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PREMATURO HERANÇA DO BOTO

O rio Amazonas não descansa Estava sempre bem arrumada


Está sempre a se movimentar Maquiada e perfumada
Vive correndo apressado Como se estivesse algo a festejar.
Em seu leito desgastado
Como se estivesse atrasado Seu José desconfiado
Para seu encontro com o mar. Vendo a filha a se enfeitar
Ficou matutando o que fazer
Deixando em suas beiradas Para a verdade saber
Histórias por caboclos vivenciadas A questão resolver
Com ar de mistérios contados Sem ter que a pressionar
Como se fossem inventados.
Mas são verdadeiras Preocupado com a situação
Como essa que vou relatar. Chamou Dona Maria para conversar
Depois de muito diálogo
Há margem direita do gigante Chegaram à conclusão
Na entrada do lago do jacaré Que Angélica já era moça feita
Habitava em uma casa com varandas E o problema era do coração.
Uma família como tantas
Formada por uma jovem e seus pais José voltou a matutar
Dona Maria e o seu José. Sendo devoto de Santo Antônio
E querendo ver sua filha casada
Seu José homem sério Fez ao protetor uma promessa
Agricultor e pescador Se ela achasse um bom partido
Respeitado no lugar No dia do santo iriam festejar.
Casado com Dona Maria
Mãe da filha Angélica Angélica cabocla linda
Moça linda de educação exemplar. Muitos a queriam desposar
Mas seu José era exigente
Jovem cabocla do lugar Quem quisesse com sua filha casar
Filha única prendada Tinha que rezar na sua cartilha
Por muitos jovens desejada E seus termos aceitar.
Mas seu coração
Já tinha sido fisgado. Tinha que ser homem sério
Por um moço de outro lugar. Morasse no lugar
De preferência tivesse gado
Era Joaquim Jovem e desimpedido
Morador do Zé Açu Se não fosse rico!
Conhecido por Quim-quim Mas tivesse uma casa pra morar.
Natural do Rio Grande do Sul
Vermelho que nem malagueta De posse da decisão
Louro dos olhos azuis. Seu José Começou anunciar
Que sua querida filha
O casal namorava as escondidas Não iria ser uma perdida
E era raro se encontrar E seria o homem mais feliz da vida
Ele trabalhava embarcado Quem viesse com ela se casar.
Estava sempre a viajar
Ela de olho no rio ficava na varanda A comunidade ficou alvoroçada.
Na esperança de ver o amado passar. Com a anunciação
Todos os rapazes da redondeza
Os pais não sabiam Queriam com toda certeza
Do namoro da filha Se apropriar daquela beleza
Que vivia a se enfeitar E ser dono do seu coração.
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PREMATURO HERANÇA DO BOTO
Na varanda estavam a conversar
Angélica sabendo da decisão Quando sem ninguém esperar
Ficou a imaginar Montado em um negro alazão
Que jeito daria Com trajes de vaqueiro chegou João.
Para seu amado avisar
Ele se apresentaria Filho de um fazendeiro da região
E os dois poderiam se casar. Se alto intitulava de garanhão
Sabendo do anunciado
Com medo de o pai descobrir Querendo impressionar
E não tendo em quem confiar Já desmontou do alazão
Angélica ficou triste Com um buquê de rosas na mão.
E estava sempre a chorar
Já não se arrumava De boa aparência e falastrão
Para na varanda ficar Com o buquê de rosas na mão
Curvou-se em frente à moça
O tempo foi passando Como um bom galanteador
Os pretendentes começaram a chegar Disse: “receba essas rosas”
Simpáticos, tinham casa, gado Como prova do meu amor.
Preenchiam os requisitos exigidos
Todos querendo casar Seu José ficou espantado
Mas ela não queria ninguém aceitar. Com a firme declaração
Olhou para filha e disse
Então ela ficou a pensar “Antônio, Santo da minha devoção
Que todos a queriam desposar Mandou um rapaz decente
E quem ela amava Pra ganhar seu coração”.
