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Carlos Henrique Rodrigues Ronice Müller de Quadros

Organizadores

Estudos da Língua Brasileira de Sinais


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A Série Estudos de Língua de Sinais (SELS) compreende publicações de pesquisas
em duas áreas de investigação, a Linguística e os Estudos da Tradução, apresen-
tando-se como um desdobramento das pesquisas e demais atividades desenvolvi-
das nos Programas de Pós-Graduação em Linguística e em Estudos da Tradução
da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. A proposta de reunir e compar-
tilhar pesquisas relacionadas aos estudos linguísticos e aos estudos da tradução,
por meio desta Série, surgiu concomitantemente ao significativo aumento das
pesquisas envolvendo a língua brasileira de sinais (Libras), tanto no escopo dos
próprios programas como em outros programas nacionais. É importante mencionar
que a criação da linha de pesquisa em Libras, no Programa de Pós-Graduação em
Linguística (PPGL), e da em Interpretação, no Programa de Pós-Graduação em
Estudos da Tradução (PGET) com o ingresso de professores-pesquisadores, surdos
e ouvintes, fluentes em Libras, ampliou o espaço para produções de pesquisas
sobre a Libras, atendendo assim às demandas já, anteriormente, institucionaliza-
das. Além disso, a criação dos cursos de licenciatura e de bacharelado em Letras
Libras, respectivamente, em 2006 e em 2008, na UFSC e, posteriormente, em
outras universidades federais brasileiras, fomentou e alavancou a formação de
profissionais da área de ensino de Libras e da dos serviços de tradução e de
interpretação de Libras-português, contribuindo com o avanço profissional e com a
pesquisa. As graduações em Letras Libras vêm contribuindo para que o quantitativo
de mestrandos e doutorandos com investigações envolvendo as línguas de sinais
cresça significativamente no país. Atualmente, o PPGL possui 78 pesquisas, defen-
didas entre 2005 e 2022, sobre línguas de sinais e temas correlatos. E a PGET, por
sua vez, possui 87 pesquisas, defendidas entre 2010 e 2022, que abordam a tradu-
ção/interpretação de línguas de sinais e temas afins.

ISBN 978-85-524-0369-2

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Carlos Henrique Rodrigues Ronice Müller de Quadros
Organizadores

Estudos da Língua Brasileira de Sinais


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Estudos da Língua Brasileira de Sinais – Volume VI

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Comitê Científico

Anabel Galán-Mañas (UAB, Espanha)


Anabel Borja Albir (UJI, Espanha)
Ana Regina Souza Campello (INES)
Débora Campos Wanderley (UFSC)
Izabela Guerra Leal (UFPA)
Lionel Antonio Tovar (UniValle, Colômbia)
Luana Ferreira de Freitas (UFC)
Lucyenne Matos da Costa Vieira Machado (UFES)
María Teresa Veiga-Díaz (UVigo, Espanha)
Norma Barbosa de Lima Fonseca (CMBH-MG/ UFMG)
Rachel Louise Sutton-Spence (UFSC)
Sinara de Oliveira Branco (UFCG)
Vinícius Nascimento (UFSCar)
Wolney Gomes Almeida (UESC)
Carlos Henrique Rodrigues
Ronice Müller de Quadros
(Organizadores)

SELS
Estudos da Língua Brasileira de Sinais

Volume VI

Apoio
Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução – PGET/UFSC
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes

Florianópolis

2023
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais
Volume VI – 2023

Organizadoras
Carlos Henrique Rodrigues
Ronice Müller de Quadros
Projeto gráfico Projeto de capa Apoio
Rita Motta Lucas Müller de Jesus

Diagramação
Eduardo Cazon

Parecer e revisão por pares:


Os capítulos que compõem este livro foram submetidos à avaliação e à revisão por pares e pelo Comitê Científico.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo, SP)
Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Pedro Anizio Gomes CRB-8 8846

A341e Rodrigues, Carlos Henrique; Quadros, Ronice Müller de (org.).

Estudos da Língua Brasileira de Sinais / Organizadores: Carlos Henrique Rodrigues


e Ronice Müller de Quadros. – 1. ed. – Florianópolis, SC : Editora Insular, 2023.
226 p.; il.; tabs.; gráfs.; quadros; fotografias. (SELS – Série Estudos de Língua de
Sinais, v. 6). E-book: 10,74 Mb; PDF. Inclui bibliografia.

ISBN 978-85-524-0380-7

1. Libras. 2. Língua Brasileira de Sinais. 3. Língua de Sinais. 4. Surdos. 5. Tradução e


Interpretação. I. Título. II. Assunto. III. Organizadores.

CDD 419
23-30281310 CDU 81’-056.263

ÍNDICE PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO


1. Outras linguagens que não as escritas e faladas – Língua de sinais.
2. Línguas de sinais.

RODRIGUES, Carlos Henrique; QUADROS, Ronice Müller de (org.). Estudos da Língua


Brasileira de Sinais. 1. ed. Florianópolis, SC: Editora Insular, 2023. (SELS – Série Estudos de
Língua de Sinais, v. 6). E-book (PDF; 10,74 Mb). ISBN 978-85-524-0380-7.

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998.


É proibida a reprodução parcial ou integral desta obra, por quaisquer meios
de difusão, inclusive pela internet, sem prévia autorização do autor.

EDITORA INSULAR INSULAR LIVROS


(48) 3334-2729 (48) 3334-2729
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Sumário

Apresentação...................................................................................................................9
Carlos Henrique Rodrigues e Ronice Müller de Quadros

Parte I
Estudos Linguísticos de Línguas de Sinais (ELLS)

1 Linguística de corpus: o processo de transcrição da variedade


da Libras da Grande Maceió sob a perspectiva
dos transcritores-pesquisadores...........................................................................15
Sergio José da Silva, Jair Barbosa da Silva e
Ewerton Douglas Canuto de Albuquerque

2 Marcação de masculino e feminino na Libras....................................................33


Lia Cláudia Coelho e Bruno Gonçalves Carneiro

3 Perfis linguísticos de Codas brasileiros...............................................................51


Gilmara Jales da Costa e Ronice Müller de Quadros

4 Tessitura referencial em Libras: uma atividade semântico-lexical


e discursiva..............................................................................................................69
Leidiani da Silva Reis e Ronice Müller de Quadros

Parte II
Estudos da Tradução e da Interpretação
de Línguas de Sinais (ETILS)

5 A verbo-visualidade na tradução de poemas da Língua Portuguesa


para a Libras: o tradutor-performático e o corpo-texto....................................85
Ricardo Ferreira Santos e Beth Brait

6 Análise processual em tarefas de tradução do português para a Libras


e da Libras para o português sob a perspectiva da direcionalidade..............103
Tamires Bessa e José Luiz Vila Real Gonçalves
7 Agência e ativismo tradutório na promoção da Justiça Social
e dos Direitos Humanos na Literatura Surda e Sinalizada.............................121
Jonatas Rodrigues Medeiros e Silvana Aguiar dos Santos

8 Discursos sobre os intérpretes educacionais na Educação Infantil:


vozes na pesquisa científica................................................................................139
Elaine Aparecida de Oliveira da Silva e Neiva de Aquino Albres

9 Políticas Linguísticas e Políticas de Interpretação no par Libras-português


no Congresso Nacional.......................................................................................157
Francis Lobo Botelho Vilas Monzo e Sabine Gorovitz

10 Políticas Linguísticas de Tradução e Interpretação da Língua de Sinais


Internacional no Brasil........................................................................................177
Kátia Lucy Pinheiro e Ronice Müller de Quadros

11 O perfil de tradutores(as), intérpretes e guias-intérpretes surdos(as)


de línguas de sinais: olhares sobre a realidade brasileira................................199
Bianca Silveira e Carlos Henrique Rodrigues

Organização e autoria..............................................................................................221
Apresentação

O sexto volume da Série Estudos da Língua Brasileira de Sinais (SELS VI)


marca a primeira década da Série (2013-2023) e atesta os avanços do campo dos
Estudos Linguísticos das Línguas de Sinais (ELLS) e do dos Estudos da Tradução
e da Interpretação de Línguas de Sinais (ETILS). Este volume também destaca a
relevância de obras que são publicadas regularmente, contribuindo com o registro
e a manutenção da circulação de novos saberes. É necessário lembrar que cada
um dos volumes anteriores teve e continua a ter sua importância tanto para o
agrupamento e para a difusão de pesquisas envolvendo línguas de sinais quanto
para o embasamento, para o direcionamento e para o incentivo a novos estudos e
reflexões.
Os volumes anteriores contaram com a participação de diferentes organi-
zadores(as): os volumes I (2013) e II (2014) foram organizados por Ronice Müller
de Quadros, Marianne Rossi Stumpf e Tarcísio de Arantes Leite; o III (2014), por
Ronice Müller de Quadros e Markus Johannes Weininger; o IV (2018), por Ronice
Müller de Quadros e Marianne Rossi Stumpf; e o V (2020), por Carlos Henrique
Rodrigues e Ronice Müller de Quadros. Nesses cinco volumes, foi publicado o to-
tal de cinquenta e nove (59) capítulos, sendo trinta e três (33) capítulos no âmbito
dos ELLS e vinte e seis (26) capítulos no dos ETILS, os quais foram produzidos por
trinta e sete (37) autoras e vinte e oito (28) autores das mais diferentes instituições
e regiões brasileiras.
Uma das marcas da Série é a presença e a articulação entre pessoas surdas e
ouvintes – tanto na organização quanto na autoria dos capítulos – engajadas com
as comunidades surdas e com a produção de saberes sobre as línguas de sinais e
sobre a tradução e a interpretação envolvendo tais línguas. Além disso, a SELS
constitui um acervo de estudos linguísticos, da tradução e da interpretação de
línguas de sinais que nos permite conhecer temáticas, abordagens, teorias e méto-
dos caros aos ELLS e aos ETILS, contribuindo com a atualização das Ciências da
Linguagem.
Neste sexto volume, estão reunidos onze (11) capítulos, sendo quatro (04)
na parte dedicada aos ELLS e sete (07) na destinada aos ETILS, os quais apresen-
tam resultados de pesquisas conduzidas recentemente, principalmente em pro-
gramas de Pós-graduação. Os autores e as autoras integram diferentes instituições

9
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

brasileiras, a saber: Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Universidade Fede-


ral do Tocantins (UFT), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN),
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade Federal da Fron-
teira Sul (UFFS), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Ins-
tituto Federal de São Paulo (IFSP), Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP),
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Paraná
(UFPR), Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Universidade Fe-
deral do Ceará (UFC) e Universidade de Brasília (UnB).
Vale mencionar que, assim como os volumes anteriores, este sexto volume
registra a evolução e o fortalecimento das pesquisas brasileiras sobre a Libras e
seus temas afins. Esse conjunto de estudos, sem dúvidas, beneficiam a transforma-
ção das comunidades surdas, tornando-as mais presentes e mais ativas na socieda-
de contemporânea, já que fomentam estes novos conhecimentos e nos convidam
a outros olhares sobre as línguas de sinais em suas mais diversas manifestações,
usos e interfaces. Reiteramos que a Série é – e continuará sendo pelas próximas
décadas – um espaço de reunião, registro e circulação de saberes produzidos so-
bre, principalmente, a Libras, seja por meio de perspectivas da Linguística ou da
Tradução.
O primeiro capítulo, Linguística de corpus: o processo de transcrição da
variedade da Libras da Grande Maceió sob a perspectiva dos transcritores-
-pesquisadores, escrito por Sergio José da Silva, Jair Barbosa da Silva e Ewerton
Douglas Canuto de Albuquerque, apresenta uma reflexão sobre o processo de do-
cumentação linguística da Libras, com enfoque nos seus desafios técnicos e tec-
nológicos. Ao considerar problemas relativos à transcrição de dados linguísticos,
com base na documentação da Libras na Grande Maceió, os autores partem da
noção de que a obtenção de dados consistentes e representativos de uma língua
demanda decisões teoricamente fundamentadas e capazes de sustentar escolhas
quanto a determinados fatos a respeito da estrutura da língua. Nesse sentido,
explanam algumas estratégias e soluções empregadas, argumentando que o tra-
balho de transcrição de dados requer formação, estrutura técnica e tecnológica,
além de conhecimento da língua em questão, por parte dos transcritores-pesqui-
sadores.
No capítulo dois, Marcação de masculino e feminino na Libras, Lia Cláu-
dia Coelho e Bruno Gonçalves Carneiro trazem um estudo descritivo sobre a mar-
cação de masculino e de feminino, refletindo sobre um possível sistema de gênero
na Libras. Para tanto, descrevem estratégias de marcação de masculino e de femi-
nino em sinais de parentesco, de animais e de profissões e, também, em sinais de
apontamento. As análises evidenciam que, em todas as categorias lexicais estuda-
das na pesquisa, existem formas neutras em relação às noções de masculino e de
feminino e que, em sinais de parentesco e de animais, foram identificadas formas
específicas de marcação de masculino e de feminino.
Em seguida, no terceiro capítulo, Perfis linguísticos de Codas brasileiros,
Gilmara Jales da Costa e Ronice Müller de Quadros buscam delinear o modo como

10
Apresentação

se dão as relações de Codas bilíngues bimodais com a Libras e com o português,


no intuito de se verificar práticas linguísticas e atitudes que se estabelecem em
meio às comunidades em que eles se inserem. As autoras encontram evidências de
que os Codas participantes da pesquisa, com diferentes perfis linguísticos, apre-
sentam níveis variados de domínio da Libras, associados ao domínio de Libras
pelos pais surdos e pela aquisição precoce da língua.
O quarto capítulo, intitulado Tessitura referencial em Libras: uma ativi-
dade semântico-lexical e discursiva, de Leidiani da Silva Reis e Ronice Müller de
Quadros, fornece uma análise da construção da tessitura referencial no espaço de
sinalização e as suas relações semântico-lexicais e discursivas, a partir de um cor-
pus constituído de gravações de narrativas sinalizadas de surdos que têm a Libras
como primeira língua. As autoras verificaram que as tessituras referenciais semân-
tico-lexicais e discursivas realizam-se por meio do dêitico-anafórico de classe de
complexas unidades manuais e não manuais (com ações construídas/alternâncias
de perspectivas) e por meio do dêitico-anafórico de classe padrão (por repetição/
por hiperônimo).
No capítulo seguinte, denominado A verbo-visualidade na tradução
de poemas da Língua Portuguesa para a Libras: o tradutor-performático e o
corpo-texto, Ricardo Ferreira Santos e Beth Brait analisam a presença do tradu-
tor-performático e a maneira como ocorrem as relações dialógicas e as posições
axiológicas na tradução de poemas do português para a Libras, materializadas
em seu corpo-texto. Em suas reflexões, concluem que a tradução de poemas
para a Libras constitui-se por meio de uma releitura enunciativo-discursiva e
cultural, cujo enfoque são as comunidades surdas, proporcionando a construção
de outro olhar poético, o qual está marcado por forte expressividade verbo-vi-
sual que, por sua vez, possibilita outras formas de leitura dos poemas escritos e
sinalizados.
O sexto capítulo, Análise processual em tarefas de tradução do português
para a Libras e da Libras para o português sob a perspectiva da direcionalida-
de, de autoria de Tamires Bessa e José Luiz Vila Real Gonçalves, contém uma aná-
lise do processo tradutório intermodal, a partir da realização de um experimento
– conduzido com dois grupos de tradutores e intérpretes de Libras-português –,
no qual eles realizam tarefas de tradução da Libras em vídeo para o português
escrito e do português escrito para a Libras em vídeo. Com base na análise quali-
tativa e quantitativa do esforço temporal e do esforço técnico despendidos na tra-
dução intermodal, observam-se, dentre outros, indícios de que a direcionalidade,
impactada pela intermodalidade, seria uma variável que interferiria nesses tipos
de esforços.
No sétimo capítulo, Agência e ativismo tradutório na promoção da Justiça
Social e dos Direitos Humanos na Literatura Surda e Sinalizada, Jonatas Rodrigues
Medeiros e Silvana Aguiar dos Santos nos convidam a refletir sobre os conceitos de
agência e de ativismo relacionando-os a produções artísticas e literárias que envolvem
a temática de direitos humanos e injustiças sociais. Desse modo, destaca-se o lugar

11
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

de agência e os ativismos de poetas e artistas surdos(as) que transformam suas pro-


duções literárias e artísticas em modos de denunciar injustiças e reivindicar a justiça
social. Tais ações implicam, muitas vezes, diferentes modalidades de tradução, tanto
por parte dos poetas (autotradução) quanto de intérpretes e tradutores(as) aliados(as)
às comunidades surdas e a suas pautas de luta.
O oitavo capítulo, intitulado Discursos sobre os intérpretes educacionais
na Educação Infantil: vozes na pesquisa científica, escrito por Elaine Aparecida
de Oliveira da Silva e Neiva de Aquino Albres, fornece, a partir da revisão sistemá-
tica e meta-análise de teses e dissertações, uma visão geral da interpretação de Li-
bras-português na Educação Infantil brasileira. As autoras destacam que, embora
se verifique a presença do intérprete educacional na Educação Infantil, a quanti-
dade de trabalhos de conclusão de curso sobre a temática é reduzida e não há uma
descrição detalhada seguida da discussão sobre quais seriam de fato os limites e as
possibilidades da atuação de tal profissional nesse nível de escolarização.
O capítulo nove, Políticas Linguísticas e Políticas de Interpretação no
par Libras-português no Congresso Nacional, de autoria de Francis Lobo Bote-
lho Vilas Monzo e Sabine Gorovitz, traz uma análise de documentos regimentais,
comprometidos com o acesso à informação, e de contratos de tradutores e intér-
pretes, no âmbito do Congresso Nacional, com a finalidade de se identificarem as
políticas linguísticas contidas neles e de assim contribuir com as futuras contrata-
ções de profissionais da tradução e interpretação de Libras-português, buscando-
-se suprir as demandas que se apresentam nesse contexto. Segundo as autoras, não
se identificaram políticas linguísticas ou de tradução e de interpretação explícitas
nos documentos analisados. Em contrapartida, foi possível observar certos avan-
ços em alguns conjuntos de documentos.
O décimo capítulo, Políticas Linguísticas de Tradução e Interpretação da
Língua de Sinais Internacional no Brasil, de Kátia Lucy Pinheiro e Ronice Müller
de Quadros, apresenta uma contextualização das políticas linguísticas de tradução
e interpretação da Língua de Sinais Internacional no Brasil, especialmente envol-
vendo a interpretação entre essa língua e a Libras, a qual tem sido, sobretudo, rea-
lizada por pessoas surdas. As autoras destacam que os profissionais que atuam na
interpretação entre duas línguas de sinais se qualificam, principalmente, de modo
empírico e que tal realidade demanda a necessidade de políticas e planejamentos
linguísticos capazes de viabilizar a formação acadêmica de tais profissionais.
O último capítulo que compõe esse volume, O perfil de tradutores(as),
intérpretes e guias-intérpretes surdos(as) de línguas de sinais: olhares sobre a
realidade brasileira, escrito por Bianca Silveira e Carlos Henrique Rodrigues, a
partir de dados decorrentes da aplicação de questionário, traz uma descrição de
alguns dos aspectos que caracterizam os(as) tradutores(as), intérpretes e guias-in-
térpretes surdos(as) brasileiros(as) em relação ao seu perfil, incluindo a sua for-
mação e a sua atuação. Após a descrição do perfil, defende-se a necessidade de
reconhecimento de tais profissionais surdos(as) que atuam de/entre/para línguas
de sinais e, por sua vez, do fomento de ações visando à formação em nível de

12
Apresentação

graduação, a qual precisa ser especialmente desenhada para esse público e para as
atuais demandas do mercado.
Esperamos que essa leitura contribua com novos olhares e com a constru-
ção de saberes!

Prof. Dr. Carlos Henrique Rodrigues


Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução
Área de Concentração: Processos de Retextualização
Linha de Pesquisa: Estudos Linguísticos da Tradução e da Interpretação com enfoque
linguístico e/ou multidisciplinar

Profa. Dra. Ronice Müller de Quadros


Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós-Graduação em Linguística
Área de Concentração: Linguística Aplicada
Linha de Pesquisa: Língua Brasileira de Sinais (Libras)

13
Parte I
Estudos Linguísticos de Línguas de Sinais (ELLS)

Linguística de corpus: o processo de transcrição da varie-


dade da Libras da Grande Maceió sob a perspectiva dos
transcritores-pesquisadores
Sergio José da Silva
Jair Barbosa da Silva
Ewerton Douglas Canuto de Albuquerque
Universidade Federal de Alagoas (UFAL)

1 Introdução

A Língua Brasileira de Sinais – Libras – há muito é usada pelas comuni-


dades surdas, no Brasil, mesmo antes de ser assim denominada. No entanto, o
registro em vídeo dessa língua só passa a ser amplamente disponibilizado a partir
do uso das redes sociais, como Facebook, IMO, Skype, WhatsApp, Twitter, Tele-
gram, YouTube, Instagram etc., as quais são usadas para interações diversas entre
usuários da Libras, sobretudo surdos, e, com isso, ficam os registros em vídeo. A
partir do surgimento dos cursos de Letras-Libras, em todo o país, as pesquisas lin-
guísticas, envolvendo a Libras, começam a ganhar mais espaço e, então, percebe-se
a necessidade de dados linguísticos com qualidade e sistematicidade para fins de
pesquisa. Surgem, assim, as propostas de elaboração de corpora de Libras, a exem-
plo do Corpus de Libras da Grande Florianópolis, em Santa Catarina.
No âmbito da Universidade Federal de Alagoas, em 2014, o projeto Corpus
da Libras da Grande Maceió (projeto replicado da Universidade Federal de Santa
Catarina) consistiu em documentar a Libras usada pelos surdos adultos da Grande
Maceió. O projeto contou com a participação de bolsistas do Curso de Letras-Li-
bras, dentre os quais estão dois dos autores dessa pesquisa. O trabalho ora apresen-
tado, portanto, surge como repercussão de nossa experiência em documentação da
Libras, desde 2014, quando participantes do Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação Científica (PIBIC), até 2018, em que, por quatro anos, fomos confrontados
com o desafio de coletar dados da Libras, editá-los e, principalmente, transcrevê-los.
A documentação linguística é, a um só tempo, o desafio técnico e tecnológico
para que se tenham dados consistentes e representativos de uma língua e a análise

15
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

linguística, uma vez que temos que tomar decisões baseadas em teorias que susten-
tem nossas escolhas quanto a determinados fatos a respeito da estrutura da língua.
Neste sentido, o objetivo deste capítulo é, justamente, discutir problemas relativos à
transcrição dos dados linguísticos pelos transcritores, ao longo da documentação da
Libras na Grande Maceió. Empreendimento de suma relevância, uma vez que, nesse
Estado, não se dispunham de registros sistematizados, desta língua, para pesquisas.
Diferentemente da história das línguas orais, que mesmo antes dos gra-
vadores, poderiam (e foram) registradas/documentadas por meio da escrita, as
chamadas Línguas de Sinais, até recentemente, não podiam ser documentadas por
falta de recursos tecnológicos adequados para este fim, inclusive pela inconsis-
tência de um sistema de escrita de sinais, que segundo Barros (2008), a ausência
de usos sociais de um sistema de escrita de sinais, talvez, seja por uma imposição
das línguas orais sobre as de sinais, hipótese não confirmada. Neste sentido, se
quisermos saber como era a Libras usada, no Brasil, há 10 anos, certamente tere-
mos bastante dificuldade pela ausência de corpora que tenham documentado esta
língua. Isso traz consequências bastante relevantes para a Linguística Brasileira
em termos de desconhecimento de uma língua brasileira ainda pouco conhecida
pela Ciência e, em termos sócio-histórico-culturais, podemos mesmo dizer que há
um apagamento do que foi a língua em tempos passados, mesmo que não haja um
espaço de tempo tão significativo (20, 30 anos passados).
De acordo com Himmelmann (2006), a documentação linguística constitui
a área que se volta para métodos, ferramentas e bases teóricas para a elaboração
de um registro de uma língua natural, ou de uma variedade dela, sendo-lhe repre-
sentativo, duradouro e que permita múltiplos usos. É justamente dessa dimensão
científica (métodos, ferramentas e bases teóricas), de que fala Himmelmann, que
padece a Libras. Com o advento das novas tecnologias de comunicação, sobretudo
das redes sociais, a Libras, no século XXI, circula, de Norte a Sul, fortemente no
país, o que a torna mais viva, mas, ainda assim, em conformidade com os parâme-
tros estabelecidos pela UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educa-
ção, a Ciência e a Cultura –, trata-se de uma língua de sinais em risco de extinção,
o que justifica, também, a sua documentação. Assim, se por um lado existe a ne-
cessidade de a Libras ser devidamente descrita pela Linguística, a partir de dados
que lhes sejam representativos e, portanto, metodologicamente bem recolhidos;
por outro, é igualmente necessária à sua documentação, já que se trata de uma lín-
gua em risco nos termos tratados pela UNESCO. É importante notar, no entanto,
que quando se fala em risco de extinção de uma língua, há uma gama de aspectos a
serem observados. Conforme Leite e Quadros (2014), existe uma diferença entre o
risco que as línguas de sinais nativas brasileiras correm e o risco da língua de sinais
nacional, a Libras. No primeiro caso, de fato, há risco de extinção; já no segundo,
parece mais adequado falar em línguas em risco esquecidas (Nonaka, 2004 apud
Leite; Quadros, 2014).
Diante desse contexto, o problema principal, para o qual se volta este ca-
pítulo, estão as inúmeras dificuldades com as quais os transcritores se deparam

16
Parte I – Estudos Linguísticos

no momento da transcrição dos dados. Algumas destas dificuldades são comuns


a trabalhos de transcrição de qualquer língua, como a segmentação e a busca por
equivalentes linguísticos, quando a transcrição é feita em outra língua, no entanto,
em se tratando de corpus de línguas de sinais, as dificuldades são ainda maiores,
pois a glosagem dos sinais é feita numa língua de modalidade diferente, o que gera
muitos percalços neste processo.

1 Contextualização teórica

1.1 A Linguística de Corpus

Segundo Hereweghe e Vermeerberge (2012), a Linguística de Corpus é um


ramo relativamente novo da pesquisa linguística, o qual anda de mãos dadas com
as possibilidades oferecidas pelos recursos tecnológicos, cada vez mais avançados,
no século XXI. No passado, qualquer conjunto de dados, por meio do qual uma
análise linguística era realizada, denominava-se de corpus. No entanto, com o ad-
vento da informática e da linguística baseada em corpus, o uso do termo corpus
tornou-se restrito a qualquer tipo de coleção de textos em formato legível/proces-
sado por máquina (os computadores).
Para Johnston (2009, p. 18), citado por Hereweghe e Vermeerberge (2012,
p. 1033), a linguística do corpus baseia-se no pressuposto de que o processamento
de grandes quantidades de textos anotados pode revelar padrões de uso e estrutu-
ra da linguagem não disponíveis por dados de intuição ou mesmo por uma análise
linguística de um texto particular, o que implica, necessariamente, uma organiza-
ção teórico-metodológica em termos de coleta, tratamento e armazenamento dos
dados.
Já para Sardinha (2000),
a Linguística de Corpus ocupa-se da coleta e exploração de corpora, ou con-
juntos de dados linguísticos textuais que foram coletados criteriosamente
com o propósito de servirem para a pesquisa de uma língua ou variedade
linguística. Como tal, dedica-se à exploração da linguagem através de evi-
dências empíricas, extraídas por meio de computador. (p. 325).
Este autor argumenta que, embora, hoje, a Linguística de Corpus esteja
diretamente vinculada ao computador, à possibilidade de armazenamento e ma-
nipulação de grande quantidade de dados via máquina, “havia corpora antes do
computador, já que o sentido original da palavra ‘corpus’ é ‘corpo’, ‘conjunto de
documentos’”.
Ainda segundo Sardinha (2000), na área da Linguística, um dos corpora lin-
guísticos eletrônicos mais antigos, de que se tem conhecimento, é o corpus Brown,
o qual foi lançado em 1964. E, para os padrões da época, continha uma quantidade
invejável de dados: um milhão de palavras. O corpus Brown constitui um marco
importante para o que, hoje, se chama de Linguística de Corpus. Sua importância

17
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

se dá não só por questões metodológicas, mas também por uma razão histórica: o
corpus Brown surge sete anos após o lançamento de Syntactic Structures, obra pu-
blicada por Chomsky, que coloca em discussão a própria ideia de corpus, uma vez
que nesse novo paradigma da Linguística os dados de que o linguista precisaria
para suas análises estão todos em sua mente, acessíveis por meio da introspecção,
portanto, a ideia de se fazer pesquisa com uso de dados provenientes de corpora
estava desacreditada e havia mesmo hostilidade para essa “velha” perspectiva.
Para Fenlon et al. (2015, p. 157), um Corpus linguístico é uma base de refe-
rência por meio de uma catalogação e registro de idiomas falados (línguas orais),
escritos e sinalizados (línguas de Sinais), que tem metadados agregados, sendo
legíveis por computador, e que na medida do possível representam a língua em
uso dos seus falantes nativos, permitindo um estudo sobre a frequência de alguma
palavra ou sinal ou tipo de construções nessa língua.
Para McCarthy e O’Keeffe (2010, p. 7), a Linguística de Corpus, para mui-
tos, é “um fim em si mesma”, ou seja, ela permite que de forma empírica a língua,
em foco, seja analisada, definida e descrita. A autonomia, contribuição e autenti-
cidade de um Corpus pode impactar em várias áreas como, por exemplo: na área
da linguística forense, análise de discurso, pragmática, dentre outras. Para além de
uma perspectiva da ciência linguística, pesquisadores de outras vertentes e abor-
dagens podem utilizar dados obtidos pela Linguística de Corpus, especialmente na
área dos estudos das línguas de sinais cujos estudos, em comparação com outras
línguas de modalidade oral-auditiva, ainda são bastante insólitos.
Fenlon et al. (2015, p. 158) destacam que até pouco tempo atrás não era
possível registrar, por meio de Corpora, as línguas de sinais, uma vez que apenas
com o avanço tecnológico recente é que se tornou possível o registro dessas lín-
guas por meio de vídeos. O desenvolvimento de recursos tecnológicos permite rá-
pido processamento e armazenamento das línguas de sinais, com o acarretamento
de mais precisão nas análises dos dados. Parece imperativa a ideia de que para a
investigação em linguística de línguas de sinais, a tecnologia é aliada fundamental,
mas muitos desafios de ordem linguística também se impõem a este processo.

2 Aspectos metodológicos

2.1 Coleta de dados

A coleta de dados foi dividida em duas etapas. Inicialmente, foram feitas


entrevistas semiestruturadas com os transcritores para saber como foi este proces-
so de transcrição, quais os procedimentos adotados e quais desafios e estratégias
foram criados durante o processo de transcrição. Após a entrevista, analisamos as
transcrições realizadas até o momento (julho de 2018), juntamente com os trans-
critores, com o intuito de encontrar problemas de transcrição e possíveis estraté-
gias para cada problema encontrado.

18
Parte I – Estudos Linguísticos

2.2 Participantes da pesquisa

Como a pesquisa está restrita à construção do Corpus da Libras de Maceió,


foram selecionados três transcritores surdos que trabalharam como bolsistas no
Corpus para a realização da entrevista. Além dos transcritores selecionados, parti-
cipou dessa etapa um dos autores desta pesquisa, o qual também é surdo e partici-
pou ativamente do processo de transcrição dos dados, motivo por que contribuirá
com a discussão e apresentando suas experiências, desafios e estratégias enquanto
transcritor. Sendo assim, totalizou-se quatro entrevistados, conforme se pode ve-
rificar na descrição do perfil de cada um deles no quadro a seguir.

Quadro 1 – Participantes

PARTICIPANTE Idade Graduação no Curso Letras-Libras Período ativo no projeto


Atalaia 27 concluída 2015 - 2019
Arapiraca 26 em andamento 2018 - 2019
Maceió1 29 concluída 2014 - 2019
Maceió2 32 concluída 2014 - 2018

Fonte: Elaborado pelos autores.

2.3 Procedimentos e instrumentos da coleta de dados

Como já mencionado, a coleta foi realizada a partir de uma entrevista se-


miestruturada. As perguntas foram feitas pelo Zoom, em Libras, com o intuito de
verificar como os transcritores lidaram com as dificuldades no ato de sua trans-
crição. Foi feito um questionário individual com cada participante e uma versão
reduzida em grupo, pois é possível que a interação, no momento da resposta, pos-
sa fazê-los lembrar de problemas ou estratégias que eles não lembraram durante a
entrevista individual. A versão em português das perguntas se encontra a seguir:

1 Quais os vídeos que você transcreveu?


2 Quantos minutos de transcrição?
3 Quantas horas mais ou menos você demorou para fazer a transcrição?
4 Você fez cursos para aprender a transcrever no ELAN?
5 Você usou o manual (qual versão) para transcrever no ELAN?
6 Como foi a experiência de seguir o manual quando foi fazer a glosa?
7 Qual foi sua experiência ao utilizar o SignBank - Libras?
8 Quais foram os desafios que você encontrou quando estava fazendo as transcrições?
9 Quais estratégias você desenvolveu para lidar com estes desafios?
10 Você contribuiu para a criação de novos tokens para o banco da Libras?

Os participantes foram expostos às perguntas, em Libras, e ficaram livres


para fornecer quaisquer informações, além das propostas nas perguntas acima,

19
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

de tal forma que uma resposta pudesse servir para mais de uma pergunta, ou que
uma resposta pudesse ajudar a entender mais facilmente a pergunta seguinte. Após
este momento das perguntas, foi aberto o ELAN – programa por meio do qual
os dados do Corpus foram transcritos –, no Zoom, e os participantes mostraram
exemplos de problemas encontrados em suas transcrições e quais as estratégias de
anotação para cada problema, ou que caminhos metodológicos eles desenvolve-
ram para anotar dados mais complexos.

2.4 Tratamento dos dados

Tanto a entrevista quanto o momento de ver as transcrições, foram gra-


vados para ajudarem no momento da análise. Os vídeos, gravados no Zoom, fo-
ram traduzidos para o português, para facilitar a escrita da análise. Na versão em
português, fez-se a categorização das respostas para cada pergunta a fim de se
proceder a análise. Quanto aos exemplos apresentados no ELAN, foi anotado o ar-
quivo apresentado pelo participante e o tempo de cada exemplo para conferência
posterior. Como esta etapa também foi gravada, a versão em português deste mo-
mento conta com estas informações sobre os arquivos apresentados. A depender
da quantidade de exemplos apresentados, foram quantificadas as ocorrências para
mostrar resultados quantitativos sobre os tipos de problemas apresentados, pois é
possível que muitos problemas de natureza distintas apareçam e não consigamos
dar conta de todos eles. Neste caso, focaremos nos mais recorrentes.

3 Análise dos dados e resultados: entrevista com os transcritores

A seguir, apresentaremos as respostas dos participantes à entrevista – como


as primeiras perguntas são mais objetivas, apresentaremos as respostas das cinco
primeiras perguntas – e, em seguida, relacionaremos estas respostas com as de-
mais, pois entendemos que as primeiras respostas estão diretamente vinculadas
às últimas.

3.1 Respostas ao questionário

Vejamos o que responderam os participantes (transcritores) no quadro a


seguir.

20
Parte I – Estudos Linguísticos

Quadro 2 – Participantes
Transcritor Pergunta 1 Pergunta 2 Pergunta 3 Pergunta 4 Pergunta 5
Quais os vídeos que Quantos Quantas horas mais Você fez cursos para Você usou o
você transcreveu? minutos de ou menos você aprender a transcre- manual (qual
transcrição? demorou para fazer ver no ELAN? versão) para
a transcrição? transcrever o
ELAN?
Atalaia MCZ G1 D6 VÍDEOS1 1:43 min. 3h até 4 horas Sergio, Miriam, SIM
1ª Pessoanarrativa Ewerton e Evely
orientaram.
Formação na UFSC e
na UFAL.
Arapiraca MCZ G2 D4 VÍDEOS1 1:34 min. 2 horas Miriam e Benício SIM
1ª Pessoanarrativa orientaram. Forma-
ção na UFAL.
Maceió1 MCZ G2 D4 Entre- 15:50 min. 3 dias Sergio tutorial, SIM
vista1 Youtube.
Formação na UFSC e
na UFAL.
Maceió2 MCZ G1 D4 VÍDEOS1 4:07 min. 4 horas Miriam, Ronice, SIM
1ª Pessoanarrativa Ewerton e Evely
orientaram.
Formação na UFSC e
na UFAL.
Fonte: Elaborado pelos autores. Pergunta 1 vídeo disponível em: < https://bit.
ly/3KJ0oRn> . Acesso em: 22 de junho de 2022.

A partir destas respostas, percebemos o quão lento é o processo de trans-


crição, pois os transcritores levaram em média uma hora para transcrever um mi-
nuto. Este tempo não é fora do padrão de tempo de transcrição do projeto de nível
nacional, ou seja, os outros transcritores dos corpora dos outros estados também
levaram essa média de tempo para transcrever os vídeos, pois possivelmente se
depararam com as mesmas dificuldades. Para Quadros (2016),
a transcrição é um processo que demanda um grande investimento de tem-
po e dedicação, particularmente nas pesquisas com línguas de sinais, que
não possuem um sistema de escrita convencional e plenamente adaptado
ao computador. Uma estimativa geral relatada em projetos de pesquisa com
línguas de sinais é a de uma hora de trabalho de transcrição para cada mi-
nuto de gravação. (p. 21-22).
Algo ainda a ser considerado inicialmente são as respostas da pergunta 4.
Todos os transcritores receberam suporte do projeto para realizar as transcrições,
dos próprios colegas, dos professores e de formações de iniciativa do projeto na-
cional. Isto implica dizer que os problemas a serem discutidos, neste capítulo, não
dizem respeito a um despreparo ou desatenção por parte dos organizadores do

21
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

projeto, mas ao próprio processo de construção de um corpus que deve passar por
adequações a partir de investigações como esta para que o processo de transcrição
se torne mais produtivo e prático.
A quinta pergunta nos leva para uma discussão um pouco mais abrangente
que envolve as demais perguntas e respostas, pois todos os transcritores utilizaram
o manual no processo de transcrição, mas, ainda assim, questões técnicas de como
transcrever particularidades da Libras perduraram. Desta forma, cabe a nós agora
entendermos quais são essas dificuldades e porque o manual não foi o suficiente
para sanar todas as dificuldades dos transcritores.
Apresentaremos, agora, as respostas para as cinco últimas perguntas, que
dadas as suas especificidades, serão apresentadas em separado. Todas as respostas
foram transcritas para o português por um colaborador surdo, portanto, iremos
citá-las em português e, se preciso, detalharemos como um ou outro transcritor
utilizou sinais específicos que podem nos ajudar a compreender melhor os senti-
dos de suas falas e a encontrar as explicações que procuramos. Para apresentar as
respostas, destacaremos, a cada uma delas, partes chave da resposta de cada trans-
critor e faremos um pequeno resumo do que cada transcritor respondeu.

6 Como foi a experiência de seguir o manual quando foi fazer a glosa?

A transcritora Atalaia falou da sua experiência, já apresentando problemas


de transcrição. Ela apresentou dois principais problemas, o primeiro relacionado
às diferenças de modalidade quando disse:
A estrutura da Libras para traduzir para a língua portuguesa, para ficar à
mesma maneira, foi um pouco difícil, […] é dificultoso porque podem variar
glosas, não só um […] a mesma Libras, porque tem sua língua natural, por
isso, temos sorte por ter o manual que pode utilizar DV [descrição visual]
para justificar sobre isso, se não tivesse o uso de manual como iria usar pelo
glossário? É difícil. (Atalaia, questão 6)
Ela exemplificou alguns sinais que podem ser glosados como CORTAR e
PEGAR no português, mas que na verdade não apresentam um único sinal na
Libras. O segundo problema apresentado pela transcritora foi em relação às dife-
renças fonológicas entre os sinais, trazendo como exemplo o sinal DIFÍCIL. Para
isso, a transcritora propõe:
Eu coloco em “XXX”, depois reúno com os pesquisadores para saber a deci-
são sobre a validação das glosas e então pode-se modificar pelo Manual para
qualquer sinal; se for complicado é necessário anotar até a variação linguís-
tica, quer dizer que o sinal ficou um pouco diferente do que nós usamos […]
DIFÍCIL (intensidade): os quatros dedos abertos com movimento de zig-zag
na testa (ver figura abaixo), pesquisei no SignBank, mas não existe esse sinal,
existe o sinal comum para a palavra DIFÍCIL, que tem distinção na configu-
ração de mão. (Atalaia, questão 6)

22
Parte I – Estudos Linguísticos

Figura 1 – Sinal de DIFÍCIL (intensidade)

Fonte: Elaborado pelos autores. Imagem disponível em: <https://youtu.be/zmqR8-IS


fOE>. Acesso em: 31 de julho de 2022.
A transcritora já havia apresentado esta dificuldade com a variação fono-
lógica na primeira pergunta, no começo da entrevista. Ela também pontuou que
teve dificuldades para utilizar o Manual por conta destes casos mais complexos.
A transcritora Arapiraca, por sua vez, apenas explicou que não contou mui-
to com o Manual para transcrever os sinais, mas com o SignBank. Ela disse: “eu
ficava confusa para usar esse Manual ou o SignBank, porque nós ainda usamos esse
Manual até hoje”. Quando perguntamos se ela também marcava os sinais sem glo-
sa com “XXX”, ela disse que lembrava que fazia desta maneira, mas não lembrava
mais os sinais cuja glosa lhe era desconhecida.
Por fim, o transcritor Maceió1 também afirmou utilizar mais o SignBank, e
explicou que utilizava o código “XXX” como alternativa quando ele não via uma
glosa no SignBank para os sinais a serem transcritos. Quando perguntamos quais
seriam os próximos passos após marcar os sinais desta forma, ele respondeu: “...
então, parei. Os sinais marcados com ‘XXX’ serão gravados pelos bolsistas e enviados
para o grupo que vai colocar no sistema SignBank”. Como ele já havia concluído a
graduação1, os novos transcritores teriam o papel de rever estes sinais e gravar os
sinais com as glosas no SignBank.
Sobre o Manual especificamente, o transcritor Maceió1 respondeu à per-
gunta 5 e diz que

desde 2015, o Manual tinha muita lista, quer dizer, sinais de pontuação ou
outros recursos gráficos, com muitas regras para seguir […] daí, os pesquisa-
dores em reunião para validação dos dados transcritos, em 2019, tomaram
uma decisão de reduzir esses detalhes do Manual, tornando o processo de
transcrição mais simples nos casos de apontamentos, por exemplo, em que é
usado o IX sem a necessidade de especificar o referente entre parênteses, como
era feito anteriormente. Isso não é mais necessário. (Maceió1, questão 5).

1 A equipe de trabalho do corpus é formada por graduandos voluntários e bolsistas de iniciação


científica.

23
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

Ou seja, em sinais de apontação, eles não precisam mais procurar o prono-


me em português correspondente, mas somente utilizar o código IX. Sobre isso,
Maceió2, em outro momento da entrevista, também mencionou outra mudança
acordada em uma reunião relacionada às descrições visuais (DV). No manual,
quando alguma DV – também conhecida como classificador ou ação construída
– aparecia no corpus, eles deveriam glosar com o código DV e entre parênteses ex-
plicar o que estava sendo descrito com os classificadores. Entretanto, após reunião
com o projeto nacional, foi decidido que a explicação entre parênteses não seria
mais necessária. Desta forma, o transcritor só deveria glosar o código DV, nestes
casos. Para o transcritor, ambas mudanças facilitaram o trabalho de transcrição.
Ainda assim, Maceió2 explicou que com o SignBank, muitas orientações do Ma-
nual não eram mais necessárias, pois o transcritor só precisava seguir o SignBank.

7 Qual foi sua experiência ao utilizar o SignBank – Libras?

A transcritora Atalaia afirmou que o SignBank facilitou, substancialmente,


o trabalho de transcrição, pois procurar o sinal no SignBank era mais seguro do
que seguir o Manual e decidir sobre qual glosa colocar. Ainda assim, a transcritora
afirmou que o banco poderia ser mais flexível, quando disse:
Seria bom ter uma flexibilidade no SignBank, isso contribuiria para melhoria
do sistema e facilitaria no momento da transcrição. Por exemplo, um sinal
para ENTENDER, na primeira figura, com movimento no lado da testa; e
conforme a segunda figura, com mão aberta, com repetição de movimento no
lado da testa; é possível ver evolução desse sinal, que evolui com movimento
no lugar da bochecha por alofone. Inclusive é possível observar no momento de
produção de um participante, durante uma gravação, o que ocorre na terceira
figura: a mão aberta com movimento abaixo da bochecha se tocando, natu-
ralmente. Ainda tem um sinal que um informante fez sinalizando afastando
da bochecha com mão aberta, tocando-a, conforme a quarta figura. Então
acho que poderia colocar estes exemplos para serem usadas as variações no
SignBank. (Atalaia, questão 7).

Figura 2 – Sinal de ENTENDER


A primeira figura A segunda figura

24
Parte I – Estudos Linguísticos

A terceira figura A quarta figura

Fonte: Elaborado pelos autores. Imagem disponível em: <https://youtu.be/n8ncK


PhYR8o>. Acesso em: 31 de julho de 2022.

Desta forma, segundo a transcritora, qualquer alteração fonológica no sinal


pode gerar dúvida para o transcritor: se ele deve utilizar a mesma glosa ou não.
Esta dúvida a cada sinal interfere no tempo de transcrição, tornando o processo
cansativo e estressante. A transcritora Arapiraca também seguiu este mesmo pa-
drão de pensamento. Ela inicialmente falou das vantagens de utilizar o SignBank
quando disse: “Imagina se o SignBank não coloca nada e assim fica sem auxílio
seria pior, como vamos resolver para colocar isto vai ser ruim, por isso é importante
ter sinais existentes, isso nos auxilia”. No entanto, ela também falou da necessidade
de alimentar o SignBank e de apresentar alternativas às mudanças fonológicas. Ela
citou como exemplo o sinal JEITO, explicando que:
um sinal para JEITO, em que a mão fica em forma de garra virada no meio do
peito com a repetição do movimento, conforme a primeira figura abaixo, ou,
de outra forma, o sinal de JEITO com as duas mãos em forma de ‘B’, com o
mesmo movimento, simultaneamente, no meio do peito, conforme a segunda
figura abaixo. É apenas um pouco diferente a configuração da mão, encontrei
esse sinal no SignBank e dispus na transcrição, mas não ficou igual a esse sinal
que transcrevi. (Arapiraca, questão 7).

Figura 3 – Sinal de JEITO


A primeira figura A segunda figura

Fonte: Elaborado pelos autores. Imagem disponível em: <https://youtu.be/NRQlB2vp-


w5o>. Acesso em: 31 de julho de 2022. Imagem disponível em: <https://youtu.be/vXE-
11WmNbaI>. Acesso em: 31 de julho de 2022.

25
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

Essa mesma dificuldade foi apontada pelo transcritor Maceió1, quando dis-
se que
os sinais de TAMBÉM, com o dedo de indicador em horizontal virado para
baixo e o outro, da outra mão, em horizontal virado para cima, e ficam tocan-
do um ao outro com a repetição do movimento, conforme a primeira figura
abaixo; e os dedos indicadores juntos, um ao lado do outro, com a repetição
do movimento, ver a segunda figura abaixo. Houve um informante que sina-
lizou o dedo indicador de uma mão parada em boia e uma outra mão fazen-
do sinais, e que têm diferentes movimentos, se tiver uma mão parada e sem
outro apoio, assim o SignBank pode interligar tudo na tecnologia. (Maceió1,
questão 7).
Apesar disso, ele ponderou, dizendo que “Por mim, a melhor estratégia é o
SignBank porque já está tudo pronto, disposto no sistema, não necessita de ler a regra
no Manual, também buscar e colocar na transcrição fica mais trabalhoso, por isso
eu acho que é melhor o SignBank, está completo”. Estas considerações sobre o uso
do Manual e do SignBank já apresenta caminhos para entender as duas próximas
perguntas, como veremos a seguir.

Figura 4 – Sinal de TAMBÉM


A primeira figura A segunda figura

Fonte: Elaborado pelos autores. Imagem disponível em: <https://youtu.be/B-I_-45Lxlk>.


Acesso em: 31 de julho de 2022. Imagem disponível em: <https://youtu.be/zF-wQaoRH-
WE>. Acesso em: 31 de julho de 2022.

8 Quais foram os desafios que você encontrou quando estava fazendo


as transcrições?

Como dito, muitos problemas já foram mencionados pelos transcritores


antes de chegar nesta pergunta. Alguns deles não foram mencionados novamente,
outros foram reiterados e ainda outros acrescentados. A transcritora Atalaia apre-
sentou novamente o problema da modalidade entre a Libras e o Português (aqui
no formato de glosa), citando novamente o exemplo de PEGAR que sempre vai
ser realizado na Libras relacionado ao objeto. Além disso, ela trouxe outras duas
dificuldades que ela sentiu no momento da transcrição, como a velocidade de si-
nalização e os sinais que passavam despercebidos por ela não ter visto utilizando
somente uma câmera. Ela explicou que, muitas vezes, a sinalização era

26
Parte I – Estudos Linguísticos

rápida e não dava para entender e às vezes dava, [...] , parecia uma mosca
de tão rápida para perceber, foi difícil para compreender, é preciso ir bem de-
vagar para que possa entender direitinho no momento da produção do vídeo,
estava rápido mesmo. [...] toda hora no momento de sinalizar “EU” e não
dava para ver os lados e o único jeito de ver é com a câmera de cima, por meio
da qual se conseguiu identificar este sinal. Não foi fácil, é necessário usar 4
posições de câmeras mesmo. (Atalaia, questão 8).
Neste relato, a transcritora apresentou os problemas e já trouxe as estraté-
gias utilizadas por ela, que, na verdade, são ferramentas e recursos previamente
estruturados para os transcritores utilizarem no momento da transcrição. O pri-
meiro é o controle de velocidade do ELAN, que permite que configurações de
mão, movimentos e pontos de articulação sejam claramente percebidos durante
a sinalização. O segundo recurso é a disponibilização de quatro câmeras voltadas
para os sinalizantes, o que permite que o transcritor tenha total acesso às configu-
rações de mão e aos movimentos corporais quando da sinalização.
Os transcritores Maceió1 e Arapiraca apresentaram um único problema se-
melhante: o excesso de tempo despendido para a transcrição. Arapiraca afirmou
que: “[...] é muito longo [o vídeo] para transcrever, eu aguentava muito, ainda tinha
paciência para colocar as glosas, mas era bastante demorado [...]. Eu pensei que
iria rápido, mas na verdade não foi o que eu pensava”. O trabalho de transcrição,
mesmo com as melhores estratégias e recursos tecnológicos, sempre vai demandar
um tempo considerável do pesquisador. Mas quando questões técnicas e metodo-
lógicas embargam este trabalho, o processo se torna ainda mais lento e enfadonho,
alega Maceió2.
Além disso, o grupo de trabalho é fundamental para dividir as tarefas.
Quando somente um ou dois transcritores estão trabalhando em um corpus, o
trabalho tende a sobrecarregar os colaboradores. Maceió1 fala sobre isso quando
relata
eu transcrevi assim mesmo até finalizar, eu ficava tão aliviado, mas, ainda
tem mais outro, com igual tempo de 20 min [...]. Ainda tenho que fazer outras
atividades no Letras-Libras, quer dizer, alguma atividade acadêmica que eu
precisava fazer, por isso não consigo me concentrar nessas atividades, é impos-
sível para mim. (Maceió1, questão 8).
Como se tratava de um projeto de PIBIC, os alunos tinham outras ativi-
dades acadêmicas e o trabalho de transcrição, por ser repetitivo e longo, se torna
desinteressante. Nesse contexto, lacunas metodológicas ou problemas técnicos ga-
nham uma proporção muito maior.

9 Quais estratégias você desenvolveu para lidar com estes desafios?

Como já havia citadas algumas estratégias, Atalaia sintetizou os possíveis


caminhos para solucionar os principais problemas apontados por ela. Em primei-
ro lugar, ela disse que “precisava gravar mais porque ainda existem sinais com va-

27
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

riação, as glosas estão variando bastante, pois é necessário colocar os vídeos com os
sinais, porque percebi que esses sinais são de Florianópolis e nenhum sinal de Maceió,
nenhum”. Como a matriz do projeto nacional é em Florianópolis, muitos sinais
que estão no SignBank são relacionados à variedade da Libras sinalizadas naquela
cidade. É importante frisar que o Brasil, por ter proporções continentais, apresenta
comunidades surdas com variações lexicais substantivas. Muitos sinais são conhe-
cidos por todas as comunidades surdas brasileiras, mas cada comunidade utiliza
sua própria variante para se comunicar entre si. Desta forma, nós conhecemos os
sinais que estão no SignBank, mas alguns deles não correspondem às variantes
maceioenses. A solução para isto, como dito, deve partir do projeto de Maceió,
qual seja, alimentar o SignBank com os sinais do corpus de Maceió, ação que já
é prevista no projeto nacional, mas que nem sempre é exequível pelo fato de que
os bolsistas são, com alguma frequência, substituídos, ou por se formarem ou por
outras razões alheias ao projeto.
A segunda proposta diz respeito, não às variações lexicais, mas às fonoló-
gicas. A transcritora sugere que “se mudou alguma coisa sobre flexibilidade seria
ótimo, mas só falta explicar o motivo de flexibilidade sobre sinais e os diferentes mo-
vimentos do parâmetro para que saber qual o diferente que tem”. Ela não apresenta
exatamente o que deve ser feito, mas aponta que as diferenças fonológicas devem
ser levadas em conta de alguma forma pelo SignBank para que os transcritores
saibam como glosar cada variação.
Os demais transcritores não apresentaram novos caminhos além dos já dis-
cutidos nas outras questões, somente explicaram como os desafios da transcrição
podem servir como possíveis temas para as suas pesquisas.

10 Você contribuiu para a criação de novos tokens para o banco da


Libras?

As respostas para esta pergunta foram mais objetivas. Maceió1 afirmou não
ter contribuído com gravações; Arapiraca e Atalaia explicaram que juntas escre-
veram num caderno todos os sinais que deveriam ser gravados. Além da sugestão
de glosa, elas anotaram os sinais em SignWriting, como forma de capturar as dife-
renças fonológicas entre as variantes. No entanto, elas não iniciaram o processo de
gravação, por conta da pandemia.
Em suma, percebemos que os problemas apresentados pelos transcritores
têm naturezas diferentes, devendo ser, portanto, categorizados e até subcategori-
zados. De modo mais sistemático, pode-se dizer que os problemas são diversos e
de natureza distinta, sendo assim representados:

28
Parte I – Estudos Linguísticos

Esquema 1 – Os problemas de transcrição

Fonte: Elaborado pelos autores.

Em síntese, podemos dizer que os problemas sociais estão diretamente re-


lacionados aos transcritores e isso interfere nas suas atividades. Eles têm a ver
com questões individuais, como comprometimento, habilidades com tecnologias,
excesso de atividades acadêmicas, a dificuldade de trabalhar em equipe; ou locais,
como gerenciamento inadequado da equipe de trabalho, a falta de estrutura ade-
quada para os trabalhos, a falta de equipamentos (computadores) mais potentes
para a realização das transcrições; ou gerais, como o baixo valor das bolsas, o baixo
número de bolsistas, a falta de bolsistas técnicos. Os problemas estruturais estão
diretamente ligados ao que a Instituição deixa de oferecer para que o trabalho
seja realizado de forma adequada: laboratórios, equipamentos, bolsas, técnicos,
servidor para guarda dos dados, dentre outros. Por fim, quanto aos problemas
metodológicos, os quais estão diretamente relacionados a questões linguísticas,
destacamos: efeito de modalidade; variação fonológica e lexical; e número inci-
piente de sinais no SignBank.

4 Considerações finais

O trabalho de transcrição de dados não é tarefa simples e, portanto, requer


dos transcritores-pesquisadores formação, estrutura técnica e tecnológica, além
de conhecimento da língua em questão. O trabalho de transcrição é, em alguma
medida, também um trabalho de análise linguística, uma vez que requer do trans-
critor conhecimento de aspectos formais da língua, a fim de que se possa elaborar
um corpus consistente e adequado para pesquisas linguísticas, mas não somente.
Discutir os problemas de transcrição, à luz do que pensam e do que passa-
ram os transcritores no processo de transcrição dos dados do Corpus de Libras da
Grande Maceió, nos foi enriquecedor, pois nos possibilitou, junto com a equipe
de trabalho, encontrar estratégias para lidar com os problemas encontrados, de-
vidamente descritos pelos bolsistas. Para lidar com estes problemas, listamos as

29
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

seguintes estratégias e soluções: a criação de condições para a entrada e perma-


nência de surdos na universidade; a inserção do aluno surdo em projetos de pes-
quisa no início da graduação; dispor de uma quantidade de surdos significativa a
partir da disponibilização de bolsas de estudo para que um grupo de trabalho seja
formado; a realização de cursos e formações para aprender a utilizar o Manual, o
SignBank e o ELAN; as formações para desenvolver o conhecimento metalinguís-
tico do surdo a respeito da Libras; as formações internas para atualização de novos
colaboradores por colaboradores mais antigos; o intercâmbio entre projetos de ou-
tros estados para discutir dúvidas e estratégias metodológicas, e para validar novas
glosas e sinais; o estabelecimento uma distinção clara dos conceitos de Descrição
Visual (DV), Gesto (emblema “E’’) e sinais estáveis; a criação de um novo código
para bóias; a inserção de letras (a, b, c…) às glosas com variação fonológica (e.g.
TAMBÉM-1A, TAMBÉM-1B); a busca por configuração de mão no SignBank; a
criação de filtro para região, separando as variantes lexicais de região para região
do Brasil; a marcação de novos sinais com XXX, com sua transcrição para o Sign-
Writing; a discussão dos novos sinais e das novas glosas em reunião; e a inserção
dos novos sinais no SignBank, com a glosa e a versão em SignWriting.
A pesquisa sobre transcrição de dados em Libras não se esgota aqui. Outras
devem ser realizadas, incluindo testagens, validação com mais constância, aspec-
tos relativos à tradução, às anotações dos transcritores, dentre outros, levando em
conta diferentes realidades nos mais diversos estados brasileiros, ou novas proble-
máticas não observadas, neste capítulo.

Referências
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ção prática. 2008. 199 f. Tese (Doutorado em Linguística) – Curso de Pós-Gra-
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31
Parte I – Estudos Linguísticos

Marcação de masculino e feminino na Libras


Lia Cláudia Coelho
Bruno Gonçalves Carneiro
Universidade Federal do Tocantins (UFT)

1 Introdução

Este capítulo é oriundo de um estudo descritivo sobre a marcação de mas-


culino e feminino na Libras. Em algumas línguas do mundo, essa marcação pode
formar um sistema de gênero, em que essa marca extrapola o nome envolvido e se
manifesta em outros elementos do sintagma.
De acordo com Corbett (1991), o termo gênero significa tipo ou ordenação
e diz respeito à forma como uma língua categoriza os nomes, que podem ser classi-
ficados de várias maneiras. Mas, nem toda classificação gera um sistema. Um siste-
ma de gênero acontece quando a classificação nominal promove uma característica
(marcação) que vai além dos nomes em si, ou seja, essa marcação também acontece
em outros elementos associados ao nome. Por exemplo, em uma língua em que o
núcleo do sintagma nominal apresenta uma marca de feminino e o termo que modi-
fica esse nome também a apresenta, então, temos um sistema de gênero. Isso signifi-
ca que o critério que determina a existência do gênero gramatical é a concordância.
O objetivo do capítulo é descrever como se manifesta a marcação de mas-
culino e feminino em Libras. Mais especificamente, descrevemos as estratégias
de marcação de masculino e feminino em nomes (sinais relacionados a parentes-
co, a animais e a profissões) e em pronomes pessoais (sinais de apontamento). Na
oportunidade, refletimos se esse fenômeno gera um sistema de gênero na Libras.

2 Gênero em línguas (orais) do mundo

De acordo com Aikhenvald (2000), as línguas podem categorizar os nomes


que as constituem de maneira das mais diversas e, para isso, apresentam estra-
tégias gramaticais. Os membros de uma determinada classe nominal podem ser
reunidos em categorias a partir de características semânticas, que geralmente en-
volvem sexo (masculino versus feminino e, em algumas línguas, versus neutro),

33
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

animacidade (animado versus inanimado) e humanidade (humano versus não hu-


mano), dentre outras. Nesse sentido, é importante distinguir gênero biológico de
gênero gramatical. Este nem sempre está baseado na noção daquele.
A categorização também pode acontecer a partir de princípios formais.
Ainda segundo a autora, a presença de um sufixo derivacional, por exemplo, pode
caracterizar uma classe de nomes. No alemão, os nomes que apresentam o sufixo
-ung são considerados nomes de ação e são classificados como femininos, enquan-
to os nomes que apresentam o sufixo -chen são considerados diminutivos e são
classificados como neutros. No português, nomes com o sufixo -ção são caracteri-
zados como nomes de ação e são classificados como femininos.
Ulrike Zeshan (2008) propõe uma classificação dos itens lexicais da língua
de sinais indo-paquistanesa (IPSL) a partir de características articulatórias. Para a
autora, os sinais da IPSL podem ser classificados em: (i) sinais cujo ponto de arti-
culação não pode ser modificado; (ii) sinais cujo ponto de articulação pode mudar
no espaço de sinalização; e (iii) sinais direcionais.
A primeira classe refere-se a sinais ancorados ao corpo (tocam ou são arti-
culados próximos a ele). Refere-se, por exemplo, a sinais relacionados a sentimen-
tos, partes do corpo e ações cognitivas, mas a maioria não pode ser categorizada
semanticamente, porque são sinais multifuncionais e podem aparecer em várias
posições sintáticas sem qualquer modificação formal.
A segunda classe trata-se de sinais realizados no espaço de sinalização, mas
não exibem deslocamento (trajetória) entre dois pontos. O local de articulação
no espaço de sinalização é flexível e pode mudar. Esse comportamento espacial
permite que se estabeleça um vínculo visual com outros sinais e também são con-
siderados multifuncionais.
A terceira classe corresponde a sinais que se movem entre dois pontos e se
comportam como verbos. A trajetória pode expressar uma relação de fonte/ alvo,
sujeito/ objeto ou movimento/ localização associado aos locais inicial e final do
deslocamento.
Nas línguas, a classificação nominal, a partir de critérios semânticos e/ou
formais, pode (ou não) gerar um sistema de gênero. O gênero gramatical acontece
quando uma classe nominal promove algum tipo de morfologia de concordância.
Nesse sentido, o termo gênero significa tipo, ordenação, ou ainda, classificação
gramatical que reflete em outros elementos (Corbett, 1991; Kroeger, 2005; Velu-
pillai, 2012).
O português é uma língua que apresenta gênero masculino e feminino. Os
dados em (1) ilustram esse sistema. As palavras menino e vestido são gramati-
calmente masculinas, enquanto menina e galinha são palavras gramaticalmente
femininas. A partir da classe desses núcleos, os pronomes demonstrativos e os
adjetivos que as modificam terão formas específicas.

