o processo se originou. Sincronicamente, a
gramaticalização desafia a noção de classe de morfemas discretos
ou de constituintes das sentenças. Como se poderia categorizar,
por exemplo, um item gerado por processo de gramaticalização
como o pronome “você”, em Português? Como pronome pessoal
de tratamento ou pronome pessoal do caso reto? Seria um caso de
homonímia? Para esses linguistas, em situações como essas, seria
possível demonstrar um continuum dos usos prototípicos da cate-
goria para a qual a forma se gramaticalizou, dos usos da categoria
anterior e dos usos da fase do percurso, ou seja, a relação forma e
função é motivada (não-arbitrária), e uma forma linguística não
tem apenas uma função ou um significado.
Segundo Heine et al. (1991a), no século XIX, a noção de
gramaticalização era um tema presente (a) nos princípios da gra-
mática comparativa de Franz Bopp; (b) na teoria do papel moeda4
de Schlegel, em que as palavras são despidas de seu conteúdo
semântico para facilitar sua circulação na linguagem; (c) na tese
defendida por Wilhelm von Humboldt (1825) “Sobre a origem
das formas gramaticais e sua influência no desenvolvimento de
ideias”, pela qual as classes de palavras como preposição e conjun-
ção têm sua origem em palavras reais denotando objetos – modelo
que ficou mais conhecido como a teoria da aglutinação ou teoria
4 O termo em inglês é paper-money theory.

79
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

da coalescência; (d) no trabalho de Franz Wüllner (1831), “Sobre


a origem e o significado original dos termos”, que defende a ideia
de que as designações para todos os conceitos não perceptíveis são
derivadas de conceitos perceptíveis; (e) na proposta de William
Dwight Whitney (1875) sobre a mudança semântica, ao afirmar que
transferência e extensão de significado são fatores importantes
na mudança semântica, visto que conduzem a um movimento no
vocabulário inteiro da designação do que é mais áspero, grosseiro
e material para o que é mais fino, abstrato e conceptual; (f) na
afirmação de Wegener (1885) de que a descrição de padrões prag-
máticos do discurso se desenvolvem em construções morfossintá-
ticas; (g) no trabalho de Gabelentz (1891), que propôs a noção de
uma espiral evolucionária para descrever o desenvolvimento de
categorias gramaticais, a partir do qual se tornou um lugar comum
na linguística a seguinte afirmação: o que hoje são afixos foram
antes palavras independentes; (h) nas contribuições do semanti-
cista Michel Bréal, ao considerar que, entre todas as palavras de
um certo tipo, distinguidas por uma certa marca gramatical, há
sempre uma que pouco a pouco é esvaziada de sentido em relação
às outras, que perde seu valor individual e passa a ser instrumento
gramatical; (i) nas observações de Sapir (1921), que descreveu a
diferença entre o concreto e abstrato como um continuum e sua
relação com a expressão linguística que continua relevante para
os estudos modernos, visto que o que Sapir chamava de processo
de afinamento (thinning-out process) engloba a noção de modelo
de dessemantização ou de opacidade semântica (bleaching model);
e, mais claramente, (j) nas contribuições de Meillet (1912), con-
siderado o fundador dos estudos modernos de gramaticalização,
a quem devemos a cunhagem do termo “gramaticalização”, que
justificou a relevância desses estudos como uma das maiores
áreas na ciência da linguagem e que utilizou a gramaticalização
como um parâmetro explanatório na Linguística Histórica. Essas
concepções têm em comum a aceitação de que a gramaticalização
é um dos fatores responsáveis pela mudança linguística.

80
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Em se tratando do continuum entre o concreto e abstrato,


no que diz respeito à codificação dos elementos linguísticos, do
ponto de vista cognitivo, a passagem da representação de ele-
mentos do nível mais concreto dos elementos linguísticos – como
nomes, verbos, adjetivos – para níveis mais abstratos, como os
articuladores oracionais, os marcadores textuais, os clíticos e
os morfemas flexionais ou derivacionais são responsáveis pela
mudança via gramaticalização, conforme Heine et al. (1991a).
Nesses casos, termos ou expressões com valor menos concreto
passam a desempenhar funções ainda mais abstratas. Segundo
Silva e Torres (2021), é por meio da abstratização metafórica que
entidades concretas são empregadas para expressar sentidos mais
abstratos, já que é desse modo que o ser humano compreende e
conceitua a realidade que o cerca. Segundo Heine et al. (1991b),
são dois os subtipos de metáforas: (a) a metáfora criativa, de natu-
reza psicológica, importante para a formação de novos vocábulos
e expressões e (b) a metáfora emergente, de natureza categorial,
com motivação pragmática, que não forma novos itens ou cons-
truções, mas emprega formas já disponíveis em novos contextos,
com novos traços de significado, assumindo novas funções.
Esse processo também diz respeito à relação entre forma e
função ou, ainda, expressão e conteúdo. Entre os funcionalistas,
denomina-se iconicidade a correlação entre forma e conteúdo
ou, mais especificamente, entre forma e função, designando-se
o termo isomorfismo para se referir à condição natural da língua
de manter, nesta relação, uma forma para um sentido, um sentido
para uma forma. Contudo, essa relação nem sempre é objetiva,
clara e transparente, mas opaca em termo de representação de
uma função por uma forma. Desse modo, há formas na língua
que, embora pertençam a uma determinada categoria funcional,
são empregadas frequentemente com outros traços funcionais,
de modo que há formas que desempenham mais de uma função,
abrindo caminho para processos de gramaticalização e, conse-
quentemente, à mudança.

81
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Hopper (1991) retoma as contribuições de Meillet, que in-


troduziu o conceito de gramaticalização, com a preocupação de
descrever e explicar não apenas a gramaticalização5, mas também
aspectos da mudança em geral. A partir de uma releitura dos pa-
râmetros propostos por Lehmann (1982), o linguista propõe cinco
princípios de gramaticalização, que têm o propósito de caracte-
rizar estágios iniciais de gramaticalização, quando há variação,
visto que os parâmetros propostos por Lehmann (1982) flagram
estágios mais avançados. Esses princípios, apresentados teorica-
mente neste momento, serão exemplificados na próxima seção.

(1) estratificação (layering) – dentro de um domínio


funcional amplo, novas camadas estão continuamen-
te surgindo. Quando isso acontece, as camadas mais
velhas não são necessariamente descartadas, mas
podem permanecer para coexistir e interagir com as
camadas mais novas.
(2) divergência – quando uma forma lexical sofre
gramaticalização para um clítico ou um afixo, a
forma original pode permanecer como um elemento
autônomo e sofrer as mesmas mudanças como um
item lexical qualquer.
(3) especialização – dentro de um domínio funcio-
nal, em um estágio, uma variedade de formas, com
diferentes nuanças semânticas, pode ser possível;
quando a gramaticalização se realiza, esta variedade
de escolhas formais se estreita e o número menor de
formas selecionadas assume significados gramaticais
mais gerais.
(4) persistência – quando uma forma sofre grama-
ticalização de uma função lexical para uma função
gramatical, contanto que gramaticalmente viável,
5 O termo usado por Hopper é “gramaticização” (grammaticization), mas usaremos
aqui o termo “gramaticalização”, por ser o mais recorrente. Na segunda nota de
referência, Hopper esclarece que usa o termo “gramaticização” em vez de “grama-
ticalização” porque o último sugere que as formas resultantes são gramaticais, isto
é, parte da gramática.

82
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

alguns traços de seu significado lexical original ten-


dem a aderir a ela e detalhes de sua história lexical
podem ser refletidos em restrições de sua distribui-
ção gramatical.
(5) decategorização – formas que estão sofrendo
gramaticalização tendem a perder ou neutralizar
marcas morfológicas e propriedades sintáticas carac-
terísticas das categorias plenas do nome e do verbo
e assumir atributos característicos de categorias
secundárias tal como adjetivo, particípio, preposição,
etc. (Hopper, 1991, p. 22, tradução nossa).6

O primeiro princípio, estratificação/camadas (layering), está


associado ao surgimento de novas formas para além das que já
existem em um mesmo domínio funcional. O autor lembra que
isso não significa o descarte das formas antigas, mas uma relação
de coexistência e interação entre as novas camadas. Esse prin-
cípio relaciona-se à variação, uma vez que novas formas podem
emergir e conviver com as antigas, coexistindo em um mesmo
espaço funcional. Em associação com a Sociolinguística, corrente
em que a variação tem lugar de destaque, “podemos dizer que as
camadas representam variantes linguísticas no sentido de Labov:
6 (1) Layering. Within a broad functional domain, new layers are continually emerging.
As this happens, the older layers are not necessarily discarded, but may remain to
coexist with an interact with the newer layers.”
(2) Divergence. “When a lexical form undergoes grammaticization to a clitic or affix,
the original lexical form may remain as an autonomous element and undergo the
same changes as ordinary lexical items.”
(3) Specialization. “Within a functional domain, at one stage a variety of forms with
different semantic nuances may be possible; as grammaticization takes place, this
variety of formal choices narrows and the smaller number of forms selected assume
more general grammatical meanings.”
(4) Persistence. “When a form undergoes grammaticization from a lexical to a
grammatical function, so long as it is grammatically viable some traces of its ori-
ginal lexical meaning tend to adhere to it, and details of its lexical history may be
reflected in constraints on its grammatical distribuction.”
(5) De-categorialization. “forms undergoing grammaticization tend to lose or
neutralize the morphological markers and syntactic privileges characteristic of the
full categories Noun and Verb, and to assume attributes characteristic of secondary
categories such as Adjective, Participle, Preposition, etc.” (Hopper, 1991, p. 22).

83
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

duas ou mais formas de mesmo significado passíveis de serem


empregadas no mesmo contexto” (Tavares, 2003, p. 72, grifos da
autora). Nesse sentido, aproximam-se variação e gramaticalização,
já que esse princípio

permite a convergência entre tais objetos de estudo,


pois prevê que, dentro de um domínio funcional,
emergem continuamente novas camadas para
marcar funções que em geral já são marcadas por
outras formas, mais antigas no ramo. Se, por conta
da gramaticalização, um elemento se torna uma das
camadas de um certo domínio, a análise somente
será completa se também forem levadas em conta
as demais formas que competem com o elemento
mais recente, pois são as inter-relações entre todas
as camadas que definem os rumos do domínio como
um todo e de cada elemento em particular (Tavares,
2003, p. 108).

Uma vez que a estratificação ocorre, uma forma lexical, por


exemplo, embora gramaticalizada, ainda pode permanecer como
item lexical, sofrendo as mesmas pressões dos demais itens lexi-
cais. Esse fenômeno ilustra, segundo Hopper (1991), o princípio de
divergência (divergence). Segundo o autor, seria possível tratá-lo
como um caso de estratificação, embora a divergência implique
que uma forma se gramaticaliza em um contexto, e não em outro,
enquanto a estratificação aponta para graus de gramaticalização
em um mesmo domínio, ilustrados por meio de diferentes formas.
Também pode acontecer de a variação deixar de existir em
determinado contexto, o que ilustra o princípio de especialização
(specialization). Como resultado, temos um novo uso sistemati-
zado, menos alternativo, mais regular, distante do original (Oli-
veira, 2022). Segundo Tavares (2003), “a especialização diminui
ou extingue a competição – variação – entre itens linguísticos”

84
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

(Tavares, 2003, p. 74). Para a autora, ao lado da especialização


por generalização, prevista por Hopper (1991), em que um menor
número de formas assume significados gramaticais mais gerais,
há a especialização por especificação, quando cada forma se es-
pecializa em certas funções ou contextos particulares.
Estando gramaticalizada a forma, características de seus
significados originais podem ainda persistir e interferir em sua
distribuição sintática. Tal situação, segundo Hopper (1991), reflete
o princípio da persistência (persistence). Nesse estágio, “espera-
-se que uma forma seja polissêmica, e que um ou mais de seus
significados reflitam traços de significados anteriores, capazes
de interferir no modo como é utilizada pelos usuários atuais da
língua” (Tavares, 2003, p. 74).
A gramaticalização também pode fazer com que uma forma
perca traços morfológicos ou sintáticos de sua categoria original,
o que ilustra o princípio de decategorização (de-categorialization).
Em tal processo, segundo Hopper (1991), relativiza-se a noção de
categoria, dando lugar a graus de categorialidade. A decategoriza-
ção mostra que as categorias linguísticas não devem ser pensadas
em termos herméticos, mas precisam ser vistas como resultado
de adaptação de formas dentro do discurso.
Guiados por essas concepções, nas próximas seções, apre-
sentamos dados de uso analisados sob a ótica da gramaticaliza-
ção, que exemplificam a relação do fenômeno com os processos
de variação e mudança linguística. Em um primeiro momento,
discutimos acerca da posição de uma cláusula temporal em
relação à sua respectiva nuclear, mostrando que a ordem é
sensível às funções textual-discursivas da temporal, locus da
variação posicional e/ou da fixidez. Em seguida, apresentamos
os usos do verbo tomar, que, em sua rota de gramaticalização,
pode funcionar como verbo pleno, verbo estendido, expressão
cristalizada e verbo-suporte.

85
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

3. Variação e gramaticalização: a ordem das cláusulas temporais

Nesta seção, a fim de exemplificar a associação dos princípios


de gramaticalização com a variação linguística, analisaremos o
comportamento das Cláusulas7 Temporais, principalmente no que
tange à aplicação do princípio de estratificação.
As Cláusulas Temporais têm como função primeira “trazer à
cena um acontecimento ocorrido antes de outro, depois de outro,
ou ao mesmo tempo que outro” (Rocha Lima, 1988, p. 257, grifos
do autor) e exprimir “o tempo em que ocorre o fato expresso na
oração principal” (Sacconi, 1990). Nesse sentido, a função mol-
dura é a que lhe caracteriza prioritariamente. Seu conector mais
frequente é o quando.
Do ponto de vista de sua posição em relação à cláusula-
-núcleo, a posposição é mais frequente no registro escrito (Souza,
1996; Braga; Paiva, 2019); e a anteposição, no falado (Braga, 1995;
1999). Já a intercalação, tendo em vista sua maior complexidade
sintática, tende a ser a opção menos frequente em ambos os re-
gistros, o que lhe confere maior expressividade estilística.
Tomamos a função moldura como basilar às Cláusulas Tem-
porais, tendo em vista, principalmente, (i) ser o traço subjacente
à maioria das definições acerca dessas orações e (ii) permitir
maior variação posicional, fenômeno abordado neste ponto do
texto. Veremos que o valor de moldura pode tornar-se ainda mais
abstrato, ensejando funções mais específicas, como a de guia,
especificação nominal e avaliação, que tendem a se especializar
em posições mais específicas, a saber: anteposição, intercalação
e posposição. Essas posições são ilustradas, respectivamente, em
(01), (02) e (03). A variabilidade posicional das Temporais pode
ser afetada pela atuação dos princípios de gramaticalização, que
explicam alternância e/ou rigidez sintática dessas estruturas.

7 Neste trabalho, estamos usando os termos cláusula e oração intercambiavelmente.

86
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

(01) Há prédios inteiros vazios ou com meia dúzia de inquilinos.


Um caso emblemático é o edifício Pátio Malzoni, erguido num dos
terrenos mais caros de São Paulo, na avenida Faria Lima. Quando
foi inaugurado, em 2012, tinha o metro quadrado mais caro do
país para aluguel (Corpus NUPACT – Revista Exame, 5 mar. 2014,
negrito e itálico nossos).

(02) Entre as vantagens do serviço em relação aos concorrentes


está o fato de o usuário transferir para a nuvem o seu acervo
pessoal de músicas. De acordo com Harley, o sistema faz uma
varredura nos arquivos de música guardados no computador do
usuário e cria um “espelho” das músicas na nuvem. Além disso,
quando o sistema não encontrar uma canção correspondente, é
possível fazer o upload do arquivo para a nuvem (Corpus NUPACT
– Revista Veja, 22 set. 2014, negrito e itálico nossos).

(03) As histórias de fantasia e ficção científica estão recheadas de


exemplos em que a capacidade de passar despercebido é muito útil.
Da capa de invisibilidade do bruxo Harry Potter ao porta-aviões
camuflado de “Os Vingadores”, tudo parece ficar mais fácil quando
enganar o inimigo é uma mera questão de ser visto ou não (Corpus
NUPACT – Revista Istoé, 11 jul. 2014, negrito e itálico nossos).

Em (01), a oração “quando foi inaugurado”, junto ao adjunto


“em 2012”, serve de enquadre temporal para aquela em que se
apresenta a descrição do edifício Pátio Malzoni: “tinha o metro
quadrado mais caro do país para aluguel”. A copresença desses
dois elementos de valor temporal inaugura um novo subtópico
ao texto, que, nesse ponto, deixa de se centrar na apresentação
do edifício Pátio Malzoni e passa a tratar do momento de sua
inauguração. Esse movimento se dá tendo em vista a orientação
argumentativa deste ponto do texto: justificar o porquê de haver
em São Paulo tantos prédios vazios ou com poucos inquilinos.
Do mesmo modo, em (02), a temporal “quando o sistema não
encontrar uma canção correspondente”, intercalada entre “além

87
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

disso” e “é possível fazer o upload do arquivo para a nuvem”, deno-


ta o momento em que o usuário pode optar por enviar um arquivo
de música à sua nuvem. Segundo Koch e Elias (2017), o articulador
discursivo-argumentativo “além de” conecta enunciados que se
dirigem a uma mesma conclusão. Em (02), os elementos em ques-
tão iniciam um novo fato na defesa de que o serviço apresentado é
vantajoso em detrimento de seus concorrentes. Nesse contexto, a
temporal intercalada serve, portanto, ao recorte de uma situação
cujo resultado é benéfico à adesão ao serviço oferecido.
No dado (03), a Temporal “quando enganar o inimigo é uma
mera questão de ser visto ou não” emoldura e delimita o momento
em que “tudo parece ficar mais fácil”. Em lugar da coerência mais
global (Givón, 1995) que as antepostas e intercaladas pré-verbais
ensejam, nota-se a manifestação de coerência local, já que seu
escopo é a cláusula nuclear que sucede a temporal de maneira
imediata.
A análise detida dos dados (01-03) denota que, embora o
escritor tenha optado por essas posições da Temporal em relação
à nuclear, outras seriam possíveis em cada caso, a depender do
gerenciamento que ele fizesse dos mecanismos de coesão em seu
discurso. Para a codificação da função de moldura temporal, apre-
sentam-se três camadas, que dizem respeito às distintas posições
que a cláusula hipotática pode assumir em relação à sua nuclear.
Embora compartilhem a área funcional da expressão de
moldura, isso não significa que essas camadas sejam referencial-
mente sinônimas em todos seus aspectos. Segundo Lopes (2022),
“é comum que existam duas ou mais formas linguísticas inter-
cambiáveis em determinados contextos de uso, mesmo que haja
entre elas diferenças sociais e/ou estilísticas (...) ou semântico-
-pragmáticas (...)” (Lopes, 2022, p. 28). Como vimos, há diferenças
no que tange à argumentatividade e à coerência local/global em
relação à determinada posição da temporal e sua respectiva nu-
clear nos dados analisados.

88
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Tendo em vista as pressões pragmático-discursivas sobre


os usos, a variabilidade posicional pode se tornar restrita em al-
guns contextos. No trabalho de Cavalcante e Coan (2021), diz-se
que a cláusula temporal pode exercer múltiplas funções. Essas
funções referem-se a distintos estágios de gramaticalização
da noção de tempo (Lima-Hernandes, 2004). Segundo aqueles
autores, a Temporal pode exercer as seguintes funções: fundo
guia/ orientação, ponte de transição, fundo moldura, fundo
avaliativo, fundo finalidade, fundo comparativo-modal, fundo
delimitação, fundo completivo, fundo identificativo, fundo
especificador nominal, fundo reparo/reformulação e figura. No
que tange à ordem da hipotática em relação à nuclear, essas
funções podem atuar como condicionadoras, facilitando ou
bloqueando a mobilidade posicional, tendo em vista graus de
gramaticalização.
Associando os usos das Temporais ao princípio da estrati-
ficação, podemos dizer que, no texto escrito, a função moldura,
prioritariamente realizada pela posposição, pode permitir outras
camadas, que coexistem e que se relacionam entre si: a antepo-
sição e a intercalação. No entanto, por pressões relacionadas a
processos metafóricos, a função moldura pode, tornando-se ainda
mais abstrata, por exemplo, expressar uma orientação ou guia
para situar as informações que serão expressas em sua sequência.
A partir de então, essas funções começam a divergir e passam a
atuar em contextos diferentes. É possível que essa divergência
explique a preferência, já aludida, das Temporais pospostas na
escrita e das antepostas na fala.
Em associação com a noção de anterioridade temporal e an-
teposição sintática, a função de moldura/enquadre temporal fica
mais opaca, dando espaço à função de guia. Isso se dá porque, con-
forme Neves (2018), a anteposição “é particularmente aproveitada
na criação de molduras mentais, uma espécie de enquadramento
temporal dentro do qual deve ser interpretado aquilo que vem

89
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

dito na oração seguinte” (Neves, 2018, p. 856). Podemos aplicar


essa análise ao exemplo (04):

(04) Fiz o concurso. Numa das provas eu tirei quarto lugar só


porque eu cheguei atrasado numa, numa das provas, quase que
eu perdi, quase que eu perdi o concurso por causa do desperta-
dor, quer dizer: minha filha, bota o despertador. Não, eu acordo
cedo. Coloca o despertador. Não, P., eu levanto cedo. Ela sempre
levanta cedo. Naquele dia ela não levantou cedo e despertador não
despertou. Quando ela viu o horário, saí louco de casa. Cheguei
lá, a prova, a prova quase no meio (Corpus NURC – RJ – Locutor
164 – Inquérito 0145, negrito e itálico nossos).

