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James Meek
SUMÁRIO
Lista de personagens
Introdução
1. A caça
2. Bradley Manning
3. Julian Assange
4. A ascensão do WikiLeaks
5. O vídeo do apache
6. As conversas com Lamo
7. O acordo
8. No Bunker
9. Os diários de guerra do Afeganistão
10. Os diários de guerra do Iraque
11. Os telegramas
12. O homem mais famoso do mundo
13. Parceiros incômodos
14. Antes do dilúvio
15. O dia da publicação
16. O maior vazamento da história
17. A balada da prisão de Wandsworth
18. O futuro do WikiLeaks
Der Spiegel
Hamburgo, Londres
El País
Madri, Londres
Outras Mídias
Raffi Khatchadourian – escritor da New Yorker e autor de um extenso perfil de
Assange Saeed Chmagh e Namir Noor-Eldeen – funcionários da agência de
notícias Reuters acidentalmente mortos por pilotos americanos em 2007
David Schlesinger – editor-chefe da Reuters Kevin Poulsen – ex-hacker, editor
da revista Wired Gavin MacFadyen – professor da Universidade da Cidade e
jornalista, anfitrião de Assange em Londres Stephen Grey – repórter freelance
Iain Overton – ex-jornalista de TV, chefe da Agência de Jornalismo
Investigativo Heather Brooke – jornalista americana baseada em Londres e
ativista da liberdade de informação Bradley Manning
Bradley Manning – soldado raso de 23 anos e suposta fonte do WikiLeaks Rick
McCombs – ex-diretor da escola de Crescent, Oklahoma Brian, Susan, Casey
Manning – pais e irmã Tom Dyer – colega de escola
Kord Campbell – ex-gerente no empresa de software Zoto Jeff Paterson –
membro do comitê de apoio a Bradley Manning Adrian Lamo – hacker e
confidente online Timothy Webster – ex-agente especial de contrainteligência
do Exército americano Tyler Watkins – ex-namorado
David House – ex-hacker e defensor David Coombs – advogado
Julian Assange
Christine Hawkins – mãe
John Shipton – pai
Brett Assange – padrasto
Keith Hamilton – ex-parceiro de Christine Daniel Assange – filho
Paul Galbally – advogado de Assange no julgamento de 1996 por hacking
Alegações em Estocolmo / extradição
“Sonja Braun” – reclamante; membro do movimento Irmandade “Katrin
Weiss” – reclamante; trabalhadora em museu Claes Borgström – advogado de
ambas as mulheres, ex-ombudsman da Suécia pela igualdade de oportunidades
e proeminente político social-democrata Marianne Ny – promotora sueca e
especialista em crimes sexuais Mark Stephens – advogado de Assange
Geoffrey Robertson – advogado de Assange Jennifer Robinson – advogada
no escritório de Mark Stephens Gemma Lindfield – advogada agindo em
nome das autoridades suecas Howard Riddle – juiz, magistrado da Corte de
Westminster Ouseley – juiz do Supremo Tribunal, Londres Governo
Hillary Clinton – secretária de Estado americana Louis B. Susman –
embaixador dos Estados Unidos em Londres P.J. Crowley – porta-voz do
Departamento de Estado americano Harold Koh – conselheiro legal do
Departamento de Estado americano Robert Gates – secretário de Defesa
americano Sir Sherard Cowper-Coles – ex-representante especial do Reino
Unido no Afeganistão e ex-embaixador em Cabul
INTRODUÇÃO
Há muitos tratados mais longos sobre ética no jornalismo que dizem menos.
Uma das lições do projeto WikiLeaks é a de ter demonstrado as possibilidades
de colaboração. É difícil pensar em exemplos comparáveis de organizações
noticiosas trabalhando juntas do modo como o The Guardian, o The New York
Times, a Der Spiegel, o Le Monde e o El País trabalharam no projeto WikiLeaks.
Acredito que nós, os cinco editores, gostaríamos de imaginar modos pelos quais
pudéssemos aproveitar nossos recursos novamente.
Mas a história ainda não acabou. No Reino Unido, houve apenas críticas
furtivas ao The Guardian por publicar os vazamentos, embora essa reserva nem
sempre tenha se estendido ao próprio WikiLeaks. A maioria dos jornalistas pôde
ver o claro valor público na natureza do material publicado.
Parece ter sido outra a história nos Estados Unidos, onde houve uma discussão
mais amarga e sectária, obscurecida por ideias distintas de patriotismo. Foi
espantoso sentar em Londres e ler que figuras razoavelmente conhecidas nos
Estados Unidos pediam o assassinato de Assange pelo que ele desencadeara. Foi
surpreendente ver a relutância difundida entre os jornalistas americanos em
apoiar a ideia geral e o trabalho do WikiLeaks. Para alguns, a questão se resumia
simplesmente à relutância em admitir que Assange era um jornalista.
É interessante especular se essa atitude mudaria caso Assange fosse processado
pelos vazamentos. No início de 2011, houve sinais de crescente frustração por
parte das autoridades governamentais norte-americanas na tentativa de varrer o
mundo em busca de evidências a ser usadas contra ele, incluindo a liminar para
obtenção de detalhes das contas do Twitter. Mas também houve, entre as mentes
legais mais moderadas, a avaliação de que era virtualmente impossível processar
Assange pelo ato de publicar os diários de guerra ou os telegramas do
Departamento de Estado sem também pôr cinco editores no banco dos réus. Esse
seria o caso midiático do século.
E, claro, ainda não ouvimos um relato sem intermediários do homem que
supostamente é a verdadeira fonte do material, Bradley Manning, um soldado
raso norte-americano de 23 anos. Até que isso ocorra, nenhuma história
completa do vazamento que mudou o mundo pode ser realmente escrita. Mas
este é um primeiro capítulo fascinante numa história que, suspeita-se, continuará
a interessar as pessoas por muito tempo.
A caça
Ellingham Hall, Norfolk, Inglaterra
NOVEMBRO DE 2010
A ascensão do WikiLeaks
Congresso anual do Chaos Computer Club,
Alexanderplatz, Berlim
DEZEMBRO DE 2007
“Fiquei chocado”, ele afirmou. “E estou convencido de que não fui o único a
descobrir isso.”
As especulações foram confirmadas em grande parte em 2010, quando
Assange permitiu que Raffi Khatchadourian redigisse seu perfil. O jornalista da
New Yorker escreveu:
Um dos ativistas do WikiLeaks era proprietário de um servidor que estava sendo usado como nó para a
rede Tor. Milhões de transmissões confidenciais passavam através dele. O ativista percebeu que
hackers da China estavam usando a rede para reunir informações de governos estrangeiros e começou
a registrar o tráfego. Apenas uma pequena parcela foi divulgada no WikiLeaks, mas o material inicial
possibilitou a criação do site, e Assange pôde afirmar: “Recebemos mais de um milhão de documentos
de treze países”. Em dezembro de 2006, o WikiLeaks divulgou o primeiro documento: uma “decisão
confidencial” assinada pelo xeque Hassan Dahir Aweys, líder rebelde somali da União dos Tribunais
Islâmicos, selecionada do tráfego que passava pela rede Tor rumo à China.
O mundo clandestino dos hackers era apenas uma parte do solo no qual o
WikiLeaks cresceu. Havia também os radicais anticapitalistas – a comunidade de
ativistas ambientais, defensores dos direitos humanos e revolucionários políticos
que formavam o que, na década de 60, era conhecido como “contracultura”.
Quando Assange falou em público pela primeira vez sobre o WikiLeaks,
estava em Nairóbi, no Quênia, para participar do Fórum Social Mundial (FSM),
em janeiro de 2007. Trata-se de uma paródia radical do Fórum Econômico
Mundial de Davos, na Suíça, onde pessoas ricas e influentes se reúnem para falar
sobre dinheiro. O FSM, que teve origem no Brasil, pretende, por sua vez, ser o
lugar em que os pobres e as pessoas desprovidas de poder se reúnem para falar
sobre justiça.
No evento, dezenas de milhares de pessoas entoaram, no Parque da Liberdade,
em Nairóbi: “Outro mundo é possível!” Os organizadores foram forçados a
desistir de cobrar o ingresso depois que moradores das favelas da cidade fizeram
uma manifestação. A BBC noticiou que dezenas de crianças de rua que
mendigavam comida invadiram a tenda de um hotel cinco estrelas e devoraram
as refeições que seriam vendidas a sete dólares, quando muitos quenianos viviam
com dois dólares por dia: “Outros participantes que reclamavam que a comida
era muito cara juntaram-se às crianças famintas, e a polícia, pega de surpresa,
não foi capaz de controlar a situação. Os recipientes com a comida foram
esvaziados”.
Assange passou quatro dias numa tenda do FSM com três amigos, fazendo
palestras, distribuindo folhetos e conhecendo pessoas. Ele estava tão animado
com o que chamou de “a maior festa na praia de uma ONG no planeta” que
permaneceu durante boa parte dos dois anos seguintes num acampamento em
Nairóbi, com ativistas dos Médicos sem Fronteiras e de outros grupos
estrangeiros.
“Muito rapidamente fui apresentado a profissionais experientes do jornalismo e
dos direitos humanos”, declarou, mais tarde, a um entrevistador australiano. “O
Quênia teve oportunidades extraordinárias de reformas. Houve uma revolução na
década de 70. Mas o país só se tornou uma democracia em 2004.”
Ele escreveu que encontrou, na África, “muitas pessoas empenhadas e
desremidas – grupos de oposição ilegais, pessoas que investigavam a corrupção,
sindicatos, imprensa audaciosa e o clero”. Esses indivíduos corajosos eram o
diferencial para ele – em uma circular, comparava-os de modo contundente com
os companheiros de viagem ocidentais: “Grande parte dos tipos do Fórum Social
são homossexuais inúteis que se especializam em fazer filmes sobre si mesmos e
dão festas com o dinheiro das fundações para ‘trocar ideias’ com os amigos. Eles
[...] amam as câmeras”.
Assange parecia preocupado em provar que ele, por outro lado, era um homem
de coragem. E invocou um de seus heróis pessoais na mensagem do WikiLeaks:
“Esta citação de Soljenítsin é cada vez mais apropriada – ‘O declínio da coragem
pode ser o traço mais evidente do Ocidente atual para um observador externo. O
mundo ocidental perdeu a coragem cívica [...]. Tal declínio é particularmente
perceptível entre as elites dominantes e intelectuais’”. Assange frequentemente
dizia a quem estava por perto: “A coragem é contagiosa”.
Foi o Quênia que proporcionou ao WikiLeaks o primeiro furo jornalístico. Um
relatório imenso sobre a suposta corrupção do ex-presidente Daniel arap Moi
fora encomendado à empresa de investigação privada Kroll. Mas seu sucessor, o
presidente Mwai Kibaki, que encomendara o relatório, não pôde divulgá-lo,
supostamente por razões políticas. “Esse relatório era o santo graal do jornalismo
no Quênia”, disse Assange mais tarde. “E, em 2007, eu fui até lá e o consegui.”
As circunstâncias da publicação foram mais complexas. O relatório foi
entregue a Mwalimu Mati, líder do Mars Group Kenya, um grupo anticorrupção.
“Alguém nos entregou o documento de bandeja”, afirmou. Incentivado por um
contato na Alemanha, Mati já havia se registrado como voluntário no
WikiLeaks. O medo de retaliação tornou muito perigosa a divulgação do
relatório no site do próprio grupo. “Então pensamos: Será que podemos divulgá-
lo no WikiLeaks?”
Em 31 de agosto, a história apareceu simultaneamente na primeira página do
The Guardian, em Londres. O texto integral do documento foi divulgado no site
do WikiLeaks com o título: “Os bilhões desaparecidos no Quênia”. Um
comunicado à imprensa explicava: “O WikiLeaks ainda não foi ‘lançado’ ao
público. Estamos abertos apenas para envio de material por contatos jornalísticos
e dissidentes. Entretanto, em virtude da situação política no Quênia, achamos
que seria negligência reter esse documento por mais tempo”. O site
acrescentava: “Referência deve ser feita a [...] Julian A., porta-voz do
WikiLeaks”.
O resultado foi, de fato, sensacional. Houve um alvoroço, e Assange mais tarde
declarou que foi observada uma variação de 10% na votação, nas eleições que se
seguiram no Quênia. No ano seguinte, o site divulgou um relatório muito
elogiado sobre os esquadrões da morte no país: “The Cry of Blood: ExtraJudicial
Killings and Disappearances” (O grito de sangue: massacres e desaparecimentos
extrajudiciais), baseado em evidências obtidas pela Comissão Nacional de
Direitos Humanos do Quênia. Quatro pessoas associadas à investigação dos
massacres foram assassinadas depois, incluindo os ativistas dos direitos humanos
Oscar Kingara e John Paul Oulu.
Assange foi convidado para ir a Londres receber um prêmio da organização de
direitos humanos Anistia Internacional – foi um momento de respeitabilidade
jornalística. Caracteristicamente, chegou à cidade com três horas de atraso, após
uma série de voos complicados desde Nairóbi, que envolveram ocultar das
autoridades até o último minuto as informações de seu passaporte. O discurso de
aceitação do prêmio foi generoso, embora um pouco eloquente: “Graças ao
trabalho corajoso de organizações como a Fundação Oscar, a KNHCR
[Comissão Nacional de Direitos Humanos do Quênia], o Mars Group Kenya,
entre outras, obtivemos o apoio primordial de que necessitamos para expor esses
assassinatos ao mundo. Sei que elas não descansarão, e que nós não
descansaremos, até que justiça seja feita”.
Mais uma vez, havia uma relação simbiótica com os grandes veículos de
comunicação: a história do Quênia só ganhou impulso mundial ao ser
investigada por Jon Swain, do Sunday Times, de Londres.
Nesse momento, Assange e seu grupo começavam a receber um fluxo
constante de documentos genuinamente vazados, inclusive de algumas fontes
militares do Reino Unido. Assange tentava distribuí-los. Ele escreveu diversas
vezes ao The Guardian, apresentando-se como “editor” ou “editor investigativo”
do WikiLeaks, tentando chamar a atenção de Alan Rusbridger, editor do jornal,
para suas histórias. E parecia incapaz de aceitar que, algumas vezes, os
vazamentos talvez não fossem tão interessantes – a ausência de resposta era
sempre vista como falta de coragem, ou coisa pior, por parte dos desprezados
meios de comunicação de massa.
Por exemplo, em julho de 2008, ele declarou: “Será que o The Guardian e
outros veículos de comunicação do Reino Unido perderam a coragem cívica ao
lidar com o Ato de Segredos Oficiais?” Ele estava oferecendo à mídia acesso a
uma cópia vazada do manual de contrainsurgência britânico de 2007, mas
ninguém se interessou. “Acho que a imprensa do Reino Unido perdeu o rumo
[...]. Desde que todos sejam igualmente castrados, todos são igualmente
lucrativos. É hora de romper o cartel de timidez.”
Quem se recorda do perfil de Assange num site de encontros de Melbourne
ficaria intrigado por sua observação de que divulgar revelações jornalísticas
combativas, como ele fazia, também era um excelente modo de arrumar uma
transa: “No Quênia, onde estamos acostumados a invasões a jornais e prisões
arranjadas, não nos importamos muito. Essas tentativas torpes corroboram a
história que deu causa a elas, vendem jornais, ficam bem no currículo e atraem
amantes como títulos de nobreza”.
Outro experimento de Assange na manipulação dos veículos de comunicação
foi a tentativa, em 2008, de leiloar um cache do que supostamente seriam
milhares de e-mails de um redator de discursos para o líder venezuelano Hugo
Chávez. O vencedor teria acesso exclusivo, durante algum tempo, aos
documentos. O leilão se baseava na teoria de que ninguém levaria o material a
sério se fosse oferecido gratuitamente. Assange comentou: “Sabe-se que a
revista People pagou mais de dez milhões de dólares pelas fotos do bebê de Brad
Pitt e Angelina Jolie”. Para sua surpresa, os detalhes da política venezuelana não
se mostraram tão vendáveis quanto as fotos do bebê das celebridades – ninguém
apresentou uma oferta.
Assange agora descobria – para seu desgosto – que não bastava divulgar em
um site longas listas de documentos não editados e aleatórios para mudar o
mundo. E refletia sobre o colapso da ideia original de crowdsourcing: “A ideia
inicial era algo do tipo: ‘Olhe para todas essas pessoas editando a Wikipédia.
Olhe para todo o lixo no qual trabalham [...]. Com certeza todas as pessoas que
estão ocupadas escrevendo artigos sobre história, matemática etc., e todos os
blogueiros que estão ocupados discursando sobre desastres dos direitos humanos
[...] com certeza essas pessoas vão se manifestar, dado o material inédito para
pesquisa, e fazer algo’. Não. Besteira. É tudo besteira. Na verdade, as pessoas
escrevem sobre coisas de modo geral (quando não têm relação com a profissão
delas) porque querem exibir seus valores para os colegas, que estão no mesmo
grupo. Na verdade, elas não estão nem aí com o material”.
Ele continuou procurando em vão um modelo de funcionamento para o
WikiLeaks que pudesse gerar receita e obter atenção política mundial. Suas
reflexões publicadas na época são reveladoras, porque mostram que ele
considerava o problema de uma perspectiva externa, mas ainda não conseguia
solucioná-lo: “O grande problema para o WikiLeaks é o material de primeira
classe indo para o lixo porque tornamos o fornecimento ilimitado, de modo que
as empresas de notícias, bem ou mal, se recusam a ‘investir’ em análise sem
incentivos adicionais. A economia é contraintuitiva: se você limita
temporariamente o fornecimento, aumenta a absorção [...] um conhecido
paradoxo em economia. Dado que o WikiLeaks precisa restringir o fornecimento
por um período para aumentar o valor percebido, até o ponto em que os
jornalistas invistam tempo para produzir histórias com qualidade, surge a
questão sobre que método deve ser utilizado para distribuir o material entre
aqueles que mais provavelmente investiriam nele”.
Havia apenas um modo – relativamente limitado – de o modelo de Assange
começar a atrair o interesse dos grandes veículos de comunicação: agir não da
maneira concebida originalmente, como deposito anônimo de documentos, mas
como o que ele chamou de “editor de última instância”. Um confronto fascinante
entre o WikiLeaks e um banco suíço demonstrou que pelo menos uma das
afirmações-chave para a nova ciberestrutura sem cidadania de Assange era
verdade – eles poderiam rir dos advogados.
Rudolf Elmer dirigira a filial do Banco Julius Baer nas ilhas Caimã durante
oito anos. Depois de se mudar para as ilhas Maurício e tentar, em vão, denunciar
às autoridades o que ele dizia ser uma evasão fiscal ultrajante por parte de alguns
dos clientes de seu antigo patrão, contatou Assange para divulgar os
documentos: “Fizemos contato através de um software criptografado e eu
recebia instruções sobre como proceder [...]. Eu não estava procurando
anonimato”.
Os furiosos banqueiros de Zurique moveram uma ação em um tribunal da
Califórnia para forçar o WikiLeaks a apagar os arquivos, alegando
“disseminação ilegal de registros bancários roubados e de informações das
contas pessoais dos clientes”. O banco ganhou uma batalha preliminar quando o
site de hospedagem de domínios Dynadot, com sede na Califórnia, foi obrigado
a desativar o domínio “wikileaks.org”. Mas Baer rapidamente perdeu a guerra: o
WikiLeaks manteve outros sites, hospedados na Bélgica e em outros países;
muitos “sites-espelho” surgiram, exibindo os documentos ofensivos; e a decisão
do tribunal foi revertida quando uma série de organizações norte-americanas se
uniu em apoio ao WikiLeaks em nome da liberdade de expressão. Entre elas,
estavam a União Americana pelas Liberdades Civis e a Fundação Fronteira
Eletrônica, assim como uma aliança jornalística que incluía a Associated Press, o
Gannett News Service e o Los Angeles Times.
O banco suíço e seus clientes corruptos só conseguiram jogar mais luz sobre si
mesmos, enquanto o WikiLeaks demonstrou ser verdadeiramente à prova de
liminares. A partida terminou assim: WikiLeaks 1, Julius Baer 0. Assange
recebeu outro prêmio em Londres, do grupo pela liberdade de expressão Index
on Censorship. Um dos membros do júri, o poeta Lemn Sissay, relatou em seu
blog uma típica atitude de Assange: “Não sabíamos se Julian Assange
apareceria. Felizmente ele veio: um homem alto, cuidadoso, de cabelos muito
louros e pele clara. Segundos antes de subir ao palco, ele sussurrou: ‘Pode ser
que alguém pule no palco para me entregar uma intimação. Não posso deixá-los
fazer isso, e terei que sair se os vir’”.
Agora o The Guardian, de Londres, via o valor de ter os próprios documentos
confidenciais divulgados no WikiLeaks. Os advogados do Banco Barclays
tinham acordado um juiz às duas horas da manhã para forçar a retirada dos
arquivos vazados do The Guardian que detalhavam os esquemas de evasão fiscal
do banco. Mas os arquivos foram imediatamente divulgados na íntegra por
Assange, tornando a obstrução inútil. (Numa divertida mistura de práticas
anticensura novas e antigas, o The Guardian e todos os outros veículos de
comunicação britânicos foram a princípio legalmente impedidos de dizer que os
arquivos estavam disponíveis no WikiLeaks. Foi necessário que um membro
democrata-liberal da Casa dos Lordes divulgasse a informação, sob a proteção
do antigo dispositivo do privilégio parlamentar, para que essa bobagem
acabasse.)
Do mesmo modo, o WikiLeaks funcionou como um reforço online, junto com
o Greenpeace e a tevê estatal norueguesa, ao divulgar na íntegra um relatório
incriminatório sobre o lixo tóxico descartado pela empresa de petróleo Trafigura.
Os advogados da Trafigura haviam impedido o The Guardian de divulgar o
relatório vazado, mas suas ações draconianas se mostraram uma perda de tempo
num mundo digitalmente globalizado.
Mas Assange ainda se esforçava para ser mais que um operador de nicho. No
início, em 2006, ele provocara a ira de John Young, do Cryptome, site análogo
de material de inteligência. Young lamentava a aproximação de Assange com o
bilionário George Soros – que fundara uma variedade de projetos de
comunicação, sobretudo na Europa do Leste – e rompeu relações quando
Assange falou em levantar cinco milhões de dólares. “Anunciar o objetivo de
arrecadar cinco milhões de dólares até julho de 2007 acabará com esta
iniciativa”, escreveu. “Isso faz com que o WikiLeaks pareça um golpe de Wall
Street. Essa quantia não poderia ser necessária em tão pouco tempo, exceto para
propósitos suspeitos. Soros vai expulsá-lo do escritório. As fundações estão
cheias de tagarelas pedindo muito dinheiro, gabando-se de nomes famosos e
prometendo resultados espetaculares.”
Dois anos depois desse início precipitado, Assange fez outra tentativa de obter
uma grande quantia. Ele e seu braço direito, Domscheit-Berg, foram até a
Fundação Knight, nos Estados Unidos, que estava realizando “um concurso de
inovação nos veículos de comunicação com o objetivo de fomentar o futuro da
imprensa, financiando novos modos de informação digital para as
comunidades”. Domscheit-Berg pediu 532 mil dólares para equipar uma rede
local de jornais com “botões do WikiLeaks”. A ideia, desenvolvida e elaborada
por ele, era que as pessoas que divulgavam informações confidenciais locais
pudessem fazer contato através dos sites de notícias e, assim, gerar um fluxo
regular de documentos. Um projeto rival – o DocumentCloud –, concebido para
criar uma base pública de dados com os documentos integrais por trás das
notícias, era apoiado pela equipe do The New York Times e pela ProPublica,
organização de jornalismo investigativo sem fins lucrativos. Eles receberam
719.500 dólares. E Assange não recebeu nada. No fim de 2009, o WikiLeaks
continuava lutando por uma reputação.
