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Anete Roese - EU SOU DEUS - O DEUS DE MORENO SEGUNDO AS PALAVRAS DO PAI
Anete Roese - EU SOU DEUS - O DEUS DE MORENO SEGUNDO AS PALAVRAS DO PAI
ANETE ROESE
Resumo
Moreno considera que para mudar uma cultura é necessário antes mudar o conceito de
Deus. Partindo desta prerrogativa do autor e da polêmica afirmação Eu-sou-Deus, o
presente texto faz um estudo da ideia de Deus desenvolvida por Moreno na obra “As
Palavras do Pai” e verifica implicações para a práxis sociátrica no século XXI.
Palavras-chave: As Palavras do Pai; Jacob Levi Moreno; Deus
Introdução
As Palavras do Pai
1
O autor do livro explica o que quer dizer com As Palavras, dizendo que “As „Palavras‟ deste livro são
reflexões, reverberações de uma voz presente que está falando e que é possível ser ouvida através do Universo.
(...) As palavras deste livro são as palavras do próprio Deus e o sentido delas pode ser captado e apresentado em
uma linguagem humana” (MORENO, 1992, p. 124).
2
Moreno explica porque As Palavras são Palavras do “Pai” dizendo que se trata de “uma metáfora que
representa um conceito genealógico: a cadeia de ancestrais que se diferencia do conceito de „Criador‟”
(MORENO, 1992, p. 123). Portanto, neste caso, o termo Pai não representa um humano, mas se refere a toda
cadeia de ancestrais humanos e não humanos e contém uma “co-identidade com a paternidade total” (MORENO,
1992, p. 123) de todo Universo em todos os tempos e, ademais, não quer remeter a uma identidade masculina de
Deus. Pai, neste caso é utilizado como sinônimo de Deus. É uma referência a Deus que aparece no Antigo
Testamento e no Novo Testamento, sendo que passa a ser usada com frequência por Jesus Cristo e já antes de
Cristo denotava uma nova relação com Deus, substituindo a santidade absoluta e a distância do Deus dos Céus
de Moisés por uma imagem de Deus mais afetiva e próxima. Pai será, para o autor do livro, simultaneamente
Deus Pai, Criador e o Deus de Amor.
3
A voz que é ouvida não é uma alucinação, tampouco traduz palavras humanas. É uma voz que se manifesta no
presente e é do presente, pois traduz fatos do passado (MORENO, 1992). A voz que se ouve “é vivenciada em
Moreno explica que em As Palavras do Pai o autor é apenas um veículo de Deus,
por meio do qual Deus fala de si na primeira pessoa. Moreno compara este acontecimento
da encarnação de Deus numa criatura comum com a autenticidade do próprio Deus que se
manifesta onde e como quer. A imaginação teológica autêntica, segundo Moreno, também
segue os caminhos da autenticidade, assim como a imaginação artística, quando fica livre
das implicações antropomórficas de Deus de tal forma que, sendo o dramaturgo de Deus,
consegue fazer com que Deus seja inteligível para todas as pessoas. Para Moreno, neste
texto os princípios teológicos convencionais foram invertidos, pois Deus não é Ele, mas Eu e
se presentifica no aqui-e-agora, não apenas fala, mas atua, cria, manda, julga sendo Eu. Ou
seja, é o Eu-Deus, Deus encarnado, manifesto no aqui-e-agora que realiza. Esta concepção
de Moreno é importante para entendermos que Deus não é algo, um ser, fora da criatura
que realiza, cria, faz, mas a própria criatura que como ser divino assume a sua divindade e
age responsavelmente no mundo assumindo seu papel. “Deus está presente (...) Ele é o
absoluto que nos fala” (MORENO, 1992. p. 19).
A Divindade
Moreno explica que no início da primeira guerra mundial escreveu três ensaios sobre
Deus e as perguntas que fazia a si mesmo giravam em torno do quem sou eu neste mundo.
Segundo Moreno (1992) a busca da resposta para a questão sou eu nada ou sou eu
Deus foi o dilema que ele levou consigo para o resto da vida, e que posteriormente
descobriu que todos os seres humanos se ocupavam deste dilema, e que sofrem com a
dúvida e com o medo gerado pelas ilusões que se sucedem e que se traduzem em um mal
estar. Na busca pela resposta Moreno conta que não a encontrou e que concluiu a
inexistência da mesma. A inexistência da resposta, no entanto, não o levou a uma quietude
da alma. Ao contrário, as perguntas permaneceram e continuaram rondando, afinal, saber-
se nada certamente seria sofrido, e saber-se o centro do mundo, da criação, do cosmos
implicaria em algo.
