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Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção

do grau de Mestre em História Contemporânea, realizada sob a orientação


científica do Professor Doutor Fernando Rosas
Aos meus filhos
Agradecimentos

Agradecimentos

Em primeiro lugar devo o meu agradecimento ao Professor Doutor Fernando Rosas


pela disponibilidade manifestada em aceitar orientar o meu trabalho, pela indicação de
alguma bibliografia relevante para o tema em estudo, pelos profícuos comentários, sugestões
e esclarecimentos, pela revisão científica do texto e pela prontidão em colaborar sempre que
necessitei.

Agradeço também a ajuda e disponibilidade do Professor Doutor Luís Farinha, as


suas valiosas indicações em muito enriqueceram o trabalho.

Estou igualmente muito grata ao Doutor Sérgio Ribeiro pela partilha da sua sabedoria
e pelo apoio manifestado a esta causa, que creio ser também um pouco sua.

Expresso também a minha gratidão a Artur Pinto e a Carlos Brito pelos testemunhos
e vivências partilhadas, pois a História faz-se de protagonistas e sem eles ficaria certamente
empobrecida.

Ao Dr. Paulo Adriano agradeço a disponibilidade e prontidão em contribuir de uma


forma tão generosa para este trabalho.

À Dr.ª Susana Martins que, não me conhecendo, deu preciosas indicações sobre os
locais de arquivo que devia seguir.

Pela atenção e simpatia quero também deixar o meu agradecimento a todos aqueles
que me acolheram nos vários arquivos por onde trabalhei.

Aos meus amigos, sobretudo à Ana Rita, à Carla e ao Bruno, agradeço o apoio e
força em todos os momentos. Ao David Fialho agradeço o profissionalismo e carinho.

À minha mãe a minha reconhecida gratidão pelo apoio e encorajamento constante.

À minha irmã um agradecimento especial pelas críticas e sugestões, pelo apoio


incondicional e amizade de sempre.

Ao Nelson, meu marido, à Catarina, à Alice e ao Simão, meus filhos, um pedido de


desculpa pela ausência quando a dedicação ao trabalho exigiu mais do meu tempo e um
reconhecimento especial pelo carinho, pela compreensão inestimáveis, pelo apoio e força,
que ajudaram a atenuar momentos de maior impaciência e dificuldade.

Acima de tudo, um agradecimento especial ao meu pai, que mesmo não estando
entre nós, sempre me ensinou a nunca desistir
v
Resumo

[RESUMO]

Aljube: uma cadeia política

PALAVRAS-CHAVE: Aljube, cadeia, Estado Novo, prisão política

O edifício do Aljube de Lisboa está ligado, pelo menos desde a presença


muçulmana em Portugal e até aos anos 70 do século XX, à história de uma prisão, muito
embora o tempo lhe tenha atribuído características diferentes.

No período medieval foi prisão para os delinquentes em matéria eclesiástica,


vertente que se prolongou até à implantação do liberalismo no século XIX, altura em que
se extinguiu o foro eclesiástico e todos os cidadãos passaram a ter uma justiça comum.

Entre os finais do século XIX e inícios do século XX, o edifício do Aljube serviu de
prisão de mulheres. Contudo a sua história é sobretudo marcante no período em foco neste
trabalho, ou seja, entre 1928 e 1965. Nesta época, o Aljube de Lisboa serviu inteiramente
os interesses do poder instituído, albergando todos aqueles que eram suspeitos de atentar
contra a segurança do Estado, pondo em causa a ordem pública, fundamental e
estruturante para a sociedade saudável que se pretendia criar.

Embora tenha sido uma, entre outras prisões políticas criadas em Portugal, o
Aljube assume uma especificidade particular no panorama repressivo, sobretudo a partir
dos anos 40. Desde esta altura e até à data do seu encerramento em 1965, o Estado Novo
usava o Aljube como cadeia para encarcerar os presos políticos na fase instrutória dos
processos, pois nela existia um conjunto de celas individuais, num total de treze, que muito
embora não correspondessem às exigências regulamentares exigidas, permitiam o
isolamento dos presos. Era nos chamados curros que os presos permaneciam em regime de
incomunicabilidade até ao término das investigações da polícia política, que depois os
encaminhava para as outras prisões existentes quer em Portugal (Peniche, Caxias, Angra do
Heroísmo), quer para os territórios coloniais portugueses (Cabo Verde, Timor, Angola…).

O Aljube ficou assim marcadamente presente na memória de todos aqueles que lá


passaram. Se a prisão já por si era uma pena por excelência, a incerteza do tempo que iriam
permanecer na cadeia, uma vez que a polícia política tinha autonomia e autoridade para

vii
Resumo

prorrogar esse tempo para além da pena a que eram condenados; a inércia (quase total) que
o isolamento lhes trazia e a certeza que as idas à sede da polícia política, na Rua António
Maria Cardoso, ali tão próxima, eram sinónimo (quase sempre) de mais torturas, faziam da
passagem pela cadeia do Aljube um local non grato.

Contudo e apesar de todas as arbitrariedades e iniquidades de que foram alvo, a


história do Aljube também se fez de resistentes, homens que não vergaram aos interesses
do Estado, mas que lutaram em nome de uma liberdade e justiça que almejaram ver
instituídas no país que lhes conferia a nacionalidade.

viii
Abstract

[ABSTRACT]
Aljube: a political prison

KEYWORDS: Aljube, prison, New State, political prison

Aljube building in Lisbon is connected, at least since the Muslim presence in


Portugal until the 70´s of the 20th century, to the history of a prison, although time has
given it different characteristics.

In the medieval period it was used as a prison for ecclesiastical offenders, at least
until the implantation of liberalism in the 19th century, when the ecclesiastical forum was
extinguished and all citizens stated to have a common justice.

Between the late nineteenth and early twentieth century, the building served as a
women's prison. But its history is particularly important during the period which is the
focus of this work, between 1928 and 1965. At this time, the Lisbon Aljube served fully the
interests of the established power, imprisoning all of those who were suspect of harming
state security, undermining public order, considered fundamental and structuring for the
healthy society that was intended to be created.

Although it was only one, among other political prisons created in Portugal, Aljube
assumes a particular specificity in repression, especially since the 40s. From this time until
the date of its closure in 1965, the New State used the Aljube prison to incarcerate political
prisoners during the instruction processes because it had a set of 13 individual cells, which,
even though they didn’t correspond to the necessary regulatory requirements, allowed the
isolation of prisoners. It was in the so called curros that prisoners remained incommunicable
until the end of the investigations of the political police, who later directed them to other
existing prisons in Portugal (Peniche, Caxias, Angra do Heroísmo) or for the Portuguese
colonial prisons (Cape Verde, East Timor, Angola ...).

The Aljube became markedly present in the memory of all those who went there. If
being arrested was a sentence by itself, the uncertainty of the time that a prisoner would
remain in jail, since the political police had the autonomy and authority to extend the

ix
Abstract

sentences time beyond the condemnation period; the inertia (almost total) that the isolation
brought to them and knowing that visits to the headquarters of the political police, in
António Maria Cardoso street, were synonymous (almost always) of more torture, made
the passage in Aljube prison an unpleasant period.

However, and despite all the outrages and inequities that prisoners were subject to,
the history of Aljube is also made of brave men who have not submitted to the interests of
the regime, which strived in the name of freedom and justice that they aspired for Portugal.

x
Índice

Índice

Agradecimentos ................................................................................................................ ..v

Resumo ...............................................................................................................................vii

Abstract .............................................................................................................................. ix

Lista de abreviaturas ........................................................................................................xiii

Introdução........................................................................................................................... ..1

Capítulo I:.............................................................................................................................. 3

I. Objeto da tese............................................................................................................ 3

II. Âmbito cronológico ............................................................................................... 6

III. Estado da questão ................................................................................................. 7

IV. Caminhos trilhados ............................................................................................... 8

Capítulo II: «Nada contra a Nação. Tudo pela Nação»

Contextualização histórica ........................................................................................11

Capítulo III: ........................................................................................................................37

História patrimonial ..................................................................................................37

Capítulo IV: «Aljube, a história de uma prisão ...........................................................49

I. Os Interrogatórios ..................................................................................................52

II. Curros .....................................................................................................................60

III. Outras salas ..........................................................................................................72

IV. Quotidiano na prisão . ........................................................................................74

V. Tratamento diferenciado dos presos ................................................................78

V. i. – Presos de delito político vs Presos de delito comum .....................78

xi
Índice

V. ii – Diferenciação entre os presos políticos ...........................................81

VI. Fugas da cadeia ...................................................................................................84

VI. i – 4 de abril de 1932..................................................................................85

VI. ii – 23 de maio de 1938 .............................................................................86

VI. iii – 16 de maio de 1948 ............................................................................87

VI. iv – 27 de abril de 1955 (tentativa gorada) .............................................89

VI. V – 25 para 26 de maio de 1957 ..............................................................91

Conclusão ...........................................................................................................................95

Lista de figuras ..................................................................................................................97

Bibliografia .........................................................................................................................99

Anexos ............................................................................................................................. 107

xii
Lista de abreviaturas

Lista de abreviaturas

CIA Central Intelligence Agency

DGS Direção Geral de Segurança

DGSP Direção Geral dos Serviços Prisionais

FCSH Faculdade de Ciências Sociais e Humanas

GNR Guarda Nacional Republicana

IHRU Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana

PCP Partido Comunista Português

PIDE Polícia Internacional de Defesa do Estado

PSP Polícia de Segurança Pública

PVDE Polícia de Vigilância e Defesa do Estado

SIPA Sistema de Informação para o Património Arquitetónico

SPN Secretariado de Propaganda Nacional

xiii
Introdução

Introdução

A partir do golpe militar de 28 de maio de 1926, que instituiu em Portugal um


regime Ditatorial e até ao término do Estado Novo (1933/1974), assistiu-se ao
encarceramento de vários cidadãos que, segundo o poder vigente, colocavam em perigo a
desejada segurança do Estado.

Com o recurso à prisão pretendia-se prevenir «novos delitos» e acima de tudo,


intimidar a população pelo exemplo. Era a política do terror do exemplo que ditava a
agenda diária do regime. Se este objetivo foi de algum modo conseguido, a esperança de
«reformar os comportamentos subversivos» dos presos, durante o período de tempo em
causa, foi um projeto gorado, já que, na grande maioria dos casos, a resistência manteve-se
firme, mesmo que atrás das grades.

O regime político português entre 1926 e 1974, partindo da premissa que a


segurança da Nação e do Estado estavam acima de todos os interesses individuais, usou o
castigo aos infratores e a exemplaridade da pena a que sujeitava os indivíduos que caiam na
sua teia como uma forma de reduzir o número de indivíduos com comportamento desviante à
moral desejada. Era a política da pedagogia do medo que se impunha. Mas para aqueles a
quem o exemplo da prisão de outros não limitou a sua ação contra as medidas do governo
e para os que não conseguiram escapar à gigantesca teia policial montada pelo regime, a
história da sua vida passou inevitavelmente pelas prisões políticas portuguesas.

No entanto, o projeto, no qual o Estado depositou grandes esperanças, em torno


do qual a prisão era usada como fórmula de gerir e minimizar a «delinquência política»,
falhou. Apesar das prisões políticas, pedra basilar da arquitetura repressiva do regime,
terem marcado a história penal e policial da Ditadura e do Estado Novo, esta não se fez
sem que se tivessem levantado várias vozes discordantes e nalguns períodos fez mesmo
abanar a estrutura política imposta pelo regime, que para se manter se viu obrigado a
encetar algumas mudanças. Muito embora estas mudanças, como se irá constatar, tivessem
sido apenas uma questão cosmética. A estrutura permaneceu mais ou menos intacta, apenas
mudou a sua aparência, suavizando-se a sua nomenclatura.

Assistiu-se, deste modo, entre a imposição do regime ditatorial de 1926 até à


revolução dos Cravos a 25 de abril de 1974, a um constante atropelo à maior de todas as leis
de um país, a Constituição, privando os cidadãos de todas as liberdades e garantias

1
Introdução

fundamentais, sempre que estas colocavam em causa aquilo que o Estado, pela mão dos
governos deste período, considerava um bem supremo, ele próprio.

2
Objeto de tese

Capítulo I

I - Objeto de tese

É propósito desta investigação evidenciar o papel da cadeia política do Aljube de


Lisboa, entre os anos de 1928 e de 1965.

Apesar de se fazer uma articulação com outras prisões que serviram os interesses
arbitrários do regime, o presente estudo pretende retratar a história do edifício, enquanto
estrutura arquitetónica; a história da prisão, enquanto local onde decorria a fase instrutória
dos processos, assim como o quotidiano daqueles que se viram privados da sua liberdade e
até da dignidade humana. Explicar a forma como as detenções aconteciam, articulando-as
com a legislação prisional em vigor na época, será também objeto de análise.

Para além de retratar a vida na prisão dos detidos políticos, pretende-se analisar as
diferenças de tratamento dos presos militantes dos partidos políticos, que se opunham ao
regime vigente, conforme a sua posição no partido, o seu nível cultural ou a sua origem
social e ainda analisar o código de comportamento a que estavam sujeitos estes indivíduos
quando encarcerados.

Embora a maioria da população prisional no Aljube tivesse encarcerada por


motivos políticos, no período em foco neste trabalho, procurar-se-á também estabelecer
uma comparação entres as condições dos presos políticos e a dos presos de delito comum,
pois estas ajudam a perceber toda a série de iniquidades a que estavam expostos os
suspeitos e/ou acusados de fazer perigar o regime.

No quarto capítulo haverá também lugar para se perceber que o espaço prisional,
para além de sujeitar os detidos à pena, [já que a prisão era, nestes casos, por si só a pena
por excelência] era um local onde se subjugava os presos a toda a sorte de
constrangimentos físicos e psicológicos. Estes eram particularmente vincados no período
em que os presos se encontravam na fase instrutória dos processos e por isso encarcerados
no Aljube, onde, a partir da década de 40, as celas individuais colocavam o preso na mais
rigorosa incomunicabilidade. O Aljube especializou-se, assim, como cadeia de isolamento
na fase dos interrogatórios e é esta especificidade que o individualiza das outras cadeias
para presos políticos.

3
Objeto de tese

Não cabe, no âmbito deste trabalho, fazer uma análise exaustiva nem das outras
prisões políticas em território nacional (como por exemplo: Caxias, Peniche e Angra do
Heroísmo), nem da colónia penal do Tarrafal em Cabo Verde, para a qual já existe uma
extensa bibliografia. Embora se faça referência às várias cadeias que o regime usou para
encarcerar indivíduos por delitos políticos, dada a sua importância no enquadramento
teórico deste trabalho, seria incomportável fazer um estudo detalhado de todas elas,
correndo o risco de tornar o trabalho demasiado ambíguo e pouco profundo.

As prisões políticas, para além de marcarem a história do século XX português,


permanecem como um elemento precioso da memória coletiva, como um importante
espaço de vivências, de testemunhos marcados por uma vida em que a democracia e a
liberdade, serviram de estandarte a todos aqueles que não lograram calar-se perante a
impunidade com que se violaram tais direitos.

Irene Pimentel no seu artigo A Memória Pública da Ditadura e da Repressão, publicado


na edição portuguesa de fevereiro de 2007 do Le Monde Diplomatique, refere que o papel da
História é pegar na exclusividade e fidelidade das memórias particulares e temperá-las com
equidade e verdade, contribuindo deste modo para transformar a «memória infeliz em
memória feliz, pacificada, em justa memória»1.

Este trabalho pretende de alguma forma contribuir para criar uma justa memória por
todos aqueles que foram vítimas das arbitrariedades de um Estado que erguia a bandeira de
amor e respeito à pátria, como se os homens e as mulheres que acorrentou, na sua ação de
limpeza da sociedade enferma, não fizessem parte dessa pátria.

Apesar de não ter a ambição de sarar as feridas que o aparelho repressor do Estado
Novo possa ter causado às centenas de homens e mulheres que se viram privados da sua
liberdade, quer pela mordaça da censura, quer pelas grades que os aprisionavam nas várias
cadeias políticas em Portugal e nas colónias, este trabalho pretende dar à História as
estórias que marcaram todas as fases do Aljube de Lisboa.

Independentemente de algumas vítimas do regime estado-novista terem passado


para papel o seu testemunho, onde descrevem as violências e iniquidades que foram alvo,
parece faltar na historiografia portuguesa um estudo sistemático e preciso sobre esta cadeia
política.

1
Artigo de Irene Pimentel, O Silêncio da História, A memória pública da ditadura e da repressão, in
http://pt.mondediplo.com/spip.php?article146 (17 de maio de 2012)
4
Objeto de tese

Um ano depois da abertura da exposição Aljube - A Voz das Vítimas, dinamizada


pela Fundação Mário Soares, pelo Movimento Cívico Não Apaguem a Memória e pelo
Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, sobre as histórias
vivenciadas por quem lá passou, parece fundamental dedicar um estudo em exclusivo ao
Aljube de Lisboa.

5
Âmbito cronológico

II – Âmbito cronológico

Apesar de se recuar no tempo para enquadrar o edifício no contexto arquitetónico e


histórico, a investigação irá centrar-se sobretudo no período cronológico compreendido
entre 1928 e 1965. Assim, o estudo irá abranger a história da cadeia do Aljube de Lisboa a
partir do momento em que foi usada para encarcerar todos aqueles que eram considerados
desafetos ao regime vigente, logo perigosos para a estabilidade e segurança do Estado.
Saliente-se contudo que a cadeia do Aljube recebeu, embora esporadicamente, presos
sociais e políticos no período anterior a 1928.

A pedra basilar da investigação culminará com a data de encerramento da cadeia,


em agosto de 1965, na sequência de inúmeros protestos nacionais e internacionais,
sobretudo da Amnistia Internacional, que denunciavam as péssimas condições a que os
presos ali estavam votados.

Salvaguardar-se-á também o período posterior ao seu encerramento, enquanto


prisão para presos políticos. Pois, como se verá, o Aljube reabriu as suas portas,
inicialmente para receber presos da cadeia do Limoeiro, depois como Instituto de
Reinserção Social e já recentemente, albergou a exposição Aljube – A Voz das Vítimas.

No decorrer do trabalho procurar-se-á demonstrar que as prisões, realizadas pela


polícia política, foram mais numerosas conforme se tratavam de anos de crise para o
regime. Tal como afirma Irene Pimentel, na sua obra A História da PIDE, os anos da
Guerra Civil Espanhola corresponderam aos anos de maior repressão em território
nacional2. Regista também mais dois períodos de crise, o primeiro balizado entre 1945 e
1949, na recomposição exigida pelo pós II Guerra Mundial e o segundo entre 1958 e 1962,
no rescaldo do «terramoto delgadista». Em todos eles se verificou um aumento do número
de prisões, que eram usadas para afastar os adversários políticos e assim garantir a
manutenção do poder.

2
Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 6ª edição, 2009, p. 418
6
Estado da questão

III - Estado da questão

Aljube – uma cadeia política é um trabalho pioneiro, visto não existir nenhuma
monografia académica dedicada ao estudo das cadeias políticas, à exceção da Colónia
Penal do Tarrafal, na Ilha de Santiago em Cabo Verde.

Existem várias publicações memorialísticas de antigos presos políticos, sobretudo


ligados ao Partido Comunista Português (PCP), que, ao retratarem o seu percurso de vida
no período do Estado Novo, fazem referência à sua passagem pela cadeia do Aljube de
Lisboa. Apesar de servirem de testemunho real e daí terem um valor histórico
incontornável, não são, e certamente não pretendem ser, um estudo académico e
exclusivo sobre aquela prisão em particular.

A cadeia do Aljube, embora esteja na memória de todos aqueles que trilharam os


seus corredores e viveram aprisionados às paredes em que estavam confinados, parece ter
sido esquecida pela historiografia, que nunca lhe deu especial destaque. Muito embora, o
edifício não seja um majestoso palácio ou revele uma arquitetura exemplar, a investigação,
na área artística e arquitetónica, também não lhe dedicou interesse. Na verdade, o Aljube
de Lisboa permanece quase como uma figura mítica na voz dos protagonistas da sua
história.

Atualmente a única publicação disponível dedicada exclusivamente ao Aljube é o


catálogo realizado para a exposição Aljube - A Voz das Vítimas, que esteve patente no
edifício de abril a dezembro3 de 2011. No entanto, e reconhecendo-lhe todo o mérito, não
deixa de ser um guia de visita para o público entender os espaços que foram projetados
pelos dinamizadores da exposição.

3
Inicialmente estava previsto o seu encerramento no mês de outubro de 2011.
7
Caminhos trilhados

IV – Caminhos trilhados

Constituiu um desafio incontornável trilhar caminhos na procura de uma resposta


para todas as questões que se levantaram quando se esboçou o projeto que iria dar origem
ao tema desta investigação. Como (re)criar, em palavras, uma História para e sobre o
Aljube de Lisboa?

Fazer uma investigação histórica sobre um tema inédito é, sem dúvida, aliciante,
pois lança uma escada de descoberta e oportunidade. Qual navegador que cruza mares nunca
dantes navegados. Mas tal como o navegador, que teve de enfrentar um sem número de
obstáculos para levar a bom termo o seu barco, fantasiando, no trajeto, um mundo até
então desconhecido, a investigação sobre a cadeia do Aljube obrigou a traçar uma rota.
Que caminhos percorrer?

Para além do acervo sobre o Aljube se encontrar muito fragmentado, a


documentação referente ao edifício, quer como estrutura arquitetónica, quer como cadeia
civil, é escassa.

No entanto e apesar de todas as vicissitudes, foi possível seriar fontes que


conduziram a investigação para referências sobre múltiplos aspetos da história do edifício,
da vida prisional e dos momentos de maior «resistência» ao sistema vigente, que resultaram
em memoráveis fugas ou tentativas de fuga.

Fonte preciosa para a reconstituição da história do edifício, enquanto objeto de


estudo arquitetónico e patrimonial, foi a bibliografia referente aos edifícios notáveis da
cidade de Lisboa, que numa perspetiva quase turística, apresentam ao mundo o Aljube,
como é o caso, entre outros, do Lisboa Antiga - Bairros Orientais, Ruas de Lisboa - Notas para a
História das vias públicas lisbonenses, Novo Guia do viajante em Lisboa; Guia do Forasteiro em
Lisboa,The Stranger’s guide in Lisbon.

O núcleo de documentação existente no Gabinete de Estudos Olisiponense da


Câmara Municipal de Lisboa, onde se encontram algumas das obras acima referidas e
vários recortes de imprensa alusivos ao tema em estudo, também contribuiu para o estudo
da história patrimonial do edifício do Aljube.

Mas a espinha dorsal deste capítulo centrou-se no núcleo de documentação do


Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) / Sistema de Informação para o
Património Arquitetónico (SIPA), no Forte de Sacavém, onde se encontra o Arquivo da

8
Caminhos trilhados

Ex-Direção de Edifícios e Monumentos Nacionais. Aqui encontra-se um vasto leque de


documentos referentes a remodelações ou obras de maior intervenção de que foi alvo o
edifício, sendo o documento mais antigo de fevereiro de 1922. No entanto, as plantas do
edifício não se encontram datadas, o que dificulta definir com preciosismo alguns factos
relevantes para a história patrimonial do Aljube. Apesar disso, é possível datar algumas
plantas depois de as comparar com os documentos textuais relativos à memória descrita
das alterações a efetuar. O registo de arquivo, pelo número de armário e de gaveta, também
permitem avaliar a antiguidade de uma planta em relação a outra.

Para o capítulo relativo à história da prisão consultei os fundos dos Arquivos: do


Ministério do Interior, do Ministério da Administração Interna, de Oliveira Salazar e da
PIDE/DGS e ainda o Arquivo Histórico do Sul da Direção Geral dos Serviços Prisionais.
Aqui, na imensidão de documentos, foi possível seriar informação sobre as razões que
motivaram algumas prisões, as fugas e tentativas de fuga da cadeia, o número de presos aí
encarcerados em determinados anos, entre outros aspetos de particular interesse para a
investigação em curso.

No trabalho de pesquisa nas bibliotecas, entre as quais a Biblioteca Nacional,


recolhi outras fontes que me forneceram o adequado enquadramento teórico, que serviu de
base a todo o projeto aqui traçado.

Para se fazer uma história sobre a cadeia do Aljube é de inegável importância dar
voz aos (antigos) presos, protagonistas de parte da sua história. Para o efeito recorri a
alguns testemunhos, e embora pese a subjetividade inerente às suas vivências, ignorá-las
seria negar uma parte imprescindível da realidade sobre o Aljube, pois constituem provas
«não censuradas» de uma época que os documentos oficiais não contemplavam.

O trabalho que hoje aqui se apresenta é o resultado de toda esta investigação, que
constitui uma possibilidade de interpretar a história sobre a cadeia do Aljube.

9
Contextualização histórica

Capítulo II

«Nada contra a Nação. Tudo pela Nação»

Contextualização histórica

O movimento militar de 28 de maio de 1926, iniciado em Braga, pôs fim à Primeira


República Portuguesa, caindo deste modo, um século de experiência liberal (sob a forma
monárquica e republicana)4. No entanto, o seu derrube fez-se por um exército dividido e
politizado e por isso pouco estável. A conjuntura económica herdada quer dos últimos
anos da monarquia, quer do governo republicano, e agravada com a participação de
Portugal no primeiro grande conflito à escala mundial 5 , contribuiu para criar algumas
dissidências neste período. Foi neste contexto de crise económica que António de Oliveira
Salazar foi convidado a integrar o governo e assumir a pasta das finanças. Titular da pasta a
partir de 1928, no governo presidido pelo Coronel Vicente de Freitas, passou a ter «direito
de veto sobre todas as despesas de todos os ministérios e poderes vastíssimos para realizar
os cortes orçamentais e as reformas fiscais indispensáveis ao equilíbrio do orçamento»6. No
entanto, o homem que assumia publicamente, no discurso de tomada de posse a 28 de abril
de 1928, «Sei o que quero e para onde vou», na sombra do equilíbrio orçamental trazia
escondido um projeto para o Estado.

O antigo lente da Universidade de Coimbra começou a desenhar, a partir de então,


o seu projeto para edificar um Estado forte e capaz de glorificar Portugal, esperando o
momento que considerava ser o mais oportuno para o assumir.

Foi com este propósito de criar um Estado forte, longe da instabilidade inerente ao
parlamentarismo, capaz de arbitrar as contradições existentes na sociedade, liquidando,
através de soluções repressivas, as vozes discordantes e as reivindicações mais acesas, que
se caminhou, no período que medeia o movimento militar de 1926 e o advento do Estado
Novo, para o estabelecimento de um regime autoritário e antidemocrático em Portugal.

4
Fernando Rosas, Da Ditadura militar ao Estado Novo: a «longa marcha de Salazar», História de Portugal, (dir.) José
Mattoso, vol. VII, Círculo de Leitores, Lisboa, p. 151.
5 A I Guerra Mundial iniciou-se em 1914, após o assassinato do herdeiro ao trono Austro-húngaro por um

estudante nacionalista sérvio e terminou em 1918, com a derrota das forças da Aliança. Portugal entrou na
guerra em 1916 ao lado dos Aliados.
6 Dicionário de História do Estado Novo, dir. Fernando Rosas e J. M. Brandão de Brito, Círculo de Leitores, vol.

II, p. 865
11
Contextualização histórica

A palavra «ordem» tornou-se, neste contexto, a divisa do regime. «Nada contra a


Nação. Tudo pela Nação». E foi sob o desígnio, expresso no 10.º ponto do Decálogo do
Estado Novo, em que os inimigos do regime eram equiparados aos «inimigos da Nação»,
contra os quais e ao serviço da qual se podia e devia «usar a força, que realizava, neste caso,
a legítima defesa da Pátria», que se legitimaram todas as arbitrariedades cometidas até ao
deflagrar da Revolução a 25 de abril de 1974.

Procurando glorificar o epíteto de Salvador da Pátria, que recebera por sanear as


finanças portuguesas, Oliveira Salazar, a partir de 1932 já como Presidente do Conselho, e
apresentando-se como intérprete da nação autêntica, tinha como missão «curar» a pátria
enferma.

O regime considerava-se a «expressão única e exclusiva da essência da nação»7, daí


que a oposição fosse encarada como «um comportamento desviante e criminoso, punível
por ser “antinacional”». 8 Daí que uma das primeiras preocupações do poder instituído
tenha sido limpar o terreno dos adversários e inimigos políticos. Foi com base nesta
estratégia de «limpeza» que o Estado Novo desencadeou uma série de processos tendentes
a suprimir as liberdades fundamentais, indispensáveis à reconstrução do país.

Assumido doutrinador e convicto da necessidade de reformar o país e o homem


português, objetivo que já havia defendido na sua primeira conferência a 1 de dezembro de
1909 no Liceu Alves Martins em Viseu, no seu discurso «A Restauração», Salazar mostrou-
se sempre muito zeloso daquilo que acreditava serem os valores que a Nação deveria erguer
e orgulhosamente defender.

Embora o texto Constitucional de 19339 reconhecesse solenemente aos cidadãos


portugueses «direitos e garantias individuais», existiram decretos posteriores à sua
publicação que os anulavam. Na prática, esses direitos e liberdades fundamentais eram
regulados por «leis especiais», ficando assim sujeitos ao livre arbítrio do governo.

