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ENSINO MÉDIO

PRÉ-VESTIBULAR

POR
4
COLEÇÃO PV
Copyright © Editora Poliedro, 2022.
Todos os direitos de edição reservados à Editora Poliedro.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal, Lei 9.610
de 19 de fevereiro de 1998.
ISBN 978-65-5613-198-6

Presidente: Nicolau Arbex Sarkis


Autoria: Andréa Gomes de Alencar, Edimara Lisboa, Maria
Emília Martins, Marina Oliveira Félix de Mello e Thiago Jorge
Ferreira Santos
Edição de conteúdo: Juliana Grassmann dos Santos,
Ana Paula Enes, Bruno Ferreira de Freitas, Julia da Rosa Silva,
Letícia Mariane da S. Paiva, Letícia Morais Dantas de Castilho
e Mariana Castelo Queiroz Toledo
Edição de arte: Christine Getschko, Alexandre Bueno,
Bruna H. Fava, Daniella de Romero Pecora, Jaime Xavier,
Lourenzo Acunzo e Nathalia Laia
Design: Adilson Casarotti
Licenciamento e multimídia: Leticia Palaria de
Castro Rocha, Danielle Navarro Fernandes e Vitor
Hugo Duarte Medeiros
Revisão: Daniel de Febba Santos, Bianca da Silva Rocha,
Bruno Freitas, Eliana Gagliotti, Ellen Barros de Souza,
Ingrid Lourenço, Sara Santos, Sárvia Martins e Thiago Marques
Impressão e acabamento: PierPrint

Crédito de capa: Marcio Jose Bastos Silva/Shutterstock.com

A Editora Poliedro pesquisou junto às fontes apropriadas a existência de eventuais


detentores dos direitos de todos os textos e de todas as imagens presentes nesta
obra didática. Em caso de omissão, involuntária, de quaisquer créditos, colocamo-nos
à disposição para avaliação e consequentes correção e inserção nas futuras edições,
estando, ainda, reservados os direitos referidos no Art. 28 da Lei 9.610/98.

Poliedro Sistema de Ensino


T. 12 3924 -1616
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Sumário

Frente 1
13 Sintaxe do período composto II ............................................................................................................................. 5
Construção das orações subordinadas, 6 Texto complementar, 25
Orações subordinadas substantivas, 7 Resumindo, 25
Orações subordinadas adjetivas, 12 Quer saber mais?, 26
Revisando, 15 Exercícios complementares, 26
Exercícios propostos, 18 BNCC em foco, 34

14 Sintaxe do período composto III .........................................................................................................................35


Orações subordinadas adverbiais, 36 Resumindo, 52
Revisando, 40 Quer saber mais?, 52
Exercícios propostos, 43 Exercícios complementares, 52
Texto complementar, 51 BNCC em foco, 62

15 Pontuação: emprego e efeitos de sentido ........................................................................................................63


A pontuação em textos, 64 Resumindo, 98
Revisando, 81 Quer saber mais?, 100
Exercícios propostos, 84 Exercícios complementares, 100
Texto complementar, 97 BNCC em foco, 112

16 Mecanismos gramaticais e coesivos nos vestibulares ..................................................................................113


Morfossintaxe do “que” e do “se”, 114 Resumindo, 133
Revisando, 118 Quer saber mais?, 133
Exercícios propostos, 122 Exercícios complementares, 134
Texto complementar, 132 BNCC em foco, 144
Frente 2
15 Século XX: novas identidades literárias .......................................................................................................... 145
Uma nova conjuntura regionalista, 146 Exercícios propostos, 160
Tendências da literatura contemporânea, 156 Texto complementar, 176
Concretismo: atualização da sensibilidade artística em face Resumindo, 177
do progresso material, 157
Quer saber mais?, 177
Neoconcretismo, 158
Exercícios complementares, 178
Poema-processo e poesia-práxis, 158
BNCC em foco, 192
Revisando, 159

16 Literatura contemporânea .................................................................................................................................. 193


A arte engajada dos anos 1960, 194 A opressão e a violência da vida urbana nos contos de
Rubem Fonseca, 198
Ferreira Gullar e a poesia participante, 194
O teatro brasileiro do século XX, 199
O Tropicalismo, 195
A literatura africana de língua portuguesa, 201
A poesia marginal e a “geração mimeógrafo”, 195
A prosa poética de Mia Couto, 202
Os diversos caminhos da invenção literária no século XX, 196
Misturando um e outro, os mestiços, 202
A ficção introspectiva de Lygia Fagundes Telles, 196
Revisando, 203
A bagagem lírica modernista de Adélia Prado, 197
Exercícios propostos, 206
A poesia do chão e as palavras em transe de
Manoel de Barros, 197 Texto complementar, 220
A crônica e as tendências neorrealistas no conto Resumindo, 220
brasileiro contemporâneo, 198
Quer saber mais?, 221
A crônica como gênero literário e seu mestre
Exercícios complementares, 221
Rubem Braga, 198
BNCC em foco, 234

Gabarito ........................................................................................................................................................................ 235


Museu de Belas Artes, Boston

FRENTE 1

CAPÍTULO Sintaxe de período composto II

13
O amor é um sentimento universal que se apresenta de diversas formas. Apesar de
sua grandiosidade, o amor – assim como tantos outros sentimentos –, por si só, não é
autossuficiente. Ele depende da existência de um ser, afinal, sem alguém que o sinta, o
amor simplesmente é nulo. Em nossa língua, sabemos que há sentenças complexas que
também evidenciam uma relação de dependência entre as orações que as compõem.
Essas orações são chamadas de subordinadas, ou seja, possuem sentidos incompletos
e, apenas na relação com outra oração, é que são semanticamente compreendidas.
Construção das orações subordinadas
O fragmento a seguir faz parte de uma entrevista realizada pelo cineasta Fernando Meirelles com o ambientalista e
líder indígena Ailton Krenak. Leia-o e observe as construções das sentenças que compõem o texto.

Ailton Krenak: por que não conseguimos olhar para o futuro?


No último ano, todos pararam para ouvir Ailton Krenak. A voz do líder indígena, que há décadas alerta para a destruição
do planeta em nome do desenvolvimento, nunca fez tanto sentido. “A pandemia mostrou que a ideia de governar o mundo está
vencida. No meio da crise, esse pensamento convencido e orgulhoso começou a olhar em volta de si e falar: ‘Será que tem alguma
outra coisa pra gente pensar?’”, diz Krenak, um dos homenageados pelo prêmioTrip Transformadores 20/21. “Sair da caixinha,
na verdade, é porque a caixinha se desmanchou. Nós estamos todos nus.Talvez aquele espelho que os europeus trouxeram pra
trocar com a gente na praia tenha se invertido e agora eles estão vendo a sua própria cara, a cara do engano”.
[...]
Fernando Meirelles: A pandemia, que já matou um milhão de pessoas no mundo, é uma pequena onda perto do tsunami que
está vindo. A visão do que nos espera no futuro, com a crise ambiental, principalmente a crise do clima, é muito pessimista. Por
que a gente consegue parar o mundo durante a pandemia e não consegue sensibilizar as pessoas para uma crise, muito maior e
mais devastadora, que já está na nossa porta?
Ailton Krenak:Eu ouvi uma vez uma afirmação muito interessante: nenhum povo é capaz de interpretar o tempo que vive.
A crise é sempre um fenômeno não entendido pelas pessoas que sofrem suas consequências. Muitas das nossas práticas que já
estão se transformando antecipam as mudanças para essa piora que vamos viver. A gente ainda não viu que estamos mudando,
e às vezes isso cria muita angústia. Mas se sabemos que muita coisa está mudando, e nós também, a gente já está entrando num
campo da evolução. A revolução ficou para trás, agora estamos indo para a evolução. Mas essa evolução não supõe que todo
mundo vai para essa mudança. Ela pode supor, inclusive, que a maior parte desse “nós”, coletivo de humanos que exclui outros
seres vivos, pode desaparecer. Quem sabe uma amostra grátis do Homo sapiens vai compartilhar com outras espécies um mundo
para além das mudanças climáticas. A mudança climática é real, vai acontecer e vai desaparecer com um monte da gente. Um
milhão não é nada. Vão sumir bilhões de pessoas ao longo dessa crise.
[...]
Trip, 22 maio 2021. Disponível em: https://revistatrip.uol.com.br/trip-transformadores/ailton-krenak-por-que-nao-conseguimos-olhar-para-o-futuro.
Acesso em: 10 fev. 2022.

Por meio dessa entrevista, é possível conhecer as opiniões de Ailton Krenak sobre os desafios envolvidos na luta
contra a crise climática. No fragmento apresentado, observamos diferentes formas de construção das sentenças comple-
xas: umas evidenciando relações de dependência (com orações subordinadas) e outras, de independência (com orações
coordenadas). Observe o quadro.

Relação entre orações no período composto

conectivo que introduz a oração subordinada

Um fenômeno não entendido pelas pessoas que sofrem suas consequências.

orações com sentidos dependentes


oração matriz oração subordinada

conectivo que introduz a oração coordenada

A mudança climática é real, vai acontecer e vai desaparecer com um monte da gente.

sentidos independentes (orações coordenadas)

Em períodos compostos por subordinação, podemos observar que a sentença complexa é constituída de uma
oração que carrega o sentido fundamental, mas ainda incompleto, chamada de oração matriz (ou oração principal, de
acordo com a gramática tradicional), e de uma oração que é um termo da sentença complexa, completando o sentido
da oração principal, e é classificada como oração subordinada. Esta, quando em sua forma desenvolvida, é introduzida
por um elemento conectivo – no exemplo analisado, a conjunção integrante “que” tem a função de ligação. A oração
principal e a subordinada mantêm entre si uma relação de dependência, já que a oração principal depende da subor-
dinada semanticamente.

6 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 Sintaxe de período composto II


Saiba mais

As orações subordinadas podem ou não ser ligadas por um elemento conectivo – em geral, conjunção ou pronome. Quando
o conector é utilizado, dizemos que a oração é desenvolvida, do contrário, classificamos a oração subordinada como reduzida.

Estabelecendo relações

Orações subordinadas substantivas


Compare as sentenças a seguir e observe a função de cada fragmento destacado.

Flávia quer que a árvore floresça. oração subordinada substantiva

Flávia quer o florescimento da árvore. objeto direto (o núcleo é um substantivo)

Flávia quer isso. objeto direto (o núcleo é um pronome substantivo)

Na primeira sentença do quadro, observamos que a oração em destaque tem valor de substantivo, pois desempenha
a mesma função de um substantivo (florescimento) ou de um pronome substantivo (isso). Por esse motivo, orações como
“que a árvore floresça” são denominadas orações subordinadas substantivas.
Nas sentenças simples, são sete as expressões nominais que têm um substantivo como núcleo: sujeito, predicativo,
objeto direto, objeto indireto, complemento nominal, aposto e agente da passiva. Essas funções são consideradas ao
classificar as orações subordinadas substantivas.
Retomando as sentenças analisadas, percebemos que a oração “que a árvore floresça”, que integra o período com-
posto, completa o sentido do verbo “querer” e, por isso, exerce a função de objeto direto. Os termos em destaque nas
duas outras sentenças (período simples) também desempenham essa mesma função.

Atenção
FRENTE 1

As orações que têm função de objeto direto são chamadas de orações subordinadas substantivas objetivas diretas.

7
Elementos que ligam as orações subordinadas substantivas
Na sequência, observe que, entre as orações do primeiro período, foi utilizada a conjunção integrante “que” e, entre
as orações do segundo período, foi empregada a conjunção integrante “se”.
Flávia quer que a árvore floresça. Quero saber se você gostou do evento.

conjunção integrante que introduz a oração subordinada substantiva

Além de poder ser introduzida por uma conjunção integrante, a oração subordinada substantiva também pode ser
iniciada por pronomes interrogativos (“qual”, “quem”, “quanto”), por advérbios interrogativos (“como”, “onde”, “por que”,
“quando”) ou por advérbio de intensidade (“quão”).

Oração matriz Oração subordinada substantiva


qual música ouvir em dias difíceis.
quem pode nos ajudar em dias difíceis.
quanto alguém é capaz de nos ajudar em dias difíceis.
É importante saber como melhorar o astral em dias difíceis.
onde buscar ajuda em dias difíceis.
por que não devemos nos entregar em dias difíceis.
quando procurar ajuda em dias difíceis.
quão fortes somos em dias difíceis.

As orações subordinadas substantivas (O.S.S.) podem desempenhar função de sujeito, predicado, objeto direto, objeto
indireto, complemento nominal, aposto e agente da passiva, conforme veremos na sequência.

O.S.S. Subjetiva
Leia o fragmento do artigo de opinião “A criança em cada um de nós”, que fala sobre a criança interior que habita em
todos os seres humanos.
A criança é dotada de valores que normalmente deixamos para trás à medida que crescemos. Ela depende da proteção e
cuidados dos adultos ao seu redor para crescer em segurança e com saúde. É frágil, vulnerável, e essa condição impõe-lhe a
necessidade de confiar que receberá aquilo de que precisa, ter fé em que as coisas darão certo. É claro que nem sempre ela tem
satisfeitas todas as suas necessidades e desejos – a criança começa a se frustrar, o que é natural. Há momentos em que ela se vê
muito fragilizada, ferida e confusa, e então acessa a sua espontaneidade para “dar um jeito” na situação e sobreviver emocional-
mente, tocar sua vida em frente da melhor maneira que consegue. Mas fica marcada, muitas vezes cresce limitada a essa resposta
que espontaneamente criou numa situação de estresse ou ameaça, usando sempre a mesma estratégia em momentos em que se vê
acuada pela vida. E o adulto que surge daí tem dificuldades em enxergar que existem outras formas de resolver os problemas. [...]
SOARES, Juliana. A criança em cada um de nós. Ser em relação. Disponível em: https://seremrelacao.com.br/a-crianca-dentro-de-cada-um-de-nos/.
Acesso em: 10 fev. 2022.

No texto, a autora diz que a criança nem sempre tem suas necessidades e seus desejos atendidos. Observe a seguir
como se organiza estruturalmente o período, retirado do artigo, em que ela afirma essa ideia.

A oração matriz não possui sentido completo, e a ela falta um elemento fundamental: o sujeito da sentença. Assim, a
oração subordinada cumpre esse papel, ou seja, atua como o sujeito da sentença a que pertence.
Se for necessário, é possível transformar uma oração subordinada subjetiva em um sintagma nominal e colocá-lo no
início do período, onde geralmente o sujeito se localiza em sentenças com a ordem direta.

É óbvio o . é óbvio.

(O.S.S. Subjetiva) (sujeito)

8 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 Sintaxe de período composto II


A oração subordinada substantiva que funciona como Covid-19 é quase sempre maior do que entre homens brancos.
sujeito da oração matriz recebe o nome de subjetiva. Os homens negros, por exemplo, têm mais risco de morrer não
Em geral, expressões modalizadoras, como “é necessá- só em profissões de menor remuneração, que geralmente so-
rio”, “é discutível”, “está determinado”, “convém” e “sabe-se”, frem com maior exposição ao vírus, mas também em carreiras
compõem a oração matriz, evidenciando, respectivamente, que exigem diploma universitário. As mulheres negras têm risco
as ideias de necessidade, dúvida, obrigatoriedade, desejo de morte maior do que homens brancos em todas as profissões
e convicção. As subordinadas (em especial as subjetivas, que compõem a base da pirâmide social.
mas não somente elas) podem funcionar, portanto, como GUIMARÃES, Hellen; BUONO, Renata. Piauí, 4 out. 2021. Disponível em:
https://piaui.folha.uol.com.br/o-pais-onde-ser-negro-ou-mulher-e-uma-
estratégia argumentativa para marcar posicionamento. comorbidade/. Acesso em: 14 fev. 2022.

O.S.S. Predicativa Observe a sentença complexa a seguir, retirada da


notícia:
Observe que o fragmento em destaque na manchete
a seguir evidencia uma informação relacionada ao sujeito
do período composto.

Samanta Quadrado: “Meu desejo é que todas


as pessoas com deficiência intelectual sejam
incluídas”
Revista Quem, 19 jan. 2022.

Na oração matriz, encontramos o sujeito (“Meu desejo”)


e o verbo de ligação (“é”). Contudo, falta a ela o predicativo
Na oração matriz, temos a seguinte ideia: “Os pesqui-
do sujeito, sendo exatamente essa função que a oração
sadores apuraram”. Porém, falta a ela uma informação que
sublinhada desempenha na sentença. Portanto, orações
complete o sentido do verbo “apurar”, que, no contexto em
como essa recebem o nome de subordinadas substan-
análise, é evidenciada pela oração “quantos profissionais
tivas predicativas. Assim, a O.S.S. Predicativa exerce a
de cada área morreram na pandemia”.
função do predicativo do sujeito expresso na oração matriz.
Como a segunda oração tem função de objeto direto,
Veja a organização esquemática dessa sentença:
completando o sentido do verbo transitivo direto que está
na oração matriz, ela recebe o nome de oração subordi-
nada substantiva objetiva direta.

O.S.S. Objetiva Indireta


Leia o trecho de uma reportagem.
Hortas comunitárias resistem à urbanização em
São Paulo
Em geral, as orações subordinadas substantivas
Experiências promovem alimentação saudável e encontros
predicativas estão encaixadas em uma oração matriz for-
solidários
mada por sujeito + verbo de ligação. Por isso, é comum
Quem entra na Rua Marquês de Herval, na Vila Saúde, em
essas orações iniciarem com expressões como “O fato é”,
São Paulo, em princípio não vê nada de diferente. Mas em meio
“O certo será”, “A esperança é”, entre outras.
a casas e prédios, um estreito portão de ferro oferece passagem a
um oásis. O Bosque das Mandalas é uma das 273 hortas registra-
O.S.S. Objetiva Direta
das na capital paulista, segundo a plataforma Sampa Mais Rural,
Leia o excerto de notícia a seguir. da prefeitura. Mais que a produção compartilhada entre volun-
tários e moradores, as plantações são experiências comunitárias
O país onde ser negro ou mulher é comorbidade
que promovem alimentação saudável e encontros solidários.
O abismo entre as classes sociais no Brasil fez com que a “Já fizemos a feira. Levamos folhas de brócolis, almeirão,
pandemia atingisse em cheio os mais pobres. Mas, não bastasse serralha, capuchinha, que eu não conhecia, mas comi as flores,
isso, a chance de um brasileiro sobreviver à Covid-19 esteve
uma delícia, e a salada ficou muito bonita. Levei limão. Só de
atrelada, desde o começo, a seu gênero e sua raça. É o que
saber que é sem agrotóxico é bom demais”, afirma Vilma Souza,
demonstra um estudo da Rede de Pesquisa Solidária, baseado
67 anos, que é de Goiânia, mas está em São Paulo para passar
em dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM)
uma temporada com a filha. “Foi só assim que ela conseguiu me
do Ministério da Saúde sobre os óbitos por Covid registrados
convencer a vir. Eu adoro verde, mexer com a terra”, relata. Era o
em 2020. Os pesquisadores analisaram as informações de víti-
primeiro dia de Vilma no local. O espaço do Bosque das Mandalas
mas que tinham profissão registrada no cadastro do SUS. Com
é cedido pela empresa de energia (Enel), proprietária do terreno.
isso, apuraram quantos profissionais de cada área morreram na
FRENTE 1

[...]
pandemia, mas também quem eram essas pessoas – se eram
MACIEL, Camila. Agência Brasil, 24 jan. 2022. Disponível em: https://
homens, mulheres, brancos ou negros. O resultado mostrou agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2022-01/hortas-comunitarias-resistem-
que, entre grupos menos privilegiados, o risco de morrer de urbanizacao-em-sao-paulo. Acesso em: 4 mar. 2022.

9
A reportagem trata de uma ação que ocorre na Contudo, perceba que o adjetivo “convencido”, que
cidade de São Paulo: a criação de hortas urbanas. Nela, compõe o predicativo presente na oração matriz, carece
observamos o relato de uma cidadã – Vilma – que foi con- de complemento. O termo que aparece após esse nome
vencida a ir até a capital paulista depois que sua filha falou preenche essa lacuna de sentido, exercendo a função
sobre a horta comunitária. de complemento nominal. As orações que têm essa fun-
Ao analisar a sentença a seguir, perceberemos que a ção são chamadas orações subordinadas substantivas
oração subordinada completa o sentido do verbo transitivo completivas nominais, já que estão encaixadas na oração
indireto “convencer”, exercendo a função de objeto indireto. matriz e completam o sentido de um nome.
Vale destacar que a oração “para investir no Brasil”
(que aqui não foi analisada) estabelece uma relação de
finalidade, modificando o adjetivo “certa”, presente na ora-
ção subordinada. No próximo capítulo, trataremos, mais
especificamente, sobre esse tipo de oração.

O.S.S. Apositiva
Leia o miniconto a seguir.
Como a oração encaixada assume na sentença a fun-
ção de objeto indireto do verbo presente na oração matriz,
No chute
Posso dizer que estou com problemas em casa.
ela é nomeada como oração subordinada substantiva
Posso dizer que estive muito ocupada ajudando uma ONG
objetiva indireta. e não sobrou tempo pra estudar.
Vale destacar que, assim como ocorre no período sim- Posso dizer que tenho déficit de atenção e não consigo
ples que tem um objeto indireto, a preposição é obrigatória, me concentrar.
uma vez que completa o sentido de um verbo transitivo Posso até dizer que meu irmão menor sumiu com o meu
indireto. Por esse motivo, na sentença complexa analisada, livro e minhas anotações.
encontramos a preposição “de”. Só não posso dizer a verdade: que colei da pessoa errada.
PIRILLO, Marília. 60 contos diminutos.
O.S.S. Completiva Nominal São Paulo: Gaivota, 2012. p. 45.

O título de notícia a seguir destaca uma afirmação dita No texto, os quatro primeiros parágrafos trazem possí-
pelo economista Ricardo Amorim. Veja: veis desculpas para explicar um resultado insatisfatório em
uma avaliação. No entanto, é apenas no final do miniconto
Ricardo Amorim: “Estou convencido de que esta que compreendemos o que, de fato, ocorreu: o narrador
é a hora certa para investir no Brasil” confessa que colou de outra pessoa.
Economista e apresentador do Manhattan Connection foi Veja como se constituem os elementos dessa última
uma das atrações do primeiro dia do Innova Summit sentença:
MOURA, Gabriel. Correio, 4 out. 2019.

Vimos que os objetos diretos e indiretos atuam como


complementos do verbo. Há, no entanto, situações em que
o nome (substantivo abstrato, adjetivo e advérbio) também
precisa de complemento. Na sentença simples, o termo que
tem essa função é denominado complemento nominal.
Observe, no quadro, como podemos analisar a pre-
sença desse termo em sentenças complexas.
Na composição da oração matriz, percebemos que o
sujeito “eu” está oculto (“[eu] só não posso dizer a verda-
de”) e que os termos que constituem essa oração inicial
estão todos presentes, gerando uma completude de sen-
tido. No entanto, a sentença não se encerra nesse ponto,
pois, após a expressão “a verdade”, não há ponto-final, mas
sim dois-pontos. A oração seguinte (“que colei da pessoa
errada”), então, relaciona-se com a primeira, trazendo uma
explicação sobre qual seria a verdade referida na oração
matriz. Desse modo, temos uma segunda oração encaixada
Ao declarar sua confiança sobre o momento certo para na primeira, de forma a elucidar uma informação.
um investimento no Brasil, o economista não expressa o Em sentenças simples, o termo da oração que tem a
pronome “eu” de forma explícita. Essa informação é de- função de especificar ou explicar um termo antecedente é
preendida a partir do uso do verbo “estou”, na a pessoa chamado de aposto. Já em sentenças complexas, o termo
do singular. Assim, o sujeito da oração matriz está oculto, que exerce função semelhante recebe o nome de oração
portanto, existe. subordinada substantiva apositiva.

10 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 Sintaxe de período composto II


O.S.S. Agente da Passiva
Leia a notícia a seguir, que evidencia a criação de uma plataforma eletrônica que possibilita acesso rápido à informação
por parte das empresas que atuam no mercado de energia.

Nimbus Tecnologia lança plataforma completa para comercialização de energia


Criada pela Tesla Energia e com atuação independente da comercializadora, empresa de tecnologia cria ferramenta para
otimizar recursos dos usuários
As empresas que atuam no mercado de energia poderão contar com uma ferramenta capaz de suprir as necessidades e
demandas por acesso a informações essenciais às suas tomadas de decisão com o lançamento, pela Tesla Energia, do NIMBUS,
plataforma eletrônica de inteligência de mercado. A ferramenta é a evolução de uma funcionalidade inicialmente criada para
atender às necessidades internas da Tesla.
[...]
Segundo Sérgio Moraes, sócio-diretor da Tesla Energia, muito antes da pandemia de Covid-19, a empresa já convivia com
o trabalho remoto, com sócios residentes em vários pontos do país e mesmo no exterior, o que exigia atuação em ambientes de
relacionamento virtual e ferramentas onde se pudessem reunir as principais informações num só sistema.
Ainda que à distância, os sócios da companhia precisam trocar muitas informações ao longo dos dias. O Nimbus foi criado
para atender a esse quadro. [...]
Canal Energia, 30 nov. 2020. Disponível em: www.canalenergia.com.br/noticias/53155869/nimbus-tecnologia-lanca-plataforma-completa-para-comercializacao-
de-energia. Acesso em: 8 fev. 2022.

Observe abaixo como se organiza uma sentença formulada com base no texto.

A sentença complexa foi construída na voz passiva. Por esse motivo, percebemos a presença de um sujeito pacien-
te (que sofre a ação), de uma locução verbal e de um termo que demarca quem realiza a ação expressa pelo verbo.
Se essa fosse uma sentença simples, classificaríamos como agente da passiva o termo que evidencia o responsável
por executar a ação verbal. No entanto, na sentença analisada, temos mais de uma oração: a primeira é a oração matriz,
na qual vemos encaixada a segunda, que exerce a função de agente da passiva. Por ter o mesmo propósito do agente
da passiva, a ela dá-se o nome de oração subordinada substantiva agente da passiva.
Esse tipo de oração apresenta a seguinte estrutura: preposição “por” ou “de” seguida por pronome indefinido
(“quem”, “quantos”, “qualquer” etc.). É exatamente isso que observamos na sentença analisada: “ já atua
no mercado”.

Saiba mais

Orações subordinadas substantivas reduzidas


Até o momento, analisamos diversas orações subordinadas introduzidas por conectivos (“que”, “por quem”,
“quando” etc.), nas quais os verbos estavam no modo indicativo ou no subjuntivo. Essas orações são denominadas
desenvolvidas. No entanto, as orações subordinadas podem apresentar também outro tipo estrutura: sem o uso de
conectivos e com o verbo na forma nominal (no infinitivo, no gerúndio ou no particípio). Nesse caso, dizemos que a
oração é reduzida.
Para compreender melhor esse conceito, leia o título de notícia a seguir.
FRENTE 1

É importante que os alunos aprendam as diversas pronúncias do inglês?


ALMEIDA, Daniela; TREVISAN, Rita; VICHESSI, Beatriz. Nova Escola, 1 set. 2009.

11
Agora, compare as orações:

Oração matriz Oração subordinada substantiva subjetiva desenvolvida


É importante que os alunos aprendam as diversas pronúncias do inglês?

conectivo verbo conjugado – forma do subjuntivo

Oração matriz Oração subordinada substantiva subjetiva reduzida de infinitivo


sem conectivo

É importante aprender as diversas pronúncias do inglês?

verbo não conjugado – forma nominal

As orações subordinadas substantivas reduzidas possuem as mesmas funções que as desenvolvidas, podendo ser:
subjetivas, predicativas, objetivas diretas, objetivas indiretas, completivas nominais, apositivas e agentes da passiva. Em
relação à forma verbal, as orações subordinadas substantivas são quase sempre reduzidas de infinitivo.
Na frase a seguir, podemos observar uma nova oração reduzida, que exerce outra função sintática em relação à ora-
ção matriz. Note que ela é introduzida por um verbo no infinitivo e, portanto, pode ser chamada de reduzida de infinitivo.

Oração matriz Oração subordinada substantiva predicativa reduzida de infinitivo

Um caminho viável é realizar diferentes atividades de pronúncia.

verbo no infinitivo

Assim como ocorre nas orações desenvolvidas, quando a oração exerce a função de um termo que exige preposição,
esse vocábulo também aparecerá na oração reduzida.

Oração matriz Oração subordinada substantiva objetiva indireta reduzida de infinitivo

preposição

Séries, filmes, vídeos e músicas ajudam a contextualizar o ensino da língua inglesa.

verbo no infinitivo

Orações subordinadas adjetivas


Reprodução

Leia a manchete principal da capa da revista Crescer, reproduzida ao lado.


O trecho “que não ficam doentes” revela uma especificidade do substantivo “crianças”,
nos ajudando a perceber a que tipo de criança a reportagem se refere.
Considerando que a matéria compartilha com o leitor qual é esse segredo, a mesma
frase poderia ter sido escrita da seguinte maneira:

O segredo das crianças que não ficam


doentes será revelado.

Nesse período composto desenvolvido, temos duas orações:


y O segredo das crianças será revelado.
y As crianças não ficam doentes.

12 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 Sintaxe de período composto II


Ao unir essas duas orações em uma única sentença, evitamos a repetição do substantivo “criança”. Para que isso seja
realizado sem prejuízo de sentido e evidencie a relação entre os termos, fazemos o uso do conectivo “que”.

O segredo das crianças que não ficam doentes será revelado.

pronome relativo que substitui a palavra “criança”

Atenção

Observe que a oração “que não ficam doentes” não tem sentido autônomo, pois está subordinada à oração matriz,
na qual se localiza o substantivo “criança”, a que se refere. Além disso, como essa oração evidencia uma especificação
do termo anterior, ela atua como um adjetivo, por isso é chamada de oração subordinada adjetiva. Sintaticamente, ela
exerce a função de adjunto adnominal.
Essa oração, em geral, é introduzida por um pronome relativo e, em alguns casos, pelos advérbios “como” ou “quando”,
apenas se eles puderem ser substituídos por “pelo qual” ou “em que”, respectivamente.

As orações subordinadas adjetivas podem ser classificadas como explicativas ou restritivas.

Orações subordinadas adjetivas explicativas


O título de notícia a seguir faz referência à Madalena Gordiano, que viveu uma situação análoga à escravidão, e traz
uma informação importante sobre ela. Observe:

Madalena, que foi escravizada, recebe R$ 690 mil de indenização


OLIVEIRA, Rinaldo de. Só Notícia Boa, 16 jul. 2021.

Se a manchete fosse “Madalena recebe R$ 6 mil de indenização”, o leitor compreenderia o enunciado, mas ficaria
em dúvida sobre quem é Madalena. Ao acrescentar a oração “que foi escravizada”, o autor do texto traz uma explicação
que faz com que o leitor compreenda minimamente quem é Madalena Gordiano: sabemos que ela foi vítima de uma
ação ilegal e repreensível em nossa sociedade.
Quando uma oração acrescenta uma explicação sobre seu termo antecedente, é chamada de oração subordinada
adjetiva explicativa. Em geral, essas orações são dispensáveis para a plena compreensão do enunciado, ou seja, se forem
omitidas, ainda podemos compreender a ideia central. No entanto, apesar de “dispensáveis”, elas cumprem o seu papel
“adjetivo”, trazendo uma informação adicional ou explicação à oração principal.
As orações subordinadas adjetivas explicativas são sempre isoladas por vírgulas, podendo ser encontradas no
FRENTE 1

meio da oração matriz, como na manchete analisada, ou ao final dela. Nesse caso, a vírgula aparece apenas antes da
oração subordinada.

13
Orações subordinadas adjetivas restritivas
Observe agora outro título de notícia.

Pesquisa mostra alimentação que fortalece corpo e reduz riscos da covid


FASSINA, Andréa. Só Notícia Boa, 15 jul 2021.

Se a manchete fosse apenas “Pesquisa mostra alimentação”, seria possível, sintaticamente, compreender a oração.
Todavia, poderíamos ficar em dúvida sobre a que tipo de alimentação ela estava se referindo. A informação “que fortalece
corpo e reduz riscos da covid” resolve esse problema, caracterizando, de modo particular, o termo “alimentação” e res-
tringindo seu sentido: não é qualquer alimentação que será mostrada pela pesquisa, mas apenas a que tem o potencial
de fortalecer o corpo e reduzir riscos. Trata-se, portanto, de uma oração subordinada adjetiva restritiva.
Observe que, no título de notícia analisado, temos duas orações subordinadas adjetivas unidas pela conjunção “e”:

Pesquisa mostra alimentação e uz riscos da covid.

oração matriz oração subord. adj. restritiva

oração subord. adj. restritiva

Na segunda oração, o pronome relativo “que” não foi inserido por não ser necessária a sua repetição.
Diferente da explicativa, a oração subordinada adjetiva restritiva não é separada da oração matriz por vírgulas, já que,
por ser indispensável ao sentido do enunciado, ela forma, com o termo antecedente, um núcleo informacional. Verificar,
então, o uso ou não da vírgula é importante para compreendermos o que de fato está sendo dito pelo enunciador. Analise a
diferença entre as frases a seguir, considerando o uso ou não desse sinal de pontuação e o sentido que elas expressam.

Orações subordinadas adjetivas reduzidas


Leia o trecho de um texto que explica a relação entre as pandemias e o desmatamento.

Qual a relação entre pandemias e o desmatamento?


A destruição do meio ambiente favorece o surgimento de novas doenças e coloca nossa saúde em risco.
Para esclarecer essa relação, e chamar atenção para a urgência de agir pela proteção da Amazônia, o Greenpeace Brasil
publicou uma história especial, desenvolvida em parceria com o time de pesquisas do Greenpeace Internacional, que reúne
informações sobre o desmatamento e a biodiversidade, o histórico de pandemias ao redor do mundo e os fatores que colocam
a nossa saúde em risco.
[...]
VILLAR, Rosana. Greenpeace, 5 jul. 2021. Disponível em: www.greenpeace.org/brasil/blog/qual-a-relacao-entre-pandemias-e-o-desmatamento/.
Acesso em: 8 fev. 2022.

Assim como as substantivas, as orações subordinadas adjetivas também podem assumir uma estrutura reduzida, ou
seja, sem o uso de pronome relativo e com o verbo na forma nominal (infinitivo, gerúndio, particípio).
No trecho a seguir, retirado do texto que você acabou de ler, a oração subordinada adjetiva explicativa, em destaque,
é desenvolvida.

[...] o Greenpeace Brasil publicou uma história especial, [...] que reúne informações sobre o desmatamento [...]

Note que a oração “que reúne informações sobre o desmatamento” evidencia um entendimento em relação ao que seria
“uma história especial”. Nesse caso, no início da oração subordinada, é possível observar o uso do pronome relativo “que”.
O processo de encaixamento da oração subordinada na oração matriz é importante para que o leitor amplie ainda
mais os sentidos do texto.

14 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 Sintaxe de período composto II


Compare agora a oração analisada com sua versão reduzida:

O Greenpeace Brasil publicou uma história especial, reunindo informações sobre o desmatamento.

verbo na forma nominal – gerúndio

A oração em destaque tem o mesmo propósito da que foi analisada anteriormente: explicar um termo antecedente.
Porém, dessa vez, não foi utilizado um pronome para inserir a oração subordinada e o verbo apresentado está no gerúndio.
Essa oração pode, então, ser considerada uma oração subordinada adjetiva explicativa reduzida de gerúndio.
Tanto as adjetivas explicativas quanto as adjetivas restritivas podem ser construídas de modo reduzido. Veja mais
alguns exemplos e compare as orações reduzidas com a sua forma desenvolvida, entre parênteses.

Revisando

1. EEAR-SP 2019 Marque a alternativa que apresenta correta classificação da oração apresentada.
a) O professor verificou se as alternativas estavam em ordem. (Oração Subordinada Substantiva Predicativa)
b) Lembre-se . (Oração Subordinada Substantiva Completiva Nominal)
c) O sargento indagou . (Oração Subordinada Substantiva Objetiva Indireta)
d) Seu medo era . (Oração Subordinada Substantiva Predicativa)

2. PUC-GO 2021 Leia o texto a seguir com especial atenção às orações sublinhadas e numeradas:

Intel revela disparidades de gênero e raça


WASHINGTON. THE WASHINGTON POST – Quando a Intel se tornou a primeira grande companhia a divulgar dados
encaminhados ao governo contendo detalhes sobre a remuneração de seu pessoal, a vice-presidente de diversidade e in-
clusão da empresa afirmou em comunicado que esperava que a decisão “encorajasse outras companhias do setor a fazer o
mesmo.” [...]“É improvável 1que essa postura se generalize a menos que exista algum tipo de pressão externa nesse sentido”,
disse Donald Tomaskovic-Devey, professor da Universidade de Massachusetts em Amherst e pesquisador sobre emprego.
Os empregadores não só se preocupariam com a possibilidade 2de que os dados sejam interpretados incorretamente ou
FRENTE 1

os mostrassem sob luz negativa como a Comissão de Igualdade no Emprego dos EUA anunciou 3que planeja revogar a regra
4
que requer que as empresas recolham dados sobre remuneração.
McGREGOR, Jena. Intel revela disparidades de gênero e raça. Folha de S.Paulo, São Paulo, 16 dez. 2019. Caderno de mercado, p. 3. Adaptado.

15
Assinale a única alternativa que indica a classificação Hoje eu saio na noite vazia,
sintática correta para cada oração em destaque no texto: Numa boemia sem razão de ser
a)  – Subordinada substantiva subjetiva,  – Na rotina dos bares, que apesar dos pesares
subordinada substantiva completiva nominal,  – Me trazem você
subordinada substantiva objetiva direta,  – su- E por falar em paixão, em razão de viver
bordinada adjetiva restritiva. Você bem que podia me aparecer
b)  – Subordinada substantiva subjetiva,  – subordi- Nesses mesmos lugares, na noite, nos bares
nada substantiva objetiva indireta,  – subordinada Onde anda você?
Toquinho e Vinicius de Moraes
adjetiva restritiva,  – subordinada substantiva ob-
jetiva direta. Ao relacionar as frases abaixo com as classificações das
c)  – Subordinada substantiva objetiva direta,  – orações subordinadas substantivas ao lado de cada fra-
subordinada adjetiva restritiva,  – subordinada se, podemos assegurar que a alternativa correta é
substantiva completiva nominal,  – subordinada a) convenceu-me de que o deixou morto de tanto
substantiva subjetiva. prazer / SUBJETIVA.
d)  – Subordinada substantiva objetiva direta,  – b) sempre quis que eu saísse na noite vazia / PRE-
subordinada adjetiva restritiva,  – subordinada DICATIVA.
substantiva subjetiva,  – subordinada substantiva c) convém que a gente se encontre na noite dos ba-
completiva nominal. res de então... / APOSITIVA.
d) necessito de que saia na noite vazia / OBJETIVA
3. IFBA 2019 INDIRETA.
e) eu espero que você esteja nos mesmos lugares,
na noite, nos bares / COMPLETIVA NOMINAL.

5. Uenp-PR 2020

Obras de Portinari reunidas e on-line


Os incêndios registrados em museus, nos últimos
anos, levaram os brasileiros a refletirem sobre o valor
dos acervos mantidos por essas instituições e sobre a ne-
cessidade de preservá-los para as gerações futuras. Cerca
de 5 mil obras de arte e 15 mil cartas e documentos do
artista brasileiro Cândido Portinari, que estão espalhados
em coleções particulares em todas as partes do mundo,
foram digitalizados e lançados na plataforma Google Arts
& Culture. Pela ferramenta, também é possível fazer uma
visita em realidade virtual de 360º à casa do artista.
Dez das obras de Portinari foram capturadas em altíssima
Disponível em: http://anacristinapb.bogspot.com/2011/07/charge-sobre-
resolução (gigapixel), pela Google Art Camera, de forma que
educacao-e-tecnologia.html. Acesso em: 7 de agosto de 2018. é possível se aproximar da imagem e enxergá-la nos mínimos
detalhes. Até mesmo as pinceladas do artista podem ser per-
cebidas nas imagens. Entre as obras capturadas estão o famoso
A oração “o que me deram na escola”, no contexto “Mestiço” (1934), “Lavrador de Café” (1934) e “Café” (1935).
do período linguístico da charge, exerce a função de: O filho de Cândido Portinari, João Cândido Portinari,
a) Oração subordinada adverbial. esteve presente no evento de lançamento da retrospecti-
b) Oração subordinada substantiva objetiva indireta. va do artista na plataforma da Google. “Nesses 40 anos,
c) Oração subordinada apositiva. quando começamos, não tínhamos ideia do paradeiro da
d) Oração subordinada substantiva objetiva direta. maioria das obras. Foi um trabalho de formiguinha que du-
e) Oração subordinada substantiva subjetiva. rou 25 anos”, conta Portinari. Segundo ele, 95% das obras
do pai estão em coleções particulares, inacessíveis ao pú-
4. UVV-ES 2021 blico. “É um paradoxo você ter um pintor que pintou para
o povo brasileiro e esse povo não ter acesso às suas obras”.
Onde anda você Cerca de 500 dos principais itens da Pinacoteca de
E por falar em saudade, onde anda você? São Paulo – local onde “mora” uma das principais obras de
Onde andam seus olhos, que a gente não vê? Portinari, o “Mestiço” – estão disponíveis na Google Arts
Onde anda esse corpo, & Culture. Paulo Vicelli, diretor de Relações Institucionais
Que me deixou morto de tanto prazer? da Pinacoteca, vê a tecnologia como uma ferramenta de
E por falar em beleza, onde anda a canção engajamento virtual com o público, especialmente aquele
Que se ouvia na noite dos bares de então? formado pelas novas gerações. Além da digitalização do
Onde a gente ficava, onde a gente se amava acervo, a instituição também tem uma Inteligência Artifi-
Em total solidão cial – o Watson, da IBM –, que responde às perguntas dos

16 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 Sintaxe de período composto II


visitantes sobre suas obras, um aplicativo e uma conta no No enunciado “A nossa formação histórica está mar-
Spotify, com playlists sugeridas pela Pinacoteca. cada pela eliminação física do ‘outro’ ou por sua
“São ferramentas que ajudam o visitante, sobretudo o escravização, que também é uma forma violenta de
da geração millennial, a entender o museu a partir dos seus negação de sua alteridade”, a oração adjetiva assume
olhos e do seu dia a dia. É o que sempre digo: não adianta a seguinte função discursiva:
eu pregar para convertido”. Em cerca de cinco anos, a insti- a) alternar os elementos “eliminação física do ‘ou-
tuição viu o número de visitantes saltar de cerca de 300 mil tro’” e “escravização”.
para 500 mil ao ano. b) apresentar uma consequência para “eliminação
Adaptado de: CHIBA, Mie Francine. Obras de Portinari reunidas e on-line.
Folha de Londrina, 13 jun. 2019, Economia e Negócios, p. 4.
física do ‘outro’”.
c) contextualizar a expressão “a nossa formação his-
Leia o trecho a seguir. tórica”.
Cerca de 5 mil obras de arte e 15 mil cartas e documentos d) dar uma explicação para a palavra “escravização”.
do artista brasileiro Cândido Portinari, que estão espalhados e) situar temporalmente a oração principal.
em coleções particulares em todas as partes do mundo, foram
digitalizados e lançados na plataforma Google Arts & Culture. 7. Ufal 2014
Quanto à classificação da oração entre vírgulas, assi-
Facultativo
nale a alternativa correta.
Estatuto dos Funcionários, artigo 240: “O dia 28 de ou-
a) Classifica-se como oração subordinada adjetiva tubro será consagrado ao Servidor Público” (com maiúscula).
explicativa. Então é feriado, raciocina o escriturário, que, jus-
b) Classifica-se como oração subordinada adverbial tamente, tem um “programa” na pauta para essas
causal. emergências. Não, responde-lhe o governo, que tem o
c) Categoriza-se como oração coordenada sindética programa de trabalhar; é consagrado, mas não é feriado.
conclusiva. ANDRADE, C. D. Obra completa. São Paulo, SP:
d) É uma oração subordinada adjetiva restritiva. Editora Nova Aguilar, 2002.

e) Trata-se de oração subordinada adverbial conse- As orações em destaque no texto exercem a mesma
cutiva. função sintática, sendo classificadas como orações
subordinadas
6. UEG-GO 2019 a) adverbiais causais.
b) adjetivas restritivas.
Multiculturalismo na América Latina c) adjetivas explicativas.
A relação entre educação e cultura(s) nos coloca d) completivas nominais.
diante das questões apresentadas hoje pelo multicultu- e) adverbiais consecutivas.
ralismo no âmbito planetário e diante de cada uma das
realidades nacionais e locais em que vivemos.
8. UFS-SE 2020 Em entrevista ao Tierramérica, o escritor
Na América Latina e, particularmente, no Brasil, a
português José Saramago afirmou: “As tragédias ecológi-
questão multicultural apresenta uma configuração pró-
cas são importantíssimas, mas as humanas talvez sejam
pria. Nosso continente é um continente construído com
mais. Uma árvore pode, mais ou menos, ressuscitar, uma
uma base multicultural muito forte, onde as relações in-
floresta, um bosque, se cuidarmos deles. Mas os mortos
terétnicas têm sido uma constante, uma história dolorosa
não ressuscitam, não há maneira de devolvê-los à vida.
e trágica principalmente no que diz respeito aos grupos
Se é verdade que devemos nos preocupar com a catás-
indígenas e afrodescendentes.
trofe ecológica, não é menos certo que se deve pensar,
A nossa formação histórica está marcada pela elimi-
sobretudo, na catástrofe que será a morte de uma quanti-
nação física do “outro” ou por sua escravização, que tam-
dade de seres humanos, que nem podemos imaginar. [...]
bém é uma forma violenta de negação de sua alteridade. Os
O meio ambiente é muito importante, mas vamos nos
processos de negação do “outro” também se dão no plano preocupar com algo mais. Tenho um jardim e cuido mui-
das representações e no imaginário social. Neste sentido, to de minhas árvores. Entretanto estou mais preocupado
o debate multicultural na América Latina nos coloca dian- com as pessoas que vivem dentro de minha casa”.
te da nossa própria formação histórica, da pergunta sobre Disponível em: www.tierramerica.net.
como nos construímos socioculturalmente, o que negamos
e silenciamos, o que afirmamos, valorizamos e integramos As sequências indicadas têm a função sintática de
na cultura hegemônica. A problemática multicultural nos a) objeto direto / oração subordinada adjetiva explica-
mostra os sujeitos históricos que foram massacrados, que tiva.
souberam resistir e continuam hoje afirmando suas identida- b) objeto indireto / oração subordinada adjetiva res-
des e lutando por seus direitos de cidadania plena na nossa tritiva.
sociedade, enfrentando relações de poder assimétricas, de c) adjunto adverbial / oração subordinada comple-
subordinação e exclusão. tiva nominal.
FRENTE 1

CANDAU, Vera Maria. Multiculturalismo e educação: desafios para a prática d) objeto direto / oração subordinada substantiva
pedagógica. In: MOREIRA, Antonio Flávio; CANDAU, Vera Maria (Org.).
Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas. 10. ed. objetiva direta.
Petrópolis: Vozes, 2013. p. 17. (Adaptado) e) objeto direto / oração subordinada adjetiva restritiva.

17
Exercícios propostos

1. Unipar-PR 2019 De acordo com a classificação das 3. PUC-GO 2015


orações substantivas, relacione as colunas: Não gostei da reunião de ontem na Casa do Couro.
A reunião em si foi excelente, a melhor desde muito
tempo. Todo mundo estava inspirado e tinindo, quem
quis falar falou o que quis sem medo de desagradar; e
quem achou que devia discordar discordou, também sem
pensar em consequências. Foi uma reunião civilizada, se
posso usar essa palavra que lembra tão comprometedora-
mente o tempo antigo. Não gostei foi de certas ocorrências
marginais que observei durante os trabalhos, e que me
deixaram com uma pulga na virilha, como dizemos aqui.
Pensando nesses pequeninos sinais, e juntando-os,
estou inclinado a concluir que muito breve não teremos
mais reuniões na Casa do Couro. É possível mesmo que
a de ontem fique sendo a última, pelo menos por algum
tempo, cuja duração não posso ainda precisar. As ocorrên-
cias que observei enquanto meus companheiros falavam
me levam a concluir que vamos entrar numa fase de re-
trocessos e rejeições semelhante àquela que precedeu o
fim da Era dos Inventos.
Notei, por exemplo, que os anotadores não estavam
anotando nada, apenas fingiam escrever, fazendo movi-
mentos fúteis com o carvão. Isso podia significar ou que
Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta já estavam com medo de ser responsabilizados pelo que
de cima para baixo: escrevessem, ou que haviam recebido ordem de não re-
a) IV, II, III, V, I. gistrar o que fosse dito na reunião. Também uns homens
b) V, IV, III, I, II. que nunca vi antes na Casa do Couro iam fechando sor-
c) V, III, II, I, IV. rateiramente as janelas e fixando-as com uma substância
d) I, III, IV, V, II. pastosa que de longe me pareceu ser cola instantânea.
e) V, III, I, II, IV. Notei ainda que um grupo de indivíduos estranhos
à Casa, espalhados pelo grande salão, contava e anotava
os luzeiros, as estátuas, os defumadores, as esteiras, ban-
2. PUC-GO 2019 Leia o fragmento do conto de Bernardo
quetas, todos os utensílios e objetos de decoração, como
Élis:
leiloeiros contratados para organizar um leilão.
[...] Um dia o ladrão apareceu em sua casa dizen-
Não falei de minha suspeita a ninguém porque ul-
do ao administrador que ali estava para devolver uma
timamente ando muito cauteloso. Se me perguntarem
joia que furtara à dona fazia dois anos. Dois anos! Im-
por que tanta cautela, não saberei responder. Talvez seja
possível! – pensou o administrador, pois dona Arginusa
faro, sexto sentido. A grande maioria do povo está como
diariamente passava em revista suas joias e nunca deu
que enfeitiçada pelo Umahla, para eles é o Sol no céu
por falta de nenhuma! Mas como o ladrão insistisse, dona
e o Umahla na terra, julgam-no incapaz de transgredir
Arginusa apareceu, tomou a joia, e após minucioso exame
qualquer dos Quatrocentos Princípios, baixados por ele
reconheceu que era mesmo seu aquele broche de ouro
mesmo quando tomou as rédeas depois de evaporar o
e brilhantes, fora de sua mãe que o herdou da avó, que
Umahla antigo. Por isso acho melhor fazer de conta que
herdou de outra avó. Só a ideia de ter podido perder a
penso como todo mundo, para poder continuar pescan-
joia causou à sensível senhora um desgosto tão grande
do e comendo o bom pacu, que felizmente ainda pula
que logo vieram médicos e enfermeiras ministrar-lhe sais
em nossos rios e lagos; o que não me impede de tomar
e injeções.
precauções para não ser confundido com os bate-caixas
ÉLIS, Bernardo. A lavadeira chamava-se pedra. Melhores contos de
Bernardo Élis. 4. ed. São Paulo: Global, 2015. p. 111. de hoje; e na medida do possível pretendo ir anotando
certas coisinhas que talvez interessem ao novo Umahla
Em “dona Arginusa apareceu, tomou a joia, e após mi- que há de vir, se eu gostar do jeito dele; mas vou fazer isso
nucioso exame reconheceu que era mesmo seu aquele devagar, sem afobação nem imprudências, e sem alterar
broche de ouro e brilhantes”, a oração “que era mesmo o meu sistema de vida.
seu aquele broche de ouro e brilhantes” está correta- Tanto que esta tarde vou pescar com meu irmão
mente classificada na alternativa: Rudêncio. Ele na certa vai me sondar sobre a reunião
a) Oração subordinada substantiva completiva nominal. de ontem, e já armei minhas defesas. Rudêncio é meu
b) Oração subordinada substantiva objetiva indireta. irmão, pessoa razoavelmente correta e tudo mais, mas é
c) Oração subordinada substantiva apositiva. casado com filha de Caincara e não devo me abrir com
d) Oração subordinada substantiva objetiva direta. ele. Depois que ele casou só temos falado de pescarias,

18 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 Sintaxe de período composto II


de comida – assunto que o deixa de olhos vidrados –, das pública independente, gerida com total autonomia por
festas que ele frequenta (das minhas não falo para não uma instituição sem fins lucrativos.
perder tempo ouvindo conselhos). Ela já nasceu com um objetivo: não apenas pôr todos
Vale a pena contar como foi o casamento de Rudêncio. 25 os seus alunos nas faculdades, mas também ajudá-los a
Joanda, hoje mulher dele, estudava plantas curativas e fa- ingressar no mercado de trabalho da região, hoje repleto
zia longas expedições pelas matas e campos procurando de empresas ligadas à tecnologia da informação caren-
ervas raras para suas experiências. Um dia ela se separou tes de trabalhadores qualificados. Daí a ideia de tirar os
dos companheiros numa expedição à fronteira das Terras alunos da escola, reservando uma semana ao final de
Altas, perdeu-se na mata e não voltou ao acampamento. 30 quatro meses.
Os companheiros esperaram, procuraram, desistiram. Dias A complexidade da experiência está na gestão de uma
depois apareceu um caçador dizendo que ela tinha sido série de parcerias para assegurar aos alunos espaços fora
raptada por um bando de Aruguas. da escola, formando uma comunidade de aprendizagem.
O Caincara quis organizar uma expedição de res- São oferecidos, em companhias profissionais, cursos de
gate, chegou a reunir mais de cem voluntários, mas o 35 dança, teatro, música e computação, bem como está-
Umahla vetou, e com boa razão. Estávamos empenhados gios em empresas ou em laboratórios de universidades.
na atração dos Aruguas, e uma expedição de resgate co- “É incrível ver brilhar os olhos deles!”, diz o engenheiro
mandada por um Caincara violento estragaria o trabalho Paulo Blikstein, que recebe alguns desses alunos em seu
já feito. O Umahla preferia negociar. laboratório em Stanford, nas proximidades da Summit.
[...] 40 Blikstein tem visto como as melhores escolas da região,
VEIGA, José J. Os pecados da tribo. 5. ed. especialmente as particulares, vêm mudando seu currícu-
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005, p. 7-9. Adaptado.
lo, de modo a oferecer atividades extracurriculares com
Assinale a alternativa em que a palavra “que” introduz professores das universidades em áreas como nanotecno-
uma oração subordinada substantiva subjetiva: logia ou impressão digital.
a) “É possível mesmo que a de ontem fique sendo a 45 É evidente que isso é apenas a cereja do bolo. Não
última, pelo menos por algum tempo.” apenas o ensino na Summit é de tempo integral como
b) “Não gostei foi de certas ocorrências marginais há um programa diário para recuperação de quem não
que observei durante os trabalhos.” aprende, abundam recursos tecnológicos, os pais são
c) “Dias depois apareceu um caçador dizendo que obrigados a participar da vida acadêmica dos filhos – e
ela tinha sido raptada por um bando de Aruguas.” 50 por aí vai.
d) “Também uns homens que nunca vi antes na O salário inicial do professor é de R$ 80 mil por ano e
Casa do Couro iam fechando sorrateiramente as vai aumentando de acordo com o desempenho do aluno.
janelas.” Professores de ciências e matemática ganham mais. Era
necessário, porém, dar um choque de experimentação,
55 colocando os alunos mais próximos de profissionais ou
4. Ulbra-RS 2012 A questão está baseada no texto
pesquisadores.
Professor no paraíso, escrito pelo colunista Gilberto A solução foi sair da sala de aula e gerir essa comuni-
Dimenstein para a Folha de S.Paulo, no dia 1 de ou- dade de aprendizagem. “Vemos que os alunos aprendem
tubro de 2001, caderno Cotidiano. tanto ou mais quando estão longe daqui. Quando voltam
Professor no paraíso 60 para a sala de aula, estão mais entusiasmados e per-
cebem a aplicabilidade do que aprendem na escola”,
Uma das melhores escolas dos Estados Unidos desco-
conta Brian.
briu um meio eficiente de estimular seus alunos: obrigá-los
PS – A Summit decidiu implementar um interessante
a ficar longe da escola – e por muito tempo. Durante 60
sistema para ajudar os alunos que têm mais dificuldades,
dias por ano, além das férias, eles não precisam pisar na
65 que, muitas vezes, pedem ajuda aos colegas para fazer as
5 sala de aula.
lições de casa ou tirar dúvidas.
A escola de ensino médio Summit Preparatory High
A escola treina seus alunos para serem professores.
School está chamando a atenção de educadores de todo
Por essas e outras, empresários da região estão doando
o mundo por dois motivos: brilha no ranking das melhores
milhões para que se criem mais dez escolas públicas nos
dos Estados Unidos e, pública, tem seus alunos escolhidos
70 mesmos moldes.
10 por sorteio, muitos deles vindos de famílias pobres. Per-
guntei ao diretor da escola, Brian Johnson, se os pais não Que função sintática é exercida pelas orações subor-
tinham estranhado a novidade. “No começo, um pouco, dinadas substantivas sublinhadas abaixo?
mas depois eles viram a melhora nas notas. Quase todos I. É evidente que isso é apenas a cereja do bolo.
os alunos entram na faculdade.” (l. 45)
15 É como se, na prática, estivessem reciclando o sig- II. A solução foi sair da sala de aula. (l. 57)
nificado (e, para muitos, o prazer) de “matar” aula. Hoje
eles estão definindo uma nova geografia do aprender e a) I – Predicativo do sujeito; II – Sujeito.
repensando o professor, cujo dia foi comemorado neste b) I – Sujeito; II – Predicativo do sujeito.
FRENTE 1

fim de semana. c) I – Objeto direto; II – Sujeito.


20 Localizada numa cidade chamada Redwood, perto d) I – Objeto direto; II – Objeto indireto.
de San Francisco, na Califórnia, a Summit é uma escola e) I – Aposto; II – Objeto direto.

19
5. IFCE 2014 Leia o período que segue. 8. Uece 2018
Não é conveniente que você estude no exterior. Envelhecer
Arnaldo Antunes
Temos, nesse exemplo, um período composto por su-
A coisa mais moderna que existe nessa vida é
bordinação, com uma oração subordinada substantiva
[envelhecer
subjetiva destacada. Outra oração subjetiva, porém
A barba vai descendo e os cabelos vão caindo pra
reduzida de infinitivo, está na opção [cabeça aparecer
a) Não quero você estudando no exterior. 5 Os filhos vão crescendo e o tempo vai dizendo que
b) Não quero ver você estudar no exterior. [agora é pra valer
c) Não é bom você estudar no exterior. Os outros vão morrendo e a gente aprendendo a
d) Você ter estudado no exterior foi a melhor coisa [esquecer
que já aconteceu. Não quero morrer pois quero ver
e) O sucesso da sua carreira depende de você es- 10 Como será que deve ser envelhecer
tudar no exterior. Eu quero é viver pra ver qual é
E dizer venha pra o que vai acontecer
6. Ifal 2012
Em 20 de novembro de 1959, foi proclamada a Decla- Eu quero que o tapete voe
ração Universal dos Direitos da Criança, com a intenção No meio da sala de estar
de garantir à criança uma infância feliz. 15 Eu quero que a panela de pressão pressione
O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069, E que a pia comece a pingar
art. 4o, esclarece que os direitos infantis precisam ser Eu quero que a sirene soe
recordados todos os dias como o direito à vida, saúde, E me faça levantar do sofá
alimentação, educação, esporte, lazer, profissionalização, Eu quero pôr Rita Pavone
cultura, dignidade, respeito, liberdade e convivência fa- 20 No ringtone do meu celular
miliar e comunitária. Eu quero estar no meio do ciclone
Disponível em: www.oecumene.radiovaticana.org em Pra poder aproveitar
12/10/2010. E quando eu esquecer meu próprio nome
A respeito do conectivo que, em: “... esclarece que os Que me chamem de velho gagá
direitos infantis precisam ser recordados...”, podemos
25 Pois ser eternamente adolescente nada é mais démodé
dizer que o termo em evidência é classificado como:
Com uns ralos fios de cabelo sobre a testa que não
a) pronome relativo e introduz uma oração subordi-
[para de crescer
nada adjetiva.
Não sei por que essa gente vira a cara pro presente e
b) pronome relativo e introduz uma oração subordi-
[esquece de aprender
nada substantiva.
30 Que felizmente ou infelizmente sempre o tempo vai
c) conjunção integrante e encabeça uma oração
[correr
subordinada adverbial. Disponível em: www.vagalume.com.br/arnaldoantunes/envelhecer.html.
d) conjunção integrante e encabeça uma oração Acesso: 22/9/17
subordinada substantiva.
No enunciado “Eu quero que o tapete voe” (linha 13),
e) conjunção explicativa e encabeça uma oração
tem-se
coordenada.
a) uma estrutura sintática e semântica semelhante à
7. IME-SP Considere a seguinte afirmação de Heráclito do enunciado “Eu quero estar no meio do ciclo-
de Éfeso (2500 a. C.) para responder a esta questão: ne” (linha ), o qual apresenta, na ordem, uma
oração principal, outra subordinada substantiva
Uma pessoa não entra no mesmo rio duas vezes,
reduzida, expressando a ideia de que, mesmo na
porque ambos estão em constante mudança e trans-
velhice, é possível ainda querer realizar e aprovei-
formação.
tar certas atividades.
I. A afirmação constitui-se de um período composto b) uma estrutura sintática formada por uma primeira
por coordenação. oração, chamada de principal, e por uma outra,
II. A afirmação constitui-se de um período composto denominada de oração subordinada substanti-
por subordinação. va, que serve como sujeito da primeira, para ser
III. A oração iniciada pela conjunção “porque” intro-
transmitida a ideia sobre quem o enunciador está
duz uma explicação.
falando.
Assinale a alternativa correta. c) uma estrutura sintática formada por uma oração
a) Somente o item III está correto. principal e por uma outra oração subordinada
b) Somente o item II está correto. substantiva, a qual funciona como complemento
c) Somente os itens I e III estão corretos. direto da primeira oração, para o enunciador en-
d) Somente os itens II e III estão corretos. fatizar o objeto do seu querer e, assim, mostrar
e) Todos os itens estão corretos. sua vivacidade.

20 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 Sintaxe de período composto II


d) uma estrutura sintática diferente da dos enuncia- — Me receite um remédio para eu desmaiar.
dos “Eu quero que a panela de pressão pressione” O português ri-se. Também a ele lhe apetecia uma
(linha ) e “Eu quero que a sirene soe” (linha 7), intermitente ilucidez, uma pausa na obrigação de existir.
que apresentam uma oração principal seguida de — Uma marretada na cabeça é a única coisa que me
uma oração subordinada objetiva direta, em que ocorre.
se mostra a possibilidade de o desejo do enun- Riem-se. Rir junto é melhor que falar a mesma língua.
ciador se realizar. Ou talvez o riso seja uma língua anterior que fomos perden-
do à medida que o mundo foi deixando de ser nosso. [...]
COUTO, Mia. Venenos de Deus, remédios do diabo: as incuráveis vidas de
9. Urca-CE 2019 Vila Cacimba. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, pp. 110-113.

Venenos de Deus, remédios do diabo: as No fragmento: O português confessa sentir inveja de


incuráveis vidas de Vila Cacimba não ter duas lín uas; o termo em destaque é sintatica-
— Noutro dia, você zangou-se comigo porque eu mente classificado como:
não o chamava pelo seu nome inteiro. Mas eu conheço a) Oração subordinada substantiva objetiva direta.
o seu segredo. b) Oração subordinada substantiva objetiva indireta.
— Não tenho segredos. Quem tem segredos são as c) Oração subordinada substantiva completiva nominal.
mulheres. d) Oração subordinada substantiva apositiva.
— O seu nome é Tsotsi. Bartolomeu Tsotsi. e) Oração subordinada substantiva subjetiva.
— Quem lhe contou isso? De certeza que foi o cabrão
do Administrador. 10. Unesp 2015 A questão toma por base uma passagem
Acabrunhado, Bartolomeu aceitou. Primeiro, foram os de um romance de Autran Dourado (1926-2012).
outros que lhe mudaram o nome, no baptismo. Depois,
quando pôde voltar a ser ele mesmo, já tinha aprendido A gente (Honório Cota)
a ter vergonha de seu nome original. Ele se colonizara a Quando o coronel João Capistrano Honório Cota man-
si mesmo. E Tsotsi dera origem a Sozinho [Bartolomeu dou erguer o sobrado, tinha pouco mais de trinta anos. Mas
Sozinho]. já era homem sério de velho, reservado, cumpridor. Cuidava
— Eu sonhava ser mecânico, para consertar o mundo. muito dos trajes, da sua aparência medida. O jaquetão de
Mas aqui para nós que ninguém nos ouve: um mecânico casimira inglesa, o colete de linho atravessado pela grossa
pode chamar-se Tsotsi? corrente de ouro do relógio; a calça é que era como a de todos
— Ini nkabe dziua. na cidade – de brim, a não ser em certas ocasiões (batizado,
— Ah, o Doutor já anda a aprender a língua deles? morte, casamento – então era parelho mesmo, por igual), mas
— Deles? Afinal, já não é a sua língua? sempre muito bem passada, o vinco perfeito. Dava gosto ver:
— Não sei, eu já nem sei... O passo vagaroso de quem não tem pressa – o mundo
O português confessa sentir inveja de não ter duas podia esperar por ele, o peito magro estufado, os gestos
línguas. E poder usar uma delas para perder o passado. lentos, a voz pausada e grave, descia a rua da Igreja cum-
E outra para ludibriar o presente. primentando cerimoniosamente, nobremente, os que por
— A propósito de língua, sabe uma coisa, Doutor ele passavam ou os que chegavam na janela muitas vezes
Sidonho? Eu já me estou a desmulatar. só para vê-lo passar.
E exibe a língua, olhos cerrados, boca escanca- Desde longe a gente adivinhava ele vindo: alto, magro,
rada. O médico franze o sobrolho, confrangido: a descarnado, como uma ave pernalta de grande porte. Sendo
mucosa está coberta de fungos, formando uma placa assim tão descomunal, podia ser desajeitado: não era, dava
esbranquiçada. sempre a impressão de uma grande e ponderada figura. Não
— Quais fungos? — reage Bartolomeu. — Eu estou é a jogava as pernas para os lados nem as trazia abertas, estica-
ficar branco de língua, deve ser porque só falo português... va-as feito medisse os passos, quebrando os joelhos em reto.
O riso degenera em tosse e o português se afasta, Quando montado, indo para a sua Fazenda da Pedra
cauteloso, daquele foco contaminoso. Menina, no cavalo branco ajaezado de couro trabalhado
[...] e prata, aí então sim era a grande, imponente figura, que
O médico olha para o parapeito e estremece de ver enchia as vistas. Parecia um daqueles cavaleiros antigos,
tão frágil, tão transitório aquele que é seu único amigo em fugidos do Amadis de Gaula ou do Palmeirim, quando iam
Vila Cacimba. O aro da janela surge como uma moldura para a guerra armados cavaleiros.
da derradeira fotografia desse teimoso mecânico reformado. Ópera dos mortos, 1970.
— Posso fazer-lhe uma pergunta íntima?
— Depende — responde o português. No início do segundo parágrafo, por ter na frase a
— O senhor já alguma vez desmaiou, Doutor? mesma função sintática que o vocábulo “vagaroso”
— Sim. com relação a “passo”, a oração “de quem não tem
— Eu gostava muito de desmaiar. Não queria morrer pressa” é considerada
sem desmaiar. a) coordenada sindética.
O desmaio é uma morte preguiçosa, um falecimento b) subordinada substantiva.
FRENTE 1

de duração temporária. O português, que era um guarda- c) subordinada adjetiva.


-fronteira da Vida, que facilitasse uma escapadela dessas, d) coordenada assindética.
uma breve perda de sentidos. e) subordinada adverbial.

21
11. Uerr 2019 (Adapt.) Faça a leitura analítica do último parágrafo do texto. Em
seguida, assinale a opção correta para a classificação
Brasil e FAO elaboram projeto de cooperação sintática dos termos ou orações indicadas nos itens.
internacional de combate à fome e desnutrição a) O sujeito de “Afeta % da população regional” é
Publicado em 30/08/2018. Atualizado em 05/09/2018. classificado como determinado simples por estar
explícito na oração que antecede.
O ministro do Desenvolvimento Social, Alberto Beltrame, b) Identificamos, no último período do parágrafo,
anunciou na quarta-feira (29) em Santiago, no Chile, que o três pronomes relativos.
governo brasileiro e a Organização das Nações Unidas para c) Em “O problema central está no nosso sistema ali-
a Alimentação e a Agricultura (FAO) estão trabalhando na mentar”, temos predicativo do sujeito.
criação de um novo projeto de cooperação trilateral Sul-Sul d) Morfologicamente falando, o termo “essencial”
com os países da América do Sul, focado em sistemas ali- é classificado como substantivo; sintaticamente
mentares, combate à obesidade, fome e desnutrição.
falando, o mesmo termo é classificado como pre-
O ministro explicou que o novo projeto deve refletir
dicativo do sujeito.
os compromissos assumidos pelos países no âmbito dos
e) No último período do parágrafo transcrito nessa
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, especialmente
questão, podemos afirmar que identificamos duas
o ODS 1 (erradicação da pobreza) e o ODS 2 (fome zero).
orações subordinadas adjetivas.
“Pretendemos avançar nos novos desafios associa-
dos aos sistemas alimentares, à nutrição, à luta contra a
obesidade, promovendo o intercâmbio de experiências 12. Fatec-SP 2016 É boa a notícia para os fãs da natação,
e fortalecendo o diálogo sobre essas agendas em nível vôlei de praia, futebol, hipismo, ginástica rítmica e tiro
regional”, afirmou Beltrame. com arco que buscam ingressos para os Jogos Olímpicos
“O Brasil tem compartilhado de maneira extraordi- Rio 2016. Entradas para catorze sessões esportivas dessas
nariamente generosa suas políticas públicas e oferecido modalidades, que tinham se esgotado na primeira fase de
considerável apoio financeiro para promover o desenvol- sorteio de ingressos, estão à venda.
<http://tinyurl.com/qapfdjt> Acesso em: 12.09.2015.
vimento social em muitos países da região”, disse Julio
Adaptado.
Berdegué, representante regional da FAO.
“Centenas de milhares de famílias hoje vivem melhor A oração subordinada destacada nesse fragmento é
graças à solidariedade do povo do Brasil. O desafio fu- a) adjetiva restritiva.
turo é converter essa enorme experiência acumulada em b) adjetiva explicativa.
políticas públicas que beneficiem todos os habitantes da c) substantiva subjetiva.
América Latina e do Caribe”, explicou Berdegué. d) substantiva apositiva.
O anúncio do ministro foi feito durante um diálogo e) substantiva predicativa.
sobre cooperação internacional que ocorre no escritório re-
gional da FAO e contou com a participação do embaixador 13. Unitau-SP 2014
do Brasil, Carlos Duarte, da subsecretária de Saúde Pública
do Chile, Paula Daza, e da secretária-executiva do Sistema Apetitoso por mais tempo
de Vida Saudável no Chile, Alejandra Domper Rodríguez. Mesmo os mais apaixonados por chocolate podem
O problema central da desnutrição é o sistema alimentar rejeitá-lo quando, ao abrir a embalagem, encontram o
produto com aspecto esbranquiçado e sem brilho. A boa
Berdegué destacou as deficiências do atual sistema nova é que uma pesquisa feita na Universidade Estadual
alimentar como um dos desafios do novo projeto de Co- de Campinas (Unicamp) conseguiu prolongar a aparência
operação Sul-Sul do Brasil e da FAO. apetitosa desse doce.
“Criamos um sistema alimentar falido: duas em cada Desenvolvido durante o doutorado da engenheira quí-
três pessoas no mundo sofrem de alguma forma de desnutri- mica Élida Bonomi, o estudo buscou retardar o fat bloom
ção. É um problema que afeta nações ricas e pobres”, disse. (afloramento de gordura, numa tradução livre), fenômeno
De acordo com o representante da FAO, que acontece durante a estocagem do chocolate e que
14 dos 33 países da região têm mais de 10% de sua po- nada tem a ver com contaminação por fungos ou prazo
pulação com fome, enquanto 12 têm uma carga tripla de de validade vencido. “Isso ocorre quando, por causa do
desnutrição: fome, anemia ou obesidade. calor, a gordura usada na composição do chocolate ganha
“Nenhum país escapa à epidemia de obesidade. Afeta mobilidade e migra para a superfície. Lá, ela encontra uma
23% da população regional. Quatro em cada dez pessoas são temperatura mais baixa e cristaliza, conferindo tonalidade
obesas. O problema central está no nosso sistema alimentar. esbranquiçada ao produto”, explica a pesquisadora. Para
Nunca houve tanta comida e nunca houve tal desnutrição. retardar o efeito, Bonomi obteve a estearina da gordura
Algo está fundamentalmente errado. Temos de agir agora”, de leite, fração de gordura que tem alto ponto de fusão
alertou Berdegué, que ressaltou que a Cooperação Sul-Sul e necessita, portanto, de altas temperaturas para derreter.
será essencial para alcançar sistemas alimentares saudáveis A seguir, a engenheira produziu um chocolate contendo
que possam acabar com a fome, a desnutrição e a obesidade. estearina no lugar da gordura de leite e submeteu-o,
https://nacoesunidas.org/brasil-e-fao-elaboram-projeto-de-cooperacao- diariamente, num período de cinco meses, a ciclos de tem-
internacional-de-combate-a-fome-e-desnutricao/ peratura que variavam entre 20 e 32 graus. “Percebemos

22 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 Sintaxe de período composto II


que o chocolate com estearina demorava 13 dias a mais já classificado como a maior contribuição intelectual de
para apresentar aspecto embranquecido quando compa- uma só pessoa à cultura humana.
rado à receita tradicional”, comenta. Esse bloco matemático impenetrável (mesmo para
Ainda que 13 dias pareçam pouco tempo, Bonomi ex- físicos) nada mais é do que uma teoria que explica os
plica que, em condições normais, a temperatura não sofre fenômenos gravitacionais. Por exemplo, por que a Terra
variações drásticas em um período tão curto. “Colocamos gira em torno do Sol ou por que um buraco negro devora
o produto em condições extremas para testar a eficácia, avidamente luz e matéria.
mas, em condições normais, a mudança de aspecto deve Com a introdução da relatividade geral, a teoria da
demorar ainda mais a aparecer”. gravitação do físico britânico Isaac Newton (1642-1727)
Ciência Hoje, n.º 307, vol. 52, set. 2013, p. 55. passou a ser um caso específico da primeira, para situações
em que massas são bem menores do que as das estrelas e
Assinale a alternativa INCORRETA.
em que a velocidade dos corpos é muito inferior à da luz
a) “Mesmo os mais apaixonados por chocolate po-
no vácuo (300 mil km/s).
dem rejeitá-lo...”. O termo “lo” exerce a função Entre essas duas obras de respeito (de 1915 e de
sintática de objeto direto. 1917), impressiona o fato de Einstein ter achado tempo
b) “... Bonomi explica que, em condições normais, para escrever uma pequena joia, “Teoria da Relatividade
a temperatura não sofre variações drásticas em Especial e Geral”, na qual populariza suas duas teorias,
um período tão curto”. A conjunção “que” introduz incluindo a de 1905 (especial), na qual mostrara que, em
uma oração subordinada adjetiva explicativa. certas condições, o espaço pode encurtar, e o tempo, dilatar.
c) “... conseguiu prolongar a aparência apetitosa Tamanho esforço intelectual e total entrega ao ra-
desse doce.” O termo “apetitosa” exerce a função ciocínio cobraram seu pedágio: Einstein adoeceu, com
sintática de adjunto adnominal. problemas no fígado, icterícia e úlcera. Seguiu debilitado
d) “Ainda que  dias pareçam pouco tempo...” – A até o final daquela década.
expressão “ainda que” introduz uma oração su- Se deslocados de sua época, Einstein e sua cosmologia
bordinada adverbial concessiva. podem ser facilmente vistos como um ponto fora da reta.
e) “Para retardar o efeito, Bonomi obteve a es- Porém, a historiadora da ciência britânica Patricia Fara lembra
tearina da gordura de leite...” – A oração “Para que aqueles eram tempos de “cosmologias”, de visões globais
retardar o efeito” classifica-se como subordinada sobre temas científicos. Ela cita, por exemplo, a teoria da
adverbial final. deriva dos continentes, do geólogo alemão Alfred Wegener
(1880-1930), marcada por uma visão cosmológica da Terra.
Fara dá a entender que várias áreas da ciência, na-
14. Unesp 2017 Leia o trecho extraído do artigo “Cos-
quele início de século, passaram a olhar seus objetos de
mologia, 100”, de Antonio Augusto Passos Videira e pesquisa por meio de um prisma mais amplo, buscando
Cássio Leite Vieira, para responder à questão. dados e hipóteses em outros campos do conhecimento.
“Vou conduzir o leitor por uma estrada que eu mesmo Folha de S.Paulo, 01.01.2017. Adaptado.
percorri, árdua e sinuosa.” A frase – que tem algo da Em “O Universo que saltou dos cálculos de Einstein
essência do hoje clássico A estrada não percorrida (1916),
tinha três características básicas [...]” (4o parágrafo), a
do poeta norte-americano Robert Frost (1874-1963) – está
oração destacada encerra sentido de
em um artigo científico publicado há cem anos, cujo teor
a) consequência. d) restrição.
constitui um marco histórico da civilização.
b) explicação. e) conclusão.
Pela primeira vez, cerca de 50 mil anos depois de o
c) causa.
Homo sapiens deixar uma mão com tinta estampada em
uma pedra, a humanidade era capaz de descrever mate-
maticamente a maior estrutura conhecida: o Universo. A 15. UEPG/PSS-PR 2019
façanha intelectual levava as digitais de Albert Einstein
(1879-1955).
A diferença entre Salário Mínimo e Salário
Ao terminar aquele artigo de 1917, o físico de origem Mínimo Necessário
alemã escreveu a um colega dizendo que o que produzira A Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de
o habilitaria a ser “internado em um hospício”. Mais tarde, 1988, define o Salário Mínimo como aquele fixado em lei,
referiu-se ao arcabouço teórico que havia construído como nacionalmente unificado, capaz de atender às necessidades
um “castelo alto no ar”. vitais básicas do trabalhador e de sua família com moradia,
O Universo que saltou dos cálculos de Einstein tinha alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene,
três características básicas: era finito, sem fronteiras e transporte e previdência social; além de incorporar reajustes
estático – o derradeiro traço alimentaria debates e traria periódicos que preservem seu poder aquisitivo (Constituição
arrependimento a Einstein nas décadas seguintes. da República Federativa do Brasil, art. 7o, inciso IV).
Em “Considerações Cosmológicas na Teoria da Para calcular o Salário Mínimo Necessário, o
Relatividade Geral”, publicado em fevereiro de 1917 nos Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socio-
Anais da Academia Real Prussiana de Ciências, o cientista econômicos (DIEESE) considera a regra constitucional de
FRENTE 1

construiu (de modo muito visual) seu castelo usando as que o salário mínimo deve atender às necessidades básicas
ferramentas que ele havia forjado pouco antes: a teoria da do trabalhador e de sua família e que o valor pago é o mes-
relatividade geral, finalizada em 1915, esquema teórico mo para todo o país. Também usa como base o Decreto-Lei

23
n.º 399, de 1938, que estabelece que o valor dedicado meias palavras em um discurso politicamente correto.
para a alimentação de um trabalhador adulto não pode ser Inclua, com ar de respeito, a posição contrária. Cozinhe
inferior ao custo de uma Cesta Básica de Alimentos. em banho-maria. Deixe descansar, para sempre, se puder.
Em maio de 2019, o Salário Mínimo Nacional foi Se necessário, volte ao fogo brando. Não mexa mais. Sirva
de R$ 998,00, porém o Salário Mínimo Necessário para morno. Viu? Simples de fazer. Difícil é digerir.
sustentar uma família composta por dois adultos e duas É porque, na prática, a legião de ocres causa a maior
crianças foi calculado pelo DIEESE em R$ 4.259,90, uma complicação. Quem vive do meio de campo, sem decidir
diferença de mais de 3.200 reais. sua cor publicamente, não tem o inconveniente de arcar
Adaptado de: www.dieese.org.br/analisecestabasica/salarioMinimo.html. com as escolhas. Quase nunca se tornará um desafeto.
Acesso em: 02/07/2019. Fará pouco e, muitas vezes, será visto como um sujeito
Nas primeiras linhas do texto, há a informação “pro- comedido. Quem não escolhe tem mais liberdade para
mudar de ideia. Não fica preso ao dito anteriormente. Exa-
mulgada em 5 de outubro de 1988”, que está em uma
tamente porque não disse nada. Não se comprometeu com
oração subordinada adjetiva explicativa reduzida de
nada. Apenas proferiu ideias genéricas e inconclusivas
particípio. A respeito da utilização dessa oração, assi-
estando liberado para transitar por todos os lados, segundo
nale o que for correto. sua necessidade. Ao estar em tudo não estando em nada,
 O elemento precedente ao qual essa oração seja para evitar responsabilidades, não se expor à crítica
acrescenta informações é Constituição Federal. ou fugir de polêmicas, o em cima do muro se esconde,
 As vírgulas utilizadas para marcar o início e o fim sobrecarrega e expõe aqueles que bancam opiniões.
dessa oração poderiam ser substituídas por pon- Portanto, conviver com quem não toma posição,
tos finais sem prejuízo do entendimento. de forma crônica, atrasa a vida. Ao se esquivar de es-
 O elemento precedente ao qual essa oração colher, o indivíduo condena o outro a fazê-lo em seu
acrescenta informações é Salário Mínimo. lugar. Reconheço que, às vezes, a gente leva tempo
 As vírgulas utilizadas para marcar o início e o para se decidir por algo. Todos temos medos que nos
fim dessa oração poderiam ser substituídas por impedem de agir. Mas ouso dizer: nunca tomar partido
parênteses sem prejuízo do entendimento. nas situações é covardia. Parece, inclusive, que o viver
em cima do muro é mais confortável que a situação
Soma: do mau-caráter. É que o sacana, ao menos, se define.
Embora atue na surdina, sua ação reflete um posiciona-
16. Unicentro-PR 2019 mento. Já o indefinido, não. Ele vive na toada do alheio.
E, curiosamente, também avacalha o próprio percurso
Viver em cima do muro é prejudicial à saúde por delegar ao outro a sua existência.
Élida Ramirez Recorro outra vez a Bauman para esclarecer: “Escapar
Ocre. Sempre me incomodou essa cor. Sabe aquele da incerteza é um ingrediente fundamental presumido,
marrom amarelado? O tal burro fugido? Exato isso! Quando de todas e quaisquer imagens compósitas da felicidade
vejo alguém com roupa ocre, tenho maior aflição. Certa genuína, adequada e total, sempre parece residir em al-
feita, entrei em um consultório médico to-di-nho ocre. gum lugar à frente”. Por isso, atenção! Viver em cima do
Paredes, chão, quadros. Tive uma gastura horrorosa. A muro é prejudicial à sua própria saúde. Facilita a queda e
sensação é que o ocre existe no dilema de não ser ama- impede novos caminhos. Um deles, o da alegria de poder
relo nem marrom. Invejando o viço das outras colorações ser. Talvez seja isso a que Bauman se refere quando trata
definidas e nada fazendo para mudar sua tonalidade. Isso da fuga da incerteza para alcançar a felicidade genuína.
explica meu desconforto. O ocre, para mim, ultrapassa o E, pensando bem, desconheço imagem de alegria predo-
sentido de cor. Ele dá o tom da existência do viver em cima minantemente ocre.
do muro. E conviver com gente assim é um transtorno. Texto adaptado e disponível em: www.revistabula.com/16514-viver-em-cima-
É fato que a tal “modernidade líquida”, definida por do-muro-e-prejudicial-a-saude/. Acesso em: 14 de ago. 2018.
Bauman, favorece o comportamento. Pensemos. Segundo Assinale a alternativa correta sobre o reconhecimento
o sociólogo, a globalização trouxe o encurtamento das
de orações em períodos do texto.
distâncias, borrando fronteiras. E, ao reconfigurar esses
a) Em “Parece, inclusive, que o viver em cima do
limites geográficos, mudou a concepção de si do sujeito
muro é mais confortável...”, a segunda oração é
bem como sua relação com as instituições. Muito rapida-
subordinada substantiva objetiva direta.
mente houve um esfacelamento de estruturas rígidas como
b) Em “Embora atue na surdina, sua ação reflete um
a família e o estado. Essa mudança do sólido para líquido
detonou o processo de individualização generalizado no posicionamento”, a primeira oração é subordina-
mundo ocidental reforçando o conceito de que “Nada é da adverbial consecutiva.
para durar” (Bauman). Então, desse jeito dá para ser mu- c) No período “Facilita a queda e impede novos cami-
tante pleno nesse viver em cima do muro. Nem amarelo nhos”, as orações são coordenadas assindéticas.
ou marrom. Ocre. Por isso, discursos ocos de pessoas com d) O período “Reconheço que, às vezes, a gen-
personalidades fluidas ganham espaço. E vão tomando a te leva tempo para se decidir por algo” tem, na
forma do ambiente, assim como a água. Uma fusão quase segunda oração, uma subordinada substantiva
nebulosa que embaça o comprometimento. completiva nominal.
Nota-se ainda certo padrão do viver em cima do e) Em “Todos temos medos que nos impedem de agir”,
muro. Como uma receitinha básica. Vejam só: Misture a segunda oração é subordinada adjetiva restritiva.

24 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 Sintaxe de período composto II


Texto complementar

Comprou, levou? Justaposição: procedimento sintático comum em propagandas


Introdução O questionamento da suposta independência sintática e se-
Na tradição gramatical, quando se menciona o conceito de mântica na articulação das orações coordenadas, que estendemos
justaposição, este normalmente é associado às orações coordena- para o âmbito dos vocábulos e dos sintagmas, encontra respaldo
das assindéticas, usando-se para exemplificar isso casos em que em Garcia (1975) e Soares (1978), que defendem a existência da
supostamente haveria tanto autonomia sintática quanto semântica “subordinação psicológica” ou semântica nas coordenadas as-
entre as orações articuladas umas às outras. sindéticas, ou seja, aquelas que vêm ligadas umas às outras sem
Em propagandas brasileiras impressas, é comum observar nexo conjuntivo. Portanto, seguindo o raciocínio destes autores,
slogans com sintagmas nominais e sintagmas verbais justapostos, as orações coordenadas podem ter autonomia sintática, mas não
ou seja, uns colocados ao lado dos outros. A possibilidade de justapor, necessariamente semântica, porque a ordem ou posição em que as
apor e adjungir vocábulos e/ou orações é frequente na língua. orações são usadas no contexto pode determinar uma relação de
Sintaticamente, no âmbito do período composto, geralmente essa dependência semântica entre elas. Por isso, a justaposição, quando
ideia só aparece na coordenação assindética, mas, ao contrário do mencionada, acaba se restringindo à possibilidade de se colocar
que a gramática normativa brasileira nos leva a crer, não há uma uma oração ao lado da outra sem se considerar uma possível rela-
autonomia semântica entre os sintagmas e/ou orações, mas sim, ção semântica entre os seus núcleos no contexto de uso.
uma interdependência semântica e sintática entres esses. [...] Ao contrário do que é apresentado nas gramáticas tra-
dicionais que seguem a NGB, defende-se aqui que, ao invés de
[...]
uma suposta independência sintática e semântica entre as orações,
Apresentação do tema como ocorre na coordenação, há, na justaposição, uma interdepen-
A maioria das gramáticas, que seguem a Nomenclatura Gra- dência entre as orações, mesmo sem o uso de conector explícito,
matical Brasileira, doravante NGB, contempla somente os processos interdependência essa que nos leva a depreender um conteúdo
de coordenação e subordinação para a estruturação do período semântico na articulação dessas orações no contexto de uso [...].
composto e usa a noção de justaposição associando-a principal- [...]
mente ao âmbito das orações coordenadas assindéticas, conforme RODRIGUES, V. V.; GONÇALVES, A. C. L. Comprou, levou? Justaposição:
já apontamos no início deste artigo. procedimento sintático comum em propagandas.
Letrônica, v. 8, n. 2, p. 409-421, 23 out. 2015.

Resumindo

y O período composto por subordinação é constituído por - completivas nominais: quando exercem a função de com-
uma sentença complexa, que apresenta uma oração ma- plemento nominal de um termo da oração matriz;
triz e uma oração subordinada. Essa última é encaixada na - apositivas: quando exercem a função de aposto de um
primeira e exerce uma função sintática específica. termo da oração matriz;
y As orações subordinadas são chamadas de desenvolvidas, - agentes da passiva: quando exercem a função de agente
quando são introduzidas por um conectivo + verbo conjugado, da passiva da oração matriz.
e de reduzidas, quando o verbo está em sua forma nominal y As orações subordinadas adjetivas atuam como um adjetivo
(infinitivo, gerúndio ou particípio) e não têm um conectivo. e desempenham função sintática de adjunto adnominal de
y As orações subordinadas substantivas atuam como um subs- um elemento presente na oração matriz.
tantivo e desempenham diferentes funções sintáticas, de y As orações subordinadas adjetivas desenvolvidas podem
acordo com a relação que estabelecem com a oração matriz. ser introduzidas na oração matriz por meio de um pronome
y O pronome “isso” substitui uma oração substantiva. Exem- relativo.
plo: É preciso ./É preciso isso; Ele queria
y As orações subordinadas adjetivas podem ser:
./Ele queria isso.
- explicativas: quando explicitam um elemento presente
y As orações subordinadas substantivas desenvolvidas
na oração matriz;
podem ser introduzidas na oração matriz por meio de
- restritivas: quando restringem ou particularizam um termo
uma conjunção integrante (“que” ou “se”), por pronomes
da oração matriz.
interrogativos (“qual”, “quem”, “quanto”), por advérbio de in-
tensidade (“quão”) ou por advérbios interrogativos (“como”, y A oração subordinada adjetiva restritiva não é separada da
“onde”, “por que”, “quando”). oração matriz por vírgulas, diferentemente do que ocorre
com a oração subordinada adjetiva explicativa, na qual a
y As orações subordinadas substantivas podem ser: vírgula é obrigatória. Portanto, é preciso estar atento à mu-
- subjetivas: quando exercem a função de sujeito da ora- dança de sentidos nessas orações: a explicativa refere-se a
ção matriz; uma totalidade, é generalizante; já a restritiva faz menção a
- predicativas: quando exercem a função de predicativo uma parte do todo, particularizando uma informação.
do sujeito da oração matriz;
y As orações subordinadas adjetivas podem ser reduzidas de
- objetivas diretas: quando exercem a função de objeto infinitivo, gerúndio e particípio, já as subordinadas substan-
direto da oração matriz;
FRENTE 1

tivas geralmente são reduzidas de infinitivo.


- objetivas indiretas: quando exercem a função de objeto
indireto da oração matriz;

25
Quer saber mais?

Artigo Músicas
POSSENTI, Sírio. O desafio da gramática. Revista Educação. RUSSO, Renato. Pais e filhos.
225a ed. jan. 206. A canção evidencia a visão do eu lírico sobre a relação
No texto, o autor defende que é fundamental o desen- entre pais e filhos, apontando para a necessidade de
volvimento da leitura e da escrita e que as discussões compreensão entre eles, em especial dos filhos em re-
gramaticais deveriam ser feitas em momentos pontuais lação a seus pais. Nos versos da canção, há sentenças
do ensino, tendo como base referenciais teóricos rele- que envolvem tanto orações coordenadas quanto su-
vantes. Para validar seu argumento, ele traz uma análise bordinadas.
de como é frágil o ensino das orações subordinadas Disponível em: www.letras.mus.br/renato-russo/75858/
nas escolas.
VICTOR & LEO. Borboletas.
Disponível em: https://revistaeducacao.com.br/206/0/
2/o-desafio-da-gramatica/ Descrevendo situações de desventuras amorosas em
que o amor parece cair na rotina e ocorre a separação,
o eu lírico apresenta-se dividido entre dois amores, mas
Livro
com uma visão otimista, acreditando que sua amada irá
ANDRADE, Oswald de. Pau-Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca
voltar como uma borboleta volta ao jardim. A canção
Azul, 202.
apresenta diversas sentenças complexas construídas
Na obra, há uma seção sobre a colonização brasileira que com orações subordinadas substantivas.
é constituída de quinze poemetos, sendo o maior de sete Disponível em: www.cifraclub.com.br/victor-leo/
versos e os menores de quatro versos. Os poemas refletem borboletas/simplificada.html
sobre a colonização de exploração no Brasil, evidenciando
a relação de subordinação entre a metrópole e a colônia.

Exercícios complementares

1. UCPel-RS 2016 saco de biscoitos e um suéter tanto mais admirável quanto


estava exatamente na medida, como feito na previsão de uma
Pingo
35 criança de cinco anos, que fosse encontrada ao abandono,
Passava de 22h, quando o casal, que vinha do cinema, em noite de frio, na calçada.
viu no meio-fio uma pequena forma escura, sobre a qual Ele se deixou vestir, comeu com gosto e sem pressa.
se debruçavam três moças. Mas, enquanto comia, procurava despregar mais uns
A rua era tranquila, dessas que, mesmo desembo pedacinhos de madeira.
5 cando em outras de agudo movimento, conservam sua A moça pensou em recolhê-lo em casa, à espera dos
40
placidez de província, alheias a toda emoção fora de pau- acontecimentos. Mas se o pai viesse e não encontrasse o
ta. Um ponto escuro na calçada, àquela hora de domingo,
garoto no meio-fio, como restituí-lo? Nessa fiúza, estavam
e a presença de moças em torno constituíam, pois, algo ex-
já havia uma hora. Por outro lado, era estranho aquele pai
traordinário, cuja importância o casal intuiu devidamente.
que assim deixava o filho atirado na rua, ao relento, sem
10 A pequena sombra movia-se. Era gente, mantinha a ca-
45 explicação. Voltaria? Nunca mais, talvez.
beça baixa, e suas mãos de menino tenro lidavam com um
Restava o recurso de tomar um carro e ir campear o
caixotinho que iam convertendo em gravetos. Parecia muito
barracão do menino, mas ele falava em sítios confusos,
preocupado com a tarefa, de sorte que se manteve alheio à
parecendo incapaz de localizá-los, ou pouco disposto
exposição feita por uma das moças, moradora na vizinhança.
a isso. Apelar para a Delegacia ou o Juízo de Menores,
15 Contava ela que, passando com duas amigas, também
fora atraída pela coisinha movediça, no recanto menos 50 àquela hora da noite, seria inútil. Na pior hipótese, a moça
iluminado da rua. Aproximando-se, pôs-se a observar o o guardaria em casa, e amanhã se dá um jeito. Examina-
garoto, que tremia de frio, mas não abandonava seu tra- va-se o que convinha fazer, em definitivo, quando outro
balho. Perguntou-lhe por que estava ali, já tarde, solito, grupo assomou à esquina, e, vendo o ajuntamento, dele
20 desmanchando tabuinhas. E ele, que não se revelou amigo se aproximou. Eram domésticas e operárias, que vinham
de conversa, a custo, foi soltando sua explicação. 55 rindo, satisfeitas com o domingo bem vivido, ou por coisa
O pai deixara-o naquele ponto, recomendando-lhe nenhuma. Curvando-se, reconheceram logo um irmão:
que não saísse do lugar. Tinha o que fazer e voltaria mais — É o Pingo!
tarde para buscá-lo. Era Pingo, amigo de todas, domiciliado na Praia do
25 — E para onde foi seu pai? Pinto. Pai? Não tinha pai, pelo menos que alguma delas sou-
— Eu é que sei? 60 besse. A mãe era lavadeira, e Pingo gostava de sair à aventura,
— A que hora ficou de voltar? percorrendo mundo. Pingo é muito levado, tem imaginação.
— Não disse. Então a moça samaritana pediu às vizinhas de Pingo
— E você vai ficar aí jogado até que ele volte? que o levassem. Elas concordaram, e Pingo não fez opo-
30 — Fico fazendo lenha, ué. sição. Queria apenas carregar as tabuinhas com que faria,
A moça viu logo que a primeira providência era dar 65 em casa, um grande fogo. Juntaram-se os fragmentos, e o
alimento e agasalho ao guri. Foi a casa, correndo, trouxe um bando partiu com a mesma algazarra feliz, comboiando

26 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 Sintaxe de período composto II


Pingo de suéter novo, com as tabuinhas e os biscoitos 3. UCPel-RS 2015
remanescentes na mão.
— Você vai para o céu, Iolanda! — comentou o casal, Mania de perseguição
70 a uma voz. Não sei se sou azarado ou sortudo. Se é verdade que,
Mas Iolanda seguia com os olhos o grupo de raparigas numa boa parte da vida, comi do pão que o diabo amassou,
e se preocupava. “Essa gente é meio maluca, sei lá se elas devo admitir, hoje, vendo de longe, que foi melhor comer
levam mesmo o garoto para casa?” isso que nada.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Prosa seleta. 5 De qualquer modo, por essa ou outra razão qualquer,
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003.
ando ultimamente com uma espécie de miniparanoia, con-
A oração sublinhada em “A moça viu logo - siderando-me, mais que os outros, vítima frequente da Lei
de Murphy. Por exemplo: no momento mesmo em que,
.” (linhas 31 e 32) é aproveitando que os carros vêm longe, atravesso a rua, tem
a) subordinada substantiva objetiva direta. 10 sempre um outro cara que decide atravessar, no mesmo
b) subordinada substantiva subjetiva. instante, em sentido contrário e na minha direção! Sou,
c) subordinada substantiva predicativa. então, obrigado a desviar dele e já aí os carros se aproxi-
d) subordinada adjetiva explicativa. maram ameaçadoramente, deixando-me assustado e tenso.
e) subordinada adjetiva restritiva. Por que isso? Querem outro exemplo? Digamos que eu
15 esteja com pressa e caminho velozmente pela calçada da
Avenida Copacabana: surgirá em minha frente um sujeito
2. UVV-ES 2018
empurrando vagarosamente uma carrocinha de sorvete e,
se tento ultrapassá-lo pela direita, ele vira para a direita;
se tento pela esquerda, ele vira para a esquerda! Parece
20 perseguição, penso comigo, esforçando-me para afastar a
ideia maluca de que sou perseguido por alguma entidade
maligna. Isso me faz lembrar o caso de um sujeito que não
saía de casa com medo de sofrer algum acidente fatal. Um
Cresce, a cada dia, a preocupação dos cientistas com dia, ele saiu e foi vítima de uma bala perdida.
o aumento na temperatura global. Apesar de o Acordo de 25 Nada a ver comigo, que estou sempre na rua, como
Paris estabelecer metas para manter o aquecimento global já se viu. E, se é na rua que essas coisas me acontecem,
dentro do limite de 1,5 ºC, os pesquisadores estão céticos nem por isso penso em me trancar em casa. Mas, voltando
quanto a isso. Gavin Schmidt, um dos principais cientistas à paranoia, meu carro agora deu para furar o pneu. Faz
da NASA, garante que o planeta está aquecendo a um seis meses, fui visitar um amigo em Santa Teresa e deixei o
ritmo muito acelerado não experimentado nos últimos 30 carro junto ao meio-fio. Quando voltava para casa, percebi
mil anos. Segundo ele, é “muito improvável” que o mun- que o pneu estava vazio e tive que trocá-lo sem ajuda de
do fique dentro dos limites de temperatura acordados e ninguém, pois era tarde da noite e a rua estava deserta.
necessários para evitar desastres causados pela elevação Pois bem, a mesma coisa aconteceu-me semana pas-
dos níveis dos oceanos. Apenas neste ano, por exemplo, sada, mas com uma pequena diferença: chovia, ou melhor,
a temperatura já atingiu 1,38 ºC acima dos níveis regis- 35 caía um pé-d’água. A Cláudia estava comigo e tínhamos
trados no século XIX, que servem como referência para ido ao lançamento do livro de um amigo no Leblon. Para
os cientistas e para o Acordo Climático de Paris. chegar à livraria, já foi um desespero, porque, além de
Disponível em: ciclovivo.com.br. Acesso em: 04 de setembro de 2017. chover, era no começo da noite: engarrafamento para
Nas alternativas abaixo, apenas uma justicativa está todos os lados. É verdade que eu, mais uma vez, errei o
40 caminho, e por isso nos metemos numa enrascada ainda
de acordo com as regras da Língua Portuguesa.
maior. Na hora de estacionar, claro, não havia lugar. Dei
Assinale a correta:
outra volta no quarteirão e consegui finalmente uma vaga
a) Em: Cresce, a cada dia, a preocupação dos cien-
para deixar o carro. E exatamente lá havia um prego à
tistas com o aumento na temperatura global;
minha espera. A caminho de casa, mal andamos cinco
pode-se afirmar que “a cada dia” é o sujeito da
45 quarteirões, percebi que uma das rodas da frente apre-
oração, cujo núcleo é a palavra “dia”.
sentava algum problema...
b) Se for trocado o conectivo apesar de em: Apesar — Pneu furado de novo? — pensei comigo. Não acre-
de o Acordo de Paris estabelecer [...] por: con- dito! Parece perseguição!
forme, o sentido da frase não se altera. Meu primeiro impulso foi encostar o carro em qual-
c) Pode-se substituir o termo céticos por crédulos 50 quer lugar, abandoná-lo ali e seguir para casa de táxi. Mas
e, ainda assim, a frase continua a manter o mes- logo pensei nas consequências futuras e me submeti: parei
mo sentido. o carro e tratei de trocar o pneu furado. É aquele negócio:
d) Eis um exemplo de vocativo que aparece no texto: afrouxa os parafusos, levanta o carro com o macaco, tira o
SA. pneu furado... Só que, quando peguei o estepe, verifiquei
e) Em: Segundo ele, é “muito improvável” que o 55 que ele também estava vazio.
FRENTE 1

mundo fique dentro dos limites, os termos em — Não acredito — gritei — e sentei no meio-fio, a
negrito revelam-se como uma oração subordinada ponto de começar a chorar. A chuva começou a cair mais
substantiva subjetiva. forte ainda.

27
Foi quando apareceram sete pessoas vestidas de ver- Um bom filme não é exatamente aquele que, quando
60 melho. Uma delas aproximou-se de mim e perguntou se termina, ficamos insatisfeitos, parados, olhando, quietos,
eu precisava de ajuda. para a tela, enquanto passam os letreiros, desejando que
— Somos os Anjos da Guarda — disse-me ele. E, de não cesse? Um bom livro não é aquele que, quando en-
fato, no peito de cada um deles havia a inscrição “Anjos cerramos a leitura, o deixamos um pouco apoiado no colo,
da Guarda”. absortos e distantes, pensando que não poderia terminar?
65 Esses anjos providenciais foram comigo até um posto Uma boa festa, um bom jogo, um bom passeio, uma boa
de gasolina que havia a quatro esquinas dali, enchemos cerimônia não é aquela que queremos que se prolongue?
o estepe e voltamos sorrindo debaixo do aguaceiro. Eles Com a vida de cada um e de cada uma também tem
puseram o pneu no lugar, guardaram o furado e as ferra- de ser assim; afinal de contas, não nascemos prontos e
mentas na mala do carro. acabados. Ainda bem, pois estar satisfeito consigo mesmo
70 — Tudo pronto, amigo. é considerar-se terminado e constrangido ao possível da
Apertei-lhes a mão, mas a minha vontade era beijá-los, condição do momento.
um a um. Quando crianças (só as crianças?), muitas vezes, diante
— Estamos sempre nas ruas para combater o crime da tensão provocada por algum desafio que exigia esforço
e prestar socorro a quem necessite — disse o que falava (estudar, treinar, EMAGRECER etc.) ficávamos preocupa-
75 português, porque os demais falavam espanhol e japonês. dos e irritados, sonhando e pensando: por que a gente já
— Foi muita sorte — disse Cláudia. não nasce pronto, sabendo todas as coisas? Bela e ingênua
— Mas tenho que tomar cuidado — respondi. — Todo perspectiva. É fundamental não nascermos sabendo e nem
o mundo só tem direito a um anjo da guarda. Eu acabo de prontos; o ser que nasce sabendo não terá novidades, só
dispor de sete. Estourei minha cota! reiterações. Somos seres de insatisfação e precisamos ter
GULLAR, Ferreira. Poesia completa, teatro e prosa. Rio de Janeiro: Nova
nisso alguma dose de ambição; todavia, ambição é diferente
Aguilar, 2008. de ganância, dado que o ambicioso quer mais e melhor,
enquanto que o ganancioso quer só para si próprio.
A oração sublinhada em “É verdade mais uma Nascer sabendo é uma limitação porque obriga a
vez, errei o caminho, e por isso nos metemos numa apenas repetir e, nunca, a criar, inovar, refazer, modificar.
enrascada ainda maior.” (linhas 39-41) é Quanto mais se nasce pronto, mais refém do que já se sabe
a) subordinada substantiva subjetiva. e, portanto, do passado; aprender sempre é o que mais
b) subordinada substantiva objetiva direta. impede que nos tornemos prisioneiros de situações que,
c) subordinada substantiva predicativa. por serem inéditas, não saberíamos enfrentar.
d) subordinada adjetiva explicativa. Diante dessa realidade, é absurdo acreditar na ideia
e) subordinada adjetiva restritiva. de que uma pessoa, quanto mais vive, mais velha fica;
para que alguém quanto mais vivesse mais velho ficasse,
teria de ter nascido pronto e ir se gastando…
4. Unicentro-PR 2018
Isso não ocorre com gente, e sim com fogão, sapato,
O animal satisfeito dorme geladeira. Gente não nasce pronta e vai se gastando; gente
Mário Sérgio Cortella
nasce não pronta, e vai se fazendo. Eu, no ano que esta-
mos, sou a minha mais nova edição (revista e, às vezes,
O sempre surpreendente Guimarães Rosa dizia: “o um pouco ampliada); o mais velho de mim (se é o tempo
animal satisfeito dorme”. Por trás dessa aparente obviedade a medida) está no meu passado e não no presente.
está um dos mais fundos alertas contra o risco de cairmos Demora um pouco para entender tudo isso; aliás, como
na monotonia existencial, na redundância afetiva e na falou o mesmo Guimarães, “não convém fazer escândalo de
indigência intelectual. O que o escritor tão bem percebeu começo; só aos poucos é que o escuro é claro”…
é que a condição humana perde substância e energia vital Excerto do livro Não nascemos prontos! – provocações filosóficas. De Mário
toda vez que se sente plenamente confortável com a ma- Sérgio Cortella. Disponível em: www.contioutra.com/o-animal-satisfeito-
dorme-texto-de-mario-sergio-cortella/.
neira como as coisas já estão, rendendo-se à sedução do
repouso e imobilizando-se na acomodação. Assinale a alternativa que estiver em desacordo com as
A advertência é preciosa: não esquecer que a satis- relações morfossintáticas presentes neste fragmento:
fação conclui, encerra, termina; a satisfação não deixa “Diante dessa realidade, é absurdo acreditar na ideia
margem para a continuidade, para o prosseguimento, para de que uma pessoa, quanto mais vive, mais velha ca;
a persistência, para o desdobramento. A satisfação acal- para que alguém quanto mais vivesse mais velho cas-
ma, limita, amortece. Por isso, quando alguém diz “fiquei
se, teria de ter nascido pronto e ir se gastando…”.
muito satisfeito com você” ou “estou muito satisfeita com
a) Os termos “Diante dessa realidade” exercem a
teu trabalho”, é assustador. O que se quer dizer com isso?
função sintática de adjunto adverbial de tempo.
Que nada mais de mim se deseja? Que o ponto atual é
meu limite e, portanto, minha possibilidade? Que de mim b) Temos um período composto, em que “acreditar
nada mais além se pode esperar? Que está bom como na ideia” funciona como uma oração subordinada
está? Assim seria apavorante; passaria a ideia de que desse substantiva subjetiva.
jeito já basta. Ora, o agradável é quando alguém diz: “teu c) Neste mesmo período, os termos “de que uma
trabalho (ou carinho, ou comida, ou aula, ou texto, ou pessoa, [...] mais velha fica”, completam o termo
música etc.) é bom, fiquei muito insatisfeito e, portanto, “ideia”, constituindo, por isso, uma oração subor-
quero mais, quero continuar, quero conhecer outras coisas. dinada substantiva completiva nominal.

28 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 Sintaxe de período composto II


d) Este período apresenta pelo menos uma oração II. O segundo “que” é uma conjunção subordinativa
subordinada adverbial proporcional. substantiva objetiva direta.
e) Em: “... para que alguém quanto mais vivesse mais III. O primeiro “que” inicia uma oração subordinada
velho ficasse, teria de ter nascido pronto e ir se adverbial causal.
gastando…”, temos uma oração subordinada ad- IV. O segundo “que” é um pronome relativo e retoma
verbial final. a forma verbal “estou”.
Assinale a alternativa correta.
5. Uenp-PR 2019 a) Somente as afirmativas I e II são corretas.
Entalhando a felicidade b) Somente as afirmativas I e IV são corretas.
c) Somente as afirmativas III e IV são corretas.
“Madeira é um elemento que tem que ser respeitado. Eu
d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
nasci numa casa de madeira, me criei numa casa de madei-
e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.
ra. Ela era feita com árvores retiradas dali, da região”, conta
José Belaque, 63. O artesão expõe suas peças no Calçadão
de Londrina, esquina com Hugo Cabral, de segunda a sexta. 6. Unipar-PR 2019 Considere o período abaixo:
Após uma vida dedicada ao trabalho contínuo e sistemático, Não é dado ao ser humano CONHECER TODA A EX-
Belaque parece ter encontrado, na madeira, a felicidade. TENSÃO DA SUA IGNORÂNCIA, o que, em tese, lhe
As peças são criadas para discursar. Os móveis para poupa o perigo do desânimo.
bonecas obedecem à arte vitoriana, período que estudou A oração destacada no período anterior classica-se
em um trabalho como guia turístico. Formas, desenhos, como:
cores, tudo leva ao passado. “A minimização, ou seja, a a) subordinada substantiva predicativa.
cozinha do adulto que tinha nas fazendas, agora é feita b) subordinada substantiva subjetiva.
para as bonecas. A criança vai aprendendo, por meio do c) subordinada substantiva objetiva indireta.
brinquedo, a história”, afirma. d) subordinada substantiva objetiva direta.
História na expressão e na própria madeira. “Isso tudo e) subordinada substantiva completiva nominal.
é um resgate. Foi uma árvore que deu frutos, sombra, con-
forto e de repente ela se torna um elemento positivo”, Leia o texto a seguir.
defende. “Quando eu era criança, não tinha indústria de
brinquedos e a gente queria brincar. Então, os avós e pais Modo de aferventar a couve-flor
construíam os brinquedos de uma forma artesanal. Eu quis É indispensável, qualquer que seja o fim a que se
voltar num tempo em que se construíam os brinquedos, destine a couve-flor, prepará-la, antes, da seguinte forma:
elementos decorativos e móveis dentro de casa”, afirma. depois de tirar suas folhas, lave-a, deixando por algum
Há quatro anos, tomou a decisão de viver da arte após tempo num molho de água e vinagre, para largar qualquer
a constatação de ter realizado bons trabalhos em sua carrei- bichinho que possa ter. Lave a couve-flor outra vez, antes
ra, já satisfeito com o ponto aonde tinha chegado. A oficina de ir para a caçarola, a fim de sair bem o gosto do vinagre.
funciona no fundo da casa de Belaque. “Eu estou fazendo Ela pode ser aferventada inteira ou em pedaços. Se for em
uma coisa que amo fazer, na hora em que tenho interesse, pedaços, faz-se da seguinte maneira: corta-se a couve-flor
então eu digo que estou no período fetal. Eu almoço quando em diversos ramos e põe-se numa caçarola com água sal-
tenho fome, levanto quando o corpo pede, trabalho e me gada a ferver em quantidade tal que os pedaços fiquem
estendo até de madrugada quando estou empolgado”, sorri. completamente cobertos de água para não escurecerem.
E vai criando conforme suas crenças e constatações
expressas na madeira. Recicladas e não recicladas, afirma 7. Fatec-SP É indispensável, qualquer que seja o fim a que
usar mais o pínus por questão de respeito e custo. As ma- se destine a couve-flor, prepará-la, antes, da seguinte
deiras de primeira linha que possui são controladas e faz
forma [...]
questão de afirmar: “Eu só trabalho com aquelas que têm
o selo de controle, se não tiver eu não aceito, não compro. A oração principal – “É indispensável” – mantém cor-
Não dou força para criar-se esse comércio”, argumenta. respondência com a oração subordinada “prepará-la,
No fim, o resultado é a felicidade baseada no respeito antes, da seguinte forma...”, que deve ser classicada
pela natureza, pela arte e pela sua história. “Dinheiro é como oração subordinada
maravilhoso, mas chega um período em que ele não é a) substantiva predicativa.
mais tão importante, porque a felicidade não é o dinheiro b) adverbial concessiva.
que traz. É você realizar aquilo que gosta de fazer. Isso é
c) substantiva subjetiva.
felicidade”, acredita.
d) adjetiva explicativa.
Adaptado de: GONÇALVES, É. Entalhando a felicidade. Londrina: Folha de
Londrina, Folha Mais, 26 e 27 de maio de 2018, p. 1. e) adjetiva restritiva.

Em relação à partícula “que” em “Eu estou fazendo uma 8. Uenp-PR 2018


coisa que amo” e “eu digo que estou no período fetal”,
FRENTE 1

considere as afirmativas a seguir. O combate ao spam nas mãos dos usuários


I. O primeiro “que” é um pronome relativo e retoma Pode não parecer, mas cerca de 90% dos e-mails que
o termo “coisa”. chegam aos provedores é spam e deixam de ser enviados

29
aos usuários finais. Apenas os 10% restantes vão para a caixa manifestações, e continua até hoje. Mas esse é um tema para
de entrada dos usuários, sendo que metade é enviada sob outra coluna, ainda por ser escrita. O que me interessa aqui
suspeição e acaba caindo na pasta de “lixo eletrônico”. Essa é que nossos rituais de fim e começo giram cada vez mais
é a afirmação da Abrahosting (Associação Brasileira das Em- em falso, e não apenas porque há muito foram apropriados
presas de Infraestrutura e Hospedagem na Internet). No final, pelo mercado. Há algo maior, menos fácil de perceber, mas
sobram apenas 5% de mensagens genuínas e, ainda assim, nem por isso menos dolorosamente presente. Algo que pres-
parece que o problema do spam (mensagens não solicitadas) sentimos, mas temos dificuldade de nomear. Algo que nos
não tem fim, nem para os usuários, nem para os provedores. assusta, ou pelo menos assusta a muitos. E, por nos assustar,
“Nós, que somos provedores, nunca sentimos os números em vez de nos despertar, anestesia. Talvez para uma época
de spam cair”, diz Vicente Neto, presidente da entidade. de anos que, de tão acelerados, não terminam mais, o mais
A associação deu início na semana passada a uma indicado seja não resoluções de ano-novo nem manuais
campanha educativa para aumentar o engajamento dos sobre ser feliz ou bem-sucedido, mas antiautoajuda.
usuários finais no combate ao spam. Os serviços de e-mail já Quando as pessoas dizem que se sentem mal, que é cada
contam com recursos que permitem ao usuário sinalizá-los vez mais difícil levantar da cama pela manhã, que passam
como spam e bloqueá-los. A atitude pode beneficiar a todos o dia com raiva ou com vontade de chorar, que sofrem com
os usuários ao ajudar os provedores a identificar e bloquear ansiedade e que à noite têm dificuldade para dormir, não me
remetentes de mensagens indesejadas. Em sua campanha, a parece que essas pessoas estão doentes ou expressam qual-
Abrahosting sugere que seus associados orientem os usuá- quer tipo de anomalia. Ao contrário. Neste mundo, sentir-se
rios a fazerem uso das ferramentas de bloqueio e denúncia. mal pode ser um sinal claro de excelente saúde mental. Quem
“O usuário pode ajudar com isso, pois existem sistemas para está feliz e saltitante como um carneiro de desenho animado
bloquear. Se o usuário só apagar o e-mail, ele não consegue é que talvez tenha sérios problemas. É com estes que deveria
ajudar. O sistema funciona com a ajuda do usuário”. soar uma sirene e por estes que os psiquiatras maníacos por
Para Vicente Neto, o agravante do problema são as em- medicação deveriam se mobilizar, disparando não pílulas,
presas de “marketing de performance”, que enviam e-mails mas joelhaços como os do Analista de Bagé, do tipo “acorda
de marketing em massa. “Esses são os maiores spammers”. e se liga”. É preciso se desconectar totalmente da realidade
De acordo com ele, além de transtornos aos usuários, o spam para não ser afetado por esse mundo que ajudamos a criar e
traz custos às empresas de hospedagem, que invariavelmente que nos violenta. Não acho que os felizes e saltitantes sejam
têm uma equipe dedicada só a monitorar esse problema e pa- mais reais do que o Papai Noel e todas as suas renas, mas, se
gam caro por licenças de softwares para bloquear os e-mails existissem, seriam estes os alienados mentais do nosso tempo.
não solicitados. “É um prejuízo muito grande”. [...] Quero aqui defender o mal-estar. Não como se
Adaptado de: CHIBA, M. F. O combate ao spam nas mãos dos usuários. ele fosse um vírus, um alienígena, um algo que não deve-
Folha de Londrina. 15 jun. 2017. Economia e Negócios. p. 4. ria estar ali, e portanto tornar-se-ia imperativo silenciá-lo.
Defendo o mal-estar – o seu, o meu, o nosso – como aquilo
Em relação aos recursos linguístico-semânticos pre-
que desde as cavernas nos mantém vivos e fez do homo
sentes no texto, considere as armativas a seguir.
sapiens uma espécie altamente adaptada – ainda que des-
I. A palavra “hospedagem”, utilizada no texto, man- trutiva e, nos últimos séculos, também autodestrutiva. É o
tém o valor semântico de “abrigar”, “alojar”. mal-estar que nos diz que algo está errado e é preciso se
II. O termo “agravante” e a expressão “em massa” mover. Não como um gesto fácil, um preceito de autoajuda,
são usados com o mesmo sentido. mas como uma troca de posição, o que custa, demora e
III. O advérbio “já” apresenta o sentido de “logo” em: exige os nossos melhores esforços. Exige que, pela manhã,
“Os serviços de e-mail já contam com recursos”. a gente não apenas acorde, mas desperte.
IV. Em “Nós, que somos provedores, nunca sentimos Anos atrás eu escreveria, como escrevi algumas vezes,
os números de spam cair”, as vírgulas separam que o mal-estar desta época, que me parece diferente do
uma oração subordinada adjetiva explicativa. mal-estar de outras épocas históricas, se dá por várias
Assinale a alternativa correta. razões relacionadas à modernidade e a suas criações
concretas e simbólicas. Se dá inclusive por suas ilusões
a) Somente as afirmativas I e II são corretas. de potência e fantasias de superação de limites. Mas em
b) Somente as afirmativas I e IV são corretas. especial pela nossa redução de pessoas a consumidores,
c) Somente as afirmativas III e IV são corretas. pela subjugação de nossos corpos – e almas – ao mercado
d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. e pela danação de viver num tempo acelerado. [...]
e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas. Trecho de: BRUM, Eliane. Antiautoajuda. Disponível em:
http://brasil.elpais.com/brasil/2014/12/22/opinion/1419251053_272392.html.
Acesso em: 22 dez. 2014.
Texto para as questões 9 e 10.
Não tenho certeza se esse ano vai acabar. Tenho uma
convicção crescente de que os anos não acabam mais. Não 9. UFC-CE 2015 A oração destacada em: O que me in-
há mais aquela zona de transição e a troca de calendário, teressa aqui é uma oração __________ cujo termo
assim como de agendas, é só mais uma convenção que, se introdutório tem como função sintática __________.
é que um dia teve sentido, reencena-se agora apenas como a) subordinada adjetiva restritiva / sujeito.
gesto esvaziado. Menos a celebração de uma vida que se b) subordinada adjetiva explicativa / sujeito.
repactua, individual e coletivamente, mais como farsa. E c) subordinada adjetiva restritiva / objeto direto.
talvez, pelo menos no Brasil, poderíamos já afirmar que d) subordinada adverbial integrante / objeto direto.
2013 começou em junho e não em janeiro, junto com as e) subordinada adjetiva explicativa / objeto direto.

30 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 Sintaxe de período composto II


10. UFC-CE 2015 No período: Tenho uma convicção 12. Ulbra-RS 2017 A questão refere-se ao conto Uma
crescente , a ora- Esperança, de Clarice Lispector, disponível em http://clari-
ção destacada é uma subordinada substantiva: celispector.blogspot.com.br/2008/0/uma-esperana.html.
a) subjetiva. d) objetiva indireta.
Aqui em casa pousou uma esperança. Não a clássica,
b) predicativa. e) completiva nominal.
que tantas vezes verifica-se ser ilusória, embora mesmo
c) objetiva direta.
assim nos sustente sempre. Mas a outra, bem concreta e
verde: o inseto.
11. Uema 2018 Para responder à questão, leia o artigo de 5 Houve um grito abafado de um de meus filhos:
opinião, extraído da Revista Planeta. — Uma esperança! e na parede, bem em cima de sua
Homem e máquina cadeira! Emoção dele também que unia em uma só as duas
Desde que as primeiras máquinas começaram a atuar esperanças, já tem idade para isso. Antes surpresa minha:
em fábricas, as queixas sobre a perda de postos de trabalho esperança é coisa secreta e costuma pousar diretamente
são constantes. Um estudo divulgado em 2015 revelou que a 10 em mim, sem ninguém saber, e não acima de minha cabe-
tecnologia, na verdade, criou mais empregos do que eliminou. ça numa parede. Pequeno rebuliço: mas era indubitável, lá
“A tendência de reduzir postos de trabalho na agricul- estava ela, e mais magra e verde não poderia ser.
tura e na indústria é compensada pelo rápido crescimento — Ela quase não tem corpo, queixei-me.
nos setores de serviços, criatividade e tecnologia”, dizem — Ela só tem alma, explicou meu filho e, como filhos
os economistas que analisaram dados dos últimos 144
15 são uma surpresa para nós, descobri com surpresa que ele
anos para avaliar como os avanços na tecnologia afetaram
falava das duas esperanças.
o emprego na Inglaterra e no País de Gales. Eles falam em
Ela caminhava devagar sobre os fiapos das longas
uma “mudança profunda” nas relações de trabalho. [...]
Os dados confirmam a ideia de que os robôs livram o pernas, por entre os quadros da parede. Três vezes tentou
homem de trabalhos pesados ou degradantes. As inovações renitente uma saída entre dois quadros, três vezes teve que
tecnológicas reduziram os postos de trabalho em ativida- 20 retroceder caminho. Custava a aprender.
des maçantes, perigosas e repetitivas. O setor agrícola foi — Ela é burrinha, comentou o menino.
o primeiro a se beneficiar disso. [...] — Sei disso, respondi um pouco trágica.
Uma pesquisadora de Massachusetts Institute of Techno- — Está agora procurando outro caminho, olhe, coi-
logy (MIT), especialista nas relações humanos-robôs, é menos tada, como ela hesita.
alarmista em relação à perda de postos para as máquinas. 25 — Sei, é assim mesmo.
“A automação pode até ter substituído os humanos em al- — Parece que esperança não tem olhos, mamãe, é
gumas áreas, mas a tecnologia atual ainda não é suficiente guiada pelas antenas.
para o trabalho totalmente sem humanos. Isso significa que — Sei, continuei mais infeliz ainda.
boa parte do desenvolvimento hoje vai na direção de termos Ali ficamos, não sei quanto tempo olhando. Vigiando-a
robôs criados para trabalhar com os humanos, em vez de 30 como se vigiava na Grécia ou em Roma o começo de fogo
substituí-los”, afirmou à PLANETA.
do lar para que não se apagasse.
Um professor do departamento de Ciência da Compu-
— Ela se esqueceu de que pode voar, mamãe, e pensa
tação da USP preocupa-se com uma troca de mão de obra.
que só pode andar devagar assim.
“Os robôs deveriam substituir o trabalho humano apenas
em duas condições: na medida em que o trabalho desagrada Andava mesmo devagar – estaria por acaso ferida? Ah
o ser humano e na medida em que se dê um trabalho mais 35 não, senão de um modo ou de outro escorreria sangue,
digno para a pessoa substituída”, avalia. Para ele, há risco tem sido sempre assim comigo.
de as pessoas tratarem colegas como máquinas. Foi então que farejando o mundo que é comível, saiu
Revista Planeta. 2017. (Adaptado) de trás de um quadro uma aranha. Não uma aranha, mas
me parecia “a” aranha. Andando pela sua teia invisível,
Da análise do trecho: “‘A tendência de reduzir postos
40 parecia transladar-se maciamente no ar. Ela queria a espe-
de trabalho na agricultura e na indústria é compensa-
rança. Mas nós também queríamos e, oh! Deus, queríamos
da pelo rápido crescimento nos setores de serviços,
menos que comê-la. Meu filho foi buscar a vassoura. Eu
criatividade e tecnologia’, dizem os economistas que
disse fracamente, confusa, sem saber se chegara infeliz-
analisaram dados dos últimos 144 anos para avaliar
mente a hora certa de perder a esperança:
como os avanços na tecnologia afetaram o emprego 45 — É que não se mata aranha, me disseram que traz sorte...
na Inglaterra e no País de Gales [...]” depreende-se — Mas ela vai esmigalhar a esperança! respondeu o
que o sujeito de dizem é modicado por menino com ferocidade.
a) “que analisaram dados dos últimos  anos” → — Preciso falar com a empregada para limpar atrás
oração subordinada adjetiva. dos quadros – falei sentindo a frase deslocada e ouvindo
b) “de reduzir postos de trabalho na agricultura e na 50 o certo cansaço que havia na minha voz. Depois devaneei
indústria” → oração substantiva apositiva. um pouco de como eu seria sucinta e misteriosa com a
c) “para avaliar como os avanços na tecnologia” → empregada: eu lhe diria apenas: você faz o favor de faci-
oração subordinada adverbial final. litar o caminho da esperança.
d) “como os avanços na tecnologia afetaram o em- O menino, morta a aranha, fez um trocadilho, com
FRENTE 1

prego” → oração substantiva objetiva direta. 55 o inseto e a nossa esperança. Meu outro filho, que estava
e) “é compensada pelo rápido crescimento nos seto- vendo televisão, ouviu e riu de prazer. Não havia dúvida:
res” → oração subordinada adverbial consecutiva. a esperança pousara em casa, alma e corpo.

31
Mas como é bonito o inseto: mais pousa que vive, é um esqueletinho verde, e tem uma forma tão delicada que isso
explica por que eu, que gosto de pegar nas coisas, nunca tentei pegá-la.
60 Uma vez, aliás, agora é que me lembro, uma esperança bem menor que esta pousara no meu braço. Não senti nada, de
tão leve que era, foi só visualmente que tomei consciência de sua presença. Encabulei com a delicadeza. Eu não mexia o braço
e pensei: “e essa agora? que devo fazer?” Em verdade nada fiz. Fiquei extremamente quieta como se uma flor tivesse nascido
em mim. Depois não me lembro mais o que aconteceu. E, acho que não aconteceu nada.
Com base no fragmento abaixo, leia as armações a seguir e assinale a alternativa correta.
O menino, morta a aranha, fez um trocadilho, com o inseto e a nossa esperança. Meu outro filho, que estava vendo
televisão, ouviu e riu de prazer. Não havia dúvida: a esperança pousara em casa, alma e corpo.
I. Na oração “morta a aranha”, aranha é o objeto direto.
II. Na oração sublinhada, “um trocadilho” consiste no objeto direto.
III. O trecho “que estava vendo televisão” é uma oração subordinada adjetiva explicativa.
IV. O termo “em casa”, sublinhado, constitui-se no adjunto adverbial.
Está(ão) correta(s):
a) Apenas I, III e IV. d) Apenas a III.
b) Apenas II, III e IV. e) I, II, III e IV.
c) Apenas II e III.

13. PUC-Rio (Adapt.)

O discurso do humor: temas, técnicas e leituras


Se você diz a alguém que estuda piadas, o primeiro efeito que produz ainda é o riso. É uma pena que seja assim, porque
as piadas são de fato um tipo de material altamente interessante. Por várias razões.
Em primeiro lugar, as piadas são interessantes para os estudiosos porque praticamente só há piadas sobre temas que são
socialmente controversos. Assim, sociólogos e antropólogos poderiam ter nelas um excelente corpus para tentar reconhecer
(ou confirmar) diversas manifestações culturais e ideológicas, valores arraigados. [...]
Em segundo lugar, porque piadas operam fortemente com estereótipos. Assim, fornecem um bom material para pesquisas
sobre “representações”, por exemplo. Possivelmente, qualquer estudioso tenha o direito de afirmar que tais representações
são grosseiras demais para revelarem qualquer fato significativo. Mas estará enganado. De fato, elas revelam que, frequen-
temente, discursos operam mesmo com representações grosseiras, estereotipadas. E que, portanto, muitas ações sociais são
realizadas com esse frágil fundamento – não dar emprego a determinados tipos de pessoas por causa de seu sotaque ou da
cor de sua pele ou do seu tamanho, por exemplo. [...]
Em terceiro lugar, as piadas são interessantes porque são quase sempre veículo de um discurso proibido, subterrâneo, não
oficial, que não se manifestaria, talvez, através de outras formas de coletas de dados, como entrevistas. Outra face da mesma
característica é que as piadas veiculam discursos não explicitados correntemente (ou, pelo menos, discursos pouco oficiais).
POSSENTI, Sírio. Os humores da língua. Campinas, SP: Mercado de Letras. 1998. p. 25-26.

y Em textos dissertativo-argumentativos, não é raro encontrar avaliações do enunciador expressas pela seguinte
estrutura sintática: oração principal + oração subordinada substantiva subjetiva. Retire do o parágrafo do texto um
exemplo que fundamente essa afirmativa.

14. FGV-SP
Não tirei bilhete para a vida,
Errei a porta do sentimento,
Não houve vontade ou ocasião que eu não perdesse.
Hoje não me resta, em vésperas de viagem,
Com a mala aberta esperando a arrumação adiada,
Sentado na cadeira em companhia com as camisas que não cabem,
Hoje não me resta (à parte o incômodo de estar assim sentado)
Senão saber isto:
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Grande é a vida, e não vale a pena haver vida.
PESSOA, Fernando. Poesias de Álvaro de Campos. In:_____.Obra Poética. Rio de Janeiro: Aguilar. p. 382.

a) Na sequência de orações coordenadas sindéticas e assindéticas que predominam em todo o poema, destacam-
-se, como exceções, duas orações adjetivas restritivas de relevância semântica no contexto. Destaque as duas
orações e relacione-as com a significação construída no poema.
b) Nos últimos quatro versos, há um jogo de sentidos construído entre orações substantivas que pode ser entendido
como redução x ampliação. Identifique e classifique tais orações e explique os referidos sentidos que elas produzem.

32 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 Sintaxe de período composto II


15. Ifes Leia o texto abaixo observando as estruturas sintáticas que se repetem.

O único animal
O homem é o único animal que ri dos outros. O homem é o único animal que passa por outro e [que] finge que não vê.
É o único que fala mais que o papagaio. É o único que gosta de escargots (fora, claro, o escargot). É o único que acha
que Deus é parecido com ele. E é o único...
... que se veste
... que veste os outros
... que despe os outros
... que faz o que gosta escondido
... que muda de cor quando se envergonha
... que se senta e [que] cruza as pernas
... que sabe que vai morrer
... que pensa que é eterno
... que não tem uma linguagem comum a toda espécie
... que se tosa voluntariamente
... que lucra com os ovos dos outros
... que pensa que é anfíbio e que morre afogado
... que tem bicho
... que joga no bicho
... que aposta nos outros
... que compra antenas
... que se compara com os outros. [...]
VERISSIMO, Luis Fernando. O marido do doutor Pompeu. 2. ed. Porto Alegre: L&PM, 1987. p. 7-8.

Para criar uma longa enumeração das características “únicas” do ser humano, o autor faz uso de uma estrutura sintá-
tica marcada pela repetição de:
a) orações subordinadas substantivas completivas nominais.
b) orações subordinadas adverbiais comparativas.
c) orações subordinadas adjetivas explicativas.
d) orações subordinadas substantivas subjetivas.
e) orações subordinadas adjetivas restritivas.

16. UEMG 2015


De repente chegou o dia dos meus setenta anos.
Fiquei entre surpresa e divertida, setenta, eu? Mas tudo parece ter sido ontem! No século em que a maioria quer ter vinte
anos (trinta a gente ainda aguenta), eu estava fazendo setenta. Pior: duvidando disso, pois ainda escutava em mim as risadas
da menina que queria correr nas lajes do pátio quando chovia, que pescava lambaris com o pai no laguinho, que chorava
em filme do Gordo e Magro, quando a mãe a levava à matinê. (Eu chorava alto com pena dos dois, a mãe ficava furiosa.)
A menina que levava castigo na escola porque ria fora de hora, porque se distraía olhando o céu e nuvens pela janela em lugar
de prestar atenção, porque devagarinho empurrava o estojo de lápis até a beira da mesa, e deixava cair com estrondo sabendo que
os meninos, mais que as meninas, se botariam de quatro catando lápis, canetas, borracha – as tediosas regras de ordem e quietude
seriam rompidas mais uma vez.
Fazendo a toda hora perguntas loucas, ela aborrecia os professores e divertia a turma: apenas porque não queria ser di-
ferente, queria ser amada, queria ser natural, não queria que soubessem que ela, doze anos, além de histórias em quadrinhos
e novelinhas açucaradas, lia teatro grego – sem entender – e achava emocionante.
(E até do futuro namorado, aos quinze anos, esconderia isso.)
O meu aniversário: primeiro pensei numa grande celebração, eu que sou avessa a badalações e gosto de grupos bem pequenos.
Mas pensei, setenta vale a pena! Afinal já é bastante tempo! Logo me dei conta de que hoje setenta é quase banal, muita gente
com oitenta ainda está ativo e presente.
Decidi apenas reunir filhos e amigos mais chegados (tarefa difícil, escolher), e deixar aquela festona para outra década.
LUFT, 2014, p.104-105.

Leia atentamente a oração destacada no período a seguir:


[...] pois ainda escutava em mim as risadas da menina que queria correr nas lajes do pátio [...]
Assinale a alternativa em que a oração em negrito e sublinhada apresenta a mesma classicação sintática da desta-
cada acima.
a) “A menina porque ria fora de hora [...]”
b) “[...] e deixava cair com estrondo sabendo , mais que as meninas, catando
FRENTE 1

lápis, canetas, borracha [...]”


c) “[...] não queria que ela [...]”
d) “Logo me dei conta [...]”

33
BNCC em foco
EM13LP37

1.
Para concluir a aprovação do projeto, os parlamentares precisam analisar os destaques, propostas que visam modificar
o conteúdo. A previsão é que os destaques sejam votados na sessão desta quinta (13), marcada para as 10h.

a)
b)
c)
d)
e)
EM13LP02

2.

a)
b)
EM13LP25

3.

Alterar o tipo de manifestação: os órgãos ou entidades que também aderiram aos formulários “Padrão” e “Simplifique”
podem alterar o tipo de manifestação no sistema Fala.BR. Ao receber uma manifestação cadastrada como pedido de acesso
à informação, o gestor terá os primeiros 5 (cinco) dias do prazo para verificar se realmente se trata de um pedido de acesso à
informação. Caso se constate que se trata de uma manifestação de ouvidoria, é possível alterar o tipo de manifestação.

a)

b)

c)

d)
e)

LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 Sintaxe de período composto II


FRENTE 1

CAPÍTULO Sintaxe do período composto III

14
O desenho medieval acima é uma das 32 imagens contidas no Liber feudorum Ceritaniae,
livro datado do século XII, onde estão os registros (272 cartas, em 379 páginas, com
32 miniaturas coloridas) dos feudos de dois territórios entre a França e a Espanha, bem
como as obrigações feudais entre os senhores e os vassalos. A imagem mostra a su-
bordinação dos vassalos ao senhor feudal, que lhes provia moradia e terras em troca
de fidelidade, pagamento de impostos e suporte militar para defendê-los em tempos de
guerra. Como estudamos no capítulo anterior, a sintaxe da língua portuguesa permite a
construção de relações de subordinação entre orações. Neste capítulo, veremos o últi-
mo grupo de orações subordinadas, que, por assumirem a função de adjunto adverbial
da oração principal, são classificadas como orações subordinadas adverbiais.
Orações subordinadas adverbiais Saiba mais
Os períodos compostos por subordinação são formados
por duas ou mais orações que têm uma relação de depen-
dência entre si. Conforme a função sintática que assumem
em relação à oração matriz, as orações subordinadas podem
atuar sintaticamente como substantivos e adjetivos, como foi
discutido no capítulo anterior. Além disso, as orações subor-
dinadas podem funcionar como advérbios.

Atenção

Leia a tirinha e observe a análise a seguir.

Armandinho, de Alexandre Beck


A personagem expõe, na tirinha, uma condição: as
Vejamos os exemplos. pessoas devem se responsabilizar por aquilo que com-
partilham (como as fake news e os discursos de ódio) no
o seu nome Facebook, caso utilizem essa plataforma. A tirinha transmite
uma mensagem de alerta aos usuários das redes sociais.
Agora, veja a análise abaixo.
quantos anos você tem

se

estudioso

que estuda A seguir, estudaremos os tipos de orações subordina-


das adverbiais.

Orações subordinadas adverbiais: causais,


consecutivas, condicionais
normalmente Observe o cartaz:
Acervo da Diretoria de Publicidade Institucional do Ministério
Público de Minas Gerais

Eles não são


animais de
quando dorme estimação e devem
permanecer na
natureza. Não
capture, não
compre e não
mantenha em
A oração com função de adjunto adverbial (“quando cativeiro.
dorme”) é classificada como subordinada adverbial, pois
exerce essa função sintática e é dependente da oração
anterior, a matriz. As orações subordinadas adverbiais são
classificadas em nove tipos, de acordo com a circunstân-
cia que exprimem: causal, condicional, consecutiva, final,
temporal, proporcional, concessiva, comparativa e con- Esse cartaz faz parte de uma campanha promovida pelo
formativa. A oração “quando dorme” exprime um momento, Ministério Público de Minas Gerais, a fim de alertar sobre
uma temporalidade, por isso é classificada como oração os riscos e as penalidades do tráfico de animais silvestres,
subordinada adverbial temporal. prática criminosa muito comum no Brasil.

36 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Sintaxe do período composto III


No texto destacado, temos o seguinte enunciado. c) Se eles não são animais de estimação e devem per-
manecer na natureza, não os capture, não os compre
e não os mantenha em cativeiro.
No período, a conjunção “se” que inicia a primeira oração
exprime ideia de condição ou hipótese. Desse modo, essa ora-
ção é classificada como subordinada adverbial condicional.
O trecho em destaque é composto de algumas orações
que estabelecem relações de coordenação, conectadas Oração subordinada
Conjunções Exemplos
pela conjunção coordenativa “e”. Contudo, objetivando tor- condicional
nar a mensagem do cartaz mais eficaz quanto ao que se
pretende, poderíamos ligá-las estabelecendo uma relação
de subordinação e fazendo pequenos ajustes. Vejamos:
a) Visto que eles não são animais de estimação e de-
vem permanecer na natureza, não os capture, não os
compre e não os mantenha em cativeiro.
No período, a oração iniciada pela locução conjuntiva
“visto que” expressa uma ideia de causa em relação às
Para que o cartaz tenha efetividade no seu objetivo
orações constituídas dos verbos “capturar”, “comprar” e
comunicativo, quais das três opções anteriores poderiam
“manter”. O sentido parte da existência da oração matriz
ser usadas?
(principal) para retornar até a sua origem, que é a oração
Provavelmente, você perceberá que o período com-
adverbial causal, cuja existência representa o princípio e
posto formado por subordinação expresso nos itens a e b
a presença da oração matriz. Pensando na mensagem do
seriam os mais adequados, pois exprimem uma causa (um
cartaz, pelo fato concreto de os animais silvestres não se-
motivo, uma razão) ou uma consequência (um efeito) ao
rem de estimação e viverem na natureza, eles não devem
alerta de não capturar, comprar ou manter animais silvestres
ser capturados, comprados ou mantidos presos. Por isso, a
em cativeiro. O período iniciado pela conjunção “Se”, item
primeira oração, introduzida pela locução “visto que”, pode
c, seria o menos apropiado para o cartaz, pois traz a ideia
ser classificada como subordinada adverbial causal.
de condição, possibilidade.

Oração Orações subordinadas adverbiais: concessivas,


Conjunções Exemplos
subordinada causal conformativas, comparativas
O texto publicitário a seguir, divulgado pelo Instituto
Patrícia Galvão e usado na prova do Enem de 2017, objetiva
alertar sobre os danos causados pela violência doméstica
contra as mulheres. Observe:

Reprodução
b) Não capture, não compre e não mantenha em cativei-
ro, de modo que eles não são animais de estimação e
devem permanecer na natureza.
Nesse período, a mesma oração do item anterior agora
é iniciada pela locução conjuntiva “de modo que”, a qual
expõe uma consequência, um efeito ou resultado para o
período composto pelas orações com os verbos “captu-
rar”, “comprar” e “manter”. As consequências de capturar,
comprar e manter em cativeiro os animais silvestres são a
domesticação e a privacação de viver na natureza, hábitat
natural desses bichos. Assim sendo, a oração iniciada por
“de modo que” é subordinada adverbial consecutiva.

