Você está na página 1de 7

03/11/2021 22:28 FIGURATIVIDADE – DA RETÓRICA À SEMIÓTICA

FIGURATIVIDADE – DA RETÓRICA À SEMIÓTICA .


(Figurativity – from Rethoric to Semiotics)

Maria de Lourdes Ortiz Gandini BALDAN (FCL – UNESP – Araraquara)

ABSTRACT: This study examines the ideas of Roman Jakobson about the notions
of metaphor and metonymy, and theirs advantages to understand the ideas of Claude
Zilberberg about intensivity and extensivity.

KEYWORDS: metaphor; metonymy, extensivity, intensivity, figurativity.

A Retórica, juntamente com a Gramática e a Dialética, sustentou os projetos


pedagógicos e uma espécie de receituário das artes de bem falar, argumentar e
convencer, desde Aristóteles, Cícero e Quintiliano. Mais tarde, ela deixa de ser uma
disciplina escolar para transformar-se em matéria subsidiária da Literatura, limitada
ao campo das manifestações discursivas trópicas ou “desviadas”, apêndice da arte de
bem escrever. Entre um e outro tempo, a retórica nunca deixou de existir, dentro e
fora da escola, passando da pedagogia para a política, da antropologia para a
lingüística, da psicanálise para o senso comum, da filosofia para a teoria da literatura
ou da semiologia à semiótica. De um ou de outro ponto de vista, postula-se que os
discursos sociais são retoricizados, guardando nas marcas de suas figuras o conflito
intertextual entre o dito e o interdito, o sentido autorizado e o subversivo, o sentido
próprio e o adquirido.
As figuras retóricas consideradas fundamentais variam em número e nome,
quer se fale da Antigüidade aristotélica ou do século XIX. É Roman Jakobson quem
reduz todos os metassememas nas figuras arquitrópicas da metáfora e da metonímia.
Encontramos reflexões sobre esse assunto em trabalhos diferentes, de
diferentes épocas do desenvolvimento do pensamento de Roman Jakobson. Mas é
em seu trabalho de 1956, “Dois Aspectos da Linguagem e Dois Tipos de Afasia”[1],
que o autor reserva uma atenção especial ao assunto. Nesse trabalho, Jakobson
estuda, descreve e classifica os problemas afásicos a partir da alteração de
determinados aspectos da linguagem. Através dos conceitos de seleção e
combinação, aproveitados de Saussure, o autor estuda o que chamou de dois eixos da
linguagem. Para compreendê-los, é preciso aceitar que nenhum elemento, nenhum
dado possui um sentido em si mesmo: um único elemento não forma estrutura, não
possui função lingüística. A forma e o sentido de um elemento semiótico lhe são
atribuídos pelos outros elementos com os quais ele se associa paradigmaticamente
em nossa competência e sintagmaticamente pela proximidade com outros elementos

www.gel.hospedagemdesites.ws/estudoslinguisticos/volumes/32/htm/comunica/cc053.htm?/estudoslinguisticos/volumes/32/htm/comunica/cc053.… 1/7
03/11/2021 22:28 FIGURATIVIDADE – DA RETÓRICA À SEMIÓTICA

em dado contexto. O autor chamou os eixos de polos metafórico e metonímico. Diz


o autor:

O desenvolvimento de um discurso pode ocorrer segundo duas linhas


semânticas diferentes: um tema ( topic) pode levar a outro quer por similaridade,
quer por contigüidade. O mais acertado seria talvez falar de processo metafórico no
primeiro caso, e de processo metonímico no segundo caso, de vez que eles
encontram sua expressão mais condensada na metáfora e na metonímia
respectivamente.(Jakobson,1975: p.55)

O papel de Jakobson nesse estudo é o de mostrar , entre outras coisas, as


noções de metáfora e metonímia como caracterizadoras de diferentes tipos de
discurso e não apenas como figuras de palavras ou frases. O uso da interação entre
relações de similaridade e relações de contiguidade na literatura é pensado pelo
pesquisador para explicar determinadas formas em que um ou outro desses dois
polos cardeais pode prevalecer. Na poesia lírica, por exemplo, predominam as
construções metafóricas enquanto que na epopéia heróica o processo metonímico é
preponderante.
O autor vai mais longe quando chega a pensar uma espécie de historiografia
literária pela predominância de algum dos tropos:

O primado do processo metafórico nas escolas romântica e simbolista foi


sublinhado várias vezes, mas ainda não se compreendeu suficientemente que é a
predominância da metonímia que governa e define efetivamente a corrente literária
chamada de “realista”, que pertence a um período intermediário entre o declínio do
Romantismo e o aparecimento do Simbolismo, e que se opõe a ambos.(Jakobson,
1975:p.57)

Para Jakobson, as relações de contigüidade dominam a literatura realista, em


que os narradores realizam digressões metonímicas, percebidas tanto na intriga,
quanto nas marcações espaço-temporais ou na caracterização dos personagens. Os
pormenores sinedóquicos que o narrador vai construindo e deixando entrever no
interior da narrativa formam uma rede de relações percebidas na organização da
sintagmaticidade e definidoras, por isso mesmo, das categorias às quais os traços
pertencem.
Não é apenas a literatura que vê aparecer em seu sistema a predominância
alternativa de um ou de outro desses dois processos. Na pintura, por exemplo, pode-
se notar, segundo Jakobson, a orientação manifestadamente metonímica do Cubismo,
que transforma o objeto numa série de sinédoques, enquanto os pintores surrealistas
reagem com uma concepção visivelmente metafórica. O cinema também é um bom
exemplo de montagens metonímicas ou de fusões metaforicamente superpostas.

www.gel.hospedagemdesites.ws/estudoslinguisticos/volumes/32/htm/comunica/cc053.htm?/estudoslinguisticos/volumes/32/htm/comunica/cc053.… 2/7
03/11/2021 22:28 FIGURATIVIDADE – DA RETÓRICA À SEMIÓTICA

O estudo dos tropos e das figuras como procedimentos poéticos permitiu


que se pense em poemas ou em prosas literárias como a realização dominante de um
ou de outro princípio. Conclui o autor:

O princípio de similaridade domina a poesia; o paralelismo métrico dos


versos ou a equivalência fônica das rimas impõem o problema da similitude e do
contraste semânticos; existem, por exemplo rimas gramaticais e antigramaticais,
mas nunca rimas agramaticais. Pelo contrário, a prosa gira essencialmente em
torno de relações de contigüidade. Portanto a metáfora para a poesia, e a
metonímia, para a prosa, constituem a linha de menor resistência, o que explica que
as pesquisas acerca dos tropos poéticos se orientem principalmente para a metáfora.
(Jakobson,1975: p.62)

Jakobson adverte que não se pode confundir a metaforicidade com a


poeticidade num paralelismo absoluto, nem tomar uma pela outra. O mecanismo
metafórico está presente em todo tipo de discurso, em maior ou menor grau de
profundidade.
Edward Lopes em seu trabalho sobre a metáfora[2], faz um estudo muito
rigoroso sobre os mecanismos de construção da comparação, da sinédoque, da
metonímia e da metáfora, partindo da Retórica Antiga e chegando à semiótica
greimasiana tal como se encontrava na década de 80, data de seu livro. O trabalho de
Roman Jakobson tem o destaque merecido como um marco divisório entre o estudo
retórico das figuras e a concepção da metáfora e metonímia como processos
constitutivos do discurso. Enquanto para a Retórica, a figura representava o tropo
resultante da realização de um desvio eufórico, refuncionalizante, na cadeia do
discurso, para a Semiótica esse termo denomina a relação de correspondência
possível ( por algum tipo de equivalência) entre as imagens ocorrenciais de um
discurso e as imagens-tipo de um código figurativo que os discursos todos de uma
cultura constróem e que funciona como um arquivo virtual , definidor de uma
cultura, de um gênero de discurso.
O conceito de figuratividade, chegou à semiótica por via da teoria estética
que opõe, como sabemos, a arte figurativa à arte não-figurativa ou abstrata. Sugere a
noção aristotélica de mimeses, de imitação do mundo pela disposição das formas
numa superfície. Para a semiótica, o conceito de figuratividade foi estendido a todas
as linguagens, tanto verbais quanto não verbais, para designar esta propriedade que
as linguagens têm em comum de produzir e restituir parcialmente significações
análogas às de nossas experiências perceptivas mais concretas, de produzir o efeito
de sentido que remete à noção de efeito de real tal como Barthes a formulara ou
ilusão referencial tal como a teoria literária tem tratado a questão.[3]
A figuratividade de um texto não nos remete apenas a uma imagem do mundo,
reconhecível como objeto, de um tempo e espaço mais ou menos definidos,

www.gel.hospedagemdesites.ws/estudoslinguisticos/volumes/32/htm/comunica/cc053.htm?/estudoslinguisticos/volumes/32/htm/comunica/cc053.… 3/7
03/11/2021 22:28 FIGURATIVIDADE – DA RETÓRICA À SEMIÓTICA

