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PRINCE AND ASSASSIN
PERILOUS COURT

LIVRO UM
Todos os personagens e eventos deste livro são fictícios, e qualquer
semelhança com pessoas reais é mera coincidência.

Notas de conteúdo: Este livro inclui violência típica de assassinos, abuso


infantil no passado e D/s leves.

PERILOUS COURT
Príncipe e Assassino
Príncipe Disfarçado
Príncipe e Peão
SINOPSE
Ele devia matar o príncipe não se apaixonar por ele...
Whisper não se lembra do seu nome verdadeiro. Tudo que ele conhece é a
guilda de assassinos de elite que o criou; atormentado por pesadelos ele não
pode recusar tarefas, mesmo quando seu novo trabalho não faz sentido:
Infiltra-se na corte do príncipe Julien, protegê-lo até que o sinal chegue e
depois matá-lo.

Julien esconde seus próprios esquemas por trás de uma reputação


sórdida. Ele não confia em ninguém além de seus irmãos, e certamente não no
belo e distante guarda da corte. Mas ele não precisa confiar no estranho para
ser atraído por ele.

Sob a fachada de playboy de Julien há um calor que Whisper não consegue


resistir. À medida que seus pesadelos escurecem, o toque de Julien é seu único
consolo, mas se apaixonar pode arruinar os dois.
A missão de Whisper não mudou, e o preço do fracasso é pior que a morte.
ÍNDICE

Capítulo 1:.................................................................................................. Whisper

Capítulo 2:..................................................................................................... Julien

Capítulo 3:................................................................................................... Whisper

Capítulo 4:..................................................................................................... Julien

Capítulo 5:.................................................................................................... Whisper

Capítulo 6:...................................................................................................... Julien

Capítulo 7:.................................................................................................... Whisper

Capítulo 8:....................................................................................................... Julien

Capítulo 9:................................................................................................... Whisper

Capítulo 10:...................................................................................................... Julien

Capítulo 11:..................................................................................................... Whisper

Capítulo 12:......................................................................................................... Julien

Capítulo 13:...................................................................................................... Whisper

Capítulo 14:.............................................................................................................. Julien

Capítulo 15:........................................................................................................... Whisper


Capítulo 16:............................................................................................................ Julien

Capítulo 17:........................................................................................................ Whisper

Capítulo 18:.......................................................................................................... Julien

Capítulo 19:....................................................................................................... Whisper

Capítulo 20:.......................................................................................................... Julien

Capítulo 21:...................................................................................................... Whisper

Capítulo 22:....................................................................................................... Julien

Capítulo 23:.................................................................................................... Whisper

Capítulo 24:......................................................................................................... Julien

Capítulo 25:..................................................................................................... Whisper

Capítulo 26:........................................................................................................ Julien

Capítulo 27:..................................................................................................... Whisper

Capítulo 28:.......................................................................................................... Julien

Capítulo 29:......................................................................................................... Whisper

Capítulo 30:............................................................................................................ Julien

Capítulo 31:.......................................................................................................... Whisper

Epílogo.

CAPÍTULO UM

WHISPER

Whisper se alinha com os outros na sala do pai. Ele ainda não viu o cliente,
mas já pode pegar pistas sobre o trabalho. O pai permite que muito poucos
clientes entrem no Canil para selecionar um Hound1 pessoalmente. Este
cliente deve estar pagando um prêmio.
Nenhum dos outros dois jovens no salão ornamentado compartilha uma
especialização com Whisper. À direita de Whisper está Adder, o segundo
melhor envenenador do pai. Além de Adder está Lily, que prospera em longas
seduções, passando meses ao lado de um alvo antes de eliminá-lo.
Whisper não demora em suas mortes, e ele não usa veneno. Ele fica
melhor com uma faca ou travesseiro e entra e sai em uma hora, sem deixar
vestígios. Então, o método de morte não é importante. Seus dossiês seriam
suficientes para isso de qualquer maneira.
A formação física sugere que a aparência pode desempenhar um papel.
Eles são todos do sexo masculino, todos em torno da mesma idade. Mas é aí
que as semelhanças terminam, talvez o cliente escolha entre os tipos. Lily tem
cabelos escuros e lustrosos, pele morena e uma figura esbelta cuidadosamente
mantida. A pele de pêssego de Adder tende a descascar em vez de bronzear, e
1
Hound: cão de caça
ele está atualmente experimentando uma infeliz barba enferrujada. Ele se
move mais rápido do que a constituição de seu lavrador sugeriria.
Whisper é pequeno e parece mais jovem do que sua idade provável de
vinte. Bonito, em vez de lindo. Ele não tem a elegância esbelta de Lily, e
embora ele possa domar seu cabelo loiro bagunçado em algo atraente, ele não
precisa. Whisper não aceita trabalhos longos e não seduz seus alvos.
Se é um trabalho para as aparências, Lily é a escolha óbvia.

Adder desloca seu peso no tapete floral escuro. Ele está em seu quarto
trabalho para o Canil. Mais dois antes que ele possa pedir uma benção ao pai.
— O que você acha que o cliente está procurando?
Whisper o ignora, atento aos passos que se aproximam do hall de entrada.
O pai não gosta quando eles falam demais.
— Por aqui, meu senhor, — papai diz do lado de fora da sala. — Não se
preocupe. Eles não vão te ver de jeito nenhum.
Esse é o único aviso de Whisper antes que sua visão escureça. A náusea
toma conta dele enquanto lanternas de seda vermelha e pinturas a óleo
desaparecem de seus olhos abertos, e apenas uma longa prática o impede de
fazer caretas. Ele está no Canil há quatorze anos e ainda não está acostumado
com a magia do sangue de Reo Barnaby.
Trancada no escritório do pai está uma garrafa de vidro do sangue de
Whisper, disposta ao lado de garrafas idênticas para todos os outros Hounds
no Canil. Os filactérios2 são o segredo do controle do Pai sobre seus cães; ele
não precisa lançar um novo feitiço toda vez que quiser puni-los. Cegá-los para
uma demonstração não é nada. Ele poderia parar seus corações com apenas
um pensamento e um toque de poder.
Se eles falharem em um trabalho, é exatamente isso que ele faz.
— Agradeço a acomodação —, diz o cliente. Macho, nem jovem nem velho.
Ou nascido na aristocracia ou bem treinado em fingir. — Eu entendo que isso
está fora de seus procedimentos habituais.
— Não é problema nenhum. Você gostaria de tomar uma taça de vinho? Eu
tenho Silaisan, ou uma safra local.
— Vou tentar o local.
Whisper desliga o som do pai abrindo e servindo o vinho, prestando
atenção ao ritmo lento do cliente pelos tapetes de tapeçaria. Ele para na frente
de cada um deles. Dezenove segundos na frente de Lily. Oito segundos na
frente de Adder. Ele para na frente de Whisper.
— Ah, aqueles olhos.
Há um tilintar de vidro na madeira antes de o Pai se aproximar.
— Lembre-se de que eles ainda estão ouvindo.
— É claro. Levante o queixo, garoto.
O cliente não o toca, mas o ar muda quando seus dedos Pairam logo abaixo
do queixo de Whisper. Whisper levanta o rosto, sem expressão. O olhar do
cliente é muito mais pesado do que a sugestão dos dedos.

2
Pequenos recipientes cúbicos feitos de couro.
Whisper não é de Fellrin como Lily e Adder. Ele nasceu nas montanhas de
escamas de Draskora, com os profundos olhos violetas para provar isso. Pela
forma como o pai silenciou o cliente, o interesse em seus olhos é relevante. O
trabalho é em Draskora?
O cliente se afasta, bebendo seu vinho.
— Qual é qual?
— Ali são Lily, Adder e Whisper.
— Eu vejo. Vamos continuar no seu escritório? Isso é delicioso, a
propósito.
Os dois homens saem. Momentos depois que a porta se fecha, a magia do
sangue passa pela cabeça de Whisper novamente. Sua visão volta lentamente,
camadas de névoa se dissipando, até que tudo o que resta do feitiço é uma leve
dor atrás das órbitas oculares.
— Acho que sabemos o que o cliente está procurando agora. — Adder
esfrega sua própria têmpora dolorida. — Ah, aqueles olhos.
Lily mira um chute no joelho dele, que Adder mal se esquiva.
— Cale-se. Eu vou voltar a dormir. Whisper?
Whisper se senta em um sofá vermelho rígido enquanto Adder desaparece
no corredor.
— Vou esperar pelo pai.
— Tão confiante. — Lily para na porta. — Este já será seu sexto emprego,
não é? Barnaby vai cobrar uma porra de resgate por isso. Ele vai querer tirar o
máximo de você enquanto pode.
Lily é um dos únicos Hounds que chama o pai pelo nome.
Whisper desvia o olhar.
— Isso é com ele.
Além de Hemlock e papai, Lily é provavelmente o aliado mais próximo de
Whisper no Canil. Eles transaram algumas vezes alguns anos atrás, quando
Lily alegou que ele precisava de alguém para praticar. Mas isso significa tão
pouco para Whisper quanto para Lily, e agora, Lily vai embora sem dizer mais
nada.
Sozinho, a postura de Whisper se suaviza. Sua cabeça se inclina contra o
encosto rígido do sofá, e a antecipação o percorre. Estranho e doloroso, não
muito diferente da magia do sangue. Lily está certo. Este seria seu sexto
trabalho. Ele só voltou de seu quinto um mês atrás, e ele pensou que teria que
esperar pelo menos meio ano antes do próximo.
Cerca de vinte pessoas vivem no Canil, uma mansão discreta no interior de
Fellrian. Às vezes mais, às vezes menos. Os mais novos ainda estão em
formação. Os mais velhos estão contando seus empregos.
Os primeiros cinco empregos são todos iguais. A recompensa pelo sucesso
é a sobrevivência e uma parte do lucro do pai. O preço do fracasso é a morte.
Depois que um Hound termina seu sexto trabalho, porém, o pai concede a eles
um benefício de sua escolha. Qualquer coisa dentro de seu poder, dentro da
razão.
Alguns escolhem a riqueza. Três anos atrás, Arrow conseguiu uma mansão
na capital Fellriana. Antes disso, Smoke pediu uma lasca rara de escama, o
minério impregnado de magia quase impossível de encontrar fora de
Draskora. A única benção que Whisper ouviu de papai recusar foi quando um
mago pediu um Graal “caro demais e facilmente rastreado.”
Mas geralmente, os Hounds escolhem a liberdade. O pai quebra a filactéria
deles e os liberta da maldição do sangue.
Não há mais treinamento, não há mais empregos. Não há mais magia de
sangue para cegar, matar ou forçar a obediência. Chega de se perguntar se o
café da manhã está envenenado porque Adder está testando seus antídotos.
Chega de ajudar os mais novos a treinar, e chega de elogios do pai quando ele
se sai bem.
Tocando sua pulseira novamente, Whisper conta as contas. Cada um é um
metal ou pedra preciosa diferente, derretido ou esculpido a partir de fichas
que ele tirou de cada um de seus alvos. Seu bracelete de troféus, Lily chama,
mas Whisper não se orgulha deles. Não são troféus. Só memórias.
Cada Hound lida com o trabalho de forma diferente. Alguns prosperam
com isso. Alguns preferem esquecer e compartimentar. Whisper nunca teve
jeito para isso.
Pés descalços trovejam pelo corredor, e a porta da sala se abre com um
estrondo. Hemlock se apoia na maçaneta da porta, é claro. Apenas Hemlock
faria tanto barulho.
— Pare de cochilar —, diz ela, mostrando covinhas. — Papai me pediu
para buscá-lo.
— Aposto que ele não pediu para você gritar, — Whisper diz, levantando-
se.
— O cliente se foi. — Hemlock vira seu rabo de cavalo bagunçado atrás do
ombro.
— Eu não o vi, mas ouvi a porta.
Whisper ainda pensa em Hemlock como uma das mais jovens, mas ela tem
quase dezesseis anos agora. Cabelos escuros, olhos castanhos brilhantes,
excitáveis. Ele não tem certeza de onde ela é. Ela não falou quando papai a
trouxe para casa seis anos atrás, e quando ela encontrou sua voz, seu sotaque
era mais parecido com o de Whisper do que qualquer outra coisa. Ele é quem
mais conversava com ela.
Enquanto ele também a ensinou a atirar facas, ficou claro desde o início
que os talentos de Hemlock estavam em outro lugar. Apenas quinze anos, e ela
já é a razão pela qual Adder foi rebaixado para o segundo melhor
envenenador.
Hemlock é a única que Whisper realmente sentirá falta quando for
embora. A única que ele considera uma irmã.
— Que benefício você vai receber? — Hemlock pergunta enquanto
caminham pelos corredores bem iluminados. A luz clara flui entre as barras de
ferro das janelas.
— Não, não diga isso. Eu não posso suportar. Promete que vai visitar, não
vai?
— Se o pai permitir. — Whisper para ao pé da escada, e Hemlock para ao
seu lado.
Há algo fora sobre ela hoje. Ela não precisa acompanhá-lo até o escritório
do pai, e ela geralmente não é tão pegajosa.
Whisper escova sua franja bagunçada para trás de sua testa.
— Você voltou do seu segundo emprego na semana passada, certo? Como
foi?
Fazendo uma careta, ela o deixa arrumar seu cabelo.
— Cinco dias atrás. Foi bem. É claro. Eu era incrível.
A voz dela é muito brilhante. Deliberadamente alegre demais. Ela não
tinha essas sombras sob os olhos da última vez que ele a viu. Por um
momento, Whisper corre o risco de perguntar: Você também tem pesadelos?
Mas ela não precisa carregar as memórias de Whisper em cima das suas.
Ela já é muito doce para o Canil.
— Você é sempre incrível, — Whisper diz em vez disso. — Vejo você no
jantar.
Suas covinhas aparecem novamente.
— Talvez você vá. Talvez você não vá. — Ela corre a uma velocidade
vertiginosa pelo corredor enquanto Whisper retoma a caminhada no andar de
cima. Seus passos estão calmos como sempre, mas seus ombros parecem mais
pesados do que o normal.
A voz do pai soa antes que Whisper possa bater na porta.
— Entre.
O escritório de Reo Barnaby não tem nada da decoração ornamentada do
salão. É uma sala espaçosa de linhas simples e organização precisa. Paredes
lisas caiadas e móveis mínimos: a escrivaninha do pai, algumas cadeiras de
madeira, uma estante e o armário de filactério. É fácil ver de relance se alguma
coisa está fora do lugar, e nada nunca está.
O único item confortável é o sofá de pelúcia contra a parede esquerda,
colocado para pegar a luz do sol. Nela está um gato preto como carvão,
parecido com um tigre “Henrietta.” Whisper desvia para acariciar sua testa
larga e sedosa antes de se aproximar da mesa.
Papai está sentado atrás de sua mesa, com os olhos na página que está
escrevendo. Sua cadeira de madeira não é mais confortável do que as cadeiras
na frente de sua mesa. Botões prateados brilham em seu colete cinza, e seu
cabelo preto está penteado para trás longe de sua testa. Já na casa dos
cinquenta, ou no início dos sessenta, ele pareceria um barão mercante
abastado se não fossem as cicatrizes visíveis onde suas mangas estão
dobradas. Outra linha branca-rosada de tecido cicatricial torce sua têmpora,
quase perdendo o olho direito.
A Hemlock confidenciou uma vez que achava o escritório do pai
intimidante. Ela não gosta de ficar tão perto dos filactérios. Whisper acha que
é o quarto mais confortável do Canil. É o único lugar onde ele não precisa se
preocupar com o que os outros estão tramando. O lugar onde pai é mais
honesto do que em qualquer outro lugar.
É aqui que o pai lhe diz quem matar, e onde Whisper relata seu sucesso
depois. Whisper sabe o que esperar nesta sala.
Deixando a caneta de lado, o Pai sorri calorosamente enquanto Whisper
puxa uma cadeira à sua frente.
— Sua próxima missão. — Ele desliza dois pedaços de papel sobre a mesa.
— Julian Sandry.
A primeira página é uma visão geral da tarefa bem escrita. Detalhes do
alvo, localização, requisitos especiais. Whisper examina primeiro a segunda
página: um retrato a carvão lacrado. O sombreamento preto e cinza captura
um rosto ousado, a arrogância juvenil do homem clara através do esboço.
Sobrancelhas fortes, lábios carnudos, maçãs do rosto salientes. O retrato é
interrompido pelas ombreiras que brilham em seus ombros.
Whisper não conhece o rosto, mas conhece o nome. Julien Sandry, segundo
príncipe de Silaise.
— Nós não tocamos na realeza antes.
— Temos, embora já faça algum tempo —, Pai diz. — Os clientes
raramente concordam com uma compensação adequada pelo problema.
A ideia de matar um príncipe não incomoda Whisper. Seu último alvo foi
um marquês Fellriano, e um marquês e um príncipe são apenas uma diferença
de grau de dificuldade. Matar nobres parece mais justo do que matar plebeus.
Eles podem oferecer uma proteção melhor para o Whisper contornar.
Embora a identidade do alvo esteja bem, tudo o mais escrito na página de
atribuição enche Whisper de desconforto.
— Há um bônus de tempo?
— Não é um bônus —, Pai fala. — O momento é obrigatório. Você deve se
infiltrar no castelo, estabelecer-se na corte e se preparar para matar o
príncipe quando receber um sinal. Se você o matar antes do sinal, ou depois de
dois dias após o sinal, a missão será considerada um fracasso.
E o fracasso significa que a vida de Whisper está perdida.
— Quando posso esperar o sinal?
— Não antes do primeiro dia de Briars.
Quatro meses apartir de agora. Whisper toca sua pulseira.
— Eu entendo que você sabe melhor.
— Mas? — Pai dá um tapinha na mão de Whisper sobre a mesa. — Fale o
que pensa, meu querido. Eu gosto de você inteligente. Agora é a hora das
perguntas.
No final do dia, os Hounds cumprem qualquer trabalho que o pai lhes
atribua, independentemente de suas preferências. Em alguns anos, mesmo
desajeitada, hiper Hemlock pode ser condenada a seduções cansativas de
meses de duração. Whisper tenta não pensar em Hemlock sofrendo por longos
trabalhos. Mas pai geralmente considera seus pontos fortes e fracos. As
diversas especializações fazem parte do valor do Canil em comparação com
outras guildas de assassinos no continente Alanthan.
Whisper não aceita um trabalho longo desde o desastre de sua segunda
missão.
— Este trabalho é perfeito para Lily —, diz ele. — Eu não. Não faço
trabalhos longos e não faço seduções.
pai ri.
— Que sedução? Você tem confraternizado demais com Lily. Há mais de
uma maneira de se infiltrar em um castelo.
— Três parágrafos deste briefing são sobre as ligações sexuais do
príncipe. — Whisper aponta para a página.
— Há mais informações sobre o tipo de homem que ele dorme do que
sobre sua magia. Isso parece um briefing3 de sedução para mim.
— Mesmo que fosse uma sedução, você já considerou que Lily pode não
ser tão perfeito assim? — O Pai bate na página, as unhas batem na frase elenco
rotativo de cortesãos.
— Se um príncipe quer uma empregada de cama, ele pode pagar uma.
Alguém menos polido pode ser mais atraente.
Seus olhos percorrem Whisper em uma avaliação desconfortável.

3
Um conjunto de informações, uma coleta de dados para a realização de um trabalho.
— No entanto, há outro motivo para acompanhar os associados do
príncipe.
Quando o pai não elabora, Whisper relê a página da tarefa. Uma cabeça
pesada bate em sua mão, e ele coça atrás da orelha de Henrietta enquanto lê.
Julien Sandry é o segundo de três irmãos. Todos os três príncipes são
legalmente filhos da rainha Margot Sandry e sua consorte Lady Claude Galant.
Seus pais biológicos são Lady Claude e o falecido Barão Tesson Rue. Nenhum
deles herdou a magia do ar Rue naturalmente, e o Barão Tesson faleceu antes
de compartilhá-lo através do feitiço de herança.
A rainha concedeu a cada um deles a magia da planta Sandry quando
tinham idade suficiente, mas a compreensão de Julien é a mais fraca das três.
Um obstáculo, mas não intransponível. Whisper já matou um mago antes;
furtividade é a chave.
Vinte e três anos, Julien gosta de caçar, jogar, beber e dançar, e passou os
últimos anos fodendo seu caminho pela corte da rainha Margot em Sandrelle.
No entanto, a missão de Whisper o levará ao Castelo Greenhaven, perto da
fronteira Draskoran, onde Julien deve substituir o comando de seu irmão mais
velho. A mudança das atribuições dos príncipes é muito abrupta. A frase sem
explicação oficial salta à tona na releitura.
Whisper para, antes que Henrietta o cutuque para continuar acariciando-
a.
— Nosso cliente não é o único que quer o príncipe Julien morto.
— Aí está —, Pai diz, com raro orgulho em sua voz. — É por isso que
preciso de você para este trabalho. Você é o meu melhor, Whisper. E o truque
para este trabalho não será matar o alvo ao sinal. Você também terá que
mantê-lo vivo até então.
O elogio caloroso não deixa espaço para recusa.
— Sim, pai.
Pai continua.
— Eu sempre soube que você tinha potencial, mas você me provou míope.
Eu suponho que você já memorizou isso, mas dê outra leitura só para me fazer
sentir melhor. Enquanto Whisper obedientemente relé a tarefa, o pai pega
uma garrafa de conhaque meio vazia e dois copos da gaveta da escrivaninha.
Ele despeja uma polegada de licor dourado em cada um.
— Podemos discutir suas necessidades de viagem e identidade amanhã.
Neste momento, há outra coisa sobre a qual precisamos conversar.
Henrietta volta para seu sofá macio enquanto o pai empurra o copo na
direção de Whisper. De qualquer outra pessoa, Whisper seria cauteloso, mas
se pai o envenenasse, seria por um bom motivo. O pai sempre tem um motivo.
Whisper sorve o conhaque. É o mais barato dos hábitos do pai, afiado no
fundo da garganta.
— Este é o meu sexto trabalho.
Pai esvazia o copo de um só gole e o pousa com um tinido.
— É seu sexto trabalho. Qual será o seu benefício, Whisper?
Uma hora atrás, a resposta teria sido simples. Whisper não quer adicionar
mais contas ao seu bracelete. À medida que envelhece, à medida que
compreende melhor o peso permanente de suas conquistas, os pesadelos
pioram. Ele está cansado de sangue em suas mãos e magia brincando
descuidadamente com seus sentidos, e apenas o pensamento de liberdade o
levou até seu último trabalho.
Isso foi há uma hora. Agora, há algo que ele quer muito mais
desesperadamente do que sua própria liberdade. Ele chama Reo Barnaby de
pai. A maioria deles faz. Mas há apenas uma pessoa que Whisper pensa como
irmã.
Whisper encontra o olhar do pai diretamente.
— Eu quero que você solte Hemlock.
A mandíbula do pai afrouxa, as sobrancelhas levantam e estendem a
cicatriz pelo rosto. A surpresa é rara nele.
— Por quê?
— Ela não é adequada para esta linha de trabalho. — Whisper resiste à
vontade de mexer em seu bracelete. O pai odeia quando ele fica inquieto, e se
ele ficar depois do sexto emprego, ele precisa manter pai feliz. — Ela tem o
talento, mas não o temperamento.
— O temperamento pode ser treinado, assim como o talento. Eu investi
bastante em Hemlock, e ela é valiosa.
— Ela é mais valiosa do que eu? — Whisper pergunta. — Eu sei que golpes
diretos ganham mais do que envenenamentos. Solte-a e continuarei
trabalhando para você. Isso está ao seu alcance, e você não tem motivos para
me recusar.
Pai se serve de outro copo. Sua breve surpresa se foi substituída por uma
calma ilegível. Depois de um longo momento contemplando seu conhaque, ele
encontra os olhos de Whisper novamente.
— Muito bem. Se você completar este trabalho, vou quebrar o filactério de
Hemlock e libertá-la. Antes que o alívio de Whisper se instale, paPai continua.
— Mas se a recompensa é dela, a punição é dela também.
Whisper se encolhe.
— O que? — O significado filtra lentamente por sua mente, como sua visão
nadando de volta após a cegueira. — Não. Você não pode.
— Os termos são finais —, diz o Pai. — Se você falhar no trabalho, eu vou
matar Hemlock em seu lugar. — Ele toma um gole de conhaque e pega um
livro. — Encontre-me amanhã depois do café da manhã para revisar a
logística. Você está dispensado por enquanto.
Horrivelmente entorpecido, Whisper se levanta sem sentir seus membros.
Só quando ele sai do escritório do pai é que o pânico se quebra em suas veias,
como inúmeras facas lascadas.

CAPÍTULO DOIS

JULIEN

Puxada por um par de cavalos cinzentos combinados, a carruagem do


príncipe chega ao Castelo de Greenhaven. A carruagem é pintada de um
elegante verde-claro, salpicado de marrom ao longo dos lados devido à
viagem empoeirada, e as cortinas branco-creme estão puxadas para trás. O
cocheiro cumpre seu dever com solene concentração.
Julien Sandry, no entanto, não está na carruagem. Ele cavalga seu próprio
cavalo prateado manchado pelos paralelepípedos limpos. A luz do sol reflete
nas ombreiras douradas que cobrem seus ombros, e couro preto cruza seu
torso. Uma adaga funcional, mas cerimonial, pende de seu quadril, o punho
incrustado de esmeraldas e opalas. Os guardas juramentados que o escoltam
usam uniforme preto semelhante.
Greenhaven parece muito com a última visita de Julien há alguns anos:
torres elegantes, janelas de vidro verde e dourado e portas ornamentadas
suavizam suas bordas. Os muitos jardins do castelo resplandecem com as
flores do início do verão. Mas a força fortificada é clara sob a ornamentação.
Como a sede do poder Silaisan ao longo da fronteira ocidental, o castelo abriga
muito menos cortesãos do que a corte da rainha Margot em Sandrelle, mas
muito mais soldados.
Audric é bom nesse tipo de coisa; organizar soldados, melhorar a
infraestrutura, manter a magia de Sandry ao longo da fronteira. Sem dúvida,
Audric ficará tão desgostoso em retornar a Sandrelle quanto Julien em deixá-
la. Mas as circunstâncias estão além de seu controle.
Reprimindo sua inquietação, Julien acena para uma fileira de soldados em
verde escuro. Ei, ele passou por aulas militares e governamentais da mesma
forma que Audric. Tudo ficará bem.
— Você nunca se cansa disso? — Gaspard Rue pergunta, cavalgando ao
lado de Julien. Seu cabelo se agita em uma brisa invisível, a extensão de sua
magia hereditária Rue mantendo-o fresco no calor do início do verão.
Aparentemente ansioso para provar sua falta de ambição, Gaspard passou a
última década alternando entre escritórios ministeriais de baixo nível e
bordéis de alto nível.
Eles são primos, aparentados pelo Pai biológico de Julien, e Julien tenta
não usar isso contra ele. Assim como ele tenta não pensar na magia Rue
correndo em suas próprias veias.
— Cansado de acenar? Nunca —, diz Julien. — Isso mantém meus pulsos
flexíveis.
Do outro lado, Nadine Beaumont dá um suspiro sofrido.
— Muita informação, Alteza.
Capitã da guarda jurada de Julien, Nadine mantém Julien humilde, ou tenta
fazê-lo. O uniforme preto combina com suas feições severas, um feliz acidente.
Julien escolheu as cores sete anos atrás, com base no que ele achava que
parecia legal e perigoso. Ninguém deveria deixar garotos de dezesseis anos
escolherem qualquer coisa.
A procissão para no amplo pátio. Ao pé dos degraus do castelo, um
pequeno grupo de soldados espera em posição de sentido. Além deles está o
irmão mais velho de Julien. Todas as árvores que cercam o pátio parecem
torcer e curvar-se sutilmente, virando-se para Audric como se ele fosse o sol.
Controlando seu sorriso junto com sua égua, Julien desmonta. Ele dá um
tapinha no ombro do cavalo antes que um cavalariço a leve embora, então
caminha em direção à carruagem verde-clara. Acostumado às excentricidades
do príncipe, o motorista não se incomoda em descer para ajudar. Julien abre a
porta da carruagem e seu ocupante espreita: um cachorro castanho e
desalinhado, um pouco mais alto que o joelho de Julien.
— Depois de você, Lord Cupcake —, Julien diz ao cachorro.
Abanando o rabo, Cupcake salta levemente da carruagem. Julien coça atrás
das suas orelhas e fecha a porta da carruagem.
— Você não vai entrar? — ele pergunta a Gaspard.
— Preciso fazer uma visita aos Marcels —, diz Gaspard. — Eles estão um
pouco atrasados em seu relatório de renda.
— A coroa elogia sua diligência, Senhor Ministro —, diz Julien com um
sorriso. — Vá em frente e coloque o medo da burocracia neles.
Gaspard saúda antes de partir. Com Cupcake quicando em seus
calcanhares, Julien sobe os degraus do castelo.
Audric não mudou desde a última vez que Julien o viu. Eles têm o mesmo
cabelo castanho, e ambos têm um pouco mais de 1,80m de altura, enquanto
Julien está emocionado por ser um centímetro mais alto, não é suficiente para
ninguém notar. Ninguém nunca confunde os dois, no entanto. A expressão
severa e a calma gelada de Audric são todas dele.
O pavor toma conta de Julien. Um estranho sentimento de culpa como
portador de más notícias. Ele pode ignorar o motivo de sua nova missão
contanto que não fale sobre isso, mas logo terá que dividir o fardo com Audric.
— Bem-vindo a Greenhaven, irmão. — Audric estende a mão. — Como foi
a jornada?
Eles apertam os antebraços exatamente o suficiente para serem educados.
— Terrivelmente chato —, responde Julien com um sorriso que talvez só
Audric possa ver. — Você mantém as estradas muito seguras por aqui.
Audric hesita um pouco antes de responder:
— Puramente para te irritar, é claro. Vamos conversar lá dentro.
Partes de sua comitiva se desprendem à medida que avançam pelo castelo.
Os cortesãos vão em direção ao chá da tarde, e a maioria dos guardas se
dispersa para administrar as transferências de serviço. Apenas Cupcake e
alguns guardas do juramento os seguem até a sala de mapas do segundo
andar, e apenas Cupcake os segue até a câmara.
A sala sem janelas é um dos poucos espaços em Greenhaven sem plantas.
Numerosas lâmpadas e espelhos tentam compensar a falta de luz solar. Uma
mesa redonda de madeira domina a sala, sua superfície esculpida com um
mapa em relevo de Silaise e seus vizinhos. As florestas e imensas cidades de
Fellrin se espalham ao sul. A representação da montanhosa Draskora a oeste
fica cada vez menos detalhada a cada quilômetro de distância de Silaise. O
continente maior de Alantha se curva ao redor de Jaws, um mar representado
em ondulações de madeira escuras.
Assim que Audric fecha a porta atrás deles, Julien o arrasta para um
abraço de urso indigno.
— Porra, é bom ver você.
Às vezes parece que ele e Audric são apenas irmãos a portas fechadas. Em
público, eles são rivais por um trono que Julien não quer. A lei de Silaisan dá à
rainha Margot o direito de escolher qual de seus três filhos herdará a coroa,
um direito que ela ainda não exerceu, embora todos tenham mais de vinte
anos e a escolha seja clara.
Julien garantiu que a escolha fosse clara.
Cupcake cai ao lado das estantes. Audric retribui o abraço com um forte
tapinha nas costas de Julien.
— Você é uma sanguessuga. Posso pegar uma bebida para você?
— Somente água. — Julien solta o irmão com uma careta. —
Provavelmente vou precisar jogar com os locais esta noite. Gaspard diz que
seu bordel favorito é aqui, embora ele diga isso sobre todas as cidades que
visita.
Audric faz uma pausa no gabinete.
— Não tenho certeza se essa é a melhor primeira impressão como Senhor
de Greenhaven.
— Qual é o mal em sair em um bar legal que por acaso tem alguns serviços
extras? Julien sorri. — Não é como se eu precisasse pagar por sexo de
qualquer maneira.
Revirando os olhos, Audric lhe entrega um copo e se inclina contra a mesa
de mapas. Julien se inclina ao lado dele, virando o copo em suas mãos. Depois
de um momento de silêncio, Audric pergunta:
— O que realmente está acontecendo, Jules?
A sala iluminada pelo espelho de repente está muito brilhante.
— Mãe está doente.
Audric exala.
— Quão ruim é isso?
— Não sei. — Julien é sempre honesto com seus irmãos. — Mamãe não vai
me dizer, e seu médico se recusou a aceitar meu suborno para obter
informações. A mãe diz que ela está bem, e ela tem corrido como sempre. Ela
diz que só quer você no palácio para ajudar mais. Eu acho que é mais sério do
que ela está me dizendo, no entanto, se ela está sendo tão secreta sobre isso.
Ela não quer que as outras casas sintam o cheiro de fraqueza.
— Alguém mais sabe?
— Só Claude, que está fora de si de preocupação. Você sabe como ela fica.
— Julien dá de ombros. — Claude queria ligar para Bell de volta ao país, mas
mamãe disse que não era necessário.
Bellamy sempre foi o favorito de Claude. O favorito de Audric e Julien
também, para ser justo. Julien não gosta de ter seu irmão mais novo tão longe
na ilha de Tavoc, mas é melhor do que tê-lo em Sandrelle, onde suas dores de
cabeça são muito piores.
— Claude sempre quer ligar de volta para Bell. — Suspirando, Audric
recua para sua calma habitual. — Talvez mamãe só esteja me ligando por
muita cautela, então.
— Pode ser. — Julien franze o nariz. — Apesar de toda a sua cautela, ela
não deu uma desculpa adequada para mudar nossas atribuições. O tribunal
não pode decidir se ela está me punindo ou você.
— Ela gosta de mantê-los adivinhando. Alguma coisa mudou em
Sandrelle?
— A moda está mudando para gaze e pastéis. Eu mal escapei com meu
couro preto sexy intacto. Você estará irremediavelmente desatualizado.
Não, o que estou dizendo? Julien cutuca o ombro de Audric.
—Você é muito bonito. Eles vão começar a se vestir como soldados para
copiar você no momento em que você chegar.
— Vou tentar misturar —, diz Audric. — Não quero que desperdicem seus
pastéis.
— E florais. Por favor, faça seu retrato, preciso ver você em flores. O que
mais... Cosette Pellerin insinuou secretamente que sua família apoiaria minha
reivindicação sobre a sua se eu tentasse o trono.
Audric bufa.
— Novamente?
— Novamente. — Isso faz parte do acordo de Julien com Audric. Até que a
mãe nomeie um príncipe herdeiro, e mesmo depois, algumas das famílias
nobres pensarão que a maneira mais fácil de ganhar poder é apoiar um irmão
sobre o outro. Julien prefere antecipar qualquer ameaça à reivindicação de
Audric, para saber em quem ficar de olho.
— A lealdade deles é desperdiçada em um cafajeste como eu, infelizmente.
Assegurei a ela que adoraria ouvir mais e, infelizmente, me distraí dando uns
amassos com o irmão dela.
— Provavelmente é por isso que eles querem você no trono, você sabe.
Seu apoio provavelmente tem mais a ver com a oposição da Casa Pellerin
aos objetivos de reforma de Audric. A promiscuidade de Julien é apenas uma
oportunidade extra.
— Cosette Pellerin tem irmãos muito atraentes. E primos. E aquele tio.
— Você não fez.
— Eu não —, Julien o assegura. Audric não precisa saber o quão perto
esteve de se deitar com o velho Armand Pellerin no inverno passado.
— Agora, me fale sobre Greenhaven. Com o que estou lidando aqui?
Todo o calor desaparece do rosto de Audric.
— Na superfície, nada. Tudo está calmo desde que os Fellrians deixaram
Draskora no inverno passado.
— Levaram tempo suficiente para desistirem —, diz Julien. — Draskora
nunca autorizará exportações de escamas, muito menos minas
compartilhadas reais.
— Eles não desistiram. Tenho certeza de que eles estão apenas se
reagrupando, não adianta muito.
— Desejaria sorte a eles se achasse que eles nos dariam uma parte —, diz
Julien.
— Imagine que belas árvores você poderia cultivar com escamas. Imagine
como os tônicos Pellerin poderiam ser intensos, só a rosa da noite...
— Obrigado, estou bem.
— Você realmente precisa relaxar. Tudo bem, você disse na superfície.
— Algo está se formando aqui. Não posso dizer quem está envolvido, mas
os nobres locais estão jogando cartas em particular mais do que costumavam,
e alguém anda contrabandeando mercadorias pelos bairros baixos. Ainda
estamos trabalhando em quem e o quê. E um caçador desapareceu há duas
semanas.
— Suponho que você não suspeite de um acidente de caça.
— Nós rastreamos sua última rota conhecida até cruzar a fronteira —, diz
Audric.
— Ela não deveria estar tão perto de Draskora, mas também não deveria
ter desaparecido.
— Os caçadores cruzam o tempo todo, mesmo quando não deveriam.
Cervos e anciões não reconhecem a fronteira. — Julien suspira.
— Vou ficar de olho nisso. Em quem posso confiar aqui?
— O cozinheiro, o curandeiro e todos os jardineiros estão seguros —, diz
Audric. — Eu também estou deixando Lucien no comando da companhia de
guarda do castelo por mais um mês ou dois, ou enquanto você precisar dele.
— Vou valorizá-lo. Alguém mais?
Por um momento, Audric parece mais velho do que seus vinte e seis anos.
— Temo que estou deixando você em um poço de víboras, Jules. E ainda
não separei as cabeças das caudas.
Do canto, Cupcake se estica em seus pés. Ele sacode seu casaco
desgrenhado, então trota para pressionar sua cabeça contra a coxa de Audric.
Depois de receber arranhões na orelha de Audric, ele passa para Julien.
— Não se preocupe comigo, Alteza. — Julien acaricia a cabeça desalinhada
de Lord Cupcake e se endireita. — Eu sei exatamente o que fazer com este
poço de víboras.
Audric caminha com ele em direção à porta.
— Atrevo-me a perguntar o que é isso?
— O que mais? — Julien abre a porta e lança um sorriso malicioso para
Audric.
— Vou dar uma festa.

***

— Estou ansioso pelo banquete —, diz Loras Frenn com uma taça de vinho
gelado.
— Parece que será o mais divertido que Greenhaven viu em anos. Décadas.
Talvez até séculos.
— Você está me dizendo que meu irmão nunca deu festas? — Julien toma
um gole de seu próprio copo. — Estou chocado. Completamente chocado.
Loras ri um pouco demais com a brincadeira. Julien não é tão engraçado.
Mas Loras não é má companhia até agora. Ele é o filho mais velho do
duque Hebert, que detém grande parte das terras ao longo da fronteira
Draskoran. Sua irmã mais nova herdou a maior parte da magia Frenn e deve
herdar o ducado, deixando Loras livre para beber e flertar com príncipes.
Eles estão passeando por um dos jardins agora, o ar dourado com
fragrância ao sol da manhã. Depois de uma semana em Greenhaven, os jardins
ricos lembram Julien mais fortemente de casa. Quatro guardas do juramento
seguem a uma distância educada. Nadine está ocupada ajudando Lucien a
entrevistar novos recrutas para a guarda do castelo.
— Admiro o príncipe Audric, é claro —, diz Loras. — Ele simplesmente se
deu melhor com minha querida irmã. Elinor é bastante... quero dizer isso da
melhor maneira possível... bastante severa.
Julien se lembra vagamente de Elinor; ele a viu pela última vez dez anos
atrás, quando ela ainda era conhecida como o irmão mais novo de Loras. Loras
é certamente o oposto de severo, rápido para sorrir e mais rápido para beber.
Ele é alguns centímetros mais baixo do que Julien, com feições morenas
quentes e a gargalhada de um homem com o dobro do seu tamanho. Julien não
se importaria de cair na cama com ele, se a ocasião o pedisse.
Talvez Loras seja mais astuto do que parece. Ele está intencionalmente
tentando prejudicar Julien contra sua irmã?
— Estou ansioso para conhecer Lady Elinor também. — Julien bebe
novamente seu vinho, uma mistura dourada e crocante dos vinhedos do sul.
Este parece um momento tão bom quanto qualquer outro para chegar ao seu
verdadeiro propósito na conversa.
— Mas a fronteira certamente não pode ser tão monótona. Ouvi dizer que
a floresta de anciões de sua família envergonha Sandrelle.
— Você caça, Alteza? — pergunta Loras. — Eu providenciarei uma caça ao
wyrm4 quando você quiser. Não sei sobre Sandrelle, mas nossas matas são
marcantes nesta época do ano.
— Não se sinta obrigado a me obrigar —, diz Julien, embora tenha feito a
observação justamente com essa intenção.
— Seria um prazer para a Casa Frenn recebê-lo, — Loras o assegura.
— Esplêndido. Vou pedir para alguém entrar em contato com você para
fazer arranjos.
As terras da Casa Frenn incluem a área onde o caçador local desapareceu.
Uma viagem de caça real será uma ótima desculpa para os guardas
juramentados inspecionarem a área com antecedência. Muito menos
perturbador do que solicitar permissão especial para uma investigação aberta.
O movimento chama a atenção de Julien do outro lado do jardim. Uma
figura visível além das margens de flores cor-de-rosa e douradas e os troncos
finos e dourados das árvores. A folhagem impede Julien de dar uma boa
olhada nele, tudo o que ele vê são cabelos dourados e uma camisa cinza-
escura. Isso é bastante suspeito; as únicas pessoas que deveriam estar aqui
são servos de verde ou guardas de juramento de preto.
Julien abaixa o copo.
— Loras, você poderia me dar um minuto? Há mais vinho no pavilhão.
— Claro, Alteza.

4
Um tipo de dragão.
Julien gesticula para um dos guardas seguir Loras e para os outros ficarem
na beira do jardim. Ele não precisa de babás quando está cercado pelas raízes
e veias da magia de Sandry. Taça de vinho na mão, ele caminha pelos
caminhos perfumados para enfrentar o intruso.
O intruso muito calmo serpenteando lentamente pelo jardim.
Julien vira uma esquina atrás do homem, e sua impressão inicial é de uma
figura esguia, meio pé mais baixa que Julien. Ondas de cabelo amarelo-ouro
bagunçadas roçam a gola dobrada de sua camisa. Braçadeiras de couro em
seus pulsos, mas nenhuma arma visível. Roupas simples. Julien só tem um
momento para admirar a forma como suas calças se agarram a sua bunda
antes que o homem ouça sua aproximação e se volte.
— Olá, — Julien diz alegremente, então esquece tudo o que ele queria
dizer.
A aparência do jovem chamaria a atenção de Julien em qualquer situação.
Seu rosto em forma de coração floresce entre os reinos de bonito e lindo.
Julien quer tocar seu queixo delicadamente pontudo e virar o rosto para um
lado e para o outro, para ver como a luz do sol ilumina cada novo ângulo dele.
Mas são seus olhos que detêm Julien em seu caminho. Um azul-púrpura
profundo, como crepúsculo ou hematomas, intocado pela luz do sol.
Olhos assim só vêm do coração de Draskora, onde as veias de escamas
convergem e a magia se infiltra na própria terra e água.
Não há indícios de Draskoran na voz do homem, porém, quando ele
responde:
— Sinto muito, você poderia me indicar o escritório do comandante da
guarda?
As palavras tiram Julien de seu transe.
— Você está aqui para as entrevistas dos guardas?
— Se eu puder encontrá-los.
O loiro gesticula impotente para o jardim ao seu redor.
— Tenho a sensação de que não deveria estar aqui.
— Você realmente não deveria. — Julien toma um gole de vinho,
recuperando-se da surpresa. — Que tal isso, eu vou falar as direções, em troca
do seu nome.
— Meu nome não vale muito, mas é Will Hadley.
Um nome Fellriano. Interessante. Ainda mais interessante? Will Hadley,
com o nome Fellriano e olhos Draskoran, não parece reconhecer Julien.
— Não se venda barato, Will. — Julien gesticula para que ele o siga.
— Passe aqui, está vendo aquele portão? Saia por esse caminho, depois
vire na segunda à esquerda através da cerca viva. Continue andando em linha
reta até chegar a uma parede, depois siga essa parede à direita até chegar a
uma porta. Você provavelmente verá seus colegas recrutas esperando por
entrevistas. Entendeu?
— Acho que sim —, diz Will. — A segunda esquerda?
— A segunda saída. — Agora que Julien superou sua surpresa, os olhos de
Will estão impressionantes cercados pelas flores douradas e cor-de-rosa.
Provavelmente uma má ideia oferecer-se para acompanhá-lo ao escritório de
Nadine.
— Não incomode os servos, mas você pode pedir a qualquer soldado as
direções. São os que estão em verde escuro.
Os lábios de Will se contorcem.
— Eu provavelmente pareço um idiota.
— Você não é o primeiro a se perder em Greenhaven —, diz Julien. — Meu
irmão mais novo se perdeu com tanta frequência que mamãe ameaçou colocar
uma coleira nele.
— Eu acredito nisso.
— Bell era mais velho do que você esperaria na época também. — Julien
ergue ligeiramente o copo em saudação. — De qualquer forma, eu tenho um
lugar para estar. Boa sorte com os testes.
— Obrigado, Senhor... — Will para.
Julien está tentado a continuar com a farsa do anonimato, veja quanto
tempo ele pode insistir antes que Will perceba quem ele é. Mas isso seria
injusto. Julien brinca com cortesãos perversos e intrigantes, não com
adoráveis jovens plebeus.
— Meu nome é Julien. E não me importo com o endereço casual, mas a
capitã Nadine provavelmente dirá para você me chamar de 'Sua Alteza'.
Para crédito de Will, ele não cora ou gagueja. Ele simplesmente pisca,
depois repete obedientemente:
— Vossa Alteza —. O honorífico soa melhor vindo dele do que de Loras. —
Você não deveria ter guardas com você? Sua Alteza.
Julien ri.
— Oh, Nadine vai adorar isso. Você soa como ela.
Levantando seu copo novamente, Julien se retira para o pavilhão antes
que ele perca o controle e comece a flertar de forma muito óbvia. Porque o
pequeno Will Hadley é muito atraente; e completamente fora dos limites.
Julien brinca com os cortesãos. Companheiros nobres e bajuladores. Ele não
brinca com seus empregados.
Há algo mais sobre Will que atrai o interesse de Julien. Ele não consegue
identificar o porquê. Não há nenhum sinal evidente na expressão de Will, sem
círculos sob seus olhos. Mas Julien tem a nítida impressão de que Will está
exausto.
Como se ele estivesse esticado demais. Como se ele não dormisse há dias.

CAPÍTULO TRÊS

WHISPER

A risada brilhante de Julien assombra Whisper pelo resto da semana,


desde a brisa até os primeiros dias de liberdade condicional. Whisper não
precisava de instruções de Julien, é claro. Sua falsa orientação foi uma
desculpa para vagar pelo terreno antes de sua entrevista.
Ele não esperava encontrar o próprio príncipe enquanto cobria o baseado.
E ele não esperava que Julien fosse tão gentil.
Todo o resto segue como planejado. A carta de referência de Whisper o
leva através da entrevista com a capitã Nadine. A mudança de pessoal deixou
brechas na guarda do castelo, e parecia um ajuste melhor do que os outros
disfarces que Whisper considerou. Ele não está acostumado a trabalhos
longos e não se sente confiante em sua capacidade de fingir experiência em
culinária ou jardinagem por mais de dois dias. Treinar com as duas dúzias de
outros recrutas é fácil; Whisper só tem que evitar demonstrar muito de sua
habilidade. Manter um perfil baixo é fundamental.
Ele não vê muito Julien, e apenas à distância, mas a pulseira em seu pulso é
um lembrete constante de seu verdadeiro propósito. Finos invólucros de
couro escondem as contas, as gemas e metais preciosos são muito caros para
um recruta de guarda usar abertamente. Tirar o bracelete seria mais
prudente, mas Whisper não consegue guardá-lo em qualquer lugar. Ele não
tem nenhum lugar seguro para escondê-lo.
O banquete de verão do príncipe Julien é a primeira missão oficial dos
recrutas da guarda.
O céu noturno está vivo com bandeiras esvoaçantes e fitas espalhadas
entre as árvores. Guirlandas de flores se torcem acima do pátio, e o vento traz
leves chuvas de pétalas de flores. O pátio externo está aberto ao público esta
noite, e moradores de todas as classes sociais se misturam entre mesas de
comida e bebida. Menestréis contratados dirigem uma dança vertiginosa no
centro, que envolve muito cair no chão e rir.
Posar como guarda era uma boa ideia. Whisper deveria estar vigiando
tudo e todos. Sua jaqueta verde escura o torna invisível para a maioria da
multidão, embora qualquer pessoa com olhos aguçados notará a falta de
insígnia nas costas. Os recrutas recebem pelo menos três meses de liberdade
condicional antes de ganharem qualquer autoridade real.
A capitã Nadine emparelhou cada recruta com um guarda veterano para o
serviço esta noite. O parceiro de Whisper é Rosin, um membro da guarda
jurada do príncipe. Uma mulher amigável com pele morena escura e cabelos
pretos lisos, ela é uma das poucas veteranas que não olha de soslaio nos olhos
de Whisper. Provavelmente é por isso que Nadine os juntou, a capitã é mais
observadora do que Whisper aprecia.
— Com que frequência Sua Alteza dá festas como essa? — Whisper
pergunta.
— Não com frequência, felizmente —, diz Rosin. — Ele geralmente
hospeda reuniões menores. Mais fácil de gerenciar do ponto de vista do
pessoal. Ou ele visita as festas de outras pessoas. De volta a Sandrelle, algum
cortesão está sempre fazendo aniversário ou meio-aniversário. Às vezes eles
comemoram os aniversários de seus pássaros de estimação.
Mais lanternas penduradas se iluminam à medida que o céu noturno
escurece. As luzes refletem nas flores e nas paredes de pedra pálida, dando ao
espaço uma qualidade iridescente.
— Há quanto tempo você trabalha para o príncipe?
Whisper finge se segurar.
— Desculpe. Provavelmente estou falando demais.
Rosin é realmente muito amigável.
— Você é bom, garoto. Estou na guarda dele há cerca de quatro anos.
Melhor chefe que já tive, nada como a fofoca.
— Que fofoca? — Whisper tem seu briefing de atribuição memorizado,
mas muitas dessas informações foram fornecidas pelo cliente desconhecido. O
cliente quer Julien morto, o que sugere um certo preconceito.
— O que você quer dizer com que fofoca? — Rosin pergunta.
— Sou de Fellrin.
— Certo. Eu continuo esquecendo isso. Se qualquer coisa, eu acho que com
o seu... de qualquer forma, Sua Alteza tem uma reputação. Rosin acena com a
mão vagamente.
— As pessoas dizem que ele fode com qualquer um.
Whisper está começando a gostar de Rosin. Ela é bastante acessível.
— E isso não é verdade?
— Claro —, diz Rosin. — Ele não fode ninguém, ele só fode homens. E ele
nunca mexe com servos ou guardas. Não se aproveita de sua posição.
— Essa é uma barra baixa —, diz Whisper.
Rosin bufa.
— Claro que é. E ainda.
— E ainda. — Whisper olha ao redor. Tudo parece seguro o suficiente no
final do pátio. — Está tudo bem se eu andar por aí?
— Só não toque no vinho, e me encontre se você vir algum problema.
Definitivamente, não toque no vinho do salão de banquetes. Algumas delas são
cravadas com roseira. Que é...
— Eu sei, temos roseira em Fellrin também.
Rosin ri e acena para ele.
Nadine deu a todos os recrutas as mesmas instruções antes da festa:
nenhuma imposição direta enquanto eles ainda estão em liberdade
condicional. O máximo que eles devem fazer é dar instruções aos hóspedes
perdidos; eles deveriam pedir reforços, mesmo apenas para escoltar
convidados bêbados demais para fora. Sem luta. Definitivamente sem armas,
então as facas de Whisper estão bem escondidas. E não podem tocar no vinho
enquanto estão de serviço, o que é fácil. Whisper não gosta de beber no
trabalho, quer o vinho esteja ou não enriquecido com afrodisíacos.
Escorregando para longe de Rosin, ele persegue o perímetro da reunião. O
uniforme de recruta o esconde à vista de todos, e nenhum dos convidados
olha de perto o suficiente para notar seus olhos.
Um aumento de volume e movimento na multidão chama a atenção de
Whisper. As pessoas se apressam em direção e para longe de um pavilhão de
seda ao lado da parede interna. Whisper patina ao redor da multidão para ver
o que todos estão olhando:
Um par de gatos acorrentados sob o toldo.
Preocupado, Whisper se aproxima. Alguns guardas de libré vermelha e
branca trabalham com guardas do castelo uniformizados de verde para
manter a multidão longe do pavilhão, como se os gatos fossem perigosos.
Whisper reconhece o sigilo de cisne da Casa Marcel abrindo suas asas sobre os
casacos vermelhos dos guardas. Seus esforços em controlar o espaço dão a
Whisper uma visão clara dos fellcats.
Eles são maiores do que Henrietta, suas peles leves o suficiente para
mostrar suas listras pretas. O gato mais próximo é de um azul profundo, o
outro de um verde prateado suave. Lado a lado e perfeitamente imóveis, eles
podem parecer pacíficos para os outros espectadores. Mas Whisper conhece
fellcats, e essa quietude é um aviso. Suas caudas não estão se contorcendo de
contentamento e suas orelhas não estão girando para frente e para trás. Eles
estão claramente estressados, e nenhum dos guardas de Marcel está alarmado
o suficiente com isso.
Cada felino tem sua própria magia, e há uma boa chance de que as pesadas
correntes de ferro em volta do pescoço sejam inúteis.
As criaturas inteligentes coexistiram com a nobreza Fellriana por
gerações. Eles não atacam aleatoriamente. Mas se eles estão estressados, isso
significa que ninguém aqui está atendendo às suas necessidades, e todas as
apostas estão canceladas.
Talvez seja bom que Whisper esteja aqui, e o príncipe Julien esteja seguro
lá dentro.
O uniforme de recruta de guarda de Whisper permite que ele se aproxime
do toldo sem que ninguém o detenha, e ele é silencioso o suficiente para que
os guardas de Marcel não o percebam. Ele se agacha ao lado dos quadris
tensos da gata azul, e suas orelhas de pontas escuras se movem em direção a
ele.
Em Alto Fellrian quase inaudível, Whisper pergunta:
— Algum de vocês fala mentalmente?
A cauda do gato azul se contrai. Uma voz feminina fria desliza na cabeça de
Whisper. Finalmente, um humano civilizado. Se você não tirar esses colares de
nós logo, Fisk vai fazer isso sozinho.
— Entendido —, diz Whisper baixinho. — Eu sou Will, qual é o seu nome?
Sua cauda se contrai novamente. Rumi.