No dado apresentado, a Temporal “quando ela viu o horário”


é uma espécie de guia/orientação para auxiliar o entendimento
do fato de o locutor haver saído de casa em desespero. Ou seja,
a moldura temporal é reinterpretada em termos de guia textual/
discursiva, cujas cláusulas que a atualizam funcionam “como uma
orientação para o material seguinte, ou mesmo como um guia para
a atenção do receptor” (Decat, 2001, p. 154). Assim, demonstra-se
que as relações temporais podem, em outros estágios de grama-
ticalização, ser reinterpretadas como unidades a serviço do texto
(Traugott; Heine, 1991).
Segundo Kortmann (1996), as relações de anterioridade
temporal relacionam-se ao domínio da causalidade, embora, em
(04), o fato de a filha do enunciador ver o horário não implique
imediatamente na pressa dele. Entre os dois fatos apresentados,
há uma série de pressuposições que apontam para certa causa-
lidade também expressa pela Temporal, entre as quais, o fato de
ela provavelmente tê-lo alertado do horário, o que o motivou a
sair apressado.
Ainda conforme Decat (2001), a função mais geral de guia,
que opera cataforicamente, relaciona-se a uma que “remete para
o discurso precedente, servindo pragmaticamente de ponte de

90
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

transição de uma porção a outra do texto” (Decat, 2001, p. 155,


grifos da autora). Em (04), o posicionamento da Temporal, que
manifesta a função de ponte de transição, também é motivado
pelo gerenciamento da coesão: o sujeito “ela” e o sintagma “o
horário” retomam informações apresentadas nas cláusulas ante-
riores (“minha filha”, “atrasado”, “despertador” etc.). Nos termos
de Givón (1995), as antepostas refletem coerência mais global, já
que articulam elementos presentes em porções anteriores do texto
e, por isso, servem de elo entre essas informações e as posteriores.
Na emergência de novos significados funcionais oriundos da
abstratização da função moldura, também há o de avaliação, em
cuja especialização está a posposição, como ilustrado em (05). Isso
ocorre porque é mais icônico que um fato seja avaliado apenas
depois de ter sido apresentado:

(05) Bom, eu acho que hoje é relativamente fácil. Não digo comer
bem, mas é fácil comer. Não se come barato, mas eu acho que há
tanta, eh, nos Estados Unidos muita ‘cafeteria’ (sic), no, no estran-
geiro muito auto-serviço, e mesmo nós aqui já temos já bastante.
Agora eu não diria que se come bem, porque provavelmente acaba
se apelando para os mesmos tipos de comidas e em geral a base
é o sanduíche. Então é uma alimentação, eh, vamos dizer, em que
se incide sobre determinados tipos de calorias, quando na verdade
eu acho que ela poderia ter uma dosagem melhor. Mas não acho
que haja ... Acho, sim, que é relativamente caro comer (Corpus
NURC – RJ – Locutor 304 – Inquérito 0253, negrito e itálico nossos).

No dado (05), a locutora avalia a alimentação fora do Brasil:


não é barata, não se come bem, mas parece ser mais fácil conse-
guir algo rápido para comer. Nesse contexto, introduz o tópico
discursivo “calorias” e explica que poderia haver uma dosagem
melhor delas. Note-se que o trecho é carregado de expressões
que apontam para a avaliação subjetiva da enunciadora sobre
os fatos apresentados. Os elementos “eu acho” e “na verdade”,

91
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

situados próximos à ocorrência analisada, além dos operadores


de contraste (“mas”, “agora”) e dos verbos em primeira pessoa
(“acho”, “digo”, “diria” etc.), contribuem para criar um contexto
de avaliação e de expressão subjetiva. Esse cenário cria um efeito
de coerção (Hilpert, 2014): a Temporal sofre alterações em seu
significado básico, com resultado de pressões contextuais.
Além de sofrer modificações semânticas, a Temporal pode
ver alterada sua distribuição sintática. Dado o movimento icônico
“fato > avaliação”, a oração tende a fixar-se à margem direita do
período, especialização que extingue a variação, nos termos de
Tavares (2003). Assim, a posposição torna-se a alternativa mais
apta a expressar essa funcionalidade, o que leva a uma preterição,
por parte dos enunciadores, das demais possibilidades posicionais.
Outro aspecto do uso das Temporais é o fato de poderem
comportar-se como adjetivas, em que se observa a decategorização,
evidenciando a fluidez categorial da oração Temporal em certos
contextos. No entanto, persiste ainda o valor temporal, como
podemos ver em (06):

(06) Ao ser questionado nesta terça sobre qual seria uma estima-
tiva atualizada do valor do empréstimo a ser levantado pela CCEE
com os bancos, o diretor-geral da Aneel disse que não tinha valo-
res, mas afirmou que algo em torno de 10 bilhões de reais ou um
pouco mais reflete a estimativa inicial do governo federal, quando
anunciou em março que buscaria cerca de 12 bilhões de reais
para ajudar as distribuidoras de energia neste ano. (Corpus
NUPACT – Revista Veja, 9 abr. 2014, negrito e itálico nossos).

No dado, a conjunção Temporal em destaque poderia, sem


muitos prejuízos semânticos, ser comutada por “que”, já que
elabora o referente “o governo federal”. Isso é reflexo do antigo
valor de advérbio relativo do item “quando” (Azeredo, 2008), que,
em determinados usos, pode ser convocado a exercer outras fun-

92
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

ções, compartilhando espaço com as adjetivas (Neves, 2018). Em


(06), a decategorização de “quando” leva-o a não mais ter como
escopo um verbo, mas um item de natureza nominal, numa escala
metafórica que vai do tempo à qualificação. No entanto, a persis-
tência de seu valor temporal e a presença do adjunto “em março”
levam-nos a interpretar a oração como um recorte temporal na
linha de existência do referente “governo federal”. No caso em
tela, não há possibilidade de ordem variável da Temporal, já que,
por tomar como escopo um nome, deve ser apresentada apenas
após a menção a ele.
Exemplificados os princípios de gramaticalização e sua re-
lação com os usos categóricos e variáveis das Orações Temporais
e sua posição no período, observemos, agora, os usos do verbo
tomar no português escrito, a fim de pensarmos nos processos de
mudança. Seu comportamento indicia o processo de gramatica-
lização na trajetória desse item.

4. Mudança e gramaticalização: o verbo tomar

Meillet (1912), considerado a figura central dos estudos


sobre gramaticalização, emprega o termo pela primeira vez para
designar “a atribuição de um caráter gramatical a uma forma au-
tônoma”. Como dissemos, em seu artigo “L’evolucion des formes
grammaticales”, Meillet (1912) descreve dois processos de mudan-
ça gramatical: a analogia e a gramaticalização. O autor entende
por analogia o processo pelo qual novos paradigmas originam-se
por meio de semelhança formal de paradigmas já estabelecidos e,
por gramaticalização, a passagem de uma palavra autônoma para
o papel de um elemento gramatical. Considerando a dinamicidade
da língua e a mudança categorial das formas, a gramaticalização
pode ser entendida como um processo em que ocorre a mudança
de categoria, ampliando o repertório funcional da língua. O pro-
cesso de mudança ocorre de forma lenta, gradual e implica numa

93
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

direção, a partir do uso de elementos que já estão presentes na


língua (lexicais) e que vão aos poucos se tornando mais fixos e
mudando de categoria (gramaticais). Lehmann (1982) aponta
que o termo lexical significa ter um sentido concreto específico
e pertence ao inventário de palavras de uma língua; enquanto o
termo gramatical pode referir-se a estar em conformidade com as
regras da gramática e ter um sentido abstrato e funcional.
O princípio da unidirecionalidade constitui uma caracterís-
tica básica da gramaticalização que legitima a escala: item lexical
> item gramatical > clítico > afixo. Esse princípio é defendido por
Hopper e Traugott (1993), que assumem que há uma relação entre
dois estágios A e B, de forma tal que o estágio A é sempre seguido
pelo estágio B, mas o contrário não se verifica. Heine, Claudi e
Hünnemeyer (1991) também sustentam a unidirecionalidade ao
mostrarem que há uma trajetória do concreto para o abstrato e
que as etapas do processo seguem uma escala de abstratização
crescente. Seguindo esse processo, o elemento deixa de atuar no
nível representacional, característico dos elementos que fazem
referência a dados mais objetivos associados ao nosso mundo
biossocial, para atuar no nível interpessoal, que engloba as ex-
pressões de valor processual, ou seja, aquelas cujas funções estão
relacionadas aos processos através dos quais o falante elabora
seu enunciado para um determinado ouvinte em um contexto
específico de uso (Martelotta, 2013, p. 92).
Retomando Du Bois (1985), a concepção de gramática desen-
volvida pelo funcionalismo ressalta seu caráter dinâmico e emer-
gente, como um sistema parcialmente autônomo e motivado por
pressões externas, adaptável às condições de uso e que, por isso
mesmo, nunca se estabiliza por completo. Do ponto de vista da
linguística funcional, todos os termos de uma língua em uso estão
sujeitos aos processos de variação e consequentemente mudança.
Várias construções usadas em situações reais de comunicação,
por vezes, não preenchem todas as características prototípicas

94
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

de categorias previamente delimitadas. É o que ocorre nas cons-


truções com o verbo tomar, o qual, em alguns contextos morfos-
sintáticos, não funciona simplesmente como verbo pleno, mas
assume outras funções, como, por exemplo, a de verbo estendido,
expressão cristalizada e verbo-suporte. Nessas outras funções, ele
se distancia de suas propriedades de verbo pleno − mais lexical − e
assume propriedades mais gramaticais.
A fim de apresentar o processo de gramaticalização do verbo
tomar no português escrito, é importante mostrar os quatro usos
desse verbo com diferentes níveis de gramaticalidade. São eles:
verbo pleno, verbo estendido, expressão cristalizada e verbo-
-suporte, com excertos retirados do Corpus do português de Davies
e Ferreira (2006).

(I) Tomar como verbo pleno

É aquele que assume seu uso mais próximo à sua acepção


primária (pegar, segurar, sustentar, agarrar). Como verbo pleno,
apresenta o efeito de se apossar de alguma coisa, agindo como se
fosse o proprietário através da manifestação do direito de usar.

(07) “Tem que descer a mão e tomar a faca.” [tomar =


pegar∕segurar] (CP – 19:Fic:Br:Aguiar)

(08) “É êsse olhar que reanima o corpo e obriga-o a tomar os


braços da mulher em suas mãos suadas.” (CP-19:Fic:Br)

(09) “Bastava ir procurá-lo naquele quarto abafado, cheirando a


remédios, sentar-se com ele na cama, tomar as cartas espalhadas
no chão e durante cinco minutos jogar com o doente o seu jogo
predileto.” (CP-19:Fic:Br)

95
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

(II) Tomar como verbo estendido

Como verbo estendido, apresenta extensão de sentido, perde


a acepção original e passa a assumir outra acepção, mas conserva
o traço semântico de origem. Em (10), (11) e (12), a seguir, tomar
assume as seguintes acepções respectivamente: beber/ingerir,
abordar e ouvir. Note que, ao trocarmos o complemento dos verbos,
-café, -série, -depoimento, por outro de mesmo campo semântico
ou similar, o verbo tomar não sofre alteração semântica.

(10) “depois, como faço todos os dias, segui para a lanchonete do


Tinôco para tomar o meu café. Tinôco sempre me arranja um
lugarzinho num dos assentos do balcão” [tomar = beber/ingerir]
(CP-19:Fic:Br:Beltrao)

(11) “Imprensa e escritores de aluguel. Desta vez, o resultado


pode ser trágico: tomar uma série de questões aparentemente
insignificantes” [tomar uma série de questões = abordar uma série
de questões] (CP-19:N:Br)

(12) “informaram a polícia, o seu estado de saúde era grave. A


polícia quer tomar o depoimento de ele a fim de que o rapaz
identifique ou reconheça os assassinos” (sic) [tomar o depoimento
= ouvir o depoimento, registrar, anexar ao processo] (CP-19:N:Br)

(III) Tomar como parte de uma expressão cristalizada

Como expressão cristalizada, não há como desassociar o verbo


de seu complemento sem alterar sua acepção.

(13) “Depois de tomar posse sozinho com o presidente em o


Palácio da Alvorada, o ministro patrocinou uma...” tomar posse
= assumir cargo∕função] (CP-19:N:Br:Folha)

96
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

(14) “dos trabalhos dos juízes. As ameaças podem existir, mas


o importante é não tomar partido, ser imparcial e não atender
exigências de parentes de réus,” (CP-19:Fic:Br)

As construções tomar posse e tomar partido têm a acepção


de assumir cargo e escolher somente um lado numa discussão, res-
pectivamente. Não seria possível dizer assumir posse e escolher
partido, respectivamente, sem que o valor semântico do verbo
fosse alterado.

(IV) Tomar como verbo-suporte

Como suporte, o verbo transfere parte de sua acepção para


seu complemento.

(15) “O que todos precisam no caso é liberdade para poder tomar


as suas próprias decisões.” [tomar decisões = decidir] (CP-19:N:Br:
Cur)

(16) “A maioria de os jogadores saiu de o estádio sem tomar ba-


nho, com o uniforme em a partida.” [Tomar banho = banhar-se]
(CP-19:N:Br:Folha)

(17) “Será que ninguém vai tomar providência, pergunta o leitor.”


[Tomar providência = providenciar] (CP-19:N:Br:Folha)

O uso do verbo tomar como suporte permite que seja possí-


vel substituir a construção com verbo suporte por um predicado
verbal simples. Em (15) a construção tomar decisões, poderia ser
substituída por decidir; em (16) tomar banho por banhar-se e em
(17) tomar providência por providenciar.
Segundo Neves (2002), as construções com verbo-suporte se
situam ora mais próximas de um extremo, que reúne verbo pleno

97
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

+ nome complemento, ora mais próximas de outro extremo, das


expressões cristalizadas, conforme o grau de gramaticalização a
que tenha chegado o verbo que as integra. As construções com
verbos plenos + nome complemento são livres, previsíveis, os dois
elementos exercem papéis independentes na estrutura argumen-
tal e têm individualidade semântica a exemplo de “Uma melodia
sublinha a fala de Joana”. Já as expressões cristalizadas constituem
verdadeiras “fórmulas de significado unitário”, a exemplo de “Va-
léria tomou partido da tia.”. De acordo com a autora, as construções
com verbo-suporte são compostas de:

a) um verbo com determinada natureza semântica básica, que


funciona como instrumento morfológico e sintático na construção
do predicado;

b) um sintagma nominal que entra em composição com o verbo


para configurar o sentido do todo, bem como para determinar os
papéis temáticos de predicação.

Algumas construções com verbos-suporte têm um significado


básico correspondente a um verbo pleno (tomar banho/banhar-
-se), há outras construções com verbos-suportes que não têm um
verbo simples em relação de paráfrase (dar uma cotovelada) e há
aquelas que mantém relação de paráfrase com verbos simples, mas
não constituem verbo-suporte por serem chamadas de expressões
cristalizadas (faz parte). Neves (2000) argumenta que o falante
obtém algum efeito especial, não alcançados pelo verbo pleno,
ao optar pelo emprego de um verbo-suporte. Os efeitos obtidos
com o uso de uma construção com verbo-suporte, em vez de seu
correspondente pleno, segundo a autora são: maior versatilidade
sintática, maior adequação comunicativa, maior precisão semân-
tica e obtenção de efeitos na configuração textual. As construções
são mais versáteis sintaticamente a exemplo de “A piedade litúr-
gica tomou novo e vigoroso impulso”, em que permite adjetivar o

98
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

substantivo do complemento e assim, ele pode ser qualificado. As


construções verbo-suporte + substantivo permitem obter maior
adequação comunicativa, como exemplifica em “Deixa, deixa eu
dar um beijinho” em que o sintagma nominal do verbo-suporte
caracteriza uma situação informal. Outro efeito seria a obtenção
de maior precisão semântica, a exemplo das ocorrências “O mundo
toma conhecimento do seu texto” que implica um processo dinâ-
mico, sem controle e sem telicidade, ao contrário de seu verbo
pleno conhecer, que indica estado; “pouco conhecimento toma dos
negócios do marido”, pela focalização obtida pela anteposição
do substantivo e “quem toma conta (diferente de cuidar) do filme
é Tommy Lee Jones”, para obter uma construção de significado
não-idêntico ao da construção com verbo pleno. O último efeito
mostra que o uso da construção verbo-suporte + objeto permite
a obtenção de efeitos na configuração textual, a exemplo de “Não
fez essa afirmação” em que ocorre uma remissão textual pelo uso
de determinantes fóricos no sintagma nominal.
As ocorrências do verbo tomar apresentadas de (7) a (17), com
diferentes traços funcionais e graus de abstratização, evidenciam a
maneira como as construções são moldadas pelo uso, nas diversas
situações comunicativas, codificando novas demandas para as
formas existentes na língua. Neste caso, as formas ganham usos
mais abstratos, menos previsíveis, mais gramaticais. A partir da
análise dos usos de tomar, podemos delinear uma cadeia de gra-
maticalização que tem em um de seus extremos a categoria de
verbo pleno e no outro extremo, a de verbo suporte. Jesus (2014)
aponta construções instigantes, com certo grau de cristalização
e idiomaticidade, que atestam a dinamicidade da língua, bem
como aspectos culturais (“Estava nervoso, aposto que saiu para
tomar umas e criar coragem, brincou o segurança do hospital.”
(CP-19N:Br:Folha)). Com esses exemplos, foi possível mostrar
o percurso da gramaticalização de tomar, analisados por Jesus
(2014), em pesquisa pancrônica, para demonstrar que o verbo
sofreu gramaticalização. Ressalta-se que os usos de tal verbo,

99
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

além de indicar produtividade, têm papel fundamental no enfra-


quecimento de suas forças semânticas (bleaching) e, portanto, no
seu processo de gramaticalização.

Considerações finais

Como vimos, um estudo funcionalista, que pode ser realizado


por meio de seus distintos modelos, considera, de maneira geral,
que o uso linguístico molda os enunciados. É na interação efetiva
dos falantes, inseridos em suas práticas sociais, que o sistema
mostra sua adaptabilidade e sua relativa estabilidade. A variação e
a mudança, nessa perspectiva, não podem, portanto, ser analisadas
fora da descrição dos contextos reais em que ocorrem.
Na intenção de demonstrar a associação do fenômeno da
gramaticalização à variação/mudança linguísticas, este texto
buscou ilustrar a força desse mecanismo, que atua sobre os usos
linguísticos, situados em contextos reais de comunicação, em dois
fenômenos particulares: a ordenação das cláusulas temporais em
relação à cláusula nuclear e o processo de gramaticalização do
verbo tomar.
No que diz respeito às Cláusulas Temporais, percebeu-se que,
embora sua função básica seja a de emoldurar eventos, há usos
que não se sujeitam, em todos os contextos, a esse mesmo senti-
do. Por meio dos dados extraídos de amostras de fala e de escrita,
notou-se que essa função primeira pode se tornar mais abstrata.
Em associação aos princípios de gramaticalização, demonstrou-se
que a apregoada variação posicional dessas orações em relação
às suas nucleares nem sempre se aplica. Isso ocorre, entre outros
motivos, pelo recrutamento dessas formas a novos usos, mais
abstratos, como o de guia, avaliação e/ou especificação nominal,
evidenciando, principalmente, especialização e decategorização.
Em se tratando do processo de gramaticalização do verbo
tomar, sincronicamente, seus usos distribuem-se num continuum

100
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

de abstratização, em que, de um lado, se tem seu emprego como


verbo pleno, com sentido concreto, e, de outro, o emprego como
verbo suporte, com sentido mais abstrato, em que tomar se despe
de seu significado pleno, para assumir significados provenientes
do argumento verbal.
Ainda que a discussão em torno desses fenômenos não te-
nha avançado para a análise de dados quantitativos, foi possível
demonstrar que a mudança é uma propriedade fundamental das
línguas naturais e um mecanismo de reestruturação dos siste-
mas linguísticos. Isso fica evidente tanto sob a perspectiva da
gramaticalização, em que o verbo tomar delineia um percurso de
gramaticalização, de um uso concreto e mais previsível, para um
mais abstrato e mais funcional, quanto sob o escopo da Teoria da
Variação e Mudança, em que a variação posicional das Cláusulas
Temporais é determinada por traços funcionais assumidos por
essas cláusulas em relação à cláusula nuclear, tais como fundo
guia/ orientação, ponte de transição, fundo moldura, fundo avalia-
tivo, entre outros, que podem indicar etapas em um processo de
gramaticalização.

