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A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

Pretos/as do Rosário:
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)
2
Pretos/as do Rosário:
Universidade do Estado de Santa Catarina

Prof. Dr. Sebastião Iberes Lopes Melo


Reitor
Prof. Dr. Antonio Heronaldo de Sousa
Vice-Reitor
Prof. Dr. Paulino de Jesus Francisco Cardoso
Pró-Reitor de Extensão, Cultura e Comunidade
Prof. Dr. Jarbas José Cardoso
Diretor Geral do Centro de Ciências Humanas e da Educação - FAED
Profª. Dra. Alba Regina Battisti de Souza
Diretora de extensão do Centro de Ciências Humanas e da Educação - FAED
Profª. Dra. Jimena Furlani
Coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros - NEAB/UDESC

C onselho Editorial
Profª Msc. Neli Góes Ribeiro
Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC
Prof. Dr. Paulino de Jesus Francisco Cardoso
Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC
Prof. Dr. Wilson Roberto de Mattos
Pró-Reitoria de Pesquisa e Ensino de Pós-Graduação -
Universidade do Estado da Bahia - UNEB
Prof. Dr. Ahyas Siss
Vice-Diretor do Instituto Multidis-ciplinar - Campus da UFRRJ em
Nova Iguaçu -Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ
Prof. Dr. Paulo Vinicius Baptista da Silva
Coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros - NEAB/UFPR -
Universidade Federal do Paraná - UFPR
Profª Msc. Claudia Rocha
Coordenadora do Centro de Estudos dos Povos Afro-Índio-Americanos -
Cepaia - Universidade do Estado da Bahia - UNEB

Secretaria e Colaboração Técnica


Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC

Karla Leandro Rascke


Graduanda em História e Bolsista do Núcleo de
Estudos Afro-Brasileiros - NEAB/UDESC

Virgínia Ferreira Boff


Graduanda em Pedagogia e Bolsista do Núcleo de
Estudos Afro-Brasileiros - NEAB/UDESC
3
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

Paulino de Jesus Francisco Cardoso


Claudia Mortari Malavota (orgs.)

Pretos/as do Rosário:
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

1a edição

Itajaí - 2008
4
Pretos/as do Rosário:

Editores
José Isaías Venera
José Roberto Severino

Comercial
Ivana Bittencourt dos Santos Severino

Rua Lauro Müller, n. 83, Centro, Itajaí - CEP. 88301.400


Fone/Fax: (47) 30455815
www.editoracasaaberta.com.br

ISBN: 978-85-62459-24-5

Revisão
Karla Leandro Rascke

Projeto Gráfico e diagramação


J. I. Venera
5
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

Agradecimentos

Agradecemos imensamente a todos e todas que


tornaram possível esta publicação e, sua distribuição
daqui a alguns meses. Aos nossos familiares e amigos,
que compreendem os esforços na escrita de uma obra.
A esta Universidade do Estado de Santa Catarina,
pela estrutura disponível e possibilidade de estudos,
formação, aprendizado. E, em especial, ao Núcleo de
Estudos Afro-Brasileiros - NEAB/UDESC -, que, com
diferentes estudantes nesta passagem da pesquisa e de
conversas, contribuiu para a concretização desta obra
sobre a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São
Benedito dos Homens Pretos. Agradecemos aos/às
bolsistas, antigos e novos, que vão e que vêm: Alan,
Bruna, Jéssica, Jury, Kamila, Michelle, Kika, Leandra,
Maristela, Miriam, Renata, Tamna, Thaís, Natália,
Marina, Ivan, Igor, Mônica, Pri Costa, Pri Hoffmann,
Raoni, Lise, Willian, Vanusa, Natasha, Hudson, Virgínia
6
Pretos/as do Rosário:

e Thiago. Aos professores e professoras que apóiam o


NEAB e desenvolvem projetos no núcleo: profa. Neli,
prof. Alfredo, prof. Toni Edson, e profa. Jimena. Às
"meninas" do grupo de pesquisa Irmandades que
transcreveram quase toda a documentação do século
XIX disponível no acervo da Irmandade: Michelle,
Maristela, Jéssica, Kika, Priscila, Karla e Gabriela pela
documentação que transcrita e que provavelmente,
facilitará o contato de pesquisadores/as com estas
fontes.
Com carinho muito especial, ao falecido Sr. Oscar
Souza, pelo cuidado possível com o Acervo da
Irmandade, permitindo que esta documentação fosse
disponível para pesquisa.
7
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

Lista de figuras
Figura 1: Festa de negros na 24
Ilha de Santa Catarina, 1804
Figura 2: Vista frontal da Igreja de Nossa 27
Senhora do Rosário e São Benedito
Figura 3: Interior da Igreja de Nossa Senhora do 29
Rosário e São Benedito, com destaque
aos dois santos padroeiros
Figura 4: Vista do Adro da Igreja 30
do Rosário e São Benedito
Figura 5: Rua Trajano. 31
Ao fundo, a Igreja do Rosário
Figura 6: Imagem atual da Igreja da Irmandade 83
de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito
dos Homens Pretos - Florianópolis/SC
Figura 7: Coleta de esmolas em 87
irmandade do Rio de Janeiro
Figura 8: Coleta de esmolas para as irmandades 88
Figura 9: Foto atual de lápide no 105
Cemitério da Irmandade do Rosário
Figura 10: Procissão da Festa de São Benedito 140

Lista de gráficos
Gráfico 1: Condição dos Irmãos 54
Gráfico 2: Condição dos
Irmãos por ano de entrada 55
8
Pretos/as do Rosário:

Gráfico 3: Irmãos por condição ao ano 56


Gráfico 4: Irmãos por gênero por ano 57
Gráfico 5: Mulheres por condição ao ano 58
Gráfico 6: Irmãos cativos e libertos por profissão 62
Gráfico 7: Irmãos livres por profissão 63

Lista de quadros
Quadro 1: Composição por condição da mesa 44
administrativa, 1816-1842
Quadro 2: Cargos da Irmandade da Irmandade 46
de Nossa Senhora do Rosário

Abreviaturas
ABPSC - Acervo Biblioteca Pública do
Estado de Santa Catarina
ACDF - Acervo da Cúria Diocesana de Florianópolis
AINSRSB - Acervo da Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário e São Benedito dos Homens Pretos
ALESC - Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina
ANTT - Arquivo Nacional da Torre do Tombo
BPSC - Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina
INSRSB - Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São
Benedito dos Homens Pretos
NEAB - Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros
UDESC - Universidade do Estado de Santa Catarina
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A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

Sumário

Apresentação 11
Paulino de Jesus Francisco Cardoso e
Claudia Mortari Malavota

Capítulo 1 - Irmandade de Nossa 23


Senhora do Rosário e São Benedito dos
Homens
Pretos e as populações de origem africana
em Desterro nos séculos XVIII e XIX:
experiências, diversidade e solidariedade
Maristela dos Santos Simão e
Ângelo Renato Biléssimo

1.1 Da fundação e o processo de 25


institucionalização
1.2 Estrutura de funcionamento 43
1.3 Perfil dos Irmãos
Considerações Finais 59

Capítulo 2 - Os Pretos e as Pretas do 77


Rosário: sobrevivências, procissões, festas
e celebração da morte no século XIX em
Desterro/Florianópolis
Karla Leandro Rascke
10
Pretos/as do Rosário:

2.1 A construção da Igreja 79


2.2 Arrecadação de fundos: 84
esmolas, doações e patrimônio
2.3 Festas e procissões: visibilidade 91
2.4 Enterramento 100
Considerações Finais 107

Capítulo 3 - A Irmandade de Nossa 113


Senhora do Rosário e São Benedito
dos Homens Pretos em Florianópolis e
as ações romanizadoras: rupturas e
permanências no final do século XIX e
primeiras décadas do XX

Considerações Finais 169

Referência 179
11
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

Apresentação

Entre rezas, festas, enterros,


solidariedade e conflitos:
Os pretos e os crioulos da Irmandade do Rosário na
Desterro/Florianópolis, fins do século XVIII ao início
do século XX.

Paulino de Jesus Francisco Cardoso1


Claudia Mortari Malavota2

Sou um homem invisível. Não, não sou um fantasma ...


Sou um homem de substância, de carne e osso, fibras e
líquidos – talvez possa até dizer que possuo uma mente.
Sou invisível, compreendam, simplesmente porque as
pessoas se recusam a me ver. Tal como essas cabeças sem
corpo que às vezes são exibidas nos mafuás de circo, estou,
por assim dizer, cercado de espelhos de vidro duro e
deformante. Quem se aproxima de mim vê apenas o que
12
Pretos/as do Rosário:

me cerca, a si mesmo, ou os inventos de sua própria


imaginação – na verdade, tudo e qualquer coisa, menos
eu. Minha invisibilidade também não é, digamos, o resultado
de algum acidente bioquímico da minha epiderme. A
invisibilidade à qual me refiro ocorre em função da
disposição peculiar dos olhos das pessoas com quem entro
em contato. Tem a ver com a disposição de seus olhos
internos, aqueles olhos com que elas enxergam a realidade
através de seus olhos físicos.
(ELLISON, Ralph. O homem invisível).

A epígrafe acima, de um clássico da literatura afro-


americana3, evidencia uma das passagens na qual o
protagonista interroga-se acerca da distância que existe
entre suas experiências e as imagens hegemônicas que
circulavam pelos Estados Unidos de meados do século
XX. Daí a idéia de negros invisíveis, existentes porque
seus concidadãos, autodenominados brancos se
recusam a enxergá-los. Ou melhor, por insistirem em
imaginá-los nos termos de suas próprias experiências e
valores culturais, resultando na construção de
estereotipias e outras formas de opressão. Embora seja
resultado de uma abordagem literária, as palavras de
Ellison nos permitem refletir acerca da invisibilidade
histórica conferida às populações de origem africana
em Santa Catarina.
Vivemos num estado caracterizado, entre outras
coisas, por um discurso e uma propaganda sistemática
que acabou por construir uma imagem de um pedacinho
da Europa no sul do Brasil. Tal discurso, aliado a uma
determinada prática historiográfica, contribuiu para
construir a invisibilidade, nos dizeres de Ralph Ellison
e tão bem discutido por Leite4, acerca da presença,
história, vivências e sobrevivências das populações de
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A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

origem africana no estado. Essa prática historiográfica


a que nos referimos construiu a invisibilidade a partir
de dois pressupostos centrais: negando a sua existência
ao afirmar a sua insignificância numérica 5 e
coisificando e homogeneizando através de um discurso
que atribui as populações de origem africana
unicamente a condição de escravas negando suas
diversas origens, condições jurídicas e formas de
experiências históricas6.
Há algumas décadas a historiografia catarinense,
concomitante ao contexto de reformulação da
abordagem dos estudos e das pesquisas em âmbito
nacional, através da utilização de novas fontes de
pesquisa, bem como, de novas abordagens teóricas e
metodológicas do fazer histórico, tem buscado romper
com esta visão ampliando o leque de reflexões sobre a
temática. Discussões acerca dos vínculos parentais, das
formas de trabalho, de religiosidades, das ações de
liberdade, das sociedades recreativas, dos laços de
solidariedades, entre outras, tem sido objetos de estudos
e de pesquisas. Ainda, para além do termo negro - que
pressupõe a concepção de escravo, se pensarmos no
século XVIII até a primeira década do XX7 -, diversas
categorias jurídicas e origens têm sido apontadas: são
escravos, livres e libertos, crioulos, pretos e pardos que,
através da problematização das fontes de pesquisa,
emergem nas discussões.
Nesta perspectiva de abordagem se insere a presente
obra que objetiva discutir especificamente as
experiências e vivências das populações de origem
africana na antiga Desterro/Florianópolis tendo como
foco central a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário
e São Benedito dos Homens Pretos, no contexto do
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Pretos/as do Rosário:

século XIX até as primeiras décadas do XX.


Nossa Senhora do Desterro, fundada oficialmente
por volta de 1651, situada na Ilha de Santa Catarina,
foi historicamente importante como núcleo central de
apoio ao processo de ocupação pela Coroa Portuguesa
da região do Brasil Meridional. Situando-se no caminho
entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires, destacou-se pela
existência do porto, o que determinou a sua
característica de base militar inicialmente e, no decorrer
do século XVIII, na sua escolha para a sede da Capitania
de Santa Catarina, em 1738. O porto foi fator deter-
minante para o desenvolvimento da Vila, e da Província
de Santa Catarina, por meio do qual a elite mercantil,
nos séculos XVIII e XIX, controlou a economia do centro-
sul da região, bem como, os cargos administrativos e
militares, responsável em um primeiro momento pelo
abastecimento da Corte do Rio de Janeiro, e
posteriormente através do comércio de cabotagem,
ampliado os contatos entre Desterro e o Rio Grande do
Sul, Pernambuco, Montevidéu e Buenos Aires8.
Nossa Senhora do Desterro tornou-se Capital da
Província de Santa Catarina em 1823. Com o advento
da República, em 1889, a “velha” Desterro torna-se
Florianópolis e passa por profundas transformações
urbanas, no contexto do processo de modernização das
principais capitais do Brasil9. Com ela, a emergência
de novas elites, sobretudo de origem germânica que
desafiaram e, de algum modo, suplantaram os luso-
brasileiros na condução dos destinos do estado.
Ao longo de todo esse processo histórico, as
populações de origem africana desenvolviam diferentes
atividades circulando por todos os lugares, das casas
privadas aos espaços públicos, em todos os momentos
15
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

do dia e da noite. Homens e mulheres forjavam múltiplas


possibilidades de sobrevivência e de diversos arranjos,
na luta cotidiana por autonomia, em que as relações
de solidariedade e de sociabilidade eram fundamentais.
Num contexto, formado por espaços e grupos sociais
diferenciados, estão inseridas as Irmandades
religiosas10, que foram numerosas e se constituíram em
lugares importantes de devoção e, sobretudo, de
estabele-cimento de laços de amizade e solidariedade
entre os confrades11.
A expressividade em números das populações de
origem africana na antiga Desterro - e depois
Florianópolis - reflete-se na construção da sua própria
Igreja (concluída na primeira metade do século XIX) e
a instituição de uma Irmandade (fundada na metade
do século XVIII): a de Nossa Senhora do Rosário e São
Benedito dos Homens Pretos. A Irmandade, sediada
no interior da capela de mesmo nome, formada a partir
das regras definidas pela Igreja Católica, devotava culto
a uma santa comum como ponto de união entre os
Irmãos. Um lugar próprio a partir do qual as populações
de origem africana estabeleciam diferentes solida-
riedades.
Na Irmandade, era possível educar crianças, alforriar
escravos, enterrar e sufragar a alma dos Irmãos
falecidos. Mas, constituía-se como uma instituição que,
também, não estava isenta dos conflitos oriundos do
contexto na qual se inseria: de uma diversidade de
práticas sociais, estratégias e alianças estabelecidas
entre seus Irmãos, a partir de formas de identificação
provisórias, incoerentes, múltiplas, mas adequadas aos
dilemas e problemas com os quais se deparavam no
cotidiano. Descortinar, interpretar, dar visibilidade às
16
Pretos/as do Rosário:

diferentes experiências das populações de origem


africana pertencentes à Irmandade do Rosário, na antiga
Desterro e depois Florianópolis, só foi possível pela
existência do Acervo pertencente à Irmandade composto
por documentos escritos que datam dos séculos XVIII,
XIX e XX.12
O primeiro autor catarinense a fazer um estudo
específico sobre a Irmandade do Rosário de Desterro
foi Oswaldo Rodrigues Cabral 13 , que tem como
característica uma abordagem pautada, especifica-
mente, na descrição das funções e deliberações
desempenhadas pela Mesa Administrativa da
Irmandade, em que figuram alguns personagens
principais, como o Vigário da Matriz e alguns homens
brancos ilustres da cidade, que segundo o autor, agiam
por espírito de caridade e humanidade sendo constante,
durante toda a história da instituição, a harmonia entre
os Irmãos.
A partir dos questionamentos suscitados pela obra
de Cabral, outras pesquisas surgiram. O trabalho de
Mortari14 problematizou em que medida a Irmandade
do Rosário era um espaço de controle ou de resistência
das populações de origem africana na antiga Desterro,
evidenciando que a instituição inserida numa sociedade
escravista tendia a ser um espaço ambíguo, lugar de
exercício de controle e colonização das almas, mas
também se constituía como um território importante que
legitimava diversas práticas de solidariedade entre os
Irmãos. Mas, a abordagem ficou restrita à análise,
também, da Irmandade apenas como instituição.
As evidências acerca da existência de diversos
sujeitos, diferentes condições sociais e de origens
pertencentes à Irmandade, as suas alianças e seus
17
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

embates, surgiram num trabalho posterior, da mesma


autora, a partir do estudo de um conflito, ocorrido em
1841, desencadeado entre os Irmãos pretos, pardos e
crioulos e que acabou envolvendo os poderes civis e
eclesiásticos da cidade no contexto do século XIX. Pelos
questionamentos propostos às fontes de pesquisa, a
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário tornou-se um
lugar privilegiado para a visualização de diferentes
experiências das populações de origem africana entre
si e no contexto amplo da cidade15.
Evidentemente, todo trabalho de pesquisa suscita
novas perguntas a serem respondidas fazendo surgir
outras possibilidades de abordagens. Assim, no ano de
2006, o NEAB (Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros) da
UDESC desenvolveu um projeto, intitulado
“Irmandades e Confrarias Católicas de Africanos e
Afrodescendentes em Desterro no século XIX”,
financiado parcialmente pelo CNPq. As ações deste
projeto resultaram não somente na transcrição e
disponibilização de muitos documentos pertencentes à
Irmandade – especialmente do século XIX -, mas na
elaboração de novas problemáticas e trabalhos de
pesquisa, de conclusão de curso de graduação e de
mestrado16.
Este é o caso dos(as) autores(as) dos artigos que
compõem a presente obra. Através da problematização
e sistematização das fontes é possível conhecer,
quantificar e visibilizar, entre outras questões, a origem
dos Irmãos (descendentes de europeus, africanos ou
afrodescendentes), a sua condição jurídica (escravo,
liberto ou livre), a organização da instituição, o
cotidiano e as ações empreendidas pelos irmãos
objetivando construir laços de solidariedade e ajuda
18
Pretos/as do Rosário:

mútua, os conflitos no interior da Irmandade, as relações


estabelecidas com outros sujeitos sociais na instituição
e na cidade, as formas de angariar recursos e como
estes eram aplicados (as festas, a construção da Igreja,
os cultos, os enterros), as ações e decisões da Mesa
administrava, tanto na esfera espiritual quanto temporal
no contexto que compreende do final do século XVIII
às primeiras décadas do XX.
Algumas palavras recorrentes aparecem não só
no título dos artigos, mas ao longo da discussão de cada
um deles: Irmandade, experiências, diversidades,
solidariedades, sobrevivências, rupturas, permanências,
populações de origem africana. É possível perceber,
portanto, alguns indícios do caminho seguido na
discussão. Esta obra se constitui em mais um esforço,
num longo caminho que tem sido construído, para
evidenciar a presença, as inúmeras experiências e as
vivências históricas das populações de origem africana
em Desterro/Florianópolis, Santa Catarina, sul do
Brasil.
1
Professor doutor do Departamento de História, coordenador
do Grupo de Pesquisa Multiculturalismo: História, Educação
Fontes:
e Populações de Origem Africana e de projetos de pesquisa
e extensão do NEAB/UDESC.
2
Professora doutora do Departamento de História da
UDESC/FAED e pesquisadora Associada do Núcleo de
Estudos Afro-Brasileiros da Universidade do Estado de Santa
Catarina (NEAB/UDESC).
3
A obra de Ellison aborda a questão da discriminação racial
nos Estados Unidos. Para uma interessante discussão acerca
de sua obra ver: NEVES, Maria Natália Amaro Almeida
Castro. A Busca da Eloquência em Invisible Man
de Ralph Ellison. Dissertação de Mestrado em Estudos
Anglo-Americanos, Faculdade de Letras, Universidade do
Porto, 2009.
19
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

4
LEITE, Ilka Boaventura. Descendentes de africanos em
Santa Catarina: invisibilidade histórica e segregação. In:
LEITE, Ilka Boaventura (org). Negros no Sul do Brasil.
Ilha de Santa Catarina: Letras Contemporâneas, 1996.
5
Sobre esta questão há inúmeras discussões. Ver, por
exemplo: CARDOSO, Paulino de Jesus Francisco. Em busca
de um fantasma: as populações de origem africana em
Desterro, Florianópolis, de 1860 a 1888. Revista PADÊ
PADÊ
ADÊ:
estudos em filosofia, raça, gênero e direitos humanos.
UniCEUB, FACJS, Vol.2,N.1/07; MORTARI, Cláudia. Os
homens pretos do Desterro
Desterro: um estudo sobre a
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário. Dissertação de
Mestrado em História: Porto Alegre: PUCRS, 2000; LEITE,
1996.
6
Exemplos clássicos desta discussão: PEDRO, Joana Maria
(org.). Negro em terra de branco: escravidão e
preconceito em Santa Catarina no século XIX. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1988; CABRAL, Oswaldo R. História
de Santa Catarina. 3 ed., Florianópolis: Lunardelli, 1987;
PIAZZA, Walter F. O escravo numa economia
minifundiária. São Paulo: Resenha Universitária, 1975;
CARDOSO, Fernando Henrique e IANNI, Octávio. Cor e
Mobilidade Social em Florianópolis. São Paulo:
Nacional, 1960; CARDOSO, Paulino de Jesus Francisco.
História e P opulações de Origem Africana em santa
Populações
elendo Negro em T
Catarina II: rrelendo er ra de Branco
erra
Ter Branco..
Florianópolis, 2000. mimeo. Evidentemente, sabemos da
importância dessa produção historiográfica que, como
qualquer outra, é fruto de um tempo e um contexto.
Especificamente sobre a discussão da produção da
historiografia catarinense, ver o trabalho de GONÇALVES,
Janice. Sombrios umbrais a transpor: arquivos e
historiografia em Santa Catarina no século XX. Tese em
História, São Paulo, USP, 2006.
7
Sobre os sentidos dos termos que remetem à cor e à
condição social, ver: MATTOS, Hebe Maria. Das cor es
cores
do silêncio: os significados da liberdade no sudeste
escravista. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998;
CARDOSO, Paulino de Jesus Francisco. Negros em
Desterro: experiências das populações de origem africana
20
Pretos/as do Rosário:

em Florianópolis na segunda metade do século XIX. Itajaí:


Casa Aberta, 2008; MALAVOTA, Cláudia Mortari. Os
africanos de uma V ila por
Vila tuária do Sul do Brasil:
portuária
criando vínculos parentais e reinventando identidades,
Desterro, 1788/1850. Porto Alegre: Tese de doutorado em
História, PUC/RS, 2007.
8
BALDIN, Nelma. A Intendência da Marinha de Santa
Catarina e a questão da Cisplatina. Florianópolis:
Fundação Catarinense de Cultura, 1980, p. 14-15.
9
Para citar obras importantes da historiografia catarinense
que discutem essa questão: ARAÚJO, Hermetes Reis de. A
Invenção do Litoral. Reformas Urbanas e Reajustamento
Social em Florianópolis na Primeira República. São Paulo:
Dissertação de Mestrado em História, PUC, 1989;
OLIVEIRA, Henrique Luiz Pereira. Os F ilhos da F
Filhos alha:
Falha:
assistência aos expostos e remodelação das condutas em
Desterro (1828-1887). São Paulo: Dissertação de Mestrado
em História, PUC, 1990; CARDOSO, 2008.
10
Sobre as Irmandades religiosas existentes em Desterro, ver:
CABRAL, Oswaldo R. Nossa Senhora do Dester Desterroro
ro..
V.I. Notícia. Florianópolis: Lunardelli, 1979. Nesta obra,
num capítulo específico - Templos, Imagens e Confraria -,
o autor especifica quais eram as Irmandades existentes em
Desterro nos séculos XVIII e XIX; FONTES, Henrique da
Silva. A Ir mandade do Senhor dos P
Irmandade assos e o seu
Passos
hospital, e aqueles que o fundaram. Florianópolis,
Edição do Autor, 1965. Este trabalho é específico sobre
esta Irmandade; COMERLATO, Fabiana. Espaços
Arquitetônicos do Hospital de Caridade.
Florianópolis: UFSC: Trabalho de Conclusão do Curso em
História, 1995. Mimeo.
11
Existem inúmeras pesquisas em âmbito nacional discutindo
o papel desempenhado por estas instituições religiosas. Aqui
destacamos algumas que nos parecem referências
fundamentais. QUINTÃO, Antonia Aparecida. Lá vem o
meu parente: as irmandades de pretos e pardos no Rio
de Janeiro e em Pernambuco (século XVIII). São Paulo:
Annablume: Fapesp, 2002; REIS, João José. A mor te é
morte
uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil no
21
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

século XIX. São Paulo: Cia das Letras, 1991; SOARES,


Marisa de Carvalho. Devotos da cor cor.. Identidade étnica,
religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000; SOUZA, Marina
de Mello. Reis negros no Brasil escravista. História
da festa de coroação do Rei Congo. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2002.
12
Os documentos estão atualmente armazenados em
armários de madeira numa sala no interior da igreja. Na
década de 1980, estavam em caixas prontos para o descarte
quando foram resgatados pelo ex-Provedor da Irmandade,
seu Oscar Souza e organizados na forma como se
encontram atualmente. Alguns livros foram encadernados,
os documentos avulsos colocados em caixas arquivo e
datados. Apesar da iniciativa do provedor, permitindo que
os documentos existissem até hoje, estes se encontram
suscetíveis às ações do tempo e do ambiente, não passaram
pelo processo de higienização e encontram-se armazenados
de forma inconveniente.
13
CABRAL, Oswaldo Rodrigues. Notícia Histórica sobre
a Ir mandade de Nossa Senhora do Rosário Rosário..
Florianópolis, 1950.
14
MORTARI, Cláudia. A Ir Irmandade
mandade de Nossa Senhora
do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos:
um espaço de controle ou um território negro de resistência?
(1845-1850). Florianópolis: Trabalho de Conclusão de
Curso em História: UFSC, 1995.
15
MORTARI, 2000.
16
Projeto coordenado pelo Prof. Dr. Paulino de Jesus Francisco
Cardoso. Através do projeto realizou-se a transcrição de
parte da documentação do acervo da instituição. No total
foram 12 livros Caixa, 03 livros Ata e uma tabela de registro
de Irmãos e Irmãs do século XIX que se encontram
disponibilizados no acervo do NEAB e na Irmandade de
forma impressa e em CD. A documentação da Irmandade
se compõe de: 11 Livros de Atas de Reunião, 26 Livros
Caixa, 4 Livros de Anuidades, 5 Livros de Relatórios
Administrativos, 1 Livro de Beneméritos e Benfeitores, 2
Livros de Registro de Casamentos, 3 Livros de Despesas, 3
22
Pretos/as do Rosário:

Livros de Enterramentos, 3 Livros de Proposta de


Administração, 1 Livro de Registro de Irmãos e Irmãs, 20
Livros de Recibo, 43 Pastas de Documentos Diversos, 1
Pasta de Orientações para o Ministério da Igreja, 1 Livro
dos Exéquios (Missa para as Almas dos Irmãos Falecidos),
1 Livro Presbiterial, 3 Livros de Missaes, 5 Livros de Atas
Históricas, 1 Livro do procurador, 1 Livro de Autoridades,
1 Livro de Mesa Administrativa, 1 Livro de Inventários, 4
Compromissos da Irmandade (1807, 1842, 1905 e 1986),
4 Livros de Presença, 2 Livros de Cobranças, 2 Livros de
Divisões e 2 Livros de Índices. A tabela detalhada desta
documentação encontra-se no link: http://www.faed.
udesc.br/multiculturalismo/irmandades/acervo.htm. Esses
documentos compreendem o período do século XVIII ao
XX.
23
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

Capítulo 1

Irmandade de Nossa Senhora do


Rosário e São Benedito dos
Homens Pretos e as populações
de origem africana em Desterro
nos séculos XVIII e XIX:
experiências, diversidade e
solidariedade.
Maristela dos Santos Simão1
Angelo Renato Biléssimo2
24
Pretos/as do Rosário:

Figura 1: Festa de negros na Ilha de Santa Catarina, 18043

Em 1804, Georg Heinrich von Langsdorff4 em visita


à Ilha de Santa Catarina, descreve com muitos detalhes
sua participação em uma festa de ano novo, e com
grande atenção e admiração dá enfoque à festa de um
agrupamento de africanos ali também presentes. Mas,
sua descrição não se limita à tentativa de apresentar
ao leitor uma “fotografia” da situação, embora a
imagem acima, elaborada por um dos seus tripulantes,
fale muito sobre o momento e apresente atores pouco
retratados em Santa Catarina: africanos e seus
descendentes festejando um dia de ano novo, na praça
central da cidade de Desterro, em 1804 - chamou-nos
a atenção. Neste mesmo ano a Irmandade de Nossa
Senhora do Rosário, em seu livro caixa, registra gastos
com uma festa em louvor a Padroeira5.
25
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

Embora não possamos afirmar que o retratado acima


reflita essa festa, sabemos que era comum nesta
Irmandade os associados saírem pelas ruas em
procissão louvando à Santa do Rosário, e que os Irmãos,
como eram chamados seus associados – na sua grande
maioria, nesse período, africanos e seus descendentes,
cativos ou não – podem ser atores nas duas situações.
Esse texto tem por objetivo investigar um pouco mais
essa associação e seus associados, privilegiando o
século XIX, devido à grande quantidade de documentos
produzidos e disponíveis, além dos vários trabalhos
produzidos pelo Grupo de Pesquisa Multiculturalismo6
que nos auxiliam nesta investigação.

1.1 - Da fundação e o processo de


institucionalização
No ano de 1745, devotos de Nossa Senhora do
Rosário dos Pardos e Pretos da Freguesia de Nossa
Senhora do Desterro da Ilha de Santa Catarina
manifestaram sua vontade de erigir uma irmandade,
em honra à dita Senhora do Rosário. Para tanto,
elaboraram e apresentaram seu compromisso, para que
pudesse ser aprovado pelas autoridades eclesiásticas7.
O compromisso8 foi aprovado em todas as instâncias,
com pequenas alterações, apenas um pedido de
modificação em um dos capítulos e a inclusão de outros.
Podemos acreditar que a devoção à Senhora do
Rosário tenha tomado força na Ilha de Santa Catarina
junto com sua transformação em vila, no ano de 17269,
ou pouco depois, uma vez que temos registro da entrada
do Irmão Sebastião, escravo de Jose Reiz da Costa, em
26
Pretos/as do Rosário:

1728, e que, ainda segundo o registro, faleceu em


1777 10. Isso nos leva a supor que a Irmandade já
funcionava muito antes da confirmação de seu primeiro
compromisso, que data 07 de junho de 1750.11 Como
sabemos, havia uma distância entre a reunião das
pessoas para devoção até a regularização da
irmandade12. Era comum, as pessoas agruparem-se
pelas casas para efetuar suas rezas de devoção a um
santo padroeiro, depois conseguiam uma capela que
as aceitassem e, somente mais tarde, iniciavam o
processo de legalização. E também, há registro de
irmandades que tinham um compromisso em uso há
anos, já do conhecimento de entidades governamentais,
mas ainda sem a aprovação oficial.13 A primeira capela
da irmandade, no local onde hoje se encontra a Igreja
do Rosário, só foi construída em 176814. Ainda que a
capela própria fosse uma importante conquista para a
irmandade, era seu desejo a construção de uma igreja
que pudesse abrigá-la em melhores condições. Menos
de duas décadas depois, em 1787, tem-se um
requerimento da mesa administrativa para que se
procedesse à reforma da antiga capela e se desse início
à construção da igreja atual15. A construção de uma
igreja, em especial por uma irmandade que reunia, de
forma geral, pessoas de poucas posses, não era,
contudo, tarefa fácil. Analisando os livros-caixa, que
registram a movimentação financeira da irmandade,
podemos perceber que a igreja se mantém em obras
pelo menos até 1829, quando ainda se compra algumas
arrobas de gesso para a finalização do teto.16 Oswaldo
Cabral nos fala mais sobre essa situação: “Com tão
escassos rendimentos, as sua paredes levantadas pelos
próprios Irmãos, em dia que os seus senhores teriam
27
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

permitido, menos para favorecer os crioulos, retirando-


os dos seus trabalhos, do que de medo de algum castigo
celeste, se tivesse a ousadia de negar a permissão” 17.
Antes disso, em 1795, se conclui a capela mor da nova
igreja, embora os livros ressaltem que a capela antiga segue
arruinada. É nesse ano que a mesa solicita autorização
para transladar as imagens da capela antiga para a nova
igreja, além de pedir que a nova construção seja “visitada
e benzida de acordo com o ritual romano” 18.
É só em meados do século seguinte que temos a
conclusão da obra. No ano de 1824 há a decisão da
mesa administrativa de vender dois dos cativos de
propriedade da irmandade, com o objetivo de arrecadar
os fundos necessários para a conclusão da construção
da torre da igreja, o que foi realizado em 182619.