— Ok, Rumi, Fisk. Fique lá um pouco mais. — De pé, Whisper considera se


deve ou não encontrar Rosin. Vai demorar mais, mas ele quer evitar chamar a
atenção para si mesmo.
Infelizmente, a questão logo está fora de suas mãos. O gato verde, Fisk,
balança a cabeça, sacudindo suas correntes. O som chama a atenção dos
guardas em frente ao toldo.
— Ei! — late um guarda de vermelho, com mais branco enfeitando seu
terno do que os outros. — Saia daí! você quer perder uma mão?
Um dos soldados de Greenhaven também se vira, um homem que Whisper
apenas reconhece vagamente. Seu sorriso se transforma em uma carranca ao
ver Whisper.
— Eu cuido disso, — ele diz ao guarda Marcel, e avança. Ele mal abaixa a
voz para assobiar: — Que porra você pensa que está fazendo, Draskoran?
Ah. Isso vai ser um problema.
— Meu trabalho —, diz Whisper calmamente. — Aquele homem está
encarregado dos gatos?
O rosto do homem está corado e ele cheira a vinho. Enquanto ele tem pelo
menos o dobro do tamanho de Whisper, Whisper pode desativá-lo em dois
segundos sem aumentar seus batimentos cardíacos. Se ele pudesse arcar com
o risco.
O que ela está dizendo? Você deveria mordê-lo, Rumi diz prestativamente em
sua cabeça. Ou Fisk pode mordê-lo? Eu não. Prefiro minha carne morta e cozida.
— Eu não quero nenhum problema —, diz Whisper. — Vá tomar outra
bebida. — Ele evita o bêbado e se aproxima do guarda Marcel no comando.
— Você está no comando desses fellcats?
— Sim, e você precisa ficar longe deles —, diz o homem. — Eles são um
presente de Lady Valerie, e eu sou responsável por garantir que eles não
mordam a cabeça de ninguém até que sejam entregues com segurança.
— Louvável —, diz Whisper. — Mas posso dizer que você nunca trabalhou
com fellcats antes. Eles são sensatos, mas as correntes os incomodam.
Precisamos levá-los para algum lugar tranquilo e remover as coleiras para que
possam se acalmar.
— Remover os colares? — O homem olha. — Você está louco?
— Conheço os fellcats —, diz Whisper. — Falei com eles e...
— Falou com eles? Prewitt, acho que seu amiguinho bebeu demais.
— Ele não é a porra do meu amigo —, resmunga o bêbado, andando
devagar.
— Não importa. — Whisper se vira e segue em direção ao pátio interno.
Ele não é bom em diplomacia, e lutar de uniforme pode fazer com que ele seja
expulso da guarda. Sua única alternativa é a guerra direta: apelar para seu
superior. Espero que a capitã Nadine saiba um pouco mais sobre os gatos do
que esse Prewitt e os guardas de Marcel.
Mas Whisper só dá alguns passos antes que o movimento pegue sua visão
periférica. Ele se esquiva da mão desajeitada que agarra seu ombro.
— Ei, os recrutas são designados para o pátio, — Prewitt insulta. — Não
deixe a porra do seu posto.
Porra, ele está mais bêbado do que Whisper percebeu. E as pessoas ao seu
redor estão começando a notar, os guardas de Marcel, um bando de
comerciantes na mesa de bebidas próxima, um grupo de moradores da cidade
que parou de dançar sob uma árvore iluminada por lanternas. A atenção
pinica desconfortavelmente ao longo da pele de Whisper. Talvez seja assim
que os fellcats se sentem agora. Acorrentado e pronto para quebrar.
Whisper não vai quebrar. Mas lutar de uniforme deve ser bom se todas
essas testemunhas virem Prewitt bater primeiro, certo?
Forçando um sorriso, Whisper se aproxima de Prewitt e diz, apenas para
os dois:
— O que é isso, Silaisan? Você acha que pode me levar porra?
É tão fácil. Prewitt rosna e enrola o braço para trás.
O soco é lento e desleixado, mas Whisper não se esquiva. Ele se move para
frente, movendo-se com o golpe. A dor queima ao longo de sua bochecha, o
suficiente para sentir, o suficiente para a multidão testemunhar, mas não o
suficiente para realmente doer. Whisper finge cambalear, cambaleando para
trás.
Em uma presença quente e sólida. Uma mão muito mais rápida que a de
Prewitt se fecha ao redor de seu pulso.
— Tudo bem, homens, o que diabos está acontecendo? — pergunta uma
voz familiar.
Um sino toca no portão interno do pátio e um arauto anuncia tardiamente:
— Príncipe Julien Sandry.
Desespero toma Whisper, tão pesado quanto a mão em torno de seu pulso.
Tanto para manter um perfil baixo.

CAPÍTULO QUATRO

JULIEN

Julien tinha um plano para a noite. Coma um pouco, beba muito, prove a
rosa da noite, siga Valerie Marcel para ver qualquer presente surpresa que ela
tinha para ele, depois fuja para um canto escuro e estabeleça relações
diplomáticas íntimas com Loras Frenn.
Examinando o pátio caótico, Julien mentalmente coloca uma dor de cabeça
em seu itinerário também. Enquanto ele queria agitar as coisas esta noite, ele
queria que a agitação fosse entre a nobreza local, não sua própria guarda do
castelo.
Julien segura o guarda louro e magrelo até que alguém detenha o guarda
maior. Só quando ele recua ele reconhece Will Hadley perdido do jardim.
— Vejo que você conseguiu passar por testes —, diz Julien para ele.
Uma marca sobe na bochecha esquerda de Will, mas ele está muito mais
calmo do que o guarda mais velho ofegante e com o rosto vermelho atrás dele.
— Sua Alteza.
— Sim, sou eu. Vou me repetir, o que diabos está acontecendo?
— Eu gostaria de me pronunciar, Alteza, — Lady Valerie diz ao seu lado.
Pálida e resplandecente em seu vestido vermelho Marcel, ela encara um de
seus próprios guardas.
— Eu lhe disse para manter todos longe dos animais. Alguém se
machucou?
— Não, Lady Valerie.
Julien já viu um único gato à distância, em uma viagem de infância a
Fellrin. A mãe não permitiu que ele chegasse perto deles, o que foi
decepcionante, mas compreensível. Cinco anos de idade na época, Julien tinha
mais entusiasmo do que bom senso quando se tratava de gatinhos de
quatrocentos quilos.
Os anos intermediários não lhe deram muito mais sentido. Os gatos são
lindos, enchendo Julien com um desejo indigno de enterrar o rosto em suas
peles de pelúcia.
Talvez mais tarde.
O guarda mais velho, Prewitt, endireita-se.
— Sua Alteza! Eu estava ajudando os Marcels quando o recruta começou a
assediar os fellcats. Quando tentei confrontá-lo com calma, ele começou uma
briga.
— Obrigado. — Julien aponta para Will. — Qual é a sua versão?
Will não se endireita; sua postura já é excepcional.
— Vou explicar assim que alguém levar os gatos para uma sala silenciosa,
Sua Alteza. Eles estão muito estressados para estar em uma multidão como
essa.
Não era a desculpa que Julien esperava.
Franzindo a testa, ele se aproxima do toldo de seda. O guarda de Marcel
avança como se quisesse detê-lo até que Valerie gesticula bruscamente. O gato
verde-prateado se senta quando Julien se aproxima, seu peito pálido
incrivelmente fofo e seus olhos brilhando dourados. Lindo, mas com certeza,
suas orelhas estão presas de ansiedade.
— Antes que eu tenha muitas esperanças, Lady Valerie, me diga se esta
não é a surpresa que você quis dizer.
Valerie se aproxima um pouco hesitante.
— Príncipe Audric disse que você gostava de animais. O mercador
Fellriano nos garantiu que eles se dão bem em multidões, mas o manipulador
se recusou a viajar para Silaise, então meu povo tem feito o melhor que pode.
— Suponho que meu irmão sabe uma coisa sobre mim. — Julien evita seu
pedido de desculpas implícito. — Estou emocionado com o presente. Vamos
fazer o chá mais tarde. Mas primeiro, acho que Will aqui está certo. Vamos
tirar esses caras de perto dos civis. Se o seu pessoal pudesse mostrar ao meu
povo como lidar com as correntes...
— Não precisa, Alteza, — Will diz, enquanto os olhos do gato verde-
prateado brilham em branco.
Metal tilinta, e as coleiras caem dos pescoços maciços dos fellcats. Eles
batem nos tapetes e rolam para longe. A gata azul fica de pé, arqueando as
costas, e sua mandíbula se alarga em um bocejo enorme e retumbante.
Algumas pessoas gritam, e Valerie dá um passo para trás. Implacável, Will
dá um passo à frente e desliza a mão sob a mandíbula do gato verde, cada
movimento da mão onde o gato pode ver. Depois de algumas palavras que
Julien não consegue entender, ele olha para trás.
— Eles falam Alto Fellriano. Diga-me para onde ir, e eu os levarei até lá.
Há algo particularmente impressionante no jovem magro sob o toldo
vermelho, cercado por luzes, tapetes macios e gatos gigantescos. Uma beleza
precisa e frágil. Como se Will estivesse tão estressado e pronto para atacar
quanto os gatos.
Tão intrigante quanto.
Julien puxa seu colarinho. A noite está quente demais.
— Siga-me até o Oak Room.

***

O Oak Room é um salão de visitas não muito longe do salão principal, bem
isolado o suficiente para que os sons do banquete desapareçam quando a
porta se fechar. Painéis de carvalho escuro, vasos de plantas nos cantos e
alguns dos sofás mais confortáveis em que Julien já se sentou. Ele escolheu o
quarto principalmente porque é um dos poucos quartos que ele se lembra
nesta ala do castelo, mas funciona bem o suficiente.
O único problema com o Oak Room é que está um pouco quente demais
esta noite. Julien desabotoa a jaqueta enquanto o calor percorre sua pele.
Como Will prometeu, os fellcats obedientemente os seguem até a sala.
Uma vez lá, o gato azul reivindica um dos sofás, enquanto o gato verde maior
se ocupa em cheirar cada planta em vaso.
Will fica de pé, com as mãos atrás das costas, no centro da sala. Ele está
tenso como uma corda esticada, e Julien está a um passo de perguntar se ele
está bem, mas Julien viveu no tribunal tempo demais para ser direto com
perguntas íntimas como essa.
— O que eles comem? — ele pergunta em vez disso.
— Eles preferem carne cozida.
Julien dá instruções a um dos guardas. Ela sai para a cozinha, deixando
apenas dois guardas de juramento vigiando do lado de dentro da porta. A
supervisão quase constante faz parte do estilo de vida real.
— Tudo bem, recruta. — Julien cai no sofá não ocupado por um gato
gigante.
— Conte-me sua versão dessa briga ridícula.
— Sua Alteza. — Will está bastante calmo para um recruta pego brigando.
— Meu pai tem um fellcat, e eu conheço o comportamento deles. Fisk e Rumi
estavam quase estressados o suficiente para deixar a festa por conta própria,
o que poderia ser perigoso.
— Fisk e Rumi?
— Fisk é o macho verde com telecinesia. Rumi é a fêmea azul com
telepatia. Ambos podem entender a fala humana, mas apenas Rumi pode
projetar seus próprios pensamentos na mente de alguém.
O lábio de Will se curva em quase um sorriso.
— Como a maioria dos fellcats, eles só falam Alto Fellrian, não Trade.
— E os Marcels não conseguiram que um manipulador Fellrian se movesse
com eles. Não é à toa que houve problemas. — Julien se inclina para a frente e
se dirige diretamente aos gatos.
— Lorde Fisk e Lady Rumi, é um prazer conhecer vocês dois.
Eles o ignoram. Julien acena para Will continuar.
— Eu tentei dizer ao guarda da Casa Marcel para movê-los, mas o Guarda
Prewitt bebeu demais e interferiu. Eu não estava conseguindo negociar com
ele quando você chegou, Alteza.
A postura de Will não muda.
— Sei que deveria ter relatado a Rosin ou a capitã Nadine em vez de tentar
lidar com isso sozinho. Eu só estava preocupado com os fellcats.
Julien inclina a cabeça.
— Não são os convidados humanos?
— Os guardas estavam lá para cuidar dos humanos —, diz Will. — Achei
que ninguém mais se preocuparia com os gatos.
Os olhos de Will estão arregalados e sinceros, e Julien não ficaria surpreso
se aqueles lindos olhos roxos fossem parte do problema esta noite. Ele terá
que perguntar a Nadine ou Lucien se Prewitt mostrou preconceito contra os
Draskorans antes. Puxando o colarinho da camisa de novo, está realmente
muito quente aqui, Julien diz:
— Você tem um coração bondoso.
— Vossa Alteza, — Will diz, em uma refutação educada.
Porra, ele é adorável.
— Bem, você contou uma bela história. Vou corroborar com Nadine, e ela
decidirá o que fazer a respeito. Ela não gosta que eu me intrometa.
Inquieto, Julien se levanta e caminha até um armário. Abri-lo revela livros
em vez de vinho. Certo. Este é o castelo de Audric.
Uma bebida gelada seria bom agora, no entanto.
— Conte-me mais sobre os fellcats. — Julien tira o paletó. Ele está mais
confortável sem o peso sobre a pele. — Eu pensei que eles eram muito raros,
mesmo em Fellrin, o que seu Pai faz para viver?
— Ele é um comerciante em Takera —, diz Will. — Não tenho certeza de
como ele conseguiu Henrietta. Eles são raros nas cidades, mas ninguém sabe
ao certo quantos deles vivem nas florestas do sul. Sua magia é menos
previsível que a magia humana. A herança parece bastante aleatória.
— Fascinante. — Julien não tem certeza se ele está mais fascinado pelos
gatos mágicos gigantes, ou pelo jeito que Will parece se iluminar enquanto fala
sobre eles.
— É rude perguntar o quão inteligentes eles são?
— Nem mais nem menos que humanos, apenas diferentes —, diz Will. —
Eles são gatos. Eles têm suas próprias prioridades.
— Fascinante —, repete Julien. — Estou ansioso para conhecê-los, se eles
quiserem ficar em Greenhaven.
Isso parece assustar Will.
— O que? — Julien pergunta. — Você disse que eles são inteligentes.
Pergunte a eles se eles querem ficar, e se não quiserem, vou mandá-los de
volta para Fellrin. Eu não manteria ninguém aqui contra sua vontade.
Uma estranha tensão cruza o rosto de Will com isso. Antes que Julien
possa perseguir o assunto, a porta se abre e um criado entra com uma bandeja
de comida para os gatos. Ela hesita quando dois pares de olhos dourados
predatórios se fixam nela.
— Eu vou levar isso. — Will alivia a criada nervosa do frango assado,
permitindo que ela recue. Ele coloca a bandeja em um pedaço de chão sem
carpete. O movimento faz sua manga subir pelo braço, expondo um pulso fino,
pálido sob um bracelete de couro preto.
O calor no corpo de Julien encontra direção. A consciência de sua própria
excitação bate violentamente, junto com a memória do copo de rosa-da-noite
que ele bebeu no banquete. Há quanto tempo? Uma hora? Hora e meia?
Exatamente o suficiente para ele se sentir assim.
Julien deveria estar mergulhado na diplomacia com Loras Frenn agora.
Não aprender sobre fellcats e olhar maliciosamente para um inocente recruta
de guarda. Pau esticado contra as calças, sangue como mel quente em suas
veias, Julien tenta pensar. Respire fundo, Julien. O que Audric faria?
Audric não tomaria afrodisíacos recreativos em primeiro lugar, então isso
não ajuda muito.
— Sua Alteza? — Will escova o cabelo para trás, e o movimento queima o
pulso de Julien. Ele quer mais do que tudo enfiar as próprias mãos no cabelo
de Will. Ele gostaria que fosse puxado? Ou ele gostaria mais suave?
Quão macio é o cabelo de Will?
— Alteza? — Will pergunta novamente.
— Desculpe. — Porra, quão óbvio ele está sendo? — O que foi?
Will morde o lábio.
— Eu sei que você disse que a capitã Nadine cuidaria disso, mas se você
tiver alguma influência, eu gostaria de manter este emprego.
Realmente injusto da parte de Will morder o lábio daquele jeito. Julien
está tendo problemas suficientes para se concentrar sem que essa imagem
sacudindo direto para seu pênis.
— Por que você não o manteria?
— Quem foi a culpa, eu ainda lutei de uniforme. Há uma regra contra isso,
e ainda estou em liberdade condicional.
Regra sensata. Nadine é sensata, como Audric. Ela também não usa
roseira. Julien provavelmente deveria pedir licença agora mesmo e não
satisfazer seu interesse acalorado por Will, mas em vez disso ele diz:
— Diga-me por que você quer tanto esse emprego.
Os olhos de Will são escuros como sombras, e seus lábios docemente
rosados moldam cada palavra:
— Você também tem um coração bondoso, Alteza. Eu gostaria de servi-lo.
Julien engole em seco.
Certo, Jules, é hora de dar o fora daqui. Joelhos fracos e cabeça zumbindo,
ele consegue responder:
— Fique tranquilo. O que quer que Nadine decida, ela não vai demitir você.
Mesmo que Julien tenha que abusar um pouco de sua autoridade para
intervir.
— Obrigado, seu...— A testa de Will franze. — Você está bem?
Rumi ergue os olhos de seu lugar no sofá para a preocupação na voz de
Will. Julien está hiperconsciente de seu olhar felino de julgamento, o quanto
ela entende o comportamento humano?
Um dos guardas levanta a mão em um gesto de interrogação. Julien bate os
dedos na coxa, um sinal para esperar.
— Estou bem, — ele diz a Will. — Acabei de me lembrar de algo que
preciso cuidar. Nadine enviará alguém para ajudar com Rumi e Fisk. Diga a
eles o que você precisar.
Will se aproxima, e o cheiro limpo dele enche os pulmões de Julien mais
uma vez. Julien quer enterrar o nariz no pescoço de Will. Colocar a mão dele
ao redor do pulso de Will. Ele não prestou atenção suficiente na primeira vez
que agarrou Will.
— Você não parece bem, Sua Alteza, — Will diz, com uma preocupação
encantadora.
— Você comeu alguma coisa desconhecida? Sente-se, estou chamando por
um...
— Se você chamar um curandeiro, você está demitido.— Julien dá um
passo deliberado para trás. Ele levanta a mão quando Will o segue, e as pontas
de seus dedos roçam a frente da jaqueta de Will. A leve fricção ressoa por todo
o corpo de Julien, e ele não consegue pensar em nenhuma desculpa razoável
além da verdade.
— Não estou envenenado. A rosa da noite acabou de entrar em ação.
— Oh, — Will diz, então dá um passo para trás.
Cada instinto grita para Julien fechar a distância novamente, mas seu
último fragmento de racionalidade apodera-se do adiamento. Ele não
consegue ler a reação de Will. Nojo? Embaraço? Eles brincam com a rosa da
noite em Fellrin?
As conchas das orelhas de Will ficam vermelhas sob seu cabelo bagunçado.
Elas são quentes ao toque?
Julien se desvencilha e agarra o paletó, como se fosse o último resquício de
sua dignidade.
— Obrigado por intervir pelos fellcats esta noite. Vamos conversar
amanhã.
Se Will atende, Julien não ouve na pressa de sua fuga. Ele acha que ouve
uma risada mal abafada de um de seus guardas juramentados enquanto se
retira.
À medida que o corredor se estende à sua frente, Julien recorda a distância
até seus aposentos na ala leste. Ele considera o risco de esbarrar em outras
pessoas ao longo do caminho e derrapa até parar na próxima porta disponível.
— Isso é um armário de armazenamento, Alteza, — um de seus guardas
diz prestativamente.
— Excelente —, diz Julien através de seu torpor. — Espere aqui enquanto
eu verifico o estoque.
Felizmente, o armário está destrancado e quase vazio. Julien fecha a porta
e se encosta na parede, já mexendo nas calças. A rosa da noite nunca o atingiu
tão forte antes. Talvez ele tenha esperado demais para agir. Ou talvez a culpa
seja do recruta de guarda injustamente atraente de quem Julien acabou de
fugir. O calor passa por ele, coalescendo com intensidade dolorosa em sua
virilha.
Julien não se incomoda em tirar as calças. Ele apenas empurra a mão para
baixo e segura seu pau dolorido, e o toque é um alívio, ele tem que morder o
lábio em um gemido. Seus guardas juramentados estão no corredor, e do
outro lado desta parede.
Do outro lado desta parede está o Oak Room, onde provavelmente Will
ainda espera.
A imaginação de Julien se apodera da imagem enquanto ele se acaricia. O
cabelo de Will brilhando no jardim ensolarado. Os olhos de Will se
arregalaram nas sombras. Lábios franzindo teimosamente quando ele
suspeita de veneno, então suavizando com surpresa com a palavra roseira.
Afundando em sua mão, Julien se imagina tocando aqueles lábios macios e
rosados, empurrando os dedos para dentro.
Eu gostaria de servi-lo, disse Will.
Enquanto a memória queima cada nervo de Julien, seus joelhos se dobram
com a força de seu orgasmo. Ela o varre como um vento rugindo, e ele não
sabe se consegue abafar seu gemido gutural com a mão.
Encostado na parede, Julien tenta recuperar o fôlego e firmar as pernas. O
calor persiste da rosa da noite, mas é administrável agora, ao contrário das
imagens de um inocente recruta de guarda jogando sem restrições na mente
de Julien.

CAPÍTULO CINCO

WHISPER

Whisper sonha com Atsuji Vernon novamente. Um tipo de avô bondoso


que gostava de pintar. Ele era um marquês também, mas a pintura é o que fica
com Whisper. Uma Paisagem inacabada estava em um cavalete quando
Whisper entrou pela porta da varanda dois meses atrás.
Atsuji nunca viu Whisper. O travesseiro sobre seu rosto cobria seus olhos
assim como sua boca, e o sopro do paralítico garantiu que seus membros
estivessem fracos demais para lutar contra Whisper. Whisper usou uma mão
para pressionar o travesseiro sobre o rosto, a outra para beliscar certos
pontos em seu pescoço frágil e enrugado.
Vai acabar logo, Whisper pensou silenciosamente para ele. Mas ele não se
atreveu a falar, e suas palavras não tranquilizariam o velho de qualquer
maneira.
Na verdade, acabou rápido. Nos sonhos de Whisper, o velho leva horas
para morrer. Não há travesseiro, apenas a mão de Whisper estendida sobre os
lábios enrugados, nunca conseguindo fechar suas narinas. Os olhos de Atsuji
estão brilhantes e vivos e fixos nos de Whisper.
A pintura muda. Uma Paisagem, um retrato. Uma versão derretida do
rosto de Whisper. O rosto do pai se abre em uma risada que ecoa da tela.
— Vai acabar em breve —, Whisper ofega no sonho, exceto que a boca sob
a palma da mão não está mais enrugada, e o cabelo desgrenhado no
travesseiro não está mais desgrenhado e branco. Hemlock luta e agarra seu
pulso, seus olhos úmidos e em pânico e implorando a Whisper para deixá-la ir.
— Não posso. — A voz de Whisper interrompe o sonho. Ele não sente a
dor quando as unhas de Hemlock cravam em suas veias. O veneno bombeia
em direção ao seu coração e embaça sua visão.
— Estou fazendo isso por você.
Um baque na porta arrasta Whisper do sonho. Atordoado, os pulmões
queimados como se fosse ele quem estivesse asfixiando, ele enterra o rosto na
cama utilitária e tenta se recompor. Ele não está no Canil. Ele não está no
quarto do marquês. Ele está no quartel do Castelo Greenhaven.
Seu colega de quarto, um colega recruta, xinga sonolento e cambaleia até a
porta.
— Você sabe a que horas... que porra é essa!
Whisper se levanta, pegando a faca debaixo do travesseiro, então congela.
A forma maciça de pele azul de Rumi preenche toda a pequena sala do
quartel. Ela passa pelo colega de quarto de Whisper sem olhar duas vezes, os
olhos dourados luminosos fixos em Whisper.
Você está acordado! Bom. Diga aos Silaisans que nosso café da manhã é
insuficiente.
— Eles não te alimentaram o suficiente? — Whisper desliza da cama e
começa a se vestir.
É muito simples, Rumi reclama. Nós gostamos de especiarias! Sabores!
— Mas por que você precisa de mim? Deixei você com alguém que falava
Alto Fellriano para cuidar de vocês.
A garotinha estava muito nervosa e estúpida. Isso nos incomodou. Você não
nos incomoda.
— Que porra está acontecendo? — O colega de quarto de Whisper diz. —
Eu não... devo... que porra é essa?
— Está tudo bem. Nós iremos em breve, — Whisper diz a ele em Trade.
Amarrando as botas, ele volta para Alto Fellrian para falar com Rumi.
— Onde está Fisk?
Sendo útil por uma vez. Ele está atrasando a mulher rabugenta.
Isso é provavelmente uma má notícia.
Whisper encontra Fisk esparramado de barriga para cima em um pedaço
de luz do sol perto da entrada do quartel. Sua pele brilha em um verde-folha
nova na luz, e sua forma lânguida ocupa a maior parte do corredor. Atrás dele
está a mulher mal-humorada.
— Recruta. — Nadine cruza os braços. — Você tem uma explicação para
isso?
— A mulher que cuidava deles parecia muito nervosa, — Whisper diz a
Nadine, revisando levemente o tom de Rumi. — Eles não queriam deixá-la
desconfortável.
— Que consideração, — Nadine diz, inexpressiva. — Bem, não podemos
ter gatos invadindo o quartel todas as manhãs, e o príncipe tem suas próprias
ordens. Arrume suas malas. Você está se mudando.
Foda-se.
Pesadelos ainda se apegam a seus pensamentos confusos. Whisper não
dormiu o suficiente para pensar com clareza. O que um recruta comum diria
nessa situação? Ele se sente desequilibrado, como se tivesse doze anos de
novo e não soubesse como ele estragou o último exercício de treinamento. Ele
terá que pular o jantar, ou seu crime é mais sério?
A súplica manipuladora de ontem à noite ao príncipe Julien foi em vão?
— Estou sendo demitido? — Whisper pergunta.
— Pior, — Nadine diz. — Você está sendo promovido.

***

Whisper garante que o segundo café da manhã de Rumi e Fisk tenha


tempero suficiente antes que Nadine o acompanhe até os aposentos de Julien.
Ele presta muita atenção a cada centímetro do corredor ao longo do caminho.
Cada porta e janela, cada cortina elaborada e estátua que poderia ser um
esconderijo ou uma distração. Há mais plantas do que Whisper já viu dentro
de casa antes.
Ninguém mais vive neste andar da ala leste, e guardas juramentados na
escada observam todos passando. Seria uma infiltração complicada se
Whisper não estivesse sendo conduzido diretamente.
A sala de Julien está inundada de luz. As portas das varandas abertas
recebem uma brisa de verão que farfalha através das cortinas. Duas pequenas
árvores ladeiam a varanda, abrigadas em vasos de vidro cerúleo.
Como uma coisa selvagem transplantada e domada, Julien se recosta em
um sofá verde de pelúcia, um tornozelo apoiado no joelho. Ele embala uma
caneca em uma mão e com os outros animais de estimação o cachorro
desalinhado enrolado ao seu lado. Sua camisa branca simples está
parcialmente desabotoada, revelando uma pele levemente bronzeada e uma
corrente dourada em volta do pescoço. Uma pilha de papéis está na mesa
baixa à sua frente, intocada enquanto Julien olha para a varanda aberta.
É um momento suave e desprotegido, e Whisper está mais envergonhado
de se intrometer agora do que se sentiu ontem à noite, quando Julien estava
vermelho de rosa da noite. Com os nervos à flor da pele, Whisper não tem
certeza para o que está se preparando, mas a cada momento que não chega,
sua tensão aumenta.
Julien encontra seus olhos, e um sorriso principesco desliza em seu rosto.
— No momento ideal. Como estão os gatos?
Whisper esquece de se curvar até Nadine cutucá-lo. Talvez sua tensão seja
simplesmente a certeza de que o Pai o açoitaria por estar tão distraído com o
sorriso de um príncipe.
— Os fellcats são comedores exigentes, aparentemente —, diz Nadine. —
Eles estão tomando seu segundo café da manhã no pequeno pátio.
— Excelente. — Julien toma um gole de sua caneca e aponta para os papéis
sobre a mesa. — Não me olhe assim. Eu juro, estou quase terminando com
isso.
— Se você diz isso, Alteza. — Nadine compartilha um olhar severo entre
Julien e Whisper, mas não diz mais nada antes de sair.
Então é apenas Whisper, Julien e o cachorro desalinhado na sala. Se não
fosse o requisito de tempo, este seria o trabalho mais simples da vida de
Whisper. Até mesmo a varanda aberta é uma rota de fuga perfeita. Exceto que
Julien não pode morrer por mais três meses, então Whisper não pode apreciar
a facilidade de entrada quando outro assassino poderia fazer o mesmo.
— Você não deveria ter guardas com você, Sua Alteza? — Whisper
pergunta.
Julien abaixa sua caneca.
— Você está aqui, não está?
— Eu ainda estou em liberdade condicional, e você realmente não me
conhece.
Com um último arranhão atrás das orelhas do cachorro, Julien se levanta.
— Venha para a varanda. Eu quero te mostrar algo.
Whisper segue cautelosamente. Iluminado pelo sol, Julien é difícil de olhar,
mas a surpresa vem de trás.
Uma corda grossa envolve o braço esquerdo de Whisper. Torcendo por
reflexo, ele consegue evitar uma segunda corda apontando para seu braço
direito. Mas a corda em torno de seu braço esquerdo aperta inevitavelmente,
puxando-o de volta contra a parede. Seu cabelo raspa contra o papel de
parede, e seu joelho levanta, trazendo sua faca de bota ao alcance de sua mão
livre, até que ele dá uma boa olhada no material recuando pelo ar na frente
dele.
Não corda, mas um galho da árvore em vaso ao lado dele. Outro galho
imobiliza seu braço contra a parede.
Forçando-se a relaxar, Whisper volta a botar no chão, faca desembainhada.
Julien se aproxima dele. Tão perto, seus ombros largos bloqueiam o sol.
— Você está certo, Will, eu não conheço você. — Olhos escuros, ele toca o
ombro de Whisper, puxando sob o galho tenso.
— Mas você também não me conhece de verdade.
Whisper não está acostumado a estar tão perto de seus alvos antes do
momento da morte. Seus pulmões se enchem de café no hálito de Julien. O
sabonete perfumado em sua pele. As pontas dos dedos de Julien são seu único
ponto de contato, mas o ramo ao redor do braço de Whisper parece quente,
como se fosse uma extensão de Julien também.
Magia de Sandry. A avó de Julien usou essa magia para desarraigar uma
dinastia de magos de sangue e conquistar este canto de Alantha. Rumores
dizem que os ossos do rei do sangue permanecem enjaulados sob a floresta de
Sandrelle. O Príncipe Audric usou esta mesma magia para suprimir os
invasores Draskoran seis anos atrás.
Julien deveria ser o mais fraco de seus irmãos, mas aparentemente mesmo
uma pequena quantidade de magia de Sandry não deve ser tomada de ânimo
leve. Whisper está envergonhado por ter precisado do lembrete, distraído
pelo amor dos animais e pela indulgência imprudente do príncipe Playboy.
— Ponto tomado, Sua Alteza.
O galho em forma de videira gentilmente libera seu braço.
— Estou promovendo você a Mestre dos Gatos. Ou alguma coisa. Ainda
estou treinando o título. — Julien limpa a sujeira invisível do ombro de
Whisper. Se Julien percebe a forma como Whisper fica tenso, seu sorriso não
vacila.
— Café?
Balançando a cabeça, Whisper se pergunta pela primeira vez se o sorriso
brilhante de Julien é falso.
Julien volta à mesa e serve outra caneca para si.
— Sua principal responsabilidade será manter Fisk e Rumi felizes e longe
de problemas. Ocasionalmente, eu os quero no jantar ou nas audiências, e
você precisará informar sobre o bem-estar deles uma vez por semana, mas
fora isso, todos serão deixados por conta própria. Alguma dúvida até agora?
Whisper se afasta da parede e da árvore. Ele está tendo mais problemas do
que o normal para reprimir seus nervos.
— A quem me reportarei?
— Nadine e eu. — Julien se apoia no braço do sofá. O rabo do cachorro
desalinhado bate contra as almofadas.
— Você deveria ter perguntado sobre seu salário, que estou dobrando. Ou
seus novos aposentos, que mandarei alguém lhe mostrar mais tarde. Diga ao
senescal se a suíte é inadequada para as necessidades de Fisk e Rumi.
Whisper prende seu pulso atrás das costas.
— Eu aprecio o esforço que você colocou nisso, Sua Alteza.
Julien faz uma pausa com o café a meio caminho dos lábios.
— Mas?
— Abaixe meu salário —, diz Whisper. — Me recompensar por brigar fará
com que os outros soldados fiquem contra mim. Um número suficiente deles
já não gosta de mim por parecer Draskoran.
Julien franze a testa.
— Eu não gosto disso, mas você está certo. Discutiremos um aumento por
mérito em três meses. Isso é aceitável?
Em três meses, Julien pode estar morto. Mas, enquanto isso, um horário
mais flexível facilitará o trabalho de Whisper.
— Como quiser, Alteza.
— Foi uma pergunta genuína, você sabe. Não há problema em recusar o
trabalho. Julien faz uma pausa.
— Eu sei que é um pouco rico da minha parte dizer quando acabei de
atacar você com uma árvore.
A risada genuína de Whisper surpreende os dois.
— É aceitável, Alteza. — Ele tenta um sorriso também. — Eu gosto de
gatos.
Julien fica imóvel, encarando-o por um momento ilegível, depois desvia o
olhar por algum motivo.
— Perfeito.
Há mais de uma maneira de se infiltrar em um castelo, disse o Pai. Mas
Whisper não tem certeza se sua próxima ideia tem alguma coisa a ver com o
trabalho. Certamente sim. Certamente aproximar-se de Julien é apenas
prático.
— Eu posso dizer que você gosta de animais também. — Whisper
gesticula para o cachorro feliz e cochilando. — Se você quiser, eu posso te
ensinar Alto Fellrian para que você possa falar com os fellcats. Rumi
provavelmente até responderá se você fizer um esforço.
Desta vez, o sorriso de Julien atinge seus olhos.
— Gostaria disso.
***

Este lugar é incrível. Rumi se esparrama pelo tapete. Nós somos os únicos
gatos em Qualquer paraíso. Todos estão tão impressionados conosco.
Fisk ressoa do outro lado da sala, onde fica de pé com as patas no
parapeito da janela. Suas orelhas giram enquanto ele rastreia o que quer que
esteja se movendo do lado de fora.
E, como diz Fisk, a comida é aceitável quando é temperada o suficiente.
Quando é o próximo jantar chique? Queremos impressionar os humanos
novamente.
— Vou pedir ao senescal para tomar providências —, diz Whisper. — O
quarto está bem?
Rumi estica as patas acima da cabeça, depois se deita de lado. O tapete é
ótimo. O resto servirá. Fisk, pare de bloquear a luz.
Fisk ronca novamente, mas faz o que Rumi diz. Em vez disso, ele pula em
um sofá, que range sob seu peso. Whisper faz uma nota mental para pedir
móveis mais resistentes. Possivelmente alguns arranhadores. Fellcats são
civilizados, mas há tanta força de vontade entre garras coçando e móveis
ornamentados.
— Não é muito, — o senescal disse, mas o conjunto de quartos é muito
melhor do que o Whisper está acostumado. Há um quarto, sala e banheiro, e
só o banheiro é do tamanho de seu quarto no Canil. Este é o tipo de quarto em
que Whisper invade, não o tipo em que ele vive.
Enquanto procura recantos e cantos para esconder seus pertences mais
incriminadores, tenta não pensar no sorriso de Julien. O toque quente contra
seu ombro.
Whisper sempre sente uma estranha sensação de conexão com seus alvos.
Ele não tem nenhuma queixa contra eles, a queixa é do cliente, e Whisper é
simplesmente a arma contratada. Enquanto ele gosta dos desafios de
furtividade e evasão, ele não gosta do ato de matar. No entanto, há uma
proximidade no ato. Durante esses momentos finais, Whisper se torna a pior e
mais importante pessoa de suas vidas. É natural que eles também se tornem
uma parte indelével5 de Whisper.
A conexão é forte o suficiente quando ele os observa apenas uma hora
antes. Como ele sobreviverá meses perseguindo Julien Sandry pelos
corredores de Greenhaven?
Lily deveria estar aqui em vez disso. Até Adder ou Smoke fariam um
trabalho melhor nisso. Não Whisper. Ele nem esteve em Greenhaven por duas
semanas, mas ele já não sabe por quanto tempo mais ele pode agir assim.
Não importa. Sua vida não é a que está na balança desta vez. Ele passará
seus dias cuidando dos gatos e suas noites vagando pelo castelo, catalogando
abordagens discretas e quartos sem plantas. O fracasso não é uma opção.
Whisper toca seu ombro. Não há hematomas, mas ele gostaria que
houvesse. Ele gosta de lembretes.
5
Algo durável, permanente; que não se pode destruir, suprimir ou fazer desaparecer totalmente.

CAPÍTULO SEIS

JULIEN

— Quero que você dê uma olhada em Will Hadley —, diz Julien, encostado
no parapeito da janela de seu quarto. Flores penduradas fazem cócegas em
seus ombros. No jardim abaixo, uma figura esguia está sentada em um banco
de pedra, enquanto os gatos verdes e azuis perseguem um ao outro em um
borrão pelo gramado.
Nadine está sentada em uma mesa próxima, mexendo na fruteira de Julien
enquanto revisa os relatórios.
— É um problema que ele seja Draskoran? Você disse para contratar
independentemente da origem.
A figura abaixo se move, e Julien se afasta da janela antes de ser pego
espionando.
— Seus olhos não são o problema. Não tenho certeza se há um problema.
Basta olhar para ele.
Há algo sobre Will. Não a cor de seus olhos, embora a vigilância silenciosa
seja desconcertante. Mas seus reflexos são incríveis. Ele não deveria ter sido
capaz de evitar a magia de Julien.
Nadine suspira.
— Você deveria ter pedido uma verificação de antecedentes antes de
transferi-lo para a ala leste.
— As pessoas estão começando a falar?
— Os Frenn não ficaram satisfeitos quando você saiu mais cedo do
banquete com ele.
Nenhuma surpresa. A Casa Frenn esteve muito perto de perder um pedaço
de madeira de ancião durante a guerra seis anos atrás, e pedaços de seu
território mudaram de dono várias vezes ao longo do século passado. Entre
todas as casas nobres de Silaise, elas têm a maior inimizade com Draskora.
— Perfeito —, diz Julien. — Esse era o objetivo da festa, de qualquer
maneira. Mexa as coisas e veja onde elas se acomodam. Devo dizer que tudo
correu melhor do que eu esperava.
— Perfeito. Certo. — Nadine coloca uma uva na boca. — Farei com que
nossos contatos Fellrianos verifiquem as referências de Will. Ele tinha uma
carta de recomendação, mas cartas podem ser forjadas. Enquanto isso, como
capitão da Segunda Guarda do Juramento, aconselho que você não se
aproxime muito dele. Isso é para a segurança dele, assim como a sua.
Julien espia por entre as flores penduradas novamente. Agora, Will está
curvado, coçando o pescoço fofo de Fisk. Will se inclinaria assim se Julien
acariciasse atrás de suas orelhas?
— Não se preocupe —, diz Julien. — Eu não vou fodê-lo.
— Não é com isso que estou preocupada. — Os olhos de Nadine se
estreitam quando ele olha. — Pelo menos, não até você dizer isso. Por que isso
ocorreria a você negar?
— Você o viu? — Julien acena com a mão. — Não se preocupe. Sou um
descendente real responsável. Vou manter meu pau em cortesãos ingratos e
traiçoeiros onde ele pertence.
— Ele pertence a uma gaiola —, murmura Nadine.
Julien bate no queixo pensativo.
— Isso é traição? Acho que isso pode ser traição.
— Relate-me a Sua Majestade e veja se ela concorda —, diz Nadine.
— Algo mais? Você tem um 'obrigado pelo chá dos gatos gigantes' com
Valerie Marcel em meia hora, e uma atualização de segurança de Lucien
depois disso.
Relutantemente, Julien se afasta da janela.

***

Chá com Valerie Marcel é chato, mas não é difícil. Mais complicado é seu
encontro com Lucien depois. O Exército de Silaisan Ocidental fez algum
progresso rastreando o último paradeiro conhecido do caçador desaparecido,
e houve avistamentos de patrulhas de dragões Draskoran na fronteira. Nada
confirmado, apenas rumores de civis. Mas há outro problema, e Lucien coloca
a questão sem rodeios:
— Meus soldados ainda não confiam em você.
Julien muitas vezes esquece que Lucien tem a mesma idade que ele. Ele
trabalhou por sua posição, em vez de ter nascido para isso, e ele transmite
uma sensação de confiabilidade sob seu cabelo ruivo chamativo e sorriso fácil.
— Claro que não. Confiança leva tempo. — Julien bate na mesa. Tempo
se tudo correr bem, Julien não ficará aqui tempo suficiente para isso. Mas
se a condição de mamãe piorar, Julien pode precisar do exército ocidental
para ajudar a sustentar a reivindicação de Audric.
— Alguma ideia de acelerar isso, no entanto?
— Sua Alteza costumava liderar suas próprias patrulhas —, diz Lucien. —
Foi assim que ele ganhou o respeito deles na última guerra.
— Bem, não há guerra agora. Além disso, não sou Audric, e imitá-lo não vai
funcionar para mim. Confiar em alguém começa com conhecê-los, e agora,
Julien é pouco mais do que um pacote de rumores reais lascivos. Ele não pode
fingir o estilo de liderança sério e firme de Audric, mas pode se tornar
conhecido à sua maneira.
— Pergunta rápida, qual é a taverna mais barata em Greenhaven?
— Não vai ser tão fácil, mas... espere. — Lucien inclina a cabeça. — Como
você está nas cartas, Sua Alteza?
— Sou incrível com cartas.
Os olhos azuis de Lucien piscam maliciosamente.
— Eu lhe asseguro, não é incrível o suficiente. Mas há alguém na cidade
que você deveria conhecer.

***

Depois de dispensar Lucien em sua nova missão, Julien pega Cupcake e


desce as escadas para uma audiência igualmente importante. Uma coisa que
Julien aprendeu com seus anos na corte é que seu aliado mais valioso é
sempre o cozinheiro chefe. Os nobres negligenciam suas cozinhas por sua
conta e risco. Julien já conheceu a cozinheira-chefe Sybil, é claro, mas ele está
atrasado para uma visita de acompanhamento após o banquete.
Enquanto o rico aroma do jantar em andamento flutua no ar, Cupcake
reconhece o corredor. Quando ele era mais jovem, ele estaria quicando nas
paredes; agora, seu rabo balança um pouco mais rápido. Na porta, Julien
acaricia sua cabeça.
— Senta.
Cupcake senta-se e depois levanta-se. Julien apenas olha para ele até que
ele se senta e fica, os olhos arregalados e lamentáveis em seu rosto
desalinhado. Sybil tem uma política rígida contra animais na cozinha.
— Fique —, diz Julien. — Você terá um deleite em um minuto.
Cupcake praticamente vibra com a palavra deleite, mas fica parado.
A cozinha está sempre barulhenta e cheia, mas um assistente o percebe
imediatamente e se curva com um agudo
— Sua Alteza. — Seu nariz quase bate na tigela de massa em seus braços.
Embora sua saudação se estenda pela cozinha, a maioria dos cozinheiros e
assistentes continua trabalhando sem parar. Sybil tem uma política estrita
contra seu povo se distrair com nobres intrusivos também.
Julien a encontra perto de um dos grandes fornos, revirando seu conteúdo
com uma longa pinça enquanto conversa com um jovem louro que Julien não
esperava encontrar aqui. Will está de volta com as roupas casuais que usava
quando Julien o conheceu, e o cinza escuro de sua camisa realça a cor de sua
pele, levemente rosada pelo calor do forno.
— Vou colocar Parsnip no comando disso. Ela é boa com todos esses
temperos estrangeiros —, Sybil está dizendo enquanto Julien se aproxima.
— Obrigado. — Will olha para Julien. — Eu vou sair do seu caminho agora.
— Espere por mim no corredor —, diz Julien num impulso.
Will faz uma pausa, então dá um aceno de cabeça e sai. Julien não tem
nada para conversar com Will, mas tem certeza de que vai pensar em alguma
coisa.
— Por que ele estava aqui? — ele pergunta quando Will está fora de
alcance.
Sybil abaixa a pinça e enxuga as mãos no avental.
— Ele queria falar sobre a doce dieta dos gatinhos. Ele é um bom rapaz,
Alteza. Não gosto do que as pessoas estão dizendo sobre ele.
— As pessoas estão falando sobre ele?
— Aqui e ali, Alteza. — Sem fazer nenhum esforço para baixar a voz, Sybil
acrescenta:
— Claro, ninguém do meu povo fofocaria assim. Mas ouvi falar de outros
que ouviram que alguns não estão satisfeitos com a rapidez com que ele foi
promovido. E há a questão dos olhos, é claro, que não me incomoda, veja bem,
Alteza.
— Se alguém tiver algum problema com a promoção de Will, pode se
inscrever para cuidar dos gatos sozinhos —, diz Julien. — Estranhamente, não
tive outros voluntários para isso.
Um assistente próximo abafa sua risada.
— Estranho mesmo, Alteza, — Sybil diz. — Eles são gatinhos tão doces. Eu
só os vi de longe, veja bem. Mas são muito doces. De uma distância.
— Que eles são. — Julien sorri. — De qualquer forma, eu só queria te
agradecer por organizar um banquete tão espetacular no outro dia…
Ele só conversa por mais um minuto, educadamente se livrando quando
Sybil recupera sua pinça. Há um bom equilíbrio entre ser amigável e ficar sob
seus pés. Ao sair, ele passa pela tigela de biscoitos crocantes que Cupcake
gosta, mas no corredor, ele descobre que seu esforço é desnecessário.
— O que é isso, uma rebelião? — Julien pergunta. — Parece que as
lealdades de Lord Cupcake são inconstantes.
Will se endireita de coçar sob o queixo de Cupcake.
— Seu nome é Lord Cupcake?
— Eu sei. — Julien dá o biscoito a Cupcake. — Eu o nomeei quando eu
tinha treze anos. Audric disse que Cupcake não era um nome muito digno, por
isso coloquei o título.
A risada de Will é tão rápida e silenciosa que Julien pode pensar que ele a
imaginou, exceto que sua imaginação não é forte o suficiente para inventar a
curva perfeita e suave dos lábios de Will. O perfil delicado como ele se vira
depois, como se estivesse envergonhado pelo riso. Rápido e silencioso, mas
muito mais real do que qualquer um dos cortesãos que riem muito das
brincadeiras de Julien.
Talvez seja isso que ele ache tão interessante em Will. Will não está
tentando impressioná-lo.
É uma pena que Will funcione para ele. E que ele pode ser um espião
Fellriano ou algo assim, investigação pendente. Julien gostaria muito de passar
uma tarde descobrindo que outros sons ofegantes ele poderia extrair daqueles
lindos lábios rosados.
— Você precisa de alguma coisa, Sua Alteza?
Certo. Julien quase esquece sua desculpa para falar com Will.
— Você acha que os fellcats se dariam bem com Cupcake?
— É mais se Cupcake se daria bem com eles. Fisk e Rumi sabem que não
devem incomodar animais de estimação ou animais de trabalho.
Will se abaixa para acariciar Cupcake novamente, que abana o rabo.
— Podemos tentar apresentá-los. Cupcake não parece se importar com o
cheiro deles.
— Ele gosta de qualquer um que lhe dê guloseimas, qualquer que seja o
cheiro.
— Bom saber —, diz Whisper. — Agora é uma boa hora? Fisk e Rumi estão
no gramado.
— Mostre o caminho —, diz Julien com um gesto.
Quando chegam ao caminho do jardim, Lord Cupcake hesita. Seu nariz se
ergue para o vento que muda, e suas orelhas pontudas se movem para frente e
para trás como se ele estivesse decidindo se gosta do novo cheiro estranho ou
não. Ele ainda não decidiu quando avista os gatos caídos no gramado
ensolarado. Olhando para cima em busca de segurança, ele se apoia na perna
de Julien.
— Bom menino —, diz Julien, e lhe dá um biscoito.
Will se agacha perto dos fellcats, dizendo algo em Alto Fellrian. Embora
tenham se passado anos desde a última lição de Julien, ele aprendeu um pouco
sobre o cão ser muito especial, um membro estimado da família do líder
humano.
— Você quer ir conhecê-los? — Julien pergunta a Cupcake. — Eles vão ser
legais.
Cupcake segue quando Julien se move, e eles caminham juntos para os
fellcats. Fisk e Rumi estão esticados de lado, suas caudas se contraindo
ocasionalmente se tocando.
Will se levanta e oferece a mão para Cupcake.
— Bom menino, — ele diz quando o cachorro fareja seus dedos
estendidos, e o rabo de Cupcake balança mais rápido no ritmo do batimento
cardíaco acelerado de Julien.
Rumi se move levemente, rolando em uma pose mais digna de bruços. O
movimento chama a atenção de Cupcake, e ele caminha em direção a ela.
Julien observa com a respiração suspensa enquanto eles tocam os narizes,
testando a respiração um do outro.
A cauda de Cupcake cai, depois sobe, antes que ele caia na grama próxima
e se acomode para uma soneca.
— Bem, isso foi anticlimático. — Julien não tem pressa de sair; o dia está
quente e agradável, e ele tem tempo antes de sua próxima consulta.
— Anticlimático é bom. — Will cruza as mãos atrás das costas. — Rumi diz
que Cupcake é muito bem-comportado. Ela não gosta de cachorrinhos
barulhentos.
Assim que o assunto se volta para os animais, o jeito taciturno de Will
evapora. Ele fala mais sobre os gatos do que qualquer outra coisa, e seu olhar
observando os animais descansando ao sol é tão suave que Julien se sente
como um voyeur observando-o. Julien mantém sua avaliação anterior. Will é
adorável.
E Julien está fora da linha quando pergunta:
— Você já viu muito de Greenhaven? A cidade, quero dizer.
— Eu não tenho.
—Eu estou indo para a cidade na próxima semana. Você deveria vir. —
Julien levanta a mão. — Isso não é uma ordem. Apenas um convite.
Will desvia o olhar, como se fosse tímido.
— Eu gostaria disso, Alteza.
Julien sempre teve atenção aos detalhes. Uma mecha de cabelo se curva
sobre a concha da orelha de Will, suavizando o ângulo de sua bochecha. A
brisa puxa sua camisa fina ao longo das linhas de seu corpo com uma
translucidez sedutora. Uma pulseira embrulhada em couro está em seu pulso,
apenas a borda visível sob o punho de sua manga, e o ornamento grosseiro
apenas enfatiza os ossos elegantes de sua mão.
Eu definitivamente não vou transar com ele, Julien diz a si mesmo. Pelo
menos, não antes que a verificação de antecedentes volte.

CAPÍTULO SETE

WHISPER

Whisper esperava que seu destino fosse uma mansão nobre da cidade, ou
talvez uma loja ou restaurante sofisticado. Até a propriedade do prefeito. Ele
deveria ter sabido melhor, porém, e ele está mais resignado do que surpreso
quando a comitiva heterogênea desmonta no Drunken Dragon.
— Aqui estamos. — Julien entrega as rédeas a um guarda juramentado.
Outro guarda entra primeiro na taverna enquanto Julien se vira para um dos
cortesãos que o acompanham. — Você é local, já esteve aqui antes?
— Lady Valerie me garante que sim. — A jaqueta floral pastel de Loras
Frenn é horrível, e ele não se move como se fosse um especialista com a adaga
de punho dourado em seu quadril. — Mas por algum motivo misterioso, não
me lembro.
— Ele estava bêbado —, acrescenta Valerie Marcel. Ela está com uma calça
sensata e uma extravagante blusa vermelha Marcel bordada com minúsculos
cisnes prateados. Nenhuma arma visível. — Ele tentou beijar um dos dragões
esculpidos na parede.
— Eu fiz, — Loras corrige. — Infelizmente, lembro que consegui. Espero
que Goldie tenha esquecido.
A comitiva do príncipe é pequena hoje. Apenas Loras, Valerie, quatro
guardas juramentados e Whisper, que se sente totalmente deslocado sem um
uniforme de guarda para disfarçar sua presença. Nadine claramente deu a ele
o dia de folga, deixando-o preso fingindo socializar enquanto ele trabalha em
seu trabalho real.
Não havia chance de Whisper recusar o convite de Julien, é claro. Quanto
mais oportunidades ele tiver para observar o príncipe e seus associados,
melhor. Ele passou os últimos quatro dias escolhendo quartos no castelo sem
plantas para alimentar a magia de Sandry. A cozinha funcionaria se estivesse
vazia, e a sala de treinamento dos guardas é a mais promissora. Mas Whisper
não teve tempo suficiente para observar o próprio Julien.
Dada a proximidade de Greenhaven com a fronteira e a longa inimizade
com Draskora, a maior parte da cidade incorpora a estética tradicional de
Silaisan. Árvores e luz, ouro e vidro, motivos de caça e colheita. O Drunken
Dragon, no entanto, adota o estilo Draskoran com um efeito quase cômico.
Ferro preto ornamentado torce em todas as superfícies disponíveis, e cabeças
de dragão esculpidas com olhos roxos pintados pendem de todas as paredes.
Cadeiras e mesas com pés de garra riscam cicatrizes pálidas no piso de
madeira escura toda vez que se movem.
A multidão do meio da tarde se espalha pela taberna espaçosa. A julgar
pelos pedaços de uniformes, os clientes são principalmente soldados de folga
e guardas da cidade, com alguns civis misturados.
O silêncio ecoa da porta quando Julien entra. O jogo de cartas no bar é
interrompido, e um último dardo cai no alvo no fundo da sala.
Julien acena.
— A próxima rodada é por minha conta se todos prometerem pararem de
me olhar assim.
Uma risada nervosa respira pela sala, mas a tensão permanece até que um
homem ruivo no bar grita:
— Olhe para você se exibindo, Sua Alteza.
A voz é amigável, e Whisper reconhece Lucien Vaire. Um soldado e um
mago do fogo, com uma magia extraordinariamente forte para um plebeu.
Atualmente no comando da companhia do Exército Silaisan Ocidental no
Castelo de Greenhaven.
— E a próxima rodada é no seu Comandante Lucien! — Julien anuncia,
batendo palmas. — Obrigado, Lucien.
— Porra —, Lucien geme, e desta vez a tensão realmente quebra. Os jogos
de cartas e as conversas recomeçam, e os guardas do juramento se dispersam
pelas bordas da sala, cobrindo todas as linhas de visão. Whisper segue os
cortesãos que seguem Julien, que se dirige ao bar.
— Bem-vindo ao Drunken Dragon, Alteza —, diz o barman, uma mulher
gorda e pálida com um incisivo dourado brilhante. Ela espia por cima do
ombro de Julien.
— E bem-vindo de volta, Lorde Amante do Dragão.
— Adorável —, suspira Loras. — Também senti sua falta, Goldie.
Whisper fica para trás enquanto Julien conversa com Goldie. Uma das
coisas boas de seguir Julien é que quase ninguém presta atenção em Whisper.
Ele está livre para continuar sua cuidadosa inspeção da sala.
Alguém cutuca seu ombro, e ele fica tenso instintivamente. Mal mantendo
a mão longe da faca, ele olha para Julien.
— Uma bebida? — Julien lhe entrega a caneca de ferro e vidro com pés de
garra sem esperar resposta. — Goldie está se juntando a nós para as cartas.
Vamos.
Ele toca as costas de Whisper, uma breve pressão quente o guiando para
longe do bar. E agora os olhos curiosos pousam em Whisper, pois a atenção
que Julien sempre atrai reflete nele.
Loras vagueia em direção a um grupo de soldados, carregando uma das
maiores canecas que Whisper já viu. Valerie já está sentada ao lado de Lucien
na mesa redonda para quatro. Seu olhar para Whisper é breve, mas pensativo.
Julien pousa sua caneca.
— Goldie está chegando em um minuto.
— Isso faz de nós cinco. — Lucien embaralha um baralho de cartas gasto.
— Muitos para Bad Grape. Podemos jogar Hello Minnow em vez disso?
Julien se vira para Whisper com um sorriso desarmante.
— Você conhece Bad Grape ou Hello Minnow?
— Não, Alteza.
— Então Will se junta a mim. — Julien rouba uma cadeira da mesa vizinha
e a coloca ao lado da dele.
— Lucien, dê quatro mãos para Bad Grape.
Lucien toma um gole de sua caneca antes de obedecer. Whisper não
provou o dele, mas ele já se sente atordoado enquanto se senta ao lado de
Julien.
Quando Goldie aparece um minuto depois, os jogadores pegam suas cartas
e a conversa começa. Whisper apenas ouve, aliviado por não ter que aprender
as regras de Bad Grape ou Hello Minnow, ele tem o suficiente para lidar agora.
Como descobrir o propósito desta viagem.
Na superfície, Julien está apenas jogando um jogo de cartas. Um belo e
limpo real morando com os moradores locais por uma tarde. O leve tempero
de sua cara colônia supera o cheiro de cerveja velha grudado nas mesas; nada
como o cheiro de café e sabonete que Whisper lembra da outra manhã. As
mangas de Julien estão enroladas casualmente até os cotovelos, mas
dificilmente uma partícula de sujeira toca o tecido imaculado.
Julien não pode estar tentando se misturar; ele tem que perceber que isso
nunca funcionaria.
Mas há uma precisão nas ações de Julien, um senso de coreografia
subjacente, que lembra Whisper da maneira como ele se prepara para os
trabalhos. Explore o jardim para identificar todas as janelas e saídas. Visite a
cozinha para aprender o padrão de preparação dos alimentos. Dê guloseimas
a todos os animais para que eles não fiquem alarmados mais tarde. Cada
movimento inócuo prepara para a tarefa final.
Whisper está certo de que Julien tem um objetivo para hoje, mas sua
conversa com os outros na mesa é bastante casual: tons pastéis em Sandrelle e
wyrms vermelhos ao longo da fronteira. O preço do vinho. Principalmente a
conversa é sobre as cartas, enquanto Goldie limpa o chão com todas elas.
Depois de uma vitória brutal; Valerie estremece ao baixar as cartas, Goldie
diz:
— Um amigo meu viu um dragão algumas léguas ao norte, você sabe. O
chocou o suficiente para que seus dentes caíssem.
— Apenas um? — Julien pergunta.
— Todos eles. — Goldie embaralha as cartas para a próxima rodada. — Eu
disse a Macaire que ele precisava de dentaduras mais ajustadas.
— Bom conselho —, diz Julien. — Quantos dragões, no entanto?
— Apenas um, eu acho. Mas estava embaçado.
— Ele pode precisar de óculos melhores também. — Lucien se inclina para
trás e acena para um servidor. — As patrulhas de dragões draskoran não
voam sozinhas, e dragões selvagens não chegam nem perto da fronteira. O que
é uma pena se você me perguntar.
— Por que é uma pena? — Whisper pergunta.
Os outros na mesa pulam levemente, Whisper está em silêncio desde que
se sentou. Apenas Julien não parece assustado e explica:
— Lucien tem sonhos loucos de iniciar um corpo6 de dragões Silaisan. Faça
com que ele comece se você tiver três horas para matar. É tudo muito
emocionante até você perceber que não funciona.
— Não há dragões em Silaise, — Valerie entra na conversa.
— Ou pedra calcária para eles se aninharem —, diz Julien. Um garçom
para com uma jarra, e ele pega dela para encher as canecas de todos, incluindo
a escassa polegada que faltava na de Whisper.
— Seria tão legal, no entanto —, diz Lucien sonhadoramente. Seus olhos
azuis brilhantes se fixam em Whisper. — Você já viu um dragão?
Se sim, foi antes de papai o encontrar. Whisper não se lembra de nada de
antes de papai o encontrar.
— Não. Mudei-me para Fellrin quando era jovem.
— Isso é ruim. Eles são legais pra caralho.
— Outro round? — Os olhos de Goldie brilham tanto quanto seu dente de
ouro.
Lucien arranca o baralho de suas mãos.
— De jeito nenhum. Sua Alteza não me paga o suficiente para jogar cartas
com você.
— Eu não pago nada —, diz Julien. — Envie qualquer reclamação de folha
de pagamento para minha mãe real. E os dardos? Will, como está sua mira?
— Razoável.