(1) Gênero masculino e feminino no português


a. Este menino gord-o
b. Esta menina bonit-a

34
Parte I – Estudos Linguísticos

c. Este vestido bonit-o


d. Esta galinha gord-a
Fonte: Kroeger (2005, p. 117).

Conforme pode ser observado, os nomes menino e vestido determinam a


forma do demonstrativo este (masculino), enquanto menina e galinha determi-
nam a forma esta (feminino). Os adjetivos gordo e bonito apresentam o sufixo -o
porque modificam um nome masculino, enquanto que os adjetivos gorda e bonita
apresentam o sufixo -a por modificarem um nome feminino.
O alemão é uma língua que apresenta gênero masculino, feminino e neutro.
A forma dos dependentes vai depender da classe do núcleo, conforme pode ser
observado em (2) e (3), em relação a determinantes e adjetivos, respectivamente.

(2) Gênero masculino, feminino e neutro no alemão (determinantes)


a. der stuhl
Det.M CADEIRA
“a cadeira”
b. die blume
Det.F FLOR
“a flor”
c. das buch
Det.N LIVRO
“o livro”
Fonte: Velupillai (2012, p. 165).

Em (2), o nome stuhl (cadeira) é classificado como masculino, blume (flor)


é feminino e buch (livro) é neutro. Os determinantes no alemão formam um pa-
radigma cujas formas correspondem à classificação nominal apresentada: der é
masculino, die é feminino e das é neutro. Em 2.a, a presença do determinante der
acontece por ocasião do núcleo stuhl (cadeira), um nome masculino. O mesmo
acontece em relação aos demais determinantes, cuja forma concorda com a classi-
ficação do núcleo do sintagma nominal respectivo.

(3) Gênero masculino, feminino e neutro no alemão (adjetivos)


a. rot-er stuhl
VERMELHO.M CADEIRA
“cadeira vermelha”
b. rot-e blume
VERMELHO.F FLOR
“flor vermelha”
c. rot-es buch
VERMELHO.N LIVRO
“livro vermelho”
Fonte: Velupillai (2012, p. 165).

Em (3), o lexema rot- (vermelho) é um modificador e apresenta um sufixo


que está de acordo com a classificação do nome que ele modifica. A forma rot-er se
refere ao gênero masculino, rot-e ao gênero feminino e rot-es ao neutro.

35
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

O Mayali é uma língua australiana com gênero cujo sistema envolve uma
classe não relacionada a sexo biológico. Os nomes são classificados em quatro clas-
ses: masculino, que envolve humanos e animais superiores1 masculinos, referentes
animados de forma genérica, entidades espirituais (a menos que seja especificado
como feminino), alguns animais inferiores, animais invertebrados, chuva, pon-
tos cardeais, alguns itens usados na pintura, alguns tipos de mel, dentre outros;
feminino, que envolve humanos e animais superiores femininos, alguns animais
inferiores, e sol; vegetais, que abrange plantas e seus produtos (itens oriundos de
plantas), alimentos, vegetais, alguns tipos de mel, partes sexuais do corpo, barcos
e veículos, e outros; e neutro, que abrange partes de animais e plantas, fenôme-
nos climáticos e marítimos, medidas de tempo, países, categorias sociais e outros
(Evans; Brown; Corbett, 2002). O dado em (4) ilustra o sistema de gênero na lín-
gua Mayali (dialeto Kunwinjku).

(4) Gênero masculino, feminino, vegetais e neutro em Mayali (dialeto Kunwinjku)


a. bininj na-mak
HOMEM M-BOM
“homem bom”
b. daluk ngal-mak
MULHER F-BOM
“mulher boa”
c. kamarn man-mak
INHAME VE-BOM
“Inhame bom”
d. kukku kun-mak
ÁGUA N-BOM
“água boa”
Fonte: Evans, Brown e Corbett (2002, p. 117).

Em (4), vemos que cada gênero recruta um morfema prefixal para compor
o termo que modifica o nome. O masculino exige o prefixo na-; o feminino exige
ngal-; o vegetais, man-; e o neutro, kun-.
Tipologicamente, as línguas do mundo podem ser: (i) línguas sem sistema
de gênero gramatical; (ii) línguas com gênero gramatical cuja manifestação está
baseada em sexo biológico; e (iii) línguas com gênero gramatical cuja manifesta-
ção se apoia em outras características semânticas (não relacionadas a sexo) (Cor-
bett, 1991).
Outra estratégia para marcar a classe dos nomes é o uso de classificadores.
Em línguas orais, o termo classificadores nominais se refere a formas presas ou
livres que ocorrem dentro do sintagma nominal e que indicam a classe do nú-
cleo. De acordo com Ainkhenvald (2000), classificadores nominais caracterizam o
nome, co-ocorrem com ele e não geram concordância.
Ainda segundo a autora, a escolha de um classificador é semântica, a partir
de características inerentes ao nome, tais como animal, humano, planta, forma,

1 Os animais superiores se referem aos animais domésticos e os inferiores aos não domésticos.

36
Parte I – Estudos Linguísticos

dimensão e estrutura do referente. Em algumas línguas, os classificadores também


podem se referir ao status social, ou a uma relação de parentesco. O dado em (5)
ilustra classificadores nominais na língua Kanjobalan Mayan (Guatemala).

(5) Classificador nominal em Kanjobalan Mayan


xil [naj xuwan] [no7 lab’a]
VER CL:HOMEM John CL:ANIMAL COBRA
“(homem) John viu a (animal) cobra”
Fonte: Ainkhenvald (2000, p. 82).

Em (5), o núcleo xuwan (John) é precedido pela forma naj, um classificador


que categoriza xuwan como sendo da classe homem. De maneira semelhante, o
núcleo lab’a (cobra) é precedido pela forma no7, também um classificador nomi-
nal que categoriza lab’a como sendo da classe animal.
Tanto os classificadores quanto os sistemas de gênero são estratégias grama-
ticais que classificam os nomes. A diferença é que os primeiros não geram concor-
dância, ou seja, “os classificadores classificam apenas o nome em si” (Aikhenvald,
2000, p. 2). Na próxima seção, apresentamos a marcação de masculino e feminino
na língua de sinais japonesa e na língua de sinais argentina, línguas não relaciona-
das historicamente com a Libras.

3 Masculino e feminino na LS japonesa e LS argentina

Na língua de sinais japonesa (NS) e em outras línguas de sinais da Ásia,


a marcação de masculino e feminino pode acontecer em configurações de mão
(classificadores) relacionadas a categoria pessoa. Há uma configuração de mão dis-
ponível para referentes masculino (dedo polegar estendido), feminino (dedo míni-
mo estendido) e outra neutro (dedo indicador estendido). O polegar estendido e o
mínimo estendido são formas não obrigatórias (Osugi, 1999).
De acordo com Sagara (2016), os sinais relacionados a parentesco na NS
têm um sistema morfológico produtivo que envolve a noção de masculino e femi-
nino e a modificação espacial. Novamente, o polegar estendido indica HOMEM
e o mínimo estendido indica MULHER. A Figura 1, a seguir, ilustra esses sinais.

Figura 1 – HOMEM e MULHER na língua de sinais japonesa

Fonte: Sagara (2016, p. 318).

37
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

O sinal que se refere a casar é realizado a partir da aproximação das confi-


gurações de mão HOMEM e MULHER, que remete à união entre um homem e
uma mulher. O sinal divorciar é realizado a partir do afastamento delas. A Figura
2, a seguir, ilustra o sinal casar.

Figura 2 – CASAR na língua de sinais japonesa

Fonte: Sagara (2016, p. 319).

Os sinais que se referem a irmãos na NS também apresentam a distinção


de masculino e feminino a nível lexical, a partir dessas configurações de mão. O
mínimo estendido estabelece a noção de irmã e o médio estendido (uma forma
diferente para homem) a noção de irmão. O uso do espaço de sinalização traz
uma noção de mais velho ou mais novo. O sinal IRMÃ-MAIS-NOVA é realizado
com a configuração de mão que se refere a MULHER que se move para baixo. O
sinal IRMÃO-MAIS-VELHO é realizado com configuração de mão que se refere a
masculino que se move para cima. A mão posicionada mais ao alto se refere a uma
entidade mais velha, enquanto que a mão posicionada mais abaixo se refere a uma
entidade mais jovem. Assim, o uso do espaço de sinalização distingue a idade. A
Figura 3, a seguir, ilustra esses sinais.

Figura 3 – IRMÃ-MAIS-NOVA e IRMÃO-MAIS-VELHO na língua de sinais japonesa

Fonte: Sagara (2016, p. 320).

Os sinais que denotam as noções de avô e avó também seguem a mesma


configuração de mão, mas os dedos selecionados estão curvados. Os sinais HO-
MEM-VELHO e MULHER-VELHA definem esses termos de parentesco e, grosso
modo, se referem à postura “curvada” no envelhecimento. A Figura 4, a seguir,
ilustra os sinais de HOMEM-VELHO e MULHER-VELHA.

38
Parte I – Estudos Linguísticos

Figura 4 – Sinal HOMEM VELHO na língua de sinais japonesa

Fonte: Sagara (2016, p. 324).

Na NS, as configurações de mão: indicador estendido, polegar estendido e


mínimo estendido, são classificadores e podem ser considerados como proformas.
Essas configurações formam um paradigma cuja seleção depende da classe do re-
ferente envolvido. O indicador estendido é uma forma neutra e abarca referentes
tanto masculino quanto feminino. O polegar estendido é uma forma masculina,
não obrigatória e selecionada em referentes masculinos. Por fim, o mínimo es-
tendido é feminino, não obrigatório e selecionado em referentes femininos. Neste
caso, pode-se sugerir que a NS possui um sistema de gênero baseado em sexo, pois
a seleção de uma proforma depende da classificação do referente.
Na língua de sinais argentina (LSA), a marcação de masculino e feminino
se manifesta através da justaposição dos sinais VARON (macho) e HEMBRA (fê-
mea) posposto ao nome (Massone; Johnson, 1991). Em alguns sinais relacionados
a parentesco, também pode ser usado o alfabeto manual para essa marcação. Os
referentes masculinos são justapostos com “O” e os femininos com “A”. Nesse sen-
tido, o parentesco na LSA apresenta pares alomórficos para marcar masculino e
feminino. A Figura 5, a seguir, ilustra o sinal tío e tía, na LSA, a partir da justapo-
sição das configurações “O” e “A”, respectivamente.

Figura 5 – Sinal tío e tía em LSA

Fonte: https://youtu.be/4FaBh1xgjV0. Acesso em 5 de janeiro de 2023.

Nesta seção, apresentamos dados da NS e da LSA em relação à marcação de


masculino e feminino. Na NS parece haver um sistema de gênero, pois, novamen-
te, os classificadores, para se referir a humano, formam um paradigma cuja seleção
depende da classe do nome.

39
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

4 Metodologia

Para descrevemos as estratégias de marcação de masculino e feminino em


nomes (sinais relacionados a parentesco, a animais e a profissões) e em pronomes
pessoais (sinais de apontamento) na Libras, analisamos um vídeo do corpus da
Libras da região de Palmas-TO, dicionários e um vídeo de um canal no YouTube
de uma estudante surda que cursa medicina veterinária.
O corpus da Libras de Palmas está sendo elaborado pela Universidade Fe-
deral do Tocantins, em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina.
Este é um importante passo para consolidar pesquisas descritivas sobre línguas de
sinais, no Brasil. Para esta investigação, analisamos um vídeo da etapa de entre-
vista, que apresenta 10’50” de duração. Foram analisados os sinais de parentesco,
animais e profissão para verificarmos como acontece a marcação de masculino e
feminino. Analisamos também os pronomes pessoais.
A busca por esses sinais aconteceu no ELAN2, a partir das trilhas que ha-
viam sido transcritas. Incluímos na análise os sinais glosados como SURDO, aten-
tos para a codificação de uma noção referencial e de uma noção de modificador.
Em relação aos sinais de apontamento, buscamos pela glosa IX, que foi convencio-
nalmente utilizada pelos transcritores para os sinais de apontamento. Estivemos
atentos apenas aos sinais de apontamento que se referiam a pessoa. Desconsidera-
mos os apontamentos dêiticos que se referem a partes do discurso, espaço e tem-
po, pronome oblíquo, bóia discursiva, pronome dual e o apontamento realizado
pela mão não dominante quando simultânea à mão dominante (duplicação).
Em relação aos dicionários, analisamos o Dicionário Enciclopédico Ilustrado
Trilíngue da Língua de Sinais Brasileira – Deit-Libras (Capovilla; Raphael; Maurício,
2013), o Livro Ilustrado de Língua Brasileira de Sinais (Honora, 2012) e o Dicionário
do INES – Instituto Nacional de Educação de Surdos, com o objetivo de verificar se
há formas lexicais distintas para designar as noções de masculino e feminino em
sinais relacionados a parentesco, a animais e a profissões. Em relação aos animais,
buscamos termos que se referem a mamíferos de grande porte, galináceo e que
fossem mais recorrentes no repertório cotidiano. A entrada dos dicionários é or-
ganizada em português e, por isso, a busca aconteceu a partir do “nome” do sinal.
Por fim, analisamos um dos vídeos de um canal do YouTube mantido por
uma estudante surda de medicina veterinária3. O canal apresenta 16 vídeos prota-
gonizados pela autora. Analisamos o vídeo intitulado INSEMINAÇÃO ARTIFI-
CIAL EM BOVINO, que tem duração de 7’53”.
Durante a análise dos dados, partimos do pressuposto de que a Libras não
apresenta gênero gramatical baseado em sexo. A marcação de masculino e femini-
no é feita a partir da justaposição dos sinais glosados como HOMEM ou MULHER
(Ferreira, 2010), e não gera concordância. Carneiro (2017) estabelece que a marca-

2 Software Eudico Linguistic Annotador.


3 O canal é mantido pela estudante de medicina veterinária Luanna Sayonara e está disponível em
https://www.youtube.com/@luannasayonara6193 (Acesso em 07 de janeiro de 2023).

40
Parte I – Estudos Linguísticos

ção de masculino e feminino se manifesta em sinais que se comportam como subs-


tantivos, é opcional em referentes animados e ausente em referentes inanimados.
Consideramos também que há os sinais MACHO e FÊMEA para marcar
masculino e feminino em animais. A marcação em humanos acontece a partir da
justaposição dos sinais HOMEM e MULHER e em animais parece ser possível
também a justaposição com MACHO e FÊMEA.
Após a análise dos dados, categorizamos os resultados e refletimos sobre
a presença (ou não) de um sistema de gênero na Libras, a partir da marcação de
masculino e feminino. Os resultados estão postos na seção seguinte.

5 Masculino e feminino na Libras

Em sinais relacionados a parentesco, há formas lexicais específicas para referen-


tes masculinos, específicas para referentes femininos e formas consideradas neutras.
Os sinais que se referem ao genitor possuem uma forma para masculino e
outra para feminino, neste caso, os sinais PAI e MÃE. Não há uma forma neutra
para designar genitor4. O mesmo acontece em relação aos sinais GENRO e NORA,
PADRASTO e MADRASTA, PADRINHO e MADRINHA. Novamente, esses pa-
res de sinais apresentam uma forma lexical específica para designar referente mas-
culino e feminino, mas não apresentam uma forma neutra.
Os sinais FILH@, IRMÃ@, SOBRINH@, PRIM@, AV@, SOGR@, TI@,
NET@, NOIV@, CUNHAD@ e BISAV@ possuem apenas a forma lexical neutra.
O Quadro 1, a seguir, ilustra esse resultado oriundo da análise dos dicionários.

Quadro 1 – Léxico para masculino, feminino e neutro em sinais de parentesco

Fonte: Dados da pesquisa (2022)

4 De acordo com Woodward (1978), a língua de sinais da Índia apresenta um sinal que se refere a
genitor, considerado neutro, que abarca tanto a noção de mãe quanto a noção de pai.
41
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

Há variações lexicais para PAI e MÃE na Libras. Os sinais PAI e MÃE são
palavras compostas oriundas da justaposição dos sinais HOMEM + BENÇÃO e
MULHER + BENÇÃO, respectivamente. O sinal PAI-1 é um sinal soletrado a partir
de P-A-I e MÃE-1 também é soletrado, a partir de M-Ã-E. O sinal PAI-2 é articula-
do com a configuração de mão “dedo indicador curvado” e com toque no buço de
maneira repetida. Este sinal parece se referir a um bigode. O sinal MÃE-2 é articu-
lado com a configuração de mão “dedo indicador estendido” e com toque na lateral
do nariz, repetidamente.
Wilkinson (2009) sugere uma tendência de estrutura de termos de parentes-
co nas línguas de sinais, a partir de um estudo comparativo envolvendo 40 línguas.
Para a autora, os sinais que denotam homem, mulher, menino e menina estruturam
os termos de parentesco de maneira (a) holística e (b) com sobreposição fonológica.
No primeiro caso, os sinais de pessoa (referidos acima) são semanticamente
estendidos para um termo de parentesco, sem modificação fonológica, e, por isso,
são sinais polissêmicos. De acordo com a autora, a extensão semântica esteve mais
presente nos termos referente a filhos.
Em algumas línguas, os termos com formas holísticas são formados pela jus-
taposição do sinal de pessoa com outra unidade lexical para especificar o termo
de parentesco. Nesses padrões, envolvendo uma segunda unidade lexical (sinais
compostos) que se referem a filhos, prevalecem domínios semânticos – bebê, parto e
criança – justapostos aos termos de pessoa. Os sinais PAI e MÃE, na Libras, podem
ser categorizados como oriundos de extensão semântica e envolvem uma segunda
unidade lexical que deu origem à composição (sinal BENÇÃO).
A sobreposição fonológica inclui aqueles termos que carregam, no míni-
mo, uma característica articulatória de um termo de pessoa. Neste caso, os termos
oriundos de extensão semântica (holísticos) são desconsiderados. Neste processo,
intitulado pela autora de derivação semântica, a sobreposição fonológica predomi-
nante é o ponto de articulação. Dessa forma, a locação é o parâmetro mais relevante
para marcar a derivação semântica no sistema de parentesco. A derivação semân-
tica acontece em maior número nos termos para PAI a partir do sinal HOMEM.
Além de formas (a) holísticas e (b) com sobreposição fonológica, uma outra
possibilidade de estrutura de termos de parentesco é (c) sem sobreposição fono-
lógica de termos de pessoa. Esta categoria está mais presente em sinais referen-
tes a avós. Wilkinson (2009) sugere que estes termos de parentesco tendem a ser
construídos a partir de domínios semânticos diferentes dos termos de pessoa. Nos
termos para avós, por exemplo, as línguas de sinais tendem a explorar o domínio
antigo, de diferentes formas.
Na Libras, os sinais PADRASTO e MADRASTA são oriundos das formas lexi-
cais PAI e MÃE. Os sinais GENRO e NORA, PADRINHO e MADRINHA não envol-
vem termos de pessoa em sua estrutura e apresentam configuração de mão inicializada.
Em relação aos termos de parentesco no corpus da Libras, encontramos o si-
nal FILH@, no instante 00:00:55.520, que, no contexto, refere-se a um participante
definido e feminino. O sinal é articulado de maneira neutra. Outros termos foram
TI@ e PRIM@, em 00:06:48.187 e 00:06:48.711, respectivamente. Estes termos fo-

42
Parte I – Estudos Linguísticos

ram articulados em sequência e se referem à categoria familiares e, da mesma for-


ma, foram articulados de maneira neutra. O sinal PADRINHO é específico para o
masculino e foi articulado no tempo 00:08:26.372.
Ainda em relação ao corpus da Libras, analisamos as ocorrências do sinal
SURDO, atentos à marcação de masculino e feminino. Caracterizamos as ocorrên-
cias em referente ou modificador.
Encontramos 25 ocorrências do sinal SURDO. Dentre estas, cinco se mani-
festaram funcionalmente como modificadores por trazer a noção de ser surdo. Em
relação à definitude, 16 ocorrências tiveram um caráter indefinido e quatro defini-
do. Baseamo-nos na identificabilidade enquanto categoria semântica mais próxima
da definitude (Carvalho, 2018). O Quadro 2, a seguir, ilustra as ocorrências do sinal
SURDO e a categorização dos termos conforme descrevemos.

Quadro 2 – Marcação dos sinais SURDO no Corpus da Libras

Fonte: dados da pesquisa (2022)


43
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

Conforme os dados, apresentados acima (Quadro 2), todas as ocorrências


em que SURDO se manifesta como modificador ou referente animado indefinido,
não houve marcação de masculino ou feminino. Houve quatro ocorrências em que
o sinal SURDO, enquanto modificador, qualificou referente feminino e uma ocor-
rência em que qualificou um referente inanimado. Dentre as quatro ocorrências
em que o sinal SURDO se manifestou como referente animado definido, tratan-
do-se de um referente conhecido, apenas em uma ocorrência houve a marcação
de que o participante é masculino. O dado (6), a seguir, reproduz essa construção.

(6) marcação de masculino em Libras

‘Foram dois surdos. Os dois discutiram, os dois eram homens (...)’


Fonte: dados da pesquisa (2022)

Em (6), vemos o sinal SURDO, inicialmente, sem qualquer menção à mar-


cação de masculino e feminino. Nesse sentido, o sinal é categorizado de maneira
neutra. A noção de que os participantes são classificados como masculino veio a
partir da oração seguinte, que menciona eles serem do sexo masculino: “os dois
eram homens”.
Em sinais relacionados a animais, encontramos formas lexicais específicas
para referentes masculinos, específicas para referentes femininos e formas consi-
deradas neutras.
Observamos que os sinais CARNEIRO e OVELHA, BODE e CABRA,
GALO e GALINHA, BOI e VACA são formas específicas. Essa distinção lexical
parece envolver construções icônicas. Foi identificado o sinal BOI@ como uma
forma lexical neutra. Há também formas específicas: masculino seria a composi-

44
Parte I – Estudos Linguísticos

ção de BOI@ + HOMEM, e feminino a composição de BOI@ + LEITE. Os sinais


GAT@, CAVAL@, COELH@, PAT@, LEÃ@, MACAC@ e LOB@ são formas neu-
tras. O Quadro 3 ilustra alguns dos itens lexicais relativos a animais que foram
coletados nos dicionários.

Quadro 3 – Léxico para masculino, feminino e neutro em sinais de animais

Fonte: Dados da pesquisa (2022)

A princípio, a marcação de masculino e feminino em formas neutras acon-


tece a partir da justaposição dos sinais HOMEM para marcar masculino e MU-
LHER para marcar feminino. Há também os sinais MACHO e FÊMEA, que tam-
bém atendem essa demanda (Figura 6).

Figura 6 – FÊMEA e MACHO em Libras

Fonte: Capovilla, Raphael e Maurício (2013, p. 1235 e p. 1616)

No vídeo do YouTube identificamos os sinais BOI@ e CAVALO@, articu-


lados sem justaposição de sinais para designar entidade masculina ou feminina,
bem como o sinal VACA através da justaposição de BOI@ + FÊMEA-1. Observa-
mos também o sinal MACHO com função dêitica para se referir ao masculino de
bovino. A Figura 7 ilustra os sinais MACHO e FÊMEA-1.

45
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

Figura 7 – MACHO e FÊMEA-1 em Libras

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=i87840cMRMc

Em sinais relacionados a profissões, não encontramos formas lexicais espe-


cíficas para referentes masculinos e femininos. Todas as formas lexicais encontra-
das foram consideradas neutras. Observamos que nos dicionários, a partir da en-
trada dos vocábulos costureira, eletricista, mecânico, pescador, vigilante, aeromoça,
alfaiate, arqueiro, autor, barbeiro, comissária de bordo, detetive, escritor, fazendeiro,
jornaleiro, marceneiro, marinheiro, mecânico, padeiro, pedreiro, pintor, porteiro,
taxista, há uma menção à distinção de masculino e feminino, a partir da justa-
posição do nome com os sinais HOMEM e MULHER. Os sinais ADVOGAD@,
ARQUITET@, BOMBEIR@, CABELEIREIR@, MÉDIC@, MOTORIST@, PO-
LICIAL@, DENTIST@, ENFERMEIR@, ENGENHEIR@, FONOAUDIÓLOG@,
OFTALMOLOGIST@, PROFESSOR@, PEDAGOG@, PSICÓLOG@, SECRETÁ-
RI@, CANTOR@, VETERINÁRI@ são apresentados de forma neutra.
Em relação aos dados do corpus da Libras, identificamos os sinais INTÉR-
PRETE, PROFESSOR e TÉCNICO. O sinal INTÉRPRETE aparece em três ocor-
rências e, no contexto do discurso em que foram sinalizados, estes sinais referem-se
a entidades animadas indefinidas e não houve marcação de masculino ou femini-
no. O sinal PROFESSOR é um referente animado definido, que também foi arti-
culado de maneira neutra. Por fim, o sinal TÉCNICO é um referente inanimado.

Quadro 4 – Sinais INTÉRPRETE, PROFESSOR e TÉCNICO no Corpus da Libras

Fonte: dados da pesquisa (2022)

Em relação aos sinais de apontamento, no corpus da Libras, identificamos


70 ocorrências, dentre as quais consideramos 57, a partir dos critérios de exclusão
descritos na metodologia. Todos os sinais de apontamento analisados foram arti-

46
Parte I – Estudos Linguísticos

culados de forma neutra, ou seja, sem a justaposição de sinais que classificassem o


participante. Desse total, 30 ocorrências se referiam à primeira pessoa do discurso
(referente feminino); quatro ocorrências se referiram à segunda pessoa (referente
feminino); 19 ocorrências se referiram à participante mãe (referente feminino);
uma ocorrência se referiu ao participante padrinho (referente masculino); uma
ocorrência se referiu ao participante terapeuta, em que também não foi especifica-
do a classe (referente neutro); duas ocorrências se referiram a participantes huma-
nos (plural), um a partir do movimento em varredura e outro sem varredura, em
que não foi especificado (referente neutro). Dessa forma, os sinais de apontamento
foram articulados de maneira neutra, sem especificar o participante em masculi-
no ou feminino, tanto em situações em que a informação poderia ser inferida do
discurso (por exemplo, participantes mãe e padrinho), tanto em situações em que
essa informação era desconhecida (participante terapeuta).
A partir dos dados analisados por Coelho (2022) e Carneiro (2017), sugeri-
mos algumas tendências de manifestação sobre a marcação de masculino e femini-
no na Libras. A marcação acontece em referentes animados, apresenta um caráter
opcional e está ausente em referentes inanimados. A forma não marcada é neutra.
A nível lexical, vemos que os referentes animados (pronomes, parentesco,
animais e profissões) apresentam uma forma não marcada, considerada neutra
para as noções de masculino e de feminino. Apenas em sinais de parentesco e de
animais foram observadas formas lexicais específicas. No sistema de parentesco,
os sinais PAI e MÃE são considerados extensão semântica dos sinais HOMEM e
MULHER, e os sinais PADRASTO e MADRASTA são oriundos dos sinais PAI e
MÃE. Há sinais de parentesco específicos que são formas inicializadas. Em sinais
de animais, as formas específicas apresentam características icônicas.
A marcação de masculino e feminino em referentes animados na Libras
acontece a partir da justaposição do nome aos sinais HOMEM e MULHER, res-
pectivamente. Em sinais de animais, parece haver as formas MACHO e FÊMEA,
que também promovem essa marcação. Assim, o paradigma para humanos é for-
mado por dois elementos e não humanos por quatro elementos. A Figura 8, a
seguir, esquematiza essas considerações.

Figura 8 – Marcação de masculino e feminino na Libras

Fonte: dados da pesquisa (2022)

47
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

Em relação ao gênero gramatical, sugerimos que na Libras não há um sis-


tema de gênero a partir da marcação de masculino e feminino. As formas pro-
nominais (sinais de apontamento) e os sinais glosados como SURDO, enquanto
modificadores, por exemplo, não apresentam marcação na forma quando o núcleo
do sintagma se refere a um participante masculino, feminino, ou ainda, quando
essa classificação é indeterminada.

6 Algumas considerações

A pesquisa que deu origem a esse capítulo objetivou descrever as estratégias


de marcação de masculino e feminino em nomes (sinais relacionados a parentes-
co, a animais e a profissões) e em pronomes pessoais na Libras.
Em todas as categorias lexicais analisadas, há formas neutras em relação às
noções de masculino e de feminino. Em sinais de parentesco e de animais, foram
identificadas formas específicas.
Em relação aos termos de parentesco, vemos a distinção entre masculino e
feminino a nível lexical. A distinção entre os sinais que se referem aos genitores
acontece a partir dos sinais HOMEM e MULHER, por um processo de extensão
semântica. Há também formas não derivadas de termos de pessoa. Os sinais PA-
DRASTO e MADRASTA são derivados de PAI e MÃE, respectivamente. Nos de-
mais sinais específicos (GENRO e NORA, PADRINHO e MADRINHA), a distin-
ção parece acontecer a partir da inicialização. Em relação aos termos de animais,
a distinção acontece a partir de parâmetros que remetem o referente de maneira
icônica.
A marcação de masculino e feminino em sinais neutros é opcional e acon-
tece a partir da justaposição dos sinais HOMEM e MULHER. Em termos de ani-
mais, também é possível a justaposição com MACHO e FÊMEA, que parecem ser
usados apenas para animais (não em humanos). O uso de MACHO e FÊMEA pa-
rece ser opcional, pois os sinais HOMEM e MULHER são usados nesse contexto.
O nosso corpus de análise é limitado, o que impossibilitou algumas refle-
xões. Pesquisas futuras são necessárias para determinar o escopo desses usos, o
caráter morfêmico dos termos disponíveis para essa marcação e seus contextos de
predileção.
Sugerimos também que a marcação de masculino e feminino na Libras não
forma um sistema de gênero. Felipe (2002) faz uma análise dos classificadores en-
quanto elementos de um sistema de flexão de gênero. Nesse sentido, de acordo
com a autora, haveria na Libras o gênero gramatical baseado em outras caracterís-
ticas semânticas (não relacionadas a sexo). Mas essa é uma discussão que foge ao
escopo deste capítulo.

Referências
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devices. Oxford: Oxfor University Press, 2000.

48
Parte I – Estudos Linguísticos

CAPOVILLA, F. C.; RAPHAEL, W. D.; MAURÍCIO, A. C. L. Novo Deit-Libras:


Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue da Língua de Sinais Brasileira.
Volume 1: Sinais de A a H. 3º edição revisada e ampliada. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2013.
CAPOVILLA, F. C.; RAPHAEL, W. D.; MAURÍCIO, A. C. L. Novo Deit-Libras:
Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue da Língua de Sinais Brasileira.
Volume 2: Sinais de I a Z. 3º edição revisada e ampliada. São Paulo: Editora da
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49
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

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50
Parte I – Estudos Linguísticos

Perfis linguísticos de Codas brasileiros


Gilmara Jales da Costa
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Ronice Muller de Quadros
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

1 Introdução

Os filhos ouvintes de pais surdos são chamados de Codas, conforme a Or-


ganização Internacional estabelecida nos Estados Unidos: Children of Deaf Adults
(CODA)1. “O termo CODA é na verdade uma abreviação de origem norte-ameri-
cana que corresponde a Children Of Deaf Adults, utilizada por essa organização
internacional que desenvolve trabalhos envolvendo filhos de pais surdos” (Silva,
2016, p. 33). Assim, o termo Coda passou a se referir aos filhos de pais surdos,
terminologia difundida internacionalmente, devido a criação da organização in-
ternacional CODA.
Esta pesquisa busca delinear como são as relações dos Codas bilíngues com
a língua brasileira de sinais (Libras) e o português, a fim de verificar as práticas lin-
guísticas, as atitudes diante das relações com as comunidades em que se inserem.
Os filhos de pais surdos que adquirem a Libras, sendo uma língua de herança, são
crianças bilíngues que crescem em uma família ou em uma comunidade em que
a língua de sinais é compartilhada, vivendo em um país de língua falada, o portu-
guês (Quadros, 2017).
Para Souza (2015), o Coda, geralmente, cresce em um ambiente em que
se adquire a língua de sinais naturalmente, porém, ao sair de sua casa, também,
sairá de um universo específico, e se confrontará com outro que apresenta carac-
terísticas diferentes, sendo o português a língua principal. Os Codas são crianças
bilíngues que estão inseridas nas comunidades surdas, diferente das crianças ou-
vintes filhas de pais ouvintes. As crianças ouvintes, filhas de pais surdos, repre-

1 Acesse em: codabrasil.blogspot.com

51
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

sentam uma população especial que nos permite buscar respostas sobre as bases
linguísticas e cognitivas da linguagem, bem como o processo da linguagem em si,
isso porque essas crianças estão inseridas em lares onde uma língua de sinais é o
principal meio de comunicação, assim como a língua falada que é utilizada por
irmãos, parentes, vizinhos e babás (Neves, 2013).
Este presente estudo se ocupa em apresentar esses bilíngues, sendo chama-
dos de falantes ou sinalizantes de língua de herança. Logo, como Codas bilíngues
bimodais, traçamos as relações entre as línguas e as formas de comunicação que
se desenvolvem, atrelando-se às emoções compreendidas culturalmente, indepen-
dentemente de serem com surdos e/ou ouvintes.

2 Children of Deaf Adults – Coda(s)

Diante de todo histórico linguístico da Libras, não seria diferente a dissemi-


nação da língua por meio familiar, como, por exemplo, por meio dos filhos ouvin-
tes de pais surdos, esses chamados de Codas. Devido ao termo ter sido amplamen-
te disseminado, pela organização dos Codas estadunidenses, ele ficou conhecido
internacionalmente. Gomes (2018) explica que essa organização mostrou que, nos
Estados Unidos, noventa por cento de filhos de pais surdos são ouvintes, fato de-
terminante para a criação de sua identidade, através de depoimentos que afirmam
ser esta uma característica nova desses sujeitos, já que eles não se consideravam
nem surdos e nem ouvintes, mas, sim, Codas.
Os Codas adquirem a língua de sinais, normalmente, em casa, com os pais,
já com o restante da sociedade, que não é surda sinalizante, interagem como fa-
lantes da língua local do país. Para descrever esse cenário, os pesquisadores da
área utilizam o termo heritage signer (língua de herança) (Lillo-Martin et al., 2016,
tradução nossa). No caso do Brasil, a língua voltada para a sociedade, fora do lar,
seria o português e a língua usada no lar, a Libras (Gomes, 2018).
Nascer em uma família surda, em meio a uma sociedade de ouvintes, é o
acontecimento que legitima a existência dos Codas como herdeiros. Os Codas,
muitas vezes, tomam consciência do terceiro espaço quando conversam sobre isso
nos encontros de Codas, o encontro Coda-Coda, o encontro com o outro igual
(Quadros, 2017). Esse terceiro espaço é uma espécie de outra construção identi-
tária, um lugar ainda em definição para a criança que habita em dois universos:
ouvinte e surdo.
Todo ano, no Brasil, há o encontro de Codas, sendo essencial nas relações
entre os Codas, uma vez que nele se estabelecem as identidades que ainda estão
em processo de amadurecimento. De acordo com Quadros (2017), no Brasil, os
encontros de Codas se iniciaram, em 2013, no Rio de Janeiro. Desde então, esses
encontros ocorrem anualmente. Esse encontro é esperado por muitos dos Codas,
pois é uma oportunidade de se encontrarem e compartilhar a língua e a cultura
dos surdos brasileiros e, em especial, compartilham a experiência de ser Coda.
As experiências vivenciadas e compartilhadas, em cada encontro, constituem mo-

52
Parte I – Estudos Linguísticos

mentos únicos de interação que se estabelecem a partir do que é partilhado, do que


é comum, do que é igual. Esse igual, apesar de ser diferente para cada um, é o que
garante a relação de identidade entre os Codas (Quadros, 2017).
O encontro Coda foi criado pois, geralmente, as associações, clubes e or-
ganizações de surdos partilhavam de uma perspectiva que poderíamos chamar
de “ponto de encontro” e não de uma socialização dos filhos com a comunidade
ouvinte e surda. Em consequência destas situações, os Codas estabeleceram as
primeiras marcações sociais para que as pessoas nesta condição passassem a ado-
tar nos EUA o nome da instituição para se autorreferenciar. Conforme Preston
(1994), o encontro Coda-Coda é mencionado com alívio, como a possibilidade
de falar sem ter que explicar o fato de ser filho de pais surdos. Nas histórias desses
Codas, parece bastante recorrente a frustração de ter que explicar o que significa
ter pais surdos para as pessoas que não fazem ideia do que seja ser surdo, isto é, a
maioria delas. Com os Codas, isso se torna desnecessário. A maioria deles teve que
lidar com a mesma situação que impacta a constituição de suas identidades: seus
pais são surdos e eles são ouvintes.
Os Codas, com ambos os pais surdos, tiveram mais contato com a língua de
sinais, viram seus pais usarem a língua de sinais com mais intensidade, ao se comu-
nicarem um com o outro, e conheceram outros interlocutores surdos com mais fre-
quência do que os Codas de famílias com somente um dos pais surdo. Deste modo,
os Codas de famílias, em que apenas um dos pais é surdo, tiveram uma experiência
de comunicação mista entre língua oral-auditiva e visuo-espacial e, de maneira geral,
tiveram menos contato com as comunidades surdas (Gomes, 2018). A criança tem
oportunidade de contato com as duas línguas e que muitas vezes a exposição com
menos frequência a língua de sinais torna a língua falada sua língua dominante.
Apesar de vários Codas serem identificados como pertencentes a uma co-
munidade de surdos, fica muito evidente que as experiências vivenciadas por eles
apresentam muita diversidade. Alguns filhos de pais surdos conversam com seus
pais sem usar uma língua de sinais, gesticulam a boca de forma a garantir uma
maior visibilidade, outros misturam os sinais com a fala ou usam a língua de si-
nais. Essas diferentes formas de se comunicar com os pais se instauram em cada
família de acordo com a forma como os pais lidam com as línguas e estabelecem a
relação com os filhos ouvintes. A experiência desses pais com as línguas também
parece impactar a forma como os seus filhos estabelecem sua relação com eles.
Os Codas, considerados bilíngues bimodais equilibrados, em geral, tiveram pais
surdos extremamente positivos em relação à língua de sinais e que se sentiram à
vontade para conversar com seus filhos nessa língua. As formas como os indiví-
duos, que não são surdos, estabelecem a relação com as línguas também parece ter
impacto nas formas com as quais os Codas se relacionam com as línguas e usam
mais ou menos a língua de sinais (Quadros, 2017).
Para Gorski e Freitag (2010),
o uso simultâneo entre duas línguas (línguas falada e português sinalizado),
apesar de proposto pela comunicação total, não tem respaldo teórico. Na

53
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

verdade, tal conciliação nunca foi e nem poderia ser possível, devido à natu-
reza extremamente distinta das duas línguas em questão. Sendo assim, não
demorou muito para que a comunicação total cedesse lugar ao bilinguismo.
(p. 17).
Petitto et al. (2001) afirmam que as crianças bilíngues são sensíveis ao in-
terlocutor, ou seja, escolhem a língua-alvo de acordo com quem está interagindo.
No caso específico das crianças bilíngues bimodais, as pesquisas verificam que o
desenvolvimento linguístico é alcançado em cada língua, de forma consistente,
assim como observado em crianças bilíngues monomodais (Petito et al., 2001).
Góes (1994) afirma que
[...] o uso simultâneo de uma língua oral e uma língua de sinais é impraticá-
vel se quer preservar a estrutura das duas. E chama a atenção para outro in-
dicador da impossibilidade e ajuste fala-sinais: a plena simultaneidade não
poderia existir também porque expressões faciais e movimentos da boca,
que estão implicados em muitos sinais, são incompatíveis com a articulação
oral das palavras e eles correspondentes. (p. 159).
Nesse sentido, Preston (1996) afirma que a criança Coda cresce, natural-
mente, na convivência com seus pais, sem questionar se existe algo de “anormal”
acontecendo com ela pelo fato de usar duas línguas – a língua de sinais em casa e a
língua oral com ouvintes fora dela –, pois, a princípio, ocorre um desenvolvimento
natural. Estes indivíduos (ouvintes, filhos de surdos) transitam por duas cultu-
ras e possuem duas línguas correspondentes uma a cada grupo. Sendo assim, são
consideradas pessoas bilíngues, devido à exposição a duas línguas diferentes com
modalidades distintas: uma língua falada (português, inglês etc.) e uma língua si-
nalizada (no caso dos brasileiros, a Libras); e desde o seu nascimento já adquirem
características específicas dos Codas, ou seja, apresentam e desenvolvem duas mo-
dalidades distintas até chegarem à produção das línguas (Quadros; Cruz, 2011).
Em suma, os Codas possuem acesso à Libras e ao português, atravessando
zonas de contato, fronteiras linguísticas e culturais, reconhecendo a sua identidade
e, os aspectos essenciais da língua de herança. Considerando isso, neste capítulo,
apresentamos o recorte de uma pesquisa que ampliou a investigação que vinha
sendo realizada sobre sobreposição de bilíngues bimodais: síntese de línguas, com
Codas bilíngues, a fim de identificar seus perfis linguísticos em meio a tais contex-
tos de práticas linguísticas com a Libras e o português.

3 Contextualização metodológica

A pesquisa se constitui na abordagem qualitativa com aspectos quantita-


tivos, quali-quanti, de cunho explicativo que é definida como aquela que tenta
explicar os fenômenos, não se restringindo apenas a descrevê-los (Alves-Mazzotti;
Gewandsznajder, 2004). Buscando compreender as particularidades e experiên-
cias sobre o tema em questão, fazendo um enfoque linguístico, apresentando os

54
Parte I – Estudos Linguísticos

princípios, qualidades e características do objeto de estudo, fazendo uma análise


comportamental entre os indivíduos, com recursos e técnicas nas formas de esta-
tísticas numéricas com informações obtidas durante a coleta de dados.
De acordo com Günter (2006, p. 204), a pesquisa qualitativa tem uma gran-
de flexibilidade e adaptabilidade, uma vez que “ao invés de utilizar instrumentos
e procedimentos padronizados, [...] considera cada problema objeto de uma pes-
quisa específica para a qual são necessários instrumentos e procedimentos especí-
ficos”. Já a pesquisa quantitativa, pressupõe a utilização de instrumentos padroni-
zados, segue um padrão linear no decorrer de toda investigação, seguindo projetos
já bem detalhados inicialmente (Tomitch; Tumolo, 2013).
A pesquisa se constitui pelo método indutivo que, de acordo com Cruz e
Ribeiro (2003, p. 34), “baseia-se na generalização de propriedades comuns a certo
número de casos, até agora observados, a todas as ocorrências de fatos similares que
se verificarão no futuro. Assim, o grau de confirmação dos enunciados traduzidos
depende das evidências ocorrentes”. Com um levantamento bibliográfico, trazendo
aspectos relevantes para a pesquisa que, de acordo com Tomitch e Tumolo (2013),
tem como objetivo familiarizar o pesquisador com a literatura pertinente ao seu
objeto de estudo e que lhe dá subsídios técnico-metodológicos para formular cor-
retamente suas hipóteses e/ou questões de pesquisa e realizando uma observação
direta das entrevistas do corpus de sobreposição de línguas, da Libras e do portu-
guês, captando as explicações e interpretações da realidade dos Codas, aplicando
um questionário linguístico. Conforme Dörney (2003, p. 01 apud Silva, 2018, p. 87),
questionários, depois de testes de proficiência, são o recurso mais utilizado
em pesquisas em L2 e oferecem inúmeras vantagens em seu uso, tal como a
possibilidade de obter um montante significativo de dados em pouco tempo
e com custos baixos. Além disso, os questionários oferecem a vantagem de
acessar determinados fatores não linguísticos, como os aspectos atitudinais
da dominância, história linguística dos participantes etc. (Grosjean, 1998;
Gertken et al., 2014; Lim et al., 2008).
A técnica da pesquisa foi experimental, pois permite ao pesquisador criar
uma situação considerada ideal, na qual ele pode manipular e controlar variáveis
para testar suas hipóteses através de um experimento. Um experimento que pode
então ser definido como uma investigação altamente planejada, na qual o pesqui-
sador procura evidências para confirmar ou refutar suas hipóteses sobre a relação
entre duas ou mais variáveis (Moreira, 2002). Uma pesquisa que não necessaria-
mente é feita em laboratório, mas em ambientes criados pelo pesquisador e que se
torne melhor controle para suas verificações.
A análise de dados da pesquisa, que deu origem a este capítulo, faz parte
do projeto de sobreposição de bilíngues bimodais: síntese de línguas, projeto rea-
lizado sob a responsabilidade da professora Dra. Ronice M. de Quadros, o qual foi
aprovado pelo Comitê de Ética2, que tem como base a investigação dos tipos de

2 Projeto de sobreposição Bilíngue bimodal, sendo a pesquisadora responsável Ronice Müller

55
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

estruturas de língua usados por Codas e ajudará a entender melhor como a mente
humana está organizada para a linguagem, especificamente, quando a pessoa tem
duas línguas, neste caso, uma língua de sinais e outra falada. Complementamos
os dados coletados por meio de vários instrumentos de avaliação (julgamento de
sentenças, produção de narrativas, avaliação comparativa de vocabulário etc.) com
um instrumento elaborado no escopo da pesquisa relatada neste artigo.
O instrumento elaborado compreende o questionário linguístico para Co-
das Bilíngues (QLCB). Conforme Dörney (2003), pensar nos processos gerais do
questionário, como “duração, o formato e as partes principais, escrever itens/per-
guntas eficazes e elaborar um conjunto de itens, selecionar e sequenciar os itens,
escrever instruções e exemplos apropriados, pilotar o questionário e realizar análi-
se de item” (Dörney, 2003, p. 16-17). Assim, optamos pelo questionário on-line no
Google Forms, pois é mais abrangente, alcançando os Codas de diferentes regiões
brasileiras. Com isso, enviamos para os participantes que fizeram parte da pes-
quisa de “sobreposição de bilíngues bimodais: síntese de línguas”. O questionário
on-line pode ter diversas vantagens devido ao seu maior alcance e a possibilidade
de se compreender os perfis que se adequam a esse tipo de pesquisa (Wilson; De-
waele, 2010).
Na elaboração do questionário, foi necessário anexar o termo de compro-
misso , com orientações do procedimento da pesquisa, em que o participante teve
3

a autonomia de aceitar ou recusar o convite para responder às quarenta questões


escritas em português.
Neste capítulo, partindo das análises teóricas e do exame de como os bilín-
gues bimodais usam a sua língua de sinais e sua língua falada, ao mesmo tempo ou
separadamente, já desenvolvidas no âmbito do projeto supracitado, apresenta-se
uma comparação entre a fluência na Libras e no português de bilíngues bimodais
em relação ao seu domínio linguístico e língua de conforto.
Diante das relações entre as línguas, em que bilíngues que são usuários das
línguas para diferentes propósitos, em diferentes domínios e com diferentes pú-
blicos, buscou-se responder a seguinte questão: Quais são os perfis e dominâncias
linguísticas dos Codas, conforme as relações entre as línguas que usam?
Servindo como base para o estudo em questão, que visa esclarecer os fato-
res essenciais das escolhas que os Codas fazem em relação às línguas, destacando
a dominância linguística, as políticas linguísticas e o conceito de bilinguismo. E,
considerando o acesso aos Codas bilíngues, optamos pelo questionário eletrônico
on-line, a fim de conhecer o perfil linguístico de Codas bilíngues, que usam a Li-
bras e o português no cotidiano.

de Quadros para o banco de dados do Núcleo de Pesquisas em Aquisição de Línguas de Si-


nais da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Projeto este que teve parecer aprova-
do de nº 2.657.498, que consta em anexo, seguindo a resolução 510/2016 e com o processo nº
84511918.0.0000.0121.
3 Termo de compromisso e projeto de pesquisa aprovado pelo comitê de ética, com o parecer de nº
4.193.819.

56
Parte I – Estudos Linguísticos

Foram elencados os seguintes aspectos para uma melhor análise de dados


separado por módulos: (1) história linguística; (2) comunicação (uso da Libras e
do português) em diferentes domínios; (3) proficiência linguística (autoavaliação);
e (4) atitudes linguísticas, fazendo com que as perguntas sejam direcionadas, pelas
experiências linguísticas, ao bilinguismo (português e Libras), procurando, assim,
responder o presente estudo.
Além disso, Grosjean (1998) aborda que o uso dos questionários, no que
tange às pesquisas sobre o bilinguismo, permite o acesso a informações importan-
tes para o delineamento do perfil dos participantes, tendo em vista as experiências
bilíngues. Além dos aspectos atitudinais da dominância, história linguística etc.
Dessa forma, o questionário foi pensado para gerar dados necessários para se atin-
gir a meta e os objetivos do projeto.
Buscamos conhecer a diversidade de Codas bilíngues, suas histórias e suas
práticas linguísticas com a Libras e com o português, juntamente com os critérios
de análise das entrevistas, sendo considerados os seguintes itens para obtenção
das respostas desta pesquisa: (i) descrever o perfil linguístico dos Codas bilíngues,
destacando a sua dominância linguística diante das atitudes, valores e espaço dian-
te das línguas, Libras e Português; (ii) descrever e identificar os domínios de uso
da Libras e do português por Codas; (iii) descrever os aspectos relativos às atitu-
des, aos valores e aos espaços linguísticos dos Codas; (iv) relatar a relação do bilin-
guismo em Codas, tendo em vista o processo de aprendizagem nas duas línguas e
o contexto bicultural em que transitam; (v) identificar os níveis de proficiência na
língua de sinais dos Codas investigados e analisar as duas correlações por idade
e tempo de contato; e (vi) descrever perfis de dominância linguística dos Codas.

4 Apresentação dos dados da pesquisa

Os dados analisados, neste capítulo, contam com o suporte dos dados da


pesquisa de sobreposição, sob a coordenação da Profa. Ronice Müller de Quadros,
que possui dados de entrevistas já realizadas. Assim, a esses dados já obtidos, serão
incluídos os dados do questionário que ajudará a esclarecer as questões apresen-
tadas acima.
As atividades do projeto, “sobreposição de bilíngues bimodais: síntese de
línguas”, foram gravadas com 22 Codas bilíngues bimodais, que usam a língua de
sinais e a língua falada ao mesmo tempo ou separadamente. Nesta pesquisa, os
participantes serão os mesmos da sobreposição e serão recrutados por e-mail com
os dados já obtidos, esses 22 Codas que já foram entrevistados, serão contactados,
por e-mail, para responder um questionário mais detalhado sobre suas produções
em Libras e em português.
Entre essas entrevistas existem perguntas de como o sujeito se sente em re-
lação a cada língua, com gravação em média de 5 a 10 minutos cada. Assistimos às
vinte e duas entrevistas e notamos que 90% (19) deles, se sentem melhor se comuni-
cando em Libras do que em português; e que 10% (3) sentem-se confortáveis com o

57
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

português e com pouca afinidade com a Libras. Com base nessas respostas, podemos
notar que de acordo com as atitudes linguísticas existe uma dominância linguística.
Na mesma entrevista, é perguntado se o participante se considera bilíngue. E todos
tiveram uma resposta positiva. Nesse ponto, podemos destacar que os Codas são
bilíngues bimodais com diferentes aspectos linguísticos quanto à dominância.
Diante disso serão trazidos os principais nortes a respeito do histórico da
comunidade surda, cultura surda e as políticas linguísticas que entrecruzam com
as relações dos filhos ouvintes de pais surdos que obtêm duas línguas, sendo essas
a língua de sinais e o português, essa última majoritária no Brasil. Sendo assim, os
Codas tornam-se bilíngues e, nesta condição, destacando a importância de uma
educação bilíngue e relacionando com os principais autores os conceitos, situa-
ções, vivências e todo o seu processo na constituição de seres bilíngues, bimodais
e biculturais.
Os Codas bilíngues estão sendo chamados pelo dia da semana e a numera-
ção de acordo com a ordem das entrevistas ocorridas no referido dia. Sendo no-
minados e organizados conforme o projeto de sobreposição de bilíngues. Foram
exploradas as perguntas que buscam responder às questões referentes à relação das
línguas, português e Libras, quanto a sua dominância. Quadros (2017 apud Pres-
ton, 1994) relata que as experiências das crianças ouvintes de pais surdos, diante
das entrevistas, é bastante singular, pois explora a sua cultura além de ampliar o
conhecimento do universo surdo e ouvinte em zonas de contato. Nossa meta foi
estabelecer um olhar para as fronteiras entre os universos surdos e ouvintes, par-
tindo das experiências dos Codas bilíngues (Quadros; Massutti, 2007).
É por meio do convívio com os pais surdos sinalizantes que as crianças
bilíngues adquirem a Libras. Quadros e Massutti (2007, p. 253), em entrevista com
uma Coda, contam que ela relata o seu processo de aprendizado da Libras, por
meio de familiares: “eu cresci em uma família de surdos, sim, eu tinha um monte
de surdos na minha família... primos, tios, tias e meus pais tinham muitos amigos
surdos que costumavam nos visitar e vice-versa [...]”; e conclui: “Eu aprendi a si-
nalizar com essas pessoas na minha casa, na casa delas e, também, na associação
de surdos”. Essas experiências de convívio com familiares e amigos surdos contri-
buem para o seu desenvolvimento natural da língua.

5 Análise e resultados

Os dados analisados no presente estudo se darão pela pesquisa de sobre-


posição sob a coordenação da Prof. Ronice Müller de Quadros, que já realizou as
entrevistas e com os dados já obtidos, assim como incluirá um questionário que
ajudará a esclarecer as questões elencadas neste trabalho, questionário para o qual
está sendo incluído um novo termo de consentimento.
As atividades do projeto de sobreposição de bilíngues bimodais: síntese de
línguas foram gravadas com 22 Codas bilíngues bimodais, que usam a língua de
sinais e a língua falada ao mesmo tempo ou separadamente. Nesta pesquisa os

58
Parte I – Estudos Linguísticos

participantes serão os mesmos da sobreposição e serão recrutados por e-mail com


os dados já obtidos pelo coordenador da pesquisa de sobreposição que é a atual
orientadora deste projeto. Na pesquisa atual que configura uma pesquisa de mes-
trado, esses 22 Codas que já foram entrevistados no projeto anterior, serão recon-
tactados por e-mail para responder um questionário mais detalhado sobre suas
produções em Libras e em português.
Entre essas entrevistas existem perguntas de como o sujeito se sente em
relação a cada língua, com gravação em média de 5 a 10 minutos cada. Assisti às
vinte e duas entrevistas e pude notar que 90% (19), se sentem melhor se comuni-
cando em Libras do que em Língua Portuguesa; e que 10% (3), se sentem confor-
táveis com a língua portuguesa e com pouca afinidade na Libras. Com base nessas
respostas, podemos notar que de acordo com a sua atitude existe uma dominân-
cia linguística entre as línguas. Na mesma entrevista é perguntado se o sujeito
se considera bilíngue, e todos tiveram uma resposta positiva. Nesse ponto, posso
destacar que os Codas são bilíngues bimodais com diferentes aspectos linguísticos
quanto à dominância. As análises serão feitas pela autora como parte integrante da
pesquisa, respondendo, assim, a questão problema deste estudo.
Diante disso serão trazidos os principais nortes a respeito do histórico da
comunidade surda, cultura surda e as políticas linguísticas que entrecruzam com
as relações dos filhos ouvintes de pais surdos que obtêm duas línguas, sendo essas
a língua de sinais e a língua portuguesa, essa última majoritária no Brasil. Sendo
assim, os Codas adquirirem um diferencial em relação aos filhos ouvintes de pais
ouvintes, se tornando bilíngues e, nesta condição, destacando a importância de
uma educação bilíngue para os Codas e relacionando com os principais autores
os conceitos, situações, vivências e todo o seu processo na constituição de seres
bilíngues, bimodais e biculturais.
Os Codas bilíngues aqui estão sendo chamados pelo dia da semana e a nu-
meração de acordo com a ordem das entrevistas ocorridas no referido dia. Sendo
nominados e organizados conforme o projeto de sobreposição de bilíngues. Foi
explorado as perguntas que busca responder as questões referentes a esta pesquisa
que é a relação das línguas, português e libras, quanto a sua dominância. Quadros
(2017, apud Preston 1994) relata que as experiências das crianças ouvintes de pais
surdos diante das entrevistas é bastante singular, pois explora a sua cultura além
de ampliar o conhecimento do universo surdo e ouvinte em zonas de contato. As
entrevistas aqui foram traduzidas das filmagens do corpus linguístico da pesquisa
de sobreposição de bilíngues. Nossa meta é estabelecer um olhar para as fronteiras
entre os universos surdos e ouvintes partindo das experiências dos codas bilíngues
(Quadros e Massutti, 2007).
O acesso escolar entre os codas se torna marcante devido ao “novo uni-
verso” o espaço ouvinte, pois sai do contato familiar no contexto visuoespacial
(Libras), partindo para o oral/auditivo (português) e, diante dos relatos nos depa-
ramos com as semelhanças entre os codas. Quadros (2017), relata que vivenciou
uma situação parecida:

59
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

Quando fui pela primeira vez à escola, eu não usava português, embora
compreendesse essa língua. Eu convivia quase que exclusivamente com
surdos. Apesar de ter uma irmã mais velha que falava português, nós usá-
vamos praticamente apenas a Libras em casa. Lembro que eu não gostava
da escola. Fiquei doente várias vezes durante esse primeiro ano, e, assim,
o ano foi quase perdido para mim. Acabei me fortalecendo para iniciar o
ano seguinte em uma nova escola, da qual eu gostava e, nesse espaço, eu já
conseguia me expressar em português. Hoje acredito que eu não gostava
da escola porque a escola parecia não saber nada sobre mim e sobre minha
família. Não era o meu lugar, pelo menos não refletia nada sobre o lugar a
que eu pertencia. Era um ambiente completamente diverso em que todos os
sentidos estavam sendo postos em português. A Libras não era considerada
língua. Eles pareciam que “olhavam” meus pais como “pobres coitados que
eram surdos, não como gente normal. (Quadros, 2017, p.152-153).
Compreender que a escola tem um papel fundamental no processo de
aprendizagem do aluno é essencial, porém a instituição desconhece o familiar do
aluno, o que desconhece a sua língua e a cultura. Sônia também viveu situações em
que a escola não fazia a interação com os seus familiares surdos,
Alguns acontecimentos na escola foram, de certa forma, perversos. Quando
havia atividades que envolviam as famílias, a professora avisava a Sonia de
que seus pais não precisavam participar dizendo que a comunicação com
eles era muito difícil. A professora sempre dizia que era difícil conversar
com seus pais. Isso não era bom. Sonia compartilhava esses acontecimen-
tos com seus pais, e sua mãe dizia que era porque a professora não sabia a
língua de sinais e, portanto, não teria como conversar com ela. A mãe de
Sonia foi a uma reunião na escola e, depois, nunca mais participou de outra
reunião. A escola também não exigia a participação da família de Sonia
nas reuniões de pais. Isso aconteceu também com seus irmãos. Sonia com-
preendeu que isso acontecia porque a escola não era capaz de estabelecer
a comunicação com seus pais. A incapacidade era da escola, não de seus.
(Quadros, 2017, p. 162-163).
A história de Sonia se entrecruza com outros codas que viveram a sua in-
fância no contato com familiares e amigos surdos. A mesma situação ocorre com
a Maitê, pois ela se percebeu entre “dois mundos” diferentes na escola com expe-
riências complicadas, “Em seus relatos, ela sempre dizia que não gostava da escola,
se sentia triste, porque era provocada pelos colegas” (Quadros, 2017, p. 174).
Se torna recorrente as fragilidades da escola diante dos filhos ouvintes de
pais surdos, a escola é o primeiro espaço no qual as crianças têm o contato com
a língua, porém no caso dos codas bilíngues que já tem uma primeira língua no
contexto familiar, acaba se deparando com as diferenças linguísticas ao entrar na
escola. Segundo Quadros (2017) nas biografias de codas, têm o relato da Léa e a
Riva, as duas relatam que “na escola, tanto a Léa como Riva tiveram algumas difi-
culdades. Léa relata que ingressar no ensino médio, antigo ginásio, foi muito difí-
cil, pois, na época, era exigida a realização da prova” [...] “Léa apresentava muita

60
Parte I – Estudos Linguísticos

dificuldade no português e precisou ter aulas com uma professora particular para
estudar e se preparar para essa prova” (p. 186).
A Adriana e a Andréa Venancino destacam as suas realidades escolares
diante da língua portuguesa. “Adriana usou exclusivamente a língua de sinais até
os 5 anos de idade, quando foi para a escola. Até ir para a escola, ela não falava
português” [...] “Quando chegou à escola, ela foi encaminhada para a direção, pois
era surda. No entanto, foi muito difícil. A escola foi traumatizante para Adriana.
Ela não compreendia por que as pessoas a olhavam com piedade” (Quadros, 2017,
p. 194).
A relação escolar dos codas diante das análises destaca para uma educação
voltada ao bilinguismo, Quadros (2019 p.150) afirma que “a educação bilíngue
reconhece as diferenças entre as línguas, as diferenças textuais, linguísticas e polí-
ticas implicadas pelas comunidades envolvidas: as comunidades surdas e as comu-
nidades ouvintes locais reconhecem suas culturas, identidades e línguas”. Assim,
se desenvolve uma flexibilidade cognitiva nas crianças bilíngues, pois contam com
um processamento de informação ativado por mais de uma língua.
A educação bilíngue viabiliza a Libras como língua de instrução, os pro-
fessores e alunos também precisam ser bilíngues, aqui destaco a Libras e o portu-
guês. E esses professores acabam conhecendo a comunidade surda, história, expe-
riências visuais, a cultura trazendo uma boa interação com os alunos usando as
duas línguas, avaliando o desempenho do aluno dentro e fora da escola (Quadros,
2019).
Com base nos desafios escolares apontados pelos codas diante das línguas,
Libras e português, buscamos apresentar os relatos dos codas a respeito do confor-
to linguístico e a importância das línguas, em sua vida. Assim, os Codas bilíngues
possuem diferentes relações com as línguas, comprovando assim, as variações na
dominância linguística e nas atitudes. Quadros (2019, p. 145), “o uso mais domi-
nante de uma língua em relação a outra pode impactar na reestruturação das lín-
guas e manter a dominância da língua mais usada. Os domínios variam e podem
evidenciar uma ou outra língua como sendo mais forte”. Ou seja, a dominância
depende do seu contexto de uso, tornando-se comum a fragilidade de uma das
línguas. E isso acontece da mesma forma com os Codas bilíngues.
O questionário linguístico para codas bilíngues foi elaborado com base na
pesquisa de Silva (2018, p.91) “para descrever os perfis linguísticos de bilíngues
surdos”, que buscou analisar a dominância linguística destes perfis bilíngues sur-
dos, sendo por meio de um questionário on-line possibilitando uma maior quanti-
dade de participantes de outras regiões. Assim, os participantes foram contatados
um a um, por e-mail e WhatsApp particular da autora, enviando o link de acesso
ao formulário do Google forms com as informações do termo de consentimento e
as questões da pesquisa.
Quanto aos respondentes do questionário, 20 aceitaram participar, sendo
17 do sexo feminino e 5 do sexo masculino. Em relação à idade, a mínima foi 20
anos e a máxima 54 anos.