representando de maneira mais ou menos sutil os valores veiculados pelo texto: ela
nos remete também a uma classificação mais geral de discursos, nos fazendo
“reconhecer” um conto popular, um texto publicitário, um fragmento religioso ou um
poema. A figuratividade pode possibilitar uma primeira grande oposição entre os
discursos: os discursos abstratos, tais como os discursos científicos, filosóficos e os
discursos figurativos, tais como os da fala cotidiana ou os literários. Cada um deles
organiza a sua persuasão de um modo específico, pedindo de seu enunciatário uma
interpretação também específica. A argumentação construída pelo discurso científico
trabalha com a racionalidade dedutiva e demonstrativa que articula causas e
conseqüências, hierarquias, relações lógicas entre as partes e o todo, etc. Já no
discurso da parábola, por exemplo, a argumentação que nele se enuncia só pode ser
dita em termos concretos e sensíveis, como que por uma catacrese generalizada: ela
apela assim à assunção dos ouvintes, sem transitar pelo raciocínio lógico, sem adotar
seus códigos nem suas estratégias de persuasão. A verdade que se supõe contida no
discurso parabólico não pode ser compreendida, no sentido racional da palavra - ela
tem de ser literalmente incorporada pelos ouvintes que a assumem e a incorporam.
Todos esses fazeres – o persuasivo do enunciador e o interpretativo do enunciatário –
constituem um código de expectativas, elaborado e praticado no exercício da
linguagem e da cultura em que estamos inseridos. A figuratividade pode ser um
ótimo objeto/ponto de verificação da diferença de expectativa gerada por cada um
dos diferentes tipos de discurso. Ela se baseia, fundamentalmente, a partir do regime
da veridicção - jogos de verdade que cada discurso estabelece no seu interior,
“dizendo” para o seu enunciatário o que se pode esperar : efeito de “realidade” ou de
“surrealidade” ou de “irrealidade”, e assim por diante.
A figuratividade, sozinha, não consegue definir um tipo de discurso, mas os
procedimentos empregados na sua construção podem dar a cada um dos tipos de
discurso a sua identidade, a sua “personalidade”. Na literatura, a figuratividade
concorre com os procedimentos especificamente literários que provocam o efeito
artístico esperado. Construída pelos procedimentos da metáfora e da metonímia, a
figuratividade carrega as marcas de definição de gênero e concorre para os efeitos
tensivos e aspectuais do literário.
Para Claude Zilberberg[4], a inteligibilidade das figuras surge do que ele
chama de ponto de vista esquemático, o único que permite iluminar a dimensão
coesiva da metáfora. Se o esquema (Kant) permite passar do conceito para a imagem
e controlar a segunda por meio do primeiro, o esquematismo tensivo vai da
intensidade para a extensidade, trabalhando o trânsito entre uma categoria e outra. O
autor propõe a esquematização como uma dinâmica intercategorial, uma busca de
equilíbrio entre as morfologias da intensidade e da extensidade. Lembrando, com
Hjelmslev, de que o paradigmático e o sintagmático se condicionam reciprocamente,
o autor estuda essa interdependência e essa interação, trabalhando com os funtivos
tônico e átono para a intensidade e com os funtivos concentrado e difuso para a

www.gel.hospedagemdesites.ws/estudoslinguisticos/volumes/32/htm/comunica/cc053.htm?/estudoslinguisticos/volumes/32/htm/comunica/cc053.… 4/7
03/11/2021 22:28 FIGURATIVIDADE – DA RETÓRICA À SEMIÓTICA