6
Conjunto de militares que compõe um quadro, uma arma, um exército.
— Excelente. — Julien aperta seu ombro. — Eu vou me juntar a você e
Valerie em um minuto.
Só quando Whisper chega ao fundo da taverna ele percebe que não ficou
tenso com o toque de Julien daquela vez. Pegando um dardo de penas brancas
entre os dedos, ele olha para o bar. Julien está conversando com Lucien,
amplamente ignorado pelo resto dos clientes da taverna, e Whisper acha que
sabe o que Julien está fazendo aqui hoje. Exatamente o que ele fez tão
habilmente para Whisper: Deixando as pessoas à vontade.
O porque, Whisper não tem certeza. Mas tem que ser deliberado, do jeito
que Julien entrou nessa taverna de soldados e guardas, brincou e pagou
bebidas para eles, e depois os deixou sozinhos. Tão deliberado quanto a forma
como Julien atraiu Whisper para a esfera social, mas não o empurrou para o
centro das atenções. Por um momento na mesa de cartas, Whisper estava tão
confortável que quase esqueceu que estava aqui sob falsos pretextos.
Do outro lado da sala, Julien encontra seus olhos e sorri novamente. Não
admira que alguém o queira morto. Esse carisma insidioso é perigoso na
realeza.
— Sua vez. — Valerie faz uma careta para o alvo de dardos. — Você acha
que outra bebida melhorará minha pontaria? Não pode piorar, pode?
— Vale a pena tentar —, diz Whisper. — Quais são as regras mesmo?
— Você ganha cinco dardos, e seus melhores três contam. Pontos duplos
se você arremessar da segunda linha.
Duas linhas desbotadas de tinta roxa marcam onde os jogadores precisam
ficar. Cada anel branco e cinza do tabuleiro é pintado com um número de
pontos, e uma caveira de dragão de madeira esculpida paira sobre o tabuleiro.
Os dardos de penas vermelhas de Valerie se agrupam em direção ao lado
direito do alvo, bem longe do alvo.
Uma mesa de soldados de folga os observa de perto, mas ninguém mais
está no alvo. Whisper calcula o valor dos anéis e caminha para a linha mais
distante. Segurando seus outros quatro dardos na mão esquerda, ele move o
pé esquerdo para trás para enfrentar o tabuleiro em um ângulo. Ele faz uma
pausa, braço dobrado, testando o peso em seus dedos. O dardo é mais leve do
que ele está acostumado, não tão perfeitamente equilibrado. Mas o tabuleiro
não está muito longe, e Whisper não precisa evitar uma ponta envenenada
como faria no Canil.
O movimento chama sua atenção, e Julien se inclina contra uma mesa ao
lado dele. Embalando uma caneca fresca, ele observa com um sorriso quase
imperceptível.
Já faz muito tempo desde que Whisper praticava com dardos, mas o
movimento é fácil. Quando o primeiro dardo bate, penas estremecendo, no
alvo, o segundo dardo já está voando das pontas dos dedos de Whisper. Ele
bate no lugar a uma fração de espaço de distância do primeiro, apertado o
suficiente para que suas penas se torçam juntas.
Só então Whisper lembra que talvez o recruta de guarda Will Hadley não
devesse ser tão bom em apontar projéteis. Julien, Valerie e a mesa de soldados
estão olhando com admiração.
Whisper tenta sorrir.
— Eu não sou ruim em dardos.
— Nada mal, ele diz! — Valerie levanta as mãos, fingindo aborrecimento
para encobrir seu verdadeiro aborrecimento. Uma cortesã consumada, ela
aproveita a oportunidade para se dirigir a Julien.
— Vossa Alteza, este jogo é manipulado.
— Ter habilidade não é trapacear, embora trapacear também seja uma
habilidade. —Julien bebe novamente de sua caneca. — Mas tudo bem, Will
recebe uma desvantagem para seus próximos três dardos. Lucien, segure
minha cerveja.
— É apenas um alvo. — Lucien evita a caneca de Julien, que Julien coloca
em uma mesa. — Eu posso acertar uma porra de um alvo.
Whisper tenso com a aproximação de Julien.
— O que você está fazendo?
— Nivelando o campo. — Julien toca levemente o ombro de Whisper e se
move atrás dele. — Você pode bater na prancha sem olhar?
Ele se move devagar o suficiente para que Whisper possa se esquivar, mas
Whisper fica imóvel enquanto Julien levanta uma mão comprida e cobre os
olhos.
Eles mal se tocam. A mão de Julien mal beija sua testa e a ponte de seu
nariz. Fatias da taverna são visíveis entre os dedos de Julien. Quando Whisper
pisca, seus cílios roçam a palma da mão de Julien. Ele está preso no lugar mais
pelo tempero da colônia de Julien do que por qualquer outra coisa.
— Tudo bem —, diz Whisper depois de um momento. Valerie e os
soldados próximos gritam em aplausos preventivos.
— Todo mundo fora do caminho! — alguém grita.
— Pontos triplos se você acertar a peruca do Careca!
— Foda-se, Maria!
Mais alto do que todos eles é a pulsação do pulso de Julien, quente e vivo,
puxando o próprio sangue de Whisper para mais perto da superfície. Whisper
mal considera errar o arremesso de propósito. Seria mais inteligente, mas ele
é tomado por um estranho desejo de se exibir. Impressionar. Como se o Pai o
estivesse observando e julgando junto com todos os outros na taverna, mas
sem a constante pontada de medo.
Lembrando-se da distância até a prancha, Whisper se ajusta à mudança de
posição e à maneira como o braço de Julien ao redor de seu ombro mais
distante restringe seu movimento. O terceiro dardo voa.
— Você perdeu a peruca! — Marie chora e Valerie jura. O quarto dardo do
Whisper voa igualmente verdadeiro.
Mas quando Whisper retira o quinto dardo, a mão de Julien aperta
levemente seu rosto. O príncipe se inclina mais perto e respira contra a
concha de sua orelha,
— Relaxe, Will.
O pseudônimo é um lembrete brutal. Seu quinto dardo voa longe e cai no
anel mais externo.
A mão de Julien cai e ele solta o ombro de Whisper.
— Os três melhores contam. Valerie, você está fazendo as contas?
— Sim, Alteza, — Valerie diz tristemente.
Whisper foge para pedir outra cerveja.

***

Eles se preparam para sair algumas horas depois, Julien acertando a conta
com Goldie enquanto Valerie coleta um Loras embriagado. Decidindo que os
guardas juramentados de Julien podem lidar com ele, Whisper foge cedo para
a rua. A cidade de Greenhaven é perfumada na noite quente, fazendo jus ao
seu nome com as fileiras de árvores farfalhando sobre os paralelepípedos.
Brincando com a pulseira de couro em volta do pulso, Whisper tenta ajustar
sua mentalidade.
Ele está aqui para proteger Julien, mas também está aqui para matá-lo. O
sorriso carismático de Julien não muda isso. Entre a vida de Julien e a de
Hemlock, Whisper tem que escolher Hemlock. Ela tem apenas quinze anos. Ela
depende dele.
A porta da taverna se abre, e o Comandante Lucien sai, as mãos dobradas
nos bolsos do paletó verde desabotoado do uniforme. Ele acena para Whisper.
— Ei, pergunta.
— Sim?
Lucien para ao lado dele e olha para a rua, como se estivesse fascinado
pelo farfalhar das árvores acima. Eventualmente, ele pergunta:
— Você está fodendo o príncipe Julien?
A pergunta filtra lentamente através da confusão de Whisper, então o
atordoa. Como um dardo lançado na água afundando no alvo. Whisper se
afasta, para melhor olhar incrédulo para Lucien.
— O que?
— Esta não é uma pergunta capciosa —, diz Lucien. — Sim ou não?
— Não. — Whisper não faz trabalhos longos e não faz seduções. — Eu não
estou. Por que você perguntaria?
Ele ficou imóvel.
Lucien esfrega o rosto. Sua resposta soa um pouco dolorosa.
— Porque Sua Alteza acabou de me assegurar que ele não está fodendo
você. O que é uma coisa estranha de se trazer aleatoriamente se ele realmente
não for.
— Oh. — Whisper também olha fixamente para as árvores. — Bem, não
estamos.
— Huh. — Lucien acena para um noivo do outro lado do quintal.
— Está bem então.
Um silêncio constrangedor desce enquanto eles esperam seus cavalos e o
resto do grupo. A brisa da noite é quente com a lembrança da mão de Julien
sobre os olhos de Whisper. A respiração de Julien em seu pescoço.

CAPÍTULO OITO

JULIEN

— Como você diz: 'Não me coma, coma este biscoito em vez disso?'—
Julien pergunta.
— Se um felino realmente quer comer você, você precisa dizer algo um
pouco mais conciso, Sua Alteza. — O aviso de Will teria mais dentes se a
cabeça enorme de Fisk não estivesse descansando em seu colo.
Eles estão tendo uma aula de Alto Fellrian sob o pavilhão do jardim
coberto de trepadeiras, sentados nos bancos aquecidos pelo sol ao longo da
grade de madeira. Perto dali um jardineiro em verde jade apara as cercas
vivas.
O grande volume verde de Fisk força Julien a se sentar mais longe de
Whisper do que ele gostaria. Entediado e faminto, Rumi saiu há algum tempo
para se espreitar do lado de fora das janelas da cozinha em busca de restos. A
cozinheira-chefe Sybil provou ter força de vontade contra os doces gatinhos.
Esta é apenas a segunda lição de Julien com Will; as semanas desde a saída
da taverna foram muito ocupadas. As conexões de Goldie com contrabandistas
locais confirmaram que estranhos estão se mudando para o mercado local, e
mais pessoas do que seu amigo desdentado Macaire afirmaram ter visto
dragões. Julien mal teve tempo de evitar os tediosos relatórios de auditoria de
Gaspard.
Por todas as contas, os fellcats se adaptaram bem à sua vida de lazer em
Greenhaven. Seu zelador, no entanto, parece mais quieto e fechado do que
nunca. Com apenas uma hora de aula hoje, Will finalmente começa a relaxar. A
brisa de verão agita seu cabelo enquanto ele acaricia preguiçosamente a
cabeça macia de Fisk.
A verificação de antecedentes ainda não voltou, e Julien não confia nem
por um segundo no rosto perfeito e adorável de Will. Mas não há mal nenhum
em apreciar a vista, certo?
— Talvez eu esteja falando com outra pessoa, não com um felino —, diz
Julien.
— Como eu digo?
Will parece muito perto de revirar os olhos, mas obedientemente traduz a
frase para Alto Fellrian. Fisk mexe as orelhas para frente e para trás, e
novamente quando Julien repete a frase.
— Como foi isso?
— Sua pronúncia é muito boa —, diz Will. — Tente reformulá-lo como
uma pergunta em vez de uma ordem. 'Você vai comer este biscoito?'
Will o questiona sobre outros tempos e registros de formalidade da
mesma frase até que Julien pare de tropeçar nas mudanças de pronome. Fisk
fica entediado no meio do caminho, potencialmente quando percebe que
Julien não está realmente lhe oferecendo um biscoito, e foge com um silêncio
surpreendente para uma criatura de seu tamanho.
— O que mais você quer dizer? — Will pergunta.
— Posso te pagar uma bebida? — Julien diz imediatamente.
Somente quando a boca de Will se curva em um leve sorriso presunçoso,
Julien percebe que Will fez a pergunta em Alto Fellrian, e Julien respondeu
fluentemente na mesma língua.
Ops.
Will volta para Trade.
— Sua pronúncia é boa porque você já conhece Alto Fellrian, Sua Alteza.
Por que você não disse isso quando ofereci aulas?
— Achei que poderia fazer um curso de atualização —, diz Julien. — Faz
anos desde a minha última sessão de tutoria.
Olhos mais escuros do que o normal na sombra, Will se move para a
bandeja de chá na mesa próxima.
— Eu não deveria ter oferecido.
— Você está bravo? — Pergunta. Will não parece bravo, mas ele é tão
difícil de ler.
— Eu sou terrível, eu sei. Nadine me diz para não abusar de seus guardas
assim. Como posso fazer as pazes com você? Uma garrafa de vinho Marcel
estupidamente caro? Um novo conjunto de roupas?
— E agora meu guarda-roupa não é bom o suficiente? — Will serve uma
xícara de chá para si mesmo. Ele está vestindo marrom escuro hoje, mangas
abotoadas até os pulsos e botas de couro pretas grossas o suficiente para fazer
suas pernas parecerem mais finas. As cores escuras enfatizam a translucidez
cansada de suas feições.
— Poderia ser melhor —, diz Julien, imaginando Will em seda e joias.
Ouro. Aquelas blusas largas e transparentes que estavam na moda há alguns
anos. — Espere, você está me provocando?
Will quase sorri novamente.
— Eu não ousaria. — Então seu olhar passa por cima do ombro de Julien, e
seu quase sorriso se transforma em um sorriso completo. A expressão
ensolarada é absolutamente encantadora; e incomum.
— O que há de errado? — Julien pergunta.
— Por favor, não me entenda mal, Alteza, — Will diz baixinho, ainda
sorrindo aquele sorriso falso e perfeito. Ele coloca a xícara de chá para baixo.
— E não se mova até que eu diga.
Will se aproxima, e mais perto , e os pensamentos de Julien se dispersam.
Um joelho fino pousa no banco ao lado de sua coxa, e a mão de Will dança do
ombro de Julien até sua bochecha. A palma fria e calejada deixa a respiração
de Julien em desordem. Will se aproxima tanto que está praticamente sentado
no colo de Julien.
Qualquer um que visse pensaria que Will está prestes a beijá-lo. Por um
momento de bater o sangue, Julien também pensa assim, e fica fascinado pelos
olhos escuros de Will até que Will murmura em seu ouvido:
— Abaixe-se em três.
O alarme perfura o calor crescente da excitação de Julien.
— O que?
Will segura seu ombro novamente.
— Não há tempo, apenas ouça; um, dois, três.
No terceiro, Will empurra Julien do banco e passa por ele por cima do
parapeito do pavilhão. O cascalho estala, e a bandeja de chá se estilhaça contra
as tábuas do assoalho. Julien aterrissa com força em seu ombro.
No meio da porcelana quebrada desliza uma faca de arremesso de cabo
preto.
Com o impacto ecoando por seus ossos, Julien rola para ficar de pé a
tempo de ver Will correndo atrás de uma figura alta de verde. Eles estão do
outro lado do jardim, Will se movendo mais rápido do que Julien poderia
imaginar; ele está quase alcançando.
Guardas juramentados já estão correndo em direção a eles, e a magia da
água de Rosin cai em cascata sobre uma parede, bloqueando a rota de fuga do
homem, mas Will chegará a ele primeiro. O medo percorre Julien com a
certeza de que o assassino não terá lançado sua única arma. Se Will o alcançar,
ele pode se machucar.
Sem pensar, Julien se concentra.
O jardim demora a responder. Após anos de cuidados de Audric, as vinhas
estão relutantes em ouvir um novo mestre. Julien tem que trabalhar para isso,
assim como tudo neste castelo de fronteira. A magia de Sandry se contorce sob
sua pele, trepadeiras espiralando em torno de seus ossos. A grade quase se
estilhaça sob suas mãos com a força de seu aperto.
As raízes das árvores finalmente saem da terra úmida, enrolando-se nos
tornozelos do assassino. Sem perder o ritmo, Will o segue até o chão e se
ajoelha em cima dele.
Passos ecoam no pavilhão atrás de Julien. Nadine grita:
— Alteza, se você correr lá fora, oh, foda-se!
Suas palavras o seguem sobre a grade e pelo jardim.
Julien chega quando Will se levanta das costas do homem, transferindo a
custódia imediata para Rosin de rosto sombrio. As trepadeiras de Julien ainda
se torcem em torno das pernas do homem enquanto Rosin prende uma coleira
nula em seu pescoço para suprimir qualquer magia que ele possa ter.
O homem veste a distinta túnica verde-jade de um servo de Greenhaven.
— Certifique-se de que ele está respirando —, diz Julien. Então ele agarra
Will pelo ombro. — Você está bem?
Will endurece sob o toque de Julien, como se a pergunta fosse um golpe.
Em vez de responder, ele diz a Rosin:
— Verifique os dentes dele.
Uma adaga está pendurada na mão de Will, uma bela peça reluzente com
opalas e esmeraldas. Julien leva um segundo para reconhecer a lâmina como
sua; a bainha em seu quadril está vazia. Will deve ter pegado quando se
arrastou para o colo de Julien, com Julien muito distraído para notar.
Rosin vira o assassino de costas quando Julien solta as vinhas. O homem é
inteiramente comum, com um bronzeado desgastado e cabelos castanhos. Sua
mandíbula aperta sob sua barba curta.
— Abra a boca, — Rosin ordena, agarrando sua própria adaga para enfiar
o cabo entre os dentes. — Se você morder porra...
— Vitus —, Julien se dirige a outro guarda, enquanto Rosin começa o
exame dentário. — Leve-o para baixo quando Rosin terminar. Vou vasculhar o
terreno.
Salutes Vitus. O homem sempre tem o entusiasmo de um adolescente,
apesar de estar na casa dos quarenta.
— Sim sua Majestade.
— Vossa Alteza, — Will protesta. — Você não deveria ir a lugar nenhum.
Pode haver mais deles.
Julien saboreia egoisticamente a preocupação de Will enquanto caminha
até a árvore mais próxima.
— Insubordinação notada, mas não vou a lugar nenhum. Apenas um
pequeno truque de mágica de Sandry.
Sua mão treme quando ele a coloca contra o tronco da árvore. A
observação o surpreende à distância. O choque espreita profundamente sob a
corrente de sua adrenalina, a máscara de sua educação real. Com uma
respiração profunda, Julien acalma o pânico e invoca a magia de sua mãe.
Sentir através das plantas é mais fácil do que movê-las. Em um instante
chocante, o mapa raiz de todo o castelo se manifesta em sua consciência. O
mapa é uma rede de flutuações douradas, as vibrações das pessoas em
movimento e o fluxo constante de ar ao redor do castelo.
Talvez isso fosse mais fácil com a magia de seu pai. Mas Julien nunca usa
isso.
As árvores do Castelo Greenhaven não mostram nada de errado. Apenas a
guarda jurada e os soldados do castelo correndo para trancar as instalações
sob o comando de Nadine. Julien solta a árvore e pisca as faíscas de sua visão.
A exaustão pesa em seus membros e ilumina sua mente.
— Ele é o único —, diz Julien. — Mas vasculhe o terreno novamente para
deixar Nadine feliz.
Rosin gesticula para os outros. Vitus lidera o grupo cercando o refém. Will
começa a fugir em direção ao castelo.
Julien o agarra pelo ombro.
— Você não.
— Alteza? — Will pisca para ele. O rubor do esforço e o cabelo
desgrenhado o tornam ainda mais docemente sedutor do que o habitual.
Há tantas razões pelas quais Julien não deveria notar isso, mas ele é
apenas humano. — Eu só queria agradecer a você —, diz Julien. — Como você
notou ele?
— Sua túnica não era do tom certo de verde —, diz Will. — Disfarce
desleixado, embora eu ache que o levou tão longe no castelo.
— Isso me enganou. — Julien estende a mão por impulso para endireitar a
gola torta da camisa de Will, a forma como Will se encolhe é diferente desta
vez.
— O que há de errado?
— Nada, Alteza. — O rubor desapareceu de suas bochechas, e ele oferece a
faca a Julien com o punho no punho. — Perdoe-me por pegar isso. Eu deveria
encontrar os gatos agora.
— Você está machucado? — Julien exige, embainhando a faca. — Mostre-
me seu braço.
Will hesita, sua expressão ilegível, então levanta o braço esquerdo. Sangue
pinta a borda de sua manga, e o tecido molhado gruda em seu antebraço. A cor
é escondida por suas roupas escuras, e pelo jeito que ele está se afastando um
pouco o tempo todo, Julien percebe tardiamente.
— Ele mal me arranhou —, diz Will. — Estou indo para o meu quarto para
embrulhar isso.
— Você não vai fazer tal coisa. — Julien procura um lenço nos bolsos.
Will fica tenso, mas não se move quando Julien o segura pelo braço. O
ferimento não parece ruim por causa do rasgo na manga de Will, os ângulos
do corte ao longo do lado de fora do antebraço de Will, não muito profundos. É
o suficiente para cravar o coração de Julien, e o sangue de Will está quente nos
dedos de Julien enquanto ele enrola o lenço no braço de Will.
— Coloque pressão nisso —, diz Julien. — Eu estou levando você para o
curandeiro de Greenhaven agora mesmo. Sem argumentos.
Os olhos de Will se arregalam, como se a atenção médica fosse muito mais
chocante do que uma tentativa de assassinato. Ou talvez esteja apenas
assustado com a raiva na voz de Julien. Raiva e frustração inexplicáveis fervem
nas veias de Julien, e sua mente é uma confusão de imagens. Will subindo em
seu colo. Will se afastando. Will pulando em perigo em nome dele.
Julien não sabe se está mais zangado com o assassino ou consigo mesmo.
Nenhum deles fala enquanto acompanha Will de volta ao castelo. Julien
está muito perdido em sua raiva, e Will é como um animal ferido, escondendo
seu manco em silêncio.
Audric teria sentido o assassino se aproximando, sentindo sua
aproximação enquanto seus passos vibravam pelo gramado. Ao contrário de
Julien, ele não precisa tentar conscientemente sentir através do mapa-raiz.
Julien ainda está fraco demais para proteger seu povo. Talvez se ele estivesse
disposto a praticar a magia de Rue…
Nadine alcança quando eles estão quase na enfermaria.
— Sua Alteza! Você é necessário na masmorra.
Vitus está de cara séria ao lado dela, uma mancha molhada no peito.
Pelo tom de voz de Nadine, isso não é algo que ele possa ignorar como os
relatórios de auditoria de Gaspard. Julien respira fundo e balança o dedo para
Will em advertência.
— O curandeiro Dury me dirá se você não o vir.
— Entendido, — Will diz, então acrescenta mais suavemente, — Você está
bem?
Julien não tem certeza.
— É claro. Graças à você.
Will desvia o olhar.
— Sua faca foi larga de qualquer maneira. Você estaria bem sem mim.
Ele está se fechando novamente, e Julien não tem a menor ideia do porquê.
— Então fico feliz que ele não tenha sua habilidade com dardos —, diz
Julien. — Seja bom, faça Dury consertar você. Você nem vai ter uma cicatriz
quando ele terminar.

***

— Ele está morto, — Nadine diz. Ela assumiu o escritório do carcereiro


por enquanto. — Começou a espumar pela boca antes que pudéssemos
questioná-lo. Suas unhas estavam verdes.
— Porra. — Julien esfrega as mãos no rosto. A exaustão o pesa. Muita
magia Sandry em um dia. — Mika, então. Quem o contratou estava falando
sério.
— Não é sério o suficiente, felizmente.
Não se cresce entre a realeza sem aprender sobre os parasitas e
predadores do nobre ecossistema. Silaise não tem muitos grupos organizados,
preferindo duelos diretos e politicagem mais sutil, mas Julien tem um
interesse especial nas guildas de assassinos de Fellrin. A Casa Mika é
conhecida por envenenar seus assassinos antes de um trabalho; eles têm que
ganhar o antídoto.
O assassino de hoje não ganhou o dele.
— Rosin assumiu a busca em seu corpo, — Nadine continua. —Eu dei o dia
de folga para Vitus, ele ficou com uma espuma realmente nojenta. Eu
recomendo cancelar o resto de seus eventos por hoje.
— Farei com que Pierre cancele a reunião comercial com os Marcels —,
diz Julien rapidamente. Ele odeia aqueles de qualquer maneira. — Vou manter
o jantar como planejado. Loras está vindo para as cartas. Suponho que
teremos que adiar a caçada da próxima semana, então não posso me dar ao
luxo de esnobá-lo duas vezes. Ah, antes que eu esqueça. Dê bônus a todos que
responderam bem hoje. Rosina especialmente. Ela arriscou os dedos na boca
daquele homem. E Vitus, para compensar seu guarda-roupa arruinado.
— É claro. — Nadine cruza os braços. — E Will?
Julien pensa novamente no hálito quente de Will em seu ouvido.
— Eu mesmo o recompensarei.
— Alteza, — Nadine avisa.
— O que?
— Ainda não tive notícias de meus contatos em Fellrin. Não faça nada
estúpido antes de confirmarmos que ele é quem diz ser. Estou feliz por ele ter
se movido rapidamente hoje, mas…
— Ele se moveu rápido demais —, diz Julien. — Eu sei. Não se preocupe.
Eu ainda não estou transando com ele.
— Isso ainda não é tão reconfortante quanto você pensa que é.
Julien toca a faca em seu cinto. Audric não estava brincando sobre o poço
de víboras. Mas Julien não tem certeza se está mais atordoado com o atentado
contra sua vida ou com a lembrança da palma calejada de Will contra sua
bochecha.

CAPÍTULO NOVE

WHISPER

A enfermaria cheira a ervas e sabão. Meia dúzia de catres ocupam a maior


parte do quarto comprido, todos atualmente vazios. A extremidade mais
próxima da sala é muito menos espaçosa e arrumada, cheia de armários e
prateleiras trancados. Uma porta para outro quarto, presumivelmente o
alojamento do Curandeiro Dury, está entreaberta.
Com os ombros tensos involuntariamente, Whisper pressiona o lenço de
Julien contra o braço e pensa em sair antes que Dury o veja. O outro assassino
mal o arranhou, e ele reconheceu o estilo do homem. A Casa Mika envenena
apenas suas lâminas lançadas, não suas armas de combate corpo a corpo.
Whisper pode facilmente envolver a lesão por conta própria.
Não importa o que aconteça, ele não pode permitir que esse Dury o
examine com magia.
Cura e magia do sangue são dois lados da mesma moeda. Ambos permitem
que o mago controle e mude o corpo de outra pessoa. Silaise apenas
recentemente aliviou as restrições à magia de cura; foi banido junto com todas
as outras magias de sangue após a queda da dinastia anterior.
Whisper não é Silaisan, e ele não compartilha de seus tabus rígidos, mas
ele tem suas próprias razões para desconfiar da magia do sangue. Papai usa os
filactérios para cegar, ensurdecer, matar e curar. Apesar dos anos de
treinamento exaustivo de Whisper, não resta uma cicatriz para provar isso.
Mas a magia do sangue pode deixar vestígios próprios. Se este Dury tiver
talento, ele pode encontrar os vestígios de todas as curas que o Whisper já
sofreu. Cada osso remendado e cada veneno neutralizado. Talvez ele possa até
encontrar evidências da maldição da filactéria.
— Olá? — Whisper chama, antes que ele perca a coragem.
Algo faz barulho na sala dos fundos, e um tenor musical grita:
— Esteja aí!
O curandeiro Dury emerge enquanto amarra seus longos dreads de volta.
Ele é um homem magro, com uma tez preta fria e uma quantidade exaustiva
de energia. Um avental branco cobre sua túnica verde.
— Qual é o seu... — Seus olhos se arregalam. — Tudo bem, sim, eu vejo o
sangue. Sente-se ali.
Whisper fica perto da cama indicada em vez de se sentar enquanto Dury
vasculha os armários recheados, saindo com um par de luvas.
— Quão ruim é? Você entrou sozinho. Isso geralmente é um bom sinal.
— Não é ruim —, diz Whisper. — Você poderia apenas me dar algumas
bandagens?
—Bandagens? Isso é tão primitivo. Você está olhando para o melhor mago
de cura da Dury acena com a mão para o catre novamente.
— O que aconteceu?
Whisper ignora o gesto. Uma gota de sangue cai de sua manga encharcada
e respinga no chão de pedra.
— É um pequeno ferimento de faca. Eu mesmo posso enfaixá-lo.
— Não fique nervoso —, diz Dury, com um sorriso tranquilizador. Ele deve
estar acostumado com isso em Silaise. — Eu prometo, a magia não dói, e você
vai parar de sangrar no meu chão muito mais rápido desse jeito.
— Eu não quero a sua magia, — Whisper estala, muito alto.
O sorriso de Dury desaparece e ele coloca as mãos nos quadris.
— Ok, olhe. Você é o único que entrou aqui, não eu. Por que você está aqui
se não quer que eu o trate?
Whisper respira fundo. Nada disso é culpa de Dury, o homem
simplesmente está no nexo das ordens de Julien e os problemas pessoais de
Whisper.
— Sua Alteza ordenou que eu o visse. — Whisper respira fundo
novamente e permite: — Se você não usar nenhuma magia, você pode fazer as
bandagens.
— Obrigado, isso é tão gentil de sua parte. — Apesar do sarcasmo, Dury
começa a juntar seus suprimentos. — Eu sou Dury, a propósito. E você deve
ser Will.
Whisper se empoleira na beirada da cama, ainda preparado para correr ao
menor sinal de magia.
— Você já ouviu falar de mim.
— Você pode falar com animais, você é um espião draskorano, você é
assustadoramente quieto e você é um jovem muito legal. Prewitt esteve aqui
na semana passada, e ele tinha muito a dizer, nada de bom. Mas isso me fez
gostar mais de você, porque Prewitt é um idiota. Eu tomaria cuidado com ele
se fosse você.
Dury coloca as bandagens e a pomada na cama ao lado de Whisper e a
toalha e o balde em uma mesa próxima.
— Você pode largar isso agora.
Whisper permite que Dury desembrulhe e descarte o lenço arruinado,
depois arregace a manga.
— Eu sei que Prewitt não gosta de mim, mas quem disse que eu era um
bom rapaz?
— Cozinheira-chefe Sybil, — Dury diz enquanto limpa o braço de Whisper.
— Ela fala principalmente sobre como seus gatos são fofos, no entanto. Tem
certeza de que não quer que eu cure isso?
O olhar de Whisper aparentemente é uma resposta suficiente. Dury não
pergunta novamente.

***
A pergunta de Julien do jardim assombra Whisper pelo resto do dia,
ficando mais alta à medida que a noite cai. Whisper não consegue se lembrar
da última vez que alguém perguntou se ele estava bem. Ele não sabe o que
'tudo bem' significa.
A meia-noite passa enquanto ele se aconchega em uma poltrona de
espaldar rígido e torce a pulseira em volta do pulso. As sombras pintam o
quarto de cinza e azul, e a lua é apenas uma lasca além das janelas de videiras.
‘Tudo bem’, simplesmente não é um conceito que Whisper aplica a si
mesmo. Ele faz o seu trabalho. Ele existe. Ele se sai bem ou não, e como ele se
sente sobre isso é problema dele. Se ele está ferido, a culpa é dele por ser
descuidado.
O pai se preocupa com ele. É claro. Mas o pai espera que ele tenha sucesso.
O quarto trabalho de Whisper o levou à selva do sul de Fellrin. Navegar
pelo acampamento do exército e entrar na tenda do pavilhão do Warmage
Keats foi bastante simples. Ela não acordou enquanto ele deslizou um de seus
casacos sobre sua própria roupa e pegou uma de suas camisas de seu baú.
Ele jogou a camisa sobre o pescoço dela antes de cobrir sua boca, e o
tecido bloqueou o jato de sangue quando sua faca deslizou em sua garganta.
Keats acordou apenas no final, e com seu suspiro moribundo ela atacou
com um relâmpago de magia. A eletricidade sacudiu agonizantemente através
do braço esquerdo de Whisper, mas ele não fez nenhum som. E depois de um
gorgolejar final, Keats também não.
Ignorando a dor, Whisper limpou sua adaga em seu casaco, então colocou
o casaco ao lado de seu corpo. Keats não usava joias, e Whisper não se atreveu
a procurar lembranças. Ele simplesmente cortou um botão de latão do casaco
dela e o guardou no bolso.
Depois que ele escapuliu na noite, foi mais uma semana antes que ele
pudesse ver um curandeiro de sangue seguro para tratar a fratura. Mais uma
semana antes de retornar ao Canil, onde o pai arranjou um curandeiro melhor.
A lesão foi complicada.
“Isso é decepcionante” meu pai disse quando soube da lesão; e pior, a
recomendação do curandeiro de que Whisper tirasse pelo menos seis meses
de folga antes de trabalhar novamente. Mais tempo para evitar o risco de
tremores prolongados.
“Terei que dar o próximo trabalho para Smoke.”
Whisper não recebeu seu quinto emprego por mais um ano inteiro, mais
uma vez atrasando seu benefício final e a recompensa da liberdade.
Agora, o único lembrete de Keats de Whisper é a conta de latão em seu
pulso. Não há vestígios de seu relâmpago, e Whisper trocou sua liberdade,
talvez para sempre.
Estou bem? Isso importa?
Uma batida na porta interrompe os pensamentos de Whisper. Ele saca a
faca da bota, desdobra os membros e atravessa silenciosamente a sala. Na
porta, tudo o que ele ouve é a respiração.
Outra batida.
— Quem é? — Whisper pergunta.
A voz de Julien é clara.
— Você tem três palpites.
Whisper desliza a faca de volta para a bota e destranca a porta. O salão
está incrivelmente claro, e ele tem que apertar os olhos para se concentrar em
Julien. A luz da lanterna reflete através de seu cabelo, e um rubor surge em
suas maçãs do rosto. Vinho doce gruda nele, mais forte que sua colônia. Uma
garrafa ainda arrolhada balança em suas mãos, vermelho luminoso.
— Você vai me convidar para entrar? — Julien pergunta.
Um guarda juramentado espera no corredor atrás dele. Whisper encontra
seus olhos e se lembra da pergunta de Lucien. Se esse guarda gosta de falar,
mais pessoas vão começar a fazer essa pergunta.
— O que você quer? Sua Alteza.
— Não se preocupe, eu não estou aqui para... Deixa pra lá. Eu queria te
agradecer. Julien levanta a garrafa, chacoalhando-a um pouco. — E ver como
você está.
Whisper faz contato visual com o guarda novamente.
— Entre, então —, diz ele, e se afasta da porta para acender as lâmpadas.
Os Hounds do Canil não aprendem a não virar as costas para seus
inimigos. Eles aprendem a estar cientes de tudo, mesmo quando estão de
costas. Enquanto Whisper acende todas as lâmpadas da sala, ele está
hiperconsciente dos movimentos de Julien. A porta se fecha. Vidro tilinta
contra a mesa, e o sofá range e se acomoda. A sala inteira aquece
gradualmente com a presença de Julien.
Sem lâmpadas para acender, Whisper tem que se virar. Julien está apenas
sentado lá, observando Whisper com atenção extasiada. Recostado no sofá,
tornozelo cruzado sobre o joelho, cada linha de seu corpo exala uma graça
lânguida. Seu cabelo está desgrenhado, e os dois primeiros botões dourados
de sua camisa estão desabotoados.
Se Whisper fosse Lily, ele saberia como usar a atenção de Julien. Mas ele
não é Lily. Ele luta o suficiente para se distanciar de seus alvos quando não os
fode.
— Eu não tenho um saca-rolhas —, diz Whisper.
Os olhos castanhos de Julien se enrugam.
— O vinho é para depois. Quando você quiser. Escolha uma ocasião
especial. Sente-se e deixe-me olhar para o seu braço.
Algo em seus olhos lembra Whisper de Rumi e Fisk, mas mais faminto,
mais perigoso do que os gatos. Ignorando sua resposta instintiva de fuga,
Whisper se empoleira no sofá à direita de Julien.
As sobrancelhas de Julien franzem em concentração embriagada enquanto
ele desabotoa o punho da manga esquerda de Whisper. Sempre que sua pele
roça, a consciência irradia através de cada nervo de Whisper. Julien dobra a
manga com cuidado até o cotovelo, e o movimento suave do tecido é mais
vívido do que a faca cortando sua pele.
Whisper fica parado enquanto Julien traça as bordas das bandagens, e os
pinos que os prendem no lugar.
— Dury disse que você se recusou a deixá-lo curar você —, diz Julien.
— Ele também deveria ter dito a você como o corte era raso.
— Pode ser. Não consigo me lembrar.
Um pensamento ridículo toma Whisper: que Julien está prestes a se
aprofundar. Julien está prestes a pressionar os polegares nas feridas de
Whisper e abri-las novamente, até sangrar através de suas bandagens. Até que
ele não consiga esconder a magia negra que sai de seu coração.
Mas Julien apenas solta o braço e se afasta alguns centímetros no sofá.
— Você não deve beber por um dia de qualquer maneira.
— O que?
— Os analgésicos. — Agora é Julien quem evita o olhar de Whisper. —
Perguntei ao Curandeiro Dury. Você não deve misturá-los.
— Certo. — Whisper não tomou os comprimidos que Dury lhe deu. Seu
braço mal dói, e a dor é útil como um aviso. Não vai atrasá-lo. — Você
descobriu quem enviou o assassino?
Julien balança a cabeça.
— O homem morreu envenenado antes que pudéssemos questioná-lo.
— Isso é uma vergonha. — Whisper está prestes a lançar mais perguntas;
algum incidente suspeito recentemente? Alguém que Julien tenha irritado
recentemente? quando ele vê o olhar de Julien cair. Há uma tensão totalmente
desconhecida em sua mandíbula. Julien está chateado e, por algum motivo, o
estômago de Whisper se revira.
— Desculpe. Posso parar de falar sobre isso.
— Por favor, não se desculpe. — Julien esfrega o rosto. — Estou apenas
frustrado. Você se machucou, e esse homem que eu nem conheço está morto.
Porque alguém me quer morto, mas não sei por quê.
— Eu mal fui arranhado, — Whisper protesta.
Julien gentilmente pega o braço de Whisper novamente.
— Se você se cortar com papel, seria demais para mim.
Ele diz isso com tanta seriedade que a mente de Whisper fica em branco.
Sem fala e imóvel, tudo o que ele pode fazer é observar Julien enrolar a manga
sobre as bandagens e abotoar cuidadosamente o punho.
— Seu tempo de reação é incrível. — Julien solta o braço de Whisper. —
Todos os guardas da casa são tão rápidos em Fellrin?
Whisper leva um momento para responder. Cada pequeno toque de Julien
é como licor em suas veias.
— Fellrin é mais urbano que Silaise. Os nobres estão todos amontoados,
pisando nos calos uns dos outros, e a maioria deles não possui terra suficiente
para se manter ocupado. Assassinatos são apenas mais um hobby.
Julien se inclina para trás, expondo a forte coluna de seu pescoço.
— Gostou de lá?
— Foi bom.
— Porque você saiu? — Julien pergunta. — Eu suponho que não é porque
em Fellrin todos receberam notícias de que o príncipe mais bonito de Silaise
estava contratando.
Nem todos de Fellrin. Apenas o cliente anônimo do Canil.
Os detalhes da identidade de Whisper como Will Hadley são escassos. Ele
é livre para elaborá-las, contanto que não diga nada facilmente provado falso.
— Gostei do meu trabalho, mas discuti com meu pai. Ele não é um homem
para discutir. — Talvez isso não seja falso, afinal. — Eu queria um novo
começo.
— Eu também nunca gostei do meu pai —, diz Julien. Seus cílios escuros
baixam e ele toca a delicada corrente dourada visível sob o colarinho aberto.
— Provavelmente não deveria dizer isso já que ele está morto e tudo mais.
Mas é verdade.
— Não acho errado falar a verdade sobre os mortos. — Whisper gostaria
de ter um saca-rolhas agora. Qualquer coisa para ocupar suas mãos e fazê-lo
parar de pensar em quão perto Julien está. — Por que você não gosta dele?
— Muitas razões. — Julien ri, sem alegria. — Se estamos falando a
verdade, porém, a razão mais verdadeira é que tenho medo de ser como ele.
Há uma simplicidade crua em suas palavras. Uma parte de Whisper anseia
por pegar a mão de Julien e abraçá-lo. Ele resiste, mas a distância física não
parece nada.
— Eu me pareço mais com ele. Temos os mesmos interesses. Jogo, caça. O
mesmo... Julien acena com a mão.
— Os mesmos talentos.
— Ter os mesmos talentos e interesses não o transformará nele —, diz
Whisper. — Que tipo de homem ele era? Não apenas seus hobbies, mas quem
era ele?
A sala escurece sem o sorriso de Julien.
— Insensível, — ele diz eventualmente. — Tesson não tinha coração.
— Então você não tem nada com que se preocupar, — Whisper diz
suavemente.
— Porque você nunca será isso.
— Porra. — Julien esfrega a mão no rosto. — Chega de mim. Eu estava
falando de você. Eu quero saber mais sobre você.
O rubor está desaparecendo do rosto de Julien, e seus olhos estão mais
brilhantes. Whisper não sabe dizer se Julien ainda está bêbado, ou quão
bêbado ele realmente estava.
— Interrogue-me amanhã, Alteza. — Ele usa o título como um escudo
quando se levanta. — Está tarde.
Julien também se levanta.
— Posso ter uma pergunta agora? — Quando Whisper assente, ele se
aproxima, então Whisper tem que olhar para cima para encontrar seus olhos.
— Se é tão tarde, por que você estava acordado?
Há centenas de desculpas que Whisper pode dar, mas ele quer contar a
verdade a Julien. Julien perguntou se ele estava bem; pela primeira vez na
vida, Whisper quer dizer que não está.
— Eu tenho pesadelos —, diz Whisper. — Eu não durmo muito.
— Ah. Isso explica. — Julien estende a mão lentamente, como se estivesse
acariciando um gato nervoso. As pontas dos dedos quentes beijam a pele sob o
olho de Whisper.
— Você sempre parece tão cansado.
E por um momento translúcido e doloroso, Whisper se sente visto.

Quando Julien se foi, Whisper se encosta na porta fechada e conta as


contas em seu pulso. Conta-os novamente até parar de tremer. Ele lembra a si
mesmo que precisará adicionar uma sétima conta em breve.

CAPÍTULO DEZ

JULIEN

A manhã da caça amanhece com céu azul cristalino e o toque perfeito da


brisa. A floresta de caça da Casa Frenn é tão bonita quanto Loras prometeu. As
árvores se elevam no alto, seus troncos lisos e escuros como pilares de um
palácio sem fim. Folhas claras e escuras quebram a luz do sol como vitrais
derretidos, em constante movimento, manchando o grupo de caça com
sombras e luz. Não há muita vegetação rasteira; poucos lugares para se
esconder. Seria um bom lugar para cavalgar se não fosse uma floresta de
anciões.
O grupo se reúne em uma clareira com uma pequena cabana e uma
fogueira central. Bancos de madeira cercam o poço, para que os nobres
possam sentar e conversar enquanto os cozinheiros trabalham no forno
dentro do alojamento. Lady Elinor confere com seu mestre de caça, com
Valerie sentada por perto, enquanto Julien e o resto dos cortesãos assistentes
verificam seus equipamentos. Apenas armaduras e braçadeiras de couro, sem
cota de malha ou ombreiras douradas. O fogo da Wyrm aquece o metal muito
rapidamente.
— Estou feliz que vocês dois conseguiram —, diz Loras, ajustando suas
luvas. — Eu não vejo você há séculos, Emile.
— Estive muito ocupado me divertindo na corte —, responde Emile
Pellerin. — Até que Sua Alteza aqui partiu, pelo menos. Não tem sido tão
divertido recentemente.
— Bajulação sem vergonha. — Julien sorri. — Continue, eu adoro isso.
Emile chegou a Greenhaven há uma semana, ostensivamente para
verificar os interesses comerciais de sua família perto da fronteira. A falta de
uma data de partida, no entanto, indica que ele está mais interessado em
verificar Julien. Afinal, os Pellerins gastaram uma quantia considerável de
dinheiro e esforço para cortejar o favor do segundo príncipe.
Apesar de seus cumprimentos efusivos, Loras não parece feliz em ver
Emile. Isso provavelmente tem algo a ver com a beleza requintada de Emile;
olhos escuros e tez âmbar quente. Seu longo cabelo preto está trançado em
volta da cabeça com fios de pérolas. Sem dúvida, Loras vê Emile como uma
competição pela atenção de Julien.
Os olhos de Julien se desviam para a beira da clareira, onde um certo
Mestre dos Gatos está entre suas duas cargas fofas. De acordo com Will, Fisk e
Rumi estão muito interessados em anciões, então eles estão se juntando a
Julien, Emile, Valerie e os irmãos Frenn na caça.
Talvez Julien imagine como Will se vira sempre que olha, como se não
quisesse ser pego observando Julien em troca.
— Você acha que Valerie vai me dar um par de gatos também, se eu pedir
com jeitinho? — Emile pergunta. — Tenho que confessar que estou com um
pouco de ciúmes.
— Lindos, não são?
Emile se aproxima.
— Falando em lindo, você realmente deve me apresentar a esse lindo
loiro.
— Não brinque com meus funcionários —, diz Julien, não tão casualmente
o suficiente
os olhos de Emile assumem um brilho calculista.
Loras ajusta as luvas pela terceira vez.
— Eu realmente acho que você deveria ter cuidado com isso, Sua Alteza.
Certamente você pode encontrar alguém um pouco mais confiável para cuidar
dos gatos.
— Certamente você não escolhe seu povo com base na cor dos olhos, não
é, Lorde Frenn? — Julien diz, um pouco mais duramente.
Antes que Loras possa fingir um pedido de desculpas, o mestre de caça da
Casa Frenn assobia. A festa se reúne na fogueira.
— A caçada de hoje é em uma área de cinco milhas quadradas, — Elinor se
dirige a todos. Ela é mais alta e mais magra do que seu irmão, com cachos de
saca-rolhas presos sob uma touca verde.
— Um ancião vermelho está invadindo os territórios de outros anciões
próximos. Quem matar a fera ganhará não apenas a glória, mas a gratidão da
Casa Frenn por reduzir o risco de incêndios. Meu mestre de caça marcou o
perímetro com bandeiras vermelhas. Não cace fora deles, ou você perturbará
os anciões estabelecidos.
Julien verifica sua besta e dispara enquanto ouve. Ele pode ver por que
Elinor e Audric se dão bem como Loras diz; suas abordagens metódicas e
organizadas são muito compatíveis.
Os Wyrms são primos menores e não voadores dos dragões, com seis
pernas em vez de asas. Muito mais agressivos que seus primos maiores, eles
nutrem uma animosidade particular por outros anciões. Enquanto um wyrm
estável e estabelecido pode nunca ser notado, exceto por tocas e rebanhos de
veados levemente chamuscados, um novo wyrm tão perto de assentamentos
humanos vale bem a pena ser caçado.
Já que os wyrms precisam ser atraídos de seus covis subterrâneos, Julien e
o resto serão iscas assim como caçadores, ouvindo o rastejar revelador sob a
terra. E wyrms são rápidos e desagradáveis o suficiente para caçá-los, mas
requer magia. Em Silaise, isso faz com que caçar anciões seja um esporte de
nobres com mais frequência.
Os caçadores de hoje são divididos em pares, com um mago mais forte em
cada grupo. Elinor e Valerie estão juntos, depois Emile e Loras. Nem Emile
nem Loras parecem felizes com o arranjo, o que leva Julien a achar perfeito.
Também perfeito: já que Julien quer tentar caçar com os fellcats, Will está
com ele.
Julien acena para Will enquanto Elinor termina.
— Preparar? Achei que iríamos seguir uma milha para nordeste, depois
cortar ao longo da borda. O solo é melhor para cavar lá.
Will ajusta a tensão em sua própria besta.
— Rumi diz que quer ir com você. Fisk e eu seguiremos atrás.
Tudo bem, talvez ainda demore um pouco mais antes que ele possa falar
com Will sozinho novamente. Julien não pode culpar o arranjo, então ele deixa
de lado sua decepção e se curva para o elegante gato azul.
— Estou honrado, Lady Rumi, — ele diz em Alto Fellrian.
Rumi pisca seus grandes olhos dourados, então boceja em uma
impressionante exibição de presas.

***

Fellcats são perfeitos para caçar anciões, decide Julien. Rumi se move em
silêncio quase perfeito, apenas ocasionalmente perturbando a serapilheira no
chão. Qualquer som que ela faça é muito mais silencioso do que o farfalhar das
folhas lá em cima, ou os movimentos silenciosos do próprio Julien.
Pelo menos, ele fica quieto até que uma voz feminina legal do nada o faz
pular.
Sinto o cheiro do pequeno dragão a leste. Me siga.
Julien se vira para encontrar os olhos dourados de Rumi. As palavras
estavam em High Fellrian, então ele responde no mesmo idioma.
— Você está falando comigo?
Obviamente, já que você me ouviu. Rumi soa muito presunçosa e, de alguma
forma, exatamente como Julien imaginou que sua voz poderia soar.
— Parabéns, se você pretendia me assustar. Bem jogado.
Falar com várias pessoas é problemático, e falar com pessoas que eu não
gosto é problemático. Eu falo com Food Sybil às vezes. E eu não gosto de você.
— Grande elogio.
Muito alto elogio. Ela vira para o leste. Venha comigo. Ouço Fisk e o gatinho
se aproximando, e quero pegar o pequeno dragão antes que Fisk o faça.
— O gatinho? — Julien sorri, seguindo atrás dela. — Isso combina com ele.
Suas orelhas manchadas se movem em direção a ele. Ver? Eu não gosto de
você cada dia menos. Fisk discorda de mim, mas acho que o gatinho é muito
parecido com um gatinho. Um gatinho muito bom.
A luz do sol manchada oscila pelo chão, e as listras do felino. Julien se
esforça bravamente para prestar atenção ao seu entorno, ao cheiro fresco e ao
canto dos pássaros, em vez de perder a imaginação ao pensar em Will como
um gatinho.
Nadine ainda não teve notícias de seus contatos Fellrianos, e Julien está
cada vez mais preocupado com isso quanto mais ele conhece Will. O jovem
ainda é um mistério, mas Julien acha manter a cautela mais difícil a cada dia.
— O que mais você pode me dizer sobre Will? — Julien pergunta a Rumi.
Vou dizer a ele que você perguntou. Eu não gosto de segredos.
— Isso é bom. Honestidade é muito rara na corte. — Não que Julien ajude
com isso.
A cauda de Rumi balança. Ele é bom com as mãos. Ele sempre encontra o
lugar certo para coçar atrás das minhas orelhas. Ele não fala muito, mas presta
atenção. Suas orelhas se movem em direção a ele novamente. Ele presta muita
atenção em você.
A mente de Julien está tão concentrada na frase “bom com as mãos” que
ele leva um momento para processar a última observação de Rumi.
— Ele presta atenção em mim?
A risada de Rumi rola em sua mente. Ele observa você com mais cuidado do
que Fisk observa um frango assado. É um absurdo testemunhar.
Julien quer pedir mais detalhes, mas um som interrompe sua curiosidade
satisfeita. O silvo subterrâneo e o chocalho de uma criatura escamada
movendo-se sob o chão da floresta. Rumi faz uma pausa também, depois dá
uma volta. Com o coração acelerado em antecipação, Julien ajusta sua besta de
duas flechas e a prepara para disparar.
Quase aqui, diz Rumi. Julien não responde; o ancião o ouvirá. Ele aponta
para um ponto claro, livre de raízes ascendentes, então gesticula para longe.
Rumi se move para o lado, claramente concentrado no local para o qual
apontou.
Audric seria capaz de acessar a rede de raízes e mapear com precisão a
toca. Julien viu seu irmão matar um wyrm antes mesmo de explodir da terra,
em uma das raras ocasiões em que Audric saiu caçando com ele. Audric não
gosta de caçar, e Julien entende o porquê; não é esportivo, com magia como a
de Audric.
É definitivamente esportivo com a compreensão mais fraca de Julien da
magia de Sandry. Mas ele não vai usar a magia de Sandry hoje. Ele passou as
últimas duas semanas refletindo sobre sua conversa à meia-noite com Will; e
lenta e hesitantemente experimentando a magia de Rue.
Controle sobre o ar. Apenas suas mães e irmãos sabem que Julien o herdou
e, nos últimos doze anos, nunca o pressionaram a usá-lo. Mas Will se
machucou porque Julien não estava ciente e capaz o suficiente para se
proteger.
Tesson Rue está morto. Rejeitar a magia de Rue não significa nada para
ele, e tudo o que Julien está fazendo é se limitar. Está na hora disso mudar.
Wyrms sentem tanto o calor quanto o som. Julien exala. Imagina sua
respiração se fundindo com o ar ao seu redor, um truque mental para
visualizar seu controle. Quando sua consciência se acalma, ele se concentra
em resfriar o ar ao redor dele e de Rumi.
A cauda de Rumi se contrai. Isso faz cócegas.
O chiado sob seus pés para. O ancião não se afastou, mas não tem mais
tanta certeza da localização de sua presa.
Esta próxima magia é mais difícil, e uma gota de suor escorre pela
têmpora de Julien apesar do frio. Como ele mantém a temperatura mais fria ao
redor dele e de Rumi, ele gira o ar mais rápido acima do ponto alvo.
Esperemos que aquecendo o ar. Possivelmente apenas girando folhas caídas
em um pequeno tornado.
Momentos passam. O wyrm permanece em silêncio.
Ok, tornado minúsculo é um fracasso. Hora do plano dois. Julien larga toda
sua magia, levanta sua besta e atira. O parafuso treme na terra macia
Depois de um momento de silêncio supremo, o chão explode abaixo dele.
As mandíbulas do ancião se fecham no ar e na terra. Chamas alaranjadas
ardem entre seus dentes pontiagudos, e seu corpo coberto de sujeira voa no
ar. Tão grande quanto Rumi, o corpo serpenteante do ancião é difícil de focar.
Usando seu olho branco resplandecente e as articulações de seus
membros como referência, Julien se move para o lado para obter um ângulo
em seu pescoço. Há uma desvantagem nessa técnica para atrair o wyrm: Julien
só tem uma flecha carregada e não pode contar com a chance de recarregar.
Rumi salta de lado. O wyrm é rápido, mas não rápido o suficiente para
escapar de seu alcance. Suas patas pousam pesadamente em sua cauda, e o
ancião grita com faíscas de fogo. Ele se ergue contra suas garras e sua cauda se
desprende com um audível rasgo de carne.
Como se atreve! Rumi grita na cabeça de Julien. Isso não é justo!
Julien não tem tempo de responder; a cauda perdida não diminui a
velocidade do ancião.
— Voltará. — Julien aponta sua besta. Ele precisa apenas do ângulo certo.
— Pule nele se eu errar.
Patético. Só não perca!
— Não pretendo.
Sua voz chama a atenção do ancião. Julien se prepara e se concentra no
corpo contorcido do ancião. A seis metros de distância, suas seis pernas ficam
tensas em um agachamento, então lança seu corpo serpentino em direção a
ele.
Forçando-se a relaxar, Julien espera enquanto a criatura se aproxima. A
concentração o liga novamente ao ar ao redor, e ele o empurra na direção do
ancião o mais forte que pode. A súbita rajada de vento não para o ancião, mas
a resistência extra do ar é suficiente. O wyrm desacelera por apenas um
segundo.
Quando ele solta o ferrolho, o ancião cai no chão.
Rumi salta ao redor da criatura em convulsão, observando atentamente
até que ela caia imóvel. As escamas mais lisas de sua barriga torcem-se para o
céu, e de sua garganta se projetam não um, mas três parafusos de aço.
Virando-se, Julien encontra Will atrás dele, já carregando novas flechas em
sua besta. Julien não tinha ouvido ele e Fisk se aproximarem.
— Olá. — Julien ri sem fôlego. — Você estava tentando roubar minha
morte?
Ele atira sua própria besta nas costas e desembainha a espada. O ancião
parece muito morto; cinzas negras mancham suas mandíbulas outrora
poderosas, mas ser cuidadoso nunca é demais.
Will se aproxima, seu foco ainda no wyrm. Fisk, que se mistura com a luz
manchada ainda melhor do que Rumi, caminha atrás dele.
— Seu raio o atingiu primeiro.
— Claro que sim. Eu sou um caçador de anciões experiente. — E
felizmente seu experimento mágico funcionou principalmente. Julien cutuca o
cadáver com a ponta da espada. Ele não se move, então ele embainha sua
espada. — Se você queria matar, você deveria ter me dito antes. Da próxima
vez que você caçar comigo, você pode tê-lo. Vou me certificar disso.
Os lábios de Will se abrem levemente, a mais leve rachadura em sua
expressão ilegível. De tão perto, Julien pode ver uma sarda bem dentro da
suave curva rosada de seu lábio inferior. Seu movimento é hipnotizante
enquanto Will fala.
— Eu não me importo com a matança. Eu só queria ter certeza de que você
estava bem.
— Você se preocupou comigo? — Algo sobre a luz do sol espalhada pelas
folhas no cabelo de Will deixa Julien deslumbrado. Ele considera tranquilizar
Will que ele tinha as coisas bem controladas com a magia de Rue, mas ele não
tem certeza se quer compartilhar isso com alguém ainda. Além disso, ele está
mais interessado na sarda no lábio de Will agora. — Acho que gosto de você
preocupado comigo.
Quando ele pega um cacho do cabelo de Will entre os dedos enluvados,
Will fica quase parado. Apenas seus cílios tremem brevemente.
— Eu não gosto de você imprudente, — Will diz calmamente. — Sua
Alteza.
De alguma forma, o honorífico não aumenta a distância entre eles. Ele
preenche a lacuna.
A voz mental de Rumi estilhaça o momento. Já podemos comer? Se não,
alguém faz alguma coisa, porque Fisk está prestes a comê-lo.
Quando os humanos giram, Fisk inocentemente retrai sua pata de cutucar
o rosto morto do ancião.
— Não coma ainda —, diz Julien. — Vou enviar o sinal.
Ele solta a buzina do cinto enquanto Will se afasta. Este momento foi só
deles, e Julien de repente está relutante em convocar o resto do grupo de caça.
Mas Will já está andando pela área ao redor e inspecionando o buraco
quebrado do wyrm, e Julien não tem certeza de quanto tempo Fisk pode
esperar antes de comer o wyrm.
Julien leva a trompa aos lábios e o chamado melódico ressoa pela floresta.

