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PROTESTANTE
Autores: Igor Freitas dos Santos1, Kênia Braga Moura2 e Luiz Eduardo Veras Braga3
Orientador: John Karley de Sousa Aquino4
ITAPIPOCA/CE
2022
1
Licenciando em Música, IFCE/Campus Itapipoca. E-mail: igorfreitas379@gmail.com.
2
Licenciada em Pedagogia, UECE/Campus FACEDI, especialista em Educação Infantil e Anos Iniciais,
UNIASSELVI. Licencianda em Música, IFCE/Campus Itapipoca. E-mail: keniabraga187@gmail.com
3
Licenciando em Música, IFCE/Campus Itapipoca. E-mail: luiriedu@gmail.com.
4
Professor EBTT do IFCE/Campus Itapipoca. Doutorando em filosofia (UFC).
INTRODUÇÃO
Fischer (1983) explica que a arte nasceu há muito tempo, que faz parte da vida em
sociedade. Ele continua relatando que a arte pode ser comparada ao trabalho e que a arte é um
trabalho, relembrando que o trabalho é uma característica humana: “a Arte é quase tão antiga
quanto o homem. É uma forma de trabalho, e o trabalho é uma atividade característica do
homem” (FISCHER, 1983, p. 21).
Fischer (1983) argumenta que, através do trabalho, o homem pode transformar a
natureza. De acordo com o autor, o homem primitivo percebeu que, ao transformar a natureza,
criando novos objetos, o criador não somente constrói novos objetos, mas o resultado final de
sua criação era relacionado à magia. Assim, todo homem é um mágico. Quanto ao surgimento
da arte e sua relação com a magia, Fischer (1983, p. 44) define que: “A arte era um
instrumento mágico e servia ao homem na dominação da natureza e no desenvolvimento das
relações sociais. Seria errôneo, entretanto, explicar a origem da arte por esse único elemento,
de maneira exclusiva”.
Diante dessas reflexões, é notório que a arte advém do trabalho e que sua função
está ligada tanto a vida cotidiana como às relações sociais. Quanto as suas diversas funções,
nesse artigo será abordada apenas sua função religiosa. Assim, ao se referir na relação arte e
religião, Shusterman e Araújo (2012, p.82) explicam que: “a arte emergiu em tempos antigos
do mito, da magia e da religião, e desde então ela mantém seu poder arrebatador por meio de
sua aura sagrada. Como objetos de culto de adoração, as obras de arte tecem uma extasiante
magia sobre nós”. Desse modo, a religião está diretamente relacionada à arte, afinal é por
meio da arte que a adoração acontece.
Ao relacionar arte e religião, logo recordamos da Reforma Protestante, que se deu,
de acordo com a enciclopédia da história da arte, da seguinte forma: após a decisão do Papa
Leão X de construir a Basílica de São Pedro e com a forma de arrecadação de dinheiro através
de indulgências (comprar uma vaga no céu), o monge alemão Martinho Lutero, visando
denunciar e corrigir os erros da igreja católica, publicou suas 95 teses na porta da igreja de
Wittenberg, na Alemanha, entretanto seu protesto não foi aceito. Isso construiu uma divisão
entre católicos e protestantes, nascendo assim uma nova vertente cristã, consequentemente
afetando a arte sacra (a arte da Reforma Protestante: c. 1520 – 1700).
Partindo do princípio da função religiosa da arte, delimitamos como título: A
origem da arte e sua função na reforma protestante. Além disso, traçamos o seguinte objetivo
geral: Apresentar a arte da reforma protestante e sua função, e como objetivos específicos:
explicar o pensamento da reforma protestante de como fazer arte cristã; apresentar as ideias
dos reformadores que, baseados em ideias do seu tempo, apresentam-se com uma arte clara,
objetiva e diferente do que vinha sendo feito, e descrever quais foram os impactos da reforma
protestantes na música, na literatura e na pintura.
Ao ser sugerido pelo professor-orientador o tema A Origem Da Arte E Sua
Função, decidimos apresentar a função da arte na reforma protestante, já que percebemos que
houveram muitos avanços não somente na arte, mas também na educação.
A música na idade média era algo próprio da igreja católica, produzida pela igreja
e para a igreja. Com o surgimento do movimento renascentista, Palermo (2018) fala que as
artes não são mais mantidas somente pela igreja, mas também pelos nobres e pela classe
dominante (mercenas). A música, então, não fica como arte exclusiva da igreja.
Palermo (2018) explica que a música enquanto arte exclusiva da igreja promove
afastamento do ouvinte pelo fato de o povo que participava das missas não ter acesso ao
estudo de música, pois era algo voltado para o clero. Sabendo disto, os renascentistas
apresentam algumas críticas, como:
1. O afastamento do fiel e a sua não participação durante o canto.
2. O tipo de música não despertava emoções/sentimentos nas pessoas que ouvem.
3. Crítica ao afastamento do texto, visto que o que era cantado não tinha clareza, então
texto precisava ter sua expressão clara e adequação da palavra com a melodia.
