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LIVRO UM
Todos os personagens e eventos deste livro são fictícios, e qualquer
semelhança com pessoas reais é mera coincidência.
PERILOUS COURT
Príncipe e Assassino
Príncipe Disfarçado
Príncipe e Peão
SINOPSE
Ele devia matar o príncipe não se apaixonar por ele...
Whisper não se lembra do seu nome verdadeiro. Tudo que ele conhece é a
guilda de assassinos de elite que o criou; atormentado por pesadelos ele não
pode recusar tarefas, mesmo quando seu novo trabalho não faz sentido:
Infiltra-se na corte do príncipe Julien, protegê-lo até que o sinal chegue e
depois matá-lo.
Epílogo.
❧
CAPÍTULO UM
WHISPER
Whisper se alinha com os outros na sala do pai. Ele ainda não viu o cliente,
mas já pode pegar pistas sobre o trabalho. O pai permite que muito poucos
clientes entrem no Canil para selecionar um Hound1 pessoalmente. Este
cliente deve estar pagando um prêmio.
Nenhum dos outros dois jovens no salão ornamentado compartilha uma
especialização com Whisper. À direita de Whisper está Adder, o segundo
melhor envenenador do pai. Além de Adder está Lily, que prospera em longas
seduções, passando meses ao lado de um alvo antes de eliminá-lo.
Whisper não demora em suas mortes, e ele não usa veneno. Ele fica
melhor com uma faca ou travesseiro e entra e sai em uma hora, sem deixar
vestígios. Então, o método de morte não é importante. Seus dossiês seriam
suficientes para isso de qualquer maneira.
A formação física sugere que a aparência pode desempenhar um papel.
Eles são todos do sexo masculino, todos em torno da mesma idade. Mas é aí
que as semelhanças terminam, talvez o cliente escolha entre os tipos. Lily tem
cabelos escuros e lustrosos, pele morena e uma figura esbelta cuidadosamente
mantida. A pele de pêssego de Adder tende a descascar em vez de bronzear, e
1
Hound: cão de caça
ele está atualmente experimentando uma infeliz barba enferrujada. Ele se
move mais rápido do que a constituição de seu lavrador sugeriria.
Whisper é pequeno e parece mais jovem do que sua idade provável de
vinte. Bonito, em vez de lindo. Ele não tem a elegância esbelta de Lily, e
embora ele possa domar seu cabelo loiro bagunçado em algo atraente, ele não
precisa. Whisper não aceita trabalhos longos e não seduz seus alvos.
Se é um trabalho para as aparências, Lily é a escolha óbvia.
Adder desloca seu peso no tapete floral escuro. Ele está em seu quarto
trabalho para o Canil. Mais dois antes que ele possa pedir uma benção ao pai.
— O que você acha que o cliente está procurando?
Whisper o ignora, atento aos passos que se aproximam do hall de entrada.
O pai não gosta quando eles falam demais.
— Por aqui, meu senhor, — papai diz do lado de fora da sala. — Não se
preocupe. Eles não vão te ver de jeito nenhum.
Esse é o único aviso de Whisper antes que sua visão escureça. A náusea
toma conta dele enquanto lanternas de seda vermelha e pinturas a óleo
desaparecem de seus olhos abertos, e apenas uma longa prática o impede de
fazer caretas. Ele está no Canil há quatorze anos e ainda não está acostumado
com a magia do sangue de Reo Barnaby.
Trancada no escritório do pai está uma garrafa de vidro do sangue de
Whisper, disposta ao lado de garrafas idênticas para todos os outros Hounds
no Canil. Os filactérios2 são o segredo do controle do Pai sobre seus cães; ele
não precisa lançar um novo feitiço toda vez que quiser puni-los. Cegá-los para
uma demonstração não é nada. Ele poderia parar seus corações com apenas
um pensamento e um toque de poder.
Se eles falharem em um trabalho, é exatamente isso que ele faz.
— Agradeço a acomodação —, diz o cliente. Macho, nem jovem nem velho.
Ou nascido na aristocracia ou bem treinado em fingir. — Eu entendo que isso
está fora de seus procedimentos habituais.
— Não é problema nenhum. Você gostaria de tomar uma taça de vinho? Eu
tenho Silaisan, ou uma safra local.
— Vou tentar o local.
Whisper desliga o som do pai abrindo e servindo o vinho, prestando
atenção ao ritmo lento do cliente pelos tapetes de tapeçaria. Ele para na frente
de cada um deles. Dezenove segundos na frente de Lily. Oito segundos na
frente de Adder. Ele para na frente de Whisper.
— Ah, aqueles olhos.
Há um tilintar de vidro na madeira antes de o Pai se aproximar.
— Lembre-se de que eles ainda estão ouvindo.
— É claro. Levante o queixo, garoto.
O cliente não o toca, mas o ar muda quando seus dedos Pairam logo abaixo
do queixo de Whisper. Whisper levanta o rosto, sem expressão. O olhar do
cliente é muito mais pesado do que a sugestão dos dedos.
2
Pequenos recipientes cúbicos feitos de couro.
Whisper não é de Fellrin como Lily e Adder. Ele nasceu nas montanhas de
escamas de Draskora, com os profundos olhos violetas para provar isso. Pela
forma como o pai silenciou o cliente, o interesse em seus olhos é relevante. O
trabalho é em Draskora?
O cliente se afasta, bebendo seu vinho.
— Qual é qual?
— Ali são Lily, Adder e Whisper.
— Eu vejo. Vamos continuar no seu escritório? Isso é delicioso, a
propósito.
Os dois homens saem. Momentos depois que a porta se fecha, a magia do
sangue passa pela cabeça de Whisper novamente. Sua visão volta lentamente,
camadas de névoa se dissipando, até que tudo o que resta do feitiço é uma leve
dor atrás das órbitas oculares.
— Acho que sabemos o que o cliente está procurando agora. — Adder
esfrega sua própria têmpora dolorida. — Ah, aqueles olhos.
Lily mira um chute no joelho dele, que Adder mal se esquiva.
— Cale-se. Eu vou voltar a dormir. Whisper?
Whisper se senta em um sofá vermelho rígido enquanto Adder desaparece
no corredor.
— Vou esperar pelo pai.
— Tão confiante. — Lily para na porta. — Este já será seu sexto emprego,
não é? Barnaby vai cobrar uma porra de resgate por isso. Ele vai querer tirar o
máximo de você enquanto pode.
Lily é um dos únicos Hounds que chama o pai pelo nome.
Whisper desvia o olhar.
— Isso é com ele.
Além de Hemlock e papai, Lily é provavelmente o aliado mais próximo de
Whisper no Canil. Eles transaram algumas vezes alguns anos atrás, quando
Lily alegou que ele precisava de alguém para praticar. Mas isso significa tão
pouco para Whisper quanto para Lily, e agora, Lily vai embora sem dizer mais
nada.
Sozinho, a postura de Whisper se suaviza. Sua cabeça se inclina contra o
encosto rígido do sofá, e a antecipação o percorre. Estranho e doloroso, não
muito diferente da magia do sangue. Lily está certo. Este seria seu sexto
trabalho. Ele só voltou de seu quinto um mês atrás, e ele pensou que teria que
esperar pelo menos meio ano antes do próximo.
Cerca de vinte pessoas vivem no Canil, uma mansão discreta no interior de
Fellrian. Às vezes mais, às vezes menos. Os mais novos ainda estão em
formação. Os mais velhos estão contando seus empregos.
Os primeiros cinco empregos são todos iguais. A recompensa pelo sucesso
é a sobrevivência e uma parte do lucro do pai. O preço do fracasso é a morte.
Depois que um Hound termina seu sexto trabalho, porém, o pai concede a eles
um benefício de sua escolha. Qualquer coisa dentro de seu poder, dentro da
razão.
Alguns escolhem a riqueza. Três anos atrás, Arrow conseguiu uma mansão
na capital Fellriana. Antes disso, Smoke pediu uma lasca rara de escama, o
minério impregnado de magia quase impossível de encontrar fora de
Draskora. A única benção que Whisper ouviu de papai recusar foi quando um
mago pediu um Graal “caro demais e facilmente rastreado.”
Mas geralmente, os Hounds escolhem a liberdade. O pai quebra a filactéria
deles e os liberta da maldição do sangue.
Não há mais treinamento, não há mais empregos. Não há mais magia de
sangue para cegar, matar ou forçar a obediência. Chega de se perguntar se o
café da manhã está envenenado porque Adder está testando seus antídotos.
Chega de ajudar os mais novos a treinar, e chega de elogios do pai quando ele
se sai bem.
Tocando sua pulseira novamente, Whisper conta as contas. Cada um é um
metal ou pedra preciosa diferente, derretido ou esculpido a partir de fichas
que ele tirou de cada um de seus alvos. Seu bracelete de troféus, Lily chama,
mas Whisper não se orgulha deles. Não são troféus. Só memórias.
Cada Hound lida com o trabalho de forma diferente. Alguns prosperam
com isso. Alguns preferem esquecer e compartimentar. Whisper nunca teve
jeito para isso.
Pés descalços trovejam pelo corredor, e a porta da sala se abre com um
estrondo. Hemlock se apoia na maçaneta da porta, é claro. Apenas Hemlock
faria tanto barulho.
— Pare de cochilar —, diz ela, mostrando covinhas. — Papai me pediu
para buscá-lo.
— Aposto que ele não pediu para você gritar, — Whisper diz, levantando-
se.
— O cliente se foi. — Hemlock vira seu rabo de cavalo bagunçado atrás do
ombro.
— Eu não o vi, mas ouvi a porta.
Whisper ainda pensa em Hemlock como uma das mais jovens, mas ela tem
quase dezesseis anos agora. Cabelos escuros, olhos castanhos brilhantes,
excitáveis. Ele não tem certeza de onde ela é. Ela não falou quando papai a
trouxe para casa seis anos atrás, e quando ela encontrou sua voz, seu sotaque
era mais parecido com o de Whisper do que qualquer outra coisa. Ele é quem
mais conversava com ela.
Enquanto ele também a ensinou a atirar facas, ficou claro desde o início
que os talentos de Hemlock estavam em outro lugar. Apenas quinze anos, e ela
já é a razão pela qual Adder foi rebaixado para o segundo melhor
envenenador.
Hemlock é a única que Whisper realmente sentirá falta quando for
embora. A única que ele considera uma irmã.
— Que benefício você vai receber? — Hemlock pergunta enquanto
caminham pelos corredores bem iluminados. A luz clara flui entre as barras de
ferro das janelas.
— Não, não diga isso. Eu não posso suportar. Promete que vai visitar, não
vai?
— Se o pai permitir. — Whisper para ao pé da escada, e Hemlock para ao
seu lado.
Há algo fora sobre ela hoje. Ela não precisa acompanhá-lo até o escritório
do pai, e ela geralmente não é tão pegajosa.
Whisper escova sua franja bagunçada para trás de sua testa.
— Você voltou do seu segundo emprego na semana passada, certo? Como
foi?
Fazendo uma careta, ela o deixa arrumar seu cabelo.
— Cinco dias atrás. Foi bem. É claro. Eu era incrível.
A voz dela é muito brilhante. Deliberadamente alegre demais. Ela não
tinha essas sombras sob os olhos da última vez que ele a viu. Por um
momento, Whisper corre o risco de perguntar: Você também tem pesadelos?
Mas ela não precisa carregar as memórias de Whisper em cima das suas.
Ela já é muito doce para o Canil.
— Você é sempre incrível, — Whisper diz em vez disso. — Vejo você no
jantar.
Suas covinhas aparecem novamente.
— Talvez você vá. Talvez você não vá. — Ela corre a uma velocidade
vertiginosa pelo corredor enquanto Whisper retoma a caminhada no andar de
cima. Seus passos estão calmos como sempre, mas seus ombros parecem mais
pesados do que o normal.
A voz do pai soa antes que Whisper possa bater na porta.
— Entre.
O escritório de Reo Barnaby não tem nada da decoração ornamentada do
salão. É uma sala espaçosa de linhas simples e organização precisa. Paredes
lisas caiadas e móveis mínimos: a escrivaninha do pai, algumas cadeiras de
madeira, uma estante e o armário de filactério. É fácil ver de relance se alguma
coisa está fora do lugar, e nada nunca está.
O único item confortável é o sofá de pelúcia contra a parede esquerda,
colocado para pegar a luz do sol. Nela está um gato preto como carvão,
parecido com um tigre “Henrietta.” Whisper desvia para acariciar sua testa
larga e sedosa antes de se aproximar da mesa.
Papai está sentado atrás de sua mesa, com os olhos na página que está
escrevendo. Sua cadeira de madeira não é mais confortável do que as cadeiras
na frente de sua mesa. Botões prateados brilham em seu colete cinza, e seu
cabelo preto está penteado para trás longe de sua testa. Já na casa dos
cinquenta, ou no início dos sessenta, ele pareceria um barão mercante
abastado se não fossem as cicatrizes visíveis onde suas mangas estão
dobradas. Outra linha branca-rosada de tecido cicatricial torce sua têmpora,
quase perdendo o olho direito.
A Hemlock confidenciou uma vez que achava o escritório do pai
intimidante. Ela não gosta de ficar tão perto dos filactérios. Whisper acha que
é o quarto mais confortável do Canil. É o único lugar onde ele não precisa se
preocupar com o que os outros estão tramando. O lugar onde pai é mais
honesto do que em qualquer outro lugar.
É aqui que o pai lhe diz quem matar, e onde Whisper relata seu sucesso
depois. Whisper sabe o que esperar nesta sala.
Deixando a caneta de lado, o Pai sorri calorosamente enquanto Whisper
puxa uma cadeira à sua frente.
— Sua próxima missão. — Ele desliza dois pedaços de papel sobre a mesa.
— Julian Sandry.
A primeira página é uma visão geral da tarefa bem escrita. Detalhes do
alvo, localização, requisitos especiais. Whisper examina primeiro a segunda
página: um retrato a carvão lacrado. O sombreamento preto e cinza captura
um rosto ousado, a arrogância juvenil do homem clara através do esboço.
Sobrancelhas fortes, lábios carnudos, maçãs do rosto salientes. O retrato é
interrompido pelas ombreiras que brilham em seus ombros.
Whisper não conhece o rosto, mas conhece o nome. Julien Sandry, segundo
príncipe de Silaise.
— Nós não tocamos na realeza antes.
— Temos, embora já faça algum tempo —, Pai diz. — Os clientes
raramente concordam com uma compensação adequada pelo problema.
A ideia de matar um príncipe não incomoda Whisper. Seu último alvo foi
um marquês Fellriano, e um marquês e um príncipe são apenas uma diferença
de grau de dificuldade. Matar nobres parece mais justo do que matar plebeus.
Eles podem oferecer uma proteção melhor para o Whisper contornar.
Embora a identidade do alvo esteja bem, tudo o mais escrito na página de
atribuição enche Whisper de desconforto.
— Há um bônus de tempo?
— Não é um bônus —, Pai fala. — O momento é obrigatório. Você deve se
infiltrar no castelo, estabelecer-se na corte e se preparar para matar o
príncipe quando receber um sinal. Se você o matar antes do sinal, ou depois de
dois dias após o sinal, a missão será considerada um fracasso.
E o fracasso significa que a vida de Whisper está perdida.
— Quando posso esperar o sinal?
— Não antes do primeiro dia de Briars.
Quatro meses apartir de agora. Whisper toca sua pulseira.
— Eu entendo que você sabe melhor.
— Mas? — Pai dá um tapinha na mão de Whisper sobre a mesa. — Fale o
que pensa, meu querido. Eu gosto de você inteligente. Agora é a hora das
perguntas.
No final do dia, os Hounds cumprem qualquer trabalho que o pai lhes
atribua, independentemente de suas preferências. Em alguns anos, mesmo
desajeitada, hiper Hemlock pode ser condenada a seduções cansativas de
meses de duração. Whisper tenta não pensar em Hemlock sofrendo por longos
trabalhos. Mas pai geralmente considera seus pontos fortes e fracos. As
diversas especializações fazem parte do valor do Canil em comparação com
outras guildas de assassinos no continente Alanthan.
Whisper não aceita um trabalho longo desde o desastre de sua segunda
missão.
— Este trabalho é perfeito para Lily —, diz ele. — Eu não. Não faço
trabalhos longos e não faço seduções.
pai ri.
— Que sedução? Você tem confraternizado demais com Lily. Há mais de
uma maneira de se infiltrar em um castelo.
— Três parágrafos deste briefing são sobre as ligações sexuais do
príncipe. — Whisper aponta para a página.
— Há mais informações sobre o tipo de homem que ele dorme do que
sobre sua magia. Isso parece um briefing3 de sedução para mim.
— Mesmo que fosse uma sedução, você já considerou que Lily pode não
ser tão perfeito assim? — O Pai bate na página, as unhas batem na frase elenco
rotativo de cortesãos.
— Se um príncipe quer uma empregada de cama, ele pode pagar uma.
Alguém menos polido pode ser mais atraente.
Seus olhos percorrem Whisper em uma avaliação desconfortável.
3
Um conjunto de informações, uma coleta de dados para a realização de um trabalho.
— No entanto, há outro motivo para acompanhar os associados do
príncipe.
Quando o pai não elabora, Whisper relê a página da tarefa. Uma cabeça
pesada bate em sua mão, e ele coça atrás da orelha de Henrietta enquanto lê.
Julien Sandry é o segundo de três irmãos. Todos os três príncipes são
legalmente filhos da rainha Margot Sandry e sua consorte Lady Claude Galant.
Seus pais biológicos são Lady Claude e o falecido Barão Tesson Rue. Nenhum
deles herdou a magia do ar Rue naturalmente, e o Barão Tesson faleceu antes
de compartilhá-lo através do feitiço de herança.
A rainha concedeu a cada um deles a magia da planta Sandry quando
tinham idade suficiente, mas a compreensão de Julien é a mais fraca das três.
Um obstáculo, mas não intransponível. Whisper já matou um mago antes;
furtividade é a chave.
Vinte e três anos, Julien gosta de caçar, jogar, beber e dançar, e passou os
últimos anos fodendo seu caminho pela corte da rainha Margot em Sandrelle.
No entanto, a missão de Whisper o levará ao Castelo Greenhaven, perto da
fronteira Draskoran, onde Julien deve substituir o comando de seu irmão mais
velho. A mudança das atribuições dos príncipes é muito abrupta. A frase sem
explicação oficial salta à tona na releitura.
Whisper para, antes que Henrietta o cutuque para continuar acariciando-
a.
— Nosso cliente não é o único que quer o príncipe Julien morto.
— Aí está —, Pai diz, com raro orgulho em sua voz. — É por isso que
preciso de você para este trabalho. Você é o meu melhor, Whisper. E o truque
para este trabalho não será matar o alvo ao sinal. Você também terá que
mantê-lo vivo até então.
O elogio caloroso não deixa espaço para recusa.
— Sim, pai.
Pai continua.
— Eu sempre soube que você tinha potencial, mas você me provou míope.
Eu suponho que você já memorizou isso, mas dê outra leitura só para me fazer
sentir melhor. Enquanto Whisper obedientemente relé a tarefa, o pai pega
uma garrafa de conhaque meio vazia e dois copos da gaveta da escrivaninha.
Ele despeja uma polegada de licor dourado em cada um.
— Podemos discutir suas necessidades de viagem e identidade amanhã.
Neste momento, há outra coisa sobre a qual precisamos conversar.
Henrietta volta para seu sofá macio enquanto o pai empurra o copo na
direção de Whisper. De qualquer outra pessoa, Whisper seria cauteloso, mas
se pai o envenenasse, seria por um bom motivo. O pai sempre tem um motivo.
Whisper sorve o conhaque. É o mais barato dos hábitos do pai, afiado no
fundo da garganta.
— Este é o meu sexto trabalho.
Pai esvazia o copo de um só gole e o pousa com um tinido.
— É seu sexto trabalho. Qual será o seu benefício, Whisper?
Uma hora atrás, a resposta teria sido simples. Whisper não quer adicionar
mais contas ao seu bracelete. À medida que envelhece, à medida que
compreende melhor o peso permanente de suas conquistas, os pesadelos
pioram. Ele está cansado de sangue em suas mãos e magia brincando
descuidadamente com seus sentidos, e apenas o pensamento de liberdade o
levou até seu último trabalho.
Isso foi há uma hora. Agora, há algo que ele quer muito mais
desesperadamente do que sua própria liberdade. Ele chama Reo Barnaby de
pai. A maioria deles faz. Mas há apenas uma pessoa que Whisper pensa como
irmã.
Whisper encontra o olhar do pai diretamente.
— Eu quero que você solte Hemlock.
A mandíbula do pai afrouxa, as sobrancelhas levantam e estendem a
cicatriz pelo rosto. A surpresa é rara nele.
— Por quê?
— Ela não é adequada para esta linha de trabalho. — Whisper resiste à
vontade de mexer em seu bracelete. O pai odeia quando ele fica inquieto, e se
ele ficar depois do sexto emprego, ele precisa manter pai feliz. — Ela tem o
talento, mas não o temperamento.
— O temperamento pode ser treinado, assim como o talento. Eu investi
bastante em Hemlock, e ela é valiosa.
— Ela é mais valiosa do que eu? — Whisper pergunta. — Eu sei que golpes
diretos ganham mais do que envenenamentos. Solte-a e continuarei
trabalhando para você. Isso está ao seu alcance, e você não tem motivos para
me recusar.
Pai se serve de outro copo. Sua breve surpresa se foi substituída por uma
calma ilegível. Depois de um longo momento contemplando seu conhaque, ele
encontra os olhos de Whisper novamente.
— Muito bem. Se você completar este trabalho, vou quebrar o filactério de
Hemlock e libertá-la. Antes que o alívio de Whisper se instale, paPai continua.
— Mas se a recompensa é dela, a punição é dela também.
Whisper se encolhe.
— O que? — O significado filtra lentamente por sua mente, como sua visão
nadando de volta após a cegueira. — Não. Você não pode.
— Os termos são finais —, diz o Pai. — Se você falhar no trabalho, eu vou
matar Hemlock em seu lugar. — Ele toma um gole de conhaque e pega um
livro. — Encontre-me amanhã depois do café da manhã para revisar a
logística. Você está dispensado por enquanto.
Horrivelmente entorpecido, Whisper se levanta sem sentir seus membros.
Só quando ele sai do escritório do pai é que o pânico se quebra em suas veias,
como inúmeras facas lascadas.
❧
CAPÍTULO DOIS
JULIEN
***
— Estou ansioso pelo banquete —, diz Loras Frenn com uma taça de vinho
gelado.
— Parece que será o mais divertido que Greenhaven viu em anos. Décadas.
Talvez até séculos.
— Você está me dizendo que meu irmão nunca deu festas? — Julien toma
um gole de seu próprio copo. — Estou chocado. Completamente chocado.