61
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

Com base nos dados coletados, 19 participantes afirmam ter contato com a
Libras antes dos 6 anos de idade. E apenas um que foi na fase adulta. Fazendo uma
relação com as entrevistas sobre o período que adquiriu a língua de sinais, 95%
afirmam ter contato antes de ir para escola, ou seja, em casa com os familiares e
parentes surdos, e apenas um, afirmou ter contato posteriormente por seu pai não
saber a Libras, pois sendo usuário de sinais caseiros.
Em relação às aquisições das línguas, com a Libras 19 codas, sendo 95% dos
participantes afirmam ter adquirido em casa no contato com familiares surdos, 03
(15%) responderam que no contato com surdos em associações, federações etc., 02
(10%) em cursos de Libras e 01 (5%) na igreja também. Com a língua portuguesa,
13 (65%) afirmam ter aprendido na escola, com colegas e professores ouvintes, 06
(30%) no contato com ouvintes em outros contextos, 02 (10%) em casa, no contato
com familiares surdos e 02 (10%) fora da escola, com amigos ouvintes. O restante
cada um com 01 (5%), na escola, com colegas ouvintes, em casa no contato com
familiares ouvintes, em casa com familiares, em casa com familiares ouvintes e
familiares. A interação escolar é essencial a todos, no caso dos codas bilíngues,
o entrar em um universo ouvinte, fora da sua casa, é bastante significativo, pois
existe o encontro com o diferente, o estranhamento com as línguas, e isso marca
bastante o coda devido a escola desconhecer a comunidade surda e a Libras e a
falta de acolhimento desses sujeitos.
As opções de uma escola comum sem surdos e sem Codas, foram 13 res-
pondentes, cerca de 65% dos participantes e numa escola regular com a maio-
ria ouvinte foram 07, ou seja 35% do gráfico sobre o ensino fundamental. Assim,
podemos perceber que cerca de 100% dos codas foram inseridos em uma escola
ouvinte, sem acesso a Libras.
Na pergunta em que idade você percebeu que tinha pais surdos, 90% dos
codas perceberam antes dos 6 anos de idade e apenas 10% entre 7 e 12 anos de
idade. Nenhum marcou depois dos 13 anos e nem na fase adulta após 18 anos de
idade. Já na pergunta se “você era intérprete dos seus pais”, todos responderam
que sim, frequentemente. Nenhum coda selecionou, sim, raramente; não, não era
necessário ou nunca.
Destaco que a maioria dos codas participantes são maiores de 18 anos, ou
seja, muitos tiveram que ser “intérpretes” de seus pais desde a infância pela falta
de acessibilidade antes da Lei de Libras 10.436/02 que regulamenta a Língua Brasi-
leira de Sinais. Assim, ressalto a importância de os pais surdos terem seus direitos
linguísticos, como a comunicação e aos intérpretes de Libras, fazendo com que os
filhos assumam o papel de filhos.
Prosseguindo a respeito das interpretações entre os familiares, fizemos a
pergunta: “em que idade você começou a ter uma percepção de que estava inter-
pretando para os seus pais?”, sendo que 30% dos codas afirmam ter esse reconhe-
cimento antes dos 6 anos de idade, 55% entre 7 e 12 anos de idade e 15% depois
dos 13 anos de idade. Sendo nenhum na fase adulta.
Os Codas bilíngues quando criança não percebem que estão interpretando
para os seus pais, agimos como se estivéssemos conversando e dialogando com os

62
Parte I – Estudos Linguísticos

nossos pais e ouvintes, isso acontece de forma espontânea e sem pressão. Por isso,
muitos percebem que estão interpretando de fato, após a fase infantil. Segundo
Silva (2016), o coda não tem a prática de interpretar e desconhece os processos
interpretativos, sendo assim, muitas vezes essas crianças acabam interpretando
por base familiar e cultural diante das línguas envolvidas.
Diante das relações com as línguas, destacamos os aspectos da escrita dos
Codas na língua portuguesa. Essa pergunta teve diferentes respostas quanto às
dificuldades na escrita da língua portuguesa. Sendo, 35% sim, frequentemente e
sim, raramente. E, 20% não, não era necessário e 10% nunca. Observamos aqui o
empate em frequentemente e raramente, porém ambos sinalizam positivo para as
dificuldades, somando 70% dos codas bilíngues sentem esse desafio e, com ape-
nas 30% afirmam não sentir essa objeção, quanto a escrita na língua portuguesa.
Grosjean (2008) descreve que as habilidades com as duas línguas são dadas de
diferentes formas, quando um determinado indivíduo convive em casa com uma
língua minoritária e a partir de outro momento a língua majoritária é adquirida, o
sujeito pode apresentar os diferentes domínios em relação às línguas.
Como podemos perceber o nível de importância das línguas são essenciais
para os codas, isso tanto nas entrevistas como no questionário, podemos notar
essa relação na vida cotidiana dos bilíngues, isso demonstra a sua identidade, a
comunicação, as emoções e a aprendizagem desses sujeitos.
Conforme Grosjean (2008, p. 164) “Apesar da grande diversidade que exis-
te entre essas pessoas, todas compartilham uma mesma característica - todas con-
vivem com duas ou mais línguas”. É importante destacar a convivência com as
línguas, os usos e as formas que a utilizam no cotidiano, pois diante deste aspecto
que muitos codas tem os diferentes níveis de aquisição, conhecimento, uso e com-
portamentos com as línguas. Os bilíngues possuem as diferentes situações de vida,
propósitos e pessoas, e com isso surge a necessidade do esclarecimento sobre os
diferentes usos das línguas, pois muitos bilíngues raramente desenvolvem a mes-
ma fluência nas duas línguas (Grosjean, 2008).
O bilíngue desenvolve os diferentes comportamentos e atitudes quando es-
colhe a língua para usar em determinado tipo de comunicação, se com surdos ou
ouvintes, sempre escolhem de acordo com a situação. Segundo Grosjean (2008),
esses fatores liberam as diferentes atitudes e comportamentos como uma alteração
de personalidade devido a mudança de língua, a principal diferença do bilíngue
para o monolíngue é a mudança de línguas que geralmente mudam as culturas
conforme as suas interações, enquanto o outro tem apenas uma cultura e uma
língua.
Dessa forma, o processo de aprendizagem das línguas se dá através da esco-
la, essa que se torna fundamental para os codas, de acordo com Quadros (2007) a
escola em que os codas frequentam negligenciam a perspectiva bilíngue, sendo es-
sencial esse reconhecimento cultural, social e linguístico. Nesse espaço escolar se
preconiza as relações entre os pais dos alunos, alunos e escola, sendo que esse pro-
cesso interativo é esquecido. Os pais surdos com filhos ouvintes não frequentam a

63
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

escola devido a escola não acolher esses responsáveis, pois muitos não conhecem
esse universo e nem compreendem as relevâncias dessa relação.
Muitos Codas relatam as barreiras encontradas na escola por serem intér-
pretes dos seus pais em reuniões, nas entrevistas a maioria coloca esse fato, por
serem recorrentes. “Isso parece estabelecer uma lacuna entre sua família e a escola
à qual ela, definitivamente, não pertencia. Por outro lado, ela é ouvinte e necessita-
va frequentar esse espaço. Então, a zona de contato é forçada pela sociedade e tem
que ser estabelecida. Isso reflete sua posição no mundo” (Quadros, 2007, p. 258). A
escola reflete na relação com as línguas, tanto para os surdos como os codas, pois
em casa se utiliza a Libras e na escola a língua portuguesa. Muitos codas apontam
para essas barreiras, pois quando se deparam com uma nova cultura, diferente do
familiar, encontram desafios que a escola desconhece.

6 Conclusão

O problema que norteou a pesquisa foi como se dão as relações entre as


línguas dos Codas e quais os perfis linguísticos dos Codas bilíngues bimodais,
especialmente os perfis de dominância linguística. Assim, tivemos por objetivo ge-
ral descrever o perfil linguístico dos Codas bilíngues, destacando a sua dominân-
cia linguística diante das atitudes, valores e espaço em relação às línguas, Libras
e português, e procuramos seguir os objetivos específicos que foram: investigar
os aspectos relevantes das línguas adquiridas por filhos ouvintes de pais surdos
(Codas) e a possível influência da língua de sinais, como língua de herança, na
relação com o português oral/escrito; relatar a relação do bilinguismo nos sujeitos
Codas, tendo em vista o processo de aprendizagem nas duas línguas e o contexto
bicultural em que transitam; descrever a importância das políticas linguísticas na
educação de surdos e Codas, destacando todo o seu contexto histórico, influência
e a educação bilíngue; identificar os níveis de proficiência na língua de sinais dos
Codas investigados e analisar as suas correlações por idade e tempo de contato;
descrever perfis de dominância linguística dos Codas.
Os filhos ouvintes de pais surdos, que são bilíngues bimodais, possuem
duas modalidades linguísticas, sendo elas a oral-auditiva e a visual-sinalizada, e
que faz com que a criança Coda tenha acesso a dois mundos culturais distintos.
Além disso, a bimodalidade linguística contribuem para que ela se torne “ouvido”
e “voz” dos seus pais, sendo motivada, mesmo que indiretamente, a ser um tradu-
tor e intérprete dos seus pais e de outras pessoas surdas, desde a mais tenra idade.
Antigamente, os surdos não tinham direito ao tradutor e intérprete de Li-
bras-português em sala de aula, as crianças surdas tinham, quiçá ainda tenham,
atrasos linguísticos na formação da sua língua natural e na do português, refletidos
em baixos desempenhos e pouco aprendizado efetivo. As comunidades surdas se
mobilizaram em prol da educação de surdos, juntamente com organizações da
sociedade civil, e foi aprovada a Lei n.º 10.436/2002, que reconhece a língua de
sinais, como língua do povo surdo. A Libras é de extrema importância para pes-

64
Parte I – Estudos Linguísticos

soas surdas brasileiras e a forma de acesso à educação de qualidade, portanto, sua


obrigatoriedade de oferta está ligada aos direitos de aprendizagem do surdo.
A preocupação com um lugar profissional, nos faz recordar nossa infância,
enquanto “intérprete precocemente”. Nossas lembranças nos conduzem ao lugar
da afetividade, de saber de nossa identificação com as comunidades surdas, de
gostar de estar em meio aos surdos, atender telefones para eles, para nós era algo
natural. Adorávamos frequentar a associação de surdos para conversar e brincar.
Hoje, compreendemos que essa sempre foi nossa cultura, nossa comunidade, é
onde podíamos e ainda podemos ser nós mesmas.
Na medida em que fomos crescendo, adentrando na adolescência, começa-
mos a perceber a existência de uma outra cultura além da surda, que o mundo dos
ouvintes é uma porta imensa, que precisamos cruzar, enquanto Codas. Para nós,
foi confuso no início dessa fase, mas fomos começando a se adaptar, a se conhecer
como um sujeito bilíngue e que vive em dois universos distintos, que, por um lado
os surdos estavam em busca de acessibilidade, inclusão na educação e uma melhor
relação social. E, por outro, os ouvintes ainda estavam em processo de conhe-
cimento da Libras. E, para nós, era tudo muito desconhecido, algo inexplicável.
E, com o passar dos tempos, temos visto que as pessoas estão mais interessadas
em aprender a Libras e que existem diversos cursos de idiomas que já incluem a
Libras; os tradutores e intérpretes de Libras, tendo uma maior notoriedade, mos-
trando a importância de que este profissional seja capacitado para atuar.
Os Codas bilíngues, por ter uma língua de herança adquirida de forma fa-
miliar pelos pais surdos, se tornam reféns de uma língua majoritária que acaba
“engolindo” a Libras e priorizando o português. Os dados pontuam as barreiras
encontradas pelos Codas em relação à língua majoritária e que dessa forma, os re-
sultados apontam que os Codas bilíngues bimodais, de diferentes perfis linguísti-
cos, apresentam níveis de dominância linguística variada, conforme os pais surdos
sabem Libras, os filhos adquirem essa língua mais cedo. As relações familiares são
variadas, como também os Codas dos diferentes níveis linguísticos.

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67
Parte I – Estudos Linguísticos

Tessitura referencial em Libras:


uma atividade semântico-lexical e discursiva
Leidiani da Silva Reis
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS/CNPq)

Ronice Müller de Quadros


Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC/CNPq)

1 Introdução

A construção de uma tessitura referencial significativa é permeada pela


progressão de objetos do discurso, o que implica, por parte dos interlocutores,
escolhas lexicais reveladas a partir de atividades cognitivas, sociais e interacionais
no próprio entorno discursivo em que esses se encontram.
Nesse sentido, a intenção deste capítulo é analisar, na Língua Brasileira de
Sinais (Libras), a construção da tessitura referencial no espaço de sinalização e as
suas relações semântico-lexicais e discursivas. Com isso em mente, buscamos res-
ponder às seguintes questões: (i) Como acontece a tessitura referencial em Libras?;
e (ii) Como se dá o processo de significação textual, tendo em vista as escolhas
lexicais do sinalizante no espaço discursivo?
Com o intuito de atender o objetivo proposto, adotamos, como metodolo-
gia, a pesquisa de cunho qualitativo, fundamentada em uma perspectiva de revi-
são bibliográfica e documental. Assim sendo, o corpus é constituído de gravações
de narrativas sinalizadas feitas com colaboradores surdos que têm a Libras como
sua primeira língua.
O texto está dividido da seguinte maneira: após essa introdução, na seção a
seguir, apresentamos um breve panorama da teoria que sustenta a reflexão contida
neste capítulo. Na seção posterior, focamos o procedimento metodológico adota-
do. Após, apresentamos o corpus de análise, indicando a construção da tessitura
referencial no espaço de sinalização e as suas relações semântico-lexicais e discur-
sivas. Por fim, apresentamos as conclusões, seguidas das referências.

69
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

2 Contextualização teórica

2.1 Referenciação: um processo dinâmico fundamental na tessitura


textual

Na perspectiva tradicional, estudiosos utilizam o termo referência para o


ato de nomear objetos do mundo, concebendo-o como uma analogia de espelha-
mento do real. Na perspectiva contemporânea – adotada neste capítulo –, partin-
do da compreensão de língua como atividade sociocognitiva-interacional e dos
estudos da Linguística Textual, pesquisadores utilizam o termo referenciação, em
que as entidades designadas deixam de ser objetos do mundo, espelhos do real, e
passam a ser objetos do discurso, disponíveis para utilização pelo produtor do tex-
to, atualizados no contexto interacional e dependentes de conhecimentos prévios
que vão sendo atualizados ao longo do processo sociodiscursivo. Em outras pala-
vras, a referenciação retrata uma forma de construção e reconstrução de objetos
do discurso realizados por sujeitos, em um processo de interação, o que significa
dizer que carrega, entre outros aspectos, os interesses e os pontos de vista dos in-
terlocutores envolvidos no processo discursivo (Koch; Marcuschi, 1998).
Nesse sentido, os objetos do discurso, sendo construídos e reconstruídos
discursivamente, não devem ser entendidos como se já estivessem prontos para
serem utilizados e como se fossem válidos para todos os sujeitos, pois eles não são
estáticos e não seguem uma norma, mas são desenvolvidos conforme o contexto
de interação (Mondada; Dubois, 2003). Essa construção e reconstrução de objetos
do discurso, que se constitui como um processo dinâmico fundamental na tessi-
tura textual, ocorre quando um objeto é lançado no texto (Introdução) e utilizado
novamente (Retomada), podendo a qualquer momento ser desativado (Desfocali-
zação) e reativado no curso da progressão textual (Koch; Elias, 2006).
Tendo em vista os avanços dos estudos na área, os processos referenciais –
Introdução, Retomada e Desfocalização – têm sido retomados e atualizados. Nessa
perspectiva, Cavalcante et al. (2010) reorganizaram-nos da seguinte maneira:
I. Introdução referencial: ativação de novos referentes.
II. Anáfora: “uma retomada ou continuidade referencial de uma entidade
qualquer já introduzida no texto, não importa de que maneira” (Cavalcante
et al., 2010, p. 237).
Mais atual ainda, reforçando e ampliando essa visão, Cavalcante, Custódio
Filho e Brito (2014) apontam a Introdução Referencial, a Anáfora e a Dêixis como
as três categorias maiores de processos referenciais. Segundo esses pesquisadores,
a Introdução Referencial ocorre no momento em que um referente é construído
pela primeira vez na mente do coenunciador de um texto, sem ter sido manifesta-
do, textualmente, por meio de uma expressão referencial. A partir dessa Introdu-
ção, todas as outras expressões referenciais que guardarem alguma relação com tal
referente podem gerar diferentes processos de retomada anafórica (Morais, 2017).

70
Parte I – Estudos Linguísticos

Em tese, a anáfora se caracteriza por manter os objetos do discurso em foco,


dando sustentação à coesão e à coerência textual, uma vez que é utilizada para
que a temática seja processada de forma progressiva e significativa. Nesse sentido,
Koch (2006, p. 131) afirma que ela é “a operação responsável pela manutenção em
foco, no modelo de discurso, de objetos previamente introduzidos, dando origem
às cadeias referenciais ou coesivas, que são responsáveis pela progressão referen-
cial do texto”. As anáforas podem acontecer nas retomadas por pronomes, elip-
ses (de ordem gramatical) ou por formas nominais (de ordem semântico-lexical).
Ocorrendo por formas nominais, o referente pode ser recuperado por meio da re-
petição – parcial ou total –, por meio de sinônimos ou quase sinônimos, por meio
de hiperônimos, por meio de nomes genéricos, por meio de descrições nominais,
entre outras possibilidades.
Segundo Ciulla (2008), os elementos referenciais promovidos na malha
discursiva imbricam-se, de modo que não podemos interpretar completamente
um sem ver o outro. Nessa perspectiva, a autora propõe o entrecruzamento dos
processos referenciais anáfora e dêixis, pois, conforme suas reflexões, uma mesma
expressão desempenha, de uma só vez, funções tanto dêiticas quanto anafóricas,
isto é, há em um mesmo elemento referencial a simultaneidade do dêitico e da
anáfora, caracterizando um hibridismo discursivo. Assim sendo, dêixis e anáforas,
ainda que sejam fenômenos referenciais diferentes, não se excluem.
Nesse contexto, Santos e Cavalcante (2014) dizem que “com o passar dos
anos e o desenvolvimento dos estudos sobre referenciação, as fronteiras entre os
processos referenciais parecem ter sido percebidas como mais tênues” (Santos; Ca-
valcante, 2014, p. 224). Assim sendo, entendemos que os processos referenciais,
na perspectiva sociocognitivo-interacional, podem ser tratados de forma tênue
ou, conforme Ciulla (2008) aponta, como uma fusão de operações discursivas,
cognitivas, sociais e interativas realizadas pelos sinalizantes.
De modo geral, as discussões sobre os processos de referenciação estão li-
gadas às ações desenvolvidas na língua, e essas são identificadas a partir das con-
dições de inserção das informações no texto, sinalizando determinadas intenções.
O enunciador, ao inserir e retomar certos objetos do discurso, faz escolhas lexicais
que não são gratuitas. Ao contrário, esperando alcançar seus objetivos, faz esco-
lhas que estão permeadas de estratégias de convencimento, estabelecendo uma
orientação semântica e argumentativa no texto. Nessa perspectiva, Koch (2004)
afirma que
a referenciação constitui, assim, uma atividade discursiva. O sujeito, na inte-
ração, opera sobre o material linguístico que tem à sua disposição, operando
escolhas lexicais significativas para representar estados de coisas, com vistas
à concretização do seu projeto de dizer. (Koch, 2004, p. 31).
Seguindo esse viés teórico, Marcuschi (2003) explica que “a referência deve
ser tomada como ato criativo de designação” (Marcuschi, 2003, p. 43). Em outras
palavras, ao utilizar estratégias de referenciação, o enunciador não está isento de

71
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

intenções, mas as utiliza porque quer reforçar certo argumento, quer mostrar algo
para o outro. Assim, ao optar por um determinado item lexical para designar um
referente, o enunciador se posiciona, tendo em vista que a escolha da existência
de um objeto de discurso implica em observar o tipo de apreciação axiológica que
sobre ele incide e qual a voz social o enuncia – afinal, estas são as condições para
a constituição de discursos e de, é claro, significados textuais (Alves Filho, 2010).

2.1.1 Processo referencial nas línguas de sinais: um continuum dêitico-


-anafórico

Partindo da perspectiva da referenciação como uma atividade híbrida, se-


mântico-lexical e discursiva, ao utilizar dos recursos oferecidos pela modalidade
gestual-visual, o sinalizante constrói e reconstrói objetos do discurso em um pro-
cesso de interação, atualizando constantemente suas estratégias referenciais. Na
Língua de Sinais Americana (ASL), o processo referencial foi destaque nos estudos
de Lillo-Martin e Klima (1990), desde a década de 1990. Para os autores, a referên-
cia anafórica, por exemplo, requer que o sinalizador aponte – veja ou gire o corpo
– ao local previamente estabelecido para o referente, caracterizando, então, uma
ação conjunta entre a anáfora e a dêixis. Não poderia ser diferente, visto que essa
utilização do espaço permite múltiplas possibilidades de reconstrução referen-
cial. Para Schlenker (2016), autor contemporâneo que estuda a ASL, nas línguas
gestual-visual, o espaço e o apontamento (dêitico) são componentes efetivos da
anáfora, principalmente quando se trata de uma anáfora pronominal, em outras
palavras, “[...] se o pronome é usado anaforicamente, o antecedente tipicamente
estabelece um local, o qual é, em seguida, ‘indexado’ (=apontou para) pelo prono-
me. O antecedente, sintagma nominal, é acompanhado com sinal de apontação
que estabelece o ‘loci’ relevante” (Schlenker, 2016, p. 7, tradução nossa1).
Nesse mesmo sentido, Landaluce (2015), investigador da Língua 2de Sinais
Espanhola, que desenvolveu a tese: “La deixis en la Lengua de Signos Española
(LSE): Efectos de la modalidad espaciovisual”, aponta a anáfora como uma forma de
uso da dêixis, trazendo uma discussão bastante congruente quanto a essa parceria
referencial. Ele assevera que, embora em muitas línguas existam elementos exclu-
sivamente anafóricos, que não têm vestígios dêiticos, é muito comum um elemen-
to dêitico ser utilizado simultaneamente à anáfora, nas línguas visuais-espaciais.
Tratando-se do espaço na constituição do processo referencial, Morales López et
al. (2019), embasados em estudos da LSE, dizem que “a utilização do espaço para
representar os distintos referentes é um recurso a serviço da coesão discursiva,

1 “(...) if the pronoun is used anaphorically, the antecedent typically establishes a locus, which is
then ‘indexed’ (=pointed at) by the pronoun. The antecedent Noun Phrases are accompanied with
pointing signs that establish the relevant loci” (SCHLENKER, 2016, p. 7)
2 “(...) la utilización del espacio para representar el rol y semirol de los distintos personajes es un
recurso al servicio de la cohesión discursiva, porque con estos recursos se produce la progresión
temática y la conexión entre las distintas proposiciones” (MORALES LÓPEZ et al., 2019, p. 114).

72
Parte I – Estudos Linguísticos

porque com esses recursos se produzem a progressão temática e a conexão entre as


distintas proposições” (Morales López et al., 2019, p. 114, tradução nossa).
Meurant (2008), em seus trabalhos referentes à Língua de Sinais do Sul da
Bélgica (LSFB), corrobora que o olhar cria e organiza um primeiro espaço refe-
rencial: o “espaço dêitico”. Esse espaço está fisicamente situado entre o locutor e
seu destinatário (considerando como um ser discursivo e não como uma pessoa
empírica). Em outras palavras, há uma relação direta de direcionamento discursi-
vo entre os interlocutores. Assim como na ASL e na LSE, Meurant (2008) também
nos mostra a possibilidade do dêitico e da anáfora ocorrerem simultaneamente,
na LSFB, via “loci”.
Nessa mesma dinâmica, na Libras, conforme Berenz (1996), uma especifi-
cidade do processo referencial é o uso frequente da dêixis, concedendo-a um papel
essencial na construção e na reconstrução do referente. A dêixis, no entanto, en-
volve propriedades formais, sendo caracterizada como uma forma gramatical que
traz o contexto para dentro da prática linguística. Em outras palavras, “os dêiticos
são usados no espaço referencial de forma gramaticalizada. Na Libras representam
pontos situados no espaço no entorno do sinalizante” (Quadros, 2021, p. 44).
Segundo Ferreira-Brito, “os dêiticos são usados frequentemente, em Libras,
para referirem e correferirem. Por correferência, entende-se aqui todos os termos
que tradicionalmente são chamados de anáfora e catáfora” (Ferreira-Brito, 2010,
p. 116, grifos nossos). Podemos entender que, assim como em outras línguas de
sinais, na Libras, o dêitico, além de exercer a função de apontar, também executa
o papel de retomar; ou seja, há um exercício simultâneo do dêitico e da anáfora. É
importante enfatizar que os referentes são introduzidos no espaço à frente do sina-
lizador, por meio da apontação em diferentes locais. Nesse contexto, percebemos
que o espaço, de fato, é um dos elementos que favorece a coesão e a coerência dos
textos enunciados em línguas de sinais.
Para Reis (2020), partindo da perspectiva da referenciação como uma prá-
tica discursiva – marcada por situação sociocognitiva-interacional –, assim como
uma atividade de escolhas lexicais significativas, torna-se indispensável destacar
a simultânea relação entre a anáfora e a dêixis na Libras, no espaço discursivo
de sinalização, o que contribui efetivamente para a tessitura de cadeia referencial
específica da modalidade gestual-visual e para construção dos significados, repre-
sentando a dinamicidade e a fluidez entre os processos referenciais na Libras.
Também sobre o dêitico e a anáfora nas línguas de sinais, Pizzuto et al.
(2006) trazem, no texto: “Deixis, Anaphora and Highly Iconic Structures: Cross-
linguistic Evidence on American (ASL), French (LSF) and Italian (LIS) Signed Lan-
guages”, uma discussão sobre a construção do dêitico-anafórico nessas línguas de
sinais destacadas. Esses pesquisadores definem as estruturas dêitico-anafóricas
como recurso de coesão textual que permitem a falantes, ou sinalizantes, mostrar
(dêixis) e retomar (anáfora) referentes no discurso, simultaneamente.
A partir de uma análise comparativa de narrativas produzidas na ASL, na
Língua de Sinais Francesa (LSF) e na Língua de Sinais Italiana (LIS), a pesquisa

73
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

proporciona evidências importantes sobre o processo referencial nas três línguas


de sinais. Mais especificamente, os dados analisados permitem avaliar a influência
das relações entre as línguas a respeito dos fenômenos investigados. Os autores
propõem duas grandes classes de dêitico-anafóricos, nas línguas gestuais-espa-
ciais. A primeira é a classe “padrão”, realizada por meio de apontações manuais
e visuais, que estabelecem posições marcadas no espaço (os “loci”). Nessa classe,
os referentes podem ser simbolicamente atribuídos. Alguns fatores são relevantes
para o processo anafórico nessa classe, entre eles: (i) a direção do olhar: a anáfora
ocorre com a marcação acentuada da direção dos olhos; (ii) a soletração (datilo-
logia): o pronome chama a atenção do interlocutor para a soletração, e a relação
entre a soletração e o objeto referido é de inferência, como no exemplo: <ELA
M-A-R-I-A>; e (iii) a locação: apontamento direcionado no espaço.
A segunda classe, proposta por Pizzuto et al. (2006), é a de complexas uni-
dades manuais e não manuais, que não são sinais de apontação nem podem ser
classificadas como sinais padrões. Essas unidades apresentam características al-
tamente icônicas – denominadas Estruturas Altamente Icônicas (EAIs) ou Trans-
ferências (Cuxac, 2000) – e são marcadas por padrões específicos do olhar, por
formas manuais que codificam atributos perceptíveis salientes das relações entre o
referente e o elemento referencial, e por expressões faciais marcadas e/ou modifica-
ções da cabeça, dos ombros e do tronco, tipicamente identificadas como “recursos
de troca de papéis”. Quando há a mudança do próprio sinalizante como referente
de primeira pessoa a outros referentes que passam a ser os referentes no corpo do
sinalizante, Quadros (2021, p. 69) denomina como “alternância de perspectivas”.
Cabeza (2020, p. 41, tradução nossa3) designa como “ação construída ou
discurso construído” o ato de o sinalizante incorporar o referente, assumindo sua
postura e seu modo de agir – o sinalizante age como se fosse o objeto referenciado.
E, nesse sentido, Bernardino et al. (2020), ao discutir sobre a ação construída na
Libras, destaca que o uso dessa estratégia linguística é extremamente importante
para a compreensão dos enunciados pelos surdos, pois expressa uma riqueza de
detalhes essenciais para o reconhecimento do referente. Além disso, os autores
destacam que a ação construída é “uma estratégia linguística referencial, a fim de
conduzir a atenção do interlocutor, por meio de recursos linguísticos visuais, para
a cena desenvolvida através do discurso narrativo” (Bernardino et al., 2020, p. 23).
Vale destacar que, quanto a esse tipo de referência, Liddell (1995), ao estudar a
relação entre o espaço e o processo referencial, numa perspectiva de representação
metal, denominou-a como “sub-rogada”.
Comumente, com base no termo proposto por Quadros (2021), ao alternar
as perspectivas para associá-las a referentes específicos, o discurso mantém a coe-
são e coerência textual, delegando a função anafórica aos contrastes estabelecidos
pelo posicionamento do corpo. Essa alternância de perspectiva pode acontecer
de forma mais explícita ou sutilmente, dependendo do gênero. Quadros (2021,

3 “(...) acción construida o discurso construido” (CABEZA, 2020, 41).

74
Parte I – Estudos Linguísticos

p.70) traz, como exemplo, a narrativa em que “a alternância de perspectiva é mais


marcada com contrastes explícitos no espaço de sinalização”. Em suma, a autora
enfatiza que, na Libras, o uso de alternância de perspectiva é extremamente rico e
pode ser aplicado de forma sutil ao longo do discurso.

3 Contextualização metodológica

O corpus da reflexão apresentada é constituído de gravações de narrativas,


feitas com colaboradores surdos, em que a língua de sinais é a sua primeira língua.
Para esse momento trazemos partes de algumas narrativas utilizadas durante as
pesquisas de doutorado (Reis, 2019) e de pós-doutorado realizadas por Reis (2019;
2020), com objetivo de analisar, especificamente, a construção da tessitura refe-
rencial no espaço de sinalização e as suas relações semântico-lexicais e discursivas
As gravações das narrativas foram transcritas em glosas-Libras, com o au-
xílio do programa Elan (EUDICO – Linguistic Annotator). Foi adotado o sistema
de anotação proposto no Manual de transcrição do Corpus Libras (disponível em:
https://corpuslibras.ufsc.br/espacointerativo/perguntas/view/11) para o desenvol-
vimento das respectivas glosas, as quais foram organizadas de forma a constituir
um corpus.
Foram consideradas, nas análises, as perspectivas teóricas, apresentadas
acima, mais especificamente, enfocamos nos processos referenciais responsáveis
pela tessitura textual, Introdução, Anáfora e Dêixis, conforme proposta de Pizzuto
et al. (2006), Reis (2022; 2021; 2020; 2019), entre outros, dedicamo-nos a apreciar
a presença das classes dêitico-anafóricas, padrão e de complexas unidades manuais
e não manuais, com suas especificidades semântico-lexicais e discursivas.

4 Análise de dados

A fim de alcançar o objetivo proposto , trazemos as análises realizadas nas


narrativas sinalizadas, dos colaboradores surdos, brasileiros, conforme já men-
cionado. Tendo em vista a delimitação necessária para estruturação deste capítulo,
selecionamos os fenômenos referenciais que mais representaram o corpus.
Para efeito de organização, disponibilizamos em formato de quadros, os
dados de análise. Conforme podemos ver, a seguir (Quadros 1, 2 e 3), temos três
colunas, sendo a primeira composta pelos referentes, ou seja, objetos do discurso;
a segunda, dedicada à tessitura textual referencial completa; e a terceira, com a
classificação do processo referencial.
A primeira análise é feita a partir de um texto humorístico que narra a his-
tória de uma professora que tenta ensinar matemática para seu aluno.

A professora pergunta ao menino:


— Se eu te der quatro chocolates hoje e mais três amanhã, você vai ficar
com... com... com...?

75
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

E o garoto esperto:
— Contente!

Vejamos, a seguir, a análise, em glosa-Libras, considerando a tessitura tex-


tual referencial na narrativa citada.

Quadro 1 – Processo Referencial em Libras


Introdução do Referente/
Reconstrução referencial Classificação
Objeto do discurso
Ref. 1: (IXle-mpc) PROFESSORA PESSOA. (IXmpc) SE Dêitico-anafórico
PESSOA le <QUEM>qu~ef EU ENSINAR VOCÊ CONSEGUIR <QUERER>qu de complexas unidades
<interrogativa> PROFESSORA ef<interrogativa> 4 CHOCOLATE + AMANHÃ manuais e não manuais:
<TENTAR>+++ <ENSI- 3 CHOCOLATE. alternância de pers-
NAR>+++ MATEMÁTICA pectiva.
(IXld-mpc) HOMEM^PEQUENO=MENINO
Ref. 2: PESSOA ESPERT@. (IXmpc) CL (balão-pensa-
PESSOA ld <QUEM>qu~ ef mento-imaginar) ef<empolgado> somar
<interrogativa> HOMEM^PE- <quantos chocolate>qu ef <interrogativa>
QUENO=MENINO (IXmpc) ef enm <sim sim sim> feliz ef<animado/
<ansiedade-curioso> alegre>.
Fonte: elaborado pelas autoras

Acima (Quadro 1), temos um texto narrativo curto, de final engraçado,


cujo objetivo é provocar risos em quem lê. Para a adequada compreensão do efeito
de humor, o interlocutor precisa conhecer minimamente as possíveis situações
que se passam no ambiente escolar: esse é o “típico” menino/aluno que estabelece
uma interpretação do que a professora diz conforme lhe convém.
É possível visualizar, na glosa-Libras, que o referente “PESSOA
le <QUEM>qu~ef <interrogativa> PROFESSORA <TENTAR>+++
<ENSINAR>+++ MATEMÁTICA” (Ref. 1) é colocado no espaço de sinalização
do lado esquerdo, enquanto que o referente “PESSOA ld <QUEM>qu~ ef <inter-
rogativa> HOMEM^PEQUENO=MENINO ef <ansiedade>” (Ref. 2) é posiciona-
do do lado direito no espaço de sinalização, na construção referencial, ambos já
orientados para os recursos que serão usados no processo de retomada.
Após demarcar, no espaço discursivo, o Ref. 1, sua retomada inicial é rea-
lizada por meio de uma repetição parcial “(IXle-mpc) PROFESSORA PESSOA”.
A repetição como recurso referencial – processo referencial sem recategorização
–, durante a construção de cadeias discursivas referenciais, destaca a informação
em questão, uma vez que chama a atenção do destinatário para o objeto do dis-
curso que se encontra saliente. Segundo Santos e Cavalcante (2014), mesmo as
estratégias referenciais sem recategorização também marcam “a intencionalidade,
[...] a sequência textual predominante, além de outros aspectos não apenas lin-
guísticos, mas condicionados pelo caráter sociocognitivo da linguagem” (p. 229).

76
Parte I – Estudos Linguísticos

Acerca do Ref. 2, sua retomada inicial também é realizada por meio de repetição
parcial, com o diferencial do acréscimo de um predicativo: “ESPERT@”. Apesar de
tratar do mesmo objeto de discurso, no processo de tessitura referencial, há uma
qualidade específica do referente adicionada, que expressa uma escolha lexical do
sinalizante: “o sujeito, na interação, opera sobre o material linguístico que tem à
sua disposição, operando escolhas significativas para representar estados de coi-
sas, com vistas à concretização do seu projeto de dizer (Koch, 2004, p. 31)”. Ambas
retomadas são nominadas, então, como dêitico-anafórico padrão por repetição.
O colaborador surdo, durante a tessitura textual, com o objetivo de “condu-
zir a atenção do interlocutor, por meio de recursos linguísticos visuais, para a cena
desenvolvida através do discurso narrativo” (Bernardino et al., 2020, p. 23), usou
também o recurso de “Troca de Papéis” ou, conforme alguns autores denominam,
“Mudança de Postura Corporal”, “Ação Construída”, “Alternância de perspecti-
va”, fenômeno também conhecido como “Role Shift”, bastante comum nas línguas
gestuais-visuais quando se trata de narrativas. Esse fenômeno é considerado por
Cormier et al. (2015) como “dispositivo de representação em que um ou mais ar-
ticuladores corporais (incluindo a cabeça, face, olhos, braços e tronco) são usados​​
para representar os enunciados, pensamentos, sentimentos e / ou ações de um ou
mais referentes” (p. 167)4.
Especificamente, em relação ao referente “menino”, após demarcá-lo no es-
paço discursivo, tem-se sua primeira retomada, realizada pelo Role Shift: (IXmpc)
ef <ansiedade-curioso>. Nessa reconstrução do referente, o surdo já incorpora a
personagem, atribuindo-lhe características físicas (como expressões faciais e cor-
porais etc.) e psicológicas (como alegria, animação etc.), coerentes com a atitude
do referente.
Temos, nesse caso, um dêitico-anafórico de classe de complexas unidades
manuais e não manuais, marcado por padrões específicos do olhar, por formas
manuais que codificam atributos perceptíveis salientes das relações entre o refe-
rente e o elemento referencial, por expressões faciais marcadas e por modificações
da cabeça, dos ombros e do tronco, tipicamente identificadas como “recursos de
troca de papéis” (Pizzuto et al., 2006). Em um segundo momento, na constru-
ção da tessitura semântico-lexical e discursiva, localizamos uma retomada, no
instante da troca de papéis: (IXld-mpc) HOMEM^PEQUENO=MENINO PES-
SOA. “O usuário da Libras retoma o referente apenas mudando a posição do seu
corpo” (Ferreira-Brito, 2010, p. 53 ). Por fim, temos a terceira retomada também
por Role Shift: (IXmpc) CL (balão-pensamento-imaginar) ef<empolgado> somar
<quantos chocolate>qu ef <interrogativa> enm <sim sim sim> feliz ef<animado/
alegre>. Tanto os sinais manuais quanto as expressões faciais e corporais realiza-
das, nesse momento, caracterizam a personagem, e não o enunciador. Nesse senti-
do, Cabeza e García-Miguel (2018) defendem que “os sinalizantes adaptam a seus

4 “(...) a representational device where one or more bodily articulators (including the head, face,
eyegaze, arms, and torso) are used to represent the utterances, thoughts, feelings and/or actions of
one or more referents” (CORMIER et al., 2015, p. 167).

77
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

propósitos comunicativos as possibilidades de construção que lhes oferecem tanto


os articuladores manuais quanto os articuladores não manuais (na elaboração da
ação construída)5” (p. 258, tradução nossa).
Por todas essas questões destacadas, denominamos esse processo referen-
cial como dêitico-anafórico de complexas unidades manuais e não manuais, por
alternância de perspectivas. Diante dessa análise, vale mencionar que quando a
pessoa surda utiliza determinado processo referencial, ele não o faz aleatoriamen-
te, ao contrário, há em sua escolha finalidades comunicativas, as quais podem re-
velar opiniões, intenções e atitudes do enunciador.
A seguir (Figura 1), é possível visualizar as imagens das alternâncias de
perspectivas para associá-las a referentes específicos: aluno, narrador, professor.

Figura 1 – Imagens com as alternâncias de perspectivas

Fonte: Adaptado de Reis (2019).


A segunda análise é feita a partir da narrativa baseada na história das pe-
ras – Pear Film6 – que, de modo geral, narra a vida de um trabalhador do campo
durante a colheita de peras e um menino que rouba uma das cestas de peras es-
condido do agricultor. Vejamos, a seguir, a análise, em glosa-Libras, considerando
a tessitura textual referencial na narrativa citada (Quadro 2).

5 “(...) los señantes adaptan a sus propósitos comunicativos las posibilidades de construcción que
les ofrecen tanto las articulaciones manuales y los articuladores no manuales (en la elaboración
de la acción construida)” (CABEZA; GARCÍA-MIGUEL, 2018).
6 Vídeo Pear Film disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=bRNSTxTpG7U. Vale desta-
car que a “história da pera” é o nome que se usa para fazer referência a qualquer narrativa baseada
no filme da pera, produzido por Wallace Chafe, em 1970, com o objetivo de eliciar contações
de histórias em diversas línguas, para embasar estudos translinguísticos e transculturais (MC-
CLEARY; VIOTTI, 2011).

78
Parte I – Estudos Linguísticos

Quadro 2 – Processo Referencial em Libras


Construção do Referente/
Reconstrução referencial Classificação
Objeto do discurso
PERA <p-e-r-a> IX-CL(homem-colhendo-peras - oc<olhar Dêitico-anafórico
para cima> - ef<atento>) . CL(homem- de complexas unidades
-colocando-peras-avental^cesto - ob<olhar manuais e não manuais: in-
HOMEM VELH@ para baixo> - ef<esforço>) . CL(ho- corporação da personagem.
BIGODE-GROSSO mem-colhendo-peras)<mão direita> .
CHAPEU LUTAR++ CL(homem-colhendo-peras)<mão esquerda>
TRABALHAR+ . CL(homem-colocando-peras-avantal^ces-
to)<mão direita> . CL(homem-colocan-
do-peras-avental^cesto)<mão esquerda> ·
CL(homem-colhendo-peras)<mão direita> .
CL(homem-colhendo-peras)<mano esquer-
da>· CL(homem-colocando-peras-avental^-
cesto)<mão direita> . CL(homem-colo-
cando-peras-avental^cesto)<mão esquerda>
· CL(homem-colhendo-peras)<mão direita>
CL(homem-colhendo-peras)<mão esquerda>
· CL(homem-colocando-peras-avental^ces-
to)<duas mãos simultaneamente>)
Fonte: elaborado pelas autoras.

Acima (Quadro 2), os referentes, em análise, são “pera” e “homem”. Con-


forme podemos visualizar, a Introdução do referente “pera” se realiza com o sinal
PERA, seguido de sua datilologia <p-e-r-a>. Esse processo de Introdução – sinal
seguido de datilologia – já evidencia a preocupação do surdo em aclarar ao seu
interlocutor a construção desse objeto do discurso na narrativa. A Introdução do
referente “homem” se realiza com os sinais HOMEM VELH@ BIGODE-GROSSO
CHAPEU LUTAR++ TRABALHAR+. O sinalizante já caracteriza na apresentação
do referente que não se trata de qualquer homem, mas de um agricultor que está
dedicado ao trabalho. Esse processo de Introdução promove um convite para uma
ativação de conhecimentos culturalmente compartilhados entre os sinalizantes da
Libras.
Depois do processo de Introdução, o sinalizante constrói o espaço narrativo
da história da pera, e começa a desenvolver a cadeia referencial a partir da retoma-
da dos referentes em destaque. Nesse sentido, trazemos (Quadro 2) a primeira re-
cuperação dos objetos do discurso “pera” e “homem”, que consideramos relevante
na narrativa. A retomada desses referentes, como o vemos na glosa-Libras, sucede
em conjunto, por meio de padrões específicos do olhar e de expressões faciais mar-
cadas, a exemplo oc<olhar para cima> - ef<atento>. Também temos, nesse proces-
so de recuperação, os classificadores que mostram a forma do homem lidar com a
PERA em seu trabalho de colheita. É como se a pessoa sinalizante descrevesse no

79
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

espaço de sinalização a cena do homem recolhendo peras, e essas sendo armaze-


nadas no cesto. Todos esses elementos juntos promovem o desenvolvimento efe-
tivo de uma “ação construída” (Cabeza, 2020, p. 41), em que o sinalizante assume
a postura e o modo de agir do referente no espaço discursivo. Nessa perspectiva,
concordamos com Morales López et al. (2019, p. 114, tradução nossa) quando
dizem que “a utilização do espaço para representar os distintos personagens é um
recurso ao serviço da coesão discursiva, porque com esses recursos se produzem
a progressão temática e a conexão entre as distintas proposições7”. Tendo em vista
esses fatores elencados, classificamos então esse processo de recuperação como
dêitico-anafórico de complexas unidades manuais e não manuais, por ação cons-
truída. Vale destacar que essa estratégia referencial foi muito frequente durante a
narrativa.
A seguir, temos a sequência de imagens (Figura 2) com alguns momentos
do processo de recuperação, analisado acima (Quadro 2). Mostramos, na primeira
imagem, a representação do homem recolhendo as peras. Na segunda, buscamos
evidenciar os padrões específicos do olhar, assim como as expressões faciais mar-
cadas. Por último, temos a imagem do homem colocando as peras colhidas no
avental.

Figura 2 – Postura e o modo de agir do referente no espaço discursivo

Fonte: Adaptado de Reis (2020).

A terceira análise também é feita, a partir da narrativa baseada na história


das peras, com foco específico na retomada do referente PERA. Vejamos a seguir
a análise (Quadro 3), em glosa-Libras, considerando a tessitura textual referencial
na narrativa citada.

Quadro 3 - Processo Referencial em Libras


Construção do Referente/
Reconstrução referencial Classificação
Objeto do discurso
IX(COMER-FRUTA+++ ef<mastigar-com-vo- Dêitico-anafórico padrão:
PERA racidade> od<olhar-direita>) hipônimo/hiperônimo.
Fonte: elaborado pelas autoras.

7 “(...) la utilización del espacio para representar los distintos personajes es un recurso al servicio de
la cohesión discursiva, porque con estos recursos se produce la progresión temática y la conexión
entre las distintas proposiciones” (MORALES LÓPEZ et al., 2019, p. 114).

80
Parte I – Estudos Linguísticos

Observamos acima (Quadro 3) uma recuperação do referente “pera” por


meio de um hiperônimo, ligado ao verbo “comer”: IX(COMER-MASTICAR-FRU-
TA+++). Não é comer qualquer coisa, neste caso o próprio sinal realizado com a
configuração da mão em C, a orientação da palma da mão voltada para a boca, o
movimento retilíneo, o olhar direcionado ao cesto de peras, com a expressão facial
de mastigar com voracidade, já caracteriza e contextualiza o sinal de “fruta”, em
Libras. Fruta, sendo um hiperônimo de pera, contém todos os traços lexicais do
referente em questão. Nesse sentido, segundo Koch (2004), a retomada, por meio
de um hiperônimo, de um objeto de discurso previamente introduzido por um
hipônimo, constitui estratégia referendada pela norma, mantendo um mínimo de
estabilidade informacional, já que a recuperação por hiperonímia funciona neces-
sariamente por recorrência a traços lexicais.
Assim sendo, o conhecimento cognitivo do sinalizante é de extrema im-
portância para a seleção lexical apresentada em um discurso. O domínio de deter-
minado campo semântico é o que vai lhe permitir construir a cadeia referencial
de sua narrativa e empregar adequadamente os hipônimos e hiperônimos. São
escolhas semântico-lexicais e discursivas conscientes do objeto do discurso, de-
senvolvidas de acordo com o contexto de interação dos interlocutores (Monda-
da; Dubois, 2003). Por todos esses elementos apontados, temos nesse processo
de reconstrução referencial um dêitico-anafórico padrão por hiperônimo. Vejamos
as imagens (Figura 3) da retomada do referente “pera” por meio do hiperônimo
“fruta”, realizada pelo sinalizante.

Figura 3 – Reconstrução referencial: hipônimo/hiperônimo

Fonte: Adaptado de Reis (2020).

5 Conclusão

Notamos, com as análises realizadas, como os elementos lexicais não se


restringem às suas características dadas, a priori, mas atualizam-se no discurso,
ganhando novos sentidos, revelando, assim, o caráter criativo da tessitura textual,
em que os referentes alcançam diferentes potencialidades semântico-lexicais e dis-
cursivas, durante o processo referencial. Assim sendo, é possível afirmar que a
referenciação é um importante elemento na construção da tessitura textual que,

81
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

a partir das intencionalidades do sinalizante, marcadas por suas escolhas lexicais,


em um contexto discursivo, auxilia na construção dos significados do texto.
De modo geral, os processos referenciais desempenham, simultaneamente,
uma série de funções discursivas, entre elas destacamos a organização semântica
de partes do texto, a metadiscursividade, a introdução de informações novas, o
convite para uma busca/ativação da memória, os efeitos estéticos-estilísticos, as-
sim como a marcação de heterogeneidade discursiva e lexical (Ciulla, 2008).
Fica evidente, no decorrer das reflexões apresentadas, a dinamicidade da
trajetória dos referentes selecionados. A constituição de uma “cadeia referencial
é, dessa forma, resultado da manutenção ou evolução de um objeto de discurso”
(Koch, 2008, p. 102), e como sabemos, “a unidade do texto depende da coesão e
da coerência, ou seja, dos elos estabelecidos ao longo do texto e da composição
dos sentidos para integrá-los de forma adequada, consistente com a intenção do
sinalizante” (Quadros, 2021, p. 85). A simultaneidade e o espaço foram fatores
essenciais no desenvolvimento da tessitura referencial, em Libras.
Nesse sentido, é relevante reforçar que “a simultaneidade também é um me-
canismo de coesão que garante a coerência nas línguas de sinais” (Quadros, 2021,
p. 86). Da mesma maneira, “a utilização do espaço para representar os distintos
referentes é um recurso a serviço da coesão discursiva, porque com esses recursos
se produzem a progressão temática e a conexão entre as distintas proposições”
(Morales López et al., 2019, p. 114, tradução nossa8).
Em conclusão, observamos nas narrativas analisadas, tessituras referenciais
semântico-lexicais e discursivas por meio do dêitico-anafórico de classe de com-
plexas unidades manuais e não manuais, com “ações construídas” (Bernardino et
al., 2020; Cabeza, 2020) ou, conforme denomina Quadros (2021), “alternâncias
de perspectivas”; e por meio do dêitico-anafórico de classe padrão por repetição,
por hiperônimo – que funciona necessariamente por recorrência a traços lexicais.

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8 “(...) la utilización del espacio para representar los distintos personajes es un recurso al servicio de
la cohesión discursiva, porque con estos recursos se produce la progresión temática y la conexión
entre las distintas proposiciones” (MORALES LÓPEZ et al., 2019, p. 114).

82
Parte I – Estudos Linguísticos

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84
Parte II
Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
(ETILS)

A verbo-visualidade na tradução de poemas da Língua


Portuguesa para a Libras: o tradutor-performático
e o corpo-texto

Ricardo Ferreira Santos


Instituto Federal de São Paulo
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo1

Beth Brait
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
CNPq, PQ 1A2

1 Introdução

Na atualidade, observamos a produção de traduções artístico-poéticas da


Língua Portuguesa (LP) para a Língua Brasileira de Sinais (Libras3), assim como
sua divulgação em sites de compartilhamento na internet, principalmente na pla-
taforma de vídeos YouTube. As traduções artístico-poéticas são manifestações
enunciativo-discursivas realizadas por meio de linguagens artísticas e poéticas. Na
tradução, do poema da Língua Portuguesa para a Libras, há uma relação intrínse-
ca entre a linguagem artística e a linguagem poética, pois os elementos semiótico-
-ideológicos são organizados e materializados por meio da articulação da palavra
do poema em Língua Portuguesa, da linguagem poética sinalizada, presente na
composição da tradução em Língua Brasileira de Sinais, da performance tradutória
e da composição estética em material audiovisual.
1 Este trabalho, em coautoria, é produto parcial da pesquisa de Doutorado desenvolvida com auxí-
lio Bolsa Capes, processo nº 88887.204126/2018-00.
2 Este trabalho, em coautoria, é produto do projeto de pesquisa CNPq “Discursos de resistência,
tradição e ruptura”, Proc. 307028/2018-6, do qual sou coordenadora e o coautor é um dos inte-
grantes.
3 Utilizaremos grafia Libras (Língua Brasileira de Sinais) de acordo com os documentos oficiais
(Lei Federal de nº10.436/2002, Decreto nº 5.626/2005, a Lei nº 12.319, Lei Brasileira de Inclusão,
LBI, nº 13.146/15).

85
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

Essas produções audiovisuais são realizadas pelos tradutores e intérpretes


de línguas de sinais (TILS4) e por outros sujeitos discursivos – diretor(a), cinegra-
fista, técnico de iluminação, roteirista etc. – presentes na recriação-cocriação de
um “outro” objeto estético. No pensamento bakhtiniano, o discurso “[...] só pode
existir de fato na forma de enunciados concretos de determinados falantes”, ou
seja, o sujeito discursivo (Bakhtin, 2016a, p. 28). O sujeito discursivo se constitui
na relação com o “outro”, nos diferentes usos da linguagem e nas diversas ativida-
des humanas, e é atravessado por discursos alheios e por relações dialógicas.
No caso da tradução de poemas da LP para a Libras – presente na literatura
surda – o projeto é materializado por meio da linguagem artística, da linguagem
poética, da linguagem audiovisual e está ligada a um determinado gênero discur-
sivo (poema). Esses elementos semiótico-ideológicos, que participam da constru-
ção da obra traduzida, instauram uma dimensão verbo-visual, ou seja, constituída
por um plano verbal (escrita-vocal e gesto-visual) e por outros signos em sua di-
mensão visual, verbo-visual etc.
Neste estudo, observamos a tradução do poema “Todas as Manhãs”5, reali-
zada por tradutores-textuais6, juntamente com tradutores-performáticos7, e, tam-
bém, produzidas por uma equipe de profissionais da área audiovisual. É relevante
destacar que a tradução de poemas da LP para a Libras, tanto a atividade tra-
dutória quanto a produção audiovisual podem ser realizadas pelo mesmo TILS.
Sua realização enunciativo-discursiva, porém, nunca é individual, na medida em
que sempre estará atravessada por relações dialógicas, entretidas com as línguas
e linguagens em movimento, com os suportes utilizados e com os discursos que
atravessam o intérprete no momento de sua atuação.
Considerando esses aspectos, o objetivo deste estudo – resultante da pes-
quisa de doutorado (Ferreira-Santos, 2022a) –, a partir da Análise Dialógica do
Discurso (ADD), advinda de Bakhtin e o Círculo8, dos estudos da verbo-visuali-
4 Utilizaremos o termo Tradutor e Intérprete de Línguas de Sinais para designar de forma genérica
o profissional, conforme regulamentação da profissão de Tradutor e Intérprete da Língua Brasilei-
ra de Sinais – Libras, pela Lei 12.319/2010.
5 Poema da escritora e poeta Conceição Evaristo (em LP), traduzido para a Libras por Mirian
Caxilé e Lívia Vilas Boas, sinalizado pelos surdos Edinho Santos e Nayara Rodrigues. Essa tradu-
ção foi produzida pela TV CES (Centro de Educação para Surdos Rio Branco). Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=yOh-uU-BlEk&t=66s
6 Ferreira -Santos (2022a) nomeia tradutores-textuais os TILS que realizaram as traduções do texto
de partida (poemas) para a Libras, porém não realizaram a enunciação do texto de chegada em
Libras (performance interpretativa) no material audiovisual.
7 Tradutores-performáticos é o termo utilizado por Ferreira-Santos (2022a) para nomear os tra-
dutores que realizaram a enunciação do texto de chegada (tradução final) no material audiovi-
sual por meio da performance sinalizada. A tradução performática sinalizada parte já do texto
traduzida em Libras ou por roteiro em LP, realizado por outros sujeitos, e performada por outros
tradutores, incorporando a tradução em um corpo-texto no material audiovisual diferente dos
tradutores de início.
8 Atualmente, o estudo advindo do Círculo (de Bakhtin), denominado pensamento bakhtiniano,
envolve trabalhos realizados por diversos intelectuais russos ao longo de várias décadas. Neste

86
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

dade e dos Estudos da Tradução e da Interpretação de Línguas de Sinais (ETILS),


é analisar a presença do tradutor-performático e a maneira como ocorrem as re-
lações dialógicas e as posições axiológicas na tradução de poemas da LP para a
Libras, materializadas em seu corpo-texto.

2 Pressupostos teórico-metodológicos

Este estudo está fundamentado na ADD, nos estudos da verbo-visualidade


(Brait, 2009, 2010, 2013, 2015) e nos ETILS, como um campo específico do conhe-
cimento acadêmico que se relaciona com os Estudos da Tradução (ET) e com os
Estudos da Interpretação (EI). O campo dos ETILS, conforme Rodrigues e Beer
(2015), além de manter uma relação entre esses dois grandes e integrados cam-
pos disciplinares, também mantém com eles inegáveis e explícitas identificação e
dependência. A atividade tradutória e a interpretativa ocorrem por meio da mo-
bilização enunciativa-discursiva entre língua-linguagem, apresentando, porém,
algumas características específicas em sua realização. Conforme Rodrigues e Beer
(2015), esses dois processos ocorrem por meio de seu objeto central de estudo,
respectivamente. Nesse sentido,
[...] “a tradução e o traduzir” e “a interpretação e o interpretar”: Esses dois
processos, embora cunhados na translação de material linguístico-cultu-
ral de uma língua a outra, caracterizam-se pela maneira por meio da qual
acontecem linguística, cognitiva e operacionalmente. Nesse sentido, esses
campos disciplinares são justapostos e interdependentes, já que sua coexis-
tência é inevitável, e, ao mesmo tempo, distintos e singulares em relação à
especificidade de seu foco de estudos. (Rodrigues; Beer, 2015, p. 19).
Desta forma, nosso objeto de pesquisa é a tradução de poemas da LP para
a Libras, constituído por meio de diversas linguagens, por relações dialógicas,
processo em que o projeto enunciativo-discursivo produzido em uma determina-
da língua de partida (LP) é recriado e enunciado por outros sujeitos discursivos,
por meio de uma língua de chegada (Libras). Neste novo projeto, enunciativo-
-discursivo e verbo-visual, ocorre um encontro dialógico cultural. No encontro
de culturas, de acordo com Bakhtin (2017a, p.19), elas “não se fundem e nem se
confundem; cada uma mantém a sua unidade e sua integridade aberta, mas se elas
se enriquecem mutualmente”.
As relações dialógicas (discursos em movimento) são “estabelecidas a partir
de um ponto de vista assumido por um sujeito, personificadas na linguagem, em
enunciados concretos”. Esses enunciados, presentes em uma determinada esfera de
circulação, ao ocorrer a mudança para outra esfera, causam uma modificação, uma

estudo dialogamos com três autores presentes no Círculo: Mikhail Bakhtin (1895-1975); Valentin
N, Volóchinov (1985-1936); Pável N, Medvédev (1891-1938). O diálogo intelectual desses pen-
sadores possibilitou um conjunto de reflexões que influenciaram e influenciam os estudos da lin-
guagem e têm conduzido estudiosos contemporâneos a refletir sobre o pensamento bakhtiniano
em diferentes campos do conhecimento.

87
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

alteração ou uma subversão nas “relações implicadas nos discursos que constituem
um texto ou um conjunto de textos” (Brait, 2009, p. 145-146, grifo do autor).
No caso das traduções de poemas da LP para a Libras, processo tradutório
que se dá entre línguas (vocal-escrita e gestual-sinalizada), os sujeitos discursivos
necessitam mobilizar a obra (poema em LP) em uma determinada língua e realizar
“outra” forma e estilo-composicional em outra língua (Libras), enfrentando diversos
elementos semióticos. Os signos criados no texto de partida e sua relação individual
com o poeta (língua-linguagem) necessitam da compreensão do(s) tradutor(es) e/
ou de outros sujeitos participantes para recriar/cocriar o material tradutório.
Conforme Volóchinov (2019), é necessário compreender o que são língua e
linguagem, pois é esse o material especial, essencial e peculiar para a criação literá-
ria. Com relação à tradução de poemas, o TILS primeiramente necessita ser bilíngue
(neste caso, LP e Libras) e ter compreensão ativa e responsiva do texto de partida
(poema em LP vocal-escrita). A compreensão ativa e responsiva, ou seja, a possibi-
lidade de resposta, é determinada na organização do enunciado e na sua totalidade.
Não se trata de uma compreensão simples (passiva) cujo fim seja apenas
compreender o que o falante quer dizer, sem avaliar a compreensão de sua
fala, sem tirar dela uma conclusão nem apresentar uma reação responsi-
va [...]. Toda compreensão é, em maior ou menor grau, prenhe de reação
responsiva quer em palavras, quer em uma ação. É justamente nessa com-
preensão ativa e responsiva que se fixa o discurso do falante: a compreensão
não dubla o compreensível; essa dublagem passiva seria inútil para a socie-
dade. (Bakhtin, 2016b, p. 121-122).
Na tradução de poema da LP para a Libras, os sujeitos discursivos, ao rea-
lizarem esse enunciado tradutório e audiovisual, por meio de um gênero do dis-
curso, realizam formas relativamente estáveis e típicas de construção do conjunto,
ou seja, a obra tradutória. Bakhtin (2017b) especifica a procura da própria palavra
que está no gênero, no estilo, na posição de autor, tendo em vista que
a procura da própria palavra é, de fato, procura da palavra precisamente
não minha, mas de uma palavra maior que eu mesmo; é o intento de sair de
minhas próprias palavras, por meio das quais não consigo dizer nada de es-
sencial. Eu mesmo posso ser apenas o personagem, mas não autor primário.
A procura da própria palavra pelo autor é, basicamente, procura do gênero
e do estilo, procura da posição de autor. (Bakthin, 2017b, p. 47).
Neste estudo, a partir dessa perspectiva dialógica de tradução, observamos,
na tradução em pauta, como ocorrem as interrelações sócio-históricas e culturais
– por meio das línguas e linguagens (verbo-visuais) e pela compreensão ativa e
responsiva – entre essas duas comunidades linguísticas, materializadas no corpo-
-texto do tradutor-performático.
Brait (2009, 2010, 2013, 2015) desenvolve o arcabouço teórico para o estudo
do verbo-visual, da verbovisualidade, fundamentando-o por meio das contribui-
ções dos estudos de Bakhtin e o Círculo. Conforme a autora, os estudos do signo

88
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

ideológico, realizados por Valentin Volóchinov, em Marxismo e filosofia da lin-


guagem (MFL), por exemplo, fundamentam a leitura do visual e da cultura visual:
[esse texto] se oferece como investigação fundamental sobre a filosofia da
linguagem, colocando o estudo do signo no centro de uma investigação
ideológica. A perspectiva semiótico-filosófica-ideológica, justamente a que
vai construir o que Volóshinov designa como signo ideológico, é a que serve
de fundamento para a leitura do visual, da cultura visual, ainda que Voloshi-
nov, aparentemente, não tenha se dedicado à imagem. (Brait, 2013, p. 46).
A linguagem verbo-visual, conforme Brait (2015) propõe, é
[...] uma enunciação, um enunciado concreto articulado por um projeto
discursivo do qual participam, com mesma força e importância, a lingua-
gem verbal e a linguagem visual. Essa unidade significativa, essa enuncia-
ção, esse enunciado concreto, por sua vez, estará constituído a partir de
determinada esfera ideológica, a qual possibilita e dinamiza sua existência,
interferindo diretamente em suas formas de produção, circulação e recep-
ção. (Brait, 2015, p. 194).
Brait (2013) aponta, ainda, alguns aspectos fundamentais e necessários na
dimensão verbo-visual. A autora lembra que temos de um lado os estudos do vi-
sual, especialmente os ligados à arte. E, também, os estudos que procuram ex-
plicar o verbal e o visual articulados num único enunciado, presentes na arte ou
fora dela. Este casamento entre o visual e o verbal pode sofrer gradações, ou seja,
destacar mais o verbal ou mais o visual; porém, a organização do enunciado é rea-
lizada em “único plano de expressão, numa combinatória de materialidades, numa
expressão material estruturada” (Brait, 2013, p. 50).
Considerados esses aspectos da verbo-visualidade, é possível afirmar que a
linguagem audiovisual9, constitutiva da tradução de poemas da LP para a Libras,
nosso objeto de estudo, participa, decisivamente, para a arquitetônica semiótico-
-ideológica dessa atividade. Nos estudos da Tradução Audiovisual (TAV10), as pes-
quisas pertencentes a Tradução Audiovisual Acessível (TAVa) – subcampo que se
relaciona diretamente com os Estudos da Acessibilidade (Nascimento; Nogueira,
2019) – contribuem, decisivamente, com os estudos relacionados à atividade tra-
dutória em meios audiovisuais. Segundo os autores, “a tradução e a interpretação
da língua de sinais, na maioria das vezes, é apenas citada, de forma tímida, entre

9 Utilizaremos o termo linguagem audiovisual, pois compreendemos que o objeto desta pesquisa
é um produto audiovisual composto por três linguagens – verbal, sonora e visual – que, embri-
cadas, constroem um enunciado concreto específico. A linguagem audiovisual possui aspectos
próximos da linguagem cinematográfica, porém com mais abrangência, engloba tudo aquilo que
é verbal, áudio e visual: vídeos caseiros, produções publicitárias, jornal televisivo, filmes etc. Já a
linguagem cinematográfica possui aspectos específicos, complexos e é direcionada para produ-
ções de filmes.
10 Os conceitos TAV e tradução interlingual estão conectados por meio da legendagem, da dubla-
gem, do voice-over e da narração (ou voice-off), devido ao fato de que as leis de acessibilidade para
o audiovisual forçaram a tecnologia a pensar em novos recursos que tornassem a comunicação
nesse meio acessível a pessoas com deficiência auditiva e visual.