Ser o centro do cosmos parece ter sido a conclusão de Moreno. Esta posição
realmente parece a mais cômoda, egocêntrica, excêntrica ou megalomaníaca – como viria a
ser classificada posteriormente por seus críticos. No entanto, Moreno tira sérias e profundas
consequências desta “certeza” existencial. Esta certeza de ser o centro do cosmos, o que
posteriormente ele vai afirmar como o mesmo que ser Deus ou Eu-Deus. A primeira
conclusão que Moreno aporta sobre esta constatação de ser o centro do cosmos é que esta
situação impõe uma enorme responsabilidade ao ser humano.
O que diferencia Deus do ser humano é que Deus é o “Ser portador da máxima
espontaneidade e Ele é o Ser cuja espontaneidade transformou-se totalmente em
criatividade” (MORENO, 1992, p. 137). Em Deus a espontaneidade e a criatividade
chegaram ao mais elevado nível. Ainda assim não se pode pensar em qualquer forma de
reserva de espontaneidade, como se o Ser divino fosse capaz de fazê-lo. É preciso
considerar sempre a “espontaneidade „livre‟, evocada e criada por ser, num instante, como
um produto do momento, em outras palavras, é mais valiosa que todos os tesouros do
momentos de extraordinária lucidez e com lampejos de intuição. Mais que em qualquer outro momento, ela se
faz sentir em momentos de uma atrevida criatividade, em atos criativos que parecem transcender a qualquer
origem pessoal e humana e em momentos de amor” (MORENO, 1992, p. 125).
passado, dos „momentos‟ passados” (MORENO, 1992, p. 137). Um processo de
conservação da criatividade espontânea levaria a espontaneidade à inércia, ela já não
produziria mais nenhum efeito, já não seria manifestação do momento, já teria perdido o
passo da “sincronicidade temporal com o Universo” (MORENO, 1992, p. 137). Ou seja, a
espontaneidade é uma manifestação da perfeita sintonia do ser com o Ser e o Universo.
Não há conserva de espontaneidade e criatividade na Divindade. Não é possível pensar que
Deus só criou no início dos tempos e agora vive da reserva de espontaneidade. A Divindade
está em constante status nascendi, em contínuo estado de nascimento (MORENO, 1992).
A Divindade é a referência para que possamos marcar em uma escala axiológica os
níveis de espontaneidade e criatividade, pois é Ela que alcança o grau mais elevado se
pensarmos em dois extremos de espontaneidade – o mais elevado grau de espontaneidade
em uma ponta e a espontaneidade nula na outra ponta, ou seja, a conserva cultural.
O texto sagrado judaico-cristão „Gênesis‟, sobre a criação do mundo, é central para a
teoria de Moreno. É seguindo a premissa da Divindade Criadora e da criatura cocriadora –
que carrega a centelha do divino, agregado à vivência religiosa e espiritual do próprio
Moreno, que o autor postulará a noção de que “a essência da nossa existência é a fome de
criar, não no sentido intelectual, mas como uma força dinâmica, uma corrente de
criatividade” (MORENO, 1992, p. 23). E Deus é a “quintessência desse raio de criatividade”
(MORENO, 1992, p. 23). A presença de Deus significa uma coexistência de Deus no
cotidiano do ser humano, nas suas alegrias e tristezas.
Moreno, no seu papel de porta voz de Deus, escreve várias poesias nas quais Deus
fala por meio dele. Este é o entendimento que o autor de As Palavras do Pai dá ao que está
escrito no livro. A primeira sequência de poesias do livro As Palavras do Pai é intitulada de A
Proclamação.
No trecho I o autor introduz a afirmação “Eu sou Deus, o Pai, o criador do Universo”
(MORENO, 1992, p. 37). Nesta o autor reafirma que quem escreve é Deus, quem se
manifesta ou se proclama por meio destas palavras é Deus. Na parte II afirma que essas
palavras “pertencem a todos” (MORENO, 1992, p. 37), por meio do que diz que Deus pode
se manifestar em qualquer ser e que qualquer ser pode ser portador das palavras de Deus.
O princípio deste entendimento mostra o que Moreno evidenciará sempre em sua trajetória,
que é a fé em cada criatura humana, que mesmo adoecida psiquicamente, poderá
manifestar ou voltar a manifestar a sua centelha divina porque toda criatura é portadora do
divino e de sua criatividade.