Oração subordinada
Conjunções Exemplos
consecutiva

No anúncio temos um período composto formado por


FRENTE 1

duas orações, cujos verbos são “bate” e “machuca”:

37
Para que o objetivo comunicativo do anúncio seja mais Em relação às três construções anteriores, é possível
adequado ao que se pretende, é possível estabelecer relações dizer que todas elas se adequariam ao texto publicitário,
de subordinação entre as orações do período destacado . pois estabelecem relações de concessão, conformidade e
Vejamos: igualdade entre as ações de “bater em mulher” e “machucar
a) Ainda que bata na mulher, machuca a família inteira. a família”. Contudo, os itens b e c seriam mais efetivos, pois
O período composto acima é formado pela locução con- mostram mais claramente os danos da agressão doméstica
juntiva “ainda que”, a qual exprime um fato que se admite à família.”
como verdadeiro (embora seja abominável) em relação à ação
da oração matriz, cujo verbo é “machuca”. Por isso, a primeira Orações subordinadas adverbiais: finais,
oração é chamada subordinada adverbial concessiva. É temporais, proporcionais
comum a relação de “concessão” ser confundida com a de
“oposição”; portanto, é importante lembrar de que, nesta últi- Leia a peça publicitária governamental a seguir.
ma, as orações apresentam elementos constitutivos que são

Acervo do Ministério da Saúde


semanticamente contrários, de modo que se opõem explicita-
mente, ao passo que na concessão não há essa característica.

Oração
subordinada Conjunções Exemplos
concessiva

b) Conforme bate na mulher, machuca a família inteira. O cartaz acima faz parte de uma campanha promovida
O mesmo período do item anterior, agora é iniciado pelo Ministério da Saúde, a fim de conscientizar a popula-
pela conjunção “conforme”, a qual exprime acordo ou ção brasileira sobre a importância da doação de órgãos.
conformidade com a oração matriz formada pelo verbo Na sequência, vamos analisar o enunciado com maior des-
“machuca”. Pensando na mensagem do anúncio, a cada taque na imagem.
vez que uma mulher é agredida pelo seu companheiro,
toda a família também o é, ou seja, um ação se produz,
quando outra acontece. Assim sendo, o segundo período
contém uma oração subordinada adverbial conformativa.
Com o objetivo de tornar a mensagem do cartaz mais
Oração efetiva quanto ao que se pretende, poderíamos conectar
subordinada Conjunções Exemplos os dois períodos, estabelecendo relações de subordinação
conformativa entre as orações por meio de pequenos ajustes. Observe:
a) A fim de que milhares de brasileiros recebam um trans-
plante, aja com amor e solidariedade e seja doador de
órgões.
A oração iniciada pela locução conjuntiva “a fim de
que” expressa uma finalidade, um objetivo para a oração
matriz, isto é, ao aderir o apelo da publicidade e se tornar
um doador de órgãos, objetiva-se que milhares de brasilei-
ros possam receber um órgão. Por isso, a primeira oração
c) Tal como bate na mulher, machuca a família inteira.
pode ser classificada como subordinada adverbial final.
A locução conjuntiva “tal como” estabelece ideia de
comparação em relação à oração matriz. Considerando o Oração
contexto do cartaz, esse período composto por subordina- subordinada Conjunções Exemplos
ção cumpriria adequadamente a finalidade do texto, pois final
equivaleria a ação de “bater em mulher” à de “machucar a
família”. Desse modo, a primeira oração pode ser classifi-
cada como subordinada adverbial comparativa.
Oração
subordinada Conjunções Exemplos
comparativa
b) Enquanto milhares de brasileiros esperam por um
transplante, ser doador de órgãos é um ato de amor
e solidariedade.
Agora, a primeira oração foi introduzida pela conjunção
“enquanto”, que estabelece uma relação de simultaneidade
em relação à oração matriz.
38 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Sintaxe do período composto III
Trocando-se as conjunções, percebemos uma altera- a) Por precisar ficar muito tempo dentro de
ção do sentido em relação ao item anterior, pois ser doador casa, é normal que as pessoas estejam ficando
de órgãos possibilita que milhares de pessoas, que estão mais tensas
aguardando neste momento para receber um órgão, con- CESCHIM, Beatriz. Busca Voluntária, 5 fev. .
tinuem a sua espera. Assim sendo, a primeira oração é
subordinada adverbial temporal. Oração subordinada
Oração matriz
adverbial causal
Oração subordinada
Conjunções Exemplos
temporal

No título da notícia, observamos que a oração subordi-


c) À medida que milhares de brasileiros esperam por nada adverbial causal reduzida de infinitivo contribui para
um transplante, ser doador de órgãos é um ato de aproximar o conteúdo abordado aos leitores, pois grande
amor e solidariedade. parte deles, no momento da divulgação do texto, também
A locução conjuntiva “à medida que” expressa uma estava em quarentena, trabalhando ou estudando em casa.
gradação ou proporcionalidade entre a oração matriz e a Assim, a inserção da conjunção subordinativa causal “visto
subordinada. Nesse caso, a mensagem do cartaz seria bem- que” não teria a mesma expressividade.
-sucedida, pois acentuaria o caráter de urgência que ela tem b) Precisando de máscaras, achamos 4 modelos
– como o número de pessoas esperando órgãos é crescen- com desconto
te, “ser doador” é muito necessário. Assim, a primeira oração
RODRIGUES, Carla. Yahoo! Notícias,  ago. .
é classificada como subordinada adverbial proporcional.
Oração subordinada Oração subordinada
Conjunções Exemplos Oração matriz
proporcional adverbial condicional

Essa segunda manchete apresenta uma oração su-


bordinada adverbial reduzida de gerúndio. Na forma
As três construções formadas por orações subordinati- desenvolvida, a conjunção subordinativa condicional “se”
vas poderiam ser usadas, porém os períodos nos itens b e diminuiria a entonação da mensagem, além de tirar-lhe a
c exprimiriam melhor o aspecto emergencial da campanha, concisão, isto é, a objetividade que se pretende.
ao evidenciar a falta de doadores e as milhares de pessoas c) Terminada a segunda Olimpíada na capital
que esperam essas doações. japonesa, o bastão será passado a Paris, sede
dos Jogos Olímpicos de 2024
Estabelecendo relações Ge,  ago. .

Oração subordinada
Oração matriz
adverbial temporal

Oração subordinada adverbial reduzida


As orações subordinadas adverbiais podem estar na Na terceira manchete, há uma oração subordinada
forma reduzida. Nessa modalidade, elas não são introduzi- adverbial temporal reduzida de particípio. A notícia foi
das por conjunções, pois o verbo se apresenta em uma das publicada na véspera do encerramento das Olimpíadas
formas nominais: infinitivo (ex.: estudar, correr), gerúndio de Tóquio, ou seja, demarca uma ação na iminência de
FRENTE 1

(ex.: estudando, correndo) ou particípio (ex.: estudado, corri- acontecer. Contudo, vemos que a oração desenvolvida
do). Vejamos alguns exemplos comparando o sentido da forma não expressaria igualmente a proximidade temporal entre
reduzida e da desenvolvida nos períodos compostos a seguir. o acontecimento anunciado e a sua efetiva realização.

39
Revisando

Leia o conto de Mário Quintana para responder à questão 1. embora a forma da mudança difira inteiramente — creio
que descobri (que presunção!) a maneira simples pela qual
Velha história
as espécies se adaptam a várias finalidades.
Era uma vez um homem que estava pescando, Maria. Shaun Usher (org.). Cartas extraordinárias, 2014.
Até que apanhou um peixinho! Mas o peixinho era tão
pequenininho e inocente, e tinha um azulado tão indescri- 2. Unifesp 2020 “Deus me livre das bobagens de
tível nas escamas, que o homem ficou com pena. E retirou Lamarck como ‘tendência ao progresso’, ‘adaptações
cuidadosamente o anzol e pincelou com iodo a gargan- a partir do esforço dos animais’, — porém minhas con-
ta do coitadinho. Depois guardou-o no bolso traseiro das clusões não diferem muito das dele — embora a forma
calças, para que o animalzinho sarasse no quente. E desde da mudança difira inteiramente — creio que descobri
então ficaram inseparáveis. Aonde o homem ia, o peixinho (que presunção!) a maneira simples pela qual as espé-
o acompanhava, a trote, que nem um cachorrinho. Pelas cies se adaptam a várias finalidades.”
calçadas. Pelos elevadores. Pelos cafés. Como era tocante No contexto em que se insere, o trecho sublinhado
vê-los no “17”! − o homem, grave, de preto, com uma das expressa ideia de
mãos segurando a xícara de fumegante moca, com a outra a) comparação. d) consequência.
lendo o jornal, com a outra fumando, com a outra cuidando b) causa. e) concessão.
do peixinho, enquanto este, silencioso e levemente me- c) conclusão.
lancólico, tomava laranjada por um canudinho especial…
Ora, um dia o homem e o peixinho passeavam à mar- Leia as estrofes a seguir para responder à questão 3.
gem do rio onde o segundo dos dois fora pescado. E eis 72
que os olhos do primeiro se encheram de lágrimas. E disse O céu fere com gritos nisto a gente,
o homem ao peixinho: “Não, não me assiste o direito de te Com súbito temor e desacordo,
guardar comigo. Por que roubar-te por mais tempo ao cari- Que, no romper da vela, a nau pendente
nho do teu pai, da tua mãe, dos teus irmãozinhos, da tua tia Toma grã suma d’água pelo bordo:
solteira? Não, não e não! Volta para o seio da tua família. E “Alija, disse o mestre rijamente,
viva eu cá na terra sempre triste!…” Dito isto, verteu copioso Alija tudo ao mar; não falte acordo.
pranto e, desviando o rosto, atirou o peixinho n’água. E a Vão outros dar à bomba, não cessando;
A bomba, que nos imos alagando!” [...]
água fez redemoinho, que foi depois serenando, serenando
até que o peixinho morreu afogado…
Eu passarinho, 2006. 74
Os ventos eram tais, que não puderam
1. FCMSCSP 2019 “Mas o peixinho era tão pequenini- Mostrar mais força do ímpeto cruel,
nho e inocente, e tinha um azulado tão indescritível Se para derribar então vieram
nas escamas, .” A fortíssima torre de Babel.
Nos altíssimos mares, que cresceram,
No contexto em que está inserida, a oração sublinhada
A pequena grandura dum batel
indica uma
Mostra a possante nau, que move espanto,
a) causa. d) consequência.
Vendo que se sustém nas ondas tanto.
b) condição. e) explicação.
c) finalidade.
75
Para responder à questão 2, leia o trecho de uma car- A nau grande, em que vai
ta de Charles Darwin ao biólogo Joseph Hooker em Paulo da Gama,
11.01.1844 Quebrado leva o mastro pelo meio.
Quase toda alagada: a gente chama
Além de um interesse geral pelas terras meridionais, Aquele que a salvar o mundo veio.
desde que retornei tenho me dedicado a um trabalho mui- Não menos gritos vãos ao ar derrama
to ambicioso que nenhum indivíduo que conheço deixaria Toda a nau de Coelho, com receio.
de considerar muito bobo. Fiquei tão impressionado com Conquanto teve o mestre tanto tento,
a distribuição dos organismos nas Galápagos e com a na- Que primeiro amainou, que desse o vento. [...]
tureza dos fósseis de mamíferos americanos, que resolvi
recolher todo tipo de coisa que pudesse ter alguma relação 84
com alguma espécie. Li montanhas de livros sobre agri- Assim dizendo, os ventos que lutavam
cultura e horticultura e não paro de coletar informações. Como touros indômitos bramando,
Por fim surgiu uma luz, e estou quase convencido (ao Mais e mais a tormenta acrescentavam
contrário do que achava inicialmente) de que as espécies Pela miúda enxárcia assoviando.
(é como confessar um homicídio) não são imutáveis. Deus Relâmpagos medonhos não cessavam,
me livre das bobagens de Lamarck como “tendência ao Feros trovões, que vêm representando Cair
progresso”, “adaptações a partir do esforço dos animais”, — o céu dos eixos sobre a terra,
porém minhas conclusões não diferem muito das dele — Consigo os elementos terem guerra. [...]

40 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Sintaxe do período composto III


3. Unama-PA 2014 Na passagem abaixo, da estrofe 5, Mesmo que ainda demore para ela e outros voltarem
o terceiro verso possui um elemento textual coesivo aos ateliês, Germano diz que a ideia é criar um segundo vo-
que dá à oração sentido concessivo. Se nessa oração lume do livro. Ela e Parente já foram fotografar outros nove
o elemento coesivo fosse substituído, a ideia de con- ateliês, de nomes como Anna Maria Maiolino e Artur Barrio.
cessão permaneceria apenas na frase da alternativa Clara Balbi. www.folha.com.br, 26.04.2020. Adaptado.

“Não menos gritos vãos ao ar derrama 4. Uniceub-DF 2021 “P , Germa-


Toda a nau de Coelho, com receio,
no e o fotógrafo Fran Parente visitaram ateliês de 
Conquanto teve o mestre tanto tento,
artistas espalhados por oito países.” (o parágrafo)
Que primeiro amainou, que desse o vento”
Em relação à oração que a sucede, a oração sublinhada
a) Se o mestre tivesse tanto tento. expressa ideia de
b) Mas o mestre teve tanto tento. a) proporção. d) concessão.
c) Embora o mestre tivesse tanto tento. b) consequência. e) finalidade.
d) Quando o mestre tiver tanto tento. c) causa.
Leia a reportagem, retirada do caderno Ilustrada do
5. UEG-GO 2015
jornal Folha de S.Paulo, para responder à questão 4.
Os humanos são uma parte importante
Para o público em geral, ateliês de artistas costumam
estar envoltos numa aura de mistério. Visitá-los, afinal, é da biosfera
uma prática limitada a profissionais da arte, como cura- As maravilhas do mundo natural atraem a nossa
dores e galeristas. curiosidade sobre a vida e tudo que nos cerca. Para
O livro Espaços de trabalho de artistas latino-americanos, muitos de nós, nossa curiosidade sobre a Natureza e os
de Beta Germano, satisfaz essa curiosidade. E, recém-lançado desafios de seu estudo são razões suficientes. Além disso,
pela editora Cobogó, pode servir de inspiração justamente 5 contudo, nossa necessidade de compreender a Natureza
num momento em que todos estão presos em casa. está se tornando mais e mais urgente, à medida que o
Para compor a publicação, Germano e o fotógrafo crescimento da população humana estressa a capaci-
Fran Parente visitaram ateliês de 27 artistas espalhados dade dos sistemas naturais em manter sua estrutura e
por oito países. Enquanto ele clicava os espaços, ela, que funcionamento.
é jornalista, batia longos papos com seus donos — uma 10 Os ambientes que as atividades humanas dominam
lista que inclui, entre outros, Cildo Meireles, Adriana ou criaram – incluindo nossas áreas de vida urbanas e
Varejão e Miguel Rio Branco. suburbanas, nossas terras cultivadas, nossas áreas de re-
Germano explica que, além da questão regional, creação, plantações de árvore e pesqueiros – são também
outro fator que guiou a feitura dessa lista foi a idade dos ecossistemas. O bem-estar da humanidade depende de
artistas. Com 60 anos, em média, muitos deles iniciaram 15 manter o funcionamento desses sistemas, sejam eles na-
suas carreiras num momento em que a própria ideia do turais ou artificiais. Virtualmente toda a superfície da Terra
ateliê com móveis cobertos de respingos de tinta era é, ou em breve será, fortemente influenciada por pessoas,
questionada. Vem daí, aliás, a opção por chamar esses se não completamente sob seu controle. Os humanos já
locais de “espaços de trabalho”. Afinal, diz a autora, usurpam quase metade da produtividade biológica da
lugares como aquele do mexicano Carlos Amorales mais 20 biosfera. Não podemos assumir essa responsabilidade
parecem escritórios. Além disso, continua Germano, ao de forma negligente.
trabalharem nos anos 1970 e 1980, esses artistas viveram A população humana se aproxima da marca de
as ditaduras da região, experiência que contaminou a 7 bilhões, e consome energia e recursos, e produz rejei-
obra da maioria deles. tos muito além do necessário ditado pelo metabolismo
“É muito interessante ver como, mesmo sem inter- 25 biológico. Essas atividades causaram dois problemas
net, as mesmas coisas estavam acontecendo em diversos relacionados de dimensões globais. O primeiro é o seu
países”, afirma Germano. “E dividimos uma história de impacto nos sistemas naturais, incluindo a interrupção
violência muito grande, que começa na colonização, de processos ecológicos e a exterminação de espécies.
passa pela ditadura, e sobrevive até hoje.” O segundo é a firme e constante deterioração do próprio
São temas que também se manifestam nos espaços de 30 ambiente da espécie humana à medida que pressionamos
trabalho desses artistas. A porta do ateliê da colombiana os limites dentro dos quais os ecossistemas podem se
Delcy Morelos, localizado numa das regiões mais violentas sustentar. Compreender os princípios ecológicos é um
de Bogotá, exibia uma cruz quando Germano foi entre- passo necessário para lidar com esses problemas.
vistá-la. Um jovem tinha sido assassinado ali dias atrás. RICKLEFS, Robert E. A economia da natureza. 6. ed. Rio de Janeiro:
“E o ateliê dela é uma paz, uma energia”, diz Germano. Guanabara Koogan, 2010. p. 15. (Adaptado).
Se o estúdio de Morelos representa um paradoxo tam-
bém em relação à sua obra, que reflete sobre o sangue A oração “à medida que o crescimento da população
derramado pelo narcotráfico no seu país natal, outros ateliês humana estressa a capacidade dos sistemas naturais
mostram quase uma extensão da produção de seus donos. em manter sua estrutura e funcionamento” (linhas 6-9)
FRENTE 1

Pioneiro da arte postal no país, Paulo Bruscky mantém estabelece com a oração principal uma relação de
uma verdadeira barricada de livros e papéis na sua sala, no a) causalidade c) temporalidade
Recife — o artista imprime todos os e-mails que recebe. b) proporção d) contradição

41
6. UFRR 2014 Leia o trecho da obra “O Mulato” e julgue lógicas e racionalmente sistematizadas. O encontro com o
os itens de I a V. direito é diversificado, às vezes conflitivo e incoerente, às
“Não! Ela não podia admitir o celibato, principalmen- vezes linear e consequente. Estudar o direito é, assim, uma
te para a mulher!... Para o homem ainda passava... viveria atividade difícil, que exige não só acuidade, inteligência,
triste, só; mas em todo o caso era um homem... teria outras preparo, mas também encantamento, intuição, espontanei-
distrações! Mas uma pobre mulher, que melhor futuro po- dade. Para compreendê-lo, é preciso, pois, saber e amar.
deria ambicionar que o casamento?... que mais legítimo Só o homem que sabe pode ter-lhe o domínio. Mas só
prazer do que a maternidade; que companhia mais ale- quem o ama é capaz de dominá-lo, rendendo-se a ele.
Introdução ao estudo do Direito, 2003.
gre do que a dos filhos, esses diabinhos tão feiticeiros?...
Além de que, sempre gostara muito de crianças: muita
vez pedira a quem as tinha que lhas mandasse a fazer-lhe 7. Uerr 2021 “Para compreendê-lo, é preciso, pois, sa-
companhia, e, enquanto as pilhava em casa, não consen- ber e amar.”
tia que mais ninguém se incomodasse com elas; queria O termo sublinhado introduz uma oração que expres-
ser a própria a dar-lhes a comida, a lavá-las, a vesti-las, e sa uma
acalentá-las. E estava constantemente a talhar camisinhas a) causa. d) comparação.
e fraldas, a fazer toucas e sapatinhos de lã, e tudo com b) consequência. e) finalidade.
muita paciência, com muito amor, justamente como, em c) condição.
pequenina, ela fazia com as suas bonecas. Quando alguma
de suas amigas se casava, Ana Rosa exigia dela sempre um Leia a seguir o trecho de uma entrevista com uma aluna
cravo do ramalhete ou um botão das flores de laranjeira da da Universidade de São Paulo para responder à ques-
grinalda; este ou aquele, pregava-os religiosamente no seio tão 8. Ela compartilha sua experiência sobre quase um
com um dos alfinetes dourados da noiva, e quedava-se a ano de aulas remotas.
fitá-los, cismando, até que dos lábios lhe partia um suspiro [...]
longo, muito longo, como o do viajante que em meio do Ana Clara: Alguns professores conseguiram se adaptar
caminho já se sente cansado e ainda não avista o lar.” bem. Os professores mais novos conseguem mexer melhor
I. As indagações de Ana Rosa são próprias de uma com tecnologia e conseguiram manter o padrão de aulas
muito bom, tão bom quanto as primeiras aulas que eu tive
moça romântica, possuidora de habilidades do-
presencialmente. Só que alguns outros professores, por
mésticas que a tornavam apta para o casamento.
serem de mais idade, não conseguiram se adaptar muito
II. O advérbio “quando” introduz uma oração subor-
bem naquele começo. No segundo semestre já houve uma
dinada adverbial temporal.
melhora. Eu tenho uma matéria que ela precisa ser no
III. No trecho “este ou aquele, pregava-os religiosa- laboratório, precisa ter contato com os materiais e isso a
mente no seio com um dos alfinetes dourados da gente está tendo que improvisar, fazer os experimentos em
noiva…”, o pronome “este” tem como referente casa, então é um pouquinho ruim, mas está dando para
“um cravo do ramalhete” e “aquele”, “um botão levar na medida do possível.
das flores de laranjeira”. [...]
IV. A forma verbal “quedava-se” não consta no léxico www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2021/05/a-usp-depois-de-um-
da língua portuguesa, sendo, por isso, um em- ano-alunos-da-universidade-que-tiveram-seu-primeiro-ano-de-forma-
remota-compartilham-experiencias/
préstimo da língua espanhola.
V. A imagem criada pela comparação do estado de
8. Na linguagem oral, há uma coloquialidade mais evi-
espírito de Ana Rosa ao cansaço de um viajante
dente, mais liberdade na construção sintática dos
permite afirmar que ela se sente angustiada pela
textos. Isso pode ocorrer em uma entrevista, por
espera de um amor verdadeiro. Imagem essa,
exemplo, que é uma produção oral; no entanto, ao ser
própria do estilo realista.
transcrita, alguns cuidados devem ser tomados. Com
Estão corretos os itens da alternativa: relação a esses aspectos sintáticos que merecem
a) II e IV. d) I e IV. atenção, podemos destacar que:
b) III e V. e) III e IV. I. O trecho “tão bom quanto as primeiras aulas” é
c) I e II. uma oração subordinada adverbial comparativa.
II. Em “por serem de mais idade”, há uma oração su-
Considere o texto de Tercio Sampaio Ferraz Junior para bordinada adverbial causal.
responder à questão 7. III. Em “mas está dando para levar na medida”, há
O direito é um dos fenômenos mais notáveis na vida uma oração subordinada adverbial comparativa.
humana. Compreendê-lo é compreender uma parte de nós IV. Em “por serem de mais idade”, há uma oração su-
mesmos. É saber em parte por que obedecemos, por que bordinada adverbial final.
mandamos, por que nos indignamos, por que aspiramos Estão corretas:
a mudar em nome de ideais, por que em nome de ideais a) Somente I e III.
conservamos as coisas como estão. Ser livre é estar no b) Somente I e II.
direito e, no entanto, o direito também nos oprime e tira- c) Somente III e IV.
-nos a liberdade. Por isso, compreender o direito não é um d) Somente I e IV.
empreendimento que se reduz facilmente a conceituações e) Somente II e IV.

42 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Sintaxe do período composto III


Exercícios propostos

Leia o excerto do “Sermão do bom ladrão”, de Antônio Leia a fábula “O morcego e as doninhas” do escritor
Vieira (6-69), para responder à questão 1. grego Esopo (6 a.C.?-564 a.C.?) para responder à
questão 2.
Navegava Alexandre [Magno] em uma poderosa ar-
mada pelo Mar Eritreu a conquistar a Índia; e como fosse Um morcego caiu no chão e foi capturado por uma
trazido à sua presença um pirata, que por ali andava rou- . Como seria morto, rogou à doninha que pou-
bando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de passe sua vida.
andar em tão mau ofício; porém ele, que não era medroso — Não posso soltá-lo — respondeu a doninha —, pois
nem lerdo, respondeu assim: “Basta, Senhor, que eu, porque sou, por natureza, inimiga de todos os pássaros.
roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em — Não sou um pássaro — alegou o morcego. — Sou
uma armada, sois imperador?”. Assim é. O roubar pouco é um rato.
culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar com pouco po- E assim ele conseguiu escapar.
der faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres. Mas Mais tarde, ao cair de novo e ser capturado por outra
Sêneca, que sabia bem distinguir as qualidades, e interpretar doninha, ele suplicou a esta que não o devorasse. Como
as significações, a uns e outros, definiu com o mesmo nome: a doninha lhe disse que odiava todos os ratos, ele afirmou
[...] Se o rei de Macedônia, ou qualquer outro, fizer o que que não era um rato, mas um morcego. E de novo con-
faz o ladrão e o pirata; o ladrão, o pirata e o rei, todos têm seguiu escapar. Foi assim que, por duas vezes, lhe bastou
o mesmo lugar, e merecem o mesmo nome. mudar de nome para ter a vida salva.
Quando li isto em Sêneca, não me admirei tanto de que Fábulas, 2013.
um filósofo estoico se atrevesse a escrever uma tal sentença
em Roma, reinando nela Nero; o que mais me admirou, e
quase envergonhou, foi que os nossos oradores evangélicos
em tempo de príncipes católicos, ou para a emenda, ou
para a cautela, não preguem a mesma doutrina. Saibam 2. Unesp 2016 “Como seria morto, rogou à doninha
estes eloquentes mudos que mais ofendem os reis com o que poupasse sua vida.” (o parágrafo)
que calam que com o que disserem; porque a confiança Em relação à oração que a sucede, a oração destacada
com que isto se diz é sinal que lhes não toca, e que se não tem sentido de
podem ofender; e a cautela com que se cala é argumento a) proporção.
de que se ofenderão, porque lhes pode tocar. [...]
b) comparação.
Suponho, finalmente, que os ladrões de que falo não
c) consequência.
são aqueles miseráveis, a quem a pobreza e vileza de sua
fortuna condenou a este gênero de vida, porque a mesma d) causa.
sua miséria ou escusa ou alivia o seu pecado [...]. O ladrão e) finalidade.
que furta para comer não vai nem leva ao Inferno: os que
não só vão, mas levam, de que eu trato, são os ladrões de 3. Fuvest-SP 2012 Todas as variedades linguísticas são
maior calibre e de mais alta esfera [...]. Não são só ladrões, estruturadas, e correspondem a sistemas e subsistemas
diz o santo [São Basílio Magno], os que cortam bolsas, ou adequados às necessidades de seus usuários. Mas o fato
espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa; de estar a língua fortemente ligada à estrutura social e aos
os ladrões que mais própria e dignamente merecem este sistemas de valores da sociedade conduz a uma avaliação
título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos distinta das características das suas diversas modalida-
e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração des regionais, sociais e estilísticas. A língua padrão, por
das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e exemplo, embora seja uma entre as muitas variedades
despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem, de um idioma, é sempre a mais prestigiosa, porque atua
estes roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do como modelo, como norma, como ideal linguístico de
seu risco, estes sem temor, nem perigo: os outros, se furtam,
uma comunidade. Do valor normativo decorre a sua fun-
são enforcados: estes furtam e enforcam.
ção coercitiva sobre as outras variedades, com o que se
Essencial, 2011.
torna uma ponderável força contrária à variação.
1. Unesp 2018 Se o rei de Macedônia, ou qualquer outro, Celso Cunha. Nova gramática do português contemporâneo.
Adaptado.
fizer o que faz o ladrão e o pirata; o ladrão, o pirata e
o rei, todos têm o mesmo lugar, e merecem o mesmo Considere as seguintes afirmações sobre os quatro
nome. (1o parágrafo) períodos que compõem o texto:
Em relação ao trecho que o sucede, o trecho destaca- I. Tendo em vista as relações de sentido constituí-
do tem sentido de das no texto, o primeiro período estabelece uma
a) condição. causa cuja consequência aparece no segundo
b) proporção. período.
FRENTE 1

c) finalidade. II. O uso de orações subordinadas, tal como ocor-


d) causa. re no terceiro período, é muito comum em textos
e) consequência. dissertativos.

43
III. Por formarem um parágrafo tipicamente disser- comer. Mas sobrava tão pouco. Na verdade, o Zé Mané só
tativo, os quatro períodos se organizam em uma rangava todos os dias porque o Seu Joaquim Portuga, dono
sequência constituída de introdução, desenvolvi- do boteco do pedaço, era um chapa ponta-firme e fiava o
mento e conclusão. sortido pra curriola a perigo. E essa era a sorte selada do
IV. O procedimento argumentativo do texto é deduti- Zé Mané. Uma zorra sentida. Apesar de ter nascido com o
vo, isto é, vai do geral para o particular. urubu plantado no seu destino, o Zé Mané, quando fazia
aniversário, gostava de se embandeirar, comemorar de se
Está correto apenas o que se afirma em esbaldar e os cambaus. Sempre fora assim. Desde peque-
a) I e II. d) I, II e IV. no, considerava o dia do seu aniversário um dia sagrado.
b) I e III. e) II, III e IV. Não trabalhava nesse dia, nem nada. Só enchia a caveira
c) III e IV. de cachaça. E, quando fez trinta anos, não deu outra coisa.
O Zé Mané já amanheceu ligado. […]
4. UEG-GO 2015 Plínio Marcos. Disponível em: http://contobrasileiro.com.br/
Frente à invasão europeia, os índios defenderam até o-aniversario-plinio-marcos/

o limite possível seu modo de ser e de viver. Sobretudo Em “ ter nascido com o urubu plantado no
depois de perderem as ilusões dos primeiros contatos pa- seu destino, o Zé Mané, quando fazia aniversário, gos-
cíficos, quando perceberam que a submissão ao invasor tava de se embandeirar, comemorar de se esbaldar e
5 representava sua desumanização como bestas de carga. os cambaus”, os termos sublinhados
Nesse conflito de vida ou morte, os índios de um lado e a) Introduzem uma oração coordenada adversativa.
os colonizadores do outro punham todas as suas energias, b) Introduzem uma oração subordinada adverbial.
armas e astúcias. Entretanto, cada tribo, lutando por si, c) Introduzem uma oração coordenada aditiva.
desajudada pelas demais – exceto em umas poucas oca-
d) Introduzem uma oração subordinada concessiva.
10 siões em que se confederaram, ajudadas pelos europeus
e) Introduzem uma oração subordinada causal.
que viviam entre elas – pôde ser vencida por um inimigo
pouco numeroso mas superiormente organizado, tecno-
6. IFS-SE 2019 O fecho machucava meu pescoço princi-
logicamente mais avançado e, em consequência, mais
palmente depois que ele começou a alisar o guardanapo
bem armado.
com mais força enquanto repetia a beleza que a ponte ia
15 As vitórias europeias se deveram principalmente à
ficar. Mais perto o cheiro de cerveja e mais perto o olhi-
condição evolutiva mais alta das incipientes comunidades
nho azul como conta por detrás do vidro sujo dos óculos.
neobrasileiras. Isso permitia que essas comunidades se
A mão gelada e a fala quente mais rápida mais rápida a
aglutinassem em uma única entidade política servida por
ponte. A ponte. Fechei a boca mas ficou aberta a memória
uma cultura letrada e ativada por uma religião missionária
do olfato. A memória tem um olfato memorável. Minha
20 que influenciou poderosamente as comunidades indígenas.
infância é inteira feita de cheiros. O cheiro frio do cimento
Paradoxalmente, porém, é o próprio atraso dos índios que
da construção mais o cheiro de enterro morno daquela flo-
os fazia mais resistentes à subjugação, condicionando uma
ricultura onde trabalhei enfiando arame no rabo das flores
guerra secular de extermínio. Isso se verifica comparando
até chegar à corola porque as flores quebradas tinham que
a rapidez da conquista e da pacificação onde o europeu ficar de cabeça levantada na cesta ou na coroa. O vômito
25 se deparou com altas civilizações – como no México e no das bebedeiras daqueles homens e o suor e as privadas
Peru – com a lentidão da conquista do Brasil, que prossegue mais o cheiro do Doutor Algodãozinho. Somados, pomba.
até hoje com tribos arredias resistindo com armas à invasão Aprendi milhões com esses cheiros mais a raiva tanta raiva
de seus territórios para além das fronteiras da civilização. tudo era difícil só ela fácil. Cabecinha de enfeite. Comigo
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: evolução e o sentido do Brasil.
São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 49. (Adaptado).
vai ser diferente. Diferente repetia com os ratos que roque-
-roque roíam meu sono naquela construção embaratada
O trecho “exceto em umas poucas ocasiões em que diferente diferente repeti enquanto a mão arrebentava o
se confederaram, ajudadas pelos europeus que viviam botão da minha blusa. Onde será que foi parar meu botão
entre elas” (linhas 9-) desenvolve, em relação à tese eu disse e de repente ficou tão importante aquele botão
central do período no qual está encaixado, uma ideia de que saltou quando a mão procurava mais embaixo porque
a) proporção c) concessão os seios já não interessavam mais. Por que os seios já não
b) equivalência d) causalidade interessavam mais por quê? O botão eu repeti cravando
as unhas no plástico da cadeira e fechando os olhos pra
5. IFMT 2018 não ver o cilindro de luz fria do teto piscando numa das
extremidades e o botão? Não não é o botão que eu quero
O aniversário é a ponte a ponte. A ponte me levaria pra longe da minha
Plínio Marcos
mãe e dos homens baratas tijolos longe longe. Posso rir de
O Zé Mané levava uma vida de lascar. Nem de leve novo e me emprego de dia e estudo num curso noturno
pegava maré mansa. Seu trampo era pesado paca. Das oito fico manicura porque de repente vinha um homem e se
da matina às seis da tarde debaixo de sacaria. Uma puxeta apaixonava por mim enquanto eu fazia as unhas dele. As
de entortar qualquer patuá. E o salário, claro que era o unhas arrebentando o elástico da minha calça e arreben-
mínimo. Daí, já viu. Com a vida custando os olhos da cara, tando a calça e enfiando o dedo de barata-aranha pelos
o Zé Mané mal podia pegar uma gororoba. Pagava oitenta buracos todos que ia encontrando tinha tantos lá na cons-
jiripocas por uma vaga num quarto com mais três parceiros trução, lembra?
para ter onde encostar o cadáver. E o que sobrava era pra TELLES, Lygia Fagundes. As meninas. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

44 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Sintaxe do período composto III


A progressão textual se dá, dentre vários recursos, pelo Hoje ninguém dispensa um freezer. Qualquer item
emprego das estruturas sintáticas disponibilizadas pela da vida pode se sofisticar: faz-se café expresso em casa,
língua. Considerando a organização sintática dos períodos sorvete, iogurte e até pão. Ninguém tem tudo, é fato. Mas
compostos do texto, está INCORRETO o que se afirma: todo mundo tenta ter algum novo e fantástico produto!
a) Em: “Fechei a boca mas ficou aberta a memória Passada a garantia, é difícil consertar qualquer apare-
do olfato”, a conjunção “mas” introduz uma oração lho. O preço raramente compensa. E logo quebra de novo,
coordenada adversativa. mesmo porque muitos técnicos de antigamente perderam
o pé nos digitais!
b) Em: “repeti enquanto a mão arrebentava o botão
Viver ficou muito mais caro. Antes eu parava o carro
da minha blusa”, a oração destacada é subordina-
na rua, agora é Zona Azul ou estacionamento particular; os
da adverbial temporal.
cinemas aumentaram o valor dos ingressos porque inves-
c) Em: “aquele botão que saltou quando a mão
tem em tecnologia; cabeleireiros sofisticaram os produtos;
procurava mais embaixo”, tem-se uma oração su- banho em cachorro é melhor no pet shop; é essencial um
bordinada adverbial concessiva. cartão de crédito, mas vem a anuidade. Além de um bom
d) Em: “repetia com os ratos que roíam meu sono plano de saúde, é ideal também um de aposentadoria.
naquela construção embaratada”, a forma “que” Tenho certeza: daqui a pouco descobrirei algo absoluta-
é um pronome relativo e introduz uma oração su- mente essencial de cuja existência até agora não tinha o
bordinada adjetiva restritiva. menor conhecimento!
Mas os salários não subiram na mesma proporção. No
7. Uesc-BA 2017 passado era mais fácil cortar gastos. Agora, não. Muitas
A cara vida moderna despesas não podem mais sair do orçamento. Contatos pro-
fissionais, bancários e muitos serviços públicos acontecem
Meu primeiro celular parecia um tijolo. Difícil de
através de celulares e da internet. Já conheci gente com falta
carregar. Pior ainda, de funcionar. A linha vivia com sinal
de dinheiro para comer, mas sem poder abdicar do celular!
de ocupado. Mesmo assim era um luxo! Lembro quando
Disponível em: http://vejasp.abril.com.br/cidades/
liguei pela primeira vez para minha amiga Vera: a-cara-vida-moderna/. Acesso em: 29 maio 2017.
— Estou em Brasília, no meu celular — contei.
— Também quero um! — ela gritou, entusiasmada. No período “a internet ficou tão importante quanto as
De novidade, tornou-se essencial. Agora esses apare- calças que estou vestindo” temos uma:
lhos são mínimos, fotografam, tocam músicas e acessam a) Oração Subordinada Substantiva Objetiva Direta.
a internet. Viver sem um é estar desconectado. No fim b) Oração Coordenada Sindética Explicativa.
do mês vem a conta. Sempre me assusto! As operadoras c) Oração Subordinada Adjetiva Restritiva.
oferecem pacotes. E de pacote em pacote às vezes eu me d) Oração Subordinada Adverbial Comparativa.
sinto embrulhado! Compro por puro entusiasmo uma série e) Oração Coordenada Sindética Conclusiva.
de serviços que não uso depois! Um amigo meu tem três
celulares. Durante um jantar, falava em todos ao mesmo 8. Urca-CE 2016 Ainda que fosse honesta, não evitou a
tempo, enquanto eu tentava conversar. Imagino a conta! votação dos corruptos. A oração subordinada no pe-
A cada dia inventam algo que imediatamente se torna ríodo expressa:
indispensável. Impossível encontrar um adolescente que a) causa. d) condição.
não sinta necessidade de um laptop. Se não tem, voa para
b) concessão. e) conformidade.
uma lan house. A internet ficou tão importante quanto as
c) fim.
calças que estou vestindo. O laptop de um jovem ator
quebrou às vésperas de ele sair em turnê pelo país com
um espetáculo. Está desesperado. 9. UFC-CE 2016
— Vou perder meu contato com o mundo! Era uma tarde. Tomei o metrô. Estava lotado. Não ha-
É verdade! E-mails, redes de relacionamento e blogs via lugares. Segurei-me num balaústre. Eu tinha planejado
são vitais para boa parte das pessoas. Tudo isso custa: o ler durante a viagem, mas naquela posição isso não era
orçamento cresce em eletricidade, conexões de banda possível. Guardei meu livro e me entreguei a um outro
larga e equipamentos — os avanços são rápidos, é preciso tipo de literatura: a leitura dos rostos... Rostos são obje-
renovar sempre. Falando em avanços: um amigo formou tos oníricos. Cada um deles revela e esconde um sonho
uma excelente coleção de clássicos de cinema em vídeo. de amor. Os meus olhos iam de rosto a rosto, tentando
Jogou fora e iniciou outra ao surgir o DVD. adivinhar o que morava naqueles silêncios: “os corpos
Agora veio o Blu-ray. O coitado quase explodiu de naqueles bancos, as almas por longes terras...”. Minha
tão estressado! Mas é impossível permanecer com o equi- imaginação fantasiava as terras por onde andavam aqueles
pamento antigo. Em pouco tempo some das lojas. Toca corpos assentados. E assim eu ia, passando rostos como
comprar tudo novo! se fossem páginas de um livro.
A TV por assinatura tornou-se um sonho de consumo. Mas de repente minha leitura foi interrompida. Ao
E os televisores em si? Todo dia fico sabendo de uma tela passar de um rosto para outro, meus olhos se encontraram
maior, mais fina e com melhor imagem. Sem falar nos ele- com olhos que faziam comigo o que eu estava fazendo
FRENTE 1

trodomésticos, mais e mais sofisticados. Quando comprei com os outros: eles me liam. Era uma jovem. Nossos olha-
o meu primeiro freezer, há muito tempo, um amigo riu: res se encontraram e seu olhar não se desviou. O que é
— Para que uma coisa dessas? raro. Quando olhos desconhecidos se encontram, eles

45
procuram se defender por meio de um movimento automá- 11. Fatec-SP A oração ...para não escurecerem... indica uma
tico: o olhar se desvia. O olhar silencioso do desconhecido a) causa. d) comparação.
é sempre sinistro. Mas os olhos dela não tiveram medo. E b) finalidade. e) intensificação.
chegaram mesmo a sorrir discretamente. [...] c) indefinição.
Foi então que ela falou. Não disse coisa alguma. Fez
um gesto que dispensava palavras. Simplesmente levantou-
-se e ofereceu o seu lugar... E a bolha mágica de felicidade 12. Fatec-SP A primeira oração do trecho Se for em
em que eu me encontrava estourou, pelo toque de um pedaços, faz-se da seguinte maneira... sinaliza a pre-
gesto de gentileza... sença de
Miserável gentileza! Eu teria preferido uma grosseria! a) uma imposição. d) um pedido.
De fato, a imagem que ela via era bela. Mais que bela: b) uma hipótese. e) um desejo.
era terna. Gostara de mim. Seu gesto era uma declaração c) uma ordem.
de amor, quase um abraço. Mas a beleza que ela vira
não era a beleza que eu desejava. Ela me amara por uma 13. IFSP 2013
beleza que não era aquela que meu desejo queria ver. Seu
gesto gentil destruiu a bela cena que minha fantasia pintara Benefício para a carreira
para colocar no seu lugar uma outra, também bela, mas Enfrentar as dificuldades do dia a dia e solucionar os
de uma beleza diferente: uma jovem e um velho, manhã grandes problemas da companhia não são funções des-
e crepúsculo, primavera e outono. [...] critas em nenhum cargo, mas são importantes para quem
E foi assim que começou o meu “caso de amor” com deseja prosperar na carreira. O profissional que resolve
a velhice, com o rigor de um silogismo. Primeira premissa: problemas e ajuda as empresas a atingir resultados des-
eu sou velho; o gesto da moça do metrô o atesta. Segunda taca-se, ganha reconhecimento e larga em vantagem na
premissa: a velhice é a tarde imóvel, banhada por uma luz disputa por uma promoção. [...]
antiquíssima; a metáfora poética assim o declara. Terceira Não adianta ser um profissional com superpoderes
premissa: essa tarde imóvel me encanta, é bela. [...] que quer resolver tudo. Quem faz isso acaba sobrecarre-
ALVES, Rubem. As cores do crepúsculo. A estética do envelhecer. gado e entrega resultados inferiores ao desejado. Numa
São Paulo: Papirus, 2014, p. 18-25. empresa, essa sobrecarga de tarefas poderia fazer com
Assinale a alternativa cujo período contém uma oração que clientes, uma hora, parassem de comprar os produtos.
adverbial temporal. Na vida profissional, poderia resultar em uma demissão.
a) “E assim eu ia, passando rostos como se fossem Assim como as organizações buscam soluções ino-
páginas de um livro”. vadoras, o profissional também pode encontrar caminhos
b) “Mas de repente minha leitura foi interrompida”. para resolver problemas com maior facilidade. Não é um
c) “Ao passar de um rosto para outro, meus olhos se processo fácil. Muitas vezes é dolorido. Exige empenho
encontraram com olhos...”. por meio das conversas, a fim de entender os diferen-
d) “Simplesmente levantou-se e ofereceu o seu lugar”. tes pontos de vista e enfrentamentos que acontecem. No
entanto, sem esse embate, sem a disposição para a comu-
e) “E a bolha mágica de felicidade em que eu me
nicação, é impossível resolver um problema.
encontrava estourou”.
Lucas Rosi. Você S/A, edição 179, abril/2013. Adaptado.

10. UFC-CE As orações do trecho: “... para gerar tudo Assinale a alternativa em que o trecho destacado apre-
aquilo de que necessita” classificam-se respectiva- senta uma oração subordinada adverbial de finalidade.
mente como: a) Enfrentar as dificuldades do dia a dia e solucionar os
a) adverbial final / adjetiva restritiva. grandes problemas da companhia não são funções
b) adverbial consecutiva / predicativa. descritas em nenhum cargo, mas são importantes
c) adverbial temporal / completiva nominal. para quem deseja prosperar na carreira.
d) adverbial proporcional / adjetiva explicativa. b) O profissional que resolve problemas e ajuda
e) adverbial causal / substantiva objetiva indireta. as empresas a atingir resultados destaca-se,
ganha reconhecimento e larga em vantagem na
Texto para as questões 11 e 12. disputa por uma promoção.
Modo de aferventar a couve-flor c) Não adianta ser um profissional com superpode-
res que quer resolver tudo. Quem faz isso acaba
É indispensável, qualquer que seja o fim a que se
sobrecarregado e entrega resultados inferiores
destine a couve-flor, prepará-la, antes, da seguinte forma:
ao desejado.
depois de tirar suas folhas, lave-a, deixando por algum
tempo num molho de água e vinagre, para largar qualquer
d) Numa empresa, essa sobrecarga de tarefas po-
bichinho que possa ter. Lave a couve-flor outra vez, antes deria fazer com que clientes, uma hora, parassem
de ir para a caçarola, a fim de sair bem o gosto do vinagre. de comprar os produtos. Na vida profissional,
Ela pode ser aferventada inteira ou em pedaços. Se for em poderia resultar em uma demissão.
pedaços, faz-se da seguinte maneira: corta-se a couve-flor e) Assim como as organizações buscam soluções
em diversos ramos e põe-se numa caçarola com água sal- inovadoras, o profissional também pode encon-
gada a ferver em quantidade tal que os pedaços fiquem trar caminhos para resolver problemas com
completamente cobertos de água para não escurecerem. maior facilidade. Não é um processo fácil.

46 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Sintaxe do período composto III


14. Ufam Assinale a opção em que está incorreta a clas- for, que toda a história desta lei de 13 de maio estava por
sificação da oração grifada: mim prevista, tanto que na segunda-feira, antes mesmo
a) A estrela brilhava no eterno azul como uma vela. dos debates, tratei de alforriar um molecote que tinha,
(subordinada adverbial comparativa) pessoa dos seus dezoito anos, mais ou menos. Alforriá-lo
b) A Lua dizia era nada; entendi que, perdido por mil, perdido por mil e
luz. (subordinada substantiva objetiva direta) quinhentos, e dei um jantar.
Neste jantar, a que os meus amigos deram o nome
c) Como estava enfarado de sua enorme e des-
de banquete, em falta de outro melhor, reuni umas cinco
medida umbela, o Sol invejava o vaga-lume.
pessoas, conquanto as notícias dissessem trinta e três (anos
(subordinada adverbial causal)
de Cristo), no intuito de lhe dar um aspecto simbólico.
d) A Lua admirava a auréola de nume -
No golpe do meio ( , mas eu prefiro
tentava. (subordinada adjetiva restritiva) falar a minha língua), levantei-me eu com a taça de cham-
e) , o inquieto vaga-lume fita- panha e declarei que, acompanhando as ideias pregadas
va com ciúme da estrela. (subordinada adverbial por Cristo, há dezoito séculos, restituía a liberdade ao meu
proporcional) escravo Pancrácio; que entendia que a nação inteira devia
acompanhar as mesmas ideias e imitar o meu exemplo;
15. UFCG-PB 2021 finalmente, que a liberdade era um dom de Deus, que os
homens não podiam roubar sem pecado.
Pancrácio, que estava à espreita, entrou na sala, como
um furacão, e veio a abraçar-me os pés. Um dos meus
amigos (creio que é ainda meu sobrinho) pegou de outra
taça, e pediu à ilustre assembleia que correspondesse ao
ato que eu acabava de publicar, brindando ao primeiro dos
cariocas. Ouvi cabisbaixo; fiz outro discurso agradecendo,
e entreguei a carta ao molecote. Todos os lenços comovi-
dos apanharam as lágrimas de admiração. Caí na cadeira
e não vi mais nada. De noite, recebi muitos cartões. Creio
que estão pintando o meu retrato, e suponho que a óleo.
No dia seguinte, chamei Pancrácio e disse-lhe com
rara franqueza:
— Tu és livre, podes ir para onde quiseres. Aqui tens
casa amiga, já conhecida e tens mais um ordenado, um
ordenado que…
— Oh! meu senhô! fico.
— … Um ordenado pequeno, mas que há de crescer.
Tudo cresce neste mundo; tu cresceste imensamente. Quando
nasceste, eras um pirralho deste tamanho; hoje estás mais
alto que eu. Deixa ver; olha, és mais alto quatro dedos…
— Artura não qué dizê nada, não, senhô…
— Pequeno ordenado, repito, uns seis mil-réis; mas é
de grão em grão que a galinha enche o seu papo. Tu vales
muito mais que uma galinha.
— Eu vaio um galo, sim, senhô.
— Justamente. Pois seis mil-réis. No fim de um ano,
Na atitude elencada pela campanha acima, “Reserve se andares bem, conta com oito. Oito ou sete.
um tempo ara curtir a vida e a convivência com os Pancrácio aceitou tudo; aceitou até um peteleco que
outros”, qual a classificação da oração destacada? lhe dei no dia seguinte, por me não escovar bem as botas;
a) Oração Subordinada Substantiva Completiva efeitos da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o peteleco,
Nominal. sendo um impulso natural, não podia anular o direito civil
b) Oração Subordinada Adjetiva Restritiva. adquirido por um título que lhe dei. Ele continuava livre, eu
c) Oração Subordinada Adverbial Final Reduzida de de mau humor; eram dois estados naturais, quase divinos.
Infinitivo. Tudo compreendeu o meu bom Pancrácio; daí para cá,
tenho-lhe despedido alguns pontapés, um ou outro puxão
d) Oração Subordinada Substantiva Completiva No-
de orelhas, e chamo-lhe besta quando lhe não chamo filho
minal Reduzida de Infinitivo.
do diabo; coisas todas que ele recebe humildemente, e
e) Oração Subordinada Adjetiva Explicativa. (Deus me perdoe!) creio que até alegre.
Para responder à questão 16, leia a crônica de Machado O meu plano está feito; quero ser deputado, e, na
de Assis, publicada em 9.5.. circular que mandarei aos meus eleitores, direi que, antes,
muito antes de abolição legal, já eu, em casa, na modéstia
FRENTE 1

Eu pertenço a uma família de profetas , da família, libertava um escravo, ato que comoveu a toda a
, depois do gato morto, ou como melhor nome gente que dele teve notícia; que esse escravo tendo apren-
tenha em holandês. Por isso digo, e juro se necessário dido a ler, escrever e contar (simples suposição) é então

47
professor de Filosofia no Rio das Cobras; que os homens 17. Unesp 2020 Em “mas, rigorosamente, não há morte,
puros, grandes e verdadeiramente políticos, não são os que há vida, porque a supressão de uma é condição da
obedecem à lei, mas os que se antecipam a ela, dizendo ao sobrevivência da outra” e “As batatas apenas chegam
escravo: és livre, antes que o digam os poderes públicos, para alimentar uma das tribos”, os termos sublinhados
sempre retardatários, trôpegos e incapazes de restaurar a estabelecem relação, respectivamente, de:
justiça na terra, para satisfação do céu. a) consequência e conformidade.
Machado de Assis. Crônicas escolhidas, 2013.
b) causa e conformidade.
c) conformidade e consequência.
d) causa e finalidade.
e) consequência e finalidade.

Leia o trecho do livro O fim da Terra e do Céu, de


Marcelo Gleiser, para responder à questão 18.
16. Unesp 2021 “Neste jantar, a que os meus amigos de- Durante toda a história da humanidade, a passagem
ram o nome de banquete, em falta de outro melhor, do tempo sempre foi vista com um misto de fascínio e ter-
reuni umas cinco pessoas, conquanto as notícias dis- ror. Como todos os seres vivos, nós nascemos, atingimos a
maturidade, procriamos e morremos. Mas, aparentemente,
dar um aspecto simbólico.” (o parágrafo) apenas nós temos consciência de nossa mortalidade. Essa
No contexto em que se inserem, as orações sublinha- consciência é uma bênção e uma maldição. Na tentativa
das expressam, respectivamente, ideia de de produzir um legado que, esperamos, sobreviva à nossa
a) condição e comparação. curta vida, nós criamos obras de arte e teorias, temos filhos
b) condição e finalidade. e ajudamos aqueles que sofrem necessidades. No entanto,
indiferente às nossas criações e paixões, a morte continua
c) consequência e comparação.
a causar desespero, lágrimas e gritos contra a injustiça,
d) concessão e finalidade.
comprovando nossa derrota final diante da onipotência da
e) concessão e consequência.
Natureza em criar e destruir. Para aliviar o medo da morte
Para responder à questão 17, leia o trecho de uma fala e a dor de perder uma pessoa amada, as religiões do Leste
do personagem Quincas Borba, extraída do romance e do Oeste transformaram o fim da vida em um evento
Quincas Borba, de Machado de Assis, publicado ori- que vai muito além da mera incapacidade de um corpo
ginalmente em 9. continuar a funcionar. Algumas designam a vida e a morte
como etapas igualmente importantes de um eterno ciclo
— […] O encontro de duas expansões, ou a expansão de existência, enquanto outras prometem a vida eterna no
de duas formas, pode determinar a supressão de uma de- Paraíso para aqueles que seguirem seus preceitos.
las; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, porque a O fim da Terra e do Céu, 2011.
supressão de uma é condição da sobrevivência da outra,
e a destruição não atinge o princípio universal e comum.
18. FMABC-SP 2021 Para aliviar o medo da morte e a dor
Daí o caráter conservador e benéfico da guerra. Supõe tu
de perder uma pessoa amada, as religiões do Leste e do
um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas
Oeste transformaram o fim da vida em um evento que
apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim
vai muito além da mera incapacidade de um corpo con-
adquire forças para transpor a montanha e ir à outra ver-
tinuar a funcionar.
tente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas
tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam No contexto em que se insere, o trecho sublinhado
a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz, expressa ideia de
nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma a) proporção.
das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí b) causa.
a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas c) consequência.
públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas. Se a d) finalidade.
guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam e) concessão.
a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora
e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo Texto para as questões 19 e 20.
racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que
virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; Redes sociais e colaboração extrama: o fim
ao vencedor, as batatas. [...] Aparentemente, há nada mais do sendo crítico?
contristador que uma dessas terríveis pestes que devastam Eugênio Mira
um ponto do globo? E, todavia, esse suposto mal é um Conectados. Essa palavra nunca fez tanto sentido quan-
benefício, não só porque elimina os organismos fracos, to agora. Quando se discutia no passado sobre como os
incapazes de resistência, como porque dá lugar à obser- homens agiriam com o advento da aldeia global [...] não se
vação, à descoberta da droga curativa. A higiene é filha de imaginava o quanto esse processo seria rápido e devastador.
podridões seculares; devemo-la a milhões de corrompidos 5 [...] quando McLuhan apresentou o termo, em 1968,
e infectos. Nada se perde, tudo é ganho. ele sequer imaginaria que não seria a televisão a grande
Quincas Borba, 2016. responsável pela interligação mundial absoluta, e sim a

48 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Sintaxe do período composto III


internet, que na época não passava de um projeto militar III. “A internet mudou definitivamente a maneira
do governo dos Estados Unidos. como nos comunicamos e percebemos o mundo.”
10 A internet mudou definitivamente a maneira como (l. 10-11) – A conjunção estabelece uma relação
nos comunicamos e percebemos o mundo. Graças a ela de finalidade.
temos acesso a toda informação do mundo à distância de
IV. “... copiar e colar, e depois partilhar.” (l. 0-1) –
apenas um toque de botão. E quando começaram a se
A repetição da conjunção visa enfatizar o automa-
popularizar as redes sociais, um admirável mundo novo
15 abriu-se ante nossos olhos. Uma ferramenta colaborativa tismo das ações.
extrema, que possibilitaria o contato imediato com outras Estão corretas as análises apresentadas apenas nos
pessoas através de suas afinidades, fossem elas políticas, itens
religiosas ou mesmo geográficas. Projetos colaborativos, a) I e III.
revoluções instantâneas... Tudo seria maior e melhor quan- b) III e IV.
20 do as pessoas se alinhassem na órbita de seus ideais. O c) I e II.
tempo passou, e essa revolução não se instaurou. d) II e IV.
Basta observar as figuras que surgem nos sites de hu-
mor e outros assemelhados. Conhecidos como memes
20. AFA-SP 2018 Assinale a alternativa cuja relação se-
(termo cunhado pelo pesquisador Richard Dawkins, que
mântica entre as orações foi apontada corretamente:
25 representaria para nossa memória o mesmo que os genes
representam para o corpo, ou seja, uma parcela mínima a) “Quando se discutia no passado sobre como os
de informação), essas figuras surgiram com a intenção de homens agiriam com o advento da aldeia global...”
demonstrar, de maneira icônica, algum sentimento ou sen- (l. 2-3) – Conformidade
sação. Ao fazer isso, a tendência de ter uma reação diversa b) “E quando começaram a se popularizar as redes
30 daquelas expressas pelas tirinhas é cada vez menor. Tudo sociais, um admirável mundo novo abriu-se ante
fica branco e preto. Ou se aceita a situação, ou revolta-se. nossos olhos” (l. 13-1) – Condição
Sem chance para o debate ou questionamento. c) “Ou se aceita a situação, ou revolta-se” (l. 31) –
[...] Alternância
A situação é ainda mais grave quando um dos pou- d) “Ao fazer isso, a tendência de ter uma reação di-
35 cos entes criativos restantes na internet produz algum versa...” (l. 2) – Tempo
comentário curto, espirituoso ou reflexivo, a respeito de
alguma situação atual ou recente... Em minutos pipocam 21. Ufam 2020
cópias da frase por todo lugar. Copia-se sem o menor
bom senso, sem créditos. Pensar e refletir, e depois falar, Com a grande propriedade monocultural, instala-se no
40 são coisas do passado. O importante agora é copiar e Brasil o trabalho escravo. Não só Portugal não contava com
colar, e depois partilhar. As redes sociais desfraldaram um população suficiente para abastecer sua colônia de mão de
mundo completamente novo, e o uso que o homem fará obra, como também o português, como qualquer outro colo-
dessas ferramentas é o que dirá o nosso futuro cultural. no europeu, não emigra para os trópicos, em princípio, para
Se enveredarmos pela partilha de ideias, gestando-as em se engajar como simples trabalhador assalariado do campo.
A escravidão tornou-se uma necessidade: o problema e a
45 nossas mentes e depois as passando a outros, será uma
solução foram idênticos em todas as colônias tropicais e
estufa mundial a produzir avanços incríveis em todos os
mesmo subtropicais da América. Se os problemas fossem
campos de conhecimento. Se, no entanto, as redes sociais
diversos, as soluções nem sempre levariam à escravidão.
se transformarem em uma rede neural de apoio à preguiça
Utilizaram-se a princípio os autóctones. Lá onde a
de pensar, a humanidade estará fadada ao processo antina-
sua densidade é grande e onde estavam habituados a um
50 tural de regressão. O advento das redes sociais trouxe para
trabalho estável e sedentário, como no México e no alti-
perto das pessoas comuns os amigos distantes, os ídolos
plano andino, o escravo ou semiescravo indígena formou
e as ideias consumistas mais arraigados, mas aparente-
o grosso da mão de obra. No Brasil ele é mais escasso e,
mente está levando para longe algo muito mais humano
sobretudo, despreparado para o sistema de trabalho orga-
e essencial na vida em sociedade: o senso crítico. Será nizado que exige a agricultura colonial. Empregou-se na
55 uma troca justa? falta de melhor opção, particularmente naquelas regiões
http://obviousmag.org/archives/2011/09/redes_sociais_e_colaboracao_
extrem a_O_fim_do_senso_critico-.htm. Adaptado. Acesso em: 21 fev. 2017.
cujo nível econômico não comportava o preço elevado do
escravo africano. Este o substituirá sempre que possível,
e nós o encontramos em todas as grandes lavouras e na
19. AFA-SP 2018 Observe o emprego da conjunção “e” mineração. No fim da era colonial, cerca de um terço da
nos enunciados a seguir, considerando o contexto de população era composta de escravos negros.
onde foram recortados, e as respectivas análises. Do livro Formação do Brasil contemporâneo, de Caio Prado Jr. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011, p. 126-127. Texto adaptado.
I. “...ele sequer imaginaria que não seria a televisão
a grande responsável pela interligação mundial Leia as seguintes afirmativas sobre o texto:
absoluta, e sim a internet...” (l. -8) – A conjunção I. O sujeito da oração que constitui o primeiro período
é aditiva. do segundo parágrafo é “os autóctones”.
FRENTE 1

II. “O tempo passou, e essa revolução não se ins- II. O trecho “e nós o encontramos” (em destaque)
taurou.” (l. 20-21) – A relação estabelecida é de admite o emprego da ênclise, caso em que ficaria
adversidade. assim: “e encontramo-lo”.

49
III. Na primeira oração do texto, o agente da passiva nos antigos abusava-se de veneno. De qualquer
é “grande propriedade monocultural”. modo, as pessoas grandes não contavam a história direito,
IV. O período que começa com “Empregou-se na e os meninos deformavam o conto. Repudiada por todos,
falta de melhor” (segundo parágrafo) possui duas ela se fechou naquele chalé do caminho do córrego, e
orações: a principal e uma subordinada adverbial acabou perdendo o juízo. Perdera antes todas as relações.
explicativa. Ninguém tinha ânimo de visitá-la. O padeiro mal jogava
V. No último período do primeiro parágrafo (“Se os o pão na caixa de madeira, à entrada, e eclipsava-se. Di-
problemas...”), a circunstância expressa pela ora- ziam que nessa caixa uns primos generosos mandavam
ção subordinada adverbial é de condição. pôr, à noite, provisões e roupas, embora oficialmente a
ruptura com a família se mantivesse inalterável. Às vezes
Assinale a alternativa correta:
uma preta velha arriscava-se a entrar, com seu cachimbo
a) Somente as afirmativas I, II e V estão corretas.
e sua paciência educada no cativeiro, e lá ficava dois ou
b) Somente as afirmativas I, III e IV estão corretas.
três meses, cozinhando. Por fim a doida enxotava-a. E,
c) Somente as afirmativas I, IV e V estão corretas. afinal, empregada nenhuma queria servi-la. Ir viver com
d) Somente as afirmativas II, III e IV estão corretas. a doida, pedir a bênção à doida, jantar em casa da doida,
e) Somente as afirmativas II, III e V estão corretas. passaram a ser, na cidade, expressões de castigo e sím-
Leia o trecho inicial do conto “A doida”, de Carlos bolos de .
Drummond de Andrade, para responder à questão 22. Vinte anos de uma tal existência, e a legenda está
feita. Quarenta, e não há mudá-la. O sentimento de que
A doida habitava um chalé no centro do jardim mal- a doida carregava uma culpa, que sua própria doidice era
tratado. E a rua descia para o córrego, onde os meninos uma falta grave, uma coisa aberrante, instalou-se no espíri-
costumavam banhar-se. Era só aquele chalezinho, à es- to das crianças. E assim, gerações sucessivas de moleques
querda, entre o barranco e um chão abandonado; à direita,
passavam pela porta, fixavam cuidadosamente a vidraça e
o muro de um grande quintal. E na rua, tornada maior pelo
lascavam uma pedra. A princípio, como justa penalidade.
silêncio, o burro que pastava. Rua cheia de capim, pedras
Depois, por prazer. Finalmente, e já havia muito tempo,
soltas, num declive áspero. Onde estava o fiscal, que não
por hábito. Como a doida respondesse sempre furiosa,
mandava capiná-la?
criara-se na mente infantil a ideia de um equilíbrio por
Os três garotos desceram manhã cedo, para o banho e
compensação, que afogava o remorso.
a pega de passarinho. Só com essa intenção. Mas era bom
Em vão os pais censuravam tal procedimento. Quan-
passar pela casa da doida e provocá-la. As mães diziam
do meninos, os pais daqueles três tinham feito o mesmo,
o contrário: que era horroroso, poucos pecados seriam
com relação à mesma doida, ou a outras. Pessoas sensíveis
maiores. Dos doidos devemos ter piedade, porque eles
lamentavam o fato, sugeriam que se desse um jeito para in-
não gozam dos benefícios com que nós, os sãos, fomos
ternar a doida. Mas como? O hospício era longe, os parentes
aquinhoados. Não explicavam bem quais fossem esses
não se interessavam. E daí – explicava-se ao forasteiro que
benefícios, ou explicavam demais, e restava a impressão
porventura estranhasse a situação – toda cidade tem seus
de que eram todos privilégios de gente adulta, como fazer
visitas, receber cartas, entrar para irmandades. E isso não doidos; quase que toda família os tem. Quando se tornam
comovia ninguém. A loucura parecia antes erro do que ferozes, são trancados no sótão; fora disto, circulam pacifi-
miséria. E os três sentiam-se inclinados a a doida, camente pelas ruas, se querem fazê-lo, ou não, se preferem
isolada e agreste no seu jardim. ficar em casa. E doido é quem Deus quis que ficasse doido...
Como era mesmo a cara da doida, poucos poderiam Respeitemos sua vontade. Não há remédio para loucura;
dizê-lo. Não aparecia de frente e de corpo inteiro, como as nunca nenhum doido se curou, que a cidade soubesse; e a
outras pessoas, conversando na calma. Só o busto, recortado cidade sabe bastante, ao passo que livros mentem.
numa das janelas da frente, as mãos magras, ameaçando. Os Contos de aprendiz, 2012.

cabelos, brancos e desgrenhados. E a boca inflamada, sol-


tando xingamentos, pragas, numa voz rouca. Eram palavras
da Bíblia misturadas a termos populares, dos quais alguns
pareciam escabrosos, e todos fortíssimos na sua cólera.
Sabia-se confusamente que a doida tinha sido moça
igual às outras no seu tempo remoto (contava mais de
22. Unifesp 2019 “Como a doida respondesse sem-
sessenta anos, e loucura e idade, juntas, lhe lavraram o
, criara-se na mente infantil a ideia de um
corpo). Corria, com variantes, a história de que fora noiva
equilíbrio por compensação, que afogava o remorso.”
de um fazendeiro, e o casamento uma festa estrondosa;
(5o parágrafo)
mas na própria noite de núpcias o homem a repudiara,
Deus sabe por que razão. O marido ergueu-se terrível Em relação ao trecho que o sucede, o trecho sublinha-
e empurrou-a, no calor do bate-boca; ela rolou escada do expressa ideia de
abaixo, foi quebrando ossos, arrebentando-se. Os dois a) finalidade.
nunca mais se veriam. Já outros contavam que o pai, não b) causa.
o marido, a expulsara, e esclareciam que certa manhã c) proporção.
o velho sentira um amargo diferente no café, ele que ti- d) comparação.
nha dinheiro grosso e estava custando a morrer – mas e) consequência.

50 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Sintaxe do período composto III


23. Fuvest-SP 2022 A escrita faz de tal modo parte de [...]
nossa civilização que poderia servir de definição dela No restaurante, a clientela é simpática e curiosa sobre
própria. A história da humanidade se divide em duas a culinária brasileira. Cerca de 70% dos fregueses são
imensas eras: antes e a partir da escrita. Talvez venha o dinamarqueses e o restante são, principalmente, brasilei-
dia de uma terceira era — depois da escrita. Vivemos os ros e portugueses. O restaurante ainda não dá lucro nem
séculos da civilização escrita. Todas as nossas sociedades rende o suficiente para pagar o salário de Jacira, mas ela
baseiam-se no escrito. A lei escrita substitui a lei oral, o não pretende desistir do negócio sem antes lutar muito
contrato escrito substitui a convenção verbal, a religião pelo seu sonho.
escrita se seguiu à tradição lendária. E sobretudo não [...]
existe história que não se funde sobre textos. Para levar o restaurante adiante, Jacira está seguindo
Charles Higounet. A história da escrita. Adaptado. alguns dos conselhos do apresentador do programa de
televisão, Thomas Castberg, que é um chefe de cozinha
A locução conjuntiva “de tal modo…que” e o advérbio famoso na Dinamarca. No programa, ele fez algumas crí-
“sobretudo”, respectivamente, expressam noção de: ticas à administração e à decoração do restaurante, mas
a) conformidade e dúvida. elogiou o talento gastronômico de Jacira, como ela conta:
b) consequência e realce. “Eu fiquei muito orgulhosa quando ele falou que
c) condição e negação. gostou muito do meu tempero e que a comida brasileira
d) consequência e negação. era uma comida boa, cheia de sabor; também porque ele
e) condição e realce. repetiu isso várias vezes. Não é que ele chegou e disse:
‘eu gostei do seu tempero’. Ele falou isso muitas vezes,
24. UEPG-PR 2018 durante sete dias. E quando as câmaras estavam desligadas,
Baiana brilha em programa de culinária na ele estava na cozinha comendo. Significa que ele gostou
mesmo, não é?”
TV da Dinamarca Adaptado de: www.cartacapital.com.br/internacional/baiana-brilha-
Moqueca, feijoada e acarajé são as grandes estrelas em-programa-de-culinaria-na-tv-da-dinamarca, publicado em
07.03.2018, pela correspondente Margareth Marmori.
do menu de um restaurante brasileiro em Copenhague,
mas num programa da televisão dinamarquesa quem bri- Assinale o que for correto quanto aos conectivos pre-
lhou foi a baiana Jacira Mariete Berlowicz, que mora há sentes no texto e a respectiva relação que estabelecem
35 anos na Dinamarca. Jacira é a dona do restaurante “O entre as orações.
Tempo” e ficou conhecida pelo público do país depois  “...como ela conta.” (último período do penúltimo
de participar da versão local do programa de televisão parágrafo) – relação de conformidade.
“Pesadelos na Cozinha”.  “...quando ele falou...” (1o período do último pará-
O restaurante foi aberto há três anos numa área central
grafo) – relação de tempo.
da capital dinamarquesa e lá ela frequentemente promo-
 “...e tem ajudado a atrair novos clientes...” (2o período
ve tardes do acarajé, que atraem centenas de pessoas. O
do 2o parágrafo) – relação de adição.
programa de televisão foi exibido pela primeira vez em
 “...mas ela pretende não desistir do negócio...”
novembro passado e tem ajudado a atrair novos clientes,
inclusive pessoas que vivem no interior da Dinamarca e
(último período do 3o parágrafo) – relação de ad-
que aproveitam o passeio em Copenhague para provar a versidade.
culinária brasileira pela primeira vez. Mas, como ela conta, Soma:
o convite para participar da produção a pegou de surpresa.

Texto complementar

A língua do pensamento que inquieta Categorias


pensadores e cientistas Também comprovam a existência dessa representação mental
puramente abstrata situações como quando não recordamos uma pa-
Por mais distintas que as línguas sejam, praticamente tudo lavra, mas, mesmo assim, sabemos o que queremos dizer, ou quando
que pode ser dito em uma língua pode ser dito nas demais. alguém diz algo e, tempos depois, lembramos o que foi dito, mesmo
Certas palavras não encontram equivalentes exatos em outros tendo esquecido as palavras exatas. A ideia de que pensamos inde-
idiomas, as estruturas sintáticas são muito diferentes, mas o pendentemente da língua que falamos e mesmo de outros sistemas
sentido geral das frases tende a permanecer o mesmo. Tanto simbólicos (sons, gestos, desenhos, esquemas) é bem antiga e tem
que [...] o que se traduz num texto é o seu sentido geral e não inquietado muitos pensadores e cientistas ao longo do tempo.
o significado termo a termo, a chamada tradução literal, que
muitas vezes conduz a enunciados sem sentido. Aristóteles já havia postulado que o pensamento se estrutura
em torno de categorias gerais (substância, qualidade, ação), de
Essa possibilidade quase irrestrita de tradução é possível tal modo que tudo o que possamos conceber se encaixe numa
porque o “sentido geral” a que estou me referindo é algo que trans- dessas categorias. O raciocínio seria, então, a combinação dessas
cende a língua. Trata-se de uma representação mental que fazemos categorias ou conceitos por meio de regras bem definidas.
da realidade e prescinde de palavras. Mas tampouco se dá por
FRENTE 1

imagens ou outros símbolos dotados de um significante material. [...] [...]


BIZZOCCHI, Aldo. Educação,  dez. 09. Disponível em: https://revistaeducacao.com.br/09///pensamento-inquieta/.
Acesso em:  abr. 0.

51
Resumindo

Orações subordinadas adverbiais As orações subordinadas adverbiais reduzidas classificam-


As orações subordinadas adverbiais desempenham, em -se da mesma forma que as desenvolvidas, mas não são
relação à oração matriz, a função de adjunto adverbial. Elas introduzidas por conjunção e têm o verbo em uma das for-
são classificadas de acordo com a circunstância que acres- mas nominais: infinitivo, gerúndio ou particípio. Observe
centam à oração principal. os exemplos:
Veja os tipos de orações subordinadas adverbiais:  Percebendo seu cansaço, pensei em ajudar (reduzida).
 Causais – expressam a causa da oração matriz. Classificação: oração subordinada adverbial causal re-
 Consecutivas – expressam a consequência da oração duzida de gerúndio.
matriz. Visto que percebi seu cansaço, pensei em ajudar
 Condicionais – expressam a condição da oração matriz. (desenvolvida).
 Concessivas – expressam a ressalva, a concessão, ar-  Terminada a palestra, alunos e professores aplaudiram
gumento mais fraco, quebra de expectativa. (reduzida).
Classificação: oração subordinada adverbial temporal
 Conformativas – expressam relação de concordância, reduzida de particípio.
conformidade.
Quando terminou a palestra, alunos e professores
 Comparativas – expressam confronto, comparação com aplaudiram (desenvolvida).
a oração matriz.
 Sem se esforçar, não conseguirá bons resultados
 Finais – expressam a intenção, a finalidade do que é (reduzida).
dito na matriz. Classificação: oração subordinada adverbial condicional
 Temporais – expressam o momento em que se realiza reduzida de infinitivo.
a ação da oração matriz. Caso não se esforce, não conseguirá bons resultados
 Proporcionais – apresentam uma ideia de proporciona- (desenvolvida).
lidade com relação à ação da oração matriz.

Quer saber mais?


Música Site
Enquanto houver Sol. Titãs. Wordwall.
A letra da canção, que faz parte do álbum "Como estão O site conta com alguns jogos gratuitos sobre as conjun-
vocês?", lançado em 23, é composta das conjunções ções de subordinação. Disponível em: https://wordwall.
temporais “quando” e “enquanto”, a fim de construir uma net/pt-br/community/jogo-conjun%C3%A%C3%Bes
mensagem de esperança, pois, “enquanto houver Sol”,
ainda há o que esperar. Filme
Língua — Vidas em português. Direção: Victor Lopes, 2004.
Coprodução entre Brasil e Portugal, o documentário conta
a história do idioma. Disponível: www.youtube.com/watch
?v=wRtoHXcA

Exercícios complementares

Leia a fábula “A raposa e o lenhador”, do escritor grego 1. Unifesp 2017 “Entretanto, como eles não prestaram
Esopo (60 a.C.?-564 a.C.?), para responder à questão 1. atenção nos seus gestos, deram crédito às suas pa-
Enquanto fugia de caçadores, uma raposa viu um lenha-
lavras.”
dor e lhe pediu que a escondesse. Ele sugeriu que ela entrasse Em relação à oração que a sucede, a oração destaca-
em sua cabana e se ocultasse lá dentro. Não muito tempo da tem sentido de:
depois, vieram os caçadores e perguntaram ao lenhador se a) causa. d) comparação.
ele tinha visto uma raposa passar por ali. Em voz alta ele b) consequência.
negou tê-la visto, mas com a mão fez gestos indicando onde c) conclusão. e) proporção.
ela estava escondida. Entretanto, como eles não prestaram
Leia o excerto da crônica “Mineirinho” de Clarice
atenção nos seus gestos, deram crédito às suas palavras. Ao
constatar que eles já estavam longe, a raposa saiu em silêncio
Lispector (95-977), publicada na revista Senhor em
e foi indo embora. E o lenhador se pôs a repreendê-la, pois 96, para responder à questão 2.
ela, salva por ele, não lhe dera nem uma palavra de gratidão. É, suponho que é em mim, como um dos representantes
A raposa respondeu: “Mas eu seria grata, se os gestos de sua de nós, que devo procurar por que está doendo a morte de um
mão fossem condizentes com suas palavras.” . E por que é que mais me adianta contar os treze tiros
Fábulas completas, 2013. que mataram do que os seus crimes. Perguntei a

52 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Sintaxe do período composto III


minha cozinheira o que pensava sobre o assunto. Vi no seu Texto para as questões 3 e 4.
rosto a pequena convulsão de um conflito, o mal-estar de
As discussões muitas vezes acaloradas sobre o reco-
não entender o que se sente, o de precisar trair sensações
nhecimento da pixação como expressão artística trazem à
contraditórias por não saber como harmonizá-las. Fatos irre-
tona um questionamento conceitual importante: uma vez
dutíveis, mas revolta irredutível também, a violenta compaixão
da revolta. Sentir-se dividido na própria perplexidade diante de considerado arte contemporânea, o movimento perderia
não poder esquecer que Mineirinho era perigoso e já matara sua essência? Para compreendermos os desdobramentos
demais; e no entanto nós o queríamos vivo. A cozinheira se da pixação, alguns aspectos presentes no graffiti são essen-
fechou um pouco, vendo-me talvez como a justiça que se ciais e importantes de serem resgatados. O graffiti nasceu
vinga. Com alguma raiva de mim, que estava mexendo na sua originalmente nos EUA, na década de 1970, como um dos
alma, respondeu fria: “O que eu sinto não serve para se dizer. elementos da cultura hip-hop (Break, MC, DJ e Graffiti).
Quem não sabe que Mineirinho era criminoso? Mas tenho Daí até os dias atuais, ele ganhou em força, criatividade
certeza de que ele se salvou e já entrou no céu”. Respondi-lhe e técnica, sendo reconhecido hoje no Brasil como graffiti
que “mais do que muita gente que não matou”. artístico. Sua caracterização como arte contemporânea
Por quê? No entanto a primeira lei, a que protege foi consolidada definitivamente por volta do ano 2000.
corpo e vida insubstituíveis, é a de que não matarás. Ela é A distinção entre graffiti e pixação é clara; ao primeiro é
a minha maior garantia: assim não me matam, porque eu atribuída a condição de arte, e o segundo é classificado como
não quero morrer, e assim não me deixam matar, porque um tipo de prática de vandalismo e depredação das cidades,
ter matado será a escuridão para mim. vinculado à ilegalidade e marginalidade. Essa distinção das
Esta é a lei. Mas há alguma coisa que, se me faz ouvir expressões deu-se em boa parte pela institucionalização do
o primeiro e o segundo tiro com um alívio de segurança, graffiti, com os primeiros resquícios já na década de 1970.
no terceiro me deixa alerta, no quarto desassossegada, o Esse desenvolvimento técnico e formal do graffiti oca-
quinto e o sexto me cobrem de vergonha, o sétimo e o sionou a perda da potência subversiva que o marca como
oitavo eu ouço com o coração batendo de horror, no nono manifestação genuína de rua e caminha para uma arte de
e no décimo minha boca está trêmula, no décimo primeiro intervenção domesticada enquadrada cada vez mais nos
digo em espanto o nome de Deus, no décimo segundo moldes do sistema de arte tradicional. O grafiteiro é visto
chamo meu irmão. O décimo terceiro tiro me assassina — hoje como artista plástico, possuindo as características de
porque eu sou o outro. Porque eu quero ser o outro. todo e qualquer artista contemporâneo, incluindo a prática
Essa justiça que vela meu sono, eu a repudio, humi- e o status. Muito além da diferenciação conceitual entre as
lhada por precisar dela. Enquanto isso durmo e falsamente expressões – ainda que elas compartilhem da mesma maté-
me salvo. Nós, os sonsos essenciais. Para que minha casa ria-prima – trata-se de sua força e essência intervencionista.
funcione, exijo de mim como primeiro dever que eu seja Estudos sobre a origem da pixação afirmam que o
sonsa, que eu não exerça a minha revolta e o meu amor, graffiti nova-iorquino original equivale à pixação brasileira;
guardados. Se eu não for sonsa, minha casa estremece. Eu os dois mantêm os mesmos princípios: a força, a explosão e
devo ter esquecido que embaixo da casa está o terreno, o o vazio. Uma das principais características do pixo é justa-
chão onde nova casa poderia ser erguida. Enquanto isso mente o esvaziamento sígnico, a potência esvaziada. Não
dormimos e falsamente nos salvamos. Até que treze tiros existem frases poéticas, nem significados. A pixação pos-
nos acordam, e com horror digo tarde demais – vinte e sui dimensão incomunicativa, fechada, que não conversa
oito anos depois que Mineirinho nasceu – que ao homem com a sociedade. Pelo contrário, de certa forma, a agride.
acuado, que a esse não nos matem. Porque sei que ele é o A rejeição do público geral reside na falta de compreensão
meu erro. E de uma vida inteira, por Deus, o que se salva e intelecção das inscrições; apenas os membros da própria
às vezes é apenas o erro, e eu sei que não nos salvaremos comunidade de pixadores decifram o conteúdo.
enquanto nosso erro não nos for precioso. Meu erro é o meu A significância e a força intervencionista do pixo re-
espelho, onde vejo o que em silêncio eu fiz de um homem. sidem, portanto, no próprio ato. Ela é evidenciada pela
Meu erro é o modo como vi a vida se abrir na sua carne e impossibilidade de inserção em qualquer estatuto pré-es-
me espantei, e vi a matéria de vida, placenta e sangue, a tabelecido, pois isso pressuporia a diluição e a perda de
lama viva. Em Mineirinho se rebentou o meu modo de viver. sua potência signo-estética. Enquanto o graffiti foi sendo
Clarice Lispector. Para não esquecer, 1999. introduzido como uma nova expressão de arte contempo-
rânea, a pichação utilizou o princípio de não autorização
para fortalecer sua essência.
Mas o quão sensível é essa forma de expressão extre-
mista e antissistema como a pixação? Como lidar com a
linha tênue dos princípios estabelecidos para não cair em
contradição? Na 26ª Bienal de Arte de São Paulo, em 2004,
houve um caso de pixo na obra do artista cubano natu-
ralizado americano, Jorge Pardo. Seu comentário, diante
2. Unifesp 2016 “O décimo terceiro tiro me assassina — da intervenção, foi “Se alguém faz alguma coisa no seu
porque eu sou o outro.” trabalho, isso é positivo, para mim, porque escolheram a
Em relação à oração que a precede, a oração desta- minha peça entre as expostas” […]. “Quem fez isso deve
FRENTE 1

cada tem sentido de discordar de alguma coisa na obra. Pode ser outro artista
a) consequência. d) causa. fazendo sua própria obra dentro da minha. Pode ser só
b) conclusão. e) finalidade. uma brincadeira” e finalizou dizendo que “pichar a obra
c) alternância. de alguém também não é tão incomum. Já é tradicional”.
53
É interessante notar, a partir do depoimento de Pardo, 4. ITA-SP 2019 Assinale a alternativa em que o trecho
a recorrência de padrões em movimentos de qualquer sublinhado expressa ideia de causa.
natureza, e o inevitável enquadramento em algum tipo de a) Essa distinção das expressões deu-se em boa
sistema, mesmo que imposto e organizado pelos próprios parte , com os
elementos do grupo. Na pixação, levando em conta o “sis-
tema” em que estão inseridos, constatamos que também b) foi sendo introduzido como uma
passa longe de ser perfeito; existe rivalidade pesada entre , a picha-
gangues, hierarquia e disputas pelo “poder”. ção utilizou o princípio de não autorização para
Em 2012, a Bienal de Arte de Berlim, com o tema “Forget fortalecer sua essência.
Fear”, considerado ousado, priorizou fatos e inquietações c) A rejeição do público geral reside na falta de
políticas da atualidade. Os pixadores brasileiros, Cripta (Djan compreensão e intelecção das inscrições;
Ivson), Biscoito, William e R.C., foram convidados na ocasião os membros da comunidade de-
para realizar um workshop sobre pixação em um espaço cifram o conteúdo.
delimitado, na igreja Santa Elizabeth. Eles compareceram. d) ,
Mas não seguiram as regras impostas pela curadoria, ao pixar caíram em contradição.
o próprio monumento. O resultado foi tumulto e desentendi- e) O é visto como artista , pos-
mento entre os pixadores e a curadoria do evento. suindo as características de todo e qualquer artista
O grande dilema diante do fato é que, ao aceitarem contemporâneo, incluindo a prática e o status.
o convite para participar de uma bienal de arte, automati-
camente aceitaram as regras e o sistema imposto. Mesmo 5. Fatec-SP 2015
sem adotar o comportamento esperado, caíram em contra-
dição. Por outro lado, pela pichação ser conhecidamente Construção civil: número de acidentes de
transgressora (ou pelo jeito, não tão conhecida assim), os trabalho diminui mesmo com aumento de obras
organizadores deveriam pressupor que eles não seguiriam Roberta Lopes
padrões pré-estabelecidos.
A coordenadora de Relações Institucionais do Servi-
Embora existam movimentos e grupos que conside-
ço Social da Indústria da Construção do Rio de Janeiro
ram, sim, a pixação como forma de arte, como é o caso
(Seconci-Rio), Ana Cláudia Gomes, disse hoje que o núme-
dos curadores da Bienal de Berlim, há uma questão subs-
ro de acidentes de trabalho na construção civil permanece
tancial que permeia a realidade dos pichadores. Quem
estável nos últimos anos, embora o número de construções
disse que eles querem sua expressão reconhecida como
tenha aumentado. Isso significa que, proporcionalmente,
arte? Se arte pressupõe, como ocorreu com o graffiti, adap-
o número de acidentes na construção civil tem caído.
tar-se a um molde específico, seguir determinadas regras e
“Se olharmos as estatísticas de acidentes, elas não
por consequência ver sua potência intervencionista diluída
consideram que, se antes tínhamos 10 mil obras, hoje
e branda, é muito improvável que tenham esse desejo. temos 100 mil. Se o número de acidentes se manteve,
A representação da pixação como forma de expressão tivemos uma queda proporcional ao número de trabalha-
destrutiva, contra o sistema, extremista e marginalizada é o dores expostos aos riscos. Não comemoramos essa queda,
que a mantêm viva. De certo modo, a rejeição e a ignorân- porque nós continuamos a perseguir o ideal do acidente
cia do público é o que garante sua força intervencionista zero”, afirmou. [...]
e a tão importante e sensível essência. http://tinyurl.com/n6o7zo8. Acesso em: 17 abr. 2015. Adaptado.
Adaptado de: CARVALHO, M. F. Pichação-arte é pixação? Revista Arruaça,
Edição nº 0. Cásper Líbero, 2013. Disponível em: https://casperlibero.edu.br/ As orações subordinadas destacadas nesse fragmen-
revistas/pichacao-arte-e-pixacao/. Acesso em: maio 2018. to classicam-se, respectivamente, em
a) substantiva objetiva indireta, adverbial concessiva
3. ITA-SP 2019 Assinale a alternativa cujo trecho subli- e adverbial causal.
nhado denota uma condição. b) substantiva objetiva direta, adverbial condicional
a) [...] trazem à tona um questionamento conceitual e adverbial causal.
importante: - c) substantiva objetiva direta, adverbial temporal e
rânea, o movimento perderia sua essência? adverbial consecutiva.
b) [...] ele ganhou em força, criatividade e técnica, d) substantiva subjetiva, adverbial condicional e ad-
verbial consecutiva.
artístico.
e) substantiva predicativa, adverbial temporal e ad-
c) Muito além da diferenciação conceitual entre as
verbial consecutiva.
expressões –
[...] Leia a crônica “Eloquência singular”, do escritor Fernan-
d) Ela é evidenciada pela impossibilidade de inser- do Sabino (9-004), para responder à questão 6.
ção em qualquer estatuto pré-estabelecido, Mal iniciara seu discurso, o deputado embatucou:
- — Senhor Presidente: eu não sou daqueles que…
. O verbo ia para o singular ou para o plural? Tudo
e) “Se alguém faz alguma coisa no seu trabalho, isso indicava o plural. No entanto, podia perfeitamente ser o
é positivo, para mim, escolheram a minha 5 singular:
” [...] — Não sou daqueles que…

54 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Sintaxe do período composto III


Não sou daqueles que recusam… No plural soava me- deixar bem claro que, a esta altura de minha existência,
lhor. Mas era preciso precaver-se contra essas armadilhas depois de mais de vinte anos de vida pública…
da linguagem — que recusa? — ele que tão facilmente 70 E entrava por novos desvios:
10 caía nelas, e era logo massacrado com um aparte. Não — Muito embora… sabendo perfeitamente… os
sou daqueles que… Resolveu ganhar tempo: imperativos de minha consciência cívica… senhor
— …embora perfeitamente cônscio das minhas altas Presidente… e o declaro peremptoriamente… não sou
responsabilidades como representante do povo nesta Casa, daqueles que…
não sou… 75 O Presidente voltou a adverti-lo de que seu tempo
15 Daqueles que recusa, evidentemente. Como é que se esgotara. Não havia mais por onde fugir:
podia ter pensado em plural? Era um desses casos que os — Senhor Presidente, meus nobres colegas!
gramáticos registram nas suas questiúnculas de português: Resolveu arrematar de qualquer maneira. Encheu
ia para o singular, não tinha dúvida. Idiotismo de lingua- o peito e desfechou:
gem, devia ser. 80 — Em suma: não sou daqueles. Tenho dito.
20 — …daqueles que, em momentos de extrema gravi- Houve um suspiro de alívio em todo o plenário, as
dade, como este que o Brasil atravessa… palmas romperam. Muito bem! Muito bem! O orador
Safara-se porque nem se lembrava do verbo que pre- foi vivamente cumprimentado.
A companheira de viagem, 1972.
tendia usar:
— Não sou daqueles que…
25 Daqueles que o quê? Qualquer coisa, contanto que 6. Univag-MT 2019 “Safara-se porque nem se lembrava
atravessasse de uma vez essa traiçoeira pinguela gramatical ” (linhas -)
em que sua oratória lamentavelmente se havia metido logo Em relação à oração que a antecede, a oração subli-
de saída. Mas a concordância? Qualquer verbo servia, des- nhada tem sentido de
de que conjugado corretamente, no singular. Ou no plural: a) proporção. d) finalidade.
30 — Não sou daqueles que, dizia eu — e é bom que se b) consequência. e) causa.
repita sempre, senhor Presidente, para que possamos ser c) conclusão.
dignos da confiança em nós depositada…
Considere o texto de Maria Rita Kehl para responder à
Intercalava orações e mais orações, voltando sem-
questão de número 7.
pre ao ponto de partida, incapaz de se definir por esta
35 ou aquela concordância. Por que escolhi a delicadeza como parte essencial
[...] da condição humana? Por não ser uma qualidade intrín-
A concordância que fosse para o diabo. Intercalou seca do humano. Isso é justamente o que a faz necessária.
mais uma oração e foi em frente com bravura, disposto A delicadeza não é causa de nossa humanidade, é efeito
a tudo, afirmando não ser daqueles que… dela. Não é meio, é finalidade. O homem não é necessa-
— Como? riamente delicado – daí a urgência de se preservar, na vida
40
social, as condições para a vigência de alguma delicadeza.
Acolheu a interrupção com um suspiro de alívio:
Erramos ao chamar os atos que nos repugnam de
— Não ouvi bem o aparte do nobre deputado.
desumanos. O homem, não o animal, usa de violência
Silêncio. Ninguém dera aparte nenhum.
contra seu semelhante. O homem inventou o prazer da
— Vossa Excelência, por obséquio, queira falar mais
crueldade: o animal só mata para sobreviver. O homem
45 alto, que não ouvi bem — e apontava, agoniado, um
destrói o que ama – pessoas, coisas, lugares, lembranças.
dos deputados mais próximos.
Se perguntarem a um homem por que razão ele se permitiu
— Eu? Mas eu não disse nada…
abusar de seu semelhante indefeso, ele dirá: eu fiz porque
— Terei o maior prazer em responder ao aparte do
nada me impediu de fazer. O abuso da força é um gozo
nobre colega. Qualquer aparte.
ao qual poucos renunciam. Além disso, o homem é capaz
50 O silêncio continuava. Interessados, os demais
de indiferença, essa forma silenciosa e obscena de brutali-
deputados se agrupavam em torno do orador, aguardan- dade. O homem atropela o que é mais frágil que ele – por
do o desfecho daquela agonia, que agora já era, como pressa, avidez, sofreguidão, rivalidade – sem perceber que
no verso de Bilac, a agonia do herói e a agonia da tarde. com isso atropela também a si mesmo.
— Que é que você acha? – cochichou um. O cientista político Renato Lessa utiliza a imagem do
55 — Acho que vai para o singular. naufrágio como metáfora do humano, em nossos tempos.
— Pois eu não: para o plural, é lógico. Proponho acrescentar a esta, a metáfora do atropelamento,
O orador seguia na sua luta: que expressa perfeitamente a relação do sujeito contem-
— Como afirmava no começo de meu discurso, porâneo com o tempo. Não por acaso a palavra já está
senhor Presidente… incorporada ao uso cotidiano da linguagem para expressar
60 Tirou o lenço do bolso e enxugou o suor da testa. os efeitos da pressa sobre a subjetividade. Dizemos, com
Vontade de aproveitar-se do gesto e pedir ajuda ao pró- frequência, que fomos atropelados pelos acontecimentos –
prio Presidente da mesa: por favor, apura aí pra mim, mas quais acontecimentos têm poder de atropelar o su-
como é que é, me tira desta… jeito? Aqueles em direção aos quais ele se precipita, com
— Quero comunicar ao nobre orador que o seu medo de ser deixado para trás. Deixamo-nos atropelar, em
FRENTE 1

65 tempo se acha esgotado. nossa sociedade competitiva, porque medimos o valor do


— Apenas algumas palavras, senhor Presidente, tempo pelo dinheiro que ele pode nos render.
para terminar o meu discurso: e antes de terminar, quero www.mariaritakehl.psc.br. Adaptado.

55
7. FMJ-SP 2014 Considere o último trecho do texto: Dei- Mesmo as formas de entretenimento que existem há
xamo-nos atropelar, em nossa sociedade competitiva, muitos séculos, tais como a música popular e a compe-
tição esportiva, estão hoje entrelaçadas com os meios de
. comunicação de massa. Música popular, esportes e outras
Em relação à oração anterior, o segmento sublinhado atividades são em grande parte mantidas pelas indústrias
apresenta uma da mídia, que estão envolvidas não apenas na transmissão
a) condição. d) causa. e apoio financeiro de formas culturais preexistentes, mas
também na transformação ativa dessas formas.
b) conclusão. e) restrição.
As indústrias da mídia nem sempre desempenharam um
c) consequência.
papel tão fundamental. O surgimento e desenvolvimento
dessas indústrias foi um processo histórico específico que
8. ESCS-DF 2014 acompanhou o surgimento das sociedades modernas. As
Atualmente, cerca de 40% dos brasileiros têm co- origens da comunicação de massa podem ser ligadas ao sé-
lesterol alto e, aproximadamente, 17 milhões de pessoas culo XV, quando as técnicas associadas com a imprensa de
morrem em todo o mundo devido às doenças do coração, Gutenberg foram assumidas por uma variedade de institui-
segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No ções nos maiores centros comerciais da Europa e exploradas
5 Brasil, instituiu-se o dia 8 de agosto como o Dia Nacional para fins de produzir múltiplas cópias de manuscritos e textos.
do Controle do Colesterol, por causa dos altos números Esse foi o início de uma série de desenvolvimentos
de mortes no país – cerca de 300 mil por ano – em decor- que, a partir do séc. XVI até hoje, conseguiu transformar
rência de infartos e derrames. radicalmente as maneiras como as formas simbólicas fo-
O colesterol pode ser considerado um tipo de gordu-
ram produzidas, transmitidas e recebidas por indivíduos no
10 ra (lipídio) produzido pelo organismo, que desempenha curso de suas vidas cotidianas. É essa série de desenvolvi-
funções essenciais, como a produção de hormônio e de
mentos que subjazem ao que chamamos de mediação da
vitamina D. No entanto, o excesso de colesterol é prejudi-
cultura moderna. Esse é um processo que caminha lado
cial à saúde, pois aumenta o risco de desenvolver doenças
a lado com a expansão do capitalismo industrial e com a
cardiovasculares. Ele está presente em alimentos de origem
formação do sistema moderno de Estados-nação.
15 animal, como a carne, o leite integral e os ovos.
Em conjunto, esses processos são constitutivos das
Internet: www.brasil.gov.br (com adaptações).
sociedades industriais do Ocidente. Eles são também pro-
Assinale a opção que apresenta trecho do texto em cessos que afetaram profundamente o desenvolvimento
que se expõe a causa de um fato. das sociedades de outras partes do mundo, sociedades que
a) “pois aumenta o risco de desenvolver doenças no passado estavam interligadas em vários graus umas às
cardiovasculares” (linhas 13-1) outras e que estão se tornando cada vez mais interligadas
b) “cerca de % dos brasileiros têm colesterol alto” hoje. A crescente interconexão das sociedades no mundo
(linhas 1-2) moderno é um resultado dos mesmos processos – inclusive
c) “por causa dos altos números de mortes no país – a mediação da cultura moderna – que configuraram o
cerca de 3 mil por ano – em decorrência de desenvolvimento social a partir do início da era moderna.
infartos e derrames” (linhas -8) THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica
na era dos meios de comunicação de massa. 9. ed. Petrópolis:
d) “que desempenha funções essenciais, como a pro- Vozes, 2009. p. 219-220. (Adaptado).
dução de hormônio e de vitamina D.” (linhas 1-12)
Considere o seguinte trecho:
Os personagens que se apresentam nos filmes e nos
9. UEG-GO 2015
programas de televisão se tornam pontos de referência
Mídia e mediação da cultura moderna comuns para milhares de indivíduos que podem nunca
A produção e circulação das formas simbólicas nas interagir um com o outro, mas que partilham, em virtude
sociedades modernas são inseparáveis das atividades das de sua participação numa cultura mediada, de uma expe-
indústrias da mídia. O papel das instituições da mídia é tão riência comum e de uma memória coletiva.
fundamental, e seus produtos se constituem em traços tão
O segmento “em virtude de sua participação numa
onipresentes da vida cotidiana, que é difícil, hoje, imaginar
cultura mediada” atribui ao constituinte oracional ime-
o que seria viver num mundo sem livros e jornais, sem
diato um sentido de
rádio e televisão, e sem os inúmeros outros meios através
dos quais as formas simbólicas são rotineira e continua- a) causa. d) atenuação.
mente apresentadas a nós. b) tempo. e) probabilidade.
Dia a dia, semana a semana, jornais, estações de rádio c) finalidade.
e televisão nos apresentam um fluxo contínuo de palavras
e imagens, informações e ideias a respeito dos aconteci- 10. Cederj 2015 Começo declarando que me chamo Paulo
mentos que têm lugar para além de nosso ambiente social Honório, peso oitenta e nove quilos e completei cinquen-
imediato. Os personagens que se apresentam nos filmes e ta anos pelo São Pedro. A idade, o peso, as sobrancelhas
nos programas de televisão se tornam pontos de referência cerradas e grisalhas, este rosto vermelho e cabeludo têm-
comuns para milhares de indivíduos que podem nunca -me rendido muita consideração. Quando me faltavam
interagir um com o outro, mas que partilham, em virtude essas qualidades, a consideração era menor. Para falar
de sua participação numa cultura mediada, de uma expe- com franqueza, o número de anos assim positivo e a
riência comum e de uma memória coletiva. data de São Pedro são convencionais: adoto-os porque

56 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Sintaxe do período composto III


estão no livro de assentamentos de batizados da fregue- era, assim como um cachorro não sabe que é cachorro. Daí
sia. Possuo a certidão, que menciona padrinhos, mas não se sentir infeliz. A única coisa que queria era viver. Não
não menciona pai nem mãe. Provavelmente eles tinham sabia para quê, não se indagava. Quem sabe, achava que
motivo para não desejarem ser conhecidos. Não posso, havia uma gloriazinha em viver. Ela pensava que a pessoa é
portanto, festejar com exatidão meu aniversário. Em todo obrigada a ser feliz. Então era. Antes de nascer ela era uma
o caso, se houver diferença, não deve ser grande, mês a ideia? Antes de nascer ela era morta? E depois de nascer ela
mais ou mês a menos. Isto não vale nada. Acontecimen- ia morrer? Mas que fina talhada de melancia.
tos importantes estão nas mesmas condições. Sou, pois, o A hora da estrela, 1998.
iniciador de uma família, o que, se por um lado me causa
alguma decepção, por outro lado me livra da maçada de
suportar parentes pobres [...].
RAMOS, Graciliano. São Bernardo. 17ª ed. São Paulo: Martins,
1972, capítulo 3, página 67. 12. UEA-AM 2019 O termo em destaque introduz uma
oração com sentido de concessão em:
No enunciado “Em todo o caso, se houver diferença, a) “Essa moça não sabia que ela era o que era, as-
não deve ser grande, mês a mais ou mês a menos”, a sim como um cachorro não sabe que é cachorro.”
conjunção sublinhada congura uma relação de (2o parágrafo)
a) conclusão. c) conformidade. b) “Nada nela era iridescente, embora a pele do
b) condição. d) consequência. rosto entre as manchas tivesse um leve brilho de
O texto a seguir foi retirado da Revista Exame e servi- opala.” (1o parágrafo)
rá de base para a resposta da questão 11. c) “Uma colega de quarto não sabia como avisar-lhe
seu cheiro era murrinhento.” (1o parágrafo)
Células-tronco regeneram coração de macacos d) “Quem sabe, achava havia uma gloriazinha
A insuficiência cardíaca é uma das principais causas em viver.” (2o parágrafo)
de morte ao redor do mundo. Um ataque cardíaco, mesmo e) “E como não sabia, ficou por isso mesmo, ti-
que não seja fatal, pode trazer danos permanentes ao mús- nha medo de ofendê-la.” (1o parágrafo)
culo do coração. Ele fica fraco, e não dá conta de bombear
sangue do jeito certo. Hoje não existe – ainda – uma forma 13. Acafe-SC 2018 Considerando que as orações subor-
de reverter o problema. Mas um novo estudo apostou em dinadas adverbiais concessivas se opõem à ação da
transformar células-tronco humanas em novos cardiomióci- oração principal, mas sem impedir a sua realização,
tos, as células do músculo cardíaco. E injetaram tudo direto assinale a alternativa em que as duas orações entre
no coração de macacos infartados. Deu certo: a técnica colchetes são concessivas.
recuperou até 90% da função cardíaca dos animais – e até a) Antes de sair, deixou alguns trocados sobre a mesa
diminuiu as cicatrizes internas deixadas pelo infarto. [para a mãe comprar o pão]. / [Com o objetivo de
Fonte: Leonardi, Ana Carolina. Revista Superinteressante, combater o atraso na educação brasileira], entidades
São Paulo, n. 392, p. 16, 2018
do terceiro setor estão dispostas a envolver-se em
11. Unitins-TO 2019 No período: “Um ataque cardíaco, projetos político-pedagógicos de alcance nacional.
mesmo que não seja fatal, pode trazer danos perma- b) [Quanto maior for o número de corruptores],
nentes ao músculo do coração”, a função sintática da maior é o número de corruptos. / [À medida que
oração em destaque é: o furação foi se deslocando para o continente],
a) subordinada adverbial concessiva. transformou-se em tempestade tropical.
b) subordinada substantiva objetiva direta. c) [Toda vez que vejo um manacá da serra florido],
c) coordenada sindética explicativa. lembro de minha infância no sítio de meus pais.
/ As portas eram rapidamente fechadas [sempre
d) subordinada adjetiva restritiva.
que a polícia conduzia ao fórum um réu perigoso].
e) subordinada substantiva apositiva.
d) [Ainda que as cervejas artesanais servidas na
Leia o trecho de A hora da estrela, de Clarice Lispector, festa sejam de ótima procedência], alguém ficará
para responder à questão 12. insatisfeito. / Alguns trabalhadores chegaram atra-
De dia usava saia e blusa, de noite dormia de combi- sados [embora tivessem sido avisados do horário
nação. Uma colega de quarto não sabia como avisar-lhe de fechamento da secretaria da empresa].
que seu cheiro era murrinhento. E como não sabia, ficou
por isso mesmo, pois tinha medo de ofendê-la. Nada nela 14 UFC-CE
era , embora a pele do rosto entre as manchas
Mudança climática é a maior ameaça
tivesse um leve brilho de opala. Mas não importava. Nin-
guém olhava para ela na rua, ela era café frio. para a saúde
E assim se passava o tempo para a moça esta. Assoava São Paulo – Nem AIDS nem gripe suína. A maior amea-
o nariz na barra da combinação. Não tinha aquela coisa ça para a saúde no século 21 são as mudanças climáticas,
delicada que se chama encanto. Só eu a vejo encantadora. que trarão ondas de calor, falta de alimento e, para países
FRENTE 1

Só eu, seu autor, a amo. Sofro por ela. E só eu é que posso tropicais como o Brasil, um avanço da malária, da cólera
dizer assim: “que é que você me pede chorando que eu não 5 e da dengue. A solução não está apenas em reduzir as
lhe dê cantando”? Essa moça não sabia que ela era o que emissões de CO2, mas tirar milhões da pobreza e mudar

57
o padrão de vida da camada mais rica. Pesquisa da revista países do Golfo que cortaram relações diplomáticas com
The Lancet e da University College de Londres alerta que o emirado. Esta é a análise de especialistas ouvidos pela
as maiores vítimas serão os pobres, mesmo que não sejam agência de notícias France Presse e do comentarista da
10 os maiores poluidores. GloboNews, Marcelo Lins.
Sistemas de saúde de muitos países poderão ser colo- Neymar se tornou o jogador mais caro da história do
cados sob alta pressão e alguns até entrariam em colapso. futebol, com o pagamento da cláusula de rescisão no valor
A “injustiça social” da questão climática é um dos focos de € 222 milhões (R$ 812 milhões).
do alerta. Segundo o estudo, essa desigualdade será “uma Segundo Mathieu Guidere, especialista em geopo-
15 fonte de vergonha histórica para nossa geração se nada for lítica do mundo árabe consultado pela AFP, o anúncio
feito”. O texto diz que “os ricos verão que estão vivendo da transferência do jogador ao PSG, que é de um fundo
em um mundo mais caro, inconveniente, desconfortável de investimentos do Catar, “foi testado entre catarianos
e mais imprevisível. Os pobres morrerão”. como uma espécie de estratégia de comunicação que
A pesquisa diz que as previsões de alta na temperatura ofuscaria o debate em torno de outras considerações,
20 são conservadoras e indica que uma elevação de 2°C já como o terrorismo”.
seria desastrosa. Entre 260 milhões e 320 milhões de pes- Marcelo Lins, comentarista da GloboNews, afirmou
soas a mais do que o normal seriam afetadas pela malária que a transferência beneficia a imagem do Catar. “Um
até 2080. Na África, a elevação de 1°C multiplicaria por pequeno país riquíssimo em petróleo, do Golfo, que bota
dez o número de mosquitos. A dengue seguiria padrão tanto dinheiro para dar alegria a uma torcida, ou a milhões
25 similar e doenças como esquistossomose e leishmaniose de torcedores espalhados pelo mundo... você tem uma
também cresceriam. As informações são do jornal O Es- volta disso na imagem do Catar, que é muito grande”,
tado de S. Paulo. disse à GloboNews. “É uma grande jogada de marketing
Agência Estado – 15/05/2009 – Disponível em: do Catar como um todo”, acrescentou.
www.opovo.com.br/saude/877865.html)
Catar enfrenta a sua pior crise política em décadas,
No período “as maiores vítimas serão os pobres mes- com a Arábia Saudita e outros países do Golfo tendo cor-
mo não ” (linhas 9-10), tado relações diplomáticas com o emirado por acusações
a oração sublinhada é uma subordinada adverbial: de apoio a grupos terroristas. O Catar nega as acusações
a) final. d) concessiva. e diz que o objetivo é prejudicar o emirado rico em gás.
b) causal. e) consecutiva. Com a transferência de Neymar, Doha pode estar
c) temporal. de olho em investir em ‘soft power’. O conceito de ‘soft
power’ (‘poder suave’, em tradução livre) foi elaborado
15. Ufam 2020 Indique as circunstâncias expressas para definir a influência de países nas relações interna-
pelos adjuntos adverbiais destacados nas frases a se- cionais por meio de investimentos em ações positivas.
guir, usando este código: “Esse é um golpe de ‘soft power’ O Catar precisa de-
C – Causa S – Concessão monstrar ao mundo que, apesar de todas as acusações,
I – Instrumento T – Intensidade é o país mais resiliente no Oriente Médio”, disse à AFP
M – Modo Andreas Krieg, analista de risco político no King’s College de
O desastre não aconteceu, mas o carro ia em alta Londres. “Ter o melhor jogador do mundo mostra ao resto
velocidade. do mundo que se o Catar é determinado, eles ainda têm os
, Nonato conse- maiores recursos para tirar e, se necessário, usar o dinheiro
gue se vestir muito bem. que têm para promover a sua agenda”, acrescentou.
Todos nós camos muito alegres - O custo da transferência de Neymar “envia um sinal
. muito forte para o mundo esportivo e um sinal muito forte
Nosso amigo interpretou bem o papel de Hamlet. de desafio contra os Emirados Árabes Unidos e a Arábia
Ontem, por descuido, feri-me com uma faca. Saudita”, disse Krieg. “Eles queriam esse jogador e usaram
Ninguém observa que aqui o trabalho é excessiva- o dinheiro para comprá-lo a qualquer preço”.
mente puxado. https://g1.globo.com/mundo/noticia/transferenciade-neymar-ao-psg-e-golpe-
de-soft-power-docatar-a-paises-do-golfo-dizem-especialistas.ghtml
Assinale a alternativa que preenche CORRETAMENTE
os parênteses, de cima para baixo: No enunciado “O Catar precisa demonstrar ao mun-
a) M – T – C – T – I – S d) C – S – M – M – T – I do que, apesar de todas as acusações, é o país mais
b) M – I – C – S – T – T e) C – T – M – S – T – I resiliente no Oriente Médio”, a expressão parentética
c) M – S – C – M – I – T “apesar de todas as acusações” estabelece com a
oração com a qual está ligada uma relação de
16. Uece 2018 a) condição, pois, se o Catar não demonstrar ao mun-
do que é o país mais resiliente do Oriente Médio,
Transferência de Neymar ao PSG é golpe ele continuará ainda sofrendo muitas acusações.
de ‘soft power’ do Catar a países do Golfo, b) finalidade, porque o propósito do Catar, diante de
dizem especialistas todas as acusações, é o de precisar demonstrar ao
A transferência do fenômeno brasileiro Neymar ao mundo que é o país mais resiliente do Oriente Médio.
Paris Saint-Germain (PSG) representa uma estratégia de c) consequência, visto que o motivo de o Catar pre-
marketing e um golpe de ‘soft power’ do Catar contra os cisar demonstrar ao mundo que é o país mais

58 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Sintaxe do período composto III


resiliente do Oriente Médio deve-se às acusa- na maioria dos lares, maior necessidade de articular os
ções sofridas. papéis familiares e profissionais. A ideia de que conciliar
d) concessão, já que, independentemente das acusa- vida profissional e familiar representa uma dificuldade é
ções, o Catar precisa demonstrar ao mundo que é reforçada pela análise da população ocupada feminina
o país mais resiliente do mundo. com curso superior, feita por estudiosos, que constata que
cerca de 46% dessas mulheres vivem em domicílios sem
17. FGV-RJ 2021 crianças. Como as cientistas são pessoas com diplomas
superiores, elas estão compreendidas nesse universo. Por
O negacionismo no poder
outro lado, talvez a sociedade brasileira ainda mantenha
Como fazer frente ao ceticismo que atinge a ciência e uma visão estereotipada – calcada num modelo masculino
a política tradicional – do que seja um profissional da ciência. E cer-
Até pouco tempo atrás, quando queríamos sustentar tamente faltam às mulheres modelos positivos, as grandes
uma afirmação sem argumentar demais, bastava dizer: cientistas que lograram conciliar sucesso profissional com
“É comprovado cientificamente.” Mas essa tática já não vida pessoal realizada. Para quebrar os estereótipos femi-
tem mais a mesma eficácia, pois a confiança na ciência ninos, para que novas gerações possam se mirar em novos
está diminuindo. Vivemos hoje um clima de ceticismo modelos, é necessário resgatar do esquecimento figuras
generalizado, uma descrença nas instituições que favo- femininas que, inadvertida ou deliberadamente, permane-
rece a disseminação de negacionismos, encampados por ceram ocultas na história da ciência em nosso país.
governos com políticas escancaradamente anticientíficas. Adaptado de Hildete P. de Melo e Lígia Rodrigues, Pioneiras da ciência no
Algumas pesquisas confirmam a crise de confiança que Brasil. Rio de Janeiro: SBPC, 2006, p. 3-4.
atinge, ao mesmo tempo, a ciência e a política. O fenômeno
da pós-verdade – esse momento que atravessamos no qual fa- 18. Unicamp-SP 2015 Indique a alternativa correta. No
tos objetivos têm menos influência na opinião pública do que texto:
crenças pessoais – é um sintoma extremo dessa crise. Muita
a) a informação numérica indica a desproporção
gente não enxerga que a ciência, assim como a política, exis-
entre o número de homens e o de mulheres pre-
te para beneficiar a sociedade. E esse desencanto produz um
sentes no mundo da ciência.
terreno fértil para movimentos anticiência e teorias da conspi-
ração (além de fomentar extremismos). A pós-verdade, assim, b) o último período tem a finalidade de justificar a
não designa apenas o uso oportunista da mentira (embora publicação do livro Pioneiras da ciência no Brasil,
ele seja frequente). O termo sinaliza, acima de tudo, um ce- estabelecendo os objetivos da obra.
ticismo quanto aos benefícios das verdades que costumavam c) a visão estereotipada de mulher cientista é exem-
compor um repertório comum, o que explica certo desprezo plificada pelos modelos positivos das pioneiras
por evidências factuais usadas na argumentação científica. brasileiras na ciência, tema da obra.
Diante disso, contradizer argumentos falsos exibindo fatos d) as informações sobre o envolvimento das mu-
reais pode ter pouca relevância em uma discussão. Evidên- lheres nos afazeres domésticos não constituem
cias e consensos científicos têm sido facilmente contestados argumentos importantes para justificar a obra.
com base em convicções pessoais ou experiências vividas –
como se percebe todos os dias nas redes sociais.
19. IFPE 2016 Analise o seguinte trecho: “O vocabulário
Tatiana Roque, Piauí, Nº. 161, fevereiro, 2020. Adaptado.
de cada cultura é bem amplo para os assuntos que
Consideradas no contexto, as orações “embora ele lhe tocam de perto, e restrito para aqueles nos quais
seja frequente” e “como se percebe todos os dias nas não tem interesse direto. Para designar a cor da neve,
redes sociais” – ambas no segundo parágrafo – expri- os esquimós têm um número elevado de vocábulos,
mem, respectivamente, ideia de: assim como o árabe para designar tipos de camelos.
a) causa e conformidade. As línguas realizam o recorte do mundo de maneiras
b) concessão e causa. diversas; daí a diculdade na elaboração das tradu-
c) consequência e comparação. ções. Há nuanças e escala de valores”. Do ponto de
d) concessão e conformidade. vista da gramática normativa, analise as armativas a
e) causa e comparação. seguir e marque a única correta.
O trecho a seguir foi retirado da apresentação da obra a) No trecho “Para designar a cor da neve, os esquimós
Pioneiras da ciência no Brasil. O livro traz biograas têm um número elevado de vocábulos”, a vírgula é
de cientistas brasileiras que iniciaram suas carreiras obrigatória, pois se deve separar a oração subordi-
nos anos 90 e 940. nada adverbial deslocada da oração principal.
b) No trecho “O vocabulário de cada cultura é bem
Cabe uma reflexão sobre a divisão dos papéis mas- amplo para os assuntos que lhe tocam de perto”,
culino e feminino dentro da família, para tentar melhor o pronome destacado é um importante conectivo
entender por que a presença feminina no mundo cientí- e retoma o substantivo “assuntos”.
fico mantém-se minoritária. Constata-se que, no Brasil, c) Ainda no mesmo trecho “Para designar a cor da
ainda cabem às mulheres, fortemente, as responsabilida- neve, os esquimós têm um número elevado de
FRENTE 1

des domésticas e de socialização das crianças, além dos vocábulos”, o verbo destacado, conforme o acor-
cuidados com os velhos. Assim, ainda que dividindo o do ortográfico de 2, deve ser registrado da
espaço doméstico com companheiros, as mulheres têm,
seguinte forma: “teem”.

59
d) Com relação à pontuação do trecho “As línguas Quando a maré subisse, tocando seus cabelos com a pri-
realizam o recorte do mundo de maneiras diversas; meira espuma, ele voltaria à vida.
daí a dificuldade na elaboração das traduções”, se Assim fez Lânia. E assim aconteceu que o moço abriu
substituirmos o ponto e vírgula (;) por reticências os olhos e o sorriso.
(...), não haverá alteração de sentido. Mas em vez de sorrir só para ela que o amava tanto,
e) No trecho “Há nuanças e escala de valores”, se desde logo sorriu mais para Lisíope, e só para Lisíope
usássemos o verbo “existir” no lugar de “haver”, parecia ter olhos.
a concordância ficaria da seguinte forma: “Existe De nada adiantavam as insistências de Lânia, as
nuanças e escala de valores”. desculpas com que tentava afastá-lo da irmã. De nada
adiantava enfeitar-se, cantar mais alto do que as ondas.
20. IFRS 2016 Quanto mais exigia, menos conseguia. Quanto mais o
buscava para si, mais à outra ele pertencia.
WhatsApp é vício COLASANTI, M. In: Doze Reis e a moça no labirinto do vento.
12. ed. São Paulo: Global, 2006. p. 44.
Estou no restaurante Gero, em São Paulo. Na mesa
próxima, um casal de orientais. Cada um em seu celular.
21. UEL-PR 2015
Durante a refeição não trocam uma palavra. Só teclam.
a) Nos dois últimos períodos, há orações subordi-
Saem juntos, andando e teclando. Em outra ocasião, em
nadas. Transcreva essas orações e classifique-as
Madri, um amigo convidou um grupo para jantar. Um
dos convidados sacou o celular. Ficou conversando com
sintaticamente.
a família no Brasil. E nem se interessou em conhecer o b) Em “menos conseguia” e “mais à outra ele perten-
grupo de espanhóis na mesa! cia”, a relação de sentido que se estabelece é de
A vida com o celular é boa, mas tem armadilhas. Pri- oposição ou de igualdade? Justifique, relacionan-
meiro, a gente corre o risco de trabalhar o tempo inteiro. O do com personagens do conto.
chefe pode chamar a qualquer momento, com um assunto A questão 22 refere-se ao fragmento do livro A Ilha sob
urgente. (Que no passado podia esperar até segunda-feira).
o Mar, de Isabel Allende, São Paulo, Bertrand Brasil, 00.
Também se intromete em minha vida o tempo todo. Por
exemplo, estou jantando com alguém. Ouve-se o toque. Eu, Zarité Sedella, do alto dos meus quarenta anos, posso
A pessoa se lança numa longa conversa, enquanto espero dizer que tive mais sorte que as outras escravas. Vou viver
trucido o peixe em meu prato e tento fazer cara de pai- muito e a minha velhice será feliz porque a minha estre-
sagem. Juro, tento me acostumar. Tornou-se impossível la — minha — brilha também quando a noite está
falar com alguém sem que a pessoa atenda a algumas 5 nublada. Conheço o prazer de estar com o homem escolhido
pelo meu coração quando as suas mãos grandes despertam
ligações, e fale pelo WhatsApp durante boa parte do papo,
a minha pele. Tive quatro filhos e um neto, e os que estão
dividida entre nossa conversa e alguém que não sei. Ri,
vivos são livres. Minha primeira lembrança de felicidade,
enquanto falo de um assunto sério. Mas está rindo do que
quando era uma pirralha magrela e desgrenhada, é a de me
escreveram do outro lado. É muito estranho. Reconheço:
10 mexer ao som dos tambores, e essa é também a minha mais
o WhatsApp tem vantagem. Tenho dois grupos familiares,
recente felicidade, porque na noite passada estive na praça do
um com minhas sobrinhas e outro com meus irmãos. Es-
Congo dançando e dançando, sem pensamentos na cabeça,
tamos sempre atualizados sobre nossas vidas. Sem dúvida
e hoje o meu corpo está quente e cansado. A música é um
a internet une as pessoas. Mas também separa. Porque há
vento levado pelos anos, pelas lembranças e pelo temor, esse
quem não consiga parar de teclar. […]
15 animal preso que carrego dentro de mim. Com os tambores
CARRASCO, Walcyr. In: Revista Época, 25 ago. 2015. (adaptado)
desaparece a Zarité de todos os dias e volto a ser a menina
Observe o período: “Ri, enquanto falo de um assunto que dançava quando mal começava a andar. Bato no chão
sério”. Assinale a alternativa que contém somente infor- com as solas dos pés, e a vida sobe pelas minhas pernas,
mações corretas sobre a oração destacada em itálico. percorre meus ossos, se apodera de mim, acaba com a minha
a) Trata-se de uma oração coordenada, que dá cir- 20 tristeza e adoça a minha memória. O mundo estremece. O
cunstância de tempo ao período. ritmo nasce de uma ilha sob o mar, sacode a terra, me atraves-
b) O período é composto por subordinação e a ora- sa como um relâmpago e segue em direção ao céu, levando
ção destacada é a principal. as minhas aflições para que Papa Bondye as mastigue, engula
e me deixe leve e feliz. Os tambores vencem o medo. Os
c) A oração destacada empresta ideia de condição
25 tambores são a herança da minha mãe, a força da Guiné, que
à oração principal.
está no meu sangue. Ninguém então pode comigo, torno-me
d) O período é composto por coordenação e a
incontrolável como , do amor, e mais veloz que
oração destacada se classifica como sindética o açoite. Os búzios chocalham nos meus tornozelos e nos
conclusiva. meus pulsos, as cabaças perguntam, os tambores
e) É uma oração subordinada, que faz papel de ad- 30 respondem com sua voz de floresta e os , com sua
junto adverbial de tempo em relação ao período. voz de metal, convidam os , que sabem falar, e
o grande , quando o tocam para chamar os loas.
Leia o trecho a seguir, do conto “Onde os oceanos se
Os tambores são sagrados, e é através deles que falam os loas.
encontram”, de Marina Colasanti.
Na casa onde me criei, os tambores permaneciam calados no
Tocada por tamanha paixão, concordou a Morte, ins- 35 quarto que eu dividia com Honoré, o outro escravo, mas fre-
truindo Lânia: na maré vazante deveria colocar o corpo quentemente saíam para passear. Madame Delphine, minha
do moço sobre a areia, com a cabeça voltada para o mar. dona naquele tempo, não queria ouvir o barulho dos negros,

60 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Sintaxe do período composto III


a ela interessavam somente as queixas melancólicas de seu 23. Acafe-SC 2016 Considerando o termo destacado na
clavicórdio. Às segundas e terças-feiras, ela dava aulas para frase e a relação de sentido explicitada entre parênte-
40 moças de cor, e no restante da semana ensinava nas mansões ses, todas as alternativas estão corretas, exceto a:
dos , onde as moças possuíam seus próprios a) À medida que o tempo ia passando, cada vez
instrumentos porque não podiam usar os mesmos tocados mais o grupo se dispersava e o ânimo da torcida
pelas mulatas. Aprendi a limpar as teclas do clavicórdio com baixava. (relação de proporcionalidade)
suco de limão, mas não podia tocá-lo porque a madame nos b) Não escaparia de uma condenação com base no
45 proibia qualquer aproximação. De todo modo não nos fazia Código Penal por homicídio qualificado caso o
falta. Honoré podia tirar música até de uma panela, qualquer
crime tivesse ocorrido um dia depois, já aos 1
coisa em suas mãos tinha compasso, melodia, ritmo e voz;
anos. (relação de condição)
ele carregava os sons no corpo, trouxera-os do . Meu
c) Dirigia em tamanha velocidade que, a qualquer
brinquedo era uma cabaça oca que fazíamos soar, depois
momento, poderia envolver-se em grave aciden-
50 ele me ensinou a acariciar devagarinho seus tambores. E
isso desde o começo, quando ele ainda me carregava nos te. (relação de consequência)
braços e me levava às danças e aos serviços de vodu, onde d) Parece incrível, mas a verdade é uma só: tudo,
marcava o ritmo com o tambor principal para que os demais tudo aconteceu como tinha sido planejado. (rela-
o seguissem. É como eu me lembro. ção de causa e consequência)
Leia o trecho do livro A dança do universo, do físico bra-
sileiro Marcelo Gleiser, para responder à questão 24.
Algumas pessoas tornam-se heróis contra sua própria
vontade. Mesmo que elas tenham ideias realmente (ou
potencialmente) revolucionárias, muitas vezes não as re-
conhecem como tais, ou não acreditam no seu próprio
potencial. Divididas entre enfrentar sua insegurança ex-
pondo suas ideias à opinião dos outros, ou manter-se na
defensiva, elas preferem a segunda opção. O mundo está
cheio de poemas e teorias escondidos no porão.
Copérnico é, talvez, o mais famoso desses relutantes
heróis da história da ciência. Ele foi o homem que colocou
o Sol de volta no centro do Universo, ao mesmo tempo
fazendo de tudo para que suas ideias não fossem difundi-
das, possivelmente com medo de críticas ou perseguição
religiosa. Foi quem colocou o Sol de volta no centro do
Universo, motivado por razões erradas. Insatisfeito com a
falha do modelo de Ptolomeu, que aplicava o dogma platô-
nico do movimento circular uniforme aos corpos celestes,
Copérnico propôs que o equante fosse abandonado e que
o Sol passasse a ocupar o centro do cosmo. Ao tentar fazer
com que o Universo se adaptasse às ideias platônicas, ele
22. Ulbra-RS 2017 Com base no trecho a seguir, leia as
retornou aos pitagóricos, ressuscitando a doutrina do fogo
afirmações e marque a resposta correta. central, que levou ao modelo heliocêntrico de Aristarco
Os búzios chocalham nos meus tornozelos e nos meus dezoito séculos antes.
pulsos, as cabaças perguntam, os tambores Djembes res- Seu pensamento reflete o desejo de reformular as
pondem com sua voz de oresta, e os timbales, com sua ideias cosmológicas de seu tempo apenas para voltar
voz de metal, convidam os Djun Djuns, que sabem falar, ainda mais no passado; Copérnico era, sem dúvida, um
e o grande Mamanruge, quando o tocam para chamar os revolucionário conservador. Ele jamais poderia ter imagi-
loas. (l. 28-32) nado que, ao olhar para o passado, estaria criando uma
I. Na oração “Os búzios chocalham nos meus torno- nova visão cósmica, que abriria novas portas para o fu-
zelos e nos meus pulsos”, o verbo “chocalham”, turo. Tivesse vivido o suficiente para ver os frutos de suas
neste caso, é transitivo indireto. ideias, Copérnico decerto teria odiado a revolução que
II. Na oração “os tambores Djembes respondem involuntariamente causou.
com sua voz de floresta”, a expressão “os tambo- Entre 1510 e 1514, compôs um pequeno traba-
res Djembes” é o sujeito composto. lho resumindo suas ideias, intitulado Commentariolus
III. Na oração “convidam os Djun Djuns”, “os Djun (Pequeno comentário). Embora na época fosse relativa-
mente fácil publicar um manuscrito, Copérnico decidiu
Djuns” é o objeto direto do verbo convidar.
não publicar seu texto, enviando apenas algumas cópias
IV. A oração “quando o tocam” é uma subordinada
para uma audiência seleta. Ele acreditava piamente no
adverbial temporal.
ideal pitagórico de discrição; apenas aqueles que eram
Está(ão) correta(s): iniciados nas complicações da matemática aplicada à
FRENTE 1

a) apenas I e II. d) apenas III e IV. astronomia tinham permissão para compartilhar sua
b) apenas I, III e IV. e) apenas a IV. sabedoria. Certamente essa posição elitista era muito
c) apenas II e III. peculiar, vinda de alguém que fora educado durante

61
anos dentro da tradição humanista italiana. Será que 24. Unesp-SP 2019 “
Copérnico estava tentando sentir o clima intelectual ver os frutos de suas ideias, Copérnico decerto teria
da época, para ter uma ideia do quão “perigosas” eram odiado a revolução que involuntariamente causou.”
suas ideias? Será que ele não acreditava muito nas suas (o parágrafo)
próprias ideias e, portanto, queria evitar qualquer tipo Em relação ao trecho que o sucede, o trecho subli-
de crítica? Ou será que ele estava tão imerso nos ideais nhado tem sentido de
pitagóricos que realmente não tinha o menor interesse a) consequência.
em tornar populares suas ideias? As razões que possam b) condição.
justificar a atitude de Copérnico são, até hoje, um ponto c) conclusão.
de discussão entre os especialistas. d) concessão.
A dança do universo, 2006. Adaptado. e) causa.

BNCC em foco

EM13LP36

Acompanhe em tempo real o voo com a)


5 milhões de doses da vacina do Butantan
Portal do Governo do Estado oferece informações
sobre a rota da aeronave, que decolou da China hoje e b)
chega nesta terça-feira (25) em SP
O Governo de São Paulo e o Instituto Butantan rece-
c)
bem, na tarde de terça-feira (25), o voo que traz 3 mil litros
de IFA (Insumo Farmacêutico Ativo) para a produção local
de mais 5 milhões de doses de vacinas contra a COVID-19,
d)
que serão disponibilizadas em junho ao Programa Na-
cional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde. [...]

1. EM13LP02

3.

a)

b)

EM13LGG103
2.

a)

b)

LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Sintaxe do período composto III


FRENTE 1

CAPÍTULO Pontuação: emprego e efeitos


de sentido

15 A obra La calanque é formada por uma série de pontos, técnica conhecida como “pon-
tilhismo”. Nela, cada pontinho se relaciona com os demais, compondo um todo, uma
unidade de sentido. Ao produzirmos um texto, assim como na imagem, os sinais de
pontuação têm um papel importante para a construção de sentidos e contribuem para
evidenciar algo que queremos transmitir ao nosso interlocutor. Do mesmo modo, com-
preender cada um desses sinais é fundamental na leitura, ajudando na recuperação das
ideias centrais do texto. Assim, em qualquer um dos usos da língua – leitura ou escrita –,
devemos observar atentamente o emprego dos sinais de pontuação, que exercem uma
função estilística fundamental para a compreensão do texto.
A pontuação em textos
Leia a notícia a seguir, sobre um projeto denominado “Cartas de amor nas ruas”.

Vamos escrever uma carta de amor? Descubra por quê


Projeto leva aos alunos do ensino médio e moradores de três regiões administrativas um espaço para pensar sobre as cidades
e suas relações sociais
Com fomento do Fundo de Apoio à Cultura (FAC), o projeto Cartas de Amor nas Ruas leva aos alunos do ensino médio do
DF, moradores das regiões administrativas de Ceilândia, São Sebastião e Recanto das Emas, um espaço de protagonismo
para pensar sobre as cidades e suas relações sociais. Os estudantes participam da produção das cartas juntamente com os
idealizadores do projeto, que recebeu aporte de R$ 100 mil e gerou 27 empregos diretos e 48 indiretos. O projeto é da
atriz Nadja Dulci.
[...]
JARDON, Carolina (Ed.). Agência Brasília, 16 abr. 2021. Disponível em: www.agenciabrasilia.df.gov.br/2021/04/16/
vamos-escrever-uma-carta-de-amor-descubra-por-que/. Acesso em: 23 jan. 2022.

Quando falamos, a maneira como dizemos um enunciado permite levar nosso interlocutor a compreender os sentidos
que pretendemos transmitir. Na escrita, no entanto, a entonação acaba se perdendo, e a pontuação cumpre esse papel,
favorecendo a recuperação das intenções comunicativas dos sujeitos envolvidos na situação de comunicação.
Observe que no título da notícia há um sinal de pontuação – uma interrogação – que sinaliza ao leitor uma pergunta-
-convite: “Vamos escrever uma carta de amor?”. Se esse sinal não fosse usado, o leitor poderia entender que a manchete
traz apenas um fato, uma informação, o que prejudicaria o objetivo comunicacional de quem produziu o texto.
Já no corpo da notícia, podemos perceber que o ponto-final em cada período indica que a ideia transmitida foi encer-
rada, o que fica evidente pelo uso desse sinal de pontuação. Na fala, muitas vezes, o silêncio de uma das partes envolvidas
no processo comunicativo seria suficiente para indicar o fechamento de discurso.
Em tirinhas e histórias em quadrinhos, a pontuação também é muito usada para evidenciar as diferenças de sentido.
Observe os usos da palavra “novidade” no texto a seguir.

No segundo e no terceiro quadros da tirinha, o uso do ponto de exclamação ao final do termo “novidade”, na fala da
mulher, evidencia seu sentimento em relação ao que diz o gerente do banco: ora tristeza, ora desespero. No quarto qua-
dro, no entanto, essa palavra vem seguida de reticências, o que indica que o gerente provavelmente estaria acostumado
com o tipo de pedido feito pela mulher, mostrando seu desânimo diante do ocorrido. As reticências, então, deixam no ar
uma ideia de que o gerente não tem mais esperanças de que aquela situação – descontrole financeiro e consequente
solicitação de empréstimo – mude.
Além de demarcar a entonação, os sinais de pontuação têm outra função importante: separar os elementos que se
intercalam ao núcleo informacional da frase. Assim, enquanto não se separam o sujeito do predicado e o verbo de seus
complementos, o uso da vírgula permite a inserção de outros termos sintáticos que podem favorecer a construção de
sentidos do texto.
Imagine, por exemplo, que o gerente tivesse dito:

mesmo depois de muitos avisos

A informação destacada precisa ser colocada entre vírgulas porque houve quebra da organização sintática básica da
língua: sujeito, verbo e complemento.
Os diversos sinais de pontuação têm funções específicas no texto, por isso é fundamental conhecer cada um deles.

64 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Pontuação: emprego e efeitos de sentido


Usos da vírgula I Podemos observar que a repetição da palavra “planta”
A vírgula pode ter várias funções em um enunciado. tem um objetivo discursivo: reforçar a necessidade do traba-
Veja algumas delas: lho árduo para que se alcance o resultado esperado. Esse
é um caso de repetição textual não viciosa e que contribui
a) Separar elementos de mesma função sintática, enu-
para reforçar a ideia de trabalho duro.
merados em uma sentença
O mesmo pode ser observado no excerto de notícia a
Leia um novo trecho da notícia que trata do projeto seguir, que traz uma transcrição de um vídeo postado em
“Cartas de amor nas ruas”. uma rede social.
Cartas de Amor nas Ruasalcançou mais de 194 mil pes-
Climão! Mãe de Flay causa em aeroporto
soas, com forte engajamento também nas redes sociais, graças
ao formato virtual, chegando a muitas cidades do Brasil, como durante viagem de família
São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Juiz de Fora, São O climão de festa de ano novo já está garantido para Flay.
João Del Rey, Ouro Preto, Fortaleza, Santos Dumont e Viçosa. A cantora viajou com a família para o Réveillon e o passeio
Agência Brasília. 16 abr. 2021. Disponível em: www.agenciabrasilia.df.gov. já começou daquele jeito. Ainda no aeroporto, duas situações
br/2021/04/16/vamos-escrever-uma-carta-de-amor-descubra-por-que/. constrangeram a cantora. A primeira envolvendo sua mãe, mais
Acesso em: 23 jan. 2022.
descontraída. A segunda já é um pouco mais séria, sobre o
Nesse parágrafo, é possível perceber que há uma enu- desaparecimento de um objeto da paraibana dentro do avião.
meração das várias cidades atendidas pelo projeto. Ao citar Ainda antes de decolar, ela apareceu sentada em uma das
cada uma delas, a vírgula é obrigatória, pois “São Paulo, mesas do aeroporto, com toda a família e brincando sobre uma
Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Juiz de Fora, São João Del cena que a mãe teria causado. E ela só fingindo costume. No
Rey, Ouro Preto, Fortaleza, Santos Dumont e Viçosa” são vídeo, ela dá um conselho aos mais de 7 milhões de seguidores
palavras que demarcam os lugares onde o projeto pode ser do Instagram, pedindo para que eles pensem duas vezes antes
encontrado. Sintaticamente, todas funcionam como adjunto de marcar uma viagem com toda a família, como ela fez.
adverbial de lugar. “Fica a dica: pense bem antes de viajar com a família toda.
Mãe já causou tanto aqui, gente. Tanto, tanto, tanto, tanto. Pelo
A mesma enumeração pode ser observada no anúncio
amor de Deus!”, “Olha ela, faz a egípcia. Menino, o que essa
a seguir, já que a expressão “de afeto, de amor, de proxi-
mulher já fez dentro desse aeroporto hoje, cê pensa! Agora que
midade” indica o tipo de carência a que as pessoas estão
eu vim dar uma relaxada!”, explicou a ex-BBB20.
sujeitas, especificando o sentido do predicativo “carentes”.
[...]
PESSOA, Vinicius. O fuxico, 29 dez. 2021. Disponível em: www.ofuxico.
com.br/viagens/mae-de-flay-causa-em-aeroporto-durante-viagem-de-familia/.
Acesso em: 12 abr. 2022.

A cantora Flay, ao comentar as ações de sua mãe duran-


te a viagem em família, reforça para seus seguidores que a
matriarca havia causado muita confusão: “Mãe já causou tanto
aqui, gente. Tanto . Pelo amor de Deus!”. A
repetição da palavra “tanto” é uma estratégia argumentativa
atibody/Shutterstock.com; Kwannokprom/Shutterstock.com

para destacar a intensidade das travessuras da mãe da artista,


que não foram poucas. Mais uma vez, é uma repetição que
tem uma função importante para o sentido do texto.
Em relação à pontuação, os dois textos lidos eviden-
ciam mais uma função da vírgula: ela serve para separar
termos repetidos.

c) Demarcar um termo em frases com ordem indireta


A organização padrão da língua prevê que uma fra-
De Olho no Mercado, 2020. Disponível em: www.negociosrpc.com.
se tenha a seguinte ordem: sujeito, verbo e complemento
br/deolhonomercado/economia/2020-06-12-dia-dos-namorados-as- (SVC). Se isso ocorre, dizemos que ela está na ordem direta.
campanhas-preferidas-dos-publicitarios/. Acesso em: 23 jan. 2022. No entanto, se desejamos dar maior destaque a uma infor-
Quando mencionamos uma relação de elementos enu- mação, podemos fazer adaptações no enunciado de acordo
merados, com a mesma função sintática, eles devem vir com a intencionalidade; nesse caso, quando não seguimos
separados por vírgula no texto escrito. a regra SVC, dizemos que a frase está na ordem indireta.
b) Isolar termos repetidos A jornalistas, Bolsonaro se desculpa por
Leia um trecho da declaração de um integrante da fa- declaração polêmica
mília Bauducco sobre a empresa fundada há mais de 70 Correio Braziliense. 12/07/2021. Disponível em: www.correiobraziliense.
anos e os esforços feitos para que ela pudesse prosperar. com.br/politica/2021/07/4937149-a-jornalistas-bolsonaro-se-desculpa-por-
FRENTE 1

declaracao-polemica.html. Acesso em: 23 jan. 2022.


“A gente planta, planta e uma hora a coisa vai. [...]”
Exame, 26 mar. 2020. Disponível em: https://exame.com/revista-exame/a- Nessa manchete, o sujeito da oração (“Bolsonaro”) rea-
familia-a-frente/. Acesso em: 23 jan. 2022. liza uma ação, marcada pelo verbo “desculpar”. No entanto,

65
um dos complementos verbais (“a jornalistas”) não aparece Quando vier no fim da sentença, no entanto, a vírgula
após o verbo – como dita o padrão SVC –, mas antes dele. não deve ser utilizada, já que a frase está na ordem direta.
Por esse motivo, é necessário colocar a vírgula logo após
o termo deslocado. Posição do adjunto adverbial – Uso da pontuação
frase na ordem direta

em apenas um dia

Quando o adjunto adverbial é formado por uma palavra


apenas (um advérbio e não uma locução adverbial, por
exemplo), a vírgula não precisa ser utilizada.