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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

parênteses ou em notas de rodapé, como uma prática interpretativa para surdos e


ensurdecidos [...]” (Nascimento; Nogueira, 2019, p. 117; destaque do autor).
Os autores observam um contraponto relacionado às pesquisas que envol-
vem a TAV no contexto brasileiro, pois há uma busca para inserir a tradução e a
interpretação de línguas de sinais no amplo escopo temático da TAV, especialmen-
te no contexto da TAVa. Ao mobilizar língua e cultura em uma plataforma multi-
modal audiovisual, a tradução e interpretação de línguas de sinais se enquadra na
TAVa. (Nascimento; Nogueira, 2019). O estudo de Nascimento e Nogueira (2019)
propõe a mudança da terminologia de janela de Libras para tradução audiovisual
da língua de sinais (TALS), pois consideram que a janela de Libras corresponde ao
“locus de apresentação da tradução” e a TALS à “prática tradutória em si” (p. 126).
Neste estudo, compreendemos que nosso objeto de pesquisa se insere na
TALS, pois os tradutores e os sujeitos discursivos responsáveis pela obra realizam
uma apropriação do espaço por meio do seu corpo-texto, inserem elementos ver-
bo-visuais e compartilham o material audiovisual em uma plataforma contempo-
rânea (YouTube).
A construção composicional na tradução de poemas da LP para a Libras,
além de ser enunciada verbalmente (Libras) e materializada em um corpo-texto, é
organizada por elementos verbais e visuais, tais como enquadramentos, planos de
fundo, camadas de vídeo, imagens, legendas, efeitos e transcrições, figurinos etc.
Assim, por meio das lentes dialógicas e verbo-visuais, observamos como
a materialidade enunciativo-discursiva no corpo-texto do tradutor-performático,
em sua estrutura interna, aponta para fora, ou seja, é direcionada para os aconte-
cimentos na vida.

3 Metodologia

Este estudo está inserido no campo da perspectiva qualitativa, do tipo ana-


lítico-descritiva e, desta forma, buscamos analisar, compreender e interrelacionar
informações que possibilitem a compreensão das relações dialógicas e das posi-
ções axiológicas materializadas no corpo-texto do tradutor-performático.
Para a análise desenvolvida neste estudo, utilizamos os seguintes materiais:
texto de partida (escrito em LP) e tradução em áudio-vídeo (baixadas no canal
do YouTube – LP para a Libras). Posteriormente, direcionamos nossas lentes dia-
lógicas para as questões referentes à atividade tradutória artístico-poética da LP
para a Libras, mais especificamente para as relações dialógicas e para as posições
axiológicas presentes na materialidade enunciativo-discursiva no corpo-texto dos
tradutores-performáticos.
Escolhemos a tradução do poema da LP para a Libras, “Todas as manhãs”,
compartilhado no principal site de compartilhamento de vídeos, YouTube, em
2016. Os critérios para escolha desta tradução foram: (a) o texto da tradução em
Libras ser realizado por determinados sujeitos e o produto audiovisual ser enun-
ciado por outros corpos-textos (sujeitos discursivos); e (b) a composição estética-
-ideológica dos corpos-textos.

90
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

Figura 1 – Imagem do nome do canal da TV CES e do título da tradução

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=yOh-uU-BlEk.

Com relação à composição estética da obra traduzida, a linguagem audio-


visual também é responsável pela captação, pela disposição e pela composição
do corpo-texto do tradutor-performático no vídeo. A linguagem audiovisual cria
uma uniformidade de comunicação, de modo que os profissionais que trabalham
na composição do material audiovisual se utilizam de aspectos técnicos na com-
posição do material audiovisual, direcionados para o cinema, televisão etc. (Ro-
drigues, 2007).
O enquadramento, presente na linguagem audiovisual, é um elemento im-
portantíssimo para essa construção semiótica-ideológica da obra traduzida. O
enquadramento é pensado e organizado tanto para captar a sinalização e a perfor-
mance do tradutor como para captar a totalidade da cena (conjuntos de planos).
O corpo-texto do tradutor-performático e todos os elementos presentes na cena
são capturados pela lente da câmera e, conforme o enquadramento e os ângulos,
cria-se uma estética visual que contribui na construção da obra traduzida.
O enquadramento do corpo do tradutor-performático na tradução artísti-
co-poética da LP para a Libras, no processo de criação do material audiovisual, é
um elemento muito importante. Conforme esse corpo-texto (discursivo) for cap-
tado, cria-se uma estética verbo-visual com determinada camada ideológica, ou
seja, permeada de valores, a qual atua, necessariamente, na percepção do destina-
tário. A seguir, apresentamos alguns planos de enquadramento:

Quadro 1 – Planos de enquadramento de acordo com o estudo


de Rodrigues (2007, p. 29-30).

Close (CL): Pode ser nomeado como primeiríssimo Superclose (SCL): Close fechado do rosto do tradu-
plano. Enquadra o rosto inteiro do tradutor-performá- tor-performático. O enquadramento é realizado entre
tico, do ombro para cima. o queixo e o limite da cabeça.

91
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

Plano Próximo ou Primeiro Plano (PP): o tradu- Plano Médio (PM): o tradutor-performático é
tor-performático é enquadrado do busto para cima. enquadrado da cintura para cima.

Plano Americano (PA): o enquadramento do tradu- Plano Inteiro (PI): o tradutor-performático é en-
tor-performático é realizado do joelho para cima. quadrado da cabeça aos pés, deixando um pequeno
espaço acima da cabeça e abaixo dos pés.
Fonte: Desenvolvido pelos autores

Compreendemos que a tradução de poemas da LP para a Libras é uma ati-


vidade complexa e desafiadora, pois cria “outro” poema sinalizado – uma vez que
os TILS realizam escolhas enunciativo-discursivas e uma performance tradutória
–, envolvendo uma complexa recriação/cocriação semiótica, semântica, sintática e
fonológica, que visa à produção dos sentidos e efeitos poéticos correspondentes ao
texto de partida. Com isso, os procedimentos metodológicos apresentados acima,
foram pensados para observar, descrever e analisar a mobilização materializada no
corpo-texto do tradutor-performático nessa atividade tradutória artístico-poética.

4 Análise

Na tese (Ferreira-Santos, 2022a), que dá origem aos dados e reflexões apre-


sentadas, neste capítulo, – por ser uma pesquisa mais extensa – abordamos diver-
sos aspectos na tradução de poemas da LP para a Libras, como: (i) a(s) autoria(s)
na tradução de textos artístico-poéticos da LP para a Libras; (ii) as posições valo-
rativas dos sujeitos responsáveis em realizar a obra tradutória diante da materiali-
dade semiótico-ideológica presente nos textos a serem traduzidos; e (iii) os apaga-
mentos e a inserção de outros elementos semióticos-ideológicos na mobilização

92
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

enunciativo-discursiva e no processo de criação do novo material verbo-visual


na obra tradutória (visibilidades e invisibilidades semiótico-ideológicas). E para
este estudo, realizamos um recorte em que abordamos apenas duas categorias de
análise, presentes nos corpos-textos dos tradutores-performáticos: (1) as relações
dialógicas; e (2) as posições axiológicas.
A materialidade enunciativo-discursiva da tradução de poemas da LP para
a Libras é concretizada em um material audiovisual (vídeo). Esse processo de re-
criação/cocriação é realizado por sujeitos discursivos únicos, que dialogam com
o discurso do autor do texto de partida, assumindo uma compreensão ativa e
responsiva. Dessa forma,
[...] constroem um novo discurso por meio da atividade tradutória (a partir
de suas próprias experiências e com elementos verbo-visuais) atravessada
por diferentes “vozes”. Portanto, posicionam-se verbo-axiologicamente,
recriam-cocriam um novo projeto-discurso em outra esfera de circulação,
endereçado aos interlocutores-sujeitos sociais. (Ferreira-Santos, 2022a, p.
251).
Com relação ao endereçamento, conforme Medviédev (2016, p.195), “a
obra se orienta para os ouvintes e os receptores, e para determinadas condições
de realização e de percepção”; ela entra no espaço e tempo real, pois “ocupa certo
lugar na existência, está ligada ou próxima a alguma esfera ideológica”. Segundo o
autor, a obra também é orientada na vida, “de dentro, por meio do seu conteúdo
temático”.
Desse modo, uma obra entra na vida e está em contato com os diferentes as-
pectos da realidade circundante mediante o processo de sua realização efe-
tiva, como executada, ouvida, lida em determinado tempo, lugar e circuns-
tâncias. Ela ocupa certo lugar, que é concedido pela vida, enquanto corpo
sonoro real. Esse corpo está disposto entre as pessoas que estão organizadas
de determinada forma. (Medviédev, 2016, p. 195).
No caso do discurso tradutório em Libras, para que ele seja materializado
em um objeto audiovisual, é indispensável a presença de um corpo visível. Com-
preendemos que o corpo é o suporte da língua, porém, nas línguas de sinais, ocor-
re de “uma forma mais evidente” (Fomin; Santiago, 2021, p. 147). Nessa interdis-
cursividade, que se inicia na tradução (texto de chegada) e ganha “outra” ênfase
valorativa na entonação expressiva dos tradutores-performáticos e na linguagem
audiovisual, o corpo – como suporte da língua, plano de expressão dessa língua
– instaura posições axiológicas, materializando relações de embates/tensões/con-
flitos sociais.
O poema “Todas as manhãs”11, de autoria da escritora, poeta, romancista
e ensaísta Maria da Conceição Evaristo, apresenta uma construção poética que

11 Publicado no livro Poemas da recordação e outros movimentos. O livro é uma antologia poética
que tem como tema a memória, a feminilidade e a resistência negra, e que foi publicado no ano de
2008 pela editora Nandyala, reeditado posteriormente pela editora Malê, no ano de 2017.

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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

mobiliza lembranças do sofrimento, da escravidão e da esperança por um futuro


melhor, realizando escolhas linguístico-enunciativas que marcam o tom emocio-
nal-volitivo12.

Quadro 2 – Poema “Todas as manhãs”

Todas as manhãs
Todas as manhãs acoito sonhos Todas as manhãs junto ao nascente dia
e acalento entre a unha e a carne ouço a minha voz-banzo,
uma agudíssima dor. âncora dos navios de nossa memória.
Todas as manhãs tenho os punhos E acredito, acredito sim
sangrando e dormentes que os nossos sonhos protegidos
tal é a minha lida pelos lençóis da noite
cavando, cavando torrões de terra, ao se abrirem um a um
até lá, onde os homens enterram no varal de um novo tempo
a esperança roubada de outros homens. escorrem as nossas lágrimas
fertilizando toda a terra
onde negras sementes resistem
reamanhecendo esperanças em nós.
Fonte: Evaristo, Conceição, 2017, p. 146-147.

O poema, em sua realização arquitetônica, apresenta marcas linguístico-


-discursivas de memória e identidade do povo negro, expondo sofrimentos e re-
forçando a ideia de resistência e esperança. A atividade estética constitutiva do
poema, realizada por Conceição Evaristo, enquanto autora-criadora, e pelo eu
poético nele instaurado, traz elementos enunciativo-discursivos que resgatam a
memória apagada, aspecto indispensável para a reconstrução das identidades do
povo negro. É por meio desses elementos da memória, da transmissão de bens
culturais e das informações que o povo negro recompõe suas identidades e sua
história. As memórias africanas são heranças das culturas (africanas e brasileiras)
e vivências do povo (Evaristo, 1996).
A tradução do poema, “Todas as manhãs”, por sua vez, apresenta marcas
valorativas do texto de partida, porém, no processo tradutório, por meio da ma-
terialização semiótico-ideológica em uma dimensão verbo-visual, instauram-se
outras posições axiológicas. A discursividade performática realizada pelos dois
tradutores surdos e negros, já não é somente direcionada para o povo negro (texto
de partida), mas também para o povo surdo (texto de chegada). Nesse sentido,
instauram-se posições valorativas do povo surdo-negro, que buscam resgatar a
identidade, a memória e a resistência surda e negra.

12 Mikhail Bakhtin utiliza o termo “emocional-volitivo” para “designar precisamente o momento


constituído pela minha autoatividade numa experiência vivida – a experimentação de uma expe-
riência como minha: eu penso – realizo uma ação por pensamento” (BAKHTIN, 2010[1919], p.
54).

94
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

Observamos que a não presença dos corpos das tradutoras Miriam Caxilé
(ouvinte-negra) e Lívia Villas Boas (ouvinte-branca) foram escolhas intencionais.
A presença tradutória e performática dos tradutores surdos-negros, assim como
a visibilidade dos seus corpos no material audiovisual, instaura uma relação de
identificação com o destinatário suposto/hipotético. Edinho Santos e Nayara Ro-
drigues (tradutores-performáticos) têm reconhecimento e prestígio nas comuni-
dades surdas, uma vez que realizam movimentos sociais e culturais de militância
surda e negra, por meio de poemas sinalizados e de participação em apresentações
de slam do corpo.

Figura 2 – Tradutoras-performáticos: Edinho Santos e Nayara Rodrigues.

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=yOh-uU-BlEk.

Na tradução artístico-performática, a materialidade semiótico-ideológica e


a sua organização com os corpos-textos trazem elementos enunciativo-discursivos
valorativos para as comunidades surdas, especificamente para os surdos-negros.
Esse fluxo discursivo intersemiótico e ideológico é consciente e cuidadosamente
organizado enquanto enunciado. As escolhas dos recursos lexicais, gramaticais e
composicionais do enunciado são determinadas pela relação valorativa do falante
com o objeto do seu discurso. “O estilo individual do enunciado é determinado
sobretudo por seu aspecto expressivo” (Bakhtin, 2016a, p. 47).
Essas relações valorativo-discursivas entre os sujeitos discursivos são cons-
truídas e reconstruídas e, com isso, esses sujeitos se constituem nessas relações
dialógicas carregadas de valores sociais e estéticos. O discurso artístico-poético
ganha uma riqueza visual nos corpos-textos dos tradutores-performáticos, por
meio de sinais, de gestos, de expressões, de movimentos e de figurinos. Essa é a
performance cênica que, juntamente com outros elementos semiótico-ideológicos,
marca posições valorativas estéticas e sociais e produz sentidos, efeitos de sentido,
emoções/sentimentos.

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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

Figura 3 – Elementos verbo-visuais (performance da tradutora-performática)


Sinal (Libras)
Todas as manhãs

Plano de Fundo e lettering


do poema (LP)
Cabelo: crespo e solto

Tradutora-performática Figurino: camisa branca


(surda). Segundo Plano

Fonte: Desenvolvido pelos autores, a partir de imagem do vídeo postado no YouTube

Na figura (3), com fundo na cor preta e o lettering do poema em fonte digital
na cor cinza claro e com efeito sombreado, desfocado, produz-se o sentido de apaga-
mento e silenciamento do povo-negro. Esses elementos verbo-visuais, presentes no
material audiovisual, instauram a intencionalidade do projeto discursivo da equipe
(tradutores-textuais, tradutores-performáticos – surdos –, produtores etc.) que, ao
ser direcionada aos interlocutores das comunidades surdas, recria outra posição
valorativa: o apagamento do povo surdo-negro. Já os sinais relacionados aos aspec-
tos expressivos determinam o estilo individual na relação valorativa com o objeto.
Na performance tradutória artístico-poética, os sinais e a expressão corporal-facial
instauram a relação emocionalmente valorativa. Observamos a performance que é
realizada por meio do corpo-texto em um determinado espaço, sendo que
é por meio de uma perspectiva de imprevisibilidade ou de fratura do uni-
verso previsível que a Performance se apresenta como evento/ ocorrência
que inclui trajetos e modos de impressão do corpo no espaço e encontra,
consequentemente, discursividades de um sujeito que se conta, que se diz,
que se narra. (Gonçalves; Gonçalves, 2018, p. 143).
Segue a imagem da expressividade por meio do corpo-texto do tradutor-
-performático:

Figura 4 – Tradutor-performático do surdo corpo-texto

Performance tradutória

Fonte: Desenvolvido por Ferreira-Santos (2022a, p. 172)

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Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

A organização em dimensão verbo-visual da tradução do poema, “Todas as


manhãs”, é pensada, organizada e direcionada a certas comunidades surdas, pois
a presença dos corpos-textos dos surdos-negros e os elementos semiótico-ideoló-
gicos criam uma relação de proximidade com o texto de partida e com os inter-
locutores, instaurando uma relação de identidade e alteridade e, com isso, possi-
bilitando outros efeitos de sentido, imprevistos, que vão além do texto de partida
em LP. Nesse processo de criação verbo-visual, as imagens dos corpos-textos dos
surdo-negros, em preto e branco, são enquadradas no PM (plano médio) e possi-
bilitam uma melhor percepção visual da sinalização e da performance. O lettering
apagado do poema no plano de fundo cria o sentido do apagamento da memória
e da identidade do povo negro e do povo surdo.
A fonte digital (legenda), na cor amarela (primeiro plano), em LP, produz o
sentido de esperança do povo negro presente no texto de partida. Na obra traduzi-
da, entretanto, os corpos-textos dos tradutores surdos-negros, que gradativamente
obtêm cor, a esperança é direcionada ao povo surdo e negro e ganha um colorido
semiótico-ideológico.

Figura 4 – Imagens do tradutor-performático surdo-negro

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=yOh-uU-BlEk.

As escolhas enunciativo-discursivas, em Libras, buscam aproximar-se do


significado-sentido das palavras em LP, pois remetem à linguagem africana e car-
regam um posicionamento axiológico do povo negro. Observamos que alguns
sinais somente aproximaram-se dos sentidos do texto de partida por causa da jun-
ção do corpo-texto e dos elementos semióticos-ideológicos nele contidos. A se-
guir, a escolha do sinal em Libras [SONHAR/IMAGINAR] para a palavra “banzo”.

97
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

Figura 5 – Escolha poética-sinalizada

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=yOh-uU-BlEk.

A escolha do sinal, em Libras, [SONHAR/IMAGINAR] para a palavra


“banzo”, presente no poema em LP, aproxima-se da memória nostálgica que aco-
metia os escravizados trazidos da África, por meio da visibilidade do corpo negro
do tradutor-performático, juntamente com o figurino e a expressão performática.
A produção de sentidos e efeitos ocorre também na escolha do sinal em
Libras referente às palavras, em LP, “acoito sonhos”, pois aproxima-se do signifi-
cado-sentido, porém, ao mesmo tempo, possui uma estética poética por meio da
produção do sinal e da performance do tradutor.

Figura 6 – Tradutor-performático realizando a escolha dos elementos poéticos sinalizados


em Libras referente às palavras em LP: “acoito sonhos”.

Sinal [IMAGINAR/SONHAR] Sinal [TOD@] Expressão performática


[sentido de 1s TRAZER]

Fonte: Desenvolvido por Ferreira-Santos (2022a, p. 67) – imagem: https://www.you-


tube.com/watch?v=yOh-uU-BlEk&t=66s

A palavra em LP “acoito”, remete à linguagem africana, com o sentido de


abrigar e proteger os sonhos, de modo a não permitir que eles morram. A visibili-
dade do corpo negro do tradutor, o figurino e sua performance referente a palavra
“acoito” aproximam-se das mesmas marcas ideológicas do povo negro presentes
no poema (texto de partida) e instauram uma relação, emocionalmente, valorativa
na obra traduzida.
Na performance tradutória, a direcionalidade do olhar realizada pelos tra-
dutores causa um impacto estético nas traduções.

98
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

Quadro 3 – Movimento, direção do olhar e expressão facial e corporal realizado pela


tradutora-performática.
[...] tenho os punhos sangrando e dormentes tal é a minha lida

PRES@/ESCRAV@

PRES@/ESCRAV@

Fonte: Desenvolvido por Ferreira-Santos (2022a)

Diante do exposto, consideramos que os tradutores-performáticos assu-


mem, na obra traduzida, posições axiológicas por meio das intenções valorativas,
das suas escolhas composicionais (lexicais, entoacionais e gestuais). Dessa forma,
realizam outro discurso estético, em outras palavras, um outro enunciado particu-
lar, irrepetível e autoral. O corpo-texto do tradutor-performático, juntamente com
outros elementos semiótico-ideológicos, instaura uma dimensão verbo-visual e,
consequentemente, outros posicionamentos valorativos endereçados às comuni-
dades surdas-negras.

99
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

5 Conclusão

Este estudo teve como objetivo a análise da presença do tradutor-perfor-


mático e a maneira como ocorrem as relações dialógicas e as consequentes po-
sições axiológicas por elas motivadas, considerando que esse processo engendra
e faz circular valores na tradução de poemas da LP para a Libras. Esses valores
materializam-se nesse corpo-texto do tradutor-performático e tornam o conjunto
esteticamente singular, único, e eticamente comprometido. Na tradução, “Todas as
manhãs”, os corpos-textos dos tradutores-performáticos ganham visibilidades (no
plural) tornando-se presentes no material audiovisual e, ao mesmo tempo, visíveis
para o público final. Esses corpos-textos apresentam intencionalidades e posições,
na medida em que criam uma relação de proximidade com o texto de partida e
com os interlocutores, instaurando relações de identidade e de alteridade.
O poema (texto de partida) apresenta marcas enunciativo-discursivas re-
lacionadas às questões de militância negra e busca trazer, à memória, as reivin-
dicações e denúncias históricas, bem como a opressão dos afro-brasileiros, ainda
nos dias atuais. Além disso, como demonstrado, reforçam a ideia de resistência e
esperança futuras.
Já na mobilização tradutória, do poema para a Libras, os corpo-textos dos
tradutores-surdos e negros, juntamente com os elementos semiótico-ideológicos
do produto audiovisual, denunciam o apagamento da memória e da identidade
do povo negro e surdo. E buscam resgatar a identidade, a memória e a resistência
desses povos.
Observamos como as escolhas de alguns sinais para Libras, materializadas
nos corpos-textos dos tradutores-performáticos, juntamente com o figurino e a
expressão performática, aproximam-se do significado/sentido da palavra em LP,
contribuindo para a aproximação do sentido e efeitos de sentidos do poema.
Essa mobilização enunciativo-discursiva possui uma força coletiva, orga-
nizada por diversas linguagens em um conjunto que constitui uma arquitetôni-
ca estético-semiótico-ideológica: “as formas do signo são condicionadas, antes de
tudo, tanto pela organização social desses indivíduos quanto pelas condições mais
próximas da sua interação” (Volóchinov, 2017, p. 109).
Concluímos que a tradução de poemas da LP para a Libras, atravessada por
um enunciado-texto pertencente à cultura ouvintista, realiza uma releitura enun-
ciativo-discursiva e cultural, direcionada às comunidades surdas, possibilitando
um outro olhar poético com forte expressividade verbo-visual. Dessa forma, essas
obras tradutórias contribuem para uma maneira de ler e ver o poema nas línguas
gestuais-sinalizadas das comunidades surdas em uma perspectiva verbo-visual e,
também, causam uma ruptura na forma tradicional de leitura de poemas em lín-
guas vocais-escritas, imposta aos surdos.
Esperamos que este estudo colabore com as investigações sobre a atividade
tradutória de poemas da LP para a Libras, com o propósito de contribuir para a
formação do intérprete de línguas de sinais e para as atividades de trabalho dos

100
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

tradutores e intérpretes de Libras-LP. Isso tudo, como esperamos, com vistas à


inclusão e visibilidade dos surdos como sujeitos de atividades poético-estéticas.

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102
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

Análise processual em tarefas de tradução do português


para a Libras e da Libras para o português sob a perspecti-
va da direcionalidade1
Tamires Bessa
Universidade Federal de Minas Gerais(UFMG)

José Luiz Vila Real Gonçalves


Universidade Federal de Ouro Preto(UFOP)

1 Introdução

Ao lidar com o processo tradutório, envolvendo uma língua de modalidade


gestual-visual2, é inevitável nos depararmos com os impactos da modalidade de-
vido às características e aos elementos próprios das línguas de sinais. Uma outra
variável que pode interferir nos processos tradutórios, sejam entre línguas de mo-
dalidades distintas (gestual-visual e vocal-auditiva3) ou de mesma modalidade, é
a direcionalidade.
A direcionalidade nas línguas vocais-auditivas, há mais de trinta anos, vem
sendo discutida e problematizada nos Estudos da Tradução. Pesquisas experimen-
tais, como as de Ferreira (2010) e Pavlović (2013), mostram que os tradutores de
línguas vocais-auditivas tendem a certos comportamentos (e.g. preferir traduzir
para sua primeira língua), possivelmente motivados por questões históricas, so-
cioculturais e de prática profissional. Esses mesmos aspectos diferem na tradução
de línguas gestuais-visuais e nas práticas profissionais dos tradutores e intérpretes

1 Este capítulo é um recorte da pesquisa de mestrado intitulada Direcionalidade em tradução: uma


análise processual em tarefas de tradução no par linguístico Libras-português, conduzida sob orien-
tação do professor Dr. José Luiz Vila Real Gonçalves, no Programa de Pós-Graduação em Estudos
Linguísticos da Universidade Federal de Minas Gerais.
2 Usaremos o termo gestual-visual, conforme Rodrigues (2018a), para nos referir às línguas que
dependem do sistema gestual para produção e visual para percepção.
3 Usaremos o termo vocal-auditivo, conforme Rodrigues (2018a), para nos referir às línguas que
dependem do sistema vocal para a produção e do auditivo para a percepção.

103
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

de Línguas de Sinais – TILS, como apresentado nas pesquisas experimentais em


ASL (American Sign Language) de Nicodemus e Emmorey (2013, 2015).
No Brasil, com a diversificação das frentes de trabalhos encaradas atual-
mente pelos TILS, a atividade de tradução é uma realidade na atuação desses pro-
fissionais, mesmo que em menor escala se comparada a de interpretação, porém
ainda pouco investigada e descrita em trabalhos de pesquisa, especialmente com
enfoque processual.
Neste capítulo, apresentamos uma análise do processo tradutório intermo-
dal realizado por dois grupos de tradutores e intérpretes de Libras-português –
TILSP, sendo um grupo considerado mais experiente e um grupo menos experien-
te, na execução de tarefas de tradução da Libras em vídeo para o português escrito
(Libras→PT) e do português escrito para a Libras em vídeo (PT→Libras), por meio
de um estudo empírico-experimental. Como metodologia de coleta de dados, uti-
lizamos um questionário prospectivo de perfil, a gravação das tarefas de tradução
e o protocolo verbal retrospectivo semiguiado. Em relação aos dados, realizamos
uma análise qualitativa e quantitativa, sendo que, para a análise quantitativa, uti-
lizamos os indicadores de esforço temporal e técnico, adaptados de Krings (2001).
Essa pesquisa pretendeu contribuir com novas reflexões e na descrição do
comportamento processual do TILSP, envolvendo a direcionalidade como uma
das variáveis, bem como com o desenvolvimento de pesquisas empírico-experi-
mentais para o campo dos Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de
Sinais (ETILS).
O capítulo será organizado da seguinte forma: na seção 2, apresentamos
uma breve fundamentação teórica; na seção 3, a metodologia de coleta e análise
de dados, com os detalhes dos procedimentos realizados e o desenho experimen-
tal; na seção 4, a apresentação e análise quantitativa e qualitativa dos dados de
pesquisa; na seção 5, discutiremos os resultados encontrados; e, por fim, na seção
6, apresentaremos as considerações finais com os possíveis desdobramentos e su-
gestões para pesquisas futuras.

2 Fundamentação Teórica

Considerando o tradutor, como figura principal do ato tradutório e buscan-


do desvendar e compreender seus processos mentais, a abordagem processual, a
partir dos estudos processuais da tradução (Alves, 2003), nos permite a observa-
ção e descrição das estratégias utilizadas, as possíveis variáveis que podem influen-
ciar o produto, a motivação de certas escolhas tradutórias, entre outros fatores
que, aplicados e controlados em um desenho de pesquisa empírico-experimental,
nos ajudam a entender a complexidade envolvida no processo e no produto de
tradução.
O campo dos Estudos da Tradução, por se caracterizar como interdisci-
plinar, permite observar o processo tradutório utilizando diferentes métodos,
técnicas e abordagens teóricas. Neste trabalho de cunho empírico-experimental,

104
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

utilizamos o recurso de gravação de tela por meio do programa OBS Studio e o


protocolo verbal retrospectivo.
Levando em consideração que, nesta pesquisa, envolveremos o português,
que se estabelece na modalidade vocal-auditiva, e a Libras, na modalidade ges-
tual-visual, temos o que Rodrigues (2018a) denomina de processo intermodal.
Conforme o autor, o processo tradutório intermodal, por envolver línguas de mo-
dalidades distintas, sofre implicações decorrentes dos efeitos da modalidade. A
modalidade pode incorrer sobre as línguas envolvidas, ou seja, gestual-visual x
vocal-auditiva e a modalidade de uso dessas línguas, ou seja, oral x escrita, suge-
rindo, assim, uma dupla intermodalidade para as tarefas propostas. Essa dupla in-
termodalidade, possivelmente, causa impactos no desempenho dos TILSP e deve
ser considerada durante as análises. Como referência de trabalhos que envolvem o
processo de tradução ou interpretação intermodal com viés experimental, recor-
remos a Rodrigues (2013), Zampier (2019) e Avelar (2020).
Assim como a modalidade e os efeitos da dupla intermodalidade, a di-
recionalidade é uma variável que pode causar impactos no processo tradutório
intermodal. Bessa (2022) em sua dissertação, compreende a direcionalidade da
seguinte maneira:
direcionalidade é um fenômeno que se estabelece a partir da relação do
tradutor com as línguas envolvidas. A figura do tradutor é essencial na de-
finição de direcionalidade, pois esse “efeito de direcionalidade” acontece e
depende da relação do tradutor com a língua-fonte (L1, L2, L3...) e a língua-
-alvo (L1, L2, L3...). (Bessa, 2022, p. 33).
No contexto das línguas gestuais-visuais, as pesquisas sobre direcionalida-
de ainda são escassas e a maioria aborda os processos interpretativos. Com isso,
apoiamo-nos em pesquisas sobre direcionalidade na interpretação simultânea in-
termodal, como as de Nicodemus e Emmorey (2013, 2015) e Silva (2021).
Na tentativa de qualificar e quantificar o esforço despendido durante o pro-
cesso tradutório, realizamos uma adaptação para a tradução intermodal das de-
finições de esforço temporal e esforço técnico proposto por Krings (2001) para a
pós-edição. O esforço temporal, de forma sucinta, é o tempo despendido durante a
tarefa e o esforço técnico, é o esforço mecânico (digitação, exclusão, inserção etc.)
despendido durante a tarefa.
Jakobsen (2002), ao realizar uma pesquisa experimental com tradutores no
par linguístico inglês-dinamarquês, observou que o processo tradutório se dividia
claramente em três fases: uma fase inicial de orientação, uma fase intermediária
de redação (ou produção da primeira versão) e uma fase final de revisão. Para con-
tribuir na mensuração e parametrização do esforço temporal e técnico, realizados
neste trabalho, nos baseamos na segmentação proposta por Jakobsen (2002) e a
adaptamos para o processo tradutório intermodal para as tarefas de tradução do
PT→Libras e da Libras→PT.

105
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

3 Metodologia

Nesta seção, descreveremos o desenho experimental, detalhando os cri-


térios de seleção de participantes para a pesquisa experimental, a aplicação do
questionário prospectivo de perfil, os procedimentos das tarefas de tradução nas
direções Libras→PT e PT→Libras, a seleção dos textos fonte em português e em
Libras e, por fim, a metodologia de análise de dados.

3.1 Os participantes

Como forma de coletar dados sobre o perfil dos TILSP e selecionar parti-
cipantes para a tarefa experimental, aplicamos um questionário prospectivo de
perfil, elaborado com base em Zampier (2019), com perguntas relacionadas ao
perfil acadêmico e profissional, compreensão geral sobre as atividades de tradução
e interpretação e questões direcionadas à prática e experiência profissional com a
tradução intermodal, que foi o foco da pesquisa.
O questionário recebeu 116 respostas e, a partir delas, selecionamos oito
TILSP, organizados em dois grupos: um grupo com quatro participantes, consi-
derados mais experientes (G1), com mais de doze anos de atuação na área; e o
grupo considerado menos experiente (G2), com quatro a seis anos de atuação na
área. Fizemos uma escolha arbitrária para a faixa temporal de experiência profis-
sional, presumindo que a expertise4 em tradução e em interpretação apresentaria
uma correlação direta com o tempo de atuação e que o intervalo temporal entre
os dois grupos seria suficiente para se observar tal distinção. Os participantes da
tarefa experimental se enquadraram nos seguintes critérios: (i) ter a atividade de
TILSP como principal fonte de renda; (ii) ter alguma experiência com a tradução
Libras-português, com trabalho publicado em sites institucionais ou na grande
mídia; (iii) ter pelo menos uma das seguintes credenciais: certificado Prolibras,
ou avaliação de proficiência realizada por instituições de ensino superior ou cre-
denciadas por Secretarias de Educação, ou bacharelado em Letras-Libras; e (iv)
ter o português como L1 e a Libras como L2. Participantes que se autodeclararam
CODAs5, no questionário prospectivo de perfil, não tiveram seus dados aplicados
a esta pesquisa, pela possibilidade de considerarem possuir mais de uma L1 ou
língua materna (i.e., Libras e português).

3.2 A tarefa de tradução e seus procedimentos

Os oito TILSP participantes realizaram a tradução de um texto do portu-


guês escrito para a Libras em vídeo e a tradução de um texto em Libras em vídeo
para o português escrito. A ordem de realização das tarefas foi alternada entre os

4 Utilizamos o conceito de expertise conforme Shreve (2006).


5 Children of Deaf Adults.

106
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

TILSP para minimizar o efeito de facilitação ou familiaridade. O texto em Libras6,


disponível em vídeo, foi elaborado por uma pessoa surda, sendo sua L1 a Libras,
com a duração de 1 minuto. O vídeo, postado pelo autor nas redes sociais, tem o
objetivo de alertar e explicar sobre o tema “manipulação”. A partir do texto em
Libras, foram produzidas duas traduções para o português escrito e a partir des-
sas traduções, foi solicitado a uma professora de português, sem o conhecimen-
to da Libras, que elaborasse um texto em português7 de forma livre, seguindo os
mesmos padrões linguísticos, estilísticos e discursivos das traduções apresentadas,
com o objetivo de ser publicado nas redes sociais.
Convidados para participar como voluntários, com base nas informações
do questionário prospectivo de perfil, os TILSP realizaram as tarefas de tradução
por meio de videochamada via Google Meet, plataforma que disponibilizou recur-
sos úteis para a aplicação do experimento, como o compartilhamento de tela e o
chat para compartilhamento de links com os textos que seriam traduzidos. Antes
de iniciar o experimento, os participantes foram orientados e informados sobre
todos os procedimentos das tarefas de tradução a serem executadas. Optamos por
não informar sobre o assunto do texto, a fim de evitar qualquer influência na tra-
dução. Todo o experimento foi gravado pelo software OBS Studio, que possui a
função gravar tela. Os participantes podiam despender o tempo que julgassem
necessário para a realização das tarefas, bem como consultar especialistas, realizar
pesquisas on-line ou utilizar qualquer material físico que desejassem, desde que
pudéssemos acompanhar todos os procedimentos.
Para gerar os dados qualitativos de ordem subjetiva, aplicamos o protocolo
verbal retrospectivo semiguiado8, com perguntas sobre as facilidades, dificuldades
e estratégias utilizadas durante cada uma das traduções e uma autodeclaração de
como consideravam seu desempenho em cada uma das direções.

3.3 Metodologia de análise de dados

A análise de dados foi dividida em duas etapas: (i) análise qualitativa; e


(ii) análise quantitativa. Utilizamos para a análise qualitativa, as respostas advin-
das do questionário prospectivo de perfil, a gravação das tarefas de tradução, o
protocolo verbal retrospectivo e a discriminação das ações durante o processo
tradutório nas direções Libras→PT e PT→Libras nas fases de orientação, redação e

6 Link do texto em Libras para a tradução Libras→PT: https://www.youtube.com/watch?v=wi9U-


Touyy5Y. Vídeo disponível originalmente na rede social do autor, sendo autorizado a ser utilizado
para os fins desta pesquisa.
7 Para conhecer o texto em português para a tradução PT→Libras, acessar a dissertação comple-
ta de Bessa (2022), disponível no Repositório da UFMG link: https://repositorio.ufmg.br/hand-
le/1843/42863. Acessar o Apêndice D, página 143.
8 Para conhecer o protocolo verbal retrospectivo semiguiado aplicado na pesquisa, acessar a dis-
sertação completa de Bessa (2022), disponível no Repositório da UFMG link: https://repositorio.
ufmg.br/handle/1843/42863. Acessar o Apêndice E, página 144.

107
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

revisão do processo tradutório (Jakobsen, 2002), conforme o Quadro 1 e o Qua-


dro 2, a seguir.

Quadro 1 – Fases do processo tradutório intermodal na direção Libras→PT


Tempo do participante assistindo ao vídeo do TF em Libras e tempo de apoio externo
Fase de orientação
antes do participante iniciar a produção do texto da tradução.
Tempo para a realização da primeira versão do TA: inicia quando o participante digita
a primeira tecla, sendo considerado nesta fase o tempo de digitação e edição do TA,
Fase de redação
tempo consultando o TF e o tempo de apoio externo. A fase se encerra ao digitar o
último ponto final do TA pela primeira vez.
Fase de revisão Tempo despendido realizando ajustes finais no TA e apoio externo.
Fonte: Bessa (2022, p. 53).

Quadro 2 – Fases do processo tradutório intermodal na direção PT→Libras


Tempo do participante lendo o TF em português e tempo de apoio externo antes de
Fase de orientação
iniciar a produção de sinais para a tradução.
Inicia quando o participante realiza o primeiro sinal, considerando nesta fase o tempo
da sinalização de preparação, o tempo de recodificação (conversão do TF escrito em áu-
Fase de redação
dio), o apoio externo e o tempo da primeira tradução do TA em Libras gravada em vídeo.
A fase se encerra ao finalizar a produção do TA gravado em vídeo pela primeira vez.
Tempo visualizando a gravação do TA, tempo em apoio externo e tempo gravando novas
Fase de revisão
versões do TA em vídeo.
Fonte: Bessa (2022, p. 54).

Para a análise quantitativa, realizamos um mapeamento dos indicadores


de esforço temporal e técnico, com base no trabalho de Krings (2001) para a pós-
-edição, elaborando uma proposta exploratória de definição métrica de esforço
temporal e técnico na tradução intermodal. Como indicador de esforço temporal,
utilizamos o tempo total despendido em cada fase (orientação, redação e revisão)
e em cada direção (PT→Libras e Libras→PT). Para o esforço técnico, as análises
foram realizadas separadamente para cada direção, devido às diferenças entre a
modalidade das línguas envolvidas e os produtos dos TA.
Na tradução Libras→PT, foram consideradas, como medidas de esforço téc-
nico, as ações de produção e edição, sendo: (i) total de caracteres produzidos no
TA (CTA); (ii) caracteres apagados na fase de redação (CARd); e (iii) caracteres
apagados na fase de revisão (CARv). Definimos a fórmula: 2x CARd + 2x CARv +
CTA, para calcularmos o total de caracteres.
Para a tradução na direção PT→Libras, foram consideradas as seguintes
medidas para o esforço técnico: (i) total de sinais produzidos no TA (STA); (ii)
total de sinais produzidos na fase de redação (SRd); e (iii) total de sinais produ-
zidos na fase de revisão (SRv). Definimos a soma SRd + SRv, para calcularmos o
total de sinais.

108
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

A fim de viabilizar uma comparação do esforço temporal (ETp) e do esforço


técnico (ETc) entre as duas direções na tradução intermodal, levando em consi-
deração a diferença de modalidade entre as línguas envolvidas, elaboramos uma
proposta exploratória de definição métrica a partir de fórmulas ponderadas.
O cálculo para o esforço temporal para as duas direções foi estabelecido
pela relação entre o tempo total de cada participante e o maior tempo despendido
na tarefa (RTTM) somado à relação de tempo ponderado das fases (RTPF), tendo
a seguinte fórmula: RTTM + RTPF = ETp.
Para calcular o esforço técnico para a tradução na direção Libras→PT, uti-
lizamos a relação de esforço mecânico de digitação (REMD) multiplicado pelo
valor da relação de esforço de busca de auxílio externo (REAEx), sendo a fórmula:
REMD x REAEx = ETcTLP. O esforço técnico para a tradução na direção PT→Li-
bras foi formado pela relação de esforço mecânico de sinalização (REMS) multi-
plicado pela relação de esforço de busca de auxílio externo, gravações de áudio e
de sinalizações (REAEx-i), sendo a fórmula: REMS x REAEx-i = ETcTPL.
Tendo o esforço temporal e técnico ponderado para cada direção e levando
em consideração que o resultado dos cálculos propostos gera grandezas aproxi-
madas, sugerimos a parametrização para a síntese do esforço temporal e técnico
(ETT). Com isso, apresentamos a seguinte equação: ETT = ETp + ETc.
Como exposto por Bessa (2022), a proposta de parametrização de esfor-
ço temporal e técnico não pretende realizar generalizações e reconhece que tem
limitações, porém com ela buscamos contribuir com as pesquisas experimentais
intermodais e pesquisas vinculadas aos ETILS.

4 Apresentação e análise dos dados de pesquisa

4.1 Resultado do questionário prospectivo de perfil

O questionário prospectivo de perfil recebeu 116 respostas de TILSP de to-


das as regiões do país, sendo a região sudeste a mais expressiva. O nível de escola-
ridade da maioria dos respondentes é a pós-graduação lato sensu (especialização).
Quando perguntados sobre sua primeira língua, 100% dos respondentes disseram
que tinham o português como L1. Dos 116 respondentes, 111 (96%) disseram ter
como segunda língua a Libras. Com isso, como desejávamos analisar respostas dos
participantes que tinham como L1 o português e como L2 a Libras, os 5 respon-
dentes que não apresentaram esse padrão de respostas não foram considerados
para as próximas questões referentes à direcionalidade.
Ao serem perguntados em qual direção se sentiam mais proficientes para
traduzir, 51,4% disseram que da sua L1 para sua L2, 36,9% disseram se sentir
igualmente proficientes em ambas as direções e 11,7% disseram da sua L2 para
a sua L1. Sobre a direção que se sentem mais proficientes para interpretar, 61,3%
disseram que da sua L1 para sua L2, 27% disseram se sentir igualmente proficien-
tes em ambas as direções e 11,7% disseram da sua L2 para sua L1. O mesmo tipo

109
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

de pergunta foi realizada para a tradução e para a interpretação para que os res-
pondentes perceberem que estávamos tratando as duas atividades como distintas,
possibilitando-nos realizar análises do padrão de respostas em cada uma delas.
Sobre a preferência por alguma direção de tradução, ao serem perguntados
sobre em qual direção preferiam traduzir, 52,3% disseram que da sua L1 para
sua L2, 36,9% disseram não ter preferência de direção para traduzir e 10,8% dis-
seram que preferiam traduzir da sua L2 para sua L1. Já para a interpretação 67,6%
disseram que preferem interpretar de sua L1 para sua L2, 23,4% disseram não ter
preferência de direção para interpretar e 9% disseram que preferem interpretar da
sua L2 para sua L1.
Sobre a formação recebida em tradução e em interpretação, para a tradução
67,6% disseram que receberam a formação em tradução da sua L1 para sua L2,
14,4% disseram que receberam treinamento em ambas as direções igualmente,
11,7% disseram que receberam formação da sua L2 para sua L1 e 6,3% disseram
que não receberam formação em tradução. Na pergunta sobre formação em inter-
pretação, 77,5% disseram que receberam formação da sua L1 para sua L2, 12,6%
disseram que receberam formação da sua L2 para sua L1, 9% disseram que rece-
beram formação em ambas as direções igualmente e 0,9% disseram que não rece-
beram formação em interpretação. Podemos observar o seguinte com as respos-
tas apresentadas pelos respondentes: (i) os TILSP em sua maioria se sentem mais
proficientes, preferem e declararam receber uma maior formação de sua L1 para
sua L2, tanto na tradução quanto na interpretação; (ii) os dados sobre a tradução
e a interpretação, apresentaram diferenças nas porcentagens, demonstrando uma
possível compreensão por parte dos respondentes sobre a diferença das atividades
de tradução e de interpretação; e (iii) existe uma preferência na direcionalidade
para a tradução intermodal da L1 para a L2, diferentemente da preferência dos
tradutores intramodais que é da L2 para L1.

4.2 Análise qualitativa do experimento da tradução na direção Libras→PT

A partir do questionário prospectivo de perfil, selecionamos 8 TILSP pro-


fissionais, sendo 4 TILSP menos experientes (entre 4 e 6 anos de experiência pro-
fissional) e 4 TILSP mais experientes (com 12 anos ou mais de experiência profis-
sional). Todos os participantes realizaram as mesmas tarefas (uma tradução para
L1 e outra para L2), alternando-se a ordem de início das tarefas entre os partici-
pantes e, ao final, responderam o protocolo retrospectivo semiguiado.
Jakobsen (2002) categoriza o processo tradutório nas fases de orientação,
redação e revisão. Com base na observação da gravação do experimento e do pro-
tocolo retrospectivo semiguiado, apresentaremos nossas observações a partir do
desempenho dos participantes e as delimitações em cada fase no processo tradu-
tório intermodal.
Conforme Bessa (2022), com base em Jakobsen (2002), a fase de orienta-
ção se dá quando o tradutor tem acesso ao texto fonte (TF) e é finalizada assim

110
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

que o tradutor digita a primeira letra ou caractere do texto alvo (TA); no caso da
tradução intermodal, quando realiza o primeiro sinal. Nessa fase, foi contabili-
zado o tempo que os TILSP se dedicaram assistindo ao TF (vídeo em Libras) e
recorreram ao apoio externo. Nessa tarefa, nenhum dos participantes demandou
o apoio externo e verificamos que os mais experientes (G1) dedicaram mais tempo
na compreensão do TF, antes de iniciar a produção do TA, em comparação com os
participantes menos experientes (G2).
A fase de redação inicia-se assim que o tradutor aciona a primeira tecla
para a elaboração do TA. Consideramos para a tradução intermodal a digitação
da produção do TA, consultas/retomadas ao TF e pesquisas externas, sendo essa
fase finalizada quando o TILSP digita o último ponto final ou o último caractere
correspondente ao TF pela primeira vez. Durante essa fase, foi relatada dificuldade
por parte dos participantes em lidar com a produção do português escrito. Com
isso, pudemos observar uma dispersão dos dados entre os participantes mais ex-
perientes e menos experientes em relação ao tempo gasto digitando e editando o
TA, consultando o vídeo do TF e o tempo despendido em apoio externo durante
a fase de redação.
A fase de revisão, tem o seu início definido logo após o tradutor digitar o
último ponto final ou o último caractere pela primeira vez, sendo considerado, en-
tão, o final da primeira versão da tradução. Com a primeira versão pronta, inicia-
-se a fase de revisão com os ajustes finais do tradutor no TA. Consideramos, nessa
fase, o tempo despendido pelos participantes realizando ajustes finais e pesquisas
externas.

4.3 Análise qualitativa do experimento da tradução na direção PT→Libras

No questionário prospectivo de perfil, a maioria dos participantes disse que


prefere realizar a tradução na direção PT→Libras (para L2). Supomos que essa
preferência esteja relacionada, entre outros fatores, com a prática de interpretação
na direção PT→Libras, que é a preponderante entre os TILSP.
Para a fase de orientação na tradução intermodal PT→Libras, consideramos
o momento em que os participantes iniciam a leitura do TF e a finalização é defi-
nida quando o participante realiza o primeiro sinal para a elaboração do TA em
Libras. As pesquisas externas também foram contabilizadas em cada uma das fases
(orientação, redação e revisão). Nessa fase de orientação, não foram observados
padrões recorrentes entre os participantes, mas, de forma geral, verificamos que
os participantes mais experientes despenderam mais tempo.
Definimos o início da fase de redação da tradução PT→Libras quando o
TILSP realiza o primeiro sinal, mesmo que a produção do sinal seja apenas uma
“preparação” para a elaboração do TA, e consideramos a fase finalizada assim que
o TILSP produz o último sinal do TA pela primeira vez. A fase de redação foi com-
posta pelas etapas: (i) preparação (momento em que o TILSP realiza a produção
de sinais de forma aleatória ou ordenada, com o intuito de formular a produção do

111
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

TA); (ii) recodificação (a transformação do TF do português escrito para o portu-


guês em sua modalidade de uso oral); (iii) apoio externo; e (iv) primeira tradução
gravada. Nesta fase, por haver várias etapas e demandas operacionais, presumimos
que, ao se tratar de esforço temporal, a tradução PT→Libras pudesse demandar
mais tempo dos participantes. Porém, ao verificarmos os dados de uma forma
geral e com a aplicação de testes estatísticos, observamos que essa suposição não
se confirmou, além das medidas de tempo apontarem para maior duração média
para a tradução na direção Libras→PT.
Após a fase de redação, inicia-se a fase de revisão, na qual os participantes
fazem as correções, as alterações e/ou os ajustes que julgam necessários. Nesta
fase, os TILSP ainda podem recorrer às pesquisas externas para solucionar algum
problema ou validar uma tomada de decisão. Dividimos essa fase nas seguintes
etapas: (i) visualização da tradução realizada; (ii) regravações da tradução; e (iii)
pesquisas externas. Percebemos, nesta fase, novamente uma dispersão dos dados
entre os participantes. Na fase de revisão, o que se percebe, normalmente, entre
tradutores mais experientes é um dispêndio significativo de tempo, por ser con-
siderada uma etapa importante durante o processo tradutório, para se garantir
a qualidade do produto final. Porém, no nosso experimento, três dos tradutores
experientes sequer assistiram às traduções realizadas, demonstrando que a tarefa
tradutória ainda não é dominada de forma suficiente entre os TILSP experientes.

4.4 Análise quantitativa do experimento

Baseando-nos em Krings (2001), nos desdobramentos de Fonseca (2016)


e conforme Bessa (2022), utilizamos para a análise quantitativa as medidas de
esforço temporal e esforço técnico para a tradução intermodal. Ressaltamos que
a pesquisa foi realizada com um número limitado de participantes, porém con-
sideramos que os resultados servem como uma exploração inicial relevante. Foi
utilizado o teste não paramétrico de Wilcoxon para as amostras dependentes e o
teste não paramétrico de Mann-Whitney para as amostras independentes, consi-
derando a ausência de normalidade na maioria das amostras.
Comparando os grupos G1 e G2, levando em consideração as fases (orien-
tação, redação e revisão) isoladamente ou o tempo total da tarefa, não foram en-
contradas diferenças significativas. Também não houve diferenças significativas
entre as fases nas duas direções ou na comparação de cada fase entre a tradução
Libras→PT e a tradução PT→Libras.
Na tradução Libras→PT, considerando todos os participantes conjuntamen-
te, ou seja, G1 e G2, tivemos alguns dados apontados como significativos como o
tempo despendido na fase de orientação (158,5s), significativamente menor que
o tempo despendido na fase de redação (582,5s), e esse último, significativamente
maior que o tempo despendido na fase de revisão (89,5s).
Para a quantificação do dispêndio de esforço técnico, as análises foram
realizadas separadamente para a tradução Libras→PT e PT→Libras. Como men-

112
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

cionado na seção 3.3, a fórmula que usamos para mensurar o esforço técnico na
tradução Libras→PT foi a seguinte: 2x CARd + 2x CARv + CTA. A quantificação
duplicada de CARd e CARv se dá pela lógica dos TILSP primeiro realizarem a
ação de digitação e, posteriormente, a ação de apagamento do caractere, gerando
assim um esforço técnico/mecânico dobrado (uma tecla é digitada e depois apa-
gada).
Ao serem aplicados os testes estatísticos não paramétricos de Wilcoxon e
Mann-Whitney, não foram observadas diferenças significativas entre os grupos
ou entre as fases. Um resultado significativo, mas esperado, foi a maior produ-
ção dos participantes do G1 e G2 durante a fase de redação em relação à fase de
revisão.
Na tradução na direção PT→Libras, para a quantificação do dispêndio do
esforço técnico, utilizamos o total de sinais produzidos no TA (STA) considerando
a soma SRd + SRv, sendo que, em alguns casos, o SRd inclui também os sinais do
TA. Com a aplicação dos testes estatísticos, foi apresentada uma diferença signifi-
cativa na produção de sinais no TA entre os grupos G1 e G2. O grupo G1 apresen-
tou uma produção de sinais significativamente maior (134,0) que a produção de
sinais do grupo G2 (83,0). Outro dado significativo indicou que a quantidade de
sinais produzidos no TA (STA) é significantemente menor que os sinais produzi-
dos na fase de redação (SRd).

4.5 Proposta exploratória de definição métrica do esforço temporal e


técnico na tradução intermodal

Como exposto na metodologia de análise de dados, elaboramos uma proposta


exploratória de definição métrica, com o objetivo de parametrizar as medidas de
esforço temporal e esforço técnico. A partir dos resultados, foram aplicados testes
estatísticos para verificarmos se haveria diferenças significativas entre as amostras.
Para quantificar o esforço temporal (ETp), utilizamos a relação entre o
tempo total de cada participante e o tempo máximo da tarefa (RRTM) somado
à relação do tempo ponderado das fases (RTPF), sendo RRTM + RTPF = ETp9.
Após a aplicação de testes estatísticos, os valores não apresentaram diferenças es-
tatisticamente significativas entre as direções (Libras→PT x PT→Libras) ou entre
os grupos (G1 x G2).
Para a quantificação do esforço técnico (ETc), por haver a diferença entre
as unidades de produção, os cálculos para cada direção foram realizados separa-

9 Em RRTM, calcula-se: tempo total de cada participante em cada tarefa (TT) dividido pelo tempo
total máximo, que se refere ao tempo do participante que mais demorou a realizar a tarefa (TTM).
Para os valores de RTPF, utilizamos a ponderação: tempo da fase de orientação (TO) dividido
pelo tempo total de cada participante em cada tarefa (TT) somado a duas vezes tempo da fase de
redação (TRd) dividido pelo tempo total de cada participante em cada tarefa (TT) somado a três
vezes o tempo da fase de revisão (TRv) dividido pelo tempo total de cada participante em cada
tarefa. Com isso, RRTM + RTPF é o resultado de TT/TTM + (TO/TT + 2x TRd/TT + 3x TRv/
TT).

113
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

damente. Para o esforço técnico na direção Libras→PT (ETcTLP), considerando a


unidade caracteres, decidimos multiplicar a relação de esforço mecânico de digita-
ção (REMD) pelo valor da relação de esforço de busca de auxílio externo (REAEx).
Dessa forma, temos: REMD x REAEx = ETcTLP10. Para o cálculo do esforço técni-
co na direção PT→Libras (ETcTPL), considerando a unidade sinais, multiplicamos
a relação de esforço mecânico de sinalização (REMS) pela relação de esforço de
busca de auxílio externo, gravações de áudio e de sinalizações (REAEx-i), sendo
REMS x REAEx-i = ETcTPL11. Aplicados os testes estatísticos, Teste T de Student
para as amostras dependentes e independentes, assim como no esforço temporal,
as amostras do esforço técnico não apresentaram diferenças estatisticamente sig-
nificativas entre as direções ou entre os grupos.
Pode-se supor, a partir dos resultados, que não haja um padrão consistente
entre os grupos, que parecem ter tido uma formação limitada ou reduzida em
relação às atividades de tradução, seja Libras→PT, seja PT→Libras. Porém, existe
a necessidade de análises mais aprofundadas e de estudos com maior número de
participantes a fim de se obterem dados que apontem de forma mais consistente
possíveis padrões e tendências.
Por fim, com base nas explorações anteriores, decidimos apresentar um pa-
râmetro que sintetizasse os dois esforços abordados, nesta pesquisa, considerando
que, após as ponderações, os valores dos dois parâmetros de esforço têm gran-
dezas próximas, sendo o esforço temporal e técnico (ETT) o resultado da soma
do esforço temporal (ETp) e do esforço técnico (ETc), ou seja, ETT = ETp + ETc.
Após o teste de correlação, entre os participantes menos experientes, não foi en-
contrado um padrão recorrente e, com relação aos participantes mais experientes,

10 Para conseguirmos o valor de REMD, primeiro é preciso saber o valor do esforço mecânico de
digitação (EMD). Para isso, calculamos o total de caracteres do TA (CTA) somado a duas vezes
o valor do total de caracteres apagados na fase de redação (CARd), somados a duas vezes o valor
do total de caracteres apagados na fase de revisão (CARv), sendo CTA + 2x CARd + 2x CARv =
EMD. Achado o valor de EMD, divide-se esse pelo maior valor de esforço mecânico de digitação
entre os participantes (EMDmax) e assim teremos o valor de REMD (EMD/EMDmax = REMD).
Para o cálculo de REAEx, que é a medida de esforço de busca de auxílio externo ponderado em
relação ao conjunto de participantes, é proposta a divisão do total de sites acessados em buscas de
apoio externo (AEx) pelo maior valor de busca de auxílio externo entre os participantes (AExmax).
Alguns participantes não realizaram pesquisas externas e para que o valor não resulte em um
valor final igual a zero, a proposição inclui a soma a um, para que varie entre um e dois. Assim
temos: 1+ AEx/ AExmax = REAEx.
11 Para conseguirmos o valor de REMS, primeiro é preciso saber o valor do esforço mecânico de
sinalização (EMS). Para isso, somamos o total de sinais produzidos em diferentes fases da tarefa,
incluindo o produto traduzido. Assim, somamos o total de sinais produzidos na fase de redação
(SRd) ao total de sinais produzidos na fase de revisão (SRv), sendo SRd + SRv = EMS. Achado o
valor de EMS, dividimos pelo maior valor de esforço mecânico de sinalização entre os participan-
tes (EMSmax) e assim teremos o valor de REMS (EMS/EMSmax = REMS). Para o cálculo de REAEx-
-i, propomos que o valor do total de sites (telas) acessados em busca de apoio externo (AEx) seja
dividido pelo maior valor de AEx entre os participantes (AExmax), soma-se a isso o valor estabele-
cido (1 ou 0, sendo 1 = sim; 0 = não) para gravação de áudio do texto em português (GA), somado
ainda à divisão entre o número de gravações e sinalizações do TA (GS) e o maior valor de GS entre
os participantes (GSmax). Assim temos: 1 = AEx/AExM + GA + GS/GSmax = REAEx-i.

114
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

observou-se que dois participantes tiveram uma diminuição de esforço temporal


e técnico na tradução PT→Libras em relação à Libras→PT, enquanto dois outros
participantes apresentaram a tendência oposta.
Em termos de análise dos fenômenos observados, não podemos afirmar
que haja um padrão recorrente e sistemático em nenhum dos grupos ou no con-
junto de participantes; como dito anteriormente, são necessários estudos mais
aprofundados com um número maior de participantes.

5 Discussão dos resultados

Ao observarmos a existência de uma indicação de tendência de preferên-


cia para o processo interpretativo intermodal, que é o processo mais comum de
atuação entre os TILSP, esta pesquisa pretendeu verificar se, assim como ocorre
na interpretação, na tradução intermodal do par-linguístico Libras-português, ha-
veria uma tendência de preferência de direcionalidade. Para isso, utilizamos as
respostas do questionário prospectivo de perfil. Tivemos no questionário 111 res-
postas válidas para a pergunta “em qual direção prefere traduzir” e 52,3% (58 res-
pondentes) disseram preferir traduzir da sua L1 para sua L2, ou seja, mostraram
preferência pela tradução na direção PT→Libras. Com isso, podemos inferir, que
diferentemente da tradução intramodal com línguas vocais-auditivas, na tradu-
ção do par linguístico Libras-português, existe uma preferência de direcionalidade
para a direção PT→Libras.
Conforme exposto pelos participantes do experimento, em Bessa (2022),
elencamos os principais motivos que os levam a preferir a tradução na direção
PT→Libras: (i) maior rapidez e agilidade para produzir e fazer escolhas na tradu-
ção para a Libras; (ii) sensação de conforto ao traduzir do português para a Libras;
(iii) falta de prática na tradução da Libras para o português; (iv) sensação de maior
esforço cognitivo na tradução da Libras para o português; e (v) na tradução da
Libras para o português, os ouvintes são mais críticos e avaliativos que o público
surdo.
Sobre as estratégias de tradução na direção Libras→PT, utilizadas pelos
TILSP menos experientes e mais experientes na tradução, as principais observa-
das e relatadas durante o protocolo verbal retrospectivo foram: (i) assistir ao vídeo
em Libras mais de uma vez; (ii) recorrer a apoio externo; e (iii) considerar a ar-
ticulação labial (mouthing) do autor. Na direção PT→Libras, as estratégias foram
as seguintes: (i) recorrer a apoio externo; (ii) gravar em áudio o texto escrito em
português (recodificação); e (iii) utilizar um sinal correspondente a outro. As es-
tratégias mencionadas não foram necessariamente utilizadas por todos os partici-
pantes, não sendo possível identificar uma tendência entre os grupos.
A estratégia de recodificação do texto, como decidimos chamar nesta pes-
quisa, aproxima os TILSP da experiência com a interpretação simultânea, com a
qual estão mais acostumados a atuar, implicando um processo híbrido, mesclando
aspectos do processo tradutório com aspectos da interpretação.

