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TEOLOGI A DA
AS ESCRITURAS
COMO PALAVRAS DEVIDA
VIDA NOVA
Com seu tratamento da identidade, da natureza e do papel da Bíblia na eco
nomia divina da salvação e da revelação, esse livro é um divisor de águas. Ele
apresenta uma teologia bíblica das Escrituras, a relação entre a Bíblia e Deus
como Trindade, doutrinas essenciais sobre as Escrituras e uma teologia prá
tica da leitura e pregação da Bíblia. Ele nos mostra como nossa adoração fiel
a Deus não pode deixar de fora uma profunda atenção às Escrituras. Uma
grande contribuição para o catálogo da IVP. Graças a Deus por ele.
Peter Adam, diretor da Ridley Theological College, Melbourne
Sensato, lúcido, inovador, incisivo e, acima de tudo, fundamentado nas
Escrituras, esse é um livro espetacular. Durante sua leitura, várias vezes
minhas ideias foram aperfeiçoadas e ganharam em precisão.
Julian Hardyman, pastor titular da igreja Eden Baptist Church,
Cambridge
Um tratamento sofisticado da doutrina clássica das Escrituras Sagradas,
esse livro baseia-se principalmente na sabedoria teológica da tradição
reformada. Um ponto forte que nele se destaca é a maneira como o autor
elabora sua explanação da Escritura a partir da própria Escritura, em
especial de seu caráter como livro de aliança. Teologia da revalação é bem
escrito, bem conduzido, inteligente e sensato.
Paul Helm, professor emérito da University of London
Esse livro é notável e demonstra o vínculo necessário entre a Palavra de
Deus e o Espírito de Deus para a consecução da obra dele. Valendo-se
de uma pesquisa histórica de longo alcance e de aplicações atualizadas
para nossos dias, ele aprofunda nossa confiança na autoridade e na com
petência da Bíblia ao lidarmos com seu conteúdo. E um livro que reno
va nossa certeza de que a Bíblia está na vanguarda da revitalização e do
crescimento do cristianismo.
David Jackman, ex-presidente do The Proclamation Trust
Temos aqui uma excelente leitura e uma obra de erudição superlativa.
Seu alcance é amplo, sua consciência histórica é profunda e sua crítica é
incisiva. Ele reverencia o passado sem o idolatrar, bebe moderadamente
da moderna teoria da fala, apresenta uma fina percepção da relação entre
Escritura e tradição e oferece uma avaliação sensata da questão da iner-
rância. Livro-texto e deleite em um só volume!
Donald Macleod, diretor da Free Church College, Edinburgh
O tratamento que Timothy Ward dá à natureza e ao papel da Bíblia é
bem fundamentado, fruto de profunda ponderação. Esse livro é produ
to de uma percepção atual caracterizada por um espírito alerta, por um
discernimento teológico de alto grau e por um juízo pessoal maduro.
Dificilmente um livro sobre esse assunto me desperta tanta admiração e
me leva a concordar com tamanha ênfase.
J. I. Packer, professor de Teologia da Regent Theological College,
Vancouver
Finalmente um texto de referência sobre a doutrina da Escritura concebi
do com brilhantismo, preocupado com questões acadêmicas e escrito com
grande beleza. Tim Ward se sai muito bem porque tem o cuidado de lan
çar os fundamentos bíblicos e teológicos de seu tema antes de partir para
o exame das categorias doutrinárias tradicionais. Sua discussão da iner-
rância, do sola Scriptura e da pregação vale a leitura e estimula o pensa
mento. Essa é, sem dúvida, uma importante contribuição para a literatura.
Jonathan Stephen, diretor da Wales Evangelical School of
Theology, País de Gales
Faz anos que espero uma publicação que dê um tratamento convincente
e atualizado à natureza e à autoridade da Escritura. Diante de cada novo
livro promissor, eu pergunto: “Tu és aquele que deveria vir, ou devemos
esperar outro?”. Esse livro de Ward pode ser o que eu esperava. Teologia
da revelação acerta ao fundamentar suas ideias na doutrina de Deus, ou
seja, na teologia trinitária. Esse é seu pensamento central: a Palavra de
Deus é algo que Deus faz. A Bíblia não é simplesmente um objeto de
estudo, mas o grande veículo pelo qual o Senhor arregimenta seu povo e
administra sua aliança. Seu hábil tratamento da questão da inerrância é
uma boa surpresa. Recomendo com grande entusiasmo!
Kevin Vanhoozer, professor pesquisador de Teologia Sistemática
daTrinity Evangelical Divinity School
— T E O L O G I A DA —
REVELAÇÃO
A SSO O A C A O ^ ^ ^ ^ ^ ^ T O SR H T O G R Á FtC O S
Ward, Timothy
Teologia da revelação: as Escrituras como palavras de vida /Timothy
Ward; tradução de A. G. Mendes. - São Paulo : Vida Nova, 2017.
224 p.
ISBN 978-85-275-0742-4
Título original: Words o f li fe : Scripture as the liv in g a n d active
Word o f God
1. Bíblia: Inspiração
TIMOTHY WARD
— T E O L O G I A DA —
REVELAÇÃO
AS ESCRITURAS
COMO PALAVRAS DE VIDA
Tradução
A. G. Mendes
□i
VIDA MOVA
®2009, de Timothy Ward
Título do original: Words ó f life: Scripture as the liv in g a n d a ctive Word o f God,
edição publicada pela I n t e r -V a r s i t y P r e s s (Nottingham, Inglaterra).
l . a edição: 2017
D i r e ç ã o e x e c u t iv a
G e r ê n c ia e d it o r ia l
E d iç ã o de texto
Robinson Malkomes
R e v is ã o da tradução
Mareia B. Medeiros
P reparação de te x to
Larissa B. Medeiros
R e v is ã o de pro vas
Ubevaldo G. Sampaio
G e r ê n c ia d e p r o d u ç ã o
D ia g r a m a ç ã o
Catia Soderi
C apa
Souto Crescimento de Marca
SUMÁRIO
A gradecim entos..............................................................................................9
R e su m o ................................................................................................ 215
'John Barton, People o f the Book? The authority o f the Bible in Christianity
(London: SPCK, 1988), p. 81, 83.
14 Teologia da revelação
fica muito claro para o crente por que exatamente a Bíblia deve ser
tão central para a fé e, sobretudo, como é possível preservar essa
centralidade sem que isso a leve a tirar a atenção de Cristo, tornan
do-se assim um foco idólatra de adoração.
De fato, se conversarmos sobre a Bíblia sem estruturar clara
mente o que dizemos sobre ela em torno das grandes doutrinas de
Deus, de Cristo e do Espírito, observaremos duas coisas lamentá
veis. Em primeiro lugar, a doutrina da Escritura pode começar a
ganhar contornos de prefácio ou apêndice às doutrinas centrais da
fé cristã expressas nos grandes credos da igreja. Nesse caso, pode
parecer facilmente dispensável. (A maioria dos livros, afinal de con
tas, perde pouco de sua substância se for privada de seus prefácios e
apêndices.) A doutrina da Escritura certamente não é dispensável,
mas os evangélicos podem, às vezes, ao contrário de suas intenções,
fazer parecer que seja. Essa é uma opção bastante atraente para os
que têm uma experiência dolorosa resultante das polêmicas entre
evangélicos sobre a natureza da Escritura e que, por causa disso,
passaram a achar que, de modo geral, a ênfase em detalhes doutri
nários acerca da Escritura leva a uma diminuição gradual da pre
sença de Cristo na vida do cristão. É também atraente para aqueles
cristãos que desejam permanecer em grande medida ortodoxos em
seu entendimento de Deus, mas que discordam da doutrina orto
doxa da Escritura.
A segunda conseqüência lamentável de uma doutrina da
Escritura isolada de outros ensinamentos centrais da fé cristã, e da
estrutura narrativa da Escritura como um todo, é que ela pode se tor
nar uma doutrina aparentemente empobrecida e esquálida, sem raí
zes profundas nas riquezas da glória do caráter e das ações de Deus.