5
O vídeo do apache
Hotel Quality, Tønsberg, Noruega
TRÊS HORAS DA MANHÃ, 21 DE MARÇO DE 2010
* Trocadilho com as palavras churn (out) (produzir de maneira rápida e mecânica) e journalism
(jornalismo). (N. do E.)
8
Resumo
OBSERVAÇÃO: As informações a seguir (FT-373 e Himars) são Classificadas Secretas/NOFORN. O
conhecimento de que a FT-373 realizou um ataque Himars deve ser protegido. Todas as outras
informações a seguir são classificadas Secretas/LIB[eração] FIAS [Força Internacional de Assistência à
Segurança].
Missão
F[orça]-T[arefa] de O[perações] E[speciais] realiza ataque cinético, seguido por incursão da Força de
A[taque] com H[elicópteros] para matar/capturar ABU LAITH AL-LIBI, em Á[rea] de I[nteresse]
N[omeada] 2.
Alvo
Abu Laith al-Libi é um veterano comandante militar da Al Qaeda, líder do Grupo de Combate Islâmico
Líbio (GCIL). Dirige campos de treinamento em todo o Waziristão do Norte. A base é em Mir Ali,
Paquistão. Busca de informações durante a última semana indica concentração de árabes N[as]
P[roximidades] D[a] área do objetivo.
Resultado
6 x I[nimigos] M[ortos] E[m] A[ção]; 7 x N[ão] C[ombatentes] MEA 7 x presos
Resumo
A F[orça] de A[taque] com H[elicóptero] partiu da [base] Orgun-E para realizar conexão e
posicionamento em relação ao objetivo, imediatamente após os tiros de pré-ataque. Sob ordens, 5
foguetes foram lançados e destruíram estruturas no objetivo (AIN 2). A FAH rapidamente introduziu a
força de ataque na Zona de A[terrissagem do] H[elicóptero]. I[nteligência], V[igilância] e
R[econhecimento] informou diversos H[omens] N[ão] I[dentificados] deixando a área do objetivo. A
força de ataque rapidamente conduziu movimento desarmado para a área-alvo e estabeleceu contenção no
lado sul do objetivo. Durante o ataque inicial, recursos aéreos exclusivos prenderam diversos H[omens]
em I[dade] M[ilitar] fugindo da área do objetivo. O C[omandante] da F[orça] T[errestre] estimou que 3 x
IMEA fugitivos ao norte e 3 x IMEA fugitivos ao sul do complexo foram neutralizados com tiros dos
recursos aéreos. A força de ataque rapidamente manobrou com um elemento do ESQ[ua]D[rão] sobre os
fugitivos restantes, o qual deteve 12 x HIM e retornou para a área do objetivo. O CFT transmitiu
avaliação inicial de 7 x NC MEA (crianças). Durante a investigação inicial, foi avaliado que as crianças
não podiam sair do edifício, em virtude da presença de HNIs no complexo. A força de assalto conseguiu
descobrir 1 x criança NC nos escombros. A E[quip]E MÉD[ica] imediatamente limpou os destroços de
sua boca e realizou RCP* para reviver a criança durante 20 minutos. Em razão do tempo limitado, o
C[oman]D[ant]E da FT iniciou o elemento de F[orça] de R[eação] R[ápida] para combater um alvo
associado (AIN 5). Eles rapidamente imobilizaram o objetivo e iniciaram o ataque. O objetivo foi
assegurado e a força de ataque inicialmente prendeu 6 x HIM. O CFT recomendou que 7 HIM fossem
detidos para interrogatório adicional. O CDE da FT avaliou que a força de ataque continuará SSE.* O
governador local foi notificado da situação atual e solicita auxílio para cercar a Á[rea de] O[perações],
com apoio da Polícia N[acional] A[fegã] e das forças locais de coalizão, em busca do I[ndivíduo de]
A[lto] V[alor]. Uma E[quipe de] R[econs-trução] P[rovincial] está a caminho da AO.
1) O alvo era um Líder de Alto Escalão da A[l] Q[aeda]
2) Padrões de vida foram realizados em 18 de junho de 0800z a 1815z (hora do ataque) sem indicações de
mulheres ou crianças no objetivo
3) A mesquita não era o alvo nem foi atingida; relatórios iniciais indicam que não foi danificada
4) Um idoso que estava na mesquita afirmou que as crianças foram detidas à força e mantidas
intencionalmente no interior
– O governador Khapalwak tentou, sem sucesso, falar com o presidente Karzai (a agenda do presidente
estava cheia), mas espera contatá-lo em uma hora (P[residente] d[o] A[feganistão] contatado durante a
tarde ~ 1400Z)
– O governador realizou uma Shura [consulta] nesta manhã; moradores dos distritos de Yahya Yosof &
Khail estavam presentes
– Ele apresentou os Pontos de Discussão que lhe foram oferecidos e acrescentou alguns que seguiram
nossa história atual
– O clima entre os moradores locais é de choque, mas eles entendem que isso foi causado, em última
instância, pela presença de criminosos
– O governador fez coro à tragédia da morte das crianças, mas destacou que isso poderia ter sido evitado
se as pessoas tivessem revelado a presença de insurgentes na área
– O governador prometeu outra Shura em poucos dias e que as famílias seriam compensadas pelas
perdas
– Ao governador foi questionado sobre como estava o humor das pessoas e disse que “a operação foi uma
coisa boa e o povo acredita no que lhe dissemos”
Há menos jargão militar cifrado que o usual neste trecho do diário de guerra. O
relatório é atipicamente longo e em linguagem relativamente simples, porque o
massacre das sete crianças transformou-se num escândalo e o presidente Karzai
estava protestando cada vez mais contra o número de civis mortos nas operações
norte-americanas no Afeganistão. De resto, é representativo do tipo de
documento que veio à tona quando os diários de guerra do Afeganistão foram
publicados pela primeira vez, em 25 de julho de 2010. Nesse dia, a matéria de
capa da Der Spiegel era sobre as atividades do esquadrão da morte, a Força-
Tarefa 373, com o título: “A guerra secreta da América”. No The Guardian,
Nick Davies revelou muitas informações sobre a lista de dois mil alvos para
“matar ou capturar” da FT 373. A lista aparecia representada por outra sigla
cifrada nos diários de guerra: JPel, isto é, joint priority effects list (lista de efeitos
de prioridade conjunta).
Davies escreveu:
O inspetor especial das Nações Unidas para os direitos humanos, professor Philip Alston, foi ao
Afeganistão, em maio de 2008, para investigar rumores sobre assassinatos extrajudiciais. Ele advertiu que
as forças internacionais não eram nem transparentes nem responsáveis, e que os afegãos que tentaram
descobrir quem havia matado seus entes queridos “frequentemente saíram de mãos vazias, frustrados e
amargurados”. Agora, pela primeira vez, os diários de guerra vazados revelam detalhes, previamente
escondidos sob uma cortina de desinformação, das missões mortíferas da FT 373 e de outras unidades,
que perseguiam e capturavam alvos da JPel. Tais detalhes levantam questões fundamentais sobre a
legalidade dos assassinatos e das prisões por longos períodos sem julgamento, e também,
pragmaticamente, sobre o impacto de uma tática que basicamente mata, fere e aliena os espectadores
inocentes cujo apoio a coalizão deseja.
Uma face até então oculta da Guerra do Afeganistão foi revelada com a
história da FT 373 e da lista de alvos. Outro véu foi erguido com a revelação do
implacável número de mortes de civis totalmente inocentes por tropas nervosas
andando em comboios. As tropas estrangeiras – não apenas americanas, mas
também britânicas, alemãs e polonesas – estavam compreensivelmente
apavoradas com a possibilidade de haver bombas na beira da estrada ou
terroristas suicidas aproximando-se em carros ou motos. Em tese, há
regulamentos estritos sobre as séries graduadas de passos de advertência que os
soldados devem seguir no Afeganistão antes de atirar para matar. Esses são os
procedimentos que governam a EDF – escalada de força. Mas, na prática, como
os registros do diário indicam repetidamente, alguns soldados tendiam a atirar
primeiro e perguntar depois.
Os relatórios de campo quase nunca continham admissões diretas de
comportamento impróprio – eles foram escritos por outros soldados e
destinavam-se à leitura dos oficiais mais graduados. Mas os norte-americanos
eram um pouco menos inibidos ao tratar da conduta dos aliados do que ao
escrever sobre a própria conduta. Assim, David Leigh e o colega Rob Evans
conseguiram extrair evidências do que parecia um uso excessivo de força contra
civis por parte de certas unidades britânicas. Eles identificaram um destacamento
dos Coldstream Guards que recentemente assumira posição no Campo Soutar,
em Cabul. O blog não oficial da tropa descrevia o humor reinante na época: “A
ameaça predominante é de atentados suicidas, que aconteceram em grande
número no passado recente”.
Quatro vezes em quatro semanas, essa unidade parece ter atirado em civis na
cidade para proteger os próprios membros. O pior evento foi em 21 de outubro
de 2007, quando soldados norte-americanos informaram um caso de fogo amigo
“azul no branco”,* no centro de Cabul, observando que tropas desconhecidas
haviam atirado num veículo civil com três intérpretes de uma empresa de
segurança privada e o motorista. As tropas estavam num “veículo de tipo militar
marrom com um soldado da artilharia no alto [...]. Não havia forças norte-
americanas nas proximidades do evento que pudessem estar envolvidas. Mais a
seguir!” Pouco depois, disseram: “A INVESTIGAÇÃO É CONTROLADA
PELOS BRITÂNICOS. NÃO CONSEGUIMOS OBTER A HISTÓRIA
COMPLETA. ESSE EVENTO PERTENCE ÀS FORÇAS BRITÂNICAS DA
FIAS”.
Foram necessários mais três meses, depois que os diários do WikiLeaks vieram
a público, para que o Ministério da Defesa, em Londres, admitisse que esse
tiroteio em Cabul de fato ocorreu. Eles confirmaram que a patrulha britânica
matou um civil e feriu outros dois num micro-ônibus prateado. Alegou-se que o
micro-ônibus não parou quando os soldados sinalizaram para que o fizesse.
Poucos dias depois do tiroteio ao micro-ônibus, em 6 de novembro, os
britânicos informaram que, por volta do meio-dia, haviam ferido outro civil em
Cabul, com o que chamaram de “tiro de advertência”. No fim da tarde, os
americanos souberam que o homem havia falecido e que isso poderia lhes trazer
problemas: “Poderia haver manifestações, porque o civil era filho de um general
afegão da Aeronáutica e estava de casamento marcado para aquela noite, com
muitos convidados”. Depois informaram: “Não era o casamento da pessoa que
foi morta. O casamento marcado para aquela noite era do irmão, mas agora foi
cancelado. A família levará o corpo amanhã de manhã”. Novamente o Exército
britânico acabou confirmando a revelação do WikiLeaks, depois de um longo
atraso. A versão britânica oficial é de que o filho do general “acelerou” seu
Toyota em direção a uma patrulha, dando aos soldados tempo só para gritar uma
advertência antes de atirar no carro, que então derrapou para o acostamento,
lançando o homem para fora, segundo dizem.
Esses eventos – assim como centenas de outros –, tomados juntos, constituem
a história oculta da Guerra do Afeganistão, em que pessoas inocentes eram
continuamente assassinadas por soldados estrangeiros. O impressionante nível
de detalhes fornecido pelos diários de guerra possibilitou que ela se tornasse,
pela primeira vez, acessível.
O que o jornal não ousou dizer, por razões de segurança, era que o mundo em
breve seria apresentado a uma coleção ainda maior de documentos vazados, que
detalhavam verdades semelhantes sobre o banho de sangue no Iraque.
Notas
Os números encontrados nos diários de guerra não apenas deram lugar a mais
quinze mil baixas como também eram, de modo geral, comparáveis aos dados
extraoficiais do próprio IBC. No fim de 2010, o IBC concluiu que o número total
de mortes documentadas de civis pela violência no Iraque, desde 2003, variava
entre 99.383 e 108.501. A confiança que o público pode ter nesses números é
consequência direta da divulgação de Manning e Assange, além da dedicação
dos pesquisadores do IBC e do trabalho duro de jornalistas de três organizações
noticiosas. Futuros historiadores poderão avaliar se esse trabalho será capaz de
tornar as aventuras militares norte-americanas e britânicas menos precipitadas e
sangrentas.
Outro aspecto das estatísticas dos diários de guerra que provavelmente é muito
confiável – pois o Exército norte-americano não teria razão para subestimar
esses números – é o espantoso total de civis, soldados locais e membros das
forças de coalizão cuja morte foi causada por minas terrestres rebeldes ou por
combates entre membros do mesmo grupo. Nada menos que 31.780 mortes
foram atribuídas a bombas improvisadas plantadas na beira das estradas pelos
rebeldes. Atentados praticados por extremistas (registrados como “assassinatos”)
causaram mais 34.814 vítimas. No total, os diários de guerra detalharam 109.032
mortes.
Esse total de mortos caiu para os 66.081 civis detalhados anteriormente, mais
15.196 membros das forças de segurança do Iraque e 23.984 pessoas
classificadas como “inimigos”. Em 31 de dezembro de 2009, quando a base de
dados vazada é interrompida, o número total foi alcançado com a adição de
3.771 mortes de soldados norte-americanos e aliados. Todos os soldados
ocidentais que morreram tinham um nome, uma família e, provavelmente, uma
fotografia publicada no jornal local, acompanhada de condolências. Mas os
arquivos mostram que eles representam menos de 3,5% do número total de
mortos no Iraque.
Mesmo quando torturas como essas não eram mencionadas, surgiam dos
registros das mortes no Iraque inúmeras imagens que devem ter sido
profundamente degradantes e prejudiciais para os agressores militares.
Em 22 de fevereiro de 2007, por exemplo, a tripulação de um helicóptero
Apache, da mesma unidade que matou os funcionários da Reuters – indicativo
de chamada Crazyhorse 18 –, contatou a base via rádio para ouvir instruções
sobre uma perseguição aérea. Eles estavam atrás de dois rebeldes que haviam
lançado morteiros contra uma base norte-americana e, em seguida, tentado fugir
numa van. O Crazyhorse 18 disparou contra o veículo. Os dois homens saltaram
e tentaram escapar num caminhão basculante. O Crazyhorse 18 voltou a atirar.
“Eles desceram, querendo se render”, comunicou a tripulação do helicóptero à
base, solicitando orientação. O que eles deveriam fazer?
O fato de que o advogado da base tenha se colocado imediatamente à
disposição, pronto para ser consultado, é sinal do respeito norte-americano à
legalidade. O controlador respondeu: “O advogado diz que eles não podem se
render a uma aeronave e que ainda são alvos válidos”. E a tripulação do
helicóptero matou os homens, enquanto eles tentavam se render.
Os dois homens mortos eram combatentes inimigos. O mesmo provavelmente
não pode ser dito de um carro que dirigia muito próximo a um comboio de
suprimentos, nos arredores de Bagdá. Os fuzileiros navais no último Humvee*
disseram, mais tarde, que fizeram sinais com as mãos e deram tiros de
advertência no bloco do motor, “para obrigar o veículo a diminuir a velocidade e
não se aproximar do comboio”. Quando ele se aproximou cerca de vinte metros
do Humvee, os fuzileiros começaram a atirar no para-brisa.
O texto em maiúsculas do relatório de campo vazado resume a história:
O VEÍCULO DESVIOU DA ESTRADA PARA UM CANAL 1,5 KM AO NORTE DE SAQLAWIYAH
(38S LB 768 976) E AFUNDOU. (1) HOMEM ADULTO SAIU DO VEÍCULO E FOI RETIRADO DO
CANAL; OS OUTROS PASSAGEIROS AFUNDARAM COM O VEÍCULO. O HOMEM ADULTO
RECEBEU CUIDADOS MÉDICOS NO LOCAL E FOI TRANSPORTADO PARA O CCC DE
SAQLAWIYAH E, EM SEGUIDA, PARA O HOSPITAL JORDANIANO. A F[ORÇA] P[OLICIAL]
I[RAQUIANA] DE SAQLAWIYAH FOI ATÉ O LOCAL E RETIROU DO VEÍCULO (2) MULHERES
ADULTAS, (3) CRIANÇAS COM IDADE ENTRE 5 E 8 ANOS E (1) BEBÊ. TODOS OS (6) SE
AFOGARAM. A FPI DE SAQLAWIYAH ESTÁ LEVANDO TODOS OS CORPOS RETIRADOS
PARA RAMADI.
Não se tratava agora da retórica militar hi-tech tão frequentemente exibida nos
comunicados do Exército norte-americano à imprensa, mas de atos de crueldade
mais dignos de uma versão moderna das gravuras sombrias de Goya do início do
século XIX – Os desastres da guerra.
* High mobility multipurpose wheeled vehicle (veículo multifuncional de alta mobilidade), utilitário militar
usado pelas Forças Armadas dos Estados Unidos e de outros países. (N. da T.)
Notas
* Literalmente, “Uma coleção de história desde 1966 até os nossos dias”. (N. da T.)
* Literalmente, “Diplomática”. (N. da T.)
* NOFORN = Not Releasable to Foreign Nationals (Não pode ser divulgado a cidadãos estrangeiros). (N.
da T.)
12
Parceiros incômodos
Escritório do editor, The Guardian, Kings Place, Londres
1º DE NOVEMBRO DE 2010
Antes do dilúvio
Jornal El País, Calle de Miguel Yuste, Madri
14 DE NOVEMBRO DE 2010
Até que ponto o governo dos Estados Unidos sabia desse planejado desafio a
seus segredos? Os jornalistas supunham que a CIA havia seguido cada
reviravolta do projeto. O Exército norte-americano certamente sabia dos
milhares de telegramas diplomáticos desviados desde o verão, quando o soldado
raso Bradley Manning fora especificamente acusado de roubá-los. Mas a
administração Obama, extraordinariamente, parecia desconhecer que telegramas
o WikiLeaks e os veículos de comunicação parceiros tinham em sua posse.
Na semana anterior à publicação, o Departamento de Estado advertiu muitos
de seus aliados sobre o conteúdo embaraçoso dos telegramas. Mas eles não
pareciam saber que os telegramas vazados terminavam no fim de fevereiro e
acreditavam que alguns eram mais recentes. Circulavam rumores de que
Washington não se impressionara com David Cameron e com a nova coalizão
governamental britânica, que assumira o poder em maio. O embaixador norte-
americano em Londres, Louis B. Susman, supostamente dissera isso num
telegrama pós-eleição. Agora os americanos haviam timidamente informado seu
conteúdo para Downing Street.* Eles acreditavam que os telegramas vazados
iam até junho de 2010, mês em que Manning fora preso.
O The Guardian não tinha o telegrama sobre Cameron. Assim, o primeiro-
ministro sobreviveu ao drama do WikiLeaks relativamente ileso. “Ficamos
surpresos com o pouco que os Estados Unidos sabiam sobre o que estávamos
fazendo”, afirma Katz. “Eles não tinham ideia do conjunto de dados que
tínhamos. E deram informações massivas sobre o que estava nos telegramas.”
O The New York Times decidira prevenir o Departamento de Estado sobre os
telegramas que pretendia publicar. O The Guardian – que atuava na Grã-
Bretanha, sob um regime legal particularmente opressivo – não seguiria o
exemplo dos norte-americanos. O jornal estava disposto a ouvir, mas já fizera
tudo que estava a seu alcance, sem aviso oficial, a fim de proteger de represálias
contatos confidenciais e de não publicar nada de modo irresponsável.
Poucos dias antes da publicação dos telegramas, duas personalidades do alto
escalão da embaixada americana em Londres telefonaram para o escritório do
The Guardian para conversar. A discussão levou a um surreal telefonema
intercontinental na sexta-feira, 26 de novembro – dois dias antes do Dia D. Da
grande mesa circular de seu escritório, Rusbridger concordou em telefonar para
Washington. Do outro lado da linha, estava P.J. Crowley, porta-voz do
Departamento de Estado norte-americano. A conversa começou assim: “Muito
bem, aqui é P.J. Crowley. Queria que você soubesse que aqui conosco estão a
assessora de Hillary Clinton, secretária de Estado, representantes do DdD,* das
agências de inteligência e do Conselho de Segurança Nacional”. Tudo que
Rusbridger conseguiu responder foi: “E conosco está nossa chefe de redação...”
Crowley então descreveu como as camadas mais altas do governo americano
viam o escândalo dos telegramas: “Obviamente, para nós, trata-se de
documentos roubados. Eles revelam segredos e endereços militares confidenciais
que expõem pessoas a riscos de segurança”.
Crowley fez sua oferta. Afirmou que o governo americano estava “disposto a
ajudar” o The Guardian, se o jornal estivesse preparado para “compartilhar os
documentos” que tinha – em outras palavras, prevenir o Departamento de Estado
sobre os telegramas que pretendia publicar. Rusbridger foi evasivo e disse: “Não
acho que vamos chegar a um acordo, sendo assim, por que não falamos disso
depois?”
Crowley argumentou que as operações e negociações das forças especiais com
alguns países eram delicadas. Em seguida, pediu uma pausa. Poucos minutos
depois, declarou: “Sr. Rusbridger, não achamos que esta conversa esteja sendo
útil para nós, pois, no momento, só oferecemos um monte de histórias e não
recebemos nada em troca”.
A assessora de Clinton interrompeu, dizendo: “Tenho uma pergunta direta para
o senhor, sr. Rusbridger. Vocês, jornalistas, gostam de fazer perguntas diretas e
sei que esperam respostas diretas. Por isso, farei uma pergunta direta. O senhor
vai nos dar os números dos telegramas ou não?”
“Não, não vou.”
“Muito obrigada.”
Rusbridger decidiu contar aos americanos o cronograma de publicação
completo do The Guardian: “No primeiro dia trataremos do Irã; no segundo, da
Coreia do Norte e, no terceiro, do Paquistão”. Em seguida, a conversa terminou.
Na Alemanha, o editor-chefe da Der Spiegel recebeu um telefonema do
embaixador americano. Ele disse a Georg Mascolo que havia grande
preocupação com a segurança das fontes nos “níveis mais altos” – “Vidas podem
estar em jogo”. Mascolo respondeu que a Der Spiegel fizera tudo que estava a
seu alcance para proteger as fontes que pudessem estar em perigo. E convidou o
Departamento de Estado a compartilhar com ele as áreas de preocupação.
O The New York Times mantinha suas próprias negociações, algumas vezes
tensas, com as autoridades do governo americano. Os advogados do jornal
estavam confiantes de que ele podia divulgar os documentos secretos sem
infringir a legislação do país. Mas Bill Keller sentia que tinha grande
responsabilidade ética e moral em usar o material de modo sensato: “Embora
julgássemos ter pouca ou nenhuma capacidade de influenciar o que o WikiLeaks
fazia, sem falar no que poderia acontecer quando o material fosse liberado na
câmara de ressonância da blogosfera, isso não nos isentava da obrigação de
exercer com cuidado o jornalismo. Desde o início, determinamos que em nossos
artigos, e em quaisquer documentos do arquivo secreto que publicássemos,
descartaríamos todo material que pudesse pôr vidas em risco”, escreveu mais
tarde.
A política do The New York Times era pecar por excesso de cuidado. Nos
diários de guerra do Afeganistão e do Iraque, o jornal editara os nomes de todas
as fontes que haviam falado com soldados e diplomatas norte-americanos e
detalhes que poderiam ter revelado operações da inteligência ou táticas militares.
Mas, em virtude da extensão do material e da extrema suscetibilidade própria
dos atos diplomáticos, Keller considerava os telegramas da embaixada mais
potencialmente explosivos que os diários de guerra.
Dean Baquet, chefe da sucursal de Washington do The New York Times, deu à
Casa Branca um aviso em 19 de novembro. Cinco dias depois, na véspera do Dia
de Ação de Graças, Baquet e três colegas foram convidados para uma reunião a
portas fechadas no Departamento de Estado. Dela participavam representantes
da Casa Branca, do Departamento de Estado, do diretor de Inteligência Nacional,
da CIA, da Agência de Defesa de Inteligência, do FBI e do Pentágono, reunidos
em torno de uma mesa de reuniões. De pé, próximos à parede, convidados que
não se apresentaram. E, digitando no computador, um solitário escrivão.