Figura 2: Vista frontal da Igreja de Nossa Senhora do Rosário


e São Benedito20
28
Pretos/as do Rosário:

A Irmandade surge devotada a Nossa Senhora do


Rosário, tendo apenas posteriormente, entre os anos
1830 e 184021, agregado o culto a São Benedito. Para
Márcia Brito, São Benedito:
Descendente de negros etíopes escravos, nasceu na Sicília,
em 1526, e foi criado na fé cristã. Tornou-se irmão leigo
franciscano e entrou, como cozinheiro da Ordem, num
convento em Palermo, onde depois se tornou superior e
mestre dos noviços, Foi beatificado em 1763 e canonizado
em 1807. Sua devoção no Brasil data do século XVIII,
estando em muitas igrejas por todo o litoral e nas regiões
de mineração22.
Assim, no dia 25 de dezembro de 1841, na Igreja do
Rosário, é proposta uma festa em louvor a São Benedito:
Como e quando se poderia fazer uma pequena festa a São
Benedito imagem colocada na dita Capela, e entrarão todos
em comum acordo fazer somente missa rezada com algum
fogos ... autorizou ao Irmão tezeoureiro para comprar com
a maior economia fazesse no dia primeiro de janeiro a festa
de São Benedito como missa cantada, sermão, e algum
fogo e que na véspera desse dia reuniria a Meza para fazer
a Eleição dos empregados na devoção do dado Santo e
procedendo na forma do estilo, forão eleitos os novos oficiais
que hão de servir no ano vindouro23.
E logo no próximo ano, 1842, o novo compromisso
já contempla São Benedito como padroeiro conjunto
da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, ocupando
sua imagem lugar de destaque na Igreja, e com membros
próprios na mesa administrativa da dita Irmandade,
que passa a se chamar Irmandade de Nossa Senhora
do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos.
29
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

Figura 3: Interior da Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São


Benedito, com destaque aos dois santos padroeiros24
30
Pretos/as do Rosário:

Esta igreja, de arquitetura barroca, guarda em seu


interior não apenas alfaias, mas também, no altar
central, a imagem da padroeira Nossa Senhora do
Rosário e do Padroeiro São Benedito. E, nos alteres
laterais, abriga outros santos como Nossa Senhora do
Parto, à direita da foto, e Nossa Senhora da Conceição,
à esquerda.
As escadarias do Rosário, em frente à igreja, se
tornaram célebres, e são hoje ponto de referência urbano
da região central da cidade de Florianópolis. Do adro
da Igreja foi que o artista Victor Meirelles pintou, no
século XIX, um amplo panorama da cidade, então
Desterro.

Figura 4: Vista do Adro da Igreja do Rosário e São Benedito,


184725

Na Desterro dos séculos XVIII e XIX, a chamada


Rua do Rosário (atual Rua Marechal Guilherme), onde
a igreja se localizava, era uma área periférica, ainda
que bastante próxima à praça central da cidade. Ficava
no bairro da Figueira, já limites com o bairro do Mato
Grosso, ambos, hoje, parte do centro da Cidade de
31
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

Florianópolis. À sua frente ficava o cortiço Cidade


Nova, e os fundos da igreja era, ainda, uma área não
habitada. Embora tenhamos poucas, ou quase
nenhuma, referência imagética da Igreja no período, a
imagem a seguir da Rua Trajano, provavelmente, do
início do século XX, apresenta-nos uma ótima vista da
Igreja do Rosário.

Figura 5: Rua Trajano. Ao fundo, a Igreja do Rosário26

Nos dados do recenseamento de 1870, a freguesia


de Nossa Senhora do Desterro contava com 8.602
habitantes, incluindo 1.122 cativos, e teve classificados
como não brancos (pardos, pretos e caboclos) cerca
de 32% da população. Se levarmos em conta toda a
Ilha de Santa Catarina, a população total sobe para
25.709 pessoas, e a concentração de cativos e de não
brancos fica em pouco mais de, respectivamente, 11%
32
Pretos/as do Rosário:

e 25%.27 Assim, as populações de origem africana,


embora por vezes, invisibilizadas no caminhar da
historiografia sobre a Ilha de Santa Catarina, represen-
tavam uma parcela bastante significativa dos habitantes
do lugar.
Essas populações se espalhavam por toda a cidade,
desempenhando as mais variadas atividades, e eram
responsáveis por grande parte do que hoje conven-
cionamos denominar “infraestrutura urbana”. A toda
essa população de origem africana era permitida o
ingresso na Irmandade, tendo como ressalva a
necessidade de autorização do senhor para o caso dos
cativos. Diz o nono capítulo do compromisso de 1807,
“conceder-se-há que entrem na dita Irmandade escravos
captivos com pleno consentimento de seus Senhores,
assinando estes o termo das suas entradas” 28.
Outro ponto que parece ser de grande importância
para o interesse que os cativos tinham nas irmandades,
remete às relações de poder que elas simbolizam.
Aprovada pelo Imperador e abençoada por Deus, estava,
pelo menos no plano simbólico, acima do poder dos
senhores. Como membros reconhecidos de uma institui-
ção que era parte da Igreja, e por ela autorizada, podiam
reforçar certas demandas, uma vez que era essa mesma
Igreja uma das fontes que ditava os comportamentos
considerados aceitáveis ou desejáveis, além do que,
poderiam, como parte da irmandade, levar à Igreja suas
reivindicações de maneira mais eficiente. A essa influên-
cia parece se dever parte do grande número de senhores
que liberavam seus escravos para as atividades da
Irmandade, pois do contrário, não estariam cumprindo
as regras de caridade esperadas de um bom cristão,
posição ambicionada, seja por real preocupação
33
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

religiosa com o destino de sua alma, seja por


conveniência social.
Ainda que identificada como a Irmandade de
pessoas de origem africana, não era incomum a
presença de pessoas de outras origens. Segundo Cabral,
entre os motivos que levavam estas pessoas a ingressar
na instituição estavam o espírito de humildade, o
pagamento de promessa, voto feito em momento de
aflição ou ainda a solidariedade, a fim de que a
confraria pudesse funcionar, registrar os seus fatos e
dirigir-se, dada a circunstância de que a maioria dos
membros era analfabeta29. Por outro lado, destaca a
historiadora Julita Scarano, o fato que levaria ao
ingresso desses brancos numa irmandade de africanos
e descendentes é que embora não deixassem de invocar
razão piedosa, parece inegável que a presença
significava uma forma de controle, que acabava por
tirar dos irmãos muito de sua independência30.
Podemos perceber, entre os membros da Irmandade
do Rosário de Desterro, vários identificados como
brancos, como Estevão Manoel Brocado e Antonio
Joaquim Wanzeller 31 , personagens que estiveram
envolvidos em várias atividades da instituição.
Parte dos detectados eram senhores de irmãos
cativos. Levando em conta a organização daquela
sociedade escravista, esse ingresso poderia ser, como
levanta Julita Scarano32, no sentido de controle “dos
seus” e ostentação de poder, mesmo que simbólico. Estes
senhores pagavam a jóia de entrada de seus cativos e
juntamente ingressavam 33 . Nesse sentido, ressalta
Scarano, apesar dos brancos fecharem aos negros suas
irmandades, muitos foram integrar as confrarias de
homens de cor, como a de Nossa Senhora do Rosário.
34
Pretos/as do Rosário:

Essas pessoas, fosse este seu desejo ou não, não podiam


impedir, sem dúvida, que os donos da terra, seus
próprios senhores, participassem de suas associa-
ções, aonde às vezes, chegaram a ocupar lugares
importantes34.
Sobre a prevalência de analfabetos entre os irmãos,
em especial os cativos, muitos caminhos nos indicam
essa interpretação. A própria legislação coetânea
buscava impedir o acesso de cativos à educação
formal, ao menos enquanto patrocinada pelo Estado,
normalmente vedando, no mesmo artigo, o acesso de
pessoas com “moléstias contagiosas e os escravos” 35.
Retornando ao censo de 1870, podemos perceber que,
embora o analfabetismo e a falta de educação formal
não se restringissem à população cativa, era ali que
atingia os maiores índices. Em Desterro, a taxa de
analfabetismo na população geral já era, para os
padrões da época, altíssima, 58%, embora fosse
sensivelmente menor que em outras regiões da Ilha de
Santa Catarina (na Freguesia da Lagoa apenas 132
dos mais de 3 mil habitantes estavam listados como
alfabetizados, embora a situação fosse ainda pior entre
os cativos, sendo nenhum, segundo o recenseamento,
alfabetizado). Quando observamos os índices de
Desterro por sexo e condição, podemos observar um
cenário mais específico. A única amostra na qual se
encontra mais pessoas que sabem ler do que analfabetas
é a dos homens livres – 48% de analfabetismo –
enquanto entre as mulheres livres a taxa é de 56%. Entre
os cativos, a taxa se mantém constante entre homens e
mulheres, cerca de 97%. O acesso ao ensino mostra
como se reproduz essa situação: 46% dos livres em
idade escolar frequentam a escola – 50% das mulheres
35
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

livres em idade escolar o fazem – enquanto, segundo o


censo, não há um único cativo em instituição escolar
na freguesia36.
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São
Benedito do Desterro reconhecia, em seu compromisso,
a necessidade de atuar nessa área, colocando como
um de seus objetivos
Cuidar da educação dos filhos Legítimos dos Irmãos que
morrerem em indigência, com tanto que estes tenham pelo
menos hum ano de recebidos na Irmandade, promovendo
a entrada daqueles nas escolas de ler, escrever e contar;
ministrando os socorros para isso necessários, a proporção
das rendas da Irmandade37.
Ainda que em alguns momentos apareça a
preocupação, por parte da administração da instituição,
de cumprir essa sua atribuição, não nos parece possível
perceber a participação de irmãos ou da Irmandade de
Nossa Senhora do Rosário no processo de escolarização
destas crianças, ou mesmo, a existência de alguma
escola mantida ou de alguma forma patrocinada pela
Irmandade. Parece-nos que, apesar de reconhecer a
gravidade da situação, a instituição não foi capaz de
conceber meios práticos de enfrentá-la. Sendo assim, é
bem provável que os cargos que exigiam pessoas
letradas, nas Irmandades de africanos e afrodes-
cendentes, fossem ocupados, via de regra, por brancos
letrados. “As Irmandades eram estimuladas a ceder
alguns cargos para brancos, especialmente, de
tesoureiros e escrivães. A razão para isso residiria no
fato de que os escravos, não tendo personalidade
jurídica, não os poderiam exercer” 38.
Pensamos que esta condição na educação criava
uma situação que colocava atos ordinários da vida civil,
36
Pretos/as do Rosário:

como abrir inventário, defender-se no poder judiciário


ou de medidas administrativas da hierarquia religiosa
ou civil, a uma distância considerável de uma grande
parcela da população, aí incluídos muitos participantes
da Irmandade. A situação é ainda mais desfavorável
quando focamos nosso olhar nos cativos, que, por lei,
não eram considerados cidadãos. Isso ressaltava a
importância da irmandade como facilitadora, enquanto
instrumento que poderia auxiliar no dia a dia das
pessoas, intermediando esses atos burocráticos que de
outra maneira estariam tão longe dessas populações.
A figura do Irmão Procurador parece vir preencher essa
lacuna, servindo como meio de ligação entre a
Irmandade e os anseios de seus membros, e a estrutura
jurídica do Estado.
Este papel de proteção e apoio a essas populações
não colocava a Irmandade fora dessas estruturas que
davam sustentação ao Estado da época. A própria
irmandade tinha sob sua propriedade, cativos, que,
talvez paradoxalmente, não encontramos registrados
como irmãos. Dois em especial chamam a atenção:
Manoel e Mathias. Ambos foram cativos da irmandade
na década de 1820, e aparecem recorrentemente nos
registros pesquisados. Pelo que pudemos averiguar, não
apenas executavam os serviços necessários na
instituição como também eram “alugados” a terceiros,
em troca de pagamento. Entre os anos de 1822 e 1827,
temos registros de entradas dos “jornaes” desses cativos
no valor de 164$950, equivalente a uma média anual
de mais de 30 mil réis39, o que embora seja uma quantia
modesta não é de todo desprezível. Percebe-se a
presença dos cativos também entre os gastos realizados
pela irmandade. Em pelo menos três ocasiões foram
37
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

efetuadas despesas médicas com estes cativos, além


de gastos em itens como roupas e cobertores,
necessários à manutenção dessas pessoas40.
Como poderíamos imaginar não nos parece que o
que movia a Irmandade na decisão de manter cativos
eram preocupações econômicas. Baseando-nos em
registros, foram localizadas receitas, conforme referido,
no valor de 164$950, enquanto localizamos despesas
no montante de 98$660, no período de 1822 a 182741,
levando-se em conta Matias e Manuel. É possível que
essa prática seja também um investimento no sentido
de distinção dentro daquela sociedade, na qual a posse
de escravos era um significativo sinal de posição.
Através da posse de bens importantes no cenário social
da época, como imóveis, joias e cativos, a Irmandade
do Rosário podia ombrear-se com as mais bem
conceituadas pessoas e instituições de então. Além de
Mathias e Manoel, o Provedor Oscar de Souza, no livro-
tombo da irmandade, se refere a outro cativo no mesmo
período, de nome Valentim42.
Os dados pesquisados não nos permitem
considerações sobre alguns aspectos importantes da
relação da irmandade com seus cativos. Alimentação
ou as condições de moradia desses não são
especificadas, sendo encontradas referências apenas a
gastos com roupas, cobertores e despesas médicas.
Pontos mais específicos da relação do cativo com a
instituição despertam a curiosidade, como a relação
de subordinação a outros cativos, irmãos da Irmandade
do Rosário com cargos administrativos.
A única luz lançada sobre o assunto nos documentos
pesquisados é um alegado “mau procedimento” dos
cativos. Entre os motivos para a decisão de vender os
38
Pretos/as do Rosário:

cativos estão as dificuldades de relacionamento.


Registram assim os Irmãos em Ata no dia vinte de maio
de 1827:
Foi dito que devam toda a autoridade ao atual Thesoureiro
José Pereira de Medeiros para que em benefício da
Irmandade e zelo poder vender o Escravo da Irmandade
de Nossa Senhora Mathias, crioulo, por este não servir se
não de despeza que continuamente se faz e se tem feito
por ser de muito má conducta e ele mesmo ter pedido por
varias vezes pedido venda e falta de obediencia ao
Thesoureiro que serve e antes que o dicto se perca, cuja
venda sera feita pelo maior preço que se puder alcançar43.
Segundo os livros da irmandade, os cativos com
frequência desobedeciam às ordens dos tesoureiros,
tendo sido inclusive encontradas alusões a fugas destes
indivíduos. Registram os Irmãos no livro caixa de 1823,
que só receberam uma parte 46$000 (quarenta e seis
mil réis) dos “jornaes” dos dois cativos, pois o escravo
Manuel havia desertado (fugido) em 22 de agosto44. O
mesmo Manuel aparece em registros posteriores, embora
não possamos afirmar se retornou por vontade ou foi
capturado.
Não podemos afirmar a causa destes embates, mas
não se pode negar a singularidade, no período, da
situação de ser escravo de uma associação formada
em grande parte por membros também cativos. É
possível que a resistência às ordens dadas e as
contínuas solicitações, por parte dos cativos, de que
fossem vendidos a outro senhor, esteja relacionada a
esta peculiar situação.
Também chama a atenção o fato de que os cativos
da Irmandade não se encontram entre os irmãos da
mesma, inclusive depois do registro de suas respectivas
39
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

vendas, Mathias em 1827, no valor de 225$60045, e


Manuel 1826 no valor de 147$20046. Não podemos
afirmar se isso se deve a alguma restrição posta pela
instituição, por resistência dos próprios cativos ou
algum outro fator, mas podemos sublinhar esse registro
como mais uma indicação de que essa relação era
pouco harmoniosa. Não temos, também, registros de
como Mathias, Manuel e Valentim, passaram a ser
propriedade da Irmandade, embora seja aceitável supor
que, assim como outros bens de valor, tenham sido
legados à associação em testamento, quando da morte
de algum membro ou apoiador mais abastado.
Embora a discussão na Mesa Administrativa sobre
as questões relativas aos cativos da Irmandade seja
frequente, em nenhum momento percebemos qualquer
hesitação ou mal-estar quanto ao fato da instituição
ser proprietária de cativos. Não nos parece que os
irmãos da época considerassem qualquer contradição
na situação. O que, aliás, não causa surpresa se
levarmos em conta a propagação das ideias escravistas
naquela sociedade. É apenas com o compromisso de
1842, mais de uma década, portanto, após ter vendido
seus cativos, que passamos a perceber movimentos da
irmandade na direção de buscar a alforria dos irmãos
cativos. Este compromisso, coloca já no parágrafo
quarto do primeiro capítulo, entre os deveres da
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São
Benedito “libertar da escravidão os Irmãos Cativos”.
Buscando cumprir esse dever expresso em seu
compromisso, a irmandade institui o “Cofre dos
Cativos”, onde se armazenava os valores que mais tarde
seriam gastos com a alforria de irmãos cativos. Diz os
parágrafos 217 e 218 do compromisso:
40
Pretos/as do Rosário:

217 – Haverá hum outro Cofre que se chamará dos


Captivos, onde se deverão recolher os dinheiros deduzidos
dos annuaes aos mesmos captivos, devendo entender-se
que de cada anual de duas patacas dadas por cada irmão
ficarão pertencendo ao Cofre dos Captivos meia pataca
para afim de se forrarem um ou dois irmãos, chegando as
esmolas para esse fim.

218 – Haverá na Igreja uma grande caixa chapeada por


dentro e por fora, com três chaves, que serão guardadas
pelo irmão tesoureiro de Nossa Senhora, o Escrivão e o
Procurador, e terá o título por fora – Caixa para Libertar
os Irmãos Captivos – na qual possam os fiéis deitar as
suas esmolas a beneficio destes enfelises47.
Ainda assim, ocupando 11 dos 227 parágrafos, o
Cofre dos Cativos levou 17 anos para se tornar uma
realidade. Conforme decidido pela mesa em 1859, no
ano seguinte iniciou-se o desconto dos “annuaes” dos
irmãos cativos da parte devida ao Cofre dos Cativos.
E, a partir de 1864, passou-se a aceitar também
contribuições voluntárias, conforme especificado no
compromisso. Ainda que tenha se demorado a efetivar
o Cofre dos Cativos, no ano de 1866 o mesmo já
contava com a importante quantia de 298$510. Tal
valor, no entanto, não foi destinado a alforria conforme
previsto, mas, com a autorização da mesa, gasto com
obras de reforma na igreja, para as quais não havia
recursos suficientes no Cofre da Irmandade, ainda que
tal prática fosse expressamente vedada no compromisso,
conforme seu parágrafo 222:

222 – O dinheiro que houver no Cofre, e Caixa dos Captivos


somente servirá para libertar captivos, e nunca, e por
nenhum cazo poderá dele servir-se a Irmandades, seja
41
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

qualquer que for a sua urgência48.


Podemos supor que tal incentivo a alforria, ou ao
menos a uma esperança de alforria entre os cativos,
não fosse bem vista entre alguns estratos da sociedade.
Todo o tempo, e com especial dificuldade em relação
às questões da liberdade dos irmãos cativos, a
Irmandade do Rosário precisava se equilibrar entre
convenções sociais, hierarquias e outras formas de
controle, autonomia e pressão. Para João José Reis,
essas associações tiveram um papel forçosamente ambíguo
em relação à escravidão. (…) Diversos compromissos falam
da indignidade da escravidão e fazem veladas críticas aos
senhores que maltratavam seus escravos. Nenhuma,
todavia, pôde combater a escravidão enquanto sistema.
Seu papel foi o de abrir espaços dentro dos limites do
sistema49.
No entanto, parece-nos que a esperança concreta
ou mesmo a possibilidade de liberdade estava no dia
da festa aos padroeiros, como prescreve o capítulo 24
do Compromisso de 184250. Segundo esta norma, o
escrivão deveria colocar os nomes de todos os irmãos
cativos e seus senhores em cédulas a serem depositadas
em uma urna. Na véspera da festa de Nossa Senhora,
após a eleição da mesa, abrir-se-ia o cofre dos cativos
e havendo recursos suficientes no cofre, seria liberto
um ou mais irmãos no dia seguinte, para o que a mesa
deveria reunir-se às quatro horas da tarde. Procedia-se
então à escolha de um dos meninos da Irmandade para
remexer os nomes depositados na urna por três vezes,
após o que, sob a ordem do Irmão Juiz, retirava uma
das cédulas e entregava ao Irmão Escrivão, que o leria
em voz alta, comunicando a todos os presentes o
nome do cativo felizardo.
42
Pretos/as do Rosário:

Apesar de não termos indícios sobre alguma


alforria diretamente ligada a este prática, esta questão
não deixa de ser importante ainda que no plano
simbólico. O fato de existir a possibilidade, ou ao
menos a intenção, da Irmandade conseguir a alforria
de seus irmãos já nos parece uma grande conquista
destas populações.
Alguns irmãos obtiveram sua carta de alforria,
embora não possamos afirmar por quais
mecanismos, sabendo, no entanto, não terem
alcançado a liberdade pelo cofre dos cativos. Temos
relatos de casos como o do Irmão Benedito Lopes,
escravo de Luisa Maria de Jesus, que conseguiu sua
liberdade em 21 de julho de 1870, de acordo com
sua carta de alforria. Esteve associado à Irmandade
entre os anos de 1869 e 1878, quando faleceu. Sua
senhora concedeu-lhe o título de liberdade com uma
ressalva: que acompanhasse sua irmã Camila Clara
da Penha enquanto esta vivesse 51 . Situação
semelhante viveu a Irmã Constantina, membro da
Irmandade entre 1858 e 1890. Sua senhora,
Thomasia Carolina de Campos, em 1870, deixou-
lhe a liberdade em testamento, especificando que com
sua morte cessava também o cativeiro de
Constantina 52.
Outros como João de Melo em 1870 53 e Marcelina
em 1873 54, também irmãos, recebiam seu título de
liberdade sem qualquer restrição. Havia ainda os que
conseguiam formar um pecúlio suficiente para
comprar sua própria liberdade. Em novembro de
1868 a Irmã Tereza, cativa de Rita Candida Pereira
Callado, registrou no Cartório Kotzias, na Cidade de
Desterro, seu título de liberdade. Pagou por ele a
43
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

expressiva quantia de 1 conto e 200 mil réis em troca


de sua liberdade55. Este valor exigido por sua senhora
reforça a ideia de que a Irmandade dificilmente
poderia efetivar seu intento de usar o Cofre dos
Cativos para a alforria 56 de irmão, pois em seus
balancetes a quantia armazenada nunca passou dos
300 mil réis57.

1.2 - Estrutura de funcionamento


Durante o século XIX, dois compromissos regulam
as atribuições e características da Irmandade do
Rosário de Desterro: o primeiro de 1807 e o segundo
de 1842, este contendo várias alterações, com o
acréscimo de alguns artigos e supressão de outros58.
Embora se saiba da existência de pelo menos um
compromisso anterior, não se tem nenhuma cópia
anterior a 1807. Acredita-se que grande parte da
documentação relativa aos primeiros anos de
funcionamento da Irmandade perdeu-se durante as
atribulações resultantes da invasão espanhola à Ilha
de Santa Catarina em 177759.
O compromisso de 1807 regulava o funciona-
mento da irmandade através de 16 artigos. Neste
compromisso a irmandade seria administrada por 21
pessoas, um juiz, um escrivão, um tesoureiro, um
procurador e 12 mesários, além de um rei, uma
rainha e duas irmãs juízas, uma de vara e outra de
ramalhete. Previa que estes cargos seriam ocupados
após eleição entre os membros, a ser realizada,
conforme era o costume, no dia da festa de Nossa
Senhora, em dezembro. Esta data era de grande
importância para os devotos do Rosário, e nela se
44
Pretos/as do Rosário:

festejava a comemoração dos reis, em meio a um


grande cortejo, acompanhado por cantos e danças60.
Sob a vigência deste compromisso, têm-se os
dados das 26 eleições realizadas entre 1816 e 1842, o
que nos permite alguns dados sobre a composição dos
cargos de destaque na irmandade.

Quadro 1: Composição por condição da mesa administrativa,


1816-184261

Algumas evidências nos sugerem a importância


dos cargos de Rei, Rainha e Juízas, e sua profunda
ligação com os festejos em honra à Virgem. Entre
1824 e 1826, por exemplo, foram trocadas as datas
da eleição para os cargos da mesa, tendo esta sido
realizada, respectivamente, em 02 e 08 de outubro e
30 de setembro, enquanto a escolha para reis e juízes
mantivera-se no dia 25 de dezembro, junto às
festividades.
Além dos cargos prescritos no compromisso,
percebe-se a existência de eleições para alguns cargos
que eram considerados necessários ou realizados
como adequação ao costume vigente62, entre os quais
podemos citar os de juiz e juíza por devoção, zelador
e andador.
Chama atenção também no compromisso de 1807
45
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

a especificação da condição para os irmãos em dois


cargos da irmandade: o juiz e o tesoureiro. Com
relação ao primeiro cargo, é determinado no terceiro
artigo, que: “Como a dita Irmandade é mais divizada
de homens Pretos, e desde a sua fundação sempre
o Irmão Juiz dela foi pessoa daquela qualidade, justo
é que assim fique praticando para o futuro, fazendo-
se eleição no irmão que se conhecer de mais
consideração e capacidade 63. Já com o cargo de
tesoureiro, ocorria o contrário. O compromisso previa
que “O Irmão Tesoureiro da dita Irmandade será
homem branco e sujeito de reconhecida Capacidade
que receba os rendimentos dela e faça todas as
despesas da mesma Irmandade mas debaixo da
Administração e ordem da Mesa” 64.
Ainda que o compromisso de 1807 não especifique
os objetivos da Irmandade, o mesmo não acontece
com o de 1842. Este os especifica como “prestar
devoto culto a Maria Santíssima do Rozario”,
“sepultar os Irmãos Defuntos e sufragar as suas
almas”, “cuidar na educação dos filhos Legítimos dos
Irmãos que morrerem em indigência” e “libertar da
escravidão aos Irmãos Cativos” 65. E inclui os outros
cargos administrativos e também os relacionados ao
padroeiro São Benedito.
46
Pretos/as do Rosário:

Quadro 2 - Cargos da Irmandade da Irmandade de Nossa


Senhora do Rosário66
47
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

Podemos perceber, ao compararmos os dois


compromissos, o desaparecimento dos cargos de Rei e
Rainha, símbolos máximos da festa do reisado, presente
em todo o Brasil. Marina de Mello e Souza, em sua
obra intitulada “Reis Negros no Brasil Escravista”,
ressalta algumas características destas práticas:
“polissêmicos como a própria festa os Reis Negros
assumiram uma variedade de significados e atribuições
atestando a perenidade de algumas instituições que
distinguem pela sua maleabilidade” 67.
Porém, não se sabe os motivos pelos quais essas
funções foram extintas, pois, como afirma Marina de
Mello, o Rei e a Rainha, eram, muitas vezes, lideranças
importantíssimas dentro das Irmandades e nos espaços
por eles frequentados. Com o novo compromisso, a
autoridade máxima da administração e, possivelmente,
esta posição de liderança, passa a ser exercida pela
figura do Juiz.
Talvez essa mudança, a extinção dos cargos de Rei
e Rainha, seja uma peculiaridade de Desterro. Nesta
direção temos o exemplo da Irmandade de Nossa
Senhora do Rosário na vizinha Vila de São José que,
segundo Claudia Mortari, em 1850 aprova seu
compromisso prevendo tais cargos68.
Também os tópicos com os quais as autoridades
régias mais detidamente se preocupavam se
modificaram com o passar dos administradores.
Segundo Caio Boschi, durante o período de reinado de
D. José I,
o elenco das restrições estipulava acentuadamente, dentre
outras, a abolição da pureza de sangue para a admissão, a
redução das esmolas dos juízes e demais oficiais de mesa,
a proibição de eleição e coroação de Reis e Rainhas em
48
Pretos/as do Rosário:

irmandades de negros, a proibição de auxiliares para a


cobrança de anuaes e outros haveres das irmandades, e a
insistente condenação da incompetência dos bispos e
ordinários sobre os sodalícios leigos69.
Posteriormente, com a ascensão de D. Maria I ao
trono, as restrições se complexaram. Embora não tenha
se descuidado das preocupações observadas pelo
reinado anterior, como por exemplo, na confirmação
do compromisso da “Irmandade da Nossa Senhora do
Rozario, de Santo Antonio de Calambau, de Guapiranga
entre outras restrições, proíbe esmolas, e reduz a 6
oitavos a esmola de juiz” 70. Adicionou a essas a
a proibição de aplicação, pelos irmãos administradores, de
multas pecuniárias, de castigo, penitências e penas; a
regulamentação das taxas de juros cobradas pelas
irmandades em seus empréstimos em dinheiro; a proibição
de poderem pedir esmolas e construir capelas sem prévia
licença régia; a proibição de fixarem editais em lugares
públicos; a proibição de estabelecerem prazos para os irmãos
fazerem testamento e o não reconhecimento das certidões
dos escrivães das irmandades terem fé pública71.
Essa linha de atuação, que poderia ser classificada
como privilegiando a acepção política, perde força com
D. João VI, principalmente após a transmigração da
corte em 1808. Emerge como principal preocupação
neste período o lado religioso, e, dentro das
características do novo regente, é nas questões religiosas
que o poder régio atua mais diretamente. Entre as
restrições mais frequentes neste período, temos
a proibição de sepultamentos no interior dos templos, pela
sua nocividade à saúde pública; a preservação dos direitos
paroquiais e da fábrica das matrizes; a proibição de pedidos
públicos de esmolas; a obrigatoriedade de prestação de
contas ao Provedor das Capelas e a permanente declaração
49
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

de que as alterações dos compromissos só teriam validade


com a aprovação régia72.
As figuras do Rei e da Rainha eram, sem dúvida, de
grande importância para a população, o que torna mais
intrigante o seu desaparecimento do compromisso da
Irmandade. Antonia Quintão reforça a posição influente
desses reis, através da preocupação que despertam na
sociedade e na Igreja:
O aspecto de inversão social, presente na coroação dos
monarcas negros fazia-se tão notório que as vezes assustava
as autoridades. Segundo o vigário era inconcebível que tais
homens e mulheres fosse venerados como reis verdadeiros,
ao ponto de brancos se ajoelharem diante de sua
passagem73.
Através de seu compromisso e das decisões da Mesa
Administrativa a Irmandade regia seus assuntos
cotidianos e decidia seus caminhos. Ainda assim, muito
dependia da hierarquia católica e, embora não fizesse
parte desta hierarquia também a ela estava, em
determinados assuntos, subordinada.
Não podemos então, aceitando a Irmandade como o lugar
da prática da religião, mesmo que através da realização de
atos temporais, mesmo enquanto exercia sua função de
sociabilidade e suas funções econômicas e sociais, colocá-
la como autônoma e independente da hierarquia católica,
uma vez que tais posições se originam na Igreja74.
Embora fosse o compromisso seu ponto basilar,
podemos supor que sua presença não era tão constante
nas deliberações da mesa, onde o costume parece ter
grande peso. O compromisso de 1842, por exemplo,
parece surgir como consequência de um conflito entre
a Irmandade do Rosário e a Irmandade de Nossa
Senhora do Parto, que tinha lugar na mesma igreja. Foi
50
Pretos/as do Rosário:

apenas quando se solicitou o compromisso para a


resolução das divergências que se percebeu a perda
deste em algum momento, e como solução para a
questão procedeu-se a elaboração de um novo estatuto,
baseado no que pudesse se achar do anterior75. Anos
mais tarde, o Compromisso de 1807, não se sabe a
data exata, reaparece, podendo ser encontrado hoje
nos arquivos da Irmandade.
Sobre as origens deste conflito, no decorrer do século
XIX a irmandade parece ter se tornado pequena para
conter novos grupos que foram se tornando importantes.
Qualquer igreja, fosse ela de propriedade de uma
irmandade ou não, podia hospedar entre suas paredes
outras irmandades, que mantinham seus santos de
devoção nos altares laterais. Essa prática levava,
compreensivelmente, a conflitos, que por variados
motivos podiam vir a se tornar constantes, ameaçando
inclusive a permanência dos santos e das próprias
irmandades hospedadas. Os conflitos entre os devotos
de Nossa Senhora do Rosário e do Parto em Desterro,
acima referidos, se estenderam por alguns anos,
chegando inclusive a termos judiciais76.
Conflito semelhante, embora de menor magnitude,
ocorreu entre a Irmandade e a Igreja Matriz que, em
187077, estando em reformas, utilizava a Igreja de Nossa
Senhora do Rosário, com permissão da Irmandade,
para seus ritos e celebrações.
No dia 31 de março de 1871apresentou-se à Mesa
Diretora um ofício do Reverendo Padre Sebastião
Antonio Martins, relatando que a Irmandade do
Santíssimo Sacramento - então sediada ao lado da
Igreja Matriz, onde costumava realizar suas celebrações
-, utilizar-se-ia da capela de Nossa Senhora do Rosário
51
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

para a realização dos atos da Semana Santa. Para a


efetivação de tal ato construiria um barracão em frente
à Igreja, retirando alguns tijolos do adro, que, de outra
maneira, atrapalhariam a construção do dito barracão.
Isso foi posto em discussão e, tendo a mesa deliberado
a respeito, decidiu-se que fosse declarado ao Reverendo
Padre:
Que conquanto tivesse a Irmandade, assumido como devia
a que celebrasse os atos parochiais em sua Capella, visto o
estado de mina em que se achava a Matriz, não cedio por
esta forma nos direitos e prerrogativas e por isso recente-se
a Mesa desta Irmandade, pela maneira por que o Reverendo
Arcypriste, a ella se dirige, declarando em seu officio haver
procedido de combinação com outra corporação a
celebração de actos estranhos aos parochiais nesta
Capella78.
Desta maneira resolveu a mesa, então, ressentida
com o tratamento recebido, não só deixar de
disponibilizar o espaço para a Irmandade do Santíssimo
Sacramento como ainda decidiu revogar o que tinha
sido colocado à disposição da matriz.
As relações com outras instituições religiosas, no
entanto, não se resumiam a essas desavenças. Na
reunião da mesa de 30 de setembro de 186679, por
exemplo, foi decidido que a festa de Nossa Senhora do
Rosário seria realizada no dia 14 de outubro, pois o
dia da Padroeira coincidia com a festa a ser realizada
pela Paróquia de São Francisco de Assis, na qual a
Irmandade, com antecedência, havia confirmado
presença na procissão.
Também verificamos uma relação de cooperação
com os sacerdotes da Companhia de Jesus do Colégio
S. Salvador. No dia 15 de novembro de 186780, uma
petição para a mesa é apresentada pelos referidos
52
Pretos/as do Rosário:

sacerdotes, pedindo permissão para lecionar a doutrina


cristã, um dia por semana, na capela, permissão essa
concedida pela mesa. Um ano mais tarde81, a mesma
Companhia pede à mesa para celebrar, no último dia
do mês de julho, o ato de coroação de Nossa Senhora,
ao que a mesa também assente. Em 12 de julho 186882
a Irmandade do Rosário percebe que, devido a
dificuldades financeiras, suas receitas não comportam
o pagamento de um capelão. Diante da situação a mesa
resolve, então, procurar o Reverendo Sacerdote Superior
do Colégio S. Salvador expondo as críticas circuns-
tâncias de sua receita, convidando um sacerdote para
cumprir e celebrar os atos religiosos, nem que seja
apenas para as missas de domingo. O pedido é aceito83,
desobrigando a Irmandade, pelo menos temporaria-
mente, dos pesados custos. Mais tarde, já em 1869, à
medida que a Irmandade se vê melhor financeiramente,
esses serviços voltam a ser remunerados. “Visto que o
Padre da Companhia de Jesus, tendo ser vido
gratuitamente até agora, a mesa propõe o pagamento
de uma mensalidade, uma vez que a Irmandade se
encontra em melhores condições, na quantia de 15$000
mensais84.
Podemos perceber, deste modo, que a Irmandade
do Rosário se inseria numa rede de relações com outras
instituições, principalmente aquelas vinculadas, de um
modo ou de outro, à Igreja Católica. A posição da
irmandade, capaz de dialogar e se relacionar em grau de
igualdade com outras instituições, inclusive com a própria
hierarquia da Igreja, parece ser um trunfo de grande
importância, em especial para os irmãos cativos que, de
outro modo, teriam sua capacidade de parlamentar
severamente restrita por sua condição de escravos.
53
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

Partindo-se dessa posição, pode-se supor que nessas


relações interinstitucionais a irmandade fosse
representada por seus membros de maior prestígio
social, pelos membros livres em detrimento dos cativos.
Não é, no entanto, essa a situação que verificamos.
Analisamos, a seguir, a concentração de irmãos por
condição – livres, libertos e cativos – nos dados gerais
da irmandade, os irmãos que eram membros da
irmandade em 1872 e os eleitos para os cargos
administrativos naquele ano. A distribuição entre as
categorias nas três amostras se mantém notavelmente
próxima, o que parece indicar que não havia uma
predileção na distribuição dos cargos, e, assim, a
disposição por condição dos irmãos eleitos refletia a
disposição dos membros da irmandade. Esta
constatação reforça também a importância da
irmandade como ferramenta de distinção social para
os cativos, pois não pareciam ser muitas as
oportunidades de ascensão em que se ombreava em
igualdade, ao menos de momento, cativos e livres.
Também nos indica que as redes de sociabilidade
construídas pelos irmãos naquele espaço incluíam em
situação de igualdade – ao menos em teoria e dentro
do espaço da Irmandade, pois não podemos perder de
vista o alcance e a profundidade do estatuto da
escravidão – pessoas de todas as condições.
54
Pretos/as do Rosário:

Gráfico 1 - Condição dos Irmãos85

1.3 - Perfil dos Irmãos


Passou pela Irmandade, segundo os dados a que
tivemos acesso, no período de 1778-1936, um total de
2.318 pessoas86. Cativos, libertos, livres, senhores de
escravos, todos circularam pela irmandade, alguns por
pouco tempo, outros por mais, fazendo a história da
instituição e deixando registros em livros, atas e
documentos. Através destes poucos registros podemos
apreender uma pequena parte de suas existências, um
pouco do seu dia-a-dia e da imensa complexidade das
relações entre eles.
A Irmandade contava com menores entre os listados
como irmãos. Pequenos irmãos, da mais tenra idade,
são listados em seus livros. É o caso de Maria das
Dores87, 4 anos, liberta de D. Sebania Francisca Vieira,
neta da Liberta Maria Constança Amaral, que entrou
na Irmandade no ano de 1865; de Rita Maria Amaral88,
5 anos, livre, filha da também Irmã Maria Cândida do
Amaral, que entrou na Irmandade em 1865 e de Valmar
dos Santos, integrado à irmandade em 1931, antes de
55
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

um ano de idade. Não sabemos, no entanto, se estas


ou outras crianças que passaram pela Irmandade
tiveram acesso à escola, seja da Irmandade ou outra
pública, ou particular. Suas passagens pelos livros da
instituição são muitas vezes efêmeras, pois, não
disputando cargos ou levando questões à mesa, poucos
registros escritos sobre eles podem ser encontrados.
Verificamos, na lista de pagamento de anuidades e
registros, a entrada de membros de 1778 a 1936,
variando de acordo com os anos o número de membros
ativos, chegando a 579 membros em 1858, ápice
encontrado.