Palermo (2018 apud CIRILLO 1549) após apresentar essas ideias, cita o bispo
Bernardino Cirillo numa carta de 1549, que demonstra essa preocupação em produzir música
de forma diferente do que estava sendo feito:
Hoje em dia cantam-se essas coisas de qualquer maneira, confundindo-as
num estilo indiferente e incerto. Eu gostaria, em suma, que, quando uma
missa é composta para ser cantada na igreja, a música fosse concebida em
harmonia com o sentido fundamental das palavras, em certos intervalos e
números capazes de conduzir os nossos afetos à religião e ao Senhor [...].
Atualmente toda a diligência e esforço são postos na composição de
passagens imitativas, de forma que, enquanto uma voz diz Sanctus, outra diz
Sabaoth, outra ainda diz Gloria tua, com uivos, berros e gaguejos, mais
parecendo gatos em janeiro do que flores em maio.
Assim, o movimento renascentista apresenta novos conceitos sobre a estética de
composição da música, de unir a palavra ao som melódico, articulação clara das palavras,
tudo isso pensando em como essa música trará sentimento.
Função educativa da música.
“A fé vem pelo ouvir, e o ouvir a palavra de Deus” (de Tarso, Paulo. Romanos
cap. 10, vers.17, Bíblia Sagrada).
Essa citação acima é essencial nas ideias de Lutero e os reformadores, pois
acreditam fielmente no que o texto mencionado fala e para eles a pregação verdadeira consiste
na centralidade das escrituras e a música tem a importante função de comunicar, afinal, para
Lutero, a mensagem cantada encontra a função de edificar (educar) a igreja. Martinho Lutero
era mestre em Artes pela Universidade Erfurt e Doutor em Teologia pela Universidade de
Wittenberg, conforme afirma Palermo (2018, p.24):
[...]propôs com a Reforma a utilização do texto em língua vernácula, bem
como o texto das Escrituras como fundamento, e o uso de melodias simples
no culto. De fato, como tradutor das Escrituras para o alemão, e com a sua
preocupação central de que os fiéis participassem e entendessem o propósito
do culto e da adoração cristã.
No renascimento, acreditou-se muito no poder educativo da música (ethos).
Palermo (2018) afirma que, para Aristóteles, a música representa algo por imitação, ou seja,
temos as paixões humanas ou estados da alma, e a música precisa demonstrar os sentimentos
dos homens. Para o filósofo, essa arte pode “incitar ou inibir certos estados de espíritos [...]
pode transformar o caráter de alguém para o bem ou para o mal” (PALERMO, 2018, p. 24).
Platão e Aristóteles (apud Palermo 2018, p. 24) concordam que a música tem um
poder educativo: “Platão é taxativo contra a música bizarra e inconsequente, o mau uso dos
instrumentos e as melodias ininteligíveis.” Além disso, apresenta um pensamento de Platão e
revela que os pensamentos dos renascentistas estavam ligados as ideias dos filósofos
clássicos. Logo, é possível perceber que existia uma preocupação com a função comunicativa
e expressiva da música, pensando na métrica da canção, uma música dividida em estrofes,
diferentemente do que a Igreja Católica fazia que por vezes fosse difícil de entender o que era
cantado, por ter notas longas e sem algumas métricas específicas.
Calvino e a Musica
Nem a voz nem o canto tem algum valor ou algum proveito para Deus se não
nascerem de um afeto íntimo do coração. Ao contrário, irritam a Deus e
provocam sua cólera se só saem dos lábios [...]. Apesar disso, não
condenamos aqui nem a voz nem o canto; antes os apreciamos muito,
contanto que acompanhados do afeto do coração. Porquê dessa maneira
ajudam o espírito a pensar em Deus e o mantêm nele [...]. Além disso, como
a glória de Deus deve resplandecer em todos os membros de nosso corpo,
convém que a língua, criada especialmente por Deus para anunciar e
glorificar o seu santo nome, seja empregada em fazer isso, falando ou
cantando. Mas que seja empregada sobretudo nas orações que publicamente
se fazem nas assembleias dos fiéis; nas quais o que de fato se faz é glorificar
a Deus, todos em comum e em coro, ao Deus que honramos com um espírito
e uma mesma fé [...]. (CALVINO, 2009, p. 31).