Por quem tanto esperava
Chorava e se enfeitava João aproveitando a situação
Parecia não se importar. Foi logo mostrando
Seus dotes de garanhão
Não aparecia Pediu permissão à moça
Não passou mais por lá Ajoelhou-se agarrou em sua mão
Não mandou recado E falou cheio de emoção:
Desapareceu no ar
Deixando em seu lugar só pranto - “Desculpe pela falta de educação
E alguém a lhe esperar. Sou caboclo
Aqui da região
Mesmo com o sumiço do amado Livre e desimpedido
Ela mantinha aquela ilusão Tenho gado no campo
Que ele iria aparecer e pedir sua mão E pra morar um casarão”.
Mas o tempo passou
Seu amado não voltou Com todo respeito e admiração
Era só dor no coração. Estou de corpo inteiro a sua disposição
Entrego em suas mãos
Desiludida ela tomou uma decisão Tudo que tenho
O primeiro que viesse aparecer E com todo carinho se aceitar
Com boa intenção É seu meu coração.
Fosse bonito tivesse um gadinho
Seria seu marido Basta do seu pai a permissão
Mas não dono do seu coração. Os anjos dizerem amém
Dona Maria abençoar nossa união
Era verão na região E você Angélica aceitar
O sol demorava a sentar Ser esposa e companheira
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PREMATURO HERANÇA DO BOTO
Desse humilde peão” Com um sorriso de satisfação
Deu permissão a João
Angélica que estava só a observar E que ele se sentisse em casa
Toda aquela encenação Atasse sua rede na varanda
Recebeu as flores E deixasse no campo o alazão.
Agradeceu a João
Olhou para os pais e disse: Todos a dormir e descansar
- “Vocês aprovam nossa união”? Só Angélica não conseguia no sono
pegar
Foi geral a comoção Ficou acordada a pensar
Dona Maria O que seu grande amor iria fazer
Agarrou-se com Angélica Quando a história
Seu José abraçou João Alguém fosse lhe contar.
E chorando de alegria disse
“Nós os abençoamos de todo coração”. A noite passou, o sol raiou
O povo despertou
Seu José contente com a situação Dona Maria fez o café
Agradeceu a João pela decisão Todos se reuniram para o desjejum
Virou-se para sua filha Mas antes do café tomar
Lacrimejando de emoção Seu José resolveu a data anunciar.
Falou com a voz tremula
“Filha seja feliz com esse cidadão”. Com um gesto de agradecimento
Pediu a todos permissão
João empolgado Estendeu a mão a João
Com sua atitude de galanteador O mesmo correspondeu
Falou pedindo de todos atenção: Então José marcou a data
“Entendam minha aflição Com muita empolgação.
Não vamos esperar muito
Marco pra já nossa união”. “Já é fim de maio
Mês propicio pra casar
Seu José ouviu com atenção Mas minha filha é obediente
O que falou João Sabe da devoção da gente
Achou tudo certinho E na festa de Santo Antônio
Mas lembrou a todos com carinho Essa união irá se consolidar”.
Da promessa que tinha feito
Ao santo de sua devoção. Satisfeito ficou João
Com aquela decisão
Já era madrugada Deu pulos de alegria
E a conversa nada de parar Chamou José de sogrão
Seu José pediu para que fossem deitar E garantiu que a festa seria
E pela manhã A maior já vista na região.
Antes do desjejum
A data do noivado ele iria a marcar. Que nem cachorro abandonado
Quando encontra o dono
Como já era altas horas E abana o rabo
Ninguém questionou a decisão Montou no seu cavalo
Até João dono da situação Partiu em direção a sua casa
Pediu de seu José permissão Se sentindo um homem realizado.
Para atar sua rede na varanda
E esperar sua declaração. Angélica de corpo presente
Pensativa parecia viajar
Seu José como bom anfitrião Seu olhar varria os cantos da casa
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Em um desespero angustiante Tudo lhe daria
Na esperança, mesmo que de relance Só para não ver você chorar”.
