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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

ESCOLA DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES


CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA

MATHEUS AUGUSTO FRAGOSO

O INSTITUTO MARISTA A PARTIR DAS CARTAS DE MARCELINO


CHAMPAGNAT (1840)

CURITIBA
2020
1

MATHEUS AUGUSTO FRAGOSO

O INSTITUTO MARISTA A PARTIR DAS CARTAS DE MARCELINO


CHAMPAGNAT (1840)

Artigo de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso Licenciatura em
História da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná, como requisito parcial
à obtenção do título de Licenciado em
História.

Orientador: Prof. Dr. Maria Cecilia Amorim


Pilla

CURITIBA
2

2020

O INSTITUTO MARISTA A PARTIR DAS CARTAS DE MARCELINO


CHAMPAGNAT (1840)

Artigo de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso Licenciatura em
História da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná, como requisito parcial
à obtenção do título de Licenciado em
História.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________
Professor 1(Titulação e nome completo)
Instituição 1

_____________________________________
Professor 2 (Titulação e nome completo)
Instituição 2

_____________________________________
Professor 3 (Titulação e nome completo)
Instituição 3

Cidade, ____ de ________ de 2020.


3

O INSTITUTO MARISTA A PARTIR DAS CARTAS DE MARCELINO


CHAMPAGNAT (1840)

THE MARIST INSTITUTE FROM THE LETTERS OF MARCELLIN CHAMPAGNAT


(1840)

Autor: Matheus Augusto Fragoso1


Orientador: Prof. Dr. Maria Cecilia Amorim Pilla2

RESUMO

O presente artigo se propõe a analisar três cartas de Marcelino Champagnat,


datadas de seu último ano de vida, (1840), a fim de se extrair as representações
acerca do Instituto Marista na tentativa de se articular a legalização dele. Em outras
palavras se colocam questões como: Quais são seus objetivos? A quem se destina
a educação proporcionada pelo Instituto? Como Champagnat articula a legalização
do instituto em suas cartas? Se fez uma análise do conteúdo das cartas na qual se
buscou perceber quais as principais características do discurso empregado e com
qual objetivo se emprega esse discurso. Ao final se conclui que, ainda que sejamos
limitados pelo tamanho das fontes, elas trazem indicativos de que a argumentação
usada para convencer os interlocutores de Champagnat se baseia nas finalidades
do Instituto, e que esse aparece nas cartas como uma instituição que beneficia
aqueles que dela mais precisam.

Palavras-chave: Marcelino Champagnat. Instituto Marista. Educação Religiosa.

ABSTRACT

This article aims to analyze three letters by Marcellin Champagnat, dating from his
last year of life,(1840), in order to extract representations about the Marist Institute in
an attempt to articulate its legalization. In other words, questions such as: What are
your goals? To whom is the education provided by the Institute intended? How does
Champagnat articulate the legalization of the institute in his letters? An analysis of
the content of the letters was made in which we sought to understand the main
characteristics of the discourse employed and with what objective this discourse is
used. In the end it is concluded that, although we are limited by the size of the
sources, they bring indications that the argumentation used to convince
Champagnat's interlocutors is based on the purposes of the Institute, and that it
appears in the letters as an institution that benefits those who need it most.
1
Graduando do Curso de Licenciatura em História da Pontifícia Universidade Católica do Paraná
2
Breve crriculo
4

Key-words: Marcelin Champagnat. Marist Institute. Religious Education.

1 INTRODUÇÃO
Marcelino Champagnat é um santo da igreja católica e atualmente é tido
como o padroeiro da educação, seu trabalho deu origem a Congregação dos
Pequenos Irmãos de Maria, instituição a partir da qual surgem importantes empresas
em países como o Brasil.
Seu trabalho se insere em um contexto de profundas transformações sociais,
o das revoluções e das várias trocas de regime na França. Champagnat se dedica a
formação de irmãos professores para que esses ocupassem escolas em locais antes
não atendidos. Essas escolas por sua vez tinham sobretudo o objetivo de formar os
mais pobres, tendo um custo muito reduzido, e por vezes gratuito para esses
sujeitos e suas famílias.
Para Champagnat o sujeito deveria ter conhecimentos básicos para uma vida
plena, sobretudo no que diz respeito aos preceitos da fé, assim, tendo os
conhecimentos básicos para a salvação.3
Os professores agiam em nome da congregação, trabalhando nas várias
escolas e vivendo uma vida religiosa. Um problema, no entanto, passa existir com as
leis de serviço militar, que obrigariam os homens a servirem por alguns anos, o que
faria com que os quadros da congregação diminuíssem substancialmente. Estariam
liberados desse serviço -entre algumas outras categorias- os religiosos membros de
congregações legalizadas pelo estado e por isso muitos esforços são feitos a fim de
obter a legalização do instituto; a escrita de cartas para algumas personalidades ou
pessoas de importante posição é um desses esforços, especialmente produzidas
nos últimos anos de vida de Champagnat.
Serão analisados os diferentes discursos nas cartas, considerando quem as
produz, a quem se destinam, local e contexto de produção, sendo que os
significados das cartas são produzidos a partir dessas condições.
As cartas escolhidas são as do último ano de vida de Champagnat, pois
nesse último ano ocorre um aumento da produção dessas cartas sendo esse

