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A Série Estudos de Língua de Sinais (SELS) compreende publicações de pesquisas
em duas áreas de investigação, a Linguística e os Estudos da Tradução, apresen-
tando-se como um desdobramento das pesquisas e demais atividades desenvolvi-
das nos Programas de Pós-Graduação em Linguística e em Estudos da Tradução
da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. A proposta de reunir e compar-
tilhar pesquisas relacionadas aos estudos linguísticos e aos estudos da tradução,
por meio desta Série, surgiu concomitantemente ao significativo aumento das
pesquisas envolvendo a língua brasileira de sinais (Libras), tanto no escopo dos
próprios programas como em outros programas nacionais. É importante mencionar
que a criação da linha de pesquisa em Libras, no Programa de Pós-Graduação em
Linguística (PPGL), e da em Interpretação, no Programa de Pós-Graduação em
Estudos da Tradução (PGET) com o ingresso de professores-pesquisadores, surdos
e ouvintes, fluentes em Libras, ampliou o espaço para produções de pesquisas
sobre a Libras, atendendo assim às demandas já, anteriormente, institucionaliza-
das. Além disso, a criação dos cursos de licenciatura e de bacharelado em Letras
Libras, respectivamente, em 2006 e em 2008, na UFSC e, posteriormente, em
outras universidades federais brasileiras, fomentou e alavancou a formação de
profissionais da área de ensino de Libras e da dos serviços de tradução e de
interpretação de Libras-português, contribuindo com o avanço profissional e com a
pesquisa. As graduações em Letras Libras vêm contribuindo para que o quantitativo
de mestrandos e doutorandos com investigações envolvendo as línguas de sinais
cresça significativamente no país. Atualmente, o PPGL possui 78 pesquisas, defen-
didas entre 2005 e 2022, sobre línguas de sinais e temas correlatos. E a PGET, por
sua vez, possui 87 pesquisas, defendidas entre 2010 e 2022, que abordam a tradu-
ção/interpretação de línguas de sinais e temas afins.
ISBN 978-85-524-0369-2
9 788552 403692
Carlos Henrique Rodrigues Ronice Müller de Quadros
Organizadores
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Estudos da Língua Brasileira de Sinais – Volume VI
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Comitê Científico
SELS
Estudos da Língua Brasileira de Sinais
Volume VI
Apoio
Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução – PGET/UFSC
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes
Florianópolis
2023
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais
Volume VI – 2023
Organizadoras
Carlos Henrique Rodrigues
Ronice Müller de Quadros
Projeto gráfico Projeto de capa Apoio
Rita Motta Lucas Müller de Jesus
Diagramação
Eduardo Cazon
ISBN 978-85-524-0380-7
CDD 419
23-30281310 CDU 81’-056.263
Apresentação...................................................................................................................9
Carlos Henrique Rodrigues e Ronice Müller de Quadros
Parte I
Estudos Linguísticos de Línguas de Sinais (ELLS)
Parte II
Estudos da Tradução e da Interpretação
de Línguas de Sinais (ETILS)
Organização e autoria..............................................................................................221
Apresentação
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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
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Apresentação
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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
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Apresentação
graduação, a qual precisa ser especialmente desenhada para esse público e para as
atuais demandas do mercado.
Esperamos que essa leitura contribua com novos olhares e com a constru-
ção de saberes!
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Parte I
Estudos Linguísticos de Línguas de Sinais (ELLS)
1 Introdução
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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
linguística, uma vez que temos que tomar decisões baseadas em teorias que susten-
tem nossas escolhas quanto a determinados fatos a respeito da estrutura da língua.
Neste sentido, o objetivo deste capítulo é, justamente, discutir problemas relativos à
transcrição dos dados linguísticos pelos transcritores, ao longo da documentação da
Libras na Grande Maceió. Empreendimento de suma relevância, uma vez que, nesse
Estado, não se dispunham de registros sistematizados, desta língua, para pesquisas.
Diferentemente da história das línguas orais, que mesmo antes dos gra-
vadores, poderiam (e foram) registradas/documentadas por meio da escrita, as
chamadas Línguas de Sinais, até recentemente, não podiam ser documentadas por
falta de recursos tecnológicos adequados para este fim, inclusive pela inconsis-
tência de um sistema de escrita de sinais, que segundo Barros (2008), a ausência
de usos sociais de um sistema de escrita de sinais, talvez, seja por uma imposição
das línguas orais sobre as de sinais, hipótese não confirmada. Neste sentido, se
quisermos saber como era a Libras usada, no Brasil, há 10 anos, certamente tere-
mos bastante dificuldade pela ausência de corpora que tenham documentado esta
língua. Isso traz consequências bastante relevantes para a Linguística Brasileira
em termos de desconhecimento de uma língua brasileira ainda pouco conhecida
pela Ciência e, em termos sócio-histórico-culturais, podemos mesmo dizer que há
um apagamento do que foi a língua em tempos passados, mesmo que não haja um
espaço de tempo tão significativo (20, 30 anos passados).
De acordo com Himmelmann (2006), a documentação linguística constitui
a área que se volta para métodos, ferramentas e bases teóricas para a elaboração
de um registro de uma língua natural, ou de uma variedade dela, sendo-lhe repre-
sentativo, duradouro e que permita múltiplos usos. É justamente dessa dimensão
científica (métodos, ferramentas e bases teóricas), de que fala Himmelmann, que
padece a Libras. Com o advento das novas tecnologias de comunicação, sobretudo
das redes sociais, a Libras, no século XXI, circula, de Norte a Sul, fortemente no
país, o que a torna mais viva, mas, ainda assim, em conformidade com os parâme-
tros estabelecidos pela UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educa-
ção, a Ciência e a Cultura –, trata-se de uma língua de sinais em risco de extinção,
o que justifica, também, a sua documentação. Assim, se por um lado existe a ne-
cessidade de a Libras ser devidamente descrita pela Linguística, a partir de dados
que lhes sejam representativos e, portanto, metodologicamente bem recolhidos;
por outro, é igualmente necessária à sua documentação, já que se trata de uma lín-
gua em risco nos termos tratados pela UNESCO. É importante notar, no entanto,
que quando se fala em risco de extinção de uma língua, há uma gama de aspectos a
serem observados. Conforme Leite e Quadros (2014), existe uma diferença entre o
risco que as línguas de sinais nativas brasileiras correm e o risco da língua de sinais
nacional, a Libras. No primeiro caso, de fato, há risco de extinção; já no segundo,
parece mais adequado falar em línguas em risco esquecidas (Nonaka, 2004 apud
Leite; Quadros, 2014).
Diante desse contexto, o problema principal, para o qual se volta este ca-
pítulo, estão as inúmeras dificuldades com as quais os transcritores se deparam
16
Parte I – Estudos Linguísticos
1 Contextualização teórica
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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
se dá não só por questões metodológicas, mas também por uma razão histórica: o
corpus Brown surge sete anos após o lançamento de Syntactic Structures, obra pu-
blicada por Chomsky, que coloca em discussão a própria ideia de corpus, uma vez
que nesse novo paradigma da Linguística os dados de que o linguista precisaria
para suas análises estão todos em sua mente, acessíveis por meio da introspecção,
portanto, a ideia de se fazer pesquisa com uso de dados provenientes de corpora
estava desacreditada e havia mesmo hostilidade para essa “velha” perspectiva.
Para Fenlon et al. (2015, p. 157), um Corpus linguístico é uma base de refe-
rência por meio de uma catalogação e registro de idiomas falados (línguas orais),
escritos e sinalizados (línguas de Sinais), que tem metadados agregados, sendo
legíveis por computador, e que na medida do possível representam a língua em
uso dos seus falantes nativos, permitindo um estudo sobre a frequência de alguma
palavra ou sinal ou tipo de construções nessa língua.
Para McCarthy e O’Keeffe (2010, p. 7), a Linguística de Corpus, para mui-
tos, é “um fim em si mesma”, ou seja, ela permite que de forma empírica a língua,
em foco, seja analisada, definida e descrita. A autonomia, contribuição e autenti-
cidade de um Corpus pode impactar em várias áreas como, por exemplo: na área
da linguística forense, análise de discurso, pragmática, dentre outras. Para além de
uma perspectiva da ciência linguística, pesquisadores de outras vertentes e abor-
dagens podem utilizar dados obtidos pela Linguística de Corpus, especialmente na
área dos estudos das línguas de sinais cujos estudos, em comparação com outras
línguas de modalidade oral-auditiva, ainda são bastante insólitos.
Fenlon et al. (2015, p. 158) destacam que até pouco tempo atrás não era
possível registrar, por meio de Corpora, as línguas de sinais, uma vez que apenas
com o avanço tecnológico recente é que se tornou possível o registro dessas lín-
guas por meio de vídeos. O desenvolvimento de recursos tecnológicos permite rá-
pido processamento e armazenamento das línguas de sinais, com o acarretamento
de mais precisão nas análises dos dados. Parece imperativa a ideia de que para a
investigação em linguística de línguas de sinais, a tecnologia é aliada fundamental,
mas muitos desafios de ordem linguística também se impõem a este processo.
2 Aspectos metodológicos
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Parte I – Estudos Linguísticos
Quadro 1 – Participantes
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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
de tal forma que uma resposta pudesse servir para mais de uma pergunta, ou que
uma resposta pudesse ajudar a entender mais facilmente a pergunta seguinte. Após
este momento das perguntas, foi aberto o ELAN – programa por meio do qual
os dados do Corpus foram transcritos –, no Zoom, e os participantes mostraram
exemplos de problemas encontrados em suas transcrições e quais as estratégias de
anotação para cada problema, ou que caminhos metodológicos eles desenvolve-
ram para anotar dados mais complexos.
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Parte I – Estudos Linguísticos
Quadro 2 – Participantes
Transcritor Pergunta 1 Pergunta 2 Pergunta 3 Pergunta 4 Pergunta 5
Quais os vídeos que Quantos Quantas horas mais Você fez cursos para Você usou o
você transcreveu? minutos de ou menos você aprender a transcre- manual (qual
transcrição? demorou para fazer ver no ELAN? versão) para
a transcrição? transcrever o
ELAN?
Atalaia MCZ G1 D6 VÍDEOS1 1:43 min. 3h até 4 horas Sergio, Miriam, SIM
1ª Pessoanarrativa Ewerton e Evely
orientaram.
Formação na UFSC e
na UFAL.
Arapiraca MCZ G2 D4 VÍDEOS1 1:34 min. 2 horas Miriam e Benício SIM
1ª Pessoanarrativa orientaram. Forma-
ção na UFAL.
Maceió1 MCZ G2 D4 Entre- 15:50 min. 3 dias Sergio tutorial, SIM
vista1 Youtube.
Formação na UFSC e
na UFAL.
Maceió2 MCZ G1 D4 VÍDEOS1 4:07 min. 4 horas Miriam, Ronice, SIM
1ª Pessoanarrativa Ewerton e Evely
orientaram.
Formação na UFSC e
na UFAL.
Fonte: Elaborado pelos autores. Pergunta 1 vídeo disponível em: < https://bit.
ly/3KJ0oRn> . Acesso em: 22 de junho de 2022.
21
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
projeto, mas ao próprio processo de construção de um corpus que deve passar por
adequações a partir de investigações como esta para que o processo de transcrição
se torne mais produtivo e prático.
A quinta pergunta nos leva para uma discussão um pouco mais abrangente
que envolve as demais perguntas e respostas, pois todos os transcritores utilizaram
o manual no processo de transcrição, mas, ainda assim, questões técnicas de como
transcrever particularidades da Libras perduraram. Desta forma, cabe a nós agora
entendermos quais são essas dificuldades e porque o manual não foi o suficiente
para sanar todas as dificuldades dos transcritores.
Apresentaremos, agora, as respostas para as cinco últimas perguntas, que
dadas as suas especificidades, serão apresentadas em separado. Todas as respostas
foram transcritas para o português por um colaborador surdo, portanto, iremos
citá-las em português e, se preciso, detalharemos como um ou outro transcritor
utilizou sinais específicos que podem nos ajudar a compreender melhor os senti-
dos de suas falas e a encontrar as explicações que procuramos. Para apresentar as
respostas, destacaremos, a cada uma delas, partes chave da resposta de cada trans-
critor e faremos um pequeno resumo do que cada transcritor respondeu.
22
Parte I – Estudos Linguísticos
desde 2015, o Manual tinha muita lista, quer dizer, sinais de pontuação ou
outros recursos gráficos, com muitas regras para seguir […] daí, os pesquisa-
dores em reunião para validação dos dados transcritos, em 2019, tomaram
uma decisão de reduzir esses detalhes do Manual, tornando o processo de
transcrição mais simples nos casos de apontamentos, por exemplo, em que é
usado o IX sem a necessidade de especificar o referente entre parênteses, como
era feito anteriormente. Isso não é mais necessário. (Maceió1, questão 5).
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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
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Parte I – Estudos Linguísticos
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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
Essa mesma dificuldade foi apontada pelo transcritor Maceió1, quando dis-
se que
os sinais de TAMBÉM, com o dedo de indicador em horizontal virado para
baixo e o outro, da outra mão, em horizontal virado para cima, e ficam tocan-
do um ao outro com a repetição do movimento, conforme a primeira figura
abaixo; e os dedos indicadores juntos, um ao lado do outro, com a repetição
do movimento, ver a segunda figura abaixo. Houve um informante que sina-
lizou o dedo indicador de uma mão parada em boia e uma outra mão fazen-
do sinais, e que têm diferentes movimentos, se tiver uma mão parada e sem
outro apoio, assim o SignBank pode interligar tudo na tecnologia. (Maceió1,
questão 7).
Apesar disso, ele ponderou, dizendo que “Por mim, a melhor estratégia é o
SignBank porque já está tudo pronto, disposto no sistema, não necessita de ler a regra
no Manual, também buscar e colocar na transcrição fica mais trabalhoso, por isso
eu acho que é melhor o SignBank, está completo”. Estas considerações sobre o uso
do Manual e do SignBank já apresenta caminhos para entender as duas próximas
perguntas, como veremos a seguir.
26
Parte I – Estudos Linguísticos
rápida e não dava para entender e às vezes dava, [...] , parecia uma mosca
de tão rápida para perceber, foi difícil para compreender, é preciso ir bem de-
vagar para que possa entender direitinho no momento da produção do vídeo,
estava rápido mesmo. [...] toda hora no momento de sinalizar “EU” e não
dava para ver os lados e o único jeito de ver é com a câmera de cima, por meio
da qual se conseguiu identificar este sinal. Não foi fácil, é necessário usar 4
posições de câmeras mesmo. (Atalaia, questão 8).
Neste relato, a transcritora apresentou os problemas e já trouxe as estraté-
gias utilizadas por ela, que, na verdade, são ferramentas e recursos previamente
estruturados para os transcritores utilizarem no momento da transcrição. O pri-
meiro é o controle de velocidade do ELAN, que permite que configurações de
mão, movimentos e pontos de articulação sejam claramente percebidos durante
a sinalização. O segundo recurso é a disponibilização de quatro câmeras voltadas
para os sinalizantes, o que permite que o transcritor tenha total acesso às configu-
rações de mão e aos movimentos corporais quando da sinalização.
Os transcritores Maceió1 e Arapiraca apresentaram um único problema se-
melhante: o excesso de tempo despendido para a transcrição. Arapiraca afirmou
que: “[...] é muito longo [o vídeo] para transcrever, eu aguentava muito, ainda tinha
paciência para colocar as glosas, mas era bastante demorado [...]. Eu pensei que
iria rápido, mas na verdade não foi o que eu pensava”. O trabalho de transcrição,
mesmo com as melhores estratégias e recursos tecnológicos, sempre vai demandar
um tempo considerável do pesquisador. Mas quando questões técnicas e metodo-
lógicas embargam este trabalho, o processo se torna ainda mais lento e enfadonho,
alega Maceió2.