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105
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

FUNCIONALISMO E TEXTO

Rosângela do Socorro Nogueira de Sousa


Luciano Araújo Cavalcante Filho
André Silva Oliveira

1. Considerações iniciais

D e acordo com Neves (2018), a perspectiva funcionalista, de


maneira geral, descreve e analisa as línguas naturais no
seu uso efetivo e, consequentemente, isso é feito considerando
seu funcionamento textual e discursivo. Nesse sentido, a teoria
funcionalista compreende que não há discurso sem gramática,
da mesma maneira que nenhum falante encontra na gramática
a não ser na sua manifestação textual-discursiva. Portanto, os
diferentes tipos de funcionalismo linguístico afirmam que os
aspectos textuais-discursos e a gramática de uma língua estão
inextricavelmente ligados. Assim, na proposta funcionalista da
construção de sentido dos enunciados, podemos observar que essa
construção se opera no fazer do texto, proposta “que subordina o
exame das manifestações linguísticas ao cumprimento das funções
da linguagem, por via da consideração dos propósitos que dirigem
os usos linguísticos” (Neves, 2018, p. 143).
Ao considerarmos que a gramática é constantemente deter-
minada e moldada pelo uso efetivo que os falantes fazem da língua
e que está em constante serviço da construção textual do discurso,

107
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

pretendemos, neste capítulo, apresentar algumas considerações


acerca da vertente funcionalista e suas contribuições teóricas para
descrição e análise do texto. Com esse intuito, na primeira seção,
apresentamos os aspectos coesivos da aposição encapsuladora com
base na Gramática Discursivo-Funcional (GDF), tomando como
ponto de partida a noção de encapsulamento anafórico (Apothéloz,
Reichler-Béguelin, 1995; Conte, 1996) para um alargamento do
tratamento funcional do fenômeno. Na segunda seção, abordamos
a análise textual sob a ótica da Teoria da Estrutura Retórica. Por fim,
passamos para os parâmetros de análise convergentes e comple-
mentares em Neves (2006, 2018) e Koch (2011, 2015) no que tange
à descrição e análise da categoria modalidade.

2. A relação entre Atos Discursivos

Partindo da perspectiva Top-Down da GDF, e da relação


entre as camadas postuladas pela GDF e a estruturação do tex-
to, é importante dizer que os autores defendem que o Move é a
unidade mais abrangente e relevante para a análise gramatical.
Em termos interacionais, ele pode requerer uma reação ou ele
próprio se configurar como tal, compondo-se de um ou mais
Atos Discursivos. Pontuando o efeito perlocucionário do Move,
os autores consideram que a alternância de Moves é mais clara
na conversação, pois é comum que um Move corresponda a um
turno de fala. No entanto, é possível que um falante se utilize de
um turno para realizar mais de um Move, tendo, cada um, a sua
integridade indicada pela entonação, de modo que o Nível Fono-
lógico (NF) seria sensível à extensão de cada Move. Para a língua
escrita, os autores delimitam a integridade do Move à divisão de
parágrafos do texto. Em um gênero argumentativo, a declaração
introdutória de um parágrafo, as unidades (tipicamente sentenças)
desenvolvidas pela declaração e sua conclusão são, cada uma, Atos
Discursivos dentro deste Move. Nos gêneros narrativos, um Move
tende a corresponder a um Episódio.

108
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Hengeveld e Mackenzie (2008) salientam ainda que:

A complexidade de um Move (ou sua estrutura com-


plexa) num discurso pode variar de um silêncio (por
exemplo, em que a Reação para uma Iniciação é um
encolhimento de ombro desacompanhado de qualquer
signo linguístico) até um longo trecho de discurso.
Quando o material linguístico está presente, ele
sempre terá a forma de um ou mais Atos Discursivos
(Hengeveld; Mackenzie, 2008, p. 52).

Esses Atos Discursivos podem se relacionar de forma equipolen-


te ou dependente. No primeiro caso, o Falante estabelece o mesmo
status comunicativo aos Atos Discursivos. No segundo, o Falante
atribui status comunicativo diferente a eles. Essa dependência é
mostrada na representação subjacente através das funções retóricas
no Ato Discursivo Subsidiário, as quais podem ser as mais variadas
como, por exemplo, Motivação, Concessão, Orientação e Correção.
Keizer (2015) orienta que é importante perceber que a função
retórica Motivação é diferente da função semântica da Causa.
Segundo a autora, a Motivação é um conceito interpessoal: é uma
estratégia comunicativa por parte do Falante, pretende indicar a
relação entre duas ações linguísticas. A função semântica Causa,
por outro lado, reflete a relação entre dois eventos (extralinguís-
ticos, do mundo real).
Sobre Atos Discursivos com a função retórica de Orientação,
a autora afirma que eles servem para preparar o destinatário para
o Ato Discursivo (nuclear) que segue, chamando a atenção para
parte do Ato Discursivo seguinte. Atos Discursivos Subsidiários
desse tipo podem também acompanhar o núcleo. Conforme a
autora, nesse caso, a sua função não é orientar o ato em direção a
(o/parte do) Ato Discursivo seguinte, mas esclarecer (o/parte do)
Ato Discursivo anterior.

109
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Sobre a função retórica Aparte, que é atribuída a Atos Dis-


cursivos dependentes, a autora considera que eles fornecem
informações básicas sobre uma das entidades evocadas no Ato
Discursivo Nuclear. Apartes, conforme Keizer (2015), são tipica-
mente expressos como orações relativas ou elementos apositivos
não restritivos.

2.1 Encapsulamento anafórico e a Gramática Discursivo-


-Funcional

Para a GDF, uma das motivações para se pensar uma gramá-


tica em níveis, a saber Nível Interpessoal e Nível Representacional
para a formulação, de ordem pragmática e semântica; Nível Mor-
fossintático e Nível Fonológico para a codificação, é a possibilidade
de fazer referência anafórica a categorias de qualquer um desses
níveis, de modo que eles devem estar disponíveis como potenciais
antecedentes em representações subjacentes. A GDF está preo-
cupada com a função comunicativa da linguagem. Isso significa
que ela analisa como o encapsulamento anafórico contribui para
a comunicação eficaz, permitindo que os interlocutores entendam
como as informações estão relacionadas e conectadas ao longo
do discurso
Na Linguística de Texto, o encapsulamento anafórico refere-
-se ao fenômeno em que um elemento linguístico (como uma
palavra, frase ou expressão) faz referência a algo mencionado
anteriormente no texto, encapsulando essa referência de forma
que o leitor ou ouvinte possa inferir o antecedente com base no
contexto. O encapsulamento anafórico é uma parte importante
da coesão textual e da organização do discurso em nível textual,
estabelecendo-se como estratégia de coesão que ajuda a estabele-
cer relações claras entre partes do texto, facilitando a compreensão
do leitor e mantendo a continuidade das ideias.

110
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

O encapsulamento anafórico pode ser alcançado por meio


de diversos mecanismos linguísticos, como pronomes, determi-
nantes, advérbios e outras expressões que fazem referência a algo
mencionado anteriormente no texto. A escolha do mecanismo de
encapsulamento depende do contexto e das relações semânticas
e pragmáticas no discurso., ajudando a transmitir informações
de forma clara e eficaz, permitindo que o leitor siga a progressão
das ideias no texto.
Apothéloz e Reichler-Béguelin (1995) considera que as
expressões anafóricas, a depender do controle sintático exerci-
do – ou não – por seu antecedente, quando há um, apresentam
propriedades diferentes. No caso de haver controle sintático do
antecedente, a interpretação do anafórico tem a inferência de uma
interpretação sintática. Quando não há, são os fatores contextuais
e pragmáticos que conduzem à interpretação do anafórico.
Esse ponto nos parece relevante, tendo em vista que a natu-
reza da primeira unidade da estrutura apositiva reflete no modo
como, por exemplo, interpretamos um encapsulador neutro como
o pronome “o”, além de outros elementos contextuais, tais como
o tipo de verbo que acompanha esse encapsulador. Concordamos
com Conte (1996, p. 1) quando afirma que o encapsulamento
anafórico se configura como uma paráfrase resumidora de uma
porção textual precedente por meio de um sintagma nominal, mas
acrescentamos que o encapsulamento pode ocorrer também pelo
uso de pronome neutro, no caso “o”. Esse tipo de anáfora difere
da “anáfora-padrão” pelo fato de ter como antecedente referen-
tes com estatuto ontológico diferente do estatuto de indivíduo,
tais como estados-de-coisas, eventos, situações, processos, fatos,
proposições e atos de enunciação. Além disso, de acordo com
Conte, a reconstrução do antecedente é feita, nestes casos, pelo
ouvinte/leitor.
A autora considera o encapsulamento anafórico sob a
perspectiva do eixo velho-novo, colocando o fenômeno como

111
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

claramente dependente do cotexto, e novo porque o item lexical


núcleo do encapsulamento não tem ocorrência anterior no texto
e porque não se trata apenas de categorização de informação
cotextual dada, mas de transformação dessa informação em
substância (hipóstase), e sob a perspectiva da organização textual
como um princípio, funcionando como um recurso de integração
semântica, em que “O sintagma nominal encapsulador produz
um nível mais alto na hierarquia semântica do texto” (Conte,
1996, p. 5).
Além disso, esse sintagma pode ter valor axiológico, ofere-
cendo uma avaliação dos fatos e eventos descritos. Em termos
pragmático-discursivos, de acordo com a autora, além do fun-
cionamento como pontos nodais na hierarquia semântica, o en-
capsulamento anafórico pode categorizar atos de fala e funções
argumentativas, produzindo mudanças para o que ela chama de
‘nível metacomunicativo’. Aproxima-se dessa configuração o que
Consten; Knees e Schwarz-Friesel (2007) denominam anáfora
complexa: uma expressão nominal que se reporta a um referente
proposicionalmente estruturado, baseada em dois critérios não
implicados um no outro. Ou seja, primeiramente, a primeira uni-
dade deve ser uma entidade linguística complexa, consistindo
em, pelo menos, uma cláusula e, segundo, o referente deve ser
um item conceitualmente complexo, uma entidade de segunda
ou terceira ordem.
Tendo em vista os pressupostos da GDF que dizem respeito
à anáfora, acrescentamos que os tipos ontológicos (Consten;
Knees E Schwarz-Friesel, 2007) são tomados na perspectiva de há
disponibilidade tanto de categorias do Nível Interpessoal quanto
do Nível Representacional para retomadas textuais. Em outras pa-
lavras, não só categorias semânticas podem figurar encapsuladas,
mas categorias pragmáticas como Ilocução, Move, Ato Discursivo
e Conteúdo Comunicado, provenientes de Nível Interpessoal. A
seguir, apresentamos uma tentativa de aplicar os critérios aponta-

112
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

dos por Consten; Knees e Schwarz-Friesel (2007) para a definição


da anáfora complexa à análise do exemplo a seguir:

1. Um em cada cinco brasileiros foi autor ou réu no ano passado.


Cerca de 80% acreditam que vale a pena procurar a Justiça e mais
de 50% estão muito satisfeitos com o atendimento recebido e com
os resultados obtidos. Cenário Inédito (AO1809).

Neste exemplo, tal qual explanado pelos autores, o critério


relativo ao antecedente sintático é cumprido, tendo em vista que
a expressão em itálico “Cenário Inédito” encapsula as sentenças
que compõem o período anterior (Um em cada cinco brasileiros
foi autor ou réu no ano passado. Cerca de 80% acreditam que vale a
pena procurar a Justiça e mais de 50% estão muito satisfeitos com o
atendimento recebido e com os resultados obtidos), mas a expressão
anafórica (Cenário Inédito) não se configura como uma entidade
sintaticamente complexa, mas semanticamente representa uma
entidade de segunda ordem, um Estado-de-Coisas (Situação),
que pode ser vista como uma entidade semanticamente mais
complexa que Indivíduo. A anáfora é do tipo complexa, aqui,
porque o conteúdo referido (escopo) consiste em uma unidade
complexa composta por uma ou mais orações, encapsulada como
um Estado-de-Coisas.
A definição de anáfora complexa é prática quando se trata de
expressões nominais, embora, como demonstrado pelo exemplo,
nem sempre os critérios sejam comtemplados, aparentemente,
na íntegra para a realização de tal anáfora. Assim, tanto para as
expressões que pareçam não respeitar o segundo critério de de-
finição da anáfora complexa quanto para os casos de uso do pro-
nome neutro o, o suporte para a definição da entidade ontológica
encapsulada pode ser dado sob o espectro do contexto imediato
da estrutura. A esse respeito, os autores apresentam exemplos que
mostram que o tipo de verbo usado com a expressão anafórica pode
dar o estatuto ontológico do que é referido. Recorremos aqui ao

113
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

exemplo a seguir em que a forma verbal parece guiar a inferência


sobre a aposição encapsuladora:

2. Na sua análise, a Corte Interamericana de Direitos Humanos


realçou as duas dimensões da liberdade de expressão: o direito
individual de manifestação do pensamento e o direito coletivo,
de todos, de receber informação e conhecer a expressão do pen-
samento alheio. Por isso, os meios de comunicação social devem
estar virtualmente abertos para todos, sem discriminação – o
que significa que não cabem exclusões a priori do acesso à mídia
(AO2806).

Nesse caso, em que o pronome neutro encapsula o Conteúdo


Proposicional “os meios...discriminação” (Sousa, 2016; Sousa;
Nogueira, 2023), é a forma verbal ‘significa’, na segunda unidade
da aposição, que indica as possibilidades de que o leitor dispõe
para interpretar o conteúdo encapsulado pela forma gramatical
‘o + que’. Dadas essas considerações, é mister, ainda, frisar que
Nogueira (1999, p. 89) acentua que uma das características da
aposição é sua capacidade de rotulação, conforme Francis (2003)
constata, que se faz mediante o emprego de nomes genéricos, de
nomes de caráter metalinguístico ou metadiscursivo, de nomes
relativos a estados e processos cognitivos ou deles resultantes.
Em outra passagem de seu texto, Nogueira afirma que:

A estratégia de rotulação, que também ocorre nas


referenciações anafóricas, pode ser a expressão de
uma avaliação do locutor em relação à proposição
tópica explicitada na primeira unidade da aposição.
Isso ocorre, particularmente, no tipo de construção
conhecido em nossas gramáticas como aposto de
oração (Nogueira, 1999, p. 105).

114
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Segundo Francis (2003, p. 192), o rótulo pode ter função pre-


ditiva ou organizadora. No caso do rótulo retrospectivo, a função
é organizadora, pois, ao encapsular uma extensão de discurso,
indica ao leitor o modo como ele deve interpretar o trecho a que
o rótulo se refere.
Nos trabalhos sobre encapsulamento, no âmbito da GDF,
destaco o de Lopes (2010), que sustenta que as anáforas encap-
sulam, no Nível Representacional, apenas as categorias Conteúdo
Proposicional, Estados-de-coisas, Propriedades, Episódios, Modo,
Quantidade e Razão, e o trabalho de Pacheco (2014, p. 47-48),
que apresenta quatro dimensões da anáfora encapsuladora: so-
ciocognitiva, que diz respeito ao acionamento do conhecimento
sociocognitivo dos participantes, tal como o Conhecimento Enci-
clopédico; discursiva, que diz respeito à capacidade de categori-
zação e hipostasiação de atos de fala e de funções argumentativas
no discurso; semântica, que se refere à capacidade designativa de
algum tipo de entidade semântica do encapsulamento; e mor-
fossintática, que diz respeito à constituição interna estrutural da
anáfora encapsuladora.

2.2 A coesão nas estruturas apositivas: o comportamento da


aposição encapsuladora

Conjuntamente com os aspectos semânticos e sintáticos,


a aposição tem características pragmáticas que conduzem sua
orientação no texto. “Tematicamente, a aposição é a relação em
que a segunda unidade da aposição total ou parcialmente fornece
novas informações sobre a primeira unidade (...), a nova informa-
ção que pode ser opcionalmente introduzida por um marcador de
aposição ...” (Meyer, 1992, p. 93)
Esse aspecto leva-nos a acreditar que a aposição, ao inserir
informações novas ou parcialmente novas, contribui significati-
vamente para o fluxo do discurso, como bem atesta Halliday ao

115
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

afirmar que a relação é de natureza expansiva, isto é, a elaboração é


um tipo de relação de expansão. A coordenação é também uma ex-
pansão, mas por extensão (Halliday; Hasan, 1976). Assim, fatores
comunicativos definem que tipo de informação o aposto veicula
no texto, considerando ainda o princípio do dinamismo comuni-
cativo. A partir de uma leitura das funções retóricas apresentadas
em Hengeveld e Mackenzie (2008) e explanadas em Keizer (2015)
e das análises implementadas em Sousa (2016); Sousa e Nogueira
(2023), sugeriu-se um quadro de funções que podem ser explicita-
das conforme suas especificidades para a aposição encapsuladora
no português brasileiro, identificando cinco funções discursivas:
Desdobramento, Explicação, Avaliação, Constatação e Conclusão1,
sobressaindo-se a função Desdobramento.
De acordo com Sousa e Nogueira (2023), há uma estrita re-
lação entre o aparecimento da aposição encapsuladora em textos
de opinião e inserção de informação focal, destacando que o
uso de estruturas apositivas não restritivas como um fenômeno
acionado em favor da construção textual-discursiva desse tipo de
texto, servindo aos propósitos, na maioria das vezes, de preencher
lacunas na informação do Leitor, e não necessariamente avaliar o
conteúdo encapsulado, nos termos de Hannay e Keizer (2005), a
fim de evitar perguntas do tipo “Por que esse fato é relevante?”,
“O que isso significa?”, “Qual a consequência disso?”, conduzindo
a interpretação dos segmentos encapsulados no que diz respeito
aos pressupostos e subentendidos visados pelo articulista/locutor.
Com base no pressuposto funcionalista de que há uma relação
motivada entre a instrumentalidade do uso da língua, o funcional,
e a sistematicidade da estrutura da língua, Nogueira (1999) defen-
de o princípio de que a aposição está relacionada à organização
do discurso, prestando-se a funções textual-discursivas, entre
outras, de referenciação e reformulação (Nogueira, 1999, p.13).
Como fenômeno relacionado à organização do discurso, a aposi-

1 Para uma visão detalhada ver Sousa (2016); Sousa e Nogueira (2023)

116
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

ção apresenta formas de constituir-se coesivamente de modo a


contribuir para a fruição das informações no texto.
Em Dik (1997) já se propunha que os anafóricos pudessem
se referir a entidades de qualquer ordem, tais como propriedades
e relações, entidades espaciais, estados de coisas, fatos possíveis
e atos de fala etc. A GDF, ao reconhecer que a coesão textual não
se limita à estrutura interna de um texto, mas também engloba
aspectos interacionais, indica que a coesão não se limita apenas à
maneira como as palavras e frases estão relacionadas dentro de um
texto, mas também considera como as partes do texto se conectam
e se relacionam em um discurso mais amplo. No fenômeno em
tela, essa referência, normalmente, vem acompanhada de infor-
mações que se podem se desdobrar, entre outras possibilidades,
como “consequências factuais ou eventuais dos fatos expressos no
escopo” (Sousa; Nogueira, 2023, p. 134), conforme os exemplos a
seguir, retirados de Sousa (2016); Sousa e Nogueira (2023):

3. No dia 30 de junho foram assinados 311 acordos de coopera-


ção, o que permitirá oferecer, em 2007, 90 mil vagas de ingresso,
majoritariamente para professores da educação básica, atendidos
por 4.800 professores universitários (AO3006).

Em casos como esse, a reconstrução da entidade encapsu-


lada também ocorre de maneira cognitiva operada pelo próprio
leitor/interlocutor, cabendo a esse identificar no contexto as
pistas para ler o rótulo constituído por “o + que”. Os casos em
que a coesão ocorre com o aporte de uma nominalização, em vez
de pronominalmente, como no exemplo anterior, o custo cogni-
tivo para a reconstrução do referente parece ser bem menor, em
função do valor semântico do encapsulador, conforme o exemplo
(4) a seguir:
.

117
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

4. No ‘tira-teima’, vemos que o árbitro – ou melhor, o juiz de direito


– disse que, ‘se fosse homossexual’, bem, ‘nessa hipótese’, para o
jogador, ‘melhor seria que abandonasse os gramados’. Uma peça
rasa, de mau gosto e pobre de argumentos (AO3407).

Francis (2003) propõe uma classificação de rótulos que vão


desde rótulos que encapsulam a ilocução e atividades lingua-
geiras até processos mentais. O estabelecimento de tópico por
meio de um encapsulador, seja ele gramatical, como no caso de
‘o + que’, seja semanticamente preenchido, como no caso de
“uma peça rasa”, no exemplo (2), contribui significativamente
para a manutenção da informação focal. Entendemos que as
categorias descritas por Francis (2003) pertencem a um mesmo
grupo, em que temos o encapsulamento de categorias advindas
do Nível Interpessoal. O encapsulamento por meios lexicais não
representa grande dificuldade cognitiva, no entanto, quando
esse encapsulamento é feito por meios gramaticais, como o uso
do demonstrativo “o”, consideramos que a atividade cognitiva
para o estabelecimento do que é encapsulado exige um esforço
maior e o uso de recursos contextuais como a natureza do verbo
que acompanha esse encapsulador ou do tipo de modificação
veiculada na aposição.
Essa categoria permite-nos tratar da anáfora relativa às
camadas do Nível Interpessoal, o que não nos é apresentado na
proposta de Consten, Knees e Schwarz-Friesel (2007). Dada a
natureza desse encapsulador, consideramos que a Atribuição
feita pela aposição encapsuladora predica não sobre as categorias
do Nível Representacional, mas sobre as categorias do Nível In-
terpessoal, licenciando as possibilidades anafóricas às categorias
de qualquer um dos níveis previstos pela GDF. Ao deparar-se com
estruturas que se relacionam por meio desse recurso, os ouvin-
tes ou leitores usam seu conhecimento de mundo, inferências e
processos cognitivos para estabelecer a conexão de sentido entre

118
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

o elemento anafórico e seu antecedente. No caso específico da


aposição encapsuladora, esse tipo de anáfora contribui para (re)
construção do referente sobre o qual se deseja predicar, não só
em termos de entidade semântica, materializando um mecanismo
que, além de manter a coesão em níveis textuais, opera, discur-
sivamente, para criar uma progressão lógica de ideias e manter
a continuidade do discurso, direcionando as possibilidades infe-
renciais do interlocutor.
Para além das questões morfossintáticas, semânticas e prag-
máticas das orações apositivas encapsuladoras e a construção do
texto a partir do arcabouço teórico da GDF, a Teoria da Estrutura
Retórica (RST) também permite que se descreva e analise a cons-
trução do texto, como será abordado na seção seguinte.