Isso pode acontecer mesmo que a doutrina, analisada detalhe por
detalhe, seja impecavelmente ortodoxa e bíblica. Até os que desejam
de coração preservar essa doutrina poderão percebê-la mais como
um acessório teológico interessante e necessário e não como parte da
20 Teologia da revelação
Isso não significa que eles concordem uns com os outros em todos
os detalhes; tampouco devem ser seguidos de modo servil em
todos os pontos, uma vez que, como nós, eram falíveis.Também não
estou insinuando que nada de importante a respeito da Escritura
foi escrito depois da década de 1950; os textos de J. I. Packer,
por exemplo, ajudaram muita gente a compreender a doutrina
evangélica da Escritura nas últimas décadas e a se comprometer
com ela. Contudo, os livros desses quatro teólogos mais antigos
nos apresentam alguns pontos altos da história cristã no que se
refere à explicação e à defesa da doutrina evangélica da Escritura.
Portanto, em nossos dias estaremos em situação de carência para
lidar com a Escritura e com os desafios contemporâneos que se
colocam diante dela, se não estivermos alicerçados no pensa
mento de pessoas como as mencionadas acima.
De modo geral, portanto, este livro pretende descrever a natu
reza e a função da Escritura em termos explicitamente bíblicos
e teológicos, bem como doutrinários. Proponho-me a oferecer
uma estrutura da doutrina da Escritura em estrita conformidade
com o melhor das tradições teológicas que chegaram até nós, cuja
expressão seja também adequada para o século 21. Se isso levar o
leitor a se sentir ajudado a compreender com mais profundidade
as ações de Deus na Escritura e por meio dela, e assim adorar ao
Deus da Bíblia com mais segurança e alegria, meus propósitos
terão sido alcançados.
1
DEUS E AS ESCRITURAS:
UMA PERSPECTIVA BÍBLICA
O Novo Testamento
Passando para o Novo Testamento, a relação entre as palavras de
Cristo e a ação de Deus será delineada posteriormente neste capí
tulo. Contudo, neste ponto podemos dar dois exemplos do ensino
neotestamentário sobre a ação de Deus na salvação. Em primeiro
lugar, a teologia protestante ortodoxa muitas vezes identifica um
aspecto do ato divino de salvação em que Deus declara o pecador
justo aos seus olhos. Esse ponto é tradicionalmente desenvolvido
no tópico “justificação” com o objetivo de deixar claro que Deus
nos restaura em um relacionamento adequado com ele mesmo
antes de qualquer mudança de fato em nosso estado espiritual, e
não depois dessa mudança ou simultaneamente a ela. Conforme
diz o apóstolo Paulo, “Cristo [morreu] por nós quando ainda éra
mos pecadores” (Rm 5.8). Deus institui, por sua declaração, uma
mudança fundamental em nossa posição diante dele antes de
concretizar, pelo envio do Espírito Santo, uma mudança real em
nosso estado pecaminoso. Aqui existe um visível paralelo com os
relatos de Gênesis a respeito dos atos de criação de Deus discu
tidos acima. Deus não declara sua intenção de nos tornar santos
30 Teologia da revelação
sobre a linguagem humana, faz todo sentido supor que ela tenha
a capacidade de falar sobre Deus, pois nos foi dada por um Deus
que fala dentro de si mesmo como três pessoas eternas, e também
porque nossa fruição da linguagem, como criação à imagem de
Deus, é análoga à capacidade de comunicação divina. Deus pode
fazer com que nossa linguagem fale dele com propriedade porque
tem sua origem nele e, de certo modo, assemelha-se à linguagem
divina. A Queda torna isso mais problemático, é claro, mas o
pecado não apaga da humanidade a imagem de Deus e, portanto,
não destrói a capacidade da linguagem humana de falar com
propriedade sobre Deus.
Ao longo de toda a vida de Moisés, em especial, Deus lhe
dá palavras para falar ao restante do povo de Israel que, embora
transmitidas por um homem em linguagem comum, devem
ser identificadas também como palavras de Deus. Esse princí
pio geral do discurso profético é expresso com veemência em
Deuteronômio 18.15-20, em que Deus promete enviar um profeta
depois de M oisés: “... lhe porei na boca as m inhas palavras...”
(v. 18). O início do livro de Jeremias oferece um exemplo excelente
da completa identificação das palavras do profeta com as palavras
de Deus. Deus diz a Jeremias: “Ponho as minhas palavras na tua
boca. Olha, no dia de hoje te estabeleço sobre as nações e sobre os
reinos, para arrancares e derrubares, para destruíres e demolires,
e também para edificares e plantares” (Je 1.9b,10). Jeremias é
escolhido por Deus para que tenha poder sobre nações e reinos,
mas esse poder vem unicamente através das palavras divinas que
Deus pôs em sua boca. Somente Deus tem esse poder sobre as
nações. Jeremias, como porta-voz que o representa, recebe o
mesmo poder apenas no sentido de que fala as palavras que lhe
foram dadas por Deus — palavras que, portanto, podem executar
o que Deus planejou que executassem. Jeremias falará simples
palavras humanas em uma linguagem humana comum. Deus não
42 Teologia da revelação
6Gordon McConville, “Divine speech and the book of Jeremiah”, in: Paul
Helm; CarlTrueman, orgs., The trustworthiness o f God:perspectives on the nature
ofScripture (Leicester: Apollos, 2002), p. 25-6.
Deus e as Escrituras: uma perspectiva bíblica 43
'Ibidem, p. 32,37.
8Herman Bavinck diz: “palavra e fato, as dimensões religiosas e históri
cas, o que foi falado por Deus e o que foi falado por seres humanos estão de
tal modo entrelaçados e emaranhados que é impossível separá-los. As partes
históricas das Escrituras são também revelação de Deus” (Herman Bavinck,
“Prolegomena”, in: John Bolt, org., Reformed dogmatics, tradução para o inglês
de John Vriend [Grand Rapids: Baker, 2003], vol. 1, p. 438).
44 Teologia da revelação
O que estava com o Pai e agora foi revelado em Cristo (o que João
chama aqui de “Verbo da vida [...] a vida eterna”) inclui, conforme
ele descreve, as ações e as palavras de Cristo.
uVeja,e.g.,DonaldA.Hagner,M«#ifeTO-Z^—.2<í,WordBiblicalCommentary
33B (Dallas: Word, 1995), p. 744-5.
52 Teologia da revelação
12John Goldingay apresenta uma análise lúcida dos diferentes sentidos da
dos à expressão “cânon dentro do cânon” (Theological diversity and the authority o f
the OldTestament [Grand Rapids: Eerdmans, 1987], p. 122-7).
Deus e as Escrituras: uma perspectiva bíblica 53
Ainda tenho muito que vos dizer; mas não podeis suportá-lo
agora. Quando, porém, vier o Espírito da verdade, ele vos con
duzirá a toda a verdade. E não falará de si mesmo, mas dirá o
que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir. Ele me
glorificará, pois receberá do que é meu e o anunciará a vós. Tudo
quanto o Pai tem é meu; por isso eu vos disse que ele, recebendo
do que é meu, o anunciará avós (Jo 16.12-15).
Santo tem lugar nas Escrituras à medida que ela é lida e à medida
que a igreja, desse modo, constata que Deus se dirige a ela por
meio de sua Palavra escrita no poder do' Espírito? Esta últim a
resposta é sugerida pela aplicação de João 16.12-15 apenas à
comunidade apostólica.
Outra evidência bíblica de que essas palavras de Jesus deviam
ser limitadas aos apóstolos é o fato de que os escritos posteriores
do Novo Testamento, de modo especial, apontam de forma cons
ciente para a proximidade do encerramento dos escritos canônicos.
Portanto, as epístolas pastorais, que se acham visivelmente à porta
do período pós-apostólico, caracterizam-se não por prescrições aos
futuros líderes para que permaneçam receptivos a quaisquer pala
vras que Cristo continue a enviar do Pai pelo Espírito. Seu foco, pelo
contrário, consiste em instruir a geração de líderes pós-apostólicos a
preservar e a transmitir fielmente o evangelho já transmitido pelos
apóstolos (e.g., 2Tm 2.2; 3.14). De igual modo, o livro de Apocalipse
chega ao fim encerrando a perspectiva de uma extensão através de
outras revelações verbais com autoridade de Escritura (Ap 22.18).