Além disso, o grupo de trabalho é fundamental para dividir as tarefas.
Quando somente um ou dois transcritores estão trabalhando em um corpus, o
trabalho tende a sobrecarregar os colaboradores. Maceió1 fala sobre isso quando
relata
eu transcrevi assim mesmo até finalizar, eu ficava tão aliviado, mas, ainda
tem mais outro, com igual tempo de 20 min [...]. Ainda tenho que fazer outras
atividades no Letras-Libras, quer dizer, alguma atividade acadêmica que eu
precisava fazer, por isso não consigo me concentrar nessas atividades, é impos-
sível para mim. (Maceió1, questão 8).
Como se tratava de um projeto de PIBIC, os alunos tinham outras ativi-
dades acadêmicas e o trabalho de transcrição, por ser repetitivo e longo, se torna
desinteressante. Nesse contexto, lacunas metodológicas ou problemas técnicos ga-
nham uma proporção muito maior.
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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
riação, as glosas estão variando bastante, pois é necessário colocar os vídeos com os
sinais, porque percebi que esses sinais são de Florianópolis e nenhum sinal de Maceió,
nenhum”. Como a matriz do projeto nacional é em Florianópolis, muitos sinais
que estão no SignBank são relacionados à variedade da Libras sinalizadas naquela
cidade. É importante frisar que o Brasil, por ter proporções continentais, apresenta
comunidades surdas com variações lexicais substantivas. Muitos sinais são conhe-
cidos por todas as comunidades surdas brasileiras, mas cada comunidade utiliza
sua própria variante para se comunicar entre si. Desta forma, nós conhecemos os
sinais que estão no SignBank, mas alguns deles não correspondem às variantes
maceioenses. A solução para isto, como dito, deve partir do projeto de Maceió,
qual seja, alimentar o SignBank com os sinais do corpus de Maceió, ação que já
é prevista no projeto nacional, mas que nem sempre é exequível pelo fato de que
os bolsistas são, com alguma frequência, substituídos, ou por se formarem ou por
outras razões alheias ao projeto.
A segunda proposta diz respeito, não às variações lexicais, mas às fonoló-
gicas. A transcritora sugere que “se mudou alguma coisa sobre flexibilidade seria
ótimo, mas só falta explicar o motivo de flexibilidade sobre sinais e os diferentes mo-
vimentos do parâmetro para que saber qual o diferente que tem”. Ela não apresenta
exatamente o que deve ser feito, mas aponta que as diferenças fonológicas devem
ser levadas em conta de alguma forma pelo SignBank para que os transcritores
saibam como glosar cada variação.
Os demais transcritores não apresentaram novos caminhos além dos já dis-
cutidos nas outras questões, somente explicaram como os desafios da transcrição
podem servir como possíveis temas para as suas pesquisas.
As respostas para esta pergunta foram mais objetivas. Maceió1 afirmou não
ter contribuído com gravações; Arapiraca e Atalaia explicaram que juntas escre-
veram num caderno todos os sinais que deveriam ser gravados. Além da sugestão
de glosa, elas anotaram os sinais em SignWriting, como forma de capturar as dife-
renças fonológicas entre as variantes. No entanto, elas não iniciaram o processo de
gravação, por conta da pandemia.
Em suma, percebemos que os problemas apresentados pelos transcritores
têm naturezas diferentes, devendo ser, portanto, categorizados e até subcategori-
zados. De modo mais sistemático, pode-se dizer que os problemas são diversos e
de natureza distinta, sendo assim representados:
28
Parte I – Estudos Linguísticos
4 Considerações finais
29
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
Referências
BARROS, M. E. Elis – escrita das línguas de sinais: proposta teórica e verifica-
ção prática. 2008. 199 f. Tese (Doutorado em Linguística) – Curso de Pós-Gra-
duação em Linguística, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,
2008.
BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 7.387, de 09 de dezembro de
2010. Institui o Inventário Nacional da Diversidade Linguística e dá outras
providências. Brasília, 2010. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCI-
VIL_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7387.htm>. Acesso em: 27 jul. 2021.
FENLON, J., SCHEMBRI, A., JOHNSTON, T. E CORMIER, K. 10 0 Documen-
tary and Corpus Approaches to Sign Language Research. Published, 2015.
HEITKOETTER, R. P.; XAVIER, A. N. Descrição e análise de boias de listagem
em Libras, 2021. Disponível em: https://revista.unitins.br/index.php/humanida-
deseinovacao/article/view/3234. Acesso em 27 jun 2022.
HIMMELMANN, N. P. “Chapter 1 Language documentation: What is it and
what is it good for?”. Essentials of Language Documentation, edited by Jost Gi-
ppert, Nikolaus P. Himmelmann and Ulrike Mosel, Berlin, New York: De Gruyter
Mouton, 2006, pp. 1-30. https://doi.org/10.1515/9783110197730.1
IPHAN. INDL: Pesquisa coleta dados para o Inventário Nacional de Libras. Dis-
ponível em: <http://portal.iphan.gov.br/indl/>: Acesso em: 27 jul. 2021.
30
Parte I – Estudos Linguísticos
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Parte I – Estudos Linguísticos
1 Introdução
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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
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Parte I – Estudos Linguísticos
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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
O Mayali é uma língua australiana com gênero cujo sistema envolve uma
classe não relacionada a sexo biológico. Os nomes são classificados em quatro clas-
ses: masculino, que envolve humanos e animais superiores1 masculinos, referentes
animados de forma genérica, entidades espirituais (a menos que seja especificado
como feminino), alguns animais inferiores, animais invertebrados, chuva, pon-
tos cardeais, alguns itens usados na pintura, alguns tipos de mel, dentre outros;
feminino, que envolve humanos e animais superiores femininos, alguns animais
inferiores, e sol; vegetais, que abrange plantas e seus produtos (itens oriundos de
plantas), alimentos, vegetais, alguns tipos de mel, partes sexuais do corpo, barcos
e veículos, e outros; e neutro, que abrange partes de animais e plantas, fenôme-
nos climáticos e marítimos, medidas de tempo, países, categorias sociais e outros
(Evans; Brown; Corbett, 2002). O dado em (4) ilustra o sistema de gênero na lín-
gua Mayali (dialeto Kunwinjku).
Em (4), vemos que cada gênero recruta um morfema prefixal para compor
o termo que modifica o nome. O masculino exige o prefixo na-; o feminino exige
ngal-; o vegetais, man-; e o neutro, kun-.
Tipologicamente, as línguas do mundo podem ser: (i) línguas sem sistema
de gênero gramatical; (ii) línguas com gênero gramatical cuja manifestação está
baseada em sexo biológico; e (iii) línguas com gênero gramatical cuja manifesta-
ção se apoia em outras características semânticas (não relacionadas a sexo) (Cor-
bett, 1991).
Outra estratégia para marcar a classe dos nomes é o uso de classificadores.
Em línguas orais, o termo classificadores nominais se refere a formas presas ou
livres que ocorrem dentro do sintagma nominal e que indicam a classe do nú-
cleo. De acordo com Ainkhenvald (2000), classificadores nominais caracterizam o
nome, co-ocorrem com ele e não geram concordância.
Ainda segundo a autora, a escolha de um classificador é semântica, a partir
de características inerentes ao nome, tais como animal, humano, planta, forma,
1 Os animais superiores se referem aos animais domésticos e os inferiores aos não domésticos.
36
Parte I – Estudos Linguísticos
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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
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Parte I – Estudos Linguísticos
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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
4 Metodologia
40
Parte I – Estudos Linguísticos
4 De acordo com Woodward (1978), a língua de sinais da Índia apresenta um sinal que se refere a
genitor, considerado neutro, que abarca tanto a noção de mãe quanto a noção de pai.
41
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
Há variações lexicais para PAI e MÃE na Libras. Os sinais PAI e MÃE são
palavras compostas oriundas da justaposição dos sinais HOMEM + BENÇÃO e
MULHER + BENÇÃO, respectivamente. O sinal PAI-1 é um sinal soletrado a partir
de P-A-I e MÃE-1 também é soletrado, a partir de M-Ã-E. O sinal PAI-2 é articula-
do com a configuração de mão “dedo indicador curvado” e com toque no buço de
maneira repetida. Este sinal parece se referir a um bigode. O sinal MÃE-2 é articu-
lado com a configuração de mão “dedo indicador estendido” e com toque na lateral
do nariz, repetidamente.
Wilkinson (2009) sugere uma tendência de estrutura de termos de parentes-
co nas línguas de sinais, a partir de um estudo comparativo envolvendo 40 línguas.
Para a autora, os sinais que denotam homem, mulher, menino e menina estruturam
os termos de parentesco de maneira (a) holística e (b) com sobreposição fonológica.
No primeiro caso, os sinais de pessoa (referidos acima) são semanticamente
estendidos para um termo de parentesco, sem modificação fonológica, e, por isso,
são sinais polissêmicos. De acordo com a autora, a extensão semântica esteve mais
presente nos termos referente a filhos.
Em algumas línguas, os termos com formas holísticas são formados pela jus-
taposição do sinal de pessoa com outra unidade lexical para especificar o termo
de parentesco. Nesses padrões, envolvendo uma segunda unidade lexical (sinais
compostos) que se referem a filhos, prevalecem domínios semânticos – bebê, parto e
criança – justapostos aos termos de pessoa. Os sinais PAI e MÃE, na Libras, podem
ser categorizados como oriundos de extensão semântica e envolvem uma segunda
unidade lexical que deu origem à composição (sinal BENÇÃO).
A sobreposição fonológica inclui aqueles termos que carregam, no míni-
mo, uma característica articulatória de um termo de pessoa. Neste caso, os termos
oriundos de extensão semântica (holísticos) são desconsiderados. Neste processo,
intitulado pela autora de derivação semântica, a sobreposição fonológica predomi-
nante é o ponto de articulação. Dessa forma, a locação é o parâmetro mais relevante
para marcar a derivação semântica no sistema de parentesco. A derivação semân-
tica acontece em maior número nos termos para PAI a partir do sinal HOMEM.
Além de formas (a) holísticas e (b) com sobreposição fonológica, uma outra
possibilidade de estrutura de termos de parentesco é (c) sem sobreposição fono-
lógica de termos de pessoa. Esta categoria está mais presente em sinais referen-
tes a avós. Wilkinson (2009) sugere que estes termos de parentesco tendem a ser
construídos a partir de domínios semânticos diferentes dos termos de pessoa. Nos
termos para avós, por exemplo, as línguas de sinais tendem a explorar o domínio
antigo, de diferentes formas.
Na Libras, os sinais PADRASTO e MADRASTA são oriundos das formas lexi-
cais PAI e MÃE. Os sinais GENRO e NORA, PADRINHO e MADRINHA não envol-
vem termos de pessoa em sua estrutura e apresentam configuração de mão inicializada.
Em relação aos termos de parentesco no corpus da Libras, encontramos o si-
nal FILH@, no instante 00:00:55.520, que, no contexto, refere-se a um participante
definido e feminino. O sinal é articulado de maneira neutra. Outros termos foram
TI@ e PRIM@, em 00:06:48.187 e 00:06:48.711, respectivamente. Estes termos fo-
42
Parte I – Estudos Linguísticos
44
Parte I – Estudos Linguísticos
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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=i87840cMRMc
46
Parte I – Estudos Linguísticos
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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
6 Algumas considerações
Referências
AIKHENVALD, Alexandra. Y. Classifiers. A typology of noun categorization
devices. Oxford: Oxfor University Press, 2000.
48
Parte I – Estudos Linguísticos
50
Parte I – Estudos Linguísticos
1 Introdução
51
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
sentam uma população especial que nos permite buscar respostas sobre as bases
linguísticas e cognitivas da linguagem, bem como o processo da linguagem em si,
isso porque essas crianças estão inseridas em lares onde uma língua de sinais é o
principal meio de comunicação, assim como a língua falada que é utilizada por
irmãos, parentes, vizinhos e babás (Neves, 2013).
Este presente estudo se ocupa em apresentar esses bilíngues, sendo chama-
dos de falantes ou sinalizantes de língua de herança. Logo, como Codas bilíngues
bimodais, traçamos as relações entre as línguas e as formas de comunicação que
se desenvolvem, atrelando-se às emoções compreendidas culturalmente, indepen-
dentemente de serem com surdos e/ou ouvintes.
52
Parte I – Estudos Linguísticos
53
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
verdade, tal conciliação nunca foi e nem poderia ser possível, devido à natu-
reza extremamente distinta das duas línguas em questão. Sendo assim, não
demorou muito para que a comunicação total cedesse lugar ao bilinguismo.
(p. 17).
Petitto et al. (2001) afirmam que as crianças bilíngues são sensíveis ao in-
terlocutor, ou seja, escolhem a língua-alvo de acordo com quem está interagindo.
No caso específico das crianças bilíngues bimodais, as pesquisas verificam que o
desenvolvimento linguístico é alcançado em cada língua, de forma consistente,
assim como observado em crianças bilíngues monomodais (Petito et al., 2001).
Góes (1994) afirma que
[...] o uso simultâneo de uma língua oral e uma língua de sinais é impraticá-
vel se quer preservar a estrutura das duas. E chama a atenção para outro in-
dicador da impossibilidade e ajuste fala-sinais: a plena simultaneidade não
poderia existir também porque expressões faciais e movimentos da boca,
que estão implicados em muitos sinais, são incompatíveis com a articulação
oral das palavras e eles correspondentes. (p. 159).
Nesse sentido, Preston (1996) afirma que a criança Coda cresce, natural-
mente, na convivência com seus pais, sem questionar se existe algo de “anormal”
acontecendo com ela pelo fato de usar duas línguas – a língua de sinais em casa e a
língua oral com ouvintes fora dela –, pois, a princípio, ocorre um desenvolvimento
natural. Estes indivíduos (ouvintes, filhos de surdos) transitam por duas cultu-
ras e possuem duas línguas correspondentes uma a cada grupo. Sendo assim, são
consideradas pessoas bilíngues, devido à exposição a duas línguas diferentes com
modalidades distintas: uma língua falada (português, inglês etc.) e uma língua si-
nalizada (no caso dos brasileiros, a Libras); e desde o seu nascimento já adquirem
características específicas dos Codas, ou seja, apresentam e desenvolvem duas mo-
dalidades distintas até chegarem à produção das línguas (Quadros; Cruz, 2011).
Em suma, os Codas possuem acesso à Libras e ao português, atravessando
zonas de contato, fronteiras linguísticas e culturais, reconhecendo a sua identidade
e, os aspectos essenciais da língua de herança. Considerando isso, neste capítulo,
apresentamos o recorte de uma pesquisa que ampliou a investigação que vinha
sendo realizada sobre sobreposição de bilíngues bimodais: síntese de línguas, com
Codas bilíngues, a fim de identificar seus perfis linguísticos em meio a tais contex-
tos de práticas linguísticas com a Libras e o português.
3 Contextualização metodológica
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Parte I – Estudos Linguísticos
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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
estruturas de língua usados por Codas e ajudará a entender melhor como a mente
humana está organizada para a linguagem, especificamente, quando a pessoa tem
duas línguas, neste caso, uma língua de sinais e outra falada. Complementamos
os dados coletados por meio de vários instrumentos de avaliação (julgamento de
sentenças, produção de narrativas, avaliação comparativa de vocabulário etc.) com
um instrumento elaborado no escopo da pesquisa relatada neste artigo.