Ontem
Nunca Aqui
Considerando a intencionalidade da comunicação,
há diferenças de sentido entre as duas frases: na pri-
Contudo, se o interlocutor desejar dar um destaque
meira, o destaque é “a quem se pediu desculpas”; na
maior à ideia indicada pelo advérbio, a vírgula pode ser utili-
segunda, o foco está em “quem pediu desculpas”. A
zada. Assim, para realçar um sentido, a vírgula é fundamental.
forma como escolhemos apresentar uma informação re-
vela nossos posicionamentos sobre dado assunto e é um
Hoje, Hoje
recurso bastante usual em textos jornalísticos e literários.
d) Isolar um adjunto adverbial anteposto ou intercalado
Observe a manchete a seguir sobre uma quantidade No primeiro exemplo, a frase ressalta o tempo (“hoje”) em
de árvores plantadas durante uma ação em prol do meio que não se quer conversar, dando a entender que, em outro
ambiente. dia, será possível o diálogo. A vírgula, então, é fundamental
para evidenciar essa ideia. A segunda frase, no entanto, sem
Em apenas um dia, voluntários plantam o uso de vírgula após “hoje”, pode ser lida como um todo de
250 milhões de árvores na Índia sentido em que a ideia “não quero mais falar” é mais impor-
CARVALHO, Monique de. Só Notícia Boa, 21 jul. 2021. Disponível em:
tante, sem preocupação com o tempo. Subentende-se, então,
www.sonoticiaboa.com.br/2021/07/21/apenas-dia-voluntarios-plantam-250- que o diálogo não deve mais ser retomado, em tempo algum.
milhoes-arvores-india. Acesso em: 23 jan. 2022.
A vírgula pode ainda ser utilizada quando o adjunto
O termo que inicia a sentença traz uma informação de adverbial empregado (mesmo que seja formado só por um
tempo, evidenciando a duração da ação. Sintaticamente, advérbio) modifica toda a oração. Nesse caso, ele aparece
ele funciona como adjunto adverbial, que pode ser colo- no início ou no final da sentença.
cado no início (antes do sujeito), no meio (intercalado entre
Provavelmente
o sujeito e o verbo, por exemplo) ou no fim da sentença
provavelmente
(após o complemento).
Observe que o uso da vírgula, nesse caso, também dá
Atenção
um destaque à informação expressa na oração sobre a qual
recai o sentido do adjunto adverbial.
e) Isolar o vocativo
Leia a tirinha.
Armandinho, de Alexandre Beck

Sempre que ele vier no início (anteposto) ou no meio


(intercalado), é obrigatório o uso de vírgula, pois o termo
na sentença ficou invertido (em comparação à ordem SVC).

Posição do adjunto adverbial – Uso da pontuação


frase na ordem indireta

Nas duas primeiras falas da personagem Armadinho,


Em apenas um dia observamos que os termos “mãe” e “pai” estão isolados
do restante da sentença por uma vírgula, exercendo a fun-
ção sintática de vocativo. Isso ocorre porque o garoto, ao
realizar uma pergunta para a mãe e outra para o pai, faz
em apenas um dia
uso dessas expressões para chamar seus interlocutores a
quem dirige as perguntas. Portanto, sempre devemos usar
vírgula depois do vocativo.

66 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Pontuação: emprego e efeitos de sentido


Atenção g) Separar local em datas e números em endereços
Na sequência, leia um trecho de uma carta aberta escrita
pela Frente Nacional de Prefeitos (FNP), divulgada à imprensa
em 2021. O objetivo do documento é chamar a atenção de
gestores e órgãos públicos para os problemas enfrentados
f) Isolar o aposto pela população brasileira, os quais, segundo o órgão, foram
O trecho de notícia a seguir fala de uma garota que agravados durante a pandemia de covid-19.
tinha o sonho de ter uma cama nova, tendo seu desejo
realizado por uma equipe de policiais. Leia-o. Carta aberta ao Brasil
Micaely Aparecida Dias Santos, de 9 anos, comoveu os [...]
policiais militares de São João do Pacuí, cidade a 490 km de O país precisa de um plano de retomada econômica, sem
Belo Horizonte, em Minas Gerais. ignorar o patamar recorde de quase 15 milhões de pessoas
A menina, que mora com a família em uma área rural desempregadas; a diminuição da capacidade produtiva da
a 12 km da cidade, desejava ter uma cama nova e realizou economia e a volta da inflação – um cenário preocupante,
o sonho após escrever uma cartinha e entregá-la na sede da que exige medidas emergenciais e a responsabilidade dos
Polícia Militar da região. governantes, em todas as esferas. O meio ambiente também
[...] padece, com queimadas históricas e a destruição de importan-
Menina de 9 anos realiza sonho de ter cama depois de enviar carta para a tes biomas, do Pantanal à Amazônia, dos Pinheirais e searas
PM. UOL, 16 jun. 2021. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ do Paraná ao Juquery, na grande São Paulo.
ultimas-noticias/2021/06/16/menina-de-9-anos-realiza-sonho-de-ter-cama- Com tamanha gama de desafios a serem enfrentados pelo
depois-de-fazer-pedido-para-pm.htm. Acesso em: 23 jan. 2022.
nosso país, não há tempo e nem espaço para desvios e desagre-
Na notícia, os termos destacados cumprem uma impor- gações. Nossas armas devem ser as boas ideias – alicerces da
tante função: servem para acrescentar uma explicação em paz social. Defendemos, portanto, a construção de pontes para
relação ao que foi dito anteriormente no texto. A vírgula, então, o efetivo diálogo federativo para a pactuação e coordenação
deve ser colocada sempre antes e após um elemento explica- das políticas públicas. Clamamos por respeito à democracia,
tivo – que, sintaticamente, é um aposto –, isolando-o do núcleo às instituições e à população brasileira.
informacional central. Assim, “de 9 anos” é uma informação
relevante sobre o sujeito da sentença ("Micaely Aparecida Dias Brasília, 30 de agosto de 2021.
dos Santos"), trazendo uma noção sobre a idade da criança. Já Frente Nacional de Prefeitos
o termo “cidade a 490 km de Belo Horizonte” explica onde fica Prefeitos defendem diálogo federativo em Carta aberta ao Brasil. Frente
Nacional dos Prefeitos, 30 ago. 2021. Disponível em: https://fnp.org.br/
São João do Pacuí, para que o leitor tenha alguma referência noticias/item/2653-prefeitos-defendem-dialogo-federativo-em-carta-aberta-ao-
de localização, caso não conheça o município. brasil. Acesso em: 23 jan. 2022.

Observe que, ao final do texto, a vírgula é usada para


Atenção separar o local e a data – informações indispensáveis ao
gênero textual carta e essenciais para que os dados divul-
gados em uma carta aberta tenham maior credibilidade e
validade. Imagine, por exemplo, que daqui a 10 anos um
sujeito, após realizar uma pesquisa para entender como a
Se o aposto vier ao final da frase, a vírgula é inserida antes pandemia afetou os municípios e os cidadãos brasileiros,
dele, e o período se encerra com um ponto-final. Observe: encontre essa carta. Essas informações seriam suficientes
para que ele situe no tempo o texto produzido, o que o
ajudará, de certo modo, em sua análise e interpretação.
Vale destacar ainda que se essa carta fosse enviada
aos órgãos de imprensa por correio, no envelope também
seria fundamental o uso da vírgula para separar os números
do endereço. Além disso, em textos literários, quando se
representa uma carta ficcional ou um diário, as datas tam-
Vale destacar que, além de estar separado na sentença por bém devem ser empregadas com o uso da vírgula.
uma ou duas vírgulas, o aposto também pode estar marcado
h) Separar termos ligados por conjunções coordena-
com outros sinais de pontuação, como dois-pontos e travessão.
das repetidas

: Em textos poéticos, conjunções repetidas são utilizadas


como um recurso expressivo.
– [...]
Oxalá a minha vida seja sempre isto:
O dia cheio de sol, ou suave de chuva,
FRENTE 1

Os sinais de pontuação, portanto – em especial a vír- Ou tempestuoso como se acabasse o Mundo


gula, os dois-pontos e o travessão –, são fundamentais nas [...]
sentenças em que um aposto precisa ser usado. Sem ler nada, nem pensar em nada, nem dormir,

67
Sentir a vida correr por mim como um rio por seu leito, A frase que inicia a piada apresenta duas orações com
E lá fora um grande silêncio, como um deus que dorme. sentidos completos.
PESSOA, Fernando. Poemas de Alberto Caieiro: obra poética II. Porto Alegre:
L&PM, 2010. p. 89-90. (fragmento). Disponível em: www.dominiopublico.
gov.br/download/texto/pe000001.pdf. Acesso em: 23 jan. 2022.
Edifício pegando fogo, funcionários saindo correndo.

Nesse fragmento do poema de Alberto Caieiro, hete-


rônimo de Fernando Pessoa, podemos observar que, ao
descrever como gostaria que fosse sua vida, o eu lírico utili-
za a repetição da conjunção “ou” ligando termos da oração: Observe que as orações não estão ligadas por conjun-
O dia cheio de sol, ou suave de chuva, ção; então, para separá-las, a vírgula é obrigatória.
ou tempestuoso como se acabasse o Mundo Seria possível, se o autor quisesse, usar a conjunção
“e”: Edifício pegando fogo e funcionários saindo correndo.
E da conjunção “nem”, que liga duas orações: Contudo, a omissão da conjunção traz maior expressividade
ao enunciado, dando maior destaque à descrição. Assim, a
Sem ler nada, nem pensar em nada, nem dormir
escolha por usar a vírgula, em vez da conjunção, contribui
A vírgula, nesses casos, é utilizada sempre antes de para que o leitor projete em sua mente, com maior atenção,
cada conjunção, separando tanto os termos de uma oração a cena apresentada.
quanto várias orações de um mesmo período. b) Separar orações coordenadas sindéticas que esta-
belecem relação de explicação, oposição, conclusão
ou alternância
Saiba mais Leia um trecho do livro Torto Arado, de Itamar Vieira
Junior, que, por meio das histórias de duas irmãs, Bibiana
e Belonísia, retrata o cotidiano da Fazenda Água Negra,
no interior da Bahia, marcado não só pelos costumes e
crenças do seu povo, mas também pelo passado escra-
vista. No excerto a seguir, Bibiana narra um momento de
festividade religiosa, em que, inclusive, o prefeito da cidade
esteve presente, sendo cobrado por uma promessa que
Apesar de ser mais recorrente em textos literários, a havia feito aos moradores.
repetição de conjunções coordenativas pode ocorrer em Nessa noite, em particular, estava presente o prefeito.
outros tipos de textos. Ela está presente, por exemplo, no Havia cinco anos, meu pai tinha atendido um de seus filhos.
provérbio “nem tanto ao mar, nem tanto à terra”, sabedoria Vieram buscá-lo de carro, um Gordini vermelho, coisa nunca
popular utilizada quando se quer defender um equilíbrio em vista em Água Negra. Até então só conhecíamos a Ford Rural
uma determinada situação, sem excessos. da fazenda e os carros que vimos na estrada quando fomos
para o hospital por causa do acidente. Desde então, o prefeito
Usos da vírgula II aparecia na festa de santa Bárbara. Da primeira vez, meu pai
Além dos períodos simples, as vírgulas são igualmente não aceitou seu pagamento, mas pediu que trouxesse um
necessárias em períodos compostos para separar as ora- professor da prefeitura para que desse aula às crianças da fa-
ções. Vamos conhecer alguns desses usos. zenda. Contava que viu um tanto de constrangimento no rosto
de Ernesto [prefeito], que, sem escapatória, fez a promessa.
a) Separar orações coordenadas assindéticas (não li-
A gratidão por meu pai e pela encantada [entidade religiosa]
gadas por conjunções) era grande, por isso teve que cumprir o que prometeu. Havia
Edifício pegando fogo, funcionários saindo correndo. também o medo de que o encantamento que curou o filho se
– É incêndio? desfizesse. Então, meses mais tarde, viria uma professora no
– Não, é uma pegadinha do Faustão!!! carro da prefeitura, três dias na semana, para dar três horas
AVIZ, Luiz. As melhores piadas para crianças. Rio de Janeiro: de aula na casa de dona Firmina. Firmina vivia sozinha e
Pegue & Leve, 2013. p. 110. dispunha de um pequeno galpão com tábuas, que, apoiadas
em duas latas cheias de barro, se tornavam um banco para
A piada constrói-se a partir da falta de compreensão
sete ou oito crianças. Para reforçar o que aprendíamos com
do interlocutor em perceber que a pergunta “É incêndio?”
a professora Marlene, tínhamos o apoio de minha mãe. Dizia
tem função meramente interacional, uma estratégia para
que só não poderia ensinar matemática, porque não sabia;
puxar conversa, como ocorre quando entramos no elevador “tenho a letra, mas não tenho o número”.
e dizemos “Você viu como mudou o tempo hoje?”. Não se Inclusive, no princípio, o prefeito sugeriu uma solução
espera, nesses casos, uma resposta objetiva em relação a menos trabalhosa e, sabendo que minha mãe era alfabeti-
isso, apenas o início de um diálogo. zada, quis fazê-la professora. Minha mãe, consciente de
No caso da piada, como um dos interlocutores não suas limitações, recusou. Reforçou em sua fala a expressão
compreendeu a intencionalidade da pergunta feita, a res- “tenho a letra, mas não tenho o número”, e que queria muito
posta final foi dada com tom de deboche, reinterpretando, que seus filhos de sangue e de pegação tivessem estudo e
ironicamente, a cena inicial apresentada. pudessem ter uma vida melhor do que a que tinha. Essa

68 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Pontuação: emprego e efeitos de sentido


era a razão de todo o esforço que meu pai fez para que RELAÇÃO DE CONCLUSÃO
tivéssemos um professor e, percebendo que não era o sufi-
ciente, uma escola. Meu pai não era alfabetizado, assinava A gratidão por meu pai e pela encantada era grande,
com o dedo de cortes e calos de colher frutos e espinhos por isso [o prefeito cumpriu a promessa].
da mata. Escondia as mãos com a tinta escura quando pre-
cisava deixar suas digitais em algum documento. De tudo
que vi meu pai bem-querer na vida, talvez fosse a escrita e
a leitura dos filhos o que perseguiu com mais afinco. Quem
acompanhasse sua vida de lida na terra ou a seriedade com A primeira vírgula utilizada no período separa a
que guardava as crenças do jarê, acharia que eram os bens oração 1 (“A gratidão por meu pai e pela encantada
maiores de sua existência. Mas pessoas como nós, quando era grande”) da oração 2 (“por isso [o prefeito cumpriu
viam o orgulho que sentia dos filhos aprendendo a ler e do a promessa]”). Note que a oração 2 traz uma conclusão,
valor que davam ao ensino, saberiam que esse era o bem reforçando que a promessa de construção da escola no po-
que mais queria poder nos legar. voado de Água Negra foi cumprida pelo fato de o prefeito
VIEIRA JUNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019.
ser grato aos benefícios que recebeu. Portanto, antes de
Quando escrevemos, fazemos uso de um grande nú- conjunções que evidenciam uma relação conclusiva, como
mero de orações no interior de cada período. Aquelas que “por isso”, a vírgula é fundamental.
têm sentido completo e estão ligadas por intermédio de uma Algumas conjunções conclusivas que exigem a vírgula
conjunção requerem, em alguns casos, o uso da vírgula. No são: portanto, logo, assim, pois (depois do verbo).
texto lido, percebemos que algumas orações estabelecem Além das orações que apresentam uma relação de
entre si, por exemplo, relações de explicação, conclusão explicação, oposição e conclusão, a vírgula também deve
ou oposição. ser utilizada antes de conjunções alternativas. Veja:

RELAÇÃO DE EXPLICAÇÃO RELAÇÃO DE ALTERNÂNCIA

Dizia que só não poderia ensinar matemática, porque


, ou
não sabia.

Nesse fragmento, vemos que a oração 2 (“porque não


sabia”) traz uma explicação para o que é apresentado na O uso da conjunção “ou” deixa claro que as orações
oração 1 (“Dizia que só não poderia ensinar matemática”). que compõem o período são excludentes, uma vez que ou
Isto é, o fato de que Salustiana, mãe das protagonistas, o prefeito cumpre o que prometeu a Zeca Chapéu Grande,
poderia contribuir com a educação dos estudantes de Água ou pode ter o milagre que recebeu desfeito. A repetição
Negra apenas no que se referia ao ensino das letras. A da conjunção alternativa é bastante comum em enuncia-
oração 2 é introduzida pela conjunção explicativa “porque” dos desse tipo, mas a vírgula somente precede a segunda
e, antes dela, deve-se usar a vírgula. conjunção apresentada.
Outras conjunções explicativas que exigem a vírgula Outras conjunções alternativas que, quando repetidas,
são: que, porquanto, pois (antes do verbo). exigem a vírgula são: ora... ora, quer... quer, já... já.
c) Separar termos explicativos entre orações
RELAÇÃO DE OPOSIÇÃO
Leia o excerto de um artigo que esclarece a diferença
“tenho a letra, mas não tenho número” entre astros luminosos e astros iluminados, destacando
a razão de as estrelas terem luz própria, diferentemente
da Lua.
[...] Quando admiramos as estrelas “estampando” o céu
noturno como pequenos pontos brilhantes em meio à escuri-
No período, que está entre aspas para demarcar a fala dão, estamos vendo o resultado prático de processos físicos que
produzem a luz vista aqui na Terra. Isso porque estrelas são
da mãe, as orações 1 (“tenho a letra,”) e 2 (“mas não tenho
astros luminosos, ou seja, que geram a própria luz. Já a nossa
número”) mantêm entre si uma relação de oposição. Ao fazer
Lua é um astro iluminado, pois ela não gera a própria luz; ela
essa afirmação, Salustiana reforça a ideia de que só pode-
apenas reflete a luz solar em nossa direção. O mesmo acontece
ria ajudar com as aulas de português, já que não possuía
com outros planetas que às vezes ficam visíveis a olho nu no
conhecimento matemático para poder compartilhar com os
céu noturno, como Vênus, Marte, Júpiter e Saturno – o que
alunos, ficando esta disciplina a cargo apenas da professora
vemos é a luz solar refletida nesses mundos, que não geram a
Marlene. Observe que a conjunção adversativa “mas”, que
FRENTE 1

própria luz como as estrelas. [...]


estabelece essa relação opositiva, é precedida por vírgula.
CASSITA, Danielle. O que são astros luminosos e astros iluminados?
Outras conjunções adversativas que exigem a vírgula Canaltech, 31 jan. 2021. Disponível em: https://canaltech.com.br/espaco/o-
são: porém, todavia, contudo, entretanto. que-sao-astros-luminosos/. Acesso em: 23 jan. 2022.

69
Observe o seguinte fragmento:
,e

,e
[...] estrelas são astros luminosos, ou seja, que geram
a própria luz.
Portanto, nos casos em que o “e” não tem valor aditivo,
a vírgula deve ser utilizada antes dessa conjunção.
y Quando o “e” separa orações de sujeitos diferentes
O termo “ou seja” evidencia uma ideia de explicação Quando duas orações, unidas pela conjunção “e”, ti-
entre as orações 1 (“estrelas são astros luminosos”) e 2 verem sujeitos diferentes, a vírgula antes do “e” deve ser
(“ou seja, que geram a própria luz”) e ao ser colocado na usada. A seguir, veja como isso ocorre no fragmento de
frase deixa claro o que o leitor deve entender por “astros notícia sobre as guerras existentes no mundo atual.
luminosos”. Antes e depois de termos desse tipo, devemos
sempre utilizar vírgulas. Guerra civil na Síria
Outros termos na língua que cumprem essa mesma A guerra civil na Síria começou em 2011, depois que o
função são: isto é, por exemplo, a saber, aliás, ou melhor, governo do presidente Bashar al Assad (filho do ex-presidente
entre outros. Hafez al Assad, que governou o país por 30 anos) reprimiu
d) Separar orações coordenadas sindéticas unidas violentamente uma série de manifestações no país, e vários
pela conjunção “e” grupos de oposição tomaram as armas.
De forma geral, em orações unidas por “e” não utiliza- [...]
mos vírgula antes dessa conjunção. No entanto, em alguns Até agora, a guerra civil causou pelo menos 350 mil mortes,
segundo estimativas da ONU, além de 6,6 milhões de desloca-
casos, esse uso é necessário. Isso ocorre:
dos, dos quais 5,6 milhões são refugiados em países vizinhos.
y Quando o “e” não tem valor aditivo Além de Rússia e Ucrânia: Saiba quais são as outras guerras ativas no
Leia um trecho do relato de Sônia Guimarães, a primeira mundo. CNN Brasil, 21 mar. 2022. Disponível em: www.cnnbrasil.com.br/
internacional/alem-de-russia-e-ucrania-saiba-quais-sao-as-outras-guerras-
mulher negra brasileira a se tornar PhD em Física. ativas-no-mundo/. Acesso em: 21 mar. 2022.

Desde pequena sempre fui muito curiosa. Minha avó me Note que o primeiro período do fragmento possui duas
chamava de xereta, e não era um elogio. A verdade é que todo orações com sujeitos diferentes: o termo “o governo do
mundo ficava sem paciência com as perguntas que eu fazia e presidente Bashar al Assad” é o sujeito da primeira oração,
ninguém sabia responder. [...] enquanto “vários grupos de oposição” é o sujeito da segunda.
Ciência Hoje. Contra todas as expectativas. Disponível em: https://cienciahoje.
org.br/artigo/contra-todas-as-expectativas/. Acesso em: 23 jan. 2022.
Considerando, portanto, que o período é formado por duas
orações sequenciais com sujeitos distintos, devemos inserir
Uma característica importante da infância da pesquisa- a vírgula antes da conjunção “e”, que liga as duas orações.
dora – sua curiosidade – foi fundamental para estimulá-la
y Quando o “e” aparece repetido
em sua carreira. Na frase a seguir, Sônia apresenta a visão
de sua avó em relação a ela. Leia o fragmento de outro poema de Alberto Caeiro,
heterônimo de Fernando Pessoa:
Minha avó me chamava de xereta, e não era um elogio.
Olá, guardador de rebanhos,
Aí a beira da estrada,
Que te diz o vento que passa?

A conjunção “e”, em geral, tem valor aditivo, isto é, intro- Que é vento, e que passa,
duz ideias que se somam, como em: “Ela gosta de estudar E que já passou antes,
e de trabalhar”. No exemplo destacado, porém, o “e” tem E que passará depois.
valor adversativo, já que pode ser substituído facilmente [...]
pela conjunção “mas”, também adversativa: “Minha avó me PESSOA, Fernando. Poemas de Alberto Caieiro: obra poética II. Porto Alegre:
chamava de xereta, mas não era um elogio”. L&PM, 2010. p. 52. (fragmento). Disponível em: www.dominiopublico.gov.br/
download/texto/pe000001.pdf. Acesso em: 23 jan. 2022.
A expressão “ser xereta” também pode ser conside-
rada algo bom, quando a associamos, por exemplo, ao De forma seca, o guardador de rebanhos apresenta sua
desejo de querer aprender cada vez mais. Nesse sentido, visão objetiva para o eu lírico, mostrando uma sucessão de
poderia ser um elogio. No entanto, a pesquisadora afirma opiniões que esclarecem o que diz o vento.
que sua avó pensava justamente o contrário: “não era um Nos versos em que ocorre essa resposta, a vírgula é
elogio”. Assim, a conjunção “e”, nesse enunciado, tem utilizada antes do “e”, separando as orações e evidenciando
evidente valor adversativo, marcando oposição de ideias. uma soma de ideias:
Além de ser utilizada com valor adversativo, a conjunção
Que é vento, e que passa,
“e” – em geral com valor aditivo – pode ser utilizada com
e que já passou antes,
valor consecutivo, ou seja, ligando ideias que indicam
e que passará depois.
uma consequência.

70 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Pontuação: emprego e efeitos de sentido


Quando houver repetição do “e” em um período, deve- água, lenço de papel e escuta atenta. Se colocada na or-
-se utilizar também a vírgula antes dessa conjunção. dem direta (“Ofereça água, lenço de papel e escute quando
e) Separar orações subordinadas adverbiais quando vêm alguém começar a chorar na sua frente”), há um destaque
antes da oração principal ou quando estão intercaladas maior às ações que devem ser realizadas pelo líder.
Observando as escolhas linguísticas na organização
Leia o trecho de um artigo de opinião que trata sobre
de um texto, podemos compreender os valores do autor.
saúde mental e liderança.
[...] Se você é líder, [...]reveja seu (pré)conceito. A saúde f) Separar orações subordinadas adjetivas explicativas
emocional deve ser encarada com naturalidade, a exemplo Leia um trecho de uma reportagem sobre os cuidados
das campanhas de prevenção de diabetes ou câncer de mama. com a rotina de banhos para cães.
Parte do nosso desconforto vem da ideia equivocada de que
uma pessoa com depressão ou crise de pânico é fraca. É preciso
Qual o benefício do banho seco?
superar essa barreira. Em alguns cachorros, o cheiro bom do banho não dura mais
[...] Quando alguém começar a chorar na sua frente, ofereça do que quatro ou cinco dias. Por conta disso, os tutores acabam
água, lenço de papel e escute. Se você não souber o que dizer, levando o petpara o chuveiro na semana seguinte. Além de traba-
diga que vai pensar e procurar a melhor saída. Não caia na ar- lhoso, um banho exige cuidados durante e depois, e nem sempre
madilha do líder: achar que tem que ter resposta para tudo. [...] temos esse tempo todo para dar atenção à pelagem do mascote.
NOGUEIRA, Francisco. Gestor, aceitar a vulnerabilidade é essencial para Uma boa alternativa é o famoso “banho seco”, que consiste em
cuidar de si e do outro. Veja Saúde, 19 jul. 2021. Disponível em: https:// colocar talco no seu mascote seguido de uma boa escovação.
saude.abril.com.br/blog/com-a-palavra/gestor-aceitar-a-vulnerabilidade-e-
essencial-para-cuidar-de-si-e-do-outro/. Acesso em: 23 jan. 2022.
Atenção: não vale mergulhar o animal dentro do talco. O
produto ajuda a remover algumas impurezas e proporciona um
Ao tratar sobre a postura de um líder, o autor do texto cheiro mais agradável, mas se usado em excesso pode causar
poderia escrever a frase inicial de duas formas: usando a espirros e mal-estar no mascote. Use mais no lombo e nas patas
ordem direta, iniciada pela oração principal, ou a ordem traseiras e não esqueça de escovar até remover a cor branca típica
indireta, começando pela oração subordinada. do talco. Evite deixar restos do produto no pelo, pois a maioria dos
animais se incomoda com isso mesmo que não tenha perfume.
Ordem direta VIVIAN, Daisy. Cachorro precisa tomar banho toda semana? E no inverno? Saiba
qual é a frequência ideal. Gaúcha Zero Hora, 11 set. 2021. Disponível em:
se você é um líder https://gauchazh.clicrbs.com.br/donna/mundo-pet/noticia/2021/07/cachorro-
precisa-tomar-banho-toda-semana-e-no-inverno-saiba-qual-e-a-frequencia-ideal-
ckr54379u00570193689wa04q.html. Acesso em: 23 jan. 2022.

Ordem indireta A reportagem alerta sobre a importância de cuidados


Se você é um líder com os pets. No entanto, existe a possibilidade de o leitor
não saber o que é “banho seco”. Por esse motivo, essa
expressão é explicada no texto.

A forma de organização do período é uma questão de


escolha pessoal, mas é importante estar atento à pontua-
ção, pois sempre que a oração subordinada adverbial iniciar Uma boa alternativa é o famoso “banho seco”, que
consiste em colocar talco no seu mascote seguido de uma
a sentença, o uso da vírgula é obrigatório.
boa escovação.
O mesmo vale se a oração adverbial vier intercalada na
sentença, ou seja, se vier no meio da oração principal. Para
que a subordinada fique isolada na sentença, é fundamental
que ela venha entre vírgulas. As orações que explicam o termo anterior são chamadas
de subordinadas adjetivas explicativas. Antes delas, sempre
Uso de vírgula na oração subordinada adverbial deve haver uma vírgula. Ou, se ela vier no meio da oração
se você principal, deve ser isolada entre vírgulas no período. Veja:
não souber o que dizer
, que consiste em colocar
Se você não souber o que
dizer talco no seu mascote seguido de uma boa escovação,

se você não souber o


que dizer

A oração adjetiva explicativa, intercalada na oração


Como usuários da língua, essas escolhas revelam tam- principal, poderia ser suprimida do período, caso o autor
bém nosso posicionamento diante daquilo que falamos. Veja do texto entendesse que os leitores já sabem o que é um
que, ao dizer “Quando alguém começar a chorar na sua “banho seco”. Nesse caso, a vírgula também não ocorreria:
frente, ofereça água, lenço de papel e escute”, iniciando o “O famoso ‘banho seco’ é uma boa alternativa”.
FRENTE 1

discurso pela oração subordinada, o interlocutor deu maior g) Marcar supressão de uma ou mais palavras
destaque à ideia de tempo expressa pela oração adverbial. Leia o início de um texto sobre o uso de batatas para
Com isso, ressalta-se em que momento deve-se oferecer o desenvolvimento do raciocínio matemático.

71
Dois problemas envolvendo batatas estimulam o raciocínio Para apresentar a cena da fábula, o narrador faz várias
matemático [...]. Um deles envolve desenhar curvas em batatas, afirmações que permitem ao leitor compreender o que está
e o outro, uma situação desconcertante em relação ao peso delas. acontecendo. Por meio delas, sabemos que:
MARICONI, Marco. Ao vencedor, as batatas! Revista Ciência Hoje. Disponível em: y um cão viu e perseguiu um leão.
https://cienciahoje.org.br/artigo/ao-vencedor-as-batatas/. Acesso em: 23 jan. 2022.
y o leão rugiu para o cão.
Ao descrever como são os problemas matemáticos en- y o cão ficou assustado e fugiu.
volvendo o tubérculo, o autor do texto faz uma declaração y a raposa observava a cena e tirou suas conclusões.
em que se pode observar que foi utilizada uma vírgula no y há uma moral possível para a história.
local onde deveria haver o verbo “envolver”. Veja. Esses enunciados foram finalizados com um ponto-final,
evidenciando que as ideias ditas estão completas. Essas
Um deles envolve desenhar curvas em batatas, e o outro frases são chamadas de frases declarativas, pois apresen-
[envolve] uma situação desconcertante [...]. tam uma declaração, uma afirmação sobre algo.
Em “Pobre cão!”, observamos uma entonação que evi-
O mesmo acontece nesta propaganda que alerta para
dencia um sentimento em relação ao ocorrido. É o ponto
o problema da violência contra a mulher.
de exclamação que cumpre o papel de evidenciar o estado
emocional de um interlocutor: tristeza, alegria, dó, surpresa
etc. Os enunciados em que o ponto de exclamação é utili-
zado são chamados de frases exclamativas.
Veja como esse ponto é utilizado na charge a seguir:
ao se referir às pessoas com quem fala, a personagem
usa o vocativo “Mineiros”, finalizado com uma exclamação,
evidenciando que não era apenas um chamamento, mas
um chamar carregado de empolgação.
Reprodução

A frase “Agora, é criminoso” apresenta uma vírgula que


marca informações ocultas, compreensíveis na comparação
com o enunciado anterior. Sem esse recurso, teríamos o
período: “Antes era covarde. Agora
quem bate em mulher é criminoso”.
A repetição do fragmento omitido deixaria o texto muito
cansativo, já que ele não tem nenhuma função estilística
na frase. Por esse motivo, a vírgula é necessária, sendo
usada para mostrar que, em construções como essa, há a
supressão de uma ou mais palavras.
Assim, sempre que um termo – palavra ou expressão Richardson Freitas

mais longa – for omitido, em seu lugar devemos utilizar


uma vírgula.
Note que a resposta da multidão também vem carrega-
Outros sinais de pontuação I da de sentimento, pois, ao responder ao questionamento
Ponto-final, ponto de exclamação e ponto de feito, todos respondem “Queijo!” de forma que indica inten-
interrogação sidade. Nesse caso, o uso da exclamação é fundamental
para que o leitor saiba como deve ser a entonação no
O cão e a raposa momento da leitura do texto.
Um cão de caça viu um leão e se lançou no seu encalço. A charge apresenta, ainda, uma pergunta: “Qual é a
Mas o leão se voltou e pôs-se a rugir. Assustado, o cão deu uma sua refeição?”. O ponto de interrogação ao final do enun-
meia-volta e foi embora. Uma raposa, vendo-o fazer aquilo, ciado deixa claro que foi feito um questionamento direto,
disse-lhe: exigindo-se, portanto, uma resposta direta.
— Pobre cão! Perseguias um leão e te assustas com um Em frases interrogativas, o ponto de interrogação pode:
simples rugido? a) marcar uma pergunta direta (espera-se obrigatoria-
O presunçoso que quer ir além de suas forças treme logo mente uma resposta).
diante de alguém que lhe resista.
ESOPO. 200 fábulas de Esopo. (trad. Antônio Carlos Vianna). Porto Alegre, RS: Quando você vai viajar?
L&PM, 2017. p. 20.

72 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Pontuação: emprego e efeitos de sentido


b) marcar uma pergunta retórica (não se espera, de No primeiro quadro da tirinha, o sinal de interrogação
fato, uma resposta). não indica uma pergunta, mas uma dúvida, uma incerteza. A
partir da análise dos elementos não verbais que compõem
O que te impede de realizar seus sonhos?! o quadro, podemos inferir que, ao ler a redação escrita
LOPO, Luana. Viagem e Cura, 26 jun. 2021. Disponível em: por uma aluna, a professora supostamente tem algumas
https://viagemecura.com.br/medos-que-te-impedem-de-viajar/.
Acesso em: 22 mar. 2022. dúvidas sobre o texto, reforçando, portanto, suas incerte-
zas diante do que lê. No segundo quadro, o balão de fala
No primeiro exemplo, sabemos que se a pergunta (“Quan- é preenchido com um sinal de exclamação, o que pode
do você vai viajar?”) fosse realizada em uma dada situação de denotar certa surpresa da professora em relação à redação
comunicação, em que um sujeito faz uma indagação direta da estudante.
a outro, exigiria uma resposta efetiva. Já no título do texto Assim, esses sinais funcionam – na relação com a
(“O que te impede de realizar seus sonhos?!”), entendemos imagem – como um recurso importante na construção de
que a autora lança mão de uma pergunta retórica que não
sentidos, pois indicam, sem o uso de palavras, enunciados
necessariamente precisa de uma resposta, mas tem o intuito
inteiros fundamentais para a compreensão do texto.
de instigar o leitor para a leitura do texto, incentivando ainda
que ele reflita previamente sobre os motivos que o impedem Dois-pontos e travessão
de realizar seus sonhos. Observe ainda que esse título traz,
Os dois-pontos são utilizados com bastante frequência
além do sinal de interrogação, uma exclamação que marca
em textos literários para introduzir a fala de personagens,
a força de expressividade do questionamento.
enquanto o travessão marca o diálogo entre elas. É o que
Em contextos reais de comunicação, é preciso analisar
ocorre no trecho da fábula que você leu anteriormente.
a situação para saber se, de fato, as frases interrogativas
demandam ou não uma resposta direta. É por isso que, por Uma raposa, vendo-o fazer aquilo, disse-lhe:
exemplo, ao dizer “Você viu como está quente hoje?” em
— Pobre cão!
uma sala com janelas fechadas, a pergunta pode ser apenas
um pedido para que elas sejam abertas. A mesma frase den-
tro de um elevador, por outro lado, pode ser um recurso para
iniciar uma conversa com uma pessoa com quem não temos
tanta intimidade. Qualquer um que responda diretamente à O travessão também pode ser usado para separar a
pergunta com um “sim” ou “não” estaria demonstrando falta fala da personagem da fala do narrador.
de compreensão do que esse enunciado significa dentro do
— Pobre cão! — disse a raposa vendo-o fazer aquilo.
contexto comunicativo em que se insere.
A pergunta da fábula “O cão e a raposa” (“Perseguias um
leão e te assustas com um simples rugido?”), que você leu
anteriormente, também pode ser entendida como uma per-
gunta retórica, ou seja, ela serve para estimular uma reflexão. Há, no entanto, outros usos que esses sinais de pontuação
Os pontos de interrogação e de exclamação também podem ter em textos literários e não literários. Leia um trecho
podem ser utilizados de forma isolada em tirinhas e histórias de uma reportagem sobre a chegada de aparelhos que ajudam
em quadrinhos. Observe: no emagrecimento por meio de pequenos choques no corpo.

Terapias de choque
Você estaria disposto a treinar com um colete que libera
correntes elétricas nos músculos para entrar em forma ou a
receber descargas elétricas no rosto para ficar mais jovem?
Acredite, cada vez mais brasileiros estão dizendo sim a
esses procedimentos. As primeiras marcas de EMS, ou eletroes-
timulação muscular, a desembarcar no Brasil foram as alemãs
Miha e XBody, há cerca de quatro anos, com uma promessa
atraente: 00 músculos acionados – tanto os mais super-
ficiais quanto os mais profundos – em apenas 20 minutos
de atividade física com os eletrodos, o que seria equivalente
a 3 horas de malhação convencional.
[...]
LEÃO, Natália. Exame, 26 mar. 2020. Disponível em: https://exame.com/
revista-exame/terapias-de-choque/. Acesso em: 23 jan. 2022.

No trecho destacado, os dois-pontos foram usados


k.com

logo após as palavras “promessa atraente”. Nesse caso,


em vez de introduzir uma fala, esse sinal de pontuação tem
FRENTE 1

a função de introduzir uma explicação sobre o que foi dito


antes. Ou seja, logo após os dois-pontos será esclarecida
qual é a “promessa atraente”.
W

73
Já os travessões evidenciam a explicação destacada b) Destacar um termo ou expressão
dentro da frase: Releia um excerto do texto anterior.
[...] e na qual se apresentava como “casado”, embora
[...] 300 músculos acionados – tanto os mais superfi- não houvesse nenhum outro indício ou referência a mulher
ciais quanto os mais profundos – em apenas 20 minutos [...] alguma [...]
Nesse trecho, o termo entre aspas evidencia o suposto
estado civil do protagonista, Buell Quain, o que é, na se-
quência, refutado pela fala da professora. Para que essa
Nesse exemplo, em vez de travessão, a autora do texto informação tenha certo destaque no texto, evidenciando ao
também poderia ter utilizado vírgulas. Visualmente, porém, leitor as divergências sobre o estado civil da personagem,
o uso do travessão deixa a explicação com maior destaque a expressão foi colocada entre aspas.
para o leitor. Agora observe o uso das aspas no fragmento de re-
Em síntese, os dois-pontos podem também introduzir pa- portagem a seguir, que fala do processo de produção de
lavras, expressões ou orações que evidenciam explicações uma conhecida marca de panetone.
ou enumerações. Já os travessões destacam para o leitor um ‘Berçário’
esclarecimento sobre o termo antecedente.
A massa do panetone leva basicamente farinha, ovos, man-
Aspas teiga, açúcar, água e fermento natural. Segundo a Bauducco, é o
As aspas podem ter diferentes funções em um texto. fermento (chamado de massa madre) o segredo do seu produto.
Trata-se de uma massa viva, alimentada constantemente e
a) Demarcar diálogo ou fala
manualmente com farinha e água. Sua base é a mesma há 65
Em textos literários, as aspas podem marcar a fala de anos e foi trazida de navio de Turim, na Itália, pelo Sr. Bauducco.
personagens, indicando que há um diálogo. Veja como isso Esse fermento precisa ser armazenado a uma temperatura
ocorre em um trecho do livro Nove noites, de Bernardo de fresca específica (que a Bauducco não revela). Por demandar
Carvalho, que busca compreender os fatos que levaram o tanto cuidado, ela é chamada de “bebê” pela empresa, e a sala
antropólogo americano Buell Quain a cometer suicídio, aos onde fica armazenada, de “berçário”.
27 anos, após passar um período em uma aldeia indígena [....]
no estado de Tocantins. No excerto a seguir, é descrito o MELO, Luísa. Do fermento à caixinha, veja como é feito o panetone na maior
momento em que o autor telefona para uma professora da fábrica do país. G1, 11 dez. 2017. Disponível em: https://g1.globo.com/
economia/noticia/do-fermento-a-caixinha-veja-como-e-feito-o-panetone-na-
Universidade de São Paulo, cuja mãe teria tido contato com maior-fabrica-do-pais.ghtml. Acesso em: 23 jan. 2022.
Quain. Logo no início do contato, ao mencionar o nome do
Em geral, o vocábulo “bebê” diz respeito ao ser huma-
etnólogo, a interlocutora releva: “Ele teve um flerte com ma-
no – ou a outro animal – em seus primeiros anos de vida.
mãe, muito antes de eu nascer, é claro”, causando surpresa.
Nesse texto, porém, ele faz referência a uma massa que é a
O estado civil de Buell Quain era uma das questões para
base para a produção de um panetone, ou seja, foi utilizado
as quais o narrador buscava resposta, pois isso poderia
em seu sentido metafórico, já que a massa dá tanto trabalho
ajudá-lo a compreender as razões que resultaram na morte
para cuidar quanto um bebê. A palavra “berçário”, da mesma
do antropólogo.
forma, foi ressignificada: não é o lugar onde os bebês dor-
A resposta [ao telefonar à professora, o autor do livro re-
mem, mas onde essa massa de panetone fica. Assim, para
cebe uma informação sobre o suposto estado civil de Buell
Quain] me deixou mudo, ainda mais porque àquela altura eu destacar termos que foram utilizados em sentidos diferentes
vinha tentando descobrir, em vão, o nome de uma eventual do original, o uso das aspas se faz necessário.
mulher do jovem antropólogo, desde que havia batido com c) Indicar citação
os olhos numa carta em que ele solicitava ao presidente do
Em textos jornalísticos, a inserção da voz do outro é
Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científi-
demarcada com aspas, e isso confere ao texto maior ve-
cas no Brasil a autorização para a sua pesquisa de campo, ao
chegar ao país, em fevereiro de 1938, e na qual se apresentava racidade, pois o fato é evidenciado a partir do discurso
como “casado”, embora não houvesse nenhum outro indício dos próprios sujeitos envolvidos. Leia o excerto de notícia.
ou referência a mulher alguma em nenhum outro documento Estrelas da Ópera se apresentam para
ou correspondência anterior ou posterior à sua morte.
Fiquei sem ação por um instante. “Mas ele era casado!”,
crianças doentes em Paris
arrisquei. Ao que a professora replicou, entre ofendida e indig- [...]
nada: “Não, não era. Não era assim que ele se apresentava Um momento raro é testemunhado na sala de reanimação
à sociedade do Rio de Janeiro. E não foi assim que se apre- de um hospital infantil em Paris: um menino entubado observa
sentou à minha mãe”. com grande atenção dois dançarinos da Ópera que, em trajes
CARVALHO, Bernardo de. Nove noites. Rio de Janeiro, 2006. p. 18. brilhantes, começam a traçar alguns passos de dança à sua frente.
“Agora vamos fazer o ‘arabesco’...”, explica o bailarino
Os trechos em destaque evidenciam as falas das persona- Hugo Marchand [...] “Viemos cumprimentá-lo e lhe dar um
gens, que fazem parte da narrativa. No primeiro caso, a fala é beijo”, diz ao menino, que responde com um aceno tímido.
atribuída ao narrador, e no segundo, à professora com a qual Em outro quarto do hospital, está um bebê que observa,
conversava. O autor poderia marcar cada uma dessas falas de olhos arregalados, o vestido de Gilbert flutuar no ritmo de
com um sinal de travessão, mas optou pelo uso das aspas. uma pirueta.

74 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Pontuação: emprego e efeitos de sentido


Por trás desta iniciativa, existe uma associação [...] que, Para destacar o título de um livro, de uma obra de arte,
desde sua criação em 2018, tem trabalhado para introduzir o de um filme, de uma canção etc., devemos fazer uso das
balé e a dança nas vidas de crianças, especialmente aquelas que aspas. Na manchete, a expressão “O menino que descobriu
sofrem com a pobreza, o exílio e doenças. as cores” é o nome de uma obra de literatura infantil; por
[...]
esse motivo, foi colocada entre aspas.
G1 apud France Presse, 16 jul. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/
olha-que-legal/noticia/2021/07/16/estrelas-da-opera-se-apresentam-para- f) Demarcar gíria, neologismos, palavras estrangeiras
criancas-doentes-em-paris.ghtml. Acesso em: 22 mar. 2022.
ou fuga ao padrão da língua
Nesse excerto, encontramos dois momentos em que Leia uma frase de para-choque de caminhão.
são citadas as falas do bailarino: Na subida ‘cê’ me aperta, na descida ‘nóis’ acerta.
1. “Agora vamos fazer o ‘arabesco’...” Sabedoria popular. In: CORTELLA, Mário Sérgio; SOUSA, Maurício. Vamos
2. “Viemos cumprimentá-lo e lhe dar um beijo” pensar um pouco?: lições ilustradas com a Turma da Mônica. São Paulo:
Cortez: Maurício de Sousa Editora, 2017. p. 28.
Em citações, o mais frequente é o uso de aspas
duplas (como no exemplo 2). No entanto, se dentro do O enunciado apresenta duas palavras registradas con-
trecho citado for necessário dar algum destaque a uma forme seu uso oral informal: “cê” e “nóis”. As aspas, nesses
palavra, isso é feito com aspas simples. No exemplo 1, casos, sinalizam para o leitor que o autor do texto conhece o
as aspas duplas marcam a fala do bailarino, e as aspas uso formal dessas palavras, mas optou por um registro mais
simples – que estão dentro da citação já iniciada por popular, provavelmente por considerar o espaço de circula-
aspas – colocam em evidência a palavra “arabesco”, que ção do enunciado: as estradas em que o caminhão circula.
é uma posição de balé. Nesse exemplo, podemos observar novamente o uso
Embora não seja tão comum, uma citação pode ser das aspas simples colocadas no interior das aspas duplas, o
feita apenas com aspas simples. que evidencia mais uma vez a regra de que, se for preciso
O mesmo recurso de citação é válido em produções abrir aspas quando isso já foi feito antes, essas segundas
acadêmicas, em que se usa a citação com frequência para aspas devem ser simples.
dar maior valor científico ao texto. Além de marcas de oralidade e gírias, as aspas também
podem destacar palavras novas ou estrangeiras, como se
Marcuschi (2010, p. 28), ao se referir à perspectiva dicotô-
pode observar nesta manchete.
mica, que tem como foco a fala em oposição à escrita, afirma
que “o inconveniente [dessa visão] é considerar a fala como De ‘teen’ a ‘saia justa’, Folha inventou e po-
o lugar do erro e do caos gramatical, tomando a escrita como pularizou expressões
lugar da norma e do bom uso da língua”.
FRANCO, Marcella, Folha de S. Paulo, 27 fev. 2021. Disponível em: www1.
ALENCAR, Andréa Gomes de. O gênero debate nos livros didáticos de Português folha.uol.com.br/folha-100-anos/2021/02/de-teen-a-saia-justa-folha-inventou-
do ensino médio: vozes em diálogo. Tese de doutorado. São Paulo, 2017. p. 27. e-popularizou-expressoes.shtml. Acesso em: 23 jan. 2022.

d) Indicar ironia O termo “teen” é uma palavra estrangeira que significa


A tirinha a seguir trata do uso das aspas para marcar ironia. “adolescente”, e a expressão “saia justa” é um neologismo
que faz referência a uma situação complicada. Tanto em
Armandinho, de Alexandre Beck

neologismos quanto em palavras estrangeiras, o uso das


aspas é recomendado. Em textos digitados, essa pontuação
pode ser substituída por uma mudança no tipo de registro:
como ao aplicar itálico na palavra em questão.

Outros sinais de pontuação II


No primeiro quadrinho, o uso da palavra “amigos” Ponto e vírgula
aparece duas vezes. Em uma delas, as aspas foram uti- Leia a linha-fina colocada logo após o título do artigo
lizadas. Esse uso evidencia que a palavra foi usada em de divulgação científica.
sentido contrário do que se quis dizer, ou seja, podemos
ter amigos e aqueles que pensamos serem nossos ami- Do que é feito o pensamento? A ciência por
gos, mas, de fato, não são. A ironia é justamente esse uso trás da voz na sua cabeça
de um termo para dizer algo oposto em um determinado Algumas pessoas falam com si mesmas o dia todo; outras
contexto. Sempre que usamos essa figura de linguagem, têm mentes silenciosas. Algumas formam imagens mentais ví-
o uso das aspas é fundamental. vidas; em outras, o olho da mente é cego. Faz poucas décadas
e) Sinalizar título de obra que os psicólogos criaram ferramentas para investigar nosso
fluxo de consciência. Até que ponto podemos acessar – e ex-
Avós que inspiram: conheça o livro infantil plicar – o interior de nossas próprias cabeças?
“O menino que descobriu as cores”, do autor VAIANO, Bruno. Superinteressante, 16 jul. 2021. Disponível em: https://super.
abril.com.br/ciencia/do-que-e-feito-o-pensamento-a-ciencia-por-tras-da-voz-
mirim Tiago Vilariño
FRENTE 1

na-sua-cabeca/. Acesso em: 23 jan. 2022.


FERRAZ, Alex. Celebs, 19 jul. 2021. Disponível em: http://celebs.com.
br/4859/avos-que-inspiram-conheca-o-livro-infantil-o-menino-que-descobriu- O ponto e vírgula representa no texto um fechamento
as-cores-do-autor-mirim-tiago-vilarino/. Acesso em: 23 jan. 2022. parcial de uma ideia.

75
Se com a vírgula apresentamos pequenas “pausas” de sen- conscientização da sociedade para a preservação, conservação
tido e com o ponto final encerramos de fato uma ideia, o ponto e recuperação do meio ambiente considerando:
e vírgula é o meio do caminho. Na leitura, ele indica uma pausa I – a educação ambiental sob o ponto de vista interdis-
melódica maior que uma vírgula e menor que um ponto-final. ciplinar;
II – o fomento, junto a todos os segmentos da sociedade,
Observe que no enunciado a seguir as orações que com-
da conscientização ambiental;
põem o período estão claramente relacionadas. São orações
III – a necessidade das instituições governamentais es-
de mesma natureza, pois tratam de um assunto em comum, taduais e municipais de realizarem ações conjuntas para o
separadas por ponto e vírgula. planejamento e execução de projetos de educação ambiental,
respeitando as peculiaridades locais e regionais;
Algumas pessoas falam com si mesmas o dia todo; ou- IV – capacitação dos recursos humanos para a operaciona-
tras têm mentes silenciosas. lização da educação ambiental, com vistas ao pleno exercício
da cidadania.
Se nessa mesma frase fosse utilizada uma conjunção Diário Oficial da Assembleia Legislativa. Projeto de lei n.º 154/2009.
Código Estadual do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul. Porto
adversativa e ela viesse deslocada, ou seja, no meio da Alegre, 3 ago. 2009. p. 14. Disponível em: http://proweb.procergs.com.br/
oração (separando sujeito e verbo, por exemplo), o ponto e Diario/DA20090807-01-100000/EX20090807-01-100000-PL-154-2009.pdf.
Acesso em: 23 jan. 2022.
vírgula também poderia ser usado. Compare os exemplos:
Em síntese, podemos dizer que o ponto e vírgula:
Algumas pessoas falam com si mesmas o dia todo, no y separa orações que tratam de um assunto comum
entanto, outras têm mentes silenciosas. dentro de um mesmo período;
y separa orações quando a segunda apresenta conjun-
ção adversativa deslocada;
y separa orações quando na segunda é feito o uso de
vírgula;
y separa orações quando na segunda se observa su-
Algumas pessoas falam com si mesmas o dia pressão de palavras;
todo; outras, no entanto, têm mentes silenciosas. y separa diversos itens de um enunciado enumerativo.

Reticências
Observe os usos das reticências na reportagem de
divulgação científica a seguir:
O ponto e vírgula também pode ser utilizado no enun- 7 mitos e meio sobre o cérebro derrubados
ciado quando na segunda oração há o uso de vírgula. É o
[...]
que acontece nesta passagem do artigo lido anteriormente.
3. Suas emoções estão em seu coração
Algumas formam imagens mentais vívidas; em outras, Quando a emoção o invade, “quando você sente o bati-
o olho da mente é cego. mento cardíaco, não o sente no peito, mas na cabeça”.
“É difícil de entender, mas você não sente nada em seu
corpo, tudo o que você sente está em seu cérebro.”
A dor, a alegria... tudo, porque o cérebro é quem escreve
a história, ele é o narrador.
Observe que, na segunda oração, há a omissão de uma E abriga as paixões nas profundezas de sua parte mais antiga...
informação: “em outras [pessoas] o olho da mente é cego”. 4. Você tem uma ‘besta interior’
Bem... não é assim. [...]
Assim, percebemos que o uso de vírgula se justifica pelo
“[...] as regiões do cérebro que foram marcadas como sua
fato de haver um termo oculto na sentença.
besta interior são, na verdade, aquelas que controlam seu cor-
Na manchete a seguir, o ponto e vírgula evidencia essa po – seus pulmões, seu coração, seu sistema imunológico, seu
ideia, pois, em vez de afirmar que “em outros 109 [países] metabolismo... seu corpo físico inteiro. E alguns de eles (sic)
há restrições”, o jornalista omite a palavra “países”. estão no centro da memória, tomada de decisão, racionalidade
Brasileiros podem viajar livremente e percepção”.
a 6 países; em outros 109 há restrições “Essas regiões estão praticamente envolvidas em tudo que
seu cérebro faz.”
Nossa, 16 jul. 2021. Disponível em: www.uol.com.br/nossa/noticias/
redacao/2021/07/16/brasileiros-podem-viajar-livremente-a-6-paises-em-
[...]
outros-109-ha-restricoes.htm. Acesso em: 21 mar. 2022. VENTURA, Dalia. BBC News, 18 jul 2021. Disponível em: www.bbc.com/
portuguese/geral-57880463 . Acesso em: 21 mar. 2022.
Por fim, o ponto e vírgula costuma ser utilizado ao final
de itens enumerados em um texto, como ocorre, por exem- As reticências podem ser utilizadas de diversas formas
plo, em documentos oficiais. no texto. Elas podem, por exemplo, indicar:
a) a continuidade de uma ideia
Capítulo V No trecho “A dor, a alegria... tudo”, as reticências
Da Educação Ambiental marcam que outras sensações (além de “dor” e “alegria”)
Art. 38 – Compete ao Poder Público promover a edu- poderiam ser mencionadas para mostrar tudo o que está
cação ambiental em todos os níveis de sua atuação e a em nosso cérebro.

76 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Pontuação: emprego e efeitos de sentido


b) o destaque de uma ideia Em tirinhas, as reticências também são usadas para
No trecho “seus pulmões, seu coração, seu sistema marcar uma quebra na fala e evidenciar a continuidade do
imunológico, seu metabolismo... seu corpo físico inteiro”, enunciado no quadro seguinte.
observamos que, em vez de nomear uma lista que poderia Observe que, no primeiro quadro da tirinha, as re-
ser bastante extensa, o jornalista prefere usar as reticências, ticências indicam que há uma pausa na fala do pai de
mostrando que haveria uma continuidade. No entanto, o Armandinho; no segundo, esse sinal de pontuação é empre-
fato de o trecho “seu corpo físico inteiro” vir após esse gado, no início da fala, para marcar a continuidade do que
sinal também faz com que seja dado maior destaque a estava sendo dito. Já ao final das falas do pai no segundo e
essa informação; assim, se o leitor não lembrar de todos terceiro quadros, as reticências sugerem um prolongamento
os elementos enumerados, basta ele reconhecer a ideia
da ideia apresentada.
que foi evidenciada após as reticências.
Em síntese, a finalidade das reticências pode variar,
c) a hesitação comum na fala
por isso é preciso, ao escrever, ter claro o que se deseja
Em “Bem... não é assim”, as reticências foram usadas
transmitir e, ao ler, compreender qual é a intencionalidade
para mostrar uma hesitação, uma pausa bastante ligada
do autor com o uso dessa pontuação.
ao contexto oral de comunicço. O uso dessa pontuação
nesse texto aproxima os interlocutores – autor e leitor – por Parênteses
dar a impressão de estar havendo uma conversa entre eles.
Os parênteses são utilizados, em geral, para acrescen-
d) a supressão de partes de um texto
tar ao texto alguma informação importante que esclarece,
Quando copiamos um texto, nem sempre o fazemos na
ao leitor, algo que foi apresentado anteriormente. Leia o pri-
íntegra. Às vezes, apenas parte da fonte original foi repro-
duzida. Nesses casos, o “corte” deve ser sinalizado. Isso é meiro parágrafo da reportagem sobre os mitos do cérebro.
feito com as reticências dentro de um colchete (ou mesmo No século 4 a.C., Aristóteles (384 a.C.–322 a.C.) consi-
entre parênteses). derava o cérebro um órgão secundário que servia para resfriar
A reportagem de divulgação científica lida, por exem- o sangue que o coração usava para funções mentais. Mas era
plo, trata de sete mitos, mas você leu apenas dois. Para que também um lugar onde o espírito circulava livremente e onde
o leitor compreenda que uma parte foi suprimida, indicamos estava, em sua visão, osensus communis(ou “senso comum”).
os cortes com as reticências dentro do colchete. VENTURA, Dalia. BBC News, 18 jul. 2021. Disponível em: www.bbc.com/
portuguese/geral-57880463 . Acesso em: 21 mar. 2022.
No fragmento apresentado, esse recurso foi utilizado
quatro vezes. Então é possível concluir que foram feitos O primeiro sinal de parênteses traz informações sobre
quatro cortes de informação. Se alguém for ao texto original, Aristóteles: seu ano de nascimento e morte.
terá acesso a outras ideias.
e) a necessidade de completar uma informação
O argumento principal do terceiro mito do texto é que
as sensações são produzidas pelo nosso cérebro e não Aristóteles (384 a.C.–322 a.C.) considerava o cérebro
por nosso coração. No entanto, há um conhecido ditado um órgão secundário.
popular que reforça esse mito: “O que os olhos não veem...”.
Observe que o ditado popular não foi escrito na íntegra. Já o segundo acrescenta uma definição, trazendo uma
Em vez disso, colocamos as reticências no final da frase. explicação para o leitor, caso ele não saiba o que significa
Elas servem, nesse caso, para fazer com que o próprio leitor a expressão latina “sensus communis”.
complete a parte que falta.
f) a interrupção de pensamento “[...] era onde estava, em sua visão, o
Esse sinal de pontuação é bastante utilizado também sensus communis(ou ‘senso comum’).”
quando o autor quer evidenciar que alguém foi interrom-
pido em sua fala. Imagine, por exemplo, o diálogo a seguir:
Além de evidenciar uma explicação, os parênteses
— Eu acho que você deveria... podem ser usados para destacar uma expressão. É o que
— Nem quero saber. Não perguntei sua opinião.
ocorre com o advérbio latino “sic”, que quer dizer “assim,
deste modo” e, sempre que aparece no texto, está entre
As reticências evidenciam que o primeiro interlocutor parênteses (ou colchetes).
não conseguiu completar sua ideia, pois foi interrompido Essa expressão surge sempre que é necessário sina-
pelo segundo. lizar que o texto original contém um equívoco de registro
g) a continuidade da frase escrito e que, apesar de a transcrição se manter fiel, o
problema foi percebido por quem transcreveu. Ou seja,
Armandinho, de Alexandre Beck

evidencia que a citação é literal, sem alteração alguma, por


isso qualquer deslize na escrita (problemas de digitação,
FRENTE 1

concordância, grafia, regência etc.) foi mantido.


Na reportagem de divulgação científica lida, foi neces-
sário fazer essa inserção. Observe:

77
O jornalista fez uso de aspas para indicar que a fala era
“[...] E alguns de eles (sic) estão no centro da memória,
do próprio ator, mas precisou fazer algumas modificações
tomada de decisão, racionalidade e percepção”
no texto, inserindo alguns esclarecimentos para que o leitor
Em vez de registrar “deles”, o jornalista enganou-se e es- compreendesse a informação na íntegra. Por esse motivo,
creveu “de eles”. A expressão “sic”, colocada entre parênteses foram acrescentadas duas informações entre colchetes. A
logo após o equívoco, sinaliza que o problema foi percebido primeira – “[banco]” – evita uma possível ambiguidade, já
por quem fez a transcrição, mas optou-se pela não correção. que é preciso deixar claro que, ao dizer “minha mãe no pas-
sageiro”, o ator se referia ao local onde sua mãe estava na
Colchetes hora do acidente: no banco do passageiro. A segunda infor-
Compare os trechos a seguir: mação – “[motorista]” – esclarece a quem o pronome “ele”
se refere no trecho “E ele, completamente imprudente [...].”.
TEXTO ORIGINAL TEXTO MODIFICADO
O colchete demarca que aquelas palavras foram inseridas
Há muitos anos esta de- pelo jornalista, mas não foram ditas pelo autor. Como o frag-
claração foi aprovada, mas mento está entre aspas, qualquer modificação no texto precisa
ainda existem países que não ser sinalizada com o colchete, que indica os acréscimos.
[Declaração
obedecem a este documen- Universal dos Direitos Em alguns textos, essa função do colchete é também
to. Para que isto aconteça, é Humanos] demarcada com o uso de parênteses. Na sequência, veja
preciso que todos aprendam,
em outro trecho do texto “7 mitos e meio sobre o cérebro
nas escolas de todo o mundo,
derrubados” como a jornalista responsável pela matéria
o conteúdo desta declaração.
demarca sua voz com esse sinal de pontuação, diferencian-
do-o da voz de Lisa Feldman Barrett, pesquisadora sobre
o funcionamento do cérebro.
“Os pássaros são animais muito interessantes porque há
partes do cérebro deles, nas quais os neurônios se regeneram a
O fragmento original encerra um livro que procura cada ano para aprender novas canções para atrair parceiros. Na
explicar, de forma simples, um pouco da Declaração Uni- verdade, foi assim que a plasticidade (do cérebro) foi descoberta”.
versal dos Direitos Humanos para crianças. Tem, portanto, VENTURA, Dalia. BBC News, 18 jul. 2021. Disponível em: www.bbc.com/
o objetivo de divulgar entre esse grupo de leitores alguns portuguese/geral-57880463 . Acesso em: 21 mar. 2022.

aspectos importantes da vida social. O trecho “do cérebro”, colocado entre parênteses, é
Ao ler o trecho “Há muitos anos esta declaração foi uma inserção que não foi dita pela pesquisadora à repórter,
aprovada”, não é possível saber a qual declaração o autor mas esta, pensando em uma maior clareza do texto, optou
faz referência quando retiramos esse parágrafo de seu con- por acrescentar a informação. Nesse caso, portanto, os pa-
texto original. Assim, é fundamental que, se for transcrito, rênteses têm a mesma função do colchete: introdução de
o fragmento traga essa informação, a fim de explicitar ao
uma informação nova e demarcação de autoria.
leitor do texto modificado que o parágrafo faz referência à
Por fim, os colchetes (ou parênteses) também podem
Declaração Universal dos Direitos Humanos.
ser usados para marcar um apagamento textual. Nesse
Este é um contexto em que o uso do colchete se faz
caso, esses sinais são usados com três pontos. Veja como
necessário: ele traz uma informação a mais, em textos trans-
esse recurso foi utilizado ao final do texto para indicar que
critos, de forma a esclarecer a que se refere uma palavra
havia ainda mais coisas a serem lidas.
ou trecho citado.
Compare os mesmos trechos apresentados anteriormente:
Há muitos anos esta declaração [Declaração Universal
dos Direitos Humanos] foi aprovada. TEXTO ORIGINAL TEXTO MODIFICADO
Há muitos anos esta de-
claração foi aprovada, mas
ainda existem países que não
obedecem a este documento.
Em depoimentos que são inseridos em textos jornalísti- Para que isto aconteça, é pre-
cos, o uso do colchete é bastante comum. O texto a seguir ciso que todos aprendam, nas
[...]
é um relato de um ator mirim que explica o motivo de não escolas de todo o mundo, o [...]
ter mais voltado a atuar na TV. conteúdo desta declaração.
“Foi bem grave. Estava um amigo do meu pai, era uma
Saveiro, então não tem banco de trás. Minha mãe no passa-
geiro [banco] e eu no colo dela. Estávamos todos sem cinto.
E ele [motorista] completamente imprudente, foi fazer uma
ultrapassagem na curva… Acabou batendo de frente com um
carro bem maior”, relatou o jovem, hoje com 18 anos [...]. É importante que a supressão indicada pelos sinais de
BRANDÃO, Felipe. Acidente interrompeu carreira de ator infantil de A vida da pontuação destacados na segunda coluna garanta ainda a
gente: “Fui forçado”. Observatório da TV, 15 jul. 2021. Disponível em: https://
observatoriodatv.uol.com.br/noticias/acidente-interrompeu-carreira-de-ator- unidade de sentido do texto. Ou seja, o “corte” não pode
infantil-de-a-vida-da-gente-fui-forcado. Acesso em: 23 jan. 2022. prejudicar a compreensão textual.

78 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Pontuação: emprego e efeitos de sentido


Estabelecendo relações

Pontuação expressiva
O uso dos sinais de pontuação, além de contribuir para a organização sintática da sentença e favorecer a coesão,
pode ser um recurso de expressividade. O excerto de crônica a seguir, de autoria de Lima Barreto, narra, apenas por
meio de diálogos, a conversa entre duas personagens sobre um encontro que tiveram anteriormente em um local onde
havia barraquinhas que distribuíam prêmios (mafuá), o que resultou na prisão de um deles. Observe, no trecho, como a
presença de diversos pontos de exclamação contribuem para evidenciar ao leitor os sentimentos das personagens du-
rante o diálogo descrito.

Coisas de “mafuá”
— Mas, onde esteve você, Jaime?
— Onde estive?
— Sim; onde você esteve?
— Estive no xadrez.
— Como?
— Por causa de você.
— Por minha causa? Explique-se, vá!
— Desde que você se meteu como barraqueiro do imponente Bento, consultor técnico do “mafuá” do padre A, que o azar
me persegue.
— Então eu havia de deixar de ganhar uns “cobres”?
— Não sei; a verdade, porém, é que essas relações entre você, Bento e “mafuá” trouxeram-me urucubaca. Não se lembra
você da questão do pau?
— Isto foi há tanto tempo!... Demais o Capitão Bento nada tinha a ver com o caso. Ele só pagou para derrubar a árvore; mas
você...
— Vendi o pau, para lenha, é verdade. Uma coisa à toa de que você fez um “lelé” medonho e, por causa, quase nós brigamos.
— Mas o capitão não tinha nada com o caso.
— À vista de todos, não; mas foi o azar dele que envenenou a questão.
— Qual, azar! qual nada! O capitão tem os seus “quandos” e não há negócios que se meta, que não lhe renda bastante.
— Isto é para ele; mas, para os outros que se metem com ele, sempre a roda desanda.
— Comigo não se tem dado isso.
— Como, não?
— Sim. Tenho ganho “algum” — como posso me queixar?
— Grande coisa! O dinheiro que ele te dá, não serve pra nada. Mal vem, logo vai.
[...]
BARRETO, Lima. Domínio público.

Além disso, as interrogações ao final de algumas falas marcam a indicação de perguntas diretas para que o diálogo
ocorra. As reticências, por sua vez, mostram que uma das personagens estava confusa, incerta, sem saber o que pensar
diante do que foi questionado, podendo sugerir, ainda, ao final de “mas você...” que algo a mais seria dito na sequência,
o que não foi feito.
Releia o trecho a seguir e observe os efeitos de sentido que esses sinais de pontuação atribuem ao texto:
— Não sei; a verdade, porém, é que essas relações entre você, Bento e “mafuá” trouxeram-me urucubaca. Não se lembra
você da questão do pau?
— Isto foi há tanto tempo!... Demais o Capitão Bento nada tinha a ver com o caso. Ele só pagou para derrubar a arvore;
mas você...
Lima Barreto
FRENTE 1

Na crônica, portanto, os diferentes usos de pontuação (exclamação, interrogação e reticências) reforçam a expressi-
vidade do discurso, contribuindo para que o leitor possa atribuir sentidos a aquilo que lê.

79
Uso ou não da vírgula O uso ou não da vírgula também implica diferenças de
A escolha pelo uso ou não da vírgula também é funda- sentido em frases em que um vocativo é confundido com o
mental para a construção de sentidos em um texto. Note sujeito da oração. Retomando um trecho da conversa entre
as diferenças de sentido que os dois enunciados a seguir os estudantes, percebemos, na primeira fala, que os usos da
podem apresentar: vírgula indicam que “Douglas” seria o sujeito da oração, isto é,
ele é o responsável por ter feito a ligação; portanto, a expres-
são “o professor de Física” funciona como aposto explicativo,
acrescentando uma informação sobre quem seria “Douglas”.
Porém, se nesse enunciado fosse utilizada apenas a
primeira vírgula, teríamos: “Douglas, o professor de Física
ligou”. Nesse caso, “Douglas” seria o interlocutor de Carla,
Observe este outro exemplo em que a maneira de usar seu colega de classe, e não o professor. A vírgula eviden-
a vírgula impacta na compreensão do texto. ciaria, então, um vocativo. Na história a seguir, veja como
a falta de compreensão sobre o que deve ser escrito está
relacionada a esse problema sintático.

José James Teixeira


Observe como cada personagem entendeu a frase
“Mãe só tem uma” e como deve ser a pontuação de acor-
do com cada uma dessas interpretações.

Professora e
Aluno João
demais alunos
k.com
Artem Mashchenk

Mãe Mãe

Na conversa entre os amigos por uma rede social, na


última fala, vemos que não existe quebra no núcleo infor- No enunciado, o verbo “ter” está sendo usado em um
macional e, por esse motivo, entendemos o enunciado “Não contexto informal, apresentando o sentido de “haver”, que é
vai ter prova” como uma afirmação, um dado da realidade, impessoal, ou seja, não possui sujeito. No primeiro exemplo,
indicando que Carla poderia topar o convite para ir ao ci- temos, portanto, uma oração formada apenas por predicado
nema, já que na quinta não haveria prova. e objeto direto (“Só há uma mãe.”). No segundo, porém, o
Porém, se no enunciado fosse utilizado uma vírgula termo “mãe”, isolado do restante da sentença por vírgula,
após a palavra “não”, teríamos: “Não, vai ter prova”. Nesse é um vocativo – sempre que uma palavra indica chama-
caso, a resposta da estudante seria interpretada de outra mento, ela deve ser separada do restante da oração por
maneira, evidenciando uma justificativa para não realizar meio de vírgula.
uma ação, no caso, negando o convite do amigo para ir ao Na tirinha, a decepção da professora (“Eu mereço!”)
cinema por ter prova no mesmo dia. está justamente no fato de o menino não ter compreendido

80 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Pontuação: emprego e efeitos de sentido


o sentido que ela pretendia. Considerando que esse texto Por fim, vale destacar a importância da pontuação na
remete ao lúdico, sabemos que o “engano” do aluno foi organização do discurso de acordo com o que desejamos
proposital para gerar o humor, mas foi também bastante útil evidenciar em nossos textos. Em geral, com ela podemos
para nos ajudar a perceber como é importante estar atento indicar:
ao fato de que, às vezes, o uso ou não de uma pontuação
pode mudar totalmente o sentido da informação. Pense, por Interação entre os Presença de ideias Discursos
sujeitos de outros intercalados
exemplo, como seria diferente se, em um relatório médico,
em vez de escrever “O paciente está doente”, o profissional
da saúde se confundisse e redigisse “O paciente está doen-
te?”. No primeiro caso, há uma constatação, uma certeza;
no segundo, uma dúvida, uma incerteza.

Repetição dos sinais de pontuação


A repetição de uma mesma pontuação, de forma con-
secutiva, também pode indicar múltiplos sentidos. Veja
como isso acontece na piada a seguir.
No caixa do banco, o sujeito vai descontar um cheque. Ao estudar a pontuação, portanto, mais que conhecer
— Vai levar em dinheiro??? regras, é fundamental compreender sua função e utilidade
— Não, me dá em clipes e borrachinhas!!! de acordo com os objetivos e as intencionalidades em uma
AVIZ, Luiz. As melhores piadas para crianças.
Rio de Janeiro: Pegue & Leve, 2013. p. 110.
situação comunicativa concreta.

Os três sinais de interrogação evidenciam que o fun- Saiba mais


cionário não fez uma simples pergunta. Ele, provavelmente,
ficou surpreso com o valor alto a ser sacado e estranhou
que o sujeito optasse por levar a quantia em dinheiro (em
vez de fazer uma transferência, por exemplo).
Já os três sinais de exclamação deixam claro que o
sujeito ficou indignado com o tipo de pergunta, já que, para
ele, era óbvio que, se ele veio descontar o cheque, levaria
o dinheiro consigo.
A construção de humor se faz em relação a como cada
uma das personagens interpreta a cena que vivencia, mas
são os sinais de pontuação triplicados que dão pistas ao
leitor sobre a surpresa do funcionário e a indignação do
sujeito, orientando, assim, como deve ser a entonação du-
rante a leitura.

Revisando

1. UnB-DF 2019 O Brasil tem atualmente cerca de 600 terras indígenas, que abrigam 227 povos, com um total de aproxi-
madamente 480 mil pessoas. Essas reservas representam 13% do território nacional, ou seja, 109,6 milhões de hectares.
A maior parte está na chamada Amazônia Legal, que abrange os estados de Tocantins, Mato Grosso, Maranhão, Roraima,
Rondônia, Pará, Amapá, Acre e Amazonas. Isso se tornou o grande pomo da discórdia por causa do choque com arrozeiros,
pecuaristas, madeireiros e garimpeiros que atuam ilegalmente nas reservas.
Luiz Carlos Azedo.Nas entrelinhas, “A língua do índio”. CorreioBraziliense, Política, 19/12/2018, p. 2 (com adaptações).

Com relação às ideias e aos aspectos linguísticos do texto precedente, julgue o item:
No trecho “Tocantins, Mato Grosso, Maranhão, Roraima, Rondônia, Pará, Amapá, Acre e Amazonas”, as vírgulas
foram empregadas para separar termos em uma enumeração.

2. UFGD-MS 2015
Quem é esta senhora? — Perguntei a Sá.
A resposta foi o sorriso inexprimível, mistura de sarcasmo, de bonomia e fatuidade, que desperta nos elegantes da corte
a ignorância de um amigo, profano na difícil ciência das banalidades sociais.
— Não é uma senhora, Paulo! É uma mulher bonita. Queres conhecê-la?. . .
FRENTE 1

Compreendi e corei de minha simplicidade provinciana, que confundira a máscara hipócrita do vício com o mo-
desto recato da inocência. Só então notei que aquela moça estava só, e que a ausência de um pai, de um marido, ou
de um irmão devia-me ter feito suspeitar a verdade.

81
Depois de algumas voltas descobrimos ao longe a a) opinião sobre o uso de jeans, camiseta e mocassins.
ondulação do seu vestido, e fomos encontrá-la, retirada b) explicação sobre a simbologia de sapatos e
a um canto, distribuindo algumas pequenas moedas de roupas.
prata à multidão de pobres que a cercava. Voltou-se con- c) conclusão acerca da oposição entre otimismo e
fusa ouvindo Sá pronunciar o seu nome: realidade.
— Lúcia! d) comparação entre ostentação e conforto em ter-
— Não há modos de livrar-se uma pessoa desta gente!
mos de vestuário.
São de uma impertinência! disse ela mostrando os pobres
e) retomada da ideia de negociação discutida no pri-
e esquivando-se aos seus agradecimentos.
meiro parágrafo.
Feita a apresentação no tom desdenhoso e altivo com
que um moço distinto se dirige a essas sultanas do ouro, e
trocadas algumas palavras triviais, meu amigo perguntou-lhe: 4. Enem 2020
— Vieste só?
O ouro do século 21
— Em corpo e alma.
— E não tens companhia para a volta? Cério, gadolínio, lutécio, promécio e érbio; sumá-
Ela fez um gesto negativo. rio, térbio e disprósio; hólmio, túlio e itérbio. Essa lista
— Neste caso ofereço-te a minha, ou antes a nossa. de nomes esquisitos e pouco conhecidos pode parecer a
— Em qualquer outra ocasião aceitaria com muito escalação de um time de futebol, que ainda teria no ban-
prazer; hoje não posso. co de reservas lantânio, neodímio, praseodímio, európio,
— Já vejo que não foste franca! escândio e ítrio. Mas esses 17 metais, chamados de ter-
— Não acredita?... Se eu viesse por passeio! ras-raras, fazem parte da vida de quase todos os humanos
— E qual é o outro motivo que te pode trazer à festa da do planeta. Chamados por muitos de “ouro do século 21”,
Glória? “elementos do futuro” ou “vitaminas da indústria”, eles
— A senhora veio talvez por devoção? disse eu. estão nos materiais usados na fabricação de lâmpadas,
— A Lúcia devota!... Bem se vê que a não conheces. telas de computadores, tablets e celulares, motores de
— Um dia no ano não é muito, respondeu ela sorrindo. carros elétricos, baterias e até turbinas eólicas. Apesar de
ALENCAR, José de. Lucíola. 12ª ed., São Paulo: Ática, 1988, capítulo II tantas aplicações, o Brasil, dono da segunda maior reserva
do mundo desses metais, parou de extraí-los e usá-los em
Assinale a alternativa em que a retirada da(s) vírgula(s) 2002. Agora, volta a pensar em retomar sua exploração.
altera semanticamente a frase: SILVEIRA. E. Disponível em: www.revistaplaneta.com.br.
a) Lúcia, a jovem de 19 anos, era a mais linda da Acesso em: 6 dez. 2017 (adaptado).
festa. (a segunda vírgula)
As aspas sinalizam expressões metafóricas emprega-
b) Lúcia saiu da festa da Glória, sorrateiramente.
das intencionalmente pelo autor do texto para
c) Lúcia iniciou, naquele momento, uma distribuição
a) imprimir um tom irônico à reportagem.
de moedas pratas. (as duas vírgulas)
b) incorporar citações de especialistas à reportagem.
d) Ontem, Lúcia foi à festa da Glória.
c) atribuir maior valor aos metais, objeto da repor-
e) Tranquilamente, Lúcia chegou à festa da Glória.
tagem.
d) esclarecer termos científicos empregados na re-
3. Enem 2020
portagem.
Muito do que gastamos (e nos desgastamos) nesse
e) marcar a apropriação de termos de outra ciência
consumismo feroz podia ser negociado com a gente mes-
pela reportagem.
mo: uma hora de alegria em troca daquele sapato. Uma
tarde de amor em troca da prestação do carro do ano; um
fim de semana em família em lugar daquele trabalho extra 5. Enem 2018
que está me matando e ainda por cima detesto.
Física com a boca
Não sei se sou otimista demais, ou fora da realidade.
Mas, à medida que fui gostando mais do meu jeans, cami- Por que nossa voz fica tremida ao falar na frente do
seta e mocassins, me agitando menos, querendo ter menos, ventilador?
fui ficando mais tranquila e mais divertida. Sapato e roupa Além de ventinho, o ventilador gera ondas sonoras.
simbolizam bem mais do que isso que são: representam Quando você não tem mais o que fazer e fica falando
uma escolha de vida, uma postura interior. na frente dele, as ondas da voz se propagam na direção
Nunca fui modelo de nada, graças a Deus. Mas amadu- contrária às do ventilador. Davi Akkerman – presidente
recer me obrigou a fazer muita faxina nos armários da alma da Associação Brasileira para a Qualidade Acústica – diz
e na bolsa também. Resistir a certas tentações é burrice; mas que isso causa o mismatch, nome bacana para o desen-
fugir de outras pode ser crescimento, e muito mais alegria. contro entre as ondas. “O vento também contribui para
LUFT, L.Pensar é transgredir. Rio de Janeiro: Record, 2011. a distorção da voz, pelo fato de ser uma vibração que
influencia no som”, diz. Assim, o ruído do ventilador e a
Nesse texto, há duas ocorrências de dois-pontos. Na influência do vento na propagação das ondas contribuem
primeira, eles anunciam uma enumeração das nego- para distorcer sua bela voz.
ciações que podemos fazer conosco. Na segunda, Disponível em: http://super.abril.com.br.
eles introduzem uma Acesso em: 30 jul. 2012 (adaptado).

82 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Pontuação: emprego e efeitos de sentido


Sinais de pontuação são símbolos grácos usados a) uma fala hesitante.
para organizar a escrita e ajudar na compreensão da b) uma informação implícita.
mensagem. No texto, o sentido não é alterado em c) uma situação incoerente.
caso de substituição dos travessões por d) a eliminação de uma ideia.
a) aspas, para colocar em destaque a informação e) a interrupção de uma ação.
seguinte.
b) vírgulas, para acrescentar uma caracterização de 8. UEL-PR 2019 Leia o fragmento, a seguir, retirado do
Davi Akkerman. livro Clara dos Anjos, de Lima Barreto, e responda à
c) reticências, para deixar subentendida a formação questão.
do especialista. Cassi Jones, sem mais percalços, se viu lançado em
d) dois-pontos, para acrescentar uma informação in- pleno Campo de Sant’Ana, no meio da multidão que jor-
troduzida anteriormente. rava das portas da Catedral, cheia da honesta pressa de
e) ponto e vírgula, para enumerar informações fun- quem vai trabalhar. A sua sensação era que estava numa
damentais para o desenvolvimento temático. cidade estranha. No subúrbio tinha os seus ódios e os seus
amores; no subúrbio, tinha os seus companheiros, e a sua
6. Enem 2017 O homem disse, Está a chover, e depois, fama de violeiro percorria todo ele, e, em qualquer parte,
Quem é você, Não sou daqui, Anda à procura de comi- era apontado; no subúrbio, enfim, ele tinha personalidade,
da, Sim, há quatro dias que não comemos, E como sabe era bem Cassi Jones de Azevedo; mas, ali, sobretudo do
que são quatro dias, É um cálculo, Está sozinha, Estou Campo de Sant’Ana para baixo, o que era ele? Não era
com o meu marido e uns companheiros, Quantos são, nada. Onde acabavam os trilhos da Central, acabava a sua
Ao todo, sete, Se estão a pensar em ficar conosco, tirem fama e o seu valimento; a sua fanfarronice evaporava-se, e
daí o sentido, já somos muitos, Só estamos de passagem, representava-se a si mesmo como esmagado por aqueles
Donde vêm, Estivemos internados desde que a ceguei- “caras” todos, que nem o olhavam. [...]
ra começou, Ah, sim, a quarentena, não serviu de nada, Na “cidade”, como se diz, ele percebia toda a sua
Por que diz isso, Deixaram-nos sair, Houve um incêndio inferioridade de inteligência, de educação; a sua rustici-
e nesse momento percebemos que os soldados que nos dade, diante daqueles rapazes a conversar sobre cousas
vigiavam tinham desaparecido, E saíram, Sim, Os vossos de que ele não entendia e a trocar pilhérias; em face
soldados devem ter sido dos últimos a cegar, toda a gente da sofreguidão com que liam os placards dos jornais,
está cega, Toda a gente, a cidade toda, o país. tratando de assuntos cuja importância ele não avaliava,
SARAMAGO, J.Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Cia. das Letras, 1995. Cassi vexava-se de não suportar a leitura; comparando
o desembaraço com que os fregueses pediam bebidas
A cena retrata as experiências das personagens em variadas e esquisitas, lembrava-se que nem mesmo o
um país atingido por uma epidemia. No diálogo, a vio- nome delas sabia pronunciar; olhando aquelas senhoras
lação de determinadas regras de pontuação e moças que lhe pareciam rainhas e princesas, tal e qual
a) revela uma incompatibilidade entre o sistema de o bárbaro que viu, no Senado de Roma, só reis, sentia-se
pontuação convencional e a produção do gênero humilde; enfim, todo aquele conjunto de coisas finas, de
romance. atitudes apuradas, de hábitos de polidez e urbanidade,
b) provoca uma leitura equivocada das frases inter- de franqueza no gastar, reduziam-lhe a personalidade de
rogativas e prejudica a verossimilhança. medíocre suburbano, de vagabundo doméstico, a quase
c) singulariza o estilo do autor e auxilia na represen- cousa alguma.
tação do ambiente caótico. BARRETO, Lima. Clara dos Anjos. Rio de Janeiro: Garnier, 1990. p. 130-131.
d) representa uma exceção às regras do sistema de
Em relação aos recursos linguísticos presentes no texto,
pontuação canônica.
assinale a alternativa correta.
e) colabora para a construção da identidade do nar-
a) Em “ele percebia toda a sua inferioridade de inte-
rador pouco escolarizado.
ligência, de educação; a sua rusticidade”, o ponto
e vírgula é usado para enumeração dos comple-
7. Enem 2016
mentos do termo “inferioridade”.
L.J.C. b) No trecho “e, em qualquer parte, era apontado”,
a palavra “apontado” está no masculino para con-
— 5 tiros?
— É. cordar com “subúrbio”.
— Brincando de pegador? c) No fragmento “Onde acabavam os trilhos da Cen-
— É. O PM pensou que... tral”, o verbo está no plural para concordar com
— Hoje? seu complemento “trilhos”.
— Cedinho. d) Em “acabava a sua fama e o seu valimento”, o ver-
COELHO, M. In: FREIRE, M. (Org.).Os cem menores contos brasileiros do bo está no singular para concordar com o sujeito
século. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004. “Campo de Sant’Ana”.
FRENTE 1

Os sinais de pontuação são elementos com impor- e) Em “tinha os seus companheiros, e a sua fama de
tantes funções para a progressão temática. Nesse violeiro”, a vírgula é utilizada para separar sujeitos
miniconto, as reticências foram utilizadas para indicar diferentes.

83
Exercícios propostos

1. FAG-PR 2019 Em “Na Argentina a proporção de imigrantes no con-


junto da população alcança 6% e nos Estados Unidos,
População está envelhecendo? Imigrantes %”, a vírgula foi empregada para:
podem ser a solução, segundo o FMI a) indicar a ocorrência de aposto.
Numa época em que a imigração provoca debates b) separar o vocativo do restante do enunciado.
candentes e reações violentas em muitas partes do mundo, c) separar adjunto adverbial deslocado.
o FMI lança um alerta sobre o envelhecimento populacio- d) indicar a ocorrência de elipse.
nal nos países avançados. e) Nenhuma das alternativas anteriores.
No seu relatório econômico global divulgado nesta
semana constam as estimações demográficas da ONU
2. PUC-RS 2016
indicando que a população local vai se reduzir em boa
Elie Wiesel, um dos sobreviventes dos campos de
parte dos países desenvolvidos.
concentração e Nobel da Paz em 1986, disse que a intole-
Desde logo, daqui a algumas décadas, a mão de obra
rância está situada no início do ódio. A relação parece-me
ativa terá que sustentar o dobro dos idosos que existem
correta. A intolerância é uma indisposição diante do outro;
atualmente nesses países, cortando 3% de sua produção
5 uma variedade da impaciência que autoriza a separação,
econômica por volta de 2050.
o isolamento e o desprezo. O ódio vem depois. O ódio é
Vem então a advertência do relatório: se mais pessoas
uma escada, que se sobe ou não. O problema é que, de-
não forem integradas à população economicamente ativa,
pois que subimos, fica difícil descer. Para vencer o ódio é
o aumento proporcional de idosos poderá reduzir o cresci-
preciso impedir que se suba o primeiro degrau da escada.
mento dos países avançados. Na circunstância, o FMI afirma
10 O ódio pode ser definido como uma disposição favorá-
que a imigração “pode contribuir para ganhos de longo
vel à destruição do outro. Ele tem parentesco com a raiva e,
prazo no crescimento e na produtividade” econômica.
do ponto de vista evolucionário, sabemos que a raiva é uma
No momento em que Donald Trump freia a imigração
emoção primitiva, desenvolvida em nosso sistema límbico,
legal e reprime mais duramente as entradas ilegais nos Es-
particularmente nas amígdalas cerebrais, onde estão tam-
tados Unidos, que as eleições na Itália levaram ao poder
15 bém os mecanismos que nos permitem outros sentimentos
uma maioria de parlamentares hostis aos imigrantes e que a
básicos, como o medo. O ódio, entretanto, é mais do que
Hungria, no último domingo (8), reelegeu pela terceira vez
uma decorrência da luta pela sobrevivência, e Darwin
o xenófobo Viktor Orban como seu primeiro-ministro, o FMI
reconheceu que ele é muito mais complexo do que a
não hesita em avançar sua conclusão pró-imigracionista: “é
raiva e o medo. O que há de pontual e explosivo na raiva
preciso repensar as políticas migratórias para dinamizar a
mão de obra disponível nas economias avançadas... políticas 20 adquire o sentido da permanência e da frieza com o ódio.
mais restritivas [à imigração] exacerbariam de maneira signi- Há algo em comum entre o ódio e a intolerância, e po-
ficativa o efeito negativo do envelhecimento da população”. demos observar isso quando nos damos conta de que eles
O Brasil não é citado no relatório do FMI. Mas o país se se encontram no plural. Como regra, os dois sentimentos se
encontra numa situação similar à dos países desenvolvidos manifestam diante de grupos que seriam definidos por carac-
citados acima, com a exceção do Japão onde o envelhe- 25 terísticas vergonhosas e/ou ameaçadoras. Um racista odeia os
cimento populacional é muito mais patente. Resta que os negros, os índios ou os judeus, não um negro em particular
brasileiros estão seguindo a mesma rota de envelhecimento ou este índio ou este judeu. O mesmo vale para as demais
em razão do efeito convergente do aumento da esperança formas de ódio e intolerância que se obrigam a lidar com
de vida e da queda da taxa de natalidade. A questão imigra- estereótipos, não com pessoas concretas. Aqui, a biologia
tória também está na ordem do dia em nosso país. 30 se cruza com a cultura, porque a intolerância e o ódio
Como lembrou recentemente na Folha de S.Paulo precisam ser ensinados. As crianças, por isso mesmo, em-
Leonardo Monasterio, pesquisador do IPEA, o Brasil tem bora possam ser malvadas, não são intolerantes. Para que a
uma proporção bastante baixa de imigrantes. intolerância se construa e se transforme em ódio, é preciso,
O país chegou a ter 5,1% de imigrantes no seio de afinal, uma base teórico-discursiva, ainda que rudimentar.
sua população em 1920. Atualmente este percentual é de Fragmentos adaptados de texto de Marcos Rolim, publicado no jornal
EXTRACLASSE, em junho de 2016. p.11.
0,9%. Na Argentina a proporção de imigrantes no conjunto
da população alcança 6% e nos Estados Unidos, 14%. Sobre os sinais de pontuação usados no texto, é
Como foi apontado neste mesmo espaço, a população INCORRETO armar:
do país continuará subindo até 2050, para começar a cair a) A substituição da vírgula que antecede “depois
em seguida, segundo o Censo Mundial para o século XXI que subimos” (linhas 7-8) por dois-pontos com-
realizado em 2012 e 2015 pela ONU. prometeria a correção da frase.
Se nada mudar, em 2085 estaremos com uma população b) Seria correto colocar uma vírgula entre “ódio” e “é
similar a de hoje: 208 milhões de habitantes. Na ausência de preciso”, nas linhas 8 e 9.
uma política imigracionista, acumularemos os dois inconve- c) As vírgulas que separam “entretanto” e “por isso
nientes descritos acima: seremos velhos e pobres.
mesmo” do restante das estruturas em que se
Disponível em: https://noticias.uol.com.br/blogs-e-colunas/coluna/luiz-felipe-
alencastro/2018/04/11/fmi-faz-alertasobreenvelhecimento-populacional-e- encontram (linhas 1 e 31, respectivamente) são
imigracao.htm. usadas pela mesma razão.

84 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Pontuação: emprego e efeitos de sentido


d) Se uma vírgula fosse inserida após “raiva” (linha Como foi o seu primeiro contato com a perspectiva
19), a correção seria mantida e o período se tor- da falta de água?
naria mais enfático. Quando estava na primeira série, meu professor falou
e) Na linha 21, seria correto substituir o segundo “e” que iríamos arrecadar fundos para países subdesenvolvi-
e a vírgula que o precede por um ponto seguido dos. E o que o meu professor teve que explicar, porque nós
de letra maiúscula. tínhamos apenas 6 anos, era que nem todas as crianças ti-
nham acesso à água limpa. Ele disse que essas crianças tinham
que andar mais de cinco quilômetros para conseguir água
3. IFSul-RS 2016 Assinale a alternativa em que NO há
limpa. Só que eu não sabia quanto era cinco quilômetros
erro de pontuação.
e ele disse “são 5 mil passos”. Então eu fiz o caminho da
a) Os primeiros sinais de pontuação surgiram no
minha sala para o bebedouro e vi que davam 10 passos e
início do Império Bizantino, mas sua função era
então fui e voltei algumas vezes para saber o quão longe
diferente das atuais. seria o percurso dessas crianças. Eu acho que uma coisa
b) O que hoje é o ponto final, servia para separar que aprendemos especialmente quando somos crianças
uma palavra da outra. é sobre dividir e ter a consciência de justiça.
c) Os espaços brancos, entre palavras só aparece- Disponível em: www.gazetadopovo.com.br/ mundo.
ram no século VII, na Europa. Acesso em: 22 set. 2015.
d) Os gráficos, italianos, também inventaram a vírgu-
Em relação ao texto, considere as seguintes armativas:
la e o ponto-e-vírgula no século XV.
e) O sinal mais tardio foram as aspas que surgiram I. No quarto parágrafo, a expressão na juventude
no século XVII. vem isolada por vírgula por se tratar de uma cir-
cunstância de tempo deslocada.
II. No quarto parágrafo, a conjunção e introduz uma
4. IFPR 2016
ideia de proporção à oração anterior.
Canadense prodígio já ajudou a perfurar mil III. No quarto parágrafo, o verbo têm está no plural
poços em 16 países porque concorda com o sujeito plural os adultos.
Ryan Hreljac não tem mais o ar infantil que ficou Está(ão) correta(s):
conhecido mundo afora, antes mesmo do fenômeno de vi- a) apenas I.
ralização na internet. Em 1997, o menino canadense de b) apenas II.
6 anos ficou incomodado ao descobrir que crianças na c) apenas III.
África não tinham acesso à água. Decidiu que precisava d) I e III.
agir e juntou, durante quatro meses de serviços domés-
ticos, os US$ 70 (equivalente hoje a R$ 280) que um
professor havia dito que eram necessários para abrir um
5. Univesp 2018 Leia o trecho da notícia publicada no
poço. Mas o dinheiro pagava apenas a bomba manual. site da Revista Galileu, em julho de 0, para respon-
Ryan não desistiu e começou, então, uma campanha der à questão.
emocionante que se espalhou por vários países. De lá
Marvel criará primeiro super-herói chinês
para cá, mil poços abertos em 16 nações beneficiam
1 milhão de pessoas. protagonista em HQs
Além das ações práticas para resolver problemas con- A Marvel vai criar, em parceria com a chinesa NetEase,
cretos e destacar a necessidade de preservação da água, o primeiro super-herói chinês a estrelar nos quadrinhos. Até
Ryan – hoje recém-formado em Ciência Política Internacio- hoje a empresa que pertence à Disney só mostrou chineses
nal e aos 24 anos – também se dedica a engajar pessoas. em papéis secundários, como Benedict Wong, de Doutor
Já esteve em dezenas de conferências internacionais e deu Estranho, e o vilão Mandarim, emHomem de Ferro.
palestras, pela internet, para centenas de escolas pelo mun- A franquia criadora deHomem-Aranha e X-Men, po-
do. [...] A Gazeta do Povo conversou com ele, via Skype, rém, já arrecadou US$ 1,175 bilhão na China com suas
sobre o trabalho que vem desempenhando na Ryan’s Well adaptações para o cinema. Por esse e por outros motivos,
Foundation. Confira a entrevista em que ele defende que a ideia é que a parceria das empresas não fique só nas
nunca se é jovem demais para se engajar em uma causa. HQs, mas futuramente se transforme em outros produtos,
Você acredita que os jovens estão engajados nas ques- como livros e jogos.
tões ambientais? https://revistagalileu.globo.com. 11.07.2017. Adaptado.
Na juventude, eu acho que há diversas coisas que
Em “Até hoje a empresa que pertence à Disney só
nos desencorajam a respeito de se envolver. Mas nessa
fase você tem habilidades de olhar para os problemas de mostrou chineses em papéis secundários”, a expres-
uma maneira mais simples. Quando eu era criança, não são que pode estar entre vírgulas, sem que se com-
entendia o tamanho e a complexidade do problema. Mas prometa a correção gramatical, é:
porque eu queria fazer a diferença, eu fui lá e fiz. E eu a) a empresa que
não acho que os adultos têm esse tipo de mentalidade, b) que pertence à Disney
FRENTE 1

sabe? Esse jeito de olhar razões para fazer algo, ao invés c) à Disney
de olhar razões para não fazer algo. Você nunca é jovem d) só mostrou
demais para se engajar. e) chineses em papéis

85
6. Uece 2015 Realidade e cção estão aqui entranhadas numa nar-
rativa que embaralha sem cessar memória biográca
A garagem de casa e cção”.
Com o portão enguiçado, e num convite a ladrões “Ou by serendipity, como dizem os ingleses
de livros, a garagem de casa lembra uma biblioteca pú- quando na caça a um tesouro se tem a felicidade de
blica permanentemente aberta para a rua. Mas não são deparar com outro bem, mais precioso ainda.” Leia o
adeptos de literatura os indivíduos que ali se abrigam
que se diz sobre o enunciado acima.
da chuva ou do sol a pino de verão. Esses desocupados
I. Estaria de acordo com os ensinamentos da gra-
matam o tempo jogando porrinha, ou lendo os jornais
mática normativa o acréscimo de duas vírgulas
velhos que mamãe amontoa num canto, sentados nos
degraus do escadote com que ela alcança as prateleiras ao enunciado: Ou by serendipity, como dizem os
altas. Já quando fazem o obséquio de me liberar o espaço, ingleses quando, na caça a um tesouro, se tem
de tempos em tempos entro para olhar as estantes onde a felicidade de deparar com outro bem, mais pre-
há de tudo um pouco, em boa parte remessas de editores cioso ainda.
estrangeiros que têm apreço pelo meu pai. Num reduto II. A regra que ampara o emprego das vírgulas
de literatura tão sortida, como bem sabem os habitués de acrescentadas é a seguinte: Separa-se com vírgu-
sebos, fascina a perspectiva de por puro acaso dar com las o adjunto adverbial deslocado ou intercalado.
um livro bom. Ou by serendipity, como dizem os ingle- III. Haveria diferença de sentido e de classe gra-
ses quando na caça a um tesouro se tem a felicidade de matical se mudássemos a posição da vírgula em
deparar com outro bem, mais precioso ainda. Hoje revejo “a felicidade de deparar com outro bem, mais
na mesma prateleira velhos conhecidos, algumas dezenas precioso ainda”, que passaria a “felicidade de
de livros turcos, ou búlgaros ou húngaros, que papai é
deparar com outro, bem mais precioso ainda”.
capaz de um dia querer destrinchar. Também continua em
Na estrutura do texto, bem é um substantivo, e a
evidência o livro do poeta romeno Eminescu, que papai ao
expressão tem o seguinte sentido: deparar com
menos tentou ler, como é fácil inferir das folhas cortadas
a espátula. Há uma edição em alfabeto árabe das Mil e
outra coisa que não é um tesouro, porém é mais
Uma Noites que ele não leu, mas cujas ilustrações admi- precioso do que um tesouro. Na estrutura modi-
rou longamente, como denunciam os filetes de cinzas na ficada – “com outro, bem mais precioso ainda”,
junção das suas páginas coloridas. Hoje tenho experiência bem seria um advérbio, e a expressão teria o se-
para saber quantas vezes meu pai leu um mesmo livro, guinte sentido: deparar com outro tesouro bem
posso quase medir quantos minutos ele se deteve em cada mais precioso do que aquele que se procurava.
página. E não costumo perder tempo com livros que ele Está correto o que se diz em
nem sequer abriu, entre os quais uns poucos eleitos que a) I, II e III. c) I e III apenas.
mamãe teve o capricho de empilhar numa ponta de pra-
b) I e II apenas. d) II e III apenas.
teleira, confiando numa futura redenção. Muitas vezes a
vi de manhãzinha compadecida dos livros estatelados no
escritório, com especial carinho pelos que trazem a foto 7. Unifesp 2019
do autor na capa e que papai despreza: parece disco de
cantor de rádio.
Chico Buarque. O irmão alemão. 1. ed. São Paulo. Companhia das letras.
2014. p. 60-61. Texto adaptado com o acréscimo do título.

A obra O irmão alemão, último livro de Chico


Buarque de Holanda, tem como móvel da narrativa
a existência de um desconhecido irmão alemão, fru-
to de uma aventura amorosa que o pai dele, Sérgio
Buarque de Holanda, tivera com uma alemã, lá pelo
nal da década de 0 do século passado. Exatamente
quando Hitler ascende ao poder na Alemanha. Esse
fato é real: o jornalista, historiador e sociólogo Sérgio
Buarque de Holanda, na época, solteiro, deixou esse
lho na Alemanha. Na família, no entanto, não se fala-
va no assunto. Chico teve, por acaso, conhecimento
dessa aventura do pai em uma reunião na casa de
Manuel Bandeira, por comentário feito pelo próprio
Bandeira.
Foi em torno da pretensa busca desse pretenso
irmão que Chico Buarque desenvolveu sua narrativa
ccional, o seu romance.
Sobre a obra, diz Fernando de Barros e Silva: “o
que o leitor tem em mãos [...] não é um relato histórico.

86 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Pontuação: emprego e efeitos de sentido


Verica-se o emprego de vírgula para assinalar a su- terríveis feitiços”. Com sua extrema concisão, os contos
pressão de um verbo de fadas nos falam do medo, da pobreza, da desigual-
a) no segundo e no terceiro quadrinhos. dade, da inveja, da crueldade, da avareza... Por isso são
b) no segundo quadrinho, apenas. verdadeiros. Os animais falantes e as fadas madrinhas não
c) no terceiro quadrinho, apenas. procuram confortar as crianças, e sim dotá-las de ferra-
d) no primeiro e no terceiro quadrinhos. mentas para viver, em vez de incutir rígidos patrões de
e) no primeiro quadrinho, apenas. conduta, e estimular seu raciocínio moral. Se eliminarmos
as partes escuras e incômodas, os contos de fadas deixarão
de ser essas surpreendentes árvores sonoras que crescem
8. UFPR 2019 na memória humana, como definiu o poeta Robert Bly.
Era uma vez um lobo vegano que não engolia a vo- Marta Rebón. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/18/
vozinha, três porquinho que se dedicavam à especulação eps/1537265048_460929.html.
imobiliária e uma estilista chamada Gretel que trabalhava
Com base no texto, considere as seguintes armativas:
de garçonete em Berlim. Não deveria nos surpreender que
os contos tradicionais se adaptem aos tempos. Eles foram . Na frase “Os animais falantes e as fadas madri-
submetidos a alterações no processo de transmissão, oral nhas não procuram confortar as crianças, e sim
ou escrita, ao longo dos séculos para adaptá-los aos gostos dotá-las de ferramentas para viver, em vez de in-
de cada momento. Vejamos, por exemplo, Chapeuzinho cutir rígidos patrões de conduta, e estimular seu
Vermelho. Em 1697 – quando a história foi colocada no raciocínio moral”, a vírgula depois de “conduta”
papel –, Charles Perrault acrescentou a ela um moral, com pode ser suprimida sem alteração do sentido.
o objetivo de alertar as meninas quanto às intenções per- . Na frase “A ganhadora do prêmio Nobel, admira-
versas dos desconhecidos. dora de Andersen – cuja coragem se destacava
Pouco mais de um século depois, os irmãos Grimm por ter criado finais tristes –, ressalta a importân-
abrandaram o enredo do conto e o coroaram com um cia de se assustar...”, a vírgula depois do segundo
final feliz. Se a Chapeuzinho Vermelho do século XVII travessão pode ser corretamente suprimida.
era devorada pelo lobo, não seria de surpreender que a . No trecho “...não só encapsulam os mitos duradou-
atual repreendesse a fera por sua atitude sexista quando ros de uma cultura, como também contêm uma
a abordasse no bosque. A força do conto, no entanto, explicação geral do mundo...”, a vírgula depois de
está no fato de que ele fala por meio de uma linguagem
“cultura” pode ser corretamente suprimida.
simbólica e nos convida a explorar a escuridão do mundo,
a cartografia dos medos, tanto ancestrais como íntimos. Assinale a alternativa correta.
Por isso ele desafia todos nós, incluindo os adultos. [...] a) Somente a afirmativa 1 é verdadeira.
A poetisa Wislawa Szymborska falou sobre um amigo b) Somente a afirmativa 2 é verdadeira.
escritor que propôs a algumas editoras uma peça infantil c) Somente a afirmativa 3 é verdadeira.
protagonizada por uma bruxa. As editoras rejeitaram a d) Somente as afirmativas 2 e 3 são verdadeiras.
ideia. Motivo? É proibido assustar as crianças. A ganhadora e) As afirmativas 1, 2 e 3 são verdadeiras.
do prêmio Nobel, admiradora de Andersen – cuja cora-
gem se destacava por ter criado finais tristes –, ressalta a 9. UFRN 2018
importância de se assustar, porque as crianças sentem uma — Temos sorte de viver no Brasil — dizia meu pai, de-
necessidade natural de viver grandes emoções: “A figura pois da guerra. — Na Europa mataram milhões de judeus.
que aparece [em seus contos] com mais frequência é a Contava as experiências que os médicos nazistas fa-
morte, um personagem implacável que penetra no âmago ziam com os prisioneiros. Decepavam-lhes as cabeças,
da felicidade e arranca o melhor, o mais amado. Ander- 5 faziam-nas encolher – à maneira, li depois, dos índios
sen tratava as crianças com seriedade. Não lhes falava Jivaros. Amputavam pernas e braços. Realizavam estranhos
apenas da alegre aventura que é a vida, mas também dos transplantes: uniam a metade superior de um homem à
infortúnios, das tristezas e de suas nem sempre merecidas metade inferior de uma mulher, ou aos quartos traseiros
calamidades”. C. S. Lewis dizia que fazer as crianças acre- de um bode. Felizmente morriam essas atrozes quimeras;
ditar que vivem em um mundo sem violência, morte ou 10 expiravam como seres humanos, não eram obrigadas a
covardia só daria asas ao escapismo, no sentido negativo viver como aberrações. (A essa altura eu tinha os olhos
da palavra. cheios de lágrimas. Meu pai pensava que a descrição das
Depois de passar dois anos mergulhado em relatos maldades nazistas me deixava comovido.)
compilados durante dois séculos, Italo Calvino selecio- Em 1948 foi proclamado o Estado de Israel. Meu
nou e editou os 200 melhores contos da tradição popular 15 pai abriu uma garrafa de vinho – o melhor vinho do
italiana. Após essa investigação literária, sentenciou: “Le armazém –, brindamos ao acontecimento. E não saíamos
fiabe sono vere [os contos de fadas são verdadeiros]”. de perto do rádio, acompanhando as notícias da guerra
O autor de O Barão nas Árvores tinha confirmado sua no Oriente Médio. Meu pai estava entusiasmado com o
intuição de que os contos, em sua “infinita variedade e novo Estado: em Israel, explicava, vivem judeus de todo
infinita repetição”, não só encapsulam os mitos duradouros 20 o mundo, judeus brancos da Europa, judeus pretos da
FRENTE 1

de uma cultura, como também “contêm uma explicação África, judeus da Índia, isto sem falar nos beduínos com
geral do mundo, onde cabe todo o mal e todo o bem, e seus camelos: tipos muito esquisitos, Guedali.
onde sempre se encontra o caminho para romper os mais Tipos esquisitos – aquilo me dava ideias.

87
Por que não ir para Israel? Num país de gente tão es- jovens vivem pensando que eles não têm mais condições
25 tranha – e, ainda por cima, em guerra – eu certamente não 30 de viver. Eles se sentam e pensam muito, se perdem e se
chamaria a atenção. Ainda menos como combatente, entre suicidam.’ Rosalino Ortiz, Guarani
a poeira e a fumaça dos incêndios. Eu me via correndo Disponível em: www.survivalbrasil.org/povos/indios-brasileiros.
Acesso em: 28 abr. 2017.
pelas ruelas de uma aldeia, empunhando um revólver trinta
e oito, atirando sem cessar; eu me via caindo, varado de Com base na leitura do texto e nas expressões em
30 balas. Aquela, sim, era a morte que eu almejava, morte destaque, assinale a alternativaINCORRETA.
heroica, esplêndida justificativa para uma vida miserável, a) No trecho “Nós não sabíamos que os brancos
de monstro encurralado. E, caso não morresse, poderia vi- iam tirar a nossa terra. Nós não sabíamos de
ver depois num kibutz. Eu, que conhecia tão bem a vida nada sobre o desmatamento. Nós não sabíamos
numa fazenda, teria muito a fazer ali. Trabalhador dedicado, sobre as leis dos homens brancos.” (linhas 4-) a
35 os membros do kibutz terminariam por me aceitar; numa repetição de “nós não sabíamos” tem a função de
nova sociedade há lugar para todos, mesmo os de patas
ressaltar informações que o índio desconhecia.
de cavalo.
b) O trecho “Hoje, o Brasil tem planos agressivos para
Adaptado de: SCLIAR, M. O centauro no jardim. 9. ed. Porto Alegre: L&PM, 2001.
desenvolver e industrializar a Amazônia”, (linhas 8
Assinale a proposta de mudança no emprego de e 9), se modificado para “Hoje, no Brasil, _______
vírgula que mantém a correção e o sentido do enun- planos agressivos para desenvolver e industrializar
ciado original. a Amazônia”, deveria, de acordo com a modalida-
a) Colocação de vírgula imediatamente após expe- de formal da língua portuguesa, fazer uso do verbo
riências (l. 3). HAVER para preencher a lacuna.
b) Colocação de vírgula imediatamente após Feliz- c) No trecho “Hoje, o Brasil tem planos agressivos
mente (l. 9). para desenvolver e industrializar a Amazônia”. (li-
c) Colocação de vírgula imediatamente após que nhas 8 e 9) O uso da palavra ‘agressivos’ indica
(l. 12). posição ideológica do autor, ou seja, não há neu-
d) Colocação de vírgula imediatamente após país tralidade na informação.
(l. 24). d) No trecho “Nos 514 anos desde que os europeus
e) Colocação de vírgula imediatamente após morte chegaram ao Brasil, os povos indígenas sofreram
(l. 3). genocídio em grande escala, e perda da maioria
de suas terras”, (linhas 1-3) a vírgula antes da con-
10. UFU-MG 2017 junção e está adequadamente empregada.

Desafios atuais e ameaças 11. Unesp 2018 Leia o excerto do “Sermão do bom ladrão”,
Nos 514 anos desde que os europeus chegaram ao Brasil, de Antônio Vieira (60-6), para responder à questão.
os povos indígenas sofreram genocídio em grande escala,
Navegava Alexandre [Magno] em uma poderosa ar-
e perda da maioria de suas terras.
mada pelo Mar Eritreu a conquistar a Índia; e como fosse
‘Nós não sabíamos que os brancos iam tirar a nossa
trazido à sua presença um pirata, que por ali andava rou-
5 terra. Nós não sabíamos de nada sobre o desmatamen-
bando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de
to. Nós não sabíamos sobre as leis dos homens brancos.’
andar em tão mau ofício; porém ele, que não era me-
(Enawenê Nawê)
droso nem lerdo, respondeu assim: “Basta, Senhor, que
Hoje, o Brasil tem planos agressivos para desenvolver
eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, por-
e industrializar a Amazônia. Até os territórios mais remotos
que roubais em uma armada, sois imperador?”. Assim é.
10 estão agora sob ameaça. Vários complexos de barragens
hidrelétricas estão sendo construídos perto de tribos iso- O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar
ladas, e eles também irão privar milhares de outros índios com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Ale-
da terra, água e meios de subsistência. Os complexos de xandres. Mas Sêneca, que sabia bem distinguir as qualidades,
barragens irão fornecer energia barata para as empresas de e interpretar as significações, a uns e outros, definiu com o
15 mineração, que estão prestes a realizar a mineração em mesmo nome: [...] Se o rei de Macedônia, ou qualquer outro,
grande escala nas terras indígenas se o Congresso aprovar fizer o que faz o ladrão e o pirata; o ladrão, o pirata e o rei,
um projeto de lei que está sendo empurrado duramente todos têm o mesmo lugar, e merecem o mesmo nome.
pelo lobby de mineração. Quando li isto em Sêneca, não me admirei tanto de que
Muitas tribos do sul do país como os Guarani vivem um filósofo estoico se atrevesse a escrever uma tal sentença
20 em condições desumanas sob barracos de lona em beiras em Roma, reinando nela Nero; o que mais me admirou, e
de estradas. Seus líderes estão sendo sistematicamente quase envergonhou, foi que os nossos oradores evangélicos
atacados e mortos por milícias privadas de pistoleiros con- em tempo de príncipes católicos, ou para a emenda, ou
tratados pelos fazendeiros para evitar que eles ocupem para a cautela, não preguem a mesma doutrina. Saibam
sua terra ancestral. Muitos Guarani cometem suicídio em estes eloquentes mudos que mais ofendem os reis com o
25 desespero com a falta de qualquer futuro significativo. que calam que com o que disserem; porque a confiança
Os Guarani estão se suicidando por falta de terra. com que isto se diz é sinal que lhes não toca, e que se não
‘A gente antigamente tinha a liberdade, mas hoje em dia podem ofender; e a cautela com que se cala é argumento
nós não temos mais liberdade. Então, por isso, os nossos de que se ofenderão, porque lhes pode tocar. [...]

88 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Pontuação: emprego e efeitos de sentido


Suponho, finalmente, que os ladrões de que falo II. A utilização de uma vírgula depois de “em es-
não são aqueles miseráveis, a quem a pobreza e vileza pecial” (linha 2) e antes de “sobretudo” (linha 9)
de sua fortuna condenou a este gênero de vida, porque provocaria ambiguidade nos períodos.
a mesma sua miséria ou escusa ou alivia o seu pecado III. A inserção de vírgulas antes e depois de “e deci-
[...]. O ladrão que furta para comer não vai nem leva ao sivo para essas mudanças” (linhas 5 e ) tornaria
Inferno: os que não só vão, mas levam, de que eu trato,
mais clara a relação de ênfase estabelecida com
são os ladrões de maior calibre e de mais alta esfera [...].
o segmento anterior.
Não são só ladrões, diz o santo [São Basílio Magno], os
que cortam bolsas, ou espreitam os que se vão banhar,
IV. As vírgulas das linhas  e 8 poderiam ser retira-
para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e das sem prejuízo ao significado e à estrutura do
dignamente merecem este título são aqueles a quem os período.
reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo Estão corretas apenas as armativas
das províncias, ou a administração das cidades, os quais
a) I e II.
já com manhã, já com força, roubam e despojam os po-
b) I e III.
vos. Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam
c) II e IV.
cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco,
estes sem temor, nem perigo: os outros, se furtam, são d) I, II e III.
enforcados: estes furtam e enforcam. e) II, III e IV.
Essencial, 2011.
13. Unifesp 2020 Leia a crônica “Inconfiáveis cupins”, de
Verica-se o emprego de vírgula para indicar a elipse
Moacyr Scliar, para responder à questão.
(supressão) do verbo em:
a) “Basta, Senhor, que eu, porque roubo em uma Havia um homem que odiava Van Gogh. Pintor des-
barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma conhecido, pobre, atribuía todas suas frustrações ao artista
armada, sois imperador?” (1o parágrafo) holandês. Enquanto existirem no mundo aqueles horríveis
b) “O ladrão que furta para comer não vai nem leva girassóis, aquelas estrelas tumultuadas, aqueles ciprestes
ao Inferno: os que não só vão, mas levam, de que deformados, dizia, não poderei jamais dar vazão ao meu
eu trato, são os ladrões de maior calibre e de mais instinto criador.
alta esfera [...].” (3o parágrafo) Decidiu mover uma guerra implacável, sem quartel,
c) “O roubar pouco é culpa, o roubar muito é gran- às telas de Van Gogh, onde quer que estivessem. Come-
deza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o çaria pelas mais próximas, as do Museu de Arte Moderna
roubar com muito, os Alexandres.” (1o parágrafo) de São Paulo.
d) “Se o rei de Macedônia, ou qualquer outro, fizer o Seu plano era de uma simplicidade diabólica. Não
que faz o ladrão e o pirata; o ladrão, o pirata e o faria como outros destruidores de telas que entram num
rei, todos têm o mesmo lugar, e merecem o mes- museu armados de facas e atiram-se às obras, tentando
mo nome.” (1o parágrafo) destruí-las; tais insanos não apenas não conseguem seu
intento, como acabam na cadeia. Não, usaria um método
e) “Os outros ladrões roubam um homem, estes rou-
científico, recorrendo a aliados absolutamente insuspei-
bam cidades e reinos: os outros furtam debaixo
tados: os cupins.
do seu risco, estes sem temor, nem perigo: os
Deu-lhe muito trabalho, aquilo. Em primeiro lugar, era
outros, se furtam, são enforcados: estes furtam e
necessário treinar os cupins para que atacassem as telas de
enforcam.” (3o parágrafo)
Van Gogh. Para isso, recorreu a uma técnica pavloviana.
Reproduções das telas do artista, em tamanho natural, eram
12. PUC-RS 2015 As transformações que têm ocorrido na recobertas com uma solução açucarada. Dessa forma, os
sociedade contemporânea, em especial a partir dos anos
insetos aprenderam a diferenciar tais obras de outras.
70, vêm propiciando mudanças nas relações científicas
Mediante cruzamentos sucessivos, obteve um tipo
estabelecidas com o ambiente internacional. Um evento
de cupim que só queria comer Van Gogh. Para ele era
5 norteador das transformações societais e decisivo para
repulsivo, mas para os insetos era agradável, e isso era o
essas mudanças foi a globalização, que trouxe fortes
que importava.
evidências do entrosamento entre ciência e sociedade e
Conseguiu introduzir os cupins no museu e ficou à
alterou a dinâmica de produção do conhecimento, com
espera do que aconteceria. Sua decepção, contudo, foi
efeitos no ensino superior sobretudo, realçando a impor-
enorme. Em vez de atacar as obras de arte, os cupins
10 tância da internacionalização nas funções de transmitir e
produzir conhecimento. preferiram as vigas de sustentação do prédio, feitas de ma-
deira absolutamente vulgar. E por isso foram detectados.
Universidade, ciência, inovação e sociedade. 36o Encontro Anual da
ANPOCS. (Texto adaptado.) O homem ficou furioso. Nem nos cupins se pode
confiar, foi a sua desconsolada conclusão. É verdade que
INSTRUÇÃO: Para responder à questão, considere as alguns insetos foram encontrados próximos a telas de Van
armativas sobre a pontuação do texto. Gogh. Mas isso não lhe serviu de consolo. Suspeitava que
FRENTE 1

I. As vírgulas das linhas 2 e 3 poderiam ser substituí- os sádicos cupins estivessem querendo apenas debochar
das por travessões sem prejuízos ao sentido e à dele. Cupins e Van Gogh, era tudo a mesma coisa.
correção do texto. O Imaginário cotidiano, 2002.

89
Tendo em vista a ordem inversa da frase, verica-se o a) Destacar o vocativo.
emprego de vírgula para separar um termo que exer- b) Indicar um aposto.
ce a função de sujeito em: c) Separar uma oração subordinada adjetiva explicativa.
a) “Deu-lhe muito trabalho, aquilo.” (4o parágrafo) d) Separar uma oração coordenada assindética.
b) “Em vez de atacar as obras de arte, os cupins pre- e) Enumerar termos de mesmo valor sintático.
feriram as vigas de sustentação do prédio, feitas
de madeira absolutamente vulgar.” (6o parágrafo) 15. UnB-DF 2014
c) “Para ele era repulsivo, mas para os insetos era
agradável, e isso era o que importava.” (5o pará-
grafo)
d) “Não, usaria um método científico, recorrendo a
aliados absolutamente insuspeitados: os cupins.”
(3o parágrafo)

Fernand Léger. Film Ballet Mécanique (Filme Balé


e) “Para isso, recorreu a uma técnica pavloviana.” (4o

Mecânico), 1924. Internet: www.youtube.com.


parágrafo)

14. IFBA 2014


Grande parte dos avanços tecnológicos integra o pro-
cesso evolutivo da comunicação, conduzindo-nos para
uma maior democratização da informação e, consequen-
temente, do saber. A comunicação virtual introduz um
5 conceito de descentralização da informação e do poder
de comunicar. Todo computador, conectado à internet, Desde o século XIX, depois da invenção da fotogra-
possui a capacidade de transmitir palavras, imagens, sons. fia, do incremento do jornal, do surgimento do cinema
Não se limita apenas aos donos de jornais e emissoras; e da explosão da publicidade, passo a passo, a era de
qualquer pessoa pode construir um site na internet, sobre Gutenberg foi cedendo seu espaço exclusivo – de alta
10 qualquer assunto e propagá-lo de maneira simples. O es- 5 cultura e de linguagem tão próxima quanto possível da
paço cibernético tem se tornado um lugar essencial, um pureza de meios (a escrita) – para linguagens cada vez
futuro próximo de comunicação completamente distinta mais híbridas, das quais o cinema e, então, a televisão são
da mídia clássica. [...]. exemplos. Durante mais de três quartos do século XX, de
A internet proporciona a interação entre locutor e um lado, o texto escrito mantinha-se como detentor dos
15 interlocutor, uma vez que, na rede, qualquer elemento 10 valores da ciência, do conhecimento e do saber, enquanto,
adquire a possibilidade de interação, havendo intercone- de outro lado, os meios de informação e entretenimento,
xões entre pessoas dos mais diferentes lugares do planeta, marcados pela explosão do som e da imagem, tomavam
facilitando, portanto, o contato entre elas, assim como a crescentemente conta da paisagem cultural. Entre ambos,
busca por opiniões e ideias convergentes. Uma prova da a arte mantinha sua sabedoria sobre o reino da sensibili-
20 eficiência da internet em construir esse ideal de propaga- 15 dade. O advento da web e da linguagem que nela circula,
ção de mensagens e opiniões está na multiplicidade de a hipermídia, trouxe, entretanto, intensas transformações
temas que podem ser encontrados nela. Além dos sites, nessa distribuição de papeis e funções culturais. Tudo co-
as listas de discussão, que agregam pessoas interessadas meçou a misturar-se.
em um dado assunto, também merecem consideração. Lúcia Santaella. A ecologia pluralista da comunicação: conectividade,
mobilidade, ubiquidade. São Paulo: Paulus, 2010, p. 64 (com adaptações).
25 É nesse ponto que a internet se sobressai, pois inte-
gra e condensa nela todos os recursos de todas as formas Considerando o texto e a imagem apresentados, jul-
de comunicação, como jornal, por exemplo. Além de gue o item:
apresentar todas as funções do jornalismo, que, segundo No primeiro período do texto, é facultativo o emprego
Beltrão são econômica, social, educativa e de entreteni- da vírgula que precede a expressão adverbial “passo
30 mento, ela é um meio de comunicação interativo. Além a passo” (l. ).
disso, há a questão da dinamicidade e da interatividade:
o espaço virtual, diferentemente de um texto de jornal ou 16. UnB-DF 2014
revista em papel, está constantemente em movimento.
René Magritte. Ceci n’est pas une pipe, 1929.

Quanto à função da vírgula no trecho a GALLI, Fernanda. Linguagem da


Internet: museumexhibitions.wordpress.com.

internet: um meio de comunicação global. In: Hipertexto e gêneros digitais.


MARCUSCHI, Luiz Antônio; XAVIER, Antonio Carlos (Org.). São Paulo:
Cortez, 2010, p. 151-2. (adaptado)

Quanto à função da vírgula no trecho a seguir, marque


a alternativa correta:
[...] o espaço virtual, diferentemente de um texto de
jornal ou revista em papel, está constantemente em mo-
vimento (l. 32-33).

90 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Pontuação: emprego e efeitos de sentido


Para o filósofo Vilém Flusser, a relação texto-ima- que não fez, vai descobrir que estava com a braguilha aber-
gem assumiu, na Idade Média, a forma de disputa entre ta o tempo todo. E tem certeza de que cedo ou tarde vai
o cristianismo textual e o paganismo imagético. Na Ida- acontecer o que o tímido mais teme, o que tira o seu sono
de Moderna, houve conflitos entre a ciência textual e as e apavora os seus dias: alguém vai lhe passar a palavra.
5 ideologias imagéticas, que, de modo dialético, foram-se O tímido tenta se convencer de que só tem problemas
criticando. Na tentativa de exterminar o paganismo, o com multidões, mas isto não é vantagem. Para o tímido,
cristianismo acabou absorvendo as imagens pagãs e, na duas pessoas são uma multidão. Quando não consegue
medida em que a ciência criticava esses valores, incorpora- escapar e se vê diante de uma plateia, o tímido não pensa
va as imagens e se ideologizava. Assim, os textos passaram nos membros da plateia como indivíduos. Multiplica-os
10 a explicar as imagens, e elas, por sua vez, passaram a por quatro, pois cada indivíduo tem dois olhos e dois ou-
ilustrar os textos. Essa troca foi-se tornando tão dialética vidos. Quatro vias, portanto, para receber suas gafes. Não
entre a imaginação e a conceituação, que, num momento, adianta pedir para a plateia fechar os olhos, ou tapar um
se negavam e, num outro, se reforçavam. olho e um ouvido para cortar o desconforto do tímido pela
S. Venturelli e M. Maciel. Imagem interativa. Brasília: Ed. UnB, metade. Nada adianta. O tímido, em suma, é uma pessoa
2008 (com adaptações). convencida de que é o centro do Universo, e que seu ve-
Tendo como referência o texto acima e a gura apre- xame ainda será lembrado quando as estrelas virarem pó.
VERISSIMO, Luis Fernando. Da Timidez. In: Comédias para se ler na escola.
sentada, que se refere à obra Ceci n’est pas une Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 111-112.
pipe(Isto não é um cachimbo), julgue o item a seguir:
A oposição apresentada no texto possibilita que, sem Sobre o trecho “E tem certeza de que cedo ou tar-
prejuízo para a coerência textual e a correção grama- de vai acontecer o que o tímido mais teme, o que tira
tical, no trecho “entre a ciência textual e as ideologias o seu sono e apavora os seus dias: alguém vai lhe
imagéticas” (l.  e ), os adjetivos “textual” e “imagéti- passar a palavra”, assinale a alternativa que substitui,
cas” quem isolados por vírgula, como apresentado a corretamente, os dois-pontos, sem alterar o sentido
seguir: entre a ciência, textual, e as ideologias, imagéti- original.
cas, que, de modo dialético, foram-se criticando. a) isto é d) por conseguinte
b) nesse sentido e) até que
17. UEL-PR 2020 Leia um trecho da crônica a seguir, de c) afinal
Luis Fernando Veríssimo, e responda à questão:
Ser um tímido notório é uma contradição. O tímido 18. IFSul-RS 2017
tem horror a ser notado, quanto mais a ser notório. Se ficou Achado não é roubado
notório por ser tímido, então tem que se explicar. Afinal,
Fabrício Carpinejar
que retumbante timidez é essa, que atrai tanta atenção?
Se ficou notório apesar de ser tímido, talvez estivesse se Não ganhava mesada, nem ajuda de custo na infância.
enganando junto com os outros e sua timidez seja apenas Eu me virava como dava. Recebia casa, comida e roupa
um estratagema para ser notado. Tão secreto que nem ele lavada e não havia como miar, latir e reivindicar mais nada
sabe. É como no paradoxo psicanalítico: só alguém que aos pais, só agradecer.
se acha muito superior procura o analista para tratar um As minhas fontes de renda eram praticamente duas:
complexo de inferioridade, porque só ele acha que se procurar dinheiro nas bolsas vazias da mãe, torcendo para
sentir inferior é doença. que deixasse alguma nota na pressa da troca dos acessó-
Todo mundo é tímido, os que parecem mais tímidos rios, ou catar moedas nas ruas e nos bueiros.
são apenas os mais salientes. Defendo a tese de que nin- A modalidade de caça a dinheiro perdido exigia
guém é mais tímido do que o extrovertido. O extrovertido disciplina e profissionalismo. Saía de casa pelas 13h e
faz questão de chamar atenção para sua extroversão, assim caminhava por duas horas, com a cabeça apontada ao
ninguém descobre sua timidez. Já no notoriamente tímido meio-fio como pedra em estilingue. Varria a poeira com os
a timidez que usa para disfarçar sua extroversão tem o pés e cortava o mato com canivete. Fui voluntário remoto
tamanho de um carro alegórico. Daqueles que sempre do Departamento Municipal de Limpeza Urbana.
quebram na concentração. Segundo minha tese, dentro de Gastava o meu Kichute em vinte quadras, do bairro
cada Elke Maravilha existe um tímido tentando se esconder Petrópolis ao centro. Voltava quando atingia a entrada do
e dentro de cada tímido existe um exibido gritando “Não viaduto da Conceição e reiniciava a minha arqueologia
me olhem! Não me olhem!”, só para chamar a atenção. monetária no outro lado da rua.
O tímido nunca tem a menor dúvida de que, quando Levava um saquinho para colher as moedas. Cada
entra numa sala, todas as atenções se voltam para ele e tarde rendia o equivalente a três reais. Encontrar corren-
para sua timidez espetacular. Se cochicham, é sobre ele. tinhas, colares e broches salvava o dia. Poderia revender
Se riem, é dele. Mentalmente, o tímido nunca entra num no mercado paralelo da escola. As meninas pagavam em
lugar. Explode no lugar, mesmo que chegue com a maciez jujubas, bolo inglês e guaraná.
estudada de uma noviça. Para o tímido, não apenas todo Já o bueiro me socializava. Convidava com frequência
mundo mas o próprio destino não pensa em outra coisa a o Liquinho, vulgo Ricardo. Mais forte do que eu, ajudava
FRENTE 1

não ser nele e no que pode fazer para embaraçá-lo. a levantar a pesada e lacrada tampa de metal. Eu ficava
O tímido vive acossado pela catástrofe possível. Vai com a responsabilidade de descer às profundezas do lodo.
tropeçar e cair e levar junto a anfitriã. Vai ser acusado do Tirava toda a roupa – a mãe não perdoaria o petróleo

91
do esgoto – e pulava de cueca, apalpando às cegas o José João Craveirinha foi o primeiro autor africano
fundo com as mãos. Esquecia a nojeira imaginando as que ganhou o Prêmio Camões, o mais importante
recompensas. Repartia os lucros com os colegas que me prêmio literário da língua portuguesa. Sobre o poe-
acompanhavam nas expedições ao submundo de Porto maGrito Negro, éINCORRETOarmar que
Alegre. Lembro que compramos uma bola de futebol com a) nos versos “Eu sou carvão!” (linha 1), “Eu sou
a arrecadação de duas semanas. carvão;” (linha 11), “Eu sou carvão.” (linha 1), a
Espantoso o número de itens perdidos. Assim como pontuação demonstra, respectivamente, expres-
os professores paravam no meu colégio, acreditava na sividade, causa e desumanização.
greve dos objetos: moedas e anéis rolavam e cédulas b) os versos “Tenho que arder / Queimar tudo com o
voavam dos bolsos para protestar por melhores condições. fogo da minha combustão.” (linhas 17 e 18) apre-
Sofria para me manter estável, pois nunca pedia di- sentam o momento de indignação, fazendo o eu
nheiro a ninguém. Desde cedo, descobri que vadiar é lírico erguer-se contra o opressor.
também trabalhar duro. c) o poema apresenta o negro conformado à con-
Disponível em: http://carpinejar.blogspot.com.br/2016/06/achado-nao-e-
roubado.html. Acesso em: 22 jun. 2016.
dição imposta e aceitando trabalhar e servir aos
seus senhores.
Quanto à pontuação do texto, são feitas as seguintes
d) o poema discute questões raciais, quando a cor
armações: do carvão remete à cor da pele negra e o jogo
I. O emprego da vírgula em “Recebia casa, comida e metafórico apresenta a relação entre as caracte-
roupa lavada e...” apresenta a mesma justificativa rísticas do carvão e a ação de queimar.
do que o usado em “Convidava com frequência o
Liquinho, vulgo Ricardo”.
20. UFPR 2020
II. Os travessões empregados em “Tirava toda a
roupa – a mãe não perdoaria o petróleo do esgo- O jogo do salário mínimo
to – e pulava de cueca” poderiam ser substituídos [...] Em menos de trinta minutos, dois times cente-
por parênteses sem acarretar prejuízo semântico. nários do futebol carioca, Bonsucesso e Olaria, vão se
enfrentar num jogo-treino, na preparação para a disputa
III. O uso dos dois-pontos em “As minhas fontes de
da segunda divisão do campeonato do Rio.
renda eram praticamente duas: procurar dinheiro 5 Na arena vazia, os jogadores vivem a desigualdade
nas bolsas vazias da mãe...” se justifica pelo mesmo salarial do futebol brasileiro. Na esperança de chegar a um
motivo empregado em “acreditava na greve dos clube grande, os 22 atletas em campo correm no estádio
objetos: moedas e anéis rolavam e cédulas voavam em troca de um salário mínimo (998 reais) na carteira as-
dos bolsos para protestar por melhores condições”. sinada – isso quando não há atraso no pagamento. Juntos,
10 ganham cerca de 22 mil reais – menos de 2% do salário
Está(ão) INCORRETA(S) apenas a(s) armativa(s) mensal de uma estrela como o atacante Gabriel Barbosa,
a) I. c) I e III. o Gabigol, do Flamengo. Longe do glamour dos estádios
b) II. d) II e III. padrão Fifa, os 22 em campo no chamado Clássico da
Leopoldina, em referência à antiga linha de trem, são um
19. Uece 2019 15 retrato do precário mercado de trabalho da bola no Brasil.
Levantamento do antigo Ministério do Trabalho reve-
Grito Negro la que a maioria (54%) dos jogadores de futebol do país
empregados em 2017 recebia até três salários mínimos
Eu sou carvão!
(2.811 reais). Os dados constam da RAIS (Relação Anual
E tu arrancas-me brutalmente do chão
20 de Informações Sociais) de 2017. [...]
e me fazes tua mina, patrão.
A estatística do antigo Ministério do Trabalho é o úni-
Eu sou carvão!
co levantamento que tenta mapear os salários no futebol
5 E tu acendes-me, patrão,
brasileiro. A CBF fazia uma pesquisa parecida, mas deixou
para te servir eternamente como força motriz
de publicar por causa das distorções criadas pelos con-
mas eternamente não, patrão.
25 tratos de direito de imagem. Segundo a última edição do
Eu sou carvão
trabalho da entidade que comanda o futebol nacional,
e tenho que arder sim;
mais de 80% dos jogadores de futebol ganhavam até 1 mil
10 queimar tudo com a força da minha combustão. reais por mês em 2015. Sem citar nomes, a CBF informou
Eu sou carvão; que apenas um jogador recebia mais de 500 mil reais, mas
tenho que arder na exploração 30 o número estava longe da realidade, e o mesmo se pode
arder até às cinzas da maldição dizer dos dados da RAIS. O salário em carteira é só uma
arder vivo como alcatrão, meu irmão, parte do que os atletas recebem, pois o principal vem dos
15 até não ser mais a tua mina, patrão. direitos de imagem e patrocínios.
Eu sou carvão. Mas essa é uma realidade dos clubes grandes. Em
Tenho que arder 35 clubes como Bonsucesso e Olaria, não há direitos de
Queimar tudo com o fogo da minha combustão. imagem, já que não há imagem a ser vendida. Os patro-
Sim! cinadores estão mais para pequenos comerciantes locais
20 Eu sou o teu carvão, patrão. do que para grandes financiadores do futebol.
CRAVEIRINHA, José João. Karingana Ua Karingana. Sérgio Rangel. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/o-jogo-do-
(Era uma vez). Lisboa: Edições 70, 1982. salario-minimo/. 31/05/2019.

92 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Pontuação: emprego e efeitos de sentido


Acerca de aspectos relativos  pontuação, assinale b) atendendo aos propósitos do texto, o autor
a alternativa correta com relação a alguns excertos emprega o modo imperativo em “comece” e “pro-
do texto. cure”, para dialogar diretamente com o leitor.
a) Se o segmento “na arena vazia” (linha 5) for c) assim como em EXPERINCIAS, está correta a
deslocado para o final do período, a vírgula não grafia de EXTENDER; em DIVERSIDADE, está cor-
poderá ser dispensada, em razão de aspectos reta a grafia de CUMPLISIDADE.
gramaticais. d) no título, o ponto de interrogação  obrigatório
b) O travessão antes de “isso quando não há atraso em “Como criar gosto pelos livros?”, e sua ausên-
no pagamento” (linha 9) poderia ser substituído cia fere os preceitos da norma culta da língua.
por ponto-final, sem prejuízo gramatical e do sen- e) o acento gráfico da palavra ‘páginas’  justificado
tido básico do enunciado. pela mesma regra que recomenda o acento gráfi-
c) As vírgulas que isolam o segmento “em referência co na palavra ‘fácil’.
 antiga linha de trem” (linha 14) são opcionais.
d) No segmento “A CBF fazia uma pesquisa pare- 22. UFPR 2012 Observe a pontuação do trecho a seguir:
cida, mas deixou de publicar...” (linhas 23 e 24), a
substituição do “mas” por “a qual” dispensaria a ne- Faz alguma diferença lavar a cabeça duas ve-
cessidade da vírgula. zes como indicam as embalagens de xampu?
e) Se o segmento “Sem citar nomes” (linha 28) fosse
Não fique de cabelo em pé, mas você já deve ter gasto
deslocado para depois de “apenas um jogador”, o litros de produto à toa. Na prática, o que importa é o tempo
uso de vírgula poderia ser dispensado. de permanência do xampu nos fios, e não a quantidade de
aplicações. A ação dos princípios ativos deve durar 3 minu-
21. UPE 2021 5 tos – o que também não depende da espuma, que apenas
dá a sensação de limpeza. Quando começou essa orien-
tação (na década de 50), até havia uma razão para repetir,
já que não se lavava a cabeça com frequência. Só que os
novos xampus são mais eficientes e ninguém passa mais de
10 uma semana sem usá-los (quer dizer, espero que você não
passe). [...]
Galileu, jul. 2011, p. 21

Sobre a pontuação do trecho anterior, considere as


seguintes armativas:
. Se substituíssemos o travessão (linha 5) por
parênteses – fechados depois da palavra “lim-
peza” – não haveria prejuízo de sentido nem de
adequação  norma.
. Os parênteses da linha 7 inserem uma explicação
ou especificação do que foi dito.
. Os parênteses das linhas 10 e 11 são usados
com intenção de fazer uma síntese do que foi dito
anteriormente.
Assinale a alternativa correta.
a) Somente a afirmativa 1  verdadeira.
b) Somente a afirmativa 2  verdadeira.
c) Somente a afirmativa 3  verdadeira.
d) Somente as afirmativas 1 e 2 são verdadeiras.
e) As afirmativas 1, 2 e 3 são verdadeiras.

Disponível em: https://redeglobo.globo.com/sp/eptv/eptv-na-escola-ribeirao/


23. UnB-DF 2012
noticia/a-leitura-como-aliada-da-boa-redacao.ghtml. Trecho 1: Nhenhem? Eu cacei onça, demais. [...] Eu
não mato mais onça, mato não. Onça meu parente.
Trecho 2: Eu sou onça... Eu-onça! [...] Mecê acha que
Prevalece, na parte verbal do texto, o emprego da eu pareço onça? Mas tem horas em que eu pareço mais.
norma culta da língua. Nesse contexto,  CORRETO Trecho 3: Hum, nhem? Cê fala que eu matei? Eu sou
armar que onça. Jaguaretê tio meu, irmão de minha mãe, tutira...
a) no trecho: “Canais de internet com resenhas e crí- Meus parentes! Meus parentes!
FRENTE 1

ticas estimulam novos títulos”, a forma verbal está Trecho 4: De repente, eh, eu oncei... lá. [...] Levei
no plural em concordância com os termos ‘rese- pra o Papa – Gente. Papa gente, onça chefe, onço comeu
nhas’ e ‘críticas’. jababora Gugué.