A perspectiva bíblica apresentada neste capítulo pode ser
resumida de modo muito simples. Deus escolhe se apresentar
a nós e a agir em nós por palavras humanas e através delas, cuja
origem está nele, palavras que ele identifica como suas. Quando
deparamos com elas, Deus age em nós, sobretudo pela promessa de
uma aliança conosco. Deus se identifica com seu ato de prometer
de tal modo que, para nós, encontrar a promessa divina é, em si
mesmo, encontrar a Deus. A forma suprema pela qual Deus vem ao
nosso encontro em sua promessa de aliança são as palavras da Bíblia
toda. Portanto, en con trar as p a la vra s das E scrituras é en con trar D eus
em ação. Essa perspectiva bíblica será o fundamento sobre o qual
os demais capítulos serão construídos e determinará a forma de
nossa doutrina das Escrituras.
2
mm
A TRINDADE E AS ESCRITURAS:
UMA PERSPECTIVA TEOLÓGICA
esses nomes, isso se explicará pelo fato de que, por ora, meu pro
pósito é permanecer fiel às formas, conceitos e termos bíblicos,
evitando assim entrar muito depressa em definições doutrinárias,
por mais provadas, consagradas e verdadeiras que possam vir a ser.
A redenção e as Escrituras
“... serei o vosso Deus, e vós sereis o meu povo” (Lv 26.12). Essa
é a forma mais direta pela qual Deus expressa o relacionamento
redentor que estabelece com seu povo. Trata-se de um relaciona
mento de aliança firmado por meio de uma promessa. Em toda
a Bíblia, “aliança” é a descrição mais abrangente e importante
7Os grandes textos da teoria dos atos de fala que exerceram influência
sobre a teologia são os seguintes: J. L. Austin, How to do things w ith words,
2. ed. (Oxford: Claredon, 1975) [edição em português: Quando dizer éfaz er:
palavras e ação (Porto Alegre: Artes Médicas, 1990)]; John R. Searle, Speech
acts: an essay in the philosophy o f language (Cambridge: Cambridge University
Press, 1969) [edição em português: Os actos de fa la : um ensaio de filosofia da
linguagem (Lisboa: Livraria Almedina, 1984)]; Expression andm eaning: studies
in the theory o f speech acts (Cambridge: Cambridge University Press, 1979)
[edição em português: Expressão e significado: estudos da teoria dos atos de fala,
tradução de Ana Cecilia G. A. de Camargo; Ana Luiza Marcondes Garcia
(São Paulo: Martins Fontes, 1995)]. São os seguintes, entre outros, os teólogos
e estudiosos bíblicos que recorreram a essas obras: Anthony Thiselton, Kevin
Vanhoozer e Francis Watson. O que se segue aqui é extraído principalmente da
obra criativa do filósofo e teólogo Nicholas Wolterstoríf em D ivine discourse:
philosophical reflections on the claim that God speaks (Cambridge: Cambridge
University Press, 1995). A teoria dos atos de fala, naturalmente, é um campo
diversificado. Veja uma análise teológica de seu desenvolvimento de Austin
a Searle e Wolterstoríf em Timothy Ward, Word and supplement: speech acts,
biblical texts, and the suffciency o f Scripture (Oxford: Oxford University Press,
2002), p. 75-105. Devo esclarecer aos leitores com algum conhecimento da
teoria dos atos de fala que considero a exposição de enfoque ético dessa teoria
por Nicholas Wolterstoríf, que analisa a fala como ela é no mundo real, muito
mais verdadeira e frutífera para fins teológicos do que a abordagem filosófico-
analítica bastante distinta de John Searle. Portanto, sempre que me refiro neste
livro à “teoria dos atos de fala” tenho em mente a variante de Wolterstoríf e
não a teoria de Searle.
A Trindade e as Escrituras: uma perspectiva teológica 69
ações passam a ser uma extensão de nossa pessoa nas relações com
os outros. Isso é extremamente difícil de. descrever filosoficamente
(ainda bem que nosso objetivo aqui não é esse!), mas parece sen
so comum para qualquer um que viva no mundo real e reflita um
pouco sobre o modo pelo qual a linguagem atua em nosso dia a dia.
Acima de tudo, é claro, isso se encaixa perfeitamente com o que vi
mos no capítulo anterior sobre a relação íntima nas Escrituras entre
Deus, suas ações e suas palavras. Isso obviamente não significa que
os leitores da Bíblia tenham se dado conta desse aspecto somente
quando os teóricos dos atos de fala fizeram a gentileza de apontá-
-lo aos teólogos agradecidos. O fato é que os conceitos que estamos
tomando emprestado da teoria dos atos de fala podem nos ajudar
a perceber com muito mais clareza um aspecto das Escrituras que
nem sempre foi bem exposto nas descrições de sua natureza e de
seu conteúdo propostas pelas diversas ramificações do pensamento
cristão, incluindo o pensamento evangélico.
Desse ponto de vista, fica claro que colocar as p a la vra s de uma
pessoa que pratica determinadas ações em pé de igualdade com
as ações dessa pessoa é, na verdade, fazer plena justiça à natureza
da linguagem e da ação conforme o plano de Deus. Portanto, o
contrário, isto é, distanciar acentuadamente as ações de uma pes
soa de suas palavras é violentar a própria linguagem. Pior que isso,
essa atitude deprecia a condição da pessoa como ser que age, se
relaciona e que (em condições normais) merece que confiem em
sua palavra. Separar-me demais de minhas palavras é o mesmo que
insuflar um ataque contra mim como pessoa, sob o falso argu
mento de que me faltam a responsabilidade de ser verdadeiro em rela
ção à minha palavra e o direito de que acreditem em mim com
base nela. Isso se aplica aos seres falantes criados à imagem de Deus.
Conforme vimos no último capítulo, aplica-se também a Deus —
à imagem de quem, isto é, de um Deus que fala, fomos criados
— , quando ele decide agir de maneira redentora em seu mundo
72 Teologia da revelação
A revelação e as Escrituras
A perspectiva bíblica apresentada no capítulo anterior levou à
conclusão de que há relações muito íntimas entre as palavras de
Deus, suas ações e o próprio Deus. Fiz referência ao relato do
Antigo Testamento segundo o qual aquele que tocasse a arca
da aliança de forma inadequada incorreria na ira divina, porque
em certo sentido as palavras escritas nas tábuas de pedra eram
uma forma da presença de Deus no meio de seu povo. E aqueles
que rejeitavam a proclamação apostólica do evangelho de Cristo
ficavam, por causa disso, sujeitos à condenação divina, porque
ao rejeitar essas palavras eles estavam rejeitando a Deus. De
igual modo, ouvir as palavras de Cristo era ouvir diretamente
o discurso divino. Segue-se que falar das Escrituras como livro
da aliança, forma constante pela qual Deus repete sua promessa
de aliança no mundo, deve nos levar a falar das Escrituras como
uma forma da presença de Deus no mundo. Em outras palavras,
a ideia hoje disseminada de que as Escrituras não são em si
mesma revelação, devendo ser consideradas em vez disso simples
testem unha da revelação, demonstra ser uma reflexão inadequada
A Trindade e as Escrituras: uma perspectiva teológica 73
1SA melhor análise dessas questões, com uma resposta cristã de peso, está
em Vanhoozer, Is there a meaning?
A Trindade e as Escrituras: uma perspectiva teológica 79
16E claro que, de fato, nem mesmo os dicionários dão o sentido fixo das
palavras. Eles apresentam um arquivo selecionado de palavras conforme as
acepções na vida real (como deixam claro os grandes dicionários por meio de
citações), dentre as quais o leitor deve escolher a palavra no contexto específico
em que deseja compreendê-la.
80 Teologia da revelação
17Para que não se pense que estou dizendo que Deus está presente na
força ou na intenção das Escrituras, mas não em suas proposições, devo enfa
tizar que todo ato de fala é constituído tanto de “força ilocucionária”(termo do
ato de fala que se refere ao que está sendo feito através das palavras) quanto de
conteúdo propositivo (o que está sendo dito nas palavras).Trata-se de abstrações
da realidade unificada de um ato de fala. Portanto, no caso das Escrituras,
Deus está semanticamente presente em ambos. Isso será importante mais à
frente, quando discutirmos a ;nerrância bíblica.
