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MÚSICA E EDUCAÇÃO CRISTÃ: reflexões, desafios e oportunidades

Mônica Coropos

O crescimento numérico dos cristãos evangélicos na América Latina e a maior


presença dos evangélicos na política destes países tem atraído a atenção dos meios de
comunicação e sociedade em geral. O impacto transformador que a conversão a Cristo
pode gerar no comportamento cultural, político, social, moral e até mesmo econômico
de uma sociedade já é pauta dos meios de comunicação e das pesquisas acadêmicas, que
reconhecem a habilidade das igrejas em lidar com as necessidades da população,
oferecendo apoio espiritual, emocional, assistencial, formando redes de apoio e
contribuindo para a melhoria da qualidade dos seus membros e das comunidades onde
estão inseridas.
Nosso olhar – observador e participativo, percorre a história recente dos cristãos
evangélicos pelo viés da música. Afinal, sendo exemplo de linguagem e expressão de
uma cultura, conclui-se que a música reflete a expressão da fé de uma comunidade e,
representando “o cotidiano, o modo de viver e o comportamento dos indivíduos,
reproduz também a natureza e como manifestação humana busca aproximação com o
divino e com o sagrado” (LOUREIRO, 2009, p. 80). Para Merriam (1964), música é
parte funcional da cultura humana, sendo integrante de sua totalidade e refletindo a
organização da sociedade em que está inserida. O autor categoriza dez funções da
música, com as quais contextualizaremos quatro delas à música cristã ocidental a partir
do século XX. São elas: (1) Função de expressão emocional: o apelo afetivo das
músicas, que estabelece um vínculo emocional entre os cristãos; (2) Função de prazer
estético: o compromisso com a excelência melódica, rítmica e harmônica no arranjos
congregacionais e corais, independente dos estilos adotados por cada comunidade de fé;
(3) Função de divertimento: caracterizadas pelas festividades, datas comemorativas e
eventos diversos, que podem acontecer dentro e fora do contexto de culto; (4) Função
de comunicação: a primazia da mensagem, da transmissão de verdades bíblicas e
valores cristãos por meio do que se canta.
Fato: as igrejas cristãs evangélicas têm uma profunda relação com a música, na
sua prática litúrgica, eventos sociais, na área de ensino – desde o berçário à terceira
idade. Através da música, a história da igreja pode ser compreendida e aprofundada,
desde o canto em conjunto nas igrejas protestantes, no século XVl, com Martinho
Lutero que atestou, na reforma religiosa, a importância da música no culto,
restabelecendo a prática do canto coletivo nas cerimônias da igreja. Originalmente vinda
da música erudita, segue vivendo adaptações e contextualizações em gêneros e estilos, e
é uma ferramenta poderosa de ensino das verdades bíblicas, dos valores cristãos e suas
doutrinas. A finalidade da música na igreja possui propriedade e fins específicos. Em
função da valorização da música em seus cultos e outras áreas de atuação, diversas
igrejas possuem um trabalho musical organizado, com a figura de um líder ou ministro
designado para fazer a gestão e desenvolver o trabalho musical nas organizações, nas
diversas faixas etárias, no incentivo à formação de grupos musicais e coros. O líder da
área de música, responsável pela condução e execução das atividades musicais
eclesiásticas recebem o título de “ministro de música”. “líder de celebração” ou
“ministro de louvor”, dentre outros e, em geral possuem, além da formação musical, o
preparo teológico-ministerial.
Em face a esse cuidado com a qualidade musical em suas programações, é
comum a existência de cursos de música, projetos de musicalização e iniciativas de
fortalecimento musical nas igrejas. Desta forma, os membros e comunidade podem
iniciar ou aprofundar seus conhecimentos musicais com aulas de canto e de diversos
instrumentos musicais, por exemplo.
Como componente essencial do culto e áreas eclesiásticas, a música é utilizada
nas igrejas em sua forma vocal e instrumental. Em sua história mais recente, tem
recebido influência de um “estilo próprio, desenvolvido por cristãos negros norte-
americanos no início do século XIX e que tem sido utilizado até hoje em muitas igrejas
de maioria negra nos Estados Unidos” (BAGGIO, 2005, p. 16), somada à música
erudita e religiosa, com a utilização de órgão e piano dos “brancos”. Com base nestas
influências, Bill Halley inicia, em 1950, um estilo que comunicasse tanto a negros como
a brancos: O gospel surgiu no início do século XX com a presença de vozes em coral e
solistas, acompanhado de órgão, piano, baixo e, às vezes, bateria, o estilo foi o
responsável por formar pequenos conjuntos musicais nas igrejas, e por dar origem a
vários estilos musicais, como blues, R&B, jazz, rock, soul, entre outros. Seguindo o viés
histórico de Baggio, com Elvis A. Presley – um jovem branco criado na igreja
Assembleia de Deus, a música negra se tornou acessível aos brancos, em um momento
época de grande discriminação racial. A partir de Elvis Presley, o rock tornou-se a
música da juventude americana e impactou a música proveniente das igrejas.
O fenômeno de popularização da música nas igrejas vem desde Reforma
Protestante. Hustad (1986), afirma que a intenção desta popularização era para que
todas as pessoas pudessem partilhar, através da mensagem cantada, da liturgia, dos
conteúdos bíblicos e doutrinários. Com efeito, a fé vem pelo ouvir, e é por meio do
canto congregacional nas celebrações religiosas, da música utilizada no culto, que se
estabelece a unidade, a comunhão, a identidade e a fé. É possível descrever uma linha
doutrinária e teológica de uma igreja por sua música. Por esta razão, é legítimo
abordarmos o papel da Música na Educação Cristã da atualidade.
O progresso da circulação mundial pelo avanço dos meios de comunicação, marcam
os como a era de uniformização e a formação de um público globalizado.
Musicalmente, novos sintetizadores e baterias eletrônicas começam a ficar mais
populares, e os estúdios de gravação se multiplicam, com os primeiros computadores e
sintetizadores. No Brasil, os jovens tem acesso, pelas rádios, por músicas inglesas e
norte-americanas, tais como o Rock, o Punk e a New Wave, dando origem a diversas
bandas de rock nacional. Apesar de marcada por grandes inovações, e presença de
novos gêneros musicais se fundindo em toda parte, concordamos com Freire quando
afirma que a música viveu, “no século XX, nas sociedades ocidentais, uma situação
inédita em sua história. Contraditoriamente, numa época em que os recursos
tecnológicos se multiplicam, e em que o acesso a ela se tornou bastante fácil, a música
parece esvaziada de seus significados e papéis mais expressivos” (FREIRE, 2010, p.17).
Concordamos com Braga (1983) quando afirma que “a Bíblia e o hinário são, muito
mais do que se imagina a única literatura, fonte de ensino, de que muitos crentes
dispõem. Bebem suas palavras, suas frases, como fontes de vida, de educação”
(BRAGA, 1983, p 74). Num pequeno panorama histórico, Mendonça (1984, p. 235)
ressalta a origem missionária e avivalista da primeira coletânea de hinos do Brasil - o
Salmos e Hinos, datado do século XIX, que foi reeditado, reformado e atualizado
durante o século XX e lançado como Hinário Evangélico, pela Confederação
Evangélica do Brasil. O Cantor Cristão – primeiro hinário Batista, surgiu após dez anos
do Salmo e Hinos, tornando-se o segundo hinário hinos sacros em português, no Brasil.
Transformações e influências midiáticas começam a acontecer a partir da década de
1980, com o surgimento de bandas, rádios, emissoras de TV e grandes eventos de
música gospel. Grupos pioneiros como Elo e Vencedores por Cristo, e nomes como
Guilherme Kerr, Sérgio Pimenta, Jorge Camargo, João Alexandre, Jorge Rheder,
Nelson Bomilcar, Sérgio Leoto e muitos outros, despontam no cenário musical
evangélico, tornando-se referência no louvor congregacional das igrejas brasileiras.
Pouco a pouco, o comportamento litúrgico, cultural e social das igrejas foi inserindo ao
seu cancioneiro, os corinhos e hinetos que, hoje, chamamos de cânticos. Surgem
expressões como música gospel e whorship, e as formas dos cantos – que, em sua
maioria eram compostos por estrofes e estribilho (coro), aparecem com estrofe, refrão,
ponte e muitas repetições. As letras aparecem mais emocionais e centradas no “eu”,
afetando as relações entre o discurso bíblico-teológico da mensagem cantada. Não
estamos fazendo, aqui, juízo de valor ao que se canta, mas trazendo, a partir desse breve
levantamento histórico e bibliográfico, os desafios e oportunidades para a atuação entre
Música e Educação Cristã.
A partir da compreensão de que a música é uma ferramenta poderosa de ensino
na igreja, é muito importante que pastores, educadores e ministros de adoração
desenvolvam a prática de pensarem os caminhos para a igreja deste tempo juntos.
Somente uma afinidade entre Teologia, Educação Cristã e Ministério de Música poderá
fortalecer as bases da igreja, contribuindo para o conhecimento dos seus membros.
Aliando Palavra e Música em todas as faixas etárias, incentivando novos compositores
nas igrejas, projetos educacionais de música e arte e outras tantas estratégias, poderemos
ampliar da igreja, trazendo renovo à evangelização, ao ensino, a vida em comunhão e
formação de uma identidade sólida nesta geração. Vamos construir juntos?