Gráfico 2 - Condição de Irmãos por ano de entrada89

No gráfico acima percebemos a participação dos


Irmãos por condição por ano de entrada na Irmandade.
Percebe-se que, até o ano de 1868 é constante o ingresso
de um número maior de cativos do que de homens
livres, situação que se reverte a partir daí. Mais de 90%
dos cativos e libertos encontrados entraram na
irmandade antes desta data, enquanto o mesmo
aconteceu com apenas 28% dos livres.
56
Pretos/as do Rosário:

Gráfico 3: Irmãos por condição ao ano90

Conforme o gráfico acima, encontramos a


predominância de cativos sobre livres entre os membros
da Irmandade até o ano de 1870. Em 1871 temos 139
membros livres e 136 cativos, além de 28 libertos, no
primeiro ano em que esta tendência se inverte. No ano
seguinte, 1872, a quantidade de livres ultrapassa a soma
de cativos e libertos, mantendo-se a partir dali, de forma
geral, esta tendência até o ano de 1899, quando
Gregória da Conceição Ferreira e Maria Themothea
Falcão, as últimas irmãs a terem entrado como,
respectivamente, cativa e liberta, deixam a irmandade.
Essa transformação gradual parece acompanhar
algumas mudanças significativas no Brasil, com relação
à condição social dos cativos. O fim do tráfico legal em
1851, a Lei do Ventre Livre em 1871, as campanhas
abolicionistas, a Guerra do Paraguai. Em Desterro
temos também os clubes e jornais abolicionistas, um
desenvolvimento econômico considerável, através do
porto, bem como alguns reflexos locais da Guerra do
Paraguai, como a chegada de muitos militares na ilha.
Quando pensamos o gênero - homens e mulheres -
na Irmandade do Rosário verificamos uma participação
considerável de mulheres, girando em torno de 55%
dos irmãos no decorrer dos anos estudados.
57
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

Gráfico 4 - Irmãos por gênero por ano91

Sobre essa participação acentuada de mulheres, que


se mantêm como maioria na instituição de forma
consistente em todo o período aqui referido, Antonia
Quintão expõe:
As mulheres, sobretudo, integravam diversas agremiações.
Por outro lado, o crescente número de irmãs, de cor ou
brancas, nas confrarias do Rosário, bem como nas demais,
parece indicar estabilidade social maior, permitindo ás
mulheres participação mais ativa na vida local92.
Dentre essas mulheres, verificamos que o número
de livres superou, gradualmente, o de irmãs cativas. Em
1872 passamos a ter mais irmãs livres do que cativas93.
As irmãs libertas também eram presentes e, embora em
menor número, não deixavam de contribuir para com
a Irmandade. No ano de 1899, possivelmente por
falecimento, deixa a irmandade Gregória da Conceição
Ferreira, que havia se tornado membro 31 anos antes
quando ainda era cativa do Comendador Francisco
José de Oliveira. Foi a última irmã cativa a deixar a
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São
Benedito dos Homens Pretos de Desterro.
58
Pretos/as do Rosário:

Gráfico 5 - Mulheres por condição ao ano94

Verificamos um grande numero de senhoras de


escravos. Registramos, entre 1860 e 1880, 199 mulheres
senhoras de escravos, totalizando 234 cativos e cativas.
Chama a atenção o caso de Dona Francisca Candida de
Menezes, irmã que entrou na associação em 1852, sendo
que seis irmãos constavam como de sua propriedade.
Rosalina Menezes, Corina Candida de Menezes, Claudino
de Menezes, Claudomir, Maria Lidonia de Menezes. Entre
os homens são 349 senhores de escravos, totalizando 453
cativos. Não nos foi possível identificar o senhor ou senhora
de 18 dos cativos.
Estas senhoras livres, de posses, contribuíram nos
seus testamentos para a formação do patrimônio da
Irmandade, deixando legados como joias de valor,
propriedades e outros bens. Muitas vezes, os livros caixa
registraram a entrada de bens valiosos, que davam
importante contribuição à situação financeira da
irmandade. Registros como “Testamentário da Finada
Dn. Caetana Úrsula das Dores, um Rosário e uma Cruz
de Ouro, avaliados em noventa mil réis” 95 ou
“Testamentário da finada Boaventura das Chagas, um
par de brincos grandes de pedras finas, avaliados em
trinta mil réis”96 são, relativamente, frequentes.
Verificamos que na irmandade o ingresso de
59
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

mulheres, em todos os anos, à exceção de 1864, sempre


foi maior que o ingresso de homens. Sendo, no entanto,
resumidas as suas funções, como consta no Compromisso.
“Como tarefas mais importantes entre irmãs juízas e
zeladoras de Nossa Senhora e São Benedito constava zelar
pelo asseio e decência dos meninos órfãos, para que
os mesmos se apresentassem limpos e bem alinhados97.
Notamos também, uma variedade de nações nas
relações analisadas. Nesta lista notamos que os minas,
os congos e também os benguelas e os angolas, entre
outros, compunham o quadro de irmãos. No entanto,
bem lembra Julita Scarano, que essas classificações têm
origens nem sempre bem definidas, mas:
O grosso de escravos classificados como minas era,
evidentemente do grupo iorubá, sendo gegês ou nagôs. [...]
Os banguelas, também numerosos, vinham de regiões
localizadas ao sul de Angola, e caíram posteriormente sob
a influencia de Luanda. [...] Entretanto não podemos
esquecer que Angola era acima de tudo, um entreposto de
escravos de diversas procedências”98.
Através do registro, pudemos mapear algumas dessas
nações, que muito podem falar das pessoas quando
associadas ao nome. Por exemplo, para muitos, passava
a ser o próprio sobrenome, como Joana Mina,
Francisco Congo, Maria Diogo Mina, Pedro Benguela
ou Catarina Benguela99.
Como a denominação de nação acompanhava o
nome, outros dados também aparecem. Quando
falamos dos irmãos livres, temos por vezes, expressões
como “homem claro” ou “mulher branca”. O Comen-
dador Estevão Manoel Brocado, por exemplo, tem
associado a seu nome a denominação “homem claro”,
enquanto Damasia Caetano de Jesus é definida como
60
Pretos/as do Rosário:

“mulher clara” e Emilia Antonia Pereira da Rocha,


“branca”. Outro exemplo que chamou-nos bastante
atenção foi o de Antonio Martins Vieira, apresentado como
“branco, nego crioulo”, se tratando de um liberto, que
provavelmente, por ter nascido cativo ainda carregava a
marca de sua antiga condição. É difícil, entretanto,
estabelecermos um padrão, pois o registro de identificações
como essas não é regular, dependendo do escrivão
responsável pela anotação. É inegável que a classificação
em brancos, negros ou crioulos não consistia grande
preocupação para a irmandade na época, o que não
acontecia quando observamos a condição – cativo, livre
ou liberto.
Interessante, também, é percebemos a diversidade de
idades que encontramos. Temos registros que variam de
crianças de menos de um ano de vida, até senhores de 70
anos, muito acima do que parece ser a expectativa de
vida da época, principalmente para um cativo, como
Francisco Congo100.
Chama-nos a atenção o registro da Irmã Graciana
Maria de Nazareth101, mulher livre que permaneceu na
Irmandade por 66 anos, pagando todos os seus anuais,
do ano de 1817 ao ano de 1883, quando se registra seu
falecimento. Não há registros de sua idade ao ingressar
na associação, pois, como já ressaltado, as informações
registradas quando da filiação dependiam do escrivão.
Dona Graciana era, no entanto, exceção. A média
de permanência dos irmãos girava, segundo os registros,
em torno de 10 anos e meio. O tempo médio de
permanência era maior entre cativos e libertos, em torno
de dois anos a mais do que entre os livres102.
Quanto às profissões, raramente mencionadas nos
documentos, os padres e os militares são presença
61
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

relevante, bem como alguns comerciantes, quando


falamos de homens livres, enquanto sapateiros,
pedreiros e padeiros constam como profissão de boa
parte de cativos e libertos.
Tenentes, coronéis, majores, capitães de mar e
guerra, soldados. Todo o espectro da hierarquia militar
pode ser encontrado nos registros da Irmandade. No
entanto, é mais frequente o registro da patente quanto
mais alta ela for, o que pode ser explicado pela
importância da posição na hierarquia militar como fator
de distinção social. Parece ser mais importante registrar
se um determinado irmão recém admitido é um major
do que quando se trata de um soldado.
Em torno de 15% das pessoas cativas que estiveram
na Irmandade no período estudado tinham, em seus
registros, militares como senhores, alguns também
registrados como membros da associação. Temos como
exemplo maior o Major Domingos José da Costa
Sobrinho, membro da Irmandade desde 1866, que teve
registrado o pagamento de joia de entrada para nove
de seus cativos: Manoel, Feliciano Jose de Jesus,
Constança Maria da Conceição Costa, Sebastião,
Violante, Eva, Rafael, João e Geraldo.
Esses senhores eram, via de regra, dos altos escalões
das armas, não sendo encontrado nenhum registro de
militares de baixa patente como senhores, pois recebiam
soldos substancialmente menores, chegando, segundo
alguns autores103, a ter outras profissões como fonte de
renda complementar; além de alguns afirmarem que
quando seus soldos não eram pagos em dia – o que
não parece ser evento tão raro quanto poderia se pensar -
era a própria população quem os alimentava104. Como
afirma Paulino de Jesus Francisco Cardoso, esse
62
Pretos/as do Rosário:

contingente de militares parece bastante substancial para


a pequena Desterro de meados do século XIX, sendo que
“em 1876, a transferência de quinhentos soldados e seus
familiares, pertencentes ao 17º Batalhão de Linha” 105
mexeu significativamente com a estrutura da cidade.
Entre as profissões civis, é clara a diferenciação entre
as registradas para os cativos e libertos e as registradas
para os homens livres. Entre cativos e libertos, temos
alfaiates, como Terencio de Freitas Serrão, pedreiros, como
o cativo Manoel Joaquim Marques, quitandeiras como a
liberta Marianna da Costa, sapateiros como José da Silva
e padeiros como Francisca Rosa, entre outras profissões.
Conforme observado no gráfico abaixo, sapateiros e
pedreiros eram as profissões mais frequentes entre os
irmãos cativos e libertos registrados na Irmandade.

Cativos e Libertos por Profissão

Gráfico 6 - Irmãos cativos e libertos por profissão106

Quanto à remuneração dos cativos, mesmo que com


profissão registrada, anotações em ata apontam que
era, ao menos em alguns casos, recebida pelo senhor,
63
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

conforme esse excerto do Livro Caixa da Irmandade:


Importância paga a Francisco de Paula Seara proveniente
do trabalho de pedreiro de seu escravo de nome João, na
casa à Rua da Carioca de propriedade da Irmandade. Valor
dispendido 393$500. 1870-1871107.
Outra hipótese, a de que o escravo receberia o
pagamento por seu trabalho, repassando então uma
parte para seu senhor, é levantada por Claudia Mortari:
Os escravos urbanos gozavam de uma certa liberdade na
cidade, desenvolvendo diversas atividades, estabelecendo
relações de sociabilidade. No desempenho de suas tarefas
diárias é possível que ficasse com uma parte do que
ganhava, e a outra entregassem ao seu senhor108.
Entre os livres, sejam eles homens de cor ou não, no
entanto, eram outras as profissões anotadas no registro
de entrada. Havia a predominância de militares, além
de negociantes como José Leonço da Gama109, que foi
tesoureiro da Irmandade entre 1865 e 1867 e religiosos,
como o Reverendo Moises Lino da Silva110.

Livres por Profissão

Gráfico 7 - Irmãos livres por profissão111


64
Pretos/as do Rosário:

Ao cruzarmos os dois gráficos verificamos que a


única profissão registrada tanto para livres quanto para
cativos ou libertos foi a de caixeiro, o que aponta a
existência de uma possível diferenciação entre os
trabalhos vistos como de cativos e os de homens livres.
Mais do que isso, a alforria não implicava em uma
mudança de profissão, e as anotações da irmandade
neste sentido nos levam a crer que os ofícios exercidos
pelos libertos competiam com os oferecidos pelos
cativos, e não os ofícios de homens livres que, em certa
medida, esses ex-cativos passavam a ser.
Exercendo as profissões mais variadas, essa população
associada à Irmandade circulava por toda a cidade.
Estabeleciam assim, redes de sociabilidades importantes,
por vezes, complementares às estabelecidas na Irmandade.
Esses deslocamentos poderiam evidenciar uma liberdade,
em especial para os cativos112.
A partir dos dados analisados, buscamos mapear a
residência de alguns irmãos na cidade, bem como, os
possíveis e diversos caminhos que esses percorriam ao
longo do trajeto em suas idas à Irmandade, em dia de
festa, reuniões, missas, funerais ou outros eventos aos
quais eram convidados.
Podemos observar onde moravam através de alguns
endereços anotados quando de sua entrada na
Irmandade. Analisando os irmãos por sua condição,
podemos perceber que os cativos tendiam, uma vez
que em sua maioria moravam com seus senhores, a
morar nas áreas mais nobres da cidade. É o caso de
Firmo Jose Ramos, cativo de D. Anna Angelica de
Jesus Ramos, que residia na Rua Formosa. Já os
livres tendiam a morar mais próximo ao centro,
embora se estabelecessem por toda a cidade. Moravam,
65
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

principalmente, na Rua do Príncipe, como é o caso de


Rita Candida de Jesus ou na Rua do Vigário, como
Antonio da Rocha e Paiva. Eram os libertos que, em
sua maioria, moravam nos bairros populares.
As moradias nesses bairros eram, em sua maioria,
bastante modestas. Moradias estas destacadas por
Carina Santiago em seu trabalho “Um lugar chamado
Figueira: Experiências de africanos e afro-descendentes
nas últimas décadas do século XIX”:
Nestas localidades habitando simples choupanas,
consideradas sem condições para uma sobrevivência digna,
é que moravam africanos e afro-descendentes, fossem eles
escravos ou libertos, também tinham a companhia de
pessoas de outras origens étnicas, que se encontravam em
situação semelhante de pobreza113.
Também é possível pensar, a partir desses endereços,
no caminho que essas pessoas poderiam percorrer nos
seus deslocamentos até a Igreja do Rosário. A sua
passagem pela praça, uma parada no bar de um
conhecido, a piscadela recebida pela moça na janela,
esses pequenos acontecimentos do quotidiano davam
e estes deslocamentos todo um encanto. Nesses
momentos, os cativos se deslocavam com a autorização
de seus senhores, mas tratando de assuntos
particulares, como ir à Irmandade. Poderiam ser assim,
momentos de liberdade, bastante diversos de quando
iam à venda a mando de seu senhor ou estavam a
trabalho, buscando água ou mesmo livrando-se de
dejetos. Esses momentos poderiam indicar grande parte
do potencial atrativo das Irmandades para os cativos,
pois eles estavam nestes momentos se deslocando em
uma igualdade, ao menos aparente, com as pessoas
livres, muitas vezes, até com os próprios senhores.
66
Pretos/as do Rosário:

É destes períodos de autonomia que, possivelmente,


se utilizavam, também, para namorar, conversar, brigar,
estabelecendo suas redes de sociabilidades. Esse
caminho para a Irmandade talvez fosse a contribuição
mais significativa, para alguns, destas instituições na
construção de seu quotidiano e suas experiências.

Considerações Finais
A sociedade brasileira que encontramos no raiar do
século XIX é, em quase todos os aspectos, diversa da
que aqui grassava cem anos depois, quando outro
século nascia. Acompanhar o caminho desta sociedade
é também buscar compreender como o mundo de 1.800
deu origem àquele do início do século XX, que no Brasil
via uma república dando seus primeiros passos, tendo
que lidar com os mais de 350 anos de escravidão que
levava às costas.
Essas pessoas que faziam o mundo do século XIX
tinham em marcas sociais de distinção algumas de suas
principais maneiras de identificação. Era uma época
de ordens, irmandades, nações, condições e classifica-
ções que buscavam colocar cada indivíduo em um lugar
determinado. É dentro deste mosaico que identidades
étnicas encontram seu lugar. Entre as inúmeras
identificações a disposição, podia-se ser branco, preto,
brasileiro, português, benguela, mina, livre, liberto ou
cativo, e muito comumente as pessoas se identificavam
com uma série destas identidades.
Mais do que compreender como os indivíduos se
encaixam nestas categorias, nosso interesse neste
67
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

trabalho foi contribuir para a percepção de que maneira


essa identificação poderia se materializar na vida dessas
pessoas. Mais do que pessoas compartilhando uma
identificação, temos identificações sobrepondo-se para
formar uma sociedade. Para João José Reis,
a distinção étnico-nacional constituía a lógica de
estruturação social das confrarias no Brasil. Nesse ponto
os africanos pouco inovaram, apenas se adaptaram ao
ambiente. O surpreendente é constatar quão bem eles se
adaptaram e, a partir daí, criaram microestruturas de poder,
conceberam estratégias de alianças, estabeleceram regras
de sociabilidade, abriram canais de negociação e ativaram
formas de resistência114.
Dentro desta perspectiva buscamos mergulhar nas
informações que a Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário e São Benedito dos Homens Pretos de Desterro
produziu nos seus mais de dois séculos e meio de
existência. As irmandades constituíam, por seu caráter
oficial e religioso, um dos poucos lugares onde
populações de origem africana puderam produzir
grandes quantidades de informações escritas. Essa
característica faz destas instituições ferramentas de
grande importância para a construção de uma história
sobre suas experiências. Pode-se, através delas, alcançar
comportamentos, expectativas e anseios que de outra
forma só nos chegariam após passar por filtros de seus
contemporâneos.
Apesar de surgirem no esteio de tentativas de controle
sobre populações africanas, as Irmandades acabaram
por se tornar fortes símbolos de solidariedade e
identidade em uma terra que, muitas vezes, lhes era
hostil. Ao redor das atividades inerentes a estas
associações, como eleições, festividades e atividades
68
Pretos/as do Rosário:

burocráticas e religiosas, tornava-se possível construir


um espaço de autonomia, ainda que por vezes relativa,
no interior de uma sociedade que se organizava com o
intuito, por vezes expresso, de lhes sufocar a liberdade
e a individualidade. Diante de um futuro que lhes
parecia incerto, as irmandades se transformavam em
algo como uma família ritual, dentro da qual essas
populações encontravam alguma solidariedade e
apoio115.
Buscar compreender de maneira mais profunda a
Irmandade do Rosário de Desterro é, assim, procurar a
ampliação de nossos conhecimentos sobre o passado
de forma a abarcar nele populações que no decorrer
dos anos, em especial em Santa Catarina, foram
ignoradas e invisibilizadas. É tentar enxergar pessoas
que mesmo em seu tempo sofriam constantes pressões
para desaparecer, ao menos oficialmente, dos quadros
sociais.
É esse o singelo tributo que buscamos lhes prestar
neste capítulo.

Notas:
1
Graduada em História pela Universidade do Estado de Santa
Catarina - UDESC, mestranda na Universidade de Lisboa
Portugal, em História da África.
2
Graduado em História pela Universidade do Estado de
Santa Catarina - UDESC, mestrando em História dos
Descobrimentos e da Expansão na Universidade de Lisboa
Portugal.
3 CORRÊA, Carlos Humberto. História de Florianópolis
Ilustrada. Florianópolis: Ed. Insular, 2004, p.125.
4
O Barão Langsdorff nasceu na Alemanha em 1774 e
faleceu em 1852. Era integrante da expedição russa de
69
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

Krusenstern que em 1803 chegou à Santa Catarina, onde


permaneceu colecionando e estudando até 1804. Ver:
HARO, Martin Afonso Palma de (org). Ilha de Santa
Catarina: Relatos de viajantes estrangeiros no século XVII
e XIX. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1996, p. 169-170.
5
AINSRSB (Arquivo da Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário e São Benedito). Livro Caixa 1, 1798-1812,
p. 5-8.
6
Grupo de Pesquisa Multiculturalismo: História, Educação
e Populações de Origem Africana, coordenado pelo Prof.
Dr. Paulino de Jesus Francisco Cardoso. Ressaltamos a
pesquisa Irmandades e Confrarias Católicas de africanos e
afrodescendentes em Desterro no século XIX, com seus
desdobramentos em trabalhos de pesquisa de conclusão
de curso e publicações diversas sobre o tema. SIMÃO,
Maristela. Lá vem o dia a dia, lá vem a V irgem
Virgem
Maria, agora e na hora de nossa morte. A Irmandade
de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens
Pretos, em Desterro (1860-1880). Itajaí: UDESC; Ed. Casa
Aberta, 2008; STAKONSKI, Michelle Maria. Da sacristia
ao Consistório: tensões da romanização no caso da
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito
dos Homens Pretos – Desterro/Florianópolis (1880-1910).
Itajaí: UDESC; Casa Aberta, 2008.
7
AINSRSB. Provisão de Confirmação de Compromisso da
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pardos e
Pretos da Vila de Desterro. 1745. Livro Tombo da Irmandade
Beneficente Nossa Senhora do Rosário e São Benedito.
Florianópolis, 2006, p. 27-28.
8
“Os estatutos das confrarias, chamados compromissos, e
outros documentos constituem uma das poucas fontes
históricas da era escravista escritas por negros, ou pelo
menos como expressão de sua vontade.” REIS, João José.
Identidade e diversidade étnica nas irmandades negras no
tempo da escravidão. Revista T empo
empo, Rio de Janeiro.
Tempo
Vol. 2, n. 3, 1996, p. 5.
9
“O povoado da Ilha de Santa Catarina foi elevado à
categoria de vila em 26 de março de 1726”. CORRÊA,
2004, p. 47.
70
Pretos/as do Rosário:

10
AINSRSB. Pasta de Documentos Avulsos. Assentos dos
Irmãos da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário 1780.
Doc. n.1, p.2.
11
AINSRSB. Provisão de Confirmação de Compromisso da
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pardos e
Pretos da Vila de Desterro. 1745. Livro Tombo da Irmandade
Beneficente Nossa Senhora do Rosário e São Benedito.
Florianópolis, 2006, p. 27-28.
12
Esta discussão encontra-se em SIMÃO, 2008.
13
BOSCHI, Caio César. Os leigos e o poder poder.. Irmandades
leigas e políticas colonizadoras em Minas Gerais. São Paulo:
Ática, 1986, p. 120
14
AINSRSB. Livro Tombo da Irmandade Beneficente Nossa
Senhora do Rosário e São Benedito. Florianópolis, 2006,
p. 72
15
Ibidem.
16
Ibidem.
17
CABRAL, Oswaldo Rodrigues. Nossa Senhora do
Desterro: Noticia. Florianópolis: Lunardelli, 1979, p. 425.
18
AINSRSB. Livro Tombo da Irmandade Beneficente Nossa
Senhora do Rosário e São Benedito. Florianópolis, 2006.
p.72
19
AINSRSB. Livro. Livro Ata 1- 1816-1861.p.32
20
AINSRSB. Pasta de Documentos Avulsos. Panfleto de
Divulgação.
21
Oficialmente, o culto a São Benedito foi incorporado em
1841 com a mudança do Compromisso em 1842. Mas,
evidências na documentação supõem que a prática de
devoção e a festa ao santo ocorriam desde a década de
1830, o que indica a questão da força do costume como
base para as relações estabelecidas na Irmandade. Ver Livro
Caixa 4 – 1829-1842 p. 30v.
22
BRITO, Márcia. Museu de São Benedito do RosárioRosário.
http://www.vitoria.es.gov.br/secretarias/cultura/museu
rosario.htm, página acessada em 22.06.2006.
71
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

23
AINSRSB. Livro Ata 1- 1816-1861, p 88.
24
AINSRSB. Pasta de Documentos Avulsos. Fotografias.
25
Uma das poucas obras de Vitor Meirelles que permanece
em Florianópolis, exposta em museu que leva seu nome.
26
CORRÊA, 2004, p. 342.
27
Dados do Recenseamento de 1872. Acervo dos Autores.
28
AINSRSB. Pasta n. 2, Compromisso de 1807, p.4.
29
CABRAL, Oswaldo. Noticia Histórica da Ir mandade
Irmandade
de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito
Benedito..
Florianópolis. 1950, p. 9.
30
SCARANO, Julita. Devoção e Escravidão
Escravidão:: A Irmandade
de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos no Distrito
Diamantino no século XVIII. São Paulo: Nacional, 1978,
p. 131.
31
Esta discussão encontra-se em SIMÃO, 2008.
32
SCARANO, 1978.
33
Nesse sentido, temos o ingresso de Dona Maria Joaquina
do Livramento, que entrou na Irmandade em 1º de outubro
de 1870, pagando 2$000 de jóia de entrada, filiando
também três cativos: João Isabel, Rosa do Livramento e
Maria do Livramento, para os quais consta também o
pagamento da jóia, possivelmente, realizado por sua
senhora, levando em consideração a condição de cativos.
AINRSB. Livro n°7 Caixa, Registro de Irmãos 1861-1898.
34
SCARANO, 1978, p. 129.
35
São encontrado exemplos em: GOF. Coleção das Leis do
Império do Brasil. Atos do Poder Legislativo, artigo 4º da
Lei 2040 de 28 de setembro de 1871. ABPSC (Acervo
Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina). Jornal
Conservador, 1878, Nº: 483. p. 3.
36
Dados recenseamento de 1872. Acervo do autor.
37
AINSRSB. Pasta n. 2. Compromisso de 1842.
38
SCARANO, 1978, p. 130.
72
Pretos/as do Rosário:

39
AINSRSB. Livro Caixa 2, 1813-1828, p.48, 55v, 64v, 68v,
73.
40
AINSRSB. Livro Caixa 2, 1813-1828, p.56, 57, 65.
41
AINSRSB. Livro Caixa 2, 1813-1828, p.48, 55v, 64v, 70,
74.
42
AINSRSB. Livro Tombo da Irmandade Beneficente Nossa
Senhora do Rosário e São Benedito. Florianópolis, 2006,
p.76.
43
AINSRSB. Livro Ata 1, 1816-1861, p.32.
44
AINSRSB. Livro Caixa 2, 1813-1828, p.64v.
45
AINSRSB. Livro Caixa 2, 1813-1828, p.81.
46
AINSRSB. Livro Caixa 2, 1813-1828, p.71v.
47
AINSRSB. Pasta n° 2, Compromisso de 1842.
48
AINSRSB. Pasta n° 2, Compromisso de 1842.
49
REIS, João José. Identidade e diversidade étnica nas
irmandades negras no tempo da escravidão. Revista
Tempo
empo, Rio de Janeiro. Vol. 2, n. 3, 1996, p. 15.
50
AINSRSB. Pasta n° 2, Compromisso de 1842.
51
Acervo Cartório Kotzias. Registro de título de liberdade.
Caixa 02, livro 33(1870), folha 3v, linha 26.
52
Acervo Cartório Kotzias. Registro de título de liberdade.
Caixa 02, livro 33(1870), folha 35, linha 10.
53
Acervo Cartório Kotzias. Registro de título de liberdade.
Caixa 02, livro 33(1870), folha 49v, linha 10.
54
Acervo Cartório Kotzias. Registro de título de liberdade.
Caixa 02, livro 35(1872-1873), folha 113, linha 07.
55
Acervo Cartório Kotzias. Registro de título de liberdade.
Caixa 02, livro 31(1868-69), folha 43, linha 28.
56
Ver AMARAL, Tamelusa. As Camélias de Dester ro:: a
Desterro
ro
Campanha Abolicionista e a Pratica de Alforriar Cativos
(1870-1888). Itajaí: UDESC; Casa Aberta, 2008.
57
AINSRSB. Livros Caixas, 1842-1889.
73
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

58
Esta discussão é feita, também, em MORTARI, 2000.
59
CABRAL, 1950, p.4.
60
HARO, 1996, p. 169-170.
61
AINSRSB. Livro Tombo da Irmandade Beneficente Nossa
Senhora do Rosário e São Benedito. Florianópolis, 2006,
p. 29-30.
62
Sobre a questão do costume como forma de organização
das relações estabelecidas entre os Irmãos da Irmandade
ver MORTARI, 2000, especificamente capítulo 2.
63
AINSRSB. Pasta n 2, Compromisso de 1807.
64
AINSRSB. Pasta n 2, Compromisso de 1807.
65
AINSRSB. Pasta n 2, Compromisso de 1842.
66
MORTARI, Cláudia. Os homens pr pretos Desterro
etos do Dester ro..
ro
Um estudo sobre a Irmandade do Rosário. Porto Alegre,
2000. Dissertação (Mestrado em História). Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, p.75.
67
SOUZA, Marina de Mello e. Reis negros no Brasil
escravista. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002.
escravista
68
MORTARI, 2000, p. 75.
69
Idem, p. 122.
70
ANTT (Arquivo Nacional da Torre do Tombo). Provisão de
Confirmação de Compromisso da Irmandade de Nossa
Senhora do Rozario de Santo Antonio de Calambâu. 1783.
Chancelaria de D. Maria I e Chancelaria da Ordem de
Cristo. Livro 12, folha 113v.
71
BOSCHI, 1986, p. 122.
72
Idem, p. 122
73
QUINTÃO, Antonia. L a V em Meu P
Vem Par
ar ente. São Paulo:
arente
ente
Ed. Annablume, 2002, p.127.
74
SCARANO, 1978.
75
AINSRSB. Livro Tombo da Irmandade Beneficente Nossa
Senhora do Rosário e São Benedito. Florianópolis, 2006,
p.19
74
Pretos/as do Rosário:

76
Sobre a questão ver: MORTARI, 2000, p. 96.
77
AINSRSB. Livro n°2, Atas1862-1875, p. 44.
78
AINSRSB. Livro n°2, Atas1862-1875, p. 48.
79
Ibdem, p. 22.
80
Ibdem, p. 27-28.
81
Ibdem, p. 29.
82
Ibdem, p. 30.
83
Ibdem, p. 31.
84
AINSRSB. Livro n°2, Atas1862-1875. p. 39.
85
AINSRSB. Livro n°7 Caixa, Registro de Irmãos 1861-1898;
Livro n°8 Caixa, Registro de Irmãos 1865-1866; Livro n°1,
Registro de Irmãos 1866-1934.
86
AINSRSB. Livro n°7 Caixa, Registro de Irmãos 1861-1898;
Livro n°8 Caixa, Registro de Irmãos 1865-1866; Livro n°1,
Registro de Irmãos 1866-1934.
87
AINSRSB. Livro n°7 Caixa, Registro de Irmãos 1861-1898.
88
Ibdem.
89
AINSRSB. Livro n°7 Caixa, Registro de Irmãos 1861-1898;
Livro n°8 Caixa, Registro de Irmãos 1865-1866; Livro n°1,
Registro de Irmãos 1866-1934.
90
Não conseguimos, através dos documentos pesquisados,
dados completos do período anterior a 1831, que nos
permitissem a elaboração de séries históricas anteriores há
esse ano. As informações de que dispomos abarcam assim,
na maior parte das vezes, o período 1831-1930. Para efeito
dos gráficos aqui apresentados, consideramos a condição
do irmão na data do registro de entrada na Irmandade, de
modo que modificações posteriores a essa condição não
são contempladas. Tomamos este caminho, pois, via de
regra, a única menção feita à condição dos irmãos se dá
no momento de sua entrada, e esta falta de informações
posteriores inviabilizaria a consolidação destas informações
dispersas. Um irmão que fosse cativo quando de sua entrada
permaneceria, nestas informações, contando como cativo
75
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

até sua saída da Irmandade, ainda que fosse alforriado


neste interregno, o que explica a existência de “Irmãos
Cativos” após 1888. No ano de 1858 tem-se registro da
saída de 333 irmãos, muito acima dos 59 registrados em
1897, segundo ano com mais saídas que encontramos.
Embora os livros da Irmandade do Rosário não façam
nenhuma referência ao fato, somos levados a crer que tal
êxodo deveu-se a medidas administrativas, provavelmente
um tipo de recadastramento na qual foram excluídos
aqueles que, ainda que registrados como irmãos, não mais
participassem das atividades da Irmandade. A concentração
de cativos, libertos e livres entre os que saíram em 1858 se
mantém consistente com a composição, nestas categorias,
dos irmãos da época.
91
AINSRSB. Livro n°7 Caixa, Registro de Irmãos 1861-1898;
Livro n°8 Caixa, Registro de Irmãos 1865-1866; Livro n°1,
Registro de Irmãos 1866-1934.
92
SCARANO, 1978.
93
AINSRSB, Livro n°7 Caixa, Registro de Irmãos 1861-1898.
94
AINSRSB. Livro n°7 Caixa, Registro de Irmãos 1861-1898;
Livro n°8 Caixa, Registro de Irmãos 1865-1866; Livro n°1,
Registro de Irmãos 1866-1934.
95
AINSRSB. Livro n°10, Caixa1870-1877, p. 5 verso.
96
AINSRSB. Livro n°10, Caixa 1870-1877, p. 6 verso.
97
MULLER, Liane S. As contas de meu rosário são
balas de artilharia: Irmandade, jornal e sociedades negras
em Porto Alegre, 1889-1920. Porto Alegre: PUC-RS, 1999.
98
SCARANO, 1978.
99
ANSRSB. Livro 7 Caixa, Registro de Irmãos 1861-1898.
100
Ibdem.
101
Ibdem.
102
Ibdem.
103
CABRAL, 1974, p. 301.
104
Idem.
76
Pretos/as do Rosário:

105
CARDOSO, Paulino de Jesus Francisco. Negros em
ro
ro.. Experiências de Populações de Origem Africana
Desterro
Dester
em Florianópolis, 1860/1888. Tese de Doutoramento na
PUC\SP. São Paulo, 2004.
106
ANSRSB. Livro n°7 Caixa, Registro de Irmãos 1861-1898;
Livro n°8 Caixa, Registro de Irmãos 1865-1866; Livro n°1,
Registro de Irmãos 1866-1934.
107
ANSRSB. Livro n°10 Caixa,1870-1877, p. 9.
108
MORTARI, 2000, p. 76.
109
ANSRSB. Livro n°7 Caixa, Registro de Irmãos 1861-1898.
110
Ibdem.
111
ANSRSB. Livro n°7 Caixa, Registro de Irmãos 1861-1898;
Livro n°8 Caixa, Registro de Irmãos 1865-1866; Livro n°1,
Registro de Irmãos 1866-1934.
112
Ver CHALHOUB, Sidney. Visões de Liberdade: Uma
História da Escravidão nas Últimas Décadas na Corte. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 219.
113
SANTIAGO, Carina. Um lugar chamado F Figueira:
igueira:
experiências de africanos e afrodescendentes nas últimas
décadas do século XIX. Trabalho de conclusão de curso.
Florianópolis, UDESC, 2005.
114
REIS, 1996, p. 5.
115
Idem.
77
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

Capítulo 2

Os Pretos e as
Pretas do Rosário:
sobrevivências, procissões, festas e
celebração da morte no século XIX em
Desterro/Florianópolis.