O trecho demonstra a forma como Calvino também fora influenciado pelo
movimento renascentista, visto que o movimento busca demonstrar as emoções, comunicar as
emoções. João Calvino faz uso desse meio com músicas para as pessoas expressarem o “afeto
mais íntimo do seu coração” (CALVINO, 1543, apud PALERMO, 2018). Palermo faz uso de
uma citação de Calvino, no prefácio Saltério de Genebra, de 1543, para mais uma vez mostrar
como o reformador pensa sobre o uso da música como ferramenta de propagadora da
mensagem de Deus. Palermo (2018, p. 32) continua relatando:
E ainda que a prática do canto possa se estender mais amplamente; ela é,
mesmo nos lares e nos campos, um incentivo para nós, de certo modo, um
órgão de louvor a Deus, para elevar nossos corações a Ele, e consolar-nos
pela meditação de Sua virtude, bondade, sabedoria e justiça: isto é, tudo
aquilo que é mais do que alguém possa dizer [...]. Agora, entre outras coisas
que são próprias para entreter e recrear o homem e lhe dar prazer, a música é
tanto a primeira como a principal; e é necessário pensar que este é um dom
de Deus a nós delegado para tal fim. Além do mais, por causa disso, temos
que ser mais cuidadosos em não abusar dele, com temor de desgraçá-lo e
contaminá-lo, convertendo em nossa condenação, aquilo que foi dedicado
para o nosso proveito e uso. Se não houvesse outra consideração, senão esta,
já seria suficiente para nos levar a ter moderação no uso da música, e fazê-la
servir a todas as coisas honestas. E que ela não nos dê ocasião para dar lugar
a todo tipo de dissolução, ou nós fazermos como efeminados em deleites
desordenados, e não se torne instrumento de lascívia ou qualquer
impudicícia [...]. Além do mais, já que falamos de música, eu a compreendo
em duas partes: o que chamamos letra, ou assunto; e, segundo a música, ou
melodia. É verdadeiro que toda má palavra (como dizia S. Paulo), corrompe
os bons costumes, mas quando a melodia é colocada nela, traspassa o
coração muito mais fortemente, e penetra nele, de uma maneira como através
de um funil se derrama o vinho num vaso; assim também o veneno e a
corrupção é destilado até as profundezas do coração pela melodia [...] O que
então devemos fazer agora? É preciso haver canções não somente honestas,
mas também santas, que como aguilhões nos incitem a orar e a louvar a Deus
e a meditar nas suas obras para amar, honrar e glorificá-Lo.
Certamente, Palermo (2018) acreditava que a música não era apenas uma forma
de manifestação artística, mas também um dom de Deus.
Barbosa (2007) descreve que Martinho Lutero apresentou um novo currículo para
a educação da população. Ele criticava a educação oferecida na Idade Medieval, que se
baseava em livros de filosofia de Aristóteles, alegando que estes afastavam as pessoas da
verdade bíblica. Diante desse argumento, Lutero defendia a Bíblia como fonte principal de
conhecimento. Barbosa, (2007, p. 168) explica os requisitos necessários para estudá-la:
O novo currículo proposto tem a Bíblia como cerne do ensino e, como
conseqüência desse fato, para melhor estudá-la, Lutero defende, como algo
indispensável para as novas escolas, o ensino das línguas antigas.
Principalmente no tratado de 1524, apresenta vários argumentos sobre a
importância de se aprender o hebraico e o grego, línguas consideradas santas
e necessárias para um estudo mais aprofundado do Velho e do Novo
Testamento, além do estudo do latim, o que se mostrou indicado para o
ensino secundário na proposta dos colégios humanistas.
Para Lutero, a Bíblia era a principal literatura que deveria ser acessível para todos.
Ele acreditava que a leitura deste livro poderia trazer benefícios pessoais e coletivos, assim,
como afirma Júnior (2017 apud Barbosa, Barbosa e Silva 2019, p. 40) ao defenderem a tese
que a educação e o currículo sugerido por Lutero trazia consigo uma autonomia, já que: “as
pessoas deveriam ter conhecimento bíblico e estudarem as Sagradas Escrituras para
alcançarem autonomia e não ter uma condição de servilidade diante de grupos ou pessoas”.
Mesmo defendendo as Sagradas Escrituras como a principal literatura, Lutero
acreditava que a leitura de outros livros extras bíblicos e até mesmo obras literárias pagãs
acrescentariam conhecimentos na educação que era ofertada. Barbosa (2007, p. 168)
confirma: “era fundamental que se estudasse latim, grego e hebraico, além do ensino da
gramática e a leitura de textos mediante o estudo de obras literárias pagãs e cristãs”. Além de
sugerir livros de literatura pagã e cristã, Lutero também escreveu diversos livros:
As ideias e concepções que Martinho Lutero elabora sobre a educação,
durante o movimento da Reforma Protestante, podem ser encontradas em
diversos de seus escritos, entretanto, suas propostas específicas para a
educação escolar concentram-se em três deles: “À nobreza cristã da nação
alemã, acerca da melhoria do estamento cristão”, de 1520; “Aos conselhos
de todas as cidades da Alemanha para que criem e mantenham escolas
cristãs”, de 1524, e “Uma prédica para que se mandem os filhos à escola”, de
1530 (Lutero, 1995,v.5 apud Barbosa, 2011, p. 870).