3
Os biógrafos de Champagnat indicam que para ele nada era mais importante do que o acesso do
sujeito a salvação pela fé. A educação era um meio de alcançar isso.
5

aumento possivelmente ocasionado pela condição da saúde de Champagnat que já


no fim da vida o deixou acamado. Também nesse último ano ocorre uma
intensificação das tentativas de legalização do instituto, inclusive com uma viagem
de Champagnat a Paris na tentativa de convencer o Rei Luís Filipe I a decretar a
legalização do instituto.
Desse modo, a questão norteadora do trabalho será a seguinte: Como
Marcelino Champagnat articula o processo de legalização do Instituto Marista
ao escrever cartas para figuras importantes da política e da igreja?
2 CONTEXTUALIZANDO: HISTÓRICO E CONCEITOS
Para contextualizar a fundação do Instituto Marista é importante falar da
Revolução Francesa; importante porque data da época do nascimento de
Champagnat, sendo que um dos principais acontecimentos da Revolução, o da
queda da Bastilha, ocorre em 14 de julho de 1779, pouco menos de dois meses do
nascimento de Champagnat. O padre cresceu na onda da revolução francesa, ainda
que o principal período de sua atuação (e ainda, o período dos quais provêm as
fontes aqui analisadas) sejam posteriores ao nosso período introdutório, sua obra
ocorre em um solo pavimentado pelas consequências da Revolução.
Essa Revolução começa, é claro, muito antes do 14 Juillet4; e para falar do
que levou a essa Revolução usaremos aqui a construção que Eric Hobsbawn faz em
seu livro “A Era das Revoluções”. Para tal autor, a Revolução tem uma série de
causas; podemos começar falando da situação socioeconômica da França, que à
época era o país mais populoso de toda a Europa. A situação era a seguinte, a
administração do país era ruim, até mesmo alheia às condições em que o povo, e
mesmo a nação se encontrava. Em outras palavras, a administração no geral era
feita por nobres que viam nos cargos públicos uma maneira de fazer a manutenção
de seus privilégios, para a coroa a concessão desses cargos era uma forma de se
relacionar com os nobres e ai temos uma espécie de círculo vicioso que tinha como
resultado imediato a criação de inúmeros cargos públicos, nas mais diversas
funções, e que muitas vezes eram redundantes em relação a existência de outros
cargos.5

4
É tanto a data quanto o nome do feriado em comemoração ao evento revolucionário, todos os anos
acontecem grandes comoções na pais.
5
HOBSBAWN, 2012, passim
6

A França da época era dividida em 86 departamentos, sendo cada um


governado por um prefeito departamental, que eram nomeados pelo Ministro do
Interior. Cada um desses departamentos era subdividido de 2 a cinco distritos, cada
um administrado por um vice-prefeito. Esses distritos eram fragmentados em
cantões e cada cantão era dividido em municípios, que tinham um Prefeito Municipal
sendo auxiliado por um Conselho Municipal.
A má administração e os grandes gastos com o funcionalismo público não
foram as únicas causas da instabilidade social e econômica francesa no século
XVIII, tão pouco a mais onerosa, sendo que a respeito de custos, tanto a
participação no processo da Independência dos EUA6, o que gerou uma enorme
dívida para a nação, e ainda custou a destruição de sua marinha, e ainda, os
somados os custos da diplomacia já se tinha cerca de um quarto dos gastos totais,
sendo que desses 20% eram parte de uma dívida já existente.7
Agitações sociais ocorriam por toda a nação, a insatisfação geral, o forte
ideário burguês, e ainda, o apoio campesinal (muito mais por questões utilitárias e
imediatas) era os combustíveis perfeitos para um levante. Então, na tentativa de se
remediar a situação Luís XVI convoca representantes de todos os três estados,
formando a Assembleia dos Estados Gerais8, com o objetivo de decidir acerca dos
rumos da nação. O que ocorria de fato é que Clero e Nobreza se juntavam para
derrotar o Terceiro Estado (todo o resto que não compunha os dois primeiros), isso
porque cada estado tinha direito a um voto. No geral, a respeito de tudo que foi
debatido os posicionamentos foram muito mais favoráveis aos dois primeiros, e isso,
é claro, não ocorreu sem reação.
Como reação a postura dos dois primeiros estados, o terceiro começa um
levante e transforma a Assembleia dos Estados Gerais em Assembleia Nacional
Constituinte, que teve como principais feitos a abolição dos privilégios feudais dos
quais a nobreza ainda fazia uso, a adoção de uma monarquia constitucional e ainda
a criação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, importante

6
Essa participação foi mais uma batalha contra a Inglaterra, e ainda, contraditória ao passo em que
a França participava de uma guerra que tentava empreender a independência de uma metrópole
absolutista, e que pretendia instalar uma república. A França por sua vez era uma monarquia que
possuía uma serie de colônias por todo o mundo.
7
Idem, 2012, p. 105
8
No Antigo Regime essas assembleias era uma espécie de grupo de aconselhamento para o rei,
com representantes de todos os três estados. A última havia sido convocada em 1614.
7

documento advogava pera igualdade de todos perante a lei, pelo fim do privilégio de
nascimento e pela garantia da propriedade privada, etc.
A igreja, por exemplo, passa por uma situação curiosa, e muito desfavorável,
o que ocorreu foi que a partir de 1790 seus terrenos começaram a ser secularizados
e vendidos, o que, enfraquecia o clero, fortalecia os empresários rurais e ainda
recompensava o camponês que participava da Revolução enquanto massa.9
A partir daí são muitos os acontecimentos que desestabilizam a França, a
exemplo da Constituição Civil do Clero, promulgada por Luís XVI, que só fez
desestabilizar ainda mais a relação entre estado e igreja, e ainda mobilizar parte da
população contra a já frágil monarquia, o que culmina na tentativa de fuga do rei,
que é capturado em 1791.10
A partir de então o republicanismo passa a tomar conta do ideário francês,
essa mudança de paradigma somada às políticas de livre empresa por parte dos
moderados franceses causou uma flutuação nos preços dos alimentos, o que
tensionava a já frágil situação social francesa.
Nesse contexto tanto ações e ideias da esquerda moderada quando as da
extrema direita levaram a França a guerra, os primeiros, dos quais faziam parte os
liberais moderados, que também eram belicosos, acreditavam que o caso da França
era apenas o primeiro passo para o triunfo universal da liberdade. Os segundos
acreditavam que apenas a intervenção externa poderia salvar a França e devolver
ao rei seu lugar devido.11
Em uma situação de guerra, e com girondinos perdendo suas posições, um
rápido golpe derruba o que havia de governo, e, em dois de junho de 1793 chega a
República Jacobina, provavelmente o período mais conhecido da Revolução, no
qual acontecem os episódios mais famosos envolvendo a guilhotina. São
personagens marcantes desse período, Robespierre, Danton, Marat, Saint-Just bem
como Mirabeau e Lafayette.12
Essa república não dura muito, por volta de abril de 1794 tanto direitistas
quanto esquerdistas já haviam ido para a guilhotina, e era somente a crise causada

