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Resenha de A explosão gospel. Um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico
no Brasil. CUNHA, Magali do Nascimento. Rio de Janeiro: Mauad X, Mysterium, 2007.
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Doutorando em História Social pela USP, mestre em História do Tempo Presente pela UDESC, especialista
em Marketing e Comunicação Social pela Cásper Líbero, bacharel e licenciado em História pela USP.
Pesquisador do NEHO-USP. Contato: edumeinberg@gmail.com
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espetáculo e na mídia potentes formas de atração de fiéis, e este é um dos temas fulcrais de
A Explosão gospel, da pesquisadora Magali do Nascimento Cunha. Cunha é mestre em
Memória Social e Documento pela Universidade do Rio de Janeiro, doutora em Ciências
da Comunicação pela Metodista de São Paulo e professora de cursos diversos nesta
instituição, transitando por temas como Igreja e Sociedade, Ecumenismo e Comunicação e
Religião.
Nesta obra de 231 páginas, a autora identifica a explosão do gospel como o momento da
década de 1990 quando os conjuntos de rock evangélico passam por uma adaptação
poético-musical em que as composições atravessam temas mais contemporaneizados e
associados à juventude, por vezes com diminuição do conteúdo religioso e maior uso de
linguagem coloquial; e as melodias escolhem gêneros como o heavy metal e o hard rock
como matrizes possíveis.
O conjunto marcou a passagem de uma música litúrgica tradicional a outra mais adequada à
contemporaneidade, com poética e música entendidas como expressões demoníacas por
algumas igrejas e pelo despojamento dos artistas em relação ao uso de vestimentas e da
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A autora sublinha que foi Hernandes quem patenteou o termo gospel no Brasil, ainda
detendo seus direitos de uso e registrando uma série de produtos religiosos: a gravadora
Gospel Records, a teledifusora Rede Gospel, a radiodifusora Gospel FM, o festival SOS da
Vida Gospel, a Editora Gospel, o portal da internet Igospel, o sistema de atendimento
telefônico Gospel Ligaki, o periódico Gospel. E para além destas mídias, o termo ainda foi
utilizado em empreendimentos como o curso pré-vestibular Gospel e o cartão de crédito
Gospel Card Bradesco.
Cunha nota uma terminologia específica utilizada pelos evangélicos quando o assunto é
música. Assim, os artistas são convencionados ministros de louvor ou levitas; a canção é
chamada louvor ou adoração; as apresentações chamadas de cultos de adoração e os shows
em série ou turnês, de jornadas proféticas. As canções destes conjuntos, ou ministérios de
louvor e adoração, vão ao encontro das teologias da prosperidade e da batalha espiritual
costumeiramente utilizadas pelas igrejas (neo) pentecostais, utilizam-se de linguagem
acessível e apropriam-se de gêneros musicais populares como o samba, o axé, o pagode, o
rap. O uso da teologia da prosperidade é exemplificado em trechos de canções como “tudo
o que Jesus conquistou na cruz, é direito nosso, é nossa herança, todas as bençãos de Deus
para nós, tomamos posse”, do Ministério Koinonia; e da batalha espiritual em Nosso
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general, de Adhemar de Campos: “pelo Senhor, marchamos sim, seu exército poderoso é,
sua glória será vista em toda a terra, vamos cantar o canto da vitória, Glória a Deus!
Vencemos a batalha, toda arma contra nós perecerá”, seguida do refrão “o nosso general é
Cristo, seguimos os seus passos, nenhum inimigo nos resistirá.”
Em um show vivenciado pela autora, a cantora Ana Paula Valadão teria pedido a Deus que
perdoasse as pessoas pela idolatria praticada no Brasil antes da chegada dos portugueses,
quando “outros deuses eram cultuados”, apresentando a nação como invocadora das trevas
e “prostituída espiritualmente”(p. 133). Expressões usadas por Valadão como
“entronizamos potestades” e “diante do trono do Rei dos Reis” (p. 134) identificariam a
separação feita pelos evangélicos entre eles e as religiões de tradição indígena, afro-
brasileira e católico-romanas. A cantora pediu ainda que Deus restaurasse a sexualidade dos
brasileiros, forjando do brasileiro sensual um povo santo, apontando para o conceito de
castidade dos evangélicos, entendido como “santidade”.
Para Cunha, na lógica do mercado consumir bens e serviços é ser cidadão, e na “lógica da
cultura gospel, consumir bens e serviços religiosos é ser cidadão do Reino de Deus.” (p.
138.) O cristão como segmento de mercado é ilustrado através da Expocristã, evento
realizado por empresa de marketing cristão de membros da Igreja Batista de Atibaia e
realizada anualmente em São Paulo. Nesta, stands com produtos diversos - livros, revistas,
CDs, DVDs, cosméticos, objetos rituais, alimentos, brinquedos, material escolar,
eletroeletrônicos e instrumentos musicais - convivem com serviços oferecidos por
seguradoras, bancos, cartões de crédito, buffets, gráficas e empresas de turismo, todas
utilizando alcunhas como gospel, cristão e de Jesus. Folderes dos mais variados ministérios
anunciam palestras sobre temas como marketing pessoal e institucional e espetáculos
musicais.
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O consumo é entendido atualmente pelos evangélicos como positivo, uma maneira a mais
de se achegarem a Deus, o que se mostra em slogans como “a serviço do Rei” e
“propriedade de Jesus”, inseridos em mercadorias e que possibilitam que o consumidor
evangélico seja identificado como tal pelos demais, dando sinais também de sua
prosperidade econômica.
Cunha considera que na cultura gospel o entretenimento e o consumo não sejam apenas
ações que respondam à lógica do mercado e da mídia mas “constituam elementos
produtores de valores e sentidos religiosos”, manifestando-se assim como mediadora de um
“sagrado mais disponível, acessível e próximo. A mídia se alimentaria das aspirações dessa
comunidade de consumidores de bens espirituais e materiais lhes devolvendo “mensagens,
orientações, estímulos e consolos” (p. 170) e promovendo uma unidade de
consumidores/fiéis.