A reunião era extraoficial, mas é justo dizer que o clima estava tenso. Scott
Shane, um dos repórteres que participaram do encontro, descreveu “um clima de
frustração e revolta reprimidas”. As reuniões e os telefonemas que se seguiram
foram menos espinhosos e mais objetivos, afirma Keller. O governo dos Estados
Unidos se preocupava com três aspectos. Primeiro, queria proteger os indivíduos
que haviam falado abertamente com diplomatas norte-americanos em países
opressivos – algo que o The New York Times estava feliz em fazer. Segundo,
queria remover referências a programas secretos americanos relacionados à
inteligência. E, terceiro, não queria que o jornal revelasse as sinceras declarações
feitas por chefes de Estado ou outras autoridades estrangeiras de alto escalão,
temendo que sua publicação prejudicasse as relações com outros países. “Na
maior parte, não estávamos convencidos”, recorda Keller.
Essa, claro, não era a primeira vez que o The New York Times publicava
segredos que constrangiam o governo norte-americano. Antes dos
acontecimentos envolvendo o WikiLeaks, nada que o jornal fizera sob a
supervisão de Keller havia causado tanta agitação quanto dois artigos publicados
pelo jornal sobre as táticas empregadas pela administração Bush após os ataques
de 11 de setembro de 2001. Um deles, publicado em 2005 e ganhador de um
prêmio Pulitzer, revelava que a Agência de Segurança Nacional havia instalado
escutas em telefones e e-mails particulares sem ter um mandado para isso. O
outro, publicado em 2006, descrevia um imenso programa do Departamento do
Tesouro para proteger registros bancários internacionais.
O editor tinha vívidas lembranças de se sentar no Salão Oval enquanto o
presidente George W. Bush tentava dissuadi-lo de publicar o artigo sobre as
escutas. Bush dissera a ele que, se o jornal o publicasse, deveria dividir a culpa
pelo próximo ataque terrorista. Pouco convencido, o jornal foi em frente, e a
reação do governo, e dos comentaristas conservadores em particular, foi
estrondosa.
Dessa vez, a reação do governo americano foi diferente. Na maior parte do
tempo, foi sóbria e profissional. A Casa Branca de Obama, enquanto condenava
o WikiLeaks por tornar os documentos públicos, não procurou obter uma liminar
para evitar a publicação. Não houve reprimendas no Salão Oval nem apelos a
Keller para que não escrevessem sobre os documentos. “Ao contrário, em nossas
discussões antes da publicação dos artigos, os funcionários da Casa Branca,
apesar de contestarem algumas das conclusões que tiramos do material, nos
agradeceram pelo cuidadoso tratamento dos documentos. Os secretários de
Estado e de Defesa e o procurador-geral resistiram à oportunidade de incentivar
uma orgia popular de acusações à imprensa”, afirma Keller, acrescentando:
“Embora a publicação dos documentos fosse terrivelmente embaraçosa, as
agências de governo colaboraram conosco, na tentativa de evitar a divulgação de
material genuinamente prejudicial a indivíduos inocentes ou aos interesses
nacionais”.
De seu refúgio secreto em Ellingham Hall, Assange tentava abrir o próprio
canal de negociações, enviando uma carta, em 26 de novembro, à embaixada
norte-americana em Londres. Com o cabeçalho “Julian Assange, editor-chefe,
WikiLeaks”, iniciava: “Prezado embaixador Susman, remeto às recentes
declarações públicas de autoridades governamentais dos Estados Unidos
demonstrando preocupação com a possível publicação, pelo WikiLeaks e outras
organizações midiáticas, de informações supostamente derivadas de registros
governamentais norte-americanos”.
Assange convidava o governo dos Estados Unidos a “indicar em particular”
exemplos de situações em que a publicação de um telegrama pudesse expor um
indivíduo “a risco significativo”. Ele prometia que o WikiLeaks rapidamente
consideraria qualquer envio do governo norte-americano antes da publicação dos
telegramas. O assessor jurídico do Departamento de Estado, Harold Koh,
respondeu com uma carta intransigente, em que afirmava que os telegramas
“foram fornecidos em violação à legislação norte-americana e sem considerar as
graves consequências desse ato”. Sua publicação “poria em risco a vida de
inúmeros indivíduos”, ameaçaria as atuais operações militares e a cooperação
entre os Estados Unidos e os aliados e parceiros. E também atrapalharia a
cooperação em “desafios comuns, como o terrorismo, as pandemias e a
proliferação nuclear”.
A carta exigia que Assange interrompesse os planos de publicar os telegramas,
devolvesse os arquivos roubados e “destruísse todos os registros do material nas
bases de dados do WikiLeaks”.
Assange escreveu a Susman novamente em 28 de novembro. Esclareceu que o
WikiLeaks não tinha intenção de pôr ninguém em risco, “nem queremos
prejudicar a segurança nacional dos Estados Unidos”. E continuou: “Entendo
que o governo dos Estados Unidos preferia que essas informações não fossem
divulgadas ao domínio público e que não seja a favor da abertura. Dito isso, ou
há um risco ou não há. O senhor escolheu responder de uma maneira que me
leva a concluir que os riscos são inteiramente imaginários e que, em vez disso,
está preocupado apenas em remover evidências de abusos de direitos humanos e
outros comportamentos criminosos”.
As negociações com o Departamento de Estado – se é que era disso que se
tratava – estavam, portanto, encerradas. Só restava se preparar para a publicação
simultânea do maior vazamento da história. O que poderia sair errado?
Notas
* Human intelligence ou “inteligência humana”, isto é, um dos métodos de coleta de informações. (N. da
T.)
* Departamento de Defesa. (N. da T.)
* Rua onde se localiza a residência oficial do primeiro-ministro britânico. (N. do E.)
15
Em Kings Place, a reunião editorial do dia seguinte estava mais cheia que o
normal. As reuniões matutinas são um ritual no The Guardian: os chefes das
editorias – nacional, estrangeira, cidades, esportes, assim como a de reportagens
especiais, comentários e arte – fazem um breve relatório das contribuições do
dia. A equipe toda pode participar, e qualquer um pode falar. A organização das
cadeiras reflete a hierarquia velada do The Guardian: Rusbridger senta-se no
meio de um sofá amarelo e comprido; a equipe de novatos senta-se, sem nenhum
conforto, nos bancos próximos às paredes de vidro. Depois da rodada de
notícias, o editor normalmente diz: “Mais alguma coisa?” Muitas vezes há um
silêncio. Alguém corajoso, ou tolo, inicia o debate; às vezes o silêncio se estende
embaraçosamente por dez segundos. Nessa manhã, porém, não houve hesitação.
A sala estava lotada; a atmosfera era de agitação e espanto pelo fato de que o
The Guardian conseguira, com umas poucas falhas, publicar a história.
Um dos rostos desconhecidos ali era o de Luke Harding, correspondente do
The Guardian em Moscou, que examinara os telegramas à procura de uma série
de histórias sobre a Rússia e que, recém-chegado de Moscou, estava de pé
próximo à porta, com a barba por fazer, atordoado com a mudança de fuso
horário. Ian Katz recordou os eventos dramáticos do domingo e explicou a
decisão de prosseguir com a publicação, quando ficou claro que o próprio
Cablegate originara um vazamento. Katz descreveu as cômicas discussões do
The Guardian com seus muitos parceiros europeus: “Era um misto de liderar um
comitê em Bruxelas com um episódio de ’Allo ’Allo”.* Ele propôs uma analogia
um tanto rococó: era “como ser uma espécie de controlador de tráfego aéreo,
com diversos pequenos acidentes de avião em Stansted, mas conseguindo
aterrissar alguns jatos dos grandes em Heathrow”.
O site do The Guardian tinha ficado “completamente confuso”, informou
Janine Gibson. A história produziu um tráfego incrível: 4,1 milhões de usuários
únicos, o número mais elevado de todos os tempos. Números recorde
continuariam, com 9,4 milhões de navegadores exibindo as histórias do
WikiLeaks entre 28 de novembro e 14 de dezembro. Cerca de 43% vinham dos
Estados Unidos. A equipe do The Guardian projetara um gráfico interativo que
permitia aos leitores realizarem suas próprias buscas na base de dados dos
telegramas. Esse gráfico se tornou o aspecto mais popular da cobertura do The
Guardian. Pessoas no mundo todo podiam ver o que os oficiais norte-
americanos haviam escrito de forma privada sobre seus governantes. “Era
realmente agradável”, afirma Gibson. “As pessoas pesquisavam e se envolviam
com os telegramas, não estavam apenas ‘assangeando’.”
À medida que os telegramas apareciam diariamente, um retrocesso
desagradável, e muitas vezes desordenado, ocorria nos Estados Unidos. Um coro
vingativo surgiu, sobretudo entre os republicanos. O congressista de Nova York
Peter King, que assumiria a presidência do Comitê de Segurança Interna, falou
em “traição” e sugeriu que o WikiLeaks fosse designado como “uma
organização terrorista estrangeira”. Evitando qualquer risco de meias-palavras,
ele disse: “O WikiLeaks representa um perigo claro e presente para a segurança
nacional dos Estados Unidos”.
Foi noticiado que o congressista Pete Hoekstra, de Michigan, exigia
execuções: “Evidentemente podemos ir atrás da pessoa que vazou a informação
ou a hackeou em nossos sistemas, e podemos prendê-la por espionagem ou
traição. Se formos atrás dela – e pudermos condená-la por traição –, então a pena
de morte se torna uma opção”.
Seu colega Mike Rogers, também de Michigan, não fez por menos. Ele disse a
uma estação local de rádio: “Afirmo que a pena de morte deve ser considerada
nesse caso. Ele claramente ajudou o inimigo, o que pode resultar na morte de
soldados ou colaboradores norte-americanos. Se esse não é um delito passível de
pena de morte, eu não sei o que é”.
A ex-governadora do Alasca Sarah Palin, queridinha da direita insana,
denunciou “a espionagem doentia e antiamericana” de Assange e quase incitou
seu assassinato: “Por que ele não foi perseguido com a mesma urgência com que
perseguimos os líderes do Talibã e da Al Qaeda? [...] Ele é um espião
antiamericano com sangue nas mãos”.
Mas veio do senador Joe Lieberman, presidente do Comitê de Segurança
Interna do Senado, um gavião da política estrangeira e democrata dissidente, a
crítica mais voraz e objetiva contra o WikiLeaks. Lieberman descreveu o
vazamento em termos apocalípticos, como “uma ação ultrajante, incauta e
desprezível, que minará a capacidade de nosso governo e de nossos parceiros de
manter o povo seguro e de colaborar para defender nossos interesses vitais”. Ele
não chegou a denunciar Assange como “terrorista”, mas afirmou: “O que o
WikiLeaks fez foi terrível. Espero que estejamos fazendo o possível para tirar o
site deles do ar”.
* Série de TV britânica, transmitida entre 1982 e 1992, que retratava a França ocupada. (N. da T.)
* Essa expressão constitui uma variante de LOL (laughing out loud) e pode ser traduzida como “tirando
sarro da cara (de alguém)”. (N. da T.)
16
* Lavrenti Pavlovich Béria, líder do NKVD (Comissariado do Povo para Assuntos Internos), a polícia
secreta do Partido Comunista, foi um dos homens mais temidos da União Soviética no período Stálin. (N.
da T.)
* Torneio de críquete, disputado por Austrália e Inglaterra. (N. da T.)
* Uma nova audiência foi marcada para o dia 24 de fevereiro pelo juiz Howard Riddle. (N. do E.)
APÊNDICE
Telegramas diplomáticos
americanos*
Tradução
Marcos Malvezzi Leal
Nota
* Para ler (em inglês) todos os telegramas publicados pelo The Guardian, acesse
<www.guardian.co.uk/wikileakscablesdatabase>.
Tunísia – um enigma nas relações exteriores dos Estados
Unidos
Sexta-feira, 17 de julho de 2009, 16h19
SEÇÃO SECRETA 01 DE 05 TÚNIS 000492
NOFORN
SIPDIS*
DEPT PARA NEA AA/S FELTMAN, DAS HUDSON, EMBAIXADOR NOMEADO GRAY, E
NEA/MAG* DO EMBAIXADOR
EO* 12958 DECL:* 13/07/2029
TAGS PREL, PGOV, ECON, KPAO, MASS, PHUM, TS
ASSUNTO: TUNÍSIA PROBLEMÁTICA: O QUE FAZER?
Classificado pelo embaixador Robert F. Godec como E.O. 12958 razões 1.4 (b) e (d).
Resumo
1. (S/NF*) Por muitas razões, a Tunísia deveria ser um forte aliado dos Estados Unidos, mas não é. Embora
tenhamos em comum alguns valores-chave e o país tenha um sólido registro de desenvolvimento, a Tunísia
tem muitos problemas. O presidente Ben Ali está envelhecendo, seu regime é caquético e não há sucessor
evidente. Muitos tunisianos se sentem frustrados pela falta de liberdade política e irritados com a corrupção
da Primeira Família, com o alto índice de desemprego e com as desigualdades regionais. O extremismo é
uma ameaça constante. Para aumentar os problemas o GDT* não tolera conselhos nem críticas, sejam de
natureza doméstica ou internacional. Pelo contrário, se empenha em impor um controle ainda maior,
geralmente por meio da polícia. Resultado: a Tunísia é problemática, e nossas relações também.
2. (S/NF) Nos últimos três anos, a missão americana em Túnis respondeu oferecendo maior cooperação nas
áreas em que os tunisianos afirmam mais precisar, não deixando de evidenciar, porém, a necessidade de
mudança. Tivemos algum sucesso, principalmente em áreas comerciais e de assistência militar, mas
também tivemos fracassos. Fomos barrados, em parte, pelo ministro das Relações Exteriores que tenta
controlar todos os nossos contatos no governo e em muitas outras organizações. O GDT frequentemente
prefere a ilusão de comprometimento ao difícil trabalho da verdadeira cooperação. Mudanças importantes
na Tunísia terão de esperar pela saída de Ben Ali, mas o presidente Obama e suas políticas criam
oportunidades neste momento. Como podemos tirar proveito delas?
Recomendamos:
– manter foco sólido na reforma democrática e no respeito aos direitos humanos, mas mudando nosso modo
de promover tais metas; – tentar envolver o GDT em um diálogo sobre questões de interesse mútuo,
incluindo comércio e investimento, paz no Oriente Médio e maior integração em Magrebe; – oferecer aos
tunisianos (principalmente aos jovens) mais educação na língua inglesa, intercâmbios educacionais e
programas culturais; – afastar nossa assistência militar do FMF,* mas procurar novos modos de promover a
segurança e a cooperação de inteligência; – aumentar contatos de alto nível, mas enfatizar que uma
cooperação mais profunda por parte dos Estados Unidos depende de um real comprometimento tunisiano.
Fim do resumo.
3. (SBU) Os Estados Unidos e a Tunísia têm duzentos anos de sólidos vínculos e interesses comuns,
incluindo o avanço da paz regional, o combate ao terrorismo e o desenvolvimento da prosperidade. Desde a
independência, a Tunísia merece crédito pelo progresso econômico e social. Sem os recursos naturais de
seus vizinhos, o país se concentrou no povo e diversificou sua economia. Com um raro sucesso, o GDT é
eficaz na prestação de serviços (educação, assistência médica, infraestrutura e segurança) à população. O
governo tem procurado construir uma “economia do conhecimento” para atrair investimento estrangeiro
direto, o que criará empregos com alto valor agregado. Como resultado, o país tem desfrutado, na última
década, de um crescimento real de 5% do PIB. Em relação aos direitos da mulher, a Tunísia é modelo, e
tem longo histórico de tolerância religiosa, como demonstrado na forma como trata sua comunidade
judaica. Apesar dos desafios significantes (sobretudo os 14% no índice de desemprego), a Tunísia está
melhor que a maioria dos países da região.
4. (SBU) Na política externa, a Tunísia vem desempenhando papel de moderação (embora recentemente sua
meta seja “se dar bem com todos”). O GDT rejeita o boicote imposto pela Liga Árabe aos produtos
israelense. Apesar do rompimento com Israel em 2000, o GDT tem tido discussões esporádicas com oficiais
israelenses. O GDT também apoia a liderança de Mahmoud Abbas da Autoridade Palestina. A Tunísia
participou da Conferência de Anápolis e tem apoiado nossos esforços em promover negociações entre
israelenses e palestinos. O GDT tem ainda a mesma posição que nós em relação ao Irã, trata-se de um
aliado na luta contra o terrorismo e tem uma embaixada no Iraque. Além disso, a Tunísia recentemente
assinou um tratado de anistia de dívida com o governo do Iraque nos termos do Clube de Paris, sendo o
primeiro país árabe a fazer isso.
5. (SBU) Por fim, embora os tunisianos estejam profundamente zangados com a Guerra do Iraque e tenham
percebido a parcialidade americana em relação a Israel, a maioria ainda admira o “sonho americano”. A
despeito da raiva dirigida contra a política externa norte-americana, vemos um crescente desejo pelo
aprendizado da língua inglesa, maior procura por intercâmbios educacionais e
científicos e crença na cultura americana da inovação. Os tunisianos percebem a importância disso para seu
futuro.
6. (C) Apesar do progresso econômico e social da Tunísia, seu histórico de liberdade política é fraco. A
Tunísia é um Estado policial com pouca liberdade de expressão ou de associação e sérios problemas de
direitos humanos. O GDT pode pontuar algum progresso político na última década, incluindo o fim das
análises prévias de livros e o acesso do ICRC* a muitas prisões. Mas para cada passo adiante, outro tem
sido dado para trás, como a recente apropriação de importantes veículos de mídia privados por pessoas
próximas ao presidente Ben Ali.
7. (C) O problema é evidente: a Tunísia é governada há 22 anos pelo mesmo presidente. Ele não tem
sucessor. E, enquanto Ben Ali merece crédito por continuar muitas das políticas progressistas do ex-
presidente Bourguiba, ele e o regime perderam contato com o povo da Tunísia. Eles não toleram conselhos
ou críticas, domésticas ou internacionais. Cada vez mais, dependem da polícia para controlar e se
concentram em preservar o poder. E a corrupção dentro do país está crescendo. Os tunisianos estão
intensamente conscientes dela, e o coro de reclamações vem aumentando. Eles destetam – chegam mesmo a
odiar – a primeira-dama Leila Trabelsi e sua família. Em particular, os oponentes do regime a ridicuralizam,
e até os mais próximos do governo mostram preocupação com seu comportamento. Enquanto isso, cresce a
revolta na Tunísia pelo elevado nível de desemprego e pelas desigualdades regionais. Consequentemente, os
riscos à estabilidade do regime, a longo prazo, estão aumentando.
13. (C) Apesar das frustrações de se fazer negociações por aqui, não podemos ignorar a Tunísia. Há muita
coisa em jogo. Temos interesse em impedir que a Al Qaeda no Magrebe islãmico e outros grupos
extremistas estabeleçam uma cabeça-de-ponte aqui. Temos interesse em manter as Forças Armadas
tunisianas profissional e neutra. Desejamos também promover maior abertura política e respeito pelos
direitos humanos. Também é de nosso interesse possibilitar a prosperidade e o desenvolvimento da classe
média do país, a base para a estabilidade duradoura da Tunísia. Além disso, precisamos aumentar o
entendimento mútuo com o intuito de melhorar a imagem dos Estados Unidos e assegurar maior cooperação
para os nossos vários desafios regionais.
Os Estados Unidos precisam de ajuda na região para promover nossos valores e políticas. A Tunísia é o
lugar onde, com o tempo, poderemos encontrar essa ajuda.
Uma mão estendida
14. (C) Desde a posse do presidente Obama, os tunisianos têm sido mais receptivos aos Estados Unidos.
Oficiais superiores do GDT ouvem de bom grado as declarações e falas de Obama. Seu discurso no Cairo
atraiu especial elogio, levando o ministro das Relações Exteriores a chamá-la de “corajosa”. Ao mesmo
tempo, alguns contatos da sociedade civil que vinham boicotando funções da embaixada em oposição à
Guerra do Iraque começam a rever suas posições. De modo geral, a metáfora da “mão estendida” no
discurso de posse de Obama teve uma repercussão poderosa em meio aos tunisianos. Concretamente, eles
têm dado as boas-vindas a muitas ações da administração do presidente americano, entre as quais a decisão
de fechar o centro de detenção da baía de Guantánamo, bem como os planos de retirada de algumas tropas
do Iraque. Acima de tudo, os tunisianos gostam do tom, das declarações e das ações do presidente (até
agora) em relação ao Oriente Médio.
...
GODEC
Notas
* Termo utilizado para documentos que devem ser distribuídos por meio da SIPRNet (Rede de Roteadores
do Protocolo Secreto de Internet). (N. do E.)
* Escritório de assuntos do Magrebe. (N. do E.)
* Special Delivery Official, sigla para fins postais. (N. do E.)
*Declassify, tornar público em. (N. do E.)
*Secret/No Foreign, sigilo, não pode ser divulgado a estrangeiros. (N. do E.)
* Governo da Tunísia. (N. do T.)
* Foreign Military Finance, programa norte-americano de financiamento militar no exterior. (N. do. T.)
* International Committee of the Red Cross, Comitê Internacional da Cruz Vermelha. (N do T.)
O estilo de vida “exagerado” do genro do presidente da
Tunísia, que inclui um tigre de estimação
Segunda-feira, 27 de julho de 2009, 16h09
SECRETO TÚNIS 000516
SIPDIS
NEA/MAG; INR/B
EO 12958 DECL: 28/02/2017
TAGS PREL, PTER, PGOV, PINR, ENRG, EAID, TS
ASSUNTO: TUNÍSIA – JANTAR COM SAKHER EL MATERI
REF: TÚNIS 338
Classificado como confidencial pelo embaixador Robert F. Godec por razões 1.4 (b) e (d)
Resumo
1. (S) O embaixador e sua esposa jantaram com Mohamed Sakher El Materi e sua esposa, Nesrine Ben Ali
El Materi, na casa dos El Materi em Hammamet, em 17 de julho. Durante o farto jantar, El Materi levantou
a questão da Escola Cooperativa Americana de Túnis e disse que tentaria “resolver o problema antes da
partida do embaixador”, como um gesto “amigo”. Elogiou as políticas do presidente Obama e defendeu
uma solução de dois estados para Israel e os palestinos. Também expressou interesse em abrir uma franquia
do McDonald’s e se queixou do atraso por parte do governo em aprovar uma lei de franquias. Falou do
orgulho de sua rádio islâmica de Zaitona e das entrevistas com líderes de partidos da oposição publicadas
por seu recém-adquirido grupo de jornais. Ao longo da noite, El Materi alternava entre difícil e gentil. Às
vezes, parecia desejar aprovação. Vive, porém, em grande riqueza e ostentação, ilustrando um dos motivos
pelos quais vem aumentando no país o ressentimento em relação aos parentes do presidente Ben Ali. Fim
do resumo.
A situação da ECAT
2. (S) Genro do presidente e rico empresário, Mohamed Sakher El Materi, e a mulher, Nesrine Ben Ali El
Materi, receberam o embaixador e sua esposa para um jantar em sua residência na praia de Hammamet, em
17 de julho. El Materi levantou a questão da Escola Cooperativa Americana de Túnis (ECAT), perguntando
o que estava acontecendo. O embaixador explicou a situação e enfatizou que há irritação e preocupação em
Washington e na comunidade americana de língua inglesa em Túnis. Disse que se a escola fosse fechada,
haveria sérias consequências em nossas relações. El Materi disse que poderia ajudar e tentaria resolver a
situação imediatamente, ou seja, antes de o embaixador ir embora. Explicou que gostaria de fazer isso por
um “amigo”. Acrescentou que havia ajudado o embaixador do Reino Unido a marcar vários encontros
(incluindo um almoço com o primeiro-ministro) para o príncipe Andrew do Reino Unido durante visita
recente. Antes de sua intervenção, disse El Materi, o príncipe teve apenas um encontro com um único
ministro.