93
Trecho 5: Mecê tá ouvindo, nhem? Tá aperceiando... 25. Uece 2018
Eu sou onça, não falei? Axi. Não falei – eu viro onça? Onça
grande, tubixaba.
Exigências da vida moderna
Trecho 6: Mecê brinca não, vira esse revólver pra lá. Luís Fernando Veríssimo

[...] Ói: cê quer me matar, ui? Dizem que todos os dias você deve comer uma maçã
João Guimarães Rosa. Meu tio, o Iauaretê. In: Ficção completa. V. II. Rio de por causa do ferro. E uma banana pelo potássio. E também
Janeiro: Nova Aguilar, 1994, p. 825-52. uma laranja pela vitamina C.
Uma xícara de chá verde sem açúcar para prevenir
Com base nos trechos apresentados acima, julgue o
5 a diabetes.
item seguinte:
Todos os dias deve-se tomar ao menos dois litros de
No trecho “Não falei — eu viro onça?”, o travessão po-
água. E uriná-los, o que consome o dobro do tempo.
deria ser substituído, sem prejuízo para o sentido e
Todos os dias deve-se tomar um Yakult pelos lactobaci-
para a correção gramatical do texto, por dois-pontos.
los (que ninguém sabe bem o que é, mas que aos bilhões,
10 ajudam a digestão).
24. UPE 2021 Cada dia uma Aspirina, previne infarto.
Uma taça de vinho tinto também. Uma de vinho bran-
13 de maio
co estabiliza o sistema nervoso.
Foi quando eu era seminarista no interior de São Paulo. Um copo de cerveja, para... não lembro bem para o
Era 13 de maio de 1966 e os meus colegas de seminário, 15 que, mas faz bem.
quase todos descendentes de italianos ou alemães, resol- O benefício adicional é que se você tomar tudo isso
veram homenagear o dia da abolição dos escravos com um ao mesmo tempo e tiver um derrame, nem vai perceber.
almoço. Nós, os poucos negros ou pardos da turma, fomos Todos os dias deve-se comer fibra. Muita, muitíssima
“convidados” a sentar na mesa central do refeitório, deco- fibra. Fibra suficiente para fazer um pulôver.
rada com as palavras ‘Navio Negreiro’. Quando vi aquilo 20 Você deve fazer entre quatro e seis refeições leves
me recusei e me sentei numa mesa lateral, com todos os diariamente.
outros colegas. Pois os organizadores daquilo me pegaram E nunca se esqueça de mastigar pelo menos cem ve-
à força, me arrastaram e me fizeram sentar na marra junto zes cada garfada. Só para comer, serão cerca de cinco
aos outros negros, no que considerei uma ofensa gravíssima. horas do dia... E não esqueça de escovar os dentes depois
Arrumei as malas para ir embora, mas fui convencido a ficar 25 de comer.
pelo padre do local. Ele me recomendou que deixasse o Ou seja, você tem que escovar os dentes depois da
ódio passar e que tomasse aquele episódio como bandeira maçã, da banana, da laranja, das seis refeições e enquanto
de luta para um mundo melhor. E, de fato, aquele episódio
tiver dentes, passar fio dental, massagear a gengiva, esco-
alterou radicalmente a direção da minha vida. Foi a partir de
var a língua e bochechar com Plax.
então que tirei a foto do meu pai, que era negro, do fundo
30 Melhor, inclusive, ampliar o banheiro e aproveitar para
da minha mala, e coloquei-a ao lado da fotografia da minha
colocar um equipamento de som, porque entre a água, a
mãe, branca, com os meus objetos pessoais.
fibra e os dentes, você vai passar ali várias horas por dia.
Frei David Raimundo dos Santos, 63 anos, frade, fundador da ONG Educafro.
Disponível em:www.educafro.org.br. Acesso em: 15 set. 2020. Adaptado. Há que se dormir oito horas por noite e trabalhar ou-
tras oito por dia, mais as cinco comendo são vinte e uma.
Quanto aos recursos lexicais, gramaticais e grácos 35 Sobram três, desde que você não pegue trânsito.
empregados no texto e seus efeitos nos sentidos, As estatísticas comprovam que assistimos três horas
analise as armativas a seguir. de TV por dia. Menos você, porque todos os dias você vai
. As aspas em “convidados” revelam que o nar- caminhar ao menos meia hora (por experiência própria,
rador ficou surpreso ao ser convidado para o após quinze minutos dê meia volta e comece a voltar, ou
evento do dia 13 de Maio. 40 a meia hora vira uma).
. A designação ‘Navio Negreiro’ para a mesa de re- E você deve cuidar das amizades, porque são como uma
feição foi ofensiva ao narrador, porque simboliza planta: devem ser regadas diariamente, o que me faz pensar
a opressão e a violência que vitimam os negros, em quem vai cuidar delas quando eu estiver viajando.
há sculos. Deve-se estar bem informado também, lendo dois ou
3. Em: “Quando vi ”, o pronome (destacado) se 45 três jornais por dia para comparar as informações.
refere ao trecho “mesa central do refeitório, deco- Ah! E o sexo! Todos os dias, tomando o cuidado de
rada com as palavras ‘Navio Negreiro’”; o uso de não se cair na rotina. Há que ser criativo, inovador para
‘aquilo’, nesse caso, reforça que o narrador despre- renovar a sedução.
za a ação de seus colegas e discorda dela. Isso leva tempo – e nem estou falando de sexo tântrico.
. O termo “bandeira de luta” sinaliza a ideia de “ir 50 Também precisa sobrar tempo para varrer, passar, lavar
 forra”, “passar por cima”, isto , destruir a supre- roupa, pratos e espero que você não tenha um bichinho
macia branca. de estimação.
Na minha conta são 29 horas por dia. A única solu-
Estão CORRETAS: ção que me ocorre é fazer várias dessas coisas ao mesmo
a) 1 e 2, apenas. d) 2 e 3, apenas. 55 tempo!
b) 1, 2 e 3, apenas. e) 3 e 4, apenas. Por exemplo, tomar banho frio com a boca aberta,
c) 1, 3 e 4, apenas. assim você toma água e escova os dentes.

94 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Pontuação: emprego e efeitos de sentido


Chame os amigos junto com os seus pais. Beba o do cérebro causado pela doença. A descoberta foi um
vinho, coma a maçã e a banana junto com a sua mulher... dos destaques na revista Journal of Neuroscience, uma
60 na sua cama. das principais publicações científicas. De acordo com re-
Ainda bem que somos crescidinhos, senão ainda teria portagem do jornal O Globo, o alvo do estudo foram os
um Danoninho e se sobrarem 5 minutos, uma colherada astrócitos, tipo de célula cerebral considerada secundária
de leite de magnésio. até há alguns anos. Sem eles, as mensagens químicas que
Agora tenho que ir. fazem o cérebro comandar o organismo não são enviadas.
65 É o meio do dia, e depois da cerveja, do vinho e da As mensagens químicas são destruídas por uma
maçã, tenho que ir ao banheiro. E já que vou, levo um substância inflamatória chamada oligômero ab e os pes-
jornal... Tchau! Viva a vida com bom humor!!! quisadores descobriram que eles atacam os astrócitos. O
VERÍSSIMO, Luís Fernando. Exigências da vida moderna. Disponível em: resultado é que as células deixam de produzir uma subs-
http://www.refletirpararefletir.com.br/4-cronicas-de-luis-fernando-verissimo. tância essencial para a comunicação chamada TGF-b1,
Acesso em: 22.06.2018.
uma molécula que pode ser sintetizada e, quando dada
Segundo a gramática normativa, as reticências mar- aos camundongos, fez com que a memória deles voltasse.
cam, no texto escrito, uma pausa ou suspensão no “O que descobrimos não significa a cura, mas uma estra-
enunciado. No trecho “Um copo de cerveja, para... tégia para conter o avanço da doença. Também pode ser
não lembro bem para o que, mas faz bem” (l. -5), o um indicador do Alzheimer, quando as perdas de função
propósito do uso das reticências  cognitiva ainda não são evidentes”, disse ao GLOBO a
coordenadora do estudo, Flavia Alcântara Gomes, do Ins-
I. indicar omissão de uma ideia que não se quer
tituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do
revelar;
Rio de Janeiro (ICB/UFRJ).
II. realçar as hesitações do enunciador;
Disponível em: https://br.noticias.yahoo.com/cientistas-brasileiros-descobrem-
III. deixar o sentido do enunciado em aberto, permi- maneira-de-deter-o-mal-de-alzheimer-185422617.html.
tindo, assim, uma interpretação pessoal do leitor; Acesso em: 23 jun. 2017.

IV. mostrar a incapacidade do autor em concluir a Sobre os recursos linguístico-semânticos utilizados no


ideia a ser expressa. texto, considere as armativas a seguir.
Estão corretas as complementações contidas em I. As aspas revelam o depoimento da pesquisadora
a) I, II , III e IV e indicam o discurso direto.
b) III e IV apenas. II. As informações entre parênteses são indispensá-
c) I, II e IV apenas. veis, pois acrescentam dados imprescindíveis.
d) I, II e III apenas. III. A palavra “quando”, destacada no texto, apresen-
ta um sentido condicional.
26. UEM-PR IV. O termo “eles”, destacado no texto, concorda
a) A pontuação e a referência de mundo são essen- com a ideia de plural do seu referente.
ciais para desfazer ambiguidades. Na frase abaixo, Assinale a alternativa correta.
se você não tivesse essas referências, quem você a) Somente as afirmativas I e II são corretas.
entende que seria apoiado por Paloma Duarte? b) Somente as afirmativas I e IV são corretas.
Por ideologia, Paloma Duarte apoiou Lula e Regina, c) Somente as afirmativas III e IV são corretas.
Serra, em 2002. d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
O Estado de S. Paulo, 17/09/06. TV & Lazer, p. 5. e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.
b) Mantendo a ordem e os termos da frase acima,
empregue vírgula(s) para que a informação seja a 28. Udesc 2018
seguinte: o apoio de Paloma Duarte a Lula. Mas então eu tive um mau pressentimento... Parei de
tocar... A pessoa pediu:
c) Nos períodos abaixo, substitua cada uma das ex-
CONTINUE! CONTINUE!
pressões sublinhadas por um verbo equivalente.
(toca e para)
Faça as transformações necessárias para ade-
5 Gritava: MAIS! MAIS! MAIS! SEMPRE MAIS!
quar o texto  norma padrão. (toca e para)
Empresa Financeira procura profissionais para compor E depois...
seu quadro comercial. O profissional precisa ter conheci- (para a plateia)
mento das áreas financeira e bancária. Damos preferência Que aconteceu depois?
a ex-gerentes de Factoring e de Bancos especializados. 10 (espantada)
Texto adaptado de O Estado de S. Paulo, 17/09/06. Empregos Ce, p. 3. As lembranças chegam a mim aos pedaços... Ainda
agora, eu era menina...
27. UEL-PR 2018 (muda-se em menina. Corre, pelo palco, trocando as
Cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro pernas)
(UFRJ) descobriram uma forma de diagnosticar e tratar o 15 Onde está a Margarida, olé, oli, olá?
FRENTE 1

Mal de Alzheimer, doença degenerativa que mais afeta (põe-se de joelhos para espiar as águas de imaginário rio)
pessoas no mundo, especialmente na velhice. Em animais, Vejo restos de memória, boiando num rio,
o método interrompeu o processo de perda de funções (aponta o chão)

95
Num rio que talvez não exista... Ao formular sua crítica, o personagem demonstra cer-
20 (ri, feliz) to distanciamento em relação  arte moderna. Uma
Passam na corrente gestos e fatos... marca linguística que expressa esse distanciamento 
(apanha na água invisível, com as pontas dos dedos, o uso de:
algo que teoricamente goteja) a) terceira pessoa
Eis um fato antigo. b) frase declarativa
25 (aponta para o ar) c) reticências ao final
Vejo também pedaços de mim mesma por toda parte... d) descrição do objeto
(numa revolta)
Meus Deus, como era mesmo o meu rosto, meus ca-
0. Corrija a pontuação do texto a seguir.
belos, cada uma de minhas feições?
30 (para uma espectadora) A corrupção é uma doença da alma, como todas as
Minha senhora, esqueci meu rosto em algum lugar. doenças ela não acomete a todos. Muitas pessoas, são
Adapt. RODRIGUES, Nelson. A valsa no 6. 2. ed.
suscetíveis a ela; outras não. A corrupção é uma doença,
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012. pp. 30 e 31. que deve ser combatida por meio de uma vacina, a educa-
ção. Uma educação de qualidade para todos os brasileiros
Analise as proposições em relação  obra Valsa no 6, deverá exercitar o pensamento, e a crítica argumentada e
Nelson Rodrigues, e ao texto. principalmente, introduzir e consolidar virtudes como a
I. Na estrutura “Mas então eu tive um mau pressenti- solidariedade e a ética, devemos preparar uma nova ge-
mento... Parei de tocar...”, (l. 1 e 2) o emprego do sinal ração na qual a corrupção seja um fenômeno do passado,
de reticência sugere medo, apreensão, suspense. nesse futuro não tão remoto, teremos conquistado a utopia
II. Da leitura da obra, infere-se que o elemento inte- de uma verdadeira justiça social?
grador entre os dois atos da peça  a Valsa no 6, Isaac Roitman. Corrupção e democracia. Internet:
https://noticias.unb.br (com adaptações).
cuja execução varia conforme o estado emocio-
nal da personagem Sônia.
1 Enem
III. Da leitura de “Vejo tambm pedaços de mim
mesma por toda parte”, (l. 2) infere-se que a per-
sonagem Sônia, por meio da memória, busca a
reconstituição dos fatos e da sua identidade.
IV. As expressões destacadas em “Meu Deus, como
era mesmo o meu rosto” e “Minha senhora, es-
queci meu rosto” (l. 28 e 31) têm a função sintática
de vocativo nas duas estruturas.
V. No período “Vejo restos de memória, boiando
num rio” (l. 17), a palavra destacada representa,
para Sônia, momentos de lucidez da sua infância.
Assinale a alternativa correta.
a) Somente as afirmativas I, II, IV e V são verdadeiras.
b) Somente as afirmativas I, II, III e IV são verdadeiras.
c) Somente as afirmativas II, III e V são verdadeiras.
d) Somente as afirmativas I, II e III são verdadeiras.
e) Somente as afirmativas III, IV e V são verdadeiras.

29. Uerj 201 Veja, 7 maio 1997.

Na parte superior do anúncio, há um comentário


escrito  mão que aborda a questão das atividades
linguísticas esua relação com as modalidades oral e
escrita da língua. Esse comentário deixa evidente uma
posição crítica quanto a usos que se fazem da lingua-
gem, enfatizando sernecessário
a) implementar a fala, tendo em vista maior de-
senvoltura, naturalidade e segurança no uso da
língua. A expressão“tipo assim” foi colocada en-
tre vírgulas erradamente.
b) conhecer gêneros mais formais da modalidade
oral para a obtenção de clareza na comunica-
ção oral e escrita. A expressão “tipo assim” foi
colocada entre vírgulas erradamente.

96 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Pontuação: emprego e efeitos de sentido


c) dominar as diferentes variedades do registro oral Entretanto, Garcia inclinou-se ainda para beijar outra
da língua portuguesa para escrever com ade- vez o cadáver, mas então não pôde mais. O beijo rebentou
quação,eficiência e correção. A expressão“tipo em soluços, e os olhos não puderam conter as lágrimas,
assim” foi colocada entre vírgulas corretamente. que vieram em borbotões, lágrimas de amor calado, e
d) empregar vocabulário adequado e usar regras irremediável desespero. Fortunato, à porta, onde ficara,
da norma padrão da língua em se tratando da saboreou tranquilo essa explosão de dor moral que foi
modalidade escrita. A expressão “tipo assim” foi longa, muito longa, deliciosamente longa.
colocada entre vírgulas corretamente. ASSIS, M. A causa secreta. Disponível em: www. dominiopublico.gov.br.
e) utilizar recursos mais expressivos e menos des- Acesso em: 9 out. 2015.

gastados da variedade padrão da língua para No fragmento, o narrador adota um ponto de vista
seexpressar com alguma segurança e sucesso.A
que acompanha a perspectiva de Fortunato. O que
expressão“tipo assim” foi colocada entre vírgulas
singulariza esse procedimento narrativo  o regis-
corretamente.
tro do(a)
a) indignação face  suspeita do adultrio da esposa.
2. Enem 2017
b) tristeza compartilhada pela perda da mulher amada.
Garcia tinha-se chegado ao cadáver, levantara o lenço
e contemplara por alguns instantes as feições defuntas. c) espanto diante da demonstração de afeto de Garcia.
Depois, como se a morte espiritualizasse tudo, inclinou- d) prazer da personagem em relação ao sofrimento
-se e beijou-a na testa. Foi nesse momento que Fortunato alheio.
chegou à porta. Estacou assombrado; não podia ser o beijo e) superação do ciúme pela comoção decorrente
da amizade, podia ser o epílogo de um livro adúltero [...]. da morte.

Texto complementar

Ponto
O Ponto sempre carregou um grande peso na consciência. Porque dava fim às coisas. Porque encerrava sentenças e histórias e romances.
Porque só tinha essa função. Porque era pequeno.
Imediatamente ao seu lado esquerdo, tinha sempre uma letra minúscula. E à direita fica sempre um espaço em branco. Depois dele havia
uma letra maiúscula que iniciava a frase seguinte. As letras mudavam. Mas era sempre essa mesma configuração. O Ponto se achava pequeno
entre as letras compridas. Pequeno e com grande responsabilidade. Era apenas uma bolinha grudada na linha no meio das letras.
Pensava como seria ótimo se fosse Reticências. Três pontos unidos. Três pontinhos que indicavam a postura do escrevente em relação
ao escrito. Se ao menos tivesse mais dois ao seu lado. Acreditava que assim seria mais feliz. Assim ele saberia que não representava o fim.
Tentou. Fez força para se repetir. . . Reparou que um espaço se criava automaticamente depois de si. Os pontos das Reticências eram diferentes.
O espaço entre elas era menor. Não podia se fantasiar de Reticências. A máscara era muito evidente.
Tampouco tinha a importância de um belo Ponto de Interrogação. Imaginava como seria bom perguntar para tirar dúvidas sobre assun-
tos de seu interesse. Não podia. Ele era um simples Ponto-Final e depois do final não há respostas. Ninguém respondia para um Ponto-Final.
Os leitores tinham de se contentar com o fim. E ponto.
Imaginou como seria se fosse um Ponto de Exclamação que demonstrava animação e exaltação de ânimos. As pessoas utilizam esse sinal
quando estão felizes. Ou quando são movidas pela raiva. Enfim. Quando há sentimentos fortes envolvidos. O Ponto se sentia superneutro. Quase
seco. Sem emoção.
Talvez sentisse uma pontinha de inveja por esses três sinais poderem ocupar seu lugar tradicional e mudar completamente o sentido da
frase que ele estava predestinado a encerrar. Reticências grudava seus dois outros pontos ao lado do Ponto-Final e a afirmação se transformava
num suspiro. Interrogação acoplava seu pescoço de girafa ao Ponto-Final e a certeza virava uma dúvida. Exclamação se equilibrava em cima do
Ponto e tudo virava um escândalo.
Triste vida redonda. Sem graça. Finalizador de sentenças. Grande coisa. Já o Travessão não pensava assim. Pelo contrário. Tinha dúvidas
a respeito de seu uso. Às vezes era convocado para iniciar diálogos. Outras vezes as aspas assumiam essa função. Às vezes aparecia em dois
lugares no interior de uma mesma sentença. Como se fosse parênteses ou duas vírgulas. Às vezes aparecia mais pro final da sentença emendando
um comentário. O Travessão tinha diferentes funções e pressentia que confundia um pouco os autores. Marcava diálogos. Ou não. Delimitava
unidades que podiam ser removidas da sentença. Ou não. Separava . Ou não. Entendia por que era evitado. Um mesmo sinal fazendo
tanta coisa só podia dar mesmo em crise de identidade.
O Travessão atravessou uma sentença e convenceu o Ponto de que ele tinha muita sorte de ter
uma função clara e específica. Não devia se preocupar quanto ao seu tamanho. A maiúscula ao seu lado
direito chamava atenção para a sua presença. Simples. O Ponto entendeu. Era simples. O Travessão pediu
licença e foi procurar seu lugar. O Ponto ficou satisfeito com a ajuda que o companheiro lhe deu. O Ponto
FRENTE 1

sabia bem qual era o seu lugar. As coisas precisam de um fim. Ponto-final e acabou.
KLEPPA, Lou-Ann. Onze sinais em jogo. Campinas, SP: Unicamp, 09. p. -5.

97
Resumindo

A pontuação em textos
y A pontuação  um recurso gráfico próprio do texto escrito que auxilia o leitor a compreender aspectos do contexto de
comunicação: pausa, hesitação, ironia, tomada de turno (em um diálogo) etc.
y Sintaticamente, a pontuação ajuda a organizar as ideias em núcleos informacionais, facilitando a compreensão textual.
y Os sinais de pontuação permitem:
a) recuperar a intenção comunicativa do enunciador;
b) definir a entonação mais adequada no momento da leitura;
c) separar elementos intercalados em uma frase.

Usos da vírgula I
y A vírgula pode ser utilizada, no interior das orações, para:
a) separar elementos de mesma função sintática, enumerados em uma sentença;
b) isolar termos repetidos;
c) demarcar um termo em frases com ordem indireta;
d) isolar um adjunto adverbial anteposto ou intercalado;
e) isolar o vocativo;
f) isolar o aposto;
g) separar local em datas; separar números em endereços;
h) separar termos ligados por conjunções coordenadas repetidas.

Usos da vírgula II
y Entre orações, a vírgula tambm tem outras finalidades:
a) separar orações coordenadas assindticas (não ligadas por conjunções);
b) separar orações coordenadas sindticas que estabelecem relação de oposição, alternância, explicação ou conclusão;
c) separar termos explicativos entre orações;
d) separar orações coordenadas sindticas unidas pela conjunção “e”;
e) separar orações subordinadas adverbiais quando vêm antes da oração principal ou quando estão intercaladas;
f) separar orações subordinadas adjetivas explicativas;
g) marcar supressão de uma ou mais palavras.

Outros sinais de pontuação I


Ponto-final
y Usado ao final de frases declarativas, evidenciando a afirmação ou negação de uma ideia.
y Marca o fechamento de uma ideia, mostrando a completude de uma informação.
Ponto de exclamação
y Usado ao final de frases exclamativas.
y Marca o estado emocional de um interlocutor: tristeza, alegria, dó, surpresa etc.
y O uso da exclamação guia o leitor/escritor, destacando a entonação adequada  expressão de sentimentos.
y Pode evidenciar uma surpresa (não explícita) quando utilizado de forma isolada em tirinhas e histórias em quadrinhos.
Ponto de interrogação
y Usado ao final de frases interrogativas.
y Marca uma pergunta direta (espera-se obrigatoriamente uma resposta).
y Marca uma pergunta retórica (não se espera, de fato, uma resposta).
y Pode evidenciar uma dúvida (não explícita) quando utilizado de forma isolada em tirinhas e histórias em quadrinhos.
Dois-pontos
y Introduz, em textos literários, a fala de personagens.
y Introduz palavras, expressões ou orações que evidenciam uma explicação ou enumeração.
Travessão
y Marca, em textos literários, o diálogo entre personagens.
y Separa, em textos literários, a fala da personagem da fala do narrador.
y Destaca um esclarecimento no interior (travessão duplo) ou no final (travessão simples) de uma frase.

98 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Pontuação: emprego e efeitos de sentido


Aspas
y As aspas podem ter diferentes funções em um texto:
a) demarcar diálogo ou fala;
b) destacar um termo ou expressão;
c) indicar citação;
d) indicar ironia;
e) sinalizar título de obra;
f) demarcar gíria, neologismos, palavras estrangeiras ou fuga ao padrão da língua.

Outros sinais de pontuação II


Ponto e vírgula
y Representa no texto um fechamento parcial de uma ideia.
y Relaciona orações de mesma natureza, que tratam de um assunto em comum.
y Relaciona orações coordenadas adversativas, desde que a conjunção adversativa venha deslocada.
y Separa uma oração de outra, quando, nesta segunda, foi usada uma vírgula (que, em geral, marca a omissão de um termo).
y Separa itens enumerados em um texto.
Reticências
y As reticências podem ser utilizadas para indicar:
a) a continuidade de uma ideia;
b) o destaque de uma ideia;
c) a hesitação comum na fala;
d) a supressão de partes de um texto;
e) a necessidade de completar uma informação;
f) a interrupção de pensamento;
g) a continuidade da frase (de um quadro a outro em tirinhas, por exemplo).

Parênteses
y Os parênteses podem ser utilizados para:
a) acrescentar uma informação no texto, referente a algo mencionado anteriormente;
b) evidenciar uma explicação sobre um termo antecedente;
c) separar o advrbio latino sic do restante da sentença;
d) marcar um apagamento textual (supressão de informação), quando combinado com os três pontos.

Colchetes
y Os colchetes podem evidenciar alterações no texto original. Eles podem ser usados para:
a) destacar um esclarecimento referente a uma palavra ou trecho citado;
b) mostrar que uma informação foi inserida pelo autor do texto que está sendo lido e não pelo autor do trecho transcrito;
c) introduzir no texto uma informação nova e demarcar a autoria;
d) marcar um apagamento textual (supressão de informação), quando combinado com os três pontos;
e) separar o advrbio latino sic do restante da sentença.

Pontuação expressiva
y Os sinais de pontuação podem ser utilizados em textos para criar suspense, indicar tensão, dúvidas, emoções etc.
y Em alguns enunciados, o uso ou não da vírgula pode levar  alteração de sentido.
y É preciso estar atento a problemas de compreensão relacionados a questões sintáticas: vocativo  separado da sentença
por vírgula; o sujeito, não. Alguns textos podem “brincar” com isso para gerar efeitos de humor.
y Sinais de pontuação triplicados (como três interrogações ou três exclamações) podem evidenciar mais que uma simples
pergunta ou expressão de um sentimento: são sinais de algo mais enfático (revolta, indignação, surpresa etc.). É importante,
no momento da leitura, realizar a entonação mais adequada para remeter  significação pretendida.
y Os sinais de pontuação que evidenciam a interação entre os sujeitos (marcam diálogos) são: ponto de interrogação, ponto
de exclamação, reticências e dois-pontos (antes de fala).
y Os sinais de pontuação que evidenciam a presença da ideia de outros (marcam o discurso alheio) são: aspas (de diálogo),
aspas (de ironia) e travessão (de fala).
FRENTE 1

y Os sinais de pontuação que evidenciam a presença de discursos intercalados (organizam o texto) são: parênteses, colchetes,
travessão (duplo), vírgulas (separando explicações) e dois-pontos (destacando ideias).

99
Quer saber mais?

Música Livros
Pontuação. Kenny Vasconcelos e Luana Leite. KLEPPA, Lou-Ann. Onze sinais em jogo. Campinas, SP:
Brincando com o nome de alguns sinais de pontuação, Unicamp, 209.
a canção ilustra o relacionamento de um casal que não Onze contos, cada um com foco em um sinal de pon-
deseja colocar um “ponto-final” em seu amor, mas admite tuação: esse  o mote central para a construção das
algumas “vírgulas”. narrativas apresentadas nessa obra. Com essa histórias,
Disponível em: https://youtu.be/1BhH4tw1Jnw  possível compreender esses sinais de forma intuitiva,
nada artificial.
Vídeo
A história da exclamação em menos de três minutos! MORGENSTERN, Christian. No reino da pontuação. Tetê
Nexo Jornal, 206. Knecht (Trad.). São Paulo: Berlendis, 209.
O vídeo explica de forma sucinta a origem do sinal de Esse livro de poemas apresenta os conflitos entre os si-
exclamação e mostra os usos desse sinal em diferentes nais presentes nos versos, evidenciando que eles podem
contextos da vida cotidiana. concordar, discordar e, s vezes, at fazer o que querem.
D i s p o n í v e l e m : w w w.y o u t u b e .c o m / w a t c h? v =
DJEmOGCNEM&t=1s

Exercícios complementares

1. Uece 2020
Baseado no best-seller homônimo de R.J. Palacio, Extraordinário intima às lágrimas. Dito assim, pode parecer que o filme
dirigido por Stephen Chbosky é um drama apelativo. Não deixa de ser [...], pois estamos falando da história de um menino
que sofre da Síndrome de Treacher Collins, responsável por causar deformação facial. É naturalmente tocante a sua jornada
inicial, e aparentemente simples, de sair de casa para o primeiro dia de aula, quando instado a tirar o capacete de astronauta
5 que o esconde. Auggie (Jacob Tremblay) desenvolveu uma série de técnicas para não se embaraçar com o espanto alheio,
sendo a mais eficiente delas olhar para baixo e ler as pessoas a partir dos seus calçados.
Mesmo dentro de uma estrutura bastante estanque, os relacionamentos são encarados com candura em Extraordinário,
a começar pela estrutura familiar. Auggie é educado e amparado sempre de perto pela mãe, Isabel (Julia Roberts), encontra
momentos de leveza ao lado do paizão, Nate (Owen Wilson), e tem o total apoio da irmã mais velha, Via (Izabela Vidovic).
10 Esse acolhimento doméstico serve para contrabalancear os episódios difíceis na escola, a despeito de todo o cuidado que a
direção e a docência têm com sua integração.
Stephen Chbosky costura as diversas facetas narrativas com habilidade. Saindo ligeiramente do habitual, Extraordinário
tenta expandir a mirada aos personagens periféricos, às testemunhas da trajetória de Auggie. Isso ocorre de maneira explícita,
com a divisão do filme, literalmente, em capítulos, estes nominados de acordo com o coadjuvante ocasionalmente promovido
15 ao centro, com direito a narração em off. [...] O intuito por trás desse fracionamento é mostrar um pouco das dificuldades
de cada um. Ainda que rapidamente o foco sempre volte ao menino com problemas de adaptação social, esses respiros são
bem-vindos para alargar a nossa compreensão acerca de um painel mais amplo. O percurso construído é singelo e terno.
Extraordinário não se propõe a fazer uma investigação profunda das questões concernentes à história de Auggie. Todavia,
Stephen Chbosky garante, ao menos, a prevalência dos olhares afetuosos. A dinâmica entre as pessoas em cena, com quem
20 estabelecemos rapidamente empatia, funciona adequadamente dentro da proposta adotada. Em tempos intolerantes como
o nosso, é auspicioso assistir a uma realização que, não obstante a restrição por conta do molde pré-definido, neste caso o
livro, consegue mirar em um público amplo, sem esquecer-se de propagar ideias de tolerância, afrontando, por exemplo, a
conduta reprovável dos bullys.
MÜLLER, M. Crítica. Disponível em: https://www.papodecinema.com.br/filmes/extraordinario/. Acesso em: 24 de outubro de 2019.

O aposto  um termo utilizado no texto para explicar algo que aparece anteriormente e vem separado por vírgulas.
Com base nessa informação, assinale a opção em que a expressão destacada NÃO  um aposto.
a) “[...] a divisão do filme literalmente em capítulos, estes nominados de acordo com o coadjuvante ocasionalmente
promovido ao centro [...]” (linhas 14 e 1).
b) “[...] estamos falando da história de um menino que sofre da Síndrome de Treacher Collins, responsável por cau-
sar deformação facial” (linhas 2 e 3).
c) “A dinâmica entre as pessoas em cena, com quem estabelecemos rapidamente empatia, funciona adequadamen-
te dentro da proposta adotada” (linhas 1 e 2).
d) “Auggie  educado e amparado sempre de perto pela mãe, Isabel (Julia Roberts), encontra momentos de leveza
ao lado do paizão [...]” (linhas 8 e )

100 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Pontuação: emprego e efeitos de sentido


2. UnB-DF 2013
O teatro já nasceu musicado. O canto e a dança tiveram presença marcante nas manifestações artísticas da Antiguidade.
Havia música não só nas tragédias, mas também nos dramas, nas sátiras e nas comédias.
Na história mais recente, a relação do teatro com a música atingiu o seu mais alto grau a partir do surgimento da ópera,
na Itália do século XVI. Porém os cantos e as melodias acompanharam o teatro popular, durante todo o seu percurso, por
5 toda a Europa, até que apontasse, triunfante, em terras do além-mar.
Mais do que em qualquer outro lugar do mundo, o teatro musical floresceu no Brasil de uma forma ímpar. A opereta
e o teatro de revista se instalaram no Brasil na segunda metade do século passado e, de lá pra cá, o casamento do teatro
com a música sempre deu certo. Antes da era do rádio, iniciada em 1922, o teatro de revista foi o grande responsável pela
divulgação dos êxitos da música popular brasileira. E, durante muito tempo, a ideia do teatro musicado brasileiro esteve
10 associada a balangandãs, plumas e lantejoulas e, mais particularmente, à imagem do teatro de revista. Esquecemo-nos de
que esse teatro teve um significado histórico e político, e o reduzimos a fantasias brilhantes e coloridas.
A partir dos anos 1960, registrou-se uma crise do teatro de revista, o qual parecia remeter a um passado politicamente
ingênuo e distante das plateias ávidas em debater e combater as injustiças sociais.
Ainda assim, o gênero teatro musical não abandonou nossos palcos. Apenas mudou de cara. Espetáculos como Arena
15 Conta Zumbi, Arena Conta Tiradentes, Roda Viva e tantos outros, como o mais recente Gota D’água, passaram para a história
do musical brasileiro.
Neyde de Veneziano. Teatro da juventude. São Paulo: Ano 1, n.º 5, 1996 (com adaptações).

Considerando o texto acima e o que ele suscita, julgue o item a seguir.


No trecho “a partir do surgimento da ópera, na Itália do século XVI” (l. 3-4), o emprego da vírgula é obrigatório para se
informar que a ópera é oriunda da Itália.

3. IFPR 2020 Os itens de I a V a seguir, lidos sequencialmente, formam um texto único (retirado da Revista Ponto Jovem
http://revistapontojovem.com.br, acesso em 2/07/2019). Leia-o com atenção para responder à questão.
I. Uma pesquisa realizada pela Universidade Anhembi Morumbi com mais de 8 mil estudantes do 3º ano do ensi-
no médio revelou que 5% desses alunos já escolheram a carreira que querem seguir. Porém entre aqueles que
já estão decididos, menos dametade, revelou já ter algum contato com a profissão escolhida. [...]
II. Essa falta de focodo jovem na escolha gera outro problemagrave, a evasão. No Brasil cerca de 56% dos estu-
dantes que ingressaram em uma universidade acabaram desistindo no meio do caminhooutrocaram de curso
no decorrer da graduação.
III. Na região Nordeste, por exemplo, dos mais de 36 mil ingressantes, quase  mil universitários desistiram do
curso alcançando a porcentagem de 5,8%. Ou seja, mais da metade dos ingressantes abandonam a faculdade,
boa partedelaspor falta de identificação com o curso.
IV. Para evitar essasituação, o jovem tem algumas alternativas em busca de decidir bem o seu futuro. Testes vo-
cacionais contribuem para determinar seu curso com relação à sua personalidadetais quaissuas habilidades.
V. Mas existem cursos mais completos para não só construir uma identidade de auto responsabilidade no jovem de
 a anos,e simcontribuir para a formação de um líder no futuro.
Em relação à pontuação do texto, assinale a alternativa correta.
a) Está incorreto o uso da vírgula após a palavra “metade”, no trecho I.
b) O uso da vírgula após a palavra “grave”, no trecho II, está correto.
c) No trecho II, justifica-se a ausência da vírgula antes de “ou”.
d) A utilização de vírgula depois da palavra “situação”, no trecho IV, está incorreta.

4. IFPR 2020
Objetivos dos fios de sustentação
Os fios de sustentação podem ser colocados em diferentes níveis do rosto e do corpo para tratar a pele flácida. Elesper-
mitem reapertar a pele e, assim, rejuvenescer as características sem cirurgia.
Esseprocedimento tem resultados expressivos, podendo dar uma aparência mais jovem para a pessoa que o realiza.
Nem todas as pessoas podem realizar o tratamento, como por exemplo, aquelascom a pele fina, muito relaxada ou
enrugada. Isso acontece geralmente nas pessoas com a idade muito avançada, ondeo procedimento seria muito agressivo.
Disponível em: www.cirurgia.net/fios-desustentacao, acessado em 08/07/2019.

O uso da pontuação é importante, entre outras coisas, para manter o texto coeso e coerente. Entre as alternativas abai-
xo, assinale aquela na qual há um problema no uso da vírgula que compromete a correção do texto.
a) Eles permitem reapertar a pele e, assim, rejuvenescer as características sem cirurgia.
b) Nem todas as pessoas podem realizar o tratamento, como por exemplo, aquelas com a pele fina, muito relaxada
FRENTE 1

ou enrugada.
c) Esse procedimento tem resultados expressivos, podendo dar uma aparência mais jovem para a pessoa que o realiza.
d) Isso acontece geralmente nas pessoas com a idade muito avançada, onde o procedimento seria muito agressivo.

101
5. Unicentro-PR 2019 15 distrahia a mente nas partes mais culminantes do drama
reflectido na tela. Logo depois, surgiu um systema de usar
O homem e a máquina as côres unicamente em certas passagens para dar uma
Bombas de gasolina com as quais o cliente se serve melhor impressão de effeito esthetico, mantendo-se inva-
diretamente. Grandes armazéns onde o próprio consu- riavelmente o branco e o preto, para poder assim ficarem
midor pesa e embala os alimentos. Operações bancárias 20 registrados os verdadeiros e intensos momentos da dra-
podem ser efetuadas em nossa casa, no nosso computa- maticidade da scena.
5 dor, sem termos de nos deslocar até à agência. Tudo isso A psychologia comprova isto. Ainda que com nossos
faz já parte do nosso quotidiano. E amanhã? Veremos olhos apreciemos a natureza em suas proprias cores, o
escolas sem professores, escritórios sem empregados, mesmo não acontece com a nossa mente.
fábricas sem operários? E se a máquina tecnológica en- Disponível em: www.folha.ad.uol.com.br/click.ng
Acesso em: 27/09/2011.
louquecesse, matando todo o emprego à sua passagem?
10 Realidade ou ficção?
Desde que o mundo é mundo, ou melhor dizendo,
desde o advento da sociedade industrial, que as relações
entre o progresso técnico e o emprego não deixaram de
alimentar debates e polêmicas. Para alguns, a máquina
15 passaria a substituir o homem e seria a principal causa INSTRUÇÃO: Responder  questão com base nas ar-
de desemprego. A história não deu razão a esses pessi- mativas sobre a pontuação do texto.
mistas. Com efeito, o progresso científico gerou, desde . Não há diferenças significativas entre o uso dos
a revolução industrial, um notável aumento da produti- sinais de pontuação no texto de 128 e o que
vidade. Tornou as empresas mais competitivas, garantiu fazemos hoje.
20 o crescimento e possibilitou o desenvolvimento de uma . Os dois-pontos da linha 4 introduzem alternativas
vasta gama de novos produtos e de serviços, frequente- que completam a ideia iniciada por “O que” (linha 3).
mente a preços mais baixos. Outros tantos fatores que 3. Para os padrões atuais, ficaria correto colocar
estimulam o emprego. uma vírgula entre “e” e “sendo”, na linha 7
Mas também é verdade que a tecnologia, pelos ga- . A colocação de uma vírgula após “assim” (linha
25 nhos de produtividade e de economia de trabalho que 1) tornaria a frase mais clara e correta.
permite, leva à supressão de certas categorias de postos
de trabalho ou à ontração do emprego em determinados As armativas corretas são
setores. Para que a tecnologia desempenhe plenamente a) apenas 1 e 2.
o seu papel, é necessário que garanta um saldo franca- b) apenas 2 e 4.
30 mente positivo entre as perdas e os ganhos: essa é, em c) apenas 1, 2 e 3.
última análise, a grande aposta! d) apenas 1, 3 e 4.
Disponível em: www.google.com.br. Acesso em: 27 set. 2019. e) 1, 2, 3 e 4.
No texto, a expressão “ou melhor dizendo” (l. )
a) denota ratificação. 7. Univesp 2018
b) dispensa as vírgulas que a isolam. Tentativa e erro, experimentar o novo, entender que
c) prescinde da forma nominal que a compõe. algumas questões têm respostas complexas ou podem
mesmo não ter uma resposta, cultivar a noção de que o
d) pode ser deslocada na frase, sem comprometer a
fracasso é essencial para o progresso, aceitar que erros são
estrutura frasal.
o que nos faz eventualmente acertar, saber persistir quando
as dificuldades parecem não acabar nunca.
6. PUC-RS 2012 Esses são alguns dos componentes da pesquisa cien-
tífica, uma espécie de sabedoria acumulada através dos
Publicado na Folha da Manhã de 14/10/1928
tempos que, acredito, é também muito útil em vários
(mantida a grafia original)
aspectos da vida – de como enfrentar desafios individual-
Com a applicação do cinematographo falante, sur- mente até como reger empresas.
giu recentemente uma aguda polemica sobre qual dos Quem poderia adivinhar que a eletricidade e o mag-
meios de expressão é o melhor. O que mais chamará netismo são manifestações de um campo eletromagnético
a attenção do publico: as palavras ou as acções dos que se propaga através do espaço com a velocidade da
5 artistas? Alguns insistem em que os sons provocam mais luz? Quem poderia adivinhar que as espécies animais
a curiosidade dos assistentes. Outros acham que a ação evoluem devido a mutações genéticas aliadas ao proces-
é a verdadeira essencia do cinematographo e sendo a so de seleção natural? Esse conhecimento todo não veio
voz producto das machinas mechanicas, ella só serve do nada; exigiu muita coragem intelectual, disciplina de
para distrahir a attenção do publico. trabalho e tolerância ao erro.
10 [...] Se as coisas não funcionam, precisamos deixar o or-
Muitos não duvidaram em prognosticar que as pelli- gulho para trás e aceitar que falhamos. Todo cientista sabe
culas de côres se generalisariam, chegando a serem tão muito bem que a maioria das suas ideias não vai funcionar.
comuns como as que hoje existem. Entretanto, não de- Resolutos, vamos em frente; mas devemos também estar
morou em que fosse descoberto que a novidade da côr abertos a críticas.

102 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Pontuação: emprego e efeitos de sentido


Na ciência, e em qualquer outra área de trabalho, é Imagine a situação de um agricultor que observa,
bom ouvir as sábias palavras de Isaac Newton – mesmo se planando sobre os campos ressecados, nuvens contendo
o próprio, durante a vida, não tenha sido o que chamaria água mais que suficiente para salvar sua lavoura e deixar
de um modelo de humildade profissional: “Não sei o que um bom saldo, mas que, em vez disso, produzem apenas
possa parecer aos olhos do mundo, mas aos meus pareço algumas gotas antes de desaparecer no horizonte. É essa
apenas ter sido como um menino brincando à beira-mar, situação desesperadora que leva o mundo todo a gastar mi-
divertindo-me com o fato de encontrar de vez em quan- lhões de dólares todos os anos tentando controlar a chuva.
do um seixo mais liso ou uma concha mais bonita que o Nos Estados Unidos, a tendência de extrair mais umi-
normal, enquanto o grande oceano da verdade permanece dade do ar vem aumentando em mais um ano de secas
completamente por descobrir à minha frente” severas. Em boa parte das planícies centrais e do sudoeste
Marcelo Gleiser. www.folha.uol.com.br. 10.12.2017. Adaptado. do país, os níveis de chuva, desde 2010, têm diminuído
entre um e dois terços, com impacto direto nos preços
No primeiro parágrafo, as vírgulas são empregadas para do milho, trigo e soja. A Califórnia, fonte de boa parte
a) enfatizar palavras empregadas com sentido figurado. das frutas e legumes que abastecem o país, ainda deve
b) separar elementos que se somam em uma sequência. recuperar-se de uma seca que deixou seus reservatórios
c) contrastar expressões com sentidos contraditó- com metade da capacidade e áreas sem gelo perigosamen-
rios no contexto. te reduzidas. Em fevereiro, o Serviço Nacional do Clima
d) listar eventos históricos que se sucederam crono- divulgou que o estado tem uma chance em mil de se re-
logicamente. cuperar logo. Produtores de amêndoas estão preocupados
e) evidenciar que o parágrafo  a citação do discur- com suas plantações por falta de umidade, e até a água
so de um terceiro. potável está ameaçada.
Scientific American Brasil, julho de 2014. Adaptado.

8. PUC-Rio Leia o texto abaixo, encontrado na capa de


10. FGV-SP 2015 Assinale a alternativa em que o perío-
uma fita disponível em videolocadoras:
do, reescrito com base nas informações do texto, está
Um filme de ação em alta voltagem que vai prender correto quanto ao emprego da vírgula.
você na poltrona até a última cena. Bill (James Belushi) é um a) A Califórnia, ainda deve recuperar-se de uma seca
ex-mafioso que traiu um dos mais perigosos chefões da máfia
que deixou seus reservatórios com metade da capa-
de Chicago e desapareceu carregando 12 milhões de dólares.
cidade e áreas sem gelo perigosamente reduzidas.
Agora, vivendo sob a vigilância do Programa de Pro-
b) Imagine que, um agricultor observa, nuvens con-
teção a Testemunhas, leva uma vida tranquila ao lado de
tendo água mais que suficiente para salvar a sua
Debra (Vanessa Angel) sua esposa. Porém, liderada por
lavoura, deixando um bom saldo.
Miles (Michael Beach) uma gangue de mafiosos, frios e
c) Quando a situação fica desesperadora o mundo
armados até os dentes, está em sua perseguição, para re-
todo, para controlar a chuva gasta milhões de
cuperar o dinheiro roubado e se vingar de Bill.
O xerife Dex (Timothy Dalton) também está envolvido na
dólares todos os anos.
perseguição e Bill se vê forçado a fazer uma das mais difíceis d) As nuvens pequenas, que podem reter um volu-
escolhas de sua vida, baseado puramente em seus instintos. me de 7 km3 de água, são capazes de formar
Quando você não diferencia os criminosos dos tiras... verdadeiros lagos voadores.
Não acredite em ninguém, suspeite de todos e corra para viver. e) O Serviço Nacional do Clima divulgou em feverei-
ro, que a chance de uma recuperação rápida da
No segundo parágrafo do texto, faltam duas vírgulas.
Califórnia,  de uma em mil.
Reescreva os trechos em que isso ocorre, acrescen-
tando-as nos lugares corretos. 11. FGV-SP 2015 Em conformidade com a norma-padrão
da língua portuguesa e sem alterar os sentidos do tex-
9. Univesp 2017 A vírgula  um sinal de pontuação usado to, a frase final pode ser reescrita da seguinte forma:
para marcar uma pausa no enunciado. Assinale a alterna- a) Produtores de amêndoas estão preocupados
tiva que apresenta um período corretamente pontuado, com suas plantações devido falta de umidade, e
seguindo a norma padrão da língua portuguesa. at ameaça da água potável.
a) O aluno levantou, o braço, pois tinha, uma dúvida. b) Como há falta de umidade, produtores de amêndoas
b) O aluno, levantou o braço, pois tinha uma dúvida. estão preocupados com suas plantações. Alm dis-
c) O aluno levantou o braço, pois tinha uma dúvida. so, inclusive a água potável está ameaçada.
d) O aluno levantou o braço pois, tinha uma dúvida. c) Falta umidade e ameaça de água potável, coisas
e) O aluno levantou o braço pois tinha uma dúvida. com que se preocupa os produtores de amên-
doas e suas plantações.
Texto para as questões  e . d) Falta umidade e ameaça  água potável existe,
Nuvens contêm uma quantidade impressionante de contudo os produtores de amêndoas estão preo-
água. Mesmo as pequenas podem reter um volume de 750 cupados com suas plantações.
FRENTE 1

km³ de água e, se calcularmos meio grama de água por e) Produtores de amêndoas estão preocupados
metro cúbico, essas minúsculas gotas flutuantes podem com suas plantações que os transtornos se deve
formar verdadeiros lagos voadores.  falta de umidade e de água potável.

10
12. PUC-RS 2014

No Brasil, 38% dos universitários são analfabetos funcionais.Pesquisa aponta que estudantes não
conseguem interpretar e associar informações
Entre os estudantes do ensino superior, 38% não dominam habilidades básicas de leitura e escrita, segundo o Indicador
de Alfabetismo Funcional (Inaf), divulgado nessa segunda-feira pelo Instituto Paulo Montenegro (IPM) e pela ONG Ação
Educativa. Criado em 2001, o Inaf é realizado por meio de entrevista e teste cognitivo aplicado em uma amostra nacional
de 2 mil pessoas entre 15 e 64 anos. Elas respondem a 38 perguntas relacionadas ao cotidiano, como, por exemplo, sobre
5 o itinerário de um ônibus ou o cálculo do desconto de um produto. O indicador classifica os avaliados em quatro níveis
diferentes de alfabetização: plena, básica, rudimentar e analfabetismo.
Aqueles que não atingem o nível pleno são considerados analfabetos funcionais, ou seja, são capazes de ler e escrever,
mas não conseguem interpretar e associar informações.
Fragmento adaptado de: http://www.correiodopovo.com.br. Acesso em: 30 mar. 2014.

I. As vírgulas das linhas 1-2 isolam uma oração intercalada.


II. Seria correto substituir, na linha 4, a vírgula que antecede “sobre” por dois-pontos, já que a expressão a seguir 
uma enumeração.
III. O emprego de travessão em lugar de dois-pontos na linha  seria correto, pois a expressão que segue  um
aposto.
A(s) armativa(s) correta(s) /são, apenas,
a) I.
b) II.
c) III.
d) I e II.
e) II e III.

1. UFPR 2019 Assinale a alternativa corretamente pontuada.


a) A tcnica de Mourou e Strickland criada em 18, e conhecida como: amplificação de pulso com varredura em fre-
quência – CPA, por sua sigla em inglês, tornou-se muito rapidamente a ferramenta-padrão para obter lasers de alta
intensidade, utilizados, desde então, em milhões de cirurgias do olho.
b) A tcnica de Mourou e Strickland, criada em 18, e conhecida como amplificação de pulso com varredura em
frequência (CPA, por sua sigla em inglês); tornou-se muito rapidamente, a ferramenta-padrão para obter lasers de
alta intensidade utilizados desde então em milhões de cirurgias do olho.
c) A tcnica de Mourou e Strickland criada em 18 e conhecida como amplificação de pulso com varredura em
frequência, (CPA, por sua sigla em inglês), tornou-se muito rapidamente a ferramenta-padrão, para obter lasers de
alta intensidade utilizados desde então, em milhões de cirurgias do olho.
d) A tcnica de Mourou e Strickland, criada em 18 e conhecida como amplificação de pulso com varredura em
frequência – CPA, por sua sigla em inglês – tornou-se muito rapidamente, a ferramenta-padrão para: obter lasers
de alta intensidade utilizados desde então em milhões de cirurgias do olho.
e) A tcnica de Mourou e Strickland, criada em 18 e conhecida como amplificação de pulso com varredura em
frequência (CPA, por sua sigla em inglês), tornou-se muito rapidamente a ferramenta-padrão para obter lasers de
alta intensidade, utilizados desde então em milhões de cirurgias do olho.

14. Unifesp 2021 Leia o poema de Fernando Pessoa para responder  questão.
Cruz na porta da tabacaria!
Quem morreu? O próprio Alves? Dou
Ao diabo o bem-’star que trazia.
Desde ontem a cidade mudou.

Quem era? Ora, era quem eu via.


Todos os dias o via. Estou
Agora sem essa monotonia.
Desde ontem a cidade mudou.

Ele era o dono da tabacaria.


Um ponto de referência de quem sou.
Eu passava ali de noite e de dia.
Desde ontem a cidade mudou.

104 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Pontuação: emprego e efeitos de sentido


Meu coração tem pouca alegria,
E isto diz que é morte aquilo onde estou.
Horror fechado da tabacaria!
Desde ontem a cidade mudou.

Mas ao menos a ele alguém o via,


Ele era fixo, eu, o que vou,
Se morrer, não falto, e ninguém diria:
Desde ont'em a cidade mudou.
Obra poética, 1997.

O eu lírico recorre a um sinal de pontuação para indicar a supressão de um verbo em


a) “Ao diabo o bem-’star que trazia.” (1a estrofe)
b) “Todos os dias o via. Estou” (2a estrofe)
c) “Quem era? Ora, era quem eu via.” (2a estrofe)
d) “Se morrer, não falto, e ningum diria:” (a estrofe)
e) “Ele era fixo, eu, o que vou,” (a estrofe)

15. Enem 2016 Quem procura a essência de um conto no espaço que fica entre a obra e seu autor comete um erro: é muito
melhor procurar não no terreno que fica entre o escritor e sua obra, mas justamente no terreno que fica entre o texto e
seu leitor.
OZ, A.De amor e trevas. São Paulo: Cia. das Letras, 2005 (fragmento).

A progressão temática de um texto pode ser estruturada por meio de diferentes recursos coesivos, entre os quais
se destaca a pontuação. Nesse texto, o emprego dos dois-pontos caracteriza uma operação textual realizada com a
nalidade de
a) comparar elementos opostos.
b) relacionar informações gradativas.
c) intensificar um problema conceitual.
d) introduzir um argumento esclarecedor.
e) assinalar uma consequência hipottica.

16. Enem 201

Jogar limpo
Argumentar não é ganhar uma discussão a qualquer preço. Convencer alguém de algo é, antes detudo, uma alternativa
à prática de ganhar uma questão no grito ou na violência física – ou não física. Não física, dois-pontos. Um político que
mente descaradamente pode cativar eleitores. Uma publicidade que joga baixo pode constranger multidões a consumir um
produto danoso ao ambiente. Há manipulações psicológicas não só na religião. E é comum pessoas agirem emocionalmente,
porque vítimas de ardilosa – e cangoteira – sedução. Embora a eficácia a todo preço não seja argumentar, tampouco se trata
de admitir só verdades científicas – formar opinião apenas depois de ver a demonstração e as evidências, como a ciência
faz. Argumentar é matéria da vida cotidiana, uma forma de retórica, mas é um raciocínio que tenta convencer sem se tornar
mero cálculo manipulativo, e pode ser rigoroso sem ser científico.
Língua Portuguesa. São Paulo, ano 5, n. 66, abr. 2011 (adaptado).

No fragmento, opta-se por uma construção linguística bastante diferente em relação aos padrões normalmente em-
pregados na escrita. Trata-se da frase “Não física, dois-pontos”. Nesse contexto a escolha por se representar por
extenso o sinal de pontuação que deveria ser utilizado
a) enfatiza a metáfora de que o autor se vale para desenvolver seu ponto de vista sobre a arte de argumentar.
b) diz respeito a um recurso de metalinguagem, evidenciando as relações e as estruturas presentes no enunciado.
c)  um recurso estilístico que promove satisfatoriamente a sequenciação de ideias, introduzindo apostos
exemplificativos.
d) ilustra a flexibilidade na estruturação do gênero textual, a qual se concretiza no emprego da linguagem
FRENTE 1

conotativa.
e) prejudica a sequência do texto, provocando estranheza no leitor ao não desenvolver explicitamente o raciocínio
a partir de argumentos.

105
17. Urca-CE 2020 Observe a imagem a seguir e assinale a alternativa CORRETA, quanto ao emprego de pontuação:

HIDALGO, Emilio Sanchéz. Barbie e Ken, chacota dos opositores aos antipetistas ricos. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/23/
politica/1540287712_846177.html.

a) Eu, particularmente, acho que não existe racismo no Brasil.


b) Eu acho que não existe particularmente, racismo no Brasil.
c) Eu, particularmente, acho, que não existe racismo no Brasil.
d) Eu acho que não existe racismo no, particularmente, Brasil.
e) Particularmente eu, acho que não existe racismo no Brasil.

Texto para as questões 18 e 19.

“É hora de brancos lutarem contra racismo”, diz escritora Djamila Ribeiro


Depois de 300 anos de escravidão, o ideal seria que os negros ficassem tomando piña colada no Caribe enquanto os
brancos lutam contra o racismo no Brasil, na opinião da escritora Djamila Ribeiro. Justo, “já que a gente ficou esses anos
todos batalhando e vivendo o racismo”, disse ela na noite desta quinta-feira (11) na Casa Folha, durante a Flip (Festa Literária
Internacional de Paraty). “Mas, como não vai ser possível, seria importante as pessoas começarem a não delegar”, afirmou.
“As pessoas brancas precisam começar a entender a importância de elas debaterem racismo, elas lerem sobre isso, ter ações
antirracistas nos seus espaços.”
Uma pequena multidão fez fila em frente ao espaço para assistir à conversa de Djamila com o também escritor Antônio
Prata, ambos colunistas da Folha, mediada pela editora de Diversidade do jornal, Paula Cesarino Costa — mesmo com o
espaço lotado, o público se aglomerou para ver o debate do lado de fora. “Ser politicamente incorreto faz sentido quando
a gente vive num sistema cruel, desigual, violento. Faz sentido ser incorreto aí. Ter uma contra narrativa, ir contra a norma
estabelecida”, disse Djamila. “Mas houve um esvaziamento do termo politicamente correto. Se o respeito ao próximo, à
humanidade do outro, é ser politicamente correto, devemos ser.”
Para Antônio Prata, o assunto não o incomoda. “A patrulha do politicamente correto é um comentário no meu Facebook.
A patrulha da Rota mata”, afirmou, em consonância com o discurso de Djamila [...]. Para o escritor, autor dos livros “Nu,
de botas” e “Trinta e poucos”, hoje se sabe que é condenável ser machista, racista e homofóbico, mas que “as pessoas estão
lutando pelo direito de serem erradas”. [...] Prata afirmou que, por um tempo, achou “nada mais saudável que haja uma co-
erção social” que iniba o comportamento racista, mas que o momento político atual, com ascensão de grupos conservadores
no Brasil e no mundo, mostrou que “a gente tem que pensar se o discurso é eficaz, ou se é uma maquiagem que a gente
coloca na frente do ódio e o ódio volta pulando o muro.”
Para Djamila, por outro lado, “isso não é novo. O Brasil é um país extremamente conservador”, afirmou. “Para grupos
minoritários, esse discurso de ódio é presente na nossa vida desde sempre. [...]” Mestre em filosofia pela USP e escritora de
“O que é lugar de fala” e “Quem tem medo do feminismo negro”, a ativista afirmou que “o debate sobre racismo é surreal.
A gente é acusado de dividir, de ser sectarista e violento [...]. Djamila reclamou de a luta negra ser constantemente classi-
ficada como identitária por pessoas brancas que não se reconhecem também como parte de uma identidade. “Me cobram
por qualquer coisa que uma mulher negra faça, ‘você viu essa negra de direita?’. [...]
Consenso entre eles foi que a falta de diversidade prejudica o Brasil. “A própria elite perde com o privilégio. O
mundo perde quando não tem 70% de concorrência. A literatura é pior, o cinema é pior”, afirmou Prata, que também
é roteirista.
É HORA DE BRANCOS LUTAREM CONTRA O RACISMO... 12 de julho de 2019. Disponível em: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br.
Acesso em: 29 out. 2019.

106 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Pontuação: emprego e efeitos de sentido


18. Uece 2020 Sobre a ocorrência de aspas, no texto, é 30 de Hiroshima e Nagasaki – certamente deitou por terra
correto armar que se dá devido à esse otimismo. Pior ainda, há suspeita de que o projeto
a) necessidade de realçar neologismos, arcaísmos e do Iluminismo estava fadado a voltar-se contra si mesmo e
gírias presentes no texto. transformar a busca da emancipação humana num sistema
de opressão universal em nome da libertação humana. Essa
b) marcação de ironias ou palavras empregadas fora
35 foi a atrevida tese apresentada por Horkheimer e Adorno
de seus contextos.
em Dialética do esclarecimento (1972). Escrevendo sob as
c) presença de falas dos entrevistados, para asse- sombras da Alemanha de Hitler e da Rússia de Stálin, eles
gurar a veracidade das fontes. alegavam que a lógica que se oculta por trás da racionali-
d) exposição de palavras e expressões para um sen- dade iluminista é uma lógica da dominação e da opressão.
tido particular ou figurado. 40 A ânsia por dominar a natureza envolvia o domínio dos
seres humanos, o que no final só poderia levar a “uma
19. Uece 2020 A escritora Djamila Ribeiro é apresentada de tenebrosa condição de autodominação”, conforme salienta
diversas formas, ao longo do texto: partes do seu nome, Bernstein (1985, p. 9). A revolta da natureza, que eles
pronomes, profissão e papel social. Isso ocorre para que apresentavam como a única saída para o impasse, tinha,
a tessitura do texto se faça a partir do princípio de 45 portanto, de ser concebida como uma revolta da nature-
a) intertextualidade, porque há referências explícitas za humana contra o poder opressor da razão puramente
instrumental sobre a cultura e a personalidade.
a outros textos para a construção da imagem da
São questões cruciais saber se o projeto do Iluminismo
escritora.
estava ou não fadado desde o começo a nos mergulhar
b) coesão, porque a retomada do referente por di-
50 num mundo kafkiano; se tinha ou não de levar a Auschwitz
versos recursos ajuda a construir a imagem da e Hiroshima; e se lhe restava ou não poder para formar e
escritora e a encadear as informações. inspirar o pensamento e a ação contemporâneos. Há quem,
c) informatividade, porque é necessário elencar o como Habermas, continue a apoiar o projeto, se bem que
maior número de informações acerca do racismo, com forte dose de ceticismo quanto às suas metas, com
sob risco de não compreensão do texto. 55 muita angústia quanto à relação entre meios e fins e com
d) situacionalidade, porque a construção de contex- certo pessimismo no tocante à possiblidade de realizar
tos faz com que o leitor recupere o tempo e o tal projeto nas condições econômicas e políticas contem-
espaço da notícia. porâneas. E há quem – e isso é o cerne do pensamento
filosófico pós-modernista – insista que devemos, em nome
20. UEG-GO 2020 60 da emancipação humana, abandonar por inteiro o projeto
iluminista. A posição a tomar depende de como se explica
Legado do Iluminismo o “lado sombrio” da nossa história recente e do grau até o
O pensamento iluminista abraçou a ideia do progresso qual o atribuímos aos defeitos da razão iluminista, e não
e buscou ativamente a ruptura com a história e a tradição à falta de sua correta aplicação.
esposada pela modernidade. Foi, sobretudo, um movi- HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da
mudança cultural. 3. ed. São Paulo: Loyola, 1993. p. 23-24. (Adaptado).
mento secular que procurou desmistificar e dessacralizar
5 o conhecimento e a organização social para libertar os Considere o seguinte trecho do texto:
seres humanos de seus grilhões. Ele levou a injunção de
“O século XX – com seus campos de concentração e
Alexander Pope, de que “o estudo próprio da humanidade
esquadrões da morte, seu militarismo e duas guerras
é o homem”, muito a sério. Na medida em que ele também
mundiais, sua ameaça de aniquilação nuclear e sua ex-
saudava a criatividade humana, a descoberta científica e periência de Hiroshima e Nagasaki – certamente deitou
10 a busca da excelência individual em nome do progresso
por terra esse otimismo”. (linhas 27-31)
humano, os pensadores iluministas acolheram o turbilhão
da mudança e viram a transitoriedade, o fugidio e o frag- O travessão duplo é usado no período com a função de
mentário como condição necessária por meio da qual o a) intercalar um aposto.
projeto modernizador poderia ser realizado. Abundavam b) sinalizar uma metáfora.
15 doutrinas de igualdade, liberdade, fé na inteligência hu- c) ligar um termo ao outro.
mana (uma vez permitidos os benefícios da educação) e d) demarcar uma sequência.
razão universal. “Uma boa lei deve ser boa para todos”, e) introduzir um discurso direto.
pronunciou Condorcet às vésperas da Revolução Francesa,
“exatamente da mesma maneira como uma proposição 21. Univesp 2019 Leia com atenção a tirinha a seguir da
20 verdadeira é verdadeira para todos”. Essa visão era incri- cartunista Laerte para responder a questão.
velmente otimista. Escritores como Condorcet, observa
Habermas (1983, p. 9), estavam possuídos “da extravagan-
te expectativa de que as artes e as ciências iriam promover
não somente o controle das forças naturais, mas também a
25 compreensão do mundo e do eu, o progresso moral, a jus-
tiça das instituições e até a felicidade dos seres humanos”.
FRENTE 1

O século XX – com seus campos de concentração e Fonte: Blogger.


esquadrões da morte, seu militarismo e duas guerras mun-
diais, sua ameaça de aniquilação nuclear e sua experiência

107
De acordo com a tirinha assinale a alternativa correta. y as chamadasfake newssão “uma ameaça à demo-
a) A personagem da tira apresenta uma crise exis- cracia e à sociedade”. (Texto II, º parágrafo).
tencial característica do sujeito contemporâneo, O uso das aspas nos dois textos reporta, correta e
que, entre outros fatores, é motivada pela crise respectivamente,
financeira, o que pode ser comprovado linguistica- a) à ideia de educar-se digitalmente e ao destaque
mente pelo uso do adjetivo “barata”, empregado à ironia presente na fala da jornalista ucraniana.
no primeiro quadrinho.
b) ao duplo sentido do termo em destaque e à cita-
b) A tirinha ressalta o poder da leitura em abordar de
ção do pensamento da jornalista ucraniana.
forma profunda e meditativa questões que transcen-
c) à inadequação do termo referente à educação vir-
dem a banalidade e superficialidade dos assuntos
tual e à reprodução da fala da jornalista ucraniana.
cotidianos, ajudando, assim, os leitores a operarem
d) à sinalização de um novo sentido ao termo e à trans-
significativas transformações em suas vidas.
crição de trecho da fala da jornalista ucraniana.
c) As aspas utilizadas no segundo quadrinho são
e) ao sentido pejorativo presente no termo e à ênfa-
usadas para indicar a citação de um trecho do
texto lido pela personagem, que, formalmente, se dada às ideias da jornalista ucraniana.
se aproxima do texto poético devido à métrica, já
que os verso são escritos em redondilhas, além 23 Fuvest-SP 2020 O Twitter é uma das redes sociais mais
da utilização da rima já referida na tira. importantes no Brasil e no mundo. [...] Um estudo identi-
d) As palavras “casinha”, “janela”, “porta” e “tramela” ficou que asfakenews são 70% mais propensas a serem
pertencem ao mesmo campo semântico, estabele- retweetadas do que fatos verdadeiros. [...] Outra conclu-
cendo relações de sinonímia e hiponímia entre si, o são importante do trabalho diz respeito aos famosos bots:
que aproxima o trecho do tipo textual poético. ao contrário do que muitos pensam, esses robôs não são
e) No segundo quadrinho da tira, a satisfação do os grandes responsáveis por disseminar notícias falsas.
cliente com o texto lido constitui uma crítica ao pro- Nem mesmo comparando com outros robozinhos: tanto
cedimento poético, que, ao ser aplicado ao texto os que espalham informações mentirosas quanto aqueles
filosófico, diminui-lhe o alcance crítico, ao subordi- que divulgam dados verdadeiros alcançaram o mesmo
nar a metodologia científica da filosofia à estética número de pessoas.
Super Interessante, “No Twitter,fake News se espalham 6 vezes mais rápido
da poesia.
que notícias verdadeiras”. Maio/2019.

22. Insper-SP 2018 No período “Nem mesmo comparando com outros


robozinhos: tanto os que espalham informações
Texto I mentirosas quanto aqueles que divulgam dados ver-
A educação virtual é uma arma importante para detec-
dadeiros alcançaram o mesmo número de pessoas.”,
tar informações falsas no noticiário, segundo especialistas.
os dois-pontos são utilizados para introduzir uma
Essa “alfabetização” deve contar com esforços de vários
a) conclusão.
setores da sociedade, para evitar que as chamadasfake
b) concessão.
news tumultuem o debate público, como ocorreu na cor-
c) explicação.
rida eleitoral americana e na votação pela saída do Reino
d) contradição.
Unido da União Europeia.
[...]
e) condição.
http://infograficos.estadao.com.br. Adaptado.
Leia o fragmento, a seguir, retirado do livro Clara dos
Texto II Anjos, de Lima Barreto, e responda às questões de
“Se uma história é demasiadamente emocionante ou 24 a 26.
dramática, provavelmente não é real. A verdade é geralmen-
Cassi Jones, sem mais percalços, se viu lançado em
te entediante”, disse a jornalista ucraniana Olga Yurkova
pleno Campo de Sant’Ana, no meio da multidãoque
durante a palestra inaugural do TED 2018, a série de con-
jorrava das portas da Catedral, cheia da honesta pressa
ferências realizada neste mês em Vancouver, no Canadá.
de quem vai trabalhar. A sua sensação era que estava
Em sua apresentação, a ativista engajada no combate
numa cidade estranha. No subúrbio tinha os seus ódios
a notícias falsas – cofundadora dositeStopFake – disse que
e os seus amores; no subúrbio, tinha os seus compa-
as chamadasfake newssão “uma ameaça à democracia
nheiros, e a sua fama de violeiro percorria todo ele, e,
e à sociedade”. Prossegue: “As pessoas já não sabem o
que é real e o que é falso. Muitas deixaram de acreditar em qualquer parte, era apontado; no subúrbio, enfim,
e isso é ainda mais perigoso.” eletinha personalidade, era bem Cassi Jones de Aze-
[...] vedo; mas, ali, sobretudo do Campo de Sant’Ana para
www.bbc.com. Adaptado. baixo, o que era ele? Não era nada. Onde acabavam os
trilhos da Central, acabava a sua fama e oseu valimento;
Observe as passagens: a sua fanfarronice evaporava-se, e representava-se a si
y Essa “alfabetização” deve contar com esforços de mesmo como esmagado por aqueles “caras” todos, que
vários setores da sociedade... (Texto I, º parágrafo); nemoolhavam. [...]

108 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Pontuação: emprego e efeitos de sentido


Na “cidade”, como se diz, ele percebia toda a sua 26. UEL-PR 2019 Acerca dos recursos linguísticos subli-
inferioridade de inteligência, de educação; a sua rustici- nhados no texto, assinale a alternativa correta.
dade, diante daqueles rapazes a conversar sobre cousas a) Ambos os termos “que” e “sua” fazem referência
de que ele não entendia e a trocar pilhérias; em face à personagem Cassi Jones.
da sofreguidão com que liam osplacardsdos jornais, b) O primeiro termo “ele” refere-se ao subúrbio; o
tratando de assuntos cuja importância ele não avaliava, segundo “ele” refere-se a Cassi Jones.
Cassi vexava-se de não suportar a leitura; comparando c) A palavra “seu” em destaque refere-se ao termo
o desembaraço com que os fregueses pediam bebidas subsequente “valimento”.
variadas e esquisitas, lembrava-se que nem mesmo o
d) O pronome “o” faz referência ao local Campo de
nome delas sabia pronunciar; olhando aquelas senhoras
Sant’Ana.
e moças quelhepareciam rainhas e princesas, tal e qual
e) O termo “lhe” faz referência a “aquelas senhoras
o bárbaro que viu, no Senado de Roma, só reis, sentia-se
e moças”.
humilde; enfim, todo aquele conjunto de coisas finas, de
atitudes apuradas, de hábitos de polidez e urbanidade,
27. PUC-RS 2017
de franqueza no gastar, reduziam-lhe a personalidade de
medíocre suburbano, de vagabundo doméstico, a quase Não são poucos os articulistas e doutrinadores que
cousa alguma. se colocam contra o instituto da “delação premiada”, por
BARRETO, Lima.Clara dos Anjos. Rio de Janeiro: Garnier, 1990. p. 130-131. considerá-la um incentivo do Estado à prática da traição,
beneficiando réus que estariam a seguir os passos de Judas
24. UEL-PR 2019 Em relação aos recursos linguísticos 5 e de Silvério dos Reis, somente para citar dois traidores
presentes no texto, assinale a alternativa correta. históricos. A crítica, todavia, revela-se exagerada e ideo-
a) Em “ele percebia toda a sua inferioridade de inte- logicamente estrábica. Cristo e Tiradentes não podem ser
ligência, de educação; a sua rusticidade”, o ponto caracterizados exatamente como criminosos (salvo sob a
e vírgula é usado para enumeração dos comple- ótica fanática dos judeus ortodoxos de então ou tendo em
mentos do termo “inferioridade”. 10 conta os interesses mercenários das Cortes Portuguesas nos
b) No trecho “e, em qualquer parte, era apontado”, idos coloniais). Existe uma clara diferença entre trair um
a palavra “apontado” está no masculino para con- inocente e delatar um criminoso!
cordar com “subúrbio”. Entre a fidelidade do criminoso diante de seu com-
c) No fragmento “Onde acabavam os trilhos da Cen- parsa e a necessária aplicação da lei penal frente ao
tral”, o verbo está no plural para concordar com 15 cometimento de um crime, melhor postar-se ao lado da
seu complemento “trilhos”. segunda opção. Entre a paz pública aviltada pela crimi-
d) Em “acabava a sua fama e o seu valimento”, o ver- nalidade e os questionáveis escrúpulos do delinquente,
bo está no singular para concordar com o sujeito há que se optar pela primeira. Pensar diversamente pode
“Campo de Sant’Ana”. satisfazer os melindres de teóricos do Direito Penal, mas
e) Em “tinha os seus companheiros, e a sua fama de 20 está longe de conduzir qualquer caso concreto a uma
violeiro”, a vírgula é utilizada para separar sujeitos solução efetivamente pragmática: o crime solvido, seus
diferentes. autores punidos e a segurança pública respeitada.
O instituto em tela, entretanto, dada a natureza do de-
25. UEL-PR 2019 Sobre os recursos linguístico-semânticos lator, há que ser examinado com exaustiva cautela. Nestes
empregados no texto, considere as afirmativas a seguir. 25 tempos de interesse midiático despertado entre delegados,
I. Em “mas, ali, sobretudo do Campo de Sant’Ana promotores e procuradores de Justiça e juízes, quando
para baixo, o que era ele?”, trata-se de pergunta comissões parlamentares de inquérito se transformam em
retórica, cuja resposta já se insere na pergunta. palcos de demagogos de talento artístico no mínimo discutí-
II. A repetição do item lexical “subúrbio”, no início do vel, dar valor indevido à palavra de alguém que possa estar
trecho, empobrece a qualidade textual. 30 a fazer parte de um teatro pode conduzir a caminhos muito
III. O trecho “tal e qual o bárbaro que viu, no Senado distantes das garantias constitucionalmente estabelecidas.
de Roma” contém um paradoxo proporcionado A concretização do instituto sob exame, portanto,
pela incompatibilidade temporal. merece tratamento e aplicações especiais, exigindo con-
IV. A palavra “placards” está grifada em itálico no frontação segura com as demais provas produzidas.
texto por se tratar de estrangeirismo, sendo hoje 35 Deve a delação premiada ser aplicada a crimes que
comum seu correlato em português. formem um conjunto de delitos cujo combate apresente
Assinale a alternativa correta. especial interesse social, dentre os quais os produzidos
a) Somente as afirmativas I e II são corretas. pelas organizações criminosas, que agem no âmbito da
b) Somente as afirmativas I e IV são corretas. macrocriminalidade, porque revelam superior periculo-
FRENTE 1

c) Somente as afirmativas III e IV são corretas. 40 sidade daqueles que estabelecem o consórcio delituoso.
Excertos de texto de Edir Josias Beck publicado em abril de 2010. Disponível
d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. em: https://jus.com.br/artigos/14620/a-necessidade-do-instituto-da-delacao-
e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas. premiada-diante-da-macro-criminalidade

109
Analise as armações sobre algumas propostas de IV. Uma vírgula poderia ser acrescentada depois de
substituição para a pontuação do texto, selecionando “Buenos Aires” (linhas 19-20), sem prejuízo ao texto.
as corretas. Estão corretas apenas as propostas
I. Seria correto substituir “... estrábica. Cristo...” (linha 7) a) I e II. d) I, III e IV.
por “... estrábica, pois Cristo...”. b) I e III. e) II, III e IV.
II. Seria correto inserir uma vírgula após “então” (linha c) II e IV.
9), já que o uso da vírgula, neste caso,  facultativo.
III. O uso de ponto e vírgula seguido de letra minúscu- 29. PUC-RS 2016
la após “opção” (linha 16) manteria a correção do
Texto 
período, contribuindo para o paralelismo das ideias. — “Deboísta” é quem é adepto da filosofia do “ser
IV. A colocação de uma vírgula após “teatro” (linha de boa” – explica Carlos Abelardo, 19 anos, estudante de
30) seria correta e conveniente, justificando-se Ciências Biológicas na Universidade Federal de Goiás e
por corresponder a uma pausa na leitura. criador, ao lado da namorada, Laryssa de Freitas, da página
Estão corretas apenas as armativas 5 no Facebook “Deboísmo”. — É aquela pessoa que não se
a) I e II. d) I, II e III. deixa levar por problemas bestas, que, mesmo discordando
b) II e IV. e) I, III e IV. de alguém, não parte para a agressão. É a pessoa calma,
c) III e IV. que escolhe o lutar em vez de brigar.
Segundo Abelardo, o movimento é apartidário, mas
28. PUC-RS 2017 10 político. E sobre a escolha do símbolo, que é uma pregui-
ça, ele diz que a calmaria natural do animal passa uma
Festas de casamento falsas viram moda na sensação automática de “ficar de boas”.
Argentina — É o animal mais de boa — diz.
Comida gostosa, música boa, bar liberado a noite Adaptado de: http://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/
conheca-deboismo-nova-filosofia-de-boas-da-internet-17392121.
toda... quem nunca se divertiu até altas horas numa boa
Acesso em: 2 abr. 2016.
festa de casamento? Esse ritual que muitos já presenciaram
ao longo da vida é, porém, desconhecido para alguns Texto 
5 representantes das gerações mais jovens.
Mas há uma solução para elas: Casamento Falso (ou
Falsa Boda, no nome original em espanhol), uma ideia
de cinco amigos de La Plata, na Argentina. O detalhe
era que se tratava de um casamento falso, e que os
10 convidados não eram amigos ou parentes dos noivos,
mas ilustres desconhecidos que compraram entradas
para o evento.
Martín Acerbi, um publicitário de 26 anos, estava
cansado de ir sempre às mesmas boates. “Queríamos
15 organizar uma festa diferente, original”, disse. E assim
pensaram em fazer esse evento “temático”, que chamaram
de Casamento Falso.
Pablo Boniface, um profissional de marketing de 32
anos que esteve em um Casamento Falso em Buenos Ai-
20 res em julho, disse que para ele foi a ocasião perfeita para
realizar algo que sempre quis fazer: colocar uma gravata.
“Para mim essas festas são até melhores do que um
casamento real, porque você não precisa se sentar com
Publicado em: https://twitter.com/TrabalhoEPrev/status/639168434941620224.
estranhos e ficar entediado. Você passa bons momentos
Acesso em 02 abr. 2016.
25 com seus amigos e não se encontra com todos os tios
e avôs que normalmente frequentam essas cerimônias”, Assinale a proposta de alteração que NÃO traria pre-
disse Pablo. juízo à correção e ao sentido dos textos.
Adaptado de: www.bbc.com/portuguese/ noticias/2015/08/150831_falsos_ a) Na linha 1 (texto 1), poderiam ser acrescentados
casamentos_tg. Acesso em 07 set. 2016
dois-pontos depois do primeiro “”, o que deixaria
Considere as propostas para alterar a pontuação ori- mais clara a definição que vem a seguir.
ginal do texto. b) No texto 1, seria possível utilizar parênteses, em
I. As reticências (linha 2) poderiam ser corretamen- vez de vírgulas, para isolar o trecho compreendi-
te substituídas por “e etc.”. do entre “19 anos” (linha 2) e “criador” (linha 4).
II. Os dois-pontos (linhas 6 e 21) poderiam ser subs- c) Na linha 6 (texto 1), a vírgula depois de “bestas”
tituídos por vírgula, mas isso atenuaria a coesão poderia ser eliminada.
entre as ideias. d) O ponto de interrogação da terceira pergunta do
III. A vírgula (linha 15) poderia ser substituída por cartaz (texto 2) poderia ser substituído por ponto.
dois-pontos, sem prejuízo à correção e ao sen- e) No cartaz (texto 2), poderia ser acrescentada uma
tido da frase. vírgula depois do verbo “se estressar”.

110 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Pontuação: emprego e efeitos de sentido


30. PUC-SP 2016
Racionalidade e tolerância no contexto pedagógico
Nadja Hermann – PUCRS
Stuart Mill (1806-1873) acrescenta à ideia de tolerância religiosa a importância do pluralismo, da liberdade de opinião
e crença, baseado na independência do indivíduo. A liberdade compreende a “liberdade de pensamento e de sentimento,
absoluta independência de opinião e de sentimento em todos os assuntos, práticos ou especulativos, científicos, morais ou
teológicos” (MILL, 200, p.21). Desse modo, Stuart Mill defende a tolerância a partir de um princípio bastante simples de
que a autoproteção constitui a única finalidade pela qual se garante à humanidade individual ou coletivamente, interferir
na liberdade de ação de qualquer um. O único propósito de se exercer legitimamente o poder sobre qualquer membro de
uma comunidade civilizada, contar sua verdade, é evitar danos aos demais.[...] Na parte que diz respeito apenas a si mesmo,
sua independência é, de direito, absoluta. Sobre si mesmo, seu corpo e sua mente, o indivíduo é soberano (2000, p.18).
MILL, John Stuart. A liberdade. In: ____. A liberdade, utilitarismo. Trad. Eunice Ostrensky. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
Trecho de artigo publicado no site do Grupo de Pesquisa “Racionalidade e Formação”. Disponível em: http://w3.ufsm.br/gpracioform/artigo%2002.pdf. Acesso em:
24 out. 2015.

Os parênteses empregados por Nadja Hermann, de acordo com a ordem em que aparecem do texto, têm a função de
a) assinalar o período em que Mill viveu e a fonte de onde foi retirada a citação.
b) discriminar a citação e a época em que o filósofo nasceu e morreu.
c) discernir quando e onde nasceu Stuart Mill.
d) indicar informações irrelevantes para um texto acadêmico.

31. Ufal 2014

Os sinais de pontuação são marcações grácas que servem para compor a coesão e a coerência textual. No enunciado
da jovem garota, o ponto e vírgula foi empregado, uma vez que este sinal de pontuação indica
a) o término do discurso. c) o uso da ordem indireta. e) a enumeração de ações.
b) a interrupção da fala. d) a presença de aposto.

32. PUC-PR 2015 No texto, os parênteses contendo reticências estão indicando que um segmento foi suprimido.
Analise as frases das alternativas para verificar qual delas contém o segmento que se encaixa no texto e assinale
a alternativa CORRETA.
Onde começa o pensamento?
É possível “esvaziar a mente”?
R:Antes de tudo, precisamos entender que o pensamento é uma percepção do nosso consciente. Ele tem início no
córtex cerebral. Fisicamente, o pensamento não é algo tangível, assim como as emoções. Mas o pensamento possui uma
base física, que é a rede neural. [...] Essa transmissão de informações consiste na atividade mental, que pode ser consi-
derada uma manifestação física dos nossos pensamentos. Tudo acontece em um curto espaço de tempo. Estima-se que
demorem 300 milissegundos antes de o pensamento se tornar consciente. “Não é possível esvaziar a mente, mas práticas
como meditação podem auxiliara concentração e o gerenciamento das nossas ideias”, diz o médico Fernando Gomes
Pinto, membro da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia. Isso porque, quando alguém medita, a atividade de algumas
regiões do cérebro se torna mais acelerada, como: hipocampo (memória), córtex cingulado anterior (concentração), córtex
pré-frontal (coordenação motora) e amídalas cerebelosas (emoções).
Fonte:Galileu, nº 276, p. 18, julho/2014.

a) O pensamento é composto por neurônios que se comunicam por sinapses elétricas ou químicas.
b) A rede neural é formada por neurônios, as células cerebrais.
c) Nessa rede, a atividade mental dos neurônios dá início ao nosso pensamento.
FRENTE 1

d) As emoções também não são tangíveis, palpáveis.


e) Ela nada mais é do que um grupo de células cerebrais,os neurônios, que se comunicam entre sipor sinapses
elétricas ou químicas.

111
BNCC em foco
EM13LP15

1.

O rap palavra formada pelas iniciais de rhythm and b)


poetry (ritmo e poesia) junto com as linguagens da dança
(o break dancing difundido para além dos guetos com o
nome de cultura hip hop o break dancing surge como uma
dança de rua sprays nos muros trens e estações de metrô
de Nova York as linguagens do rap do break dancing se
tornaram os pilares da cultura hip hop. c)

EM13LGG201

2.

Pesquisa estuda relação entre alimentos e


câncer nas redes sociais d)
Artigo publicado no periódico inglês Future Science
AO examina se as postagens em uma mídia social são
modismo ou se há evidência científica quando o assunto é
o câncer associado a alimentos funcionais.
EM13LGG101
Uma das autoras do artigo, Claudia Jurberg, pesbolsista
de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de De- 3. A última edição deste periódico apresenta
senvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), explica que mais uma vez tema relacionado ao tratamento dado ao
foram analisados alimentos funcionais relacionados ao câncer lixo caseiro, aquele que produzimos no dia a dia. A in-
noPinterest(rede social de compartilhamento de fotos) e se formação agora passa pelo problema do material jogado
havia evidência científica ou não no portal de periódicos do na estrada vicinal que liga o município de Rio Claro ao
PubMed, que é um motor de busca de livre acesso à base de distrito de Ajapi. Infelizmente, no local em questão, a
dados MEDLINE de citações e resumos de artigos de inves- reportagem encontrou mais uma forma errada de desti-
tigação em biomedicina. OPinterestfoi a mídia de escolha nação do lixo: material atirado ao lado da pista como se
porque está em franca ascensão no mundo e no Brasil. isso fosse o ideal. Muitos moradores, por exemplo, reti-
“Foram analisados 507Pins, sendo 75 de alimentos ram o lixo de suas residências e, em vez de um destino
associados ao câncer, compartilhados mais de 27 mil correto, procuram dispensá-lo em outras regiões. Uma
vezes, e encontramos mais de 80 mil artigos científicos situação no mínimo incômoda. Se você sai de casa para
sobre esses alimentos e câncer noPubMed. Em 90% dos jogar lixo em outra localidade, por que nãoo fazer em
alimentos mencionados como funcionais para o câncer, local ideal? É muita falta de educação achar que aquilo
encontramos literatura científica. OsPins são ideias que que não é correto para a sua região possa ser para outra.
as pessoas encontram e salvam de toda a Web”, esclarece A reciclagem do lixo doméstico é um passo inteligente e
a pesquisadora. de consciência. Olha o exemplo que passamos aos mais
Claudia informa que existem cerca de 50 bilhões jovens! Quem aprende errado coloca em prática o erra-
depinssobre comida no Pinterest, e que o objetivo princi- do! Olha o perigo!
pal era investigar a relação entre postagens sobre comida e
câncer no Pinterest e as evidências científicas. “Surpreen-
dentemente, 90% dos alimentos citados nessa mídia social
também aparecem na literatura científica”. No entanto,
apesar desse paralelo entre conteúdo publicado em mídia
social e evidência científica, a pesquisadora diz que não a)
foi possível identificar a exata relação dos alimentos com
o câncer: se previnem, curam ou tratam. [...]
b)

c)

d)

a) e)

LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Pontuação: emprego e efeitos de sentido


Museu do Prado, Madrid

FRENTE 1

CAPÍTULO Mecanismos gramaticais e coesivos


nos vestibulares

16 Na obra renascentista acima, podemos observar os detalhes de outras obras de arte,


representadas em menor tamanho, de forma única e particular. Mas, se direcionamos
nossa atenção para a composição de toda a tela, encontramos elementos que, juntos,
criam um novo significado, formando uma alegoria. Na língua portuguesa, alguns ter-
mos também podem ser plurais, pois assumem diversas funções – como as palavras
“que”, “se” e os articuladores textuais. Quando avistamos esses termos em um texto,
precisamos ficar atentos ao sentido que assumem em determinado contexto. Por esse
motivo, vamos estudá-los neste capítulo.
Morfossintaxe do “que” e do “se” Que situação...
A CBF divulgou um comunicado para a imprensa dizendo
A palavra "que”
que Gabigol havia sentido um desconforto muscular e um ede-
Substantivo ma foi constatado. Apesar disso, ele não seria desconvocado
É precedido de artigo indefinido (“um”) ou preposição para a Copa América e seguiu para tratamento. Mas o Flamengo
(“de”) e recebe acento circunflexo. Tem o sentido de “algu- quer o seu atacante em campo hoje, contra o Coritiba, pela
ma coisa”, “algo”, como na expressão “de quê”. Copa do Brasil, às 19h (de Brasília), e divergiu do diagnóstico
da Seleção Brasileira. Ele está, inclusive, relacionado e passará
Cérebro tem fome de quê? Veja alimentos e por nova avaliação até o jogo. Que situação, hein?
nutrientes importantes para o órgão O Dia, 10 jun. 2021. Disponível em: https://odia.ig.com.br/
esporte/2021/06/6164266-que-situacao.html. Acesso em: 11 mar. 2022.
CUNHA, Simone. UOL, 5 fev. 2021.

Pronome relativo Pronome substantivo


Recupera o termo antecedente e pode ser permutável Substitui o substantivo e é utilizado para evitar repe-
por “o qual”, “a qual”, “os quais” e “as quais”. tições desnecessárias. Na manchete a seguir, o pronome
O pronome relativo “que” pode assumir várias funções substantivo “que” retoma o substantivo “policiais”.
sintáticas. Na manchete a seguir, ele é sujeito da sentença.
340 policiais que participaram de motim no
Quadrilhas que limpam contas bancárias fur-
Ceará já foram denunciados, diz promotor
tam celulares até dentro de shoppings
G1 CE, 18 jun. 2021.
PAGNAN, Rogério. Folha de S.Paulo, 16 jun. 2021.

Na linha-fina que acompanha a manchete abaixo, Interjeição


observe que o pronome relativo “que” retoma o nome “ca-
Expressa uma reação emocional, como na fala “Que
tegorias” e assume a função de complemento nominal do
triste...” presente na charge a seguir.
particípio “indicado”, o qual exige a preposição “a”.
No Ritmo do Coração é o grande vencedor
do Oscar 2022 – veja lista completa
Filme venceu as três categorias a estava indicado.
ALVES, Louise. Cinema com Rapadura, 28 mar. 2022.

Já na manchete a seguir, o pronome relativo “que” ad-


quire a função de objeto indireto.
Veja qual a probabilidade de acontecer a
combinação de que o Grêmio precisa para
não ser rebaixado
GaúchaZN, 7 dez. 2021.

Ao suprimir o pronome relativo “que” dessa última man-

Zé Dassilva
chete, temos a seguinte construção: “Grêmio precisa da
combinação para não ser rebaixado”. Com essa alteração,
fica mais fácil perceber a função do pronome relativo “que”
enquanto objeto indireto do verbo “precisa”.
Conjunção coordenativa
Advérbio de intensidade
a) Aditiva
Intensifica o sentido do adjetivo ou do advérbio, como
na expressão “Que bom que você veio!”, extraída da tirinha
a seguir.
b) Adversativa
Armandinho, de Alexandre Beck

c) Explicativa

Pronome adjetivo
Acompanha e modifica o substantivo, isto é, atribui par- d) Alternativa
ticularidades e características a ele. No trecho de notícia
a seguir, observe que a palavra “que”, em “Que situação,
hein?”, particulariza a situação tratada.

114 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Mecanismos gramaticais e coesivos nos vestibulares


Conjunção subordinativa Preposição
a) Integrante Permutável pela preposição “de”:
Em orações subordinadas substantivas, equivale a “isto”.

b) Adverbial consecutiva A palavra “se”


Em orações subordinadas adverbiais consecutivas, ge-
ralmente precedida de “tal”, “tão”, “tamanho”, “tanto”. Pronome apassivador ou partícula apassivadora
Quando utilizado como partícula apassivadora, a pala-
vra “se” indica voz passiva sintética e estabelece relação
com verbos transitivos diretos ou verbos transitivos diretos
c) Adverbial concessiva e indiretos. Observe o exemplo a seguir.
Em orações subordinadas adverbiais concessivas.

d) Adverbial condicional

Eduardo Y/Shutterstock.com
Em orações subordinadas adverbiais condicionais.

e) Adverbial final
Em orações subordinadas adverbiais finais. A fim de verificar se a função do “se” é de partícula
apassivadora, basta converter a frase na voz passiva sin-
tética para a voz passiva analítica:
f) Adverbial temporal y Venderam-se vários imóveis. → Vários imóveis foram
vendidos.
Em orações subordinadas adverbiais temporais.
y Alugam-se apartamentos para estudantes. → Aparta-
mentos são alugados para estudantes.
y Entregam-se marmitas. → Marmitas são entregues.
g) Adverbial causal
Em orações subordinadas adverbiais causais. Atenção

Partícula de realce
Índice de indeterminação do sujeito
Funciona como instrumento de ênfase e, por isso, pode
A palavra “se”, quando usada junto a verbos intransitivos
ser retirada da frase sem interferir no sentido, como na man-
ou transitivos indiretos, não exerce nenhuma função sintática
chete a seguir. na oração. Nesse caso, é empregada somente para marcar
Senado tem quase que metade dos parlamen- um sujeito indeterminado. No exemplo a seguir, o “se” em
“Precisa-se de...” é um índice de indeterminação do sujeito.
tares vacinados
Senado Notícias, 24 maio 2021.
Acervo do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

Há também a locução de realce “é que” (invariável).


Observe o exemplo.

Alguns estudiosos da gramática registram a flexão


do verbo “ser” quando os termos dessa locução estão
FRENTE 1

separados.

115
Parte integrante do verbo significa “tecer” ou “entrelaçar fios”. Metaforicamente, tecer
Dá-se quando o “se” faz parte de verbos pronominais, um tecido e tecer um texto representam o mesmo processo:
como na manchete. entrelaçar os fios que os compõem. O texto, assim, envolve
com suas “linhas” as palavras e os enunciados socio-histo-
Corinthians se reapresenta e inicia prepara- ricamente constituídos, dando-lhes sentido. As “linhas” são
ção para enfrentar o Bahia os articuladores textuais.
UOL, 17 jun. 2021. Os articuladores textuais são expressões linguísticas,
originárias das classes de conjunções, preposições e ad-
Pronome reflexivo vérbios, envolvidas na construção de sentido do texto. Eles
relacionam segmentos textuais de qualquer extensão (perí-
Nessa função, o “se” faz parte de verbos pronominais
odos, parágrafos, sequências textuais ou porções maiores
reflexivos, isto é, de verbos que indicam que o sujeito da
do texto) e contribuem para a interpretação, com duas
frase praticou e recebeu a ação. No exemplo a seguir, o
funções relevantes: cognitiva, pois guiam o interlocutor no
sujeito feriu a si mesmo.
percurso interpretativo do texto; e argumentativa, porque
Após se ferir, homem é preso com revólver e apontam a orientação argumentativa do texto.
quatro espingardas Há três tipos de articuladores textuais. Vejamos quais
são eles no quadro.
GARNES, Geisy. Campo Grande News. 17 jun. 2021.

Tipo de
Função Exemplos
Pronome reflexivo recíproco articulador
Empregado em frases na voz passiva recíproca, indi-
cando que uma ação verbal ocorreu de forma mútua, como
pode ser observado no fragmento de notícia a seguir.

Aposentada de Rio Verde reencontra irmãos


que não via há mais de 50 anos após post em
rede social
Devido à pandemia, eles só se viram por chamada de
vídeo, mas a emoção transborda a cada ligação. Tipo de
Função Exemplos
SANTANA, Vitor. G1 GO, 9 jun. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/go/ articulador
goias/noticia/2021/06/09/aposentada-de-rio-verde-reencontra-irmaos-depois-de-
mais-de-50-anos-apos-post-em-rede-social.ghtml. Acesso em: 23 jan. 2022.

Funções da conjunção “se”


CONJUNÇÃO SUBORDINATIVA INTEGRANTE
Introduz uma oração que desempenha papel de subs-
tantivo.
Saiba mais

As frases introduzidas por conjunções subordinativas


integrantes podem funcionar como sujeito, objeto direto,
objeto indireto, predicativo, complemento nominal ou apos-
to de outra oração.
ADVERBIAL CAUSAL
Utilizado em orações subordinadas adverbias causais.

A seguir, vamos discutir sobre cada um dos tipos de


articulador apresentados anteriormente, tomando como
ADVERBIAL CONDICIONAL exemplos trechos de redações que receberam a nota má-
Presente em orações subordinadas adverbias condicionais. xima no Enem 2020, cujo tema foi: “Democratização do
acesso ao cinema no Brasil”.

Organizadores textuais
Os organizadores textuais têm a função de segmentar
Articulação textual e argumentação e ordenar o texto, a fim de torná-lo coerente. Na sequência,
As palavras “texto” e “tecido” têm a mesma origem temos parte da introdução de uma dissertação-argumenta-
etimológica: ambas vêm de textus, termo em latim que tiva, que mostra especificamente a exposição do ponto de

116 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Mecanismos gramaticais e coesivos nos vestibulares


vista a ser defendido, seguida do início de dois parágrafos O termo “felizmente” mostra o posicionamento do
de argumentação. autor ao avaliar de forma positiva a proposta de solução
[...] Nesse contexto, percebe-se que o acesso ao cinema construída.
não é democratizado e convém analisar as causas e impactos y Articuladores metaformulativos: usados quando o
negativos dessa situação na sociedade. locutor faz reformulações e reflexões sobre a forma
Em primeiro lugar, é preciso compreender as causas des- como empregou termos ou palavras em seu texto, ou
sa problemática. Em um mundo marcado pelo capitalismo, sobre a função de um segmento em relação a um an-
é comum que, cada vez mais, seja fortalecido o sistema de terior: “mais precisamente”, “sobretudo”, “isto é”, “quer
mercantilização do lazer, ou seja, este passa a ser vendido por dizer”, “na verdade”, “quanto a”, “em relação a”, “a res-
empresas em forma de mercadoria. [...] peito de”, “a título de esclarecimento/de comentário/
Em segundo lugar, é importante salientar os impactos nega- de crítica”. O trecho da introdução a seguir apresenta
tivos desse quadro na sociedade. Tendo em vista que a parcela o articulador metaformulativo “isto é”.
mais pobre da população, geralmente, não consegue arcar com
os custos de frequentar o cinema e sabendo que o acesso ao No século XIX, os avanços tecnológicos e científicos pro-
lazer é um direito garantido pela Constituição Federal [...]. porcionaram às populações novas alternativas de lazer, dentre
LOPES, Stela Terra. Disponível em: https://download.inep.gov.br/publicacoes/ as quais se pode citar o cinema. No Brasil, atualmente, tal
institucionais/avaliacoes_e_exames_da_educacao_basica/a_redacao_do_ forma de diversão tem se destacado, uma vez que promove
enem_2020_-_cartilha_do_participante.pdf. Acesso em: 23 jan. 2022.
a interação com o público de maneira singular, isto é, gera
No excerto, observamos que se estabeleceu como tese muitas emoções aos indivíduos [...]
discutir as causas e os impactos negativos da não democra- TEIXEIRA, Gustavo Lopes. Disponível em: https://download.inep.gov.br/
publicacoes/institucionais/avaliacoes_e_exames_da_educacao_basica/a_redacao_
tização do acesso ao cinema no Brasil. Assim, na construção do_enem_2020_-_cartilha_do_participante.pdf. Acesso em: 23 jan. 2022.
dos argumentos, a autora focou inicialmente nas causas da O articulador “isto é” permite ao autor do texto reformu-
falta de democratização, apontando os preços altos dos in- lar o que estava escrevendo, explicando mais claramente
gressos e a localização dos cinemas no interior de shoppings suas reflexões.
como fatores que dificultam o acesso por parte de pessoas
com menor poder aquisitivo e/ou que morem em bairros mais Conectores
afastados. No terceiro parágrafo, o organizador textual “Em Em um texto, tudo está relacionado: um enunciado
segundo lugar” introduz um complemento ao argumento está conectado a outros na medida em que não pode ser
anterior, com a finalidade de desenvolver o segundo aspecto compreendido isoladamente, mas ajuda na compreensão
contido na tese, ou seja, discutir os impactos negativos da dos demais. Essa conexão é expressa pelos conectores
falta de democratização do acesso ao cinema. lógicos, que têm por função possibilitar que o autor/locutor
É importante notar que os organizadores textuais “Em estabeleça encadeamentos entre as orações. Nos capítulos
primeiro lugar” e “Em segundo lugar” organizam o racio- anteriores, estudamos as conjunções de coordenação e su-
cínio da autora do texto, pois permitem que ela ordene a bordinação que funcionam como conectores na construção
argumentação construída para desenvolver a tese. textual. A seguir, observamos alguns conectores utilizados
nos últimos parágrafos de uma redação do Enem.
Marcadores metadiscursivos
Os marcadores metadiscursivos atuam tanto para evi- Ademais, o problema existe também em locais onde há
denciar alguma avaliação do autor do texto, quanto para salas de cinema, uma vez que o custo das sessões é inacessível
possibilitar que uma informação seja reformulada. Por isso, às classes de renda baixa. Isso se deve ao fato de o mercado ser
eles podem ser subdivididos em: dominado por poucas empresas exibidoras. Conforme teorizou
inicialmente o pensador inglês Adam Smith, o preço decorre da
y Modalizadores: usados para o locutor se posicionar concorrência: a competitividade força a redução dos preços,
diante do que diz: “certamente”, “evidentemente”, enquanto os oligopólios favorecem seu aumento. Nesse sentido,
“aparentemente”, “obrigatoriamente”, “sem dúvida”, a baixa concorrência dificulta amplo acesso ao cinema no Brasil.
“(in)felizmente”, “lamentavelmente”, “talvez”, entre Portanto, a democratização do cinema depende da disse-
muitos outros. Vamos observar a seguir o uso do mo- minação e do jogo de mercado. A fim de levar os filmes a zonas
dalizador “felizmente”, no trecho de uma conclusão periféricas, as prefeituras dessas regiões devem promover a in-
de redação do Enem. teriorização dos cinemas, por meio de investimentos no lazer e
incentivos fiscais. Além disso, visando reduzir o custo das sessões,
Por fim, caminhos devem ser elucidados para democratizar cabe ao Ministério da Fazenda ampliar a concorrência entre as
o acesso ao cinema no Brasil, levando-se em consideração as empresas exibidoras, o que pode ser feito pela regulamentação
questões sociais e legislativas abordadas. Sendo assim, cabe e fiscalização das relações entre elas, atraindo novas empresas
ao Governo Federal – órgão responsável pelo bem-estar e lazer para o Brasil. Isso impediria a formação de oligopólios, conse-
da população – elaborar um plano nacional de incentivo à quentemente aumentando a concorrência. Com essas medidas,
prática cinematográfica [...]. Assim, felizmente, os cidadãos o cinema será democratizado, possibilitando a toda a população
poderão desfrutar das benesses advindas dessa engrandecedora brasileira o mesmo encanto que tinha Hugo Cabret com os filmes.
FRENTE 1

ação artística. MERLI, Gabriel. Disponível em: https://download.inep.gov.br/


NOGUEIRA, Gabriel Melo Caldas. Disponível em: https://download.inep.gov.br/ publicacoes/institucionais/avaliacoes_e_exames_da_educacao_basica/
publicacoes/institucionais/avaliacoes_e_exames_da_educacao_basica/a_redacao_ a_redacao_do_enem_2020_-_cartilha_do_participante.pdf.
do_enem_2020_-_cartilha_do_participante.pdf. Acesso em: 23 jan. 2022. Acesso em: 23 jan. 2022.

117
Veja no quadro a seguir as funções desses conectores na construção dos parágrafos e a classificação sintática de
cada um deles.

Conector Função Classificação

Estabelecendo relações

Revisando

1. Unicamp-SP 2020 Leia o texto a seguir e responda 2. IME-RJ 2016


à questão. A química em nossas vidas
O telejornalismo é um dos principais produtos televi- Carlos Corrêa
sivos. Sejam as notícias boas ou ruins, ele precisa garantir
uma experiência esteticamente agradável para o especta- Há a ideia generalizada de que o que é natural é bom
dor. Em suma, ser um “infotenimento”, para atrair prestígio, e o que é sintético, o que resulta da ação do homem, é
anunciante e rentabilidade. Porém, a atmosfera pesada do mau. Não vou citar os terremotos, tsunamis e tempestades,
início do ano baixou nos telejornais: Brumadinho, jovens tudo natural, que não têm nada de bom, mas certas subs-
atletas mortos no incêndio do CT do Flamengo, notícias tâncias naturais muito más, como as toxinas produzidas
diárias de feminicídios, de valentões armados matando naturalmente por certas bactérias e os vírus,todos tão na
moda nestes últimos tempos. Dentre os maiores venenos
em brigas de trânsito e supermercados. Conjunções ad-
que existem, seis são naturais. Só o sarin (gás dos nervos)
versativas e adjuntos adverbiais já não dão mais conta
e as dioxinas é que são de origem sintética.
de neutralizar o tsunami de tragédias e violência, e de
Muitos alimentos contêm substâncias naturais que po-
amenizar as más notícias para garantir o “infotenimen-
dem causar doenças, como por exemplo o isocianato de
to”. No jornal, é apresentada matéria sobre uma mulher
alila (alho, mostarda) que pode originar tumores, o ben-
brutalmente espancada, internada com diversas fraturas
zopireno (defumados, churrascos) causador de câncer do
no rosto. Em frente ao hospital, uma repórter fala: “mas a
estômago, os cianetos (amêndoas amargas, mandioca) que
boa notícia é que ela saiu da UTI e não precisará mais de são tóxicos, as hidrazinas (cogumelos) que são canceríge-
cirurgia reparadora na face...”. Agora, repórteres repetem nas, a saxtoxina (marisco) e a tetrodotoxina (peixe estragado)
a expressão “a boa notícia é que...”, buscando alguma que causam paralisia e morte, certos taninos (café, cacau)
brecha de esperança no “outro lado” das más notícias. causadores de câncer do esôfago e da boca e muitos outros.
Adaptado de Wilson R. V. Ferreira, Globo adota “a boa notícia é que...” para A má imagem da Química resulta da sua má utili-
tentar se salvar do baixo astral nacional. Disponível em https://cinegnose.
Blogs pot.com/2019/02/globo-adotaboa-noticia-e-que-para.html. zação e deve-se particularmente à dispersão de resíduos
Acesso em: 1 mar. 2019. no ambiente (que levam ao aquecimento global e mu-
danças climáticas, ao buraco da camada de ozônio e à
Considerando a matéria apresentada no jornal, o uso
contaminação das águas e solos) e à utilização de aditivos
da conjunção adversativa seguido da expressão “a alimentares e pesticidas.
boa notícia é que” permite ao jornalista Muitos desses males são o resultado da pouca educa-
a) apontar a gravidade da notícia e compensá-la. ção dos cidadãos. Quem separa e compacta o lixo? Quem
b) expor a neutralidade da notícia e reforçá-la. entrega nas farmácias os medicamentos que se encontram
c) minimizar a relevância da notícia e acentuá-la. fora do prazo de validade? Quem trata os efluentes dos
d) revelar a importância da notícia e enfatizá-la. currais e das pocilgas? Quem deixa toda a espécie de lixo

118 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Mecanismos gramaticais e coesivos nos vestibulares


nas areias das nossas praias e matas? Quem usa e abusa do café torrado, vinte e uma eram cancerígenas em roedores
automóvel? Quem berra contra as queimadas mas enche e faltava testar cerca de um milhar! Vamos deixar de tomar
a sala de fumaça, intoxicando toda a família? Quem não café? Certamente que não. O que sucede é que a Química
admira o fogo de artifício, que enche a atmosfera e as é hoje capaz de detectar e caracterizar quantidades minús-
águas de metais pesados? culas de substâncias, o que não sucedia no passado. Como
Há o hábito de utilizar a expressão “substância quími- se disse, o veneno está na dose e essas substâncias estão
ca” para designar substâncias sintetizadas, imprimindo-lhes presentes em concentrações demasiado pequenas para cau-
um ar perverso, de substância maldita. Há tempospassou na sar danos.
TV um anúncio destinado a combater o uso do tabaco que Diante do que se sabe das substâncias analisadas
dizia:“… o fumo do tabaco contém mais de 4000 substân- até aqui, todos concordam que o importante é consumir
cias químicas tóxicas, irritantes e cancerígenas…”. Bastaria abundantes quantidades de frutos e vegetais. Isso com-
referir “substâncias”, masteve de aparecer o qualificativo pensa inclusive riscos associados à possível presença de
“químicas” para lhes dar um ar mais tenebroso.Todas as pequenas quantidades de pesticidas.
substâncias, naturais ou de síntese, são “substâncias quími- CORRÊA, Carlos. A Química em nossas vidas. Disponível em:
cas”! Todas as substâncias, naturais ou de síntese, podem www.cienciahoje.pt/index.php?oid=49746&op=all.
Acesso em: 17 abr. 2015. (Texto adaptado)
ser prejudiciais à saúde! Tudo depende da dose.
Qualquer dia aparecerá uma notícia na TV referindo, Nas opções a seguir, o vocábulo destacado indica uso
logo a seguir às notícias dos dirigentes e jogadores de fute- de recurso coesivo referencial, exceto em:
bol, que “A água, substância com a fórmula molecular H2O, a) “todos tão na moda nestes últimos tempos”.
foi a substância química responsável por muitas mortes nas (1o parágrafo)
nossas praias”… por falta de cuidado! Porque os Químicos b) “Não é verdade as substâncias de síntese (as
determinaram as estruturas e propriedades dessas substân- ‘substâncias químicas’)” (8o parágrafo)
cias, haverá razão para lhes chamar “substâncias químicas”? c) “sejam uma causa importante do câncer; isso
Estamos sendo envenenados pelas muitas “substâncias quí- concede somente quando há a exposição a altas
micas” que invadem as nossas vidas?
doses”. (8o parágrafo)
A ideia de que o câncer está aumentando devido a essas
d) “Há tempos passou na TV um anúncio destinado a
“substâncias químicas” é desmentida pelas estatísticas sobre
combater o uso do tabaco dizia” (5o parágrafo)
o assunto, à exceção do fumo do tabaco, que é a maior cau-
e) ”mas teve de aparecer o qualificativo “químicas”
sa de aumento do câncer do pulmão e das vias respiratórias.
O aumento da longevidade acarreta necessariamente um
para lhes dar um ar mais tenebroso.” (5o parágrafo)
aumento do número de cânceres. Curiosamente, o tabaco é
natural e essas 4000 substâncias tóxicas, irritantes e cancerí- 3. ITA-SP 2019
genas resultam da queima das folhas do tabaco. A reação de Em frente da minha casa existe um muro enorme, todo
combustão não foi inventada pelos químicos; vem da idade branco. No Facebook, uma postagem me chama atenção:
da pedra, quando o homem descobriu o fogo. é um muro virtual e a brincadeira é pichá-lo com qual-
O número de cânceres das vias respiratórias na mu- quer frase que vier à cabeça. Não quero pichar o mundo
lher só começou a crescer em meados dos anos 60, com a virtual, quero um muro de verdade, igual a este de frente
emancipação da mulher e o subsequente uso do cigarro. É para a minha casa. Pelas ruas e avenidas, vou trombando
o tipo de câncer responsável pelo maior número de mortes nos muros espalhados pelos quarteirões, repletos de frases
nos Estados Unidos.Não é verdade que as substâncias tolas, xingamentos e erros de português. Eu bem poderia
de síntese (as “substâncias químicas”)sejam uma causa modificar isso.
importante de câncer; isso sucede somente quando há “O caminho se faz caminhando”, essa frase genial,
exposição a altas doses. As maiores causas de câncer são tão forte e certeira do poeta espanhol Antonio Machado,
o cigarro, o excesso de álcool, certas viroses, inflamações merece aparecer em diversos muros. Basta pensar um
crônicas e problemas hormonais. A melhor defesa é uma pouco e imaginar; de fato, não há caminho, o caminho
dieta rica em frutos e vegetais. se faz ao caminhar.
Há alguns anos, metade das substâncias testadas (na- De repente, vejo um prédio inteiro marcado por ris-
turais e sintéticas) em roedores deram resultado positivo cos sem sentido e me calo. Fui tentar entender e não me
em alguns testes de carcinogenicidade. Muitos alimentos faltaram explicações: é grafite, é tribal, coisas de difícil com-
contêm substâncias naturais que dão resultado positivo, preensão. As explicações prosseguem: grafite é arte, pichar
como é o caso do café torrado, embora esse resultado não é vandalismo. O pequeno vândalo escondido dentro de
possa ser diretamente relacionado ao aparecimento de um mim busca frases na memória e, então, sinto até o cheiro
câncer, pois apenas a presença de doses muito elevadas da lama de Woodstock em letras garrafais: “Não importam
das substâncias pode justificar tal relação. os motivos da guerra, a paz é muito mais importante”.
Embora um estudo realizado por Michael Shechter, do Feito uma folha deslizando pelas águas correntes do
Instituto do Coração de Sheba, Israel, mostrasse que a ca- rio me surge a imagem de John Lennon; junto dela, outra
feína do café tem propriedades antioxidantes, atuando no frase: “O sonho não acabou”, um tanto modificada pela
combate a radicais livres, diminuindo o risco de doenças car- minha mão, tornando-se: o sonho nunca acaba. E minha
FRENTE 1

diovasculares e alguns tipos de câncer, a verdade é que, há cabeça já se transforma num muro todo branco.
meia dúzia de anos, só 3% dos compostos existentes no ca- Desde os primórdios dos tempos, usamos a escri-
fé tinham sido testados. Das trinta substâncias testadas no ta como forma de expressão, os homens das cavernas

119
deixaram pichados nas rochas diversos sinais. Num ato Leia o trecho do livro O oráculo da noite, do neuro-
impulsivo, comprei uma tinta spray, atravessei a rua chacoa- cientista Sidarta Ribeiro, para responder à questão 4.
lhando a lata e assim prossegui até chegar à minha sala,
abraçado pela ansiedade aumentada a cada passo. Colo- A palavra sonho, do latim somnium, significa mui-
quei o dedo no gatilho do spray e fiquei respirando fundo, tas coisas diferentes, todas vivenciadas durante a vigília,
juntando coragem e na mente desenhando a primeira frase e não durante o sono. Realizei “o sonho da minha vida”,
para pichar, um tipo de lema, aquela do Lô Borges: “Os “meu sonho de consumo” são frases usadas cotidianamente
sonhos não envelhecem” – percebo, num sorrir de canto pelas pessoas para dizer que pretendem ou conseguiram
de boca, o quanto os sonhos marcam a minha existência. alcançar algo. Todo mundo tem um sonho, no sentido de
Depois arriscaria uma frase que criei e gosto: plano futuro. Todo mundo deseja algo que não tem. Por
“A lagarta nunca pensou em voar, mas daí, no espanto que será que o sonho, fenômeno normalmente noturno que
da metamorfose, lhe nasceram asas...”. Ou outra, com- tanto pode evocar o prazer quanto o medo, é justamente
pletamente tola, me ocorreu depois de assistir a um a palavra usada para designar tudo aquilo que se quer ter?
documentário, convencido de que o panda é um bicho O repertório publicitário contemporâneo não tem
cativante, mas vive distante daqui e sua agonia não é me- dúvidas de que o sonho é a força motriz de nossos com-
nor das dos nossos bichos. Assim pensando, as letras duma portamentos. Desejo é o sinônimo mais preciso da palavra
nova pichação se formaram num estalo: “Esqueçam os “sonho”. [...] Na área de desembarque de um aeroporto
pandas, salvem as jaguatiricas!”. nos Estados Unidos, uma foto enorme de um casal belo e
No muro do cemitério, escreveria outra frase que gos- sorridente, velejando num mar caribenho em dia ensolara-
to: “Em longo prazo estaremos todos mortos”, do John do, sob a frase enigmática: “Aonde seus sonhos o levarão?”,
Keynes, que trago comigo desde os tempos da faculdade. embaixo o logotipo da empresa de cartão de crédito. Deduz-
Frases de túmulos ganhariam os muros; no de Salva- -se do anúncio que os sonhos são como veleiros, capazes
dor Allende está consagrado, de autoria desconhecida: de levar-nos a lugares idílicos, perfeitos, altamente… de-
“Alguns anos de sombras não nos tornarão cegos.” Sempre sejáveis. As equações “sonho é igual a desejo que é igual
apegado aos sonhos, picharia também uma do Charles a dinheiro” têm como variável oculta a liberdade de ir, ser
Chaplin: “Nunca abandone os seus sonhos, porque se e principalmente ter, liberdade que até os mais miseráveis
um dia eles se forem, você continuará vivendo, mas terá podem experimentar no mundo de regras frouxas do sonho
deixado de existir”. noturno, mas que no sonho diurno é privilégio apenas dos
Claro, eu poderia escrever essas frases num livro, num detentores de um mágico cartão plástico.
caderno ou no papel amassado que embrulha o pão da A rotina do trabalho diário e a falta de tempo para dormir
manhã, mas o muro me cativa, porque está ao alcance e sonhar, que acometem a maioria dos trabalhadores, são
das vistas de todos e quero gritar para o mundo as frases
cruciais para o mal-estar da civilização contemporânea. É
que gosto; são tantas, até temo que me faltem os muros.
gritante o contraste entre a relevância motivacional do sonho
Poderia passar o dia todo pichando frases, as linhas vão se
e sua banalização no mundo industrial globalizado. [...] A
acabando e ainda tenho tanto a pichar... “É preciso muito
indústria da saúde do sono, um setor que cresce acelerada-
tempo para se tornar jovem”, de Picasso, “Há um certo
mente, tem valor estimado entre 30 bilhões e 40 bilhões de
prazer na loucura que só um louco conhece”, de Neruda,
dólares. Mesmo assim a insônia impera. Se o tempo é sempre
“Se me esqueceres, só uma coisa, esquece-me bem deva-
escasso, se despertamos diariamente com o toque insistente
garzinho”, cravada por Mário Quintana...
do despertador, ainda sonolentos e já atrasados para cumprir
Encerro com Nietzsche: “Isto é um sonho, bem sei, mas
compromissos que se renovam ao infinito, se tão poucos se
quero continuar a sonhar”, que serve para exemplificar o
que sinto neste momento, aqui na minha sala, escrevendo lembram que sonham pela simples falta de oportunidade de
no computador o que gostaria de jogar nos muros lá fora, a contemplar a vida interior, quando a insônia grassa e o bocejo
custo me mantendo calmo, um olho na tela, outro voltado se impõe, chega-se a duvidar da sobrevivência do sonho.
para o lado oposto da rua. Lá tem aquele muro enorme, E, no entanto, sonha-se. Sonha-se muito e a granel,
branco e virgem, clamando por frases. Não sei quanto tem- sonha-se sofregamente apesar das luzes e dos ruídos da
po resistirei até puxar o gatilho do spray. cidade, da incessante faina da vida e da tristeza das pers-
Adaptado de: ALVEZ, A. L. Um muro para pichar. Correio do Estado, fev pectivas. Dirá a formiga cética que quem sonha assim tão
2018. Disponível em: https://correiodoestado.com.br//opiniao/leia-a-cronica- livre é o artista, cigarra de fábula que vive de brisa. [...] Na
de-andre-luiz-alvez-um-muro-para-pichar/321052. Acesso em: ago. 2018.
peça teatral A vida é sonho, o espanhol Pedro Calderón
Assinale a alternativa em que o item sublinhado não é de la Barca dramatizou a liberdade de construir o próprio
pronome relativo. destino. O sonho é a imaginação sem freio nem controle,
a) a brincadeira é pichá-lo com qualquer frase solta para temer, criar, perder e achar.
vier a cabeça. O oráculo da noite: a história e a ciência do sonho, 2019.

b) ou no papel amassado embrulha o pão da


manhã. 4. Unifesp 2021 A palavra sublinhada em “Se o tempo
c) são tantas, até temo me faltem muros. é sempre escasso, se despertarmos diariamente”
d) há um certo prazer na loucura só um louco (3o parágrafo) pertence à mesma classe gramatical da
conhece. palavra sublinhada em:
e) que serve para exemplificar o sinto neste a) “sonha-se sofregamente apesar das luzes e dos
momento. ruídos da cidade” (4o parágrafo)

120 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Mecanismos gramaticais e coesivos nos vestibulares


b) “se tão poucos se lembram que sonham” honesto? É sobre isso que a pessoa quer falar, apesar de
(o parágrafo) tudo que está acontecendo. Porque só o bom gosto pode
c) “quando a insônia grassa e o bocejo se impõe” salvar este país.
(o parágrafo) Adaptado de Fernanda Young, Bando de cafonas. Publicado em https: //
oglobo.globo.com/cultura/em-sua-ultima-coluna-fernanda-young-sent
d) “chega-se a duvidar da sobrevivência do sonho” enciacafonice-detesta-arte-23903168. Acesso em: 27 maio 2020.
(o parágrafo)
e) “compromissos que se renovam ao infinito” (o Em relação aos recursos de coesão usados na cons-
parágrafo) trução do texto, é correto armar que:
a) a “economia estagnada” é retomada no uso da
expressão “dar carteiradas”.
5. AFA-SP 2017
b) o uso de “isso”, no final do texto, retoma as ideias
Retrato de cafonice e honestidade.
Eu não tinha este rosto de hoje,
c) “apesar de tudo”, na antepenúltima linha, retoma
Assim calmo, assim triste, assim assim amargo, o que a autora denomina “império da cafonice”.
Nem estes olhos tão vazios, d) o “porque”, na penúltima linha, explica que o país
Nem o lábio amargo precisa do bom gosto dos cafonas.
Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas; 7. IFGoiano-GO 2014
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra. Por que nunca entrei no Facebook
Eu não dei por esta mudança, Eugenio Bucci
Tão simples, tão certa, tão fácil: – Não, não estou no Facebook.
— em que espelho ficou perdida Quando a gente diz isso numa roda, num jantar ou
a minha face? num ponto de ônibus, a conversa silencia. Olhares in-
MEIRELES, Cecília. Obra Poética de Cecília Meireles.
Rio de Janeiro: José Aguilar, 1958.
crédulos saltam sobre nossa figura tímida, como luzes
de otorrinolaringologistas do futuro, tentando investigar
Assinale a alternativa que apresenta uma análise correta. nossas limitações ocultas. Analfabetismo digital? Conserva-
a) Os termos “calmo”, “triste” e “amargo” (v. 2) acres- dorismo? Alguém arrisca um “em que planeta você vive?”.
centam circunstâncias de modo ao verbo “ter” (do Outro sente pena e tenta ser simpático: “Até minha avó
primeiro verso), exercendo, pois, a função de ad- está no Face, é tão friendly”.
juntos adverbiais de modo. Aí, vem aquela voz categórica, que procura dar o
b) A oração “que nem se mostra” (v. 8) está sin- sinal definitivo dos tempos: “Minha filha já nem usa mais
taticamente ligada ao substantivo coração, email. Com ela, é tudo pelo Facebook”. É assim que os
caracterizando-o; portanto, essa oração exerce a 46,3 milhões de brasileiros que mantêm um perfil pessoal
função sintática de adjunto adnominal. na maior rede social do planeta tratam os outros, os que
c) O verbo “dar” (v. 9) significa notar, perceber e clas- estão de fora. Fazem ar de espanto. Fazem chiste, bullying,
assédio moral.
sifica-se como verbo transitivo direto, embora esteja
E não obstante: Não, não estou no Facebook. E acho
ligado a seu complemento por meio de preposição.
que tenho razão. Errados estão os 845 milhões de viventes
d) O pronome pessoal “se” (v. 8) é recíproco e fun-
que, em todas as línguas, em todos os países, puseram lá
ciona como complemento do verbo mostrar; já o
suas fotografias (tem gente sem camisa!) ao lado de seus
pronome “que” (v. 11) é relativo e funciona como depoimentos confessionais. Viventes e morrentes, é bom
adjunto adverbial de lugar. saber. Há poucas semanas, o escritor Humberto Werne-
ck, em sua coluna dominical no jornal O Estado de São
6. Unicamp-SP 2021 A Amazônia em chamas, a censura Paulo, registrou um dado um tanto mórbido. Quando um
voltando, a economia estagnada, e a pessoa quer falar sujeito morre – isso acontece –, o perfil do defunto fica lá,
de quê? Dos cafonas. Do império da cafonice que nos intacto. O perfil do morto não entra em putrefação, nem
domina. O cafona fala alto e se orgulha de ser grosseiro e vai para debaixo da tela. Os outros usuários, estes vivos,
sem compostura. Acha que pode tudo. Não há ética que mas desavisados, podem “curtir” até cansar. O perfil não
caiba a ele. Enganar é ok. Agredir é ok. Gentileza, edu- se mexe nem sai de cena. Não há coveiros digitais no
cação, delicadeza, para um convicto e ruidoso cafona, é tempo real. De todo modo, como não frequento isso que
tudo coisa de maricas. O cafona fura filas, canta pneus Werneck chamou de “cemitério virtual”, não posso saber
e passa sermões. Despreza a ciência, porque ninguém como é. Apenas presumo que deva ser aflitivo. Também
pode ser mais sabido que ele. O cafona quer ser autorida- por isso, ali não entro nem morto.
de, para poder dar carteiradas. Quer bajular o poderoso A fonte da minha resistência, contudo, não está nessa
e debochar do necessitado. Quer andar armado. Quer situação terrível, não da morte em vida, mas da vida em
tirar vantagem em tudo. Unidos, os cafonas fazem passe- morte a que a grande rede pode nos sentenciar. Também
FRENTE 1

atas de apoio e protestos a favor. Atacam como hienas e não está nas fotos de gente sem camisa. A evasão de intimi-
se escondem como ratos. Existe algo mais brega do que dades em que estamos submersos é a regra totalitária. Até
um rico roubando? Algo mais chique do que um pobre mesmo a fé – algo ainda mais íntimo que o sexo – ganhou

121
estatuto de espetáculo nas telas eletrônicas, e a transcen- 8. Enem 2013 Na verdade, o que se chama generica-
dência do espírito se converteu em explicitude obscena. mente de índios é um grupo de mais de trezentos
Entre o lúbrico e o religioso, não é o festival abrasivo povos que, juntos, falam mais de 180 línguas diferen-
nauseante de intimidades que me mantém distante. Não tes. Cada um desses povos possui diferentes histórias,
é também a frivolidade. lendas, tradições, conceitos e olhares sobre a vida,
O que mais me afasta desse tipo de rede social é o sobre a liberdade, sobre o tempo e sobre a natureza.
comércio. Nada contra as feiras livres, que, em qualquer Em comum, tais comunidades apresentam a profunda
lugar, em qualquer tempo, concentram as mais autênticas comunhão com o ambiente em que vivem, o respeito
vibrações da cultura (a melhor porta de entrada para o em relação aos indivíduos mais velhos, a preocupação
viajante que quer conhecer uma cidade é a feira livre). com as futuras gerações, e o senso de que a felicida-
Agora, o comércio no Facebook é outra história. Ele é de individual depende do êxito do grupo. Para eles, o
ainda mais funéreo que a presença dos clientes mortos sucesso é resultado de uma construção coletiva. Estas
que não pagam nem arredam pé. Ali, a mercadoria é ideias, partilhadas pelos povos indígenas, são indis-
o freguês, o que vai ficando cada dia mais evidente, pensáveis para construir qualquer noção moderna de
com denúncias crescentes sobre o uso de informações civilização. Os verdadeiros representantes do atraso
pessoais mercadejadas pelos administradores do site. Ali no nosso país não são os índios, mas aqueles que se
dentro, as mais exibicionistas intimidades adquirem um pautam por visões preconceituosas e ultrapassadas de
sinistro valor de troca para as mais intrincadas estratégias “progresso”.
mercadológicas. AZZI, R. As razões de ser guarani-kaiowá. Disponível em: www.
Já no tempo do Orkut – no qual também nunca pus outraspalavras.net. Acesso em: 7 dez. 2012.
os pés, ou os dedos, ou os dígitos – esse fantasma existia. Considerando-se as informações abordadas no tex-
Hoje, no Facebook, o velho fantasma é corpóreo, material, to, ao iniciá-lo com a expressão “Na verdade”, o autor
indisfarçável em seu jogo desigual. O usuário alimenta o
tem como objetivo principal
usurário – com seu próprio trabalho, não remunerado.
a) expor as características comuns entre os povos
Clicando “curti” para lá e para cá, o freguês fabrica ale-
indígenas no Brasil e suas ideias modernas e ci-
gremente o “database marketing” que o vende sem que
vilizadas.
ele saiba. Estou fora. Muito obrigado.
Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/opiniao/eugenio-bucci/
b) trazer uma abordagem inédita sobre os povos in-
noticia/2012/06/por-que-nunca-entrei-no-facebook.html. dígenas no Brasil e, assim, ser reconhecido como
Acesso em: 10 nov. 2013. [Adaptado] especialista no assunto.
Leia o seguinte fragmento: c) mostrar os povos indígenas vivendo em comu-
nhão com a natureza, e, por isso, sugerir que se
A fonte da minha resistência, contudo, não está nessa
deve respeitar o meio ambiente e esses povos.
situação terrível, não da morte em vida, mas da vida em
morte a que a grande rede pode nos sentenciar. d) usar a conhecida oposição entre moderno e
antigo como uma forma de respeitar a maneira
O conectivo em destaque expressa ideia de ultrapassada como vivem os povos indígenas em
a) oposição diferentes regiões do Brasil.
b) adição e) apresentar informações pouco divulgadas a res-
c) negação peito dos indígenas no Brasil, para defender o
d) tempo caráter desses povos como civilizações, em con-
e) conclusão traposição a visões preconcebidas.

Exercícios propostos

1. AFA-SP 2013 10 Steve Jobs, um de seus fundadores, que fora afastado nos
anos 80, assumiu o comando criativo da empresa, em
A maçã de ouro 1996. A Apple estava à beira da falência e só ganhou
A Apple supera a Microsoft em valor de mercado, sobrevida porque recebeu um aporte de 150 milhões de
premiando o espírito visionário e libertário de dólares de Microsoft. Jobs iniciou o lançamento de pro-
Steve Jobs 15 dutos genuinamente revolucionários nas áreas que mais
A Microsoft e a Apple vieram ao mundo praticamente crescem na indústria de tecnologia. Primeiro com o iPod
ao mesmo tempo, em meados dos anos 1970, criadas e a loja virtual iTunes. Depois vieram o iPhone e, agora,
na garagem de jovens estudantes. Mas as empresas não o iPad. Desde o início de 2005, o preço das ações da
trilharam caminhos paralelos. A Microsoft desenvolveu o empresa foi multiplicado por oito. Na semana passada, a
5 sistema operacional mais popular do mundo e rapidamen- 20 Apple alcançou o cume. Tornou-se a companhia de tec-
te se tornou uma das maiores corporações americanas, nologia mais valiosa do mundo, superando a Microsoft.
rivalizando com gigantes da velha indústria. A Apple, ao Na sexta-feira, a empresa de Jobs tinha valor de mercado
contrário, demorou a decolar. Fazia produtos inovadores, de 233 bilhões de dólares, contra 226 bilhões de dólares
mas que vendiam pouco. Isso começou a mudar quando da companhia de Bill Gates.

122 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Mecanismos gramaticais e coesivos nos vestibulares


25 A marca, para além da disputa pessoal entre os maio- Só em 2014 encontrou novas penas. Dessa vez, um
res gênios da nova economia, coroa a estratégia definida colega o procurou para que ele usasse seus dotes artísticos
por Jobs. Quando ele retornou à Apple, tamanha era a para criar um amarrador de cabelo com pena. José topou
descrença no futuro da empresa que Michael Dell, fun- fazer e ainda conseguiu ficar com algumas para colocar
dador da Dell, afirmou que o melhor a fazer era fechar em seu cocar.
30 as portas e devolver o dinheiro a seus acionistas. Hoje, a José lembra das conversas com amigos tocadores
Dell vale um décimo da Apple. O mérito de Jobs foi ter de tambor que sempre falam que se um animal ou uma
a presciência do rumo que o mercado tomaria. árvore sofreu ou morreu para que conseguissem produzir
BARRUCHO, Luís Guilherme & TSUBOI, Larissa. A maçã de ouro. o instrumento musical, o mínimo que eles deveriam ter
In: Revista Veja, 02 de jun. 2010, p.187. (Adaptado.)
é respeito.
Assinale a alternativa em que o termo retomado pelo Paula Rodrigues. Disponível em: www.uol.com.br/ecoa/
ultimas-noticias /2021/09/08/por-respeito-a-natureza-artista
mecanismo coesivo em destaque foi corretamente in- -tikuna-levou-16-a nos-para-criar-um-cocar.htm. /2021/09/08/por-respeito-a-
dicado entre parênteses: natureza-artista-tikuna-levou-16-a nos-para-criar-um-cocar.htm.
Acesso em: 8 set. 2021. (Adaptado.)
a) “Isso começou a mudar quando Steve Jobs...”
(l. 9 e10) – (fazia produtos inovadores) a) Explique o sentido da expressão “mais assusta-
b) “... e devolver o dinheiro a seus acionistas.” (l. 0) dor” no contexto do anúncio, comparando-a com
– (Steve Jobs) o processo de produção do cocar mencionado na
c) “... quando Steve Jobs, um de seus fundadores, notícia.
fora afastado nos anos 80,...” (l. 9 a 11) – b) Aponte a função sintática de “por respeito à natu-
(Steve Jobs) reza” e explique como a expressão contribui para
d) “A marca, para além da disputa pessoal entre os o sentido do título e do texto.
, coroa a estratégia
definida por Jobs.” (l. 25 a 27) – (Steve Jobs, Bill 3. ITA-SP 2017
Gates, Michael Dell)
Vídeos falsos confundem o público
2. Fuvest-SP 2022 e a imprensa
Por Jasper Jackson, tradução de Jo Amado
Texto 
Cerca de duas horas depois da divulgação dos aten-
tados de terça-feira (22/03) em Bruxelas,apareceu um
vídeo no YouTube, sob a alegação de que seriam imagens
do circuito fechado de televisão (CCTV), mostrando uma
5 explosão no aeroporto Zaventem, da cidade. As imagens
rapidamente se espalharam pelas redes sociais e foram
divulgadas por alguns dos principais sites de notícias. De-
pois desse,surgiu outro vídeo, supostamente mostrando
uma explosão na estação de metrô Maelbeek, próxima
10 aoParlamento Europeu, e ainda um outro, alegando ser
do aeroporto.
Entretanto, nenhum dos vídeos era o que alegava ser.
Os três vídeos eram gravações de 2011, doisde um aten-
Disponível em: www.publicitarioscriativos.com/-propagandas-
surpreendentemente-criativas/.Traduzido e adaptado. tado ao aeroporto Domodedovo, de Moscou, e um de uma
15 bomba que explodiu numa estação demetrô de Minsk,
Texto  capital da Belarus.
As imagens distorcidas dos clipes do circuito fechado
Por respeito à natureza, artista Tikuna levou de televisão foram convertidas de cor empreto e bran-
16 anos para criar um cocar co, horizontalmente invertidas, novamente etiquetadas e
20 postadas como se tivessem surgido dosacontecimentos
As primeiras penas de gavião real que conseguiu che-
do dia. Embora a conta do YouTube que compartilhou
garam em 2005. Um amigo o encontrou na aldeia certa
as imagens com falsos objetivos tenhasido rapidamente
vez e ofereceu algumas penas do animal que tinha encon-
tirada do ar, outros veículos as reproduziram dizendo que
trado morto no meio do mato tempos antes. “Depois, em eram de Bruxelas.
2011, um cacique me disse que tinha algumas também, 25 Os vídeos ilusórios são exemplos de um fenômeno que
perguntou se eu queria, eram umas oito. Juntando com vem se tornando cada vez mais comum emquase todas as
as que eu tinha, já dava para fazer um pedaço do cocar”, matérias importantes que tratam de acontecimentos vio-
conta José Tikuna. lentos e que ocorrem rapidamente.Reportagens falsas ou
Para completar a peça, ele precisou contar com mais ilusórias espalham-se rapidamente pelas redes sociais e são
doações de amigos e conhecidos. José mesmo chegou 30 acessadas pororganizações jornalísticas respeitáveis, con-
FRENTE 1

a rodar pela floresta atrás das penas do bicho, mas não fundindo ainda mais um quadro já incrivelmente confuso.
encontrava nada. Os anos passavam, e ele seguia procu- A disseminação e divulgação de falsas informações
rando e esperando. não têm nada de novo, mas a internet tornoumais fácil

123
plantar matérias e provas falsas e ilusórias, que serão am- costureirinha morena de Badajoz,essa Ingeborg que faz
35 plamente compartilhadas pelo Twitter epelo Facebook. 15 fotografias e essa Irgard que não faz coisa alguma, esse
Alastair Reid, editor administrativo do site First Draft, Stefan Cromick cujaúnica experiência na vida parece ter
que é uma coalizão de organizações que seespecializam sido vender bombons – não, essa gente não vai aumentar
em checar informações e conta com o apoio do Google, aprodução de batatinhas e quiabos nem plantar cidades
disse que parte do problema é quequalquer pessoa que pu- no Brasil Central.
40 blique em plataformas como o Facebook tem a capacidade 20 É insensato importar gente assim. Mas o destino das
de atingir uma audiênciatão ampla quanto aquelas que são pessoas e dos países também é, muitasvezes, insensato:
atingidas por uma organização jornalística. “Pode tratar-se de principalmente da gente nova e países novos. A humanidade
alguém tentando desviar propositalmente a pauta jornalística não vive apenas decarne, alface e motores. Quem eram os
por motivos políticos, ou muitas vezes são apenaspessoas pais de Einstein, eu pergunto; e se o jovem Chaplin quises-
45 que querem os números, os cliques e os compartilhamentos 25 sehoje entrar no Brasil acaso poderia? Ninguém sabe que
porque querem fazer parte da conversaou da validade da destino terão no Brasil essas mulheres louras,esses homens
informação”, disse ele. “Eles não têm quaisquer padrões de
de profissões vagas. Eles estão procurando alguma coisa:
ética, mas têm o mesmo tipo de distribuição.”
emigraram. Trazem pelomenos o patrimônio de sua in-
Nesse meio tempo, a rápida divulgação das notícias
quietação e de seu apetite de vida. Muitos se perderão, sem
50 online e a concorrência com as redes sociaistambém au-
30 futuro, navagabundagem inconsequente das cidades; uma
mentaram a pressão sobre as organizações jornalísticas
mulher dessas talvez se suicide melancolicamentedentro
para serem as primeiras a divulgar cadaavanço, ao mes-
de alguns anos, em algum quarto de pensão. Mas é preciso
mo tempo em que eliminam alguns dos obstáculos que
de tudo para fazer um mundo; e cadapessoa humana é um
permitem informações equivocadas.
mistério de heranças e de taras. Acaso importamos o pintor
55 Uma página na web não só pode ser atualizada de
maneira a eliminar qualquer vestígio de umamensagem 35 Portinari, o arquiteto Niemeyer, o físico Lattes? E os cons-
falsa, mas, quando muitas pessoas apenas se limitam a trutores de nossa indústria, como vieram eles ou seus pais?
registrar qual o website em que estãolendo uma repor- Quempergunta hoje, e que interessa saber, se esses homens
tagem, a ameaça à reputação é significativamente menor ou seus pais ou seus avós vieram para o Brasilcomo agricul-
tores, comerciantes, barbeiros ou capitalistas, aventureiros
60 que no jornal impresso. Em muitoscasos, um fragmento de
informação, uma fotografia ou um vídeo são simplesmente 40 ou vendedores de gravata? Semo tráfico de escravos não
bons demais para checar. teríamos tido Machado de Assis, e Carlos Drummond seria
Alastair Reid disse: “Agora talvez haja mais pressão impossível semuma gota de sangue (ou uísque) escocês nas
junto a algumas organizações para agiremrapidamente, veias, e quem nos garante que uma legislação exemplarde
65 para clicar, para ser a primeira… E há, evidentemente, imigração não teria feito Roberto Burle Marx nascer uru-
uma pressão comercial para ter aquelevídeo fantástico, 45 guaio, Vila Lobos mexicano, ou Pancettichileno, o general
aquela foto fantástica, para ser de maior interesse jorna- Rondon canadense ou Noel Rosa em Moçambique? Seja-
lístico, mais compartilhável e tudoisso pode se sobrepor mos humildes diante dapessoa humana: o grande homem
ao desejo de ser certo.” do Brasil de amanhã pode descender de um clandestino que
Adaptado de:http://observatoriodaimprensa.com.br/terrorismo/videos-falsos- nestemomento está saltando assustado na praça Mauá, e
confundem-o-publico-e-a-imprensa/.(Publicado originalmente no jornal
The Guardian em 23/3/2016. Acesso em: 30 mar. 2016.)
50 não sabe aonde ir, nem o que fazer. Façamos umapolítica
de imigração sábia, perfeita, materialista; mas deixemos
A palavra “que” constitui pronome relativo, exceto em: uma pequena margem aos inúteis e aosvagabundos, às
a) [...] que é uma coalizão (l. 37) aventureiras e aos tontos porque dentro de algum deles,
b) [...] que se especializam [...] (l. 37) como sorte grande dafantástica loteria humana, pode vir a
c) [...] que parte do problema [...] (l. 39) 55 nossa redenção e a nossa glória.
d) [...] que publique em plataformas [...] (l. 39-40) BRAGA, R. Imigração. In: A borboleta amarela.
e) [...] que são atingidas por uma organização jorna- Rio de Janeiro, Editora do Autor, 1963.

lística. (l. 41-42) Assinale a opção em que o termo grifado é conjunção


integrante.
4. ITA-SP 2015 a) José Leal fez uma reportagem na Ilha das Flores,
José Leal fez uma reportagem na Ilha das Flores, onde onde ficam os imigrantes, logo chegam. (l. 1 e 2)
ficam os imigrantes logo que chegam. Efalou dos equí- b) As pessoas ele encontrou não eram agricul-
vocos de nossa política imigratória. As pessoas que ele tores e técnicos, gente capaz de ser útil. (l. 3 a 5)
encontrou não eram agricultores etécnicos, gente capaz
c) Mas eu peço licença para ficar imaginando uma
5 de ser útil. Viu músicos profissionais, bailarinas austríacas,
porção de coisas vagas, ao olhar essas belas fo-
cabeleireiras lituanas.Paul Balt toca acordeão, Ivan Donef
faz coquetéis, Galar Bedrich é vendedor, Serof Nedko é
tografias ilustram a reportagem. (l. 11 a 13)
ex-oficial,Luigi Tonizo é jogador de futebol, Ibolya Pohl d) [...] e quem nos garante uma legislação exem-
é costureira. Tudo gente para o asfalto, “para entulhar plar de imigração não teria feito Roberto Burle
10 asgrandes cidades”, como diz o repórter. Marx nascer uruguaio, [...] (l. 43 a 45)
O repórter tem razão. Mas eu peço licença para ficar e) [...] o grande homem do Brasil de amanhã pode des-
imaginando uma porção de coisas vagas, aoolhar essas cender de um clandestino neste momento está
belas fotografias que ilustram a reportagem. Essa linda saltando assustado na praça Mauá, [...] (l. 47 a 49)

124 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Mecanismos gramaticais e coesivos nos vestibulares


5. Unifesp de seu pai morrendo num comício, dos marinheiros dos
Nos últimos três anos foram assassinadas mais de 140 navios, dos saveiristas e dos canoeiros. Uma voz que vem
milpessoas no Brasil. Uma média de 47 mil pessoas por do grupo que joga a luta da capoeira, que vem dos golpes
ano. Umaparcela expressiva destas mortes, que varia de que o Querido-de-Deus aplica. Uma voz que vem mesmo
região para região,é atribuída à ação da polícia, que se do padre José Pedro, padre pobre de olhos espantados
respalda na impunidadepara continuar cometendo seus diante do destino terrível dos Capitães da Areia. Uma voz
crimes. São 25 assassinatosao ano por cada 100 mil pes- que vem das filhas de santo do candomblé de Don’Ani-
soas, índice considerado deviolência epidêmica, segundo nha, na noite que a polícia levou Ogum. Voz que vem do
organismos internacionais. trapiche dos Capitães da Areia. Que vem do reformatório e
Se os assassinatos com armas de fogo são uma face do orfanato. Que vem do ódio do Sem-Pernas se atirando
da violênciavivida na nossa sociedade, ela não é a única. do elevador para não se entregar. Que vem no trem da
Logo atrás,em termos de letalidade, estão os acidentes Leste Brasileira, através do sertão, do grupo de Lampião
fatais de trânsito,com cerca de 33 mil mortos em 2002 pedindo justiça para os sertanejos. Que vem de Alberto, o
e 35 mil mortes por anoem 2004 e 2005. Isto, sem falar estudante pedindo escolas e liberdade para a cultura. Que
nos acidentados não fatais socorridospelo Sistema Único vem dos quadros de Professor, onde meninos esfarrapados
de Saúde, que multiplicam muitasvezes os números aqui lutam naquela exposição da rua Chile. Que vem de Boa-
apresentados e representam um custo queo IPEA estima -Vida e dos malandros da cidade, do bojo dos seus violões,
em R$ 5,3 bilhões para o ano de 2002. dos sambas tristes que eles cantam. Uma voz que vem de
A lista da violência alonga-se incrivelmente. Sobre as todos os pobres, do peito de todos os pobres. Uma voz
mulheres,os negros, os índios, os gays, sobre os mendigos que diz uma palavra bonita de solidariedade, de amizade:
na rua,sobre os movimentos sociais etc. Uma discussão companheiros. Uma voz que convida para a festa da luta.
num botequimde periferia pode terminar em morte. A Jorge Amado, Capitães da Areia.
privação do emprego,do salário digno, da educação, da
saúde, do transporte público,da moradia, da segurança Na frase “Como a voz de um negro canta num sa-
alimentar, tudo isso pode ser compreendido,considerando veiro o samba Boa Vida fez”, o pronome relativo
que incide sobre direitos asseguradospor nossa Constitui- “que”, em relação ao verbo “canta”, exerce a função
ção, como tantas outras formas de violência. de ___________ e, em relação ao verbo “fez”, exerce
Silvio Caccia Bava. Le Monde Diplomatique Brasil, agosto 2010. Adaptado. a função de ___________.
No período “Uma parcela expressiva dessas mortes, As lacunas dessa frase devem ser preenchidas, res-
varia de região para região, é atribuída à ação da pectivamente, por:
polícia, se respalda na impunidade para continuar a) sujeito; objeto indireto.
cometendo seus crimes”, as palavras sublinhadas re- b) sujeito; objeto direto.
ferem-se respectivamente: c) objeto direto; sujeito;
a) à palavra “parcela” e tem a função de sujeito, à d) objeto direto; objeto indireto.
palavra “polícia” e tem a função de sujeito. e) objeto indireto; objeto direto.
b) à palavra “mortes” e tem a função de sujeito; à
palavra “polícia” e tem a função de sujeito. 7. Uece 2020
c) à palavra “parcela” e tem a função de objeto; à
palavra “polícia” e tem a função de objeto. Com licença poética
d) à palavra “parcela” e tem a função de objeto; à Quando nasci um anjo esbelto,
palavra “ação” e tem a função de sujeito. desses que tocam trombeta, anunciou:
e) à palavra “parcela” e tem a função de sujeito; à vai carregar bandeira.
palavra “ação” e tem a função de sujeito. Cargo muito pesado pra mulher,
5 esta espécie ainda envergonhada.
6. FGV-SP 2017 Aceito os subterfúgios que me cabem,
A revolução chama Pedro Bala como Deus chamava sem precisar mentir.
Pirulito nas noites do trapiche. É uma voz poderosa dentro Não tão feia que não possa casar,
dele, poderosa como a voz do mar, como a voz do vento, acho o Rio de Janeiro uma beleza e
tão poderosa como uma voz sem comparação. Como a 10 ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
voz de um negro que canta num saveiro o samba que Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Boa-Vida fez: Inauguro linhagens, fundo reinos
“Companheiros, chegou a hora...” — dor não é amargura.
A voz o chama. Uma voz que o alegra, que faz bater Minha tristeza não tem pedigree,
seu coração. Ajudar a mudar o destino de todos os pobres. 15 já a minha vontade de alegria,
Uma voz que atravessa a cidade, que parece vir dos ata- sua raiz vai ao meu avô.
baques que ressoam nas macumbas da religião ilegal dos Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem.
FRENTE 1

negros. Uma voz que vem com o ruído dos bondes onde Mulher é desdobrável. Eu sou.
vão os condutores e motorneiros grevistas. Uma voz que PRADO, Adélia Prado. Com Licença Poética. In: PRADO, Adélia. Adélia
vem do cais, do peito dos estivadores, de João de Adão, Prado: Poesia reunida. 6. ed. São Paulo: Siciliano, 1996. p. 11.