18Veja uma útil exposição desse pensamento essencial aos interesses
dos reformadores protestantes, sobretudo Calvino, em Carl Trueman, “Tfcie
God of unconditional promise”, in: Paul Helm; Carl Trueman, orgs., The
trustiuorthiness o f God: perspectives on the nature o f Scripture (Leicester: Apollos,
2002), p. 175-91.
A Trindade e as Escrituras: uma perspectiva teológica 81
19Veja também Atos 4.31; 6.2; 8.4,14 (extraído deJ.I. Packer, “Fundamentalism’
and the Word o f God [London: Inter-Varsity, 1958], p. 42).
A Trindade e as Escrituras: uma perspectiva teológica 83
21J. I. Packer, God has spoken, 2. ed. (London: Hodder & Stoughton, 1993),
p. 72 [edição em português: Havendo Deus falado: uma seqüência do clássico O
conhecimento de Deus (São Paulo: Cultura Cristã, 2009)].
22Donald MacLeod, A fa ith to live by: understanding Christian doctrine
(Fearn: Mentor, 1998), p. 14.
23Francis Turretin, Institutes o f elenctic theology, tradução para o inglês
de George Musgrave Giger, edição de James T. Dennison, Jr. (Phillipsburg:
Presbyterian & Reformed, 1992), vol. 1, First through tenth topics, 2.2.12.
24Bavinck, Reformed dogmatics, vol. 1, p. 380-1.
86 Teologia da revelação
delas, mas também porque suas palavras são suas ações, pala-
vras-ações presentes da Palavra.
Contudo, ao fazer essa declaração particularmente extraordinária,
é claro que não estamos dizendo (como jamais foi dito com serie
dade) que Cristo e a Bíblia são “Palavra de Deus” exatamente no
mesmo sentido. Minhas palavras, e as ações que realizo por meio
delas, identificam-se comigo — em certo sentido; todavia, é claro
que minhas palavras não são idênticas a mim, mas (num sentido
difícil de definir, mas real e verdadeiro) saem de mim como extensão
de meu eu em relação aos outros. Portanto, também as Escrituras
estão relacionadas à pessoa de Cristo, como veículo de sua ação no
mundo e da apresentação que ele faz de si mesmo a nós, de um
modo tão fundamental que podemos nos referir tanto a ele quanto
à Escritura como “Palavra”. Mas, ao dizer isso, não confundimos
necessariamente a pessoa com o livro. Um livro não é uma pessoa, e
uma pessoa não é um livro; nesse fato bastante óbvio encontram-se as
salvaguardas necessárias para uma adequada disposição mútua entre
“Cristo como Palavra” e a “Bíblia como Palavra”.
A Palavra é primordialmente a pessoa de Cristo. As Escrituras
falam dele em termos objetivos; ele é a “Palavra da vida” (IJo 1.1,
NVI). Cristo é aquele em quem a pessoa do Filho se encarnou
em uma união exclusiva de duas naturezas, a divina e a humana.
Concebido de maneira sobrenatural, sofreu uma morte vicária,
ressuscitou fisicamente e subiu para estar à mão direita do Pai; nele
a vida do crente está escondida (Cl 3.3). E a ele que devemos nossa
devoção; é ele quem será exaltado na eternidade como Cordeiro
que foi morto para nossa redenção. Não há referência à Bíblia na
visão apocalíptica da nova criação, porque a habitação do Pai e
do Filho com a humanidade renovada será íntima o bastante, a
ponto de provavelmente tornar desnecessária as Escrituras para a
vida de relacionamento com Deus (Ap 22.3-5). A transitoriedade
das Escrituras, fato de que serve para nos colocar na condição de
A Trindade e as Escrituras: uma perspectiva teológica 87
25Ibidem, p. 381.
26Ibidem, p. 440.
88 Teologia da revelação
para que possamos lidar com essa relação profunda entre Cristo
como Palavra e as Escrituras como Palavra.
O que podemos dizer então sobre o receio de que por meio
desse tipo de doutrina das Escrituras venhamos a venerar as
Escrituras como “Palavra de Deus” de um modo que deprecie
Cristo como Salvador e Senhor? Em primeiro lugar, tudo o que
nos leva a defender a natureza ímpar da identidade de Cristo
é digno de louvor. Contudo, aqueles que expressam esse receio
têm muito provavelmente em vista o tipo de prática que parece
extrair um prazer perverso do debate em torno de detalhes secun
dários da interpretação bíblica, ignorando ao mesmo tempo o
ensino de Cristo, por exemplo, sobre o amor ao próximo. Isso
parece, conforme tantas vezes ressaltado, com o tratamento que
os fariseus davam às suas Escrituras (nosso Antigo Testamento),
e Cristo dirigiu algumas de suas condenações mais severas a
esse tipo de gente (M t 23, esp. v. 23,24). É claro que esse uso
das Escrituras pode ser visto nas igrejas evangélicas quando
alguém, por exemplo, com uma língua maldosa em particular,
mas com uma doutrina impecável em público, é nomeado para
um cargo de liderança na igreja, ou quando um tipo de pecado
(e.g., imoralidade sexual) é taxativamente condenado, ao mesmo
tempo que se faz vista grossa para outros pecados (fofocas ou
falta de hospitalidade).
Entretanto, a raiz desse triste problema não é uma doutrina defi
ciente das Escrituras. O que ocorre, pelo contrário, é que uma dou
trina correta acaba sendo aplicada apenas parcialmente à vida e ao
pensamento cristãos. Na realidade, costuma haver interpretações errô
neas de qual seja o objetivo do conteúdo das Escrituras. O pro
pósito divino nas Escrituras consiste em nos levar à verdadeira
devoção a Cristo, à obediência e ao amor por ele, com efeitos sobre
todas as áreas da vida e do pensamento. O objetivo das Escrituras
é também, conforme diz Bavinck reiteradas vezes, levar-nos do
A Trindade e as Escrituras: uma perspectiva teológica 89
As Escrituras e a encarnação
Os atos de fala das Escrituras podem ser Deus em ação por meio
da linguagem, mas são igualmente os escritos de seres humanos caí
dos vivenciando as realidades do mundo. Portanto, uma questão fun
damental que se deve propor é a seguinte: como devemos avaliar a
inter-relação das características divinas e humanas nas Escrituras?
Daremos uma resposta mais completa a essa indagação na próxima
30Trata-se de uma ironia, uma vez que um dos pontos fundamentais do li
vro de Webster acerta ao criticar aquelas vertentes da teologia protestante que
tratavam as Escrituras relativamente isolada das doutrinas de Deus e da reden
ção. Aliás, sob vários outros aspectos, seu livro analisa as Escrituras com sucesso
e profundidade, conforme ele deseja, como “sagrada”.
94 Teologia da revelação
31Para ser simples, vou me referir nesta seção a autores da Bíblia. Com
isso, estão incluídos quaisquer editores que depois trabalharam com o material
bíblico. O grau a que certos textos bíblicos podem ter sido submetidos a
processos editoriais de pequena escala não será nossa preocupação aqui.
A Trindade e as Escrituras: uma perspectiva teológica 95
Escrituras e o coração para que confie no que ele diz. Essas três
ações (tradicionalmente chamadas in spiração,preservação e ilu m i
nação) serão aqui analisadas.
32Calvino capta bem essa ideia ao dizer que os apóstolos escreveram “da
parte do Senhor, isto é, tendo por precursor o Espírito de Cristo” (John Calvin,
Institutes o f the Christian réligion, Library of Christian Classics, edição de
John T. McNeill, tradução para o inglês de Ford Lewis Battles [Philadelphia:
Westminster, 1960], vols. 20-21, 4.8.8) [edição em português: As institutas da
religião cristã (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1985)].
