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'' MARECHAL ARTHUR DA COSTA E SILVA
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Ministro de Estado da Justiça
i PROFESSOR Luís ANTÔNIO DA GAMA E SILVA
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1931, tive a glória de passar a colega do antigo professor do tudo. Fale com o chefe do meu gabinete" . Osvaldo Aranha
Conselho Penitenciário do Distrito Federal. explicou depois a um colega: "Vou lá discutir com êste homem!
Acompanhei, de perto, a vida e a obra de Cândido Mendes. Ninguém pode com aquêJe ren--ren--ren, ren--ren--ren. Se eu dei--
ll:le foi, no seu tempo, o maior idealizador e inspirador de re- xar, êle não para de falar". Mas o ren--ren--ren estava a serviço
formas carcerárias no Brasil. Devemos a êle urna criação bra-- público.
sileira, um Conselho Penitenciário - colegiado consultivo, plani- Durante a visita do professor chileno Israel Drapkin ao
ficador e fiscalizador, composto de juristas, médicos, membros do Conselho Penitenciário, Cândido Mendes relatou as conquistas
Ministério Público · e administradores carcerários, locado entre brasileiras em matéria de prisões. Foi uma fantasia patriótica
o Poder Executivo e o Poder Judiciário, para a solução dos em que a sombria realidade ganhava côres que estavam apenas
problemas com a visão unitária e integral das realidades. Sua nos olhos azuis de Cândido Mendes. Intervi: - Professor!
concepção do good time law ( encurtamento gradativo da pena Somos homens de ciência. Os chilenos são nossos amigos.
pela conduta durante seu cumprimento) apresenta traços originais Vamos dizer a verdade? Se não, Drapkin fica com o dever de
na sua especialidade, desde o de São Petesburgo, projetando idéias mentir também, patriàticamente. Sor_riram todos, e o mais ~e--
brasileiras mundialmente. liciado e aberto foi Cândido Mendes. Passamos a contar, m-
Mais do que sua ciência valia sua consciência das necessi- clusive Drapkin, defeitos e necessidades comuns na ânsia de
dades. Mais do que suas idéias, tantas vêzes orientadas pelas corrigi-los e satisfazê-las. Trocamos idéias e planos na emula-
circunstâncias, impunha-se a obstinação do impulsionador. Sua ção da sinceridade.
cultura era mais• auditiva e visual do que livresca. Vivendo, Nos pareceres e votos, Heitor Carrilho era benévolo e Migm:1
como êle, saindo, visitando, viajando, atuando, a que hora iria Sales também médico, era rigoroso. Cândido Mendes expli-
estudar? Serviu-se das humanidades recebidas à feição de sua cava; "Carrilho lida com criminosos (era diretor do Manicômio
época, resistentes como todo alicerce clássico. Se citávamos Judiciário) e Sales com as vítimas" ( era diretor do Instituto
uma obra de Lombroso, êle citava o próprio Lombroso. "Con- Médico Legal).
versei com Lombroso em São Petesburgo e êle me disse ... ,.
Curioso, observador, comunicativo, perguntador, tendo percorri- Como presidente do Conselho Penitenciário, Cândido Men-
do os sete inares, como se dizia, possuía a visão direta e total des exigia do liberado condicional, ao entregar-lhe a caderneta.
das superfícies. a palavra de honra de que nunca mais praticaria crimes. É
claro que nenhum prêso, ansioso pela liberdade, deixou de aten-
Era polemista terrível, um artista da controvérsia. Impre- der ao compromisso. Na primeira cerimônia de livramento, a
visível e fugidio. Se se via entre a espada e a parede, fugia que compareci ( 1931), · perguntei ao Mestre se êle, seria capaz
como aquêle desconcertante: "Esta é outra questão!º Discutía- de dar a palavra de honra de que não cometeria crime. ll:le
mos sôbre a pena de morte. ll:le era partidário dela. Estranhei sorriu e mudou de assunto. Hã nas prisões homens como nós
que um católico a aceitasse, quando o mandamento absoluto, e até melhores do que nós, os que se sacrificam por uma vida
como tôda ordem divina, proibia, sem exceções: - .. Não ma-- melhor para os outros, os que enfrentam tudo e a tudo renunciam
tarásl" E Cândido Mendes: "Esta é outra questão!" Perguntei: pelo amor da Pátria e da humanidade, os que são títeres dos
O Homem pode alterar o mandamento? Não irá para o inferno? desesperos da honra e da necessidade, os que são vítimas de
- A resposta foi a mesma: "Esta é outra questão!" E daí não convenções à mercê de circunstâncias.
sàía. Espalmava as mãos, sorridente, e passava a outro ponto.