***

A supervisão de Julien da limpeza é mais uma sugestão cerimonial do que


qualquer responsabilidade real. Enquanto o resto do grupo conversa nas
proximidades, Julien assiste preguiçosamente o mestre de caça dos Frenns e
seus assistentes esculpindo o wyrm e empacotando os pedaços, desmontando
a criatura morta em uma variedade de tesouros.
A tradição dita que Julien fica com a pele dura como campeão da caçada.
Os caçadores restantes recebem uma variedade de garras e presas, e Elinor
levará para casa sangue de ancião engarrafado, órgãos e ossos limpos para
apresentar a seu Pai como senhor da terra. A carne será o jantar deles esta
noite no pavilhão de caça. Quando o trabalho do mestre de caça termina,
quase nada resta do ancião.
Em uma quebra da tradição, Elinor instrui o mestre de caça a presentear
um fêmur para Rumi e Fisk, que alegremente começaram a roer suas
guloseimas.
Verdade seja dita, Julien não tem certeza de qual raio atingiu o pescoço do
ancião primeiro. Mas ele tem um palpite que Will não quer a atenção de
qualquer maneira. Talvez Julien mande fazer luvas ou botas de couro para ele.
Compensação por sua imprudência.
A limpeza termina e os assistentes do mestre de caça começam a levar os
pôneis de carga para longe. Contemplando se deve surpreender Will ou fazer
um alfaiate falar com ele com antecedência, Julien se vira para se juntar ao
resto da festa.
Elinor e Valerie estão conversando, Valerie brincando com o cabelo e
Elinor sorrindo um pouco mais do que o habitual. Loras fica desajeitadamente
à beira de seu flerte, brincando com seu frasco.
E longe de todo mundo, Emile está conversando com Will. Eles estão muito
próximos, e o sorriso de Emile é muito amigável.

CAPÍTULO ONZE

WHISPER

A atenção de Julien paira como um segundo casaco sobre os ombros de


Whisper, pesada demais no calor do verão. Whisper está surpreso que Julien
espera até que eles estejam na metade do caminho de volta para a cabana
antes de puxá-lo para longe do grupo.
— Então, o que foi isso? — Julien pergunta, claramente fingindo sua
agradável neutralidade. Whisper não consegue ler seu sentimento subjacente.
Raiva? Suspeita? A suspeita seria inteligente. Nem Emile nem Whisper são
pessoas confiáveis.
Mas se ele é digno ou não, Whisper precisa da confiança de Julien.
— Lorde Emile tinha ouvido falar que você estava passando muito tempo
comigo. Ele tentou me subornar para ter acesso a você.
— Oh. — Julien sorri, e a estranha tensão evapora nas folhas douradas
acima. — Isso é bom.
— Como isso é bom?
— O que ele te ofereceu? E o que exatamente ele queria que você fizesse?
Com o mesmo cuidado que Whisper anda, as folhas rangem sob suas
botas. Algo no sorrisinho de Julien faz seu estômago revirar, embora Julien
seja claramente um perigo para si mesmo. Como ele sobreviveu tanto tempo
se acha que o acesso subornado é bom? — Ele me ofereceu cinquenta ouros
cada vez que eu mencionasse um tópico para você a seu pedido. Ele foi vago
sobre a natureza dos tópicos.
— Claro que ele estava. O que você disse a ele? Essa é uma soma pesada.
— Eu aceitei o suborno, é claro —, diz Whisper. — Como você disse, é uma
soma pesada, e há coisas piores para Lord Emile gastar. Além disso, imaginei
que você gostaria de saber o que ele quer que eu lhe diga.
— Você está certo, eu tenho muito —, diz Julien. — Estou impressionado.
Você tocou isso quase perfeitamente.
— Quase, Alteza?
Julien passa o braço por cima do ombro de Whisper.
— Você deveria ter me pedido para contra-subornar você e inflado o
preço, em vez de prometer ser meu agente duplo de graça.
É difícil pensar com a respiração de Julien em seu cabelo. O cheiro dos
bosques que os cercavam, os impulsos conflitantes de atração e desespero.
Whisper não está acostumado a estar tão perto das pessoas quando estão
vivas.
— Vou manter isso em mente para a próxima vez. Embora eu não precise
do dinheiro.
— É claro. — Julien solta o ombro e coloca uma distância adequada entre
eles. Mas não há nada apropriado no calor em sua voz quando ele diz: — Rumi
estava certo. Você é um bom gatinho.
Whisper quase tropeça.
— Ela me chamou de quê?
— Não se preocupe com isso. Olhe, estamos aqui! — Julien se afasta para
se juntar ao resto do grupo quando a clareira da cabana se abre à frente.
Whisper só pode olhar para ele, todos os pensamentos das intrigas de
Emile Pellerin apagados.
Gatinho?!

***

Whisper atrasa a entrada na refeição do meio da tarde até que o resto da


festa esteja na metade do curso da sopa. Ele passa muito tempo certificando-
se de que Rumi e Fisk estejam acomodados. Mas, finalmente, Rumi
interrompeu o pairar sobre eles, e a cozinheira diz a ele em termos
inequívocos que ela não quer ajuda, então ele se junta aos nobres no
restaurante. tabela.
O jantar mais cedo é a versão da nobreza de comida de acampamento, com
o caro vinho Marcel acompanhando o saboroso pato e cebola garbure. As
tigelas de madeira rústica não combinam com as delicadas hastes florais dos
talheres, e a mesa de madeira falsa-rústica é polida e limpa o suficiente para
não estragar nem mesmo as imaculadas calças de montaria brancas de
Valerie.
Julien se senta em uma ponta, com Elinor à sua direita e Loras atrás dela.
Do outro lado estão Emile, Valerie e o restante da mesa. Whisper fica aliviado
por não ter uma visão confortável de Julien.
Ele ainda não tem certeza do que pensar da palavra gatinho.
Uma pergunta de Emile corta a conversa:
— Você ouviu o boato sobre o velho marquês de Vernon?
Whisper enfia o garfo em outro pedaço de pato cozido lentamente.
— Sim, enviamos condolências à Casa Vernon assim que ouvimos —,
responde Valerie. — Fim de uma era. Estive no escritório do meu tio em
Marcelline, e os livros-razão têm recibos comerciais mais antigos do que eu,
escritos na caligrafia do marquês.
— Não uma era tão longa quanto poderia ter sido. — A voz de Emile baixa
em um tom conspiratório. — A Casa Vernon anunciou que o Marquês Atsuji
morreu enquanto dormia, mas há um boato de que ele foi assassinado.
Whisper engole o pato, sem provar nada, e toca sua pulseira por reflexo. A
última conta está coberta de couro como as outras, mas ele conhece o brilho
preciso do rubi embaixo.
Impossível. Whisper sabe melhor do que ninguém que não deixou rastros.
— Eu ouvi algo semelhante —, diz Julien.
Loras faz uma pausa no meio de sua terceira taça de vinho.
— Houve uma investigação?
— Claro que não —, diz Emile. — O culpado mais provável é sua própria
filha, afinal. Ela já está na casa dos sessenta e suponho que estava impaciente
para herdar a marca.
— O homem começou sua carreira antes que os dentes da minha mãe real
crescessem —, diz Julien. — Não faltam pessoas com motivos. Ah, aqui está o
prato principal.
Não faltam motivos. Qualquer um poderia ter sido cliente do Canil. A
recém-ascensionada Marquesa Vernon, ou uma rival de negócios frustrada.
Outro membro da família, um amante abandonado, alguém que simplesmente
tinha uma obsessão e os fundos para sustentá-la. Whisper não deixou rastro;
pai o teria matado se o tivesse feito. Mas há rumores mesmo assim.
Qualquer um poderia ter sido o cliente, mas apenas Whisper segurou o
travesseiro sobre o rosto do velho.
Os servos retiram as tigelas rústicas de sopa e as substituem por pratos
igualmente rústicos de tenra barriga de ancião. A carne vitrificada se desfaz ao
menor toque da faca. Whisper já comeu o ancião antes, uma reminiscência de
frango mais forte e mais gordo. Mas ele mal sente o gosto esta noite, mesmo
quando a conversa se afasta do assassinato e suas consequências.
A tarde ainda resiste à noite quando a caçada termina oficialmente, e
carruagens e cavalos esperam por eles ao longo da estrada principal dos
Frenns. Emile demora mais do que os outros, até que Julien diz:
— Vamos almoçar mais tarde esta semana.
Perfeitamente pegando a dispensa, Emile faz suas despedidas. Ele até bate
no ombro de Whisper antes de montar em seu cavalo e levar sua carruagem
de servos de volta para Greenhaven.
Whisper e Julien também saíram a cavalo, mas desta vez, Julien prende sua
manga.
— Venha na carruagem comigo —, diz ele, então acrescenta como uma
reflexão tardia: — Por favor?
Como se Whisper pudesse dizer não. Ele sinaliza para o guarda
juramentado Vitus primeiro.
— Bata na janela se os gatos precisarem de alguma coisa.
— Como vou saber se eles precisam de alguma coisa? — Vitus pergunta.
— Confie em mim. Você saberá. — Whisper respira fundo a poeira da
estrada e a floresta verdejante, os restos perfumados da fogueira. Uma pobre
tentativa de restaurar seu senso de controle antes de se juntar a Julien na
carruagem.
A luz filtra através das cortinas transparentes, pintando um retrato
dourado do interior. A madeira clara e escura forma padrões florais ao longo
dos pisos e paredes, e um confortável banco verde está voltado para a frente.
Os acessórios mostram onde um banco voltado para trás foi desmontado. Há
muito espaço para as pernas.
Julien desaba na outra ponta do banco, cotovelo no parapeito da janela.
Sua expressão preguiçosa lembra a Whisper de Fisk depois de perseguir um
coelho no jardim. A luz do sol da tarde ilumina sua testa forte e os ossos
definidos de sua mão. No silêncio, Whisper se lembra de quão alto Julien é,
quão largos são seus ombros sob o couro preto. Whisper não tem certeza de
qual deles venceria uma luta justa.
É por isso que a luta nunca pode ser justa.
O cocheiro fecha a porta e Whisper se senta cautelosamente na ponta do
banco. Ele espera que Julien diga alguma coisa, mas o príncipe simplesmente
observa pela janela enquanto guardas e servos se coordenam. O olhar de
Whisper se desvia repetidamente para a linha da bota de Julien, ou para os
fechos dourados que brilham contra o couro. O espaço entre eles não tem
sentido quando a presença de Julien inunda cada partícula de ar, embaçando o
vidro ao redor do coração de Whisper.
A carruagem se move para frente, o impulso pressionando Whisper
brevemente no banco acolchoado. O ritmo se estabiliza, e ele olha para Julien
novamente. Desta vez, Julien está olhando para ele, sua atenção apertando a
garganta de Whisper.
— Você está preocupado com alguma coisa —, diz Julien. — É Emile?
— Sim, — Whisper mente. Que gentileza de Julien oferecer-lhe uma
desculpa.
— Não se importe com Emile. — Julien se endireita da janela,
aproximando-se ligeiramente de Whisper. — Ele não faria nada com você,
quer você aceitasse ou não o suborno, e quer você me contasse ou não.
As melhores mentiras são a verdade.
— Não estou preocupado comigo mesmo, Alteza.
Isso esculpe um sorriso no rosto de Julien.
— Você tem que parar de se preocupar comigo, Will. Eu vou entender
errado. Definitivamente não se preocupe comigo quando se trata de Emile, no
entanto. Ele é uma doninha ardilosa, mas não está tramando contra mim.
— O que você quer dizer?
— A Casa Pellerin me quer no trono. — Julien ri. — Vá em frente, ria. Eles
têm um péssimo gosto para os príncipes Sandry.
Whisper não está rindo. Julien não é tão simples quanto parece na
superfície; talvez até tenha alguma ideia de quem quer matá-lo.
— Por que eles querem você coroado?
— Simples —, diz Julien. — Eles não gostam de Audric. Ele é muito
teimoso e honrado para subornar, e eles não gostam das reformas pelas quais
ele está pressionando. Eles preferem ter alguém que eles acham que podem
influenciar.
— Existe alguém que particularmente o apoia sobre você?
— Qualquer um com bom senso —, diz Julien.
Whisper inclina a cabeça.
— Eu não acho que você seria um rei ruim, Sua Alteza.
— Silaise merece mais do que 'nada mal’. — Aproximando-se, Julien baixa
a voz.
— Lembre-se, tudo isso é muito secreto. Se alguém perguntar, estou
misteriosamente em silêncio sobre esse assunto.
— Claro, — Whisper diz fracamente.
Julien está muito perto, seu hálito quente no cabelo de Whisper.
— Eu quero dizer isso, no entanto. Não se preocupe com Emile, ou
qualquer outra pessoa neste ninho de cobras. Eu cuidarei de você.
É uma das coisas mais gentis que alguém já disse a Whisper; e a mais
dolorosa. Julien não faz ideia de que está confortando seu assassino. A culpa
aperta suas garras ao redor das costelas de Whisper até que ele mal consegue
respirar. Julien não quer apenas me foder, ele poderia responder a Lucien
agora. É muito pior do que isso.

Whisper fica em silêncio por tempo suficiente para Julien rir sem jeito.
— Desculpe. Eu chego um pouco forte demais às vezes.
— Não. — Whisper toca a mão de Julien no banco e estremece com o calor
chocante dele. — Você não fez nada de errado.
A risada de Julien é baixa e doce novamente. Ele muda seu aperto até que
ele segura a mão de Whisper, prendendo-o com a menor pressão.

CAPÍTULO DOZE

JULIEN

— Tenho boas notícias, más notícias e péssimas notícias —, diz Nadine. —


Qual você quer primeiro?
Julien tira a boneca de pano encharcada da boca de Cupcake e a joga em
sua sala. Garras cavando nos tapetes, Cupcake corre atrás dele.
— Más notícias, depois muito ruins, depois boas notícias, por favor.
— Os detalhes estão aqui. — Nadine coloca um maço de pergaminho na
mesa baixa.
— Por favor, leia este aqui, mas a visão geral é que a tropa de Lucien
encontrou três flechas Draskoran na propriedade de Frenn, bem perto de
onde rastreamos o caçador desaparecido.
Cupcake volta a subir.
— Porra. — Julien se abaixa para pegar a boneca de pano novamente. O
vestido vermelho da boneca está rosa desbotado com buracos agora.
Costumava ter um rostinho doce costurado, mas tudo o que resta é um único
olho demente. Cupcake adora a coisa.
— Algum sinal de que ele cruzou a fronteira?
Ele arremessa a boneca do outro lado da sala novamente.
— Nenhum sinal de qualquer passagem de fronteira em qualquer direção.
As árvores não se moveram.
Julien franze a testa.
— A magia da fronteira não é infalível, mas Audric a renovou antes de
partir. Agende uma viagem para eu inspecionar a fronteira no próximo mês.
Não faça um barulho sobre isso, mas também não há necessidade de ser
dissimulado sobre isso. Não é segredo que os olhos de Silaise estão abertos.
— Vou colocar Rosin nisso, com sua permissão, Alteza.
— Claro, eu confio em você para delegar. Quantos anos tinham as flechas?
— Cupcake ainda não voltou, então Julien vai pescar a boneca debaixo de um
armário enquanto Nadine continua. Se ao menos todos os problemas de seu
povo fossem resolvidos tão facilmente.
— De um mês a cinco meses, com base no acúmulo de detritos. Não houve
chuvas significativas na região desde o início de Shores —, diz Nadine. — Eles
são definitivamente deste ano, não são artefatos da guerra.
— Bom saber. — Julien joga a boneca novamente, mas desta vez, Cupcake
ignora e pula no sofá. Com um suspiro, Julien se junta a ele. — Porra, isso
cheira estranho.
— Aquela boneca de pano ou esta situação?
— Ambos. — Julien esfrega o queixo. — Um grupo de ataque para
sequestrar um caçador aleatório? E a única evidência são três flechas
obviamente Draskoran? Draskorans são ousados, mas não são tão estúpidos.
— Não sei. — Nadine desliza para a poltrona em frente a Julien. Ela parece
mais cansada do que quando chegaram a Greenhaven, nem dois meses atrás.
Nadine liderou a Segunda Guarda do Juramento desde sua formação no
aniversário de dezesseis anos de Julien, quando ele deixou a proteção da
guarda da rainha da mãe. Ao longo dos anos, o papel de Nadine como capitã se
expandiu para reinos como mestre de inteligência, para o qual Julien tem que
admitir que não é realmente adequada. Ela é melhor em segurança direta e
gerenciamento. Enquanto ela está à altura do desafio, Julien realmente deveria
descobrir como equilibrar melhor seu papel antes que ela se esgote.
Isso vai ter que esperar, infelizmente.
— Qual é a notícia realmente ruim? — Julien pergunta.
— A guarda municipal de Greennhaven está cuidando disso —, diz Nadine.
— Mas uma caravana mercante foi assaltada por bandidos na estrada do norte
ontem.
Julien sussurra entre os dentes.
— Alguém se machucou?
— Sim, mas sem mortes. Perderam muita carga. Oficialmente, nenhuma
das testemunhas conseguiu identificar os bandidos. Mas os rumores
começaram quase imediatamente de que os Draskorans eram os responsáveis.
— Nadine abre um sorriso.
— Goldie diz que vai nos dizer se encontrar uma fonte para esses rumores.
Ela também convida você a fazer uma parada para os cartões novamente em
breve.
— Não tenho certeza se a coroa pode arcar com isso —, diz Julien. — Mas
claro, eu posso penhorar algumas das minhas abotoaduras de herança.
— Ela tem sido muito útil —, diz Nadine. — Isso é tudo que tenho sobre
isso por enquanto, infelizmente. Lucien sugere o aumento das patrulhas e a
coordenação com a guarda da cidade para aumentar a supervisão nos postos
de controle do comércio.
— Aprovado, ambos.
— Lucien também pediu uma audiência esta semana. Acho que ele quer
falar sobre dragões.
— Tenho certeza que sim. Pierre pode agendar isso quando eu estiver
livre. Por mais impossível que seja um corpo de dragões Silaisan, dada a falta
de dragões, espero que Lucien tenha ideias mais práticas sobre como
combatê-los melhor.
— Sim, Alteza.
Julien coça atrás das orelhas de Cupcake.
— O que mais você tem? A coisa do dragão de Lucien não pode ter sido a
boa notícia.
O lábio de Nadine se contrai.
— Eu ouvi de volta de meus contatos em Fellrin. Eles conseguiram falar
com algumas pessoas que trabalharam com Will Hadley no baronato.
O coração de Julien bate forte, sua excitação temperada com uma cautela
nervosa a que não está acostumado.
— Esta é a boa notícia, certo?
— Suas referências são válidas. — Nadine reorganiza o pergaminho e bate
a nova folha de cima na pilha, um relatório bastante confuso em três mãos
diferentes. — Ele trabalhou para o barão por quatro anos, alistando-se aos
dezoito. Um registro sólido e chato. Um exemplo de disciplina por intoxicação
em seu segundo ano. Ele renunciou há dois meses e meio, no início de Lesaile,
bem na hora de chegar a Greenhaven quando o fez.
O alívio irrompe em Julien como raízes no solo, cravando-se nele e
florescendo.
— Nadine, eu sou um idiota paranoico?
— Eu não diria isso, Alteza.
— Bem, obrigado por ceder à minha paranoia. — Julien folheia o relatório,
depois tenta relê-lo com mais atenção enquanto sua atenção vagueia,
impulsionada pelo alívio.
Will é exatamente quem ele diz que é, mas isso é apenas a superfície dele.
Um registro de emprego. Testemunho de seus ex-colegas. Eles não dizem nada
sobre a luz em seus olhos roxos. O jeito que ele ama os animais. A terna
preocupação que ele mostra sempre que Julien está em perigo. Os pesadelos
que o mantêm acordado ou a tensão em sua voz sempre que menciona seu pai.
A maneira como ele cora quando alguém o chama de gatinho.
Apenas a superfície. Julien quer descobrir o resto dele.

***

Will abre a porta alguns momentos depois que Julien bate.


— Vossa Alteza —, ele começa, então vê a pequena multidão atrás de
Julien. Seus lábios se fecham sem dizer nada, mas a pergunta é clara em seus
olhos.
— É uma boa hora? — Julien pergunta. — Podemos voltar mais tarde.
Whisper hesita, mas assente.
— Vou dizer aos gatos que temos convidados.
Deixando a porta aberta, Whisper desliza pela sala. Ele está apenas de
meias, e sua camisa não está dobrada; a vulnerabilidade não polida chama a
atenção de Julien. Passando pela porta do quarto, Fisk e Rumi estão
esparramados na cama desarrumada, suas peles coloridas semi-iluminadas
por uma fatia de luz do sol. Eles jogaram um travesseiro no chão, ao lado de
alguma peça de roupa descartada.
Will se inclina sobre a cama e diz algo inaudível para os gatos. A ligeira
inclinação de sua cintura dispara como um relâmpago pela imaginação de
Julien.
Desviando os olhos, Julien orienta todos do corredor para a sala de estar
de Will. Um par de guardas afasta a mesa do caminho. Will retorna enquanto o
alfaiate e seus assistentes em aventais de muitos bolsos estão arrumando suas
cestas.
— O que é isso, Alteza? — Will pergunta.
Julien tenta não ler muito na maneira como Will se aproxima dele. Como
se ele se sentisse mais confortável com Julien do que com todo mundo; tudo
bem, Julien está lendo muito sobre isso.
— Vou dar uma festa modesta na próxima semana e quero que você
compareça como meu convidado, não de plantão.
Um assistente abre as cortinas, enchendo de luz a sala de estar. O cabelo
levemente despenteado de Will é brilhante como o sol.
— Para o seu aniversário? — Will pergunta. — Acho que você antecipou
minha desculpa de que eu não tinha nada para vestir.
Lembrou-se do aniversário dele. Julien tenta controlar seu prazer.
— Eu tento ser minucioso. Deixe o alfaiate começar a trabalhar e finja que
não estou aqui. Isso é uma ordem.
— Vou tentar —, diz Will, e se junta ao alfaiate no centro da sala. Julien se
empoleira no braço do sofá para assistir.
A atividade é mais desagradável do que o esperado. Embora geralmente
goste de assistir Will, Julien não previu a logística da tomada de medidas. A
alfaiate é uma profissional consumada enquanto ela chicoteia seu barbante ao
redor do corpo de Will, medindo o comprimento de seus braços e pernas, a
circunferência de seus pulsos e cintura. Ela chama números para um
assistente enquanto Will fica parado como uma estátua no meio da agitação.
Profissional. Normal. A irritação de Julien cresce a cada toque casual.
Ele não está acostumado a se sentir possessivo sobre suas paixões e
aventuras. Os amantes de Loras e as inúmeras conquistas de Emile só lhe
interessam como dados para mapear os contornos de seus esquemas e
alianças. Ele certamente nunca foi como Claude, que é obcecado por cortesãos
que ousam ficar muito tempo beijando a mão de Margot. Claude assumiu
metade do cargo de secretária real porque ela odeia que outras pessoas leiam
a correspondência de Margot, e Margot a favorece em quase tudo.
Talvez o problema seja que Will não seja uma aventura. Normalmente,
uma semana entre conhecer um homem atraente e dormir com ele seria um
relacionamento lento e tranquilo para Julien. Mas ainda há muitas razões para
restringir sua busca por Will.
Nadine confirmou as referências de Will, mas Julien ainda é um príncipe, e
Will ainda é seu empregado. Seu adorável, durão e tentador empregado.
Mesmo que o certo Will de Julien compartilhe seu interesse, ele precisa se
certificar de que Will está seguro antes mesmo de pensar em cortejá-lo.
Certo, o único humano de Julien. Ele não consegue parar de pensar em
uma série de coisas quando o alfaiate aperta o cordão em volta da cintura de
Will.
Enfiando o barbante no bolso do avental, o alfaiate diz a um assistente:
— Passe-me primeiro o tecido azul.
Um metro quadrado de tecido azul meia-noite flutua no ar antes que o
assistente tenha a chance de obedecer. O tecido flutua pela sala e paira,
balançando, na frente do alfaiate. Depois de um momento de espanto, ela o
puxa do ar, e o tecido cai mole em seus dedos.
Will se vira, que é quando Julien percebe Fisk parado na porta do quarto,
seu rabo verde se contorcendo no ar.
— Obrigado, Fisk, — Will diz, então explica para o resto da sala, — Fisk
está começando a aprender Trade.
Como se a parte surpreendente fosse que o felino entendeu as instruções
do alfaiate, e não que ele telecineticamente lhe entregou a amostra de tecido.
— Que inteligente —, diz o alfaiate fracamente.
— Muito inteligente —, concorda Julien, então muda para Alto Fellrian. —
Venha sentar-se no sofá comigo. Os assistentes estão um pouco nervosos. —
Quando Fisk não se move, ele acrescenta:
— Vou coçar atrás de suas orelhas.
Com isso, o predador verde-prateado se esgueira, seus olhos brilhando
com antecipação. Ele se deita ao lado do sofá, a cabeça pressionada contra o
joelho de Julien, e Julien, como prometido, afunda os dedos no pelo macio
atrás da orelha. Fisk se inclina para o arranhão.
Julien mal vê um sorriso no rosto de Will antes que ele desapareça.
O alfaiate segura amostras de tecido no rosto e no ombro de Will,
franzindo a testa de forma idêntica para cada um. Sua assistente anota suas
avaliações enigmáticas de: “Hm”, “entendo”, “tudo bem”, “certamente não” e
“Interessante”; no final do debate, entrega duas amostras de volta. O alfaiate
coloca um em cada um dos ombros de Will e o conduz até Julien.
— Qual você prefere para a festa, Sua Alteza? — ela pergunta.
Julien continua coçando a cabeça de Fisk.
— Will?
— Você pode escolher —, diz Will.
Agradecido com a permissão, Julien examina os tecidos. A primeira é um
céu azul enfeitado com mechas brancas e douradas, como a luz do sol nas
nuvens. Combina com a coloração de Will, mas Julien não consegue imaginá-lo
em um traje completo. Will não gosta de tanta atenção. A segunda amostra é
muito mais adequada, um profundo cinza-lavanda que realça o creme e o
rubor da pele de Will. Quando seus olhos encontram os de Julien, eles parecem
ainda mais brilhantes e profundos do que nunca.
Julien engole.
— O roxo.
Quando os alfaiates saem, Julien continua acariciando Fisk. O ronronar
satisfeito do felino vibra em seu braço. Os três logo estão sozinhos, exceto por
Rumi ainda cochilando no quarto. Julien já disse a seus guardas juramentados
que esperassem no corredor.
— Eu tinha algo para falar —, diz Julien.
Will se aproxima, ajustando os punhos das mangas. Seu olhar para cima é
permissão para continuar.
Julien tira a mão da orelha de Fisk e sacode seu pulso. Fisk cutuca o joelho
com a cabeça enorme, irritado, mas Julien precisa de toda a sua atenção para
isso.
— Ouça-me antes de reagir, por favor. Pedi a Nadine para preparar papéis
de demissão para você.
Os olhos de Will se arregalam brevemente. Apenas brevemente. No
instante seguinte, seu rosto está em branco.
— Estou ouvindo.
— Os documentos incluem autorização para dois anos de salário como
bônus de demissão. — Julien junta as mãos. — O suficiente para que você
possa ir a qualquer lugar, reinstalar-se em qualquer lugar e não terá que se
preocupar com dinheiro por um tempo.
Ainda sem expressão.
— Posso reagir agora, Alteza?
Aparentemente desistindo de mais arranhões, Fisk levanta do chão e volta
para o quarto.
— Você poderia ficar em Silaise —, diz Julien. — Ou há documentos para
você entrar facilmente em Draskora ou Fellrin. Até mesmo um navio em
qualquer porto ao longo de Jaws. Se você quisesse ir para o norte, Nadine
precisaria de um pouco mais de tempo para organizar isso.
— Você está me demitindo? — Will exige, sua calma finalmente
quebrando. Ele gira sua pulseira de couro ao redor do pulso esquerdo.
— Não vou demitir você —, diz Julien. — Deixe-me...
— Obrigar-me a desistir é o mesmo que me demitir —, Will retruca.
— Não. — Julien pula e agarra as mãos de Will. — Porra, estou explicando
isso errado. Eu quero que você fique.
Ele aperta os pulsos de Will, segurando-o no lugar, embora Will não esteja
tentando escapar. A tensão pulsa onde quer que sua pele toque.
— Estou ouvindo, — Will diz novamente, quase inaudível.
Julien respira fundo. Seus pensamentos estão uma bagunça, mas ele é
claro em uma coisa.
— Eu quero que você fique por muito tempo. Eu quero te conhecer
melhor. Devagar. É por isso que quero que saiba que pode sair quando quiser.
Eu quero que você fique, mas eu não quero você preso aqui, se você quiser
sair.
A próxima respiração de Will é instável.
— Porra.
É claro que ele entende.
Julien acaricia a pele delicada dos pulsos de Will. Esfrega a pulseira de
couro, quente da pele de Will. Will fica rígido novamente com isso, e Julien o
solta.
— Se você me odiar, você não precisa falar comigo novamente. Você não
precisa passar mais um segundo na minha presença. Basta ir diretamente para
Nadine, e ela cuidará de tudo.
— Isso não será necessário. — Quando Will olha para cima, há uma leve e
encantadora vermelhidão nos cantos de seus olhos. — Eu não quero ir
embora.
Toda a tensão é liberada dos ombros de Julien. Leve o suficiente para
flutuar, ele sorri. — Excelente. Nós iremos. Eu meio que tenho um relatório
militar para chegar. Vejo você para o jantar?
O sorriso de Will é leve.
— Vejo você para o jantar, Sua Alteza. E, a propósito, dois anos de salário é
uma quantia ridícula.
— Nadine me convenceu. Eu queria te prometer cinco anos.
— Ridículo.
Will é tão bonito à luz do sol, tão macio com as meias e a camisa para fora
da calça, que Julien não pode deixar de pegar sua mão novamente. Ele levanta
a mão de Will lentamente, dando a ele todas as oportunidades de se afastar.
Mas Will fica parado, permitindo que Julien pressione os lábios nas costas
lisas de sua mão.
Os dedos de Will apertam os dele, e o coração de Julien se enche de uma
luz vertiginosa.

CAPÍTULO TREZE

WHISPER

Whisper faz uma pausa do lado de fora do salão de banquetes, as pontas


de suas botas a poucos centímetros da fatia de luz que vem de dentro. O
arauto7 e um dos guardas do castelo na porta mal olham para ele. Do outro
lado da porta, Prewitt olha com hostilidade desenfreada. Whisper mal o viu
desde o último banquete.
Esta reunião é muito menor; Nadine insistiu em um evento mais contido
por questões de segurança. Mas nervos desconhecidos zumbiam sob a pele de
Whisper. Parte dele quer pagar fiança e fazer um circuito pelos jardins.
Inspecionar todas as carruagens visitantes.
A cabeça macia de Rumi bate de forma não muito suave contra seu
quadril. O que você está esperando?
Fisk está vestido para a ocasião, com um colar dourado ornamentado solto
em volta do pescoço. Rumi desprezou a dela. As roupas novas de Whisper se
encaixam perfeitamente, mas a seda parece um colar em volta de sua própria
garganta. Não deveria. As roupas são muito mais confortáveis do que ele
esperava pelo corte justo da jaqueta e pelos babados decorativos da camisa. O
fio de ouro traça cada delicada borda de seda. Whisper não se importa
7
Emissário, anunciador oficial da realeza.
particularmente com sua aparência, contanto que não chame muita atenção
dos outros convidados. Mas saber que Julien escolheu cada corte e tecido
realça cada toque de seda.
Quando Whisper avança, o arauto pergunta:
— Como devo anunciá-lo?
— Por favor, não me anuncie, — Whisper responde, e entra no corredor.
Fisk e Rumi em seus calcanhares são anúncios suficientes. Cabeças do
outro lado do corredor se voltam para ele, dezenas de olhos brilhando com
curiosidade e suspeita. Whisper vasculha a multidão, procurando não por
perigo, mas por Julien.
O salão de banquetes é de madeira escura e azulejo dourado e preto.
Geralmente é um espaço pesado e opressivo, mas Julien o transformou em um
conto de fadas. As janelas de cada lado do corredor estão escancaradas, as
cortinas removidas e as árvores dos jardins do lado de fora serpenteiam pelos
espaços. Os troncos se torcem como pescoços de cisne e os galhos se
estendem em direção ao teto, amarrados com cristal facetado que refrata toda
a luz da sala. Ao redor da pista de dança há círculos íntimos de sofás
decorativos, com bebidas e salgadinhos por toda parte.
Julien passou a última semana dirigindo as árvores. É um impressionante
show de magia, mas nenhum dos nobres convidados viu como Julien estava
esgotado depois de cada sessão. A magia de Sandry não é fácil para ele nessa
escala.
Whisper encontra o príncipe na corte em um círculo próximo. Ele está de
azul profundo hoje, sua jaqueta bordada com flores de ouro e violeta,
perfeitamente ajustada à largura de seus ombros. A renda escorre de seus
pulsos e, de alguma forma, os detalhes intrincados só o fazem parecer mais
masculino do que nunca. Um simples aro de ouro brilha entre as ondas de seu
cabelo.
Ele está rindo de alguma coisa, até que seu olhar se eleva e encontra o de
Whisper do outro lado do corredor. Seus olhos se arregalam e seus lábios se
abrem, a menor fratura em seu verniz8 cortês. Enquanto ele lambe os lábios,
suas garras de fome atravessam o Whisper tão profundamente como se fosse
o seu.
Tudo: a seda contra a garganta de Whisper, as luzes no alto, a lembrança
dos lábios de Julien contra sua mão, as batidas em seu coração, é real demais.
Com o coração acelerado, Whisper está prestes a se afastar em busca de
vinho espumante, ou algo para comer, talvez até mesmo alguém com quem
conversar. Verificando o perímetro. Qualquer distração para restaurar sua
compostura. Mas a voz de Rumi soa em sua cabeça: Julien disse para trazer
você até ele quando chegássemos aqui.
Rumi gosta muito de Julien. Ele é uma das poucas pessoas que ela chama
por seus nomes reais, em vez de uma descrição ou nome de animal de
estimação embaraçoso.
A encarando, Whisper pergunta:
— Você está conspirando contra mim?
8
Aparência de refinamento que dá às ações e maneiras de alguém um tom de cortesia, distinção.
Sim, responde Rumi presunçosamente.
— Tudo bem —, diz Whisper, e a segue em direção ao canto do corredor
de Julien.
A distração chega de qualquer maneira; Emile Pellerin o ataca, oferecendo
uma taça de vinho dourado e um sorriso.
— Mestre dos Gatos! Experimente isso, é muito melhor do que o vermelho
que os Marcels enviaram. A querida Valerie nem apareceu. Posso acariciar os
gatos?
Whisper pega o copo, mas não o bebe.
— Deixe-me perguntar —, diz ele, antes de mudar para Alto Fellrian e
repetir a pergunta de Emile para o benefício de Rumi. Quando ela atende, ele
diz a Emile:
— Você pode acariciar Fisk. O verde.
— Incrível. Eu os amo. — Emile baixa a voz. — Falando em Valerie, você
deve mencionar a Julien que é incrível como os vinhos Marcel estão ficando
caros, quando certamente não estão melhorando.
A atenção de Whisper não pode deixar de vagar. Do outro lado da sala,
Julien franze a testa, tão levemente que a maioria das pessoas não notaria.
Talvez Julien não seja tão otimista sobre as tramas de Emile como ele alegou.
— Algo mais? — Whisper pergunta.
— Na verdade sim. Uma palavra de conselho, sincera, gratuita. — Emile dá
mais um tapinha na cabeça de Fisk, então bate seu copo meio vazio contra o
de Whisper. — Sua Alteza realmente gosta de ter seu pau chupado.
Fisk inclina a cabeça curiosamente. Quanto de Trade ele aprendeu?
Pelo que parece ser a décima vez, Whisper diz:
— Eu não estou transando com Sua Alteza.
— É claro. Isso é exatamente o que Sua Alteza disse. — Com uma
piscadela, Emile volta a se misturar à multidão.
Fisk se afasta para inspecionar a janela e a árvore mais próxima. Rumi
bate o rabo contra a coxa de Whisper e o leva até Julien.
Whisper reconhece algumas das pessoas que cercam o príncipe. Lucien
Vaire em um uniforme amarrotado. Loras Frenn, já alegre com a bebida. Outro
primo Frenn. Ele não reconhece o resto dos rostos sutilmente pintados que se
voltam para ele, as tendências atuais são uma aparência natural elaborada e
de alta manutenção.
— Quem é? — pergunta uma mulher em um vestido rosa bebê e verde,
uma pilha de rosas de seda em seu cabelo.
Antes que Whisper possa pensar se deve se apresentar, outra mulher em
uma jaqueta e saia mais conservadora, quase militar, responde:
— Este é o Mestre dos Gatos do príncipe, é claro.
— O que te deu a dica, o jeito que ele entrou com dois gatos gigantes? —
Julien pergunta, arrancando risadas de todos. Ele dá um tapinha na almofada
ao lado dele.
— Sente-se comigo por um minuto, Will. Vou apresentar este bando de
bêbados.
Riem novamente, enquanto Julien recita uma lista de nomes, títulos e
apelidos afetuosos. Então a mulher de paletó diz:
— O que você estava dizendo sobre dragões, comandante Vaire?
A conversa volta a voar. Whisper ouve sem entusiasmo, balançando a
cabeça quando precisa, mas tudo o que consegue pensar é que vou ter que
envenená-lo.
Nada de faca ou garrote. Até mesmo um travesseiro tende a deixar
vestígios. Quando o sinal chegar daqui a pelo menos um mês, Julien tem que
morrer de causas naturais. Muitas pessoas reconhecem o guarda saltitante
com olhos Draskoran, e a suspeita será quente o suficiente quando ele
desaparecer após a morte de Julien.
Veneno ou acidente. O pensamento não deveria fazer o estômago de
Whisper revirar assim.
— É uma pena que Lord Gaspard não esteja aqui, — a mulher de rosa diz,
uma nova recarga na mão. — Aquele homem sabe beber.
— Eu sei, ele nunca perde minhas festas de aniversário —, diz Julien. —
Convidei-o com bastante tempo para viajar, mas aparentemente ele estava
ocupado. Convidei meu irmão real Audric também, mas você sabe como ele é.
A música aumenta e os cortesãos vão e vêm da pista de dança. Rumi e Fisk
saem depois de uma hora; Rumi diz que eles precisam de uma soneca antes
que Fisk fique sobrecarregado. Um tempo depois disso, Julien se inclina para
Whisper e diz:
— Você quer dançar?
Ele não se incomoda em manter a voz baixa, e nenhum dos cortesãos
parece surpreso. Curioso no máximo. É claro. Os flertes casuais de Julien são
famosos. Do lado de fora, isso deve parecer apenas mais um dos negócios de
Julien. Ninguém aqui sabe o quão estranho e devastador esse sentimento é
para Whisper.
Whisper acena com a cabeça, e o sorriso brilhante de Julien parece que é
só para ele. Julien pega sua mão, toda pele quente e calos surpreendentes, e o
guia para ficar de pé.
Com a mão parecendo que está pegando fogo, o sangue tão aquecido
quanto ele imagina que a roseira da noite, Whisper segue Julien pela pista de
dança, por um corredor lateral e por uma porta com cortinas de flores.
Além das flores, espera-se um pequeno pátio iluminado pela lua. Uma
fonte coroa o centro do pátio, tigelas em camadas simples ondulando com
cachoeiras. Mais luzes e enfeites de vidro decoram as cercas vivas ao redor,
como estrelas trazidas para a terra. A música brilhante ainda ressoa pela
noite, ressaltada com risos distantes. Mas neste enclave de noite estrelada, os
dois estão sozinhos, exceto o par de guardas juramentados atrás deles.
— Eu pensei que você queria dançar, Sua Alteza —, diz Whisper.
— Eu faço. Mas todo mundo está me dando nos nervos. — Julien aperta a
mão de Whisper e depois a solta. — E eu não acho que você gosta de toda a
atenção. —
O coração de Whisper se desequilibra.
— Você é muito observador. — Observador demais. — Eu não sei
nenhuma dança Silaisan, então você vai ter que me ensinar.
— Minhas aulas foram muito completas, e eu provavelmente conheço mais
danças Fellrianas do que você. Mas a dança que eu tinha em mente não é
muito elaborada. — A colônia de Julien enche o ar quando ele segura a mão
direita de Whisper com a esquerda.
— Primeiro, eu seguro sua mão. Então eu toco suas costas. —
Seu braço direito se curva ao redor do lado de Whisper, e uma palma larga
e quente pressiona entre as omoplatas de Whisper, desliza para baixo.
Descansa nas costas de Whisper, irradiando calor.
A palma esquerda apoiada no ombro de Julien, Whisper se inclina com a
leve pressão. Ele nunca esteve tão quente em sua vida.
— E depois?
— Então eu posso olhar em seus olhos pelas próximas duas horas —, diz
Julien.
— Simples, certo?
Nada sobre isso é simples. Mas talvez por esta noite, Whisper possa fingir
que é.
— Vou tentar acompanhar.
A risada de Julien é mais doce que a música e, quando ele se move, é lenta.
Passos giratórios, balançando para frente e para trás, e Whisper dificilmente
precisa de seus reflexos treinados para acompanhar. Ele está tão sintonizado
com a forma e o calor do corpo de Julien, ou Julien está tão sintonizado com o
dele, e isso deveria ser mais assustador do que é.
A noite zumbe de encantamento. Luz das estrelas e flores, água corrente e
música distante. Julien lambe os lábios, e Whisper fica impressionado com a
percepção de que Julien está prestes a beijá-lo.
Muito pior: Whisper também deseja beijá-lo.
— Sua Alteza? — alguém chama da porta. O sangue pulsa ruidosamente
nos ouvidos de Whisper enquanto Julien se desembaraça.
— Sim? — Julien pergunta bruscamente.
Saudações de Rosin.
— Capitã Nadine pediu para falar com você.
— Porra. Eu estarei lá. — Julien toca o rosto de Whisper, levando cada
nervo ao ponto de contato. — Você está livre para desistir da festa, mas se
você ficar, eu vou te encontrar de novo.
O coração de Whisper bate forte.
— Eu vou ficar. Nós deveríamos conversar.
— Excelente —, diz Julien, depois segue Rosin para dentro.
O whisper cai na borda fria de mármore da fonte. Muitas emoções torcem
suas lâminas dentro dele. Euforia. Culpa. Desejo. Desespero. Ele está traindo o
pai e a Hemlock ao vacilar em um trabalho como este.
Quando Julien voltar, Whisper lhe dirá que não está pronto. Ele vai mentir
e dizer que precisa de mais tempo. Dê uma desculpa nervosa, porque ele não
pode dar a Julien mais do que isso. Já é o fim de Aramie. O primeiro de Briars
está a apenas cinco semanas de distância, e em algum dia desconhecido depois
disso, Whisper vai matar Julien.
Se Whisper fosse uma pessoa melhor, a culpa de trair Julien seria o que o
impediria de beijá-lo, ou mais. Mas ele não é uma pessoa melhor, e um medo
muito mais egoísta o restringe: ele já está muito apegado.
Se ele cair ainda mais, Whisper não sabe como sobreviverá ao fim deste
trabalho. Esta dança estrelada é tudo o que ele pode dar ao luxo de esculpir
em seus ossos e coração oco.
Um beijo o despedaçaria.
Algo pisca na borda de sua visão. Um breve sinal de luz sob uma cerca viva
próxima, luz das estrelas ou lanternas refletindo em algo metálico.
Algo que não deveria estar lá.
Whisper fica parado, com a cabeça inclinada para trás em direção às
estrelas. Perfeitamente relaxado. Somente quando os passos não muito
silenciosos se afastam é que ele se levanta. Silencioso como fumaça, ele segue
o som através da abertura na parede coberta de trepadeiras.
O portão leva a um dos jardins mais densos, árvores aparadas e arbustos
obscurecendo as linhas de visão. Além de outra sebe alta está a parede de
cortina interna e o posto de guarda leste. Uma trilha de terra batida serpenteia
entre as árvores. Whisper corre pelas bordas de paralelepípedos do caminho,
para não perturbar a sujeira solta. Depois de dois meses se familiarizando
com o Castelo de Greenhaven, ele sabe como se mover silenciosamente por
seus terrenos.
A clareza profissional o aguça, congelando o calor confuso do toque de
Julien. Sua presa é rápida.
Whisper para abruptamente na beira de outra cerca viva. Ele se agacha, e
uma única folha traça uma linha fria ao longo de sua bochecha. Outro prende
em seu cabelo. Além dessa cerca viva há um trecho de terreno aberto entre o
jardim e o muro interno. Se alguém estiver olhando, eles vão vê-lo.
Ele dobra um galho para fora do caminho e espia.
O portão interior oriental só é largo o suficiente para dois cavalos
passarem lado a lado. Ao lado, uma guarita9 é construída na base de uma torre.
As luzes das janelas da torre iluminam a área em manchas de luz e sombra.
Uma dessas sombras, escondida na beirada do portão selado, chama a atenção
de Whisper.
O homem não é ruim nisso. Seu casaco cinza combina bem com as
sombras, e ele mal parece respirar. Quando ele se move, é como se um pedaço
9
Pequena casa fixa ou móvel desenvolvida para abrigar sentinelas,vigias,seguranças.
de pedra se desprende da parede e passa por mais sombras até a porta da
guarita.
Ele é da Langley Mercenary Company, Whisper tem certeza. Filiado à
House Mika, mas mais barato para encomendar a granel. Um de seus líderes
vem tomar chá com papai uma vez por ano.
O Langley abre a porta e desaparece, o que significa que os soldados
dentro são cúmplices ou mortos. Nada é visível através da pequena janela
escura na porta da guarita. Mas Whisper não pode correr o risco de deixar
esse homem escapar. Ele tira a faca fina de sua bota e corre em direção à
guarita, de uma sombra para a...
Um clique metálico atrás dele o faz girar para o lado, seu corpo se
movendo antes mesmo de seu cérebro interpretar o som. Sua jaqueta puxa
quando o dardo da besta perfura sua cauda.
Whisper gira para encontrar não um, mas mais dois Langleys deste lado
da cerca viva. Outra besta clica.
O parafuso ressoa inofensivamente em algum lugar atrás de Whisper.
Correndo para a frente, ele se abaixa sob o alcance do homem e surge com um
soco em seu plexo solar10. Enquanto o Langley engasga, a faca de Whisper
desliza sob suas costelas. Empurrões para os lados, depois para fora. Sangue
quente espirra sobre o braço de Whisper e chove dele enquanto ele gira para
encarar o outro homem.
Uma besta recarregada brilha em seu rosto à queima-roupa. Pulando,
Whisper agarra a parte de baixo da arma e a empurra em direção ao rosto do
10
Região localizada na cavidade abdominal, acima do umbigo e perto do estômago.
portador. O Langley é muito lento para soltar a arma, dando a Whisper a
chance de cortar sua garganta. Ele se esquiva do spray, não pode deixar
sangue nos olhos.
Impulso. Reflexo. O peso e a direção de um corpo enquanto ele corta sua
carne. Este é o tipo de dança que Whisper está acostumado. Ele agarra o
homem em convulsão pelos cabelos, pronto para usá-lo como escudo
enquanto ele se vira para a guarita.
Mas a dor atravessa sua cabeça.
Músculos se contraindo, crânio batendo, Whisper perde o controle sobre o
moribundo. Com a próxima onda de tontura, ele deixa cair a faca também.
Pai.
Não. Esse não é o pai saindo da guarita, mais estranhos em seus
calcanhares. O rosto do mago está obscurecido pelo capuz e pelo véu, mas não
é o andar do pai, nem a voz do pai rouca:
— Eu disse a vocês, bastardos, para tomarem cuidado, não disse?
Não é o pai. Outro mago de sangue.
Um mago de sangue mais forte.
O medo ondula através de Whisper, e seus ossos tremem quando seus
joelhos batem no chão contra sua vontade. Os pensamentos filtram
irregularmente através de sua cabeça latejante. Ele precisa escapar, parar os
intrusos, avisar alguém. Ele deveria ter avisado alguém antes de sair do pátio.
Ele está tão acostumado a trabalhar sozinho.
A inconsciência ameaça com cada onda de dor. Falha. Whisper falhou
tanto com Hemlock quanto com Julien se esses homens mergulharem mais
fundo no castelo.
— Amarre-o, rapidamente, — o mago do sangue ordena.
Whisper capta apenas pedaços borrados de consciência enquanto
estranhos o jogam de bruços. Ele mal retém consciência suficiente para
tensionar seus braços enquanto eles o prendem, para que ele possa escapar
mais facilmente mais tarde.
— Senhor, o que devemos fazer com eles?
— Queime os corpos. Estamos partindo agora.
— Senhor, Brom ainda está vivo, nós...
— Queime-os.
As vozes desaparecem, dois dos homens já levando Whisper. Só então
Whisper percebe que eles não estão aqui para Julien. O alvo deles é ele.

CAPÍTULO QUATORZE

JULIEN

— Consiga-me uma audiência com Duke Frenn —, diz Julien enquanto


caminha pela Oak Room. — Amanhã, se puder. Estou preocupado que ele vá
fazer algo precipitado.
— Sim, Alteza, — Nadine diz, rabiscando em um caderno no sofá.
Julien daria tudo para estar de volta ao pequeno pátio da fonte, criando
coragem para beijar Will à luz das estrelas. Ele nunca esteve nervoso com um
beijo antes, mas tudo sobre Will parece diferente. Frágil. Julien não quer
estragar isso tão cedo.
Mas Nadine ficou sabendo de outro caçador desaparecido nas florestas da
fronteira. O homem foi visto pela última vez por sua família ao amanhecer e
não retornou ao anoitecer como de costume. Seu desaparecimento é recente o
suficiente para que talvez a guarda da cidade ou o exército ocidental possam
encontrá-lo, e o homem aparentemente tem rancor de seu vizinho. Mas caso o
guarda não consiga encontrá-lo, e caso a causa seja estrangeira em vez de
pessoal, Julien precisa estar preparado.
— Diga a Lucien para enviar uma tropa para apoiar a guarda da cidade
também. Espere, não. — Julien se detém, tentando pensar no que Audric faria
nessa situação. Ele definitivamente não quebraria os protocolos de jurisdição.
— Diga a Lucien para perguntar à guarda da cidade se eles querem assistência
militar.
Nadine continua rabiscando.
— Certo.
— Acho que é isso por enquanto. Eu deveria mostrar meu rosto na festa
novamente. Julien suspira.
— Por que eu dou tantas malditas festas?
— Porque você as ama, Alteza. — Nadine se levanta, torcendo o pescoço
em um estalo de vértebras. — Você estará disponível se recebermos alguma
atualização durante a noite?
Sua verdadeira pergunta é clara: Julien estará ocupado com Will esta
noite?
— Estou sempre disponível para uma emergência, não importa o quão
estranho seja me encontrar. Mas sim, estarei disponível para não emergências
também. Eu te disse, eu não estou fodendo...
Três batidas fortes na porta interrompem seu aviso. A porta se abre antes
que Julien ou Nadine possam chamar em resposta, revelando Vitus ofegante e
com o rosto vermelho.
— A casa da guarita leste está pegando fogo —, ele bufa. — Incêndio
culposo.
Nadine jura.
— Onde estão os magos da água?
— Rosin está em cena. Outros estão a caminho —, diz Vitus. — O
comandante Lucien também está em cena. O fogo não se espalhou. Os outros
de plantão estão procurando o culpado.
Julien pega sua jaqueta e se dirige para a porta.
— Vou procurar entre as árvores. Nadine, verifique as outras casas de
guarda. Não sabemos se...
Xingando novamente, Nadine agarra seu ombro e o conduz na direção
oposta.
— Estou levando você para a sala segura, Alteza. Porra, não discuta
comigo.
Julien está se preparando para fazer exatamente isso quando uma força
azul da natureza corre pelo corredor. Vitus grita de surpresa quando Rumi
derrapa até parar trêmula, suas garras raspando no chão de pedra.
Sua voz frenética corta a cabeça de Julien: Alguém roubou o gatinho.

