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Roberto Bondarik1
Luiz Alberto Pilatti2
RESUMO: Este trabalho tem por objetivo analisar o processo evolutivo das atividades
relacionadas a produção da erva-mate, seu beneficiamento e exportação no Estado do Paraná
no estabelecimento da indústria em seu territórioanalisa o processo evolutivo histórico da economia
da erva-mate no Estado do Paraná. Adotou-se o método histórico. O corpus documental foi composto
de a analise da conjuntura que levou esta esconomia de uma produção artesanal ao estabelecimento de
um sistema fabril ou industrial pioneiro, que permitiu o estabelecimento do trabalho assalariado e da
economia de mercado no Paraná no século XIX. A extração da erva-mate, aliada às condições do
mercado externo, conduziu à implantação de um parque industrial voltado às exigências do mercado
consumidor. A crise e a superação deste ciclo deram-se a partir de 1928 pela concorrência internacional
e pela ausência de percepção da necessidade de transformação dos meios de obtenção da erva-mate.
ABSTRACT: The aim of this work is to analyze the role of the yerba mate economy in the Paraná
factory system, its historical and contextual evolutionary process. The theoretical review was built based
on historical research and bibliographic analysis through the use of newspaper primary sources. The
historical process which led to the establishment of yerba mate economy in the state of Paraná was
analyzed by studying the circumstances that raised this sylvan harvesting activity from its rudimentary
and subsistence farming status to its most sophisticated, mechanized manufacturing level. The historical
conjunction permits to see that the yerba mate harvesting, associated to the external market conditions,
led to the implementation of an industrial park geared to the demands of the consumer market. The
overcoming of this cycle took place starting from 1928, by the absence or inability to perceive the need
for transformation of the means of obtaining the yerba mate.
1. Introdução
1
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Câmpus Cornélio Procópio, PR, Brasil. E-mail:
bondarik@utfpr.edu.br.
2
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Câmpus Curitiba, PR, Brasil. Bolsista de Produtividade
em Pesquisa - CNPq. E-mail: lapilatti@utfpr.edu.br.
importância que teve o café para São Paulo, a borracha no Amazonas e Pará, o cacau para a
Bahia e o charque para o Rio Grande do Sul (Monteiro, 1935).
O ciclo econômico da erva-mate agregou em sua cadeia produtiva diversos segmentos,
tais como a extração, beneficiamento, industrialização, embalagem e transporte. O conjunto
destas atividades induziu ao desenvolvimento de inovações tecnológicas que produziram
transformações socioeconômicas e sofisticações produtivas com a introdução de técnicas e
processos industriais modernos no Paraná. A mecanização do beneficiamento do mate espelhou
a Segunda Revolução Industrial que ocorria na Europa desde 1850 (Santos, 2001; Magalhães
Filho, 1996).
Este estudo toma como tema a industrialização no Paraná na segunda metade do século
XIX. Existem duas correntes que permitem a interpretação do processo de industrialização
paranaense em relação a economia da erva-mate no século XIX 2001). A primeira delas, ressalta
o contraste do Paraná em relação à economia brasileira daquele tempo. Caracterizando esse
processo por meio da ação de parcela da burguesia exportadora que promoveu o processo de
mecanização do beneficiamento do mate, ao qual se uniram imigrantes concentrados nas
cidades. União que resultou na industrialização e dinamização do comércio do Estado. A
segunda corrente, de origem cepalina, enxerga o passado industrial do mate como uma indústria
falsa, pois beneficiava apenas um produto, e a burguesia que nele se sustentava seria uma
pseudo-burguesia.
Lançando mão de fontes tais como jornais da segunda metade do século XIX e início
do século XX, relatórios e mensagens publicados pelo Governo Estadual, relatos de viajantes e
dados estatísticos presentes nos arquivos oficiais, bibliotecas e museus. O presente estudo, tem
por objetivo analisar o processo evolutivo das atividades relacionadas à produção da erva-mate
e suas correlações econômicas que permitiram o estabelecimento da indústria mecanizada no
Estado do Paraná.
Para a análise das fontes e das informações obtidas foi utilizado o método histórico
(Arostegui, 2006), que proporcionou o entendimento a respeito do passado produtivo e
industrial paranaense, rememorando-o e demonstrando objetivamente a evolução dos processos
e as transformações vivenciadas na indústria do mate com passar do tempo e sua efetiva
mecanização industrial.
3. A erva-mate do Paraná
O ciclo econômico da erva-mate no Paraná pode ser dividido em três períodos quanto
as técnicas de extração, tecnologias de beneficiamento, natureza do mercado consumidor e
destinação da produção. O primeiro deles durou até 1820, o segundo até 1875-80 e o terceiro a
partir dessa data até por volta de 1928 (Linhares, 1969; Oliveira, 2001; Costa, 1995).
Compreende-se dessa periodização que a exploração comercial do mate paranaense ganhou
forma durante o século XIX.
No primeiro período, o mate paranaense, beneficiado manualmente, possuía consumo
local. Ocorreram tentativas de exportação do produto para a região do Prata, uma delas em
1722, quando o Governo de Portugal flexibilizou as restrições do Pacto Colonial (Santos, 2001;
Wachowicz, 2010). A falta de técnicas de extração e de tecnologias de beneficiamento eficazes
davam a erva do Paraná ou de Paranaguá como a chamavam, uma qualidade e preços inferiores
aos do Paraguai (Carneiro, 1935; Santos, 1995).