Liberdade de expressão
4. (S) El Materi disse ser importante ajudar os outros, acrescentando que esse fora um dos motivos pelos
quais adotou uma criança. O embaixador mencionou os projetos de assistência humanitária da embaixada,
comentando que não tinham tido cobertura da mídia. O genro do presidente disse, com veemência, que
seriam divulgados, que era importante a embaixada buscar tal espaço na imprensa. Disse ainda que
combateria parte da imagem negativa dos Estados Unidos. O embaixador perguntou se El Materi enviaria
jornalistas para escrever matérias sobre os projetos assistenciais dos Estados Unidos. El Materi disse que
certamente faria isso.
5. (S) O genro do presidente reclamou extensivamente da burocracia tunisiana, dizendo que era difícil fazer
qualquer coisa. Disse que a comunicação burocrática é terrível. Comentou que as pessoas com frequência
“levam informações erradas” ao presidente, o que faz com que às vezes ele tenha de intervir para que as
coisas sejam corrigidas.
11. (S) A casa de El Materi é ampla e fica logo acima da praia pública de Hammamet. O complexo é grande
e vigiado por seguranças do governo. Fica próximo ao centro de Hammamet, com vista para o forte e para a
parte sul da cidade. A casa foi reformada recentemente e inclui uma piscina imensa e um terraço de talvez
cinquenta metros. Embora a construção seja em estilo moderno (e predominantemente branca), há artefatos
antigos por toda parte: colunas romanas, afrescos e até uma cabeça de leão da qual jorra água para a piscina.
El Materi afirmou que as peças são reais. Ele espera se mudar para sua nova (e palacial) residência em Sidi
Bou Sadi entre oito e dez meses.
12. (S) O jantar incluiu talvez doze pratos, entre peixe, bife, peru, polvo, cuscuz de peixe e muito mais. A
quantidade era suficiente para um grande número de convidados. Antes do jantar, uma variedade enorme de
petiscos foi servida, regada a três tipos de suco diferentes (incluindo kiwi, normalmente não encontrado por
ali). Depois do jantar, foram servidos sorvete e frozen yogurt, trazidos de avião de Saint-Tropez,
acompanhados de mirtilos e framboesas, além de frutas frescas e bolo de chocolate. (NB. El Materi e
Nesrine tinham acabado de voltar de Saint-Tropez em seu jato particular após duas semanas de férias. El
Materi estava preocupado em acomodar o piloto americano no país. O embaixador disse que teria prazer em
convidar o piloto para eventos da comunidade americana para que se enturmasse.)
13. (S) El Materi tem um grande tigre (“Pasha”) no complexo, que vive em uma jaula. Adquiriu o animal
quando este tinha poucas semanas de vida. O tigre come quatro frangos por dia. (Comentário: A situação
lembrou o embaixador da jaula de leão de Uday Hussein, em Bagdá.) El Materi tinha funcionários por todo
lado. Havia pelo menos doze pessoas, incluindo um mordomo de Bangladesh e uma babá da África do Sul.
(NB. Isso é extraordinariamente raro e caro na Tunísia.)
14. (S) O casal têm três filhos: duas meninas e um menino. Leila tem 4 anos e a outra menina tem 10 meses.
O menino foi adotado e tem 2 anos. A filha mais nova é cidadã canadense, pois nasceu no Canadá. O
destino favorito para as férias da família são as Ilhas Maldivas.
15. (S) El Materi disse que havia começado um programa de exercícios e dieta. Comentou que perdeu peso
recentemente (o que é visível). O genro do presidente afirmou que come de maneira “equilibrada”. Tinha
acabado de passar uma hora pedalando, disse. Nesrine afirmou não praticar exercícios.
16. (S) O casal fala inglês, embora ambos tenham vocabulário e gramática limitados. Estão claramente
interessados em aprimorar o idioma. Nesrine disse que adora a Disney, mas adiou uma viagem para lá este
ano por causa da gripe H1N1. Por algum tempo, ela manteve o Tamiflu sempre por perto (tomando-o em
algumas viagens). A princípio, tinha o remédio por medo da gripe aviária. Ela põe o medicamento também
na mala de El Materi quando ele viaja. Nesrine disse que visitou várias cidades dos Estados Unidos. Já seu
marido só esteve em Illinois recentemente, numa conexão para a compra de um avião.
Comentário
17. (S) No decorrer da noite, El Materi deixou ao embaixador a impressão de ser exigente, vaidoso e difícil.
Ele tem plena consciência de sua riqueza e poder, e suas ações refletem pouca delicadeza. Repetidamente,
apontou para a magnífica vista da casa e corrigiu várias vezes os empregados, dando ordens e
repreendendo-os com severidade. Apesar disso, El Materi tinha consciência do efeito que causava nas
pessoas à sua volta e às vezes se mostrava gentil. Foi extraordinariamente solícito e prestativo para com a
mulher do embaixador, deficiente física. De vez em quando, parecia estar à procura de aprovação. Um
embaixador ocidental em Túnis, que conhece El Materi, comentou que ele tem habilidades políticas no
estilo ocidental na disposição para se envolver com cidadãos comuns. Trata-se de um traço incomum por
aqui.
18. (S) Nos últimos meses, El Materi tem sido mais visto na comunidade diplomática local. É evidente que
ele decidiu (ou lhe recomendaram) servir como ponto de contato entre o regime e os principais
embaixadores. Nesrine, 23 anos, pareceu amigável e interessada, porém ingênua e inocente. Ela reflete a
vida rica, privilegiada e protegida que tem vivido. Quanto ao jantar propriamente, foi parecido com o que
poderíamos esperar em um país do Golfo, e fora do comum para a Tunísia.
19. (S) O mais surpreendente, no entanto, foi a riqueza na qual vive o casal. A residência em Hammamet é
impressionante, com o tigre aumentando a impressão de “estilo exagerado” de viver. Ainda mais
extravagante é a casa em construção em Sidi Bou Said. Essa residência, a julgar pela aparência externa, será
mais próxima a um palácio. Ela domina a linha do horizonte a partir de determinados locais de vista
privilegiada e já foi alvo de muitos comentários críticos particulares. A opulência em que vivem El Materi e
Nesrine e o comportamento deles deixam claro por que alguns tunisianos detestam ou mesmo odeiam os
dois e outros membros da família de Ben Ali. Os excessos da família do presidente estão aumentando.
http://www.state.sgov.gov/p/nea/tunis/index.c fm GODEC
Nota
SIPDIS
SIPDIS
CASA BRANCA PARA OVP, DEPARTMENTO PARA NEA/ARP E S/I
SATTERFIELD
EO 12958 DECL: 19/04/2018
TAGS EAID, ECON, EFIN, IZ, PGOV, PREL, MOPS, SA, IR
ASSUNTO: REI SAUDITA ABDULLAH E PRÍNCIPES NA QUESTÃO DA POLÍTICA SAUDITA EM
RELAÇÃO AO IRAQUE
Classificado como confidencial por: CDA* Michael Gfoeller, razões 1.4 (b, d)
1. (S) Resumo: O embaixador norte-americano no Iraque, Ryan Crocker, e o general David Petraeus
reuniram-se com o rei da Arábia Saudita, Abdullah bin Abd al-Aziz, o ministro das Relações Exteriores
príncipe Saud al-Faisal, o chefe geral de inteligência da presidência príncipe Muqrin bin Abd al-Aziz e o
ministro do Interior Nayif bin Abd al-Azis durante visita a Riad nos dias 14 e15 de abril. O rei saudita e os
príncipes avaliaram em detalhes a política saudita em relação ao Iraque, todos apresentando basicamente as
mesmas posições. Disseram que o reino não enviará um embaixador a Bagdá nem abrirá uma embaixada
enquanto o rei e os oficiais superiores sauditas não estiverem convencidos de que a situação de segurança
melhorou e de que o governo do Iraque tem implementado políticas que beneficiem todos os iraquianos,
reforçando a identidade árabe iraquiana e resistindo à influência iraniana. Os sauditas revelam de certa
forma maior flexibilidade em relação às questões de assistência econômica e humanitária ao Iraque e anistia
da dívida. Em conversa com o encarregado de negócios em 17 de abril, o embaixador saudita nos Estados
Unidos, Adel al-Jubeir, ressaltou que o rei ficou muito impressionado com a visita do embaixador Crocker e
do general Petraeus, e al-Jubeir deu a entender que o governo saudita pode anunciar mudanças na política
com o Iraque antes da visita do presidente a Riad, em meados de maio. Fim do resumo.
2. (S) Em todos os encontros com membros da família real saudita, tanto o embaixador Crocker quanto o
general Petraeus transmitiram o progresso no Iraque e confirmaram o papel negativo do Irã nesse país.
Caracterizaram como devastadores os efeitos das recentes operações lideradas pelas forças internas de
segurança contra as milícias xiitas em Basra e Bagdá; entre eles, o mais importante foi o fato de voltar a
opinião púbica contra as milícias. Embora a decisão do primeiro-ministro Nuri al-Maliki de partir para a
ação contra as milícias tenha sido descrita como precipitada e mal planejada, o embaixador Crocker e o
general Petraeus enfatizaram que todas as falhas táticas foram ofuscadas pelo efeito positivo maior de
unificar o Iraque e demonstrar a resolução determinada do GDI,* particularmente de al-Maliki, de dominar
as milícias xiitas, principalmente Jaysh al-Mahdi. Ao mesmo tempo, essas operações demonstraram de
maneira inequívoca as atividades subversivas do Irã no Iraque e suas ambições regionais maiores. Durante
todas as discussões, o embaixador e o general enfatizaram a importância e a necessidade urgente de os
sauditas se juntarem a nós no apoio ao Iraque.
3. (S) O rei Abdullah, o ministro das Relações Exteriores e o príncipe Muqrin afirmaram que o governo
saudita não enviaria embaixador a Bagdá nem abriria ali uma embaixada em futuro próximo, citando como
motivo para isso a questão da segurança. O ministro das Relações Exteriores afirmou que havia considerado
a possibilidade de despachar um embaixador e tinha enviado diplomatas sauditas a Bagdá para encontrar
um local para a embaixada. Entretanto, disse ele, “o rei simplesmente nos proibiu de seguir adiante”. O rei
Abdullah confirmou o relato em reunião separada com o embaixador Crocker e o general Petraeus. Afirmou
que a segurança em Bagdá era frágil demais para expor o envio de um embaixador saudita. “Ele se tornaria
alvo imediato para os terroristas e as milícias”, disse.
4. (S) O rei também rejeitou a ideia de que, ao enviar um embaixador saudita a Bagdá, poderia dar apoio
político essencial ao governo iraquiano, enquanto este se empenha em resistir à influência e à subversão
iranianas. Ele expressou dúvida perene quanto à disposição do governo do Iraque de resistir ao Irã. Também
repetiu suas dúvidas frequentemente expressas acerca do primeiro-ministro iraquiano, al-Maliki, aludindo a
suas “conexões iranianas”. O monarca saudita afirmou não confiar em al-Maliki porque este já “mentiu”
para ele no passado, prometendo tomar certas providências que não tomou. O rei não disse exatamente
quais seriam essas supostas promessas não cumpridas. Repetiu sua já conhecida visão de que al-Maliki
governa o Iraque em nome de sua seita xiita, e não de todos os iraquianos.
5. (S) Entretanto, em um gesto potencialmente significativo, o rei não rejeitou completamente a ideia de
despachar um embaixador saudita para Bagdá. Disse que levaria em conta
essa possibilidade depois das eleições provinciais no Iraque, realizadas no outono. A direção dessas eleições
indicaria se o governo do Iraque está de fato interessado em governar em nome dos iraquianos ou apenas
em apoio aos xiitas, afirmou o rei Abdullah.
6. (S) O ministro das Relações Exteriores assinalou outro potencial abrandamento na política saudita,
dizendo que o problema do reino não era com al-Maliki como pessoa, mas com a conduta do governo
iraquiano. O próprio rei admitiu que o comportamento do governo desse país tem melhorado nos últimos
meses e, embora a contragosto, reconheceu que al-Maliki e suas forças de segurança têm realmente
combatido extremistas, especificamente os xiitas em Basra e Bagdá, bem como extremistas sunitas e a Al
Qaeda em Mosul. No entanto, o rei e os príncipes disseram precisar de mais tempo para julgar se a recente
mudança de comportamento é duradoura e sincera. O rei sugeriu que boa parte do progresso da atuação do
governo iraquiano se atribui mais à interferência dos Estados Unidos do que a uma mudança nas atitudes do
Iraque.
7. (S) O ministro das Relações Exteriores também sugeriu que o governo dos Estados Unidos deveria
insistir para o que o aiatolá Sistani se pronuncie a favor de um Iraque unificado e da reconciliação nacional
entre diferentes seitas e grupos. “Vocês pagaram um preço alto em sangue e tesouro, e Sistani e seu pessoal
têm se beneficiado diretamente disso. Têm todo o direito de exigir isso dele”, disse o príncipe Saud al-
Faisal.
8. (S) O rei, o príncipe Muqrin e o ministro das Relações Exteriores deram a entender que o governo da
Arábia Saudita estaria disposto a considerar a provisão de assistência econômica e humanitária ao Iraque. O
príncipe Muqrin pediu que o embaixador Crocker e o general Petraeus lhe enviassem uma lista das formas
de assistência que o governo americano gostaria que o reino oferecesse ao Iraque. Posteriormente, al-Jubeir
disse ao encarregado de negócios que essa assistência seria separada do um bilhão de dólares que o governo
saudita prometeu na Conferência de Madri, mas que ainda não entregou por preocupações relativas à
segurança. Ele disse que o compromisso de Madri consistia em quinhentos milhões de dólares em créditos
comerciais e quinhentos milhões em assistência a projetos com estrita condicionalidade, de acordo com os
ditames do Banco Mundial. Al-Jubeir acrescentou ainda que a assistência possivelmente oferecida pelo
governo saudita por meio do príncipe Muqrin seria, inicialmente, algo entre 75 e trezentos milhões de
dólares.
Possível amortização da dívida
9. (S) O rei observou que o alívio da dívida do Iraque “virá em algum momento”, embora não tenha dito
quando. Al-Jubeir disse ao encarregado de negócios que o alívio da dívida é uma possibilidade real.
Também comentou que o governo saudita poderá realizar mudanças na política em relação ao Iraque, talvez
incluindo tanto a assistência quanto o alívio da dívida, antes da visita do presidente a Riad.
10. (S) O rei, o ministro das Relações Exteriores, o príncipe Muqrin e o príncipe Nayf concordaram que o
reino precisa cooperar com os Estados Unidos para resistir e rechaçar a influência e a subversão iranianas
no Iraque. O rei insistiu muito nesse ponto, sendo apoiado pelos príncipes. Al-Jubeir enfatizou as frequentes
exortações do rei aos Estados Unidos para que ataquem o Irã, pondo fim ao programa de armas nuclear do
país. “Ele lhes pediu para cortar a cabeça da cobra”, lembrou ao encarregado de negócios, acrescentando
que o trabalho junto aos Estados Unidos para rechaçar a influência iraniana no Iraque é prioridade
estratégica para o rei e seu governo.
11. (S) O ministro das Relações Exteriores, por outro lado, solicitou sanções norte-americanas e
internacionais mais severas contra o Irã, incluindo proibição de viagens e maiores restrições a empréstimos
bancários. O príncipe Muqrin concordou, enfatizando que algumas sanções poderiam ser implementadas
sem a aprovação das Nações Unidas. O ministro das Relações Exteriores afirmou também que o uso de
pressão militar contra o Irã não deve ser descartado.
12. (S) Comentário: As atitudes sauditas em relação ao Iraque, do rei para baixo, continuam marcadas pelo
ceticismo e pela desconfiança. Dito isso, os sauditas têm acompanhado eventos recentes no Iraque e estão
ansiosos por trabalhar com os Estados Unidos na resistência e reversão do avanço furtivo iraniano no país.
O rei ficou impressionado com a visita do embaixador Crocker e do general Petraeus, assim como o
ministro das Relações Exteriores, o chefe da inteligência e o ministro do Interior. Cautelosos como de
costume, os sauditas podem, no entanto, estar dispostos a considerar novas medidas nas áreas de assistência
e alívio da dívida, embora mais discussões sejam necessárias até que tal ideia se transforme em realidade.
Fim do comentário.
13. (U) Este telegrama foi analisado e autorizado pelo embaixador Crocker e o general Petraeus.
GFOELLER
Notas
SIPDIS
EO 12958 DECL: 22/02/2034
TAGS PREL, PGOV, KNNP, ECON, SOCI, KS, KN, JA”>JA”>JA, CH
ASSUNTO: VMRE CHUN YUNG-WOO NA QUESTÃO DAS RELAÇÕES SINO-NORTE-COREANAS
Classificado pela embaixadora Kathleen Stephens. Razões 1.4 (b/d).
Resumo
1. (S) O vice-ministro das Relações Exteriores Chun Yung-woo disse à embaixadora, em 17 de fevereiro,
que a China não poderia impedir o colapso da Coreia do Norte após a morte de Kim Jong-il (KJI). A
RDPC,* disse Chun, já caíra economicamente e sofreria um colapso político dois ou três anos após a morte
de Kim Jong-il. Chun descartou informações veiculas pela mídia da República da Coreia de que empresas
chinesas teriam concordado em injetar dez bilhões de dólares americanos na economia do Norte. Beijing
“não estava disposta” a usar sua modesta influência econômica para forçar uma mudança nas políticas de
Pyongyang – caracterizado pela RDPC como “o mais incompetente funcionário na China” – e tinha
mantido sua posição como chefe da 6PT da República Popular da China. Ao descrever uma diferença de
geração nas atitudes chinesas em relação à Coreia do Norte, Chun afirmou que XXXXXXXXXXX
acreditava que a Coreia deveria ser unificada sob controle da República da Coreia. Chun reconheceu a
posição da embaixadora de que uma relação sólida entre a RDC e o Japão ajudaria Tóquio a aceitar uma
Península Coreana reunificada. Fim do resumo.
2. (S) Durante almoço oferecido pela embaixadora Stephens, em 17 de fevereiro, no qual vários assuntos
foram abordados, o vice-ministro das Relações Exteriores da RDC e ex-chefe de delegação da Six Party-
Talks (6PT), Chun Yung-woo, previu que a China não seria capaz de impedir o colapso da Coreia do Norte
após a morte de Kim Jong-il (KJI). A RDPC, disse Chun, já ruíra economicamente e, após a morte de KJI, o
país sofreria um colapso político em “dois ou três anos”. Chun descartou relatos da mídia da RDC que
afirmavam que empresas chinesas teriam concordado em injetar dez bilhões de dólares na economia do
Norte. Tais relatos “não têm substância”, disse. O VMRE também ridicularizou a “apresentação” do
ministro das Relações Exteriores chinês à embaixada da RDC em Beijing sobre a visita de Wang Jiarui à
Coreia do Norte. O apresentador não identificado “basicamente leu um comunicado à imprensa da Xinhua”.
Chun lamentou o fato de o interlocutor da RPC não estar disposto a responder perguntas simples, como se
Wang tinha ido a Hamhung de avião ou tomado um trem para se encontrar com KJI.
3. (S) O VMRE comentou que a China teve muito menos influência na Coreia do Norte do que “muita
gente pensa”. Beijing não teria “a menor vontade” de usar sua influência econômica para forçar uma
mudança nas políticas de Pyongyang, e a liderança da RDPC “sabe disso”. Chun reconheceu que os
chineses realmente querem que a Coreia do Norte seja desnuclearizada, mas a RPC também está satisfeita
com o status quo. A menos que a China force a Coreia do Norte até o “ponto de colapso”, a RDPC
provavelmente continuaria se recusando a tomar medidas significativas em relação à desnuclearização.
XXXXXXXXXXX
4. (S) Quanto ao Six Party-Talks, Chun disse que era “muito ruim” o fato de Wu Dawei manter sua posição
como chefe da delegação da RPC. XXXXXXXXXX disse que pareceu que a RDPC “deve ter intercedido
de maneira extremamente dura” para que o já aposentado Wu continuasse como chefe da China na 6PT.
XXXXXXXXXX reclamou que Wu é XXXXXXXXXX um ex-guarda vermelho, cria marxista da RPC,
que “nada sabe a respeito da Coreia do Norte, nem da não proliferação, e tem dificuldade em se comunicar
porque não fala inglês”. Wu também era nacionalista convicto, que proclamava em altos brados – para
quem quisesse ouvir – que a ascensão econômica da RPC representava um “retorno à normalidade”, com a
China como grande potência mundial.
5. (S) Oficiais chineses sofisticados XXXXXXXXXX revelam marcante contraste em relação a Wu,
segundo o VMRE Chun. XXXXXXXXXX Chun afirmou XXXXXXXXXX acreditar que a Coreia deveria
ser unificada sob o controle da RDC. XXXXXXXXXX, de acordo com Chun, estavam prontos para
“encarar a nova realidade”, de que a RDPC agora tem pouco valor para a China como um Estado-tampão –
uma opinião que, desde o teste nuclear da Coreia do Norte, em 2006, supostamente avançou entre os líderes
mais antigos da RPC.
6. (S) Chun argumentou que, na eventualidade de um colapso norte-coreano, a China decididamente “não
veria com bons olhos” qualquer presença militar americana no norte da ZDM.* XXXXXXXXXX Chun
XXXXXXXXX disse que a RPC se sentiria confortável com uma Coreia reunificada sob controle de Seul e
ancorada nos Estados Unidos em “aliança benigna” – desde que a Coreia não fosse hostil para com a China.
Oportunidades significativas de comércio e exportação de mão de obra para as empresas chinesas, disse
Chun, também ajudariam a aliviar as preocupações da RPC com relação ao convívio com uma Coreia
reunificada. Chun descartou a possibilidade de intervenção militar por parte da RPC no caso de um colapso
da RDPC, observando que os interesses econômicos estratégicos da China se concentram hoje nos Estados
Unidos, no Japão e na Coreia do Sul, não na Coreia do Norte. Além disso, comentou Chun, uma
intervenção militar flagrante da RPC em uma crise interna da RDPC poderia “fortalecer as forças
centrífugas em áreas minoritárias chinesas”.
... e Japão
7. (S) Chun reconheceu a posição do embaixador de que um relacionamento sólido entre RDC e Japão
ajudaria Tóquio a aceitar uma Península Coreana reunificada sob controle de Seul. Chun afirmou que,
embora a “preferência japonesa” seja manter a Coreia dividida, Tóquio não tem influência para impedir a
reunificação no caso de a RDPC entrar em colapso. STEPHENS
Notas
SIPDIS
SIPDIS
EO 12958 DECL: 30/08/2016
TAGS PGOV, ECON, PINR, RS”>RS
ASSUNTO: UMA FESTA DE CASAMENTO NO CÁUCASO
Classificado pelo subcomandante de Missão Daniel A. Russell. Razão 1.4 (b, d)
Resumo
2. (C) As festas de casamento no Daguestão são um negócio sério: palco para mostrar respeito, fidelidade e
aliança entre famílias; os noivos em si são pouco mais que peças de exibição. As cerimônias acontecem por
três dias em locais discretos. No primeiro, as famílias do noivo e da noiva dão recepções separadas e
simultâneas. No decorrer da recepção, o noivo conduz uma delegação à recepção da noiva e a leva até a
recepção dele, quando então ela passa a fazer parte da nova família e abdica da sua e de seu clã. No dia
seguinte, os pais do noivo dão outra recepção, agora para a família e os amigos da noiva, que podem
“inspecionar” a família à qual deram sua filha. No terceiro dia, a família da noiva realiza uma terceira
recepção para os pais e familiares do noivo.