Sua visão altruística foi prejudicada pela excessiva preocupa-
Era invencível como postulante de verbas e decisões do ção - habitual nos especialistas de sua geração - menos pela
Govêrno em favor de sua causa de sempre - o melhoramento segurança das prisões do que pela segurança da permanência
das prisões. Em visita do Conselho Penitenciário ao Ministro dos presos nas prisões. Era a obsessão da fuga que vinha de
da Justiça Osvaldo Aranha, estranhei a afirmação dêste, antes Bentham com seu modêlo panótico. Um problema de arquite-
de qualquer palavra de Cândido Mendes: "Pois não, Professor. tura e engenharia desvlava ós melhores batalhadores da essên-
Estou de acôrdo com tudo. Concederei logo tudo. Deferirei cia moral e social. Por outro lado, Cândido Mendes chegava
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bidade, altivez e independência, desde auxiliar de guarda-livr~s
ao exagêro de proibir faca e garfo no refeitório, fazendo-as a conselheiro de governos e parlamentos, abandonou uma cadei-
substituir pela colher infantil. Entretanto, existem armas na- ra no Senado e demitiu-se de Prefeito do Distrito Federal; de-
turais até para asfixiar e punhos para transformar colheres em fendeu a economia popular, tanto da jogatina na praça pública,
instrumentos contundentes. Mas, no seu espírito de reformador quanto das especulações na Bõlsa; recusou a toga de ministro
chamejava a angústia que o fazia sonhar com o "hospital de do Supremo Tribunal e a segunda presidência do Banco do Brasil;
almas". empenhou-se pela mudança da capital do País contra os seus
Cândido Mendes deve ser incluído na história do Direito sentimentos e interêsses pessoais. Não é preciso recordar o re-
Brasileiro. formador, o administrador, o codificador, o tratadista, o advoga-
Os oradores de turma não disfarçavam nas perorações notas do, chefe de sua classe. Reaparecendo no Tribunal de Apela-
prematuras de ceticismo. Mas o paraninfo Cândido Mendes, ção, depois de uma doença, mereceu a suspensão dos trabalhos
que contaminou ceri.tenas de alunos, invertia os papéis. Era êle para que os desembargadores pudessem cumprimentá-lo.
quem usava os tropos líricos. E sabia tecê-los na fluência de Guardo para sempre a emoção do meu primeiro encontro
uma oratória sempre igual. :Ble gostava de falar, de conversar, com Sá Freire no Conselho Penitenciário. Eu ia sentar-me ao
e só sabia calar, por emoção ou educação. Costumava repetir: lado do ex-companheiro de meu pai na Comissão de Finanças
"Sei que existem insônia e dor de cabeça por ouvir dizer". Como do Senado. Paralitico, Sá Freire era carregado por presos até
podia deixar de ser assim se enxotava do coração tudo que à sala de sessões da antiga Casa de Correção. Mas, logo
pudesse ameaçar a leveza do otimismo? compensava a paralisia física com o dinamismo moral e intelec-
Quando o vi morto, minha dor concentrou-se para pensar. tual, na luta pela liberdade e pela justiça.
Em poucos homens chocaria tanto a imobilidade como naquele Em carta de 11 de novembro de 1911 Sá Freire recordava
vibrante jovem de 73 anos. Só a morte reduziria um Cândido seus dez anos de serviços ao Conselho ao primeiro presidente
Mendes à inércia. Ninguém o conceberia indiferente aos neti- Cândido Mendes: "Foi, é certo, difícil a atuação, uma vez que,
nhos, já inquietos pelo sono tão demorado, procurando, nos vin- então, se formava o aparelho, procurando cultuar a liberdade
cos dos lábios infatigáveis, o sorriso de ternura, a palavra de e premiar os penados, que, pela sua regeneração, mereciam voltar
carinho. E ali estavam, na expectativa de um milagre, três ao convívio da sociedade".