A Trindade e as Escrituras: uma perspectiva teológica 97
33Há quem diga que a doutrina das Escrituras de Warfield foi, de maneira
significativa, uma inovação e não representava verdadeiramente a doutrina dos
reformadores protestantes; e.g. JackB . Rogers; Donald K.McKim, lh e authority
and interpretation o f the Bible: an historical approach (San Francisco: Harper &
Row, 1979). Essa obra levou a uma refutação minuciosa e em grande parte bem-
sucedida de John D. Woodbridge, Biblical authority: a critique o f Rogers/McKim
proposal (Grand Rapids: Zondervan, 1982).
98 Teologia da revelação
38Heinrich Heppe, Reformed dogmatics: set out and illustratedfrom the sources,
revisão e edição de Ernst Bizer, tradução para o inglês de G. T. Thompson
(Grand Rapids: Baker, 1950), p. 14-21.
390 produto dessa tendência que mais costuma ser citado é a visão que
alguns passaram a defender — e que poucos defenderiam hoje — de que a
sinalização das vogais do texto hebraico do Antigo Testamento também foi
inspirada por Deus (veja ibidem, p. 19-20).
40Warfield, Inspiration and authority, p. 71-102.
100 Teologia da revelação
parece nada especial, uma vez que seu pápel não é falar, mas
mobilizar e encorajar, o que muitas vezes leva à afirmação de
que hoje também devemos im aginar Deus se comunicando e
“inspirando” as pessoas de modos semelhantes.42 Para outros, a
inspiração não diz respeito à Bíblia propriamente dita, nem à
ação de Deus ao produzi-la, mas se trata da experiência da igreja
conduzida à salvação pelas Escrituras. Portanto, afirma-se que
as Escrituras são “inspiradas” no sentido de que os cristãos as
consideram espiritualmente inspiradora.43Tais perspectivas têm
em comum o fato de que teologizam sobre “inspiração” sem
levar muito em conta estudos lingüísticos cuidadosos sobre o real
significado de 2Timóteo 3.16 e de outros versículos afins. Entre
as muitas conseqüências problemáticas de tais perspectivas,
identificamos a incapacidade de explicar claramente por que
o cânon das Escrituras está fechado. Se hoje a ação de Deus
sobre alguns crentes, e através deles, não é muito diferente de
sua ação sobre os primeiros crentes, aqueles cujos escritos fazem
parte das Escrituras, é difícil im aginar quais razões teológicas
teríamos para não acrescentar à Escritura textos “inspiradores”
escritos posteriormente.
42Veja, e.g., James Barr, The Bible in the modem w orld (London: SCM,
1973); Paul J. Achtemeier, The inspimtion o f Scripture: problems and proposals
(Philadelphia: Westminster, 1980); William Abraham, The divine inspiration o f
Holy Scripture (Oxford: Oxford University Press, 1981).
43Kern Robert Trembath, Evangelical theories o f biblical inspiration: a review
and proposal (New York: Oxford University Press, 1987).
102 Teologia da revelação
44Em relação a esses pontos, Bavinck diz: “As Escrituras não devem ser
vistas atomisticamente como se toda palavra e letra fosse inspirada por Deus
e detentora de conteúdo próprio e divino” e “até mesmo a menor parte tem
seu papel e sentido e, ao mesmo tempo, está muito mais distanciada do centro
do que outras partes” (Reformed dogmatics, vol. 1, p. 438-9). Desse modo, foi
perfeitamente coerente e prático para a igreja no passado sustentar uma doutrina
sólida das Escrituras, mesmo enquanto ela debatia a condição canônica de
certos livros, uma vez que (por definição, de fato) nenhuma doutrina importante
decorre unicamente desses livros.
A Trindade e as Escrituras: uma perspectiva teológica 103
45Mesmo quando Calvino diz que o Espírito Santo “ditava” as palavras das
Escrituras, conforme ele o faz às vezes, geralmente fica claro pelo contexto que
ele tem em mente não palavras isoladas, mas o ensinamento que essas palavras
expressam (e.g., Institutos, 4.8.8).
A Trindade e as Escrituras: uma perspectiva teológica 105
50Contudo, é claro que toda boa tradução recorre auma mescla de “equivalência
dinâmica”e de “palavra por palavra”. Apesar de tudo o que ocasionalmente dizem
as editoras e os conselhos editoriais das novas traduções da Bíblia em relação
ao seu trabalho, todas as boas traduções se debruçam primordialmente sobre a
reprodução do “pensamento” (i. e., o ato de fala) do original, refletindo ao mesmo
tempo a estrutura da frase e a escolha de vocabulário do original, tanto quanto
o permitam as limitações da língua de chegada. Para dar um exemplo: dentre
as traduções de língua inglesa, o que diferencia em grande medida a recente
English Standard Version da New International Version, e contra o que muitos se
insurgiram, é somente o fato de que os tradutores da ESV estavam mais dispostos
a sacrificar a naturalidade da expressão em inglês para seguir o mais próximo
possível a estrutura da frase grega. Certamente não é nenhum mérito de tradução
satisfazer-se apenas com o “pensamento” geral sem se esforçar para refletir o
quanto possível a estrutura e o vocabulário usados no original. Todavia, uma
tradução não deve receber grandes elogios se transformar regularmente frases em
grego, que devem ter soado-muito naturais para um público falante desse idioma,
em fragmentos artificiais de inglês que nenhum nativo falaria, simplesmente
para refletir detalhes do original que talvez não tenham nenhum significado e
sejam apenas simples aspectos do estilo lingüístico do grego. Em outras palavras,
em tradução há mais de um tipo de precisão, e toda tradução tem de escolher
constantemente onde fazer sacrifícios.
A Trindade e as Escrituras: uma perspectiva teológica 111
Resumo
Antes eu havia apresentado uma perspectiva bíblica da natu
reza e da função das Escrituras como palavras de Deus, descre
vendo-as como um aspecto da ação divina neste mundo.
Este capítulo deu expressão teológica à relação notavelmente
íntima das Escrituras com a atividade divina ao vinculá-la ao
Pai, ao Filho e ao Espírito, respectivamente. Devo esclarecer
que a visão das Escrituras que venho apresentando não pode
ser tratada meramente como prefácio à verdadeira essência das
doutrinas de Deus, de Cristo, do Espírito e da salvação. Pelo
contrário, quando bem compreendida, a doutrina das Escrituras
apresenta-se totalmente mesclada com a doutrina bíblica da
Trindade. Não há como fazer uma boa descrição das ações do
Deus trino e uno na redenção e na revelação sem atrelar as
Escrituras a Deus como parte fundamental de sua atividade de
redenção e revelação, uma vez que é justamente isso que ele fez.
Em conseqüência dessa realidade, os atos de fala das Escrituras
estão atrelados diretamente ao próprio Deus. Nesse sentido, a
doutrina das Escrituras deve ser uma subdivisão no âmbito de
nossas doutrinas sobre Deus, redenção e revelação.
Sempre que deparamos com os atos de fala das Escrituras,
deparamos com o próprio Deus em ação. O Pai se apresenta
a nós como um Deus que celebra e cumpre suas promessas de
A Trindade e as Escrituras: uma perspectiva teológica 115
de Deus aqui é ordem divina, para que fique mais fácil para
seu povo lembrar-se de sua vitória absoluta sobre seus inimigos
e, portanto, de sua fidelidade à aliança com eles. Em outra
passagem, Deus instrui Ezequiel com relação ao projeto do
templo, suas regulamentações e leis: escreve isto à vista deles,
para que guardem toda a sua forma e todas as suas normas, e as
cumpram” (Ez 43.11). Deus sabe que é mais fácil ser fiel às ordens
escritas do que às ordens meramente orais.