Após o plesbicito constitucional, a 19 de março de 1933, e a sua promulgação a 9


de abril, procurou-se reorganizar as polícias de caráter político-social herdadas quer da
Ditadura Militar quer da I República. Assim, Salazar «cria a Polícia de Vigilância e Defesa

7
Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 6ª edição, 2009, p. 522
8 Idem
9 Plesbicitada em março de 1933, a Constituição que oficializava o novo regime político em Portugal foi

promulgada a 9 de abril.
12
Contextualização histórica

do Estado10 (PVDE); regulamenta, sob a estrita tutela do Governo, o exercício da liberdade


de associação e de manifestação; reorganiza e reforça os serviços de Censura; lança, sob a
orientação de António Ferro, o Secretariado de Propaganda Nacional (SPN), e desencadeia,
através da legislação fundadora dos grémios e sindicatos nacionais corporativos, de
setembro de 1933, o grande e definitivo ataque à liberdade sindical»11. Desta forma garantia
o controlo de tudo o que era essencial à segurança do regime: «polícia política, censura,
propaganda, controlo e esvaziamento prático das liberdades fundamentais»12.

Assim, e fazendo jus ao seu legado messiânico, o regime acabou com os sindicatos
livres, com o direito à greve, substituiu o pluralismo partidário pelo sistema de partido
único, dando início a um período marcado pela repressão contra a oposição. Era o fim da
liberdade de associação e de expressão, dando de alguma forma continuidade a alguns dos
princípios que vigoravam já desde a imposição do regime ditatorial de maio de 192613.

A atuação do Estado Novo alicerçou-se em três palavras: prevenção, repressão e


formação. Procurava-se, deste modo, sanear todos aqueles que audaciosamente ousavam
ultrapassar o risco das leis que lhes eram impostas e simultaneamente educar as futuras
gerações nos valores que o regime defendia para a criação de um país moldado à imagem
das pretensões do seu governo. E foi neste contexto, em que se procurava eliminar e
silenciar drasticamente as oposições, «com uma polícia política e uma censura atentas aos
mais leves sintomas disruptores»14, que o novo regime se foi consolidando.

Depositário dessa missão salvífica, e tendo como base as exigências da chamada


«ordem pública», tal como Salazar a concebia, o regime manifestava grande preocupação na
formação da «educação nacional», assim crismada por Carneiro Pacheco em 1936, de forma
a criar espíritos obedientes, zelosos dos princípios orientadores que norteavam o regime e
mais ainda, subservientes ao governo. Assim, para educar e moldar os espíritos fez atuar os
vários aparelhos de inculcação ideológica que edificara.

10 A 29 de agosto de 1933 o «Diário do Governo» publica o Decreto-Lei n.º 22 992. Nascia assim a PVDE,
por fusão da Polícia de Defesa Política e Social e da Polícia Internacional Portuguesa. No entanto, a Polícia de
Defesa e Vigilância do Estado (PVDE) só passou a ter competência legal em matéria prisional a partir de
julho de 1934, altura em que se criou a Secção de Presos Políticos e Sociais. Desde a prisão ao julgamento, a
PVDE passou a controlar todo o processo judicial dos crimes políticos e sociais.
11
Dicionário de História do Estado Novo, dir. Fernando Rosas e J. M. Brandão de Brito, Círculo de Leitores, vol.
II, p. 868
12 Idem
13 Em 1926, estabeleceu-se um novo regime mais eficaz e centralizado de censura prévia.
14 Dicionário de História do Estado Novo, dir. Fernando Rosas e J. M. Brandão de Brito, Círculo de Leitores, vol.

II, p. 869
13
Contextualização histórica

Ao papel da Igreja Católica, principal instrumento de legitimação ideológica do


regime e importante veículo de controlo dos espíritos, juntaram-se o policiamento e a
repressão preventiva, com o uso da censura prévia, dos informadores, das delações ou
escutas telefónicas. Quer as organizações de juventude, quer a organização corporativa
também serviram os interesses do Estado como instrumentos de inculcação ideológica.
Estes organismos tinham como missão vigiar, no trabalho, na escola, no lar, e incutir
unívoca e autoritariamente os valores do regime, criando um clima geral de acatação e
submissão: «manda quem pode, obedece quem deve».

Para reforçar este sistema harmonioso e não permitir que se criassem dissonâncias,
os «professores e funcionários públicos passaram a ser selecionados e controlados segundo
critérios de fidelidade ideológica informados pela polícia política» 15 . Assim, ficavam
obrigados a repudiar o «comunismo e todas as ideias subversivas e a aceitar a ordem
estabelecida pela Constituição Política de 1933» 16 . Procurava-se desta forma moldar os
espíritos ao sabor das pretensões do regime. Era o início da «revolução mental» que
segundo Salazar faltava realizar.

Estes mecanismos de inculcação ideológica embora representassem uma forma de


repressão menos visível, funcionavam com uma série de tentáculos aos quais era difícil
fugir, desde a censura, a propaganda, a educação, passando pelas restrições ao exercício da
liberdade de associação e pela participação na Mocidade e na Legião Portuguesas. O Estado
procurava, deste modo, controlar ao pormenor a vida de todos os portugueses.

A utilização destes mecanismos pretendia «interiorizar no corpo social uma atitude


de aceitação passiva»17, só partindo para a intervenção repressiva se os outros mecanismos
se esgotassem. O objetivo não era apenas exercer repressão sobre os comportamentos
exteriorizados da população contra o regime, mas sim dissuadir todos os comportamentos
que colocassem em perigo a «ordem», mesmo que não fossem exteriorizáveis. Desta forma,
o Estado Novo operava como uma máquina que policiava «por dentro e por fora a vida
dos portugueses» 18 , funcionando como uma arma dissuasora de «ulteriores desvios à
mentalidade e ao comportamento que se pretendia incutir ao cidadão»19.

15 Dicionário de História do Estado Novo, dir. Fernando Rosas e J. M. Brandão de Brito, Círculo de Leitores, vol.
II, p. 869
16 Decreto-Lei n.º 27 003, de 14 de setembro de 1936, citado por Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE,

Temas e Debates, Círculo de Leitores, 2007, p. 26


17 Maria da Conceição Ribeiro, A polícia política no Estado Novo 1926-1945, Editorial Estampa, 1995, p. 203
18 Repórter Sombra, pseudónimo, Dossier P.I.D.E., os horrores e crimes de uma «polícia», Lisboa, Agência

Portuguesa de Revistas, 1974


19 Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 2007, p. 19

14
Contextualização histórica

Consciente que a propaganda exercia um papel fundamental na construção de uma


imagem sobre o país e o regime, onde os conflitos e a miséria constituíam apenas uma
miragem, criou-se o já mencionado Secretariado de Propaganda Nacional. A propaganda
dava aos portugueses e ao mundo a imagem de um país edificado em nobres valores, onde
a justiça e a liberdade eram direitos garantidos. Cartazes, exposições internacionais, livros
escolares, cinema e teatro glorificavam as «excelências de um idílico mundo rural sem
tensões doentias»20.

Salazar acreditava na premissa de que «o que parece, é», justificando assim o facto
da opinião pública ser «dirigida» pelo governo. Nas palavras do jornalista João Paulo Freire,
nas suas memórias sobre o tempo em que esteve encarcerado na prisão do Aljube em
Lisboa 21 , por ser um acérrimo defensor da democracia, da justiça e da liberdade, esta
propaganda tinha a agravante de apregoar «ao mundo a beleza dos nossos costumes, a
pacífica orientação da nossa política, a justiça do Estado Novo e a bondade dos homens
que se encontravam desde 1926, à frente dos destinos da Nação» 22 . Falseava-se, deste
modo, aquilo que era a realidade vivida em Portugal. No entanto, para Salazar esta
conceção sobre a vida em Portugal era fundamental para a manutenção do regime,
defendendo que «politicamente só existe o que o público sabe que existe: a ignorância das
realidades, dos serviços, dos melhoramentos existentes é causa de descontentamento, de
frieza nas almas, de falta de orgulho patriótico, de não haver confiança, alegria de viver»23.

O regime mostrou-se sempre muito zeloso com a tutela da opinião pública, usando
para o efeito um elemento essencial do seu projeto viabilizador, a censura prévia. A
ditadura salazarista, recusando o conflito e a pluralidade de opiniões, tinha sobre o
pensamento e sobre a crítica, a mordaça da censura. Esta funcionava como um elemento
regulador da imagem sobre o Estado, não devendo este correr o risco de ver publicado
algo que, de alguma forma, fizesse tremer o pedestal onde ele próprio se havia colocado.
Neste período entendia-se que «dizer mal» era uma forma de «fazer mal» à Nação, logo
justamente punível. Já durante a Primeira República, o regime republicano tinha procurado,
de forma sólida e consistente, impedir o acesso do público a textos que eram considerados
nefastos para a estabilidade do poder vigente. A censura foi uma constante ao longo de

20
Dicionário de História do Estado Novo, dir. Fernando Rosas e J. M. Brandão de Brito, Círculo de Leitores, vol.
II, p. 869
21 João Paulo Freire esteve preso no Aljube de Lisboa por doze vezes entre 1924 e 1940.
22 Memórias dum jornalista [manuscrito]: 99 dias no Aljube, João Paulo Freire (Mário)
23 Oliveira Salazar, Discursos, (1926-1934) vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 5ª edição, 1961, p. 263

15
Contextualização histórica

quase todo o século XX em Portugal, pois só com a revolução de 1974 foi restituída aos
portugueses a liberdade de expressão e pensamento.

Assim, sob a pena do «lápis azul», era limitado, à população portuguesa, o


conhecimento das alternativas sociais, culturais, políticas e ideológicas ao Estado Novo. O
desconhecimento das ideias e dos factos criavam assim o clima necessário ao exercício
normal do poder. «Submetido a um clima de sujeição e de informação dirigida,
gradualmente, o português é forçado a não saber, a não pensar, a não querer, e quási a não
desejar»24, transformando-se num objeto do poder.

Em 1957, o n.º 7 do Bulletin de la Comission Internacionale de Juristes25, fazia uma dura


crítica ao governo de Portugal, que aplicava pena de prisão para todos aqueles que
imprimissem publicações, panfletos ou outros escritos de caráter subversivo. E embora, a
censura, tal como era interpretada pela oposição, fosse negada, todos os jornais tinham a
rubrica Visado pela Comissão de Censura. Tendo por base a premissa que o jornal era o
alimento do povo, a censura legitimava-se, uma vez que tal como todos os outros
alimentos, também o jornal devia ser fiscalizado.26

A tentativa de aniquilamento de todos os centros de possível contestação ao regime


infligiu uma ferida, que as diferentes formas de vida cívica, política e intelectual, foram
clandestinamente sarando com a sua persistência e empenho na defesa dos valores de
justiça e liberdade.

Existiram ainda outros mecanismos, que ao restringirem a liberdade de criação dos


autores, acabavam por funcionar como filtro do conteúdo das obras literárias que
circulavam em Portugal. Este processo de controlo envolvia «as tipografias, os editores e as
próprias entidades que dispunham de meios para publicitar um livro»27. Desta forma, e caso
fosse detetado algum ataque ao interesse nacional, o regime chamava à responsabilidade todos
aqueles que estavam, de algum modo, ligados à publicação do livro. Esta repressão, usada a
posteriori, e que exigia a apreensão dos livros considerados perigosos, servia assim para
corrigir alguma desatenção dos censores e punir o autor da insubmissão cometida.

24
Carta ao Presidente da República por elementos da oposição sobre questões sociais, económicas, políticas e
ultramarinas, 1966, in ANTT/AOS/CO-JU3
25 Bulletin de la Comission Internacionale de Juristes – Pour la defense du droit, n.º 7, Imprimerie Trio, S.A., La Haye –

Pays-Bas,in ANTT/AOS/CO/JU-3
26 António Ferro, pref. Oliveira Salazar, Salazar e a sua obra, Empresa Nacional de Publicidade, p. 48
27 Renato Nunes, Miguel Torga e a Pide, A repressão e os escritores no Estado Novo, Coleção Minerva-História,

Edições MinervaCoimbra, Coimbra, 2007, p. 68


16
Contextualização histórica

Salazar, embora consciente que a censura era injusta e que estava muitas vezes
sujeita ao arbítrio dos censores, justificava a sua existência para que não se deturpassem os
factos que fundamentassem «ataques injustificados à obra dum governo»28.

A repressão cultural foi assim uma constante em todo o período do Estado Novo.
Segundo Carlos Brito reinava a lei de que «tudo o que não estava expressamente
autorizado, era proibido»29. Os jornais, por exemplo, cuja entrada era permitida, no Forte
de Peniche, símbolo das cadeias políticas estado-novistas, eram alvo de dupla censura – a
do país em geral e a que era feita na própria cadeia. Daí que quando chegavam às celas iam
já com inúmeros recortes feitos à tesoura ou mesmo sem páginas inteiras. A entrada de
jornais como a República, o Século Ilustrado, O Debate e a Seara Nova foi interdita. Por outro
lado, os aparelhos de rádio ou gira-discos não eram autorizados, assim como as conversas
sobre qualquer assunto que remetesse para o domínio político. No entanto, a situação
prisional em Peniche melhorou significativamente em meados da década de 60, altura em
que foi reaberta a biblioteca da prisão, Soeiro Pereira Gomes, e permitida a entrada de uma
pequena biblioteca itinerante da Gulbenkian, bem como dos jornais Diário de Notícias e O
Século. Diga-se a este respeito que algumas das permissões que os presos políticos
conquistaram nas cadeias, foram resultado das suas reivindicações constantes e formas de
luta30 que iam encetando.

Para além dos jornais, as cartas das famílias e dos presos também eram alvo da
censura, no entanto, esta variava de prisão para prisão. Numas existiam cartas que não
sofriam qualquer obstáculo, mas estas não passariam na censura noutras prisões.

A repressão, em todas as suas formas, teve períodos em que se fazia sentir mais
visivelmente, sobretudo nos momentos mais conturbados para o poder instituído,
contribuindo, juntamente com os outros mecanismos de suporte do Estado Novo, para
que este se fosse mantendo.

A este respeito diga-se que a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e com ela a
ameaça comunista acabaram por endurecer mais a atuação repressiva do Estado. Este foi o
primeiro grande desafio à estabilidade do regime, que encontrou neste acontecimento uma

28 Renato Nunes, Miguel Torga e a Pide, A repressão e os escritores no Estado Novo, Coleção Minerva-História,
Edições MinervaCoimbra, Coimbra, 2007, p. 46
29 Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 2007, p. 438
30
Sérgio Ribeiro recorda que, quando esteve preso em Caxias, uma das formas de luta que os presos usavam
era recusarem-se a receberem visitas, facto que levava ao descontentamento dos familiares, que depois se
manifestavam junto dos guardas prisionais, criando alguma instabilidade indesejada. E assim conseguiram um
gira-discos que tocava uma hora por dia.
17
Contextualização histórica

forma de legitimar o uso da repressão contra aqueles que representavam um «perigoso


dissolvente da família, da religião e de todos os valores da civilização que o Estado Novo
pretendia simbolizar»31.

De facto, e no que diz respeito à cadeia do Aljube de Lisboa, quer o Boletim Inter-
Prisional32 de abril de 1936, onde se lê «o Aljube está a transbordar; cada vez somos mais
na prisão», quer o Boletim da existência de presos33, de 25 de setembro do mesmo ano, que
aponta a existência de 79 presos aí encarcerados, refletem que, e tendo por base a
capacidade de lotação 34 da cadeia, este período foi um forte momento de repressão em
Portugal. O mesmo é confirmado por Jaime Serra que afirmava, na altura em foi preso pela
primeira vez, em janeiro de 1937, que se vivia um período de grande perseguição política,
característica de um regime instituído mas não consolidado.

Mas se nos primeiros anos da ditadura a repressão era cega, desencadeando uma
vaga de prisões em massa, «nos últimos anos do regime era uma repressão já científica.
Seletiva».35 As cadeias políticas irão encher-se de homens e mulheres de todas as fações
políticas. Anarquistas, reviralhistas, comunistas, sindicalistas e, mais tarde também
maoístas, socialistas e católicos serão protagonistas da história da repressão em Portugal.

Apesar de no período correspondente à Guerra Civil Espanhola, se ter verificado


um grande pico de prisões políticas e muitos dos presos terem sido deportados sem
julgamento ou com julgamento sumaríssimo em tribunais militares especiais, o governo viu
reforçado o seu poder no plano interno, consolidando política e policialmente a sua
segurança e fortalecendo o prestígio de Salazar.

O Estado, que sempre soube jogar com os interesses contraditórios que ele próprio
defendia, revelou uma capacidade suprema de «saber durar», organizando e reorganizando
os equilíbrios viabilizadores do regime.

Em setembro de 1939 o mundo viu-se envolto na ofensiva das divisões panzer,


dando início à II Guerra Mundial, com Hitler a comandar os destinos de uma Europa que

31
Maria da Conceição Ribeiro, A polícia política no Estado Novo 1926-1945, Editorial Estampa, 1995, p. 199
32 Nome dado ao jornal manuscrito pelos presos comunistas do Aljube. in
http://www.pcp.pt/jornais_prisao/boletim-inter-prisional%C3%B3rg%C3%A3o-da-c%C3%A9lula-
comunista-do-aljube (em 20 de abril de 2012)
33 ANTT – AOS/CO/IN/8C - 1
34
Segundo documentos de 1969 a cadeia, após as obras de remodelação projetadas iria ter capacidade para
receber entre 80 a 100 presos. Saliente-se, no entanto, que até abril de 1936, data da conclusão da enfermaria
construída no novo e último andar do Aljube, a capacidade de encarceramento era inferior, atendendo que só
estavam acessíveis quatro andares.
35 Entrevistas conduzidas por Miguel Medina, Esboços: antifascistas relatam as suas experiências nas prisões do

fascismo, Câmara Municipal de Lisboa, Imprensa Municipal, Lisboa, 1999, vol. 2, p. 204
18
Contextualização histórica

ficou quase toda subjugada ao seu domínio. Enquanto isso, Salazar para mostrar as virtudes
do Estado Novo, lançou-se na criação da Grande Exposição do Mundo Português, na
sequência da comemoração do «duplo centenário da nacionalidade» em 1940.

Embora Portugal se tenha mantido à margem deste grande conflito, adotando uma
posição de neutralidade36 perante as fações em jogo, o Estado viu-se forçado, à medida que
o seu desfecho se aproximava e se tornava claro de que lado iria estar a vitória, a encetar
algumas alterações. Mas, apesar de ter gerido a neutralidade ao sabor das conjunturas da
guerra, ora adotando uma postura «equidistante», ora «colaborante», não conseguiu impedir
o impacto económico e social do conflito. Neste período verificou-se uma degradação do
ambiente social, motivado pela falta de géneros e bens de primeira necessidade. Foi neste
contexto de crise social e de iminência da queda do nazi-fascismo que se criaram condições
para a recomposição e ofensiva das oposições.

Deste modo, confrontado com a vitória das democracias e com a inevitabilidade de


uma mudança política que parecia impor-se, Salazar sabia que a sua manutenção no poder
estava de alguma forma dependente da criação de uma imagem externa favorável ao Estado
Novo. Apoiando-se nesta lógica, pretendeu criar a ideia de uma certa abertura do regime
português. Neste contexto, António de Oliveira Salazar prometeu eleições «livres como na
livre Inglaterra» e procurou assegurar a publicação de uma série de decretos com o objetivo
de suprimir o regime excecional sobre a segurança do Estado, garantindo de «modo efetivo
a liberdade dos cidadãos contra a eventualidade de prisões arbitrárias»37.

Assim e porque «os ventos democratizantes do pós-guerra aconselhavam maiores


cuidados terminológicos e processuais» 38 , Salazar alterou o «nome de algumas das suas
instituições mais conotadas com os regimes fascista e nacional-socialista e civilizou os
Tribunais Militares Especiais, que julgavam os crimes políticos, até 1945». 39 No entanto,
esta aparente liberalização era falaciosa e traduziu-se num progressivo aperfeiçoamento e
endurecimento dos mecanismos repressivos. À polícia política, agora denominada de

36 A política externa portuguesa, definida em nota oficiosa de 2 de setembro de 1939, apresentava ao mundo
um país de costas voltadas para o continente europeu e projetado para o Atlântico e para o Império. Com a
neutralidade assumida durante a II Guerra Mundial, Portugal apresentava-se assim como uma «ilha de paz no
mundo em guerra».
37 Irene Pimentel, O Tribunal Plenário, Instrumento de justiça política do Estado Novo, Intervenção proferida no

Colóquio Internacional Administração e Justiças na Res Publica, Universidade do Minho, Braga, 15 e 16


março de 2010
38 Fernando Rosas, Da Ditadura militar ao Estado Novo: a «longa marcha de Salazar», História de Portugal, (dir.) José

Mattoso, vol. VII, Círculo de Leitores, Lisboa, p. 151.


39 Irene Pimentel, O Tribunal Plenário, Instrumento de justiça política do Estado Novo, Intervenção proferida no

Colóquio Internacional Administração e Justiças na Res Publica, Universidade do Minho, Braga, 15 e 16


março de 2010
19
Contextualização histórica

Polícia Internacional de Defesa do Estado40 (PIDE), foi atribuída competências instrutórias


ainda mais abrangentes do que aquelas que possuía a sua antecessora. Esta alteração,
traduziu-se, não só num alargamento dos seus poderes de prisão preventiva, gozando da
«capacidade de [a] determinar, com quase total independência»41, como também, permitiu-
lhe, de forma mais eficiente, interferir na aplicação das medidas de segurança, podendo
mesmo vigiar os indivíduos a ela sujeitos, «mesmo que estes estivessem entregues à
supervisão do ministro da Justiça» 42 . A PIDE para além de centralizar «todos os
organismos com funções de prevenção e repressão política dos crimes contra a segurança
interna e externa do Estado» 43 , conservava também a instrução preparatória desses
processos.

A título exemplar veja-se que a 27 de maio de 1945, o Boletim de existência de


presos e deportados registava, para a cadeia do Aljube de Lisboa, um total de 68 presos44.

O ano de 1947 também se caracterizou por uma forte repressão em todo o país,
sobretudo direcionada para os elementos do Partido Comunista Português (PCP),
considerados inimigos do regime, logo da nação. No entanto, a repressão da polícia e a
consequente prisão também atingiu outros alvos como os militares envolvidos nas
tentativas falhadas de sublevação militar da Mealhada de 1946 e da «Abrilada» de 1947.

Se o rescaldo da II Guerra Mundial foi um momento conturbado para o regime, o


período entre 1958, na sequência das eleições presidenciais de Humberto Delgado, e 1962,
aquando das manifestações estudantis, também fez perigar a estabilidade do Estado Novo.

A candidatura independente do General Humberto Delgado às eleições


presidenciais de 1958 originou um verdadeiro terramoto político, representando uma crise
séria que o regime teve de enfrentar. O governo reprimiu a agitação popular que varreu o
país e impôs a farsa eleitoral que deu a vitória ao candidato da União Nacional, o almirante
Américo Tomás. Diga-se que durante o «terramoto delgadista» a continuidade do regime
foi assegurada pelas Forças Armadas, que se mantiveram coesas em redor do regime.

40 A vitória dos regimes democráticos exigiu maiores cuidados terminológicos, daí que a polícia política
passou a ter outra designação, em 1945. O decreto-lei n.º 35 046 de 22 de outubro de 1945 cria a PIDE,
revogando o decreto-lei n.º 22 992, referente à criação da PVDE.
41 Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 6ª edição, 2009, p. 31
42 Ibidem, p. 32
43 Irene Pimentel, O Tribunal Plenário, Instrumento de justiça política do Estado Novo, Intervenção proferida no

Colóquio Internacional Administração e Justiças na Res Publica, Universidade do Minho, Braga, 15 e 16


março de 2010
44 ANTT – AOS/CO/IN/8C

20
Contextualização histórica

Em março do ano seguinte, e na sequência da fraude eleitoral das eleições


presidenciais, ocorreu o «golpe da Sé», a malograda conspiração civil e militar que pretendia
derrubar o governo de Salazar e que a polícia conseguiu travar com antecedência.

O ano de 1961, conhecido como o «ano de todas as crises» a que Salazar


sobreviveu, o annus horribilis do regime, iniciou-se com o assalto ao Santa Maria por
Henrique Galvão. Foi também o ano do assalto a um avião da TAP por Hermínio da
Palma Inácio; o ano em que estalou a guerra colonial em Angola e que mais tarde se
estendeu aos outros territórios coloniais portugueses em África e que se registou a fuga da
prisão45 de Caxias no carro blindado de Salazar de vários dirigentes do PCP. Foi o ano em
que Portugal viu os seus territórios de Goa, Damão e Diu, na Índia ocupados pela União
Indiana e que se assistiu, no último dia do ano, à tentativa insurrecional no quartel de Beja.

O regime teve ainda de enfrentar, em 1962, a grave crise académica de Lisboa e de


Coimbra, que levou à greve às aulas e aos exames e que se traduziu num grande momento
de contestação estudantil ao governo. Para além disso, verificaram-se várias manifestações
de populares convocadas pelo PCP e de trabalhadores rurais a exigir a redução do horário
de trabalho.

Perante este cenário de agitação social o regime reagiu duramente, sendo a


«repressão, e até o crime, como último recurso para a defesa do regime a resposta
sistemática à radicalização das oposições»46. Nestes períodos as prisões eram povoadas por
um maior número de presos políticos.

O Boletim da Comissão Central do Movimento Nacional Democrático de julho de


1952, por exemplo, acusava o governo de aumentar as «suas forças repressivas, com
violência cada vez maior»47, perante a sua incapacidade de abafar os protestos crescentes
das massas populares, dando conhecimento, através da elaboração de um panfleto
clandestino, da ilegalidade das prisões e dos julgamentos de vários indivíduos detidos nesta
altura. Já o jornal Avante! de janeiro de 1958 publicava que as «celas estão cheias de presos
em rigoroso isolamento».48

Referência a um destes períodos de maior contestação ao regime surge, também,


pela pena de Jaime Serra, no livro 12 Fugas das prisões de Salazar. Nesta altura, e coincidindo

45 Já no ano de 1960, a 3 de janeiro, se tinha assistido à fuga do Forte de Peniche de dez presos políticos.
46 Dicionário de História do Estado Novo, dir. Fernando Rosas e J. M. Brandão de Brito, Círculo de Leitores, vol.
II, p. 874
47
ANTT – GBT 8-Cx 80-Proc. P 23-N.º 386/52
48 Francisco Miguel, Das prisões à liberdade, Coleção Resistência, edições Avante! Texto organizado por

Fernando Correia, Lisboa 1986, p. 93


21
Contextualização histórica

igualmente com as obras que decorriam na cadeia do Forte de Caxias, Serra fala da grande
concentração de presos políticos na cadeia do Aljube, em 1957. Algumas dessas prisões
foram fruto das lutas estudantis, entre dezembro de 1956 e janeiro de 1957, em defesa da
manutenção das Associações de Estudantes, que o decreto-lei n.º 40 900 de 12 de
dezembro de 1956, queria controlar ferreamente.

O jornal Avante! de fevereiro de 1965 publicava igualmente a manifestação


estudantil que decorreu junto da cadeia do Aljube, no dia 26 de janeiro. Centenas de
estudantes e familiares dos presos concentraram-se ali para reivindicar a libertação dos
estudantes presos na sequência da contestação ao sistema de ensino em vigor.

A atuação da polícia política, instituição ao serviço da ordem e do bem comum,


velando pela segurança e pela consolidação do regime, era justificada pela tarefa
«desagradável mas necessária» de usar da violência e do medo. E apesar das duas operações
de cosmética de que foi alvo 49 , a polícia política do Estado nunca deixou de perder o
caráter de uma instituição fortemente repressiva. Assim, para além de representar uma
instância de repressão, que punia todos os desvios à desejada «ordem», a polícia política era
também, e mais que tudo, um instrumento fiscalizador e dissuasor, que controlava e
oprimia todos os campos de convivência, limitando os direitos cívicos de todos os cidadãos
portugueses. Por isso, «quando a sua capacidade «persuasiva» e «educadora» se revelava
ineficaz» 50 , a polícia passava a ser um agente repressivo. Esta dupla face da violência
funcionou como garantia da durabilidade do regime.

Salazar, embora afirmasse que a força era «absolutamente indispensável na


reconstrução de Portugal»51, estava consciente que esta teria de ser usada com prudência de
forma a assegurar a continuação da obra.

Na entrevista, dirigida por António Ferro, em 1932, quando o Presidente do


Conselho de Ministros, foi confrontado com a prática de maus tratos perpetrada pela
polícia aos presos políticos, afirmou que depois de averiguadas essas queixas, concluiu-se
que os presos mentiam, na maioria dos casos, embora reconhecesse que algumas vezes
falavam a verdade e nesses casos tomaram-se providências imediatas. Acrescentou que «os
presos maltratados eram sempre, ou quase sempre, temíveis bombistas que se recusavam a

49 A primeira em 1945, época em que passou a designar-se Polícia Internacional de Defesa do Estado –
PIDE, e a segunda, quando Marcelo Caetano subiu ao poder, período em que passou a designar-se por
Direção Geral de Segurança – DGS.
50 Maria da Conceição Ribeiro, A polícia política no Estado Novo 1926-1945, Editorial Estampa, 1995, p. 197
51 Fernando Rosas (pref.), in João Madeira, Irene Flunser Pimentel, Luís Farinha, Vítimas de Salazar, Estado

Novo e Violência Política, A esfera dos livros, Lisboa, 2007, p. 24


22
Contextualização histórica

confessar, apesar de todas as habilidades da Polícia, onde tinham escondido as suas armas
criminosas e mortais. Só depois de empregar esses meios violentos é que eles se decidiam a
dizer a verdade. E eu pergunto a mim próprio, continuando a reprimir tais abusos, se a vida
de algumas crianças e de algumas pessoas indefesas não vale bem, não justifica largamente,
meia dúzia de safanões a tempo nessas criaturas sinistras…».52 Legitimava-se, desta forma,
o uso da violência «sobre alguns como garantia da tranquilidade de todos»53.