Referências
BAGGIO, S. Música Cristã Contemporânea. São Paulo: Vida, 2005.
BONINO, José Miguez. Rostos do Protestantismo Latino-Americano. São Leopoldo:
Sinodal, 2003.
BRAGA, Henriqueta Rosa Fernandes. Salmos e Hinos: sua origem e desenvolvimento.
Rio de Janeiro: Igreja Evangélica Fluminense, 1983
FREIRE, Vanda Bellard. Música e Sociedade: uma perspectiva histórica e uma reflexão
aplicada ao ensino superior de Música / Vanda Lima Bellard Freire. – 2. ed. rev. e ampl.
– Florianópolis: Associação Brasileira de Educação Musical, 2010.
HUSTAD, DONALD P. Jubilate – A música na igreja. Tradução de Jubilate! Church
music in the evangelical tradition. São Paulo: Edições Vida Nova, 1991. 310 p.
LOUREIRO, Vivian Maria Rodrigues. Música para os ouvidos, fé para a alma,
transformação para a vida: música, fé e construção de novas identidades na prisão. Tese
(Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 2009. Disponível
em:https://www.maxwell.vrac.pucrio.br/Busca_etds.php?
strSecao=resultado&nrSeq=14619@1>. Acesso em: 07 dez. 2018.
MORAES, José Geraldo Vinci de. História e música: canção popular e conhecimento
histórico. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 20, n. 39, 2000.

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