3. A análise textual sob a ótica da Teoria da Estrutura Retó-


rica (RST)

Segundo Neves (2016), ao optarmos por uma análise pau-


tada pelo Funcionalismo Linguístico, é natural que nosso objeto
corresponda ao texto, unidade relativa à qualquer instância de
linguagem, em qualquer meio, que faz sentido para alguém que
conhece a língua (Halliday, 2004). Por sua vez, Taboada (2019)
declara que a expressão texto compartilha sua raiz com os vocá-
bulos têxtil e textura, estabelecendo uma correspondência entre
a prática da tecelagem, isto é, o ato de se confeccionar um tecido,
e a produção textual.
Conforme a autora, a tecelagem reúne fios dispostos verti-
calmente (a urdidura), nos quais os fios horizontais (a trama) são
enfiados, muitas vezes em um tear, uma tecnologia centenária. De
modo semelhante, a textualidade é obtida por meio de um con-
junto de relações retóricas responsáveis por “costurar” unidades
discursivas com o propósito de criar uma estrutura textual. Tais
processos relacionais emergem implícita ou explicitamente na

119
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

superfície do texto, sendo responsáveis pelo que muitos teóricos


da linguagem chamam de coerência.
Entre as teorias desenvolvidas em torno do estudo do modo
com as unidades que compõem o texto se articulam, está a Teoria
da Estrutura Retórica (Rhetorical Structure Theory – RST, dora-
vante), que busca explicar a coerência por meio da proposta de
uma estrutura textual hierárquica mantida por relações retóricas
estabelecidas entre as cláusulas e/ou porções maiores do texto.
Para Antonio e Santos (2014), a RST, ao tratar as relações tanto
no nível discursivo quanto no gramatical, deixa transparecer di-
versos pressupostos relativos à visão funcionalista da linguagem,
tais como o modelo de análise top-down da Gramática Sistêmico-
-Funcional de Halliday, e a motivação discursiva da gramática,
observada nos trabalhos dos pesquisadores que compõem o grupo
funcionalista da Costa-Oeste dos EUA.
De acordo com os aspectos metodológicos da RST, o analista
precisa, inicialmente, “quebrar” o texto, dividindo-o em unidades
menores, denominadas spans, as quais correspondem a qualquer
porção textual que apresente integridade funcional. Após essa
segmentação, ele passa a identificar as relações retóricas que
emergem entre os spans, representando-as graficamente por meio
dos dois tipos de esquemas demonstrados a seguir:

Figura 1 – Esquema genérico de uma relação núcleo-satélite

Fonte: Traduzido e adaptado de Mann e Thompson (1986).

120
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Figura 2 – Esquema genérico de uma relação multinuclear

Fonte: Traduzido e adaptado de Mann e Thompson (1986).

As duas imagens correspondem a esquemas genéricos utiliza-


dos para demonstrar as duas formas básicas de relações retóricas
que podem ser estabelecidas entre spans na RST. O primeiro esque-
ma (FIGURA 1) corresponde a uma relação do tipo núcleo-satélite,
em que uma porção textual (satélite) adiciona informações à
porção mais nuclear para o cumprimento dos propósitos do autor
da outra (núcleo), sendo esse o tipo que ocorre com maior frequ-
ência. As retas horizontais representam cada uma das unidades
segmentadas no texto, a reta vertical marca a posição do núcleo
e a linha curva demonstra a relação núcleo-satélite, em que a
seta evidencia o movimento que parte do satélite em direção à
respectiva porção nuclear.
Por sua vez, o segundo esquema (FIGURA 2) representa uma
relação multinuclear, na qual cada porção textual corresponde a
um núcleo distinto. Para demonstrarmos esse tipo de relação, uti-
lizamos linhas horizontais com os mesmos objetivos do esquema
núcleo-satélite (representar os núcleos), porém, no lugar de linhas
verticais, temos retas diagonais para destacarmos a existência de
duas ou mais porções nucleares.
Mann e Thompson (1988) dividem as relações retóricas em
dois grupos, cujas características estão fundamentadas na noção
do efeito exercido por elas sobre o leitor. Conforme essa orien-
tação, as relações do tipo núcleo-satélite são classificadas como

121
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

relações de conteúdo (subject matter) e de apresentação (presen-


tation). Aquelas que integram o primeiro grupo têm como efeito
conduzir o leitor a reconhecer a relação semântica (informação a
respeito de um determinado estado-de-coisas no mundo) que está
sendo colocada em questão. Já as do segundo grupo, as relações
de apresentação, por exercerem uma função mais pragmática,
buscam aumentar a inclinação do leitor a agir de acordo com o
conteúdo do núcleo, concordar com ele, acreditar nele ou aceitá-lo
(Mann; Thompson, 1988). Com isso, o Quadro 1 de classificação
das relações propostas por Mann e Thompson (1988) configura-se
da seguinte forma:

Quadro 1 – Classificação das relações segundo Mann e Thompson (1988)

RELAÇÕES DE ELABORAÇÃO, CIRCUNSTÂNCIA, SOLUÇÃO,


CONTEÚDO CAUSA VOLITIVA, RESULTADO VOLITIVO,
CAUSA NÃO-VOLITIVA, RESULTADO NÃO-
-VOLITIVO, PROPÓSITO, CONDIÇÃO, CONDI-
ÇÃO INVERSA, INTERPRETAÇÃO, AVALIAÇÃO,
REFORMULAÇÃO, RESUMO, SEQUÊNCIA,
CONTRASTE, JUNÇÃO
RELAÇÕES DE MOTIVAÇÃO, ANTÍTESE, FUNDO, CAPACI-
APRESENTAÇÃO TAÇÃO, EVIDÊNCIA, JUSTIFICATIVA, CON-
CESSÃO

Fonte: Mann e Thompson (1988)

Concluídas as explanações mais gerais acerca dos procedi-


mentos metodológicos e da terminologia da RST, passamos a de-
monstrar exemplos das relações retóricas recorrentemente iden-
tificadas, apresentando quatro relações do tipo núcleo-satélite,
sendo duas de apresentação (EVIDÊNCIA e CONCESSÃO) e duas
de conteúdo (CIRCUNSTÂNCIA e ELABORAÇÃO). Por fim, exem-
plificamos, também, uma relação multinuclear (SEQUÊNCIA).

122
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Como primeiro exemplo, vejamos o seguinte esquema:

Figura 3 – Exemplo da relação retórica de EVIDÊNCIA

Fonte: Traduzido e adaptado de Mann e Taboada (2010)

Como podemos perceber, entre as duas unidades articuladas


na FIGURA 3, emerge a relação retórica de EVIDÊNCIA, contexto
em que identificamos a pretensão do autor em aumentar a crença
do leitor a respeito da declaração “não devemos abraçar todas as
questões populares que surgirem”, expressa no núcleo (unidade 1).
Consequentemente, o satélite (unidade 2) representa um argu-
mento selecionado pelo autor para convencer o leitor, de modo
a aumentar a possibilidade de adesão à orientação contida na
porção nuclear, o que confere, portanto, à referida relação uma
importante função retórica frequentemente identificada em textos
de natureza argumentativa.
Ainda tomando como referência o exemplo anterior (FIGU-
RA 3), é possível segmentarmos a porção nuclear em duas novas
unidades, entre as quais se estabelece a relação de CONCESSÃO,
como exposto na FIGURA 4:

123
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Figura 4 – Exemplo da relação retórica de CONCESSÃO

Fonte: Traduzido e adaptado de Mann e Taboada (2010)

Como podemos observar, a relação de CONCESSÃO articula


duas informações em que há um certo grau de incompatibilidade
entre si, embora não estejam exatamente em uma situação de
oposição. Assim, a informação veiculada pelo satélite (unidade
1) tende a aumentar a aceitação daquilo que se encontra expres-
so no núcleo (unidade 2), atribuindo-lhe a ideia de uma atitude
mais adequada a ser tomada. Em outras palavras, o autor afirma
que não seria necessariamente errado “cair em tentação” e aderir
a todas as questões populares. No entanto, sua real intenção é
evitar uma possível refutação por parte do leitor a respeito da
informação contida na porção nuclear. Por consequência, apenas
uma das unidades destaca-se como uma informação positiva, no
caso o núcleo.
Em continuidade à demonstração das relações retóricas,
apresentamos a primeira relação de conteúdo selecionada, isto
é, a relação de CIRCUNSTÂNCIA, a qual emerge em contextos em
que o autor busca facilitar a compreensão do leitor, contextuali-
zando a informação localizada no núcleo por meio do conteúdo
expresso no satélite. Como exemplo, vejamos o diagrama presente
na FIGURA 5:

124
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Figura 5 – Exemplo da relação retórica de CIRCUNSTÂNCIA

Fonte: Traduzido e adaptado de Mann e Taboada (2010)

Com base no exemplo, podemos verificar que a porção tex-


tual que representa o satélite (unidade 2) funciona para indicar
o momento e o local em que o autor afirma ter presenciado o que
chama de Febre de Visitantes. A relação de CIRCUNSTÂNCIA con-
textualiza o enunciado expresso na porção nuclear (unidade 1), de
modo a adicionar a ela informações importantes acerca do tempo
e espaço, a fim de situar o leitor a respeito do evento descrito.
Como segunda amostra das relações de conteúdo, temos a
ELABORAÇÃO. Ao emergir, essa relação retórica demonstra o
interesse do autor em detalhar o conteúdo expresso no núcleo.
No exemplo apresentado na FIGURA 6, o autor, utiliza o satélite
(unidade 2) para acrescentar detalhes a respeito da Conferência
apresentada na unidade 1, informando que, no evento, são espe-
rados linguistas de várias partes do mundo. Em outros contextos
nos quais a relação retórica de ELABORAÇÃO emerge, a informa-
ção do satélite pode vir a especificar, exemplificar, enumerar ou
descrever o conteúdo da porção nuclear.

125
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Figura 6 – Exemplo da relação retórica de ELABORAÇÃO

Fonte: Traduzido e adaptado de Mann e Taboada (2010)

Finalmente, após citarmos alguns exemplos de relações


retóricas do tipo núcleo-satélite, passamos a demonstrar a re-
lação multinuclear de SEQUÊNCIA. Embora seja mais frequente
em textos narrativos, o emprego dessa relação também é muito
comum em gêneros de outras tipologias, como apresentado no
exemplo a seguir:

Figura 7 – Exemplo da relação retórica de SEQUÊNCIA

Fonte: Traduzido e adaptado de Mann e Taboada (2010)

126
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

No diagrama da FIGURA 7, identificamos a emergência da


referida relação retórica entre porções textuais que compõem uma
receita. Devido à natureza injuntivo-instrucional desse gênero, o
leitor deve obedecer à sequência de ações determinadas pelo autor
para conseguir preparar o prato com sucesso.
Nesta unidade, buscamos demonstrar, de forma breve, que a
RST representa uma abordagem teórica capaz de contribuir para
o desenvolvimento dos estudos de análise textual, especialmente
no tocante à descrição do modo como as relações se estabelecem
entre as porções textuais, à investigação dos sentidos de conjun-
ções no processo de combinação de orações, ao estudo da coerência
e à identificação das relações retóricas que, embora não estejam
muitas vezes marcadas, acabam por emergir da estrutura durante
o processo de interpretação do texto.
Da mesma forma que a RST permite que se descreva e análise
os textos a partir das porções textuais e da combinação de ora-
ções, a Linguística Textual e o Funcionalismo Linguístico também
contém parâmetros de análise que possibilitam a descrição e
análise da categoria modalidade como modeladora e construtora
dos aspectos discursivos e argumentativos dos textos, como será
abordado na seção seguinte.

4. A categoria modalidade na construção do texto

A categoria modalidade tem sido descrita e analisada a


partir de diferentes perspectivas teóricas (Funcionalismo, For-
malismo, Linguística Textual, Semiótica Discursiva etc.) e com
base em diferentes parâmetros de análise (operadores lógicos de
necessidade e possibilidade, factualidade dos eventos, presença
do elemento do desejo etc.). Dentre essas diferentes perspectivas
teóricas, destacam-se o Funcionalismo Linguístico e a Linguística
Textual, haja vista que podem apresentar pontos de convergên-
cia e de complementação na caracterização e na delimitação da

127
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

categoria modalidade como construtora do texto. Nesse sentido,


ponderamos que seja possível o diálogo entre essas duas vertentes
teóricas, podendo, assim, complementar e ampliar o tratamento
que é dado aos trabalhos sobre a modalização dos enunciados.
De acordo com Koch (2015), com a adição da pragmática, a
Linguística Textual busca analisar as conexões existentes entre
o texto e o seu contexto comunicativo-situacional, mas sempre
tendo o texto como ponto de partida para essa conexão. Desse
modo, a autora pontua que a Linguística Textual passa a conceber
a língua (a construção do texto) não como um sistema autônomo
(um encadeamento coerente e coeso entre frases), mas a partir de
seu funcionamento nos processos comunicativos de uma socieda-
de concreta. Assim, para a autora, a Linguística Textual passa a se
interessar para os textos em funções, na medida em que os textos
produzidos deixam de ser entendidos como produtos acabados e,
portanto, analisados apenas por um víeis sintático-semântico; e
passam a ser considerados como elementos constitutivos de uma
unidade complexa, ou seja, como instrumentos de realização das
intenções e dos propósitos comunicativos e sociais dos sujeitos.
Em Neves (2018), identificamos que o Funcionalismo Linguís-
tico concebe a língua como um instrumento de interação verbal
entre os seres humanos, cujo objetivo principal é estabelecer rela-
ções comunicativas entre si. Nesse sentido, a autora pondera que
o discurso é sempre situado pragmaticamente, haja vista que os
enunciados devem ser contextualizados. Por isso, desde o ponto de
vista da perspectiva funcionalista, a pragmática, no entendimento
da autora, não se trata de apenas uma simples perspectiva que se
acrescenta à sintaxe e à semântica dos enunciados, já que se trata
de um componente integrado na gramática.
De acordo com Koch (2011), do ponto de vista da pragmática
linguística, a categoria modalidade é parte da atividade ilocucio-
nária, pois os conteúdos modais, no texto oral ou escrito, revelam
as atitudes do falante perante o enunciado que produz. Assim,

128
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

a autora pontua que a modalidade constitui atos ilocucionários


constitutivos da significação dos enunciados e sendo motivados
com base na produção e no reconhecimento dos propósitos co-
municativos do falante. Nesse sentido, a autora explicita que a
relação entre os diferentes enunciados, na estruturação do dis-
curso, é projetada a partir de certas relações de modalidade, da
qual se depreende a sua relevância para a pragmática. Desse modo,
a autora esclarece que é necessário conhecer as leis que dizem
respeito às oposições e às relações entre os diferentes conceitos
sobre a expressão da modalidade para a construção do texto.
Para Koch (2015), na construção dos textos, os participantes
da interação podem recorrer a diferentes tipos de estratégias
argumentativas, entre elas destaca-se a modalidade. Conforme
a autora, essas estratégias têm por objetivo preservar a face dos
participantes da interação, recorrendo, na maioria dos casos, à
introdução de atenuações, de ressalvas, de mitigações etc., no
intuito de comprometer-se ou não com aquilo que é dito, reve-
lando o grau de certeza/incerteza ou veracidade/falsidade daquilo
que está sendo articulado em sua construção discursiva. Assim,
os participantes da interação, para marcar o seu grau de compro-
metimento ou não como aquilo que está sendo dito, recorrem,
geralmente, ao emprego de modalizadores, que são expressões
linguísticas que revelam o grau de subjetividade do enunciado.
Entendendo que ao produzir um texto, o falante manifesta
suas intenções e seus propósitos comunicativos, imprimindo no
seu enunciado modalizado suas atitudes em relação ao que é dito,
Koch (2011) entende que a produção do texto se dá através de
sucessivos atos ilocucionários de modalização, que vão se estru-
turando no discurso por meio de diferentes modos de lexicalização
que a língua oferece, no caso, são os modalizadores ou operadores
modais. Por fim, a autora defende que a categoria modalidade per-
mite que o falante consiga marcar a distância relativa em que se
coloca em relação ao seu enunciado, revelando, pois, aos demais

129
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

com quem interage, seu maior ou menor grau de engajamento


em relação ao conteúdo de seu enunciado modalizado. Por meio
da modalidade, o falante ainda pode deixar claro os tipos de atos
ilocucionários que deseja realizar, além de fornecer pistas ao(s)
seu(s) ouvinte(s) quanto às suas intenções e aos seus propósitos
comunicativos.
Na perspectiva do Funcionalismo Linguístico, Neves (2006)
chama a atenção para o fato de os estudos sobre modalidade serem
de notável diversidade, em razão dos diferentes tipos de concei-
tualizações e definições acerca desta categoria linguística, do seu
campo de estudo ou das suas orientações teóricas. Geralmente, a
modalidade tem sido entendida, conforme a autora, na perspectiva
funcionalista, como o grau de comprometimento ou não do falante
em relação ao que ele enuncia e quais os meios linguísticos por
ele empregados para manifestar esse (des)comprometimento. No
entanto, a autora explicita que conceituar essa categoria pode ser
também um pouco problemática, pois envolve os significados das
expressões modalizadas e a delimitação das noções inscritas no
domínio conceitual implicado.
Em linhas gerais, Neves (2006) defende que a modalidade é,
essencialmente, um conjunto de relações entre o falante (aquele
que produz os enunciados modalizados), o enunciado (o que se
deseja transmitir e avaliar) e a realidade objetiva (os fatos que
são apresentados durante a interação verbal). Nesse sentido, a
modalidade pode ser considerada, do ponto de vista pragmático
e comunicativo, como uma categoria na qual o falante deixa re-
gistrado, por meio de diferentes expressões linguísticas, o modo
como o seu enunciado deva ser entendido em termos da verdade/
falsidade do fato expresso, imprimindo-lhe algum grau de certeza/
incerteza. Assim, o falante recorre ao emprego de modalizadores,
que são usados, na interação verbal, para exprimir o ponto de
vista do falante.

130
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

De acordo com Neves (2006), a categoria modalidade está


intrinsicamente relacionada aos conceitos lógicos de possibilida-
de e necessidade. No entanto, a autora defende que, na visão dos
estudos linguísticos, a modalidade diz respeito ao conhecimento
de uma proposição em termos do que é necessário ou possível
para quem (os participantes da interação), quem aprecia o valor
modal da proposição contida no enunciado modalizado (o falante)
e a partir de qual sistema de crenças e normas (a realidade ob-
jetiva); enquanto a lógica modal preocupa-se, necessariamente,
com a estrutura formal das modalidades em termos dos valores
de verdade e falsidade e isso independe dos participantes da in-
teração. Assim, do ponto de vista linguístico, a modalidade está
relacionada às expressões de atitudes do falante como principal
meio de expressão dos conteúdos modais nas línguas naturais.
Ao verificarmos os pontos de convergência na descrição
e análise da categoria modalidade com base em Neves (2006,
2018) e Koch (2011, 2015), atestamos que ambas as abordagens
contemplam os seguintes parâmetros, como podemos verificar
no Quadro 2:

Quadro 2: Pontos de convergência entre Neves (2006, 2018) e Koch (2011, 2015) na
descrição e análise da categoria modalidade

Neves (2006, 2018) Koch (2011, 2015)


A modalidade tem sido entendida, na
perspectiva funcionalista, como o grau A categoria modalidade é parte da ativida-
de comprometimento ou não do falante de ilocucionária, pois os conteúdos modais,
em relação ao que ele enuncia e quais os no texto oral ou escrito, revelam as atitudes
meios linguísticos por ele empregados para do falante perante o enunciado que produz.
manifestar esse (des)comprometimento.
Um mesmo tipo de modalizador (meio
de expressão) pode instaurar diferentes
tipos de modalidade. Assim, muitos são Um mesmo subtipo de modalidade pode
os estudos que têm se voltado para a ser lexicalizada por diferentes formas de
polissemia dos verbos modais, em que se expressão. Por sua vez, diferentes subtipos
buscam paráfrases semânticas ou recurso de modalidade podem ser instauradas por
aos contextos de produção das ocorrências meio de uma mesma forma de expressão.
para elucidar o tipo de modalidade que é
instaurada

131
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

A modalidade pode ser considerada, do


A modalidade pode ser descrita e analisada
ponto de vista sintático, semântico, prag-
a partir hipóteses sintáticas, semânticas
mático, contextual e comunicativo, como
(performativo-semântica e sintático-
uma categoria na qual o falante deixa re-
-semântica) e pragmáticas (performativas),
gistrado, por meio de diferentes expressões
podendo ser feita também a partir da inte-
linguísticas, o modo como o seu enunciado
gração desses três componentes.
deva ser entendido.
Na construção dos textos, os participantes
da interação podem recorrer a diferentes
O falante recorre ao emprego de modaliza-
tipos de estratégias argumentativas, entre
dores, que são usados, na interação verbal,
elas destacamos os modalizadores que são
para exprimir o ponto de vista do falante.
expressões linguísticas que revelam o grau
de subjetividade do enunciado.
A categoria modalidade está intrinsica-
A modalidade está relacionada aos opera-
mente relacionada aos conceitos lógicos
dores lógicos de necessidade e possibilidade.
de possibilidade e necessidade.
Com base nas noções lógicas de possibili-
dade e necessidade, a autora esclarece que
Com base nos operadores lógicos de ne-
a categoria modalidade tem sido, tradicio-
cessidade e possibilidade, a modalidade se
nalmente, dividida em diferentes subcate-
divide em alética, epistêmica e deôntica.
gorias modais, são elas: alética, epistêmica,
deôntica, bulomaica e disposicional.
A modalidade alética está exclusivamen-
te relacionada à verdade necessária ou
No eixo da modalidade alética, verifica-se
contingente das proposições. Assim, esse
a verdade ou a falsidade do conteúdo de
subtipo modal diz respeito ao mundo
uma proposição, estando relacionada à
ontológico, em que a escala lógica vai do
semântica vero-condicional.
necessário ao impossível, passando pelo
possível e contingente.
A modalidade epistêmica diz respeito à
No eixo da modalidade epistêmica, revela-se
necessidade e à possibilidade em termos
a atitude do conhecimento e da crença do
dos conhecimentos sobre o mundo real, ou
falante em relação ao conteúdo veiculado
seja, trata-se de proposições contingentes,
em seu discurso, estando relacionada à
pois dependem de como as coisas são e de
semântica das atitudes proposicionais.
como o mundo é.
A modalidade deôntica diz respeito à ne-
cessidade e à possibilidade com base nas No eixo da modalidade deôntica, encontra-
condutas e normas impostas, em que uma -se a força ilocucionária referente às
proposição é necessária a partir do que é prescrições de ordens e obrigações para os
definido como obrigatório, enquanto uma sujeitos, estando relacionada à semântica
proposição é possível a partir do que é dos atos da linguagem.
entendido como permitido.