115
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

Apesar de elencarmos, acima, algumas das estratégias empregadas pelos


participantes do experimento, observamos uma variação nos procedimentos uti-
lizados pelos TILSP e uma falta de padrão consistente tanto para o grupo menos
experiente quanto para os mais experientes, indicando possivelmente uma falta
de formação e orientação sobre as ações e estratégias para o processo tradutório
intermodal. Cada participante se apropriou de uma ou mais estratégias conforme
sua necessidade e de maneira idiossincrática.
Para a quantificação do dispêndio de esforço temporal, foi realizada a con-
tabilização do tempo gasto nas fases de orientação, redação e revisão de cada dire-
ção; e o dispêndio de esforço técnico foi feito a partir da contabilização do esforço
mecânico de ações de produção e/ou apagamentos realizados em cada fase nas
duas direções. As fases do processo de tradução (orientação, redação e revisão)
foram compostas por etapas diferentes, considerando as especificidades de cada
direção e essa categorização foi baseada na proposta de Jakobsen (2002).
Nos Quadros 3 e 4, abaixo, apresentamos uma síntese das principais obser-
vações da análise qualitativa e quantitativa para o esforço temporal e esforço téc-
nico. Para o esforço temporal, não houve diferenças significativas entre os grupos
ou entre as fases, a partir dos testes estatísticos, e para o esforço técnico, apenas
o seguinte dado foi estatisticamente confirmado: (i) na tradução PT→Libras, os
TILSP mais experientes produziram uma maior quantidade de sinais no TA em
relação aos menos experientes.

Quadro 3 – Síntese do resultado das análises do esforço temporal


Esforço Temporal
Fases do proces-
Tradução Libras→PT Tradução PT→Libras
so de tradução
Os TILSP mais experientes dedicaram mais Os TILSP mais experientes dedicaram
Fase de Orientação tempo na fase de orientação em relação mais tempo na fase de orientação em
aos menos experientes. relação aos menos experientes.
Os dois grupos de TILSP despenderam mais Não houve padrão ou diferença signifi-
Fase de Redação tempo na fase de redação em relação às cativa entre os grupos de TILSP na fase
fases de orientação e de revisão. de redação.
Os TILSP mais experientes dedicaram me- Não houve padrão ou diferença signifi-
Fase de Revisão nos tempo na fase de revisão em relação cativa entre os grupos de TILSP na fase
aos menos experientes. de revisão.
De forma geral, os dois grupos de TILSP De forma geral, os dois grupos de TILSP
Dispêndio total despenderam mais tempo no processo de despenderam menos tempo no proces-
tradução Libras→PT. so de tradução PT→Libras.
Fonte: Bessa (2022, p. 118).

116
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

Quadro 4 – Síntese do resultado das análises do esforço técnico


Esforço Técnico
Tradução Libras→PT Tradução PT→Libras
CARd SRd Os TILSP mais experientes produziram
Os dois grupos de TILSP apresenta-
total de caracteres total de sinais uma maior quantidade de sinais na
ram maior ação de apagamento na
apagados na fase produzidos na fase de redação em relação aos menos
fase de redação.
de redação fase de redação experientes.
CARv SRv Os dois grupos de TILSP não apre-
Os TILSP mais experientes realiza-
total de caracteres total de sinais sentaram diferenças significativas de
ram menos ações de revisões em
apagados na fase produzidos na produção na fase de revisão
relação aos menos experientes.
de revisão fase de revisão
Os TILSP mais experientes produziram
CTA Maior produção de caracteres no STA
uma maior quantidade de sinais no TA
total de caracteres TA pelos TILSP mais experientes em total de sinais
em relação aos menos experientes.
do texto alvo relação aos menos experientes. do texto alvo
(confirmado estatisticamente)
Maior ação de produção/edição
Maior produção no total de sinais pelos
Total de total de caracteres pelos TILSP mais Total de
TILSP mais experientes em relação aos
caracteres experientes em relação menos sinais
menos experientes
experientes
Fonte: Bessa (2022, p. 119).

A partir da síntese apresentada, observamos que os dados se comportam de


maneira diferente entre as duas direções, indicando os efeitos da direcionalidade
sobre a tradução. Os dados da pesquisa apontaram que os TILSP mais experientes
despenderam mais esforço, principalmente na tradução PT→Libras com a pro-
dução do TA, realizando uma maior quantidade de sinais em relação aos menos
experientes.
Criada a proposta de parametrização do esforço temporal (ETp) e esforço
técnico (ETc) e a síntese dos esforços temporal e técnico (ETT), conforme apre-
sentado anteriormente, os testes estatísticos foram aplicados e não foi encontrado
um padrão recorrente entre os grupos ou entre os participantes.

6 Considerações finais

A partir da análise qualitativa e quantitativa do esforço temporal e técnico


no processo tradutório intermodal, pudemos observar indícios de que a direciona-
lidade, perpassada pela intermodalidade, é uma variável que influencia no esforço
temporal e técnico despendido pelos TILSP mais experientes e menos experientes
participantes do experimento. Verificamos nos dados brutos, um maior esforço
temporal para os dois grupos de participantes na tradução na direção Libras→PT
em comparação a tradução na direção PT→Libras.
Possivelmente, por influência da prática com interpretação, percebemos,
para os dois grupos de participantes da pesquisa, uma maior automatização dos
117
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

processos na tradução PT→Libras e, mesmo essa direção demandando uma maior


quantidade de processos, os dados apontaram um menor dispêndio de esforço
temporal em relação à tradução Libras→PT.
Indepedentemente do tempo de experiência, a tradução se apresentou
como uma tarefa desafiadora para os TILSP, especialmente na direção Libras→PT.
Na análise qualitativa e no protocolo verbal retrospectivo semiguiado, a dificul-
dade em traduzir nessa direção foi evidenciada pela maioria dos participantes.
Traduzir um texto de uma modalidade para outra requer habilidades específicas e,
como aponta Rodrigues (2018b), os cursos de formação devem preparar os TILSP
para lidarem melhor com os efeitos da modalidade por meio do desenvolvimento
da competência tradutória intermodal.
Algumas suposições são levantadas, conforme Bessa (2022), para os testes
estatísticos aplicados à proposta exploratória de definição métrica dos esforços
temporal e técnico, os quais não apresentaram diferenças significativas, deman-
dando, portanto, mais reflexões e possíveis refinamentos. Além disso, o perfil
distintivo entre os dois grupos de participantes, especialmente pela sua reduzida
experiência com tarefas de tradução em ambos, pode não ter sido suficiente para
fazer emergir diferenças significativas na realização das tarefas; os textos selecio-
nados podem não ter sido desafiadores e complexos o suficiente para refletir uma
diferença entre os grupos que impactasse o processo em relação aos esforços pes-
quisados.
Todas essas reflexões demandam pesquisas futuras que busquem testar e
aprimorar as questões levantadas e discutidas por Bessa (2022), contribuindo para
novas análises nos campos da tradução intermodal e da direcionalidade na tradução.

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119
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

Agência e ativismo tradutório na promoção da Justiça


Social e dos Direitos Humanos na Literatura
Surda e Sinalizada

Jonatas Rodrigues Medeiros


Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Centro Universitário Uninter

Silvana Aguiar dos Santos


Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Universidade Federal do Ceará (UFC)

1 Introdução

O debate em torno do conceito de agência ainda é emergente no campo dos


Estudos da Tradução e nos Estudos da Interpretação, especialmente nos ETILS –
Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais. Neste capítulo, fruto da
dissertação de mestrado intitulada “Poesia de Direitos Humanos e injustiça social
na Literatura Surda: tradução, interpretação, agência e ativismo”1, tem-se como
objetivo abordar os conceitos de agência e de ativismo articulados às produções
artísticas literárias surdas e às suas traduções que versam sobre direitos humanos
e sobre injustiças sociais. Como se articula o conceito de agência e o de ativismo
em contextos de tradução literária que versam sobre direitos humanos e sobre
injustiças sociais?
Parte-se da premissa de que intérpretes e tradutores surdos e ouvintes ocu-
pam distintos lugares socioideológicos. Assim, pode-se compreender que diferen-

1 O presente capítulo é fruto da dissertação “Poesia de Direitos Humanos e injustiça social na Lite-
ratura Surda: tradução, interpretação, agência e ativismo” defendida em outubro do ano de 2022
junto ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução - PGET da Universidade Federal
de Santa Catarina. O trabalho encontra-se em fase de catalogação junto à Biblioteca da referida
instituição.

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tes sujeitos sociais, participantes das comunidades surdas, como poetas e tradu-
tores, estão envolvidos em cadeias de significados de teor político. Diante dessa
questão, suas produções podem corresponder a uma agenda ideológica a favor de
diferentes pautas reivindicatórias.
Assim, neste texto, toma-se a perspectiva de agentes da tradução, debatidas
por Milton e Bandia (2009), e se articula com os cenários dos ETILS, focalizando
o conceito de agência e de ativismo na literatura surda e sinalizada. Dessa for-
ma, evidencia-se as produções que envolvem a temática de direitos humanos e
de injustiças sociais, localizando as principais discussões nos contextos artístico
e literário.
Na primeira seção, “Conceito de agência nos estudos da tradução”, discu-
tem-se os conceitos de agência, ativismo e agentes da tradução, dentro dos Estudos
da Tradução. No final da primeira seção, apresenta-se a abordagem metodológica,
de cunho qualitativo, por meio da pesquisa netnográfica. Explica-se as contribui-
ções desse tipo de metodologia para o mapeamento e a construção do corpus de
poesias sinalizadas registradas em vídeo. Na segunda seção. “Tradução e Agência
na Promoção de Direitos Humanos e Justiça Social na Comunidade Surda: Arte e
Literatura”, apresenta-se exemplos de produções artísticas literárias em uma lín-
gua de sinais e atividades de agência de tradução que ocorrem no interior das
comunidades surdas, apresentando ações realizadas em especial no lócus das redes
sociais pelo coletivo SurdoVisão, o Grupo Movimento das Surdas Feministas do
Brasil (MOSFB) e o trabalho solo e coletivo do tradutor multiartista Efraim Canu-
to. Nas considerações finais, resgatamos os conceitos apresentados e a articulação
entre o conceito de agência e as práticas tradutórias realizadas nas comunidades
surdas.

2 Conceito de agência nos Estudos da Tradução

O conceito de agência ganha força, dentro dos Estudos da Tradução, após


a articulação fecunda entre esse campo, os Estudos Culturais e as discussões pós-
-coloniais. Assim sendo, nesta seção, partimos da compreensão de que, mais do
que simples casualidade, intervenções culturais, linguísticas, literárias e revolucio-
nárias, fazem parte de agendas políticas relativamente organizadas por diferentes
grupos sociais e seus atores. Desse modo, intérpretes e tradutores/as circulam em
diferentes instituições, ideologias, textos, crenças e campos teóricos e políticos.
Embora suas preparações podem (ou não) se estruturar em uma lógica de
neutralidade, enquanto sujeito social e político, intérpretes e tradutores/as atuam
em determinadas molduras narrativas. Suas técnicas, por mais que possam ser
fundadas em epistemologias menos subjetivas, não deixam de estar acentuadas a
valores e a letramentos que extrapolam a perspectiva de transposições linguísticas.
Sujeitos, politicamente engajados, podem promover a circulação de deter-
minadas narrativas e posições ideológicas dentro de seus contextos de atuação.
Assim, aborda-se inicialmente, nesta seção, as semelhanças e as diferenças entre o

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Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

conceito de ativismo e agência e, por fim, o de agentes da tradução. Na sequência,


mostra-se como, dentro das comunidades surdas, é observável a agência de intér-
pretes e de tradutores/as de Libras-português em espaços ativistas.
Os pesquisadores, Milton e Bandia (2009), afirmam que a agência pode
ser observada por parte de tradutores, editoras, políticos e empresas que desejam
contribuir para mudanças de hábitos sociais, linguísticos, políticos e culturais. O
papel individual de certos agentes pode se desdobrar em traduções, produções de
artigos, cursos, palestras e todas as formas de divulgar determinados conhecimen-
tos. Para os autores, agentes da tradução atuam na introdução de novos conceitos
literários e filosóficos, por meio de suas traduções, imprimindo valores, ideologias
e causas em suas atividades. Vale ressaltar ainda que diferentes agentes podem
influenciar tendências literárias e a apresentação de novos autores/as para suas
comunidades.
Milton e Bandia (2009) identificaram diferentes formas de agências tra-
dutórias, tais como financiadores de determinadas obras a serem traduzidas ou
editoras engajadas que podem disseminar traduções de literaturas de grupos mi-
norizados e de países sem reconhecimento de suas obras, promovendo literaturas
pós-coloniais e ideias revolucionárias.
Os autores ressaltam que agentes da tradução podem atuar individualmen-
te, porém sempre estando atrelados a uma teia social coletiva. Ainda é possível
averiguar o habitus de intérpretes e de tradutores/as (em uma perspectiva Bour-
dieuana), que se inserem em determinados contextos, executando certas temáticas
com maior frequência e interesse. Embora intérpretes e tradutores/as busquem
seguir certas convenções para serem aceitos/as no mercado profissional e terem
credibilidade, suas ações pessoais ou coletivas demonstram diferentes preferên-
cias, posições políticas, ideológicas e religiosas, além de identidades que os/as
constituem como raça, gênero, sexualidade, classe social, território, línguas de co-
nhecimento etc.
O campo acadêmico e cursos de formação reforçam normas, comporta-
mentos, teorias mais proeminentes e técnicas que julgam ser melhor e permitem
maior neutralidade em suas ações. Pesquisas sobre a sociografia de tradutores/as,
que analisam suas trajetórias, seus interesses e suas filiações, buscam observar a
influência desses percursos nas escolhas lexicais e perspectivas tradutórias.
Milton e Bandia (2009) explicam sobre a negociação de conflitos que ope-
ram na tradução, a qual afirmam que, quando se pensa em agência, se correlaciona
com o agir e o intervir. Ao pensar isso, compreende-se o lugar ativo em que intér-
pretes e tradutores/as podem atuar, levando a questões sobre o que os/as motivam
e o seu engajamento com tais traduções, seus canais, sua forma de seleção de tex-
tos, assim como os argumentos de suas seleções.
Para exemplificar esse debate, Bandia (2009) descreve como a agência na
tradução pode servir para a história, dando exemplo de como o senegalês Cheikh
Anta Diop (tradutor, historiador, antropólogo, físico e político) trabalhou na tra-
dução-decifração dos hieróglifos egípcios para línguas de escrita moderna. O ob-

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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

jetivo do tradutor era mostrar a correspondência entre os conhecimentos pro-


duzidos pelo Antigo Egito e a África Negra para contestar a narrativa européia
do século XX de que a África subsaariana não havia contribuído em nada com
a humanidade, que esta era sem história, que suas línguas seriam primitivas e,
portanto, intraduzíveis para as línguas modernas de dimensões científicas. Seu
trabalho mostra um lugar de agência em prol da história, desejando, por meio
do seu trabalho de tradução-decifração, inserir a história da África, em especial a
subsaariana, no contexto do movimento da história universal constituída no de-
correr de sua época (Bandia, 2009).
O trabalho de Diop, segundo Bandia (2009), contestava a tradução colonial
da África como uma tábua rasa, sem contribuições à humanidade, o que justifica
os argumentos de desumanização dos povos africanos e da legitimidade de sua
colonização. Para Bandia (2009), sua agência tradutória contribui como uma (re)
escrita da história. Isso é o papel da tradução na produção e na gerência de nar-
rativas para se inscrever na história e para questionar distorções, apagamentos,
problemas e debates controversos. O intelectual Diop percebia a tentativa de bran-
queamento da civilização do Antigo Egito, em benefício da ideologia europeia de
superioridade racial, e, por isso, engajou-se na construção de uma narrativa que
demonstrava a articulação entre diferentes povos na África (Bandia, 2009).
Em sua agência tradutória, por exemplo, Diop traduziu para o senegalês a
Teoria da Relatividade de Einstein com o objetivo de desmentir a narrativa acadê-
mica ocidental de que as línguas africanas não possuem sofisticação para expres-
sar conceitos abstratos. Seu engajamento novamente era para contestar o discurso
de linguistas e de antropólogos que argumentavam sobre a intraduzibilidade de
línguas que consideravam nativas e primitivas. As reflexões de Diop, para além da
história e da antropologia, contribuem também para se pensar a tradução, ao con-
siderar questões inerentes à tradução intercultural, à impossibilidade da tradução
literal, em línguas que não compartilham as mesmas culturas e imagens, além da
relação da tradução com características sociogeográficas (Bandia, 2009).
De forma semelhante, o ativismo da tradução também ocorre por meio da
agência individual ou coletiva de pessoas que são intérpretes e tradutores/as pro-
fissionais ou que possuem habilidades tradutórias inter ou intraculturais (Baker,
2006b). Mona Baker é uma pesquisadora oriunda do continente africano, resi-
dente na Inglaterra. A autora possui pesquisas relacionadas ao papel da tradução,
em especial daqueles que traduzem em contextos de ativismo, guerras e situações
sensíveis que envolvem conflitos e luta por direitos e narrativas marginalizadas.
A pesquisadora aborda a centralidade da tradução, entendendo que esta
afeta o mundo real e as relações sociais, culturais e políticas. Baker (2016) enfatiza
que é impossível ignorarmos as responsabilidades éticas e sociais de intérpretes e
tradutores/as, que como cidadãos participam ativamente da produção de todos os
aspectos do ambiente em que vivemos.
Baker (2016, p. 8, tradução nossa) explica que “[...] as intervenções dis-
cursivas e não discursivas na arena política são fortemente mediadas por vários

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Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

atos de tradução que permitem a conexão de movimentos de protesto em todo o


mundo”2. Não sendo a tradução um processo desinteressado, nem neutro, a autora
entende que intérpretes e tradutores/as são pessoas com domínio na mediação de
duas (ou mais) línguas e podem ver a ação tradutória como uma ferramenta para
mudar o mundo. Assim, inspirados pelo pensamento de Baker (2016) e dos de-
mais autores, cabe-nos compreender como os intérpretes e tradutores/as de Libras
transitam e são impactados pelos discursos de pautas reivindicatórias em poesias
de artistas surdos/as e traduções de literaturas sobre Direitos Humanos.
Essa abordagem possibilita-nos estabelecer a relação da literatura e dos
direitos humanos, já que a ideia de direito na humanidade é posta como uma
construção histórica, da relação do humano com o processo de empatia com o
outro e a organização social em prol da valorização da vida. Para Baker (2018),
a interpretação e a tradução podem estar envolvidas com agendas fora das insti-
tuições formais, desafiando as narrativas dominantes da época. A autora cita uma
variedade de coletivos de intérpretes e tradutores/as que se organizam com o ob-
jetivo de promover contradiscursos e lutar por justiça social e causas humanitá-
rias, colocando suas habilidades linguísticas e tradutórias em função de causas que
acreditam.
A agência de intérpretes e tradutores/as se cruzam na medida em que suas
histórias pessoais se aproximam umas das outras, criando senso de identidade e
sentimento de coletividade. Para Baker (2018), não faltariam exemplos de comu-
nidades de intérpretes e tradutores/as empenhados/as em ambientes acadêmicos,
associações, Organizações não Governamentais (ONGs,) organizações pró Direi-
tos Humanos, grupos políticos e, até mesmo, entidades comerciais fornecendo
apoio de tradução e de interpretação, ideologicamente engajado, contribuindo
com determinadas causas.
De forma semelhante, Tymoczko (2010b) entende os/as tradutores/as como
sujeitos sócio-históricos e culturalmente construídos. A autora explica que existe a
autoridade do/a tradutor/a como agente construtor de significados, sujeito ético e
ideologicamente responsável por suas escolhas e (re)leituras. Isso mostra a neces-
sidade de reconhecermos intérpretes e tradutores/as como agentes participantes
das mudanças sociais. A tradução assim é tida como uma atividade ética, política
e ideológica e não apenas uma transposição estritamente linguística.
Essa questão leva-nos a discutir as narrativas de intérpretes e tradutores/
as de Libras-português frente aos conteúdos com engajamento poético de cunho
político que reivindicam pautas dos direitos humanos. Baker (2006a, 2006b, 2016,
2018), em suas pesquisas, apresenta uma possível crítica aos Estudos da Tradução,
elencando experiências de ação tradutória que subvertem a narrativa acadêmica
de discursos apolíticos e neutros imprimidos na prática profissional de intérpretes
e tradutores/as. Em diversos textos publicados, sobre a agência e o ativismo desses

2 No original: “[…] that discursive and non-discursive interventions in the political arena are hea-
vily mediated by various acts of translation, and that this is precisely what enables protest move-
ments to connect and share experiences across the globe” (BAKER, 2016, p. 8).

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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

sujeitos, a autora demonstra que narrativas com a atitude, a posição socioideológi-


ca e o contexto que determinados intérpretes e tradutores/as vivem, podem aferir
diretamente em suas escolhas, tanto interpretativas, no sentido textual, quanto do
próprio conteúdo a qual se engaja a traduzir.
Nessa perspectiva, as contribuições de Tymoczko (20010b) dialogam dire-
tamente com esses elementos já pautados até o presente momento. A autora pro-
blematiza as relações existentes entre o texto, a língua e a cultura de partida com
seus “correspondentes” de chegada, observando que intérpretes e tradutores/as,
como sujeitos históricos, estão sempre inseridos em um contexto político ideoló-
gico e podem agir a favor de uma determinada causa. Tymoczko (2010a, 2010b)
defende a tese de que intérpretes e tradutores/as devem ser ativistas engajados/as;
desse modo, devem se manter visíveis a todos, como sujeitos políticos e ideológi-
cos.
Abaixo (Quadro 01), mostramos alguns dos elementos que dizem respeito
à agência e ao ativismo na tradução.

Quadro 01: Agência e ativismo na Tradução


AGÊNCIA NA TRADUÇÃO ATIVISMO NA TRADUÇÃO
Individual ou coletivo Coletivo
Particular ou organizacional (editoras, agências, Ligado aos movimentos sociais
investidores, messenatos etc.)
Nem sempre é visível Deve se manter visível
Não necessariamente é feita pelo tradutor, mas Historicamente nomeado como agitadores, movi-
pode ser quem incentiva ou financia a traduções mentadores, rebeldes, abolicionistas, reformado-
res, anarquistas etc.
Pode influenciar tendências literárias de cunho Engajam em literaturas de cunho político-ideo-
político variado, estético-estilístico, temático, de lógico
gênero etc.
A pauta pode ser política, literária, geográfica, A pauta é sempre ligada a movimentos políticos
religiosa, estilística ou autoral sociais
Dentro de diferentes espectros políticos (da direita Dentro de diferentes espectros políticos (da direita
à esquerda), literários, estéticos etc. à esquerda)
Nem sempre possui uma agenda Está ligada a agendas políticas
Fonte: Elaborado por Medeiros (2022, p. 164).

Tymoczko (2010a, 2010b) faz defesas mais enfáticas sobre o poder de ma-
nipulação de textos por meio da interpretação e da tradução, podendo favorecer
as línguas de chegada e contribuir para uma não colonização das ideias contidas
no texto-fonte. A autora argumenta sobre um papel possível de identificar e com-
bater, por meio dessa atividade linguística e tradutória, ideologias imperialistas.

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Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

Diferentemente dessa posição, Baker (2006a) ressalta o cuidado que intérpretes


e tradutores/as ativistas devem ter em suas mediações linguísticas, uma vez que
estando desnudados/as de seu lugar ideológico, tornam-se mais responsáveis em
tentar ser o mais próximo possível do texto-fonte, mantendo suas ideias para não
serem acusados/as e descredibilizados/as.
Mona Baker apresenta, no livro “Translating Dissent Voices from and with
the Egyptian revolution” (Traduzindo a dissidência: Vozes do e com a Revolução
Egípcia), a diversidade de narrativas traduzidas, em diferentes formatos, sobre a
Revolução Egípcia. As escritas literárias que contam acontecimentos, fotografias,
cinemas, legendagens e artes de rua são vistas, neste trabalho, como formas de
tradução, não restritas apenas à transposição linguística de signos verbais, mas
amplas, abarcando diferentes sistemas de signos e suportes, o que envolve tradu-
ção intersemiótica.
Como exemplo de outras formas de tradução, indica-se a tradução de tes-
temunhos e a de experiências vividas, o registro audiovisual de depoimentos e sua
legendagem, para que a mensagem ultrapasse as fronteiras nacionais, as fotogra-
fias e as narrativas que as acompanham, além de grafites de rua, poesia, cartoons
etc. Essas ações forjam redes de solidariedade entre intérpretes e tradutores/as
com movimentos revolucionários.
Para Baker (2016), no caso da Revolução Egípcia, era evidente que as tradu-
ções, em seus mais variados suportes, eram realizadas exclusivamente por volun-
tários, os quais se alinhavam aos mesmos valores dos movimentos sociais que ali
emergiram, utilizando suas capacidades linguísticas e tradutórias em favor de um
projeto político comum. A criação e a tradução de poesia mostram um exemplo
dessa possibilidade de forjar novas linguagens dentro de uma conjuntura de crise.
Assim, a tradução desempenha papel fundamental na disseminação de contranar-
rativas.
Outro exemplo que podemos observar, nessa perspectiva, são as pesqui-
sas realizadas na descrição de povos originários, no Peru, e suas línguas indíge-
nas. Ciudad, Howard e Ricoy (2017) investigaram como intérpretes e tradutores/
as atuam ativamente pela pauta de direitos de comunidades locais, narrando-as
como atores que desenrolam um papel multifacetado, combinando sua função
técnica com uma postura de ativismo e a favor dos direitos linguísticos e culturais
de seus povos. As pesquisas utilizam-se de aportes teóricos da Antropologia, da
Sociologia e dos Estudos da Tradução.
Conforme Ciudad, Howard e Ricoy (2017) atestam, o ativismo de intérpre-
tes e tradutores/as está diretamente ligado às ideologias linguísticas e às dinâmicas
de autorrepresentação indígena. A visão que podemos estabelecer desses intérpre-
tes e tradutores/as que atuam com as comunidades originárias é de agência e não
a “invisibilidade” comumente atribuída a esses profissionais.
O lugar de ativismo, como mostram os autores, ocorre antes da formação
desses intérpretes e tradutores/as, no contato com suas comunidades. Esses/as
profissionais, quando em atuação, manifestam seus ativismos em diferentes ações,

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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

seja nos serviços estatais, em meios de comunicação de massa ou em redes sociais.


Estão sempre difundindo, defendendo e promovendo a língua e a cultura dos gru-
pos indígenas comunitários em que atuam.
Na próxima seção, apresenta-se o conceito de agência articulado ao con-
texto de literatura, surda e sinalizada, que tematiza a pauta dos direitos humanos
e das injustiças sociais. Como vimos, nesta seção, agentes da tradução atuam em
diferentes contextos e de variadas formas na promoção de ideias, engajamento e
disseminação das informações. As habilidades tradutórias são colocadas a serviço
de uma determinada ideologia, sendo a tradução um meio eficaz de abastecer dife-
rentes comunidades linguísticas de novas crenças ou mesmo proposições políticas
e de transformação social.

3 Tradução e agência na produção de Direitos Humanos e Justiça


Social na Comunidade Surda: Arte e Literatura

No contexto brasileiro, é visível a presença de intérpretes e tradutores/as


de Libras contribuindo para diversos movimentos surdos, tal como no reconhe-
cimento da Libras e no #ENEMLIBRASJÁ3. É possível mencionarmos a presença
desses/as profissionais em movimentos sociais surdos que organizam suas pautas
em diferentes temáticas, por meio das redes sociais, os quais fazem uso da inter-
pretação e da tradução em seus projetos. As narrativas produzidas por ativistas
surdos/as conseguem alcançar um número maior de público graças às traduções e
às legendagens feitas de forma colaborativa por intérpretes e tradutores/as aliados
às reivindicações surdas. Citamos três exemplos: o coletivo SurdoVisão, o Grupo
Movimento das Surdas Feministas do Brasil (MOSFB) e, por fim, o trabalho de
agência de tradução do tradutor multiartista Efraim Canuto.
Os materiais utilizados para o debate conceitual aplicado, neste capítulo,
são resultados da pesquisa, como mencionado acima, que originou a dissertação
“Poesia de Direitos Humanos e injustiça social na Literatura Surda: tradução, in-
terpretação, agência e ativismo” defendida no Programa de Pós-Graduação em
Estudos da Tradução (PGET) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
A metodologia da coleta de dados seguiu inspiração netnográfica de inserção nas
comunidades surdas cibernéticas. A netnografia funciona como significativa fer-
ramenta de análise que contribui para observação de comunidades alocadas no
espaço digital, ou ciberespaço, como explica Kozinets (2014). O autor afirma que
esse modelo metodológico se estende de forma orgânica e natural para pesqui-
sas de bases observacionais, como entrevistas, estatísticas descritivas, coletas de
dados, arquivos, análise de caso histórico, videografia, técnicas projetivas como
colagens, análise semiótica etc.

3 Na dissertação de mestrado, disponível no banco de dados da PGET, discorremos sobre a pre-


sença de intérpretes e tradutores/as de Libras nos movimentos sociais surdos em prol dos direitos
linguísticos das pessoas surdas.

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Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

Embora oriunda da área administrativa e de marketing, princípios da me-


todologia netnográfica tem sido utilizada em pesquisas na área da educação, so-
ciologia e linguística. Os arquivos separados para a análise teórica, deste capítulo,
foram selecionados a partir do trabalho de imersão nos contextos artísticos sur-
dos, promovidos nas redes sociais como Instagram, Facebook e a plataforma de
vídeo YouTube4.
A exemplo, citamos o MOSFB, grupo que reúne mulheres surdas feministas
de várias regiões do país. A proposta das páginas no Facebook e do Instagram é
de congregar e apoiar outras mulheres surdas e disseminar informações sobre o
feminismo, mulheres LGBTQI+, visibilidade lésbica, violência doméstica e outras
temáticas. Entre suas produções é notório o engajamento de suas narrativas por
meio da interpretação e da tradução. Há diferentes vídeos que possuem a tradução
da sinalização de mulheres surdas em formato de legenda ou a tradução em Libras
de discursos feitos em português (Figura 01).

Figura 1 – Ações MOSFB

Fonte: Imagem extraída da página do Instagram do MOSFB (Medeiros, 2022, p. 166)

O movimento também organiza diversas lives com convidadas surdas e


ouvintes (Figura 02). Dentre as convidadas e as temáticas que já circularam nas
páginas, podemos citar Gabriela Grigolom e Márcia Tiburi, as quais discutem a
“Política e Mulheres no Brasil, passado, presente e futuro” e “Beijar Mulher é um
ato Político”, com Camila Marins e Louren Farias.

4 Os dados foram coletados no período de julho de 2020 a março de 2022 e a pesquisa autorizada
pelo Comitê de Ética, sob o protocolo 4.801.516

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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

Figura 2 – Lives e temáticas do MOSFB

Fonte: Imagem extraída da página do Instagram do MOSFB. (Medeiros, 2022, p. 167)

Além disso, o movimento organiza grupos de estudos feministas, lives com


convidadas diversas e participação em diferentes marchas e protestos de cunho
político. Nas páginas do grupo, há uma diversidade de vídeos informativos pro-
duzidos em Libras de forma independente, sendo todos os vídeos sinalizados com
tradução e legenda em português, e alguns com áudio. Quando são vídeos com
fala em português há tradução em Libras inserida no vídeo.
As intérpretes e as tradutoras, que contribuem para o movimento, atuam de
forma colaborativa e engajada, participando da tradução de vídeos, legendagem,
interpretação de lives, reuniões e divulgação do movimento. Sem as práticas in-
terpretativas e tradutórias, as ações ficariam circunscritas às comunidades surdas,
não visibilizando suas lutas para um grupo maior de mulheres e outros movimen-
tos feministas. É interessante observarmos que essa preocupação é oriunda das
mulheres surdas, já que infelizmente outros movimentos feministas compostos
pela maioria ouvinte nem sempre se articulam para receber mulheres surdas em
suas atividades.
O Coletivo SurdoVisão é outro grupo cujas produções também se preocu-
pam com a atividade de interpretação e de tradução e legendagem de suas nar-
rativas. As temáticas que circulam na página são variadas. O Coletivo debate a
polarização política nas comunidades surdas, o lugar de fala das pessoas surdas,
professores/as surdos/as, violência doméstica contra mulheres surdas, história
dos/as surdos/as brasileiros/as, história dos movimentos surdos, poesias surdas
com diferentes temas políticos, entre outros assuntos, mas enfatizando sempre o
empoderamento surdo (Figura 03).

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Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

Figura 3 – Lives do Coletivo SurdoVisão

Fonte: Imagem extraída da página do Instagram do SurdoVisão (Medeiros, 2022, p. 168)

A maioria dos vídeos, postados pelo Coletivo SurdoVisão, possuem tra-


dução com legenda e voz. Como grupo independente, intérpretes e tradutores/
as atuam de forma colaborativa para possibilitar que as narrativas surdas sejam
compartilhadas com as pessoas que desconhecem a Libras. O grupo de intérpretes
e tradutores/as que contribuem são mulheres e homens aliados que desempenham
um papel político ao concederem suas habilidades linguísticas, tradutórias e inter-
pretativas às pautas plurais de um movimento surdo cibernético.
O coletivo também já promoveu lives com temáticas como “A luta das Co-
munidades Surdas: impactos sobre as Línguas de Sinais e os Direitos Humanos”
(com interpretação da Língua de Sinais Internacional para Libras e português) e
“Polarização na Comunidade Surda: Existe ou Não?”. Também é possível verifi-
carmos a produção de vídeos documentários (Figura 04) que debatem questões
como “geração surda”, que são sobre surdos/as idosos/as, que registram a memória
de grupos de surdos que foram proibidos de usarem uma língua de sinais e que
denunciam o modelo educacional oralista, ao qual foram submetidos em um pas-
sado que ainda reflete no presente.

Figura 4 – SurdoVisão - Documentário

Fonte: Imagem extraída da página do Instagram SurdoVisão. (Medeiros, 2022)

O registro dessas narrativas são uma importante ação de constituição da


memória surda através do suporte do vídeo, sendo um gênero literário profícuo
para documentação dos saberes surdos e as histórias sinalizadas (orais) produzidas

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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

por essas comunidades. A tradução novamente é um elemento agregado à preocu-


pação do SurdoVisão, o texto legendado possibilita a expansão do público alcan-
çando com as atividades do coletivo. Os/as intérpretes e tradutores/as envolvidos
com essas produções, podem ser vistos como agentes de tradução que contribuem
para a constituição dessa memória surda, em expansão, graças às tecnologias.
Além disso, o grupo traz séries de artes visuais produzidas por artistas sur-
dos/as, como é possível exemplificar nos quadrinhos feitos por Catherine, Candy
Uranga e Diogo Madeira (Figura 05), cuja mensagem denuncia a violência domés-
tica contra uma mulher surda. A narrativa denuncia a violência de homens surdos
contra mulheres surdas e a dificuldade de denúncia via celular, cujo único canal é
a central de Libras, porém congestionada devido à alta demanda de atendimento e
presente apenas em algumas capitais do país.

Figura 5 – SurdoVisão: Quadrinhos

Fonte: Imagem extraída da página do Instagram do MOSFB (Medeiros, 2022, p. 169)

O fato de as artistas e de o artista trazerem um personagem homem surdo


revela o desejo de quebrar com o tabu de comunidades surdas inocentes, harmo-
niosas e não machistas. O racismo e o machismo são estruturais e impactam tam-
bém as pessoas surdas, constituindo subjetividades também agressivas e precon-
ceituosas. Além disso, nas imagens, é possível averiguar a personalidade agressiva
do personagem em persuadir a mulher surda e agredi-la. A presença de substân-
cias alcoólicas, mudança de comportamento do homem surdo, a violência sexual
e os hematomas no corpo da mulher surda são evidentes na narrativa.
Nas hashtags que descrevem a postagem na página do Instagram aparecem
termos como denúncia, assédio, machismo, lei Maria da Penha, direitos surdos,
mulheres surdas, feministas e feminismo. Essa arte exemplifica bem um lugar de
agência de artistas que traduzem, em um outro sistemas de signos, assuntos que po-
dem ser lacunares dentro das comunidades surdas e que são ignorados por movi-
mentos sociais, políticas públicas, debates acadêmicos e a sociedade civil em geral.
Outra arte que demonstra ativismo, por meio de distintos suportes e o ato
de tradução de artistas surdos/as, são os quadrinhos intitulados “Rótulos de diver-
sas surdas”, feitos pela artista Yanna Porcine (Figura 06). A poeta trabalha entre a

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Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

linguagem verbal e não verbal para apresentar a dicotomia narrativa da perspecti-


va das comunidades surdas e de pessoas desconhecedoras sobre a diversidade sur-
da. Sua crítica consiste na visão romantizada de comunidades surdas homogêneas
de identidades fixas. Além disso, é visível a crítica da narrativa produzida pelo
senso comum social, que identifica as pessoas surdas em um viés audista sobre
seus corpos e suas línguas de sinais.

Figura 6 – Quadrinhos “Rótulos de diversas surdas”

Fonte: Imagens extraídas da página do Instagram do SurdoVisão (Medeiros, 2022, p. 172)

As comunidades surdas são compostas por ativistas surdos/as que tradu-


zem suas inquietações nos mais diferentes suportes, assim como ativistas intér-
pretes e tradutores/as de Libras, os quais contribuem com tradução, interpretação,
legendagem, edição de vídeo e construção coletiva das pautas surdas.
Voltando-se para a literatura sinalizada, assim como para as performances
literárias, podemos averiguar uma diversidade de textualidades registradas em ví-
deos com a temática de direitos humanos e de injustiças sociais. Podemos articular
o conceito de agentes da tradução ao contemplar as produções de determinados
intérpretes e tradutores de Libras que possuem engajamento nas redes sociais pro-
movendo literatura e arte sinalizada.
As produções do intérprete e do tradutor Efraim, por exemplo, são vastas
e em diversas linguagens. Suas atividades expandem-se como produtor de con-
teúdo em Libras, performance, poeta, designer, roteirista e filmaker. A maioria de
suas produções públicas estão ligadas às comunidades surdas. Como intérprete e
tradutor, transita entre o contexto educacional e, principalmente, o artístico com
músicas, poesias, textos literários, teatro e cinema. Muitas produções são espontâ-

133
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

neas, traduções de músicas com mensagens direcionadas aos Direitos Humanos,


como o samba enredo “Ainda existe escravidão?” e o texto poético “Pele Marcada”,
de Larissa Luz. Efraim propõe, para além da disseminação de mensagens políticas,
perspectivas estéticas que dialogam com a performance tradutória, com a lingua-
gem audiovisual e teatral.

Figura 7 – Agência Tradutória de Efraim

Fonte: Acervo do autor. (Medeiros, 2022, p.241)

Efraim quebra com estéticas mais estáticas da sinalização em Libras, pro-


pondo diferentes formas de registro audiovisual, com inventividade nos ângulos,
nos planos cinematográficos e na edição de seus vídeos. No teatro, suas participa-
ções também rompem com o local comumente atribuído para os/as intérpretes
e os/as tradutores/as de Libras, o canto da boca de cena. Milton e Bandia (2009)
observam essa característica de inovação e de mudanças estilísticas também como
formas de agência. Para os autores, há dois tipos específicos de agentes: aqueles
que realizam mudanças de estilos na tradução, de modo a amplificar diferentes
formas de tradução disponíveis; e aqueles que introduzem novas obras e estilos de
tradução nos grupos linguísticos que atuam.
No espetáculo, “O Subnormal”, primeira imagem da Figura 07, a atuação de
Efraim acontece com outro ator. Figurino e iluminação correspondem à drama-
turgia da peça, um estilo de performance tradutória ainda pouco difundida e acei-
tável no contexto da tradução teatral. Outro lugar de agência nas ações de Efraim
a favor da Literatura Surda e da Sinalizada podemos ver na sua presença ativa no
Slam das Mãos, como no cartaz de “Residência Artística Suar”, do qual participa
como condutor do evento. Ainda podemos observar seu caráter performático em
traduções artísticas que operam a partir de seu corpo, como principal signo de
textos, em que a negritude e a ancestralidade são a temática. Na poesia, de onde

134
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

foi extraída a imagem abaixo (Figura 09), performatizada no Slam das Mãos, no
Palco Giratório do Sesc, vemos Efraim de costas, sinalizando o sinal de Iemanjá.

Figura 8 – Tradução Performance de Efraim

Fonte: Acervo do autor. (Medeiros, 2022, p. 241)

A tradução como performance5 evoca, justamente, o corpo como signo


marcante e constituído de sentidos. Como Carrascosa (2018) explica, o corpo per-
formático faz disseminação de imagens. A autora, ao comentar sobre o teatro afro-
diaspórico, explica: “os gestos performáticos configuram um canal estético-corpo-
ral-vocal para traduzir a realidade cotidiana opressiva (corporal e mentalmente),
alterando sua ordem simbólica na série histórico-social” (Carrascosa, 2018, p. 81).
A agência de Efraim também opera com poesias audiovisuais. Dois exemplos são
a poesia sinalizada, “80 Tiros” (Figura 10), na qual, além da performance, Efraim
utiliza diferentes planos cinematográficos, assim como recursos intersemióticos
como legendas. O poema faz referência ao fuzilamento e ao homicídio de Evaldo
Rosa e Luciano Macedo, dois homens negros, assassinados por 12 militares.

Figura 9 – Tradução de Poesia Surda e legendagem de Efraim

Fonte: Acervo do autor. (Medeiros, 2022, p. 243)

No vídeo #justicapormiguel, Efraim faz captação de imagem do ato #justi-


capormiguel realizado em Pernambuco. Conforme descrição do vídeo postado no
YouTube, o material é nomeado como “Poesia visual no ato”. O material refere-se à
morte de Miguel, de 5 anos de idade, que caiu do 9º andar de um apartamento de
classe média alta de Pernambuco. O ocorrido foi consequência da negligência de

5 O conceito de tradução e performance é utilizado, aqui, dentro de uma perspectiva pós-colonial


dos Estudos da Tradução, compreendendo o ato tradutório como uma ação subjetiva e de subje-
tivação, que rompe com os cânones estéticos literários e coloca o corpo em jogo, como parte que
pulsa e cria outros signos para além da letra.

135
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

Sari Cortes Real, primeira-dama da cidade de Tamandaré. Ela permitiu que Mi-
guel subisse sozinho no elevador porque ele estava “birrento” e pedindo pela mãe6.
A narrativa pública que apresenta esse fato compreende o nível de negligên-
cia, de perversidade e de racismo da atitude da patroa, uma vez que desumaniza
a infância e a vulnerabilidade de Miguel, uma criança negra e periférica. A poe-
sia visual, gravada em um ato, em favor da justiça por Miguel, foi produzida por
Efraim e Stephanie Saskya. Na narrativa do vídeo, diversas pessoas fazem o sinal
de “NEGR@/PRET@” em meio ao protesto.
O plano da gravação é aproximado, revelando apenas parte do rosto dos que
sinalizam, dando mais ênfase ao sinal. Os cortes ocorrem entre sinais de “PELE”,
“VIDA” e imagens do ato. Efraim aparece no vídeo sinalizando “MIGUEL, NÃO
FOI ACIDENTE”, “ELES QUEREM NOS VER MORRER”, entre outros textos que
são oriundos de um poema escrito por Efraim, sobre racismo e extermínio da
população negra. Aqui também recursos como a legenda das palavras estão pre-
sentes. Mona Baker (2016) afirma que tradutores/as se engajam em lutas políticas
e atuam na produção de diferentes narrativas públicas. Além disso, diferentes su-
portes e linguagens podem ser ativados para a disseminação dessas mensagens,
inclusive utilizando diferentes estéticas com o objetivo de chamar atenção para
determinada pauta política.
As questões estéticas podem ser estratégias narrativas de amplificação da
temática, pois, dialogando com Milton e Bandia (2009, p. 2, tradução nossa), ve-
mos que “[...] em certos casos, inovações estilísticas estão ligadas ao político”7. Isso
confere esforços para a transformação de cânones estilísticos também da tradução
em Libras, cujo lugar de “enquadramento” da tradução, de “indumentária” e de
“performance adequada (neutra)” de traduzir é subvertida.

Figura 11 – Legendagem de poesia

Fonte: Acervo do autor (Medeiros, 2022, p. 244)

6 Como estava ocupada fazendo as unhas com uma manicure, deixou Miguel ir sozinho até o
elevador. Nas câmeras do prédio, é possível ver Sari indo até o elevador, onde a criança estava, e
apertar um dos últimos andares, deixando o menino de apenas 5 anos subir sozinho. A mãe de
Miguel, Mirtes Renata Souza, era funcionária na casa de Sari e estava levando os cachorros para
passear quando a tragédia aconteceu.
7 No original: “But in certain cases the stylistic innovations are linked to the political” (MILTON;
BANDIA, 2009, p. 2).

136
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

Outra atividade de Efraim, além da tradução, é a legendagem e a narração


de poesias produzidas por poetas surdos/as (Figura 11). Como, por exemplo, o
poema “O mundo chora e pede paz”, de Alan Godinho, no qual, além da parti-
cipação da tradução, Efraim assina a edição e a narração. O poema refere-se a
conflitos bélicos, uma das temáticas dos Direitos Humanos. A tradução faz parte
do projeto TraduLab, da Avuá Libras. Em síntese, as atividades de Efraim, em
diferentes direcionalidades linguísticas, suportes, linguagens e sistemas de signos,
contribuem para agendas em prol aos direitos humanos e denúncia de injustiça
social.
Como pudemos observar, os coletivos surdos desempenham um importan-
te papel de disseminação de debates, produções artísticas e literárias sobre direitos
humanos e injustiças sociais. Tais produções podem ser vistas como traduções de
denúncias sociais e reivindicações de direitos. Ainda, diversos trabalhos literários
ou mesmo informativos, passam por tradução e legendagem, o que evidencia a
presença de intérpretes e tradutores/as de Libras que atuam como agentes de tra-
dução na promoção de narrativas surdas ligadas aos direitos humanos.

4 Considerações finais

Neste capítulo, apresentamos o conceito de agência, nos Estudos da Tradu-


ção, e sua distinção do conceito de ativismo. Localizamos o papel ativo socioideo-
lógico ocupado por intérpretes e tradutores/as que podem dispor de suas técnicas
e habilidades linguísticas e tradutórias a favor de determinadas ideias e agendas
políticas.
Na primeira seção, “Conceito de agência nos Estudos da Tradução”, reto-
mamos a pesquisa de Badia (2019) para exemplificar como o trabalho de Cheikh
Anta Diop, promoveu uma tensão com as concepções teóricas do século XX que
negava a contribuição da África subsariana para o conhecimento produzido pela
humanidade. Seu trabalho de tradução tinha como agenda política o combate às
teorias européias oriundas de um racismo científico em voga em sua época.
Abordamos as contribuições de Baker (2016) ao analisar diferentes supor-
tes e sistemas de signos como formas de tradução de ideias políticas e movimen-
tos revolucionários. A produção de vídeos, legendas, fotografias, cartoons, grafites
e contos, entram na gama de linguagens acessadas para se traduzir socialmente
mensagens de revolução e transformação social. Ainda, dialogamos com Tymoc-
zko (2010a, 2010b) que posiciona sobre a necessidade de intérpretes e tradutores
se posicionarem sempre de forma visível como sujeitos políticos, uma vez que a
neutralidade seria tão somente um instrumento retórico.
Na segunda seção, “Tradução e Agência na Promoção de Direitos Huma-
nos e Justiça Social na Comunidade Surda: Arte e Literatura”, apresentamos a arti-
culação do conceito de agência em grupos como o coletivo SurdoVisão e o Grupo
Movimento das Surdas Feministas do Brasil (MOSFB), além de descrever aspectos
de agência do trabalho solo/coletivo do tradutor multiartista Efraim Canuto.

137
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

Por fim, destacamos o lugar de agência e ativismos de poetas e artistas sur-


dos/as que fazem de suas artes canal de denúncia e reivindicação por justiça social.
Também se agrega valor ao fato de essas artes, na maioria das vezes, promoverem
em seu escopo narrativo diferentes formas e modalidades de tradução, seja dos/as
próprios/as poetas (em autotradução) ou intérpretes e tradutores/as aliados/as às
comunidades surdas e às suas bandeiras de lutas.

Referências
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Tradução Cristiane Roscoe-Bessa, Flávia Lamberti e Janaína Araujo Rodrigues.
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TYMOCZKO, Maria. Translation, resistance, activism. Amherst: University of
Massachusetts Press, 2010a.

138
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

Discursos sobre os intérpretes educacionais na Educação


Infantil: vozes na pesquisa científica
Elaine Aparecida de Oliveira da Silva
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Neiva de Aquino Albres


Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

1 Introdução

Reconhece-se nas práticas de educação para surdos, “o direito que as crian-


ças que usam uma língua diferente da língua majoritária, de serem educadas em
sua língua” e, portanto, sua materialização não pode ser compreendida como
“uma decisão de natureza técnica, mas [...] politicamente construída tanto quanto
sociolinguisticamente justificada” (Skliar, 1999, p. 10).
Atualmente, a maioria das escolas brasileiras estrutura-se em uma perspectiva
inclusiva e utiliza o bilinguismo como modelo educacional. Assim, em um dos mo-
delos proposto pelo Decreto n.º 5.626/2005, os intérpretes de Libras-português pas-
saram a atuar com o objetivo de possibilitar o acesso linguístico às crianças surdas.
Art. 22. As instituições federais de ensino responsáveis pela educação básica
devem garantir a inclusão de alunos surdos ou com deficiência auditiva,
por meio da organização de: [...] II – escolas bilíngues ou escolas comuns
da rede regular de ensino, abertas a alunos surdos e ouvintes, para os anos
finais do ensino fundamental, ensino médio ou educação profissional, com
docentes das diferentes áreas do conhecimento, cientes da singularidade
linguística dos alunos surdos, bem como com a presença de tradutores e
intérpretes de Libras – Língua Português [...]. (Brasil, 2005).
A partir do Decreto n.º 5.626/2005, que regulamenta a Lei da Libras de n.º
10.436/2002 assim como o art. 18 da Lei n.º 10.098/2000, todas as instituições, desde
a Educação Infantil até o ensino superior, devem garantir a atuação do tradutor e

139
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

intérprete de Libras-português para os surdos. Dessa maneira, a discussão apresen-


tada neste capítulo, decorre de uma investigação que se justifica pela necessidade
de se conhecer as pesquisas que já foram produzidas no Brasil sobre a mediação
educacional feita por intérpretes para crianças surdas, especialmente na Educação
Infantil. Cabe esclarecer que, apesar do decreto citado prever a atuação de intérpre-
tes educacionais (IE) na Educação Infantil, esse é um ponto de tensão nas comuni-
dades surdas, o qual é criticado por pesquisadores. Então, cabe perguntar:1) Quais
pesquisas já foram produzidas no Brasil sobre o IE atuante com crianças na Educa-
ção Infantil, a partir do estado-da-arte sobre tradução e interpretação educacional
produzidas pelo Núcleo de Pesquisas em Interpretação e Tradução de Línguas de
Sinais (InterTrads)?; 2) Como se configuram conexões entre pesquisadores marcan-
do os discursos acadêmicos?; e 3) Como a polifonia se apresenta nessas pesquisas?
Considerando tais questões, o nosso objetivo, neste capítulo, é fornecer
uma visão geral da atual situação da interpretação Libras-português na Educação
Infantil, a partir de revisão sistemática e de meta-análise. Para tanto, destacamos a
polifonia que compõe o texto acadêmico científico (dissertações e teses).

2 Referencial Teórico

As concepções inerentes às relações dialógicas podem ser compreendidas


nas mais diversas categorias de atividade humana. É fundamental que aconteça a
materialização para que as relações lógicas sejam dialógicas, concretas na voz dos
diversos sujeitos. Nas palavras de Bakhtin,
a orientação dialógica é naturalmente um fenômeno próprio a todo discurso
e, ainda, todo discurso nasce no diálogo como sua réplica viva, forma-se na
mútua-orientação dialógica do discurso de outrem no interior do objeto. A
concepção que o discurso tem do objeto é dialógica. (Bakhtin, 1998, p. 88-89).
O que o autor indica consiste na ideia de que, com base nos estudos da
linguagem, a partir da teorização concebida pelo Círculo, há percursos para se
examinar a organicidade do discurso. Brait (2006) define esse horizonte teórico-
-metodológico e aponta que
sem querer (e sem poder) estabelecer uma definição fechada do que seria
essa análise/teoria dialógica do discurso, uma vez que o fechamento signi-
ficaria uma contradição em relação aos termos que a postulam, é possível
explicar seu embasamento constitutivo, ou seja, a indissolúvel relação exis-
tente entre língua, linguagens, história e sujeitos que instaura os estudos da
linguagem como lugares de produção de conhecimento de forma compro-
metida, responsável, e não apenas como procedimento submetido a teorias
e metodologias dominantes em determinadas épocas. (Brait, 2006, p. 10).
Seguindo os princípios desse método e considerando a totalidade, como a
forma de diálogo entre sujeitos (pesquisadores/autores dos discursos), ponderan-
do que a linguagem corresponde às formas do dizer e do ser no mundo. A autora

140
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

indica que ao se estudar o discurso não podemos dissociá-lo dos sujeitos que enun-
ciam. Do ponto de vista da linguagem, as características discursivas apontam para
contextos mais vastos, como os de “formações discursivas, sociais e históricas”.
Tomamos as dissertações e teses, nesta pesquisa, analisadas como discur-
sos, como textos acadêmicos e como uma organicidade específica do discurso. Ba-
seadas em Bakhtin (2010), empregamos o termo arquitetônica como um elemento
estrutural-relacional concreto do ato, que se orienta na participação singular no
existir humano. Nessa perspectiva, se relaciona a linguagem e a ideologia de seres
concretos nos momentos arquitetônicos: eu-para-mim, o outro-para-mim, e eu-
-para-o-outro, envoltos em valores, que acontecem de forma específica no tempo
e no espaço. Assim, para a análise das dissertações e teses, considerando que não
se pode abstrair o seu contexto histórico e ideológico, destaca-se a relação sujei-
to-objeto, ou seja, autor-discurso. Dessa forma, compreendemos que cada texto é
singular, único. Portanto,
a forma de auto-suficiência, de auto-satisfação, inerente a tudo o que é este-
ticamente acabado, é uma forma puramente arquitetônica e impossível de
ser transferida para a obra como material organizado, pois esta apresenta-se
como uma entidade teleológica composicional onde cada momento e todo
o conjunto estão voltados para um fim, realizam algo, servem para algo.
(Bakhtin, 2010, p. 24).
Seguindo os princípios da perspectiva dialógica da linguagem e conside-
rando a totalidade, como a forma de diálogo entre sujeitos (pesquisadores/autores
dos discursos), ponderando que a linguagem são as formas do dizer e do ser no
mundo. Ao se estudar o discurso não podemos dissociá-lo dos sujeitos que enun-
ciam. Do ponto de vista da linguagem, as características discursivas apontam para
contextos mais vastos, como os de “formações discursivas, sociais e históricas”.

3 Metodologia Da Pesquisa

Pretendeu-se, por meio de pesquisa qualitativa, analisar os discursos pro-


venientes de pesquisadores que têm como objeto os intérpretes educacionais que
atuam com crianças surdas. Para tanto, considerando que Albres (2019) desen-
volveu o levantamento de teses e dissertações, no Brasil, que abordam o trabalho
de IE, nos valeremos desse levantamento nesta revisão sistemática. Nesse sentido,
revisamos os trabalhos disponíveis (dissertações e teses), os quais constituem a uni-
dade de análise da pesquisa que deu origem às reflexões apresentadas neste capítulo.
Vale esclarecer que a busca dos estudos, a triagem dos títulos e resumos, a
decisão final de elegibilidade, segundo os critérios de inclusão e exclusão, após a
leitura na íntegra dos estudos e a extração dos dados para análise foram realiza-
das por Albres (2019). Assim, a parte inicial de revisão sistemática já tinha sido
estabelecida. Os estudos selecionados abordam a atividade do IE. Com base no
repositório, tem-se disponíveis 338 pesquisas.

141
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

A busca sistemática foi conduzida nas seguintes bases de dados: (1) Biblio-
teca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), que integra os sistemas de
informação de teses e dissertações existentes nas instituições de ensino e pesquisa
do Brasil – nesse site, encontra-se o trabalho completo, pois possibilita o acesso à
biblioteca da universidade de origem que precisa, obrigatoriamente, disponibilizar
o trabalho desde o ano de 2004 –; e (2) Catálogo de Teses e Dissertações da Coor-
denação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Além da estratégia de busca original, procurou-se, através da ferramenta de
rastreio dos estudos que citaram os artigos selecionados, potenciais estudos que
não foram localizados inicialmente. Tal procedimento foi realizado nas referências
e no Lattes dos orientadores, conforme descrito por Albres (2019) em sua pesquisa
de pós-doutorado. Assim, os estudos selecionados abordam a atividade do IE.

Tabela 1 – Número total de pesquisas e o recorte realizado


CORPUS
DOCUMENTO EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS RECORTE DE ED. INFANTIL
TOTAL
Dissertações 266 63 4
Teses 72 18 2
TOTAL 338 81 6
Fonte: Elaborado pela autora com base em Albres (2019) e Costa (2021).

Para a pesquisa de mestrado, desenvolvemos algumas etapas de refinamen-


to, a partir do corpus, levantado por Albres (2019) e Costa (2021), para construção
de um objeto de pesquisa específico envolvendo o trabalho do IE com crianças
surdas. Esse corpus vem sendo constantemente alimentado. Atualmente, mais pre-
cisamente em fevereiro de 2023, o corpus está com 366 pesquisas, pois vem sendo
constantemente atualizado como refere Costa (2021). Essas pesquisas podem ser
consultadas no repositório (Figura 1). Quando realizamos a pesquisa de mestrado
da primeira autora, trabalhamos com o corpus de 338 dissertações teses.

Figura 1 – Página do repositório com o corpus de pesquisa

Fonte: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/184906

142
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

O recorte selecionado para a realização da análise do discurso foi composto


por seis (6) trabalhos que abordam a Educação Infantil, sendo duas (2) teses e qua-
tro (4) dissertações, o que corresponde a 7,4% das pesquisas sobre crianças surdas
(do total de 81 pesquisas). Essa pequena porcentagem apenas revela o quanto des-
conhecemos como se tem desenvolvido a educação de crianças surdas pequenas
no Brasil. Assim, chegamos ao seguinte (Quadro 1):

Quadro 1 – As pesquisas sobre Educação Infantil


PESQUISAS
2006
TURETTA, Beatriz Aparecida dos Reis. A criança surda e seus interlocutores num
programa de escola inclusiva com abordagem bilíngue. https://repositorio.ufsc.br/
handle/123456789/190808
2012
CÔRTES, Diolira Maria. “Brincar vem”: a criança surda na educação infantil e o
despertar das mãos. Acesso em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/210184
DISSERTAÇÃO
2014
RABELO, Dayane Bollis. O bebê surdo na educação infantil: um olhar sobre
inclusão e práticas pedagógicas. Acesso em: https://repositorio.ufsc.br/hand-
le/123456789/210186
2017
COSTA, Renata dos Santos. O professor intérprete de Libras em uma escola polo do
município de Nova Iguaçu. 2017.
https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/190829
2016
TEIXEIRA, Keila Cardoso. A criança surda na educação infantil: contribuições para
pensar a educação bilíngue e o atendimento educacional especializado. https://repositorio.
ufsc.br/handle/123456789/229669
TESE
2018
RABELO, Dayane Bollis. A educação infantil para crianças surdas em muni-
cípios da região metropolitana de Vitória. https://repositorio.ufsc.br/hand-
le/123456789/212900
Fonte: Elaborado pela autora.

As concepções inerentes às relações dialógicas podem ser compreendidas


nas mais diversas categorias de atividade humana. É fundamental que aconteça a
materialização do discurso para que as relações lógicas sejam dialógicas, concretas
na voz dos diversos sujeitos. Para Bakhtin (1998). com base nos estudos da lingua-
gem a partir da teorização concebida pelo Círculo, há percursos para se examinar
a organicidade do discurso.

143
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

4 Discursos e suas Múltiplas Vozes

Na perspectiva teórica que estudamos, questões ligadas ao funcionamento


das línguas e a sua interpretação, ao mesmo tempo que abordam a negociação e
construção de sentidos e significados, não se pode prescindir o sujeito que enuncia
e seu contexto histórico e social, visto que “[...] a linguagem não é falada no vazio,
mas numa situação histórica e social concreta no momento e no lugar da atualiza-
ção do enunciado” (Brait, 2005, p. 93).
Quando tomamos o total das pesquisas compiladas por Albres (2019) e
Costa (2021), no âmbito do InterTrads, ou seja, das 338 pesquisas apenas seis (6)
versam sobre a Educação Infantil, o que evidencia uma comparação fortemente
desproporcional com outros níveis de ensino, reforçando a necessidade de maio-
res investimentos em pesquisa nesse nível de ensino. Dentre estas, apenas seis (6)
abordam a atuação do intérprete na educação infantil. Ressalta-se que o Decreto
n.º 5.626 não prevê a atuação do IE na Educação Infantil. Apresentamos os traba-
lhos levantados sobre IE na Educação Infantil (Figura 1), seu contexto histórico e
temporal relacionado às políticas públicas do Brasil.

Figura 2 – Linha histórica das pesquisas

Fonte: Elaborado pela autora.

