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Calebe Silva Vidal

Patrimônio Histórico e Ambiental

MENESES, Ulpiano. T. B. O campo do patrimônio cultural: uma revisão de premissas. In: I


Fórum Nacional do Patrimônio Cultural, vol. I. Ouro Preto, 2009. Pp. 25-39.

Em sua fala no I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural, a convite do presidente do IPHAN,


Luiz Fernando de Almeida, Ulpiano de Meneses, Professor Emérito da Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, busca ressaltar a atitude crítica frente ao
campo do patrimônio cultural, que possui uma problemática complexa a ser considerada.

Cultura: entre práticas e representações

Um dos problemas acerca do patrimônio é a questão do pertencimento / não-pertencimento.


Onde quer que hajam turistas, há habitantes, e estes possuem formas divergentes de se
relacionar com o “bem cultural”. Meneses usa como exemplo um cartum de Sempé no qual
dentro de uma catedral gótica uma “velhinha” reza (possuindo um vínculo habitacional com a
Catedral) e ao mesmo tempo, um guia turístico acompanhado de turistas, interrompe-a por
estar “atrapalhando a visita dos turistas”.

“Para ela, o “bem cultural” é, antes de mais nada, um bem, quer dizer, coisa boa. Boa de
conhecer, de ver, de sentir, de experimentar como um vínculo pessoal e comunitário e,
finalmente, boa de usar, de praticar – pragmaticamente é um bom lugar para rezar. De seu
lado, a fruição dos turistas consuma-se na mera contemplação de um lugar de culto, agora
transformado em lugar de representação do lugar de culto: a catedral tornou-se bem cultural e
essa perspectiva esvazia usos antigos e torna anacrônicas as práticas anteriores. A gama
diversificada de apreensões possíveis estreita-se, assim, ao limite da visão. Quase poderíamos
falar de um voyeurismo cultural: o voyeur, com efeito, restringe sua gratificação
essencialmente à visão e não se expõe, não se compromete, em suma, não muda. Seu espaço
de habitualidade, aquele em que as transformações profundas podem ocorrer e se manter,
não é mobilizado. Mais precisamente, contudo, a redução talvez nem seja à visão, mas à
audição, já que os turistas ouvem distraidamente – pois mais interessados na anciã – o que o
guia tem a dizer, ao invés de viver e de interagir diretamente com o bem. São apenas
informados sobre ele, necessitam da mediação do guia.” (p. 28)  Com os turistas, há a
exclusão do cotidiano atrelada ao patrimônio  Já com a “velhinha”, há atribuição de sentido
histórico e reprodução da vida a partir do patrimônio cultural

Materialidade / Imaterialidade

Um objeto material tem diferentes valores imateriais, e isso é observado no exemplo da idosa
e dos turistas na catedral gótica. Não deve haver a sobreposição de um sobre outro, mas sim
deve haver uma balança de medidas iguais entre a idosa e seu local de atribuição de
significado da vida, também com a compreensão acerca do valor histórico da catedral, e os
turistas, com suas visitas e real compreensão dos usos e significados do material, com uma
visão transmitida abrangente.

“Podemos concluir que o patrimônio cultural tem como suporte, sempre, vetores materiais.
Isso vale também para o chamado patrimônio imaterial, pois se todo patrimônio material tem
uma dimensão imaterial de significado e valor, por sua vez todo patrimônio imaterial tem uma
dimensão material que lhe permite realizar-se. As diferenças não são ontológicas, de natureza,
mas basicamente operacionais.” (p. 31)  A matriz dos sentidos, significados e valores está
nas práticas sociais

Valor

Art. 216 da Constituição de 1988:

“Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados


individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória
dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem...” (e aí vem
uma listagem de modalidades). (p. 33)

Proteção atrelada ao poder público em colaboração com o produtor de valor, ou seja, os


grupos sociais. Contudo, qual interesse é sobreposto? O valor técnico, ligado a um utilitarismo
do interesse do capital, ou um valor social? Esta polaridade é um risco iminente, portanto, é
necessária uma postura que simultaneamente dê espaço ao especialista, mas que continue
privilegiando a perspectiva da “velhinha” do cartum.

Para Meneses, os quatro principais componente do valor cultural são: valores cognitivos
(ligados a grupos que se apropriaram do material, construção, padrões estilísticos), formais
(qualificado para gratificar sensorialmente e tornar mais profundo o contato do “eu” com o
mundo externo, estético), afetivos (ligados à identidade), pragmáticos (das práticas sociais de
diferentes grupos) e éticos (relacionados ao multiculturalismo).

Conclusão

“O campo dos valores não é um mapa em que se tenham fronteiras demarcadas, rotas
seguras, pontos de chegada precisos. É, antes, uma arena de conflito, de confronto – de
avaliação, valoração. Por isso, o campo da cultura e, em consequência, o do patrimônio
cultural, é um campo eminentemente político. Político, não no sentido partidário, mas no de
pólis, a cidade dos gregos, isto é, aquilo que era gerido compartilhadamente pelos cidadãos; a
expressão correspondente entre os romanos, res publica , representa a outra face da moeda: a
coisa comum, o interesse público.” (p. 38)  Trata do que nos faz seres humanos, ou seja, a
atribuição simbólica de sentido, significado, valor, que diverge muito de um grupo para outro,
e esse multiculturalismo deve ter primazia no trabalho acima do patrimônio.

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