Loras ri um pouco demais com a brincadeira. Julien não é tão engraçado.
Mas Loras não é má companhia até agora. Ele é o filho mais velho do
duque Hebert, que detém grande parte das terras ao longo da fronteira
Draskoran. Sua irmã mais nova herdou a maior parte da magia Frenn e deve
herdar o ducado, deixando Loras livre para beber e flertar com príncipes.
Eles estão passeando por um dos jardins agora, o ar dourado com
fragrância ao sol da manhã. Depois de uma semana em Greenhaven, os jardins
ricos lembram Julien mais fortemente de casa. Quatro guardas do juramento
seguem a uma distância educada. Nadine está ocupada ajudando Lucien a
entrevistar novos recrutas para a guarda do castelo.
— Admiro o príncipe Audric, é claro —, diz Loras. — Ele simplesmente se
deu melhor com minha querida irmã. Elinor é bastante... quero dizer isso da
melhor maneira possível... bastante severa.
Julien se lembra vagamente de Elinor; ele a viu pela última vez dez anos
atrás, quando ela ainda era conhecida como o irmão mais novo de Loras. Loras
é certamente o oposto de severo, rápido para sorrir e mais rápido para beber.
Ele é alguns centímetros mais baixo do que Julien, com feições morenas
quentes e a gargalhada de um homem com o dobro do seu tamanho. Julien não
se importaria de cair na cama com ele, se a ocasião o pedisse.
Talvez Loras seja mais astuto do que parece. Ele está intencionalmente
tentando prejudicar Julien contra sua irmã?
— Estou ansioso para conhecer Lady Elinor também. — Julien bebe
novamente seu vinho, uma mistura dourada e crocante dos vinhedos do sul.
Este parece um momento tão bom quanto qualquer outro para chegar ao seu
verdadeiro propósito na conversa.
— Mas a fronteira certamente não pode ser tão monótona. Ouvi dizer que
a floresta de anciões de sua família envergonha Sandrelle.
— Você caça, Alteza? — pergunta Loras. — Eu providenciarei uma caça ao
wyrm4 quando você quiser. Não sei sobre Sandrelle, mas nossas matas são
marcantes nesta época do ano.
— Não se sinta obrigado a me obrigar —, diz Julien, embora tenha feito a
observação justamente com essa intenção.
— Seria um prazer para a Casa Frenn recebê-lo, — Loras o assegura.
— Esplêndido. Vou pedir para alguém entrar em contato com você para
fazer arranjos.
As terras da Casa Frenn incluem a área onde o caçador local desapareceu.
Uma viagem de caça real será uma ótima desculpa para os guardas
juramentados inspecionarem a área com antecedência. Muito menos
perturbador do que solicitar permissão especial para uma investigação aberta.
O movimento chama a atenção de Julien do outro lado do jardim. Uma
figura visível além das margens de flores cor-de-rosa e douradas e os troncos
finos e dourados das árvores. A folhagem impede Julien de dar uma boa
olhada nele, tudo o que ele vê são cabelos dourados e uma camisa cinza-
escura. Isso é bastante suspeito; as únicas pessoas que deveriam estar aqui
são servos de verde ou guardas de juramento de preto.
Julien abaixa o copo.
— Loras, você poderia me dar um minuto? Há mais vinho no pavilhão.
— Claro, Alteza.
4
Um tipo de dragão.
Julien gesticula para um dos guardas seguir Loras e para os outros ficarem
na beira do jardim. Ele não precisa de babás quando está cercado pelas raízes
e veias da magia de Sandry. Taça de vinho na mão, ele caminha pelos
caminhos perfumados para enfrentar o intruso.
O intruso muito calmo serpenteando lentamente pelo jardim.
Julien vira uma esquina atrás do homem, e sua impressão inicial é de uma
figura esguia, meio pé mais baixa que Julien. Ondas de cabelo amarelo-ouro
bagunçadas roçam a gola dobrada de sua camisa. Braçadeiras de couro em
seus pulsos, mas nenhuma arma visível. Roupas simples. Julien só tem um
momento para admirar a forma como suas calças se agarram a sua bunda
antes que o homem ouça sua aproximação e se volte.
— Olá, — Julien diz alegremente, então esquece tudo o que ele queria
dizer.
A aparência do jovem chamaria a atenção de Julien em qualquer situação.
Seu rosto em forma de coração floresce entre os reinos de bonito e lindo.
Julien quer tocar seu queixo delicadamente pontudo e virar o rosto para um
lado e para o outro, para ver como a luz do sol ilumina cada novo ângulo dele.
Mas são seus olhos que detêm Julien em seu caminho. Um azul-púrpura
profundo, como crepúsculo ou hematomas, intocado pela luz do sol.
Olhos assim só vêm do coração de Draskora, onde as veias de escamas
convergem e a magia se infiltra na própria terra e água.
Não há indícios de Draskoran na voz do homem, porém, quando ele
responde:
— Sinto muito, você poderia me indicar o escritório do comandante da
guarda?
As palavras tiram Julien de seu transe.
— Você está aqui para as entrevistas dos guardas?
— Se eu puder encontrá-los.
O loiro gesticula impotente para o jardim ao seu redor.
— Tenho a sensação de que não deveria estar aqui.
— Você realmente não deveria. — Julien toma um gole de vinho,
recuperando-se da surpresa. — Que tal isso, eu vou falar as direções, em troca
do seu nome.
— Meu nome não vale muito, mas é Will Hadley.
Um nome Fellriano. Interessante. Ainda mais interessante? Will Hadley,
com o nome Fellriano e olhos Draskoran, não parece reconhecer Julien.
— Não se venda barato, Will. — Julien gesticula para que ele o siga.
— Passe aqui, está vendo aquele portão? Saia por esse caminho, depois
vire na segunda à esquerda através da cerca viva. Continue andando em linha
reta até chegar a uma parede, depois siga essa parede à direita até chegar a
uma porta. Você provavelmente verá seus colegas recrutas esperando por
entrevistas. Entendeu?
— Acho que sim —, diz Will. — A segunda esquerda?
— A segunda saída. — Agora que Julien superou sua surpresa, os olhos de
Will estão impressionantes cercados pelas flores douradas e cor-de-rosa.
Provavelmente uma má ideia oferecer-se para acompanhá-lo ao escritório de
Nadine.
— Não incomode os servos, mas você pode pedir a qualquer soldado as
direções. São os que estão em verde escuro.
Os lábios de Will se contorcem.
— Eu provavelmente pareço um idiota.
— Você não é o primeiro a se perder em Greenhaven —, diz Julien. — Meu
irmão mais novo se perdeu com tanta frequência que mamãe ameaçou colocar
uma coleira nele.
— Eu acredito nisso.
— Bell era mais velho do que você esperaria na época também. — Julien
ergue ligeiramente o copo em saudação. — De qualquer forma, eu tenho um
lugar para estar. Boa sorte com os testes.
— Obrigado, Senhor... — Will para.
Julien está tentado a continuar com a farsa do anonimato, veja quanto
tempo ele pode insistir antes que Will perceba quem ele é. Mas isso seria
injusto. Julien brinca com cortesãos perversos e intrigantes, não com
adoráveis jovens plebeus.
— Meu nome é Julien. E não me importo com o endereço casual, mas a
capitã Nadine provavelmente dirá para você me chamar de 'Sua Alteza'.
Para crédito de Will, ele não cora ou gagueja. Ele simplesmente pisca,
depois repete obedientemente:
— Vossa Alteza —. O honorífico soa melhor vindo dele do que de Loras. —
Você não deveria ter guardas com você? Sua Alteza.
Julien ri.
— Oh, Nadine vai adorar isso. Você soa como ela.
Levantando seu copo novamente, Julien se retira para o pavilhão antes
que ele perca o controle e comece a flertar de forma muito óbvia. Porque o
pequeno Will Hadley é muito atraente; e completamente fora dos limites.
Julien brinca com os cortesãos. Companheiros nobres e bajuladores. Ele não
brinca com seus empregados.
Há algo mais sobre Will que atrai o interesse de Julien. Ele não consegue
identificar o porquê. Não há nenhum sinal evidente na expressão de Will, sem
círculos sob seus olhos. Mas Julien tem a nítida impressão de que Will está
exausto.
Como se ele estivesse esticado demais. Como se ele não dormisse há dias.
❧
CAPÍTULO TRÊS
WHISPER
CAPÍTULO QUATRO
JULIEN
Julien tinha um plano para a noite. Coma um pouco, beba muito, prove a
rosa da noite, siga Valerie Marcel para ver qualquer presente surpresa que ela
tinha para ele, depois fuja para um canto escuro e estabeleça relações
diplomáticas íntimas com Loras Frenn.
Examinando o pátio caótico, Julien mentalmente coloca uma dor de cabeça
em seu itinerário também. Enquanto ele queria agitar as coisas esta noite, ele
queria que a agitação fosse entre a nobreza local, não sua própria guarda do
castelo.
Julien segura o guarda louro e magrelo até que alguém detenha o guarda
maior. Só quando ele recua ele reconhece Will Hadley perdido do jardim.
— Vejo que você conseguiu passar por testes —, diz Julien para ele.
Uma marca sobe na bochecha esquerda de Will, mas ele está muito mais
calmo do que o guarda mais velho ofegante e com o rosto vermelho atrás dele.
— Sua Alteza.
— Sim, sou eu. Vou me repetir, o que diabos está acontecendo?
— Eu gostaria de me pronunciar, Alteza, — Lady Valerie diz ao seu lado.
Pálida e resplandecente em seu vestido vermelho Marcel, ela encara um de
seus próprios guardas.
— Eu lhe disse para manter todos longe dos animais. Alguém se
machucou?
— Não, Lady Valerie.
Julien já viu um único gato à distância, em uma viagem de infância a
Fellrin. A mãe não permitiu que ele chegasse perto deles, o que foi
decepcionante, mas compreensível. Cinco anos de idade na época, Julien tinha
mais entusiasmo do que bom senso quando se tratava de gatinhos de
quatrocentos quilos.
Os anos intermediários não lhe deram muito mais sentido. Os gatos são
lindos, enchendo Julien com um desejo indigno de enterrar o rosto em suas
peles de pelúcia.
Talvez mais tarde.
O guarda mais velho, Prewitt, endireita-se.
— Sua Alteza! Eu estava ajudando os Marcels quando o recruta começou a
assediar os fellcats. Quando tentei confrontá-lo com calma, ele começou uma
briga.
— Obrigado. — Julien aponta para Will. — Qual é a sua versão?
Will não se endireita; sua postura já é excepcional.
— Vou explicar assim que alguém levar os gatos para uma sala silenciosa,
Sua Alteza. Eles estão muito estressados para estar em uma multidão como
essa.
Não era a desculpa que Julien esperava.
Franzindo a testa, ele se aproxima do toldo de seda. O guarda de Marcel
avança como se quisesse detê-lo até que Valerie gesticula bruscamente. O gato
verde-prateado se senta quando Julien se aproxima, seu peito pálido
incrivelmente fofo e seus olhos brilhando dourados. Lindo, mas com certeza,
suas orelhas estão presas de ansiedade.
— Antes que eu tenha muitas esperanças, Lady Valerie, me diga se esta
não é a surpresa que você quis dizer.
Valerie se aproxima um pouco hesitante.
— Príncipe Audric disse que você gostava de animais. O mercador
Fellriano nos garantiu que eles se dão bem em multidões, mas o manipulador
se recusou a viajar para Silaise, então meu povo tem feito o melhor que pode.
— Suponho que meu irmão sabe uma coisa sobre mim. — Julien evita seu
pedido de desculpas implícito. — Estou emocionado com o presente. Vamos
fazer o chá mais tarde. Mas primeiro, acho que Will aqui está certo. Vamos
tirar esses caras de perto dos civis. Se o seu pessoal pudesse mostrar ao meu
povo como lidar com as correntes...
— Não precisa, Alteza, — Will diz, enquanto os olhos do gato verde-
prateado brilham em branco.
Metal tilinta, e as coleiras caem dos pescoços maciços dos fellcats. Eles
batem nos tapetes e rolam para longe. A gata azul fica de pé, arqueando as
costas, e sua mandíbula se alarga em um bocejo enorme e retumbante.
Algumas pessoas gritam, e Valerie dá um passo para trás. Implacável, Will
dá um passo à frente e desliza a mão sob a mandíbula do gato verde, cada
movimento da mão onde o gato pode ver. Depois de algumas palavras que
Julien não consegue entender, ele olha para trás.
— Eles falam Alto Fellriano. Diga-me para onde ir, e eu os levarei até lá.
Há algo particularmente impressionante no jovem magro sob o toldo
vermelho, cercado por luzes, tapetes macios e gatos gigantescos. Uma beleza
precisa e frágil. Como se Will estivesse tão estressado e pronto para atacar
quanto os gatos.
Tão intrigante quanto.
Julien puxa seu colarinho. A noite está quente demais.
— Siga-me até o Oak Room.
***
O Oak Room é um salão de visitas não muito longe do salão principal, bem
isolado o suficiente para que os sons do banquete desapareçam quando a
porta se fechar. Painéis de carvalho escuro, vasos de plantas nos cantos e
alguns dos sofás mais confortáveis em que Julien já se sentou. Ele escolheu o
quarto principalmente porque é um dos poucos quartos que ele se lembra
nesta ala do castelo, mas funciona bem o suficiente.
O único problema com o Oak Room é que está um pouco quente demais
esta noite. Julien desabotoa a jaqueta enquanto o calor percorre sua pele.
Como Will prometeu, os fellcats obedientemente os seguem até a sala.
Uma vez lá, o gato azul reivindica um dos sofás, enquanto o gato verde maior
se ocupa em cheirar cada planta em vaso.
Will fica de pé, com as mãos atrás das costas, no centro da sala. Ele está
tenso como uma corda esticada, e Julien está a um passo de perguntar se ele
está bem, mas Julien viveu no tribunal tempo demais para ser direto com
perguntas íntimas como essa.
— O que eles comem? — ele pergunta em vez disso.
— Eles preferem carne cozida.
Julien dá instruções a um dos guardas. Ela sai para a cozinha, deixando
apenas dois guardas de juramento vigiando do lado de dentro da porta. A
supervisão quase constante faz parte do estilo de vida real.
— Tudo bem, recruta. — Julien cai no sofá não ocupado por um gato
gigante.
— Conte-me sua versão dessa briga ridícula.
— Sua Alteza. — Will está bastante calmo para um recruta pego brigando.
— Meu pai tem um fellcat, e eu conheço o comportamento deles. Fisk e Rumi
estavam quase estressados o suficiente para deixar a festa por conta própria,
o que poderia ser perigoso.
— Fisk e Rumi?
— Fisk é o macho verde com telecinesia. Rumi é a fêmea azul com
telepatia. Ambos podem entender a fala humana, mas apenas Rumi pode
projetar seus próprios pensamentos na mente de alguém.
O lábio de Will se curva em quase um sorriso.
— Como a maioria dos fellcats, eles só falam Alto Fellrian, não Trade.
— E os Marcels não conseguiram que um manipulador Fellrian se movesse
com eles. Não é à toa que houve problemas. — Julien se inclina para a frente e
se dirige diretamente aos gatos.
— Lorde Fisk e Lady Rumi, é um prazer conhecer vocês dois.
Eles o ignoram. Julien acena para Will continuar.
— Eu tentei dizer ao guarda da Casa Marcel para movê-los, mas o Guarda
Prewitt bebeu demais e interferiu. Eu não estava conseguindo negociar com
ele quando você chegou, Alteza.
A postura de Will não muda.
— Sei que deveria ter relatado a Rosin ou a capitã Nadine em vez de tentar
lidar com isso sozinho. Eu só estava preocupado com os fellcats.
Julien inclina a cabeça.
— Não são os convidados humanos?
— Os guardas estavam lá para cuidar dos humanos —, diz Will. — Achei
que ninguém mais se preocuparia com os gatos.
Os olhos de Will estão arregalados e sinceros, e Julien não ficaria surpreso
se aqueles lindos olhos roxos fossem parte do problema esta noite. Ele terá
que perguntar a Nadine ou Lucien se Prewitt mostrou preconceito contra os
Draskorans antes. Puxando o colarinho da camisa de novo, está realmente
muito quente aqui, Julien diz:
— Você tem um coração bondoso.
— Vossa Alteza, — Will diz, em uma refutação educada.
Porra, ele é adorável.
— Bem, você contou uma bela história. Vou corroborar com Nadine, e ela
decidirá o que fazer a respeito. Ela não gosta que eu me intrometa.
Inquieto, Julien se levanta e caminha até um armário. Abri-lo revela livros
em vez de vinho. Certo. Este é o castelo de Audric.
Uma bebida gelada seria bom agora, no entanto.
— Conte-me mais sobre os fellcats. — Julien tira o paletó. Ele está mais
confortável sem o peso sobre a pele. — Eu pensei que eles eram muito raros,
mesmo em Fellrin, o que seu Pai faz para viver?
— Ele é um comerciante em Takera —, diz Will. — Não tenho certeza de
como ele conseguiu Henrietta. Eles são raros nas cidades, mas ninguém sabe
ao certo quantos deles vivem nas florestas do sul. Sua magia é menos
previsível que a magia humana. A herança parece bastante aleatória.
— Fascinante. — Julien não tem certeza se ele está mais fascinado pelos
gatos mágicos gigantes, ou pelo jeito que Will parece se iluminar enquanto fala
sobre eles.
— É rude perguntar o quão inteligentes eles são?
— Nem mais nem menos que humanos, apenas diferentes —, diz Will. —
Eles são gatos. Eles têm suas próprias prioridades.
— Fascinante —, repete Julien. — Estou ansioso para conhecê-los, se eles
quiserem ficar em Greenhaven.
Isso parece assustar Will.
— O que? — Julien pergunta. — Você disse que eles são inteligentes.
Pergunte a eles se eles querem ficar, e se não quiserem, vou mandá-los de
volta para Fellrin. Eu não manteria ninguém aqui contra sua vontade.
Uma estranha tensão cruza o rosto de Will com isso. Antes que Julien
possa perseguir o assunto, a porta se abre e um criado entra com uma bandeja
de comida para os gatos. Ela hesita quando dois pares de olhos dourados
predatórios se fixam nela.
— Eu vou levar isso. — Will alivia a criada nervosa do frango assado,
permitindo que ela recue. Ele coloca a bandeja em um pedaço de chão sem
carpete. O movimento faz sua manga subir pelo braço, expondo um pulso fino,
pálido sob um bracelete de couro preto.
O calor no corpo de Julien encontra direção. A consciência de sua própria
excitação bate violentamente, junto com a memória do copo de rosa-da-noite
que ele bebeu no banquete. Há quanto tempo? Uma hora? Hora e meia?
Exatamente o suficiente para ele se sentir assim.
Julien deveria estar mergulhado na diplomacia com Loras Frenn agora.
Não aprender sobre fellcats e olhar maliciosamente para um inocente recruta
de guarda. Pau esticado contra as calças, sangue como mel quente em suas
veias, Julien tenta pensar. Respire fundo, Julien. O que Audric faria?
Audric não tomaria afrodisíacos recreativos em primeiro lugar, então isso
não ajuda muito.
— Sua Alteza? — Will escova o cabelo para trás, e o movimento queima o
pulso de Julien. Ele quer mais do que tudo enfiar as próprias mãos no cabelo
de Will. Ele gostaria que fosse puxado? Ou ele gostaria mais suave?
Quão macio é o cabelo de Will?
— Alteza? — Will pergunta novamente.
— Desculpe. — Porra, quão óbvio ele está sendo? — O que foi?
Will morde o lábio.
— Eu sei que você disse que a capitã Nadine cuidaria disso, mas se você
tiver alguma influência, eu gostaria de manter este emprego.
Realmente injusto da parte de Will morder o lábio daquele jeito. Julien
está tendo problemas suficientes para se concentrar sem que essa imagem
sacudindo direto para seu pênis.
— Por que você não o manteria?
— Quem foi a culpa, eu ainda lutei de uniforme. Há uma regra contra isso,
e ainda estou em liberdade condicional.
Regra sensata. Nadine é sensata, como Audric. Ela também não usa
roseira. Julien provavelmente deveria pedir licença agora mesmo e não
satisfazer seu interesse acalorado por Will, mas em vez disso ele diz:
— Diga-me por que você quer tanto esse emprego.
Os olhos de Will são escuros como sombras, e seus lábios docemente
rosados moldam cada palavra:
— Você também tem um coração bondoso, Alteza. Eu gostaria de servi-lo.
Julien engole em seco.
Certo, Jules, é hora de dar o fora daqui. Joelhos fracos e cabeça zumbindo,
ele consegue responder:
— Fique tranquilo. O que quer que Nadine decida, ela não vai demitir você.
Mesmo que Julien tenha que abusar um pouco de sua autoridade para
intervir.
— Obrigado, seu...— A testa de Will franze. — Você está bem?
Rumi ergue os olhos de seu lugar no sofá para a preocupação na voz de
Will. Julien está hiperconsciente de seu olhar felino de julgamento, o quanto
ela entende o comportamento humano?
Um dos guardas levanta a mão em um gesto de interrogação. Julien bate os
dedos na coxa, um sinal para esperar.
— Estou bem, — ele diz a Will. — Acabei de me lembrar de algo que
preciso cuidar. Nadine enviará alguém para ajudar com Rumi e Fisk. Diga a
eles o que você precisar.
Will se aproxima, e o cheiro limpo dele enche os pulmões de Julien mais
uma vez. Julien quer enterrar o nariz no pescoço de Will. Colocar a mão dele
ao redor do pulso de Will. Ele não prestou atenção suficiente na primeira vez
que agarrou Will.
— Você não parece bem, Sua Alteza, — Will diz, com uma preocupação
encantadora.
— Você comeu alguma coisa desconhecida? Sente-se, estou chamando por
um...
— Se você chamar um curandeiro, você está demitido.— Julien dá um
passo deliberado para trás. Ele levanta a mão quando Will o segue, e as pontas
de seus dedos roçam a frente da jaqueta de Will. A leve fricção ressoa por todo
o corpo de Julien, e ele não consegue pensar em nenhuma desculpa razoável
além da verdade.
— Não estou envenenado. A rosa da noite acabou de entrar em ação.
— Oh, — Will diz, então dá um passo para trás.
Cada instinto grita para Julien fechar a distância novamente, mas seu
último fragmento de racionalidade apodera-se do adiamento. Ele não
consegue ler a reação de Will. Nojo? Embaraço? Eles brincam com a rosa da
noite em Fellrin?
As conchas das orelhas de Will ficam vermelhas sob seu cabelo bagunçado.
Elas são quentes ao toque?
Julien se desvencilha e agarra o paletó, como se fosse o último resquício de
sua dignidade.