O coração de Julien congela. Reinicia violentamente. Cada batida é uma


lâmina irregular de gelo entre suas costelas.
— Onde ele está? — ele exige em Trade, então tropeça em uma tradução.
Fisk os segue. Seguiremos Fisk. Pressa!
Ela gira, aparentemente impossível com seu volume na largura do
corredor, e se afasta novamente.
— Desculpe, Nadine. — Julien mal consegue ouvir sua própria voz. —
Quero que todos os guardas de juramento que você puder dispensar me
encontrem nos estábulos. Estou saindo em cinco minutos, estejam eles comigo
ou não.
Nadine olha.
— O que diabos aquele gato disse?
— O incêndio é uma distração. Foda-se se eu sei por que, mas eles estavam
atrás de Will. Sacudindo-se de seu alcance, Julien sai atrás de Rumi.

***

Quando Julien tinha onze anos, seu pai biológico se cansou de seu acordo
com a rainha Margot e Lady Claude. Um baronato menor já não era
compensação suficiente para renunciar a todos os direitos dos pais e
influência sobre os três príncipes de Silaise.
De acordo com a história oficial, Tesson Rue levou seu filho mais novo,
Bellamy, de oito anos, em férias surpresa para seu baronato na costa norte.
Todos na família sabiam a verdade: era um sequestro.
Margot começou a trabalhar para resolver a situação com pressão política,
mesmo enquanto tranquilizava Audric e Julien. Ela fez o seu melhor para
manter a família e a nação unidas, enquanto Claude perdia a cabeça com medo
e fúria. Espelhos quebrados e sussurros cruéis. Um segredo que Julien não
deveria saber, mas que guarda há anos.
Esta noite, Julien entende a raiva de Claude, se o que ela sentiu na época
foi algo parecido com o que ele sente agora. É óleo em suas veias. Incêndio sob
sua pele.
— Isso pode ser uma armadilha, — Nadine diz enquanto eles montam no
castelo.
— Então eles vão se arrepender de me pegar —, responde Julien, e chuta
seu cavalo na noite.
O vento frio passa por seu rosto, e as colinas de Greenhaven se erguem ao
redor deles. Doze guardas do juramento cavalgam atrás dele, incluindo Nadine
e Vitus. Rosin ficou com Lucien para controlar o fogo. Rumi galopa em um
ritmo implacável à frente, seu cheiro agitando os cavalos sempre que o vento
bate no ângulo certo.
As colinas estão cobertas pelas florestas e campos que deram o nome a
Greenhaven. À noite, eles são um manto de sombras tremendo na Paisagem.
Apenas vinte minutos fora da cidade, perto de uma encruzilhada, uma forma
se destaca das outras sombras.
Aqui, Rumi chama. Fisk está aqui.
Julien assobia e puxa seu cavalo. Seus lados úmidos levantam sob suas
pernas.
— Qual é a situação?
Uma casa naquela trilha. Outra trilha mais adiante na estrada. Pelo menos
seis humanos. Rumi trota em direção a Julien, depois para quando o cavalo de
Julien começa a se encolher. Existem sentinelas. Vamos esmagar as sentinelas e
assustar seus cavalos.
Sua cauda chicoteia enquanto Julien transmite a informação para Nadine e
o resto dos guardas. Nadine faz alguns pedidos aos quais Julien não presta
atenção. Ele está muito focado em Will.
— Fisk viu Will? — Julien pergunta a Rumi enquanto avança com seu
cavalo.
Levaram-no para dentro de casa. Sua voz é mais incerta do que Julien já
ouviu. Ele estava dormindo, embora eles fossem barulhentos. Oh, as sentinelas
estão aqui!
Ela surge na noite, Fisk correndo atrás dela. Julien ignora o grito de Nadine
e galopa para a frente também.
A casa na floresta é pitoresca, rústica. Uma cabine principal fica ao lado de
um celeiro, cercada por espaço aberto suficiente para que seja difícil se
aproximar da casa sem ser visto.
Julien não se importa se eles o veem chegando ou não. A magia brilha sob
sua pele, floresce para fora e se prende à floresta ao redor. Grandes
quantidades de poder que Julien nunca usou antes, imprudente e irrestrito.
Fácil. Cada raiz e galho se transformam em ouro vívido em sua mente.
Um grito abafado quebra a noite quando um dos gatos derruba uma
sentinela. A próxima sentinela consegue um grito mais longo antes que as
presas cortem sua voz. O ar se agita com o movimento dentro da casa, acima
dela há um homem no telhado, puxando uma besta.
A consciência de Julien desliza sem esforço pelo ar frio da noite, a magia
de Rue finalmente irrestrita. Ele vê em um fôlego todo o layout da clareira e da
cabana. Um homem, dois homens no telhado. Mais três estranhos na casa.
Nenhum sinal de Will, e o pânico o percorre até que o ar passa pela porta do
porão. Will está seguro no subsolo.
Controlando o cavalo, Julien levanta o braço para se concentrar.
A terra treme. Raízes irromperam como wyrms saindo do chão.
Delineados em magia dourada, eles chicoteiam o ar e derrubam o homem do
telhado. Eles agarram a porta e arrancam a frente da casa.
Isso não é mais magia de Rue, ou magia de Sandry.
Essa magia é dele. Esta floresta é dele.
A vontade é dele.

CAPÍTULO QUINZE

WHISPER

Whisper acorda lentamente em uma névoa de escuridão e vozes abafadas.


Tudo é um borrão tão nauseante que ele só pode estar acordado agora; seus
sonhos estão muito afiados nos dias de hoje. Sua cabeça lateja mais do que
quando papai usa seu filactério. O mago de sangue Silaisan dependia mais da
força do que da sutileza para arrastar Whisper para baixo.
Abrir os olhos não revela nada. Whisper fecha os olhos novamente,
escutando, até que sua cabeça para de girar e as vozes distantes se unem em
palavras.
— Eu não assinei para matar ninguém. Eu só queria lhe ensinar uma lição.
— A voz é conhecida.
Um estranho responde com uma risada áspera. Um homem.
— Que porra você esperava?
Outro estranho. Uma mulher.
— Cyril queria interrogá-lo, mas Cyril não está aqui, então estamos dando
as cartas.
Cyril. O mago do sangue? Whisper fixa o nome em sua mente.
Ele abre os olhos novamente e desta vez vê uma luz fraca do outro lado da
sala. Uma escada frágil leva do andar de cima a este porão mofado. Enrolado
de lado, com os braços amarrados atrás dele e os pés unidos, o corpo inteiro
de Whisper dói. Ele não se lembra de todas essas contusões.
Algum alívio percorre seu corpo dolorido. Eles ainda estão falando como
se Whisper fosse o alvo, o que significa que Julien está seguro no castelo agora.
Tudo o que Whisper precisa fazer é se libertar e escapar.
Ele respira fundo, testando suas costelas e músculos em busca de algo pior
do que hematomas. Sem fraturas desta vez. Seus sequestradores foram mais
gentis do que poderiam ter sido.
— Tudo bem —, diz a voz familiar. Prewitt, Whisper finalmente reconhece.
O guarda que odeia Draskorans. — Faça o que você quiser.
— Bom homem —, diz o homem, enquanto a mulher começa a rir. — Bom
homem.
Whisper não sente nada quando o corpo de Prewitt bate no chão. Ao que
parece, Prewitt se meteu nessa confusão, e Whisper não tem tempo para
simpatia agora. Ele precisa escapar antes de se juntar a Prewitt na morte.
Prewitt e Brom, e o outro Langley que ele matou no castelo. O sangue
deles ainda está pegajoso contra os braços de Whisper, e ele acha que não
ficou inconsciente por muito tempo.
O sangue seco escorre enquanto ele trabalha os pulsos na corda, torcendo
e espiando. Seus captores não apertaram a corda novamente depois que ele
caiu inconsciente. Rasgando os pulsos em carne viva contra a corda grossa, ele
consegue se soltar.
Algo estala.
Whisper pega sua pulseira quebrada do chão. O couro está se desfazendo,
revelando uma das pedras preciosas. Ele enfia no bolso.
Em seguida estão os tornozelos, mas quando ele tenta se sentar, o mundo
fica preto. Náusea lava através dele. Ele está no chão novamente sem se
lembrar de cair. Virando o rosto contra o chão empoeirado, Whisper deseja
que a pedra fria aguce sua inteligência.
Ele sente falta do sonho estúpido em que estava vivendo apenas algumas
horas atrás. Dançando sob a luz das estrelas. Inclinando-se para o calor.
Fingindo que ele merece ser cortejado assim.
Movimento do andar de cima. Uma sombra na penumbra da porta do
porão. Whisper xinga silenciosamente e foge em direção à parede lateral da
porta, se ele pode pegar o homem de surpresa...
O trovão atinge o prédio acima.
Whisper cobre sua cabeça enquanto o mundo acima se dissolve em um
caos distante. Gritos, cascos, estranhos estrondos pela terra. A poeira cai na
cabeça e nos braços de Whisper, ardendo onde atinge seus pulsos esfolados.
Ele se recusa a temer. Ele tem que se concentrar.
A gritaria continua depois que o chão para de tremer. Whisper verifica
suas armas, mas não há mais nada que o ajude a tirar a corda dos tornozelos.
Seus dedos pegajosos de sangue não conseguem encontrar o ponto certo na
corda. Está muito apertado. Ele é muito fraco.
A luz acima se ilumina, e alguém pisa na escada frágil. Whisper desiste das
amarras do tornozelo e pega as amarras do pulso novamente, escondendo-as
atrás das costas para que quem descer não perceba que seus braços estão
livres. Ele pode estrangular seu captor com a corda se eles chegarem perto o
suficiente.
Então ele reconhece o homem na escada, mesmo através da névoa em sua
cabeça.
—Will? — Julien chama, então inala bruscamente. — Will! — Ele desce os
degraus três de cada vez, caindo de joelhos na frente de Whisper.
O ar frio parece agarrar-se a ele, acentuando o cheiro familiar, dizendo a
Whisper que isso é real. Julien não deveria estar aqui, mas isso é real.
— O que você está fazendo? — Whisper exige, atordoado. — Você não
pode simplesmente entrar em porões escuros como este. E se alguém
estivesse naquele canto, esperando por você?
A risada de Julien é fraca.
— Eu sei, eu sei. Repreende-me mais tarde. Você está machucado?
— Não, — Whisper mente, mas vacila quando Julien toca a pele rasgada de
seus pulsos.
Julien puxa a mão dele como se Whisper fosse frágil demais para tocar.
— Você está sangrando. Foda-se, não se mova, eu estou...
— Não é meu sangue. — O foco de Whisper se desgasta. — Você pode
cortar a corda nos meus tornozelos?
— Oh. — Julien toca o rosto de Whisper hesitante. Seus dedos deslizam
para a garganta de Whisper em devoção em vez de uma ameaça. — Eu estava
preocupado com você.
Redemoinhos de ar rodopiam pela poeira, fazendo cócegas no cabelo de
Whisper, e ele está mais preso e vulnerável agora do que sob a magia do
sangue de Cyril. Ele não pode lutar contra a ternura na voz de Julien. Um
momento depois, seus tornozelos estão livres; ele está atordoado demais para
perceber que Julien cortou a corda.
— Consegue se levantar? — Julien pergunta.
— Sim —, diz Whisper, então morde o lábio e abandona seu orgulho. —
Não sei.
Ele precisa da ajuda. Quando sua cabeça gira e seus joelhos se dobram,
Julien o segura de pé. Whisper se apoia em Julien, inalando-o, e Julien o
impede de cair, mesmo que este momento seja impossível.
Porque Julien não pode estar aqui agora. Julien está de volta ao castelo,
onde está seguro. Ele não está aqui se colocando em perigo por algo tão
estúpido quanto resgatar Whisper.
As pessoas não resgatam Whisper.
O que significa que isso é um sonho novamente. Um pesadelo doce e
sombrio. Julien não está realmente se inclinando para ele, e Whisper não está
realmente agarrando o colarinho de Julien em um desejo desesperado de
conforto. Entregando-se ao beijo de Julien.
É suave no início. Hesitante. Até que um pequeno som engasgado escapa
contra a vontade de Whisper. Seus lábios se abrem e Julien mergulha nele.
Agarrando os ombros de Julien, seu pescoço, Whisper o arrasta para mais
perto. Em todos os lugares em que toca Julien, ele deixa vestígios de sangue
seco, mas tudo o que importa para Whisper são os lábios de Julien deslizando
contra os dele. Ele se esquece de respirar até ofegar na boca de Julien.
O beijo de Julien o desvenda e transforma seu coração em algo novo.
Passos param na escada.
— Vossa Alteza, nós garantimos o resto dos reféns, — Nadine grita. — O
que você...oh, pelo amor de Deus. Eu vou relatar quando você terminar.
Julien não interrompe o beijo imediatamente, segurando Whisper no lugar
pela mandíbula enquanto ele se solta lentamente.
— Eu senti sua falta —, ele murmura, em seguida, pressiona outro beijo
leve como uma pena na curva do lábio inferior de Whisper.
Traçando uma mancha de sangue no pescoço de Julien, engolindo o gosto
de ferro, Whisper admite:
— Estou feliz que você tenha vindo. Mesmo que tenha sido imprudente.
Provavelmente deveríamos ir para cima.
Ele não vai muito longe depois de soltar o pescoço de Julien. O braço de
Julien permanece protetoramente em sua cintura durante todo o caminho até
as escadas.
A adega se abre para a metade da cozinha de uma casa de um cômodo.
Uma casinha comum, embora em ruínas, exceto pelos guardas juramentados
que circulam pela cena, o sangue se acumulando de um corpo no canto e o
buraco onde a porta deveria estar. As raízes das árvores estão adormecidas no
meio dos escombros, contorcendo-se pelas bordas irregulares das paredes
como mãos em garra.
Antes que Whisper possa inspecionar mais a obra de Julien, os gatos
passam correndo pelos guardas juramentados. Eles quase derrubam Whisper
na pressa de vê-lo, e ele tem que se agarrar a Julien para se equilibrar
enquanto Fisk esfrega a testa contra o estômago.
Sentimos sua falta, diz Rumi, suas orelhas presas em angústia.

Whisper tenta arranhar a mandíbula de Fisk como de costume, mas em


vez de pelo macio, ele toca em algo molhado. Sua mão fica vermelha com
sangue fresco, e Fisk parece muito satisfeito consigo mesmo.
muito sua falta. Julien nos ajudou.
— Foram eles que perceberam que você tinha ido embora —, diz Julien.
Whisper provavelmente deveria agradecê-los, assim como os guardas
juramentados se movendo rapidamente pela cena. Ele acha que é isso que as
pessoas fazem quando são resgatadas, elas agradecem a seus salvadores. Mas
a garganta de Whisper engasga demais para dizer qualquer coisa. Tudo o que
ele pode fazer é abaixar a cabeça e permitir que Julien o conduza para fora
através dos escombros.

***

Uma carruagem o leva de volta ao castelo com Julien e Nadine. Whisper


tem a sensação de que Julien se ressente da intrusão de Nadine, mas é bom
que ela esteja lá. Ele precisa relatar exatamente o que aconteceu antes que a
exaustão o domine, e é mais provável que ela ouça com clareza do que Julien
agora.
Julien não fala ao longo da história. Apenas observa Whisper, segurando
sua mão. Os outros toques ocasionais, uma mão no cotovelo de Whisper, mal
roçando seu ombro, são auxiliares do calor constante de sua mera presença.
Cada tremor de ar, cada solavanco da carruagem, tudo que Whisper percebe
tem gosto de Julien.
A maior parte do que Whisper diz a Nadine é verdade. Ele minimiza a
facilidade com que derrubou os dois homens em Greenhaven, mas tudo o mais
ele conta com a maior precisão possível. Ele até identifica os sequestradores
como mercenários de Langley, fingindo que os ouviu falando em vez de
reconhecê-los pelo movimento.
Informar o guarda juramentado de Julien serve à missão de Whisper.
Ninguém tem permissão para matar Julien antes dele, ou Hemlock morrerá
por seu descuido também.
— O mago do sangue tinha ido embora quando eu acordei, — Whisper
termina. — Os Langleys o chamavam de Cyril, mas não sei se esse era seu
nome verdadeiro. Ou ele é Silaisan ou está praticando o sotaque, o que
significa que provavelmente é desconhecido, dados seus tabus.
Nadine suspira.
— Não gosto de desconhecidos.
— Ele queria me questionar primeiro, em vez de me matar
imediatamente, pelo menos. — Ao lado dele, Julien fica rígido com a palavra
“matar”. Whisper aperta a mão de Julien, sujeira e sangue seco e tudo. Depois
de um momento, o aperto de Julien aperta o dele, e seus ombros relaxam.
Engolindo o nó na garganta, Whisper continua
— Cyril era poderoso o suficiente para entrar sozinho, mas ele contratou
reforços e subornou Prewitt. Isso significa que ele é avesso ao risco, então
pelo lado positivo, ele provavelmente não tentará a mesma coisa duas vezes.
— Boa avaliação. — Nadine sorri levemente. — Você quer pegar o meu
trabalho?
Quando a carruagem estaciona no castelo, as estrelas estão desaparecendo
na primeira luz prateada do amanhecer. Julien pega a mão de Whisper
novamente para ajudá-lo a sair da carruagem e não a solta. Whisper descobre
que não se importa. Ladeado por guardas, Julien o conduz pelos corredores
dos fundos e escadarias pouco usadas, e Whisper está tão atordoado que não
se pergunta para onde Julien o está levando até reconhecer o terceiro andar
da ala leste.
Em seus aposentos, Julien faz uma pausa e diz aos guardas juramentados
que os seguem:
— Vão acordar Dury.
Whisper finalmente sai de seu torpor.
— Não —, diz ele, muito bruscamente. — Eu não preciso de um
curandeiro.
Julien franze a testa, como se estivesse prestes a derrotá-lo, então
encontra os olhos de Whisper. Tudo o que ele vê lá muda de ideia.
— Nenhum curandeiro, então. E não deixe Nadine entrar aqui até que ela
tenha pelo menos duas horas de sono.
— Faremos o nosso melhor, Alteza —, diz um guarda.
A porta se fecha atrás deles, e a sala de estar se fecha em torno de
Whisper. Móveis ornamentados, árvores em vasos e grandes quantidades de
espaço parecem muito menores do que a carruagem em que voltaram. O
amanhecer já ilumina a sala. Cada elemento parece Julien, enganchado na
alma de Whisper. Ele quer mais do que tudo se apoiar em Julien novamente.
Beijá-lo novamente, embora ele não mereça isso.
— Onde está Cupcake? — Whisper pergunta.
— Pierre cuida dele nas noites em que estou fora —, diz Julien. — Vamos,
vamos te limpar.
Whisper segue silenciosamente pelo quarto de Julien e entra no banheiro
de azulejos cinza. Uma enorme banheira com pés de garra domina a outra
extremidade, e uma pia um pouco menos maciça fica em um balcão de
mármore. Um dos maiores espelhos que Whisper já viu se estende acima da
bacia, ladeado por canos de latão que descem até as torneiras.
Sua primeira olhada no espelho é chocante.
Agora ele sabe por que Julien não o largou a noite toda; ele parece uma
boneca quebrada. Seus olhos estão escuros como hematomas em seu rosto
pálido, seu cabelo emaranhado. As sombras ao longo de sua bochecha podem
ser hematomas, sujeira ou ambos. Mais sangue encharca suas mangas e
endurece em torno de suas unhas. Ele não tinha percebido que seu lábio
estava partido.
Julien abre uma das torneiras acima da pia.
— Demora um pouco para esquentar. Não tão bom quanto o encanamento
em Sandrelle. Apenas deixe a jaqueta no chão.
Antes que Whisper possa fazer qualquer coisa sobre a jaqueta, Julien já
está tirando a seda roxa arruinada dos ombros de Whisper. Ele o dobra mais
para baixo no balcão de mármore; ele é sempre muito mais cuidadoso do que
afirma ser.
— Eu posso me limpar sozinho —, diz Whisper baixinho.
Julien faz uma pausa, suas mãos no colarinho de Whisper queimando sua
pele através da seda.
— Você quer que eu vá?
Whisper está cansado o suficiente para ser honesto.
— Acho que não. — Apoiando-se no balcão, ele permite que Julien
continue.
Os babados com bordas douradas arrancaram de seu pescoço horas atrás.
Julien gentilmente desamarra o resto da camisa de Whisper e pergunta:
— Por que você não gosta de curandeiros?
— Eles só me deixam nervoso. — Ele não é tão honesto. — E eu não estou
muito ferido.
— Achei que Fellrin não compartilhava nosso tabu contra a magia do
sangue.
— Eu não me importo com o que todo mundo em Fellrin pensa. — O peito
de Whisper aperta. Sem o controle do pai sobre sua vida e a de Hemlock, ele
poderia se apoiar no conforto de Julien sem culpa.
— Só não gosto.
— Justo. Acho que esta noite é a prova de que nem todos os silaianos
odeiam. Julien deixa Whisper puxar a camisa por cima da cabeça. Seus olhos
escurecem com os hematomas nos braços e no torso de Whisper, mas ele não
diz mais nada sobre curandeiros, apenas puxa um prato de sabão para mais
perto.
— Vire-se, gatinho.
Evitando olhar no espelho, Whisper fica de frente para a bacia. Ele testa a
água corrente, morna mas quente contra seus dedos gelados.
Julien o abraça, pegando seu braço direito primeiro. Seus dedos estão
escorregadios com água e sabão, massageando suavemente a mão e o braço de
Whisper. Particularmente gentilmente contra a pele rosada ao redor de seu
pulso. O sangue seco se solta e escorre na água, escorrendo vermelho pelo
ralo.
Whisper se recosta no peito de Julien.
— Matei dois homens esta noite. Devo me sentir mal com isso?
— Você pode sentir tudo o que sente —, diz Julien, ainda suavemente,
lavando o sangue com calma. — Eles atacaram você primeiro.
Defesa pessoal. Whisper não se sente mal como uma pessoa normal pode.
Essas vidas não vão ficar penduradas em seu pulso, mas de repente ele não
tem certeza de qual é a diferença. De certa forma, ele também completa suas
tarefas em autodefesa.
— Eles ainda estão mortos, — Whisper diz eventualmente. — Um deles se
chamava Brom. Não sei o nome do outro.
— Isso ajudaria? —
Entre os braços de Julien, com o coração de Julien batendo entre suas
omoplatas, Whisper se aproxima dos cantos mais escuros de sua mente. Ele dá
voz à verdade, embora Julien não entenda a escala de suas transgressões.
— Não sei se ajuda, mas é o mínimo que posso fazer. Todo mundo merece
ser conhecido no final.
Julien encosta a bochecha na lateral da cabeça de Whisper.
— Desculpe, Will.
O pseudônimo dói. Whisper fecha os olhos.
— Para que?
— Você se machucou por minha causa. — O toque quente e terno de Julien
continua, lavando o sangue dos hematomas de Whisper. — Novamente. Quero
chegar ao fundo disso, mas quando o fizer, tenho medo de descobrir que você
foi levado porque fui muito descuidado. Eu continuei ostentando o quanto eu
gosto de você na frente de todos. Eu não te protegi.
— Isso também não foi culpa sua.
— Essa não é a pior parte —, diz Julien. — A pior parte é que mesmo que
eu tenha colocado você em perigo, mesmo que eu já tenha falhado com você,
eu ainda não quero deixar você ir. — Suas mãos ainda são tão gentis, apesar
da dor em sua voz. — Isso é egoísta da minha parte?
O coração de Whisper se parte, e do vidro quebrado derrama todo o desejo
que ele tentou tanto conter. Todo o medo, toda a autopreservação
desesperada.
Já é tarde demais. Rejeitar Julien não mudará o fato de que Julien o quer,
ou que Whisper também o quer, mais do que tudo. Não tornará o trabalho de
Whisper menos agonizante quando o sinal chegar.
Daqui a semanas ou meses, ele matará Julien. E depois, ele terá que viver
com isso enquanto a coleira manchada de sangue do Canil aperta sua
garganta. Whisper perdeu sua liberdade e seu futuro não pertence mais a ele.
Mas seja em sacrifício ou rendição, ele pode dar um dia a Julien.
Whisper se contorce nos braços de Julien e enrola as mãos molhadas nos
ombros de Julien. Os olhos vorazes e avermelhados do príncipe estão
totalmente focados nele.
— Você me quer —, diz Whisper.
A mão úmida de Julien se curva ao redor de seu pescoço.
— Eu esperava que minhas intenções fossem claras.
O desejo toma conta de Whisper, controlando-o mais completamente do
que a magia do sangue jamais poderia. Ele suspira:
— Então seja egoísta, Alteza —, e arrasta Julien para um beijo.

CAPÍTULO DEZESSEIS

JULIEN

O desespero inflama as veias de Julien. Sabão doce e água não tiraram o


cheiro de sangue. O gosto nos lábios de Will. Julien se move com cuidado no
início, com medo de machucar Will. Contusões, arranhões, fraqueza
persistente da magia do sangue; tudo que Will descarta como não machuca
muito.
Mas Will o beija ferozmente e profundamente, e geme quando Julien
agarra sua cintura e o puxa para mais perto. Seu desespero em resposta
queima todas as dúvidas de Julien sobre se mover muito rápido ou assustá-lo.
Will precisa disso tanto quanto ele.
Julien se afasta apenas para dar beijos ofegantes e abertos no pescoço de
Will. Will tem gosto de suor e sujeira, e Julien quer devorá-lo, com hematomas
e tudo. As mãos de Julien estão escorregadias contra os lados nus de Will,
deslizando sobre músculos e ossos magros. Bobinas de energia dentro desse
quadro estreito. Ele é mais forte do que parece do lado de fora, mesmo
maltratado assim.
Passando desajeitadamente por Will, Julien fecha a torneira. O rubor
quente dá vida às feições exaustas de Will, e seus olhos brilham escuros com
uma fome de rivalizar com os de Julien. Tomando cuidado com as
queimaduras da corda, Julien leva a mão de Will quase aos lábios. Ele respira
contra a pele de Will,
— Venha para a cama comigo, gatinho?
Os dedos de Will se apertam.
— Não precisa perguntar.
Julien beija sua mão.
— Eu gosto de perguntar.
Não está claro qual deles puxa o outro para fora do banheiro e para a
cama, mas é Julien quem para no meio do caminho para beijar Will
novamente. Ele é viciado no gosto dele. Cada som quieto e suprimido que ele
faz.
Will solta suas mãos das de Julien, o que Julien protestaria, exceto que Will
então começa a trabalhar nas roupas de Julien. Ambos são desajeitados de
desejo, atrapalhando mais do que ajudando um ao outro, enquanto trabalham
em conjunto para tirar a jaqueta e camisa de Julien no chão.
— O que é isso? — Whisper pergunta, tocando o pingente pendurado no
peito de Julien. Uma gota de vidro translúcido do tamanho de uma moeda
envolve uma pequena árvore dourada.
Julien pega sua mão.
— Meus irmãos e eu todos os temos. Bellamy os deu para nós. — Ele beija
as pontas dos dedos de Will, uma a uma. — Mas eu não quero falar sobre meus
irmãos agora. Tire suas botas.
Will se joga na cadeira perto da janela para desamarrar as botas. Julien
senta-se ao lado da cama, com a intenção de desamarrar a sua, mas está muito
distraído com a forma como a manhã iluminada ilumina a desarrumação de
Will. Os hematomas horríveis em contraste com o doce beijo rosa de seus
lábios. Julien só se livrou de uma bota quando Will se aproximou dele.
— Você precisa de ajuda com isso, Sua Alteza?
Iluminado pela aurora, ele brilha com os vestígios de água deixados pelas
mãos de Julien. Julien anseia por marcar Will por completo, como se seu toque
pudesse apagar todos que o prejudicaram.
— Ajuda com o que? — Julien diz, estupidamente.
Will ri, um pequeno som quebrado, e cai graciosamente de joelhos aos pés
de Julien. Com a cabeça baixa, o cabelo dourado despenteado protegendo o
rosto, ele começa a desamarrar a bota que sobrou de Julien. Cada movimento
dele é tão delicado que Julien não consegue sentir seus dedos através do
couro. Ilhós11 por ilhós, o couro se solta ao redor da panturrilha de Julien, e
suas calças apertam sobre seu pênis.
Julien cresceu imerso nas armadilhas da realeza e do respeito que nunca
conquistou para si mesmo. Audric explicou-lhe quando ele era muito jovem: a
mãe de sua mãe ganhou uma guerra, e é por isso que as pessoas se curvam e o

11
Furo para passar um fio ou cordão.
chamam de sua alteza . Mas há algo diferente nisso. Como se Will estivesse se
ajoelhando apenas para Julien, não para seu título.
— Você poderia me fazer um favor? — Julien pergunta com a garganta
seca.
Will olha para cima.
Julien passa os dedos por aquelas ondas douradas bagunçadas e pergunta:
— Me chame de Julien?
Os lábios de Will se abrem e seus dedos ainda estão no tornozelo de Julien.
Inclinando-se para o toque, ele diz:
— Julien.
O som é ainda mais doce do que Julien esperava. Puxando Will para cima
com a mão sob o queixo, ele beija o eco de seus lábios.
Eles ainda estão seminus, mas Julien não pode esperar mais. Ele tenta
tomar cuidado com os ferimentos de Will enquanto o puxa para a cama, mas
Will se joga em cada toque. O colchão afunda e a colcha verde fica torta até
que Julien cobre Will embaixo dele. Como se ele pudesse usar seu próprio
corpo para manter o resto do mundo longe um pouco mais. Ele se apoia com
um antebraço no colchão, e sua outra mão vagueia pelo corpo de Will. Mãos
finas afundam no cabelo de Julien enquanto seus lábios descem pela garganta
de Will.
Lambendo a batida rápida do pulso de Will, ele estende a mão entre eles
para tirar o pênis de Will.
Will se arqueia contra o colchão, o pescoço se esticando sob os lábios de
Julien. Ele é tão quente na mão de Julien. Deslizando o dedo no pré-gozo ,
Julien torce o polegar sobre a ponta, tirando o som mais doce da garganta de
Will.
Há lubrificante em um dos armários, mas Julien não sobreviverá à viagem
para buscá-lo. Ele não vai aguentar nada mais complicado do que bombear a
mão sobre o pau de Will.
— Eu vou te foder direito da próxima vez, tudo bem? — Julien ofega,
parando apenas o suficiente para tirar seu próprio pênis duro e vazando.
Will endurece quase imperceptivelmente.
Percebendo seu erro, Julien abaixa a testa na clavícula afiada de Will. Ele
meio que ri, meio que implora:
— Muito cedo? Pelo menos deixe-me fingir que haverá uma próxima vez.
As mãos de Will amolecem em seu cabelo, e ele respira estremecendo.
— Você não tem que fingir. Eu disse para ser egoísta.
— Excelente. — Julien desliza seus comprimentos juntos em seu aperto. —
Eu não quero assustá-lo, mas estou realmente a fim de você.
Will suspira e se levanta.
— Porra, Julien, você é tão...
Julien nunca descobre o que ele é, porque Will dá um gemido incoerente e
o puxa para outro beijo. Nenhum deles tem fôlego para palavras. Julien
balança os quadris contra Will, e o calor se acumula entre eles. Seu próprio
orgasmo iminente é um eco distante do prazer de cada movimento de Will, a
batida de seu pulso, o gosto de sua respiração, o sangue de ferro de seu lábio
partido.
Ele está quase no orgasmo quando Will congela e geme em sua boca. O
som queima nas veias de Julien, e o súbito derramamento de calor em seus
dedos o leva ao limite. Ele sacode uma última vez antes que sua própria
semente se misture com a de Will.
Enquanto recupera o fôlego, Will cutuca seu ombro.
Julien rola ao lado dele, mas agarra a mão de Will quando ele tenta se
mover.
— Fique um pouco, por favor?
— Eu voltarei. — Will facilmente escapa de seu aperto e se enfia de volta
em suas calças. — Só estou pegando uma toalha.
— Eu imagino, — Julien reclama, pegando um breve sorriso nos lábios de
Will.
Julien olha para as vigas de madeira escura, esculpidas com trepadeiras. A
água corre no banheiro, depois o silêncio. Will demora quase o suficiente para
Julien se preocupar; tudo bem, cinco segundos é tempo suficiente para Julien
se preocupar, mas ele volta. Ele joga a toalha para Julien e se joga na cama ao
lado dele.
Depois de uma limpeza superficial, Julien envolve Will com um braço e o
puxa para mais perto. Will se aconchega com uma flexibilidade surpreendente.
Sua cabeça repousa sobre o peito de Julien, e suas pernas se unem. Toda a sua
hesitação se foi, ele se derrete ao lado de Julien.
Julien beija o topo de sua cabeça e murmura:
— Bons sonhos, gatinho.

CAPÍTULO DEZESSETE

WHISPER

O som mais fraco tira Whisper do sono. Ele entra em movimento antes que
seus olhos estejam totalmente abertos, pernas preparadas para se
impulsionar para frente, mão voando sob o travesseiro; mas não há punhal. O
travesseiro é muito macio, o quarto muito claro.
Julien se afasta da cabeceira, mãos para cima.
— Desculpe. Eu estava tentando verificar se você estava acordado.
— Desculpe. Eu fico nervoso às vezes. — Whisper se curva sobre os
joelhos, esfregando os olhos. Há uma colcha azul fina sobre suas pernas que
não estava lá quando ele adormeceu. Whisper está surpreso por não ter
notado Julien colocando-o nele, ou notado Julien saindo. Ele não costuma
dormir tão profundamente.
— Que horas são?
— Quase meio-dia. — O olhar de Julien percorre o torso de Whisper. A
atenção é estranhamente confortável. — Tem café da manhã no outro quarto.
Ou almoço. Ou você pode tomar um banho primeiro ou voltar a dormir.
— Vou tomar um banho primeiro —, diz Whisper, embora seu estômago
torça com fome. Ele não precisa de mais sono. Essas poucas horas na cama de
Julien foram mais tranquilas do que qualquer noite que ele passou no
passado...
Ele não consegue se lembrar da última vez que dormiu tão
profundamente.
— Eu já preparei um para você —, diz Julien enquanto Whisper desliza
sob a colcha.
— A água ainda deve estar morna. Me avise se não for.
— Vossa Alteza —, diz Whisper, divertido. — Você está nervoso com
alguma coisa?
Julien avança, envolvendo Whisper com o aroma de sabonete e café.
— O que me denunciou? A divagação?— Ele toca o queixo de Whisper. —
Não estou acostumado a acordar ao lado de homens bonitos. Eu costumo
afugentá-los antes do amanhecer.
A respiração de Whisper fica presa.
— Talvez eu estivesse cansado demais para correr.
Julien ri e se inclina para tomar os lábios de Whisper em um beijo como
seda e luz do sol.
A porta range do outro lado da sala, empurrada para o lado por um ombro
largo e listrado. Fisk resmunga enquanto entra no quarto, a luz do sol
iluminando o verde de sua pele até quase combinar com as plantas que se
espalham pelo peitoril da janela. Rumi o segue e se senta no centro da sala.
Julien se afasta de Whisper, as bochechas corando.
— Você está certo, é claro, Rumi, — ele diz em Alto Fellrian.
Fisk esbarra com a testa em cada um deles, depois se afasta para cheirar
as plantas.
Whisper resiste ao impulso de tocar seus lábios.
— O que você disse a ele?
A cauda de Rumi balança em diversão. Você não quer saber.
Ela provavelmente está certa.
— Eles apareceram há uma hora —, diz Julien. — Você sabia que Fisk pode
abrir portas com sua mente?
— Sim, — Whisper diz estupidamente. Não há garantia de privacidade
com um felino telecinético no castelo.
Mas ninguém, felino ou príncipe, o segue até o banho. Ele acha que Julien
considera isso, mas Julien ainda está nervoso e cuidadoso com ele. Porque é
quem Julien é. Atencioso. Inteligente. Bom.
Whisper gostaria de não saber nada disso.
Uma pilha de suas roupas está no balcão. Alguém deve tê-los buscado, e
Whisper está feliz por manter suas armas e suprimentos bem escondidos em
seus aposentos. Verificando por cima do ombro para confirmar que a porta
ainda está fechada, ele puxa a pulseira de sua calça arruinada e a coloca sobre
a roupa limpa.
O cordão principal quebrou quando ele estava liberando seus pulsos na
noite passada, mas todas as seis contas estão intactas e amarradas com
segurança no lugar. A tira de couro que os esconde se desfez o suficiente para
revelar duas das contas: uma esmeralda escura e vibrante e uma peça simples
de prata.
Ao tocá-los, Whisper se lembra de seu segundo emprego. Seu trabalho
mais longo, até este.
Ele tinha talvez dezesseis anos e estava confiante quando passou um mês
na corte do conde Elbert Saito. Três outros nobres Fellrianos estavam
visitando para a grande caçada do conde, e trouxeram funcionários suficientes
com eles para que Whisper se misturasse como apenas mais um servo. Ele
conheceu o mago da corte de Saito em sua primeira semana lá, quando estava
avaliando se a magia dela era uma ameaça. Aneko era apenas alguns anos
mais velho que ele, de bom coração, e quando ele contou sobre ser intimidado
por outros servos, ela acreditou nele e o colocou sob sua asa.
No final do mês, Whisper não estava mais fingindo amizade. Suas
conversas com Aneko foram os momentos mais relaxantes de sua vida. Ela
não esperava nada de Whisper, e ele fantasiou em visitá-la mais tarde. Talvez
alguns anos no futuro, quando ele terminasse seu sexto trabalho e ganhasse
sua liberdade do Canil.
Exceto quando Whisper entrou no quarto do conde, Saito não estava
dormindo, e ele não estava sozinho. Aneko estava enredada com ele, e no
brilho do luar, ela reconheceu Whisper.
O treinamento de Whisper era mais forte do que suas dúvidas; ele matou
Saito e Aneko antes que eles pudessem gritar. Ele pegou um pingente de
esmeralda de Saito e um brinco de prata de Aneko, e não vomitou até estar a
quilômetros de distância.
Ele nunca reclamou, mas papai leu nas entrelinhas de seu relatório e não o
forçou a um longo trabalho depois disso. Até agora.
Whisper não tem uma escala para medir a traição. Ele não consegue
avaliar se foi mais cruel com Julien do que com Aneko, ou com qualquer outra
pessoa que tenha matado. Tudo o que ele sabe é que terá muito menos de si
mesmo quando terminar este trabalho.
Despindo-se, ele afunda na água morna perfeita. Ele conta seus
hematomas e lamenta que nenhum deles seja de Julien, que era muito, muito
mais gentil do que Whisper merece.

***

O café da manhã ou almoço é tranquilo. Julien o passa escrevendo cartas


para as famílias dos soldados mortos em serviço na noite anterior, enquanto
Whisper oferece cada outra mordida de sua comida a Fisk. O silêncio só
quebra quando o guarda juramentado Rosin chega; ela faz uma reverência
para Julien e uma piscadela nada sutil para Whisper antes de começar a
trabalhar.
— Temos interrogado os prisioneiros separadamente, e todos apontam
para um homem em particular que está no comando. Mas ele não está falando
nada.
Deixando a caneta de lado, Julien se levanta.
— Primeiro, Nadine está dormindo?
— Ela está em seus aposentos pelo menos, Alteza. Pelo que sabemos, ela
está fazendo flexões com um braço só. Estamos esperando por ela antes de
decidirmos se devemos intensificar o interrogatório.
— Não estamos intensificando além das medidas razoáveis —, diz Julien
bruscamente. — Tortura não funciona, e isso não é Draskora.
Ele parece se controlar, e todos os olhos na sala se voltam para Whisper,
que pega outro pedaço de mingau.
— Sem ofensas. É verdade, de qualquer maneira.
O pai cobra mais por trabalhos em Draskora, devido ao risco aumentado
se eles forem pegos. Porque ele se importa com eles, Whisper costumava
pensar, mas talvez ele só se importe com seu investimento. Assassinos não são
muito bons depois de quebrados. Situações como essa são o motivo pelo qual
o pai nunca marca seus Hounds com marcas de identificação ou dá a eles
frases de código que possam ser interceptadas. Hounds não levam de volta ao
seu mestre.
Whisper abaixa a colher quando um pensamento lhe ocorre.
— Nós pausamos o interrogatório por enquanto, até que Nadine volte ao
serviço, —Rosin está dizendo. — Cada um dos prisioneiros está sob vigilância,
caso acabem envenenados como o último.
— Obrigado, Rosin —, diz Julien. — Certifique-se de que alguém sensato e
não sanguinário a substitua, se Nadine não estiver acordada até então.
Enquanto Rosin se curva novamente, Whisper toca a manga de Julien.
— Vossa Alteza, posso tentar falar com o líder deles?
O movimento expõe seu pulso, e o olhar de Julien permanece sobre sua
pele danificada. — Se você quiser —, diz Julien. — O que você quiser.

***

As masmorras de Greenhaven são melhores do que a maioria. Algumas


das celas são de terra em vez de pedra, e os quartos são limpos e bem
ventilados. Whisper segue Rosin e Julien até uma grande cela de pedra com
duas cadeiras pequenas. Um homem está sentado acorrentado a uma das
cadeiras, que está acorrentada ao chão.
O prisioneiro é um homem magro e envelhecido, a barba castanha
manchada de suor e os olhos afundados em sombras exaustas. Uma coleira
nula de ferro está pendurada em seu pescoço e um curativo limpo envolve seu
braço, mas ele não mostra outros ferimentos visíveis.
Silaisans realmente são gentis com seus prisioneiros.
Whisper não reconhece o rosto do homem, mas reconhece a voz que diz:
— Ah, até o Draskoran me ataca?
Um dos Langleys do andar de cima que falou em matá-lo. Whisper não se
ressente dele por isso. Ambos são iguais. Apenas dois profissionais tentando
fazer seus trabalhos.
— Eles estão sendo indulgentes comigo. — Whisper aperta as mãos atrás
das costas. Ele deixa seu rosto em branco, olhando para o homem. Quando o
silêncio demora muito, o homem encontra seus olhos. Só então Whisper fala
uma frase em Pathan.
O homem fica rígido e cospe algo em resposta. Whisper assume que ele
está xingando.
— Fale Silaisan para meus amigos. — Whisper não fala nenhum Pathan
além das frases em código que aprendeu no Canil, mas esse homem não
precisa saber disso. — Qual o seu nome?
— Devon. Porra. Eu não sabia que você era um de nós.
— Claro que não. Eu sei fazer meu trabalho discretamente. — Whisper
ouve um farfalhar atrás dele, mas não se vira. Espero que Julien o deixe
continuar sem fazer perguntas. — Mas você pode me ajudar a consertar essa
bagunça. Quem te contratou?
Devon engole em seco, seu rosto ficou ceroso.12
— Tive aprovação. O trabalho foi liberado.

12
No sentido de sem expressão, em branco.
Esta próxima parte é uma aposta. O único nome de Langley que Whisper
conhece é a mulher que às vezes toma chá com o pai, e se ela morreu ou
perdeu o poder nos últimos dois anos, isso não vai funcionar.
— Resolva isso com Blythe.
Xingando novamente, Devon cai em sua cadeira. Whisper relaxa. Blythe
ainda está viva, e Devon sabe o nome dela.
— Quem te contratou? — O whisper se repete.
— Um homem chamado Cyril —, diz Devon, todo o desafio se foi. — Eu
não acho que esse seja o nome verdadeiro dele. Ele pagou bem. Nobre, eu
acho.
Sem surpresas aí.
— Qual era o objetivo da operação de ontem à noite?
— Nós deveríamos sequestrar você, levá-lo de volta para a casa segura e
deixá-lo com Cyril para interrogatório ou qualquer outra coisa. Exceto que ele
se fodeu no meio do caminho.
Há um movimento arrastado atrás de Whisper, e Rosin diz:
— Vossa Alteza —. Whisper não se vira.
Novamente, sem surpresas. Whisper finalmente faz uma pergunta que ele
não sabe a resposta.
— Por que ele queria me sequestrar?
— Ele contratou Mika para um trabalho no mês passado e você interferiu.
— Devon olha por trás do ombro de Whisper para Julien. Seu rosto
empalidece. — Ele queria saber quem você era.
— É isso? — Whisper pergunta.
— Até onde sei. Olha, nós éramos apenas o músculo nisso.
Então, isso era sobre Julien afinal, não Whisper. Isso é um alívio,
provavelmente. Sua identidade não foi comprometida.
Whisper se levanta. O resto, Rosin e os outros podem tentar descobrir.
— Tenho outras coisas para fazer agora. Coopere com o pessoal do
Príncipe Julien, ou as coisas vão piorar para sua tripulação. Entendido?
Devon jura novamente baixinho em reconhecimento.
— Espere. — Julien toca o ombro de Whisper antes que ele possa sair. Seu
rosto está totalmente calmo quando ele se dirige a Devon. — Quais eram os
nomes dos seus homens mortos no castelo na noite passada?
Whisper fica imóvel.
— Brom e Ustin —, responde Devon.
A mão de Julien se espalha pelo ombro de Whisper, guiando-o para o
corredor.
— Que porra você disse a ele? — Rosin pergunta quando a porta se fecha.
— Ele cantou como um maldito pássaro.
— Uma frase de código que peguei de um amigo em Fellrin —, diz
Whisper. — Você deve obter o máximo de informações dele possível antes que
ele perceba que eu estava brincando com ele. Metade do submundo de Fellrin
usa Blythe como um pseudônimo.
— Vamos —, diz Julien, sua expressão ilegível. Ele conduz Whisper para
fora do nível da masmorra, sua mão tensa no ombro de Whisper.
Ele exagerou? Sua familiaridade com o submundo de Langley e Fellrin
finalmente despertou as suspeitas de Julien? Uma parte traiçoeira de Whisper
espera que seja o caso.
Julien para em um corredor silencioso.
— Isso é bom o suficiente —, diz ele, e empurra Whisper contra uma
parede.
Whisper se prepara para um confronto, uma nova série de mentiras,
porque por mais que ele tenha se apaixonado por Julien, não é apenas sua pele
em risco.
— Sua Alteza?
Mas Julien não parece nem um pouco zangado. Ele se inclina mais perto
até que sua excitação claramente pressiona contra Whisper. Com a voz baixa e
predatória, ele pergunta:
— É estranho que ver você interrogá-lo tenha sido insuportavelmente
quente?
A mão de Whisper desliza para o peito de Julien.
— É um pouco estranho, Alteza.
Um par de guardas juramentados está na esquina, observando ou não de
uma distância respeitosa. Whisper descobre que não se importa, todo mundo
já sabe que ele passou a manhã na cama de Julien. E Julien não vai muito longe
na frente deles. Apenas desliza a mão no cabelo de Whisper e rouba um beijo
delicado.
Talvez ele não vá longe o suficiente. Whisper dói quando Julien dá um
passo para trás.
— Eu deveria ir —, diz Julien, olhando para os lábios de Whisper. — Vejo
você no jantar?
— Provavelmente não. — Whisper não tem certeza se quer sentar durante
uma refeição com tantas pessoas olhando para ele hoje. — Você pode me
encontrar depois.
O sorriso perverso de Julien permanece com Whisper enquanto eles se
separam. O bracelete quebrado queima no bolso de Whisper, e ele sabe que
nenhuma joia ou bugiganga poderia abranger essa memória.

CAPÍTULO DEZOITO

JULIEN

—Quer beber? — Julien pergunta.


— Não, obrigada —, Elinor Frenn responde. Há uma razão pela qual o
duque a enviou para se encontrar com Julien esta semana em vez de Loras; ela
é muito mais focada.
Eles estão na sala de mapas onde Julien conheceu Audric em sua chegada a
Greenhaven. Abandonando também o vinho, Julien escolhe uma cadeira ao
acaso. Ele também pode se concentrar, mas prefere se sentir confortável para
isso.
— Tome qualquer assento, se quiser. Houve algum vestígio do caçador
desaparecido?
Elinor alisa a saia e se senta perto dela, com uma postura impecável. A
roupa de montaria creme destaca o marrom quente de sua pele.
— Nenhum traço dele, Sua Alteza. Presumo pela pergunta que o exército
também não encontrou nada.
— Nem a guarda da cidade.
— No entanto, meu mestre de caça encontrou um frasco de água do
exército Draskoran —, diz Elinor. — Ele havia caído recentemente em uma
rota que poderia levar plausivelmente do último paradeiro conhecido do
caçador até a fronteira.
— Isso é perturbador. — Seja uma pista verdadeira ou um ardil.
— Meu pai me enviou para informar que estamos aumentando nossos
exercícios militares perto da fronteira. Também estamos convocando algumas
de nossas reservas.
— Você tem a permissão da coroa —, diz Julien, embora ela não tenha
pedido. — O exército ocidental também está aumentando os exercícios. O
general Larsiay entrará em contato com seu pessoal para garantir que não
entremos em conflito.
— Qualquer dúvida sobre esse assunto pode ser encaminhada
diretamente a mim, — diz Elinor. — Meu pai também queria perguntar se o
incidente em sua festa de aniversário tinha alguma conexão Draskoran.
— Nenhuma que encontramos. — Julien inclina a cabeça. — Você já ouviu
alguma coisa sobre isso?
— Só podemos especular, Alteza —, ela responde. — Dado que dois de
seus soldados foram assassinados com magia de sangue, parece provável. E
devo esclarecer que me refiro a quaisquer conexões Draskoran além de seu
Mestre dos Gatos.
Os olhos de Julien se estreitam.
— Will foi a vítima naquele incidente.
— Assim parece, Alteza. Fiquei feliz em saber que você o recuperou com
segurança. Elinor hesita pela primeira vez desde que a conhece. — Eu
costumava falar claramente com seu irmão.
— Você está prestes a me deixar com raiva? — Julien suspira. — Eu não
sou tão cabeça fria quanto Audric, mas não use isso contra mim. Ninguém é.
Elinor o examina por mais um momento antes de continuar.
— Meu pai fica preocupado com o quão perto esse jovem chegou de você.
Embora ele afirme ter crescido em Fellrin, suas origens são claras. Dada a
situação atual…
Ela parece surpresa quando, em vez de estalar, Julien ri.
— Se estamos sendo sinceros, estive perto de uma grande variedade de
homens, em circunstâncias muito menos convenientes. Certa vez, arrisquei
um acordo comercial ao fazer o embaixador Fellriano se atrasar para sua
audiência com minha mãe — duas manhãs seguidas. Julien se recosta na
cadeira, ainda sorrindo. — Se seu pai está preocupado com meus amantes, ele
pode me perguntar diretamente. E se ele está com ciúmes, infelizmente ele é
um pouco mais velho do que o meu tipo habitual.
Depois de um momento de espanto, Elinor responde:
— Vou transmitir o sentimento geral a ele.
— Obrigado. Havia mais alguma coisa?
Não há mais nada. Elinor parte com uma reverência perfeita, e Julien
espera até que ela se afaste para colocar o rosto em suas mãos.
Ele não é adequado para a estratégia como Audric é. Ele está acostumado a
tramar, não a liderar. E ele não quer admitir para ninguém, nem Elinor,
Nadine ou Lucien e especialmente para si mesmo, que ele também tem
dúvidas sobre Will Hadley.