Karla Leandro Rascke1

Este capítulo pretende apresentar interpretações


sobre as sobrevivências e festividades organizadas pela
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São
Benedito dos Homens Pretos, momento máximo da
vida da instituição e seus irmãos. Nesta narrativa,
perceberemos os esforços pela construção da capela e
78
Pretos/as do Rosário:

sua manutenção; as formas de arrecadação de recursos,


indispensáveis para a sobrevivência da irmandade e
para a realização das festas em homenagem a Nossa
Senhora do Rosário e São Benedito; e também, a
importância do enterro dos seus mortos, o cuidado com
a encomenda e salvação da alma de cada um de seus
associados. Organizadas com muito preparo,
decorações, rituais e uma procissão ao santo de
devoção, estas festividades eram celebradas anualmente
pela instituição que realizava ao menos “uma missa
rezada” quando seus cofres não permitiam maiores
manifestações públicas de devoção.

2.1 - A construção da Igreja


De acordo com as informações apresentadas por
Simão, com base na documentação disponível na
Irmandade, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário
formou-se na época da transformação da pequena
póvoa em Vila de Desterro, em 1726, haja vista que o
seu “compromisso”, espécie de estatuto submetido à
aprovação do rei (depois, do Imperador) e das
autoridades eclesiásticas, foi confirmado em 06 de
junho de 1750" 2. E, como bem mencionou a autora
em sua obra, havia uma distância temporal entre a
reunião das pessoas que formavam a irmandade e a
legalização da instituição.
A construção da Igreja, como ressaltou Cabral,
resultou de árduos dias de trabalho e dedicação de
muitos cativos e cativas que, nos dias santificados e
domingos, planejavam e executavam as obras da
capela3. Iam seus irmãos e irmãs, nos dias permitidos
por seus senhores e/ou senhoras, levantar as paredes,
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A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

carregar os “moios de cal”, os arames, as tábuas sendo


possível que estes momentos, além de representarem
um árduo trabalho, possibilitavam o estabelecimento
encontros e, portanto, de sociabilidades. Aos poucos a
igreja tomava forma, entendendo a lentidão das obras
que apenas se realizavam pelos braços de seus irmãos
e irmãs nos dias que lhes eram permitidos. Entretanto,
muitos senhores e senhoras, devotos e católicos
permitiam estas realizações por parte de seus cativos
como forma de “agradar” aos olhos da própria Igreja
Católica e evitar as agruras do “inferno” quando
morressem.
Segundo a historiografia, dita “oficial”, a Irmandade
de Nossa Senhora do Rosário seria a segunda em
antiguidade, fundada em 1750 na vila de Desterro4. O
título tradicional de confraria mais antiga é dado à
Ordem Terceira de São Francisco, que segundo Cabral,
foi fundada em 1746, e teve as obras de sua capela
iniciadas em 1803 e finalizadas em 18145. No entanto,
encontramos na documentação da irmandade algo que
lança novos indícios sobre esta questão. Foi possível
localizar um registro de um irmão que data de 1726,
vinte anos antes da Ordem Terceira de São Francisco6.
Desta forma, diferentemente do que a historiografia até
então prescreveu, tudo indica que a presente Irmandade
do Rosário foi fundada antes de 1750.
Antes de continuar, cabe neste instante problematizar,
brevemente, a questão da data oficial da fundação das
irmandades em questão. Ao analisar a história destas
instituições leigas percebe-se que as datas consideradas
de fundação são as datas de oficialização da
agremiação. Para que as irmandades pudessem ser
oficializadas era necessária a aprovação do
80
Pretos/as do Rosário:

compromisso contendo os artigos que explicitam as suas


normas de funcionamento, seus objetivos, os direitos e
deveres de cada membro e os papéis estipulados para
os padres e demais indivíduos.
De acordo com Stakonski, a aprovação de um
compromisso demandava empenho e tempo. Ao
analisar os compromissos de diversas irmandades
percebe-se que, neste período, há poucos artigos que
se diferenciam. Para a autora, “a irmandade interessada
em fazer-se oficial baseia seu compromisso de acordo
com o que foi vetado ou autorizado nas demais, a fim
de conseguir mais facilmente a aprovação do Rei” 7.
Conforme destacamos anteriormente, há uma distância
temporal entre a reunião de pessoas que formam a
irmandade e a legalização desta enquanto uma
instituição aprovada e reconhecida.
Neste contexto, a inscrição de um irmão em um
registro oficial significa que, já em 1726, as populações
de origem africana em Desterro constituíam parcela
significativa da povoa a ponto de reunirem subsídios
tais que, possibilitassem a agremiação em uma
irmandade leiga de cunho religioso. “Neste caso, a
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário (ainda sem a
devoção a São Benedito) seria a primeira na cidade e
não a segunda em antiguidade, como dito por Cabral e
reafirmado pela historiografia até agora” 8.
A capela estava erguida nos anos de 1750, talvez
sem aquela pompa tão almejada pelos irmãos e irmãs
que entraram para a instituição posteriormente. No
entanto, quando afirmamos que a capela estava erguida,
não significa que estivesse pronta (terminada). Esta é
uma inquietação de seus membros durante todo o século
XIX, afinal, sempre havia algo para ser melhorado,
81
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

modificado, aumentado. De acordo com os livros caixas


e atas, eram constantes as obras, os reparos, as
reformas. Nestes documentos encontramos itens que
fizeram parte das despesas da capela durante
praticamente todo o século: pedra, cal, vidros, pregos,
tijolos, tábuas, telhas, e tantos outros utensílios e
materiais. Além destes, era recorrente o pagamento de
pessoas para a execução do serviço, tanto das obras
como da conservação do local. Deste modo, além de
reformar, era preciso manter o local asseado, capinado,
pintado, limpo. As obras e reparos, que procuravam
manter a estética da irmandade, certamente
despendiam os maiores custos da irmandade, obras com
a Igreja, com a sacristia e com as casas de aluguel eram
constantes e poderiam se estender por anos. “Altares
precisavam ser construídos, imagens esculpidas, objetos
adquiridos. Do mobiliário à pintura da igreja, tudo
declarava a riqueza da Irmandade, e deveriam mostrar
um requinte indispensável a um templo”9.
Esta igreja, de arquitetura barroca, guarda em seu
interior as alfaias, e também, no altar central, a imagem
da padroeira, Nossa Senhora do Rosário, e do
Padroeiro, São Benedito. E nos altares laterais abriga
outros santos como Nossa Senhora do Parto e Nossa
Senhora da Conceição. Cada altar é destinado a um
santo padroeiro e, no decorrer do século XIX, estes
altares laterais também foram utilizados por outras
irmandades, sendo ali depositados seus santos. Por
exemplo, em virtude da construção de sua capela, os
irmãos da Irmandade de Nossa Senhora dos Homens
Pardos alojaram sua santa protetora na Igreja do
Rosário até o ano de 1842, quando se desentenderam
e foram expulsos da capela10. Também em 1871, foi
82
Pretos/as do Rosário:

apresentado a Mesa Diretora um ofício do Reverendo


Padre Sebastião Antonio Martins, relatando que a
Irmandade do Santíssimo Sacramento, sediada ao lado
da Igreja Matriz, onde costumava realizar suas
celebrações, iria utilizar a capela de Nossa Senhora do
Rosário para a realização dos atos da Semana Santa.
O problema percebido pelos irmãos do Rosário era que
a construção de um barracão em frente à Igreja
comprometeria alguns tijolos do adro da capela.
Resolveram os membros,
Isso foi posto em discussão e, tendo a mesa deliberado a
respeito, decidiu-se que fosse declarado ao Reverendo Padre:
Que conquanto tivesse a Irmandade, assumido como devia
a que celebrasse os atos parochiais em sua Capella, visto o
estado de mina em que se achava a Matriz, não cedio por
esta forma nos direitos e prerrogativas e por isso recente-se
a Mesa desta Irmandade, pela maneira por que o Reverendo
Arcypriste, a ella se dirige, declarando em seu officio haver
procedido de combinação com outra corporação a
celebração de actos estranhos aos parochiais nesta
Capella11.
Desta maneira, a mesa concluiu não disponibilizar
o espaço para a Irmandade do Santíssimo Sacramento
realizar suas celebrações, como, devido ao mau
tratamento aos irmãos, “decidiu revogar o que tinha
sido colocado à disposição da matriz” 12.
Grande eram o apego e cuidado com a Igreja que
uma parte considerável dos gastos da irmandade girava
em torno dos reparos da capela. Os anuais, as joias de
entrada, as casas para alugar, os valores recebidos em
testamentos, as esmolas, os rituais funerários eram
formas de arrecadação de recursos, sendo estes
utilizados para vários fins, no entanto, obras e reparos
no prédio da Igreja eram as mais constantes.
83
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

Depreendemos destes apontamentos, a importância da


instituição para seus membros, local de encontro,
celebrações; local construído “pelos e entre os seus”.

Figura 6 - Imagem atual da Igreja da Irmandade de Nossa


Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos –
Florianópolis/SC13
84
Pretos/as do Rosário:

2.2 - Arrecadação de fundos:


esmolas, doações e patrimônio
Conforme apontamos anteriormente, a Irmandade
tinha muitos gastos, mas também variadas eram suas
formas de arrecadação de fundos. Nos compromissos,
vislumbramos os cargos a serem preenchidos para o
funcionamento da Irmandade, que deveriam ser
ocupados por integrantes da instituição. Também neste
estatuto é possível localizar as possibilidades de
arrecadação de recursos como esmolas, doações de
qualquer pessoa, cobrança de aluguéis de imóveis, de
taxas em virtude dos enterros para os não-associados,
etc. Todas estas informações referentes ao dinheiro e
aos bens das irmandades eram descritos e detalhados
nos “compromissos, inclusive, as formas de prestação
de contas, que, em geral, era feita na troca das gestões”14.
No que tange aos cargos, havia grande responsabilidade
dos irmãos e irmãs que os assumiam: “(...) cujos officiais
voluntariamente aceitarão seus cargos e se obrigarão de
ser vi-los e desempenha-los com todo o zelo e devoção
tanto no espiritual como no temporal, defendendo todos
os direitos da irmandade (...)”15.
Além dos cargos exercidos por homens, que dirigiam
e coordenavam as atuações e demais atividades das
irmandades, as mulheres também estavam presentes
nas ordens de compromisso. Estas “atuavam como
rainhas, juízas, escrivãs, irmãs de mesa ou mordoma,
esta, responsável pela organização das festas”16. Não
tinham direito ao voto, mas, “no caso das rainhas,
tinham grande destaque e representatividade dentro das
confrarias”17. Muitas atuavam cuidando da Igreja, dos
85
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

aparatos religiosos dos cerimoniais, das crianças, enfim,


das atividades quotidianas da instituição. E, assim como
os componentes masculinos, pagavam uma joia de
entrada e anuidades de acordo com o cargo ocupado
eletivamente. Segundo Alves, no Brasil, as irmandades
de “pretos” filiavam mulheres “independentemente de
seus parceiros”, nas quais participavam atuantes
financeiramente, mas, a participação nas decisões da
casa lhes era negada18, pelo menos no que tange às
decisões na Mesa Administrativa.
A cada reforma, festa ou acontecimento importante
era convocada a Mesa sendo papel do irmão andador
avisar a todos sobre a reunião. Discutindo sobre a festa
da padroeira Nossa Senhora do Rosário e as despesas
possíveis, a respeito dos transtornos com os irmãos do
Parto em virtude da retirada da imagem da Capela do
Rosário sem autorização, por causa das reformas
constantes no Adro, na Torre, no assoalho, aos arredores
da Igreja, tudo isso era incessantemente acordado antes
de ser feito. Durante quase todo o século XIX, através
dos inúmeros documentos analisados, percebemos as
inquietações dos irmãos para com as obras e boa
aparência de sua capela e, para decidir-se sobre o que
deveria ser feito e quando, convocavam-se os irmãos
da Mesa Administrativa.
Destacamos, também, a importância de cargos como
o de esmoleiro para que a Irmandade pudesse garantir
a arrecadação dos recursos para cumprir com suas
atividades tanto no aspecto espiritual e quanto
temporal: para as festividades, as espórtulas dos padres,
os consertos da Igreja e demais despesas diárias. Havia
no Compromisso da Irmandade um cargo específico
de esmoleiro: o do irmão ‘andador’. A irmandade
86
Pretos/as do Rosário:

possuía, igualmente, outras fontes de renda como as


casas para alugar, legados que recebiam de testamentos,
esmolas diversas, esmolas de bolsa, aluguel de caixões
funerários e acompanhamentos para o rito funeral,
como tochas e velas19.
A importância do cargo de esmoleiro deriva do fato
de que a maior parte da arrecadação da Irmandade
vinha das esmolas. Não localizamos o período (ano)
em que houve a proibição de esmolar (no século XIX),
mas sabe-se que até o ano de 1869, quando a Irmandade
consegue liberação do Bispado e do Chefe de polícia,
a prática de esmolar estava cessada. Depois de ofício
encaminhado pelos irmãos e a resposta positiva do
Bispo Diocesano, a Irmandade retoma as atividades
de esmolar. Em ata do dia seis de junho de mil
oitocentos e sessenta e nove, a Irmandade se reuniu e
nesta ocasião comunicou-se a todos os irmãos que
novamente a instituição poderia esmolar. Ficaram então,
doze irmãos para esmolar por Nossa Senhora do
Rosário e os outros por São Benedito.
(...) a petição feita ao excelentíssimo e Reverendíssimo
Senhor Bispo Diocesando para a Irmandade poder esmolar;
com o seguinte despacho, = Concedemos a licença pedida
que deverá ser de modo respeitoso communicando a ao
Excelentíssimo Senhor Doutorm Chefe de polícia Conceição
vinte e sete de Abril de mil oito centos e sessenta e nove
=+= Pedro Bispo de São Sebastião do Rio de Janeiro.
Tendo o Irmão Escrivão feito registrar este despacho, na
Secretaria do Arcyprestado desta Província sellado e tirado
licensa necessara na Policia para assim a Irmandade poder
esmolar (...)20.
A arrecadação de fundos através das esmolas, em
sua maioria, era feita com a bolsa da irmandade
quando os irmãos encarregados de esmolar iam às
87
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

residências para retirar ofertas. Quando a Irmandade


foi impedida de cumprir com esta finalidade, toda a
instituição sentiu financeiramente os problemas. A
seguir, temos duas gravuras de época que apresentam
possibilidades sobre como eram feitas as arrecadações
pelo irmão esmoleiro. Em diferentes irmandades do país,
as esmolas eram coletadas antes das festividades ao
santo ou à santa padroeira e, frequentemente, por um
irmão com cargo específico de esmoleiro ou um grupo
de irmãos pertencentes à instituição (como nos mostra
a imagem de Debret). A primeira gravura detalha a
coleta de esmolas numa irmandade do Rio de Janeiro
com cantoria e instrumentos musicais, e, a segunda,
mostra também o ato de coleta, no entanto, sem a
presença de cantoria e instrumentos.

Figura 7- Coleta de esmolas em irmandade do Rio de Janeiro21


88
Pretos/as do Rosário:

Figura 8 – Coleta de esmolas para as irmandades22

Conforme mencionado anteriormente, a Irmandade


possuía diferentes formas de arrecadação. Outra fonte
de recursos da associação eram as casas que possuía.
Consta nos registros, por exemplo, segundo análise feita
por Simão, que a instituição era proprietária de um
patrimônio considerável em imóveis - no período de
1860 a 1880 –, sendo alugadas por um valor em torno
de 15$000 (quinze mil réis) por mês, variando
consideravelmente no decorrer dos anos. “É o caso do
imóvel da Rua da Carioca, número 24, que em 1875,
locada pelo ex-procurador, Ir. Jacinto Godinho, pelo
valor de 60$000 (sessenta mil réis) por cinco meses”.
Entretanto, os valores nem sempre eram estáveis e
passíveis de negociação, sendo que de acordo com a
autora, “o ano seguinte o mesmo imóvel estava locado
pelo Tenente Eduardo Agostinho Noronha, pelo valor
89
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

de 26$000 (vinte e seis mil réis) por três meses”. Com


valores diversos, localizadas em diferentes ruas e
avenidas de Desterro, estas casas geravam recursos
pelos seus aluguéis. Simão localizou, para o período
entre 1860 e 1880, um total de pelo menos seis casas
de aluguel de propriedade da Irmandade. “Três delas
vizinhas na Rua do Ouvidor, de números 27, 29, 31,
uma na Rua da Carioca, número 24, estas localizadas
no Bairro da Figueira e outras duas na Rua São
Francisco, números 27 e 31, no Bairro do Mato
Grosso”23.
De acordo com a documentação disponível no
próprio acervo da Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário e São Benedito dos Homens Pretos e no Centro
de Memória e História das Populações de Origem
Africana em Santa Catarina do NEAB/UDESC, já em
1813 a Irmandade despendeu gastos com obras e
reparos nas casas de sua propriedade. Segundo consta
no Livro Caixa 2 (1813-1828), os custos com o pedreiro
e o carpinteiro para um reparo no telhado da sacristia
e nas casas da Irmandades, foram de 26$850. Em 1830,
também encontramos gastos com o conserto de duas
casas pertencentes à instituição, no valor de 38$380.
Em 1831, novamente, se fez necessário consertar uma
casa e, desta vez, “um conserto grande”, com custo de
78$780 réis. Estes reparos variavam, dependendo do
que exatamente precisava ser feito. Em 1843, um reparo
mais “simples”, teve um custo menor do que alguns
dos levantados até o momento, apenas 12$800 réis.
Sendo assim, às vezes mais, outras vezes menos,
durante todo o século XIX, a Irmandade teve entre seus
bens as casas de aluguel, o que despendeu também
alguns recursos.
90
Pretos/as do Rosário:

Também apareciam como fonte de recursos os


legados de testamentos de famílias e pessoas que
deixavam alguma coisa para a igreja. Joias, algumas
vezes, terras ou outras propriedades estavam entre as
doações. Nos momentos finais de vida, muitas pessoas
faziam caridades e entre as instituições que recebiam
estas oferendas, estava a Irmandade. Mas, é preciso
salientar que 20% destas arrecadações deviam ser
pagas em forma de imposto. Todas as entradas e saídas
de recursos, toda a movimentação financeira da
Irmandade, ficavam registradas no livro caixa, que uma
vez por ano era recolhido pelo Juiz de Capela para
prestação de contas e controle das finanças.
Outra fonte de receitas, o aluguel do caixão fúnebre
e seus acompanhamentos era prática bastante comum
e interessante. Visto que, pelo código de posturas de
1842, ninguém mais poderia ser sepultado sem a
condução do corpo em caixão fechado, o aluguel de
caixões “apareceu” como uma forma de cumprir o
estabelecido por Lei e, ao mesmo tempo, servir de
arrecadação para a Irmandade. Encontramos na
documentação do século XIX da Irmandade a compra
de um caixão para conduzir os irmãos e irmãs falecidas
e as ferragens necessárias para a condução já em
183224, dez anos antes do Código de Posturas. No eixo
que trataremos sobre a morte e os rituais fúnebres,
entraremos com mais afinco nesta discussão,
compreendendo a importância de uma “boa morte” aos
membros da Irmandade.
91
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

2.3 - Festas e procissões: visibilidade


Cabral nos conta que na véspera da comemoração
do dia de Nossa Senhora, realizado, normalmente, no
dia 26 de dezembro - e depois, a partir de 182725,
alterna-se a eleição, acontecendo às vezes na primeira
semana de outubro e, às vezes em dezembro, no dia de
Natal - “concluída a eleição da nova mesa, o cofre seria
aberto e, havendo fundos suficientes para se proceder
a libertação de um ou mais cativos, determinar-se-ia
quantos seriam libertados” 26. A Irmandade especificava
em seu Compromisso27 o objetivo de libertar os irmãos
cativos e para isso tinha fundos diferenciados, um cofre
só para fundos destinados aos cativos, para fins de
libertação. No entanto, para além do que consta no
Compromisso, não encontramos documentação que
demonstre que esta prática era comum ou que se quer
acontecia. Segundo consta no Compromisso do ano
de 1842 (que substituiu o de 1807),
no dia de N. S. do Rosário, a Mesa examinará o dinheiro
no cofre dos cativos e se haver o suficiente para alforriar
um irmão cativo, o irmão escrivão fará entrar em cima
uma o nome de todos e seus senhores. Fará tirar por um
menino com o braço nu a sorte e fica a cargo do Irmão
Procurador promover a alforria28.
Esta era uma das questões discutidas no
Compromisso e que de um modo particular remetia à
festa, sendo que era durante a festa que aconteceria a
compra da alforria de um/a dos/as irmãos/ãs a partir
dos recursos disponíveis no cofre dos cativos.
Entrando, no assunto específico das festas, tivemos
o cuidado de buscar algumas considerações sobre as
devoções aos padroeiros da Irmandade. No caso de
92
Pretos/as do Rosário:

São Benedito, foi incorporado pela Irmandade de Nossa


Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos
oficialmente, em 1842 (no Compromisso), mas registros
em livro caixa da instituição sugerem que a prática do
culto ao santo acontecia desde a década anterior29.
Nos dizeres de Alves, o culto a São Benedito foi
difundido no Brasil em meados do século XVII, “quando
lhe foi atribuída a cura do filho de uma escrava no
Convento de Santo Antonio, no Rio de Janeiro” 30. Ao
que tudo indica, São Benedito teria nascido na Sicília
(Itália) e seus pais seriam descendentes de escravos
vindos da África. Em 1562, entrava na Ordem dos
Frades Menores do convento de Santa Maria de Jesus
em Palermo (Sicília), onde trabalhou inicialmente como
cozinheiro e depois foi procurado por diversos colegas
e superiores do convento para ajudá-los em questões
espirituais. Seu culto espalhou-se pelo mundo e, na
América do Sul, tornou-se protetor das “populações
negras” 31. Foi canonizado em 1807 e já na década de
1830 temos registro de sua devoção entre os/as pretos/
as do Rosário de Desterro.
Abordaremos, brevemente, um pouco sobre a
história de Nossa Senhora do Rosário. As Irmandades
do Rosário surgiram em Portugal por incentivo de
Domingos de Gusmão, devoto que difundiu a oração
do “Rosário de Nossa Senhora”. Em 1282 fundou as
primeiras irmandades com esta denominação em
Portugal, França, Espanha e Alemanha. A devoção a
Nossa Senhora do Rosário dos Pretos surgiu em Portugal
de uma devoção já existente entre os portugueses e
depois incorporada por africanos e seus descendentes.
Acrescenta Scarano que a devoção a Nossa Senhora fora
propagada na África pelos colonizadores portugueses,
93
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

inserindo elementos da fé católica entre as populações


africanas. Para ela, os africanos, da região do Congo
difundiram rapidamente a crença à “Senhora do
Rosário”, e tal fato pode ser explicado à associação da
santa à Oxum-dolô, divindade com características que
lembrariam Nossa Senhora do Rosário, elegendo-a
como padroeira32. Portanto, existem diferentes versões
possíveis que discutem a questão da incorporação do
culto de Nossa Senhora do Rosário por parte das
populações de origem africana33.
Chegamos, enfim, ao momento das festas e
comemorações aos santos padroeiros. Quanta
empolgação, trabalho e decisões a serem tomadas.
Desta forma, a Irmandade se envolvia anualmente nas
atividades festivas em torno das devoções a Nossa
Senhora do Rosário e São Benedito.
De acordo com Ana Maria Bidegain, o significado
da festa para as irmandades leigas de pretos e pardos
pode ser identificado como lugar central nas atividades
durante o ano. “Tudo convergia para que a festa tivesse
o máximo de esplendor”. Para a autora, a festa tem
relação com o quotidiano e “é a única coisa diferente
da vida diária; é um espaço de liberdade próprio de
uma vida de escravidão. O escravo deve trabalhar para
o senhor, mas na festa dança para si mesmo”34. Em
Desterro, veremos muitas ruas cheias desde o século
XVIII com as “gloriosas” festas e procissões aos oragos.
No decorrer do texto poderemos perceber o significado
do termo “glorioso”, e que em muitos momentos seus
membros sentiram “saudades dos tempos de tão
pomposas festas”.
Para entender o significado das festas e a importância
destas para a vida da instituição e de seus irmãos e
94
Pretos/as do Rosário:

irmãs precisamos compreender de que forma


aconteciam estes rituais em homenagem a Nossa
Senhora e São Benedito. Perceberemos que o mundo
da cidade de Desterro no início do século XIX assistia
nas suas ruas - do que hoje é o centro da cidade -, aos
desfiles organizados pela Irmandade do Rosário para
coroar seu rei e sua rainha e homenagear a Santa
padroeira Nossa Senhora do Rosário. A procissão era
momento fundamental, e os cortejos ao rei e à rainha
tornavam as ruas da cidade uma paisagem distinta.
Afinal, estamos falando de uma coroação em praça
púbica em pleno período Imperial no Brasil, e que, a
partir de 1808, tem no próprio território brasileiro a
figura do Rei e toda a sua corte imperial. No entanto,
parece que a sociedade imperial e escravagista deste
início do século “compreendia” estes momentos de
celebração por parte das populações de origem africana,
dentre os quais muitos na condição de cativos/as.
Cabral menciona que já em 1777 havia alguma
espécie de coroa para uma rainha da Irmandade, como
bem demonstra o trecho abaixo:
(...)Em 1780, no mês de abril, alguém lembrou-se – as
coisas iam sendo lembradas aos poucos – de que em 1777
a Rainha havia recebido a sua coroa que por sinal era de
prata. Por onde andava a mesma? Algum Irmão que notara
a falta do ornamento na festa dos Reis deve ter dado o
aviso e tratou-se de saber o que acontecera”35.
Destas conclusões apresentadas pelo autor podemos
pensar que a Irmandade utilizava coroas para alguma
espécie de cerimônia, ritual ou similar, afinal, a rainha
do ano de 1777 havia recebido uma coroa de prata e
dera-lhe algum fim, não informado à instituição. Além
da Rainha, temos informações sobre alguns reis, como
95
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

é o caso de uma nota informada por Cabral sobre a


escolha do rei que sempre fora um cativo, “ou mesmo
um fôrro, mas sempre a escolha recaía em um homem
de cor”.
Localizamos no Livro Caixa 4 36 do acervo da
Irmandade, no ano de 1832 gastos com a realização
de duas missas para a posse e entrega do Reinado aos
futuros Rei e Rainha do Rosário. Além das missas, há
um valor de 36$380 réis que seriam gastos
exclusivamente com a festa de Nossa Senhora do
Rosário. O altar-mor seria todo coberto de flores e com
pano rosa. A irmandade adquiriu ceras, velas e incenso
para as cerimônias a serem realizadas em homenagem
à padroeira.
Como mencionamos anteriormente, havia diferentes
formas de a instituição adquirir recursos, como no caso
das doações e dos testamentos. No ano de 1833, a
Irmandade recebeu um anel precioso deixado pelo
falecido padre Santa Anna, anel que seria cravado na
coroa da santa padroeira durante os festejos. Neste ano
também, muitos foram os gastos com o foguetório, as
músicas da novena e da festa, o sermão da missa, as
ceras para o dia da coroação. Percebemos que a festa
não acontecia apenas em um momento, mas envolvia
atividades diferentes por um determinado período. Em
virtude da escassez de fontes que permitam esmiuçar
os detalhes da festividade, temos algumas dificuldades
para tentar “refazer” de maneira didática, de que modo
seguia o festejo. Conseguimos, no entanto, através dos
elementos deixados em Atas e Livros Caixa, “montar”
este “quebra-cabeça” e esboçar, alguns elementos
existentes nas festividades e como os/as irmãos/ãs
procediam nestes grandes momentos.
96
Pretos/as do Rosário:

Os preparativos envolviam muitas pessoas:


contratação de músicos, compra de foguetes,
contratação de padre para as missas e sermões, além
de todas as “miudezas” ditas, mas não explicadas. Cada
uma destas demandas precisava ser resolvida
previamente. No entanto, durante os festejos havia
também muitas tarefas “emergenciais”, de momento:
hasteamento da bandeira que representava a
irmandade, arrumação dos altares e da imagem da
padroeira, organização dos utensílios litúrgicos da
missa, preparação das roupas e demais adereços das
procissões. Quantas coisas!
As missas, normalmente duas (às vezes é difícil afirmar
os números exatos, pois isso podia mudar de acordo com
os recursos disponíveis para as festas, por exemplo) para
celebrar a festa, contavam com o sermão do padre e a
coroação de Nossa Senhora. Já o momento da procissão
era, dentre outras coisas, para festejar o rei e a rainha
eleitos e coroados naquele ano para cumprir suas
obrigações dispostas no compromisso37.
Estes eram, rapidamente, os elementos das festas e
procissões anteriores ao ano de 1842, quando o
Compromisso da Irmandade muda e os cargos de Rei
e Rainha deixam de ser mencionados. O ano de 1841
apresenta, pela última vez, os cargos de rei e rainha do
Rosário, sendo o irmão Eleuterço, “escravo de Dona
Anjelica França” eleito para rei e a irmã Laureana,
“escrava de Dona Ana Joaquina de Proença” para o
cargo de rainha38.
Após 1841, quando foram eleitos o último rei e rainha
da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São
Benedito dos Homens Pretos, as festas tiveram
modificações, inclusive pela ausência dos cargos antes
97
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

tão importantes coroados e festejados em praça pública


nas procissões. Quintão acredita que a proibição da
festa de coroação de reis e rainhas em irmandades de
pretos e pardos - prática existente desde o século XVII -
esteja associada à chegada da família real no Brasil,
pois com a vinda da Corte o Rei “verdadeiro” “não
poderia admitir uma tal contrafação feita pelos
escravos, seja pelo desprestígio,seja por uma eventual
comparação irônica ou séria” 39. No entanto, há uma
distância significativa entre a data de vinda da família
real para o Brasil e a extinção destes cargos no
Compromisso da irmandade. Existem aí lacunas as
quais não temos subsídios suficientes para desenvolver
uma hipótese neste momento.
Faremos, agora, uma breve exposição sobre as
festividades ocorridas a partir da metade do século XIX.
Apesar das modificações de cargos e alguns atributos
das festas e procissão, a estrutura destas apresentou
muitas permanências. Para comemorar Nossa Senhora
do Rosário, que de acordo com os documentos
“recebeu” mais festas do que São Benedito 40, a
festividade contava com armação da Igreja e dos
andores - sendo que tudo deveria ser decorado e muitas
vezes, com muitas flores -, vestimentas (opas) para os
irmãos usarem na procissão, cuidados com a
alimentação dos/as festeiros/as, contratação de padre
para a missa e o sermão, além dos encarregados de
fazer a cantoria e soltar os foguetes na hora da procissão.
Depois dos preparativos como quitutes, montagens,
equipamentos, contratações, chegava a hora esperada
da celebração da missa. Ainda, antes desta,
normalmente na véspera faziam a novena à noite e,
também neste dia anterior acontecia a eleição da Nova
98
Pretos/as do Rosário:

Mesa Administrativa para o próximo ano. “A Irmandade


de Nossa Senhora do Rosario faz sciente a todos os
seus irmãos e devotos, que deliberou solemnisar este
ano sua inclyta padroeira, com missa resada, procissão
no dia 1° de Novembro p. futuro, precedendo novena
na vespera” 41. No entanto, às vezes a novena acontecia
no mesmo dia da missa, antecedendo-a, e até mesmo
se estendia para o dia posterior.
Tendo já todos os preparativos montados, a missa
era celebrada por um padre contratado pela Irmandade,
havendo, na maioria das vezes, um sermão após o
evangelho e, sempre que possível, música, contratada
pela Mesa Diretora. Em seguida à missa era o momento
da procissão que levava a imagem de Nossa Senhora
do Rosário à frente, pelas ruas da cidade, sobre um
andor de madeira carregado pelos Irmãos. Os Irmãos
da Mesa vestiam-se com as opas brancas, cor da
Irmandade. A procissão saía em alas, e uma das
atribuições do Irmão Procurador - existente no Estatuto
da instituição -, era de controlar estas alas, para o qual
possuía uma vara que levava no “meio das alas para as
regular”, de forma a seguirem continuamente. Durante a
procissão, os membros levavam o andor com a imagem
da santa enquanto outros seguiam com as tochas.
Ainda durante a procissão tem-se o foguetório,
normalmente, presente em todas as festividades mais
“pomposas”, quando possuem melhores recursos. À porta
da igreja está a bandeira da Irmandade, já levantada nas
novenas e muitas vezes, erguida com fogos e mais alegria,
anteriormente ao dia da festa. A entrada na capela é
acompanhada de um sermão e depois acontece a
coroação à “Santa Virgem Senhora do Rosário”.
Além das novenas, missa e procissão, saliento, apesar
99
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

dos poucas informações encontradas nas fontes, que a


confraternização ultrapassava o campo do religioso,
envolvendo espaço de lazer e divertimentos. Comidas e
bebidas, além das músicas faziam parte do arcabouço
festivo que completava as orações e o cortejo dos pretos
e das pretas do Rosário.
Ainda, temos algumas considerações mais específicas
ao pensar a irmandade em fins do século XIX. Vejamos o
caso de uma solenidade em homenagem a São Benedito.
Era parte do costume a “reza” na véspera da festa, assim
como lavar a imagem do santo antes da procissão. Na
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Bendito
dos Homens Pretos, pode-se observar tais práticas ao
ler as deliberações da Mesa Administrativa nos Livros
Atas da Irmandade, bem como ao observar os recibos
de pagamento nos Livros Caixa:
[...] a presente reunião da Mesa a tinha por fim deliberar
sobre a festividade do Glorioso São Bendito venerado nesta
Capella, cuja festividade estando a cargo da respectiva
Irmandade, é de costume fazer-se no mês de Janeiro futuro.
Concordando por tanto a Mesa deliberar que se fizesse a
solemnidade constando de Missa cantada e sermão ao
Evangelho, que precedida de novena à antevéspera
authorizando ao irmão Thesoureiro para fazer as despesas
necessárias devendo ter lugar a dita solemnidade em o dia
de Reis ou em qualquer outro dia santificado no referido
mez de Janeiro [...]42.
A procissão de São Benedito, conforme o costume,
era realizada no mês de janeiro, geralmente no dia de
Reis, bem como a de Nossa Senhora do Rosário, no
dia vinte e cinco de outubro (com as ressalvas já
apontadas no início do texto que discute as
festividades). Estas duas festas eram fixas no calendário
da confraria, e o fato de não poder realizá-las era
100
Pretos/as do Rosário:

motivo de desgosto por parte dos Irmãos mesários que


tinham como uma de suas funções, não oficiais, zelar
pela realização da festividade dos oragos, segundo
pode-se perceber pelos Livros Atas43. A procissão dos
oragos dava-se com a maior pompa possível, sendo
que, quando havia dinheiro em caixa, esta era
anunciada nos jornais da cidade.
Em se tratando das despesas das festas, procissões
e novenas festivas, observamos nos gastos da festa da
oraga da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, em
1896, despesas nos valores de três mil reis (3#000)
provenientes do convite no jornal A República; dezessete
mil e trezentos e sessenta reis, de sedas e rendas
(17#360); sessenta e seis mil e quinhentos réis, de cetim
branco para as alfaias religiosas (66#500); doze mil
reis ao Irmão Ismael Peixoto, por serviços gerais na festa
(12#000); cento e trinta mil reis, para a Orquestra que
tocou nas novenas e na missa cantada (130#000); doze
mil reis para o sacristão da festa (12#000); e por fim,
oitenta e um mil e duzentos e sessenta reis, de objetos
diversos para a festividade (81#260).
Na tentativa de elencar algumas considerações sobre
as festividades e as procissões realizadas pelos pretos e
pretas do Rosário, esperamos ter contribuído na
elucidação destas manifestações organizadas pelas
populações de origem africana na ilha de Santa
Catarina no século XIX.

2.4 – Enterramento
“Ao realizar a cerimônia de sepultamento de um
irmão, os membros de uma irmandade conferem ao
morto não só dignidade civil, mas (...) representação
101
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

ritual dos elos de pertencimento” 44. É esta a afirmação


de Selma Maria da Silva ao retratar irmandades do Rio
de Janeiro. Podemos inferir que além do pertencimento
de “nação” ou “cor” que a autora utiliza, o fato de
pertencer a uma irmandade é o caminho para um
enterro digno.
Considerando que, no Brasil, nem sempre os corpos
de cativos ou mesmo dos pobres indigentes achados
nas ruas recebiam enterro, e eram jogados, às vezes,
em terrenos baldios, ou quando muito, tinham “enterro
sem pompa”, pode-se afirmar que os sepultamentos
feitos de acordo com as normas eclesiásticas devem
corresponder, grosso modo, ao universo das populações
de origem africana que se filiavam em irmandades e
procuravam uma morte digna45. Segundo Mariza de
Carvalho Soares, a “dramática descrição do abandono
dos corpos dos escravos nas praias e locais ermos (...)
geralmente é atribuída ao desleixo dos senhores para
com seus escravos” 46. Para ela ainda, há a questão de
que muitas irmandades ou parentes dos mortos não
possuem condições de proporcionar um enterro e
deixam estes corpos nestes lugares inadequados mesmo,
por pura falta de condições. Na descrição de Alves,
“muitos eram jogados nos rios, abandonados em
terrenos afastados, deixados nas portas de igrejas, para
que algum padre se compadecesse e os enterrasse”47.
Nos dizeres de João José Reis, a “boa morte
significava que o fim não chegaria de surpresa para o
indivíduo”, que a alma deste estivesse pronta para a
“partida”48, com todos os direitos ao cortejo fúnebre
que lhe coubesse e que seus irmãos pudessem
proporcionar. Da mesma forma que cuida das questões
terrenas do falecido, a promessa da Irmandade de servir
102
Pretos/as do Rosário:

para uma aproximação do paraíso, como recompensa ao


‘vale de lágrimas’ atravessado na terra, parece um discurso
sob medida para os cativos, mas não só eles, em virtude
da difícil vida que levavam. Sabendo então, do cuidado
das irmandades para com seus mortos, dever este que
constava entre os objetivos expostos no Compromisso de
1842 – “Sepultar os Irmãos defuntos e sufragar suas
almas”49 –, adentramos no estudo dos funerais e cuidados
com os mortos na Irmandade de Nossa Senhora do Rosário
e São Benedito dos Homens Pretos em Desterro.
A primeira vez em que encontramos menção a
compra de caixão para enterro dos mortos na irmandade
data de 1832, sendo que antes deste período, os livros
Caixa (do século XIX) não apresentam informações
sobre o destino dos corpos dos seus associados, dizendo
apenas sobre as missas mandadas dizer pelas almas
dos finados. “Despendeu o mesmo Tezoureiro pelo que
pagou ao Reverendo Frei Gregório de 36 micas que
mandou dizer pela as almas dos falecidos dessa Capella
a 640 cada huma a quantia de vinte e três mil e quarenta
23$040”.
Em 1832, então, a Irmandade compra um caixão e
as demais ferragens necessárias para conduzir os irmãos
falecidos, num valor total de 10$440 réis. Nesse período
ainda não estava em vigência o Código de Posturas de
1842 de Desterro 50, que estabelecia normas para o
enterro dos mortos, proibindo os corpos de serem
sepultados nas Igrejas.
Até o aparecimento do Código de Posturas de 1842,
era costume enterrarem-se os mortos nas igrejas, capelas
e demais lugares “santos” pela proximidade que
acreditavam existir com a salvação. Assim, quanto mais
próximo ao altar, maiores as “garantias” de ter a alma
103
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

salva. Nas mais diferentes regiões do país encontram-


se informações sobre tais práticas.
A Irmandade do Rosário praticou o enterro no
interior da capela, comum não apenas para irmandades
de pretos, mas era algo difuso e praticado em quase
todas as igrejas (pelo menos as existentes em Desterro,
até o Código de Posturas de 1842), pois através do livro
Caixa do período de 1829 a 1847, algumas informações
apontam esta possibilidade. É o caso de um gasto no
valor de 4$000 réis pagos, no ano de 1832, por uma
urna para depositar o caixão na Igreja. Mais tarde, os
corpos passaram a ser sepultados em um espaço
destinado a esse fim, ao lado da Igreja. Em fins do século
XVIII e início do século XIX registrou-se, porém, uma
ruptura na concepção vigente de realizar inumações
em túmulos, junto a seus altares. Depois, por decreto
municipal, foi desapropriado este espaço e transferido
para o cemitério municipal no bairro do Estreito,
próximo ao Bairro Rita Maria, onde hoje fica a
cabeceira insular da Ponte Hercílio Luz51.
No ano de 1845, aparece uma despesa referenciada
do seguinte modo: “Despeza. Vem somando 161$626
a hum preto servente para ajudar a demolir, e arruinar
os tijolos as catacumbas da Igreja do Rozario” 52. Em
análise sobre este período, a única forma de
conseguirmos identificar que os membros da instituição
enterravam seus mortos foi através do Compromisso
de 1807 e das missas mandadas dizer na capela: “será
obrigada a Irmandade a mandar dizer uma Capela de
Missas pelos Irmãos Vivos e defuntos e por cada Irmão
que falecer Seis Missas, e será acompanhado pela
Irmandade”53. O material disponível no livro caixa
possibilita verificar que o termo utilizado é igreja e não
104
Pretos/as do Rosário:

cemitério como acontecerá nos anos posteriores. Afinal,


a demolição das catacumbas e a arrumação dos tijolos
da Igreja do Rosário podem, consideravelmente, significar
o fim da prática de enterrar os defuntos dentro da capela.
A lei que proibia esta prática completava três anos e,
provavelmente, as instituições deveriam se adequar.
O enterro representava um momento significativo
na vida da Irmandade. No Compromisso de 1842, são
constantes as indicações de como deve ficar a
Irmandade encarregada dos preparativos. Ao Irmão
Regente e os Irmãos de Capela ficava a obrigação de
“lançar e assinar em um livro competente os assentos
de todos os mortos que se sepultarem nas jazidas da
Irmandade com todas as especificações de costume e
as assinará”, além de fazer os registros das missas que
se mandou dizer pelas almas dos falecidos. Durante o
cortejo fúnebre, os corpos dos irmãos que serviram
cargos ou “forem reconhecidos bem feitores da
Irmandade deverão ser conduzidos pelos oficiais”,
sendo que o Irmão Regente deveria entregar aos Irmãos
da Mesa as tochas acesas para o enterro54.
Pertence a Irmandade acompanhar os corpos dos
irmãos falecidos, e “quando não venham em enterro
solene, a Irmandade irá recebê-los a porta da Igreja de
luz alçada para serem conduzidos a urna e sepultura
pelos irmãos” 55. E, para os irmãos que não estiverem
regularizados com seus anuais:
Logo que constar que o Irmão falecido pagou todos os
anuais, a Irmandade mandará dizer dez missas de esmola
ordinária, tendo servido de capela 12, de mesa 15, e assim
também as zeladoras, tendo servido de oficiais 20, de Juís
de S. B. e Juíza de N. S. 30, e isto mesmo se estenderá
com os Juizes jubilados. Sucedendo que não tenha pago
105
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

os seis anuais por omisso, ficará privado desses sufrágios,


até que seus herdeiros, ou testamenteiros paguem a dívida,
mas, constando que deixou de pagar os anuais por pobreza
a Irmandade lhe mandará fazer os sufrágios prontamente56.
O cemitério possuía sepulturas separadas para os
Irmãos, diferenciando-se dos locais para enterro dos
demais fiéis. Segundo Gomes Neto, o cemitério
municipal de Florianópolis é criado em 1841 e passa a
atender as demandas funerais da população. Nos
dizeres do autor, a câmara Municipal “em ofício datado
de 10 de outubro de 1844, atendendo um Despacho
provincial, autorizava a designação, no cemitério, de
um terreno para a inumação dos Irmãos da Irmandade
de Nossa Senhora do Rosário” 57 . O cemitério,
localizado onde hoje é a cabeceira da ponte Hercílio
Luz, foi transferido para o bairro Itacorubi, em virtude
da construção desta ponte na década de 1920.

Figura 9 - Foto atual de lápide no Cemitério da Irmandade do


Rosário58
106
Pretos/as do Rosário:

A foto acima, feita pela autora Maristela dos Santos


Simão, apresenta a lápide do túmulo do senhor Norberto
Braga, que segundo registros da irmandade, esteve na
condição de irmão no período de 1875-1892. Segundo
esta autora, através de análise específica na
documentação do acervo da Irmandade em estudo, não
há registros sobre a data morte do senhor Norberto,
mas é plausível pensar que pode ter se dado em 1892,
ano em que se registra o pagamento de sua última
anuidade59.
Apesar das melhorias higiênicas que o enterro em
cemitérios fosse trazer, para os irmãos e irmãs era uma
nova preocupação, sendo, principalmente, um motivo
de diferentes despesas. Além da questão financeira,
levantamos o aspecto do impacto emocional e religioso
desta mudança na vida destas pessoas humildes, em
grande número de origem africana e que depositava
muitas de suas crenças na boa morte, como a ideia de
um lugar próximo ao altar para enterrar os mortos “mais
ilustres” - não no sentido de alguém importante
economicamente ou influente na cidade, mas enquanto
alguém importante na vida da instituição. Entretanto,
os irmãos e irmãs, aos poucos conseguiram construir
seus espaços para uma morte digna, que além de um
enterro à altura precisaria de um local adequado para
colocação do corpo.
A preocupação com a morte, segundo Soares,
acarretou que muitos africanos e afro-descendentes,
“mesmo não possuindo bens, façam testamento para
deixar ali registradas as condições de seu
sepultamento”. De acordo com a autora, a preta Tereza
de Jesus, forra mina, “casada com um preto forro, é
amortalhada no hábito de Santa Rita e sepultada em
107
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

Santa Efigênia”60, Irmandade de pretos do Rio de


Janeiro. No entendimento de Reis, os africanos tinham
uma preocupação muito grande com os funerais para
os seus mortos, e “especialmente, as orações pós-morte
pelas almas, que eram consideradas fundamentais para
que os irmãos alcançassem a salvação”61.

Considerações finais
Estas linhas são fruto de estudos desenvolvidos pelo
Grupo de Pesquisa Irmandades desde 2006, mas,
encontrando-se ainda inacabados, em virtude da
quantidade de documentos disponíveis e temas a serem
abordados, permitem apenas, considerações, ou
verdades plausíveis.
Esperamos que esta pesquisa e os resultados obtidos
até o momento possam disseminar em Santa Catarina
e em nosso país de modo especial, uma visão acerca
das populações de origem africana em Desterro/
Florianópolis e suas diferentes práticas, sejam elas
religiosas ou do âmbito de experiências do quotidiano.
Tentamos, de modo singelo, alcançar o objetivo de
visibilizar experiências antes tidas como inexistentes.

Fontes:
1
Graduanda da sexta fase do curso de História (licenciatura
e bacharelado) da Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC) e bolsista do Núcleo de Estudos Afro-
Brasileiros (NEAB/UDESC) onde atua no projeto de
pesquisa “Irmandades e Confrarias Católicas de Africanos
e Afrodescendentes em Desterro/Florianópolis no século
XIX”, sob coordenação do prof. Dr. Paulino de Jesus
Francisco Cardoso.
108
Pretos/as do Rosário:

2
SIMÃO, Maristela Santos. “Lá vem o dia a dia, lá
vem a V irge Maria. Agora e na Hora de Nossa
Virge
Morte”. A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e
São Benedito dos Homens Pretos, em Desterro (1860-1880).
Casa Aberta: Itajaí, 2008, p. 41.
3
SIMÃO, 2008, p. 41-42.
4
CABRAL, Oswaldo Rodrigues. A Irmandade de Nossa
Senhora do Rosário (1750-1950). Florianópolis:
Lunardelli, 1950, p. 3.
5
Idem, p. 4.
6
AINSRSB (Acervo da Irmandade Nossa Senhora do Rosário
e São Benedito). Registro de Irmãos. Folha avulsa. Pasta
documentos folhas avulsas.
7
STAKONSKI, Michelle Maria. Da Sacristia ao
Consistório: tensões da Romanização no caso da
Consistório
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito
dos Homens Pretos – Desterro/Florianópolis (1880-1910).
Itajaí: Casa Aberta, 2008, p. 64.
8
STAKONSKI, 2007, p. 49.
9
SIMÃO, 2008, p. 97.
10
Sobre esta questão ver MORTARI, 2000, especificamente
o capítulo 3.
11
AINSRSB, Livro Ata 2 (1862-1875).
12
SIMÃO, 2008, p. 54-55.
13
Acervo da autora, 2008.
14
Irmãos
ALVES, Naiara Ferraz Bandeira. Ir fé:
mãos de cor e de fé
irmandades na Parahyba do século XIX. Dissertação de
Mestrado em História. UFPB: João Pessoa, PB, 2006, p.
51.
15
AINSRSB. Livro Ata 2, 1862-1875, p.07.
16
QUINTÃO, Antonia Aparecida. Lá vem o meu par ente:
parente
ente
as irmandades de pretos e pardos no Rio de Janeiro e em
Pernambuco (século XVIII). São Paulo: Annablume:
Fapesp, 2002, p. 89.
109
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

17
ALVES, 2006, p. 69.
18
ALVES, 2006, p. 148.
19
SIMÃO, 2008, p. 68.
20
AINSRSB. Livro Ata 2, 1862 – 1875, p. 37v.
21
Fonte: http://www.roteiroromanceado.com/cruzadas/historia/
ancestrais/publicacoes/brasil/brasil.html, acesso em outubro
de 2008.
22
Fonte: http://www.dezenovevinte.net/obras/obras_
cristandade_files/debret_pedintes01.jpg, acesso em outubro
de 2008.
23
SIMÃO, 2008, p. 86-89.
24
AINSRSB. Livro Caixa 4, 1829-1847.
25
Percebemos estas informações no Livro Ata 1, 1816 -1861,
na qual a alternância em relação às eleições é visível depois
de 1827, sendo que, de acordo com o mesmo livro, apenas
a partir de 1842, já com o novo Compromisso, a instituição
elege a nova Mesa, um dia antes da festa de Nossa Senhora
do Rosário que era comemorada na primeira semana de
outubro.
26
CABRAL, Oswaldo R. Notícia Histórica da Irmandade
de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito
Benedito.
Florianópolis, 1950, p.14.
27
O Compromisso é uma espécie de Estatuto que tem por
objetivo reger a Irmandade. Neste trabalho utilizamos os
Compromissos dos anos de 1807 e 1842.
28
AINSRSB. Pasta Documentos. Compromisso da Irmandade
de Nossa Senhora do Rosário, 1842, parágrafo 16.
Transcrição feita pela pesquisadora e professora Dra.
Claudia Mortari Malavota.
29
AINSRSB. Livro Caixa 4, 1829- 1847, p. 30-50.
30
ALVES, 2006, p. 79.
31
Fonte: http://www.paroquiasaobenedito.org.br, acesso em
15 de maio de 2009.
32
SCARANO, Julita. Op. Cit. p. 39-40. Apud: STAKONSKI,
2007, p. 41.
110
Pretos/as do Rosário:

33
Esta questão não é o foco de nosso trabalho no momento
e, possivelmente, ainda será discutida e melhor pesquisada
em estudos futuros.
34
BIDEGAIN, A.M. História dos Cristãos na América
L atina
atina. Petrópolis: Vozes, 1993, p. 193. Apud: SILVA,
2008, p.54.
35
CABRAL, 1950, p. 05.
36
AINSRSB. Livro Caixa 4, 1829-1847.
37
Aqui nos referimos ao Compromisso de 1807, visto que o
Compromisso anterior foi perdido e o de 1842, como
veremos adiante, não possui os cargos de rei e rainha.
38
AINSRSB. Pasta de Folhas Avulsas 1788-1905, p. 10,
Documento 04.
39
QUINTÃO, 2002, p. 85.
40
De acordo com a análise do acervo da Irmandade referente
ao século XIX, encontramos maiores gastos e preocupação
com a festa anual a Nossa Senhora do Rosário, acreditamos
até que em virtude de ser a santa homenageada desde o
início da instituição e sendo a capela colocada em devoção
a esta santa. São Benedito foi incorporado décadas depois
e nem sempre a preocupação com algumas “pompas” e
liberação de recursos acontecia igualmente.
41
BPSC (Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina).
Jornal “O Conservador”, sabbado, 24 de outubro de 1874.
42
AINSRSB. Livro de Atas 3 1875-1905, p. 35.
43
Idem, p. 59.
44
SILVA, Selma Maria da. Ir Irmandade
mandade de Nossa Senhora
do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos Pretos:
práxis de africanidade. Rio de Janeiro: Quartet: Universidade
do Rio de Janeiro, Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros.
(Cadernos Sempre Negro), 2008, p. 40.
45
SOARES, Mariza de Carvalho. Escravidão Africana e
Janeiro,, século
Religiosidade Católica (Rio de Janeiro
XVIII)
XVIII). Trabalho apresentado ao Prêmio Silvio Romero
em 1999. p. 120.
111
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

46
SOARES, 1999, p. 121.
47
ALVES, 2006, p. 90.
48
REIS, João José. A morte é uma festa
festa: ritos fúnebres e
revolta popular no Brasil no século XIX. São Paulo: Cia
das Letras, 1991, p. 92.
49
AINSRSB. Pasta de Folhas Avulsas. Compromisso da
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito
dos Homens Pretos de 1842. Transcrição feita pela pesquisadora e professora
da UDESC Profa. Dra. Cláudia Mortari Malavota.

50
ALESC. De Desterro a Florianópolis
Florianópolis: O Legislativo
catarinense resgatando a história da cidade, 1836-2005.
Florianópolis, 2005.
51
SIMÃO, 2008, p. 107-108.
52
AINSRSB. Livro Caixa 4, 1829-1847, p. 130.
53
AINSRSB. Pasta de Folhas Avulsas. Compromisso da
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito
dos Homens Pretos de 1807, capítulo 10. Transcrição feita pela
pesquisadora e professora da UDESC profa. Dra. Cláudia Mortari Malavota.

54
AINSRSB. Pasta de Folhas Avulsas. Compromisso da
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito
dos Homens Pretos de 1842, parágrafo 9. Transcrição feita pela
pesquisadora e professora da UDESC profa. Dra. Cláudia Mortari Malavota.

55
AINSRSB. Pasta de Folhas Avulsas. Compromisso da
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito
dos Homens Pretos de 1842, parágrafo 23. Transcrição feita pela
pesquisadora e professora da UDESC profa. Dra. Cláudia Mortari Malavota.

56
Ibidem, parágrafo 23.
57
NETO, Álvaro de Souza Gomes. Desterro, década de 1840:
a arte de morrer na capital da província de Santa Catharina.
Revista História e-história
e-história. 23 de outubro de 2008.
ISSN: 1807- 1783, acesso em 30 de junho de 2009.
58
Foto disponibilizada pela autora do primeiro capítulo,
Maristela dos Santos Simão, no Acervo documental sobre
a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito
dos Homens Pretos no NEAB/UDESC.
112
Pretos/as do Rosário:

59
SIMÃO, 2008, p. 110.
60
SOARES, 1999, p. 113.
61
ALVES, 2006, p. 86.
113
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

Capítulo 3

A Irmandade de Nossa
Senhora do Rosário e São
Benedito dos Homens
Pretos em Florianópolis e
as ações romanizadoras:
rupturas e permanências no final do século
XIX e primeiras décadas do XX

Michelle Maria Stakonski1

As diferenças que marcam Desterro e Florianópolis


perpassam a mudança do nome da cidade, das ruas,
praças e prédios públicos e adentram a história de
rupturas e permanências de práticas e posturas,
inclusive das práticas religiosas e suas manifestações
114
Pretos/as do Rosário:

culturais. Na Florianópolis republicana, a Irmandade


de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito continua
a congregar homens e mulheres de diversas condições
sociais, mas os sentidos associativos mudam, bem
como, as práticas religiosas e culturais que são
socializadas nesse ambiente. O espaço permanece o
mesmo neste período, até os dias atuais, mas nossa
tese é que, no período iniciado na Primeira República,
a estrutura religiosa católica sofreu uma profunda
mudança que desencadeou impactos na estrutura
administrativa e associativa da Irmandade do Rosário,
e, assim, no cotidiano dos irmãos que pertenciam a
ela. Algumas dessas transformações podem ser
facilmente percebidas: o Compromisso da confraria foi
alterado em 1905, muitos irmãos a partir dessa data
foram exonerados de seus cargos, nenhuma reunião
administrativa podia ser efetuada sem a presença de
um representante do clero, missas em língua alemã
passaram a ser ministradas na capela do Rosário, a
utilização de instrumentos de batuque e orquestras
musicais no interior da igreja foram proibidas, entre
outros.
Em se tratando da análise dos estudos acerca das
irmandades religiosas de africanos e suas congêneres
leigas, observa-se frequentes alusões ao que
convencionamos chamar de ambiência ambígua. De
fato, como visto nos capítulos anteriores, tais
instituições são representadas como espaço normativo,
e que, todavia, também serviram de palco legítimo para
a construção de teias de reciprocidades e alternativas
de burlar a normatividade imposta pelo espaço religioso,
em um constante jogo de relações de poder. Tais jogos
de poder, em um ambiente repleto de táticas de
115
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

sobrevivência - como podemos observar nas tensões e


práticas associativas - são acentuados no período da
Primeira República. Durante esta época, a Igreja
Católica passou por uma reforma estrutural que a
transformaria em uma das principais instituições
disciplinares do início do século XX.
Nesse período, o catolicismo luso-brasileiro, que
ainda predominava em Florianópolis no início do
Regime Republicano, representado principalmente pelas
irmandades, entre elas a Irmandade de Nossa Senhora
do Rosário e São Benedito, foi gradualmente
ressignificado, visando desestruturar as práticas
devocionais leigas e instaurar manifestações mais
sacramentais na esfera do espiritual.
Este processo de tentativas de desestruturação das
devoções populares é considerado um fenômeno que
encontra explicação no processo de modernização e
de instituição de um novo modo de vida, marcado pelo
caráter civilizador, que visava cultivar “novos hábitos,
pois os costumes em vigor não lembravam uma capital
‘civilizada’, segundo o modelo da época”2.
Neste sentido, as festas, procissões, foguetórios,
peditórios, e práticas típicas de um catolicismo em que
os leigos eram os principais protagonistas, foram
paulatinamente sendo deixadas de lado pelos clérigos,
que visavam normatizar as práticas devocionais
católicas, propondo atitudes consideradas mais
“civilizadas” e individuais de culto ao divino, como
missas mais introspectivas, procissões organizadas,
ênfase nos Sacramentos da Igreja e exercícios de
piedade pessoal - como orações individuais, jejuns e
confissões. Tais atitudes disciplinadoras, advindas de
um projeto modernizador do clero de Florianópolis, não
116
Pretos/as do Rosário:

conseguiram, no entanto, desarticular a Irmandade do


Rosário e São Benedito, muito menos diminuir a
importância do espaço da confraria na cidade.
Houve sim, uma mudança drástica nas formas de
culto da confraria, com a escritura de um novo
Compromisso em 1906, a instituição de missas rezadas
em idioma alemão, a proibição de missas e procissões
acompanhadas por orquestras ou bandas com
instrumentos de metal, ou batuque, a suspensão de
peditórios, foguetórios, tanto como a interdição de
reuniões e celebrações sem a presença de um membro
do clero, entre outras mudanças. É sobre as
modificações na estrutura de funcionamento da
Irmandade do Rosário, os mecanismos utilizados pela
Igreja Católica para tentar desarticular a autonomia da
irmandade e as táticas de resistência dos irmãos do
Rosário, que este capítulo debruçará suas reflexões.