gerações habituadas ao espetáculo de uma primavera exorbitante "Convenço-me, ainda uma vez, que muito vale trabalhar
e insubmissa. g}e viu a neve na cabeça e no coração de meni-
pela liberdade individual e, por pouco que se faça, nunca se é
nos de seu tempo de velho. Nêle, o nome foi bem pôsto. Cân-
esquecido".
dido semeador de ilusões no dinamismo da fé e da esperança. 1. Estreei no Júri com um caso que, para os peritos,
No edifício do Paço funcionou o Conselho Penitenciário. Ali
era de psicose-maníaco-depressiva. O laudo concluía pela irres-
êle montou uma de suas oficinas. Se tivéssemos o poder de ponsabilidade do réu. Na preparação para o julgamento fiquei
reprodução da vida, num espetáculo de luz e som, estaríamos a naquela aura obsessiva que Bulhões Pedreira chamava de "Es-
vê--lo, a ouvi-lo. Lá vem êle, sempre disposto, com as mãos
tado de Júri". Felizmente, os psiquiatras não nos examinavam.
e os bolsos cheios de papéis, com notas e esboços. Passos
ágeis e vivos, sempre apressados. Amável e cordial: "Des- No 5• ano do curso jurídico, estudei Medicina Legal com
culpem o atraso. Eu estava noutra reunião". E os olhos no Antônio Maria Teixeira que ministrava aulas práticas no antigo
relógio. "Preciso ir a outro lugar. Que temos hoje?" Contava Hospício, edifício depois adaptado para a Universidade. A casa
o que fizera, o que esperava. Projetos, cuidados, providências. passou dos loucos para os estudantes. Não acredito nestes sem
E abria a sessão. Que temos hoje, Cândido Mendes? Temos a febre de paixão e rutura. Fui aluno da hoje Faculdade Na-
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nossa saudade, nossa gratidão e, para honrá-lo, nossa ansiedade cional de Medicina ( 1• ano) . Recebi ensinamentos de Juliano
por um Brasil autenticado pela soberania, pela liberdade, pelo Moreira, Júlio Pires Pôrto Carrero, Afrânio Peixoto, Henrique
progresso, pela justiça social e pela solidariedade humana. Roxo.
Estudei, como sempre, para só falar do que entendo em
3. Milciades Mário de Sá Freire foi um padrão humano incessante atualização. Meus conhecimentos a respeito da
pelo espírito público e pela coragem cívica, numa vida de pro-
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psicose-maníaco-depressiva e as leituras de emergência não sa- zando e analisando a teoria, expondo a prática, resolvendo a "'' ""'"" Fddec•\
tisfaziam ao empenho de fazer boa figura no júri. Amor próprio problemática médico-legal. Assim faz quem traz a cultura na
ou amor ao dever? Cumpria-me honrar a adversidade de um própria cabeça e não a subtrai, nas emergências, dos cofres que
"rival da lei", isto é, um dêsses advogados prestidigitadores que guardam a cultura dos outros: as estantes. E tudo simples,
convertem palavras em alvarás de soltura. Na questão êle tinha claro, acessível, como a voz da ciência. Se o ouvinte médio
a seu favor o parecer médico-legal. não entende o cientista, então êste priva a palavra de sua fun--
Pedi esclarecimentos psiquiátricos a Juliano Moreira, me,- ção. Será língua morta. Fala dificil quem não aprendeu o
tiço que ensinava a arianos na casa dêles. Juliano era, ao
bastante para passar as essências no liquidificador pedagógico.
Não é preciso "vulgarizar", como as "seleções", três vêzes fu-
mesmo tempo - coisa rara! - o mais popular e o mais sábio de
nossos psiquiatras. :E:le preferia a velha designação de alienis• nestas, porque desvirtuam, porque mercantilizam e porque des-
ta. Recordo-o de braços cruzados à altura do peito. Olhos nacionalizam.