É interessante notar que Francis Turretin, teólogo de Genebra
que escreveu pouco mais de um século depois de Calvino, acres
centa muito pouco à doutrina calvinista da necessidade. Os dois
principais desenvolvimentos consistem em que ele, muitas vezes,
apresenta esse ensinamento de forma mais sistemática e, além
disso, responde a várias objeções detalhadas feitas posterior
mente, sobretudo por católicos romanos. Com mais clareza do que
Calvino, Turretin define a questão da necessidade das Escrituras
como, primeiramente, uma necessidade de revelação verbal e, em
segundo lugar, de uma forma escrita para essa revelação verbal. A
interpretação que ele dá à função das Escrituras é notavelmente
dinâmica: “Ela é a ‘semente’ da qual nascemos de novo (lP e 1.23),
a ‘luz’ que nos direciona (SI 119.105), o ‘alimento’ que nos nutre
(Hb 5.13,14) e o ‘fundamento’ sobre o qual somos construídos
(E f 2.20)” (E lenctic th eology 2.1.1). À semelhança de Calvino, ele
também acredita que há necessidade de uma revelação verbal que
nos conduza à salvação, e que isso se deve ao pecado que nos cega
à revelação que Deus faz de si mesmo na criação. Turretin enfa
tiza com veemência as limitações absolutas da revelação através
da criação: “De fato, ela [a revelação natural] mostra que Deus
existe, e qual sua natureza, tanto no tocante à unidade da essência
quanto aos diferentes atributos que possui, mas não nos diz quem
ele é como indivíduo em sua relação com as pessoas” (E lenctic
th eo lo gy 2.1.6).
124 Teologia da revelação
herm an Bavinck, “Prolegomena”, in: John Bolt, org., Reformed dogm at-
ics, tradução para o inglês de John Vriend (Grand Rapids: Baker, 2003), vol. 1,
p. 471.
Atributos das Escrituras: uma perspectiva doutrinária 125
ele se dirige a nós, e sim aos fariseus, que haviam criado por conta
própria uma falsa autoridade {Elenctic theology 2.2.12).
Em segundo lugar, dizTurretin, as referências bíblicas, segundo
as quais os crentes são ensinados diretamente pelo Espírito Santo
e não precisam de nenhum outro mestre (p. ex., Jr 31.34; ljo 2.27),
não diminuem a necessidade das Escrituras. Pelo contrário: “O
Espírito é o mestre; as Escrituras são as doutrinas que ele nos
ensina”. Essa ideia, aparentemente dirigida contra alguns grupos
da ala radical da Reforma, sustenta que o ministério dos mestres
das Escrituras chegará ao fim somente no céu, porque só então
“cada um verá a Deus como ele é face a face” (E lenctic theology
2.2.9). Portanto, a promessa de Jeremias 31.34 ainda não foi
inteiramente cumprida. Esse ponto continua a ser fundamental
para a igreja contemporânea. Tanto os pronunciamentos feitos
pelos líderes ordenados da igreja quanto as declarações de pessoas
que se julgam , ou que outros julgam , especialmente ungidas pelo
Espírito, na prática podem vir a ser colocados em pé de igualdade
com as Escrituras como “palavra de Deus”. Isso se aplica ao
papa falando ex cathedra, a um profeta reconhecido que discorra
sobre o futuro (estes são os exemplos mais evidentes), ou até
mesmo (e de maneira mais sutil) a um pastor evangélico que,
de fato, ordena aos membros da igreja que creiam em coisas ou
pratiquem atos que não possam ser ratificados pelas Escrituras. A
doutrina evangélica das Escrituras, portanto, é um brado contra
as interpretações católicas da revelação e contra toda prática que
coloque no mesmo nível de autoridade as palavras de Deus nas
Escrituras e previsões ainda não cumpridas feitas por um profeta
contemporâneo. Trata-se, do mesmo modo, de uma advertência a
qualquer pastor evangélico que exerça uma autoridade que resida
nele mesmo e não onde deve residir, ou seja na ação do Espírito
Santo, que imprime o significado das Escrituras no coração e na
mente daqueles a quem o pastor ensina.
Atributos das Escrituras: uma perspectiva doutrinária 127
6Hans Georg Gadamer, Truth and method, 2. ed. rev., tradução para o inglês
e revisão de Joel Weinsheimer; Donald G. Marshall (New York: Crossroad,
1990) [edição em português: Verdade e método, tradução de Flávio Paulo Meurer
(Petrópolis: Vozes, 2012)].
7Kevin Vanhoozer, Is there a m eaning to this text ? The Bible, the reader and the
morality o f literary knowledge (Leicester: Apollos, 1998), p. 341 [edição em por
tuguês: Há um significado neste texto? Interpretação bíblica: os enfoques contemporâ
neos, tradução de Álvaro Hattnher (São Paulo: Vida, 2005)].
130 Teologia da revelação
Tampouco isso nos leva a concluir que temos menos certeza sobre
o significado da comunicação que recebemos de Deus só porque
ela vem através de um texto e não de algum discurso direto.
lyO term o mais antigo para essa doutrina era “perspicuidade”das Escrituras,
mas ele é muitas vezes substituído pelo sinônimo “clareza” (agora mais claro!).
18Veja uma exposição útil e mais extensa desse debate em Mark D.
Thompson, A dear andpresent Word: the darity o f Scripture (Leicester/Downers
Grove: Apollos/IVP, 2006), p. 143-50.
Atributos das Escrituras: uma perspectiva doutrinária 141
19Ibidem, p. 144-5.
142 Teologia da revelação
21Ibidem, p. 71.
22Ibidem, p. 73.
144 Teologia da revelação
expositivamente sabe que seu sermão pode ser julgado como fiel
ou infiel por seus ouvintes, em função da exposição que se faz das
Escrituras, à medida que eles discernem por si mesmos se seu
ensino é ou não justificado pelo texto bíblico. Seu apelo não é
“meu ensino é verdadeiro porque fui designado oficialmente como
pregador”, nem tanto “meu ensino é verdadeiro porque estou cheio
do Espírito e sou um pregador ungido por ele”. Esses dois fatores
podem acrescentar peso a seu ensino, mas, no fim das contas, a
alegação implícita de quem faz pregação expositiva é “meu ensino
é verdadeiro porque pode-se ver nitidamente que aquilo que estou
dizendo está em harmonia com o sentido das Escrituras”.
Não há dúvida de que a doutrina da clareza das Escrituras
muitas vezes é objeto de descrédito não tanto por causa das
dúvidas teológicas que suscita, mas porque tem sido invocada por
certos líderes de igreja e pregadores para invalidar todo e qualquer
questionamento de suas posições: “O que digo está na Bíblia, e
a Bíblia é a palavra clara de Deus; portanto, estou certo, e quem
propuser outra visão bíblica estará equivocado”; essa é a lógica
implícita. É claro, portanto, que a doutrina da clareza das Escrituras
deve levar a uma atitude bem diferente e de maior humildade por
parte de pregadores e de professores. Uma vez que as Escrituras
falam com clareza a todos, e os pregadores não estão menos sujeitos
do que os outros à cegueira espiritual em relação ao ensino divino,
a postura correta do pregador consiste em se manter aberto ao
desafio e à correção dos demais que, a exemplo do que ele faz, leem
a mesmas Escrituras com iluminação vinda do mesmo Espírito.
Além disso, a doutrina da clareza das Escrituras não afirma
ter automaticamente poder para explicar as Escrituras sempre que
um trecho for lido. Uma função fundamental da boa pregação
expositiva consiste em explicar o significado e a força de uma
passagem quando interpretada de modo adequado à luz de seus
diferentes contextos: (1) o contexto literário imediato; (2) o
Atributos das Escrituras: uma perspectiva doutrinária 149
... dizer que as Escrituras são claras é dizer que a Bíblia está escrita
de modo tal que seus ensinam entos podem ser compreendidos por
todos os que a lerem buscando o auxílio de Deus e dispondo-se a
acatá-la (Wayne Grudem).30
Inerrância e infalibilidade
A seguir afirmarei e defenderei a inerrância das Escrituras.
Ao começar esta discussão, é importante deixar claro em que
penso fazer nesta seção e por que estou tratando desse tópico
numa subseção cujo tema é a autoridade das Escrituras. O que
direi aqui sobre a questão da inerrância e da infalibilidade das
Escrituras não deve ser entendido como um clímax doutrinário
para o qual as seções anteriores deste capítulo nos conduziram.