— Obrigado por intervir pelos fellcats esta noite. Vamos conversar
amanhã.
Se Will atende, Julien não ouve na pressa de sua fuga. Ele acha que ouve
uma risada mal abafada de um de seus guardas juramentados enquanto se
retira.
À medida que o corredor se estende à sua frente, Julien recorda a distância
até seus aposentos na ala leste. Ele considera o risco de esbarrar em outras
pessoas ao longo do caminho e derrapa até parar na próxima porta disponível.
— Isso é um armário de armazenamento, Alteza, — um de seus guardas
diz prestativamente.
— Excelente —, diz Julien através de seu torpor. — Espere aqui enquanto
eu verifico o estoque.
Felizmente, o armário está destrancado e quase vazio. Julien fecha a porta
e se encosta na parede, já mexendo nas calças. A rosa da noite nunca o atingiu
tão forte antes. Talvez ele tenha esperado demais para agir. Ou talvez a culpa
seja do recruta de guarda injustamente atraente de quem Julien acabou de
fugir. O calor passa por ele, coalescendo com intensidade dolorosa em sua
virilha.
Julien não se incomoda em tirar as calças. Ele apenas empurra a mão para
baixo e segura seu pau dolorido, e o toque é um alívio, ele tem que morder o
lábio em um gemido. Seus guardas juramentados estão no corredor, e do
outro lado desta parede.
Do outro lado desta parede está o Oak Room, onde provavelmente Will
ainda espera.
A imaginação de Julien se apodera da imagem enquanto ele se acaricia. O
cabelo de Will brilhando no jardim ensolarado. Os olhos de Will se
arregalaram nas sombras. Lábios franzindo teimosamente quando ele
suspeita de veneno, então suavizando com surpresa com a palavra roseira.
Afundando em sua mão, Julien se imagina tocando aqueles lábios macios e
rosados, empurrando os dedos para dentro.
Eu gostaria de servi-lo, disse Will.
Enquanto a memória queima cada nervo de Julien, seus joelhos se dobram
com a força de seu orgasmo. Ela o varre como um vento rugindo, e ele não
sabe se consegue abafar seu gemido gutural com a mão.
Encostado na parede, Julien tenta recuperar o fôlego e firmar as pernas. O
calor persiste da rosa da noite, mas é administrável agora, ao contrário das
imagens de um inocente recruta de guarda jogando sem restrições na mente
de Julien.
❧
CAPÍTULO CINCO
WHISPER
***
Este lugar é incrível. Rumi se esparrama pelo tapete. Nós somos os únicos
gatos em Qualquer paraíso. Todos estão tão impressionados conosco.
Fisk ressoa do outro lado da sala, onde fica de pé com as patas no
parapeito da janela. Suas orelhas giram enquanto ele rastreia o que quer que
esteja se movendo do lado de fora.
E, como diz Fisk, a comida é aceitável quando é temperada o suficiente.
Quando é o próximo jantar chique? Queremos impressionar os humanos
novamente.
— Vou pedir ao senescal para tomar providências —, diz Whisper. — O
quarto está bem?
Rumi estica as patas acima da cabeça, depois se deita de lado. O tapete é
ótimo. O resto servirá. Fisk, pare de bloquear a luz.
Fisk ronca novamente, mas faz o que Rumi diz. Em vez disso, ele pula em
um sofá, que range sob seu peso. Whisper faz uma nota mental para pedir
móveis mais resistentes. Possivelmente alguns arranhadores. Fellcats são
civilizados, mas há tanta força de vontade entre garras coçando e móveis
ornamentados.
— Não é muito, — o senescal disse, mas o conjunto de quartos é muito
melhor do que o Whisper está acostumado. Há um quarto, sala e banheiro, e
só o banheiro é do tamanho de seu quarto no Canil. Este é o tipo de quarto em
que Whisper invade, não o tipo em que ele vive.
Enquanto procura recantos e cantos para esconder seus pertences mais
incriminadores, tenta não pensar no sorriso de Julien. O toque quente contra
seu ombro.
Whisper sempre sente uma estranha sensação de conexão com seus alvos.
Ele não tem nenhuma queixa contra eles, a queixa é do cliente, e Whisper é
simplesmente a arma contratada. Enquanto ele gosta dos desafios de
furtividade e evasão, ele não gosta do ato de matar. No entanto, há uma
proximidade no ato. Durante esses momentos finais, Whisper se torna a pior e
mais importante pessoa de suas vidas. É natural que eles também se tornem
uma parte indelével5 de Whisper.
A conexão é forte o suficiente quando ele os observa apenas uma hora
antes. Como ele sobreviverá meses perseguindo Julien Sandry pelos
corredores de Greenhaven?
Lily deveria estar aqui em vez disso. Até Adder ou Smoke fariam um
trabalho melhor nisso. Não Whisper. Ele nem esteve em Greenhaven por duas
semanas, mas ele já não sabe por quanto tempo mais ele pode agir assim.
Não importa. Sua vida não é a que está na balança desta vez. Ele passará
seus dias cuidando dos gatos e suas noites vagando pelo castelo, catalogando
abordagens discretas e quartos sem plantas. O fracasso não é uma opção.
Whisper toca seu ombro. Não há hematomas, mas ele gostaria que
houvesse. Ele gosta de lembretes.
5
Algo durável, permanente; que não se pode destruir, suprimir ou fazer desaparecer totalmente.
❧
CAPÍTULO SEIS
JULIEN
— Quero que você dê uma olhada em Will Hadley —, diz Julien, encostado
no parapeito da janela de seu quarto. Flores penduradas fazem cócegas em
seus ombros. No jardim abaixo, uma figura esguia está sentada em um banco
de pedra, enquanto os gatos verdes e azuis perseguem um ao outro em um
borrão pelo gramado.
Nadine está sentada em uma mesa próxima, mexendo na fruteira de Julien
enquanto revisa os relatórios.
— É um problema que ele seja Draskoran? Você disse para contratar
independentemente da origem.
A figura abaixo se move, e Julien se afasta da janela antes de ser pego
espionando.
— Seus olhos não são o problema. Não tenho certeza se há um problema.
Basta olhar para ele.
Há algo sobre Will. Não a cor de seus olhos, embora a vigilância silenciosa
seja desconcertante. Mas seus reflexos são incríveis. Ele não deveria ter sido
capaz de evitar a magia de Julien.
Nadine suspira.
— Você deveria ter pedido uma verificação de antecedentes antes de
transferi-lo para a ala leste.
— As pessoas estão começando a falar?
— Os Frenn não ficaram satisfeitos quando você saiu mais cedo do
banquete com ele.
Nenhuma surpresa. A Casa Frenn esteve muito perto de perder um pedaço
de madeira de ancião durante a guerra seis anos atrás, e pedaços de seu
território mudaram de dono várias vezes ao longo do século passado. Entre
todas as casas nobres de Silaise, elas têm a maior inimizade com Draskora.
— Perfeito —, diz Julien. — Esse era o objetivo da festa, de qualquer
maneira. Mexa as coisas e veja onde elas se acomodam. Devo dizer que tudo
correu melhor do que eu esperava.
— Perfeito. Certo. — Nadine coloca uma uva na boca. — Farei com que
nossos contatos Fellrianos verifiquem as referências de Will. Ele tinha uma
carta de recomendação, mas cartas podem ser forjadas. Enquanto isso, como
capitão da Segunda Guarda do Juramento, aconselho que você não se
aproxime muito dele. Isso é para a segurança dele, assim como a sua.
Julien espia por entre as flores penduradas novamente. Agora, Will está
curvado, coçando o pescoço fofo de Fisk. Will se inclinaria assim se Julien
acariciasse atrás de suas orelhas?
— Não se preocupe —, diz Julien. — Eu não vou fodê-lo.
— Não é com isso que estou preocupada. — Os olhos de Nadine se
estreitam quando ele olha. — Pelo menos, não até você dizer isso. Por que isso
ocorreria a você negar?
— Você o viu? — Julien acena com a mão. — Não se preocupe. Sou um
descendente real responsável. Vou manter meu pau em cortesãos ingratos e
traiçoeiros onde ele pertence.
— Ele pertence a uma gaiola —, murmura Nadine.
Julien bate no queixo pensativo.
— Isso é traição? Acho que isso pode ser traição.
— Relate-me a Sua Majestade e veja se ela concorda —, diz Nadine.
— Algo mais? Você tem um 'obrigado pelo chá dos gatos gigantes' com
Valerie Marcel em meia hora, e uma atualização de segurança de Lucien
depois disso.
Relutantemente, Julien se afasta da janela.
***
Chá com Valerie Marcel é chato, mas não é difícil. Mais complicado é seu
encontro com Lucien depois. O Exército de Silaisan Ocidental fez algum
progresso rastreando o último paradeiro conhecido do caçador desaparecido,
e houve avistamentos de patrulhas de dragões Draskoran na fronteira. Nada
confirmado, apenas rumores de civis. Mas há outro problema, e Lucien coloca
a questão sem rodeios:
— Meus soldados ainda não confiam em você.
Julien muitas vezes esquece que Lucien tem a mesma idade que ele. Ele
trabalhou por sua posição, em vez de ter nascido para isso, e ele transmite
uma sensação de confiabilidade sob seu cabelo ruivo chamativo e sorriso fácil.
— Claro que não. Confiança leva tempo. — Julien bate na mesa. Tempo
se tudo correr bem, Julien não ficará aqui tempo suficiente para isso. Mas
se a condição de mamãe piorar, Julien pode precisar do exército ocidental
para ajudar a sustentar a reivindicação de Audric.
— Alguma ideia de acelerar isso, no entanto?
— Sua Alteza costumava liderar suas próprias patrulhas —, diz Lucien. —
Foi assim que ele ganhou o respeito deles na última guerra.
— Bem, não há guerra agora. Além disso, não sou Audric, e imitá-lo não vai
funcionar para mim. Confiar em alguém começa com conhecê-los, e agora,
Julien é pouco mais do que um pacote de rumores reais lascivos. Ele não pode
fingir o estilo de liderança sério e firme de Audric, mas pode se tornar
conhecido à sua maneira.
— Pergunta rápida, qual é a taverna mais barata em Greenhaven?
— Não vai ser tão fácil, mas... espere. — Lucien inclina a cabeça. — Como
você está nas cartas, Sua Alteza?
— Sou incrível com cartas.
Os olhos azuis de Lucien piscam maliciosamente.
— Eu lhe asseguro, não é incrível o suficiente. Mas há alguém na cidade
que você deveria conhecer.
***
CAPÍTULO SETE
WHISPER
Whisper esperava que seu destino fosse uma mansão nobre da cidade, ou
talvez uma loja ou restaurante sofisticado. Até a propriedade do prefeito. Ele
deveria ter sabido melhor, porém, e ele está mais resignado do que surpreso
quando a comitiva heterogênea desmonta no Drunken Dragon.
— Aqui estamos. — Julien entrega as rédeas a um guarda juramentado.
Outro guarda entra primeiro na taverna enquanto Julien se vira para um dos
cortesãos que o acompanham. — Você é local, já esteve aqui antes?
— Lady Valerie me garante que sim. — A jaqueta floral pastel de Loras
Frenn é horrível, e ele não se move como se fosse um especialista com a adaga
de punho dourado em seu quadril. — Mas por algum motivo misterioso, não
me lembro.
— Ele estava bêbado —, acrescenta Valerie Marcel. Ela está com uma calça
sensata e uma extravagante blusa vermelha Marcel bordada com minúsculos
cisnes prateados. Nenhuma arma visível. — Ele tentou beijar um dos dragões
esculpidos na parede.
— Eu fiz, — Loras corrige. — Infelizmente, lembro que consegui. Espero
que Goldie tenha esquecido.
A comitiva do príncipe é pequena hoje. Apenas Loras, Valerie, quatro
guardas juramentados e Whisper, que se sente totalmente deslocado sem um
uniforme de guarda para disfarçar sua presença. Nadine claramente deu a ele
o dia de folga, deixando-o preso fingindo socializar enquanto ele trabalha em
seu trabalho real.
Não havia chance de Whisper recusar o convite de Julien, é claro. Quanto
mais oportunidades ele tiver para observar o príncipe e seus associados,
melhor. Ele passou os últimos quatro dias escolhendo quartos no castelo sem
plantas para alimentar a magia de Sandry. A cozinha funcionaria se estivesse
vazia, e a sala de treinamento dos guardas é a mais promissora. Mas Whisper
não teve tempo suficiente para observar o próprio Julien.
Dada a proximidade de Greenhaven com a fronteira e a longa inimizade
com Draskora, a maior parte da cidade incorpora a estética tradicional de
Silaisan. Árvores e luz, ouro e vidro, motivos de caça e colheita. O Drunken
Dragon, no entanto, adota o estilo Draskoran com um efeito quase cômico.
Ferro preto ornamentado torce em todas as superfícies disponíveis, e cabeças
de dragão esculpidas com olhos roxos pintados pendem de todas as paredes.
Cadeiras e mesas com pés de garra riscam cicatrizes pálidas no piso de
madeira escura toda vez que se movem.
A multidão do meio da tarde se espalha pela taberna espaçosa. A julgar
pelos pedaços de uniformes, os clientes são principalmente soldados de folga
e guardas da cidade, com alguns civis misturados.
O silêncio ecoa da porta quando Julien entra. O jogo de cartas no bar é
interrompido, e um último dardo cai no alvo no fundo da sala.
Julien acena.
— A próxima rodada é por minha conta se todos prometerem pararem de
me olhar assim.
Uma risada nervosa respira pela sala, mas a tensão permanece até que um
homem ruivo no bar grita:
— Olhe para você se exibindo, Sua Alteza.
A voz é amigável, e Whisper reconhece Lucien Vaire. Um soldado e um
mago do fogo, com uma magia extraordinariamente forte para um plebeu.
Atualmente no comando da companhia do Exército Silaisan Ocidental no
Castelo de Greenhaven.
— E a próxima rodada é no seu Comandante Lucien! — Julien anuncia,
batendo palmas. — Obrigado, Lucien.
— Porra —, Lucien geme, e desta vez a tensão realmente quebra. Os jogos
de cartas e as conversas recomeçam, e os guardas do juramento se dispersam
pelas bordas da sala, cobrindo todas as linhas de visão. Whisper segue os
cortesãos que seguem Julien, que se dirige ao bar.
— Bem-vindo ao Drunken Dragon, Alteza —, diz o barman, uma mulher
gorda e pálida com um incisivo dourado brilhante. Ela espia por cima do
ombro de Julien.
— E bem-vindo de volta, Lorde Amante do Dragão.
— Adorável —, suspira Loras. — Também senti sua falta, Goldie.
Whisper fica para trás enquanto Julien conversa com Goldie. Uma das
coisas boas de seguir Julien é que quase ninguém presta atenção em Whisper.
Ele está livre para continuar sua cuidadosa inspeção da sala.
Alguém cutuca seu ombro, e ele fica tenso instintivamente. Mal mantendo
a mão longe da faca, ele olha para Julien.
— Uma bebida? — Julien lhe entrega a caneca de ferro e vidro com pés de
garra sem esperar resposta. — Goldie está se juntando a nós para as cartas.
Vamos.
Ele toca as costas de Whisper, uma breve pressão quente o guiando para
longe do bar. E agora os olhos curiosos pousam em Whisper, pois a atenção
que Julien sempre atrai reflete nele.
Loras vagueia em direção a um grupo de soldados, carregando uma das
maiores canecas que Whisper já viu. Valerie já está sentada ao lado de Lucien
na mesa redonda para quatro. Seu olhar para Whisper é breve, mas pensativo.
Julien pousa sua caneca.
— Goldie está chegando em um minuto.
— Isso faz de nós cinco. — Lucien embaralha um baralho de cartas gasto.
— Muitos para Bad Grape. Podemos jogar Hello Minnow em vez disso?
Julien se vira para Whisper com um sorriso desarmante.
— Você conhece Bad Grape ou Hello Minnow?
— Não, Alteza.
— Então Will se junta a mim. — Julien rouba uma cadeira da mesa vizinha
e a coloca ao lado da dele.
— Lucien, dê quatro mãos para Bad Grape.
Lucien toma um gole de sua caneca antes de obedecer. Whisper não
provou o dele, mas ele já se sente atordoado enquanto se senta ao lado de
Julien.
Quando Goldie aparece um minuto depois, os jogadores pegam suas cartas
e a conversa começa. Whisper apenas ouve, aliviado por não ter que aprender
as regras de Bad Grape ou Hello Minnow, ele tem o suficiente para lidar agora.
Como descobrir o propósito desta viagem.
Na superfície, Julien está apenas jogando um jogo de cartas. Um belo e
limpo real morando com os moradores locais por uma tarde. O leve tempero
de sua cara colônia supera o cheiro de cerveja velha grudado nas mesas; nada
como o cheiro de café e sabonete que Whisper lembra da outra manhã. As
mangas de Julien estão enroladas casualmente até os cotovelos, mas
dificilmente uma partícula de sujeira toca o tecido imaculado.
Julien não pode estar tentando se misturar; ele tem que perceber que isso
nunca funcionaria.
Mas há uma precisão nas ações de Julien, um senso de coreografia
subjacente, que lembra Whisper da maneira como ele se prepara para os
trabalhos. Explore o jardim para identificar todas as janelas e saídas. Visite a
cozinha para aprender o padrão de preparação dos alimentos. Dê guloseimas
a todos os animais para que eles não fiquem alarmados mais tarde. Cada
movimento inócuo prepara para a tarefa final.
Whisper está certo de que Julien tem um objetivo para hoje, mas sua
conversa com os outros na mesa é bastante casual: tons pastéis em Sandrelle e
wyrms vermelhos ao longo da fronteira. O preço do vinho. Principalmente a
conversa é sobre as cartas, enquanto Goldie limpa o chão com todas elas.
Depois de uma vitória brutal; Valerie estremece ao baixar as cartas, Goldie
diz:
— Um amigo meu viu um dragão algumas léguas ao norte, você sabe. O
chocou o suficiente para que seus dentes caíssem.
— Apenas um? — Julien pergunta.
— Todos eles. — Goldie embaralha as cartas para a próxima rodada. — Eu
disse a Macaire que ele precisava de dentaduras mais ajustadas.
— Bom conselho —, diz Julien. — Quantos dragões, no entanto?
— Apenas um, eu acho. Mas estava embaçado.
— Ele pode precisar de óculos melhores também. — Lucien se inclina para
trás e acena para um servidor. — As patrulhas de dragões draskoran não
voam sozinhas, e dragões selvagens não chegam nem perto da fronteira. O que
é uma pena se você me perguntar.
— Por que é uma pena? — Whisper pergunta.
Os outros na mesa pulam levemente, Whisper está em silêncio desde que
se sentou. Apenas Julien não parece assustado e explica:
— Lucien tem sonhos loucos de iniciar um corpo6 de dragões Silaisan. Faça
com que ele comece se você tiver três horas para matar. É tudo muito
emocionante até você perceber que não funciona.
— Não há dragões em Silaise, — Valerie entra na conversa.
— Ou pedra calcária para eles se aninharem —, diz Julien. Um garçom
para com uma jarra, e ele pega dela para encher as canecas de todos, incluindo
a escassa polegada que faltava na de Whisper.
— Seria tão legal, no entanto —, diz Lucien sonhadoramente. Seus olhos
azuis brilhantes se fixam em Whisper. — Você já viu um dragão?
Se sim, foi antes de papai o encontrar. Whisper não se lembra de nada de
antes de papai o encontrar.
— Não. Mudei-me para Fellrin quando era jovem.
— Isso é ruim. Eles são legais pra caralho.
— Outro round? — Os olhos de Goldie brilham tanto quanto seu dente de
ouro.
Lucien arranca o baralho de suas mãos.
— De jeito nenhum. Sua Alteza não me paga o suficiente para jogar cartas
com você.
— Eu não pago nada —, diz Julien. — Envie qualquer reclamação de folha
de pagamento para minha mãe real. E os dardos? Will, como está sua mira?
— Razoável.
6
Conjunto de militares que compõe um quadro, uma arma, um exército.
— Excelente. — Julien aperta seu ombro. — Eu vou me juntar a você e
Valerie em um minuto.
Só quando Whisper chega ao fundo da taverna ele percebe que não ficou
tenso com o toque de Julien daquela vez. Pegando um dardo de penas brancas
entre os dedos, ele olha para o bar. Julien está conversando com Lucien,
amplamente ignorado pelo resto dos clientes da taverna, e Whisper acha que
sabe o que Julien está fazendo aqui hoje. Exatamente o que ele fez tão
habilmente para Whisper: Deixando as pessoas à vontade.
O porque, Whisper não tem certeza. Mas tem que ser deliberado, do jeito
que Julien entrou nessa taverna de soldados e guardas, brincou e pagou
bebidas para eles, e depois os deixou sozinhos. Tão deliberado quanto a forma
como Julien atraiu Whisper para a esfera social, mas não o empurrou para o
centro das atenções. Por um momento na mesa de cartas, Whisper estava tão
confortável que quase esqueceu que estava aqui sob falsos pretextos.
Do outro lado da sala, Julien encontra seus olhos e sorri novamente. Não
admira que alguém o queira morto. Esse carisma insidioso é perigoso na
realeza.
— Sua vez. — Valerie faz uma careta para o alvo de dardos. — Você acha
que outra bebida melhorará minha pontaria? Não pode piorar, pode?
— Vale a pena tentar —, diz Whisper. — Quais são as regras mesmo?
— Você ganha cinco dardos, e seus melhores três contam. Pontos duplos
se você arremessar da segunda linha.
Duas linhas desbotadas de tinta roxa marcam onde os jogadores precisam
ficar. Cada anel branco e cinza do tabuleiro é pintado com um número de
pontos, e uma caveira de dragão de madeira esculpida paira sobre o tabuleiro.
Os dardos de penas vermelhas de Valerie se agrupam em direção ao lado
direito do alvo, bem longe do alvo.
Uma mesa de soldados de folga os observa de perto, mas ninguém mais
está no alvo. Whisper calcula o valor dos anéis e caminha para a linha mais
distante. Segurando seus outros quatro dardos na mão esquerda, ele move o
pé esquerdo para trás para enfrentar o tabuleiro em um ângulo. Ele faz uma
pausa, braço dobrado, testando o peso em seus dedos. O dardo é mais leve do
que ele está acostumado, não tão perfeitamente equilibrado. Mas o tabuleiro
não está muito longe, e Whisper não precisa evitar uma ponta envenenada
como faria no Canil.
O movimento chama sua atenção, e Julien se inclina contra uma mesa ao
lado dele. Embalando uma caneca fresca, ele observa com um sorriso quase
imperceptível.