O instrumento elaborado compreende o questionário linguístico para Co-
das Bilíngues (QLCB). Conforme Dörney (2003), pensar nos processos gerais do
questionário, como “duração, o formato e as partes principais, escrever itens/per-
guntas eficazes e elaborar um conjunto de itens, selecionar e sequenciar os itens,
escrever instruções e exemplos apropriados, pilotar o questionário e realizar análi-
se de item” (Dörney, 2003, p. 16-17). Assim, optamos pelo questionário on-line no
Google Forms, pois é mais abrangente, alcançando os Codas de diferentes regiões
brasileiras. Com isso, enviamos para os participantes que fizeram parte da pes-
quisa de “sobreposição de bilíngues bimodais: síntese de línguas”. O questionário
on-line pode ter diversas vantagens devido ao seu maior alcance e a possibilidade
de se compreender os perfis que se adequam a esse tipo de pesquisa (Wilson; De-
waele, 2010).
Na elaboração do questionário, foi necessário anexar o termo de compro-
misso , com orientações do procedimento da pesquisa, em que o participante teve
3
56
Parte I – Estudos Linguísticos
57
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
português e com pouca afinidade com a Libras. Com base nessas respostas, podemos
notar que de acordo com as atitudes linguísticas existe uma dominância linguística.
Na mesma entrevista, é perguntado se o participante se considera bilíngue. E todos
tiveram uma resposta positiva. Nesse ponto, podemos destacar que os Codas são
bilíngues bimodais com diferentes aspectos linguísticos quanto à dominância.
Diante disso serão trazidos os principais nortes a respeito do histórico da
comunidade surda, cultura surda e as políticas linguísticas que entrecruzam com
as relações dos filhos ouvintes de pais surdos que obtêm duas línguas, sendo essas
a língua de sinais e o português, essa última majoritária no Brasil. Sendo assim, os
Codas tornam-se bilíngues e, nesta condição, destacando a importância de uma
educação bilíngue e relacionando com os principais autores os conceitos, situa-
ções, vivências e todo o seu processo na constituição de seres bilíngues, bimodais
e biculturais.
Os Codas bilíngues estão sendo chamados pelo dia da semana e a numera-
ção de acordo com a ordem das entrevistas ocorridas no referido dia. Sendo no-
minados e organizados conforme o projeto de sobreposição de bilíngues. Foram
exploradas as perguntas que buscam responder às questões referentes à relação das
línguas, português e Libras, quanto a sua dominância. Quadros (2017 apud Pres-
ton, 1994) relata que as experiências das crianças ouvintes de pais surdos, diante
das entrevistas, é bastante singular, pois explora a sua cultura além de ampliar o
conhecimento do universo surdo e ouvinte em zonas de contato. Nossa meta foi
estabelecer um olhar para as fronteiras entre os universos surdos e ouvintes, par-
tindo das experiências dos Codas bilíngues (Quadros; Massutti, 2007).
É por meio do convívio com os pais surdos sinalizantes que as crianças
bilíngues adquirem a Libras. Quadros e Massutti (2007, p. 253), em entrevista com
uma Coda, contam que ela relata o seu processo de aprendizado da Libras, por
meio de familiares: “eu cresci em uma família de surdos, sim, eu tinha um monte
de surdos na minha família... primos, tios, tias e meus pais tinham muitos amigos
surdos que costumavam nos visitar e vice-versa [...]”; e conclui: “Eu aprendi a si-
nalizar com essas pessoas na minha casa, na casa delas e, também, na associação
de surdos”. Essas experiências de convívio com familiares e amigos surdos contri-
buem para o seu desenvolvimento natural da língua.
5 Análise e resultados
58
Parte I – Estudos Linguísticos
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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
Quando fui pela primeira vez à escola, eu não usava português, embora
compreendesse essa língua. Eu convivia quase que exclusivamente com
surdos. Apesar de ter uma irmã mais velha que falava português, nós usá-
vamos praticamente apenas a Libras em casa. Lembro que eu não gostava
da escola. Fiquei doente várias vezes durante esse primeiro ano, e, assim,
o ano foi quase perdido para mim. Acabei me fortalecendo para iniciar o
ano seguinte em uma nova escola, da qual eu gostava e, nesse espaço, eu já
conseguia me expressar em português. Hoje acredito que eu não gostava
da escola porque a escola parecia não saber nada sobre mim e sobre minha
família. Não era o meu lugar, pelo menos não refletia nada sobre o lugar a
que eu pertencia. Era um ambiente completamente diverso em que todos os
sentidos estavam sendo postos em português. A Libras não era considerada
língua. Eles pareciam que “olhavam” meus pais como “pobres coitados que
eram surdos, não como gente normal. (Quadros, 2017, p.152-153).
Compreender que a escola tem um papel fundamental no processo de
aprendizagem do aluno é essencial, porém a instituição desconhece o familiar do
aluno, o que desconhece a sua língua e a cultura. Sônia também viveu situações em
que a escola não fazia a interação com os seus familiares surdos,
Alguns acontecimentos na escola foram, de certa forma, perversos. Quando
havia atividades que envolviam as famílias, a professora avisava a Sonia de
que seus pais não precisavam participar dizendo que a comunicação com
eles era muito difícil. A professora sempre dizia que era difícil conversar
com seus pais. Isso não era bom. Sonia compartilhava esses acontecimen-
tos com seus pais, e sua mãe dizia que era porque a professora não sabia a
língua de sinais e, portanto, não teria como conversar com ela. A mãe de
Sonia foi a uma reunião na escola e, depois, nunca mais participou de outra
reunião. A escola também não exigia a participação da família de Sonia
nas reuniões de pais. Isso aconteceu também com seus irmãos. Sonia com-
preendeu que isso acontecia porque a escola não era capaz de estabelecer
a comunicação com seus pais. A incapacidade era da escola, não de seus.
(Quadros, 2017, p. 162-163).
A história de Sonia se entrecruza com outros codas que viveram a sua in-
fância no contato com familiares e amigos surdos. A mesma situação ocorre com
a Maitê, pois ela se percebeu entre “dois mundos” diferentes na escola com expe-
riências complicadas, “Em seus relatos, ela sempre dizia que não gostava da escola,
se sentia triste, porque era provocada pelos colegas” (Quadros, 2017, p. 174).
Se torna recorrente as fragilidades da escola diante dos filhos ouvintes de
pais surdos, a escola é o primeiro espaço no qual as crianças têm o contato com
a língua, porém no caso dos codas bilíngues que já tem uma primeira língua no
contexto familiar, acaba se deparando com as diferenças linguísticas ao entrar na
escola. Segundo Quadros (2017) nas biografias de codas, têm o relato da Léa e a
Riva, as duas relatam que “na escola, tanto a Léa como Riva tiveram algumas difi-
culdades. Léa relata que ingressar no ensino médio, antigo ginásio, foi muito difí-
cil, pois, na época, era exigida a realização da prova” [...] “Léa apresentava muita
60
Parte I – Estudos Linguísticos
dificuldade no português e precisou ter aulas com uma professora particular para
estudar e se preparar para essa prova” (p. 186).
A Adriana e a Andréa Venancino destacam as suas realidades escolares
diante da língua portuguesa. “Adriana usou exclusivamente a língua de sinais até
os 5 anos de idade, quando foi para a escola. Até ir para a escola, ela não falava
português” [...] “Quando chegou à escola, ela foi encaminhada para a direção, pois
era surda. No entanto, foi muito difícil. A escola foi traumatizante para Adriana.
Ela não compreendia por que as pessoas a olhavam com piedade” (Quadros, 2017,
p. 194).
A relação escolar dos codas diante das análises destaca para uma educação
voltada ao bilinguismo, Quadros (2019 p.150) afirma que “a educação bilíngue
reconhece as diferenças entre as línguas, as diferenças textuais, linguísticas e polí-
ticas implicadas pelas comunidades envolvidas: as comunidades surdas e as comu-
nidades ouvintes locais reconhecem suas culturas, identidades e línguas”. Assim,
se desenvolve uma flexibilidade cognitiva nas crianças bilíngues, pois contam com
um processamento de informação ativado por mais de uma língua.
A educação bilíngue viabiliza a Libras como língua de instrução, os pro-
fessores e alunos também precisam ser bilíngues, aqui destaco a Libras e o portu-
guês. E esses professores acabam conhecendo a comunidade surda, história, expe-
riências visuais, a cultura trazendo uma boa interação com os alunos usando as
duas línguas, avaliando o desempenho do aluno dentro e fora da escola (Quadros,
2019).
Com base nos desafios escolares apontados pelos codas diante das línguas,
Libras e português, buscamos apresentar os relatos dos codas a respeito do confor-
to linguístico e a importância das línguas, em sua vida. Assim, os Codas bilíngues
possuem diferentes relações com as línguas, comprovando assim, as variações na
dominância linguística e nas atitudes. Quadros (2019, p. 145), “o uso mais domi-
nante de uma língua em relação a outra pode impactar na reestruturação das lín-
guas e manter a dominância da língua mais usada. Os domínios variam e podem
evidenciar uma ou outra língua como sendo mais forte”. Ou seja, a dominância
depende do seu contexto de uso, tornando-se comum a fragilidade de uma das
línguas. E isso acontece da mesma forma com os Codas bilíngues.
O questionário linguístico para codas bilíngues foi elaborado com base na
pesquisa de Silva (2018, p.91) “para descrever os perfis linguísticos de bilíngues
surdos”, que buscou analisar a dominância linguística destes perfis bilíngues sur-
dos, sendo por meio de um questionário on-line possibilitando uma maior quanti-
dade de participantes de outras regiões. Assim, os participantes foram contatados
um a um, por e-mail e WhatsApp particular da autora, enviando o link de acesso
ao formulário do Google forms com as informações do termo de consentimento e
as questões da pesquisa.
Quanto aos respondentes do questionário, 20 aceitaram participar, sendo
17 do sexo feminino e 5 do sexo masculino. Em relação à idade, a mínima foi 20
anos e a máxima 54 anos.
61
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
Com base nos dados coletados, 19 participantes afirmam ter contato com a
Libras antes dos 6 anos de idade. E apenas um que foi na fase adulta. Fazendo uma
relação com as entrevistas sobre o período que adquiriu a língua de sinais, 95%
afirmam ter contato antes de ir para escola, ou seja, em casa com os familiares e
parentes surdos, e apenas um, afirmou ter contato posteriormente por seu pai não
saber a Libras, pois sendo usuário de sinais caseiros.
Em relação às aquisições das línguas, com a Libras 19 codas, sendo 95% dos
participantes afirmam ter adquirido em casa no contato com familiares surdos, 03
(15%) responderam que no contato com surdos em associações, federações etc., 02
(10%) em cursos de Libras e 01 (5%) na igreja também. Com a língua portuguesa,
13 (65%) afirmam ter aprendido na escola, com colegas e professores ouvintes, 06
(30%) no contato com ouvintes em outros contextos, 02 (10%) em casa, no contato
com familiares surdos e 02 (10%) fora da escola, com amigos ouvintes. O restante
cada um com 01 (5%), na escola, com colegas ouvintes, em casa no contato com
familiares ouvintes, em casa com familiares, em casa com familiares ouvintes e
familiares. A interação escolar é essencial a todos, no caso dos codas bilíngues,
o entrar em um universo ouvinte, fora da sua casa, é bastante significativo, pois
existe o encontro com o diferente, o estranhamento com as línguas, e isso marca
bastante o coda devido a escola desconhecer a comunidade surda e a Libras e a
falta de acolhimento desses sujeitos.
As opções de uma escola comum sem surdos e sem Codas, foram 13 res-
pondentes, cerca de 65% dos participantes e numa escola regular com a maio-
ria ouvinte foram 07, ou seja 35% do gráfico sobre o ensino fundamental. Assim,
podemos perceber que cerca de 100% dos codas foram inseridos em uma escola
ouvinte, sem acesso a Libras.
Na pergunta em que idade você percebeu que tinha pais surdos, 90% dos
codas perceberam antes dos 6 anos de idade e apenas 10% entre 7 e 12 anos de
idade. Nenhum marcou depois dos 13 anos e nem na fase adulta após 18 anos de
idade. Já na pergunta se “você era intérprete dos seus pais”, todos responderam
que sim, frequentemente. Nenhum coda selecionou, sim, raramente; não, não era
necessário ou nunca.
Destaco que a maioria dos codas participantes são maiores de 18 anos, ou
seja, muitos tiveram que ser “intérpretes” de seus pais desde a infância pela falta
de acessibilidade antes da Lei de Libras 10.436/02 que regulamenta a Língua Brasi-
leira de Sinais. Assim, ressalto a importância de os pais surdos terem seus direitos
linguísticos, como a comunicação e aos intérpretes de Libras, fazendo com que os
filhos assumam o papel de filhos.
Prosseguindo a respeito das interpretações entre os familiares, fizemos a
pergunta: “em que idade você começou a ter uma percepção de que estava inter-
pretando para os seus pais?”, sendo que 30% dos codas afirmam ter esse reconhe-
cimento antes dos 6 anos de idade, 55% entre 7 e 12 anos de idade e 15% depois
dos 13 anos de idade. Sendo nenhum na fase adulta.
Os Codas bilíngues quando criança não percebem que estão interpretando
para os seus pais, agimos como se estivéssemos conversando e dialogando com os
62
Parte I – Estudos Linguísticos
nossos pais e ouvintes, isso acontece de forma espontânea e sem pressão. Por isso,
muitos percebem que estão interpretando de fato, após a fase infantil. Segundo
Silva (2016), o coda não tem a prática de interpretar e desconhece os processos
interpretativos, sendo assim, muitas vezes essas crianças acabam interpretando
por base familiar e cultural diante das línguas envolvidas.
Diante das relações com as línguas, destacamos os aspectos da escrita dos
Codas na língua portuguesa. Essa pergunta teve diferentes respostas quanto às
dificuldades na escrita da língua portuguesa. Sendo, 35% sim, frequentemente e
sim, raramente. E, 20% não, não era necessário e 10% nunca. Observamos aqui o
empate em frequentemente e raramente, porém ambos sinalizam positivo para as
dificuldades, somando 70% dos codas bilíngues sentem esse desafio e, com ape-
nas 30% afirmam não sentir essa objeção, quanto a escrita na língua portuguesa.
Grosjean (2008) descreve que as habilidades com as duas línguas são dadas de
diferentes formas, quando um determinado indivíduo convive em casa com uma
língua minoritária e a partir de outro momento a língua majoritária é adquirida, o
sujeito pode apresentar os diferentes domínios em relação às línguas.
Como podemos perceber o nível de importância das línguas são essenciais
para os codas, isso tanto nas entrevistas como no questionário, podemos notar
essa relação na vida cotidiana dos bilíngues, isso demonstra a sua identidade, a
comunicação, as emoções e a aprendizagem desses sujeitos.
Conforme Grosjean (2008, p. 164) “Apesar da grande diversidade que exis-
te entre essas pessoas, todas compartilham uma mesma característica - todas con-
vivem com duas ou mais línguas”. É importante destacar a convivência com as
línguas, os usos e as formas que a utilizam no cotidiano, pois diante deste aspecto
que muitos codas tem os diferentes níveis de aquisição, conhecimento, uso e com-
portamentos com as línguas. Os bilíngues possuem as diferentes situações de vida,
propósitos e pessoas, e com isso surge a necessidade do esclarecimento sobre os
diferentes usos das línguas, pois muitos bilíngues raramente desenvolvem a mes-
ma fluência nas duas línguas (Grosjean, 2008).