O seu Joaquim avistar.
Angélica confusa diante da inusitada
Todos saíram alegres a comemorar situação
Pensado nos preparativos para festa Não entendeu sua verdadeira intenção
Mas Angélica entediada Deixou-se levar pela emoção
Com sorriso de acanhada Firmino desceu do bote
Pediu desculpas Convidou Angélica para banhar
E desceu ao rio para se banhar. Ela ingênua aceitou sem nada maldar.

Sozinha com uma cuia na mão Os dois dentro da água a conversar


De cócoras na beira do rio a choramingar Ela se maldizendo
Angélica não percebeu Ele a consolar
Que tinha alguém a lhe observar Até que ele a envolveu
Era Firmino português comerciante do Com seu papo de serpente
lugar E começou a lhe acariciar.
Como de costume estava a pescar.
Ela frágil e carente
Já sabendo que ela estava prestes a Diante do senhor serpente
casar Deixou-se envolver
Não entendia o porquê Pela sensação nova e diferente
De ela estar a chorar E ele a possuiu
Até que por um instante Sem pensar no que vinha pela frente.
Ela começou a se maldizer
Falando até em se matar. Depois do ato consumado
Os dois saíram cada um para seu lado
Conhecido como a serpente do lugar Firmino saiu sorrindo
Firmino que também a queria Angélica voltou a se acanhar
Percebeu a oportunidade A vida continuou
Aproximou-se de mansinho E ela sempre no amado a pensar.
No seu bote, chamado bonitinho
Chegou como um anjo para lhe salvar. Era começo de junho
No casamento todos estavam a trabalhar
Ela ficou sem ação Firmino querendo seu erro consertar
Quando o viu chegar Implorou para o casal apadrinhar
Não sabia se chorava Conversou com João e ofereceu dinheiro
Fugia ou gritava Para o vestido da noiva comprar.
Mas Firmino foi hábil
A segurou pelo braço e começou a falar. No primeiro instante
João quis recusar
“Observei seu sofrimento Mas logo aceitou
E não tive como não querer ajudar Para não o contrariar
Você é jovem bonita Pois seria uma despesa
Não precisa por isso passar Que ele iria economizar.
Tem que ser feliz
É o mínimo que posso lhe desejar”. Sempre querendo aparecer e agradar
João foi até a casa da amada
Se você fosse minha Abraçou-a ao chegar
Nunca a deixaria sozinha Chamou dona Maria para conversar
Seria uma rainha Pediu que ela fosse até a cidade
E o que dinheiro poder comprar E junto com a noiva o vestido comprar.
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PREMATURO HERANÇA DO BOTO
Dona Maria agoniada
Dona Maria eufórica Ofereceu-lhe um copo com água
Com a notícia de João Uma tentativa sem sucesso
Pediu para a filha se arrumar De a filha consolar.
E que ela não demorasse
Pois o barco que ia pra cidade Joaquim que estava a observar
Estava para passar. Ofereceu-se para ajudar
Falou para Dona Maria
Angélica indiferente e pensativa Que no estado de saúde da sua filha
Não manifestou reação Na rede ela não podia ficar
Aceitou a proposta de João Mas no seu camarote ela podia
Mas ficou matutando a planejar descansar.
Em aproveitar a oportunidade
E por seu amado procurar. Dona Maria ainda quis recusar
Mas como não passava o mal estar
Como o destino gosta de aprontar De muito grado aceitou
E parece se divertir Para sua filha poder descansar
Com a desgraça particular Mal ela sabia que sua “ingênua” filha
Fez com que Joaquim Nos braços do amado queria ficar.
Fosse o comandante do barco
No qual ela iria embarcar. Já no camarote a descansar
Angélica pediu para mãe
Todos na beirada do rio Não se preocupar
A espera do barco para viajar E que ela atasse sua rede no corredor
Ficaram eufóricos ao ver Que logo que parasse o mal estar
Na curva do rio ele apontar Iria a ela se juntar.