O mercado platino foi abastecido pelos ervais paraguaios, explorados pelos jesuítas até
sua expulsão em 1768. Produtores paraguaios e argentinos de Corrientes assumiram o
fornecimento que sofreu variações devido à instabilidade política da região (Magalhães Filho,
1996). O ditador do Paraguai José Gaspar Rodriguez de Francia, com o intuíto de afastar a
influência portenha e consolidar sua independência, estatizou os ervais. Em 1813, os contatos
comerciais com Buenos Aires e Montevidéu foram proibidos, inclusive a exportação do mate,
situação mantida até 1840 (Doratioto, 2002; Wachowicz, 2010).
Buscando novos fornecedores, os comerciantes platinos chegaram até a região de
Curitiba, porém, a rusticidade do preparo da erva-mate local tornava-a muito diversa daquela
produzida no Paraguai, tanto visual como gustativamente. O afluxo dos argentinos iria
transformar as técnicas de produção no Paraná (Carneiro, 1935; Santos 1995). Em 1820,
Francisco Alzagarray, vindo de Buenos Aires, instalou um engenho de soque no litoral e, a
partir dele, os paranaenses começaram a assimilar técnicas de beneficiamento,
acondicionamento e transporte conforme os praticados no Paraguai (Wachowicz, 2010;
Oliveira, 2001; Santos, 1995; Linhares, 1969; Oliveira, 1974; Carneiro, 1935). A importância
da presença dos empreendedores portenhos continuava reconhecida décadas após suas ações:
Quando o nosso território ainda era ainda uma das comarcas da Província de
São Paulo, alguns hespanhòes descobriram nelle a existência em abundancia da
Ilex Matte, cujo uso começava a estender-se do Paraguay, onde foi
primeiramente descoberto e usado pelos jesuítas, ás Republicas do Rio da Prata.
Seguindo o bom senso natural, aquelles hespanhòes, longe de
procurarem levar a matéria prima para ser preparada nos mercados em que o
consumo do matte ia se desenvolvendo, preferiram estabelecer-se em Morretes,
onde, pela abundância de água e facilidade de comunicações com as localidades
productoras e com o porto de embraque, lhes pareceu o ponto mais apropriado
á fundação de engenhos para o ulterior preparo do mesmo matte como estava
sendo exportado do Paraguay.
Esses engenhos foram modestamente instalados, como é de supor-se, e
sua produção era insignificante.
Os enormes lucros obtidos pela nova indústria chamavam a atenção dos
naturaes da comarca; e aquelles que tinham os recursos necessários procuraram
levantar tanto em Morretes, como em outras localidades, estabelecimentos de
mais largas proporções. (Faria Sobrinho, 1886, p. 36)
Pelos dados estatísticos que tenho presentes, fornecidos por industriaes desta
capital [Curitiba], verifica-se que desde 1867 a Província do Paraná ocupa o
primeiro logar entre os paizes exportadores de tal produto, oferecendo aos
principaes mercados consumidores, isto é, as republicas Argentina, Oriental
[Uruguai] e do Chile, mais da metade do consumo total (Faria Sobrinho, 1888,
p.35).
Figura 1 – Anúncio de venda das maquinas desenvolvidas por Francisco de Camargo Pinto
(Fonte: Hemeroteca da Biblioteca Nacional).
Figure 1 – Sale advertisement of the equipament developed by Francisco de Camargo Pinto
(Source: Newspaper Archive of the National Library of Brazil)
O novo equipamento, em ferro e aço, era movido por máquinas a vapor, e o processo de
produção diferenciava a nova fábrica dos antigos engenhos construídos em madeira, movidos
por rodas d’água e operados alguns ainda por escravos. Na “Fábrica Tibagy” as novas máquinas
substituíam a força e as habilidades humanas, reproduzindo tardiamente ocorrerão ocorrido na
Inglaterra com a Revolução Industrial no século anterior (Salm& Fogaça, 1998; Landes, 1998).
A produção exportada teve considerável aumento a partir da entrada em funcionamento dessa
fábrica entre os anos de 1886 e 1890 (Tabela 2), o que foi destacado à época pelo Governo do
Paraná (Faria Sobrinho, 1888). A nova indústria chamava a atenção dos viajantes que passavam
por Curitiba:
De forma geral, os imigrantes eram marginalizados em seus países de origem. Uma vez
no Brasil, eles puderam interagir com outras pessoas que possuíam as suas mesmas condições
e mesmo ascender socialmente. Criaram redes de relações pessoais e econômicas com outras
classes sociais, situação esta que possibilitou ao menos economicamente, os preconceitos de
origem fossem superados por meio de seu trabalho. Acontece um razoável desenvolvimento no
início do século XX.
O ciclo do mate preponderou no Paraná até pelo menos 1928, quando a Argentina
colocou a produção advinda de ervais cultivados em grande em escala e de forma intensiva em
seu território (Gomes, 1953). A erva cultivada em Corrientes e Missiones pelos argentinos
possuía qualidade superior e preços mais competitivos, além de proximidade com o mercado
consumidor.
Entre fines del siglo XIX y princípios del XX, la cosecha de yerbatales naturales
comenzó a ser sustituida por laextensión de la produccion bajo cultivo (...) los
rasgos centrales de la estructura productiva agrário yerbatera son el resultado
de un programa de colonización agrícola del território, promovido desde el
Estado nacional a partir del año 1926 (...) el programa de colonización agricola
familiar (...) em el marco del programa, la yerba mate funciono como “cultivo
poblador” (Rau, 2009, p.52).
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