Pai do noivo
Pai do noivo
3. (C) Em 22 de agosto, Gadzhi Makhachev realizou o casamento do filho de 19 anos, Dalgat, com Aida
Sharipova. A cerimônia em Makhachkala, à qual estivemos presentes, foi um microcosmo das relações
sociais e políticas do Cáucaso do Norte, a começar pela própria biografia de Gadzhi. Ele começou como
líder do clã Avar. Enver Kisriyev, autoridade intelectual da sociedade, nos disse que, quando a potência
soviética se retirou do Daguestão, no fim da década de 80, a complexa sociedade retrocedeu para o que era
antes da estrutura russa. A unidade estrutural básica é a monoétnica “jamaat”; a melhor tradução para o
termo é “cantão” ou “comunidade”. Os grupos étnicos são um constructo russo: confrontados com centenas
de jamaats, os conquistadores russos do século XIX aglutinaram cantões de dialetos próximos e os
chamaram de “Avar”, “Dargin” etc., para reduzir o número de “nacionalidades” do Daguestão para 38.
Desde então, os jamaats dentro de cada grupo étnico têm competido pela liderança do grupo. Essa
concorrência é acentuada principalmente entre os avars, a maior nacionalidade do Daguestão.
4. (C) Com o afrouxamento do poder russo, cada cantão organizou, tanto nas montanhas quanto na capital,
Makhachkala, uma milícia para defender seu povo. Gadzhi tornou-se líder de seu cantão nativo, Burtunay,
em Kazbek Rayon. Posteriormente, declarou suas ambições pan-avar fundando a Frente Popular Imam
Shamil – que leva o nome do grande líder avar da resistência montanhesa aos russos –, para promover os
interesses avars e o papel de Burtunay dentro do grupo étnico. Entre suas aventuras, destacam-se o papel na
defesa militar do Daguestão contra a invasão, em 1999, da Chechênia por parte de Shamil Basayev e al-
Khattab, e a defesa política de aldeias avar sob pressão na Chechênia, na Geórgia e no Azerbaijão.
5. (C) Gadzhi investiu no capital social que criou a partir do nacionalismo, convertendo-o em capital
financeiro e político – como presidente da companhia de petróleo do Daguestão e como único representante
oficial de Makhachkala na Duma, na Rússia. Suas negociações no ramo petrolífero – incluindo cerrada
cooperação com empresas dos Estados Unidos – o deixaram suficientemente abastado para adquirir
luxuosas residências em Makhachkala, Kaspiysk, Moscou, Paris e San Diego, além de uma grande coleção
de automóveis de luxo, incluindo um Rolls Royce Silver Phantom, no qual Dalgat trouxe Aida da recepção
dos pais dela. (Gadzhi, certa vez, nos deu uma carona no Rolls Royce em Moscou, mas o espaço ficou um
pouco restrito pela presença de uma AK7 aos nossos pés. Gadzhi sobreviveu a diversas tentativas de
assassinato, e o mesmo acontece com a maioria dos líderes ainda vivos do Daguestão. Ali, ele sempre se
locomove em uma BMW blindada, com um ou dois carros atrás, cheios de seguranças armados e
uniformizados.)
6. (C) Gadzhi foi além de sua base avar, implementando uma política multiétnica para criar uma rede de
seguidores leais. Enviou jovens do país, inclusive seus filhos, a um tipo de colégio militar perto de San
Diego (conhecemos um estudante, um garoto judeu de Derbent hoje estudando em San Diego. Ele não tem
planos de entrar para as Forças Armadas russas.)
7. (C) Mas o simbolismo avar ainda é forte. O irmão de Gadzhi, um artista de São Petersburgo, enviou
como presente de casamento uma estátua em tamanho real de Imam Shamil. Shamil é o símbolo icônico
nacional, apesar do caráter sério e inflexível (retratado em Khadji-Murát, de Tolstói, como o equivalente
tirânico das montanhas ao czar absolutista). Hoje em dia, a ligação com Shamil significa nobreza entre os
avars. Gadzhi frequentemente menciona que descende, pelo lado materno, de Gair-Bek, um dos
representantes de Shamil.
O dia anterior
8. (C) A imensa casa de veraneio de Gadzhi, em Kaspiysk, fica no aprazível litoral do mar Cáspio. Conta
essencialmente com uma grande sala de recepção circular – como um amplo restaurante – atrelada a uma
torre de controle verde de quarenta metros de altura, acessível apenas por elevador, com alguns dormitórios,
uma sala de recepção e uma gruta cujo piso de vidro é o teto de um enorme aquário. O complexo,
fortemente vigiado, também conta com uma segunda casa, alas anexas, quadra de tênis e dois píeres que
dão para o mar, um deles com plataforma para jet ski. Na tarde de 21 de agosto, a casa ficou cheia de
convidados de toda parte do Cáucaso. O chefe do Parlamento da República da Inguchétia chegou com dois
colegas de carro; entre os visitantes de Moscou, havia políticos, empresários e um técnico de futebol avar.
Muitos dos visitantes cresceram com Gadzhi em Khasavyurt, incluindo um lutador olímpico da Inguchétia,
Vakha, que parecia incessantemente bêbado. Outro grupo de amigos da juventude de Gadzhi em
Kahsavyurt chegou, conduzido por um homem parecido com Shamil Basayev em um dia de folga – chinelo,
camiseta, boné de beisebol, barba por fazer –, que se revelou rabino chefe de Stavropol. Ele nos disse ter
doze mil correligionários na província, oito mil deles na capital, Pyatigorsk. Setenta por cento são como ele,
judeus do Cáucaso que falam persa; o restante é uma mistura de europeus, georgianos e bucarianos.
9. (C) Também estava presente o membro da Duma da Chechênia, Khalid (também conhecido como
Ruslan) Yamadayev, irmão do comandante do notório batalhão Vostok. Na ocasião, ele estava reservado,
mas, em diálogo posterior em Moscou em 29 de agosto (favor proteger), queixou-se de que a Chechênia, na
ausência de especialistas para desenvolver programas de recuperação econômica, está simplesmente
exigindo e descartando dinheiro do governo central. Quando insistimos no assunto dos desaparecimentos,
ele admitiu que alguns de fato ocorreram, mas afirmou que frequentemente pais alegavam que seus filhos
haviam sido sequestrados, quando, na verdade, tinham fugido para se juntar a guerrilheiros ou – num caso
ocorrido na semana anterior – haviam assassinado a filha num ato sacrifical. Mencionamos o sequestro da
viúva de Basayev, supostamente para se ter acesso ao dinheiro dele. Khalid disse não ter conhecimento do
caso, mas sabia que Basayev não tinha interesse em riqueza; ele pode ter sido um fanático religioso, mas era
uma pessoa “normal”. Os guerrilheiros remanescentes não são uma força militar séria, na visão de Khalid, e
muitos se renderiam sob termos apropriados e imunidade. Ele mesmo estava providenciando a imunidade
de um oficial superior da era Maskhadov, cujo nome não revelaria.
10. (C) Durante o almoço, Gadzhi recebeu um telefonema congratulatório do presidente do Daguestão,
Mukhu Aliyev. Gadzhi disse a Aliyev que ficaria honrado se ele pudesse comparecer à festa do casamento.
Houve certa tensão na conversa, que se deu entre duas figuras que implicitamente reivindicavam o manto da
liderança dos avars. Na ocasião, Aliyev esnobou Gadzhi e não compareceu à recepção, embora os demais
líderes políticos do Daguestão o tenham feito.
11. (C) Apesar de a casa de Gadzhi não ter sido o local da recepção principal, ele assegurou que todos os
convidados fossem constantemente supridos de comida e bebida. Os cozinheiros pareciam deixar bois e
carneiros inteiros fervendo em caldeirão dia e noite, colocando pedaços de carcaças sobre a mesa sempre
que alguém adentrava o recinto. Os dois chefes de cozinha de Gadzhi mantiveram vasta variedade de pratos
raros em circulação (além da onipresente carne cozida e caldo gorduroso). O consumo de álcool antes,
durante e depois do casamento muçulmano foi estupendo. Em meio a um déficit de álcool, Gadzhi mandou
trazer dos Urais, de avião, milhares de garrafas de vodca Beluga Export (“Melhor consumida com caviar”).
Também tivemos alguns espetáculos, começando já naquele dia com artistas de renome tanto na recepção
quando na casa de veraneio de Gadzhi. A principal atração de Gadzhi, um cantor nascido na Síria chamado
Avraam Russo, não pôde comparecer porque levou um tiro alguns dias antes do casamento, mas havia
um trupe “cigana” de São Petersburgo, alguns astros pop do Azerbaijão; e, de Moscou, Bênia, o rei do
acordeão, com sua família de cantores. Diversas bandas locais, cantando em avar e dargin, completaram o
constante espetáculo.
10. (C) A principal atividade do dia foi comer e beber – tendo início às quatro horas da tarde, com duração
de cerca de oito horas – seguida, após todos já terem se fartado o suficiente – de passeios de jet ski no mar
Cáspio. De qualquer forma, depois do jantar, a primeira banda iniciou uma apresentação livre – bateria,
acordeão e clarinete tocando a lezginka, dança típica do Cáucaso. Para o ocidental não iniciado, a música
parece um bloco indiferenciado de som. Era sinal para dar início à dança: um a um, cada um dos homens
dramaticamente barrigudos (não havia mulheres presentes) entrava na arena e exibia sua própria lezginka
até o limite de sua duração, geralmente algo em torno de trinta segundos e um minuto. Cada grupo étnico
possui uma lezginka diferente – a do Daguestão é a mais energética, a da Chechênia a mais agressiva e
hostil, e da Inguchétia a mais suave.
11. (C) Uma hora antes de a recepção começar, o salão Marrakech estava repleto de convidados – homens
tomavam ar do lado de fora e mulheres já ocupavam várias mesas ali dentro, as mais velhas com lenços na
cabeça, acompanhando dezenas de garotas adolescentes. Um parlamentar do Daguestão explicou que as
cerimônias de casamento são um dos principais eventos para os jovens – e, ainda mais importante, para seus
pais – se observarem com a intenção futuros enlaces. A segurança era intensa: a polícia estava presente na
propriedade e havia atiradores posicionados no telhado de um prédio adjacente. Gadzhi designou um de
seus guardas como nosso guarda-costas durante a recepção. O gerente disse a Gadzhi que havia cadeiras
para mais de mil convidados. No auge da recepção não havia mais assentos.
12. (C) Exatamente às duas da tarde, os convidados homens começaram a formar fila. Variavam de
políticos a oligarcas de todos os tipos – de modernos a jurássicos; camponeses pardos e encarquilhados de
Burtunay; e celebridades do mundo do esporte e da cultura do Daguestão. Khalid Yamadayev comandava
uma mesa de políticos no menor dos dois salões (a música tocava no outro), com Vakha, o lutador bêbado,
parlamentares da Inguchétia, um membro do Conselho da Federação, que também é nanofísico e já proferiu
palestras no Vale do Silício, e Ismail Alibekov, primo de Gadzhi, capitão de mar e guerra e submarinista de
primeira patente, hoje servindo ao Estado-maior em Moscou. O ambiente próprio do Daguestão parece ser
do tipo em que altamente instruídos e indivíduos armados podem facilmente se misturar – e frequentemente
são a mesma pessoa.
13. (C) Cerca de duas horas depois, o comboio de Dalgat voltou buzinando com Aida. Os noivos desceram
do Rolls Royce e foram recepcionados ao som de serenata no salão, e no seio da família Makhachev, com
um coro de meninos perfilados dos dois lados do tapete vermelho, vestidos em trajes que imitavam
armaduras medievais do Daguestão, com pequenos escudos e espadas. A entrada do casal foi o sinal para o
mestre de cerimônias partir para a ação, e, após alguns brindes, os “ciganos” Piter deram início à
apresentação. (No dia seguinte, um dos convidados que estavam na casa de Gadzhi zombou. “Belos
ciganos! O líder da banda certamente era judeu e os outros eram loiros.” Ele tinha razão, mas pelo menos as
duas dançarinas pareciam ciganas.)
14. (C) Enquanto as bandas tocavam, garotas casadouras dançavam a lezginka, dando passos que pareciam
uma lenta conga giratória perfilada, enquanto rapazes se sentavam juntos às mesas, as observando
atentamente. Todos os garotos usavam camisa branca e calça preta, enquanto as meninas trajavam uma
grande variedade de vestidos de festa coloridos e elegantes. De vez em quando, alguém fazia chuva de
dinheiro sobre as dançarinas – havia milhares de notas de rublos, mas as notas preferidas eram as de cem
dólares. O chão estava repleto delas. Crianças recolhiam o dinheiro para distribuir entre as dançarinas.
15. (C) Gadzhi assumiu plenamente o papel de anfitrião. Cumprimentou pessoalmente cada convidado que
entrou no salão – se falhasse nisso, causaria grande insulto – e depois foi de mesa em mesa brindando com
todos. Os 120 drinques que calculou ter ingerido teriam matado qualquer um, beberrão inveterado ou não,
mas Gadzhi tinha seu próprio garçom afegão, Khan, acompanhando-o com uma garrafa de vodca especial
que continha água. Mesmo assim, ele estava esgotado no fim da noite. Em determinado momento, o
flagramos dançando com duas russas seminuas, que pareciam estar muito longe de casa. Uma delas,
descobrimos, era uma poetisa de Moscou (que mais tarde recitaria um poema incompreensível em
homenagem a Gadzhi) que
estava na cidade com um diretor de cinema para elaborar um roteiro para um filme imortalizando a defesa
do Daguestão de Gadzhi contra Shamil Basayev. Às seis da tarde, a maioria dos convidados hospedadas na
casa havia retornado para lá para nadar e andar de jet ski. Mas, às oito da noite, o restaurante da casa de
veraneio estava cheio mais uma vez, com comida e bebida abundantes, os mesmos aristas agora se
apresentando em versão acústica e alguns convidados estupendamente gordos exibindo sua lezginka para
entreter as duas russas visitantes, que haviam deixado a recepção.
16. (C) A recepção do dia seguinte no Marrakeck foi o tributo de Gadzhi à família de Aida, e logo depois
disso todos nós voltamos para um jantar na casa de veraneio do anfitrião. A maioria das mesas estava
disposta com os pratos tradicionais, além de esturjões assados inteiros e carneiro. Mas, às oito da noite, a
àrea foi invadida por dezenas de mujahidin fortemente armados para a entrada do líder checheno Ramzan
Kadyrov, vestindo jeans e camiseta e parecendo mais baixo e menos forte que nas fotos, com uma
expressão um tanto estrábica no rosto. Após cumprimentar Gadzhi, Ramzan e cerca de vinte pessoas de seu
séquito sentaram-se às mesas e começaram a comer e beber ao som de Bênia, o rei do acordeão. Gadzhi
então anunciou uma exibição de fogos de artifício em homenagem ao aniversário do falecido pai de
Ramzan, Ahmat-Hadji Kadyrov. Os fogos tiveram início com um forte estrondo que fez com que Gadzhi e
Ramzan hesitassem. Desde o começo, o anfitrião havia pedido que nenhum dos convidados, a maioria
armada, disparassem suas armas em comemoração. Durante toda a celebração, eles obedeceram, não
disparando um único tiro nem mesmo durante a magnífica exibição de rojões.
17. (C) Após os fogos, os músicos tocaram a lezginka no pátio, e um grupo de duas meninas e três meninos
– um com não mais de 6 anos – apresentaram versões em ginástica da dança. Primeiro Gadzhi se juntou a
eles, depois Ramzan dançou desajeitadamente com a automática folheada a ouro enfiada na parte de trás do
jeans (mais tarde, um dos convidados da casa diria que o revestimento em ouro eliminava qualquer uso
prático da arma, mas zombou acrescentando que Ramzan provavelmente não saberia usá-la de qualquer
maneira). Os dois jogaram notas de cem dólares às crianças; os dançarinos provavelmente pegaram mais de
cinco mil dólares do chão de pedra. Gadzhi nos disse depois que Ramzan havia comprado para o feliz casal
“um bloco de cinco quilos de ouro” como presente de casamento. Após a dança e um rápido passeio pela
propriedade, Ramzan e seu exército voltaram à Chechênia. Perguntamos por que Ramzan não passou a
noite em Makhachkala, e ouvimos a seguinte resposta: “Ramzan nunca passa a noite em lugar nenhum”.
18. (C) Após a partida de Ramzan, o jantar e as bebidas – estas principalmente – continuaram. Um coronel
FSB avar, sentado ao nosso lado, completamente embriagado, ficou muito ofendido quando não o deixamos
colocar “conhaque” no nosso vinho. “É praticamente a mesma coisa”, ele insistiu, até que um general FSB
russo, sentado de frente para ele, mandou que parasse. De qualquer forma, estávamos inclinados a dar uma
chance ao coronel – ele é chefe da unidade de combate ao terrorismo no Daguestão, e Gadzhi nos disse que
cedo ou tarde os extremistas matam todos que entram para a unidade. Ficamos mais preocupados quando
um amigo de guerra afegão do coronel, reitor da Escola de Direito da Universidade do Daguestão, bêbado
demais para se sentar, ainda mais para ficar de pé, puxou a pistola e perguntou se precisávamos de proteção.
Nesse momento, Gadzhi e seu pessoal se aproximaram, apoiaram o reitor em seus ombros e nos deixaram
fora da mira da pistola.
19. (C) A presença de Kadyrov foi sinal de respeito e aliança, resultado de um cultivo cauteloso de Gadzhi
– que remonta à amizade pessoal com o pai de Ramzan. Trata-se de uma ferramenta política necessária em
uma região em que as dificuldades só podem ser resolvidas por meio de relacionamentos pessoais para se
chegar a acordos informais ad hoc. Um exemplo estava bem à vista: em 22 de agosto, o presidente do
Parlamento checheno, Dukvakha Abdurakhmanov, concedeu uma entrevista na qual fez reivindicações
territoriais específicas às regiões de Kizlyar, Khasavyurt e Novolak, no Daguestão. As duas primeiras têm
populações chechena-akkin significativas, e a última fez parte da Chechênia até a deportação de 1944,
quando Stálin realocou ali o grupo étnico dos laks (uma nacionalidade do Daguestão) pelo uso da força.
Gadzhi disse que teria de responder a Abdurakhmanov e trabalhar com Ramzan para reduzir as tensões que
“aquele idiota” havia causado. Quando lhe perguntaram por que ele levava tais relatos a sério, ele nos disse
que no Cáucaso todas as disputas giram em torno da terra, e tais reivindicações nunca podem ser
descartadas. Reivindicações de terra não solucionadas são o “pavio” que o centro russo sempre mantém
pronto para acender quando necessário. Perguntamos por que tais reivindicações estavam surgindo agora, e
ele respondeu que se tratava pura e simplesmente de euforia. Depois de tudo que haviam recebido, os pés da
liderança chechena estavam a quilômetros do solo. (Um contato checheno bem relacionado nos disse mais
tarde que achava que o irredentismo nacionalista crescente era parte do esforço de Abdurakhmanov de
ganhar uma base política independente de Kadyrov.)
20. (C) O “poder horizontal” representado pela relação de Gadzhi com Ramzan é a antítese do “poder
vertical” imposto por Moscou. Sócio de Gadzhi nos negócios e chefe da Rosneft-Kaspoil, Khalik Gindiyev,
queixou-se de que Moscou deveria deixar os caucasianos locais, e não os russos – “Magomadovs e Aliyevs,
não Ivanovs e Petrovs” – resolverem os conflitos da região. A verticalidade do poder, disse ele, não é
aplicável ao Cáucaso, uma região que burocratas de Moscou como PolPred Kozak nunca entenderiam. O
Cáucaso precisa ter margem de ação para resolver seus próprios problemas. Mas isso não seria abertura para
a democracia. Gadzhi nos disse que a democracia sempre fracassaria na região, onde a concepção de Estado
é uma extensão da família caucasiana, na qual a palavra do pai é a lei. “Onde há espaço para democracia
nisso?”, perguntou. Parafraseamos Hayek: Se você administra uma família como administra um Estado,
destrói a família. Administrar um Estado como se administra uma família destrói o Estado – laços de
parentesco e amizade sempre derrubam a regra da lei. O sócio de Gadzhi concordou, balançando tristemente
a cabeça. “Essa é uma questão para as próximas gerações”, disse.
BURNS
Príncipe Andrew desabafa contra a França, o SFO e o
The Guardian
Quarta-feira, 29 de outubro de 2008, 12h07
SEÇÃO CONFIDENCIAL 01 DE 04 BISHKEK 001095
CÓPIA CORRIGIDA (DESTINATÁRIO)
Classificado pela embaixadora Tatiana Gfoeller, razão 1.4 (b) e (d).
1. (C) RESUMO: Em 28 de outubro, a embaixadora participou de um brunch de duas horas para passar
algumas informações ao honorável duque de York antes das reuniões que ele teria com o primeiro-ministro
do Quirguistão e outros oficiais de alta patente. Ela era a única cidadã não súdita do Reino Unido ou do
Commonwealth convidada pelo embaixador britânico na República do Quirguistão. Entre os outros
participantes estavam grandes investidores britânicos no país e o empresário canadense da mina de Kumtor.
A discussão abordou o clima de investimento para firmas ocidentais na República do Quirguistão, o
problema da corrupção, a retomada do “Grande Jogo”, as influências russa e chinesa no país e a visão
pessoal do príncipe quanto à promoção de interesses econômicos britânicos. Espantosamente franca, a
discussão chegou a ser rude em determinados momentos (pelo lado britânico). Fim do resumo.
2. (C) O embaixador britânico na República do Quirguistão, Paul Brummell, convidou a embaixadora para
participar da preleção a Sua Alteza Real príncipe Andrew, duque de York, antes das reuniões em 28 de
outubro com o primeiro-ministro do Quirguistão, Igor Chudinov, e outros oficiais de alta patente. O
príncipe estava no Quirguistão para promover interesses econômicos britânicos. Originalmente marcada
para durar uma hora no decorrer do brunch, a preleção teve duração de duas horas, graças às perguntas
aguçadas do superengajado príncipe. A embaixadora era a única presente que não era súdita britânica ou
ligada ao Commonwealth. A ausência de seus colegas franceses e alemães foi notada. Aparentemente, eles
não foram convidados, apesar de também serem membros da União Europeia. Outros convidados eram
alguns grandes investidores britânicos no Quirguistão e o empresário canadense da mina de Kumtor.
3. (C) A discussão foi iniciada pelo presidente da mina de Kumtor, administrada pelo Canadá, que
descreveu detalhadamente os percalços da empresa na tentativa de negociar uma concessão revista de
mineração que determine ao governo do Quirguistão maior participação na matriz de Kumtor, em troca de
regime de taxação mais simples e concessão expandida. A fala foi seguida pela do representante do
proprietário britânico da Kyrgyzneftigas, que explicou o papel da empresa na exploração e produção de
petróleo no Quirguistão; ele também se queixou de ser importunado pelas autoridades tributárias do país.
Deu como exemplo o caso de um acionista quirguistanês que estava processando a empresa, alegando que
seus “direitos humanos” estavam sendo violados segundo os termos do acordo de acionistas
4. (C) O príncipe reagiu com desmedido fervor patriótico. Em um gesto louvável, ele diligentemente
empenhou-se em compreender o ponto de vista quirguistanês. Entretanto, quando os participantes
explicaram que alguns quirguistaneses sentem que foram injustamente “induzidos”, nos anos 90, a assinar
contratos desfavoráveis com ocidentais, ele não demonstrou o menor sinal de solidariedade. “Um contrato é
um contrato”, insistiu. “Você tem de aceitar tanto os pontos positivos quanto os negativos.”