Já faz muito tempo desde que Whisper praticava com dardos, mas o
movimento é fácil. Quando o primeiro dardo bate, penas estremecendo, no
alvo, o segundo dardo já está voando das pontas dos dedos de Whisper. Ele
bate no lugar a uma fração de espaço de distância do primeiro, apertado o
suficiente para que suas penas se torçam juntas.
Só então Whisper lembra que talvez o recruta de guarda Will Hadley não
devesse ser tão bom em apontar projéteis. Julien, Valerie e a mesa de soldados
estão olhando com admiração.
Whisper tenta sorrir.
— Eu não sou ruim em dardos.
— Nada mal, ele diz! — Valerie levanta as mãos, fingindo aborrecimento
para encobrir seu verdadeiro aborrecimento. Uma cortesã consumada, ela
aproveita a oportunidade para se dirigir a Julien.
— Vossa Alteza, este jogo é manipulado.
— Ter habilidade não é trapacear, embora trapacear também seja uma
habilidade. —Julien bebe novamente de sua caneca. — Mas tudo bem, Will
recebe uma desvantagem para seus próximos três dardos. Lucien, segure
minha cerveja.
— É apenas um alvo. — Lucien evita a caneca de Julien, que Julien coloca
em uma mesa. — Eu posso acertar uma porra de um alvo.
Whisper tenso com a aproximação de Julien.
— O que você está fazendo?
— Nivelando o campo. — Julien toca levemente o ombro de Whisper e se
move atrás dele. — Você pode bater na prancha sem olhar?
Ele se move devagar o suficiente para que Whisper possa se esquivar, mas
Whisper fica imóvel enquanto Julien levanta uma mão comprida e cobre os
olhos.
Eles mal se tocam. A mão de Julien mal beija sua testa e a ponte de seu
nariz. Fatias da taverna são visíveis entre os dedos de Julien. Quando Whisper
pisca, seus cílios roçam a palma da mão de Julien. Ele está preso no lugar mais
pelo tempero da colônia de Julien do que por qualquer outra coisa.
— Tudo bem —, diz Whisper depois de um momento. Valerie e os
soldados próximos gritam em aplausos preventivos.
— Todo mundo fora do caminho! — alguém grita.
— Pontos triplos se você acertar a peruca do Careca!
— Foda-se, Maria!
Mais alto do que todos eles é a pulsação do pulso de Julien, quente e vivo,
puxando o próprio sangue de Whisper para mais perto da superfície. Whisper
mal considera errar o arremesso de propósito. Seria mais inteligente, mas ele
é tomado por um estranho desejo de se exibir. Impressionar. Como se o Pai o
estivesse observando e julgando junto com todos os outros na taverna, mas
sem a constante pontada de medo.
Lembrando-se da distância até a prancha, Whisper se ajusta à mudança de
posição e à maneira como o braço de Julien ao redor de seu ombro mais
distante restringe seu movimento. O terceiro dardo voa.
— Você perdeu a peruca! — Marie chora e Valerie jura. O quarto dardo do
Whisper voa igualmente verdadeiro.
Mas quando Whisper retira o quinto dardo, a mão de Julien aperta
levemente seu rosto. O príncipe se inclina mais perto e respira contra a
concha de sua orelha,
— Relaxe, Will.
O pseudônimo é um lembrete brutal. Seu quinto dardo voa longe e cai no
anel mais externo.
A mão de Julien cai e ele solta o ombro de Whisper.
— Os três melhores contam. Valerie, você está fazendo as contas?
— Sim, Alteza, — Valerie diz tristemente.
Whisper foge para pedir outra cerveja.
***
Eles se preparam para sair algumas horas depois, Julien acertando a conta
com Goldie enquanto Valerie coleta um Loras embriagado. Decidindo que os
guardas juramentados de Julien podem lidar com ele, Whisper foge cedo para
a rua. A cidade de Greenhaven é perfumada na noite quente, fazendo jus ao
seu nome com as fileiras de árvores farfalhando sobre os paralelepípedos.
Brincando com a pulseira de couro em volta do pulso, Whisper tenta ajustar
sua mentalidade.
Ele está aqui para proteger Julien, mas também está aqui para matá-lo. O
sorriso carismático de Julien não muda isso. Entre a vida de Julien e a de
Hemlock, Whisper tem que escolher Hemlock. Ela tem apenas quinze anos. Ela
depende dele.
A porta da taverna se abre, e o Comandante Lucien sai, as mãos dobradas
nos bolsos do paletó verde desabotoado do uniforme. Ele acena para Whisper.
— Ei, pergunta.
— Sim?
Lucien para ao lado dele e olha para a rua, como se estivesse fascinado
pelo farfalhar das árvores acima. Eventualmente, ele pergunta:
— Você está fodendo o príncipe Julien?
A pergunta filtra lentamente através da confusão de Whisper, então o
atordoa. Como um dardo lançado na água afundando no alvo. Whisper se
afasta, para melhor olhar incrédulo para Lucien.
— O que?
— Esta não é uma pergunta capciosa —, diz Lucien. — Sim ou não?
— Não. — Whisper não faz trabalhos longos e não faz seduções. — Eu não
estou. Por que você perguntaria?
Ele ficou imóvel.
Lucien esfrega o rosto. Sua resposta soa um pouco dolorosa.
— Porque Sua Alteza acabou de me assegurar que ele não está fodendo
você. O que é uma coisa estranha de se trazer aleatoriamente se ele realmente
não for.
— Oh. — Whisper também olha fixamente para as árvores. — Bem, não
estamos.
— Huh. — Lucien acena para um noivo do outro lado do quintal.
— Está bem então.
Um silêncio constrangedor desce enquanto eles esperam seus cavalos e o
resto do grupo. A brisa da noite é quente com a lembrança da mão de Julien
sobre os olhos de Whisper. A respiração de Julien em seu pescoço.
❧
CAPÍTULO OITO
JULIEN
— Como você diz: 'Não me coma, coma este biscoito em vez disso?'—
Julien pergunta.
— Se um felino realmente quer comer você, você precisa dizer algo um
pouco mais conciso, Sua Alteza. — O aviso de Will teria mais dentes se a
cabeça enorme de Fisk não estivesse descansando em seu colo.
Eles estão tendo uma aula de Alto Fellrian sob o pavilhão do jardim
coberto de trepadeiras, sentados nos bancos aquecidos pelo sol ao longo da
grade de madeira. Perto dali um jardineiro em verde jade apara as cercas
vivas.
O grande volume verde de Fisk força Julien a se sentar mais longe de
Whisper do que ele gostaria. Entediado e faminto, Rumi saiu há algum tempo
para se espreitar do lado de fora das janelas da cozinha em busca de restos. A
cozinheira-chefe Sybil provou ter força de vontade contra os doces gatinhos.
Esta é apenas a segunda lição de Julien com Will; as semanas desde a saída
da taverna foram muito ocupadas. As conexões de Goldie com contrabandistas
locais confirmaram que estranhos estão se mudando para o mercado local, e
mais pessoas do que seu amigo desdentado Macaire afirmaram ter visto
dragões. Julien mal teve tempo de evitar os tediosos relatórios de auditoria de
Gaspard.
Por todas as contas, os fellcats se adaptaram bem à sua vida de lazer em
Greenhaven. Seu zelador, no entanto, parece mais quieto e fechado do que
nunca. Com apenas uma hora de aula hoje, Will finalmente começa a relaxar. A
brisa de verão agita seu cabelo enquanto ele acaricia preguiçosamente a
cabeça macia de Fisk.
A verificação de antecedentes ainda não voltou, e Julien não confia nem
por um segundo no rosto perfeito e adorável de Will. Mas não há mal nenhum
em apreciar a vista, certo?
— Talvez eu esteja falando com outra pessoa, não com um felino —, diz
Julien.
— Como eu digo?
Will parece muito perto de revirar os olhos, mas obedientemente traduz a
frase para Alto Fellrian. Fisk mexe as orelhas para frente e para trás, e
novamente quando Julien repete a frase.
— Como foi isso?
— Sua pronúncia é muito boa —, diz Will. — Tente reformulá-lo como
uma pergunta em vez de uma ordem. 'Você vai comer este biscoito?'
Will o questiona sobre outros tempos e registros de formalidade da
mesma frase até que Julien pare de tropeçar nas mudanças de pronome. Fisk
fica entediado no meio do caminho, potencialmente quando percebe que
Julien não está realmente lhe oferecendo um biscoito, e foge com um silêncio
surpreendente para uma criatura de seu tamanho.
— O que mais você quer dizer? — Will pergunta.
— Posso te pagar uma bebida? — Julien diz imediatamente.
Somente quando a boca de Will se curva em um leve sorriso presunçoso,
Julien percebe que Will fez a pergunta em Alto Fellrian, e Julien respondeu
fluentemente na mesma língua.
Ops.
Will volta para Trade.
— Sua pronúncia é boa porque você já conhece Alto Fellrian, Sua Alteza.
Por que você não disse isso quando ofereci aulas?
— Achei que poderia fazer um curso de atualização —, diz Julien. — Faz
anos desde a minha última sessão de tutoria.
Olhos mais escuros do que o normal na sombra, Will se move para a
bandeja de chá na mesa próxima.
— Eu não deveria ter oferecido.
— Você está bravo? — Pergunta. Will não parece bravo, mas ele é tão
difícil de ler.
— Eu sou terrível, eu sei. Nadine me diz para não abusar de seus guardas
assim. Como posso fazer as pazes com você? Uma garrafa de vinho Marcel
estupidamente caro? Um novo conjunto de roupas?
— E agora meu guarda-roupa não é bom o suficiente? — Will serve uma
xícara de chá para si mesmo. Ele está vestindo marrom escuro hoje, mangas
abotoadas até os pulsos e botas de couro pretas grossas o suficiente para fazer
suas pernas parecerem mais finas. As cores escuras enfatizam a translucidez
cansada de suas feições.
— Poderia ser melhor —, diz Julien, imaginando Will em seda e joias.
Ouro. Aquelas blusas largas e transparentes que estavam na moda há alguns
anos. — Espere, você está me provocando?
Will quase sorri novamente.
— Eu não ousaria. — Então seu olhar passa por cima do ombro de Julien, e
seu quase sorriso se transforma em um sorriso completo. A expressão
ensolarada é absolutamente encantadora; e incomum.
— O que há de errado? — Julien pergunta.
— Por favor, não me entenda mal, Alteza, — Will diz baixinho, ainda
sorrindo aquele sorriso falso e perfeito. Ele coloca a xícara de chá para baixo.
— E não se mova até que eu diga.
Will se aproxima, e mais perto , e os pensamentos de Julien se dispersam.
Um joelho fino pousa no banco ao lado de sua coxa, e a mão de Will dança do
ombro de Julien até sua bochecha. A palma fria e calejada deixa a respiração
de Julien em desordem. Will se aproxima tanto que está praticamente sentado
no colo de Julien.
Qualquer um que visse pensaria que Will está prestes a beijá-lo. Por um
momento de bater o sangue, Julien também pensa assim, e fica fascinado pelos
olhos escuros de Will até que Will murmura em seu ouvido:
— Abaixe-se em três.
O alarme perfura o calor crescente da excitação de Julien.
— O que?
Will segura seu ombro novamente.
— Não há tempo, apenas ouça; um, dois, três.
No terceiro, Will empurra Julien do banco e passa por ele por cima do
parapeito do pavilhão. O cascalho estala, e a bandeja de chá se estilhaça contra
as tábuas do assoalho. Julien aterrissa com força em seu ombro.
No meio da porcelana quebrada desliza uma faca de arremesso de cabo
preto.
Com o impacto ecoando por seus ossos, Julien rola para ficar de pé a
tempo de ver Will correndo atrás de uma figura alta de verde. Eles estão do
outro lado do jardim, Will se movendo mais rápido do que Julien poderia
imaginar; ele está quase alcançando.
Guardas juramentados já estão correndo em direção a eles, e a magia da
água de Rosin cai em cascata sobre uma parede, bloqueando a rota de fuga do
homem, mas Will chegará a ele primeiro. O medo percorre Julien com a
certeza de que o assassino não terá lançado sua única arma. Se Will o alcançar,
ele pode se machucar.
Sem pensar, Julien se concentra.
O jardim demora a responder. Após anos de cuidados de Audric, as vinhas
estão relutantes em ouvir um novo mestre. Julien tem que trabalhar para isso,
assim como tudo neste castelo de fronteira. A magia de Sandry se contorce sob
sua pele, trepadeiras espiralando em torno de seus ossos. A grade quase se
estilhaça sob suas mãos com a força de seu aperto.
As raízes das árvores finalmente saem da terra úmida, enrolando-se nos
tornozelos do assassino. Sem perder o ritmo, Will o segue até o chão e se
ajoelha em cima dele.
Passos ecoam no pavilhão atrás de Julien. Nadine grita:
— Alteza, se você correr lá fora, oh, foda-se!
Suas palavras o seguem sobre a grade e pelo jardim.
Julien chega quando Will se levanta das costas do homem, transferindo a
custódia imediata para Rosin de rosto sombrio. As trepadeiras de Julien ainda
se torcem em torno das pernas do homem enquanto Rosin prende uma coleira
nula em seu pescoço para suprimir qualquer magia que ele possa ter.
O homem veste a distinta túnica verde-jade de um servo de Greenhaven.
— Certifique-se de que ele está respirando —, diz Julien. Então ele agarra
Will pelo ombro. — Você está bem?
Will endurece sob o toque de Julien, como se a pergunta fosse um golpe.
Em vez de responder, ele diz a Rosin:
— Verifique os dentes dele.
Uma adaga está pendurada na mão de Will, uma bela peça reluzente com
opalas e esmeraldas. Julien leva um segundo para reconhecer a lâmina como
sua; a bainha em seu quadril está vazia. Will deve ter pegado quando se
arrastou para o colo de Julien, com Julien muito distraído para notar.
Rosin vira o assassino de costas quando Julien solta as vinhas. O homem é
inteiramente comum, com um bronzeado desgastado e cabelos castanhos. Sua
mandíbula aperta sob sua barba curta.
— Abra a boca, — Rosin ordena, agarrando sua própria adaga para enfiar
o cabo entre os dentes. — Se você morder porra...
— Vitus —, Julien se dirige a outro guarda, enquanto Rosin começa o
exame dentário. — Leve-o para baixo quando Rosin terminar. Vou vasculhar o
terreno.
Salutes Vitus. O homem sempre tem o entusiasmo de um adolescente,
apesar de estar na casa dos quarenta.
— Sim sua Majestade.
— Vossa Alteza, — Will protesta. — Você não deveria ir a lugar nenhum.
Pode haver mais deles.
Julien saboreia egoisticamente a preocupação de Will enquanto caminha
até a árvore mais próxima.
— Insubordinação notada, mas não vou a lugar nenhum. Apenas um
pequeno truque de mágica de Sandry.
Sua mão treme quando ele a coloca contra o tronco da árvore. A
observação o surpreende à distância. O choque espreita profundamente sob a
corrente de sua adrenalina, a máscara de sua educação real. Com uma
respiração profunda, Julien acalma o pânico e invoca a magia de sua mãe.
Sentir através das plantas é mais fácil do que movê-las. Em um instante
chocante, o mapa raiz de todo o castelo se manifesta em sua consciência. O
mapa é uma rede de flutuações douradas, as vibrações das pessoas em
movimento e o fluxo constante de ar ao redor do castelo.
Talvez isso fosse mais fácil com a magia de seu pai. Mas Julien nunca usa
isso.
As árvores do Castelo Greenhaven não mostram nada de errado. Apenas a
guarda jurada e os soldados do castelo correndo para trancar as instalações
sob o comando de Nadine. Julien solta a árvore e pisca as faíscas de sua visão.
A exaustão pesa em seus membros e ilumina sua mente.
— Ele é o único —, diz Julien. — Mas vasculhe o terreno novamente para
deixar Nadine feliz.
Rosin gesticula para os outros. Vitus lidera o grupo cercando o refém. Will
começa a fugir em direção ao castelo.
Julien o agarra pelo ombro.
— Você não.
— Alteza? — Will pisca para ele. O rubor do esforço e o cabelo
desgrenhado o tornam ainda mais docemente sedutor do que o habitual.
Há tantas razões pelas quais Julien não deveria notar isso, mas ele é
apenas humano. — Eu só queria agradecer a você —, diz Julien. — Como você
notou ele?
— Sua túnica não era do tom certo de verde —, diz Will. — Disfarce
desleixado, embora eu ache que o levou tão longe no castelo.
— Isso me enganou. — Julien estende a mão por impulso para endireitar a
gola torta da camisa de Will, a forma como Will se encolhe é diferente desta
vez.
— O que há de errado?
— Nada, Alteza. — O rubor desapareceu de suas bochechas, e ele oferece a
faca a Julien com o punho no punho. — Perdoe-me por pegar isso. Eu deveria
encontrar os gatos agora.
— Você está machucado? — Julien exige, embainhando a faca. — Mostre-
me seu braço.
Will hesita, sua expressão ilegível, então levanta o braço esquerdo. Sangue
pinta a borda de sua manga, e o tecido molhado gruda em seu antebraço. A cor
é escondida por suas roupas escuras, e pelo jeito que ele está se afastando um
pouco o tempo todo, Julien percebe tardiamente.
— Ele mal me arranhou —, diz Will. — Estou indo para o meu quarto para
embrulhar isso.
— Você não vai fazer tal coisa. — Julien procura um lenço nos bolsos.
Will fica tenso, mas não se move quando Julien o segura pelo braço. O
ferimento não parece ruim por causa do rasgo na manga de Will, os ângulos
do corte ao longo do lado de fora do antebraço de Will, não muito profundos. É
o suficiente para cravar o coração de Julien, e o sangue de Will está quente nos
dedos de Julien enquanto ele enrola o lenço no braço de Will.
— Coloque pressão nisso —, diz Julien. — Eu estou levando você para o
curandeiro de Greenhaven agora mesmo. Sem argumentos.
Os olhos de Will se arregalam, como se a atenção médica fosse muito mais
chocante do que uma tentativa de assassinato. Ou talvez esteja apenas
assustado com a raiva na voz de Julien. Raiva e frustração inexplicáveis fervem
nas veias de Julien, e sua mente é uma confusão de imagens. Will subindo em
seu colo. Will se afastando. Will pulando em perigo em nome dele.
Julien não sabe se está mais zangado com o assassino ou consigo mesmo.
Nenhum deles fala enquanto acompanha Will de volta ao castelo. Julien
está muito perdido em sua raiva, e Will é como um animal ferido, escondendo
seu manco em silêncio.
Audric teria sentido o assassino se aproximando, sentindo sua
aproximação enquanto seus passos vibravam pelo gramado. Ao contrário de
Julien, ele não precisa tentar conscientemente sentir através do mapa-raiz.
Julien ainda está fraco demais para proteger seu povo. Talvez se ele estivesse
disposto a praticar a magia de Rue…
Nadine alcança quando eles estão quase na enfermaria.
— Sua Alteza! Você é necessário na masmorra.
Vitus está de cara séria ao lado dela, uma mancha molhada no peito.
Pelo tom de voz de Nadine, isso não é algo que ele possa ignorar como os
relatórios de auditoria de Gaspard. Julien respira fundo e balança o dedo para
Will em advertência.
— O curandeiro Dury me dirá se você não o vir.
— Entendido, — Will diz, então acrescenta mais suavemente, — Você está
bem?
Julien não tem certeza.
— É claro. Graças à você.
Will desvia o olhar.
— Sua faca foi larga de qualquer maneira. Você estaria bem sem mim.
Ele está se fechando novamente, e Julien não tem a menor ideia do porquê.
— Então fico feliz que ele não tenha sua habilidade com dardos —, diz
Julien. — Seja bom, faça Dury consertar você. Você nem vai ter uma cicatriz
quando ele terminar.
***
CAPÍTULO NOVE
WHISPER
***
A pergunta de Julien do jardim assombra Whisper pelo resto do dia,
ficando mais alta à medida que a noite cai. Whisper não consegue se lembrar
da última vez que alguém perguntou se ele estava bem. Ele não sabe o que
'tudo bem' significa.
A meia-noite passa enquanto ele se aconchega em uma poltrona de
espaldar rígido e torce a pulseira em volta do pulso. As sombras pintam o
quarto de cinza e azul, e a lua é apenas uma lasca além das janelas de videiras.
‘Tudo bem’, simplesmente não é um conceito que Whisper aplica a si
mesmo. Ele faz o seu trabalho. Ele existe. Ele se sai bem ou não, e como ele se
sente sobre isso é problema dele. Se ele está ferido, a culpa é dele por ser
descuidado.
O pai se preocupa com ele. É claro. Mas o pai espera que ele tenha sucesso.
O quarto trabalho de Whisper o levou à selva do sul de Fellrin. Navegar
pelo acampamento do exército e entrar na tenda do pavilhão do Warmage
Keats foi bastante simples. Ela não acordou enquanto ele deslizou um de seus
casacos sobre sua própria roupa e pegou uma de suas camisas de seu baú.
Ele jogou a camisa sobre o pescoço dela antes de cobrir sua boca, e o
tecido bloqueou o jato de sangue quando sua faca deslizou em sua garganta.
Keats acordou apenas no final, e com seu suspiro moribundo ela atacou
com um relâmpago de magia. A eletricidade sacudiu agonizantemente através
do braço esquerdo de Whisper, mas ele não fez nenhum som. E depois de um
gorgolejar final, Keats também não.
Ignorando a dor, Whisper limpou sua adaga em seu casaco, então colocou
o casaco ao lado de seu corpo. Keats não usava joias, e Whisper não se atreveu
a procurar lembranças. Ele simplesmente cortou um botão de latão do casaco
dela e o guardou no bolso.
Depois que ele escapuliu na noite, foi mais uma semana antes que ele
pudesse ver um curandeiro de sangue seguro para tratar a fratura. Mais uma
semana antes de retornar ao Canil, onde o pai arranjou um curandeiro melhor.
A lesão foi complicada.
“Isso é decepcionante” meu pai disse quando soube da lesão; e pior, a
recomendação do curandeiro de que Whisper tirasse pelo menos seis meses
de folga antes de trabalhar novamente. Mais tempo para evitar o risco de
tremores prolongados.
“Terei que dar o próximo trabalho para Smoke.”
Whisper não recebeu seu quinto emprego por mais um ano inteiro, mais
uma vez atrasando seu benefício final e a recompensa da liberdade.
Agora, o único lembrete de Keats de Whisper é a conta de latão em seu
pulso. Não há vestígios de seu relâmpago, e Whisper trocou sua liberdade,
talvez para sempre.
Estou bem? Isso importa?
Uma batida na porta interrompe os pensamentos de Whisper. Ele saca a
faca da bota, desdobra os membros e atravessa silenciosamente a sala. Na
porta, tudo o que ele ouve é a respiração.
Outra batida.
— Quem é? — Whisper pergunta.