***

O sono escapa a Julien naquela noite. Sentado em sua sala com a cabeça de
Cupcake na coxa e os relatórios há muito negligenciados de Gaspard
espalhados pela mesa, ele tenta entender os números.
Ou melhor, o contrário. Tudo nos livros faz muito sentido e se encaixa
muito bem. Julien preferiria encontrar uma discrepância óbvia, maliciosa ou
acidental. Depois de evitar esses relatórios nos últimos dois meses,
certamente sua nova diligência deveria ser recompensada com uma revelação.
Dê a ele uma simples transgressão econômica para afundar seus dentes. Ele
precisa encontrar algo, em vez de reagir constantemente a rumores e
abduções.
Draskora e Silaise estão em paz há seis anos, desde os meros sete meses
da Longa Guerra do Verão. Na época, Julien se ressentiu por suas mães não
permitirem que ele se juntasse ao conflito aos dezessete anos, deixando
Audric ganhar toda a glória. Mas agora, com as tensões aumentando em
Greenhaven, parece que ele é o único que não quer uma guerra.
À medida que a meia-noite se aproxima, Cupcake fica de quatro, balança a
cabeça desalinhada e pula do sofá.
— Bom menino —, diz Julien; Cupcake o ignora e cai em sua almofada
favorita do outro lado da sala.
Julien está pensando em ir para a cama também quando alguém bate na
porta.
Não a batida de Nadine, ou qualquer um de seus guardas de juramento.
Julien se levanta do sofá, mas faz uma pausa antes de abrir a porta.
Sua consciência se espalha no ar como tinta na água, deslizando pelas
frestas da porta. A leve brisa de sua magia mapeia o corredor do lado de fora,
paredes e estátuas e vasos de plantas. Os guardas de plantão. A pequena figura
parada na porta. Quando Julien se concentra, ele acha que pode sentir o cheiro
da doçura da pele de Will.
A magia é liberada, voltando ao corpo de Julien com um prazer
satisfatório. Aparentemente, Will também não consegue dormir esta noite, e
pela primeira vez, ele está se aproximando de Julien, e não o contrário.
— Quem é? — Julien pergunta.
Depois de um momento, Will responde:
— Sou eu, Sua Alteza.
Julien abre a porta e encontra Will vestido com um casaco azul escuro,
pouco mais que uma sombra no corredor. Sob o olhar atento dos guardas, sua
postura está perfeita como sempre, mas suas orelhas estão ligeiramente
vermelhas. Namorar com um príncipe é provavelmente mais público do que
ele está acostumado.
— A que devo o prazer? — Julien diz, sem se preocupar em esconder sua
alegria.
— Eu tinha algo para você. Mas pode esperar até amanhã.
— Certamente não pode. — Julien acena para Rosin e Vitus. — Nenhum
distúrbio, exceto para emergências, entendeu?
— Sim, Alteza, — Rosin responde, inexpressiva.
As orelhas de Will queimam em um vermelho mais profundo quando
Julien o puxa para dentro da sala. Julien os gira enquanto a porta se fecha, seus
corpos batendo na madeira com um baque ecoante. Embalando Will em seus
braços, Julien agarra seus lábios em um beijo voraz.
A maneira como Will responde a ele é intensamente gratificante. Seus
lábios se abrem imediatamente, acolhendo a língua de Julien, e Julien sente um
gosto de cerveja. Ele poderia ficar bêbado beijando Will.
Ele se afasta apenas o suficiente para dizer
— Oi.
— Oi. — Will lambe o lábio, e o sangue de Julien corre para baixo, mas Will
levanta a mão antes que Julien possa mergulhar de volta. — Espere, eu
realmente tinha algo para você.
— Sério? — Julien pega a mão de Will e beija a palma. — Eu pensei que era
apenas uma maneira tímida de se oferecer a mim.
Will estremece ao seu toque.
— Você pode me ter também —, ele murmura, antes que uma expressão
mais séria cruze suas feições delicadas. — Você está bem? Você parece triste.
Porra. Ninguém deveria ser capaz de lê-lo tão bem, além de Audric e
Bellamy.
Julien abre a boca para desviar com uma piada ou dobrar seu flerte, mas
em vez disso ele responde:
— Estou preocupado com Draskora.
Will pisca com seus olhos roxos escuros.
— Fale comigo.
— Você ouviu os rumores. — Julien se afasta da porta. Toca uma das
árvores perto da varanda, e suas folhas se enrolam em seus dedos. —
Avistamentos de dragões e invasores. A evidência real é escassa, mas os
rumores parecem certos. Todos na fronteira estão prontos para acreditar que
Draskora é uma ameaça novamente.
— O que você acredita? — Will se agacha para acariciar Cupcake, mas seu
olhar nunca se desvia da mão de Julien, as folhas frias contra sua pele.
— Este lugar é uma porra de um barril de pólvora —, diz Julien. — Uma
faísca, e vai acender. Um movimento errado... e não tenho ideia de qual seja o
movimento certo.
Will se levanta.
— Às vezes não há movimento certo. Isso não é culpa sua.
— Não é minha culpa, mas ainda é minha responsabilidade. — Julien
esfrega o rosto e tenta se livrar da melancolia. Ele não vai resolver a crise
potencial depois da meia-noite, sem dormir. — Desculpe, estou realmente
matando o clima. O que você tinha para mim?
Will o encara de novo com aquele ar observador demais, então puxa uma
folha de pergaminho dobrada do bolso do casaco.
Seus dedos se tocam quando Julien pega o pergaminho. Ele tem a sensação
de que Will intencionalmente permite o leve toque, que é tão emocionante
quanto qualquer outra coisa que eles fizeram. Desdobrando o pergaminho,
Julien encontra uma lista escrita com uma caligrafia apertada e limpa.
Aproximando-se de uma lâmpada, ele reconhece nomes de empresas
locais.
— O que é isso?
— Todas as empresas que o guarda Prewitt visitou nos últimos cinco
meses —, diz Will. — Eu queria descobrir como ele entrou em contato com
Cyril ou Langley, mas havia muitos lugares para eu investigar por conta
própria. Então, este é apenas um ponto de partida.
Julien lhe lança um olhar penetrante.
— E esses nomes na parte inferior?
— Não é uma lista abrangente—, Will enfatiza. — Apenas algumas pessoas
com quem ele era conhecido por ter contato.
Alguns dos nomes são familiares da investigação de Nadine, mas ela não
produziu tantas pistas.
— Onde você encontrou tudo isso?
— Apenas perguntando por aí. — Os lábios de Will se contraem. — E eu
perdi meio mês de salário jogando Hello Minnow com Goldie esta tarde.
Julien guarda o pergaminho em segurança sob o relatório de Gaspard.
— Eu não pensei que você deixou o castelo hoje. Eu vou reembolsá-lo.
— Não precisa, Alteza. — Os olhos de Will se estreitam. Ele parece um
gatinho irritado. — E eu não estava imaginando os guardas prestando atenção
extra em mim esta semana.
— Você pode me culpar? — Julien se aproxima. — Você foi sequestrado há
quatro dias. Pedir ao guarda para vigiar você é um substituto ruim para o que
eu prefiro fazer, que é mantê-lo à vista o tempo todo.
Will tem que olhar para cima para encontrar os olhos de Julien.
— Eu não posso ficar enfiado no castelo. Quero descobrir quem está
tentando matá-lo.
— Não quem quer sequestrar você?
— Eu não sou importante, — Will diz, seu olhar baixando sob crescentes
de cílios dourados. Ele toca o antebraço de Julien. Desliza a mão na de Julien.
— Eles estavam apenas me usando para chegar até você. Você é quem eles
querem machucar, e você é quem eu quero proteger.
E Julien continua duvidando dele ingratamente.
Com o coração doendo, Julien aperta sua mão.
— Você é muito importante. — Ele passa o outro braço em volta da cintura
de Will e o puxa para dentro. — Não discuta comigo sobre isso. Isso é uma
ordem.
Ele diz meio em tom de brincadeira, mas o ar muda. Tão perto, ele sente
como Will estremece com a palavra 'ordem'.
Tentativamente, ele acaricia a linha da cintura de Will.
— Você gosta disso? Recebendo ordens?
Will engole em seco.
— Só de você.
A resposta passa por Julien em uma onda de excitação.
— Então aqui está outra, — ele respira contra os lábios de Will. — Vá para
o quarto e tire suas roupas para mim.
— Sim... Julien. — Corando, Will sai do abraço de Julien. Ele coloca o cabelo
atrás da orelha e vai para o quarto.
Julien fica tonto por um momento. Então ele se vira para a esquina e diz:
— Fique, Cupcake.
Cupcake não sai da almofada, mas Julien fecha a porta do quarto com
firmeza. Ele não quer uma audiência esta noite.
Toda a luz no quarto parece se reunir em torno da forma de Will, sua
cabeça dourada curvada, enquanto ele desabotoa os punhos de sua camisa.
Suas botas já estão fora, seu casaco pendurado na ponta da cama. De olho em
Will, Julien se acomoda na poltrona perto da janela. É um dos poucos móveis
do quarto que é dele, não de Audric, o que significa que é muito confortável.
E novo. Julien ainda não o quebrou.
Ele consegue tirar suas próprias botas desta vez enquanto observa Will se
despir. Camadas de tecido caem, revelando membros finos como chicotes
ainda manchados de hematomas desaparecendo. Eles se agarram como
sombras sob sua pele. Will descarta suas calças e roupas pequenas sem
constrangimento, e se vira para Julien nu, exceto o couro ao redor de seu
pulso. Seu pênis rosa já se ergue de seu ninho de cachos dourados escuros.
Julien quer saltar sobre ele, mas em vez disso, ele relaxa na poltrona e
pergunta:
— Você gosta de rosa, baunilha ou nenhum dos dois?
— Acho que não tenho preferência.
— Nenhum, então. — A baunilha foi um presente de Emile, e Julien não se
lembra de quem era a rosa. Ele prefere não cheirar como os outros homens de
qualquer maneira.
— Na mesinha de cabeceira, há três potes de vidro. Traga-me aquele com
a tampa prateada.
Julien desamarra as calças enquanto Will busca o lubrificante. Ele poderia
assistir Will por horas, o homem é tão bonito, com sua graça felina, ele não
parece real. Julien mal pode acreditar que Will está realmente ajoelhado ao
lado do armário, depois se levantando de verdade. Verdadeiramente
caminhando em direção a Julien, pote de unguento na mão.
— Dê-me a pomada —, diz Julien. — Então sente-se no meu colo.
Quando Will obedece, Julien deixa cair o pote ao lado dele na cadeira; ele
quer as duas mãos livres para amassar a cintura de Will. Coxas musculosas
espalhadas pelo colo de Julien, e o contraste da nudez de Will com as roupas
de Julien é emocionante.
Will se apoia no peito e pergunta:
— Assim?
— Perfeito. — Julien ri um pouco. — Você é tão perfeito.
Ele tem que mergulhar para frente para beijar o protesto dos lábios de
Will. Então eles simplesmente se beijam por causa disso, explorando
lentamente a boca um do outro. Julien mapeia cada contorno aquecido do
corpo de Will sob suas mãos. Todo músculo e osso, dificilmente uma pitada de
suavidade. Ele apalpa a curva da bunda de Will, apertando-o mais perto, e Will
se arqueia contra ele com o gemido mais doce.
— Diga-me o que fazer a seguir —, diz Will calmamente.
Julien traça seus braços, então para quando seus dedos pegam uma linha
fina de carne levantada fora do antebraço esquerdo de Will. Curioso, ele puxa
o braço de Will para mais perto para examinar a cicatriz branco-rosada. Nem
muito recente, nem muito antiga, e a curiosidade de Julien se transforma em
náusea. A marca é do ataque da House Mika no jardim.
A primeira vez que Will foi ferido em nome de Julien. E não a última.
Will fica tenso, mas não puxa o braço.
— Julian.
— Dury ainda pode consertar isso —, diz Julien.
A mudança no comportamento de Will é sutil. Julien não tem certeza se
teria notado a sombra em seus olhos se não estivesse tão obcecado com cada
ângulo do homem em seus braços, mas agora está dolorosamente claro. Will
não tem vergonha de sentar nu no colo de Julien, nem de seguir as ordens de
um príncipe mimado como brincadeira de quarto. Mas agora Julien cruzou
uma linha muito mais íntima do que o toque físico.
A hora do jogo acabou.
— Desculpe. — Julien solta o braço de Will e apoia as mãos nos braços da
cadeira, dando a Will espaço para sair se precisar. — Eu sei que você não
gosta de magia de cura.
Não há peso suficiente para Will enquanto ele se senta nas coxas de Julien.
Seus lábios se apertam novamente, e Julien pensa que está prestes a fugir.
Em vez disso, Will se curva para descansar a testa nos ombros de Julien.
— Você pode me tocar. Por favor. — Quando a mão de Julien pousa entre
suas omoplatas, ele continua. — Você tem razão. Eu não gosto de magia de
cura. E acho que quero lhe dizer por quê.
O coração de Julien fica tenso com a fragilidade de sua voz. Ele encosta o
rosto na cabeça de Will.
— Estou ouvindo.

CAPÍTULO DEZENOVE

WHISPER

Entre as carícias suaves de Julien em sua espinha e o calor que perdura em


suas veias, a estranha sensação de segurança que ele encontra ao se submeter
a Julien, Whisper quer dizer coisas que nunca disse em voz alta antes. Não
para Lily, mesmo quando eles estavam fodendo. Não para Hemlock, porque
ele nunca quis sobrecarregar Hemlock com suas dúvidas e excentricidades.
Whisper não quer pensar onde seu caminho com Julien o levará. Esta noite
é real, e Julien deu a ele demais. Whisper quer esculpir outro pedaço frágil de
si mesmo e entregá-lo a Julien em troca.
— Acho que te disse uma vez que meu pai não é um homem com quem
discutir, — diz Whisper, ainda escondendo o rosto no ombro de Julien. O calor
constante é calmante. — Ele também não é um homem para decepcionar, mas
eu tenho. Especialmente quando eu era mais jovem e desajeitado.
A mão de Julien não faz uma pausa em seu caminho lento e reconfortante
para cima e para baixo em sua espinha.
— Ele não foi cruel, mas deixou marcas. — Whisper não consegue se
lembrar se o verdadeiro Will Hadley tinha irmãos ou não, então ele não os
menciona. — Depois, todas as vezes, ele curava as marcas. Como se nada
tivesse acontecido. Como se eu nunca tivesse cometido um erro e nunca
tivesse sido punido.
— Seu pai é um curandeiro? — Julien pergunta.
Foco. Você não é Will Hadley.

— Um mago de sangue. Ele é discreto sobre isso. — O coração de Whisper


é frio e quebradiço, como se estivesse envolto em vidro. Como se em vez de
um coração, seu filactério ficasse entre seus pulmões. — Eu preferia não ter
sido curado. Eu queria as marcas. A prova de que meu fracasso havia
acontecido. A prova de que o castigo tinha acontecido. — Rachaduras no
vidro. Whisper respira através do aperto em sua garganta, a ardência atrás de
seus olhos, até sua voz voltar ao normal.
— Eu não quero ser uma lousa em branco. É por isso que quero manter
essa cicatriz.
Ele levanta a cabeça e toca o rosto de Julien. A força total da atenção de
Julien se concentra em Whisper, toda a sua preocupação, desejo e raiva, um
traço de desamparo. Whisper pressiona a ponta dos dedos nos lábios de
Julien, com medo de que Julien interrompa o momento dizendo o nome de
outro homem.
— Eu peguei essa cicatriz para você —, diz Whisper. — Isso não é uma
coisa ruim. Eu nunca vou me arrepender.
A respiração de Julien quebra contra a ponta dos dedos, e Whisper não
tem certeza de qual deles surge primeiro no beijo. Ele tem que fechar os olhos
enquanto Julien beija sua bochecha, suas têmporas, suas pálpebras, e a cada
toque terno, o frio diminui de seu coração.
— Obrigado por me contar, — Julien diz suavemente. — Eu não posso
prometer não odiar você se machucar. Isso está além de mim.
— Eu sei. — Whisper toca seu rosto. — Você é bom demais.
Julien pega sua mão e beija sua palma. Ele parece gostar das mãos de
Whisper.
— Se eu fosse realmente bom, não teria sido tão insistente sobre a magia
de cura. Vou tentar ser melhor. — Ele beija a palma de Whisper novamente. —
Nós podemos apenas dormir agora, se você quiser.
Suas palavras suaves desmentem a urgência de suas mãos na cintura de
Whisper. O calor de resposta no sangue de Whisper. Mesmo que Whisper
quisesse dormir, seria impossível depois de desnudar seu coração assim. Ele
anseia por proximidade. Toque. Julien.
— Eu não consigo dormir —, diz Whisper, e balança no colo de Julien.
O gemido de resposta de Julien ecoa pelos pulmões de Whisper. Ele pega o
frasco de lubrificante enquanto Whisper procura os cadarços de sua calça. O
pênis de Julien se estira através do tecido, quente contra as mãos de Whisper.
Seja egoísta, Whisper disse a Julien da última vez. Mas agora ele é o
egoísta, roubando conforto do toque de Julien.
Então os dedos escorregadios de Julien deslizam por baixo dele, e Whisper
não tem mais nenhum intelecto para se repreender. Julien se move com
firmeza, com cuidado, mas não devagar. Ele empurra dois dedos em Whisper
de uma vez, e a sensação percorre todo o seu corpo. Como uma nova espécie
de magia desfazendo-o de dentro para fora.
A pele de Whisper aquece com uma nova sensibilidade. As calças de Julien
arranham a parte interna de suas coxas cada vez que ele balança para trás
contra a mão de Julien, e o brocado de pelúcia da cadeira amortece seus
joelhos. A boca de Julien está quente e úmida contra sua garganta. Whisper
enterra os dedos no cabelo grosso de Julien, arqueando para trás
Nada disso dói, mas ele vai carregar cada momento para sempre. Ferido
em sua alma, nunca para curar.
— Agora —, diz Whisper, desesperado. — Foda-me agora, por favor.
Julien rosna contra seu pescoço.
— Eu disse que ia foder você adequadamente dessa vez.
— O que isso significa? — Whisper lamenta.
— Não consigo me lembrar —, diz Julien. — Lento. Minucioso. Romântico.
Pétalas de rosa na cama. Eu ia explodir sua mente.
— Você não precisa de pétalas de rosa para isso —, diz Whisper, e os
dedos de Julien finalmente se afastam. Suas mãos colidem, ambas se
atrapalhando para colocar o pênis de Julien em posição.
Whisper não tem certeza do que é mais esmagador: a pressão do pênis de
Julien abrindo-o, ou o êxtase nos olhos de Julien. Ele se força a não se desviar
dessa atenção, como ventos fortes varrendo sua alma. Alcançando as coxas de
Julien, ele fica tenso, e Julien solta um gemido irregular.
Mordendo o lábio, Whisper balança um centímetro para cima, depois para
baixo, e se deleita com o desejo de Julien.
As mãos de Julien estão firmes em seus quadris, mas não dolorosas, e
Whisper está muito machucado e quebrado para pedir mais hematomas
agora. Ele monta Julien até suas coxas doerem e seu corpo inteiro arder com a
sensação.
— Julien, — Whisper ofega.
Dedos longos tocam seu rosto. Emaranhado em seu cabelo. Puxando para
baixo até que suas testas se pressionem, e Whisper tem que fechar os olhos
contra a necessidade ofuscante no olhar de Julien.
A outra mão de Julien cai entre eles.
— Eu quero sentir você gozar no meu pau.
Whisper apenas choraminga quando Julien o pega na mão. Ele já está
escorregadio com o sêmen, e o calor do corpo de Julien dentro e contra o seu
irradia através de cada nervo de Whisper. Ele balança no aperto de Julien,
então desce sobre seu pênis, oprimido e sem mente.
— Eu tentei resistir a você —, diz Julien, sua voz penetrando na alma de
Whisper. — Eu te quis desde o dia em que te vi pela primeira vez, e quanto
mais te conheço, mais te quero. Foda-se, os sons que você faz.
Não é verdade. Julien não iria querer Whisper se realmente o conhecesse.
Mas Whisper não consegue deixar de fingir que é possível enquanto Julien
arranca seu orgasmo dele, junto com um grito quebrado que ele mal
reconhece como sua própria voz.
Incapaz de falar, esperando ou temendo Julien pode sentir o quanto ele se
importa também, Whisper cavalga em seu orgasmo. Ele continua se movendo
até que é quase doloroso, até que Julien geme, arqueia e estremece no corpo
de Whisper.
Whisper beija a linha vulnerável da garganta de Julien.
Depois, quando ambos estão limpos e Julien lhe empresta um pijama
grande demais
— Minhas manhãs nem sempre são privadas, e ninguém além de mim
consegue cobiçar você, entendeu?
Julien o puxa para a cama. Ele se aconchega atrás de Whisper, cercando-o
de calor. Aninha-se no cabelo de Whisper, inala. Expira. Seu braço não parece
uma corrente em volta da cintura de Whisper; é um escudo.
— Acho que não gosto do seu pai, — Julien diz no cabelo de Whisper.
— Acho que também não gosto dele, — Whisper admite. É o sentimento
menos leal que ele já expressou sobre Reo Barnaby.
Ele costumava ser grato ao pai por criá-lo. Ele costumava ansiar pela
aprovação do pai, cada palavra de elogio uma recompensa muito maior do que
qualquer dinheiro que ganhasse em empregos. Mas o pai torceu seu desejo de
ajudar Hemlock em uma crueldade insuportável. Whisper não pode perdoar
isso.
Dolorido por dentro e por fora, seguro e com o coração partido nos braços
de Julien, os pensamentos de Whisper giram em torno de uma ideia perigosa.
Às vezes não há movimento certo, disse a Julien. Mas e se houver? E se ele
puder consertar isso?
Ele não quer matar Julien. Ele teme não poder matar Julien.
Talvez ele não precise.
Ele passou quatorze anos dançando ao som de papai. Atribuições e regras
e consequências. Até mesmo sua esperança de escapar estava nos termos do
pai; completar seu sexto emprego e ganhar sua dádiva.
Mas se Whisper descartar as regras e encontrar a fonte do trabalho, talvez
ele possa encontrar uma saída para isso. Deve haver uma maneira de proteger
Hemlock e Julien. Se ele encontrar e capturar o cliente, ele pode descobrir
como cancelar ou complicar o contrato. Talvez até anule isso matando o
cliente se for preciso. O Canil não concluirá um trabalho não totalmente pago.
Ele só precisa encontrar o cliente, um homem que ele conhece apenas de
voz. Um homem que conhece Julien o suficiente para escolher uma isca a que
não pôde resistir. Não é impossível, mas Whisper precisa de mais tempo do
que o mês restante antes que o sinal chegue. O cliente provavelmente nem
está em Greenhaven. Whisper precisa de alguma maneira de atraí-lo e
proteger Julien ao mesmo tempo.
— Julien, — Whisper diz na escuridão.
— Hum?
Ele toca a mão de Julien onde ela se espalha sobre seu coração.
— Já pensou em fugir? Não para sempre. Apenas me escondendo um
pouco de tudo.
— Claro —, diz Julien. — Acabe com meu juramento e passe uma semana
morando na floresta, só eu e Cupcake. Já pensei bastante nisso. Normalmente,
quando estou preso ouvindo Gaspard falar sobre auditorias.
— Talvez você deva. — Whisper traça os espaços entre os dedos de Julien.
— Tire uma semana e simplesmente... desapareça. Relaxar.
— É apenas uma fantasia. Na verdade, não posso sair. — Julien acaricia o
cabelo de Whisper novamente. — Audric precisa de mim, e Silaise precisa de
Audric. Mas talvez eu possa tirar férias quando Audric assumir Greenhaven
novamente. Quer visitar Bellamy comigo? Embora as praias de Tavoc sejam
terríveis.
— Parece bom —, diz Whisper, mas o plano que está tomando forma em
sua cabeça não tem nada a ver com férias ou praias.

***
Onde você vai desta vez? Rumi pergunta de seu local de descanso, uma
faixa de luz do sol da janela.
Whisper acaricia a coroa de sua cabeça enquanto ela resmunga em
aborrecimento fingido.
— Apenas para o curandeiro do castelo. Você pode vir comigo desta vez,
mas eu estarei de volta em breve. O amigo de Sua Alteza está chegando esta
tarde, lembra?
Fisk se aproxima e se estica metade ao lado, metade em cima de Rumi. Ela
sacode as orelhas e se aproxima. Nós lembramos. Espero que ele fique
impressionado com nossa majestade. Os pequenos servos aqui estão se
acostumando conosco. Decepcionante.
— Tenho certeza de que Lord Gaspard ficará impressionado —, diz
Whisper. — Você está vindo agora?
Cochilando agora.
Whisper solta um leve suspiro de alívio enquanto fecha a porta de seus
aposentos atrás dele. Ele se sentiu muito vigiado nos últimos dias. Enquanto
Julien chamou sua guarda de observá-lo especialmente, Fisk e Rumi ficaram
mais perto dele. Rumi tem um interesse particular em seu paradeiro.
Ele considerou incluí-los em seu novo plano, mas eles são terríveis em
manter segredos. Por mais que ele odeie a ideia de deixá-los para trás, eles se
estabeleceram em Greenhaven melhor do que Whisper. Ficarão bem sem ele e
Julien por uma ou duas semanas.
A porta da enfermaria está aberta quando ele chega lá, e Whisper bate no
batente da porta quando ele entra.
— Olá?
Dury emerge da sala ao lado, limpando algo verde de suas mãos com um
pano. O suor brilha em suas têmporas, e alguns de seus dreads estão soltos de
sua gravata.
— Eu nunca esperei ver você aqui novamente. Você está machucado? Sua
Alteza mandou você vir aqui?
— Não, e não —, responde Whisper.
Dury agita o pano.
— Tem certeza? Posso dar-lhe este trapo, para que possa curar a sua
ferida dolorosa. Ou uma garrafa de uísque para fazer uma careta enquanto
você costura seu próprio braço decepado de volta em seu ombro.
— Obrigado —, diz Whisper.
— Eu estava procurando por charrow ou melloweed. Você tem algum?
— Sim e sim. — Dury deixa cair o pano em sua mesa. — Problemas para
dormir? Imagino que você não queira meus soníferos mágicos muito mais
seguros e eficazes.
— Certo. Quanto custa duas semanas de charrow?
— Eu só posso te dar uma semana, mas é grátis. — Dury tira uma chave de
seu chaveiro, e Whisper dá um passo para o lado para ver melhor exatamente
qual gaveta Dury abre. — Só tenho que relatar os nomes dos pacientes com o
inventário ao senescal uma vez por semana, após o incidente há três anos.
— Incidente? — Whisper pergunta.
— Lorde Emile Pellerin teve uma overdose de roseira. Eu nem sabia que
você poderia ter uma overdose de rosa da noite, mas lá estava ele com uma
ereção de quatro dias. Foi honestamente impressionante. — Dury coloca o pó
cinza em um pequeno frasco de vidro e arrolha. — Um segundo, deixe-me
registrar seu nome.
Whisper também rastreia qual chave Dury usa para abrir a gaveta que
contém o registro do inventário, embora ele duvide que precise mexer no
livro. Não importa se essa informação chega a Julien; Julien já sabe que tem
problemas para dormir, e vai presumir que o charrow serve para isso.
O valor de uma semana não é suficiente para nada nefasto de qualquer
maneira, e é por isso que Whisper passou os últimos dias visitando todos os
boticários que pode encontrar. Ele deveria ter carvão suficiente agora, com
alguns ajustes químicos, para deixar um homem inconsciente por pelo menos
oito horas.
Quando alguém descobrir, ele terá Julien fora de Greenhaven em
segurança.
— Aqui está —, diz Dury. — Algo mais?
— Isso é tudo. Obrigado. — Whisper embolsa a garrafa.
— De nada. Fico feliz em ver que você não evita todas as maravilhas da
pesquisa médica. A propósito. — Dury tranca todos os armários novamente,
dando a Whisper um olhar de soslaio. — Você provavelmente está bem desde
que você está tão apegado a Sua Alteza e tudo mais. Mas tome cuidado com
Lord Gaspard.
—Por que é que?—
— Porque ele é um idiota —, diz Dury. — E você é muito fofo.
Whisper não tem certeza se é muito fofo. Mas dado o quão certo Dury
estava sobre Prewitt, Whisper não vai levar seu conselho de ânimo leve.
— Alguém mais com quem eu deveria me preocupar?
— Cozinheira-chefe Sybil, — Dury diz imediatamente. — Ela está
planejando roubar seus gatos mágicos. Você já viu quantos mimos ela dá a
eles? O senescal está enlouquecendo tentando descobrir para onde estão indo
todos os frangos assados extras.
Whisper ri, surpreendendo os dois.
— Vou ficar de olho. Obrigado novamente.

***

Algo se instala dentro de Whisper quando ele chega ao pátio e vê Julien.


Alto e majestoso em seu chamativo uniforme preto e dourado, Julien está
surpreendentemente imóvel entre a agitação esvoaçante de todos os outros.
Rumi senta-se majestoso e elegante ao seu lado, enquanto Fisk se esparrama
do outro lado, fazendo com que o tráfego de servos se desvie.
Como se sentisse o olhar de Whisper, Julien olha e sorri só para ele. O
coração de Whisper dói, mas ele sorri de volta ao se juntar a Julien nos
degraus.
— Ei —, diz Julien. — Senti sua falta.
Não se passaram mais de seis horas, mas Whisper fala sério quando
responde:
— Também senti sua falta —. Ele evita a mão de Julien em busca da sua. —
Eu deveria ficar à margem, Sua Alteza.
— Você está cansado? — Julien pergunta, com uma leve carranca de
preocupação.
— Vitus pode tomar conta dos fellcats.
Julien é muito observador ou Whisper é apenas pior em esconder o
estresse do que deveria. Desconfiado dos olhos ao seu redor, ele toca as costas
da mão de Julien.
— Será mais fácil redirecionar Fisk e Rumi de lá se as novas pessoas os
incomodarem. Não se preocupe comigo, Alteza.
Descendo os degraus, Whisper encontra um lugar à sombra de uma árvore
verde-dourada e se pergunta se Julien pode senti-lo através das raízes. É
engraçado como ele passou tanto tempo mapeando todos os cômodos sem
plantas em Greenhaven, escolhendo lugares para matar Julien com mais
facilidade, mas agora o pensamento de Julien sentindo-o com a magia de
Sandry é reconfortante.
A comitiva do Lorde Ministro Rue chega pouco depois. Não era um grande
grupo, apenas meia dúzia de cavaleiros e mais alguns servos sentados em um
vagão de bagagem. Whisper apenas dá uma breve olhada no rosto de Gaspard
antes que o homem desmonte e suba os degraus, mas fica impressionado com
a semelhança do homem com Julien. Seu cabelo é mais escuro, preso em um
rabo em vez de curto, mas eles têm as mesmas sobrancelhas grossas e
mandíbula forte. Há até uma estranha familiaridade em sua risada quando
Julien o cumprimenta.
Whisper tinha esquecido que o pai biológico de Julien era um Rue. Julien
sempre se refere a Gaspard como amigo, e não como família.
Enquanto Julien e Gaspard conversam, Fisk fica de pé. Gaspard salta para
trás, e os servos agarram as rédeas dos cavalos nervosos enquanto Fisk desce
os degraus do castelo. Whisper deixa as sombras e desliza ao redor da
multidão para interceptar o felino. Não é urgente, a linguagem corporal de
Fisk é calma e interessada, não estressada, mas Whisper quer ter certeza de
que ninguém o incomode.
Ele perde Fisk de vista brevemente atrás do vagão de bagagem. Tudo o
que é visível sob as rodas são patas verdes e um par de botas marrons gastas.
Evitando um par de servos carregando um baú pesado, Whisper circunda a
carruagem para ver a pessoa que Fisk parou na frente.
A tarde de verão se ilumina com uma dureza ofuscante, e os sons dos
servos desembrulhando e cavalos se arrastando são estrondosamente altos. A
poeira sufoca os pulmões de Whisper. Não faz sentido. Ela não deveria estar
aqui.
Uma adolescente está coçando sob o queixo de Fisk. Seu cabelo preto e
lustroso esconde seu rosto até que ela se endireita e sorri para Whisper, com
covinhas e tudo.
— Olá, irmão —, diz Hemlock. — Você está com saudades de mim?

CAPÍTULO VINTE

JULIEN

— Você perdeu meu aniversário, Gaspard —, acusa Julien com um sorriso.


— Espero que você esteja pronto para beber sua perda esta noite.
— Seja misericordioso, Sua Alteza. Estou aqui para auditar a Casa Frenn
desta vez —, responde Gaspard. — Mas eu sinto muito por perder a festa.
Encontrei Emile em seu retorno a Sandrelle, e ele disse que foi ainda mais
agitado do que naquele ano em seu lago.
O sorriso de Julien desaparece.
— Difícil de acreditar, mas foi.
Rumi se inclina suavemente contra sua perna, roncando enquanto acaricia
o topo de sua cabeça. Este está muito nervoso.
— Não ligue para Rumi —, diz Julien. — Ela é civilizada. Onde Fisk foi?
Ali do outro lado do pátio, a pele verde de Fisk brilha quase prateada à luz
do sol. E ao lado dele, o peito de Julien dói de tão bonito que está Will, imerso
em uma conversa com uma jovem que Julien não reconhece.
— Venha aqui. Eu quero te apresentar a alguém.
— Seu Mestre dos Gatos? — Ao olhar afiado de Julien, Gaspard suspira. —
Já ouvi falar dele também. Todo mundo já ouviu falar dele.
— O que exatamente todos ouviram?
— Que um belo Draskoran seduziu e planejou seu caminho para a cama do
príncipe Julien —, responde Gaspard, e levanta a mão quando os lábios de
Julien se contraem.
— Você perguntou e eu respondi, Alteza. Tenho certeza que a verdade não
é nada disso. Adoraria conhecê-lo mais tarde, mas preciso acompanhar esses
baús. Segredos contábeis importantes.
Julien solta um suspiro. Ele geralmente aprecia a honestidade direta de
Gaspard.
— Vejo você no jantar. Bem-vindo de volta a Greenhaven.
Com Rumi em seu encalço, Julien atravessa o pátio. Muito espaço circunda
Fisk enquanto os guarda-costas e assistentes de Gaspard dão aos
companheiros um amplo espaço.
A jovem percebe Julien primeiro. Ela se curva e surge com um sorriso com
covinhas. Muito jovem; dezesseis no máximo, com olhos travessos.
— Eu suponho que você seja o príncipe de Will?
— Já gosto de você —, diz Julien. — Will, quem é essa?
Pulando em seu nome, Will olha para cima. Há algo em branco e distante
em seus olhos, algo fora.
— Julian. Sua Alteza. Conheça minha irmã.
Eles não se parecem em nada, exceto talvez suas construções semelhantes.
Adoções são mais comuns entre a nobreza, especialmente quando há magia
para herdar, mas não muito raras entre os plebeus.
— Eu sou Hanako. Aposto que Will não mencionou nada de mim,
mencionou? Ela estende a mão e depois a retrai com uma risada. — Espere, os
príncipes apertam as mãos em Silaise?
— É um prazer conhecê-la, Lady Hanako. — Julien aperta a mão dela, mas
sua atenção está em outro lugar.
Will, você está bem?
Fisk esfrega a cabeça no joelho de Will, e Will apoia a mão em seu ombro
largo.
— Eu estou bem —, ele responde muito calmamente. Julien sente nele
uma contenção nervosa, mal contendo o pânico. Como se ele estivesse prestes
a atacar ou entrar em colapso.
Ele está mentindo. Ele não está nada bem.
— Você está tendo um de seus períodos novamente? — Hanako coloca a
mão em volta do cotovelo de Will. — Ele fica tonto às vezes quando está muito
quente. Se não se importa, Alteza, vou arrastá-lo para um pouco de sombra.
Além disso, quero extorquir uma refeição dele.
— Eu estou bem, — Will repete. Ele acaricia Fisk uma última vez e muda
para Alto Fellrian. — Vocês dois voltem para nossos quartos ou para os
jardins, e não incomodem nenhum dos convidados, certo? Estarei de volta
antes do anoitecer.
Ele dirige a última frase para Julien, e a preocupação de Julien derrete um
pouco com a garantia.
Apenas um pouco. Parte dele quer enviar um guarda juramentado para
seguir Will, mas Will notaria. E Julien tem uma solução melhor.
— Traga sua irmã de volta para visitar, tudo bem? — diz Julien. — Vejo
você em breve.
Enquanto Will e Hanako se afastam, Julien estende sua magia no ar.
Apenas um sopro de brisa. Com delicadeza deliberada, ele envia o fogo-fátuo
para circular ao redor de Will, uma sombra invisível o seguindo. Julien não
pode ouvir ou ver Will através da magia, mas quando ele se concentra, ele
pode sentir o leve puxão em sua consciência. Enquanto a magia durar, Julien
saberá onde Will está.

***

— Você estava certo, Sua Alteza. — Goldie apoia os cotovelos na mesa de


mapas.
— Macaire finalmente secou e admitiu que alguém o pagou para inventar
a história do dragão. Oh, obrigado, querida.
Julien termina de servir sua taça de vinho e inclina a garrafa para Lucien,
que balança a cabeça. Lucien não se sentou, em vez disso, apoiou as mãos nas
costas de uma cadeira. Seu cabelo ruivo é uma bagunça varrida pelo vento.
Julien não se incomoda em oferecer vinho a Nadine, que está sentada em
frente a Goldie com uma pilha de pergaminhos e bolsas sob os olhos.
— Como você conseguiu a verdade dele? — Julien põe a garrafa na mesa
sem encher o próprio copo. Ele teve que adiar o jantar com Gaspard e suas
preocupações com Will, mas isso é muito importante.
— Ameacei pagar a conta dele —, diz Goldie. — Macaire está se
esquivando desde que eu ainda bebo leite. Mas a dívida vale mais como dívida,
com ele.
— Então, eu estava certo. — Julien gostaria de ter prazer na validação.
— Avistamentos de dragões e invasores Draskoran em todos os lugares,
mas nenhuma evidência. Alguém está inventando tudo isso.
— Nós temos flechas —, Lucien insiste. — Temos pessoas desaparecidas
na fronteira. Sua Alteza, eu sei que você não quer arriscar, mas há muito em
jogo para assumir que tudo o que encontramos é fumaça e espelhos.
— O que Audric faria? — Julien pergunta a ele.
Lucien franze a testa.
— Não sei.
— Ninguém nunca questiona Audric. — Julien se apoia nos cotovelos. —
Eu entendo, ele é o melhor. Mas você deveria começar a questioná-lo.
Mantenha-o na ponta dos pés.
Goldie pousa o copo vazio e pega a garrafa.
— Eu deveria estar aqui para tudo isso? Isso parece uma conversa para a
qual eu não deveria estar aqui.
— Você também é da realeza, não é? — Julien pergunta. — A rainha
contrabandista de Greenhaven.
— Apenas um taverneiro, querida. Mas estou com o ouvido no chão.
— O que você ouviu, então? Nadine pergunta.
— A cidade está pronta para a guerra. — Goldie faz uma careta. — O
prefeito vai dizer que precisa de mais orçamento e mais homens, mas ele é
como um cachorro dizendo que nunca foi alimentado, quando você colocou a
tigela dele cinco minutos atrás. Se esses rumores são ou não rumores, eles têm
todos irritados. Os Frenns acima de tudo. A moral está lá e os rancores de seis
anos ainda estão frescos.
— Não há guerra —, diz Julien. — Nós não estamos cruzando a fronteira. E
enquanto eu estiver em Greenhaven, Draskora não pode atravessar sem que
eu saiba.
— Você não vai fazer nada, então? Lucien estala. Quando Nadine olha para
ele, ele acrescenta um sarcástico, — Sua Alteza. Você tem a autoridade e o
dever de defender a fronteira.
Julien resiste à vontade de esfregar a têmpora. Mesmo entre seus aliados
mais próximos, ele não pode se dar ao luxo de mostrar sua exaustão agora.
— Eu vou te dizer o que Audric faria. Ele escreveria uma carta ao senhor
da guerra fronteiriço de Draskora, convidando-o a enviar um representante a
Greenhaven para discussão diplomática. Você, Lucien, vai entregar essa carta
para mim amanhã.
— Foda-me —, diz Lucien.
— As coisas vão correr bem, e eu vou conseguir um novo e brilhante
acordo comercial ou qualquer outra coisa com isso. Ou eles vão mal, e teremos
algo concreto para lutar contra eles. Goldie, duas coisas.
— Sim, Alteza? — Goldie leva outro copo cheio ao nariz.
— Primeiro, quero mais informações sobre a fonte dos rumores. Segundo,
devemos jogar cartas novamente em breve.
Ela levanta o copo em saudação.
— Você é meu príncipe favorito, Sua Alteza.
Lucien sai rapidamente com a carta já preparada. Goldie permanece até
que a garrafa de vinho esteja vazia e parte sem nenhum vacilar em sua
elaborada reverência. Quando ele e Nadine estão sozinhos, Julien gesticula
para que o guarda no corredor feche a porta novamente.
— Mais uma coisa.
Nadine suspira.
— Eu quero saber?
Julien não quer saber. Ele não quer ceder à sua paranóia. Ele só quer se
esconder nos braços de Will e esquecer todo o resto do mundo. Mas ele é o
Senhor de Greenhaven agora e não pode enterrar a cabeça na areia para evitar
verdades desagradáveis.
— Quero que você dê uma olhada em Will de novo —, diz Julien.
— Não é um pouco tarde para verificar suas credenciais? — Nadine
pergunta. — O que mudou?
O rosto pálido de Will. O medo em seus olhos escuros. As mentiras.
— Conheci a irmã dele hoje —, diz Julien. — Seus contatos disseram que
ele era filho único.

CAPÍTULO VINTE E UM

WHISPER

Mais olhos seguem Whisper hoje do que da última vez que ele visitou o
Drunken Dragon. Ele tenta sutilmente observar se alguém está muito
interessado, mas sua concentração está em frangalhos com Hemlock
conversando ao lado dele.
— E o clima está tão bom aqui! Mal consigo dormir em Fellrin, está tão
quente agora. Talvez um dia eu me mude para cá. — Seu sorriso se alarga
quando ela se inclina sobre o bar. — Duas de suas cervejas mais fortes, por
favor. Ele está pagando.
Goldie não está aqui hoje; Whisper não reconhece o barman.
— Duas sidras leves, — Whisper corrige, deslizando sobre algumas
moedas. — E o que está quente agora. Estaremos no canto.
O Drunken Dragon foi praticamente construído para reuniões
clandestinas. Whisper leva Hemlock para uma mesa de canto sob um
candelabro com garras cujas velas vermelhas empoeiradas provavelmente
não são acesas há anos. A cera em ruínas agarra-se ao ferro escuro. A mesa
está limpa, porém, e se eles falarem baixinho, fora do alcance dos outros
clientes.
Uma leve brisa faz cócegas no cabelo de Whisper.
— Tenho dezesseis anos —, diz Hemlock enquanto eles se sentam. — Pai
me deixa beber cerveja.
— Ele deixa você beber em um trabalho? — Whisper pergunta, e recebe
um suspiro em resposta. Os nervos de Whisper doem, um medo que ele não
consegue quantificar. Ele estava certo que ela está aqui em um trabalho. —
Desculpe por perder seu aniversário. Como você tem estado?
— Eu tenho estado ótima. Eu finalmente consegui mexer no sabonete de
Adder e deixar seu cabelo verde. — Ela torce uma mecha de cabelo de seda
preta em torno de seu dedo. — A vingança é doce.
Um servidor para com sua cidra e comida. Whisper empurra seu prato
para Hemlock; ele não pode comer agora, e ela nunca recusou segundos.
— Como você tem passado, afinal? Hemlock empurra sua comida ao redor.
— Você não parecia emocionado em me ver. Estou meio magoada.
Whisper não pode dizer a ela como ele está.
— Você acabou de me surpreender. Este trabalho é um pouco complicado.
Ela ri. — Quão? Você entra, faz o que quer, sai. Fácil como sempre.
Fácil como sempre. Ele já fez isso cinco vezes antes. Exceto por seus outros
trabalhos, era sua pele em jogo, não a de Hemlock.
E ele não se apaixonou por seus alvos.
Whisper terminou seu primeiro trabalho quando ele tinha talvez quatorze
anos. Foi um trabalho fácil. Papai inicia Hounds em trabalhos fáceis,
geralmente quando eles têm cerca de dezesseis anos, para que ele possa dizer
se eles são realmente adequados para o trabalho. Se valem a pena o
investimento, Lily sempre dizia, mas Whisper nunca quis acreditar na leitura
de Lily sobre o pai.
“Você está pronto”, o pai disse a Whisper na manhã em que ele partiu. “Eu
sei que você vai me deixar orgulhoso.”
O alvo era um rico mercador Fellriano chamado Marlow Taffeta, e
Whisper entrou em sua mansão três noites seguidas para aprender seus
hábitos. Na quarta noite, os dedos enluvados de Whisper estavam firmes nas
travas da janela. Um lenço cinza cobria o brilho dourado de seu cabelo; a lua
estava cheia e a luz saía de todas as janelas da mansão.
O escritório pessoal de Marlow estava vazio quando Whisper entrou. Ele
se escondeu em um armário atrás da mesa do homem e esperou até que
Marlow entrasse para fingir trabalhar com uma garrafa de vinho Silaisan.
Então esperou mais uma hora até que um criado entregasse as tinturas
noturnas de Marlow.
Quando o criado saiu, Whisper abriu o armário silenciosamente. Ele
flutuou como uma sombra atrás de Marlow e o agarrou pelos cabelos. Sua
longa faca subiu sob o queixo do homem, atravessou sua mandíbula e subiu
em seu cérebro, matando-o quase instantaneamente.
Whisper pegou o anel de ouro de Marlow por capricho. Só mais tarde ele a
derreteria, a primeira conta de sua pulseira. Ele tinha talvez quatorze anos e
não se sentia culpado, apenas aliviado por não ter falhado. Excitação. Uma
esperança nervosa de que o pai ficaria orgulhoso.
Nada doía até anos depois, e agora, Whisper daria qualquer coisa para
evitar que Hemlock sofresse assim também. Se já não é tarde demais para ela.
Whisper afasta sua cidra intocada e pergunta:
— Por que você está aqui, Hem?
Hemlock pisca para ele, bochechas salientes como um esquilo. Depois que
ela mastiga e engole, não há nenhum sorriso com covinhas em seu rosto.
Apenas um comportamento frio e profissional.
— Eu sou o seu sinal —, diz Hemlock.
Tudo fica em branco. Não há risos no bar, nem cabeças espalhafatosas de
dragão escuro penduradas nas paredes. Apenas o sangue de Whisper
esfriando enquanto Hemlock descreve com naturalidade os parâmetros exatos
de sua ruína.
— Papai me disse para lembrá-lo do prazo —, ela continua.
Se você matá-lo antes do sinal, ou depois de dois dias após o sinal, a missão
será considerada um fracasso.
— Ele também me disse para lembrá-lo do preço.
Se você falhar no trabalho, pagará com a vida de Hemlock.

— O que é muito bobo, honestamente. — Hemlock come a comida e


continua com um pedaço de batata espetado no garfo. — O preço é sempre o
mesmo, mas não é como se isso importasse. Você é o Whisper . Você sempre
termina seus trabalhos.
Dois dias.
Não é tempo suficiente. Whisper não pode arrastar Julien para um local
seguro e caçar o cliente desconhecido em apenas dois dias.
E o pai enviou Hemlock como uma ameaça.
— É apenas o quinto de Raya. — Whisper mal ouve sua própria voz. — O
sinal não deve ser até Briars.
— O cliente mudou o plano, sim. Ele é meio chato. Seja como for, aluguei
um quarto numa estalagem pobre do outro lado da cidade. O Cervo Garruloso.
Encontre-me lá quando terminar, e podemos voltar juntos. Ela franze a testa e
aponta o garfo para ele. — Algo está errado?
— Nada —, diz Whisper, mesmo quando suas costelas se fecham como
garras ao redor de seu coração. — Eu deveria voltar. — Ele precisa de um
momento sozinho. Respirar.
— Opa, quase esqueci. — Hemlock se vira para tirar algo de sua bolsa.
Uma caixa de madeira rasa, com 20 centímetros de comprimento e 10
centímetros de largura. — O cliente quer que você use isso. Não abra o caso
em público.
— Você falou com o cliente?
— Pode ser. — Hemlock empurra a caixa sobre a mesa. — Talvez não.
Você deveria ir.
Whisper fica de pé, com o estômago embrulhado, e pega a caixa. É mais
pesado do que deveria.
— Fique seguro, Hem —, diz ele baixinho.
Ela ergue a caneca de cidra dele na torrada.
— Boa sorte no trabalho.
Apesar de sua tontura, Whisper consegue deixar o Drunken Dragon sem
entrar em colapso. Ele se sente como se estivesse flutuando bem acima da
cidade, preso ao seu corpo apenas por uma corda fina. Sem pensar, ele deriva
para um beco e se derrete nas sombras atrás de uma pilha de barris
quebrados.
Uma brisa fria corre pela nuca de Whisper. Ele se agacha e abre com o
polegar a trava da caixa de madeira. A tampa se abre para revelar uma adaga
embainhada em veludo preto.
A bainha é de couro escuro simples, elegante ao toque, e o punho é envolto
em mais couro. Crossguards mínimos, e a lâmina tem apenas quinze
centímetros de comprimento. Ele vai caber perfeitamente em sua bota ou ao
longo de seu antebraço.
Whisper saca a adaga, e seu estômago cai. A lâmina é pura pedra calcária.
A substância roxa translúcida ondula com iridescência mais profunda.
Fumaça e sombras parecem girar sob a superfície. Whisper nunca viu um
pedaço de pedra tão grande. Exportá-lo de Draskora é mais arriscado do que
qualquer contrabandista comum, mesmo pelo preço exorbitante. Mas o preço
não é o que congela o coração de Whisper.
A chegada de Hemlock destruiu a maioria de seus planos. Esta adaga de
escamas destrói o resto. Whisper não pode completar este trabalho
sutilmente. Sem venenos perfeitos ou acidentes cuidadosamente construídos.
Ele não consegue fazer uma faca de escama parecer causas naturais, e quando
Julien for assassinado e Whisper desaparecer, todos em Silaise saberão a
quem culpar:
O estranho de olhos roxos na cama do príncipe.
Este lugar é uma porra de um barril de pólvora, disse Julien. Uma faísca, e
vai acender.

O whisper é a faísca.
Por isso o cliente o escolheu. É por isso que ele foi forçado a um longo
trabalho, estabelecendo seu rosto na corte. O cliente quer uma guerra entre
Silaise e Draskora. Se Whisper tivesse mais tempo, esse motivo poderia ser
suficiente para levá-lo ao cliente.
Mas ele não tem tempo, e sua escolha está feita. A vida de Hemlock
depende da morte de Julien. Whisper passou a semana passada fantasiando
que poderia salvar os dois, mas agora a fantasia acabou.
Ela tem apenas dezesseis anos. Ela merece uma vida diferente.
Com uma respiração trêmula, Whisper desliza a adaga em sua bota. Ele
chuta a mala sob a pilha de caixotes e emerge das sombras. Seu retorno ao
castelo não demora tanto quanto ele gostaria.

CAPÍTULO VINTE E DOIS

JULIEN

A sala de treinamento fica em silêncio quando Julien entra. Não é muito


usada nesta época do ano; a guarda do castelo treina do lado de fora quando o
tempo está bom. O salão é mais longo de leste a oeste, com alvos acolchoados
na parede oeste. Velhas marcas de queimadura cercam um deles da magia de
fogo de um soldado. Todas as armas reais estão guardadas no arsenal, mas
uma prateleira de espadas de treino está pendurada na parede leste.
Ao lado das espadas de treino há um banco de madeira, onde Will cai com
os cotovelos nos joelhos e a cabeça baixa. Seu longo casaco meia-noite está
pendurado no banco ao lado dele, e ele parece mais magro do que o habitual
em uma camisa de algodão creme que Julien fez para ele. Toda a luz que sai
das janelas altas parece patinar ao redor dele, deixando-o nas sombras. Seu
cabelo se agita levemente com o fio de ar que Julien deixou para observá-lo.
Julien para na porta, sentindo-se um intruso em seu próprio castelo.
Talvez seja a quietude incomum da sala. Não há plantas para ressoar com sua
magia Sandry.
— Seus guardas estão no pátio? — Will pergunta.
— Você é pior que Nadine às vezes. Sim. — Julien se aproxima. — O que
está acontecendo? Você queria me desafiar no tiro com arco? Eu sou melhor
com uma espada, se você entende o que quero dizer.
Will ergue os olhos, mas não para Julien. Ele olha além dele, em direção
aos alvos maltratados.
— O jantar não acabou. Eu disse a Vitus para lhe dizer que não era
urgente.
— Ele disse que você queria falar comigo —, diz Julien. — Se você não
esperava que eu corresse para o seu lado, você não me conhece muito bem. É
sobre sua irmã?
A cabeça de Will abaixa novamente, e algo aperta o coração de Julien.
Agachado na frente de Will, Julien toca as costas de suas mãos entrelaçadas.
Tentativamente, então os coloca entre as palmas das mãos quando Will não
recua.
— Ei, gatinho. O que há de errado?
— Apenas um pesadelo, — Will diz, suave como as sombras da noite. —
Não consigo acordar disso.
Julien exala. Aperta as mãos em torno das de Will.
— Diga-me?
Will balança a cabeça levemente. Seus olhos arregalados passam dos de
Julien para os lábios, depois para a sala ao redor deles. Seus lábios novamente.
Quando eles se encontram em um beijo, é com uma facilidade ruinosa. Will
abre os lábios de Julien, e Julien esquece tudo no mundo. A doçura se aguça em
uma borda de dentes. Will agarra o cabelo de Julien com um desespero
contagiante, bombeando calor pelo sangue de Julien. O ar zumbe entre eles.
Julien nunca jogou duro para conseguir, mas ele ainda está surpreso com o
quão fácil ele é para Will.
Ele se levanta, trazendo Will com ele, e chuta o banco. Quando ele sai do
caminho, Julien empurra Will contra a parede. A poeira cai em volta deles, mas
tudo o que Julien respira é o cheiro da pele de Will.
Will se arqueia contra ele, e os beijos de Julien descem pela coluna
graciosa de sua garganta.
— Deixe marcas, — Will ofega. — Quebre minha pele. Eu não me importo
com quem vê as contusões.
— Porra. — Julien geme contra sua garganta, e quando seus dentes
afundam na junção do ombro de Will, o gemido fraco de Will dispara direto
para seu pênis.
— Mais forte, — Will insiste, então os dentes de Julien cravam. Ele quer
possuir cada parte de Will. Ele quer mantê-lo, protegê-lo, aprender cada som
de que é capaz, descobrir cada luz e sombra em seus olhos.
A perna de Will se enrosca em sua coxa, puxando-o para mais perto com
uma fricção inebriante. Perseguindo mais daqueles sons doces, Julien suga
uma nova contusão na pele de Will enquanto puxa a camisa de Will do cinto. A
pele nua por baixo está muito quente.
Outra mordida, outro engasgo na respiração de Will, e Julien rosna
embaixo da orelha de Will:
— Coloque suas mãos contra a parede e mantenha-as lá enquanto eu
chupo seu pau.
Pela primeira vez, Will não pula para obedecer. Suas mãos ficam tensas
nos ombros de Julien.
— Você pode apenas me foder? — ele implora, doce e desesperado. — Por
favor. Eu preciso sentir você.
— Tão ansioso? — Julien toma outro gole dos lábios de Will. — Mas, a
menos que você tenha planejado com antecedência, não temos nenhum
bálsamo.
— Eu não me importo, — Will diz, esfarrapado. — Cuspe em seu pau.
Leve-me a seco. Eu não me importo. Suas mãos deslizam dos ombros de Julien
para o peito, e a tensão ecoa por ele. — Foda-me com tanta força que eu
sentirei isso pelo resto da minha vida.
— Foda-se —, Julien jura novamente, e as imagens acaloradas que Will
evoca são quase o suficiente para seduzir Julien a concordar com isso.
Torcendo a mão no cabelo de Will mais apertado, ele engole avidamente o
próximo gemido dos lábios de Will. Ele se abaixa para tatear sob o cinto de
Will.
Onde Will está completamente macio em suas calças.
Uma sensação de erro faz Julien parar em seu caminho. Ele solta o cabelo
de Will e se apoia contra a parede, lutando para pensar.
— Você não está gostando disso.
Will se encolhe, então toca a bochecha de Julien.
— Por favor, não pare.
Ele é incrivelmente atraente assim. O pôr do sol enche a sala com luz
dourada e rosa, e a pele perfeita de Will está corada pelo esforço. Seus lábios
vermelhos beijados e cabelos desgrenhados são um retrato do desejo.
Contusões de aquarela pintam seu pescoço, as marcas que ele implorou, e as
marcas dos dentes de Julien ainda são visíveis onde seu colarinho está aberto.
Cada rachadura em sua fachada perfeita foi colocada ali pelo toque de Julien, e
é tudo o que Julien pode fazer para resistir a terminar o trabalho.
Então resistir é fácil, porque enquanto o silêncio esfria entre eles, os olhos
de Will começam a ficar vermelhos. Com a voz firme e nasalada, ele diz
novamente:
— Não pare.
Mas Julien tem que parar. Will está prestes a chorar, e algo está muito,
muito errado.
— Eu não estou fodendo você quando você não quer —, diz Julien, com
mais força do que pretendia.
— Isso não é... — Will treme, seus olhos arregalados. — Eu sinto muito.
Quero isso. Eu sinto muito.
Contusões. Dor. Marcas.
Evidência.
Eu queria as marcas. A prova de que meu fracasso havia acontecido. A prova
de que o castigo tinha acontecido.

— Will, — Julien diz, esperando que ele não esteja certo sobre o que quer
que esteja dentro da cabeça de Will. — Não sei do que se trata, mas não vou
puni-lo assim.
Mas pelo jeito que Will se encolhe, Julien tem razão. Libertando-se do
aperto frouxo de Will, ele se afasta.
— Sinto muito, — Will diz novamente. — Isso não é justo da minha parte.
— Ele se inclina, as mãos apoiadas nos joelhos. — Você pode ficar? Eu quero
explicar. Eu só preciso de um minuto.
— Posso te dar todo o tempo do mundo —, diz Julien.
Will ri fracamente.
— Gostaria disso. Você pode pegar meu casaco? Acho que está embaixo do
banco.
Julien resiste à vontade de tocar Will novamente antes que ele se volte.
Ambos precisam de espaço agora. Ele se abaixa para pegar o casaco de Will, os
bolsos mais pesados do que esperava, e se endireita. A sala está totalmente
silenciosa, sem um sopro de movimento. Se não fosse pelo fio de ar que ele
prendeu a Will mais cedo, ele nunca ouviria Will andando em direção a ele.
Julien se maravilha, com uma espécie de alarme distante, com o silêncio de
Will.
Um momento depois, uma ponta fria beija sua garganta.
Julien congela em descrença, mesmo quando sua magia surge sob sua pele
e se espalha no ar ao seu redor. A poeira rodopia e gira como se carregada
pelas correntes de seu choque, mágoa e raiva. Mais dolorosa do que a lâmina é
a voz familiar quebrando o silêncio.
— Isso também não é justo comigo, — seu amante diz. — Mas meu nome
verdadeiro é Whisper.