Em resposta às acusações de torturas infligidas aos presos, neste caso concreto a


um grupo de estudantes, feita no já mencionado n.º 7 do Bulletin de la Comission Internacionale
de Juristes, de outubro de 1957, o Gabinete do Ministro refere que mandou averiguar a
veracidade das acusações aos arguidos, que apresentavam «de facto, na região dorsal certos
sinais de estrias que atribuía a flagelação com um cavalo-marinho». Mas depois do exame
médico-legal, «provou tratar-se afinal duma vulgar alteração ou moléstia de pele, sem
qualquer relação possível com algum traumatismo de natureza contundente»54.

Poucos portugueses escaparam à vigilância da polícia política, desde monárquicos a


elementos das Forças Armadas, passando por católicos. No entanto, esta era mais apertada,
quer de forma dissimulada quer ostensiva, sob os indivíduos reconhecidamente «desafetos
ao regime», sob «todos aqueles que revelavam uma qualquer dissidência social, política e até
religiosa em relação ao regime ditatorial»55.

Os «dossiers individuais de controlo», nome dado às fichas da PIDE, tinham


descrições ao mais ínfimo pormenor sobre cada um dos indivíduos, sobre quem recaía a
mais leve suspeita de colocar em causa a segurança do regime. Nas palavras de João Paulo
Freire, para quem «transformar um crime político ou apenas uma divergência de ideais,
num crime superior ao crime comum, para efeitos de castigo», era uma monstruosidade,
bastava «uma simples suspeita, um engano, uma intriga…um simples capricho policial ou
governamental, para atirar para o Aljube, durante meses, um cidadão pacífico»56.

Apesar de centrar as suas atenções, sobretudo nos grandes centros urbanos de


Lisboa, do Porto e de Coimbra e nas zonas tradicionalmente desafetas ao regime, como
por exemplo Beja, Évora, Setúbal e Barreiro, a teia da polícia política estendia-se a todos os
recônditos lugares do país. Nos meios rurais, onde a implantação da polícia política era

52 António Ferro, prefácio de Oliveira Salazar, Salazar e a sua obra, Empresa Nacional de Publicidade, p. 82
53 Maria da Conceição Ribeiro, A polícia política no Estado Novo 1926-1945, Editorial Estampa, 1995, p. 229
54 Carta do Gabinete do Ministro em resposta ao n.º 7 do Bulletin de la Comission Internacionale de Juristes, de

outubro de 1957, in ANTT/AOS/CO/JU-3


55 Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 2007, p. 22
56 Memórias dum jornalista [manuscrito]: 99 dias no Aljube, João Paulo Freire (Mário)

23
Contextualização histórica

mais fraca, a Polícia de Segurança Pública (PSP) e a Guarda Nacional Republicana (GNR)
funcionavam como um importante escudo protetor do regime, servindo não só como um
instrumento de prevenção/dissuasão, mas também como meio repressivo com autonomia
para proceder a prisões.

Para além dos agentes da polícia, o regime contava ainda com uma série de
colaboradores que, à mínima suspeita de atuação política considerada subversiva, sentia-se
na obrigação de comunicar com a polícia. Esta «tecera uma teia tal que lhe permitia fazer de
cada amigo um potencial denunciante, de cada colega um delator, de cada familiar um
insuspeitado informador»57. Esta ampla rede de informadores contribuiu para aterrorizar a
população portuguesa, convencendo-a de que «os olhos panópticos da PIDE os vigiavam
por todo o lado e que meio país denunciava outro meio» 58. Esta rede de informadores,
associada à cultura da denúncia que caracterizava o comportamento de muitos portugueses,
permitiu a difusão da imagem de uma polícia omnipotente e omnipresente.

A polícia usava também a interceção postal e as escutas telefónicas como


instrumentos dissuasores de comportamentos desviantes.

No entanto, apesar da polícia política e da censura terem exercido um papel nodal


quer na edificação, quer na manutenção dos princípios que enformaram o regime, este não
logrou atingir o saneamento esperado, criando assim o mote que legitimaria o uso da
violência punitiva.

No Estado Novo as prisões por motivos políticos tinham como principal objetivo
desarticular as organizações e as ações dos opositores ao regime. Assim, para garantir a
«ordem» e segurança do Estado e em «legítima defesa da Pátria», tomaram-se uma série de
decisões políticas, administrativas ou policiais de forma a encarcerar ou banir todos aqueles
que de alguma forma atentassem contra o regime. No período da Ditadura Militar, as
cadeias políticas funcionavam como um depósito temporário dos presos acusados de
atentar contra o poder. Estas tinham como principal função aniquilar politicamente os
adversários, sobretudo sindicalistas, revilharistas e anarquistas, e por isso a deportação era
usada de forma quase sistemática e arbitrária. Só a partir de 1932/33 é que se verificou uma
reorganização séria da repressão. Para isso e procurando dar um caráter legal à necessidade
de estabilidade do regime, criaram-se: o decreto-lei n.º 21 942 de 5 de dezembro de 1932
para regular a forma de punição dos delitos políticos e das infrações disciplinares de caráter

57 Nuno Vasco, Óscar Cardoso, A Bem da Nação, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1998, p. 20
58 Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 6ª edição, 2009, p. 530
24
Contextualização histórica

político e o decreto-lei n.º 21 943, da mesma data, que regulava a situação dos que
cometeram quaisquer crimes políticos59. Mas o governo foi mais longe e a 6 de novembro
de 1933 publicou o decreto-lei nº 23 203, que tipificava todos os crimes políticos e atos que
demonstrassem «espírito de oposição à política do governo»60 e descrevia as penas a atribuir
em qualquer um dos casos.

No seu processo de higienização para reconstruir a pátria, o Estado Novo usou três
lógicas de encarceramento e punição, que seriam aplicadas conforme o destinatário. Assim,
para a população em geral a sanção apresentava-se com um caráter dissuasivo, preventivo e
de intimidação, esperando-se desta forma minimizar o número daqueles que ousariam
quebrar as leis impostas. Para os que tinham sido momentaneamente transviados, a prisão servia
como meio de regeneração e correção, ou seja, acreditava-se que o susto da detenção faria
com que não voltassem a atuar contra o regime. A terceira lógica de punição estava
associada a todos aqueles que ameaçavam o regime, isto é, dirigentes e funcionários dos
partidos subversivos, sobretudo os comunistas. Para estes era necessário a neutralização,
pois o seu estado era de permanente perigosidade e neles não era depositada qualquer
esperança de correção nem de regeneração.

Apoiando-se na sua legislação penal, o regime canalizou todas as arbitrariedades


para a esfera da legalidade, isto é, acabou por legitimar quase toda a espécie de violência
contra os suspeitos de praticarem «crimes contra a segurança do Estado». Na prática, a
polícia política podia prender sem culpa formada e sem mandato ou fiscalização judicial,
quem entendesse. Assim, para além do recurso sistemático à tortura e à prisão, mesmo sem
culpa formada e por tempo indeterminado, era possível o cumprimento indefinido das
penas de prisão, mesmo sem sentença condenatória ou muito para além dela. De facto, a
polícia política, para neutralizar e isolar os opositores ao regime, usava e abusava da sua
capacidade de fazer prolongar ou a prisão preventiva ou a prisão depois de cumprida a
pena a que o preso tinha sido sujeito. «A detenção preventiva e a extensão arbitrária da
prisão depois de cumprida a pena a que o réu havia sido condenado pelo Tribunal Militar
Especial 61 – nos casos em que havia lugar a julgamento – constituía, assim, as peças

59
Diário do Governo, I Série, n.º 284, in http://dre.pt/pdfgratis/1932/12/28401.pdf ( em 28 de setembro
de 2012)
60 Fernando Rosas (coord.), Irene Flunser Pimentel, João Madeira, Luís Farinha, Maria Inácia Rezola,

Tribunais Políticos – Tribunais Militares Especiais e Tribunais Plenários durante a Ditadura e o Estado Novo, Temas e
Debates, Círculo de Leitores, 2009, p. 51
61 O Tribunal Militar Especial foi extinto por decreto lei n.º 35 044 de 20 de outubro de 1945, na sequência da

operação de cosmética a que o regime salazarista foi obrigado no rescaldo na II Guerra Mundial.
25
Contextualização histórica

fundamentais da “política de contenção dos adversários políticos” do regime» 62 . No


entanto, Paulo Pinto de Albuquerque63, citado por Irene Pimentel na obra A História da
PIDE, considera que a capacidade de estender por três meses (mais dois períodos de 45
dias, cada) o período de prisão sem culpa formada acabou, ao contrário do que alguns
afirmam, por limitar o arbítrio policial que existia anteriormente, uma vez que antes do
diploma de 1945 que lhe confere estes poderes, «a detenção policial para averiguações era
ilimitada»64. Mas a historiadora recorda que efetivamente o diploma apenas cobria o arbítrio
com um manto de legalidade, ou seja, aquilo que a «PVDE tinha de arbítrio, a PIDE
65
reconverteu cientificamente em lei» , uma vez que permitia que esta prendesse
preventivamente durante seis meses. Outra estratégia que a polícia usava era «libertar o
detido ao fim dos seis meses e prendê-lo de novo, à saída da porta da cadeia, por mais um
período de seis meses»66.

Apoiar-se na legalidade sempre foi um apanágio defendido pelo regime salazarista,


que não deixou de se aproveitar dos vazios da lei ou então interpretando-os a seu belo
prazer para fazer valer a sua conduta. Assim, defendia-se que «só eram detidos aqueles que
atentassem contra a segurança do Estado e que ninguém era preso devido às suas
opiniões» 67 . Garantia-se desta forma o cumprimento do ponto 4.º do art.º 8.º da
Constituição Política da República Portuguesa que assegurava a liberdade de expressão do
pensamento sob qualquer forma. Na prática, aprisionavam-se todos aqueles que discordavam do
Estado Novo, pois segundo o regime colocavam em causa a sua segurança.

Os tribunais funcionavam «como um apêndice judicial da polícia política»,68 pois,


para além de velarem as arbitrariedades e violências cometidas na fase instrutória dos
processos, também aceitavam os autos de declarações elaborados com recurso à tortura e à
intimidação. Muitos foram os presos políticos julgados segundo os critérios aconselhados
nos relatórios da polícia que acompanhavam os processos dos arguidos. Diga-se a este
respeito que, ao contrário do Ministério Público que, para levar a cabo as suas
investigações, não podia privar da liberdade física os suspeitos por um período superior a
50 dias e ainda assim precisava do referendum do Tribunal, quer a Polícia Judiciária, quer a

62 Maria da Conceição Ribeiro, A polícia política no Estado Novo 1926-1945, Editorial Estampa, 1995, p. 236
63 Autor da obra A Reforma da Justiça Criminal em Portugal e na Europa.
64 Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 6ª edição, 2009, p. 32

65 Ibidem, p. 524
66 Ibidem, p. 33
67 Ibidem, p. 522
68 Fernando Rosas, O Estado Novo, in A História de Portugal, dir. José Mattoso, vol. VII, Lisboa, Círculo de

Leitores, p. 277
26
Contextualização histórica

PIDE podiam prender para averiguações qualquer pessoa suspeita de colocar em causa a
segurança do Estado durante um período de 180 dias, estando dispensadas de qualquer
referendum ou controlo judicial. Assim, ao fim dos 180 dias e concluída a instrução
preparatória pela polícia, esta valia como se tivesse sido feita por um juiz, limitando-se estes
a lavrar os seus despachos acusatórios com base nos papéis remetidos pela PIDE.69

Existem relatos que nalguns casos, a polícia política substituía integralmente os


testemunhos reais por outros, forjados, forçando os réus a assinar. Esta assinatura, depois
de largos períodos de incomunicabilidade, longas e repetidas sessões de interrogatórios,
com frequente recurso à tortura, não eram difíceis de obter. Casos de intimidação da
assistência e de testemunhas de defesa ou casos onde as testemunhas de acusação eram
elementos da PIDE, que atestavam que os autos de interrogatório tinham decorrido sem
pressão ou coação, foram frequentes nos julgamentos políticos estado-novistas.

Muitos dos opositores ao regime nem sequer foram submetidos a julgamento. Irene
Pimentel, na sua obra A História da PIDE, regista que entre 1945 e 1974 apenas 15% dos
detidos pela PIDE/DGS (Direção Geral de Segurança) tiveram o privilégio de serem
julgados e, aqueles que o foram, ficaram igualmente sujeitos às arbitrariedades do regime.
Ao Tribunal da Boa Hora o regime foi buscar a cobertura necessária para a ação da sua
polícia política. Este e outros tribunais em todo o país, punindo «atividades políticas,
sindicais, militares, culturais, associativas, reivindicativas, de opinião ou outras consideradas
atentórias da ordem estabelecida e por isso perseguidas e criminalizadas»70, transformaram-
se em instrumentos de repressão política sob o patrocínio do Estado Novo.

Mesmo nos casos em que o preso era presente a tribunal, o encarceramento tinha,
como já foi referido, uma duração indeterminada, ou seja, na prática só saía em liberdade
quando deixasse de ser considerado perigoso para a segurança e estabilidade do Estado. Este
método era usado para «neutralizar os presos políticos, considerados mais perigosos e não
passíveis de “regeneração”» 71 . Assim, «após o cumprimento da pena, sentenciada pelo
tribunal, a polícia verificava se o estado de perigosidade do detido se mantinha e, no caso

69 Irene Pimentel, O Tribunal Plenário, Instrumento de justiça política do Estado Novo, Intervenção proferida no
Colóquio Internacional Administração e Justiças na Res Publica, Universidade do Minho, Braga, 15 e 16
março de 2010
70 Fernando Rosas (coord.), Irene Flunser Pimentel, João Madeira, Luís Farinha, Maria Inácia Rezola,

Tribunais Políticos – Tribunais Militares Especiais e Tribunais Plenários durante a Ditadura e o Estado Novo, Temas e
Debates, Círculo de Leitores, 2009, p. 15
71 João Madeira (coord.), Irene Flunser Pimentel, Luís Farinha, Vítimas de Salazar – Estado Novo e Violência

Política, A esfera dos livros, Lisboa, 2007, p. 156


27
Contextualização histórica

afirmativo, a medida de segurança preventiva era prolongada»72. Álvaro Cunhal foi um dos
exemplos de quem viu a sua prisão prolongada para além da pena a que tinha sido
condenado, pois segundo os argumentos da PIDE, era «um fanático comunista que nem se
mostra arrependido dos erros cometidos, nem revela vontade de se adaptar à vida honesta,
mantendo-se, assim, o seu grau de perigosidade, pois há a certeza de estar disposto a
prosseguir nas atividades subversivas que ocasionaram a sua condenação, logo que seja
solto»73.

Na prática, a Reforma Prisional de 1936, que entrou em vigor após a publicação do


decreto-lei n.º 26 643, de 28 de maio, pela qual, teoricamente, se devia reger a vida dos
presos, sofria constantes atropelos nas cadeias políticas portuguesas.

Quer a prisão preventiva, quer a prisão após a condenação, era feita em prisões
controladas pela polícia política, que atuando ao «serviço da ordem», furtou-se muitas vezes
às leis em vigor. Depois de cumprida a pena a que tinham sido condenados os presos, o
tribunal enviava à polícia o mandato de soltura, deixando em aberto a possibilidade de os
manter encarcerados, uma vez que solicitava a sua liberdade «se por outro qualquer motivo
não devessem continuar presos»74. Esta ambivalência permitiu à polícia política prolongar a
prisão mesmo após o fim do cumprimento das penas. Funcionando como um subterfúgio
jurídico, as medidas de segurança colocavam a libertação dos presos políticos à mercê da
PIDE.

A lei previa tratamento especial para os indivíduos que se apresentassem de difícil


correção, daí que as medidas de segurança, aplicadas a crimes políticos a partir de 1947,
pudessem ser constantemente revistas e prolongadas.

Se o decreto-lei n.º 39 739, de 9 de agosto de 1954 permitia a aplicação das medidas


de segurança até aos 180 dias, o novo decreto saído a 12 de março de 1956, decreto-lei n.º
40 550, permitia que as medidas de segurança, pudessem ir de seis meses a três anos, sendo
prorrogáveis por períodos sucessivos de três anos. Na prática, o preso acabava por ficar
detido muito para além da pena a que tinha sido judicialmente condenado, por decisão da
PIDE e confirmado pelo Tribunal Plenário. Estas eram, como previa a lei, segundo o

72 Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 6ª edição, 2009, p. 415
73 ANTT – AP – PROCESSO 746/49, in, Álvaro Cunhal, Uma biografia política – O Prisioneiro, José Pacheco
Pereira, Temas e Debates, Lisboa, vol. 3, 2.ª edição, 2006, p. 404
74 Fernando Rosas (coord.), Irene Flunser Pimentel, João Madeira, Luís Farinha, Maria Inácia Rezola,

Tribunais Políticos – Tribunais Militares Especiais e Tribunais Plenários durante a Ditadura e o Estado Novo, Temas e
Debates, Círculo de Leitores, 2009, p. 224
28
Contextualização histórica

decreto-lei n.º 37 447 de 13 de junho de 1949, cumpridas em estabelecimentos prisionais


dependentes do Ministério do Interior.

Foi preciso chegar à fase final do Estado Novo para ver extintas estas iníquas
medidas, com a publicação do decreto-lei n.º 450/72, de 14 de novembro.

Somando as medidas de segurança com a prisão preventiva, que, no caso dos


condenados a prisão maior, apenas metade era contabilizada, o regime conseguiu manter
atrás das grades alguns presos durante um longo período de tempo. Mas se as medidas de
segurança eram, em princípio, decididas por um tribunal, as medidas prisionais eram
decididas e aplicadas pela vontade arbitrária de um funcionário que não podia dar a mínima
garantia de isenção.

A prisão tornou-se no elo final da cadeia de mecanismos do aparelho repressivo da


ditadura. Punindo quem mais audaciosamente «ultrapassava a linha do medo e da
subserviência», a repressão do governo estado-novista «assassinou, agrediu, violentou e
manteve encarcerados aqueles que entendia»75.

No entanto, nem a transparência nem o rigor penal foram apanágio da sua atuação.
A detenção era muitas vezes feita sem recurso a provas objetivas baseando-se portanto na
falaciosa suspeita que podia decorrer de uma denúncia, de escutas telefónicas, da violação
da correspondência ou da vigilância permanente. Sem mandato de captura irrompiam na
privacidade alheia e recorrendo ao uso da violência impediam qualquer tipo de resistência.
Como raramente era apanhado em flagrante e na ausência de provas, recorria-se a uma
longa prisão preventiva 76 . Nesta fase procurava-se extorquir a verdade para elaborar o
processo a submeter a julgamento e por isso, recorria-se a longos e penosos
interrogatórios.

Para incentivar o preso a falar ou a denunciar, submetiam-no a sessões de tortura,


qual tertúlia festiva onde nenhum agente de serviço era deixado de fora. A prática da
tortura, elemento incontornável do arbítrio policial, revestiu-se de variadas formas.
Inicialmente, era mais recorrente o recurso a espancamentos violentos, que deixavam
marcas visíveis no corpo dos presos. O contacto desenvolvido com as polícias políticas de
Hitler e de Mussolini contribuíram para o aperfeiçoamento das formas de tortura,

75 Manuel Braga da Cruz citado em Prisões Políticas do Dicionário de História do Estado Novo, dir. Fernando Rosas
e J. M. Brandão de Brito, Círculo de Leitores, vol. II, p. 801
76 Quando se iniciou a operação de “cosmética” no pós II Guerra Mundial e a PVDE se transforma em

PIDE, assistiu-se a uma alteração (limitada) do Código de Processo Penal. O período de prisão preventiva foi
alargado para seis meses, o máximo legal.
29
Contextualização histórica

permitindo eliminar ou reduzir os sinais visíveis das marcas deixadas pelo uso da violência.
No entanto, e como posteriormente vai ser defendido no manual criado pelo Central
Intelligence Agency (CIA), em julho de 1963, «em geral, a brutalidade física só cria
ressentimento, hostilidade e maior desafio»77.

«Métodos mais subtis de coação física e psicológica, como a chamada «estátua» ou a


«tortura do sono» parecem ter entrado nos comportamentos da polícia política sobretudo a
partir dos anos 40»78. Irene Pimentel defende que a PVDE e a Gestapo, a polícia política
alemã, tinham em comum o «caráter preventivo», a competência em matéria de instrução e
ambas estendiam a sua teia com a estrita colaboração de milhares de cúmplices.

A partir de final dos anos 50, a polícia política estabeleceu contacto com a CIA,
enviando elementos da PIDE para os cursos por ela ministrados. Daí que alguns dos
métodos usados pela polícia política portuguesa sejam idênticos aos apresentados no
79
Manual da CIA em 1963 . Neste recomenda-se, para os mais resistentes nos
interrogatórios, a privação do sono e a privação sensorial, com o objetivo de produzir o
«síndrome DDD», «debilidade, dependência e medo» («debility, dependence, and dread»).
Assim, as salas de interrogatório, segundo o mesmo manual, deveriam ser à prova de som e
as paredes e tetos brancos, apenas sarapintados com marcas arranhadas. Estas eram
fundamentais para estimular as alucinações, que chegavam nos primeiros dias após a
privação do sono. Para além disso, recomendava-se que o pouco mobiliário existente fosse
protegido nas pontas, de forma a impedir que os prisioneiros se tentassem matar ao chocar
lá com a cabeça. A possibilidade de se ouvirem sons ruidosos e terrificantes ou por vezes o
choro de algum membro da família, eram também estratégias a ter em conta para fazer
derrubar a resistência de um preso, provocando-lhe a convicção de que estes também
estavam a ser alvo da tortura. Recorria-se igualmente à estratégia de alteração de rotinas,
como por exemplo na alimentação e nos padrões de sono, de forma a desorientar o preso,
provocando a sensação de medo e fragilidade, logo maior vulnerabilidade perante o agente
interrogador.

Neste livro, especifica-se mesmo que «a ameaça de coerção normalmente


enfraquece ou destrói resistências mais do que a própria coerção. A ameaça de infligir dor,

77 The Coercive Counterintelligence Interrogation of Resistant Sources, KUBARK Counterintelligence Interrogation, Cap. IX,
pág. 91, http://www.gwu.edu/~nsarchiv/NSAEBB/NSAEBB122/Kubark%2082-104.pdf (em 21 de maio
de 2012)
78 Maria da Conceição Ribeiro, A polícia política no Estado Novo 1926-1945, Editorial Estampa, 1995, p. 235
79 Manual secreto de 127 páginas produzido em julho de 1963, pela CIA, denominado Kubark

Counterintelligence Interrogation. O manual foi desclassificado em 1996 pelo Pentágono.


30
Contextualização histórica

por exemplo, pode gerar medos mais perturbadores que a imediata sensação de dor» 80.
Procurava-se deste modo criar um clima de terror, onde a ameaça de violência tinha um
efeito mais aterrador que a própria violência.

Em verdade e independentemente da tortura aplicada, o objetivo era destruir a


personalidade do preso e criar um clima de terror e temor em todo o país através daquilo
que as pessoas mais próximas do detido contavam. Esperava-se assim que a estratégia da
violência punitiva para o preso, preventiva para quem o visitava, tivesse efeitos práticos e
que o número daqueles que ousavam desacreditar o regime fosse reduzido ao mínimo
possível. Assim, a tortura tinha uma dupla funcionalidade: por um lado, «fazer falar» o
detido, levando-o a denunciar outros e por outro, «fazer calar», silenciando as vozes
discordantes, aterrorizando e desmobilizando a população. O recurso à tortura policial era
assim justificado pela possibilidade de salvamento de vítimas inocentes. Desta forma o
aparelho torcionário, agente de um poder violento, pretendia «não fazer falar a vítima, mas
fazer calar toda a oposição, instalando a submissão total e a paralisia em todos os que eram
governados, bem como desativando todos os que ele acusava de colocar em perigo a ordem
estabelecida»81. No entanto, este objetivo foi gorado uma vez que a resistência em Portugal
se manteve.

Em fevereiro de 1965, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados enviou uma


carta ao Ministro da Justiça onde mostrou a relutância da classe perante o desrespeito e
constantes violações à Constituição Portuguesa pelas autoridades policiais e
consequentemente por quem as tutelava. Exigiam que fossem assegurados os direitos e
garantias consignadas na lei, impedindo que os presos estivessem sujeitos às interpretações
ilegais e arbitrárias das autoridades, assim como se acabasse com os atos atentórios da
dignidade humana, «contrários aos mais elementares princípios da Moral e do Direito,
limite da soberania do Estado que a Constituição Política, expressamente reconhece».82

Mas o Estado Novo, regime autoritário que controlava tudo e todos, procurava por
todos os meios aguentar-se no poder e, se não o conseguia pela forma preventiva, fazia uso
do seu aparelho repressivo e punitivo para calar as vozes dos dissidentes. Foi este poder
discricionário que caracterizou toda a história das prisões políticas em Portugal, nos

80 The Coercive Counterintelligence Interrogation of Resistant Sources, KUBARK Counterintelligence Interrogation, Cap. IX,
pág. 90, http://www.gwu.edu/~nsarchiv/NSAEBB/NSAEBB122/Kubark%2082-104.pdf (21 de maio de
2012)
81 João Madeira (coord.), Irene Flunser Pimentel, Luís Farinha, Vítimas de Salazar – Estado Novo e Violência

Política, A esfera dos livros, Lisboa, 2007, p. 127


82 Carta do Bastonário Pedro Pitta ao Ministro da Justiça do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, de

19 de fevereiro de 1965, in ANTT/AOS/CO/JU-3


31
Contextualização histórica

decénios em que Oliveira Salazar e o seu sucessor Marcelo Caetano estiveram à frente dos
destinos do país.

Foi neste contexto de autoritarismo e repressão que as cadeias para presos políticos
ganharam vida. De Caxias ao Aljube de Lisboa, de Peniche a Angra do Heroísmo, em
território nacional ou colonial, as prisões políticas foram somando histórias de homens e
mulheres que, em nome das suas convicções, não vergaram a um regime que consideravam
opressor. E apesar do dia a dia nas prisões políticas ser caracterizado por um interminável
cortejo de brutalidade e arbitrariedades, a grande maioria dos presos encarou a «luta dentro
da cadeia com a mesma indomável combatividade com que o faziam cá fora».83

Carlos Costa que passou por todas as prisões políticas do continente descreve que a
vida prisional era dura. Para além dos diferentes períodos em que permaneceu em
isolamento total e dos castigos de que foi vítima, Carlos Costa conta que as condições
habitacionais, higiénicas, a assistência médica e a alimentação eram em geral más ou
péssimas. «A vida quotidiana dos presos era acintosamente devassada pelos guardas»84, quer
pela censura existente nos jornais e livros que lhe chegavam, quer pela atitude «por vezes
provocatória» que os guardas assumiam no período em que os presos recebiam a visita da
família.

Das cadeias políticas existentes em Portugal, para além do Aljube de Lisboa que
será o tema central deste trabalho, destacam-se a Fortaleza de S. João Batista, a Fortaleza
de Peniche e o Forte de Caxias.

Pela Fortaleza de S. João Batista, em Angra do Heroísmo, Açores, construído


durante o domínio Filipino nos finais do século XVI, passaram centenas de oposicionistas
ao regime vigente, uma vez que aquele passou a funcionar como prisão política desde a
instauração da Ditadura em Portugal. Para aqui eram enviados todos aqueles, que tendo
comportamentos subversivos, eram considerados «perigosos» e dificilmente de regeneração
possível, entre os quais se destacam as figuras de Mário Castelhano 85 , um destacado
militante anarcossindicalista dos anos 20 e 30 e de Bento Gonçalves, secretário-geral do

83 Francisco Miguel, Das prisões à liberdade, Coleção Resistência, edições Avante! Texto organizado por
Fernando Correia, Lisboa 1986, p. 100
84 Entrevistas conduzidas por Miguel Medina, Esboços: antifascistas relatam as suas experiências nas prisões do fascismo,

Câmara Municipal de Lisboa, Imprensa Municipal, Lisboa, 1999, vol. 2, pp. 30 e 31


85
A sua atividade sindical, o seu papel como redator principal do jornal A Batalha e a sua participação em
atos insurrecionais levaram-no à prisão. Condenado a 15 de janeiro de 1934, pelo Tribunal Militar Especial a
16 anos de degredo, embarcou para a Forte de S. João Batista em setembro e em outubro de 1936 para a
Colónia Penal do Tarrafal, onde viria a morrer.
32
Contextualização histórica

Partido Comunista Português entre 1929 e 1942.86 Aqui as condições a que se submetiam
os presos eram deploráveis, sobretudo quando eram enviados para a cela subterrânea
cavada na rocha, as chamadas poternas, para onde se descia a comida em baldes e se
erguiam os dejetos. Nestas, não existiam enxergas ou cobertores e por isso os presos aí
encarcerados dormiam nos degraus da escadaria de acesso. As condições de alojamento
«eram precárias, sobretudo no inverno, quando as vagas e os ventos metiam respeito e as
casernas chegavam a tremer com a ventania» 87 . Associada a estas condições já se si
desumanas, a comida era péssima, a censura apertada e os espancamentos eram prática
comum dos Guardas Nacionais Republicanos de serviço. Para além das poternas, existiam
também o calejão e as furnas. Na primeira os presos coabitavam com as ratazanas, na
segunda tinham um metro de largura para expandir os seus horizontes.

