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transformação e cura
Resumo
Palavras-chave
Introdução
1
A autora é Psicóloga Clínica, doutora em Sociologia e foi docente por 20 anos na Universidade Metodista de
São Paulo.
para os mais vulneráveis, no caso, as crianças e os jovens que já têm, em sua curta vida,
uma história de abandono e sofrimento.
O choque de realidade talvez seja arrebatador para muitos pais: os filhos dão
trabalho e muitas dores de cabeça, algo não previsto em sua idílica fantasia. Não raro, o
pretendente queria um filho saudável, grato por tê-lo tirado do abrigo, que lhe dissesse
“eu te amo!”, e recebe uma criança que tem vontades e, de repente o desafia. começa a
mentir ou a furtar, Este adulto, desejando colocar um fim no seu “problema”, desadota,
ou para usar uma expressão frequente, “devolve” o filho.
Este trabalho parte do pensamento do psicanalista inglês, Donald Winnicott para
entender as dificuldades que surgem em uma adoção. Aqui debateremos alguns dos
comportamentos mais desafiadores para os pais que aparecem como argumentos para
devolução de crianças adotadas, os comportamentos antissociais, buscando mostrar que
estas condutas, diferente do que parecem à primeira vista, são um pedido de socorro feito
por crianças que vivenciaram um trauma e representam uma esperança de cura e se
encontrarem pais que o suportem, haverá, enfim, uma família.
Todas as crianças e adolescentes têm direito à convivência familiar e comunitária
garantido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei n° 8.069/90), quando esse
direito não é garantido dentro da sua família de origem, essas crianças ou jovens podem
viver com uma família substituta, através da adoção, guarda ou tutela.
Quando a criança e/ou o adolescente vive em condições que colocam a sua
integridade física e psíquica em risco, ferindo sua dignidade e/ou comprometendo o seu
desenvolvimento em sua permanência junto à família biológica, a adoção apresenta-se como
uma forma de salvaguardar a criança e garantir o seu direito de crescer em uma família.
Não, não é assim. Uma criança normal se tem a confiança do pai e da mãe, usa de todos
os meios possíveis para se impor. Com o passar do tempo, põe à prova seu poder de
desintegrar, destruir, assustar, cansar, manobrar, consumir e apropriar-se. Tudo o que leva
as pessoas aos tribunais (ou aos manicômios, pouco importa, no caso) tem seu equivalente
normal na infância, na relação da criança com seu próprio lar. Se o lar consegue suportar
tudo o que a criança pode fazer para desorganizá-lo, ela sossega e vai brincar
(WINNICOTT, 2014, p. 129).
Nas relações familiares não existe um idílico paraíso e, para funcionar como uma
família, o lar biológico ou adotivo precisa suportar a desorganização que a criança provoca,
promovendo confiabilidade e estabilidade.
Uma adoção saudável, para o autor, tem problemas semelhantes aos ocorridos em
famílias biologicamente constituídas, sendo necessária a compreensão das dificuldades das
famílias comuns para cada etapa de amadurecimento de seus filhos, porque é um fato, elas
existem. Por outro lado, mesmo em adoções bem sucedidas, haverá problemas diferentes
dos usuais tanto para os pais como para os filhos. Sendo que muito do que ocorre na adoção
decorre da história da criança ou do jovem (WINNICOTT, 1994. 115-116).
Problemas ocorrem em todas as relações e em todas as famílias, não é uma
especificidade da adoção. Mas existem as particularidades da adoção, porque há uma
história vivida pela criança e uma relação que está se construindo; uma vinculação sendo
tecida dia a dia por duas partes que escolheram se vincular.
As manifestações primitivas da tendência antissocial geralmente passam
desapercebidas por parecerem triviais para os pais e cuidadores. No início, a avidez, a
dificuldade de controle dos esfíncteres, os transtornos alimentares, a agitação, entre outros
embora sejam manifestações inoportunas, incomodando o ambiente, são consideradas
normais ou inerentes ao desenvolvimento infantil.