125
A sequência textual marca-se sintaticamente por articu- Mas, favela, ciao,
ladores, ou seja, elementos responsáveis pela coesão que este nosso papo
do texto que contribuem para a construção do sentido. está ficando tão desagradável.
Atente para o que se diz a seguir sobre a funcionalida- vês que perdi o tom e a empáfia do começo?
de dos articuladores destacados nos versos do texto. ...
ANDRADE, Carlos Drummond de, Corpo. Rio de Janeiro: Record, 1984.
I. Em “ora sim, ora não, creio em parto sem dor”
(linha 10), o uso de conjunção coordenativa de Assinale a alternativa em que a função sintática exercida
alternância marca a incerteza do eu lírico. pela oração em destaque está corretamente indicada.
II. Em “Mas, o que sinto escrevo” (linha 11), o empre- a) “Medo de que sintas como sou ” – adjun-
go da conjunção temporal põe os elementos do to adverbial
texto ordenados entre si. b) “Custa ser irmão” – objeto direto
III. Em “ a minha vontade de alegria” (linha 15), o c) “... telegrama nasal/ anunciando morte...” – adjun-
articulador destacado funciona, no poema, como to adnominal
um elemento adversativo, pois marca oposição à d) “Medo só de te sentir, encravada” – objeto indireto.
“Minha tristeza” (linha 14).
Texto para as questões 9 e .
Acerca da funcionalidade dos articuladores acima
destacados, é correto o que se arma em O silêncio incomoda
a) I e II apenas. c) II e III apenas. Como trabalho em casa, assisto a um grande núme-
b) I e III apenas. d) I, II e III. ro de jogos e programas esportivos, alguns porque gosto
e outros para me manter atualizado, vejo ainda muitos
noticiários gerais, filmes, programas culturais (são pou-
8. AFA-SP 2016
5 quíssimos) e também, por curiosidade, muitas coisas ruins.
Favelário nacional Estou viciado em televisão.
Carlos Drummond de Andrade Não suporto mais ver tantas tragédias, crimes, vio-
Quem sou eu para te cantar, favela, lências, falcatruas e tantas politicagens para a realização
Que cantas em mim e para ninguém da Copa de 2014.
a noite inteira de sexta-feira 10 Estou sem paciência para assistir a tantas partidas tu-
e a noite inteira de sábado multuadas no Brasil, consequência do estilo de jogar, da
E nos desconheces, como igualmente não te tolerância com a violência e do ambiente bélico em que
conhecemos? se transformou o futebol, dentro e fora do campo.
Sei apenas do teu mau cheiro: Na transmissão das partidas, fala-se e grita-se demais.
Baixou em mim na viração, 15 Não há um único instante de silêncio, nenhuma pausa. O
direto, rápido, telegrama nasal barulho é cada dia maior no futebol, nas ruas, nos bares,
anunciando morte... melhor, tua vida. nos restaurantes e em quase todos os ambientes. O silêncio
... incomoda as pessoas.
Aqui só vive gente, bicho nenhum É óbvio que informações e estatísticas são importan-
tem essa coragem. 20 tíssimas. Mas exageram. Fala-se muito, mesmo com a bola
... rolando. Impressiona-me como se formam conceitos, dão
Tenho medo. Medo de ti, sem te conhecer, opiniões, baseados em estatísticas que têm pouca ou ne-
Medo só de te sentir, encravada nhuma importância.
Favela, erisipela, mal-do-monte Na partida entre Escócia e Brasil, um repórter da TV
Na coxa flava do Rio de Janeiro. 25 Globo deu a “grande notícia”, que Neymar foi o primeiro
 jogador brasileiro a marcar dois gols contra a Escócia em
Medo: não de tua lâmina nem de teu revólver uma mesma partida.
nem de tua manha nem de teu olhar. Parece haver uma disputa para saber quem dá mais
Medo de que sintas como sou culpado informações e estatísticas, e outra, entre os narradores,
e culpados somos de pouca ou nenhuma irmandade. 30 para saber quem grita gol mais alto e prolongado. Se dizem
Custa ser irmão, que a imagem vale mais que mil palavras, por que se fala
custa abandonar nossos privilégios e se grita tanto?
e traçar a planta Outra discussão chata, durante e após as partidas, é
da justa igualdade. se um jogador teve a intenção de colocar a mão na bola
Somos desiguais 35 e de fazer pênalti, e se outro teve a intenção de atingir o
e queremos ser adversário. Com raríssimas exceções, ninguém é louco
sempre desiguais. para fazer pênalti nem tão canalha para querer quebrar
E queremos ser o outro jogador.
bonzinhos benévolos O que ocorre, com frequência, é o jogador, no impul-
comedidamente 40 so, sem pensar, soltar o braço na cara do outro. O impulso
sociologicamente está à frente da consciência. Não sou também tão ingênuo
mui bem comportados. para achar que todas as faltas violentas são involuntárias.

126 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Mecanismos gramaticais e coesivos nos vestibulares


Não dá para o árbitro saber se a falta foi intencional 3 na frase “Homem que bate em mulher, Penha
ou não. Ele precisa julgar o fato, e não a intenção. Eles pre- nele”, tem-se o emprego de uma variante colo-
45 cisam ter também bom senso, o que é raro no ser humano, quial da língua portuguesa como estratégia da
para saber a gravidade das faltas. Muitas parecem iguais, linguagem publicitária para estabelecer um diálo-
mas não são. Ter critério não é unificar as diferenças. go direto com o público-alvo do anúncio.
Tostão, Folha de S.Paulo, caderno D, “esporte”, p. 11, 10/04/2011.
Soma:
. AFA-SP 2012 Assinale a alternativa na qual a palavra
“que” tem a mesma classificação morfológica que a 12. Ufam/PSC 2014
Papel, amigo papel, não recolhas tudo o que es-
destacada em:
crever esta pena vadia. Querendo servir-me, acabarás
...baseados em estatísticas que têm pouca ou nenhuma desservindo-me, porque se acontecer que eu me vá
importância. (l. 22 e 23) desta vida, sem tempo de te reduzir a cinzas, os que
a) “... ambiente bélico em se transformou o fute- me lerem depois da missa de sétimo dia, ou antes, ou
bol.” (l. 12 e 13) ainda antes do enterro, podem cuidar que te confio
b) “É óbvio informações e estatísticas são im- cuidados de amor.
portantíssimas.” (l. 19 e 20) Não, papel. Quando sentires que insisto nessa nota,
c) “Se dizem a imagem vale mais que mil pala- esquiva-te da minha mesa, e foge. A janela aberta te
vras...” (l. 30 e 31) mostrará um pouco de telhado, entre a rua e o céu, e ali
d) “... para achar todas as faltas violentas são in- ou acolá acharás descanso. Comigo o mais que podes
voluntárias.” (l. 42) achar é esquecimento, que é muito, mas não é tudo;
primeiro que ele chegue, virá a troça dos malévolos ou
simplesmente vadios.
10. AFA-SP 2012 Assinale a única alternativa em que a
Escuta, papel. O que naquela dama Fidélia me atrai
palavra “se” recebe a mesma classificação morfossin-
é principalmente certa feição de espírito, algo pareci-
tática que a destacada em: da com o sorriso fugitivo que já lhe vi algumas vezes.
Outra discussão chata, durante e após as partidas, é se um Quero estudá-la, se tiver ocasião. Tempo sobra-me, mas
jogador teve a intenção... (l. 33 e 34) tu sabes que é ainda pouco para mim mesmo, para o
a) “...ambiente bélico em que se transformou o fute- meu criado José, e para ti, se tenho vagar, e quê – e
bol, dentro e fora de campo.” (l. 12 e 13) pouco mais.
b) “Impressiona-me como se formam conceitos ....” (l. 21) ASSIS, Machado de.Memorial de Aires, nota de 8 de abril

c) “Se dizem que a imagem vale mais que mil pala- Do texto lido, reproduzem-se alguns períodos (ou
vras ...” (l. 30 e 31) partes de período). Assinale o item que contiver uma
d) “Não dá para o árbitro saber se a falta foi intencio- oração subordinada substantiva objetiva direta:
nal ou não.” (l. 43 e 44) a) Papel, amigo papel, não recolhas tudo o que es-
crever esta pena vadia.
11. UFSC 201 b) Quero estudá-la, se tiver ocasião.
c) Quando sentires que insisto nessa nota, esquiva-
-te da minha mesa, e foge.
d) A janela aberta te mostrará um pouco de telhado,
entre a rua e o céu, e ali ou acolá acharás descanso.
e) Querendo servir-me, acabarás desservindo-me.

1. Unitins-TO 2020


Disponível em: www.colunistas.com.br/anos/pc/nn/exterior/
MOTA-violencia_contra_a_mulher-.jpg. Acesso em:  mar. .
Impunidade: Incêndio no Museu Nacional,
Rio de Janeiro
De acordo com o texto e com a variedade padrão da Autora: Letícia Mori, da BBC News Brasil,
língua escrita, é correto armar que: publicado em 18 fevereiro de 2019.

 o anúncio estabelece intertextualidade com a lei Três meses após completar 200 anos, o Museu Na-
que cria mecanismos para coibir a violência do- cional, no Rio de Janeiro, foi consumido por um incêndio
méstica e familiar contra a mulher. devastador que danificou seu acervo de 20 milhões de
 a frase “Homem que bate em mulher, Penha nele” itens. O museu tinha o maior acervo de antropologia e
tem como predicativo “Penha nele”. história natural do Brasil e um dos maiores da América
 o anúncio foi criado pela Bandeirantes Mídia Exte- Latina, e ainda não existe número oficial de quantas peças
rior para divulgar a Lei Maria da Penha fora do Brasil. foram destruídas.
 o vocábulo “que” funciona como pronome relati- Em fevereiro de 2019, o museu abriu as portas para
FRENTE 1

vo, antecipando o substantivo “mulher”. que fotógrafos registrassem o que sobrou da estrutura. Cheio
 o vocábulo “nele” estabelece relação entre ora- de escombros, marcas de fogo, barras de ferro retorcidas e
ções e retoma o antecedente “homem”. paredes desmoronadas, o museu se tornou um campo de

127
“garimpo”. Equipes técnicas da Universidade Federal do 14. UFRR 2018 Leia o trecho da entrevista “A Filosofia é
Rio de Janeiro (UFRJ), que administra a instituição, traba- pop”, feita com o filósofo Mario Sergio Cortella, publi-
lham em contêineres instalados próximos ao museu a fim cada em maio de , para responder à questão:
de recuperar peças, catalogá-las e levá-las para uma área
de armazenamento da UFRJ. Até agora, cerca de 2 mil itens Apesar de interessante, a filosofia costuma
foram recuperados, entre eles os fragmentos do crânio de parecer chata. Além do seu dom de oratória,
Luzia, o fóssil humano mais antigo já encontrado no Brasil, como transformou a matéria em algo instigante?
com 11,3 mil anos. Alertas sobre risco de fogo e outros Agradeço o elogio, mas quero fazer um reparo fi-
problemas estruturais começaram há mais de uma década. losófico. Quando você diz que eu tenho o dom, está
Desde o ano passado, a Polícia Federal investiga as dizendo que não tenho mérito nenhum, porque dom
causas do incêndio – a instituição diz que aguarda a li- é algo que se recebe de fora. Ocorre que Deus não me
beração do laudo técnico da perícia. [...] Alertas sobre escolheu e disse “você vai ser o cara”. Tudo bem, sei que
risco de fogo e outros problemas estruturais começaram há não foi isso que você quis dizer. Mas eu diria que tenho
mais de uma década. Como as investigações ainda estão a prática, a intenção e o gosto. Minha intenção é fazer
em andamento, ninguém foi responsabilizado pelo epi- com que a filosofia seja simples sem ser simplória. Em
sódio, e o caso deve demorar para chegar à Justiça. Após outras palavras, que seja compreensível sem ser banali-
o incêndio, a UFRJ divulgou uma nota dizendo que “há zável. Por exemplo, na semana da Rio+20, eu participei
décadas, as universidades federais do país vêm denuncian- de um programa especial da Xuxa sobre sustentabilida-
do o tratamento conferido ao patrimônio das instituições de. Antes de entrar no ar, uma pessoa da produção me
universitárias brasileiras e a falta de financiamento adequa- pediu para não usar o termo “biocídio” [eliminação de
do”. “Urge, por parte do Governo Federal, uma mudança variadas formas de vida, inclusive a humana], porque
no sistema de financiamento das universidades federais não ia ser entendido. Então eu disse: “Lamento, não ajo
do país”, disse a nota. [...]. dessa forma. Vou usar e explicar”. Se eu recuso o uso,
Com a repercussão da tragédia, o museu conseguiu furto das pessoas o acesso a um conceito importante. Se
um investimento de R$ 85 milhões de diferentes fontes uso sem explicar, estou dando uma demonstração tola
para recuperar o prédio e o acervo, mas a maior parte do de sabedoria. Mas, se uso e traduzo, estou partilhando.
dinheiro ainda não está disponível – deve ser repassado Eu quero que a filosofia seja compreensível.
Fonte: www.revistaplaneta.com.br/a-filosofia-pop/
ao longo deste ano, segundo o Alexander Kellner, diretor Acesso em: 17 ago. 2017.
da instituição.
Disponível em: www.bbc.com/portuguese/brasil-47206026. Em conformidade com as regras gramaticais, todas as
Acesso em: 3 out. 2019 (adaptado). orações destacadas são subordinadas adverbiais, ou
Sobre períodos elaborados por coordenação e/ou su- seja, elas indicam circunstâncias de tempo, condição,
bordinação, avalie as asserções do texto de Letícia Mori. comparação, proporcionalidade entre outras. Como
base nessa informação, analise as proposições a seguir:
I. No excerto “o museu tinha o maior acervo de antro-
e um dos maiores I. “porque dom é algo” / “porque não ia ser entendi-
da América Latina”, o trecho em destaque é um pe- do” – são orações que indicam a causa do que se
ríodo composto por coordenação sindética aditiva. declara na oração principal.
II. Em “o museu abriu as portas II. “Quando você diz” – a oração exprime ideia de
o que sobrou da estrutura”, o frag- tempo e essa circunstância foi estabelecida pela
mento destacado é uma oração subordinada que conjunção quando.
indica sentido de finalidade. III. “se eu recuso o uso” / “se uso” / “se uso” – as três
III. O excerto “o museu conseguiu investimento, mas orações exprimem a condição do fato expresso
a maior parte do dinheiro ainda não está dispo- pela oração principal.
nível”, é um período composto por coordenação IV. Transformando as orações adverbiais desenvolvi-
sindética adversativa. das, tais como: “Quando você diz que eu tenho o
IV. No excerto “equipes técnicas da Universidade dom, está dizendo que não tenho mérito nenhum,
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), porque dom é algo que se recebe de fora.” em ora-
, trabalham em contêineres instalados ções reduzidas, teremos: “Ao dizer que eu tenho o
próximos ao museu a fim de recuperar peças, dom, está dizendo que não tenho mérito nenhum,
catalogá-las e levá-las para uma área de arma- por ser o dom algo que se recebe de fora.”
zenamento da UFRJ”, o trecho grifado funciona
Podemos armar que:
como oração subordinada adjetiva explicativa.
a) somente a IV está correta, porque ao transformar
É correto o que se arma em: em orações reduzidas, aparecem os verbos “di-
a) I, II e III, apenas. zer e ser” na forma nominal de infinitivo.
b) I e IV, apenas. b) a III está errada porque a palavra “uso” aparece
c) II e III, apenas. na condição de objeto direto do verbo recusar e,
d) II, III e IV apenas. depois, a mesma palavra forma orações, ou seja,
e) I, II, III e IV. “uso” está empregado na condição de hipótese.

128 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Mecanismos gramaticais e coesivos nos vestibulares


c) apenas I e II estão analisadas corretamente; am- um papagaio de papel, alto e largo, preso de uma corda
bas são orações adverbiais, sendo em I, orações imensa, que bojava no ar, uma cousa soberba. E eu na
causais e em II, temporal. escola, sentado, pernas unidas, com o livro de leitura e a
d) somente a I não foi analisada corretamente, trata- gramática nos joelhos. [...]
-se de duas orações adverbiais, respectivamente, Disponível em: http://escoladacrianca.com.br/ws/wp-content/uploads/2017/03/
Contos-de-Escola-Machado-de-Assis.pdf. Acesso em: 12 fev. 2019.
concessiva e consecutiva.
e) Estão corretas as proposições I, II, III e IV. 16. IFMT 201 Na lição de escrita, por exemplo, acabava
sempre antes de todos, mas deixava-me estar a recortar
15. Enem 201 narizes o papel ou na tábua, ocupação sem nobreza nem
espiritualidade, mas em todo caso ingênua.
A conjunção sublinhada pode ser substituída, sem
prejuízo à coerência textual e à intencionalidade do
autor, pelas seguintes conjunções:
a) Porque; e. d) Porém; entretanto.
b) Bem como; nem. e) Ora; também.
c) Pois; porque.

Leia o texto a seguir para responder às questões


17 e 18.

Disponível em: http://clubedamafalda.blogspot.com.br. Acesso em:  set. . Violência: presente e passado da história
Vilma Homero
Nessa charge, o recurso morfossintático que colabora
Ao olhar para o passado, costumamos imaginar que
para o efeito de humor está indicado pelo(a):
estamos nos afastando dos tempos da “barbárie pura e
a) emprego de uma oração adversativa, que orienta
simples” para alcançar uma almejada “civilização”, cal-
a quebra da expectativa ao final. cada sobre relações livres, iguais e fraternas, típicas do
b) uso de conjunção aditiva, que cria uma relação de 5 homem culto. Um olhar sobre a história, no entanto, põe
causa e efeito entre as ações. em xeque esta visão utópica. Organizado pelos historia-
c) retomada do substantivo “mãe”, que desfaz a am- dores Regina Bustamante e José Francisco de Moura, o
biguidade dos sentidos a ele atribuídos. livro Violência na História, publicado pela Mauad Edi-
d) Utilização da forma pronominal “la” que reflete um tora com apoio da FAPERJ, reúne diversos ensaios que
tratamento formal do filho em relação à “mãe”. 10 mostram, ao longo do tempo, diferentes aspectos da vio-
e) repetição da forma verbal “é”, que reforça a rela- lência, propondo uma reflexão mais demorada sobre o
ção de adição existente entre as orações. tema. Nos ensaios reunidos no livro, podemos vislumbrar
como, desde a antiguidade e ao longo da história humana,
Leia o texto a seguir para responder à questão . a violência se insere, sob diversos vieses, nas relações de
15 poder, seja entre Estado e cidadãos, entre livres e escra-
[...] Começou a lição de escrita. Custa-me dizer que vos, entre homens e mulheres, ou entre diferentes religiões.
eu era dos mais adiantados da escola; mas era. Não digo “Durante a Idade Média, por exemplo, vemos como a
também que era dos mais inteligentes, por um escrúpulo violência se manifesta na religiosidade, durante o movi-
fácil de entender e de excelente efeito no estilo, mas não mento das Cruzadas. Ou, hoje, no caso dos movimentos
tenho outra convicção. Note-se que não era pálido nem 20 sociais, como ela acontece em relação aos excluídos
mofino: tinha boas cores e músculos de ferro. Na lição das favelas. O sentido é amplo. A desigualdade social,
de escrita, por exemplo, acabava sempre antes de todos, por exemplo, é um tipo de violência; a expropriação
mas deixava-me estar a recortar narizes no papel ou na do patrimônio cultural, que significa não permitir que
tábua, ocupação sem nobreza nem espiritualidade, mas a memória cultural de determinado grupo se manifeste,
em todo caso ingênua. Naquele dia foi a mesma coisa; 25 também”, prossegue a organizadora. [...] A própria pala-
tão depressa acabei, como entrei a reproduzir o nariz do vra “violência”, que etimologicamente deriva do latimvis,
mestre, dando-lhe cinco ou seis atitudes diferentes, das com significado de força, virilidade, pode ser positiva em
quais recordo a interrogativa, a admirativa, a dubitativa e termos de transformação social, no sentido de uma violência
a cogitativa. Não lhes punha esses nomes, pobre estudante revolucionária, usada como forma de se tentar transformar
de primeiras letras que era; mas, instintivamente, dava-lhes 30 uma sociedade em determinado momento. [...] Essas va-
essas expressões. Os outros foram acabando; não tive re- riadas abordagens vão aparecendo ao longo do livro.
médio senão acabar também, entregar a escrita, e voltar [...] Na Roma antiga, as penas, aplicadas após julga-
para o meu lugar. Com franqueza, estava arrependido de mento, ganhavam um sentido religioso. Despido de sua
ter vindo. Agora que ficava preso, ardia por andar lá fora, humanidade, o réu era declaradohomo sacer. Ou seja,
e recapitulava o campo e o morro, pensava nos outros 35 sua vida passava a ser consagrada aos deuses. Segundo a
meninos vadios, o Chico Telha, o Américo, o Carlos das pesquisadora Norma Mendes, “havia o firme propósito de
FRENTE 1

Escadinhas, a fina flor do bairro e do gênero humano. Para fazer da morte dos condenados um espetáculo de caráter
cúmulo de desespero, vi através das vidraças da escola, exemplar, revestido de sentido religioso e de dominação,
no claro azul do céu, por cima do morro do Livramento, cuja função era o reforço, manutenção e ratificação das

12
40 relações de poder.” [...] O historiador Francisco Carlos Tei- Crônica algumas vezes também é feita, intencionalmen-
xeira da Silva é um dos que traz a discussão para o presente, te, para provocar. Além do mais, em certos dias mesmo
analisando as transformações políticas do último século. o escritor mais escolado não está lá grande coisa. Tem
“Desde Voltaire até Kant e Hegel, acreditava-se no contí- os que mostram sua cara escrevendo para reclamar: mo-
nuo aperfeiçoamento da condição humana como uma derna demais, antiquada demais. Alguns discorrem sobre
45 marcha inexorável em direção à razão. [...] O Holocausto, o assunto, e é gostoso compartilhar ideias. Há os textos
perpetrado em um dos países mais avançados e cultos à que parecem passar despercebidos, outros rendem um
época, deixou claro que a luta pela dignidade humana montão de recados: “Você escreveu exatamente o que eu
é um esforço contínuo e, pior de tudo, lento. [...] E, so- sinto”, “Isso é exatamente o que falo com meus pacien-
bretudo, mais de 50 anos depois da II Guerra Mundial, a tes”, “É isso que digo para meus pais”, “Comentei com
50 ocorrência de outros genocídios – Ruanda, Iugoslávia, minha namorada”. Os estímulos são valiosos pra quem
Camboja etc. – leva a refletir sobre a convivência entre
nesses tempos andava meio assim: é como me botarem
os homens nesse começo do século XXI.” O historiador
no colo — também eu preciso. Na verdade, nunca fui
prossegue: “De forma paradoxal, a globalização, confor-
tão posta no colo por leitores como na janela do jornal.
me se aprofunda e pluga os homens a escalas planetárias,
De modo que está sendo ótima, essa brincadeira séria,
55 é fortemente acompanhada pelo localismo e o particula-
rismo religioso, étnico ou cultural, promovendo ódios e com alguns textos que iam acabar neste livro, outros
incompreensões crescentes. Na Bósnia ou em Kosovo, na espalhados por aí. Porque eu levo a sério ser sério... mes-
Faixa de Gaza ou na Irlanda do Norte, a capacidade de mo quando parece que estou brincando: essa é uma das
entendimento chegou a seu mais baixo nível de tolerân- maravilhas de escrever. Como escrevi há muitos anos e
60 cia, e transpor uma linha, imaginária ou não, entre bairros continua sendo a minha verdade: palavras são meu jeito
pode representar a morte.” Como nem tudo se limita às mais secreto de calar.
questões políticas e às guerras, o livro ainda analisa as formas LUFT, L. Pensar é transgredir. Rio de Janeiro. Record, 2004.
que a violência assume nas relações de gênero, na religião,
Os textos fazem uso constante de recursos que
na cultura e aborda também a questão dos direitos humanos,
permitem a articulação entre suas partes. Quanto à
65 vista sob a perspectiva de diferentes sistemas culturais.
www.faperj.br/?id=1518.2.4. Acesso em: 5 mar. 2018.
construção do fragmento, o elemento
a) “nisso” introduz o fragmento “botar a cara na janela
17. AFA-SP 2019 O uso do conectivo em destaque está em crônica de jornal”.
corretamente justificado em: b) “assim” é uma paráfrase de “é como me botarem
a) “... um espetáculo de caráter exemplar, revestido de no colo”.
sentido religioso e de dominação, função era o c) “isso” remete a “escondia em poesia e ficção”.
reforço [...] das relações de poder.” (l. 37 a 40) – co- d) “alguns” antecipa a informação “É isso que digo para
necta oração, estabelecendo uma relação de posse. meus pais”.
b) “... a violência se insere, sob diversos vieses, nas e) “essa” recupera a informação anterior “janela do jornal”.
relações de poder...” (l. 14 e 15) – acrescenta as-
pecto locativo. 20. Enem Os filhos de Ana eram bons, uma coisa verda-
c) “Ou seja, sua vida passava a ser consagrada aos deira e sumarenta. Cresciam, tomavam banho, exigiam
deuses.” (l. 34 e 35) – introduz sentido de alternância. para si, malcriados, instantes cada vez mais completos.
d) “Como nem tudo se limita às questões políticas e às A cozinha era enfim espaçosa, o fogão enguiçado dava
guerras, o livro ainda analisa as formas que a violência estouros. O calor era forte no apartamento que estavam
assume...” (l. 61 a 63) – estabelece conexão temporal. aos poucos pagando. Mas o vento batendo nas cortinas
que ela mesma cortara lembrava-lhe que se quisesse po-
18. AFA-SP 2018 Assinale a alternativa em que a palavra
dia parar e enxugar a testa, olhando o calmo horizonte.
ou expressão sugerida entre parênteses, ao substituir
Como um lavrador. Ela plantara as sementes que tinha na
o que está destacado, provoca significativa mudança
mão, não outras, mas essas apenas.
de sentido:
LISPECTOR, C. Laços de família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
a) “E, sobretudo, mais de 50 anos depois da II Guer-
ra Mundial, a ocorrência de outros genocídios...” A autora emprega por duas vezes o conectivo mas
(l. 48 a 50) – (acima de tudo) no fragmento apresentado. Observando aspectos da
b) “De forma paradoxal, a globalização, conforme organização, estruturação e funcionalidade dos ele-
se aprofunda e pluga os homens...” (l. 53 e 54) – mentos que articulam o texto, o conectivo “mas”:
(à medida que) a) expressa o mesmo conteúdo nas duas situações
c) “... a violência se insere, sob diversos vieses, nas em que aparece no texto.
relações de poder, seja entre Estado e cidadãos...” b) quebra a fluidez do texto e prejudica a compreen-
(l. 14 e 15) – (sob diversas linhas de pensamento) são, se usado no início da frase.
d) “Nos ensaios reunidos no livro, podemos vislum-
c) ocupa posição fixa, sendo inadequado seu uso na
brar como, desde a antiguidade e ao longo da
abertura da frase.
história...” (l. 12 e 13) – (antever)
d) contém uma ideia de sequência temporal que di-
19. Enem 2014 Há qualquer coisa de especial nisso de botar reciona a conclusão do leitor.
a cara na janela em crônica de jornal — eu não fazia isso e) assume funções discursivas distintas nos dois
há muitos anos, enquanto me escondia em poesia e ficção. contextos de uso.

130 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Mecanismos gramaticais e coesivos nos vestibulares


21. Enem Na trama visível, dilacerada das grandes guerras con-
O Flamengo começou a partida no ataque, enquanto temporâneas, reconhecem-se apenas a paisagem cultural da
o Botafogo procurava fazer uma forte marcação no meio guerra, as nervuras de sua representação dominante. Não se
campo e tentava lançamentos para Victor Simões, isolado 30 veem mais, e tanto melhor, colunas de soldados em centenas
entre os zagueiros rubro-negros. Mesmo com mais posse de milhares chegando ao futuro campo de batalha, dispon-
de bola, o time dirigido por Cuca tinha grande dificuldade de do-se em ordem para a batalha decisiva. Não se espera mais
chegar à área alvinegra por causa do bloqueio montado com um entusiasmo ansioso a sanção das armas: duração
pelo Botafogo na frente da sua área. da batalha, data da vitória ou da derrota [...] Os estados de
No entanto, na primeira chance rubro-negra, saiu o gol. 35 violência fazem aparecer uma multiplicidade de figuras no-
Após cruzamento da direita de Ibson, a zaga alvinegra rebateu vas: o terrorista, o chefe de facções, o mercenário, o soldado
a bola de cabeça para o meio da área. Kléberson apareceu profissional, o engenheiro de informática, o responsável da
na jogada e cabeceou por cima do goleiro Renan. Ronaldo segurança etc. Não exército disciplinado, mas redes dis-
Angelim apareceu nas costas da defesa e empurrou para o persas, concorrentes, profissionais da violência. Mudanças
fundo da rede quase que em cima da linha: Flamengo 1 a 0. 40 ainda no nível do teatro dos conflitos. Para a guerra: uma
Disponível em: http://momentodofutebol.blogspot.com (adaptado). planície, espaços largos, às vezes colinas ou rios, em todo
O texto, que narra uma parte do jogo nal do Campeo- caso campanhas (para não levar em conta aqui guerras de
cerco). E depois vem o espetáculo desolador após a batalha:
nato Carioca de futebol, realizado em , contém
os inimigos como que abraçados na morte, corpos juncando
vários conectivos, sendo que:
45 o solo, fardas rasgadas, manchas de sangue. Um grande
a) após é conectivo de causa, já que apresenta o moti-
silêncio depois de tantos gritos e de vaias. O novo teatro é
vo de a zaga alvinegra ter rebatido a bola de cabeça.
hoje a cidade. Não a cidade fortificada, em torno da qual se
b) enquanto tem um significado alternativo, porque
entrincheira, mas a cidade viva dos transeuntes. A dos espa-
conecta duas opções possíveis para serem apli- ços públicos: mercados, garagens, terraços de café, metrôs...
cadas no jogo. A das ruas que francos atiradores isolados transformam em
50
c) no entanto tem significado de tempo, porque teatro de feira para divertimentos atrozes [...]
ordena os fatos observados no jogo em ordem Tempos e espaços, personagens e cadáveres. Aqui se
cronológica de ocorrência. trata apenas do regime de imagens de violência armada que
d) mesmo traz ideia de concessão, já que “com mais se acha transformado. A aposta filosófica seria dizer que
posse de bola”, ter dificuldade não é algo natural- 55 acontece outra coisa, e não a guerra, que se poderia chamar
mente esperado. provisoriamente de “estados de violência”, porque eles se
e) por causa de indica consequência, porque as oporiam ao que os clássicos tinham definido como “estado
tentativas de ataque do Flamengo motivaram o de guerra” e também como “estado de natureza” [...]
Botafogo a fazer um bloqueio. Diante da inquietante extravagância desses conflitos
60 dificilmente identificáveis ou codificáveis nos quadros da
22. IME-RJ 2021 análise estratégica clássica, ouve-se mesmo: o pior esta-
ria por vir. É preciso dizer que a polemologia (estudo da
Estados de violência
guerra) não reconhece mais seus filhos: nem seus chefes
A guerra, na longa história dos homens, terá tido seus
responsáveis, nem seus soldados dóceis, nem seus heróis
atores e suas cenas, seus heróis e seus espaços, seus perso-
65 esplêndidos, nem seus mortos no campo de honra. Chega-
nagens e seus teatros. Diversidade incrível das fardas, dos
-se mesmo a se queixar. Neste ponto, contudo, a nostalgia
costumes, enfeites, armaduras, equipamentos. Multiplicidade
é dificilmente suportável. Sobretudo para lastimar guerras
5 dos terrenos: barro espesso ou poeira asfixiante, brejos visco-
que às vezes nem mesmo foram vividas pessoalmente.
sos, desfiladeiros rochosos, prados gordurentos ou planícies
Estas boas velhas guerras, com bons velhos inimigos,
sombrias, colinas acidentadas, montanhas dentadas, muros
70 fomentadas por Estados, alegando “razões”, deve-se re-
grossos das cidades fortificadas, portões e fossos profundos.
cordar que foram também o instrumento das mais baixas
Sem mesmo falar das táticas de combate, da evolução téc-
ambições, das mais loucas pretensões, dos mais sórdidos
10 nica das armas. Mas o que malgrado tudo ficaria e basearia
cálculos? Que elas acarretaram sem falhar o sacrifício de
a distinção entre guerras maiores e menores, grandes e pe-
milhões de homens que não pediam senão para viver, que
quenas, verdadeiras e degradadas, era essa forma pura de
75 elas esgotaram precocemente civilizações desenvolvidas,
dois exércitos engajando forças, representando entidades
conduziram culturas prestigiosas ao suicídio?
políticas identificáveis, afrontando-se em batalhas decisivas,
Resta, além de um pensamento nostálgico, compreender
15 terrestres ou marítimas, que os colocavam em contato com
o que causa os estados atuais de violência. Então, antes que
seu princípio de encerramento: vitória ou derrota. É ainda
falar da “nova guerra”, de “guerra selvagem”, “guerra sem a
possível essa forma pura de guerra, depois que as grandes
80 guerra”, de “guerra sem fim”, de “guerra assimétrica”, de “guer-
e principais potências dispõem da arma absoluta (o fogo
ra civil generalizada”, de “guerra ruiva”, é preciso elucidar,
nuclear), depois ainda que um só possui uma superioridade
em lugar do jogo antigo da guerra e da paz, as estruturações
20 arrasadora das forças clássicas de destruição, tecnologias de
destes estados de violência [...] Como a filosofia clássica tinha
reconhecimento, técnicas de fundição de precisão, depois
conceituado o estado de guerra e de natureza, seria preciso
enfim que as democracias desenvolveram uma cultura de
85 esboçar a análise filosófica dos estados de violência, como
negociação, de arbitragem em que o recurso à força nua é
FRENTE 1

distribuição contemporânea das forças de destruição.


dado como inadequado, selvagem, contraproducente? Ima-
GROS, Frédéric. Estados de violência: ensaio sobre o fim da guerra. Tradução
25 gina-se que no futuro, ainda grandes potências mobilizem o de José Augusto da Silva. Aparecida, SP: Editora Ideias & Letras, 2009.
conjunto de suas forças vivas para se medirem? p. 227-232 (texto adaptado).

11
Considere os vocábulos destacados no trecho a seguir: a) porque;
b) visto que;
Os estados de violência fazem aparecer uma multi-
plicidade de figuras novas: o terrorista, o chefe de facções, c) apesar de que;
o mercenário, o soldado profissional, o engenheiro de in- d) porquanto;
formática, o responsável da segurança etc. Não exército e) já que.
disciplinado, mas redes dispersas, concorrentes, profissio-
nais da violência. Mudanças ainda no nível do teatro dos 24. IFMT 2018
conflitos. Para a guerra: uma planície, espaços largos, às ve-
O fim da neutralidade e a transformação da
zes colinas ou rios, em todo caso campanhas (para não levar
em conta aqui guerras de cerco). E depois vem o espetáculo internet numa rede de supermercado
desolador após a batalha: os inimigos como que abraçados O impacto do fim da neutralidade da rede não é só
na morte, corpos juncando o solo, fardas rasgadas, manchas econômico e não prejudica apenas a comunicação e eleva
de sangue. Um grande silêncio depois de tantos gritos e de o custo da comunicação para toda a sociedade e os setores
vaias. O novo teatro é hoje a cidade. (l.  a 7) econômicos, mas implica em dois grandes riscos. Um deles
é o controle que as operadoras de telecom passarão a ter
A análise dos elementos em negrito no texto mostra sobre a invenção e a inovação. O segundo risco é que,
que o operador: dado que se poderá filtrar e bloquear o fluxo de tráfego
a) “não” reforça a ideia de que as figuras novas in- de dados por motivos comerciais e econômicos, o fluxo
cluem o exército disciplinado. também poderá ser filtrado por outros motivos, sejam eles
b) “mas” coloca o exército disciplinado ao lado dos culturais, políticos ou religiosos. Então, as consequências
profissionais da violência. da decisão da quebra da neutralidade são bastante nefastas
c) “ainda” sugere a existência de outros aspectos para a ideia de como a internet vinha funcionando até hoje.
relacionados aos estados de violência. Fragmento retirado da Revista IHU Online.
Disponível em: https://goo.gl/nU2eZa
d) “às vezes” introduz a ideia de unidade dos anti-
gos cenários da guerra. O texto acima possui elementos coesivos que pos-
e) “hoje” estabelece a relação de similitude entre a sibilitam a sua continuidade e progressão temática.
guerra do passado e os estados de violência. A partir dessa perspectiva, conclui-se que:
a) A conjunção “mas”, na 4a linha do texto, não repre-
2. IME-RJ 2017 [...] Hoje, no Brasil, apesar da diminuição senta uma ideia adversativa, mas sim de alternativa.
do Proálcool, o álcool ainda pode ser considerado um im- b) “Dois grandes riscos” são explicitados em “Um
portante combustível para automóveis e um recurso natural deles” e “o segundo risco”, todavia esses usos
estratégico de alta significância uma vez que há possibili- comprometem a legibilidade textual.
dade de sua renovação e consequente disponibilidade. Sua c) “Então”, na linha 10, pode ser substituído por “logo”
utilização efetiva depende de análises políticas e econômi- ou “portanto”, sem prejuízo do sentido da frase.
cas que poderão ser revistas sempre que necessário. [...] d) “nefastas”, na linha 11, pode ser substituído por “van-
BRAGA, Benedito et alli. Introdução à Engenharia Ambiental. São Paulo: tajosas”, uma vez que não altera a ideia expressa.
Pearson Prentice Hall, 2005, 2a Ed, pp. 2-6. (Texto adaptado).
e) O título contradiz o que está discutido no frag-
Assinale a alternativa em que a substituição da expres- mento, posto que a ideia é de enumerar os
são “uma vez que” pelo conectivo proposto alteraria o benefícios que o fim da neutralidade na internet
nexo estabelecido no texto: trará para a sociedade.

Texto complementar

A coesão como propriedade textual: uma superfície que deve estar organizada e, para isso, concorrem,
entre outros, os dispositivos coesivos, tal organização se destina a
bases para o ensino do texto assegurar a continuidade necessária para que a sequência possa
[...] ser reconhecida como coerente e apropriada.
A coesão e a organização da superfície do texto A coesão como marca da continuidade de sentido
No exercício comum da linguagem, como nos demais domí- Os dois princípios acima apontados não chegam a ser sufi-
nios da experiência, o conceito de coesão, de uma forma geral, cientes, pois não basta a organização da superfície do texto ou,
aplica-se aos dispositivos utilizados pelas pessoas para ligar e pôr ainda, a continuidade ensejada por esta organização. Na verdade,
em relação os diversos segmentos com que pretendem construir as regularidades de organização impostas à sequência superfi-
suas unidades de comunicação. Tais dispositivos ganham maior cial do texto devem correlacionar-se com as regularidades de
relevância quando a unidade em construção é o texto, pois é aí organização do mundo da experiência, real ou imaginada, cujo
que as articulações assumem maior complexidade operacional conhecimento se pretende ativar pelo texto. Ou seja, a organiza-
e de função. ção da superfície deve estar em harmonia com a organização dos
A coesão e a continuidade superficial do texto conceitos e das relações subjacentes, o que equivale afirmar que
Ocorre que toda organização da sequência textual orienta-se a continuidade da sequência textual deve ajustar-se à continuida-
para prover e assinalar o caráter de continuidade que deve marcar de do sentido pretendido. Só nesta dimensão se pode apreender
as instâncias textuais. Por outras palavras, se o texto dispõe de a legítima providência e indicação da continuidade do texto.

12 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Mecanismos gramaticais e coesivos nos vestibulares


A coesão e as dimensões micro e macroestruturais do texto prevalece, sustenta-se – como na integridade de um fio que corre
Convém ressaltar mais um aspecto da organização textual, – algo, também, nesta sequência, deve ir somando-se, acrescen-
com o qual estão relacionados os recursos da coesão. A con- tando-se, ampliando-se, enfim, progredindo.
tinuidade sequencial do texto, que está em correlação com os A coesão e a unidade global do texto
conceitos e as relações subjacentes, acontece sob duas formas:
O conjunto desses elementos aponta para um ponto, o qual,
• numa dimensão microestrutural, ou local, concernente com o no que tange à coesão, ganha inteira pertinência: a continuidade
nível pontual das subpartes da sequência; e a progressão do texto instauram-se com a função de assegurar a
• e numa dimensão macroestrutural, ou global, concernente com unidade global do texto. O filão semântico subjacente à sequência
o texto como um todo. linguística do texto e que provê a sua continuidade e progressão,
A coesão e a progressão do texto conforme se mostrou, objetiva um fim, um ponto de chegada, que
une, integra e unifica as partes [...]
Se, por um lado, a organização superficial do texto deve
ANTUNES, Irandé. A coesão como propriedade textual: bases para o
assegurar seu caráter de continuidade, por outro, deve providen-
ensino do texto. Calidoscópio (UNISINOS), v. 7, p. 62-71, 2009. Disponível
ciar, também, a necessária progressão a que se sujeitam todos os em: http://revistas.unisinos.br/index.php/calidoscopio/article/view/4855.
textos relevantes. Ou seja, se, na continuidade da sequência do Acesso em: 29 jan. 2022.
texto, através de recorrências e de retomadas, algo se mantém,

Resumindo
. Morfossintaxe do “que”  Pronome reflexivo recíproco. Ex.: Eles se beijaram pela
 Substantivo. Ex.: Há um quê de maldade no seu olhar. última vez.
 Pronome relativo. Ex.: As alegrias que tive foram ines-  Partícula de realce. Ex.: Foi-se embora para não mais
quecíveis. voltar.
 Advérbio de intensidade. Ex.: Que legal!  Conjunção subordinativa integrante. Ex.: Quero saber se
 Pronome adjetivo. Ex.: Que discussão desnecessária. teremos aula amanhã.
 Pronome substantivo. Ex.: Que ocorreu aqui?  Conjunção subordinada causal. Ex.: Se estava disponível,
 Interjeição. Ex.: Seu pé está roxo!; Quê? deveria oferecer ajuda. (Se = já que)
 Conjunção coordenativa. Ex.: Solte-os, que não os perca  Conjunção subordinada condicional. Ex.: Vamos à praia,
de vista. (que = mas); Fique aqui, que estou com medo. se não chover.
(que = porqu+e) . Articuladores textuais
 Conjunção subordinativa. Ex.: Sorria muito, magoado que Há três tipos de articuladores textuais:
estivesse. (que = ainda que); Me esforcei que conseguis-  Organizadores textuais: ordenam o texto em uma
se o emprego. (que = para que) sucessão de segmentos que se complementam. Ex.:
 Partícula de realce. Ex.: Que que você falou? (Que você Primeiramente, tomarei banho e, depois, vou tomar
falou?) café da manhã.
 Preposição. Ex.: Tenho que sofrer menos. (que = de)  Marcadores metadiscursivos: atribuem um ponto de
2. Morfossintaxe do “se” vista à parte do texto, servindo para o locutor comentar
 Pronome apassivador ou partícula apassivadora. Ex.: sobre o que escreve. Ex.: Lamentavelmente, ela não foi
Vendem-se casas. (Casas são vendidas) conosco ao parque.
 Índice de indeterminação do sujeito. Ex.: Precisa-se de  Conectores: Encadeiam as diferentes partes do texto,
ajudante de cozinha. atribuindo uma relação entre elementos linguísticos
 Parte integrante do verbo. Ex.: A professora se alegrou ou contextuais. Ex.: Essa questão está encerrada, por-
com as notas da turma. tanto não vamos mais discutir. (portanto: conector de
 Pronome reflexivo. Ex.: João está se arrumando para conclusão); Segundo estudos, ser feliz melhora a saúde.
a festa. (Segundo: conector de conformidade)

Quer saber mais?

Música Vídeos
“Se...”. Djavan. Univesp. Leitura e produção de textos – A coesão textual.
O título da canção expressa uma incerteza através do ad- Disponível em: www.youtube.com/watch?v=N1F6Q-eSAUg.
vérbio com sentido de condição, “se”. A letra da canção Acesso em: 29 jan. 2022.
FRENTE 1

mostra um eu lírico conversando com alguém, provavel- Aula da Universidade Virtual do Estado de São Paulo
mente a pessoa amada. (Univesp) sobre o conceito e os mecanismos de coesão
textual.

133
Exercícios complementares

1. FGV-SP 015 Jornais impressos são coisas palpáveis, con- mulas como a sege passaram-lhe por cima. Foi levada em
cretas, estão materializados em papel. No papel está seu braços para uma botica da Rua Direita, veio um sangrador,
suporte físico. Do papel, assim como da tinta, podem-se mas era tarde; tinha a cabeça rachada, uma perna e o ombro
examinar a idade e a autenticidade. Já em televisão, como partidos, era toda sangue; expirou minutos depois.
em toda forma de mídia eletrônica, é cada vez mais di- — Foi realmente uma desgraça, disse Rubião.
fícil encontrar o suporte físico original da informação. A — Não.
bem da verdade, na era digital, quando já não se tem mais — Não?
sequer o negativo de uma fotografia, posto que as fotos — Ouve o resto. Aqui está como se tinha passado o
passaram a ser produzidas em máquinas digitais, pratica- caso. O dono da sege estava no adro, e tinha fome, muita
mente não há mais o suporte físico primeiro, original, do fome, porque era tarde, e almoçara cedo e pouco. Dali
documento que depois será objeto de pesquisa histórica. pôde fazer sinal ao cocheiro; este fustigou as mulas para
São tamanhas as possibilidades de alteração da imagem ir buscar o patrão. A sege no meio do caminho achou um
digital que, anos depois, será difícil precisar se aquela ima- obstáculo e derribou-o; esse obstáculo era minha avó. O
gem que se tem corresponde exatamente à cena que foi de primeiro ato dessa série de atos foi um movimento de
fato fotografada. E não se terá um negativo original para conservação: Humanitas tinha fome. Se em vez de minha
que seja tirada a prova dos nove. avó, fosse um rato ou um cão, e certo que minha avó não
Eugênio Bucci e Maria R. Kehl,Videologias: ensaios sobre televisão. morreria, mas o fato era o mesmo; Humanitas precisa co-
São Paulo: Boitempo, 2004. mer. Se em vez de um rato ou de um cão, fosse um poeta,
Byron ou Gonçalves Dias diferia o caso no sentido de dar
Os conectivos sublinhados nos trechos “ as
matéria a muitos necrologios; mas o fundo subsistia. O
fotos passaram a ser produzidas em máquinas digi-
universo ainda não parou por lhe faltarem alguns poemas
tais” e “ , anos depois, será difícil precisar”, tendo mortos em flor na cabeça de um varão ilustre ou obscuro;
em vista as relações sintático-semânticas estabeleci- mas Humanitas (e isto importa, antes de tudo) Humanitas
das no texto, introduzem, respectivamente, orações precisa comer.
que exprimem ideia de Rubião escutava, com a alma nos olhos, sinceramente
a) concessão e explicação. desejoso de entender; mas não dava pela necessidade a
b) finalidade e conformidade. que o amigo atribuía a morte da avó. Seguramente o dono
c) condição e tempo. da sege, por muito tarde que chegasse à casa, não morria
d) modo e conclusão. de fome, ao passo que a boa senhora morreu de verdade,
e) causa e consequência. e para sempre. Explicou-lhe, como pôde, essas dúvidas,
e acabou perguntando-lhe:
. IFMT 017 Em “Cada qual sentia pelo outro um profundo — E que Humanitas é esse?
desprezo, pouco a pouco se foi transformando em — Humanitas e o princípio. Mas não, não digo nada,
tu não és capaz de entender isto, meu caro Rubião; fale-
repugnância completa,” o termo sublinhado se remete
mos de outra coisa.
a) à palavra repugnância.
— Diga sempre.
b) ao nascimento de Zulmira.
Quincas Borba, que não deixara de andar, parou al-
c) à expressão cada qual.
guns instantes.
d) ao profundo desprezo. — Queres ser meu discípulo?
e) ao termo outro. — Quero.
— Bem, irás entendendo aos poucos a minha filosofia;
3. PUC-GO 016 no dia em que a houveres penetrado inteiramente, ah! nes-
se dia terás o maior prazer da vida, porque não há vinho
VI que embriague como a verdade. Crê-me, o Humanitismo
Para entenderes bem o que é a morte e a vida, basta é o remate das coisas; e eu, que o formulei, sou o maior
contar-te como morreu minha avó. homem do mundo. Olha, vês como o meu bom Quincas
— Como foi? Borba está olhando para mim? Não é ele, é Humanitas...
— Senta-te. — Mas que Humanitas é esse?
Rubião obedeceu, dando ao rosto o maior interesse — Humanitas é o princípio. Há nas coisas todas certa
possível, enquanto Quincas Borba continuava a andar. substância recôndita e idêntica, um princípio único, uni-
— Foi no Rio de Janeiro, começou ele, defronte da versal, eterno, comum, indivisível e indestrutível, — ou,
Capela Imperial, que era então Real, em dia de grande festa; para usar a linguagem do grande Camões:
minha avó saiu, atravessou o adro, para ir ter a cadeirinha, Uma verdade que nas coisas anda,
que a esperava no Largo do Paço. Gente como formiga. O Que mora no visíbil e invisíbil.
povo queria ver entrar as grandes senhoras nas suas ricas Pois essa sustância ou verdade, esse princípio indestru-
traquitanas. No momento em que minha avó saía do adro tível e que é Humanitas. Assim lhe chamo, porque resume o
para ir à cadeirinha, um pouco distante, aconteceu espan- universo, e o universo e o homem. Vais entendendo?
tar-se uma das bestas de uma sege; a besta disparou, a outra — Pouco; mas, ainda assim, como é que a morte de
imitou-a, confusão, tumulto, minha avó caiu, e tanto as sua avó...

134 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo  Mecanismos gramaticais e coesivos nos vestibulares


— Não há morte. O encontro de duas expansões, ou c) Em “mas Humanitas é esse?”, a palavra “que”
a expansão de duas formas, pode determinar a supressão tem a função de omitir o significado real da pala-
de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, vra “Humanitas” por meio de uma pergunta, com
porque a supressão de uma e a condição da sobrevivência o propósito de causar suspense e, consequente-
da outra, e a destruição não atinge o princípio universal e mente, seduzir o leitor a ler toda a obra.
comum. Daí o carácter conservador e benéfico da guerra. d) Em “hás de lembrar-te as bolhas fazem-se e
Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As desfazem-se de contínuo, e tudo fica na mesma
batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que água”, a palavra “que” introduz o complemento
assim adquire forças para transpor a montanha e ir a outra oracional do verbo ‘lembrar’. Esse complemento é
vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas esclarecedor do fundamento da filosofia humanitista
tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam de que, quando duas expansões se encontram, há
a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz, conservação de uma delas e eliminação da outra.
nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma
das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí 4. PUC-GO 013
a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas — Não sei bem se devemos limitar as escolhas.
públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas. Se a Quanto a Larry, parece-me claro ser um tipo com conheci-
guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam mentos fortes nas áreas da matemática, informática, por aí.
a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora Quanto ao Brad, francamente, não vi nos e-mails nenhuma
e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo referência ao que faz ou ao que se dedica. Parece apenas
racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que interessado nos problemas do Larry, como um psiquiatra.
virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; Não li todos os e-mails, talvez a Helen...
ao vencedor, as batatas. — Tem razão — concordou Helen. — Nada indica
que o Brad tenha sequer qualquer formação científica,
— Mas a opinião do exterminado?
até pode ser um trabalhador de limpeza que tem aces-
— Não há exterminado. Desaparece o fenômeno; a
so a computadores. Quem o não tem na universidade?
substância é a mesma. Nunca viste ferver água? Hás de
Claro, dirão, escreve razoavelmente bem, mas sempre há
lembrar-te que as bolhas fazem-se e desfazem-se de con- excepções, não é? [...]
tínuo, e tudo fica na mesma água. Os indivíduos são essas — Há muita coisa no ciberespaço que desconhecemos
bolhas transitórias. — ripostou Kate no mesmo tom secreto e aparentemente
— Bem; a opinião da bolha... apaixonado. — Se formos bem ao fundo, até podemos
— Bolha não tem opinião. Aparentemente, há nada por em causa as teorias físicas aceites hoje. Ou então foi
mais contristador que uma dessas terríveis pestes que de- apenas uma coincidência.
vastam um ponto do globo? E, todavia, esse suposto mal — Depois de tudo esclarecido, vou fazer umas per-
é um benefício, não só porque elimina os organismos guntas a uns professores que conheço na zona de Palo
fracos, incapazes de resistência, como porque dá lugar Alto, talvez eles possam explicar — disse Mao.
à observação, à descoberta da droga curativa. A higiene — Explicar, duvido, ainda não chegou o tempo das
é filha de podridões seculares; devemo-la a milhões de explicações. Mas talvez eles cheguem à conclusão que o
corrompidos e infectos. Nada se perde, tudo é ganho. mérito vai apenas para o técnico altamente competente e
Repito, as bolhas ficam na água. Vês este livro? É Dom atento que detectou as mensagens antes de qualquer outro.
Quixote. Se eu destruir o meu exemplar, não elimino a [...]
[...]. Um dos primeiros trabalhos de Nabokov tinha
obra, que continua eterna nos exemplares subsistentes e
permitido a certas empresas desenvolverem os bloqueios
nas edições posteriores. Eterna e bela, belamente eterna,
a publicidade que inundava a Internet e tanta raiva impo-
como este mundo divino e supradivino.
tente provocava nos navegadores, tendo de esperar que os
ASSIS, Machado de. Quincas Borba. 18. ed.
São Paulo: Ática, 2011. p. 26-28. anúncios se decidissem desaparecer para poderem ler qual-
quer coisa de jeito. Essas empresas usaram a descoberta,
Sobre as funções da palavra “que”, assinale a alterna- até mesmo a designação criada por ele aproveitaram [...]
tiva correta: [...] De facto, a rede estava normal, sem complica-
a) Em “seguramente o dono da sege [...] não morria ções, sem atrasos, e entrava nos sítios que queria. [...]
de fome, ao passo a boa senhora morreu de PEPETELA. O Terrorista de Berkeley, Califórnia. Lisboa:
Dom Quixote, 2007, p. 72-76.
verdade”, a palavra “que” introduz, por ela mesma,
uma oração subordinada que explica a relação de A palavra “que” pode exercer diferentes funções sin-
oposição entre a vitalidade de uma pessoa e a táticas e estabelecer diferentes relações semânticas.
morte de outra no texto por meio de um fato. No seguinte trecho, “Há muita coisa no ciberespa-
b) Em “Crê-me, o Humanitismo é o remate das coi- ço que desconhecemos – ripostou Kate no mesmo
sas; e eu, o formulei, sou o maior homem do tom secreto e aparentemente apaixonado”, a palavra
mundo”, a palavra “que” substitui o nome “Hu- “que” (marque o item cuja resposta é a correta):
FRENTE 1

manitismo” com o objetivo de evitar repetições a) exerce o papel de pronome adjetivo porque
desnecessárias no decorrer do texto, garantindo- acompanha a palavra “ciberespaço”, delimitando-
-lhe coesão. -lhe a significação.

135
b) assume uma função coesiva porque substitui o 6. PUC-GO 016
sintagma “muita coisa”, restringindo-lhe o sentido
Eternidade
no contexto em que aparece. Ele reviu-se: Ele sentiu-se:
c) constitui sujeito sintático do verbo “desco- não era mais recomeçava.
nhecer” porque concorda com ele em tempo, nem corpo Vivera
modo, número e pessoa, atuando como agente nem sombra morrendo
da ação verbal. nem escombros. numa estrela.
d) funciona como conjunção explicativa porque Como foi isso? Ele despiu-se
introduz na sequência um esclarecimento, reve- Tudo irreal: de quê?
lando a personagem que enunciou a frase. um barco De tudo
sem mar que amara.
5. Ifal 018 Leia esta tira de Orlandeli e assinale a alter- a boiar.
Surdo-mudo
nativa incorreta. cegara.
Agora vê.
O trema não será
mais usado. LIMA, Jorge. Melhores poemas. 3. ed. São Paulo: Global, 2006. p. 122-123.
Exemplo:
"lingüiça" perde Em “Eternidade”, a estrutura paralelística composta
o trema e fica
"linguiça".
por ele + verbo + se, presente na primeira, terceira e
quarta estrofes, contribui para a delimitação de atos
importantes do “ele”. Em relação às funções sintáticas
do “se”, no texto, assinale a alternativa correta:
a) A palavra “se” assume a função de pronome apas-
sivador, visto que instaura uma estrutura na voz
passiva, que coloca em destaque o caráter reativo
www.orlandeli.com.br/novo/wordpress/index.php/tag/quadrinhos/
de um sujeito paciente diante de sua existência.
a) Ainda que flexione o verbo ver no imperativo, o b) A palavra “se” assume a função de pronome
personagem do primeiro quadrinho, ao fazê-lo reflexivo, uma vez que, como objeto direto dos
na primeira pessoa do plural, faz uma espécie verbos, essa palavra projeta as ações do sujeito
de convite ao colega para conhecerem juntos as sobre ele mesmo.
c) A palavra “se” funciona como índice de indeter-
novas regras ortográficas. É como se dissesse:
minação do sujeito, pois o enunciador opta pela
Vamos ver as novas regras.
criação de um mistério em relação à identidade
b) O termo Nossa!!, no segundo quadrinho, não fun-
daquele de quem se fala, de modo que o uso de
ciona como um pronome possessivo, mas como
“se” contribui para ocultar-lhe a identidade.
uma interjeição, não só porque exprime uma sen-
d) A palavra “se” funciona como encabeçador de
sação do personagem, como porque, na escrita,
uma sentença condicional, porque o enunciador
as interjeições vêm, via de regra, acompanhadas
apresenta três hipóteses de como se proceder
de ponto de exclamação. frente à busca da eternidade e, desse modo, con-
c) Embora apresente um valor semântico de ad- quistar os benefícios de uma vida perene.
miração, de surpresa, a expressão Que coisa...,
no segundo quadrinho, não se configura uma in-
7. UEG-GO 014 O período “Se a senhora não precisa
terjeição, pois vem seguida de reticências, que
de nada, vou ao médico” (Eça de Queirós) pode ser
somente indicam suspensão ou interrupção de
reescrito, sem prejuízo de sentido, do seguinte modo:
uma ideia ou pensamento.
a) Caso a senhora não precise de nada, vou ao médico.
d) Pode-se inferir do terceiro quadrinho que as re- b) Já que a senhora não precisa de nada, vou ao
gras ortográficas são imposições decorrentes médico.
do uso que os falantes fazem da língua, ou seja, c) Porque a senhora não precisa de nada, vou ao
como a maioria dos usuários desconhecia a fun- médico.
ção do trema e não sabia empregá-lo na escrita, d) Ainda que a senhora não precise de nada, vou
o sinal tornou-se obsoleto, não havendo razão ao médico.
para continuar existindo nas regras ortográficas
da língua. 8. AFA-SP
e) O significado das interjeições está sempre vin-
culado ao uso, por isso qualquer palavra ou Os ideais da nossa geração Y(continuação)
expressão da língua pode atuar como interjei- Daniella Cornachione
ção, dependendo do contexto e da intenção do
A busca desse equilíbrio é considerada uma caracte-
falante. Assim, conclui-se que, por expressarem
rística básica dos trabalhadores mais jovens, com idades
espanto, as três falas do personagem no segundo entre 18 e 29 anos — faixaapelidada de Geração Y. Dividir
quadrinho são interjeições.

136 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo  Mecanismos gramaticais e coesivos nos vestibulares


os profissionais por grupos etários éútil para as consulto- 9. UEG-GO 018
5 rias de recursos humanos como uma forma de perceber
mudanças no comportamento enos interesses das pessoas Dificuldades para a busca da verdade
e ajudar as empresas a atrair e manter os trabalhadores que Em nossa sociedade, é muito difícil despertar nas pessoas
elas consideremmais valiosos. Por exemplo, os profissio- o desejo de buscar a verdade. Pode parecer paradoxal que
nais nascidosnos anos 70 e 80 formam a Geração X, assim assim seja, pois parecemos viver numa sociedade que acre-
10 chamada porque parecia ser uma incógnita em termos de dita nas ciências, que luta por escolas, que recebe durante 24
comportamento. “A Geração X chegou à adolescência 5 horas diárias informações vindas de jornais, rádios e televi-
quando as revoluções já estavam feitas, e as grandes causas sões, que possui editoras, livrarias, bibliotecas, museus, salas
mundiais mais oumenos resolvidas”, afirmaCarlos Hono- de cinema e de teatro, vídeos, fotografias e computadores.
rato, pesquisador do grupo especializado em tendências Ora, é justamente essa enorme quantidade de veícu-
15 Profuturo, da Fundação Instituto de Administração (FIA). los e formas de informação que acaba tornando tão difícil
Apesar disso, os Xs brasileiros cresceram ouvindo falar em 10 a busca da verdade, pois todo mundo acredita que está
inflação, dívida externa e planos econômicos fracassados. recebendo, de modos variados e diferentes, informações
Por isso, têm maisapego ao sonho do emprego estável e científicas, filosóficas, políticas, artísticas e que tais infor-
da maior segurança financeira possível para a família e os mações são verdadeiras, sobretudo porque tal quantidade
20 filhos. Isso explica muito sobre a Geração Y. informativa ultrapassa a experiência vivida pelas pessoas,
Os Ys cresceram em ambiente bem diferente, comes- 15 que, por isso, não têm meios para avaliar o que recebem.
tabilidade econômica, inflação sob controle,globalização Bastaria, no entanto, que uma mesma pessoa, durante
e oportunidades abertas. Convivem com a internet desde a uma semana, lesse de manhã quatro jornais diferentes e ou-
infância e se acostumaram às decisões coletivas, ao debate visse três noticiários de rádio diferentes; à tarde, frequentasse
25 sempre aberto, à interação permanente. Nas empresas, duas escolas diferentes, onde os mesmos cursos estariam
eles vêm sendo considerados, numa interpretação favo- 20 sendo ministrados; e, à noite, visse os noticiários de quatro
rável, comoquestionadores; numa interpretação não tão canais diferentes de televisão, para que, comparando todas
favorável, como insolentes. “É uma geração mais aberta a as informações recebidas, descobrisse que elas “não batem”
novas possibilidades, que tem muito compromisso consigo umas com as outras, que há vários “mundos” e várias “so-
30 mesma. Se o jovem não estiver satisfeito como trabalho ciedades” diferentes, dependendo da fonte de informação.
ou quiser outras oportunidades, não fica na empresa”,afir- 25 Uma experiência como essa criaria perplexidade, dú-
ma Sara Behmer, presidente da consultoria de recursos vida e incerteza. Mas as pessoas não fazem ou não podem
humanos Voyer e professora da Brazilian Business School. fazer tal experiência e por isso não percebem que, em
Se a nova estabilidade econômica tornou os Ys lugar de receber informações, estão sendo desinformadas.
35 brasileiros mais ambiciosos e dispostos a arriscar, odesen- E, sobretudo, como há outras pessoas (o jornalista, o radia-
volvimento econômico nos Estados Unidos (e umacerta 30 lista, o professor, o médico, o policial, o repórter) dizendo
decepção com jeito tradicional de fazer negócios, pelas a elas o que devem saber, o que podem saber, o que po-
crises dos anos 2000) tornou os Ys americanos extremamen- dem e devem fazer ou sentir, confiando na palavra desses
te exigentes e idealistas. Eles fazem questão de ter equilíbrio “emissores de mensagens”, as pessoas se sentem seguras
40 entre vida pessoal e carga detrabalho, buscam empresas e confiantes, e não há incerteza porque há ignorância.
com boa reputação e alto padrão ético e querem ter funções CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 13. ed. 2003. São Paulo: Ática. p. 90.
cujo objetivo seja o bem maior da sociedade. Todas metas
No trecho “é justamente essa enorme
muito admiráveis– e que bateram de frente com a crise.
ÉPOCA, 21 de junho de 2010)
que acaba tornando
tão difícil a busca da verdade” (l. 8 a 10), o constituinte
Assinale a alternativa em que a oração destacada tem “essa enorme quantidade de veículos e formas de in-
a mesma natureza sintática (substantiva, adjetiva ou formação” exerce a função sintática de
adverbial), da que foi sublinhada em: a) aposto d) objeto indireto
Dividir os profissionais por grupos etários é útil para b) objeto direto e) predicativo do sujeito
as consultorias de recursos humanos... (l. 3 a ) c) sujeito

a) “... como uma forma


10. UEG-GO 018
e
ajudar as empresas a atrair e manter trabalhado- O mundo como pode ser: uma outra
res...” (l.  a ) globalização
b) “... formam a Geração X, assim chamada
Podemos pensar na construção de um outro mundo
-
a partir de uma globalização mais humana. As bases ma-
tamento...” (l.  a )
teriais do período atual são, entre outras, a unicidade da
c) “Se o jovem não estiver satisfeito com o trabalho técnica, a convergência dos momentos e o conhecimento
ou outras , não fica na em- do planeta. É nessas bases técnicas que o grande capital se
presa...” (l. 3 e 3) apoia para construir uma globalização perversa. Mas essas
FRENTE 1

d) “Apesar disso, os Xs brasileiros cresceram ou- mesmas bases técnicas poderão servir a outros objetivos,
vindo falar em , dívida externa e se forem postas a serviço de outros fundamentos sociais
econômicos fracassados.” (l.  e ) e políticos. Parece que as condições históricas do fim do

137
século XX apontavam para esta última possibilidade. Tais 11. Unitins-TO 019
novas condições tanto se dão no plano empírico quanto
no plano teórico. Células-tronco regeneram coração de macacos
Considerando o que atualmente se verifica no plano A insuficiência cardíaca é uma das principais causas
empírico, podemos, em primeiro lugar, reconhecer um de morte ao redor do mundo. Um ataque cardíaco, mesmo
certo número de fatos novos indicativos da emergência que não seja fatal, pode trazer danos permanentes ao mús-
de uma nova história. O primeiro desses fenômenos é a culo do coração. Ele fica fraco, e não dá conta de bombear
enorme mistura de povos, raças, culturas, gostos, em todos sangue do jeito certo. Hoje não existe – ainda – uma forma
os continentes. A isso se acrescente, graças ao progresso de reverter o problema. Mas um novo estudo apostou em
da informação, a “mistura” de filosofia, em detrimento transformar células-tronco humanas em novos cardiomióci-
do racionalismo europeu. Um outro dado de nossa era, tos, as células do músculo cardíaco. E injetaram tudo direto
indicativo da possibilidade de mudanças, é a produção de no coração de macacos infartados. Deu certo: a técnica
uma população aglomerada em áreas cada vez menores, recuperou até 90% da função cardíaca dos animais – e até
o que permite um ainda maior dinamismo àquela mistura diminuiu as cicatrizes internas deixadas pelo infarto.
entre pessoas e filosofias. As massas, de que falava Ortega
Fonte: Leonardi, Ana Carolina. Revista Superinteressante, São Paulo,
y Gasset na primeira metade do século (A rebelião das n. 392, p. 16, 2018.
massas, 1937), ganham uma nova qualidade em virtude
de sua aglomeração exponencial e de sua diversificação. No período: “Um ataque cardíaco,
Trata-se da existência de uma verdadeira sociodiversida- fatal, pode trazer danos permanentes ao músculo do
de, historicamente muito mais significativa que a própria coração”, a função sintática da oração em destaque é:
biodiversidade. Junte-se a esses fatos a emergência de uma a) subordinada adverbial concessiva.
cultura popular que se serve dos meios técnicos antes b) subordinada substantiva objetiva direta.
exclusivos da cultura de massas, permitindo-lhe exercer c) coordenada sindética explicativa.
sobre esta última uma verdadeira revanche ou vingança. d) subordinada adjetiva restritiva.
É sobre tais alicerces que se edifica o discurso da e) subordinada substantiva apositiva.
escassez, afinal descoberta pelas massas. A população,
aglomerada em poucos pontos da superfície da Terra, cons- Leia um trecho do conto “Felicidade clandestina”, de
titui uma das bases de reconstrução e de sobrevivência das
Clarice Lispector, para responder à questão 1.
relações locais, abrindo a possiblidade de utilização, ao
serviço dos homens, do sistema técnico atual. Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que
No plano teórico, o que verificamos é a possiblidade não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas
de produção de um novo discurso, de uma nova meta- depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de
narrativa, um grande relato. Esse novo discurso ganha novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer
relevância pelo fato de que, pela primeira vez na histó- pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara
ria do homem, se pode constatar a existência de uma o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as
universalidade empírica. A universalidade deixa de ser mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que
apenas uma elaboração abstrata na mente dos filósofos era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina
para resultar da experiência ordinária de cada pessoa. De para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu
tal modo, em mundo datado como o nosso, a explicação vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma
do acontecer pode ser feita a partir de categorias de uma rainha delicada. Às vezes sentava-me na rede, balançan-
história concreta. É isso, também, que permite conhecer do-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase
as possiblidades existentes e escrever uma nova história. puríssimo. Não era mais uma menina com um livro: era
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. 13. ed. São Paulo: Record, uma mulher com o seu amante (LISPECTOR, 1996, p. 7).
2006. p. 20-21. (Adaptado).

Considere o seguinte parágrafo: 1. Unitins-TO 019 Observe os termos destacados nas
É sobre tais alicerces que se edifica o discurso da orações a seguir.
escassez, afinal descoberta pelas massas. A população,
I. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto
aglomerada em poucos pontos da superfície da Terra, cons-
de o ter.
titui uma das bases de reconstrução e de sobrevivência das
relações locais, abrindo a possiblidade de utilização, ao
II. Horas depois o abri, li algumas linhas maravilho-
serviço dos homens, do sistema técnico atual. sas, fechei-o de novo, fui passear pela casa [...].
III. Criava as mais falsas dificuldades para aquela
A oração reduzida de gerúndio “abrindo a possiblidade coisa clandestina que era a felicidade.
de utilização, ao serviço dos homens, do sistema téc- IV. Eu era uma rainha delicada.
nico atual” retoma como sujeito o seguinte sintagma:
Agora, assinale a assertiva que traga a função sintática
a) “uma das bases de reconstrução e de sobrevi-
correta dos termos destacados em negrito, de acordo
vência das relações locais”
com a sequência apresentada nas frases I, II, III e IV.
b) “a população aglomerada em poucos pontos da
superfície da Terra” a) Objeto indireto, objeto direto, objeto direto e ad-
c) “descoberta pelas massas” junto adverbial.
d) “o discurso da escassez” b) Predicativo do sujeito, complemento nominal, ob-
e) “tais alicerces” jeto direto e predicativo do sujeito.

138 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo  Mecanismos gramaticais e coesivos nos vestibulares


c) Objeto indireto, sujeito, objeto indireto e objeto mas seu comportamento foi desprovido de qualquer
direto. senso de desespero ou urgência. E quando ela foi
d) Objeto direto, adjunto adnominal, objeto direto e convidada a lembrar como se sentiu durante as si-
predicativo do sujeito. tuações, respondeu que não sentiu medo, mas que
e) Objeto direto, objeto direto, objeto indireto e pre- se sentia chateada e irritada com o que aconteceu.
dicativo do sujeito. Segundo os pesquisadores, sem medo, pode-se dizer que
o sofrimento dela não tem a intensidade profunda e real
Leia os textos a seguir para responder às questões suportada por outros sobreviventes de traumas. Essen-
13 e 14. cialmente, devido aos danos na amígdala, a mulher está
imune aos efeitos devastadores do transtorno de estresse
Texto 
pós-traumático.
A mulher que não sente medo de Mas há uma desvantagem: ela tem uma incapaci-
dade de detectar e evitar situações ameaçadoras, o que
absolutamente nada
provavelmente contribuiu para a frequência com que ela
Jeanna Bryner – Dezembro de 2010 enfrentou riscos.
Você gostaria de não sentir medo? Pelo menos uma Os pesquisadores dizem que esse tipo de paciente é
pessoa no mundo não tem medo de nada: uma mulher muito raro, mas para entender melhor o fenômeno, seria
de 44 anos, que até ajudou pesquisadores a identificarem ótimo estudar mais pessoas com a condição.
o local em que vive o fator medo no cérebro humano. Disponível em: http://hypescience.com(texto adaptado de
www.livescience.com).Acesso em: 29 Acesso em: 29 abr. 2014.
Os pesquisadores tentaram inúmeras vezes assustar a
mulher: casas mal-assombradas, onde monstros tentaram Texto 2
evocar uma reação de rejeição, aranhas e cobras, e uma
série de filme de terror apenas entreteram a paciente. Autossabotagem: o medo de ser feliz
A mulher tem uma doença rara chamada síndrome de Raphaela de Campos Mello – Outubro de 2012
Urbach-Wiethe que destruiu sua amígdala. A amígdala é
A cada passo dado você sente que a felicidade
uma estrutura em forma de amêndoa situada no fundo do
seafasta alguns metros? Talvez esteja, inconscientemen-
cérebro. Nos últimos 50 anos, estudos mostraram que ela
te, queimando chances de se realizar. Repense as próprias
tem um papel central na geração de respostas de medo
atitudes para interromper esse ciclo destrutivo.
em diferentes animais.
Por medo dos riscos e das responsabilidades da vida,
Agora, o estudo envolvendo essa paciente é o primei-
podemos acabar inconscientemente com as nossas realiza-
ro a confirmar que essa região do cérebro é responsável
ções. Isso se chama autossabotagem. São atitudes forjadas
pelo medo nos seres humanos. A descoberta pode levar
por uma parte de nós que não nos vê como merecedoras
a tratamentos para transtorno de estresse pós-traumático
do sucesso ou que subestima nossa capacidade de lidar
(TEPT). Tratamentos de psicoterapia que seletivamente
amorteçam a hiperatividade na amígdala podem curar com a vitória.
pacientes com TEPT. Pode ser aquela espinha que apareceu no nariz no
Estudos anteriores com a mesma paciente revelaram dia daquele encontro especial ou da gripe que a pegou
que ela não conseguia reconhecer expressões faciais de na véspera daquela importante reunião.
medo, mas não se sabia se ela tinha a capacidade de sen- “Muitos desses comportamentos destrutivos estão qua-
tir medo. Para descobrir, os pesquisadores deram vários se fora do domínio da consciência”, afirma o psicólogo
questionários padronizados à paciente, que sondaram os americano Stanley Rosner, coautor do livroO Ciclo da
diferentes aspectos do medo, desde o medo da morte até AutoSabotagem- Por Que Repetimos Atitudes que Des-
o medo de falar em público. troem Nossos Relacionamentos e Nos Fazem Sofrer (ed.
Além disso, durante três meses ela carregou um diá- BestSeller).
rio que informatizava sua emoção, e que, aleatoriamente, “A autonomia, a independência e o sucesso são apa-
pedia-lhe para classificar o seu nível de medo ao longo vorantes para algumas pessoas porque indicam que elas
do dia. O diário também indicava emoções que ela estava não poderão mais argumentar que suas necessidades pre-
sentindo em uma lista de 50 itens. Sua pontuação média cisam ser protegidas”, diz o autor.
de medo foi de 0%, enquanto para outras emoções ela O filósofo e psicanalista paulista Arthur Meucci, co-
mostrou funcionamento normal. autor deA Vida Que Vale a Pena Ser Vivida(ed. Vozes)
Em todos os cenários, ela não mostrou nenhum medo. comenta sobre os ganhos secundários. “Há jovens que
Baseado no seu passado, os pesquisadores encontraram saem de casa para tentar a vida, enquanto outros perma-
muitas razões para ela reagir com medo. Ela própria necem na zona de conforto, porque continuam recebendo
contou que não gosta de cobras, mas quando entrou em atenção dos pais e se seximem de enfrentar as dificuldades
contato com duas, não sentiu medo. Além disso, já lhe da fase adulta”, afirma.
apontaram facas e armas, ela foi fisicamente abordada por O problema é que, ao fazermos isso, não nos desen-
uma mulher duas vezes seu tamanho, quase morreu em volvemos plenamente. “Todo mundo busca a felicidade,
um ato de violência doméstica, e em mais de uma ocasião a questão é ter coragem de viver, o que significa correr
FRENTE 1

foi explicitamente ameaçada de morte. riscos e assumir responsabilidades”, diz ele.


O que mais se sobressai é que, em muitas des- Disponível em: http://exame.abril.com.br/estilo-de-vida/noticias/
autossabotagem-o-medo-deser-feliz. (Texto adaptado).
tas situações a vida da paciente estava em perigo, Acesso em: 29 abr. 2014.

139
13. IME-RJ 015 Observe os fragmentos extraídos do úl- A numeração correta, de cima para baixo, é
timo parágrafo do texto . a)  – 3 –  –  – . d)  –  –  –  – 3.
b)  –  – 3 –  – . e) 3 –  –  –  – .
,... a questão é ter coragem de viver,... / ... o que sig-
c)  –  –  –  – 3.
nifica correr riscos e assumir responsabilidades...,
Pode-se dizer que o segundo fragmento, em relação 17. Uerr 016
à ideia expressa no primeiro, representa uma: Ela se despiu como quem vestia a pele.
a) explicação. d) consequência. Yara saiu dos rios e seduziu o pescador.
b) finalidade. e) exceção. Fizeram amor toda noite na areia,
na canoa, dentro do Uraricoera.
c) causa.
havia puçanga* em seu corpo,
havia urucum em seus lábios, jenipapo no corpo,
14. IME-RJ 015 Nos textos 1 e , observam-se alguns
um redemoinho no ventre.
termos “se” em destaque. A análise desse termo foi
Ela o estrangulou ao amanhecer e
feita de forma correta em:
saiu com um filho no ventre.
a) “...mas não se sabia se ela tinha a capacidade de
sentir medo...” (texto , o parágrafo) – conjunção *Poção mágica utilizada pelos indígenas.
subordinativa adverbial condicional. FIOROTTI, Devair. Livro dos amores. São Paulo: Patuá, 2014.

b) “...pode-se dizer que o sofrimento dela não tem a Assinale a alternativa falsa.
intensidade profunda e real suportada por outros a) “Como quem vestia a pele” é uma oração subor-
sobreviventes de traumas.” (texto , o parágrafo) dinada.
– partícula de realce. b) “E seduziu o pescador” é uma oração coordenada.
c) “A cada passo dado você sente que a felicidade c) A estrutura sintática de orações coordenadas e
se afasta alguns metros?” (texto , o parágrafo) – subordinadas é similar.
conjunção subordinativa adverbial temporal. d) As orações subordinadas são tidas como orações
d) “Isso se chama autossabotagem.” (texto , o pa- complexas.
rágrafo) – conjunção integrante. e) “E” é uma conjunção coordenativa.
e) “...porque continuam recebendo atenção dos pais
e se eximem de enfrentar as dificuldades da fase 18. AFA-SP 017
adulta...” (texto , o parágrafo) – pronome reflexivo. Para sempre jovem
Recentemente, vi na televisão a propaganda de um jipe
15. IFGoiano-GO 018 que saltava obstáculos como se fosse um cavalo de corrida.
É preciso parar. Já tinha visto esse comercial, mas comecei a prestar atenção
Estou com saudade de mim. Ando pouco recolhida, na letra da música, soando forte e repetindo a estrofe de
atendendo demais ao telefone, escrevo depressa, vivo 5 uma canção muito conhecida, “forever Young... I wanna
depressa. Onde está eu? Preciso fazer um retiro espiritual live forever and Young... (para sempre jovem... quero viver
e encontrar-me enfim – enfim, mas que medo – medo de para sempre e jovem). Será que, realmente, queremos viver
mim mesma. muito e, de preferência, para sempre jovens? [...]
LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. O crescimento da população idosa nos países desen-
10 volvidos é uma bomba-relógio que já começa a implodir
Em relação à pontuação do trecho em negrito, é corre-
os sistemas previdenciários, despreparados para amparar
to armar que as vírgulas estão separando as orações
populações com uma média de vida em torno de 140
a) coordenadas assindéticas. anos. A velhice se tornou uma epidemia incontrolável
b) coordenadas sindéticas. nos países desenvolvidos. Sustentar a população idosa
c) subordinadas substantivas. sobrecarrega os jovens, cada vez em menor número, pois,
15
d) subordinadas da principal. nesses países, há também um declínio da natalidade. Será
isso socialmente justo?
16. URI-RS 014 Numere os parênteses, relacionando as Uma pessoa muito longeva consome uma quantidade
palavras/expressões destacadas na coluna da direita às total de alimentos muito maior do que as outras, o que
ideias que elas estabelecem entre os segmentos do texto. 20 contribui para esgotar mais rapidamente os recursos finitos
do planeta e agravar ainda mais os desequilíbrios sociais.
 Finalidade “ , estima-se que Para que uns poucos possam viver muito, outros terão de
a produção anual do lixo” passar fome. Será que, em um futuro breve, teremos uma
2 Explicação “ , segundo guerra de extermínio aos idosos, como na ficção do escritor
a UNICEF, em alguns lixões” 25 argentino Bioy Casares, O diário da guerra do porco? Seria
 Ilustração “ absorção de materiais uma guerra justa? /.../
recicláveis produzidos” TEIXEIRA, João. Para sempre jovens. In: Revista Filosofia: ciência & vida.
Ano VII, n. 92, março-2014, p. 54.
 Tempo “ era passou a
ser identificado” Elementos de modalização são responsáveis por ex-
 Conformidade “ a UNICEF,  mil pressar intenções e pontos de vista do enunciador. Por
crianças e adolescentes” intermédio deles, o enunciador inscreve no texto seus

140 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo  Mecanismos gramaticais e coesivos nos vestibulares


julgamentos e opiniões sobre o conteúdo, fornecendo aguenta-te; anda; aguenta-te, alma de lacaio, fracalhão,
ao interlocutor “pistas” de reconhecimento do efeito de vil, miserável. Dizes amém a tudo, não é? Aí tens o lucro,
sentido que pretende produzir. Observe os elementos biltre!”. – E muitos outros nomes feios, que um homem não
de modalização destacados nos excertos e as respec- deve dizer aos outros, quanto mais a si mesmo. Daqui a
tivas análises. 15 imaginar o efeito do recado é um nada. Tão depressa ele o
I. “... e agravar ainda mais os desequilíbrios sociais" recebeu como abriu mão das drogas e voou à Casa Verde.
(l. ) – o advérbio destacado retifica a ideia de [...]
que a situação que já é caótica vai piorar. Quanto à ideia de ampliar o território da loucura, achou-a
II. “... terão de passar fome.” (l.  e 3) – o verbo o boticário extravagante; mas a modéstia, principal adorno
auxiliar utilizado ressalta a total falta de saída para 20 de seu espírito, não lhe sofreu confessar outra coisa além de
os jovens. um nobre entusiasmo; declarou-a sublime e verdadeira, e
III. “Será que, realmente, queremos viver muito...” acrescentou que era “caso de matraca”. Esta expressão não
tem equivalente no estilo moderno. Naquele tempo, Itaguaí,
(l.  e ) – o advérbio utilizado reforça o questio-
que como as demais vilas, arraiais e povoações da colônia,
namento sobre o desejo de viver muito, presente
25 não dispunha de imprensa, tinha dois modos de divulgar uma
no senso comum.
notícia: ou por meio de cartazes manuscritos e pregados na
IV. “... queremos viver muito, e , para
porta da Câmara, e da matriz; – ou por meio de matraca.
sempre jovens?” (l.  e ) – A locução adverbial su-
[...]
gere que a vida longa será também de qualidade.
De quando em quando tocava a matraca, reunia-se
Apresentam armações corretas as alternativas 30 gente, e ele anunciava o que lhe incumbiam, – um re-
a) I e II apenas. c) I, II e III apenas. médio para sezões, umas terras lavradias, um soneto, um
b) III e IV apenas. d) I, II, III e IV. donativo eclesiástico, a melhor tesoura da vila, o mais belo
discurso do ano etc. [...]
19. Enem Cultivar um estilo de vida saudável é extrema- ASSIS, Machado de. O Alienista. Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro / USP.
mente importante para diminuir o risco de infarto, mas
também de problemas como morte súbita e derrame. Atente para as armações referentes ao texto:
Significa que manter uma alimentação saudável e pra- I. “Assim se explicam os monólogos que ele fazia
ticar atividade física regularmente já reduz, por si só, as agora”. (l. ) O vocábulo em destaque pode ser cor-
chances de desenvolver vários problemas. Além disso, é retamente substituído pelo pronome relativo cujo.
importante para o controle da pressão arterial, dos níveis II. “declarou-a sublime e verdadeira, e acrescentou
de colesterol e de glicose no sangue. Também ajuda a di- que era “caso de matraca”. (l.  e ) Em desta-
minuir o estresse e aumentar a capacidade física, fatores
que, ocorre o emprego de um pronome oblíquo
que, somados, reduzem as chances de infarto. Exerci-
e de uma conjunção integrante, que funcionam
tar-se, nesses casos, com acompanhamento médico e
como elementos coesivos.
moderação, é altamente recomendável.
ATALLA, M. Nossa vida. Época. 23 mar. 2009.
III. “[...] e ele anunciava o que lhe incumbiam, – um
remédio para sezões, umas terras lavradias, [...]”
As ideias veiculadas no texto se organizam estabele-
(l. 3 e 3). O pronome substantivo em destaque
cendo relações que atuam na construção do sentido.
exerce a função de pronome demonstrativo.
A esse respeito, identica-se, no fragmento, que
a) a expressão “Além disso” marca uma sequencia- Em relação às armações, está(ão) correta(s):
ção de ideias. a) apenas a I. d) apenas as I e II.
b) o conectivo “mas também” inicia oração que ex- b) apenas a II. e) apenas as II e III.
prime ideia de contraste. c) apenas a III.
c) o termo “como”, em “como morte súbita e derra-
me”, introduz uma generalização. 1. IME-RJ 018
d) o termo “Também” exprime uma justificativa. Das vantagens de ser bobo
e) o termo “fatores” retoma coesivamente “níveis de O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo
colesterol e de glicose no sangue”. para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar
sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado
0. IME-RJ 00 por que não faz alguma coisa, responde: “Estou fazendo.
Capítulo IV 5 Estou pensando.”. Ser bobo às vezes oferece um mundo de
Uma teoria nova saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da
[...] esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe
Crispim empalideceu. Que negócio importante podia vem a ideia. O bobo tem oportunidade de ver coisas que
ser, se não alguma notícia da comitiva, e especialmente da os espertos não veem. Os espertos estão sempre tão atentos
mulher? Porque este tópico deve ficar claramente definido, 10 às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos,
5 visto insistirem nele os cronistas; Crispim amava a mulher, e estes os veem como simples pessoas humanas. O bobo
e, desde trinta anos, nunca estiveram separados um só dia. ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece
FRENTE 1

Assim se explicam os monólogos que fazia agora, e que os ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoie-
fâmulos lhe ouviam muita vez: – “Anda, bem-feito, quem vski. Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo,
te mandou consentir na viagem de Cesária? Bajulador, tor- 15 confiou na palavra de um desconhecido para a compra de
10 pe bajulador! Só para adular ao Dr. Bacamarte. Pois agora um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho

141
era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a de elo aos dois infelizes, foi antes um novo isolador que
Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem se estabeleceu entre eles. Estela amava-a menos do que
vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, lhe pedia o instinto materno por supô-la filha do marido, e
20 a opinião deste era de que o aparelho estava tão estragado este a detestava porque tinha convicção de não ser seu pai.
que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro. Uma bela noite, porém, o Miranda, que era homem
Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, de sangue esperto e orçava então pelos seus trinta e cinco
não desconfiar, e portanto estar tranquilo, enquanto o esperto anos, sentiu-se em insuportável estado de lubricidade. Era
não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto tarde já e não havia em casa alguma criada que lhe pu-
25 vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que desse valer. Lembrou-se da mulher, mas repeliu logo esta
venceu. Aviso: não confundir bobos com burros. Desvanta- ideia com escrupulosa repugnância. Continuava a odiá-la.
gem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. Entretanto este mesmo fato de obrigação em que ele se
É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou colocou de não servir-se dela, a responsabilidade de des-
dizendo a célebre frase: “Até tu, Brutus?”. Bobo não reclama. prezá-la, como que ainda mais lhe assanhava o desejo da
30 Em compensação, como exclama! Os bobos, com todas as carne, fazendo da esposa infiel um fruto proibido. Afinal,
suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse coisa singular, posto que moralmente nada diminuísse a
sido esperto não teria morrido na cruz. sua repugnância pela perjura, foi ter ao quarto dela.
O bobo é sempre tão simpático que há espertos que A mulher dormia a sono solto. Miranda entrou pé
se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade ante pé e aproximou-se da cama. “Devia voltar!... pensou.
35 e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos Não lhe ficava bem aquilo!...” Mas o sangue lateja-
não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos va-lhe, reclamando-a. Ainda hesitou um instante, imóvel,
outros. Em compensação os bobos ganham a vida. Bem- a contemplá-la no seu desejo.
-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém Estela, como se o olhar do marido lhe apalpasse o
desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sa corpo, torceu-se sobre o quadril da esquerda, repuxando
40 bem. Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas com as coxas o lençol para a frente e patenteando uma
(não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas nesga de nudez estofada e branca. O Miranda não pôde
Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem resistir, atirou-se contra ela, que, num pequeno sobressalto,
por não nascer em Minas! Bobo é Chagall, que põe vaca mais de surpresa que de revolta, desviou-se, tornando logo
no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível e enfrentando com o marido. E deixou-se empolgar pelos
45 evitar o excesso de amor que o bobo provoca. É que só o rins, de olhos fechados, fingindo que continuava a dormir,
bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo. sem a menor consciência de tudo aquilo.
LISPECTOR, Clarice. Das vantagens de ser bobo. Ah! ela contava como certo que o esposo, desde que
Disponível em: www.revistapazes.com/das-vantagens-de-ser-bobo/. Acesso não teve coragem de separar-se de casa, havia, mais cedo
em 10 de maio de 2017. Originalmente publicado no
Jornal do Brasil em 12 de setembro de 1970. ou mais tarde, de procurá-la de novo. Conhecia-lhe o tem-
peramento, forte para desejar e fraco para resistir ao desejo.
Observe os conectivos destacados no trecho abaixo.
Consumado o delito, o honrado negociante sentiu-se
Assinale a opção em que a análise semântica está de
tolhido de vergonha e arrependimento. Não teve ânimo
acordo com a que foi estabelecida no texto. de dar palavra, e retirou-se tristonho e murcho para o seu
[…] ele disse que o aparelho era novo, praticamente quarto de desquitado.
sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a Oh! como lhe doía agora o que acabava de praticar
boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não na cegueira da sua sensualidade.
funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de que o AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Moderna, 1983.
aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: Em relação aos aspectos linguísticos, assinale a alter-
mais valia comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem nativa correta.
de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar a) A locução conjuntiva concessiva “ainda mais” (º
tranquilo, enquanto o esperto não dorme à noite com medo parágrafo) é apenas enfática e poderia ser substi-
de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. tuída por “ainda que” que não alteraria o sentido.
O bobo não percebe que venceu. (linhas  a ) b) A conjunção “porém” (º parágrafo) estabelece
a) O conectivo “porque” estabelece uma relação de uma relação conclusiva.
consequência. c) A palavra “aquilo” (3º parágrafo) faz referência ao
b) O advérbio “sequer” introduz uma ideia de exceção. nascimento de Zulmira.
c) A expressão “tão... que” estabelece uma relação d) A expressão “desde que” (º parágrafo) é uma
de causa. locução conjuntiva coordenada e estabelece re-
d) O conectivo “portanto” estabelece uma ideia de lação causal.
finalidade. e) O termo “Agora” (º parágrafo), indica tempo e
e) O conectivo “enquanto” estabelece ideia de com- remete ao momento da ação praticada pelo per-
paração. sonagem Miranda.
. IFMT 017 3. IFMT 016
Odiavam-se. Cada qual sentia pelo outro um profundo
desprezo, que pouco a pouco se foi transformando em re- Universidade e paixões
pugnância completa. O nascimento de Zulmira veio agravar Ainda existe na universidade a ideia de que a pai-
ainda mais a situação; a pobre criança, em vez de servir xão se opõe à lógica. Esta tem cidadania nas relações e

14 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo  Mecanismos gramaticais e coesivos nos vestibulares


atividades acadêmicas; aquela, não. Portanto, pretende-se alta e os reservatórios em baixa atingindo marcas históricas
apresentar a universidade como um universo despassiona- negativas. Todos esses fatores somados resultam na séria
lizado, em que dominam a impessoalidade, a objetividade, 5 e concreta ameaça de racionamento de água na região
os critérios de mérito, a argumentação lógica. Deseja-se Sudeste, a mais populosa do país.
lançar a paixão na esfera dos assuntos privados. É claro que esse estado de coisas deve ser considerado
No entanto, à medida que a paixão movimenta os atípico, mas, diante da crise anunciada e um iminente
seres humanos à ação, não pode estar ausente da vida “apagão” no fornecimento desse líquido precioso, lá va-
acadêmica, não pode deixar de definir as relações do eu 10 mos nós caçar os culpados da hora!
com a instituição em que vive, não pode estar ausente das A mídia responsabiliza governos pela ausência de
interações sociais. Na verdade, o que precisaria impulsio- investimentos no setor. Os partidos pró e contra defen-
nar a pesquisa deveria ser a curiosidade, o que necessitaria dem ou atacam conforme a conveniência e a população
presidir ao ensino seria o entusiasmo. reclama de todos afirmando que paga suas contas em dia
[...] À medida que os pesquisadores vão se tornando 15 e, portanto, não aceita abrir mão do direito de ter água
cada vez mais especialistas, não têm nenhuma amplitude nas torneiras e chuveiros sempre que quiser fazer uso dela.
intelectual e passam a ver os pontos de vista teóricos com Afinal, foi o fenômeno climático, como consequência
que trabalham como a verdade, que explica o objeto em do aquecimento global, o maior responsável pelas altas
toda a sua complexidade [...] temperaturas e pela ausência de chuvas?
[...] O que governa a vida universitária são as paixões 20 Em parte podemos até afirmar que sim. Mas depender
da morte: hostilidades, rancores, invejas, ressentimentos... totalmente dos ciclos de chuva do bom comportamento
Essa é a parte sombria da universidade. climático apenas revela um despreparo muito grande e
Nas relações acadêmicas, o Eros está completamente que deve realmente assustar a todos nós.
ausente e o Thanatos reina triunfante. E o sentimento que Então, a quem cabe a maior responsabilidade? Acre-
domina tudo é o ressentimento. [...] 25 dito que seja da visão limítrofe generalizada que ainda é
Adaptado de: FIORIN, J. L. Semiotics of passions: resentment. capaz de dar pouca importância a esse insumo fundamen-
São Paulo: Alfa, v. 51, n. 1, p. 9-22, 2007. tal para a vida de todos.
Em relação aos elementos coesivos do texto, assinale Façamos um exercício bastante simples. Imagine a
a alternativa correta. falta de muitos serviços que temos à disposição dentro
a) No trecho “No entanto, na medida em que a pai- 30 das nossas casas. Pense que durante um período você
xão é o móvel a impelir os seres humanos à ação”, ficará totalmente sem energia elétrica, sem telefone ou
mesmo sem dispor da internet e da televisão a cabo. Muito
a expressão sublinhada expressa ideia de alter-
ruim sem dúvida e que podem trazer prejuízos diversos.
nância e exclusão.
Agora reflita sobre a total ausência de água. Sem entrar
b) Em “À medida que os pesquisadores vão-se
35 na individualização dos problemas acarretados por cada
tornando cada vez mais especialistas”, a expres-
um desses serviços, o que naturalmente o obrigaria a sair
são destacada é uma conjunção subordinativa e de casa para buscar uma solução é exatamente a água.
semanticamente estabelece uma relação de pro- Ela não é apenas vital para o nosso dia a dia, pessoal ou
porcionalidade com a oração anterior. profissionalmente como tantos outros, é basicamente uma
c) Em “Ainda existe na universidade a ideia de que a questão de sobrevivência.
40
paixão se opõe à lógica. Esta tem cidadania nas Agora, com raras exceções, o mais essencial é, inva-
relações e atividades acadêmicas; aquela, não”, riavelmente, o mais barato de todos. É ao final das contas
os pronomes sublinhados retomam, respectiva- uma impressionante inversão de valores, o que é mais
mente, os substantivos “paixão” e “lógica”. importante custa menos que o supérfluo… e vice-versa.
d) No trecho “Portanto, pretende-se apresentar a uni- 45 Nessa hora prevalece a lógica do famigerado mercado tão
versidade como um universo despassionalizado, pouco afeito a enxergar além do curto prazo. [...]
em que dominam a impessoalidade, a objetivida- Hoje o problema é a água, amanhã será a energia,
de, os critérios de mérito, a argumentação lógica.”, assim como a questão dos resíduos, poluição, mobilidade
a expressão em destaque pode ser substituída urbana, etc., etc., etc. Estão todos colocados e já batem à
pela conjunção mas sem que a relação de sentido 50 nossa porta. Para vivermos de maneira mais sustentável,
entre as orações seja comprometida. justa e equilibrada, não devemos esperar milagres, mas a
e) Em “Essa é a parte sombria da universidade” sin- participação de todos. Cuide da água, assim como de tudo
tetiza tudo o que fora citado anteriormente. que você considera importante.
CANTO, Reinaldo. Adaptado de: Água: a crônica da falta de bom senso.
Disponível em: www.ihu.unisinos.br/noticias/
4. IFMT 015 528388-agua-acronica-da-falta-de-bom-senso. Acesso em: 15 mar. 2015.

Água: a crônica da falta de bom senso Em “para vivermos de maneira mais sustentável, justa e
Reinaldo Canto equilibrada, não devemos esperar milagres, mas a parti-
cipação de todos” (l. 50 a 52), o conectivo em destaque
Jornalista especializado em sustentabilidade e consumo consciente, pós-
graduado em inteligência empresarial e gestão do conhecimento, em pode ser substituído, sem prejuízo de sentido, por:
FRENTE 1

artigo publicado por Carta Capital, em 16.02.2014. a) logo. d) pois.


Um calor acima do previsto e chuvas que não caem b) além disso. e) todavia.
como em anos anteriores. Além disso, um consumo em c) embora.

143
BNCC em foco
EM13LGG104

1.
[...]
Vera Neves salienta que, na doença de Alzheimer, por exemplo, a terapêutica atual utiliza inibidores que regulam a
transmissão de informação entre neurônios. “Se (1) fosse possível usar anticorpos que reconhecem a proteína beta-amiloide
[proteína tóxica que se (2) acumula nas placas senis que se (3) formam no cérebro e são uma das características da doença]
e que ao mesmo tempo conseguem inibir a acumulação da mesma, essa estratégia iria não só melhorar os sintomas como
prevenir a progresso da doença”, diz a pesquisadora. E acrescenta: “Idealmente, o tratamento deveria ser feito no início da
doença para evitar os efeitos irreversíveis, como a morte celular. Por isso, é também importante encontrar meios de detectar
a doença em estágios iniciais.”
[...]

a)
b)

c)
d)
e)

. Cultivar um estilo de vida saudável é extremamente importante para diminuir o risco de infarto, mas também de
problemas como morte súbita e derrame. Significa que manter uma alimentação saudável e praticar atividade física regular-
mente já reduz, por si só, as chances de desenvolver vários problemas. Além disso, é importante para o controle da pressão
arterial, dos níveis de colesterol e de glicose no sangue. Também ajuda a diminuir o estresse e aumentar a capacidade física,
fatores que, somados, reduzem as chances de infarto. Exercitar-se, nesses casos, com acompanhamento médico e modera-
ção, é altamente recomendável.

a)
b)
c)
d)
e)

EM13LGG401

3.

Acima de tudo Euclides exaltava o papel crucial do agenciamento histórico da população brasileira. Sua maior aposta
para o futuro do país era a educação em massa das camadas subalternas, qualificando as gentes para assumir em suas pró-
prias mãos seu destino e o do Brasil. Por isso se viu em conflito direto com as autoridades republicanas, da mesma forma
como outrora lutara contra os tiranetes da monarquia. Nunca haveria democracia digna desse nome enquanto prevalecesse
o ambiente mesquinho e corrupto da ‘república dos medíocres’ [...]. Gente incapaz e indisposta a romper com as mazelas
deixadas pelo latifúndio, pela escravidão e pela exploração predatória da terra e do povo. [...]
[...] Euclides expôs a mistificação republicana de uma “ordem” excludente e um “progresso” comprometido com o
legado mais abominável do passado. Sua morte precoce foi um alívio para os césares. A história, porém, orgulhosa de quem
a resgatou, não deixa que sua voz se cale.

a)

b)

LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo  Mecanismos gramaticais e coesivos nos vestibulares


FRENTE 2

CAPÍTULO Século XX: novas identidades literárias


A “geração de 45” restaura uma poesia mais equilibrada e séria, com uma retomada de

15
formas poéticas tradicionais, sobretudo do soneto. Apesar de os poetas desse momento
terem retornado também à métrica, não a consideraram obrigatória, sendo utilizado ain-
da o verso livre, embora mais trabalhado ritmicamente e com certo rigor e zelo artesanal.
Surge uma geração de escritores preocupados principalmente com o domínio da
própria linguagem, visto que o contexto político estava relativamente tranquilo em
relação às gerações anteriores, fazendo com que esses escritores fossem menos
exigidos social e politicamente, podendo, assim, potencializar seus trabalhos nos âm-
bitos estéticos e linguísticos, explorando com maior afinco a forma literária, tanto na
prosa quanto na poesia.
Uma nova conjuntura regionalista Guimarães Rosa e a linguagem
Mundialmente, o ano de 1945 marcou o fim da Segunda de múltiplos significados
Guerra Mundial e, no Brasil, do Estado Novo (1937-1945), João Guimarães Rosa (1908-1967), nascido em
implementado pela presidência de Getúlio Vargas. O Brasil Cordisburgo, Minas Gerais, foi escritor, médico e diplomata,
passou a viver um período democrático e desenvolvimentista representando o Brasil em vários lugares do mundo. Estu-
cujo ápice ocorreu nos anos de governo do presidente dou em Belo Horizonte desde pequeno e, quando tinha
Juscelino Kubitschek. apenas 16 anos, ingressou na Faculdade de Medicina da
A literatura brasileira, assim como o cenário sociopo- Universidade de Minas Gerais. Também morou por alguns
lítico, passava por transformações: a prosa modernista da anos na Europa e em outros países da América Latina, onde
terceira geração, de início, mostra-se conservadora, intimista seguiu carreira diplomática.
e reflexiva. Ao mesmo tempo, o regionalismo renova-se a Trabalhar como médico e diplomata lhe proporcionou uma
partir da perspectiva de Guimarães Rosa e de sua recriação vivência próxima de um grande número de pessoas, o que per-
dos costumes e da fala sertaneja, adentrando a psicologia mitiu que tivesse contato com diferentes saberes e modos de
do jagunço do Brasil central. manifestar a linguagem. Assim, o autor produziu um conheci-
O termo “regionalismo” é bastante amplo e sofreu mento muito amplo sobre os tipos humanos, sempre permeado
variações no decorrer do tempo. Porém, seu conceito, por dois campos de visão: um erudito, tradicional e universal; e
ainda que sob diferentes matizes, está presente desde o outro igualmente relevante, popular, regional e local.
projeto romântico de José de Alencar ao retratar nossas Sabe-se que Guimarães Rosa foi um intelectual, es-
paisagens, tipos e costumes diversos, passando pelo tudioso assíduo e leitor voraz de romances da literatura
ainda muito marcado determinismo que se observa em Os universal. Ele falava oito idiomas e tinha noções de vários
sertões, de Euclides da Cunha. Além disso, o regionalismo é outros; além disso, sua grande erudição e a vivência próxi-
encontrado nas histórias “caipiras” de Monteiro Lobato e na ma do universo rústico do Brasil foram determinantes para
obra, já modernista, Macunaíma, de Mário de Andrade, a qual a riqueza de sua produção textual.
retrata uma viagem fantástica, com toques surrealistas, por Um fato curioso sobre o autor é que ele foi eleito para
todo o Brasil. Ao se desenvolver, o conceito de regionalismo a Academia Brasileira de Letras em 1963, porém adiou sua
revelou-se, quase sempre, associado ao espírito nacionalista cerimônia de posse por quatro anos, pois temia que seu
e voltado à valorização da nossa cultura. coração não aguentasse a emoção. No dia 16 de novembro
Como já estudamos, o regionalismo ganhou mais de 1967, em seu discurso de posse, disse “… a gente morre
força na década de 1930, garantindo prestígio literário é para provar que viveu”, falecendo, três dias depois, em
para os escritores que valorizavam, ainda que de modos virtude de um infarto.
diferentes, a abordagem temática de problemas ligados No texto a seguir, o autor discorre sobre sua cidade natal,
às suas regiões. demonstrando capacidade narrativa de transformar um sim-
Em um cenário de profundas mudanças políticas devido ples lugar em um universo amplo e de infinitos significados.
ao fim das oligarquias, ao desenvolvimento da indústria e Cordisburgo era pequenina terra sertaneja, trás montanhas,
à nova fase centralizadora, surgia, no Brasil, o sentimento no meio de Minas Gerais. Só quase lugar, mas tão de repente
geral de unidade da nação baseado no conhecimento de bonito: lá se desencerra a Gruta do Maquiné, milmaravilha, a das
suas diversidades regionais, com o desejo por uma estética Fadas; e o próprio campo, com vasqueiros cochos de sal ao gado
literária que pudesse aproximar e colocar lado a lado as bravo, entre gentis morros ou sob o demais de estrelas, falava-se
diferenças: o Brasil queria reconhecer sua totalidade de antes: “os pastos da Vista Alegre”. Santo, um “Padre Mestre”, o
maneira mais integrada e ampliar a consciência quanto às Padre João de Santo Antônio, que recorria atarefado a região como
suas imensas disparidades regionais. missionário voluntário, além de trazer ao raro povo das grotas
A literatura do período marcou-se pelo tom de denúncia toda sorte de assistência e ajuda, esbarrou ali, para realumbrar-se
e de conscientização dos problemas e das características e conceber o que tenha talvez sido seu único gesto desengajado,
regionais, ainda que acompanhada, principalmente nas obras gratuito. Tomando da inspiração da paisagem a loci opportunitas,
de Graciliano Ramos, por uma densa sondagem psicológica. declarou-se a erguer ao Sagrado Coração de Jesus um templo
A partir de 1945, essa conjuntura literária se modificou naquele mistério geográfico. Fê-lo e fez-se o arraial, a que o fun-
novamente, adquirindo uma nova dimensão com Guimarães dador chamou “O Burgo do Coração”. Só quase coração – pois
Rosa, cuja obra não trazia mais o tom da denúncia, embora onde chuva e sol e o claro do ar e o enquadro cedo revelam ser
mantivesse certa preocupação social e contato íntimo com o espaço do mundo primeiro que tudo aberto ao supraordenado:
a matéria regional, no seu caso, o sertão mineiro. O foco do influem, quando menos, uma noção mágica do universo.
trabalho do escritor era construir uma forma de expressão [...]
que garantisse um mergulho mais fundo na humanidade co- Mais eu murmure e diga, ante macios morros e fortes
mum das diversas experiências de vida do sujeito brasileiro, gerais estrelas, verde o mugibundo buriti, buriti, e a sempre-
ainda que a partir da observação de uma região específica. -viva-dos-gerais que miúdo viça e enfeita: O mundo é mágico.
Houve, assim, uma enorme transformação do conceito de — Ministro, está aqui CORDISBURGO.
regionalismo, que, se não levou à impossibilidade de usá-lo, ROSA, João Guimarães. Discurso de posse para a Academia Brasileira de
Letras. Rio de Janeiro, 16 nov. 1967. Disponível em: www.academia.org.br/
modificou radicalmente, de modo a originar uma literatura abl/cgi/cgilua.exe/sys/ start.htm?infoid=685&sid=96.
calcada em princípios mais universalistas. Acesso em: 28 fev. 2018.

146 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 1 Século XX: novas identidades literárias


Guimarães Rosa apresenta um forte viés metafísico em à função das palavras, que também carregam significados
sua obra. A dimensão do inexplicável que a morte pode e formas capazes tanto de reproduzir o mundo em sua
trazer para a vida está muito presente em seus textos, grandeza e impenetrabilidade racional quanto de recriá-lo
sempre cobertos de mistérios: o estranho, o inexistente à luz da experiência subjetiva dos que o habitam.
que ao mesmo tempo se pode sentir e os ocos do mundo. Dessa maneira, Guimarães Rosa diferencia-se dos
Na literatura do autor, tudo aquilo que escapa da possi- demais escritores de sua época, visto que seu “regiona-
bilidade de ser dito pelas palavras ou que, pelo menos, lismo”, que talvez devesse vir sempre grafado entre aspas, é
resiste a elas força o significado e a sintaxe a romperem bastante característico. Enquanto os outros regionalistas de-
seus limites referenciais e racionais, até mesmo para narrar limitavam geograficamente sua área e abordavam questões
fatos corriqueiros e cotidianos da vida, em que sempre locais com realismo e olhar crítico, o sertão de Guimarães,
pode brilhar algo de inexplicável ao qual faltam palavras além de não ter limites geográficos específicos, desenvolve
e frases, pelo menos no que diz respeito ao uso conven- um “regionalismo universal”: pode-se perceber o sertão do
cional delas. mesmo modo que se nota o cosmo. Embora o texto do autor
tenha um ponto de partida, sua imagem sempre se desdobra
Atenção em sentidos maiores. É o que podemos entender a partir
de alguns de seus mais felizes achados expressivos, como:
“o sertão é o mundo”, “o sertão é dentro da gente” ou “o
sertão é quando menos se espera”, ou seja, universaliza-se
o sertão à proporção que o autor tematiza suas questões,
como o amor, a violência, a traição e o medo.
Sagarana não é um livro regional como os outros, porque
não existe região alguma igual à sua, criada livremente pelo
autor com elementos caçados analiticamente e, depois, sinte-
tizados na ecologia belíssima de suas histórias.
CANDIDO, Antonio. “Sagarana”. In: ROSA, João Guimarães; COUTINHO,
Eduardo (Org.). Ficção completa. 2. ed. Rio de Janeiro:
Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa. Nova Aguilar, 2009. p. CXI. v. 1.
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 1958.
Entre as obras de Guimarães Rosa, podemos destacar o
A obra de Guimarães Rosa combina, de maneira muito volume de contos Sagarana (1946), sua estreia literária,
peculiar, a abordagem regionalista às conquistas estéticas o ciclo de novelas e romances Corpo de baile (publicado
da primeira fase do Modernismo. Da linguagem escrita em 1956 e, mais tarde, desmembrado em três livros, que
tradicional em direção às linguagens inovadoras – típicas reuniam textos diversos: Manuelzão e Miguilim, No Urubu-
do sertão –, Guimarães transpôs a nossa língua para uma quaquá, no Pinhém e Noites do sertão), a obra-prima do
dimensão nunca antes atingida, distante tanto das con- romance moderno brasileiro Grande sertão: veredas (1956)
venções da abordagem realista quanto das idealizações e os livros de contos Primeiras estórias (1962) e Tutameia
românticas, tornando-a própria a enredar os leitores em (1967), além do volume póstumo Estas estórias (1969).
uma experiência mais imersiva e sensorial do que tudo o
que a literatura brasileira conhecia até então. O modo de Atenção
escrever do autor era capaz de seduzir, propondo novas
coordenadas, neologismos, raras associações linguísticas,
aliterações, onomatopeias, desligamentos sintáticos e vo-
cabulário inédito, de modo a proporcionar à sua linguagem
a musicalidade da fala sertaneja e inúmeras faixas de on-
das semânticas.
Assim, ganha forma na obra do escritor uma literatura
distinta, rica e transgressora quanto a fórmulas, apta a
fazer uma síntese extraordinária entre matéria e espírito
sem antecedentes em nossa tradição literária. O regio-
nal e o espiritual se encontram e se interpenetram em
seus textos em um só lugar – o sertão –, trabalhado ao Sagarana (1946): “Felicidade se acha é em
mesmo tempo pelo escritor como paisagem ou conceito horinhas de descuido”
geográfico e como campo de provas da subjetividade de Em Sagarana, primeiro livro em prosa publicado por
FRENTE 2

cada indivíduo. Guimarães Rosa, a paisagem rural e as personagens clara-


Contrapondo entidades como o bem e o mal, a graça mente identificadas ao sertão mineiro são exuberantemente
e o pecado e o divino e o terreno, Guimarães Rosa se narradas e nomeadas por meio de uma linguagem muito cria-
aprofunda em uma misteriosa e experiencial sondagem das tiva, que se apresenta nem inteiramente popular – embora
entranhas do desconhecido do ser humano, inerentemente com algumas marcas do falar regional mimetizadas – nem
um ser fragmentário. Para o autor, essa noção quanto à propriamente erudita, mas muito elevada do ponto de vista
pluralidade das faces e dos vazios humanos corresponde da criação literária. De acordo com o crítico Antonio Candido,

147
“Sagarana transcende a região e constrói um certo sabor No trecho a seguir, do conto “Conversa de bois”, a mis-
regional”. Com essa forma de construção, que oferece uma tura e a indiferenciação entre o erudito e o popular se dão,
configuração estética complexa ao simples e primitivo, a obra ironicamente, no plano literal da escrita: a expressão em
se distancia do regionalismo tal como havia sido praticado latim é colocada lado a lado com as expressões coloquiais
até então, mas talvez seja a única obra do autor à qual, de das falas das personagens, demonstrando a mistura entre o
um modo ou de outro, ainda possamos estender essa no- popular e o erudito, traço forte na obra de Guimarães Rosa:
menclatura, visto que alguns dos enredos dos contos se “Visa sub obscurum noctis pecudesque locutae. Infandum!”
assemelham aos “causos” da tradição oral e boa parte de é um verso do poeta Virgílio, do Livro I das Geórgicas, e
suas personagens apresentam uma caracterização anedótica pode ser traduzido por “Vê que sob a noite obscura os
que as aproxima das fabulações regionalistas. bois falam. ”.
A palavra que dá título ao volume de contos, “sagarana”, é
um hibridismo composto por “saga”, palavra de origem germâ-
nica que significa “canto heroico, lenda”, e o sufixo “rana”, de
origem tupi, que significa “semelhante, feito à maneira de”. Esse Que já houve um tempo em que eles conversavam, en-
nome já revela a força e o teor das nove histórias que compõem tre si e com os homens, é certo e indiscutível, pois que bem
o livro: “O burrinho pedrês”, “A volta do marido pródigo”, “Sara- comprovado nos livros das fadas carochas. Mas, hoje-em-dia,
palha”, “Duelo”, “Minha gente”, “São Marcos”, “Corpo fechado”, agora, agorinha mesmo, aqui, aí, ali, e em toda parte, poderão
“Conversa de bois” e “A hora e vez de Augusto Matraga”. os bichos falar e serem entendidos, por você, por mim, por
Nessas histórias, as falas, os saberes populares e as todo o mundo, por qualquer um filho de Deus?!
formas literárias cultas atuam juntos e com a mesma força, — Falam, sim senhor, falam!... –, afirma o Manuel
e a memória e a experiência locais estão condensadas e Timborna, das Porteirinhas, filho do Timborna velho, pega-
se misturam a fabulações típicas da tradição literária culta. dor de passarinhos, e pai dessa infinidade de Timborninhas
barrigudos, que arrastam calças compridas e simulam todos
Assim, o rústico convive sem confronto com o sofisticado
o mesmo tamanho, a mesma idade e o mesmo bom-parecer;
no mesmo ambiente. Nessa convivência entre imprevistos,
– Manuel Timborna, que, em vez de caçar serviço para fazer,
o genial efeito literário: o leitor tende a perder-se no mundo
vive falando invenções só lá dele mesmo, coisas que as outras
narrado entre a noção do que é real e do que é ficção.
pessoas não sabem e nem querem escutar.
Tratar não apenas a temática, mas a própria linguagem
— Pode que seja, Timborna. Isso não é de hoje... “Visa sub
com que se narra a história como uma experiência mística
obscurum noctis pecudesque locutae. Infandum!...”. Mas, e os
para o leitor marca, desde Sagarana, toda a obra roseana,
bois? Os bois também?...
encontrando, a cada livro, novas formulações.
— Ora, ora!... Esses é que são os mais!... Boi fala o tempo
No trecho destacado a seguir, retirado do conto
todo. Eu até posso contar um caso acontecido que se deu.
“A hora e vez de Augusto Matraga”, o andamento da narra-
— Só se eu tiver licença de recontar diferente, enfeitado
tiva mistura a focalização animista, que sonda as vontades
e acrescentado ponto e pouco...
e disposições do animal ( jumento), com as superstições da
— Feito! Eu acho que assim até fica mais merecido, que
personagem que o monta.
não seja.
E quando o jegue empacava – porque, como todo jumento, ROSA, João Guimarães. “Conversa de Bois”. In: ROSA, João Guimarães;
COUTINHO, Eduardo (Org.). Ficção completa. 2. ed. Rio de Janeiro:
ele era terrível de queixo-duro, e tanto tinha de orelhas quanto Nova Aguilar, 2009. p. 211. v. 1.
de preconceitos, – Nhô Augusto ficava em cima, mui concorde,
rezando o terço, até que o jerico se decidisse a caminhar outra
vez. E também, nas encruzilhadas, deixava que o bendito asno Corpo de baile: o rodar das personagens e das
escolhesse o caminho, bulindo com as conchas dos ouvidos e formas literárias
ornejando. E bastava batesse no campo o pio de uma perdiz Dez anos depois da publicação de Sagarana – que, a par
magoada, ou viesse do mato a lália lamúria dos tucanos, para o ju- da novidade de sua linguagem, ainda manteve a forma con-
mento mudar de rota, pendendo à esquerda ou se em pescoçando vencional de um livro de contos –, surgia o enorme volume
para a direita; e, por via de um gavião casaco-de-couro cruzar-lhe que contém o ciclo de novelas Corpo de baile. Aliás, como
à frente, já ele estacava, em concentrado prazo de irresolução. em Sagarana, o nome do livro não é o nome de nenhum
Mas, somadas as léguas e deduzidos os desvios, vinham dos textos: trata-se do conjunto de sete textos de estruturas
eles sempre para o sul, na direção das maitacas viajoras. Agora, formais muito livres e diferentes entre si, possivelmente a
amiudava-se o aparecimento de pessoas – mais ranchos, mais razão pela qual o autor os denominou “Os poemas” no ín-
casas, povoados, fazendas; depois, arraiais, brotando do chão. dice que abre o volume. Certamente, esse é o motivo de o
E então, de repente, estiveram a muito pouca distância do próprio Guimarães e os críticos literários aplicarem a eles o
arraial do Murici. conceito de “novelas” – termo que designa textos literários
— Não me importo! Aonde o jegue quiser me levar, nós de maneira indefinida, ora mais próximos do conto, ora seme-
vamos, porque estamos indo é com Deus! ... lhantes a romances, mas sem que isso diga respeito apenas
E assim entraram os dois no arraial do Rala-Coco, onde às suas extensões, e sim à diversidade dos seus recursos
havia, no momento, uma agitação assustada no povo. narrativos. Uma das novelas, inclusive, “Cara-de-bronze”, tem
ROSA, João Guimarães. “A hora e vez de Augusto Matraga”. In: ROSA,
João Guimarães; COUTINHO, Eduardo (Org.). Ficção completa. 2. ed. Rio de
a peculiaridade de apresentar, entremeados à narrativa, lon-
Janeiro: Nova Aguilar, 2009. p. 264-5. v. 1. gos trechos na forma de um roteiro cinematográfico que

148 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 1 Século XX: novas identidades literárias


traz esquematizados na página as falas das personagens, No mesmo ano que Corpo de baile (1956) e com gran-
as indicações de cenas, os cenários, os planos e os enqua- de espanto no meio literário, Guimarães Rosa publica sua
dramentos. Outra novela, “Dão-lalalão” – título onomatopaico obra-prima, o avultado romance Grande sertão: veredas
a evocar o badalar de um sino –, ainda que longa, tem a cuja estrutura narrativa em nada se assemelhava às dos
típica estrutura do conto, no qual uma única situação – um romances que nossa literatura conhecera até então, mesmo
sertanejo que rumina pensamentos enquanto volta para casa em suas mais ousadas experiências, como em Macunaíma,
a cavalo – conduz a um tenso desfecho. a “rapsódia” de Mário de Andrade.
É na abertura desse livro que está um dos mais famo- O livro, um dos mais importantes da literatura brasileira,
sos textos roseanos, “Campo geral”, que traz a delicada e destaca-se pela originalidade e pela linguagem, presentes
emocionante história de um menino, Miguilim, às voltas com no relato de Riobaldo, ex-jagunço, que relembra suas lutas,
a sua descoberta do mundo e os percalços vividos junto à seus medos e o amor reprimido por Diadorim. Revela-se
sua família, em um ermo dos gerais. Essa novela, no poste- um lugar sem fronteiras, enorme, onde tudo pode caber,
rior desmembramento do volume, foi posta pelo autor junto exatamente como o próprio livro. O romance começa com
a “Uma estória de amor”, a história do já velho fazendeiro um travessão que abre uma fala que se estenderá por mais
Manuelzão e de seus questionamentos quanto ao sentido de 600 páginas e terminará no símbolo do infinito grafado
da vida e à aproximação da morte. Ambas compõem o livro na página. A geografia, as palavras e as experiências dos
Manuelzão e Miguilim. seres humanos se encontram nesse grande território, que
É interessante o fato de que a personagem que abre o também está sujeito a múltiplos desencontros.
ciclo, o pequeno Miguilim, volta já homem feito (Miguel) na úl- A ideia do “grande” sertão remete, em primeiro lugar,
tima novela do volume Corpo de baile, “Buriti”, a mais longa à vastidão, à aridez desértica e ao ambiente seco. As vere-
das sete, cuja estrutura literária claramente se aproxima da das, por sua vez, são estreitos e férteis caminhos de rio que
de um romance. Algumas outras personagens do ciclo tam- atravessam a paisagem e surpreendem pela exuberância da
bém aparecem em diferentes novelas, fortalecendo a ideia vegetação, que inclui a famosa palmeira nativa da região: o
de um corpo de baile, a rodar e dançar pelo sertão. buriti. Assim, logo no título da obra, já podemos observar dois
belos paradoxos interligados: o vasto versus o estreito, e o
Guimarães Rosa e a desmedida do seu fabular: seco versus o úmido. As veredas trazem, ainda, certa ambi-
o romance-mundo Grande sertão: veredas e o guidade: são tanto locais próprios ao repouso – à sombra dos
olhar para o pequeno em Primeiras estórias buritis – quanto um espaço movediço, de pântanos e águas
em que podemos afundar se não percebemos onde pisamos.
Um dos aspectos mais fascinantes da obra de
Os dois-pontos que separam os termos do título do
Guimarães Rosa é o contínuo reinventar das formas lite-
romance formalizam a ambiguidade da relação que se es-
rárias que ele praticou no suceder de suas publicações.
tabelece na obra entre as duas paisagens: a do sertão e,
Depois das formas mais breves do conto e da nove-
contida nele, mas contradizendo-a, a das veredas. Pode-
la em Sagarana e da experimentação de novos rumos
mos entender, portanto, que as paisagens representadas
para esses mesmos gêneros em Corpo de baile, surge
pelas expressões que compõem o nome do romance estão
um enorme e surpreendente romance, Grande sertão:
misturadas, sem limites definidos, sintetizando uma noção
veredas, ao qual se seguirá um retorno ao conto, agora
importante para toda a obra: a reversibilidade, ou seja, uma
mais apurado quanto à precisão concisa de seus efeitos
coisa pode virar outra, voltar a ser aquela, e assim por diante.
literários, em Primeiras estórias.
O narrador em primeira pessoa é Riobaldo, que, em
Nas veredas do grande sertão uma fala longa e não linear, comenta sobre o mundo do
sertão e conta sua história para um interlocutor sem nome.
Esse ouvinte é um homem da cidade que recebe o trata-
mento de doutor; sabemos – pelas palavras de Riobaldo,
que comenta, vez por outra, as atitudes e características
do ouvinte – que usa óculos e anota informações em uma
caderneta. Não há como descartar a ideia de que esse
ouvinte figura, no interior da narrativa, o autor, Guimarães
Rosa. Ao mesmo tempo, essa pode perfeitamente ser a
figuração do próprio leitor, já que somos nós, que lemos
o livro, a outra metade – não ouvida e posta de fora – do
“diálogo” de Riobaldo.
De fato, na obra de Guimarães, o narrador-personagem
FRENTE 2

parece estar muito próximo do leitor, graças ao recurso de


ocultar a identidade do interlocutor dentro da narrativa e
substituí-la pela nossa, virtual, de leitores do livro. Por isso
mesmo, é importante, mais do que meramente observar
o foco narrativo, considerar a natureza da perspectiva de
narração criada por Guimarães Rosa: não se trata de passar
ROSA, João Guimarães. Ficção completa. 2. uma visão do mundo retratado que parta de cima ou de

149
longe para chegar às determinações centrais do romance; das posições, às misturas e às reversibilidades que podem
em vez disso, o narrador olha para nós de dentro da nar- ocorrer em vários planos.
rativa e, por isso, pode narrar com todas as idas e vindas, Embaraçar a disposição de gêneros representa, tam-
interrupções e retornos, indecisões quanto ao “como” e ao bém, uma questão importante para o autor, haja vista a
“que” contar, próprias da liberdade de uma fala próxima, relação que podemos ter com uma alteridade radical e
que se dirige a alguém que está ao lado. com o tratamento que dedicamos ao outro, o qual nunca
Tal opção narrativa do autor – a de criar uma comple- conheceremos inteiramente.
xa personagem sertaneja que fala diretamente para nós As diferenças entre plebe e oligarquia e entre jagunços
– constrói a estranha impressão que o leitor tem ao se e chefes introduzem, ainda, outra dimensão de disparidade:
deparar com as palavras e a visão de mundo tão profundas Riobaldo transita entre as classes e sempre se pergunta
e elaboradas de Riobaldo: sem aquela mediação narrati- “quem sou eu?”. Assim, a busca do sentido da vida por esse
va típica do regionalismo anterior, que nos aproximava do herói problemático confere à narrativa uma característica
mundo narrado, aqui a fala direta desse mundo já está posta típica do romance de formação.
sem rodeios para a nossa atenção e possível decifração. Na história contada, a lei civil e o poder nacional centra-
[...] Me declare, franco, peço. Ah, lhe agradeço. Se vê
lizador se contrapõem aos costumes locais, como a tradição
que o senhor sabe muito, em ideia firme, além de ter carta patriarcal ou o modo arcaico de produção. Isso porque,
de doutor. Lhe agradeço, por tanto. Sua companhia me dá para os jagunços, a comunidade dá as diretrizes, ou seja,
altos prazeres. o coletivo se resolve. No entanto, Riobaldo, embora pas-
Em termos, gostava que morasse aqui, ou perto, era uma se a fazer parte do grupo de jagunços, vive com dúvidas
ajuda. Aqui não se tem convívio que instruir. Sertão. Sabe o complexas, questiona seus valores, seus princípios e suas
senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais ações: esse é o lado contemplativo do herói, que mostra
forte do que o poder do lugar. Viver é muito perigoso... sua interioridade contraditória.
Eh, que se vai? Jajá? É que não. Hoje, não. Amanhã, não. O encontro da personagem principal com a jagunça-
Não consinto. O senhor me desculpe, mas em empenho gem, por exemplo, é narrado, ao mesmo tempo, como uma
de minha amizade aceite: o senhor fica. Depois, quinta de- aparição tenebrosa e fascinante. Essas encruzilhadas vivi-
-manhã-cedo, o senhor querendo ir, então vai, mesmo me deixa das pelo sertanejo configuram sempre uma aproximação
sentindo sua falta. Mas, hoje ou amanhã, não. Visita, aqui em seguida de um distanciamento para reflexão.
casa, comigo, é por três dias!
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. In: ROSA, João Guimarães;
A bronzes. O ódio pousa na gente, por umas criaturas.
COUTINHO, Eduardo (Org.). Ficção completa. 2. ed. Rio de Janeiro: Já vai que o Hermógenes era ruim, ruim. Eu não queria ter
Nova Aguilar, 2009. p. 18. v. 2. medo dele. Digo ao senhor que aquele povo era jagunços; eu
Em Grande sertão: veredas, personagens, narrador, queria bondade neles? Desminto. Eu não era criança. Nunca
autor e leitor parecem estar unidos em uma mesma expe- bobo fui. Entendi o estado de jagunço, mesmo assim sendo
riência de conhecimento do mundo, de partilha de visão a eu marinheiro de primeira viagem. Um dia, agarraram um
homem, que tinha vindo à traição, espreitar a gente por conta
respeito de mundos tanto exteriores quanto interiores, os
dos bebelos. Assassinaram. Me entristeceu, aquilo, até ao vago
quais, muito aos poucos e desordenadamente – como na
do ar. O senhor vigie esses: comem o crú de cobras. Carecem.
vida –, vamos descobrindo.
Só por isso, para o pessoal não se abrandar nem esmorecer, até
[...] Todo caminho da gente é resvaloso. Mas; também, Sô Candelário, que se prezava de bondoso, mandava mesmo
cair não prejudica demais – a gente levanta, a gente sobe, a em tempo de paz, que seus homens saíssem fossem, para es-
gente volta! Deus resvala? Mire e veja. Tenho medo? Não. Estou tropelias, prática da vida. Ser ruim, sempre, às vezes é custoso,
dando batalha. É preciso negar que o “Que-Diga” existe. Que carece de perversos exercícios de experiência. Mas, com o
é que diz o farfal das folhas? Estes gerais enormes, em ventos, tempo, todo o mundo envenenava do juízo. Eu tinha receio
danando em raios, e fúria, o armar do trovão, as feias onças. de que me achassem de coração mole, soubessem que eu não
O sertão tem medo de tudo. Mas eu hoje em dia acho que era feito para aquela influição, que tinha pena de toda cria de
Deus é alegria e coragem – que Ele é bondade adiante, quero Jesus. — “E Deus, Diadorim?” – uma hora eu perguntei. Ele
dizer. O senhor escute o buritizal. E meu coração vem comigo. me olhou, com silenciozinho todo natural, daí disse, em res-
ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: veredas. In: ROSA, João Guimarães; posta: — “Joca Ramiro deu cinco contos de réis para o padre
COUTINHO, Eduardo (org.). Ficção completa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova
vigário de Espinosa...”.
Aguilar, 2009. p. 203-4. v. 2.
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. In: ROSA, João Guimarães;
Também por sua peculiar opção narrativa, o romance COUTINHO, Eduardo (org.). Ficção completa. 2. ed. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 2009. p. 112. v. 2.
é todo pautado por uma dimensão enigmática, lacunar e
misteriosa. O elemento principal desse plano reticente é A obra-prima de Rosa, sem dúvida um dos romances
Diadorim, que assume a tarefa de vingar a morte do pai, mais complexos e potentes de nossa literatura, eleva esse
o grande chefe jagunço Joca Ramiro. A personagem re- gênero literário a um patamar raro entre os brasileiros, que
presenta a coragem em relação à natureza e aos homens dificilmente encontrará par. Livro-mundo que tudo resume
e marca e favorece a entrada de Riobaldo para o mundo e abre, ele se dispõe a nós como a terra vasta do sertão:
lírico da beleza gratuita e da poesia. Porém, se por um assustadora e eventualmente difícil de transpor, mas ca-
lado Diadorim o ensina a ver a beleza do sertão, por outro paz de revelar belezas extremas se o leitor se dispuser a
oculta um segredo e revela que tudo está sujeito à inversão adentrar suas veredas.

150 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 1 Século XX: novas identidades literárias


Primeiras estórias: revelações no escorregar Leia atentamente os trechos reproduzidos a seguir:
do tempo Em geral, porém, Nhinhinha, com seus nem quatro anos,
não incomodava ninguém, e não se fazia notada, a não ser pela
perfeita calma, imobilidade e silêncios. Nem parecia gostar ou
desgostar especialmente de coisa ou pessoa nenhuma. Botavam
para ela a comida, ela continuava sentada, o prato de folha no
colo, comia logo a carne ou o ovo, os torresmos, o do que fosse
mais gostoso e atraente, e ia consumindo depois o resto, feijão,
angu, ou arroz, abóbora, com artística lentidão. De vê-la tão
perpétua e imperturbada, a gente se assustava de repente. —
“Nhinhinha, que é que você está fazendo?” — perguntava-se.
E ela respondia, alongada, sorrida, moduladamente: — “Eu…
to-u… fa-a-zendo”. Fazia vácuos. Seria mesmo seu tanto tolinha?
ROSA, João Guimarães. “A menina de lá”. In: ROSA, João Guimarães;
COUTINHO, Eduardo (Org.). Ficção completa. 2. ed. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 2009. p. 412. v. 2.