9
Hobsbawn, 2012, p.114
10
Idem, 2012, p. 114-115.
11
Hobsbawn, 2012, p.116-117.
12
Idem, 2012, p. 119.
8

pela constante guerra promovida pela França contra quase todo o resto da Europa
que mantinha os seguidores de Robespierre no poder.
A estabilidade política no pais iria demorar muito tempo para começar a dar
sinais de vida, a partir da revolução a França alterna rapidamente entre regimes, são
eles: O Diretório (1795-1799), Consulado (1799-1804), Império (1804-1814),
Restauração Bourbon (1815-1830), Monarquia Constitucional (1830-1848), a
República (1848-1851), Império (1852-1870), sendo que aqui nos interessa
especialmente o período que vai do início da Revolução até meados da Monarquia
Constitucional.
São Marcelino Champagnat, cujo nome de batismo é José Bento Marcelino
Champagnat13, nasceu em 20 de maio de 1779, em Marlhes, que é uma paróquia
situada nas montanhas de Pilat, que por sua vez se encontra no cantão 14 de Saint-
Genest-Malifaux, no departamento de Loire.
Estudou, a partir de 1805, no seminário menor de Verriéres, sendo que à
época de seu ingresso tinha muita dificuldade tanto na leitura quanto na escrita.
Depois das séries iniciais entrou no seminário maior de Lião, em outubro de 1812.
Por volta de 1815 termina então, o curso de Teologia.
Ao que tudo indica é no mesmo ano de 1815 que se encontram as raízes da
história da Sociedade de Maria. À época Champagnat se associava a pares a fim de
pregar, exercitar a fé etc., desses se destacam juntamente com Champagnat o
Padre Colin e o Padre Courvelle, que juntamente com o fundador tem (de acordo
com seus principais biógrafos) importante papel na fundação da Sociedade de
Maria.
É já no ano de 1814, no dia 6 de janeiro, que Champagnat recebe a tonsura
clerical15, bem como as quatro ordens menores e o subdiaconato. E acaba por
receber o presbiterado em 22 de julho de 1816, sendo que a maior parte dos
colegas de Marcelino se ordenam nessa mesma data.
Ao que indicam algumas de suas biografias, em especial a escrita por
(FURET, 1999), já durante o que seria a “proto ordem” dos irmãos de maria,

13
O nome pode ser encontrado em diferentes ordens, isso se deve aos diferentes registros como o
de nascimento e a assinatura do próprio padre. (FURET, 1999)
14
Unidade político-administrativa.
15
Cerimônia em que o clérigo tem os cabelos cortados pelo bispo (poderia ser o cabelo todo ou o
topo da cabeça).
9

Champagnat parecia querer que essa ordem tivesse o objetivo de levar a educação
aos mais necessitados, e, em especial, que essa educação fosse levada por irmãos.
Aliás, a respeito do que seria uma ordem, o direito canônico atual não difere ordem,
congregação e instituto, e na realidade a instrução 16 “ORIENTAÇÕES SOBRE A
FORMAÇÃO NOS INSTITUTOS RELIGIOSOS”, se refere apenas aos institutos. A
respeito da finalidade de um instituto ou ordem a orientação diz o seguinte:
“A finalidade primordial da formação é permitir aos candidatos
à vida religiosa e aos jovens professos descobrir, em primeiro
lugar, assimilar e aprofundar depois, em que consiste a
identidade do religioso. Somente nessas condições, a pessoa
consagrada a Deus se inserirá no mundo como uma
testemunha significativa, eficaz e fiel.1 É conveniente pois
recordar, desde o começo de um documento sobre a formação,
o que significa para a Igreja a graça da consagração religiosa.”
(Vaticano, 1990).
Nesse sentido um instituto seria uma organização que poderia contar com
leigos e religiosos como membros, e teria como finalidade uma vida devocional que
em teria como finalidade a descoberta de vocações. No caso do instituto que
Champagnat viria a fundar, a principal intenção era formar religiosos que pudessem,
alfabetizar e dar os conhecimentos básicos da fé, sobretudo para crianças, sendo
que isso já é demonstrado no segundo artigo dos votos escritos por Champagnat,
que foram emitidos em 1826.
“2.º) comprometer-nos a dar ensino gratuito a todos os meninos
indigentes, apresentados pelo pároco da Paróquia, ensinar-
lhes, assim como a todos os demais meninos que nos forem
confiados, o catecismo, a oração, a leitura, a escrita e os outros
conteúdos do ensino primário, segundo as necessidades
deles;” (Furet, 1999)
Através desse artigo Champagnat expressa qual o caráter do instituto que iria
fundar, em especial a educação voltada para conteúdos básicos, sobretudo os da fé,
se mostram expressivas na biografia do padre. Aliás nos cabe pensar os objetivos