144
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

A primeira pesquisa selecionada, para esse corpus, é de 2006, ano mar-


cado por grandes transformações em decorrência da recente promulgação da
lei que reconhece a Libras (Brasil, 2002) e do Decreto n.º 5.626 (Brasil, 2005)
que a regulamenta e que aborda a educação bilíngue. Desde meados dos anos
de 1990, vivemos a consolidação de uma política de inclusão escolar no Brasil
(Mendes, 2006) que promoveu mais espaços de escolas comuns com a matrícula
de alunos surdos, por exemplo. Assim, como a reorganização de atendimento
especializado para essa clientela com professores de Libras e intérpretes de Li-
bras-português.
Entre 2006 e 2012 não identificamos pesquisas com o tema da Educação
Infantil e interpretação educacional para compor o corpus. Constatamos a re-
tomada em 2012 com o trabalho de Cortez (2012), logo em seguida por outros
(Rabelo, 2014, 2018; Costa, 2014; Teixeira, 2016).
Todas as autoras descrevem, analisam e explicam situações, atividades, ati-
tudes e discursos. Todavia, ponderam sobre o que observaram em suas pesquisas e
sobre o que dizem que “as comunidades surdas” desejam. Ocorre um processo de
refração no projeto de dizer das pesquisadoras, refletindo e refratando os discur-
sos acadêmicos e das comunidades surdas.
Aspecto importante da perspectiva bakhtiniana para a análise, relaciona-se
ao projeto de dizer do autor, o que se refere à intenção discursiva de um enun-
ciado. Bakhtin (2011) explica que a intenção discursiva é um dos dois elementos
que determinam o texto como enunciado; no outro polo está a própria realização
dessa intenção. Considerando as relações dialógicas, no interior do texto e fora
dele, Bakhtin observa que todo enunciado é emoldurador da intenção discursiva
do autor, ou seja, para a elaboração de um projeto de dizer, deve-se considerar a
interação entre autor/leitor, levando em conta tanto o que está explícito quanto o
que está implícito.
Assim, a intenção discursiva (projeto de dizer) implica a “relação da palavra
com o pensamento e da palavra com o desejo, com a vontade, com a exigência.
[...] A palavra como ato” (Bakhtin, 2011, p. 320), ato responsável, que não pode
ser reduzido a relações estritamente linguísticas (gramaticais). Bakhtin (2012
[1920/1924]) compreende a palavra como ato singular, individual e irrepetível
pelo qual o sujeito é responsável, pois não há ação isenta de ideologia, de valora-
ção, de vontade e de desejo.
É necessário [...] assumir o ato não como um fato contemplado ou
teoricamente pensado do exterior, mas assumido do interior, na sua
responsabilidade. Essa responsabilidade do ato permite levar em
consideração todos os fatores: tanto a validade de sentido quanto a
execução factual em toda a sua concreta historicidade e individualidade;
a responsabilidade do ato conhece um único plano, um único contexto, no
qual tal consideração é possível e onde tanto a validade teórica, quanto a
factualidade histórica e o tom emotivo-volitivo figuram como momentos
de uma única decisão. (Bakhtin, 2012, p. 80).

145
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

Na análise que apresentamos, partimos das citações selecionadas, das de-


finições sobre os papéis dos IE, destacamos a construção do discurso sobre o IE,
contextualmente situado entre as ideologias das comunidades surdas e das pro-
postas de educação inclusiva. Assim, os discursos estão relacionados aos contextos
diversos para sua materialização, relacionando-os ao projeto de dizer das autoras,
em dissertações e teses.
De certa forma, os trabalhos não defendem a atuação do IE na Educação
Infantil. As críticas são tecidas pela falta de professores surdos como modelo lin-
guístico, mas não necessariamente pela presença do IE na Educação Infantil. Nos
trabalhos analisados, constatamos que as tarefas descritas como dos intérpretes
seriam perfeitamente desenvolvidas por um professor bilíngue, atuando conjun-
tamente com um professor regente em sala mista (surdos e ouvintes): planejar,
ensinar, interpretar. Os trabalhos ainda indicam haver uma confusão de papéis,
uma sobreposição entre ser professor e ser intérprete.
Todas as pesquisas analisadas indicam o papel educacional do intérprete
em sala de aula, como também o desenvolvimento da tarefa de interpretação por
outros profissionais, como pelo professor bilíngue ou pelo professor/instrutor de
Libras. Consideramos que esses profissionais, embora sejam denominados como
intérpretes, poderiam ser denominados como professores bilíngues atuando na
Educação Infantil.
Albres (2015) discorre sobre as políticas e suas normativas para a atuação
dos IE. A autora critica a abstração que se faz e a desconsideração das diferentes
realidades do Brasil. De acordo com ela,
o ideal é registrado, todavia na dinâmica da escola não é possível apenas
se trabalhar com o ideal. Cabe questionar, em cada instituição qual a for-
mação inicial desses profissionais, quais experiências como alunos e como
docentes, quais experiências como intérpretes de língua de sinais, que nível
de língua de sinais de fato eles têm (proficiência) e que estudo/aperfeiçoa-
mento lhes é proposto pelas próprias secretarias de educação a que estão
contratados. Tudo isso contribuirá para a construção das identidades do
intérprete educacional. (Albres, 2015, p. 44).
Na Educação Infantil, as crianças e seus interlocutores vivem múltiplas lin-
guagens, verbais e não verbais. A partir de uma reflexão linguístico-discursiva,
consideramos que as crianças se constituem pelas linguagens em ação em sala de
aula e se apropriam de diferentes formas de comunicação.
A Educação Infantil tem grande relevância nesse processo, como espaço de
constituição de linguagem: local no qual os surdos terão a possibilidade de
sua aquisição de modo mais natural, ou seja, terão a aquisição da Libras à
medida que brincam, que dialogam com os colegas surdos, com os educa-
dores bilíngues: Libras/Português, numa constituição dialógica de lingua-
gem, conforme já descrita anteriormente (Bakhtin, 2010). Por essa razão,
não vemos como funcional a atuação de intérpretes educacionais nessa fai-
xa etária, uma vez que o aluno surdo, na maioria dos casos, não domina a
língua de sinais, e as relações de aprendizagem por processos tradutórios

146
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

ainda são muito complexas para uma criança surda que não tem no con-
texto familiar o uso da língua de sinais – o que ocorre na maioria dos casos.
(Martins; Albres; Sousa, 2015, p. 111-112).
Pelo que constatamos, os professores desenvolvendo a função de intérpre-
tes também na Educação Infantil são modelos linguísticos e discursivos, reverbe-
ram as línguas e suas ideologias. Professores assumem o papel de intérpretes na
Educação Infantil envolvidos por um discurso de “melhor com intérprete (pro-
fessor especializado) do que sem nada”. Essa é uma tensão que não sanamos com
esta pesquisa. Concebemos que o papel de educador (professor bilíngue) é o mais
importante nessa fase da educação.
Sobretudo, é importante destacar que a atuação do Tradutor e Intérprete de
Língua de Sinais Educacional (TILSE) tem sido alvo de discussão nas polí-
ticas educacionais que tensionam a educação inclusiva de surdos. Ele tem
sido convocado a atuar, inclusive, na Educação Infantil e nos anos iniciais
do Ensino Fundamental – contrariando a argumentação anteriormente
posta, uma vez que sua atuação se mostra melhor nos anos finais do Ensino
Fundamental e nas demais etapas de escolarização. Todavia, vale destacar
que a presença do intérprete passa a ser garantida pelo Decreto 5.626/05,
que regulamenta a Lei n°10.436/02 e o artigo 18 da Lei no 10.098/2000,
respondendo a questões de acessibilidade linguística amplamente discutida.
Assim, vemos o fortalecimento e uma maior procura pela atuação de intér-
pretes de língua de sinais educacional. De algum modo, essa movimenta-
ção se reflete na regulamentação da profissão do tradutor/intérprete na Lei
n° 12.319/2010, que passa a ter um campo maior de atuação profissional.
(Martins; Albres; Sousa, 2015, p. 112).
Compreendemos que as pesquisadoras se constituem nas relações que es-
tabelecem em seu processo formativo e com seus pares, orientadores, professores
e grupos de pesquisa. Assim como com os autores que estudam, com os livros
que citam e com os que convivem na vida concreta. As pesquisadoras que se de-
dicaram a estudar o tema da Educação Infantil e crianças surdas também eram
professoras e estavam envolvidas nas questões práticas da escola e da sala de aula,
participaram de grupos de pesquisa em instituições públicas de ensino e buscaram
desenvolver suas pesquisas valendo-se de uma revisão de literatura.
Para contextualizar a formação, como pesquisadoras, das participantes des-
ta pesquisa, ou seja, das autoras das dissertações e teses que versam sobre o intér-
prete na Educação Infantil, levantamos os nomes das orientadoras e apresentamos
uma síntese do contexto em que essas pesquisas foram geradas e dos grupos de
pesquisa a que pertenciam.
Considerando a polifonia dos discursos acadêmicos, desde os discursos re-
portados quanto a palavra própria do pesquisador, apresentamos a seguir as orien-
tadoras das pesquisas e seus interesses a partir das pesquisas registradas no Cur-
rículo Lattes. Consideramos que as vozes das orientadoras marcam os trabalhos
desenvolvidos sobre Educação Infantil e crianças surdas pelo seu próprio papel de
orientação.

147
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

Quadro 2 – Conexões de orientações e grupos de pesquisas


Orientadoras Orientandas/Pesquisadoras
Prof.ª Dr.ª Maria Cecilia Rafael de Góes Beatriz Aparecida dos Reis Turetta (2006)
Diolira Maria Côrtes (2014)
Prof.ª Dr.ª Ivone Martins de Oliveira
Dayane Bollis Rabelo (2014 e 2018)

Prof.ª Dr.ª Sonia Lopes Victor Keila Cardoso Teixeira (2016)


Prof.ª Dr.ª Celeste Azulay Kelman Renata dos Santos Costa (2017)
Fonte: Elaborado pelas autoras.

As quatro orientadoras são renomadas professoras pesquisadoras no Brasil.


Importante indicar que essas orientadoras trabalham com a temática da educação
de minorias, grupos socialmente e historicamente excluídos da escola. Essas orien-
tadoras formam grupos de pesquisas que trabalham também na perspectiva histó-
rico-cultural, pautando-se em uma abordagem qualitativa e social da vida huma-
na. Esses aspectos são similares entre as orientadoras, podendo indicar a polifonia.
Para Bezerra (2007), a polifonia se definirá pela convivência e pela intera-
ção de vozes, em um mesmo espaço do romance, todas representando um
determinado universo e marcadas por ele. Dessa forma, encontrar nos gê-
neros discursivos vozes e consciências independentes, como sendo sujeitos
de seus próprios discursos, nos quais os autores não as avaliam desde seu
prisma social, de seu arcabouço de valores, mas as tratam como a cons-
ciência do outro e não uma projeção da sua própria consciência, é uma
tarefa árdua. Por um lado, pode ser encontrado na materialidade linguística
dos enunciados concretos a heteroglossia (pluriliguismo/plurivocidade), a
luta social entre as diferentes “verdades sociais” (Faraco, 2009, p. 70). (Pires;
Koll; Cabral, 2016, p. 123).
Além da orientação, os grupos de pesquisa também contribuem para que
os trabalhos tenham uma linha de pensamento. Contudo, nem todas as autoras
indicam em suas introduções a participação em algum grupo de pesquisa. Por
exemplo, Teixeira (2016) explicita que participava da pesquisa da sua orientadora
Sonia Lopes Victor intitulada “A educação especial na educação infantil e no pri-
meiro ano do ensino fundamental: estudos dos processos de inclusão e do atendi-
mento educacional especializado”, como também do Grupo de Pesquisa “Infância,
Cultura, Inclusão e Subjetividade” (Grupicis), registrado no Diretório de Grupos
de Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq). Relata que
o objetivo desse grupo é investigar a educação especial na educação infantil
e no primeiro ano do ensino fundamental, visando à realização de estudos
sobre os processos de inclusão e ao atendimento educacional especializado
de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação. (Teixeira, 2016, p. 15).

148
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

Tendo por base o postulado bakhtiniano de que “[o] nosso discurso da vida
prática está cheio de palavras de outros” (Bakhtin, 2015, p. 223) e que esta afirma-
ção se atribui também ao discurso acadêmico, bem como os seus efeitos de sentido
em dissertações e teses. Segundo Bakhtin (2015), o discurso caracteriza-se por ser
polifônico, isto é, revestido das palavras do outro, de novos valores, sendo incor-
porados diversos posicionamentos axiológicos no discurso dos autores quando de
nossa leitura das dissertações e teses.
Nos escritos de Bakhtin (1997), a polifonia denomina a pluralidade de vo-
zes em equilíbrio presente na obra de alguns autores. Bakhtin estudou a obra de
Dostoiévski, romancista russo que viveu no século XIX, mas este conceito é ex-
pandido para todos os discursos que em sua trama envolvem a incorporação ou
reformulação de outros discursos. Trata-se de uma metáfora criada a partir da
teoria musical que utilizamos também para analisar discursos acadêmicos, como
as teses e dissertações.
Usamos o “conceito de polifonia, uma vez que no âmbito do enunciado
funcionam inúmeros mecanismos de circunscrição da alteridade, de uma relação
complexa com alteridade que denuncia uma relação do enunciador com a própria
palavra e com a língua” (Costa, 2015, p. 332).
Há elementos visuais explícitos no discurso acadêmico em que podemos
estabelecer discursividade como a citação direta e indireta dentro do texto escrito.
Mas há outros discursos que circulam em interações entre professores e alunos em
momentos de orientação, assim como as orientações e considerações realizadas
pelos professores que compõem as bancas de qualificação e defesa (compondo os
rituais da pós-graduação) que, por vezes, são mais difíceis de serem percebidos
quando do relatório de pesquisa finalizado, ou seja, dissertações e teses. Dessa
forma, a seguir, apresentamos a composição das bancas de mestrado e doutorado.

Quadro 3 – Conexões de orientações e grupos de pesquisas


Orientandas / Pesquisadoras Banca examinadora
Prof.ª Dr.ª Maria Cecília Rafael de Góes (Orientadora)
Beatriz Aparecida dos Reis Turetta (2006) Prof.ª Dr.ª Cristina Bróglia Feitosa de Lacerda
Prof.ª Dr.ª Maria Cristina da Cunha Pereira
Prof.ª Dr.ª Ivone Martins de Oliveira (Orientadora)
Diolira Maria Côrtes (2014) Prof. Dr. Rogério Drago
Prof.ª Dr.ª Vera Lucia Messias Fialho Capellini
Prof.ª Dr.ª Ivone Martins de Oliveira (Orientadora)
Dayane Bollis Rabelo (2014) Prof. Dr. Rogério Drago
Prof.ª Dr.ª Maria de Fatima Carvalho
Prof.ª Dr.ª Sonia Lopes Victor
Prof.ª Dr.ª Lucyenne Matos da Costa Vieira Machado
Keila Cardoso Teixeira (2016) Prof. Dr. Reginaldo Célio Sobrinho
Prof.ª Dr.ª Angela Maria Cautyt Santos da Silva
Prof.ª Dr.ª Sonia Mari Shima Barroco

149
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

Prof.ª Dr.ª Celeste Azulay Kelman (Orientadora)


Renata dos Santos Costa (2017) Prof.ª Dr.ª Ana Ivenicki
Prof.ª Dr.ª Wilma Favorito
Prof.ª Dr.ª Ivone Martins de Oliveira (Orientadora)
Prof.ª Dr.ª Lucyenne Matos da Costa Vieira Machado
Dayane Bollis Rabelo (2018) Prof. Dr. Rogério Drago
Prof.ª Dr.ª Dilza Côco
Prof.ª Dr.ª Silvia Moreira Trugilho
Fonte: Elaborado pela autora.

Todos os professores convidados para compor as bancas são pesquisadores


envolvidos com o campo da educação e atuantes na educação especial, bem como
em políticas públicas visando minimizar as diferenças sociais.
De certa forma, é possível perceber a polifonia também examinando os au-
tores (textos) que são citados nas dissertações e teses, os autores que são convida-
dos para o diálogo sobre o conceito de IE, sobre a educação de surdos e o contexto
político. De tal modo, apresentamos, a seguir, um quadro com as citações concei-
tuais sobre o IE ou relacionadas a esse profissional.

Citações no corpo do discurso

Turetta (2006) por ser a primeira pesquisadora a se dedicar ao estudo do IE


Infantil teve acesso menor a trabalhos com essa temática. Ela cita apenas Lacerda
(2002). Constatamos que as primeiras autoras selecionaram citações mais genéri-
cas que tratavam do desenvolvimento infantil e da importância de seus interlocu-
tores para a aprendizagem e por conta própria constroem suas generalizações em
relação às situações educacionais das crianças surdas e seus interlocutores, sejam
eles os professores e instrutores de Libras ou os IE.
É possível perceber que os mesmos textos circulam entre as pesquisadoras,
guardadas as devidas diferenças cronológicas. Costa (2017) foi a pesquisadora
que fez uma revisão de literatura mais ampla, em período histórico, e mais
abrangente, envolvendo teses, dissertações, artigos científicos, capítulos de livros
e livros completos. Ela traz para o corpo do seu texto (dissertação) várias citações
e constrói um diálogo com os autores e os coloca para conversar. Apresentamos,
a seguir, algumas das citações selecionadas de sua dissertação para ilustrar as
afirmações (conceitos ou definições) sobre o IE. Por sua vez, Rabelo (2018) cita
Lacerda (2000) e Lodi (2013).
Todas as autoras citam a legislação nacional que indica o serviço de inter-
pretação na educação, formação indicada e o papel dos intérpretes, como o Decre-
to nº 5.626 de 2005 (Brasil, 2005).
Constatamos a recorrência de citação da autora Cristina Lacerda (2000,
2002, 2008, 2009, 2010) em diferentes textos, assim como dessa autora em parceria

150
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

com outros autores. A autora Ana Claudia Balieiro Lodi (2013) também foi bas-
tante citada, inclusive em textos em parceria com Cristina Lacerda (Lodi, Lacerda,
2009) . É importante mencionar que além do tema de pesquisa das autoras serem
similares, elas se inscrevem na mesma perspectiva teórica, o que pode ser um fator
de seleção para compor o relatório de pesquisa e dialogar com as autoras.
Há ainda as vozes das comunidades surdas com afirmações que refletem e
refratam os discursos que reverberam o desejo por uma educação bilíngue para
surdos e a educação como um direito linguístico. Em síntese, constatamos que as
citações são usadas para discutir temas como formação, denominação e atuação
dos IE.
Todas as pesquisas analisadas, nesta dissertação, concordam que se o intér-
prete for atuar na Educação Infantil terá que assumir mais que o papel de interpre-
tação. Esse fato também é indicado na literatura internacional e nacional, desde o
início desses estudos, como aponta Lacerda (2006), ao afirmar que que
[...] o objetivo último do trabalho escolar é a aprendizagem do aluno surdo
e seu desenvolvimento em conteúdos acadêmicos, de linguagem, sociais,
entre outros. A questão central não é traduzir conteúdos, mas torná-los
compreensíveis, com sentido para o aluno. Deste modo, alguém que tra-
balhe em sala de aula, com alunos, tendo com eles uma relação estreita,
cotidiana, não pode fazer sinais – interpretando – sem se importar se está
sendo compreendido, ou se o aluno está aprendendo. Nessa experiência, o
interpretar e o aprender estão indissoluvelmente unidos e o intérprete edu-
cacional assume, inerentemente ao seu papel, a função de também educar o
aluno. (Lacerda, 2006, n.p.).
Constatamos que os discursos das pesquisadoras reverberam múltiplas vo-
zes, ao mesmo tempo em que trazem o projeto de dizer das próprias pesquisa-
doras. Os discursos se entrelaçam construindo uma polifonia sobre a Educação
Infantil para as crianças surdas.
Para Lodi e Lacerda (2009), a Educação Inclusiva Bilíngue parte da pers-
pectiva de organizar a escola com base no princípio da circulação efetiva da Libras
em todo o espaço escolar. Diante da reivindicação de lideranças surdas represen-
tadas pela Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS), o
PNE/2014 fez a retificação e distinção entre escolas inclusivas e escolas bilíngues,
classes inclusivas e classes bilíngues e, em 2021, a Lei n.º 14.191 coloca a educação
bilíngue como modalidade de ensino. Essas atuais modificações nas políticas edu-
cacionais podem contribuir para uma maior reflexão sobre os modos de organizar
a Educação Infantil para as crianças surdas na direção de uma educação bilíngue
em que a Libras é o norte para a educação, e em que o espaço dos professores bilín-
gues, inclusive de professores surdos, sejam eles de Libras ou de outras disciplinas
escolares, seja uma política efetiva.

151
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

5 Considerações Finais

Sobre a pluralidade de vozes, destacamos como as pesquisadoras são au-


toras dos discursos, evidenciando como esses discursos são habitados por outras
vozes, sejam elas dos autores dos textos com quem dialogam, dos orientadores,
dos professores que participaram das bancas de qualificação ou defesa do trabalho
acadêmico, assim como as coerções das comunidades surdas, concebendo os dis-
cursos sociais e ideológicos.
Constatamos que os discursos das pesquisadoras reverberam múltiplas vo-
zes, ao mesmo tempo em que trazem o projeto de dizer das próprias pesquisa-
doras. Os discursos se entrelaçam construindo uma polifonia sobre a Educação
Infantil para as crianças surdas.
É importante destacar que tanto a literatura quanto as comunidades surdas
não incentivam a colocação de IE para acompanhamento de crianças surdas em
Educação Infantil. Voltam-se para a consolidação de uma Educação Bilíngue em
que a criança surda tenha o direito de desenvolver-se em Libras e que a construção
de conhecimento de mundo seja por meio da Libras com interlocutores (educado-
res) proficientes em Libras sem a mediação de intérpretes, ou seja, que os professo-
res sejam bilíngues, de preferência com a presença de professores surdos adultos.
Mais pesquisas são necessárias, por exemplo, para explorar as interações
em sala de aula, os processos de aprendizagens das crianças surdas, os papéis dos
IE com crianças e na escola de Educação Infantil. Além disso, são necessárias mais
informações sobre as estratégias interpretativas empregadas em diferentes dinâ-
micas de sala de aula com crianças pequenas em nível de Educação Infantil, quan-
do for o caso. Apesar de não ser a melhor estratégia, para educação de crianças
surdas, a colocação de IE, não podemos negar que essa prática existe em muitas
redes municipais e estaduais de ensino e precisam ser avaliadas.
Embora se tenha constatado a presença de IE na Educação Infantil, o pe-
queno número de trabalhos e a falta de uma descrição detalhada de suas tarefas
indicam a necessidade de um estudo específico para produção de afirmativas mais
precisas sobre os limites e possibilidades de atuação de intérpretes nesse nível de
escolarização.

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Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

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155
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

Políticas Linguísticas e Políticas de Interpretação no par


Libras-Português no Congresso Nacional
Francis Lobo Botelho Vilas Monzo
Sabine Gorovitz
Universidade de Brasília (UnB)

1 Introdução

O Congresso Nacional, composto pela Câmara dos Deputados e pelo Sena-


do Federal, é a sede do poder legislativo federal, no Brasil. Nas duas casas legisla-
tivas, que possuem atribuições legislativas, de fiscalização e de controle, são várias
as atuações de deputados e senadores, ainda que a elaboração de leis se destaque
como a atividade basilar em ambos os órgãos. O processo legislativo, por meio do
qual as leis são formuladas, compreende a elaboração, a análise e votação de pro-
postas, etapas em que constantemente se produz informação, seja em documentos
escritos ou em interações nas audiências públicas, sessões e reuniões, que podem
ser acompanhadas presencialmente ou por meios de comunicação, como TV, rá-
dio e mídias sociais.
Para que os surdos possam acessar a informação que circula no Congresso,
seja de forma presencial ou virtual, são necessários serviços de interpretação simul-
tânea de e para a Língua Brasileira de Sinais - Libras, prestados por profissionais ha-
bilitados a desempenhar essa função em situações e ambientes muito variados. Para
tanto, políticas de tradução e de interpretação se expressam tanto em documentos
regimentais, comprometidos com o acesso à informação, quanto em contratos de
tradutores e intérpretes. Apesar de consignados por tais documentos, esses serviços
carecem de monitoramento e de consolidação, muito em função de não existir car-
go efetivo de tradutor e de intérprete de Libras-português no Congresso Nacional,
sendo os profissionais contratados geralmente por meio de licitação.
Com base nesse cenário, buscou-se identificar as políticas linguísticas ex-
plicitadas nos contratos de tradução e interpretação e outros documentos rele-
vantes, de modo a subsidiar futuras contratações e de atender as necessidades de
interpretação de Libras-português de cada contexto.

157
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

2 Políticas linguísticas e políticas de tradução e de interpretação


no par linguístico Libras-português

Segundo Rajagopalan (2013, p. 34), “todo gesto de cunho político envolve


uma questão de escolha entre diferentes alternativas que se apresentam”. Nesse
sentido, as políticas linguísticas implicam decisões relacionadas às línguas, esco-
lhas que podem ocorrer em instâncias governamentais, institucionais ou em práti-
cas familiares e locais. Essa interferência sobre as línguas se concretiza por meio de
ações regimentais, como a definição das funções das línguas nas sociedades, além
da criação de instrumentos como gramática, dicionário e léxico para “equipar” as
línguas locais.
No Brasil, historicamente, difundiu-se a ideia de que somos um país mo-
nolíngue, promovendo o silenciamento das línguas minoritárias. Apesar de a
Constituição Federal determinar que o português é a única língua oficial no Brasil,
Oliveira (2009, p. 20) afirma que seriam faladas, em nosso país, cerca de 215 lín-
guas. Torquato (2010) destaca, no entanto, que o Estado tem promovido políticas
que interrompem o silenciamento, como o reconhecimento da Libras e a cooficia-
lização de algumas línguas por parte de alguns municípios brasileiros1. No caso
das línguas de sinais, apesar de terem sido identificadas pelo menos 21 línguas de
sinais no Brasil (Silva, 2021, p. 106), entre línguas faladas em aldeias, em comuni-
dades isoladas e comunidades de fronteiras, a Libras, falada por uma significativa
parcela dos surdos brasileiros, foi a única reconhecida pela legislação.
As políticas de tradução2 e de interpretação, por sua vez, abrangem as de-
finições acerca dos processos e dos produtos das atividades tradutórias e inter-
pretativas, que podem ter relação com a escolha dos textos e discursos a serem
traduzidos ou interpretados, com a formação e com as condições de atuação dos
profissionais, para citar alguns entre vários exemplos.
Baseando-se nos estudos de Meylaerts (2010), Santos e Francisco (2018)
apresentam uma definição abrangente acerca do tema:
[...] o termo “política de tradução” é um guarda-chuva que abriga uma série
de assuntos a serem dialogados e pesquisados, tais como: a formação de
tradutores, as condições de produção e de recepção dos textos, a circulação
das traduções por meio das editoras, o mercado de trabalho, as ideologias
e estratégias adotadas no processo tradutório (que podem dar visibilidade
ou não a determinada cultura), assim como os textos escolhidos para serem
traduzidos e aqueles que ficam marginalizados perante os sistemas cultu-
rais. (Santos; Francisco, 2018, p. 2943).

1 Destaca-se, nesse sentido, a atuação do Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política


Linguística (IPOL). Para mais informações, ver http://www.ipol.org.br/.
2 Apesar de este capítulo pretender abordar apenas questões relacionadas à interpretação, em di-
versos momentos, a observação de práticas ligadas à tradução foi importante para a compreensão
das políticas de forma geral.

158
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

Apesar de estar inserido no mapa de Holmes, que marcou a inauguração


dos Estudos da Tradução, no final da década de 1960, o tema “políticas de tradu-
ção” ainda é pouco pesquisado. Segundo Schäffner (2007), foi somente a partir
da década de 1980 que pesquisas baseadas em estudos culturais passaram a com-
preender a tradução como um fenômeno complexo, focando em práticas sociais,
culturais e comunicativas, no fator ideológico da tradução e na relação entre os
fatores socioculturais e o comportamento tradutório. Assim, os estudos começa-
ram a levantar questões como quem decide quais textos traduzir, de e para quais
idiomas? Onde as traduções são produzidas? Quais fatores determinam o com-
portamento do tradutor? Como as traduções são recebidas? Quem escolhe e for-
ma tradutores? Para quais línguas? (Schäffner, 2007), entre outras.
As respostas a essas perguntas se manifestam por meio de decisões políti-
cas, o que significa dizer que envolvem relações de poder. Optar por uma língua de
tradução ou de interpretação ou escolher um discurso a ser interpretado não são
decisões neutras. A tais decisões, geralmente institucionais, sobrepõe-se o cunho
político do papel do próprio intérprete em atuação. Alvarez e Vidal (1996) desta-
cam que, por transitar entre culturas e reconstruir significados na cultura-alvo, a
tradução é um ato político e todas as suas escolhas, desde o que traduzir até como
traduzir, são determinadas por agendas políticas.
A diversidade de assuntos regidos por políticas de tradução (e de interpre-
tação), que abrange processos e produtos, bem como profissionalização – compe-
tências, tecnologias, contextos profissionais, avaliação, certificação, honorários – e
o desenvolvimento histórico da profissão, evidencia a necessidade de discutir tais
políticas não apenas no âmbito acadêmico, mas junto aos órgãos representativos e
às entidades de classe de tradutores e intérpretes.
Importa destacar que a política de tradução também afeta as direções de
tradução, algumas línguas sendo menos traduzidas que outras (Schäffner, 2007).
No caso das interpretações intermodais, que envolvem língua de sinais e língua
oral, como Libras e português, a direção mais requerida é para a língua de sinais3.
Santos e Veras (2020) afirmam que a aprovação de leis e a criação de docu-
mentos são as manifestações e aplicações mais explícitas das políticas de tradução
e de interpretação, uma vez que manifestam a institucionalização e oficialização
das ações por elas definidas. Meylaerts (2010, p. 165), por sua vez, destaca o papel
das normas jurídicas na constituição das políticas de tradução. Tais normas têm

3 Na interpretação intermodal, há diferenças metodológicas e operacionais entre as duas direções


de atuação, que requerem o emprego de uma série de estratégias diferentes para cada uma das
direções (Lourenço, 2018). Há pesquisas, como as realizadas por Nicodemus e Emmorey (2015),
Nicodemus (2008), Crasborn (2006), van den Bogaerde (2010), Napier et al. (2005) e Silva (2021),
que mostram que, diferente do que ocorre com intérpretes intramodais que atuam com duas
línguas orais, entre os intérpretes intermodais existe uma preferência para atuar a partir da sua
primeira língua (a língua oral) para a sua segunda língua (a língua de sinais). Essa preferência
pode ser explicada por fatores relacionados a um maior esforço cognitivo (Rodrigues, 2018a; Ro-
drigues, 2018b); aos aspectos psicológicos e afetivos do profissional (Masutti; Santos, 2008); ou às
demandas, historicamente, apresentadas ao intérprete (Rodrigues, 2018a; Bontempo, 2015).

159
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

o objetivo de determinar as formas como a tradução deve ocorrer no âmbito pú-


blico, definindo se e como as pessoas que não falam a língua oficial do país terão
acesso aos serviços públicos. As línguas – e por consequência todas as decisões que
as envolvem – estão diretamente relacionadas a questões de prestígio e de poder e
os mecanismos institucionais ajudam a controlar “quem está dentro” e “quem está
fora” (Meylaerts, 2009, p. 10). Assim, as políticas de tradução e interpretação refle-
tem as relações de poder existentes, as quais têm impacto direto sobre a categoria
profissional e sobre as comunidades que precisam dos serviços de interpretação.
Em se tratando da Libras, destacam-se três fatores que permeiam as políti-
cas linguísticas e as políticas de tradução e de interpretação: a luta dos movimen-
tos surdos e dos movimentos de tradutores e de intérpretes de línguas de sinais
(TILS4), o reconhecimento da Libras pela legislação federal e o seu fortalecimento
no ambiente acadêmico (Santos; Zandamella, 2015).
Segundo Brito (2019), o movimento surdo emergiu, no Brasil, na década
de 1980, ganhando força principalmente com a criação da Federação Nacional
de Educação de Surdos (Feneis5), em 1987, que estabeleceu como principal luta o
reconhecimento da Libras. Em um primeiro momento, tal luta teve como base os
direitos sociais e humanos, se alinhando ao movimento das pessoas com deficiên-
cia, de forma geral (Brito; Neves; Xavier, 2013). Foi a partir da década de 1990,
que a luta pelo reconhecimento da Libras passou a ser embasada não apenas na
igualdade de oportunidades, mas, principalmente, nas questões de identidade, de
direitos linguísticos e culturais6 (Brito, 2019).
No que tange ao trabalho realizado pela Feneis, é importante ressaltar sua
atuação para a estruturação, certificação e formação continuada dos profissionais
que já atuavam com o par linguístico Libras-português. Na década de 1990, as
questões referentes à profissionalização dos tradutores e dos intérpretes de Libras-
-português eram tratadas no âmbito do Departamento Nacional de Intérpretes da
Feneis, em um momento em que os cursos de formação desses profissionais eram
escassos. Assim, estabeleceu-se a primeira relação entre os movimentos surdos e a
atuação e formação de TILS (Santos; Zandamella, 2015).
Uma das maiores conquistas do movimento surdo foi a Lei n.º 10.436/2002,
também conhecida como Lei de Libras, que se constituiu um marco na história das
políticas linguísticas e de tradução e interpretação referentes à língua de sinais do

4 Ao nos referirmos apenas aos intérpretes de línguas de sinais, usaremos a sigla ILS.
5 Santos (2006, p. 23) afirma que a Feneis “é um marco de posição política dos surdos que exem-
plifica as tentativas que permeiam, desde sua fundação, a preocupação por um olhar diferente em
relação aos surdos”. Brito, Neves e Xavier (2013, p. 68), por sua vez, defendem que “a Feneis foi a
principal e maior organização do movimento social surdo, mas este incluiu também o agir coleti-
vo de indivíduos vinculados a diferentes grupos e associações, tais como diversas associações de
surdos, a Companhia Surda de Teatro, a Comissão Paulista para a Defesa dos Direitos dos Surdos,
a Coalização Pró-Oficialização da Libras e o Grêmio Estudantil do INES”.
6 Tal mudança pode ser vista no documento intitulado A educação que nós surdos queremos (FE-
NEIS, 1999), redigido por cerca de 300 surdos do Brasil inteiro, durante o pré-congresso ao V
Congresso Latino-Americano de Educação Bilíngue para Surdos, realizado em Porto Alegre (RS).

160
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

Brasil, ao reconhecer a Libras como meio de comunicação dos surdos brasileiros7.


Por reconhecer aos surdos o direito de se comunicar em sua própria língua, as
instituições precisaram inserir tradutores e intérpretes em seus quadros. Essa Lei
foi regulamentada pelo Decreto n.º 5.626/2005, o qual estabeleceu “uma espécie de
planejamento linguístico para a implementação da Lei de Libras” (Quadros; Stumpf,
2018, p. 23). O Decreto determinou a criação de cursos de nível superior para for-
mação profissional do tradutor e do intérprete, política de certificação profissional,
por meio do ProLibras8, bem como a inserção da Libras como disciplina em cursos
de licenciatura e de fonoaudiologia e o acesso de surdos à Educação e à Saúde.
Com a promulgação do Decreto, foi criado o primeiro curso de bacharela-
do para formação de tradutores e intérpretes de Libras-português, oferecido pela
Universidade Federal de Santa Catarina, na modalidade a distância, com o apoio
de outras instituições de ensino superior espalhadas pelo Brasil, as quais funciona-
ram como polos de apoio presencial ao curso oferecido na modalidade a distância.
Santos e Zandamella (2015) destacam que a criação dos cursos de Letras-Libras,
bacharelado e licenciatura, foi um marco da institucionalização acadêmica da lín-
gua de sinais e da profissionalização de TILS. Isso provocou uma mudança no
status da língua, promovendo sua visibilidade, uma vez que ela não se restringia
mais a apenas alguns espaços sociais nem somente às pessoas surdas.
A Lei nº 12.319/2010, que regulamentou a profissão de tradutor e intérprete
de língua brasileira de sinais, no Brasil, estabeleceu como requisito para o exercí-
cio da profissão a formação em nível médio. Na atualidade, existem apenas nove
cursos de graduação para formação de intérprete de Libras-português em funcio-
namento em instituições públicas no Brasil, sendo três na região Sudeste, três na
região Sul9, um na região Norte, dois na região Centro-Oeste (Rodrigues; Mendes,
2022). No Distrito Federal, onde se situa o Congresso Nacional, não há cursos de
bacharelado para formação de TILS em funcionamento.
Além disso, Santos e Zandamella (2015, p. 109) apontam o surgimento de
entidades representativas de tradutores e de intérpretes como fator fundamental
para aumentar a visibilidade dessa classe de profissionais. No Brasil, a primeira
associação profissional foi criada em 2004, no Estado de São Paulo10. Após a cria-
ção de outras associações em outros Estados, em 2008, foi fundada a Federação

7 Ao contrário do que foi muito propagado, inclusive por órgãos ligados ao governo federal, a
Libras não foi reconhecida como língua oficial do Brasil (cf. Abreu, 2018).
8 O ProLibras foi criado com o intuito de ser uma solução de curto prazo, para atestar quem eram
os profissionais aptos a atuar com a tradução e interpretação entre libras e português. O período
de 10 anos de vigência foi definido tendo em mente que esse seria um tempo suficiente para
criação dos cursos de nível superior para formação de intérpretes de Libras - português no país.
É importante destacar que no Distrito Federal, onde se situa o Congresso Nacional, não existem
cursos de bacharelado em Letras-Libras em funcionamento em universidades públicas.
9 Consideramos o curso presencial e o curso a distância da UFSC, já que são dois cursos diferentes.
10 Associação dos Profissionais Tradutores, Intérpretes e Guia intérpretes de Língua de Sinais do
Estado de São Paulo.

161
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

Brasileira das Associações dos Profissionais Tradutores e Intérpretes e Guia-In-


térpretes de Língua de Sinais (Febrapils). Certamente, a luta pela ampliação dos
direitos linguísticos dos surdos e pelo desenvolvimento da profissão de tradutor,
do intérprete e do guia-intérprete foi fortalecida por esse movimento associativo.

3 Contextos de atuação e contratação do intérprete de línguas de


de sinais no Congresso Nacional

Para investigar as políticas de tradução e de interpretação voltadas para as


comunidades surdas no Congresso Nacional, optou-se por conduzir uma pesqui-
sa qualitativa e documental. Os documentos que compõem o corpus em análise
foram obtidos por meio do portal da transparência de cada um dos órgãos pes-
quisados, com o amparo da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011). Foi
solicitado que Câmara e Senado encaminhassem sua política de acessibilidade
(documentos regimentais) e respondessem de que forma é realizada a fiscalização
da qualidade dos serviços de tradução e de interpretação entre Libras e português.
A análise preliminar desses documentos e informações permitiu identificar os re-
quisitos estabelecidos para a contratação e a forma de avaliação empregada.
Assim, a fim de mapear as demandas de interpretação no Congresso Na-
cional, foram examinados documentos que descrevem as atividades realizadas
nos espaços pesquisados, sendo o corpus da pesquisa composto pelos regimentos
internos do Senado (RISF)11 e da Câmara (RICD)12, pelo Regimento Comum do
Congresso Nacional (RCCN)13, do Regulamento Administrativo do Senado Fede-
ral14 e dos contratos de serviços de interpretação de línguas de sinais. Com o obje-
tivo de conduzir uma análise diacrônica das políticas, realizamos o levantamento
de todos os contratos que constam no Portal da Transparência dos dois órgãos
pesquisados, que totalizam 18 documentos, entre 2006 e 2021.

3.1 A contratação de intérpretes de línguas de sinais (ILS) no Congresso


Nacional

Em cada um dos órgãos, foram identificados nove instrumentos de con-


tratação assinados entre os anos de 2006 e 2021. No caso da Câmara, cinco con-
tratos são voltados a atividades institucionais e eventos em geral, e quatro às ati-
vidades desenvolvidas pela TV Câmara. Entre os contratos do Senado, oito são
direcionados a eventos e dois a serviços prestados na TV Senado15.
11 Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/legislacao/regimento-interno.
12 Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/regimento-interno-
-da-camara-dos-deputados.
13 Disponível em: https://legis.senado.leg.br/norma/561098/publicacao/16433839.
14 Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/581275.
15 Um dos contratos se refere a ambos os contextos.

162
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

No Congresso Nacional, os ILS que atuam nas TVs legislativas (TV Câmara
e TV Senado) têm mais visibilidade junto ao público em geral, tendo em vista que
suas imagens são veiculadas em canais abertos em todo o território nacional. To-
davia, a demanda por tradução e interpretação entre Libras e português no Senado
e na Câmara é bem mais extensa.
Por meio da análise dos documentos, identificamos dez contextos de atua-
ção dos TILS no Congresso Nacional: 1) Plenário; 2) Comissões; 3) Gabinetes par-
lamentares; 4) Setores administrativos diversos; 5) Serviços de saúde e de gestão
de pessoas; 6) Recepções e portarias; 7) Setores de comunicação: TV Câmara/ TV
Senado; 8) Escolas de governo: ILB/CEFOR; 9) Programa Visite o Congresso; e
10) Processo Administrativo Disciplinar (PAD).

Figura 1 – Esquema simplificado das demandas de tradução e interpretação


no Congresso Nacional

Fonte: Monzo (2022, p. 105).

Como mostra a figura 1, as demandas possuem características variadas, de


acordo com os espaços e a configuração do tipo de interação: podem ocorrer in-
terpretação de conferência, comunitária16, incluindo o âmbito educacional e de
saúde, interpretação jurídica e em contexto de trabalho.

16 A interpretação comunitária constitui o trabalho de intérpretes que estejam a serviço da comu-


nidade, geralmente em âmbito público, possibilitando acesso a direitos. Diferente da interpreta-
ção de conferências, geralmente executada simultaneamente numa cabine em que o intérprete
fica isolado dos interlocutores que ele medeia, o intérprete comunitário atua dialogicamente, por
meio de intervenção consecutiva e intermitente, fazendo parte da situação de interação.

163
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

3.1.1 Contratos de tradução/interpretação em eventos e outras atividades

No portal da transparência da Câmara, foram encontrados cinco contratos


cujos objetos eram serviços de tradução e/ou interpretação de Libras-português em
“eventos, reuniões, sessões, audiências, seminários, conferências, workshops, cur-
sos, palestras, discursos, programas, apresentações e outras atividades e projetos
institucionais da Câmara dos Deputados ou por ela promovidos, dentro do DF”
(cf. Quadro 1 abaixo). No caso do Senado, foram identificados oito instrumentos
contratuais relacionados, sendo que o primeiro deles (109/2006), assinado em ou-
tubro de 2006, também atendia às atividades da TV Senado (cf. Quadro 2 abaixo).

Quadro 1 – Características dos contratos de tradução/ interpretação em eventos


da Câmara dos Deputados
Contrato Vigência Descrição Direcionalidade Modalidade
06/10/2009 a
CT 231/2009 interpretação não especificado simultânea / consecutiva
05/10/2010
15/04/2013 a
CT 81/2013 simultânea / consecutiva
14/04/2014
tradução / interpretação (falada, sinalizada ou
24/11/2014 a
CT 248/2014 escrita / ao vivo ou
23/11/2015
ensaiada / gravada ou
24/11/2015 a do português para não)
201/2015 interpretação
23/11/2020 Libras e vice-versa
simultânea / consecutiva
24/11/2020 a (falada, sinalizada ou
151/2020 23/11/2022 tradução / interpretação escrita /ao vivo ou en-
(em vigor) saiada / gravada ou não
/ presencial ou virtual)
Fonte: adaptado de Monzo (2022, p. 124).

Quadro 2 – Características dos contratos de tradução/ interpretação em eventos


do Senado Federal
Contrato Vigência Descrição Direcionalidade Modalidades
06/10/2006 a
109/2006 interpretação não especificada não especificada
05/10/2012
12/03/2014 a
15/2014
07/09/2014
29/08/2014 a falada, sinalizada ou escri-
37/2014
28/08/2015 tradução / interpre- do português para ta, nas formas simultânea
20/10/2015 a tação Libras e vice-versa ou consecutiva, ao vivo ou
96/2015* ensaiada, gravada ou não
19/10/2016
22/10/2015 a
98/2015**
21/10/2016

164
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

19/10/2016 a
65/2016*
18/10/2017 tradução / interpre-
tação falada, sinalizada ou escri-
19/10/2016 a
66/2016** do português para ta, nas formas simultânea
18/10/2017
Libras e vice-versa ou consecutiva, ao vivo ou
04/12/2017 a ensaiada, gravada ou não
108/2017 03/12/2022 interpretação
(em vigor)
* dias úteis
** fins de semana e feriados
Fonte: Monzo (2022, p. 130).

Embora alguns contratos informem na descrição do objeto que tratam da


contratação de serviços de tradução e de interpretação, na análise dos documen-
tos, não foram identificadas diferenças na execução dos serviços, sendo que todos
os contratos descrevem o processo da atividade de interpretação apenas17.
Quanto à direcionalidade, apenas os primeiros contratos de cada órgão não
especificam de forma clara a direção em que os serviços devem ser executados.
Todos os demais informam que as duas direções devem ser realizadas. Os contra-
tos restringem as modalidades, em que a interpretação deve ocorrer, à simultânea
e consecutiva.
O contrato n.º 151/2020, da Câmara dos Deputados, o único formaliza-
do durante a pandemia de Covid-19, incluiu a possibilidade de os serviços serem
prestados de forma presencial ou virtual. Todavia, não há no documento nenhu-
ma menção à interpretação remota, a qual possui características específicas, como
iluminação, enquadramento, condições de recebimento e de transmissão de ima-
gem e de som, conectividade, entre outros.
O contrato nº 109/2006, do Senado Federal, é o único contrato para eventos
e atividades diversas por posto de trabalho, ou seja, com carteira assinada e direi-
tos trabalhistas garantidos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Apesar
de o gestor do contrato poder ajustar a distribuição dos quatro profissionais con-
tratados, ela se daria da seguinte forma: “a) TV Senado: 1 (um) profissional de 9 às
19 horas, de segunda a sextas-feiras; b) Comissões: 1(um) profissional, no período
de 9 às 19 horas, segunda a sextas-feiras; e c) Recepção: 2 (dois) profissionais, no
período de 9 às 19 horas, de segunda a sexta-feira”.

17 De acordo com os contratos, os serviços devem ser executados basicamente da mesma maneira:
recebimento de ordem de serviço (OS) pela empresa contratada, com as informações sobre o
evento; o intérprete deve chegar com uma hora de antecedência; deve interpretar no período
determinado. Nos dois primeiros contratos (231/2009 e 81/2013), os eventos com até uma hora
de duração devem ser realizados por apenas um profissional, enquanto os que durarem mais de
uma hora devem ser interpretados por uma dupla, em que os intérpretes devem se revezar a cada
20 minutos. Além dessas especificações, próprias de atividades de interpretação, a forma de pa-
gamento (por hora de serviço) não é adequada para serviços de tradução, normalmente cobrados
por minuto, no caso de vídeos, ou por produto traduzido.

165
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

Observa-se a inviabilidade das exigências estipuladas, nesse instrumento:


um profissional atuando sozinho das 9h às 19h, cinco dias na semana18. Os demais
contratos tratam de pagamento por hora de serviço prestado por uma dupla de
profissionais, que devem se revezar a cada 20 minutos.
Nos quadros 3 e 4, a seguir, foram compiladas as informações acerca dos
requisitos profissionais apresentados nos contratos da Câmara e do Senado:

Quadro 3 – Requisitos dos contratos de tradução/ interpretação em eventos


da Câmara dos Deputados
Contrato Requisitos
a) comprovação de fluência na interpretação da Linguagem brasileira de Sinais (Libras),
mediante apresentação de certificado do Prolibras, Exame Nacional para Certificação de
Proficiência em Libras do Ministério da Educação;
231/200919 b) comprovação de conclusão de curso superior, por meio de diploma ou certificado;
c) comprovação de experiência profissional de, no mínimo, 6 meses na atividade;
d) currículo dos profissionais envolvidos na interpretação consecutiva e simultânea sempre
que houver serviços a serem realizados (podem ser recusados)
81/2013 a) comprovante de fluência na tradução e interpretação da LIBRAS, mediante apresentação
do PROLIBRAS – Certificado de Proficiência em Tradução e Interpretação de Libras/Língua
248/2014 Portuguesa, do Ministério da Educação;
b) comprovante de conclusão de curso superior, por meio de diploma ou certificado devida-
201/2015 mente registrado no Ministério da Educação;
c) carta de apresentação de instituição representativa das pessoas com deficiência auditiva
151/2020
Fonte: Monzo (2022, p. 127).

Quadro 4 – Requisitos dos contratos de tradução/ interpretação em eventos


do Senado Federal
Contrato Requisitos
– Fluência comprovada em Libras e em português
– Atuação efetiva e comprovada junto à comunidade surda;
– Formação acadêmica em nível médio e/ou superior;
– Conhecer e seguir o Código de Ética do Profissional Intérprete;
109/2006 – Apresentar declaração de Associação de Surdos, que comprove sua atuação com intér-
prete de Libras junto à comunidade surda;
– Ser aprovado em prova prática de interpretação, aplicada por uma banca examinadora
composta por surdos instrutores de Libras;
– Ter o seu trabalho legitimado e reconhecido pela comunidade surda.

18 Não foi possível confirmar se o gestor do contrato de fato realocou os profissionais. Entende-se
que, sendo o primeiro contrato dessa natureza no Congresso Nacional, assinado em 2006, havia
poucas referências para direcionar a contratação.
19 Acerca do contrato nº 231/2009, é interessante observar que o edital do pregão também era vol-
tado a serviços de tradução e interpretação português-espanhol e português-inglês. Os requisitos
para os tradutores e intérpretes dessas línguas incluía a comprovação de proficiência em língua
portuguesa, o que não é exigido dos intérpretes de Libras.
166
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

15/2014 Comprovação de fluência na interpretação da LIBRAS, mediante apresentação de


certificado do PROLIBRAS (Exame Nacional para Certificação de Proficiência em LIBRAS do
Ministério da Educação); comprovação de experiência profissional de, no mínimo, 6 meses
RP 37/2014
na atividade;
RP 96/2015*
RP 98/2015** Apresentação de certificado do PROLIBRAS (Exame Nacional para Certificação de Proficiên-
RP 65/2016* cia em LIBRAS do Ministério da Educação)
RP 66/2016**
Apresentação de certificado do PROLIBRAS (Exame Nacional para Certificação de Profi-
108/2017 ciência em LIBRAS do Ministério da Educação) ou certificado de conclusão de curso de
graduação de Letras-Libras (bacharelado), reconhecido pelo MEC.
* dias úteis; ** fins de semana e feriados
Fonte: Monzo (2022, p. 131).

O primeiro contrato do Senado (nº 109/2006) apresenta uma série de exi-


gências sem descrever as suas formas objetivas de comprovação, como a fluência
em Libras20 e em português21, o conhecimento do Código de Ética do intérprete,
atuação efetiva junto às comunidades surdas e o reconhecimento do trabalho por
parte de tais comunidades. A aprovação em avaliação realizada por uma banca
composta por instrutores surdos de Libras foi o requisito exigido para suprir a
ausência de mecanismos de comprovação de proficiência naquele momento. De-
nunciamos, aqui, a ausência de distinção entre o intérprete e o instrutor de Libras
para compor uma banca de avaliação de intérpretes, observando que falantes que
atuam no ensino da Libras, surdos ou ouvintes, não necessariamente apreendem
as questões éticas, técnicas e profissionais da interpretação.
Todavia, os contratos seguintes indicam como única exigência a apresen-
tação do ProLibras, requisito que sofre uma alteração apenas no último contrato
(108/2017), o qual prevê como alternativa o certificado de conclusão de curso de
bacharelado em Letras-Libras.
Quanto às questões relativas ao monitoramento da qualidade, a única
recomendação encontrada nos contratos é a seguinte: “Sempre que aplicável, a
CONTRATADA executará os serviços com base na norma técnica NBR 15.290 da
ABNT e nas diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Educação”. A norma téc-
nica citada trata da acessibilidade na televisão, se resumindo a orientações acerca
de critérios técnicos da janela de Libras. As diretrizes do Ministério da Educa-
ção, por sua vez, dizem respeito à área educacional, sendo necessárias a análise
e a adequação para o contexto legislativo. Não obstante a ausência da descrição
de critérios técnicos para avaliação da qualidade, todos os contratos indicam que

20 O contrato nº 109/2006 foi assinado no início de outubro e o edital do primeiro ProLibras foi
lançado no dia 20 de setembro do mesmo ano, não havendo tempo hábil para considerá-lo como
comprovação de fluência.
21 Este é o único contrato do Congresso Nacional que apresenta a exigência de fluência em português.

167
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

“caso o órgão fiscalizador não julgue o intérprete tecnicamente apto ou constate


comportamento inadequado, poderá solicitar a substituição”. Para isso, não preci-
sa apresentar nenhum tipo de justificativa.
Em relação às questões deontológicas, todos os contratos da Câmara e do Se-
nado determinam que a conduta ética dos intérpretes deve ser pautada pelos preceitos
da confiabilidade, imparcialidade, discrição e fidelidade, baseando-se no Código
de Ética da Feneis22. Mesmo os contratos assinados após 2011, ano em que a Febra-
pils lançou seu primeiro código de conduta ética23, não trazem nenhuma mudança
relacionada a essa questão. No caso do Senado, a partir da RP 37/2014, houve um
acréscimo ao texto, determinando que a conduta ética também deveria se basear na
Lei n.º 12.319/2010, que regulamenta a profissão de tradutor e intérprete de Libras.

3.1.2 Contratos de tradução/ interpretação para as TVs legislativas

Na Câmara, a contratação de tradução e interpretação entre português e


Libras para a TV é contemplada pelos contratos de prestação de serviços diversos
na área de televisão. Por esse motivo, o detalhamento das atividades é sucinto e a
contratação é sempre por posto de trabalho, com assinatura de carteira de trabalho
dos profissionais.
O primeiro contrato da TV Câmara que incluiu as atividades de tradutor/
intérprete de Libras-português na TV Câmara (n°183/2009) foi assinado em agos-
to de 2009 e previa a contratação de três profissionais para atuarem durante 42 ho-
ras semanais, sendo sete horas diariamente. Três meses depois, o primeiro termo
aditivo foi assinado, acrescentando dois profissionais. Em novembro de 2010, mais
um profissional foi adicionado ao contrato.
No Senado, foram identificados dois contratos de serviços de tradução e
interpretação entre Libras e português para a TV. O primeiro (nº 109/2006) abran-
gia tanto as atividades da TV quanto os eventos diversos, tendo sido apresentado
na seção anterior deste capítulo. Após o término de sua vigência, em outubro de
2012, um novo contrato para interpretação de serviços televisivos só foi assinado
no final de 2020.
Tendo elencado diacronicamente os diferentes contratos, apresentam-se,
no quadro a seguir, as principais características dessas contratações.

Quadro 5 – Características dos contratos de tradução/ interpretação para a TV Senado


Contrato Vigência Descrição Direcionalidade Modalidades
109/2006 06/10/2006 a 05/10/2012 interpretação não especificada não especificada
117/2020 30/10/2020 a 29/10/2022 (em vigor) interpretação de português para Libras simultânea
Fonte: Monzo (2022, p. 138).

22 Disponível em http://www.librasgerais.com.br/materiais-inclusivos/downloads/codigo-etica.pdf.
23 Disponível em https://febrapils.org.br/wp-content/uploads/2022/01/Codigo-de-Conduta-e-Eti-
ca.pdf.

168
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

Vale observar que, pelo contrato n.º 117/2020 tratar apenas da atividade
de interpretação na modalidade simultânea de português para Libras de forma
remota, o edital de licitação indica orientações acerca da transmissão do sinal e da
qualidade do vídeo. Ressalta-se ainda que o contrato prevê a prestação dos servi-
ços apenas no âmbito do plenário e da Comissão de Assuntos Sociais (CAS), o que
subentende uma limitação à participação social da pessoa surda nas atividades da
instituição como um todo, a ser questionada.
Diferentemente do contrato anterior e dos contratos da TV Câmara, por
posto de trabalho, o contrato atual considera o pagamento por hora, contando
com a atuação de dois profissionais, que devem se revezar a cada 20 minutos. É
interessante destacar também uma especificação apontada apenas nesse contrato:
“os intérpretes deverão ser humanos. Não serão aceitos avatares24 nem qualquer
tipo de produção de Libras por equipamentos eletrônicos”.
Os quadros 6 e 7 apresentam os requisitos profissionais para os ILS nos
contratos da TV Câmara e da TV Senado, respectivamente:

Quadro 6 – Requisitos dos contratos de tradução/ interpretação para a TV Câmara


Nº do contrato Requisitos
a) Formação básica: ensino superior completo e certificação do exame de proficiência
183/2009 em Libras – Prolibras do Ministério da Educação
b) Experiência profissional: mínimo de 6 (seis) meses na prestação de serviços compa-
tíveis com a função.
156/2013 c) Outros requisitos necessários: conhecimento dos termos técnicos utilizados no
dia-a-dia do Poder Legislativo e carta de apresentação de instituição representativa dos
deficientes auditivos.
a) Formação Básica: Ensino Superior completo.
b) Experiência Profissional: mínimo de 6 (seis) meses na prestação de serviços compa-
tíveis com a função.
92/2018
c) Outros Requisitos Necessários: curso de educação profissional na área de Libras
reconhecidos pelo Sistema que os credenciou e/ou cursos de extensão universitária e/
ou cursos de formação continuada promovidos por instituições de Ensino Superior e
instituições credenciadas por Secretarias Estaduais de Educação; conhecimento dos
termos técnicos utilizados no dia a dia do Poder Legislativo e carta de apresentação de
2/2021 instituição representativa dos deficientes auditivos.
d) Outros Requisitos desejáveis: certificação do exame de proficiência em Libras – Pró-
Libras, do Ministério da Educação.
Fonte: Monzo (2022, p. 136).

24 Apesar do crescimento desse tipo de serviço nos últimos anos, a comunidade surda entende que
os tradutores automáticos disponíveis atualmente em forma de avatares não realizam uma inter-
pretação adequada, discussão que carece de mais pesquisas.
169
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

Quadro 7 – Requisitos dos contratos de tradução/ interpretação para a TV Senado


Contrato Requisitos
a) Fluência comprovada em Libras e em português
b) Atuação efetiva e comprovada junto à comunidade surda;
c) Formação acadêmica em nível médio e/ou superior;
d) Conhecer e seguir o Código de Ética do Profissional Intérprete;
109/2006 e) Apresentar declaração de Associação de Surdos, que comprove sua atuação com intérprete
de Libras junto à comunidade surda;
f) Ser aprovado em prova prática de interpretação, aplicada por uma banca examinadora
composta por surdos instrutores de Libras;
g) Ter o seu trabalho legitimado e reconhecido pela comunidade surda.
a) Proficiência comprovada na interpretação da Libras, mediante apresentação do Certificado
de Proficiência conferido pelo Exame Nacional para Certificação de Proficiência na Tradução e
Interpretação da Libras/Língua Portuguesa/ProLibras;
b) Escolaridade mínima de nível superior, com habilitação em Tradução e Interpretação em
Libras ou graduação em Letras/Libras – bacharelado;
c) Comprovação de experiência profissional de, no mínimo, 6 (seis) meses na atividade;
d) Declaração de Associação de Surdos ou Instituição reconhecida que comprove a atuação
como intérprete de Libras junto à comunidade surda, tais como: Associação dos Pais e Amigos
dos Deficientes Auditivos – APADA; Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos
117/2020 – FENEIS; Associação de Profissionais Tradutores de Língua Brasileira de Sinais; e Federação
Brasileira das Associações dos Profissionais Tradutores e Intérpretes e Guia-Intérpretes de
Língua de Sinais – FEBRAPILS;
e) Preferencialmente, conhecimento dos termos técnicos utilizados no vocabulário legislativo
e dos termos técnicos pertinentes ao evento para o qual foi solicitado o serviço de interpre-
tação;
f) Primar pela boa apresentação pessoal;
g) Garantir a fidedignidade (o intérprete não altera a informação), a imparcialidade (o intér-
prete não interfere com opiniões próprias) e a impessoalidade (o intérprete é um instrumen-
to impessoal) na prestação do serviço.
Fonte: Monzo (2022, p. 139).

No que diz respeito aos contratos da TV Câmara (Quadro 6), é possível


verificar a exigência da formação em nível superior em qualquer área, proficiência
em Libras, por meio do ProLibras e experiência mínima de seis meses em tradução
e interpretação25. Além disso, foram exigidos como outros requisitos: o conheci-
mento de termos técnicos próprios das atividades legislativas, apesar de não estar
definida a forma de apresentar essa comprovação, e uma carta de apresentação de
instituições representativas dos “deficientes auditivos”.
Em relação à TV Senado, os requisitos do primeiro contrato (nº 109/2006)
já foram objeto de análise na seção anterior. Já o contrato nº 117/2020 manteve a
exigência do ProLibras, além da formação em nível superior em Letras-Libras ou

25 Sobre esse assunto, cf. Aguayo (2021).

170
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

outra habilitação em Tradução e Interpretação. Ademais, foram mantidos os re-


quisitos de comprovação de experiência profissional de seis meses (sem, no entan-
to, especificar o âmbito de atuação) e a apresentação de declaração de associação
de surdo que comprove a atuação como intérprete do candidato à vaga. A única
diferença introduzida refere-se à possibilidade de que essa declaração seja emitida
por “instituição reconhecida”, como a Febrapils, se constituindo a primeira refe-
rência à federação nos contratos estudados, reconhecendo-a como uma organiza-
ção representativa da categoria profissional. As demais exigências do contrato são
de difícil comprovação, sendo as descritas nos itens f e g (Quadro 7) relacionadas
diretamente às questões de ética e conduta profissional, não havendo documentos
para sua comprovação.
Essa análise qualitativa revela que todos os contratos de prestação dos ser-
viços de interpretação no par Libras-português do Congresso Nacional estabe-
lecem critérios técnicos questionáveis, pela dificuldade de serem mensurados e
avaliados.
Assim, o contrato nº 117/2020, do Senado, determina que se recorra, sem-
pre que aplicável, à recomendação de que os serviços sejam prestados com base na
NBR 15.290, que se refere justamente a produtos televisivos, e orienta deixar a ava-
liação da qualidade a critério dos próprios telespectadores, nos seguintes termos:
A TV Senado poderá veicular em sua programação telefone e/ou endereço
eletrônico para mandar [reclamações] a respeito do conteúdo interpretado
pelos profissionais de Libras, transmitido pela janela de Libras. As reclama-
ções serão apuradas, e serão levadas em consideração quanto à verificação
da qualidade do serviço prestado de Libras.
Não há, no entanto, nenhuma iniciativa deliberada para que os especta-
dores surdos avaliem as interpretações transmitidas pela TV, com exceção de um
canal para que eles espontaneamente apresentem suas reclamações.