A Fortaleza de Peniche, em território continental, começou a ser utilizada com


fins políticos ainda antes da implantação do Estado Novo88, mas foi a partir de 1934 que
ganhou o epíteto de «Depósito de Presos». Aí os presos políticos cumpriam as penas de
prisão maior e viam a sua vida regulada ao som do apito e dos desejos dos guardas
prisionais. A partir da segunda metade dos anos 50, a fortaleza foi alvo de obras de
melhoramento a fim de reforçar a segurança, procurando-se desta forma obstar a fugas,
como a de António Dias Lourenço 89 no decorrer do ano de 1954. Sobre estas
remodelações, aqui e no forte de Caxias, José Dias Coelho90 afirmava que se tratavam de
operações de cosmética, fazendo-as perder exteriormente «o aspeto soturno e sombrio que
impressionava a imaginação do povo, despertando-lhe a compaixão». 91 Embora se
escondessem as grades, que deixavam de se ver por fora, por dentro os presos sentiam-nas
mais. No fundo, o objetivo era isolar cada vez mais o preso do mundo exterior, remetendo-
o para um espaço onde o cimento era a paisagem.

Foi sob as antigas casernas militares, entretanto demolidas, que se ergueram os três
blocos prisionais – Pavilhões A, B e C. O pavilhão A tinha dois pisos de salas coletivas; o
B, o último a ser posto em funcionamento em finais de 1961, tinha três pisos, o rés do

86
A 11 de setembro de 1942, Bento Gonçalves morreu no Campo do Tarrafal, onde se encontrava preso.
87 Aljube – a Voz das Vítimas, catálogo da exposição, Fundação Mário Soares, Instituto de História
Contemporânea e Movimento Não Apaguem a Memória, Lisboa, 2011, p. 78
88 Existem depoimentos de presos políticos que indicam que logo após o golpe militar de 28 de maio de 1926,

o forte de Peniche albergou detidos antifascistas.


89 Fugiu do «segredo» depois de cortar a grossíssima porta com uma faca. Serviu-se de lençóis, usados como

corda, para descer o alto da Fortaleza atirando-se depois para o mar gelado. Quando chegou à praia dos
pescadores foi auxiliado pela população.
90 José Dias Coelho, para além de artista plástico, foi um importante dirigente comunista assassinado pela

polícia política a 19 de dezembro de 1961.


91 José Dias Coelho, A Resistência em Portugal, Coleção Resistência, Edições Avante!, Lisboa, 2006 p. 145

33
Contextualização histórica

chão com celas coletivas e o 1.º e 2.ºandares com celas individuais; e o pavilhão C, no
primeiro e segundo pisos tinha salas coletivas e no terceiro celas individuais. O sofisticado
Parlatório, construído na época, separava ostensivamente visitantes e visitados por uma
placa de vidro espessa encimada por uma rede. Aqui não havia lugar a contactos físicos
entre os presos e os familiares, assim como não havia ligação entre os compartimentos de
cada lado. No último piso do pavilhão C, encerrado após a fuga de 3 de janeiro de 1960 de
dez presos, eram encarcerados, nas celas individuais de alta segurança, os que mais se
distinguiam no combate à ditadura, como o caso de Jaime Serra, Joaquim Gomes e de
Álvaro Cunhal.92 Nas salas comuns, as paredes da frente foram substituídas por barras de
ferro, de forma a permitir uma vigilância permanente do carcereiro. «O guarda observa
tudo o que cada preso faz nas 24 horas do dia. Assim acontece, de facto, mesmo quando
ele vai à retrete e está lá dentro, porque a porta é baixa e o carcereiro pode ver por cima o
preso, ainda que sentado na sanita».93 Para além de pretenderem dar a impressão ao preso
que estava «sempre sob o olhar vigilante do guarda», esta invasão da mais ínfima
privacidade era uma forma de tortura lenta e humilhante. Segundo Fernando Miguel
Bernardes, a cadeia de Peniche era também caracterizada pela «aplicação de castigos
exacerbadamente severos para a gravidade das faltas alegadamente cometidas». 94 Para os
destruir psicológica e fisicamente, os presos eram privados da correspondência, de visitas,
de livros e jornais, de alimentos trazidos pela família. Em suma, tudo aquilo que os podia
ligar ao mundo exterior era-lhes inalcançável por longos períodos de tempo. Os castigos
podiam ir até aos 30 dias de «segredo», numa furna húmida, fria e escura, onde o preso
tinha apenas uma tarimba de cimento e muitas vezes era somente alimentado a pão e água.

Apesar de toda a vigilância a que estavam sujeitos, a grande preocupação dos presos
políticos era estudar rápida e minuciosamente todas as hipóteses de fuga, por mais
limitadas que elas fossem. Em liberdade, poderiam voltar à luta política contra a opressão
do governo. Assim o fizeram os dez presos políticos, acompanhados por um GNR,
protagonistas da fuga memorável, anteriormente referida, a 3 de janeiro de 1960. Os
evadidos eram: Álvaro Cunhal, Carlos Costa, Francisco Martins Rodrigues, Francisco
Miguel, Guilherme da Costa Carvalho, Jaime Serra, Joaquim Gomes, José Carlos, Pedro
Soares, Rogério de Carvalho e José Jorge Alves (guarda da GNR). Esta fuga gerou para os
presos que ficaram no forte um aumento da repressão e por isso estes viram-se obrigados a

92 Foi na prisão do forte de Peniche que Álvaro Cunhal elaborou parte do material que integrou nos Desenhos
de Prisão.
93 Fernando Miguel Bernardes, Uma Fortaleza da Resistência, Coleção Resistência, Edições Avante!, Lisboa,

1991, p. 94
94 Ibidem, p. 96

34
Contextualização histórica

reorganizar-se para encontrar formas de luta eficazes que lhes trouxessem «alguma
melhoria ao sistema de quase terror implantado»95.

O Forte de Caxias foi utilizado como prisão política a partir de 1936 96 .


Inicialmente era aqui que ficavam muitos detidos na fase de instrução do processo. Depois
de condenados os presos do sexo masculino eram remetidos para Peniche onde
normalmente cumpriam a pena de prisão maior a que tinham sido condenados. No fim de
ter cumprido a pena e depois de avaliada a perigosidade do preso, este saía da tutela do
Ministério da Justiça e passava para a guarda do Ministério do Interior, ficando às ordens
da polícia política a cumprir as medidas de segurança que lhe eram impostas. As presas, ao
contrário, ficavam sempre em Caxias: durante a prisão preventiva, a cumprir as penas a que
estavam condenadas, assim como as medidas de segurança. A vida na prisão de Caxias foi
particularmente dura para as mulheres que passavam grande parte do tempo da detenção
em salas de 4,5 X 4,5 m (incluindo a casa de banho) com a mesma companheira, numa
convivência restrita e forçada. As refeições eram feitas neste espaço, apenas se ausentando
dele nos curtos períodos de recreio. O único contacto que tinham com o exterior eram no
período das visitas da família, num parlatório com um vidro de permeio. As visitas em
comum só eram autorizadas pelos aniversários, Natal e Páscoa.

Aqui, como em todas as cadeias políticas, a violência era marcante. O diretor


chegava a castigar os presos por se cumprimentarem, «punindo-os com o corte da
correspondência e de visitas, o isolamento nas salas e o encerramento em celas disciplinares
durante meses seguidos ou, durante dias, em casamatas lodosas, sem ar nem luz». 97 Sem
condições higiénicas, em casamatas inabitáveis onde chovia e faltava o ar e recusando
assistência médica hospitalar aos doentes, a vida prisional tomou aqui contornos
avassaladores.

O reduto norte foi esvaziado no período em que o forte recebeu obras e os presos
foram transferidos para o reduto sul. Aí foram colocados em salas, 18 detidos, embora a
capacidade do espaço fosse de 10 pessoas. Concluídas as obras, as novas celas
apresentavam-se com «uma casa de banho, um lavatório e dois beliches com quatro camas,

95 Fernando Miguel Bernardes, Uma Fortaleza da Resistência, Coleção Resistência, Edições Avante!, Lisboa,
1991, p. 112
96
No entanto, já tido sido utilizado como estabelecimento prisional para os soldados insubordinados do
Regimento de Infantaria 1, em 1916.
97 Movimento Cívico Não Apaguem a Memória, in http://maismemoria.org/mm/2006/07/20/locais-de-

memoria/ (em 2 de maio de 2012)


35
Contextualização histórica

uma mesa, quatro cadeiras e um armário»98. O recreio era realizado numa sala sem teto e
com o chão de mosaico. No alto, numa espécie de corredor, passeava um GNR de
metralhadora em punho. Fortemente vigiados, eram também proibidos de «falar, rir,
assobiar alto, cantar, deitar-se ou sentar-se na cama fora das horas de repouso»99.

Em 1971, o reduto sul passou a ser o centro de interrogatórios da PIDE.

A Colónia Penal do Tarrafal, na Ilha de Santiago, em Cabo Verde, foi criada pelo
decreto-Lei n.º 26 539, de 23 de abril de 1936 e recebeu os primeiros presos políticos
deportados a 29 de outubro desse ano. Conhecido como campo de morte lenta, o Tarrafal
ficou indelevelmente conhecido pelas péssimas condições a que estavam sujeitos os presos
e pelas torturas de que foram vítimas, a mais conhecida entre os presos portugueses foi a
chamada frigideira. Neste campo morreram 32 presos políticos.

Apesar de ter sido encerrado em 1954 por pressão internacional e da própria


oposição portuguesa, o regime acabou por reabri-lo a partir de 1961, agora com o nome de
Campo de Trabalho do Chão Bom, para «encerrar no seu isolamento militantes da luta
anticolonial de Angola, Guiné-Bissau e Cabo Verde».100

Mesmo os que não lograram sair dali com vida ficaram na memória, escrita ou
verbal, daqueles que testemunharam as vivências prisionais, quer pelo facto de terem sido
protagonistas, quer pela mão dos familiares e amigos arrastados por laços de união e
respeito. Uns e outros relatam as suas experiências e trazem ao conhecimento geral
percursos de uma vida acorrentada e amordaçada.

98 Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 6ª edição, 2009, p. 435
99 Joaquim Pires Jorge, in Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Temas e Debates, Círculo de Leitores,
6ª edição, 2009, p.43
100 Simpósio Internacional sobre o Campo de Concentração do Tarrafal, Praia, maio de 2008, in Fundação

Mário Soares, http://www.fmsoares.pt/aeb/dossiers/dossier15/08 (em 2 de julho de 2012)


36
Contextualização histórica

Capítulo III - História patrimonial

O Aljube [assinalado na figura 1] situa-se em Lisboa, na freguesia da Sé na antiga


Rua Arco do Limoeiro, que por edital de 17 de maio de 1924 passou a designar-se Rua
Augusto Rosa em homenagem ao ator, importante figura do teatro português, falecido em
1918, que ali viveu.

Figura 1: Levantamento Topográfico de Lisboa, 1871

Fonte: Lisboa. Câmara Municipal de Lisboa. Repartição de Calçadas e Canalizações. Levantamento


Topográfico de Lisboa: n.º 44, 1871

O edifício do Aljube encontra-se, numa zona de forte implantação romana, tendo


os trabalhos arqueológicos lá realizados encontrado dois núcleos romanos, «o canto de um
compartimento (3x1,50m), junto à porta nascente do piso térreo, e a área anexa ao pátio»101,

101Clementino Amaro, Aljube – a Voz das Vítimas, catálogo da exposição, Fundação Mário Soares, Instituto
de História Contemporânea e Movimento Não Apaguem a Memória, Lisboa, 2011, p.22
37
que se encontravam entulhados desde o período em que se fizeram alterações na cidade
relacionadas com a construção da muralha (segunda metade ou finais do século IV).102

Já no período muçulmano, terá funcionado aqui uma instalação prisional, que teve
continuidade no período cristão, como cadeia episcopal, herdando no entanto a designação
árabe de Aljube.

O termo Aljube vem do árabe aljobbe, que significa «poço sem água, cisterna, cova
profunda». Muitas vezes também surge associado às palavras «cárcere, cadeia, prisão». «Em
Portugal, he cadêa dos delinquentes em matéria Ecclesiastica». 103 O termo Aljube
generaliza-se designando, assim, todas as cadeias episcopais do Reino.

Apesar do edifício não ter aspeto de ter servido de palácio ou paço episcopal, foi
uma dependência do paço. A provar esta tese encontra-se o escudo de armas do arcebispo
D. Miguel de Castro (arcebispo de Lisboa em 1585), colocado sobre a porta principal do
edifício. A sua existência «faz supor, se não a sua fundação, pelo menos obras na época
deste prelado, ou remodelação do edifício que anteriormente tivesse existido nesse sítio». 104
No entanto, no painel de azulejos sobre a cidade de Lisboa, produzido entre 1700 e 1725,
atualmente visível no Museu Nacional do Azulejo, o Aljube apresenta-se como «Palácio
dos Arcebispos».

Júlio de Castilho em Lisboa Antiga - Bairros Orientais, defende que o edifício, com
exceção dos andares superiores, construídos posteriormente, parece ser obra da segunda
metade do século XVIII, uma vez que nem a arquitetura exterior, nem a estrutura interior
revelam grande antiguidade. O Aljube aparece, nesta obra, assim descrito: «tem uma loja
abobadada, um rés do chão, e mais quatro andares. O rés do chão é dividido em poucos
compartimentos, todos abobadados, com abóbadas de aresta que tomam apoio nas paredes
exteriores, em pilares centrais, e noutras paredes interiores; o primeiro andar tem alguns
compartimentos cobertos com abóbada, e outros com teto plano estucado; os andares
superiores não apresentam cousa digna de menção».105

No Aljube de Lisboa, após os trabalhos de arqueologia realizados, foram


encontrados diversos objetos de cariz iconográfico religioso, como «cruzes, crânios

102 Clementino Amaro, Aljube – a Voz das Vítimas, catálogo da exposição, Fundação Mário Soares, Instituto
de História Contemporânea e Movimento Não Apaguem a Memória, Lisboa, 2011, p.22
103 Fr. João de Sousa, Vestígios da língua arábica em Portuga ou Lexicon Etymologico das palavras e nomes portuguezes que

tem origem arabica, Academia Real das Sciencias de Lisboa, Lisboa, 1789, p. 50
104 Júlio de Castilho, Lisboa Antiga. Bairros orientais, vol.VI, Lisboa, S. Industriais da C.M.L., 1936, p. 215
105 Júlio Castilho, Eng. Augusto Vieira da Silva (anotações), Bairros Orientais, S. Industriais da C.M.L., 2.ª

edição, vol. VI, 1936


Contextualização histórica

humanos, crânios com cruzes encimadas, estrela, lua e mão de Fátima». 106 Este facto
corrobora a presença de membros do clero neste local, já que os membros dos outros
grupos sociais «não teriam um conhecimento tão profundo da temática religiosa da Igreja
Cristã».107 As próprias constituições do arcebispado de Lisboa de 1536, publicadas em 1588,
já apontavam a prisão do Aljube para os ministros da igreja que fossem condenados a pena
de encarceramento.

Embora a Igreja reivindicasse para a si a jurisdição sobre os clérigos, no reinado de


D. João III, a justiça eclesiástica e a justiça estatal, eram assumidas pelo rei, que considerava
os fiéis igualmente súbditos e por isso submetidos à mesma jurisdição, condição
imprescindível para a manutenção da ordem. Daí que o alvará de D. João III, de 16 de
janeiro de 1554, determinasse que «os presos no aljube do arcebispado de Lisboa,
condenados para o Brasil, ou para as galés, fossem recebidos na Cadeia da dita cidade, para
serem embarcados quando houvesse leva de outros presos».108

A referência ao Aljube como prisão para delinquentes em matéria eclesiástica surge,


igualmente, na obra de Bluteau, Explication de l’estampe de Lisbonne, de 1712.

Separado pela escada de pedra, situa-se outro edifício conhecido por celeiro da
mitra. Este apresenta sobre a sua porta principal, em alto relevo, as armas do arcebispo D.
Afonso Furtado de Mendonça, que esteve à frente da diocese de Lisboa entre 1627 e 1630.
«Este emblema heráldico indica, se não a construção original, ao menos obras de
reconstrução ou remodelação no 2.º quartel do século XVII, e, em qualquer dos casos, que
o edifício era uma dependência do paço dos arcebispos, que lhe ficava fronteiro». 109 Este
edifício, em 1914, apenas tinha um andar sobre o térreo, o qual servia de teatro do
Aljube.110 O rés do chão tinha funcionado como cavalariça, uma vez que aí se encontravam
vinte e nove manjedouras. 111 Mais tarde, há registo de uma carta em que se solicita a
utilização desta dependência para alojar a Guarda Nacional Republicana que se encontrava

106 Ana Rita Marques Ferreira, Arqueozoologia num contexto prisional, Métodos e Técnicas de trabalho do osso utilizados
na prisão do Aljube – Lisboa na segunda metade do século XVI. in,
http://repositorio.utad.pt/bitstream/10348/69/3/msc_armferreira.pdf ( em 28 de maio de 2012)
107 Idem
108 Júlio de Castilho, Lisboa Antiga. Bairros orientais, vol.VI, Lisboa, S. Industriais da C.M.L., 1936
109 Idem
110 O Teatro Romano é um significativo edifício de Olisipo, colocado a descoberto após as campanhas

arqueológicas efetuadas desde 1964.


111 O ofício nº 116 de 19 de julho de 1938, da Delegação das Obras da Sé de Lisboa e dos Bairros

Económicos do Arco do Cego e da Ajuda, faz referência a um número superior de manjedouras em pedra de
lioz, no total de 32.
39
de guarda à cadeia.112 Este pedido acabou por ser recusado, porque essa arrecadação foi
«entregue por despacho ministerial ao Cabido da Sé pelo facto de ser a antiga cocheira do
paço arcebispal, atual edifício do Aljube, fazendo consequentemente, parte da traça dessa
Igreja».113 O ofício n.º116, datado de 19 de julho de 1938 pela Delegação das Obras da Sé
de Lisboa e dos Bairros Económicos do Arco do Cego e da Ajuda, em resposta aos
pedidos anteriores, por parte da Direção Geral da Fazenda Pública, para fazer um
aproveitamento melhor deste edifício, apela para que este continue ao serviço das obras da
Igreja. O edifício, que armazenava vários objetos de culto da Igreja e materiais de
construção, pertencentes às obras de reintegração da Sé, tinha sido entregue «por despacho
do Ministro da Justiça e dos Cultos, e nos termos dos artigos 10 e 11 do decreto 11 887, de
6 de julho de 1926…à corporação encarregada do Culto católico da Sé Patriarcal de
Lisboa»114.

Apesar do terramoto de 1755 não ter provocado grandes danos no edifício, a


política de realinhamento e de alargamento das vias encetada na reconstrução da cidade,
que levou ao recuo da fachada e à reestruturação de paredes exteriores, acabou por conferir
um aspeto austero ao Aljube. As evidências documentais que José Valentim de Freitas,
responsável pelo levantamento das propriedades afetadas pelo cataclismo que abalou
Lisboa em 1755, mostram isso mesmo, ou seja, a «reconstrução do edifício nos finais do
século XVIII foi ditada, mais pelo novo alinhamento das fachadas do que, efetivamente,
por uma destruição e ruína evidenciadas pela antiga construção». 115 Deste modo, a sua
reedificação teve como objetivo respeitar o novo alinhamento da Rua Augusto Rosa. Estes
dados, foram posteriormente confirmados com a intervenção arqueológica feita em 2005,
por Clementino Amaro e por Patrícia Santos, onde foi encontrado o «alicerce da primitiva
fachada sul do edifício, documentando arqueologicamente a reordenação urbanística».116

Com a implantação do liberalismo em Portugal, na sequência da revolução de 1820,


todos os cidadãos, em igualdade perante a lei, passaram a ter uma justiça comum. Assim, a
partir da publicação do decreto de 29 de julho de 1833, que aboliu o privilégio de foro

112 Carta datada de julho de 1935. Já em 1932 o Diretor da Direção dos Monumentos Nacionais do Sul
apresentava esta dependência junto da cadeia como uma arrecadação de objetos de culto da Sé e que na época
servia também de armazém do material da obra de restauração da Sé Patriarcal de Lisboa. in IHRU/SIPA –
DSARH – 004/125 – 0193/08
113 Documento datado de 23 de novembro de 1935. in IHRU/SIPA – DSARH – 004/125 – 0193/08
114
IHRU/SIPA – DSARH – 004/125 – 0193/08
115 José Valentim de Freitas afirmou que o edifício do Aljube “ficou de pé e habitado”. in Lídia Fernandes,
Relatório Final da Intervenção Arqueológica no Pátio do Aljube (Lisboa, 2009), Museu da Cidade - Divisão de Museus
e Palácios da C.M.L., Lisboa, 2010, p. 53
116 Idem
Contextualização histórica

eclesiástico e pôs termo aos cárceres eclesiásticos, o Aljube passou a funcionar como uma
prisão civil.

Quer o livro The Stranger’s guide in Lisbon117, de 1847, quer o Novo Guia do Viajante em
Lisboa118, de Júlio César Machado, datado de 1880, apontam o Aljube como um edifício que
recebia réus condenados a pagar os seus crimes realizando trabalhos públicos.

Eunice Relvas, na sua obra Esmola e degredo – Mendigos e vadios em Lisboa (1835-1910),
refere que as cadeias civis de Lisboa (Limoeiro, Aljube e a Penitenciária inaugurada em
1885) eram «verdadeiras escolas de vícios e crimes» 119, devido à superlotação, à falta de
higiene e à promiscuidade existente e agravada pela grande diferença de idades entre os
presos. Críticas semelhantes são também pronunciadas no livro Algumas considerações sobre a
Casa de Correção e Cadeias Civis de Lisboa, de 1877, onde a falta de condições higiénicas e a má
acomodação dos presos, misturando condenados com pronunciados, faz com que as
«cadeias longe de serem logares onde mais tarde ou mais cedo venha o arrependimento,
sejam uma escola perfeita de depravação moral».120

Com a portaria de 24 de dezembro de 1845, o edifício passou a ser destinado a


prisão de mulheres, passando os presos do Aljube para a cadeia do Limoeiro e as mulheres
encarceradas no Limoeiro para o Aljube121. Já anteriormente tinha existido uma tentativa
para transformar o Aljube de Lisboa numa prisão exclusivamente feminina, no entanto,
esta experiência saiu gorada. Situação que se repetiu em 1832, segundo o Relatório do
Procurador Régio junto da Relação de Lisboa, na sua exposição de 31 de dezembro de 1887.122

Os livros de registos123 de entrada e saída de presas, que se encontram no Arquivo


sul da DGSP, relevam que, nos finais do século XIX, a grande maioria se encontrava
encarcerada por furto, ofensa à moral, desobediência, falsear declarações às autoridades,
mendicidade, embriaguez, injúrias e ofensas corporais.

117 The Stranger’s guide in Lisbon, An historical and descriptive view of the city of Lisbon and its environs, Lisbon, 1847
118 Júlio César Machado, Novo guia do viajante em Lisboa, Cintra, Collares, Mafra, Batalha, Setúbal, Santarém,
Coimbra e Bussaco, 4.ª edição, Lisboa, 1880
119
Eunice Relvas, Esmola e degredo – Mendigos e vadios em Lisboa (1835-1910), Coleção Cidade de Lisboa, Livros
Horizonte, Lisboa, 2002, p. 101
120
Joaquim António de Oliveira Namorado, Algumas considerações sobre a Casa de Correção e Cadeias Civis de
Lisboa, Imprensa de J.G. de Sousa Neves, Lisboa, 1877, p. 14
121
Collecção Official de Legislação Portuguesa redigida pelo Desembargador António Delgado da Silva, Anno de
1844-45, Imprensa Nacional, Lisboa, 1845. in, http://net.fd.ul.pt/legis/1845.htm (em 25 de setembro de
2012)
122
Maria José Moutinho Santos, A Sombra e a Luz. As prisões do Liberalismo, Biblioteca das Ciências do
Homem, Edições Afrontamento, Porto, 1999, p. 145
123
Livros: 459 (1862); 458 (1869/77); 320 (1877/91) 321 (1889/92); 313 (1893); 460 (1894/96); 456
(1986/97), Arquivo Histórico do Sul, DGSP.
41
Segundo a Illustração Portugueza de 29 de maio de 1905, as mulheres levantavam-se às
6h da manhã e, por turnos de vinte por dia, tomavam um duche frio. Neste período faziam
roupas brancas [figura 2] e de cotim para os presos em troca de uma pequena remuneração.

Figura 2: Presas no trabalho, maio de 1905

Fonte: Illustração Portugueza, n.º 82, 29 de maio de 1905, in http://hemerotecadigital.cm-


lisboa.pt/OBRAS/IlustracaoPort/1905/N82/N82_master/N82.pdf

Cabia à Associação das Senhoras Viúvas, sob a proteção da rainha D. Maria Pia, e
particularmente à D. Victória d’ Oliveira Martins, vice-presidente da associação e viúva do
pensador e estadista Oliveira Martins, a regeneração das presas. Raramente aplicados, os
castigos passavam por colocar as presas em celas privadas ou ameaçar com a duplicação
dos banhos frios.

Implantada a República em Portugal, a lei de 20 de julho de 1912 124, que estabelecia


várias providências para a repressão da mendicidade e da vadiagem, referia-se ao Aljube, no
seu artigo n.º 24, ditando que, enquanto não fosse criado um estabelecimento para o
internato de mulheres, estas seriam para aí levadas.

Astrigildo Chaves, no seu livro A neta do Gama: no Aljube, retrata a presença de uma
personalidade de destaque da sociedade portuguesa de então, não só pelo brasão antigo que
o seu nome carregava, mas também pelo facto de prestar um importante apoio aos presos
acusados de conspirar contra o regime. Mesmo na condição de presa D. Constança Telles

124
Diário do Governo, n.º 177, I Série, 30 de julho de 1912, in http://dre.pt/pdfgratis/1912/07/17700.pdf
(em 28 de setembro de 2012)
Contextualização histórica

da Gama continuava a prestar ajuda aos reclusos. A Illustração Portugueza de 31 de março de


1913 notícia a visita de um destacado vulto da aristocracia britânica, a duquesa de Bedford,
dama d’ honor da rainha Alexandra e influente membro da Sociedade Protetora dos
Encarcerados às cadeias do Limoeiro, do Aljube e à Penitenciária. No seu contacto com
vários presos políticos, o jornal salienta, relativamente ao Aljube, o encontro da duquesa
com D. Constança Telles da Gama.125

O Diário de Notícias, de 26 de julho de 1925, na reportagem em que retrata as


«impressões sobre uma visita ao Aljube» refere-a como uma prisão preventiva. As mulheres
aqui presas, geralmente acusadas de furto, eram a seguir encaminhadas para a cadeia civil
situada no antigo Convento das Mónicas126. Neste contexto, é importante destacar que o
decreto-lei n.º 4 099, de 18 de abril de 1918 já previa que o Convento das Mónicas podia
ser adaptado a prisão de mulheres de forma a receber parte da população do Aljube que
àquela data se encontrava quase com o dobro da sua lotação127.

Figura 3: Aspeto da enxovia, maio de 1905

Fonte: Illustração Portugueza, n.º 82, 29 de maio de 1905, in http://hemerotecadigital.cm-


lisboa.pt/OBRAS/IlustracaoPort/1905/N82/N82_master/N82.pdf

125
Illustração Portugueza, Lisboa, n.º 371, 31 de março de 1913, in, http://hemerotecadigital.cm-
lisboa.pt/OBRAS/IlustracaoPort/1913/N371/N371_master/N371.pdf ( em 14 de julho de 2012)
126 Com a extinção das ordens religiosas em 1834, o Estado transformou o Convento das Mónicas em casa de

correção para rapazes e seguidamente para raparigas, até definitivamente o converter em cadeia civil para
mulheres.
127
I Série, decreto n.º 4 099 /18 de abril de 1918, Diário do Governo, n.º 81, in
http://dre.pt/pdfgratis/1918/04/08100.pdf (em 28 de setembro de 2012)
43
Apesar de pontualmente ter recebido presos sociais e políticos, «vítimas do
confronto que opôs a Primeira República ao movimento operário e sindical»128, o Aljube,
até à data do golpe que iria instaurar uma ditadura militar em Portugal, a 28 de maio de
1926, não era ainda destinado a crimes de natureza política. A edição 73 do Jornal da Região –
Lisboa Oriental (ano II, 31 de julho de 2000) escreve nas suas páginas que «até aos anos 30
do século XX, os presos que ali iam estavam condenados pela justiça por uma dívida à
sociedade», só depois passou a servir de prisão política. A provar esta tese encontra-se a
carta do então Diretor da Cadeia, Antão Nogueira ao Diretor Geral das Obras Públicas, a
24 de março de 1930, a solicitar a urgência de obras na cadeia, por aqui estarem
encarcerados presos políticos.129

Efetivamente o decreto-lei n.º 26 643, de 28 de maio de 1936, da iniciativa do


Professor Doutor Manuel Rodrigues, então Ministro da Justiça, relativo à organização
prisional, corrobora esta ideia, mencionando que, desde 1928, «foi instalada no antigo
edifício do Aljube uma prisão para delinquentes políticos». A partir desta data e até ao seu
encerramento em 1965, o Aljube foi longa e sistematicamente usado pela polícia política do
Estado Novo, com o objetivo de encarcerar todos aqueles que colocavam em perigo a
«ordem pública».