Na parte VIII, está dito: “Eu sou um Deus do presente. Minhas palavras são palavras
de poder. Pertencem ao presente” (MORENO, 1992, p. 34). Nesta “proclamação” o autor
busca atualizar a imagem de Deus, afirmando que Deus não é apenas um Deus do passado
e que suas palavras continuam válidas e atuais. Palavras, aliás, não só palavras no sentido
4
O espiritual, aqui, não se refere a um sentimento religioso (BOFF, 2006). Trata-se da dimensão que constitui o
ser humano e é uma potencialidade e capacidade de transcendência – que permite ao ser humano ver além das
coisas, compreender o sentido mais profundo das coisas, é a capacidade de ir além, de se implicar com as coisas
e no mundo. É também a sua capacidade racional, ética e valorativa – que é única da criatura humana diante das
outras criaturas. Espiritualidade, neste contexto de compreensão, é um “modo-de-ser” onde todas estas
potencialidades de transcendência estão presentes (BOFF, 2012).
restrito do termo. Palavra é símbolo, conforme a parte IX (MORENO, 1992, p. 40). O
sentido dela não é ela em si, a função dela é mostrar um caminho em direção a Deus, em
direção à substância, ao substancial, a Deus.
A poesia de As Palavras do Pai não se restringe a um conteúdo proveniente de uma
única religião. Seu conteúdo ultrapassa uma religião específica, ultrapassa o próprio
conteúdo religioso e ultrapassa a imagem de Deus das grandes religiões. Quando Moreno
se refere ao Pai, trata-se de um judeu que recorre à imagem cristã de Deus, cuja referência
a Deus como Pai é inovadora a partir de Jesus, que aproxima Deus da casa, do humano,
referindo-se a Deus como um Pai amoroso e tirando Deus do alto dos céus. Por outro lado,
Moreno recupera as imagens não antropomórficas de Deus presentes no judaísmo e no
texto sagrado da comunidade judaica, a Torá, quando permanece com a imagem de Deus
como Criador do Universo, e recupera a imagem de um Deus criativo. Ao mesmo tempo,
parece que podemos encontrar em Moreno uma forma de Deus que vai além daquelas e
remete a uma imagem mais oriental de Deus. O Deus que está em tudo, quando diz:
Eu sou o arqueado
que se curva ao te levar.
Eu sou a mesa posta
Para te alimentar.
Eu sou a semente que cresce
Para te multiplicar.
Eu sou o seresteiro
que canta para te alegrar.
Eu sou o passarinho
que voa a te inspirar.
Eu sou a estrela
que brilha ao te coroar. (MORENO, 1992, p. 42).
A imagem de Deus que aparece nas poesias de Moreno ultrapassa ainda aquela que
o próprio Moreno descreve analiticamente. Na poesia XIV Deus é quem “necessita mais de
ajuda”, o “Eu” necessita de ajuda e é quem deve ser “completado por todos” (MORENO,
1992, p. 43). Ou seja, não há Deus sem Eu, não há Deus sem criatura. Deus pede que suas
criaturas se aproximem do Eu quando diz “Cheguem mais perto de Mim, circulem em volta
de Mim: o Criador” (MORENO, 1992, p. 44). Ou seja, aproximar-se de Deus, do Mim e do
Eu é o mesmo que aproximar-se do si-mesmo, de si-mesmo, é Ser ou ser, tornar-se o que
se é, é realizar o divino em mim, revelar o divino que existe, o Criador (TILLICH, 1967). E
mesmo sentido prossegue dizendo na poesia XVIII e XIX:
Há, portanto, uma divindade que tem compaixão, que não é alheia à dor da criatura.
Ou seja, a Divindade se implica no sofrimento do outro, se responsabiliza pela dor. Esta é
uma nova imagem de Deus que deve afetar a criatura.
“O princípio do Universo é a criatividade” (MORENO, 1992, p. 28). Há valores que
jamais funcionariam se fossem impostos pela força, tais como a caridade, a autoridade, a
sabedoria. Eles só emanam por meio da espontaneidade. Ora, se “Deus é pura
espontaneidade” (MORENO, 1992, p. 29), a manifestação espontânea revela Deus. Por
isso, o mandamento, segundo Moreno é “‟Seja espontâneo!‟” (MORENO, 1992, p. 29). Aqui
temos uma importante forma do divino, segundo o que podemos depreender de Moreno.