exorbitantes. . . Nêle, êste lugar comum servia à realidade ana- Nossa amizade, constantemente praticada, só era efusiva na
tômica. Arregalavam-se na transfixação onividente, como a franqueza das divergências. Poupávamos os gestos e as pala-
"observar". Concordava sempre com o "paciente", balançando, vras do travesti galante, de corpo presente e alma ausente, em
resolutamente, a cabeça. Juliano indicou-me a tradução espa- que os hipócritas procuram parecer bonzinhos e amávet~. Ma:,,
nhola do livro de Bleuler. O mestre não pensou em minha falta nós nos queríamos muito, na recíproca sinceridade até dos cho-
de base e, sobretudo, na concepção sectária e na terminologia ques. Nestes entravam apenas idéias, aspirações, meios, modos,
peculiar do psiquiatra alemão. Então, eram italianas e francesas rumos e jamais pessoas. Entre homens prôpriamente ditos os
as fontes dos bacharéis em Medicina Legal. Recorri a outros compromissos sentimentais não arrendam a varonilidade. Eu
especialistas. Mas, certamente, seu excesso de saber não per- costumava dizer--Ihe, depois das incessantes discussões, até no
mitia que eu aproveitasse tantas luzes. "manicônibus", como êle chamava o automóvel do diretor do
Dizia-se que Juliano Moreira votara a favor de todos os Manicômio .Judiciário: - Amizade, Carrilho, precisa de adubo,
pedidos de livramento condicional, indulto e comutação. Como e adubo bom é... Lamento não poder escrever a palavra vigo-
relator, não emitira um só parecer contrário. Certa vez, depois rosa e honesta, limitando-me a reticências, eufemismo gráfico.
de mencionar, com a habitual lisura, os péssimos antecedentes Quando Carrilho adoeceu para morrer, eu não podia ver o
e conduta carcerária do liberando, que não dispunha de trabalho, desmoronamento daquele "carrilhão". Covardia? Egoísmo? Era
a gravidade do crime e tudo o mais no mesmo estilo da pen- assim que o chamava. E com despercebida felicidade, tais as
curiosidade, hesitou. Cândido Mendes perguntou: "Qual o seu convibrações para a alegria, a bondade, a esperança que lhe de-
parecer"? E Juliano: "Sou a favor. É mais desgraçado do que vem doentes, alunos, subordinados, colegas, amigos. Fugi à sua
os outros". convivência. Minha revelia no Conselho Penitenciário, imposta
5. Como obter, pelo menos, trabalhos assimiláveis sôbre pela querida incapacidade de simular e dissimular, facilitava a
o período médico-legal do quadro nosológico? É o único que separação. É que os encontros com Heitor Carrilho passaram
interessa â responsabilidade. a ser um mal para ambos, sobretudo para êle. Da última vez,
no meio da rua, nós nos confundimos no estatelamento e na
O amigo, que me apresentou a Heitor Carrilho numa livraria, gagueira interjeitiva. Foi um prodígio de comunhão, como se
estava longe de imaginar a oportunid_ade daquela aproximação. eu adotasse "a doença até na disartria e na atonia. Repeti, não
Começamos a conversar. Carrilho relembrou que devia o seu sei quantas vêzes, abraços, apertos nas mãos, nos braços. Sua
primeiro emprêgo ao meu tio e sogro Tavares de Lyra, ex-Mi- cabeça caiu sôbre o meu ombro. :E:le soluçava. E eu repre-
nistro da Justiça, de quem falou reconhecidamente. Gratidão. sava os lábios, mas a torrente pulou pela janela dos olhos. Não!
Diante de meu pedido de esclarecimento e informação, alegou Não pude mais. Como suportar aquêle sofrimento que extre-
falta de autoridade. Modéstia. Dada a minha insistência, mava a aflição ao aflito, no desespêro do autodiagnóstico? Fal-
deu-me uma aula. Sabedoria. Grato, modesto e sábio, e â tou-me, talvez, a coragem (ou a insensibilidade?) e não a ternura,
primeira visita. Carrilho falou sôbre psicose, ali mesmo, sinteti• sempre desajeitada e pudica, por isso que sincera, e não a devo-
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ção de que lhe dei provas dificeis em horas incertas. Ternura Noutro lugar, estudarei os principais aspectos da obra de
não é mímica, não é verbo. Há mais amor na sutileza e no Heitor Carrilho, como professor, clínico, perito, legislador, "juiz",
recato de uma ação de defesa, assistência, desagravo do que em administrador, doutrinador. . . Escolherei, aqui, alguns pontos
tõdas as poesias, em todos os discursos glicosados. Os que mais familiares à minha observação.