O desempenho da Irmandade de Nossa Senhora do


Rosário e São Benedito no período pós-abolição, em
pleno afã modernizador do Estado e renovador da Igreja
Católica, se localizou no âmbito da sobrevivência3. As
táticas desenvolvidas pelos irmãos e irmãs permitiram
que, apesar de símbolo de um catolicismo barroco e/
ou de cunho tradicional4, a confraria permanecesse
ativa até os dias atuais, não obstante as investidas e
estratégias da Igreja Católica romanizada contra sua
existência5.
Como visto nos capítulos anteriores, no âmbito da
religiosidade popular, os leigos assumiam posição de
destaque nas atividades religiosas, cujas devoções
117
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

santorais, procissões, benzeduras, festas e promessas,


eram práticas recorrentes e legítimas de uma estrutura
religiosa preponderante durante o período colonial e
imperial no Brasil, as Irmandades religiosas leigas6.
O período inaugurado pela Primeira República
significou inúmeras tentativas de mudança com as
práticas de uma sociedade colonial/imperial, que
ansiava por civilizar-se nos moldes europeus, e esse
projeto de modernidade reverberou em inúmeros
âmbitos da vida dos sujeitos, inclusive no campo
religioso. Durante o período do início do século XX, a
Igreja Católica passou por um processo de reformulação
que inaugurava um projeto de cunho reformista
europeu 7 ao trazer para as terras catarinenses
congregações religiosas européias – que viriam
substituir as antigas confrarias e irmandades de leigos
da cidade de Florianópolis – e que representavam um
ideal de civilidade perseguido pela elite local, afinal esses
dirigentes encontravam na alta hierarquia católica e nas
ordens e congregações religiosas recém chegadas da
Europa uma maneira de adquirir valores modernos de
distinção e diferenciação social.
Tem-se, portanto, as primeiras décadas do século
XX como ponto de partida para a transformação de
Florianópolis, então provinciana, na capital do estado
e num espelho das ideias modernistas vindas das
grandes cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo, que
por sua vez tentavam moldar-se nos padrões das urbes
europeias.
Os ideais religiosos da Igreja Católica associados
às problemáticas econômicas, sociais e políticas que
emergiram durante o período da Primeira República,
serviram de campo de disputa para os adeptos de uma
118
Pretos/as do Rosário:

nova ordem, que se pronunciava favorável às


perspectivas do mundo moderno, branco e racionalista.
Segundo Cardoso, assistiu-se nesse período um
estranhamento de costumes, invenções e (re)presen-
tações das práticas populares, tornadas arcaicas, de
forma com que estes partidários da modernidade em
Florianópolis atuaram de diferentes maneiras com o
intuito de negar tais práticas ou reformulá-las8.
Durante a Primeira República, em se tratando do
âmbito religioso, um conjunto de ações similares foi
implantado em todo país, o que se convencionou chamar
de processo de Romanização do catolicismo brasileiro,
e consistiu na centralização do poder em torno da
autoridade papal, que ocorrera também em alguns
países da Europa.
Os estudiosos que dialogam com estes conceitos são
unânimes em indicar tal transição, entretanto, como um
processo marcado por transformações na Igreja
Católica9, e no país em meados de 1870 até 1920. Estas
mudanças na estrutura institucional e nas práticas
devocionais são caracterizadas, principalmente, por um
processo gradual de europeização do clero, visando uma
quebra de costumes luso-brasileiros e o desejo de
controle das posturas. As principais ações do
Catolicismo Romanizado no Brasil, grosso modo, foram
a tentativa de desarticulação das associações religiosas
de leigos; reformulação dos ritos religiosos populares -
a fim de dar ênfase aos sacramentos da Igreja Católica
-; perseguição às sociedades secretas; reforma de
seminários diocesanos; fundação de estabelecimentos
de ensino para a sociedade civil; construção e reforma
das catedrais; criação de jornais católicos e a fundação
de novas dioceses.
119
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

Enquanto em um catolicismo de cunho popular, a


ênfase e a singularidade das relações com o sagrado
permeiam-se pelo hibridismo e pela forte presença do
leigo nas manifestações religiosas, a tentativa de
construção de um conceito de Catolicismo Romanizado
evidencia sua vinculação à Sede Romana. Segundo
Riolando Azzi, assim como o Catolicismo Tradicional
caracteriza-se por ser social, familiar, leigo, luso-
brasileiro e medieval; o Catolicismo Romanizado se
caracterizaria por ser romano, clerical, tridentino,
individual e sacramental10.
Neste sentido, no Catolicismo Romanizado, a
interferência da religiosidade enfatiza a transformação
pessoal, a partir dos sacramentos11. A ênfase no culto
eucarístico, no catecismo, no batismo, confissão, e
casamento regulamentado, visando à moralização da
família e do indivíduo, passa a ser característico do
discurso do clero em detrimento das manifestações de
devoção santoral, festejos e demais ritos públicos. A
modificação tem que partir das posturas morais
pessoais, a “salvação” é almejada individualmente, e
para alcançá-la é preciso merecer pela dignidade.
Sob este contexto a chamada “elite local” contou
com o apoio da Igreja Católica, que atuaria de forma a
ser “arauto” de regras de moralização e normatização
de posturas para os fieis da capital catarinense. Para
Azzi, o Catolicismo Tradicional apresenta cinco
características que são profundamente convergentes e
complementares entre si: é luso-brasileiro, leigo,
medieval, social e familiar, enquanto o Catolicismo
Romanizado busca instituir uma religião com ênfase
nos aspectos: europeu, clerical, sacramental e
individual12.
120
Pretos/as do Rosário:

Para Beozzo, até o início do século XX, o catolicismo


popular convivia de modo híbrido com um catolicismo
mais rígido, no interior da instituição católica, e é
justamente neste período que se rompe a harmonia entre
o abrasileiramento do catolicismo e sua europeização,
pois um dos catolicismos passaria a ser considerado
ilegítimo, supersticioso, “um mal a ser extirpado”,
enquanto o outro iria impor-se como legítimo: o
catolicismo legitimado daria ênfase na primazia do clero
em detrimento do poder e autonomia do leigo.
Esta nova postura clerical demonstrava que a
organização independente dos fiéis – principalmente
em se tratando dos pertencentes a e administradores
de irmandades – não estava de acordo com o Concílio
de Trento, cujos cânones desejavam implicar “(...) uma
centralização e submissão das hierarquias nacionais
ao papa, fortalecido pelo dogma da infalibilidade
decretado no vaticano I”13. As transformações, para
Augustin Wernet, estão intimamente ligadas à primeira
fase da modernização do Brasil, e as novas posturas
almejadas, em relação ao sagrado, animadas pelo
projeto de europeização cultural do país de romanização
do catolicismo14.
Este modo mais “austero” de catolicismo procurava
produzir fieis disciplinados e submissos à hierarquia
clerical e civil. As práticas devocionais deixavam as ruas
e partiam para dentro das igrejas. A prática dos
sacramentos, que deveriam ser ministrados exclusi-
vamente pelo clero, substituía as rezas das benzedeiras;
os corais começaram a ser as vozes que embalariam
os cultos em detrimento das orquestras, dos
“instrumentos de metal” e dos batuques festivos das
procissões.
121
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

Sobre este aspecto Élio Serpa infere que, a atitude


da Igreja Católica em Santa Catarina, ao procurar
europeizar o clero, e combater as manifestações
religiosas populares, configura-se, também, como
desdobramento de ideais de branqueamento da
sociedade. Sob esta perspectiva, considera que através
de padrões culturais europeus buscava-se a sonhada
modernização15.
No estado de Santa Catarina, o catolicismo
sustentou-se por iniciativa de poucos padres e muitos
leigos nas direções de irmandades e confrarias
religiosas. Os primeiros resquícios de Catolicismo
Romanizado foram introduzidos inicialmente nas áreas
de imigração européia na segunda metade do século
XIX, pelos próprios imigrantes e pelos pouquíssimos
sacerdotes que lhes davam assistência religiosa.
No que concerne às estratégias de modificações
imbuídas de um desejo normatizador e romanizador,
na agremiação, podemos perceber a proibição da
contratação das orquestras para realizar as procissões
de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, bem
como a proibição das novenas e missas cantadas em
língua vernácula, assim como batuques, e demais
danças nas decisões do Sínodo de 1910, que veremos
a seguir.
Depois de pedido do pároco da igreja matriz de
Florianópolis, o padre Francisco Xavier Topp, as
procissões passam a seguir uma norma rígida de
lugares, ou seja, cada irmandade deveria seguir, em
fila, de forma ordeira de acordo com o estipulado pelo
padre, primeiro para efeito estético, segundo a fim de
esquadrinhar e diferenciar os irmãos entre si.
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São
122
Pretos/as do Rosário:

Benedito teve o seu Compromisso modificado em 1905,


pelo mesmo padre Francisco Xavier Topp e esta
modificação incluía, entre outros, a inserção de um
parágrafo estipulando que, no caso de uma possível
desarticulação da mesma, os bens que, porventura, a
Irmandade possuísse, passariam a ser de posse da
Diocese. Neste mesmo compromisso é inserido um
artigo que proíbe reuniões leigas nos consistórios sem
a presença clerical.
Estas atitudes visando à modificação de práticas de
cunho popular dentro da igreja (práticas que lembram
um catolicismo dos tempos coloniais) e, principalmente,
visando à desagregação das irmandades são
oficializadas em Santa Catarina em 1910 quando por
efeito do 1º Sínodo diocesano16, foram prescritas as
ações que a Igreja clerical deveria tomar em relação a
inúmeras problemáticas, incluindo as irmandades, os
festejos e o papel dos leigos.
Durante a reunião do Sínodo de 1910, portanto,
várias foram as oportunidades de discutir os por-
menores das práticas populares e da Igreja católica,
bem como, de acentuar o caráter sacramental da
religiosidade almejada para as comunidades
paroquiais. As maiores preocupações da reunião
atingem de modo especial as instituições leigas da
cidade de Florianópolis, por aproximarem-se mais
significativamente do padrão de religiosidade católica
que estava sendo rechaçado, naquele momento, pelos
ideários de civilidade civis e do catolicismo em
reformulação.
Como vimos, as irmandades e/ou confrarias
religiosas podem ser consideradas símbolos de uma
religiosidade tradicional, barroca ou popular. Seus
123
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

moldes ritualísticos, legado lusitano, eram profun-


damente marcados pelas manifestações devocionais
exteriores e comunitárias como festas e procissões. As
irmandades representavam também o poder leigo em
detrimento do domínio clerical, visto que as confrarias
distinguiam claramente, em seus compromissos ou
estatutos, as tarefas da esfera temporal, destinadas aos
irmãos (seus pares) e as tarefas destinadas aos párocos,
contratados pela mesma apenas para cuidar dos
aspectos espirituais, que se limitavam, geralmente, às
festas, às procissões anuais e às missas semanais.
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São
Benedito, dentro do conjunto das instituições leigas de
Florianópolis17 representava, além de um espaço de
sociabilidade leiga, um espaço de sociabilidade entre a
maioria da população africana e afrodescendente da
cidade. Esta não era a única irmandade destinada a
irmãos “de cor”, havia mais duas, a Irmandade de
Nossa Senhora do Parto e a de Nossa Senhora da
Conceição18, mas, acredita-se que a do Rosário era a
mais antiga e, provavelmente, a mais influente entre
estas19.
O padre Francisco Xavier Topp, vigário da paróquia
de Nossa Senhora do Desterro, matriz da diocese de
Florianópolis, criada em 1908, olhava com atenção
para as práticas que eram realizadas no interior da
irmandade do Rosário, onde, de certo modo, os irmãos
e irmãs preservavam valores culturais e rituais que
remetiam às culturas de origem africana, como, por
exemplo, a preocupação exacerbada com os rituais em
homenagem aos mortos, bem como, o sustento de laços
de solidariedade entre os seus pares.
Tais ligações parecem, no entanto, também ser
124
Pretos/as do Rosário:

consequência do contexto social em que as irmandades


de africanos e afrodescendentes foram inseridas no
Brasil. No caso, a preocupação com a boa morte, muito
evidenciada nas tradições de origem africana também
remetia a uma preocupação social. Era providencial
que, em uma sociedade escravocrata onde não era
papel do Estado a construção de cemitérios, as
irmandades religiosas pudessem assumir o papel de
cuidar dos seus pares, para que, ao menos, tivessem
um enterro digno. Nisto se articula as práticas de
algumas culturas africanas que viam na morte uma
oportunidade de homenagear a alma de seus parentes20.
A mesma lógica pode ser pensada sobre a
importância das confrarias de africanos e afrodescen-
dentes no período escravocrata, pois, segundo Scarano
elas eram agentes de solidariedade grupal, congregando
simultaneamente anseios comuns frente à religião e
frente à realidade social, o que as transformavam em
um escudo contra a sociedade escravista21.
É importante frisar a impossibilidade de lutar
igualitariamente contra toda a sociedade escravista, mas
estas confrarias religiosas improvisavam táticas para
aliviar a opressão, fazendo desse espaço comum, um
ambiente de sociabilidade; táticas como a tentativa de
compra de alforrias, auxílio no montante do pecúlio e
assistência às viúvas e órfãos de irmãos. Segundo
Müller 22 , os irmãos das irmandades do Rosário
transformaram um espaço de controle em um espaço de
ação, uma espécie de laboratório, onde várias tradições
culturais, religiosas ou não, foram reelaboradas.
No período pós-abolição, essas associações mudam
de significado para se adaptar a nova realidade da
sociedade que ansiava por modernizar-se e apagar tudo
125
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

que remetesse a uma sociedade “atrasada” e não


civilizada. Esse projeto, como fora visto anteriormente,
incluía a tentativa de reformular a religiosidade híbrida
presente nas irmandades de africanos e a própria
existência de um espaço destinado a estas populações
e suas tradições “populares”.
Nas palavras de Cardoso, essas não eram
preocupações apenas da esfera religiosa, eram
preocupações que permeavam os projetos de todos os
porta-vozes da República, porta-vozes da modernidade
e civilidade:
A República e seus porta-vozes não tinham parâmetros para
lidar com estes grupos populares e, na dúvida, tornaram-
se todos inimigos, incontroláveis desenraizados sociais. A
esperança, parece, era mantê-los sob vigilância generalizada
e esperar, de acordo com as novas teorias, que
desaparecessem afogados nas suas incapacidades23.
Uma estratégia institucional da Igreja Católica,
inserida nessa lógica, foi a atenção especial à
reformulação das práticas realizadas pelas confrarias
religiosas em Florianópolis, em especial a de Nossa
Senhora do Rosário, que foi obrigada a aceitar a
proclamação de missas em idioma alemão a partir de
1914 (teve seu compromisso alterado em 1905), como
também, sofreu as alterações das práticas e costumes
das festas da oraga principal Nossa Senhora do Rosário
e das festas de São Benedito.
As organizações leigas passaram a ser enquadradas
em estruturas hierarquizadas e até mesmo substituídas
por novas associações pias presididas pelo clero24. Em
Florianópolis, com apoio do Padre Francisco Xavier
Topp, vieram as irmãs da Divina Providência da
Alemanha para fundar sua ordem.
126
Pretos/as do Rosário:

De acordo com Élio Serpa, no período de 1900 a


1920, em Santa Catarina, foram introduzidas e
estimuladas novas associações pias, de caráter
paroquial, presididas pelo clero e geralmente divididas
por gêneros, cuja estrutura e práticas destoavam das
irmandades leigas. O apostolado da Oração, que
cultivava a devoção ao Sagrado Coração de Jesus,
havia sido instituído após a primeira visita do bispo
diocesano e foi reestruturado pelo novo vigário e pelos
padres jesuítas 25 . Neste sentido, essas novas
congregações, parece, viriam a substituir as Irmandades.
Elas mantiveram-se muito próximas das elites dirigentes,
pois, segundo Serpa, estas se tornaram divulgadoras
em potencial dos costumes das elites.
Em Florianópolis, nesta época, tudo indica que a
hierarquia católica buscava “reeuropeizar” a partir das
práticas romanizadoras do clero secular e das
congregações católicas europeias, principalmente
alemãs, as formas populares de religiosidade cristã26.
O território catarinense, desde vinte e sete de abril
de 1892, estava sob a jurisdição da diocese do Paraná,
cuja sede se localizava em Curitiba. A partir de dezenove
de março de 1908, pela bula Quum Sanctissimus
Dominus Noster, de Pio X, o estado de Santa Catarina
foi elevado à condição de Diocese, com o nome de
Florianópolis, sendo a Igreja matriz de Nossa Senhora
do Desterro elevada à categoria de Catedral. A criação
da Diocese de Florianópolis inaugurou, enfim, a efetiva
ação romanizadora no estado.
Dois anos mais tarde, em 1910, foi realizado, nos
dias trinta e um de janeiro a dois de fevereiro, o 1º
Sínodo Diocesano em Florianópolis, após retiro
realizado com os membros do Clero. Afinal,
127
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

Muitas eram as razões que militavam em favor da prompta


celebração do primeiro Synodo da Diocese de Florianópolis,
creada em 19 de Março de 1908. Nada é mais útil do que
estabelecer normas seguras desde o começo, para ir reduzindo
tudo a ellas, pouco a pouco, mas com perseverança e
tenacidade até conseguir o desideratum. E quando essas regras
se affirmam com o apparato e a solemnidade de um synodo,
mais facilmente se cumprem [...]27.
Os Sínodos diocesanos são assembléias consultivas,
convocadas e dirigidas pelo Bispo, à qual são
chamados, segundo as prescrições canônicas,
sacerdotes e demais membros da Igreja Católica.
Palavra de origem grega, syn-hodos, cuja tradução
significa caminhar junto (syn, com; hodos, caminho),
tal acepção da palavra traduz o significado dessas
reuniões, cujo interesse é construir e discutir
coletivamente as regras para melhor dirigir a
comunidade diocesana.
A primeira dessas assembléias, realizadas no Brasil,
aconteceu na Arquidiocese da Bahia, em 1707. Em
1898, o papa Leão XIII convocou os bispos da América
Latina para um Concílio Plenário que se realizou na
cidade de Roma, os seus decretos do ponto de vista
jurídico, segundo Serpa, puseram à margem as
Constituições de 1707 do Arcebispado da Bahia,
colocando o Brasil sob a égide de uma única legislação
católica. O concílio plenário da América Latina foi de
suma importância para o movimento reformador da
Igreja Católica no Brasil, pois os decretos construíram
a imagem de uma instituição fortemente hierarquizada,
que submetia ao seu controle “todas as variações de
manifestações religiosas que, consideradas como
ignorância religiosa do povo, deveriam ser abolidas ou
reelaboradas”28.
128
Pretos/as do Rosário:

As decisões atingiram principalmente as irmandades


religiosas e Ordens Terceiras, que, por decisão da
assembléia, deveriam ter seus Compromissos ou
Estatutos reelaborados de modo a permitir maior
controle por parte do governo diocesano, que deveria,
inclusive, incorporar os bens dessas instituições ao
patrimônio da Igreja Católica.29
O próprio Sínodo diocesano de 1910, da Diocese
de Florianópolis, na esteira dos pressupostos do
Concílio Latino- Americano incluiu um parágrafo
destinado ao assunto: “Todas as Associações para serem
legítimas devem ter estatutos próprios, examinados e
confirmados pela Santa Sé ou pelo Bispo diocesano, o
que se há de provar pela provisão que deve estar annexa
ao Compromisso”30.
Uma das principais reverberações das decisões e
decretos do Concílio Plenário Latino Americano, de
1898, foi a realização de sínodos diocesanos em todo
território brasileiro. Neste contexto se insere o Sínodo
de 1910, elaborado na recém criada Diocese de
Florianópolis, cujo bispo, Dom João Becker assume,
no excerto abaixo, que as decisões do Concílio Plenário
serviram de motivação para a elaboração da reunião,
que era de extrema necessidade para a Diocese em
formação, pois
tendo sido sempre de muita utilidade que o clero, de tanto
em tanto, se reúna para estreitar os vínculos da caridade
mutua, e para tratar da disciplina e de manter e promover
os interesses da S. Madre Egreja, hoje é isto muito mais
oportuno, e é necessário, visto que se em pregam todos os
artifícios para desunir os ânimos, para afastar o clero do
próprio pastor e o povo do clero, para destruir as leis e a
própria constituição da Egreja, para desfazer inteiramente
a unidade. Por este motivo o Concilio Latino Americano
129
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

determinou que os bispos, segundo as suas forças, procurem


superar as difficuldades que houver contra a reunião dos
Synodos Diocesanos31.
A partir da leitura das regras e pressupostos, que se
incluem nos sínodos, é possível compreender um pouco
dos ideários da Igreja Católica, seus discursos e
estratégias. O Sínodo de 1910 justifica a necessidade
dos sacerdotes se revestirem de posturas e atitudes
irrepreensíveis. Segundo o Sínodo, a vida casta serviria
de padrão para os fieis, que, por sua vez, aprenderiam
pelo exemplo.
[..] é preciso que o orador sacro se apresente ao povo como
um alter christus. Deve, por isso, ter a sciencia necessária e
distinguir-se pela pureza dos seus costumes e uma vida
exempllar; porque mais facilmente aprendem os fieis o que
se lhes ensina com o exemplo, do que as verdades que se
lhes ensinam somente com palavras32.
Segundo os ideários da Cúria Diocesana, os bispos
eram considerados os maiores representantes do Papa
na Igreja regional, e por esse motivo havia uma
preocupação exacerbada com a formação de uma
imagem autoritária e impoluta, bem como, com a
construção da relação direta entre os bispos e o Sumo
Pontífice, entre os primeiros e os sacerdotes e entre estes
e a comunidade, lógica que pode ser observada no tema
do terceiro dos sermões ministrados durante a
constituição do Sínodo “[...] Terceiro sermão synodal
pregado pelo padre Manuel Gonzáles, [cujo tema era]
Unidade da Egreja Catholica, referindo-se à união
existente entre os Bispos e o Summo Pontífice, entre os
sacerdotes e os Bispos, entre os fieis e seus legítimos
parochos e sacerdotes33.
130
Pretos/as do Rosário:

Os representantes da alta hierarquia exerciam seu


ofício com plena autoridade dada a eles pelo Pontífice
Romano, a quem representavam, tendo como principal
encargo zelar pela doutrina e pela disciplina. No projeto
centralizador da Igreja Católica, o bispo era a figura
com autoridade máxima nos âmbitos regionais, e cabia
a ele, como principal atividade pastoral, implantar ações
de substituição do tradicional catolicismo luso-
brasileiro, marcadamente devocional, pelo catolicismo
romanizado, com ênfase no aspecto doutrinal e
sacramental.
A reunião Sinodal de 1910, realizada em Florianó-
polis, teve como alvo principal o clero secular, pela
proximidade deste com a população catarinense, não
obstante o retiro ter sido aberto aos membros do clero
regular também.
No dia trinta e um de janeiro, reuniram-se na Matriz
diocesana, os membros do clero convidados para a
criação das regras que viriam gerir e institucionalizar
as práticas cotidianas dos sacerdotes, bem como,
determinar quais as posturas almejadas para os leigos
e as estratégias de remodelamento destes. Devido ao
caráter inédito do Sínodo e a seriedade que carecia,
Dom João Becker decretou que,
[...] a todos e a cada um, que aqui se acham reunidos e
que de juri devem assistir a este Synodo, fica prohibido sob
pena de Excommunhão, que se retirem desta Cidade de
Florianópolis, antes que seja por nós decretado o
encerramento do mencionado Synodo e mandado que se
possam retirar, o que antes não podem fazer sem licença
nossa in scriptis. Mandamos, outrossim, que, sob a mesma
pena de excommunhão, assistam a todos os actos
Synodaes, sessões e congregações que forem indicadas em
ordem à sua completa e perfeita execução34.
131
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

Antes de iniciar as atividades Sinodais, o bispo João


Becker, ainda exortou os padres a continuarem “[...]
intrépidos nos seus trabalhos apostólicos, plantando e
cultivando, cada um, a preciosa semente da fé, na parte
da vinha do Senhor que lhe tocava, combatendo os
abusos e erros, como convém a verdadeiros discípulos
do Salvador” 35. Os abusos e erros a serem combatidos
foram discutidos em vários parágrafos do documento
sinodal.
As resoluções do Synodos procuram, pois, tornar mais
conhecidas as leis da Egreja, accomodando-as, emquanto
o for permittido e possível, às circumstancias desta Diocese,
pelo que volvem sua attenção aos erros e abusos n’ella
vigentes afim de corrigi-los36.
Para além da reestruturação das posturas desejadas
para os leigos nas festividades, nos rituais, na
interiorização da devoção e na primazia do clero, em
detrimento da autonomia leiga, os principais erros
combatidos no Sínodo de 1910 fazem referência à
encíclica papal promulgada pelo Papa Pio X, em
setembro de 1907, “Pascendi Domini Gregis: Sobre as
doutrinas modernistas”. O documento condena o que
chama de “modernismo católico”, que seria uma
reinterpretação da religião à luz do pensamento
científico do século XIX, o que foi considerado, por Pio
X, uma “síntese de todas as heresias” 37 . Como
exemplifica o trecho abaixo:
O Clero catharinense, reunido em Synodo sob a presidencia
effectiva do seu primeiro Bispo Diocesano, querendo, como
seu principal dever, guardar integra e inviolável a fé cathólica,
professada e ensinada pela Santa Egreja Catholica
Apostólica Romana, confessa e ensina tudo o que a Santa
Egreja propõe para crer como revelado por Deus, e
132
Pretos/as do Rosário:

condemna todos os erros reprovados e anathematizados


pelos Sagrados Concílios Ecumênicos, pelos Romanos
Pontífices e principalmente pelo S. Padre Pio X Em sua
Encyclica Pascendi e pelo decreto da S.C. da Inquisição
de 3 de Julho de 190738.
O sacerdote deveria ser pregador do evangelho e
incentivar os fieis na prática dos sacramentos e no
conhecimento do catecismo.
Manda portanto o synodo que todos os sacerdotes,
parochos, curas,coadjutores e capellãoes – em as missas
que celebrarem nas egrejas, capellas, oratórios públicos,
ou semi-publicos, aos domingos e dias santos, preguem
sobre qualquer parte do catecismo ou sobre o evangelho
do dia, ao menos de cinco a dez minutos, e recommenda
que não omittam a pregação nos dias em que se celebra
algum mysterio da Religião[...] Estando legitimamente
impedidos, deverão ler algum trecho explicativo do
evangelho ou de catecismo. A pregação deve ser clara, de
modo que possa ser facilmente entendida, porque será sem
effeito, se o orador sacro não se fizer entender39.
Se até o período de transição do Império para a
República prevalecera no país uma religião de cunho
devocional, por sua vez o novo modelo de catolicismo,
de inspiração tridentina, reforçava a responsabilidade
individual, por meio da doutrina dos pecados mortais
e veniais. Para tanto, segundo Azzi40, a promoção mais
expressiva dos textos de catecismo que orientavam as
posturas dos fieis, foi de suma importância para a
tentativa de adequação destes aos preceitos de uma
religiosidade mais interna, individual e sacramental. O
catecismo também afirmava a importância de uma
religião letrada, como forma de contraponto à crença
religiosa tradicional, difundida por costume e considerada,
pelos clérigos, como expressão de ignorância, superstição
133
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

e, para o autor, até mesmo fanatismo popular, como


nos casos de Canudos e do Contestado.
Segundo o discurso do Sínodo diocesano de
Florianópolis, tanto adultos quanto crianças necessitariam
de instrução religiosa e caberia aos sacerdotes, por meio
da pregação, a explicação aos devotos “do catecismo em
linguagem fácil”41. Um dos aspectos mais frisados no
Sínodo diocesano de 1910, neste contexto, referia-se às
festas e procissões populares: “Haja especial cuidado para
que as procissões se effectuem com o devido respeito e
ordem”42.
As procissões religiosas de herança portuguesa,
realizadas em Florianópolis principalmente pelas
irmandades e confrarias religiosas, continham um
intenso apelo devocional. Consistiam em festas com
manifestações que se aproximavam dos festejos pagãos,
pois contavam com uma série de elementos que eram
comuns às diversões “profanas” como, por exemplo,
exageros de “comes e bebes”, cantorias acompanhadas
por orquestras musicais, danças, enfeites, fantasias (as
crianças vestiam-se de anjos para acompanhar as
procissões) leilões e foguetórios (fogos de artifício)43.
Nestas ocasiões de procissão, o sagrado e o profano
apresentavam-se unidos, “de mãos dadas”. De elementos
considerados sagrados apenas a presença de um andor
com a imagem do santo orago da Irmandade, as ladainhas
(que antecediam a procissão, em uma espécie de vigília)
e a missa solene, que contava com o ritual eucarístico e
homilia (muito embora, em diversas ocasiões a própria
orquestra que acompanhava a procissão também tocava
dentro da igreja na hora do ritual da missa).
Neste sentido, Wernet 44 frisa que “As festas e
manifestações religiosas, como procissões, por exemplo,
134
Pretos/as do Rosário:

constituíam-se numa forma de reunião social, uma


verdadeira expressão comunitária’”. Para o autor, as
procissões, consistiam em festas religiosas com
elementos pagãos e possuía a função de quebrar a
monotonia cotidiana se constituindo como forma de
sociabilidade, uma das escassas ocasiões em que o
povo se divertia principalmente em se tratando de
homens e mulheres que se encontravam em cativeiro
no período anterior a abolição.
Visto este contexto, não é de se estranhar que o
Sínodo de 1910 chame atenção e exija “especial
cuidado” com a ordem e respeito nestas ocasiões de
procissões e festas religiosas. As festas movimentavam
a vida da comunidade, sendo que as práticas e costumes
que ali eram engendrados - e estavam permeados de
símbolos e práticas de um catolicismo híbrido onde
profano e sagrado conviviam “harmonicamente” -
tinham extrema visibilidade na sociedade.
Nem os novos ideários de posturas almejados para
a construção de um bom cidadão, ordeiro e respeitoso;
nem os ideários da “nova sensibilidade” religiosa,
inaugurada pelos preceitos do Catolicismo Romanizado,
estavam de acordo com as práticas que eram
observadas nestes momentos. As procissões e festas
religiosas não foram proibidas, mas renderam a atenção
de um capítulo especial no Sínodo Diocesano de 1910,
inteiramente destinado a orientar os sacerdotes a
reformular e normatizar tais festas. A posteriori, no
Sínodo realizado em 1919 na Diocese de Florianópolis
é frisada a seguinte postura: “Quanto às devoções
populares, em geral, uma vez expurgas de quaesquer
abusos e dentro da lei, podem ser mantidas e até
reavivadas pelos Srs. Vigários, como um dos meios de
135
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

manter-se a fé, e exercerem elles a necessária acção


social e religiosa sobre as massas”45.
Há de se convir que, se houve alguma tentativa de
extinguir totalmente as manifestações populares de
devoção (que no caso são interpretadas como as festas
e procissões em honra a santos e santas, por serem
estas as únicas formas conhecidas de devoção popular
de “massas”), esta não obteve sucesso. Ou se obteve, a
Igreja Católica compreendeu que tais práticas
devocionais, no contexto social em que estavam
inseridas, envolviam os fieis de modo efetivo e poderiam
ser utilizadas como um meio de proclamar a fé católica
e os preceitos sociais que no período a Igreja Católica
se identificava, desde que, “expurgas de quaesquer
abusos”, ou seja, desde que reformuladas. Em 1910,
entretanto, a alta hierarquia religiosa estava mais
preocupada em apagar o hibridismo religioso destas
manifestações do que se apropriar das mesmas, o que
se pode perceber na leitura de alguns parágrafos do
capítulo segundo do Primeiro Sínodo, como, por
exemplo, o excerto: “Procurem os Rs. Parochos dar às
festividades religiosas o seu próprio caracter,
eliminando os abusos, como sejam as folias, dansas
(sic), etc, e impeçam o desvio das esmolas, recolhidas
a titulo de festas, para profanidades ou qualquer
emprego alheio ao seu próprio destino”46.
Como dito anteriormente, se há proibição é plausível
afirmar que essas práticas - as folias, danças e desvio
de esmolas - eram recorrentes nas festas religiosas. Essa
hipótese é corroborada por um bilhete do padre
Francisco Xavier Topp. Neste documento, ele reconhece
uma série de atitudes que as irmandades realizavam
no seu quotidiano, e mais especificamente, nas festas
136
Pretos/as do Rosário:

religiosas. Resumidamente, o bilhete do padre Topp,


que data de 1890, contém uma lista de práticas
condenáveis pelo Catolicismo Romanizado, mas que
faziam parte do sentido religioso e devocional do povo47.
Praticamente todos os costumes elencados por Topp
encontram resposta no Sínodo de 1910, mais
especificamente, no capítulo segundo, que normatiza
as festas religiosas.
Data de 1889 as anotações escritas a lápis, pelo
padre Francisco Xavier Topp, no pequeno pedaço de
papel encontrado no fundo de uma pasta do acervo da
Cúria diocesana de Florianópolis.
1. As Irmandades especialmente

2. Reza-se novenas públicas e fazem-se festa e em casas


particulares, convida-se o povo para estas festas pelos
jornaes, terminando com banquetes, fogos de artifício até
homens que servem de capellães nesta novena roubem
dinheiro Há gente que promette missas pedidos e vae de
casa em casa esmolando a espórtula destas missas, ás
vezes não entregam o producto destas esmolas

3. A Irmandade do Espírito Santo faz pedem esmolas com


a bandeira leilão na festa em uma Barraquinha ao lado da
Matriz e na sua capella que é procurada,escolhem um
menino imperador

4. Na noite de Sabbado do Passos a igreja fica aberta, a


gente de sitio dorme as vezes lá dentro

5. Demoram o baptimo

6. Confissão de devotos, as vezes não, e outras vezes tão


tarde

7. Sedida de S. Sebastião, água em que se lavou a imagem


de Bom Jesus dos Passos
137
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

8. Exposição do Santíssimo Sacramento no na quinta-


feira santa no Menino Deus48.
Tais práticas parecem ter chamado atenção do padre
e o fato de tê-las elencado perpassam um corolário de
significados, que permitem interpretar, em meio a estas
poucas linhas, um grande estranhamento com os
costumes que eram preponderantes na antiga Desterro,
e que tiveram continuidade em Florianópolis, resquícios
da religiosidade de cunho tradicional e que ainda
continuavam a reverberar na sociedade moderna.
A lista, que começa pela frase “As Irmandades
especialmente”, permite observar práticas das
agremiações católicas de leigos na cidade de
Florianópolis da época. Ao aproximar plausivelmente
os itens que foram descritos, é possível inferir que o
padre Francisco Topp estava relatando alguns pontos a
serem modificados nas manifestações tradicionais das
festas religiosas do calendário litúrgico da cidade:
Procissão dos Passos, Festa do Divino, Semana Santa,
bem como as práticas das novenas festivas nas
comemorações dos oragos das confrarias religiosas e a
falta de rigor com os sacramentos da Igreja Católica
nestes espaços.
Os tópicos que Topp elencou em sua lista, permitem
um rápido estudo sobre as manifestações devocionais
típicas de um catolicismo barroco ou tradicional. A lista,
como fora observado anteriormente, tem como tópico
frasal: As Irmandades especialmente. “Reza-se novenas
públicas e fazem-se festa e em casas particulares,
convida-se o povo para estas festas pelos jornaes,
terminando com banquetes, fogos de artifício até
Homens que servem de capellães nesta novena roubem
dinheiro”. Neste primeiro tópico o Pe. Francisco Topp
138
Pretos/as do Rosário:

enumera várias ações típicas de um catolicismo de que


enfatizava os atos exteriores de culto. Segundo Cabral49,
as procissões na época colonial e imperial atraiam
muitos peregrinos de localidades vizinhas a Desterro,
inclusive as “gentes de sítio”, que poderiam ser
habitantes das freguesias da ilha, ou de localidades do
interior do estado de Santa Catarina.
Muitas características das práticas devocionais luso-
brasileiras dos tempos do descobrimento até a primeira
República têm como ênfase os atos exteriores de culto
como as procissões e festas, a maior parte organizada
por leigos associados em irmandades religiosas, e que
praticavam atos parecidos com os que o padre
Francisco Xavier Topp assinalou em seu bilhetinho.
Sobre as práticas devocionais luso-brasileiras,
Heliodoro Pires, afirma em “A paisagem espiritual do
Brasil no século XVIII” (p. 27), que o povo luso sempre
foi afeito a procissões imponentes e soleníssimas.
Para o autor, os costumes religiosos de Portugal
transplantaram-se para o Brasil e isto poderia ser
observado
(...) nas pompas da liturgia e nas devoções extras litúrgicas
que o colono português continuava as tradições do solo
natal, os sacerdotes renovavam na colônia as mesmas
cerimônias e procuravam implantar os mesmo costumes
aprendidos nas dioceses de além-mar. Nossas procissões
dos Passos, do Fogaréu, do Encontro e do Enterro, nos
dias da Semana Santa, deviam ser no Brasil setecentista,
cópia das procissões do reino50.
Segundo ilações do Padre Heleodoro Pires, as festas
e demais tradições lusas são incorporadas ao calendário
religioso no Brasil, e tal como na metrópole, a colônia
busca manifestar a mesma pompa, os mesmos costumes
139
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

nas procissões e ritos de culto.


