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JMJ

NOTAS SOBRE A AULA 02 (15/12/2023)

● Patrocínio de Santo Ambrósio

Como o primeiro dia de aula com o professor Felipe foi dia de Santo Ambrósio, ele
tomou a liberdade de invocá-lo como padroeiro do nosso grupo. Não porque temos
muita coisa para se comparar com Santo Ambrósio, mestre de Santo Agostinho, mas
para pedir humildemente a caridade da sua intercessão; devemos também invocar a
proteção de Nossa Senhora, – o nosso primeiro encontro aconteceu às vésperas da
solenidade da Imaculada Conceição.

● Somnium Scipiōnis: paragráfo 9 (comentário sobre a aula 01)

(9) Scipio: "Cum in Africam venissem Manio Manilio consuli ad quartam legionem
tribunus, ut scitis, militum, nihil mihi fuit potius, quam ut Masinissam convenirem
regem, familiae nostrae iustis de causis amicissimum.

M.’ Manílio consuli → é um dativo. Este cônsul de Roma estava liderando a


campanha contra Cartago.

tribunus militum → o professor tinha sugerido de pesquisar sobre o cursus


honorum, que é uma patente militar elevada que marca o ínicio da carreira política.

● Somnium Scipiōnis: paragráfos 10-12

(10) Post autem apparatu regio accepti sermonem in multam noctem produximus,
cum senex nihil nisi de Africano loqueretur omniaque eius non facta solum, sed
etiam dicta meminisset.

omniaque → não deve ser acentuada como “omníaque”, mas como “ómniaque”. O
deslocamento do acento tônico para que ele fique numa sílaba que nem é a tônica por
natureza e é uma sílaba breve parece ser evitado pelos escritores. E quando aparece
uma coisa desse tipo, aparece exatamente como Cícero fez aqui, elidindo o “-que”
com “eius”, permitindo que se pronuncie assim: “ómnia-qu êius”.

Deinde, ut cubitum discessimus (...)

cubitum → supino → separamo-nos para dormir

Supino:
verbo de movimento: discessimus;
finalidade do movimento: cubitum.
(Exemplo: vou dormir)

O supino é importante para formar o infinitivo futuro passivo. Diz-se que foi Cícero
quem inventou esse tempo no latim, e para inventá-lo utilizou-se do supino.

Infinitivo futuro passivo:


Supino + iri (= verbo eo, ire no infinitivo passivo = ser ido)
Pode ser utilizado em um discurso indireto cuja a frase tenha o verbo na voz passiva
e no futuro.
E. g., Octavius dixit magistrum Philipum laudatum iri ab discipulis eius.

Deinde, ut cubitum discessimus, me et de via fessum, et qui ad multam noctem


vigilassem, artior, quam solebat, somnus complexus est.

Este trecho explica o porquê de Cipião ter dormido profundamente. E há duas


causas:
I - fessum de via (cansado do caminho) → fessum é um adjetivo
II - qui ad multam noctem vigilassem (eu que/porque tinha vigiado muita noite) →
oração subordinada adjetiva

A oração reduzida adjetiva em latim faz-se com o uso do particípio. Quando não há
essa possibilidade, faz-se pela oração subordinada adjetiva com o pronome relativo.

No grego existe particípio passado ativo.

Latim: “Beata quae credidisti” (Beata tu que creste)


Grego: “μακαρία ἡ πιστεύσασα”

μακαρία → bem-aventurada
ἡ → artigo feminino
πιστεύσασα → aquela que creu → particípio passado ativo do verbo πιστεύω
πιστεύω → crer, ato de fé (πίστις)

(11) … Ad quam tu oppugnandam nunc venis paene miles. Hanc hoc biennio consul
evertes…

“Tu vens para lutar (sendo) agora praticamente um soldado”

paene miles → Cipião era o tribunus militum, de alta patente militar, porém estava
no início do cursus honorum, isto é, estava no primeiro grau da carreira política, –
tribunus militum é a transição da carreira militar para a carreira política. Dentro da
perspectiva da carreira política, o tribunus militum está mais abaixo, às portas do
cursus honorum; apesar de ser importante, está mais para um soldado raso do que
para um político. Isto é dito neste momento em oposição ao que se segue, isto é,
estava passando de um paene miles a um consul.

consul → Hanc hoc biennio consul evertes → daqui a dois anos tu serás cônsul.