Ao longo da sua existência e sobretudo no período alvo deste estudo, balizado


entre 1928 e 1965, o edifício do Aljube foi sofrendo algumas transformações de
beneficiação, com o objetivo último de melhorar as condições de segurança e higiene. A
conservação do edifício foi uma preocupação constante dos diretores da cadeia,
conscientes que a imagem da prisão era fundamental para manter acesa a ideia de respeito e
responsabilidade que pautava a conduta do governo. A respeito disto leia-se no já citado
documento, de março de 1930, do Diretor da Cadeia «julgo essas obras de urgente
necessidade não só pela conveniência da conservação do prédio como também pelo facto
de ele se destinar atualmente a prisão de políticos, entre os quais se encontram por vezes
pessoas categorizadas que por pessoas também de categoria são visitadas diariamente e a
quem causara, decerto, má impressão o aspeto do edifício…».130

Entre as alterações a que foi sendo sujeito o edifício, encontra-se o seu alteamento,
pois e comparativamente com a reconstrução setecentista, este apresenta mais dois andares.
Até 1934, o edifício tinha apenas quatro andares, no entanto a instalação de enfermarias

128 Aljube – a Voz das Vítimas, catálogo da exposição, Fundação Mário Soares, Instituto de História
Contemporânea e Movimento Não Apaguem a Memória, Lisboa, 2011.
129 IHRU /SIPA – DSARH-004/125-0193/03
130 IHRU /SIPA – DSARH-004/125-0193/03
Contextualização histórica

levou à alteração da fachada, já que esta obra exigia a construção de um novo andar. Até à
data da conclusão das obras, em 1936131, vários documentos foram apresentados à Direção
da Cadeia a apontar outras necessidades de reparação na cadeia, como as fachadas, os
estuques, os caixilhos, as grades de ferro, que se apresentavam danificadas ou em mau
estado de conservação.

A 28 de julho de 1944, o edifício de cinco pavimentos e com uma área coberta


aproximada de 300m2 foi avaliado por 900 mil escudos.132

Ao longo dos anos o edifício foi sendo alvo de alguns trabalhos de beneficiação,
embora estes nunca tenham sido estruturantes. Entre reparações nas fachadas, caiação,
instalação elétrica e de telefones, pouco mais foi feito no Aljube, não correspondendo nem
às necessidades da cadeia, nem às solicitações que eram feitas pela direção da mesma. A
resposta a alguns dos documentos enviados à Direção Geral de Monumentos e Edifícios
Nacionais a solicitar obras de reparo e beneficiação, foi semelhante, sendo a falta de verba
orçamental a maior justificação para o incumprimento dessas exigências.

Salientam-se, no entanto, alguns trabalhos aí realizados e demonstrativos da


importância que se dava à imagem que o poder político projetava para a opinião pública.
Exemplo disso foi a alteração dos gradeamentos da cadeia, que passaram a ser interiores, de
forma a acabar com o aspeto desagradável que o edifício aparentava. Mas apesar de muitas
das prisões, destinadas a presos políticos, terem sido remodeladas, perdendo exteriormente
o aspeto soturno e aparentando um «ar» mais higiénico, o seu propósito mantive-se:
encarcerar todos aqueles que ousavam criticar, por palavras e «quase por pensamentos» o
regime em vigor. Nalguns casos, as grades foram colocadas no interior das janelas,
dificultando o contacto visual do preso com o mundo exterior. E embora estas não se
vissem do lado de fora, continuavam a confinar o espaço físico do preso às paredes da
cadeia.

A Cadeia do Aljube foi encerrada no verão de 1965, na sequência de sucessivos


protestos nacionais e internacionais, dos quais se destacam os da Amnistia Internacional,
que a acusa de não garantir condições para a integridade do preso, quer pela falta de
aquecimento, quer pela péssima alimentação e ainda, pela inexistente assistência médica.
Saliente-se que já em junho do ano anterior a direção da PIDE tinha proposto o seu

131 No IHRU/SIPA encontram-se todos os documentos referentes à construção desta obra, desde o
levantamento das necessidades da construção da enfermaria, aos projetos e respetivos orçamentos. O
documento referente à conclusão da obra data de 25 de abril de 1936. IHRU /SIPA – DSARH-004/125-
0193/07
132 Ver documento em anexo (I) sobre o cadastro da cadeia do Aljube.

45
encerramento ao Ministério do Interior, não só devido à falta de condições de salubridade e
segurança, mas também pelo número limitado de celas para isolamento dos presos,
necessárias no período de investigação. Para além disso, a oposição aproveitava a existência
dos curros para denegrir a imagem do governo e do país.

Perante a necessidade de descongestionar a Cadeia do Limoeiro, anos mais tarde,


teve de se repensar na reabertura do Aljube, daí que o edifício tenha sido alvo de projetos
de remodelação.

Em fevereiro de 1969 foi apresentado um estudo que implicava a demolição


completa das paredes interiores, prevendo apenas o aproveitamento das paredes mestras
exteriores e a construção da totalidade dos pavimentos e paredes divisórias. No entanto, e
embora se reconhecesse a necessidade de descongestionar o Limoeiro, a obra apresentada
em forma de anteprojeto, com capacidade para receber entre oitenta e cem presos, era, nas
palavras do Engenheiro Ruy Mário Oliveira Pedreira D’Almeida, Presidente da Comissão
de Construções Prisionais, muito dispendiosa133, uma vez que a estimativa sumária era de 1
500 000$00. Para além disso, tinha o inconveniente de estar muito próximo do aglomerado
populacional, fronteiriço com a Sé de Lisboa.

Após a visita de 12 de março de 1969 dos Ministros da Justiça e das Obras Públicas
às cadeias do Limoeiro, do Aljube e de Monsanto, decidiu-se proceder apenas a obras
sumárias de limpeza e adaptação do edifício, que deveriam decorrer com bastante
celeridade de forma a estarem concluídas até ao término do ano. Assim, atendendo a que se
destinava a uma instalação provisória, até à conclusão da obra de construção da nova
Cadeia Comarcã de Lisboa, nos terrenos pertencentes ao Ministério da Justiça e afetos à
cadeia de Monsanto, o objetivo foi aproveitar ao máximo a construção existente e adaptá-
lo às condições necessárias para receber alguns presos transferidos da Cadeia do Limoeiro.

Nestas obras, os «curros» foram destruídos, as celas foram renovadas e construiu-se


um novo parlatório e um refeitório.

133 IHRU/SIPA – DSARH - 004/125-0195/01 - Ofício n.º 695/CA


Contextualização histórica

A figura 4 representa a planta do 4.º pavimento correspondente à memória


descritiva, tendo já em conta que as obras a encetar eram de menor monta que as
apresentadas no anteprojeto.

Figura 4: Remodelação do 4.º pavimento da Cadeia do Aljube

Fonte: IHRU/SIPA – DES. 00111670 (armário 10, 381)

No decorrer do ano de 1970 fizeram-se ainda alguns trabalhos complementares de


modo a conferir uma funcionalidade e segurança adequada à cadeia. Neste contexto, para
além de delimitar melhor a zona da casa do guarda da zona prisional, aumentou-se a
dimensão das grades interiores das janelas, não permitindo, por um lado o acesso dos
reclusos e por outro, evitando que os reclusos fossem vistos e contactassem com o
exterior, visto que o edifício se situava junto da via pública.

Após a revolução de abril de 1974, o Aljube serviu diversos serviços do Ministério


da Justiça, nomeadamente a delegação regional de Lisboa do Instituto de Reinserção Social.

A 22 de abril de 1991 deu entrada na Direção Geral de Monumentos e Edifícios


Nacionais o ofício 03/91134 da Presidência do Conselho de Ministros em que se solicita a
esta entidade o envio de fotocópia das plantas da antiga cadeia do Aljube, para que aí seja
instalado futuramente o Museu da República e da Resistência.

Transferidos os serviços do Instituto de Reinserção Social e transferida a


responsabilidade do imóvel para a Câmara Municipal de Lisboa, em abril de 2009 foi
celebrado um protocolo entre a Câmara, o Ministério das Finanças e da Administração
Pública e o Ministério da Justiça para reconverter o edifício num museu municipal.135 No
decorrer do ano 2011 o edifício albergou a exposição Aljube - A Voz das Vítimas,
promovida pela Fundação Mário Soares, pelo Instituto de História Contemporânea da

134 IHRU/SIPA – DSARH – 004/125 – 0434/02


135 PT/AMLSB/CMLSB/ADMG – P/02/001141
47
FCSH da Universidade Nova de Lisboa e pelo NAM - Movimento Cívico Não Apaguem a
Memória.

Atualmente o edifício está a ser alvo de obras para a instalação do Museu da


República, Resistência e Liberdade, numa pareceria entre a Câmara Municipal de Lisboa e
as instituições responsáveis pela exposição acima referida.
Aljube, a história de uma prisão

Capítulo IV – Aljube, a história de uma prisão

«No bairro de Alfama os elétricos amarelos

cantavam nas calçadas íngremes.

Havia lá duas cadeias.

Uma era para ladrões.

Acenavam através das grades.

Gritavam que lhes tirassem o retrato.

“Mas aqui!” disse o condutor e

riu à socapa como se cortado ao meio,

“aqui estão políticos”.

Vi a fachada, a fachada, a fachada e

lá no cimo um homem à janela,

tinha um óculo e olhava para o mar.

Roupa branca no azul.

Os muros quentes.

As moscas liam cartas microscópicas.

Seis anos mais tarde perguntei a uma senhora de Lisboa:

“ Será verdade ou só um sonho meu?”»

Tomas Tranströmer136,

in 21 Poetas Suecos (Veja, 1980)

Tradução: Vasco Graça Moura

136Prémio Nobel da Literatura 2011, escreveu o poema “Alfama”, referindo-se ao Aljube como a prisão
«onde estão políticos». in http://avozdasvitimas.net/ (em 2 de junho de 2012)

49
Aljube, a história de uma prisão

I – Os Interrogatórios

A cadeia do Aljube marca a primeira etapa daquilo que ficou conhecido durante o
período do Estado Novo como um verdadeiro roteiro de terror. Era aqui que a PIDE tinha a
maior parte dos detidos durante a instrução do processo, pois a proximidade com a sede da
polícia política permitia que estes fossem facilmente chamados aos constantes
interrogatórios que se faziam no famigerado terceiro andar na Rua António Maria Cardoso.

Na fase instrutória dos processos, que podia durar até seis meses e apesar da
fachada de legalidade com que se pretendia cobrir este arbítrio, foram constantes os
atropelos ao Direito, sendo a sede da polícia política de Lisboa um palco de torturas por
excelência. No terceiro andar da Rua António Maria Cardoso a lei não entrava, tal como
Fernando Gouveia137 gostava de afirmar. E, fazendo justiça às suas palavras, este terceiro
andar era efetivamente um local de má memória para todos aqueles que o conheceram.

Logo que era detido, o preso era sujeito a um processo de despersonalização, que
começava com a recolha das impressões digitais, de fotografias: de perfil, de frente e a três
quartos e era-lhe cortado o cabelo, a barba ou bigode. «O preso era despido, revistado,
sendo-lhe retirados todos os objetos» 138, em especial óculos, relógio, cinto e atacadores.
Diga-se a este respeito que só quando um preso entrava pela primeira vez na cadeia é que
era rigorosa e minuciosamente revistado. Por exemplo, quando o preso saia para ser
interrogado pela polícia política ou para a visita da família, em caso de ter este privilégio, a
revista limitava-se a uma busca aos bolsos e a uma passagem rápida das mãos ao longo do
corpo. No entanto, a revista era mais cuidada sempre que recebia do exterior roupas ou
comida, livros, jornais ou outros objetos de utilidade ou quando enviava roupa suja à
família para lavar, tendo sido intercetadas mensagens manuscritas em ocasiões como estas.
Veja-se o exemplo da mensagem que Jaime Serra escreveu nas mangas da camisa a 26 de
julho de 1949 e que foi intercetada à saída da prisão [figuras 5 e 6]. Mensagem onde
denuncia a tortura a que estava sujeito durante o período em que esteve sujeito ao regime
de incomunicabilidade no Aljube.

137
Entrou na polícia em 1929 e apesar de ter estado onze anos afastado dela, o seu regresso, em 1944,
elevaram-no a outros patamares da polícia política. Em 1958 passou a dirigir o Gabinete Técnico da Polícia
Política. Grande conhecedor dos métodos de atuação do PCP, por ele passaram inúmeros militantes e
funcionários do partido comunista, vítimas de um «dos principais torturadores da PIDE».
138 Irene Flunser Pimentel, «A Tortura», in João Madeira (coord.), Irene Flunser Pimentel, Luís Farinha,

Vítimas de Salazar – Estado Novo e Violência Política, A esfera dos livros, Lisboa, 2007, p. 107
50
Aljube, a história de uma prisão

Figura 5: Pormenor da manga da camisa de Jaime Serra, intercetada pela polícia.

Fonte: PT-TT-PIDE-E010-96-19050-c0046

Figura 6: Camisa de Jaime Serra

Fonte: PT-TT-PIDE-E010-96-19050-c0047

51
Aljube, a história de uma prisão

Esta não foi contudo a única mensagem que lhe foi intercetada. Do seu processo
consta também uma outra mensagem que este tinha escrito em papel de mortalhas e que
colocara num bocado de miolo de pão amassado e atirara para o banco onde se encontrava
a família, no horário das visitas.

Na fase dos interrogatórios o preso não tinha direito a visitas, nem acesso a livros,
papel, caneta ou lápis. Vivia-se numa tensão crescente à espera que uma ordem mudasse o
seu destino, nem que este implicasse apenas a viagem até à Rua António Maria Cardoso. A
expressão «Prepare-se para ir à polícia» soava como um raio na incerteza que era o futuro
entregue às mãos daqueles que afincadamente serravam bandeiras em nome de um regime
que os dominava, mas que respeitosamente defendiam. O silêncio dos curros, nome dado às
pequenas celas onde permaneciam os presos incomunicáveis, era assim interrompido com
um sinal sonoro do telefone e o consequente tilintar provocado pelo movimento das
chaves do guarda prisional.

O Aljube destinava-se a ser uma prisão meramente transitória, onde os presos


permaneciam na fase instrutória. No entanto, o transitório podia significar alguns meses de
clausura e às vezes, de incomunicabilidade. Sempre que eram chamados para interrogatório,
a polícia procurava fazê-los coincidir ou com a hora antes do almoço ou do jantar ou ainda
quando estavam na visita, facto que resultava ficarem sem almoçar, jantar ou sem visitas.

O trajeto do Aljube para a sede da polícia política era inicialmente, feito a pé, pelo
preso e pelos agentes que o escoltavam. Existem também relatos de que alguns foram
transportados pelos carros elétricos e por táxis. Mais tarde, o transporte passou a ser feito
em viaturas da PSP de grande dimensão. João Paulo Freire, nas suas memórias refere que já
no início dos anos 40, o meio de transporte, entre o Aljube e a Rua António Cardoso, era
feito numa camioneta fechada. Acrescenta mesmo que existiam três: uma encarnada,
grande, cognominada de Viúva Alegre; outra encarnada, pequena, conhecida pela Mimi e
uma preta, pequena chamada Dona Carlota. O transporte «nestes caixotes, quase sem ar nem
luz, era simplesmente horroroso».139 A partir dos anos 50 e 60 a PIDE começou a utilizar
pequenas carrinhas prisionais da própria polícia. A dificuldade de transporte dos presos foi
um dos argumentos usados para o encerramento da cadeia.

A tortura foi um método de investigação corrente, independentemente de ser


constantemente denunciada pelas oposições, era admitida pela própria polícia política e
tolerada pelo regime. O recurso a esta prática era uma constante na fase do interrogatório,

139 Memórias dum jornalista [manuscrito]: 99 dias no Aljube, João Paulo Freire (Mário)
52
Aljube, a história de uma prisão

já que se pretendia que o preso falasse e/ou denunciasse outros. Para isso, recorria-se a
vários métodos, desde os psicológicos, usando a intimidação e ameaças à liberdade e
integridade da família do preso, aos físicos, através de espancamentos, privação do sono e
outros. Existiram interrogatórios em que chegaram a estar presentes «23 agentes para
intimidar fisicamente as visitas».140

Para garantir que o preso tinha condições de saúde que permitissem continuar a
tortura, o médico da PIDE era chamado no início e permanecia acessível durante o
interrogatório, caso fosse necessário. «A PIDE dispunha de um corpo médico formado por
especialistas de cardiologia, médicos de clínica geral e ainda por psiquiatras, a quem
competia distinguir quando a vítima delirava e quando falava verdade».141

Os agentes da polícia tinham consciência de que os presos com uma atitude


apreensiva, no que diz respeito, por exemplo, à perda do sono, normalmente sucumbiam
mais rapidamente na fase dos interrogatórios. Pelo contrário, os presos que, de alguma
forma, iam preparados, tornavam-se mais resistentes e por isso era necessário usar de
elevada violência para fazer quebrar a sua vontade. Muitas das vezes, a polícia mais do que
o corpo, procurava atingir a «alma» 142 do preso, pois só quebrando a sua vontade, se
conseguiria acabar com a resistência. Os agentes da polícia, para motivar o preso a falar ou
a denunciar, e ao mesmo tempo para o desmoralizar, recorriam ao argumento que «os
outros [amigos, camaradas] já falaram antes de si» ou faziam atravessar na sala de
interrogatório, «homens marcados com torturas físicas». Segundo Alcino Sousa Ferreira,
para a polícia «desmoralizar o preso era meio caminho andado para o fazer falar».

Na fase instrutória, o art.º 8.º da Constituição Portuguesa, que enumerava os


direitos e garantias individuais dos cidadãos portugueses, entre eles o direito à vida e
integridade pessoal143, era de longe marginalizado pelas autoridades policiais, que usavam os
«chamados processos enérgicos ou fraudulentos»144 como meio de obter declarações dos
presos.

140 Repórter Sombra, pseudónimo, Dossier P.I.D.E., os horrores e crimes de uma «polícia», Lisboa, Agência
Portuguesa de Revistas, 1974, p. 18
141 Ibidem, p. 19
142 Expressão usada por Diana Andriga no texto Falar na Polícia, publicado em Caminhos da Memória,

http://caminhosdamemoria.wordpress.com/antologia (em 18 de abril de 2012).


143 Ponto 1.º do art.º 8.º do título II, Constituição Política da República Portuguesa. in Oliveira Salazar, O

Estado Novo, União Nacional, Tudo pela Nação. Nada contra a Nação, Imprensa Nacional de Lisboa, 1933
144 Carta de 19 de fevereiro de 1965 do Conselho Geral da Ordem dos Advogados para o Ministro da Justiça.

ANTT – AOS/CO/JU - 3
53
Aljube, a história de uma prisão

Mas nem todos os presos políticos encaravam esta fase da mesma forma. Acácio
Aquino, na sua obra «O segredo das prisões atlânticas» escreve que para os anarquistas,
assumidos revolucionários, não existiam «habilidades políticas» e, em caso de prisão
deveriam ser «francos e assumir as responsabilidades dos seus atos com consciência e
coragem» 145 . No entanto, frequentemente recorriam a estratégias para iludir a polícia
omitindo dados e dando nomes intencionalmente falsos ou optando por não prestar
declarações que pudessem levar a novas prisões. Por exemplo, Jaime Rebelo, um
importante militante anarquista de Setúbal, ligado à Associação de Classe dos
Trabalhadores do Mar, quando preso em 1931, cortou a língua com uma lâmina para não
prestar declarações.

Já os militantes do PCP quando eram presos tinham de adotar um comportamento


que não colocasse em risco a rede conspirativa e de resistência, revelando firmeza e
fidelidade aos ideais, mesmo nas mais difíceis situações. Assim, era do conhecimento dos
militantes comunistas o folheto Se fores preso camarada…, editado pela primeira vez em abril
de 1947, que servia de guia para o comportamento a adotar caso fossem apanhados pela
polícia política. O artigo de abril de 1952, O Militante, também dava a conhecer a atitude
que se deveria tomar ante a polícia146. O folheto Se fores preso camarada…fornecia a todos os
militantes conselhos para «resistir aos interrogatórios, às torturas, à incomunicabilidade, à
calúnia e aos demais expedientes da polícia» 147 . Nele, eram delineadas estratégias para
manter a moral elevada, de forma a criar meios de defesa pessoal e do Partido,
contornando eficazmente todos os truques usados pela polícia, não só os físicos como
também a ideia, que os inspetores nos interrogatórios transmitiam, de que toda a
organização partidária era uma causa condenada ao fracasso e como tal não valeria a pena
lutar por ela. Conscientes que o primeiro interrogatório era fundamental, pois era aqui que,
aproveitando-se do fator surpresa, a polícia tentava tirar o máximo partido do preso, não
lhe dando tempo para pensar ou arquitetar uma defesa, o folheto demarcava os
comportamentos a ter pelos militantes encarcerados.

Depois de se desfazer de todos os elementos que servissem de prova incriminatória,


o preso não devia deixar-se intimidar nem provocar pelos comentários proferidos pelos

145
Acácio Tomás de Aquino, O segredo das prisões atlânticas, A regra do jogo edições, 1978, p. 132
146
Em caso de prisão e se não fosse possível negar a qualidade de membro do Partido, o preso deveria
apenas afirmar: «Recuso-me a prestar declarações.» No entanto, generalizar esta expressão a todos os
militantes podia ser perigosa, pois se o preso tivesse condições de negar a sua qualidade de comunista,
recusar-se a prestar declarações em vez de negar a acusação podia levantar suspeitas pela polícia. in, Álvaro
Cunhal, Obras escolhidas II, 1947-1964, Edições Avante!, Lisboa, 2008, p. 235
147 Maria da Conceição Ribeiro, A polícia política no Estado Novo 1926-1945, Editorial Estampa, 1995, p. 266

54
Aljube, a história de uma prisão

agentes da polícia, sendo a melhor estratégia, conforme as circunstâncias, ou a adoção de


uma atitude de ingenuidade perante o acontecimento, ou, ainda mais fiável, o silêncio
absoluto. Mas também podia surgir o caso em que era preferível negar as acusações de que
era alvo, por exemplo se a prisão tivesse surgido com base numa suspeita e a polícia não
tivesse qualquer elemento sobre a atividade do preso. No entanto, e em qualquer dos casos,
não se devia dar explicações de nada, já que a polícia podia tirar partido de qualquer
palavra, correndo o risco de se fornecer informação preciosa. Por outro lado, arquitetar
rapidamente uma mentira infalível era demasiado perigoso, inventar «grandes s» podia
originar contradições, colocando assim em risco não só a defesa do preso como também o
próprio Partido.

Consciente que acima de tudo estava o Partido, o militante comunista deveria ser
forte para aguentar as torturas, «mentir habilidosamente», nunca confirmar factos que a
polícia apresentasse e evitar «grandes conversas», até porque a polícia, para arranjar provas
incriminatórias, procurava, muitas vezes, envolver o preso numa gigantesca teia de
insegurança e contradição.

Quando se apresentavam com «amabilidade», tratando o preso com respeito ou


dando ordens aos subalternos para o tratarem bem, poderiam levar o preso a pensar que
«afinal a polícia não é tão má como dizem», ou pelo menos «há boas pessoas na polícia»148, daí que,
nestes casos, o militante comunista devesse tomar precauções redobradas, pois, como os
apresentava o folheto Se fores preso camarada…, estes eram os mais perigosos. Por exemplo,
um preso submetido a um isolamento prolongado, levava-o a ver no interrogador que
quebrava esse isolamento, uma «figura paternal».149

No folheto lia-se que «a primeira vez que a polícia tortura é decisiva»150, pois se o
preso fraquejasse, a polícia descobria o seu ponto fraco e redobrava «as brutalidades para
obter novas declarações».151

Se fores preso camarada… para além de expor todo o rol de torturas a que qualquer
comunista podia estar sujeito em caso de prisão, desde os espancamentos a cassetete ou a

148
Se fores preso camarada…, 4.ª edição, in Álvaro Cunhal, Obras escolhidas II, 1947-1964, Edições Avante!,
Lisboa, 2008, p. 597
149 João Madeira (coord.), Irene Flunser Pimentel, Luís Farinha, Vítimas de Salazar – Estado Novo e Violência

Política, A esfera dos livros, Lisboa, 2007, p. 110


150
Se fores preso camarada…, 4.ª edição, in Álvaro Cunhal, Obras escolhidas II, 1947-1964, Edições Avante!,
Lisboa, 2008, p. 594
151
Idem
55
Aljube, a história de uma prisão

cavalo-marinho, à privação do sono, à estátua, ao regime de incomunicabilidade, elucidava


os comunistas da forma como, firmemente, se deveriam comportar perante cada situação.

A autodisciplina, o rigor da clandestinidade, a preparação especial para o mundo


carcerário, o exercício físico, de grande importância para o militante, contribuíram para
criar nos presos comunistas uma grande capacidade de resistência. Saliente-se, no entanto,
que a resistência também se fez com militantes de outros setores políticos, que enfrentaram
o regime em nome das convicções que abraçavam.

No entanto, e apesar de todas as estratégias que se conheciam, alguns presos


acabaram por ceder aos hábeis agentes da polícia, sobretudo após longas horas de tortura.
Outros, contudo, conseguiram manter-se firmes sofrendo no corpo e na alma, a dor sem
nunca denunciarem ninguém.

Em 1933, o Aljube tinha encarcerado 75 pessoas, que, segundo a carta aberta ao


Ministro do Interior, datada do dia 30 de março desse ano, ali se encontravam por serem
considerados adversários do regime, já que apenas a um número muito reduzido tinham
sido apreendidas bombas. Nessa carta, os presos falam das violências a que foram sujeitos:
«barbaramente espancados uns, conservados em longa incomunicabilidade por longos dias
outros e insultados quasi todos»152.

A polícia usava uma série de estratagemas para atingir os seus objetivos. Para além
da posição de estátua simples, retratada pela mão de Jaime Serra na figura 7, existia a
estátua onde o preso era obrigado a permanecer imóvel com os braços estendidos à altura
dos ombros voltado para a parede sem a tocar, onde muitas das vezes estavam pregadas, à
altura dos olhos, as perguntas formuladas pela polícia política.

152
PT/TT/PIDE/001/00546 – PIDE, Propaganda apreendida n.º 546
56
Aljube, a história de uma prisão

Figura 7: Desenho da prisão de Jaime Serra


Fonte: PT-TT-PIDE-E010-96-19050-c0058

O peso do corpo, o inchaço dos pés e a dor passavam a fazer parte do preso,
tornando a sua existência quase insuportável. Jaime Serra, vítima da tortura da estátua por
oito dias, denuncia-a em carta ao povo de Lisboa, de 26 de julho de 1949, desta forma:
«obrigado a permanecer de pé dias e noites seguidas com insultos e agressões à mistura, até
cair de sono, ser de novo obrigado a pôr-se de pé para voltar a cair. Isto repetidas tantas
vezes até que os pés e as pernas lhe inchem de tal modo que nem mesmo forçado possa
manter-se de pé».153

Este meio de tortura, contudo, esgotava com maior rapidez o preso, pois muitos
deles chegaram a desmaiar de exaustão. Progressivamente foi sendo abandonado, até
porque o preso podia recusar-se ao sentar-se no chão, como aconteceu com Mateus
Gregório ou Carlos Aboim Inglês. 154 Apesar disso, no início dos anos 60, este método
continuava a ser usado, associado à privação do sono e ao espancamento. À PIDE
interessava que o preso se sentisse esgotado e falasse o mais rápido possível e para isso
colocava ao seu dispor todos os meios necessários para o fazer.

De todas as torturas, a da privação do sono era o método mais temido pelos presos
políticos. Para impedir o preso de dormir, durante largos períodos de tempo, recorreram a

153
PT-TT-PIDE-E010-96-19050-NT5020
José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal Uma biografia política – O Prisioneiro (1949-1960), vol. 3, Temas e
154

Debates, Lisboa, p. 362


57
Aljube, a história de uma prisão

sinais sonoros, como riscar um vidro martelado ou bater na janela com moedas155, fazendo
funcionar «altifalantes com vozes e gritos de horror, choros e confissões»156 ou recorrendo
a jogos de luz violentos.