O bilíngue desenvolve os diferentes comportamentos e atitudes quando es-
colhe a língua para usar em determinado tipo de comunicação, se com surdos ou
ouvintes, sempre escolhem de acordo com a situação. Segundo Grosjean (2008),
esses fatores liberam as diferentes atitudes e comportamentos como uma alteração
de personalidade devido a mudança de língua, a principal diferença do bilíngue
para o monolíngue é a mudança de línguas que geralmente mudam as culturas
conforme as suas interações, enquanto o outro tem apenas uma cultura e uma
língua.
Dessa forma, o processo de aprendizagem das línguas se dá através da esco-
la, essa que se torna fundamental para os codas, de acordo com Quadros (2007) a
escola em que os codas frequentam negligenciam a perspectiva bilíngue, sendo es-
sencial esse reconhecimento cultural, social e linguístico. Nesse espaço escolar se
preconiza as relações entre os pais dos alunos, alunos e escola, sendo que esse pro-
cesso interativo é esquecido. Os pais surdos com filhos ouvintes não frequentam a
63
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
escola devido a escola não acolher esses responsáveis, pois muitos não conhecem
esse universo e nem compreendem as relevâncias dessa relação.
Muitos Codas relatam as barreiras encontradas na escola por serem intér-
pretes dos seus pais em reuniões, nas entrevistas a maioria coloca esse fato, por
serem recorrentes. “Isso parece estabelecer uma lacuna entre sua família e a escola
à qual ela, definitivamente, não pertencia. Por outro lado, ela é ouvinte e necessita-
va frequentar esse espaço. Então, a zona de contato é forçada pela sociedade e tem
que ser estabelecida. Isso reflete sua posição no mundo” (Quadros, 2007, p. 258). A
escola reflete na relação com as línguas, tanto para os surdos como os codas, pois
em casa se utiliza a Libras e na escola a língua portuguesa. Muitos codas apontam
para essas barreiras, pois quando se deparam com uma nova cultura, diferente do
familiar, encontram desafios que a escola desconhece.
6 Conclusão
64
Parte I – Estudos Linguísticos
Referências
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naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. 4. reimpr. 2. ed. 1999.
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DÖRNEY, Z. Questionnaires in second language research. Mahwah, NJ: Erl-
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GERTKEN, L. M., AMENGUAL, M., & BIRDSONG, D. Assessing language
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A.; HILTON, H. (Org.) Measuring L2 Proficiency: Perspectives from Second
Language Acquisition. Bristol, UK/Towanda, NY: Multilingual Matters, 2014, p.
208-225.
65
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
66
Parte I – Estudos Linguísticos
67
Parte I – Estudos Linguísticos
1 Introdução
69
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
2 Contextualização teórica
70
Parte I – Estudos Linguísticos
71
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
intenções, mas as utiliza porque quer reforçar certo argumento, quer mostrar algo
para o outro. Assim, ao optar por um determinado item lexical para designar um
referente, o enunciador se posiciona, tendo em vista que a escolha da existência
de um objeto de discurso implica em observar o tipo de apreciação axiológica que
sobre ele incide e qual a voz social o enuncia – afinal, estas são as condições para
a constituição de discursos e de, é claro, significados textuais (Alves Filho, 2010).
1 “(...) if the pronoun is used anaphorically, the antecedent typically establishes a locus, which is
then ‘indexed’ (=pointed at) by the pronoun. The antecedent Noun Phrases are accompanied with
pointing signs that establish the relevant loci” (SCHLENKER, 2016, p. 7)
2 “(...) la utilización del espacio para representar el rol y semirol de los distintos personajes es un
recurso al servicio de la cohesión discursiva, porque con estos recursos se produce la progresión
temática y la conexión entre las distintas proposiciones” (MORALES LÓPEZ et al., 2019, p. 114).
72
Parte I – Estudos Linguísticos
73
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74
Parte I – Estudos Linguísticos
3 Contextualização metodológica
4 Análise de dados
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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
E o garoto esperto:
— Contente!
76
Parte I – Estudos Linguísticos
Acerca do Ref. 2, sua retomada inicial também é realizada por meio de repetição
parcial, com o diferencial do acréscimo de um predicativo: “ESPERT@”. Apesar de
tratar do mesmo objeto de discurso, no processo de tessitura referencial, há uma
qualidade específica do referente adicionada, que expressa uma escolha lexical do
sinalizante: “o sujeito, na interação, opera sobre o material linguístico que tem à
sua disposição, operando escolhas significativas para representar estados de coi-
sas, com vistas à concretização do seu projeto de dizer (Koch, 2004, p. 31)”. Ambas
retomadas são nominadas, então, como dêitico-anafórico padrão por repetição.
O colaborador surdo, durante a tessitura textual, com o objetivo de “condu-
zir a atenção do interlocutor, por meio de recursos linguísticos visuais, para a cena
desenvolvida através do discurso narrativo” (Bernardino et al., 2020, p. 23), usou
também o recurso de “Troca de Papéis” ou, conforme alguns autores denominam,
“Mudança de Postura Corporal”, “Ação Construída”, “Alternância de perspecti-
va”, fenômeno também conhecido como “Role Shift”, bastante comum nas línguas
gestuais-visuais quando se trata de narrativas. Esse fenômeno é considerado por
Cormier et al. (2015) como “dispositivo de representação em que um ou mais ar-
ticuladores corporais (incluindo a cabeça, face, olhos, braços e tronco) são usados
para representar os enunciados, pensamentos, sentimentos e / ou ações de um ou
mais referentes” (p. 167)4.
Especificamente, em relação ao referente “menino”, após demarcá-lo no es-
paço discursivo, tem-se sua primeira retomada, realizada pelo Role Shift: (IXmpc)
ef <ansiedade-curioso>. Nessa reconstrução do referente, o surdo já incorpora a
personagem, atribuindo-lhe características físicas (como expressões faciais e cor-
porais etc.) e psicológicas (como alegria, animação etc.), coerentes com a atitude
do referente.
Temos, nesse caso, um dêitico-anafórico de classe de complexas unidades
manuais e não manuais, marcado por padrões específicos do olhar, por formas
manuais que codificam atributos perceptíveis salientes das relações entre o refe-
rente e o elemento referencial, por expressões faciais marcadas e por modificações
da cabeça, dos ombros e do tronco, tipicamente identificadas como “recursos de
troca de papéis” (Pizzuto et al., 2006). Em um segundo momento, na constru-
ção da tessitura semântico-lexical e discursiva, localizamos uma retomada, no
instante da troca de papéis: (IXld-mpc) HOMEM^PEQUENO=MENINO PES-
SOA. “O usuário da Libras retoma o referente apenas mudando a posição do seu
corpo” (Ferreira-Brito, 2010, p. 53 ). Por fim, temos a terceira retomada também
por Role Shift: (IXmpc) CL (balão-pensamento-imaginar) ef<empolgado> somar
<quantos chocolate>qu ef <interrogativa> enm <sim sim sim> feliz ef<animado/
alegre>. Tanto os sinais manuais quanto as expressões faciais e corporais realiza-
das, nesse momento, caracterizam a personagem, e não o enunciador. Nesse senti-
do, Cabeza e García-Miguel (2018) defendem que “os sinalizantes adaptam a seus
4 “(...) a representational device where one or more bodily articulators (including the head, face,
eyegaze, arms, and torso) are used to represent the utterances, thoughts, feelings and/or actions of
one or more referents” (CORMIER et al., 2015, p. 167).
77
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
5 “(...) los señantes adaptan a sus propósitos comunicativos las posibilidades de construcción que
les ofrecen tanto las articulaciones manuales y los articuladores no manuales (en la elaboración
de la acción construida)” (CABEZA; GARCÍA-MIGUEL, 2018).
6 Vídeo Pear Film disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=bRNSTxTpG7U. Vale desta-
car que a “história da pera” é o nome que se usa para fazer referência a qualquer narrativa baseada
no filme da pera, produzido por Wallace Chafe, em 1970, com o objetivo de eliciar contações
de histórias em diversas línguas, para embasar estudos translinguísticos e transculturais (MC-
CLEARY; VIOTTI, 2011).
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Parte I – Estudos Linguísticos
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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
7 “(...) la utilización del espacio para representar los distintos personajes es un recurso al servicio de
la cohesión discursiva, porque con estos recursos se produce la progresión temática y la conexión
entre las distintas proposiciones” (MORALES LÓPEZ et al., 2019, p. 114).
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Parte I – Estudos Linguísticos
5 Conclusão
81
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
Referências
APOTHÉLOZ, D. Papel e funcionamento da anáfora na dinâmica textual. In:
CALVACANTE, M. M.; RODRIGUES, B. B.; CIULLA, A. (Orgs.). Referencia-
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Horizonte: Profetizando Vida, 2000.
BERNARDINO, E. L. et al. A ação construída na libras conforme a linguística
cognitiva. Signótica, v. 32, 2020.
CABEZA, M. C. Fundamentos de las lenguas de signos. Síntesis, Madrid, 2020.
8 “(...) la utilización del espacio para representar los distintos personajes es un recurso al servicio de
la cohesión discursiva, porque con estos recursos se produce la progresión temática y la conexión
entre las distintas proposiciones” (MORALES LÓPEZ et al., 2019, p. 114).
82
Parte I – Estudos Linguísticos
84
Parte II
Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
(ETILS)
Beth Brait
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
CNPq, PQ 1A2
1 Introdução
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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
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Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
2 Pressupostos teórico-metodológicos
estudo dialogamos com três autores presentes no Círculo: Mikhail Bakhtin (1895-1975); Valentin
N, Volóchinov (1985-1936); Pável N, Medvédev (1891-1938). O diálogo intelectual desses pen-
sadores possibilitou um conjunto de reflexões que influenciaram e influenciam os estudos da lin-
guagem e têm conduzido estudiosos contemporâneos a refletir sobre o pensamento bakhtiniano
em diferentes campos do conhecimento.
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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
alteração ou uma subversão nas “relações implicadas nos discursos que constituem
um texto ou um conjunto de textos” (Brait, 2009, p. 145-146, grifo do autor).
No caso das traduções de poemas da LP para a Libras, processo tradutório
que se dá entre línguas (vocal-escrita e gestual-sinalizada), os sujeitos discursivos
necessitam mobilizar a obra (poema em LP) em uma determinada língua e realizar
“outra” forma e estilo-composicional em outra língua (Libras), enfrentando diversos
elementos semióticos. Os signos criados no texto de partida e sua relação individual
com o poeta (língua-linguagem) necessitam da compreensão do(s) tradutor(es) e/
ou de outros sujeitos participantes para recriar/cocriar o material tradutório.
Conforme Volóchinov (2019), é necessário compreender o que são língua e
linguagem, pois é esse o material especial, essencial e peculiar para a criação literá-
ria. Com relação à tradução de poemas, o TILS primeiramente necessita ser bilíngue
(neste caso, LP e Libras) e ter compreensão ativa e responsiva do texto de partida
(poema em LP vocal-escrita). A compreensão ativa e responsiva, ou seja, a possibi-
lidade de resposta, é determinada na organização do enunciado e na sua totalidade.
Não se trata de uma compreensão simples (passiva) cujo fim seja apenas
compreender o que o falante quer dizer, sem avaliar a compreensão de sua
fala, sem tirar dela uma conclusão nem apresentar uma reação responsi-
va [...]. Toda compreensão é, em maior ou menor grau, prenhe de reação
responsiva quer em palavras, quer em uma ação. É justamente nessa com-
preensão ativa e responsiva que se fixa o discurso do falante: a compreensão
não dubla o compreensível; essa dublagem passiva seria inútil para a socie-
dade. (Bakhtin, 2016b, p. 121-122).
Na tradução de poema da LP para a Libras, os sujeitos discursivos, ao rea-
lizarem esse enunciado tradutório e audiovisual, por meio de um gênero do dis-
curso, realizam formas relativamente estáveis e típicas de construção do conjunto,
ou seja, a obra tradutória. Bakhtin (2017b) especifica a procura da própria palavra
que está no gênero, no estilo, na posição de autor, tendo em vista que
a procura da própria palavra é, de fato, procura da palavra precisamente
não minha, mas de uma palavra maior que eu mesmo; é o intento de sair de
minhas próprias palavras, por meio das quais não consigo dizer nada de es-
sencial. Eu mesmo posso ser apenas o personagem, mas não autor primário.
A procura da própria palavra pelo autor é, basicamente, procura do gênero
e do estilo, procura da posição de autor. (Bakthin, 2017b, p. 47).
Neste estudo, a partir dessa perspectiva dialógica de tradução, observamos,
na tradução em pauta, como ocorrem as interrelações sócio-históricas e culturais
– por meio das línguas e linguagens (verbo-visuais) e pela compreensão ativa e
responsiva – entre essas duas comunidades linguísticas, materializadas no corpo-
-texto do tradutor-performático.
Brait (2009, 2010, 2013, 2015) desenvolve o arcabouço teórico para o estudo
do verbo-visual, da verbovisualidade, fundamentando-o por meio das contribui-
ções dos estudos de Bakhtin e o Círculo. Conforme a autora, os estudos do signo
88
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
9 Utilizaremos o termo linguagem audiovisual, pois compreendemos que o objeto desta pesquisa
é um produto audiovisual composto por três linguagens – verbal, sonora e visual – que, embri-
cadas, constroem um enunciado concreto específico. A linguagem audiovisual possui aspectos
próximos da linguagem cinematográfica, porém com mais abrangência, engloba tudo aquilo que
é verbal, áudio e visual: vídeos caseiros, produções publicitárias, jornal televisivo, filmes etc. Já a
linguagem cinematográfica possui aspectos específicos, complexos e é direcionada para produ-
ções de filmes.
10 Os conceitos TAV e tradução interlingual estão conectados por meio da legendagem, da dubla-
gem, do voice-over e da narração (ou voice-off), devido ao fato de que as leis de acessibilidade para
o audiovisual forçaram a tecnologia a pensar em novos recursos que tornassem a comunicação
nesse meio acessível a pessoas com deficiência auditiva e visual.
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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
3 Metodologia
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Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=yOh-uU-BlEk.
Close (CL): Pode ser nomeado como primeiríssimo Superclose (SCL): Close fechado do rosto do tradu-
plano. Enquadra o rosto inteiro do tradutor-performá- tor-performático. O enquadramento é realizado entre
tico, do ombro para cima. o queixo e o limite da cabeça.
91
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
Plano Próximo ou Primeiro Plano (PP): o tradu- Plano Médio (PM): o tradutor-performático é
tor-performático é enquadrado do busto para cima. enquadrado da cintura para cima.
Plano Americano (PA): o enquadramento do tradu- Plano Inteiro (PI): o tradutor-performático é en-
tor-performático é realizado do joelho para cima. quadrado da cabeça aos pés, deixando um pequeno
espaço acima da cabeça e abaixo dos pés.
Fonte: Desenvolvido pelos autores
4 Análise
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Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
11 Publicado no livro Poemas da recordação e outros movimentos. O livro é uma antologia poética
que tem como tema a memória, a feminilidade e a resistência negra, e que foi publicado no ano de
2008 pela editora Nandyala, reeditado posteriormente pela editora Malê, no ano de 2017.
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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
Todas as manhãs
Todas as manhãs acoito sonhos Todas as manhãs junto ao nascente dia
e acalento entre a unha e a carne ouço a minha voz-banzo,
uma agudíssima dor. âncora dos navios de nossa memória.