(12) Hic tu, Africane, ostendas oportebit patriae lumen animi, ingenii consiliique
tui. Sed eius temporis ancipitem video quasi fatorum viam.

quasi → como que (qua si = como se) → em latim o quasi tem uma noção qualitativa,
diferentemente do português que é quantitativa, pois qua é advérbio de modo.

Hoje, dizemos: “Rafael quase ganhou o jogo”. Se fosse em latim, leríamos: “Como se
Rafael tivesse ganhado o jogo”.

ancipitem video quasi fatorum viam → o ancipitem e viam estão concordando e


abraçando para dar unidade a expressão, para deixar claro que tudo isto é uma coisa
só. O quasi como que se aplica a tudo nesta expressão, embora tecnicamente quasi
modifique viam, ele modifica o viam ancipitem fatorum e, de algum modo, o video
também, sugerindo um “como se/que eu vejo”, porque também o ver é uma figura de
linguagem. Então “o que eu percebo com a mente é como se fosse uma bifurcação
num caminho”.

(12) Nam cum aetas tua septenos octiens solis anfractus reditusque converterit
duoque hi numeri, quorum uterque plenus alter altera de causa habetur, circuitu
naturali summam tibi fatalem confecerint, in te unum atque in tuum nomen se tota
convertet civitas; (...)

anfractus → quebrar, torcer em volta


solis anfractus reditusque → anfractus é um semi-círculo e o reditus é a volta do sol.
Podemos imaginar aqui um círculo. É o movimento do sol em um ano, percorrendo
todas as estrelas fixas.

septenos octiens → sete oito vezes (Quando a tua idade tiver virado sete idas e vindas
do sol, isto é, anos, oito vezes) = cinquenta e seis.

uterque → unus alterque → um e o outro → refere-se aos dois números


singularmente, tanto o sete (septenos, numeral distributivo) quanto o oito (octiens,
numeral multiplicativo), por isso o verbo está no singular “habetur”, – “um e o outro
é tido/considerado cheio”.

alter → designa um número (sete ou oito) em oposição ao outro


altera → designa uma causa em oposição a outra
alter altera de causa → cada um (é cheio) por um causa/motivo diferente
São dois números em oposição e duas causas distintas, também em oposição.
(Falando do movimento do sol, o professor nos sugere que conheçamos as estrelas,
as constelações, o movimento do sol e da lua, que os acompanhemos durante os
meses e os anos, em suma, que tenhamos ao menos uma noção mínima sobre isso,
pois estas coisas são um sinal da eternidade, – e hoje em dia ninguém mais repara
nisso. O professor sugere também que pensemos nos ciclos da vida, como a semana,
o ano, etc.., para tê-los como referentes de certas mudanças na vida, – “como eu
estava no ano passado?” E. g., o ciclo da Lua marca a medida do mês; do Sol, o ano;
de Júpiter, o ciclo de doze anos; de Saturno, o de trinta; etc..)

● Princípio de leitura: Quando elementos são postos juntos pelo escritor,


considerar que eles podem estar se modulando para além das concordâncias
imediatas.
○ E.g., adjetivo com verbo, orações dentro do período, imagens de um
mesmo poema, elementos de um parágrafo.

“artior, quam solebat, somnus complexus est”

Aqui a uma concordância entre somnus e artior sendo mediada pelo verbo
complexus est. → O sono me abraçou mais apertado/mais apertadamente.
Isso também acontece em português, mas não com tanta liberalidade como em latim.