132
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

No eixo da modalidade deôntica, há a


A modalidade bulomaica ou volitiva diz possibilidade de existência de um quarto
respeito à necessidade e à possibilidade eixo, derivado da deonticidade dos atos
com base nos desejos e vontades do falante, de linguagem: o eixo da modalidade axio-
podendo ser entendida como uma neces- lógica. A medida em que se modalizam os
sidade deôntica. Por sua vez, a modalidade enunciados no sentido de valores morais
disposicional ou habilitativa como aquele (relativos às regras e às normas de conduta
subtipo modal referente à disposição, à de âmbito legal, moral e social), desliza-se
habilitação ou à capacitação em termos da para o afetivo-emotivo, que é de natureza
necessidade ou possibilidade de concreti- subjetiva e que diz respeito às disposições
zação dos eventos, podendo ser entendida de vontade (modalidade bulomaica ou
como uma possibilidade deôntica. volitiva) e às disposições de sentimento
(modalidade apreciativa ou avaliativa).
Os diferentes meios de expressão nos quais Os principais meios de expressão da mo-
a modalidade pode ser instaurada por meio dalidades são os performativos explícitos,
de verbos auxiliares, verbos de significação os auxiliares modais, os predicados
plena, advérbios modais, adjetivos em po- cristalizados, os advérbios modalizadores,
sição predicativa, substantivos e categorias as formas verbais perifrásticas, os modos
gramaticais do verbo da predicação (tempo, e tempos verbais, os verbos de atitude
modo e aspecto). proposicional, a entonação, que permite
distinguir uma ordem de um pedido, na
linguagem e os operadores argumentativos
Os tipos básicos de modalizadores: (i) os
A existência de diferentes tipos de modali-
modalizadores stricto sensu, que são objeto
zadores, a saber: (i) os explícitos e os implí-
de estudo da lógica e da semântica, são
citos, que têm relação com à marcação da
eles os aléticos, os epistêmicos e os deôn-
atitudes proposicionais ou não do falante;
ticos; e (ii) os modalizadores latu sensu,
e (ii) os extraídos e os integrados, que dizem
que são objeto de estudo da pragmática,
respeito à integração ou não do enunciado
são eles os axiológicos, os atitudinais e os
modalizado ao dictum.
atenuadores.
Fonte: Elaborado com base nos estudos de Koch (2011, 2015) e Neves (2006, 2018)

Por sua vez, Koch (2011, 2015) emprega os seguintes parâ-


metros que podem vir a complementar os estudos descritivos e
analíticos da modalidade para a construção do texto, como pode-
mos examinar no Quadro 3:

133
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Quadro 3: Parâmetros de análise para a categoria modalidade presentes em Koch (2011,


2015) que visam complementar a análise das modalizações na construção do texto

Koch (2011, 2015) – descrição e análise da modalidade


A modalidade pode ser instaurada por meio de orações, definidas pela autora como
orações modalizadoras. As orações modalizadoras caracterizam os diferentes tipos de
atos de fala (atos ilocucionários) a partir do que o falante deseja expressar para o(s)
seu(s) ouvinte(s), revelando, desse modo, seu maior ou menor engajamento no tocante
ao conteúdo proposicional veiculado.
Ao modalizar, o falante pode ainda fazer uso de outras “vozes” em seu discurso oriundas
de discursos de outros enunciadores (polifonia dos discursos), no intuito de validar ou
reforçar aquilo que é por ele proferido, seja no âmbito das crenças e dos conhecimentos
(modalidade epistêmica), seja em relação às ordens e aos comandos que são atribuídos
aos demais sujeitos (modalidade deôntica) ou no tocante à manifestação de suas atitudes
afetivo-emotivas (modalidade axiológica) quanto ao que é enunciado em seu texto.

Fonte: Elaborado com base nos estudos de Koch (2011, 2015)

Por seu turno, Neves (2006, 2018) faz uso dos seguintes pa-
râmetros que podem vir a complementar os estudos descritivos
e analíticos da modalidade para a construção do texto, como
podemos atestar no Quadro 4:

Quadro 4: Parâmetros de análise para a categoria modalidade presentes em Neves


(2006, 2018) que visam complementar a análise das modalizações na construção do
texto

Neves (2006, 2018) – descrição e análise da modalidade

No que diz respeito aos tipos de relação modal e a sua inserção na produção dos
enunciados modalizados, é plenamente possível que esses subtipos de modalidade se
sobreponham na construção do discurso. Nesse sentido, esses subtipos modais repre-
sentariam realces perceptivos de fronteira entre a enunciação (ato de fala) e o enun-
ciado (frase em um contexto de uso), podendo a modalidade modificar um ato de fala.

Os modos de expressão e os graus de modalidade no eixo do conhecimento (modali-


dade epistêmica) e da conduta (modalidade deôntica). Assim, a avaliação epistêmica
se situa em um continuum, que vai do limite da certeza/precisão, passando pelos graus
do possível, e chegando ao extremo da incerteza/imprecisão. Por sua vez, no tocante
à modalidade deôntica, podemos encontrar dois polos: um de necessidade deôntica
(obrigação) e outro de possibilidade deôntica (permissão), e a negação dessa necessi-
dade ou possibilidade (proibição).

134
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

A categoria modalidade pode ser descrita e analisada com base nos diversos níveis
de organização do enunciado. Desse modo, a estrutura subjacente da frase se forma a
partir de um predicado ao qual se aplicam termos, produzindo uma predicação. Essa
predicação diz respeito a um estado-de-coisas, que é um evento possível em algum
mundo (real ou imaginário). A partir desse estado-de-coisas, constrói-se uma estrutura
mais alta, a proposição, que, por sua vez, diz respeito a um fato possível. Quando uma
proposição se reveste de uma força ilocucionária (uma declaração, uma ordem, um
desejo etc.) tem-se um enunciado (que é uma frase em um contexto de uso).

Consideram-se as relações entre a categoria modalidade e a polaridade. Nesse sentido,


a modalidade ser uma categoria intermediária entre os polos positivo e negativo do
enunciado. Assim, a polaridade e a modalidade são componentes dos enunciados de
uma forma geral, pois há sempre a possibilidade de que os falantes modalizem ou
neguem uma proposição, que em si mesma é afirmativa.

A relação entre modalidade, tempo e referencialidade também é um aspecto relevante de


estudo dos conteúdos modais. Assim, o tempo é uma variável significativa na definição
da sentença modalizada, haja vista que o falante estabelece uma correspondência entre
a proposição contida no enunciado modalizado e a situação referencial que está sob
o escopo da qualificação modal ao fazer a ancoragem de tempo, podendo a situação
referencial estar localizada no passado, no presente ou no futuro.

Fonte: Elaborado com base nos estudos de Neves (2006, 2018)

Ao fazermos uma descrição e análise da categoria modalidade


com base nos pressupostos básicos encontrados em Neves (2006,
2018) e Koch (2011, 2015), podemos integralizar os aspectos con-
textuais, pragmáticos, semânticos e sintáticos ao fazermos uso dos
seguintes parâmetros de análise que estão dispostos no Quadro 5:

135
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Quadro 5: Os parâmetros de análise da modalidade com base nos pressupostos


teóricos propostos por Neves (2006, 2018) e Koch (2011, 2015)

Pragmático-contextuais

1. As funções pragmáticas de tópico e foco na instauração da modalidade/as noções


de tema e rema na expressão dos conteúdos modais como estruturas topicalizadoras
e focalizadoras.
2. A polifonia dos discursos e a expressão da modalidade no encadeamento do texto.
3. A sobreposição de subtipos de modalidade e a coocorrência de conteúdos modais na construção
dos enunciados modalizados.
4. Os tipos de ilocução e ancoragem da modalidade/os atos de fala e modalidade da enunciação
na construção do texto.

Semânticos

5. A polissemia dos verbos modais/as diferentes formas de expressão da modalidade.


6. O domínio semântico da modalidade/os tipos de modalidade no texto.
7. Os valores modais expressos no discurso e a polaridade do enunciado modalizado.
8. A temporalidade da modalidade (presente, passado ou futuro) em relação à instauração dos
conteúdos modais no texto.

Morfossintáticos

9. Os meios de expressão da modalidade/as formas de expressão da modalidade.


10. As camadas de atuação da modalidade (predicado, predicação e proposição) e as
relações de objetividade e subjetividade da modalidade.

Fonte: Elaborado com base nos estudos de Neves (2006, 2018) e Koch (2011, 2015)

Por fim, ao fazermos uma descrição e análise da categoria


modalidade com base nos pressupostos básicos de Neves (2006,
2018), que adota a perspectiva do Funcionalismo Linguístico; e
Koch (2011, 2015), que adota a perspectiva da Linguística Textual;
é possível identificar como os conteúdos modais instaurados no
discurso podem funcionar como estratégia persuasiva e argumen-
tativa, imprimindo marcas na construção do texto do falante de
modo a revelar suas atitudes perante o enunciado que é construído
e transmitido ao(s) ouvinte(s).

136
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

5. Considerações finais

Neste capítulo, verificamos como a perspectiva funcionalista


operacionaliza e qualifica a construção de sentido dos enunciados
por meio da construção textual-discursiva dos falantes ao fazer
uso da língua em contextos reais de produção e uso. Dessa forma,
optamos por discorrer acerca da coesão na aposição encapsu-
ladora com base na Gramática Discursivo-Funcional (GDF); da
análise textual sob a ótica da Teoria da Estrutura Retórica; e dos
parâmetros de análise convergentes e de complementação em
Neves (2006, 2018) e Koch (2011, 2015) no que tange à descrição
e análise da categoria modalidade.
No tocante à coesão da aposição encapsuladora, constatamos
que o chamado aposto de oração é uma estrutura funcionalmente
motivada por aspectos interacionais e tem grande valor discur-
sivo e, como tal, constitui-se coesivamente de modo semelhante
à anáfora, provendo informações para orientar o leitor sobre o
modo como deve conduzir a interpretação de um conteúdo infor-
macional que é tomado como escopo da aposição encapsuladora.
Suas características são definidas em relação à constituição de
seu escopo e a seu valor discursivo, afastando-se do protótipo
de aposição, subvertendo os princípios de correferencialidade,
identidade categorial e identidade funcional no nível sintático,
mas reconstituindo, cognitivo e contextualmente, seu referente
a partir dos princípios funcionais do encapsulamento anafórico.
Em relação à análise textual sob a ótica da Teoria da Estru-
tura Retórica, examinamos que abordagem teórico-metodológica
funcionalista da linguagem, que busca descrever as relações que
emergem da combinação das porções textuais durante o proces-
so de interpretação, tem como objetivo geral a identificação de
uma estrutura retórica padrão capaz de representar o modo mais
frequente de estruturação textual, especificamente no que diz res-
peito às relações de elaboração temática, às relações de orientação

137
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

argumentativa e às relações de organização textual. Assim, as duas


primeiras, que representam a maior parte das relações retóricas,
integram o tipo núcleo-satélite, enquanto a última contém as do
tipo multinuclear.
No que diz respeito aos parâmetros de análise convergentes
e de complementação em Neves (2006, 2018) e Koch (2011, 2015)
no que tange à descrição e análise da categoria modalidade, averi-
guamos que esses parâmetros podem materializar, na construção
textual-discursiva, as opiniões e as crenças subjetivas do falante,
engendradas no discurso por meio da categoria modalidade, bus-
cando persuadir o(s) seu(s) ouvinte(s) por meio das suas atitudes
manifestadas ao instaurar os diferentes conteúdos modais no
encadeamento discursivo do seu texto. Assim, a categoria moda-
lidade revela-se como um caminho produtivo quando se deseja
averiguar como os propósitos comunicativos e as intenções do
falante podem ser empregados como recurso argumentativo e
estratégia discursiva, em que este busca modificar a informação
pragmática de seu(s) ouvinte(s), procurando levá-los a uma mu-
dança de atitude ou reflexão sobre o que é dito.

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141
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

FUNCIONALISMO E DISCURSO

Cláudia Ramos Carioca


Maria de Fátima de Sousa Lopes

Considrações iniciais

O objetivo deste capítulo é explicitar a importância da


análise funcionalista para os estudos linguísticos relacio-
nados ao âmbito discursivo, tendo em vista que os pesqui-
sadores funcionalistas reconhecem e assumem que a lin-
guagem é uma atividade sociocultural de per si, defendendo
que o sentido é contextualmente dependente (Givón, 1995)
O senso comum apresenta o discurso como um pensamento
coletivo, ou seja, um conjunto de ideias comuns, partilhadas por
um grupo, diferindo do texto, que é a manifestação concreta do
discurso. Consideram-se, então, algumas características defini-
doras do discurso como sendo o que: a) representa diferentes
ideologias e formas de compreensão da realidade; b) expressa
um conjunto de valores, princípios, práticas e significados que
transcendem o texto, enquadrando-os numa esfera de atividade
social; c) encontra-se instituído histórica, social e culturalmente,
contribuindo assim para a definição do contexto. Assim, como
exemplo, pode-se indicar o gênero textual artigo de opinião como
uma manifestação concreta do discurso jornalístico, ou ainda o
gênero textual dissertação como uma manifestação concreta do
discurso acadêmico e também o gênero textual pronunciamento

143
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

como manifestação concreta do discurso político, dentre outros.


Existem diferentes vertentes funcionalistas sob as quais o discurso
pode ser tratado, a saber: o Funcionalismo Clássico, a Linguística
Sistêmico-Funcional, a Gramática Discursivo-Funcional, a Lin-
guística Funcional Centrada no Uso, a Teoria da Estrutura Retórica
e o Sociofuncionalismo, que assumem, como o paradigma funcio-
nalista, que as gramáticas das línguas naturais são condicionadas
por forças externas e forças internas (Du Bois, 1985).
O modelo de interação verbal proposto por Dik (1989) consi-
dera os aspectos sociais, psicológicos e linguísticos que subjazem
à interação comunicativa, e formula que, em qualquer estágio da
interação verbal, os usuários da língua possuem informação prag-
mática, e, ao dizer alguma coisa, o falante pretende efetuar algum
tipo de modificação e/ou acréscimo na informação pragmática do
ouvinte. Logo, há um objetivo claro na escolha e articulação das
expressões linguísticas em função das intenções comunicativas
para que se alcance sucesso no convencimento do outro. “Nesse
sentido, o discurso passa a ser compreendido também como ato
de persuasão, ou seja, como lugar de interação entre os sujeitos,
onde produzir discurso é influenciar o outro” (Lucena, 2008, p. 51).
Depreendem-se, então, consoante Maingueneau (2002, p. 53-54),
algumas noções relevantes, tais como que o discurso é contextu-
alizado, uma vez que não é o discurso em si que o define, mas é o
contexto, tanto como lugar de interação entre os sujeitos como
situação de comunicação. Pode-se falar também que o discurso
é uma unidade transfrástica, pois está submetido a regras prag-
máticas de organização vigentes em determinado grupo social,
tais como regras relativas ao plano de texto, de extensão dos
enunciados, de formalização etc. É também orientado, pois se de-
senvolve no tempo, de maneira linear, de acordo com a finalidade
do sujeito e as condições de interação verbal (uma conversação
monolongal ou dialogal). Por sua vez, o discurso é interativo,
envolvendo, pelo menos, dois coenunciadores. É assumido por
um sujeito, que pode se apresentar como fonte de referência das

144
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

informações contidas no discurso e, ao mesmo tempo, mostrar sua


atitude diante daquilo que diz e em relação a seu coenunciador. É
também regido por regras (normas) e visto sempre em relação aos
outros discursos, ou seja, no interior de um universo discursivo.
Em vista disso, o discurso é uma forma de ação/atuação sobre o
outro/interlocutor (Maingueneau, 2002) e o aspecto argumen-
tativo do discurso leva um indivíduo a expressar uma convicção
passível de ser explicada na tentativa de persuadir seu interlocutor
a modificar algum tipo de comportamento, além de que a variedade
dos tipos de discurso relaciona-se diretamente com os vários tipos
de comunidades, ou seja, na instância política, tem-se o discurso
político, na instância filosófica, tem-se o discurso filosófico, na
instância literária, tem-se o discurso literário, na instância aca-
dêmica (científica) tem-se o discurso acadêmico (científico) etc.
Tendo em vista que, no capítulo acerca dos modelos teóricos de
gramática funcional, já foi apresentada a fundamentação teórico-
-metodológica da inter-relação funcionalismo e discurso, desta-
camos aqui algumas pesquisas com objeto de estudo relacionado
ao discurso, desenvolvidas no âmbito do Grupo de Estudos em
Funcionalismo (GEF/UFC) e circunscritas em projetos de pesquisa
vinculados à iniciação científica, à iniciação à docência e à pós-
-graduação em todos os seus níveis (especialização, mestrado,
doutorado e estágio pós-doutoral).

1. Funcionalismo e discurso: a materialidade da inter-relação

A concretização da inter-relação envolvendo funcionalismo


e discurso pode ser vista a partir de diferentes esferas da comu-
nicação humana, uma vez que as formas de ação por meio da
linguagem apresentam particularidades inerentes a cada contexto
que constitui os processos de interação verbal. Por isso, abaixo
encontram-se alguns tipos de discurso e algumas pesquisas a eles
relacionadas, as quais estão vinculadas a membros do Grupo de
Estudos em Funcionalismo (GEF/UFC) e circunscritas em proje-

145
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

tos de pesquisa relacionados à iniciação científica, à iniciação à


docência e à pós-graduação em todos os seus níveis (especiali-
zação, mestrado, doutorado e estágio pós-doutoral) em que se
apresentam análises consistentes fundamentadas em vertentes
funcionalistas diversificadas.