16
No direito canônico, uma espécie de recomendação que existe para orientar acerca das leis e
normas da Igreja.
10

da educação na época, tanto aquela vinda do estado, como reivindicação pautada a


partir da revolução francesa, quanto aquela promovida pelas ordens religiosas.
Convém falar a respeito do caráter da educação nesse contexto; chamada de
Educação Pública Religiosa, mantinha os objetivos da educação medieval, ou seja,
o de formar o fiel cristão, mas adquiria um caráter mais secular em seu ensino,
contemplando a nação. Já a partir do fim do século XVII se tem a Educação Pública
Estatal, de caráter disciplinatorio que tinha como objetivo principal a formação do
súdito, muitas vezes do militar e do funcionário.
Sobre a educação reivindicada pelos Revolucionários; acreditavam que a
educação deveria vir do estado, para o povo, de forma gratuita, sendo a instrução
uma “necessidade universal”. Dessa forma o objetivo da educação moderna seria
educar os homens humanamente, sendo que os principais planos para ensino da
época visavam formar com base no ensino de história e ciências naturais. É um
exemplo disso a Educação Pública Nacional, estabelecida no período da revolução
(e levada adiante nos próximos regimes), que tinha como finalidade a defesa dos
valores burgueses- da Revolução Francesa, e não era publica no sentido literal da
palavra, já que uma grande parte da população não tinha acesso a ela.
Já a educação oferecida por ordens religiosas tinha como público,
essencialmente, o homem do campo, tendo como objetivo uma educação voltada
para o saber/fazer voltado para a prática religiosa e para as atividades diárias.17
A respeito desse início do instituto os biógrafos de Champagnat 18 nos contam
que um episódio foi decisivo para que o fundador se empenhasse na fundação da
ordem. O acontecimento foi o seguinte: O Padre Champagnat foi chamado a um
vilarejo a fim de confessar um jovem doente, chegando lá o padre verifica que o
jovem não conhece os preceitos básicos da fé católica, e por isso decide o instruir
na fé a fim de que esse estivesse pronto para bem morrer. O jovem acaba por
morrer, e a partir desse momento Champagnat decide que a educação dos
ignorantes é um de seus objetivos, isso porque esses corriam o risco de serem
condenados a eterna danação.
Um outro importante acontecimento foi o da primeira escola assumida pelos
irmãos, a de Lavalla, Champagnat tinha a intenção de que os irmãos assumissem
uma escola, e essa mencionada anteriormente não possuía professores, o problema
17
Rocha, 2004.
18
Furet, 1999. Silvestre, 2010.
11

era, então, o da pouca formação dos recém unidos irmãos, e para resolver tal
problema um professor de primeiras letras 19 foi chamado para que instruísse os
irmãos no tocante aos métodos de ensino, e também para que alfabetizasse as
crianças da paróquia.
Se passa cerca de um ano e Champagnat despede o professor, e confia a um
dos irmãos a direção da escola. O número de estudantes crescia e em pouco tempo
Champagnat aumenta o número de salas para duas, ainda crescendo o padre
decide por restaurar um antigo prédio escolar, acolhendo crianças da região para
que pernoitassem, isso pelas grandes distancias da residência de alguns, o que
impedia a ida e a vinda no mesmo dia. Também se ‘começou a acolher e instruir
crianças órfãs.
Outro acontecimento importante na história de Champagnat foi a construção
da primeira casa-mãe realmente construída com a finalidade de ser sede do
instituto, ela se deu em L’Hermitage, comuna francesa que fica na região
administrativa da Bretanha, no departamento de Ille-et-Vilaine. A construção começa
apenas dois anos depois dos irmãos assumirem sua primeira escola, ou seja, em
1824, foi um empreendimento ambicioso, diga-se de passagem, somente o terreno
custou 12.000, quantia extraordinária para a época, e ainda, o total da construção
custou por volta de 60.000. Não foi sem resistência que a casa-mãe foi construída,
os biógrafos consultados20 nos contam que em grande medida Champagnat sofreu
duras críticas, muito por conta do alto valor da empreitada. A comunidade, composta
por irmãos, estudantes, e voluntários, se instalou na nova casa já em 1825.
A construção da casa mãe é o começo de uma fase nova para o instituto, a
partir daí várias são as escolas instaladas nas várias regiões da França. Tudo
funcionava razoavelmente bem no instituto, apesar dos poucos recursos, contudo
ainda faltava a legalização do instituto. Essa legalização era necessária pois
resolveria dentre várias questões legais a do serviço militar, que obrigava os irmãos
a saírem da vida religiosa para servir ao governo. O caso era que estavam salvos
desse serviço tanto os professores que tinham registro junto ao governo quanto os
membros de congregações reconhecidas pelo estado, o que muitas vezes não era o
caso dos irmãos, então, o que muito se fez foi mandar irmãos membros do instituto