A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São
Benedito tinha por costume homenagear todos os anos,
dependendo do dinheiro em caixa, os seus oragos, São
Benedito e Nossa Senhora do Rosário, com missa
festiva, procissão pomposa e novenas cantadas. Como
se pode perceber no trecho abaixo:
(...) a presente reunião da Mesa a tinha por fim deliberar
sobre a festividade do Glorioso São Bendito venerado nesta
Capella, cuja festividade estando a cargo da respectiva
Irmandade, é de costume fazer –se no mês de Janeiro
futuro. Concordando por tanto a Mesa Concordando por
tanto a Mesa deliberar que se fizesse a solemnidade
constando de Missa cantada e sermão ao Evangelho, que
precedida de novena à antevéspera authorizando a o irmão
Thesoureiro para fazer as despesas necessárias devendo ter
lugar a dita solemnidade em o dia de Reis ou em qualquer
outro dia santificado no referido mez de Janeiro (...)51.
A procissão de São Benedito, conforme o costume
(a partir da década de 40 do século XIX), deveria ser
realizada no mês de janeiro, geralmente no dia de Reis,
bem como a de Nossa Senhora do Rosário no dia vinte
e cinco de outubro. Estas duas festas eram fixas no
calendário da confraria, e o fato de não poder realizá-
las era motivo de desgosto por parte dos irmãos
mesários que tinham como uma de suas funções, não
oficiais, zelar pela realização da festividade dos oragos,
segundo pode-se perceber pelos livros atas52. Entretanto
as datas das festividades variavam de acordo com o
calendário litúrgico da diocese, de acordo com o dinheiro
em caixa, sendo que as festividades fixas, na prática não
tinham data fixada para serem comemoradas.
A procissão dos oragos dava-se com a maior pompa
possível, sendo que, quando havia dinheiro em caixa,
140
Pretos/as do Rosário:

esta era anunciada nos jornais da cidade, prática que,


em princípio, parece ser alvo de críticas do Pe. Francisco
Topp, pois ele enumera em seu bilhete a prática do
convite para as festas por meio dos jornais.
Sobre as festividades, os gastos não se resumiam
aos convites impressos nos jornais da época, segundo
o livro caixa, para uma procissão festiva pomposa
despendia-se uma soma de dinheiro “considerável”,
sendo que em alguns anos, os irmãos preferiram fazer
reformas na capela ao invés de, bancar as festividades,
decisão esta sempre muito difícil para os devotos. Segundo
Cabral, “era a procissão que atraía o maior número de
peregrinos das povoações e cidades vizinhas, e só não se
realizava se chovesse, não só porque danificaria os
ornamentos, as vestimentas, como porque as ruas, como
já disse, tornavam-se intransitáveis”53.

Figura 9 - Procissão da Festa de São Benedito 54


141
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

As procissões demandavam muito cuidado e


dinheiro, pois além do pagamento da orquestra ou
banda musical e do sacerdote, os gastos que apareciam
com frequência nos livros caixas da Irmandade, e que
também são citados por Cabral são os gastos com a
compra de cera, para as velas, o gasto com doces e
prêmios para as crianças que se vestiam de anjos55.
Segundo o registro do livro caixa da Irmandade de
Nossa Senhora do Rosário, o costume de comprar doces
para premiar as crianças que participavam da procissão
do Rosário era comum, sendo que o excerto a seguir
mostra a compra de sessenta (60) cartuchos de
amêndoas para a distribuição entre as que se vestissem
de anjo: “Recebi do Senhor João Manoel Guimarães
thesoureiro da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário
a quantia de 18.000 proveniente de 60 cartuchos de
amêndoas a 800 cada um. Desterro, 1º de Novembro
de 1897. Arogo de Contantino de Campos [ass.]
Bernardino Ávila da Silveira”.
Os cartuchos de amêndoas, segundo Cabral, são
destinados as crianças que se vestiam de anjinhos nas
procissões realizadas na cidade, principalmente, na
procissão do Senhor dos Passos. Ao que podemos
perceber, estes brindes, dados as crianças, também se
faziam presentes nas procissões e festas de Nossa
Senhora do Rosário, o que nos ajuda a pensar que em
tais festas as crianças eram vestidas no intuito de pagar
promessas e participar da festividade, como diz abaixo
Gastava-se muita cera (uma arroba. 1767) que se mandava
buscar no Rio e já, nesse ano havia a presença de anjos na
procissão, isto é, crianças vestidas de anjos, às quais a
Irmandade premiava com doces, não podendo eu afirmar
que já em tão remota época fossem os cartuchos de
142
Pretos/as do Rosário:

amendoim cobertos de açúcar que até bem pouco eram


distribuídos (quem sabe se ainda o são), mas é bem provável
que fossem, pois o custo naquele ano, não excedeu o valor
de 2 mil reis – tal como anda hoje56.
A fim de angariar fundos para as festas, espórtulas
dos padres, consertos e demais despesas diárias, havia
no compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário um cargo específico de esmoleiro: o cargo do
irmão “andador”. Tal indivíduo teria a tarefa de esmolar
nas casas e nos logradouros da cidade, devolvendo o
conteúdo da “bolça” ao final do dia. Talvez, fosse sobre
essa prática do andador que o padre Francisco Topp
estava referindo-se ao escrever o bilhete anteriormente
citado. No documento, ele condena a prática dizendo:
“Há gente que promette missas pedidos e vae de casa
em casa esmolando a espórtula destas missas, ás vezes
não entregam o producto destas esmolas”.
Tal prática parecia recorrente, pois sendo esmolas
espontâneas, os demais irmãos não teriam como
controlar o conteúdo de dinheiro que deveria conter as
“bolças” dos irmãos, precavendo-se de tais atos furtivos
nomeando para o cargo os irmãos que considerassem
mais dignos em “honestidade”57.
Em 1880, porém, há um conflito na Mesa
Administrativa, e um dos irmãos que ocupava o cargo
de procurador e andador, Geraldo Joze Francisco da
Costa, foi exonerado:
devido não estar nas Condições de occupar tão honrozo
cargo, (...) como também pelas falsidades com que
Maliciozamente tem deixado de comprir os seus sagrados
deveres para a irmandade que lhe pagava dezeceis mil reis
mençais pelo seu trabalho, factos que todosse verificarão
em plena meza reunida no Consistório dêsta capella da
Mai Santíssima do Rozario58.
143
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

Sobre a prática das esmolas, o padre Topp ainda


fica surpreso com o fato de os irmãos da Irmandade do
Espírito Santo, na véspera da festa do Divino, saírem
pelos logradouros pedindo esmolas nas casas,
acompanhados da bandeira do Divino Espírito Santo.
“A Irmandade do Espírito Santo faz, pedem esmolas
com a bandeira, leilão na festa em uma Barraquinha
ao lado da Matriz e na sua capella que é procurada,
escolhem um menino imperador”. A este respeito, o
Sínodo de 1910, expressará uma cláusula sobre a
proibição dos peditórios acompanhados de bandeiras.
Sinais do sagrado acompanhando as folias do profano.
No que concerne a festa do Divino, tradicional da
cidade, o padre Topp, anota haver um leilão em
barraquinha ao lado da igreja Matriz, e surpreende-se
com o fato de um menino ser coroado imperador dentro
da sua capela. Neste sentido, Várzea resume a vista do
leilão que aconteceria em um barracão em frente à
igreja Matriz, “(...) na medida em que a multidão se
condensa, como um imenso montão de formigas a
algazarra aumenta, em gritos, vaias e tique-taques de
bengala, contra as grades e colunas, a chamar pelo leilão
que demora”59.
No último dia, o domingo de Pentecostes, o
imperador da festa, um menino, como o padre Topp
escreveu no bilhete, era coroado, sendo que após este
ato, saía um cortejo pelas ruas da cidade. Segundo
Maria Alves, a noite era encerrada com um foguetório,
após a procissão ao som de violinos, rebecas, violas e
tambores60.
O peditório com a bandeira do Espírito santo,
segundo Cabral,
144
Pretos/as do Rosário:

Um mês antes da festas, saíam pelas ruas da cidade,


conduzida por Irmãos da confraria do Espírito Santo,
envergando opas escarlates, a fim de recolher donativos, a
Bandeira do Divino, também vermelha, centralizando pela
figura da pomba, bordada em prata ou em outro material,
tendo a ponta do mastro enfeitada por um grande ramalhete
de flores, de onde pendiam fitas numerosas, mas sempre
todas vermelhas. (...) No século XIX, até mesmo nos
primeiros anos do presente, costumava sair, acompanhando
os Irmãos, a Folia – que ainda hoje representa o mesmo
aspecto e a mesma composição em certos distritos da Ilha
e no interior do Estado na zona de povoamento lusitana61.

Após a cantoria, que primava sempre pelo desencontro


entre músicos e cantores, inclusive o Tripa, a bandeira
entrava na casa, sendo beijada por todos os presentes,
penetrando mesmo nas alcovas para ser osculada pelos
doentes acamados. Recebia então um dos participantes as
esmolas e as prendas e dádivas para serem levadas a leilão,
para custeio da festa, retirada a porcentagem que cabia a
músicos e cantores62.
Cabral ainda comenta, que:
A festa do espírito requeria barulho, foguete, música, canto,
alegria, muita comida ( nos Açores chama-se o bodo) e
alguma bebida, muita confraternização para a qual, na
sua origem, foi instituída. Festa popular por excelência. A
festa era variada, não ficava limitada à tradição; Tudo
dependia do gosto, da sua animação, muito mais do que
da sua devoção, pois, para falar verdade, o espírito, em
que menos se pensava nestas funções, era mesmo o Santo63.
Continuando com a listagem feita pelo Padre
Francisco Topp, é chegada a vez de comentar sobre a
festa mais popular de Desterro, mais tarde Florianópolis,
a Festa do Senhor dos Passos. “Na noite de Sabbado
do Passos a igreja fica aberta, a gente de sitio dorme as
vezes lá dentro”. Cabral conta que o povo chama as
145
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

pessoas “do sítio” de compadres e comadres, mesmo


que não o fossem, e muitos que vinham do sítio, que
poderia ser uma cidade vizinha, ou uma freguesia da
ilha, pernoitavam na própria Matriz.
Na Matriz, os bancos da nave, quando os houve, eram
retirados, e por todo espaço, junto aos ângulos dos altares,
às colunas, formavam-se grupinhos sentados ao chão, as
mães aninhando os filhos como pudessem, nas dobras da
saia, fazendo dos joelhos travesseiro, os menorzinhos ao
colo, embalando-os, cochilando, elas mesmas, até raiar o
dia. (...) E porque não? A Casa do Senhor era a Casa do
Pai. E ninguém achava ruim que o filho buscasse abrigo
nela...64
As festas religiosas atraíam muitas pessoas do interior
da ilha de Santa Catarina e das cidades de fora. A
descrição feita por Cabral parte de um exercício de
imaginação a partir da leitura das fontes a que ele teve
acesso. De acordo com o bilhete do Padre Francisco
Topp, as “gentes de sítio”, ou seja, as pessoas que não
eram da cidade, continuaram, por espírito de devoção,
a frequentar as procissões e festas das Irmandades de
Florianópolis, e, como antigamente, muitos pernoita-
vam na Matriz.
Tal costume causou estranhamento no padre Topp
e, seja qual tenha sido a atitude tomada para
desnaturalizá-lo, a estratégia foi eficaz, pois, em 1979,
quando Cabral descreve os hábitos antigos da
população em dormir nas igrejas da cidade, percebemos
um esforço do autor para legitimar tal prática. Nas
palavras de Cabral: “E porque não? A Casa do Senhor
era a Casa do Pai. E ninguém achava ruim que o filho
buscasse abrigo nela...”, ou seja, se há uma tentativa
de ver em tal hábito algo plausível.
146
Pretos/as do Rosário:

Os demais itens da lista do Pe. Topp, enumeram


práticas que não eram consoantes com os sacramentos,
como a demora do batismo, a falta de prática da confissão
entre os devotos, a crença de que a imagem do santo
deveria ser lavada antes da festa e a exposição do
Santíssimo sacramento sem a presença de um padre
responsável e na época da quaresma. Tais elementos
ajudam a perceber algumas continuidades das práticas
listadas por Cabral sobre a religião do povo desterrense,
em Florianópolis, pois se há um estranhamento do Padre
Francisco Topp, isso significa que estas práticas eram
recorrentes.
A partir de 1910, as Irmandades poderiam voltar a
fazer “petitórios com a bandeira”, prática que se refere
as, chamadas popularmente, folias do divino e consiste
em pedir esmolas de casa em casa, acompanhado de
cantorias, como explicitou Cabral em referência citada
no primeiro capítulo. Tal costume era realizado pela
Irmandade do Divino Espírito Santo em ocasião da festa
do Espírito Santo, mas não apenas por ela, sendo que
o próprio Sínodo diz que “[...] essa disposição
compreende todos os peditórios de festas com
acompanhamento de bandeiras” 65.
A pedido de vários Parochos e Provedores de Irmandades,
o Exm. Sr. Bispo, modificando o mandamento referente a
peditórios com a bandeira para festividades ecclesiásticas,
sabiamente imposto pelo Exmo. Sr. Dom Duarte Leopoldo,
permitte taes petitórios sob as condições seguintes e de
accordo com o numero precedente: a) Para cada festa o
respectivo festeiro ou provedor da Irmandade requererá uma
provisão de licença à Autoridade Diocesana no caso que
deseje tirar donativos por meio de peditório66.
Os peditórios, prática comum realizada em
Florianópolis, foram considerados ilegais desde que não
147
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

tivessem autorização da Autoridade Diocesana.


B) O respectivo requerimento deverá trazer uma informação
do Vigério da parochia. C) O R.Vigário tem o direito e o
dever de escolher com o promotor da festa e de approvar
as pessoas que sahirem em peditório com a bandeira,
providenciando para que não haja abuso ou profanação
alguma67.
Os provedores (como se fossem os juízes das
Irmandades, assim chamados no século XIX), a partir
de então, para poderem esmolar, não apenas deveriam
solicitar autorização, como também perderiam a
autonomia na escolha dos festeiros e irmãos que
visitariam as casas dos fiéis durante a festa do Divino.
Em 1919, porém, no segundo sínodo realizado pela
diocese de Florianópolis, lê-se no capítulo destinado a
reforçar a normatização das festividades católicas:
Os próprios peditórios com a bandeira a não ser que sejam
feitos por pessoas de reconhecida religião e probidade e
approvadas pela auctoridade diocesana, é de parecer o
Synodo que sejam substituídos por comissões, segundo o
uso das demais dioceses, apresentadas pelo vigário da
parochia e provisionados pela Camara eclesiástica as quê
tem como atribuições fazer correr lista de subscriptores pela
parochia, promover leilões, kermesses, bazares, tombolas,
receber promessas, arrecadar prendas e offertas,
responsabilizando-se pelos déficits e pagar as despezas mais
urgentes68.
Os petitórios apesar das inúmeras restrições
instituídas pelo Sínodo de 1910 parecem ainda fazer
parte das preocupações e incomodações do clero no
sínodo de 1919, que sugere a troca do ato de esmolar
com bandeira pela prática da quermesse e dos leilões,
no intuito de arrecadar dinheiro para as festividades,
de modo a evitar que pessoas perambulassem pela
148
Pretos/as do Rosário:

cidade com a bandeira do Divino e tornando mais


objetiva e menos pessoal a prática de arrecadação de
fundos para a festa.
Sobre as demais folias que utilizavam instrumentos de
metal e batuque, realizados pelas irmandades, e em
especial a folia que acompanhava a bandeira do divino, o
Sínodo de 1910 era taxativo: “Ficam prohibidas as
chamadas folias, sendo permittido o rufo de tambores nas
freguesias ruraes e prohibidas as devoções feitas em casas
particulares com a presença de bandeiras” 69.
A intenção do clero se mostra mais claramente na
página noventa e nove, quando solicita aos vigários
que
Todos os annos façam os Rs. Vigarios, em suas Matrizes, a
novena do Divino Espírito Santo em preparação à festa de
Pentecostes como ordenou o Santo Padre Leão XIII em
sua Encyclica de 9 de Maio de 1897, e convidem os fieis e
os exhortem a que lucrem as indulgencias concedidas a
estes exercícios70.
Apesar de não proibir totalmente a prática do
peditório - tão tradicional na festa em honra ao Divino
Espírito Santo - por causa do clamor popular, o clero é
exortado a estimular a prática das novenas para a festa
de Pentecostes71 a fim de substituir as folias do Divino
por uma devoção ao Divino Espírito Santo mais
condizente com a Igreja reformulada.
A prática da folia e da petição de esmolas não parece
cessar, visto que em 1919, no parágrafo 233, lê-se
Quanto às ‘folias’, por serem absolutamente prohibidas,
lembra o Synodo aos fieis que de modo algum as podem
favorecer, nem ajudar com esmolas, sempre que por essas
forma se apreentare. E que a ninguém é permittido angariar
esmolas pela parochia, de qualquer modo que seja, para
149
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

igrejas ou outro fim pio, sem licença pelo menos por


escripto, do respectivo vigário, auctorisado pela Curia72.
A fim de manter a ordem, em 1919, o Sínodo chega
a citar que se utilizaria do auxílio de autoridades civis,
caso a proibição não fosse respeitada. “Para corrigir
infracções e manter o respeito à lei invocar-se-á, si
preciso for, o auxilio das auctoridades civis, explicando-
se ao povo os direitos e as razões que assistem à Igreja,
amparados, aliás, por disposições da Constituição e
até do Codigo penas”73.
Não apenas a prática de esmolar com bandeiras,
folias, e as devoções comunitárias em casa de
particulares eram observadas e normatizadas por este
capítulo, mas também os rendimentos destas festas tão
apreciadas pela população de Florianópolis passaram
a merecer especial atenção da Igreja Católica:
D) O programma e o orçamento da festa serão elaborados
de accordo com o R. Vigario, que ficalisará o rendimento
parcial e total tanto do peditório como das promessas,
salvas e leilões. E) Deste rendimento total com excepção
das annuidades dos irmãos e offertas dos juízes e provedores,
para integralisarem o pagamento das despezas da festa,
entregar-se-á ao R. Vigario a porcentagem de vinte por cento
para o Seminario Diocesano, salvo sempre os direitos
parochiaes74.
Se antes o lucro da festa destinava-se aos cofres das
confrarias, a partir de então a diocese seria parceira
na divisão dos lucros, porém continua alheia às
despesas da festa, cujo encargo permanece sendo da
confraria, ou dos festeiros. Frisa-se que, neste momento,
além do Vigário receber vinte por cento do total dos
lucros, em nome da diocese, ele ainda receberia por
seus serviços, pois em algumas irmandades, como no
150
Pretos/as do Rosário:

caso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e


São Benedito, que não pertencia à diocese, o pároco
continuaria sendo contratado para realização de missas,
homilias, procissões, e demais ritos católicos75.
Todas as festas, e não somente aquelas com petitórios
deveriam solicitar autorização da diocese, inclusive as
procissões, fossem as de Corpus Christi - que segundo
a tradição sairiam com Santíssimo Sacramento exposto
- fossem as demais procissões católicas.
As procissão com o SS. Sacramento, nas quaes não devem
sahir andores com imagens, como todas as outras
procissões, não devem ser feitas sem licença da autoridade
Diocesana. Exceptuamse as que devem fazer os Parochos
na festa do Corpo de Deus, Rogações e dia de São marcos76.
Em 1919, o Segundo Sínodo da diocese de
Florianópolis incumbe ao vigário a tarefa de “informar
da idoneidade das pessoas, approvar o programma de
festejos e emittir parecer sobre o modo e o quanto das
despezas que se podem fazer”77 à autoridade diocesana.
Retira-se, deste modo, a autoridade do festeiro ou do
provedor das irmandades no feitio do programa e na
discussão deste com o bispo.
As únicas procissões proibidas incisivamente pelas
normas do sínodo eram as que, por ventura, impedissem
a presença do sacerdote: “Na cidade episcopal são
prohibidas todas estas que impeção o comparecimento
do Clero secular e regular”78.
Os rituais que incluíam a semana santa - vigília
pascal e missa de páscoa - também mereceram nota
por parte das regras sinodais. Francisco Xavier Topp,
em 1903, também chamara atenção à exposição do
Santíssimo Sacramento em uma quinta-feira santa na
capela do Menino Deus, provavelmente por esta não
151
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

ter autorização eclesial. O sínodo de 1910, por sua vez,


proíbe a exposição da hóstia consagrada sem a presença
de um pároco, prática que acontecia principalmente
nas quintas-feiras santas, data de costume das vigílias
pascais.
A exposição também era proibida na sexta-feira
santa, bem como, a celebração de missas, por neste
dia a igreja celebrar a “Paixão de Cristo”, instituído
pela Santa Sé como o único dia em que não se celebra
missa no ano79.
É prohibido fazer-se, em qualquer egreja, a exposição do
SS. Sacramento nesse dia, não tendo de haver na sexta-
feira santa a Missa dos presentificados, assim como é
prohibido celebrar outra Missa além da única que o Sr.
Bispo pode permittir na matriz em quinta-feira santa80.
As novenas públicas e devoções a santos em casa
de particulares parecem ser práticas comuns no período
estudado, sendo que, além de serem expressamente
proibidas pelo Sínodo, também foram citadas no bilhete
do padre Topp, que observava nessas atitudes, em 1903,
algo condenável. Segundo a norma de 1910: “Ficam
sendo prohibidas as festas de Santos em casas
particulares por iniciativa de simples fieis, para que se
evitem graves abusos e escândalos, e não se afaste o
povo fiel dos ensinamentos da Egreja, a que pertence o
regimen do Culto”81.
A fim de controlar mais eficazmente as festividades,
foi instituído que os vigários deveriam celebrar as festas
dos santos e da liturgia nos dias marcados pela Igreja
Católica no seu calendário oficial. Caso não houvesse
um dia designado oficialmente, o bispo diocesano
deveria ser procurado e consultado sobre qual seria a
melhor data para a celebração da festividade82.
152
Pretos/as do Rosário:

A disciplina aumenta, no entanto, em 1919, quando


foi definido que deveriam ser anunciados no início do
ano, “no dia seis de janeiro, as principais festas do anno
a realizarem-se na parochia por direito commum, ou
disposição diocesana, além do aviso particular a cada
uma, no domingo que immediatamente a preceda” 83.
Segundo o capítulo terceiro do Sínodo de 1919,
intitulado “Do culto divino”, as festas religiosas tinham
como finalidade “[...]elevar a alma para Deus [...] e
tudo quanto é feito sem a disposição de Deus ou da
Igreja ou contra o costume commum, deve ser
considerado supérfluo e supersticioso, por consistir em
meras exterioridades, sem relação alguma com o culto
interno de Deus84.
É plausível afirmar que, as festas exteriores,
demonstrações devocionais tão comuns e tradicionais
na cidade de Florianópolis, adquirem, para o discurso
Romanizador, a definição de uma festa supérflua e
supersticiosa, a partir de uma lógica de atribuições de
sentido que inferiorizaria as práticas consideradas fora
do padrão a ser seguido, no caso, o padrão de uma
Igreja e sociedade que almejava condutas ilibadas e
utilizava como estratégia de coerção e reformulação,
na esfera religiosa, a adequação a uma série de
arquétipos construídos no interior da Igreja Católica.
Essa lógica de atribuição de sentidos mostra que
havia uma tentativa de enquadrar alguns costumes em
um estigma social, baseado, principalmente, em um
rótulo de inferioridade e incivilidade. Tal estratégia fazia
do grupo estabelecido - no caso religioso, os padres
consoantes e/ou que se identificavam com o sistema
do catolicismo renovado – um formador de opinião e,
nas relações de poder, institucionalmente mais
153
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

privilegiados que os que se localizavam ou eram


localizados fora da lógica identitária do grupo, ou seja,
os outsiders85.
No contexto das tensões da convivência entre
Catolicismo Romanizado e Catolicismo Tradicional,
eram especialmente localizadas, como fora da lógica
de identificação do grupo estabelecido, as irmandades
e confrarias religiosas, em particular a de Nossa
Senhora do Rosário e São Benedito.
A partir desse novo contexto do início do século XX,
as irmandades e confrarias religiosas de leigos da
cidade de Florianópolis só poderiam ser consideradas
legítimas - segundo as normas que regiam a legalidade
das confrarias de leigos no Primeiro e Segundo Sínodos
diocesanos -, após ter seus compromissos e estatutos
examinados e confirmados pela Santa Sé ou pelo bispo
da diocese, tendo estas a obrigatoriedade de anexar a
provisão ao Compromisso para devida fiscalização das
autoridades eclesiásticas sempre que solicitado86.
A aprovação do compromisso pelo bispo diocesano
ou pela Santa Sé estava condicionada ao
preenchimento de alguns requisitos expostos nos sínodos
acima citados. Um destes requisitos era que o estatuto
deveria proclamar, forçosamente, que a confraria
religiosa de leigos se submetia a autoridade única da
Igreja Católica e que esta teria plenos poderes perante
a instituição leiga. Outro requisito primordial refere-se
à dissolução ou supressão da confraria, que deveria,
em caso de desarticulação, obrigatoriamente, legar seus
bens ao prelado da diocese87.
Todos os estatutos que não cumprissem estes
requisitos não poderiam ser aprovados e as confrarias
que insistissem em não seguir tais pressupostos seriam
154
Pretos/as do Rosário:

dissolvidas. No âmbito desta norma, os estatutos e


compromissos antigos das irmandades e confrarias
leigas foram reformulados para se adequarem.
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São
Benedito também foi obrigada a renovar seu
compromisso, fato que ocorreu antes mesmo da norma
ser institucionalizada no Sínodo Diocesano de 1910,
por orientação do vigário da paróquia de Nossa
Senhora do Desterro, Padre Francisco Xavier Topp, que
também foi o secretário do Primeiro Sínodo Diocesano
e um dos seus principais motivadores.
A reformulação do compromisso ocorreu em 1905
e foi aprovada pela mesa administrativa dirigida pelo
Padre Topp, por unanimidade, no dia vinte e seis (26)
de março de 1905. Estavam presentes na data, além
do vigário da paróquia de Nossa Senhora do Desterro,
vinte e quatro (24) irmãos mesários que compunham a
junta geral para a aprovação do novo compromisso.
Este compromisso foi aprovado, em caráter provisório,
por Dom Duarte Leopoldo, bispo da diocese de Curitiba
(que na época abrangia os territórios de Santa Catarina
e Paraná), durante visita pastoral realizada no dia 6 de
junho do mesmo ano. Após a aprovação, limitada à
adição de seis cláusulas, o mesmo foi encaminhado ao
vigário, a fim de que o transcrevesse integralmente no
Livro Tombo da Paróquia88.
Originalmente, o compromisso impresso contava
com vinte e nove (29) laudas, sofrendo a adição de
mais uma (1) constando as cláusulas acrescentadas pelo
bispo da diocese de Curitiba. Ao todo são quarenta
(40) artigos, divididos em vinte e dois (22) capítulos:
atribuições da irmandade; da mesa; do juiz de Nossa
Senhora; do juiz de São Benedito; do secretário; do
155
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

tesoureiro; do procurador; dos irmãos procuradores de


caridade; dos irmãos consultores; dos irmãos em geral;
das eleições; da posse e suas formalidades; da mesa e
suas formalidades; da mesa conjunta; do reverendo
capelão; das joias e admissões; dos socorros; dos
funerais; dos que já são irmãos (referente a inscrição
na lista dos beneficiados com os “socorros” da
confraria); das penas e da educação dos filhos dos
irmãos89.
A aprovação do compromisso da irmandade, que
se deu, como dito acima, em caráter provisório, só foi
possível com a aceitação da inserção de mais seis
cláusulas pelo bispo diocesano, nos seguintes termos:
Approvamos em carácter provisório o presente compromisso
com as cláusulas e restricções seguintes.

1. A Irmandade não poderá adquirir personalidade jurídica


sem expressa autorização nossa.

2. A Irmandade fica obrigada a prestar contas à


Autoridade Diocesana, ou ao seu delegado, sempre que
lhe for exigida, sob pena de dissolução90.
Estas suas primeiras cláusulas adicionadas ao
compromisso, permitem inferir que a principal
preocupação da elite clerical, já em 1905, era
desarticular a autonomia leiga que se verificava na
administração das irmandades e confrarias. A principal
característica das irmandades, para Quintão, é a
autonomia: “Através da Mesa Administrativa [os leigos]
geriam todos os negócios e decidiam sobre todas as
questões internas e externas”91. As questões de caráter
temporal e espiritual eram da alçada do poder
administrativo destas agremiações, que até então eram
dirigidas por homens comuns, ou seja, que não eram
156
Pretos/as do Rosário:

ligados ao clero, logo expressões do poder leigo.


Se há a exigência de submissão é porque essa
autonomia, mesmo que limitada, era difundida e as
confrarias pouco se submetiam a autoridade dos
sacerdotes, vendo na sua figura poderes limitados a
esfera espiritual.
A divisão entre atividades “temporais e espirituais”
era costume reproduzido nos discursos presentes nas
atas da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, como
no excerto retirado do discurso de posse da Mesa
administrativa eleita para o ano de 1905 “os irmãos
[eleitos] juram servir e dezempenhar [suas atividades]
com todo zello e devoção, tanto no espiritual como no
temporal, defendendo os dereitos da Irmandade”92.
Sobre essa questão, o Sínodo de 1919 é incisivo:
Para evitar duvidas possíveis entre catholicos, declara o
Synodo que as Irmandades dependem da autoridade
Ecclesiastica tanto no espiritual como no chamado
temporal. Declara mais que, em face, pelo menos do Direito
Canonico, orgam competente para uma Irmandade
religiosa, esta divisão não tem razão de ser, porque na
Irmandade tudo é espiritual, mesmo os patrimônio, que
tiram a sua natureza do fim da Irmandade, que é
exclusivamente espiritual93.
A partir do prescrito acima, a divisão entre tarefas
espirituais e temporais é anulada, logo o pretexto de
limitação do capelão às tarefas destinadas a alçada
espiritual, se ainda permanecesse, é invalidada, pois,
segundo o sínodo de 1919, a finalidade de todas as
ações das confrarias religiosas deveria ser espiritual
(ignorando totalmente a função social, beneficente e
associativa das mesmas), logo do interesse e da alçada
do representante clerical.
157
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

Sobre a aprovação do compromisso de 1905 da


Irmandade do Rosário, o bispo Dom Duarte Leopoldo
ainda institui que:
3. As eleições para diversos cargos da Irmandade serão
sempre presididas pelo Vigário da Parochia, ou por outro
sacerdote por nós designado sob pena de nulidade.

4. O Vigário da paróchia gosa do direito de voto a


quaesquer deliberações da Irmandade, no seu carácter de
representante da autoridade Diocesana. Fica a salvo, porém
à Irmandade, o direito de recursar à Autoridade
Diocesana94.
A partir de então, fica institucionalizado que tipo de
autoridade o representante clerical gozaria no seio da
irmandade. A liberdade de se congregar sem a presença
de um sacerdote se consome, desautorizando o que era
previsto no compromisso anterior que datava de 1842,
nos seguintes termos: “Oitavo – Respeitar o Irmão Juis
de Nossa Senhora e de São Benedito, como os únicos
somente que tem primazia na Meza”95.
Continuando na análise das cláusulas adicionadas
por Duarte Leopoldo ao novo compromisso encontra-
se a seguinte norma: “Os irmãos que se filiarem a
sociedades secretas ou condemnadas pela Egeja,fica
ipso facto privado dos seus direitos e serão iliminados
sob proposta do Vigario ou de algum dos mezarios”.
O sínodo de 1910 e o de 1919 também viriam
condenar os irmãos que adentrassem seitas ou outras
confrarias não católicas, como a maçonaria. Um caso
que reflete a existência de irmãos da Irmandade
pertencendo a outras associações condenadas pelos
sínodos aconteceu no mesmo ano da reformulação do
compromisso da irmandade e, provavelmente, foi o
estopim que impulsionou a mudança. Trata-se do
158
Pretos/as do Rosário:

episódio da expulsão e exoneração do juiz de Nossa


Senhora, eleito para o ano de 1905, o irmão Salustiano
Fernandes Nolasco, pela acusação de ter emprestado
alfaias religiosas para “uma seita condenada pela santa
religião”96, o que implicava sua provável participação
nesta seita97. Na época a Mesa, que foi composta de
forma ilegal, de acordo com as normas do Compromisso
de 1842 (pois fora chamada pelo padre Francisco Topp
e não pelo Juiz), votou contra o irmão, que deixou a
irmandade com dívidas e proibido de voltar a participar
da agremiação.
Por fim, o bispo Duarte Leopoldo ainda chama
atenção ao caso de dissolução da Irmandade do
Rosário, institucionalizando a intenção de que a diocese
herdasse os bens da confraria em caso de dissolução,
como posteriormente normatiza o Sínodo de 1910 e o
de 1919. “No caso de dissolução ou extinção todos os
bens da Irmandade são devolvidos à Autoridade
Diocesana que os applicará em beneficio de obras pias
existentes na Diocese”.
O referido compromisso vem substituir o escrito em
1842, que continha vinte e quatro capítulos (24) e
duzentos e vinte (220) parágrafos, que por sua vez,
supriria o texto de 1807, pois, segundo consta na
documentação, fora extraviado 98. Essa substituição
aconteceu de modo providencial, pois viria subtrair
trechos do compromisso de 1807 que destinavam a
exclusividade dos homens pretos de ocupar o cargo de
Juiz de Nossa Senhora, dando ponto final a uma
contenda entre irmãos pardos e pretos no interior da
confraria99. Bem como, viria a instituir o segundo orago
da irmandade, São Benedito dos Homens Pretos e viria
a estabelecer: “É permitido a toda pessoa, sem
159
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

distinção de corcor, sexo e condição fazer parte da


Irmandade. Para Tal deverá prestar informação de sua
filiação, origem, condição e endereço”100.
Toda irmandade, mesmo antes da reformulação da
Igreja Católica, era regida por um estatuto ou
compromisso que, segundo Alves, enumerava “os
direitos e deveres de seus membros, diferenciando-se
de acordo com as características locais e as exigências
específicas de cada época em que era apresentado para
aprovação”101.
Faz-se necessário, nesse momento, a análise de
alguns termos e parágrafos discutidos pelo
Compromisso de 1905 em comparação ao de 1842, a
fim de elucidar a hipótese de que a presente mudança
de estatuto insere-se nos termos de uma reformulação
das práticas e posturas populares, sob os preceitos de
um catolicismo Romanizado que começara a se
instaurar em Florianópolis. Para o Compromisso de
1842 as atribuições do padre capelão, o sacerdote que
era contratado pela Irmandade para cumprir as funções
da alçada espiritual eram as seguintes102: Compete ao
capelão da irmandade “[...] comparecer em todas as
Festiviades, Enterros, Procissões, e em todos os actos
da reunião da Irmandade, sendo para isso avizado”103.
Ou seja, a iniciativa de realizar, marcar e organizar as
festividades, em honra aos oragos da confraria, os
enterros dos irmãos e as procissões, eram obrigações
dos leigos, que detinham autonomia para escolher a
data dos ritos, bem como, definiam as práticas que
seriam realizadas, avisando posteriormente o sacerdote
que seria contratado para realizar os ritos.
Cento e trinta e dois – Celebrar as Missas pelos Irmãos
Benfeitores vivos, e defuntos, nas segundas-feiras, sabbados,
160
Pretos/as do Rosário:

domingos e dias santos de todo o anno às dês horas nos


dias de guarda com as solemnidades do costume, e nos
dias de trabalho sendo Sabbado às sete, no fim da qual se
cantará a Ladainha. E a offerecerá, e nas segundas-feiras,
sendo dia de trabalho, será applicada pelos irmãos, e bem
feitores defuntos104.
Novamente, o parágrafo define que tais obrigações
tinham dia definido de acordo com o compromisso feito
pelos leigos, e que independente de quem seja o
sacerdote escolhido pela mesa administrativa, os dias
e horários dos ritos deveriam ser cumpridos de acordo
com o compromisso de 1842, adequando-se o capelão
às definições da confraria. “Cento e trinta e três – Zelar
tudo que for do culto divino, e promover todo o aceio
nos paramentos e couzas pertencentes a Igreja, sacristia,
a devertindo e lembrando ao Irmão Regente do que
faltar, com brandura e delicadeza”105.
A própria postura do capelão é definida pelo
compromisso que aconselha brandura e delicadeza na
hora de advertir o irmão responsável pelos paramentos
e alfaias que, porventura, faltassem na igreja, bem
como, solicita asseio ao capelão e pede atenção a tudo
que for do culto divino.
Ainda em relação à postura do sacerdote, o
compromisso solicita que ao fazer suas considerações
no dia da eleição e na posse da Mesa Administrativa, o
sacerdote deve ser breve106. E, por fim, determina o
compromisso de 1842, que pertence à Mesa Administrativa
a escolha e nomeação do capelão107.
No compromisso de 1905, percebe-se que vários
elementos presentes no compromisso anterior
permanecem, porém algumas mudanças, aparente-
mente sutis, são primordiais na transformação do papel
161
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

do capelão, outrora um empregado da Irmandade, na


figura representante da autoridade clerical. Lê-se no
artigo vinte e sete (27) que é obrigação do capelão,
“Art.27. Comparecer a todos os actos da Irmandade,
acompanhar enterros de irmãos graduados em
beneméritos e celebrar missas pelos irmãos defunctos”108.
Ou seja, tal prática corrobora com a cláusula de
1905, escrita pelo Dom Duarte Leopoldo, que determina
que o sacerdote presencie todas as reuniões da
Irmandade, prática depois legitimada, mais uma vez,
pelos sínodos de 1910 e 1919. O artigo quatro ainda
explicita que é dever do capelão: “&4. Assistir todas as
reuniões da meza com especialidade as de eleição e
posse, nas quaes fará uma prática” 109. E se outrora,
na falta do capelão um substituto seria solicitado pela
Irmandade, a partir de 1905, o substituto seria
apresentado pelo próprio sacerdote: “&5. O capellão
no seu impedimento será substituído por um sacerdote
por si apresentado” 110.
O compromisso de 1905 atenta para a intenção de
normatizar o culto e os rituais do interior da Irmandade
nas regras solicitadas pela Igreja Católica em
reformulação. Percebe-se o intento de normatizar o culto
a partir da inserção do seguinte artigo, no capítulo
referente as obrigações da Mesa Administrativa: “Art5.
Compete a Meza - &1. Dirigir o culto divino na fórma
das leis da santa Egreja Romana”111.
Ao juiz de Nossa Senhora do Rosário, que antigamente, no
compromisso de 1842 e no de 1907, tinha primazia na
mesa, a partir de então é solicitado que apresente um
relatório de suas ações como representante da instituição
leiga ao vigário da paróquia de Desterro. “&13. Apresentar
no acto da possa da nova administração, relatório
circumstanciado do que houver occorrido durante o anno
162
Pretos/as do Rosário:

compromissão anterior com referência à Irmandade,


remettendo em cópia ao Revmo. Vigário” 112.
Tal ação denota que, diferentemente do passado, em
que este geria a Irmandade com primazia, agora a
presença da fiscalização do vigário e do capelão dá a
entender que há uma norma institucional a ser seguida
e sob a qual o juiz da irmandade deve aliar seus
objetivos na gestão da confraria.
De acordo com o compromisso que geria a
Irmandade e suas questões da “alçada temporal e
espiritual”, de 1848 até 1905 a primeira atribuição desta
era o culto a devoção de Nossa Senhora do Rosário,
oraga da instituição, vindo posteriormente, a
importância do sepultamento e sufrágio dos irmãos,
bem como, o socorro aos irmãos enfermos, inválidos
ou miseráveis e a libertação dos cativos:
Capítulo I: Deveres da Irmandade

Paragrapho primeiro – prestar devoto culto a Maria


santíssima do Rozario.