Menos Angélica
Que o reconheceu e quis desmaiar. Dona Maria preocupada
Mas um pouco cansada
Não entendendo da filha o mal estar Escutou-a sem questionar
Dona Maria só dizia pra ela se acalmar Deu um beijo em sua filha
Que era nervosismo da felicidade Pediu que ela descansasse
Mas assim que ela casasse Que logo tudo isso iria passar.
Acabaria aquele impasse
E a alegria ocuparia seu lugar. Parece que Maria estava a adivinhar
Pois logo que ela saiu do camarote
O barco atracou Joaquim entrou sem ela notar
Quem ia viajar embarcou Deitou se com sua amada
Só Dona Maria não observou Que tentou argumentar
Que sua filha mudou de cor Mas logo um beijo a fez calar.
Quando dentro do barco
Ela avistou seu grande amor. Os dois loucos de saudade
Esqueceram-se da realidade
Avistando seu amado Fizeram amor com veracidade
Ela olhou para outro lado Dentro do camarote
Tentou disfarçar Não existia mais nervosismo
Mas o nervosismo era tanto Entre os dois, só felicidades.
Que a o invés de sorrir
Ela começou a chorar. Depois de ao amor se entregar
Angélica quis sua história contar
O barco já estava a navegar Mas Joaquim a interrompeu
Angélica a chorar Não a deixando falar
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PREMATURO HERANÇA DO BOTO
Pois ele já sabia de tudo Chegando à cidade
Não precisava ela contar. Saíram para o vestido procurar
Visitaram várias lojas
Ela ficou inquieta Até que em frente de uma delas
Com tal declaração Angélica ficou parada a admirar
Se ele já sabia de João O vestido com o qual sonhou para casar.
Porque se aproveitou da situação
Pois o amor que ala sentia por ele Dona Maria á lhe acompanhar
Ainda fazia morada no seu coração. Convidou-a para na loja entrar
Chamou a vendedora
Joaquim pediu desculpa Pediu o vestido para experimentar
Pelo momento de prazer Que serviu como uma luva
Pois o que ele mais queria Naquele corpo espetacular.
Era com ela um dia viver
Mas quando soube do noivado Com o vestido comprado
Arrumou outra para lhe esquecer. E outros preparativos
Para o casório realizado
Angélica confusa e desorientada Voltaram para a comunidade
Ficou mais desesperada Dona Maria alegre da vida
Com a certeza que ela E Angélica era só felicidade.
Era a única errada
E se alguém soubesse da história Faltando três dias para casar
Iriam afirmar que ela não valia nada. Angélica estava preocupada
Em como fazer para sair da enrascada
Já era sete de junho Pois quando João descobrisse
E dia treze ela iria se casar Que de virgem não tinha nada
Como os seus sonhos tinham acabado Nas núpcias ela seria desgraçada.
Era desilusão para todo lado
Ela resolveu consertar Maria prestando atenção na filha
O que tinha feito de errado. Chamou-a para conversar
E lhe perguntou
Saiu do camarote O que estava a lhe atormentar?
E a sua mãe foi se juntar Já que em poucos dias
Sentou-se na beira da rede Ela iria se casar.
Na qual ela estava a deitar
Deu-lhe um beijo carinhoso Sem ter como fugir
E começou a desabafar. E o que inventar
Angélica resolveu a história contar
“Não vou mais ser fraca Pediu perdão a mãe
Nunca mais ao amor vou me entregar E com muita precisão
Cansei de ser bobinha Os fatos, começou a relatar.
Não sou mais uma menininha
Pra viver sonhando Dona Maria não querendo
E em fantasias acreditar. Ver sua única filha
Ser chamada de perdida
Chega de sofrer Falou par ela não se preocupar
Não quero mais chorar Pois ela tinha passado por isso
Prefiro morrer Sem seu pai nunca desconfiar.