19
Uma espécie de alfabetizador.
20
Furet 1999, e Silvestre 2014.
12

para entrarem em uma congregação já reconhecida, a fim de se evitar o serviço


militar e continuar na vida religiosa.21
Após 1928, Carlos X assinara os decretos-lei que diminuíam a influência dos
bispos na educação e ainda legislava a respeito da obrigatoriedade do serviço
militar, mesmo para aqueles membros de ordens religiosas (nesse caso, eram
afetadas aquelas que não eram legalizadas junto ao estado). Assim, num contexto
em que se necessitava dos decretos-lei para se obter legalização enquanto ordem
religiosa, Champagnat pede pela intercessão do então Arcebispo de Lião, D. Gaston
de Pins, que de fato o ajudou e em pouco tempo toda a papelada que legalizaria a
congregação já estava para ser assinada. Contudo Carlos X assina uma resolução
da câmara que tira do rei a prerrogativa de promulgar decretos-lei, dessa forma o
pedido de legalização não chega a ser assinado e Champagnat tenta até o fim de
sua vida (período no qual ele produz os documentos aqui analisados) legalizar o
instituo.22
Antes de sua morte um último episódio na tentativa de legalizar o instituto é
notável. Em 1836, mais precisamente no mês de agosto, Champagnat empreende
uma viagem a Paris, a fim de obter a legalização do instituto. Para tal era necessário
que os documentos do instituto fossem aprovados tanto pelo Ministro da Instrução
Publica quanto pelo Conselho de Estado; a época era ministro o Sr. De Salvandy,
que ao que indicam as biografias de Champagnat mais dificultou o processo do que
qualquer outra coisa. A viagem durou semanas e ao final o padre não lograria êxito
em sua empreitada, tão pouco veria o instituto legalizado em vida.23
Por fim, o padre volta a L’Hermitage, e lá passa seus últimos anos fazendo
uma viagem ou outra a fim de checar as condições das várias escolas administradas
pelos irmãos. Seu processo de morte é lento, na verdade vários anos antes o padre
sofria de dores, já em 1825 sofrera de uma doença que teria lhe causado uma
Pleurodinia.24 Sua saúde vai piorando com o passar dos anos, e em 1840 seu
quadro começa a se tornar insustentável. Já não conseguia se movimentar como
antes e sofria muito com dores. São nesses últimos anos de vida, com a saúde em
decadência, que o padre produz seu maior número de cartas, das 339 cartas

21
Idem, 1999, passim.
22
Furet, 1999, p. 105-114.
23
Idem, 1999, passim.
24
Uma complicação infecciosa que causa fortes dores de cabeça, no abdômen etc.
13

disponíveis em português 261 são dos seus últimos três anos e meio de vida. 25 Na
madrugada do dia 6 de junho de 1840 o padre vem a falecer em decorrência de seu
já grave estado de saúde.
3 A FONTE: APRESENTAÇÃO E MÉTODO DE ANÁLISE
Como fonte histórica este trabalho terá as cartas de Marcelino Champagnat,
em especial as de seu último ano de vida, 1840. 26 Os assuntos das cartas estão
entre discussões acerca da situação da congregação, passando por normas e
regras, ou necessidades, até a questão a qual esse trabalho tem como objetivo
analisar; a legalização do instituto. Para a presente analise o total de cartas é de X.
A fim de obter intercessão de membros influentes, tanto da Igreja quanto do
governo, Marcelino Champagnat escrevia para esses, geralmente falando a respeito
de algum assunto ou feito daquela pessoa, e em seguida apresentando e
defendendo a causa da congregação, geralmente pedindo diretamente pela
intervenção no processo de legalização do instituto.
É nesse sentido que a análise dessa fonte será feita, buscando identificar as
representações emanadas por meio das cartas, para esses sujeitos, dos quais
Champagnat buscava suporte em sua busca pela legalização.
Essas fontes serão analisadas a partir do conceito de representação, na
compreensão de que o objeto, nesse caso a instituição, tem seu lugar tomado por
um representante. Nessa perspectiva o objeto não tem sua existência enquanto ente
independente, mas a partir dos significados produzidos na relação entre sujeito-
objeto, por intermédio de um significante.
A respeito da relação entre sujeito leitor e escrita, Chartier apresenta duas
hipóteses, não excludentes, mas complementares entre si:
A primeira hipótese sustenta a operação de construção de
sentido efetuada na leitura (ou na escuta) como um processo
historicamente determinado cujos modos e modelos variam de
acordo com os tempos, os lugares, as comunidades. A
segunda considera que as significações múltiplas e móveis de
um texto dependem das formas por meio das quais é recebido
por seus leitores (ou ouvintes). (Chartier, 1991)

25
SIMAR, 1999.
26
Disponível em: http://bit.ly/2C7UswQ. Acesso em: 02/11/2019.
14

Nessa perspectiva o sentido é produzido a partir da relação entre sujeito-


objeto, considerando que o sujeito está inserido em um contexto, fala (e ouve) de um
local, e que os sentidos produzidos dependem em muito das maneiras a partir das
quais os sujeitos recebem o representante.
Os múltiplos sentidos são produzidos a partir do discurso, que nada mais é do
que a prática da linguagem, e que também uma forma de materialização de saberes
e ideários de quem o produz.27 Assim, um dos principais componentes do discurso
são justamente os significados históricos possuídos por aquele que os elabora, o
discurso é então representação do objeto do qual fala e também representação de
quem o escreve.
Nessa perspectiva, o discurso existe como consubstanciação de uma
ideologia, essa que existe numa relação dialética entre produtora do discurso, no
sentido de que esses discursos são produzidos por alguém, a partir de um local,
mas também como caraterística de quem recebe o discurso, nesse caso,
significando a tendência a uniformização dos sentidos do texto.
Não só Champagnat escreve suas cartas, ainda que sejam assinadas por ele.
Não só durante o período em que estava mais doente, mas ao longo de toda sua
trajetória, alguns irmãos da confiança de Champagnat escrevem em seu nome,
contudo as cartas sim eram assinadas pelo próprio, e a partir disso podemos inferir
que Champagnat concordava com o conteúdo das cartas.
Assim compreendemos as cartas de Champagnat enquanto representação da
Congregação dos Pequenos Irmãos de Maria, essas cartas são a materialização do
discurso, e esse é representante de um objeto maior, e tem o objetivo de levar ao
interlocutor uma mensagem, o tentando convencer de uma causa.
O objetivo da análise é identificar as maneiras na quais essas representações
estão constituídas nos textos de Champagnat, qual o conjunto de ideias que ele usa
para justificar seus pedidos e defender a legalização do instituto.
4 AS CARTAS
Os documentos aqui analisados compreendem o ano de 1840 num total de 30
cartas, das quais serão analisadas um total de três, sendo os destinatários membros
do clero de grande influência político/religiosa. As cartas foram traduzidas para o
português pelos irmãos maristas Ir. Sulpício José e Ir. Ireneu Martim, tendo sido