Tampouco esta seção deve ser entendida como paralela aos temas
da necessidade, suficiência, clareza e conseqüente autoridade das
Escrituras, igual em significado a eles. Em vez disso, a afirmação
de que as Escrituras são inerrantes é produto da autoridade dela
mesma. Trata-se especificamente da obra de confiabilidade das
Escrituras, que venho descrevendo e defendendo o tempo todo,
decorrente da identidade das Escrituras como palavra soprada
por Deus. Embora eu esteja discutindo a inerrância dentro do
Atributos das Escrituras: uma perspectiva doutrinária 159
39Um exemplo bem recente é o de A.T. B. McGowan em seu livro The divine
spiration ofScripture. Cerca de metade do livro é dedicada à inerrância. McGowan
deixa claro ao longo do livro que não crê que os manuscritos bíblicos originais
estivessem isentos de erros: “[Deus] não nos deu um texto autógrafo inerrante”
(McGowan, D ivine spiration, p. 124). Mas, perto do final do livro, parece que a
razão principal para sua rejeição da inerrância não é tanto o fato de que ele esteja
convencido de que a Bíblia contém erros; talvez ele ache que sim, mas esse não é
seu pensamento principal. Concluindo, ele diz: “... minha rejeição ao uso do ter
mo ‘inerrância’ não significa que eu defenda a ‘errância’. Estou simplesmente di
zendo que falar de autographa inerrantes não é a maneira de apresentar e defender
uma perspectiva ‘superior’‘das Escrituras” (McGowan, D ivine spiration, p. 210).
(Os autographa são os documentos originais escritos pelos primeiros autores das
Escrituras e não chegaram até nós). McGowan está certo no que diz a respeito do
uso da doutrina da inerrância, mas erra ao não aceitá-la em si mesma.
Atributos das Escrituras: uma perspectiva doutrinária 165
41J. I. Packer, Truth and pow er: the place o f the Bible in the Christian life
(Guildford: Eagle, 1996), p. 91.
Atributos das Escrituras: uma perspectiva doutrinária 167
não precisa ser sempre reformulada para lidar com toda acusação
momentânea. Packer afirma que, ao longo da história no contexto
norte-americano em que ele trabalhou por muito tempo, a dou
trina evangélica conservadora foi abalada por alguns evangélicos
justamente na questão da inerrância bíblica; portanto, ela tinha
de ser defendida com mais veemência nesse ponto. Isso fez com
que a inerrância ganhasse destaque por razões apologéticas. M eu
argumento vai mais no sentido de que, ao formular a doutrina das
Escrituras, devemos nos afastar o máximo possível do calor das
batalhas atuais (embora, é claro, jamais devamos fazê-lo total
mente) para que possamos analisar nossa doutrina das Escrituras
de uma perspectiva bíblica e teológica. Fazendo isso, veremos que
a inerrância deve ser situada sistematicamente no âmbito de nossa
doutrina geral das Escrituras em um lugar de menos destaque do
que aquele que às vezes lhe é conferido.
Assim, a inerrância não é nada mais que uma im plicação da
inspiração. Contudo, ela tam bém não é m enos do que uma implicação
natural da inspiração ,42 É um aspecto verdadeiro das Escrituras que
decorre do caráter de Deus e do fato de que ele escolheu se rela
cionar conosco através das palavras que nos dirige. Entre os atos
de fala das Escrituras, através dos quais Deus fala conosco, encon-
tram-se muitas afirmações apresentadas como factuais. Conforme
dissemos em capítulo anterior, a língua não existe simplesmente
para fazer proposições: seu papel principal é servir de meio pelo
qual uma pessoa age em relação a outra. Colocar um peso teológico
muito grande sobre a inerrância nos fará incidir no erro de tratar
a língua como se seu propósito básico fosse fazer declarações pro-
positivas, mas isso é algo que a linguagem faz como parte de uma
42Nesse sentido, McGowan erra quando parece imaginar que, para evitar
alicerçar a autoridade das Escrituras na inerrância, ele precisa dar um passo
adiante e tentar esclarecer se existem erros na Bíblia.
168 Teologia da revelação
2J. N. D. Kelly, E a rly C h ristian d octrin es, 5. ed. rev. (London: A. & C. Black,
1977), p. 40 [edição em português: P a trística : o rigem e d e se n v o lv im en to d a s d o u
trin a s cen tra is d a f é cristã , tradução de Márcio Loureiro Redondo (São Paulo:
Vida Nova, 1994)].
3R. P. C. Hanson, T ra d itio n in th e ea rly C hurch (London: SCM, 1962),
p. 126.
4Essa forma de se expressar é inspirada em Herman Bavinck,“Prolegomena’’,
in: John Bolt, org., R e fo r m ed d o gm a tics, tradução para o inglês de John Vriend
(Grand Rapids: Baker, 2003), vol. 1, p. 485.
A Bíblia e a vida cristã: ap licação da doutrina das Escrituras 175
18Citado em Richard A. Muller, P ost-R eform a tion R efo rm ed dogm a tics (Grand
Rapids: Baker, 1993), vol. 2: H oly S cripture: th e co g n itiv efo u n d a tio n o fth eo lo g y, p. 334.
19Talvez valha a pena observar que a palavra às vezes traduzida por “alicerce”em
lTimóteo 3.15 (h edraiõm a ) não é o te r m o mais comum com essa tradução no Novo
Testamento (o mais comum é them elios) e ocorre uma única vez. Seu significado
exato não é claro. Pode se referir ao alicerce de um edifício, mas também a um “pilar”
ou “suporte”, que é como Turretin e a recente tradução English Standard Version
a traduzem. Veja George W. Knight III, The P astoral E pistles, New International
Greek Testament Commentary (Grand Rapids/Carlisle: Eerdmans/Paternoster,
1992), p. 181.
184 Teologia da revelação
23Veja Timothy Ward, Word and supplement: speech acts, biblica! texts, and the
suffciency o f Scripíure (Oxford: Oxford University Press, 2002), p. 187-90.
A Bíblia e a vid a cristã: ap licação da d o u trin a das Escrituras 189
As Escrituras e a pregação
Ao discorrer sobre a pregação, quero expor também uma série de
tópicos estudados nas primeiras seções deste livro. Uma vez que a
pregação é um dos momentos mais importantes da vida da igreja,
o momento em que se abre as Escrituras, é bom refletir aqui de
forma mais detalhada sobre a pregação da perspectiva da doutri
na das Escrituras.
Dois fatores importantes nos dias de hoje fizeram com que
a relevância da pregação fosse minimizada na mente dos cristãos
ocidentais. Em primeiro lugar, aprendemos a desconfiar de qual
quer um que fale a partir de uma posição de poder. E o sermão,
ao lado do discurso das campanhas políticas e da conversa típica
das propagandas, é um dos principais exemplos de discurso cujo
propósito é exercer poder sobre outros. Não se pode negar que esse
tipo de desconfiança procede, uma vez que muitas vezes crentes
foram desviados por pregadores convincentes que se apresentavam
como porta-vozes de Deus e como canais especiais do poder
do Espírito Santo, mas seus ensinamentos vinham mais de sua
imaginação do que das Escrituras. Mesmo à parte desses apelos ao
Espírito Santo flagrantemente abusivos, colocar diretamente em
pé de igualdade a pregação e a própria Palavra de Deus, conforme
se reconhece com clareza na Segunda Confissão Helvética de
1566, pode muito bem ser uma prática protestante precursora das
190 Teologia da revelação
36Vbja esp. John Calvin, Commentary on 1 Cor 3:7; 2 Cor 3:6; 1 Pet 1:25;
Institutes 4.1.16.
194 Teolog ia da revelação
O Espírito e a Bíblia
O que a Bíblia diz, Deus diz; e Deus Espírito Santo tem agido
com sua providência no mundo para que isso aconteça. O com
ponente divino das Escrituras não exclui o humano, mas as ações
divina e humana se realizam juntas (de modo “concorrente”), à
medida que Deus supervisiona a produção das Escrituras. Na ver
dade, “supervisionar” é um dos principais termos usados por B. B.
W arfield para descrever a ação providencial de Deus na autoria
e compilação das Escrituras.27 Portanto, como já observamos, esse
conceito de interpretação bíblica é de fato um aspecto da doutrina
da providência.