5. (C) Após terem, sem muito empenho, rodeado o assunto por algum tempo, mencionando, de maneira
obtusa, apenas “interesses pessoais”, os representantes empresariais passaram a descrever o que veem como
um espantoso estado de corrupção na economia do Quirguistão. Embora tenham afirmado que nunca
aceitaram nem pagaram propina, um dos representantes de uma empresa de médio porte declarou que “às
vezes a tentação é grande”. Em extraordinária demonstração de franqueza, em um hotel público onde
estávamos tomando o brunch, todos os empresários disseram, quase em coro, que nada dá certo no
Quirguistão se XXXXXXXXXX não receber “sua cota”. O príncipe Andrew se inflamou durante a
conversa, dizendo que está sempre ouvindo o nome XXXXXXXXXX “repetidas vezes”, sempre que
discute negócios no país. Encorajado, um empresário disse que fazer negócios aqui é “como fazer negócios
no Yukon” no século XIX, ou seja, só as pessoas dispostas a participar das práticas corruptas locais são
capazes de ganhar dinheiro. Seus colegas concordaram prontamente, sendo que um deles apontou para o
fato de que “nada muda aqui. Antes, só ouvíamos o nome do filho de Akayev. Agora é o nome
XXXXXXXXXX”. Nesse instante, o duque de York riu a valer, dizendo que: “Tudo isso está se parecendo
muito com a França”.
6. (C) O príncipe, então, se voltou para a embaixadora, querendo ouvir a posição americana na situação. A
embaixadora descreveu os interesses comerciais americanos no país, que vão desde grandes investimentos
como o hotel Hyatt e a empresa de telecomunicações Katel, até investimentos menores em uma variedade
de setores. Ela afirmou que parte do problema com as condições empresariais no Quirguistão era a rápida
rotatividade nos postos do governo. Alguns reagiam aos curtos mandatos de maneira corrupta, querendo
“roubar enquanto podem” até serem depostos. Após mencionar a necessidade de maior transparência nas
negociações empresariais, ela afirmou que havia presidido o Dia do Associado da Câmara do Comércio na
semana anterior (frequentada pelo ministro das Relações Exteriores e o vice-ministro das Relações
Comerciais), que contou com presença maciça e foi um sucesso estrondoso (ver telegrama referente). Em
seguida, descreveu o impacto benéfico na economia do Quirguistão da base aérea da coalizão no aeroporto
Manas.
8. (C) Concordando com a posição da embaixadora em relação à rápida rotatividade no governo, insistiram
para que ele convencesse seus anfitriões a respeito da previsibilidade e da inviolabilidade dos contratos,
com o intuito de atrair mais investimento ocidental. Ao mesmo tempo, acrescentaram que nada disso seria
necessário para atrair investimentos russos, chineses ou cazaquistaneses. Parecia-lhes que os
quirguistaneses estavam satisfeitos com o nível destes, e estavam prestes a “não se incomodar” em realizar
as melhorias necessárias para atrair investimentos ocidentais. Retornando ao que obviamente parecia ser seu
assunto favorito, o príncipe Andrew zombou: “Também não precisarão fazer mudança alguma para atrair os
franceses!” Pensativo mais uma vez, o príncipe refletiu que quem é de fora pouco poderia fazer para mudar
a cultura de corrupção local. “Eles próprios têm de mudar a atitude. Assim como uma pessoa tem de querer
se curar da anorexia. Ninguém pode fazer isso por ela."
10. (C) O príncipe precipitou-se ao som desse nome. Disse à embaixadora que visitava frequentamente a
Ásia Central e o Cáucaso, e vinha notando um acentuado aumento na pressão russa e concomitante
ansiedade entre os habitantes quanto aos eventos pós-agosto na Geórgia. Ele contou a seguinte história, que
lhe havia sido recentemente relatada pelo presidente do Azerbaijão, Aliyev. Aliyev tinha recebido uma carta
do presidente Medvedev informando que se o Azerbaijão apoiasse na ONU a designação da fome artificial
bolchevique na Ucrânia de “genocídio”, “então você pode se esquecer de ver novamente Nagorno-
Karabakh”. O príncipe Andrew acrescentou que todo presidente da região lhe afirmara ter recebido
semelhante “diretiva” de Medvedev, exceto Bakiyev. Ele perguntou à embaixadora se Bakiyev havia
recebido uma carta do tipo. Ela afirmou desconhecer a existência de tal carta.
11. (C) Em seguida, o duque afirmou que estava preocupado com o ressurgimento da Rússia na região.
Como exemplo, citou o recente acordo de troca de energia e água (telegrama separado), que sabia ter sido
“engendrado pela Rússia, que finalmente deu um murro na mesa e mandou que todos entrassem em fila”.
(NOTA: Interessante observar que o embaixador da Turquia na República do Quirguistão descreveu
recentemente sua análise do acordo à embaixadora usando linguagem incrivelmente semelhante. FIM DA
NOTA.)
12. (C) Mostrando que é participante do Grande Jogo com iguais oportunidades, Sua Alteza voltou ao
assunto da China. Relatou que quando questionou recentemente o presidente do Tajiquistão a respeito do
que ele achava da crescente influência chinesa na Ásia Central, o presidente respondeu “com palavras que
não usarei diante de senhoras”. Seus interlocutores disseram ao príncipe que, enquanto os russos costumam
ser vistos com simpatia por toda a região, os chineses não. Ele assentiu com a cabeça, dizendo que expansão
econômica e possivelmente outras formas de expansão na região eram “provavelmente inevitáveis, mas
uma ameaça”.
13. (C) O brunch já durava quase o dobro do planejado, mas o príncipe parecia estar apenas começando.
Finalizado o assunto do Quirguistão, ele se voltou para a questão geral de promover os interesses britânicos
no exterior. Vociferou contra os investigadores anticorrupção britânicos, que cometeram a “idiotice” de
quase desfazer o acordo Al-Yamama com a Arábia Saudita. (NOTA: O duque fazia referência a uma
investigação, encerrada em seguida, de supostas propinas que um membro importante da casa real saudita
havia recebido em troca de um longo e lucrativo contrato com a BAE Systems para fornecer equipamento e
treinamento para as forças de segurança sauditas. FIM DA NOTA.) Os súditos de sua mãe sentados à mesa
expressaram estrondosa aprovação. Em seguida, ele falou “desses (malditos) repórteres, em especial os do
National Guardian, que enfiam o nariz em tudo” e (provavelmente) tornaram as coisas mais difíceis para os
homens de negócios britânicos fazerem negócios. A multidão aplaudiu. Ele encerrou com um comentário
mordaz: tripudiando sobre “nossos estúpidos governos britânico e americano, que fazem um planejamento
de no máximo dez anos enquanto os povos dessa parte do mundo planejam séculos”. Agora todos o
solicitavam no salão privado do brunch. Infelizmente para os súditos britânicos reunidos, seu amado
príncipe estava atrasado para o encontro com o primeiro-ministro. Desculpou-se por ter de se despedir. Na
saída, um deles confessou à embaixadora: “Que representante maravilhoso do povo britânico! Não
podíamos estar mais orgulhosos de nossa família real!”
COMENTÁRIO
14. (C) COMENTÁRIO: O príncipe Andrew dirigiu-se à embaixadora com respeito e cordialidade,
evidentemente valorizando os pontos de vista dela. Entretanto, reagia quase com um patriotismo nevrálgico
sempre que era feita qualquer comparação entre Estados Unidos e Reino Unido. Por exemplo, um
empresário britânico observou que, apesar do “esmagador poder da economia americana em comparação à
nossa”, a quantidade de investimento americano e britânico no Quirguistão era semelhante. O duque
interveio: “Não me surpreende. Os americanos não entendem de geografia. Nunca entenderam. No Reino
Unido, temos os melhores professores de geografia do mundo!” FIM DO COMENTÁRIO. GFOELLER
Mervyn King expressa dúvida quanto a David Cameron e
George Osborne Histórico de artigo
17-02-2010 EMBAIXADA DE LONDRES CONFIDENCIAL/NOFORN
ASSUNTO: GOVERNADOR DO BANCO DA INGLATERRA: PREOCUPAÇÃO COM A
RECUPERAÇÃO
Classificado pelo embaixador Louis B. Susman
1. (C/NF) Resumo. Controlar a dívida do Reino Unido será o maior desafio do partido que vencer a
esperada eleição geral de 6 de maio, disse o governador do Banco da Inglaterra, Mervyn King, ao
embaixador em reunião em 16 de fevereiro. Embora nenhum dos partidos tenha suficientemente detalhado
os planos para reduzir o déficit, King expressou grande preocupação com a falta de experiência do líder dos
Conservadores e afirmou que o líder do partido, David Cameron, e o chanceler-sombra, George Osborne,
não se deram conta das pressões de diferentes grupos que enfrentarão quando tentarem cortar custos. King
também demonstrou preocupação quanto à recuperação da economia global, argumentando que o
crescimento global em 2010 seria anêmico, e ainda havia a possibilidade de uma recessão profunda. Os
sérios problemas econômicos da Grécia desencadearão maior consolidação no poder dentro da zona do
euro, com Alemanha e França provavelmente impondo o direito de inspecionar se não exercer certo
controle sobre as contas do governo grego em troca de garantia implícita ou explícita, previu. O Reino
Unido tem participado indiretamente do debate em torno da Grécia e poderia ter menor influência na União
Europeia, enquanto Alemanha e França buscam maior coesão política na zona do euro após a crise grega,
afirmou.
Reino Unido sombrio e cenário econômico global 2. (C/NF) Nos próximos dez meses, o Reino Unido
enfrentará o desafio de adotar medidas de redução do déficit, controlando a inflação e lidando com o
desemprego crescente... Empresas cortarão postos de trabalho mais rapidamente este ano e eliminarão
muitos empregos de meio período, na medida em que os empregadores perceberem que a recuperação
econômica será um longo e exaustivo processo, disse King...
4. (C/NF) Os líderes conservadores David Cameron e George Osborne não compreendem totalmente as
pressões que enfrentarão quando tentarem reduzir custos, quando “centenas de funcionários do governo
tentarem justificar por que seus orçamentos não podem ser reduzidos”, afirmou King. Em reuniões recentes
com eles, pressionou para que lhe dessem detalhes de como planejam lidar com a dívida, mas recebeu
apenas respostas gerais. Tanto Cameron quanto Osborne têm a tendência de pensar nas questões apenas em
termos políticos, e em até que ponto elas podem afetar a capacidade de eleição do Tory. King também
expressou preocupação com o fato de que as funções duais de Osborne como chanceler-sombra do
Exchequer e coordenador geral de eleições do partido possam criar potenciais problemas no trato de
questões econômicas.
5. (C/NF) King também se disse preocupado com a falta de profundidade do partido Tory. Cameron e
Osborne têm poucos conselheiros, e pareciam resistentes a se aventurar fora de seu pequeno círculo. A
parceria Cameron/Osborne não é diferente da equipe Tony Blair/Gordon Brown dos primeiros anos do New
Labour, quando ambos trabalhavam bem juntos como parte do partido de oposição, mas, por várias razões,
fissuras surgiram quando os Trabalhistas assumiram o poder. Tensões semelhantes podem ocorrer se
Cameron e Osborne discordarem quanto ao modo de lidar com o déficit.
7. (C/NF) A mudança na zona do euro para maior coesão política pode trazer algumas desvantagens ao
Reino Unido, especulou King. Durante reunião da ECOFIN em 16 de fevereiro, os governos da zona do
euro educadamente escutaram o chanceler Darling quando este comentou sobre a situação na Grécia, mas
ele não foi convidado a participar das discussões internas, já que o Reino Unido não é parte da zona do
euro. Seria vital para o Reino Unido mostrar que o país tem algo a dizer e se engajar construtivamente na
União Europeia, caso de fato ocorra essa maior coesão política entre os governos da zona do euro,
comentou King.
Nicolas Sarkozy atemoriza seus conselheiros
Sexta-feira, 04 de dezembro 2009, 11h49
SEÇÃO CONFIDENCIAL 01 DE 04 PARIS 001638
NOFORN
Classificado pelo embaixador Charles Rivkin por razões 1.4(b) e (d).
1. (C/NF) Resumo. No meio de seu mandato de cinco anos, o presidente da França, Sarkozy, continua
sendo a força política dominante, praticamente sem questionamento, do país. Lento com as reformas
internas devido a interesses arraigados e à crise financeira mundial, Sarkozy concentra-se cada vez mais em
alavancar a influência da política externa francesa sobre o cenário mundial. Ambicioso e prático, o
presidente francês não hesita em romper com políticas tradicionais francesas e buscar novos parceiros,
desde Arábia Saudita e Síria até Índia e Brasil. Sua impaciência por resultados e desejo de agarrar a
iniciativa – com ou sem o apoio de parceiros internacionais e de seus próprios conselheiros – nos desafia a
voltar suas propostas impulsivas para direções construtivas, com o olhar voltado para resultados de longo
prazo. O próprio Sarkozy está firmemente convencido da necessidade de uma sólida parceria transatlântica,
e há muito deseja ser O principal parceiro dos Estados Unidos na Europa, seja nas questões de mudança
climática e de não proliferação ou do Irã e Oriente Médio. Nosso esforço em assegurar maior contribuição
francesa no Afeganistão oferece uma perspectiva interessante da centralização dos poderes da tomada de
decisões-chave do presidente francês e de como trabalhar melhor com Sarkozy como parceiro valoroso e
valioso. Com eventos importantes, como o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) pré-
agendado para a próxima primavera, e Sarkozy se preparando para conduzir a liderança da França no G-
8/G-20 em 2011, acreditamos poder melhor assegurar nossos interesses por meio de uma frente ampla, com
consultas continuas a nossos parceiros franceses (inclusive, e talvez particularmente, nos níveis mais altos),
de olho na promoção da forte posição política de Sarkozy, em seu desejo por ação e em sua disposição para
converter decisões difíceis em multiplicadores de força para nossos interesses de política externa. Fim do
resumo.
2. (C/NF) A posição nacional de Sarkozy praticamente não sofre questionamento, apesar de as pesquisas de
opinião indicarem índice de aprovação de apenas 39%. Seu partido de centro-direita, o UMP, controla as
duas casas do Parlamento, e os líderes da oposição passaram os últimos dois anos brigando entre si, em vez
de impor um sério desafio político ao presidente. A política de “abertura” de Sarkozy, nomeando políticos
da oposição para cargos importantes, tem contribuído para drenar a liderança da esquerda. O presidente do
FMI, Dominique Strauss-Kahn, e o ministro das Relações Exteriores, Kouchner, são dois exemplos dessa
bem-sucedida manobra política. Apesar da segurança política – ou talvez por causa dela – há certo
descontentamento interno a respeito do estilo impetuoso de Sarkozy dentro do próprio partido, revelado
pela recente tentativa de nomear o filho universitário de 23 anos, Jean Sarkozy, para um cargo na direção da
mais prestigiosa comissão de desenvolvimento empresarial de Paris. Brilhante estrategista político, o
presidente está levantando o perfil das eleições regionais de março de 2010 para assegurar sua base e roubar
votos da extrema direita, como parte de um estratagema para sua candidatura à reeleição em 2012. Embora
isso o torne mais sensível ao impacto político nacional em curto prazo de certas questões de política externa
(como o Afeganistão), seu prestígio nacional permanece fundamentalmente seguro, liberando-o para se
concentrar em sua meta de alavancar o poder francês na Europa e no globo.
3. (C/NF) O resultado do domínio de Sarkozy no cenário político nacional é o fato de também ser um dos
líderes mais sólidos da Europa, sem nenhuma coalizão inoportuna ou eleições presidenciais iminentes para
distrai-lo ou atrapalhá-lo. Sarkozy reconhece que para ser ouvido no cenário mundial – seja em questões
estratégicas ou na crise financeira global – a voz da França é amplificada quando em sintonia com outras. O
presidente francês tem trabalhado arduamente para converter a complicada relação pessoal com a chanceler
alemã, Merkel, em um
tandem bem coordenado que impulsione grande parte da política europeia. Do mesmo modo, vai se aliar
com frequência a Merkel e ao primeiro-ministro do Reino Unido, Brown, para adicionar a influência
necessária a mensagens em Bruxelas e Washington. A habilidade de Sarkozy em potencializar sua voz (e da
França) no cenário mundial por meio de parcerias estratégicas é uma de suas maiores forças. Uma de suas
maiores fraquezas, porém, pode ser a impaciência e a propensão a lançar propostas sem consultar
adequadamente outros grandes jogadores.
4. (C/NF) Os sucessos mais evidentes de Sarkozy são, em grande parte, no domínio das relações exteriores,
com suas maiores conquistas na Europa. Nos primeiros meses no poder, ele defendeu o Tratado de Lisboa,
ajudando a acabar com o impasse em torno da reforma das instituições da União Europeia. A isso se seguiu
a liderança da presidência rotativa da UE na segunda metade de 2008, que incluiu a criação da União para o
Mediterrâneo (UPM), o lançamento da operação antipirataria da UE e a negociação de um cessar-fogo após
a invasão russa da Geórgia. Tipicamente, não hesita em negligenciar sensibilidades europeias ao tentar
conservar a liderança em portfólios específicos, como quando duvidou da habilidade da República Tcheca
em continuar com a necessária liderança na UE após Praga ter assumido a presidência rotativa em janeiro
de 2009. Nas questões de segurança, Sarkozy é igualmente audaz. Autorizou pessoalmente o enviou de
mais tropas francesas para o Afeganistão na reunião de cúpula da OTAN em Bucareste, em 2008, e este ano
lutou para recolocar a França no comando militar integrado da OTAN, revertendo mais de quarenta anos de
política bipartidária francesa, apesar do forte ceticismo dentro de seu partido e da intensa oposição.
5. (C/NF) Diferentemente de líderes franceses anteriores, Sarkozy também tem voltado esforços para
acordos bilaterais com países como Israel, Arábia Saudita e Síria, reconhecendo que são os principais
protagonistas no Oriente Médio, onde as ambições francesas têm sido frustradas. Oficiais franceses estão
convencidos de que a aproximação de Sarkozy com a Síria fez com que o presidente sírio, al-Assad, se
tornasse um parceiro mais produtivo na resolução de questões do Oriente Médio (embora tenham
dificuldade em dar exemplos concretos de mudança). Sarkozy reconhece plenamente o papel crescente de
potências emergentes como o Brasil (ele se reuniu com o presidente Lula nove vezes nos últimos dois anos)
e a Índia (cujas tropas convidou para estrelar no desfile militar de 14 de julho de 2009). Fez um bem-
sucedido lobby para a reunião do G-20 em Washington, cuja pauta era a crise financeira global, e apoia um
Conselho de Segurança da ONU expandido, conquistando com isso mais popularidade entre os países
emergentes. Os franceses também veem o Brasil como parceiro para as negociações sobre mudanças
climáticas e como comprador de equipamentos de defesa franceses – incluindo a primeira venda além-mar
em potencial de caças Rafale. Todos esses esforços de aproximação são resultantes de convicções genuínas,
bem como de um olhar na imagem da França no centro de uma rede global de líderes influentes.
6. (C/NF) Sarkozy tende a decepcionar quando, em sua impaciência por ação, acaba “passando à frente” de
outros atores-chave e dos próprios conselheiros. O presidente da França tem total convicção de que os
problemas diplomáticos mais resistentes só podem ser resolvidos quando os líderes se reúnem
pessoalmente, ignorando a papelada burocrática, e tomam decisões corajosas – daí sua predileção por
propostas de reuniões de cúpula. Não tem muita paciência para os passos gradativos da diplomacia e
quando se apega a uma ideia, não quer abrir mão dela. Impaciente de ver progresso no Oriente Médio,
procurou meios de tornar a França ator de peso, primeiramente por meio da criação da UPM e depois com a
defesa de uma cúpula, ou dentro da UPM ou agora por meio de outros parceiros (como os Estados Unidos,
o Quarteto etc.) para alcançar suas metas. Em outro exemplo, seu anúncio-surpresa em junho passado, em
apoio a um novo tratado sobre arquitetura de segurança europeia, pegou muitos de seus aliados e sua
própria equipe desprevenidos. Embora o debate tenha sido direcionado para o processo de Corfu na
Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) no presente, Sarkozy já se irrita com aquilo
que considera falta de progresso nessa questão estratégica, e pressiona sua equipe para que apresentem
novas propostas que abordem o impasse da CFE, melhorem as relações com a Rússia e ofereçam outras
ideias para superar iniciativas obstruídas.
PARIS 00001638 003 DE 004
7. (C/NF) Sarkozy tem poucas restrições – políticas, pessoais ou ideológicas – que refreiem suas ambições
globais. Em âmbito nacional, recompensa líderes de partidos dispostos a adotar suas políticas e marginaliza
quaisquer oponentes com visão diferente. Vários ministros de gabinete “favorecidos” e bem-vistos no início
de sua administração – como Rama Yade e Rachida Dati – foram demovidos para cargos secundários após
terem discordado de Sarkozy. Por outro lado, o secretário de Estado para assuntos europeus, Pierre
Lellouche, não hesitou em retirar seu antigo apoio declarado à entrada da Turquia na União Europeia em
troca de seu posto atual. Enquanto o conselheiro diplomático (equivalente à NSA) Jean-David Levitte
continua sendo um ator-chave, com extenso background em diplomacia e personalidade calma, outros
conselheiros como o secretário-geral Claude Guéeant têm desempenhado papel cada vez mais público.
Apesar de receberem a atenção de Sarkozy em vários aspectos, poucos parecem exercer qualquer influência
significativa sobre o presidente ativista.
8. (C/NF) Os próprios conselheiros de Sarkozy também demonstram pouca independência e parecem ter
pouco efeito na hora de conter o hiperativo presidente, mesmo quando ele está mais inconstante. Contatos
no país nos informam a respeito do esforço desses conselheiros para não desagradá-lo nem provocar sua ira
– chegando ao ponto de recentemente desviar o trajeto do avião presidencial para que ele não visse a Torre
Eiffel iluminada com as cores turcas quando da visita do primeiro-ministro Erdogan (decisão tomada pela
prefeitura de Paris). Após dois anos no poder, muitos oficiais do governo estão saindo para assumir tarefas
prestigiosas como recompensa pelo empenho, levantando a questão de se um novo rosto estaria mais
disposto a apontar quando o imperador não estiver totalmente vestido.
TRABALHANDO JUNTOS NO
FUTURO
9. (C/NF) Quando eleito, em 2007, Sarkozy foi um dos primeiros líderes franceses a abraçar abertamente os
Estados Unidos, apesar de, na época, a administração americana ser bastante impopular na Europa. Isso se
deveu à convicção do presidente de que a França pode alcançar mais em cooperação com os Estados Unidos
do que contrário a eles. Quando o então senador e candidato à presidência Obama foi à França em julho de
2008, Sarkozy liberou sua agenda para se encontrar com ele e, além disso, quebrou as regras de seu próprio
protocolo, realizando uma coletiva de imprensa (privilégio normalmente reservado aos chefes de Estado em
visita). Sarkozy está disposto a ser o parceiro-chave dos Estados Unidos na Europa e espera ter contatos
regulares intensos com o presidente Obama (o que melhora o prestígio nacional de Sarkozy e, portanto,
eleva diretamente sua habilidade para tomar decisões difíceis). Jornalistas franceses têm apontado, com
cada vez mais frequência, que Sarkozy não visitou o presidente Obama na Casa Branca, e oficiais franceses
começam a expressar preocupação com a visível falta de visitas importantes e outras consultas regulares.
Jornalistas e oficiais do governo expressam a preocupação de que a França, e a Europa como um todo, pode
ter menos importância estratégica para os Estados Unidos hoje em dia (uma visão que, levando-se tudo em
conta, não aumenta os incentivos deles de trabalhar mais próximos de nós).
10. (C/NF) Quanto a questões estratégicas, Paris frequentemente se mostra disposta a apoiar posições norte-
americanas, mesmo diante da relutância europeia geral. Paris dá boas-vindas aos esforços dos Estados
Unidos de “rearranjar” as relações com a Rússia, e tem enfatizado o desenvolvimento de uma abordagem
comum com Washington em relação a Moscou. Em relação ao Irã, o presidente Sarkozy continua
pessoalmente engajado e se mostra disposto a trabalhar intensamente na Europa (tanto institucionalmente na
UE quanto por meio de esforços para persuadir países individuais a adotar medidas nacionais). Nas
questões de não proliferação e desarmamento, o GDF tem encorajado consultas regulares até a conferência
de revisão do TNP em 2010 e início das discussões de um tratado para o corte de material físsil (FMCT). O
mais importante para os oficiais franceses e para o próprio Sarkozy é sentir-se parte do processo de tomada
de decisão, e não que são convocados apenas para ratificar decisões já tomadas em Washington.