27
Silva e Silva, 2009.
15

revisadas e publicadas no ano de 1999. Se trata de uma tradução das cartas


publicadas originalmente em francês pelo Ir. Paul Sestes.
De um número de 339 cartas reunidas foram identificadas 109 como sendo de
próprio punho de Champagnat, as outras são atribuídas a ele sobretudo porque
Champagnat as assina.
As cartas analisadas são as de nº: 312, 314, 319, que datam do ano de 1840;
sua escolha se dá por essas serem aquelas que, se destinando a sujeitos com
influência política, e tendo como objetivo advogar pela aprovação legal do instituto,
são possíveis exemplos que sintetizam o discurso empregado para articular a
aprovação do instituto.
4.1 CARTA 312, AO SENHOR HYACINTHE CLAUDE FÉLIX BARTHELEMY,
PREFEITO DEPARTAMENTAL DO LOIRE. 4 DE JANEIRO DE 1840.
Ao escrever essa carta para um prefeito de departamento, Champagnat tem
como objetivo pedir pela interseção do prefeito junto ao Ministério da instrução
pública para saber a respeito do pedido de autorização legal do instituto.

“Senhor Prefeito,
Na primeira visita que tive a honra de lhe fazer, o senhor bondosamente me
ofereceu seus préstimos, para mim muito gratificantes. Aproveitando a oferta,
atrevo-me a solicitar de V. Excia. o favor de se informar junto ao Ministro da
Instrução Pública a quantas anda o processo da autorização dos Irmãozinhos de
Maria e quais os trâmites que ainda deveremos seguir para garantir o bom resultado
do pedido.
Desejosos de trabalhar sob a proteção e conforme as diretrizes do governo,
em prol da autêntica instrução dos meninos, estamos dispostos a tomar todas as
medidas que nos indicar para sintonizarmos com ele, até a adotar os estatutos de
uma sociedade já reconhecida, como nos mandou dizer o senhor Salvandy, ministro
da Instrução Pública, por intermédio do senhor bispo de Belley. Aceitaremos até
isso, embora nossos estatutos tenham sido aprovados pelo Conselho Real na
sessão de 28 de fevereiro de 1834.
Confio, senhor Prefeito, que fazendo uso de sua gentileza, o senhor
acrescente algumas palavras de apreço em nosso favor. A boa acolhida com que o
senhor me honrou, a distinta proteção que em toda parte concede às obras de
16

utilidade pública, inspiram-me a reconfortante confiança de que terei para com sua
pessoa novos motivos de unir minhas felicitações às de todo o Departamento pela
acertada escolha que o trouxe até nós.
Apoiando-me, pois, tanto em sua bondade como em seu crédito poderoso,
rogo-lhe aceitar a homenagem do profundo respeito e da respeitosa atenção com
que ...
Champagnat”
É notavel a posição de subordinação em que Champagnat vai se colocar ao
escrever para pedir a intersessão desses suejtios, usando expressões como “atrevo-
me a solicitar” ou ainda “Desejosos de trabalhar sob a proteção e conforme as
diretrizes do governo” que denotam o anseio pela legalização do instituto, inclusive
aceitando condições adversas como o uso de um estatuto de uma outra instituição já
reconhecida. Aqui o Instituto Marista aparece como uma instituição preocupada com
o bem estar social, provedora de uma verdadeira educação, como visto no trecho
“em prol da autêntica instrução dos meninos”.
4.2 CARTA 314, A DOM LOUIS JACQUES MAURICE DE BONALD, ARCEBISPO
DESIGNADO DE LIÃO. 16 DE JANEIRO DE 1840.
Essa carta foi endereçada para o recém nomeado Arcebispo de Lião, que na
ocasião do envio se encontrava em paris. Novamente Champagnat vai a uma
autoridade pedir pela interseção da autoridade no processo de regularização da
ordem.
"Excia. Revma.,
O Superior dos Irmãozinhos de Maria se atreve a antecipar o feliz momento
em que V. Excia. virá cumular nossos votos e desejos, para oferecer-lhe a
homenagem de seu profundo respeito e de suas muito humildes felicitações. Todos
nós experimentamos a mais viva alegria ao saber da feliz escolha pela qual V. Excia.
é convocado ao governo da célebre igreja de Lião. Replenos de gratidão, unimo-nos
a todos os fiéis da diocese para agradecer a Deus por nos ter dado em sua augusta
pessoa um Prelado tão digno e tão santo, um Pontífice tão zeloso e caritativo.
Foi o Senhor, Exmo. senhor Bispo, que nos acolheu e protegeu na diocese de
Puy. Pudemos assim, sob vossos auspícios, erigir naquela região nossos primeiros
estabelecimentos. O que não deveremos então esperar agora de sua paternal
bondade, agora que seremos seus filhos, de uma maneira muito particular!?
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Eis porque, Excia. Revma., animados da mais terna confiança, ousamos,