Todas as manhãs tenho os punhos E acredito, acredito sim
sangrando e dormentes que os nossos sonhos protegidos
tal é a minha lida pelos lençóis da noite
cavando, cavando torrões de terra, ao se abrirem um a um
até lá, onde os homens enterram no varal de um novo tempo
a esperança roubada de outros homens. escorrem as nossas lágrimas
fertilizando toda a terra
onde negras sementes resistem
reamanhecendo esperanças em nós.
Fonte: Evaristo, Conceição, 2017, p. 146-147.
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Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
Observamos que a não presença dos corpos das tradutoras Miriam Caxilé
(ouvinte-negra) e Lívia Villas Boas (ouvinte-branca) foram escolhas intencionais.
A presença tradutória e performática dos tradutores surdos-negros, assim como
a visibilidade dos seus corpos no material audiovisual, instaura uma relação de
identificação com o destinatário suposto/hipotético. Edinho Santos e Nayara Ro-
drigues (tradutores-performáticos) têm reconhecimento e prestígio nas comuni-
dades surdas, uma vez que realizam movimentos sociais e culturais de militância
surda e negra, por meio de poemas sinalizados e de participação em apresentações
de slam do corpo.
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=yOh-uU-BlEk.
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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
Na figura (3), com fundo na cor preta e o lettering do poema em fonte digital
na cor cinza claro e com efeito sombreado, desfocado, produz-se o sentido de apaga-
mento e silenciamento do povo-negro. Esses elementos verbo-visuais, presentes no
material audiovisual, instauram a intencionalidade do projeto discursivo da equipe
(tradutores-textuais, tradutores-performáticos – surdos –, produtores etc.) que, ao
ser direcionada aos interlocutores das comunidades surdas, recria outra posição
valorativa: o apagamento do povo surdo-negro. Já os sinais relacionados aos aspec-
tos expressivos determinam o estilo individual na relação valorativa com o objeto.
Na performance tradutória artístico-poética, os sinais e a expressão corporal-facial
instauram a relação emocionalmente valorativa. Observamos a performance que é
realizada por meio do corpo-texto em um determinado espaço, sendo que
é por meio de uma perspectiva de imprevisibilidade ou de fratura do uni-
verso previsível que a Performance se apresenta como evento/ ocorrência
que inclui trajetos e modos de impressão do corpo no espaço e encontra,
consequentemente, discursividades de um sujeito que se conta, que se diz,
que se narra. (Gonçalves; Gonçalves, 2018, p. 143).
Segue a imagem da expressividade por meio do corpo-texto do tradutor-
-performático:
Performance tradutória
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Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=yOh-uU-BlEk.
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Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=yOh-uU-BlEk.
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Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
PRES@/ESCRAV@
PRES@/ESCRAV@
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5 Conclusão
100
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
Referências
BAKHTIN, M. A ciência da literatura de hoje (resposta a uma pergunta da revis-
ta Novi Mir). In: Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. Organiza-
ção, tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra. 1. ed. São Paulo: Editora 34, 2017a.
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BAKHTIN, M. Fragmentos dos anos 1970-1971. In: Notas sobre literatura, cul-
tura e ciências humanas. Organização, tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra.
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BRAIT, B. Literaturas e outras linguagens. 1 ed. São Paulo: Contexto, 2015.
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BRAIT, B. A palavra mandioca: do verbal ao verbo-visual. Bakhtiniana: Revista
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EVARISTO, C. Poemas da recordação e outros movimentos. Rio de Janeiro: Ed.
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FERREIRA-SANTOS, R. A autoria na tradução artístico-poética da Língua
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VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem:
Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem.
Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017.
102
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
1 Introdução
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2 Fundamentação Teórica
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Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
3 Metodologia
3.1 Os participantes
Como forma de coletar dados sobre o perfil dos TILSP e selecionar parti-
cipantes para a tarefa experimental, aplicamos um questionário prospectivo de
perfil, elaborado com base em Zampier (2019), com perguntas relacionadas ao
perfil acadêmico e profissional, compreensão geral sobre as atividades de tradução
e interpretação e questões direcionadas à prática e experiência profissional com a
tradução intermodal, que foi o foco da pesquisa.
O questionário recebeu 116 respostas e, a partir delas, selecionamos oito
TILSP, organizados em dois grupos: um grupo com quatro participantes, consi-
derados mais experientes (G1), com mais de doze anos de atuação na área; e o
grupo considerado menos experiente (G2), com quatro a seis anos de atuação na
área. Fizemos uma escolha arbitrária para a faixa temporal de experiência profis-
sional, presumindo que a expertise4 em tradução e em interpretação apresentaria
uma correlação direta com o tempo de atuação e que o intervalo temporal entre
os dois grupos seria suficiente para se observar tal distinção. Os participantes da
tarefa experimental se enquadraram nos seguintes critérios: (i) ter a atividade de
TILSP como principal fonte de renda; (ii) ter alguma experiência com a tradução
Libras-português, com trabalho publicado em sites institucionais ou na grande
mídia; (iii) ter pelo menos uma das seguintes credenciais: certificado Prolibras,
ou avaliação de proficiência realizada por instituições de ensino superior ou cre-
denciadas por Secretarias de Educação, ou bacharelado em Letras-Libras; e (iv)
ter o português como L1 e a Libras como L2. Participantes que se autodeclararam
CODAs5, no questionário prospectivo de perfil, não tiveram seus dados aplicados
a esta pesquisa, pela possibilidade de considerarem possuir mais de uma L1 ou
língua materna (i.e., Libras e português).
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Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
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Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
109
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
de pergunta foi realizada para a tradução e para a interpretação para que os res-
pondentes perceberem que estávamos tratando as duas atividades como distintas,
possibilitando-nos realizar análises do padrão de respostas em cada uma delas.
Sobre a preferência por alguma direção de tradução, ao serem perguntados
sobre em qual direção preferiam traduzir, 52,3% disseram que da sua L1 para
sua L2, 36,9% disseram não ter preferência de direção para traduzir e 10,8% dis-
seram que preferiam traduzir da sua L2 para sua L1. Já para a interpretação 67,6%
disseram que preferem interpretar de sua L1 para sua L2, 23,4% disseram não ter
preferência de direção para interpretar e 9% disseram que preferem interpretar da
sua L2 para sua L1.
Sobre a formação recebida em tradução e em interpretação, para a tradução
67,6% disseram que receberam a formação em tradução da sua L1 para sua L2,
14,4% disseram que receberam treinamento em ambas as direções igualmente,
11,7% disseram que receberam formação da sua L2 para sua L1 e 6,3% disseram
que não receberam formação em tradução. Na pergunta sobre formação em inter-
pretação, 77,5% disseram que receberam formação da sua L1 para sua L2, 12,6%
disseram que receberam formação da sua L2 para sua L1, 9% disseram que rece-
beram formação em ambas as direções igualmente e 0,9% disseram que não rece-
beram formação em interpretação. Podemos observar o seguinte com as respos-
tas apresentadas pelos respondentes: (i) os TILSP em sua maioria se sentem mais
proficientes, preferem e declararam receber uma maior formação de sua L1 para
sua L2, tanto na tradução quanto na interpretação; (ii) os dados sobre a tradução
e a interpretação, apresentaram diferenças nas porcentagens, demonstrando uma
possível compreensão por parte dos respondentes sobre a diferença das atividades
de tradução e de interpretação; e (iii) existe uma preferência na direcionalidade
para a tradução intermodal da L1 para a L2, diferentemente da preferência dos
tradutores intramodais que é da L2 para L1.
110
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
que o tradutor digita a primeira letra ou caractere do texto alvo (TA); no caso da
tradução intermodal, quando realiza o primeiro sinal. Nessa fase, foi contabili-
zado o tempo que os TILSP se dedicaram assistindo ao TF (vídeo em Libras) e
recorreram ao apoio externo. Nessa tarefa, nenhum dos participantes demandou
o apoio externo e verificamos que os mais experientes (G1) dedicaram mais tempo
na compreensão do TF, antes de iniciar a produção do TA, em comparação com os
participantes menos experientes (G2).
A fase de redação inicia-se assim que o tradutor aciona a primeira tecla
para a elaboração do TA. Consideramos para a tradução intermodal a digitação
da produção do TA, consultas/retomadas ao TF e pesquisas externas, sendo essa
fase finalizada quando o TILSP digita o último ponto final ou o último caractere
correspondente ao TF pela primeira vez. Durante essa fase, foi relatada dificuldade
por parte dos participantes em lidar com a produção do português escrito. Com
isso, pudemos observar uma dispersão dos dados entre os participantes mais ex-
perientes e menos experientes em relação ao tempo gasto digitando e editando o
TA, consultando o vídeo do TF e o tempo despendido em apoio externo durante
a fase de redação.
A fase de revisão, tem o seu início definido logo após o tradutor digitar o
último ponto final ou o último caractere pela primeira vez, sendo considerado, en-
tão, o final da primeira versão da tradução. Com a primeira versão pronta, inicia-
-se a fase de revisão com os ajustes finais do tradutor no TA. Consideramos, nessa
fase, o tempo despendido pelos participantes realizando ajustes finais e pesquisas
externas.
111
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
112
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
cionado na seção 3.3, a fórmula que usamos para mensurar o esforço técnico na
tradução Libras→PT foi a seguinte: 2x CARd + 2x CARv + CTA. A quantificação
duplicada de CARd e CARv se dá pela lógica dos TILSP primeiro realizarem a
ação de digitação e, posteriormente, a ação de apagamento do caractere, gerando
assim um esforço técnico/mecânico dobrado (uma tecla é digitada e depois apa-
gada).
Ao serem aplicados os testes estatísticos não paramétricos de Wilcoxon e
Mann-Whitney, não foram observadas diferenças significativas entre os grupos
ou entre as fases. Um resultado significativo, mas esperado, foi a maior produ-
ção dos participantes do G1 e G2 durante a fase de redação em relação à fase de
revisão.
Na tradução na direção PT→Libras, para a quantificação do dispêndio do
esforço técnico, utilizamos o total de sinais produzidos no TA (STA) considerando
a soma SRd + SRv, sendo que, em alguns casos, o SRd inclui também os sinais do
TA. Com a aplicação dos testes estatísticos, foi apresentada uma diferença signifi-
cativa na produção de sinais no TA entre os grupos G1 e G2. O grupo G1 apresen-
tou uma produção de sinais significativamente maior (134,0) que a produção de
sinais do grupo G2 (83,0). Outro dado significativo indicou que a quantidade de
sinais produzidos no TA (STA) é significantemente menor que os sinais produzi-
dos na fase de redação (SRd).
9 Em RRTM, calcula-se: tempo total de cada participante em cada tarefa (TT) dividido pelo tempo
total máximo, que se refere ao tempo do participante que mais demorou a realizar a tarefa (TTM).
Para os valores de RTPF, utilizamos a ponderação: tempo da fase de orientação (TO) dividido
pelo tempo total de cada participante em cada tarefa (TT) somado a duas vezes tempo da fase de
redação (TRd) dividido pelo tempo total de cada participante em cada tarefa (TT) somado a três
vezes o tempo da fase de revisão (TRv) dividido pelo tempo total de cada participante em cada
tarefa. Com isso, RRTM + RTPF é o resultado de TT/TTM + (TO/TT + 2x TRd/TT + 3x TRv/
TT).
113
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
10 Para conseguirmos o valor de REMD, primeiro é preciso saber o valor do esforço mecânico de
digitação (EMD). Para isso, calculamos o total de caracteres do TA (CTA) somado a duas vezes
o valor do total de caracteres apagados na fase de redação (CARd), somados a duas vezes o valor
do total de caracteres apagados na fase de revisão (CARv), sendo CTA + 2x CARd + 2x CARv =
EMD. Achado o valor de EMD, divide-se esse pelo maior valor de esforço mecânico de digitação
entre os participantes (EMDmax) e assim teremos o valor de REMD (EMD/EMDmax = REMD).
Para o cálculo de REAEx, que é a medida de esforço de busca de auxílio externo ponderado em
relação ao conjunto de participantes, é proposta a divisão do total de sites acessados em buscas de
apoio externo (AEx) pelo maior valor de busca de auxílio externo entre os participantes (AExmax).
Alguns participantes não realizaram pesquisas externas e para que o valor não resulte em um
valor final igual a zero, a proposição inclui a soma a um, para que varie entre um e dois. Assim
temos: 1+ AEx/ AExmax = REAEx.
11 Para conseguirmos o valor de REMS, primeiro é preciso saber o valor do esforço mecânico de
sinalização (EMS). Para isso, somamos o total de sinais produzidos em diferentes fases da tarefa,
incluindo o produto traduzido. Assim, somamos o total de sinais produzidos na fase de redação
(SRd) ao total de sinais produzidos na fase de revisão (SRv), sendo SRd + SRv = EMS. Achado o
valor de EMS, dividimos pelo maior valor de esforço mecânico de sinalização entre os participan-
tes (EMSmax) e assim teremos o valor de REMS (EMS/EMSmax = REMS). Para o cálculo de REAEx-
-i, propomos que o valor do total de sites (telas) acessados em busca de apoio externo (AEx) seja
dividido pelo maior valor de AEx entre os participantes (AExmax), soma-se a isso o valor estabele-
cido (1 ou 0, sendo 1 = sim; 0 = não) para gravação de áudio do texto em português (GA), somado
ainda à divisão entre o número de gravações e sinalizações do TA (GS) e o maior valor de GS entre
os participantes (GSmax). Assim temos: 1 = AEx/AExM + GA + GS/GSmax = REAEx-i.
114
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
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6 Considerações finais
Referências
ALVES, F. Tradução, cognição e contextualidade: triangulando a interface pro-
cesso produto no desempenho de tradutores novos. D.E.L.T.A., v. 19 – especial,
p. 71-108, 2003.
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tuguês escrito para a Libras em vídeo. 218 f. Tese (Doutorado) - Universidade
Federal de Santa Catarina, Centro de Comunicação e Expressão, Programa de
Pós-graduação em Estudos da Tradução, Florianópolis, 2020.
BESSA, T. Direcionalidade em tradução: uma análise processual em tarefas
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– Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Faculdade de Letras,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2022.
FERREIRA, A. Direcionalidade na tradução: uma investigação do processa-
mento cognitivo de tradutores profissionais em tradução direta e inversa no par
linguístico inglês-português. 137 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-
-Graduação em Estudos Linguísticos, Faculdade de Letras, Universidade Federal
de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010.
FONSECA, N. B de L. Pós-edição monolíngue: uma análise de indicadores do
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1 Introdução
1 O presente capítulo é fruto da dissertação “Poesia de Direitos Humanos e injustiça social na Lite-
ratura Surda: tradução, interpretação, agência e ativismo” defendida em outubro do ano de 2022
junto ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução - PGET da Universidade Federal
de Santa Catarina. O trabalho encontra-se em fase de catalogação junto à Biblioteca da referida
instituição.
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tes sujeitos sociais, participantes das comunidades surdas, como poetas e tradu-
tores, estão envolvidos em cadeias de significados de teor político. Diante dessa
questão, suas produções podem corresponder a uma agenda ideológica a favor de
diferentes pautas reivindicatórias.
Assim, neste texto, toma-se a perspectiva de agentes da tradução, debatidas
por Milton e Bandia (2009), e se articula com os cenários dos ETILS, focalizando
o conceito de agência e de ativismo na literatura surda e sinalizada. Dessa for-
ma, evidencia-se as produções que envolvem a temática de direitos humanos e
de injustiças sociais, localizando as principais discussões nos contextos artístico
e literário.