A privação do sono durante longos períodos de tempo era de uma violência atroz,
provocando a partir de determinada altura alucinações. Henrique Espírito Santo, preso em
novembro de 1963, recorda que esteve 72 horas sem dormir. Lembra que os agentes da
PIDE ao passarem com a «unha pelos dentes de um pente provocaram [lhe] uma espécie
de choques elétricos».157

Sérgio Ribeiro, depois de vários dias sem dormir, começou a dar sinais de sofrer
alucinações. Lembra que a partir de determinada altura os nós da madeira da sala onde se
encontrava pareciam ganhar vida, assemelhando-se a bichos e que as paredes pareciam
abater-se sobre ele, criando uma sensação de esmagamento. Conta também que, quando se
encontrava na condição de preso incomunicável na cela 2 do Aljube, cansado física e
psicologicamente pela situação que vivia, teve uma alucinação-pesadelo de fogo. Ao ouvir
barulho de água, provocado pelas agulhetas que procediam à rotineira lavagem das ruas,
pensou que se tratava das mangueiras dos bombeiros que tentavam apagar um incêndio e
que ele tinha ficado «ali fechado, sozinho…os guardas deviam ter fugido a tempo». 158
Recorda que foi difícil convencê-lo. «Pois se eu vira as labaredas, se eu sufocava com o
fumo, se eu cheirava o queimado, se eu sentia o calor…».159

À tortura física provocada pelo espancamento ou mesmo pelo excessivo cansaço,


em resultado de longos períodos de estátua ou de privação do sono, acrescia a violência
psicológica. Sérgio Ribeiro refere que durante a fase dos interrogatórios, o agente que o
acompanhava, a quem cabia a responsabilidade de não o deixar dormir, esteve duas horas a
partir fósforos em quatro, num silêncio ensurdecedor, numa atitude claramente
provocatória, quando antes de os voltar a colocar na caixa simulava enterrá-los nas próprias
unhas.

155 Octávio Pato preso em 1961 e impedido de dormir por onze dias afirmava que o barulho que os agentes
da PIDE faziam a bater com as moedas nas janelas pareciam tiros. in, João Madeira (coord.), Irene Flunser
Pimentel, Luís Farinha, Vítimas de Salazar – Estado Novo e Violência Política, A esfera dos livros, Lisboa, 2007, p.
108.
156 Repórter Sombra, pseudónimo, Dossier P.I.D.E., os horrores e crimes de uma «polícia», Lisboa, Agência

Portuguesa de Revistas, 1974, p. 18


157 Entrevistas conduzidas por Miguel Medina, Esboços: antifascistas relatam as suas experiências nas prisões do

fascismo, Câmara Municipal de Lisboa, Imprensa Municipal, Lisboa, 1999, vol. 1, p. 93


158
Sérgio Ribeiro, 50 anos de economia e militância, Coleção Resistência, Edições Avante!, 2.ª edição, Lisboa,
2008, p. 138
159 Ibidem, p. 139

58
Aljube, a história de uma prisão

Jogar com a chantagem familiar foi também prática corrente dos agentes da polícia
política, a quem tinha sido dada a incumbência de fazer falar o preso. A humilhação160 foi
uma das estratégias usadas para «extorquir a verdade» de quem interrogavam. Mas fosse
qual fosse o método, o objetivo era desorientar o interrogado e aniquilar a sua vontade de
resistir.

O espancamento ao murro [figura 8] ou ao pontapé, com matracas ou com tábuas,


era outra das modalidades que a tortura assumiu no Estado Novo. Recorde-se aqui o caso
de Manuel Vieira Tomé que, depois de violentamente espancando, em 1934, morreu, muito
embora a polícia o tenha transportado para a cadeia do Aljube, justificando a sua morte
como um caso de suicídio.

Figura 8: Desenho da prisão de Jaime Serra


Fonte: PT-TT-PIDE-E010-96-19050-c0056

160Para além dos nomes insultuosos que proferiam, alguns presos relatam que foram vítimas de tortura com
conotações sexuais. Humilhação esta que passava por despir os presos, sovando-os e insultando-os na sua
dignidade humana.
59
Aljube, a história de uma prisão

II - Curros

Na fase em que decorriam os interrogatórios, os detidos eram colocados em celas


individuais, em incomunicabilidade uns com os outros. Estas celas, na famosa sala 2 161,
como lhe chamavam os carcereiros [figura 9], ficaram conhecidas como curros ou gavetas,
dada a sua dimensão e pelo facto de estar mergulhadas, quase todo o dia, numa escuridão
quase total.

Figura 9: Desenho da prisão de Jaime Serra – Sala 2


Fonte: PT-TT-PIDE-E010-96-19050 c0064

A atribuição do nome curro vem da semelhança entre as dimensões das celas dos
presos e a dos curros onde se guardavam os touros na praça, antes de entrarem na arena.
Tal como os presos ficavam limitados nos movimentos, nestes compartimentos de
pequena dimensão, o animal fica impossibilitado de se mexer. Artur Pinto refere que a
designação de gaveta vem da semelhança com o uso quotidiano que se faz das gavetas, ou
seja, são locais onde se colocam coisas e aí ficam esquecidas, tal como os presos que aí
ficavam até que a PIDE decidisse o seu destino.

161Antes dos curros terem sido construídos, a sala 2 era uma sala coletiva com capacidade para
aproximadamente vinte presos.
60
Aljube, a história de uma prisão

O decreto lei n.º 26 643 de 28 de maio de 1936, à semelhança do que já acontecia


com a lei de 1 de julho de 1867, defendia que os presos que ainda não tivessem sido
julgados deveriam estar em isolamento, pelo menos por um período de trinta dias, apesar
de deixar em aberto a possibilidade de prolongar esse espaço de tempo. Este isolamento
pretendia assim garantir a genuinidade dos interrogatórios e impedir que os presos
trocassem ideias, sobre os acontecimentos, entre si.

O preâmbulo do citado decreto tece duras críticas às edificações prisionais


existentes, a quem imputa a responsabilidade de gerar resultados antagónicos aos objetivos
delineados. Assim, e para responder a esta necessidade de garantir o isolamento dos presos
na fase instrutória, procedeu-se à alteração interior da cadeia do Aljube, criando as celas
para os presos em regime de incomunicabilidade.

Não foi possível, durante a investigação, chegar a uma data precisa sobre a
edificação dos curros, no entanto, pelo testemunho de Francisco Miguel sabe-se que no
início de janeiro de 1938, data correspondente à sua prisão, as celas de isolamento ainda
não existiam no Aljube. Segundo este, depois de passar pela Rua António Maria Cardoso,
foi levado para a Esquadra de Arroios, pois até à data os períodos de incomunicabilidade
eram geralmente passados nas esquadras da polícia. Francisco Miguel esteve «cerca de sete
meses incomunicável nas esquadras e, por último, na sala 2A do Aljube».162

A invisibilidade lateral e a permanente vigilância a que estavam sujeitos os presos


incomunicáveis, refletiam uma medida de economia e eficiência do aparelho de vigilância,
através do seu caráter preventivo. «Estar incessantemente debaixo dos olhos dum inspetor
é perder de facto a capacidade de fazer o mal e mesmo sequer o pensamento de o
desejar».163 A incomunicabilidade proporcionada pela separação das celas transformava o
preso num «objeto de informação e nunca sujeito de comunicação».164

As celas, alinhadas ao longo do corredor, constantemente vigiado pelos guardas,


eram de tal forma pequenas que, quando se baixava os catres basculantes (bailiques), o
preso ficava impedido de «passear». Nas gavetas ou curros do Aljube os presos eram lançados
numa «enxovia estreitíssima, de um metro de largura por dois de comprimento», 165

162
Francisco Miguel, Das prisões à liberdade, Coleção Resistência, Edições Avante! Texto organizado por
Fernando Correia, Lisboa 1986, p. 45
163 Bentham, in José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal Uma biografia política – O Prisioneiro (1949-1960), vol. 3,

Temas e Debates, Lisboa, p. 156


164 Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 6ª edição, 2009, p. 414
165 Alexandre Manuel, Rogério Carapinha, Dias Neves (coord.), Pide a História da repressão, Jornal do Fundão,

Editora Fundão, p. 35; Aljube – a Voz das Vítimas, catálogo da exposição, Fundação Mário Soares, Instituto de
História Contemporânea e Movimento Não Apaguem a Memória, Lisboa, 2011, p. 36
61
Aljube, a história de uma prisão

limitando o movimento a três ou quatro passos para a frente e para trás. «Feitos à medida
de um homem estendido ao comprido, os curros pareciam sarcófagos»166.

Carlos Brito, isolado cinco meses na cela 7 do Aljube, descreveu esta experiência
penosa pois «uma pessoa com os braços abertos tocava nas duas paredes e o comprimento
era pouco mais do que o de uma cama».167 Tal como se observa na figura 10, as celas dos
incomunicáveis, num total de treze, tinham sensivelmente a mesma largura, embora o
comprimento fosse variável, sendo que as cinco primeiras apresentavam um comprimento
menor. Existiam apenas dois corredores a separar os cerca de vinte metros por onde se
estendiam todos os curros.

Figura 10: Cadeia do Aljube, 4.º pavimento, data provável 1956

Fonte: IHRU/SIPA – DES. 0109577 (armário 4, gaveta 2)

A largura da cela era de tal forma exígua que quando o bailique se abria, o preso
ficasse apenas com vinte a vinte e cinco centímetros de espaço, ao ponto dos joelhos
tocarem a parede, se o preso se sentasse no bailique.

Na memória descritiva, datada de novembro de 1957, proponha-se de demolição


quase total do quarto e quinto pavimentos, de forma a «dar às celas individuais as medidas
aproximadas às regulamentares e situar como se pretendia, um núcleo central rodeado por
galerias para melhor circulação e consequente vigilância» [figura 11]. 168

166 Francisco Horta Catarino, in Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Temas e Debates, Círculo de
Leitores, 6ª edição, 2009, p.432.
167 Entrevistas conduzidas por Miguel Medina, Esboços: antifascistas relatam as suas experiências nas prisões do

fascismo, Câmara Municipal de Lisboa, Imprensa Municipal, Lisboa, 1999, vol. 2, p. 11


168 No catálogo da exposição Aljube – A voz das Vítimas é sugerida para esta planta a data de 1943. No

entanto, a data sugerida é pouco provável. Assim, o que se apresenta a tracejado, neste caso as celas
individuais dos presos em regime de incomunicabilidade, é aquilo que deve ser destruído e não o estudo para
a sua construção. No decorrer da investigação verificou-se que pela numeração do armário e da gaveta em
62
Aljube, a história de uma prisão

Figura 11: Estudo das obras de remodelação e beneficiação da Cadeia do Aljube – 4.º e 5.ºpavimentos,
planta correspondente à memória descritiva de novembro de 1957

Fonte: IHRU/SIPA – DES. 0109580 (armário 4; gaveta n.º 5; 9345)

No entanto, o ofício n.º 103/58 S.A. – 2ª. Secção de 6 de fevereiro de 1958, notifica
que só o 4.º pavimento [figura 12] 169 será alvo de remodelação, devido à ampliação do
depósito de presos no Reduto Norte do Forte de Caxias. Em consequência desta alteração
pretendia-se que as celas existentes desaparecessem e fossem substituídas por outras em
número correspondente ao das janelas, para que cada uma das camaratas recebesse
diretamente ar e luz natural.

que o documento se encontra arquivado, a data é posterior à sugerida. Ou seja, os documentos encontram-se
arquivados representando, o número do armário e da gaveta e do próprio documento, a antiguidade do
mesmo. Quanto maior for o número da gaveta e do armário mais recente é o documento. Outro facto que
permitiu chegar a esta conclusão prende-se com a memória descrita datada de novembro de 1957, que
corresponde à planta apresentada e que se pode consultar no anexo (II).
169
Para esta planta o catálogo Aljube – A voz das vítimas também apresenta a data de 1943. No entanto, e
atendendo novamente ao número do armário, da gaveta, do documento e após a leitura dos documentos
textuais, esta planta parece corresponder às alterações exigidas no ofício n.º 103/58, de fevereiro de 1958.
63
Aljube, a história de uma prisão

Figura 12: Proposta de remodelação do 4.º pavimento da Cadeia do Aljube

Fonte: IHRU/SIPA – DES. 0109583 (armário 4, gaveta 5, 9993)

Contudo, esta remodelação não chegou a efetivar-se, pois nela previa-se a


destruição das celas dos incomunicáveis, representados na figura 5 a tracejado, facto que só
ocorreu mais tarde, visto existirem relatos de testemunhas que na década de sessenta
estiveram encarcerados nos chamados curros.

Aqui a luz e o ar entravam por um postigo de 15X20cm, filtrados através de duas


férreas portas, postigo que permanecia permanentemente fechado, [figura 13] conferindo
um caráter de semiobscuridade às celas. «A falta de luz estava associada a todo um quadro
de tortura e de violência física e psicológica a que o preso estava submetido». 170 Artur Pinto
afirma que «em dias sem sol, não se distinguia o dia da noite», situação que prolongava a
angústia e ansiedade dos presos.

170
Carlos Brito, Tempo de Subversão, Páginas vividas da Resistência, 2.ª edição, Edições Nelson de Matos, 2011, p.
65
64
Aljube, a história de uma prisão

Figura 13: Fotografia da reconstituição de um curro feita para a exposição


Aljube – A voz das Vítimas
Fonte: Fotografia cedida por Artur Pinto, um dos fundadores do Movimento
Cívico Não Apaguem a Memória

Jaime Serra, nos desenhos que fez enquanto esteve em regime de


incomunicabilidade, passou para papel o espaço que delimitava o seu horizonte visual e
físico [figuras 14].

Figura 14: Desenho da prisão de Jaime Serra – Perspetiva do fundo da cela - 1949
Fonte: PT-TT-PIDE-E010-96-19050 c0064

65
Aljube, a história de uma prisão

Paulo Freire, embora nunca tivesse estado nas celas incomunicáveis, descreve-as,
pelas palavras dos outros presos, como sendo pequeníssimas, sem luz nem janela.
Apresentadas como restos das clausuras inquisitoriais, estas celas eram a «antecâmara da
loucura». Apesar disso, existia aquilo que era reconhecido com «um quarto bom», para
incomunicáveis, no entanto, custava 20 escudos por dia.

No mais absoluto isolamento e solidão, os presos incomunicáveis esperavam pela


ida aos interrogatórios na sede da PIDE. Numa inércia total o preso não tinha nada
material com que ocupar o seu tempo, nem espaço para se mover, no seu horizonte apenas
paredes escuras e frias. Varela Gomes refere que a maneira mais sensata e saudável de
passar o tempo enquanto esteve preso no Aljube era imaginar-se hibernado, não mantendo
qualquer relação com um calendário, de forma a não sentir no corpo o peso da eternidade
que os dias pareciam ter.

Vivia-se a «obsessão do tempo imóvel»171, onde tudo se convertia em rotina. Carlos


Brito por seu lado contava o «tempo pelas únicas ocorrências regulares e significativas – as
refeições e as rendições». 172 Para Artur Pinto, por exemplo, o segredo estava em tentar
esquecer o tempo, sem lhe perder a noção.

Nas celas individuais do Aljube os dias não tinham história, mas a História irá
marcar todos os dias que aqui foram vividos.

Ao preso era distribuída uma enxerga apenas com alguma palha e duas mantas,
normalmente sujas, já que passavam muito tempo sem serem lavadas. A cadeia não
fornecia nem lençóis, nem fronhas, que no entanto podiam ser fornecidos pela família do
preso.

Durante o período em que o preso permanecia incomunicável, era-lhe negado o


acesso a qualquer material de leitura (livro ou jornal). Apenas chegavam, pontualmente e
depois de devidamente censuradas, as cartas de familiares. Carlos Brito referiu que só
depois de decorrido aproximadamente um mês e meio desde a sua entrada no Aljube, é que
lhe permitiram a entrada de um jornal diário (O Século ou o Diário de Notícias) e que no
terceiro, dos cinco meses que passou em incomunicabilidade, teve autorização para receber
livros. Na época, disse ler duas vezes a obra-prima de Eça de Queirós, Os Maias.

171 Varela Gomes, Tempo de resistência, 1º período: prisão-hospital (1 jan. a 19 mar. 1962),2º período: Aljube (19 mar. a
set. 1962), Ler editora, Lisboa, 1980, parte I, p. 115
172
Carlos Brito, Tempo de Subversão, Páginas vividas da Resistência, 2.ª edição, Edições Nelson de Matos, 2011, p.
64
66
Aljube, a história de uma prisão

Contudo, na fase mais intensa dos interrogatórios os presos ficavam isolados do


mundo exterior. Tinham apenas contacto com o carcereiro que lhe distribuía as refeições.

Neste espaço físico só o casqueiro de pão que era distribuído diariamente podia
fazer companhia ao preso. Tudo o resto ficava fora do seu alcance, inclusive a muda de
roupa, o cinto, os cordões dos sapatos ou alguns utensílios higiénicos. Ali, como descreve
um dos presos «reinavam a solidão, o silêncio quase absoluto, a escuridão. Entrava-se
noutro mundo»,173 ali, «onde o badalar dos sinos da Sé, o barulho das chaves ou uma porta
a bater soavam como estrondo imenso». 174 Imperava um silêncio mortal, como se não
existisse vida para lá das portas fechadas dos outros curros. Era proibido falar e qualquer
infração era duramente punida.

No isolamento da prisão até os pequenos gestos do dia a dia eram motivo de uma
cuidada apreciação. As pequenas coisas aqui tomavam dimensões que só a imaginação de
cada um podia limitar. O tempo que se passava nos curros permitia ao preso um contínuo
jogo de memória, porque, entre quatro paredes, numa quase permanente ociosidade, só os
pensamentos ajudavam o tempo a passar.

«Captar todos os sons que chegavam do exterior, rememoriar livros ou filmes,


resolver contas de cabeça, fazer ginástica no espaço exíguo, trautear canções de resistência,
“jogar à bola” – uma meia cheia de miolo de pão -, comunicar com os curros vizinhos, eram
algumas das formas de aguentar as duras condições da prisão e do isolamento»175.

Jaime Serra, na sua segunda prisão, em março de 1949, na sequência da promoção


da candidatura do general Norton de Matos, permaneceu seis meses incomunicável numa
cela de 2 metros por 1,5 metros, sem cama, apenas com um bailique que se levantava
durante o dia para que ele pudesse passear. Com um bocado de lápis, que a sua mulher
conseguiu camuflar dentro de uma peça de fruta e com papel higiénico, fazia desenhos que
o ajudavam a passar o tempo [alguns dos desenhos encontram-se aqui retratados]. Apesar
de não ter alucinações, o facto de estar às escuras, fazia com que ele visse figuras na parede,
que depois passava para o papel. Para além desses desenhos, Jaime Serra também fez sair
para o exterior várias mensagens, escritas no interior das mangas das camisas ou em folhas

173 Aljube – a Voz das Vítimas, catálogo da exposição, Fundação Mário Soares, Instituto de História
Contemporânea e Movimento Não Apaguem a Memória, Lisboa, 2011, p. 36
174 Idem
175 Aljube – a Voz das Vítimas, catálogo da exposição, Fundação Mário Soares, Instituto de História

Contemporânea e Movimento Não Apaguem a Memória, Lisboa, 2011, p. 37


67
Aljube, a história de uma prisão

de mortalha 176. Algumas destas mensagens foram apreendidas pela PIDE, como ilustram as
figuras 7 e 8 apresentadas no início deste capítulo [subtema – Os Interrogatórios, pág. 59].

Na sua obra Eles têm o direito de saber, Serra177 contou que este tempo em que esteve
no Aljube foi de facto muito difícil, «sem livros, sem jornais, sem poder escrever e sem
visitas, tinha de inventar formas de fazer passar o tempo». 178 A única fuga possível ao
espaço exíguo em que se encontrava era as súbitas chamadas à sede da PIDE para ser
interrogado, intercalados com uns dias de estátua.

Sérgio Ribeiro, preso a 17 de maio de 1963, no seu livro Porque vivi e quero contar, ao
descrever aquilo que era o seu mundo no Aljube, que «alternava entre um metro e sessenta
por um metro e dez, quando de pé, e um metro e oitenta por sessenta centímetros, quando
deitado»,179 já que com a tarimba levantada tinha 3 passos de comprimento por 2 passos de
largura para «passear», fala da imensa alegria que sentiu, quando depois de alguns dias no
isolamento do seu curro descobriu que a diagonal trazia uma nova dimensão ao espaço
físico que o encarcerava.

Carlos Brito lembra que a poesia foi a sua grande companheira na fase da
incomunicabilidade. Impôs a si mesmo um tempo diário que dedicava a recitar poemas de
autores como Florbela Espanca, Miguel Torga, Cesário Verde ou Camões e para compor
alguns originais. Este exercício era de importância vital para a sua saúde física e moral, pois
para além de exercitar a memória e de fazer uso da sua voz, já que recitava os poemas a
meia voz, também o ajudava a quebrar a inatividade a que a prisão o votava.

Na cela disciplinar, n.º 14 [figura 15], situada no final do corredor transversal ao


lado da retrete e do chuveiro, o isolamento era ainda mais difícil. Aqui a escuridão era
praticamente total, o silêncio absoluto, a incomunicabilidade com os outros presos quase
perfeita, o acesso às visitas familiares proibido. José Dias Coelho, na obra A Resistência em
Portugal, diz que esta era a pior das celas «todo em cimento e completamente interior, sem
luz e quase sem ar, onde é impossível viver, mas que está constantemente habitado por
presos castigados». 180 Carlos Brito, que também a experimentou, afirma que esta era a

176 Jaime Serra, Eles têm o direito de saber, Coleção Resistência, Edições Avante!, Lisboa, 1997, p. 66
177
Jaime Serra experimentou novamente a agonia de estar no Aljube em prisões posteriores, em 1954 e em
1958.
178 Jaime Serra, Eles têm o direito de saber, Coleção Resistência, Edições Avante!, Lisboa, 1997, p. 67
179 Sérgio Ribeiro, Porque Vivi e Quero Contar, Prelo editora/Editorial estampa, 1ª edição, Lisboa, 1983, p. 33
180 José Dias Coelho, A resistência em Portugal, Coleção Resistência, Edições Avante!, Lisboa, 2006,p. 146

68
Aljube, a história de uma prisão

prova que «havia sempre um patamar ainda pior do que aquele em que se estava, por pior
que fosse».181

Figura 15: Indicação a vermelho da cela n.º 14, Cadeia do Aljube, 4.º pavimento, data provável 1956
Fonte: IHRU/SIPA – DES. 0109577 (armário 4, gaveta 2)

Francisco Miguel esteve mais de três meses incomunicável na cela 14, «considerada
a mais escura daquela já de si sombria e fria cadeia», 182 na sequência da sua prisão em
dezembro de 1939. Descreve estes dias como sendo terríveis, «vividos num outro mundo,
rodeado de silêncio e imerso nas trevas, onde a resistência só é possível graças a uma
grande força interior, a uma firmeza e determinação inabaláveis».183

O isolamento tinha um implacável efeito demolidor na resistência moral do preso.


Ao manter o preso incomunicável com o mundo exterior, os guardas da PIDE pretendiam
torná-lo mais vulnerável e como tal mais facilmente manipulável. Era a tentativa de
liquidação intelectual e anímica pela via do isolamento e da incomunicabilidade. Este
isolamento era depois combinado com a «dureza do tratamento policial, nomeadamente
com uma alimentação mal confecionada e insuficiente, muitas vezes excessivamente
salgada, reduzindo-se em seguida a distribuição de água».184

A estratégia era levar o preso a desesperar pela incerteza do seu futuro, de tal forma
que quando fosse interrompido o seu isolamento, pela presença de um torcionário

181
Carlos Brito, Tempo de Subversão, Páginas vividas da Resistência, 2.ª edição, Edições Nelson de Matos, 2011, p.
70
182 Francisco Miguel, Das prisões à liberdade, Coleção Resistência, Edições Avante! Texto organizado por
Fernando Correia, Lisboa 1986, p. 52
183 Idem
184 Maria da Conceição Ribeiro, A polícia política no Estado Novo 1926-1945, Editorial Estampa, 1995, pp. 234 e

235
69
Aljube, a história de uma prisão

empregando um discurso mais suave, aparentemente mais simpático, o preso cedia ao novo
interrogatório com maior facilidade. Para Edmundo Pedro foi na «determinação, na
autoconfiança e na imaginação» que conseguiu arranjar forças para suportar o
isolamento.185

Numa tentativa de quebrar o isolamento muitos presos comunicavam entre si,


dando leves pancadas na parede e usando um código primário em que cada pancada
correspondia a uma letra do alfabeto. Assim, uma pancada correspondia ao A; duas ao B e
assim sucessivamente. O objetivo era transmitir pequenas mensagens aos companheiros
das celas vizinhas, sistema que para além de ser muito moroso, exigia uma grande
proficiência. As mesmas mensagens eram, por vezes, repetidas horas a fio, na esperança
que, por um lado, fossem corretamente entendidas e, por outro, tivessem resposta.

Joaquim Pires Jorge, nas suas notas autobiográficas intituladas Com uma imensa
alegria, afirma que esta era uma chave clássica sobejamente conhecida, inclusive dos
guardas. Por isso, existia também uma outra chave em que a estratégia usada era a «de
escrever todo o alfabeto numa quadrícula de 5 por 5».186 O A era 1+1, o B o 1+2, o C 1+3,
o D 1+4 e o E 1+5. Depois o F era o 2+1, o G 2+2, o H 2+3, o I 2+4 e o J 2+5 e assim
sucessivamente. Esta era a única fuga possível ao tédio e ao isolamento total a que eram
votados os presos.

No entanto, este tipo de comunicação era perigosa e era necessário ter muito
cuidado nas mensagens que se transmitiam, pois a polícia, para obter denúncias, também
chegou a usar esta estratégia. Ou seja, colocava-se numa cela e através de pancadas na
parede comunicava com o preso da cela contígua, conquistando a sua atenção e confiança,
para o levar a falar.

Outro esquema que os presos usavam para transmitir informações, notícias ou


instruções uns aos outros era através do «truque do espelho à janela».187 Cada passagem do
dedo em frente do espelho correspondia a um código de letras, transmitindo-se desta
forma a mensagem pretendida a outra sala, onde um camarada, através do seu espelho,
conseguia ver o do outro. Para além desta estratégia, alguns presos recorriam a uma

185 Movimento Cívico Não Apaguem a Memória! in, http://maismemoria.org/mm/ (em 20 maio de 2012)
186 Joaquim Pires Jorge, Com uma imensa alegria, Coleção Resistência, Edições Avante!,1984 p. 35
187 Entrevistas conduzidas por Miguel Medina, Esboços: antifascistas relatam as suas experiências nas prisões do

fascismo, Câmara Municipal de Lisboa, Imprensa Municipal, Lisboa, 1999, vol. 1, p. 96


70
Aljube, a história de uma prisão

«folhinha de papel de mortalha enrolada em celofane que parecia a cápsula de um remédio


e fita cola, que se transportava na boca para evitar qualquer percalço no percurso».188

Apesar de todo o sistema prisional estar montado para quebrar o ânimo dos presos,
abalando as suas convicções políticas e ideológicas, dissuadindo-os de lutar contra o regime
vigente no qual não se reviam, alguns, mantendo-se fiéis aos seus princípios, resistiram
firmemente a todas as arbitrariedades a que foram sujeitos. Mesmo encarcerados, sujeitos a
uma rigorosa vigilância e privados durante alguns períodos de papel e de outro material de
escrita, os presos conseguiram colocar em circulação informações entre si e com o exterior.
A prová-lo está, por exemplo, o «Boletim Inter-Prisional», nome dado ao jornal manuscrito
pelos presos do Aljube, que os militantes do PCP conseguiram colocar em circulação. Nele
denunciavam não só as arbitrariedades dos guardas como também impulsionavam a luta
dos presos por melhores condições prisionais.

188 Idem
71
Aljube, a história de uma prisão

III – Outras salas

Nos períodos em que a prisão se encontrava lotada, os presos podiam ser


conduzidos às salas coletivas ou à enfermaria, situada no último andar do edifício.

Com o objetivo de prestar apoio aos presos vítimas de tortura, minimizando as


consequências visíveis que esta provocava, quer ela fosse executada na sede da polícia
política, quer fosse na própria prisão, as obras para a construção da enfermaria iniciaram-se
em 1935. A sua construção implicou a alteração da fachada do edifício, uma vez que
implicou o seu alteamento, tendo a obra sido concluída apenas no final de fevereiro de
1936. Mas apesar da sua existência, a enfermaria nunca logrou de um equipamento
especializado. Mais tarde, foram feitas celas melhoradas na enfermaria e era aí que
permaneciam os presos que apresentavam graves problemas de saúde decorrentes dos
interrogatórios. A transferência para a enfermaria não significava contudo o fim dos
interrogatórios, era quase sempre apenas um intervalo.

Na enfermaria, a penumbra era quase permanente ao longo do dia, uma vez que a
visão para o exterior era mínima e a luz muito reduzida devido aos vidros foscos e às
grades. Em carta datada de 23 de março de 1962, Varela Gomes confessa encontrar-se a
caminho de se «tornar um monge ermitão, estrito observante da regra beneditina. Não para
ganhar a vida futura, mas para ir suportando a presente». 189 Do mobiliário a que tinha
direito faziam parte «uma cama, uma banqueta de cabeceira, uma cadeira e uma mesa de
tampo de pedra. Estavam regulamentadas duas deslocações à casa de banho, no fundo do
corredor, uma de manhã, outra de tarde. O olho do guarda, colado ao ralo da vigia, tornava
a atmosfera mais pesada, a penumbra mais escura, inquinava a paz do isolamento». 190 Aqui
o único horizonte visual que se vislumbrava era o telhado inclinado, «uma fila de janelas
com roupa estendida. Nem uma nesga de céu».191

Para a enfermaria eram também levados os presos com idade mais avançada ou
pessoas cujo estatuto social exigisse maiores cuidados, como foi, por exemplo, o caso de
António Agostinho Neto, preso no Aljube em 1960.