Os sintomas tornam-se visíveis quando são percebidos como problema, contudo,
mais do que problema, deveriam ser tratados como um pedido de socorro de uma alma que
está doente. Todo aquele que passa por um sofrimento para além do que pode suportar,
pode desenvolver um trauma. E esse trauma faz a criança perder a confiabilidade (a fé) no
ambiente. Trauma, no sentido popular do termo implica uma quebra da fé, explica Winnicott
(1989 , p. 114), e estas crianças ou adolescentes adotados, certamente, sofreram muitos
golpes na vida, abandono, violências, violações, entre tantos outros.
Quando não ocorre uma intervenção no momento adequado, essas manifestações
podem evoluir a furtos e mentiras, derivando em condutas antissociais graves, como a
destrutividade e a delinquência.
Ao roubar, para o autor, a criança nesse estado, procura de forma inconsciente suprir
a falta experimentada, busca recuperar uma experiência perdida, atentando contra seu novo
ambiente.
A criança ou o jovem estaria tentando inconscientemente, de forma defensiva e
atuadora quebrar todas as barreiras e superar quaisquer obstáculos para reaver o paraíso
perdido. Seguindo o paradigma da psicanálise, Alves explica, “ao furtar a criança está à
procura da mãe sobre a qual tem direito, mas também está procurando pelo pai, que é quem
protege a mãe de sua agressividade. (REIS, 2010, P.80)
O ato de roubar encontra-se no centro da tendência antissocial, com a mentira
associada a ele. Não é o objeto que a criança estava procurando, mas estava procurando a
capacidade de encontrar.
Winnicott coloca que, na verdade, estaria ocorrendo um pedido ajuda para superar
as carências que castigaram a alma precocemente, tema a ser discutido no próximo tópico.
A agressividade é quase sempre uma dramatização da realidade interior que é ruim
demais para ser tolerada como tal, cabendo aos adultos impedir que essa agressão fuja ao
controle proporcionando uma autoridade confiante, dentro de cujos limites um certo grau de
maldade poder ser dramatizado e usufruído sem perigo (Winnicott, 1988, p.101).
O ato antissocial torna-se uma busca uma autoridade paterna que imponha limites,
podendo então recuperar o sentimento de segurança e, por conseguinte, dos impulsos
amorosos primitivos, o sentimento de culpa e o desejo de reparação.
Quando existe esperança, no que se refere às coisas internas, a vida instintiva está
ativa e o indivíduo pode usufruir do uso de impulsos instintivos, incluindo os agressivos,
convertendo em bem, na vida real, o que era dano na fantasia. Isso constitui a base do
brincar e o trabalho. Toda agressão que não é negada, e pela qual pode ser aceita a
responsabilidade pessoal, é aproveitável para dar força ao trabalho de reparação e
restituição (Winnicott, 1988, p.101).
O tratamento na visão de Winnicott (1988) é o manejo do afeto, que significa ir ao
encontro do momento de esperança e corresponder a ele. “Não é a psicanálise, é a provisão
de cuidados que podem ser redescobertos pela criança, no interior dos quais a criança pode
fazer suas experiências com impulsos do id em uma estrutura de relação egóica” (Winnicott,
1988, p.511). A criança precisa ver tudo se desintegrar e perceber que, a despeito de tudo
o que ele fizer, o seu mundo continua lá e, neste processo, sentir a estabilidade do meio e
resgatar a confiança, elementos fundamentais para seu desenvolvimento.
Suportar o desejo de dissolução de um bebê já uma experiência é forte, provindo de
uma criança ou de um adolescente talvez seja de uma intensidade que o pai adotante não
imagina dar conta; mas, para o sucesso da adoção, ele precisaria suportar as dificuldades
para que a criança pudesse vivenciar a experiência e se curar. Se os comportamentos
antissociais forem entendidos como um grito de socorro, em lugar de um confronto de uma
personalidade ingovernável, há maior chance de elaboração e resolução dos conflitos e a
se conformar uma família.
BIBLIOGRAFIA
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DF: Centro Gráfico, 1988.
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2021.
CARVALHO, F.A. Um estudo psicanalítico sobre a adoção e devolução. Dissertação
apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, 2017.
WINNICOTT, D. W. Privação e delinquência. São Paulo: Martins Fontes, 2014.
WINNICOTT, D. W. D.W.W. sobre D.W.W. (1988) In Explorações Psicanalíticas. Porto
Alegre: Artes Médicas. (pp.433-443). Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.