Na primeira seção, “Conceito de agência nos estudos da tradução”, discu-
tem-se os conceitos de agência, ativismo e agentes da tradução, dentro dos Estudos
da Tradução. No final da primeira seção, apresenta-se a abordagem metodológica,
de cunho qualitativo, por meio da pesquisa netnográfica. Explica-se as contribui-
ções desse tipo de metodologia para o mapeamento e a construção do corpus de
poesias sinalizadas registradas em vídeo. Na segunda seção. “Tradução e Agência
na Promoção de Direitos Humanos e Justiça Social na Comunidade Surda: Arte e
Literatura”, apresenta-se exemplos de produções artísticas literárias em uma lín-
gua de sinais e atividades de agência de tradução que ocorrem no interior das
comunidades surdas, apresentando ações realizadas em especial no lócus das redes
sociais pelo coletivo SurdoVisão, o Grupo Movimento das Surdas Feministas do
Brasil (MOSFB) e o trabalho solo e coletivo do tradutor multiartista Efraim Canu-
to. Nas considerações finais, resgatamos os conceitos apresentados e a articulação
entre o conceito de agência e as práticas tradutórias realizadas nas comunidades
surdas.
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2 No original: “[…] that discursive and non-discursive interventions in the political arena are hea-
vily mediated by various acts of translation, and that this is precisely what enables protest move-
ments to connect and share experiences across the globe” (BAKER, 2016, p. 8).
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Tymoczko (2010a, 2010b) faz defesas mais enfáticas sobre o poder de ma-
nipulação de textos por meio da interpretação e da tradução, podendo favorecer
as línguas de chegada e contribuir para uma não colonização das ideias contidas
no texto-fonte. A autora argumenta sobre um papel possível de identificar e com-
bater, por meio dessa atividade linguística e tradutória, ideologias imperialistas.
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4 Os dados foram coletados no período de julho de 2020 a março de 2022 e a pesquisa autorizada
pelo Comitê de Ética, sob o protocolo 4.801.516
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foi extraída a imagem abaixo (Figura 09), performatizada no Slam das Mãos, no
Palco Giratório do Sesc, vemos Efraim de costas, sinalizando o sinal de Iemanjá.
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Sari Cortes Real, primeira-dama da cidade de Tamandaré. Ela permitiu que Mi-
guel subisse sozinho no elevador porque ele estava “birrento” e pedindo pela mãe6.
A narrativa pública que apresenta esse fato compreende o nível de negligên-
cia, de perversidade e de racismo da atitude da patroa, uma vez que desumaniza
a infância e a vulnerabilidade de Miguel, uma criança negra e periférica. A poe-
sia visual, gravada em um ato, em favor da justiça por Miguel, foi produzida por
Efraim e Stephanie Saskya. Na narrativa do vídeo, diversas pessoas fazem o sinal
de “NEGR@/PRET@” em meio ao protesto.
O plano da gravação é aproximado, revelando apenas parte do rosto dos que
sinalizam, dando mais ênfase ao sinal. Os cortes ocorrem entre sinais de “PELE”,
“VIDA” e imagens do ato. Efraim aparece no vídeo sinalizando “MIGUEL, NÃO
FOI ACIDENTE”, “ELES QUEREM NOS VER MORRER”, entre outros textos que
são oriundos de um poema escrito por Efraim, sobre racismo e extermínio da
população negra. Aqui também recursos como a legenda das palavras estão pre-
sentes. Mona Baker (2016) afirma que tradutores/as se engajam em lutas políticas
e atuam na produção de diferentes narrativas públicas. Além disso, diferentes su-
portes e linguagens podem ser ativados para a disseminação dessas mensagens,
inclusive utilizando diferentes estéticas com o objetivo de chamar atenção para
determinada pauta política.
As questões estéticas podem ser estratégias narrativas de amplificação da
temática, pois, dialogando com Milton e Bandia (2009, p. 2, tradução nossa), ve-
mos que “[...] em certos casos, inovações estilísticas estão ligadas ao político”7. Isso
confere esforços para a transformação de cânones estilísticos também da tradução
em Libras, cujo lugar de “enquadramento” da tradução, de “indumentária” e de
“performance adequada (neutra)” de traduzir é subvertida.
6 Como estava ocupada fazendo as unhas com uma manicure, deixou Miguel ir sozinho até o
elevador. Nas câmeras do prédio, é possível ver Sari indo até o elevador, onde a criança estava, e
apertar um dos últimos andares, deixando o menino de apenas 5 anos subir sozinho. A mãe de
Miguel, Mirtes Renata Souza, era funcionária na casa de Sari e estava levando os cachorros para
passear quando a tragédia aconteceu.
7 No original: “But in certain cases the stylistic innovations are linked to the political” (MILTON;
BANDIA, 2009, p. 2).
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4 Considerações finais
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Referências
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1 Introdução
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2 Referencial Teórico
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indica que ao se estudar o discurso não podemos dissociá-lo dos sujeitos que enun-
ciam. Do ponto de vista da linguagem, as características discursivas apontam para
contextos mais vastos, como os de “formações discursivas, sociais e históricas”.
Tomamos as dissertações e teses, nesta pesquisa, analisadas como discur-
sos, como textos acadêmicos e como uma organicidade específica do discurso. Ba-
seadas em Bakhtin (2010), empregamos o termo arquitetônica como um elemento
estrutural-relacional concreto do ato, que se orienta na participação singular no
existir humano. Nessa perspectiva, se relaciona a linguagem e a ideologia de seres
concretos nos momentos arquitetônicos: eu-para-mim, o outro-para-mim, e eu-
-para-o-outro, envoltos em valores, que acontecem de forma específica no tempo
e no espaço. Assim, para a análise das dissertações e teses, considerando que não
se pode abstrair o seu contexto histórico e ideológico, destaca-se a relação sujei-
to-objeto, ou seja, autor-discurso. Dessa forma, compreendemos que cada texto é
singular, único. Portanto,
a forma de auto-suficiência, de auto-satisfação, inerente a tudo o que é este-
ticamente acabado, é uma forma puramente arquitetônica e impossível de
ser transferida para a obra como material organizado, pois esta apresenta-se
como uma entidade teleológica composicional onde cada momento e todo
o conjunto estão voltados para um fim, realizam algo, servem para algo.
(Bakhtin, 2010, p. 24).
Seguindo os princípios da perspectiva dialógica da linguagem e conside-
rando a totalidade, como a forma de diálogo entre sujeitos (pesquisadores/autores
dos discursos), ponderando que a linguagem são as formas do dizer e do ser no
mundo. Ao se estudar o discurso não podemos dissociá-lo dos sujeitos que enun-
ciam. Do ponto de vista da linguagem, as características discursivas apontam para
contextos mais vastos, como os de “formações discursivas, sociais e históricas”.
3 Metodologia Da Pesquisa
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A busca sistemática foi conduzida nas seguintes bases de dados: (1) Biblio-
teca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), que integra os sistemas de
informação de teses e dissertações existentes nas instituições de ensino e pesquisa
do Brasil – nesse site, encontra-se o trabalho completo, pois possibilita o acesso à
biblioteca da universidade de origem que precisa, obrigatoriamente, disponibilizar
o trabalho desde o ano de 2004 –; e (2) Catálogo de Teses e Dissertações da Coor-
denação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Além da estratégia de busca original, procurou-se, através da ferramenta de
rastreio dos estudos que citaram os artigos selecionados, potenciais estudos que
não foram localizados inicialmente. Tal procedimento foi realizado nas referências
e no Lattes dos orientadores, conforme descrito por Albres (2019) em sua pesquisa
de pós-doutorado. Assim, os estudos selecionados abordam a atividade do IE.
Fonte: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/184906
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ainda são muito complexas para uma criança surda que não tem no con-
texto familiar o uso da língua de sinais – o que ocorre na maioria dos casos.
(Martins; Albres; Sousa, 2015, p. 111-112).
Pelo que constatamos, os professores desenvolvendo a função de intérpre-
tes também na Educação Infantil são modelos linguísticos e discursivos, reverbe-
ram as línguas e suas ideologias. Professores assumem o papel de intérpretes na
Educação Infantil envolvidos por um discurso de “melhor com intérprete (pro-
fessor especializado) do que sem nada”. Essa é uma tensão que não sanamos com
esta pesquisa. Concebemos que o papel de educador (professor bilíngue) é o mais
importante nessa fase da educação.
Sobretudo, é importante destacar que a atuação do Tradutor e Intérprete de
Língua de Sinais Educacional (TILSE) tem sido alvo de discussão nas polí-
ticas educacionais que tensionam a educação inclusiva de surdos. Ele tem
sido convocado a atuar, inclusive, na Educação Infantil e nos anos iniciais
do Ensino Fundamental – contrariando a argumentação anteriormente
posta, uma vez que sua atuação se mostra melhor nos anos finais do Ensino
Fundamental e nas demais etapas de escolarização. Todavia, vale destacar
que a presença do intérprete passa a ser garantida pelo Decreto 5.626/05,
que regulamenta a Lei n°10.436/02 e o artigo 18 da Lei no 10.098/2000,
respondendo a questões de acessibilidade linguística amplamente discutida.
Assim, vemos o fortalecimento e uma maior procura pela atuação de intér-
pretes de língua de sinais educacional. De algum modo, essa movimenta-
ção se reflete na regulamentação da profissão do tradutor/intérprete na Lei
n° 12.319/2010, que passa a ter um campo maior de atuação profissional.
(Martins; Albres; Sousa, 2015, p. 112).
Compreendemos que as pesquisadoras se constituem nas relações que es-
tabelecem em seu processo formativo e com seus pares, orientadores, professores
e grupos de pesquisa. Assim como com os autores que estudam, com os livros
que citam e com os que convivem na vida concreta. As pesquisadoras que se de-
dicaram a estudar o tema da Educação Infantil e crianças surdas também eram
professoras e estavam envolvidas nas questões práticas da escola e da sala de aula,
participaram de grupos de pesquisa em instituições públicas de ensino e buscaram
desenvolver suas pesquisas valendo-se de uma revisão de literatura.
Para contextualizar a formação, como pesquisadoras, das participantes des-
ta pesquisa, ou seja, das autoras das dissertações e teses que versam sobre o intér-
prete na Educação Infantil, levantamos os nomes das orientadoras e apresentamos
uma síntese do contexto em que essas pesquisas foram geradas e dos grupos de
pesquisa a que pertenciam.
Considerando a polifonia dos discursos acadêmicos, desde os discursos re-
portados quanto a palavra própria do pesquisador, apresentamos a seguir as orien-
tadoras das pesquisas e seus interesses a partir das pesquisas registradas no Cur-
rículo Lattes. Consideramos que as vozes das orientadoras marcam os trabalhos
desenvolvidos sobre Educação Infantil e crianças surdas pelo seu próprio papel de
orientação.
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Tendo por base o postulado bakhtiniano de que “[o] nosso discurso da vida
prática está cheio de palavras de outros” (Bakhtin, 2015, p. 223) e que esta afirma-
ção se atribui também ao discurso acadêmico, bem como os seus efeitos de sentido
em dissertações e teses. Segundo Bakhtin (2015), o discurso caracteriza-se por ser
polifônico, isto é, revestido das palavras do outro, de novos valores, sendo incor-
porados diversos posicionamentos axiológicos no discurso dos autores quando de
nossa leitura das dissertações e teses.
Nos escritos de Bakhtin (1997), a polifonia denomina a pluralidade de vo-
zes em equilíbrio presente na obra de alguns autores. Bakhtin estudou a obra de
Dostoiévski, romancista russo que viveu no século XIX, mas este conceito é ex-
pandido para todos os discursos que em sua trama envolvem a incorporação ou
reformulação de outros discursos. Trata-se de uma metáfora criada a partir da
teoria musical que utilizamos também para analisar discursos acadêmicos, como
as teses e dissertações.
Usamos o “conceito de polifonia, uma vez que no âmbito do enunciado
funcionam inúmeros mecanismos de circunscrição da alteridade, de uma relação
complexa com alteridade que denuncia uma relação do enunciador com a própria
palavra e com a língua” (Costa, 2015, p. 332).
Há elementos visuais explícitos no discurso acadêmico em que podemos
estabelecer discursividade como a citação direta e indireta dentro do texto escrito.
Mas há outros discursos que circulam em interações entre professores e alunos em
momentos de orientação, assim como as orientações e considerações realizadas
pelos professores que compõem as bancas de qualificação e defesa (compondo os
rituais da pós-graduação) que, por vezes, são mais difíceis de serem percebidos
quando do relatório de pesquisa finalizado, ou seja, dissertações e teses. Dessa
forma, a seguir, apresentamos a composição das bancas de mestrado e doutorado.
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com outros autores. A autora Ana Claudia Balieiro Lodi (2013) também foi bas-
tante citada, inclusive em textos em parceria com Cristina Lacerda (Lodi, Lacerda,
2009) . É importante mencionar que além do tema de pesquisa das autoras serem
similares, elas se inscrevem na mesma perspectiva teórica, o que pode ser um fator
de seleção para compor o relatório de pesquisa e dialogar com as autoras.
Há ainda as vozes das comunidades surdas com afirmações que refletem e
refratam os discursos que reverberam o desejo por uma educação bilíngue para
surdos e a educação como um direito linguístico. Em síntese, constatamos que as
citações são usadas para discutir temas como formação, denominação e atuação
dos IE.
Todas as pesquisas analisadas, nesta dissertação, concordam que se o intér-
prete for atuar na Educação Infantil terá que assumir mais que o papel de interpre-
tação. Esse fato também é indicado na literatura internacional e nacional, desde o
início desses estudos, como aponta Lacerda (2006), ao afirmar que que
[...] o objetivo último do trabalho escolar é a aprendizagem do aluno surdo
e seu desenvolvimento em conteúdos acadêmicos, de linguagem, sociais,
entre outros. A questão central não é traduzir conteúdos, mas torná-los
compreensíveis, com sentido para o aluno. Deste modo, alguém que tra-
balhe em sala de aula, com alunos, tendo com eles uma relação estreita,
cotidiana, não pode fazer sinais – interpretando – sem se importar se está
sendo compreendido, ou se o aluno está aprendendo. Nessa experiência, o
interpretar e o aprender estão indissoluvelmente unidos e o intérprete edu-
cacional assume, inerentemente ao seu papel, a função de também educar o
aluno. (Lacerda, 2006, n.p.).
Constatamos que os discursos das pesquisadoras reverberam múltiplas vo-
zes, ao mesmo tempo em que trazem o projeto de dizer das próprias pesquisa-
doras. Os discursos se entrelaçam construindo uma polifonia sobre a Educação
Infantil para as crianças surdas.
Para Lodi e Lacerda (2009), a Educação Inclusiva Bilíngue parte da pers-
pectiva de organizar a escola com base no princípio da circulação efetiva da Libras
em todo o espaço escolar. Diante da reivindicação de lideranças surdas represen-
tadas pela Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS), o
PNE/2014 fez a retificação e distinção entre escolas inclusivas e escolas bilíngues,
classes inclusivas e classes bilíngues e, em 2021, a Lei n.º 14.191 coloca a educação
bilíngue como modalidade de ensino. Essas atuais modificações nas políticas edu-
cacionais podem contribuir para uma maior reflexão sobre os modos de organizar
a Educação Infantil para as crianças surdas na direção de uma educação bilíngue
em que a Libras é o norte para a educação, e em que o espaço dos professores bilín-
gues, inclusive de professores surdos, sejam eles de Libras ou de outras disciplinas
escolares, seja uma política efetiva.