Essa doutrina da inspiração bíblica verbal plenária é de
grande benefício prático para o pregador. Ela lhe dá um con
teúdo imbuído de autoridade e sentido: um ato de fala com
conteúdo propositivo e propósito ativo. Ela também lhe dá algo
para dizer que claramente não é palavra dele, algo que não tem
origem apenas humana, pois Deus a proferiu antes do pregador.
Portanto, este pode se proteger do risco de ser um falso mestre
no púlpito. O Espírito não inspira um evangelho novo a cada
sermão, cuja alegação de verdade esteja relacionada somente à
pessoa do pregador. Se assim fosse, estaríamos perdidos no tipo
destrutivo de culto à personalidade que parece ter atormentado
a igreja de Corinto em seus primórdios e que, desde então, tem
afetado muitas outras igrejas. Em vez disso, o Espírito conclama
tanto a congregação quanto o pregador de volta à mensagem
de uma vez por todas revelada. A atividade do Espírito através
dos atos de fala da Bíblia é coerente agora com a atividade dele
em sua composição no plano da gram ática e dos significados
naquela época. O Espírito, como Espírito de Cristo, conduz a
O Espírito e o pregador
Portanto, o Espírito se antecipa ao pregador e a seu sermão no que
diz respeito ao texto bíblico. Ele também se antecipa ao pregador
no que diz respeito ao próprio pregador. Em primeiro lugar, o
fiel pregador da Bíblia deve ser sempre alguém formado pelo
encontro pessoal com o Espírito Santo. Isso se aplica tanto à sua
identidade de crente que se relaciona com o Cristo ressurreto por
meio do Espírito quanto à sua identidade de pessoa que recebeu
do Espírito Santo o dom de pregar. O conhecido adágio de que
a boa pregação é fruto da “verdade através da personalidade”
expressa bem essa ideia, contanto que se entenda que se trata de
uma personalidade regenerada. O pregador deve ter lidado com
o significado do texto em seu preparo, desejando que o propósito
conferido pelo Espírito ao texto bíblico se torne real em sua
vida. Ele deve subir ao púlpito como alguém disciplinado pelo
Espírito, ou que dele recebeu nova esperança, ou que segue agora
um novo curso de ação, ou que tenha renunciado a um tipo de
comportamento, ou em cujo coração o amor arde novamente,
isto é, alguém que responde com fidelidade ao ato de fala rea
lizado pelas Escrituras, sobre a qual ele está pregando. Somente
se o propósito do texto tiver sido reconstituído pelo Espírito
no pregador antes da pregação, poderá ele esperar ser o meio
de igual reconstituição pelo Espírito na vida de seus ouvintes.
John Goldingay expressa assim esse pensamento: “Na pregação,
não relatamos meramente o que um dia foi dito, tampouco
relatamos algo que ouvimos dizer. A pregação bíblica flui de um
ouvir renovado das Escrituras”.31 A graça de Deus é evidente na
coerência da obra do Espírito através do texto. Ele age na vida do
pregador com a mesma intenção com que agiu sobre os primeiros
É verdade que alguns pregam Cristo até mesmo por inveja e dis
córdia, mas outros o fazem com boas intenções. Estes o fazem
por amor, sabendo que fui posto aqui para defesa do evangelho;
mas aqueles anunciam Cristo por discórdia, não com sincerida
de, pensando que assim podem aumentar o sofrimento das mi
nhas prisões. Mas que importa? De qualquer forma, contanto
que Cristo seja anunciado, quer por pretexto, quer não, alegro-
-me com isso e, sim, sempre me alegrarei.
As Escrituras e o cristão
Em boa parte da cultura evangélica, a leitura da Bíblia pelo cristão
está no centro das práticas que distinguem um crente fiel. Isso se
aplica principalmente aos círculos nos quais fui instruído e me
206 Teologia da revelação
38Mark Thompson diz a mesma coisa: A cleor andpresent word: the clarity o f
Scripture (Leicester: Apollos, 2006), p. 120.
208 Teologia da revelação
A E
Abraham,W. 16,101 Erasmo 141,142,144,150
Achtemeier, P. 101
Agostinho 132, 144, 177, 178, F
179 Forsyth, P. 198,199,205
Aquino, Tomás de 133
Atanásio 131,132 G
Austin,J. 68 Gadamer, H.-G. 129
Geiselmann,J. 181
B Goldingay,J. 51,201
Barr,J. 101 Greidanus, S. 199
Barth, K. 73,74,75,77,78,195 Grudem, W. 152,153,154,155,164
Barton,J. 13
Basílio de Cesareia 132,177 H
Bavinck, H. 22,43,61,62,85,86,87, Hagner, D. 51
89,100,103,124,128,158,169, Hanson, R. 176
170.176.183.184.216.218 Hauerwas, S. 190
Berkouwer, G. 131,145 Heppe, H. 99
Bonhoeffer, D. 206 Horton, M . 40,195
C I
Calvino ,J . 1 7 ,1 8 ,2 0 ,7 9 ,9 6 ,9 9 , Ireneu 144,176,177
104, 112, 114, 119, 120, 121,
122,123,125,127,134,135,174, J
179, 182, 191, 195, 198, 199, Jensen, P. 64
204.213.218
K
D Kelly, J. 145,176
Derrida,J. 76 Klauber,M. 148
Dever, M. 189 Kline, M. 64
220 Teologia da revelação
L S
LaSor, W. 64 Schleiermacher, E 136
Lessing, G. 48,49 Searle,J. 68
Lutero, M. 18,141,142,143,144, Spinoza, B. 48,136
145,150,151,156,174,182,191,
213 T
Tavard, G. 181
M Tertuliano 174,175,176,177
Macleod, D. 85,166 Thiselton, A. 68,156
Mathison, K. 178,180,181,182 Thompson, M. 73, 99, 129, 141,
McConville, G. 42,43 153,154,155,210
McGowan, A. 162,165,166,168 Trembath, K. 101
McKim, D. 98,162 Trueman, C. 18,43, 80
Metzger, B. 55 Turretin, E 21, 85,112,113,123,
Muller, R. 125,138,146,147,148, 124,125,126,127,128,130,146,
185 153,154,156,186,187,218,219
N V
Nelson, R. 27 Vanhoozer, K. 9, 68, 76, 77, 78,
Noll, M . 162 129
Vawter, B. 107
O Vincent de Lérins 133,145
Oberman, H. 177,178,181
W
P Ward,T. 6,68,76,77,190
Packer,J. 22, 82,85,91,142,161, Warfield, B. 22, 83, 98, 99, 100,
167,168 106, 107, 165, 196, 197, 218,
Pannenberg, W. 54 219
Parker, T. 199 Watson, E 68
Preus, R. 18 Webster, J. 15,60,91,92,93
Wenham,J. 14
R Wolterstorff, N. 40,68,69
Ricoeur, P. 76,128,129 Woodbridge, J. 98,162
Rogers,J. 98,131,162 Work,T. 26,35
ÍNDICE DE PASSAGENS BÍBLICAS
ANTIGO TESTAMENTO
Gênesis IReis
1 24,46 13 27
1.26 40
2.17 25,31 1 Crônicas
2.24 31,32 2 1 .1 169
3 25,26
3.15 25 2Crônicas
5.5 31 34.30 64
9.8-17 26
12.1-3 26,32 Jó
45.8 106 1 e 2 170
38—41 38
Exodo
6.8 33 Salmos
12.24-28 36 29 28
17.14122 119.1130
19.3-6 33,34 119.105 123
24.7 64 119.130 143
25.10-22 34
Isaías
Números 55.10,1128,29
22 42
Jeremias
Deuteronômio 1.9,10 41
18.15-20 42 31.31-34 63
29.29 143 31.34126
36 42
2Samuel
6 34 Ezequiel
2 4 .1 169 4 3 .1 1 123
222 Teologia da revelação
NOVO TESTAMENTO
Efésios Hebreus
2.20 51,123,183, 4.1-13 66
4.11-13 209 4.12 14
5.13,14 123
Filipenses 6.18 162
1.15-18 199 7.23—8.13 63
Colossenses lPedro
1.19 44 1.23 123
2.12 150 2.4,5 202
3.3 86
2Pedro
lTessalonicenses 1.3,4 205
1.4,5 200 1.20,21 95
2.13 82 3.15,16 110
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