189 Varela Gomes, Tempo de resistência, 1º período: prisão-hospital (1 jan. a 19 mar. 1962),2º período: Aljube (19 mar. a
set. 1962), Ler editora, Lisboa, 1980, parte I, p. 66
190 Ibidem, p. 67
191
Ibidem, p. 76
72
Aljube, a história de uma prisão

Foi também aqui que Miguel Torga esteve preso, em 1939, depois de ter sido
levantada a incomunicabilidade e em virtude de correr riscos de uma perfuração numa
úlcera. Ai escreveu os célebres poemas Canção, Ariane e Claridade, imortalizados como um
símbolo de resistência.

O edifício do Aljube tinha ainda outras salas onde os presos eram mantidos em
comum.

A sala 3 funcionava como um verdadeiro «cais de embarque»,192 pois era aqui que se
mantinham provisoriamente os presos políticos que transitavam de uma prisão para outra.
Nesta, chegou a existir uma grande concentração de presos, o que permitia a transmissão
de experiências e debate de ideias.

Na verdade, as salas coletivas permitiam que os presos trocassem entre si histórias


de resistência e de outras vivências. Chegou-se mesmo, apesar da permanente vigilância, a
ministrar-se pequenos cursos de História de Portugal e de Economia Política, na sala 2A.

O pátio do Aljube conseguiu proporcionar algumas vezes o contacto com o mundo


exterior, sobretudo para os presos da sala 2A, quando os habitantes vizinhos colocavam o
rádio alto para se ouvir das notícias. As crianças a gritar ou a chorar, as mães a ralhar, o
burburinho próprio de uma cidade mergulhada na azáfama diária era o único horizonte
auditivo que a proximidade com a rua podia proporcionar. Mas evitar o contacto com o
exterior era outra das preocupações a que os guardas prisionais estavam atentos. Disso faz
prova a carta que o diretor da cadeia fez, a 15 de dezembro de 1936, ao Diretor dos
edifícios e Monumentos Nacionais, a pedir a colocação de caixilhos basculantes para as
janelas da frente, a fim de evitar o «espetáculo pouco agradável das conversas e até insultos
às pessoas que passam junto da cadeia do Aljube, por parte dos presos».

A sala 2A, onde o Sol nunca entrava, era húmida e escura, daí que precisasse de
iluminação artificial durante todo o dia, o que nem sempre era permitido. Aqui apenas
existia uma janela fechada por grades fortes e uma rede de malhas apertadas, que roubavam
ainda mais o ar e a luz. Esta sala era, nas palavras de José Dias Coelho, fria e de um
desconforto doentio.193

192 Expressão usada por José Dias Coelho, A resistência em Portugal, Coleção Resistência, Edições Avante!,
Lisboa, 2006, p. 146
193 Idem

73
Aljube, a história de uma prisão

IV – Quotidiano na prisão

Paulo Freire, preso doze vezes entre 1926 e 1940, relata, nas suas memórias, o dia a
dia dos presos na prisão do Aljube. Assim, os presos faziam a barba e cortavam o cabelo
no patamar do 3.º e 4.º andar, no entanto só se podiam servir dos espelhos e giletes das
oito às dez horas.

Não podiam receber comida ou fruta fora das horas das refeições e os cestos da
comida que lhes eram destinados pelos familiares eram sempre vistoriados pelos guardas,
«que mexiam e remexiam a comida com as mãos».

À quinta-feira era dia de visita médica, por isso quem tivesse doente antes ou depois
desse dia, tinha que esperar pela quinta-feira seguinte. Em caso de lhe ser prescrito a toma
de medicação, esta tinha de ser feita à frente do enfermeiro de serviço à cadeia. Só
excecionalmente, e com a devida autorização do médico da cadeia, é que o recluso se podia
servir de medicamentos externos.

Na 1.ª classe, situada no 3.º andar e onde Paulo Freire esteve preso, existia um
pequeno vestíbulo, uma retrete, uma pequena sala de jantar, um salão com duas janelas,
uma sala interior de lavatórios, uma sala de banho e uma arrecadação. As camas eram de
ferro com colchoaria de palha e existiam dois cobertores e uma colcha, que só era lavada de
mês e meio em mês e meio. Um lençol era mudado por semana, à segunda-feira. Aqui o
preso era obrigado a fazer a sua cama e não podia deitar-se ou sentar-se nela durante o dia.
Os banhos quentes eram à quinta-feira e ao domingo.

Segundo Paulo Freire, a hora de levantar era às sete horas e trinta minutos, o
almoço decorria do meio-dia às treze horas e o jantar entre as dezoito e as dezanove horas.
Por volta das vinte e uma horas os presos recebiam um «púcaro de café, acompanhado por
casqueiro, que devia durar todo o dia seguinte, porque era o único pão que distribuíam
diariamente».194 No entanto, os presos acusavam que o café «era uma aguada escura e os
casqueiros intragáveis».195

Carlos Brito testemunha que em 1956/57 era distribuído aos presos, pela manhã,
um «zurrapa cor de café» servida num púcaro de esmalte e cheio de mossas e um pequeno
pão, que devia ser bem racionado, atendendo que era para o dia inteiro. Ao almoço

194 Aljube – a Voz das Vítimas, catálogo da exposição, Fundação Mário Soares, Instituto de História
Contemporânea e Movimento Não Apaguem a Memória, Lisboa, 2011, p. 36
195 Manuel Tiago, Sala 3 e outros contos, Coleção Resistência, Edições Avante!, Lisboa, 2001, p. 14

74
Aljube, a história de uma prisão

comiam só uma sopa, embora os guardas apregoassem que se podia repetir e ao jantar os
presos tinham uma sopa e um segundo prato de carne ou peixe, muito embora nas palavras
de Carlos Brito, «nunca se sabia bem o que era», apenas se sabia ser intragável.

Deitar às vinte e duas horas e silêncio às vinte e duas horas e trinta minutos. Na
camarata só existia luz entre as vinte e duas horas e as vinte e duas e trinta. Depois do
silêncio existiam rondas de duas em duas horas. Acendia-se as luzes todas e o guarda
passava a revista minuciosa. As grades das janelas eram sujeitas à ação de uma lâmpada
elétrica, não fosse algum preso serrá-las naquele breve espaço de duas horas.

A visita das famílias, apenas permitida aos filhos, pais, cônjuges ou irmãos, decorria
entre as catorze hora e trinta minutos e as quinze horas e trinta minutos. Os outros
familiares só podiam visitar os presos com especial autorização, apesar de, na prática todas
as visitas dependerem do arbítrio policial.

O n.º 24 do «Boletim Inter-Prisional»196 de novembro de 1935 faz uma séria crítica


às dificuldades que as famílias dos presos passavam na sua ausência, visto que eram estes
que garantiam o sustento da casa e ao facto da família ter de pagar 2$50 para visitar o
preso. O mesmo boletim apelava ao fim das visitas pagas como uma forma de mitigar o
sofrimento moral dos presos e das famílias.

A passagem dum preso da 1.ª classe para a 3.ª classe significava que o dinheiro tinha
acabado e isso representava o fim de algumas regalias como a cama limpa e o banho
quente. Nos anos 60 esta distinção em classes deixou de existir.

Apesar do ofício n.º 542-S.G. de 19 de junho de 1956,197 apelar à necessidade de


substituir o telhado por um terraço, dividido em vários recintos, «convenientemente
isolados entre si e com condições de segurança suficientes», para que os presos pudessem
ter um espaço para a prática diária do exercício ao ar livre, o Aljube, ao contrário das
prisões de Caxias e de Peniche, não tinha qualquer espaço para recreio. Não existia um
local de «refúgio, onde os presos, ao menos uma hora por dia, tomassem um pouco de ar
livre».198 Era um espaço físico absolutamente sufocante, não só pela condição de preso, mas
também potenciado pela escuridão que ali reinava. Freire acrescenta que Jaime Cortesão,
preso em 1940 em Peniche e depois no Aljube, lhe dissera que lá o deixavam trabalhar
cinco horas diárias, que a prisão tinha uma biblioteca com centenas de volumes e que

196
in, http://www.ges.pcp.pt/bibliopac/imgs/alj111935.pdf (em 15 de março de 2012)
197
IHRU/SIPA – DREL – 00992/02
198 Memórias dum jornalista [manuscrito]: 99 dias no Aljube, João Paulo Freire (Mário)

75
Aljube, a história de uma prisão

funcionava cerca de três horas por dia. Em Peniche tinham aulas e praticavam vários jogos
ao ar livre, para além que não pagavam «hospedagem».199 É preciso, contudo, referir que no
decénio seguinte a vida dos presos de Peniche tornou-se um inferno.

A cadeia do Aljube não tinha uma biblioteca que servisse simultaneamente de sala
de recreio espiritual e de trabalho mental, nem sequer para os reclusos de 1.ª classe. «A
distração local do Aljube é uma coisa incompreensível pela carência de condições higiénicas
que oferece. E não se diga que os presos de 1ª classe são pesados ao Estado, porque esta
sala, onde passei os meus 99 dias, dá ao Estado um rendimento mensal de 5 mil escudos,
mais parecendo, pelo cuidado de a ter sempre repleta, uma exploração industrial, do que
uma prisão».200

Sem qualquer espaço para recreio, a vida dos presos ficava confinada à sua sala,
quer individual, quer coletiva. Sem espaço para se exercitar, sem acesso à luz direta do Sol
vivia-se num «permanente castigo».

Alguns presos para conseguirem exigir melhores condições carcerárias viram-se


obrigados a fazer greve de fome, como Joaquim da Rocha Pinto de Andrade que esteve
seis dias sem comer.201 Saliente-se, neste contexto, que algumas melhorias na alimentação e
na higiene foram conseguidas em sequência dos protestos feitos pelos próprios presos.

Por não existir cozinha para a confeção das refeições, a comida vinha da cadeia do
Limoeiro e era, na boca daqueles que dela se alimentaram, não por prazer, mas por
obrigação, de péssima qualidade. O «Boletim Inter-Prisional» de maio de 1936 sublinha
mesmo que «a alimentação é intragável, motivo porque muitos camaradas a não comem».202

Só muito mais tarde, já no ano de 1970, é que a cadeia foi equipada com mono-
lumes e com um sistema de ventilação para a copa, pois era necessário aquecer as refeições
que eram preparadas no Limoeiro.

A estrutura física da cadeia também motivava a desmoralização do preso, pois para


além da já referida falta de luminosidade no seu interior e da dimensão das celas, as
instalações sanitárias eram péssimas. «Para fazer as necessidades fisiológicas, o preso
puxava um cordel que fechava a portinhola da porta de madeira».203 Nos curros, mais tarde,

199
Memórias dum jornalista [manuscrito]: 99 dias no Aljube, João Paulo Freire (Mário)
200 Idem
201 Alexandre Manuel, Rogério Carapinha, Dias Neves (coord.), Pide a História da repressão, Jornal do Fundão,

Editora Fundão, p. 34
202
in, http://www.ges.pcp.pt/bibliopac/imgs/alj051936.pdf (em15 de março de 2012)
203 Aljube – a Voz das Vítimas, catálogo da exposição, Fundação Mário Soares, Instituto de História

Contemporânea e Movimento Não Apaguem a Memória, Lisboa, 2011, p. 36


76
Aljube, a história de uma prisão

passou-se a dispor de uma campainha silenciosa que indicava ao guarda o preso que o tinha
chamado. Depois o guarda escoltava-o até à casa de banho, uma única para todos os curros,
onde a porta ficava escancarada, sob o olhar vigilante do carcereiro. Aqui as «necessidades
eram feitas numa turca, ou seja, um sanitário assente no chão, com um buraco no meio e
apoio para os pés: aí ficava-se de cócoras».204 Artur Pinto afirma que às vezes, quando os
guardas assim determinavam, era aqui que tomavam banho, colocando para o efeito um
estrado de madeira em cima da turca.

O único local onde os presos estavam autorizados a comunicar com os seus


familiares era no parlatório, onde duas redes a toda a altura da sala o separavam da família.
O encontro vigiado por um agente da PIDE podia ser abruptamente interrompido se o
teor da conversa passasse pela denúncia dos maus tratos sofridos nos interrogatórios ou
pela falta de condições prisionais.

204
Testemunho de Artur Pinto (entrevista a 13 de agosto de 2012)
77
Aljube, a história de uma prisão

V - Tratamento diferenciado dos presos

Embora a prisão, independentemente das razões que a motivaram, representasse


um mundo fechado, claustrofóbico e aparentemente igual, existiam realidades diferentes.
Retratar as diferenças de tratamento dos presos oposicionistas ao regime vigente,
independentemente da ideologia partidária que professavam e a forma como a sua posição
dentro partido, o seu nível cultural ou a sua origem social influenciavam o modo como a
polícia política lidava com eles, é objeto deste subcapítulo. Para além disso procura-se
estabelecer uma comparação entre as condições dos presos de delito político e os presos de
delito comum.

V. i. - Presos de delito político vs Presos de delito comum

Apesar da cadeia do Aljube, no período em foco, ter apenas encarcerado


maioritariamente205 presos de delito político, a história das prisões em Portugal, no período
estado-novista, também foi marcada pela desigualdade entre presos de delito político e
presos de delito comum. Esta desigualdade é retratada na obra Estrela de Seis Pontas, de
Manuel Tiago, pseudónimo reconhecido de Álvaro Cunhal, publicado em 1994 pelas
Edições Avante!. Embora a obra se centre na sua experiência na Penitenciária de Lisboa, ela
retrata com veracidade o regime prisional que distinguia aqueles que tinham sido
empurrados para o mundo da criminalidade, daqueles que eram suspeitos de colocar em
causa a «segurança» do Estado. Assassinos, ladrões e violadores, a quem Manuel Tiago, dá
um nome usando a alcunha (Jardineiro, Velhote, Falua, Serpentina), um número (333, 402,
509), o local de origem (Malveira, Elvas, Nazaré), a história que o tinha conduzido à prisão
(Mata-a-velha) ou então o nome plebeu (Garino, Virgolino), coabitavam no mesmo espaço e
constituíam grande parte da população prisional. Os outros presos eram-no pelas
arbitrariedades perpetradas por um regime, que em nome da estabilidade, ordem e
segurança do Estado, aprisionava quem se lhe opunha.

205
Dias Coelho relata, em A Resistência em Portugal, que no Aljube também se encontravam encarcerados
estrangeiros indocumentados da emigração clandestina, na sua maioria espanhóis [p. 146]. Existiam também
falsificadores de moeda e testemunhas de Jeová que tinham um comportamento que colocava em causa a
segurança do Estado.
78
Aljube, a história de uma prisão

Os presos políticos distinguiam-se dos presos de delito comum, em primeiro lugar,


pela incerteza da sua situação. No período anterior à II Guerra Mundial, os presos
encontravam-se dependentes do livre-arbítrio da aplicação das medidas de segurança
posteriores ao cumprimento da prisão. Após o conflito, as medidas de segurança eram
aplicadas aos condenados a pena maior.

As medidas de segurança, usadas como arma política, uma vez que serviam para
neutralizar os presos políticos considerados mais perigosos e não passíveis de
«regeneração»., acabavam por dar uma dimensão de quase perpetuidade às penas a que
tinham sido judicial e inicialmente condenados.

Na fase dos interrogatórios, a perda do controlo do tempo era encarada como um


elemento corrosivo da estabilidade do preso. Dentro das quatro paredes da cela vivia-se um
tempo artificial, um tempo que parecia correr mais lento. A noite e o dia eram
interrompidos à mercê dos ritmos a que se pretendia subjugar os homens.

Para além de preso às celas, o preso político era também dominado por uma rotina
carcerária. «De resto, nesse decorrer arrastado e infindável do tempo, cada dia visto à
superfície parece igual a todos os outros dias. Horário, rotina e ritual».206 Pelo contrário, os
presos comuns podiam contar o tempo até à sua libertação. Exemplo disso era o 210,
personagem da obra A Estrela de Seis Pontas, que dia após dia, em voz alta, contava o
«tempo já passado e o tempo a passar. Dos anos, dos meses, dos dias de prisão ainda a
sofrer. Contas feitas dia a dia. Contas rigorosamente certas».207 Ou o Nazaré que contava o
tempo que faltava para cumprir a pena e concretizar a paixão que iniciou no parlatório pela
suposta irmã do 31.

Outra diferença que marcava o universo prisional dos presos comuns e dos presos
políticos prendia-se com a obrigatoriedade dos primeiros usarem uniforme e se
encontrarem identificados por um número. «Fardas e barretes de um castanho sujo com
números estampados a branco».208 Manuel Tiago retrata-a quando se refere à situação de
incomunicabilidade em que os «três políticos do varandim da ala C» viviam há meses. 209 A
sua chegada noturna à Penitenciária ficou envolta num certo secretismo, nas palavras do
autor, embora os «presos tomados de insónia» tivessem sido «surpreendidos por barulho

206 Manuel Tiago, A Estrela de Seis Pontas, Coleção Resistência, Edições Avante!, 4.ª edição, Lisboa, 1994, pp.
9-10
207 Ibidem, p. 129
208 Ibidem, p. 10
209 Ibidem, p. 28

79
Aljube, a história de uma prisão

invulgar». Ao chegarem os «três foram metidos em celas separadas por celas vazias, não
fossem eles comunicar com sinais batendo nas paredes».210

Estas medidas de segurança estavam diretamente ligadas com o facto de o regime


considerar a acumulação de «presos políticos» nas prisões comuns perigosa. Daí que os
«mais perigosos» fossem enviados para prisões especiais, quer no continente, quer nos
arquipélagos atlânticos ou nas colónias.

A figura do Capitão de Manuel Tiago, retratando o capitão Henrique Galvão com


quem se cruzou na enfermaria da Penitenciária, serviu para o demarcar no comportamento
face aos presos comuns. Recorde-se que foi neste espaço de maior liberdade, já que nele
tinha acesso ao pequeno jardim limítrofe ao pavilhão, que Cunhal conviveu com os outros
presos de delito comum. Período em que disse ter encontrado casos «de grande riqueza
humana e, inclusivamente, de generosa solidariedade».211

Em A Estrela de Seis Pontas também se relata o drama da privação sexual a que os


presos estão sujeitos, para muitos o mais duro castigo. Para o efeito, Manuel Tiago recorre
aos diálogos, quase a tocar o conceito de conferências, do Rolim – o «show do Rolim». Na
ação que deles resulta e sobretudo pelo discurso mais grosseiro que a maioria dos presos
comuns emprega, sobressai uma defesa da masculinidade, o ato sexual visto como um
prazer traduzido pelo desejo de posse.

Os presos políticos beneficiavam de um estatuto que não os obrigava ao trabalho


prisional, com exceção das tarefas comuns. Estas e outras especificidades de estatuto, como
o acesso à informação, jogavam-se ao sabor da situação política ou das lutas prisionais
existentes para «manter ou conseguir determinados privilégios».

A permissão dada a Álvaro Cunhal para usar o seu tempo em atividades


intelectuais, quer no campo literário quer artístico, foram cruciais para enfrentar as lutas
solitárias dentro da sua cela e resistir aos mais duros períodos de completo isolamento. Tal
como o próprio afirmou em entrevista: «Numa prisão, em que é necessário viver, pensar,
conviver, as manifestações artísticas são muito importantes». 212 Dedicou por isso o seu
tempo, sempre que recebia autorização superior para tal, a ler, escrever ou pintar.
Aproveitando-se da ignorância dos guardas conseguiu introduzir na prisão obras literárias
estrangeiras, que o poliglotismo dos vigilantes censuraria logo. Pela força da imaginação,

210 Manuel Tiago, A Estrela de Seis Pontas, Coleção Resistência, Edições Avante!, 4.ª edição, Lisboa, 1994, p. 19
211 José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal Uma biografia política – O Prisioneiro (1949-1960), vol. 3, Temas e
Debates, Lisboa, p. 175
212 Ibidem, p. 185

80
Aljube, a história de uma prisão

em defesa dos valores que lutava, Cunhal transportava para folhas sépias sentimentos,
ideais, quase sempre em representação de cenas campestres. Os seus célebres Desenhos de
Prisão revelam o lado artístico de um homem que sempre foi político.

V. ii - Diferenciação entre os presos políticos

Mas a diferenciação também se fazia sentir entre os presos políticos. A tortura, por
exemplo, assumia várias faces e era usada conforme «filiação partidária, preso intelectual ou
trabalhador, acontecimentos da história pessoal que pudessem ser utilizados contra o preso,
situações familiares, possibilidade de chantagem económica».213

A PIDE, amante das hierarquias e respeitadora das elites, «enviava o intelectual para
a tortura do sono, continuando, porém, a tratá-lo por senhor doutor. Relativamente ao
operário ou ao assalariado rural, mais do que persegui-los pelas suas atividades políticas, a
PIDE punia-os brutalmente, por ousarem sequer pensar que lhes era permitido mudar de
vida e desafiar a ordem imutável e inquestionável».214

Vários são os testemunhos que sublinham esta diferenciação. Hermínio Martins


afirmou que a «severidade do tratamento era proporcional à posição social e à ideologia», 215
sobretudo na fase inicial do regime e por isso os operários comunistas eram aqueles que
mais mal tratados eram. J. A. da Silva Marques, ex-funcionário do PCP, corrobora esta ideia
ao afirmar que na «prisão era notória a diferença de tratamento dada aos diferentes presos,
relativamente ao seu estrato social». 216 Esta estratégia era também aplicada na fase dos
interrogatórios. Assim, a polícia falava a cada preso conforme a sua posição no PCP e o seu
nível cultural, criando entre os presos um grau de desconfiança que os pudesse levar a
denunciar alguém – «aos simpatizantes dizia mal dos militantes; a estes rebaixava os
funcionários e a estes a direção».217

213 Nuno Vasco, Óscar Cardoso, A Bem da Nação, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1998, p. 170
214 Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 6ª edição, 2009, p. 531
215 João Madeira (coord.), Irene Flunser Pimentel, Luís Farinha, Vítimas de Salazar – Estado Novo e Violência
Política, A esfera dos livros, Lisboa, 2007, p. 106
216 Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 6ª edição, 2009, p. 361
217 João Madeira (coord.), Irene Flunser Pimentel, Luís Farinha, Vítimas de Salazar – Estado Novo e Violência

Política, A esfera dos livros, Lisboa, 2007, p. 108


81
Aljube, a história de uma prisão

A luta de classes, tão detestada pelo regime, esteve sempre presente no seio da
PIDE, que tratava de maneira diferente operários, camponeses, intelectuais, burgueses,
homens e mulheres. Embora com exceções, a PIDE, até finais dos anos 60, «raramente
brutalizava os da classe dos “Dr.”».218 Não se entenda contudo, que esta diferenciação era
positiva para os presos de maior estatuto social. Sérgio Ribeiro vítima da privação do sono
conta que talvez uma bofetada nesta fase servisse como um estímulo para reagir à tortura,
mas efetivamente isso não aconteceu, porque a classe dos «Dr.» não era alvo de
espancamentos.

No entanto, na fase final o regime foi democratizando a sua atuação e o tratamento


dado aos variados presos políticos começou a ser indiferenciado.

Independentemente desta diferenciação em função da classe e da condição social,


todos eram mal tratados, uns pela tortura física a que eram sujeitos, outros pela dureza das
condições prisionais que lhes eram impostas.

Álvaro Cunhal, por exemplo, cuja militância comunista o conduziu à cadeia, gozou
de um regime prisional singular pelo facto de ser a figura mais emblemática do comunismo
português com grande notoriedade nacional e internacional. Ou seja, a PIDE, embora o
considerasse um «transviado», reconhecia-lhe a condição social distinguindo-o dos outros
presos. No entanto, a sua situação prisional não foi pacífica e deu origem a conflitos entre a
PIDE e as autoridades prisionais e judiciais. Apesar da polícia política justificar o regime
excecional em que se encontrava Cunhal, por não estar garantida a inocuidade das
atividades subversivas dentro da cadeia e por isso, a necessidade de uma vigilância especial,
o seu regime prisional tornou-se menos violento. Esta nova situação garantiu-lhe, por
exemplo, a devolução de alguns dos seus objetos pessoais, entre eles, algum material de
pintura a óleo. No entanto, esta distinção de tratamento também se ficou a dever às
pressões estrangeiras que recaíam sobre o governo português.

Também no Aljube o tratamento era diferenciado entre os presos políticos, a


esmagadora população prisional que ali se encontrava encarcerada. Na obra Sala 3 e Outros
Contos, Manuel Tiago descreve a diferença de tratamento entre os presos proletários,
aprisionados na sala e os presos burgueses, a quem o estatuto social ou económico,
permitia a prisão no quarto.

João Paulo Freire, preso 99 dias no Aljube, não só por ser um jornalista que não
pactuava com o regime, mas também por afirmar no 3.º volume do livro Os Judeus, que

218 Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 6ª edição, 2009, p. 361
82
Aljube, a história de uma prisão

Salazar tinha ascendência judaica,219 descreve, nas suas memórias, a distinção que se fazia
entre os presos. Refere que, em 1940, existia no Aljube a 3.ª classe, a 2.ª classe, as celas
incomunicáveis, a 1.ª classe e no último andar funcionava a enfermaria. Ele próprio foi
«mandado para a 1.ª classe, mediante o pagamento de 10 escudos diários e com comida à
sua custa».

O reformado Brigadeiro da Aeronáutica, António de Sousa Maya, em carta dirigida


ao Ministro do Exército a 15 de maio de 1952, diz que foi preso, «juntamente com outras
pessoas de categoria social conhecida», 220 e obrigado a pagar adiantadamente 40$00 por
quatro dias de diária, caso contrário seria «alojado noutra camarata com presos de mais
baixa condição social e comendo rancho geral». Na mesma carta refere que, a partir no
momento em que se juntaram, vindos de Caxias, o major Sarsfield Rodrigues e os capitães
Macedo e Costa Pereira, e apesar de continuar a pagar a comida, deixou de pagar os 10$00
diários e as camas passaram a ser feitas por um servente.

Sérgio Ribeiro conta que, na fase em que se encontrava na enfermaria do Aljube, se


cruzou com o médico neurologista Orlando Carvalho, que devido ao seu estatuto social e
embora na condição de preso, tinha a permissão de dar consultas a senhoras ligadas à
polícia política e ao governo, que o procuravam na cadeia. Acrescenta que, neste período,
se alimentava muito bem na prisão, atendendo que o médico recebia comida do exterior e
distribuía pelos companheiros de cela. Foi também na enfermaria do Aljube que conheceu
o psiquiatra Seabra Dinis, a quem também tinha sido dada autorização para consultar
pacientes.

219 Numa Europa ameaçada pelo antissemitismo alemão, era um crime acusar um chefe de Estado de tal
origem.
220 ANTT – MAI/GM – GBT 8/52 Cx 80 [pt.13]

83
Aljube, a história de uma prisão

VI - Fugas da cadeia

O Estado procurava impor a imagem de terror da sua polícia, no sentido de


intimidar a população. Contudo, a «fama da PIDE omnipresente e omnipotente não
chegou para travar a resistência».221 No entanto, apesar de não ter conseguido neutralizar
definitivamente as oposições, conseguiu travá-las, impedindo-as de derrubar o regime até
1974. Este travão fez-se pelo encarceramento de opositores, procurando isolá-los e
aniquilá-los política e socialmente. Saliente-se, contudo, que não foi só a repressão que fez
durar o regime, este aguentou-se também com recurso à intimidação e à desmobilização
social e política.

Conscientes que a resistência também se fazia dentro da prisão e que os presos


procuravam todos os artifícios para fugir dela e do rigor do regime, este mantinha sobre
elas uma apertada vigilância. Assim, todas as cadeias políticas eram vigiadas no exterior pela
GNR e no interior pelos guardas dos serviços prisionais. Dentro e fora tudo era
meticulosamente estudado de modo a evitar qualquer hipótese de fuga dos presos políticos.

À medida que se institucionalizou o Estado Novo e com ele se verificou o aumento


da repressão, começou a crescer a preocupação com os problemas de segurança e de
sobrelotação das prisões políticas existentes até então.

A este respeito diga-se que a segurança da prisão, e com ela a impossibilidade de


fuga por parte dos presos, foi desde sempre uma preocupação manifestada pela direção da
cadeia do Aljube. Por exemplo, quando se realizaram as obras de reparação das fachadas na
cadeia, entre 1935 e 1936, na sequência da alteração proporcionada pela construção da
enfermaria, o Diretor da Cadeia manifestou relutância na construção de umas escadas
exteriores. Estas tinham sido feitas pelo empreiteiro da obra, com o objetivo de conseguir
movimentar-se com mais facilidade entre os pisos alvo de trabalhos. No entanto, o diretor
da cadeia, em carta datada de 9 de março de 1936 aponta-as como um elemento de pouca
segurança, pois podiam ser usadas para os presos se evadirem da cadeia.222

Mais tarde, já em maio de 1948, o Diretor da Cadeia volta a solicitar ao Diretor


Geral dos Monumentos e Edifícios Nacionais, a necessidade de colocar grades em algumas

221 Elementos para a História da PIDE, Associação de Ex-presos políticos antifascistas, Lisboa, p. 4
222 IHRU/SIPA – DSARH – 004/125 – 0193/07
84
Aljube, a história de uma prisão

janelas do terceiro andar do edifício, a partir das quais de tinha dado uma evasão recente.223
Procurava-se, desta forma, colmatar as vulnerabilidades do edifício e evitar fugas futuras.

Em outubro de 1960, a PIDE, pela pena do Diretor da Cadeia, roga a execução de


trabalhos no sentido de se proceder a melhorias de beneficiação da prisão, sobretudo
ligadas às condições de segurança. Neste contexto, apela à alteração dos tetos do último
piso, que eram constituídos por vigamento de madeira e estuque e por isso vulnerável às
fugas dos presos. 224 Contudo, este reparo não foi de imediato executado, devido ao
orçamento daquele ano não conseguir comportar tal despesa.