A ter que novamente me humilhar
Vou dar a volta por cima Acariciando a filha começou a aconselhar
E tratar de me casar.” “Preste bem atenção no que eu vou te
falar
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PREMATURO HERANÇA DO BOTO
Homem é tudo igual, só muda de lugar E descobriu de quem a safadeza ela
Prometem tudo, até seu desejo saciar herdava.
Também amei um rapaz
Que só quis me engravidar”. O dia tão esperado chegou
Na comunidade era só animação
Sumiu no mundo Uns tratavam do casório
Foi pra nunca mais voltar Outros da festa do santo de devoção
E José, seu pai, que queria comigo casar Só Angélica que além do casamento
Acreditou na minha estória me desposou Pensava em como ludibriar João.
No mesmo dia fizemos amor
E aqui estamos a conversar. O noivo nervoso
Com Angélica começou a conversar
Na vida nada vem de mão beijada Pediu permissão a ela
Temos é que ser valorizadas Para uma pinga tomar
E aprender com nossos erros Ela disse que ele podia tudo
E nunca mais fraquejar E que era dia de festejar.
Mas não se avexe
E faça direitinho o que vou lhe falar. Com a festa correndo solta
Chegou a hora de casar
Então ela começou a filha ensinar Todos estavam felizes
“Filha, preste atenção pra não errar Era o que dava pra notar
Logo pela manhã quando acordar Os noivos vestidos a caráter
Pegue duas lascas da casca de uixi Disseram sim em frente ao altar.
Duas lascas da casca árvore do caju açu
E três da árvore do taperebá. Querendo sozinho com a noiva ficar
João pediu para se retirar
E em cinco litros de água Mas foi impedido por José
Leve ao fogo até borbulhar Que querendo comemorar
Depois passe em um pano fino Abraçou João dizendo
Desse de cueiro de menino “Agora é que a festa vai começar”.
Coloque em uma cuia-péua
E deixe no sereno descansar. João nem tentou recusar
Como já tinha tomado umas
No dia do casamento Pediu para Angélica lhe perdoar
Quando for se banhar E que ela fosse se preparando
Derrame a mistura em uma bacia Que por tudo que era santo
Com pedra ume e um pouco de água fria Naquela noite mulher ela iria se tornar.
E por uns quinze minutos
Deixe de molho suas partes ficar. Colocando o plano em ação
Angélica foi pro quarto se arrumar
A virgindade não vai voltar Seguindo os ensinamentos da mãe
Mas quando João for tê-la como esposa Com a mistura as partes tratou de lavar
Vai ter que fazer força Como mulher engana até o cão
Para seu desejo realizar Deitou-se na cama para o esperar.
Você vai ficar como veio ao mundo
E ele nem vai desconfiar. Ela apreensiva
E ele nada de chegar
Atenta a que Maria ensinava Foi quando pensou
Angélica começou a gargalhar “Como vou fazer pra sangrar?
Sua mãe ficou espantada Tem que ser verdadeiro
Mas ela disse não ser nada Para ele não desconfiar”.
É que ela achava ser a única errada
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PREMATURO HERANÇA DO BOTO
Sem tempo para planejar E ela estava a li esperar
Ela resolveu improvisar Pois era a primeira de muitos
Foi às pressas até a cozinha Que juntos iriam desfrutar.
Encontrou resto de sangue de galinha
Colocou entre suas partes e a calcinha Depois do café da manhã tomar
E voltou para se deitar. João tentou se desculpar
Mas Angélica deu-lhe um beijo
Embriagado chegou João E o convidou para cama voltar
Foi logo deitando Querendo a amada agradar
Cheio da boa intenção Ele aceitou e voltaram a se amar.
E no corpo da amada
Que estava toda perfumada A vida era só felicidade
Passando a mão. Não tinha hora pra sacanagem
Era só dar vontade
Ela com o plano a executar Lá estavam os dois na vadiagem
Pediu pra lamparina apagar Dez dias se passaram do sim no altar
E que fosse gentil com ela E a lua de mel nada de passar.
