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UNESPAR – CAMPUS DE CURITIBA I

MESTRADO EM MÚSICA
ESTUDOS EM PRODUÇÃO MUSICAL EVANGÉLICA
JOÊZER MENDONÇA / ANDRÉ EGG
Eduard Henry Lui
DOLGHIE, Jaqueline Ziroldo. Um estudo sobre a formação da hinódia protestante brasileira.
In Âncora (Instituto Âncora de Ensino. Online), v. 1, p. 83-106, 2006.

A autora do texto analisado é Jaqueline Ziroldo Dolghie, graduada em Licenciatura em


Ciências Sociais pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) e Bacharelado em
Música pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Tem Doutorado
e Mestrado em Ciências Sociais e Religião pela UMESP e Pós-doutorado no Programa de Pós
Graduação em Ciências da Religião da Universidade Mackenzie. É pesquisadora na área de
Sociologia da Religião e sociologias diversas, com especificidade na análise do campo religioso
brasileiro; mercado e marketing religioso; culto e liturgia. A produção bibliográfica da autora
é bastante vasta e segue na área de análises sociológicas sobre temas fundamentados na
hinologia protestante, o mercado de produção musical gospel, o culto protestante, sociologia da
religião e as tendências musicais evangélicas da atualidade.

Em Um estudo sobre a formação da hinódia protestante brasileira, no qual nos


debruçamos para esta breve análise, a autora enfoca a importância dos hinos que constituem os
únicos elementos genuinamente sacros diante de cânticos de caráter popular, especialmente os
influenciados pela música popular brasileira. Ela pretende mostrar que a hinologia brasileira foi
basicamente desenvolvida nos movimentos religiosos de avivamento; fundamentados, por sua
vez nas canções populares dos Estados Unidos. Dessa forma, a autora ressalta a necessidade de
uma produção musical brasileira nos cultos considerando que não deveria haver discussão sobre
músicas sacras eruditas e populares no contexto das igrejas protestantes brasileiras pois as
origens das canções são muito similares e não revelam, em sua origem norte americana, alguma
distinção nesse sentido.

Já em sua introdução a autora aponta sobre a pouca preocupação que o protestantismo


brasileiro teve em relação com a sua hinologia. A praxis cúltica demonstrou que a música,
embora completamente envolvida na liturgia protestante, recebeu pouca atenção no sentido de
refletir sobre certas contradições o que impediu, de certo modo, a inovar e trazer elementos
diferenciados coerentes à sua prática de culto1.

Para trazer à tona a discussão sobre a formação da hinódia brasileira, oriunda das
canções e hinos protestantes estadunidenses, a autora se debruça sobre definições
metodológicas, em especial a diferenciação entre salmos, hinos e cânticos espirituais expressos
na carta paulina aos Efésios 5:19. Ela afirma que a definição de hino ainda não foi totalmente
esgotada, a partir de uma rápida análise, constata-se que o tipo ideal de hino é aquele que exclui
um modelo de produção musical. Dolghie traz a ideia que, para além da questão do que é o
hino, ou do que ele não é, e acresce a necessidade de um conceito para música sacra. A autora
questiona se há uma oposição direta àquilo que é considerada música profana e constata que
música sacra, ou religiosa, é menos música e mais sacra, concordando e citando Jaci Maraschin.
Da mesma forma, Dolghie evidencia em seu texto que ainda há confusão a respeito dos
conceitos de corinhos, cânticos e hinos. Afirma que há uma falta de clareza sobre o que é cada
um evidenciando uma tentativa de classificar aquilo que é próprio e o que é impróprio para ser
aplicado a um culto à Deus. Ela afirma que após a Reforma Protestante a música cristã ocidental
ficou dividido entre o catolicismo romano e o protestantismo. No âmbito do protestantismo os
estilos musicais mais popularizados foram os Salmos de João Calvino e os Corais de Martinho
Lutero.
Para Lutero a música é vista como um importante instrumento de divulgação da fé
reformada. Assim, Lutero criou o estilo musical denominado Coral, caracterizado pelo uso da
língua local (no caso, a língua alemã) em oposição ao latim comumente usado nas liturgias
católicas, o uso de uma métrica versificada e silábica, cantada em uníssono e à capella. A função
do coral era acompanhar a congregação a fim de compreender o texto cantado. Lutero se
apropriou de hinos latinos e medievais, de canções populares cujas letras eram substituídas por
letras de cunho religioso. Para ele, as letras determinavam a sacralidade da música. A autora
constata portanto que, desde o início da música protestante existe a aproximação da música
popular com a música erudita.
O estilo difundido por Calvino, os Salmos, eram assim chamados porque ele entendia
que os Salmos da Bíblia eram a única forma de se cantar a Deus. Eles eram cantados
metricamente em uníssono e à capella. Calvino, assim como Lutero, prezava pela simplicidade