desde esse primeiro contato, apresentar-lhe através deste modesto ofício uma vista
de conjunto sobre o estado atual de nossa pequena Sociedade e solicitar em favor
da mesma o auxílio de sua poderosa proteção.
Já vai para oito anos que estamos pedindo, sem ter podido consegui-lo, o
benefício do Decreto Real que regularizando nossa existência, colocaria nossos
Irmãos fora do alcance da Lei de convocação para o serviço militar. Quão felizes nos
consideraríamos, Excia., se pudéssemos ficar devendo à sua benevolência e a seu
potente crédito este favor tão precioso e tão longamente esperado! Quanta gratidão
terão para sempre com V. Excia. todos os filhos de Maria, especialmente aquele que
Deus chamou para os reunir e dirigir!
Alentados pela esperança de que V. Excia. se dignará acolher meu pedido, e
pleiteará nossa causa perante sua Majestade, tenho a honra de ser, com os
sentimentos do mais profundo respeito, ...
Champagnat”
É interessante notar que essas cartas são produzidas justamente no ultimo
ano de vida de Champgnat, que já se encontrava desgastado pelo longo processo
pelo qual o Instituto passava a fim de obter sua legalização. Em suas cartas já se
tornava visivel o desgaste que tal processo causava, e também a urgencia em
conseguir a legalização, como visto no trecho a seguir: “Já vai para oito anos que
estamos pedindo, sem ter podido consegui-lo, o benefício do Decreto Real que
regularizando nossa existência, colocaria nossos Irmãos fora do alcance da Lei de
convocação para o serviço militar.” Ainda que nessa carta em especial não
possamos ver nenhuma representação que argumente a cerca da importancia do
instituto, é notavel que existe uma ‘inteligencia politica’ ao se valer do momento em
que o destinatario da carta se encontrava em um momento de ascenção a um cargo
de grande influencia.
4.3 CARTA 319, A DOM HUGHES ROBERT JEAN-CHARLES DE LATOUR
D'AUVERGNE, BISPO DE ARRAS, PAS-DE-CALAIS. 11 DE FEVEREIRO DE
1840.
A carta em questão é substancialmente maior que as outras, nela
Champagnat busca novamente pela ajuda de alguém com influência junto ao rei.
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Interessante notar que nessa carta em especial o padre se estende na escrita a fim
de advogar pelo instituto.
“Excia. Revma.,
O Superior dos Pequenos Irmãos de Maria, estabelecidos em N. D. de
l'Hermitage, em Saint-Chamond (Loire), ousa apresentar-se de joelhos diante de V.
Excia. para lhe pedir aceite a homenagem de profundo respeito e muito humildes
felicitações pela nova dignidade que o Soberano Pontífice acaba de conceder a seus
méritos e virtudes. Nós nos regozijamos vivamente e conosco toda a França e toda
a cristandade, por vermos um Pontífice tão zeloso e caritativo tornar-se um dos
primeiros pastores da Igreja universal. Que Deus seja bendito mil vezes por este
acontecimento e conceda a V. Excia. dias tão longos e felizes quantos julgar úteis à
religião, cheios de obras de zelo e de santidade.
Animado pela bondade realmente paternal com que V. Excia. se dignou
honrar nossos caros Irmãos de Saint-Pol, compenetrado tanto quanto eles dá mais
viva gratidão pelo nobre incentivo que os Irmãos devem à vossa bondade
verdadeiramente pastoral, atrevo-me também a suplicar-lhe o favor de estender a
toda a Sociedade dos Irmãos de Maria a salutar influência de sua elevada e
poderosa proteção.
Como nos sentiríamos felizes, Excia. se neste momento em que tratamos de
fazer sancionar nossa autorização por meio de um Decreto Real, V. Excia. se
dignasse apoiar nosso pedido. Não duvidamos nada de que uma simples
recomendação de V. Excia. nos seria de grande auxílio junto a Sua Majestade.
Nossa instituição, Excia., é inteiramente em benefício dos meninos pobres
das zonas rurais e cidades pequenas. Ao menor custo possível queremos
proporcionar a eles a instrução cristã e religiosa que os Irmãos das Escolas Cristãs
ministram com tão bons resultados aos alunos das grandes cidades.
Deus e a Santíssima Virgem nos abençoaram de um modo todo particular até
hoje. Em poucos anos, apesar da escassez de recursos, a Sociedade reuniu mais
ou menos 300 Irmãos. Foram erigidos cinqüenta estabelecimentos que continuam a
se desenvolver nos nove Departamentos do Rhône, do Loire, de Isère, de Ardèche,
de Saône-et-Loire, do Drôme e de Pas-de-Calais, além das Missões da Oceânia
Oriental, para a qual onze de nossos Irmãos partiram nesses três últimos anos.
19

Duas novas casas de noviciado acabam de ser erigidas, uma em Vauban


(Saône-et-Loire), através das benfeitorias do senhor bispo de Autun, a outra em
Lorgues (Var) pela generosidade de um proprietário abastado e piedoso. Quando V.
Excia. julgar oportuno, faremos todo o possível para abrirmos um terceiro, na
interessante diocese de Arras, a fim de apoiar e expandir nesta região, de acordo
com as piedosas e paternais intenções de V. Excia., a obra tão importante da
instrução cristã.
Só nos falta, Excia., que nossa Congregação seja definitivamente
reconhecida pelo governo. Nossos estatutos foram por três vezes aprovados pelo
Conselho Real da Instrução Pública. Apoiados no pedido oficial deste Ministério,
redigido pelo senhor Delbecque, de quem depende em grande parte nossa
requisição, abrimos o estabelecimento de Saint-Pol.
Até mesmo uma minuta do Decreto foi redigida, mas como nos obrigava a
restringir o ensino aos municípios de 1.200 habitantes e menos, e assim nos impedia
o exercício de nossas funções em grande número de nossos estabelecimentos,
fizemos com que a retirassem. Por isso, somos obrigados hoje a fazer novo pedido.
Para tanto, escrevemos a Monsenhor De Bonald, Arcebispo de Lião, residindo
atualmente em Paris. Interessamos em nosso favor também vários deputados,
particularmente os senhores Ardaillon, Duroziers, Lanyer, Lachèze, Fulchiron, Girod
de L'Ain, Baude, que é atualmente Conselheiro de Estado e o senhor Sauzet,
Presidente da Câmara.
Animados de confiança na sua bondade pastoral e no zelo apostólico que
abarca a Igreja inteira, ousamos dirigir a V. Excia. um pedido semelhante. Não
duvidamos nada de que, gozando do alto favor da Igreja e do Estado, V. Excia.
conseguirá apressar, eficazmente, a conclusão de uma questão que visa tão
somente à glória de Deus e ao bem das almas.
Por isso, é com todos os sentimentos de gratidão que suplico a V. Excia. se
digne aceitar a homenagem de profundo respeito com que sou,...
Champagnat”
Essa carta contem importantes dados a cerca da maneira em que o Instituto é
representado nas correspondencia de Champagnat, bem como da posição em que
Champagnat coloca o Instituto e a sí próprio, vejamos; “O Superior dos Pequenos
Irmãos de Maria, estabelecidos em N. D. de l'Hermitage, em Saint-Chamond (Loire),
20