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5 Considerações Finais
Referências
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siva. São Paulo: Harmonia, 2015.
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literária. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: A teoria do
romance. Trad. Aurora Fornoni Bernardini et al. 6. ed. São Paulo: HUCITEC,
2010, p.13-57.
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1 Introdução
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4 Ao nos referirmos apenas aos intérpretes de línguas de sinais, usaremos a sigla ILS.
5 Santos (2006, p. 23) afirma que a Feneis “é um marco de posição política dos surdos que exem-
plifica as tentativas que permeiam, desde sua fundação, a preocupação por um olhar diferente em
relação aos surdos”. Brito, Neves e Xavier (2013, p. 68), por sua vez, defendem que “a Feneis foi a
principal e maior organização do movimento social surdo, mas este incluiu também o agir coleti-
vo de indivíduos vinculados a diferentes grupos e associações, tais como diversas associações de
surdos, a Companhia Surda de Teatro, a Comissão Paulista para a Defesa dos Direitos dos Surdos,
a Coalização Pró-Oficialização da Libras e o Grêmio Estudantil do INES”.
6 Tal mudança pode ser vista no documento intitulado A educação que nós surdos queremos (FE-
NEIS, 1999), redigido por cerca de 300 surdos do Brasil inteiro, durante o pré-congresso ao V
Congresso Latino-Americano de Educação Bilíngue para Surdos, realizado em Porto Alegre (RS).
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7 Ao contrário do que foi muito propagado, inclusive por órgãos ligados ao governo federal, a
Libras não foi reconhecida como língua oficial do Brasil (cf. Abreu, 2018).
8 O ProLibras foi criado com o intuito de ser uma solução de curto prazo, para atestar quem eram
os profissionais aptos a atuar com a tradução e interpretação entre libras e português. O período
de 10 anos de vigência foi definido tendo em mente que esse seria um tempo suficiente para
criação dos cursos de nível superior para formação de intérpretes de Libras - português no país.
É importante destacar que no Distrito Federal, onde se situa o Congresso Nacional, não existem
cursos de bacharelado em Letras-Libras em funcionamento em universidades públicas.
9 Consideramos o curso presencial e o curso a distância da UFSC, já que são dois cursos diferentes.
10 Associação dos Profissionais Tradutores, Intérpretes e Guia intérpretes de Língua de Sinais do
Estado de São Paulo.
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No Congresso Nacional, os ILS que atuam nas TVs legislativas (TV Câmara
e TV Senado) têm mais visibilidade junto ao público em geral, tendo em vista que
suas imagens são veiculadas em canais abertos em todo o território nacional. To-
davia, a demanda por tradução e interpretação entre Libras e português no Senado
e na Câmara é bem mais extensa.
Por meio da análise dos documentos, identificamos dez contextos de atua-
ção dos TILS no Congresso Nacional: 1) Plenário; 2) Comissões; 3) Gabinetes par-
lamentares; 4) Setores administrativos diversos; 5) Serviços de saúde e de gestão
de pessoas; 6) Recepções e portarias; 7) Setores de comunicação: TV Câmara/ TV
Senado; 8) Escolas de governo: ILB/CEFOR; 9) Programa Visite o Congresso; e
10) Processo Administrativo Disciplinar (PAD).
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19/10/2016 a
65/2016*
18/10/2017 tradução / interpre-
tação falada, sinalizada ou escri-
19/10/2016 a
66/2016** do português para ta, nas formas simultânea
18/10/2017
Libras e vice-versa ou consecutiva, ao vivo ou
04/12/2017 a ensaiada, gravada ou não
108/2017 03/12/2022 interpretação
(em vigor)
* dias úteis
** fins de semana e feriados
Fonte: Monzo (2022, p. 130).
17 De acordo com os contratos, os serviços devem ser executados basicamente da mesma maneira:
recebimento de ordem de serviço (OS) pela empresa contratada, com as informações sobre o
evento; o intérprete deve chegar com uma hora de antecedência; deve interpretar no período
determinado. Nos dois primeiros contratos (231/2009 e 81/2013), os eventos com até uma hora
de duração devem ser realizados por apenas um profissional, enquanto os que durarem mais de
uma hora devem ser interpretados por uma dupla, em que os intérpretes devem se revezar a cada
20 minutos. Além dessas especificações, próprias de atividades de interpretação, a forma de pa-
gamento (por hora de serviço) não é adequada para serviços de tradução, normalmente cobrados
por minuto, no caso de vídeos, ou por produto traduzido.
165
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
18 Não foi possível confirmar se o gestor do contrato de fato realocou os profissionais. Entende-se
que, sendo o primeiro contrato dessa natureza no Congresso Nacional, assinado em 2006, havia
poucas referências para direcionar a contratação.
19 Acerca do contrato nº 231/2009, é interessante observar que o edital do pregão também era vol-
tado a serviços de tradução e interpretação português-espanhol e português-inglês. Os requisitos
para os tradutores e intérpretes dessas línguas incluía a comprovação de proficiência em língua
portuguesa, o que não é exigido dos intérpretes de Libras.
166
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
20 O contrato nº 109/2006 foi assinado no início de outubro e o edital do primeiro ProLibras foi
lançado no dia 20 de setembro do mesmo ano, não havendo tempo hábil para considerá-lo como
comprovação de fluência.
21 Este é o único contrato do Congresso Nacional que apresenta a exigência de fluência em português.
167
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
22 Disponível em http://www.librasgerais.com.br/materiais-inclusivos/downloads/codigo-etica.pdf.
23 Disponível em https://febrapils.org.br/wp-content/uploads/2022/01/Codigo-de-Conduta-e-Eti-
ca.pdf.
168
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
Vale observar que, pelo contrato n.º 117/2020 tratar apenas da atividade
de interpretação na modalidade simultânea de português para Libras de forma
remota, o edital de licitação indica orientações acerca da transmissão do sinal e da
qualidade do vídeo. Ressalta-se ainda que o contrato prevê a prestação dos servi-
ços apenas no âmbito do plenário e da Comissão de Assuntos Sociais (CAS), o que
subentende uma limitação à participação social da pessoa surda nas atividades da
instituição como um todo, a ser questionada.
Diferentemente do contrato anterior e dos contratos da TV Câmara, por
posto de trabalho, o contrato atual considera o pagamento por hora, contando
com a atuação de dois profissionais, que devem se revezar a cada 20 minutos. É
interessante destacar também uma especificação apontada apenas nesse contrato:
“os intérpretes deverão ser humanos. Não serão aceitos avatares24 nem qualquer
tipo de produção de Libras por equipamentos eletrônicos”.
Os quadros 6 e 7 apresentam os requisitos profissionais para os ILS nos
contratos da TV Câmara e da TV Senado, respectivamente:
24 Apesar do crescimento desse tipo de serviço nos últimos anos, a comunidade surda entende que
os tradutores automáticos disponíveis atualmente em forma de avatares não realizam uma inter-
pretação adequada, discussão que carece de mais pesquisas.
169
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
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Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
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Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
Considerações finais
26 Destaca-se que o Senado possui um serviço de tradução e interpretação, cuja atribuição é realizar
tradução ou versão de documentos legislativos e de interpretação de audiências de senadores com
autoridades estrangeiras, por recursos próprios ou contratados.
173
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
Referências
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Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
175
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
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Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
10
1 Introdução
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Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
179
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
linguísticas. Neste capítulo, estamos discutindo estes dois aspectos. A seguir, fo-
camos naqueles em que observamos políticas subjacentes que estão norteando as
práticas de tradução e de interpretação da IntSL, no Brasil.
Para a formação acadêmica dessa categoria profissional, que já pode ser
observada, é necessário o desenvolvimento da competência em tradução e em in-
terpretação, composta não somente pelo estudo teórico e pelas técnicas de tradu-
ção e interpretação, mas por um conjunto de outros conhecimentos, habilidades
e atitudes, os quais possam qualificar o profissional, assegurando direitos linguís-
ticos à comunidade surda. Pode-se considerar que é indispensável que o tradutor
e o intérprete surdos – tanto o que atua entre duas línguas de sinais (Libras e
IntSL) quanto entre uma língua oral-auditiva e outra de sinais (português/inglês
e IntSL/Libras) – sejam profissionais com competência tradutória/interpretativa
e experiência, dominando, no mínimo, duas línguas de sinais e português e in-
glês escritos. Portanto, além de possuir competência interpretativa e tradutória, é
relevante que se tenha conhecimentos profissionais relacionados aos âmbitos e aos
contextos de sua atuação. Conforme Adam et al. (2014, p. 6),
nossa posição é que, como a maioria dos intérpretes surdos - ISs [intérpretes
surdos] fazem a interpretação de uma forma ou outra como profissão, ela é
uma parte integrante do serviço do IS; além disso, os ISs que têm habilidade
na tarefa interlinguística são geralmente capazes de fazer uma interpretação
interlingual e vice-versa.1 (tradução ExTrad).2
No que diz respeito à atuação dos intérpretes surdos de Libras-IntSL, en-
contramos algumas dificuldades para a profissionalização, devido à falta de cursos
de formação, tanto de cursos livres quanto de cursos de graduação e de pós-gra-
duação específicos, e a inexistência de um perfil profissional estabelecido. Silvei-
ra (2017, p. 17) diz que “no Brasil, muitos intérpretes surdos não são formados
[especificamente na área de tradução e da interpretação] e sim formados na área
de ensino de Libras ou em outras áreas”. Por não haver uma ampliação da forma-
ção em tradução e interpretação interlingual e intramodal gestual-visual, como
Libras-IntSL, temos como um dos resultados a atuação, majoritariamente, volun-
tária nesse tipo de atividade interpretativa; logo, poucos são aqueles profissionais
surdos remunerados. Nas palavras de Pinheiro (2020),
os surdos que trabalham como tradutores e intérpretes de língua de sinais
e têm algum nível de profissionalização são poucos, a maioria deles conti-
nua atuando “sem profissionalização” e com um foco restrito à prática da
interpretação de uma língua de sinais nacional para IntSL. (Pinheiro, 2020,
p. 25).
1 We argue that, as most DIs do this form of interpreting in one way or another in their professional
employment, it is an integral part of DI work; moreover, DIs who are skilled at interlanguage work
are usually able to do intralanguage interpreting and vice versa (ADAM et al., 2014).
2 ExTrad é um projeto de extensão do do Curso de Tradução do Centro de Ciências Humanas,
Letras e Artes da Universidade Federal da Paraíba (CCHLA/UFPB). Disponível em: http://www.
cchla.ufpb.br/extrad.
180
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
181
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
6) Trabalha com interpretação intramodal de língua de sinais para gesto ou sinais caseiros ou língua de sinais
da fronteira ou língua de sinais indígena ou língua de sinais regional, língua de sinais nacional, língua de
sinais internacional.
7) Trabalha com guia-interpretação intermodal ou intramodal da língua de sinais para língua falada ou outra
língua de sinais.
8) Similares.
Fonte: Pinheiro (2020, p. 326).
4 [...] perspectives on the role and work of DIs vary. One is that DIs are assigned when a client
182
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
uses his or her own signs or home signs; uses a foreign sign language; is deaf-blind or has limited
vision; uses signs particular to a region or to an ethnic or age group not known to the non-DI; or
is in a mental state that makes ordinary interpreted conversation difficult.
5 Atualmente, assim como neste capítulo, a sigla LSI está sendo substituída por IntSL.
183
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
184
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
Acima (Figura 4), observamos o sinal utilizado para a IntSL, que surgiu no
século XIX e, desde então, tem sido usado (Moody, 2002, p. 1). Portanto, já fazem
mais de 180 anos do encontro de surdos no banquete, em 1834, na França. Pro-
vavelmente, o surgimento e a utilização da IntSL se iniciou na Europa e foi sendo
difundida entre outros países na medida em que os encontros entre surdos de dife-
rentes nacionalidades foram acontecendo (Rathmann; Quadros, 2022). Phillipson
185
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
(2002, p. 02), afirma que o senso comum entende o termo ‘língua internacional’
como a língua que pessoas de diversas origens ou nações utilizam entre si. Neste
sentido, há muitas línguas internacionais utilizadas em todos os continentes. De
acordo com Pinheiro (2020, p. 100), “existem diferenças na língua de sinais in-
ternacional de cada continente, ocidental ou oriental. São diferentes por serem
influenciados pela cultura, política, linguística, economia etc.”.
Na Europa, há uma grande mobilidade das pessoas entre diferentes países
para participar de eventos, atividades esportivas, reuniões, festivais, e de outros
contextos, nos quais se propicia o uso da IntSL como meio de comunicação, há
mais de dois séculos. Segundo Rathmann e Quadros (2022), a interação entre sur-
dos em espaços internacionais foi sendo intensificada à medida em que a globa-
lização se estabeleceu por várias razões, entre elas, a amplicação da mobilidade
entre os países de diferentes continentes, o advento da internet, o estabelecimento
de novas formas de redes sociais. Por outro lado, na América do Sul, o uso da
IntSL está se estabelecendo nos últimos anos de forma mais difundida em função
da realização de eventos internacionais com a presença de surdos de diferentes
nacionalidades (Pinheiro, 2020).
As zonas de fronteira dos países ou nações favorecem o contato de línguas
de sinais diferentes. De acordo com Calvet (2002, p. 33), quando um indivíduo se
confronta com línguas que utiliza vez ou outra, pode ocorrer que elas se mistu-
rem nesse discurso e que ele produza enunciados alternando as línguas (code-swi-
tching). Dessa forma, surdos sulamericanos que vivem em regiões de fronteira,
utilizam duas a três línguas que podem contar com interferências entre elas. Por
exemplo, quando ocorrem contatos linguísticos entre surdos fronteiriços da Ar-
gentina e Brasil, é possível ocorrer uma mistura entre a LSA (Língua de Sinais
Argentina) e a Libras, assim como, às vezes, incluir a IntSL.
Outro exemplo se configura entre surdos fronteiriços do Brasil e do Uru-
guai, ou seja, entre sinalizantes da LSU (Língua de Sinais Uruguaia) que tem con-
tato com a Libras e a IntSL, e vice-versa, favorecendo o encontro surdo-surdo,
entre sul-americanos.
É possível pensar que IntSL sul-americana seria, de certo modo, uma espé-
cie de variante da IntSL utilizada nos encontros surdo-surdo na Europa, embora
essa observação precise ainda ser estudada. Na Europa, o uso da IntSL é favorecido
pela proximidade dos países e pelo intenso contato entre os surdos de diferentes
países, facilitado pelo acesso aos meios de transporte mais eficientes, tais como o
uso de trens para locomoção entre os países, além do transporte aéreo. Conforme
Pinheiro (2020), com respeito à América do Sul, os contextos em que ocorre com
mais frequência o uso da IntSL envolve conferências, eventos esportivos e acam-
pamentos.
Constata-se a presença de tradutores e de intérpretes surdos de IntSL em
diferentes eventos internacionais, tais como, os da WFD (World Federation of
the Deaf, traduzido para o português brasileiro: Federação Mundial de Surdos),
Deaflympics, Pan-Americano de Surdos, ONU, European Union – EU, (traduzi-
186
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
Metodologia
187
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LSE – Língua de
2º Congresso Latino-Americano de Porto Alegre – RS.
1 1999 Sinais Espanhola e
Educação Bilíngue para Surdos UFRGS
Libras
I Encontro de Jovens Surdos do Rio
2 2006 Capão Canoa – RS LSI e Libras
Grande do Sul
Seminário Internacional Brasil/Portugal:
3 2009 Pesquisa Atuais na área de surdez. Possi- Brasília – DF LSI e Libras
bilidades de escrita pelos surdos
Florianópolis – SC.