A voz de Julien é clara.
— Você tem três palpites.
Whisper desliza a faca de volta para a bota e destranca a porta. O salão
está incrivelmente claro, e ele tem que apertar os olhos para se concentrar em
Julien. A luz da lanterna reflete através de seu cabelo, e um rubor surge em
suas maçãs do rosto. Vinho doce gruda nele, mais forte que sua colônia. Uma
garrafa ainda arrolhada balança em suas mãos, vermelho luminoso.
— Você vai me convidar para entrar? — Julien pergunta.
Um guarda juramentado espera no corredor atrás dele. Whisper encontra
seus olhos e se lembra da pergunta de Lucien. Se esse guarda gosta de falar,
mais pessoas vão começar a fazer essa pergunta.
— O que você quer? Sua Alteza.
— Não se preocupe, eu não estou aqui para... Deixa pra lá. Eu queria te
agradecer. Julien levanta a garrafa, chacoalhando-a um pouco. — E ver como
você está.
Whisper faz contato visual com o guarda novamente.
— Entre, então —, diz ele, e se afasta da porta para acender as lâmpadas.
Os Hounds do Canil não aprendem a não virar as costas para seus
inimigos. Eles aprendem a estar cientes de tudo, mesmo quando estão de
costas. Enquanto Whisper acende todas as lâmpadas da sala, ele está
hiperconsciente dos movimentos de Julien. A porta se fecha. Vidro tilinta
contra a mesa, e o sofá range e se acomoda. A sala inteira aquece
gradualmente com a presença de Julien.
Sem lâmpadas para acender, Whisper tem que se virar. Julien está apenas
sentado lá, observando Whisper com atenção extasiada. Recostado no sofá,
tornozelo cruzado sobre o joelho, cada linha de seu corpo exala uma graça
lânguida. Seu cabelo está desgrenhado, e os dois primeiros botões dourados
de sua camisa estão desabotoados.
Se Whisper fosse Lily, ele saberia como usar a atenção de Julien. Mas ele
não é Lily. Ele luta o suficiente para se distanciar de seus alvos quando não os
fode.
— Eu não tenho um saca-rolhas —, diz Whisper.
Os olhos castanhos de Julien se enrugam.
— O vinho é para depois. Quando você quiser. Escolha uma ocasião
especial. Sente-se e deixe-me olhar para o seu braço.
Algo em seus olhos lembra Whisper de Rumi e Fisk, mas mais faminto,
mais perigoso do que os gatos. Ignorando sua resposta instintiva de fuga,
Whisper se empoleira no sofá à direita de Julien.
As sobrancelhas de Julien franzem em concentração embriagada enquanto
ele desabotoa o punho da manga esquerda de Whisper. Sempre que sua pele
roça, a consciência irradia através de cada nervo de Whisper. Julien dobra a
manga com cuidado até o cotovelo, e o movimento suave do tecido é mais
vívido do que a faca cortando sua pele.
Whisper fica parado enquanto Julien traça as bordas das bandagens, e os
pinos que os prendem no lugar.
— Dury disse que você se recusou a deixá-lo curar você —, diz Julien.
— Ele também deveria ter dito a você como o corte era raso.
— Pode ser. Não consigo me lembrar.
Um pensamento ridículo toma Whisper: que Julien está prestes a se
aprofundar. Julien está prestes a pressionar os polegares nas feridas de
Whisper e abri-las novamente, até sangrar através de suas bandagens. Até que
ele não consiga esconder a magia negra que sai de seu coração.
Mas Julien apenas solta o braço e se afasta alguns centímetros no sofá.
— Você não deve beber por um dia de qualquer maneira.
— O que?
— Os analgésicos. — Agora é Julien quem evita o olhar de Whisper. —
Perguntei ao Curandeiro Dury. Você não deve misturá-los.
— Certo. — Whisper não tomou os comprimidos que Dury lhe deu. Seu
braço mal dói, e a dor é útil como um aviso. Não vai atrasá-lo. — Você
descobriu quem enviou o assassino?
Julien balança a cabeça.
— O homem morreu envenenado antes que pudéssemos questioná-lo.
— Isso é uma vergonha. — Whisper está prestes a lançar mais perguntas;
algum incidente suspeito recentemente? Alguém que Julien tenha irritado
recentemente? quando ele vê o olhar de Julien cair. Há uma tensão totalmente
desconhecida em sua mandíbula. Julien está chateado e, por algum motivo, o
estômago de Whisper se revira.
— Desculpe. Posso parar de falar sobre isso.
— Por favor, não se desculpe. — Julien esfrega o rosto. — Estou apenas
frustrado. Você se machucou, e esse homem que eu nem conheço está morto.
Porque alguém me quer morto, mas não sei por quê.
— Eu mal fui arranhado, — Whisper protesta.
Julien gentilmente pega o braço de Whisper novamente.
— Se você se cortar com papel, seria demais para mim.
Ele diz isso com tanta seriedade que a mente de Whisper fica em branco.
Sem fala e imóvel, tudo o que ele pode fazer é observar Julien enrolar a manga
sobre as bandagens e abotoar cuidadosamente o punho.
— Seu tempo de reação é incrível. — Julien solta o braço de Whisper. —
Todos os guardas da casa são tão rápidos em Fellrin?
Whisper leva um momento para responder. Cada pequeno toque de Julien
é como licor em suas veias.
— Fellrin é mais urbano que Silaise. Os nobres estão todos amontoados,
pisando nos calos uns dos outros, e a maioria deles não possui terra suficiente
para se manter ocupado. Assassinatos são apenas mais um hobby.
Julien se inclina para trás, expondo a forte coluna de seu pescoço.
— Gostou de lá?
— Foi bom.
— Porque você saiu? — Julien pergunta. — Eu suponho que não é porque
em Fellrin todos receberam notícias de que o príncipe mais bonito de Silaise
estava contratando.
Nem todos de Fellrin. Apenas o cliente anônimo do Canil.
Os detalhes da identidade de Whisper como Will Hadley são escassos. Ele
é livre para elaborá-las, contanto que não diga nada facilmente provado falso.
— Gostei do meu trabalho, mas discuti com meu pai. Ele não é um homem
para discutir. — Talvez isso não seja falso, afinal. — Eu queria um novo
começo.
— Eu também nunca gostei do meu pai —, diz Julien. Seus cílios escuros
baixam e ele toca a delicada corrente dourada visível sob o colarinho aberto.
— Provavelmente não deveria dizer isso já que ele está morto e tudo mais.
Mas é verdade.
— Não acho errado falar a verdade sobre os mortos. — Whisper gostaria
de ter um saca-rolhas agora. Qualquer coisa para ocupar suas mãos e fazê-lo
parar de pensar em quão perto Julien está. — Por que você não gosta dele?
— Muitas razões. — Julien ri, sem alegria. — Se estamos falando a
verdade, porém, a razão mais verdadeira é que tenho medo de ser como ele.
Há uma simplicidade crua em suas palavras. Uma parte de Whisper anseia
por pegar a mão de Julien e abraçá-lo. Ele resiste, mas a distância física não
parece nada.
— Eu me pareço mais com ele. Temos os mesmos interesses. Jogo, caça. O
mesmo... Julien acena com a mão.
— Os mesmos talentos.
— Ter os mesmos talentos e interesses não o transformará nele —, diz
Whisper. — Que tipo de homem ele era? Não apenas seus hobbies, mas quem
era ele?
A sala escurece sem o sorriso de Julien.
— Insensível, — ele diz eventualmente. — Tesson não tinha coração.
— Então você não tem nada com que se preocupar, — Whisper diz
suavemente.
— Porque você nunca será isso.
— Porra. — Julien esfrega a mão no rosto. — Chega de mim. Eu estava
falando de você. Eu quero saber mais sobre você.
O rubor está desaparecendo do rosto de Julien, e seus olhos estão mais
brilhantes. Whisper não sabe dizer se Julien ainda está bêbado, ou quão
bêbado ele realmente estava.
— Interrogue-me amanhã, Alteza. — Ele usa o título como um escudo
quando se levanta. — Está tarde.
Julien também se levanta.
— Posso ter uma pergunta agora? — Quando Whisper assente, ele se
aproxima, então Whisper tem que olhar para cima para encontrar seus olhos.
— Se é tão tarde, por que você estava acordado?
Há centenas de desculpas que Whisper pode dar, mas ele quer contar a
verdade a Julien. Julien perguntou se ele estava bem; pela primeira vez na
vida, Whisper quer dizer que não está.
— Eu tenho pesadelos —, diz Whisper. — Eu não durmo muito.
— Ah. Isso explica. — Julien estende a mão lentamente, como se estivesse
acariciando um gato nervoso. As pontas dos dedos quentes beijam a pele sob o
olho de Whisper.
— Você sempre parece tão cansado.
E por um momento translúcido e doloroso, Whisper se sente visto.
CAPÍTULO DEZ
JULIEN
***
Fellcats são perfeitos para caçar anciões, decide Julien. Rumi se move em
silêncio quase perfeito, apenas ocasionalmente perturbando a serapilheira no
chão. Qualquer som que ela faça é muito mais silencioso do que o farfalhar das
folhas lá em cima, ou os movimentos silenciosos do próprio Julien.
Pelo menos, ele fica quieto até que uma voz feminina legal do nada o faz
pular.
Sinto o cheiro do pequeno dragão a leste. Me siga.
Julien se vira para encontrar os olhos dourados de Rumi. As palavras
estavam em High Fellrian, então ele responde no mesmo idioma.
— Você está falando comigo?
Obviamente, já que você me ouviu. Rumi soa muito presunçosa e, de alguma
forma, exatamente como Julien imaginou que sua voz poderia soar.
— Parabéns, se você pretendia me assustar. Bem jogado.
Falar com várias pessoas é problemático, e falar com pessoas que eu não
gosto é problemático. Eu falo com Food Sybil às vezes. E eu não gosto de você.
— Grande elogio.
Muito alto elogio. Ela vira para o leste. Venha comigo. Ouço Fisk e o gatinho
se aproximando, e quero pegar o pequeno dragão antes que Fisk o faça.
— O gatinho? — Julien sorri, seguindo atrás dela. — Isso combina com ele.
Suas orelhas manchadas se movem em direção a ele. Ver? Eu não gosto de
você cada dia menos. Fisk discorda de mim, mas acho que o gatinho é muito
parecido com um gatinho. Um gatinho muito bom.
A luz do sol manchada oscila pelo chão, e as listras do felino. Julien se
esforça bravamente para prestar atenção ao seu entorno, ao cheiro fresco e ao
canto dos pássaros, em vez de perder a imaginação ao pensar em Will como
um gatinho.
Nadine ainda não teve notícias de seus contatos Fellrianos, e Julien está
cada vez mais preocupado com isso quanto mais ele conhece Will. O jovem
ainda é um mistério, mas Julien acha manter a cautela mais difícil a cada dia.
— O que mais você pode me dizer sobre Will? — Julien pergunta a Rumi.
Vou dizer a ele que você perguntou. Eu não gosto de segredos.
— Isso é bom. Honestidade é muito rara na corte. — Não que Julien ajude
com isso.
A cauda de Rumi balança. Ele é bom com as mãos. Ele sempre encontra o
lugar certo para coçar atrás das minhas orelhas. Ele não fala muito, mas presta
atenção. Suas orelhas se movem em direção a ele novamente. Ele presta muita
atenção em você.
A mente de Julien está tão concentrada na frase “bom com as mãos” que
ele leva um momento para processar a última observação de Rumi.
— Ele presta atenção em mim?
A risada de Rumi rola em sua mente. Ele observa você com mais cuidado do
que Fisk observa um frango assado. É um absurdo testemunhar.
Julien quer pedir mais detalhes, mas um som interrompe sua curiosidade
satisfeita. O silvo subterrâneo e o chocalho de uma criatura escamada
movendo-se sob o chão da floresta. Rumi faz uma pausa também, depois dá
uma volta. Com o coração acelerado em antecipação, Julien ajusta sua besta de
duas flechas e a prepara para disparar.
Quase aqui, diz Rumi. Julien não responde; o ancião o ouvirá. Ele aponta
para um ponto claro, livre de raízes ascendentes, então gesticula para longe.
Rumi se move para o lado, claramente concentrado no local para o qual
apontou.
Audric seria capaz de acessar a rede de raízes e mapear com precisão a
toca. Julien viu seu irmão matar um wyrm antes mesmo de explodir da terra,
em uma das raras ocasiões em que Audric saiu caçando com ele. Audric não
gosta de caçar, e Julien entende o porquê; não é esportivo, com magia como a
de Audric.
É definitivamente esportivo com a compreensão mais fraca de Julien da
magia de Sandry. Mas ele não vai usar a magia de Sandry hoje. Ele passou as
últimas duas semanas refletindo sobre sua conversa à meia-noite com Will; e
lenta e hesitantemente experimentando a magia de Rue.
Controle sobre o ar. Apenas suas mães e irmãos sabem que Julien o herdou
e, nos últimos doze anos, nunca o pressionaram a usá-lo. Mas Will se
machucou porque Julien não estava ciente e capaz o suficiente para se
proteger.
Tesson Rue está morto. Rejeitar a magia de Rue não significa nada para
ele, e tudo o que Julien está fazendo é se limitar. Está na hora disso mudar.
Wyrms sentem tanto o calor quanto o som. Julien exala. Imagina sua
respiração se fundindo com o ar ao seu redor, um truque mental para
visualizar seu controle. Quando sua consciência se acalma, ele se concentra
em resfriar o ar ao redor dele e de Rumi.
A cauda de Rumi se contrai. Isso faz cócegas.
O chiado sob seus pés para. O ancião não se afastou, mas não tem mais
tanta certeza da localização de sua presa.
Esta próxima magia é mais difícil, e uma gota de suor escorre pela
têmpora de Julien apesar do frio. Como ele mantém a temperatura mais fria ao
redor dele e de Rumi, ele gira o ar mais rápido acima do ponto alvo.
Esperemos que aquecendo o ar. Possivelmente apenas girando folhas caídas
em um pequeno tornado.
Momentos passam. O wyrm permanece em silêncio.
Ok, tornado minúsculo é um fracasso. Hora do plano dois. Julien larga toda
sua magia, levanta sua besta e atira. O parafuso treme na terra macia
Depois de um momento de silêncio supremo, o chão explode abaixo dele.
As mandíbulas do ancião se fecham no ar e na terra. Chamas alaranjadas
ardem entre seus dentes pontiagudos, e seu corpo coberto de sujeira voa no
ar. Tão grande quanto Rumi, o corpo serpenteante do ancião é difícil de focar.
Usando seu olho branco resplandecente e as articulações de seus
membros como referência, Julien se move para o lado para obter um ângulo
em seu pescoço. Há uma desvantagem nessa técnica para atrair o wyrm: Julien
só tem uma flecha carregada e não pode contar com a chance de recarregar.
Rumi salta de lado. O wyrm é rápido, mas não rápido o suficiente para
escapar de seu alcance. Suas patas pousam pesadamente em sua cauda, e o
ancião grita com faíscas de fogo. Ele se ergue contra suas garras e sua cauda se
desprende com um audível rasgo de carne.
Como se atreve! Rumi grita na cabeça de Julien. Isso não é justo!
Julien não tem tempo de responder; a cauda perdida não diminui a
velocidade do ancião.
— Voltará. — Julien aponta sua besta. Ele precisa apenas do ângulo certo.
— Pule nele se eu errar.
Patético. Só não perca!
— Não pretendo.
Sua voz chama a atenção do ancião. Julien se prepara e se concentra no
corpo contorcido do ancião. A seis metros de distância, suas seis pernas ficam
tensas em um agachamento, então lança seu corpo serpentino em direção a
ele.
Forçando-se a relaxar, Julien espera enquanto a criatura se aproxima. A
concentração o liga novamente ao ar ao redor, e ele o empurra na direção do
ancião o mais forte que pode. A súbita rajada de vento não para o ancião, mas
a resistência extra do ar é suficiente. O wyrm desacelera por apenas um
segundo.
Quando ele solta o ferrolho, o ancião cai no chão.
Rumi salta ao redor da criatura em convulsão, observando atentamente
até que ela caia imóvel. As escamas mais lisas de sua barriga torcem-se para o
céu, e de sua garganta se projetam não um, mas três parafusos de aço.
Virando-se, Julien encontra Will atrás dele, já carregando novas flechas em
sua besta. Julien não tinha ouvido ele e Fisk se aproximarem.
— Olá. — Julien ri sem fôlego. — Você estava tentando roubar minha
morte?
Ele atira sua própria besta nas costas e desembainha a espada. O ancião
parece muito morto; cinzas negras mancham suas mandíbulas outrora
poderosas, mas ser cuidadoso nunca é demais.
Will se aproxima, seu foco ainda no wyrm. Fisk, que se mistura com a luz
manchada ainda melhor do que Rumi, caminha atrás dele.
— Seu raio o atingiu primeiro.
— Claro que sim. Eu sou um caçador de anciões experiente. — E
felizmente seu experimento mágico funcionou principalmente. Julien cutuca o
cadáver com a ponta da espada. Ele não se move, então ele embainha sua
espada. — Se você queria matar, você deveria ter me dito antes. Da próxima
vez que você caçar comigo, você pode tê-lo. Vou me certificar disso.
Os lábios de Will se abrem levemente, a mais leve rachadura em sua
expressão ilegível. De tão perto, Julien pode ver uma sarda bem dentro da
suave curva rosada de seu lábio inferior. Seu movimento é hipnotizante
enquanto Will fala.
— Eu não me importo com a matança. Eu só queria ter certeza de que você
estava bem.
— Você se preocupou comigo? — Algo sobre a luz do sol espalhada pelas
folhas no cabelo de Will deixa Julien deslumbrado. Ele considera tranquilizar
Will que ele tinha as coisas bem controladas com a magia de Rue, mas ele não
tem certeza se quer compartilhar isso com alguém ainda. Além disso, ele está
mais interessado na sarda no lábio de Will agora. — Acho que gosto de você
preocupado comigo.
Quando ele pega um cacho do cabelo de Will entre os dedos enluvados,
Will fica quase parado. Apenas seus cílios tremem brevemente.
— Eu não gosto de você imprudente, — Will diz calmamente. — Sua
Alteza.
De alguma forma, o honorífico não aumenta a distância entre eles. Ele
preenche a lacuna.
A voz mental de Rumi estilhaça o momento. Já podemos comer? Se não,
alguém faz alguma coisa, porque Fisk está prestes a comê-lo.
Quando os humanos giram, Fisk inocentemente retrai sua pata de cutucar
o rosto morto do ancião.
— Não coma ainda —, diz Julien. — Vou enviar o sinal.
Ele solta a buzina do cinto enquanto Will se afasta. Este momento foi só
deles, e Julien de repente está relutante em convocar o resto do grupo de caça.
Mas Will já está andando pela área ao redor e inspecionando o buraco
quebrado do wyrm, e Julien não tem certeza de quanto tempo Fisk pode
esperar antes de comer o wyrm.
Julien leva a trompa aos lábios e o chamado melódico ressoa pela floresta.
***
CAPÍTULO ONZE
WHISPER
***
Whisper fica em silêncio por tempo suficiente para Julien rir sem jeito.
— Desculpe. Eu chego um pouco forte demais às vezes.
— Não. — Whisper toca a mão de Julien no banco e estremece com o calor
chocante dele. — Você não fez nada de errado.
A risada de Julien é baixa e doce novamente. Ele muda seu aperto até que
ele segura a mão de Whisper, prendendo-o com a menor pressão.
❧
CAPÍTULO DOZE
JULIEN
***
CAPÍTULO TREZE
WHISPER
CAPÍTULO QUATORZE
JULIEN
***
Quando Julien tinha onze anos, seu pai biológico se cansou de seu acordo
com a rainha Margot e Lady Claude. Um baronato menor já não era
compensação suficiente para renunciar a todos os direitos dos pais e
influência sobre os três príncipes de Silaise.
De acordo com a história oficial, Tesson Rue levou seu filho mais novo,
Bellamy, de oito anos, em férias surpresa para seu baronato na costa norte.
Todos na família sabiam a verdade: era um sequestro.
Margot começou a trabalhar para resolver a situação com pressão política,
mesmo enquanto tranquilizava Audric e Julien. Ela fez o seu melhor para
manter a família e a nação unidas, enquanto Claude perdia a cabeça com medo
e fúria. Espelhos quebrados e sussurros cruéis. Um segredo que Julien não
deveria saber, mas que guarda há anos.
Esta noite, Julien entende a raiva de Claude, se o que ela sentiu na época
foi algo parecido com o que ele sente agora. É óleo em suas veias. Incêndio sob
sua pele.
— Isso pode ser uma armadilha, — Nadine diz enquanto eles montam no
castelo.
— Então eles vão se arrepender de me pegar —, responde Julien, e chuta
seu cavalo na noite.
O vento frio passa por seu rosto, e as colinas de Greenhaven se erguem ao
redor deles. Doze guardas do juramento cavalgam atrás dele, incluindo Nadine
e Vitus. Rosin ficou com Lucien para controlar o fogo. Rumi galopa em um
ritmo implacável à frente, seu cheiro agitando os cavalos sempre que o vento
bate no ângulo certo.
As colinas estão cobertas pelas florestas e campos que deram o nome a
Greenhaven. À noite, eles são um manto de sombras tremendo na Paisagem.
Apenas vinte minutos fora da cidade, perto de uma encruzilhada, uma forma
se destaca das outras sombras.
Aqui, Rumi chama. Fisk está aqui.
Julien assobia e puxa seu cavalo. Seus lados úmidos levantam sob suas
pernas.
— Qual é a situação?
Uma casa naquela trilha. Outra trilha mais adiante na estrada. Pelo menos
seis humanos. Rumi trota em direção a Julien, depois para quando o cavalo de
Julien começa a se encolher. Existem sentinelas. Vamos esmagar as sentinelas e
assustar seus cavalos.
Sua cauda chicoteia enquanto Julien transmite a informação para Nadine e
o resto dos guardas. Nadine faz alguns pedidos aos quais Julien não presta
atenção. Ele está muito focado em Will.
— Fisk viu Will? — Julien pergunta a Rumi enquanto avança com seu
cavalo.
Levaram-no para dentro de casa. Sua voz é mais incerta do que Julien já
ouviu. Ele estava dormindo, embora eles fossem barulhentos. Oh, as sentinelas
estão aqui!
Ela surge na noite, Fisk correndo atrás dela. Julien ignora o grito de Nadine
e galopa para a frente também.
A casa na floresta é pitoresca, rústica. Uma cabine principal fica ao lado de
um celeiro, cercada por espaço aberto suficiente para que seja difícil se
aproximar da casa sem ser visto.