ousa apresentar-se de joelhos diante de V. Excia. para lhe pedir aceite a


homenagem[...]” nesse trecho podemos ver a posição de subordinação em que o
autor se coloca com relação ao destinatario da carta, normalmente demonstrando
uma necessidade de apoio, sempre com um caráter de humildade, que aliás é uma
importante caracteristica necessaria ao cristão, e que está presente aqui.
Essa carta reforça a narrativa de que o Instituto é bom para a sociedade,
sobretudo naquelas regiões menos favorecidas, como vemos: “Nossa instituição,
Excia., é inteiramente em benefício dos meninos pobres das zonas rurais e cidades
pequenas. Ao menor custo possível queremos proporcionar a eles a instrução cristã
e religiosa que os Irmãos das Escolas Cristãs ministram com tão bons resultados
aos alunos das grandes cidades.”, esse paragrafo demonstra quem era o publico
alvo do instituto; jovens e crianças do sexo masculino, geralmente mais pobres e
moradores de zonas afastadas de centros urbanos. Além disso o paragráfo também
demonstra que havia um custo para as familias ao enviar suas crianças para que o
instituto as educasse (esse é um detalhe importante pois o senso comum pode
considerar que ao se tratar de uma educação proporcionada por uma irmandade
cristã e direcionada aos mais pobre ela seria gratuita).
Estão presentes nessa carta outras caracteristicas de argumentação, como
uma demonstração dos feitos do Instituto a fim de demonstrar sua utilidade; “Deus e
a Santíssima Virgem nos abençoaram de um modo todo particular até hoje. Em
poucos anos, apesar da escassez de recursos, a Sociedade reuniu mais ou menos
300 Irmãos. Foram erigidos cinqüenta estabelecimentos que continuam a se
desenvolver nos nove Departamentos [...]”, nesse trecho Champagnat argumenta
pela capacidade do Instituto de bem administrar seus recursos, humanos e
financeiros, o que poderia ser interessante para demonstrar que o Instituto não seria
só bom para a sociedade e para a igreja, mas também teria um baixo custo
considerando seus resultados.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação na França de Champagnat, fortemente impactada pela
Revolução, e ainda pela presença da Igreja foi um solo fertil para o surgimento de
instituições voltadas a letrar os mais jovens, sobretudo para os preparar para o bom
exercicio da fé; e é justamente a da religião o cerne desse contexto, sendo o eixo
pelo qual seguia o Instituto, e ainda mais especificamente a maneira pela qual se
21

articulavam as comunicações entre Champagnat e seus interlocutores. Em outras


palavras, a base argumentativa das cartas de Champagnat se centra no que é bom
sob a ótica cristã francesa do séc. xix.
Ao analisarmos as cartas de Champagnat é possível notar que os argumentos
utilizados em suas cartas têm características que são mantidas ao longo das
diferentes correspondencias, ainda que essas tenham diferentes destinatarios. O
Instituto aparece então como: uma Instituição com impacto positivo na sociedade,
com foco nos mais pobres, capaz de fazer bom uso de recursos, e ainda que tem
um grande numero de irmãos para o pouco tempo de existencia. Nas palavras de
Champagnat “Deus e a Santíssima Virgem nos abençoaram de um modo todo
particular”28; tais palavras são importantes para demonstrar a institutição que deveria
ser aprovada pelo governo francês com a ajuda dos membros da igreja aos quais
Champagnat escrevia, uma instituição abençoada pela fé que compartilhavam.
Ainda que diversas e complexas analises linguisticas pudessem ser feitas
tendo como base as cartas de Champagnat, aquilo que foi constatado nesse
trabalho sintetiza a simplicidade buscada ao se defender a existencia do Instituto;

28
Champagat (1840).
22

6 REFERENCIAS
CHARTIER, Roger. O mundo como representação. In: Estudos Avançados, Rio de
Janeiro, n.11(5), 1991.
FURET, J.-B. Vida de São Marcelino José Bento Champagnat. São Paulo: Loyola,
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2012.
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Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas, Florianópolis, v. 4, n. 57, p. 2-25,
jan. 2003. ISSN 1984-8951. Disponível em:
<https://periodicos.ufsc.br/index.php/cadernosdepesquisa/article/view/2181>. Acesso
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SECRETÁRIADO INTERPROVINCIAL MARISTA - SIMAR. Cartas de Marcelino
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Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/ssrevista/c_v6n2_andrea.htm>. Acesso em:
30 out. 2019.
UMBRASIL; CARTAS DE MARCELINO J. B. CHAMPAGNAT 1789 – 1840:
FUNDADOR DO INSTITUTO DOS IRMÃOS MARISTAS. 1. ed. Brasília: UMBRASIL,
2019. p. 739-807.

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