Esta ideia nos ajuda a compreender que o divino na concepção moreniana tem sua
revelação ou manifestação na espontaneidade. Encontramos, no entanto, grandes
empecilhos, especialmente na cultura ocidental para emplacar uma nova ideia de Deus cuja
centralidade seja reconhecida como espontaneidade. Moreno acusa o “atraso teológico”
desta cultura, incapaz de adaptar o conceito de Deus às necessidades deste tempo de
grandes mudanças no mundo, como o responsável pelo grande “mal-estar de todo o nosso
sistema atual” (MORENO, 1992, p. 30). A imutabilidade do conceito de Deus, que prende
consigo valores não ajustados à época é a razão de muitas guerras, conflitos e discórdias
entre nações e povos. Por esta razão, o conceito de Deus é a questão central a ser
enfrentada em qualquer sociedade que almeja uma profunda mudança no sistema de
valores (MORENO, 1992).
Moreno desenvolve sua teoria da criatividade analisando o processo de criatividade
da Divindade e o conceito do Criador. A criatura e o Criador encontram-se em diferente
situação enquanto criadores. A divindade não é afetada pela ansiedade de criar ou de
conservar, ela não repete criação alguma, não há sequer planejamento de repetição de uma
criação anterior que fosse perfeita e em sua “cadeia de atos criativos” não há modelo que
seja copiado de forma idêntica. Não há montanha, não há pedra, não há réptil, não há ser
humano que se repita. Ainda que crie vários seres da mesma espécie não há nenhum ser
que seja igual ao anterior. Cada nova criatura é, pois, criada seguindo um novo ato
espontâneo. Deus é Deus e “não permite interferência em seus atos criativos” (MORENO,
1992, p. 158). Em cada ato criativo a Divindade exerce a sua liberdade de criar, e cada
criatura é, portanto, livre, pois é criada por um ato de liberdade. Espontaneidade e
criatividade são, para Moreno, valores sociais, biológicos e “são, aqui também,
transformadas em supremos valores teológicos” (MORENO, 1992, p. 182).
O processo de criatividade divina se manifesta no mundo humano, pois a Divindade
coexiste nos atos criativos do ser humano e, mais que isso, “na verdade, Ela é a verdadeira
essência deles” (MORENO, 1992, p. 158). Portanto, devemos observar que, para Moreno, a
Divindade está presente em todos os momentos de criação da criatura e “em todos os atos
criativos do Universo em seu surgimento e desenvolvimento, a Divindade penetra em
momentos pessoais inumeráveis, preenchendo cada um deles com a intensidade
necessária” (MORENO, 1992, p. 158). Com isso, alerta Moreno, não devemos pensar que a
Divindade interfira na liberdade da criatura em seu processo de criação ou em sua
existência. O papel da Divindade é muito mais o de estar presente no momento a fim de que
se “produza uma nova dimensão existencial – uma espécie de supramomento” (MORENO,
1992, p. 159).
O conceito de Deus em Moreno está intimamente vinculado ao conceito de momento
e o conceito de momento está intimamente vinculado com a o conceito de Deus. As
Palavras do Pai é uma “filosofia da Divindade no tempo presente” (MORENO, 1992, p. 160).
“A Divindade é um fenômeno” (MORENO, 1992, p. 160). E o que caracteriza este fenômeno
é a sua presença contínua, constante no Universo como um todo e em cada partícula e em
cada experiência. O fato de Deus estar presente de forma tão perene não exclui a sua
imperceptibilidade. “Sua visibilidade esmagadora torna-O invisível. Se apenas existisse a luz
e não as trevas, seria impossível descrever a luz. Posto que a Divindade é única, Ela não
pode ser definida por efeito de contraste com qualquer coisa” (MORENO, 1992, p. 160).
Ora, para Moreno, a Divindade coexiste, ela se manifesta em cada ato criativo da criatura,
portanto ela não se diferencia, Ela é em e esta além de si, daí a sua invisibilidade. Esta é
uma questão complexa, pois, segundo Moreno não podemos tampouco correr o risco de
que a Divindade perca a sua característica. É um problema a ser resolvido tendo em vista a
questão da existência de Deus como única e a existência do ser humano também como
única e diferente ao mesmo tempo da coexistência. Moreno (1992) tenta resolver a questão
da presença da Divindade no momento sem que isso acarrete a perda do que é a essência
de Deus. Moreno deixa claro que “o eixo da existência do homem, a base da realidade, é o
momento. A base do momento é, por sua vez, a Divindade” (MORENO, 1992, p. 160).