CAPÍTULO VINTE E TRÊS

WHISPER

É uma confissão egoísta, querer que Julien o conheça. Todo mundo merece
ser conhecido no final, e com certeza esse é o fim de Whisper também.
Qualquer que seja a parte fraturada dele que sobreviva a este trabalho,
Whisper não sabe se ainda será ele .
Sua ligeira hesitação não deveria importar. Apenas uma fração de segundo
antes de ele torcer a lâmina.
Mas no momento em que Whisper diz seu próprio nome, a pressão fria o
faz recuar. Sua força não é nada contra o vendaval que o consome,
arremessando-o como uma boneca de pano pela sala estreita. Ele bate contra
a parede com tanta força que sua visão escurece, e toda a respiração sai de
seus pulmões.
Isto é mágico. A magia de Julien. E Whisper não sabia nada sobre isso.
Cabeça tocando, ele tenta se concentrar em Julien. Em qualquer coisa. Um
vento raivoso enche a sala, transformando a poeira em redemoinhos e
arrastando os bancos pelo chão. Espadas de treino chocalham de suas
prateleiras, e alguém grita e bate na porta, incapaz de abri-la para o vendaval.
Julien é o único ponto de imobilidade na tempestade, e seu rosto carece de
toda expressão. Sua voz sozinha é clara através do vento gritante:
— É isso que você queria explicar?
Não há nada para explicar, porque Whisper é oco por dentro. Uma concha
vazia de sombras e facas.
Ele falhou. Ele perdeu Hemlock e Julien também.
— Para quem você está trabalhando? — Julien exige, aproximando-se
através da tempestade. — Mika de novo? Langley? Esse era seu plano o tempo
todo?
Whisper fecha os olhos em uma covardia entorpecida, mas isso não pode
protegê-lo da risada quebrada de Julien.
— Alguma coisa era real?
O ar permanece incrivelmente sólido ao redor de Whisper. A magia o
prende com tanta força na parede que ele luta para respirar, e muito alto, seus
dedos dos pés mal arranham o chão. Com cada respiração superficial, ele
espera que Julien esteja prestes a matá-lo.
Julien para muito perto, perto o suficiente para que Whisper pudesse
terminar o trabalho se pudesse se mover. Mas a magia desconhecida de Julien
é poderosa demais.
— Um punhal de escamas. — Julien toca a parte interna do pulso de
Whisper com uma ternura agonizante. — Isso é um pouco no nariz, não é?
Whisper não tinha notado que seu aperto ainda estava rígido na adaga.
Sua mão dói, como todo o resto. O mais doloroso de tudo: sua traiçoeira
sensação de alívio. Julien está vivo e, apesar de tudo, Whisper está
desesperado por esse toque como prova disso.
— Isso não é mágica de Sandry —, diz ele inanely.
— Ninguém gosta de admitir —, diz Julien, — mas sou filho do meu pai.
Magia de Rue. Ele está escondendo a magia de Rue.
Respirar é difícil, e é mais do que apenas a pressão da magia de Julien.
— Isso faz de nós dois, — Whisper diz suavemente. — Eles disseram que
você é o mais fraco de seus irmãos. Mas eu nunca tive uma chance, não é?
O sorriso de Julien é brutal.
— Eu sou o mais fraco. Meus irmãos são tão bons assim.
Silêncio ruge nos ouvidos de Whisper enquanto a tempestade no resto da
sala cai, deixando apenas a pressão prendendo Whisper na parede. A porta
maltratada se abre e os guardas entram. As bestas estalam, e as lâminas de
água de Rosin brilham no alto, prontas para atacar.
Nadine não perde o ritmo, estalando:
— Afaste-se, Alteza!
Sempre difícil, Julien não recua. Suas pontas dos dedos permanecem
suaves contra o pulso de Whisper.
— Whisper — diz Julien, como se estivesse testando, e o nome soa doce
demais em seus lábios. — Quem te mandou?
Whisper já falou demais. Ele falhou e não pode fazer nada disso direito,
mas certamente pode piorar se continuar falando.
Julien arranca a adaga de sua mão e se afasta.
— Procure por armas e pílulas suicidas e leve-o para a masmorra. Não
quero que o machuque antes de arrancarmos dele o que precisamos. Vito,
comigo. Estamos fazendo um locking down.
Ele não olha para Whisper novamente enquanto sai da sala. Quando suas
costas altas desaparecem no corredor, a magia Rue afrouxa do corpo de
Whisper. Ele cai nos guardas de juramento que o retêm. Atordoado demais
para reconhecer qualquer um deles, ele não resiste enquanto eles amarram
seus braços atrás das costas e forçam uma coleira nula em volta do pescoço. Se
ele tivesse alguma magia, o colar a cortaria.
A dormência o atravessa em ondas. Ele não luta contra as mãos ásperas
procurando por armas ou os dedos ásperos empurrando entre seus lábios. A
pele azeda enche sua boca enquanto alguém procura sob sua língua e ao redor
de seus dentes por cápsulas suicidas. Não há nenhum. O pai não espera que
seus Hounds falhem.
— O que é isto? — Nadine pergunta, e Whisper volta para o presente
enquanto ela segura a pulseira dele.
Ele não tinha notado ela cortando o cordão de seu pulso. Sua garganta está
muito fria e pesada para responder, mesmo que ele quisesse; tudo o que ele
pode fazer é olhar inexpressivamente enquanto ela o entrega a outro guarda
juramentado. Agora que Julien saiu da sala, tudo dói menos. Ele está apenas
vazio e entorpecido. A única sensação real que resta é a pontada dolorida na
junção de seu pescoço e ombro, onde os dentes de Julien cravaram em sua
pele.
As perguntas e comandos de Nadine flutuam indecifráveis em sua mente
nebulosa. Ele se move quando é empurrado para frente, mal registrando as
diferenças de luz enquanto eles se movem da sala de treinamento, através de
um pátio, para o castelo propriamente dito. Náusea cresce através dele, mais
intensa do que antes, e sua respiração superficial não é suficiente para encher
seus pulmões. Como se a magia de Julien ainda o prendesse na parede.
Vozes se erguem ao redor deles. Esta ala do castelo não está vazia, mas
Whisper não consegue reunir forças para olhar para cima e ver quem o está
observando. Em seguida, uma voz familiar atravessa seu desespero com
urgência afiada.
Levante o queixo, rapaz.

O cliente está em Greenhaven.


Whisper tenta dizer algo. Ele precisa avisar Nadine. Julien. Mas tudo o que
ele consegue é um suspiro ofegante. Joelhos dobrados e estômago torcido,
Whisper cai nas mãos dos guardas e percebe que algo está errado com ele.
Isso é mais do que choque e desespero imobilizador, mais do que seu
colapso mental completo.
Ele foi envenenado.

CAPÍTULO VINTE E QUATRO

JULIEN

Confie apenas em seus irmãos.


Julien aprendeu essa lição aos onze anos, quando Bellamy foi sequestrado.
Ele aprendeu de novo aos quatorze anos, quando o primeiro garoto que ele
beijou tentou pressioná-lo para obter informações sobre os planos de sua mãe
para a reforma comercial. O interrogatório cortês do garoto Dardenay foi tão
desajeitado quanto seus beijos. Aos dezesseis anos, a primeira vez que alguém
tentou matar Audric.
Até suas mães têm suas próprias agendas.
Mas Julien trocou essa lição por um par de lindos olhos roxos. Por um ardil
de bondade. Por momento após momento sem fôlego que parecia tão
fodidamente real. Apesar de sua postura de manter seus inimigos por perto,
as investigações que ele ordenou para justificar seus desejos, no final, Julien
estava apenas fingindo que seus olhos estavam abertos enquanto se entregava
a uma fantasia estúpida de ser amado.
Os saltos das botas ecoam pelos corredores, Julien se agarra à dor furiosa
da traição. A lâmina de escamação é pesada em sua mão, uma pedra de amolar
para afiar seus nervos. Se ele se lembrar da ponta fria contra sua garganta,
talvez ele possa esquecer os olhos avermelhados de Will... Whisper.
Os hematomas cruéis que o assassino implorou.
— Príncipe Julien! Porra! Aí está você. — Lucien corre de um corredor
lateral, suas longas pernas permitindo que ele facilmente alcance Julien e seus
jurados. — Nadine me disse para escoltá-la até seus aposentos.
— Isso não está acontecendo, porra. — Julien alonga o passo.
— Eu percebi isso, obrigado. Apenas diga a ela que tentei quando ela vier
me estripar mais tarde. O habitual sorriso tranquilizador de Lucien não ajuda
em nada Julien agora.
— Onde estamos indo?
Julien desce o último corredor silencioso. Apenas uma única tocha brilha
nas proximidades, e a escuridão envolve o resto do salão.
— Os aposentos de Willl, Whisper. Ninguém vê os fellcats há horas.
— Ah, foda-se. — Lucien estala os dedos e as outras tochas piscam em
chamas uma a uma. Faíscas dançam em seus olhos, refletindo no ruivo
dourado de seu cabelo. — Em nome de Nadine, estou lhe dizendo para deixar
eu ou Vitus irmos primeiro.
— Anotado
Diz Julien, e para na porta. As pontas de seus dedos pairam sobre o trinco.
Concentrando-se, ele alimenta sua consciência no ar novamente.
Há calor dentro. Duas figuras imóveis no centro da sala. Descansando ou
esperando? Agarrando a adaga com força, Julien respira fundo e chama sua
magia para a superfície de sua pele. Salta facilmente ao seu comando. Ou a
pedra de escamas o amplifica, ou o último de sua auto-restrição se
despedaçou.
A trava não está travada. Julien abre a porta para encontrar uma sala
totalmente iluminada, Fisk e Rumi estão esparramados no chão, imóveis.
— Segurem suas armas, — Julien grita para os homens e mulheres atrás
dele. Adaga caindo no chão e a magia se dissipando de seu controle, ele cai de
joelhos ao lado da cabeça de Rumi. A mão dele afunda no pelo dela, como você
testa o pulso de um gato? O que diabos ele está procurando?
Ele coloca a palma da mão sobre o nariz dela, e seus olhos ardem de alívio
com o calor constante de sua respiração.
— Ela está viva.
Lucien se levanta de Fisk.
— Este também está vivo.
— Alguém chame o Curandeiro Dury —, Julien ordena, mantendo a mão
no peito de Rumi, sentindo a respiração constante dela subir e descer. A
suspeita cresce dentro de Julien, e ele sabe com absoluta certeza que Whisper
não fez isso. Outra pessoa está envolvida.
Whisper poderia machucar Julien, mas ele nunca machucaria Fisk e Rumi.
Dury chega poucos minutos depois, Nadine em seus calcanhares.
Ajoelhando-se ao lado de Fisk, ele pergunta:
— Você sabe que trabalho com pacientes humanos, certo, Alteza?
— Você pode dizer o que há de errado com eles?
— Vou tentar. — Dury toca o ombro de Fisk e fecha os olhos. — Me dê
alguns minutos.
Julien pega a adaga e se move para o sofá, onde apenas um mês atrás, ele
traçou as bordas das bandagens de Will, Whisper. Onde ele se sentou para ver
o alfaiate tirar as medidas de Whisper, pouco antes de oferecer a Whisper uma
rota de fuga. Porque Julien era um idiota apaixonado, preocupado em tirar
vantagem de seu assassino. O pânico de Whisper com a oferta foi apenas
porque ele precisava da oportunidade de matar Julien?
Seria sua timidez um ato, fingido para atrair Julien para mais perto? Para
deixá-lo louco e imprudente com luxúria? A forma como suas orelhas ficaram
vermelhas quando Julien beijou sua mão, isso também era falso? Mas só um
idiota planejaria seduzir Julien jogando duro para conseguir. Ele nunca foi
levado a perseguir um homem antes de Whisper.
E por que esperar por hoje, quando Julien já lhe deu tantas chances?
Outro momento passa pela mente de Julien. Whisper implorando por dor,
para Julien machucá-lo. Foda-me com tanta força que eu sinto isso pelo resto da
minha vida.
Nadine coloca algo na mesa na frente dele. Uma espiral frouxa de couro
fino e um cordão de couro amarrado em volta de contas que não combinavam.
Ouro. Esmeralda. Prata. Ferro. Latão. Rubi. Julien leva um momento para
juntar a forma.
— Esta pulseira estava sob o couro que Will sempre usava em seu pulso
—, diz Nadine. — Significa alguma coisa para você?
— Não. — Julien apoia as pontas dos dedos na mesa, sem tocar a
esmeralda. Há muito sobre Whisper que ele ainda não entende. Quanto mais o
choque diminui, mais ele quer respostas. — Relate, capitão.
— Will está seguro na masmorra. Deixei Rosin no comando. Os soldados
de Lucien terminaram de trancar o castelo. Se alguém tentar sair, saberemos.
— Ela franze a testa.
— Não fomos capazes de reprimir as informações, e as notícias de que
você foi atacado estão começando a se espalhar. Os cortesãos estão ficando
preocupados em ficar confinados aos aposentos.
— Fodam-se eles —, diz Julien calmamente. — Will... quero dizer, Whisper
disse alguma coisa?
— Não, — ela diz. — Whisper?
— Ele me disse seu nome antes de tentar cortar minha garganta.
— Nome esquisito. — Lucien se inclina contra o braço do sofá. Ele parece
solene e mais jovem do que o habitual. — Um codinome, talvez? Pegue-me.
Isso era uma coisa pessoal, no impulso do momento? Ou planejado?
Lucien está certo. É um nome estranho. Mas Julien já ouviu esse tipo de
nome antes.
— Alguém o enviou. — Os pensamentos caóticos e rodopiantes de Julien
finalmente encontram uma âncora. — Ele disse eles, antes de parar de falar.
— Alguém —, Lucien repete. — Deixe-me pensar. Quem em Alantha tem
rancor contra Silaise, o suprimento de escamas de todo o continente e
milhares de pessoas de olhos roxos que querem matá-lo?
Isso de novo. Julien esfrega a têmpora.
— Os Draskorans menos sutis da história.
— Draskorans nunca são sutis —, diz Lucien, exasperado. — Eles montam
dragões!
— Vossa Alteza, — Nadine diz. — Sinto muito, mas você não pode ainda
pensar que isso é um ardil.
— Não sei —, diz Julien. — Vou descobrir, mas ainda não sei. E até que eu
saiba exatamente o que está acontecendo, nenhuma pessoa, cavalo ou pássaro
mensageiro está deixando este castelo, entendeu?
— Quero dizer, se isso me impedir de visitar aquele senhor da guerra da
fronteira —, Lucien murmura.
Dury tosse do outro lado da sala.
— Vossa Alteza, os fellcats foram medicados com melloweed. Não acho
que seja uma dose tóxica. Eles devem acordar em uma hora. Ou dois? Eu
realmente não trabalho com fellcats.
— Obrigado, Dury —, diz Julien. —Vito? Mande alguém chamar a
cozinheira-chefe Sybil. Ela é boa com os gatos, e alguém deveria estar aqui
quando eles acordarem.
— Sim sua Majestade.
Julien esfrega a têmpora novamente.
— Tem alguma coisa estranha nisso.
— Eu sei —, diz Dury, jogando o cabelo sobre o ombro enquanto se
levanta. — Por que ele não usou charrow? É mais eficaz, e dei-lhe um pouco
esta tarde.
— Porque ele não fez —, diz Julien. — Ele nunca machucaria Fisk ou Rumi.
Alguém os drogou.
Nadine aponta para a adaga na mão de Julien.
— Ele tentou te matar. Se há uma linha que ele não cruza, não a
encontramos.
— Ele não iria machucá-los —, repete Julien, e outra certeza cresce em seu
coração.
— Ele também não queria me machucar.
Os lábios de Nadine se abrem várias vezes antes que ela consiga dizer:
— Com todo o respeito, Sua Alteza, você é louco.
Levantando a adaga, Julien a segura contra a luz. O material parece se
mover sob a superfície, chamando sua magia.
— Você não estava lá. Você não o viu.
Passos soam pelo corredor. Todos ficam atentos, prontos para a ação, até
que Rosin aparece na porta. Sua pele escura brilhante com suor nervoso, ela
ofega.
— Will está agindo doente, e não podemos dizer o que está errado. Não
conseguimos tirar nada dele.
O pânico corta Julien, e ele se levanta de um salto.
— Deixe um esquadrão com os companheiros —, ele ordena, caminhando
para a porta. — Lucien, procure o outro culpado no castelo. Dury, Nadine,
comigo.
Talvez Nadine esteja certo, ele é louco. Porque uma coisa não mudou.
Quem quer que seja o Whisper, o que quer que ele tenha feito, Julien se recusa
a vê-lo ferido novamente.

CAPÍTULO VINTE E CINCO

WHISPER

A consciência desliza como água entre os dedos desajeitados de Whisper.


Ignorar perguntas é fácil quando cada voz não passa de um eco distante. Por
que ele está tentando ficar acordado, afinal?
Eles o jogam em um quarto escuro. Ele fecha os olhos.
Ele abre os olhos, e o quarto está muito claro. Barras de ferro refletindo a
luz da tocha. Paredes de barro. Ele não consegue mexer os braços.
O riso rompe sua respiração superficial, e seus olhos se fecham
novamente. Não haverá resgate arrojado desta vez. Nenhum príncipe glorioso
cavalgando em seu auxílio. Melhor assim. Whisper nunca mereceu resgate. A
gola nula roça os hematomas em seu pescoço.
Ele deveria ter adormecido agora se este é o veneno que ele pensa que é.
Mas a consciência provoca as bordas de sua visão. A fronteira entre a visão e o
sonho. Ele vê o que é real; terra, pedra e ferro e o que não é: Julien entrando
correndo na cela, passando pelos guardas e se ajoelhando na frente dele.
A alucinação é tão vívida. O subconsciente de Whisper capta perfeitamente
o timbre de pânico da voz de Julien. O calor sedutor de sua proximidade.
— Eu disse para não machucá-lo —, Julien estala por cima do ombro.
— Nós não —, diz Rosin, soando tão em pânico. — Não sei o que
aconteceu.
Calor abrasador contra sua mão. Seu rosto. A pele de Whisper ganha vida
sob o toque de Julien.
— Ele está com muito frio.
Whisper se inclina para o toque, mas mesmo em seu torpor meio
sonhador, ele sabe que não pode ter isso.
— Saia —, diz ele, as palavras afiadas em sua garganta. — Eu ouvi o
cliente…
Os dedos de Julien ficam tensos em sua bochecha. Sua voz fica baixa e
perigosa.
— Você não consegue escapar de mim tão facilmente. — Sua mão cai.
Movimento.
—Dury!
Whisper não consegue evitar um gemido patético quando Julien se afasta.
Seus olhos se fecham, e ele não luta enquanto as pontas dos dedos de Dury
descansam em suas têmporas. Ele é muito fraco, e seus segredos importam
cada vez menos a cada momento nauseante.
A magia de Dury não é nada parecida com a do pai. É uma cócega quase
imperceptível onde as pontas dos dedos encontram a pele, ainda mais leve
que o peso do olhar de Julien na garganta de Whisper.
Nada muda. O frio ainda estremece os membros de Whisper. Seu peito
ainda está pesado demais para mais do que uma respiração superficial.
— Eu não posso dizer o que está errado. — Os dedos de Dury caem. — São
sintomas de envenenamento, mas não há veneno em seu corpo. E ele está
estável. Ele deveria estar piorando, mas está estável.
— Procure magia de sangue, — Julien diz, frio.
— Eu procurei por isso, é claro. Sua Alteza.
— Olhe novamente.
— Sim, sua Majestade. — Sem dedos desta vez. Apenas uma cócega
estranha, não desagradável, que Whisper mal sente por causa de sua tontura.
Dury xinga baixinho.
— É um feitiço antigo. Pelo menos dez anos. É praticamente parte dele.
— Você pode quebrá-lo?
Uma longa pausa.
— Não posso. Vossa Alteza, você não parece surpreso.
A conversa fica turva. Mãos o empurram e o puxam, uniformes pretos dos
guardas juramentados obscurecendo sua visão. Whisper deve explicar melhor.
Diga a Julien que o cliente está aqui, em Greenhaven. O homem que quer matá-
lo. Mas a vida de Hemlock... a barganha não mudou.
O desamparo o atravessa, mais incapacitante do que o veneno ou as
amarras. Então seus braços estão soltos. Whisper não luta quando alguém o
apoia contra a parede de terra, não se move quando o guarda recua, deixando-
o intocado. A terra compactada está fria em seu cabelo.
A terra em ruínas cai sobre seus ombros, e algo toca seu braço. Corda
áspera desliza contra sua pele. Whisper sibila em uma respiração superficial,
conseguindo virar a cabeça para observar as raízes vivas rastejando da parede
de terra.
Erguendo o olhar, ele encontra Julien parado na porta. Contra a luz do
corredor mais claro, Whisper não consegue ler sua expressão enquanto as
raízes se enrolam em seus braços e o prendem à parede. Apertando, mas não
muito apertado. Um abraço perfeito e personalizado em torno de seus braços.
Ele não pode se mover, mas a presença de Julien está lá.
— Julien, — Whisper diz com a voz rouca, e todos ficam em silêncio. Ele
luta por suas próximas palavras. — Encontre o cliente. Ele está no castelo.
Se Julien diz algo em troca, Whisper não ouve. A escuridão vertiginosa o
leva para baixo.

***

Um baque do lado de fora traz Whisper de volta à consciência. Ele não tem
ideia de quanto tempo se passou; não há mudança na iluminação subterrânea.
Com seus sintomas, ele não deveria ter acordado, mas sua tontura diminuiu e
sua respiração está mais fácil. Whisper tenta mover as pernas, e eles
cooperam. Seus dedos se contorcem quando ele manda.
As amarras vivas de Julien ainda o seguram contra a parede, uma teia
confortável e inescapável prendendo seus braços como asas caídas.
Deveria haver um guarda postado do lado de fora da cela, mas não há.
Apenas... ali, logo após a borda da parede da cela. Um pé calçado, imóvel no
chão.
Whisper fica tenso até que uma pequena figura aparece no salão bem
iluminado.
— Hemlock —, ele sibila. — Você não deveria estar aqui.
Hemlock destranca a porta da cela. Todos os seus movimentos são
silenciosos, muito mais silenciosos do que Whisper se lembra dela estar no
Canil, mas ela não se incomoda em manter a voz baixa.
— Você é quem não deveria estar aqui. Ficando desleixado na velhice,
Whisper.
Todos os guardas ao alcance da voz devem estar mortos ou inconscientes.
Provavelmente inconsciente. Whisper fica quieto de qualquer maneira, cada
palavra um esforço que ele mal pode pagar.
— Você precisa sair. Vá para Draskora. Encontre alguém que possa acabar
com a maldição da filactéria de Barnaby. Se você for rápido…
— O que você está falando? — Hemlock se inclina sobre ele, com as mãos
nos joelhos. — Oh, certo. Sua barganha boba com papai.
Suas palavras levam um momento para filtrar através de sua mente. Então
eles pousam como facas.
— Você sabia?
— Meu Pai me contou naquele mesmo dia, é claro. — Hemlock se
endireita, seu habitual sorriso com covinhas em nenhum lugar à vista. —
Trocando sua liberdade pela minha. Não é assim que as dádivas funcionam,
Whisper. Qualquer coisa em seu poder para dar, mas quem disse que minha
aposentadoria era dele para dar? Quem diabos disse que eu queria ir embora?
O coração de Whisper para.
— Ele concordou.
— E você acreditou nele. Você é incrível, Whisper. Você realmente pensou
que ele me trocaria por um coração ferido como você? Eu sou a melhor dele.
Whisper estremece.
— Acho que ele diz isso para todos nós.
— Ele disse que você era o favorito dele também? — Hemlock acena com o
dedo.
— Bem, ele fala sério comigo. Ele sabia que você estava ficando mole. Você
não tem sido o mesmo desde sua última missão, mas papai achou que ainda
tinha mais um bom trabalho.
— Hem, — Whisper respira.
Ela nunca soou assim antes. Aquela ponta maníaca que ele achava que era
nervosismo, medo, uma alma brilhante esvoaçando contra as barras de
navalha de sua jaula; isso é tudo que ela é agora.
Mas uma coisa não mudou. Ela fala demais quando está nervosa. Whisper
acha que isso é real. Ela está se preparando para algo.
— E você acreditou em mim. Hemlock ri. — Eu só queria bajular você, para
que os outros não me incomodassem. Eles tinham medo de você, sabe? Eu
nunca esperei que você fosse tão fácil. Tão desesperado por uma irmãzinha.
Whisper fica tenso contra as raízes de ligação, a única coisa que o ancora.
Ele é grato por eles agora. Estar preso agora pode matá-lo, mas pelo menos ele
tem um resquício distante do toque de Julien.
Outra agonia ondula através dele.
— Eu ia matar Julien por você.
— Devo ficar impressionada? — Exige Hemlok. — Isso é o que fazemos.
Embora você não tenha se esforçado muito desta vez, não é? Vou ter que
limpar a bagunça agora.
Só há uma maneira de os Hounds do Canil limparem a bagunça.
Whisper tenta se concentrar. Tenta pensar em qualquer coisa, menos em
sua mágoa. O fato de ele ter tentado matar Julien por uma mentira. Porque se
ele quiser compensar isso, ele precisa sobreviver nos próximos momentos. O
veneno está desaparecendo, mas ele ainda está fraco demais para enfrentar
Hemlock.
— O que você fez comigo, Hem? Whisper diz, puxando as pernas para cima
na cama. Uma distração visual enquanto ele tenta soltar as raízes em torno de
seus braços. Sem sorte nisso. — Não é assim que a cicuta funciona.
— Envenenei seu filactério —, ela responde imediatamente, com uma
pitada de orgulho presunçoso. Assim como ela soou quando ela acertou um
alvo na sala de treinamento.
— Ah, não olhe para mim assim. Eu não sou estúpida o suficiente para
trazer o filactério comigo.
— Você deixou na pousada?
— Não, é com... ei! — Ela aponta para ele, dando um passo para trás. —
Você está tentando me atrasar.
Valeu a tentativa.
Hemlock pega seu rabo de cavalo solto.
— Acredite ou não, papai me enviou como um favor para você. Eu vou
fazer isso rápido. Suas outras opções não são rápidas.
Whisper cai para trás contra a parede, fingindo fraqueza. Talvez se ela não
perceber que o veneno já passou...
— Hem, você realmente quer ficar sob o controle do pai?
— Pai não me controla. — O cabelo de Hemlock cai em uma cortina de
seda preta em volta dos ombros. Em suas mãos brilha um garrote de arame,
tão fino e mortal quanto seu sorriso.
— Ele não me conhece melhor do que você, e eu nunca fui um cachorrinho
de colo como você. Agora, sente-se quieto.
Hemlock se lança para a frente, e Whisper chuta para cima e para fora. Ela
se ajusta com elegância viciosa e bate o joelho na cama, tão forte que a cama
range.
A dor sobe pela perna de Whisper, mas ele não pode se dar ao luxo de
senti-la agora, então ele escolhe não sentir. Ele se contorce na agonia adiada,
quase deslocando os ombros em um esforço para manter as mãos dela longe
de sua garganta.
Hemlock está em silêncio agora. Chega de falar com os nervos que ela
nunca vai admitir. O cotovelo dela atinge o esterno dele, e o punho dela torce o
colarinho dele. Puxa-o para frente, mas antes que ela possa empurrar seu
crânio contra a parede compactada, ele chuta com o joelho latejante, batendo
em seu quadril.
A cama sai ruidosamente debaixo deles, empurrando seus braços contra
as raízes novamente. Ele recebe uma bota debaixo dele. Hemlock cai sobre um
joelho e uma mão, mas antes que ela possa rolar para longe, Whisper prende o
laço do garrote sob seu calcanhar.
Passos ressoam nos corredores do lado de fora. Alguém finalmente
percebeu que algo está errado.
Hemlock libera o garrote. O sangue forma um arco no ar, seguindo sua
mão enquanto ela se fecha em um punho e golpeia o pescoço de Whisper.
Whisper se esquiva por instinto, e o golpe entorpece seu ombro em vez de
sua garganta. Então ele se lembra de que esquivar não deveria ser possível,
mas as raízes de ligação se soltam e deslizam para longe de seus braços.
Whisper não tem tempo para se perguntar por quê. Aproveitando sua nova
liberdade e o choque de Hemlock, ele a empurra sobre a cama caída. Ela
cambaleia para trás, desequilibrada, e cai sobre ele.
Com o coração batendo na garganta, Whisper tenta agarrar a alça do
garrote e se joga na direção da porta da cela. Mas uma sensação apurada de
desastre o detém no limiar.
Hemlock não está atrás dele. Ela não se moveu de onde caiu no chão,
membros tortos e cabelos escuros espalhados para esconder seu rosto.
Ela não se moveu. Whisper está muito tonto para saber se ela está
respirando.
Joelhos dobrados, a adrenalina o deixa com pressa. Whisper cambaleando,
caindo;
Em um par de braços fortes e um cheiro familiar e reconfortante.

CAPÍTULO VINTE E SEIS

JULIEN

Por um momento, Whisper descansa contra o peito de Julien, seus


corações ecoando as batidas em staccato um do outro. Os braços de Julien o
envolvem por instinto, e cada pensamento giratório se desfaz em um
momento que é absolutamente correto. Como se nada tivesse mudado nas
últimas vinte e quatro horas.
Então o resto do mundo os alcança e os coloca em movimento novamente.
Nadine e Rosin passam correndo por Julien em direção à pequena figura
esparramada no centro da cela. Alguém grita que outro guarda foi encontrado
inconsciente na sala de descanso. E Will, Whisper engasga com um soluço e se
joga para a frente.
— Ela está respirando? Ela está respirando?
Julien o retém. Ele nunca ouviu tanto pânico na voz de Whisper.
— Nadine está checando, — ele diz no cabelo de Whisper. — Fique
comigo.
— Por favor —, diz Whisper, frenético. — Ela não pode estar morta, ela
não pode...
Nadine se levanta.
— Ela não está morta.
Toda a luta sai de Whisper. Ele cai para trás, virando-se para enterrar o
rosto no peito de Julien. Suas costas estremecem, e algo cai no chão; um
pedaço de arame, com um pequeno cabo de madeira em cada extremidade. A
fúria congela o coração de Julien.
Whisper não teve garrote quando Julien o deixou na cela. Assim como os
guardas no corredor não estavam inconscientes quando Julien saiu. A garota
no chão deve tê-lo trazido e tentado estrangular Whisper com ele.
Ele não deveria ter ido embora, embora as últimas seis horas fossem um
borrão agonizante. Há um complemento do Exército Silaisan Ocidental
acampado do lado de fora, esperando notícias de um ataque Draskoran.
Lucien afastou os mensageiros de Frenn e Marcel nos portões da frente e
impediu que vários cortesãos tentassem deixar o castelo. Julien está ocupado
procurando e interrogando desde que Whisper disse que o cliente estava aqui.
Mas a cada momento, ele tinha controle sobre as raízes que prendiam
Whisper em sua cela, e um fio de ar ficou preso em seu pescoço. Ele só queria
saber quando Whisper acordou, mas assim que sentiu Whisper lutando contra
as amarras, ele sabia que algo estava errado.
Olhando para o garrote, Julien não quer pensar no que poderia ter
acontecido se ele não estivesse prestando atenção.
— Dury está olhando para os guardas agora —, diz Julien, — mas ele vai
olhar ela em seguida.
Estremecendo, Whisper se agarra à camisa de Julien. Sua voz é clara, mas
rouca quando ele responde:
— Obrigado. Mantenha-a inconsciente, se puder. Ela vai escapar se
acordar.
— Quem diabos é ela? — Nadine pergunta, com a mão na espada enquanto
afasta o cabelo da garota do rosto.
— O nome dela é Hemlock —, diz Whisper. — Ela é uma assassina. Como
eu.
Dury parece tão exausto quanto Julien quando ele entra correndo.
— Sua Alteza, eu quero um assistente.
— Claro.
— Três assistentes? — Dury diz esperançoso, enquanto se ajoelha ao lado
de Hemlock.
Julien deixa reforços com Dury e leva Whisper para fora da cela. Não
muito longe, e Whisper se inclina com tanta força contra ele que Julien fica
tentado a carregá-lo para a curta jornada até a sala de descanso no andar
seguinte. A sala contém uma mesa e prateleiras de suprimentos menores,
simples, mas claros. É um mundo de distância da cela de paredes sujas.
Whisper se afasta de Julien e esfrega a mão no rosto, espalhando sujeira
em sua bochecha. Seu rosto está pálido, mas seus olhos estão secos quando ele
ergue os pulsos na direção de Julien.
— Me algeme novamente. Eu vou te contar tudo.
— Eu apreciaria isso —, diz Julien.
Em vez de agarrar os pulsos de Whisper, ele o pega pelos quadris. Whisper
faz um som leve e assustado, e suas mãos se apoiam nos antebraços de Julien,
mas ele não resiste quando Julien o coloca na mesa de descanso.
Julien se inclina sobre ele até ver seu próprio reflexo naqueles olhos roxos
arregalados.
— Você não vai correr, não é?
Whisper balança a cabeça minuciosamente.
À luz, Julien finalmente consegue dar uma boa olhada nele. Há sujeira em
seu cabelo, e suas roupas estão rasgadas. A gola nula de couro e ferro parece
muito pesada em volta do pescoço, e o machucado profundamente mordido
em seu ombro ficou de um roxo brutal.
— Tudo bem, primeiro, quem...— Julien franze a testa. Sem se virar, ele
ordena: — Dê-nos o quarto.
Nadine limpa a garganta.
— Respeitosamente, Alteza, foda-se.
Ela está certa. É claro. Julien pode ver a mudança em Whisper; a rendição
completa e desesperada, a compostura quebrada. E uma parte irracional e
egoísta dele não quer que mais ninguém saiba os segredos de Whisper. Uma
veia possessiva que ele não tinha percebido que herdou de Claude. Além disso,
Julien tem a sensação de que desvendar os segredos de Whisper também
revelará um fio oculto do passado de Julien.
Mas ele ainda não sabe toda a verdade, e ele só tem suas suspeitas sobre
quem, e o que Whisper é. Ele deveria ter guardas aqui para isso.
Julien suspira.
— Nadine fica. Todos os outros, fora.
A sala fica em silêncio até Nadine latir:
— Você ouviu Sua Alteza. — Ela fecha a porta depois que os guardas se
retiram e se aproxima da mesa, com a mão na espada e o olhar fixo em
Whisper.
— Desculpe, Nadine. Isso só vai ficar um pouco pessoal. — Julien sorri
para seu olhar mortal. — Não tão pessoal, por uma vez. Agora. — Ele alcança a
garganta de Whisper e começa a desafivelar o colarinho nulo. — Conte-me
tudo.
A tensão se enrola sob a pele de Whisper, invisível aos olhos, mas palpável
ao toque de Julien. Whisper pergunta:
— Você já ouviu falar do Canil?
— Eu tenho. — Julien põe a coleira na mesa, esforçando-se para manter a
calma, apesar da raiva fervendo dentro dele. Ele estava certo e isso explica
quase tudo.
— Fui designado para te matar há três meses, — Whisper diz baixinho. —
O Mestre do Canil organizou minha identidade. Ele encontrou um homem que
se parecia um pouco comigo, trabalhando como guarda. O Canil o pagou
generosamente para renunciar e aceitou sua carta de recomendação.
— Onde está Will Hadley agora? — Julien pergunta.
— Ele está vivo, a menos que algo mais aconteça com ele.
Nadine bufa. Julien permanece em silêncio.
— A missão foi estranha. — As mãos de Whisper ficam tensas contra a
mesa, e sua respiração profunda não parece relaxá-lo. — Eu deveria me juntar
à sua corte, mas não te mataria até que eu recebesse o sinal. Demorei muito
para perceber o porquê. O cliente me escolheu por causa dos meus olhos e
queria que todos soubessem que um Draskoran matou você. Ele queria
desencadear uma guerra.
— Estou começando a odiar estar certo —, diz Julien. — E os caçadores
desaparecidos? Os avistamentos de dragões?
— Eu não sei —, diz Whisper. — Faria sentido se o cliente providenciasse
isso também, mas até onde eu sei, o Canil não tem nada a ver com isso. Apenas
eu.
— Só você e seus lindos olhos roxos, — Julien reflete. Sua voz se aguça. —
Você disse que o cliente escolheu você, e você disse que ele está no castelo.
Quem é ele?
— Não sei. — Sussurre caretas. — Meu Pai nos cegou quando o cliente
estava na sala, então só ouvi a voz dele.
Julien não gosta de nada disso.
— Pai? Cego?
— Reo Barnaby —, diz Whisper. — O Mestre do Canil. Ele é um mago de
sangue.
Nadine xinga do outro lado da sala.
— O ataque em sua festa, Sua Alteza.
— Não —, diz Whisper. — Aquele era outra pessoa.
Nadine xinga com mais veemência.
Julien recua para dar espaço ao Whisper. Só um pouco.
— Então, você foi designado para me seduzir por alguns meses, antes...
— Não. — Uma luz desesperada pisca nos olhos de Whisper. Ele dá um
pulo para frente, com a mão estendida — depois a pega de volta. — Eu não
faço seduções. Nenhum de... — Ele aperta a borda da mesa novamente,
olhando para Julien como se ele fosse o único no mundo. — Você
provavelmente não deveria acreditar nisso, mas o que compartilhamos foi real
para mim.
Julien achou que ficaria aliviado ao ouvir isso, mas não está. Não porque
ele não acredita em Whisper, mas porque acredita. Momentos dos últimos
meses passam pelo coração de Julien, cada um mais escuro que o outro sob a
sombra da confissão de Whisper. Cada hesitação. Cada fluxo e refluxo de
relutância e desejo.
A maneira como ele implorou a Julien para machucá-lo. Para deixar
cicatrizes. Se Whisper realmente se apaixonou por ele, sabendo que seus dias
estavam contados em sangue…
Os olhos de Julien baixam. Ignorando o olhar crítico de Nadine, ele toca a
bochecha de Whisper. Limpa a sujeira e diz:
— Eu tornei isso difícil para você.
Whisper estremece.
— Se você se desculpar por eu tentar te matar, eu vou começar a chorar.
— Sério? — Julien refreia seu interesse quando o lábio de Whisper treme.
Nadine ainda está aqui, e Julien quer ser a única pessoa a ver Whisper chorar.
Ele acha que merece isso, depois de tudo isso. — Eu sei como o Canil funciona,
no entanto. Depois de receber a tarefa, sou eu ou você, certo?
O Canil tem uma certa reputação. Discrição impecável. Excelentes
resultados contra alvos de alto perfil e alta segurança. Sucesso garantido com
a vida do Hound. Julien mal pode reprimir sua raiva com o pensamento. Todo
mundo quer sobreviver, e ele não pode culpar Whisper por isso.
Mas Whisper balança a cabeça minuciosamente.
— A garota, Hemlock. Ela veio para o Canil há seis anos, e eu ajudei a criá-
la. Eu pensava nela como uma irmã —, diz Whisper. — Meu pai sabia o quão
protetor eu me sentia em relação a ela, e ele sabia que eu estava perdendo
meu senso de motivação. Os trabalhos estavam começando a… Ele nos dá uma
recompensa depois do nosso sexto trabalho. Eu pedi a liberdade dela, então
ele disse que se eu falhasse desta vez, ele mataria Hemlock em meu lugar.
Copos meio vazios chacoalham na mesa. A porta range contra o trinco, e o
cabelo bagunçado de Whisper voa para trás de sua testa pálida. A respiração
de Julien se quebra entre os dentes, e só com um esforço imenso ele puxa sua
magia de volta para debaixo da pele. Sua raiva antes não era nada comparada
à chama incandescente que o queimava agora.
— Ele estava mentindo —, diz Whisper. —Descobri esta noite quando
Hemlock veio se livrar de mim. Mas eu fui estúpido, e confiei nele, e... Julien,
me desculpe. Eu tive que escolhê-la.
— É claro. — Julien toca o pingente através da camisa. — Entendo. Eu
mataria qualquer um para proteger Bellamy.
Se Whisper fosse o tipo de pessoa que escolheria Julien em vez de sua
irmãzinha, Julien nunca teria se apaixonado por ele.
Whisper abaixa a cabeça.
— Eu gostaria de ter descoberto antes. Se eu soubesse que o negócio era o
mesmo, minha vida na balança, como sempre, eu teria escolhido diferente.
O vento estremece pela sala novamente, mas todo o resto da sala está
parado. Depois de um momento, Julien diz grosseiramente:
— Então estou feliz que você não sabia.
— Sua Alteza, — Whisper e Nadine protestam em uníssono, então se
entreolham.
Julien toca o queixo de Whisper, gentilmente puxando seu rosto.
— Você tinha outra escolha, no entanto. Estou bastante magoado por você
não ter percebido.
Whisper olha para cima, questionando.
— Acho que sei por que você não o fez. Você não está acostumado a pedir
ajuda, não é? Julien sabe que ele está certo. — Mas você poderia ter me dito o
que estava acontecendo. Se eu soubesse que você era um Hound, poderíamos
ter pegado seu filactério nós mesmos e o despedaçado.

CAPÍTULO VINTE E SETE

WHISPER

Depois das últimas vinte e quatro horas, Whisper se achava além da


capacidade de choque. Mas agora seu estômago cai, como se a mesa caísse
embaixo dele. Saber sobre o Canil é uma coisa. Os nobres tendem a estar
familiarizados com o lado mais sombrio das soluções políticas. Mas os
filactérios?
— Você não deveria saber disso —, diz Whisper, cambaleando.
A mandíbula de Julien fica tensa e ele se vira para Nadine.
— Desculpe, isso é o que eu quis dizer com pessoal. — Seus dedos caem no
machucado doloroso e doce no ombro de Whisper. Quando ele fala
novamente, é em Alto Fellrian, apenas para os ouvidos de Whisper.
— Você já ouviu falar como meu pai morreu?
Whisper se esforça para se lembrar de quando está tão impressionado
com a presença de Julien.
— Quando eu tinha onze anos, Tesson Rue sequestrou meu irmão. —
Julien parece calmo, mas o cabelo de Whisper farfalha brevemente com uma
brisa descontrolada. — Ele tomou Bellamy como alavanca em algum jogo de
poder político. Mamãe tentou negociar com ele, mas não estava indo rápido o
suficiente para Claude.
Whisper tem uma ideia do que vem a seguir, mas não consegue
interromper.
— Meus irmãos não sabem disso. Acho que nem a mãe sabe de tudo. Mas
eu tinha talento para bisbilhotar quando criança. Acho que era minha magia
Rue chegando. Eu ouvi o encontro de Claude com Reo Barnaby, e ele a
assegurou de seu controle total sobre o Hound. Ele explicou o filactério de
sangue que guarda para cada um deles. — O olhar de Julien se aguça,
enquanto sua voz se suaviza. — Cada um de vocês.
— Achei que papai não contava aos clientes sobre os filactérios. — É muito
perigoso para pessoas de fora saberem com que facilidade os Hounds são
controlados por eles. Envenenar um filactério como Hemlock fez com Whisper
mal arranha a superfície.
— Claude gosta de saber tudo, e ela paga bem. — Julien ainda está tocando
as contusões de Whisper. Ele está tão perto que está quase entre as pernas de
Whisper.
— Você consegue adivinhar o que eu fiz quando percebi que ela estava
planejando matar meu pai?
Whisper balança a cabeça.
— Absolutamente nada —, diz Julien, e Whisper fica parado. O peso da
confissão o atinge enquanto Julien dá uma meia risada. —Tive muito tempo
para contar à mamãe ou tentar impedir Claude de outra forma. Eu poderia ter
avisado o pai. Mas ele tinha Bellamy, então eu não disse nada. Um mês depois,
Bellamy estava de volta e estava tudo bem.
— Você era jovem —, diz Whisper. — Você não foi responsável.
— Não sou mais jovem e faria a mesma coisa agora. Não me arrependo de
jeito nenhum. — Julien traça a marca da mordida novamente. — Quantos
anos você tinha quando Barnaby criou seu filactério?
Toda a respiração sai dos pulmões de Whisper. Quando volta a respirar, o
ar tem gosto de Julien.
— Sua Alteza, — Nadine diz, parecendo cansada e irritada. — Você
terminou de flertar com o assassino? Ou revelando segredos de estado, ou o
que quer que esteja fazendo?
— Desculpe, Nadine, — Julien diz em Trade, não parecendo nem um pouco
arrependido. Ele continua na língua comum. — Só estou me gabando do
excelente juiz de caráter que sou. Eu sabia que você era suspeito e, de fato,
ontem mesmo pedi a Nadine que investigasse você novamente. Mas eu
também sabia que você era uma boa pessoa, então me apaixonei por você de
qualquer maneira.
Whisper mais uma vez fica entorpecido e nebuloso.
— Eu não sou uma boa pessoa. Você é absurdo.
—Ele não está errado, — Nadine murmura.
O sorriso de Julien é ofuscante, como se ele estivesse prestes a dizer algo
ainda mais espantosamente ridículo. Convocando sua força de vontade
restante, Whisper levanta a mão. Ele tem sido estúpido e ingênuo por muito
tempo, e ele não pode se dar ao luxo de desmoronar agora. Depois de uma
vida inteira como arma, talvez ele possa usar todos os seus talentos treinados
pelo sangue para proteger seu príncipe ridículo e imprudente.
— Posso explicar qualquer outra coisa mais tarde —, diz Whisper. — Mas
primeiro, precisamos encontrar o cliente. Se ele escapar, isso vai começar tudo
de novo.
O sorriso de Julien cai, embora a luz não saia de seus olhos.
— Traga Lucien aqui, — ele diz a Nadine, que se move para a porta. Sua
mão cai para a coxa de Whisper.
Whisper respira fundo e o empurra.
— Eu não consigo pensar enquanto você está me tocando. — Sua garganta
parece áspera. — Eu preciso pensar.
Julien concorda com óbvia relutância.
Quando Whisper salta da mesa, o impacto atinge seu joelho onde Hemlock
o chutou. A articulação se move bem quando ele a testa.
— Onde estão Rumi e Fisk?
— Eles estão bem —, diz Julien. — Alguém os administrou com melloweed
para mantê-los fora do caminho.
—Hemlock. — Uma nova culpa dói em seu coração. Whisper precisará se
explicar e pedir desculpas a eles também, se ele viver o suficiente para isso.
Afinal, ele falhou em sua missão, e se o pai estava mentindo sobre negociar
pela vida de Hemlock, isso significa que o negócio é o mesmo de sempre.
Quando o pai souber de seu fracasso, ele o destruirá através do...
Mas seu filactério está em Greenhaven, não no Canil.
Hemlock usou para envenená-lo, mas ela não tem isso com ela. Se o pai a
enviou para cuidar de Whisper pessoalmente, por alguma razão, o pai não
pode tocá-lo com magia de sangue agora. Tem que haver uma razão. O pai não
abriria mão do controle de um de seus Hounds por capricho.
Como todas as peculiaridades deste trabalho, Whisper tem a sensação de
que o cliente é o responsável. Especialmente porque, aparentemente, papai
conta aos clientes sobre os filactérios, afinal. Se Whisper encontrar o cliente,
ele pode desembaraçar tudo. E depois...
Depois, Whisper não se importa com o que acontece. Ele se renderá a
qualquer punição que Julien escolher infligir a ele.
Quando Lucien entra na sala, Whisper levanta a cabeça.
— Se você puder confiar em mim por apenas algumas horas, eu tenho um
plano.
— Vamos ouvir o plano primeiro —, diz Julien.
Whisper respira fundo.
— Quando foi a última vez que alguém te viu fora desta masmorra?
***

Lucien é responsável por reunir todos na sala de audiências. Todos, exceto


os guardas juramentados de Julien e soldados suficientes para impedir que
alguém se esgueirasse, claro. O amanhecer já se arrastou sobre o castelo e os
nervos estão desgastados por uma noite cheia de rumores.
Whisper não está preocupado com a fuga do cliente.
A maioria dos clientes evita a cena do assassinato; esse é um dos
benefícios de contratar profissionais para matar alguém. É mais seguro e
permite álibis mais plausíveis. Quando os clientes demoram, é por medo ou
avareza. Ou eles estão com medo de que o Cão falhe, ou há um prêmio a ser
coletado pela morte do alvo. Espero que isso torne mais simples atrair o
cliente.
A sala de audiências é quase tão grande quanto o refeitório, o espaço
separado por colunas de pedra simples. A cadeira no estrado também é
simples, com placas de madeira não acolchoadas. Julien não passou muito
tempo aqui, e Whisper imagina que reflete a sensibilidade do príncipe Audric.
Um silêncio se espalha pela multidão enquanto Whisper sobe ao estrado 13,
e rostos familiares o encaram. Valerie Marcel, Gaspard Rue, Parsnip, o
assistente do cozinheiro. Cortesãos, criados e convidados que foram
emboscados depois do jantar na noite anterior. Mesmo alguns dias atrás,

13
Estrutura que se assemelha a um palanque baixo.
Whisper teria achado a atenção desconcertante. Agora, ele não se importa.
Julien é tudo o que importa.
Felizmente, Julien concordou em permanecer escondido com segurança
para isso, embora Nadine parecesse desconfiada de sua cooperação.
A adaga de escamas está pendurada abertamente no cinto de Whisper.
Ninguém mais verá a lâmina, embora usuários de magia mais sensíveis
possam sentir a ressonância em seu poder. Mas se o cliente estiver aqui,
reconhecerá o cabo e a bainha.
— Obrigado por sua paciência, todos. — A voz de Whisper não enche a
sala. — Sei que os rumores têm sido confusos, mas fico feliz em informar que a
violação de segurança foi um alarme falso. Está tudo bem, e os soldados do
Comandante Lucien reabrirão o castelo em breve.
Valerie avança, parecendo dominar os cortesãos mais altos ao seu redor
por pura vontade e postura.
— Por que você está nos dizendo isso? Onde está o príncipe Julien?
Whisper não se incomoda em fingir ser alegre e educado.
— Sua Alteza está dormindo com algumas garrafas de vinho. Fique
tranquilo, ele está perfeitamente bem.
Como previsto, sua tranquilidade inexpressiva envia murmúrios entre os
cortesãos, um pano de fundo para a voz elevada de Valerie.
— Em nome da Casa Marcel, insisto em uma audiência com Sua Alteza
imediatamente. É meu direito.
— De acordo com o protocolo usual, por favor, envie sua solicitação ao
secretário Pierre —, diz Whisper. — Sua Alteza está perfeitamente bem, mas
pediu para não ser incomodado.
Ignorando a cacofonia atrás dele, Whisper sai da sala de audiências. Os
soldados de Lucien impedem que alguém o siga por esse caminho, sem dúvida
arriscando mais rumores. Os soldados também não seguem Whisper; Lucien
protestou, mas Julien concordou com o plano de Whisper. Whisper vai
encontrar o cliente sozinho e depois incapacitá-lo.
Sozinho, exceto por cada raiz e ramo. Cada fio de vento vigilante.
Whisper intencionalmente se move menos silenciosamente do que o
normal. Qualquer um poderia segui-lo até o pátio da fonte coberto de árvores
onde Julien dançava com ele.
O pátio não é tão místico à luz da manhã. As sebes circundantes são de um
verde-dourado brilhante, a pequena fonte alegre. Whisper gosta porque há
apenas duas saídas: a porta do castelo e o portão aberto para o resto dos
jardins.
Afundando em um estado de prontidão, ele observa a fonte. A luz do sol
ondula através da água. Vivo, em movimento, quente, nada como o equilíbrio
gelado na alma de Whisper.
Passos se aproximam não muito tempo depois, e Whisper se vira para
encontrar um rosto familiar. Ele não saberá até que o homem fale, mas a
certeza já se instala em seus ossos.
— Posso ajudá-lo, Lorde Rue?
Gaspard usa um longo casaco de viagem sobre suas roupas da corte. Ele
realmente se parece muito com Julien, exceto pelo frio em seu olhar. A
covardia furtiva enquanto ele olha ao redor.
— Está feito?
Sua voz é inconfundível. Este é o homem que escolheu Whisper na sala do
pai, o fantoche perfeito para seus esquemas.
— Está feito. — Whisper recua atrás de sua fachada calma. — Julien
Sandry está morto.
O comportamento furtivo de Gaspard não muda.
— Podemos ir quando eu tiver provas.
— Minha vida deve ser prova suficiente. — Nós podemos ir? O que ele quer
dizer, nós? — Mas eu tenho um token adicional.
Ele puxa uma fina corrente de ouro do bolso. Da corrente pende um
pingente - uma árvore dourada em vidro branco translúcido. O sangue seco
forma crostas de um lado do vidro, a cor escura um contraste chocante com os
materiais delicados.
A expressão de Gaspard finalmente racha, e a alegria perversa se infiltra
em sua cautela. Ele estende a mão.
— Me dê isto. — Seu olhar é pesado quando Whisper caminha para frente,
e cai para a mordida apenas meio escondida pelo colar de Whisper.
— Parece que escolhi corretamente. Julien sempre gostou de coisas
bonitas.
Whisper não fica tenso com o olhar malicioso na voz de Gaspard. Ele está
no trabalho. — Eu pensei que você me escolheu para meus olhos. — Ele
oferece o pingente ensanguentado em sua palma virada para cima.
Gaspard não aceita. Seu olhar permanece no pescoço de Whisper,
indesejável e inevitável.
— Poderíamos ter mudado os olhos dos Hounds, se necessário. Não o
suficiente para passar em Draskora, mas os Silaisans não saberiam a
diferença.
Whisper precisa de Gaspard para pegar o pingente. Ele precisa daquele
momento de distração.
— Por que eu não sabia que estava aqui para começar uma guerra? Este
trabalho teria sido mais fácil com mais informações.
— Você é mais falante do que Barnaby indicou —, diz Gaspard, divertido.
— Embora eu suponha que isso possa ser mudado também. Você é inteligente
como ele disse, pelo menos. Eu nem contei isso a Barnaby.
— Não inteligente o suficiente. — A pele de Whisper se arrepia. Espero
que Julien esteja ouvindo tudo isso no vento, em segurança do outro lado do
castelo. — Ainda não vejo como isso beneficia a Casa Rue.
— Você acha que a Casa Rue pode comprar um Hound? — Gaspard
finalmente pega o pingente, e Whisper se prepara para o movimento.
Assim que as pontas dos dedos de Gaspard tocam sua palma, Whisper se
desenrola. Pingente caindo no chão, faca pulando em sua mão, ele agarra
Gaspard pela camisa de babados e puxa para baixo . Ele gira para o lado de
Gaspard, sua faca empurrando sob sua garganta.
Apenas uma ameaça. Não uma matança. Este trabalho termina em um
julgamento, não em um assassinato.
Eles congelam no lugar, Gaspard curvou-se com a faca de Whisper em sua
garganta. Ordens sussurradas:
— Não se mova.
Gaspard respira fundo.
— Mais forte do que Barnaby indicou —, diz ele, tenso. Uma respiração
mais profunda. — Larga a faca, garoto.
A faca cai no chão antes que Whisper perceba que a soltou. O som ecoa por
seus ossos em contraponto ao formigamento da magia do sangue.
Gaspard diz a seguir:
— Deixe-me ir e fique parado.
Whisper obedece contra sua vontade, com a mente acelerada e os
membros pesados, enquanto Gaspard se endireita e ajusta seu casaco. Uma
mão está no bolso; com uma risada trêmula, Gaspard pega uma garrafa de
vidro do tamanho da palma da mão.
Prata manchada tampa o frasco, esculpida com desenhos geométricos. O
vidro facetado refrata a luz através de seus cantos afiados. O líquido vermelho
se move para dentro, tão brilhante quanto no dia em que deixou as veias de
Whisper.
Ele não o vê desde sua primeira semana no Canil, mas reconheceria seu
filactério em qualquer lugar.
Gaspard não é um mago de sangue inerente. Whisper pode dizer pela
maneira como ele precisa de comandos verbais para usar o filactério - e
provavelmente precisa mantê-lo em sua pessoa também, caso contrário, ele
nunca arriscaria mantê-lo tão perto de Whisper. Mas enquanto ele o tiver, ele
pode controlar todos os movimentos de Whisper.
Whisper luta para manter a calma.
— Por que você tem isso?
— Barnaby recusou o trabalho no início —, diz Gaspard. — Ele disse que o
risco era muito alto para as taxas usuais.
Provavelmente falso. O pai gosta de barganhar.
Gaspard continua.
— Ele só concordou se comprarmos o valor do Hound, então se ele
morresse no trabalho, ele não teria prejuízo. O preço estava fora do meu
orçamento, então compensei a diferença com minha fortuna pessoal. — Ele
sorri. — Eu não comprei seus serviços, Hound. Eu comprei você.
A dor sufoca a garganta de Whisper.
— Pai não faria.
— E ainda. — Gaspard gesticula com o filactério. — Você o chama de pai?
— Ele te enganou —, diz Whisper. — Ele enviou outro Hound para me
matar ontem à noite. Você sabia disso?
— Aquele pirralho que veio comigo? — O rosto de Gaspard se contorce. —
Minha boa sorte ela falhou, aparentemente. Agora, diga a verdade. Julien está
morto?
Antes que Whisper possa responder, a filactéria voa da mão de Gaspard.
Ele flutua no ar, seis pés acima de suas cabeças, e a magia de ligação das
instruções de Gaspard se quebra.
Sem hesitar, Whisper mergulha para pegar sua adaga caída. Sua mão
aperta o punho no momento em que um borrão de pelo azul irrompe da porta
do castelo e derruba Gaspard no chão.
Enquanto Rumi rosna sua ira, Julien e Fisk emergem do portão do jardim
atrás dela. Os olhos de Fisk estão focados na filactéria flutuante acima.
— Acho que posso responder a isso —, diz Julien a Gaspard. Então ele vira
seu sorriso para Whisper. — Você realmente acreditou que eu ia me esconder
no meu quarto enquanto você se divertia?
Whisper está muito aliviado em vê-lo para ficar irritado. Ele até começa a
sorrir de volta, até que um tornado de força explode ao redor de Gaspard.