Se quer seguir-me, narro-lhe; não uma aventura, mas


experiência, a que me induziram, alternadamente, séries de
raciocínios e intuições. Tomou-me tempo, desânimos, esforços.
Dela me prezo, sem vangloriar-me. Surpreendo-me, porém,
um tanto à-parte de todos, penetrando conhecimento que os
outros ainda ignoram. O senhor, por exemplo, que sabe e es-
tuda, suponho nem tenha ideia do que seja na verdade — um
espelho? Demais, decerto, das noções de física, com que se
O livro Primeiras estórias, publicado em 196, reúne familiarizou, as leis da óptica. Reporto-me ao transcendente.
contos curtos que desafiam a compreensão do leitor e o Tudo, aliás, é a ponta de um mistério. Inclusive, os fatos. Ou
convidam a rever o mundo com um olhar de descoberta. a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece, há um mi-
As “estórias” foram denominadas “primeiras” por mar- lagre que não estamos vendo.
ROSA, João Guimarães. “O espelho”. In: ROSA, João Guimarães;
carem um início: a virgindade do olhar para tudo o que
COUTINHO, Eduardo (Org.). Ficção completa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova
é próprio aos tempos primordiais. O autor fez questão Aguilar, 2009. p. 446. v. 2.
de chamá-las “estórias”, e não histórias, segundo a norma da
Outra era a vez. De sorte que de novo o Menino viajava
língua portuguesa, para realçar seu caráter atemporal,
para o lugar onde as muitas mil pessoas faziam a grande ci-
de histórias que podem ter acontecido em quaisquer tempos
dade. Vinha, porém, só com o Tio, e era uma íngreme partida.
históricos ou passíveis de adquirir o estatuto de fábulas sem
Entrara aturdido no avião, a esmo tropeçante, enrolava-o de
perder sua proximidade com o real imediato e o local. O
por dentro um estufo como cansaço; fingia apenas que sorria,
qualificativo “primeiras” também parece remeter à ideia de quando lhe falavam. Sabia que a Mãe estava doente. Por isso
que os contos se ocupam de acontecimentos “menores”, os o mandavam para fora, decerto por demorados dias, decerto
quais podem passar despercebidos ao olhar que só é capaz porque era preciso. Por isso tinham querido que trouxesse os
de registrar a medida épica, grandiosa, do mundo narrável. brinquedos, a Tia entregando-lhe ainda em mão o preferido,
Muitas personagens dos contos desse livro são crian- que era o de dar sorte: um bonequinho macaquinho, de calças
ças, inclusive um “Menino” (nomeado com letra maiúscula) pardas e chapéu vermelho, alta pluma.
que, em dois momentos distintos de sua experiência de ROSA, João Guimarães. “Os cimos”. In: ROSA, João Guimarães; COUTINHO,
vida, pode ser claramente identificado nos contos de aber- Eduardo (Org.). Ficção completa. 2. ed. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 2009. p. 514. v. 2.
tura e fechamento do volume (“As margens da alegria” e
“Os cimos”, respectivamente). A presença significativa de Nos trechos dos contos apresentados, as personagens,
crianças nos contos reforça a ideia do olhar curioso para o incluindo o narrador-personagem do conto “O espelho”,
mundo, o olhar ávido por descobertas proposto pela obra, vivem algo extraordinário e surpreendente. Uma mudança
já que, naturalmente, a infância remete à experimentação. sempre pode ocorrer e, quando menos se espera, o des-
Assim, permeado pelo ato de brincar, o jogo com palavras tino – algo em que o sertanejo crê absolutamente – pode
adotado recobra a energia primitiva sobre o entendimento provocar alguma transformação.
das coisas, de maneira que a palavra renova o idioma e Dessa maneira, no auge das descobertas, Guimarães
revitaliza o próprio mundo representado. Rosa narra momentos de epifania – súbitas revelações –
FRENTE 2

vividos pelas personagens. Essas experiências, que relatam


Atenção a aparição de estados de graça e de aberturas da sensi-
bilidade para eventos que a transcendem, relacionam-se
à outra questão sempre presente na obra do autor: o apa-
recimento e a finitude das percepções e dos sentimentos
do ser humano. A alegria e a beleza não são duradouras
e eternamente plenas: a luz, após se acender, apaga-se; a

151
própria vida também se abre e se fecha. Por meio dessas que sua estreia literária tenha sido com um romance intitu-
relações de transitoriedade, o escritor fala sobre o cará- lado Perto do coração selvagem (1943), escrito quando a
ter provisório da vida de modo simples, como quem quer autora tinha 0 anos.
apenas mostrar que as coisas podem ir e vir, mas que a Ainda que o ato de escrever fosse condição fundamen-
vivência plena desses momentos amplia a intensidade do tal para que Clarice se mantivesse viva, ela não aceitava ser
nosso estar no mundo. classificada como uma escritora profissional, uma vez que
Superando a desilusão que acompanha a dor de certos a obrigação outorgada pelo rótulo da profissão tolheria o
aprendizados de vida, os contos de Guimarães destacam a ato de escrever livremente, sem compromisso, algo de que
beleza do exercício de conhecer e experimentar sensações tanto precisava, como respirar ou se alimentar.
novas. O conto “Soroco, sua mãe, sua filha”, por exemplo,
E nasci para escrever. Minha liberdade é escrever. A palavra
faz suceder à tristeza da personagem Soroco – que leva
é o meu domínio sobre o mundo. Eu tive desde a infância várias
mãe e filha, acometidas de loucura, a caminho do embarque
vocações que me chamavam ardentemente. Uma das vocações
para o hospício – a inesperada beleza e solidariedade do era escrever. E não sei por que foi essa que segui. Talvez porque
canto do povo do lugarejo, que, arremedando o “canto para as outras vocações eu precisaria de um longo aprendizado,
sem razão” das duas mulheres, acompanha Soroco, agora enquanto que para escrever o aprendizado é a própria vida se
sozinho, de volta à casa. vivendo em nós e ao redor de nós.
As narrativas focam experiências de continuidade e LISPECTOR, Clarice. Apud: WALDMAN, Berta. Clarice Lispector.
descontinuidade que dão forma aos ciclos naturais exerci- São Paulo: Escuta, 1993. p. 17-8.
dos sobre todas as coisas. Assim, a partir das experiências A obra de Clarice Lispector se desvia da norma de
singulares narradas, Guimarães apresenta ao leitor outras outros representantes literários do período e se constrói
possibilidades concretas de vida, que, na verdade, são de maneira inédita e surpreendente, sempre a partir do
universais, ou seja, dizem respeito a qualquer ser humano.
cruzamento entre a sua própria experiência do mundo e
o ato de escrever. Sem se preocupar com as formas lite-
Literatura e experiência em Clarice Lispector
rárias convencionais, sua escrita permite que as palavras
Clarice Lispector (190-1977) nasceu na Ucrânia, encontrem seu próprio fluxo e deem forma a uma espécie
porém veio ao Brasil com dois meses de idade, onde foi de subversão do fazer literário.
alfabetizada. Talvez seja por isso que ela afirmava em en-
trevistas que não se sentia estrangeira. Passou um longo Os contos: instantes epifânicos
período no Nordeste, daí o seu sotaque nordestino. Ca- Os muitos contos que a autora escreveu representam
sou-se com um diplomata e, por isso, viveu e morou em o caminho mais indicado para entendermos o mergulho
muitos locais diferentes. Assim, existe em sua biografia um para dentro do ser humano por ela proposto. Sempre di-
traço de não pertencimento a instituições sociais sólidas recionadas ao encontro da sua condição mais humana, as
e concretas, como nacionalidade, profissão e residência, personagens de Clarice se revelam a nós e a elas mesmas
fato que nos ajuda a compreender alguns pontos de vista ao se depararem com elementos inusitados do real, não
expressos em sua obra. percebidos cotidianamente. Na produção ficcional, de cunho
Fiz da língua portuguesa a minha vida interior, o meu existencialista, as personagens de Clarice sentem a neces-
pensamento mais íntimo, usei-a para palavras de amor. sidade de subjetivar os objetos, os animais, as pessoas e os
LISPECTOR, Clarice. Apud: WALDMAN, Berta. Clarice Lispector. fatos que as cercam e as atingem. O desejo de se integrar
São Paulo: Escuta, 1993. p. 16.
ao mundo e ao outro se efetiva por meio da experimen-
As obras de Clarice Lispector trazem à tona aspectos tação do prazer, da dor e das emoções, utilizando-se,
do nosso estar no mundo que passam despercebidos na também, da racionalidade, em um constante processo
vida corriqueira: são pequenos fatos que podem abrir um de autoanálise.
abismo no curso da vida, modificando-a, se soubermos per- Um dos contos que ficaram conhecidos por essa ideia
cebê-los e sondá-los. Pela palavra, Clarice apresenta um do instante epifânico de alteridade é “Amor”, publicado no
novo universo, em que uma consciência mais ampla acerca livro Laços de família (1960). Nele, o narrador nos apresenta
da existência nos fica subitamente acessível – um simples Ana, uma mulher comum, dedicada à família e imersa nos
detalhe pode nos colocar em contato com algo maior, es- afazeres domésticos. Em um momento banal e rotineiro
tranho, reconhecido como nosso, mas pouco entendível dentro de um ônibus, Ana avista um cego mascando chi-
pela racionalidade. Revelado, esse algo pode desestabilizar clete. A súbita revelação dessa imagem traz à tona um
as mais sólidas existências e descortinar outros níveis de possível avesso em relação à tranquila e inconsciente
consciência para nossa percepção do mundo. “normalidade” de Ana e conduz à reviravolta do conto: a
O caos que pode, de repente, transbordar da obser- personagem abala-se interiormente e é inundada por ques-
vação dos fatos humanos instigou Clarice Lispector por tionamentos acerca de sua identidade e do seu estar no
toda sua vida literária; suas obras procuram, de diferentes mundo. Não será mais possível à personagem apagar os
maneiras, sondar esse caos, aproximar-se dele e trazê-lo efeitos desse súbito desconcerto, pois seu olhar sobre ela
a nós por meio do fluxo de consciência. Muitas vezes, sua mesma e sobre o mundo estranharam-se irremediavel-
escrita abole os enredos e se entrega ao curso livre de pen- mente. A alteridade, inicialmente suscitada pela visão do
samentos mais abstratos. Nesse sentido, é muito expressivo cego, instala-se no próprio ser que a percebeu.

152 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 1 Século XX: novas identidades literárias


Atenção Para Clarice, eventos banais podem virar abismos de
sensações e pensamentos que a desnorteiam e podem,
até mesmo, travar o ato de narrá-los. É a própria literatura,
na obra dessa autora, que parece estar sempre sendo
posta em xeque quanto a seus limites, suas possibilidades
e suas impossibilidades.

“Sobrevivientes” instalación. Medidas variables. Marzo de 2009.


O bonde se arrastava, em seguida estacava. Até Humaitá
tinha tempo de descansar. Foi então que olhou para o homem
parado no ponto.
A diferença entre ele e os outros é que ele estava real-
mente parado. De pé, suas mãos se mantinham avançadas.
Era um cego.
O que havia mais que fizesse Ana se aprumar em descon-
fiança? Alguma coisa intranquila estava sucedendo. Então ela
viu: o cego mascava chicles... Um homem cego mascava chicles.
Ana ainda teve tempo de pensar por um segundo que os
irmãos viriam jantar – o coração batia-lhe violento, espaçado. In-
clinada, olhava o cego profundamente, como se olha o que não
nos vê. Ele mascava goma na escuridão. Sem sofrimento, com
os olhos abertos. O movimento da mastigação fazia-o parecer
sorrir e de repente deixar de sorrir, sorrir e deixar de sorrir –
como se ele a tivesse insultado, Ana olhava-o. E quem a visse
teria a impressão de uma mulher com ódio. Mas continuava a Roberto Fabelo, Sobreviventes, 10a Bienal de Havana, Museu de Belas Artes,
olhá-lo, cada vez mais inclinada – o bonde deu uma arrancada Cuba. Faces humanas em esculturas de baratas gigantes.
súbita jogando-a desprevenida para trás, o pesado saco de tricô
despencou-se do colo, ruiu no chão – Ana deu um grito, o con- Os textos de Clarice Lispector não refletem a inten-
dutor deu ordem de parada antes de saber do que se tratava – o ção de explicar o comportamento humano, mas o desejo
bonde estacou, os passageiros olharam assustados. de nos aproximar de sua inexplicabilidade, para que a
LISPECTOR, Clarice. “Amor”. In: Laços de família. experiência de alteridade que a literatura pode nos pro-
Rio de Janeiro: Rocco, 1998. porcionar nos enriqueça. Assim, sua perspectiva literária
A densa introspecção psicológica armada pelo narrador ultrapassa questões sociais e psicológicas, procurando
procura desvendar o universo mais interior da personagem, desafogar as pessoas de seus já muito arraigados hábitos
e o fluxo da consciência contribui para isso. Sem limites ou perceptivos e de seus pensamentos comuns, mecânicos e
regras, a narrativa quebra de vez a velha ideia de que a automáticos. A escritora busca chamar nossa atenção para
sequência canônica (começo, meio e fim) representa uma o caos da vida, o qual se esconde por trás da aparência
condição para a verossimilhança da obra literária. Clarice de “normalidade”.
amplia os limites das coordenadas de espaço e tempo que O ovo é coisa que precisa tomar cuidado. Por isso a ga-
costumam estar associadas a qualquer narrativa e conduz o linha é o disfarce do ovo. Para que o ovo atravesse os tempos
leitor a uma experiência interior que, partindo do mergulho a galinha existe. Mãe é para isso. – O ovo vive foragido por
no íntimo de cada personagem, pode deflagrar momentos estar sempre adiantado demais para a sua época. – O ovo
de quebra de valores estabelecidos pelo hábito ou suscitar por enquanto será sempre revolucionário. – Ele vive dentro da
questionamentos existenciais. galinha para que não o chamem de branco. O ovo é branco
No conto “A quinta história”, do livro A legião estrangeira mesmo. Mas não pode ser chamado de branco. Não porque
(1964), esse movimento de desestabilização íntima atinge a isso faça mal a ele, mas as pessoas que chamam ovo de branco,
própria possibilidade de contar o acontecido em uma única essas pessoas morrem para a vida. Chamar de branco aquilo
narrativa: a narradora, às voltas com o problema doméstico que é branco pode destruir a humanidade.
FRENTE 2

das baratas na cozinha, começa e termina de narrar a histó- LISPECTOR, Clarice. “O ovo e a galinha”. In: A legião estrangeira.
Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
ria do seu confronto com os insetos, mas, logo em seguida,
recomeça a mesma narrativa, ampliando suas implicações. É necessário, portanto, que o leitor dos textos de
Mesmo após a tentativa de escrita de cinco histórias sobre Clarice Lispector esteja preparado para um contato visceral
o mesmo fato, resta, para a narradora e para os leitores do e direto com a vida mais íntima que pulsa nas coisas e nos
conto, uma enorme perplexidade quanto às reações e aos seres do mundo, como se tudo pudesse ser visto sempre
sentimentos surgidos no embate com as baratas. como se o fizéssemos pela primeira vez.

153
Os romances e a transgressão filosófica, literária e linguística – também passam a ser ques-
das formas narrativas tões sociais, pois misturam planos que convergem para o
Se o conto, por sua brevidade e tendência a cons- constante desencontro entre a palavra literária e o universo
truir efeitos surpreendentes, foi o veículo literário exemplar social que ela almeja retratar.
para que Clarice testasse e conquistasse seus leitores, suas Macabéa, personagem tão singela e complexa, apa-
experimentações com a forma do romance não deixam a rece no texto sempre mediada pelo foco do narrador,
desejar em inovação e ousadia literárias. que procura traduzi-la pelas reações aos estímulos ex-
Em um de seus mais cultuados romances, A paixão se- ternos que nela adivinha. No trecho reproduzido a seguir,
gundo G. H. (1964), o que estamos acostumados a chamar o narrador flagra a percepção de mundo de Macabéa
de “enredo” limita-se ao fato de a narradora (nomeada por em confronto com a retórica convencional de seu (quase)
tais iniciais) encontrar uma barata na porta de um armário, namorado, Olímpico. A imagem da nordestina que resulta
em um quarto recém-desocupado por uma empregada. daí é a de um ser especial e sensível, mas deslocado, in-
O que seguirá a esse evento, ao longo de todo o romance, consciente de si e incompreensível para os outros; quase
é a tentativa que a narradora empreende para traduzir um não ser.
em palavras – nem sempre “coerentes” segundo a lógica Ele falava coisas grandes mas ela prestava atenção nas
vigente – o fluxo de sensações e pensamentos desen- coisas insignificantes como ela própria. Assim registrou um
cadeados pelo desestabilizador encontro com a barata. portão enferrujado, retorcido, rangente e descascado que abria
A “paixão” a que o título da obra se refere é a vivência des- o caminho para uma série de casinhas iguais de vila. Vira isso
se turbilhão de experiências interiores, tão viscerais como do ônibus. A vila além do número 106 tinha uma plaqueta
abstratas, que o evento viabilizou. O romance dá bem a onde estava escrito o nome das casas. Chamava-se “Nascer
medida da ousadia e da novidade perturbadoras que os do Sol”. Bonito o nome que também augurava coisas boas.
textos de Lispector trouxeram para a literatura brasileira, [...]
ou seja, a ideia de que um romance pode construir sua Maca, porém, jamais disse frases, em primeiro lugar por
ser de parca palavra. E acontece que não tinha consciência
força junto ao leitor não pelo enredo que desenvolve – a
de si e não reclamava nada, até pensava que era feliz. Não se
“história” que conta –, mas pela densidade no trato com
tratava de uma idiota mas tinha a felicidade pura dos idiotas.
as palavras, forçando-as a dar corpo a experiências, por
E também não prestava atenção em si mesma: ela não sabia.
princípio, pouco narráveis.
LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
A vocação metafísica e existencial da literatura de
Clarice pressupõe que não faz sentido procurarmos em As principais obras de Clarice Lispector são:
suas obras tematizações explícitas de questões sociais. y Perto do coração selvagem (1943)
Porém, o interessante é que o seu último romance, A hora y Laços de família (1960)
da estrela (1977), gira justamente em torno do desejo – y A paixão segundo G. H. (1964)
mas também da dificuldade – de um narrador, Rodrigo y A legião estrangeira (1964)
S. M., falar da vida de uma nordestina simples cujo olhar y Felicidade clandestina (1971)
e “sentimento de perdição” pegara “no ar, de relance, em y Água viva (1973)
uma rua do Rio de Janeiro”. y A imitação da rosa (1973)
Em vez de naturalizar a possibilidade de um narrador y A via crucis do corpo (1974)
poder falar de uma personagem tão recolhida em sua y A hora da estrela (1977)
existência miúda e desvalida – e, justamente por isso, tão
questionadora de nossas misérias sociais –, Clarice opta A “geração de 45” e a poesia de João Cabral de
por expor fragmentos da história da personagem Macabéa Melo Neto
sempre por meio da tensão e dos questionamentos que A geração de 45, como visto anteriormente, apresenta
descrever tal personagem traz ao narrador inventado por uma grande diversidade de procedimentos artísticos, tanto
ela. Assim, essa opção desloca um tipo de abordagem das na prosa quanto na poesia. Os seus mais renomados escri-
questões sociais que se tornou clássico na literatura brasilei- tores não se articularam em torno de manifestos – embora
ra (como em Vidas secas, de Graciliano Ramos), trazendo-o também os tenham conhecido –, ou seja, não cultivaram
para o interior do próprio processo de escrever: por que uma postura de grupo ou de gerações literárias como fa-
se escolhe escrever sobre certa personagem? Como fa- ziam os artistas em torno da Semana de  na primeira
zê-lo? Que tipo de poder passamos a ter sobre alguém geração modernista ou os autores do novo romance re-
sobre quem decidimos escrever? Que consequências e gionalista na geração de 30. A despeito disso, João Cabral
questionamentos isso traz para um narrador? Escrever so- de Melo Neto manifestou simpatia pelos concretistas em
bre alguém desamparado muda o mundo que forjou esse mais de uma oportunidade, porém deixou claro que não
desamparo? Se não, por que escrevemos? Na obra de seguia ninguém.
Clarice, essas questões são tão importantes e carregadas de João Cabral de Melo Neto (190-1999), filho de do-
implicação social quanto a existência objetiva de Macabéa. nos de engenho, nasceu no Recife e sempre demonstrou
Dessa maneira, não podemos entender a personagem incomum interesse pela arte da palavra. Seguiu carreira
apenas pelo viés social, que reflete a opressão contra a como diplomata e morou por longos anos na Espanha, país
nordestina. No romance, diversas dimensões – existencial, cuja cultura dialogou de forma decisiva com sua poesia.

154 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 1 Século XX: novas identidades literárias


Inovador, o autor soube promover em seus poemas ar- aceitar o seco / por resignadamente, / mas de empregar o
ranjos complexos a partir de palavras simples. Para ele, a seco / porque é mais contundente.” (“A palo seco”). Figuras
poesia de buscar a palavra exata era um exercício de refi- muito características da cultura da Espanha, como os famo-
namento. Na sua obra, encontram-se fácil melodia e versos sos toureiros, são visitadas e valorizadas por João Cabral
despojados, trabalhados rigorosamente, que superam por na medida em que ensinam os poetas a não “poetizar o
completo os traços parnasianos e simbolistas que ainda poema”, fantástica imagem-síntese da dimensão crítica e
vicejavam nos poetas da geração de 45. Sua produção é antilírica de sua poesia.
marcada pela união entre o sofisticado trabalho formal da
poesia que fala de si mesma e as criações poéticas afeitas
Alguns Toureiros
à participação social, tendências frequentemente vistas Eu vi Manolo Gonzáles Mas eu vi Manuel Rodríguez,
como opostas. Seu famoso poema “Tecendo a manhã” é e Pepe Luís, de Sevilha: Manolete, o mais deserto,
um ótimo exemplo dessa habilidade, que ele via como fruto precisão doce de flor, o toureiro mais agudo,
graciosa, porém precisa. mais mineral e desperto,
do trabalho árduo e racional de lapidação e combinação
das palavras. Devido a essa característica, João Cabral ficou Vi também Julio Aparício, o de nervos de madeira,
conhecido como engenheiro das palavras. de Madrid, como Parrita: de punhos secos de fibra
Suas obras mais conhecidas, Morte e vida severina ciência fácil de flor, o da figura de lenha
(1956) e A educação pela pedra (1966), atestam o duplo espontânea, porém estrita. lenha seca de caatinga,
impulso poético do autor. Vi Miguel Báez, Litri, o que melhor calculava
Eu, para escrever, preciso ver muito o que eu estou es- dos confins da Andaluzia, o fluido aceiro da vida,
crevendo, compreende, sou incapaz de compor uma coisa que cultiva uma outra flor: o que com mais precisão
de cabeça e ditar. O poema, para mim, é como se eu pintasse angustiosa de explosiva. roçava a morte em sua fímbria,
um quadro. Preciso ver como é que está ficando a forma dele. E também Antonio Ordóñez, o que à tragédia deu número,
[...] que cultiva flor antiga: à vertigem, geometria
Eu demoro muito a escrever. Tem poemas meus que eu perfume de renda velha, decimais à emoção
levei dez anos para escrever. Faço um esboço, trabalho sobre de flor em livro dormida. e ao susto, peso e medida.
ele, depois deixo, depois retomo. MELO NETO, João Cabral de. “Alguns toureiros”. In: Poesias completas.
MELO NETO, João Cabral de. “O pedreiro do verso”. Entrevista a José Geraldo Rio de Janeiro: José Olympio, 1979. p. 258-9.
Couto. Folha de S.Paulo. 22 maio 1994. Disponível em: www1.folha.uol.com. © by herdeiros de João Cabral de Melo Neto.
br/fsp/1994/5/22/mais!/6.html. Acesso em: 28 fev. 2018.
As principais obras do autor são:
y O cão sem plumas (1950)
João Cabral e a poesia das coisas nuas
y O rio (1954)
Em forte sintonia com a tradição da poesia lírica moder- y Morte e vida severina (1956)
na, que, remontando aos simbolistas franceses, encontrou y Quaderna (1960)
nas obras de Mallarmé e Valéry suas realizações mais ousa- y A educação pela pedra (1966)
das, a poesia de Cabral buscou eliminar todos os resíduos y Museu de tudo (1975)
de sentimentalismo e de culto ao pitoresco que marcaram y A escola das facas (1980)
o lirismo mais convencional e mergulhar na potente nudez y Poesia crítica (198)
das próprias coisas e dos objetos do mundo oferecidos à y Agrestes (1985)
nossa percepção. y Andando em Sevilha (1989)
Assim, como exemplos da “nova objetividade” que ha-
bita sua poesia, podemos citar: os canaviais do Nordeste Morte e vida severina e a poesia participante
brasileiro, descritos poeticamente a partir do que têm em Morte e vida severina é um longo poema também co-
comum com o mar, que a eles “ensina” suas formas e dis- nhecido como “Auto de Natal pernambucano”, por destacar,
posições visuais (“O canavial e o mar”); o clima seco e árido em certo ponto, um nascimento e por estar ambientado em
da região, que sintetiza suas potencialidades na imagem da Pernambuco. É a obra mais popular do autor, ainda que re-
“pedra” que “entranha a alma”, mas que pode nos ensinar presente apenas uma das facetas de sua produção poética.
“por lições” a captar para a poesia “sua voz inenfática, im- Em versos ritmados, o poema conta a história de um retirante
pessoal” (“A educação pela pedra”); e a “imagem da faca chamado Severino, que parte do sertão e chega a Recife,
que só tivesse lâmina”, que é capaz de nos ensinar a obter, revelando aspectos da migração no Brasil. Assim, além de
“de um material doente” (as palavras desgastadas pelo denunciar os problemas sociais do Nordeste, os encontros
uso poético sentimental), “o que em todas as facas / é a e as descrições da vida dura que a narrativa poética de
FRENTE 2

melhor qualidade: / a agudeza feroz, / certa eletricidade, Severino vai acumulando no seu desenrolar propõem den-
[...] o gosto do deserto” (“Uma faca só lâmina”). sas reflexões sobre a condição humana.
Em sua obra, também há elementos da cultura espa- Em seu âmbito formal, além de resgatar a tradição dos
nhola, a qual o autor conheceu de perto, como o canto “a autos medievais, o poema é rico em ritmos e musicalidade,
palo seco” (“cante sem guitarra”, “cante despido”, “cante o que demonstra o rigor estético do autor. Vários trechos
que se canta sob o silêncio a pino”), que pode dar conselho da obra foram musicados por Chico Buarque de Holanda
à poesia que se faz com e na aridez do Nordeste: “não o de para um importante espetáculo teatral de mesmo nome.

155
— Severino, retirante, Saiba mais
deixe agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida;
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga
é difícil defender,
só com palavras, a vida, Tendências da literatura
ainda mais quando ela é
contemporânea
esta que vê, severina
mas se responder não pude O mundo estava passando por um período de grande
à pergunta que fazia, agitação. Em 1954, Getúlio Vargas, que concorria a novas
ela, a vida, a respondeu eleições presidenciais, comete suicídio; eleito por voto di-
com sua presença viva. reto em 1956, o mineiro Juscelino Kubitschek inicia uma
E não há melhor resposta transformação pela qual todos esperavam: com o célebre
que o espetáculo da vida: slogan “cinquenta anos em cinco”, o desenvolvimento e a
vê-la desfiar seu fio, abertura de mercado foram protagonistas de um processo
que também se chama vida, de internacionalização que perdura até hoje.
ver a fábrica que ela mesma, A globalização e a urbanização foram sentidas intima-
teimosamente, se fabrica, mente por toda a população, pois, enquanto a Europa ainda
vê-la brotar como há pouco vivia a reconstrução ao longo dos anos do pós-guerra, o
em nova vida explodida; Brasil se esforçava em busca do crescimento econômico.
mesmo quando é assim pequena De fato, generalizou-se a crença na nossa modernização,
a explosão, como a ocorrida; o que provocou uma mudança nos desejos de vida das
mesmo quando é uma explosão pessoas: grandes transformações, novas esperanças e uma
como a de há pouco, franzina; euforia progressista.
mesmo quando é a explosão Um dos melhores exemplos desse momento de ânsia
de uma vida severina. pela expansão modernizadora do Brasil é a construção e
MELO NETO, João Cabral de. “Morte e vida severina”. inauguração de Brasília em 1960, uma vez que, ao trans-
In: Morte e vida Severina e outros poemas em voz alta. ferir a capital do país para o interior, construiu-se, também,
Rio de Janeiro: José Olympio, 1978. p. 115-6.
© by herdeiros de João Cabral de Melo Neto.
um símbolo: um projeto urbanístico integralmente planeja-
do possibilitou o nascimento de uma cidade ordenada e,
sobretudo, moderna, apesar da imensa dificuldade para
efetivar essas obras no meio do mais isolado cerrado do
Planalto central.
Posteriormente, Jânio Quadros é eleito e, alguns
meses depois, renuncia à presidência. Assim, assume o
poder o então vice-presidente João Goulart, o Jango, cuja
proximidade com o Partido Comunista Brasileiro e o Par-
tido Socialista Brasileiro, em época extraordinariamente
conservadora, coloca o país em estado de alerta. Jango
se manteria no poder até 1964, anunciando as reformas
agrária, urbana, educacional, bancária e fiscal.
No entanto, no final do mês de março daquele mes-
mo ano, Jango foi deposto por um golpe que instaurava a
ditadura militar, período de repressão e rigorosa censura –
agravada pelas publicações dos atos institucionais
–, o que culminou no exílio de diversos intelectuais
da época. Porém, na década de 1980, houve a anis-
Na última parada de sua viagem ao litoral, fugindo da tia dos exilados e o movimento “Diretas já”, quando
morte trazida pela seca, Severino assiste ao nascimento o Brasil voltou a caminhar em direção à democracia,
de um menino, a marcar a imagem da vida que resiste resultando no fim da ditadura (1985), em uma nova Cons-
diante da constante negação à existência trazida pelas tituição Federal (1988) e nas eleições democráticas para
condições adversas. Ficam claros, dessa maneira, tanto presidente (1989).
o “salto participante” na direção de uma poesia de cunho Todo esse cenário de transformações sociais e políticas
social quanto o compromisso ético e existencial da poesia refletiu-se, a seu modo, na modernização do país e, conse-
de João Cabral de Melo Neto. quentemente, na produção artística do período.

156 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 1 Século XX: novas identidades literárias


Concretismo: atualização da Atenção
sensibilidade artística em face do
progresso material
As primeiras manifestações da poesia concreta ou do
Concretismo surgem no Brasil a partir da metade da déca-
da de 1950 em consonância com o surto progressista de
industrialização do país. Além disso, aparecem como uma
maneira muito consciente de atualizar e divulgar entre nós
certas concepções sobre a arte e experimentações artís-
ticas que já vinham se desenvolvendo na Europa desde
[...] a atitude crítica do Concretismo o leva a absorver as
algumas décadas. Tais experimentações procuravam, ainda
preocupações das demais correntes artísticas, buscando su-
que tardiamente, levar às últimas consequências as propos-
perá-las pela empostação coerente, objetiva, dos problemas.
tas das vanguardas do início do século XX, especialmente
Todas as manifestações visuais o interessam.
o Futurismo e o Dadaísmo. Portanto, é preciso entender o
PIGNATARI, Décio “Arte concreta: objeto e objetivo”.
Concretismo na sua dupla face: a de produção e divulgação In: CAMPOS, Augusto de; CAMPOS, Haroldo de; PIGNATARI, Décio.
de novas formas de fazer poesia; e a de reflexão teórica Teoria da poesia concreta: textos críticos e manifestos 1950-1960.
São Paulo: Ateliê Editorial, 2006. p. 64.
propositiva sobre os rumos gerais da arte moderna.
Assim, o Concretismo se apresentou programaticamen- [...] o poeta concreto não volta a face às palavras, não lhes
te – inclusive a partir da divulgação de manifestos e de lança olhares oblíquos: vai direto ao seu centro, para viver e
obras teóricas – como uma estética que negava tanto a vivificar a sua facticidade.
ideia de poesia como expressão da subjetividade quanto CAMPOS, Augusto de. “poesia concreta (manifesto)”. In: CAMPOS,
Augusto de; CAMPOS, Haroldo de; PIGNATARI, Décio. Teoria da poesia
a forma frásica e versificada comumente associada a qual- concreta: textos críticos e manifestos 1950-1960. São Paulo:
quer poema. Ele privilegiava o caráter técnico do ato de Ateliê Editorial, 2006. p. 71.
fazer e ler poesia, associando o poema a um objeto visual
composto de palavras soltas e libertadas da sintaxe, ainda O grupo concretista e sua concepção
que passíveis de serem articuladas entre si tanto pela so-
noridade e forma visual quanto pelas possíveis relações de
de poema
significado que o leitor pudesse perceber entre elas. O po- Idealizada e concebida pelos irmãos Haroldo de
ema concreto tinha uma maior relação com as artes visuais Campos (199-003) e Augusto de Campos (1931-) e
do que com a ideia de poesia como discurso expressivo. por Décio Pignatari (197-01), a corrente concretista
Assim, no poema concretista, o que notamos de ime- representou uma ruptura com o que se conhecia como
diato são palavras colocadas como peças de um jogo de poesia até aquele momento. O verso foi abolido e, no
armar – sempre aberto – no espaço branco da página, ou lugar dele, aproveitavam-se o espaço na página e a dis-
palavras fragmentadas visando fazer ecoar novas sonori- posição das palavras para compor os indícios da possível
dades quando lidas. Se, em um primeiro momento, esses significação do conjunto, o que permitia, assim, múltiplas
poemas, que também podem se apresentar como imagens e sempre abertas leituras. Além disso, havia a exploração
formadas com palavras, traços e letras, parecem estranhos do significante, ou seja, toda a parte visual e sonora das
ou sem sentido, em uma segunda leitura podem revelar, a palavras, bem como sua disposição na página, também
começar pela participação ativa de quem os lê, aspectos contribuíam para a construção do sentido. A ideia não era
que evidenciam novas maneiras de compreender o mundo retirar da palavra a sua carga de conteúdo, mas sim utilizar
a partir dessas palavras. essa carga em consonância com a sua parte física, como
A poesia concreta foi produto de uma evolução crítica material de trabalho, que nunca era entregue ao leitor
de formas, tomada por um conhecimento do espaço gráfico como algo pronto.
como estrutura; daí a importância da ideia de ideograma, É importante ressaltar que o poema concreto não foi
recursos tipográficos como elementos substantivos dessa feito para traduzir um sentido fora dele, mas sim para ser a
composição, desde o seu sentido geral de sintaxe espacial articulação livre e aberta entre forma e conteúdo, ou seja,
e/ou visual, até seu estilo específico. É um conjunto de funcionando como um objeto gerador de múltiplos sentidos e
movimentos concomitantes. oferecido à leitura tanto ativa quanto contemplativa do leitor.
Em 1958, surge no Brasil um primeiro manifesto con- Dessa forma, abolia-se o modo como tradicionalmente
cretista: Plano-piloto para poesia concreta, assinado por se associava, em poesia, conteúdo e forma: a partir do
FRENTE 2

Augusto de Campos, seu irmão Haroldo de Campos e material (os elementos linguísticos e o espaço branco da
por Décio Pignatari, o qual estabelece os preceitos da página) e da forma como o artista o manipularia em busca
poesia concreta. A relação entre esses três autores era do efeito artístico desejado, gerava-se um objeto (o poema)
mais antiga; em 195 já haviam dado início ao movimento potente de significados, que se completariam apenas a
internacional da Poesia Concreta no Brasil, com o lan- partir do trabalho do leitor.
çamento da revista literária Noigandres, nome também Com isso, ficava clara a rejeição ao lirismo, pois os
desse grupo de poetas. autores concretistas já não estavam mais interessados na

157
relação entre a obra e a individualidade que a produziu ou sem restrições ou regras. Assim, o arranjo espacial dos
entre o poema e alguma realidade determinada (individual elementos adquiria mais importância do que as próprias
ou social) à qual ele se referia: a “temática” do poema era palavras, transformando a estrutura em uma espécie
a sua própria forma. Por ser proposto como uma realidade de organismo. O movimento foi liderado pelo poeta
em si, que não se referia diretamente a nada fora dele, o Wlademir Dias-Pino (197-018), apelidado “o construtor
poema resultava do trabalho racional do artista, e não de de livros”.
qualquer tipo de “inspiração”. Já a poesia-práxis foi proposta como uma forma de
Assim, ao privilegiar o experimento, a poesia concreta oposição ao modo de pensar concretista, pois considerava
inverte a ideia platônica de uma beleza artística já pronta: a palavra uma célula do discurso, valorizando-a dentro de
a arte passa a ser compreendida como um processo em um contexto extralinguístico. Ao contrário da concepção de
que o criador e o leitor interagem. Associa-se valor es- palavra-objeto dos concretistas, tomava-se a palavra não
tético a uma arte intencionalmente “inacabada”, em que, como materialidade imediata, mas como uma espécie de
muitas vezes, temos a impressão de que o rascunho ou energia ou de organismo vivo, uma matéria transformável
o fruto de uma improvisação livre com as palavras foram e passível de ser moldada pelo leitor, ou seja, pelo seu
emoldurados. ato de lidar com ela, pela sua ação prática (práxis) sobre
Esse caráter experimental provocou uma relevante e ela. Na poesia-práxis, também se retomava o verso, va-
permanente discussão em torno do significado da arte. Não lorizado, porém, na medida das relações tanto sintáticas
fazia mais sentido entendê-la como um objeto inalcançável, quanto semânticas que ele poderia conter e gerar. O
engrandecido e absolutamente duradouro, por ter encon- verso não admitia apenas a possibilidade de sua leitu-
trado um artista genial que a forjou e uma sociedade que ra discursiva, mas oferecia-se como campo de trabalho
a reconheceu como patrimônio a ser valorizado. prático no qual o leitor modelaria possíveis significados.
O movimento da poesia-práxis ficou conhecido como
Neoconcretismo instauração Práxis e foi liderado pelo poeta Mário Chamie
(197-011).
O Neoconcretismo surgiu como reação ao movimento
concretista. Um grupo de artistas encabeçados pelo poe-
A crítica ao Concretismo
ta Ferreira Gullar, dissidente do Concretismo, articulou-se
propondo uma arte que tirasse o leitor e o espectador da A geração dos anos 1960 se caracterizou pelo en-
sua passividade a fim de que passassem a interagir com a gajamento político, buscando a literatura como forma de
obra de arte. Assim, a composição da obra era fruto de um comprometimento e conscientização quanto à luta política
processo de criação do artista, mas ela só se completava direta que, conforme se julgava na época, tonara-se neces-
na relação com o seu interlocutor. Desse grupo, destaca- sária diante dos excessos repressivos da ditadura militar.
ram-se, além de Gullar, os artistas plásticos Lygia Clark e Assim, era natural que parte dessa geração articulasse
Hélio Oiticica. críticas ao Concretismo, acusando-o de falta de enraiza-
mento social e histórico na proposição de seus poemas,
Lygia Clark trouxe a público a série Bichos, esculturas
os quais eram mais voltados à experimentação com a lin-
articuláveis com dobradiças que convocavam o expectador
guagem do que à possibilidade de expressar ideias de
a fazer parte do processo de construção artística modifican-
natureza discursiva. Portanto, o incômodo da geração en-
do espontaneamente as formas finais das esculturas. Já os
gajada de 1960 com o Concretismo residia na diferença de
famosos Parangolés de Oiticica convidavam o espectador
visões quanto ao papel da arte que ambos apresentavam.
a entrar na obra e empreender performances inusitadas e
Para o Concretismo, a importância, inclusive política, da
transformadoras.
literatura centrava-se apenas na possibilidade de amplia-
Como neoconcretista, Ferreira Gullar concebia a poesia
ção, via poesia, da capacidade criadora de significados do
como um projeto que só se cumpria quando lida por um
leitor, e nunca na veiculação de ideias e visões de mundo
leitor ativo, capaz de explorar a gama de sentidos con-
já formatadas, visando à adesão do leitor a elas.
tida nas palavras. Gullar também enveredou pelas artes
plásticas, produzindo obras tridimensionais e passíveis de
transformação pelo espectador, mas, como poeta, a pala- Atenção
vra sobressaía, provocativa, contundente e reveladora, em
poemas-objetos concebidos pelo artista.

Poema-processo e poesia-práxis
Como uma radicalização do Concretismo, surgiu o
poema-processo, voltado totalmente para a concretude
da linguagem, isto é, valorizando o signo visual em de-
trimento da palavra, não mais considerada essencial.
A ideia do poeta como uma espécie de artista plásti-
co tornava-se ainda mais clara do que no Concretismo.
Para essa poesia, interessava somente criar novos pro-
cessos de promover significado a partir da visualidade,

158 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 1 Século XX: novas identidades literárias


Revisando

As referências à literatura de Guimarães Rosa per- ver a fábrica que ela mesma,
passam vários campos artísticos. Como escritor, ele teimosamente, se fabrica,
representou um marco na nossa história cultural, pois vê-la brotar como há pouco
inventou palavras e estórias que descrevem mais do em nova vida explodida;
que o nosso jeito, o nosso povo e as nossas paisagens. [...]
Suas obras ultrapassam questões regionais e nacionais, MELO NETO, João Cabral de. Morte e vida Severina. In: Morte e vida
Severina e outros poemas em voz alta. Rio de Janeiro: José Olympio,
chegando ao universo da arte, do espírito e do admi- 1978. © by herdeiros de João Cabral de Melo Neto
rável. Guimarães conta mais do que aquilo que vemos:
suas letras, vivas, caminham livremente pelo reino dos 4. Clarice Lispector e João Cabral de Melo Neto são
signos e, assim, colocam o leitor em um contato íntimo considerados autores de grande maturidade literária
e súbito com a grandeza do mundo. por terem seus estilos muito bem definidos. A partir
Leia o fragmento do romance Grande sertão: veredas dos trechos apresentados, comente sobre o estilo
para responder às questões de 1 a 3. que se pode depreender de cada um desses autores.

Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de


5. EsPCEx-SP 2016 Leia os versos a seguir e responda.
fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar
com casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo- Catar feijão
-jesus, arredado do arrocho de autoridade. O Urucuia Catar feijão se limita com escrever:
vem dos montões oestes. Mas, hoje, que na beira dele, joga-se os grãos na água do
tudo dá – fazendões de fazendas almargem de vargens e as palavras na folha de papel;
de bom render, as vazantes; culturas que vão de mata em e depois, joga-se fora o que boiar.
mata, madeiras de grossura, até ainda virgens dessas lá Certo, toda palavra boiará no papel,
há. O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tama- água congelada, por chumbo seu verbo:
nho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pois para catar esse feijão, soprar nele,
pão ou pães, é questão de opiniães... O sertão está em e jogar fora o leve e o oco, palha eco,
toda a parte.
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. In: ROSA, João
Guimarães; COUTINHO, Eduardo (org.). Ficção completa. 2. ed. Rio de
Janeiro: Nova Aguilar, 2009. p. 7. v. 2.

Em “Catar feijão”, João Cabral de Melo Neto revela


1. É possível afirmar que o trecho do romance apresen- a) o princípio de que a poesia é fruto de inspiração
tado se aproxima da oralidade? poética, pois resulta de um trabalho emocional.
b) influência do Dadaísmo ao escolher palavras, ao
2. A afirmação “O sertão está em toda parte” confere a acaso, que nada significam para a construção da
esse cenário um caráter universal? poesia.
c) preocupação com a construção de uma poesia
racional contrária ao sentimentalismo choroso.
3. Pela leitura do trecho, podemos depreender caracte-
d) valorização do eu lírico, ao extravasar o estado de
rísticas do estilo de Guimarães Rosa?
alma e o sentimento poético.
e) valorização do pormenor mediante jogos de pa-
Leia os trechos a seguir, de Clarice Lispector e João lavras, sobrecarregando a poesia de figura e de
Cabral de Melo Neto, para responder à questão 4. linguagem rebuscada.
[...] O que importa afinal: viver ou saber que se está
O fragmento do texto a seguir pertence a Alfredo Bosi e
vivendo? — Palavras muito puras, gotas de cristal. Sinto a
forma brilhante e úmida debatendo-se dentro de mim. Mas
aborda a literatura contemporânea, cujos pontos fortes
onde está o que quero dizer, onde está o que devo dizer? são o seu poder de renovação e a multiplicidade de es-
Inspirai-me, eu tenho quase tudo; eu tenho o contorno à tilos decorrentes das transformações da modernidade.
espera da essência; é isso? [...] Nada posso dizer ainda Leia o excerto a seguir atentamente para responder às
dentro da forma. Tudo o que possuo está muito fundo questões de 6 a 8.
FRENTE 2

dentro de mim. Renovar a linguagem está no cerne das preocupações


LISPECTOR, Clarice. Perto do coração selvagem. e dos projetos de todos. Mas subsistem divergências sensí-
Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 69.
veis sobre o modo de entender as fronteiras entre poesia e
E não há melhor resposta não poesia, sobre o tipo de mediação que se deve propor
que o espetáculo da vida: entre o ato estético e os demais atos humanos (éticos,
vê-la desfiar seu fio, políticos, religiosos, vitais), ou ainda sobre as relações
que também se chama vida, que se podem estabelecer entre o poema e o objeto de

159
consumo, a imagem da propaganda, o slogan político, a que nos cerca, esperar das poéticas da dureza e da agressi-
canção popular e outras manifestações de uma cultura vidade algo mais que a fátua complacência na dureza e na
plural veiculada cada vez mais intensamente pelos meios agressividade: a denúncia do que aí está e a procura de uma
de comunicação de massa. Nessa atmosfera saturada de comunicação mais livre e inteligente com o semelhante.
consciência crítica e polêmica, assumem papel de extremo BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 41. ed.
relevo conceitos de origem filosófica (alienação, práxis, São Paulo: Cultrix, 1994. p. 439.

superação, dialética), que cruzam armas com noções de


cibernética e da Teoria da Informação (entropia, redun- 6. Em que medida as transformações histórico-sociais
dância, emissor, receptor, código, mensagem). Ao mesmo podem influenciar a produção literária?
tempo, o discurso sobre a arte se afasta do vocabulário
existencial (angústia, autenticidade, opção, imaginário...) 7. O poema é fruto da técnica ou da inspiração do poeta?
corrente nos anos do imediato pós-guerra. [...]
Este é o universo mental onde estamos inseridos; e não
8. Modernidade e poesia podem se complementar?
parece de todo insensato, se descermos às razões da aridez

Exercícios propostos

1. PUC-Rio 2015 Mais em paz, comigo mais, Diadorim foi o pitoresco superficial, quanto pela dificuldade de ajus-
me desinfluindo. Ao que eu ainda não tinha prazo para tar a linguagem culta aos torneios populares. Mas este/a
entender o uso, que eu desconfiava de minha boca e da autor/a superou os perigos e elaborou a matéria regional
água e do copo, e que não sei em que mundo-de-lua eu com um senso transfigurador, que fez de seus livros ma-
entrava minhas ideias. O Hermógenes tinha seus defei- duros experiências de vanguarda dentro de um temário
tos, mas puxava por Joca Ramiro, fiel – punia e terçava. tradicional.
Que, eu mais uns dias esperasse, e ia ver o ganho do sol Antonio Candido. Iniciação à literatura brasileira, 2010. Adaptado.
nascer. Que eu não entendia de amizades, no sistema de
O comentário refere-se à obra de
jagunços. Amigo era o braço, e o aço!
a) Euclides da Cunha. d) Guimarães Rosa.
Amigo? Aí foi isso que eu entendi? Ah, não; amigo, para
b) Graciliano Ramos. e) Clarice Lispector.
mim, é diferente. Não é um ajuste de um dar serviço a outro,
c) Mário de Andrade.
e receber, e saírem por este mundo, barganhando ajudas,
ainda que sendo com o fazer a injustiça aos demais. Amigo,
para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de 3. Acafe-SC 2020 Relacione as colunas, considerando
conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira as especificidades e os diferentes aspectos aponta-
prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios. dos relativamente às obras e aos respectivos autores.
Ou – amigo – é que a gente seja, mas sem precisar de saber . Guimarães Rosa fundiu neste romance elementos
o por quê é que é. Amigo meu era Diadorim; era o Fafafa, o do experimentalismo linguístico da primeira fase
Alaripe, Sesfrêdo. Ele não quis me escutar. Voltei da raiva. do modernismo e a temática regionalista da se-
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: gunda fase do movimento, para criar uma obra
José Olympio, 1979. p. 138-9.
única e inovadora.
a) Determine os distintos conceitos de “amigo” que . Romance de Graciliano Ramos, publicado em
podem ser identificados no texto. 1938, retrata a vida miserável de uma família de
b) Guimarães Rosa é, sem dúvida nenhuma, um dos retirantes sertanejos obrigada a se deslocar de
mais importantes escritores da Literatura brasileira. tempos em tempos para áreas menos castigadas
Considerado a sua obra-prima, Grande sertão: vere- pela seca.
das, romance publicado em 1956, representa uma . A relação entre Martim e a protagonista significa a
profunda inovação em termos de narrativa, sendo união entre o branco colonizador e o índio, entre a
até hoje referência para a nossa literatura. A partir cultura europeia, civilizada, e os valores indígenas,
da leitura do texto, destaque e comente dois aspec- apresentados como naturalmente bons. É uma es-
tos que reiteram o que foi afirmado anteriormente. pécie de mito de fundação da identidade brasileira.
. Retratando o movimento de tropas, Euclides da
2. FMABC-SP 2022 A partir do Modernismo, sobretudo Cunha constantemente se prende à individualida-
nos anos 1930, os centros de atividade literária e cultural de das ações e mostra casos isolados marcantes
se tornaram mais numerosos e importantes. Esta expan- que demonstram bem o absurdo massacre dos
são parece culminar simbolicamente no aparecimento “monarquistas” de Canudos, liderado pelo “fami-
de uma obra onde a dimensão regional perde o caráter gerado e bárbaro” Antônio Conselheiro.
contingente, para tornar-se veículo de uma mensagem . Um homem vai a uma loja de antiguidade e se de-
da mais completa universalidade. O mais impressionan- para com um quadro com uma imagem de mãos
te na sua realização é a fragilidade aparente da base, decepadas. A loja “... tinha o cheiro de uma arca
pois o regionalismo é uma tendência cheia de perigos, de sacristia com seus panos embolorados e livros
tanto pela redução de humanidade dos personagens e comidos de traça”.

160 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


Os Sertões 6. FICSAE-SP 2018 Mas... Houve um pequeno engano,
“A caçada”, de Lygia Fagundes Telles um contratempo de última hora, que veio pôr dois bons
Grande Sertão: veredas sujeitos, pacatíssimos e pacíficos, num jogo dos demô-
Iracema, romance de José de Alencar nios, numa comprida complicação.
Vidas Secas
O trecho acima faz parte do conto “Duelo”, uma das
A sequência correta, de cima para baixo, é: narrativas de Sagarana, de João Guimarães Rosa.
a) 2 – 4 – 3 – 1 – 2 c) 3 – 1 – 5 – 2 – 4 Essa narrativa, como um todo, apresenta
b) 4 – 5 – 1 – 3 – 2 d) 5 – 2 – 4 – 3 – 1 a) duas histórias de vingança que se entrelaçam, ou
seja, um marido buscando o amante da esposa e
Texto para a questão 4. um homem buscando o assassino do irmão.
Contar é muito dificultoso. Não pelos anos que já b) uma trama protagonizada por uma mulher de
se passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas pas- olhos bonitos, sempre grandes, de cabra tonta,
sadas de fazer balancê, de se remexerem dos lugares. A que se envolve com um pistoleiro que acaba sen-
lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos; do morto por ela.
uns com outros acho que nem se misturam [...]. Contar c) as peripécias vividas por um capiau que se tor-
seguido, alinhavado, só mesmo sendo coisas de rasa im- na o agente de um crime contra seu compadre e
portância. Tem horas antigas que ficaram muito mais perto amigo, Cassiano Gomes, por desavenças de trai-
da gente do que outras de recente data. Toda saudade é ção amorosa.
uma espécie de velhice. Talvez, então, a melhor coisa d) cenas de adultério praticadas por dona Silivânia, no
seria contar a infância não como um filme em que a vida mais doce, dado e descuidoso dos idílios fraudu-
acontece no tempo, uma coisa depois da outra, na ordem lentos, com o amante Turíbio Todo, o que provoca
certa, sendo essa conexão que lhe dá sentido, meio e fim, tragédia entre seus pretendentes.
mas como um álbum de retratos, cada um completo em si
mesmo, cada um contendo o sentido inteiro. Talvez esse
seja o jeito de escrever sobre a alma em cuja memória se
7. UFRGS 2016 Leia o trecho do romance Grande ser-
encontram as coisas eternas, que permanecem... tão: veredas, de João Guimarães Rosa, a seguir.
ROSA, Guimarães. Grande sertão: veredas. Essas coisas todas se passaram tempos depois. Talhei
de avanço, em minha história. O senhor tolere minhas más
4. PUC-Campinas 2015 Comparando-se os universos devassas no contar. É ignorância. Eu não converso com
ninguém de fora, quase. Não sei contar direito. Aprendi
ficcionais de Graciliano Ramos e Guimarães Rosa, veri-
um pouco foi com o compadre meu Quelemém; mas ele
fica-se que ambos
quer saber tudo diverso: quer não é o caso inteirado em si,
a) convergem, já que valorizam do mesmo modo as
mas a sobre-coisa, a outra-coisa. Agora, neste dia nosso,
análises políticas do mundo sertanejo.
com o senhor mesmo – me escutando com devoção assim
b) convergem, pois adotaram soluções estilísticas
– é que aos poucos vou indo aprendendo a contar corri-
bastante próximas. gido. E para o dito volto. Como eu estava, com o senhor,
c) divergem, assim como são divergentes uma visão no meio dos hermógenes.
realista e uma visão mítica.
d) divergem, já que optaram exclusivamente por Assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) as seguintes
uma narração ou em primeira ou em terceira armações sobre o trecho.
pessoa. Riobaldo, narrador da história, tem consciência de
e) convergem, pois partilham de um mesmo otimis- que sua narrativa obedece ao uxo da memória, e
mo fundamental quanto à cultura brasileira. não à cronologia dos fatos.
A ignorância de Riobaldo é expressa pelos erros
5. PUC-Campinas 2017 Entre o suicídio de Getúlio Vargas gramaticais e pela inabilidade em contar sua histó-
() e os acontecimentos de , nossa literatura foi ria, que carece de ordenação.
marcada por estes importantes acontecimentos literários: “A sobre-coisa, a outra-coisa”, que o compadre
I. expansão da poética de João Cabral de Melo Neto Quelemém quer, é a interpretação da própria vi-
e manifestações de uma poesia de vanguarda. vência, e não o simples relato dos acontecimentos.
II. publicação do romance Grande sertão: veredas e O ouvinte exerce um papel importante, pois obriga
das novelas de Corpo de baile, obras-primas de Riobaldo a organizar a narrativa e a dar signicado
Guimarães Rosa. ao narrado.
a) F – V – V – F d) F – F – V – F
FRENTE 2

III. ressurgimento da ficção regionalista, representa-


da pelas primeiras obras de Jorge Amado e José b) V – V – F – V e) F – V – F – V
Lins do Rego. c) V – F – V – V

Atende ao enunciado o que está em 8. UPE/SSA 2016 Graciliano Ramos, Clarice Lispector
a) I, II e III. d) I e III, apenas. e Guimarães Rosa produziram nos mesmos gêneros
b) I e II, apenas. e) II, apenas. textuais narrativos; são romancistas e contistas, cujas pro-
c) II e III, apenas. duções são referenciadas nacional e internacionalmente.

161
Sobre isso, analise as armativas a seguir: que mesmo até quando dorme todo-tempo sonha que está
I. Graciliano Ramos, em seu romance Vidas se- sendo perseguido. O tatú levanta as mãozinhas cruzadas,
cas, retoma um dos problemas vivenciados pelo ele não sabe — e os cachorros estão rasgando o sangue
homem nordestino, que, apesar de remontar ao dele, e ele pega a sororocar. O tamanduá. Tamanduá passeia
início do século passado, haja vista a alusão a no cerrado, na beira do capoeirão. Ele conhece as árvores,
ele realizada no título do romance de Rachel de abraça as árvores. Nenhum nem pode rezar, triste é o gemi-
Queiroz, O quinze, ainda persiste na atualidade. do deles campeando socôrro. Todo choro suplicando por
Do mesmo modo, Patativa de Assaré tratou da socôrro é feito para Nossa Senhora, como quem diz a sal-
seca em seus poemas populares, e a televisão ve-rainha. Tem uma Nossa Senhora velhinha. Os homens,
não se cansa de transmitir as consequências pé-ante-pé, indo a peitavento, cercaram o casal de taman-
desse fenômeno. duás, encantoados contra o barranco, o casal de tamanduás
estavam dormindo. Os homens empurraram com a vara de
II. Clarice Lispector, em A Hora da estrela, parece dar
ferrão, com pancada bruta, o tamanduá que se acordava.
sequência à temática de Vidas secas, quando trata
Deu som surdo, no corpo do bicho, quando bateram, o ta-
da trajetória de Macabéa, imigrante nordestina no
manduá caiu pra lá, como um colchão velho.
Rio de Janeiro. Por sua vez, Fabiano e sua família,
ROSA, G. Noites do sertão Corpo de baile.
no último capítulo de Vidas secas, deixam a fazenda. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016.
O romance termina em aberto; dentre outras pos-
sibilidades, sugere o início de uma nova vida na Na obra de Guimarães Rosa, destaca-se o aspecto
cidade, onde os meninos poderiam até ir à escola. afetivo no contorno da paisagem dos sertões mineiros.
III. Há pontos comuns entre a produção dos três Nesse fragmento, o narrador empresta à cena uma
autores, pois os textos por eles criados demons- expressividade apoiada na
tram, dentre outros aspectos, preocupação com a a) plasticidade de cores e sons dos elementos nativos.
linguagem, a interioridade e a condição humana, b) dinâmica do ataque e da fuga na luta pela sobre-
além de as narrativas se desenrolarem no campo, vivência.
tendo a cidade apenas como plano de fundo. Es- c) religiosidade na contemplação do sertanejo e de
sas afirmações se confirmam nos romances Vidas seus costumes.
secas e A Hora da estrela e no conto “A menina d) correspondência entre práticas e tradições e a
de lá”, integrante da coletânea Primeiras estórias, hostilidade do campo.
de João Guimarães Rosa. e) humanização da presa em contraste com o des-
IV. Em A Hora da estrela, há dois discursos narra- dém e a ferocidade do homem
tivos que se intercruzam, assim como ocorre
em Vidas secas e Famigerado, pois o narra- 10. Fuvest-SP 2020
dor onisciente e intruso analisa cada uma das
E grita a piranha cor de palha, irritadíssima:
personagens dos três romances, revelando mi-
– Tenho dentes de navalha, e com um pulo de ida-e-
nuciosamente suas interioridades. Isso interfere
-volta resolvo a questão!...
na continuidade da narrativa que sofre rupturas
– Exagero... – diz a arraia – eu durmo na areia, de ferrão
constantes, as quais resultam dos comentários a prumo, e sempre há um descuidoso que vem se espetar.
do narrador intruso. – Pois, amigas, – murmura o , mole, carregan-
V. Os contos dos três autores, Clarice Lispector, do a bateria – nem quero pensar no assunto: se eu soltar
Graciliano Ramos e Guimarães Rosa são psicoló- três pensamentos elétricos, bate-poço, poço em volta, até
gicos, tal como “Amor”, pertencente à coletânea vocês duas boiarão mortas...
Laços de família, de Clarice Lispector; “O relógio
do hospital”, de Graciliano Ramos, integrante de
Insônia e O espelho, de Primeiras estórias, de
Guimarães Rosa. Acresce-se, ainda, que todos Esse texto, extraído de Sagarana, de Guimarães Rosa,
eles, com exceção de “Amor”, são narrados em a) antecipa o destino funesto do ex-militar Cassiano
primeira pessoa, imprimindo-lhes um tom emotivo Gomes e do marido traído Turíbio Todo, em “Due-
e confessional. lo”, ao qual serve como epígrafe.
Está correto, apenas, o que se arma em b) assemelha-se ao caráter existencial da disputa
a) I, II e III. d) I, II, III e IV. entre Brilhante, Dansador e Rodapião na novela
b) I, III e IV. e) I, II e V. “Conversa de Bois”.
c) II, IV e V. c) reúne as três figurações do protagonista da no-
vela “A hora e vez de Augusto Matraga”, assim
9. Enem PPL 2019 O mato do Mutúm é um enorme mundo denominados: Augusto Estêves, Nhô Augusto e
preto, que nasce dos buracões e sobe a serra. O guará-lobo Augusto Matraga.
trota a vago no campo. As pessôas mais velhas são inimigas d) representa o misticismo e a atmosfera de feitiçaria
dos meninos. Soltam e estumam cachorros, para ir matar os que envolve o preto velho João Mangalô e sua
bichinhos assustados — o tatú que se agarra no chão dando desavença com o narrador-personagem José, em
guinchos suplicantes, os macacos que fazem artes, o coelho “São Marcos”.

162 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


e) constitui uma das cantigas de “O burrinho Pedrês”, a) Nossa mãe era quem regia,
em que a sagacidade da boiada se sobressai à b) Nossa mãe muito não se demonstrava.
ignorância do burrinho. c) Nossa mãe terminou indo também, de uma vez,
d) Nossa mãe, vergonhosa, se portou com muita
11. Enem 2018 cordura;
Para responder às questões 13 e 14, leia o trecho do
conto-prefácio “Hipotrélico”, que integra o livro Tutameia,
de João Guimarães Rosa.
Há o hipotrélico. O termo é novo, de impesquisada
origem e ainda sem definição que lhe apanhe em todas as
pétalas o significado. Sabe-se, só, que vem do bom portu-
guês. Para a prática, tome-se hipotrélico querendo dizer:
antipodático, sengraçante imprizido; ou, talvez, vice-dito:
indivíduo pedante, importuno agudo, falto de respeito para
com a opinião alheia. Sob mais que, tratando-se de palavra
inventada, e, como adiante se verá, embirrando o hipotré-
lico em não tolerar neologismos, começa ele por se negar
nominalmente a própria existência.
Somos todos, neste ponto, um tento ou cento hipotréli-
cos? Salvo o excepto, um neologismo contunde, confunde,
quase ofende. Perspica-nos a inércia que soneja em cada
canto do espírito, e que se refestela com os bons hábitos
estadados. Se é que um não se assuste: saia todo-o-mundo
a empinar vocábulos seus, e aonde é que se vai dar com a
língua tida e herdada? Assenta-nos bem à modéstia achar
que o novo não valerá o velho; ajusta-se à melhor prudência
relegar o progresso no passado. [...]
Já outro, contudo, respeitável, é o caso – enfim – de
“hipotrélico”, motivo e base desta fábula diversa, e que vem
do bom português. O bom português, homem-de-bem e
muitíssimo inteligente, mas que, quando ou quando, neo-
logizava, segundo suas necessidades íntimas.
Ora, pois, numa roda, dizia ele, de algum sicrano, ter-
ceiro, ausente:
— E ele é muito hiputrélico...
ROSA, R. Grande sertão: veredas: adaptação da obra Ao que, o indesejável maçante, não se contendo, emi-
de João Guimarães Rosa. São Paulo: Globo, 2014 (adaptado).
tiu o veto:
A imagem integra uma adaptação em quadrinhos da — Olhe, meu amigo, essa palavra não existe.
obra Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa. Na Parou o bom português, a olhá-lo, seu tanto perplexo:
representação gráca, a inter-relação de diferentes — Como?!... Ora... Pois se eu a estou a dizer?
linguagens caracteriza-se por — É. Mas não existe.
Aí, o bom português, ainda meio enfigadado, mas
a) romper com a linearidade das ações da narrativa
no tom já feliz de descoberta, e apontando para o outro,
literária.
peremptório:
b) ilustrar de modo fidedigno passagens representa- — O senhor também é hiputrélico...
tivas da história. E ficou havendo.
c) articular a tensão do romance à desproporciona- Tutameia, 1979.
lidade das formas.
d) potencializar a dramaticidade do episódio com re-
13. Unesp 2021 De acordo com o narrador, o hipotrélico re-
cursos das artes visuais.
vela, em relação à prática do neologismo, uma postura
e) desconstruir a diagramação do texto literário pelo
a) indiferente. d) visionária.
desequilíbrio da composição
b) enigmática. e) inovadora.
A questão 12 refere-se ao conto “A terceira margem do c) conservadora.
rio”, do livro Primeiras estórias, de João Guimarães Rosa.
FRENTE 2

14. Unesp 2021 O efeito cômico do texto deriva, sobre-


12. Uerj 2018 Guimarães Rosa afirmou, em uma entrevis- tudo, da ambiguidade da expressão
ta, que somente renovando a língua é que se pode a) “homem-de-bem”.
renovar o mundo. Visando a essa renovação, recorria b) “bom português”.
a neologismos e inversões pouco usuais de termos, c) “indesejável maçante”.
explorando novos sentidos em seus textos. Um exem- d) “necessidades íntimas”.
plo dessas inversões encontra-se em: e) “indivíduo pedante”.

163
15. PUC-SP 2017 A obra Sagarana, de João Guimarães O trecho apresentado integra a obra Sagarana, de
Rosa, foi publicada em . Dela é correto afirmar que Guimarães Rosa. Indique, nas alternativas a seguir, o
a) se intitula Sagarana porque reúne novelas que nome do conto que contém o referido trecho.
se desenvolvem à maneira de gestas guerreiras e a) “A hora e vez de Augusto Matraga”, que narra a
lendas e apresentam um tema comum que abarca violência como instrumento de redenção, mate-
a vida simples dos sertanejos da região baiana do rializada na morte de Joãozinho Bem-Bem e do
São Francisco. jagunço protagonista.
b) compõe-se de nove novelas, entre as quais se b) “Corpo fechado”, história de valentões e de es-
sobressai “Corpo fechado”, história de valentões pertos, de violência e de mágica, protagonizado
e espertos, de violência e de mágica, protagoni- por Manuel Fulô.
zada por Manuel Fulô. c) “São Marcos”, que relata a desavença entre o nar-
c) estrutura-se em doze narrativas, de sentido moral rador e um feiticeiro que o deixa cego por força
e embasadas na tradição mineira, entre as quais de uma bruxaria.
se destacam “Questões de família”, história meio d) “Minha gente”, em que se relata a situação vivida
autobiográfica, e “Uma história de amor”, expres- por um moço da cidade que vai passar uma tem-
sivo drama passional. porada no campo e vive amores desencontrados.
d) apresenta narrativas apenas de teor místico reli-
gioso como a que se engendra em “A hora e vez 18. UPF-RS 2016 Em relação à obra Primeiras estórias,
de Augusto Matraga”, cujo estilo destoa do con- de Guimarães Rosa, apenas é incorreto afirmar que:
junto das outras que compõem o livro. a) reúne contos de vários tipos, entre eles o psicoló-
gico, o anedótico, o fantástico e o satírico.
16. PUC-SP 2017 O sol cresce, amadurece. Mas eles es- b) confere destaque à voz do narrador culto, que
tão esperando é a febre, mais o tremor. Primo Ribeiro permanece distanciado das personagens e preo-
parece um defunto – sarro de amarelo na cara chupa- cupado em desvendar a lógica subjacente à ação
da, olhos sujos, desbrilhados, e as mãos pendulando, das crianças, loucos e seres rústicos que povoam
compondo o equilíbrio, sempre a escorar dos lados a os contos.
bambeza do corpo. Mãos moles, sem firmeza, que dei- c) demonstra a preocupação do autor em recriar a
xam cair tudo quanto ele queira pegar. Baba, baba, linguagem, através de deslocamentos sintáticos e
cospe, cospe, vai fincando o queixo no peito; e trouxe
do uso de arcaísmos e neologismos, entre outros
cá para fora a caixinha de remédio, a cornicha de pó
recursos.
e mais o cobertor.
d) não se trata, apesar do título, do livro de estreia
O trecho apresentado integra o conto “Sarapalha” e do autor, mas apenas de seu primeiro livro com-
faz parte da obra Sagarana de João Guimarães Rosa. posto unicamente por narrativas curtas.
Dessa narrativa como um todo, é errado armar que e) ultrapassa, frequentemente, as fronteiras entre a
a) apresenta duas narrativas, uma em tempo presente narrativa e a poesia lírica, através do destaque dado
e outra, em tempo passado, a qual assume dimen- aos aspectos sonoros e melódicos da linguagem.
são mítica na cabeça delirante de Primo Ribeiro.
b) enfoca a solidão, o abandono e a decadência de 19. Unicamp-SP 2019 Um cego me levou ao pior de mim
duas personagens acometidas de maleita e que mesma, pensou espantada. Sentia-se banida porque ne-
passam os dias em diálogo sobre suas condições nhum pobre beberia água nas suas mãos ardentes. Ah!
físicas e sentimentais. era mais fácil ser um santo que uma pessoa! Por Deus,
c) gera um conflito entre dois primos, quando um pois não fora verdadeira a piedade que sondara no seu
coração as águas mais profundas? Mas era uma piedade
deles revela ter gostado muito de Luísa, mulher
de leão.
do outro, que o abandonara por um boiadeiro.
Clarice Lispector, “Amor”, em Laços de família. 20a ed. Rio de Janeiro:
d) usa predominantemente discurso indireto livre, Francisco Alves, 1990, p. 39.
que faz aflorar o pensamento íntimo da persona-
gem e despreza o diálogo objetivo e direto por Ao caracterizar a personagem Ana, a expressão “pie-
sua incapacidade de interlocução. dade de leão” reúne valores opostos, remetendo
simultaneamente à compaixão e à ferocidade. É cor-
17. FICSAE-SP 2017 De repente, na altura, a manhã gar- reto armar que, no conto “Amor”, essa formulação
galhou: um bando de maitacas passava, tinindo guizos, a) revela um embate de natureza social, já que a
partindo vidros, estralejando de rir. E outro. Mais outro. pobreza do cego causa náuseas na personagem.
E ainda outro, mais baixo, com as maitacas verdinhas, b) expressa o dilema cristão da alma pecadora dian-
grulhantes, gralhantes, incapazes de acertarem as vozes te de sua incapacidade de fazer o bem.
na disciplina de um coro. [...] O sol ia subindo, por cima c) indica um conflito psicológico, uma vez que a per-
do voo verde das aves itinerantes. Do outro lado da cer- sonagem não se sente capaz de amar.
ca, passou uma rapariga. Bonita! Todas as mulheres eram d) alude a um contraste moral e existencial que pro-
bonitas. Todo anjo do céu devia de ser mulher. voca na personagem um sentimento de angústia.

164 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


20. UFRGS 2019 Assinale a alternativa correta sobre o Texto 4
romance A hora da estrela, de Clarice Lispector.
O gosto de uma rainha, ou mesmo de uma “estrela”,
a) Rodrigo S. M. é narrador onisciente, de modelo não é mais atualmente suficiente para o estabelecimento
realista tradicional. de um estilo, ou venda de um produto. As companhias de
b) O diário de Macabéa ocupa parte da narrativa, em publicidade sabem que é preciso sondar os corações femi-
que aparecem seus dilemas existenciais. ninos. São pesquisas deste gênero que permitem constatar
c) Macabéa é modelo de personagem consciente o estado permanente de inquietação da consciência femi-
existencial e socialmente. nina e medir até que ponto, no capítulo das compras, a
d) Olímpico é namorado de Macabéa, dedicado e mulher – essa grande compradora – se deixa influenciar
compreensivo. na aquisição de um artigo.
e) Glória é colega de Macabéa, estabelecendo um LISPECTOR, Clarice. Correio feminino.
contraponto de mulher sexualizada e consciente. - O texto jornalístico de Clarice citado indica a sua
preocupação em esclarecer as leitoras de sua
21. UFPE 2012 Antes de escrever A hora da estrela, época sobre o papel da mulher moderna no mun-
Clarice Lispector trabalhou na imprensa carioca, do consumista.
mantendo “colunas femininas” em jornais de grande - Coerente com o glamour das propagandas, o
circulação. Observe a imagem, leia os textos e julgue refrigerante em questão é retratado na obra de
as questões. Clarice como uma bebida saudável e deliciosa,
muito apreciada por Macabéa.
Texto 1
- No Texto , Clarice sugere, ironicamente, que a
sua narrativa foi “financiada” pela Coca-Cola, para
parecer uma obra em sintonia com o seu tempo.
- Para Clarice, a identidade da mulher moderna
está cada vez mais associada ao seu poder de
compra e ao seu acesso aos bens de consumo
industrializados.
- O título do romance A hora da estrela refere-se à
virada na história da pobre Macabéa, que se tor-
na, ao final, uma famosa estrela de cinema.

22. Unesp 2017 Leia o excerto do romance A hora da


estrela de Clarice Lispector (-77).
Será que eu enriqueceria este relato se usasse alguns
difíceis termos técnicos? Mas aí que está: esta história não
tem nenhuma técnica, nem estilo, ela é ao deus-dará. Eu
que também não mancharia por nada deste mundo com
palavras brilhantes e falsas uma vida parca como a da
datilógrafa [Macabéa]. Durante o dia eu faço, como todos,
gestos despercebidos por mim mesmo. Pois um dos gestos
mais despercebidos é esta história de que não tenho culpa
e que sai como sair. A datilógrafa vivia numa espécie de
Propaganda de bebida gaseificada nos Estados Unidos, na década
atordoado nimbo, entre céu e inferno.
de 1950. Nunca pensara em “eu sou eu”. Acho que julgava
não ter direito, ela era um acaso. Um feto jogado na lata
Texto 2 de lixo embrulhado em um jornal. Há milhares como ela?
Sou datilógrafa, virgem e gosto de Coca-Cola. Sim, e que são apenas um acaso. Pensando bem: quem
LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela.
não é um acaso na vida? Quanto a mim, só me livro de
ser apenas um acaso porque escrevo, o que é um ato que
Texto 3 é um fato. É quando entro em contato com forças interio-
res minhas, encontro através de mim o vosso Deus. Para
Também esqueci de dizer que o registro que em breve
que escrevo? E eu sei? Sei não. Sim, é verdade, às vezes
vai ter que começar [...] é escrito sob o patrocínio do re-
também penso que eu não sou eu, pareço pertencer a
frigerante mais popular do mundo e que nem por isso me
uma galáxia longínqua de tão estranho que sou de mim.
FRENTE 2

paga nada, refrigerante esse espalhado por todos os países.


Sou eu? Espanto-me com o meu encontro.
Apesar de ter gosto do cheiro de esmalte de unhas, de sabão
A hora da estrela, 1998.
Aristolino e plástico mastigado. Tudo isso não impede que
todos o amem com servilidade e subserviência. Também Para o narrador, o emprego de “difíceis termos téc-
porque – e vou dizer agora uma coisa difícil que só eu nicos” seria adequado para narrar a história de
entendo – porque essa bebida que tem coca é hoje. Ela é Macabéa? Justique sua resposta. Transcreva a frase
um meio da pessoa atualizar-se e pisar na hora presente. que melhor explicita a inconsciência da personagem
LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Macabéa. Justique sua resposta.

165
23. ITA-SP 2015 O título do livro A hora da estrela, de Clarice Lispector, diz respeito ao seguinte momento do romance:
a) O despertar amoroso de Macabéa no namoro com Olímpico.
b) A descoberta de Macabéa de que Olímpico a traía com Glória.
c) A obtenção por Macabéa de um bom emprego como datilógrafa.
d) A previsão do grande futuro de Macabéa, feita pela cartomante.
e) A morte de Macabéa, atropelada por um carro de luxo.

24. Unicamp-SP 2017 Leia o seguinte trecho do conto “Amor”, de Clarice Lispector.
Então ela viu: o cego mascava chicles... Um homem cego mascava chicles.
Ana ainda teve tempo de pensar por um segundo que os irmãos viriam jantar – o coração batia-lhe violento, espaçado.
Inclinada, olhava o cego profundamente, como se olha o que não nos vê. Ele mastigava goma na escuridão. Sem sofrimento,
com os olhos abertos. O movimento de mastigação fazia-o parecer sorrir e de repente deixar de sorrir, sorrir e deixar de
sorrir – como se ele a tivesse insultado, Ana olhava-o. E quem a visse teria a impressão de uma mulher com ódio.
LISPECTOR, Clarice. Laços de família.Rio de Janeiro: Rocco, 2009. p. 21-2.

a) Em textos de Clarice Lispector, é comum que um acontecimento banal se transforme em um momento perturbador
na vida das personagens. Considerando o contexto do conto “Amor”, indique que tipo de inquietações o aconteci-
mento narrado anteriormente acarreta na vida da personagem.
b) A frase “olhava o cego profundamente, como se olha o que não nos vê” sugere uma maneira pouco comum de olhar
para as coisas. Explique o sentido que tem esse olhar profundo, a partir dali, na caracterização da personagem Ana.

25. Uece 2015


O milagre das folhas
Não, nunca me acontecem milagres. Ouço falar, e às vezes isso me basta como esperança. Mas também me revolta: por que não a
mim? Por que só de ouvir falar? Pois já cheguei a ouvir conversas assim, sobre milagres: “Avisou-me que, ao ser dita determinada palavra, um
objeto de estimação se quebraria”. Meus objetos se quebram banalmente e pelas mãos das empregadas.
1
Até que fui obrigada a chegar à conclusão de que sou daqueles que rolam pedras durante séculos, e não daqueles para
os quais os seixos já vêm prontos, polidos e brancos. Bem que tenho visões fugitivas antes de adormecer – seria milagre?
Mas já me foi tranquilamente explicado que isso até nome tem: cidetismo (sic), capacidade de projetar no alucinatório as
imagens inconscientes.
2
Milagre, não. Mas as coincidências. Vivo de coincidências, vivo de linhas que incidem uma na outra e se cruzam e no
cruzamento formam um leve e instantâneo ponto, tão leve e instantâneo que mais é feito de pudor e segredo: mal eu falasse
nele, já estaria falando em nada.
Mas tenho um milagre, sim. O milagre das folhas. Estou andando pela rua e do vento me cai uma folha exatamente
nos cabelos. A incidência da linha de milhões de folhas transformadas em uma única, e de milhões de pessoas a incidência
de reduzi-las a mim. Isso me acontece tantas vezes que passei a me considerar modestamente a escolhida das folhas. Com
gestos furtivos tiro a folha dos cabelos e guardo-a na bolsa, como o mais diminuto diamante.
3
Até que um dia, abrindo a bolsa, encontro entre os objetos a folha seca, engelhada, morta. Jogo-a fora: não me interessa
fetiche morto como lembrança. E também porque sei que novas folhas coincidirão comigo.
4
Um dia uma folha me bateu nos cílios. Achei Deus de uma grande delicadeza.
LISPECTOR, Clarice. In: SANTOS, Joaquim Ferreira dos (Organização e introdução). As cem melhores crônicas brasileiras.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. p. 186-7.

Nos estudos sobre a obra de Clarice Lispector, fala-se da epifania (ou revelação) que se dá com a personagem. Em
determinado momento do texto, a personagem passa a entender algo que, para ela, estava escondido ou obscuro.
Assinale a opção cujo trecho transcrito indica esse momento na crônica.
a) “Até que fui obrigada a chegar à conclusão de que sou daqueles que rolam pedras durante séculos...” (Ref. 1)
b) “Um dia uma folha me bateu nos cílios. Achei Deus de uma grande delicadeza.” (Ref. 4)
c) “Vivo de coincidências, vivo de linhas que incidem uma na outra e se cruzam...” (Ref. 2)
d) “Até que um dia, abrindo a bolsa, encontro entre os objetos a folha seca, engelhada, morta. Jogo-a fora: não me
interessa fetiche morto como lembrança.” (Ref. 3)

26. UFT-TO 2014 Leia o poema “Ovos da páscoa”, de Adélia Prado, e o fragmento do conto “O ovo e a galinha”, de Clarice
Lispector.
Ovos da páscoa
O ovo não cabe em si, túrgido de promessa,
a natureza morta palpitante.
Branco tão frágil guarda um sol ocluso,
o que vai viver, espera.
PRADO, Adélia. “Bagagem”. In: Poesia reunida. São Paulo: Siciliano, 1991. p. 28.

166 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


O ovo e a galinha Severina, numa intimidade de corpo há muito esqueci-
O ovo é uma exteriorização. Ter uma casca é dar-se. da, vinda do tempo em que se tem pai e mãe. Apesar de
– O ovo desnuda a cozinha. Faz da mesa um pla- que nunca se haviam realmente abraçado ou beijado.
no inclinado. O ovo expõe – quem se aprofunda Do pai, sim. Catarina sempre fora mais amiga. Quan-
num ovo, quem vê mais do que a superfície do do a mãe enchia-lhes os pratos obrigando-os a comer
ovo, está querendo outra coisa: está com fome. O demais, os dois se olhavam piscando em cumplicidade
ovo é a alma da galinha. A galinha desajeitada. e a mãe nem notava. Mas depois do choque no táxi e
O ovo certo. A galinha assustada. O ovo certo. [...]. O ovo depois de se ajeitarem, não tinham o que falar – por
nunca lutou. Ele é um dom. – O ovo é invisível a olho nu. que não chegavam logo à Estação?
De ovo a ovo chega-se a Deus, que é invisível a olho nu. LISPECTOR, Clarice. “Os laços de família”.
[...]. Ovo é coisa que precisa tomar cuidado. Por isso a Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
galinha é o disfarce do ovo. Para que o ovo atravesse os
O texto reproduz um trecho do conto “Os laços de
tempos a galinha existe.
família”, de Clarice Lispector, retratando um momento
LISPECTOR, Clarice. “O ovo e a galinha”. In: Felicidade clandestina.
Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 63-4. peculiar que se repete na obra da autora. A peculiari-
Considerando-se o poema e o fragmento do conto dade da passagem se justica porque
apresentados, marque a alternativa correta. a) ocorre um posicionamento feminista, represen-
a) Tanto no poema de Adélia Prado quanto no conto tado no trecho anterior pela comparação entre a
de Clarice Lispector, o ovo se mostra como algo sem mãe e o pai de Catarina.
valor, revelado em sua realidade prática de alimento. b) o número de personagens é reduzido, permitin-
b) No poema de Adélia Prado, o ovo da páscoa é do que as características psicológicas de Catarina
metáfora do nascimento de Cristo, enquanto no e Severina, por exemplo, sejam minuciosamente
conto de Clarice Lispector é símbolo da insignifi- descritas.
cância das galinhas. c) há reflexão metalinguística, o que, no conto “La-
c) No poema de Adélia Prado e no conto de Clarice ços de família”, é representado pela repetição
Lispector, o ovo não é mero objeto, pois, revestido insistente do autoquestionamento de Severina:
de um caráter poético, é caminho para reflexões “Não esqueci de nada?”.
sobre o mistério da existência. d) ocorre a epifania, momento de revelação, Catarina
d) Adélia Prado e Clarice Lispector revelam os mesmos se redescobre e redescobre a mãe quando o táxi
aspectos que fazem do ovo uma realidade estranha freia e elas se chocam.
e banal: a casca frágil, a cor, a condição de alimento. e) a narrativa se dá em primeira pessoa, o que per-
e) Apesar de recorrente, a imagem do ovo não é mite amplo espaço para o fluxo de consciência,
central nos textos apresentados, pois o que se de Catarina.
destaca no poema de Adélia Prado é a reflexão
sobre a morte e, no conto de Clarice Lispector, a 28. FMP-RJ 2017 Em suas obras, Clarice Lispector abor-
reflexão sobre a utilidade da galinha. da com frequência o lado psicológico do indivíduo,
analisando os dramas existenciais, as angústias das
27. IFPE 2017
personagens, os questionamentos que se fazem, em
Os laços de família resumo, sua intimidade. O fato interessa menos, pois
A mulher e a mãe acomodaram-se finalmente no táxi mais importante é a repercussão que esse fato causa
que as levaria à Estação. A mãe contava e recontava as no indivíduo. Para explorar esses aspectos, usa o flu-
duas malas tentando convencer-se de que ambas esta- xo de consciência (mescla de raciocínio lógico com
vam no carro. A filha, com seus olhos escuros, a que um impressões pessoais momentâneas), o que se traduz
ligeiro estrabismo dava um contínuo brilho de zombaria por uma não linearidade da narrativa.
e frieza assistia. O trecho em que essas características podem ser
— Não esqueci de nada? perguntava pela terceira observadas com maior clareza é:
vez a mãe. a) “Inclino-me sobre a carne, perdido. Quando final-
— Não esqueci de nada…, recomeçou a mãe, quando mente consigo encará-la do fundo do meu rosto
uma freada súbita do carro lançou-as uma contra a outra e pálido, vejo que ele também se inclinou com os
fez despencarem as malas. — Ah! ah! – exclamou a mãe
cotovelos apoiados sobre a mesa, a cabeça en-
como a um desastre irremediável, ah! dizia balançando
tre as mãos. E exatamente ele não suportava
a cabeça em surpresa, de repente envelhecida e pobre.
FRENTE 2

mais. As sobrancelhas grossas estavam juntas.


E Catarina?
Catarina olhava a mãe, e a mãe olhava a filha, e A comida devia ter parado pouco abaixo da gar-
também a Catarina acontecera um desastre? seus olhos ganta sob a dureza da emoção, pois quando ele
piscaram surpreendidos, ela ajeitava depressa as ma- pôde continuar fez um gesto terrível de esforço
las, a bolsa, procurando o mais rapidamente possível para engolir e passou o guardanapo pela testa”.
remediar a catástrofe. Porque de fato sucedera alguma LISPECTOR, Clarice. “O jantar”. In: Laços de família.
coisa, seria inútil esconder: Catarina fora lançada contra Rio de Janeiro: Rocco, 2009. p. 8.

167
b) “Então, como se todos tivessem tido a prova fi- 29. EBMSP-BA 2017
nal de que não adiantava se esforçarem, com um
Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não
levantar de ombros de quem estivesse junto de
passava de nove horas da manhã. Foi, pois, uma surpresa
uma surda, continuaram a fazer a festa sozinhos,
quando a viram abrir as asas de curto voo, inchar o peito
comendo os primeiros sanduíches de presunto
e, em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço.
mais como prova de animação que por apetite,
Afinal, numa das vezes em que parou para gozar sua
brincando de que todos estavam morrendo de
fuga, o rapaz alcançou-a. Entre gritos e penas, ela foi presa.
fome. O ponche foi servido, Zilda suava, nenhuma
Em seguida carregada em triunfo por uma asa através das
cunhada ajudou propriamente, a gordura quente
telhas e pousada no chão da cozinha com certa violência.
dos croquetes dava um cheiro de piquenique; e, Ainda tonta, sacudiu-se um pouco, em cacarejos roucos
de costas para a aniversariante, que não podia e indecisos. Foi então que aconteceu. De pura afobação
comer frituras, eles riam inquietos”. LISPECTOR, a galinha pôs um ovo. Só a menina estava perto e assistiu a
Clarice. “Feliz aniversário”. In: Laços de família. tudo estarrecida. Mal, porém, conseguiu desvencilhar-se
Rio de Janeiro: Rocco, 2009. p. 57. do acontecimento, despregou-se do chão e saiu aos gritos:
c) “Ela não era bonita. Às vezes, como que o espírito — Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs
a abandonava e então revelava-se o que, por uma um ovo! Ela quer o nosso bem!
vigilância sobre-humana – imaginava Otávio –, Inconsciente da vida que lhe fora entregue, a galinha
jamais se descobria. No rosto que então surgia, passou a morar com a família. Uma vez ou outra, sempre
os traços limitados e pobres não tinham beleza mais raramente, lembrava de novo a galinha que se re-
própria. Nada restava do antigo mistério senão cortara contra o ar à beira do telhado, prestes a anunciar.
a cor da pele, creme, sombria, fugitiva. Se os Nesses momentos enchia os pulmões com o ar impuro da
instantes de abandono prolongavam-se e se su- cozinha e, se fosse dado às fêmeas cantar, ela não canta-
cediam, então ele via assustado a feiura, e mais ria, mas ficaria muito mais contente. Embora nem nesses
que a feiura, uma espécie de vileza e brutalidade, instantes a expressão de sua vazia cabeça se alterasse. Na
alguma coisa cega e inapelável dominar o corpo fuga, no descanso, quando deu à luz ou bicando milho –
de Joana como uma decomposição”. LISPECTOR, era uma cabeça de galinha, a mesma que fora desenhada
Clarice. Perto do coração selvagem. Rio de Janei- no começo dos séculos.
ro: Rocco, 1998. p. 94. Até que um dia mataram-na, comeram-na e passa-
d) “A vida se vingava de mim, e a vingança consistia ram-se anos.
apenas em voltar, nada mais. Todo caso de loucu- LISPECTOR, Clarice. “Uma galinha”. Laços de família. Rio de Janeiro: Rocco,
ra é que alguma coisa voltou. Os possessos, eles 1998. p. 30. Disponível em: www.releituras.com/clispector_galinha.asp.
Acesso em: 20 set. 2016. (Adapt.).
não são possuídos pelo que vem, mas pelo que
volta. Às vezes a vida volta. Se em mim tudo se No fragmento adaptado do conto “A galinha”, de
quebrava à passagem da força, não é porque a Clarice Lispector, o elemento gurativo “ovo” torna-se
função desta era a de quebrar: ela só precisava marco importante na narrativa, pois
enfim passar, pois já se tornara caudalosa demais a) traz para aquele grupo familiar o valor dessa ave
para poder se conter ou contornar – ao passar ela doméstica, uma vez que ela viva poderia continuar
cobria tudo. E depois, como após um dilúvio, so- dando alimento para todos.
brenadavam um armário, uma pessoa, uma janela b) é um momento de epifania para a menina, que
solta, três maletas. E isso me parecia o inferno, percebe o quanto o animal poderia transformar a
essa destruição de camadas e camadas arqueo- realidade de sua vida, atribuindo-lhe outro signifi-
lógicas humanas”. LISPECTOR, Clarice. A paixão cado.
segundo G.H. Rio de Janeiro: Rocco, 2014. p. 70. c) se caracteriza como a simbologia de uma nova
e) “Nessa época encontrávamo-nos de noite em existência, contribuindo para tornar o viver de sua
casa, exaustos e animados: contávamos as faça- espécie ainda mais insignificante.
nhas do dia, planejávamos os ataques seguintes. d) se constitui como um elemento fundamental para
Não aprofundávamos muito o que estava suce- a mudança da percepção da galinha pela família,
dendo, bastava que tudo isso tivesse o cunho da passando aquela a ter, por algum tempo, uma nova
amizade. Pensei compreender por que os noivos condição existencial.
se presenteiam, por que o marido faz questão de e) se transforma no acontecimento revelador para a
dar conforto à esposa, e esta prepara-lhe afanada própria ovípara, que nota a sua incapacidade de
o alimento, por que a mãe exagera nos cuidados reagir, mediante a crença de que nasceu para ali-
ao filho. Foi, aliás, nesse período que, com algum mentar o ser humano.
sacrifício, dei um pequeno broche de ouro àquela
Texto para a questão 30.
que hoje é minha mulher. Só muito tempo depois
eu ia compreender que estar também é dar”. Tentação
LISPECTOR, Clarice. “Uma amizade sincera”. In: A le- Ela estava com soluço. E como se não bastasse a cla-
gião estrangeira. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. p. 87. ridade das duas horas, ela era ruiva.

168 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


Na rua vazia as pedras vibravam de calor − a cabeça 30. PUC-Rio 2017
da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, a) Um dos procedimentos críticos necessários à
ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando análise da obra literária é o entendimento da re-
inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse lação entre o narrador, as personagens e o leitor
seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de
no desenvolvimento da trama. Determine o foco
momento a momento, abalando o queixo que se apoiava
narrativo utilizado por Clarice Lispector no conto
conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com
soluço? Olhamo-nos sem palavras, desalento contra desa- “Tentação”, caracterizando-o.
lento. Na rua deserta nenhum sinal de bonde. Numa terra b) Em todo o conto, percebe-se a presença de sig-
de morenos, ser ruivo era uma revolta involuntária. Que nos visuais e cromáticos que reforçam o sentido
importava se num dia futuro sua marca ia fazê-la erguer do título. Comente a afirmação, destacando dois
insolente uma cabeça de mulher? Por enquanto ela estava termos do conto “Tentação” que confirmam a sua
sentada num degrau faiscante da porta, às duas horas. O argumentação.
que a salvava era uma bolsa velha de senhora, com alça
partida. Segurava-a com um amor conjugal já habituado, 31. Enem 2016
apertando-a contra os joelhos.
Foi quando se aproximou a sua outra metade neste A partida de trem
mundo, um irmão em Grajaú. A possibilidade de comuni-
Marcava seis horas da manhã. Angela Pralini pagou
cação surgiu no ângulo quente da esquina, acompanhando
o táxi e pegou sua pequena valise. Dona Maria Rita
uma senhora, e encarnada na figura de um cão. Era um
de Alvarenga Chagas Souza Melo desceu do Opala da
basset lindo e miserável, doce sob a sua fatalidade. Era
filha e encaminharam-se para os trilhos. A velha bem-
um basset ruivo.
-vestida e com joias. Das rugas que a disfarçavam saía
Lá vinha ele trotando, à frente de sua dona, arrastando
seu comprimento. Desprevenido, acostumado, cachorro. a forma pura de um nariz perdido na idade, e de uma
A menina abriu os olhos pasmada. Suavemente avi- boca que outrora devia ter sido cheia e sensível. Mas
sado, o cachorro estacou diante dela. Sua língua vibrava. que importa? Chega-se a um certo ponto – e o que foi
Ambos se olhavam. não importa. Começa uma nova raça. Uma velha não
Entre tantos seres que estão prontos para se tornarem pode comunicar-se. Recebeu o beijo gelado de sua filha
donos de outro ser, lá estava a menina que viera ao mundo que foi embora antes do trem partir. Ajudara-a antes a
para ter aquele cachorro. Ele fremia suavemente, sem latir. subir no vagão. Sem que neste houvesse um centro, ela
Ela olhava-o sob os cabelos, fascinada, séria. Quanto tem- se colocara do lado. Quando a locomotiva se pôs em
po se passava? Um grande soluço sacudiu-a desafinado. movimento, surpreendeu-se um pouco: não esperava
Ele nem sequer tremeu. Também ela passou por cima do que o trem seguisse nessa direção e sentara-se de costas
soluço e continuou a fitá-lo. para o caminho.
Os pelos de ambos eram curtos, vermelhos. Angela Pralini percebeu-lhe o movimento e perguntou:
Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas — A senhora deseja trocar de lugar comigo?
que se comunicaram rapidamente, pois não havia tempo. Dona Maria Rita se espantou com a delicadeza,
Sabe-se também que sem falar eles se pediam. Pediam-se disse que não, obrigada, para ela dava no mesmo. Mas
com urgência, com encabulamento, surpreendidos. parecia ter-se perturbado. Passou a mão sobre o cama-
No meio de tanta vaga impossibilidade e de tanto sol,
feu filigranado de ouro, espetado no peito, passou a
ali estava a solução para a criança vermelha. E no meio
mão pelo broche. Seca. Ofendida? Perguntou afinal a
de tantas ruas a serem trotadas, de tantos cães maiores,
Angela Pralini:
de tantos esgotos secos − lá estava uma menina, como se
— É por causa de mim que a senhorita deseja trocar
fora carne de sua ruiva carne. Eles se fitavam profundos,
de lugar?
entregues, ausentes de Grajaú. Mais um instante e o sus-
LISPECTOR, C. Onde estivestes de noite. Rio de Janeiro:
penso sonho se quebraria, cedendo talvez à gravidade Nova Fronteira, 1980. (fragmento).
com que se pediam.
Mas ambos eram comprometidos. A descoberta de experiências emocionais com base
Ela com sua infância impossível, o centro da inocên- no cotidiano é recorrente na obra de Clarice Lispector.
cia que só se abriria quando ela fosse uma mulher. Ele, No fragmento, o narrador enfatiza o(a)
com sua natureza aprisionada. A dona esperava impacien- a) comportamento vaidoso de mulheres de condi-
te sob o guarda-sol. O basset ruivo afinal despregou-se ção social privilegiada.
da menina e saiu sonâmbulo. Ela ficou espantada, com
b) anulação das diferenças sociais no espaço públi-
o acontecimento nas mãos, numa mudez que nem pai
FRENTE 2

co de uma estação.
nem mãe compreenderiam. Acompanhou-o com olhos
c) incompatibilidade psicológica entre mulheres de
pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa e
os joelhos, até vê-lo dobrar a outra esquina. gerações diferentes.
Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou d) constrangimento da aproximação formal de pes-
para trás. soas desconhecidas.
LISPECTOR, Clarice. A legião estrangeira. Rio de Janeiro: e) sentimento de solidão alimentado pelo processo
Editora do Autor, 1964. p. 67-9.
de envelhecimento.

169
32. UFU-MG 2016 Com o intuito de compreender as ra- d) Os sonhos cobrem-se de pó. Um último esforço
zões do comportamento humano, a narradora do conto de concentração morre no meu peito de homem
“Felicidade clandestina”, de livro homônimo de Clarice enforcado. Tenho no meu quarto manequins cor-
Lispector, atém-se a um fato de sua infância, em que cundas onde me reproduzo e me contemplo em
uma menina, filha do dono de uma livraria, percebendo silêncio.
o gosto da narradora pelos livros e pela leitura, prome- e) O mar soprava sinos os sinos secavam as flores
te lhe emprestar o livro As reinações de Narizinho, de as flores eram cabeças de santos. Minha memória
Monteiro Lobato. Entretanto, em uma atitude de cruel- cheia de palavras meus pensamentos procurando
dade, sempre adia o empréstimo. Para a narradora fantasmas meus pesadelos atrasados de muitas
personagem, o comportamento da menina advém noites.
a) da vingança fracassada, que se originou da de-
Leia um trecho do ensaio de Modesto Carone para
sagregação familiar da menina e do rompimento
responder às questões 35 e 36.
com o namorado.
b) da inveja, que a corroía em função da contrapo- É fato sabido que a trajetória de João Cabral come-
sição de sua feiura à beleza das outras meninas. ça num surrealismo despojado da escrita automática,
c) do transtorno de conduta, que depois levou a me- passa pelo ardor da construção e da lucidez, discute
nina à demonstração de sentimento de remorso. a pureza e a decantação da poesia antilírica e, des-
d) do distúrbio de dupla personalidade, que instaurava cartando a desconfiança (então em moda) quanto à
na menina a dúvida quanto ao empréstimo do livro. possibilidade de dizer o mundo e os seus conflitos,
assume, de Morte e vida severina em diante, o lado
33. Ufes 2015 Leia o fragmento de texto a seguir e res- sujo da miséria do Nordeste.
ponda às duas proposições que se lhe seguem. Modesto Carone. “Severinos e comendadores”. In: Roberto Schwarz (org).
Os pobres na literatura brasileira, 1983.
Pareceu-lhe então, meditativa, que não havia homem
ou mulher 1que por acaso não se tivesse olhado ao espelho
35. Famerp-SP 2018 Conforme o comentário de Modesto
e não se surpreendesse consigo próprio. Por uma fração de
segundo a pessoa se via como um objeto a ser olhado, 2o Carone, João Cabral
que poderiam chamar de narcisismo, mas já influenciada a) afastou-se da poesia antilírica, por considerá-la
por Ulisses, ela chamaria de: gosto de ser. Encontrar na impura e decantada.
figura exterior os ecos da figura interna: ah, então é ver- b) praticou o que a crítica literária chama, hoje, de
dade que eu não imaginei: eu existo. “poesia suja”.
LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. c) explorou, ao longo da fase inicial de sua poesia, a
Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 19. escrita automática.
a) Aponte uma das características marcantes da d) duvidou da poesia engajada, notadamente de-
narrativa de Clarice Lispector, sugerida no ato de pois de Morte e vida severina.
olhar-se no espelho. e) ignorou a desconfiança que foi moda em relação
b) Identifique os elementos do texto que são reto- à poesia de crítica social.
mados pelos seguintes termos:
I. “que” (ref. 1); 36. Famerp-SP 2018 Segundo Modesto Carone, o trecho
II. “o” (ref. 2). que melhor ilustra a última fase da poesia de João
Cabral é:
34. Unifesp 2019 A verve social da poesia de João Cabral a) O mar, que só preza a pedra,
de Melo Neto mostra-se mais evidente nos versos: que faz de coral suas árvores,
a) A cana cortada é uma foice. Cortada num ângulo luta por curar os ossos
agudo, ganha o gume afiado da foice que a corta da doença de possuir carne,
em foice, um dar-se mútuo. Menino, o gume de b) Sobre o lado ímpar da memória
uma cana cortou-me ao quase de cegar-me, e o anjo da guarda esqueceu
uma cicatriz, que não guardo, soube dentro de perguntas que não se respondem.
mim guardar-se. c) Com peixes e cavalos sonâmbulos
b) Formas primitivas fecham os olhos escafandros pintas a obscura metafísica
ocultam luzes frias; invisíveis na superfície pál- do limbo.
pebras não batem. Friorentos corremos ao sol d) Ó face sonhada
gelado de teu país de mina onde guardas o ali- de um silêncio de lua,
mento a química o enxofre da noite. na noite da lâmpada
c) No espaço jornal a sombra come a laranja, a la- pressinto a tua.
ranja se atira no rio, não é um rio, é o mar que e) As nuvens são cabelos
transborda de meu olho. No espaço jornal nas- crescendo como rios;
cendo do relógio vejo mãos, não palavras, sonho são os gestos brancos
alta noite a mulher tenho a mulher e o peixe. da cantora muda;

170 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


37. UPE 2015 É uma vida cercada pela morte, que, se não lhes
rouba os dias pela doença, rouba pela violência.
O retirante explica ao leitor quem é III. “A gente não nascida” é uma referência às crian-
e a que vai ças não nascidas, por causa da doença da mãe,
— O meu nome é Severino, cujas vidas são similares à de Severino, pois es-
como não tenho outro de pia. sas mulheres também são vítimas da fome, da
Como há muitos Severinos, seca, do desemprego e da violência humana.
que é santo de romaria,
Está CORRETO o que se arma, apenas, em
deram então de me chamar
a) I e II.
Severino de Maria;
b) I e III.
como há muitos Severinos
c) II e III.
com mães chamadas Maria,
d) I.
fiquei sendo o da Maria
e) II.
do finado Zacarias.
Mais isso ainda diz pouco:
38. UFPE 2014
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel Texto 1
que se chamou Zacarias — Essa cova em que estás,
e que foi o mais antigo Com palmos medida,
senhor desta sesmaria. É a conta menor
Como então dizer quem falo Que tiraste em vida.
ora a Vossas Senhorias? — É de bom tamanho,
Vejamos: é o Severino Nem largo nem fundo,
da Maria do Zacarias, É a parte que te cabe
lá da serra da Costela, Deste latifúndio.
limites da Paraíba. — Não é cova grande,
[...] É cova medida,
[continuação...] é a terra que querias
Somos muitos Severinos ver dividida.
iguais em tudo na vida: — É uma cova grande
na mesma cabeça grande para teu pouco defunto,
que a custo é que se equilibra, mas estarás mais ancho
no mesmo ventre crescido que estavas no mundo.
sobre as mesmas pernas finas — É uma cova grande
e iguais também porque o sangue, para teu defunto parco,
que usamos tem pouca tinta. porém mais que no mundo
E se somos Severinos te sentirás largo.
iguais em tudo na vida, — É uma cova grande
morremos de morte igual, para tua carne pouca,
mesma morte severina: mas à terra dada
que é a morte de que se morre não se abre a boca. [...]
MELO NETO, João Cabral de. Morte e vida severina.
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte Texto 2
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença Somem canivetes
é que a morte Severina Fica proibido o canivete
ataca em qualquer idade, em aula, no recreio, em qualquer parte
e até gente não nascida). pois em um país civilizado
João Cabral de Melo Neto entre estudantes civilizadíssimos,
a nata do Brasil,
Analise as armativas a seguir: o canivete é mesmo indesculpável.
I. No início do trecho, Severino se apresenta e, para
se diferenciar dos demais Severinos existentes Recolham-se, pois, os canivetes
FRENTE 2

na ‘freguesia’, revela informações acerca dos pais sob a guarda do irmão da Portaria.
e da região onde vive. Mas o lavrador tem dificul-
dades em sua apresentação, pois Severinos no Fica permitido o canivete
norte são “iguais em tudo na vida”. nos passeios à chácara
II. À medida que apresenta, Severino faz revelações para cortar cipó
sobre ele e os demais sujeitos que estão em condi- descascar laranja
ções de sobrevida tão ou mais precárias que a sua. e outros fins de rural necessidade.

171
Restituam-se, pois, os canivetes da personagem, na fala inicial do texto, nos mostra
a seus proprietários um Severino que, quanto mais se define, menos se in-
com obrigação de serem recolhidos dividualiza, pois seus traços biográficos são sempre
na volta do passeio, e tenho dito partilhados por outros homens.
SECCHIN, A. C. João Cabral: a poesia do menos.
Só que na volta do passeio Rio de Janeiro: Topbooks, 1999.
verificou-se com surpresa:
Com base no trecho de “Morte e vida severina” (Texto I)
no matinho ralo da chácara
e na análise crítica (Texto II), observa-se que a relação
todos os canivetes tinham sumido.
ANDRADE, Carlos Drummond de.
entre o texto poético e o contexto social a que ele faz
referência aponta para um problema social expresso
A partir da análise da temática dos dois poemas ante-
literariamente pela pergunta “Como então dizer quem
riores, avalie as proposições a seguir e assinale quais
fala / ora a Vossas Senhorias?”. A resposta à pergunta
são verdadeiras (V) ou falsas (F):
expressa no poema é dada por meio da:
- João Cabral inspira-se nos padrões da poesia
a) descrição minuciosa dos traços biográficos do
clássica. Drummond, ao contrário, reflete as pre-
tensões estéticas da vanguarda modernista. narrador personagem.
- No poema de João Cabral, o suposto interlocutor b) construção da figura do retirante nordestino como
é evocado explicitamente: as desinências verbais um homem resignado com a sua situação.
são indícios disso. Em Drummond, prevalece um c) representação, na figura do narrador personagem,
discurso normativo: daí o predomínio do uso do de outros Severinos que compartilham sua condição.
imperativo. d) apresentação do narrador personagem como
- O poema de João Cabral é uma peça literária uma projeção do próprio poeta, em sua crise
emblemática da luta que tem sido travada em re- existencial.
lação às desigualdades sociais advindas da má e) descrição de Severino, que, apesar de humilde, or-
distribuição na posse da terra. gulha-se de ser descendente do coronel Zacarias.
- No verso: “é uma cova grande para tua carne
pouca”, a antítese reformula um conhecido pro- 40. UFRGS 2017 (Adapt.) Leia a seguir o diálogo entre
vérbio popular. Severino e Mestre Carpina, retirado de Morte e vida
- Em “Somem canivetes”, Drummond, com fina severina, de João Cabral de Melo Neto.
ironia, admite que o uso do canivete é “indescul-
— Seu José, mestre carpina,
pável”, pois se trata de um país “civilizado” e de
que lhe pergunte permita:
estudantes “civilizadíssimos”, “a nata do Brasil”.
há muito no lamaçal
apodrece a sua vida?
39. Enem
e a vida que tem vivido
Texto I foi sempre comprada à vista?
O meu nome é Severino, — Severino, retirante,
não tenho outro de pia. sou de Nazaré da Mata,
Como há muitos Severinos, mas tanto lá como aqui
que é santo de romaria, jamais me fiaram nada:
deram então de me chamar a vida de cada dia
Severino de Maria; cada dia hei de comprá-la.
como há muitos Severinos — Seu José, mestre carpina,
com mães chamadas Maria, e que interesse, me diga,
fiquei sendo o da Maria há nessa vida a retalho
do finado Zacarias, que é cada dia adquirida?
mas isso ainda diz pouco: espera poder um dia
há muitos na freguesia, comprá-la em grandes partidas?
por causa de um coronel — Severino, retirante,
que se chamou Zacarias não sei bem o que lhe diga:
e que foi o mais antigo não é que espere comprar
senhor desta sesmaria. em grosso tais partidas,
Como então dizer quem fala mas o que compro a retalho
ora a Vossas Senhorias? é, de qualquer forma, vida.
MELO NETO, João Cabral de. Obra completa.
Rio de Janeiro: Aguilar, 1994.
— Seu José, mestre carpina,
que diferença faria
Texto II
se em vez de continuar
João Cabral, que já emprestara sua voz ao rio, transfe- tomasse a melhor saída:
re-a, aqui, ao retirante Severino, que, como o Capibaribe, a de saltar, numa noite,
também segue no caminho do Recife. A autoapresentação fora da ponte e da vida?

172 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


Assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) as seguintes 42. PUC-Campinas 2016 O anseio pela renovação da
armações. linguagem poética ao longo da década de 50, pre-
Severino, retirante chegado ao Recife, questiona a sente tanto na poesia de Ferreira Gullar como na dos
vida miserável de Mestre Carpina. poetas concretos, manifestou-se sobretudo como
Mestre Carpina defende a necessidade de viver um empenho em
mesmo que em condição precária. a) reforçar o aspecto discursivo do verso, por meio
Mestre Carpina nega-se a ouvir os infundados da valorização dos nexos sintáticos.
questionamentos de Severino. b) espacializar as palavras, reconhecendo em cada
Severino, em sua última interrogação, aponta uma uma a autonomia de um signo.
hesitação entre viver e morrer. c) dotar os versos da musicalidade expressiva dos
A sequência correta de preenchimento, de cima para modernos simbolistas europeus.
baixo, é d) engajar as palavras num discurso de denúncia e
a) V – V – F – V de combate político.
e) experimentar novas formas fixas de poema, com-
b) V – F – F – F
batendo assim a livre discursividade.
c) V – F – V – V
d) F – V – F – V
e) F – V – V – F 43. Imed-RS 2016 Analise o texto a seguir:

Para responder às questões 41 e 42, considere o tex-


to a seguir.

A década de 1950 foi marcada pelo anseio de mo-


dernização do país, cujos reflexos se fazem sentir também
no plano da cultura. É de se notar o amadurecimento da
poesia de João Cabral, poeta que se rebelou contra o
que considerava nosso sentimentalismo, nosso “tradicio-
nal lirismo lusitano”, bem como o surgimento de novas
tendências experimentalistas, observáveis na linguagem
renovadora de Ferreira Gullar e na radicalização dos
O texto acima, de ,é
poetas do Concretismo. As linhas geométricas da arqui-
um dos exemplos mais famosos da .
tetura de Brasília e o apego ao construtivismo que marca
Assinale a alternativa que preenche, correta e respec-
a criação poética parecem, de fato, tendências próximas
tivamente, as lacunas do trecho acima.
e interligadas.
a) Ferreira Gullar – poesia concreta
MOUTINHO, Felipe, inédito
b) Décio Pignatari – poesia concreta
c) Ronaldo Azevedo – poesia surrealista
41. PUC-Campinas 2016 Constituem exemplo do cons- d) Ferreira Gullar – poesia surrealista
trutivismo e do rigor da poesia de João Cabral os e) Décio Pignatari – poesia surrealista
seguintes versos:
a) A falta que me fazes não é tanto à hora de dormir 44. UFJF-MG 2012 Leia o poema concreto a seguir, de
Quando dizias “Deus te abençoe”, e a noite abria .
em sonho.
É quando, ao despertar, revejo a um canto
A noite acumulada de meus dias [...]
b) Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
c) Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na da folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar. PIGNATARI, Décio. “Contribuição a um alfabeto duplo”. In: Poesia, Pois é,
Poesia./ Poetc. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 184.
d) Quando o enterro passou
FRENTE 2

Os homens que se achavam no café Uma das questões centrais para Décio Pignatari é a
Tiraram o chapéu maquinalmente “afirmação plena da vida por meio da afirmação da razão,
e) O arranha-céu sobe no ar puro lavado pela chu- do sensível e do sexual, numa síntese feliz”
va e desce refletido na poça de lama do pátio. SIMON, Iumna Maria; DANTAS, Vinícius. Literatura comentada: poesia
concreta. São Paulo: Abril Educação, 1982. p. 18.
Entre a realidade e a imagem, no chão seco que
as separa, Levando em consideração esse comentário, elabore
quatro pombas passeiam. uma proposta de leitura para o poema anterior.

173
45. PUC-Minas 2014 c) o descaso social com relação aos menores aban-
donados e às crianças de rua.
d) o desemprego, que ocorre sempre quando a de-
manda é maior do que a oferta.

47. ITA-SP Considere o poema a seguir, de Ronaldo


Azeredo:

CAMPOS, Augusto de. “Pós-tudo”. 1984. Disponível em: www2.uol.com.br/


augustodecampos/poemas.htm. Acesso em: 19 ago. 2013.

O poema de Augusto de Campos pertence à poesia


concreta. Constitui uma característica desse movimento:
a) a busca por novas formas de expressão do
sentimento.
b) a negação dos valores estéticos do Modernismo.
c) a valorização dos elementos gráficos do poema.
d) o envolvimento com os problemas políticos do
país.

46. UEG-GO 2012 Leia os poemas que seguem: Esse texto


I. explora a organização visual das palavras sobre
a página.
II. põe ênfase apenas na forma, e não no conteúdo
da mensagem.
III. pode ser lido não apenas na sequência horizontal
das linhas.
IV. não apresenta preocupação social.
CAMPOS, Augusto de. In: Poesia concreta. São Paulo: Abril Educação, 1982.
Estão corretas
O bicho a) I e II. d) II e IV.
Vi ontem um bicho b) I, II e III. e) todas.
Na imundície do pátio c) I e III.
Catando comida entre os detritos.
48. UPE 2018 Paulo Leminski, Décio Pignatari e os irmãos
Quando achava alguma coisa, Campos, Haroldo e Augusto, conseguiram desenvol-
Não examinava nem cheirava: ver poemas visuais, que associam o lirismo a um tom
Engolia com voracidade. plurissignificativo e, às vezes, crítico leve. Observe os
poemas a seguir:
O bicho não era um cão,
Poema 1
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1993. p. 201-2.

Os poemas de Augusto de Campos e de Manuel


Bandeira tematizam
a) a miséria, que, muitas vezes, tem como contra-
ponto a riqueza de muitos.
b) a questão da fome e da violência que se verifica
nos grandes centros urbanos. Décio Pignatari

174 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


Poema 2 Texto 2

Nasce o poema
Não vou discutir se o que escrevo, como poeta, é bom
ou ruim. Uma coisa, porém, é verdade: parto sempre de
algo, para mim inesperado, a que chamo de espanto. E é
isso que me dá prazer, me faz criar o poema.
E, por isso mesmo, também, copiar não tem graça.
Um dos poemas mais inesperados que escrevi foi O formi-
gueiro, no comecinho do movimento da poesia concreta.
É que, após os últimos poemas de A luta corporal
(1953), entrei num impasse, porque, inadvertidamente,
implodira minha linguagem poética. Não podia voltar atrás
nem seguir em frente.
Foi quando, instigado por três jovens poetas paulistas,
tentei reconstruir o poema. Havíamos optado por trocar o
discurso pela sintaxe visual.
Já em alguns poemas de A luta corporal, havia ex-
plorado a materialidade da palavra escrita, percebendo o
branco da página como parte da linguagem, como o seu
contrário, o silêncio.
Por isso, diferentemente dos paulistas – que explo-
ravam o grafismo dos vocábulos, desintegrando-os em
letras –, eu desejava expor o “cerne claro” da palavra,
materializado no branco da página.
Daí por que, nesse poema, busquei um modo de gra-
far as palavras, não mais como uma sucessão de letras,
Analise as armativas a seguir e coloque V nas verda-
e sim como construção aberta, deixando à mostra seu
deiras e F nas falsas. núcleo de silêncio.
No poema 1, a linguagem visual e a verbal criam um Mas não podia grafá-las pondo as letras numa ordem
todo inseparável, uma vez que as próprias palavras arbitrária. Por isso, tive de descobrir um meio de superar
formam o símbolo de innito, sendo possível reali- o arbitrário, de criar uma determinação necessária.
zar a leitura em, pelo menos, duas direções. Ocorre, porém, que essas eram questões latentes em
Há duas possibilidades de leitura no poema 1, o que mim, mas era necessário surgir a motivação poética para
caracteriza a plurissignicação da poesia concreta. pô-las em prática.
Trata-se de dois poemas concretos em que, no E isso surgiu das próprias letras, que, de repente, me
primeiro, predomina a linguagem verbal e, no se- pareceram formigas, o que me levou a uma lembrança
gundo, a linguagem visual. mágica, de minha infância, em nossa casa, em São Luís do
No poema 2, o título repete o primeiro verso, razão Maranhão. A casa tinha um amplo quintal, em que surgiu,
pela qual se deduz tratar-se de prática exclusiva- certa manhã, um formigueiro: eram formigas ruivas que
mente do Concretismo. brotavam de dentro da terra.
Há certa ironia no tema do poema 2, quando o eu Eu ouvira dizer que “onde tem formiga tem dinheiro
lírico admite, no último dístico, que, só aos setenta, enterrado” e convenci minhas irmãs a cavarem comigo o
vai chegar à consciência plena. chão do quintal de onde brotavam as formigas. E cavamos
a tarde inteira à procura do tesouro que não aparecia, até
Assinale a alternativa que indica a sequência CORRETA. que caiu uma tempestade e pôs fim à nossa busca. Foi essa
a) V – F – F – F – F d) V – F – V – F – F lembrança que abriu o caminho para o poema, mas não
b) V – V – V – V – F e) V – V – F – F – V sabia como realizá-lo. Basicamente, eu tinha as letras, que
c) F – F – F – V – V me lembravam formigas, mas isso era apenas o pretexto-
Textos para as questões de 49 a 51. -tema para explorar a linguagem em sua ambiguidade de
som e silêncio, matéria e significado. Que fazer então?
Texto 1 Como encontrei a solução, não me lembro, mas sei que
não surgiu pronta, e sim como possibilidades a explorar.
Tinha a palavra formiga, que era o elemento cerne.
FRENTE 2

Experimentei desintegrá-la numa explosão que dispersou


as letras até o limite da página e depois a reconstruí numa
nova ordem: já não era a palavra formiga, e sim um sig-
no inventado. Foi então que pensei em grafar as palavras
numa ordem outra e que nos permitisse lê-las.
Disponível em: www.antoniomiranda.com.br/poesia_visual/ Em seguida, surgiu a ideia mais importante para a in-
ferreira_gullar2_formigueiiro.html. Acesso em: 30 abr. 2012. venção do poema: constituir um núcleo, formado por uma

175
série de frases dispostas de tal modo que as letras de certas manuseáveis, e finalmente o poema-enterrado, de que o
palavras servissem para formar outras. Nasceu o núcleo do leitor participa, corporalmente, entrando no poema.
poema, a metáfora gráfica de um formigueiro. Ele surgiu GULLAR, Ferreira. Folha de S.Paulo, São Paulo,
29 jan. 2012. p. E10. Ilustrada.
da conjugação das seguintes frases: “A formiga trabalha
na treva a terra cega traça o mapa do ouro maldita urbe”.
Construído esse núcleo, o poema nasceu dele, palavra 49. UFG-GO 2012 A que movimento literário o poeta se
por palavra, sendo que cada palavra ocupava uma página refere ao dizer “Havíamos optado por trocar o dis-
inteira e suas letras obedeciam à posição que ocupavam curso pela sintaxe visual”? Explique como o autor
no núcleo. Desse modo, a forma das palavras nada tinha caracteriza esse movimento.
da escrita comum. Não era arbitrária porque determinada
pela posição que cada letra ocupava no núcleo. 50. UFG-GO 2012 Segundo Ferreira Gullar, o processo
O formigueiro foi, na verdade, o primeiro livro-poema de criação de suas palavras não foi arbitrário. Explique
que inventei, muito embora, ao fazê-lo, não tivesse cons- como surgiu a motivação poética para a criação de
ciência disso. O formigueiro.
Chamaria de livro-poema um tipo de criação poética
em que a integração do poema no livro é de tal ordem 51. UFG-GO 2012 A disposição gráfica do Texto 1 reme-
que se torna impossível dissociá-los. Nos livros-poemas te à arquitetura de um formigueiro, e, como tal, esse
posteriores, essa integração é maior, porque as páginas texto foi elaborado a partir de um núcleo. Segundo a
são cortadas para acentuar a expressão vocabular. O li- descrição feita por Ferreira Gullar no Texto 2, qual é
vro-poema é que me levou a fazer os poemas espaciais, a base desse núcleo e como ele se constitui?

Texto complementar

Em relação à natureza do romance Grande sertão: veredas, o sertão pode ser dividido em três planos, conforme explicação
da crítica literária Walnice Nogueira Galvão, descritos a seguir:

Geográfico

Mítico

Metafísico

176 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


Resumindo

Aspectos gerais trabalhados por Guimarães Rosa y Questão social presente de maneira intrínseca à questão
y Plano metafísico. existencial.
y Embate entre as forças do bem e do mal. y As posições sociais se projetam em questões psicológicas
y Mistério da morte e os enigmas da vida. e existenciais.
y Perenidade da vida e de todas as coisas. João Cabral de Melo Neto
y Regionalismo e universalidade. y Pertencimento à geração de 1945.
A linguagem roseana y Reconhecimento por seu rigor estético.
y Neologismos, arcaísmos, latinismos, estrangeirismos e y Poemas construídos de forma inédita a partir de padrões
indianismos. formais.
y Estruturas sintáticas livres. y Objetividade como traço principal.
y Preferência às orações coordenadas, sem qualquer y Recusa de sentimentalismos.
relação de dependência. y Poesia como objeto de trabalho construído, planejado
y Convivência entre o popular e o erudito. e objetivado.
y Estilo próprio, inédito e único. y Preocupação com a realidade social, especialmente a
y Jogo com as palavras. do Nordeste brasileiro.
Relação com o leitor Poesia concreta
y Desafio à compreensão do leitor. y Abolição do verso.
y Convite ao olhar primitivo de descoberta. y Disposição das palavras na página a contribuir para a
y Expectativa do acaso: uma mudança sempre pode ocorrer. significação.
y Reflexão sobre o caráter fragmentário do homem. y Visual e sonoro juntos na construção do sentido.
Conteúdo regional, nacional e universal y Rejeição do lirismo.
y Mistura entre a descrição histórico-geográfica real com y Possibilidade de múltiplas leituras.
a fantasia e a imaginação. y Poema sem ser fruto de mera inspiração.
y Saberes populares e cultos com a mesma força de atuação. Neoconcretismo
y Transcendência e epifania: momentos de luz. y Leitor com importância fundamental na construção do
y Perspectiva do autor: proximidade absoluta com a ma- poema, que se cumpre na leitura.
téria narrada. y Interlocutores retirados da passividade contemplativa e
y Condensação entre realidade e ficção. convocados a interagir com as obras.
Clarice Lispector y Destaque no movimento ao poeta Ferreira Gullar e aos
y Literatura intensa e profunda a partir de temas aparen- artistas plásticos Lygia Clark e Hélio Oiticica.
temente corriqueiros. Poesia-práxis
y Intenção de mostrar o que estava prestes a transbordar y Poesia transformada pela manipulação do leitor.
do terreno oculto. y Retomada do verso.
y Mundo caótico e tenso mesmo nos fatos mais simples y Valorização do sentido das palavras e suas relações em
do cotidiano.
nível sintático, semântico e pragmático.
y Temas que tocam nos sentimentos e instintos humanos,
como desejos, paixões etc. Poesia-processo
y Processo de alteridade e identidade a partir da diferença y Concretude da linguagem.
entre o eu e o outro. y Valorização do visual em detrimento do verbal.

Quer saber mais?

Livro
MARTINS, Nilce Sant’Anna. O léxico de Guimarães Rosa. São Paulo: Edusp, 200.
Uma vasta pesquisa reúne, em forma de dicionário, o palavrear de Guimarães Rosa. É uma forma de conhecer um pouco mais
sobre a inventividade da linguagem desse grande autor.
Reportagens
Professor Willi Bolle e Ederson Granetto sobre Grande sertão: veredas
FRENTE 2

O professor Willi Bolle, livre-docente da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da USP, conversa com Ederson Granetto a
respeito da obra Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa. Disponível em:
https://tvcultura.com.br/videos/_literatura-fundamental-grande-sertao-veredas-willi-bolle.html. Acesso em:  mar. 022.
Entrevista com Clarice Lispector para a TV Cultura
Clarice pediu que a entrevista, apresentada no ano de  pelo jornalista Júlio Lerner, para a TV Cultura, fosse divulgada após
a sua morte, e assim se fez. O programa foi ao ar dez meses depois de seu falecimento. Disponível em: http://p.ped.com/TCFIM.
Acesso em:  mar. .

177
Filmes
A hora e vez de Augusto Matraga. Direção: Roberto Santos, 966.
O longa-metragem é uma adaptação do conto homônimo de Guimarães Rosa.
A hora da estrela. Direção: Suzana Amaral, 98.
O filme baseia-se no último livro lançado por Clarice Lispector em vida, em . Oito anos depois, sua história é levada ao cinema
e se consagra ao ser premiada nos importantes festivais de Berlim e de Brasília. Disponível em: https://youtu.be/JgN-cEc.
Acesso em:  mar. .
Morte e vida Severina. Produção: TV Escola/OZI/FUNDAJ – Fundação Joaquim Nabuco, 2009.
A adaptação para os quadrinhos da obra-prima de João Cabral de Melo Neto, pelo cartunista Miguel Falcão, é retratada em D,
preservando o texto original e, assim, dando vida às personagens do auto de Natal pernambucano. Lançado em . Disponível
em: https://youtube/clKnAGYgyw. Acesso em:  mar. .
Site
Site oficial do poeta Augusto de Campos
Na página, é possível conhecer a vida e obra do escritor, além de interagir com seus poemas. Disponível em: http://www.
augustodecampos.com.br/home.htm. Acesso em:  mar. .

Exercícios complementares
1. Enem 2014 O correr da vida embrulha tudo. A vida é amor, pela doença ou pela morte, procuram de-
assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega sesperadamente tomar consciência de si mesmas
e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. e buscam o sentido de sua vida”. Como a ausên-
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: cia de Dito desperta a inquietação de Miguilim?
Nova Fronteira, 1986.

No romance Grande sertão: veredas, o protagonista 3. Unesp 2017


Riobaldo narra sua trajetória de jagunço. A leitura do
Quando este(a) autor(a) publicou seu primeiro li-
trecho permite identicar que o desabafo de Riobaldo
vro, duas vertentes assinalavam o panorama da ficção
se aproxima de um(a)
brasileira: o regionalismo e a reação espiritualista. Sua
a) diário, por trazer lembranças pessoais.
obra vai representar uma síntese feliz das duas vertentes.
b) fábula, por apresentar uma lição de moral.
Como regionalista, volta-se para os interiores do país,
c) notícia, por informar sobre um acontecimento. pondo em cena personagens plebeias e “típicas”. Leva a
d) aforismo, por expor uma máxima em poucas sério a função da literatura como documento, ao ponto
palavras. de reproduzir a linguagem característica daquelas para-
e) crônica, por tratar de fatos do cotidiano. gens. Porém, como os autores da reação espiritualista,
descortina largo sopro metafísico, costeando o sobrena-
2. Fuvest-SP 2021 Leia o texto e responda à questão. tural, em demanda da transcendência. No que superou a
ambas, distanciando-se, foi no apuro formal, no caráter
“Só a Rosa parecia capaz de compreender no meio
experimentalista da linguagem, na erudição poliglótica,
do sentir, mas um sentimento sabido e um compreendido
no trato com a literatura universal de seu tempo, de que
adivinhado. Porque o que Miguilim queria era assim como
nenhuma das vertentes dispunha, ou a que não atribuíam
algum sinal do Dito morto ainda no Dito vivo, ou do Dito
importância. E no fato de escrever prosa como quem
vivo mesmo no Dito morto. Só a Rosa foi quem uma vez
escreve poesia – ou seja, palavra por palavra, ou até
disse que o Dito era uma alminha que via o Céu por detrás
fonema por fonema.
do morro, e que por isso estava marcado para não ficar muito
Walnice Nogueira Galvão. “Introdução”, 2000. Adaptado.
tempo mais aqui. E disse que o Dito falava com cada pessoa
como se ela fosse uma, diferente; mas que gostava de to- Esse comentário refere-se a
das, como se todas fossem iguais. E disse que o Dito nunca a) Guimarães Rosa.
tinha mudado, enquanto em vida, e por isso, se a gente b) Clarice Lispector.
tivesse um retratinho dele, podia se ver como os traços c) Euclides da Cunha.
do retrato agora mudavam. Mas ela já tinha perguntado, d) Machado de Assis.
ninguém não tinha um retratinho do Dito. E disse que o e) Graciliano Ramos.
Dito parecia uma pessoinha velha, muito velha em nova.”
João Guimarães Rosa, Campo Geral.
4. Fuvest-SP 2019 (Adapt.) Leia os textos.
a) Sabendo que o quiasmo é uma figura de estilo
– Eu acho que nós, bois, – Dançador diz, com baba
formada por uma dupla antítese cujos termos se
– assim como os cachorros, as pedras, as árvores, somos
cruzam, identifique um exemplo de quiasmo no pessoas soltas, com beiradas, começo e fim. O homem,
texto e explique a sua construção. não: o homem pode se ajuntar com as coisas, se encostar
b) Nas palavras do crítico Paulo Rónai, o escritor nelas, crescer, mudar de forma e de jeito… O homem tem
Guimarães Rosa sonda as suas personagens partes mágicas… São as mãos… Eu sei…
“num momento de crise, quando, acuadas pelo João Guimarães Rosa, “Conversa de bois”. Sagarana.

178 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


Um boi vê os homens perspectiva e a ilusão de espaços que parecem reais. Mas
Tão delicados (mais que um arbusto) e correm é na Renascença, sobretudo na italiana, que a pintura
e correm de um para o outro lado, sempre esquecidos atinge certa emancipação artística, graças a obras de gê-
de alguma coisa. Certamente falta-lhes nios como Leonardo, Michelangelo, Rafael. É o império
não sei que atributo essencial, posto se apresentem da “perspectiva”, considerada por muitos artistas como
nobres mais importante do que a própria luz. Para além das re-
e graves, por vezes. Ah, espantosamente graves, presentações de caráter religioso, as paisagens rurais e
até sinistros. Coitados, dir-se-ia não escutam retratos de pessoas, sobretudo das diferentes aristocracias,
nem o canto do ar nem os segredos do feno, apresentam-se num auge de realismo.
como também parecem não enxergar o que é visível Em passos assim instrutivos, o livro da irmã Wendy
e comum a cada um de nós, no espaço. E ficam tristes vai nos conduzindo por um roteiro histórico da arte da
e no rasto da tristeza chegam à crueldade. pintura e dos sucessivos feitos humanos. Desde um jogo
[...] de boliche numa estalagem até figuras femininas em ativi-
Carlos Drummond de Andrade, “Um boi vê os homens”. Claro enigma. dades domésticas, de um ateliê de ourives até um campo
de batalha, 1tudo vai se oferecendo a novas técnicas, como
Em ambos os textos, o assombro de quem vê decor- a da “câmara escura”, explorada pelo holandês Vermeer,
re das avaliações contrastantes sobre quem é visto. pela qual se obtinha melhor controle da luminosidade
Justique essa armação com base em cada um dos adequada e do ângulo de visão. Entram em cena as no-
textos. vas criações da tecnologia humana: os navios a vapor, os
Leia atentamente o texto a seguir para responder à trens, as máquinas e as indústrias podem estar no centro
das telas, falando do progresso. Nem faltam, obviamente,
questão 5.
os motivos violentos da história: a Revolução Francesa, a
História da pintura, história do mundo sanguinária invasão napoleônica da Espanha (num qua-
O homem nunca se contentou em apenas ocupar dro inesquecível de Goya), escaramuças entre árabes. Em
os espaços do mundo; sentiu logo a necessidade de re- contraste, paisagens bucólicas e jardins harmoniosos des-
presentá-los, reproduzi-los em imagens, formas, cores, filam ainda pelo desejo de realismo e fidedignidade na
desenhá-los e pintá-los na parede de uma caverna, nos representação da natureza.
2
muros, numa peça de pano, de papel, numa tela de mo- Mas sobrevém uma crise do 3realismo, da 4submissão
nitor. Acompanhar a história da pintura é acompanhar um da pintura às formas dadas do mundo natural. Artistas
pouco a história da humanidade. É, ainda, descortinar o como Manet, Degas, Monet e Renoir aplicam-se a um
espaço íntimo, o espaço da imaginação, onde podemos novo modo de ver, pelo qual a imagem externa se sub-
criar as formas que mais nos interessam, nem sempre dis- mete à visão íntima do artista, que a tudo projeta agora
poníveis no mundo natural. Um guia notável para aprender de modo sugestivo, numa luz mais ou menos difusa, apa-
a ler o mundo por meio das formas com que os artistas o nhando uma realidade moldada mais pela impressão da
conceberam é o livro História da Pintura, de uma arguta imaginação criativa do que pelas formas nítidas naturais.
irmã religiosa, da ordem de Notre Dame, chamada Wendy No Impressionismo, 5uma catedral pode ser pouco mais
Beckett. Ensina-nos a ver em profundidade tudo o que os que 6uma grande massa luminosa, 7cujas formas arquite-
pintores criaram, e a reconhecer personagens, objetos, tônicas mais se 8adivinham do que se traçam. Associada
fatos e ideias do período que testemunharam. à Belle Époque, a arte do final do século XIX e início do
A autora começa pela Pré-História, pela caverna sub- XX guardará ainda certa inocência da vida provinciana,
terrânea de Altamira, em cujas paredes, entre 15 000 e no campo, ou na vida mundana dos cafés, na cidade.
12 000 a.C., toscos pincéis de caniços ou cerdas e pó de Desfazendo-se quase inteiramente dos traços dos
ocre e carvão deixaram imagens de bisões e outros ani- impressionistas, artistas como Van Gogh e Cézanne, explo-
mais. E dá um salto para o antigo Egito, para artistas que rando novas liberdades, fazem a arte ganhar novas técnicas
já obedeciam à chamada “regra de proporção”, pela qual e aproximar-se da abstração. A dimensão psicológica do
se garantia que as figuras retratadas − como caçadores artista transparece em seus quadros: o quarto modestíssimo
de aves e mulheres lamentosas no funeral de um faraó − de Van Gogh sugere um cotidiano angustiado, seus campos
se enquadrassem numa perfeita escala de medidas. Já na de trigo parecem um dourado a saltar da tela. A Primeira
Grécia, a pintura de vasos costuma ter uma função nar- Grande Guerra eliminará compreensões mais inocentes
rativa: em alguns notam-se cenas da Ilíada e da Odisseia. do mundo, e o século XX em marcha acentuará as cores
A maior preocupação dos artistas helenísticos era a fide- dramáticas, convulsionadas, as formas quase irreconhecíveis
lidade com que procuravam representar o mundo real, de uma realidade fraturada. O cubismo, o expressionismo
sobretudo em seus lances mais dramáticos, como os das e o abstracionismo (Picasso, Kandinsky e outros) interferem
radicalmente na visão “natural” do mundo.
FRENTE 2

batalhas.
9
A arte cristã primitiva e medieval teve altos momentos, Por outro lado, 10menos libertário, 11doutrinas totali-
desde os consagrados à figuração religiosa nas paredes dos taristas, como a stalinista e a nazifascista, pretenderão que
templos, como as imagens da Virgem e do Menino, até os artistas se submetam às suas ideologias. Já Mondrian
as ilustrações de exemplares do Evangelho, as chamadas fará escola com a geometria das formas, Salvador Dalí
“iluminuras” artesanais. Na altura do século XII, o estilo expandirá o surrealismo dos sonhos, e muitas tendências
gótico se impôs, tanto na arquitetura como na pintura. contemporâneas passam a sofrer certa orientação do mer-
Nesta, o fascínio dos artistas estava em criar efeitos de cado da arte, agora especulada como mercadoria.

179
Em suma, a história da pintura nos 12ensina a enten- muito a passar, mas sempre passa. E você ainda pode
der o que podemos ver do mundo e de nós mesmos. As ter muito pedaço bom de alegria... Cada um tem a sua
peças de um museu parecem estar ali 13paralisadas, 14mas hora e a sua vez: você há de ter a sua.
basta um pouco da nossa atenção a cada uma delas para ROSA, João Guimarães. “A hora e vez de Augusto Matraga”. Sagarana.
que a vida ali contida se manifeste. Com a arte da pintura Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 380.

aprenderam as artes e técnicas visuais do nosso tempo: a [...] Então, Augusto Matraga fechou um pouco os
fotografia, o cinema, a televisão devem muito ao que olhos, com sorriso intenso nos lábios lambuzados de san-
o homem aprendeu pela força do olhar. Novos recursos gue, e de seu rosto subia um sério contentamento.
ampliam ou restringem nosso campo de visão: atualmente Daí, mais, olhou, procurando João Lomba, e disse,
muitos andam de cabeça baixa, apontando os olhos para a agora sussurrando, sumido:
pequena tela de um celular. Ironicamente, alguém pode bai- — Põe a bênção na minha filha..., seja lá onde for
xar nessa telinha “A criação do homem”, que Michelangelo que ela esteja... E, Dionóra... Fala com a Dionóra que
produziu para eternizar a beleza do forro da Capela Sistina. está tudo em ordem!
BATISTA, Domenico, inédito.
Depois morreu.
Idem, p. 413.
5. PUC-Campinas 2016 A linguagem e o universo de
a) O segundo excerto, de certo modo, confirma os di-
Guimarães Rosa na obra-prima que é o romance
tos do padre apresentados no primeiro. Contudo,
Grande sertão: veredas estão em parte caracteriza-
“a hora e a vez” do protagonista não são assegura-
dos no seguinte segmento do texto:
das, segundo a narrativa, pela reza e pelo trabalho.
a) apanhando uma realidade moldada mais pela
impressão da imaginação criativa do que pelas O que lhe garantiu ter “a sua hora e a sua vez”?
formas nítidas naturais. b) “A hora e a vez” de Nhô Augusto relacionam-se
b) o fascínio dos artistas [do estilo gótico] estava em aos encontros que ele tem com outra personagem,
criar efeitos de perspectiva e a ilusão de espaços Joãozinho Bem-Bem, em dois momentos da narra-
que parecem reais. tiva. Em cada um desses momentos, Nhô Augusto
c) as paisagens rurais e retratos de pessoas, sobre- precisa realizar uma escolha. Indique quais são
tudo das diferentes aristocracias, apresentam-se essas escolhas que importam para o processo de
num auge de realismo. transformação da personagem protagonista.
d) paisagens bucólicas e jardins harmoniosos desfi-
lam ainda pelo desejo de realismo e fidedignidade 8. FICSAE-SP 2017
na representação da natureza. As ancas balançam, e as vagas de
e) acentuará as cores dramáticas, convulsionadas, dorsos, das vacas e touros, batendo
as formas quase irreconhecíveis de uma realida- com as caudas, mugindo no meio,
de fraturada. na massa embolada, com atritos de
couros, estralos de guampas, estrondos
6. UFRGS 2014 Considere as seguintes afirmações so- e baques, e o berro queixoso do gado
bre Contos gauchescos, de Simões Lopes Neto, e junqueira, de chifres imensos, com
Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa. muita tristeza, saudade dos campos,
I. Ambos dedicam-se principalmente à narrativa ru- querência dos pastos de lá do sertão...
ral, embora alguns dos Contos gauchescos sejam “Um boi preto, um boi pintado,
ambientados na cidade. Cada um tem sua cor.
II. Os narradores de ambos são homens que, a certa Cada coração um jeito
altura da vida, contam suas memórias a um inter- De mostrar o seu amor.”
locutor externo ao mundo em que vivem. Boi bem bravo, bate baixo, bota baba,
III. Em ambos os livros, está registrada a fala regional boi berrando...
rural das personagens, em contraste com a lin- Dança doido, dá de duro, dá de dentro,
dá direito... Vai,
guagem culta dos narradores.
Vem, volta, vem na vara, vai não volta,
Qual(is) está(ão) correta(s)? vai varando...
a) Apenas II. d) Apenas II e III. “Todo passarinh’ do mato
b) Apenas I e II. e) I, II e III. Tem seu pio diferente.
c) Apenas I e III. Cantiga de amor doído
Não carece ter rompante...”
7. Unicamp-SP 2016 O trecho integra o conto “O burrinho pedrês”, da obra
[...] E, páginas adiante, o padre se portou ainda mais Sagarana, escrita por João Guimarães Rosa. Dele é
excelentemente, porque era mesmo uma brava criatura. correto armar que
Tanto assim, que, na despedida, insistiu: a) descreve o movimento agitado dos bois por meio
— Reze e trabalhe, fazendo de conta que esta vida de uma linguagem construída apenas pelo em-
é um dia de capina com sol quente, que às vezes custa prego abusivo de frases nominais e de gerúndios.