1.1 Discurso acadêmico

Sabe-se que o discurso acadêmico é um estilo característi-


co de interação utilizado no universo acadêmico, e se refere ao
envolvimento de um autor/escritor em discussões acadêmicas.
Investigar esse tipo de discurso, dentro do que apresenta esse
capítulo, incide na busca por respostas a questionamentos de
natureza funcional dentro de textos pertencentes a essa esfera,
como livros, apresentações, dissertações, artigos e palestras.
A exemplo de trabalhos relacionados a esse discurso, tem-se a
pesquisa de mestrado de Carioca (2005), intitulada “A manifesta-
ção da evidencialidade nas dissertações acadêmicas do português
brasileiro contemporâneo”. A pesquisadora utilizou o arcabouço
teórico funcionalista para investigar o fenômeno linguístico da
evidencialidade, que diz respeito à fonte de um conteúdo asse-
verado e relaciona em que medida o falante/produtor textual se
compromete ou não com o que está afirmando. Por esse motivo,
tem relevância na produção e interpretação do discurso acadê-
mico, pois, na veiculação do conhecimento, o falante/produtor
textual está quase o tempo todo fazendo alusão a algo que já
é conhecido no círculo científico e, ao usar o conhecimento de
outro(s) pesquisador(es) para desenvolver sua argumentação e
assegurar sua credibilidade, ele opta por alguma forma de veicular
a origem da informação a que teve acesso.
A evidencialidade é uma categoria linguística utilizada
como estratégia que permite a manipulação das informações
quanto à fonte do conhecimento e ao grau de (des)comprome-

146
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

timento do produtor com essa fonte. No intuito de investigar


a manifestação dessa categoria na construção das dissertações
acadêmicas no português brasileiro contemporâneo, objetivou-
-se: a) rediscutir o estatuto da evidencialidade como categoria
linguística; b)analisar as relações entre modalidade e evi-
dencialidade; c) verificar as estratégias utilizadas no uso das
marcas de evidencialidade no trabalho científico de grau, do
tipo dissertação; d) identificar, descrever e analisar as marcas
linguísticas evidenciais no trabalho científico de grau do tipo
dissertação; e) relacionar o uso de evidenciais com estratégias
para efeito de (des)comprometimento na construção textual.
Ao identificar e interpretar as marcas evidenciais na construção
dos textos acadêmicos, a pesquisa buscou contribuir para a explici-
tação dos efeitos de sentido vinculados à veiculação das informa-
ções de forma estratégica, já que essas marcas são utilizadas com
propósitos diversificados, como por exemplo: recurso ao chamado
“argumento de autoridade”, atenuação da responsabilidade em
relação ao que é dito, modalização no contínuo entre a certeza e
a não-certeza, sinalizando que algo não está sendo dito de forma
categórica e sugerindo um grau de (des)comprometimento em re-
lação à verdade da proposição, como também um posicionamento
crítico em relação à fonte da informação, permitindo uma correta
avaliação do conteúdo assimilado pelo leitor, dentre outros.
A análise, orientada por pressupostos funcionalistas, contou
com uma dimensão teórica, voltada para a rediscussão dos limites
conceituais entre as categorias modalidade e evidencialidade, e
uma dimensão analítica, que, em constante diálogo com a teoria,
investiga, qualitativa e quantitativamente, o uso de marcas da
evidencialidade na dissertação acadêmica, trabalho que é requisito
para a obtenção do título de mestre. A escolha do gênero para a
constituição do corpus justificou-se pela suposição de que esse
é um dos gêneros textuais que apresenta maior quantidade de
informação cuja fonte não é o próprio autor, o que condiciona
o uso das marcas de evidencialidade na relação observável com

147
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

o grau de (des)comprometimento do produtor relativamente à


informação veiculada. A obtenção das 290 ocorrências para esta
pesquisa concretizou-se a partir da organização de um corpus
constituído por dez dissertações acadêmicas da área de Ciências
Humanas, das quais foram utilizadas, como material de análise,
a introdução e a conclusão.
Os resultados obtidos apontaram os efeitos de sentido asso-
ciados ao uso de meios de expressão evidencial na construção da
argumentação em dissertações, comprovando que a evidenciali-
dade no discurso acadêmico, em particular no corpus coletado, é
mais utilizada para promover um baixo comprometimento, tendo
o verbo como o meio linguístico mais utilizado e as noções evi-
denciais inferencial e citativa como as mais frequentes.
Outra evidência de pesquisa funcionalista referente ao dis-
curso acadêmico foi a tese intitulada “A evidencialidade em textos
acadêmicos de grau do português brasileiro contemporâneo”,
de Carioca (2009). Complexificando a pesquisa desenvolvida em
2005, esta pesquisa de doutorado apresenta uma análise orientada
por pressupostos funcionalistas, considerando uma dimensão
teórica, voltada para a rediscussão dos limites conceituais entre
as categorias modalidade e evidencialidade, além de uma dimen-
são analítica, que, em constante diálogo com a teoria, investiga,
qualitativa e quantitativamente, o uso de marcas da evidencia-
lidade no discurso acadêmico, especificamente nas monografias,
dissertações e teses.
A evidencialidade é uma categoria linguística que diz res-
peito à fonte das informações veiculadas e, nessa indicação, está
também relacionada com estratégias de (des) comprometimento
do enunciador com tais informações. No intuito de investigar
a manifestação dessa categoria na construção dos trabalhos
acadêmicos de grau do português brasileiro contemporâneo, a
pesquisa objetivou: a) rediscutir o estatuto da evidencialidade
como categoria linguística; b) analisar as relações entre moda-

148
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

lidade e evidencialidade; c) verificar as estratégias utilizadas no


uso das marcas de evidencialidade nas monografias, dissertações
e teses; d) identificar, descrever e analisar as marcas linguísticas
evidenciais nos trabalhos científicos em foco; e) relacionar o uso
de evidenciais com estratégias para efeito de (des)comprometi-
mento na construção textual.
Ao identificar e interpretar as marcas evidenciais na cons-
trução dos textos acadêmicos, a pesquisa buscou contribuir para
a explicitação dos efeitos de sentido vinculados à veiculação
das informações de forma estratégica, já que essas marcas são
utilizadas com propósitos diversificados, como, por exemplo, o
recurso ao chamado “argumento de autoridade”, a atenuação
da responsabilidade em relação ao que é dito, a modalização no
contínuo entre a certeza e a não-certeza, sugerindo um grau de
comprometimento em relação à verdade da proposição, bem como
um posicionamento crítico em relação a ela.
A escolha desses gêneros textuais (monografias, dissertações
e teses) para a constituição do corpus justificou-se pela suposição
de que apresentam uma maior quantidade de informação cuja
fonte não é o próprio autor, o que condiciona o uso das marcas
de evidencialidade na relação observável com o grau de compro-
metimento do produtor relativamente à informação veiculada. A
obtenção das 1500 ocorrências para esta pesquisa concretizou-
-se a partir da organização de um corpus constituído por trinta
trabalhos acadêmicos de grau (dez monografias, dez dissertações
e dez teses), dos quais foi utilizado um recorte como material de
análise, selecionando-se a introdução, um capítulo de fundamen-
tação teórica e a conclusão.
Os dados obtidos foram analisados segundo as seguintes
categorias: a) os meios linguísticos de expressão da evidencia-
lidade no discurso acadêmico que envolve a produção textual
da monografia, da dissertação e da tese foram especificados em
relação ao tipo de marca evidencial (item lexical ou gramatical

149
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

- verbo, substantivo, adjetivo, advérbio, preposição; enunciado


metadiscursivo, justaposição simples, normas citativas da ABNT; e
à posição de tal marca em relação à fonte (anteposta, intercalada,
posposta); b) os tipos de noções evidenciais caracterizadoras do
aspecto semântico, a fonte da informação (sujeito-enunciador,
fonte externa definida, fonte externa indefinida, domínio comum);
o acesso evidencial (direto, menos direto, indireto); a natureza
evidencial da informação (subjetiva, experiencial, inferencial,
relatada); c) os aspectos pragmático-discursivos, ou seja, os efei-
tos de sentido na construção da argumentação relacionados à
expressão do alto, médio ou baixo comprometimento com o que
está sendo informado.
Predominou, na construção dos três gêneros de trabalhos
acadêmicos de grau, o efeito de baixo comprometimento, sendo a
diferença entre alto e baixo comprometimento aproximadamente
a mesma nos três gêneros. Quanto aos aspectos semânticos, pre-
dominou a fonte externa definida, indireta e relatada, manifestada
por meio de verbos dicendi, que se intercalam entre a fonte e o
conteúdo asseverado.

1.2 Discurso político

O discurso político engloba o conjunto de textos construí-


dos por autores reconhecidos e legitimados em um determinado
meio social. Dentro desse universo, as pesquisas funcionalistas
têm tido ampla repercussão e muito têm desvendado sobre as-
pectos referentes à produção e recepção de efeitos de sentido de
natureza política.
Dentro desta tipologia discursiva, encontra-se a pesquisa “A
modalidade deôntica na construção da persuasão em discursos
políticos”, de Menezes (2006), que objetiva analisar de que modo as
expressões linguísticas da modalidade deôntica atuam no sentido
de viabilizar a adesão do auditório a pontos de vista defendidos em

150
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

discursos políticos, foram analisados, sob o prisma da orientação


funcionalista, quarenta e quatro discursos proferidos por Depu-
tados Federais no plenário da Câmara por ocasião das discussões
envolvendo a proposta de reforma no regime previdenciário dos
servidores públicos.
Entendida como a modalidade relacionada à possibilidade
ou necessidade de atos executados por agentes moralmente res-
ponsáveis, a modalidade deôntica foi analisada do ponto de vista
sintático, semântico e pragmático. A pesquisa revelou a existência
de uma relação entre pressão social sob os oradores e frequência
de uso de expressões deonticamente modalizadas, a saber, quanto
maior a pressão em torno da aprovação/rejeição do projeto em
tramitação, mais frequentemente se valeram os parlamentares
de expressões capazes de, entre outras funções, apresentá-los à
opinião pública como autoridades dispostas a lutar pelos interes-
ses da comunidade.
Buscaram-se elementos sintáticos, semânticos e pragmáti-
cos capazes de caracterizar o uso das 189 expressões linguísticas
da modalidade deôntica presentes no corpus constituído. Desta
feita, empreendeu-se uma análise das etapas de discussão da
reforma em correlação com a frequência de uso de expressões
da modalidade deôntica; dos meios linguísticos de expressão da
modalidade deôntica; dos valores deônticos instaurados; dos tipos
de obrigações; dos tipos de proibições; dos tipos de permissões
instauradas; da fonte deôntica; do alvo deôntico; do compor-
tamento do orador em relação ao valor instaurado; do tipo de
frase na qual a sequência modalizadora deôntica se encontra e
da localização da expressão modalizadora deôntica no discurso.
Pode-se verificar os meios utilizados pelo orador para intensificar a
força ilocucionária de valores instaurados por meio de operadores
argumentativos, da repetição do meio linguístico de expressão
da modalidade deôntica e do uso do verbo no futuro do pretérito
associado ao particípio, sendo possível aos oradores concederem

151
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

mais assertividade a valores deônticos instaurados em seus discur-


sos. A presença de intensificadores nessas expressões corrobora o
entendimento delas como estratégicas à construção da persuasão.
Quanto aos meios linguísticos de expressão da modalidade
deôntica, constatou-se a alta produtividade do verbo auxiliar
modal, destacando-se o verbo dever na instauração de obriga-
ções. Observou-se também a elevada produtividade da exclusão
do orador do alvo sobre o qual recai o valor deôntico instaurado.
A predileção dos parlamentares por apresentarem-se à opinião
pública como indivíduos que já arcaram com o ônus que lhes
competia na execução de uma tarefa, ou por levar a audiência
a crer que a competência para a realização de algo é de outrem,
cabendo-lhes denunciar e cobrar, é justificada na medida em que
essa estratégia revelou-se mecanismo de atenuação da pressão
por parte do auditório sobre a figura do orador, transferindo
expectativas e cobranças a outros indivíduos ou a instituições.
Outra pesquisa sobre essa instância discursiva encontra-se
relatada na dissertação de Lucena (2008), nomeada “A expressão
da evidencialidade no discurso político: uma análise da oratória
política da Assembleia Legislativa do Ceará”. Essa pesquisa de
mestrado teve como objetivo investigar a expressão da evidenciali-
dade e sua relação com os graus de comprometimento dos oradores
com os conteúdos enunciados na construção da argumentação no
discurso político. Para tal fim, foram analisados trinta discursos
(subdivididos em dois grupos temáticos: 1º grupo – a vinda da
Refinaria de Petróleo para o Ceará; 2º grupo – a Transposição do
Rio São Francisco), proferidos no Pequeno Expediente de Sessões
Ordinárias na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, durante
o período de 2005 e 2006.
A evidencialidade foi investigada quanto aos aspectos sintá-
ticos (meio linguístico, posição no enunciado), semânticos (tipo
de fonte, estratégia de veiculação da informação no enunciado,
o que está diretamente relacionado ao modo como o enunciador

152
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

deseja demonstrar que obteve a informação por ele apresentada)


e pragmáticos (graus de comprometimento do político com o
conteúdo do seu discurso, imagens por ele suscitadas no pro-
cesso argumentativo, papéis discursivos assumidos pelos itens
evidenciais). A hipótese sustentada foi a de que fatores de ordem
conceptual, interacional e contextual, como os propósitos enun-
ciativos do político, as condições de produção e a imagem que
esse político deseja construir de si ante o auditório, condicionam
a manifestação da evidencialidade, o tipo de qualificação eviden-
cial, bem como os efeitos de sentido de (des)comprometimento
do político com o seu discurso. Adotou-se, principalmente, a base
teórica funcionalista, em que o usuário assume papel central na
investigação, incluindo a descrição linguística, portanto, em refe-
rência ao falante, ao ouvinte e a seus papéis e estatutos definidos
na interação verbal (Dik, 1989).=
Os resultados obtidos revelaram que, na construção da ar-
gumentação no discurso político, predomina o uso de marcas
evidenciais do tipo relatado de fonte definida, comprovando que
o político prefere não se comprometer com a informação repor-
tada, assegurando ao interlocutor a possibilidade de avaliar por
si só a validade da informação, de acordo com a qualidade da
fonte expressa. Com relação às marcas evidenciais assumidas
como atinentes ao eixo do enunciador (experienciais, inferenciais
e subjetivas), verificou-se que, embora em menor quantidade,
constituem estratégias importantes na construção de imagens
legitimadoras da ação política, já que o enunciador se mostra como
alguém convicto de suas ideias e projetos. Quanto aos aspectos
morfossintáticos da evidencialidade, observou-se que o verbo é
o meio de expressão mais frequente dessa categoria, ocupando,
majoritariamente, a posição intercalada (entre a fonte e o con-
teúdo enunciado).
O artigo intitulado “Abstratização metafórica e evidenciali-
dade no uso do predicado ver em discursos políticos”, de Lucena

153
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

(2011), também se encaixa nos estudos referentes ao discurso


político. A pesquisa visou analisar casos de abstratização meta-
fórica do predicado ver em um corpus constituído por 30 discursos
políticos proferidos na Assembleia Legislativa do Ceará, durante
o período de 2005-2006. Foi verificado que o predicado ver é fre-
quentemente utilizado, não como indicador de uma experiência
visual, mas como predicado encaixador de um conteúdo propo-
sicional asseverado e, ainda, em um estágio mais avançado de
abstratização, assume uma função discursiva.
O predicado ver é considerado uma marca prototípica da
evidencialidade direta ou atestada, pois a informação veiculada
pelo enunciador é caracterizada como obtida pela experiência
visual. Para a análise das ocorrências, considerou-se a abstra-
tização metafórica como um dos mecanismos desencadeadores
da gramaticalização desse item, processo de mudança que está
relacionado às transformações linguísticas nas quais os itens
concretos são recrutados metaforicamente para expressar funções
mais abstratas.
Procurou-se construir uma trajetória hipotética de mudança
semântica desse item, vislumbrando-se que a análise conseguiu
demonstrar que o predicado ver está expandindo seu uso via abs-
tratização metafórica.
Foi identificado que, além do significado fonte (evidenciali-
dade experiencial), ver pode assumir outras novas acepções em
virtude das pressões discursivas, passando a exercer, em uma traje-
tória que vai de um significado mais concreto a um mais abstrato,
a função de item evidencial inferencial, predicado encaixador de
um conteúdo proposicional e marcador discursivo.
Ainda tratando do discurso político, Batista, Prata e Menezes
(2020) desenvolveram o trabalho “Evidencialidade e polêmica
em webcomentários em língua espanhola”. Nessa pesquisa,
objetivou-se analisar qualitativamente o uso da evidencialidade

154
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

nos discursos tidos como polêmicos, sob um enfoque funcionalista


de análise, buscando integrar postulados teóricos da Gramática
Discursivo-Funcional (GDF) com a noção de polêmica, constante
em estudos de Análise de Discurso (AD) e de Argumentação Re-
tórica.
Conforme expresso em Hengeveld e Mackenzie (2008), a
evidencialidade está relacionada à fonte da informação veicu-
lada, ao passo que o discurso polêmico é entendido pela AD e
pela Argumentação Retórica como um embate entre duas teses
mutuamente excludentes, em geral, mas não obrigatoriamente,
vinculadas à emotividade e à paixão.
Acreditando que a marcação da evidencialidade é influen-
ciada pela natureza polêmica dos discursos, buscou-se, em we-
bcomentários em língua espanhola, compreender o modo como
a marcação da fonte é arregimentada pelos falantes de espanhol
durante a argumentação em torno de tema polêmico. Foi consta-
tado que as fontes atuam na exemplificação de argumentos e no
ataque a interlocutores com os quais o embate de ideias é travado,
visando o descredenciamento do adversário. A evidencialidade
mostrou-se característica do discurso polêmico.
Outra investigação dentro da tipologia política de discurso é
o artigo “Deonticidade nos discursos de Donald Trump: um ethos
para cada audiência”, de Batista, Prata e Menezes, (2021). Nesse
artigo, objetivaram descrever e analisar as expressões modaliza-
doras deônticas constitutivas dos discursos do presidente Donald
Trump, sob uma abordagem funcionalista, conforme os postulados
de Hengeveld (2004) e Hengeveld e Mackenzie (2008).
Para compreensão da categoria modalidade, trabalharam com
a Gramática Discursivo-Funcional (GDF), que busca integrar os
aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos. Partindo da com-
preensão de que as expressões modalizadoras deônticas estão a
serviço da argumentação, tomaram também o conceito de ethos da

155
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Análise do Discurso (AD) para compreensão do ethos do presidente


Trump, construído discursivamente. O corpus é constituído por
quatro discursos, traduzidos para a língua espanhola, proferidos
pelo presidente Donald Trump após sua posse e divulgados nas
mídias sociais digitais. Empreenderam a leitura dos discursos,
conforme os seguintes aspectos: (i) contextuais: qual o tema do
discurso e o tipo de público para o qual o presidente se dirige;
(ii) semânticos: qual o valor semântico instaurado e a fonte da
avaliação modal; e (iii) discursivos: que tipo de ethos é projetado
pelo falante.
Observaram que os discursos direcionados a um público
amplo, portanto mais heterogêneo, favorecem a construção de
valores deônticos atenuados, corroborando a construção de um
ethos presidenciável não autoritário. Por sua vez, os discursos
destinados ao povo norte-americano, cujo tema é a plataforma de
governo de Trump, favorecem a construção de valores deônticos
asseverados, construindo, assim, uma imagem autoritária. Cons-
tataram que o valor semântico de obrigações e a fonte deôntica
do tipo anunciado foram as mais frequentes.

1.3 Discurso publicitário

O discurso publicitário é caracterizado por recursos estilís-


ticos e argumentativos que buscam cumprir intenções relativas
a uma comunicação de incentivo, sem o estabelecimento do
convencimento direto.
Dentro desta temática, conta-se com a pesquisa de iniciação
científica intitulada “Uma análise da perspectivização em anún-
cios publicitários”, realizada pela bolsista Izabel Larissa Lucena
Silva em 2003. Este trabalho objetivou investigar como se manifes-
ta a orientação da perspectiva dos estados-de-coisas descritos no
discurso publicitário, especificamente nos enunciados de anúncios
publicitários publicados em jornais e revistas, considerando o

156
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

postulado dikiano de que o sujeito e o objeto podem ser atribuídos


a termos com diferentes funções semânticas, sendo, justamente,
essa atribuição o que organiza a orientação básica inerente na
predicação (Nogueira, 2005, p. 226-227).
Além dessa, há também a pesquisa de Pessoa (2007), intitu-
lada “Modalidade deôntica e persuasão no discurso publicitário”.
Esse trabalho teve por objetivo analisar o uso dos modalizadores
deônticos no discurso publicitário, considerando os meios lin-
guísticos, os valores semânticos e os possíveis efeitos de sentido
obtidos na construção da persuasão. Dessa forma, procurou es-
tabelecer relações entre o tipo de alvo deôntico, o tipo de fonte
deôntica, os valores instaurados (obrigação – permissão - proibi-
ção), a posição do enunciador na incidência dos valores deônticos,
os tipos de modalizadores deônticos, bem como as marcas de
mitigação e asseveração que auxiliam na argumentatividade do
discurso publicitário.
Para a análise dos dados, adotou-se o enfoque teórico fun-
cionalista, na tentativa de integrar os componentes sintáticos,
semânticos e pragmático-discursivos. Além disso, a consideração
de que a estrutura frasal está organizada em camadas possibilita
analisar a modalidade em diversos níveis de atuação, bem como
permite observar as relações entre outras categorias como modo,
tempo e aspecto.
Para o exame da manifestação da modalidade dêontica,
utilizaram 144 anúncios publicitários impressos, veiculados em
revistas nacionais. Esse corpus foi montado a partir da Literatura
de Propaganda (LP) do Banco de Dados de língua escrita, arma-
zenado no Centro de Estudos Lexicográficos do Departamento
de Linguística da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP de
Araraquara.
A análise dos dados revelou que a obrigação externa é o valor
deôntico mais instaurado nesse tipo de discurso. Quanto ao alvo

157
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

deôntico, constatou-se que a maior parte dos valores instaurados


incide sobre o indivíduo. Verificaram, ainda, uma alta frequência
da não-especificação da fonte deôntica, uma vez que isso confere
objetividade ao enunciado, o que constitui um recurso de menor
comprometimento. A opção por um posicionamento de exclusão
do enunciador da incidência dos valores instaurados foi a que
adquiriu maior relevo, uma vez que, em grande parte, os falantes
instauram obrigações, permissões ou proibições sobre os outros.
Sendo assim, a modalidade deôntica se presta à persuasão do
leitor-consumidor como foi previsto.

