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A publicação foi lançada em Jundiaí/SP, partilhada no dia em que o Jardim Fepasa ganhava o
seu "Beco da Fepa" - intervenção visual urbana com grafites, bombs e tags no bairro, realizada
por artistas de Jundiaí e região -, em 2019, e é o primeiro trabalho da Léxico Editora.
1. ARCABOUÇO
Entre o final de 2003 e início de 2004, pelas mãos de dois rappers da middle school e militantes
do Hip-Hop jundiaiense, Juninho Canibal e Adelmo Paiva, as ruas de Jundiaí ganham o
INFORMATIVO HIP-HOP, zine que teve seis edições e que pretendia fazer um balanço da
situação do Movimento naquele início de milênio; sempre em tom de alerta, pôs em discussão
situações e posturas muito caras àquela primeira geração, a Fase Heroica de um dos
movimentos jovens mais completos, influentes e inovadores da contemporaneidade.
Privilegiada pela proximidade à capital paulista, Jundiaí, interior de São Paulo, teve uma
participação importante naquela efervescência cultural, onde se formatava uma nova estética.
Esse trânsito natural - constante desde o meio dos anos 1970 com a explosão dos Bailes Black
(e, fazendo justiça, inversamente jovens da metrópole e de cidades vizinhas vinham pra Jundiaí
aproveitar os também atualizados bailes do Clube Social Negro 28 de Setembro) -, fazia com
que nossos jovens voltassem sabidíssimos para a antiga província de São Paulo, e não
demorou muito para que (in)formassem grupos e dinamizassem espaços públicos e privados.
2. MEMORIAL
3. ACHADOS
Um das coleções mais surpreendentes - cuja projeção é, sem dúvida, de importância estadual
e até nacional - é a "pastona" do Juninho "Sr," Canibal, com mais de 300 itens: fotografias,
recortes de jornal, flyers e outros documentos que mostram a movimentação do Movimento
HIP-HOP em Jundiaí e região, do qual é um dos protagonistas.
"Meu tio era muito ativo e fazia parte do Movimento BLACK POWER. Foi ele quem mais me
influenciou à entrar no HIP-HOP", comenta Juninho "Sr." Canibal. Na época das publicações,
continua, "estávamos no grupo Organização Favela City, que eu fundei e do qual faziam parte
o Preto Pill (outro líder cultural do Jardim Fepasa) e o Adelmo. Nós dois saímos desse grupo e
montamos o Clan Negril que estamos reestruturando para voltar à ativa."
Adelmo Alone Paiva recorda: "Juninho já tinha um grupo na época (1993) e eu nem imaginava
cantar ou arriscar fazer umas rim as. Nesse vai ideia, vem ideia, o Jr. disse que, quem sabe,
um dia cantaríamos juntos. Nossas ideias batiam e não demorou muito: o Jr. tinha saído do seu
grupo e me chamou pra tentarmos algo diferente. Sentamos, trocamos mais ideias, e assim
nasceu o "Clan Negril" que, modéstia à parte, foi um grupo Underground que deixou sua marca
no movimento... E, depois de um tempo desativado, estamos preparando um retorno logo
logo..."
"O que dizer desse movimento que em pleno século XXI está dominando AMS e FMS e canais
de televisão... Alguns oportunistas, outros militantes do movimento HIP_HOP... Mas todos
querendo mostrar a mesma coisa: a informação através do som..."
A.Alone: "Foi a primeira pequena publicação, sem muita pretensão. Foi mais pra mostrar o lado
bom do movimento que até então, por predominar nas periferias, era visto com maus olhos
pela elite do Brasil. Apesar disso, o HIP-HOP abraçava quem quisesse chegar junto e somar,
em prol de um coletivo e por se formar por vários elementos, os jovens podiam se identificar
com qualquer um deles."
J.Canibal: "Eu conheci o HIP-HOP através dos meus tios, que já faziam parte do movimento
desde os primórdios. Eu vivi quase que minha vida toda esse estilo de vida, seja musicalmente,
seja nas vestimentas, seja na parte de solidariedade que o HIP-HOP sempre pregou."
"... O que era para ser um movimento de protesto está virando indústria de pornografia. Se
você não sabe o que o seu ídolo Norte-Americano está cantando, porquê você canta?"
A.Alone: "Foi uma época em que a grande maioria dos vídeo-clips norte-americanos mostrava
muitas mulheres semi-nuas. Aí veio a pergunta: a música, a batida até que é boa, mas e as
letras? Você deixaria sua filha ou seu filho assistir esses clips?"