Discussão dos resultados e avaliação da qualidade da interpretação

O mapeamento realizado, por meio da análise dos documentos institucio-


nais, permitiu a identificação de uma série de contextos em que o trabalho do
intérprete de Libras-português é necessário dentro do Congresso Nacional. Tais
contextos compreendem o plenário, as comissões, as escolas de governo, os servi-
ços que prestam atendimento ao público e todos os locais onde há surdos traba-
lhando, entre outros.
Ao analisar os instrumentos contratuais, percebemos, em geral, um avanço
desde o primeiro contrato, assinado em 2006 pelo Senado, quando ainda se care-
cia de políticas nacionais basilares para a profissão, como o exame ProLibras, os
cursos de formação em nível superior e a lei de regulamentação profissional. Os
contratos nº 151/2020, 2/2021, da Câmara, e 108/2017 e 117/2020, do Senado,
os mais recentes dentre os contratos contemplados neste estudo, apesar de não

171
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

contemplarem as características de todas as situações identificadas em nosso ma-


peamento, já apresentam características mais próximas da realidade da atuação do
ILS do que os anteriores.
No entanto, além de não considerarem a quantidade variada de situações e
características sociolinguísticas específicas dos diversos contextos de atuação pro-
fissional, tais contratos não apresentam distinção entre as atividades de tradução e
de interpretação, cujo exercício é operacional e cognitivamente distinto. Essa au-
sência de diferenciação tem impacto também no pagamento, que é feito, na maio-
ria dos contratos, por hora trabalhada, o que não se adequa às atividades de tradu-
ção. Ademais, essa característica resulta na fragilização do vínculo do profissional
com a instituição, fragilidade que se oriunda, principalmente, da impossibilidade
de continuidade do trabalho e de aprofundamento do conhecimento institucional.
Outro ponto a destacar é a centralidade do certificado ProLibras como exi-
gência de quase todos os contratos, com exceção do contrato da TV Câmara, que
aponta o ProLibras como desejável, mas não obrigatório para os intérpretes. Sur-
preende que, apesar de o exame não ser aplicado desde o ano de 2015, ainda ocupe
um papel central nos contratos, sendo que no contrato nº 151/2020, da Câmara,
não há alternativas para comprovação de proficiência. Nos contratos nº 108/2017
e 117/2020, do Senado, a alternativa apresentada é o diploma de bacharelado em
Letras-Libras, curso que não é oferecido por universidades públicas no Distrito
Federal, onde se situa o Congresso Nacional.
Quanto à comprovação do reconhecimento profissional, os contratos men-
cionam as associações de surdos, mas ignoram as associações profissionais, que
têm se estabelecido nos diversos Estados e no Distrito Federal, com exceção do
contrato da TV Senado que indica a Febrapils como uma das instituições que po-
dem emitir a declaração de que o profissional atua junto às comunidades surdas
como intérprete. Ressalta-se, todavia, que a instituição é a federação das associa-
ções de profissionais, não tendo vínculo direto com os tradutores e intérpretes, mas
somente com as associações estaduais e distrital, tratando-se de outro ponto a ser
ajustado nos documentos.
Em relação à formação profissional, o único contrato que não exige que
os profissionais possuam formação em nível superior é o contrato de eventos e
atividades diversas do Senado, o que mostra a prevalência do entendimento por
parte dos órgãos que a formação em nível médio, como prevista na lei de regula-
mentação da profissão, não é suficiente para garantir a qualidade das atividades
realizadas no âmbito do legislativo. A grande complexidade dos discursos, muitas
vezes proferidos neste ambiente, requer maior nível de formação profissional.
Ademais, a análise dos contratos revela que não existem critérios objetivos
de avaliação da qualidade da interpretação no ambiente do Congresso Nacional.
As respostas dos dois órgãos, ao questionamento realizado por meio da Lei de
Acesso à Informação, confirmaram a inexistência de uma metodologia avaliativa.
A Câmara dos Deputados informou que, quando recebe algum tipo de reclama-
ção, solicita que a Febrapils realize uma avaliação da interpretação dos profissio-

172
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

nais cadastrados. Caso a avaliação de algum profissional seja negativa, verifica-se a


possibilidade de elee se capacitar e, caso não seja possível, o intérprete é substituí-
do. Destacamos que mesmo essa avaliação realizada pela Febrapils não constitui
uma metodologia avaliativa, tendo em vista que só é realizada mediante o recebi-
mento de alguma reclamação do público-alvo, com uma abordagem da qualidade
a partir do objetivo da interpretação.
De modo geral, a análise dos contratos permitiu identificar que a interpre-
tação/tradução para a Libras ainda não está disponível em todas as atividades do
Congresso Nacional, mas apenas em alguns contextos específicos. Assim, corro-
borando Meylaerts (2009), quando afirma que as políticas institucionais de tradu-
ção e de interpretação definem “quem está dentro e quem está fora”, entendemos
que as decisões acerca de a quais eventos, a quais comissões ou atividades, a quais
conteúdos e informações e a quais situações os surdos terão acesso, graças à inter-
pretação/tradução, instituem-se enquanto políticas do Congresso, definidas com
base em questões de prestígio e de poder.

Considerações finais

O presente capítulo apresentou a análise das políticas linguísticas e de in-


terpretação no par linguístico português-Libras no Congresso Nacional, a partir
da análise de normativos internos e dos contratos de serviços de interpretação
de línguas de sinais. Apesar dos limites da pesquisa documental, sendo o maior
deles o fato de as informações fluírem em um único sentido e, muitas vezes, os
documentos não dizerem tudo o que o pesquisador deseja ouvir, entendemos que
a investigação mostrou de forma abrangente que tais políticas na Câmara e no
Senado são de natureza implícita. Com efeito, não identificamos políticas explí-
citas, sejam linguísticas ou de tradução e de interpretação. As questões relaciona-
das à Libras têm sido tratadas no âmbito dos instrumentos de regulamentação da
acessibilidade26, o que constitui uma decisão política marcada pela tensão entre a
concepção de surdez enquanto identidade cultural e a noção de surdez ligada ao
modelo médico de deficiência.
A análise dos contratos permitiu identificar avanços conquistados ao longo
do tempo, bem como falhas que precisam ser revistas em contratações futuras,
para proporcionar melhor qualidade às interpretações realizadas no Congresso
Nacional. Destacam-se como pontos positivos dos contratos: a compreensão da
importância da vinculação com as comunidades surdas e a exigência da formação
em nível superior. Em relação aos pontos a serem ajustados, sublinhamos: a falta
de clareza sobre a distinção entre as atividades de tradução e de interpretação, o
pagamento por hora trabalhada, a inexistência de critérios objetivos para mensu-
ração da qualidade, a ausência de referência às associações profissionais de tra-

26 Destaca-se que o Senado possui um serviço de tradução e interpretação, cuja atribuição é realizar
tradução ou versão de documentos legislativos e de interpretação de audiências de senadores com
autoridades estrangeiras, por recursos próprios ou contratados.

173
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

dutores e de intérpretes, a elaboração de contratos genéricos que não consideram


todas as demandas de interpretação.
Entendemos que, apesar dos vários avanços obtidos por meio de ações de
acessibilidade, os quais não podem ser desconsiderados, o direito à Libras precisa
ser compreendido como um direito linguístico do surdo.
Ao apresentar as políticas linguísticas e de interpretação do par Libras-por-
tuguês, no Congresso Nacional, esperamos ter contribuído com os ETILS e com os
Estudos da Tradução e da Interpretação de forma geral. Além disso, acreditamos
que o mapeamento produzido e a análise dos contratos poderão subsidiar futuras
contratações profissionais no Senado Federal, na Câmara dos Deputados e, quiçá,
em outros órgãos públicos.
Em face do exposto, ressalta-se que políticas linguísticas e políticas de tra-
dução e de interpretação são indissociáveis, uma vez que “determinar as regras de
uso institucional da língua pressupõe determinar o direito à tradução dentro des-
sas mesmas instituições em uma sociedade democrática” (Meylaerts, 2010, p. 165,
tradução nossa). Ademais, destaca-se que a inexistência de uma política explícita
constitui uma política.

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174
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

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Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

10

Políticas Linguísticas de Tradução e Interpretação


da Língua de Sinais Internacional no Brasil
Kátia Lucy Pinheiro
Universidade Federal do Ceará (UFC)

Ronice Müller de Quadros


Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

1 Introdução

O presente trabalho situa-se no campo de discussão das políticas linguísti-


cas, de tradução e interpretação, de língua de sinais internacional (doravante IntSL
- International Sign Language), com enfoque nos profissionais surdos da tradução
e da interpretação, visto que pesquisas sobre tradução e interpretação de IntSL
para outras línguas – entre elas: Libras, português e inglês (ou vice-versa) – são
recentes no Brasil e ainda há poucas opções de uma formação específica para a
qualificação desses profissionais na área da tradução e interpretação.
De acordo com Silva (2016), “a palavra ‘formação’ sempre se referindo à
formação profissional ou profissionalização” será usada também nesse trabalho
com este sentido. Está reflexão fundamenta-se não apenas na área dos Estudos de
Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais – ETILS e no campo das Políticas
Linguísticas e de Tradução, mas, também, nas pesquisas sobre tradução e inter-
pretação interlingual, tanto a intermodal quanto a intramodal, entre duas línguas
de sinais, que tem sido realizada por pessoas surdas brasileiras que dominam a
Libras e a IntSL.
Ainda consideramos que, na tradução e na interpretação envolvendo In-
tSL, a questão da intramodalidade – processo que envolve línguas de mesma mo-
dalidade: de uma língua oral-auditiva para outra língua oral-auditiva ou de uma
língua visual-gestual para outra visual-gestual (Figura 1) –, e a questão da inter-
modalidade – que se refere ao processo realizado entre línguas de modalidades
diferentes, uma visual-gestual e outra oral-auditiva – são importantes à reflexão
proposta neste capítulo (Segala; Quadros, 2015).

177
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

Figura 1 – Interpretação Intramodal.

Fonte: Pinheiro (2020, p. 154)

Considerando-se a tradução e a interpretação entre línguas da mesma mo-


dalidade, nesse caso, entre diferentes línguas de sinais, nossa pesquisa foca, em
especial, a interpretação interlingual e intramodal gestual-visual da Libras para a
IntSL, e vice-versa. Ainda que exista outra possibilidade de interpretação envol-
vendo línguas de diferentes modalidades, ou seja, a intermodal, de uma língua
oral-auditiva, oral ou escrita, como português, para IntSL ou para outras línguas
de sinais, não a abordaremos neste capítulo.
De acordo com Granado (2019), o intérprete surdo interlingual: (1) faz a
recodificação semântica básica na língua-alvo; e o intérprete surdo intralingual:
(2) faz a finalização com prosódia, sendo que se considera que sempre deve ter um
intérprete surdo de apoio, conforme apresentado abaixo (Figura 2):

Figura 2 – Modelo de Interpretação com espelhamento

Fonte: Granado (2019, p. 55)

178
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

Figura 3 – A segunda situação de Conferência

Fonte: Pinheiro (2020, p. 170)

Hoje, mesmo com o aumento da atuação dos tradutores e intérpretes sur-


dos, que realizam interpretação interlingual, tanto intermodal quanto intramodal
gestual-visual, no Brasil, vemos que tal atuação, além de ser voluntária, é apenas
realizada a partir da formação empírica. Este fato torna a atuação destes profissio-
nais desafiadora para eles mesmos. E questões que implicam contratação, defini-
ção da remuneração e atuação em contextos internacionais são impactadas pela
falta de formação acadêmica desses tradutores e intérpretes. Além disso, na atual
conjuntura, percebe-se como necessário o aumento de profissionais surdos da tra-
dução e da interpretação de Libras-IntSL, inclusive na tradução de texto escrito em
português ou em inglês para a IntSL ou a Libras, nos mais diversos contextos, os
quais vem crescendo, sendo a maioria deles os de conferências. Sobre o intérprete
empírico, Laguna (2015) afirma:
Faço um parêntese aqui para explicar que entendo por Intérprete empíri-
co como sendo o sujeito que não se constitui profissionalmente, com uma
formação em bases teóricas e científicas que determinem seu perfil profis-
sional. Ele é um sujeito que circula na sociedade com um conhecimento
prático adquirido pela vivência no cotidiano com os surdos. A nomeação
do intérprete empírico é normalmente atribuída àqueles que vêm da comu-
nidade surda. (Laguna, 2015, p. 13).
O tradutor e o intérprete surdos de Libras, de inglês ou de português para
IntSL têm uma atuação de base empírica até hoje, mas, é provável que já poderia
ser diferente há muito tempo. Já poderíamos contar com profissionais com forma-
ção acadêmica de qualidade. . Além disso, é importante esclarecer também que
não há nada que impeça o intérprete surdo de se preparar para ser tradutor de
Libras-português brasileiro, ainda que seja mais comum, hoje, observar profissio-
nais surdos que atuam como tradutores e intérpretes intramodais gestuais-visuais
entre a Libras e a IntSL.
As políticas linguísticas compreendem aspectos explícitos de planejamento
linguístico, mas também aspectos mais implícitos que se traduzem nas práticas

179
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

linguísticas. Neste capítulo, estamos discutindo estes dois aspectos. A seguir, fo-
camos naqueles em que observamos políticas subjacentes que estão norteando as
práticas de tradução e de interpretação da IntSL, no Brasil.
Para a formação acadêmica dessa categoria profissional, que já pode ser
observada, é necessário o desenvolvimento da competência em tradução e em in-
terpretação, composta não somente pelo estudo teórico e pelas técnicas de tradu-
ção e interpretação, mas por um conjunto de outros conhecimentos, habilidades
e atitudes, os quais possam qualificar o profissional, assegurando direitos linguís-
ticos à comunidade surda. Pode-se considerar que é indispensável que o tradutor
e o intérprete surdos – tanto o que atua entre duas línguas de sinais (Libras e
IntSL) quanto entre uma língua oral-auditiva e outra de sinais (português/inglês
e IntSL/Libras) – sejam profissionais com competência tradutória/interpretativa
e experiência, dominando, no mínimo, duas línguas de sinais e português e in-
glês escritos. Portanto, além de possuir competência interpretativa e tradutória, é
relevante que se tenha conhecimentos profissionais relacionados aos âmbitos e aos
contextos de sua atuação. Conforme Adam et al. (2014, p. 6),
nossa posição é que, como a maioria dos intérpretes surdos - ISs [intérpretes
surdos] fazem a interpretação de uma forma ou outra como profissão, ela é
uma parte integrante do serviço do IS; além disso, os ISs que têm habilidade
na tarefa interlinguística são geralmente capazes de fazer uma interpretação
interlingual e vice-versa.1 (tradução ExTrad).2
No que diz respeito à atuação dos intérpretes surdos de Libras-IntSL, en-
contramos algumas dificuldades para a profissionalização, devido à falta de cursos
de formação, tanto de cursos livres quanto de cursos de graduação e de pós-gra-
duação específicos, e a inexistência de um perfil profissional estabelecido. Silvei-
ra (2017, p. 17) diz que “no Brasil, muitos intérpretes surdos não são formados
[especificamente na área de tradução e da interpretação] e sim formados na área
de ensino de Libras ou em outras áreas”. Por não haver uma ampliação da forma-
ção em tradução e interpretação interlingual e intramodal gestual-visual, como
Libras-IntSL, temos como um dos resultados a atuação, majoritariamente, volun-
tária nesse tipo de atividade interpretativa; logo, poucos são aqueles profissionais
surdos remunerados. Nas palavras de Pinheiro (2020),
os surdos que trabalham como tradutores e intérpretes de língua de sinais
e têm algum nível de profissionalização são poucos, a maioria deles conti-
nua atuando “sem profissionalização” e com um foco restrito à prática da
interpretação de uma língua de sinais nacional para IntSL. (Pinheiro, 2020,
p. 25).

1 We argue that, as most DIs do this form of interpreting in one way or another in their professional
employment, it is an integral part of DI work; moreover, DIs who are skilled at interlanguage work
are usually able to do intralanguage interpreting and vice versa (ADAM et al., 2014).
2 ExTrad é um projeto de extensão do do Curso de Tradução do Centro de Ciências Humanas,
Letras e Artes da Universidade Federal da Paraíba (CCHLA/UFPB). Disponível em: http://www.
cchla.ufpb.br/extrad.

180
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

É importante destacar que vários autores sinalizam diferenças entre a ativi-


dade da tradução e da interpretação – como por exemplo, Rónai (1976); Jakobson
(1975); Schleiermacher (1992); Steiner (2005); com respeito às línguas de sinais,
Rodrigues e Santos (2018) e Rodrigues (2022). Na tradução, o tradutor trabalha
com um tempo que permite análises mais detalhadas para realizá-la de um texto
escrito ou oral para outro texto escrito ou oral que ficam registrados por meio da
escrita ou de vídeo (especialmente no caso de línguas de sinais). Na interpretação,
o tempo da atividade é muito restrito, acontecendo em paralelo ao texto original
(escrito ou sinalizado), produzido de forma síncrona, presencialmente ou remota,
podendo ser simultânea ou consecutiva. A partir disso, Pinheiro (2020) considera a
possibilidade de denominar o processo que parte de um texto escrito para um texto
em língua de sinais, registrado em vídeo, como tradução-interpretação, a qual
é entendida como atividade de conversão de um texto escrito para um texto
videogravado em língua de sinais, de forma que estão presentes caracterís-
ticas da tradução e da interpretação. Esta possibilidade de conversão acon-
tece, principalmente, em função da modalidade da língua de sinais, que traz
implicações para o processo de conversão. (Pinheiro, 2020, p. 26).
A maior parte destes profissionais surdos, tradutores e intérpretes, trabalha
na interpretação de uma língua de sinais nacional para outra língua de sinais ou
para a IntSL, assim como na tradução-interpretação de português ou de Inglês
para Libras ou para IntSL.
Nesse capítulo, considerando a atuação de tradutores e de intérpretes de
IntSL, no Brasil, destacamos o tradutor e o intérprete surdos, considerando o de-
talhamento de sua concepção e de diversas situações de atuação para esses profis-
sionais, uma vez que grande parte dos que atuam com a tradução e interpretação
da IntSL, no Brasil, são surdos. O tradutor e o intérprete surdos são profissionais
com competência tradutória e interpretativa, que podem atuar tanto com a língua
de sinais quanto com outras línguas orais. A atuação destes profissionais surdos
envolve vários aspectos da tradução e interpretação, tanto da consecutiva quanto
da simultânea e de suas variedades. Vejamos abaixo (Quadro 1), o que Pinheiro
(2020) registra sobre a atuação do tradutor e do intérprete surdos.

Quadro 1 – Os aspectos do tradutor e intérprete surdo e as possibilidades de atuação.


1) Trabalha com tradução-interpretação intermodal interlingual de língua falada3 escrita ou língua falada
para língua de sinais ou escrita de língua de sinais.
2) Trabalha com tradução intermodal e interlingual de língua falada escrita para escrita de língua de sinais.
3) Trabalha com tradução intramodal e interlingual de escrita de língua de sinais para outra escrita de língua
de sinais.
4) Trabalha com interpretação intramodal e interlingual de língua de sinais para outra língua de sinais.
5) Trabalha com interpretação intramodal e intralingual de língua de sinais para língua de sinais (mesma
língua) depende da pessoa surda pelo nível como estilo linguístico e contexto e espaço).

3 Língua falada é análogo à língua oral ou oral-auditiva.

181
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

6) Trabalha com interpretação intramodal de língua de sinais para gesto ou sinais caseiros ou língua de sinais
da fronteira ou língua de sinais indígena ou língua de sinais regional, língua de sinais nacional, língua de
sinais internacional.
7) Trabalha com guia-interpretação intermodal ou intramodal da língua de sinais para língua falada ou outra
língua de sinais.
8) Similares.
Fonte: Pinheiro (2020, p. 326).

Em relação às possibilidades de trabalho, daremos enfoque à interpretação


interlingual intramodal de uma língua de sinais para outra língua de sinais. Na
tradução e na interpretação intramodais gestuais-visuais há a possibilidade de ser
de/para línguas de sinais regionais, línguas de sinais nacionais, IntSL, línguas de
sinais indígena, línguas de sinais de fronteira, sinais caseiros, gestos e outras equi-
valentes. Neste caso, o tradutor e o intérprete surdos interlinguais intramodais
podem atuar de Libras para outra língua de sinais e/ou para suas variações e/ou
para a IntSL, e vice-versa, diferentemente de atuações como as do tradutor e do
intérprete surdos interlinguais e intermodais de Libras (ou outra língua de sinais)
para o português brasileiro ou outra língua oral-auditiva, e vice-versa.
Uma diferença, apontada por Steiner (2005), entre a tradução e a interpre-
tação, está relacionada aos tempos empregados. No caso da tradução, o tempo é
mais espaçado, envolvendo a possibilidade de se dispor de um período maior de
reflexão para a realização e finalização do processo; enquanto que, na interpreta-
ção, o tempo é mais restrito, pois processo acontece quase que simultaneamente
ao ato da produção do texto-fonte, assim como explicam outros autores, tais como
Pöchhacker (2004) e Rodrigues (2013).
É importante, para além da área dos Estudos da Tradução e dos da Inter-
pretação, agregar à essa discussão as contribuições de áreas como a Linguística e a
Sociolinguística, para que seja pensada a implementação de políticas linguísticas
capazes de contemplar de modo satisfatório os intérpretes e os tradutores surdos
de línguas de sinais. No caminho inverso, as áreas da Linguística, das Políticas
Linguísticas e da Sociolinguística podem se beneficiar das discussões e das contri-
buições dos Estudos da Tradução e dos da Interpretação.
O papel do intérprete surdo de línguas de sinais e as perspectivas sobre ele
variam, de acordo com Adam et al. (2014, p. 6, tradução ExTrad),
[...] uma variação é que os intérpretes surdos são indicados quando um ou
uma cliente utiliza seus próprios sinais ou sinais locais; quando usa uma lín-
gua de sinais estrangeira quando é surdocego ou tem a visão comprometida;
quando utiliza sinais particulares de uma região, de uma etnia ou de uma
faixa etária não conhecida para I-ns; ou quando está em um estado mental
que torna difícil umasimples interpretação de uma conversa. (Napier et al.,
2006 apud Adam et al., 2014, p. 6, tradução ExTrad). [...]4.

4 [...] perspectives on the role and work of DIs vary. One is that DIs are assigned when a client

182
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

Dessa maneira, os profissionais tradutores e intérpretes de línguas sinali-


zadas e línguas orais, poderiam trabalhar focados em interpretar e intermediar a
comunicação entre clientes surdos brasileiros, surdos estrangeiros, surdos oraliza-
dos, surdos fronteiriços, surdos indígenas, surdos imigrantes, surdos refugiados,
ouvintes brasileiros e estrangeiros. Nesse sentido, a Libras, a IntSL, o inglês e o
português, assim como suas variedades, servem para comunicação ou instrução
entre pessoas surdas e/ou ouvintes, permitindo a oportunidade de compartilha-
mento linguístico entre as diferentes comunidades surdas e ouvintes. A consti-
tuição, o delineamento dos papéis e a formação destes profissionais, portanto, re-
querem planejamento linguístico no contexto das políticas que estabelecem ações
para viabilizar diferentes práticas linguísticas.
Sobre as políticas linguísticas, Calvet (2007) declara que:
a política linguística (determinação das grandes decisões referentes às relações
entre as línguas e a sociedade) e o planejamento linguístico (sua implemen-
tação) são conceitos recentes que englobam apenas em parte essas práticas
antigas e atual. Políticas linguísticas: decisões do poder para influir no uso
da língua de um grupo ou de uma comunidade linguística, campo interdis-
ciplinar entre Sociologia e Linguística. (Calvet, 2007, p. 11, grifo do autor).
A contextualização da pesquisa, voltada à questão societária e linguística, se
dá no estudo sociológico, especificamente de algumas instituições brasileiras das
comunidades surdas regionais, nacionais e internacionais.
As primeiras (regionais e nacionais) possuem o direito à língua de sinais
nacional, como a Libras, a DGS (Língua de Sinais Alemã), a LSF (Língua
de Sinais Francesa), a ASL (Língua de Sinais Americana), entre outras; e a
segunda (internacional) têm direito ao acesso à LSI5, que pode ser utilizada
por qualquer pessoa surda, uma espécie de língua, comumente usada na
Europa em encontros internacionais e nas conferências internacionais, que
podem incluir quaisquer países. (Pinheiro, 2020, p. 27).
A atuação do tradutor e do intérprete surdos de línguas de sinais e de lín-
guas orais, portanto, é importante para a disseminação das línguas para as comu-
nidades surdas na sociedade brasileira e internacional. Dessa forma, é necessário
que políticas linguísticas estabeleçam ações e organizem programas ou cursos que
englobam temáticas de formação de tradutores e de intérpretes surdos que domi-
nem duas ou mais línguas de sinais nacionais ou IntSL, visando ao desenvolvimen-
to da competência tradutória e da interpretativa, ao seu perfil profissional, às suas
atitudes, às garantias em legislações e à sua remuneração.
No mundo globalizado, os surdos brasileiros e os estrangeiros, ou seja, o
povo surdo internacional está em contato, seja em conferências regionais, nacio-

uses his or her own signs or home signs; uses a foreign sign language; is deaf-blind or has limited
vision; uses signs particular to a region or to an ethnic or age group not known to the non-DI; or
is in a mental state that makes ordinary interpreted conversation difficult.
5 Atualmente, assim como neste capítulo, a sigla LSI está sendo substituída por IntSL.

183
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

nais e internacionais, esportes, turismo, associações, contato formais e não for-


mais; é importante destacar que esse contato, geralmente, ocorre por meio da In-
tSL, mas também que nem todos os surdos conhecem e dominam a IntSL. Por isso,
se faz necessária a atuação de surdos como tradutores e intérpretes de IntSL e, nes-
sa perspectiva, é fundamental que surdos adentrem a formação de tradutores e de
intérpretes, possibilitando-os não apenas conhecer sobre tradução e interpretação,
mas também se formarem. Nesse sentido, é fundamental haver ações afirmativas
que contribuam com seu ingresso na formação. Para isso, é salutar se pensar em
legislações que favoreçam esse cenário.
Quanto às ações relativas aos campos da tradução e da interpretação de
línguas de sinais no âmbito legal, o Decreto n.º 5.626/2005 é a principal delas. Esse
decreto regulamenta a Lei n.º 10.436/2002 que reconhece a Libras como língua
nacional e em seu art. 19, cap. V “Da formação do tradutor e intérprete de Libras
- Língua portuguesa”, prevê a existência e atuação de “profissional surdo com com-
petência para realizar a interpretação de línguas de sinais de outros países para a
Libras, para atuação em cursos e eventos” (Brasil, 2005a). Estamos identificando
que a atuação destes profissionais surdos abrange, além das línguas de sinais, as
línguas orais. Eles têm atuado de línguas de sinais para línguas de sinais, mas tam-
bém de e para línguas de sinais e línguas orais.
Ainda não há iniciativas em organizar cursos de formação que levem em
consideração a constituição do profissional surdo para os serviços de interpreta-
ção e de tradução de línguas de sinais, e não há legislação específica que garanta
e reconheça essa profissão sendo exercida por pessoas surdas. A Lei 12.319/2010
regulamenta as profissões de tradutor e de intérprete de língua de sinais, mas
coloca os surdos apenas como público da tradução e interpretação, não como um
profissional que as poderia executar.
Assim, raramente esses profissionais surdos são contratados, além de não
haver reconhecimento de sua atuação na profissão e nem da necessidade de o tra-
dutor e o intérprete surdo de línguas de sinais nacionais ou de IntSL ou português
ou inglês nos contextos de conferência, esportivo, jurídico, de saúde, em delega-
cias e outros contextos onde circulam, muitas vezes, diferentes línguas de sinais,
como as línguas de aldeias, regionais, nacional e internacional, principalmente, no
encontro surdo-surdo.
A importância do trabalho do tradutor e intérprete surdo de línguas de
sinais é para viabilizar a comunicação entre os surdos, minimizando ou mesmo
dando um fim nas barreiras comunicativas que possa haver. A valorização dos
direitos linguísticos dos surdos e o empoderamento das línguas de sinais impacta
no reconhecimento da importância de haver um campo de atuação para o intér-
prete surdo intramodal de línguas de sinais não somente nas instituições públicas
e privadas, mas em qualquer espaço e contexto que seja necessário.
As políticas linguísticas, com foco nas línguas de sinais nacionais e na In-
tSL, começam a ser discutidas no Brasil, especialmente enquanto direito linguís-
tico das comunidades surdas, no sentido de garantir o acesso à educação e a sua
inclusão na sociedade em geral.

184
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

Na área da tradução e da interpretação, as políticas linguísticas devem, por-


tanto, contemplar as práticas linguísticas que viabilizem a formação de profissio-
nais surdos que possam atuar com pares de línguas de sinais e/ou línguas orais,
em especial, destaca-se os pares Libras e IntSL, Libras e Língua Portuguesa e IntSL
e Língua Portuguesa. Isso pode também ser estendido às traduções envolvendo a
IntSL e outras línguas de sinais.

Língua de Sinais Internacional

Falando sobre política linguística, traremos alguns conhecimentos a res-


peito das vertentes das línguas de sinais pelo mundo. De acordo com Moody
(2002, p. 1, tradução nossa), a língua de sinais usada pelos surdos em contatos
internacionais “[...] tem vários nomes ao longo da história: língua de sinais uni-
versal, gestos internacionais, gestuno ou sinais internacionais”. Hoje, também é
conhecida por mais termos: sistema de sinais internacionais e língua de sinais in-
ternacional.
Os registros históricos são escassos e, embora os termos empregados para
se referir a IntSL nas línguas tenham mudado, o sinal aplicado ao termo perma-
nece o mesmo, desde o banquete de surdos, em 1834, até hoje. Os banquetes de
surdos aconteceram na Europa reunindo homens surdos para discutir diferentes
assuntos que impactaram nas comunidades surdas européias (para mais detalhes
ver Rathmann e Quadros, 2022). Vejamos o sinal de IntSL (Figura 4):

Figura 4 – Sinal de IntSL

Fonte: Oliveira Filho (2019).

Acima (Figura 4), observamos o sinal utilizado para a IntSL, que surgiu no
século XIX e, desde então, tem sido usado (Moody, 2002, p. 1). Portanto, já fazem
mais de 180 anos do encontro de surdos no banquete, em 1834, na França. Pro-
vavelmente, o surgimento e a utilização da IntSL se iniciou na Europa e foi sendo
difundida entre outros países na medida em que os encontros entre surdos de dife-
rentes nacionalidades foram acontecendo (Rathmann; Quadros, 2022). Phillipson

185
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

(2002, p. 02), afirma que o senso comum entende o termo ‘língua internacional’
como a língua que pessoas de diversas origens ou nações utilizam entre si. Neste
sentido, há muitas línguas internacionais utilizadas em todos os continentes. De
acordo com Pinheiro (2020, p. 100), “existem diferenças na língua de sinais in-
ternacional de cada continente, ocidental ou oriental. São diferentes por serem
influenciados pela cultura, política, linguística, economia etc.”.
Na Europa, há uma grande mobilidade das pessoas entre diferentes países
para participar de eventos, atividades esportivas, reuniões, festivais, e de outros
contextos, nos quais se propicia o uso da IntSL como meio de comunicação, há
mais de dois séculos. Segundo Rathmann e Quadros (2022), a interação entre sur-
dos em espaços internacionais foi sendo intensificada à medida em que a globa-
lização se estabeleceu por várias razões, entre elas, a amplicação da mobilidade
entre os países de diferentes continentes, o advento da internet, o estabelecimento
de novas formas de redes sociais. Por outro lado, na América do Sul, o uso da
IntSL está se estabelecendo nos últimos anos de forma mais difundida em função
da realização de eventos internacionais com a presença de surdos de diferentes
nacionalidades (Pinheiro, 2020).
As zonas de fronteira dos países ou nações favorecem o contato de línguas
de sinais diferentes. De acordo com Calvet (2002, p. 33), quando um indivíduo se
confronta com línguas que utiliza vez ou outra, pode ocorrer que elas se mistu-
rem nesse discurso e que ele produza enunciados alternando as línguas (code-swi-
tching). Dessa forma, surdos sulamericanos que vivem em regiões de fronteira,
utilizam duas a três línguas que podem contar com interferências entre elas. Por
exemplo, quando ocorrem contatos linguísticos entre surdos fronteiriços da Ar-
gentina e Brasil, é possível ocorrer uma mistura entre a LSA (Língua de Sinais
Argentina) e a Libras, assim como, às vezes, incluir a IntSL.
Outro exemplo se configura entre surdos fronteiriços do Brasil e do Uru-
guai, ou seja, entre sinalizantes da LSU (Língua de Sinais Uruguaia) que tem con-
tato com a Libras e a IntSL, e vice-versa, favorecendo o encontro surdo-surdo,
entre sul-americanos.
É possível pensar que IntSL sul-americana seria, de certo modo, uma espé-
cie de variante da IntSL utilizada nos encontros surdo-surdo na Europa, embora
essa observação precise ainda ser estudada. Na Europa, o uso da IntSL é favorecido
pela proximidade dos países e pelo intenso contato entre os surdos de diferentes
países, facilitado pelo acesso aos meios de transporte mais eficientes, tais como o
uso de trens para locomoção entre os países, além do transporte aéreo. Conforme
Pinheiro (2020), com respeito à América do Sul, os contextos em que ocorre com
mais frequência o uso da IntSL envolve conferências, eventos esportivos e acam-
pamentos.
Constata-se a presença de tradutores e de intérpretes surdos de IntSL em
diferentes eventos internacionais, tais como, os da WFD (World Federation of
the Deaf, traduzido para o português brasileiro: Federação Mundial de Surdos),
Deaflympics, Pan-Americano de Surdos, ONU, European Union – EU, (traduzi-

186
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

do para o português brasileiro: “União Europeia”), European Union Deaf – EUD,


(traduzido para o português brasileiro: “União Europeia de Surdos”) e, os eventos
regionais, nacionais e internacionais, reuniões, webs, redes sociais, espaços jurí-
dicos, turismo, saúde, delegacias, entidades de surdos, dentre outros, já ocorre há
muitos anos.
O profissional que trabalha com a IntSL já conta com o reconhecimento da
comunidade surda mundial. A presença deste profissional e da IntSL se apresenta
em diversos contextos e percebemos seu movimento ocorrendo de forma crescen-
te. A IntSL é uma língua que compõe uma das línguas linguísticas com as quais
tradutores e intérpretes têm atuado em diferentes países. No caso do Brasil, os
intérpretes de IntSL têm atuado, principalmente, mas não apenas, na interpretação
simultânea IntSL-Libras.
De acordo com Pinheiro (2020, 377), a IntSL é uma língua usada interna-
cionalmente em encontros internacionais com surdos sinalizantes de diferentes
línguas de sinais, sendo adquirida de geração em geração, a partir do encontro
entre estes surdos e outros sinalizantes em diferentes contextos. É uma língua que
se configura como língua adicional. O uso da IntSL propicia a integração de di-
versas culturas dos países mundo afora favorecendo experiências multiculturais.
É muito comum que os tradutores e os intérpretes de IntSL sejam surdos, embora
seja também um campo de atuação para ouvintes. Os tradutores e os intérpretes
surdos de IntSL formam-se formal ou empiricamente, para que possam desenvol-
ver a competência tradutória e a interpretativa e assim possibilitar que a comu-
nicação aconteça, em seus diversos contextos, rompendo as barreiras linguísticas
entre surdos de diferentes países em seus encontros internacionais.

Metodologia

Para este capítulo, contamos com os dados e reflexões decorrentes de um


estudo descritivo-exploratório de abordagem quanti-qualitativa. A pesquisa rea-
lizada é considerada descritiva e exploratória, a partir das informações e registros
acerca dos intérpretes surdos e de sua história e relação com as línguas de sinais,
como eles lidam com o fato de serem falantes de duas ou mais línguas de sinais
e de atuarem como tradutores e como intérpretes surdos de Libras ou IntSL ou
português, com ou sem formação específica, visto que envolve a valorização, a
partir das legislações, a qualidade da remuneração, e como tudo isso dialoga com
a política linguística.
De acordo com os objetivos da pesquisa de Pinheiro (2020), que originou
este capítulo, podemos afirmar que ela é caracterizada como descritiva, pois com
o intuito de nos familiarizarmos com o objeto em questão, e buscando torná-lo
mais compreensível, aplicou-se um questionário e se realizaram entrevistas se-
miestruturadas com pessoas que tiveram experiências práticas com a tradução
e a interpretação de IntSL. Foram respondidos 25 questionários e realizadas três
entrevistas. Os participantes apresentam diferentes níveis de formação e contam

187
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

com distintas experiências de atuação como intérpretes de IntSL-Libras no con-


texto nacional e internacional.

Tradução e Interpretação Libras-IntSL no Brasil

Nesta seção, apresentamos os eventos do tipo conferência, de caráter regio-


nal, nacional e internacional, que dispunham da presença de intérpretes surdos
atuando de modo interlingual e intramodal e com línguas de sinais, desde a dé-
cada de 1990.
Os contextos de conferência são realizados, na maioria das vezes, em au-
ditório. A tradução e interpretação ocorrem em atividades de workshop, oficinas/
minicursos, reuniões, dentre outros. Os diferentes temas tratados são: acadêmi-
cos, culturais, artísticos, esportivos, direitos humanos etc. As línguas de sinais pre-
sentes nas conferências regionais, nacionais e internacionais, no Brasil, são: Libras,
língua de sinais colombiana – LSC, língua de sinais espanhola – LSE, língua de
sinais americana – ASL, língua de sinais francesa – LSF, língua de sinais alemã –
DGS, língua de sinais uruguaiana – LSU, língua de sinais argentina – LSA, língua
de sinais venezuelana – LSV, língua de sinais chilena – LSCH e a língua de sinais
internacional – IntSL.
A seguir, apresenta-se (Quadro 2) um levantamento dos eventos do tipo
conferências regionais, nacionais e internacionais que foram utilizados durante a
análise. Como fonte, foi utilizado o corpus do registro de intérpretes surdos e as
línguas de sinais desenvolvido na pesquisa historiográfica de Silveira (2017, p. 26),
que explica que sua pesquisa foi desenvolvida “com base no exercício dos surdos
como intérpretes em eventos que vem acontecendo ao longo dos anos”.

Quadro 2 – Lista dos eventos

Nº Ano Evento Local Línguas envolvidas6

LSE – Língua de
2º Congresso Latino-Americano de Porto Alegre – RS.
1 1999 Sinais Espanhola e
Educação Bilíngue para Surdos UFRGS
Libras
I Encontro de Jovens Surdos do Rio
2 2006 Capão Canoa – RS LSI e Libras
Grande do Sul
Seminário Internacional Brasil/Portugal:
3 2009 Pesquisa Atuais na área de surdez. Possi- Brasília – DF LSI e Libras
bilidades de escrita pelos surdos
Florianópolis – SC.
4 2010 V Deaf Academics LSI e ASL e Libras
UFSC
I Encontro de alunos ASL e SI I Meeting of
5 2011 Uberlândia – MG. UFU ASL e LSI
ASL and SI students

6 LSI, Língua de Sinais Internacional, refere à IntSL, International Sign Language.

188
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

Festival Brasileiro de Cultura Surda Porto Alegre – RS.


6 2011 ASL, LSI e Libras
http://www.ufrgs.br/culturasurda/# UFRGS
Conferência da ONU: Rio + 20 http://
7 2012 Rio de Janeiro LSI, ASL e Libras
www.rio20.gov.br/
III Congresso Nacional de Pesquisas em
Tradução e Interpretação de Libras e Florianópolis – SC.
8 2012 ASL, LSI e Libras
Língua Portuguesa http://www.congres- UFSC
sotils.com.br/
II Encontro latino-americano de
9 2013 tradutores intérpretes e guiaintérpretes Rio de Janeiro – RJ LSI e Libras
– ELATILS http://2elatils.com.br/site/
Florianópolis – SC.
10 2013 Abertura do Curso Letras Libras LSI e Libras
UFSC
XI Congresso Internacional da Abrapt e
V Congresso Internacional de Tradutores Florianópolis – SC.
11 2013 LSI e ASL
https://abrapt.wordpress.com/category/ UFSC
xi- congresso-abrapt/
II Encontro da FEBRAPILS – Federação
12 2013 Brasileira de Intérpretes e Tradutores de Rio de Janeiro – RJ LSI e Libras
Língua de Sinais
Palestra A Antropologia Visual e Identida-
de Surda: o mundo dos surdos em antro-
pologia da arte – APILDF Associação de
13 2013 Brasília – DF. UNB LSI e Libras
Profissionais de Intérpretes de Libras do
Distrito Federal https://www.facebook.
com/apildf
Palestra em francês sobre Antropologia
instituto visual e Identidade Surda: o Florianópolis – SC.
14 2013 LSI e Libras
mundo dos surdos em antropologia e UFSC
arte do Oliver Shetrit
Palestra com o Prof. Steve Collins da São Carlos – SP.
15 2013 ASL e Libras
Gallaudet UFSCar
Congresso Nacional de Pesquisas em Tra-
dução e Interpretação de Libras e Língua Florianópolis – SC.
16 2014 LSI e Libras
Portuguesa. http://www.congressotils. UFSC
com.br
XIII Congresso Internacional e XIX Semi-
17 2014 nário Nacional do INES Instituto Nacional Rio de Janeiro – RJ LSI e Libras
de Educação de Surdos
Goiânia – GO. Teatro
I Encontro de Surdos e Surdas http://
18 2015 Madre Esperança LSI, ASL e Libras
www.1enssgo.com.br/site/
Garrido

189
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

Simpósio Caminhos da Inclusão: Saberes


Científicos e Tecnológicos. Sua Importân-
Rio de Janeiro – RJ.
19 2015 cia para o Desenvolvimento do Indivíduo LSI, ASL e Libras
– UFRJ
Surdo. http://www.bioqmed.ufrj.br/
caminhos_d a_inclusao.
20 2015 Congresso do INES Rio de Janeiro – RJ LSI e Libras
Fonte: Silveira (2017, p. 27).

Para complementar, abaixo (Quadro 3) há uma lista atualizada de eventos,


até 2019, a partir dos dados da tese de Pinheiro (2020). Para compor esta lista, bus-
camos na Plataforma Lattes (currículo dos participantes) e em sites a historiografia
de tradutores e de intérpretes surdos, também se considerou eventos em que as
autoras do capítulo participaram.

Quadro 3 – Lista complementar dos eventos


Nº Ano Evento Local Línguas envolvidas
Pré – II Congresso Latino-Americano de
21 1993 Bilinguismo (Língua de Sinais / Língua Rio de Janeiro – RJ ASL e Libras
Oral) para Surdos.
22 2004 Encontro latinamericano de Surdos Belo Horizonte - MG ASL, LSI e Libras
23 2014 Evento de Letras Libras Evento de Letras Libras Libras e LSA
24 2014 Folclore Surdo Florianópolis – SC. UFSC LSI e Libras
Conferência da América Latina e do
Caribe. “Avanço da convenção sobre os
25 2015 São Paulo - SP LSI e Libras
Direitos Humanos das Nações Unidas
através da agenda 2030.”
V Congresso Nacional em Pesquisa em
26 2016 Tradução e Interpretação em Língua de Florianópolis – SC. UFSC LSI e Libras
Sinais
27 – Eventos acadêmicos no exterior Alemanha Libras e DGS
III Congresso Internacional de Professo-
res de Línguas Oficiais do MERCOSUL e
28 2016 Florianópolis – SC. UFSC LSC, LSA, LSI e Libras.
III Encontro das Associações de Professo-
res de Línguas Oficiais do MERCOSUL
29 2016 LSC, LSA, LSI e Libras. Rio de Janeiro – RJ LSI e Libras
30 2016 Folclore Surdo Florianópolis – SC. UFSC LSI e Libras
Mini-conferência: Didática e Ensino da
Tradução e Interpretação da Língua de ASL e Libras
31 2016 Florianópolis – SC. UFSC
Sinais: Formação e Certificação de ILS Consecutiva
nos EUA.
32 2017 Artes Surdas Fortaleza – CE. UFC LSI e Libras

190
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

33 2017 Congresso do INES - COINES Rio de Janeiro – RJ LSI e Libras


Boa Vista – Roraima.
34 2017 Semana de Letras – Libras LSV e Libras
UFRR
35 2018 Evento do INES. Tema: WDFY Rio de Janeiro – RJ. INES LSI e Libras
VI Congresso Nacional de Pesquisas
em Tradução e Interpretação de Libras
e Língua Portuguesa e II Congresso LSI e Libras
36 2018 Florianópolis – SC. UFSC
Pesquisas em Linguística da língua de LSA e LSC
sinais. V Encuentro de Sordos e Intérpre-
te de Lengua de Señas.
37 2018 Congresso do INES Rio de Janeiro – RJ LSI e Libras
Mini-evento: Avaliação dos Projetos do
38 2019 Florianópolis – SC. UFSC LSI e Libras
Corpus da CNPQ
39 2019 Semana de Letras Libras Fortaleza – CE. UFC LSI e Libras
40 2019 Congresso da Wasli Paris – França LSI e Libras
41 2019 Congresso do INES – COINES Rio de Janeiro – RJ LSI e Libras
5th World Deaf Swimming Champion-
42 2019 São Paulo – SP LSI e Libras
ships
43 2019 LiteraSurda São Paulo – SP LSI e Libras
Fonte: Pinheiro (2020, p. 210), seguindo a proposta de Silveira (2017).

A partir de 2020, em decorrência da pandemia de Covid-19 e da necessi-


dade de permanecer em casa, novas tecnologias passaram a ser adotadas. Usa-
mos webconferências, eventos on-line, lives e vídeos gravados; além de encontros
presenciais quando foi possível. Desta forma, temos dados coletados dos eventos
on-line de 2020 até 2022, conforme se pode observar a seguir (Quadro 4):

Quadro 4 – Lista complementar dos eventos presenciais e on-line


Línguas envol-
Nº Ano Evento Local
vidas
Live da Febrapils: Tradutores e Intérpretes
Surdos – TIS e Guia-intérpretes – GIS. IntSL, Libras e
44 2020 Fortaleza – CE. UFC
Intitulado: Importância de intérpretes surdos português
nas Associações de intérpretes
Live da Febrapils: Tradutores e Intérpretes
Surdos – TIS e Guia-intérpretes – GIS. Intitu-
lado: Os dilemas da tradução e interpretação Libras, IntSL e ASL e
45 2020 Fortaleza – CE. UFC
da língua. português
https://www.youtube.com/watch?v=BVl-
0F0HQRiM&t=4078s

191
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

COINES2021
Rio de Janeiro – RJ.
46 2021 https://www.youtube.com/watch?v=nm- Libras e IntSL
INES
QA05adagI
Abralin online. Intitulado: Língua de sinais
internacional.
47 2021 Nacional Libras e IntSL
https://www.youtube.com/watch?v=wcXr-
G39zUfo&lc=Ugxz51Ic7Foh-XnstY54AaABAg
IntSL, Libras, gestos
48 2022 DEAFLYPICS Caxias do Sul – RS
e similares7
Florianópolis – SC. Libras, IntSL e
49 2022 7º Congresso TILS e 3º Congresso Linguística
UFSC português
Fonte: as autoras, seguindo a proposta de Silveira (2017).

Analisamos os quadros (2, 3 e 4) contendo as listas de eventos com a pre-


sença de tradutores e/ou intérpretes surdos de Libras (para outra língua de sinais
nacional ou IntSL, inglês, português, gestos) em diversas instituições do Brasil.
Observamos que as cidades do Brasil com mais ocorrências são: Florianópolis –
SC (maioria dos eventos com intérpretes surdos de duas línguas de sinais); Rio de
Janeiro – RJ; São Paulo – SP; São Carlos – SP; Fortaleza – CE; Porto Alegre – RS;
Canoa Capão – RS; Goiânia – GO; Brasília – DF; e Uberlândia – MG. E, fora do
Brasil, temos os seguintes países: França e Alemanha.
Para elaboração dos quadros, tivemos como base informações fornecidas
por surdos tradutores e intérpretes, que nos responderam sobre o evento 5th Deaf
academic, onde foram contratados, aproximadamente, seis intérpretes surdos de
Libras, ASL e IntSL. Esse evento foi marcante para a visibilidade do profissional
tradutor e intérprete surdo brasileiro em conferência internacional. Um deles,
atuou como coordenador da equipe, resolvendo questões de planejamento, orga-
nização de escala de trabalho, reuniões para orientação, dentre outros.
No último evento, Surdolimpiadas8, tivemos a participação de 15 intérpre-
tes surdos de IntSL para Libras, incluindo uma das autoras deste capítulo, Kátia
Lucy Pinheiro. Na ocasião, além da interpretação de IntSL para Libras, aconteceu
simultaneamente a interpretação para ASL, BSL, LSI, LSF, LGP, LSA inglês e espa-
nhol, incluindo também comunicação alternativas que utilizaram outros recursos
para além das línguas, por exemplo, uso da comunicação gestual. De acordo com
Pinheiro (2020),
cresceu o interesse pelas línguas de sinais e aumentou a presença do pro-
fissional tradutor e intérprete, tanto dos que atuam pelo conhecimento ad-
quirido de forma empírica como os já profissionais tradutores intérpretes
surdos de duas línguas de sinais. Eles eram voluntários e esse paradigma

7 Interpretamos “gestos e similares” como formas alternativas de comunicação que não envolveram
as línguas propriamente ditas.
8 Deaflympics

192
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

mudou, tornando-se profissionais remunerados, graças ao crescimento des-


ta demanda. Atualmente, já existe reconhecimento do profissiona intérprete
surdo de LSN [língua de sinais nacional] para outra LSN ou LSI [língua de
sinais internacional] no Brasil recentemente e no mundo. Temos que ressal-
tar que esse profissional atuava sem formação, mas, com o reconhecimento
de seu trabalho pela comunidade surda, pelo fato dos profissionais traduto-
res e intérpretes já atuarem de forma rotineira, traduzindo e interpretando
junto à comunidade surda. (p. 212).
Importante ressaltar que os surdos não fazem apenas interpretação, pois
há momentos em que as traduções de resumos para conferências acadêmicas são
solicitadas, sendo livros em português ou textos de várias outras línguas orais.
Conforme Pinheiro (2020):
[...] um dos intérpretes surdos comenta sobre o trabalho de tradução para
um evento acadêmico:

A - Também realizei muitos trabalhos de tradução, caso queira saber. Quan-


do trabalho nos congressos acadêmicos, muitas pessoas me procuram para
fazer traduções dos resumos de trabalhos que devem ser submetidos. As re-
gras exigem que os resumos devem ser entregues por escrito ou em Língua
de Sinais Internacional. Dessa forma, sou contratado para fazer esta tradu-
ção. É um trabalho realizado fora da organização do evento.Eu peço para
que o interessado me envie o resumo em Libras e eu realizo a tradução para
Língua de Sinais Internacional, assim os trabalhos são submetidos e muitos
conseguem ser aprovados. Recentemente recebi um pedido diferente. Uma
pessoa iria palestrar em um congresso internacional fora do país. Como ela
não dominava a Língua Sinais Internacional, pediu minha ajuda. Combinei
com ela para que enviasse um vídeo com a sua apresentação, dessa forma,
pude fazer a tradução para a Língua Sinais Internacional. Também passei
para ele algumas “dicas” com sinais-chave que poderiam ser úteis em sua
apresentação. (p. 216).
Por fim, temos o campo de atuação do profissional tradutor e intérprete
surdo. De acordo com Pinheiro (2020),
no Brasil, clientes brasileiros que não sabem utilizar a LSI [língua de sinais
internacional], procuram o tradutor surdo para tradução de sua apresenta-
ção em Libras ou língua falada escrita para língua de sinais internacional,
além disso, solicitam dicas de sinais-chaves da LSI para uma apresentação
internacional. Observamos que a resposta do sujeito A me levou a uma re-
flexão de que não existe somente atuação como intérprete surdo de confe-
rência, pois é possível que o mesmo também atue como tradutor, ou seja,
o surdo pode trabalhar, simultaneamente, como Intérprete e Tradutor ou
separadamente (somente como intérprete ou somente como tradutor), de-
pendendo da situação. (p. 217).
Vamos falar sobre uma outra situação, a presença em eventos ou outros
lugares/situações de atuação. Veja o gráfico a seguir:

193
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

Gráfico 1 – Atuação em eventos ou em outras situações

Fonte: Pinheiro (2020, p. 222).

Observamos, acima (Gráfico 1), que, no que se refere à atuação em eventos:


(a) a atuação somente em eventos representa 46% das respostas; e (b) a atuação
em vários lugares representam 54%. Analisando as porcentagens, é possível ver
que quase metade dos respondentes indicou a possibilidade de atuação restrita
a apenas os eventos, sendo que mais da metade indicou a atuação em contextos
variados, tais como: jurídico, midiático, esportivo, turístico, área da saúde, relati-
vos às associações de surdos, dentre outros. Isso indica que, apesar da atuação em
eventos compreender grande parte das atividades dos tradutores e intérpretes de
IntSL, há vários outros contextos de atuação. Vejamos o que eles respondem sobre
quais são os eventos e situações em que atuam:

Quadro 5 – Indicações dos locais de atuação dos respondentes9


D.: Eventos, simpósios, e encontros formais / informais.
F.: Eventos, Seminário, Congresso e etc...
G.: Na verdade, a maioria de vezes foi nos eventos, mas já interpretei em algumas
situações como delegacia, hospital, e outros.
H: Oficina, palestra e vários lugares, como associação.
J: Também vários lugares do Rio de Janeiro para guia-turismo.
M: Congressos, eventos e guia-intérprete de turismo.
N: Juízo, Área de Saúde, com surdos de necessários especiais linguísticos.
W.: mediação com outros estrangeiros, curta interpretação.
X.: Lazer, reunião, leitura de inglês para Libras, evento. Alguns americanos me pedi-
ram pra eu traduzir de português/Libras para ASL.
Y: Turismo, associação, negócio videoconferência e eventos.
Aa: Encontros, eventos e família.
Fonte: Pinheiro (2020, p. 222).

9 Respostas originais dos próprios surdos respondentes, mantendo-se a forma escrita dos surdos.

194
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

Vemos, neste recorte de dados apresentados acima, alguns dos locais onde
os intérpretes fazem a mediação da comunicação entre duas línguas de sinais ou
de uma língua de sinais e outra língua oral. A identificação destas práticas pode
subsidiar as políticas linguísticas e o planejamento de ações que valorizem e reco-
nheçam tais práticas garantindo a formação dos profissionais tradutores e intér-
pretes de línguas de sinais, que atuam com, por exemplo: IntSL, Libras e outras.
Não é qualquer pessoa surda que pode trabalhar com tradução e interpreta-
ção. É necessário que tenha competência tradutória e interpretativa. A pes-
soa surda que deseja ser um tradutor e/ou um intérprete precisa reconhecer
a importância de uma boa formação técnica ou graduação para melhorar
a qualidade do serviço profissional, bem como também ter uma certifica-
ção. Se não tiver uma formação, deverá procurá-la para reconhecimento do
seu trabalho como tradutor e intérprete de língua na comunidade surda ou
em equipe de tradutores e intérpretes de língua, e assim, possa conseguir
trabalhar. Por fim, o profissional tradutor e intérprete surdo nessas condi-
ções mencionadas terão possibilidade de trabalho, escolhendo a tradução
ou interpretação ou tradução-interpretação em duas línguas de sua escolha.
(Pinheiro, 2020, p. 335).
Diante dos dados sobre as práticas linguísticas envolvendo a IntSL em con-
textos brasileiros, evidencia-se a necessidade de políticas linguísticas que incluam
a IntSL como língua internacional no Brasil. Entre elas destacamos a formação de
tradutores e intérpretes de IntSL. Também podemos considerar a possibilidade
de viabilizar o ensino da IntSL como língua adicional nas escolas, garantindo às
crianças surdas a possibilidade de aprender uma língua adicional de sinais que
favorece sua inserção em espaços internacionais.

Conclusão

A IntSL é considerada uma língua usada por surdos de diferentes naciona-


lidades em espaços internacionais que passa de geração em geração (Rathmann;
Quadros, 2022). No Brasil, assim como vimos na discussão deste capítulo, a IntSL
vem sendo usada cada vez mais, especialmente em eventos acadêmicos e em even-
tos esportivos com a presença de surdos de diferentes países. Com isso, emergem
os profissionais, tradutores e intérpretes de IntSL-Libras. Esta profissão tem sido
ocupada, normalmente, por profissionais surdos. No entanto, estes profissionais
tornam-se tradutores e intérpretes de IntSL de forma empírica, pois não há for-
mação específica para este campo de atuação no país. Neste sentido, observa-se a
necessidade de estabelecimento de uma política linguística que preveja um plane-
jamento para alcançar a valorização da IntSL, bem como o seu reconhecimento
como língua franca usada internacionalmente por surdos em diferentes partes do
mundo, inclusive no Brasil.
O primeiro registro de intérprete surdo de IntSL foi em contexto de confe-
rência no ano 1993, mas de forma informal e voluntária. Em 2010, os tradutores e

195
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

intérpretes de IntSL passam a atuar profissionalmente em contexto de conferência


viabilizando o acesso às informações a todos os públicos em diferentes espaços
internacionais em nosso país. Esta virada de uma prática voluntária com base
empírica para uma prática profissional com formação específica impacta na ne-
cessidade de consolidação de políticas que garantam a formação de profissionais
tradutores e intérpretes do par linguístico IntSL-Libras.
Em síntese, teve-se como objetivo principal ampliar a proposição de fun-
damentos sobre o tradutor e o intérprete surdo (de línguas de sinais nacionais, no
caso do Brasil, a Libras e língua de sinais internacional, a IntSL). A partir disso,
discutiu-se sobre aspectos relacionados à formação acadêmica que ainda não está
consolidada no país. Assim, as proposições feitas têm como objetivo subsidiar po-
líticas linguísticas envolvendo a IntSL, no Brasil, objetivando conquistar a presen-
ça dos tradutores e intérpretes surdos em diferentes contextos de atuação. Ainda,
é possível considerar estender as propostas de políticas que poderão incluir outros
países da América Latina, ampliando a disseminação da IntSL entre surdos destes
países.

Referências
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198
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

10

O perfil de tradutores(as), intérpretes e guias-intérpretes


surdos(as) de línguas de sinais: olhares sobre a realidade
brasileira
Bianca Silveira
Carlos Henrique Rodrigues
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Núcleo de Pesquisas InterTrads

1 Introdução

De acordo com o apresentado por Rodrigues e Ferreira (2020), com a cres-


cente procura por surdos(as) para atuarem como tradutores(as), intérpretes ou
guias-intérpretes, pode-se notar que a presença da pessoa surda nesse campo de
atuação profissional se faz muito importante, uma vez que tais profissionais costu-
mam atuar de sua segunda língua para sua primeira (i.e., tradução/interpretação
direta), ou seja, do português para a Libras (i.e., tradução/interpretação interlin-
guística intermodal), no caso do Brasil (Silveira, 2017; Pinheiro 2020; Brunkmann
2020). Além disso, observa-se que existe, com mais frequência, a demanda por
tradução ou interpretação, realizada por surdos(as), entre duas línguas de sinais
(i.e., tradução/interpretação interlinguística intramodal gestual-visual), como
apontado por Pinheiro (2020), “o tradutor e intérprete surdo é um profissional
capaz de compreender e traduzir com competência tradutória e interpretativa o
significado das ideias expressas em línguas diferentes de forma intramodal e in-
terlingual, fazendo a relação entre os conceitos elaborados em diversas línguas”
(p. 112).
Ferreira (2019), em sua pesquisa sobre os intérpretes surdos(as) e os pro-
cessos interpretativos intramodais, destacou que: “[...] no Brasil, existem vários
surdos, desde muitos anos, que atuam como tradutores/intérpretes/guia-intérpre-
tes, e que não possuem a formação específica, salvo em alguns casos de surdos
que possuem pós-graduação em tradução e/ou interpretação [...]” (Ferreira, 2019,
p. 17). Diante disso, é relevante explicar que, no início da interpretação feita por

199
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

pessoas surdas, elas começaram a interpretar dentro das comunidades surdas,


auxiliando outros(as) surdos(as), por exemplo, com coisas simples e de maneira
informal, como no caso de um(a) surdo(a) que recém chegou à cidade e não co-
nhece os lugares e, como ele(a) se sente deslocado ao se comunicar, é comum que
outro(a) surdo(a) faça a “interpretação” para ele(a) (Boudreault, 2005; Adam et
al., 2014; Pinheiro, 2020). Aos poucos, os(as) surdos(as) foram interpretando em
outros ambientes visando ao acesso de outros(as) surdos(as) à Saúde, à Justiça, à
Educação etc., inclusive, assumindo funções de guia-interpretação para surdoce-
gos(as) (Ferreira, 2019; Brunkmann, 2020). Além disso, essa atividade dava-se de
forma voluntária e sem nenhuma formação prévia.
Considerando a trajetória histórica e social de constituição dos(as) traduto-
res(as), intérpretes e guias-intérpretes surdos(as), neste capítulo, apresentaremos
um recorte de uma pesquisa que se dedicou a descrever os aspectos que caracte-
rizam esses(as) profissionais surdos(as) brasileiros(as) em relação ao seu perfil,
incluindo a sua formação e a sua atuação, a partir da aplicação de um questio-
nário. Nesse sentido, por uma questão de limite de espaço, enfocaremos, aqui,
os elementos presentes na emergência e constituição da atuação de profissionais
surdos(as) da tradução, interpretação e guia-interpretação de/entre/para línguas
de sinais, apenas em relação à identificação de seu perfil básico, a saber: de suas
“Informações Pessoais” – nome, sexo, faixa etária, estado, cidade de residência –;
e de suas “Informações Profissionais” – tempo de atuação, direcionalidade mais
comum de atuação, preferência de direcionalidade, direcionalidade em que se tem
mais dificuldade, frequência de atuação em diferentes modalidades de interpreta-
ção/tradução, diferentes configurações do trabalho.
Os dados, que serão apresentados, decorrem da aplicação de um questio-
nário on-line na plataforma Google Forms, contendo 30 questões que foram res-
pondidas, de forma on-line. Entretanto, apenas abordaremos as questões iniciais,
relacionadas ao recorte definido para este capítulo, assim sendo, não serão abor-
dadas aquelas referentes às informações acadêmicas e às linguísticas, nem às rela-
cionadas, mas especificamente, à atuação no mercado de trabalho.
Esse questionário foi fundamental, visto que conhecer melhor a realidade
que envolve os(as) tradutores(as), os intérpretes e os guias-intérpretes surdos(as)
contribui significativamente com a afirmação dessa categoria profissional, além de
oferecer às comunidades surdas e ao campo dos Estudos da Tradução e da Inter-
pretação de Línguas de Sinais (ETILS) novos saberes e conhecimentos a respeito
desse âmbito profissional em ascensão.
Este capítulo está organizado da seguinte forma: esta (1) Introdução, com
uma apresentação da temática e do capítulo; (2) a primeira seção, Olhares para
pesquisas sobre a atuação de surdos(as) na tradução, interpretação e guia-interpre-
tação, contextualizando as reflexões, a partir de uma breve revisão de literatura
de pesquisadores(as) brasileiros(as) que, de algum modo, abordaram a atuação
de profissionais surdos(as) da tradução, interpretação e guia-interpretação; (3) a
seção seguinte, O questionário de coleta de dados e sua análise, em que há a expli-

200
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

cação acerca do questionário e do recorte dos dados feito para este artigo; (4) em
seguida, a seção, Quem são os(as) tradutores(as), intérpretes e guias-intérpretes sur-
dos(as) de línguas de sinais, no Brasil?, onde se apresenta o recorte realizado com
sua sistematização e análise; e, por fim, (5) as Considerações Finais, seguidas das
Referências, na qual estão listadas as obras consultadas.