1.4 Discurso midiático

Uma das maneiras mais relevantes de construção discursiva


ocorre pela mídia, e se estabelece pelo estilo como representa os
sujeitos da sociedade. Com isso, o discurso midiático, de forma
geral, está relacionado ao diálogo com o meio social, levando em
consideração a grande parcela da sociedade com pouca percepção
do que está implícito ao discurso.
Nesse viés, conforme Silva e Santos (2017), o discurso midi-
ático age como forma de difusão de significados que têm o papel
de reprodução e, até mesmo, a produção de relações de poder já
estabelecidas na sociedade.
Nesse panorama, no artigo “A variação entre verbos modais
e verbos plenos no discurso médico televisivo da Série House”,
de Oliveira, Lopes e Monte Filha (2014), constante nos anais do
Gelne (2014), promove-se uma reflexão acerca da presença da
modalidade deôntica em verbos modais e plenos na série House,
buscando entender como se dá essa variação em um gênero tele-
visivo em ascensão, o seriado. A série, de origem americana, criada
por David Shore, narra o desvendar de doenças e casos peculiares
na medicina, ao estilo Sherlock Holmes, que são tratados pelo
especialista em nefrologia e infectologia, Dr. Gregory House, o

158
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

qual é protagonista e comanda o departamento de diagnóstico


com uma equipe de três médicos. Utilizou-se a teoria variacionista
laboviana (Labov, 1978, [1972] 2008) e o Funcionalismo (Henge-
veld; Mackenzie, 2008; Bybee, 2010) como referencial teórico,
optando-se por uma abordagem sociofuncionalista.
Vale ressaltar que a investigação proposta não diz respeito
a um fenômeno que exerce (des)prestígio na língua inglesa. Após
a separação das ocorrências em três grupos de fatores, fonte,
alvo e valor deôntico, a análise quantitativa e qualitativa, essa
última feita com o auxílio do software GoldVarb 30b3, indicou
que os verbos plenos manifestam uma frequência significativa
da modalidade deôntica quando a fonte é o médico, e o alvo é o
paciente. Acreditou-se que isso ocorra devido ao fator hierárquico
da relação médico-paciente, estando o último em um nível mais
baixo. Esse uso é marcado pela instauração do valor de obrigação,
que reforça a nossa constatação.
Em outro ponto, a análise também informou que os verbos
modais instauram a modalidade deôntica quando a fonte é o pa-
ciente e o alvo é o médico, demonstrando o respeito do paciente
para com aquele que aparentemente tem maior conhecimento do
que está ocorrendo. Os valores deônticos recorrentes, no que diz
respeito aos verbos modais, foram os de proibição e permissão.
Numa abordagem sociofuncionalista, os resultados quantita-
tivos e qualitativos são explicados por meio de princípios de natu-
reza cognitivo-comunicativa, sociocultural e estilística. Portanto,
com base nas análises realizadas nessa pesquisa, pode-se concluir
que os verbos modais oferecem mais dinamicidade ao discurso
televisivo, isso em função do próprio aspecto modalizador desse
tipo de verbo, que apareceu no modo imperativo. Percebeu-se
que, ao dirigir uma ordem a outrem que esteja em um patamar
hierárquico consideravelmente menor que o da fonte, os verbos
plenos são utilizados como instauradores significativos do valor
deôntico de obrigação. No que diz respeito às expressões mitiga-

159
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

doras, a personagem detentora do poder (Dr. House) não faz uso


delas ao expor seu ponto de vista, diferente daqueles que estão
sob o seu comando, que utilizaram essas expressões de cortesia
para alcançarem seus objetivos.
Por meio dessa pesquisa, concluiu-se que a fonte associada ao
seu caráter hierárquico tem papel significativo na instauração da
modalidade deôntica e que a variação entre verbos modais e ver-
bos plenos como manifestantes da modalidade deôntica na série
televisiva House não repercute necessariamente uma mudança,
são estruturas que coexistem e que são adaptadas ao discurso, a
depender da fonte e do alvo e de aspectos sociais (hierarquia).
Desse modo, a pesquisa mostrou as diversas possibilidades
de uso da modalidade deôntica que é estabelecida através de uma
constante relação de intencionalidade entre falante e ouvinte.
Ainda dentro da perspectiva de análise funcionalista no dis-
curso midiático, o artigo “Modalidade deôntica e discurso midiá-
tico”, de Prata e Nogueira (2017), publicado na Revista Domínios
de Linguagem, tem destaque quanto ao tema geral funcionalismo
e discurso. A pesquisa objetivou analisar a manifestação da mo-
dalidade deôntica no discurso midiático, buscando integrar os
aspectos contextuais, pragmáticos, semânticos e morfossintáticos.
Utilizando o suporte teórico da Gramática Discursivo-Funcional
(Hengeveld; Mackenzie, 2008), realizou-se uma análise integrada
da manifestação de variáveis relativas ao contexto, bem como à
formulação e à codificação dessa categoria. Entre outros resul-
tados, a análise revelou o predomínio da instauração de valores
deônticos na mídia televisiva, no agrupamento temático do dis-
curso midiático denominado “opinião”.
A análise empreendida da manifestação da modalidade
deôntica no discurso midiático do português europeu permitiu
estabelecer algumas relações entre os aspectos contextuais,
pragmáticos, semânticos e morfossintáticos a ela associados, o

160
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

que confirma as sobredeterminações, nessa ordem descendente,


entre os componentes e níveis previstos no modelo teórico da GDF.
Essas relações, aqui estatisticamente observadas e intuitiva-
mente interpretadas, sugerem o estudo dessa categoria modal em
outras instâncias discursivas para identificação de (in)variâncias
a ela relacionada. Pareceu extremamente útil observar que meios
linguísticos se prestam à expressão da modalidade deôntica no
discurso midiático, uma vez que as escolhas por determinados
modalizadores deônticos estão relacionadas aos propósitos co-
municativos de cada falante, tendo em vista o tema ou o meio do
programa transmitido, por exemplo.
Essa presente pesquisa se distingue, portanto, pela preocu-
pação em destacar o caráter mediador, instrumental da expressão
linguística, evitando radicalizações tanto no sentido do sistema
da língua como do uso que dele se faz. Desse modo, contribui não
apenas para as discussões sobre tal categoria nas reflexões teóricas
sobre o tema modalidade, oferecendo evidência empírica mediante
a análise de dados, como também para o entendimento de como
se caracteriza o discurso midiático em dois meios distintos: o
rádio e a televisão.

1.5 Discurso religioso

O discurso religioso está relacionado à ação de ouvir a voz


de Deus ou de seus enviados (profeta, pastor, padre). Essa é a
principal característica desse discurso, conforme Orlandi (1996),
para quem o discurso religioso é aquele em que há uma relação
espontânea com o sagrado.
Dentro desse tipo de discurso, a pesquisa intitulada “Os
aspectos semânticos na expressão da modalidade volitiva nos
discursos do Papa Francisco em língua espanhola”, de Oliveira e
Prata (2020), mostra-se um excelente modelo de investigação fun-
cionalista em discurso religioso. Este trabalho objetivou discorrer

161
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

acerca dos aspectos semânticos envolvidos nos discursos do Papa


Francisco proferidos em língua espanhola. Para isso, tomou-se
por base o arcabouço teórico da Gramática Discursivo-Funcional
(GDF) de Hengeveld e Mackenzie (2008) no tocante à modalidade
volitiva, que está relacionada ao que é (in)desejável.
O corpus foi constituído com 13 discursos proferidos
pelo Santo Padre em viagem apostólica aos países de lín-
gua espanhola (Cuba, México, Bolívia, Equador e Para-
guai) e de forte concentração hispânica (Estados Unidos).
Para a análise, foram utilizados os dados obtidos durante a pesqui-
sa de Oliveira (2017). Após a análise dos dados, a partir do teste do
Qui-quadrado (≤0,05), verificou-se empiricamente que os valores
modais estavam inter-relacionados apenas com o Modo, enquanto
a fonte da atitude modal volitiva e o alvo da atitude modal volitiva
estavam inter-relacionados com o Tempo e o Modo.
No que diz respeito à inter-relação entre os valores modais
volitivos e o Modo, foi visto que os valores de desideração, opta-
ção e exortação são instaurados por meio do subjuntivo (aspecto
irrealis), enquanto o valor de intenção é instaurado por meio do
indicativo (aspecto realis). Isso se justifica, considerando que os
valores de desideração e optação estão relacionados, respectiva-
mente, à pouca probabilidade de realização do evento sobre o qual
incide o valor modal, já que só pode ser localizado na mente do
falante e à realização hipotética do evento, pois é dependente de
algo que é externo ao falante. Nesse sentido, esses dois valores
estariam mais próximos do aspecto irrealis. Por sua vez, para o
valor de intenção, temos a controlabilidade do evento desejado por
parte do falante, pois há uma disposição dele em performatizar o
evento volicionado, o que aproxima o valor de intenção do aspecto
realis. Em relação ao valor de exortação, este foi instaurado por
meio de completivas com que (orações desgarradas de sua oração
principal, desejo que, espero que, anseio que etc.), empregadas
pelo Papa Francisco para exortar os bispos e os sacerdotes cató-

162
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

licos acerca do que lhe parecia (in)desejável em termos de moral,


norma, fé e conduta católica, mitigando, dessa forma, o caráter
de ordem e mandado da volição expressa.
Para a inter-relação entre a fonte da atitude modal volitiva e
as categorias Tempo e Modo, constatou-se que as fontes de tipo
Enunciador e Domínio Comum preferem instaurar as modaliza-
ções volitivas no presente do indicativo. Em relação ao Tempo, isso
se explica, se considerarmos que a volição expressa está localizada
no momento da enunciação, ainda que o evento desejado esteja
localizado em um momento posterior (futuridade). No que con-
cerne ao Modo, averiguou-se que a disposição em performatizar
o evento volicionado conduziu ao uso do indicativo, especifica-
mente nos casos em que o falante tem controle sobre o evento
volicionado, no caso da fonte de tipo Enunciador; ou daquilo que
ele julga ser desejável por parte da coletividade, no caso da fonte
de tipo Domínio Comum.
Na inter-relação entre o alvo da atitude modal volitiva e as
categorias Tempo e Modo, foi identificado que, sobre o alvo de
tipo Domínio Comum, recai a instauração da modalidade volitiva
no presente do indicativo. Isso se explica, considerando que a
fonte da atitude modal volitiva procura instaurar a volição de
forma mais incisiva e assertiva (ao empregar o presente), haja
vista que o desejo, instaurado e localizado no momento da enun-
ciação, é asseverado por meio da semântica do verbo volitivo
(desejar, esperar, querer, preferir etc.) ou de alguma completiva
com que (as orações desgarradas de sua oração principal, desejo
que, espero que, anseio que etc.); enquanto o modo indicativo
é empregado, se considerarmos que a fonte da atitude modal
volitiva busca fazer uma atenuação da volição expressa, que se
projeta no momento da enunciação (aproximando a volição do
aspecto realis), tendo em vista o contexto argumentativo do seu
discurso e o tipo de ouvinte.

163
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

1.6 Discurso jornalístico

O discurso jornalístico, conforme a professora Ester Marques,


assume hoje um imprescindível papel de mediação, garantindo a
constituição de um sentido comum para a experiência e a indis-
pensável coesão social necessária à cidadania pela influência cada
vez mais marcante que exerce na vida cotidiana, na organização e
produção de conhecimentos, na troca de experiências, na produ-
ção/reprodução de formas simbólicas, na gestão dos conflitos e na
elaboração dos conteúdos éticos que configuram a prática social.
Dentro desse cenário, o trabalho “La evidencialidad en ar-
tículos de J-blogs escritos en lengua española”, de Silva, Prata
e Silva (2020) compõe um dos estudos funcionalistas sobre o
discurso jornalístico. A pesquisa buscou verificar a interrelação
entre a manifestação da evidencialidade na língua espanhola
e a construção discursiva de artigos de diário jornalístico, na
perspectiva funcionalista, mais especificamente da Gramática
Discursivo-Funcional (GFD).
A partir da análise do corpus de artigos de j-blog retirados
de dois jornais mais lidos em Espanha, verificou-se que o tipo de
fonte mais utilizado é o terceiro definido, seguido do tipo falante
(escritor), o que significa que, embora o escritor tenha mais ‘li-
berdade’ na sua construção discursiva, parece preferir identificar
outro como origem da informação que transmite, de forma a con-
ferir mais ‘credibilidade’ aos seus argumentos, pois cria a ideia de
que mais pessoas concordam com a sua opinião.
Os artigos dos J-blogs foram escolhidos como corpus por se
tratar de um gênero jornalístico de opinião que visa influenciar/
mudar o ponto de vista do leitor e para isso utiliza estratégias
como o uso de argumentos e contra-argumentos por meio de
falas sobre outros.

164
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

A partir disso, essa pesquisa se propôs descrever e analisar


como esses escritores utilizam marcadores de evidencialidade na
produção de seus textos. A análise dos dados revela que a fonte
terceirizada foi a que mais ocorreu no gênero investigado, seguida
pela fonte sendo o próprio escritor como a segunda mais recorrente.
Quanto ao método de obtenção das informações, identificou-
-se predomínio da história coletada em L2 (segunda mão) e in-
ferência por raciocínio lógico, com predomínio do primeiro tipo.
Esses dados corroboram com os dados relativos à fonte, uma vez
que as fontes externas estão mais associadas à forma de obtenção
da história coletada.
Do ponto de vista da relação entre a expressão linguística e
a função textual-discursiva, pode-se dizer que, nos argumentos
localizados nos J-blogs, os escritores parecem preferir fontes ex-
ternas (definidas), o que gera maior distanciamento em relação
às informações que veicula. Além disso, essa estratégia permite
ao leitor do texto avaliar, por si só, a qualidade da informação
apresentada, de acordo com o tipo de fonte expressa.
Nessa perspectiva discursiva, conta-se também com a pesqui-
sa de mestrado intitulada “Análise da evidencialidade em artigos
de opinião de jornal do Estado do Ceará”, de Ferreira (2023). A
pesquisa teve como objetivo analisar os aspectos sintáticos, se-
mânticos e pragmático-discursivos da evidencialidade em artigos
de opinião do jornal “Diário do Nordeste” do Estado do Ceará, no
período de 1 de junho a 31 de julho de 2022.
A teoria linguística adotada é o funcionalismo, mais especi-
ficamente, por meio da perspectiva funcionalista de Hengeveld
e Mackenzie (2008) em relação à sua Gramática Discursivo-
-Funcional (GDF), uma vez que a GDF, a partir do modelo teórico
top-down, começa com a intenção comunicativa do falante e vai
até a articulação, e desse modo, provê um posicionamento teórico-
-descritivo de análise da expressão linguística.

165
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Dessa forma, com as análises desse estudo, pode-se verificar


que o falante ou produtor textual segundo sua intenção pode optar
por indicar ou não a fonte da informação, manifestar a sua forma
de transmissão do conhecimento e, consequentemente, demons-
trar o seu grau de comprometimento em relação às informações
asseveradas.
O corpus dessa pesquisa corresponde a 30 artigos de opinião
do jornal “Diário do Nordeste” do Estado do Ceará. Metodolo-
gicamente, se analisaram os aspectos sintáticos, semânticos e
pragmático-discursivos da evidencialidade. Nos resultados desse
trabalho, em relação aos aspectos sintáticos da evidencialidade,
predominou o intercalamento entre a fonte da informação e o
conteúdo asseverado com 82,07%, e o verbo foi o meio linguístico
predominante com 62,76%. No que se refere aos aspectos se-
mânticos, observou-se uma maior porcentagem da fonte externa
definida com 47,59%, seguida da fonte sujeito-enunciador com
43,45%; observou-se uma predominância do acesso evidencial
indireto com 55,17%, seguido do acesso evidencial direto com
42,76% e observou-se uma predominância da natureza evi-
dencial relatada com 55,17%. No que diz respeito aos aspectos
pragmáticos-discursivos, observou-se uma maior porcentagem
do nível de comprometimento baixo com 55,17%, seguido do ní-
vel de comprometimento alto com 42,76%. Assim, essa pesquisa
contribuiu para os estudos sobre evidencialidade, tendo em vista
que ela identifica e descreve marcas evidenciais (itens lexicais ou
gramaticais) no português brasileiro, no contexto jornalístico,
especificamente, no gênero textual artigo de opinião.

1.7 Discurso popular

O discurso popular aqui considerado faz menção às esferas


diversificadas de produção e recepção de sentidos. Caracteriza-
-se pela busca por uma comunicação imediata entre os sujei-

166
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

tos. Considera-se a coloquialidade como aspecto relevante.


Dentro desta tipologia discursiva de análise funcionalista,
encontra-se a pesquisa de Carioca (2022), intitulada “Análise
da evidencialidade na fala dos guineenses focalizando o (des)
comprometimento com a língua portuguesa em relação as suas
línguas maternas”. Este artigo explicitou as marcas evidenciais
que particularizam o falar dos estudantes guineenses quando
questionados sobre as línguas que falam, mostrando em que me-
dida se (des)comprometem com aquilo que é dito, como algo que
revela o processo de oficialidade linguística por que tem passado
seu país à luz da focalização.
A abordagem teórica está fundamentada nas pesquisas de
Calvet (2007), Orlandi (2007), Cahen (2010) e Neves (2012),
entre outros, que nos fazem refletir sobre o estatuto da lín-
gua portuguesa na comunidade lusófona; como também as
pesquisas de Couto (1990), Cabral (1990), Intumbo (2008),
Candé (2008), Embaló (2008), Couto e Embaló (2010), dentre
outros, que nos possibilitam delinear os contornos linguísticos da
República da Guiné-Bissau; além do Funcionalismo Linguístico
centrado no uso que contempla a reflexão ou a discussão de
seus aspectos teóricos e metodológicos aplicados à descrição
e à análise do português explicitados por Nuyts (1993), Bybee
e Fleischmann (1995), Neves (2006) e Carioca (2011), que nos
apresentam a evidencialidade como uma categoria linguística
que permite, estrategicamente, a manipulação de informações
quanto à explicitação da fonte do conhecimento informado
e ao grau de comprometimento do sujeito-enunciador com
tais informações.
Outro exemplo que compõe o quadro das pesquisas em
discurso popular é o artigo “Tipologia semântica de proposições
tautológicas de identidade e seu valor argumentativo”, de Silva
e Nogueira (2021), teve o objetivo de descrever e analisar as pro-
priedades gramaticais, semânticas e discursivo-argumentativas

167
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

das proposições tautológicas de identidade, como em uma mulher


é uma mulher na língua em uso. Com base em um corpus coletado
da internet, as proposições foram analisadas, considerando-se a
tipologia semântica dessas tautologias proposta por Wierzbicka
(2003) e o tratamento dado a elas na Nova Retórica, de Perelman e
Olbrechts-Tyteca (1996). Os resultados apontam para uma ampla
utilização desse tipo de tautologia no discurso coloquial, em gêneros
publicitários, literários, artísticos (música e cinema), humorísticos,
religiosos e políticos. Além disso, os significados dessas proposi-
ções, ao mesmo tempo em que expressam uma generalização sobre
atitudes, eventos, pessoas e coisas, se constroem como verdades
absolutas, imutáveis e compartilhadas culturalmente, contribuindo,
inclusive, para a manutenção de estereótipos.
Tolerância, intolerância, valoração positiva ou negativa,
obrigação, separação em categorias distintas são noções que
podem compor o significado argumentativo das proposições
tautológicas. Além disso, atuam, nos enunciados tautológicos,
as forças ilocucionárias da justificação, da censura e do elogio,
além das atitudes gerais de demissão (‘sair do discurso’) e acei-
tação (ser tolerante com uma situação que parece inaceitável).
Para além da descrição das proposições tautológicas de identidade
no português, essa pesquisa contribuiu para colocar em destaque
um tipo de enunciado que cumpre importante função de comuni-
car conteúdos implícitos culturalmente compartilhados, persuadir
por meio do reforço a alguns estereótipos, na apresentação
formal de uma proposição aparentemente tautológica e, por essa
razão, sempre verdadeira e inquestionável.
Com o objetivo de descrever propriedades formais e discursi-
vas, dentre elas, as argumentativas, das proposições tautológicas
de identidade, analisou-se o uso dessas tautologias no corpus
constituído por letras de música, artigo de opinião, mensagem de
autoajuda, comentários de blog, notícia, tira, crônica e entrevista,
que manifestam a língua em uso.