Diante dessa explicação, é possível perceber que Lutero não somente influenciou
nas escolhas das literaturas, mas escreveu livros defendendo suas teorias e alertando o sobre a
relevância da educação, que, de acordo com ele, deveriam ser obrigatórias e gratuitas.
O impacto da reforma protestante na pintura
A pintura dentro da igreja protestante não teve uma grande expressão, devido à
crítica contra a forma como foi utilizada na época. Em contrapartida, a igreja católica passa a
ter uma maior expansão, utilizando da arte como forma didática, com mosaicos, vitrais e
ícones, como forma de mostrar ensinamentos bíblicos (Martins). Seria a forma de o
catolicismo tentar atrair seus fiéis.
A autoridade católica foi enfraquecendo e os artistas, antes findados à igreja,
começaram a produzir fora dela, assim as obras de artes passam a ter também um caráter
pessoal. A Pintura “A Lição de Anatomia do Doutor Tulp” (fig. 1), esta encomendada pela
Associação de Cirurgiões (Surgeons Guild), feita pelo holandês Rembrandt (1606-1669)
representa bem essa ideia:
Figura 1 - A Lição de Anatomia do Doutor
Fonte: Rembrandt,1632
Essa nova forma de fazer arte, junto ao pensamento renascentista, trouxe à arte
barroca, utilizando dessa nova perspectiva, a dualidade entre o antropocentrismo e o
teocentrismo (DIAS, 2018).
Godoy (2017) fala que a arte barroca tem o equilíbrio entre a racionalidade e a
emoção, tendo como foco a emoção. A pintura, antes restrita ao clero, se expande para as
camadas populares, tendo uma finalidade realística. “A pintura barroca é realista, mas a
realidade que lhe serve de ponto de partida não é só a vida de reis e rainhas de cortes
luxuosas, mas também a do povo simples”. (GODOY, 2017, p. 3).
Moreira afirma que o impacto que a reforma protestante trouxe a arte foi
concebido pela percepção da ideia do homem sobre as coisas, antes vindo da igreja católica
como algo que deveria ser determinado. Essa nova perspectiva trouxe uma realidade na qual o
indivíduo pode ter suas próprias interpretações.
Na pintura, a importância estética, antes visada pelo valor humanista, passa a ter
um caráter religioso de compromisso com a fé, a natureza passa a ser a representação do belo,
sendo a expressão do poder de Deus.
CONCLUSÃO
A arte como função religiosa na Europa, antes vista por “magias” em ritos,
evoluiu de forma a ter um processo de catequização, em que a estética e composição tornam-
se estimulados às mudanças. No caso da reforma, essas mudanças se tonaram essência pelo
próprio ideal Luterano, utilizando de ferramentas que ajudassem o convencimento para a
edificação da igreja.
A reforma Luterana, junto às ideias de Calvino, trouxe uma nova forma de
compor os ideais artísticos, consoante ao pensamento renascentista. A reforma ajudou a
enfraquecer as regras absolutistas atribuídas pela igreja católica, com isso os artistas tiveram
mais liberdade pessoal, facilitando o que conhecemos como arte barroca e suas consequentes.
A visão luterana também ajudou as relações entre o conhecimento comum e sacro,
deixando portas abertas para o estudo amplo e à expansão do conhecimento não apenas ligado
à igreja. Podemos concluir que, embora seus princípios fossem religiosos, a arte, como algo
“popular”, trouxe a ampliação do pensamento humanista, ainda que as obras artísticas e o
conhecimento fossem ligados à classe média e burguesia.
A Arte no movimento protestante se torna importante não apenas para o alimento
espiritual, mas também abrange a forma como o pensamento sobre as relações sociais
estavam a acontecer, o acesso à arte se torna mais amplo e o conhecimento crítico também, o
ser humano passa a ser o alvo, cuja consequência é ressaltada na idade contemporânea.
REFERÊNCIAS
BECKETT, Wendy. História da Pintura. São Paulo: Ed. Ática, 1997. Luís: Imagética
Comunicação e Design, 2007. 59 p.: il.
BOTTON, Flavio. AS LEITURAS BÍBLICAS DE REMBRANDT E A ARTE
BARROCA. Universidade do Grande ABC – UniABC. 2012.
CALVINO, João. A Instituição da Religião Cristã. São Paulo: Unesp, 2009, Livro III, cap.
XX, 31.