1
É importante ressaltar que o texto de Jacqueline Ziroldo Dolghie é de 2006. Muitos dos anseios em mudar certas
práticas relacionadas ao uso da música brasileira nos cultos das igrejas protestantes passou por mudanças
significativas nesses últimos 16 anos. A inserção dos evangélicos brasileiros nas grandes mídias provocou
impactos que diferenciam muito o perfil da igreja protestante de 2006 para com o perfil de culto da igreja
protestante de 2022. Considerando sempre as variadas diferenciações entre as inúmeras denominações que
carregam o termo evangélico.
musical. O chefe da igreja de Genebra publicou o Saltério com regras rígidas de composição;
eles se tornaram populares e influenciaram a música sacra na Inglaterra, Escócia e Estados
Unidos.
A trajetória da considerada música sacra tem sequência no texto apresentando a hinódia
inglesa que influenciou a posteriormente a salmodia americana, com pouca influência da
hinódia luterana. A salmódia prevaleceu na Inglaterra até o século XVII e a transição da
salmodia para a hinódia moderna não foi simples, conforme relata a autora. Elementos como a
versão musical e literária inferiores dos saltérios ingleses, a prática do lining-out, quando uma
pessoa lia linha por linha do salmo para que a congregação repetisse em tons mais graves, e a
falta de contextualização dos salmos para o público inglês foram fatores que exigiram a
mudança. Evidencia-se as igrejas independentes (não anglicanas) como pioneiras na elaboração
de hinódia e a autora verifica que a hinódia Batista e Congregacional se libertaram das amarras
da composição musical seguir uma tradução literária da Bíblia. Verifica a importância dos
irmãos Wesley (Metodismo) na ampliação do repertório hinológico, em especial com a
experiência de John Wesley com os Morávios na América do Norte.
Nos Estados Unidos a autora relata que o hino luterano chegou pelos colonos alemães,
mas não ganhou espaço e repercussão tanto quanto os Salmos de origem inglesa. A transição
da salmodia para hinódia nos Estados Unidos deu-se de maneira lenta e a incorporação do hino
ocorreu especialmente com o Grande Despertar de 1740; considerando que até 1800 foi a
grande fase de movimentos avivalistas em solo norte-americano. As músicas são descritas no
texto caracterizadas por um forte apelo emocional, tal como as experiências nos cultos
avivalistas. Dolghie ressalta, neste contexto a importância dos acampamentos (camp-meetings)
metodistas que produziam uma música de caráter popular, concomitante ao surgimento do Hino
Evangelístico e do Hino Folclórico. Os movimentos religiosos necessitavam de uma produção
musical própria, a autora traz o questionamento: como evangelizar sem cantar as músicas do
povo? Justifica assim a entrada de estilos mais populares entre as massas, no entanto ainda
mantendo a tradição dos hinos mais clássicos e eruditos em detrimento a uma produção musical
popular considerada mais simplista.
No Brasil, o protestantismo de missão, se firmou a partir de 1850, Jaqueline Dolghie
afirma que as diferentes denominações seguiam padrões e celebrações muito semelhantes, cujo
objetivo era sempre expurgar o mal do catolicismo. Reitera que tanto a teologia quanto a música
eram importadas da Hinódia folclórica dos acampamentos e dos movimentos avivalistas. A
autora traz a importância do casal Robert e Sara Kalley para a hinódia brasileira, afirma que
seus poemas eram encaixados em melodias — tanto europeias quanto estadunidenses — já
existentes, traduções foram colocadas em melodias diferentes das compostas originalmente. O
primeiro hinário protestante brasileiro, o Salmos e Hinos de 1861, organizado pelo casal Kelley,
é apontado, conforme aponta Antônio Gouvea de Mendonça citado por Dolghie, como um
compêndio de teologia para ser cantado. Tal caracterização afirma não apenas a importância,
mas a consistência da coletânea para uma população onde poucos eram alfabetizados.
Jaqueline Dolghie destaca três aspectos que caracterizam a produção hinódica do
protestantismo brasileiro: a despreocupação com a originalidade musical; o estilo popular
estadunidense e a presença marcante da teologia dos avivamentos; evangelística e individual.
Sendo assim, a autora constata que a hinódia protestante brasileira foi toda selecionada e
desenvolvida a partir dos hinos americanos folclóricos e evangelísticos, de tradição não
litúrgica, que por sua vez eram influenciados pela balada romântica, pelo carol inglês e por
elementos simplistas dos avivamentos. Sendo assim, conclui que o repertório hinódico do
protestantismo brasileiro está todo ele calcado em composições de diversas influências
populares inglesas, alemãs, estadunidenses e mantinha-se fechado para composições que
considerassem de origem popular brasileira.

O texto de Jaqueline Dolghie é bastante rico em informações e traz uma trajetória


bastante pormenorizada da construção da hinódica protestante. A discussão por ela remete a um
debate que analisamos hoje já ser superado, no entanto, constata-se historicamente essa
relutância nas igrejas protestantes, em especial as históricas, de absorver as músicas conhecidas
como corinhos ou cânticos espirituais, especialmente utilizando-se de ritmos brasileiros, na
liturgia dos cultos, sendo estas bem aceitas para ocasiões de acampamentos, cultos nos lares,
reuniões de jovens e crianças. A autora apresenta uma crítica à hinódica brasileira que se propõe
contrária a uma aproximação com o popular brasileiro mas se entrega totalmente às canções de
caráter popular estrangeiros, estadunidenses principalmente. Canta-se em nossos cultos a
hinódica folclórica e popular dos outros e não aceitamos a nossa.

Novos paradigmas se apresentam na atualidade a respeito da hinologia protestante, as


consideramos o presente texto de grande relevância, especialmente para nossa pesquisa que
trata exatamente de um missionário organizador do hinário batista que seguiu exatamente a
prática de adaptar canções europeias e estadunidenses ao idioma brasileiro compondo assim o
chamado Cantor Cristão.

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