4 2010 V Deaf Academics LSI e ASL e Libras
UFSC
I Encontro de alunos ASL e SI I Meeting of
5 2011 Uberlândia – MG. UFU ASL e LSI
ASL and SI students
188
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COINES2021
Rio de Janeiro – RJ.
46 2021 https://www.youtube.com/watch?v=nm- Libras e IntSL
INES
QA05adagI
Abralin online. Intitulado: Língua de sinais
internacional.
47 2021 Nacional Libras e IntSL
https://www.youtube.com/watch?v=wcXr-
G39zUfo&lc=Ugxz51Ic7Foh-XnstY54AaABAg
IntSL, Libras, gestos
48 2022 DEAFLYPICS Caxias do Sul – RS
e similares7
Florianópolis – SC. Libras, IntSL e
49 2022 7º Congresso TILS e 3º Congresso Linguística
UFSC português
Fonte: as autoras, seguindo a proposta de Silveira (2017).
7 Interpretamos “gestos e similares” como formas alternativas de comunicação que não envolveram
as línguas propriamente ditas.
8 Deaflympics
192
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
193
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
9 Respostas originais dos próprios surdos respondentes, mantendo-se a forma escrita dos surdos.
194
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
Vemos, neste recorte de dados apresentados acima, alguns dos locais onde
os intérpretes fazem a mediação da comunicação entre duas línguas de sinais ou
de uma língua de sinais e outra língua oral. A identificação destas práticas pode
subsidiar as políticas linguísticas e o planejamento de ações que valorizem e reco-
nheçam tais práticas garantindo a formação dos profissionais tradutores e intér-
pretes de línguas de sinais, que atuam com, por exemplo: IntSL, Libras e outras.
Não é qualquer pessoa surda que pode trabalhar com tradução e interpreta-
ção. É necessário que tenha competência tradutória e interpretativa. A pes-
soa surda que deseja ser um tradutor e/ou um intérprete precisa reconhecer
a importância de uma boa formação técnica ou graduação para melhorar
a qualidade do serviço profissional, bem como também ter uma certifica-
ção. Se não tiver uma formação, deverá procurá-la para reconhecimento do
seu trabalho como tradutor e intérprete de língua na comunidade surda ou
em equipe de tradutores e intérpretes de língua, e assim, possa conseguir
trabalhar. Por fim, o profissional tradutor e intérprete surdo nessas condi-
ções mencionadas terão possibilidade de trabalho, escolhendo a tradução
ou interpretação ou tradução-interpretação em duas línguas de sua escolha.
(Pinheiro, 2020, p. 335).
Diante dos dados sobre as práticas linguísticas envolvendo a IntSL em con-
textos brasileiros, evidencia-se a necessidade de políticas linguísticas que incluam
a IntSL como língua internacional no Brasil. Entre elas destacamos a formação de
tradutores e intérpretes de IntSL. Também podemos considerar a possibilidade
de viabilizar o ensino da IntSL como língua adicional nas escolas, garantindo às
crianças surdas a possibilidade de aprender uma língua adicional de sinais que
favorece sua inserção em espaços internacionais.
Conclusão
195
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
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197
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198
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
10
1 Introdução
199
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200
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
cação acerca do questionário e do recorte dos dados feito para este artigo; (4) em
seguida, a seção, Quem são os(as) tradutores(as), intérpretes e guias-intérpretes sur-
dos(as) de línguas de sinais, no Brasil?, onde se apresenta o recorte realizado com
sua sistematização e análise; e, por fim, (5) as Considerações Finais, seguidas das
Referências, na qual estão listadas as obras consultadas.
201
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207
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O questionário foi disponibilizado on-line por meio das redes sociais, in-
clusive enviado no grupo de Trad&Interp Surdos Brasil no WhatsApp e em outros
grupos de pesquisadores(as) e de professores(as) da área de línguas de sinais, bem
como enviado por e-mail. Solicitamos também aos(às) colegas que pudessem en-
caminhar o link do questionário aos(às) tradutores(as), intérpretes e guias-intér-
pretes surdos(as) que conhecessem. Ele foi aplicado do dia 02 de agosto de até o
dia 04 de setembro de 2021.
Ao todo, o questionário contou com trinta e quatro respostas. Entretanto,
dessas respostas, seis não fazem parte da análise: três correspondem a pessoas que
208
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
1 Nessa parte, utilizaremos entre parênteses a indicação do número de respondentes em cada item
ou categoria. Portanto, ainda que os gráficos, a seguir, apresentem os dados em porcentagem,
consideramos que a indicação direta da quantidade de respondentes, durante o texto, facilita a
compreensão do leitor e sua visualização dos resultados.
209
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
Paulista (1), → Rio Grande do Norte: Natal (1); (ii) Sul → Paraná: Curitiba (1), →
Santa Catarina: Florianópolis (5) e São José (1), → Rio Grande do Sul: Pelotas (2);
(iii) Sudeste → Rio de Janeiro: Rio de Janeiro (4), → São Paulo: São Carlos (2); (iv)
Centro-oeste → Distrito Federal: Brasília (1), → Goiás: Goiânia (1); e (v) Norte →
Pará: Belém (1).
Esses dados nos permitem algumas inferências. Primeiro, as regiões que
contaram com menos respondentes são as centro-oeste (2 respondentes) e a nor-
te (1 respondente), sendo que a com mais participantes é a região nordeste (10
respondentes), seguida da região sul (9 respondentes). A maioria das cidades são
capitais (9 das 13 representadas), com exceção de Paulista (PE), São José (SC),
Pelotas (RS) e São Carlos (SP). Entretanto, Paulista (PE) está a, aproximadamente,
19 km da capital, sendo parte da Grande Recife, e São José (SC) faz divisa com a
capital, sendo parte da grande Florianópolis. Tanto Pelotas (RS) quanto São Carlos
(SP) estão mais distantes da capital, respectivamente, a cerca de 260 km e 230 km.
Entretanto, ambas as cidades abrigam importantes universidades federais: Univer-
sidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Universidade Federal de Pelotas (UFPel),
as quais desenvolvem pesquisas e/ou formação de profissionais que atuam com
línguas de sinais.
Prosseguindo com a representação dos dados, temos o tempo de atuação
dos(as) profissionais. A maior parcela deles(as), quatorze (14), possui entre 4 e 9
anos de atuação como tradutor(a) e/ou intérprete de línguas de sinais – entre 4 e
6 anos (8) e entre 7 e 9 anos (6) –, em seguida, temos aqueles(as) que atuam entre
10 e 15 anos – entre 10 e 12 anos (3) e entre 13 e 15 anos (4) –; os(as) demais ocu-
pam os extremos: menos de quatro anos – menos de 1 ano (2) e entre 1 e 3 anos
(3) – e mais de 18 anos (2), sendo que nenhum(a) profissional indicou atuar entre
16 e 18 anos (0). É interessante perceber que, desconsiderando os(as) profissionais
que têm entre 4 e 9 anos de atuação e a opção que não foi selecionada, as demais
categorias tem uma distribuição não muito diferente, indicando, em parte, a diver-
sidade dos(as) respondentes no que se refere ao seu tempo de atuação.
Outro dado importante do perfil dos(as) respondentes diz respeito a di-
recionalidade em que atuam com mais frequência. Os dados de direcionalidade
demonstram que a maioria atua com mais frequência em direção a uma língua
de modalidade gestual-visual (20) – do português para Libras (17), da Libras para
uma língua de sinais estrangeira ou para SI (2) e de uma língua de sinais estran-
geira ou de SI para a Libras (1) –, sendo que apenas dois/duas (2) profissionais
indicaram atuar com mais frequência para o português, uma língua vocal-audi-
tiva. Além desses, cinco (5) indicaram atuar de forma equilibrada em todas as
direcionalidades mencionadas na questão, sem que uma seja mais frequente que
outra, e duas opções não foram selecionadas, a saber: “do português para outra
língua de sinais estrangeira ou para Sinais Internacionais” e “de outra língua de
sinais estrangeira ou de Sinais Internacionais para o português”.
De modo geral, é possível inferir que a atuação mais recorrente entre os(as)
tradutores(as) e intérpretes surdos(as) é a intermodal em direcionalidade direta
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Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
(da língua B para a língua A): de português para a Libras (60,7%). É interessante
notar que, ao contrário do que alguns pensam, a maior parte dos(as) respondentes
não indicou sua atuação mais frequente como sendo a intramodal gestual-visual.
Esse fato é justificável tendo em vista que, no Brasil, as línguas em contato de
maior circulação são, no caso de nossos(as) respondentes, o português e a Libras;
e não às línguas de sinais estrangeiras e os SI que parecem ser de uso mais esporá-
dicos, no contexto brasileiro.
Em relação à preferência de direcionalidade, para atuação, e à direcionali-
dade em que se tem mais dificuldade, as opções “do português para outra língua
de sinais estrangeira ou para Sinais Internacionais” (0) e “de outra língua de sinais
estrangeira ou de Sinais Internacionais para o português” (0) não foram seleciona-
das por nenhum(a) dos(as) respondentes. As opções mais indicadas são “não te-
nho preferência” (12) e “do português para a Libras” (10), seguidas por “da Libras
para o português” (4), “da Libras para outra língua de sinais estrangeira ou para
Sinais Internacionais” (1) e “de uma língua de sinais estrangeira ou de Sinais Inter-
nacionais para a Libras” (1). De modo geral, desconsiderando os(as) respondentes
que não tem preferência de direcionalidade (12), temos que a direcionalidade que
tem como língua-alvo a Libras, ou seja, a direcionalidade direta, é a que mais teve
indicações (11), sendo que a direcionalidade inversa (da língua A para língua B)
seria preferida por cinco respondentes.
É possível perceber que a direcionalidade apresentada como aquela em que
se tem mais dificuldade é a inversa: “da Libras para o português” (10), sendo que
uma significativa parcela dos respondentes indicou que “não tem mais dificuldade
em nenhuma direcionalidade” (9). Em sequência, temos “da Libras para outra
língua de sinais estrangeira ou para Sinais Internacionais” (5), “do português para
outra língua de sinais estrangeira ou para Sinais Internacionais” (2) e, por último,
“do português para a Libras” (1) e “de uma língua de sinais estrangeira ou de Sinais
Internacionais para a Libras” (1).
Sabemos que diversos fatores podem ter influenciado na resposta, pois al-
guns(mas) respondentes podem ter selecionado a opção considerando seu me-
nor conhecimento/ou dificuldade em relação à língua-fonte ou mesmo o fato de
não dominar tão bem a língua-alvo. Mas, independentemente disso, infere-se que
a maioria dos(as) respondentes têm mais dificuldade em atuar em direção a(s)
sua(s) língua(s) B, ou seja, na direcionalidade inversa (17), sendo que apenas dois
(2) disseram ter mais dificuldade na direcionalidade direta, ou seja, em direção à
Libras.
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Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6
lizaram. Contudo, ao mesmo tempo em que esta modalidade foi indicada como
uma das realizadas com mais frequência, a “tradução para inserção de Janela de
Língua de Sinais”, que compreende uma atividade relativamente próxima, foi indi-
cada como menos recorrente. É interessante notar que uma modalidade de tradu-
ção ocupou o primeiro lugar.
Por outro lado, temos duas modalidades mais gerais de interpretação
postas como muito frequentes e empatadas na segunda posição: a interpretação
consecutiva curta, muito realizada em contextos comunitários e a interpretação
simultânea, mais comum em contextos de conferências, principalmente em gran-
des eventos com convidados(as) internacionais. Esses dois contextos têm contado
mais com a atuação de intérpretes surdos(as) nos últimos anos. A terceira posição
surpreende, já que é composta por uma atividade de tradução em direção ao por-
tuguês escrito – a língua B dos(as) respondentes. É interessante ver que surdos(as)
estão traduzindo mais para o português escrito, ainda que não tenham traduzido
tanto para a inserção de legendagem em português.
Outro aspecto interessante é que nenhum(a) dos(as) respondentes indicou
“nunca” ter realizado “guia-interpretação de línguas de sinais”, o que nos permite
inferir que todos(as) eles(as) já tiveram uma experiência de guia-interpretação,
ainda que com pouca frequência, já que doze (12) deles(as) indicaram que a reali-
zam “raramente” e nove (9) que a realizam “às vezes”, sendo que apenas um(a) (1)
dos(as) respondentes afirmou realizar a guia-interpretação com “muita frequên-
cia” e seis (6) que a fazem “frequentemente”.
Outro aspecto que abordamos foi o quanto as atividades de tradução, in-
terpretação e/ou guia-interpretação compõe o orçamento mensal dos(as) respon-
dentes. Nosso intuito, foi verificar se algum(a) deles(as) tem a tradução e a inter-
pretação como principal atividade de renda ou se realizam esse tipo de trabalho
apenas para complementar a renda ou de forma não remunerada. O fato de apenas
dois/duas (2) dos(as) respondentes terem mais de 80% de sua renda decorrentes
de sua atividade como tradutores(as) e/ou intérpretes de línguas de sinais indica
que a maioria deles(as) não vive de “tradução e interpretação”, sendo que a maior
parcela parece atuar esporadicamente de modo a complementar a renda familiar
ou mesmo sem receber retorno financeiro em decorrência de tal atividade – 18,
poderíamos incluir aqui os(as) sete que não sabem informar, já que o fato de não
saberem informar pode indicar que o retorno financeiro dessa atividade é menos
significativo. Esses dados nos permitem inferir que os(as) profissionais surdos(as)
que atuam no campo da tradução e da interpretação, provavelmente, não estão
contratados(as) formalmente nessa profissão, realizando-a de modo complemen-
tar à sua principal atividade profissional.
Nesse sentido, o mercado precisa reconhecer tal profissional e as instituições
formativas oferecerem uma formação adequada a eles(as). Isso vale como um alerta
às instituições que promovem a formação de tradutores(as) e de intérpretes não sur-
dos(as) de línguas de sinais, para que considerem o público surdo e, também, às en-
tidades representativas de tradutores(as) e de intérpretes, associações e federações,
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Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
para que contribuam com a inserção de tal profissional no mercado de trabalho, as-
sim como com a promoção de seu reconhecimento e de sua formação profissional.
O questionário contribui para traçarmos os perfis – pessoal e profissional,
no caso deste capítulo – dos(as) profissionais surdos(as) na área de tradução, in-
terpretação e guia-interpretação, os quais poderão auxiliar na formação/profissio-
nalização desses(as) futuros(as) profissionais surdos(as), inclusive mostrando as
opções do mercado de trabalho.
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5 Considerações Finais
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Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
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Interpretação de Libras e Língua Portuguesa, Florianópolis. 2014,
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Organização da obra e autoria dos capítulos
Carlos Henrique Rodrigues – Doutor em Linguística Aplicada e Mestre
em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais. Tem Pós-doutorado pela
Universitat Autónoma de Barcelona e pela Universidade de Vigo. Líder e pesquisa-
dor do InterTrads – Núcleo de Pesquisa em Interpretação e Tradução de Línguas
de Sinais e integrante do Observatório da Tradução e da Interpretação de Línguas
de Sinais – OTRADILIS. Professor permanente do Programa de Pós-Graduação
em Estudos da Tradução – PGET e professor da área de Estudos da Tradução e da
Interpretação de Línguas de Sinais dos Cursos de Letras Libras da Universidade
Federal de Santa Catarina. E-mail: carlos.rodrigues@ufsc.br
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Organizadores e Autores
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Organizadores e Autores
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Este livro foi publicado
pela Editora Insular
em agosto de 2023