Pois ela era uma pura donzela
E para não a traumatizar Até que Angélica depois de muito amar
Que ele a possuísse devagar. Reclamou que suas partes doíam
E que já tinha passado do dia
Sem muito pensar De ela menstruar
Querendo de macho pousar Ele a abraçou e no seu ouvido
Como um desesperado Começou a sussurrar.
Ele a possuiu como um desvairado
Dando veracidade “Obrigado por ser minha esposa
Ao que ela tinha planejado. Obrigado por me amar
Obrigado por ser sincera
Depois de se realizar E tudo a mim confiar
João nem procurou se lavar Esse sangue que não veio
Exalando um bafo de cana desgraçado A nosso filho deu lugar”.
Cumpriu seu papel de macho
Virou-se para o lado Depois de sussurrar
E roncou até o dia clarear. De alegria pôs-se a gargalhar
Ela fingindo inocência
De manhã ao acordar Começou a questionar
Ai que João foi observar “Eu lhe conto meus problemas
Manchas de sangue em suas partes E você não quer me ajudar”.
E no lençol que estava a li embrulhar
Envergonhado pelo seu ato impensado Ele pediu para ela se acalmar
Pegou o pano e foi lavar. Que era da natureza da mulher
Ela podia fazer o que quisesse
No seu primeiro dia como marido Mas só com nove meses iria passar
João se sentia arrasado Ela seria uma linda mãe
Pois sua atitude tinha sido E ele o homem mais feliz do lugar.
Não de um homem casado
Mas de um cafajeste Alegre por seu plano dar certo
Que a esposa tinha maltratado. E João não desconfiar
Ela continuou com a farsa
Foi quando escutou Sendo uma esposa exemplar
Angélica seu nome chamar A vida era só felicidade
O desjejum estava pronto Até o ciclo de gestação completar.
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João ficou espantado com tal afirmação
O tempo que é senhor da razão E exigiu do padrinho explicação
E não costuma ninguém enganar Firmino que já tinha apadrinhado
Ao completar nove meses da gestação Vários casais na região
Ela sentiu contração Pediu para ele relevar
Deu à luz a um varão Pois era força de expressão.
Branquinho como luar.
Sacana como ele só
João não conseguiu disfarçar Firmino continuou a aconselhar
Sua cabeça parecia pesar “Acalme-se afilhado
Além de ser branquinho Não vá se exaltar
Seu filho nasceu adiantado Pense na sua família
Pelo menos dez dias Não se importe com o que estão a falar.
Do tempo que ele tinha marcado.
Se perguntarem pelo Joãozinho
Nas contas de João Por que ele é branquinho?
Que contava o início da gestação Diga que ele nasceu na lua cheia
Com a data de sua união Sua mãe desejou leite à gestação inteira
Seu filho poderia não se criar E os avós de Angélica
Pois criança de oito meses, Eram de descendência estrangeira.
A idade adulta pode não chegar.
E por lá, criança já nasce querendo pular
João que se dizia garanhão E Joãozinho que não nega a raça
Mas era panêma por convicção Já nasceu fazendo graça
Com medo de ficar solteiro Veio antecipado
Aceitou a situação Mostrando o quanto é danado
Mas o povo que adora fofocar Sendo por outros invejado no lugar.
De prematuro a cria de João passaram
chamar. Sei que vão querer questionar
Mas pelo menos vai ter o que falar
E a cor dele também passou a incomodar Não vai ficar envergonhado e calado
Angélica morena clara Choramingando feito curumim rejeitado
E João, moreno escuro, típico do lugar Mostre o quanto é macho
O curumim branquinho Afinal, o seu padrinho está sempre a seu
Nascido antes do tempo lado”.
Não era pra desconfiar?
Sem ter a quem recorrer
De tanto o povo comentar Para sua angústia curar
Com o padrinho de casamento João que já estava desnorteado
João foi se aconselhar Resolveu para sua casa voltar
Ele estava desconfiado Onde seu José e Dona Maria, arquiteta do
Pois além de branquinho plano,
Seu filho nasceu antecipado. Estavam a lhe esperar.