E. g.:

“Raia sanguínea e fresca a madrugada” (As Pombas, de Raimundo Correia)

Notar a presença do artigo antes de madrugada. O poeta não disse “Raia a sanguínea
e fresca madrugada”. O artigo deixa bem claro o que está acontecendo. Sanguínea e
fresca não está explicando que tipo de madrugada, mas como que a madrugada raia:
sanguínea e fresca.

“complexus me senex collacrimavit aliquantoque post suspexit ad caelum”

O fato de nomear o rei Masinissa como senex modula o choro. Tem muitas formas
em que se pode imaginar alguém chorando, mas a intenção do autor era que
imaginássemos as lágrimas de um senex. O velho tem um certo modo e um certo
significado nas suas lágrimas. Isso acontece com muita frequência em latim,
principalmente nos textos de Cícero e Horácio.

“quī nunc tē fruitur crēdulus aureā”

Aqui temos um sujeito “quī”, um verbo “fruitur” e um complemento de instrumento


“tē”, e dois adjetivos (quī) crēdulus e (tē) aureā.
Horácio está dizendo várias coisas ao mesmo tempo:

I - que o garoto frui da Pyrra;


II - que o garoto é crédulo; e
III - que Pyrra é dourada.

Mas o fato destes elementos estarem juntos também é relevante.

crēdulus → O garoto frui da Pyrra justamente porque é crédulo. E se ele não fosse
crédulo, não poderia fruir dela, ou não do mesmo jeito que Horácio descreve, isto é, o
adjetivo se refere ao sujeito mas também modula o verbo, indicando tanto uma causa
como um modo, – crēdulus explica o fruitur como também o modula.

aureā → Pyrra é dourada. Dourada (feita de ouro) é uma figura que carrega várias
coisas como algo que é belo aos olhos, como o seu valor e a cobiça por adquiri-lo por
ser atraente, etc.. Tudo isso se refere a Pyrra. Porque que o garoto frui dela? Porque
ela é aurea. Se para o garoto ela não fosse aurea, ele não estaria fruindo, ou não do
mesmo modo. Aqui aurea também é a causa do fruitur e também o modo, como o
adjetivo credulus. Tanto um como o outro estão modulando o verbo e são
complementares, não é possível dissociá-los sem perda de significado. Mas não são
advérbios, são adjetivos em sentido pleno.

“cui flāuam religās comam

simplex munditiīs?”

simplex munditiīs → o simplex é um adjetivo predicativo de tu (que está omitido na


frase) e está modulando o religas, como nos exemplos anteriores.

Mais casos onde o adjetivo qualifica o sujeito modulando o verbo (o contrário disso,
isto é, quando o adjetivo qualifica apenas o substantivo sem modificar o verbo, é
chamado epíteto perpétuo):

“Urgent inpavidī tē Salamīnius

Teucer, tē Sthenelus sciēns

pugnae (...)”
Ordem das palavras:

“perfūsus liquidīs urget odōribus” → não são gramaticalmente o instrumento de


urget, mas funcionam como se fossem; são do perfūsus, mas, como estão se
espalhando pelo verso e estão apertando o urget, deixam essa impressão.

Contraste entre as imagens:

Quis multā gracilis tē puer in rosā

perfūsus liquidīs urget odōribus

grātō, Pyrrha, sub antrō?

cui flāvam religās comam,

simplex munditiīs?

gracilis contrasta com urget, marca o desalinho do menino que é um puer gracilis
em relação a Pyrra. Como fica explícito em:

in multa rosa e perfusus que está em oposição a simplex, – há um contraste entre


o exagero do garoto/puer em multa rosa perfusus/encharcado todo-inteiro de
perfumes e a simplicidade de Pyrra ao prender os cabelos em simplex munditiīs.

● Sugestões para o próximo encontro:

I - Otávio: leitura do parágrafo 18 do Somnium Scipiōnis


II - Passivo Culto

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