O esforço de Moreno no sentido de uma religação da ideia de momento com a
Divindade se trata de um esforço no sentido de encontrar um conceito e uma experiência
por meio dos quais a sintonia humano-divino possa ser demonstrada. A histórica construção
da imagem de Deus como onipotente, onisciente, onipresente, que se tornou hegemônica,
mas não única, levou a um distanciamento abissal entre Criador e criatura. Esta ideia de
Deus, segundo Moreno (1992), abalou a dinâmica da Divindade e impediu o aparecimento
da subjetividade real. Para Moreno, falando em termos teológicos, a questão chave que se
coloca gira em torno da essência da subjetividade e o que deve ser perguntado é se “isso
pode ser descrito em seu „status nascendi‟ (em seu estado de nascimento) e segundo seus
atos” (MORENO, 1992, p. 161). Tanto o Deus Todo Poderoso do Antigo Testamento, quanto
o Deus Todo Caridade e Amor do Novo Testamento – apesar dos elementos subjetivos e do
avanço criativo deste último em relação ao anterior, são qualidades que se tornaram
dogmas e conservas culturais. Há outra questão problemática ainda, segundo Moreno
(1992), que consiste no fato de que o ser humano se acomodou em sua identificação com
estas qualidades da Divindade passando a crer que poderia ser caridoso como Deus sem
que isso levasse a uma responsabilidade e criatividade espontânea e constantemente
renovada. Moreno inverte a lógica mais uma vez dizendo que apenas o inverso é possível,
que haja uma identificação espontânea da Divindade com a criatura. A inversão consiste
mais uma vez em que é a Divindade que tem a liberdade e a autonomia máxima para ditar
os rumos, é Ela que irrompe, rompe, desconstrói, cria e o ser humano deve seguir a lógica
da Divindade e não o contrário. Por isso, diz Moreno, “o resultado foi que Deus – como
norma suprema de referência para todos os valores – perdeu campo no domínio crucial da
subjetividade, da estabilidade e da segurança da existência do homem” (MORENO, 1992, p.
162).
Qual é a implicação real da afirmação de que a Divindade tem uma subjetividade? A
subjetividade da Divindade é uma contribuição muito importante em Moreno, pois ela
significa a reafirmação da autonomia da Divindade e sua presença atual no Universo, para
além dos sinais objetivos de sua presença no Universo já aceitos. A primeira hipótese de
Moreno é, pois, afirmação da existência subjetiva da Divindade – o que significa que “Ela
está viva e criativa no presente” (MORENO, 1992, p. 162). O segundo discernimento em
relação à subjetividade consiste na diferenciação da subjetividade Divina e humana. Moreno
suspeita que “uma vez que essas duas categorias de subjetividade são discernidas e
qualificadas, a relação entre Deus e o homem poderá ser tentada outra vez e poderá
restabelecer-se a vida de família entre a Divindade e o homem” (MORENO, 1992, p. 162).
Um exemplo descrito por Moreno (1992) sobre diferença da subjetividade de Deus e da
subjetividade do ser humano se refere ao fato de que o ser humano é capaz de
experimentar apenas um momento de cada vez, enquanto a Divindade pode somar milhões
de momentos simultaneamente no presente de Deus.
A meticulosa análise de Moreno sobre a relação da categoria momento com a
Divindade diz respeito a esta preocupação. Incluir no conceito de Deus o presente, tirando-
O do passado, de um futuro distante cujo „Reino‟ nunca chega e superar a ideia vaga de
eternidade – que remete a uma atemporalidade, abre a possibilidade para a inclusão do
conceito momento e da ideia de que Deus atua no momento, que Ele está presente no ato,
no acontecimento específico no agui-e-agora. Aqui implica em que seja tomado em conta a
ação e presença de Deus em diversos momentos simultâneos no Universo e de que a
universalidade não exclui a presença em cada situação e contexto. Isto faz parte da
presença dinâmica da Divindade, assim como se pode pensar a ausência de Deus a partir
de sua “oculta onipresença” (MORENO, 1992).
Eu sou o Pai.
Eu sou o Pai do meu filho.
Eu sou o Pai
da minha mãe e do meu pai. (...)
Eu sou o Pai do s relâmpagos (...)
Eu sou o Pai dos passarinhos(...)
Eu sou o Pai das montanhas(...)
Eu sou o Pai da tua língua
e dos teus olhos
dos teus seios e dos teus pés.
Eu sou o Pai do pó
De onde tu vens
E do silêncio em que te escondes. (MORENO, 1992, p. 15)
Considerações finais
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