CAPÍTULO VINTE E OITO

JULIEN

A magia de Julien surge instintivamente contra o redemoinho, mas não


para atacar. Enquanto a magia de Gaspard rasga a laje e transforma a fonte em
uma torrente, a magia de Julien se move para proteger. Ele cria portos seguros
de ar para Rumi e Fisk, arremessados para longe do corpo caído de Gaspard.
Para Whisper, agachado no chão, mal mantendo os pés até que a magia de
Julien acalme o ar ao seu redor.
Gaspard cambaleia ereto, segurando seu ombro. O sangue das presas de
Rumi penetra em seu casaco.
Segure-o quieto, Rumi rosna. Eu vou rasgar sua garganta desta vez.
Julien não pode responder. O vento arrancaria suas palavras, e cada fibra
de seu corpo se retesaria contra a força da magia de Gaspard. Julien não pode
nem desperdiçar energia sendo surpreendido por Gaspard também estar
escondendo a força de sua magia Rue; aparentemente Gaspard está
escondendo muitas coisas.
Ele ainda não nomeou seus empregadores, mas Julien tem um forte
palpite.
O interrogatório terá que esperar. Encurralado e em menor número, o
desespero de Gaspard o torna perigoso. Ele não está preocupado em proteger
ninguém além de si mesmo.
Luz e calor explodem por cima do ombro de Julien. As chamas de Lucien
disparam pelo pátio, em direção a Gaspard e se dispersam no redemoinho sem
se extinguir. O calor se espalha pelo pátio, forçando todos a se abaixarem.
— Porra! — Lucien grita. — Desculpe!
— Por favor, pare de ajudar! — Julien estala por cima do ombro.
Aproveitando a distração, ele mergulha em direção ao Whisper. Uma língua de
calor o lambe, mas se dispersa em vapor. A magia da água de Rosin se junta
aos vendavais em guerra, perseguindo e apagando as chamas.
No calor e nas nuvens em espiral, Whisper alcança Julien primeiro.
Julien ofega,
— Vocês são todos...
Whisper o puxa para trás, e o pescoço de Julien fica frio com uma rajada de
vento. Um pedaço de laje se despedaça no chão, tendo percorrido um arco
pelo espaço onde estaria o pescoço de Julien, se Whisper não o tivesse
arrastado de volta.
— Distraia-o – diz Whisper, e se lança para o lado, jogando-se
imprudentemente contra o vento mas Julien agarra seu ombro um passo
depois. É doce da parte dele querer levar Gaspard para si, mas Julien está
cansado de lutar contra seus inimigos indiretamente. Isso está ficando
pessoal.
Julien respira fundo e retira sua magia de Rue.
De repente, sem oposição, Gaspard cambaleia de surpresa, preparado
contra um vento que não mais o golpeia. Sua leve perda de equilíbrio é toda a
oportunidade de que Julien precisa e, um momento depois, gêiseres de sangue
das pernas de Gaspard.
O homem cai no chão e, com um tremor final, o ar para. Pedras quebradas
e galhos caem ao redor de todos. Depois de uma pausa sem fôlego, os gemidos
de dor de Gaspard ecoam pelo pátio.
Raízes espinhosas perfuram a carne de suas pernas. Eles envolvem seus
ossos, mergulhando dentro e fora da carne, suas superfícies ásperas
escorregadias de sangue. Gaspard luta instintivamente, e as raízes se apertam,
prendendo suas pernas no chão.
Julien libera sua magia quando sua visão começa a ficar embaçada, mas as
raízes permanecem emaranhadas dentro do corpo de Gaspard. Ele não vai a
lugar nenhum agora, especialmente quando Nadine corre para forçar uma
coleira nula em seu pescoço.
Nadine chama algo para Julien, ou para os outros guardas do juramento,
mas Julien não consegue ouvi-la através do zumbido em sua cabeça.
Ignorando os gritos contínuos de seu primo, Julien se move em direção à
figura esguia de pé imóvel, adaga de escamação em sua mão.
— Whisper – diz Julien.
Whisper olha para ele, os olhos arregalados e vulneráveis. No momento
seguinte, uma máscara impassível desliza sobre seu rosto, como se nada
tivesse mudado desde que Julien o conheceu no jardim e se perguntou por que
ele estava tão cansado.
Pesadelos, disse Whisper mais tarde, a primeira vez que salvou a vida de
Julien. E agora Julien sabe quais são seus pesadelos.
— Sua Alteza. — Whisper oferece a adaga com o punho para Julien. —
Pegue isso.
Julien cobre a mão de Whisper no punho, sem pegar a adaga. Ele toca a
bochecha de Whisper, e Whisper se inclina sutilmente em sua palma.
— Ei, gatinho —, diz Julien, e se inclina para oferecer um beijo. Ele sente o
momento em que a reserva de Whisper se quebra, e o beijo em troca é
desesperadamente doce. Ferro e terra. Sal e céu. Finalmente, o coração de
Julien se acomoda atrás de suas costelas.
Algo bate em seu ombro, e Julien interrompe o beijo. Uma jarra de prata e
vidro flutua no ar ao lado deles, cheia de um líquido vermelho brilhante.
Fisk bate seu ombro contra Julien, então acaricia seu rosto contra a
barriga de Whisper com tanta força que Whisper cambaleia para trás. Rumi
senta atrás de Fisk, limpando sua pata com uma língua grande e áspera. Diga
ao gatinho que não estou falando com ele, mas Fisk o perdoou porque Fisk é um
idiota. Ela faz uma pausa. Você também é um idiota.
— Rumi está dando a você o tratamento do silêncio —, diz Julien.
As pálpebras de Whisper baixam. Desta vez, quando ele enfia o cabo na
palma de Julien, Julien o pega. Whisper se inclina e pressiona sua testa na de
Fisk. Enterra as duas mãos na penugem de seu pescoço e exala:
— Sinto muito, vocês dois. Eu gostaria que minha vida aqui com todos
vocês fosse real.
Uma torrente de promessas estúpidas corta a garganta de Julien enquanto
o filactério bate novamente em seu ombro. Julien a pega na mão e ela afunda
na palma da mão enquanto Fisk libera sua telecinesia. O filactério é
estranhamente quente, como se ele estivesse segurando o coração de Whisper
na palma da mão. Ele imagina sua batida trêmula.
— Como eu destruo isso com segurança? — Julien pergunta.
Whisper se endireita de Fisk.
— Você não deveria. Você pode usá-lo para me controlar, mesmo que
nunca tenha usado magia de sangue antes. Diga-me o que fazer, e eu farei.
Faça-me uma pergunta e responderei com sinceridade.
Julien sorri, embora seu coração esteja doendo.
— Um, isso é muito ilegal em Silaise. Dois, eu realmente preciso de magia
de sangue para obter sua obediência, gatinho?
As bochechas de Whisper ficam rosadas, e seu olhar corta de lado.
— Isso é... dê para Nadine, então.
Nadine já está se aproximando. Sangue respinga em seus braços, e ela não
dorme há um dia inteiro, mas parece tão afiada como sempre.
— O que você está me dando?
Whisper indica o filactério.
— Use isso para me interrogar. Vai me forçar a dizer a verdade. Peça a
Dury para confirmar como o feitiço funciona primeiro, para que você saiba
que não estou fodendo com você.
— Espere, por que Nadine? — Julien pergunta. — Eu sei que me recusei a
usá-lo, mas se alguém vai questioná-lo ilegalmente com a garrafa mágica da
verdade, deveria ser eu.
— Você é tendencioso, — Whisper e Nadine dizem em uníssono.
Nadine dá uma risada impotente.
— Foda-se, espero que você esteja dizendo a verdade, porque eu ainda
gosto de como você pensa, — ela diz a Whisper, então estende a mão para
Julien. — Vou questionar seu pequeno amante, Sua Alteza, e você pode ter a
primeira chance com seu primo. Lembre-se de me perdoar se eu for acusado
de magia de sangue.
Um gemido de dor soa pelo pátio enquanto os guardas levam Gaspard
embora. Raízes cortadas ainda se projetam de suas pernas, mas o
sangramento diminuiu. Ele não vai morrer antes do que deveria.
— Isso funciona para mim —, diz Julien sombriamente. Ele entrega o
filactério para Nadine e toca o rosto corado de Whisper mais uma vez antes de
perseguir o prisioneiro. Rumi caminha ao lado dele, orelhas erguidas.
Atrás deles, Nadine diz:
— Primeira pergunta, eu realmente ouvi ele te chamar de 'gatinho'?
Julien não consegue controlar o sorriso que se espalha em seu rosto.

***

— Eu não tenho respostas para você. — A bravura de Gaspard é


desmentida pela maneira como seu olhar passa nervosamente entre Julien e
Rumi. Toda vez que as raízes ao redor de seus braços se movem, ele se mexe
no lugar.
Já se passaram algumas horas desde que os guardas o arrastaram para a
cela de terra, uma cela diferente daquela em que Whisper estava preso, por
ordem de Julien. Julien passou o tempo intermediário mostrando seu rosto
para um bando de cortesãos ansiosos, confirmando que o resto do castelo
estava limpo e ruminando sobre o que Nadine poderia estar perguntando a
Whisper.
Gaspard passou o tempo retirando as raízes e enfaixando suas pernas.
Dury vai consertá-lo melhor mais tarde, depois de um cochilo. Julien não se
sente mal por fazer Gaspard esperar.
— Você está com tanto medo do que Fellrin fará com você se você falar? —
Julien pergunta.
Pela maneira como Gaspard embranquece, Julien sabe que adivinhou
corretamente.
Meio, oportunidade e motivo. A realeza Fellriana (ou uma de suas Casas
Altas)certamente tem dinheiro para comprar um Canil Hound para uma
missão suicida. As funções ministeriais de baixo nível de Gaspard o colocaram
em contato com vários contatos estrangeiros. Mais condenadamente, nem
Silaise nem Draskora se beneficiarão de uma guerra de fronteira agora, mas
Fellrin sim.
Fellrin cobiçou a pedra calcária de Draskora por gerações. Se Silaise
derrotar Draskora, ou mesmo enfraquecê-lo, isso abre novas oportunidades
de comércio ou conquista. Ou Fellrin poderia oferecer ajuda a Draskora,
condicionada a políticas de exportação mais brandas.
Eles nunca teriam ousado tal esquema contra Audric. Julien se mudar para
Greenhaven deve ter parecido a oportunidade perfeita.
— Eu não preciso de mais uma confissão do que já ouvi. A magia de arruda
é ótima para espionagem de longa distância, não é? diz Juliano. — Agora que
sabemos o que procurar, tenho certeza de que seus registros financeiros e
histórico de viagens serão muito esclarecedores.
O suor do medo gruda o cabelo de Gaspard nas têmporas.
— O que eu quero saber é, se a missão for bem-sucedida, o que você faria
com Whisper? — Julien pergunta.
Gaspard olha. Em seguida, uma risada maldosa e ofegante ecoa em seus
pulmões, e o cálculo percorre seus olhos.
— Não esperava que ele vivesse. Ele foi o bode expiatório para a coisa
toda. Mas se ele viveu... é aí que somos iguais, você e eu.
Julien abaixa a mão para coçar atrás das orelhas de Rumi. Ela não fala
Trade, mas pode sentir o antagonismo na sala.
— Oh?
— Ele é atraente —, diz Gaspard. — Há usos para isso, especialmente
quando ele não pode lutar contra o filactério.
Infelizmente, incitar Julien a atacá-lo novamente não funcionará. Julien
não está disposto a violar as leis de prisão e anular qualquer informação que
obtenha de Gaspard.
— Veja, é por isso que somos diferentes —, diz Julien em vez disso,
contendo sua raiva. — Você tem que enganar o seu caminho através de tudo.
Você não pode manter um homem sem fazer mágica com ele, pode? Mas tudo
que eu tinha que fazer era ser legal com ele, e quando ele colocou sua lâmina
na minha garganta, ele hesitou. Levantando-se, Julien olha para o primo.
— Eu poderia ter morrido porque me apaixonei por ele. Em vez disso,
estou vivo porque ele se apaixonou por mim.
O peito de Gaspard arfa.
— O que você vai fazer comigo?
— Nada. — A esperança brilha nos olhos de Gaspard, mas as próximas
palavras de Julien a extinguem:
— Vou mandá-lo para minhas mães.

***

Rumi vai tirar uma soneca em outro lugar, ela ainda está brava com
Whisper por manter toda a coisa do assassinato em segredo enquanto Julien
encontra Nadine do lado de fora de seus aposentos. Ela está encostada na
parede, a cabeça inclinada para trás, ao lado de uma pintura de uma árvore
que parece um pato.
— Onde está Whisper? — Julien pergunta.
— Estou bem, obrigado por perguntar, Alteza. — Os olhos de Nadine se
abrem. — Ele está no seu quarto.
— Sem supervisão?
— Ele não precisa disso —, diz ela, resignada. — A última vez que o vi, ele
estava dormindo. E honestamente, eu não aguentava mais. Você sabia que sua
primeira morte foi Marlow Taffeta? Aquele mercador que continuou sendo
absolvido por vender segredos Fellrianos para Draskora?
A mente cansada de Julien procura a história que acompanha o nome.
— Mas isso foi... há quanto tempo foi isso?
— Seis anos. Will... Whisper tinha talvez quatorze anos. Ela esfrega a mão
no rosto e se descola da parede. — Barnaby o pegou de algum lugar em
Draskora quando ele tinha talvez seis anos, e ele está sob essa maldição de
sangue desde então.
O ar sai dos pulmões de Julien.
— Porra.
Nadine faz uma careta.
— A magia do sangue significa que ele não é responsável pelos
assassinatos sob a lei Silaisan. O resto é dele para contar, e tenho a sensação
de que nem sequer arranhei a superfície. Mas eu sei o que preciso saber.
— Qual é?
— Ele tem o péssimo gosto de se apaixonar loucamente por você. — O
rosto severo de Nadine suaviza. — E ele prefere morrer do que te machucar
de novo.
Alívio, raiva, tristeza e amor vertiginoso torcem como um vendaval no
coração de Julien quando ele entra em seus aposentos. Tudo parece
exatamente como ele deixou, quantas horas atrás? Já passa do meio-dia e ele
não dormiu nada.
Tudo, exceto a garrafa de sangue na mesa de jantar e a figura esguia caída
no sofá. Com a cabeça loira apoiada nas almofadas, Whisper se enrola
protetoramente em si mesmo.
Tirando as botas e a jaqueta, Julien caminha silenciosamente em direção à
forma caída de Whisper. Ele faz uma pausa, as pontas dos dedos a uma
polegada da bochecha macia do homem. Whisper provavelmente precisaria
dormir, e Julien sabe o quanto ele acorda assustado. Depois de hoje, ele até
tem uma ideia do porquê.
Então, em vez disso, Julien se acomoda na outra ponta do sofá, contente
em assistir o suave subir e descer do corpo de Whisper. Ele tem que pensar
antes de seu gatinho acordar.

CAPÍTULO VINTE E NOVE

WHISPER

Whisper acorda mais devagar do que o normal, relutante em deixar a


escuridão sem sonhos. Seu corpo inteiro dói, e cada contusão lembra o vento
chicoteando, seu sangue envenenado, os tremores secundários da magia do
sangue controlando seu sistema. Uma dor mais mundana anuncia seu
despertar também: uma torcicolo no pescoço por dormir enrolado no sofá de
Julien.
Julien .
Os olhos de Whisper se abrem para encontrar Julien Sandry caído na outra
extremidade do sofá, a cabeça inclinada para trás contra o estofamento e os
lábios ligeiramente separados. Alívio inunda Whisper ao vê-lo. Ele está vivo.
Eles estão todos vivos, Julien e Hemlock mais importante, e Whisper
também. Aconteça o que acontecer a seguir, qualquer que seja a punição que
Whisper tenha que suportar, ele falhou em sua missão. Ele nunca pensou que
o fracasso fosse tão doce, e tenta saboreá-lo em vez de pensar em como Julien
não quer nada com ele agora.
Quando Whisper desdobra suas pernas com cãibras, os olhos de Julien se
abrem. Ele fixa Whisper com um olhar tão penetrante que Whisper duvida se
ele estava dormindo.
Com a voz rouca, Julien diz:
— Você está prestes a entrar em pânico, não está?
Whisper engole o nó em sua garganta. A tensão de lutar ou fugir fervilha
em suas veias, tornando seus pensamentos flutuantes e difíceis de gerenciar.
— Um de nós precisa. Como você está tão calmo?
— Não estou calmo —, diz Julien. — Meu primo pagou meu amante para
me matar, então tentou tomá-lo para si mesmo. Que homem poderia ficar
calmo com isso?
— Eu sinto muito. — Whisper fica de pé, e sua voz é muito aguda e alta. —
Sinto muito, Julien. Se eu pudesse desfazer tudo, eu odeio ter te machucado.
Eu traí você, Fisk, Rumi, Nadine, Sybil e todos. Eu deveria ter falhado no meu
primeiro emprego, e então nada disso…
Julien se inclina para a frente, cotovelos nos joelhos.
— Barnaby te chamou de Whisper, certo? Qual é o seu nome verdadeiro?
A pergunta corta o pânico de Whisper e lhe dá algo para se concentrar.
— Não me lembro do nome que meus pais me deram. — Ele balança a
cabeça. — Mas mesmo que eu fizesse, esse não seria meu nome verdadeiro. Eu
sou um Hound, e meu nome verdadeiro é Whisper. Não consigo me separar
disso.
— Tudo bem. — Julien se inclina para trás e tira algo do bolso. — E o que é
isso?
O bracelete de Whisper repousa em sua palma. O couro é cortado, mas
cada conta ainda está amarrada no lugar. Engolindo em seco, Whisper avança
lentamente. Julien tem tempo de correr, de detê-lo, de atirá-lo contra a parede
se não confia nele. Mas Julien não se move quando Whisper toca a conta de
ouro irregular.
— Este era o anel do comerciante Marlow Taffeta. Eu o derreti no caminho
de volta para o Canil. — Whisper toca a esmeralda e a prata em seguida, as
pontas dos dedos mal roçando o calor da palma de Julien. — Conde Elbert
Saito e seu mago da corte, Aneko.
Ele toca a conta de ferro e faz uma pausa.
Seu terceiro emprego nunca fez sentido.
Pai atribui Whisper a alvos de alto perfil e de difícil acesso. Mansões com
muros altos e alta segurança, exigindo maior discrição do que a maioria dos
Hounds pode administrar. A guerra acampou com mil soldados de elite ao seu
redor. Pessoas com poder. Metas caras.
Quando Whisper se recuperou de matar Saito e Aneko, seu terceiro
emprego o levou a uma tranquila vila agrícola nos arredores de Pathan. A vila
era movimentada e claustrofóbica durante o dia, mas à noite, Whisper
facilmente entrava em uma cabana em ruínas na periferia da cidade.
Lá dentro, uma mulher de vinte e tantos anos estava sentada em uma
cadeira de balanço, tricotando perto do fogo. Ela largou o tricô quando viu
Whisper, mas não pareceu surpresa.
— Foda-me —, disse ela. — Eles estão ficando mais jovens a cada ano.
Ela saltou de sua cadeira com uma velocidade surpreendente, mas
Whisper a pegou antes que ela pudesse gritar. Depois, ele não encontrou nada
de valor entre os bens dela. Nada que refletisse quem ela era. No final, ele
pegou a chave de ferro da casa dela.
Pai enviou Hemlock para matar Whisper em vez de deixá-lo cair nas mãos
de Gaspard. Seja crueldade, controle ou um senso distorcido de bondade,
papai não gosta de pontas soltas.
— Este era um Hound aposentado —, diz Whisper, sua certeza crescendo
enquanto ele diz as palavras em voz alta. — O nome dela era Radella. — Ele
segue em frente, tocando o bronze e o rubi. — Warmage Keats e Marquês
Vernon.
— Por que você os usa? — Julien pergunta.
A mão de Whisper cai.
— É o mínimo que posso fazer, lembrando deles.
Julien fica de pé. Passa por Whisper e coloca o bracelete na mesa. Seu
braço roça em Whisper, e Whisper se lembra de quão alto ele é.
— Que símbolo meu você estava planejando pegar? — Julien pergunta.
Outra onda de culpa arrebenta os pulmões de Whisper.
— Nada. — Cada palavra dói. — Nada era bom o suficiente, e eu não
poderia te esquecer de qualquer maneira.
— Porra. — Julien se aproxima dele. — E eles me chamam de romântico.
O pânico de Whisper aumenta novamente.
— Julien, você não pode simplesmente... eu não sou uma boa pessoa.
Mesmo com a magia do sangue, eu ainda...
Quando Julien toca seu queixo, Whisper fica em silêncio. Julien procura
seu rosto, o calor aumentando entre eles, até encontrar o que está
procurando. Suavemente, mas com aço, ele ordena:
— Ajoelhe-se para mim.
A eletricidade afasta as dúvidas de Whisper e lhe dá algo para se agarrar.
Com a cabeça baixa, ele cai sobre os joelhos doloridos.
Julien se senta novamente e segura a nuca de Whisper. O puxa para mais
perto, até que o ombro de Whisper pressiona contra a almofada e sua testa
descansa contra a coxa quente de Julien. A intimidade martela rachaduras no
vidro ao redor do coração de Whisper.
— Eu não vou discutir com você sobre se isso é culpa sua. — Os dedos de
Julien passam pelos cabelos de Whisper, ternos, mas insistentes. — Acho que
vai demorar muito até chegarmos a um acordo sobre isso. Mas uma coisa que
podemos concordar é que você não gosta de apagar cicatrizes, certo? — Sua
mão para quando Whisper não responde.
— Certo?
— Sim, Julien, — Whisper respira. A coxa de Julien está tão quente e sólida
sob sua testa, e Whisper se sente tão bem ajoelhado aqui. Ele não merece, mas
está seguro aos pés de Julien.
— Você não pode mudar o passado —, diz Julien. — Mas eu gostaria que
você ficasse comigo e corrigisse as coisas.
— Eu farei qualquer coisa.
— Não diga isso. — Um sorriso floresce na voz de Julien. — Eu posso
acreditar em você.
— Quero dizer.
— Foda-se, gatinho. — Os dedos de Julien ficam tensos brevemente no
cabelo de Whisper, mas rapidamente se suavizam. — Este incidente mostrou
que minhas operações de inteligência estão faltando. Nadine já está
sobrecarregada liderando minha guarda jurada, e expor Gaspard é apenas o
começo.
— Ele teve ajuda para espalhar boatos. — Whisper coça para saber mais.
— E esses dois caçadores ainda estão desaparecidos. Além disso, se as
pessoas que te sequestraram são de uma facção diferente, preciso de
informações sobre elas também. Julien suspira. — Honestamente, desta vez foi
um alarme falso, mas Draskora também não vai ficar quieto para sempre. Eu
posso precisar de alguém com lindos olhos roxos para espionar a fronteira.
A cabeça de Whisper parece muito mais leve apoiada na perna de Julien. A
mão de Julien em seu cabelo é como um sonho, e Whisper mal pode acreditar
no que Julien está insinuando.
— O que você está dizendo?
— Preciso de olhos na escuridão —, diz Julien, ainda acariciando seu
cabelo. — Você poderia ser isso para mim?
Julien deveria puni-lo. Não dar a ele uma recompensa que ele nunca ousou
esperar. Usando seus talentos para Julien, em vez de contra ele? Ser seu
aliado, em vez de seu oponente?
— Eu disse qualquer coisa.
— Você fez. — A mão de Julien desliza para baixo e ele traça o pescoço de
Whisper, abaixo da linha do cabelo. — Estou falando sério sobre a necessidade
de um mestre-espião. Mas também estou inventando as coisas como uma
desculpa para mantê-lo aqui, para que eu possa cortejá-lo novamente.
Silêncios de whispers.
— Eu sei que você tentou me matar, — Julien reflete. — Mas você hesitou.
E você ainda é tão inteligente, teimoso e bondoso quanto era na primeira vez
que me apaixonei por você. Sua palma se curva ao redor do pescoço de
Whisper. Não ameaçador. Reconfortante. Um controle protetor que Whisper
deseja. — Eu quero conhecê-lo tudo de novo, se você me deixar.
Lágrimas ardem nos olhos de Whisper. Enterrando o rosto na coxa de
Julien, ele admite:
— Você já me conhece. Mais do que qualquer outra pessoa já fez.
Ele nunca sonhou que isso fosse possível. Ele ainda não está totalmente
convencido de que é. Julien sabendo a verdade sobre ele; seu verdadeiro nome
e tudo o que isso implica, e ainda o desejando? Se é um sonho, ele não quer
acordar.
— Eu não mereço você —, diz Whisper, com a voz embargada, — mas eu
quero muito você.
Julien pragueja e coloca a mão debaixo do braço dele. Puxando, ele precisa
apenas de um leve puxão para derramar Whisper em seu colo. Whisper se
agarra, incapaz de se conter, e as palmas das mãos de Julien prendem o rosto
de Whisper para impedi-lo de se esconder.
— Você ainda não entendeu. — Julien o encara nos olhos, intenso e
perscrutador.
— Você não precisa me merecer.
Alegria, alívio e esperança florescem sob a pele de Whisper. Uma cura
profunda que não dói. Whisper reprime um soluço reflexivo, e quando Julien o
beija, ele retribui o beijo em meio às lágrimas. Seus lábios têm gosto de sal. O
hálito de Julien tem gosto de lar.
Cedo demais, Julien se afasta e esfrega os polegares sob os olhos de
Whisper.
— Você quer quebrar seu filactério agora?
O primeiro instinto de Whisper é a negação. Talvez Nadine devesse fazer
mais perguntas a ele. Talvez Julien devesse manter o filactério de qualquer
maneira, como garantia contra a traição de Whisper. Mas cada toque terno e
íntimo é um lembrete de que Julien nunca o usaria de qualquer maneira.
Whisper não se apaixonaria por ele se ele fosse o tipo de homem que faria.
— Sim —, diz Whisper, e se solta do colo de Julien. Ele caminha até a mesa
de jantar com Julien em seus calcanhares, sem se tocar, mas constantemente
presente.
O filactério parece estranhamente mundano contra a madeira escura. Um
objeto tão pequeno e frágil para controlar a vida de Whisper nos últimos
quatorze anos.
— Como você quer fazer isso? — Julien pergunta. — Poderíamos escalar
uma torre e derrubá-la. Ou arremessá-lo de uma catapulta.
— Eu tinha algo um pouco mais simples em mente —, diz Whisper, e
derruba a garrafa da mesa.
O vidro se quebra no primeiro salto e se estilhaça no segundo. Cacos de
vidro se espalham pelo chão com um respingo do sangue de Whisper. As gotas
de rubi brilham mais do que o vidro até que o feitiço de filactério se quebra.
Whisper esperava que o feitiço quebrasse como um trovão. Ele esperava
um cataclismo em suas veias. Mas tudo o que ele sente é um leve e frio
arrepio. O sangue derramado seca em pó prateado, depois se desintegra.
Seus quatorze anos no Canil terminaram e seu coração é seu.

CAPÍTULO TRINTA

JULIEN

A boneca de pano suja atravessa o gramado em velocidades impossíveis.


Julien se encosta no parapeito do pavilhão, observando as listras de pele azul e
bronzeada correrem atrás da boneca. Rumi salta para pegar a boneca no ar em
suas mandíbulas poderosas. Girando em seus quadris elegantes, ela corre de
volta pelo gramado. Lord Cupcake a persegue, sua cauda erguida como uma
bandeira feliz. Ele não se importa que Rumi só permita que ele pegue a boneca
de pano uma vez em cinco; ele está animado por ter companheiros de jogo tão
inesgotáveis.
Nós iremos. Um companheiro inesgotável. Fisk se espalha em uma área
ensolarada em uma extremidade do gramado. Sua telecinesia permite que ele
arremesse a amada boneca de pano em todos os lugares sem mover mais do
que uma ponta de cauda se contorcendo.
Contentamento semelhante se espalha pelo peito de Julien. Ele nunca
pensou que pertenceria a Greenhaven, mas está começando a pensar nisso
como seu castelo. As últimas semanas foram ocupadas, mas propositais.
Os rumores frenéticos diminuíram quase a nada. Até a Casa Frenn parou
de clamar por uma guerra de fronteira. O duque Hebert e lady Elinor parecem
tranqüilos com a nova força aparente da magia de Julien; um benefício que ele
não esperava. O que é bom porque não há como esconder sua magia Rue
agora. Muitas pessoas testemunharam seu confronto com Gaspard.
O próprio Gaspard está a caminho de Sandrelle. Julien confia na mãe para
lidar com ele adequadamente. E se não, bem, quanto menos ele souber sobre
as soluções de Claude, melhor. Julien não pode poupar nenhuma simpatia por
seu primo; A guarda da cidade de Greenhaven encontrou os restos dos
caçadores desaparecidos na semana passada.
A brisa muda, e o nariz de Julien se enruga com o cheiro persistente de
fumaça. Ele trocou de roupa mais cedo, mas parece que não se lavou bem o
suficiente. Lucien chamuscou sua jaqueta durante o treino desta manhã. Eles
passaram os últimos dias trabalhando para recriar e melhorar seus tornados
mágicos de fogo - com a magia da água de Rosin em espera.
Julien não sabe dizer se Lucien realmente acha que a técnica será útil
contra dragões, ou se ele apenas acha legal. Pelo menos os outros soldados
estão admirados.
Uma tábua do assoalho range atrás dele, o único passo deliberado soando
do nada. Julien fica tenso, depois relaxa em um sorriso e se vira.
Whisper inspeciona a mesa arrumada enquanto passa. Pilhas de rosas
cortadas cercam pratos dourados de pequenos pedaços e doces, e uma garrafa
de Pellerin branco. Agora que Julien não está mais dormindo, Emile está
tentando outras maneiras de bajulá-lo. O vinho é delicioso, mas não tão
delicioso quanto a visão de cabelos dourados se aproximando.
— Ei, gatinho —, diz Julien.
A única saudação de Whisper é um leve sorriso, um aquecimento de sua
expressão apenas para Julien. Ele fala mais e menos agora. Mais sobre coisas
que importam, como preocupações e relatórios de segurança e o que os
fellcats têm feito. Menos conversa fiada.
Alargando o sorriso, Julien pega Whisper em seus braços. Ele beija o calor
daquele pequeno sorriso dos lábios de Whisper, e seu coração canta com a
facilidade com que Whisper retribui o beijo.
— Nadine disse que você tinha uma tarefa para mim, — Whisper diz
quando eles se separam.
Julien mantém uma mão na cintura de Whisper enquanto ele se aproxima
da mesa.
— Eu chegarei a isso em um minuto. Primeiro, alguns pássaros
mensageiros chegaram hoje. Um tinha uma carta para você.
Whisper fica tenso quase imperceptivelmente quando ele quebra o selo de
cera simples do pergaminho. Ele não faz nenhum esforço para esconder o
conteúdo, mas Julien não lê nada; ele está muito preocupado com as linhas
finas dos dedos de Whisper achatando o papel contra a mesa. Os cílios de
Whisper varrem suas bochechas enquanto ele olha para baixo. Eles são de um
ouro mais escuro que o cabelo dele.
Há uma qualidade luminosa no Whisper agora. A exaustão não sombreia
mais as cavidades de seu rosto. Ele ainda usa seu bracelete de fichas, mas ele
dorme a noite toda com mais frequência.
A liberdade é uma boa olhada nele.
— Isso é de Lily,— Whisper diz. — Ele diz que Hemlock voltou inteira.
Sem consequências por não ter me matado, então talvez ela estivesse dizendo
a verdade sobre ser do pai, quero dizer, a favorita de Barnaby .
A traiçoeira irmã adolescente de Whisper escapou de Greenhaven cerca de
duas horas depois que um dos novos assistentes do Curandeiro Dury
consertou sua concussão. Quando Julien propôs recapturá-la, Whisper disse
que deveriam conservar recursos para objetivos menos impossíveis.
— Lily, era aquele...
— Aquele de quem você está com ciúmes sem motivo, sim. — Os lábios de
Whisper se apertam. — Ele diz que pediu a Barnaby algo para acrescentar,
mas Barnaby não tinha nada a me dizer.
Julien franze a testa.
— Isso te incomoda?
Whisper abaixa o papel. Suas bordas se enrolam juntas.
— Não sei como me sinto. Ele pode ter informações para mim, e acho que
vou querer vê-lo novamente algum dia, mas não por muito tempo. Eu preciso
me acostumar a estar ao ar livre primeiro.
Envolvendo um braço em volta dos ombros de Whisper, Julien o puxa para
dentro. Whisper derrete contra ele, a cabeça abaixada contra seu peito. Ele
pode ouvir o quão forte o coração de Julien bate por ele?
— Recebi uma carta hoje também —, diz Julien.
— Oh?
— Da minha mãe. — Julien aperta seu abraço. — Ela nos dá sua bênção.
Whisper se vira para olhar para ele, sua descrença clara.
Julien dá um beijo no topo de sua cabeça.
— Nós iremos. Suas palavras exatas foram: 'Acho que não posso impedi-lo,
e melhor um assassino do que aquele menino Pellerin doninha.'— Ele
saboreia a risada surpresa de Whisper. — Ela quer que eu leve você para
conhecer ela e Claude, quando as coisas se acalmarem aqui.
Whisper inspira.
— Isso pode demorar um pouco.
— Sem pressa. — Julien está feliz em esperar até que a fronteira se
acalme, ou até que Whisper esteja pronto para estrear formalmente como
amante de Julien. O último pode demorar mais. Até agora, eles não declararam
abertamente seu relacionamento, mas também não estão negando nada. Um
pronunciamento nacional não é urgente quando a maneira como ele trata
Whisper já é óbvia. Ele adoraria fazer tal pronunciamento, é claro, mas está
feliz em acomodar o nível de conforto de Whisper. Um namoro lindo e sem fim
também não soa mal.
No final do dia, tudo o que importa é isso: sussurrar em seus braços e a
compreensão vibrando entre seus batimentos cardíacos compartilhados.
Whisper acaricia seu pescoço.
— Qual é a missão? Conhecer suas mães?
— Não. Definitivamente não. — Julien pega as duas mãos de Whisper e o
puxa para perto. — Tenho medo de morrer.
Os olhos de Whisper se estreitam.
— Julian.
— Estou gravemente doente. — Julien morde o lábio e passa os polegares
pelos pulsos de Whisper. — Eu me tornei viciado na droga mais intoxicante do
mundo, e faz muito tempo desde a minha última dose. Eu entrei em
abstinência.
—Isso é terrível.
Inclinando-se para frente, Julien murmura no ouvido de Whisper:
— Se eu não provar logo, vou morrer. Você é o único que pode me salvar.
Whisper inspira.
— Então estou ao seu comando.
Os lábios de Julien se movem de sua orelha até sua mandíbula e
encontram o beijo ansioso de Whisper. Suas bocas deslizam juntas, e o pênis
de Julien sacode com o roçar dos dentes de Whisper em sua língua. Não há
artifício. Sem segredos. Nenhum esquema, exceto os que eles compartilham.
Porém, falando em compartilhar…
— Nós temos uma audiência, — Whisper o lembra.
Whisper é uma beleza incandescente em meio ao prazer, e Julien não gosta
de compartilhar essa beleza com seus guardas sempre presentes. Ele se afasta
da boca inebriante de Whisper, esfrega o polegar sobre a curva molhada e
vermelha de seu lábio e dá uma piscadela para Nadine de rosto duro do outro
lado do jardim.
Ela joga um gesto rude de volta.
A magia Sandry floresce facilmente sob a pele de Julien. Muito mais
facilmente agora que ele parou de tentar suprimir sua magia Rue. Julien não
tem certeza de como isso funciona, embora Bellamy provavelmente saiba.
Tudo o que importa a Julien é que ele mal tem que usar sua magia para
explorar as vinhas e árvores que cercam o pavilhão. Eles espalham seus
galhos, folhas se estendendo e se movendo, até que uma cortina de vida
protege ele e Whisper do resto do mundo.
— Só nós, agora. — Julien rouba outro beijo leve. — Eu tenho um pedido
para você. Você acha que pode lidar com isso?
— Qualquer coisa para você —, diz Whisper, entregando-se tão
imprudentemente como sempre.
Julien o leva para trás até que as costas de Whisper encostam em um dos
grandes pilares de madeira. Whisper não vacila com o leve impacto, sempre
ciente de seu entorno. Sempre tão composto, exceto quando se trata de Julien.
Whisper só desmorona para ele, e ele não gostaria que fosse de outra maneira.
— Diga-me como se sente —, diz Julien, e cai de joelhos.

CAPÍTULO TRINTA E UM

WHISPER

Os pensamentos de Whisper se dispersam e ficam presos nos galhos


farfalhantes, rodopiando como folhas caídas. A luz verde-dourada e as
sombras dançam pelo pavilhão, nenhuma delas mais brilhante ou mais escura
do que o deleite perverso nos olhos de Julien enquanto ele se ajoelha. Suas
mãos nos quadris de Whisper são gentis, mas é essa gentileza que prende
Whisper no lugar.
Julien se inclina, seus lábios a apenas uma polegada do pênis coberto de
tecido de Whisper. Olhando para cima através de seus cílios, ele exala. A
respiração quente penetra pelo pênis de Whisper e em suas veias. Ele fica
tenso com o esforço de não bater no rosto de Julien, e Julien faz beicinho.
— Eu não posso te ouvir, gatinho.
Com esforço, Whisper se lembra de seu pedido. Diga-me como se sente .
Mas se há palavras para o que Whisper sente, elas não estão em nenhum
idioma que ele conheça.
— É bom —, diz ele, inadequadamente.
A mão de Julien escorrega de seu quadril. Ele manuseia a cabeça do pênis
de Whisper em um arrepio de fricção.
— Você pode fazer melhor do que isso. Parece diferente através de suas
calças do que quando eu costumo te tocar? Isso é suficiente? — Julien lambe
os lábios. — Você poderia vir apenas de mim olhando para o seu pau e
dizendo o quanto eu quero provar você?
— Julien. — Whisper se contorce. — É bom demais. Eu não sei o que dizer.
Ele não é bom nisso. Não como Julien.
Exceto que Julien olha para ele com adoração, como se ele fosse o melhor
do mundo.
— Então diga qualquer coisa. Conte-me sobre o clima. Atualize-me sobre
os planos de espionagem para a visita do embaixador na próxima semana. Não
importa o que você diga, sua voz me deixa tão duro. — Ele começa a
desamarrar as calças de Whisper. — Continue falando, e eu continuarei
tocando você. Pare e eu paro.
— Foda-se, — Whisper respira, então novamente quando Julien beija seu
pau através de suas calças. Ele engole em seco e continua enquanto Julien
abaixa a calça até o meio da coxa e começa a acariciá-lo. —Um. Eu estou
falando. Ainda falando. Quero roubar um ou dois uniformes da escolta do
embaixador. Os soldados draskoran têm costuras estranhas dentro de seus
casacos, e é difícil duplicar sem uma referência. Foda -se .
Julien torce a palma da mão sobre a cabeça do pênis de Whisper, depois
para baixo, alisando seu comprimento quente com sua própria umidade.
Whisper sibila por entre os dentes, e com certeza, Julien faz uma pausa, seu
polegar firme contra a latejante parte inferior do pênis de Whisper.
— Eu acho que eu poderia —, diz Whisper, suas entranhas tremendo.
Julien o recompensa com um beijo debaixo de sua cabeça, a língua sacudindo
para provocar eletricidade nas veias de Whisper. —Eu poderia vir de qualquer
coisa que você quisesse.
Julien se aninha na base de seu pênis, então lambe seu caminho de volta.
— Eu nunca vou entender por que você gosta de mim, mas acho que não me
importo mais. Eu só quero você, para sempre.
Julien sorri para ele. Seus lábios estão manchados com o prelúdio de
Whisper, seus olhos cor de avelã.
— Eu também te amo.
Os joelhos de Whisper vacilam, o pilar atrás dele é a única coisa que o
mantém ereto, enquanto os lábios macios de Julien se fecham ao redor da
cabeça de seu pênis. As palavras de Julien e o repentino calor úmido
desbloqueiam a hesitação de Whisper. Ele quer ser bom. Ele quer fazer Julien
feliz e, de repente, tem muito a dizer.
— Porra, Julien, eu sinto você em todos os lugares. Por favor. Por favor, eu
preciso de mais. — Suavidade contra seus dedos. Suas mãos se moveram para
o cabelo de Julien por vontade própria. — Mais rápido. Não, mais devagar.
— Qual deles? — Julien se afasta para dizer, o riso dançando em seus
olhos.
—Eu não me importo —, diz Whisper, — mas eu não vou durar muito
mais tempo, e eu quero gozar no seu pau.
A expressão de Julien se torna faminta.
— Mudança de pedidos. Cubra a boca, para que a pobre Nadine não ouça
você gritar.
Whisper não acha que vai precisar da mão, ele é bom em ficar quieto; até
que a boca de Julien afunda em seu pau novamente. Julien se ajoelha, muda de
ângulo, e engole. Os músculos quentes de sua garganta trabalham sobre o
pênis de Whisper e destroem a compostura de Whisper. O prazer cai através
dele, tão intenso que ele pensa por um segundo que já está gozando.
Mas Julien para bem quando Whisper está à beira. Apenas fica ali com o
pau de Whisper na garganta, um segundo que parece se estender pela
eternidade antes que ele se mova novamente.
Whisper choraminga contra sua própria palma. Ele não poderia movê-lo
se quisesse. Julien lhe disse para cobrir a boca, então é isso que ele vai fazer,
tão emocionado e indefeso como se a mão de Julien fosse a que segurasse seus
gritos involuntários. A outra mão de Whisper se emaranha desesperadamente
no cabelo de Julien, ficando tenso cada vez que Julien engole seu
comprimento.
Mesmo que Julien esteja de joelhos, ele ainda está no controle completo, e
isso é mais quente do que Whisper jamais imaginou. Julien só aceita o que
Whisper oferece.
É por isso que Whisper quer oferecer tudo a ele.
Julien apalpa suas bolas, e o gemido de Whisper quebra atrás de sua mão.
Julien deve ouvir algo diferente em seus sons abafados desta vez, porque ele
desliza do pênis de Whisper. Seus lábios estão uma bagunça vermelha e
molhada, seus olhos famintos, e ele se levanta.
— Dê-me sua boca —, diz Julien.
Ofegante, cambaleando pelo quase orgasmo, Whisper abre os lábios. Julien
mantém o queixo no lugar e sela suas bocas, passando o gosto do prelúdio de
Whisper entre eles. Whisper geme contra Julien, seu pênis molhado e nu
roçando a ereção ainda vestida de Julien.
Julien se afasta, olha Whisper de cima a baixo, e um sorriso
impossivelmente presunçoso se espalha em seu rosto.
— Você parece bem assim. Agora, vire-se e apoie as mãos no pilar.
Whisper obedece, antecipação queimando mais quente que magia em suas
veias. Totalmente indefeso e exposto, de costas e com as calças em volta dos
joelhos, ele ouve com ouvidos bem treinados cada som atrás de si. Passos.
Uma jarra se abriu. Tecido farfalhando. Sons molhados familiares que o fazem
querer se virar. Mas ele obedece, porque quer. Porque Julien vale a pena.
Ele espera, perfeitamente imóvel e confiante, até que uma mão forte
deslize em torno de sua garganta. Whisper nem vacila, apenas gira a cabeça
para pegar o beijo leve e confuso de Julien, enquanto a outra mão de Julien
desliza escorregadia entre os globos de sua bunda.
Julien o prepara mais rápido do que o normal, compartilhando a urgência
acalorada de Whisper. Suas respirações misturadas tremem, seus lábios mal
se tocam, enquanto Julien aplica a pomada em Whisper. Seus dedos são bons,
mas não são suficientes.
— Está pronto? — Arqueja Julien. — Diga a verdade.
— Estou pronto —, responde Whisper, e Julien dá um último beijo no
canto da boca antes de segurar o quadril de Whisper. Ele empurra a camisa de
Whisper para fora do caminho e se alinha.
Whisper havia dito a verdade; ele está liso e relaxado o suficiente para
levar Julien sem dor. O primeiro impulso para dentro ainda é sempre um
ajuste esmagador. Julien é grande, e ele não diminui a velocidade, e os nervos
de Whisper já estão tão hipersensíveis a cada movimento de Julien. Julien
poderia apenas tocar sua borda, e Whisper seria uma bagunça ofegante.
Ele nunca soube que poderia desmoronar assim.
Ele nunca teve alguém para colocá-lo de volta juntos antes.
Os quadris de Julien estalam contra ele, fodidamente profundos e duros.
Reprimindo um grito, Whisper se move para se apoiar nos cotovelos e
antebraços. A mão de Julien se estende ao lado de sua cabeça para se
equilibrar, e a outra mão desliza sob a camisa de Whisper, ao longo da pele
suada. Sua palma centra-se entre as omoplatas de Whisper, e o coração de
Whisper bate mais alto em resposta.
— Toque-se, gatinho, — Julien rosna em seu pescoço.
O braço esquerdo de Whisper treme com o esforço de se sustentar
enquanto sua mão direita cai obedientemente. Ele mal sente a própria mão, é
o beijo suave de Julien na nuca que o força a gozar. Come derrama sobre seus
dedos, e ele aperta com a sensação avassaladora.
Julien geme e estremece até parar no fundo da bunda de Whisper.
Depois, eles caem juntos no banco, as roupas puxadas de volta no lugar,
mas ainda irremediavelmente desgrenhadas. Whisper se aconchega ao lado de
Julien, e Julien passa um braço sobre seus ombros.
— Estou tão apaixonado por você —, diz Julien suavemente.
— Eu também te amo. — Whisper ainda está se acostumando a dizer isso.
Mas vale a pena porque Julien sempre se ilumina com as palavras. E porque é
a coisa mais verdadeira que ele já disse. Whisper apoia a cabeça no ombro de
Julien. — Você sabe, quando o pai... Quando Barnaby me deu essa tarefa pela
primeira vez, eu tentei recusar.
— Sério? — Julien brinca com a bainha da manga. De vez em quando seus
dedos roçam a pulseira de Whisper. — Acho que não foi uma crise de
consciência.
Whisper balança a cabeça contra o ombro de Julien.
— Eu disse a ele que não faço seduções. Ele me garantiu que não era, e é
por isso que eu posava como guarda em vez de cortesã. Eu não esperava que
você me seduzisse em vez disso.
— Eu não te seduzi —, diz Julien, fingindo indignação. — Eu cortejei você.
— Qual é a diferença?
— Óptica —. Julien ri e se inclina para provar os lábios de Whisper
novamente.
Whisper se derrete no calor vivo do beijo de Julien. O beijo que sempre o
faz se sentir mais vivo do que nunca, ligando-o com amor em vez de sangue a
um homem que ele tem a honra de servir.
Talvez trabalhos longos não sejam tão ruins, afinal.

EPÍLOGO

UM MÊS DEPOIS

A porta da sala de mapas se fecha, e Julien dá seu usual abraço indigno de


urso. Mesmo que sempre.
— Você não acreditaria como é bom ver você, Audric.
A mão de Audric se levanta e pega Julien pela testa, parando-o.
— Segure esse pensamento. Eu preciso de uma bebida.
Julien afasta a mão de Audric.
— Vou servir.
Ele caminha até o armário e se concentra no ar na fechadura. Solidifica-o e
torce. O cadeado se abre. Julien olha por cima do ombro para ver Audric
erguendo as sobrancelhas para a demonstração.
— Vinho ou whiskey?
— Whiskey, obrigado.
A garrafa está meio vazia. Julien serve três copos atarracados e deixa um
na prateleira. Guardando um para si, ele entrega o terceiro para Audric, que
bebe o líquido âmbar em um único gole.
Julien fica boquiaberto.
— Ok, quem é você, e o que você fez com Sua Alteza Real Audric Galant
Sandry?
— Você. — Audric aponta para ele com a mão segurando o copo vazio. —
Deixo você em Greenhaven por quatro meses, e você está fodendo um
assassino Fellriano?
Julien cai na gargalhada.
— Dê-me algum crédito! Levei apenas dois meses para foder o assassino.
Audric massageia a ponte do nariz.
— Isso não é melhor.
Ainda sorrindo, Julien troca seus copos, dando a Audric algo para segurar,
e enche o copo de Audric para guardar para si mesmo.
— Vamos, eu lidei com isso muito bem. Você não teria seduzido ninguém,
então provavelmente estaria morto. Enquanto isso, fodendo meu assassino,
neutralizei a ameaça, descobri uma conspiração contra o reino, fortaleci a
fronteira e encontrei o amor da minha vida. — Bebendo seu uísque, Julien
contempla a expressão de Audric. — Além disso, o sexo é incrível.
Audric o encara por um longo momento, seu olhar tão frio e controlado
que Julien pensaria que ele herdou uma variedade de magia de gelo em vez de
magia de planta Sandry. Após a avaliação silenciosa, ele suspira.
— Você tem razão. Você está governando bem Greenhaven, do seu jeito
particular.
— Nem todos nós podemos ser perfeitos —, diz Julien. — Eu tenho que
jogar com meus pontos fortes.
Audric ergue o copo em saudação.
— Bem, estou orgulhoso de você. Majoritariamente. Quando vou conhecer
esse amor da sua vida?
Julien aponta por cima do ombro de Audric.
— Que tal agora?
Audric se vira quando Whisper fecha a porta atrás dele, tendo entrado tão
silenciosamente como sempre. Julien toma um momento para o comtemplar,
um novo colete casual feito do mesmo tecido roxo do aniversário de Julien na
cintura, destacando sua coloração dourada e creme. Sua expressão é calma.
Julien é o único que notaria a tensão nervosa em sua mandíbula.
Lutando contra seus próprios nervos, Julien observa Audric
cuidadosamente. O que ele vai pensar de Whisper? Julien está disposto a lutar
pelo lugar de Whisper na família, é claro, e está confiante em sua capacidade
de diminuir a desaprovação de seu irmão, se necessário. Mas ele prefere não
precisar. Ele prefere que isso dê certo. Audric e Whisper são muito
importantes para ele.
Whisper não vacila sob o escrutínio frio de Audric.
— É uma honra conhecê-lo, Sua Alteza —, diz ele, e se curva na cintura.
Depois de outro momento, Audric oferece sua mão.
— Você pode soltar o título em particular, Whisper. Somos uma família
agora, afinal.
Julien nem se preocupa em esconder seu sorriso bobo e aliviado quando
Whisper aperta o braço de Audric. Um calor suave floresce em seu coração
quando Whisper encontra o olhar gelado de Audric.
— Alteza, sei que minha história é sombria e machuquei gravemente
Julien. Eu não mereço o perdão que ele me deu. — O olhar rápido de Whisper
interrompe o protesto instintivo de Julien. — Mas quero lhe assegurar que a
partir de agora vou servi-lo e protegê-lo com minha vida. E enquanto ele amar
este país, servirei Silaise também.
—Obrigado. — Audric bate no ombro de Whisper. — Acho que Silaise
precisa de pessoas como você, seja na luz ou na escuridão. — Ele olha para
Julien. — Jules, vamos conversar em particular mais tarde?
— Podemos conversar agora —, diz Julien. — Tudo o que você precisa me
dizer, ele pode ouvir. Eu vou dizer a ele mais tarde de qualquer maneira. A
menos que sua vida amorosa também esteja florescendo?
Audric revira os olhos.
— Acho que não. — Julien aponta. — Whisper, sua bebida está aí.
Eles se acomodam ao redor da mesa de mapas gravados. Whisper se senta
no trecho inferior do Jaws. Audric está sentado à sua esquerda, ao longo da
costa de Draskoran. Julien continua de pé, encostado no encosto da cadeira de
Whisper, para poder brincar com os cabelos dourados e macios de Whisper.
— A condição da mãe melhorou, — Audric começa. — Eu assumi alguns
dos feitiços de fundação de Sandrelle, o que exigiu um pouco de esforço dela.
Julien toma um gole de uísque.
— Isso é bom, certo? O que há com a cara de más notícias?
— Claude finalmente a convenceu a chamar Bellamy de volta.
— O que? Julien coloca seu uísque na mesa para não derramar em
Whisper, que se vira para dar a ele um olhar preocupado. Retomando as
carícias de Whisper para se acalmar, Julien pergunta: — Voltar para Sandrelle,
ou apenas voltar para Silaise em geral? Ele poderia vir para Greenhaven. Ele
adoraria Fisk e Rumi.
— De volta a Sandrelle —, diz Audric. —Tentei perguntar por que, mas ela
me desligou completamente. Eu sei que Claude está especialmente nervoso
com Bellamy fora do país, dada a situação com Fellrin, mas se essa fosse a
única razão, mamãe simplesmente me diria.
Whisper se inclina para o toque de Julien.
— Acho que estou perdendo algum contexto. Por que chamar o príncipe
Bellamy de volta é um problema?
— Ele tem essas dores de cabeça —, explica Julien. — São piores quando
ele está em Sandrelle, e ninguém conseguiu descobrir por quê. Ele está na Ilha
de Tavoc nos últimos dois anos, aproveitando a biblioteca da Duquesa
Tavorai. Ele se vira para Audric. — A fronteira está bem estável agora. Eu
poderia navegar até Tavoc e escoltá-lo de volta.
Audric termina seu uísque, parecendo tão preocupado quanto Julien.
— Eu queria acompanhá-lo também, mas mamãe já mandou chamá-lo. Ele
já está em um navio.
— Porra. — Julien ajeita o cabelo de Whisper de volta no lugar e cai na
cadeira à sua direita. Seus cotovelos pousam em um pedaço da selva Fellriana.
— Eu não gosto disso. E se houver uma tempestade? E se eles forem atacados
por piratas?
— Eu também não gosto —, diz Audric. — Eu não gostei de mandá-lo
embora, mas pelo menos você estava junto para essa viagem.
— Espere, — Whisper interrompe, olhando entre eles. — Quantos anos
tem o príncipe Bellamy, de novo? Achei que ele fosse…
— Vinte e um, — Audric responde.
—Isso não pode estar certo—, diz Julien. — Eu juro, ontem ele tinha doze
anos. Ele não pode ter mais de dezessete anos.
— Certo. — Whisper olha entre eles novamente. — Você fala sobre ele
como se ele tivesse dezessete anos, mas ele tem mais ou menos a minha idade,
já que eu provavelmente tenho vinte e um agora. Tenho certeza de que o
príncipe Bellamy ficará bem em fazer a viagem apenas com seus guardas
juramentados, marinheiros, magos do tempo e todos os outros o
acompanhando.
Julien franze a testa.
— Você tem um ponto.
— Devemos mimar menos Bellamy? — Audric pergunta, parecendo
duvidoso.
— O que? Porra, não. — Julien aproxima sua cadeira de Whisper e joga os
braços ao redor de seus ombros. — Eu deveria estar mimando mais meu doce
e jovem amante.
Whisper e Audric reviram os olhos em uníssono, e Julien começa a rir. Sim,
Whisper vai se encaixar perfeitamente no círculo íntimo dos irmãos Sandry. E
quaisquer que sejam os desafios à frente, em casa e no exterior, de
intromissões estrangeiras a intrigas internas e os perigosos planos de viagem
de seu irmão mais novo, eles os enfrentarão juntos.

***

PRÍNCIPE DISFARÇADO

PERILOUS COURTS

LIVRO DOIS

Rakos não é realmente um fazendeiro. Bellamy definitivamente não é


um menestrel.

Protegido e doente, o príncipe Bellamy sempre ansiava por aventura, mas


não assim. Capturado em território inimigo, a verdadeira identidade de
Bellamy o matará, ou pior. Quando seu companheiro de prisão pergunta quem
ele é, Bellamy afirma ser um menestrel.
Mesmo que ele não possa carregar uma música para salvar sua vida. Ele
entrou em pânico, ok?
Rakos era a estrela em ascensão dos cavaleiros de dragões Draskoran até
que a traição o acorrentou. Ele sabe de duas coisas com certeza: não pode
confiar em ninguém e quer seu dragão de volta. Quando o belo menestrel
pergunta quem ele é, Rakos afirma que ele é um fazendeiro. Quando Bellamy
implora por ajuda para chegar à fronteira, Rakos se recusa.
Até Bellamy revelar que sua magia é exatamente o que Rakos precisa.
Noites de tempestade, soldados perseguindo e mascaradas mortais forjam a
parceria improvável de Rakos e Bellamy em algo mais. Algo emocionante.
Rakos trata Bellamy como uma pessoa , não como um príncipe fraco e
intocável, mesmo quando o protege.
Mas os inimigos de Rakos estão circulando, e essa proteção pode ser a ruína
de Bellamy.

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