usam o sentimento apenas para alivio glandular não passam da
liturgia, da convenção, do desabafo. Quando cedemos a subs- Levei os meus alunos várias vêzes para ouvir suas aulas
tâncias afetivas estas aprofundam a sua autenticidade até a dieta práticas no Manicômio Judiciário e considerava-me, com orgu-
das aparências e o sacrifício das incompreensões. Os insensí- lho convicto, mais um discípulo. O legislador trai-me na co-
veis, ou os sensíveis para o assomo epidérmico, êstes transitam autoria do anteprojeto do Código Penitenciário. O juiz, em
de "um minuto de silêncio" ao ruído do tempo profanado. Para sentido magno, operando no Conselho Penitenciário, emancipava-
mim era insuportável a ruína daquele cérebro que brilhou tão se, a meu ver demais, pois se, como dizia, "não tinha compro-
densamente e tão perdulàriamente serviu. Heitor Carrilho era missos com a lei" na ordem funcional, mantinha com a coletivi-
inteligente, também, de coração, para receber a mensagem que dade, e cumpria, os deveres de indivíduo e de cidadão. Seu
o melhor dos emissários murmurou aos seus ouvidos de confiden-- drama era o conflito entre tais deveres e os do cientista, os do
tes nato: ":Sle não tem coragem de ver você assim". Era sofrer e ser humano que, na sua consciência, prevaleciam ao contraste
fazer sofrer. Justamente a superexação do sentimento repelia o profundo, minucioso, sincero. Do trabalho O SUIC!DIO FRUS-
trivial mundano, evitando o paroxismo emocional que os bem TRO E A RESPONSABILIDADE DOS CRIMINOSOS PAS-
educados, os convenientes "reparam" como fora do "tom". As SIONAIS (Rio, 1935) consta uma das minhas réplicas a Heitor
reminiscências pessoais ainda estão no coração. O intento crí- Carrilho. Vêde, também, os ARQUIVOS DO MANICôMIO
tico há de sofrer a contaminação sentimental. O tempo não su- JUDICIARIO DO RIO DE JANEIRO, 1939.
primirá, porém serenará e organizará no fundo da alma as lem-- Do administrador diz o Manicômio Judiciário, que êle vin-
branças hoje exaltadas e caóticas. Mas a agudeza da saudade culou à melhor projeção internacional de nossa Pátria. Nao
não prejudica cs traços que, desde já, comportam a elaboração realizou o seu sonho - as novaS instalações, a casa de custódia
histórica. e tratamento - mas parecia satisfeito com os últimos cuidados -
Em aulas e colóquios, em seminários e pesquisas, em sessões a assistência social, a liberdade vigiada, o colegiado de peritos
e até na ~apa do órgão oficial da Sociedade B'rasileira de Cri- para as· trocas de estudos e pesquisas. Do doutrinador, ouvido
minologia, na tribuna da Sociedade Psiquiátrica, Neurologia e com respeito nos congressos internacionais, e seguido entre nós
Medicina Legal, venho transmitindo a colheita de uma intimidade como o traço de união entre a Medicina e o Direito, está, em
que mais contribuiram para a minha fé no ser humano e a minha essência, na coleção dos Arquivos do Manicômio Judiciário e na
esperança na sociedade. Êle não dividiu a personalidade e do órgão oficial da Sociedade Brasileira de Criminologia ( 2• e
adotou o mesmo padrão, na casa e na praça, como homem par- 3<' fases) .
ticular <los mais felizes e devotados que conheci, e como homem Posso afirmar a evolução de Carrilho para maior flexibili-
público, um pouco descrente e, por isso, transigente. Entretan- dade ante a influência do fator social, não sã da criminalidade,
to, conservou o ideal, na pureza de suas inquietações científicas como da prôpria loucura, e a tomada de conhecimento do conflito
e de seus anseios humanitários. filosófico criado pelo determinismo biológico. Êle não estava
Devo recordar a prova de superioridade e lealdade que me longe de distinguir imputabilidade de responsabilidade, o bioló-
deu Heitor Carrilho, ao publicar meus pareceres e artigos contra gico e psicológico do social e jurídico.
sua orientação. Êle sabia que a variedade dos caminhos e das Eram cada vez mais reduzidas as faixas de divergências e
marchas aplicava--se ao mesmo fim social e humano. Por isso, já nos abraçávamos no combate comum ao tecnicismo jurídico e
a 1 de novembro de 1948, oferecia-me uma fotografia do Mani- às desvirtuações do positivismo.
cômio Judiciário com esta dedicatória: "Para Roberto Lyra, esta
fotografia de uma Casa que tem merecido a sua melhor simpatia
e o seu sincero aprêço".