11. (C/NF) Nosso esforço em assegurar uma maior contribuição francesa nas questões do Afeganistão
assinala até que ponto o poder de decisão cabe ao presidente francês e como podemos trabalhar com ele
para alcançar os resultados desejados. No ano passado, a nosso pedido, Sarkozy foi contra todos os seus
conselheiros políticos e militares e enviou uma OMLT* para auxiliar as forças holandeses no Uruzgan, um
reforço importante de um aliado-chave. Foi também Sarkozy, sozinho, que tomou a decisão de enviar mais
setecentas tropas na cúpula de Bucareste, no ano passado – no momento do anúncio, nem mesmo os
membros-chefe tinham certeza de qual seria a decisão final. Neste ano, em intenso intercâmbio com todas
as principais figuras francesas, incluindo o ministro das Relações Exteriores, Kouchner, o equivalente da
ASN, Levitte, e o CHOD francês Georgelin, todos expressaram apoio à política norte-americana, mas
demonstraram dúvida quanto aos recursos adicionais financeiros ou militares da França, citando
frequentemente a afirmação anterior de Sarkozy de “nenhuma tropa adicional”.
12. (C/NF) Entretanto, em subsequente conversa direta com o presidente Obama, o presidente Sarkozy
abdicou da até então firme posição de “não” e deu um passo à frente mais rápido e proativo do que
havíamos previsto, abrindo “em tempo” a porta para reforços militares e prometendo maior assistência
financeira e treinamento. Embora nada tenha sido especificado, a aproximação pessoal ao presidente
Sarkozy fez a diferença entre obter uma resposta burocrática cautelosa e um compromisso genuíno por parte
de um aliado-chave quando precisamos. A imprensa francesa afirmou em suas matérias que Sarkozy foi o
primeiro líder estrangeiro na lista de visitas de Obama, aumentando assim a pressão sobre Sarkozy de reagir
favoravelmente.
COMENTÁRIO
13. (C/NF) Comentário: Como um dos líderes mais politicamente seguros no comando de um país com
significativa habilidade de contribuir mais com a resolução de problemas globais em vasto escopo, desde o
Afeganistão até a mudança climática, a estabilização econômica, o Irã e o processo de paz no Oriente
Médio, Sarkozy representa um ator-chave no cumprimento de nossas políticas compartilhadas. Nem sempre
estaremos de acordo; e as diferenças quanto a questões-chave (como a não proliferação e o desarmamento,
vistas como importantes para os interesses nacionais franceses) são avultantes. No entanto, por meio de
consulta aprimorada (incluindo – e talvez especialmente – aos níveis mais altos), acredito que podemos
lidar com essas diferenças, minimizar propostas inúteis e fomentar maior colaboração para melhor
alavancar os interesses franceses e cumprir os nossos. A França é um país de mentalidade parecida com a
nossa, uma importante economia e possui a segunda maior força diplomática e militar. Tocando a nota certa
em nossa relação bilateral, podemos potencializar as forças de Sarkozy, incluindo sua disposição de tomar
posição em assuntos nada populares e de ser um dos principais colaboradores das metas norte-americanas.
Também devemos reconhecer que Sarkozy tem um extraordinário grau de poder de tomada de decisão que
lhe é garantido como presidente da França. Sou da opinião de que será necessária periódica intervenção
presidencial para assegurar Sarkozy de nosso comprometimento como aliado e parceiro e, em muitos casos,
para fecharmos acordos. Sarkozy continuará sendo um poder com o qual contaremos na França e um
significativo condutor da Europa para o futuro próximo. É, sem dúvida, de nosso interesse trabalhar no
sentido de canalizar sua energia e iniciativas em uma forma construtiva de cooperação que aumente nossa
habilidade em solucionar em conjunto problemas globais. Fim do comentário. RIVKIN
Nota
* Operational Mentor and Liaison Team, equipe de transição militar. (N. do T.)
“A BP está roubando nosso petróleo”, diz o presidente do
Azerbaijão Terça-feira, 9 de outubro de 2007, 14h14
SEÇÃO CONFIDENCIAL 01 DE 03 BAKU 001227
SIPDIS
SIPDIS
VILNIUS POR FAVOR PASSE A MATT BRYZA EO 12958 DECL: 09/10/2017
TAGS ENRG, PREL, PGOV, RS”>RS, TU, UP, KZ, PL, GG, LH, TX, AJ
ASSUNTO: PRESIDENTE ALIYEV NA QUESTÃO DA ENERGIA ANTES DA CÚPULA EM
VILNIUS
REF: A. (A) BAKU 1224 B. (B) TBILISI 2498
Classificado pela embaixadora Anne E. Derse. Razão: 1.4 (B)(D) 1. (C) RESUMO: Em uma reunião de
uma hora com a embaixadora, no dia 8 de outubro, o presidente Aliyev esboçou, com frustração, os
problemas de energia atuais, antes da reunião de cúpula em Vilnius. A British Petroleum (BP) está
“roubando nosso petróleo”, afirmou, taxativo, tentando pressionar o Azerbaijão para postergar para 2010 o
advento de uma divisão de lucros de 80/20 marcada para o ano que vem, sob o Acordo de Partilha de
Produção (APP) da empresa Azeri Chirag Guneshli (ACG), ameaçando diminuir o fornecimento de
petróleo para governo do Azerbaijão, do campo da ACG, de 3bmc para 1,4bmc.* “Só a Geórgia sofrerá” se
a BP continuar nesse caminho, alertou, ressaltando o compromisso do Azerbaijão de ajudar a Geórgia com
petróleo este ano. Ele disse que o primeiro-ministro da Geórgia havia lhe prometido pedir a ajuda de
Washington com a BP. Disse que a BP tinha pedido tempo, até 19 de outubro, para retomar as discussões.
Se não for encontrada uma solução, o Azerbaijão “fará uma denúncia pública de que a BP está roubando
nosso petróleo”, Aliyev afirmou. De modo semelhante, disse ele, os 15% da fixação de preço netback da
Turquia para trânsito de petróleo é “inaceitável”, pois exigiria que o Azerbaijão expusesse à Turquia
contratos de vendas com clientes da Europa e permitisse à Turquia vender 15% do petróleo do Azerbaijão
em mercados europeus. Um acordo de trânsito não “é tão urgente para que aceitemos as condições
injustificadas da Turquia”.
2. (C) Continuação do resumo: O Azerbaijão tem um MDE* com a Grécia, logo dará início a discussões
com a Itália e não permitirá à Turquia “obstruir a parceria Azerbaijão-Europa”. Ele disse que o
Turcomenistão parece desejar que a opção transcaspiana seja implementada, mas “para se esconder da
Rússia”. O Azerbaijão tem mostrado “máxima construtividade” – oferecendo sua infraestrutura ao
Turcomenistão e prometendo servir meramente como país de trânsito –, mas o Azerbaijão não dará os
passos seguintes com o Turcomenistão – “Não podemos desejar isso mais do que eles”. O Azerbaijão não
apoia o oleoduto Odessa-Brody-Plotsk por razões políticas (“Ucrânia, Polônia e Geórgia são países
amigos”) e apresentará um plano concreto com os próximos passos em uma reunião com a Ucrânia, Polônia
e Geórgia, em Vilnius, cujo objetivo será tornar o projeto comercialmente viável. Aliyev pediu aos Estados
Unidos que tentem dar à Turquia a mensagem de não aceitação da proposta de 15% de preço bruto. Ele
continua apoiando a ideia de Nazarbayev de uma cúpula a três com Cazaquistão, Azerbaijão e
Turcomenistão como sinal positivo e uma maneira de fortalecer as relações entre os três países, mas não
quer dar início à reunião. Fim do resumo.
Petróleo para o inverno da Geórgia 3. (C) O presidente Aliyev abriu a discussão sobre energia, dizendo que
o Azerbaijão ajudará a Geórgia neste inverno, como já fez no passado. Disse ter confirmado isso ao
primeiro-ministro da Geórgia em visita a Baku em 27 de setembro. O GDA, porém, está tendo certas
dificuldades com a BP, disse. Como o GDA suspendeu as negociações sobre o Acordo de Partilha de
Produção (APP) e o desenvolvimento de Shah Deniz, a BP está “tentando exercer pressão política sobre
nós, cortando o fornecimento de petróleo para o Azerbaijão, de 3bmc para 1,4bmc”. Mas “só a Geórgia
sofrerá” com tal medida, porque o petróleo de Shah Deniz que receberá do Azerbaijão não será suficiente”.
“Se a BP reduzir o suprimento de petróleo para o Azerbaijão, a Geórgia receberá menos.” O primeiro-
ministro da Geórgia, disse Aliyev, havia lhe dito estar ciente do perigo, e acrescentou que falaria com
Washington para “pedir ajuda” (Ver Ref. A para informações sobre as negociações entre Azerbaijão e BP).
4. (C) Aliyev continuou, afirmando que “essas coisas estão interligadas. Se a BP nos apoiar e nos ajudar,
não haverá problemas com o abastecimento da Geórgia”. Mas a situação com a BP é “desagradável – eles
estão nos ludibriando na questão da divisão de lucros do ADP, de acordo com nossos cálculos”. O GDA crê
que a divisão deveria ter sido alterada no segundo trimestre deste ano. “Eles estão roubando nosso petróleo
– estão unilateralmente mudando a fórmula da taxa de retorno (ROR – rate of return) para que a divisão de
lucros aconteça em 2010. A SOCAR* conversou com Bill Schrader (diretor da BP no Azerbaijão). A BP
pediu um tempo, até 19 de outubro, para retomar as discussões.”
6. (C) Aliyev apontou para o fato de que são os consumidores turcos e europeus que precisam do acordo de
trânsito. “Não é tão urgente para nós a ponto de precisarmos concordar com condições injustificadas da
Turquia.” O Azerbaijão conta com mercados adequados para seu petróleo na Geórgia e na Turquia,
observou. Aliyev pediu aos Estados Unidos, “entreguem esta mensagem à Turquia (se possível). A Turquia
quer ter tudo”. A Turquia não entende que o Azerbaijão assinou um memorando de entendimento com a
Grécia e em breve dará início às negociações com a Itália. “A Turquia não pode barrar a parceria
Azerbaijão-Europa.” Aliyev disse ser boa a proposta do ministro das Finanças francês, Samir Sharifov, de
assistência técnica da USTDA* para reavaliar as melhores práticas internacionais em acordos de trânsito. O
Azerbaijão deseja que o acordo com a Turquia seja baseado na melhor prática internacional, e não que
“algo novo seja inventado”. Ele encorajou os Estados Unidos a considerar a assistência técnica.
Odessa-Brody-Plotsk
8. (C) O Azerbaijão finalizou seu plano energético, disse Aliyev. O Azerbaijão apoiou a reunião de cúpula
de Cracóvia e a proposta do oleoduto Odessa-Brody-Plotsk, “embora o projeto seja visto como antirrusso”,
porque a Ucrânia, a Polônia e a Geórgia são aliadas do Azerbaijão. Aliyev disse que o ponto-chave é que o
oleoduto Odessa-Brody-Plotsk seja “comercialmente viável”. Por essa razão ele pediu ao ministro da
Energia, Natiqu Aliyev, que preparasse uma proposta concreta a ser discutida em Vilnius, que incluirá a
participação do Azerbaijão como acionista no oleoduto Sarmatia e o lançamento de um estudo de
viabilidade. Além disso, será criada uma joint trade company para o petróleo do mar Negro. Com Supsa e
Novorossiysk há uma grande quantidade de petróleo disponível no mar Negro, disse Aliyev. O ponto-chave,
repetiu, é tornar o projeto Odessa-Brody-Plotsk comercialmente viável. O Azerbaijão o apoia
economicamente, “mais para demonstrar apoio político do que por uma necessidade urgente”.
9. (C) Aliyev disse que o primeiro-ministro da Lituânia, Adamkus, o informara no mês passado em Vilnius
que o Cazaquistão não participaria da reunião de cúpula de Vilnius. Ele disse, mais uma vez com certa
frustração, que a ideia de uma reunião de cúpula de mão tripla entre Azerbaijão, Turcomenistão e
Cazaquistão foi ideia de Nazarbayev, mas até onde ele sabia não houve progresso para levar a proposta
adiante. Com a implicação clara de que o Cazaquistão deveria levar a ideia adiante, Aliyev disse ainda
acreditar que essa reunião trilateral “seria um bom sinal, fortalecendo nossas relações, e que poderia ser
algo positivo”.
10. (C) Comentário: Aliyev estava claramente frustrado e atipicamente impetuoso ao falar sobre a Turquia,
o Turcomenistão e especialmente a BP, e desapontado com o que encara como um equívoco do
Cazaquistão. Durante a conversa, ele repetiu que o interesse do Azerbaijão em vender petróleo para a
Europa é estratégico, movido pelo desejo do país de aprofundar a parceria com a Europa. Salientou
também, em clara referência à Rússia, que o Azerbaijão “não pode ser visto” como se ocupasse a liderança
da região no que se refere às questões ligadas ao petróleo. É importante tranquilizar Aliyev em Vilnius a
respeito do compromisso do governo dos Estados Unidos no que se refere ao Corredor do Sul e ao trabalho
conjunto com o Azerbaijão para sua realização, e encorajá-lo a encontrar um caminho produtivo daqui em
diante, em termos práticos, com a Turquia, o Turcomenistão e a BP. Um telegrama a parte dará mais
informações sobre a BP e a SOCAR a respeito da situação das negociações entre governo do Azerbaijão-
AIOC* e a capacidade do país de fornecer petróleo à Geórgia no próximo inverno.
Fim do comentário.
Notas
NOFORN
Classificado pelo conselheiro político Robin Quinville pelas razões 1.4 (b) e (d).
2. (S/NF) Em visita a Londres para participar da Conferência P5 sobre a criação de medidas de segurança
para o desarmamento nuclear, em 3 e 4 de setembro, a subscretária teve reuniões particulares com o
ministro das Relações Exteriores David Miliband, Simon McDonald, chefe de gabinete da Secretaria de
Política Externa e de Defesa, Mariot Leslie, diretora-geral, Defesa e Inteligência, Ministério dos Negócios
Estrangeiros e do Commonwealth (FCO), e Jon Day, diretor-geral de políticas de segurança do Ministério
da Defesa. Os interlocutores afirmaram que o Reino Unido aceita a liderança dos Estados Unidos no
controle da não proliferação, desarmamento e controle de armas. O ministro das Relações Exteriores
expressou apreço pelo discurso do presidente Obama em Praga, observando que o processo para se chegar a
“um mundo próximo a zero no que se refere a armas nucleares não se trata de uma linha reta”, mas é longo
e complexo. McDonald disse que, nos últimos quarenta anos, os Estados com armas nucleares têm
menosprezado a obrigação de espalhar o poder nuclear civil e o desarmamento; a liderança do presidente
Obama representa uma oportunidade de mudar essa dinâmica. A DG Leslie observou que os tomadores de
decisão do Reino Unido estão “inflamados pelo modo como o presidente assumiu para si a agenda da não
proliferação”. O primeiro-ministro Brown quer “renovar e reformular” o Tratado de Não Proliferação
(TNP), disse ela. O DG Day disse que estava “muito feliz” pelo fato de os Estados Unidos terem
“reassumido a liderança” na não proliferação, no controle de armas e no desarmamento.
Mantendo unidade em P3 e P5
3. (S/NF) Leslie enfatizou que a posição do Reino Unido é “realmente muito semelhante à sua
administração em praticamente tudo”. A meta do Reino Unido é que a P5 trabalhe bem em conjunto, mas
que não deveríamos “assustar os cavalos”, o que significa “não assustar os franceses” e “manter os chineses
e russos a bordo”. Ela reconheceu ser “difícil reunir todos” para a Conferência P5 de 3 e 4 de setembro, mas
expressou esperança de que isso ajudaria a consolidar a unidade da P5 para a Conferência de Reavaliação
do TNP. Day reconheceu que a Conferência P5 não era um meio com o objetivo de fazer progresso “aos
trancos e barrancos”. Ele enfatizou que “o envolvimento é imprescindível” e ajudaria a consolidar a unidade
da P5.
4. (S/NF) Precisamos de um sinal forte, mas unânime, do Conselho de Segurança da ONU (CSONU) e dos
chefes de Estado da reunião de cúpula do CSONU, salientou Simon McDonald, observando que o primeiro
esboço de resolução foi uma decepção. Os interlocutores do Reino Unido concordaram a respeito da
importância da unidade da P5 na reunião, assim como a importância de definir a coordenação da P3 e da P5,
preparando o caminho para a reunião de cúpula e a RevCon do TNP. McDonald também observou que a
Líbia estava no CSONU e que a P5 deveria fazer uma observação positiva a respeito do fato de a Líbia ter
feito uma “mudança estratégica” na proliferação nuclear.
A França e a unidade da P3
5. (S/NF) A DG Leslie disse que o Reino Unido havia realizado “um trabalho árduo e expressado
compromisso com o desarmamento... e que os franceses estão se sentindo desconfortáveis com isso”. Leslie
disse que o Reino Unido “tem bom relacionamento” com os franceses, mas que eles estão “excessivamente
preocupados com o que veem como um desarmamento unilateral do Reino Unido”. Ela disse que as
discussões na P3 vão ajudar a manter a unidade da P3. “Precisamos tranquilizar a França”, afirmou. Leslie
caracterizou as relações mais próximas entre Estados Unidos e França como “extremamente saudáveis”.
6. (S/NF) A subsecretária, Leslie, e Day concordaram em manter reuniões regulares da P3, começando em
outubro, para ajudar a fortalecer a unidade da P3. Durante encontros bilaterais separados com Tauscher, os
interlocutores franceses também concordaram com a importância de consultas regulares à P3.
China, Paquistão
16. (S/NF) Leslie assinalou a “verdade inconveniente” de que “a China está construindo seu arsenal
nuclear”. Evocou uma corrida armamentista no Pacífico diante do programa nuclear indiano. Não obstante,
Leslie disse que estava otimista em relação ao comprometimento da China com a cooperação multilateral, e
sugeriu que os Estados Unidos e o Reino Unido impulsionem a China a progredir até que “digam ‘pare’”.
Ela observou que há um ano os chineses “de fato” afirmaram que se os Estados Unidos ratificassem o
CTBT,* a China faria o mesmo. Além do mais, a China “criticou” o Paquistão na Conferência para o
Desarmamento (CD), o que é um “bom sinal”. Tauscher encorajou a ação da P5 em fazer com que o
Paquistão pare de impedir o progresso da CD do Tratado de Redução de Materiais Físseis (TRMF).
17. (S/NF) O Reino Unido tem profundas preocupações acerca da segurança das armas nucleares do
Paquistão, e a China poderia desempenhar importante papel na estabilização do Paquistão, disse Leslie. O
Paquistão aceitou ajuda para a segurança nuclear, mas sob a bandeira da Agência Internacional de Energia
Atômica (AIEA) (apesar dos técnicos britânicos). Os paquistaneses temem que os Estados Unidos “venham
mais tarde e tomem suas armas”, disse Leslie.
18. (S/NF) Day expressou apoio pelo desenvolvimento de relação semelhante a uma “guerra fria” entre
Índia e Paquistão, o que “introduziria grau de certeza” entre os dois países em suas negociações. Ele
observou que informações recentes indicam que o Paquistão “não está caminhando em boa direção”. O
Paquistão vê o debate sobre o Afeganistão nos Estados Unidos e no Reino Unido como demonstração de
que os aliados não têm intenção de manter seus compromissos ali. Os paquistaneses também creem que
recentes sucessos contra extremistas no vale do Swat validam a convicção de que podem lidar com seus
problemas internos sem mudar a abordagem em relação à Índia. Day perguntou se os Estados Unidos
seriam “obrigados” a cortar relação com o Paquistão se os militares assumissem o controle novamente. Ele
disse que, da última vez que os militares assumiram o poder, o Reino Unido manteve vínculos militares.
Day também perguntou sobre perspectiva americana quanto a Nawaz Sharif, que descreveu como
“potencialmente menos mercenário” que outros líderes paquistaneses.
SUSMAN
Nota
* Tratado para a Proibição Completa de Ensaios Nucleares (Comprehensive Nuclear -Test-Ban Treaty –
CTBT). (N. do T.)
David Miliband ofereceu “raros momentos de poder de
estrela” para o partido sem Blair
Segunda-feira, 3 de março de 2008, 17h06
CONFIDENCIAL LONDRES 000639
SIPDIS
SIPDIS
NOFORN
Classificado pelo embaixador Robert Tuttle, razões 1.4 b, d
3. (SBU) Embora o discurso de Brown tenha abordado basicamente questões nacionais, ele estendeu sua
análise dos custos da pobreza para o restante do mundo, observando que 72 milhões de crianças não têm
acesso à escola e prometendo eliminar doenças como difteria, tuberculose e malária. Brown solicitou uma
extensão das sanções contra o Sudão e a libertação da dissidente birmanesa Aung San Suu Kyi.
4. (SBU) Em uma sessão de perguntas e respostas após as observações de Brown, muitas das perguntas do
público eram sobre a administração do governo trabalhista nas questões do padrão escolar e da assistência
médica – perguntas feijão com arroz para membros do Partido Trabalhista em nível local. (Comentário da
embaixada: A discussão sobre questões educacionais foi muito detalhada – um parlamentar de Birmingham
disse a Poloff que “o Partido Trabalhista é composto de professores”, explicando que suas preocupações de
classe tendem a dominar os eventos do partido. Fim do comentário.) Curiosamente, relatos da mídia em
torno de uma possível e iminente rebelião contra o governo por causa da legislação de segurança para
estender o período de detenção legal de 28 para 42 dias, as questões do terrorismo, poder policial e
liberdades civis não foram citados. Enquanto Brown atacou o partido Conservador pelos planos de cortes de
imposto e oposição ao plano de reforma da UE do Tratado de Lisboa, pouco se referiu às futuras batalhas
por conselhos locais que o partido Liberal Democrata apresenta como grande ameaça tanto aos Trabalhistas
quanto aos Conservadores. Um membro dos “estudantes do Partido Trabalhista” de Cardiff se levantou para
dizer que tinha 8 anos quando o Partido Trabalhista entrou no poder, e perguntou o que deveria dizer às
pessoas agora a respeito do que faz do partido uma força radical. Brown reiterou seu apelo para acabar com
a pobreza e eliminar a doença em nível global. Um palestino que perguntou o que Brown faria para acabar
com o conflito na Palestina provocou rara explosão de aplauso; Brown respondeu mencionando uma já
marcada conferência de investimentos.
5. (C/NF) A falta de energia que pairava sobre o discurso de abertura era evidente também em outros
lugares, por causa dos poucos presentes ou das preocupações financeiras do partido. Membros do Partido
Trabalhista reclamaram que os organizadores da conferência escolheram um fim de semana ruim – os
membros do País de Gales não compareceram por causa do feriado de St. David, em 1º de março (St. David
é o padroeiro do País de Gales, e a comemoração de seu dia é um dever nacional). E o Dia das Mães na
Grã-Bretanha, em 2 de março, deixou muitos possíveis frequentadores na posição de ter de escolher entre o
Partido Trabalhista e sua “mãe”. A julgar pela frequência, as mães ganharam em muitos casos. Os
trabalhadores do Partido, que têm vivido com pouco dinheiro há vários anos, eram raros. Aqueles que
compareceram não estavam particularmente motivados: quando Poloff pediu uma cópia do discurso do
primeiro-ministro, um trabalhador do partido recomendou a versão na internet, que várias horas depois
ainda não havia sido atualizada a ponto de refletir extensas mudanças no conteúdo. Alguns membros,
cientes das dificuldades financeiras do partido, perguntaram por que tanto dinheiro havia sido gasto na
corrida para vice-presidente do Partido Trabalhista em 2007, observando que o dinheiro levantado pelos
candidatos teria sido mais bem aproveitado para apoiar as campanhas locais do partido este ano.