180 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


b) apresenta um jogo entre a forma poética e a pro- O texto comprova isso porque
saica e, em ambos os gêneros, é possível constatar a) se trata de uma prosa poética.
a presença de um ritmo marcado pelo uso de b) revela o pitoresco de uma cidade interiorana.
redondilhas. c) é escrito numa linguagem rica em neologismos.
c) há presença significativa de figuras sonoras, como d) enfoca um tema de caráter intimista e ligado à
as aliterações, que emprestam ao texto ritmo duro condição humana.
e pesado, impedindo a musicalidade e o lirismo e) evidencia um problema de ordem social que atin-
próprios da arte popular. ge os mais pobres.
d) há uma mistura de textos narrativos e textos
poéticos que quebra a sequência do conto e 10. UEM-PR 2017 Assinale o que for correto sobre
oferece ao leitor um texto de duvidosa qualida- Manuelzão e Miguilim, de Guimarães Rosa.
de estética.  Nas duas narrativas que compõem o volume
Manuelzão e Miguilim, encontramos uma lin-
9. Uneb-BA 2014 guagem literária inovadora, com a utilização de
neologismos e com a recuperação (e a revita-
[...] Vinham vindo, com o trazer de comitiva.
Aí, paravam. A filha – a moça – tinha pegado a can- lização) de vocábulos já pertencentes à língua
tar, levantando os braços, a cantiga não vigorava certa, portuguesa, em um procedimento que é uma das
nem no tom nem no se-dizer das palavras – o nenhum. marcas registradas de Guimarães Rosa.
A moça punha os olhos no alto, que nem os santos e os  Em Manuelzão e Miguilim há utilização de ele-
espantados, vinha enfeitada de disparates, num aspec- mentos naturais (tais como a fauna e a flora) que,
to de admiração. Assim com panos e papéis, de diversas embora tragam consigo muito da cor local do
cores, uma carapuça em cima dos espantados cabelos, e espaço das narrativas, abrem-se para uma inter-
enfunada em tantas roupas ainda de mais misturas, tiras pretação universalizante capaz de ultrapassar as
e faixas, dependuradas – virundangas: matéria de maluco. fronteiras brasileiras em termos de significado e
A velha só estava de preto, com um fichu preto, ela batia de capacidade de representação.
com a cabeça, nos docementes. Sem tanto que diferentes,  Dito, irmão mais velho do protagonista de “Uma
elas se assemelhavam. história de amor”, representa o homem em estado
Soroco estava dando o braço a elas, uma de cada de natureza, praticamente selvagem, sendo um
lado. Em mentira, parecia entrada em igreja, num casório. dos marcos do neoindianismo que é atribuído a
Era uma tristeza. Parecia enterro. Todos ficavam de parte, Guimarães Rosa em sua fase que antecede seus
a chusma de gente não querendo afirmar as vistas, por grandes romances urbanos.
causa daqueles trasmodos e despropósitos, de fazer risos,  Em uma relação repleta de reviravoltas, Tio Terêz
e por conta de Soroco – para não parecer pouco caso. Ele inicialmente desperta a antipatia da personagem
hoje estava calçado de botinas, e de paletó, com chapéu
Miguilim, situação esta que se transforma em de-
grande, botara sua roupa melhor, os maltrapos. E estava
finitivo apenas ao fim da narrativa, quando, ao
reportado e atalhado, humildoso. Todos diziam a ele seus
presentear o menino com um par de óculos, abre
respeitos, de dó. Ele respondia: — “Deus vos pague essa
para ele as perspectivas da educação e da cultura.
despesa...”.
 Manuelzão, de presença marcante também
O que os outros diziam: que Soroco tinha tido muita
paciência. Sendo que não ia sentir falta dessas transtorna- no enredo de “Campo geral”, contrasta com
das pobrezinhas, era até um alívio. [...] os demais personagens ao se caracterizar
Tomara aquilo acabasse. O trem chegando, a máquina como o intelectual por excelência, sendo a re-
manobrando sozinha para vir pegar o carro. O trem apitou, presentação do filósofo humanista, inclusive
e passou, se foi, o de sempre. [...] distinguindo-se pelo fato de possuir educação
Ele se sacudiu, de um jeito arrebentado, desaconte- formal avançada.
cido, e virou, pra ir-s’embora. Estava voltando para casa, Soma:
como se estivesse indo para longe, fora de conta.
Mas parou. Em tanto que se esquisitou, parecia que ia Para responder às questões 11 a 13, leia o trecho do
perder o de si, parar de ser. Assim num excesso de espírito, romance Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa.
fora de sentido. E foi o que não se podia prevenir: quem Sei que estou contando errado, pelos altos. Desemendo.
ia fazer siso naquilo? Num rompido – ele começou a can- Mas não é por disfarçar, não pense. De grave, na lei do
tar, alterando, forte, mas sozinho para si-e era a cantiga, comum, disse ao senhor quase tudo. Não crio receio.
FRENTE 2

mesma de desatino, que as duas tanto tinham cantado. O senhor é homem de pensar o dos outros como sendo o
Cantava continuando. seu, não é criatura de pôr denúncia. E meus feitos já revo-
ROSA, João Guimarães. “Sorôco, sua mãe, sua filha”. Primeiras estórias.
garam, prescrição dita. Tenho meu respeito firmado. Agora,
4. ed. Rio de Janeiro: José Olyimpio. s.d. p. 16-8.
sou anta empoçada, ninguém me caça. Da vida pouco me
Guimarães Rosa, escritor inserido na chamada resta – só o deo-gratias; e o troco. Bobeia. Na feira de São
Geração de 1945 – Modernismo brasileiro –, apresen- João Branco, um homem andava falando: — “A pátria não
ta uma obra de cunho universalista. pode nada com a velhice...” Discordo. A pátria é dos velhos,

181
mais. Era um homem maluco, os dedos cheios de anéis Isto tudo que estou escrevendo é tão quente como um
velhos sem valor, as pedras retiradas – ele dizia: aqueles ovo quente que a gente passa depressa de uma mão para
todos anéis davam até choque elétrico... Não. Eu estou a outra e de novo da outra para a primeira a fim de não
contando assim, porque é o meu jeito de contar. Guerras se queimar – já pintei um ovo. E agora como ria pintura
e batalhas? Isso é como jogo de baralho, verte, reverte. Os só digo: ovo e basta.
revoltosos depois passaram por aqui, soldados de Prestes,
vinham de Goiás, reclamavam posse de todos os animais Leia as seguintes armações sobre os segmentos e
de sela. Sei que deram fogo, na barra do Urucuia, em São a autora.
Romão, aonde aportou um vapor do Governo, cheio de I. Clarice Lispector é a grande representante da
tropas da Bahia. Muitos anos adiante, um roceiro vai lavrar narrativa intimista brasileira, com sua prosa que
um pau, encontra balas cravadas. O que vale, são outras explora a subjetividade, a partir do eu que absor-
coisas. A lembrança da vida da gente se guarda em trechos ve os temas do mundo.
diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns com II. O enredo, na narrativa, está a serviço das re-
os outros acho que nem não misturam. Contar seguido, flexões e dos sentimentos, motivo pelo qual é
alinhavado, só mesmo sendo as coisas de rasa importância. possível chamá-la de prosa poética.
De cada vivimento que eu real tive, de alegria forte ou III. A narradora tem consciência da limitação da pala-
pesar, cada vez daquela hoje vejo que eu era como se fosse vra para representar a complexidade da vida e do
diferente pessoa. Sucedido desgovernado. Assim eu acho, mundo, por isso se contenta com a palavra míni-
assim é que eu conto. [...] Tem horas antigas que ficaram ma/a palavra básica.
muito mais perto da gente do que outras, de recente data.
O senhor mesmo sabe. Qual(is) está(ão) correta(s)?
Grande sertão: veredas, 2015. a) Apenas I.
b) Apenas II.
11. Unesp 2021 No texto, o narrador c) Apenas I e II.
a) sugere que a narração de eventos significativos d) Apenas I e III.
não permite uma visão abrangente da vida. e) I, II e III.
b) admite que sua narrativa sinuosa visa confundir e
enganar o seu interlocutor. 15. Udesc 2014 Analise as proposições em relação à
c) sugere que a narração de eventos significativos obra A hora da estrela, Clarice Lispector.
não cabe em uma narrativa linear. I. O tempo na obra é o psicológico, pois há uma aná-
d) alega que sua narrativa linear busca conferir coe- lise mais aprofundada das personagens que revela,
rência e sentido a uma vida de desacertos. por meio da narrativa interior, o fluxo da consciência.
e) alega que uma narrativa sinuosa conduz a uma II. A leitura da obra leva o leitor a inferir que, ao ser
compreensão limitada da existência. atropelada, Macabéa descobre a sua essência,
desvelando a situação paradoxal de que ela só
nasce, ou seja, só chega a ter consciência de si
12. Unesp 2021 No trecho “O senhor é homem de pensar
mesma, na hora da sua morte.
o dos outros como sendo o seu, não é criatura de pôr
III. Da leitura da obra infere-se que o fato de a au-
denúncia”, o narrador caracteriza seu interlocutor como
tora ter criado um personagem-narrador foi para
a) desrespeitoso.
que ele relatasse a história com sentimentalismo,
b) distraído.
descrevesse Macabéa com ternura e desse a ela
c) presunçoso.
um final feliz.
d) indulgente.
IV. Toda a narrativa é entrecortada pela metalin-
e) perseverante.
guagem: é o narrador, Rodrigo S. M., tecendo
ponderações em relação à posição e ao papel
13. Unesp 2021 O evento histórico mencionado no texto que o escritor ocupa na sociedade e, principal-
está relacionado mente, sobre o ato de escrever.
a) à Revolta da Chibata. V. Infere-se da leitura da obra que os apelos do
b) à Revolta da Armada. mundo midiático afastavam os pensamentos de
c) ao Cangaço. Macabéa sobre a sua triste condição de sobrevi-
d) ao Abolicionismo. vente no mundo. Era por meio da Rádio Relógio
e) ao Tenentismo. que ela contava as horas, os minutos, os segundos,
sem música para nutrir seus impossíveis sonhos.
14. UFRGS 2015 Considere os segmentos a seguir, Assinale a alternativa correta.
retirados de Água viva, de Clarice Lispector. a) Somente as afirmativas II e IV são verdadeiras.
Sei que depois de me leres é difícil reproduzir de b) Somente as afirmativas I, III e V são verdadeiras.
ouvido a minha música, não é possível cantá-la sem tê-la c) Somente as afirmativas II e III são verdadeiras.
decorado. E corno decorar uma coisa que não tem história? d) Somente as afirmativas I, II, IV e V são verdadeiras.
[...] e) Somente as afirmativas I, IV e V são verdadeiras.

182 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


16. UFRGS 2017 (Adapt.) Assinale a alternativa correta A experiência de impessoalidade e que
sobre a obra A hora da estrela, de Clarice Lispector. caracterizam Macabéa evidenciam existen-
a) Um dos aspectos mais marcantes de A hora da tes entre a protagonista e aquele que conduz o relato, ao
estrela é o caráter metaficcional da narrativa. mesmo tempo em que sensibilizam este último e o levam a
b) Rodrigo S. M. sente-se à vontade para narrar a his- tentar transpor da moça, exprimindo a situa-
tória de Macabéa. ção enfrentada por ela. Essa tentativa deverá
c) Macabéa tem laços fortes de amizade e compa- da personagem, à medida que inscrever, na história dela,
os espantos que experimenta na condição de narrador e
nheirismo com todos que a cercam.
que, inevitavelmente, atravessarão a sua escrita.
d) Macabéa é a típica moradora da zona sul do Rio
de Janeiro, com seu jeito indolente e descontraído. a) a alienação / as diferenças / a incapacidade /
e) Macabéa transforma-se em uma cantora promis- aproximá-lo.
sora, que se apresenta na Rádio Minuto. b) a alienação / as diferenças / a revolta / aproximá-lo.
c) a alienação / as semelhanças / a revolta / aproximá-lo.
17. EsPCEx-SP 2013 Leia o trecho a seguir: d) a alienação / as diferenças / a revolta / distanciá-lo.
Não tenho uma palavra a dizer. Por que não me calo, e) o conformismo / as semelhanças / a incapacidade
então? Mas se eu não forçar a palavra a mudez me engol- / distanciá-lo.
fará para sempre em ondas. A palavra e a forma serão a
tábua onde boiarei sobre vagalhões de mudez. 20. Enem 2017
O fragmento, extraído da obra de Clarice Lispector, Declaração de amor
apresenta Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa.
a) uma reflexão sobre o processo de criação literária. Ela não é fácil. Não é maleável. [...] A língua por-
b) uma postura racional, antissentimental, triste e re- tuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve.
corrente na literatura dessa fase. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das
c) traços visíveis da sensibilidade, característica pre- pessoas a primeira capa de superficialismo.
sente na a fase modernista. Às vezes ela reage diante de um pensamento mais
d) a visão da autora, sempre preocupada com o va- complicado. Às vezes se assusta com o imprevisível de
lor da mulher na sociedade. uma frase. Eu gosto de manejá-la – como gostava de estar
e) exemplos de neologismo, característica comum montada num cavalo e guiá-lo pelas rédeas, às vezes a
galope. Eu queria que a língua portuguesa chegasse ao
na a fase modernista.
máximo em minhas mãos. E este desejo todos os que es-
crevem têm. Um Camões e outros iguais não bastaram
18. UEL-PR 2020 Leia o trecho a seguir. para nos dar para sempre uma herança de língua já feita.
Não se arrependeu um só instante de ter rompido Todos nós que escrevemos estamos fazendo do túmulo do
com Macabéa pois seu destino era o de subir para um dia pensamento alguma coisa que lhe dê vida.
Essas dificuldades, nós as temos. Mas não falei do
entrar no mundo dos outros. Ele tinha fome de ser outro.
encantamento de lidar com uma língua que não foi apro-
LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. 10. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1984. p. 75. fundada. O que recebi de herança não me chega.
Se eu fosse muda e também não pudesse escrever,
Com base no trecho, assinale a alternativa correta. e me perguntassem a que língua eu queria pertencer, eu
a) Olímpico rompera com Macabéa, pois havia re- diria: inglês, que é preciso e belo. Mas, como não nasci
cebido uma proposta de trabalho vantajosa e muda e pude escrever, tornou-se absolutamente claro para
precisaria morar em outra cidade. mim que eu queria mesmo era escrever em português. Eu
b) O fim do namoro entre Olímpico e Macabéa evi- até queria não ter aprendido outras línguas: só para que
dencia a ambição do rapaz em contraste com a a minha abordagem do português fosse virgem e límpida.
estagnação da protagonista. LISPECTOR, C. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. (Adapt.).

c) Olímpico abandonou Macabéa porque tentara O trecho em que Clarice Lispector declara seu amor
fazer sexo com ela, mas, diante dos pudores da pela língua portuguesa, acentuando seu caráter patri-
moça, perdeu o interesse no relacionamento. monial e sua capacidade de renovação, é:
d) O término do namoro deixa Macabéa tão trans- a) “A língua portuguesa é um verdadeiro desafio
tornada que, ao correr de volta para casa, é para quem escreve”.
atropelada por um automóvel e acaba morrendo. b) “Um Camões e outros iguais não bastaram para nos
e) Olímpico desistiu de Macabéa porque pouco an- dar para sempre uma herança de língua já feita”.
FRENTE 2

tes conhecera Glória, que, em suas estratégias de c) “Todos nós que escrevemos estamos fazendo do tú-
sedução, prometera fazer dele um deputado. mulo do pensamento alguma coisa que lhe dê vida”.
d) “Mas não falei do encantamento de lidar com uma
19. UPF-RS 2019 Considerando o fragmento transcrito de língua que não foi aprofundada”.
A hora da estrela e o romance como um todo, as- e) “Eu até queria não ter aprendido outras línguas:
sinale a alternativa cujas informações preenchem só para que a minha abordagem do português
corretamente as lacunas do enunciado a seguir. fosse virgem e límpida”.

183
21. UPF-RS 2017 No desfecho de A hora da estrela, de [...] Numa das brincadeiras de “essa casa é minha”,
Clarice Lispector, a personagem Macabéa sofre um paramos diante de uma que parecia um pequeno castelo.
atropelamento e morre. Em relação a esse desfecho, No fundo via-se o imenso pomar. E, à frente, em canteiros
apenas é incorreto afirmar que: bem ajardinados, estavam plantadas as flores.
a) Após a cena do atropelamento, ao longo de vá- LISPECTOR, Clarice. “Cem anos de perdão”. Felicidade clandestina.
Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 60.
rias páginas, revela-se não apenas a indecisão
do narrador, Rodrigo S. M., quanto ao destino A narrativa de cção joga com sentidos duplos e -
que dará à sua protagonista, como também sua gurados e explora as variadas possibilidades da
relutância em anunciar a morte de Macabéa ao linguagem. Na obra de Clarice Lispector, para atingir
leitor. uma maior expressividade na construção do texto,
b) Ao final de sua agonia, Macabéa profere uma última destaca-se ainda a epifania.
e enigmática frase, “— Quanto ao futuro”, justamen- Considerando-se o conceito de epifania na obra des-
te um dos doze títulos alternativos que figuram no sa autora, pode-se ler o conto “Cem anos de perdão”
início do romance, junto ao título A hora da estrela. como
c) Por amarga ironia, Macabéa, que nunca desperta- a) antítese do prazer da criança que desvela, por
ra atenção maior das outras pessoas ao longo de meio do ato de roubar, as possibilidades da
toda a sua vida, encontra a sua “hora de estrela” transgressão das rígidas normas impostas pela
no momento de morrer, ao se ver cercada por vá- sociedade, mas que sofre de forma antecipada
rios desconhecidos que espiam seu corpo caído devido à possibilidade da punição.
no meio da rua. b) metáfora da passagem da infância para a adoles-
d) Após o atropelamento, Macabéa se entrega, re- cência, uma vez que a descoberta dos grandes
signada, à morte, pois em momento algum dera jardins com suas rosas e pitangas acena, figura-
crédito às fantasiosas promessas de felicidade tivamente, para a descoberta do erotismo e da
futura que madama Carlota, a cartomante, lhe sexualidade.
acabara de fazer. c) alegoria da dor da criança pobre que, ao andar
e) A narrativa de Lispector estabelece um diálogo inter- pelas ruas ricas do espaço urbano, percebe a
textual com o conto “A cartomante”, de Machado desigualdade social de Recife, o que autoriza e
de Assis, no qual também há uma personagem legitima o ato de roubar.
que, logo após visitar uma cartomante e receber d) metonímia do mal que se manifesta, de forma
dela vaticínios auspiciosos, encontra a morte. inofensiva, nas crianças, por meio do roubo de
rosas e de pitangas, mas que na vida adulta se
22. UFU-MG 2016 Na obra Felicidade clandestina, de manifestará em atos e atitudes que prejudicarão
Clarice Lispector, há contos em que crianças são pro- a sociedade.
tagonistas, ora diante de situações densas, ora leves,
com suas alegrias e tristezas na relação com o outro.
24. PUC-PR 2015 No conto “Felicidade clandestina”, de
Nessa tessitura, o fio condutor do conto
Clarice Lispector, a protagonista termina a narrativa
a) “Miopia progressiva” indica a manipulação das
com a seguinte frase:
coisas e das pessoas por parte do protagonista
para garantir a sua entrada no mundo adulto. Não era mais uma menina com um livro: era uma
b) “Restos de Carnaval” destaca o desejo da per- mulher com o seu amante.
sonagem menina de divertir-se como centro das LISPECTOR, Clarice. “Felicidade clandestina”.
Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
atenções na festa de momo.
c) “Tentação” evidencia a importância do olhar entre Com base nessa frase, assinale a alternativa correta.
os protagonistas para representar a comunicação a) A autora expressa que a menina cresceu e não
entre eles. se interessou mais pelo livro porque tem um
d) “Come, meu filho” prioriza o discurso autoritário da amante.
mãe para contrapor-se ao fluxo de consciência b) Clarice Lispector expressa que a menina já não
do filho. se interessa mais pelo livro, e que a felicidade
clandestina se realizou no momento em que o
23. UFU-MG 2016 conseguiu.
c) Clarice Lispector expressa a relação entre a infân-
Havia em Recife inúmeras ruas, as ruas dos ricos,
ladeadas por palacetes que ficavam no centro de gran- cia e a vida adulta da protagonista.
des jardins. Eu e uma amiguinha brincávamos muito de d) Clarice Lispector expressa a troca do livro por um
decidir a quem pertenciam os palacetes. “Aquele branco amante.
é meu.” “Não, eu já disse que os brancos são meus.” e) A autora define com uma metáfora o que é feli-
“Mas esse não é totalmente branco, tem janelas verdes.” cidade clandestina, já que uma mulher ao ter um
Parávamos às vezes longo tempo, a cara imprensada nas amante vive situações de perigo, mas que lhe
grades, olhando. proporcionam felicidade.

184 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


25. UEM-PR 2015 Assinale o que for correto em relação 2. UPF-RS 2015 Nos contos de Laços de família, de
aos contos de Laços de família, de Clarice Lispector: Clarice Lispector, o foco narrativo
 Os contos têm em comum, além dos sentimentos ajusta-se perfeitamente à representação dos conflitos
de ódio e desesperança que desfazem relações internos das personagens, quase sempre desenca
familiares, provocando conflitos interiores nas deados por
personagens, uma voz narradora em primeira Assinale a alternativa que preenche corretamente as
pessoa, o que comprova o caráter autobiográfico lacunas da armação anterior.
da obra, a aproximação dos fatos relatados à vida a) do narrador-protagonista / casos de infidelidade
pessoal da escritora. conjugal.
 O conto “Uma galinha”, embora seja indicado a lei- b) da onisciência seletiva / pequenos incidentes do
tores adultos, traz elementos que o caracterizam cotidiano.
como conto de fadas: inicia-se com a expressão c) do “eu” como testemunha / disputas fratricidas
própria dessa modalidade narrativa – “Era uma pela herança paterna.
galinha de domingo” –; é marcado pela presença d) do narrador-protagonista / pequenos incidentes
do maravilhoso, pois, ao botar um ovo, a galinha é do cotidiano.
poupada de ser morta; e apresenta um final feliz – e) do “eu” como testemunha / casos de infidelidade
“A galinha tornara-se a rainha da casa. Todos, me- conjugal.
nos ela, o sabiam”.
4 Em “Amor”, a personagem Ana, mulher tranquila 27. UPF-RS 201 Leia as seguintes afirmações sobre a
e realizada em seu cotidiano familiar, depara-se obra Laços de família de Clarice Lispector.
com um cego mascando chicletes em uma parada I. O ponto de partida do conto “Amor” é a presen-
de ônibus. Trata-se do momento máximo de ten- ça de uma personagem que não quer, de modo
são narrativa, o clímax, uma vez que essa visão algum, escapar da sua mediocridade confortável.
provoca a ruptura entre a personagem e a sua re- II. No conto “A galinha”, o animal está prestes a ser
alidade estável (“Ela apaziguara tão bem a vida, devorado em um almoço de domingo, quando,
cuidara tanto para que esta não explodisse. [...]. de súbito, retoma o seu gosto selvagem de luta
E um cego, mascando goma, despedaçava tudo e foge.
isso?” [p. 27]). Esse momento, ainda que seja o clí- III. O narrador, no conto “Feliz aniversário”, relata a
max da narrativa, não é o seu desfecho, pois, ao imensa e sincera alegria dos parentes da velha
retornar à casa, Ana reencontra a estabilidade nos aniversariante durante a comemoração dos seus
braços do marido. 89 anos.
 O conto “O búfalo” narra uma situação de amor IV. No conto “A imitação da rosa”, a personagem
e ódio. No zoológico, a personagem busca uma procura com toda minúcia tornar à posição de es-
identificação com os animais, que não se realiza: posa exemplar.
diante do leão, sente-se impotente, uma vez que Está correto apenas o que se arma em:
ele demonstra felicidade; a girafa, o hipopótamo, a) I e II.
o elefante e as outras espécies visitadas também b) I e III.
não demonstram insatisfação com suas existên- c) II e III.
cias. Frente ao búfalo, porém, a identificação d) II, III e IV.
torna-se possível e o instinto de morte apode- e) I, II e IV.
ra-se dela: “Presa como se sua mão se tivesse
grudado para sempre ao punhal que ela mesma
28. UPE 2015 Machado de Assis, Guimarães Rosa e
cravara. Presa, enquanto escorregava enfeitiçada
Clarice Lispector são romancistas e contistas, cujas
ao longo das grades. Em tão lenta vertigem que
narrativas apresentam observações profundas do
antes do corpo humano baquear macio a mulher
comportamento humano. Sobre esse tema, coloque V
viu o céu inteiro e um búfalo” (p.135).
nas afirmativas verdadeiras e F nas falsas.
6 As personagens de Clarice Lispector, na obra em
Em Dom Casmurro, conto da primeira fase da
foco, mostram-se em constante processo de au-
obra machadiana, há uma análise minuciosa do
toanálise e reconstrução do próprio “eu”, aspecto
comportamento da mulher pertencente à classe
que impossibilita o reconhecimento do ambiente
burguesa, pois Capitu se apresenta como per-
histórico-social brasileiro na estrutura das nar- sonagem ambígua e interesseira, que não mede
FRENTE 2

rativas. A concentração das preocupações da esforços para dilapidar o patrimônio do marido, tal
autora nas emoções interiores das personagens como acontece no capítulo Libras esterlinas.
impede o afloramento, nos contos, de questões Laços de família é uma coletânea de Clarice
como o papel da mulher, o racismo, o preconceito, Lispector, composta por  contos que, na maioria,
a violência social, entre outras. Trata-se, portanto, possuem como protagonistas personagens femi-
de uma literatura alienada e alienante. ninas, tomando-se como exemplo Ana, no conto
Soma: Amor, e Dona Anita, em Feliz aniversário. Nas duas

185
narrativas, elas são idosas e lamentam só terem
descoberto a si mesmas em idade avançada.
Primeiras histórias, de Guimarães Rosa e Laços
de família, de Clarice Lispector demonstram a
preocupação de seus autores com a linguagem,
característica peculiar à produção literária tanto do
escritor mineiro quanto da autora brasileira, assim
considerada, apesar de ter nascido na Ucrânia.
Dom Casmurro, de Machado de Assis, Famige-
rado, de Guimarães Rosa, e Uma galinha, de
Clarice Lispector são três narrativas que têm por
narradores-personagens Dom Casmurro, a galinha
e Famigerado. Por essa razão, os três relatos são
protagonizados por guras ambíguas, resultantes
do comprometimento dos personagens-narradores.
Em Dom Casmurro, são narrados acontecimentos que
se passam no Rio de Janeiro; o mesmo fato ocorre no
conto Amor, cuja personagem Ana é identicada por FRANCO, Siron. O aliado (1978), Óleo sobre tela. Disponível em: http://
um substantivo que, ao sofrer inversão, mantém-se enciclopedia.itaucultural.org.br/obra12757/o-aliado. Acesso em: 24 ago. 2017.
inalterado, pois nada se lhe modica. Já em A menina
Um galo sozinho não tece uma manhã:
de lá, o espaço é um lugar que “cava para trás da
ele precisará sempre de outros galos.
Serra do Mim, quase no meio de um brejo de água De um que apanhe esse grito que ele
limpa, lugar chamado o Temor-de-Deus”. e o lance a outro; de um outro galo
Assinale a alternativa que contém a sequência que apanhe o grito de um galo antes
CORRETA. e o lance a outro; e de outros galos
a) F – F – F – F – F que com muitos outros galos se cruzem
b) F – F – V – F – V os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
c) V – V – V – F – F
se vá tecendo, entre todos os galos.
d) F – F – V – V – V
e) V – F – V – F – V
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
29. Unicamp-SP 2017 No conto “Amor”, de Clarice Lispector, se entretendo para todos, no toldo
após ver um cego mascando chicletes, a personagem (a manhã) que plana livre de armação.
passa por uma situação que, segundo o narrador, ela A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
própria chama de “crise”: que, tecido, se eleva por si: luz balão.
MELO NETO, João Cabral de. Tecendo a manhã. Disponível em: www.
O que chamava de crise viera afinal. E sua marca era jornaldepoesia.jor.br/joao02.html. Acesso em: 24 ago. 2017.
o prazer intenso com que olhava agora as coisas, sofrendo
espantada. O calor se tornara mais abafado, tudo tinha
30. UEG-GO 2018 A leitura da pintura e do poema permi-
ganho uma força e vozes mais altas.
te que se entreveja a importância da
LISPECTOR, Clarice. Laços de família. Rio de Janeiro:
Rocco, 2009. p. 23. a) expectativa de pessoas e animais que anseiam
pela construção de um mundo melhor.
Essa crise, que transforma a relação da personagem b) solidariedade e da comunicação para a constru-
com o mundo e com a família, ção de vínculos e de novas realidades.
a) nasce do colapso da vontade de viver da perso- c) ênfase a sentidos que se estabelecem por meio
nagem, em razão do doloroso prazer com que do isolamento individual.
passou a ver as coisas. d) indiferença e da informação para constituir narra-
b) revela o conflito vivido pela personagem entre o tivas ficcionais de caráter social.
tipo de vida que havia escolhido e as coisas que e) caracterização literal de figuras cujo retrato meta-
passou a desejar. foriza o desencontro entre os seres.
c) constitui, para a personagem, uma alteração no
modo de vida que antes a fazia sofrer e do qual
31. UEG-GO 2018 O poema apresenta uma linguagem
agora havia se libertado.
permeada de aliterações e assonâncias, o que lhe
d) remete à excitação da personagem por ter con-
confere mais musicalidade, ao passo que a pintura
seguido harmonizar sua antiga vida com os novos
apresenta traços de uma estética
desejos e sensações.
a) expressionista. d) dadaísta.
Observe a imagem e leia o poema a seguir para res- b) impressionista. e) cubista.
ponder às questões. c) fauvista.

18 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


32. Fuvest-SP 2021 (mais que bicho, como mulher)
usar com malícia e atenção
Psicanálise do açúcar dando aos pés astúcia de mão.
O açúcar cristal, ou açúcar de usina, MELO NETO, João Cabral de. Obra completa. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 1992. p. 407.
mostra a mais instável das brancuras:
quem do Recife sabe direito a quanto, O poema de João Cabral de Melo Neto estabelece
e o pouco desse quanto, que ela dura. uma comparação que se fundamenta:
Sabe o mínimo do pouco que o cristal a) na personificação da bola para aproximá-la da
se estabiliza cristal sobre o açúcar, imagem de um ser vivo.
por cima do fundo antiga, de mascavo, b) na relação entre o uso do touro em esportes na
do mascavo barrento que se incuba; Europa e a bola como utensílio doméstico.
e sabe que tudo pode romper o mínimo c) na representação da figura feminina, que é iguala-
em que o cristal é capaz de censura: da a um objeto ou um bicho.
pois o tal fundo mascavo logo aflora d) na diferença entre o estilo do futebol europeu e
quer inverno ou verão mele o açúcar. o do brasileiro.
Só os que-ainda purgam ainda e) na ideia de que o futebol é um esporte sedutor
o açúcar bruto com barro, de mistura;
através da referência à malícia e à mulher.
a usina já não a purga: da infância,
não de depois de adulto, ela o educa; 3. ITA-SP 2015 O poema a seguir, de João Cabral de
em enfermarias, c\om vácuos e turbinas, Melo Neto, integra o livro A escola das facas.
em mãos de metal de gente indústria, A voz do canavial
a usina o leva a sublimar em cristal Voz sem saliva da cigarra,
o pardo do xarope: não o purga, cura. do papel seco que se amassa,
Mas como a cana se cria ainda hoje, de quando se dobra o jornal:
em mãos de barro de gente agricultura, assim canta o canavial,
o barrento da pré-infância logo aflora ao vento que por suas folhas,
quer inverno ou verão mele o açúcar. de navalha a navalha, soa,
vento que o dia e a noite toda
João Cabral de Melo Neto, A Educação pela Pedra.
o folheia, e nele se esfola.
Sobre o poema, é incorreto armar que a descrição
a) compara o som das folhas do canavial com o da
cigarra.
b) põe em relevo a rusticidade da plantação de
Os últimos quatro versos do poema rompem com a cana-de-açúcar.
série de contrapontos entre a usina e o banguê, pois c) destaca o som do vento que passa pela plantação.
a) negam haver diferença química entre o açúcar d) associa o som do canavial com o amassar das fo-
cristal e o açúcar mascavo. lhas de papel.
b) esclarecem que a aparência do açúcar varia com e) faz do vento a navalha que corta o canavial.
a espécie de cana cultivada.
c) revelam que na base de toda empresa açucareira
35. UPE 2015 Em relação a Morte e vida severina, de
está o trabalhador rural.
João Cabral de Melo Neto, coloque V para as afirma-
d) denunciam a exploração do trabalho infantil nos
tivas verdadeiras e F para as falsas.
canaviais nordestinos.
e) explicam que a estação do ano define em qual- Trata-se do relato da história de um retirante que,
quer processo o tipo de açúcar. tomando como modelo Vidas secas, deixa seu
torrão natal e vai para a metrópole em busca de
33. UFJF/Pism-MG 2015 melhor qualidade de vida. Assim, Severino, prota-
gonista do Auto de Natal pernambucano, chega a
O futebol brasileiro evocado da Europa Recife e consegue ascender socialmente, pois é
A bola não é inimiga contratado para trabalhar em uma fábrica atingindo
como o touro, numa corrida; seus objetivos.
FRENTE 2

e embora seja um utensílio Integra o texto cabralino uma cena intitulada “Fu-
caseiro e que não se usa sem risco, neral do lavrador”, composta por redondilhas, a
não é o utensílio impessoal, qual foi musicada por Chico Buarque de Holanda,
sempre manso, de gesto usual: na década de 0, momento de plena ditadura.
é um utensílio semivivo, Contudo, o texto não sofreu nenhuma censura do
de reação própria como bicho, sistema constituído, por não apresentar ideologia,
e que, como bicho, é mister na época, considerada subversiva.

187
Morte e vida severina segue a estrutura de um auto. (palavras confeito, pílula), na glace
Como romance que é, em treze capítulos, a per- de uma entonação lisa, de adocicada.
sonagem central desloca-se da Serra da Costela, Enquanto que sob ela, dura e endurece
situada no interior de Alagoas, vem margeando o o caroço de pedra, a amêndoa pétrea,
Rio Capibaribe, chega ao Recife, onde se encontra dessa árvore pedrenta (o sertanejo)
com Mestre Carpina. incapaz de não se expressar em pedra.
O texto de João Cabral é composto por versos 2
metricados, redondilhas, em uma perfeita harmo- Daí por que o sertanejo fala pouco:
nia entre a personagem e a linguagem, peculiar as palavras de pedra ulceram a boca
à literatura popular desde os autos do teatrólogo e no idioma pedra se fala doloroso;
português Gil Vicente até a atualidade.
o natural desse idioma fala à força.
Nos versos: “E se somos Severinos / iguais em tudo
Daí também por que ele fala devagar:
na vida, / morremos de morte igual, / mesma mor-
tem de pegar as palavras com cuidado,
te severina: / que é a morte de que se morre / de
confeitá-las na língua, rebuçá-las;
velhice antes dos trinta”, encontramos o uso de ali-
pois toma tempo todo esse trabalho.
terações que trazem musicalidade ao texto. Além
disso, a palavra severina exerce uma função adje- Assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) as seguintes
tiva, pois qualica o substantivo “morte” de modo armações sobre o poema.
criativo e inusitado. O eu lírico do poema é o próprio sertanejo que re-
Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta. ete sobre sua forma de falar.
a) F – F – F – V – V d) V – F – V – F – V A ideia dos quatro primeiros versos da primeira es-
b) V – V – V – F – V e) V – V – V – F – F trofe é retomada nos quatro últimos da segunda;
c) V – V – F – F – V neles, é descrita a melodia aparentemente doce da
fala do sertanejo.
3. UFRGS 2020 Leia o fragmento da canção Funeral de Os quatro últimos versos da primeira estrofe estão
um lavrador, feita por Chico Buarque de Holanda, em relacionados aos quatro primeiros da segunda; ne-
6, a partir da obra Morte e vida Severina (Auto de les, é descrita a essência rude do falar sertanejo.
Natal pernambucano), de João Cabral de Melo Neto. O sertanejo falando opõe-se aos demais poemas
de A educação pela pedra; nele, João Cabral de
É uma cova grande pra tua carne pouca
Melo Neto apresenta um rigor formal, uma preo-
Mas a terra dada, não se abre a boca
É a conta menor que tiraste em vida cupação com a estrutura do poema, ausente no
É a parte que te cabe deste latifúndio restante do livro.
É a terra que querias ver dividida A sequência correta de preenchimento, de cima para
Estarás mais ancho que estavas no mundo baixo, é
Mas a terra dada, não se abre a boca a) V – V – V – F
Considere as armações abaio, sobre o fragmento. b) F – V – F – V
I. O tema da reforma agrária, recuperado por Chico c) V – F – V – V
Buarque de Holanda, também está presente no d) F – F – F – V
Auto de João Cabral de Melo Neto. e) F – V – V – F
II. A magreza do lavrador faz a cova parecer um
latifúndio.
38. PUC-Campinas 2015 No imediato pós-guerra, pre-
III. A morte, para o lavrador pobre, parece ser mais
cisamente no ano de 4, um grupo de poetas − a
vantajosa do que a miséria em vida.
chamada geração de 4 – acabou se caracterizando
Quais estão corretas? por abraçar
a) Apenas I. a) uma recomposição de valores estéticos clássicos
b) Apenas II. e tradicionais, em reação a teses centrais do Mo-
c) Apenas III. dernismo de 22.
d) Apenas II e III. b) manifestos e programas de tendências várias da
e) I, II e III. vanguarda europeia.
c) uma nova onda nacionalista, da qual emergi-
37. UFRGS 201 (Adapt.) Leia o poema a seguir, de João riam grupos como o dos poetas concretos e o
Cabral de Melo Neto. da poesia Praxis.
d) a missão claramente ideológica de promover a
O sertanejo falando
conscientização política das camadas populares.
A fala a nível do sertanejo engana: e) certo proselitismo religioso, recuperando a tradi-
as palavras dele vêm, como rebuçadas ção medieval da poesia mística e dos hinos de fé.

188 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


39. Unicamp-SP 2022 0. PUC-Campinas 2022 Nos dias que correm, em vista
da multiplicação, interação e propulsão de linguagens
Texto I várias, a poesia de vanguarda mais radical
a) tira partido, por exemplo, da possibilidade de um
poema se tornar um objeto físico de palavras e
ícones, a ser manipulado pelo público.
b) tem a possibilidade de reafirmar, de uma vez por
todas, o caráter intraduzível do valor propriamen-
te literário da palavra.
c) deve atualizar as lições do Modernismo de 22,
sobretudo por conta do sentido de engajamento
nacionalista daquele movimento.
d) tem a possibilidade de valorizar os ritmos primi-
tivos da linguagem poética, comprometidos que
sempre estiveram com o caráter mágico das pa-
lavras.
e) tira partido, por exemplo, das técnicas da publici-
dade, para atender às expectativas da arte como
mero produto para o mercado.
André Vallias, 2020. Disponível em: https://gramho.com/
media/2412019968340930281. Acessado em 20/06/2021.
1. UPF-RS 2015 Na década de 0, surge, no Brasil, o
movimento da poesia concreta, liderado pelos irmãos
Texto II
Augusto e Haroldo de Campos e por Décio Pignatari. Al-
gumas características marcantes da poesia concreta são:
a) a valorização da palavra solta, que se fragmenta e
se recompõe na página, e o uso do espaço gráfi-
co como elemento estrutural do poema.
b) a retomada das formas fixas, como o soneto e o
epigrama, e a valorização dos temas universais.
c) o emprego da linguagem coloquial e o desenvol-
vimento de temas do cotidiano.
d) o uso estilizado de formas da literatura oral,
como o cordel nordestino, e a pregação políti-
co-partidária.
e) o recurso à musicalidade do verso e a afirmação
do corpo e do desejo.

2. Enem 201

Hélio Oiticica, Bandeira-poema [Seja marginal, seja herói], 1968. Disponível


em: https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra2638/bandeirapoema.
Acessado em 24/08/2021.

Considere o diálogo intertextual entre os dois poemas


e assinale a alternativa correta.
a) O texto II parodia o texto I ao deslocar o tema da
conectividade no meio digital para o elogio da
marginalidade como ato heroico.
b) O texto I parafraseia o texto II ao chamar atenção
para a posição marginal imposta a quem resiste à
FRENTE 2

pressão de viver conectado às redes.


CLARK, L. Bicho de bolso. Placas de metal, 1966.
c) O texto II alude ao texto I para reforçar a equiva-
lência entre as condições de ficar “off-line” e ser O objeto escultórico produzido por Lygia Clark, repre-
“marginal” em cada contexto. sentante do Neoconcretismo, exemplica o início de
d) O texto I parodia o texto II para situar como heroi- uma vertente importante na arte contemporânea, que
co e transgressivo o ato de se desconectar das amplia as funções da arte. Tendo como referência a
redes sociais no contexto atual. obra Bicho de bolso, identica-se essa vertente pelo(a)

189
a) participação efetiva do espectador na obra, o que determina a proximidade entre arte e vida.
b) percepção do uso de objetos cotidianos para a confecção da obra de arte, aproximando arte e realidade.
c) reconhecimento do uso de técnicas artesanais na arte, o que determina a consolidação de valores culturais.
d) reflexão sobre a captação artística de imagens com meios ópticos, revelando o desenvolvimento de uma lingua-
gem própria.
e) entendimento sobre o uso de métodos de produção em série para a confecção da obra de arte, o que atualiza
as linguagens artísticas.
Observe os dois poemas a seguir para responder à questão 43.

CAMPOS, Haroldo de. Cristal, em fome de forma. In: AGUILAR, Gonçalo.


Poesia concreta brasileira: as vanguardas na encruzilhada modernista.
São Paulo: Unesp, 2005. p. 195.

hugo PONTES
Poços de Caldas-MG, Brasil
PONTES, Hugo. Disponível em: www.germinaliteratura.com.br.
Acesso em: 24 mar. 2015.

43. UEG-GO 2015 Considerando o experimentalismo surgido com as vanguardas do século XX, constata-se que os poe-
mas de Campos e Pontes são respectivamente
a) poema árcade e poesia futurista.
b) poesia concreta e poema processo.
c) poema abstrato e poesia surreal.
d) poesia parnasiana e poema barroco.

190 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


44. UFJF/Pism-MG 2015

Pulsar

Campos, Augusto. Viva vaia – poesia 1949-1979. São Paulo: Duas cidades, 1979. p. 175.

Explique como se articula a substituição de letras por outros sinais grácos na construção do poema concreto “Pulsar”,
de Augusto de Campos.

45. UEM-PR Leia as informações a seguir sobre tendências contemporâneas da literatura e assinale o que for correto.
O que, no campo literário, de modo geral, a crítica tem chamado de tendências contemporâneas aponta para as obras
e os movimentos surgidos a partir de meados da década de 1950 e que reetem, nas décadas de 1960 e 1970, um
momento histórico caracterizado inicialmente pelo autoritarismo e pela censura, seguido de um progressivo processo
de democratização. Trata-se de uma produção literária bastante vasta e diversicada. Na poesia, dois aspectos são
considerados: um marcado pela permanência, em que autores consagrados continuam produzindo com certa ênfase
na temática social; outro, pela ruptura, em que ganha corpo a luta contra esquemas analítico-discursivos da sintaxe
tradicional. Na prosa, uma das características mais marcantes é a pluralidade de estilos, consequência de diferentes
tratamentos conferidos à linguagem.
 O Concretismo, no âmbito da poesia, impulsionado pelos avanços tecnológicos da época e pelos meios de
comunicação de massa, abandona o discurso poético tradicional em prol dos recursos gráficos das palavras.
Decorrem daí a abolição do verso tradicional, o aproveitamento do espaço em branco, a exploração da pa-
lavra como “coisa”, a ausência de lirismo, a rejeição do tema (o poema não significa, ele é), a possibilidade
de leituras múltiplas. Essa estética teve em Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari seus
principais poetas.
 No âmbito da ficção, a temática política, para escapar à censura aos meios de comunicação de massa, valeu-se
de subterfúgios. De um lado, o romance-reportagem, por meio de uma linguagem jornalística e baseado em fatos
reais, denuncia e protesta contra a violência social e política. De outro lado, o realismo mágico denuncia o mesmo
estado de coisas por meio de situações consideradas irreais, absurdas e/ou insólitas.
 A prosa memorialista ou autobiográfica, gênero bastante difundido durante o período simbolista, é retomada na
segunda metade do século XX pela pena de grandes escritores, como Dalton Trevisan e Rubem Fonseca. Por
meio de uma linguagem introspectiva, o escritor faz emergir seu universo pessoal como reação velada às intem-
péries da vida anônima e massificada nos grandes centros urbanos.
8 Em função de sua preocupação com a organização do texto, com a precisão e a concisão da linguagem, João
Cabral de Melo Neto é considerado precursor da poesia concreta e visual. Sua obra poética abarca desde os po-
emas surrealistas de “A pedra do sono”, passando pelos poemas metalinguísticos de “Psicologia da composição”,
até a ênfase social de “Morte e vida severina”, poema que relata a trajetória de Severino, retirante nordestino que
FRENTE 2

ruma para o Recife.


6 Os textos em prosa contemporâneos – contrariando a tendência da poesia do mesmo período, que intensifica e
diversifica procedimentos técnicos da terceira geração do Modernismo – retomam um modo tradicional de narrar.
A fragmentação que dava o tom da ficção de Clarice Lispector e de João Guimarães Rosa cede lugar a narra-
tivas construídas segundo os moldes tradicionais, com começo, meio e fim, normalmente narradas a partir de
um ponto de vista onisciente, imbuído da missão de trazer ordem ao caos da realidade extraliterária.
Soma:

191
BNCC em foco
EM13LP47

A inclusão [de Carolina Maria de Jesus], no campo literário, talvez, ainda mais do que nos outros, é uma questão de
legitimidade. Neste sentido, a própria crítica e a pesquisa acadêmica não são desprovidas de relevância. Afinal, são espaços
importantes de legitimação, ao lado dos próprios criadores reconhecidos [...]. Ler Carolina Maria de Jesus como literatura,
colocá-la ao lado de nomes consagrados, como Guimarães Rosa e Clarice Lispector, em vez de relegá-la ao limbo do “tes-
temunho” e do “documento”, significa aceitar como legítima sua dicção, que é capaz de criar envolvimento e beleza, por
mais que se afaste do padrão estabelecido pelos escritores da elite.

1.

a) b) c) d) e)
EM13LP51

O que vale são outras coisas. A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos, cada um com seu signo e
sentimento, uns com os outros acho que nem não misturam. Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo as coisas de rasa
importância. De cada vivimento que eu real tive, de alegria forte ou pesar, cada vez daquela hoje vejo que eu era como se
fosse diferente pessoa. Sucedido desgovernado. Assim eu acho, assim é que eu conto. O senhor é bondoso de me ouvir. Tem
horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras, de recente data. O senhor mesmo sabe.

2.

EM13LP45 e EM13LP4

3.

a) b) c) d) e)

LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


AGSANDREW/SHUTTERSTOCK.COM
FRENTE 2

CAPÍTULO Literatura contemporânea

16
A terceira geração modernista no Brasil surge após o término do Estado Novo de Getúlio
Vargas, em 1945, e se desenvolve até meados da década de 1950, quando as denomi-
nadas tendências literárias contemporâneas começam a aparecer, como o Concretismo,
a poesia-práxis e a poesia “marginal”. A partir de então, surgem experimentações com a
palavra em si e a poesia visual, que permitem leituras diversas, fora do verso, ousando
com as livres associações semântico-fonéticas. Além disso, toda a experimentação é
feita em épocas muito duras para o país: a ditadura militar, um regime de exceção que
cassou liberdades e garantias individuais, resultando em tempos difíceis para os artistas
em geral.
A arte engajada dos anos 1960 dos interesses culturais a elas ligados; a possibilidade ou
não de a arte se integrar a práticas revolucionárias; a via-
O processo de modernização e desenvolvimento da
bilidade ou inviabilidade de produzir material artístico de
nação brasileira a partir dos anos 1950 foi acompanhado
qualidade que fosse, ao mesmo tempo, mobilizador em
por uma série de propostas de renovação e atualização do
termos políticos, acessível às largas camadas da população
legado dos modernistas no campo da cultura. A literatura
e fizesse jus às complexidades de pensamento próprias à
brasileira procurou dar forma às tensões ideológicas com as
interpretação da realidade; além da discussão quanto às di-
quais convivia naquele período, oriundas do sempre contra-
versas e não necessariamente direcionáveis possibilidades
ditório e ambíguo processo histórico de desenvolvimento
de engajamento político das nossas artes populares mais
do país. Tais tensões atingiram seu ápice com a instauração
tradicionais, como o cordel ou a canção popular.
da ditadura a partir de um golpe militar em 1964. Assim,
A produção cultural dos anos 1960 se viu predominan-
era inevitável que alguns artistas daquele período buscas-
temente orientada pelo pensamento de esquerda, ainda
sem a aproximação entre questões políticas e estéticas,
que as ideias socialistas e comunistas tenham sofrido mu-
fazendo aparecer em suas obras questionamentos acerca
danças e reformulações significativas, especialmente no
da realidade social e promovendo, de modo mais acirrado
final dos anos 1950, a partir das dúvidas sobre os rumos
e explícito do que até então, certa politização da cultura.
da Revolução Russa após o desmascaramento de Stalin e
Muitos intelectuais, especialmente os mais próximos aos
das constantes denúncias de suas práticas repressivas e
círculos estudantis e universitários, passaram a buscar uma
ditatoriais no Ocidente. No Brasil, depois do golpe militar
expressão artística que pudesse contribuir para o processo
de conscientização do povo a respeito de nossas mazelas de 1964, as diferentes organizações de esquerda oscila-
sociais. Além disso, eles começaram a participar ativamente ram entre a clandestinidade e a luta armada e a adesão
das passeatas, das reivindicações e dos movimentos de parcial a novas concepções ideológicas, mais orientadas
massa, que se tornaram constantes no período. e adaptáveis às propostas de desenvolvimento econômico
Nessa perspectiva, surgiu, em 1961, o Centro Popular próprias, ainda que não inteiramente obrigatórias, a um país
de Cultura (CPC), ligado à União Nacional dos Estudantes. capitalista emergente.
Seus integrantes deveriam atuar simultaneamente como A militância política de esquerda buscou se inserir nos
artistas, membros do povo e revolucionários, o que nem movimentos populares, tornando-se fácil entender sua
sempre se verificou, principalmente no tocante à dese- crescente importância junto aos trabalhadores rurais e ao
jada elaboração artística. Entre esses integrantes, estão operariado urbano. Os artistas, atentos a tal mobilização
artistas que posteriormente se tornaram importantes para social, viram-se cada vez mais confrontados em relação às
a cultura brasileira, como os cineastas Eduardo Coutinho, suas ideologias. Com isso, as questões estéticas implicadas
Cacá Diegues e Leon Hirszman, o poeta Ferreira Gullar e nas formas poéticas passaram a ser questionadas e vistas
os dramaturgos Gianfrancesco Guarnieri, João das Neves como alienantes, por exemplo, nas críticas ao Concretismo.
e Oduvaldo Vianna Filho. Com o fortalecimento do regime ditatorial a partir do
Ato Institucional no 5, em 1968, a censura instaurada bus-
Saiba mais cou inviabilizar as manifestações artísticas que tentavam
transmitir ideias revolucionárias às classes populares, e a
clandestinidade e/ou a busca de novas formas de divulga-
ção passaram a vigorar também para a arte.

Ferreira Gullar e a poesia


participante
O poeta maranhense Ferreira Gullar (1930-2016),
O CPC organizou e realizou produções culturais im- além de ser um dos grandes nomes da poesia brasileira
portantes para o período, como a coleção Violão de rua, contemporânea, é um ótimo exemplo para entendermos
que reunia poemas orientados pelo engajamento político que a incidência das tensões ideológicas do período sobre a
configuravam a ideia de uma poesia participante da realida- poesia. Para o crítico Alfredo Bosi, a poesia de Gullar res-
de social. Formas de arte popular, como a poesia de cordel pondeu, passo a passo, às crises e aos desafios da luta
e o teatro de rua, passaram a ser praticadas e valorizadas cultural e política do país dos anos 1950 em diante.
na medida em que se adequavam a uma concepção de Gullar foi um dos fundadores do Grupo Opinião e pas-
arte que priorizava a mensagem e a comunicação imediata sou a praticar uma poesia cada vez mais engajada; filiado
de conteúdos acessíveis e assimiláveis pelo “povo”, noção ao Partido Comunista, em 1971, em virtude do contexto
muito problemática, já que tendia a uma uniformização bas- da ditadura militar, partiu para o exílio. Consagrou-se como
tante diferente do observável na realidade. um dos maiores poetas do país e foi eleito imortal pela
Embora o CPC tenha atuado durante um curto período, Academia Brasileira de Letras (ABL) em 2014.
ele representa um bom ponto de partida para muitas refle- Seu primeiro livro de poemas, A luta corporal (1954),
xões e impasses que afetaram nossa cultura na segunda marcado tanto pela “luta” com a linguagem quanto pela
metade do século XX: as diferenças entre as classes sociais consciência da impossibilidade de atingir a plenitude poéti-
e a diversidade das suas formas de expressão artística e ca nesse nível, foi considerado uma das obras que abriram

194 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Literatura contemporânea


caminho para o movimento da poesia concreta, do qual o “Poema sujo” é a definição de um eu lírico saudoso que
poeta participou inicialmente. A obra revelava uma grande está longe geograficamente de seu país, mas que, ao mes-
inquietação quanto à forma dos poemas, crivando-os de mo tempo, consegue ser próximo, pois sua imaginação ao
experimentações: alguns rompiam sistematicamente com escrever o aproxima de suas memórias e o traz para a luz.
a sintaxe e com a sua organização em versos, enquanto Assim, no dizer do crítico João Luiz Lafetá, o caminho
outros (como “Roçzeiral”) chegavam a sofrer interferência que buscava expressar a necessidade da revolução é
na estrutura fonética das palavras. contornado: “fala-se dela o tempo todo, mas de um modo
Ainda que o autor tenha publicado os seus “Poemas con- absolutamente implícito, sua presença é como a de um
cretos/neoconcretos” (1958), ele rompeu com os concretistas, tabu, suspenso entre os versos”. Era exatamente a sensa-
já que propôs o Neoconcretismo; logo depois, em 1961, ção de todos que viviam tanto no Brasil quanto fora dele,
integrou-se ao CPC da UNE, do qual se tornou presidente. sob a censura e a onipresente repressão da ditadura militar.
A conversão do poeta ao marxismo reforçou a substitui-
ção dos experimentos formais pela poesia de intervenção O Tropicalismo
social, buscando representar as camadas oprimidas da po- O efervescente ambiente cultural de resistência à ditadu-
pulação e produzir alterações na sua consciência política, ra propiciou o encontro de artistas que estavam dispostos a
utilizando-se de formas literárias como a poesia de cordel, evidenciar alguns aspectos sobre o Brasil omitidos ou mesmo
de fácil reconhecimento e compreensão por essas camadas reprimidos pelo sistema político e pelas elites detentoras do
sociais. A sua iniciativa foi considerada de escasso valor poder. Por isso, certa produção cultural da época, menos
literário pelos críticos, que, com razão, apontavam nesses afeita ao engajamento direto quanto à “conscientização” do
poemas a visão caricatural dos representantes do “povo” “povo”, passou a buscar, antes, o ato anárquico de trazer à
(como os trabalhadores rurais), além do não enriquecimento luz as contradições do desenvolvimentismo brasileiro, pro-
da forma literária do cordel, já que foi tratada como mero pagandeado pelo governo, e desmascarar determinadas
suporte para um esquema ideológico preconcebido. realidades sociais e culturais encobertas pelas falsas aparên-
Na sequência de sua obra, Gullar atingiu aos poucos cias expressas na visão oficial do país. Dessa forma, efeitos
uma síntese entre o esforço didático-propagandístico dos corrosivos ligados ao choque advindo de diferentes imagens
primeiros poemas engajados e a sua inserção mais madura de Brasil justapostas ao humor e à ironia eram preferidos em
na linhagem da poesia participante vinda do Modernismo. relação às “palavras de ordem” e à assertividade didática e
Desse processo gradativo de descobertas, tentativas e militante da arte engajada.
achados poéticos, resultou a enorme força literária de sua O Tropicalismo, ou Tropicália, surgiu no final da década
obra-prima, o Poema sujo, publicado em 1976. de 1960 como um movimento cultural de ruptura e inovação.
Em seu poema “Madrugada”, do livro Dentro da noite As letras, o comportamento e até mesmo o modo de se vestir
veloz, de 1975, temos a medida do acerto do caminho do de seus integrantes refletiam as aspirações dos jovens, que
poeta, já que encontra as questões sociais mais gerais a buscavam novos modelos para expressar a modernidade. As
partir do mergulho na intimidade do eu lírico. No texto, há conquistas dos modernistas de 1922 foram revisitadas com
um processo de descobrir e experimentar em si mesmo a novas abordagens, influenciadas pela cultura pop – tanto
mais profunda consciência política, mais importante que nacional quanto estrangeira – e pela contracultura.
a possível enunciação do desejo de interferir nos rumos do A maior repercussão do movimento tropicalista se deu
país, considerada posterior e problemática do ponto de vis- na música popular brasileira, tendo como representantes
ta da linguagem literária. O poema é exatamente o inverso mais conhecidos Caetano Veloso, Gilberto Gil, Torquato
dos que Gullar produzia na época do CPC, marcados pelo Neto, Os Mutantes e Tom Zé.
forte artificialismo do engajamento direto e da denúncia O movimento foi, como era de se esperar, rejeitado pela
explícita dos nossos problemas sociais. parcela da classe média que aderira ao engajamento artísti-
co mais direto: o uso da guitarra elétrica pelos tropicalistas,
Uma obra-prima: o “Poema sujo” por exemplo, foi considerado uma ofensa aos elementos
tradicionais, como o violão da MPB, e os compositores foram
Ferreira Gullar estava exilado na Argentina em 1975,
acusados de “alienação”. Apesar disso, o fortíssimo teor da
uma época de forte repressão política. Sentia-se persegui-
crítica tropicalista acabou por fortalecer o caráter de resistên-
do e com medo de ser descoberto em virtude da iminente
cia que esses a istas queriam alcançar. O espírito tropicalista
colaboração do governo argentino com a ditadura mili-
animou e anima até hoje grande diversidade de manifesta-
tar brasileira. O desespero e a tensão latentes no poeta
ções culturais importantes da música ao cinema e ao teatro.
geraram o que é considerada a sua obra mais ousada, o
poema intitulado “Poema sujo”, escrito em poucos meses
de atividade febril, trazido inicialmente ao Brasil em uma
A poesia marginal
FRENTE 2

gravação em fita por Vinicius de Moraes e publicado no ano e a “geração mimeógrafo”


seguinte, não sem antes que cópias dele se multiplicassem A poesia marginal pode ser vista como um dos des-
e circulassem entre grupos que se formavam para lê-lo. dobramentos do movimento tropicalista. Surgida ao longo
Um dos mais importantes poemas da moderna literatura da década de 1970, recebeu esse nome por representar
brasileira, alia, com brilho, a alta voltagem do lirismo social uma ruptura com o tipo de arte sancionada por uma elite
herdado do Drummond de A rosa do povo (1945) ao mais intelectual, propondo opções novas e diferentes em relação
interiorizado compromisso político. à grandiloquência do cânone literário estabelecido.

195
Paulo Leminski, Torquato Neto, Cacaso, Charles, José Os diversos caminhos da
Agrippino de Paula, Waly Salomão, Francisco Alvim, Ana Cristina
Cesar e Chacal são alguns dos autores que integraram a invenção literária no século XX
chamada “geração mimeógrafo”, nome que aludia à busca Estudar a literatura brasileira do século XX e inteirar-se
de recursos fáceis e baratos de reproduzir e divulgar poesia a respeito dos escritores e das obras que a engrandeceram
à margem do viciado mercado editorial. Essa procura incluía esteticamente ou que trouxeram inovações significativas,
a distribuição gratuita ou a venda direta das publicações destacando-se do panorama mais geral, implica abando-
aos interessados e o barateamento dos custos a partir do nar a visão intelectualista e se abrir às novas tendências
aproveitamento de todos os formatos e tipos de papel e de que vão se afirmando. Da inventividade desses caminhos
modalidades de publicação caseira. Além disso, valorizava literários, destacam-se a ficcionista Lygia Fagundes Telles,
até mesmo os muros das cidades como suporte para a picha- a poetisa Adélia Prado e o inclassificável escritor mato-gros-
ção de textos poéticos. Até a simples leitura oral de poemas sense Manoel de Barros, os quais nos dão belas amostras
em locais públicos foi reconhecida na medida em que dava desse novo caminhar literário.
destaque à performatividade lúdica e teatral dos poetas:
denominados happenings, tais eventos cênicos públicos A ficção introspectiva
e improvisados mesclavam literatura, artes visuais e teatro. de Lygia Fagundes Telles
Ainda que alguns poetas dessa geração tenham publi-
cado suas obras posteriormente no formato de livros, não A partir dos anos 1940, podemos observar na pro-
havia originalmente nenhuma preocupação quanto à pe- sa de ficção brasileira uma linhagem de escritores que
renidade da poesia que a publicação mais formal garantia. cultivaram em romances e livros de contos a abordagem
A ideia era transmitir o recado poético naquele momento densamente psicológica de personagens e questões
presente nas mais variadas circunstâncias. humanas que, remontando ao chamado “realismo psico-
Também é importante mencionar a aliança com a música lógico” de um Machado de Assis, incorporaram conquistas
popular. Naquela fase, começou-se a recuperar a noção – estéticas – por exemplo, o fluxo de consciência – dos
antiga na história das formas populares da literatura e hoje grandes romancistas europeus do século XX, como Proust
largamente aceita – de que as letras de música pouco ou e Virginia Woolf.
nada se diferenciam dos poemas publicados em livro quanto O crítico Alfredo Bosi nomeia essas obras de “ro-
à sua natureza e ao seu valor. Uma das mais importantes mances de tensão interiorizada”, nos quais o herói ou as
canções tropicalistas, “Geleia geral”, por exemplo, resultou da personagens principais não encontram forças para afron-
parceria entre o poeta Torquato Neto e o músico Gilberto Gil. tar diretamente o mundo social que os oprime de algum
A ideia de denominar tais poetas como pertencentes à modo e interiorizam o conflito, evadindo-se para a memória
“geração mimeógrafo” cabe perfeitamente no contexto dessa da infância ou para a nem sempre objetiva possibilidade
poesia, já que, ao contrário da forçada tendência didatizante de autoanálise, privilegiando constantemente o mergulho
que tem como preferência dividir arbitrariamente escritores intenso na interioridade e nos devaneios. De acordo com
em “gerações”, o objetivo desse grupo era justamente relatar essa premissa, tais obras intensificam a atmosfera e o “cli-
ma” dos relatos mais do que propriamente o desenrolar de
poeticamente a experiência da sua geração, bem como seu
uma trama. Grandes escritores, como Otávio de Faria, Cornélio
posicionamento crítico e conflituoso em relação às anteriores.
Pena, Cyro dos Anjos, Osman Lins e Lúcio Cardoso – com o
A produção desses poetas era marcada pela forte irreve-
romance Crônica da casa assassinada como obra-prima da
rência, pelo humor, pela coloquialidade e por um intencional
tendência – compõem essa linhagem, e não há dúvida de
não acabamento das formas poéticas, o qual previa, inclusive,
que a escritora paulista Lygia Fagundes Telles (1923-2022)
a possibilidade de não dar título aos poemas ou de fazê-los
é sua representante maior até os dias de hoje.
acompanhar de desenhos, como se os aproximassem a um
Lygia estreou na literatura em 1954 com o romance
caderno de rascunhos. Além disso, seu trabalho era marcado
Ciranda de pedra, tornando-se muito conhecida por seus
pela exploração de elementos recuperados do primeiro Mo-
contos impactantes, perturbadores e não raro tendentes
dernismo – como o “poema-piada” – e pelo apelo à síntese
ao fantástico e ao “realismo maravilhoso”, como é o caso
e à visualidade da poesia, ainda que longe do rigor das com-
de “A caçada” (do livro Antes do baile verde, publicado em
posições concretistas. Ainda, era importante a preocupação
1970), em que um homem obcecado pela contemplação
com a expressão poética mais espontânea e circunstanciada,
de uma velha tapeçaria exposta em um antiquário acaba
feita a partir de fatos triviais, de sentimentos comuns e de si-
por nela penetrar e viver dolorosamente a cena de caça
tuações diretamente observáveis no cotidiano da vida social.
que ali se representa.
Atenção O romance As meninas (1973) é a obra que con-
sagrou a escritora, já que dele emerge o retrato de um
momento crucial da vida da classe média urbana sob a
ditadura militar, em meio às investigações intimistas de
Lorena, Ana Clara e Lia (ou Lião), três estudantes de um
internato dirigido por freiras. No intrincado relato de Lygia,
um narrador onisciente abre espaço alternadamente para
a perspectiva em primeira pessoa das personagens: a

196 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Literatura contemporânea


tensão da repressão política aliada ao fantasma das guer- A ousadia da referência ao escritor consagrado logo
rilhas, o engajamento possível nas questões nacionais, o revela sua eficácia poética: o poema faz notáveis contra-
mergulho nas drogas e a liberalização dos costumes são pontos, quase passo a passo, a imagens do original: troca o
apreendidos no cotidiano das meninas, finamente captado “anjo torto” do poeta por “um anjo esbelto” e o caracteriza
pela escrita da autora. como “desses que tocam trombeta”, destacando a lumi-
nosidade do som em vez da forte marca visual do anjo de
Ana Clara fazendo amor. Lião fazendo comício. Mãezi- Drummond, descrito como “desses que vivem na sombra”.
nha fazendo análise. As freirinhas fazendo doce, sinto daqui O eu lírico feminino recusa a sina de ser “gauche na
o cheiro quente de doce de abóbora. Faço filosofia. Ser ou vida”, pois o “seu” anjo vaticina-lhe propósitos libertários (“vai
estar. Não, não é ser ou não ser, essa já existe, não confundir carregar bandeira”, a qual pode ser também relacionada ao
com a minha que acabei de inventar agora. Originalíssima. tom “menor” de outro poeta modernista, Manuel Bandeira).
Se eu sou, não estou porque para que eu seja é preciso que A extensa obra subsequente de Adélia, que inclui livros
eu não esteja. de poesia e de uma prosa solta, à maneira de um “diário
[...] disperso”, como a caracterizou o crítico Manuel da Costa
TELLES, Lygia Fagundes. As meninas. 8. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1976.
Pinto, confirma seus procedimentos e temas, marcados por
No trecho reproduzido, o foco está em Lorena, cujo detalhes e gestos do cotidiano mais simples, característicos
pensamento vaga em torno de questionamentos exis- de mulher casada e apegada à miúda rotina familiar e aos
tenciais, instigado pelo sutil confronto com as diferentes ritos da igreja católica e da comunidade; ilumina-se em seus
opções de vida das amigas. É interessante notar como este poemas a presença mística da beleza e graça divinas pelo
fragmento não busca ordenar a tentativa de racionalização olhar que Adélia registra em tudo. Temas hoje tratados de
de Lorena, mas sim expor sua insegurança. maneira genérica como “questões sociais”, como a condição
Lygia também experimentou formas literárias mais abertas, da mulher em uma sociedade machista, são abordados pela
como o notável A disciplina do amor (1980), cujo subtítulo, poetisa a partir do seu recolhimento íntimo, que não denuncia
“Fragmentos”, já revelava o formato híbrido entre o diário ínti- a resignação cristã como “reacionária”, mas a vê como ponto
mo, o livro de memórias, a reflexão ensaística sobre a literatura, de vista privilegiado para descobrir possíveis brechas de vida
a reunião de pequenas ficções soltas e os minicontos. plena e nelas investir a força de seus desejos, inclusive, e
surpreendentemente, os íntimos, como os sexuais.
A bagagem lírica
modernista de Adélia Prado A poesia do chão e as palavras
Em 1974, a escritora mineira da provinciana Divinópolis – em transe de Manoel de Barros
cidade centro e chave de sua obra poética – Adélia Prado Apesar de ter começado a escrever ainda na década
(1935-) estreava na literatura com a obra Bagagem. O livro de 1930, o poeta mato-grossense Manoel de Barros (1916-
trazia, como primeiro poema, “Com licença poética”, uma 2014) só se tornou conhecido a partir dos anos 1980,
inventiva e intensa paródia feminina do famosíssimo “Poe- quando sua obra começou a ser publicada por grandes
ma de sete faces” de Carlos Drummond de Andrade (aliás, editoras da região Sudeste.
poema de abertura de seu primeiro livro). O próprio poeta Sua poesia causou impacto nos meios literários, es-
reverenciou, em um artigo de jornal, o talento incomum pecialmente pelo estranhamento das suas construções
da escritora que vinha a público de modo tão desabrido. sintáticas, pelos frequentes neologismos e trocadilhos e por
suas imagens insólitas. Em sua escrita, a natureza se anuncia
Quando nasci um anjo esbelto, de uma maneira peculiar: trata-se de um espaço íntimo de
desses que tocam trombeta, anunciou: observação, uma realidade desconhecida. Manoel parece
vai carregar bandeira. respirar no mesmo ritmo da fauna e da flora do Pantanal.
Cargo muito pesado pra mulher, Os poemas do autor se apresentam algumas vezes
esta espécie ainda envergonhada. como uma sucessão de paradoxais aforismos, ou seja, pe-
Aceito os subterfúgios que me cabem, quenas sentenças, que, à maneira de ditados, constroem
sem precisar mentir. definições poético-filosóficas, como “Minhocas arejam a
Não sou feia que não possa casar, terra; poetas, a linguagem” (da obra Livro de pré-coisas),
acho o Rio de Janeiro uma beleza e “Poesia é voar fora da asa” e “Em casa de caramujo até o
ora sim, ora não, creio em parto sem dor. sol encarde” (de “Uma didática da invenção”, da obra O
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina. livro das ignorãças). Imagens relativas a animais podem
Inauguro linhagens, fundo reinos
ser animadas pela combinação sonora das palavras, como
FRENTE 2

— dor não é amargura.


em “Baratas glabras se fedem nas dobras.”, e pela inversão
Minha tristeza não tem pedigree,
sintática, por exemplo, em “No lodo, apura o estilo, o sapo.”
já a minha vontade de alegria,
(ambas da obra Livro de pré-coisas).
sua raiz vai ao meu mil avô.
A recepção fascinada e o interesse crescente que a
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
poesia de Manoel de Barros desperta em um largo número
Mulher é desdobrável. Eu sou.
PRADO, Adélia. “Com licença poética”. Bagagem.
de leitores surpreendem a quem considera “difícil” toda
Rio de Janeiro: Record, 2003. © by Adélia Prado. poesia que foge de enquadramentos.

197
A crônica e as tendências [...]
Por que ressuscita dentro de mim essa imagem, essa manhã?
neorrealistas no conto brasileiro Foi um momento apenas. Havia muita luz, e um vento. Eu estava
contemporâneo de pé na praia. Podia ser um momento feliz, e em si mesmo talvez
fosse; e aquele singelo quadro de beleza me fez bem; mas uma
Ao lado do impulso a uma literatura de sondagem
fina, indefinível angústia me vem misturada com essa lembrança.
interior, ou marcada por inovações linguísticas, a segunda
[...]
metade do século XX também assistiu ao florescimento
BRAGA, Rubem. “As meninas”. Rubem Braga: 200 crônicas escolhidas. 33 ed.
de uma ficção de expressão mais realista, que tendia à Rio de Janeiro: Record, 2010. p. 438.
observação da simples poesia do cotidiano, como no caso Como se percebe no texto, o cronista é um artista
da crônica, ou que mergulhava no caos dos relaciona- atento às menores coisas do cotidiano, que se oferecem
mentos dilacerados e na violência da vida urbana dos fugazmente aos sentidos, e sabe extrair delas a beleza
grandes centros, como nas ficções de Rubem Fonseca simples e a essencial inutilidade contemplativa que elas
e Dalton Trevisan. inspiram para alguém ávido por fugir à sanha consumista
Ambas as tendências refletem o caos da vida moderna de “acontecimentos” que as notícias de jornal alimentam.
em sociedade, ora forjando a resistência lírica, a qual preser- Os iluminados instantâneos, ou os “quase nada” da crônica,
va instantes e brechas de vida mais leve, como na crônica de podem resgatar nossa embrutecida sensibilidade moderna.
Rubem Braga, ora fazendo registros secos e brutais, como
nos desconcertantes contos curtos do paranaense Dalton
A opressão e a violência da vida
Trevisan, autor que parece cutucar a ferida do capitalismo
selvagem e das suas sempre renovadas opressões, interio- urbana nos contos de Rubem
rizadas até mesmo na vida afetiva e conjugal. Fonseca
Na contramão do lirismo da crônica, os contos e ro-
A crônica como gênero literário e mances de Rubem Fonseca parecem valorizar justamente
seu mestre Rubem Braga o estado de choque que os seus retratos hiper-realistas
O sentido mais genérico da palavra “crônica”, ou seja, do caos e da violência da vida urbana causam ao leitor.
a ideia de registro do tempo tanto na forma de sua fixação Assim, potencializar a brutalidade do relato surge como um
em instantes privilegiados quanto no ato de captar sua su- possível recurso catalisador do nosso olhar crítico para os
cessão vertiginosa, inspirou um gênero moderno de escrita males da vida social segregadora e esvaziada de valores
tributário do jornalismo, mas que encontrou autores entre humanos das grandes cidades.
nós que o elevaram à arte literária. O trecho inicial de “Feliz Ano Novo”, um dos contos
Quase todos os grandes ficcionistas e poetas brasilei- mais famosos do autor, coloca-nos em choque – pelo re-
ros a partir do Realismo, como Machado de Assis e Carlos corte bruto, ainda que muito trabalhado literariamente, da
Drummond de Andrade, escreveram crônicas em jornal. fala popular – dentro do momento em que um grupo se
Na maior parte das vezes, esses textos eram um tanto di- prepara para um assalto.
ferenciados em relação ao tom mais elaborado de suas
incursões pela poesia, pelo conto ou pelo romance: traziam Vi na televisão que as lojas bacanas estavam vendendo
adoidado roupas ricas para as madames vestirem no réveillon.
algo mais próximo do relato direto de fatos ou do comentá-
Vi também que as casas de artigos finos para comer e beber
rio jornalístico sobre acontecimentos de repercussão social,
tinham vendido todo o estoque.
ainda que vazados em estilo quase literário.
Pereba, vou ter que esperar o dia raiar e apanhar cachaça,
No Modernismo expandido (dos anos 1950 em diante),
galinha morta e farofa dos macumbeiros.
no entanto, alguns escritores se especializaram, de certa
[...]
forma, no gênero, refinando seus procedimentos literários. Onde você afanou a TV, Pereba perguntou.
Foi o caso de grandes cronistas, como Sérgio Porto (ou sob Afanei, porra nenhuma. Comprei. O recibo está bem em
seu pseudônimo, Stanislaw Ponte Preta), Millôr Fernandes cima dela. Ô Pereba! Você pensa que eu sou algum babaquara
e Lourenço Diaféria, os quais, entretanto, nunca superaram para ter coisa estarrada no meu cafofo?
o brilho do capixaba Rubem Braga (1913-1990). [...]
Rubem Braga dedicou-se profissionalmente ao jornalis- FONSECA, Rubem. “Feliz ano novo”. MORICONI, Ítalo (Org.).
mo, e suas crônicas foram publicadas em livro pela primeira Os cem melhores contos brasileiros do século.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2000. p. 334.
vez em 1936, no volume O conde e o passarinho. A ele,
seguiram-se inúmeras outras coletâneas nas quatro déca- Pela leitura do fragmento, podemos imaginar o impac-
das posteriores cujas constantes reedições atestam sua to que o livro – de mesmo título do conto – acarretou em
popularidade como escritor. 1975, auge da ditadura militar. Após a venda de 30 mil
O trecho de “As meninas”, reproduzido a seguir, exemplares, a obra foi proibida pela censura por “atentado
exemplifica bem o caráter da crônica de Rubem Braga contra a moral e os bons costumes”; nunca antes na litera-
como “meditação lírica de um Eu que falasse sozinho, tura brasileira a linguagem e o modo de vida dos excluídos
recordando contemplativamente momentos vividos com da sociedade pelo sistema econômico e político tinham
grande intensidade”, como a caracterizou o crítico Davi aparecido tão cruamente, tão depurados dos dispensáveis
Arrigucci Jr. e falsos disfarces linguísticos da “boa literatura”.

198 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Literatura contemporânea


O conto contemporâneo meninice acostumou-se às vicissitudes, através de um processo
lento e gradativo de dissabores.
Ainda que sua origem possa ser rastreada nas várias
[...]
formas de narrativa doméstica (como a fábula, a anedota,
RUBIÃO, Murilo. “O ex-mágico da taberna minhota”. Obra completa.
o caso ou os diversos tipos de “historinhas” populares – São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 21.
todas “formas simples”, como as denominou o teórico André
Jolles), o conto tornou-se o gênero literário mais adequado Observe que a caracterização desencantada que o
às características, às exigências e aos hábitos sociais da narrador faz de si mesmo se alia a um simples registro
era moderna. de eventos inexplicáveis para compor uma perturbadora
A sua leitura rápida, o tom concentrado da narrativa – alegoria da vida esvaziada de sentido que pode suceder a
com todos os elementos articulados visando ao mais forte qualquer um. O “mágico enfastiado do ofício” não consegue
impacto final – e a necessidade de depuração de uma evitar a sucessão incontrolável de eventos e metamorfoses
escrita literária que se adequasse à economia de meios espantosas que emanam de seus dedos e o conduzem a
que marcava o conto foram as características que tornaram uma dolorosa crise existencial.
esse gênero literário tão apropriado às experimentações Também na obra do romancista e contista goiano José
que identificam a literatura moderna. Na expressivíssima J. Veiga (1915-1999), tipos humanos, animais e elementos
analogia forjada pelo contista argentino Julio Cortázar, en- insólitos surgem sem explicação e abalam o cotidiano de
quanto o romance vence ou conquista o leitor por pontos, pequenas cidades interioranas. É o caso de uma máquina
o conto o faz por nocaute. O escritor computa tal força enorme, estranha e aparentemente sem função identificável
trazida e largada na pracinha da cidade, no conto “A máqui-
do gênero à sua “esfericidade”, ou seja, ao seu caráter
na extraviada”, do livro de mesmo nome. O conto parece
concentrado e “redondo”, no qual, antes que percebamos
alegorizar a inquietante e descabida intrusão de aparatos
mais conscientemente a sucessão dos elementos narrativos
“modernos” em vidas que não pediram por eles.
responsáveis pelo nosso envolvimento na leitura, o conto
O conto urbano intimista e de sondagem psicológica,
já nos “arrastou” até um surpreendente final.
a propósito da obra de Lygia Fagundes Telles, foi outra
Na literatura brasileira do século XX, o conto cons-
vertente importante da literatura do século XX. Entre os
titui-se a forma ficcional mais moldável à diversidade de
que o praticaram, estão Autran Dourado, Luiz Vilela, João
propostas literárias inovadoras que caracteriza os rumos
Gilberto Noll, Edla van Steen, Antônio Torres, Caio Fer-
do nosso modernismo literário. Não por acaso, verificou-se,
nando Abreu e Sérgio Sant’Anna.
nas décadas de 1960 e 1970, um verdadeiro boom – ou
Dos contistas que refletem a violência e o caos da vida
explosão – do conto no país, o que atesta sua crescente
urbana – como os já mencionados anteriormente, Rubem
popularidade.
Fonseca e Dalton Trevisan –, há alguns que buscaram incor-
Na impossibilidade de percorrermos detidamente todas
porar a esse gênero a perspectiva de vida de representantes
as tendências, as possibilidades narrativas e os autores que
de classes sociais que até então não frequentavam a litera-
marcaram e marcam o conto brasileiro contemporâneo,
tura: são as marginalizadas personagens que se destacam
indicaremos sucintamente a seguir alguns pontos cardeais
nos contos comoventes de João Antônio ou os operários
e incontornáveis destaques entre os nossos contistas mais
das belas narrativas de Domingos Pellegrini.
importantes.
Por meio do conto, é possível investigar o modo como
Um dos destaques obrigatórios é a incursão pelo cha-
a literatura brasileira buscou novos caminhos artísticos e
mado “realismo maravilhoso” ou “realismo mágico” que
representações da vida social. Como afirma o crítico Alfredo
um notável contista mineiro, Murilo Rubião (1916-1991),
Bosi, “Em face da História, rio sem fim que vai arrastando tudo
praticou em inúmeros livros de contos, os quais atingiram
e todos no seu curso, o contista é um pescador de momentos
notoriedade pelo desvio muito criativo que propunham
singulares cheios de significação. [...] O contista explora no
em relação ao predomínio do realismo psicológico ou
discurso ficcional uma hora intensa e aguda da percepção”.
existencial, mais comum em nossa literatura ao longo do
século XX. Eram narrativas em que elementos fantásticos
se inseriam sutilmente em um quadro progressivo de estra-
O teatro brasileiro do século XX
nhamentos que, no entanto, não deixavam de estabelecer O rei da vela e a renovação modernista do
pontos efetivos de retorno e relação com a mais prosaica
teatro brasileiro
das realidades. O efeito é, ao mesmo tempo, revelador de
aspectos pouco observados da vida social e perturbador A renovação de ideias e práticas artísticas que agitou
aos sentidos, como é possível notar no trecho inicial do a literatura e as artes brasileiras a partir da Semana de Arte
conto “O ex-mágico da Taberna Minhota”. Moderna de 1922 negligenciou o teatro, e sobre ele teve
FRENTE 2

repercussão quase nula.


[...] No entanto, ali mesmo no âmbito da Semana de 1922,
Hoje sou funcionário público e este não é o meu descon- como um dos seus principais mentores, estava o escritor
solo maior. Oswald de Andrade, cujas três peças, O homem e o cavalo
Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimen- (publicada em 1934), A morta e O rei da vela (ambas publi-
to. Todo homem, ao atingir certa idade, pode perfeitamente cadas em 1937), mesmo que não tenham sido encenadas
enfrentar a avalanche do tédio e da amargura, pois desde a na época, representam exemplos perfeitos de uma literatura

199
dramática concebida segundo os princípios revolucionários O trecho reproduzido a seguir, um diálogo entre
do Modernismo: sintoniza-se com experiências vanguardistas Abelardo I e sua esposa Heloísa, inicia-se a propósito
que já frequentavam o teatro europeu desde o fim do século de uma reprodução do célebre retrato da Mona Lisa (ou
XIX (como o anárquico texto “Ubu Rei”, do francês Alfred Gioconda), de Leonardo da Vinci, que Abelardo tem em
Jarry, de 1896); apresenta uma visão desmistificadora do seu escritório e dá bem a medida da virulenta crítica social
país, colocando em cena uma feroz caricatura da burgue- implicada na peça.
sia nacional, dos seus hábitos e seus discursos; privilegia o
gesto crítico e demolidor de todos os valores e nega meta- [...]
linguisticamente em sua totalidade o tradicionalismo cênico Abelardo I – A Gioconda.... Um naco de beleza. O pri-
de base romântica ou realista, elegendo a descompostura meiro sorriso burguês...
como finalidade última. Uma fala da personagem Abelardo Heloísa – Você é realista. E por isso enriqueceu magi-
II, de O rei da vela, resume bem essa intenção demolidora: camente. Enquanto os meus pais, lavradores de cem anos,
empobreceram em dois...
A burguesia só produziu um teatro de classe. A apresen- [...]
tação da classe. Hoje evoluímos. Chegamos à espinafração. Abelardo I – Por que não? O pânico do café. Com dinhei-
Oswald de Andrade. O rei da vela. São Paulo:Companhia das Letras, 2017. ro inglês comprei café na porta das fazendas desesperadas.
De posse de segredos governamentais, joguei duro e certo
O fato é que O rei da vela guardou seu potencial no café-papel! Amontoei ruínas de um lado e ouro do outro!
explosivo até 1967, mais de trinta anos depois de ter Mas, há o trabalho construtivo, a indústria.... Calculei ante a
sido escrita, quando finalmente pôde ser encenada, sem regressão parcial que a crise provocou.... Descobri e incentivei
medo do fracasso comercial, pelo grupo do Teatro Oficina, a regressão, à volta a vela... sob o signo do capital americano.
dirigido por José Celso Martinez Corrêa, em uma monta- [...]
gem que marcou época pelo tom anárquico e libertário. A ANDRADE, Oswald de. O rei da vela. São Paulo:Globo, 1991. p. 53-4.
encenação influenciou todo o teatro brasileiro posterior a
ela, e seu impacto se fez notar também nas artes visuais Nelson Rodrigues e a criação do moderno
e na música (no movimento tropicalista) e no cinema (no teatro brasileiro
âmbito do chamado Cinema Novo). O texto de Oswald
Como vimos, uma vez que a renovação modernista fi-
tornou-se, assim, o caso mais notável da longevidade do
cou suspensa para o teatro nacional por tantas décadas,
poder de fogo modernista na renovação das nossas artes.
coube ao nosso maior dramaturgo, Nelson Rodrigues (1912-
A peça promove uma caricatura, em uma série de peque-
1980), a primazia de ter criado o teatro brasileiro moderno,
nas cenas, a vida familiar e as práticas comerciais e financeiras
ao estrear, em 1943, a peça Vestido de noiva. O texto teatral
abusivas de Abelardo I – um fabricante de velas – típico re-
centrava-se no conflito afetivo entre duas irmãs, mas o en-
presentante da burguesia industrial brasileira, inescrupulosa
trecho dramático era apresentado ao público em três níveis
quanto aos meios de enriquecimento, exploradora das classes
de encenação, ora simultâneos, ora alternados, nem sempre
menos favorecidas e subserviente ao capital estrangeiro.
claramente diferenciados: alucinação, memória e realida-
de. Nunca entre nós, até então, o teatro havia apresentado
Coletivo Garapa/Projeto Produção Cultural no Brasil/Teatro Oficina

tal parâmetro de complexidade cênica, claramente posto a


serviço do aprofundamento psicológico das personagens.
O também jornalista e romancista Nelson Rodrigues disse-
cou em suas peças os conflitos, as neuroses e as obsessões
das classes média e média baixa urbana brasileira – especial-
mente a dos subúrbios cariocas –, fazendo um teatro que se
destacava pela força trágica das histórias familiares, sempre
materializadas por meio de uma linguagem coloquial, viva
e plena de expressividade, tanto cômica quanto dramática.
Suas peças mais famosas, como Álbum de família
(1945), A falecida (1953), Os sete gatinhos (1958) e O beijo
no asfalto (1960), trazem à tona o ressentido fundo psico-
lógico que se esconde por trás das intrigas familiares, mas
que podem explodir a qualquer momento, em confrontos
ao mesmo tempo trágicos e cômicos.
Suas personagens são desenhadas com o traço caricatural
e as fortes cores do expressionismo (uma das vanguardas do
início do século), mas, graças ao talento do escritor, igualmente
plenas de humanidade e capazes de provocar uma identifica-
ção imediata. Apesar disso, talvez por seu poder incomum de
sintetizar elementos contraditórios – entre o lírico e o grotes-
José Celso Martinez, mais conhecido como Zé Celso, é diretor do Teatro Oficina,
responsável por encenar pela primeira vez a peça O rei da vela, de Oswald de co – da alma humana e da sociedade, suas peças também
Andrade. causaram escândalo e rejeição em um panorama teatral ainda

200 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Literatura contemporânea


bastante conse dor e marcado, como talvez seja até hoje, no Arena, em 1958, Eles não usam black-tie, que tematizava
por peças de fácil digestão e com apelo comercial. Nelson e o meio operário e as terríveis consequências humanas da
seu teatro intencionalmente desagradável foram e serão sem- predatória industrialização nas grandes cidades brasileiras.
pre desestabilizadores das convenções sociais e dramáticas. Outro dramaturgo que se notabilizou por levar ao palco os
dramas das classes menos favorecidas foi Dias Gomes,
Atenção como fez em sua peça de estreia, O pagador de promessas.
Nesse pequeno panorama sobre a literatura dramática,
cabe também uma referência à obra teatral do escritor e pen-
sador da cultura paraibano Ariano Suassuna (1927-2014).
Em Pernambuco, Ariano fundou o Movimento Armorial, o qual
procurava investigar e renovar a força das raízes medievais
ibéricas da cultura popular brasileira. Nessa perspectiva, Aria-
no escreveu, entre outras peças, em 1965, uma obra-prima
do teatro brasileiro, Auto da Compadecida, auto sacro de
Os novos parâmetros do teatro inspiração medieval embebido na cultura popular nordesti-
nacional a partir dos anos 1950 e 1960 na, que consagrou uma carismática dupla de personagens
Dada a largada para a renovação do teatro nacional com cômicas, Chicó e João Grilo, e suas peripécias em busca
a obra potente de Nelson Rodrigues, é importante mencionar de justiça social e de combate ao preconceito racial e à
mundanidade da igreja, sempre a serviço dos poderosos.
alguns dramaturgos – individualizados ou inseridos em uma
cena teatral específica – que forjaram novos rumos para as
artes cênicas a partir da segunda metade do século XX. A literatura africana de língua
Ainda nos anos 1950, avultou a figura do dramaturgo portuguesa
paulista Jorge Andrade (1922-1984), com seu teatro de O continente africano foi duramente afetado ao longo
forte empenho social e apurada caracterização psicológica. do processo expansionista europeu e, por extensão, por-
Filho de fazendeiros tradicionais, tematizou em peças como tuguês quando, visando ao caminho das índias, Portugal
O telescópio (1954), A moratória (1955) e Os ossos do aportou as suas caravelas na África e estabeleceu conta-
barão (1963) a decadência social da aristocracia rural que to com variadas culturas. No entanto, por séculos, a visão
fundava seu poder nas plantações de café. Em Pedreira eurocêntrica deturpou os traços que conferiam aos povos
das almas (1958), Andrade recuou no tempo histórico e africanos as complexidades das suas organizações sociais,
situou a ação cênica nas Minas Gerais do século XIX para culturais, políticas, econômicas e religiosas, reduzindo-os a
tematizar o processo de criação dos latifúndios a partir do estereótipos simplistas.
esgotamento da exploração de ouro e dos metais precio- O aparecimento das literaturas africanas foi um grande
sos. Findado o ciclo dos patrões, o dramaturgo voltou os mecanismo de luta de libertação, um longo processo histó-
olhos para os oprimidos, tematizando teatralmente, em rico e de conscientização que se iniciou nos anos 1940 e
Vereda da salvação (1964), um episódio verídico de ex- 1950 vinculado ao desenvolvimento cultural nas ex-colô-
plosão de fanatismo religioso em uma comunidade rural de nias e ao surgimento de um jornalismo mais ativo, que se
Minas Gerais oprimida pela fome e pelo desespero. desconectava do cenário geral.
O olhar para os deserdados da sociedade ganhou Do estabelecimento das colônias portuguesas – Guiné-
um parâmetro definitivo na notável obra dramatúrgica do -Bissau, Moçambique, Angola, Cabo Verde e São Tomé e
santista Plínio Marcos (1935-1999). Homem simples que Príncipe –, engendrou-se, a exemplo do que aconteceu
chegou ao teatro por meio do circo, Plínio estreou como no Brasil, uma literatura potente, expressa tanto em verso
autor teatral em 1959, com Barrela, violentíssima peça que quanto em prosa e feita por autores de origem portuguesa
encenava um estupro na cela de uma prisão. Sua obra-pri- que se radicaram por lá ou por africanos de ascendências
ma é Dois perdidos numa noite suja (1966), na qual, em distintas (portuguesa ou africana) que alçaram voos literários
uma linguagem extremamente concisa e fiel aos modos de a partir da língua lusitana.
fala populares – incluindo as gírias e os palavrões que só O saldo proveniente da conquista sobre as atu-
alguém que conheceu de perto o submundo dos grandes almente ex-colônias de Portugal é, para as letras,
centros urbanos poderia reproduzir sem artificialismo –, impressionante. Na poesia, destacam-se poetas como os
encenava uma briga entre dois moradores de rua por um moçambicanos Rui Augusto (1958-), Nelson Saúte (1967-)
par de sapatos. O teatro brasileiro não conhecia até então e José Craveirinha (1922-2003), os angolanos Arlindo do
uma obra que pudesse unir tão depurado realismo cênico Carmo Pires Barbeitos (1940-) e Agostinho Neto (1922-
FRENTE 2

a ressonâncias literárias tão universais. -1979), o cabo-verdiano Ovídio Martins (1928-1999), o


Nesse contexto de um teatro de marcada intervenção guineense Hélder Proença (1956-2009), a são-tomense
social, é importante citar os dramaturgos Gianfrancesco Conceição Lima (1961-), entre tantos.
Guarnieri e Augusto Boal, que se filiaram ao Teatro de Are- Já a prosa criada em língua portuguesa por escritores
na, fundado em 1953 em São Paulo e de destacado papel na africanos tem tido maior alcance, inclusive no Brasil, projetando
criação de novas temáticas e modelos de encenação teatral, escritores como o angolano Pepetela (1941-) e os moçambi-
bem como na resistência à ditadura militar. Guarnieri estreou canos Luís Bernardo Honwana (1942-) e Mia Couto (1955-).

201
A prosa poética de Mia Couto Misturando um e outro, os mestiços
O escritor moçambicano Mia Couto obteve o reco- O povo brasileiro se caracteriza pela grande diversi-
nhecimento da crítica e do público, ambos atraídos pela dade cultural e étnica. Nossa cultura é resultante de uma
originalidade das suas narrativas recheadas de enredos complexa conjugação de elementos provenientes da
pungentes que remexem em feridas do seu país. Estes Europa, da África e da população indígena nativa.
tratam das imposições colonialistas, assim como da rigidez
de valores que orientam uma sociedade machista do pon-
to de vista dos direitos humanos, com certas intolerâncias
e perversidades. Sobressai daí uma prosa, por vezes do-
lorosa, na qual proliferam imagens inusitadas produzidas
poeticamente, inflamadas por um léxico vibrante em que se
alterna o uso de palavras nativas ou inventadas, à maneira
dos neologismos do brasileiro Guimarães Rosa.

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http://www.dreamstime.com/stock-illustration-brazil-
Saiba mais

De toda essa pluralidade, é natural que se defina a


população como mestiça, pois tal mistura compõe o povo
brasileiro. Embora a mestiçagem não seja, obviamente, uma
característica exclusiva do nosso povo, visto que qualquer
Terra sonâmbula: uma obra-prima população no mundo é mestiça, no Brasil essa é uma ca-
Primeiro romance de Mia Couto, Terra sonâmbula racterística profundamente ligada à formação do povo
trouxe como pano de fundo histórico para o enredo uma brasileiro e de sua cultura.
guerra civil terrível e sangrenta que durou quase duas Podemos dizer, então, que houve uma miscigenação
décadas. Duas narrativas foram apresentadas: a primeira entre os costumes e valores dos europeus – principalmen-
compreendia a relação travada entre o menino Muidinga te dos portugueses – e os dos ameríndios e africanos na
e seu companheiro de viagem e fuga, o velho Tuahir; e constituição sociocultural do país, resultando no que hoje
a outra foi narrada em flashback, apresentada ao leitor a conhecemos como cultura brasileira.
partir da leitura das páginas de um longo diário que veio
parar nas mãos do menino Muidinga. Esses “cadernos Atenção
de Kindzu” haviam sido recolhidos de uma mala que se
encontrava junto ao corpo morto de seu autor.
[...]
O velho se chama Tuahir. É magro, parece ter perdido toda
a substância. O jovem se chama Muidinga. Caminha à frente
desde que saíra do campo de refugiados. Se nota nele um leve
coxear, uma perna demorando mais que o passo. Vestígio da
doença que, ainda há pouco, o arrastara quase até à morte. Essa multiculturalidade pode ser percebida em nos-
Quem o recolhera fora o velho Tuahir, quando todos outros o so folclore e em vários outros pontos, por exemplo, na
haviam abandonado. O menino estava já sem estado, os ranhos culinária, em festas e costumes populares, na literatura,
lhe saíam não do nariz mas de toda a cabeça. O velho teve na variedade de fisionomias, nos diferentes ritmos e até
que lhe ensinar todos os inícios: andar, falar, pensar. Muidinga mesmo na variedade da língua. Assim, múltiplas culturas
se meninou outra vez. Esta segunda infância, porém, fora apres- compõem uma só: a cultura brasileira.
sada pelos ditados da sobrevivência.
[...] A cultura brasileira e as contradições
COUTO, Mia. “A estrada morta”. Terra sonâmbula. São Paulo: Uma grande parte da riqueza da cultura brasileira se
Companhia de Bolso, 2015. p. 9.
deve à presença de elementos africanos no contexto das
Já nesse romance de estreia, é possível observar a produções e expressões artísticas. A nossa diversidade é
engenhosidade com que Mia Couto articula a língua por- histórica, explica-se por muitos fatos políticos e está longe
tuguesa: tirando proveito da tradição oral, inventando de ter sido um processo natural e tranquilo como sugerem
palavras e construindo aforismos. algumas imagens oficiais.

202 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Literatura contemporânea


Assim, ao mesmo tempo que são fundamentais para a e o sucesso do novo gênero florescente consagrou-se em
composição de nossa sociedade e cultura, contraditoria- nossa vida cultural.
mente os negros são alvo constante de discriminação, ou Assim, elementos de outras tradições e culturas, acres-
seja, há um grande contrassenso. cidos de características do país, deram origem à nossa
Tal disparidade pode ser explicada pela história da cultura, cuja configuração no seu conjunto folclórico ganhou
sociedade brasileira, a qual vive sob heranças de um novos contornos na música, na culinária e nas mais diversas
passado colonial e escravocrata. Em outras palavras, a expressões artísticas, como se nota no samba, na feijoada,
estrutura social do Brasil tem bases fincadas na era da na capoeira, entre outros.
colonização, cujos traços foram determinantes para dese-
nhar a realidade que molda nosso país até os dias atuais; a Atenção
economia baseada na exportação de gêneros agrícolas e
a concentração fundiária constituem exemplos de proble-
mas que o Brasil enfrenta até hoje e que são originários
da formação colonial.
Os negros foram escravizados e trazidos para o Brasil sob
condições desumanas. Os escravizados eram vistos como
mercadorias, sendo considerados propriedades de outros
homens que detinham o poder, marginalizados e deixados
inteiramente à parte das decisões, com sua voz silenciada.
No entanto, assim como os indígenas, os negros têm
culturas muito diversas da cultura europeia e detêm ele-
mentos importantes, essenciais para a formação do quadro
brasileiro; porém, foram calados, ignorados ou meramente O negro na literatura brasileira
eliminados. Assim, a cultura eurocêntrica se posicionou aci- Nos primeiros momentos da literatura brasileira, a figura
ma das outras e apagou-as em algum grau, engendrando do negro foi muito pouco mencionada; afinal, ele era escra-
a ideia de que não existia entre aqueles povos diferentes vizado, e a ideologia disparatada do colonialismo indicava
dos europeus material cultural digno de valorização. Essa que o escravizado não deveria ser retratado como um ser
noção se apoiava na falsa dualidade do europeu como humano legítimo.
homem civilizado versus o não europeu como “selvagem”. Assim, o negro foi conquistando espaço aos poucos.
Posteriormente, ele foi representado por importantes escri-
O elemento africano na cultura brasileira tores, como Castro Alves, Luiz Gama, Lima Barreto e Jorge
A partir do início do século XX, formou-se uma incipien- Amado, que não buscavam necessariamente dar visibilidade
te indústria cultural no Brasil. Nesse contexto, surgiu, entre às culturas tradicionais africanas, mas sim ao negro brasileiro.
muitos outros aspectos culturais, um novo gênero musical Embora os negros tenham ganhado mais destaque na
no país – o samba –, que teve a capacidade de misturar literatura, nem sempre os textos eram desenvolvidos sob a
realidades até então muito distantes, como as danças de perspectiva deles, sendo comum que o discurso estivesse
salão dos senhores de escravos e os elementos festivos relacionado ao ponto de vista dos senhores. Isso se deve,
de tradição africana. entre outros aspectos, ao fato de a abolição da escravidão
Esse sincretismo que caracteriza o samba combina no Brasil não ter resultado em profundas transformações
muito bem com o caráter mestiço da população brasileira, sociais, limitando-se a interesses políticos e econômicos.

Revisando

1. UEL-PR 2015 Leia o poema a seguir: No que diz respeito aos procedimentos formais veri-
cados (rimas, sonoridade e jogos de palavras) e aos
desencontrários sentidos construídos, relacione os dois primeiros ver-
Mandei a palavra rimar, sos ao restante do poema.
ela não me obedeceu.
Falou em mar, em céu, em rosa, 2. UFBA
em grego, em silêncio, em prosa.
Parecia fora de si, Emergência
FRENTE 2

Mário Quintana
a sílaba silenciosa.
Quem faz um poema abre uma janela.
Mandei a frase sonhar,
Respira, tu que estás numa cela
e ela se foi num labirinto. abafada,
Fazer poesia, eu sinto, apenas isso. esse ar que entra por ela.
Dar ordens a um exército, Por isso é que os poemas têm ritmo
para conquistar um império extinto. — para que possas profundamente respirar.
LEMINSKI, P. Toda poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 190. Quem faz um poema salva um afogado.

203
Agosto 1964 num tic tac que não se ouve
Ferreira Gullar (senão quando se cola o ouvido à altura do meu co-
Entre lojas de flores e de sapatos, bares, ração)
mercados, butiques, tic tac tic tac
viajo GULLAR, Ferreira. Poema Sujo. São Paulo: Círculo do Livro, 1980, p. 11-13.
(fragmento).
num ônibus Estrada de Ferro – Leblon.
Volto do trabalho, a noite em meio,
fatigado de mentiras. 3. UFT-TO 2020 Sobre o fragmento do Poema Sujo, de
O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud, Ferreira Gullar, assinale a alternativa CORRETA.
relógio de lilases, concretismo, a) Retrata, por meio de um narrador em terceira pes-
neoconcretismo, ficções da juventude, adeus, soa, a memória de um homem cosmopolita de
que a vida meia idade.
eu a compro à vista aos donos do mundo. b) Traz como temáticas centrais as paixões da juventude
Ao peso dos impostos, o verso sufoca, e a solidão que compõe o eu-lírico na idade adulta.
a poesia agora responde a inquérito policial-militar. c) Apresenta as impressões do eu-lírico sobre o cor-
Digo adeus à ilusão po-vida que o constitui.
mas não ao mundo. Mas não à vida, d) Compõe-se de um narrador em terceira pessoa
meu reduto e meu reino. que descreve sua trajetória de vida, do nascimen-
Do salário injusto, to à velhice.
da punição injusta,
da humilhação, da tortura, 4. UFRGS 2015 Assinale com V (verdadeiro) ou F (falso)
do terror, as afirmações a seguir, sobre o álbum Tropicália ou
retiramos algo e com ele construímos um artefato Panis et Circencis,
um poema O álbum foi lançado em julho de 1968, antes da
uma bandeira edição do Ato Institucional nº 5, que agravou a
censura e a perseguição política a artistas e inte-
Com base na leitura dos poemas “Emergência”, de
lectuais opositores do regime.
Mário Quintana, e “Agosto ”, de Ferreira Gullar,
O álbum ressalta a impossibilidade de conciliação
explique a concepção de poesia de cada sujeito
entre referências musicais como o “brega”, a Bossa
poético e destaque, pelo menos, dois recursos lin-
Nova, a Jovem Guarda e a canção de protesto.
guísticos que constituem imagens poéticas de cada
O álbum está em consonância com outras formas
texto. Justique sua escolha.
artísticas do período, entre elas o cinema de Glau-
Leia o fragmento para responder à questão 3. ber Rocha, o Teatro Oficina de Zé Celso Martinez
Corpo meu corpo corpo Correa e as artes plásticas de Hélio Oiticica.
que tem um nariz assim uma boca O álbum, no campo literário, dialoga com a Poesia
dois olhos Concreta de Décio Pignatari, Augusto e Haroldo
e um certo jeito de sorrir de Campos e com a antropofagia de Oswald de
de falar Andrade.
que minha mãe identifica como sendo de seu filho A sequência correta de preenchimento dos parênte-
que meu filho identifica ses, de cima para baixo, é
como sendo de seu pai a) V – F – F – F d) F – V – F – F
b) V – F – V – V e) V – V – V – F
corpo que se para de funcionar provoca c) F – F – F – V
um grave acontecimento na família:
sem ele não há José Ribamar Ferreira 5. Enem 2015
não há Ferreira Gullar Tudo era harmonioso, sólido, verdadeiro. No prin-
cípio. As mulheres, principalmente as mortas do álbum,
eram maravilhosas. Os homens, mais maravilhosos ainda,
e muitas pequenas coisas acontecidas no planeta
ah, difícil encontrar família mais perfeita. A nossa família,
estarão esquecidas para sempre
dizia a bela voz de contralto da minha avó. Na nossa
família, frisava, lançando em redor olhares complacentes,
corpo-facho corpo-fátuo corpo-fato
lamentando os que não faziam parte do nosso clã. […]
[...] Quando Margarida resolveu contar os podres todos que
meu corpo nascido numa porta-e-janela da Rua dos sabia naquela noite negra da rebelião, fiquei furiosa. […]
[Prazeres É mentira, é mentira!, gritei tapando os ouvidos. Mas
ao lado de uma padaria Margarida seguia em frente: tio Maximiliano se casou com
sob o signo de Virgo a inglesa de cachos só por causa do dinheiro, não pas-
sob as balas do 24º BC sava de um pilantra, a loirinha feiosa era riquíssima. Tia
na revolução de 30 Consuelo? Ora, tia Consuelo chorava porque sentia falta
e que desde então segue pulsando como um relógio de homem, ela queria homem e não Deus, ou o convento

204 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Literatura contemporânea


ou o sanatório. O dote era tão bom que o convento abriu- Para responder à questão 7, leia o trecho do conto
-lhe as portas com loucura e tudo. “E tem mais uma coisa “Linda, uma história horrível”, de Caio Fernando Abreu.
ainda, minha queridinha”, anunciou Margarida fazendo
um agrado no meu queixo. Reagi com violência: uma agre- [...] — Então quer dizer que o senhor veio me visitar?
gada, uma cria e, ainda por cima, mestiça. Como ousava Muito bem.
desmoralizar meus heróis? Ele fechou o isqueiro na palma da mão. Quente da
TELLES, L. F. A estrutura da bolha de sabão. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
mão manchada dela.
— Vim, mãe. Deu saudade.
Representante da cção contemporânea, a prosa de Riso rouco:
Lygia Fagundes Telles congura e desconstrói mode- — Saudade? Sabe que a Elzinha não aparece aqui faz
los sociais. mais de mês? Eu podia morrer aqui dentro. Sozinha. Deus
No trecho, a percepção do núcleo familiar descortina me livre. Ela nem ia ficar sabendo, só se fosse pelo jornal.
um(a): Se desse no jornal. Quem se importa com um caco velho?
a) convivência frágil ligando pessoas financeiramen- Ele acendeu um cigarro. Tossiu forte na primeira tragada:
te dependentes. — Também moro só, mãe. Se morresse, ninguém ia
b) tensa hierarquia familiar equilibrada graças à pre- ficar sabendo. E não ia dar no jornal. [...]
sença da matriarca. — Deixa eu te ver melhor — pediu [ela].
c) pacto de atitudes e valores mantidos à custa de Ajeitou os óculos. Ele baixou os olhos. No silêncio, ficou
ocultações e hipocrisias. ouvindo o tic-tac do relógio da sala. Uma barata miúda riscou
d) tradicional conflito de gerações protagonizado o branco dos azulejos atrás dela.
pela narradora e seus tios. — Tu estás mais magro — ela observou. Parecia preocupada.
e) velada discriminação racial refletida na procura — Muito mais magro.
de casamentos com europeus. — É o cabelo — ele disse. Passou a mão pela cabeça
quase raspada. — E a barba, três dias.
6. Enem 2012 — Perdeu cabelo, meu filho. [...]
Levantou os olhos, pela primeira vez olhou direto nos
O senhor
olhos dela. Ela também olhava direto nos olhos dele. Verde
Carta a uma jovem que, estando em uma roda em desmaiado por trás das lentes dos óculos, subitamente
que dava aos presentes o tratamento de você, se dirigiu muito atentos. Ele pensou: é agora, nesta contramão. Qua-
ao autor chamando-o “o senhor”: se falou. Mas ela piscou primeiro. [...]
Senhora: — Mas vai tudo bem? [...] Saúde? Diz que tem umas
Aquele a quem chamastes senhor aqui está, de peito doenças novas aí, vi na tevê. Umas pestes.
magoado e cara triste, para vos dizer que senhor ele não — Graças a Deus – ele cortou. [...]
é, de nada, nem de ninguém. – Vou dormir que amanhã cedo tem feira. Tem lençol
Bem o sabeis, por certo, que a única nobreza do plebeu limpo no armário do banheiro.
está em não querer esconder sua condição, e esta nobreza te- Então fez uma coisa que não faria, antigamente.
nho eu. Assim, se entre tantos senhores ricos e nobres a quem Segurou-o pelas duas orelhas para beijá-lo não na testa,
chamáveis você escolhestes a mim para tratar de senhor, é mas nas duas faces. Quase demorada. Aquele cheiro – ci-
bem de ver que só poderíeis ter encontrado essa senhoria nas garro, cebola, cachorro, sabonete, cansaço, velhice. Mais
rugas de minha testa e na prata de meus cabelos. Senhor de qualquer coisa úmida que parecia piedade, fadiga de ver.
muitos anos, eis aí; o território onde eu mando é no país do Ou amor. Uma espécie de amor. [...]
tempo que foi. Essa palavra “senhor”, no meio de uma frase, [Ele] Começou a desabotoar a camisa manchada de
ergueu entre nós um muro frio e triste. suor e uísque. Um por um, foi abrindo os botões. Acendeu
Vi o muro e calei: não é de muito, eu juro, que me a luz do abajur, para que a sala ficasse mais clara quando,
acontece essa tristeza; mas também não era a vez primeira. sem camisa, começou a acariciar as manchas púrpuras
BRAGA, R. A borboleta amarela. Rio de Janeiro: Record, 1991. [...] espalhadas embaixo dos pelos do peito. Na ponta
dos dedos, tocou o pescoço. Do lado direito, inclinando
A escolha do tratamento que se queira atribuir a al- a cabeça, como se apalpasse uma semente no escuro.
guém geralmente considera as situações especícas Depois foi dobrando os joelhos até o chão. Deus, pensou,
de uso social. A violação desse princípio causou um antes de estender a outra mão para tocar no pelo da cadela
mal-estar no autor da carta. O trecho que descreve quase cega, cheio de manchas rosadas. Iguais às do tapete
essa violação é: gasto da escada, iguais às da pele do seu peito, embaixo
a) “Essa palavra, ‘senhor’, no meio de uma frase er- dos pelos. Crespos, escuros, macios [...].
gueu entre nós um muro frio e triste”.
b) “A única nobreza do plebeu está em não querer 7. PUC-RS 2013 Todas as afirmativas estão corretamen-
FRENTE 2

esconder a sua condição”. te associadas ao excerto e seu contexto, exceto:


c) “Só poderíeis ter encontrado essa senhoria nas a) Embora a distância que mantêm um do outro, os
rugas de minha testa”. dois personagens conseguem finalmente com-
d) “O território onde eu mando é no país do tempo partilhar todos os seus segredos.
que foi”. b) Perda de peso, queda de cabelos, manchas ro-
e) “Não é de muito, eu juro, que acontece essa tris- sadas, caroço no pescoço são indícios de que o
teza; mas também não era a vez primeira”. filho está doente.

205
c) As comparações com a cadela quase cega e com 9. Unicamp-SP 2018 Leia a seguir dois excertos de
o tapete gasto reforçam o estado de fragilidade Terra Sonâmbula, de Mia Couto.
do filho.
d) A precariedade do espaço narrativo, acentuada Muidinga não ganha convencimento. Olha a planície,
por elementos sensoriais (cheiros, cores, sons), é tudo parece desmaiado. Naquele território, tão despido de
igualmente metáfora da relação entre mãe e filho. brilho, ter razão é algo que já não dá vontade.
e) O autor do excerto também escreveu O ovo apu-
nhalado e Morangos mofados, entre outras obras. [...]

8. UFRN 2013 Leia os fragmentos extraídos, respectiva- — Sabe, miúdo, o que vamos fazer? Você me vai ler
mente, de Capitães da Areia e de O santo e a porca. mais desses escritos.
Texto 1 — Mas ler agora, com esse escuro?
Tá com outra, não é? Mas meu Senhor do Bonfim — Acendes o fogo lá fora.
há de fazer com que os dois fique entrevado. Senhor do — Mas, com a chuva, a lenha toda se molhou.
Bonfim é meu santo. — Então vamos acender o fogo dentro do machim-
AMADO, Jorge. Capitães da Areia. São Paulo: bombo. Juntamos coisa de arder lá mesmo.
Companhia das Letras, 2009. p. 43.
— Podemos, tio? Não há problema?
Texto 2 — Problema é deixar este escuro entrar na cabeça da
Ah, isso é o que eu não digo. Queria saber, hein? Está gente. Não podemos dançar nem rir. Então vamos para
bem, saia. Afinal de contas, já o revistei todo. Fora daqui! dentro desses cadernos. Lá podemos cantar, divertir.
E que Santo Antônio lhe cegue os olhos e lhe dê paralisia COUTO, Mia. Terra sonâmbula.
nos dois braços e nas duas pernas duma vez. Rio de Janeiro: Record, 1993. p. 10 e 152.
SUASSUNA, Ariano. O santo e a porca. 22. ed. Rio de Janeiro:
José Olympio, 2010. p. 106. a) No primeiro excerto, descreve-se a relação da
personagem com o espaço narrativo. Consi-
Os fragmentos trazem cenas que apresentam derando o conjunto do romance, caracterize a
a) um tom anticlerical em virtude de as entidades identidade narrativa de Muidinga em relação a
sagradas serem representadas como seres de
esse espaço e explique por que o território era
caráter vingativo.
“despido de brilho”.
b) um tom cômico em decorrência da forma como as
entidades sagradas são tratadas. b) No segundo excerto, o diálogo das duas perso-
c) uma situação irônica, visto que o mal que as perso- nagens principais do romance aborda a questão
nagens desejam aos outros também as acometerá. da leitura e sua função para a situação existencial
d) uma situação humorística, uma vez que as per- dos protagonistas. Explique o que seriam os “es-
sonagens sabiam que seus desejos não seriam critos” e “cadernos” mencionados e por que neles
atendidos. os protagonistas poderiam “cantar e divertir”.

Exercícios propostos

1. UFJF/Pism-MG 2020 Leia o poema abaixo para res- Marque a alternativa INCORRETA a respeito do poe-
ponder à questão: ma acima:
a) Trata-se de um texto que pode ser rotulado como
Meu povo, meu poema
poema participante ou poesia engajada.
Meu povo e meu poema crescem juntos
b) O texto apresenta forte adesão à temática de in-
como cresce no fruto
teresse da coletividade, o que afasta o eu poético
a árvore nova
do individualismo sentimental.
No povo meu poema vai nascendo c) A ideia-núcleo do poema é a da transformação.
como no canavial A esse núcleo estão associadas as metáforas do
nasce verde o açúcar poema.
No povo meu poema está maduro d) Plantar equivale no poema à tarefa de abrir mão
como o sol do presente em benefício do futuro.
na garganta do futuro e) O eu poético parece inclinado a unir os requin-
tes do formalismo de vanguarda à linguagem dos
Meu povo em meu poema
cantadores populares.
se reflete
como a espiga se funde em terra fértil
2. Enem PPL 2017
Ao povo seu poema aqui devolvo
menos como quem canta Sou um homem comum
do que planta brasileiro, maior, casado, reservista,
(GULLAR, Ferreira. Toda Poesia. José Olympio: Rio de Janeiro, 2000.) e não vejo na vida, amigo

206 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


nenhum sentido, senão 111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos
lutarmos juntos por um mundo melhor. Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de
Poeta fui de rápido destino tão pobres
Mas a poesia é rara e não comove E pobres são como podres e todos sabem como se
nem move o pau de arara. tratam os pretos
[...]
Quero, por isso, falar com você
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
de homem para homem,
O Haiti é aqui
apoiar-me em você O Haiti não é aqui
oferecer-lhe meu braço (Disponível em http://www.caetanoveloso.com.br/.
que o tempo é pouco Acessado em 12/10/2019.)
e o latifúndio está aí matando
[...]
Homem comum, igual
a você,
[...]
Mas somos muitos milhões de homens
comuns
e podemos formar uma muralha 3. Unicamp-SP 2020
com nossos corpos de sonhos e margaridas. a) O verso “O Havaí, seja aqui” (texto I), de Caetano
FERREIRA GULLAR. Dentro da noite veloz. Rio de Janeiro: Veloso, e o verso “O Haiti é aqui” (texto II), de
José Olympio, 2013 (fragmento). Caetano e Gilberto Gil, refletem diferentes posições
No poema, ocorre uma aproximação entre a realidade em relação aos lugares a que se referem. Explique
social e o fazer poético, frequente no Modernismo. Nes- como o uso do verbo “ser” define cada uma dessas
posições.
sa aproximação, o eu lírico atribui à poesia um caráter de
b) Explicite as duas visões dos compositores ao dize-
a) agregação construtiva e poder de intervenção na
rem: “O Haiti é aqui” / “O Haiti não é aqui” (texto II).
ordem instituída.
b) força emotiva e capacidade de preservação da
4. Enem 2017
memória social.
c) denúncia retórica e habilidade para sedimentar Contranarciso
sonhos e utopias. em mim
d) ampliação do universo cultural e intervenção nos eu vejo o outro
valores humanos. e outro
e) identificação com o discurso masculino e questio- e outro
namento dos temas líricos. enfim dezenas
trens passando
Textos para a questão 3. vagões cheios de gente
centenas
Texto I
o outro
“Menino do Rio” que há em mim
(Caetano Veloso, Cinema Transcendental, 1979.) é você
você
Menino do Rio
e você
Calor que provoca arrepio
Dragão tatuado no braço assim como
Calção corpo aberto no espaço eu estou em você
eu estou nele
Coração, de eterno flerte
em nós
Adoro ver-te
e só quando
[...]
estamos em nós
O Havaí, seja aqui estamos em paz
Tudo o que sonhares mesmo que estejamos a sós
Todos os lugares LEMINSKI, P. Toda poesia. São Paulo: Cia. das Letras, 2013.
As ondas dos mares
A busca pela identidade constitui uma faceta da
Pois quando eu te vejo
tradição literária, redimensionada pelo olhar contem-
FRENTE 2

Eu desejo o teu desejo


porâneo. No poema, essa nova dimensão revela a
Texto II a) ausência de traços identitários.
b) angústia com a solidão em público.
“Haiti” c) valorização da descoberta do “eu” autêntico.
(Caetano Veloso e Gilberto Gil, Tropicália 2, 1993.) d) percepção da empatia como fator de autoconhe-
[...] cimento.
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo e) impossibilidade de vivenciar experiências de per-
diante da chacina tencimento.
207
5. Enem 2015 d) o poeta caracteriza o momento de opressão atra-
vés de alegorias de forte poder de impacto.
Aquarela
e) “centuriões” e “sentinelas” simbolizam os agentes
O corpo no cavalete que garantem a paz social experimentada.
é um pássaro que agoniza
exausto do próprio grito. 7. Unicamp-SP 2019
As vísceras vasculhadas
[...]
principiam a contagem
Eu tenho uma ideia.
regressiva.
Eu não tenho a menor ideia.
No assoalho o sangue
Uma frase em cada linha. Um golpe de exercício.
se decompõe em matizes
Memórias de Copacabana. Santa Clara às três da tarde.
que a brisa beija e balança:
Autobiografia. Não, biografia.
o verde – de nossas matas
Mulher.
o amarelo – de nosso ouro
Papai Noel e os marcianos.
o azul – de nosso céu
Billy the Kid versus Drácula.
o branco o negro o negro
Drácula versus Billy the Kid.
CACASO. In: HOLLANDA, H. B (Org.). 26 poetas hoje.
Rio de Janeiro: Aeroplano, 2007. Muito sentimental.
Agora pouco sentimental.
Situado na vigência do Regime Militar que governou o Pensa no seu amor de hoje que sempre dura menos
Brasil na década de 1970, o poema de Cacaso edica [que o seu
uma forma de resistência e protesto a esse período, amor de ontem.
metaforizando Gertrude: estas são ideias bem comuns.
a) as artes plásticas, deturpadas pela repressão e Apresenta a jazz-band.
censura. Não, toca blues com ela.
b) a natureza brasileira, agonizante como um pássa- Esta é a minha vida.
ro enjaulado. Atravessa a ponte.
c) o nacionalismo romântico, silenciado pela perple- [...]
(Ana Cristina Cesar, A teus pés. São Paulo: Companhia das Letras, 2016, p. 9.)
xidade com a Ditadura.
d) o emblema nacional, transfigurado pelas marcas Esse trecho do poema de abertura de A teus pés, de
do medo e da violência. Ana Cristina Cesar,
e) as riquezas da terra, espoliadas durante o apare- a) expressa nostalgia do passado, visto que mobiliza
lhamento do poder armado. referências à cultura pop dos anos .
b) requisita a participação do leitor, já que as refe-
6. Enem 2012 rências biográficas são fragmentárias.
c) exclui a dimensão biográfica, pois se refere a per-
Logia e mitologia sonagens imaginários e de ficção.
Meu coração d) tematiza a descrença na poesia, uma vez que a
de mil e novecentos e setenta e dois poeta se contradiz continuamente.
já não palpita fagueiro
sabe que há morcegos de pesadas olheiras 8. PUC-PR 2015 Sobre o livro Muitas vozes, lançado em
que há cabras malignas que há 1999 por Ferreira Gullar, é verdadeiro afirmar:
cardumes de hienas infiltradas a) Muitas vozes assinala o ponto alto na tomada de
no vão da unha na alma posição de Ferreira Gullar no sentido de uma po-
um porco belicoso de radar esia engajada, comprometida com a luta contra a
opressão e a injustiça.
e que sangra e ri
b) É neste livro que se reúnem os poemas neocon-
e que sangra e ri
cretos de Gullar, consolidando a cisão do poeta
a vida anoitece provisória
maranhense em relação ao concretismo elabo-
centuriões sentinelas rado e teorizado pelos paulistas Décio Pignatari,
do Oiapoque ao Chuí. Augusto e Haroldo de Campos.
CACASO. Lero-lero. Rio de Janeiro: 7Letras; São Paulo: Cosac & Naify, 2002.
c) É um volume de poemas em que o poeta se afasta
O título do poema explora a expressividade de termos da temática engajada dos livros anteriores, voltando-
que representam o conito do momento histórico vivi- -se, preferencialmente, para temas memorialísticos e
de reflexão sobre a passagem do tempo e a morte.
do pelo poeta na década de 1970. Nesse contexto, é
d) Muitas vozes é a única incursão de Ferreira Gullar
correto armar que
na poesia dramática, em que cada uma das vozes
a) o poeta utiliza uma série de metáforas zoológicas do poema que dá nome ao livro representa per-
com significado impreciso. sonagens típicas do Nordeste brasileiro: o beato,
b) “morcegos”, “cabras” e “hienas” metaforizam as o cangaceiro, o coronel, o padre etc.
vítimas do regime militar vigente. e) Em Muitas vozes, Ferreira Gullar rompe definitiva-
c) o “porco”, animal difícil de domesticar, representa mente com o ideário estético da Geração de 45,
os movimentos de resistência. ao qual, de certa forma, estivera preso até então.

208 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


9. Unicamp-SP 2022 12. UFPE 2013 Somente no século XX a produção literária
feminina passou a ser socialmente valorizada no Brasil
“Lygia é uma escritora que trabalha com mistérios e
e reconhecida pela nossa história da literatura oficial.
pequenas revelações. Porém não se entenda errado: sua
Considerando a participação das mulheres nas letras
escrita não é religiosa, nem mística. Se há religiosidade, é nacionais e a leitura do texto a seguir, analise as propo-
no modo como ela escava a banalidade em busca de seu sições que se seguem.
miolo. Se há misticismo, ele se esconde em sua inclinação
para valorizar as zonas subterrâneas da existência.” Com licença poética
(José Castello, “Lygia na penumbra” in Seminário dos Ratos. São Paulo:
Quando nasci um anjo esbelto,
Companhia das Letras, 2009, p. 170.)
desses que tocam trombeta, anunciou:
“Etimologicamente, o grego alegoria significa ‘dizer vai carregar bandeira.
o outro’, dizer alguma coisa diferente do sentido literal. Cargo muito pesado pra mulher,
Regra geral, a alegoria reporta-se a uma história ou a uma esta espécie ainda envergonhada.
situação que joga com sentidos duplos e figurados, sem Aceito os subterfúgios que me cabem,
limites textuais (pode ocorrer num simples poema como sem precisar mentir.
num romance inteiro), pelo que também tem afinidades PRADO, Adélia.
com a parábola e a fábula.” A Academia Brasileira de Letras teve como primei-
(Adaptado de Carlos Ceia, E-dicionário de termos literários. Disponível em ra mulher a ocupar um lugar de honra, apenas na
https://edftl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/alegoria. Acessado em 18/08/2021.)
segunda metade do século XX, a escritora Rachel
a) No conto “Seminário dos ratos”, há um fato banal de Queiroz.
que se torna extraordinário no percurso narrativo. Lygia Fagundes Telles, Clarice Lispector, Adélia
Descreva esse fato e apresente dois elementos Prado, Cecília Meireles, entre outras, são nomes
do enredo que colaboram para a construção do que se destacam na produção literária nacional,
conflito narrado. pela qualidade estética de suas obras.
b) Há, no conto de Lygia Fagundes Telles, a ela- Como se constata na leitura do poema em apre-
ço, Adélia Prado faz opção por uma estética que
boração de uma alegoria. Identifique qual é o
privilegia uma linguagem simples, sem pretensões
elemento central dessa alegoria e explique seu
acadêmicas, mais próxima do falar cotidiano.
sentido, considerando o período em que o conto
O poema em questão expressa a condição da mu-
foi publicado. lher em nossa sociedade e dialoga com o poema
As questões 10 e 11 referem-se à obra Bagagem, de de Carlos Drummond de Andrade, como se lê:
“Quando nasci, um anjo torto/ desses que vivem
Adélia Prado. na sombra/ disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.”.
No poema, ca claro que a representação da
10. UFRGS 2020 Leia as seguintes afirmações sobre o mulher em nossa sociedade está associada a
poema “Ensinamento”. potência, dignidade e soberania nas atividades so-
I. O sujeito lírico mostra que o sentimento é revela- ciais e políticas, ao contrário do que acontece com
do pelas ações das pessoas. as mulheres em outros contextos mundiais.
II. A cena recuperada mostra o gesto de amor da
Textos para a questão 13.
mãe para com o pai.
III. O ensinamento do poema é que o amor é mais A mão no ombro
importante do que a instrução.
Fragmento 1
Quais estão corretas? E se cheguei até aqui é porque vou morrer. Já?, horrori-
a) Apenas I. d) Apenas I e III. zou-se olhando para os lados mas evitando olhar para trás. A
b) Apenas II. e) I, II e III. vertigem o fez fechar de novo os olhos. Equilibrou-se tentando
c) Apenas III. se agarrar ao banco, Não quero!, gritou. Agora não, meu
Deus, espera um pouco, ainda não estou preparado! Calou-
11. UFRGS 2020 Assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) -se, ouvindo os passos que desciam tranquilamente a escada.
as seguintes afirmações sobre poemas da obra. Mais tênue que a brisa, um sopro pareceu reavivar a alameda.
“Com licença poética” apresenta intertextualidade Agora está nas minhas costas, ele pensou, e sentiu o braço se
com a obra de Carlos Drummond de Andrade. estender na direção do seu ombro. Sentiu a mão ir baixando
numa crispação de quem (familiar e contudo cerimonioso) dá
“Sedução” trata do homem amado, prometido para
um sinal, Sou eu. O toque manso. Preciso acordar, ordenou se
o casamento.
contraindo inteiro, isso é apenas um sonho! Preciso acordar!,
FRENTE 2

“Antes do nome” caracteriza-se como reexão so-


acordar. Acordar, ficou repetindo e abriu os olhos. (p. 149)
bre o fazer poético. Fragmento 2
“Páscoa” caracteriza a velhice. Cumpriu a rotina da manhã com uma curiosidade
A sequência correta de preenchimento dos parênte- comovida, atento aos menores gestos que sempre repetiu
ses, de cima para baixo, é automaticamente e que agora analisava, fragmentando-os
a) F – V – F – F d) F – V – V – V em câmara lenta, como se fosse a primeira vez que abria
b) V – V – F – V e) V – F – V – F uma torneira. Podia também ser a última. Fechou-a, mas
c) V – F – V – V que sentimento era esse? (p. 150-151)
209
Fragmento 3 I. O eu lírico, claramente uma voz feminina, percebe
A alegria era quase insuportável: da primeira vez, es- que algo em sua vida mudou. Não existe mais a
capei acordando. Agora vou escapar dormindo. Não era mãe: “Não encontrei minha mãe.”, os filhos lhe de-
simples? Recostou a cabeça no espaldar do banco, mas monstram vergonha: “Meus filhos me repudiaram
não era sutil? Enganar assim essa morte saindo pela porta envergonhados”. Há, para o eu lírico, apenas uma
do sono. Preciso dormir, murmurou fechando os olhos. Por certeza: a chuva lhe traz melhoras.
entre a sonolência verde-cinza, viu que retomava o sonho II. O poema, escrito por Adélia Prado, trata das
no ponto exato em que fora interrompido. A escada. Os inúmeras questões que compõem o mundo mas-
passos. Sentiu o ombro tocado de leve. Voltou-se. (p. 153) culino e sua relação com o mundo feminino. Não
TELLES, Lygia Fagundes. A mão no ombro. In: TELLES, Lygia Fagundes. há alternativas para as mulheres numa sociedade
Melhores contos de Lygia Fagundes Telles. Seleção de Eduardo Portella. 13.
ed. São Paulo: Global, 2015. [Fragmentos]. patriarcal e opressiva, governada pelos homens.
Isso está claro no verso “(...) meu marido ficou tris-
13. UFSC 2020 Com base na leitura de três fragmentos te até a morte (...)”.
do conto “A mão no ombro”, da coletânea Melhores III. Para o eu lírico, há uma relação entre o fazer coti-
contos de Lygia Fagundes Telles, originalmente publi- diano e o fazer artístico. As duas ações, se feitas
cada em 1983, no contexto sócio-histórico e literário sob a égide do talento, poderão se tornar cons-
da obra e, ainda, de acordo com a variedade padrão cientes. Nos versos apontados pelas referências
da língua escrita, é correto afirmar que:  e 2, essa afirmativa é explicitada pelo eu lírico,
 o conto evidencia três passagens: o momento em entretanto outras interpretações são possíveis
que o protagonista sonha com a morte; o instante pelo leitor.
em que ele retoma a rotina da vida imbuído da IV. “Dona Doida”, título do poema, faz menção a um
reflexão sobre o sonho; e o momento derradeiro eu lírico preconceituoso. Nos versos apontados
em que ele se depara novamente com a morte. pelas referências  e 4, ele propõe que existe
 o título do conto expressa o gesto produzido pela oposição entre ser feliz e vestir certas roupas
mão que desperta o protagonista do sonho e o em idade não condizente com o tipo e o modelo
salva da morte. escolhidos. Há claramente uma tendência pre-
4 o conto constrói-se em torno de uma reflexão so- conceituosa nas intenções do eu lírico.
bre a vida diante da iminência da morte. V. A situação climática, mais precisamente a chuva e
 as ocorrências sublinhadas do termo “se”, no seus desdobramentos, conduz o eu lírico a pensar
Fragmento , integram o verbo que o segue ou o nas ocorrências da infância. O tempo, como elemento
antecede, denotando atitudes próprias do sujeito. poético, é fundamental para a elaboração das ideias
 as ocorrências sublinhadas da palavra “agora”, que são apresentadas no poema “Dona Doida”.
nos Fragmentos  e , indicam circunstância de Estão corretas:
tempo e referem-se ao momento em que o prota- a) I, II e III. c) II, III e IV. e) III, IV e V.
gonista estava sonhando. b) I, III e V. d) II, III e V.
 no Fragmento 2, a coesão do parágrafo é esta-
belecida pela manutenção do verbo na primeira 15. Unisc-RS 2015 Leia atentamente o poema “Auto-re-
pessoa do singular com sujeito oculto. trato falado”, de Manoel de Barros e, depois, analise
as afirmativas a seguir.
Soma:
Venho de um Cuiabá de garimpos e de ruelas
1. UPE 2015 [entortadas.
Dona Doida Meu pai teve uma venda no Beco da Marinha, onde
[nasci.
Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso
Me criei no Pantanal de Corumbá entre bichos do chão,
com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.
[aves, pessoas humildes, árvores e rios.
Quando se pôde abrir as janelas,
Aprecio viver em lugares decadentes por gosto de
as poças tremiam com os últimos pingos.
1 [estar entre pedras e lagartos.
Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um
Já publiquei 10 livros de poesia: ao publicá-los me
[poema,
2 [sinto meio desonrado e fujo para o Pantanal onde sou
decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de
[ovos. [abençoado a garças.
Fui buscar os chuchus e estou voltando agora, Me procurei a vida inteira e não me achei – pelo que
trinta anos depois. Não encontrei minha mãe. [fui salvo.
3
A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha, Não estou na sarjeta porque herdei uma fazenda de
4
com sombrinha infantil e coxas à mostra. [gado.
Meus filhos me repudiaram envergonhados, Os bois me recriam.
meu marido ficou triste até a morte, Agora eu sou tão ocaso!
eu fiquei doida no encalço. Estou na categoria de sofrer do moral porque só faço
Só melhoro quando chove. coisas inúteis.
PRADO, Adélia. Poesia Reunida. São Paulo:Siciliano, 2005. p. 108. No meu morrer tem uma dor de árvore.
BARROS, Manoel de. O livro das ignorãças. 4. ed.
Analise as armativas a seguir: Rio de Janeiro: Record, 1997. p. 103.

210 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


I. Os versos de “Auto-retrato falado” apontam para uma Elpídia e queriam formar um tapete voador para
identificação profunda entre o eu lírico e a natureza. transportá-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu levá-
II. Nos versos apresentados, observa-se a reelabo- -lo ao médico. Após o exame, o Dr. Epaminondas
ração do espaço regional como um espaço de abanou a cabeça: Não há nada a fazer, Dona
memória afetiva. Coló. Este menino é mesmo um caso de poesia.
III. Pode-se dizer que a voz que se manifesta em ANDRADE, Carlos Drummond de. Contos plausí-
“Auto-retrato falado” é de um sujeito que faz uma veis. Rio de Janeiro: José Olympio, 5. p. 24.
espécie de balanço do que viveu. b) “Vai embora gato/ De cima do telhado/ Senão o
Assinale a alternativa correta. papaizinho/ Te faz desintegrado/ Dorme, filhinho,
a) Somente as afirmativas I e II estão corretas. / Que esta vida é cômica, / Estrôncio / Menta-
b) Somente as afirmativas II e III estão corretas. lidade atômica/ Sonha querido/ Enquanto sobe
c) Somente as afirmativas I e III estão corretas. o jato/ Vamos pairando/ Com nosso pé-de-pato/
d) Nenhuma afirmativa está correta. Bicho-papão, bicho-papão, / Me multa esse Po-
e) Todas as afirmativas estão corretas. láris/ Que parou na contramão/ Boi-boi-boi, / boi
da cara preta/ Liquida o homem verde/ Que caiu
16. UFSM-RS 201 Os versos destacados a seguir fazem doutro planeta. ” FERNANDES, Millôr. Papáverum
parte de “Uma didática da invenção” (1993), poema de Millôr. Rio de Janeiro: Nórdica, 4. p. 42.
Manoel de Barros. c) “[...] Em meus tempos de criança, era aquela en-
cantação. Lia-se continuamente e avidamente um
No tratado das grandezas do ínfimo estava escrito:
mundaréu de histórias (e não estórias) principal-
Poesia é quando a tarde está competente para dálias.
mente as do Tico-Tico. Mas lia-se corrido, isto
É quando
é, frase após frase, do princípio ao fim. Ora, as
Ao lado de um pardal o dia dorme antes.
crianças de hoje não se acostumam a ler corren-
[...]
temente, porque apenas olham as figuras dessas
Poesia é voar fora da asa.
histórias em quadrinhos, cujo ‘texto’ se limita a
A partir do último verso, pode-se concluir que a poesia
simples frases interjetivas e assim mesmo mui-
a) aliena o leitor, ensina-o a fugir do real.
ta vez incorretas. No fundo, uma fraseologia de
b) está relacionada à grandiosidade, ao inatingível,
guinchos e uivos, uma subliteratura de homem
o que revela a impossibilidade de o leitor com- das cavernas. ” QUINTANA, Mário.  anos de
preendê-la. poesia. São Paulo: Globo, 22.
c) fornece ao leitor lições de resistência, ideia refor- d) “Em meio a um cristal de ecos/ O poeta vai pela
çada pela imagem do pardal. rua/ Seus olhos verdes de éter/ Abrem cavernas
d) revela ao leitor a grandiosidade, uma dimensão na lua. / A lua volta de flanco/ Eriçada de luxúria/
que transborda o cotidiano. O poeta, aloucado e branco/ Palpa as nádegas
e) está ligada ao sentimento de impotência, se for da lua. / [...]/ O poeta todo se lava/ De palidez e
considerada a impossibilidade de a palavra poéti- doçura. / Ardente e desesperada/ A lua vira em
ca direcionar o leitor para além do cotidiano. decúbito.” MORAES, Vinicius. Antologia poética.
Rio de Janeiro: José Olympio, 5.
17. UFU-MG 2016
Para responder às questões 18 e 19, baseie-se no tex-
to a seguir.
[...]
O menino tinha no olhar um silêncio de chão Os franceses, no século XIX, se valeram da palavra
e na sua voz uma candura de Fontes. inglesa spleen para nomear a melancolia, o sentimento
O Pai achava que a gente queria desver o mundo depressivo. O cronista Rubem Braga era um mestre na ex-
para encontrar nas palavras novas coisas de ver pressão desse sentimento, ao qual, nesta crônica, opôs o
assim: eu via a manhã pousada sobre as margens do da vivacidade, ou, para usar outra expressão inglesa, o de
rio do mesmo modo que uma garça aberta na solidão struggle for life:
de uma pedra. “Daquela pequena conversa triste no bar, em que dis-
[...] semos as coisas mais desesperadamente banais, saímos, os
BARROS, Manoel de. Menino do mato. Rio de Janeiro: dois, com uma espécie de amor raivoso à vida, ciúme e
Editora Objetiva, 2015. p.13
pressa da vida.
Em Menino do mato, um eu lírico menino tem o desejo Volto para casa. Estou cansado e tenho motivo já não
de apreender, sem se preocupar com explicações, as digo para estar triste, mas, vamos dizer, aborrecido. Mas
coisas do mundo, criar novidades por meio das pa-
FRENTE 2

me distraio olhando o passarinho que trouxe da roça. Não


lavras e de sua inocência pueril. Essa mesma ideia é bonito e canta pouco, esse bicudo que ainda não fez a se-
perpassa o fragmento: gunda muda. Mas o que é fascinante, nele, o que me prende
a) “Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou em a ele, é sua vida, sua vitalidade inquieta, ágil, infatigável, seu
casa dizendo que vira no campo dois dragões da apetite, seu susto, a reação instantânea com que abre o bico,
independência cuspindo fogo e lendo fotonovelas. zangado, quando o ameaço com a mão. Ele está tomando
[...] Quando o menino voltou falando que todas as banho e se sacode todo, salta, muda de poleiro, agita as
borboletas da Terra passaram pela chácara de Siá penas – e me vigia de lado, com um olhinho escuro e vivo.