J.Canibal: "Na época, muitos se iludiram com a onda do RAP que ostentava, que mostrava
carrão, mulheres e bebida à revelia, quando a nossa luta por aqui era outra. A "separação" que
a gente colocou no zine é mais pra conscientizar os integrantes daquela época: ninguém é
obrigado a viver i HIP-HOP mas, a partir do momento que você entra nele, você tem que ser o
mais verdadeiro possível. Quem está pra dar a vida pelo HIP-HOP e quem só passou pelo
movimento como uma onda? Essa era a questão."
A.Alone: "Esse número veio pra gente refletir as datas comemorativas. Ainda não tínhamos o
Dia da Consciência Negra (que se concretizaria em 2008), mas lembrávamos de Zumbi dos
Palmares, e nas músicas fazíamos questão de lembrar disso para levantar a autoestima do
nosso povo. Pedíamos também para nunca baixarem a cabeça e lutar por diretos iguais e
respeito."
J.Canibal: "Poucos adeptos do HIP-HOP, até hoje, pregam a história NEGRA nas mensagens.
E cabe a nós instruir nossos entes que não tem a visão de classe e a visão racial. O 20 de
Novembro e seu significado vem a calhar..."
"A música da revolução, som de protesto; vista pela elite como musica de favelado, ladrão ou
pessoa desqualificada. Será que já pararam pra prestar atenção nas letras?"
A.Alone: "Nesse período, muitos já estavam se adequando à cultura HIP-HOP; com isso,
apareceram vários querendo ser os "donos da razão", impondo suas ideologias mascaradas de
"protesto", "valorização da sua etnia", às vezes até apologia às drogas, a achamos importante
aborda mesmo em algumas linhas fazer refletirem.
J.Canibal: "Alguns grupos que tinham na época mais acesso não passavam o macete pros
demais. Acho que um dos motivos do movimento não estar mais tão forte é justamente esse:
não foi compartilhado os caminhos por onde se deveria andar. Alguns guardaram, digamos, o
"mapa da mina. E sobre o Funk, hoje tenho uma visão diferente, de não atacar o estilo, porque
eu estaria atirando nos meus: só não ouço. É a onda dos jovens de agora, como já foi a época
do RAP; procuro orientar os jovens que tenho a chance de conversar: como um moleque de
quebrada vai ter o que é pregado nos funks se ele vive com um salário mínimo?"
"...o HIP-HOP e o RAP principalmente está na U.T.I., respirando através de aparelhos, não pela
sua velhice mas pela falta de forças. Muitos dos que batiam no peito e que diziam morrer pelo
RAP se venderam... fato triste."
A.Alone: "Esse número veio depois de um tempo, a gente tinha dado uma parada. Muitas
divergências no movimento, houve uma grande rachadura, "egos" inflados; o movimento na
região teve uma dispersão, um querendo ser melhor que o outro, e isso enfraqueceu o
movimento da cidade. Mesmo assim, ainda tinham grupos que seguraram e mantiveram o
movimento em pé na época."
J.Canibal: "Quando o RAP me convocou, tinha evento todo final de semana, às vezes até
durante a semana. Mas muitos dos que bateram no peito diziam matar e morrer pelo RAP se
bandearam pra estilos musicais mais festivos. Foi a época que nós mesmos começamos a
fazer eventos, às vezes pagávamos dos nossos próprios bolsos as aparelhagens e as
divulgações... O R.A.P está na U.T.I por que a MILITÂNCIA envelheceu, cansou, e deixou
algumas sementes que, infelizmente, não vingaram."
6 - Informativo HIP-HOP 06 - UNIÃO, ONDE, CADÊ?
"Mais uma vez é com pesar que viemos dar mais uma notícia triste. A falsa união dentro do
movimento. Muitos pregam em suas letras e batem no peito dizendo que existe união no
movimento. Será?"
A.Alone: "Chegou mais a ser um desabafo. Por inúmeras vezes, tentando unir forças, mas
sempre teve as famosas "panelinhas" dentro e fora do movimento; você só serve enquanto
estiver dado uma visibilidade e retorno para alguns. Por isso, vi amizades de longa data
terminando. Um movimento (o HOP-HOP), que nasceu para unir pessoas, estava separando e
distanciando uns dos outros, por terem estilos (os Bate-Cabeça, os Gangsta Rap, os
Lagartichas) e opiniões diferentes. Mesmo assim, com tanta divergência, continuamos na luta
para manter o movimento de pé."
J.Canibal: "União até existiu, mas ficou nos anos 90. Depois depois disso, como diz uma
música do grupo de SISTEMA NEGRO, "aqui meu irmão é cada um por si". Hoje um quer
mais like que o outro, ser mais foda que o outro. Nos primórdios nós pregávamos: SE SUBIR
UM, ESSE UM JOGA A CORDA PARA QUE OS DEMAIS SUBAM. Infelizmente a corda
arrebentou. Quem subiu, subiu; quem não subiu, que subisse por si mesmo."