Julien não se importa se eles o veem chegando ou não. A magia brilha sob
sua pele, floresce para fora e se prende à floresta ao redor. Grandes
quantidades de poder que Julien nunca usou antes, imprudente e irrestrito.
Fácil. Cada raiz e galho se transformam em ouro vívido em sua mente.
Um grito abafado quebra a noite quando um dos gatos derruba uma
sentinela. A próxima sentinela consegue um grito mais longo antes que as
presas cortem sua voz. O ar se agita com o movimento dentro da casa, acima
dela há um homem no telhado, puxando uma besta.
A consciência de Julien desliza sem esforço pelo ar frio da noite, a magia
de Rue finalmente irrestrita. Ele vê em um fôlego todo o layout da clareira e da
cabana. Um homem, dois homens no telhado. Mais três estranhos na casa.
Nenhum sinal de Will, e o pânico o percorre até que o ar passa pela porta do
porão. Will está seguro no subsolo.
Controlando o cavalo, Julien levanta o braço para se concentrar.
A terra treme. Raízes irromperam como wyrms saindo do chão.
Delineados em magia dourada, eles chicoteiam o ar e derrubam o homem do
telhado. Eles agarram a porta e arrancam a frente da casa.
Isso não é mais magia de Rue, ou magia de Sandry.
Essa magia é dele. Esta floresta é dele.
A vontade é dele.
❧
CAPÍTULO QUINZE
WHISPER
***
CAPÍTULO DEZESSEIS
JULIEN
11
Furo para passar um fio ou cordão.
chamam de sua alteza . Mas há algo diferente nisso. Como se Will estivesse se
ajoelhando apenas para Julien, não para seu título.
— Você poderia me fazer um favor? — Julien pergunta com a garganta
seca.
Will olha para cima.
Julien passa os dedos por aquelas ondas douradas bagunçadas e pergunta:
— Me chame de Julien?
Os lábios de Will se abrem e seus dedos ainda estão no tornozelo de Julien.
Inclinando-se para o toque, ele diz:
— Julien.
O som é ainda mais doce do que Julien esperava. Puxando Will para cima
com a mão sob o queixo, ele beija o eco de seus lábios.
Eles ainda estão seminus, mas Julien não pode esperar mais. Ele tenta
tomar cuidado com os ferimentos de Will enquanto o puxa para a cama, mas
Will se joga em cada toque. O colchão afunda e a colcha verde fica torta até
que Julien cobre Will embaixo dele. Como se ele pudesse usar seu próprio
corpo para manter o resto do mundo longe um pouco mais. Ele se apoia com
um antebraço no colchão, e sua outra mão vagueia pelo corpo de Will. Mãos
finas afundam no cabelo de Julien enquanto seus lábios descem pela garganta
de Will.
Lambendo a batida rápida do pulso de Will, ele estende a mão entre eles
para tirar o pênis de Will.
Will se arqueia contra o colchão, o pescoço se esticando sob os lábios de
Julien. Ele é tão quente na mão de Julien. Deslizando o dedo no pré-gozo ,
Julien torce o polegar sobre a ponta, tirando o som mais doce da garganta de
Will.
Há lubrificante em um dos armários, mas Julien não sobreviverá à viagem
para buscá-lo. Ele não vai aguentar nada mais complicado do que bombear a
mão sobre o pau de Will.
— Eu vou te foder direito da próxima vez, tudo bem? — Julien ofega,
parando apenas o suficiente para tirar seu próprio pênis duro e vazando.
Will endurece quase imperceptivelmente.
Percebendo seu erro, Julien abaixa a testa na clavícula afiada de Will. Ele
meio que ri, meio que implora:
— Muito cedo? Pelo menos deixe-me fingir que haverá uma próxima vez.
As mãos de Will amolecem em seu cabelo, e ele respira estremecendo.
— Você não tem que fingir. Eu disse para ser egoísta.
— Excelente. — Julien desliza seus comprimentos juntos em seu aperto. —
Eu não quero assustá-lo, mas estou realmente a fim de você.
Will suspira e se levanta.
— Porra, Julien, você é tão...
Julien nunca descobre o que ele é, porque Will dá um gemido incoerente e
o puxa para outro beijo. Nenhum deles tem fôlego para palavras. Julien
balança os quadris contra Will, e o calor se acumula entre eles. Seu próprio
orgasmo iminente é um eco distante do prazer de cada movimento de Will, a
batida de seu pulso, o gosto de sua respiração, o sangue de ferro de seu lábio
partido.
Ele está quase no orgasmo quando Will congela e geme em sua boca. O
som queima nas veias de Julien, e o súbito derramamento de calor em seus
dedos o leva ao limite. Ele sacode uma última vez antes que sua própria
semente se misture com a de Will.
Enquanto recupera o fôlego, Will cutuca seu ombro.
Julien rola ao lado dele, mas agarra a mão de Will quando ele tenta se
mover.
— Fique um pouco, por favor?
— Eu voltarei. — Will facilmente escapa de seu aperto e se enfia de volta
em suas calças. — Só estou pegando uma toalha.
— Eu imagino, — Julien reclama, pegando um breve sorriso nos lábios de
Will.
Julien olha para as vigas de madeira escura, esculpidas com trepadeiras. A
água corre no banheiro, depois o silêncio. Will demora quase o suficiente para
Julien se preocupar; tudo bem, cinco segundos é tempo suficiente para Julien
se preocupar, mas ele volta. Ele joga a toalha para Julien e se joga na cama ao
lado dele.
Depois de uma limpeza superficial, Julien envolve Will com um braço e o
puxa para mais perto. Will se aconchega com uma flexibilidade surpreendente.
Sua cabeça repousa sobre o peito de Julien, e suas pernas se unem. Toda a sua
hesitação se foi, ele se derrete ao lado de Julien.
Julien beija o topo de sua cabeça e murmura:
— Bons sonhos, gatinho.
❧
CAPÍTULO DEZESSETE
WHISPER
O som mais fraco tira Whisper do sono. Ele entra em movimento antes que
seus olhos estejam totalmente abertos, pernas preparadas para se
impulsionar para frente, mão voando sob o travesseiro; mas não há punhal. O
travesseiro é muito macio, o quarto muito claro.
Julien se afasta da cabeceira, mãos para cima.
— Desculpe. Eu estava tentando verificar se você estava acordado.
— Desculpe. Eu fico nervoso às vezes. — Whisper se curva sobre os
joelhos, esfregando os olhos. Há uma colcha azul fina sobre suas pernas que
não estava lá quando ele adormeceu. Whisper está surpreso por não ter
notado Julien colocando-o nele, ou notado Julien saindo. Ele não costuma
dormir tão profundamente.
— Que horas são?
— Quase meio-dia. — O olhar de Julien percorre o torso de Whisper. A
atenção é estranhamente confortável. — Tem café da manhã no outro quarto.
Ou almoço. Ou você pode tomar um banho primeiro ou voltar a dormir.
— Vou tomar um banho primeiro —, diz Whisper, embora seu estômago
torça com fome. Ele não precisa de mais sono. Essas poucas horas na cama de
Julien foram mais tranquilas do que qualquer noite que ele passou no
passado...
Ele não consegue se lembrar da última vez que dormiu tão
profundamente.
— Eu já preparei um para você —, diz Julien enquanto Whisper desliza
sob a colcha.
— A água ainda deve estar morna. Me avise se não for.
— Vossa Alteza —, diz Whisper, divertido. — Você está nervoso com
alguma coisa?
Julien avança, envolvendo Whisper com o aroma de sabonete e café.
— O que me denunciou? A divagação?— Ele toca o queixo de Whisper. —
Não estou acostumado a acordar ao lado de homens bonitos. Eu costumo
afugentá-los antes do amanhecer.
A respiração de Whisper fica presa.
— Talvez eu estivesse cansado demais para correr.
Julien ri e se inclina para tomar os lábios de Whisper em um beijo como
seda e luz do sol.
A porta range do outro lado da sala, empurrada para o lado por um ombro
largo e listrado. Fisk resmunga enquanto entra no quarto, a luz do sol
iluminando o verde de sua pele até quase combinar com as plantas que se
espalham pelo peitoril da janela. Rumi o segue e se senta no centro da sala.
Julien se afasta de Whisper, as bochechas corando.
— Você está certo, é claro, Rumi, — ele diz em Alto Fellrian.
Fisk esbarra com a testa em cada um deles, depois se afasta para cheirar
as plantas.
Whisper resiste ao impulso de tocar seus lábios.
— O que você disse a ele?
A cauda de Rumi balança em diversão. Você não quer saber.
Ela provavelmente está certa.
— Eles apareceram há uma hora —, diz Julien. — Você sabia que Fisk pode
abrir portas com sua mente?
— Sim, — Whisper diz estupidamente. Não há garantia de privacidade
com um felino telecinético no castelo.
Mas ninguém, felino ou príncipe, o segue até o banho. Ele acha que Julien
considera isso, mas Julien ainda está nervoso e cuidadoso com ele. Porque é
quem Julien é. Atencioso. Inteligente. Bom.
Whisper gostaria de não saber nada disso.
Uma pilha de suas roupas está no balcão. Alguém deve tê-los buscado, e
Whisper está feliz por manter suas armas e suprimentos bem escondidos em
seus aposentos. Verificando por cima do ombro para confirmar que a porta
ainda está fechada, ele puxa a pulseira de sua calça arruinada e a coloca sobre
a roupa limpa.
O cordão principal quebrou quando ele estava liberando seus pulsos na
noite passada, mas todas as seis contas estão intactas e amarradas com
segurança no lugar. A tira de couro que os esconde se desfez o suficiente para
revelar duas das contas: uma esmeralda escura e vibrante e uma peça simples
de prata.
Ao tocá-los, Whisper se lembra de seu segundo emprego. Seu trabalho
mais longo, até este.
Ele tinha talvez dezesseis anos e estava confiante quando passou um mês
na corte do conde Elbert Saito. Três outros nobres Fellrianos estavam
visitando para a grande caçada do conde, e trouxeram funcionários suficientes
com eles para que Whisper se misturasse como apenas mais um servo. Ele
conheceu o mago da corte de Saito em sua primeira semana lá, quando estava
avaliando se a magia dela era uma ameaça. Aneko era apenas alguns anos
mais velho que ele, de bom coração, e quando ele contou sobre ser intimidado
por outros servos, ela acreditou nele e o colocou sob sua asa.
No final do mês, Whisper não estava mais fingindo amizade. Suas
conversas com Aneko foram os momentos mais relaxantes de sua vida. Ela
não esperava nada de Whisper, e ele fantasiou em visitá-la mais tarde. Talvez
alguns anos no futuro, quando ele terminasse seu sexto trabalho e ganhasse
sua liberdade do Canil.
Exceto quando Whisper entrou no quarto do conde, Saito não estava
dormindo, e ele não estava sozinho. Aneko estava enredada com ele, e no
brilho do luar, ela reconheceu Whisper.
O treinamento de Whisper era mais forte do que suas dúvidas; ele matou
Saito e Aneko antes que eles pudessem gritar. Ele pegou um pingente de
esmeralda de Saito e um brinco de prata de Aneko, e não vomitou até estar a
quilômetros de distância.
Ele nunca reclamou, mas papai leu nas entrelinhas de seu relatório e não o
forçou a um longo trabalho depois disso. Até agora.
Whisper não tem uma escala para medir a traição. Ele não consegue
avaliar se foi mais cruel com Julien do que com Aneko, ou com qualquer outra
pessoa que tenha matado. Tudo o que ele sabe é que terá muito menos de si
mesmo quando terminar este trabalho.
Despindo-se, ele afunda na água morna perfeita. Ele conta seus
hematomas e lamenta que nenhum deles seja de Julien, que era muito, muito
mais gentil do que Whisper merece.
***
***
12
No sentido de sem expressão, em branco.
Esta próxima parte é uma aposta. O único nome de Langley que Whisper
conhece é a mulher que às vezes toma chá com o pai, e se ela morreu ou
perdeu o poder nos últimos dois anos, isso não vai funcionar.
— Resolva isso com Blythe.
Xingando novamente, Devon cai em sua cadeira. Whisper relaxa. Blythe
ainda está viva, e Devon sabe o nome dela.
— Quem te contratou? — O whisper se repete.
— Um homem chamado Cyril —, diz Devon, todo o desafio se foi. — Eu
não acho que esse seja o nome verdadeiro dele. Ele pagou bem. Nobre, eu
acho.
Sem surpresas aí.
— Qual era o objetivo da operação de ontem à noite?
— Nós deveríamos sequestrar você, levá-lo de volta para a casa segura e
deixá-lo com Cyril para interrogatório ou qualquer outra coisa. Exceto que ele
se fodeu no meio do caminho.
Há um movimento arrastado atrás de Whisper, e Rosin diz:
— Vossa Alteza —. Whisper não se vira.
Novamente, sem surpresas. Whisper finalmente faz uma pergunta que ele
não sabe a resposta.
— Por que ele queria me sequestrar?
— Ele contratou Mika para um trabalho no mês passado e você interferiu.
— Devon olha por trás do ombro de Whisper para Julien. Seu rosto
empalidece. — Ele queria saber quem você era.
— É isso? — Whisper pergunta.
— Até onde sei. Olha, nós éramos apenas o músculo nisso.
Então, isso era sobre Julien afinal, não Whisper. Isso é um alívio,
provavelmente. Sua identidade não foi comprometida.
Whisper se levanta. O resto, Rosin e os outros podem tentar descobrir.
— Tenho outras coisas para fazer agora. Coopere com o pessoal do
Príncipe Julien, ou as coisas vão piorar para sua tripulação. Entendido?
Devon jura novamente baixinho em reconhecimento.
— Espere. — Julien toca o ombro de Whisper antes que ele possa sair. Seu
rosto está totalmente calmo quando ele se dirige a Devon. — Quais eram os
nomes dos seus homens mortos no castelo na noite passada?
Whisper fica imóvel.
— Brom e Ustin —, responde Devon.
A mão de Julien se espalha pelo ombro de Whisper, guiando-o para o
corredor.
— Que porra você disse a ele? — Rosin pergunta quando a porta se fecha.
— Ele cantou como um maldito pássaro.
— Uma frase de código que peguei de um amigo em Fellrin —, diz
Whisper. — Você deve obter o máximo de informações dele possível antes que
ele perceba que eu estava brincando com ele. Metade do submundo de Fellrin
usa Blythe como um pseudônimo.
— Vamos —, diz Julien, sua expressão ilegível. Ele conduz Whisper para
fora do nível da masmorra, sua mão tensa no ombro de Whisper.
Ele exagerou? Sua familiaridade com o submundo de Langley e Fellrin
finalmente despertou as suspeitas de Julien? Uma parte traiçoeira de Whisper
espera que seja o caso.
Julien para em um corredor silencioso.
— Isso é bom o suficiente —, diz ele, e empurra Whisper contra uma
parede.
Whisper se prepara para um confronto, uma nova série de mentiras,
porque por mais que ele tenha se apaixonado por Julien, não é apenas sua pele
em risco.
— Sua Alteza?
Mas Julien não parece nem um pouco zangado. Ele se inclina mais perto
até que sua excitação claramente pressiona contra Whisper. Com a voz baixa e
predatória, ele pergunta:
— É estranho que ver você interrogá-lo tenha sido insuportavelmente
quente?
A mão de Whisper desliza para o peito de Julien.
— É um pouco estranho, Alteza.
Um par de guardas juramentados está na esquina, observando ou não de
uma distância respeitosa. Whisper descobre que não se importa, todo mundo
já sabe que ele passou a manhã na cama de Julien. E Julien não vai muito longe
na frente deles. Apenas desliza a mão no cabelo de Whisper e rouba um beijo
delicado.
Talvez ele não vá longe o suficiente. Whisper dói quando Julien dá um
passo para trás.
— Eu deveria ir —, diz Julien, olhando para os lábios de Whisper. — Vejo
você no jantar?
— Provavelmente não. — Whisper não tem certeza se quer sentar durante
uma refeição com tantas pessoas olhando para ele hoje. — Você pode me
encontrar depois.
O sorriso perverso de Julien permanece com Whisper enquanto eles se
separam. O bracelete quebrado queima no bolso de Whisper, e ele sabe que
nenhuma joia ou bugiganga poderia abranger essa memória.
❧
CAPÍTULO DEZOITO
JULIEN
***
O sono escapa a Julien naquela noite. Sentado em sua sala com a cabeça de
Cupcake na coxa e os relatórios há muito negligenciados de Gaspard
espalhados pela mesa, ele tenta entender os números.
Ou melhor, o contrário. Tudo nos livros faz muito sentido e se encaixa
muito bem. Julien preferiria encontrar uma discrepância óbvia, maliciosa ou
acidental. Depois de evitar esses relatórios nos últimos dois meses,
certamente sua nova diligência deveria ser recompensada com uma revelação.
Dê a ele uma simples transgressão econômica para afundar seus dentes. Ele
precisa encontrar algo, em vez de reagir constantemente a rumores e
abduções.
Draskora e Silaise estão em paz há seis anos, desde os meros sete meses
da Longa Guerra do Verão. Na época, Julien se ressentiu por suas mães não
permitirem que ele se juntasse ao conflito aos dezessete anos, deixando
Audric ganhar toda a glória. Mas agora, com as tensões aumentando em
Greenhaven, parece que ele é o único que não quer uma guerra.
À medida que a meia-noite se aproxima, Cupcake fica de quatro, balança a
cabeça desalinhada e pula do sofá.
— Bom menino —, diz Julien; Cupcake o ignora e cai em sua almofada
favorita do outro lado da sala.
Julien está pensando em ir para a cama também quando alguém bate na
porta.
Não a batida de Nadine, ou qualquer um de seus guardas de juramento.
Julien se levanta do sofá, mas faz uma pausa antes de abrir a porta.
Sua consciência se espalha no ar como tinta na água, deslizando pelas
frestas da porta. A leve brisa de sua magia mapeia o corredor do lado de fora,
paredes e estátuas e vasos de plantas. Os guardas de plantão. A pequena figura
parada na porta. Quando Julien se concentra, ele acha que pode sentir o cheiro
da doçura da pele de Will.
A magia é liberada, voltando ao corpo de Julien com um prazer
satisfatório. Aparentemente, Will também não consegue dormir esta noite, e
pela primeira vez, ele está se aproximando de Julien, e não o contrário.
— Quem é? — Julien pergunta.
Depois de um momento, Will responde:
— Sou eu, Sua Alteza.
Julien abre a porta e encontra Will vestido com um casaco azul escuro,
pouco mais que uma sombra no corredor. Sob o olhar atento dos guardas, sua
postura está perfeita como sempre, mas suas orelhas estão ligeiramente
vermelhas. Namorar com um príncipe é provavelmente mais público do que
ele está acostumado.
— A que devo o prazer? — Julien diz, sem se preocupar em esconder sua
alegria.
— Eu tinha algo para você. Mas pode esperar até amanhã.
— Certamente não pode. — Julien acena para Rosin e Vitus. — Nenhum
distúrbio, exceto para emergências, entendeu?
— Sim, Alteza, — Rosin responde, inexpressiva.
As orelhas de Will queimam em um vermelho mais profundo quando
Julien o puxa para dentro da sala. Julien os gira enquanto a porta se fecha, seus
corpos batendo na madeira com um baque ecoante. Embalando Will em seus
braços, Julien agarra seus lábios em um beijo voraz.
A maneira como Will responde a ele é intensamente gratificante. Seus
lábios se abrem imediatamente, acolhendo a língua de Julien, e Julien sente um
gosto de cerveja. Ele poderia ficar bêbado beijando Will.
Ele se afasta apenas o suficiente para dizer
— Oi.
— Oi. — Will lambe o lábio, e o sangue de Julien corre para baixo, mas Will
levanta a mão antes que Julien possa mergulhar de volta. — Espere, eu
realmente tinha algo para você.
— Sério? — Julien pega a mão de Will e beija a palma. — Eu pensei que era
apenas uma maneira tímida de se oferecer a mim.
Will estremece ao seu toque.
— Você pode me ter também —, ele murmura, antes que uma expressão
mais séria cruze suas feições delicadas. — Você está bem? Você parece triste.
Porra. Ninguém deveria ser capaz de lê-lo tão bem, além de Audric e
Bellamy.
Julien abre a boca para desviar com uma piada ou dobrar seu flerte, mas
em vez disso ele responde:
— Estou preocupado com Draskora.
Will pisca com seus olhos roxos escuros.
— Fale comigo.
— Você ouviu os rumores. — Julien se afasta da porta. Toca uma das
árvores perto da varanda, e suas folhas se enrolam em seus dedos. —
Avistamentos de dragões e invasores. A evidência real é escassa, mas os
rumores parecem certos. Todos na fronteira estão prontos para acreditar que
Draskora é uma ameaça novamente.
— O que você acredita? — Will se agacha para acariciar Cupcake, mas seu
olhar nunca se desvia da mão de Julien, as folhas frias contra sua pele.
— Este lugar é uma porra de um barril de pólvora —, diz Julien. — Uma
faísca, e vai acender. Um movimento errado... e não tenho ideia de qual seja o
movimento certo.
Will se levanta.
— Às vezes não há movimento certo. Isso não é culpa sua.
— Não é minha culpa, mas ainda é minha responsabilidade. — Julien
esfrega o rosto e tenta se livrar da melancolia. Ele não vai resolver a crise
potencial depois da meia-noite, sem dormir. — Desculpe, estou realmente
matando o clima. O que você tinha para mim?
Will o encara de novo com aquele ar observador demais, então puxa uma
folha de pergaminho dobrada do bolso do casaco.
Seus dedos se tocam quando Julien pega o pergaminho. Ele tem a sensação
de que Will intencionalmente permite o leve toque, que é tão emocionante
quanto qualquer outra coisa que eles fizeram. Desdobrando o pergaminho,
Julien encontra uma lista escrita com uma caligrafia apertada e limpa.
Aproximando-se de uma lâmpada, ele reconhece nomes de empresas
locais.
— O que é isso?
— Todas as empresas que o guarda Prewitt visitou nos últimos cinco
meses —, diz Will. — Eu queria descobrir como ele entrou em contato com
Cyril ou Langley, mas havia muitos lugares para eu investigar por conta
própria. Então, este é apenas um ponto de partida.
Julien lhe lança um olhar penetrante.
— E esses nomes na parte inferior?
— Não é uma lista abrangente—, Will enfatiza. — Apenas algumas pessoas
com quem ele era conhecido por ter contato.
Alguns dos nomes são familiares da investigação de Nadine, mas ela não
produziu tantas pistas.
— Onde você encontrou tudo isso?
— Apenas perguntando por aí. — Os lábios de Will se contraem. — E eu
perdi meio mês de salário jogando Hello Minnow com Goldie esta tarde.
Julien guarda o pergaminho em segurança sob o relatório de Gaspard.
— Eu não pensei que você deixou o castelo hoje. Eu vou reembolsá-lo.