Firmino, o padrinho, escutou a tudo Duvidando da própria sombra


E começou o aconselhar E não querendo com ninguém conversar
“Afilhado, pare de se preocupar João pediu para que os dois se
É inveja de quem não tem com o que se retirassem
ocupar Que ele precisava ficar a sós com a
Só porque você casou esposa
Com a mais gostosa do lugar.” E saber da sua própria boca
Se ela não tinha nada a lhe contar.
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PREMATURO HERANÇA DO BOTO
Benzedeira e mãe de santo do lugar.
Querendo o casamento de sua filha
salvar José não soube explicar
Dona Maria danou-se a chorar Mas ela já estava a esperar
Implorando por tudo quanto era Disse ela que sentia
santidade E chegava a se arrepiar
Que João não pensasse maldade Que um boto vermelho
E para a família não cair em desgraça Queria minha filha encantar.
O que ela tinha para falar ele escutasse.
Ela chegou, pegou tição no fogão
Mesmo desconfiado Uma porção de malagueta
João se fez de brabo Folhas de sacaca e pião
Com uma cara de quem quer brigar Uma mecha do cabelo de Angélica
Sentou-se ao lado da sogra Colocou tudo em uma panela
E falou com tom de enraivada: E fez defumação.
“Conte o que tem pra contar”.
Não demorou a febre baixou
Com astúcia de quem sabe inventar Ela parou de delirar
Dona Maria deu uma olhada para José e O boto se acalmou
começou a falar Parou de boiar e assoviar
“De mim, você pode até duvidar Tudo voltou a o normal
Mas juro que é verdade E minha filha pôde enfim descansar.
Pela minha felicidade
Tudo isso que vou lhe contar. Raimunda terminou seu trabalho
Benzeu minha filha
Angélica dês de pequena foi linda Com um dente de alho
E se banhou na beira do rio mar Arrumou seus utensílios
Eu sempre a aconselhei E antes de ir
Filha quando o boto boiar e assoviar Encheu-me de ralho.
Não brinque não responda
Que ele vai querer te encantar. Desculpe-me de antes não lhe contar
É que eu tinha medo
Parece que eu estava a adivinhar De você não acreditar
Era fim de maio estavas prestes a casar E como lhe conheço
Foi marcada a data do casamento Brabo do jeito que é
Você saiu pra comemorar Você não iria mais querer casar.
Angélica pegou a cuia
E foi a o rio se banhar. João abraçou sua sogra
Pedia para ela lhe perdoar
Nesse dia o boto assoviou Pois ele estava desesperado
Ela inocente respondeu E não sabia em quem confiar
Nem ela mesma sabe o que aconteceu Se não fosse ela a verdade lhe contar
Mas com certeza Deus a protegeu Dificilmente em outro ele iria acreditar.
Ela voltou triste pra casa
E o desgraçado boiava no rio fazendo A vida voltou ao normal
graça. Mas o povo sempre a comentar
Dona Maria nunca negou
À noite com muita febre E de tanto afirmar
Ela começou delirar A mentira virou verdade
Falava que o boto queria lhe levar E é contada até hoje no lugar.
Desesperada mandei José se apressar
E chamar Raimunda minha amiga Enquanto houver mente fértil
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PREMATURO HERANÇA DO BOTO
E o Amazonas correr para o mar
Sempre haverá histórias
E alguém para relatar
Só não conte a sua a ninguém
Que em livro pode se tornar.

Esse erro eu cometi


E não vou negar
Arrependo-me até hoje
Só de lembrar
E o meu amigo ainda falou
Que era pra me homenagear.

Um amigo como esse


E bom nem lembrar
Minha vida virou piada
Motivo para gargalhar
Sou Prematuro, “herança do boto”
E essa é minha história particular.

FIM

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