211
Mudo-lhe a água do bebedouro, jogo-lhe pedrinhas de Não tem quatrocentos cruzeiros. Fui andando em
calcita que ele gosta de trincar. E me sinto bem com essa direção à porta.
presença viva que não me compreende, mas que sente em Ele bloqueou a porta com o corpo. É melhor pagar,
mim um outro bicho, amigo ou inimigo, uma outra vida. Ele disse. Era um homem grande […]. E meu físico franzino
não sabe da morte, não a espera nem a teme – e a desmente encoraja as pessoas. Odeio dentistas, comerciantes, advo-
em cada vibração de seu pequeno ser ávido e inquieto. Meu gados, industriais, funcionários, médicos, executivos, essa
bicudo é um grande companheiro e irmão, e, na verdade, canalha inteira. Todos eles estão me devendo muito. Abri
muito me ajuda.” o blusão, tirei o 38 [...]. Ele ficou branco, recuou. Apon-
(Adaptado de: BRAGA, Rubem. Recado de primavera. tando o revólver para o peito dele comecei a aliviar o meu
Rio de Janeiro: Record, 1984, p. 156). coração: tirei as gavetas dos armários, joguei tudo no chão,
chutei os vidrinhos todos como se fossem balas, eles pipo-
18. PUC-Campinas 2022 No desenvolvimento do texto, cavam e explodiam na parede. Arrebentar os cuspidores e
a presença e as atuações do passarinho transmitem motores foi mais difícil, cheguei a machucar as mãos e os
ao cronista, dono desse “meu bicudo”, pés. O dentista me olhava, várias vezes deve ter pensado
a) o conforto de uma solidariedade que só encon- em pular em cima de mim, eu queria muito que ele fizesse
tramos na natureza quando tomados de grande isso para dar um tiro naquela barriga grande […].
aflição humana. Eu não pago mais nada, cansei de pagar!, gritei para
b) a sensação da cumplicidade quando reconhece- ele, agora eu só cobro!
mos numa outra espécie os mesmos limites que (O melhor de Rubem Fonseca, 2015.)
se impõem à nossa.
c) um sentimento confuso de consternação, por ima- 20. FICSAE 2020 No trecho, o narrador expressa, sobre-
ginar que só o desconhecimento da morte explica tudo, um sentimento de
a agitação do pássaro. a) perplexidade. d) tédio.
d) uma proveitosa lição de vitalidade, captada pela b) melancolia. e) desprezo.
observação das iniciativas e reações enérgicas c) rancor.
do pequeno companheiro.
Texto para as questões 21 e 22.
e) a necessidade de um agradecimento, por sentir
que o pequeno pássaro sabe superar as infelici- Ao crepúsculo, a mulher
dades que o acometem. Ao crepúsculo, a mulher bela estava quieta, e me
detive a examinar sua cabeça com atenção e o extremado
19. PUC-Campinas 2022 O cronista vale-se de ex- carinho de quem fixa uma flor. Sobre a haste do colo fino
pressão cujos termos indicam contraste entre si no estava apenas trêmula: talvez a leve brisa do mar; talvez o
seguinte trecho: estremecimento de seu próprio crepúsculo. Era tão linda
a) pequena conversa triste assim, entardecendo, que me perguntei se já estávamos
b) ciúme e pressa da vida preparados, nós, os rudes homens destes tempos, para
c) desesperadamente banais testemunhar a sua fugaz presença sobre a terra. Foram
d) Não é bonito e canta pouco precisos milênios de luta contra a animalidade, milênios
e) ágil, infatigável, seu apetite de milênios de sonho para se obter esse desenho delicado
e firme. Depois os ombros são subitamente fortes, para
Leia o trecho inicial do conto “O cobrador”, de Rubem suster os braços longos; mas os seios são pequenos, e o
Fonseca, para responder à questão 20. corpo esgalgo foge para a cintura breve; logo as ancas
Na porta da rua uma dentadura grande, embaixo es- readquirem o direito de ser graves, e as coxas são longas,
crito Dr. Carvalho, Dentista. Na sala de espera vazia uma as pernas desse escorço de corça, os tornozelos de raça,
placa, Espere o Doutor, ele está atendendo um cliente. os pés repetindo em outro ritmo a exata melodia das mãos.
Esperei meia hora, o dente doendo, a porta abriu e sur- Ela e o mar entardeciam, mas, a um leve movimento
giu uma mulher acompanhada de um sujeito grande, uns que fez, seus olhos tomaram o brilho doce da adolescên-
quarenta anos, de jaleco branco. cia, sua voz era um pouco rouca. Não teve filhos. Talvez
Entrei no gabinete, sentei na cadeira, o dentista botou pense na filha que não teve... A forma do vaso sagrado não
um guardanapo de papel no meu pescoço. Abri a boca e se repetirá nestas gerações turbulentas e talvez desapareça
disse que o meu dente de trás estava doendo muito. Ele para sempre no crepúsculo que avança. Que fizemos desse
olhou com um espelhinho e perguntou como é que eu sonho de deusa? De tudo o que lhe fizemos só lhe ficou o
tinha deixado os meus dentes ficarem naquele estado. olhar triste, como diria o pobre Antônio, poeta português.
Só rindo. Esses caras são engraçados. O desejo de alguns a seguiu e a possuiu; outros ainda se
Vou ter que arrancar, ele disse, o senhor já tem pou- erguerão como torvas chamas rubras, e virão crestá-la,
cos dentes e se não fizer um tratamento rápido vai perder eis ali um homem que avança na eterna marcha banal.
todos os outros, inclusive estes aqui — e deu uma pancada Contemplo-a... Não, Deus não tem facilidade para de-
estridente nos meus dentes da frente. senhar. Ele faz e refaz sem cessar Suas figuras, porque o erro
Uma injeção de anestesia na gengiva. Mostrou o dente e a desídia dos homens entorpecem Sua mão: de geração
na ponta do boticão: A raiz está podre, vê?, disse com em geração, que longa paciência Ele não teve para juntar
pouco caso. São quatrocentos cruzeiros. a essa linha do queixo essa orelha breve, para firmar bem
Só rindo. Não tem não, meu chapa, eu disse. a polpa da panturrilha. Sim, foi a própria mão divina em
Não tem não o quê? um momento difícil e feliz. Depois Ele disse: anda... E ela

212 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


começou a andar entre os humanos. Agora está aqui en- — Quem disse que a Literatura não tem os pés fin-
tardecendo; a brisa em seus cabelos pensa melancolias. As cados na realidade? Para o momento brasileiro, valem os
unhas são rubras; os cabelos também ela os pintou; é uma versos: “Começa o mundo enfim pela ignorância,/ e tem
mulher de nosso tempo; mas neste momento, perto do mar, qualquer dos bens por natureza”.
é menos uma pessoa que um sonho de onda, fantasia de — Que bens? A rifa das licitações? O propinoduto?
luz entre nuvens, avideusa trêmula, evanescente e eterna. — É isso mesmo, cara! Diferente do fantasma român-
Mas para que despetalar palavras tolas sobre sua ca- tico, parece que o dinheiro virou uma “febre que nunca
beça? Na verdade não há o que dizer; apenas olhar, olhar descansa,/ O delírio que te há de matar!...”.
como quem reza, e depois, antes que a noite desça de — O que nós temos é uma safra de corruptos e cor-
uma vez, partir. rompidos.
(Rubem Braga. A traição das elegantes. R.J.: Editora Sabiá, 1967, pp. 61-63.) — Verdade! Sujeito assim safado mereceria “ser das
gentes o espectro execrado”. O tal “Ouro branco! Ouro
21. FCMMG 2018 A crônica de Rubem Braga, ao abordar preto! Ouro podre” corrompeu muito político. “De cada
o corpo feminino, demonstra: ribeirão trepidante e de cada recosto/ de montanha, o metal
a) atitude compassiva em relação às diferentes fa- rolou na cascalhada/ Para o fausto d’El-Rei”. Que vergonha!
ses da vida. — É! Mas, certamente, esse não é o “Ouro nativo que
b) visão crítica no confronto entre privilégios mas- na ganga impura/ A bruta mina entre os cascalhos vela...”.
culinos e femininos. — Sei lá! O que mais nos reserva a Lava-Jato?
c) perspectiva lírica na contemplação de um ser ex- — Veja só, cara! Ouvindo os noticiários, tenho a
posto à ação do tempo. impressão que o assalto do vampiro tem mais equidade:
d) viés sociológico mesclado ao lirismo na fixação “— Cê vem com a gente. É uma loja. Nós roubamos e
de um episódio do cotidiano. dividimos o dinheiro. Em partes iguais”.
— Então, ainda há o que cantar neste país?
22. FCMMG 2018 O cronista faz alusão ao poeta por- — Claro! Vai o legado das Olimpíadas e das Para-
tuguês António Nobre (1867-1900), que escreveu os limpíadas: “Entre o laboratório de erros/ e o labirinto de
seguintes versos: surpresas,/ canta o conhecimento do limite,/ a madura
experiência a brotar da rota esperança”.
“Ó grandes olhos outonais! Místicas luzes!
Mais tristes do que o amor, solenes como as cruzes!” Com base na leitura do texto, assinale a alternativa
O adjetivo “outonais” corresponde, na crônica, ao ter- incorreta.
mo “crepúsculo” porque a) O tom paródico do texto ironiza a corrupção pre-
a) aborda, ironicamente, a transitoriedade das coisas. sente na atual política brasileira.
b) trata, metaforicamente, do envelhecimento da b) O texto ampara-se na relação existente entre lite-
mulher. ratura e realidade.
c) remete, liricamente, ao passado romântico das c) O “assalto do vampiro”, no texto, faz referência ao
mulheres. conto “O grande assalto”.
d) recorre, hiperbolicamente, ao poder do tempo so- d) O “assalto do vampiro” remete ao escritor Dalton
bre as pessoas. Trevisan, alcunhado, literariamente, de “O vampi-
ro de Curitiba”.
23. UCS-RS 201 Assinale a alternativa correta a respeito e) De acordo com os versos finais de Manuel
de Ai de ti, Copacabana, de Rubem Braga. Bandeira, o “laboratório de erros” da política im-
a) As crônicas versam tanto sobre lembranças de pede “a rota esperança”.
infância do escritor quanto sobre suas vivências
em grandes cidades, como Paris e Nova Iorque.
25. Fasm-SP 201 Leia um trecho do conto “Uma vela
b) Os temas das crônicas estão organizados de
maneira cronológica, de modo que há uma conti- para Dario”, do escritor curitibano Dalton Trevisan,
nuidade nos textos que acompanha a linearidade para responder à questão.
da vida do escritor. Dario vinha apressado, guarda-chuva no braço es-
c) Os textos de Ai de ti, Copacabana possuem um querdo e, assim que dobrou a esquina, diminuiu o passo
tom humorístico que se revela inclusive na crôni- até parar, encostando-se à parede de uma casa. Por ela
ca que dá título ao livro. escorregando, sentou-se na calçada, ainda úmida de chu-
d) O cronista Rubem Braga é essencialmente ligado va, e descansou na pedra o cachimbo.
à cidade do Rio de Janeiro; por isso, é lá que ele Dois ou três passantes rodearam-no e indagaram se
escreve todos os seus textos. não se sentia bem. Dario abriu a boca, moveu os lábios,
e) O livro Ai de ti, Copacabana de Rubem Braga in- não se ouviu resposta. O senhor gordo, de branco, sugeriu
FRENTE 2

augura o gênero crônica no Brasil. que devia sofrer de ataque.


Ele reclinou-se mais um pouco, estendido agora na
2. Unioeste-PR 2017 calçada, e o cachimbo tinha apagado. O rapaz de bigode
De ficção e realidade: diálogo possível pediu aos outros que se afastassem e o deixassem respirar.
— Literatura é fuga do real, cara! Veja o Brasil que Abriu-lhe o paletó, o colarinho, a gravata e a cinta. Quan-
temos: propina, tráfico de influência, delações, politicalha, do lhe retiraram os sapatos, Dario roncou feio e bolhas de
trapaças... espuma surgiram no canto da boca.

213
Cada pessoa que chegava erguia-se na ponta dos pés, Elas diante vós são as estrelas,
embora não o pudesse ver. O senhor gordo repetia que Que ficam com vos ver logo eclipsadas.
Dario sentara-se na calçada, soprando ainda a fumaça do Mas se elas têm por sol essas rosadas
cachimbo e encostando o guarda-chuva na parede. Mas Luzes de sol maior, felizes elas!
não se via guarda-chuva ou cachimbo ao seu lado. Em perfeição, em graça e gentileza,
A velhinha de cabeça grisalha gritou que ele estava Por um modo entre humanos peregrino,
morrendo. Um grupo o arrastou para o táxi da esquina. Já A todo belo excede essa beleza.
no carro a metade do corpo, protestou o motorista: quem
pagaria a corrida? Concordaram chamar a ambulância. Oh! Quem tivera partes de divino
Dario conduzido de volta e recostado à parede – não tinha Para vos merecer! Mas se pureza
os sapatos nem o alfinete de pérola na gravata. De amor vale ante vós, de vós sou digno.
CAMÕES, Luís de. Rimas: Segunda parte, Sonetos. In: Obra completa.
Alguém informou da farmácia na outra rua. Não car- Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003. p. 529.
regaram Dario além da esquina; a farmácia no fim do
quarteirão e, além do mais, muito pesado. Foi largado na Texto II
porta de uma peixaria. 34.
Ocupado o café próximo pelas pessoas que vieram
Seu João, perdido de catarata negra nos dois olhos:
apreciar o incidente e, agora, comendo e bebendo, go-
— Meu consolo que, em vez de nhá Biela,
zavam as delícias da noite. Dario ficou torto como o
vejo uma nuvem.
deixaram, no degrau da peixaria, sem o relógio de pulso.
Um terceiro sugeriu que lhe examinassem os papéis,
retirados – com vários objetos – de seus bolsos e alinhados
sobre a camisa branca. Ficaram sabendo do nome, idade, si-
nal de nascença. O endereço na carteira era de outra cidade.
Registrou-se correria de mais de duzentos curiosos
que, a essa hora, ocupavam toda a rua e as calçadas: era a
polícia. O carro negro investiu a multidão. Várias pessoas
tropeçaram no corpo de Dario. O guarda aproximou-se
do cadáver e não pôde identificá-lo – os bolsos vazios.
(Herberto Sales (org.). Antologia escolar de contos brasileiros, s/d. Adaptado.)

Arma-se sobre a obra de Dalton Trevisan que seus Trevisan, Dalton. 111 ais. Ilustração de Ivan Pinheiro Machado.
personagens vivenciam situações banais, porém car- Porto Alegre: L&PM, 2001. p. 39.
regadas de signicação, pois o autor insere em seus
26. UFJF/Pism-MG 2016 Os textos I e II, ainda que muito
contos a crítica ao processo de desumanização do
distantes entre si do ponto de vista cronológico, tratam
ser humano.
basicamente do mesmo tema, evidenciando alguns
É correto concluir que o trecho do conto
dos aspectos atemporais da existência humana. En-
a) respalda essa armação, pois algumas pessoas que
quanto em Camões (texto I) a Senhora é apreciada em
assistem à cena são indiferentes à morte de Dario e cada detalhe de sua composição, formando um todo
outras chegam a ponto de subtrair-lhe os pertences. perfeito e divino, Seu João de Dalton Trevisan (texto II):
b) respalda essa armação, visto que a polícia recusa a) resigna-se em apreciar sua Senhora apenas de
-se a tomar providências uma vez que não tem longe.
condições de identicar quem é o indivíduo morto. b) idealiza platonicamente a imagem da mulher amada.
c) contesta essa armação, pois, pela descrição da c) foge ao julgamento da beleza exterior de nhá Biela.
personagem, constata-se que Dario era displicen- d) lamenta a cegueira que o impede de ver sua musa.
te com a saúde e desprezava a própria morte. e) contenta-se com a indistinção da figura de nhá Biela.
d) contesta essa armação, visto que alguns pas-
santes, apesar dos contratempos, levam Dario de
27. UFJF/Pism-MG 2016 As referências à Senhora de
táxi ao hospital e, posteriormente, à farmácia.
Camões (texto I) e à nhá Biela de Dalton Trevisan (tex-
e) respalda essa armação, pois os passantes não
to II) têm em comum:
procuram descobrir quem era aquele homem
a) as antíteses reiteradas.
morto e se omitem, portanto, da tarefa de avisar b) a comparação aos deuses.
os familiares. c) a metáfora celeste.
Leia os textos I e II para responder às questões 26 e 27. d) a aliteração sibilante.
e) a hipérbole da beleza.
Texto I
CLIII 28. UFRGS 2016 Leia as seguintes afirmações sobre os
Criou a Natureza damas belas, contos de Murilo Rubião.
Que foram de altos plectros celebradas; I. O conto “O edifício” é narrado em primeira pes-
Delas tomou as partes mais prezadas, soa pelo próprio engenheiro, João Gaspar, que é
E a vós, Senhora, fez do melhor delas. contratado para a construção de um arranha-céu.

21 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


II. O conto “O convidado”, narrado em terceira pes- Com base no texto de Antônio Sanseverino, considere
soa, conta a história de José Alferes, que, embora as seguintes armações sobre a obra de Murilo Rubião.
tenha recebido um convite estranho para uma I. Nos contos de Murilo Rubião, o fantástico, como
festa à fantasia, decide ir mesmo assim. categoria estética, insere-se numa forma de relato
III. O conto “O homem do boné cinzento” é nar- que introduz um dado espantoso (sobrenatural ou
rado em primeira pessoa por Roderico, que não) que escapa à explicação rotineira e põe em
responsabiliza o homem do boné cinzento pela xeque a vida cotidiana, normal.
intranquilidade que se estabelece desde que se II. No conto “O pirotécnico Zacarias”, a influência
mudou para a vizinhança. de Machado de Assis se evidencia com força.
Qual(is) está(ão) correta(s)? A abertura lembra "Memórias póstumas de Brás
a) Apenas I. d) Apenas II e III. Cubas". Nela o narrador discute sua condição de
b) Apenas II. e) I, II e III. morto e a relação com os outros, os vivos.
c) Apenas III. III. Em “O convidado”, a atmosfera kafkiana se dissolve
a partir do momento em que José Alferes descobre
29. PUC-RS 2015 Para responder à questão, leia o trecho que está sendo vítima de um golpe. A partir desse
do conto “Bárbara”, de Murilo Rubião. momento, o conto adquire uma dimensão realística.
Bárbara gostava somente de pedir. Pedia e engorda- Está(ão) correta(s):
va. Por mais absurdo que pareça, encontrava-me sempre a) apenas I. d) apenas I e II.
disposto a lhe satisfazer os caprichos. Em troca de tão cons- b) apenas II. e) I, II e III.
tante dedicação, dela recebi frouxa ternura e pedidos que c) apenas III.
se renovavam continuamente. [...] Pediu o oceano. Não fiz
nenhuma objeção e embarquei no mesmo dia, iniciando
31. UFG-GO 2014
longa viagem ao litoral. Mas, frente ao mar, atemorizei-me
com o seu tamanho. Tive receio de que a minha esposa Enquanto mamãe fazia os curativos eu só pensava no
viesse a engordar em proporção ao pedido, e lhe trouxe cavalinho que eu ia ganhar. Todos os dias quando acorda-
somente uma pequena garrafa contendo água do oceano. va, a primeira coisa que eu fazia era olhar se o pé estava
No regresso, quis desculpar meu procedimento, porém ela desinchado. Seria uma maçada se vovô chegasse com o
não me prestou atenção. Sofregamente, tomou-me o vidro cavalinho e eu ainda não pudesse montar […].
das mãos e ficou a olhar, maravilhada, o líquido que ele Mas quando a gente é menino parece que as coisas
continha. Não mais o largou. Dormia com a garrafinha nunca saem como a gente quer. Por isso é que eu acho
entre os braços e, quando acordada, colocava-o contra a que a gente nunca devia querer as coisas de frente por
luz, provava um pouco da água. Entrementes, engordava. mais que quisesse, e fazer de conta que só queria mais
ou menos. Foi de tanto querer o cavalinho, e querer com
Com base no trecho e em seu contexto, assinale a al-
força, que eu nunca cheguei a tê-lo.
ternativa INCORRETA:
VEIGA, José J. “Os cavalinhos de Platiplanto”. In: Melhores contos J. J. Veiga.
a) A reciprocidade no afeto parece ser uma marca do Seleção de J. Aderaldo Castello.4 ed. São Paulo: Global, 2000. p. 30-1.
casal retratado no trecho.
O trecho transcrito relata uma experiência vivida pelo
b) O marido demonstra não se surpreender com os
protagonista do conto “Os cavalinhos de Platiplanto”,
pedidos de sua esposa, e este comportamento
da qual decorre um sentimento negativo que será
provoca um estranhamento no leitor.
superado por meio da fusão entre os planos da reali-
c) A natureza insólita e ambígua da relação do casal é
dade e da fantasia. Considerando o trecho transcrito
um elemento que reflete a adesão de Murilo Rubião
no contexto geral do conto, responda:
a uma estética relacionada à literatura fantástica.
a) qual a experiência vivida pelo protagonista e o
d) O trecho apresenta algumas construções inusi-
sentimento negativo dela decorrente?
tadas, que quebram a lógica de causa e efeito,
b) qual a estratégia utilizada para fundir os planos
como, por exemplo: “pedia e engordava”.
da realidade e fantasia e por que essa estratégia
e) Murilo Rubião tem uma produção literária centra-
promove a superação do sentimento negativo do
da mais em contos do que em romances.
protagonista?
30. Cesgranrio-RJ 2014
32. UFG-GO 2014 Leia o fragmento a seguir.
Precursor do conto fantástico no Brasil
Eu era ainda muito criança, mas sabia uma infinidade
Na literatura brasileira, Rubião é visto como iniciador
de coisas que os adultos ignoravam. [...]
ou precursor do conto fantástico. Machado de Assis, Aluísio
A estrada é cheia de armadilhas, de alçapões, de mun-
Azevedo, Lobato e outros teriam feito incursões rápidas no
FRENTE 2

déus perigosos, para não falar em desvios tentadores, mas


terreno do fantástico, mas a penetração sistemática nessa
eu podia percorrê-la na ida e na volta de olhos fechados
esfera vem do contista mineiro. Em uma crítica ao seu primei-
sem cometer o mais leve deslize. Era por isso que eu não
ro livro, Álvaro Lins aponta a proximidade com Kafka, mas
Murilo Rubião diz que foi lê-lo apenas depois. Em todo caso, gostava de viajar acompanhado, a preocupação de salvar
a escolha narrativa mostra parentesco entre os dois escritores outros do desastre tirava-me o prazer da caminhada, mas
e faz de Rubião um caso singular na literatura brasileira. desde criança eu era perseguido pela insistência dos que
(SANSEVERINO, Antônio. In. Leituras Obrigatórias 2014 – UFRGS/organizado
precisavam viajar e tinham medo do caminho, parecia
por Sergius Gonzaga. Porto Alegre: Leitura XXI, 2013. p. 104). que ninguém sabia dar um passo sem ser orientado por

215
mim, chegavam a fazer romaria lá em casa, aborreciam E afinal, chovesse ou fizesse sol, sagradamente lá
minha mãe com pedidos de interferência; e como eu não estavam eles, aos sábados. Naturalmente chovesse-ou-fi-
podia negar nada a minha mãe eu estava sempre na es- zesse-sol é apenas isso que se convencionou chamar força
trada acompanhando uns e outros. […] de expressão, já que há muito tempo não fazia sol, talvez
VEIGA, José J. “Fronteira”. In: Melhores contos J. J. Veiga. Seleção de J. por ser agosto − mas de certa forma é sempre agosto nesta
Aderaldo Castello. 4. ed. São Paulo: Global, 2000. p. 37. cidade, principalmente aos sábados.
No conto “Fronteira”, há a inversão dos papéis Não é que fossem chatos. Na verdade, eu nunca soube
que critérios de julgamento se pode usar para julgar alguém
comumente atribuídos ao adulto e à criança. Nessa in-
definitivamente chato, irremediavelmente burro ou irrecu-
versão, a imagem da criança é construída por meio da
peravelmente desinteressante. Sempre tive uma dificuldade
a) metáfora de um saber excepcional, manifesto
absurda para arrumar prateleiras. Acontece que não tínha-
no poder de ajudar os adultos a realizar suas mos nada em comum, não que isso tenha importância, mas
travessias. nossas famílias não se conheciam, então não podíamos falar
b) alegoria de um anjo guardião das passagens se- sobre os meus pais ou os avós deles, sobre os meus tios ou
cretas, conhecidas apenas pelos iniciados nos os seus sobrinhos ou qualquer outra dessas combinações
mistérios da magia. genealógicas. Também não sabia que tipo de trabalho fa-
c) paráfrase do mito dos profetas messiânicos, que ziam, se é que faziam alguma coisa, nem sequer se liam,
conduzem os viajantes por espaços insólitos. se estudavam, iam ao cinema, assistiam à televisão ou com
d) hipérbole da capacidade imaginativa na infância, que se ocupavam, enfim, além de me visitar aos sábados.
que transforma estradas comuns em travessias (Caio Fernando Abreu. Mel e girassóis, 1988. Adaptado.)
perigosas.
e) estilização das parábolas bíblicas, explícita nos 3. FGV-SP 2021 Ao dizer “força de expressão” (o pará-
ensinamentos adquiridos ao longo da existência. grafo), o narrador informa que não se devem tomar as
palavras em seu sentido
A questão 33 refere-se ao livro Morangos mofados, a) abstrato. d) ofensivo.
de Caio Fernando Abreu. b) exagerado. e) irônico.
c) literal.
33. UFRGS 2017 Considere as seguintes afirmações so-
bre o livro. 35. FGV-SP 2021 “[...] para julgar alguém definitivamente
I. Os contos apresentam as características marcantes chato, irremediavelmente burro ou irrecuperavelmente
da prosa de Caio Fernando Abreu: tom confessio- desinteressante. Sempre tive uma dificuldade absurda
nal, linguagem coloquial e perspectiva intimista. para arrumar . Acontece que não tínhamos
II. Os contos trazem referências explícitas à geração da nada em comum, não que [...]” (3o parágrafo).
década de  e ao contexto histórico brasileiro.
III. A estrutura do livro é dividida em duas partes, “O Considerado o contexto, a expressão sublinhada
mofo” e “Os morangos”, justificando, pois, seu título. pode ser entendida como:
a) lembrar o nome de cada um dos visitantes.
Qual(is) está(ão) correta(s)? b) classificar de maneira precisa os visitantes.
a) Apenas I. d) Apenas II e III. c) arrumar a casa para receber os visitantes.
b) Apenas III. e) I, II e III. d) interagir adequadamente com os visitantes.
c) Apenas I e II. e) sentir-se confortável na presença dos visitantes.
Considere o trecho inicial do conto “Uns sábados, uns Leia o texto a seguir para responder à questão 36.
agostos”, de Caio Fernando Abreu, para responder às
questões 3 e 35. Beijo sem
Eu não sou mais quem
Eles vinham aos sábados, sem telefonar. Não lembro
Você deixou, amor
desde quando criou-se o hábito de virem aos sábados, sem
Vou à Lapa
telefonar – e de vez em quando isso me irritava, pensando
Decotada
que se quisesse sair para, por exemplo, passear pelo par-
Viro todas
que ou tomar uma dessas lanchas de turismo que fazem
Beijo bem
excursões pelas ilhas, não poderia porque eles bateriam
Madrugada
com as caras na porta fechada e ficariam ofendidos (eles
Sou da lira
eram sensíveis) e talvez não voltassem nunca mais. E como,
Manhãzinha
aos sábados, eu jamais faria coisas como ir ao parque ou
De ninguém
andar nessas tais lanchas que fazem excursões pelas ilhas,
Noite alta é meu dia
era obrigado a esperá-los, trancado em casa. Certamente os
E a orgia é meu bem
odiava um pouco enquanto não chegavam: um ódio de ter
meus sábados totalmente dependentes deles, que não eram Eu não sou mais quem
eu, e que não viveriam a minha vida por mim – embora eu Você deixou de ver
nunca tivesse conseguido aprender como se vive aos sába- Vou à Lapa
dos, se é que existe uma maneira específica de atravessá-los. Perfumada
[...] Viro outras

216 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


Beijo sem observável pelo uso da pontuação como recurso
Madrugada estilístico, pela repetição rítmica de termos e pela
Sou da lira produção de rimas internas.
Manhãzinha  o personagem-narrador, em um momento de re-
De ninguém flexão sobre os pensamentos que lhe ocorriam,
Noite alta é meu dia “por dentro da chuva”, descobre que tem vergo-
E a orgia é meu bem
nha da própria identidade.
[...]
 o título do conto alude, de modo metafórico, ao
CALCANHOTO, Adriana. “Beijo sem”. In: O micróbio do samba.
Sony Music, 2011. fim da jornada de vida do protagonista, pois ir
além do ponto, neste caso, significou sua morte.
36. UFJF/Pism-MG 2016 No poema de Adriana Calca- Soma:
nhoto, a personagem em primeira pessoa se compraz
em relações 38. Unicamp-SP 2020 “Para inaugurar é preciso ter um
a) permanentes. d) inventadas. defunto. Mas, por desgraça, nenhum turista se afoga,
b) modelares. e) fortuitas. nenhuma calamidade se abate sobre a cidade e os mo-
c) míticas. ribundos têm o desplante de ressuscitarem. Na ordem
estabelecida por Odorico, o bem vira mal e o mal, bem.”
37. UFSC 2016 Mas chovia ainda, 1meus olhos 2ardiam de (Anatol Rosenfeld, “A obra de Dias Gomes”, em Teatro de Dias Gomes.
3 Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972, p. xxvii.)
frio, o nariz começava a escorrer, eu limpava com as
costas das mãos e o líquido do nariz 4endurecia logo A comicidade de O Bem-amado, de Dias Gomes, de-
sobre os pelos, 5eu enfiava as mãos 6avermelhadas no riva em grande medida da inversão de valores que a
fundo dos bolsos e ia indo, eu ia indo e pulando as poças peça encena. Considerando os propósitos satíricos da
d’água com as pernas 7geladas. Tão geladas as pernas e obra, assinale a alternativa que evidencia tal inversão.
os braços que pensei em abrir a garrafa para beber um a) A destinação de recursos para a construção de um
gole, 8não queria que ele pensasse que eu andava be- cemitério público confere dignidade aos mortos.
bendo, e eu andava, todo dia um bom pretexto, e fui b) A hospitalidade dada aos doentes ilustra o uso do
pensando também que ele ia pensar que eu andava sem orçamento em prol do sistema público de saúde.
dinheiro, chegando a pé naquela chuva toda, e eu anda- c) A promoção do pistoleiro a delegado de polícia
va, estômago dolorido de fome, e eu não queria que ele visa à reinserção social do criminoso.
pensasse que eu andava 9insone, e eu andava, 10roxas d) A inauguração do cemitério dá oportunidade a que
olheiras, teria que cuidar com o lábio inferior ao sorrir, se reverencie a memória do benfeitor da cidade.
se sorrisse, e quase certamente sim, quando o encontras-
se, para que não visse o dente quebrado e pensasse que 39. Unicamp-SP 2020 No livro A cabra vadia: novas
eu andava relaxando, sem ir ao dentista, e eu andava, e confissões, Nelson Rodrigues inicia a crônica “Os dois
11
tudo o que eu andava fazendo e sendo eu não queria namorados” com a seguinte afirmação:
que ele visse nem soubesse, mas depois de pensar isso
me deu um desgosto porque fui percebendo, por dentro “há coisas que um grã-fino só confessa num terreno
da chuva, que talvez eu não quisesse que ele soubesse baldio, à luz de archotes, e na presença apenas de uma
cabra vadia.”
que eu era eu, e eu era.
ABREU, Caio Fernando. “Além do ponto”. In: ______. Na crônica “Terreno baldio” ele recorre ao mesmo ani-
Além do ponto e outros contos. São Paulo: Ática, 2009. p. 23-4.
mal para explicar a ideia que teve de criar “entrevistas
Com base na leitura do conto “Além do ponto”, de imaginárias”:
Caio Fernando Abreu, é correto armar que: “Não podia ser um gabinete, nem uma sala. Lem-
 narrado em primeira pessoa, o texto que dá título brei-me, então, do terreno baldio. Eu e o entrevistado e,
à coletânea de Caio Fernando Abreu explora o no máximo, uma cabra vadia. Além do valor plástico da
ponto de vista de uma personagem marginal, isto figura, a cabra não trai. Realmente, nunca se viu uma cabra
é, de um sujeito à margem do meio social, descri- sair por aí fazendo inconfidências.”
to como sem dinheiro e um tanto desleixado. (Nelson Rodrigues, A cabra vadia: novas confissões.
 o narrador, por medo de rejeição, mostra-se Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016, p. 52 e 160.)

preocupado com a apresentação de si mesmo O caráter confessional associado à gura da cabra


para o outro, algo que reflete a visão de uma so- nas crônicas tem relação com
ciedade capitalista que valoriza a aparência em a) a veracidade dos depoimentos que o cronista tes-
FRENTE 2

detrimento da essência. temunha nas entrevistas.


4 apesar de o narrador ser um homem que está b) a impostura dos contemporâneos que são objeto
indo ao encontro de outro homem, este conto de dos comentários do cronista.
Caio Fernando Abreu não versa sobre o amor ou c) a antipatia do jornalista no que diz respeito à bus-
qualquer outra relação de afeto homoerótico. ca de identidade dos artistas entrevistados.
 a linguagem empregada pelo escritor, nessa his- d) a sinceridade dos intelectuais que são objeto das
tória, denota uma aproximação com a poesia, fato crônicas dos jornalistas.

217
40. Unicamp-SP 2017 Leia com atenção os excertos a se- mas, se não me engano, aquele sujeito acaba de chamar
guir de Lisbela e o prisioneiro. o senhor de Manuel.
MANUEL – Foi isso mesmo, João. Esse é um dos meus
LISBELA: Compre um curió para mim. nomes, mas você pode me chamar também de Jesus, de
DR. NOÊMIO: Não, Lisbela, eu não gosto de ver ani- Senhor, de Deus... Ele gosta de me chamar de Manuel ou
mais presos. Emanuel, porque assim quer se persuadir de que sou somen-
CITONHO: Por quê, Doutor? te homem. Mas você, se quiser, pode me chamar de Jesus.
DR.NOÊMIO: Por que isso é malvadez. Os animais JOÃO GRILO – Jesus?
foram feitos para viver em liberdade. MANUEL – Sim.
PARAÍBA: E como que é que o Doutor está me vendo JOÃO GRILO – Mas espere, o senhor é que é Jesus?
aqui preso e nem se importa? MANUEL – Sou.
DR. NOÊMIO: Você é um animal? JOÃO GRILO – Aquele a quem chamavam Cristo?
LINS, Osman. Lisbela e o prisioneiro. São Paulo: Planeta, 2003. p. 25. JESUS – A quem chamavam, não, que era Cristo. Sou,
DR. NOÊMIO: Lisbela, vamos. Você é minha noiva, não por quê?
deve opor-se às minhas convicções. As convicções do ho- JOÃO GRILO – Porque... não é lhe faltando com o
mem devem ser, optarum causa, as de sua esposa ou noiva. respeito não, mas eu pensava que o senhor era muito me-
Ibidem.
nos queimado. [...] A cor pode não ser das melhores, mas
o senhor fala bem que faz gosto. [...]
a) Nos trechos citados, estão presentes duas MANUEL – Muito obrigado, João, mas agora é sua
atitudes características do Dr. Noêmio com im- vez. Você é cheio de preconceito de raça. Vim hoje assim
plicações morais, que são desmascaradas pelo de propósito, porque sabia que ia despertar comentários.
efeito cômico do texto. Quais são essas duas ati- Que vergonha! Eu, Jesus, nasci branco e quis nascer ju-
tudes características com implicações morais? deu, como podia ter nascido preto. Para mim tanto faz um
b) No segundo excerto, a expressão “minhas convic- branco ou um preto. Você pensa que sou americano para
ções” é dita de forma solene e expressa um valor ter preconceito de raça?
social. Que valor é esse e que tipo de sociedade
está sendo caracterizado por tal enunciado? 42. PUC-RS 2015 Com base no diálogo e na obra literária
de Ariano Suassuna, analise as armativas.
41. UFU-MG 2016
I. João Grilo mostra-se desrespeitoso diante de um
DODÓ: Mas dizer tudo como, meu bem? Não tenho Jesus negro, que não corresponde às suas ex-
um tostão meu, meu pai é contra a ideia de eu me casar pectativas.
sem estudar, seu pai só deixa você casar com um homem II. Na sua fala, Manuel demonstra que o valor das
rico... O que é que eu posso fazer contra este inferno? pessoas independe da cor da pele.
MARGARIDA: Talvez se seu pai soubesse que a noiva III. O companheiro inseparável de João Grilo,
sou eu, permitisse o casamento e lhe desse terra para você Chicó, é um contador de estórias que se carac-
trabalhar. Ele gostou tanto de mim quando estive lá! teriza como uma espécie de mentiroso ingênuo.
DODÓ: E eu mais ainda, tanto assim que abandonei IV. A obra dramática de Ariano Suassuna mostra-se
meu estudo e vim me meter nesse armazém por sua causa. alinhada a uma tradição literária ibérica que apre-
MARGARIDA: Mas com a chegada de seu pai, tudo senta obras fundacionais, como o Auto da barca
se complica! Ele vai descobrir! do Inferno, de Gil Vicente.
DODÓ: Talvez você tenha razão, é melhor confessar. Estão corretas as armativas
Quando ele chegar, descobrimos tudo e ficamos de joelhos a) I e II, apenas. d) II, III e IV, apenas.
diante dos dois, pedindo consentimento para nos casar. b) III e IV, apenas. e) I, II, III e IV.
CAROBA: O senhor quer um conselho? c) I, II e III, apenas.
SUASSUNA, Ariano. O Santo e a Porca. Rio de Janeiro:José Olympio, 2005. p. 44.

Com base no texto, faça o que se pede. 43. Enem PPL 2015
a) Exponha, em um parágrafo, as artimanhas empre- Texto I
endidas por Dodó para se aproximar de Margarida Quem sabe, devido às atividades culinárias da esposa,
nesses idílios Vadinho dizia-lhe “Meu manuê de milho
e se instalar no armazém.
verde, meu acarajé cheiroso, minha franguinha gorda”, e
b) A personagem Caroba é de suma importância
tais comparações gastronômicas davam justa ideia de certo
para o desenrolar das ações na peça. Justifique,
encanto sensual e caseiro de dona Flor a esconder-se sob
com exemplos da peça O Santo e a Porca, essa
uma natureza tranquila e dócil. Vadinho conhecia-lhe as
afirmação.
fraquezas e as expunha ao sol, aquela ânsia controlada
Para responder à questão 42, leia o excerto do texto dra- de tímida, aquele recatado desejo fazendo-se violência e
mático Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. mesmo incontinência ao libertar-se na cama.
AMADO, Jorge. Dona Flor e seus dois maridos.São Paulo: Martins, 1966.
MANUEL – Sim, é Manuel, o Leão de Judá, o Filho de
Davi. Levantem-se todos pois vão ser julgados. Texto II
JOÃO GRILO – Apesar de ser um sertanejo pobre e As suas mãos trabalham na braguilha das calças do
amarelo, sinto que estou diante de uma grande figura. Não falecido. Dulcineusa me confessou mais tarde: era assim
quero faltar com o respeito a uma pessoa tão importante, que o marido gostava de começar as intimidades. Um

218 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


fazer de conta que era outra coisa, a exemplo do gato que notícia do futuro por via dos antepassados. Dizia tantas
distrai o olhar enquanto segura a presa nas patas. Esse o previsões que nem havia tempo de provar nenhuma. Eu
acordo silencioso que tinham: ele chegava em casa e se me perguntava sobre a verdade daquelas visões do velho,
queixava que tinha um botão a cair. Calada, Dulcineusa estorinhador como ele era.
se armava dos apetrechos da costura e se posicionava a — Nem duvidem, avisava mamã, suspeitando-nos.
jeito dos prazeres e dos afazeres. E assim seguia nossa criancice, tempos afora. 4Nesses
COUTO, Mia. Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra. anos ainda tudo tinha sentido: a razão deste mundo estava
São Paulo: Cia. das Letras, 2002. num outro mundo inexplicável. 11Os mais velhos faziam
Tema recorrente na obra de Jorge Amado, a gura a ponte entre esses dois mundos. [...]
feminina aparece, no fragmento, retratada de forma se- COUTO, Mia. Terra sonâmbula. São Paulo: Cia das Letras, 2007.
melhante à que se vê no texto do moçambicano Mia
Couto. Nesses dois textos, com relação ao universo 45. Uerj 2014 A escrita literária de Mia Couto explora
feminino em seu contexto doméstico, observa-se que diversas camadas da linguagem: vocabulário, constru-
a) o desejo sexual é entendido como uma fraqueza ções sintáticas, sonoridade.
moral, incompatível com a mulher casada. O exemplo em que ocorre claramente exploração da
b) a mulher tem um comportamento marcado por sonoridade das palavras é:
convenções de papéis sexuais. a) Nesse entretempo, ele nos chamava para escu-
c) à mulher cabe o poder da sedução, expresso pe- tarmos seus imprevistos improvisos. (ref. 5)
los gestos, olhares e silêncios que ensaia. b) Não lhe deitávamos dentro da casa: ele sempre
d) a mulher incorpora o sentimento de culpa e age recusara cama feita. (ref. 6)
com apatia, como no mito bíblico da serpente. c) Ele nem sentia o corrupio do formigueiro em sua
e) a dissimulação e a malícia fazem parte do repertó- pele. (ref. 7)
rio feminino nos espaços público e íntimo. d) Nós lhe sacudíamos os infatigáveis bichos. (ref. 8)

44. Fuvest-SP 2022 Por narrativas paralelas entende-se um 46. Uerj 2014 Ao dizer que o pai sofria de sonhos (ref. 2),
procedimento literário segundo o qual dois ou mais fios e não que ele sonhava, o autor altera o significado cor-
narrativos pertencentes a níveis distintos de realidade rente do ato de sonhar.
se desenrolam intercaladamente formando um todo. Este novo signicado sugere que o sonho tem o
Considerando-se a sua estrutura, as duas narrativas que poder de:
podem ser identificadas com base nessa definição são: a) distrair. c) informar.
a) Quincas Borba e Nove noites. b) acalmar. d) perturbar.
b) Campo geral e Terra sonâmbula.
c) Angústia e Campo geral. 47. Uerj 2014 Este texto é uma narrativa ficcional que se
d) Nove noites e Terra sonâmbula. refere à própria ficção, o que caracteriza uma espécie
e) Quincas Borba e Angústia. de metalinguagem.
A metalinguagem está mais bem explicitada no se-
Texto para as questões de 45 a 48. guinte trecho:
O tempo em que o mundo tinha a nossa idade a) As estórias dele faziam o nosso lugarzinho cres-
5 cer até ficar maior que o mundo. (ref. 1)
Nesse entretempo, ele nos chamava para escutarmos
seus imprevistos improvisos. 1As estórias dele faziam o nosso b) Meu pai sofria de sonhos, saía pela noite de olhos
lugarzinho crescer até ficar maior que o mundo. Nenhuma transabertos. (ref. )
narração tinha fim, o sono lhe apagava a boca antes do des- c) E nos juntávamos, todos completos, para escutar
fecho. 9Éramos nós que recolhíamos seu corpo dorminhoso. as verdades que lhe tinham sido reveladas. (ref. 3)
6
Não lhe deitávamos dentro da casa: ele sempre recusara d) Nesses anos ainda tudo tinha sentido. (ref. 4)
cama feita. 10Seu conceito era que a morte nos apanha dei-
tados sobre a moleza de uma esteira. Leito dele era o puro 48. Uerj 2014 Um elemento importante na organização
chão, lugar onde a chuva também gosta de deitar. Nós sim- do texto é o uso de algumas personificações.
plesmente lhe encostávamos na parede da casa. Ali ficava até Uma dessas personicações encontra-se em:
de manhã. Lhe encontrávamos coberto de formigas. Parece a) Éramos nós que recolhíamos seu corpo dormi-
que os insectos gostavam do suor docicado do velho Taímo. nhoso. (ref. 9)
7
Ele nem sentia o corrupio do formigueiro em sua pele. b) Seu conceito era que a morte nos apanha deita-
— Chiças: transpiro mais que palmeira! dos sobre a moleza de uma esteira. (ref. 10)
Proferia tontices enquanto ia acordando. 8Nós lhe sa- c) Nós lhe sacudíamos os infatigáveis bichos. (ref. 8)
FRENTE 2

cudíamos os infatigáveis bichos. Taímo nos sacudia a nós, d) Os mais velhos faziam a ponte entre esses dois
incomodado por lhe dedicarmos cuidados.
2 mundos. (ref. 11)
Meu pai sofria de sonhos, saía pela noite de olhos
transabertos. Como dormia fora, nem dávamos conta. Mi- Textos para a questão 49.
nha mãe, manhã seguinte, é que nos convocava:
— Venham: papá teve um sonho! Texto I
3
E nos juntávamos, todos completos, para escutar as — Traíste-me, Sem Medo. Tu traíste-me.
verdades que lhe tinham sido reveladas. Taímo recebia (...)

219
Sabes o que tu és afinal, Sem Medo? És um ciumento. d) forte tensão homoafetiva entre ele e Sem Medo,
Chego a pensar se não és homossexual. Tu querias-me e aceitação da verdadeira orientação sexual do
só, como tu. Um solitário do Mayombe. (...) Desprezo-te. companheiro.
(...) Nunca me verás atrás de uma garrafa vazia. (...) Cada e) ira, diante do anticatolicismo de Sem Medo, e culpa
sucesso que eu tiver será a paga da tua bofetada, pois não que o atinge ao perceber que sua demonstração
serei um falhado camo tu. de coragem colocara o companheiro em risco.
Pepetela, Mayombe. Adaptado.

Texto II 50. Fuvest-SP 2018


— Peço-te perdão, Sem Medo. Não te compreendi,
— É por isso que faço confiança nos angolanos. São
fui um imbecil. E quis igualar o inigualável.
uns confusionistas, mas todos esquecem as e os
Pepetela, Mayombe.
rancores para salvar um companheiro em perigo. É esse
9. Fuvest-SP 2021 Esses excertos de Mayombe refe- o mérito do Movimento, ter conseguido o milagre de co-
rem-se a conversas entre as personagens Comissário meçar a transformar os homens. Mais uma geração e o
e Sem Medo em momentos distintos do romance. Em angolano será um homem novo. O que é preciso é ação.
I e II, as falas do Comissário revelam, respectivamente, PEPETELA. Mayombe.
a) incompatibilidade étnica entre ele e Sem Medo,
por pertencerem a linhagens diferentes, e supe-
ração de sua hostilidade tribal.
a) A fala de Comandante Sem Medo alude a uma
b) decepção, por Sem Medo não ter intercedido a questão central do romance Mayombe: um ob-
seu favor na conversa com Ondina, e desespero jetivo político a ser conquistado por meio do
diante do companheiro baleado. Movimento. Qual é esse objetivo?
c) suspeita de traição de Ondina e tomada de cons- b) As “makas” e os “rancores” dos angolanos re-
ciência de que isso não passara de uma crise de percutem no modo como o romance é narrado?
ciúme dele. Explique.

Texto complementar
Marco do teatro brasileiro, a peça do poeta modernista Oswald de Tropicália. Em 1937, quando o texto foi publicado, o Modernismo
Andrade segue atual nos palcos devido ao vigor, perspicácia e irreverên- já tinha desembarcado na literatura, nas artes plásticas e na mú-
cia das sucessivas montagens do Teatro Oficina. Leia a seguir a resenha sica brasileira. Mas no teatro, o movimento que só chegou nos
sobre a reestreia da peça O Rei da Vela, em 2017. anos 1940, ainda correspondia à estética europeia de 1890. Até
então, os atores em São Paulo só tinham duas linhas para seguir:
Após 50 anos, Oficina volta com o ‘Rei da Vela’, marco o teatro burguês do Teatro Brasileiro de Comédia ou o realismo
do teatro brasileiro do Teatro de Arena.
Zé Celso e Renato Borghi recordam da obra de Oswald de Andrade No entanto, quando o ator Renato Borghi trouxe o texto os-
que transformou o palco no berço da Tropicália waldiano a um dos ensaios do Oficina, ao lado de nomes como
Etty Fraser, Dina Sfat e Othon Bastos, fez-se um novo caminho.
Para quem não viveu o fim dos anos 1960, imaginar o tea-
“Ele chegou e leu um trecho. No final, aquilo foi a confirmação de
tro brasileiro como o catalisador de um movimento artístico e
que seria nosso próximo trabalho e de que ele viveria o Abelardo
estético que foi capaz de inspirar artistas como Caetano Veloso,
I, com toda a ironia e intensidade”, recorda Zé Celso.
Hélio Oiticica e Glauber Rocha e ainda enfrentar a censura, é um
NUNES, Leandro. “Após 0 anos, Oficina volta com o ‘Rei da Vela’, mar-
pensamento inédito. Neste 2017, a montagem do espetáculo O Rei
co do teatro brasileiro”. O Estado de S. Paulo, 0 out. 017. Disponível
da Vela, de Oswald de Andrade, completa 50 anos com a força e
em: http://cultura.estadao.com.br/noticias/teatro-e-danca,apos-0-anos-
rebeldia do Teatro Oficina, neste sábado, 21, no Sesc Pinheiros. oficina-volta-com-o-rei-da-vela-marco-do-teatro-brasileiro
O intervalo entre o lançamento da obra de Oswald e a estreia ,70000307. Acesso em: 1 abr. 0.
da peça é parte do segredo da montagem que foi o berço da

Resumindo
Neste capítulo, você viu... Tropicalismo
A arte engajada dos anos  y Movimento de ruptura e inovação.
y O processo de modernização e desenvolvimento da nação brasileira y Reflexão das aspirações de jovens.
a partir dos anos 1950.
y Caráter de resistência.
y A renovação e atualização do legado dos modernistas.
y O surgimento e a atuação do Centro Popular de Cultura (CPC). A poesia marginal e a “geração mimeógrafo”
y Forte irreverência.
Ferreira Gullar e a poesia participante
y Adesão e rompimento com a poesia concreta. y Exploração de detalhes modernistas.
y Começo e amadurecimento de uma poesia de caráter social. y Descompressão do rigor concretista.
y Poema sujo: uma obra-prima. y Preocupação com a expressão e o alcance da poesia.

220 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


Os diversos caminhos da invenção literária no século XX: O teatro do século XX
Prosa e poesia contemporânea y Atualidade de O Rei da Vela, peça de Oswald de Andrade.
y Diversidades de estilos. y O psicológico, o mítico e o trágico no teatro de Nelson Rodrigues.
y Individualidade do autor. y O retrato da falida aristocracia rural no teatro de Jorge de Andrade.
y Novas estruturas narrativas. y O teatro de marcada intervenção social dos dramaturgos Gianfran-
cesco Guarnieri e Augusto Boal.
Autores em destaque
y Os marginalizados do teatro de Plínio Marcos.
y A ficção introspectiva de Lygia Fagundes Telles.
y O medievalismo no teatro de Ariano Suassuna.
y A bagagem lírica modernista de Adélia Prado.
y A poesia do chão e as palavras em transe de Manoel de Barros. A Literatura africana de língua portuguesa
y As cidades e suas complexidades na crônica de Rubem Braga e nos y O saldo literário do processo de colonização portuguesa na África.
contos de Rubem Fonseca. y A prosa poética de Mia Couto.
y O fantástico e sua tangência ao real nos contos de Murilo Rubião y O elemento africano na cultura brasileira.
e J. J. Veiga. y A representação do negro na literatura brasileira.

Quer saber mais?

Livro
BARROS, Manoel de. O fazedor de amanhecer. Ziraldo (Ilust.). São Paulo: Salamandra, 200.
O poeta conta como descobriu o amor e revela seus inventos (a manivela para pegar no sono, por exemplo), apresentando uma
poesia atrelada à inventividade do traços e desenhos de Ziraldo.
Vídeos
Entrevista com a historiadora Marina de Mello e Souza (USP) sobre o ensino de História da África nas escolas brasileiras.
Disponível em: https://youtu.be/q_Y_mCFvA-4. Acesso em:  mar. 22.
Roda Viva com entrevista de Ferreira Gullar.
Disponível em: https://youtu.be/JOZIS-_Pwxo. Acesso em:  abr. 22.
Café Filosófico CPFL especial Fronteiras do Pensamento, com Mia Couto.
Disponível em: https://youtu.be/BbruWdNhf. Acesso em:  mar. 22.
Filme
Só dez por cento é mentira.
Direção: Pedro Cézar, 2. O documentário transpõe para as telas os versos inventivos e a “biografia inventada”, de Manoel
de Barros.

Exercícios complementares

Texto para as questões 1 e 2. b) escolha de gêneros artísticos e culturais que per-


petuam a tradição erudita.
Não há uma receita para se fazer arte nem deve haver
c) rigor formal e a racionalidade como os dois as-
temas bons e temas maus entre os quais o artista teria de esco-
lher. Qualquer assunto pode ser matéria da arte e de boa arte. pectos mais importantes da criação.
Naturalmente, alguns temas se prestam mais a determinados d) liberdade de que todo artista necessita para de-
gêneros artísticos que a outros. O que decide é a personali- senvolver e divulgar a sua criação.
dade do artista e seu talento: sua tarefa consiste mesmo em
realizar a alquimia do real para criar o valor estético, o prazer 2. PUC-Rio 2022 O trecho do “O que decide é a perso-
estético. De minha parte, creio que, em um mundo cheio de nalidade do artista e seu talento: sua tarefa consiste
tragédias e violência, um pouco de alegria e otimismo pode mesmo em realizar a alquimia do real para criar o valor
ajudar a viver. Uma das funções da arte é aumentar o grau de estético, o prazer estético.” exprime a:
FRENTE 2

maravilhoso que a vida possui e de que as pessoas necessitam. a) obrigação que os artistas têm de seguir uma cor-
GULLAR, Ferreira. Disponível em: https://www.dgabc.com.br/Noticia/365915/ rente estética.
ferreira-gullar-fala-de-arte-e-cultura-brasileira. Acesso em: 18 ago. 2021.
b) impotência do artista diante da realidade social.
c) consciência política do artista como fator essen-
1. PUC-Rio 2022 No texto, o autor se coloca a favor do(a) cial para a sua sobrevivência no mercado.
a) defesa de procedimentos estéticos que caracteri- d) capacidade do artista de transformar o real em
zam o cânone literário. algo sensível e prazeroso.

221
3. Unicamp-SP 2020
Texto I
Leia os versos iniciais da peça "Se correr o bicho pega, se car o bicho come" (1966), de Oduvaldo Vianna Filho e
Ferreira Gullar. Em formato de cordel, os versos são cantados por todos os atores.
Se corres, bicho te pega, amô.
Se ficas, ele te come.
Ai, que bicho será esse, amô?
Que tem braço e pé de homem?
Com a mão direita ele rouba, amô,
e com a esquerda ele entrega;
janeiro te dá trabalho, amô,
dezembro te desemprega;
de dia ele grita “avante”, amô,
de noite ele diz: “não vá”:
Será esse bicho um homem, amô,
ou muitos homens será?
(Oduvaldo Vianna Filho e Ferreira Gullar, Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, p. 3.)

Texto II

(Laerte, Exposição Maio na Paulista, de Laerte e Angeli, 2019. Disponível em


https://gq.globo.com/Cultura/noticia/2019/05/laerte-e-angeli-participam-de-
exposicao-ao-arlivre-na-avenida-paulista.html.
Acessado em 02/06/2019.)

Observe a charge de Laerte que fez parte da mostra Maio na Paulista, em 2019.
Considerando a relação entre os textos I e II, conclui-se que a charge
a) resgata a temática do cordel, rompendo com o impasse vivido pelos personagens.
b) reafirma o dilema dos personagens da peça, parafraseando os versos iniciais do cordel.
c) evidencia a tradição popular nordestina, utilizando a imagem para sofisticar os versos.
d) confirma a força transformadora da versificação popular, reproduzindo-a em imagens.

4. ITA-SP 2018
Passeio no bosque
canivete na mão não deixa
marcas no tronco da goiabeira
cicatrizes não se transferem
CACASO. Beijo na boca. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2000.

Algumas pessoas, ao gravarem nomes, datas etc., nos troncos das árvores, buscam externar afetos ou sentimentos.
Esse texto, contudo, registra uma experiência particular de alguém que, fazendo isso,
a) se liberta das dores amorosas, pois as exterioriza de alguma forma.
b) percebe que provocará danos irreversíveis à integridade da árvore.
c) busca refúgio na solidão do espaço natural.
d) se dá conta de que é impossível livrar-se dos sentimentos que o afligem.
e) encontra dificuldade em gravar o tronco com um simples canivete.

222 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


5. Insper-SP 2012 7. Mackenzie-SP 2017
Dois e dois: quatro Acreditei que se amasse de novo
Como dois e dois são quatro esqueceria outros
sei que a vida vale a pena pelo menos três ou quatro rostos que amei
embora o pão seja caro Num delírio de arquivística
e a liberdade pequena. organizei a memória em alfabetos
como quem conta carneiros e amansa
Como teus olhos são claros
no entanto flanco aberto não esqueço
e a tua pele, morena
e amo em ti os outros rostos
como é azul o oceano
e a lagoa, serena
Qual tarde de maio.
como um tempo de alegria
Como um trunfo escondido na manga
por trás do terror me acena carrego comigo tua última carta
e a noite carrega o dia cortada
no seu colo de açucena uma cartada.
– sei que dois e dois são quatro Não, amor, isto não é literatura
sei que a vida vale a pena CESAR, Ana Cristina. “Contagem regressiva”.
mesmo que o pão seja caro
e a liberdade, pequena.
Assinale a alternativa correta sobre o fragmento do
GULLAR, Ferreira.
poema “Contagem regressiva”.
a) “Contagem regressiva” é um típico poema da
Assinale a alternativa em que se analisa corretamente
Geração de 45, etapa do Modernismo da qual
o sentido dos versos de Ferreira Gullar.
Ana Cristina Cesar, assim como Cecília Meireles e
a) A partir de uma visão niilista, o poeta encara as
João Cabral de Melo Neto, fez parte.
dificuldades existenciais que enfrenta como inso-
b) O vocabulário precioso, o hermetismo e a
lúveis.
inventividade sintática revelam ecos neoparna-
b) A visão determinista do poeta define o seu desti-
sianos e pós-simbolistas no poema “Contagem
no em relação à amada, tal como uma operação
regressiva”.
matemática.
c) A temática amorosa de “Contagem regressiva”
c) Trata-se de um poema com discurso panfletário
evidencia o quanto a poesia de Ana Cristina Cesar
contra os problemas sociais e a falta de liberdade
apoia uma visão conservadora da política e das
no país.
relações humanas.
d) No poema, o eu lírico tem consciência dos proble-
d) O verso como quem conta carneiros e amansa
mas, mas se norteia pela certeza da validade da vida.
(verso ) revela a influência da vanguarda surre-
e) O poeta tem convicção da validade da vida, mas he-
alista na poesia de Ana Cristina Cesar.
sita diante da projeção de um ideal a ser alcançado.
e) “Contagem regressiva” apresenta importantes
características da Poesia Marginal, ou Geração
6. UEL-PR 2017 A respeito das correlações entre a po-
Mimeógrafo, tais como a coloquialidade e a temá-
esia de Leminski e os poemas de outras tendências
tica cotidiana.
poéticas, períodos e estilos de época, considere as
afirmativas a seguir.
I. Como o Concretismo, Leminski perseguiu a re- 8. ITA-SP 2022 (Adapt.) Leia atentamente o trecho do
presentação e a exaltação da vida material em conto “A mão no ombro”, do livro Seminário dos ra-
detrimento da exposição da subjetividade. tos, de Lygia Fagundes Telles, e, em seguida, assinale
II. Como o Simbolismo, Leminski adotou desenhos a alternativa CORRETA.
e experiências gráficas para representar a satura- Deixou cair a folha seca, enfurnou as mãos nos bol-
ção de significados e significantes na linguagem sos e seguiu pisando com a mesma prudência da estátua.
poética verbal. Contornou o tufo de begônias, vacilou entre os dois ci-
III. Com a primeira fase modernista, Leminski aderiu ao prestes (mas o que significava essa estátua?) e enveredou
poema-piada e aos jogos de palavras, em contraste por uma alameda que lhe pareceu menos sombria. Um
com o rigor de outras manifestações poéticas. jardim inocente.
IV. Com a poesia marginal, Leminski compartilhou a a) é um narrador predominantemente em terceira
espontaneidade e a irreverência como aproxima- pessoa, que utiliza, por vezes, o discurso indi-
FRENTE 2

ções entre a expressão poética e a vida cotidiana. reto livre para se confundir com a personagem
Assinale a alternativa correta. protagonista.
a) Somente as afirmativas I e II são corretas. b) é um narrador em primeira pessoa que constrói
b) Somente as afirmativas I e IV são corretas. um monólogo interior.
c) Somente as afirmativas III e IV são corretas. c) é um narrador protagonista, que relata, em primei-
d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. ra pessoa, as experiências que outra personagem
e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas. lhe contou.

223
d) é um narrador em terceira pessoa pouco atento c) incorpora uma visão do amor ancorada no senso
aos pensamentos da personagem protagonista. comum.
e) é um narrador judicativo que recrimina a culpa d) reafirma sua resignação diante de uma estrutura
que a personagem protagonista sente e, por isso, patriarcal.
faz perguntas a si próprio. e) traduz uma percepção crítica em face de sua re-
corrente anulação.
9. ITA-SP 2022 (Adapt.) Leia atentamente o trecho des-
Texto para as questões 11 e 12.
tacado do conto “Noturno amarelo”, do livro Seminário
dos ratos, de Lygia Fagundes Telles, e, em seguida, as- Momento
sinale a alternativa CORRETA. Enquanto eu fiquei alegre,
Tudo então aconteceu muito rápido. Ou foi lento? Vi permaneceram um bule azul com um
o Avô dirigir-se para a porta que ficava no fundo da sala, descascado no bico,
pegar a chave que estava no chão, abrir a porta, deixar a uma garrafa de pimenta pelo meio,
chave no mesmo lugar e sair fechando a porta atrás de si. um latido e um céu limpidíssimo
Foi a vez da Avó, que passou por mim com sua bengala com recém-feitas estrelas.
e seu lorgnon, me fez um aceno e deixando a chave no Resistiram nos seus lugares, em seus ofícios,
mesmo lugar, seguiu o Avô. Vi Eduarda de longe, ajudando constituindo o mundo pra mim, anteparo
o noivo a vestir a capa. Mas onde foram todos? perguntei para o que foi um acometimento:
e ela não ouviu ou não entendeu. súbito é bom ter um corpo pra rir
e sacudir a cabeça. A vida é mais tempo
a) a visita de Laura, protagonista do conto, à antiga
alegre do que triste. Melhor é ser.
casa de sua família, aconteceu realmente, mas
PRADO, Adélia. In: A Bagagem. Rio de Janeiro: Record, 2014 [1979], p.54.
isso não a afeta em nada.
b) a visita de Laura à antiga casa de sua família só 11. Uece 2022 Sobre o poema “Momento”, é INCORRETO
aconteceu na sua imaginação, o que revela a futi- afirmar que.
lidade da personagem. a) retrata o cotidiano com a felicidade e encanto.
c) por nunca ter nutrido sentimentos de amor por b) trata do tempo recuperado e recuperável.
sua família, Laura decide voltar no meio do cami- c) demonstra o tédio de uma mãe, esposa e dona
nho e cancelar a visita. de casa.
d) mais importante do que saber se a visita de Laura d) apresenta o contraste para reorganizar o sentido
à antiga casa de sua família aconteceu realmente da vida.
ou não é entender que as suas memórias a levam
a passar a sua vida a limpo. 12. Uece 2022 No texto de Adélia Prado, o eu lírico
e) mais importante do que saber se a visita de Laura revela que o tempo é
à antiga casa de sua família aconteceu realmente a) o que se vive aqui e agora.
ou não é entender que nenhuma lembrança é ca- b) o que já se viveu.
paz de alterar a sua falsidade e dissimulação em c) algo inatingível.
relação ao passado. d) sempre um contraste.
Texto para as questões de 13 a 16.
10. Enem Libras 2021
Canção do ver
Enredo Fomos rever o poste.
Ele me amava, mas não tinha dote, O mesmo poste de quando a gente brincava de pique
Só os cabelos pretíssimos e uma beleza e de esconder.
De príncipe de estórias encantadas. 1
Agora ele estava tão verdinho!
Não tem importância, falou a meu pai, O corpo recoberto de limo e borboletas.
Se é só por isto, espere. Eu quis filmar o abandono do poste.
Foi-se com um abandeira, O seu estar parado.
E ajuntou ouro pra me comprar três vezes. O seu não ter voz.
Na volta me achou casada com D. Cristóvão. O seu não ter sequer mãos para se pronunciar com
Estimo que sejam felizes, disse. as mãos.
O melhor do amor é a sua memória, disse meu pai. Penso que a natureza o adotara em árvore.
Demoraste tanto, que... disse D. Cristóvão. Porque eu bem cheguei de ouvir de passarinhos
Só eu não disse nada, que um dia teriam cantado entre as suas folhas.
Nem antes, nem depois. Tentei transcrever para flauta a ternura dos arrulos.
Prado, A. Bagagem. São Paulo: Siciliano, 1993. Mas o mato era mudo.
Agora o poste se inclina para o chão − como alguém
No poema de Adélia Prado, o eu lírico relata uma ex- que procurasse o chão para repouso.
periência em que a mulher Tivemos saudades de nós.
a) constrói modelos masculinos de feições idealizadas. BARROS, Manoel de. Poesia completa. São Paulo: Leya, 2010.
b) exerce um papel centralizador na formação da
família.

224 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


13. Uerj 2015 Agora ele estava tão verdinho! (ref. 1) III. A fala final do menino permite associar o poder de
De modo diferente do que ocorre em passarinhos, o livre criação comum às crianças à liberdade criati-
emprego do diminutivo, no verso apresentado, contri- va própria do discurso poético.
bui para expressar um sentido de: É correto o que se arma
a) oposição. c) proporção. a) apenas em I.
b) gradação. d) intensidade. b) apenas em I e II.
c) apenas em I e III.
14. Uerj 2015 O título “Canção do ver” reúne duas esfe-
d) apenas em II e III.
ras diferentes dos sentidos humanos: audição e visão.
e) em I, II e III.
No entanto, no decorrer do poema, a visão predomina
sobre a audição. Texto para as questões de 18 a 22.
Os dois elementos que conrmam isso são:
a) o imobilismo do poste e a saudade dos tempos A palavra
passados. Tanto que tenho falado, tanto que tenho escrito −
b) a inclinação do poste e sua adoção pela paisa- como não imaginar que, sem querer, 4feri alguém? Às
gem natural. vezes sinto, numa pessoa que acabo de conhecer, uma
c) a aparência do poste e a suposição do arrulo dos hostilidade surda, ou uma reticência de mágoas. 1Impru-
passarinhos. dente 5ofício é este, de viver em voz alta.
11
d) o silêncio do poste e a impossibilidade de trans- Às vezes, também a gente tem o 6consolo de saber
crição musical. que alguma coisa que se disse por acaso ajudou alguém
a se 9reconciliar consigo mesmo ou com a sua vida de
15. Uerj 2015 A memória expressa pelo enunciador do cada dia; a sonhar um pouco, a sentir uma vontade de
texto não pertence somente a ele. fazer alguma coisa boa.
Na construção do poema, essa ideia é reforçada pelo Agora sei que outro dia eu disse uma palavra que fez
emprego de: bem a alguém. Nunca saberei que palavra foi; deve ter
a) tempo passado e presente. sido alguma frase 7espontânea e distraída que eu disse com
b) linguagem visual e musical. naturalidade porque senti no momento − e depois 3esqueci.
c) descrição objetiva e subjetiva. Tenho uma amiga que certa vez ganhou um canário,
d) primeira pessoa do singular e do plural. e o canário não cantava. Deram-lhe receitas para fazer o
canário cantar; que falasse com ele, cantarolasse, batesse
16. Uerj 2015 No poema, o poste é associado à própria alguma coisa ao piano; que pusesse a gaiola perto quando
vida do eu poético. trabalhasse em sua máquina de costura; que arranjasse para
Nessa associação, a imagem do poste se constrói lhe fazer companhia, algum tempo, outro canário cantador;
pelo seguinte recurso da linguagem: até mesmo que ligasse o rádio um pouco alto durante uma
a) anáfora. c) sinonímia. transmissão de jogo de futebol... mas o canário não cantava.
b) metáfora. d) hipérbole. Um dia a minha amiga estava sozinha em casa, distra-
ída, e assobiou uma pequena frase melódica de Beethoven
17. Insper-SP 2013 – e o canário começou a cantar alegremente. Haveria al-
guma 8secreta ligação entre a alma do velho artista morto
Infantil e o pequeno pássaro cor de ouro?
2
O menino ia no mato Alguma coisa que eu disse distraído – talvez palavras
e a onça comeu ele. de algum poeta antigo – foi 10despertar melodias esque-
Depois o caminhão passou por dentro do corpo do cidas dentro da alma de alguém. Foi como se a gente
[menino soubesse que de repente, num reino muito distante, uma
e ele foi contar para a mãe. princesa muito triste tivesse sorrido. E isso fizesse bem ao
A mãe disse: mas se a onça comeu você, como é que coração do povo; iluminasse um pouco as suas pobres
o caminhão passou por dentro do seu corpo? choupanas e as suas remotas esperanças.
É que o caminhão só passou renteando meu corpo BRAGA, Rubem. In: PROENÇA FILHO, Domício (Org.). Pequena antologia
e eu desviei depressa. do Braga. Rio de Janeiro: Record, 1997.
Olha, mãe, eu só queria inventar uma poesia.
Eu não preciso de fazer razão. 18. Uerj 2012 O final do texto expressa uma reflexão do
BARROS, Manoel de.
escritor acerca do poder da sua escrita, a partir da
FRENTE 2

Considere as seguintes armações sobre o poema: menção a uma princesa e a um povo. Essa menção
I. Nos quatro primeiros versos, apresenta-se uma sugere, principalmente, que o escritor deseja que
situação que remete ao universo de fantasia da suas palavras tenham o poder de:
criança. a) desfazer as ilusões antigas.
II. No diálogo entre o menino e sua mãe, é flagrante b) permear as classes sociais.
o contraste entre a lógica do adulto e a capacida- c) ajudar as pessoas discriminadas.
de imaginativa da criança. d) abolir as hierarquias tradicionais.

225
19. Uerj 2012 Qual(is) está(ão) correta(s)?
a) Apenas I.
Imprudente ofício é este, de viver em voz alta. (ref. )
b) Apenas II.
O ofício a que Rubem Braga se refere é o seu próprio, c) Apenas I e III.
o de escritor. Para caracterizá-lo, além do adjetivo “im-
d) Apenas II e III.
prudente”, ele recorre a uma metáfora: “viver em voz
e) I, II e III.
alta”. O sentido dessa metáfora, relativa ao ofício de
escrever, pode ser entendido como:
24. UFRGS 2012 Em “Intestino grosso”, de Rubem Fonse-
a) superar conceitos antigos.
ca, a personagem denominada Autor
b) prestar atenção aos leitores.
a) argumenta que sua literatura tem por assunto a
c) criticar prováveis interlocutores. vida urbana e a violência, embora ele mesmo se
d) tornar públicos seus pensamentos. considere um seguidor de Guimarães Rosa.
b) alega que gostaria de escrever como Machado
20. Uerj 2012 O episódio do canário traz uma contribui- de Assis, para conquistar leitores.
ção importante para o sentido do texto, ao estabelecer c) sustenta que, apesar de os autores brasileiros re-
uma analogia entre a palavra do escritor e a música velarem os detalhes da vida dos poderosos, os
assobiada pela amiga. aspectos mais abstratos sobre finanças e proprie-
A inserção desse episódio no texto reforça a seguinte dade não aparecem.
ideia: d) comenta a importância da literatura brasileira e
a) A intolerância leva o artista ao isolamento. sua capacidade de diálogo com as obras da lite-
b) A arte atinge as pessoas de modo inesperado. ratura latino-americana de tema rural.
c) A solidão é remediada com soluções artísticas. e) discute em que termos sua literatura pode ser
d) A profissão envolve o artista em conflitos desne- considerada pornográfica, argumentando longa-
cessários. mente sobre a pornografia na arte.

21. Uerj 2012 25. UFRGS 2014 Assinale com V (verdadeiro) ou F (falso)
as seguintes afirmações sobre os contos de Murilo
Alguma coisa que eu disse distraído – talvez palavras
Rubião.
de algum poeta antigo – foi despertar melodias esquecidas
Todos apresentam uma epígrafe bíblica que está
dentro da alma de alguém. (ref. )
relacionada às temáticas dos contos.
O cronista revela que sua fala ou escrita pode conter Todos podem ser considerados fantásticos e não
algo escrito por “algum poeta antigo”. Ao fazer essa têm relação com a realidade brasileira.
revelação, o cronista se refere ao seguinte recurso: Cariba, o protagonista do conto “A cidade”, é preso
a) Polissemia. por ser a única pessoa que faz perguntas na cidade.
b) Pressuposição. O título do conto “O lodo” pode ser interpretado
c) Exemplificação. metaforicamente, já que é a forma como o psicana-
d) Intertextualidade. lista descreve o inconsciente de Galateu.
A sequência correta de preenchimento dos parênte-
22. Uerj 2012 Toda a indagação do cronista acerca da pa- ses, de cima para baixo, é
lavra se baseia na diferença entre a importância que a) F – V – V – F
ela pode ter, por um lado, para quem a escreve e, por b) V – F – V – V
outro, para quem a lê. O par de vocábulos que melhor c) F – F – F – V
exemplifica essa diferença no texto é: d) F – V – F – V
a) esqueci (ref. 3) − feri (ref. 4). e) V – V – V – F
b) ofício (ref. 5) − consolo (ref. ).
c) espontânea (ref. 7) − secreta (ref. 8). 26. UFRGS 2014 Considere as seguintes afirmações so-
d) reconciliar (ref. ) − despertar (ref. ). bre os contos de Murilo Rubião.
I. Nos contos “O pirotécnico Zacarias” e “O ex-
23. UFRGS 2012 Considere as seguintes afirmações so- -mágico da Taberna Minhota”, a narrativa está
bre contos de Feliz Ano Novo, de Rubem Fonseca. em primeira pessoa. Os narradores relatam
I. Em “Botando pra Quebrar”, um segurança de bo- acontecimentos fantásticos – ou seja, inexplicá-
ate, percebendo que será demitido, provoca uma veis racionalmente – com a maior naturalidade:
briga coletiva ao agredir os clientes do estabele- Zacarias é um cadáver falante que descreve o
cimento, que fica destruído depois do incidente. atropelamento que resultou na sua morte; o ex-
II. Em “Passeio Noturno (parte I)”, um bem pago
-mágico tenta suicidar-se, mas é boicotado pela
executivo, que perdeu a família em um acidente
própria magia.
rodoviário, percorre as ruas de São Paulo à pro-
cura de vítimas a serem atropeladas. II. Nos contos “Os dragões” e “Teleco, o coelhi-
III. Em “Entrevista”, dois interlocutores anônimos, um nho”, os animais têm comportamentos de seres
homem e uma mulher, encontram-se em uma sala humanos. Os dragões bebem em botequins, en-
escura onde a mulher narra os episódios violen- volvem-se com mulheres e assistem a aulas de
tos em que esteve envolvida com seu marido. um professor; Teleco fala, fuma e barbeia-se.
226 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea
III. Nos contos “Bárbara” e “Ofélia, meu cachimbo e o — Está direitinho um macaco em galho de pau.
mar”, as personagens femininas citadas nos títulos Doril olhou só com os olhos e revidou:
são, respectivamente, uma mulher que, após ca- — Macaco é quem fala. Está até comendo banana.
sar-se, começa a emagrecer assustadoramente e — Marmelo é banana, besta?
uma menina que só se interessa por histórias de — Não é mais serve.
marinheiro. Ficaram calados, cada um pensando por seu lado.
Diana cuspiu mais um caroço.
Qual(is) está(ão) correta(s)? — Sabe aquele livro de história que o Mirto ganhou?
a) Apenas I. — Que Mirto, seu. É Milllton. Mania!
b) Apenas II. — Mas sabe? Eu vou ganhar um igual. Tia Jura vai mindar.
c) Apenas I e II. — Não é mindar. É me-dar. Mas não é vantagem.
d) Apenas II e III. — Não é vantagem? É muita vantagem.
e) I, II e III. — Você já não leu o de Milton?
— Li mas quero ter. Pra guardar e ler de novo.
27. UFG-GO 2014 O fato de as histórias de Melhores — Vantagem é ganhar outro. Diferente.
contos J. J. Veiga serem livremente inspiradas na — Deferente eu não quero. Pode não ser bom.
realidade espacial e econômica do interior de Goiás, — Como foi que você disse? Diz de novo?
nas décadas de 1960 e 190, contribui para a natura- — Já disse uma vez, chega.
lização dos eventos insólitos de tais narrativas. Essa — Você disse deferente.
afirmativa se comprova no conto — Foi não.
a) “A usina atrás do morro”, que aponta a construção — Foi. Eu ouvi.
de usinas na zona rural como responsável pelas — Foi não.
mudanças na vida dos moradores do vilarejo. — Foi.
b) “A espingarda do Rei da Síria”, que indica a presen- — Foi não.
ça de imigrantes na zona rural como explicação — Foooi.
Continuariam até um se cansar e tapar os ouvidos
para a capacidade imaginativa do protagonista.
para ficar com a última palavra se Diana não tivesse a
c) “Na estrada do Amanhece”, que associa a che-
habilidade de se retirar logo que percebeu a dízima. Com
gada do automóvel no campo às transformações
pedacinho final do marmelo entre os dedos, ela chegou-se
culturais vividas pelos trabalhadores da fazenda.
mais perto do irmão e disse:
d) “A viagem de dez léguas”, que apresenta o alto ín-
— Gi! Matando louva-deus! Olhe o castigo!
dice de mortalidade entre as mulheres do campo — Eu estou matando, estou?
como justificativa para a tristeza das personagens. — Está judiando. Ele morre.
e) “A máquina extraviada”, que relaciona a imple- — Eu estou judiando?
mentação de novidades tecnológicas no campo — Amolar um bicho tão pequenininho é o mesmo
à rejeição do progresso por parte dos moradores que judiar.
do sertão. Doril não disse mais nada, qualquer coisa que ele
dissesse ela aproveitaria para outra acusação. Era difícil
Texto para as questões de 28 a 33. tapar a boca de Diana, ô menina renitente. Ele preferiu
Texto 1 continuar olhando o louva-deus. Soprou-o de leve, ele
encolheu-se e vergou o corpo para o lado do sopro, como
Diálogo da relativa grandeza faz uma pessoa na ventania. O louva-deus estava no meio
Sentado no monte de lenha, as pernas abertas, os de uma tempestade de vento, dessas que derrubam árvores
cotovelos nos joelhos, Doril examinava um louva-deus e arrancam telhados e podem até levantar uma pessoa do
pousado nas costas da mão. Ele queria que o bichinho chão. Doril era a força que mandava a tempestade e que
voasse, ou pulasse, mas o bichinho estava muito à vonta- podia pará-la quando quisesse. Então ele era Deus? Será
de, vai ver que dormindo – ou pensando? Doril tocava-o que as nossas tempestades também são brincadeira?
com a unha do dedo menor e ele nem nada, não dava Será que quem manda elas olha para nós como Doril
confiança, parece que nem sentia; se Doril não visse o estava olhando para o louva-deus? Será que somos peque-
leve pulsar de fole do pescoço – e só olhando bem é que nos para ele como um gafanhoto é pequeno para nós, ou
se via – era capaz de dizer que o pobrezinho estava morto, menores ainda? De que tamanho, comparando – do de
ou então que era um grilo de brinquedo, desses que as formiga? De piolho de galinha? Qual será o nosso tamanho
moças pregam no vestido para enfeitar. mesmo, verdadeiro?
Entretido com o louva-deus Doril não viu Diana che- Doril pensou, comparando as coisas em volta. Seria
FRENTE 2

gar comendo um marmelo, fruta azeda e enjoada que só engraçado se as pessoas fossem criaturinhas miudinhas,
serve para ranger os dentes. Ela parou perto do monte de vivendo num mundo miudinho, alumiado por um sol do
lenha e ficou descascando o marmelo com os dentes mas tamanho de uma rodela de confete.
sem jogar a casca fora, não queria perder nada. Quando Diana lambendo os dedos e enxugando no ves-
ela já tinha comido um bom pedaço da parte de cima e tido. Qual seria o tamanho certo dela? Um palmo de
nada de Doril ligar, ela cuspiu fora um pedaço de miolo cabeça, um palmo de peito, palmo e meio de bar-
com semente e falou: riga, palmo e meio até o joelho, palmo e meio até o

227
pé... uns seis palmos e meio. Palmo de quem? Gafa- — Ora sebo, Doril. Pau de fósforo é deste tamanho
nhoto pode ter seis palmos e meio também – mas de — ela mostrou dois dedinhos separados, dando tamanho
gafanhoto. Formiga pode ter seis palmos e meio – que ela imaginava.
de formiga. E os bichinhos que existem mas a gente não — Isso que você está mostrando não é tamanho de
vê, de tão pequenos? Se tem bichos que a gente não vê, pau de fósforo. Pau de fósforo é quase do seu tamanho.
não pode ter bichos que esses que a gente não vê não Diana ficou pensativa, triste por ter diminuído de ta-
veem? Onde é que o tamanho dos bichos começa, e manho de repente. Doril aproveitou para ensinar mais.
onde acaba? Qual é o maior, e qual o menor? Bonito se — Como você é tapada, Diana. Tudo no mundo é
nós também somos invisíveis para outros bichos muito muito pequeno.
grandes, tão grandes que os nossos olhos não abarcam? O mundo é muito pequeno. — Olhou em volta pro-
E se a Terra é um bicho grandegrandegrandegrande e nós curando uma ilustração. — Está vendo aquela jaca? Sabe
somos pulgas dele? Mas não pode! Como é que vamos o tamanho dela?
ser invisíveis, se qualquer pessoa tem mais de um metro — Sei sim. Regula com uma melancia.
de tamanho? — Pronto. Não sabe. É do tamanho de cajá.
Doril olhou o muro, os cafezeiros, as bananeiras, tudo Diana olhou a jaca já madura em ponto de cair, qual-
bem maior do que ele, uma bananeira deve ter mais de quer dia caía.
dois metros... — Ah, não pode, Doril. Comparar jaca com cajá?
Aí ele notou que o louva-deus não estava mais na — Mas é porque você não sabe que cajá não é cajá.
mão. Procurou por perto e achou-o pousado num pau de — O que é então?
lenha, numa ponta coberta de musgo. Doril levantou o — É bago de arroz.
pau devagarinho, olhou-o de perto e achou que a camada Diana olhou em volta aflita, procurando uma prova
de musgo lembrava um matinho fechado, com certeza de que Doril estava errado.
cheio de... — E coqueiro o que é?
— Quando é que você vai deixar esse bichinho sos- — Coqueiro é pé de salsa.
segado? — E eu?
Tamanho homem! — Você é formiga de dois pés.
Doril largou o pau devagarinho no monte, limpou as — Se eu sou formiga como é que eu pulo rego d’água?
mãos na roupa. — Que rego d’água?
— Você não sabe qual é o meu tamanho. — Esse nosso aí.
Ela olhou-o desconfiada, com medo de dizer uma Doril sacudiu a cabeça, sorrindo.
coisa e cair em alguma armadilha. Doril estava sempre — Aquilo não é rego d’água. É risquinho no chão, da
arranjando novidades para atrapalhá-la. grossura de um fio de linha.
— Você nem sabe qual é o seu tamanho – insistiu ele. — E... E aquele morro lá longe?
— Então não sei? Já medi e marquei com um carvão — Não é morro. Você pensa que é morro porque
atrás da porta da sala. Pode olhar lá, se quiser. você é formiga.
Ele sorriu da esperada ingenuidade. Aquilo é um montinho de terra que cabe num carri-
— Isso não quer dizer nada. Você não sabe o tamanho nho de mão.
da marca. Diana olhou-se de alto a baixo, achou-se grande para
— Sei. Mamãe mediu com a fita de costura. Diz que ser formiga.
tem um metro e vinte e tantos. — Onde você aprendeu isso?
— Em metro de anão. Ou metro invisível. Ela precisava da garantia de uma autoridade para
Ela olhou-o assustada, desconfiada; e não achando o aceitar a nova ideia.
que responder, desconversou: — Em parte nenhuma. Eu descobri.
— Ih, Doril! Você está bobo hoje! Diana deu um riso de zombaria, como quem começa
— Boba é você, que não sabe de nada. a entender. Tudo aquilo era invenção dele, coisa sem pé
Ela esperou, ele explicou: nem cabeça. Como a história de recado por pensamento.
— Você não sabe que nós somos invisíveis, de tão A mãe chamou da janela. Doril desceu do monte
pequenos? de lenha, um pau resvalou e feriu-o no tornozelo. Ele ia
— Sei disso não. Invisível é micuim, que a gente sente xingar mas lembrou que pau de fósforo não machuca. A
mas não vê. mãe chamou de novo, ele saiu correndo e gritou para trás:
— Pois é. Nós somos como micuins. — Quem chegar por último é filho de lesma.
Diana olhou depressa para ela mesma, depois para Doril. Diana correu também, mais para não ficar sozinha
— Como é que eu vejo eu, vejo você, vejo minha mãe? do que para competir. Pularam uma bacia velha, simples
— E você pensa que micuim não vê micuim? tampa de cerveja emborcada no chão. Pularam o fio de
Diana franziu a testa, pensando. Doril tinha cada linha que Diana tinha pensado que era um rego d’água.
ideia. [...] Doril tropeçou num balde furado (isto é, um dedal com
— Não pode, Doril. A gente é grande. Olha aí, você alça), subiu de um fôlego os dentes do pente que servia
é quase da altura desse monte de lenha. de escada para a varanda, e entrou no caixotinho de giz
— Está vendo como você não sabe nada? Isso não é onde eles moravam. A mãe uma formiguinha severa de
um monte de lenha. É um monte de pauzinhos menores pano amarrado na cabeça estava esperando na porta com
do que pau de fósforo. uma colher e um vidro de xarope nas mãos, a colher uma

228 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


simples casquinha de arroz. Doril abriu a boca, fechou os 32. UFG-GO 2014 No texto, são apresentadas alterações
olhos e engoliu, o borrifo de xarope desceu queimando a lexicais como as ocorridas em Milton para Mirto, em
garganta de formiga. me-dar para mindar, em diferente para deferente. A
VEIGA, J. J. Melhores contos J. J. Veiga. Seleção de J. Aderaldo passagem de diferente para deferente é marcada por
Castello. 4. ed. São Paulo: Global, 2000. p. 97-102.
a) uma variação na forma da palavra que implica mu-
dança de significado.
28. UFG-GO 2014 Quanto ao plano da narrativa, os ele-
b) um mesmo tipo de processo que ocorre em Mirto
mentos do texto demonstram que
e em mindar.
a) os limites de compreensão das personagens im-
c) um estranhamento dado pela inexistência da pa-
pedem as divagações acerca dos elementos da
lavra deferente.
natureza.
d) uma mudança na classe gramatical da palavra
b) a mistura das vozes aproxima o narrador das ex-
que sofre a variação.
periências vividas pelas personagens.
e) um registro erudito que é incompatível com a
c) a predominância do tempo linear confere um ca-
cena narrada na história.
ráter melancólico ao enredo.
d) os conceitos categóricos de Diana afastam o lei-
tor das relações estabelecidas por Doril. 33. UFG-GO 2014 Leia o Texto 2 e relacione ao Texto 1
e) as personagens se desviam da trama, revelando para responder à questão.
uma visão equivocada dos acontecimentos. Texto 2

29. UFG-GO 2014 A trama do conto “Diálogo da relativa


grandeza”, de J. J. Veiga, é construída com base em
a) mudanças do comportamento das crianças frente
às coisas do mundo.
b) imitações das brincadeiras de crianças campesi-
nas, mas que predominam nos meios urbanos.
c) críticas à supremacia da imaginação das narrati-
vas fantásticas.
d) comparações entre coisas de diferentes dimen-
sões, mas que apresentam alguma semelhança.
e) desqualificações da utilidade atribuída aos obje-
tos da natureza.

30. UFG-GO 2014 O trecho “Foi não. / Foi. Eu ouvi. / Foi não.
/ Foi. / Foi não. Foooi. / Continuariam até um se cansar
e tapar os ouvidos para ficar com a última palavra se
Diana não tivesse a habilidade de se retirar logo que
http://gulliveresuasviagens.blogspot.com.br. Acesso em: 16 out. 2013.
percebeu a dízima” descreve uma particularidade do di-
álogo infantil. Nesse jogo discursivo, vence aquele que O Texto 2 é uma cena do romance Viagens de
a) constrói imagens fantasiosas e impossíveis de Gulliver, de Jonathan Swift, com o qual o conto de J. J.
contraposição. Veiga faz um intertexto ao discutir questões sobre
b) deixa de refutar os argumentos de seu interlocu- o conhecimento humano e sua racionalidade. Con-
tor e bloqueia o canal de entendimento. siderando a cena retratada e os episódios narrados
c) demonstra maturidade e reverte a discussão em no conto, quais trechos evocam respectivamente o
seu favor. paradoxo humano entre a arrogância e a fragilidade?
d) aceita as evidências e reconhece a derrota de a) “Soprou-o de leve, ele encolheu-se e vergou o
seu ponto de vista. corpo para o lado do sopro, como faz uma pessoa
e) apresenta argumentos lógicos e desqualificado- na ventania.”/“Você é formiga de dois pés.”
res de seu interlocutor. b) “Ela cuspiu fora um pedaço de miolo com semen-
te...”/“Doril largou o pau devagarinho no monte,
31. UFG-GO 2014 Uma das barreiras ao livre comércio limpou as mãos na roupa.”
está relacionada à falta de homogeneidade nos pa- c) “Doril desceu do monte de lenha, um pau resva-
FRENTE 2

drões de medida. Em que trecho do texto, transcrito a lou e feriu-o no tornozelo.”/“Diana deu um riso de
seguir, a relatividade da padronização é constatada? zombaria, como quem começa a entender.”
a) “Ele queria que o bichinho voasse, ou pulasse.” d) “Já medi e marquei com um carvão atrás da porta
b) “Doril tocava-o com a unha do dedo menor.” da sala.”/“Você não sabe o tamanho da marca.”
c) “Já tinha comido um bom pedaço da parte de cima.” e) “Ele queria que o bichinho voasse, ou pulasse,
d) “Macaco é quem fala. Está até comendo banana.” mas o bichinho estava muito à vontade...”/“Está
e) “Em metro de anão. Ou metro invisível.” direitinho um macaco em galho de pau.”

229
34. Enem PPL 2019 ODORICO – Povo sucupirano! Agoramente já in-
vestido no cargo de Prefeito, aqui estou para receber a
A máquina extraviada
confirmação, a ratificação, a autenticação e por que não
Você sempre pergunta pelas novidades daqui deste ser- dizer a sagração do povo que me elegeu.
tão, e finalmente posso lhe contar uma importante. Fique Aplausos vêm de fora.
o compadre sabendo que agora temos aqui uma máquina ODORICO – Eu prometi que o meu primeiro ato
imponente, que está entusiasmando todo o mundo. Desde como prefeito seria ordenar a construção do cemitério.
que ela chegou – não me lembro quando, não sou muito Aplausos, aos quais se incorporam as personagens
bom em lembrar datas – quase não temos falado em outra em cena.
coisa; e da maneira que o povo aqui se apaixona até pelos ODORICO – (Continuando o discurso:) Botando de
assuntos mais infantis, é de admirar que ninguém tenha lado os entretantos e partindo pros finalmente, é uma ale-
brigado ainda por causa dela, a não ser os políticos. [...] gria poder anunciar que prafrentemente vocês já poderão
Já existe aqui um movimento para declarar a máquina morrer descansados, tranquilos e desconstrangidos, na
monumento municipal. [...] Dizem que a máquina já tem certeza de que vão ser sepultados aqui mesmo, nesta terra
feito até milagre, mas isso – aqui para nós – eu acho que é morna e cheirosa de Sucupira. E quem votou em mim,
exagero de gente supersticiosa, e prefiro não ficar falando basta dizer isso ao padre na hora da extrema-unção, que
no assunto. Eu – e creio que também a grande maioria tem enterro e cova de graça, conforme o prometido.
dos munícipes – não espero dela nada em particular; para GOMES, D. O bem-amado. Rio de Janeiro: Ediouro, 2012.
mim basta que ela fique onde está, nos alegrando, nos
inspirando, nos consolando. O gênero peça teatral tem o entretenimento como
VEIGA, J. J. A máquina extraviada: contos. Rio de Janeiro: Civilização uma de suas funções. Outra função relevante do gê-
Brasileira, 1974. nero, explícita nesse trecho de O bem-amado, é
Qual procedimento composicional caracteriza a cons- a) criticar satiricamente o comportamento de pesso-
trução do texto? as públicas.
a) As intervenções explicativas do narrador. b) denunciar a escassez de recursos públicos nas
b) A descrição de uma situação hipotética. prefeituras do interior.
c) As referências à crendice popular. c) censurar a falta de domínio da língua-padrão em
d) A objetividade irônica do relato. eventos sociais.
e) As marcas de interlocução. d) despertar a preocupação da plateia com a expec-
tativa de vida dos cidadãos.
35. Cefet-MG 2013 e) questionar o apoio irrestrito de agentes públicos
aos gestores governamentais.
Abelardo I (Sentado em conversa com o Cliente.
Aperta um botão, ouve-se um forte baru-
37. UFPE 2013 Considerando os primórdios da moderni-
lho de campainha.) — Vamos ver...
dade da arte teatral no Brasil, leia os textos 1, 2 e  e
Abelardo II (Veste botas e um completo domador de
feras. Usa pastinha e enormes bigodes analise as proposições a seguir.
retorcidos. Monóculo. Um revólver à Texto 1
cinta.) — Pronto Seu Abelardo.
Abelardo I — Traga o dossier desse homem. Primeiro ato
Abelardo II — Pois não! O seu nome? (Cenário dividido em três planos – primeiro plano:
Cliente (Embaraçado, o chapéu na mão, uma alucinação; segundo plano: memória; terceiro plano:
gravata de corda no pescoço magro.) realidade. Quatro arcos no plano da memória; duas esca-
— Manoel Pitanga de Moraes. das laterais. Trevas.)
ANDRADE, Oswald de. O rei da vela. São Paulo: Globo, 1994. p. 39. RODRIGUES, Nelson. Vestido de Noiva.

O fragmento organiza-se segundo o modelo do gêne- Texto 2


ro literário que se dene por
a) ser produzido para a encenação pública.
b) narrar os fatos notáveis da história de um povo.
c) expressar as emoções e estados de alma do autor.
d) ridicularizar os vícios e atitudes reprováveis dos
seres humanos.

36. Enem 2017


Segundo quadro
Uma sala da prefeitura. O ambiente é modesto. Du-
rante a mutação, ouve-se um dobrado e vivas a Odorico,
“viva o prefeito” etc. Estão em cena Dorotéa, Juju, Dir-
ceu, Dulcinéa, o vigário e Odorico. Este último, à janela,
discursa. Vestido de noiva – Encenação de Ziembinski, 1943.

230 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


Texto 3 bem finos e longos acesos.” (Primeiro quadro do
Ao abrir o pano, entram todos os atores, com exce- primeiro ato)
ção do que vai representar Manuel, como se tratasse de c) “Em cima, de costas para a plateia, Virgínia, a
uma tropa de saltimbancos, correndo, com gestos largos, esposa branca, muito alva; veste luto fechado.”
exibindo-se ao público. Se houver algum ator que saiba (Primeiro quadro do primeiro ato)
caminhar sobre as mãos, deverá entrar assim. Outro trará d) “Elias, meigo como nunca. A cama atual de Virgínia
uma corneta, na qual dará um alegre toque, anunciando a está revolvida, como a de solteira; um travesseiro no
entrada do grupo. Há de ser uma entrada festiva, na qual chão; metade do lençol para fora.” (Segundo ato)
as mulheres dão grandes voltas e os atores agradecerão os
e) “Vê-se a silhueta de Ana Maria, no frenético e
aplausos, erguendo os braços, como no circo. A atriz que
inútil esforço de libertação.” (Segundo quadro do
for desempenhar o papel de Nossa Senhora deve vir sem
terceiro ato)
caracterização, para deixar bem claro que, no momento,
é somente atriz. Imediatamente após o toque de clarim,
o Palhaço anuncia o espetáculo. 39. Acafe-SC 2018 Assinale a citação extraída da peça
SUASSUNA, Ariano. Auto da Compadecida. teatral Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna.
a) “Sabe, era eu e mais quatro primas, todas nós,
A Semana de Arte Moderna, de 1922, reuniu ar-
queríamos porque queríamos esse broche da
tistas de diversas linguagens, os quais reetiram
minha avó. Cada uma achava que merecia mais
sobre a modernidade na arte nacional. No entanto,
do que a outra. Mas, minha vozinha deu pra mim!
o teatro só veio a ter sua modernidade reconheci-
Pra mim! O senhor não sabe o que eu tive que
da na década de 190, com Vestido de Noiva, de
aguentar das minhas primas! Todas invejosas! Fui
Nelson Rodrigues.
chamada de mimada, puxa-saco, netinha queridi-
No Texto 1, a divisão do cenário em três planos
nha da vovó, protegida e até de filha da p...!”
aponta para uma perspectiva cubista da realidade,
b) “A solução é apressar a morte a que se decida e
apresentada em ângulos diferentes: alucinação,
pedir a este rio, que vem também lá de cima, que
memória e a própria realidade.
me faça aquele enterro que o coveiro descrevia [...].”
Partilhando dos princípios do Movimento Regiona-
c) “Valha-me Nossa Senhora, Mãe de Deus de Na-
lista de 1926 e dialogando com a tradição do teatro
zaré! A vaca mansa dá leite, a braba dá quando
ocidental, a dramaturgia de Ariano Suassuna revela
quer. A mansa dá sossegada, a braba levanta o
uma outra faceta do teatro moderno: a busca de
pé. Já fui barco, fui navio, mas hoje sou escaler.
um imaginário popular nacional.
Já fui menino, fui homem, só me falta ser mulher. ”
Um dos traços estilísticos desse teatro popular de
Ariano Suassuna, como se percebe no Texto , é a d) “Não, nesse negócio de milagres, é preciso ser
encenação de um ambiente pobre, desolado, ex- honesto. Se a gente embrulha o santo, perde o
pressando o drama do povo nordestino que tenta crédito. De outra vez o santo olha, consulta lá os
sobreviver à miséria. seus assentamentos e diz: – Ah, você é o Zé-do-
Pela leitura do Texto 1 e do Texto 2, percebe-se um -Burro, aquele que já me passou a perna! E agora
ponto em comum entre a obra de Nelson Rodrigues vem me fazer nova promessa. Pois vá fazer pro-
e a de Ariano Suassuna: ambos procuram construir messa pro diabo que o carregue, seu caloteiro
um universo cênico distante da realidade comum duma figa! E tem mais: santo é como gringo, pas-
dos fatos, revelando as distorções angustiantes, tão sou calote num, todos os outros ficam sabendo.”
caras à estética expressionista.
40. UFSC 2016 Acerca da peça O Santo e a Porca, de
38. UFPR 2012 As rubricas ou indicações cênicas são “tex- Ariano Suassuna, é correto afirmar que:
tos que não se destinam a ser pronunciados no palco,  a personagem Pinhão, representada como um
mas que ajudam o leitor a compreender e a imaginar a tipo comum do interior do Nordeste brasileiro,
ação e as personagens. Esses textos são igualmente úteis mostra-se moldada pela sabedoria popular ao re-
ao diretor e aos atores durante os ensaios, mesmo que sumir situações por meio de ditados.
eles não os respeitem”.  a personagem Caroba é caracterizada como uma
RYNGAERT, Jean-Pierre. Introdução à análise do teatro. figura feminina tipicamente submissa ao jogo
São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 44. masculino, o que bem representa os efeitos de
Entre as indicações cênicas a seguir – extraídas de uma cultura machista.
O Anjo Negro, de Nelson Rodrigues, assinale a que  o bordão pronunciado por Euricão Engole-Cobra
FRENTE 2

se destina à leitura e interpretação do texto, e não à – “Ai a crise, ai a carestia!” – reforça a característi-
sua encenação. ca cômica dessa personagem avarenta.
a) “Passaram-se dezesseis anos e nunca mais fez  a comédia de Ariano Suassuna pretende denun-
sol. Não há dia para Ismael e sua família.” (Primeiro ciar o caráter dos sovinas como algo ridículo e,
quadro do terceiro ato) por meio do riso, educar moralmente o público.
b) “No andar térreo, um velório. O pequeno caixão  Santo Antônio é evocado como protetor dos
de ‘anjo’ – de seda branca – com os quatro círios, pobres, como aquele que ajuda a encontrar os

231
objetos perdidos, mas, sobretudo, como interven- Renê, um recepcionista noturno de hotel, tenta re-
tor direto das uniões matrimoniais, ao final da peça. construir sua vida e encontra na amizade de Copi,
 a personagem Euricão Engole-Cobra acaba soli- um travesti obcecado por fotograas, uma alterna-
tária e pobre ao final da peça porque essa seria a tiva para sua vida destruída. Renê lerá o que Copi
justiça poética do destino contra a presença dos escreve e será o único que terá acesso a suas fo-
imigrantes árabes na região Nordeste. tos de surpreendente beleza.
[...] Vou me acalmando desse jeito. Foi bom botar
Soma:
pra fora essa coisa toda, dizer claramente pra mim
mesma o que tinha vergonha de dizer a qualquer
41. Fatec-SP 2015 O escritor, dramaturgo e poeta Ariano pessoa, vergonha de dizer o que minha lha fez co-
Suassuna morreu em 201, aos  anos. Membro da migo?, ou da minha raiva, do meu próprio egoísmo?,
Academia Brasileira de Letras (ABL), esse autor tradu- é egoísmo querer ter minha própria vida? Diga-me,
ziu em suas obras a tradição popular do Nordeste. Barbie, você que nasceu pra ser vestida e despida,
Assinale a alternativa que apresenta um trecho da manipulada, sentada, levantada, embalada, deitada
obra Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. e abandonada à vontade pelos outros, você é feliz
a) “SEVERINO assim?, você não tem vergonha?, eu tenho vergonha
Não pode ser, João. Eu matei o bispo, o padre, o de ter cedido, estou lhe dizendo, vergonha.
sacristão, o padeiro e a mulher e eles morreram espe- As personagens principais de seus contos são
rando por você. Se eu não o matar, vêm-me perseguir quase sempre femininas. Velhas, moças, crianças.
de noite, porque será uma injustiça com eles. [...]” Negras, quase todas e quase todos. Ex-prostitutas,
Disponível em: http://tinyurl.com/lelivros. Acesso em: 24 mar. 2018. (Adapt.). domésticas, pedreiros, tracantes. E outros e ou-
tras. Pobres todas e todos.
b) “Chamava-se João Teodoro, só. O mais pacato e O enredo da peça é um trabalho de montagem e
modesto dos homens. Honestíssimo e lealíssimo, moldagem baseado em uma tradição antiquíssima,
com um defeito apenas: não dar o mínimo valor a si que remonta aos autos medievais de Gil Vicente
próprio. Para João Teodoro, a coisa de menos impor- e mais diretamente a inúmeros autores populares
tância no mundo era João Teodoro. [...]” que se dedicaram ao gênero do cordel.
Disponível em: http://tinyurl.com/leitura-encantada.
Os meninos foram crescendo, sicamente eram
Acesso em: 24 mar. 2018. (Adapt.).
idênticos, porém suas opiniões e modo de pensar
c) “Havia muito que João Romão vivia exclusivamente divergiam muito. Isso aigia Natividade, que era
para essa ideia; sonhava com ela todas as noi- toda dada aos lhos, esses por muitas vezes bri-
tes; comparecia a todos os leilões de materiais de gavam por nada, aigindo a mãe ainda mais. Um
construção; arrematava madeiramentos já servidos; dos motivos de tanta discórdia eram as opiniões
comprava telha em segunda mão; fazia pechinchas políticas que tinham.
de cal e tijolos; acumulados (...)” a)  –  – 3 – 5 – 4 c) 4 –  –  – 3 – 5
Disponível em: http://tinyurl.com/dominiopub-1. b)  – 4 – 5 –  – 3 d) 3 – 5 – 4 –  – 
Acesso em: 24 mar. 2018. (Adapt.).

d) “Aplica esta prova a todos os órgãos e compreendes 43. Unicamp-SP 2022 Tudo na vida é mortal, tudo se apa-
o meu princípio. Enquanto a inteligência e a felici- ga. Se a tua chama se apaga é em ti que está a falta. Faz
o que te digo e magia nenhuma te derrubará nesta vida.
dade que dela se tira pela incansável acumulação de
Tu és feitiço por excelência e não deves procurar mais
noções, só te peço que compares Renan e o Grillo...”
magia nenhuma. Corpo de mulher é magia. Força. Fra-
Disponível em: http://tinyurl.com/dominiopub-2.
Acesso em: 24 mar. 2018. (Adapt.). queza. Salvação. Perdição. O universo inteiro cabe nas
curvas de uma mulher.
e) “Nhá Tolentina estava ficando rica de vender no (Paulina Chiziane, Niketche: uma história de poligamia. São Paulo:
arraial pastéis de carne mexida com ossos de mão Companhia das Letras, 2021. p. 38.).

de anjinho; dos vinténs enterrados juntamente com O excerto acima corresponde a uma das primeiras
mechas de cabelo, em frente das casas; e do João lições que a conselheira amorosa oferece a Rami, a
Mangolô velho de guerra, voluntário do mato nos personagem principal do romance. Tendo em vista as
tempos do Paraguai (...)” várias peripécias vividas por Rami, essa lição é
Disponível em: http://tinyurl.com/literaturapoeta-1. a) aceita pela protagonista, mas sua trajetória lhe ensina
Acesso em: 24 mar. 2018. (Adapt.).
que o corpo feminino é, no fim das contas, perdição.
b) abandonada pela personagem principal, uma
42. Acafe-SC 2017 Associe os autores aos trechos. vez que seu marido não se encanta com seus
. Ariano Suassuna novos ardis.
. Machado de Assis c) frustrada, pois Rami, ao conhecer suas rivais, per-
3. Carlos Henrique Schroeder cebe que não possui todos os atributos desejáveis.
4. Conceição Evaristo d) confrontada com a experiência pessoal de Rami e de
5. Maria Valéria Rezende suas rivais, transformando-as de modo significativo.

232 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


Observe a imagem e leia o texto, para responder às questões 44 e 45.

Amoreira Africana.

O Comissário apertou-lhe mais a mão, querendo transmitir-lhe o sopro de vida. Mas a vida de Sem Medo esvaía-se para
o solo do Mayombe, misturando-se às folhas em decomposição.
[...]
Mas o Comissário não ouviu o que o Comandante disse. Os lábios já mal se moviam.
A amoreira gigante à sua frente. O tronco destaca-se do sincretismo da mata, mas se eu percorrer com os olhos o
tronco para cima, a folhagem dele mistura-se à folhagem geral e é de novo o sincretismo. Só o tronco se destaca, se
individualiza. Tal é o Mayombe, os gigantes só o são em parte, ao nível do tronco, o resto confunde-se na massa. Tal o
homem. As impressões visuais são menos nítidas e a mancha verde predominante faz esbater progressivamente a clari-
dade do tronco da amoreira gigante. As manchas verdes são cada vez mais sobrepostas, mas, num sobressalto, o tronco
da amoreira ainda se afirma, debatendo-se. Tal é a vida.
[...]
Os olhos de Sem Medo ficaram abertos, contemplando o tronco já invisível do gigante que para sempre desaparecera
no seu elemento verde.
Pepetela. Mayombe.

44 Fuvest-SP 2017 Considerando-se o excerto no contexto de Mayombe, os paralelos que nele são estabelecidos entre
aspectos da natureza e da vida humana podem ser interpretados como uma
a) reflexão relacionada ao próprio Comandante Sem Medo e a seu dilema característico entre a valorização do
indivíduo e o engajamento em um projeto eminentemente coletivo.
b) caracterização flagrante da dificuldade de aceder ao plano do raciocínio abstrato, típica da atitude pragmática do
militante revolucionário.
c) figuração da harmonia que reina no mundo natural, em contraste com as dissensões que caracterizam as rela-
ções humanas, notadamente nas zonas urbanizadas.
d) representação do juízo do Comissário a respeito da manifesta incapacidade que tem o Comandante Sem Medo
de ultrapassar o dogmatismo doutrinário.
e) crítica esclarecida à mentalidade animista – que tende a personificar os elementos da natureza – e ao tribalismo,
ainda muito difundidos entre os guerrilheiros do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).

45. Fuvest-SP 2017 Consideradas no âmbito dos valores que são postos em jogo em Mayombe, as relações entre a
árvore e a floresta, tal como concebidas e expressas no excerto, ensejam a valorização de uma conduta que corres-
FRENTE 2

ponde à da personagem
a) João Romão, de O cortiço, observadas as relações que estabelece com a comunidade dos encortiçados.
b) Jacinto, de A cidade e as serras, tendo em vista suas práticas de beneficência junto aos pobres de Paris.
c) Fabiano, de Vidas secas, na medida em que ele se integrava na comunidade dos sertanejos, seus iguais e vizinhos.
d) Pedro Bala, de Capitães da Areia, em especial ao completar sua trajetória de politização.
e) Augusto Matraga, do conto “A hora e vez de Augusto Matraga”, de Sagarana, na sua fase inicial, quando era o
valentão do lugar.

233
BNCC em foco
EM13LP47

1.

EM13LP47

2.

EM13LP49

3. Muitos povos indígenas brasileiros costumavam matar os gêmeos antes do contato com os brancos, que
combateram a prática. “Quando chegamos lá (ao Parque Indígena do Xingu), ainda matavam. Fizemos uma campanha, mas,
apesar da tolerância, os índios ainda recebem com muita reserva os gêmeos. O repúdio ao duo é muito forte”, disse à Folha
o sertanista Orlando Villas Boas. “Muitos povos indígenas têm uma atitude contrária aos gêmeos porque seriam sinal de
transgressão. Eles são vistos como perigosos e, segundo os índios, poderiam trazer males e doenças”, afirma a antropóloga
Betty Mindlin, autora de “Terra Grávida”, antologia de mitos indígenas.

a)

b)

234 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


Gabarito
de ampliação dos desertos e da vida Exercícios complementares
Frente 1 e são classificadas como subordina-
das substantivas apositivas. 1. A
Capítulo 13 – Sintaxe do 15. E 2. D
período composto II 16. A 3. A
Revisando BNCC em foco 4. A

1. D 5. B
1. E
2. A 2. a) A oração subordinada é “que você 6. E
3. D joga na rua”, que se classifica como 7. D
adjetiva restritiva.
4. D 8. C
b) A oração subordinada adjetiva res-
5. A tritiva enfatiza que o lixo que pode 9. A
6. D voltar para a sua casa é aquele que 10. B
7. C você mesmo jogou na rua. Para re-
11. A
forçar essa ideia, o cartaz mostra
8. E 12. B
imagens de resíduos expostos e in-
Exercícios propostos setos que podem surgir nas casas. 13. D
1. C 3. C 14. D
2. D 15. C
3. A 16. D
4. B Capítulo 14 – Sintaxe do 17. D
5. C período composto III 18. B
6. D Revisando 19. A
7. C
1. D 20. E
8. C
2. E 21. a) “Quanto mais exigia” e “Quanto mais
9. C o buscava para si”. Orações subordi-
3. C
10. C nadas adverbiais proporcionais.
4. E
11. E b) Embora utilize conjunções diferencia-
5. B das (“quanto mais... menos” e “quanto
12. A
6. C mais... mais”), o sentido aditivo de
13. B
7. E “mais”, na segunda, não altera o sen-
14. D tido negativo expresso em ambas as
8. B
15. Soma: 01 + 08 = 09 orações. Embora “mais à outra ele
16. E Exercícios propostos pertencia” tenha um sentido aditivo,
isso reforça a ideia de que Lânia me-
Exercícios complementares 1. A
nos conseguia. A “outra” se refere à
2. D sua irmã, Lisíope, por quem o moço
1.A
3. E se apaixona.
2. E
4. C 22. D
3. A
5. D 23. D
4. A
24. B
5. A 6. C
6. B 7. D BNCC em foco
7.C 8. B 1. a)Encontramos como exemplo de ora-
8. B 9. C ção subordinada adverbial “... para
a produção local de mais 5 mi-
9. A 10. A lhões de doses de vacinas contra a
10. E 11. B COVID-19”. Essa oração é classifi-
11.A cada como subordinada adverbial
12. B final.
12. B
13. E b) A utilização de uma oração subordi-
13. No trecho “É uma pena que seja assim”,
14. E nada adverbial final tem por objetivo
temos uma oração principal (“É uma pena”)
e uma oração subordinada substantiva apresentar uma finalidade, um obje-
15. C
subjetiva (“que seja assim”) que exercem a tivo, um fim que justifica a aquisição
funcão de sujeito da primeira oração. 16. D daquela vacina.
14. a) As orações adjetivas restritivas “que 17. D 2. B
eu não perdesse” e “que não cabem” 18. D 3. a) A oração “Se você acha que não
destacam a ideia de perda, que se escreve nada” deve ser classificada
19. D
subtende a partir da leitura do poema. como oração subordinada adverbial
b) A oração “senão saber isto” contém 20. D condicional, pois apresenta condi-
uma ideia de redução expressa pela 21. A ção para a oração principal.
palavra “senão” e é classificada como b) Ao substituir “se” por “enquanto”,
22. B
subordinada substantiva subjetiva. As estamos construindo uma oração
orações “Grandes são os desertos” e 23. B subordinada adverbial temporal, por
“Grande é a vida” transmitem a ideia 24. Soma: 01 + 02 + 04 + 08 = 15 determinar tempo.

235
28. B BNCC em foco
Capítulo 15 – Pontuação: 29. A 1. Texto original: O rap, palavra formada
emprego e efeitos de sentido 30. A corrupção é uma doença da alma. pelas iniciais de rhythm and poetry (rit-
Como todas as doenças, ela não aco- mo e poesia), junto com as linguagens
Revisando mete a todos. Muitas pessoas são da dança (o break dancing difundido,
suscetíveis a ela, outras não. A corrupção para além dos guetos, com o nome de
1. As vírgulas foram utilizadas, no trecho,
é uma doença que deve ser combatida cultura hip hop. O break dancing surge
para separar termos enumerados.
por meio de uma vacina: a educação. como uma dança de rua. O grafite nas-
2. A ce de assinaturas inscritas pelos jovens
Uma educação de qualidade para to-
3. B dos os brasileiros deverá exercitar o com sprays nos muros, trens e estações
4. C pensamento e a crítica argumentada e, de metrô de Nova York. As linguagens
principalmente, introduzir e consolidar do rap, do break dancing se tornaram
5. B os pilares da cultura hip hop.
virtudes como a solidariedade e a ética.
6. C Devemos preparar uma nova geração na 2. C
7. B qual a corrupção seja um fenômeno do 3. D
8. E passado. Nesse futuro não tão remoto,
teremos conquistado a utopia de uma
Exercícios propostos verdadeira justiça social.
1. D 31. D
Capítulo 16 – Mecanismos
2. D 32. D gramaticais e coesivos nos
3. A Exercícios complementares
vestibulares
4. D Revisando
1. B
5. B
2. A informação está correta, pois, com o 1. A
6. A
emprego da vírgula, a expressão tem 2. B
7. E sentido explicativo. Caso esse sinal de 3. C
8. C pontuação fosse suprimido, a expressão
4. B
9. B passaria a ter sentido restritivo.
5. B
10. D 3. A
6. B
11. C 4. B
7. A
12. D 5. C
8. E
13. A 6. C
14. B 7. B Exercícios propostos
15. O uso da vírgula é obrigatório, já que há 8. Agora, vivendo sob a vigilância do Pro- 1. C
vírgula depois do termo “passo a passo”. grama de Proteção a Testemunhas, leva 2. a) O anúncio publicitário na primei-
16. Os adjetivos “textual” e “imagéticas” podem uma vida tranquila ao lado de Debra ra cena exibe a barbatana de um
ficar entre vírgulas, sendo classificados sin- (Vanessa Angel), sua esposa. Porém, lidera- tubarão fora da água, e esta cena
taticamente, nesse caso, como apostos. da porMiles (Michael Beach), uma gangue associada à legenda “assustador”,
de mafiosos, frios e armados até os dentes, tem por objetivo causar no leitor sen-
17. A
está em sua perseguição, para recuperar o timentos de medo e insegurança. A
18. A dinheiro roubado e se vingar de Bill. segunda cena, sem a presença da
19. C 9. C barbatana do tubarão em evidên-
20. B cia, direciona o foco do leitor para
10. D a legenda “mais assustador”. Ao
21. A 11. B relacionar o anúncio ao contexto
22. D 12. C do Texto 2, o qual trata sobre cons-
23. Por indicar uma fala da personagem, o ciência ecológica e sobre respeito
13. E à natureza, o desaparecimento do
travessão não poderia ser substituído por
dois-pontos. Se isso fosse feito, haveria 14. E tubarão perde o sentido denotativo
um rompimento com a norma gramatical, sobre o perigo de um ataque e leva
15. D
além de mudar o sentido do texto. o leitor a refletir sobre o risco de ex-
16. B tinção da espécie marinha.
24. D
17. A b) No título do Texto 2, a função sin-
25. D tática do trecho “Por respeito à
18. C
26. a) Em “Por ideologia, Paloma Duarte natureza” é de adjunto adverbial de
apoiou Lula e Regina, Serra, em 19. B
causa. Assim, o título antecipa o fato
2002.”, se não obtivéssemos conhe- 20. A apresentado no texto sobre a jorna-
cimento de mundo e referências, 21. C da lenta e respeitosa do indígena na
entenderíamos que Paloma Duarte feitura do cocar, sem agredir a fauna
apoiou Lula e Regina. 22. D
e sem apresentar qualquer atitude
b) Para mantermos o sentido solicitado, 23. C antinatural na coleta das penas.
deveríamos escrever: “Por ideologia, 24. E 3. C
Paloma Duarte apoiou Lula, Regina, 25. A
Serra, em 2002”. 4. D
26. B 5. A
c) Após a alteração, a frase fica: “Empre-
sa Financeira procura profissionais 27. D 6. B
para compor seu quadro comercial. 28. C 7. B
O profissional precisa conhecer as 29. E 8. C
áreas financeira e bancária. Preferi-
mos ex-gerentes de Factoring e de 30. A 9. A
Bancos especializados”. 31. C 10. D
27. B 32. E 11. Soma: 01 + 16 + 32 = 49

236 LÍNGUA PORTUGUESA Gabarito


12. C escravidão e à exploração e à explo- amizade afetuosa, sincera e desinte-
13. D ração “predatória da terra e do povo” ressada, livre das regras da violência.
– herança histórica recebida pela b) O romance de Guimarães Rosa apre-
14. E República e que foi a ferramenta prin- senta diversos níveis de inovação
15. A cipal do governo republicano para a estética. A criação de palavras (neo-
16. D manutenção de privilégios de classe logismos) é sua marca registrada.
17. A oriundos da época da monarquia. Outro aspecto de destaque é a alte-
ração da estrutura sintática usual, o
18. D que confere oralidade ao texto, além
19. A Frente 2 de representar mais uma marca do
20. E regionalismo. No trecho em questão,
21. D
Capítulo 15 – Século XX: podemos destacar, por exemplo, “eu
mais uns dias esperasse”.
22. C novas identidades literárias Também podemos ressaltar a reelabo-
23. C Revisando ração da fala do sertanejo, universa-
24. C lizando a temática regionalista, como
1. Sim. Como se pode perceber, a obra de no momento em que Riobaldo descre-
Exercícios complementares Guimarães Rosa pode ser considerada ve o que pensa sobre a amizade: sua
regionalista na medida em que aborda o descrição não se limita ao mundo do
1. E sertão para discutir experiências huma- sertão, mas pode ser aplicada a qual-
2. D nas universais, a geografia e, também, a quer contexto.
linguagem oral típica.
3. D 2. D
2. A afirmação indica que as narrativas
4. B 3. B
desse autor atingem significados muito
5. C mais profundos no universo da lingua- 4. C
6. B gem e da natureza humana. Muitos dos 5. B
conflitos, amores e dilemas vividos por
7. A 6. A
suas personagens nesse grande sertão
8. A podem ser ampliados e vividos por qual- 7. C
9. C quer pessoa: Guimarães Rosa parte do 8. E
10. B detalhe para construir um universo.
9. E
11. A 3. Sim. Pelo trecho é possível perceber o
quanto Guimarães foi inovador em vá- 10. A
12. E rios aspectos, como na oralidade e no 11. D
13. A léxico; por isso, sua obra diferenciada 12. B
14. E muito se destaca de qualquer outro mo-
vimento de seu período. 13. C
15. A
4. Clarice apresenta-se com uma escrita 14. B
16. E universal, selvagem, desbravando o 15. B
17. C universo interior e o fluxo da consciên-
16. D
18. C cia. Já João Cabral, homem da arte da
palavra, trabalha com muito cuidado e 17. A
19. A engenhosidade cada um de seus textos. 18. B
20. E 5. C 19. D
21. E 6. Embora o contexto histórico influencie a 20. E
22. E produção, não necessariamente as carac-
21. V; F; V; V; F
23. B terísticas dele estarão refletidas nas obras.
22. Para o narrador, o emprego de “difíceis
24. E 7. No Parnasianismo, vimos que a técnica pre-
valecia sobre a inspiração, o que se dava termos técnicos” não é adequado para
BNCC em foco de modo oposto no Romantismo. Por isso, narrar a história de Macabéa; para ele, é
é importante reconhecer que essas convic- preciso que a forma de seu relato corres-
1. C ponda ao seu conteúdo. Dessa forma, se
ções variam muito de autor para autor.
2. A a vida de Macabéa é uma “vida parca”, o
8. No trecho, Alfredo Bosi versa sobre a li- texto no qual sua vida será relatada tem
3. a) Ao empregar a conjunção adver- teratura contemporânea e sua renovação de ser escrito sem técnica nem estilo, “ao
sativa “porém”, o texto contrapõe atrelada às mudanças na dinâmica social deus-dará”. Palavras brilhantes ou termos
a ideia de que a morte de Euclides decorrentes da modernidade. Ao dizer técnicos comprometeriam a fidelidade
da Cunha foi um alívio para os inca- que “subsistem divergências sensíveis
da forma do texto à sua matéria.
pazes em “romper com as mazelas sobre o modo de entender as fronteiras
A frase que melhor explicita a incons-
deixadas pelo latifúndio, pela escra- entre poesia e não poesia”, Bosi refere-se
ciência de Macabéa é “Nunca pensara
vidão e pela exploração predatória”. às diferentes formas de poesia que en-
em ‘eu sou eu’”. São apenas o questio-
De acordo com o texto, apesar do contraremos nesse período (Concretismo,
namento e a consciência a respeito de
falecimento precoce de Euclides, a poema-processo, poesia-práxis, poesia
social e contemporânea) e que se diferen- si que podem fazer qualquer indivíduo
história não permitiu que o “ambiente
ciarão, não só no que diz respeito à estética assumir as rédeas da própria vida. Evi-
mesquinho e corrupto da ‘república
e finalidade, mas também em relação ao dentemente, sem essa reflexão sobre
dos medíocres’” fosse apagado de
que é inspiração e objeto de consumo. a própria identidade, Macabéa vivia em
seus registros, de forma que o lega-
Também devemos atentar ao papel dos uma alienação de si mesma: cumpria
do de desigualdade ainda pode ser
meios de comunicação e das diferentes religiosamente a rotina diária de traba-
estudado nos dias atuais.
formas de expressão (como a escrita, a lho, retornava ao quarto onde morava,
b) Para Euclides da Cunha, a ordem colecionava anúncios de jornal, ouvia a
e o progresso mencionados na música etc.) na divulgação das obras.
Rádio Relógio – mas sem se questionar
bandeira nacional se relacionam, Exercícios propostos sobre as causas ou as finalidades de
respectivamente, à exclusão social e suas ações.
a um legado abominável do passa- 1. a) Identifica-se, no texto, o conceito de
do brasileiro. O autor defendia que amizade no sistema dos jagunços, 23. E
o Brasil era dirigido por ideais fiéis em que o que vale é “o braço, e o 24. a) Clarice Lispector utilizava em seus
à desigualdade social, bem como à aço”, em contraste com o conceito de contos a chamada epifania, ou seja,

237
em momentos simples do cotidiano, 43. B contrastes no ser humano, que pode
as personagens compreendem o sen- 44. A leitura do poema de Pignatari deve tanto se “ajuntar com as coisas”
tido da vida e do mundo, resultando privilegiar a ambiguidade dos sentidos e quanto “mudar de forma”. O homem
em um processo de conscientização. os recursos verbo-visuais empregados é um ser que não tem constância,
Em “Amor”, a personagem Ana, ao se a fim de envolver o leitor na construção/ transformando-se de maneira mági-
deparar com a imagem do cego mas- interpretação do texto. Assim sendo, há ca. Já nos versos de “Um boi vê os
cando chicletes, questiona a rotina de múltiplas possibilidades de leitura. homens”, de Drummond, o eu lírico
mulher tradicional que até aquele mo- observa vários contrastes nos seres
45. C
mento levava: dona de casa e esposa humanos, que são “Tão delicados
46. A (mais que um arbusto)” e, ao mes-
dedicada ao marido e aos filhos.
b) A cena do cego mascando chicletes é 47. C mo tempo, “graves e até sinistros”.
48. E Além disso, apesar de os homens
tão marcante para a protagonista que,
apresentarem-se “nobres”, “chegam
a partir disso, Ana passa a enxergar 49. O poeta refere-se ao Concretismo. Na à crueldade” quando ficam tristes.
as pessoas e as coisas que estão ao caracterização desse movimento, o au-
seu redor de maneira profunda e filo- tor defende uma sintaxe visual, em que 5. A
sófica. Atitudes ou gestos simples são a materialidade da palavra escrita é uma 6. A
interpretados à luz do existencialismo construção aberta, exposta e desnudada, 7. a) “A hora e a vez” do protagonista
sartreano. O simples movimento da que deixa à mostra o núcleo do silêncio, Augusto Matraga acontecem quan-
boca do cego é uma metáfora da re- representado pelo branco da página. do ele salva uma família inteira de
petição da vida cotidiana de Ana. 50. A motivação poética surgiu para o autor ser dizimada, no Arraial do Rala-Co-
25. B a partir das letras, que, para ele, pareciam co, ao lutar epicamente com o líder
formigas e remetiam à magia de sua in- dos jagunços, Joãozinho Bem-Bem.
26. C
fância em São Luís do Maranhão, onde, As motivações que levaram Nhô
27. D quando menino, cavou, em certa ocasião, Augusto à sua redenção foram uma
28. D o chão do quintal à procura de um tesouro. mistura de fé e violência, pois ele
51. O núcleo do poema surgiu da conjuga- sente prazer ao derrotar seu adver-
29. D
ção das frases: “A formiga trabalha na sário, depois de sete anos e meio de
30. a) O conto é narrado em terceira pessoa treva a terra cega traça o mapa do ouro prazeres reprimidos.
a partir de um narrador onisciente. maldita urbe”. Esse núcleo é constituído b) A primeira escolha consiste no fato
O narrador, embora não seja perso- pela disposição de uma série de frases, de Augusto Matraga ter recusado
nagem da história, sabe de todas as de tal modo que as letras de certas pa- o convite de Joãozinho Bem-Bem,
ações e sensações e conta ao leitor lavras servem para formar outras, e as logo que eles se conheceram e tive-
sobre o pedido do cachorro e da letras lembram formigas trabalhando. ram uma simpatia mútua, para fazer
menina de ficarem juntos.
Exercícios complementares parte do bando de jagunços deste,
b) O título traz uma ideia de atração por mais que a sede de vingança
calcada nas semelhanças entre o 1. D contra seus inimigos ainda fosse for-
cachorro e a menina. Ambos per-
2. a) Como é do conhecimento geral e te. A segunda aponta para o clímax
tencem ao universo do “vermelho”. também dado pela questão, quias- da narrativa, pois o protagonista, ao
O cão é descrito como “ruivo”, e a mo é uma figura retórica que cria reencontrar o líder dos jagunços, re-
menina como “ruiva” e “Os pelos de um paralelo ou uma dupla antítese solve defender pessoas inocentes
ambos eram curtos, vermelhos”. cujos termos se cruzam. Dessa for- de um vilarejo, lutando e matando
31. E ma, encontramos quiasmo em: “Dito Joãozinho Bem-Bem antes de tam-
32. B morto ainda no Dito vivo, ou do Dito
bém morrer. Portanto, as escolhas
vivo mesmo no Dito morto”. Para ex-
33. a) O olhar-se no espelho e o surpreen- que Matraga faz constituem o seu
pressar seu desejo de fazer o luto,
der-se consigo mesmo revelam Miguilim constrói uma oração que caráter de ser humano permeado de
pontos-chave na narrativa de Clarice entrecruza a vida e a morte de Dito, bem e mal (ambiguidade), caracte-
Lispector: buscando compreender a dor e ten- rística principal das personagens de
• o intimismo da vivência humana, tando falar sobre a perda. Em Campo Guimarães Rosa.
em especial, a feminina; geral, a família e aqueles próximos 8. B
• a epifania, isto é, a revelação ou se recusam a falar da morte de Dito,
9. D
a compreensão inesperada de si o que aflige Miguilim e o motiva a
mesmo diante de uma situação; buscar compreender o que ficara do 10. Soma: 01 + 02 = 03
uma observação que conduz a per- Dito, nele mesmo e no mundo. 11. C
sonagem a conhecer-se melhor; b) Dito fora para Miguilim não só o ir- 12. D
• a exploração da psicologia huma- mão mais próximo, como também
na por meio do monólogo interior, 13. E
uma espécie de guia diante das
cuja metáfora pode ser justamente dificuldades, nas surras do pai, no 14. E
a de “olhar-se no espelho”. medo do diabo etc. Apesar de crian- 15. D
b) I. O “que” (ref. 1) retoma o termo “ho- ça, Dito tinha sabedoria a respeito 16. A
mem ou mulher”. da vida, por isso Rosa afirma “que o
17. A
II. O “o” (ref. 2) retoma o trecho “a Dito parecia uma pessoinha velha,
pessoa se via como um objeto a muito velha, em nova”. Dessa for- 18. B
ser olhado”. ma, sua morte prematura deixa em 19. A
34. A Miguilim uma imensa lacuna, afinal, 20. B
era Dito quem o ajudava a pensar o
35. E 21. D
que ele não conseguia compreender
36. A ou temia. Sem esse suporte, Migui- 22. C
37. C lim precisará “tomar consciência de 23. B
38. F; V; V; F; V si mesmo” e buscar “sentido de sua 24. E
vida”, como considera Rónai.
39. C 25. Soma: 04 + 08 = 12
3. A
40. A 26. B
4. a) No excerto de “Conversa de Bois”,
41. C de Guimarães Rosa, a análise fei- 27. E
42. B ta pelo boi Dançador observa 28. B

238 LÍNGUA PORTUGUESA Gabarito


29. B que a poesia deve estar articulada com os realidades disfóricas presentes em
30. B problemas do seu tempo, denunciando-os. ambos os países (Haiti e Brasil) sob
Por isso, a poesia não pode ficar alheia à o ponto de vista étnico, da fome, da
31. A realidade contemporânea do poeta, mar- pobreza e da desigualdade. Em “o
32. C cada pela violência social e política. Em Haiti não é aqui”, Caetano e Gilberto
33. A tal contexto, a poesia se torna “arma de Gil deixam claro que assumem uma
combate” pela transformação da realidade. posição de protesto e combate às
34. E
Nesse poema, encontram-se passagens mazelas vividas no Brasil, além de
35. A como “a poesia agora responde a inqué- literalmente afirmarem que são loca-
36. E rito policial-militar” (a arte como vítima da lizações distintas.
37. E censura) e “construímos um artefato” (a arte
como instrumento de luta). Além disso, o 4. D
38. A poema é apresentado como “uma bandei- 5. D
39. D ra”, ou seja, o estandarte que pode liderar 6. D
40. A a luta por uma causa social.
7. B
41. A 3. C
8. C
42. A 4. B
9. a) O fato banal refere-se ao surgimento
43. B 5. C de um ruído esquisito no local onde
44. O autor substitui as vogais “e” e “o” por 6. A haveria o seminário, o sétimo, promo-
uma estrela e um círculo, respectivamente, 7. A vido pelos burocratas para se discutir
aproveitando, assim, a temática espacial mais uma vez a infestação de ratos
8. B no país. Esse barulho vai gerando um
do “pulsar”. Essa analogia se complementa
com a variação do tamanho dos sinais, re- 9. a) Muidinga, personagem que faz parte conflito à medida que vai ficando mais
forçando a imagem visual do poema. de um dos eixos da narrativa, conta- forte, repercutindo no assoalho, fazen-
da em terceira pessoa, está em busca do-o tremer e ganhar, posteriormente,
45. Soma: 01 + 02 + 08 = 11 de sua identidade pessoal após ter a dimensão de “zona vulcânica”. Então,
sido acometido por uma enfermida- surge um cheiro estranho, os telefones
BNCC em foco
de. O percurso da personagem no param de tocar e percebe-se que esse
1. A espaço narrativo do romance remete som esquisito prenunciava a invasão
2. O narrador explica ao seu ouvinte que à situação histórica de Moçambique, dos ratos, tomando o prédio em que
não é possível fazer uma narrativa linear e destruída pela guerra e passando seria realizado o seminário. Outro ele-
cronológica dos fatos, pois a organização por problemas de identidade social e mento que colabora para a construção
da memória se dá por meio de aspec- cultural, devendo recuperar seu pas- do conflito é a crítica, verídica, da im-
tos subjetivos. Assim, ele reflete sobre a sado na perspectiva da construção de prensa sobre os gastos excessivos
impossibilidade de “contar seguido, ali- um futuro. A causa de o território ser para a realização desse seminário, o
nhavado”, pois a narrativa é construída “despido de brilho” seria justamen- local isolado da reunião e a inépcia do
pela intensidade dos eventos, muito mais te a situação de violência e pobreza governo, pois já se chegara ao sétimo
do que pelas datas em que aconteceram. decorrentes da guerra civil. Isso se seminário. Essas críticas são tachadas
manifesta, por exemplo, no local (ma- como provenientes de jornalistas de
3. B chimbondo) onde se desenrola parte esquerda ou de “amigos dos ratos”.
desse eixo narrativo. b) A narrativa do conto “Seminário dos
b) Os cadernos mencionados no segun- Ratos”, publicado em 1977, tem como
do trecho haviam sido encontrados tema central o VII seminário do gover-
Capítulo 16 – Literatura no para combater a proliferação de
por Muidinga próximos do cadáver de
contemporânea Kindzu e continham o relato de sua ratos no país. No final da história, os
vida. Trata-se do segundo eixo narrati- ratos invadem o prédio público, toman-
Revisando do-o. Depreende-se do tema central
vo do romance, que aborda os anos da
1. Os dois primeiros versos do poema “Man- Guerra Civil e as questões da tradição outro sentido, o alegórico: a inoperân-
dei a palavra rimar,/ela não me obedeceu.” cultural moçambicana. A descoberta cia e a opressão do governo militar no
mostram o eu lírico em seu processo de dos cadernos de Kindzu e a sua leitu- período de Ernesto Geisel (1974-1979),
criação, revelando a expectativa de que ra pelo protagonista sugerem o poder que tenta, de modo frustrado, reprimir
a palavra rime, seguida da constatação da ficção em reconfigurar, por meio da os que podem desestabilizar um status
de que ela desobedece a essa ordem. imaginação, as identidades vulnerá- quo injusto e empobrecido da popula-
Ao longo do poema, quanto à forma, en- veis das personagens em trânsito por ção, segundo Lygia Fagundes Telles.
contram-se rimas externas (rosa/prosa) e Os inimigos da burocracia ineficaz e
um país devastado pela guerra, propi-
internas (sinto/extinto), sonoridade (“sílaba descompromissada com problemas
ciando a evasão da realidade imediata
silenciosa”) e jogos de palavras, embora o que afetam o povo são principalmente
eu lírico afirme que a palavra não obede- e uma breve celebração da vida.
“os amigos dos subversivos”, os ratos.
ceu a ele. No que diz respeito aos sentidos, Exercícios propostos
o poema mantém o tom conflituoso, e até 10. E
mesmo paradoxal, que descreve esse 1. D 11. C
embate entre poeta e palavra. A ideia de 2. A 12. V; V; V; V; F
liberdade e desobediência, exposta nos
versos iniciais, confirma-se ao longo do 3. a) O verbo “ser”, no texto I, expressa 13. Soma: 01 + 04 = 05
poema, em versos como “parecia fora de ideia de desejo/vontade de que 14. B
si” ou “se foi num labirinto”. as experiências vividas na ilha do
Pacífico – referência em turismo – 15. E
2. Em “Emergência”, o poema é a janela da sejam também experiências vividas 16. D
alma, e, por meio dele, tanto o sujeito lírico por aqueles que visitarem o Rio de
quanto o leitor respiram, libertando-se de 17. A
Janeiro. No texto II, o verbo “ser”
um cotidiano opressor. Assim, a poesia é indica certeza/convicção de que a 18. C
concebida como libertação, representada realidade do Haiti (país cuja popu- 19. C
pela imagem da cela abafada (sentimentos lação é predominantemente preta e
e fatos da vida que aprisionam o indivíduo) 20. C
pobre e 60% dela é subnutrida) está
e da janela (meio que possibilita a entrada 21. C
também presente aqui no Brasil.
do elemento salvador: o ar, ou seja, a poe- 22. B
sia). No poema “Agosto 1964”, defende-se b) Quando os compositores afirmam
“o Haiti é aqui”, eles comparam as 23. A

239
24. E b) Caroba é a empregada de Euricão, 20. B
25. A interessada em um pedaço de ter- 21. D
ra onde possa viver com Pinhão. Ela
26. E 22. A
organiza situações para unir Dodó e
27. C Margarida, principalmente evitando 23. C
28. D que Eudoro, um velho fazendeiro, 24. E
29. A consiga se casar com a jovem: para 25. B
tanto, chega a trancar Dodó e Margari-
30. D 26. C
da em um quarto, e Eudoro e Benona,
31. a) O protagonista está machucado, com tia de Margarida, no outro; dessa for- 27. A
problemas no pé, no entanto, seu avô ma, Euricão será obrigado a defender 28. B
lhe promete um cavalinho caso o meni- a honra das mulheres de sua família
no permita que seu pé seja lancetado. 29. D
com a celebração dos casamentos.
O avô morre, gerando uma frustração 30. B
nas perspectivas do menino. 42. D
31. E
b) Segundo a imaginação infantil do pro- 43. B
32. A
tagonista, para que a frustração não se 44. D
33. A
transforme em um trauma pela morte 45. A
do avô e pelo não recebimento do ca- 34. E
46. D
valinho prometido, a criança transpõe 35. A
a realidade para o sonho de onde ga- 47. A
36. A
nhará vários cavalinhos coloridos. 48. B
37. V; V; V; F; F
32. A 49. B
38. A
33. C 50. a) O objetivo político a ser alcançado
pelo MPLA era dar fim ao tribalismo, 39. C
34. C
fazer florescer em Angola um projeto 40. Soma: 01 + 04 + 08 = 13
35. B social, político e econômico multiétni- 41. A
36. E co, nacionalista. Uma tribo não pode
ver a outra como inimiga. De inimigo, 42. D
37. Soma: 01 + 02 + 08 + 16 = 27
basta o tuga. 43. D
38. D
b) As “makas” e os “rancores” dos an- 44. A
39. B golanos repercutem no modo como 45. D
40. a) A peça de Osman Lins, Lisbela e o o romance é narrado em virtude da
prisioneiro, é uma comédia de cos- polifonia. O narrador permite que BNCC em foco
tumes, pois há crítica social por meio algumas personagens tomem a voz
da sátira. Em outras palavras, algu- 1. 2 – 1 – 3
para si e emitam sua opinião diante
mas personagens são caracterizadas dos acontecimentos, além da presen- 2. 4 – 2 – 3 – 1
como hipócritas e têm seus atos ques- ça do discurso indireto livre, recurso 3. a) A personagem de Terra sonâmbula
tionados. É o caso da personagem esse que permite a manifestação do que se associa aos fatos da matéria
Dr. Noêmio, na cena mencionada, pois pensamento da personagem. apresentada é Farida, irmã gêmea da
defende veementemente a liberdade personagem Carolinda. De acordo
de um pássaro preso, porém desde- Exercícios complementares com o romance de Mia Couto, a
nha da situação do prisioneiro Paraíba. presença das gêmeas na tribo traria
Além disso, tem atitudes autoritárias 1. D
desgraças, “males e doenças” assim
com relação à noiva Lisbela, deixando 2. D como a crença dos indígenas do
demonstrar todo o machismo contra 3. A Xingu. Na narrativa, Carolinda é dada
as mulheres. como morta pela tribo por desnutrição,
4. D
b) A expressão “minhas convicções” mas a mãe a manteve viva e deu a
simboliza todo o machismo que per- 5. D menina a um viajante que não podia
meia Dr. Noêmio com relação à noiva 6. C ter filhos; já Farida e sua mãe sofreram
Lisbela; além disso, utiliza palavras e 7. E maus-tratos e foram marginalizadas
expressões requintadas e de difícil como reparação aos males dos quais
8. A
compreensão (“optarum causa”) em foram geradoras.
9. D b) A personagem Romão Pinto, descrito
seu discurso. Esses dois elemen-
tos demonstram que a personagem 10. E como homem branco de origem por-
pertence à classe social dos mais 11. C tuguesa, distancia-se grandemente
abastados do interior do Nordeste 12. A do “homem civilizado”, pois apresenta
em meados da década de 1960. caráter inescrupuloso e corrupto, ca-
13. D racterístico do colonizador europeu,
41. a) Dodó não pode namorar Margarida,
14. D com atitudes preconceituosas e ex-
pois seu pai exige que ele estude.
Dodó decide fingir estudar na capital, 15. D ploratórias voltadas contra os povos
mas foge e esconde-se, disfarçado 16. B moçambicanos. Pai adotivo de Farida,
de corcunda, na casa de Euricão fez uso de violência para possuí-la. De
17. E
Árabe. Seu sustento vem da mesada personalidade insensível e desumana,
que o pai lhe envia, e um amigo a 18. B Romão Pinto representa uma crítica
reenvia a seu esconderijo. 19. D consistente ao dito “homem civilizado”.

240 LÍNGUA PORTUGUESA Gabarito

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