— Não precisa, Alteza. — Os olhos de Will se estreitam. Ele parece um
gatinho irritado. — E eu não estava imaginando os guardas prestando atenção
extra em mim esta semana.
— Você pode me culpar? — Julien se aproxima. — Você foi sequestrado há
quatro dias. Pedir ao guarda para vigiar você é um substituto ruim para o que
eu prefiro fazer, que é mantê-lo à vista o tempo todo.
Will tem que olhar para cima para encontrar os olhos de Julien.
— Eu não posso ficar enfiado no castelo. Quero descobrir quem está
tentando matá-lo.
— Não quem quer sequestrar você?
— Eu não sou importante, — Will diz, seu olhar baixando sob crescentes
de cílios dourados. Ele toca o antebraço de Julien. Desliza a mão na de Julien.
— Eles estavam apenas me usando para chegar até você. Você é quem eles
querem machucar, e você é quem eu quero proteger.
E Julien continua duvidando dele ingratamente.
Com o coração doendo, Julien aperta sua mão.
— Você é muito importante. — Ele passa o outro braço em volta da cintura
de Will e o puxa para dentro. — Não discuta comigo sobre isso. Isso é uma
ordem.
Ele diz meio em tom de brincadeira, mas o ar muda. Tão perto, ele sente
como Will estremece com a palavra 'ordem'.
Tentativamente, ele acaricia a linha da cintura de Will.
— Você gosta disso? Recebendo ordens?
Will engole em seco.
— Só de você.
A resposta passa por Julien em uma onda de excitação.
— Então aqui está outra, — ele respira contra os lábios de Will. — Vá para
o quarto e tire suas roupas para mim.
— Sim... Julien. — Corando, Will sai do abraço de Julien. Ele coloca o cabelo
atrás da orelha e vai para o quarto.
Julien fica tonto por um momento. Então ele se vira para a esquina e diz:
— Fique, Cupcake.
Cupcake não sai da almofada, mas Julien fecha a porta do quarto com
firmeza. Ele não quer uma audiência esta noite.
Toda a luz no quarto parece se reunir em torno da forma de Will, sua
cabeça dourada curvada, enquanto ele desabotoa os punhos de sua camisa.
Suas botas já estão fora, seu casaco pendurado na ponta da cama. De olho em
Will, Julien se acomoda na poltrona perto da janela. É um dos poucos móveis
do quarto que é dele, não de Audric, o que significa que é muito confortável.
E novo. Julien ainda não o quebrou.
Ele consegue tirar suas próprias botas desta vez enquanto observa Will se
despir. Camadas de tecido caem, revelando membros finos como chicotes
ainda manchados de hematomas desaparecendo. Eles se agarram como
sombras sob sua pele. Will descarta suas calças e roupas pequenas sem
constrangimento, e se vira para Julien nu, exceto o couro ao redor de seu
pulso. Seu pênis rosa já se ergue de seu ninho de cachos dourados escuros.
Julien quer saltar sobre ele, mas em vez disso, ele relaxa na poltrona e
pergunta:
— Você gosta de rosa, baunilha ou nenhum dos dois?
— Acho que não tenho preferência.
— Nenhum, então. — A baunilha foi um presente de Emile, e Julien não se
lembra de quem era a rosa. Ele prefere não cheirar como os outros homens de
qualquer maneira.
— Na mesinha de cabeceira, há três potes de vidro. Traga-me aquele com
a tampa prateada.
Julien desamarra as calças enquanto Will busca o lubrificante. Ele poderia
assistir Will por horas, o homem é tão bonito, com sua graça felina, ele não
parece real. Julien mal pode acreditar que Will está realmente ajoelhado ao
lado do armário, depois se levantando de verdade. Verdadeiramente
caminhando em direção a Julien, pote de unguento na mão.
— Dê-me a pomada —, diz Julien. — Então sente-se no meu colo.
Quando Will obedece, Julien deixa cair o pote ao lado dele na cadeira; ele
quer as duas mãos livres para amassar a cintura de Will. Coxas musculosas
espalhadas pelo colo de Julien, e o contraste da nudez de Will com as roupas
de Julien é emocionante.
Will se apoia no peito e pergunta:
— Assim?
— Perfeito. — Julien ri um pouco. — Você é tão perfeito.
Ele tem que mergulhar para frente para beijar o protesto dos lábios de
Will. Então eles simplesmente se beijam por causa disso, explorando
lentamente a boca um do outro. Julien mapeia cada contorno aquecido do
corpo de Will sob suas mãos. Todo músculo e osso, dificilmente uma pitada de
suavidade. Ele apalpa a curva da bunda de Will, apertando-o mais perto, e Will
se arqueia contra ele com o gemido mais doce.
— Diga-me o que fazer a seguir —, diz Will calmamente.
Julien traça seus braços, então para quando seus dedos pegam uma linha
fina de carne levantada fora do antebraço esquerdo de Will. Curioso, ele puxa
o braço de Will para mais perto para examinar a cicatriz branco-rosada. Nem
muito recente, nem muito antiga, e a curiosidade de Julien se transforma em
náusea. A marca é do ataque da House Mika no jardim.
A primeira vez que Will foi ferido em nome de Julien. E não a última.
Will fica tenso, mas não puxa o braço.
— Julian.
— Dury ainda pode consertar isso —, diz Julien.
A mudança no comportamento de Will é sutil. Julien não tem certeza se
teria notado a sombra em seus olhos se não estivesse tão obcecado com cada
ângulo do homem em seus braços, mas agora está dolorosamente claro. Will
não tem vergonha de sentar nu no colo de Julien, nem de seguir as ordens de
um príncipe mimado como brincadeira de quarto. Mas agora Julien cruzou
uma linha muito mais íntima do que o toque físico.
A hora do jogo acabou.
— Desculpe. — Julien solta o braço de Will e apoia as mãos nos braços da
cadeira, dando a Will espaço para sair se precisar. — Eu sei que você não
gosta de magia de cura.
Não há peso suficiente para Will enquanto ele se senta nas coxas de Julien.
Seus lábios se apertam novamente, e Julien pensa que está prestes a fugir.
Em vez disso, Will se curva para descansar a testa nos ombros de Julien.
— Você pode me tocar. Por favor. — Quando a mão de Julien pousa entre
suas omoplatas, ele continua. — Você tem razão. Eu não gosto de magia de
cura. E acho que quero lhe dizer por quê.
O coração de Julien fica tenso com a fragilidade de sua voz. Ele encosta o
rosto na cabeça de Will.
— Estou ouvindo.
❧
CAPÍTULO DEZENOVE
WHISPER
***
Onde você vai desta vez? Rumi pergunta de seu local de descanso, uma
faixa de luz do sol da janela.
Whisper acaricia a coroa de sua cabeça enquanto ela resmunga em
aborrecimento fingido.
— Apenas para o curandeiro do castelo. Você pode vir comigo desta vez,
mas eu estarei de volta em breve. O amigo de Sua Alteza está chegando esta
tarde, lembra?
Fisk se aproxima e se estica metade ao lado, metade em cima de Rumi. Ela
sacode as orelhas e se aproxima. Nós lembramos. Espero que ele fique
impressionado com nossa majestade. Os pequenos servos aqui estão se
acostumando conosco. Decepcionante.
— Tenho certeza de que Lord Gaspard ficará impressionado —, diz
Whisper. — Você está vindo agora?
Cochilando agora.
Whisper solta um leve suspiro de alívio enquanto fecha a porta de seus
aposentos atrás dele. Ele se sentiu muito vigiado nos últimos dias. Enquanto
Julien chamou sua guarda de observá-lo especialmente, Fisk e Rumi ficaram
mais perto dele. Rumi tem um interesse particular em seu paradeiro.
Ele considerou incluí-los em seu novo plano, mas eles são terríveis em
manter segredos. Por mais que ele odeie a ideia de deixá-los para trás, eles se
estabeleceram em Greenhaven melhor do que Whisper. Ficarão bem sem ele e
Julien por uma ou duas semanas.
A porta da enfermaria está aberta quando ele chega lá, e Whisper bate no
batente da porta quando ele entra.
— Olá?
Dury emerge da sala ao lado, limpando algo verde de suas mãos com um
pano. O suor brilha em suas têmporas, e alguns de seus dreads estão soltos de
sua gravata.
— Eu nunca esperei ver você aqui novamente. Você está machucado? Sua
Alteza mandou você vir aqui?
— Não, e não —, responde Whisper.
Dury agita o pano.
— Tem certeza? Posso dar-lhe este trapo, para que possa curar a sua
ferida dolorosa. Ou uma garrafa de uísque para fazer uma careta enquanto
você costura seu próprio braço decepado de volta em seu ombro.
— Obrigado —, diz Whisper.
— Eu estava procurando por charrow ou melloweed. Você tem algum?
— Sim e sim. — Dury deixa cair o pano em sua mesa. — Problemas para
dormir? Imagino que você não queira meus soníferos mágicos muito mais
seguros e eficazes.
— Certo. Quanto custa duas semanas de charrow?
— Eu só posso te dar uma semana, mas é grátis. — Dury tira uma chave de
seu chaveiro, e Whisper dá um passo para o lado para ver melhor exatamente
qual gaveta Dury abre. — Só tenho que relatar os nomes dos pacientes com o
inventário ao senescal uma vez por semana, após o incidente há três anos.
— Incidente? — Whisper pergunta.
— Lorde Emile Pellerin teve uma overdose de roseira. Eu nem sabia que
você poderia ter uma overdose de rosa da noite, mas lá estava ele com uma
ereção de quatro dias. Foi honestamente impressionante. — Dury coloca o pó
cinza em um pequeno frasco de vidro e arrolha. — Um segundo, deixe-me
registrar seu nome.
Whisper também rastreia qual chave Dury usa para abrir a gaveta que
contém o registro do inventário, embora ele duvide que precise mexer no
livro. Não importa se essa informação chega a Julien; Julien já sabe que tem
problemas para dormir, e vai presumir que o charrow serve para isso.
O valor de uma semana não é suficiente para nada nefasto de qualquer
maneira, e é por isso que Whisper passou os últimos dias visitando todos os
boticários que pode encontrar. Ele deveria ter carvão suficiente agora, com
alguns ajustes químicos, para deixar um homem inconsciente por pelo menos
oito horas.
Quando alguém descobrir, ele terá Julien fora de Greenhaven em
segurança.
— Aqui está —, diz Dury. — Algo mais?
— Isso é tudo. Obrigado. — Whisper embolsa a garrafa.
— De nada. Fico feliz em ver que você não evita todas as maravilhas da
pesquisa médica. A propósito. — Dury tranca todos os armários novamente,
dando a Whisper um olhar de soslaio. — Você provavelmente está bem desde
que você está tão apegado a Sua Alteza e tudo mais. Mas tome cuidado com
Lord Gaspard.
—Por que é que?—
— Porque ele é um idiota —, diz Dury. — E você é muito fofo.
Whisper não tem certeza se é muito fofo. Mas dado o quão certo Dury
estava sobre Prewitt, Whisper não vai levar seu conselho de ânimo leve.
— Alguém mais com quem eu deveria me preocupar?
— Cozinheira-chefe Sybil, — Dury diz imediatamente. — Ela está
planejando roubar seus gatos mágicos. Você já viu quantos mimos ela dá a
eles? O senescal está enlouquecendo tentando descobrir para onde estão indo
todos os frangos assados extras.
Whisper ri, surpreendendo os dois.
— Vou ficar de olho. Obrigado novamente.
***
CAPÍTULO VINTE
JULIEN
***
CAPÍTULO VINTE E UM
WHISPER
Mais olhos seguem Whisper hoje do que da última vez que ele visitou o
Drunken Dragon. Ele tenta sutilmente observar se alguém está muito
interessado, mas sua concentração está em frangalhos com Hemlock
conversando ao lado dele.
— E o clima está tão bom aqui! Mal consigo dormir em Fellrin, está tão
quente agora. Talvez um dia eu me mude para cá. — Seu sorriso se alarga
quando ela se inclina sobre o bar. — Duas de suas cervejas mais fortes, por
favor. Ele está pagando.
Goldie não está aqui hoje; Whisper não reconhece o barman.
— Duas sidras leves, — Whisper corrige, deslizando sobre algumas
moedas. — E o que está quente agora. Estaremos no canto.
O Drunken Dragon foi praticamente construído para reuniões
clandestinas. Whisper leva Hemlock para uma mesa de canto sob um
candelabro com garras cujas velas vermelhas empoeiradas provavelmente
não são acesas há anos. A cera em ruínas agarra-se ao ferro escuro. A mesa
está limpa, porém, e se eles falarem baixinho, fora do alcance dos outros
clientes.
Uma leve brisa faz cócegas no cabelo de Whisper.
— Tenho dezesseis anos —, diz Hemlock enquanto eles se sentam. — Pai
me deixa beber cerveja.
— Ele deixa você beber em um trabalho? — Whisper pergunta, e recebe
um suspiro em resposta. Os nervos de Whisper doem, um medo que ele não
consegue quantificar. Ele estava certo que ela está aqui em um trabalho. —
Desculpe por perder seu aniversário. Como você tem estado?
— Eu tenho estado ótima. Eu finalmente consegui mexer no sabonete de
Adder e deixar seu cabelo verde. — Ela torce uma mecha de cabelo de seda
preta em torno de seu dedo. — A vingança é doce.
Um servidor para com sua cidra e comida. Whisper empurra seu prato
para Hemlock; ele não pode comer agora, e ela nunca recusou segundos.
— Como você tem passado, afinal? Hemlock empurra sua comida ao redor.
— Você não parecia emocionado em me ver. Estou meio magoada.
Whisper não pode dizer a ela como ele está.
— Você acabou de me surpreender. Este trabalho é um pouco complicado.
Ela ri. — Quão? Você entra, faz o que quer, sai. Fácil como sempre.
Fácil como sempre. Ele já fez isso cinco vezes antes. Exceto por seus outros
trabalhos, era sua pele em jogo, não a de Hemlock.
E ele não se apaixonou por seus alvos.
Whisper terminou seu primeiro trabalho quando ele tinha talvez quatorze
anos. Foi um trabalho fácil. Papai inicia Hounds em trabalhos fáceis,
geralmente quando eles têm cerca de dezesseis anos, para que ele possa dizer
se eles são realmente adequados para o trabalho. Se valem a pena o
investimento, Lily sempre dizia, mas Whisper nunca quis acreditar na leitura
de Lily sobre o pai.
“Você está pronto”, o pai disse a Whisper na manhã em que ele partiu. “Eu
sei que você vai me deixar orgulhoso.”
O alvo era um rico mercador Fellriano chamado Marlow Taffeta, e
Whisper entrou em sua mansão três noites seguidas para aprender seus
hábitos. Na quarta noite, os dedos enluvados de Whisper estavam firmes nas
travas da janela. Um lenço cinza cobria o brilho dourado de seu cabelo; a lua
estava cheia e a luz saía de todas as janelas da mansão.
O escritório pessoal de Marlow estava vazio quando Whisper entrou. Ele
se escondeu em um armário atrás da mesa do homem e esperou até que
Marlow entrasse para fingir trabalhar com uma garrafa de vinho Silaisan.
Então esperou mais uma hora até que um criado entregasse as tinturas
noturnas de Marlow.
Quando o criado saiu, Whisper abriu o armário silenciosamente. Ele
flutuou como uma sombra atrás de Marlow e o agarrou pelos cabelos. Sua
longa faca subiu sob o queixo do homem, atravessou sua mandíbula e subiu
em seu cérebro, matando-o quase instantaneamente.
Whisper pegou o anel de ouro de Marlow por capricho. Só mais tarde ele a
derreteria, a primeira conta de sua pulseira. Ele tinha talvez quatorze anos e
não se sentia culpado, apenas aliviado por não ter falhado. Excitação. Uma
esperança nervosa de que o pai ficaria orgulhoso.
Nada doía até anos depois, e agora, Whisper daria qualquer coisa para
evitar que Hemlock sofresse assim também. Se já não é tarde demais para ela.
Whisper afasta sua cidra intocada e pergunta:
— Por que você está aqui, Hem?
Hemlock pisca para ele, bochechas salientes como um esquilo. Depois que
ela mastiga e engole, não há nenhum sorriso com covinhas em seu rosto.
Apenas um comportamento frio e profissional.
— Eu sou o seu sinal —, diz Hemlock.
Tudo fica em branco. Não há risos no bar, nem cabeças espalhafatosas de
dragão escuro penduradas nas paredes. Apenas o sangue de Whisper
esfriando enquanto Hemlock descreve com naturalidade os parâmetros exatos
de sua ruína.
— Papai me disse para lembrá-lo do prazo —, ela continua.
Se você matá-lo antes do sinal, ou depois de dois dias após o sinal, a missão
será considerada um fracasso.
— Ele também me disse para lembrá-lo do preço.
Se você falhar no trabalho, pagará com a vida de Hemlock.
O whisper é a faísca.
Por isso o cliente o escolheu. É por isso que ele foi forçado a um longo
trabalho, estabelecendo seu rosto na corte. O cliente quer uma guerra entre
Silaise e Draskora. Se Whisper tivesse mais tempo, esse motivo poderia ser
suficiente para levá-lo ao cliente.
Mas ele não tem tempo, e sua escolha está feita. A vida de Hemlock
depende da morte de Julien. Whisper passou a semana passada fantasiando
que poderia salvar os dois, mas agora a fantasia acabou.
Ela tem apenas dezesseis anos. Ela merece uma vida diferente.
Com uma respiração trêmula, Whisper desliza a adaga em sua bota. Ele
chuta a mala sob a pilha de caixotes e emerge das sombras. Seu retorno ao
castelo não demora tanto quanto ele gostaria.
❧
JULIEN
— Will, — Julien diz, esperando que ele não esteja certo sobre o que quer
que esteja dentro da cabeça de Will. — Não sei do que se trata, mas não vou
puni-lo assim.
Mas pelo jeito que Will se encolhe, Julien tem razão. Libertando-se do
aperto frouxo de Will, ele se afasta.
— Sinto muito, — Will diz novamente. — Isso não é justo da minha parte.
— Ele se inclina, as mãos apoiadas nos joelhos. — Você pode ficar? Eu quero
explicar. Eu só preciso de um minuto.
— Posso te dar todo o tempo do mundo —, diz Julien.
Will ri fracamente.
— Gostaria disso. Você pode pegar meu casaco? Acho que está embaixo do
banco.
Julien resiste à vontade de tocar Will novamente antes que ele se volte.
Ambos precisam de espaço agora. Ele se abaixa para pegar o casaco de Will, os
bolsos mais pesados do que esperava, e se endireita. A sala está totalmente
silenciosa, sem um sopro de movimento. Se não fosse pelo fio de ar que ele
prendeu a Will mais cedo, ele nunca ouviria Will andando em direção a ele.
Julien se maravilha, com uma espécie de alarme distante, com o silêncio de
Will.
Um momento depois, uma ponta fria beija sua garganta.
Julien congela em descrença, mesmo quando sua magia surge sob sua pele
e se espalha no ar ao seu redor. A poeira rodopia e gira como se carregada
pelas correntes de seu choque, mágoa e raiva. Mais dolorosa do que a lâmina é
a voz familiar quebrando o silêncio.
— Isso também não é justo comigo, — seu amante diz. — Mas meu nome
verdadeiro é Whisper.
❧
WHISPER
É uma confissão egoísta, querer que Julien o conheça. Todo mundo merece
ser conhecido no final, e com certeza esse é o fim de Whisper também.
Qualquer que seja a parte fraturada dele que sobreviva a este trabalho,
Whisper não sabe se ainda será ele .
Sua ligeira hesitação não deveria importar. Apenas uma fração de segundo
antes de ele torcer a lâmina.
Mas no momento em que Whisper diz seu próprio nome, a pressão fria o
faz recuar. Sua força não é nada contra o vendaval que o consome,
arremessando-o como uma boneca de pano pela sala estreita. Ele bate contra
a parede com tanta força que sua visão escurece, e toda a respiração sai de
seus pulmões.
Isto é mágico. A magia de Julien. E Whisper não sabia nada sobre isso.
Cabeça tocando, ele tenta se concentrar em Julien. Em qualquer coisa. Um
vento raivoso enche a sala, transformando a poeira em redemoinhos e
arrastando os bancos pelo chão. Espadas de treino chocalham de suas
prateleiras, e alguém grita e bate na porta, incapaz de abri-la para o vendaval.
Julien é o único ponto de imobilidade na tempestade, e seu rosto carece de
toda expressão. Sua voz sozinha é clara através do vento gritante:
— É isso que você queria explicar?
Não há nada para explicar, porque Whisper é oco por dentro. Uma concha
vazia de sombras e facas.
Ele falhou. Ele perdeu Hemlock e Julien também.
— Para quem você está trabalhando? — Julien exige, aproximando-se
através da tempestade. — Mika de novo? Langley? Esse era seu plano o tempo
todo?
Whisper fecha os olhos em uma covardia entorpecida, mas isso não pode
protegê-lo da risada quebrada de Julien.
— Alguma coisa era real?
O ar permanece incrivelmente sólido ao redor de Whisper. A magia o
prende com tanta força na parede que ele luta para respirar, e muito alto, seus
dedos dos pés mal arranham o chão. Com cada respiração superficial, ele
espera que Julien esteja prestes a matá-lo.
Julien para muito perto, perto o suficiente para que Whisper pudesse
terminar o trabalho se pudesse se mover. Mas a magia desconhecida de Julien
é poderosa demais.
— Um punhal de escamas. — Julien toca a parte interna do pulso de
Whisper com uma ternura agonizante. — Isso é um pouco no nariz, não é?
Whisper não tinha notado que seu aperto ainda estava rígido na adaga.
Sua mão dói, como todo o resto. O mais doloroso de tudo: sua traiçoeira
sensação de alívio. Julien está vivo e, apesar de tudo, Whisper está
desesperado por esse toque como prova disso.
— Isso não é mágica de Sandry —, diz ele inanely.
— Ninguém gosta de admitir —, diz Julien, — mas sou filho do meu pai.
Magia de Rue. Ele está escondendo a magia de Rue.
Respirar é difícil, e é mais do que apenas a pressão da magia de Julien.
— Isso faz de nós dois, — Whisper diz suavemente. — Eles disseram que
você é o mais fraco de seus irmãos. Mas eu nunca tive uma chance, não é?
O sorriso de Julien é brutal.
— Eu sou o mais fraco. Meus irmãos são tão bons assim.
Silêncio ruge nos ouvidos de Whisper enquanto a tempestade no resto da
sala cai, deixando apenas a pressão prendendo Whisper na parede. A porta
maltratada se abre e os guardas entram. As bestas estalam, e as lâminas de
água de Rosin brilham no alto, prontas para atacar.