2 Olhares para pesquisas sobre a atuação de surdos(as) na tradu-


ção, interpretação e guia-interpretação

A tradução e a interpretação de línguas de sinais é um campo que vem


passando por diversos avanços, principalmente, em relação ao aumento das pes-
quisas acadêmicas que estão sendo realizadas em instituições públicas de ensino
superior brasileiras em programas de pós-graduação (Santos, 2013, 2018). Com
isso, temos a emergência e consolidação do campo dos ETILS (Rodrigues; Beer,
2015). Segundo Santos (2018),
os Estudos da Tradução e da Interpretação de Línguas de Sinais (doravan-
te ETILS) têm-se constituído como uma área fértil e em franca expansão
e que pode ser analisada a partir de diferentes perspectivas. Uma dessas
perspectivas refere-se ao crescente número de pesquisas que circulam so-
bre tradução ou sobre interpretação de línguas de sinais nos programas de
pós-graduação em Estudos da Tradução em nosso país. Não é por acaso
a proliferação dessas pesquisas no meio acadêmico, pois diversos fatores
contribuíram para que o cenário atual fosse favorável à institucionalização
dos ETILS. (p. 377).
O campo dos ETILS compreende um conjunto de pesquisas nas áreas de
interpretação e de tradução de/entre/para línguas de sinais e se caracteriza por ser
um campo específico no âmbito dos Estudos da Tradução (ET) e dos Estudos da
Interpretação (EI) com foco na tradução e na interpretação intermodal e intra-
modal gestual-visual. Atualmente, o campo disciplinar dos ETILS vem crescen-
do, consideravelmente, no que se refere à quantidade de pesquisas científicas, as
quais circulam na forma de trabalhos de conclusão de curso (TCC), dissertações,
teses, artigos, anais, relatórios de pesquisa, capítulos de livros e livros em diversas
universidades brasileiras e de outros países (Santos, 2013; Rodrigues; Beer, 2015;
Santos, 2018; Rodrigues; Quadros, 2020).
Ao pesquisar as produções acadêmicas, com foco na tradução e na interpre-
tação de línguas de sinais na pós-graduação brasileira, Santos (2013) alerta para
o fato de que, ainda que os ETILS “tenha[m] avançado rapidamente nos últimos
anos, poucos são os registros que tornam evidentes os impactos, as tendências que
se destacam em publicações como artigos, livros, capítulos de livros, teses, disser-
tações e monografias sobre pesquisas de TILS” (p. 56). Mais de sete anos após a
publicação da pesquisa de Santos (2013), ainda vemos a necessidade de pesquisas
do tipo estado da arte, por exemplo, que possam sistematizar e melhor analisar as
produções acadêmicas no campo dos ETILS.

201
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

Se considerarmos especificamente os trabalhos relacionados à atuação de


tradutores(as) e intérpretes surdos(as) no Brasil, podemos afirmar, assim como
Santos (2013) faz em relação aos ETILS, que ainda são poucos os estudos que
abordam uma sistematização das publicações referentes à tradução e à interpreta-
ção feita por surdos. Nesse sentido, faremos mais adiante uma apresentação de tais
produções que abordam tanto (i) os processos de tradução, de interpretação e/ou
de guia-interpretação realizados por surdos(as) quanto aquelas que sistematizam
(ii) os tipos de atuação e/ou as produções acadêmicas sobre a tradução e/ou a in-
terpretação de autoria surda.
Além disso, é importante dizer que a pesquisa se insere nesse campo e conta
com o conhecimento que vem sendo produzido e acumulado nele para as refle-
xões que serão feitas sobre os dados coletados. Os ETILS, ao abordarem a atuação
e o perfil profissional de tradutores e de intérpretes de línguas de sinais, auxiliam
no crescimento da profissão, na busca por melhores condições de trabalho e na
compreensão do processo de interpretação e de tradução envolvendo línguas de
sinais. Além disso, eles possibilitam o aperfeiçoamento da formação em nível de
graduação e de especialização para os profissionais dos serviços de tradução e in-
terpretação intermodais e intramodais gestuais-visuais (Rodrigues; Beer, 2015).
Nos últimos anos, as pesquisas no âmbito dos ETILS vêm se diversifican-
do e ampliando significativamente, passando a incorporar inclusive a temática do
perfil e da atuação de tradutores(as), intérpretes e guias-intérpretes surdos(as) de
línguas de sinais (Ferreira, 2019; Rodrigues; Ferreira, 2020). Sendo assim, vem
surgindo, também, a necessidade de melhor estudar e conhecer as características
e as particularidades desses profissionais que vem ganhando espaço e visibilidade
em tal área (Pinheiro, 2020).

2.1 Pesquisas brasileiras sobre tradutores(as)/intérpretes/guias-intérpre-


tes surdos(as)

Quadros e Souza (2008), no capítulo intitulado Aspectos da tradução/en-


cenação na Língua de Sinais brasileira para um ambiente virtual de ensino: prática
tradutórias do curso de Letras Libras, que faz parte do terceiro volume da coleção
Estudos Surdos, apresentam uma análise de processos tradutórios do português
para a Libras em vídeo experienciados por tradutores-atores/tradutoras-atrizes
atuantes no curso de Letras Libras EaD da UFSC. Para a análise, utilizaram as
categorias temáticas “efeitos de modalidade” e “fidelidade”. Com base nas reflexões
realizadas, propõem técnicas de tradução/encenação aplicáveis às traduções reali-
zadas no âmbito do curso de Letras Libras.
Avelar (2010), em sua dissertação de mestrado, A Questão da padronização
linguística de sinais nos atores-tradutores surdos do Curso de Letras-Libras da UFSC,
aborda questões de padronização linguística nas traduções para a Libras que fazem
parte do curso Letras Libras da UFSC, discutindo, inclusive, como os(as) traduto-
res-atores/tradutoras-atrizes surdos(as) lidavam com as diversas possibilidades de

202
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

tradução de um termo em Libras. Como dados, a pesquisadora contou com en-


trevistas com os(as) tradutores-atores/tradutoras-atrizes surdos(as), assim como
com conversas informais com alunos do curso sobre o resultado das alterações
propostas para o processo de tradução e padronização Linguística. Considerando
as reflexões e análises realizadas, foi elaborado um glossário técnico visando à
padronização linguística nas traduções realizadas no curso. Nesse sentido, se pro-
blematizou o papel que tradutores-atores/tradutoras-atrizes surdos(as) e ouvintes
vêm desempenhando no desenvolvimento da Libras, no que se refere a novos si-
nais e a constituição de certa Libras “culta/padrão”.
Souza (2010) em sua dissertação de mestrado, Performances de tradução
para a língua brasileira de sinais observadas no curso de Letras-Libras, aborda as
performances de tradutores(as) surdos(as) no curso Letras Libras EaD da UFSC, a
partir das traduções feitas em vídeo para o Ambiente Virtual de Ensino e Aprendi-
zagem (AVEA), onde colocam as vídeos-atividades para os(as) alunos(as) do cur-
so. O autor faz reflexões sobre conceitos de tradução e de interpretação de línguas
de sinais, e ainda elabora um mapeamento teórico sobre os ET. Assim, os dados
referem-se a um estudo de caso em uma disciplina do curso, para analisar como se
dão as performances de uma tradutora-atriz durante o procedimento de tradução,
a pesquisa conclui que os(as) tradutores-atores/tradutoras-atrizes surdos(as) pre-
cisam de reconhecimento como profissionais e como acadêmicos(as) e, também,
como parte das equipes de tradutores(as) de línguas de sinais.
Segala (2010), em sua dissertação de mestrado, Tradução Intermodal e Inter-
semiótica/Interlingual: Português brasileiro escrito para Língua Brasileira de Sinais,
aborda o processo de tradução intermodal e intersemiótica/interlingual feito pelos
acadêmicos do curso Letras Libras EaD da UFSC. Ele discute o uso do português
acadêmico e explica que para essa tradução os(as) tradutores-atores/tradutoras-a-
trizes usam a ferramenta de tradução visual. Assim, com o objetivo de analisar o
perfil do(a) tradutor(a), também analisando as técnicas de processo da tradução
de textos escritos para tradução em vídeo em uma língua de sinais, relata as difi-
culdades enfrentadas pelos profissionais. A metodologia empregada na pesquisa
é o uso de corpus e como ferramenta de análise de dados é a multimídia usada
no curso. Assim, conclui que os profissionais tradutores-atores/tradutoras-atrizes
surdos(as) para atuar devem ter todo conhecimento, entendimento e fluência no
português e na Libras.
Strobel (2011), no capítulo, Surdos como intérpretes/tradutores: um sonho
possível, que faz parte do livro Cultura Surda na contemporaneidade negociações,
intercorrências e provocações, organizado por Lodenir Karnop, Madalena Klein e
Márcia Lise Lunardi-Lazzarin, conta como é a atuação dos(as) surdos(as) como
intérpretes e tradutores(as) e ainda resgata a história, criticando o fato de que em
muitos lugares as pessoas pensam que a atuação de interpretação e tradução era
somente de ouvintes. As reflexões feitas pela autora sobre como é possível os(as)
surdos(as) atuarem como intérpretes e tradutores(as) e como seria essa tal atuação
são bem esclarecedoras. Assim defende que é possível a atuação de surdos(as) na

203
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

interpretação e tradução, que é uma profissão em construção, “pelo jeito surdo de


ser” (p. 248).
Rocha (2013), no artigo, O Surdo como Intérprete: o Intérprete Surdo nesse
Novo Cenário da Tradução e Interpretação da Língua Brasileira de Sinais, publi-
cado nos Anais do XII Congresso Internacional e XVIII Seminário Nacional do
INES (Instituto Nacional em Educação de Surdos), fala da atuação de surdos(as)
que interpretam para surdocegos(as), o autor também trabalha com conceitos e
atribuições desse profissional. E ainda reflete sobre como é a educação/formação
desses(as) intérpretes surdos(as) que trabalham com os(as) surdocegos(as) em ou-
tros países e sua remuneração.
Reis (2013), em seu artigo, denominado O Surdo como intérprete, publicado
nos Anais do XII Congresso Internacional e XVIII Seminário Nacional do INES
(Instituto Nacional de Educação de Surdos), discute questões relacionadas aos(às)
intérpretes surdos(as) que atuam com SI (i.e., Sinais Internacionais) de modo vo-
luntário com textos escritos, ainda ressalta que, nos dias de hoje, o trabalho des-
ses(as) profissionais já é mais reconhecido, mas ainda há quem não reconheça tal
trabalho. A autora recorre a autoras que falam sobre o tema de interpretação de
Sinais Internacionais, como Campello (2010), Strobel (2011) e Reis (2013) para
falar sobre a relação dos Estudos Surdos com o(a) Intérprete Surdo(a).
Campello e Castro (2013), em seu artigo, Introdução da glosinais como
ferramenta de tradução/interpretação das pessoas surdas brasileiras, publicado na
Revista Escrita da PUC-Rio, abordam o processo histórico da construção da pro-
fissão do(a) tradutor(a) e intérprete surdo(a). A metodologia empregada é a de
experiências profissionais vividas como intérpretes surdos(as), gravação da glosi-
nais. Com a análise, concluem que as pessoas surdas têm uma vasta gama de co-
nhecimento em interpretação, em que são independentes para o uso das Glosinais,
e que podem contribuir com suas experiências visuais.
Morais e Santos (2014), no texto, O desempenho do candidato surdo na
prova do Prolibras/proficiência em tradução e interpretação de língua brasileira de
sinais, publicado nos Anais do III Congresso Brasileiro de Pesquisa em Tradu-
ção e Interpretação de Libras e Língua Portuguesa, fizeram um levantamento de
candidatos(as) surdos(as) inscritos(as) de 2006 a 2013 nos relatórios do exame do
ProLibras. O artigo tem como objetivo analisar e refletir como seria a evolução
dos(as) candidatos(as) surdos(as) nos exames de proficiência em tradução e in-
terpretação em Libras do exame ProLibras. E, assim, conclui-se que os cursos se
baseiam na interpretação em vídeo e que refletem por meio do Prolibras em que
o(a) surdo(a) possa realizar as interpretações com base no Decreto 5.626/2005.
Campello (2014), em seu artigo, Intérprete surdo de língua de sinais brasi-
leira: o novo campo de tradução/interpretação cultural e seu desafio, trata de como
os(as) surdos(as) fazem tradução e interpretação de línguas de sinais estrangei-
ras para a Libras, no curso Letras Libras EaD. Seu foco foi identificar diferentes
atuações desses(as) profissionais surdos(as) e analisar as performances linguísticas
e culturais desses(as) surdos(as) que atuam como intérpretes. A autora conclui

204
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

falando da importância da formação de todos(as) os(as) profissionais intérpretes


e tradutores(as) de línguas de sinais, e que as performances dos(as) tradutores(as),
que participaram da pesquisa, na Libras foram claras as informações inseridas por
eles(as) e que na ASL as informações usadas foram preservadas.
Siqueira (2015), em seu Trabalho de Conclusão de Curso de graduação,
intitulado O Papel do Intérprete surdo, tem como objetivo trazer o real papel do(a)
intérprete surdo(a), discute como o(a) profissional se insere na carreira como
profissional de interpretação de línguas de sinais. E com uma análise de uma en-
trevista feita com dois grupos, que participaram de congressos internacionais e
nacionais, conclui que precisa de uma revisão no código de ética e da necessidade
de formação dos(as) intérpretes surdos(as).
Siqueira (2016), em uma monografia de pós-graduação, com o tema De
professor surdo à intérprete de Línguas de Sinais: dois perfis em um profissional sur-
do, traz uma problematização/reflexão de como o(a) professor(a) surdo(a) está se
inserindo no ramo da interpretação de língua de sinais. O autor faz uma conside-
ração que contribui aos grupos de intérpretes que são graduados(as) e aqueles(as)
que trabalham por experiência própria, além disso, reflete o quão é necessário
fazer complementação ao código de ética.
Silveira (2017), no artigo Intérprete Surdo: conquistando espaço no campo
de conferência no Brasil, fala sobre o(a) profissional surdo(a) ganhando espaço
dentro das conferências que aconteceram, no Brasil, nos últimos anos. Seu foco
foi registrar os eventos em que os profissionais surdos atuaram entre os anos de
1999 e 2015. Após isso, conclui que a demanda da interpretação de intérpretes
surdos(as) vem crescendo com o passar dos anos, principalmente dos que atuam
em conferências em três regiões do Brasil (Sul, Sudeste e Centro-Oeste) e que mui-
tos(as) professores(as) surdos(as) atuam como intérpretes e tem outra formação
acadêmica.
Nascimento, Martins e Segala (2017), no artigo intitulado Tradução, criação
e poesia: descortinando desafios do processo tradutório da Língua Portuguesa (LP)
para a Língua Brasileira de Sinais (Libras), apresentam uma pesquisa com foco
em tradução de poesias do Português para a Libras. Assim, com base no processo
tradutório do poema “Deficiência”, de Alexandre Filordi de Carvalho, vão refletir
sobre a prática criativa da tradução desse poema. Portanto, fazem uma análise da
produção da poesia, dos materiais utilizados no processo e das modalidades en-
volvidas, destacando os desafios do ponto de vista linguístico e das modalidades
de línguas empregadas. O artigo, após a problematização da tradução de poesia,
conclui que se buscam outras estratégias e formas de escolhas dos sinais para tra-
duzir a poesia para atingir o objetivo da clareza do enunciado na tradução.
Ferreira (2019), em sua pesquisa de mestrado, intitulada Os Intérpretes Sur-
dos e o Processo Interpretativo Interlíngue Intramodal Gestual-visual da ASL para
Libras, faz uma breve discussão sobre a formação e a certificação dos profissionais
tradutores(as), intérpretes e guias-intérpretes surdos(as), no Brasil, e afirma que
no país não há essas formações acadêmicas destinadas às pessoas surdas. Ainda

205
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

apresenta um levantamento do total de surdos(as) inscritos(as) e aprovados(as)


nas edições do exame nacional do ProLibras, na modalidade de tradução e inter-
pretação. A pesquisa organiza-se em duas partes: a primeira com o foco nos(as)
tradutores(as) e intérpretes surdos(as) (história, pesquisa, publicações e formação
acadêmica) e a segunda parte nos processos tradutórios e interpretativos (moda-
lidades, tarefas interpretativas e atuação). Conclui-se que é importante discutir o
processo interpretativo intramodal e as competências necessárias para a atuação,
assim como efetivar a criação de formação específica em interpretação intramodal.
Pinheiro (2020), em sua tese de doutorado, denominada Políticas linguís-
ticas e suas implementações nas instituições do Brasil: o tradutor e intérprete surdo
intramodal e interlingual de Línguas de Sinais de Conferência, reflete sobre os(as)
surdos(as) que atuam como tradutores(as) e intérpretes em relação às políticas
linguísticas. Nesse sentido, discute como a política linguística está relacionada
à interpretação em contextos de conferências desenvolvida por surdos(as), con-
cluindo que a implementação das políticas linguísticas passa pela presença do(a)
surdo(a) como profissional intérprete. Segundo ela, isso justificaria a importância
de se propor e organizar programas de formação acadêmica para os(as) intérpretes
surdos(as).
Avelar (2020), em sua tese de doutorado, Análise da tradução intermodal
de texto acadêmico do português escrito para a libras em vídeo, discute sobre a
tradução e interpretação de línguas de sinais do português escrito para a Libras
em vídeo, incluindo a atuação de tradutores-atores/tradutoras-atrizes surdos(as).
A metodologia conta com gravação do processo tradutório e coleta de protocolos
verbais e a análise enfoca como o(a) tradutor(a) resolveu os problemas de tradu-
ção e as estratégias usadas para isso. E conclui que os(as) intérpretes adquirem
habilidades corporais, de resolução de problemas, planejamento na preparação de
tradução e estratégias durante a performance da tradução,
Rodrigues e Ferreira (2020), no artigo intitulado Tradutores, intérpretes e
guias-intérpretes surdos: prática profissional e competência, fazem uma discussão
sobre autoria surda, enfocando os diferentes âmbitos de atuação do(a) profissional
tradutor(a), intérprete e guia-intérprete surdo(a) de línguas de sinais e as com-
petências (conhecimentos, habilidades e atitudes) requeridas para a atuação in-
termodal e intramodal gestual-visual. A consideração final foi que a proposta da
autoria surda nesses tipos de atuação demanda uma habilidade específica.
Brunkmann (2020), em seu Trabalho de Conclusão de Curso, Tradução e
interpretação de autoria surda: mapeamento no contexto brasileiro, objetivou ma-
pear a atuação dos(as) profissionais tradutores(as), intérpretes e guia-intérpretes
surdos(as), que estão no mercado de trabalho, atuando tanto de modo intermo-
dal quanto intramodal gestual-visual. A autora buscou conhecer como os(as)
surdos(as) se inserem no mercado da tradução e da interpretação de/entre/para
línguas de sinais como tradutores(as), intérpretes e guia-intérpretes e, para tanto,
fez um levantamento e categorização das atividades tradutórias e interpretativas
desenvolvidas por esses(as) profissionais, no contexto brasileiro. Ela conclui que

206
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

esses(as) profissionais surdos(as) estão atuando em diversos âmbitos, no Brasil,


tanto em contextos de interpretação comunitária e de conferências quanto da tra-
dução de variados gêneros textuais.
Essas pesquisas brasileiras, embora recentes, evidenciam a atualidade e im-
portância da pesquisa sobre a atuação de tradutores(as), de intérpretes e de guias-
-intérpretes surdos(as). Entre 2008 e 2020, vemos pesquisas sendo realizadas na
graduação e na pós-graduação, tanto por pessoas surdas quanto não surdas, com
o interesse de melhor entender e conhecer os(as) profissionais surdos(as) e o seu
trabalho na tradução e na interpretação de/entre/para línguas de sinais. Assim
sendo, a reflexão apresentada, neste capítulo, visa acrescentar ao conhecimento
que vem sendo construído por tais pesquisas, contribuindo com os estudos sobre
os(as) profissionais surdos(as) da tradução e da interpretação.

3 O questionário de coleta de dados

Como a proposta da pesquisa era realizar uma investigação acerca dos(as)


tradutores, dos(as) intérpretes e dos(as) guias-intérpretes surdos(as) de línguas de
sinais com vistas à obtenção e sistematização de informações sobre seu perfil, sua
atuação e as demais particularidades dessa atuação profissional em serviços de in-
terpretação, de tradução e/ ou de guia-interpretação, realizou-se uma abordagem
de cunho qualitativo e quantitativo, com base nos dados decorrentes da aplicação
de questionário.
O questionário, intitulado “Tradutores, intérpretes e guias-intérpretes sur-
dos de línguas de sinais”, foi elaborado como instrumento para coleta de dados,
utilizando-se os recursos do Google Forms (Google Formulários), com o objetivo
de ser aplicado remotamente. O questionário on-line tem uma boa circulação na
internet, visto que ele gera um link (https://forms.gle/hccAVgZw7nSV1mPT7) que
pode ser compartilhado nas redes sociais, no grupo de Trad&Interp Surdos Brasil
no WhatsApp, por e-mail, ou similares. Nesse sentido, o questionário pode alcan-
çar um número significativo de participantes em todo o território nacional.
O questionário inicia-se com a apresentação da pesquisa e o convite aos(às)
respondentes – tradutores(as), intérpretes e guias-intérpretes surdos(as) –, expli-
cando os objetivos da pesquisa, suas contribuições e seus benefícios. Além dis-
so, informa ao(à) respondente como os dados coletados serão utilizados; que a
pesquisa não oferecerá nenhum tipo de benefício financeiro (pagamento ou bens
materiais); que ele(a) não terá nenhuma despesa ou custo ao participar e que é
assegurada sua privacidade, já que o anonimato será preservado. E, também, dis-
ponibilizam-se os contatos da pesquisadora e do pesquisador, o do Programa de
Pós-Graduação (PGET) e o do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos
(CESPH), caso o(a) respondente tenha alguma dúvida sobre o formulário ou ne-
cessite de algum esclarecimento sobre a pesquisa.
Antes de iniciar o questionário, o(a) respondente tem acesso ao termo de
consentimento (TCLE) em que ele(a) declara estar ciente de que não receberá ne-

207
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

nhuma renumeração e de que não terá qualquer ônus financeiro em função do


seu consentimento espontâneo em participar. Nessa parte, existem duas opções
de resposta: (i) estou ciente e aceito participar; e (ii) me recuso a participar da
pesquisa. Caso o(a) respondente se recuse a participar, o questionário é finalizado
e agradecemos. Entretanto, se concorda em participar, ele(a) é encaminhado(a)
para a primeira seção do questionário.
A seção inicial do questionário, intitulada “Identificação”, tem o objetivo
de conhecer a qual categoria o(a) respondente surdo(a) faria parte. As seguintes
opções foram disponibilizadas: (i) tradutor(a); (ii) intérprete; (iii) guia-intérpre-
te; (iv) tradutor(a) e intérprete; (v) tradutor(a) e guia-intérprete; (vi) intérprete e
guia-intérprete; e (vii) tradutor(a), intérprete e guia-intérprete. Após responder a
essa questão inicial, prossegue-se para a seção seguinte. Assim, o(a) respondente
passará por cinco seções: (I) Informações Pessoais; (II) Informações Profissionais;
(III) Informações Acadêmicas; (IV) Informações Linguísticas; e (V) Informações
sobre a atuação no mercado de trabalho. Neste capítulo, apresentaremos uma sín-
tese dos dados decorrentes das seções I e II.
A primeira seção, intitulada “1. Informações Pessoais”, visa coletar dados
referentes às informações gerais do respondente, tais como: (i) nome completo;
(ii) sexo; (iii) faixa etária; (iv) estado; e (v) cidade de residência. A segunda seção,
denominada “2. Informações Profissionais”, visa recolher as informações profis-
sionais dos participantes do questionário, como: (i) tempo de atuação; (ii) direcio-
nalidade mais comum de atuação; (iii) preferência de direcionalidade; (iv) direcio-
nalidade em que se tem mais dificuldade; (v) frequência de atuação em diferentes
modalidades de interpretação/tradução; (vi) diferentes configurações do trabalho;
e (vii) porcentagem da atividade de tradução/interpretação na renda mensal.
Para finalizar o questionário, há um espaço com a possibilidade de o(a)
respondente deixar comentários ou sugestões que considere relevantes aos pes-
quisadores. Esse é o único espaço de resposta do questionário que é de respostas
aberta. Ao enviar o questionário, o(a) respondente recebe um agradecimento por
sua participação.

4 Quem são os(as) tradutores(as), intérpretes e guias-intérpretes


surdos(as) de línguas de sinais, no Brasil?

O questionário foi disponibilizado on-line por meio das redes sociais, in-
clusive enviado no grupo de Trad&Interp Surdos Brasil no WhatsApp e em outros
grupos de pesquisadores(as) e de professores(as) da área de línguas de sinais, bem
como enviado por e-mail. Solicitamos também aos(às) colegas que pudessem en-
caminhar o link do questionário aos(às) tradutores(as), intérpretes e guias-intér-
pretes surdos(as) que conhecessem. Ele foi aplicado do dia 02 de agosto de até o
dia 04 de setembro de 2021.
Ao todo, o questionário contou com trinta e quatro respostas. Entretanto,
dessas respostas, seis não fazem parte da análise: três correspondem a pessoas que

208
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

se recusaram a responder ao questionário, optando, logo na primeira questão, a


não aceitar o TCLE, selecionado o seguinte: “Me recuso a participar da pesquisa”;
e, outras três que deixaram opções sem resposta, impossibilitando-nos de analisar
tais questões, já que não foram respondidas. A partir dessa análise preliminar, o
questionário de coleta de dados contou com vinte e oito respondentes, os(as) quais
geraram os dados analisados.

4.1 Alguns dados pessoais e profissionais: o perfil dos(as) respondentes

Primeiramente, é interessante notar que o questionário contou com qua-


torze (14)1 respondentes do sexo feminino e quatorze (14) do sexo masculino,
ninguém marcou as opções intersexo ou prefiro não informar. A maioria tem en-
tre 28 e 42 anos de idade – 28 a 32 anos (6); 33 a 37 anos (9); e 38 a 42 anos (9) –,
sendo que apenas um dos respondentes tem 27 anos ou menos – 23 a 27 anos (1) e
28 a 32 anos (0) –; e, por fim, nenhum respondente tem mais de 47 anos – 48 a 52
anos (0) e acima de 52 anos (0). Outro ponto refere-se ao modo como os respon-
dentes se reconhecem e se apresentam ao mercado de trabalho, o que chamamos
de “identificação”. Oferecemos as seguintes opções: (i) tradutor(a); (ii) intérprete;
(iii) guia-intérprete; (iv) tradutor(a) e intérprete; (v) tradutor e guia-intérprete;
(vi) intérprete e guia-intérprete; e (vii) tradutor(a), intérprete e guia-intérprete.
As opções “apenas intérprete” (0) e “intérprete e guia-intérprete” (0) não
foram assinaladas, o que já nos indica – junto ao fato de apenas um respondente
ter selecionado a opção “tradutor(a) e guia-intérprete” (1) e três a opção “tradu-
tor(a), intérprete e guia-intérprete” (3) – que uma parcela menor dos profissionais
respondentes se reconhece ou atua como “guia-intérprete” de línguas de sinais.
Por outro lado, a maior parte deles(a) se reconhece ou atua como “tradutor(a) e in-
térprete” (19). A esses podemos incluir aqueles que se reconhecem como “apenas
tradutor(a)” (4) ou “apenas intérprete” (1). Assim, inferimos que a maioria dos(as)
profissionais surdos(as) prestam serviços de tradução e/ou de interpretação (24)
envolvendo línguas de sinais, sendo que, dentre os(as) vinte e oito (28) responden-
tes, apenas quatro deles(as) (4) se reconhecem ou atuam como guias-intérpretes
de línguas de sinais.
Outro ponto importante é onde estão os(as) tradutores(as) e intérpretes
surdos(as) de línguas de sinais, no Brasil. É interessante notar que todas as regiões
do Brasil estão representadas. Entretanto, de modo bem desigual. Consideran-
do-se as vinte e sete unidades da federação, vemos que dezesseis delas não estão
contempladas, o que corresponde a 60%. Temos, respectivamente, as seguintes
regiões, estados e cidades representadas – indo da com mais respondentes àquelas
com menos –: (i) Nordeste → Ceará: Fortaleza (7), → Pernambuco: Recife (1) e

1 Nessa parte, utilizaremos entre parênteses a indicação do número de respondentes em cada item
ou categoria. Portanto, ainda que os gráficos, a seguir, apresentem os dados em porcentagem,
consideramos que a indicação direta da quantidade de respondentes, durante o texto, facilita a
compreensão do leitor e sua visualização dos resultados.

209
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

Paulista (1), → Rio Grande do Norte: Natal (1); (ii) Sul → Paraná: Curitiba (1), →
Santa Catarina: Florianópolis (5) e São José (1), → Rio Grande do Sul: Pelotas (2);
(iii) Sudeste → Rio de Janeiro: Rio de Janeiro (4), → São Paulo: São Carlos (2); (iv)
Centro-oeste → Distrito Federal: Brasília (1), → Goiás: Goiânia (1); e (v) Norte →
Pará: Belém (1).
Esses dados nos permitem algumas inferências. Primeiro, as regiões que
contaram com menos respondentes são as centro-oeste (2 respondentes) e a nor-
te (1 respondente), sendo que a com mais participantes é a região nordeste (10
respondentes), seguida da região sul (9 respondentes). A maioria das cidades são
capitais (9 das 13 representadas), com exceção de Paulista (PE), São José (SC),
Pelotas (RS) e São Carlos (SP). Entretanto, Paulista (PE) está a, aproximadamente,
19 km da capital, sendo parte da Grande Recife, e São José (SC) faz divisa com a
capital, sendo parte da grande Florianópolis. Tanto Pelotas (RS) quanto São Carlos
(SP) estão mais distantes da capital, respectivamente, a cerca de 260 km e 230 km.
Entretanto, ambas as cidades abrigam importantes universidades federais: Univer-
sidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Universidade Federal de Pelotas (UFPel),
as quais desenvolvem pesquisas e/ou formação de profissionais que atuam com
línguas de sinais.
Prosseguindo com a representação dos dados, temos o tempo de atuação
dos(as) profissionais. A maior parcela deles(as), quatorze (14), possui entre 4 e 9
anos de atuação como tradutor(a) e/ou intérprete de línguas de sinais – entre 4 e
6 anos (8) e entre 7 e 9 anos (6) –, em seguida, temos aqueles(as) que atuam entre
10 e 15 anos – entre 10 e 12 anos (3) e entre 13 e 15 anos (4) –; os(as) demais ocu-
pam os extremos: menos de quatro anos – menos de 1 ano (2) e entre 1 e 3 anos
(3) – e mais de 18 anos (2), sendo que nenhum(a) profissional indicou atuar entre
16 e 18 anos (0). É interessante perceber que, desconsiderando os(as) profissionais
que têm entre 4 e 9 anos de atuação e a opção que não foi selecionada, as demais
categorias tem uma distribuição não muito diferente, indicando, em parte, a diver-
sidade dos(as) respondentes no que se refere ao seu tempo de atuação.
Outro dado importante do perfil dos(as) respondentes diz respeito a di-
recionalidade em que atuam com mais frequência. Os dados de direcionalidade
demonstram que a maioria atua com mais frequência em direção a uma língua
de modalidade gestual-visual (20) – do português para Libras (17), da Libras para
uma língua de sinais estrangeira ou para SI (2) e de uma língua de sinais estran-
geira ou de SI para a Libras (1) –, sendo que apenas dois/duas (2) profissionais
indicaram atuar com mais frequência para o português, uma língua vocal-audi-
tiva. Além desses, cinco (5) indicaram atuar de forma equilibrada em todas as
direcionalidades mencionadas na questão, sem que uma seja mais frequente que
outra, e duas opções não foram selecionadas, a saber: “do português para outra
língua de sinais estrangeira ou para Sinais Internacionais” e “de outra língua de
sinais estrangeira ou de Sinais Internacionais para o português”.
De modo geral, é possível inferir que a atuação mais recorrente entre os(as)
tradutores(as) e intérpretes surdos(as) é a intermodal em direcionalidade direta

210
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

(da língua B para a língua A): de português para a Libras (60,7%). É interessante
notar que, ao contrário do que alguns pensam, a maior parte dos(as) respondentes
não indicou sua atuação mais frequente como sendo a intramodal gestual-visual.
Esse fato é justificável tendo em vista que, no Brasil, as línguas em contato de
maior circulação são, no caso de nossos(as) respondentes, o português e a Libras;
e não às línguas de sinais estrangeiras e os SI que parecem ser de uso mais esporá-
dicos, no contexto brasileiro.
Em relação à preferência de direcionalidade, para atuação, e à direcionali-
dade em que se tem mais dificuldade, as opções “do português para outra língua
de sinais estrangeira ou para Sinais Internacionais” (0) e “de outra língua de sinais
estrangeira ou de Sinais Internacionais para o português” (0) não foram seleciona-
das por nenhum(a) dos(as) respondentes. As opções mais indicadas são “não te-
nho preferência” (12) e “do português para a Libras” (10), seguidas por “da Libras
para o português” (4), “da Libras para outra língua de sinais estrangeira ou para
Sinais Internacionais” (1) e “de uma língua de sinais estrangeira ou de Sinais Inter-
nacionais para a Libras” (1). De modo geral, desconsiderando os(as) respondentes
que não tem preferência de direcionalidade (12), temos que a direcionalidade que
tem como língua-alvo a Libras, ou seja, a direcionalidade direta, é a que mais teve
indicações (11), sendo que a direcionalidade inversa (da língua A para língua B)
seria preferida por cinco respondentes.
É possível perceber que a direcionalidade apresentada como aquela em que
se tem mais dificuldade é a inversa: “da Libras para o português” (10), sendo que
uma significativa parcela dos respondentes indicou que “não tem mais dificuldade
em nenhuma direcionalidade” (9). Em sequência, temos “da Libras para outra
língua de sinais estrangeira ou para Sinais Internacionais” (5), “do português para
outra língua de sinais estrangeira ou para Sinais Internacionais” (2) e, por último,
“do português para a Libras” (1) e “de uma língua de sinais estrangeira ou de Sinais
Internacionais para a Libras” (1).
Sabemos que diversos fatores podem ter influenciado na resposta, pois al-
guns(mas) respondentes podem ter selecionado a opção considerando seu me-
nor conhecimento/ou dificuldade em relação à língua-fonte ou mesmo o fato de
não dominar tão bem a língua-alvo. Mas, independentemente disso, infere-se que
a maioria dos(as) respondentes têm mais dificuldade em atuar em direção a(s)
sua(s) língua(s) B, ou seja, na direcionalidade inversa (17), sendo que apenas dois
(2) disseram ter mais dificuldade na direcionalidade direta, ou seja, em direção à
Libras.

Tabela 1 – Comparação: Frequência, diferença e dificuldade


DIRECIONALIDADE MAIS FREQUENTE** PREFERÊNCIA* DIFICULDADE*
Atuo de forma equilibrada**/Não tenho* 5 12 9
Do Português para a Libras 17 10 1
Da Libras para o Português 3 4 10

211
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

Do Português para outra língua de sinais estrangeira ou


0 0 2
para Sinais Internacionais
De outra língua de sinais estrangeira ou de Sinais
0 0 0
Internacionais para o Português
Da Libras para outra língua de sinais estrangeira ou para
2 1 5
Sinais Internacionais
De uma língua de sinais estrangeira ou de Sinais
1 1 1
Internacionais para a Libras
Fonte: Silveira (2020, p. 72)

Nessa parte, vamos refletir, brevemente, sobre a relação entre o quantitativo


de respondentes, em cada uma das opções de direcionalidade, no que se refere à
atuação mais frequente, à preferência e à dificuldade (Tabela 1, onde destacamos
as opões assinaladas pela maior quantidade de respondentes). Observamos que a
atuação que parecer ser a mais recorrente é a direta: aquela que se dá do português
para a Libras (17). Essa direcionalidade, também é a preferida por boa parcela
dos(as) respondentes (10) e é aquela em que eles(as) têm menos dificuldade (1) –
há também um(a) (1) respondente que marcou ter dificuldade de atuar em direção
à Libras, mas nesse caso tendo como língua-fonte uma língua de sinais estrangeira
ou os SI. Esses dados de preferência pela direcionalidade direta e de menor difi-
culdade nela, podem ser devido a diversos fatores, tais como: (i) a atuação ser em
direção à Libras (língua A); (ii) se praticar mais essa direção de interpretação; (iii)
se atuar com o português escrito e, por sua vez, com um processo de tradução para
a Libras em vídeo e não de interpretação simultânea (já que sabemos que a maioria
dos surdos não atua com o português oral em processos tradutórios e interpreta-
tivos já que exigem alta performance na recepção auditiva e na produção vocal).
Essa mesma reflexão serve para o fato de apenas três (3) profissionais (Ta-
bela 1) indicarem que a direção mais recorrente para eles(as) é a inversa: da Li-
bras para o português, a qual foi indicada como sendo a preferida para quatro (4)
respondentes e a de maior dificuldade para dez deles(as) (10). Essa relação indica
certa coerência entre as respostas dadas. Além disso, é interessante notar que a
opção “de outra língua de sinais estrangeira ou de Sinais Internacionais para o
português” não foi selecionada por nem mesmo um(a) dos(as) respondentes nas
perguntas sobre frequência, preferência e dificuldade; e a opção: “do português
para outra língua de sinais estrangeira ou para Sinais Internacionais” também não
foi selecionada por nem mesmo um dos respondentes nas perguntas sobre fre-
quência e preferência, obtendo duas (2) indicações em relação à maior dificuldade.
Esses dados indicam que, possivelmente, haja pouca demanda nessa combinação
linguística: português de/para língua de sinais estrangeira/SI.
Outro aspecto que investigamos foi a frequência de atuação dos(as) tradu-
tores(as) e intérpretes surdos(as) nas mais diversas modalidades de tradução e de
interpretação; ao todo em dez modalidades. Para essa questão, utilizou-se uma

212
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

escala likert, com as seguintes opções: muito frequentemente, frequentemente, às


vezes, raramente e nunca.
Percebemos que a opção “tradução para a escrita de sinais” foi aquela que
os(as) respondentes mais indicaram como nunca realizada por eles. E a opção
“tradução para língua de sinais em vídeo” como aquela realizada com mais fre-
quência (i.e., muito frequentemente); inclusive todos(as) os(as) respondentes já
realizaram em algum momento essa demanda de tradução, tendo em vista que
nenhum(a) deles(as) marcou a opção “nunca” para essa modalidade.
Para facilitar a sistematização dos dados, decidimos somar as opções “mui-
to frequentemente” e “frequentemente” e as opções “raramente” e “nunca”, des-
considerando a opção “às vezes”. Assim foi possível criar um possível ranking das
modalidades consideradas de demanda mais recorrente em relação àquelas me-
nos demandadas. As modalidades em que os respondentes atuam com menos fre-
quência (“raramente” + “nunca”) são, a partir da menos recorrente, 1º. Tradução
para escrita de sinais (19); 2º. Tradução para inserção de Janela de Língua de Si-
nais (14); e 3º. Tradução para legendagem escrita (13). É interessante verificar que
as três modalidades menos frequentes são de tradução e duas delas de tradução
escrita, seja para a língua de sinais ou para o português, no caso da legendagem.
Outro ponto interessante, é o fato de muitos(as) dos(as) respondentes realizarem
com menor frequência a “tradução para inserção de Janela de Língua de Sinais”.
Pensamos em razões diferentes para cada uma dessas modalidades em que
se atua com menos frequência. Em relação à “tradução para escrita de sinais”, de
fato, ainda não vemos essa demanda na sociedade, já que os sistemas de escrita
de sinais circulam pouco, não estando totalmente consolidados no dia a dia das
comunidades surdas. No que se refere à “tradução para inserção de Janela de Lín-
gua de Sinais”, consideramos que, possivelmente, esse mercado vem sendo ocupa-
do, majoritariamente, por tradutores(as) não surdos(as) de línguas de sinais. Isso
acende uma alerta aos(às) profissionais surdos(as) para que possam ocupar mais
essa modalidade, inclusive integrando às equipes de tradutores(as), até mesmo
por ser uma tradução audiovisual em direção à língua A dos(as) tradutores(as)
surdos(as). Já em relação à “tradução para legendagem escrita”, inferimos que seja
devido ao fato de a língua-alvo ser o português e o processo de legendagem de-
mandar, muitas vezes, habilidades específicas da tradução audiovisual. Entretanto,
é uma área do mercado de trabalho que os(as) surdos(as) precisam ocupar, inte-
grando equipes de tradução.
No ranking das modalidades realizadas com mais frequência (“frequente-
mente” + “muito frequentemente”), temos, a partir da mais realizada: 1º. Tradução
para língua de sinais em vídeo (20); 2º. Interpretação Simultânea (13) e Inter-
pretação consecutiva curta (13); e 3º. Tradução para o português escrito (12). A
primeira modalidade se refere à tradução não escrita para a língua de sinais em
vídeo. Uma modalidade que tem sido bem recorrente e que vemos vários surdos
realizando; inclusive nenhum(a) dos(as) respondentes marcou a opção “nunca”
para essa modalidade, nos permitindo inferir que todos(as), sem exceção, já a rea-

213
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

lizaram. Contudo, ao mesmo tempo em que esta modalidade foi indicada como
uma das realizadas com mais frequência, a “tradução para inserção de Janela de
Língua de Sinais”, que compreende uma atividade relativamente próxima, foi indi-
cada como menos recorrente. É interessante notar que uma modalidade de tradu-
ção ocupou o primeiro lugar.
Por outro lado, temos duas modalidades mais gerais de interpretação
postas como muito frequentes e empatadas na segunda posição: a interpretação
consecutiva curta, muito realizada em contextos comunitários e a interpretação
simultânea, mais comum em contextos de conferências, principalmente em gran-
des eventos com convidados(as) internacionais. Esses dois contextos têm contado
mais com a atuação de intérpretes surdos(as) nos últimos anos. A terceira posição
surpreende, já que é composta por uma atividade de tradução em direção ao por-
tuguês escrito – a língua B dos(as) respondentes. É interessante ver que surdos(as)
estão traduzindo mais para o português escrito, ainda que não tenham traduzido
tanto para a inserção de legendagem em português.
Outro aspecto interessante é que nenhum(a) dos(as) respondentes indicou
“nunca” ter realizado “guia-interpretação de línguas de sinais”, o que nos permite
inferir que todos(as) eles(as) já tiveram uma experiência de guia-interpretação,
ainda que com pouca frequência, já que doze (12) deles(as) indicaram que a reali-
zam “raramente” e nove (9) que a realizam “às vezes”, sendo que apenas um(a) (1)
dos(as) respondentes afirmou realizar a guia-interpretação com “muita frequên-
cia” e seis (6) que a fazem “frequentemente”.
Outro aspecto que abordamos foi o quanto as atividades de tradução, in-
terpretação e/ou guia-interpretação compõe o orçamento mensal dos(as) respon-
dentes. Nosso intuito, foi verificar se algum(a) deles(as) tem a tradução e a inter-
pretação como principal atividade de renda ou se realizam esse tipo de trabalho
apenas para complementar a renda ou de forma não remunerada. O fato de apenas
dois/duas (2) dos(as) respondentes terem mais de 80% de sua renda decorrentes
de sua atividade como tradutores(as) e/ou intérpretes de línguas de sinais indica
que a maioria deles(as) não vive de “tradução e interpretação”, sendo que a maior
parcela parece atuar esporadicamente de modo a complementar a renda familiar
ou mesmo sem receber retorno financeiro em decorrência de tal atividade – 18,
poderíamos incluir aqui os(as) sete que não sabem informar, já que o fato de não
saberem informar pode indicar que o retorno financeiro dessa atividade é menos
significativo. Esses dados nos permitem inferir que os(as) profissionais surdos(as)
que atuam no campo da tradução e da interpretação, provavelmente, não estão
contratados(as) formalmente nessa profissão, realizando-a de modo complemen-
tar à sua principal atividade profissional.
Nesse sentido, o mercado precisa reconhecer tal profissional e as instituições
formativas oferecerem uma formação adequada a eles(as). Isso vale como um alerta
às instituições que promovem a formação de tradutores(as) e de intérpretes não sur-
dos(as) de línguas de sinais, para que considerem o público surdo e, também, às en-
tidades representativas de tradutores(as) e de intérpretes, associações e federações,

214
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

para que contribuam com a inserção de tal profissional no mercado de trabalho, as-
sim como com a promoção de seu reconhecimento e de sua formação profissional.
O questionário contribui para traçarmos os perfis – pessoal e profissional,
no caso deste capítulo – dos(as) profissionais surdos(as) na área de tradução, in-
terpretação e guia-interpretação, os quais poderão auxiliar na formação/profissio-
nalização desses(as) futuros(as) profissionais surdos(as), inclusive mostrando as
opções do mercado de trabalho.

Quadro 1 – Síntese dos dados: o possível perfil dos profissionais surdos


1. Sexo: Equilibrado entre o número de homens e de mulheres.
Majoritariamente, composta por profissionais que se reconhecem como
2. Identificação:
tradutores(as) e como intérpretes.
Principalmente, formada por profissionais que têm entre 28 e 42 anos de
3. Idade:
idade.
4. Localização: Possivelmente, mais presentes nas regiões Nordeste e Sul e nas capitais.
Maioritariamente, composta por profissionais que possuem entre 4 e 9 anos
5. Tempo de atuação:
de atuação no mercado.
6. Direcionalidade mais Basicamente, em direção a uma língua de modalidade gestual-visual, com
comum: destaque para a Libras.
7. Direcionalidade menos Basicamente, do Português para outra língua de sinais estrangeira ou para
comum: SI e de outra língua de sinais estrangeira ou de SI para o Português.
8. Preferência de direciona- Grande parte dos(as) profissionais ou não tem preferência de direcionalida-
lidade: de ou prefere atuar do português para a Libras.
9. Direcionalidade com mais Prevalece a dificuldade na tradução/interpretação inversa: da Libras para o
dificuldade: português (em direção à língua B).
Destaca-se a tradução para a língua de sinais em vídeo, seguida da interpre-
10. Atuação mais comum: tação simultânea, da interpretação consecutiva curta e da tradução para o
português escrito.
Destaca-se a tradução para escrita de sinais, seguida da tradução para inser-
11. Atuação menos comum:
ção de janela de língua de sinais e da tradução para legendagem escrita.
Fonte: Silveira (2022, p. 96)

Antes de apresentar as considerações finais, é importante mencionar que


sabemos das limitações da pesquisa, principalmente por trabalharmos com uma
amostragem pequena – ainda que não saibamos, ao certo, o número total de pro-
fissionais tradutores(as) e intérpretes surdos(as) brasileiros(as). Entretanto, acre-
ditamos que esses dados trazem alguns importantes apontamentos, oferecendo
uma visão ampla do possível perfil dos(as) tradutores(as) e intérpretes surdos(as)
brasileiros(as) e indicando possíveis aspectos a serem considerados na formação
desses(as) profissionais, assim como no seu reconhecimento e inserção no merca-
do de trabalho.

215
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

5 Considerações Finais

Considerando que o interesse das pessoas surdas em se profissionalizar


como tradutores(as), intérpretes e guias-intérpretes de línguas de sinais, é cres-
cente na atualidade vê-se como muito relevante, social e academicamente, essa
pesquisa em que foi possível investigar um pouco do que acontece no mercado de
trabalho e na formação acadêmica, por meio do perfil destes(as) profissionais que
constituem um campo emergente e em consolidação.
Assim como o sistematizado acima (Quadro 1), o gênero desses(as) profis-
sionais, que, majoritariamente, se reconhecem como tradutores(as) e intérpretes e
não como guias-intérpretes é equilibrado, entre o número de homens e de mulhe-
res; sua faixa etária mais comum está entre 28 e 42 anos; residem, principalmente,
nas regiões Nordeste e Sul e nas capitais; possuindo entre 4 e 9 anos de atuação
no mercado, tendo como principal língua de trabalho a Libras e oferecendo con-
sultorias, principalmente, a equipes de intérpretes atuantes em cursos, eventos e
similares e a equipes de tradução atuantes em tradução de livros, materiais didá-
ticos e similares.
Além disso, o perfil que identificamos indica, em relação, ao mercado de
trabalho, que há mais demandas de profissionais surdos(as) para atuarem em di-
reção a uma língua de modalidade gestual-visual, com destaque para a Libras,
sendo menos frequente a demanda por atividades do português para outra língua
de sinais estrangeira ou para SI e de outra língua de sinais estrangeira ou de SI
para o português. Vale mencionar que esses(as) profissionais não costumam ter
demandas de tradução para escrita de sinais, tradução para inserção de janela de
língua de sinais e tradução para legendagem escrita.
Portanto, relacionado ao perfil e às demandas mais recorrentes, a maioria
desses(as) profissionais não tem preferência por dada direcionalidade de tradu-
ção ou interpretação ou, por outro lado, prefere atuar do português para a Libras,
tendo como dificuldade de mais prevalência a tradução/interpretação inversa: da
Libras para o português (em direção à língua B). A tradução e a interpretação de/
entre/para línguas de sinais não constituem a principal fonte de renda do orça-
mento familiar, levando-nos a concluir que eles(as) não vivem apenas de tradu-
ção/interpretação e que podem estar recebendo menos do que deveriam ou mes-
mo estar atuando sem receber para tal.
Sabemos que contamos com uma amostragem reduzida de participantes e
que o questionário teve limitações diversas, principalmente por não conseguirmos
chegar a todas as regiões brasileiras e cidades de modo mais equiparado. Outro
ponto, decorrente desse, foi a dificuldades de alcançar os(as) potenciais respon-
dentes. Assim, embora tenhamos algumas direções para pensar o perfil profissio-
nal, o mercado de trabalho e a formação, são necessárias mais pesquisas com um
maior número de respondentes e maior abrangência geográfica para confirmar-
mos se nossos dados de fato representam a realidade nacional.

216
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

Fica um apontamento para a necessidade de reconhecimento dos(as) pro-


fissionais surdos(as) da tradução e da interpretação de/entre/para línguas de si-
nais, a importância de uma formação à nível de graduação especialmente dese-
nhada para esse público e para as atuais demandas do mercado.

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SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

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218
Parte II – Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais

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Ulbra, Canoas, 2011.

219
Organização da obra e autoria dos capítulos
Carlos Henrique Rodrigues – Doutor em Linguística Aplicada e Mestre
em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais. Tem Pós-doutorado pela
Universitat Autónoma de Barcelona e pela Universidade de Vigo. Líder e pesquisa-
dor do InterTrads – Núcleo de Pesquisa em Interpretação e Tradução de Línguas
de Sinais e integrante do Observatório da Tradução e da Interpretação de Línguas
de Sinais – OTRADILIS. Professor permanente do Programa de Pós-Graduação
em Estudos da Tradução – PGET e professor da área de Estudos da Tradução e da
Interpretação de Línguas de Sinais dos Cursos de Letras Libras da Universidade
Federal de Santa Catarina. E-mail: carlos.rodrigues@ufsc.br

Ronice Müller de Quadros – Doutora e Mestra em Linguística pela Pon-


tifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Tem Pós-Doutorado pela
University of Connecticut, pela Gallaudet University, pela Harvard University e
pela Humboldt Universität. Líder do Núcleo de Aquisição de Línguas de Sinais –
NALS, e do Grupo de Pesquisa Corpus de Libras. Professora permanente do Pro-
grama de Pós-Graduação em Linguística – PPGL, e professora Titular dos Cursos
de Letras Libras da Universidade Federal de Santa Catarina e pesquisadora do
CNPq. E-mail: ronice.quadros@ufsc.br

Sergio José da Silva – Mestre em Linguística pela Universidade Federal de


Alagoas. Especialista em Libras pelo Instituto Multidisciplinar de Alagoas. Licen-
ciado de Letras Libras pela Universidade Federal de Alagoas. Foi pesquisador bol-
sista de Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica – PIBIC no projeto
Corpus de Libras amostra de Maceió na Universidade Federal de Alagoas (2014-
2018), coordenado pelo Prof. Dr. Jair Barbosa da Silva. Atuando como professor
de Libras pela Faculdade de Direito, Ciência e Tecnologias – FADICT. Professor
do Magistério Superior Substituto de Libras no curso de Letras Libras: Licenciatu-
ra da Universidade Federal de Alagoas – UFAL. E-mail: sergio.jose@fale.ufal.br .

Jair Barbosa da Silva – Graduação em Letras-Português (2000), pela Uni-


versidade Federal da Paraíba. Mestre (2006) e Doutor (2010) em Linguística, pela
Universidade Federal de Alagoas. Pós-doutor em Linguística-Libras (2019), pela
Universidade Federal de Santa Catarina. Professor de Linguística do curso de Le-
tras-Libras e do Programa de Pós-graduação em Linguística e Literatura da Uni-
versidade Federal de Alagoas. E-mail: jair.silva@fale.ufal.br

221
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

Ewerton Douglas Canuto de Albuquerque – Licenciado em Letras com


habilitação em Libras pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL (2019), espe-
cialista em Libras e Educação da Pessoa Surda pela Faculdade ALPHA em Recife/
PE (2019) e mestrado em Linguística pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL
(2022). Foi pesquisador bolsista do PIBIC no Projeto Corpus de Libras (2017-2019),
coordenado pelo Prof. Dr. Jair Barbosa da Silva. Atuando como professor do Ma-
gistério Superior Substituto de Libras no curso de Letras-Libras: Licenciatura UFAL
– (Universidade Federal de Alagoas). E-mail: ewerton.albuquerque@fale.ufal.br

Lia Cláudia Coelho – Mestre em Letras e graduada em Letras-Libras pela


Universidade Federal do Tocantins. É professora surda de Libras. Durante a gra-
duação, foi bolsista do Programa Institucional de Apoio ao Discente Ingressante
(PADI), desenvolvendo atividades de ensino de língua portuguesa para surdos.
E-mail: liaccoelho@gmail.com

Bruno Gonçalves Carneiro – Mestre e Doutor em Letras e Linguística


pela Universidade Federal de Goiás, com estágio doutoral na Universidad Autó-
noma del Estado de Morelos (México). Integra a comissão para a implementação
da Educação Bilíngue de Surdos e inserção da Língua Brasileira de Sinais como
componente curricular na rede estadual de ensino do Tocantins. Professor da Uni-
versidade Federal do Tocantins, no curso de Letras-Libras e no Programa de Pós-
-graduação em Letras. E-mail: brunocarneiro@mail.uft.edu.br

Gilmara Jales da Costa – Doutoranda e Mestre em Linguística Aplicada


com a área de concentração em Libras pela Universidade Federal de Santa Cata-
rina (UFSC). Graduada em Licenciatura plena – Letras Libras pela Universidade
Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA). Coda – filha de pais surdos. Atualmente
faz parte do Grupo de estudos linguístico de bilinguismo, translinguagem e tradu-
ção (GELBITRA), e professora efetiva nos cursos de Letras Libras da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail: gilmara.costa@ufrn.br

Leidiani da Silva Reis – Doutora e Mestra em Letras pela Universidade Es-


tadual do Oeste do Paraná, com Doutorado Sanduíche pela Universidade de Vigo
(UVigo). Tem Pós-Doutorado pela Universidade Federal de Santa Catarina e pela
UVigo. Professora Adjunta da Universidade Federal da Fronteira Sul. Pesquisado-
ra do CNPq. E-mail: leidianireis@hotmail.com

Ricardo Ferreira Santos – Doutor e Mestre em Linguística Aplicada e Es-


tudo da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialis-
ta em Docência do Ensino Superior, na área da Educação, pela Faculdade Carapi-
cuíba e em Tradução e Interpretação em Libras-Português pelo Instituto Superior
de Educação de São Paulo – Singularidades. Integrante do Grupo de pesquisa:
Linguagem, Identidade e Memória. E-mail: ricardo.libras1977@gmail.com

222
Organizadores e Autores

Beth Brait – Doutora com Livre-Docência em Linguística na Universidade


de São Paulo e pós-doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales
– Paris/França. Professora associada da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, atuando nos Programas de Estudos Pós-Graduados em Linguística Apli-
cada e Estudos da Linguagem/LAEL e Literatura e Crítica Literária/LCL. É pes-
quisadora nível 1A do CNPq; Assessora da CAPES, do CNPq e FAPESP; líder do
GP/CNPq/PUC-SP Linguagem, Identidade e Memória; membro do GT/ANPOLL
Estudos Bakhtinianos; criadora e editora do periódico Bakhtiniana. Revista de Es-
tudos do Discurso (QUALIS A1/SciELO/Scopus/Web of Science). E-mail: bbrait@
uol.com.br

José Luiz Vila Real Gonçalves – Doutor e Mestre em Estudos Linguísticos


pela Universidade Federal de Minas Gerais. Tem Pós-Doutorado pela Universi-
dade Federal de Minas Gerais. Professor Associado do Departamento de Letras
da UFOP. Foi docente dos Programas de Pós-Graduação em Letras: Estudos da
Linguagem da UFOP e de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da UFMG
até 2022. É pesquisador do Laboratório Experimental de Tradução (LETRA) da
UFMG e coordenador do Laboratório Experimental de Estudos da Linguagem
(LEXEL) da UFOP. E-mail: zeluizvr@ufop.edu.br

Tamires Bessa – Mestre em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal


de Minas Gerais. Graduada em Letras-Libras pela Universidade Federal de Santa
Catarina. Tradutora e Intérprete do Instituto Federal de Minas Gerais – IFMG.
E-mail: tamiresbessasb@gmail.com

Jonatas Rodrigues Medeiros – Doutorando e mestre em Estudos da Tra-


dução pela Universidade Federal de Santa Catarina. Pós-graduado em Produção
Cinematográfica e Audiovisual PUC/PR. Pós-graduado em Direito e Interseccio-
nalidade pela Escola Mineira de Direito. Graduado em Letras/Libras (licenciatura)
pela UFPR. Tradutor Intérprete de Libras certificado pela UFSC/MEC. Professor
do curso de Letras Libras na Escola Superior de Línguas – ESLI do Centro Uni-
versitário Internacional UNINTER. Membro dos grupos de pesquisa GILDA:
Linguagem, diferença e modos de subjetivação (UFPR/UNESPAR) e do INTER-
TRAD/UFSC: Núcleo de Pesquisa em Interpretação e Tradução de Línguas de Si-
nais. Integrante do Programa de Extensão TILSJUR – Tradutores e intérpretes de
línguas de sinais no contexto jurídico (UFSC). E-mail: jonataslibras@gmail.com

Silvana Aguiar dos Santos – Doutora em Estudos da Tradução e Mestre


em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina. Vice-líder e pesquisa-
dora do InterTrads – Núcleo de Pesquisa em Interpretação e Tradução de Línguas
de Sinais e integrante do Observatório da Tradução e da Interpretação de Línguas
de Sinais – OTRADILIS. Professora permanente do Programa de Pós-Graduação
em Estudos da Tradução – PGET e professora da área de Estudos da Tradução e

223
SELS – Série Estudos de Língua de Sinais – v. 6

da Interpretação de Línguas de Sinais dos Cursos de Letras Libras da Universidade


Federal de Santa Catarina. Professora permanente do Programa de Pós-Gradua-
ção em Estudos da Tradução – POET da Universidade Federal do Ceará. Coorde-
nadora do Programa de Extensão – TILSJUR: Tradutores e Intérpretes de Línguas
de Sinais no Contexto Jurídico. Email: s.santos@ufsc.br

Neiva de Aquino Albres – Docente e pesquisadora da Universidade Fede-


ral de Santa Catarina (UFSC), atuando no curso Letras Libras, bacharelado, e no
Programa de Pós-graduação em Estudos da Tradução – PGET. Doutora em Edu-
cação Especial pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar (Bolsa CNPQ).
Mestra em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS
(Bolsa CAPES). Especialista em Psicopedagogia pela Universidade para o Desen-
volvimento da Região do Pantanal – UNIDERP. Graduada em Normal Superior
pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS e em Fonoaudiologia
pela Universidade Católica Dom Bosco – UCDB. Tem experiência na formação
de professores de Libras e no desenvolvimento de material didático dessa língua
(FENEIS/SP e Letras Libras – UFSC) e na formação de tradutores/intérpretes de
Libras-português em cursos de graduação e de especialização. Docência e coor-
denação pedagógica em escolas bilíngues para surdos. Consultora de projetos em
linguística aplicada e na assessoria para implementação de educação bilíngue em
secretarias municipais e estaduais de educação. Pesquisadora do Núcleo de Pes-
quisa em Interpretação e Tradução de Línguas de Sinais – InterTrads. E-mail: nei-
vaaquino@yahoo.com.br

Francis Lobo Botelho Vilas Monzo – Mestra em Estudos da Tradução pela


Universidade de Brasília. Tradutora e intérprete de Libras-português. Analista le-
gislativo no Senado Federal. Email: francismonzo@yahoo.com

Sabine Gorovitz – Professora associada do Departamento de Línguas Es-


trangeiras e Tradução da Universidade de Brasília desde 1996. Graduada em Lín-
guas Estrangeiras Aplicadas à Economia e Relações Internacionais pela Université
Paul-Valéry – Montpellier III, em 1993, tem mestrado em Comunicação pela Uni-
versidade de Brasília (2000) e doutorado em Sociolinguística pela Université Paris
Descartes – Sorbonne (2008). Fez um primeiro estágio pós-doutoral no Centre
National de la Recherche Scientifique (CNRS – laboratório SEDYL-CELIA, Pa-
ris), em 2013, e outro na PUC-Rio, de 2021 a 2022. É líder do grupo de pesquisa
Mobilang que estuda os temas: contatos linguísticos em contextos migratórios;
políticas e direitos linguísticos; tradução e mediação linguística; e interpretação
comunitária. Email: sabinegz@unb.br

Kátia Lucy Pinheiro – Doutora em Estudos da Tradução pela Universida-


de Federal de Santa Catarina e Mestre em Educação Brasileira pela Universidade
Federal do Ceará. Pós-doutora em Linguística pela Universidade Federal de Santa

224
Organizadores e Autores

Catarina e em Serviço Social pela Universidade Estadual do Ceará, como bolsista


da CAPES. Líder e pesquisadora do Grupo de Trabalho das Políticas Linguísticas
e de Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais na Surdolimpiadas. Professora
da área de Línguas de Sinais e Estágios supervisionado em Libras dos Cursos de
Letras Libras da Universidade Federal do Ceará. Membro do Programa de Exten-
são – TILSJUR: Tradutores e Intérpretes de Línguas de Sinais no Contexto Jurídi-
co. E-mail: katialp@delles.ufc.br

Bianca Silveira – Graduada em Letras Libras, Bacharelado, pela Univer-


sidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Técnica Subsequente em Material Di-
dático Bilíngue pelo Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) e Mestranda em
Estudos da Tradução (PGET/UFSC). Participante do Núcleo de Pesquisas em In-
terpretação e Tradução de Línguas de Sinais, InterTrads-UFSC. E-mail: biancasil-
veiralibras@gmail.com

225
Este livro foi publicado
pela Editora Insular
em agosto de 2023

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