Segundo - Sepultar os irmãos defuntos e suffragar suas


almas.

Terceiro – Cuidar na educação dos filhos Legítimos dos


Irmãos que morrerem em indigência, promovendo a entrada
daquelles nas escolas de ler, escrever e contar; menistrando
os socorros para isso necessários a porpoção das rendas
da Irmandade..

Quarto – Liberar os irmãos Captivos113.


Segundo Cláudia Mortari, na transcrição comentada
do presente Compromisso, “[...] observa-se já, num
primeiro momento, a preocupação social da
Irmandade”114. O caráter beneficente da confraria de
163
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

devoção católica fica evidente na apresentação dos


deveres da Irmandade do Rosário, que apesar de, num
primeiro momento, alegar a importância do devoto culto
a Nossa Senhora do Rosário, elenca em seguida três
funções beneficentes, logo, de caráter temporal,
denotando que a principal intenção associativa não visa
tanto a promoção do culto a Nossa Senhora e sim o
caráter caritativo e beneficente, como a ajuda mútua
entre os pares e a esperança de liberdade as irmãs e
aos irmãos escravizados.
O sufrágio das almas e o enterro digno “dos seus”
parece uma das principais atribuições do caráter
espiritual da confraria. Ao que tudo indica, as procissões
e ritos da morte eram considerados essenciais nas
confrarias de africanos e afrodescendentes no Brasil todo,
bem como fora dele, como trabalhado nos capítulos
anteriores deste livro.
Numa sociedade em que o Estado não se
responsabilizava pelo enterro, a ereção de irmandades
e confrarias religiosas tendeu suprir a necessidade de
enterro digno às pessoas que não tinham condições de
pagar pelo sepultamento e, muitas vezes, não contavam
com ninguém que pudesse orar por sua alma, como no
caso dos irmãos e irmãs sujeitas ao cativeiro, no período
que antecede a abolição da escravatura. Ao que tudo
indica, as atribuições de caráter assistencialista
continuaram as ser as principais funções e razão de
permanência da Irmandade dos Pretos na cidade de
Florianópolis, no período pós-abolição.
Em 1905, o compromisso presta atenção à forma
como se devem realizar os sufrágios dos Irmãos: “art.
31. A Irmandade terá um deposito na Egreja com
caixões fúnebre, Eça, velas, castiçaes, e altar para
164
Pretos/as do Rosário:

collocar nas casas dos irmãos que fallecerem”115.


No Compromisso anterior, de 1842, no primeiro
capítulo das atribuições destinadas a presente
Irmandade, observa-se a presença de resquícios da
prática de compra de alforrias pela Irmandade, e a
citação desses indica ao menos a intenção dessa
compra, sendo que há registros nos livros caixa e nos
livros ata de diversos períodos, da existência do que a
instituição destinou chamar de “Cofre dos Cativos”,
uma espécie de poupança destinada guardar fundos
para a libertação dos irmãos e irmãs escravizadas.
No capítulo destinado aos sufrágios não apenas há
menção a uma espécie de poupança que tinha como
destino a compra de alforrias, como era estipulado
como seria feita a escolha do irmão que seria alforriado.
Duzentos e dezesete – Haverá hum outro Cofre, que se
chamará dos captivos, onde se deverão recolher os dinheiros
deduzidos dos annuaes dos mesmos Captivos devendo
entender-se que de cada anual de duas patacas dadas por
cada Irmão ficarão pertencendo ao Cofre dos captivos meia
pataca (160) para afim de se forrarem hum ou mais irmãos,
chagando as esmolas para esse fim.

Segundo o Compromisso de 1842, no dia de N. S. do


Rosário, a Mesa examinaria o dinheiro no cofre dos cativos
e se houvesse o suficiente para alforriar um irmão cativo, o
irmão escrivão faria um sorteio onde um menino com o
braço nu retiraria o bilhete com o nome do cativo e do
senhor de escravo. Ficaria a cargo do Irmão Procurador
promover a alforria. “Duzentos e vinte e dois – O dinheiro
que houver no Cofre, e Caixa dos captivos somente servirá
para Libertar Captivos: e nunca, e por nenhum cazo poderá
delle servir-se a Irmandade, seja qualquer for a sua
urgência”116.
165
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

Se a Irmandade conseguiu comprar alguma alforria,


com o dinheiro destinado a esse fim, não temos
conhecimento, mas a presença do parágrafo do cofre
dos cativos no Compromisso de 1842 confirma que,
em princípio, a instituição associava em seu torno
homens e mulheres que buscavam mais do que o
socorro espiritual.
No Compromisso de 1905 percebemos o corte do
parágrafo que destina o dinheiro do cofre dos cativos a
compra de alforrias para os irmãos escravizados. No
período pós-abolição o costume de angariar fundos para
a compra de alforria perde sentido, mas a arrecadação
destes continua a ser prática recorrente na confraria. A
intenção é que muda, mas não o caráter assistencialista
dela, visto que o “cofre dos cativos” vira a “caixa
beneficente”, a partir do período da abolição da
escravatura.
O caráter beneficente parece continuar a gerir as
intenções associativas da Irmandade. O socorro aos
irmãos necessitados, enfermos ou que vivessem em
estado de pobreza continuou sendo uma das principais
atribuições da confraria que, neste momento, estava
inserida em outra realidade social, o pós-abolição.
A partir de então as táticas e negociações de
sobrevivência inseriram-se nas tensões de uma realidade
em que as diferenças não se pautavam mais nas
condições sociais de um antigo regime (livre, cativo ou
forro), mas a manutenção do status quo passava, entre
outros, por um processo de racialização.
Atribuições do secretário:

&14. Dividir em três partes iguaes as quantias arrecadadas


no mez anterior, das quaes será a primeira para o augmento
166
Pretos/as do Rosário:

do capital, a segunda para ser empregada em soccorros e


a outra para ser empregada nos funeares dos irmãos117.
Dois terços da renda mensal da Irmandade estavam
destinados a ações de cunho beneficente, um terço para
ajuda dos irmãos necessitados e a outra parte empregada
no sufrágio e enterro do irmão que viesse a falecer. A boa
morte continua sendo uma preocupação no seio da
Irmandade, mesmo com o Estado assumindo a
responsabilidade da construção de cemitérios. Neste
sentido, o sufrágio das almas também continua sendo uma
das principais preocupações da Irmandade de Nossa
Senhora do Rosário no período estudado, como pode ser
observado pelo documento a seguir no qual a mesa delibera
os ritos da festa litúrgica “[...] cujas festividades será feita
de nove noites de novenas e missa solene com Sermão do
Evangelho e procissão e beija mão e prosição ao simiterio
no dia 2 de novembro sendo esta acompanhada com
muzica” 118. A procissão de ida ao cemitério é uma
procissão festiva, de homenagem aos ancestrais, na qual
a música estaria presente. É a festa de todos os santos, e
no ano de 1914 foi festejada pela Irmandade de Nossa
Senhora do Rosário e São Benedito de Florianópolis.
Segundo o compromisso de 1905, as atribuições da
Irmandade de Nossa senhora do Rosário e São
Benedito seriam:
Art. 1. Prestar devoto culto à Virgem santíssima do Rosário:

&1. Sepultar os irmãos defunctos e suffragar as suas almas.

&2. Soccorrer os irmãos enfermos e inválidos que ficarem


impossibilitados de trabalhar ou viverem em estado de
pobreza

&3. O número de irmãos é ilimitado119.


167
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

De acordo com o Compromisso misto da Irmandade


de Nossa Senhora do Rosário, aprovado em 1807, o
único requisito para a inscrição na dita confraria é o
pagamento de uma entrada no valor de seiscentos e
quarenta reis. A permanência nesta, no entanto, depende
do pagamento dos anuais, no valor de trezentos e vinte
réis. Observa-se que a possibilidade de bancar os custos
da confraria era fator preponderante para a entrada do
irmão ou irmã, não havendo distinções de gênero e
nenhuma citação a condição social ou nação para a
aceitação, ou não, na confraria. Se não há indícios que
a Irmandade conseguiu alforriar algum dos seus irmãos,
não restam dúvidas quanto à importância da ajuda que
o “caixa beneficente” proporcionava aos que nela se
inscreviam.
O Irmão Antonio dos Santos procurou o caixa
beneficente em 1912 por meio de ofício entregue ao
irmão Juiz e conseguiu o direito, como foi lavrado em
ata:
Encegida (sic) o Irmão Juiz aprezentou a meza um officio
do Irmão Antonio dos Santos, o qual este irmão se acha-
se enfermo proprisitado do trabalho vem procurar os seus
direitos o qual esta vencidos e marca o paragrapho 9º do
Artigo 30 Capítulo 18 e assim a meza dereberou (sic) que
este irmão terá o direito do dia 1º de Novembro endiante
(sic) e não havendo mais nada a tratar o Irmão Juiz mandou
enserar a sessão ( Secretário Pedro Saturnino da Silva)

Aos dezeseis dias do mez de Outubro de mil novecentos e


dez. acta nº 29) 120.
Os livros atas dos anos de 1905 a 1930 mencionam
inúmeras cartas nas quais os irmãos beneficiados com
o dinheiro destinado agradecem a instituição, como é
o caso do irmão Pedro Farias:
168
Pretos/as do Rosário:

Aos quinze dias do mez de Março de mil novecentos e


quatorze no consistório da Irmandade de N. S. do Rozário
e São Benedito [...] e no mesmo estante o irmão Juiz
mandou ler o secretario da irmandade e também foi lido
um officio que foi mandado pelo irmão Pedro Farias da
Roza agradecendo os benefícios que esta irmandade féis
para elle121.
Em praticamente todas as reuniões da mesa
administrativa, quando estas não eram termos de
eleição, prestação de contas ou de posse, observa-se
ofícios de agradecimento aos benefícios da caixa de
beneficência.
Foi aprezentado quatro officios sendo um do irmão Americo
outro de convite do Vigario para recepção de sua Ex. Bispo
da deocese, outra da irmão Philomena agradecendo os
benefícios que lhe foi concedido outro do Jornal do Malho
di Reis de Janeiro pedindo fotographias dos irmãs e de
festas desta Irmandade 122.
O “famoso” “caixa beneficente” também aparece
nos registros dos irmãos: assim que alguém era
beneficiado pela caixa, o escrivão adicionava um
adendo a inscrição do irmão ou irmã, informando que
este se inscreveu na beneficência, logo não poderia ser
expulso da Irmandade por não pagar anuais, como dita
o artigo 34 do Compromisso de 1905.
Tais documentações fazem crer que, no período
estudado, o principal sentido da permanência da
Irmandade é a continuidade do caráter assistencialista,
que proporcionava auxílio da alçada espiritual com o
sufrágio das almas e o enterro digno aos que não tinham
condições; e os auxílios da alçada material, que, se
outrora eram identificados na intenção de compra de
alforrias para livrar os irmãos escravizados do cativeiro,
169
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

no período pós-abolição destinavam-se a ajudar os


irmãos inválidos e miseráveis para que vivessem com
um pouco mais de dignidade.
Vislumbrar as experiências destas confrarias
permitem o estudo do cotidiano, das redes de
sociabilidades, das reciprocidades, e no caso estudado
das tensões sofridas com as tentativas de implementação
de um Catolicismo Romanizado em um espaço leigo,
seio de práticas devocionais de cunho popular de um
Catolicismo Tradicional, e de um “catolicismo negro”.

Considerações Finais
A capital catarinense reverberava anseios de
modernidade nas mais variadas esferas da vida dos
sujeitos, inclusive na religiosa, personificada pela ação
normatizadora da Romanização do catolicismo e nas
estratégias de perseguição às instituições-símbolo do
modo de vivência religiosa (híbrida) da época colonial
e imperial: as irmandades.
Se a Irmandade do Rosário sobreviveu à mudança
do contexto onde estava inserida, foi por alicerçar-se
firmemente no propósito beneficente da instituição. As
práticas barrocas e de um catolicismo popular, ou seja,
híbrido, foram paulatinamente sendo perseguidas e
extinguidas pela nova sensibilidade religiosa católica
traduzida nas ações estratégicas da Romanização do
Catolicismo na cidade de Florianópolis, mas o ideal que
identificava irmãos e irmãs no interior da Irmandade
continuou o mesmo: a ajuda mútua aos seus pares.
170
Pretos/as do Rosário:

Notas:
1
Graduada em História pela UDESC e mestranda em História
pela mesma universidade.
2
SERPA, Elio. Igr eja e poder em Santa Catarina.
Igreja
Florianópolis: Edufsc, 1997, p. 111.
3
Michel de Certeau (1998) afirma que através do cotidiano
é possível dar visibilidade aos excluídos, que apesar de
silenciados, elaboram e recriam formas próprias de
sobrevivência apropriando-se de elementos da nossa
sociedade. Nas determinações da instituição “se insinuam
assim um estilo de trocas sociais, um estilo de invenções
técnicas e um estilo de resistência moral”. CERTEAU,
Michel. A invenção do cotidiano
cotidiano:: artes de fazer. 3ª ed.
Petrópolis: Vozes, 1998, p. 87.
4
Segundo Caio Cesar Boschi, as Irmandades e Confrarias
religiosas, em especial as destinadas aos irmãos de “cor”,
africanos ou afrodescendentes, podem ser compreendidas
enquanto instituição símbolo de um catolicismo tradicional,
com ênfase no papel dos leigos em detrimento do clero.
BOSCHI, Caio César. Os leigos e o poder: irmandades
leigas e política colonizadora em Minas Gerais. São Paulo:
Ática, 1986, p. 3.
5
Sobre o assunto ver: Stakonski, Michelle Maria. Da
Consistório:: Tensões da Romanização no
Sacristia ao Consistório
caso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São
Benedito dos Homens Pretos. Desterro/Florianópolis, 1880-
1910. Itajaí: Editora Casa Aberta, 2008. Esta discussão
está sendo aprofundada em minha pesquisa de mestrado
cujo período correspondente é 1910 a 1930.
6
BEOZZO, Oscar. Irmandades, santuários, capelinhas de
beira de estrada. Revista Eclesiástica Brasileira, V.
37, fasc. 148, 1977, p. 743.
7
Ver AZZI. Riolando. O Estado leigo e o projeto
ultramontano. São Paulo: Paulus, 1994.
ultramontano
8
CARDOSO, Paulino de Jesus Francisco. Negros em
Desterro: experiências das populações de origem africana
171
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

em Florianópolis (1860/1888). Itajaí: Editora Casa Aberta,


2008, p. 20.
195
BEOZZO, 1977, p. 743. Por escolha teórica optou-se não
chamar a modalidade de cristianismo catolicismo de
“Igreja”. Neste sentido acredita-se que esta definição de
“Igreja” sinônimo da Religião Católica e Romana Universal
é resquício de um discurso de homogeneização, pois não
engloba outras práticas e manifestações religiosas que
também se intitulam como Religião e Igreja.
9
AZZI, Riolando. Elementos para a história do catolicismo
popular. Revista Eclesiástica Brasileira, v. 36, n° 14,
1976, p. 102. Tais aspectos, não representam características
estanques, e sim se constituem enquanto vasos
comunicantes, ou seja, são características complementares
entre si.
10
AZZI, 1976, p. 106.
11
Idem, p. 96.
12
WERNET, Augustin. Antigas Irmandades e novas
associações religiosas. Revista da SBPH. Curitiba, 1992,
p. 57.
13
Idem.
14
SERPA, 1997, p. 16.
15
Os sínodos são reuniões religiosas do clero com a autoridade
eclesial regional, no caso o bispo diocesano, destinadas a
criar um código de normas, baseadas no código canônico
e nos concílios católicos, para normatizar as regras de culto
dos fieis e do clero.
16
Que, segundo a historiografia tradicional eram oito:
Irmandade de São Joaquim, de Nossa Senhora da
Conceição, Nossa Senhora do Parto, Nossa Senhora das
Dores, Divino Espírito Santo, Bom Jesus dos Passos,
Santíssimo Sacramento e, por fim, a confraria citada, a
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito
dos Homens Pretos.
17
Para saber mais sobre a disputa entre os homens pretos e
pardos no interior da Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, ver:
172
Pretos/as do Rosário:

MALAVOTA, Claudia Mortari. Os homens pr pretos


etos de
Desterro:: um estudo sobre a Irmandade de Nossa
Desterro
Senhora do Rosário. Dissertação de mestrado, Porto Alegre,
PUC, 2000.
18
A Irmandade de Nossa Senhora do Parto foi erigida em
1833 em um dos altares laterais da Igreja do Rosário, devido
uma cisão entre os irmãos pretos e pardos da mesma
irmandade. A Irmandade de Nossa Senhora da Conceição
não deixou muitos vestígios documentais e não
encontramos muitos registros significativos sobre sua
existência e influência na sociedade desterrense/
florianopolitana.
19
Sobre esta questão ver MORTARI, 2000.
20
SCARANO, Julita. Devoção e Escravidão
Escravidão:: A Irmandade
de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos no Distrito
Diamantino no século XVIII. São Paulo: Nacional, 1978,
p. 15.
21
MÜLLER. Liane Susan. As contas do meu rosário
são balas de artilharia: irmandade, jornal e sociedades
negras em Porto Alegre (1889-1920). Porto Alegre, 1990.
Dissertação de mestrado em História, PUC/RS, p.15.
22
CARDOSO, 2008, p. 23.
23
DALLABRIDA, Norberto. A fabricação escolar das
elites: o Ginásio Catarinense na Primeira República.
Florianópolis: Cidade Futura, 2001, p. 70.
24
SERPA, 1997, p.68.
25
Idem, p. 67.
26
ACDF (Acervo da Cúria Diocesana de Florianópolis).
Primeiro Synodo da Diocese de Florianópolis. Florianópolis:
Typografia Brazil, 1910, p. 57-58.
27
SERPA, 2008, p. 87.
28
Idem.
29
ACDF. Primeiro Synodo da Diocese de Florianópolis.
Florianópolis: Typografia Brazil, 1910. (Da disciplina
eclesiástica, artigos 65 e 68), p. 110.
173
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

30
ACDF. Primeiro Synodo da Diocese de Florianópolis.
Florianópolis: Typografia Brazil, 1910, p. 37. Acervo da
Cúria Diocesana de Florianópolis.
31
Ibid., p. 49.
32
Ibid., p. 35.
33
Ibid., p.4, Actos Sinodaes.
34
Ibid., p. 4.
35
Ibid., p. 40.
36
PIO X, Encyclica PASCENDI DOMINICI GREGIS: Sobre
as doutrinas modernistas. Acessada no Sítio da Santa Sé:
http://www.vatican.va/holy_father/pius_x/encyclicals/
documents/hf_p-x_enc_19070908_pascendi-dominici-
gregis_po.html Acesso em 20/12/2009 em 30 de novembro
de 2008.
37
Ibid., p. 45.
38
Ibid., p. 46.
39
Azzi, 2008, p.27.
40
Ibid., p. 49.
41
Ibid., p. 97.
42
Conforme apontado por Karla Leandro Rascke, no capítulo
2 deste livro.
43
Wernet, 1979, p. 55.
44
ACDF. Segundo Sínodo da Diocese de Florianópolis.
Florianópolis: Typografia Brazil, 1919.
45
ACDF. Primeiro Sínodo da Diocese de Florianópolis, op.
cit, p. 97.
46
Novenas públicas, festas religiosas em casa de particulares,
convites das igrejas para as festas religiosas impressos em
jornais laicos, banquetes nas festividades, fogos de artifício,
homens servindo de capelães, roubo de dinheiro das
novenas, promessa de missas sob pagamento de esmolas,
peditórios “de casa em casa”, ato de esmolar com o uso
da bandeira do Espírito Santo, leilões, barraquinhas ao
lado da Matriz, meninos sendo coroados como imperadores
174
Pretos/as do Rosário:

na festa do Divino Espirito Santo, pessoas pernoitando no


interior das igrejas, demora no sacramento do batismo,
pouca ênfase e prática do sacramento da confissão, lavação
de imagens para procissão, exposição do Santíssimo
Sacramento na quinta-feira santa no Menino Deus (Como
a exposição do chamado Santíssimo Sacramento na
quinta-feira santa, para a vigília pascal, é uma prática antiga
e institucionalizada na Igreja Católica, acredita-se que o
padre Topp estava referindo-se a exposição sem a presença
de um sacerdote, realizada na capela do Menino Deus, da
Irmandade do Senhor dos Passos).
47
ACDF. Pasta pessoal do Pe. Francisco Xavier Topp.
48
CABRAL, Oswaldo Rodrigues. Nossa Senhora do
ro
ro.. Notícia II. Florianópolis: Lunardelli, 1974.
Desterro
Dester
49
PIRES, p. 96.
50
AINSRSB. Livro de Atas 2, p. 35.
51
AINSRSB. Livro de Atas 3, 1875-1905, p. 59.
52
CABRAL, 1974, p. 256.
53
Fonte : Acervo Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e
São Benedito dos Homens Pretos - Pasta Fotos - s/data.
54
O capítulo 2 do presente livro aborda com maiores detalhes
as festividades da Irmandade.
55
CABRAL, 1979.
56
AINSRSB. Compromisso de 1842.
57
AINSRSB, Livro Ata 3 (1875-1905).
58
VARZEA, Virgílio. Santa Catarina: A Ilha. Florianópolis:
IOESC, 1984. p. 71.
59
ALVES, Márcia. Entr Entree a folia e a sacristia: as
resignificações e intervenções da elite clerical e civil na festa
do Divino em Florianópolis (1896-1925). Florianópolis,
1999. Dissertação de Mestrado em História, UFSC, p. 33
– 34.
60
CABRAL, 1974, p.269.
61
CABRAL, 1974, p. 269-270. Sobre a folia, ainda nas
175
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

palavras de Cabral: Folia era uma pequena companhia de


músicos e cantores, sempre pronta a entoar, de casa em
casa, ou grupo delas, melodia desafinadíssima, com vozes
ainda piores, acompanhadas pela detestável música
arrancada de uma rabeca, uma viola e um tambor.
62
CABRAL, 1974, p. 270.
63
Idem, p. 260.
64
Ibid., p. 98.
65
Ibid., p. 97.
66
Ibid., p. 97.
67
Segundo Sínodo diocesano, 1919. Op. Cit., p. 86.
68
Primeiro Sínodo diocesano, 1910. Op. Cit., p. 98.
69
Ibid., p. 99.
70
Na tradição católica é o quinquagésimo dia depois da
páscoa, e significa a revelação do espírito santo para os
apóstolos.
71
Segundo Sínodo diocesano, 1919, p.87.
72
Art. 11 parágrafo 2 da Constituição; Cod. Pen. Art. 185.
73
Ibid., p. 97.
74
A prática de contratação de sacerdotes a preço estipulado
por estes iniciou no período do padroado e continua sendo
reproduzida até os dias de hoje, pois a Irmandade do
Rosário nunca pertencera à diocese e não pertence, até os
dias atuais.
75
Ibid., p. 98.
76
Segundo Sínodo, p. 87.
77
Ibid., p. 98.
78
Segundo o Código canônico atual e o de 1917, a regra
anterior era parte do Missal Romano promulgado pelo
Concílio Tridentino. Segundo a Constituição Apostólica
Missale Romanum. Acessada na página da Santa Sé no
endereço: http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/
apost_constitutions/documents/hf_p-
176
Pretos/as do Rosário:

vi_apc_19690403_missale-romanumpo.html Acesso em
10.01.2010 em 30 de novembro de 2008.
79
Primeiro Synodo, p. 99.
80
Ibid., p. 100.
81
Ibid., p. 101.
82
Segundo Sínodo diocesano, 1919, p. 87.
83
Ibid., p. 85.
84
ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história
dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, p.32.
85
Primeiro Synodo diocesano, 1910, p. 110.
86
Ibid., p. 59.
87
Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário
e São Benedito de 1905, p. 31.
88
Segundo o documento impresso localizado no acervo da
IRNSR: Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário e São Benedito (1905 registrado em 1908).
89
AIRNSRSB - Compromisso da Irmandade de Nossa
Senhora do Rosário e São Benedito (1905) p. 31.
90
QUINTÃO, Antônia Aparecida. Ir Irmandades
mandades Negras:
outro espaço de luta e resistência. São Paulo: 1999.
Dissertação de mestrado em História, USP, p. 163.
91
IRNSRSB. Livro Ata 3, p. 27.
92
Segundo Sinodo diocesano, 1919, p. 55 artigo 73.
93
AIRNSRSB - Compromisso da Irmandade de Nossa
Senhora do Rosário e São Benedito (1905) p. 31.
94
AINSRSB. Compromisso de 1842, transcrito pela profa.
Dra. Cláudia Mortari Malavota. Documento do acervo do
Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UDESC, à disposição
para consulta na sede do NEAB, nos arquivos sobre a
Irmandade do Rosário, pasta Irmandades, documento
“Compromisso Comentado de 1842”.
95
AINSRSB. Livro ATA 3, 1875-1905. Transcrição do original
pela autora, acervo da Irmandade de Nossa Senhora do
177
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, p. 59 v.


96
Assunto foi discutido mais especificamente no trabalho de
conclusão de curso que originou o livro Da Sacristia ao
Consistório
Consistório, pelo selo África-Brasil da editora Casa Aberta,
Itajaí. 2008.
97
Compromisso de 1842. Op.cit.
98
Para melhor compreensão da contenda entre pardos e pretos
ver: MORTARI, 2000.
99
Grifo da autora.
100
ALVES, Elza D. Nos bastidor
bastidores es da cúria deso-
bediências e conflitos relacionais no intra-clero
(1892-1955). Florianópolis, 2005. Tese de doutorado em
História. UFSC, p.95.
101
Documento do acervo do Núcleo de Estudos Afro-
Brasileiros da UDESC, a disposição para consulta digital e
impressa na sede do NEAB, nos arquivos sobre a Irmandade
de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, pasta
Irmandades, documento “Compromisso Comentado de
1842”. S/N.
102
Idem.
103
Documento do acervo do Núcleo de Estudos Afro-
Brasileiros da UDESC, a disposição para consulta digital e
impressa na sede do NEAB, nos arquivos sobre a Irmandade
de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, pasta
Irmandades, documento “Compromisso Comentado de
1842”. S/N.
104
Idem.
105
Idem.
106
Idem.
107
Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário
e São Benedito de 1905, p. 21.
108
Idem.
109
Idem.
110
Idem.
178
Pretos/as do Rosário:

111
Ibid., p. 10.
112
Documento do acervo do Núcleo de Estudos Afro-
Brasileiros da UDESC, à disposição para consulta digital e
impressa na sede do NEAB, nos arquivos sobre a Irmandade
do Rosário, pasta Irmandades, documento “Compromisso
Comentado de 1842”.
113
Ibid., op. Cit.
114
Idem, p. 29.
115
AINSRSB, Compromisso de 1842.
116
AINSRSB, Compromisso de 1905, p. 9.
117
Ibdem., p. 4.
118
Ibdem., p. 3.
119
AINSRSB – Ata 4, p. 32.
120
AINSRSB – Ata 4, p. 45.
121
AINSRSB – Ata 4, p. 3.
179
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

Referências
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DO ROSÁRIO E SÃO BENEDITO DOS HOMENS
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Livro Ata 1 (1816 -1861)
Livro Ata 2 (1862-1875)
Livro Ata 3 (1875-1905)
Livro Caixa 1 (1798-1812)
Livro Caixa 2 (1813-1828)
Livro Caixa 4 (1829- 1847)
Livro Caixa 10 (1871-1877)
180
Pretos/as do Rosário:

Livro Caixa 12 (1875-1880)


Livro Caixa 13 A (resumido)
Livro Caixa 13 B (completo) (1880-1905)
Livro de Anuidades, 1861-1889
Pasta de Fotos da Irmandade– s/data
Compromisso da INSRSB 1842
Compromisso da INSRSB 1807
Compromisso da INSRSB 1905
Livro Tombo da Irmandade Beneficente Nossa Senhora
do Rosário e São Benedito, Florianópolis, 2006

ARQUIVO DA BIBLIOTECA PÚBLICA DO ESTADO


DE SANTA CATARINA
Jornal A Regeneração (1870 – 1871)
Jornal O Despertador (1873 - 1874)
Jornal O Conservador (1874-1878)

ACERVO DA CÚRIA DIOCESANA


Pastas de correspondências do padres - Francisco Topp
(pasta azul)
Pastas de correspondências Francisco Topp II
Pastas de correspondências Francisco Topp III
Pasta de correspondências Irmandade de Nossa
Senhora do Rosário. (Compromisso da INSR 1905)
Pasta de Synodos (pasta azul - Sínodo de 1910)
181
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

ACERVO CARTÓRIO KOTZIAS


Registro de título de liberdade. Caixa 02, livro 31(1868-
1869)
Registro de título de liberdade. Caixa 02, livro 33(1870)
Registro de título de liberdade. Caixa 02, livro 35(1872-
1873)

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A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

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As “camélias” de Desterro
Desterro:
A Campanha Abolicionista e a
Prática de Alforriar Cativos (1870-1888)
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Da sacristia ao consistório
consistório:
Tensões da Romanização no caso da Irmandade de Nossa
Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos -
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“Lá vem o dia a dia, lá vem a Virge Maria.


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Escravos em Nossa Senhora do Desterro 1872-1888
Fabiano Dauwe

Estudo sobre a escolarização do


negro em Santa Catarina
Catarina:
Municípios de Itajaí, Lages, Criciúma e Florianópolis
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Multiculturalismo e Educação:
Experiências de implementação da Lei Federal 10.639/03
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no planalto serrano (1960 – 1970)
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Gênero,, Sociabilidade e Afetividade
Antonio Emilio Morga e Cristiane Manique Barreto (orgs.)

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ENSAIOS DE COMUNICAÇÃO

Para ler com urgência


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191
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos (século XIX)

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Morro do Amaral: sabor da cultura.

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José Bento Rosa da Silva e Moacir da Costa

Um filho de Lavras:
memórias, vivências e experiências - Capitão Bento
Rezende da Silva (1919-2007)
José Bento Rosa da Silva

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