Recrutamento feminino
7. (C) Dez pessoas (incluindo Poloff) compareceram a um evento com o objetivo de melhorar o alcance do
Partido Trabalhista em comunidades muçulmanas (Comentário da embaixada: Devido à perda de apoio dos
muçulmanos ao Partido Trabalhista, após a Guerra do Iraque, o baixo comparecimento de ativistas do
partido no evento foi inexplicável. Fim do comentário). O conselheiro de Manchester e ex-prefeito Afzal
Khan fez recomendações aos candidatos do Partido Trabalhista que buscam votos nas comunidades
muçulmanas, incluindo: usem “As Salam Aleikum” como saudação; não aperte a mão das mulheres;
participem de programas de rádio muçulmanos; envie cartões nos feriados religiosos muçulmanos; e
distribuam panfletos do lado de fora das mesquitas às sextas-feiras. O MPE* Gary Titley, de Bolton,
também deu um conselho importante aos candidatos, que evitem presumir que todos os muçulmanos têm a
mesma opinião e que é fundamental manter elos com organizações de comunidades de base. Um
muçulmano britânico de Nottingham descreveu o que considerava supressão de grande contingente
muçulmano em seu Partido Trabalhista local; Khan respondeu que havia um processo democrático e que os
muçulmanos em Nottingham deveriam usá-lo.
8. (SBU) A secretária de Comunidades e Governo Local Hazel Blears ressaltou as realizações do Partido
Trabalhista no governo local. O centro revitalizado de Birmingham, incluindo o centro onde ocorreu o
evento, foi apontado como uma conquista do Partido Trabalhista, assim como a “revitalização de Londres”
na administração do prefeito Ken Livingstone. Em grupos isolados, no entanto, houve uma sessão
desagradável de “efetiva oposição”. Os membros do Partido Trabalhista reclamaram que para os
conselheiros do partido – que estão na linha de frente, por assim dizer, enfrentando os conselhos dominados
pelos Tories e Liberais Democratas – há pouco ou nenhum apoio do partido tanto em termos de política
substantiva quanto de assistência pessoal.
9. (C/NF) Por outro lado, em uma conferência-chave com poucas pessoas, a enorme excitação sempre que o
ministro das Relações Exteriores David Miliband aparecia era evidente. O evento do Partido Trabalhista do
Parlamento europeu, que aconteceu na hora do almoço, falou sobre o Tratado de Lisboa e teve Miliband
como palestrante, ficou lotado. Após a apresentação ele teve uma sessão com mais de cem estudantes do
Partido Trabalhista que claramente o idolatraram. Tropeçando em uma sessão que mais tarde foi revelada
como “particular”, Poloff ouviu Miliband esboçar seus critérios para um “país bem-sucedido” no futuro:
abertura, poder para toda a população e elos globais. Há uma distinção cada vez menor entre políticas
externas e internas, disse aos estudantes, e o desafio é mobilizar as pessoas para que mudem. As lições das
décadas de 80 e 90 foram que “coalizões arco-íris não funcionam”; para mobilizar “forças dinâmicas”, os
líderes políticos devem desenvolver uma narrativa unificadora de ideologia. A esse respeito, o Partido
Trabalhista deve decidir se é o partido da classe trabalhadora ou da classe média. Respondendo a perguntas
sobre política externa, Miliband apoiou a reforma das Nações Unidas e observou que a “questão real” na
ONU é seu fracasso em cumprir sua “responsabilidade de proteger”, porque a maioria das ameaças aos civis
vem de seus próprios governos e não de invasões estrangeiras. Ele defendeu a participação do Reino Unido
nos jogos olímpicos da China como oportunidade de jogar uma luz sobre a “verdadeira China, não obstante
seus defeitos e imperfeições”. Ele enfatizou que o Irã representa perigo não apenas no que se refere às
armas nucleares, mas nas próprias práticas internas de direitos humanos. Ele observou, por exemplo, que o
Irã era o país com maior índice per capita de pena de morte no mundo.
Comentário
10. (C/NF) Os membros do Partido Trabalhista cada vez mais perguntam a si mesmos o que levantou um
estudante de Cardiff: O que torna o Partido Trabalhista “radical” após onze anos no governo? Para um
partido que ainda contém grande elemento que se sente mais confortável na oposição, esse
autoquestionamento contribui para um sentimento de falta de direcionamento pós-Blair. Ainda que Blair
tenha se tornado impopular, ele era o sol em torno do qual o partido orbitava, e seus discursos,
independentemente do conteúdo, provocavam reação emocional. A visão sólida e louvável de Brown não
provoca oposição, mas também não causa grande entusiasmo. A dois meses das eleições locais, um Partido
Trabalhista limitado em termos financeiros dificilmente parece ser capaz de mobilizar-se para uma
campanha que não apenas determinará o destino do Partido Trabalhista em nível local, mas que também
poderá afetar o próprio mandato de Gordon Brown como líder. A conferência com baixo índice de
comparecimento não teve o furor que uma forte representação parlamentar do partido teria provocado e, não
obstante o poder de estrela de Miliband, nenhum possível desafiante de Brown surgiu. Mas a ironia no fato
de o partido manter Ken Livingstone como modelo de conquista do Partido Trabalhista, apenas oito meses
depois de sua expulsão por concorrer à prefeitura de Londres como candidato independente, não passou
despercebido na mídia do Reino Unido.
Nota
SIPDIS
EO 12958 DECL: 11/02/2020
TAGS PGOV, PREL, PHUM, PINR, ECON, KDEM, KCOR, RS”>RS
ASSUNTO: O DILEMA LUZHKOV
Classificado pelo embaixador John R. Beyrle. Razão: 1.4 (b), (d).
1. (C) Resumo: O prefeito de Moscou Yuriy Luzhkov permanece um membro leal do Partido Rússia Unida,
com reputação de garantir que a cidade tenha os recursos necessários para seu bom funcionamento. Cada
vez mais surgem questões acerca das ligações de Luzhkov com organizações criminosas e o impacto
causado no governo por elas. Luzhkov se mantém em posição firme devido a seu mérito como consistente
captador de votos para o partido governante. Infelizmente, o mundo obscuro de práticas de negócios
corruptas sob a administração Luzhkov continua em Moscou, com funcionários corruptos exigindo
subornos de empresas que tentam funcionar na cidade. Fim do resumo.
2. (C) O prefeito de Moscou Yuriy Luzhkov é a personificação de um dilema político para o Kremlin.
Membro leal e fundador do Rússia Unida, além de confiável captador de votos e influência para o partido
político e seu líder, o primeiro-ministro Putin, as ligações de Luzhkov com a comunidade empresarial de
Moscou – a grande e legítima, assim como a marginal e corrupta – permitiram a ele pedir apoio sempre que
necessário para obter votos para o Rússia Unidaou garantir que a cidade tenha os recursos fundamentais
para seu bom funcionamento. A reputação nacional de Luzhkov como homem que governa o ingovernável,
limpa as ruas, mantém o metrô funcionando e a ordem na maior metrópole da Europa, com quase onze
milhões de pessoas, lhe assegura certa liberdade por parte dos líderes do governo e do partido. Em outubro,
ele supervisionou o que até os membros do Rússia Unida consideraram uma eleição suja, comprometida,
para a Duma em Moscou, e recebeu apenas um tapinha na mão do presidente Medvedev.
3. (C) Os moscovitas questionam cada vez mais os procedimentos-padrão de trabalho de seu chefe
executivo, um homem que, desde 2007, não elegem mais diretamente. As ligações de Luzhkov com o crime
organizado e o impacto que essas ligações causaram no governo e no desenvolvimento de Moscou são cada
vez mais questão de debate público. Embora Luzhkov tenha ganhado um processo judicial contra o líder da
oposição Boris Nemtsov pela recente publicação: “Luzhkov: An Accounting ”, Nemstov e seus aliados do
movimento Solidariedade ficaram encorajados com o fato de o juiz não ter dado a vitória com base nas
acusações de corrupção, mas pelo tecnicismo da difamação.
4. (C) Poucos acreditam que Luzhkov deixará voluntariamente o cargo antes de 2012, quando a Duma de
Moscou deve apresentar um lista de candidatos a prefeito a Medvedev para seleção. O Rússia Unida
provavelmente contará com a máquina política de Luzhkov e seu genuíno apoio político para obter votos
para os candidatos do partido nas eleições da Duma estadual em 2011, assim como para as eleições
presidenciais de 2012. Sem sucessor aparente, e com nenhuma ambição além de continuar sendo prefeito,
Luzkhov está em uma posição firme. A evidência de seu envolvimento, ou pelo menos associação, com a
corrupção permanece significativa. Este telegrama apresenta esse lado de Luzhkov – que envolve não
apenas ele e o modo como lida com os políticos locais, mas também Putin e Medvedev à medida que se
aproximam as eleições de 2012.
5. (C) A ligação direta do governo municipal de Moscou com a criminalidade faz com que alguns o
chamem de governo “disfuncional” e a afirmar que este funciona mais como cleptocracia do que como
governo. Os elementos criminais desfrutam de um “krysha” (termo do mundo do crime/da máfia que
significa literalmente “telhado” ou proteção) que permeia a polícia, o Serviço Federal de Segurança (FSB),
o Ministério do Interior russo (MVD), bem como toda a burocracia do governo municipal de Moscou.
Analistas identificam uma estrutura em três camadas do mundo do crime de Moscou. Luzhkov no topo, o
FSB, o MVD e a milícia no segundo nível e, por fim, criminosos comuns e oficiais corruptos no nível mais
baixo. Trata-se de um sistema ineficiente no qual grupos criminosos preenchem um vazio em algumas áreas
porque a cidade não fornece certos serviços.
6. (C) XXXXXXXXXX nos disse que grupos criminosos étnicos de Moscou fazem negócios e pagam em
troca. São as sedes dos partidos, não os grupos criminosos, que decidem quem participará da política.
XXXXXXXXXX afirmou que são os partidos políticos que têm a força política, portanto têm poder sobre
esses grupos criminosos.
Grupos criminosos trabalham com burocratas municipais, mas em nível baixo. Por exemplo, armênios e
georgianos tinham forte envolvimento em jogos de azar até que oficiais municipais fecharam as instalações
de jogos. Esses grupos étnicos precisavam de proteção contra as legislações impostas, por isso procuraram
cooperação com os burocratas municipais. Em tais cenários, grupos criminosos pagavam por proteção
policial.
7. (S) XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
8. (S) Segundo XXXXXXXXXX, Luzhkov usou dinheiro do crime para apoiar sua ascensão ao poder e se
envolveu com suborno e acordos em torno de lucrativos contratos de construção por toda a Moscou.
XXXXXXXXXX nos disse que amigos e associados de Luzhkov (incluindo o mafioso russo Vyacheslav
Ivankov, morto recentemente, e o supostamente corrupto representante da Duma XXXXXXXXXX) são
“bandidos”. XXXXXXXXXX. XXXXXXXXXX disse que o governo de Moscou tem ligações com muitos
grupos criminosos e costuma receber propina de empresas. As pessoas subordinadas a Luzhkov mantêm
essas ligações criminosas. Recentemente, o líder do partido ultranacionalista da oposição PLDR (Partido
Liberal Democrata da Rússia), Vladimir Zhirinovskiy, criticou abertamente Luzhkov e pediu sua saída,
afirmando que seu governo era o “mais criminoso” na história da Rússia. Essa impressionante denúncia,
feita no Canal 1 de TV estatal, foi vista como uma repreensão indireta do Kremlin a Luzhkov.
9. (S) XXXXXXXXXX nos disse que sabe que as leis russas não funcionam. O sistema de Moscou se
baseia em permitir que os funcionários ganhem dinheiro. Os burocratas do governo, o FSB, o MVD, a
polícia e o Ministério Público recebem propinas. XXXXXXXXXX afirmou que tudo depende do Kremlin e
que achava que Luzhkov, bem como prefeitos e governadores, pagam a funcionários de dentro do Kremlin.
XXXXXXXXXX disse que o sistema vertical funciona porque as pessoas pagam propinas em todos os
níveis. Ele nos disse ainda que é comum testemunhar funcionários se dirigindo ao Kremlin com grandes
valises e guarda-costas, e especulou que essas valises estão repletas de dinheiro. Os governadores, em todas
as regiões, recebem dinheiro baseado em propinas, em um esquema parecido com o sistema de impostos.
XXXXXXXXXX descreveu que existem estruturas paralelas nas regiões em que as pessoas podem pagar
seus líderes. Por exemplo, o FSB, o MVD e a milícia têm sistemas próprios de recebimento de dinheiro.
Além disso, XXXXXXXXXX nos explicou que os deputados geralmente têm de comprar suas posições no
governo. Precisam de dinheiro para chegar ao topo, mas quando chegam ali, a posição se converte em
oportunidades bastante lucrativas de ganhar dinheiro. Os burocratas em Moscou são notórios por fazer toda
espécie de negócio ilegal para conseguir dinheiro extra.
10. (S) Segundo XXXXXXXXXX, Luzhkov está seguindo ordens do Kremlin para não perseguir grupos
criminosos de Moscou. Por exemplo, XXXXXXXXXX afirmou que o fechamento de casas de jogos não foi
nada mais do que um espetáculo de relações públicas de Putin. XXXXXXXXXX disse que não ver sentido
no fato de malas de dinheiro entrarem no Kremlin, já que seria muito mais fácil abrir uma conta secreta no
Chipre. Especulou que os chefes de polícia de Moscou possuem um orçamento de guerra secreto de
dinheiro. XXXXXXXXXX disse que esse dinheiro provavelmente é usado para resolver problemas
decididos pelo Kremlin, como fraudar as eleições. Esse fundo pode ser acessado como recurso quando
chegam ordens superiores, por exemplo, para propinas ou suborno de pessoas, quando necessário.
XXXXXXXXXX postulou que o Kremlin é capaz de dizer a um governador que ele pode governar
determinado território, mas em troca ele deve fazer o que o Kremlin manda.
11. (C) Apesar da posição sólida de Luzhkov, alguns de nossos contatos creem que sua armadura apresenta
ranhuras, devido
às atividades corruptas. XXXXXXXXXX nos disse que Luzhkov tem muitos inimigos, porque sua mulher
tem os acordos comerciais mais lucrativos de Moscou e muita gente acha que Luzhkov já ganhou dinheiro
demais. XXXXXXXXXXX. XXXXXXXXXX afirmou ainda que Luzhkov está “de saída”, embora tenha
reconhecido que o Kremlin ainda não identificou substituto adequado. Questões como a corrupção e o
congestionamento no trânsito até certo ponto desgastaram a popularidade de Luzhkov. Putin, disse
XXXXXXXXXX, provavelmente escolherá o indivíduo menos esperado para substituir Luzhkov.
12. (C) De acordo com muitos observadores, o clima sem lei na Rússia dificulta a sobrevivência de
empresas sem que tenham de pagar por algum tipo de proteção. XXXXXXXXXX explicou como as
propinas funcionam em Moscou: o dono de um café paga, em dinheiro, ao chefe da polícia local por meio
de um mensageiro. Ele precisa pagar certa quantia negociada, obtida de certos lucros. Os altos preços dos
produtos em Moscou cobrem esses custos ocultos. Às vezes, as pessoas recebem “má proteção”, no sentido
de que o “krysha” extorque uma quantia excessiva em dinheiro. O resultado disso é que não conseguem
arrecadar o suficiente para ter lucro e manter a empresa. Se alguém tenta sobreviver sem a proteção, acaba
fechando as portas imediatamente. Por exemplo, funcionários do serviço de combate a incêndio ou do
serviço sanitário aparecem na empresa e inventam alguma violação. Segundo XXXXXXXXXX, todos
aderiram a proteção em Moscou. Desse modo, isso virou norma. De maneira geral, os moscovitas têm
pouca liberdade para se pronunciar contra as atividades corruptas, e têm medo de seus líderes.
13. (C) XXXXXXXXXXX explicou que os empresários de Moscou entendem que é melhor obter proteção
do MVD e do FSB (em vez de grupos de crime organizado) porque eles não só possuem mais armas,
recursos e poder do que os grupos criminosos, como também são protegidos pela lei. Por isso, a proteção
concedida por gangues criminosas não tem mais uma demanda tão grande. A polícia e o MVD recebem
dinheiro das empresas pequenas enquanto o FSB recebe das empresas grandes. Segundo XXXXXXXXXX,
o “krysha” do FSB é supostamente a melhor proteção. Ele nos disse que, embora tanto o MVD quanto o
FSB tenham estreitas ligações com Solntsevo, o FSB é o verdadeiro “krysha” para Sointsevo. Esse sistema
não se trata de um incentivo para empresas menores e ninguém está imune; mesmo os ricos que pensam
estar protegidos são presos. De acordo com a pesquisa da Transparência Internacional de 2009, as propinas
custam trezentos bilhões de dólares por ano à Rússia, ou cerca de 18% de seu produto interno bruto.
Comentário
14. (S) Apesar da declarada campanha anticorrupção de Medvedev, a corrupção em Moscou continua
generalizada, com Luzhkov no topo da pirâmide. Luzhkov lidera um sistema no qual parece que quase
todos, em todos os níveis, estão envolvidos em alguma forma de corrupção ou comportamento criminoso. O
dilema de Medvedev e Putin é decidir quando Luzhkov se tornará mais dívida do que lucro. Enquanto o
descontentamento da opinião pública com Luzhkov tem crescido desde as eleições “manchadas” em
outubro de 2009, a liderança do Rússia Unida sabe que ele tem sido um apoiador leal, capaz de obter votos.
Tirá-lo do posto antes da hora pode criar grandes dificuldades, porque ele pode ligar outras pessoas do
governo à corrupção. Embora uma mudança nas atividades questionáveis de Luzhkov pareça ser a atitude
correta, mantê-lo no governo administrando a cidade com eficiência é a melhor opção do Rússia Unida. No
fim, o tandem acabará tirando Luzhkov de cena, como já fez com outros líderes regionais havia muito no
poder, como o governador do oblast* de Sverdlovsk, Eduard Rossel, e o presidente da República do
Tartaristão, Mintimir Shaymiev.
BEYRLE
Nota
* Subdivisão administrativa e territorial em alguns países eslavos e ex-repúblicas soviéticas. (N. do T.)
Almoço regado a álcool ajudou as relações militares entre
Estados Unidos e Tajiquistão
Terça-feira, 01 de agosto de 2006, 12h12
SEÇÃO CONFIDENCIAL 01 DE 02 DUSHANBE 001464
SIPDIS
SIPDIS
DECLARADO PARA SCA/CEN, EUR/RUS, EUR/CARC, PM, S/P
EO 12958 DECL: 1/8/2016
TAGS PGOV, PREL, MARR, GG, RS”>RS, TI
ASSUNTO: OBSESSÃO DO MINISTRO DA DEFESA TAJIQUISTANÊS DA VELHA GUARDA
SOBRE A OTAN E A GEÓRGIA
DUSHANBE 00001464 001.2 DE 002
CLASSIFICADO POR: embaixador Richard E. Hoagland, embaixada de Dushanbe, Departamento de
Estado, RAZÃO: 1.4 (b), (d)
1.(C) RESUMO: O embaixador suportou um almoço de mais de três horas com o ministro da Defesa do
Tajiquistão, Sherali Khairulloyev, em 01 de agosto. Além da conversa geral, o ministro pediu desculpas
pelas relações anteriores que não atingiram as expectativas; falou repetidamente sobre a OTAN, a Geórgia e
Saakashvili; e afirmou que a Organização de Cooperação de Xangai deve se tornar um bloco militar para
enfrentar a OTAN. No fim do almoço regado a álcool, o ministro estava falando indistintamente e mal se
aguentava em pé. Suspeitamos que o presidente Rahmonov ordenou que o ministro fosse o anfitrião desse
almoço de despedida. Embora tenha sido incomum em muitos aspectos, acreditamos que o almoço nos
ajudou a dar mais um passo em direção às relações militares entre Estados Unidos e Tajiquistão. FIM DO
RESUMO.
2. (C) O ministro da Defesa Khairulloyev pediu desculpas várias vezes pelos “mal-entendidos e
oportunidades perdidas” no passado quanto às relações militares entre Estados Unidos e Tajiquistão.
Afirmou repetidas vezes que espera um relacionamento cada vez melhor e mais produtivo. Ele disse
entender que o Tajiquistão precisa de um número de parceiros iguais, não apenas um (a Rússia), se deseja
prosperar.
3. (C) O ministro Khairulloyev falou várias vezes sobre a OTAN e a Geórgia. Perguntou repetidamente:
“Por que a OTAN quer um país como a Geórgia? Nem o Pacto de Varsóvia incluiu perdedores!” Ele
perguntou se a OTAN vai melhorar a economia “sem esperança” da Geórgia. Perguntou por que os Estados
Unidos “favorecem o adolescente” presidente Saakashvili. A única explicação possível, afirmou o ministro,
é “enfiar o dedo no olho de Moscou”. Ele acrescentou: “Quando Stálin criou a República Socialista
Soviética da Geórgia, incluiu a Abcásia e a Ossétia do Sul, porque sozinhos os georgianos são
‘insignificantes’. “Sem a Abcásia e a Ossétia do Sul”, afirmou o ministro, “a Geórgia não tem esperança de
existir”.
4. (C) Khairulloyev explicou que a Organização de Cooperação de Xangai (OCX) tem de se desenvolver
para se tornar um bloco militar “com um terço da população mundial” para enfrentar a OTAN. O
embaixador perguntou por que a Rússia e as ex-repúblicas soviéticas viam a OTAN como inimiga.
Khairulloyev levantou-se e declarou: “Quando o Bloco de Varsóvia se desintegrou, é claro que um novo
bloco surgiu para dominar o mundo. Essa é a dialética histórica. Agora é hora de enfrentar a OTAN”.
Cor
5. (C) Esse almoço aconteceu na sala de jantar particular do ministro Khairulloyev, em seu escritório
particular reformado recentemente. O ministro enfatizou que raramente recebe convidados em sua sala de
jantar particular e que apenas um outro embaixador em especial havia participado de um jantar ali – o ex-
embaixador russo Maksim Peshkov.
6. (C) O embaixador perdeu a conta dos brindes após o décimo. Havia vodca no copo do ministro e o copo
grande estava sempre cheio de uísque. Mais tarde, durante o almoço, o ministro falava indistintamente e não
conseguia andar em linha reta. Além disso, enquanto o embaixador tentava sair com elegância, o ministro
insistiu em lhe mostrar “salas secretas” no ministério. Cada “sala secreta” era apenas mais uma sala de
reunião com um grande vaso de flores e – mais uma vez – copos dispostos nas mesas para fazer brindes.
Comentário
6. (C) Esse evento bizarro foi curioso, porque as relações militares entre Estados Unidos e Tajiquistão têm
melhorado acentuadamente, principalmente com a Guarda Nacional, mas também com o Ministério da
Defesa russo-cêntrico. Khairulloyev continua deixando claro que serve à conveniência do presidente
Rahmonov e pode ser substituído após a eleição presidencial de novembro. Embora esse festival de
bebedeira tenha indicado como muitos da velha guarda das ex-repúblicas soviéticas fazem negócios
mútuos, foi bastante incomum para um convidado americano. Foi, até certo ponto, sinal de respeito. Não
ficaríamos surpresos se o presidente Rahmonov tivesse mandado Khairulloyev “fazer alguma coisa para o
embaixador que estava de partida”, e nos perguntamos se seria uma espécie de discurso de despedida de um
ministro de segurança da velha guarda que desconfia que seus dias de serviço estão contados. Seja como
for, ficamos felizes por Khairulloyev ter bebido. FIM DO COMENTÁRIO.
HOAGLAND
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