extensidade . A metáfora e metonímia, então, aparecem correlacionadas com os


conceitos de intensidade-tempo e extensidade-espaço, respectivamente . Para dar
conta da continuidade e da complexidade na geração do sentido, a introdução do
esquematismo tensivo permite explicar o passo de uma posição à outra, quer seja
contrária, contraditória ou complementar, sem romper a continuidade , sem atentar
contra a complexidade
Renata Marchezan, em recente estudo sobre a metáfora[5], utiliza-se dos
conceitos de Fontanille e Zilberberg quando percebe na geração da metáfora a
concorrência de duas forças em tensão: uma força dispersiva, polifônica, que irradia
diferentes vozes sociais, que se estranham e marcam a presença do discurso do outro,
e uma força aglutinadora, um esforço monofônico, que promove uma tentativa de
síntese conciliadora das diferentes vozes em tensão, reconhecendo entre eles uma
continuidade. Encena-se, no processo de figurativização, uma tensão entre agregação
e desagregação, identidade e alteridade.
Esses conceitos, enfeixados, podem promover um avanço nas pesquisas
sobre a figuratividade, no nível discursivo do percurso gerativo de sentido. Os
valores que o discurso veicula recebem um investimento figurativo que se constrói
ora por um esforço de aglutinação de semas nucleares, ora por um esforço de
dispersão de semas contextuais .A intensividade como força aglutinadora é
responsável pelo mecanismo de metaforização, construído em processo de
substituição de um paradigma por outro, mantendo-os em tensão constante. A
extensividade como força dispersiva é responsável pelo mecanismo da
metonimização, construído em processo de justaposição de sintagmas.
Também o estudo das formas literárias – com tendência ao poema ou à
prosa – podem se beneficiar da comparação dessas idéias. O efeito sintético do
poema, de intensividade, deve-se às relações aglutinadoras de traços nucleares,
construídos por metaforização, enquanto que o efeito linear da prosa, de
extensividade, deve-se às relações dispersivas entre traços contextuais, construídos
por metonimização.
Interrogar, diante da figuratividade, não só o que as figuras podem dizer,
mas, acima de tudo, como os processos figurativos fazem para provocar o efeito de
sentido que provocam é a tarefa dos semioticistas de hoje. Desmontar as metáforas
para conhecer-lhes o funcionamento, reunir os rastros metonímicos para completar a
imagem pretendida são tarefas que o estudo da literatura impõe. Tarefa difícil, diante
da complexidade de idéias que circula nesse universo; tarefa inadiável, diante da
condição de metáfora do mundo em que vivemos.

RESUMO: Este estudo examina as idéias de Roman Jakobson sobre metáfora e


metonímia e o aproveitamento delas para a compreensão das noções de intensidade e
extensidade em Claude Zilberberg.

www.gel.hospedagemdesites.ws/estudoslinguisticos/volumes/32/htm/comunica/cc053.htm?/estudoslinguisticos/volumes/32/htm/comunica/cc053.… 5/7
03/11/2021 22:28 FIGURATIVIDADE – DA RETÓRICA À SEMIÓTICA

PALAVRAS-CHAVE: metáfora; metonímia; intensidade; extensidade;


figuratividade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERTRAND,D. – Précis de Sémiotique Litteraire. Paris: Editions Nathan HER,


2000.
JAKOBSON, Roman – Lingüistica e Comunicação. São Paulo: Cultriz, 1975.
LOPES, Edward – Metáfora – da Retórica à Semiótica. São Paulo: Atual, 1986.
MARCHEZAN,R.C. – O jogo metafórico. Estudos lingüísticos – Gel- Grupo de
Estudos Lingüísticos do Estado de São Paulo. Universidade do Sagrado Coração.
Bauru/SP, 1999.
ZILBERBERG, Claude – Aproximación esquematica a la retórica. Ensayos sobre
semiótica tensiva. Peru: Fondo de Cultura Económica/Universidad de Lima, 2000.

www.gel.hospedagemdesites.ws/estudoslinguisticos/volumes/32/htm/comunica/cc053.htm?/estudoslinguisticos/volumes/32/htm/comunica/cc053.… 6/7
03/11/2021 22:28 FIGURATIVIDADE – DA RETÓRICA À SEMIÓTICA

[1] Publicado inicialmente em inglês. A versão que temos foi traduzida para o
francês por Nicolas Ruwet em Essais de Linguistique Générale. Paris: Éditions de
Minuit, 1963. Tradução brasileira de Izidoro Blikstein e José Paulo Paes em
Lingüística e Comunicação. São Paulo: Cultrix,1975.
[2] Metáfora: da retórica à semiótica. São Paulo: Atual, 1986.
[3] Para um estudo recente sobre a questão, consultar : BERTRAND, D. – Précis de
Sémiotique Litteraire. Paris: Éditions Nathan HER, 2000.
[4] “Aproximación esquematica a la retórica”. In: Ensayos sobre semiotica tensiva.
Peru: Fondo de Cultura Económica /Universidad de Lima, 2000.
[5] Conferir nas referências bibliográficas.

www.gel.hospedagemdesites.ws/estudoslinguisticos/volumes/32/htm/comunica/cc053.htm?/estudoslinguisticos/volumes/32/htm/comunica/cc053.htm 7/7

Você também pode gostar