168
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Os dados do português brasileiro, comparados aos do inglês,


apresentados por Wierzbicka (2003), tendem a incorporar, com
ampla frequência, as propriedades do protótipo estrutural (SN
é SN), com o uso do SN sem o artigo definido ou indefinido, no
singular, e com verbo no presente. No inglês, é natural o uso do
plural e do futuro como em Boys will be boys, por exemplo. Nos da-
dos analisados, o uso do futuro do verbo ser na construção ocorre,
mas normalmente com o uso da partícula temporal sempre, antes
ou depois do verbo, em proposições tautológicas como Mulheres
sempre serão mulheres, Homens serão sempre homens.
Além disso, as proposições tautológicas, na amostra apresen-
tada, aceitam material interveniente (ainda, apenas, marcadores
adverbiais contrapondo passado e presente ou aqui e lá).
Contemplando o discurso popular, em sua pesquisa de mes-
trado, Marino Neto (2006) analisou o uso de marcas da manifes-
tação da modalidade epistêmica em dois tipos de narrativas orais
— as narrativas de experiência pessoal e as narrativas recontadas
do Corpus Discurso & Gramática - a língua falada e escrita na
cidade do Natal, organizado por Furtado da Cunha (1998).
Mais especificamente, o mestrando procurou avaliar como
se manifesta esse tipo de modalidade a partir de variáveis como
o escopo da modalização (incidência sobre o termo, a predicação
ou a proposição), os meios linguísticos lexicais e gramaticais
utilizados (adjetivo, advérbio, pronome, substantivo, verbo),
bem como os efeitos de sentido obtidos tendo em vista a enun-
ciação (certeza ou não-certeza). Ao contrário do que se esperava,
verificou-se que a narrativa de experiência pessoal apresentou
menor incidência de modalizadores, ainda que tenha havido um
índice considerável nesse tipo de narrativa, e essa modalização
concentrou-se no efeito de sentido vinculado à não-certeza. No
entanto, proporcionalmente, o nível de descomprometimento é
maior nas narrativas de experiência pessoal. Esse dado sugere
que o falante, em que pese à condição de fonte mais credenciada

169
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

para discorrer sobre os eventos em que se envolveu, produz um


enunciado eivado de marcas atitudinais de descomprometimento.
Notou-se que a qualificação epistêmica da proposição su-
perou muito a modalização epistêmica objetiva, ou seja, a sua
incidência no nível da predicação. Esse resultado é revelador
da proximidade, do engajamento, da liberdade do falante para
comprometer-se ou descomprometer-se com a verdade do que
diz, explicitando a sua introjeção no discurso. Acentuando mais
ainda essa liberdade do falante, observou-se o escopo da modali-
zação epistêmica no nível de constituinte, sobretudo para marcar
a indeterminação apenas sobre parte do conteúdo enunciado. Na
narrativa recontada, o uso de modalizadores epistêmicos ocorreu
com maior frequência no nível da proposição, o que denota uma
maior manifestação da subjetividade. Na narrativa de experiência
pessoal, o efeito de sentido preponderante estendeu-se bem mais
para o descomprometimento; foi bastante expressiva a marca do
afastamento por parte do informante do conteúdo de verdade do
seu enunciado.
O estudo intitulado “A modalidade epistêmica na norma
popular oral de Fortaleza”, de Nogueira (2009), teve como ob-
jetivo geral descrever e explicar o funcionamento do processo
de modalização epistêmica em inquéritos DID (diálogo entre
informante e documentador); D2 (diálogo entre dois informan-
tes) e EF (elocução formal), da Norma Oral Popular de Fortaleza
(NORPOFOR), distinguindo-se os tipos de modalidade, os meios
linguísticos lexicais e gramaticais utilizados, bem como os efeitos
de sentido obtidos tendo em vista a enunciação.
À semelhança das demais pesquisas desenvolvidas pelo GEF,
o presente estudo também buscou colocar em relevo a relação
entre as manifestações da modalidade epistêmica e os graus
de aproximação ou distanciamento do enunciador em relação
ao enunciado que produz a partir da manipulação de recursos
expressivos. Os resultados gerais obtidos são os seguintes: a) a

170
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

manifestação da modalidade epistêmica é mais frequente nos in-


quéritos do tipo D2 (39,7%); b) o meio linguístico de manifestação
da modalidade mais utilizado foi o verbo pleno ou encaixador de
conteúdos epistêmicos (69%); c) o enunciador é a fonte evidencial
mais frequente (84,9%); d) a natureza da experiência evidencial é
mais frequentemente subjetiva (82,5%) e predominam os efeitos
de médio (40,5%) e baixo (38,1%) comprometimento do enuncia-
dor em relação aos conteúdos veiculados.
Em sua pesquisa de doutorado, intitulada “Marcadores dis-
cursivos na norma popular oral de Fortaleza”, Nascimento (2010)
considera os marcadores discursivos como mecanismos verbais
da enunciação, que atuam no plano da organização textual-inte-
rativa, com funções normalmente distribuídas entre a orientação
da interação ou articulação do segmento do discurso; que operam
no plano da atividade enunciativa e não no plano do conteúdo.
Entretanto, asseguram, segundo o autor, a ancoragem prag-
mática desse conteúdo, ao definirem, entre outros pontos, a força
ilocutória com que ele pode ser tomado, as atitudes assumidas em
relação a ele, a checagem de atenção do ouvinte para a mensagem
transmitida, a orientação que o falante imprime à natureza do
elo sequencial entre as entidades textuais. Quando analisados
do ponto de vista da integração sintática na estrutura oracional,
os marcadores discursivos são unidades independentes, que, por-
tanto, não se constituem como parte integrante dessa estrutura;
são insuficientes para constituírem enunciados completos em si
próprios, ou seja, são do ponto de vista comunicativo, unidades
não-autônomas, diferenciando-se, nesse ponto, mas não somente
nele, das interjeições, dos vocativos, das palavras-frase; possuem
pouca transparência semântica; podem aparecer em posição ini-
cial, medial ou final e por fim são, comumente, formas fixas, pouco
propensas a variações fonológicas, flexionais, ou de construção.
Ainda nos estudos funcionalistas direcionados ao discurso
popular, encontra-se o trabalho nomeado “Uma análise funcio-

171
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

nalista das orações pseudorrelativas modalizadoras”, de Trindade


(2014). Esta pesquisa de doutorado objetivou descrever os aspectos
sintáticos, semânticos e pragmáticos associados ao uso de orações
pseudorrelativas modalizadoras amostras de textos nas modali-
dades escrita e oral da Língua Portuguesa, com ocorrências tanto
na variante brasileira como na europeia. Sob orientação teórica
funcionalista da Gramática Discursivo-Funcional, de Hengeveld
e Mackenzie (2008), procedeu-se realizar uma análise das pro-
priedades da construção pseudorrelativa modalizadora, a partir
de duas perspectivas: (i) do antecedente da oração pseudorrela-
tiva modalizadora; e (ii) da oração pseudorrelativa modalizadora
propriamente.
O corpus de análise utilizado compreendeu contemplou dois
estágios de língua: (i) contemporâneo, com textos que datam de
1950 à década de 1990; e (ii) diacrônico, com textos que datam
desde o Século XVI ao XX, anteriores a 1950. De um total de 55
ocorrências quantificadas para observação da frequência, a aná-
lise dessas ocorrências revelou que a construção pseudorrelativa
modalizadora teve maior incidência, nos dados observados, em
textos escritos e contemporâneos, ou seja, do Século XX, poste-
riores a 1950.
Em uma Ilocução declarativa, pragmaticamente, apresen-
tando-se como Subato de Referência, em geral, numa referência
construtora, revelou-se o antecedente da oração pseudorrelativa
modalizadora, caracterizado, preferencialmente, como uma en-
tidade semântica do tipo Indivíduo, que exerce, especialmente,
a função sintática de Objeto Direto. Construída em torno de um
predicado dos domínios modais Evidencial ou Epistêmico, a pseu-
dorrelativa modalizadora abriga como um de seus argumentos
uma oração completiva com natureza de Conteúdo Proposicional,
que se apresenta, preferencialmente, na forma desenvolvida, na
qual o termo correferente ao antecedente exerce, mais frequen-
temente, a função sintática de sujeito pré-verbal.

172
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Quanto ao nível de integração da construção, constatou-se


que a oração pseudorrelativa modalizadora pode ou não estar
separada do antecedente por meio de uma pausa, e que a oração
pseudorrelativa e a oração encaixada apresentam sujeitos não-
-correferenciais, Tempo e Modo verbais não-equivalentes e pre-
sença do conectivo, o que caracteriza baixo nível de integração.
Por fim, com relação ao nível de integração entre a construção
analisada e a oração dita principal, atestou-se que ela tem, quase
que exclusivamente, localização à margem da oração principal, o
que se revelou um fator condicionante.

1.8 Discurso autobiográfico

Analisar o discurso autobiográfico, conforme Maia-Vascon-


celos (2011), é dar peso ao testemunho e articular um conjunto
de informações levando em conta a subjetividade do narrador.
Pesquisas funcionalistas relacionadas a esse tipo de discurso
consideram, em diversos casos, os posicionamentos do autor, o
que pode explicar o uso de determinadas construções linguísticas.
Consideram, também, fenômenos linguísticos em gêneros
narrativos e de caráter identitário; assim como consideram as-
pectos referentes à gramática e ao discurso, numa investigação
que extrapola, de alguma forma, os limites do texto.
Sobre esse discurso, tem-se a pesquisa “A modalização em
autobiografias do português brasileiro contemporâneo”, de Lopes
(2022). Esse estudo objetivou analisar a modalização em autobio-
grafias do português brasileiro contemporâneo, tendo em vista a
tomada de posição do autor na construção das suas experiências ao
narrar sua história de vida. Toma-se como Modalização, o recurso
linguístico relativo aos graus de probabilidade e de usualidade com
que o falante descreve suas experiências e crenças.

173
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Para a realização desse estudo, utilizou-se a Gramática Sis-


têmico- Funcional (GSF), de Halliday e Matthiessen (2004, 2014),
como suporte teórico. Essa gramática considera que as represen-
tações do mundo e das experiências do falante são consequências
das escolhas léxico-gramaticais feitas em contextos específicos
de uso e considera a modalização um fenômeno de avaliação do
conteúdo quanto ao eixo do conhecimento (probabilidade) e da
frequência (usualidade).
O corpus utilizado nesta pesquisa foi composto de um recorte
proveniente de seis autobiografias. Os recursos de modalização
identificados nessas amostras foram analisados segundo parâ-
metros que caracterizam a modalização em cada contexto, tais
como os seus tipos, os valores, a orientação, a manifestação, a
interferência da polaridade negativa, a tipologia textual, os Pro-
cessos Experienciais alvos do fenômeno, as formas de expressão
e o tempo das formas verbais.
Concluiu-se que os autores se apropriam, com um pouco mais
de frequência, da construção dos efeitos de sentido no eixo da
probabilidade modal (57%); que se utilizam, com mais frequência,
dos graus altos (43,3%) da Modalização, incidindo nos valores de
“certeza” e “alta frequência” (44,2%), para apresentar narrativas
de fatos importantes da sua experiência; que se posicionam, pre-
dominantemente, de forma objetiva implícita (64,4%), por meio,
principalmente, de formas adverbiais (58,9%).
Evidenciou-se, ainda, que os autores se utilizam do recurso
da Polaridade negativa para deslocar o valor da modalização de
um polo a outro (podendo também atenuar e intensificar o valor
modal); que a modalização, nesses textos, escopa prioritariamente
Processos Materiais (42%), indicativos de fazeres e aconteceres
contados pelos autores (repercutindo também, ambiguamente,
em “comportamentos” e/ou “dizeres”); que o uso do Pretérito
Imperfeito do Indicativo foi significativo na temporalidade das
expressões verbais de Modalização, sinalizando os costumes ou

174
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

a duração dos efeitos modais e que, em trechos do tipo Narrativo,


o uso de modalizadores é mais frequente (93%).
Ficou constatado, então, que a modalização é um recurso
relevante usado no gênero autobiografia, e se caracteriza, como
se supõe, por ancorar o posicionamento do autor na narração de
suas experiências, de forma a avaliar, no campo da certeza e do
comprometimento, conteúdos acerca da formação de sua subje-
tividade.

Considerações Finais

Com este capítulo, pretende-se enfatizar a importância do


alcance das descrições linguísticas sob o viés funcionalista em suas
diferentes vertentes, uma vez que conjugam, em suas análises,
os níveis sintático, semântico e discursivo-pragmático, e apre-
sentam em comum o fato de priorizarem a função que as formas
exercem em dados contextos discursivos e a busca pelas possíveis
motivações funcionais para determinadas realizações linguísticas.
Além disso, reitera-se a importância deste espaço para a vei-
culação das pesquisas funcionalistas do Grupo de Estudos em
Funcionalismo (GEF) envolvendo o discurso, pois entende-se
que a divulgação desses trabalhos estimula novas investigações,
e consequentemente e progressivamente, aprofunda o entendi-
mento sobre o modelo teórico funcionalista. Consoante Nogueira
e Prata (2015):

As pesquisas desenvolvidas pelo grupo comparti-


lham o interesse em analisar a língua em uso e têm
encontrado suporte teórico em diferentes vertentes
do Funcionalismo linguístico (sistêmico-funcional,
tipológico-funcional, cognitivo-funcional, discursi-
vo-funcional). A escolha é feita pelo pesquisador, e se
faz de acordo com parâmetros teórico-metodológicos
específicos, que estão relacionados a aspectos pro-

175
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

gramáticos e questões de interesse de cada vertente,


interface com outras áreas da Linguística, natureza
dos fenômenos investigados, entre outros (Nogueira;
Prata, 2015).

Por fim, homenageia-se o ícone dos estudos funcionalistas no


Brasil que nos deixou recentemente, a professora linguista Maria He-
lena de Moura Neves, como uma de suas mais importantes definições
acerca do Funcionalismo Linguístico, que nos serve de fundamento
tendo em vista que indica a abordagem funcionalista como a que
concebe a língua como instrumento de interação social e, como tal,
não a interpreta como um conhecimento autônomo, independente
do comportamento social, mas como um reflexo de um processo de
adaptação, estabelecido pelo falante, às diferentes situações comu-
nicativas. Diferentemente de outras abordagens linguísticas, em
que a análise da forma parece desempenhar papel preponderante,
os estudos de cunho funcionalista se preocupam menos com as ca-
racterísticas internas da língua e mais com as relações (ou funções)
entre a língua como um todo e as diversas modalidades de interação
social, frisando, assim, a importância do papel do contexto na com-
preensão da natureza das línguas (NEVES, 2001).

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FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

BIODATAS DOS AUTORES

André Silva Oliveira


Doutorado e mestrado em Linguística pela Universidade Federal do
Ceará (UFC) e Especialização em Linguística - Retórica e Argumenta-
ção Aplicada ao Direito pela Universidade de Araraquara (UNIARA). É
professor de Língua Espanhola da Faculdade de Engenharia, Letras e
Ciências Sociais do Seridó da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (FELCS/UFRN).
E-mail: andre.oliveira@ufrn.br

Cibele Naidhig de Souza


Graduação em Letras, Português-Alemão, pela UNESP, campus Arara-
quara, mestrado e doutorado em Linguística e Língua Portuguesa pela
mesma universidade. Pós-doutorado no Departamento de Estudos
Linguísticos e Literários do Instituto de Biociências Letras e Ciências
Exatas, UNESP, campus São José do Rio Preto. Atualmente, é docente da
Universidade Federal do Paraná, da área de teoria e prática de ensino
de língua portuguesa.
E-mail: cibelenasouza@gmail.com

Cláudia Ramos Carioca


Pós-doutorado pela Universidade Federal do Ceará (UFC), doutorado e
mestrado em Linguística pela Universidade Federal do Ceará (UFC). É
professora Adjunta IV da Unilab, onde atua no Instituto de Linguagens
e Literaturas (ILL) e no Programa de Pós-Graduação em Estudos da
Linguagem da Unilab (PPGLin). Atualmente, é Vice-reitora da Unilab.
E-mail: claudiacarioca@unilab.edu.br.

183
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Fábio Fernandes Torres


Doutorado e mestrado em Linguística pela Universidade Federal do Ce-
ará. Professor Adjunto III da Universidade da Integração Internacional
da Lusofonia Afro-Brasileira, com atuação no Curso de Letras - Língua
Portuguesa e no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem
- PPGLin. Tem experiência em Linguística e Língua Portuguesa, com
ênfase no Funcionalismo e na Sociolinguística, atuando nos seguintes
temas: variação e mudança linguísticas, gramaticalização, variação e
ensino, tempo, aspecto e modalidade.
E-mail: fabioftorres@unilab.edu.br

Izabel Larissa Lucena Silva


Doutorado e mestrado pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Dou-
torado Sanduíche no Instituto de Linguística Teórica e Computacional
(ILTEC), em Lisboa. Estágio de pós-doutorado no Programa de Pós-
-Graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL) da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN). Professora do Curso de Letras - Língua
Portuguesa e do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem
(PPGLin) da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia
Afro-Brasileira (Unilab).
E-mail: izabel_larissa@unilab.edu.br

Lavínia Rodrigues de Jesus


Doutorado em Linguística pela Universidade Federal do Ceará (UFC),
mestrado em Letras pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e gra-
duação em Letras com Ênfase em Tradução pela Universidade Salvador
(UNIFACS). Estágio de doutorado sanduíche na Universidade de Lisboa.
Professora Adjunta II da Universidade da Integração da Lusofonia Afro-
-Brasileira (UNILAB) no Campus dos Malês, onde atua no Instituto de
Letras e Humanidades dos Malês (IHL-Malês).
E-mail: laviniajesus@unilab.edu.br

184
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Leosmar Aparecido da Silva


Doutorado e mestrado em Letras e Linguística pela Universidade Federal
de Goiás (UFG). Pós-doutorado na UFC, sob a supervisão da Prof.ª Márcia
T. Nogueira. Professor de Linguística e Língua Portuguesa no PPGLL da
UFG. Integrante do Grupo de Estudos Funcionalistas da UFG e membro
colaborador do Grupo de Estudos em Funcionalismo da UFC e do grupo
Pesquisa em Análise Linguística e Cognição (PALCO/UFC). Desenvolve
pesquisas e orienta trabalhos sobre descrição e ensino do Português
Brasileiro, numa perspectiva cognitivo-funcional. Tem publicações
relacionadas à descrição e ao ensino do português.
E-mail: silva515@ufg.br

Luciano Araújo Cavalcante Filho


Doutorado em Linguística e mestrado Profissional em Letras (PROFLE-
TRAS), ambos pela Universidade Federal do Ceará. Professor efetivo
de Língua Portuguesa da Secretaria da Educação do Ceará (SEDUC).
Pesquisa temas relacionados ao ensino de Língua Portuguesa, com in-
teresse especial em ensino de gramática sob uma perspectiva funcional
e articulação de orações.
E-mail: lucianoaraujo81@yahoo.com.br

Márcia Teixeira Nogueira


Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, em Araraquara-SP (1999),
e mestrado em Linguística e Ensino da Língua Portuguesa pela Univer-
sidade Federal do Ceará (1996). Estágio de pós-doutorado no Instituto
de Linguística Teórica e Computacional - ILTEC, em Lisboa/PT (2011).
Professora Titular (aposentada), voluntária na Pós-Graduação em Lin-
guística (Mestrado e Doutorado) da Universidade Federal do Ceará, onde
desenvolve atividades de pesquisa, ensino e orientação. Interesse pelos
temas aposição, articulação de orações, modalização dos enunciados e
ensino de gramática.
E-mail: marciatn@gmail.com

185
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Maria Claudete Lima


Doutora em Linguística (UFC). Pós-doutora em Letras, sob supervisão
de Maria Helena de Moura Neves (Mackenzie). Professora associada da
Universidade Federal do Ceará, atuando no curso de Letras e no Programa
de Pós-Graduação em Linguística. Pesquisadora na área de descrição da
língua portuguesa em abordagem cognitivo-funcional, dedicando-se
especialmente à categoria de voz.
E-mail: claudete@letras.ufc.br

Maria de Fátima de Sousa Lopes


Doutorado e mestrado em Linguística pela Universidade Federal do
Ceará (UFC). Professora de Língua Portuguesa da Secretaria Municipal
de Educação de Fortaleza (SME). Desenvolve trabalhos relacionados à
descrição e análise da modalidade e ao ensino do português.
E-mail: fatimalopess@yahoo.com.br.

Nadja Paulino Pessoa Prata


Doutorado e mestrado em Linguística pela Universidade Federal do
Ceará (UFC). Pós-doutorado pela Universidad de Sevilla (US - Espanha).
Professora Associada 3 da UFC, onde atua no Departamento de Letras
Estrangeiras (DLE) e no Programa de Pós-Graduação em Linguística da
UFC (PPGL). Bolsista de Produtividade em Pesquisa 2 do CNPq.
E-mail: nadja.prata@ufc.br

Rosângela do Socorro Nogueira de Sousa


Doutorado em Linguística pela Universidade Federal do Ceará (2016), sob
orientação da professora Márcia Teixeira Nogueira. Mestrado em Letras:
Linguística, pela Universidade Federal do Pará (2007), sob orientação da
professora Célia Maria Macêdo de Macêdo. É professora de ensino su-
perior da Universidade Federal do Pará - Campus de Bragança. Docente
no Programa de Pós-Graduação em Cidades, Territórios e Identidades
(PPGCITI) - UFPA - Campus de Abaetetuba.
E-mail: rsns@ufpa.br

186
FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO
Domínios de investigação

Sávio André de Souza Cavalcante


Doutor e mestre em Linguística, pelo Programa de Pós-Graduação em
Linguística da UFC (PPGL/UFC). Professor de curso de Letras - Espanhol
da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Docente do Mestrado Pro-
fissional em Letras da Universidade Estadual do Ceará (PROFLETRAS-
-UECE). Membro do Grupo de Estudos em Funcionalismo (GEF-UFC) e do
grupo Discurso & Gramática (D&G-UFRN). Líder do Grupo de Pesquisas
em Funcionalismo Linguístico (FUNCIONAL-UECE). Interessa-se pelos
seguintes temas de pesquisa: articulação oracional, conexão oracional,
conectivos, mecanismos textuais, gramática de construções, sintaxe,
variação.
E-mail: savio.cavalcante@uece.br

Vânia Cristina Casseb Galvão


Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa pela Unesp - Júlio de
Mesquita Filho, e mestrado em Linguística pela Unicamp. Pós-doutorado
pelo Università Roma Tre (Itália), pelo Instituto de Linguística Teórica e
Computacional (Lisboa/PT) e pela Universidade Federal do Pará - UFPa.
Pesquisadora sênior da Università Del Salento (2022-2025). Professora
titular/ordinária da Faculdade de Letras da Universidade Federal de
Goiás. Professora permanente do Programa de Pós-graduação em Le-
tras e Linguística da UFG. Tem experiência na área de Linguística, com
ênfase em Descrição e Análise Linguística. Bolsista de Produtividade
em Pesquisa 2 do CNPq.
E-mail: vaniacassebgalvao@gmail.com

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