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Jornal dos Bairros – uma experiência de imprensa popular!

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Jorge A. Pimenta Filho – Sociólogo/Psicanalista
Integrante do Jornal dos Bairros e Jornal de Fato. Ex-preso político

Imprensa popular, sim! Não simplesmente um jornal alternativo, imprensa independente ou


jornal nanico como se dizia na época! Época marcada por um momento importantíssimo de
nossa História, a retomada das Liberdades Democráticas! Últimos anos da Ditadura Militar!

Estávamos construindo uma alternativa contra-hegemônica ao lado da retomada das lutas


sociais: luta pela criação de associações de moradores de bairros e favelas, luta contra a poluição
que afetava a saúde dos moradores da região industrial, fortalecimento das oposições sindicais
que se articulavam para retomar a luta sindical autêntica contra os interventores e sindicalistas
pelegos impostos pela Ditadura Militar – luta dos metalúrgicos, dos tecelões, dos bancários, dos
professores e outros setores de trabalhadores que já se impunham como protagonistas na cena
social e política. Época em que, forjadas na luta popular, começavam a surgir suas lideranças.

O que era o Jornal dos Bairros? Um veículo de apoio à luta pela melhoria dos transportes
públicos, pela moradia popular, pelo saneamento dos bairros e vilas, pela urbanização das
favelas, contra despejo de populações da periferia, apoio às grandes mobilizações que se
iniciavam, como a greve dos pedreiros de 1977, pois os trabalhadores da construção civil
desceram dos morros para o centro da cidade lutando por melhorias de condições de vida e de
trabalho, também apoio a luta dos professores e sua memorável greve de 1979. Apoio ao
grande movimento emergente de lutas para criação de creches.

Essas eram as pautas reivindicativas e políticas importantíssimas que contaram, em algum


momento, com o trabalho combinado com outros jornais. Um destaque nesse sentido foi a
cobertura dos movimentos grevistas com uma grande matéria sobre “Os 10 anos da greve de
Contagem” (1968-1978), matéria pautada no Jornal dos Bairros e no Jornal de Fato.

Outro destaque foi a cobertura das eleições de 1978 com apoio aos candidatos populares: Ronan
Araújo, Cássio Gonçalves, Humberto Resende, candidatos a Deputados Estaduais e Edgar
Amorim, candidato a Deputado Federal.

Também pautamos a Anistia, a luta pela Anistia Ampla Geral e irrestrita!

Quem integrava o jornal? Quase duas centenas de pessoas que se reuniam para a cobertura,
entrevistas e distribuição do jornal que chegava aos bairros de periferia de Belo Horizonte,
próximos da Cidade Industrial, a toda a região do Barreiro, chegando até Ibirité e todos os
bairros de Contagem. A maioria dos envolvidos no jornal eram jovens universitários e
secundaristas dispostos a conhecer a vida do povo e apoiá-lo em suas lutas - o que significou um
engajamento e um percurso de abertura para a política popular e democrática -, mas também
participavam professores e alguns líderes populares. Desse contingente, um pequeno número
de integrantes do jornal eram pessoas formadas politicamente com uma militância na esquerda
revolucionária. Uns pouco haviam passado pela prisão e tortura! Conhecer, destacar e apoiar as
oposições sindicais, as lideranças populares, articular ações conjuntas com a Pastoral Operária,
CET – Centro de Estudos sobre o Trabalho, o GETEC - Grupo de Estudo e Trabalho e Educação
Comunitária, Cursos de Formação Operária - tudo isso resultou num caldo de cultura política
que levará alguns companheiros a iniciar uma militância política, tanto em sindicatos como na
política partidária, já que abrimos essa perspectiva! Foi um movimento pedagógico-político de
grande expressão!

O jornal traz estampado na primeira página da edição número zero, na segunda quinzena de
setembro de 1976, o seguinte texto: “Você [leitor] pertence a esta comunidade humana que vai
ler o JORNAL DOS BAIRROS de 15 em 15 dias. Um jornal que vai retratar o que existe no seu
bairro, na sua rua, no seu comércio, no esporte amador, no futebol de várzea, na vida enfim da
região”.

Dois fatores importantes foram utilizados para aproximação do jornal com seus leitores. Um
primeiro foi a linguagem, utilizada de uma forma quase coloquial, com textos curtos que
facilitavam um diálogo direto com o leitor, sem o rebuscamento da linguagem formal. Outro
instrumento utilizado para essa aproximação com o leitor, em sua maioria operários e suas
famílias residentes na região industrial, foi o símbolo do jornal que já aparece na primeira página
ao lado do nome do jornal e que acompanha a numeração das páginas: a imagem da escultura
“Trabalhador Anônimo”, obra do artista plástico José Amancius de Carvalho. Esta escultura se
encontrava na Praça da Cemig, local que representa o centro da Cidade Industrial Juventino Dias
e é uma homenagem ao operário. Popularmente a escultura era conhecida como “Estátua do
Salário-Mínimo”, isso porque ela é representada por um homem muito magro.

O trabalho do Jornal dos Bairros foi também na formação de pessoas que se engajaram para
construir o PT – Partido dos Trabalhadores, participando das Coordenações Políticas regionais e
depois dos núcleos do Partido, descobrindo uma forma nova de fazer política pela base,
nucleando lideranças sociais que podiam agora militar num partido sem patrões, sem políticos
tradicionais: colocando sua luta, sua vez, sua voz! Uma utopia fantástica! Um resgate da
verdadeira luta socialista e democrática!

Nilmário Miranda, o idealizador e dirigente do Projeto do Jornal dos Bairros, teve a ideia de sua
realização depois de passar pelos horrores da prisão política. Para mim a maturação dessa ideia
partiu de uma decisão política importantíssima: uma autocrítica do papel da esquerda e sua
vanguarda, uma ampla reflexão sobre a forma de fazer política centrada na valorização da
militância e na liderança do movimento operário e popular. Nilmário, que viera da esquerda
revolucionária – da POLOP, POC e depois OCML-PO, que participara da memorável greve de
1968 em Contagem e que depois esteve anos num trabalho clandestino, pode propor a outros
ex-militantes de outras organizações revolucionárias (APML, PC do B, PC) que viessem construir
essa experiência à luz do dia e sem as amarras do que era, principalmente, o centralismo
democrático e as propostas táticas e estratégicas da esquerda. Ele que encontrou alguns
companheiros de esquerda e já com experiência jornalística que o ajudaram na formatação do
jornal. Sim, a proposta foi formatada com precisão e profissionalismo, embora o jornal não
remunerasse ninguém e contasse com o apoio de pouquíssimos anunciantes. A parte mais
importante de apoio para impressão e divulgação do jornal viria logo em seguida com aportes
de agências internacionais de apoio a projetos populares do Terceiro Mundo e depois se criou
uma gráfica, a SEGRAC, mas esta é outra história...

Valeu muito a pena participar desse projeto que formou muitas pessoas também para a vida!

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Texto escrito a propósito da Festa de 40 anos do Jornal dos Bairros, Belo Horizonte, 14/09/2016.

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