Nadine não perde o ritmo, estalando:
— Afaste-se, Alteza!
Sempre difícil, Julien não recua. Suas pontas dos dedos permanecem
suaves contra o pulso de Whisper.
— Whisper — diz Julien, como se estivesse testando, e o nome soa doce
demais em seus lábios. — Quem te mandou?
Whisper já falou demais. Ele falhou e não pode fazer nada disso direito,
mas certamente pode piorar se continuar falando.
Julien arranca a adaga de sua mão e se afasta.
— Procure por armas e pílulas suicidas e leve-o para a masmorra. Não
quero que o machuque antes de arrancarmos dele o que precisamos. Vito,
comigo. Estamos fazendo um locking down.
Ele não olha para Whisper novamente enquanto sai da sala. Quando suas
costas altas desaparecem no corredor, a magia Rue afrouxa do corpo de
Whisper. Ele cai nos guardas de juramento que o retêm. Atordoado demais
para reconhecer qualquer um deles, ele não resiste enquanto eles amarram
seus braços atrás das costas e forçam uma coleira nula em volta do pescoço. Se
ele tivesse alguma magia, o colar a cortaria.
A dormência o atravessa em ondas. Ele não luta contra as mãos ásperas
procurando por armas ou os dedos ásperos empurrando entre seus lábios. A
pele azeda enche sua boca enquanto alguém procura sob sua língua e ao redor
de seus dentes por cápsulas suicidas. Não há nenhum. O pai não espera que
seus Hounds falhem.
— O que é isto? — Nadine pergunta, e Whisper volta para o presente
enquanto ela segura a pulseira dele.
Ele não tinha notado ela cortando o cordão de seu pulso. Sua garganta está
muito fria e pesada para responder, mesmo que ele quisesse; tudo o que ele
pode fazer é olhar inexpressivamente enquanto ela o entrega a outro guarda
juramentado. Agora que Julien saiu da sala, tudo dói menos. Ele está apenas
vazio e entorpecido. A única sensação real que resta é a pontada dolorida na
junção de seu pescoço e ombro, onde os dentes de Julien cravaram em sua
pele.
As perguntas e comandos de Nadine flutuam indecifráveis em sua mente
nebulosa. Ele se move quando é empurrado para frente, mal registrando as
diferenças de luz enquanto eles se movem da sala de treinamento, através de
um pátio, para o castelo propriamente dito. Náusea cresce através dele, mais
intensa do que antes, e sua respiração superficial não é suficiente para encher
seus pulmões. Como se a magia de Julien ainda o prendesse na parede.
Vozes se erguem ao redor deles. Esta ala do castelo não está vazia, mas
Whisper não consegue reunir forças para olhar para cima e ver quem o está
observando. Em seguida, uma voz familiar atravessa seu desespero com
urgência afiada.
Levante o queixo, rapaz.
JULIEN
WHISPER
***
Um baque do lado de fora traz Whisper de volta à consciência. Ele não tem
ideia de quanto tempo se passou; não há mudança na iluminação subterrânea.
Com seus sintomas, ele não deveria ter acordado, mas sua tontura diminuiu e
sua respiração está mais fácil. Whisper tenta mover as pernas, e eles
cooperam. Seus dedos se contorcem quando ele manda.
As amarras vivas de Julien ainda o seguram contra a parede, uma teia
confortável e inescapável prendendo seus braços como asas caídas.
Deveria haver um guarda postado do lado de fora da cela, mas não há.
Apenas... ali, logo após a borda da parede da cela. Um pé calçado, imóvel no
chão.
Whisper fica tenso até que uma pequena figura aparece no salão bem
iluminado.
— Hemlock —, ele sibila. — Você não deveria estar aqui.
Hemlock destranca a porta da cela. Todos os seus movimentos são
silenciosos, muito mais silenciosos do que Whisper se lembra dela estar no
Canil, mas ela não se incomoda em manter a voz baixa.
— Você é quem não deveria estar aqui. Ficando desleixado na velhice,
Whisper.
Todos os guardas ao alcance da voz devem estar mortos ou inconscientes.
Provavelmente inconsciente. Whisper fica quieto de qualquer maneira, cada
palavra um esforço que ele mal pode pagar.
— Você precisa sair. Vá para Draskora. Encontre alguém que possa acabar
com a maldição da filactéria de Barnaby. Se você for rápido…
— O que você está falando? — Hemlock se inclina sobre ele, com as mãos
nos joelhos. — Oh, certo. Sua barganha boba com papai.
Suas palavras levam um momento para filtrar através de sua mente. Então
eles pousam como facas.
— Você sabia?
— Meu Pai me contou naquele mesmo dia, é claro. — Hemlock se
endireita, seu habitual sorriso com covinhas em nenhum lugar à vista. —
Trocando sua liberdade pela minha. Não é assim que as dádivas funcionam,
Whisper. Qualquer coisa em seu poder para dar, mas quem disse que minha
aposentadoria era dele para dar? Quem diabos disse que eu queria ir embora?
O coração de Whisper para.
— Ele concordou.
— E você acreditou nele. Você é incrível, Whisper. Você realmente pensou
que ele me trocaria por um coração ferido como você? Eu sou a melhor dele.
Whisper estremece.
— Acho que ele diz isso para todos nós.
— Ele disse que você era o favorito dele também? — Hemlock acena com o
dedo.
— Bem, ele fala sério comigo. Ele sabia que você estava ficando mole. Você
não tem sido o mesmo desde sua última missão, mas papai achou que ainda
tinha mais um bom trabalho.
— Hem, — Whisper respira.
Ela nunca soou assim antes. Aquela ponta maníaca que ele achava que era
nervosismo, medo, uma alma brilhante esvoaçando contra as barras de
navalha de sua jaula; isso é tudo que ela é agora.
Mas uma coisa não mudou. Ela fala demais quando está nervosa. Whisper
acha que isso é real. Ela está se preparando para algo.
— E você acreditou em mim. Hemlock ri. — Eu só queria bajular você, para
que os outros não me incomodassem. Eles tinham medo de você, sabe? Eu
nunca esperei que você fosse tão fácil. Tão desesperado por uma irmãzinha.
Whisper fica tenso contra as raízes de ligação, a única coisa que o ancora.
Ele é grato por eles agora. Estar preso agora pode matá-lo, mas pelo menos ele
tem um resquício distante do toque de Julien.
Outra agonia ondula através dele.
— Eu ia matar Julien por você.
— Devo ficar impressionada? — Exige Hemlok. — Isso é o que fazemos.
Embora você não tenha se esforçado muito desta vez, não é? Vou ter que
limpar a bagunça agora.
Só há uma maneira de os Hounds do Canil limparem a bagunça.
Whisper tenta se concentrar. Tenta pensar em qualquer coisa, menos em
sua mágoa. O fato de ele ter tentado matar Julien por uma mentira. Porque se
ele quiser compensar isso, ele precisa sobreviver nos próximos momentos. O
veneno está desaparecendo, mas ele ainda está fraco demais para enfrentar
Hemlock.
— O que você fez comigo, Hem? Whisper diz, puxando as pernas para cima
na cama. Uma distração visual enquanto ele tenta soltar as raízes em torno de
seus braços. Sem sorte nisso. — Não é assim que a cicuta funciona.
— Envenenei seu filactério —, ela responde imediatamente, com uma
pitada de orgulho presunçoso. Assim como ela soou quando ela acertou um
alvo na sala de treinamento.
— Ah, não olhe para mim assim. Eu não sou estúpida o suficiente para
trazer o filactério comigo.
— Você deixou na pousada?
— Não, é com... ei! — Ela aponta para ele, dando um passo para trás. —
Você está tentando me atrasar.
Valeu a tentativa.
Hemlock pega seu rabo de cavalo solto.
— Acredite ou não, papai me enviou como um favor para você. Eu vou
fazer isso rápido. Suas outras opções não são rápidas.
Whisper cai para trás contra a parede, fingindo fraqueza. Talvez se ela não
perceber que o veneno já passou...
— Hem, você realmente quer ficar sob o controle do pai?
— Pai não me controla. — O cabelo de Hemlock cai em uma cortina de
seda preta em volta dos ombros. Em suas mãos brilha um garrote de arame,
tão fino e mortal quanto seu sorriso.
— Ele não me conhece melhor do que você, e eu nunca fui um cachorrinho
de colo como você. Agora, sente-se quieto.
Hemlock se lança para a frente, e Whisper chuta para cima e para fora. Ela
se ajusta com elegância viciosa e bate o joelho na cama, tão forte que a cama
range.
A dor sobe pela perna de Whisper, mas ele não pode se dar ao luxo de
senti-la agora, então ele escolhe não sentir. Ele se contorce na agonia adiada,
quase deslocando os ombros em um esforço para manter as mãos dela longe
de sua garganta.
Hemlock está em silêncio agora. Chega de falar com os nervos que ela
nunca vai admitir. O cotovelo dela atinge o esterno dele, e o punho dela torce o
colarinho dele. Puxa-o para frente, mas antes que ela possa empurrar seu
crânio contra a parede compactada, ele chuta com o joelho latejante, batendo
em seu quadril.
A cama sai ruidosamente debaixo deles, empurrando seus braços contra
as raízes novamente. Ele recebe uma bota debaixo dele. Hemlock cai sobre um
joelho e uma mão, mas antes que ela possa rolar para longe, Whisper prende o
laço do garrote sob seu calcanhar.
Passos ressoam nos corredores do lado de fora. Alguém finalmente
percebeu que algo está errado.
Hemlock libera o garrote. O sangue forma um arco no ar, seguindo sua
mão enquanto ela se fecha em um punho e golpeia o pescoço de Whisper.
Whisper se esquiva por instinto, e o golpe entorpece seu ombro em vez de
sua garganta. Então ele se lembra de que esquivar não deveria ser possível,
mas as raízes de ligação se soltam e deslizam para longe de seus braços.
Whisper não tem tempo para se perguntar por quê. Aproveitando sua nova
liberdade e o choque de Hemlock, ele a empurra sobre a cama caída. Ela
cambaleia para trás, desequilibrada, e cai sobre ele.
Com o coração batendo na garganta, Whisper tenta agarrar a alça do
garrote e se joga na direção da porta da cela. Mas uma sensação apurada de
desastre o detém no limiar.
Hemlock não está atrás dele. Ela não se moveu de onde caiu no chão,
membros tortos e cabelos escuros espalhados para esconder seu rosto.
Ela não se moveu. Whisper está muito tonto para saber se ela está
respirando.
Joelhos dobrados, a adrenalina o deixa com pressa. Whisper cambaleando,
caindo;
Em um par de braços fortes e um cheiro familiar e reconfortante.
❧
JULIEN
WHISPER
13
Estrutura que se assemelha a um palanque baixo.
Whisper teria achado a atenção desconcertante. Agora, ele não se importa.
Julien é tudo o que importa.
Felizmente, Julien concordou em permanecer escondido com segurança
para isso, embora Nadine parecesse desconfiada de sua cooperação.
A adaga de escamas está pendurada abertamente no cinto de Whisper.
Ninguém mais verá a lâmina, embora usuários de magia mais sensíveis
possam sentir a ressonância em seu poder. Mas se o cliente estiver aqui,
reconhecerá o cabo e a bainha.
— Obrigado por sua paciência, todos. — A voz de Whisper não enche a
sala. — Sei que os rumores têm sido confusos, mas fico feliz em informar que a
violação de segurança foi um alarme falso. Está tudo bem, e os soldados do
Comandante Lucien reabrirão o castelo em breve.
Valerie avança, parecendo dominar os cortesãos mais altos ao seu redor
por pura vontade e postura.
— Por que você está nos dizendo isso? Onde está o príncipe Julien?
Whisper não se incomoda em fingir ser alegre e educado.
— Sua Alteza está dormindo com algumas garrafas de vinho. Fique
tranquilo, ele está perfeitamente bem.
Como previsto, sua tranquilidade inexpressiva envia murmúrios entre os
cortesãos, um pano de fundo para a voz elevada de Valerie.
— Em nome da Casa Marcel, insisto em uma audiência com Sua Alteza
imediatamente. É meu direito.
— De acordo com o protocolo usual, por favor, envie sua solicitação ao
secretário Pierre —, diz Whisper. — Sua Alteza está perfeitamente bem, mas
pediu para não ser incomodado.
Ignorando a cacofonia atrás dele, Whisper sai da sala de audiências. Os
soldados de Lucien impedem que alguém o siga por esse caminho, sem dúvida
arriscando mais rumores. Os soldados também não seguem Whisper; Lucien
protestou, mas Julien concordou com o plano de Whisper. Whisper vai
encontrar o cliente sozinho e depois incapacitá-lo.
Sozinho, exceto por cada raiz e ramo. Cada fio de vento vigilante.
Whisper intencionalmente se move menos silenciosamente do que o
normal. Qualquer um poderia segui-lo até o pátio da fonte coberto de árvores
onde Julien dançava com ele.
O pátio não é tão místico à luz da manhã. As sebes circundantes são de um
verde-dourado brilhante, a pequena fonte alegre. Whisper gosta porque há
apenas duas saídas: a porta do castelo e o portão aberto para o resto dos
jardins.
Afundando em um estado de prontidão, ele observa a fonte. A luz do sol
ondula através da água. Vivo, em movimento, quente, nada como o equilíbrio
gelado na alma de Whisper.
Passos se aproximam não muito tempo depois, e Whisper se vira para
encontrar um rosto familiar. Ele não saberá até que o homem fale, mas a
certeza já se instala em seus ossos.
— Posso ajudá-lo, Lorde Rue?
Gaspard usa um longo casaco de viagem sobre suas roupas da corte. Ele
realmente se parece muito com Julien, exceto pelo frio em seu olhar. A
covardia furtiva enquanto ele olha ao redor.
— Está feito?
Sua voz é inconfundível. Este é o homem que escolheu Whisper na sala do
pai, o fantoche perfeito para seus esquemas.
— Está feito. — Whisper recua atrás de sua fachada calma. — Julien
Sandry está morto.
O comportamento furtivo de Gaspard não muda.
— Podemos ir quando eu tiver provas.
— Minha vida deve ser prova suficiente. — Nós podemos ir? O que ele quer
dizer, nós? — Mas eu tenho um token adicional.
Ele puxa uma fina corrente de ouro do bolso. Da corrente pende um
pingente - uma árvore dourada em vidro branco translúcido. O sangue seco
forma crostas de um lado do vidro, a cor escura um contraste chocante com os
materiais delicados.
A expressão de Gaspard finalmente racha, e a alegria perversa se infiltra
em sua cautela. Ele estende a mão.
— Me dê isto. — Seu olhar é pesado quando Whisper caminha para frente,
e cai para a mordida apenas meio escondida pelo colar de Whisper.
— Parece que escolhi corretamente. Julien sempre gostou de coisas
bonitas.
Whisper não fica tenso com o olhar malicioso na voz de Gaspard. Ele está
no trabalho. — Eu pensei que você me escolheu para meus olhos. — Ele
oferece o pingente ensanguentado em sua palma virada para cima.
Gaspard não aceita. Seu olhar permanece no pescoço de Whisper,
indesejável e inevitável.
— Poderíamos ter mudado os olhos dos Hounds, se necessário. Não o
suficiente para passar em Draskora, mas os Silaisans não saberiam a
diferença.
Whisper precisa de Gaspard para pegar o pingente. Ele precisa daquele
momento de distração.
— Por que eu não sabia que estava aqui para começar uma guerra? Este
trabalho teria sido mais fácil com mais informações.
— Você é mais falante do que Barnaby indicou —, diz Gaspard, divertido.
— Embora eu suponha que isso possa ser mudado também. Você é inteligente
como ele disse, pelo menos. Eu nem contei isso a Barnaby.
— Não inteligente o suficiente. — A pele de Whisper se arrepia. Espero
que Julien esteja ouvindo tudo isso no vento, em segurança do outro lado do
castelo. — Ainda não vejo como isso beneficia a Casa Rue.
— Você acha que a Casa Rue pode comprar um Hound? — Gaspard
finalmente pega o pingente, e Whisper se prepara para o movimento.
Assim que as pontas dos dedos de Gaspard tocam sua palma, Whisper se
desenrola. Pingente caindo no chão, faca pulando em sua mão, ele agarra
Gaspard pela camisa de babados e puxa para baixo . Ele gira para o lado de
Gaspard, sua faca empurrando sob sua garganta.
Apenas uma ameaça. Não uma matança. Este trabalho termina em um
julgamento, não em um assassinato.
Eles congelam no lugar, Gaspard curvou-se com a faca de Whisper em sua
garganta. Ordens sussurradas:
— Não se mova.
Gaspard respira fundo.
— Mais forte do que Barnaby indicou —, diz ele, tenso. Uma respiração
mais profunda. — Larga a faca, garoto.
A faca cai no chão antes que Whisper perceba que a soltou. O som ecoa por
seus ossos em contraponto ao formigamento da magia do sangue.
Gaspard diz a seguir:
— Deixe-me ir e fique parado.
Whisper obedece contra sua vontade, com a mente acelerada e os
membros pesados, enquanto Gaspard se endireita e ajusta seu casaco. Uma
mão está no bolso; com uma risada trêmula, Gaspard pega uma garrafa de
vidro do tamanho da palma da mão.
Prata manchada tampa o frasco, esculpida com desenhos geométricos. O
vidro facetado refrata a luz através de seus cantos afiados. O líquido vermelho
se move para dentro, tão brilhante quanto no dia em que deixou as veias de
Whisper.
Ele não o vê desde sua primeira semana no Canil, mas reconheceria seu
filactério em qualquer lugar.
Gaspard não é um mago de sangue inerente. Whisper pode dizer pela
maneira como ele precisa de comandos verbais para usar o filactério - e
provavelmente precisa mantê-lo em sua pessoa também, caso contrário, ele
nunca arriscaria mantê-lo tão perto de Whisper. Mas enquanto ele o tiver, ele
pode controlar todos os movimentos de Whisper.
Whisper luta para manter a calma.
— Por que você tem isso?
— Barnaby recusou o trabalho no início —, diz Gaspard. — Ele disse que o
risco era muito alto para as taxas usuais.
Provavelmente falso. O pai gosta de barganhar.
Gaspard continua.
— Ele só concordou se comprarmos o valor do Hound, então se ele
morresse no trabalho, ele não teria prejuízo. O preço estava fora do meu
orçamento, então compensei a diferença com minha fortuna pessoal. — Ele
sorri. — Eu não comprei seus serviços, Hound. Eu comprei você.
A dor sufoca a garganta de Whisper.
— Pai não faria.
— E ainda. — Gaspard gesticula com o filactério. — Você o chama de pai?
— Ele te enganou —, diz Whisper. — Ele enviou outro Hound para me
matar ontem à noite. Você sabia disso?
— Aquele pirralho que veio comigo? — O rosto de Gaspard se contorce. —
Minha boa sorte ela falhou, aparentemente. Agora, diga a verdade. Julien está
morto?
Antes que Whisper possa responder, a filactéria voa da mão de Gaspard.
Ele flutua no ar, seis pés acima de suas cabeças, e a magia de ligação das
instruções de Gaspard se quebra.
Sem hesitar, Whisper mergulha para pegar sua adaga caída. Sua mão
aperta o punho no momento em que um borrão de pelo azul irrompe da porta
do castelo e derruba Gaspard no chão.
Enquanto Rumi rosna sua ira, Julien e Fisk emergem do portão do jardim
atrás dela. Os olhos de Fisk estão focados na filactéria flutuante acima.
— Acho que posso responder a isso —, diz Julien a Gaspard. Então ele vira
seu sorriso para Whisper. — Você realmente acreditou que eu ia me esconder
no meu quarto enquanto você se divertia?
Whisper está muito aliviado em vê-lo para ficar irritado. Ele até começa a
sorrir de volta, até que um tornado de força explode ao redor de Gaspard.
❧
JULIEN
***
***
Rumi vai tirar uma soneca em outro lugar, ela ainda está brava com
Whisper por manter toda a coisa do assassinato em segredo enquanto Julien
encontra Nadine do lado de fora de seus aposentos. Ela está encostada na
parede, a cabeça inclinada para trás, ao lado de uma pintura de uma árvore
que parece um pato.
— Onde está Whisper? — Julien pergunta.
— Estou bem, obrigado por perguntar, Alteza. — Os olhos de Nadine se
abrem. — Ele está no seu quarto.
— Sem supervisão?
— Ele não precisa disso —, diz ela, resignada. — A última vez que o vi, ele
estava dormindo. E honestamente, eu não aguentava mais. Você sabia que sua
primeira morte foi Marlow Taffeta? Aquele mercador que continuou sendo
absolvido por vender segredos Fellrianos para Draskora?
A mente cansada de Julien procura a história que acompanha o nome.
— Mas isso foi... há quanto tempo foi isso?
— Seis anos. Will... Whisper tinha talvez quatorze anos. Ela esfrega a mão
no rosto e se descola da parede. — Barnaby o pegou de algum lugar em
Draskora quando ele tinha talvez seis anos, e ele está sob essa maldição de
sangue desde então.
O ar sai dos pulmões de Julien.
— Porra.
Nadine faz uma careta.
— A magia do sangue significa que ele não é responsável pelos
assassinatos sob a lei Silaisan. O resto é dele para contar, e tenho a sensação
de que nem sequer arranhei a superfície. Mas eu sei o que preciso saber.
— Qual é?
— Ele tem o péssimo gosto de se apaixonar loucamente por você. — O
rosto severo de Nadine suaviza. — E ele prefere morrer do que te machucar
de novo.
Alívio, raiva, tristeza e amor vertiginoso torcem como um vendaval no
coração de Julien quando ele entra em seus aposentos. Tudo parece
exatamente como ele deixou, quantas horas atrás? Já passa do meio-dia e ele
não dormiu nada.
Tudo, exceto a garrafa de sangue na mesa de jantar e a figura esguia caída
no sofá. Com a cabeça loira apoiada nas almofadas, Whisper se enrola
protetoramente em si mesmo.
Tirando as botas e a jaqueta, Julien caminha silenciosamente em direção à
forma caída de Whisper. Ele faz uma pausa, as pontas dos dedos a uma
polegada da bochecha macia do homem. Whisper provavelmente precisaria
dormir, e Julien sabe o quanto ele acorda assustado. Depois de hoje, ele até
tem uma ideia do porquê.
Então, em vez disso, Julien se acomoda na outra ponta do sofá, contente
em assistir o suave subir e descer do corpo de Whisper. Ele tem que pensar
antes de seu gatinho acordar.
❧
WHISPER
CAPÍTULO TRINTA
JULIEN
CAPÍTULO TRINTA E UM
WHISPER
EPÍLOGO
UM MÊS DEPOIS
***
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PRÍNCIPE DISFARÇADO
PERILOUS COURTS
LIVRO DOIS