No entanto, «apesar dos requintes de segurança e da minúcia das proibições que


rodeiam os presos, apesar de cuidados especiais e das buscas constantes às salas, por vezes
os presos conseguem evadir-se».225 As cadeias políticas não eram pois imunes aos anseios
de liberdade de quem lá (sobre)viveu.

Todas as cadeias políticas foram palco de ações de fuga por parte da oposição ao
regime vigente em Portugal. Anarquistas, reviralhistas, socialistas, comunistas e outros
oposicionistas foram protagonistas de algumas dessas experiências. Saliente-se, contudo,
que a «partir de 1940 passam a ser bastante raros os casos de fuga da prisão por parte de
ativistas militantes de organizações e setores da oposição não comunista».226

VI. i - 4 de abril de 1932

A 4 de abril de 1932 registou-se a fuga coletiva à mão armada de Emídio Guerreiro,


Filipe José da Costa, Heitor Rodrigues, José dos Santos Rocha, José Severo dos Santos e
Manuel Sanches Dias, alguns presos por tentativa de revolta militar no dia 26 de agosto de
1931. Esta fuga decorreu no período da visita das famílias, tendo resultado na morte do
guarda de serviço, atingido quando os presos o tentaram imobilizar. Durante o tumulto
gerado, os presos fugiram para a rua, onde os aguardavam automóveis para os levarem.

223 IHRU/SIPA – DSARH – 004/125 – 0193/12 – Ofício 826/48


224 IHRU/SIPA – DREL – 00990/1
225 José Dias Coelho, A Resistência em Portugal, Coleção Resistência, Edições Avante!, Lisboa, 2006, pp. 158-

159
226
João Madeira e Luís Farinha, in «Fugas das cadeias da pide», História, n.º 28, ano XXII (III Série),
setembro de 2000, p. 31
85
Aljube, a história de uma prisão

VI. ii - 23 de maio de 1938

Francisco Paula de Oliveira, conhecido por Pável, segundo o regime um «agitador


comunista», foi recapturado227 a 10 de janeiro de 1938, junto da sede do Secretariado do
PCP, local da redação principal do jornal clandestino Avante! A sua prisão não foi, contudo,
pacífica, pois, para além de ter provocado, no momento da sua captura, um incêndio em
resultado da queima de vários documentos, ainda se envolveu numa «luta empolgante» com
os agentes da PVDE.228

Depois de preso foi enviado para a enfermaria do Aljube, a fim de fazer um


tratamento pulmonar. Ao som de canções revolucionárias, que entoava em atitude de
desafio aos guardas prisionais, Pável conheceu o enfermeiro Augusto Rodrigues Pinto, que
o aconselhou a não continuar a cantar e o informou ser um antigo militante juvenil. Este
aceitou ajudá-lo na fuga se, em contrapartida, o enviassem para a URSS.

Francisco Paula de Oliveira conseguiu, com a conivência do PCP, a quem coube o


apoio externo necessário, fugir do Aljube, enquanto aguardava julgamento, no dia 23 de
maio desse mesmo ano. Com ele fugiu também António Gomes Pereira e o enfermeiro
Augusto Rodrigues Pinto. Depois de atingirem a claraboia de um prédio vizinho à cadeia,
desceram as escadas e chegaram à rua, onde os esperavam dois automóveis. Pável
inicialmente foi levado para uma cave na Estrada de Benfica e mais tarde, para uma casa na
Rua Tomás Ribeiro, propriedade da família Fiadeiro. Aqui foi tratado a um ferimento na
mão pelo médico Ludgero Pinto Basto e, dias depois seguiu para o Porto, «onde
funcionava uma rede de fuga para fora de Portugal de refugiados espanhóis do Socorro
Vermelho Internacional». 229 A 8 de julho de 1938, segundo um informador da PVDE,
Francisco da Paula de Oliveira encontrava-se em Marselha, para onde viajou
clandestinamente na caixa de carvão de um navio sueco.

Pável foi condenado, à revelia, pelo Tribunal Militar Especial, a quatro anos de
prisão correcional.

227
Francisco Paula de Oliveira já tinha fugido, em 1934, do Sanatório da Ajuda, quando era secretário-geral
da Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas.
228
Irene Pimentel, «A cantiga com a arma», in, «Fugas das cadeias da pide», História, n.º 28, ano XXII (III
Série), setembro de 2000, p. 28
229
Idem
86
Aljube, a história de uma prisão

VI. iii - 16 de maio de 1948

Hermínio da Palma Inácio, preso a 6 de setembro de 1947 na sequência do seu


envolvimento na Abrilada desse ano, na qual sabotou os aviões da base área n.º 1 de Sintra,
concretizou a sua evasão do Aljube às 9 horas, do dia 16 de maio de 1948. Inicialmente
esteve preso em regime de incomunicabilidade, período durante o qual solicita ao Diretor o
reembolso do dinheiro que lhe tinha sido retirado pela polícia quando foi capturado, uma
vez que necessitava dele para comprar os artigos necessários à sua higiene pessoal, como
papel higiénico, sabão, pasta dentífrica, toalha e alguma roupa interior,230 visto que a cadeia
não fornecia nada disto. Apesar de ter estado preso aproximadamente 90 dias sem culpa
formada, o Diretor solicitou ao Ministro do Interior a prorrogação por mais 90 dias
divididos em dois períodos de 45 dias para instrução preparatória, no sentido de se
conhecer todas as suas ligações para apurar por completo as responsabilidades neste
processo.231

Quando foi transferido para a sala 2A informou os outros reclusos da possibilidade


de fugir pela única janela não gradeada da cadeia, na sala de visitas do terceiro andar, onde
os presos aguardavam uns pelos outros, quando as casas de banho estavam ocupadas.
Depois de estudados minuciosamente todos os pormenores da fuga, incluindo o cálculo a
que a janela distava do chão e o número de lençóis necessários para atingir a liberdade,
Palma Inácio, em colaboração com os seus companheiros de cela, colocou em prática o seu
plano.

Assim, Palma Inácio, Celestino das Neves, Leopoldo Lino e Amílcar dos Anjos
Pereira pediram ao guarda que os acompanhasse à casa de banho. José Ferreira da Silva,
também preso na sala 2 A, apesar de se ter apercebido que Palma Inácio e Celestino das
Neves levavam escondidos entre as calças e o casaco, dois lençóis cada, não teve qualquer
interferência no plano de fuga, como mais tarde irá declarar à polícia política.

O preso Leopoldo Lino prontificou-se a demorar o máximo tempo possível na casa


de banho, no sentido de fazer com que o guarda que o acompanhava não voltasse com
rapidez e assim dar-lhes tempo de ligarem os lençóis entre si. Isto porque enquanto
230 Carta manuscrita de Palma Inácio ao Diretor, datada de 18 de setembro de 1947. ANTT – PIDE/DGS –
Proc. 1002/47 – NT 4944
231 Carta do Diretor ao Ministro do Interior, datada de 28 de novembro de 1947. ANTT – PIDE/DGS –

Proc. 1002/47 – NT 4944


87
Aljube, a história de uma prisão

ficavam na sala à espera da sua vez, os presos ficavam sozinhos, já que o guarda de serviço
tinha outras missões às quais tinha de atender.

Assim, enquanto Leopoldo Lino foi à casa de banho, os outros presos aguardavam
na sala de visitas. Depois de atarem os lençóis e entalarem a ponta do último entre a janela
e o peitoril, Palma Inácio iniciou a descida rumo ao mundo exterior, segundo os cálculos
seriam aproximadamente 8 a 10 metros. Mas ao saltar para o solo bateu numas tábuas
[figura 16] que se encontravam no chão e provocou um ruído, que deu imediatamente o
alarme ao guarda da GNR que se encontrava de vigilância. Alerta que impediu que
Celestino Neves fugisse também.

Figura 16: Fotografia da janela por onde se evadiu Palma Inácio


Fonte: PT-TT-PIDE/DGS - NT 4967 Proc. 472//48

O guarda da GNR quando ouviu o estrondo e se apercebeu que um preso tinha


acabado de fugir da cadeia pensou em persegui-lo, no entanto optou por ficar a vigiar a
janela com receio que outro preso se evadisse.232 Este facto permitiu que Palma Inácio se

232Auto de declarações ao guarda da GNR responsável pela vigilância no exterior da cadeia do Aljube. ANTT
– PIDE/DGS – SC – Proc. 472/48 – NT 4967
88
Aljube, a história de uma prisão

misturasse na rua, cheia de gente, para evitar que os guardas disparassem sobre si. Correu e
na Rua da Madalena entrou num táxi. Estava consumada a fuga.

VI. iv - 27 de abril de 1955 (tentativa gorada)

A 27 de abril de 1955 deu-se a tentativa frustrada de fuga de Jaime Serra. Preso


incomunicável desde dezembro de 1954, tomou conhecimento que na sala 3 do primeiro
andar do edifício, onde normalmente se encontravam os presos em trânsito para as outras
prisões, decorriam obras, pelo que se encontrava vazia. A partir daí elaborou um plano de
fuga. Há semelhança de todos os planos elaborados por outros presos, a ajuda externa era
233
fundamental. Neste caso, para além da ferramenta necessária à escavação, era
imprescindível que a iluminação das ruas adjacentes fosse cortada. Apesar de não ter sido
oficialmente provada a ajuda externa, até mesmo porque no auto de averiguações Jaime
Serra recusou-se sempre a prestar qualquer esclarecimento como tinha chegado à posse das
ferramentas, vários factos parecem mostrar que ela foi uma peça chave para a
concretização do plano, mesmo que ele tenha saído gorado.

No auto de declarações elaborado após o sucedido, refere-se que a ferramenta era


transportada a pouco e pouco pelo próprio preso no regresso das visitas que recebia da
família. E era relativamente fácil para o preso esconder alguns objetos, sobretudo se fossem
transportados no interior das pernas, porque, como já se referiu, a revista não era, nestas
circunstâncias, muito cuidada. Para além disso, as tiras de lençol estavam cosidas umas às
outras, de forma a criar uma maior resistência e atendendo que a cadeia não fornecia
lençóis para os bailiques, estes tinham de vir de casa, já que isso era-lhes permitido. Outro
facto que parece provar a existência de colaboração externa na fuga de Jaime Serra prende-
se com o corte de energia elétrica na Rua Augusto Rosa às 4h45m, mantendo-se acesos os
candeeiros das ruas imediatas. A porta da cabine de iluminação pública estava semiaberta e
o setor correspondente desligado, quando os guardas da GNR, António Abel de Oliveira

233Da lista apreendida contam-se as seguintes ferramentas: «dois escopros, duas facas tipo sapateiro, duas
limas, duas lanternas, quatro cargas para as mesmas lanternas, um serrote, uma serra para ferro, um serrote
em arco completo e várias serras finas para o mesmo». in, Jaime Serra, 12 Fugas das Prisões de Salazar, Coleção
Resistência, Edições Avante!, Lisboa, 3.ª edição, 2011, p. 80; Jaime Serra, Eles têm o direito de saber, Coleção
Resistência, Edições Avante!, Lisboa, 1997, p. 88
89
Aljube, a história de uma prisão

Guimarães e José dos Santos Mesquita, foram fazer a ligação da luz à Rua do Barão. 234 A
escuridão apenas reinava em frente da cadeia.

Para fugir teria de abrir uma passagem no chão da cela n.º 12, onde se encontrava
isolado, para o primeiro andar e daí fazer um buraco na parede que o levaria à liberdade,
diretamente para a Rua do Aljube.

A tarefa de serrar o soalho era morosa e obrigava Jaime Serra a disfarçar o corte
com pregos semelhantes aos do chão, uma vez que a cela era varrida todos os dias e lavada
aos sábados pelos serventes que prestavam serviço na cadeia. Este disfarce só foi possível
porque existiam duas camadas de forro no soalho. Segundo o auto de averiguações Serra
deve ter levantado os pedaços de madeira pequenos e cortado o forro interior, colocando
de novo as tábuas de folhamento sempre que precisava de interromper o trabalho.

Depois de criar a ilusão que tudo permanecia intocável na sua cela, inclusive a cama
onde se deitava todas as noites, enchendo-a de roupa e jornais de forma a criar um volume
idêntico ao do seu corpo, retirou as tábuas do soalho e cortou o estuque do teto do piso de
baixo. O orifício, com dimensões de 31 cm de comprimento e 26,5 cm de largura e aberto
no intervalo de duas traves de vigamento, deu-lhe acesso aos balneários da sala 3, cuja
dependência ficava na extremidade do respetivo pavimento. Alcançado o primeiro andar,
graças à corda de lençóis torcidos que usou, iniciou a tarefa de abrir o buraco na parede
exterior, a partir da qual encontraria a almejada liberdade.

No entanto, algo haveria de correr mal e à meia-noite, depois de trocar o turno, o


guarda prisional de serviço, Manuel Fernandes, depois de fazer a revista às várias
dependências da cadeia, à exceção da sala 2, constituída por celas com os presos isolados, a
cargo de outro guarda, dirigiu-se à arrecadação situada no primeiro andar. Acendeu a luz e
encontrou uma escada feita de tiras de lençol e algumas travessas de madeira, que pendiam
sobre um buraco feito no chão do piso de cima. Depois viu junto da janela parte do peitoril
desfeito e um cobertor cheio de pedaços de calica.

O seu plano acabara de ser frustrado e em resultado desta tentativa, Jaime Serra
ficou quinze dias no «segredo» do Aljube, «a pão e água, sem mantas, nem colchão e apenas
com a roupa ligeira que tinha vestido».235 Jaime Serra, quando foi apanhado pelo guarda
Manuel Fernandes tinha vestido um fato de pijama. Cumpridos os quinze dias, Jaime Serra
foi transferido para a prisão de Caxias.

234ANTT – Proc. 83/55, NT 5114, 28/03/1955


235Jaime Serra, 12 Fugas das Prisões de Salazar, Coleção Resistência, Edições Avante!, Lisboa, 3.ª edição, 2011,
p. 83
90
Aljube, a história de uma prisão

Apesar de não ter sido uma evasão bem sucedida, levantou várias questões de
segurança e de negligência na vigilância dos presos. A primeira refere-se ao facto dos
presos não serem convenientemente revistados depois das visitas dos familiares. Para além
disso, não existia nenhuma indicação que aquele recluso já se tinha evadido da Cadeia do
Forte de Peniche, nem que era necessária uma vigilância especial sobre ele. No entanto,
quando o guarda responsável pela vigilância da sala 2 foi questionado sobre uma possível
negligência da parte dele, este remeteu para a dificuldade de ouvir qualquer ruído estranho
do interior das celas dos isolados, uma vez que o corredor é paralelo à via pública e junto às
janelas, numa extensão de mais de 20 metros.236

Os danos provocados no sobrado da cela, no teto do pavimento inferior, na parede


junto da janela e nos três cobertores rasgados forma avaliados em 192$00.

VI . v - Madrugada de 25 para 26 de maio de 1957

A 25 de maio de 1957 fugiram Américo de Sousa, Carlos Brito e Rolando Verdial,


todos funcionários do Partido Comunista Português. Neste período existia um elevado
número de presos políticos no Aljube, não só fruto da repressão diária a que estavam
sujeitos todos aqueles que ousassem contestar o regime, mas também pela necessidade
decorrente das obras em curso na prisão de Caxias. O facto de existirem muitos presos no
Aljube levou a um maior movimento de contestação pelos presos, que exigiam melhores
condições prisionais, entre elas na alimentação, na higiene e no regime de visitas. Para
controlar estes movimentos e numa tentativa de minimizar os riscos de uma revolta bem
sucedida para os presos, a solução dos guardas foi isolar aqueles que consideravam mais
perniciosos para a estabilidade da cadeia. Na sequência desta tomada de posição, Francisco
Miguel, Blanqui Teixeira e Américo de Sousa foram levados para o último andar da cadeia,
onde se encontrava a enfermaria desativada. A partir desse momento a palavra de ordem
no pensamento destes três membros do Comité Central do PCP foi liberdade e para isso
era necessário fugir das paredes que os acorrentavam àquele espaço físico onde se
encontravam.

236 ANTT – Proc.83/55, NT 5114, 28/03/1955


91
Aljube, a história de uma prisão

Para planear a fuga tudo tinha de ser articulado com o exterior, através dos
contactos feitos durante as visitas ou por correspondência com a família, usando para o
efeito mensagens cifradas. Para além disso, tudo era meticulosamente pensado, desde a
altura exata para cortar os lençóis, que serviriam de corda para a descida, ao tempo que esta
demoraria a realizar-se de forma a ser coincidente com a ajuda no exterior, ao disfarce
necessário do corte feito nas grades e aos horários a que eram feitas as rondas noturnas
pelos guardas da cadeia. Para o efeito, organizaram turnos de duas horas, nas quais dois
presos se mantinham vigilantes e atentos a todo a atividade noturna da prisão, de forma a
estudar ao mais ínfimo pormenor o comportamento dos guardas de serviço à sala.

Era ainda necessário pensar no tempo que demoraria a serrar as grades e como
anular ou de algum modo diminuir o ruído provocado pelo seu corte. Manuel Tiago, no
seu livro Sala 3 e outros contos, descreve que «no silêncio da sala, o ruído agudo do serrar
soava com inconfundível nitidez»237 e para amortecer o som foi necessário untar a serra,
que chegou às mãos dos presos dissimulada numa prenda de anos, com azeite. No entanto,
o ruído apenas se tornou «menos agudo, mas igualmente percetível».238 Daí que o corte nas
grades avançasse de acordo com o som do barulho que vinha da rua e eram disfarçados, no
interior, com «uma massa de miolo de pão com ferrugem e tinta, que se iam soltando com
o corte».239 Acrescia-lhes a segurança, já estudada anteriormente pelos presos vigilantes do
comportamento dos guardas prisionais, que estes faziam apenas uma «observação muito
superficial às grades, limitando-se a examiná-las com um foco de laterna».240

«Cortámos uma cruzeta que dava o espaço para se passar. No último corte
deixámos apenas um bocadinho para suportar o conjunto do peso da peça, que só foi
arrancada no momento em que saímos».241

Conscientes que a fuga exigia fortes aptidões físicas, dados os obstáculos que teriam
de passar, como os desníveis dos prédios e a altura a que se encontravam 242 os locais de
passagem, era também necessário escolher os presos que iriam rumar à liberdade. Na
seleção foi também tido em conta a situação jurídica e a vontade de cada um. A sorte
coube, como já se referiu anteriormente, a Américo de Sousa, Carlos Brito e a Rolando

237 Manuel Tiago, Sala 3 e outros contos, Coleção Resistência, Edições Avante!, Lisboa, 2001, p. 57
238 Ibidem, p. 58
239 Ibidem, p.59
240 Jaime Serra, 12 fugas das prisões de Salazar, Coleção Resistência, Edições Avante!, Lisboa, 2011, p. 97
241 Entrevistas conduzidas por Miguel Medina, Esboços: antifascistas relatam as suas experiências nas prisões do

fascismo, Câmara Municipal de Lisboa, Imprensa Municipal, Lisboa, 1999, vol. 2, p. 15


242 Nas palavras de Jaime Serra, a altura a que se encontrava o algeroz que tinham de atravessar correspondia

a um quinto andar. in Jaime Serra, 12 fugas das prisões de Salazar, Coleção Resistência, Edições Avante!, Lisboa,
2011, p. 97
92
Aljube, a história de uma prisão

Verdial. Nem Francisco Miguel nem Blanqui Teixeira integraram o grupo em fuga, o
primeiro por se encontrar numa situação jurídica vantajosa, já que se pensava que a sua
libertação iria acontecer a curto prazo e o segundo alegando problemas de vista.

A fuga deu-se pela janela da enfermaria desativada no último andar da prisão, onde
eles se encontravam. Depois da ronda das duas da madrugada, deram início ao plano de
fuga. O primeiro a sair foi Américo de Sousa, seguido de Carlos Brito e por último
Rolando Verdial. Depois das acrobacias exigidas para passar o corpo pelas grades serradas,
saltaram para o algeroz em pedra, concebido para remoção das águas, que existia na
fachada e que corria ao longo do prédio. A altura a que se encontravam do chão era
respeitável, uma «sensação de completo desamparo».243 Lá em baixo um guarda da GNR
fazia a vigilância noturna. Apoiados na parede, que era forrada de telhas como nas águas-
furtadas, iniciaram o trajeto que os levariam à liberdade. «Corpo encostado de face ao
edifício, braços abertos à altura dos ombros, palmas das mãos apoiadas na parede, os pés
sempre calcanhar contra biqueira, deslocando-se lentamente pelo estreito rebordo de pedra,
sem qualquer pressa, sem impaciência, devagar, devagar, espírito calmo e confiante».244

Depois de percorridos aproximadamente dez metros, desceram, com a ajuda de


uma corda de lençóis, para o primeiro prédio. A corda tinha-se revelado curta, pois a
distância a que o prédio ficava excedia os seis metros inicialmente calculados. Atravessado
o primeiro prédio, passaram para o telhado do segundo prédio, onde viveu o ator que deu
nome à rua Augusto Rosa, e daí saltaram para a varanda do último andar, que se
encontrava devoluto. Deolinda Franco, militante do partido, que visitara a casa na véspera,
como se a quisesse alugar, tinha deixado uma janela entreaberta. Daí para a rua foi apenas
uma questão de compor o cabelo, calçar os sapatos e vestir os casacos que traziam
amarrados à cintura. Saíram do prédio, que se encontrava a uma distância de cinquenta
metros da sentinela da GNR de serviço à entrada da cadeia, e seguiram rumo ao local onde
deveria estar um carro à espera. Apesar de este não ter aparecido, e de terem de se socorrer,
no Largo da Graça, de um táxi, a fuga da prisão foi um êxito. Agora, a luta era feita na
clandestinidade.

Carlos Brito recorda que anos mais tarde conheceu um jovem numa das primeiras
festas do Avante! que, em criança, tinha vivido no último andar do prédio junto ao Aljube.
O jovem contou-lhe que uma noite acordou com barulho e chamou o pai anunciando a
presença de ladrões. O pai respondeu-lhe «Quais ladrões?! São gatos, dorme rapaz!» O
243
Testemunho de Carlos Brito (entrevistado a 18 de agosto de 2012)
244 Manuel Tiago, Sala 3 e outros contos, Coleção Resistência, Edições Avante!, Lisboa, 2001, p. 62
93
Aljube, a história de uma prisão

rapaz não convencido, mas vencido retorquiu «Gatos seriam». Só quando foi dado o alarme
na cadeia da fuga de presos, é que o seu pai lhe explicou aquilo que verdadeiramente tinha
acontecido. Este episódio serve para provar que a cumplicidade espontânea da população
também se revelou crucial para o sucesso desta e de outras fugas nas cadeias políticas do
Estado Novo.

À coragem e audácia individual necessária para fugir aos rigores do sistema prisional
e à paciente capacidade de observação das rotinas carcerárias, foi também fundamental
contar, nalguns casos, com a ajuda externa, sobretudo, e no caso dos evadidos comunistas,
da organização partidária. Mas também é essencial referir que em determinadas situações,
os presos em fuga contaram com a cumplicidade da população em geral. Assim apesar do
terror do exemplo que a polícia política pretendia impor, também existiu em Portugal uma
cultura de resistência e solidariedade.

Fugir da prisão representava a escolha de continuar a lutar pelo ideal da liberdade e


democracia na clandestinidade ou fora de Portugal, opção que continuava a significar um
duro modo de vida, embora livre das grades prisionais. Por isso, quer sob a tortura do
cárcere, quer sob a perseguição e a clandestinidade, o Estado Novo, foi, para todos aqueles
que deram o corpo pelo fim desta opressão, tempos de luta, de combates ganhos e batalhas
perdidas.

94
Conclusão

Capítulo V – Conclusão

O Estado Português no período que decorre entre 1926 e 1974 demonstrou uma
grande preocupação pela atmosfera política que se respirava no país, estando sempre em
alerta a qualquer campanha surda de descrédito do poder vigente. Numa total ausência de
liberdades, instituiu uma feroz censura à imprensa, aos livros, ao teatro, ao cinema, à radio
e encarcerou aqueles que representavam um possível foco de dissonância. Para que nada
perturbasse a sua estabilidade apoiou-se num aparelho fortemente policial e repressivo,
com tentáculos em todos os lugares do país.

As prisões, por motivos políticos, estavam por isso envoltas num gigantesco rol de
arbitrariedades e ainda que o governo tenha tentado cobri-las com um manto de legalidade,
apoiando-se na defesa da moral e do direito e na necessidade de garantir o bem da Nação,
elas representaram, sempre, um atropelo à lei base do país, a Constituição. Regulando assim
os direitos e garantias individuais ao sabor das suas pretensões, o regime impôs ao país um
clima onde reinava o medo de cair na sua teia. Apesar disso, a luta pela democracia, justiça
e liberdade continuou a fazer parte dos horizontes da população, que embora amordaçada,
continuou, clandestinamente, a resistir.

Atrás das grades o regime foi mantendo alguns oposicionistas, numa tentativa de os
isolar e aniquilar politicamente. Os presos eram obrigados a permanecerem nas prisões por
mais tempo do que o instituído pelo tribunal, períodos que a polícia renovava sem
interferência do «Estado de direito» que Salazar propagandeava. Usar e abusar de maus
tratos, violação de domicílio, condenação sumária, leis de exceção, arrastar processos sem
julgamento faziam parte da realidade insofismável da justiça portuguesa.

Foi neste contexto, e porque o regime em vez de investigar e prender depois;


primeiro prendia e depois investigava, que a cadeia do Aljube ganhou contornos que a
tornaram ímpar. Era aqui, como anteriormente se demonstrou, que ficavam os presos na
fase instrutória, pois esta cadeia, embora sendo-lhe reconhecidas as más condições de
salubridade, tinha celas individuais que garantiam o isolamento e a incomunicabilidade dos
presos. O Aljube funcionava, deste modo, como uma antecâmara da sede da PIDE na Rua
António Maria Cardoso. Foi o facto de se ter tornado uma cadeia de transição, onde os
presos permaneciam no período em que decorriam os interrogatórios, que caracterizou a

95
Conclusão

sua especificidade no panorama prisional português, distinguindo-se assim das outras


cadeias, onde os presos cumpriam efetivamente as penas a que tinham sido condenados.

No Aljube as vidas estavam aparentemente suspensas, numa espécie de stand by até


que a justa legalidade penal as colocasse novamente em movimento. No entanto,
desenganem-se aqueles que acreditaram que a população prisional vivia na inércia absoluta
que só uma vida acorrentada a quatro paredes podia proporcionar. Muitos deles, como nos
conta Fernando Miguel Bernardes na obra Uma Fortaleza da Resistência, «eram presos de
alma livre, de ideais elevados, de modo geralmente tão forte que lhes permitia superar as
barreiras do isolamento»245, eram pássaros metidos numa gaiola. Não os pássaros de que
nos fala António José Saraiva que desistiram de se servir das asas, mas aqueles que, como a
boa militância definia, as souberam usar disciplinadamente. E foram muitas as vezes em
que as asas da imaginação, cortando as amarras à excessiva e doentia calma do isolamento,
lhes trouxeram alguma serenidade, ou melhor, sanidade.

No entanto, e apesar de todas as cadeias políticas simbolizarem aquilo que de pior


se fazia em Portugal, no período em causa, a cadeia do Aljube representou, para todos
aqueles que lá passaram, a fase mais difícil do encarceramento. Na inércia doentia do
isolamento, na angústia avassaladora provocada pela incerteza da próxima ida à polícia, na
certeza que esta não agourava nada de bom, atendendo aos conhecidos métodos que a
polícia política usava para conseguir as informações que desejava dos presos, a vida no
Aljube era de facto um tormento.

245
Fernando Miguel Bernardes, Uma Fortaleza da Resistência, Coleção Resistência, Edições Avante!, Lisboa,
1991, contracapa.
96
Listagem de figuras

Listagem de figuras

Figura 1 Levantamento Topográfico de Lisboa, 1871 p. 37

Figura 2 Presas no trabalho, maio de 1905 p. 42

Figura 3 Aspeto da enxovia, maio de 1905 p. 43

Figura 4 Remodelação do 4.º pavimento da Cadeia do Aljube (1969) p. 47

Figura 5 Pormenor da manga da camisa de Jaime Serra p. 51

Figura 6 Camisa de Jaime Serra p. 51

Figura 7 Desenho da prisão de Jaime Serra – Estátua p. 57

Figura 8 Desenho da prisão de Jaime Serra – Espancamentos p. 59

Figura 9 Desenho da prisão de Jaime Serra – Sala 2 – Incomunicabilidade p. 60

Figura 10 Cadeia do Aljube, 4.º pavimento, data provável 1956 p. 62

Figura 11 Estudo das obras de remodelação e beneficiação da Cadeia p. 63

Figura 12 Proposta de remodelação do 4.º pavimento p. 64

Figura 13 Fotografia da reconstituição de um curro p. 65

Figura 14 Desenho da prisão de Jaime Serra – Perspetiva do fundo da cela p. 65

Figura 15 4.º pavimento, indicação da cela n.º 14, data provável 1956 p. 69

Figura 16 Fotografia da janela por onde se evadiu Palma Inácio p. 88

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. n.º 27 de 13 de fevereiro de 1918 – Ministério da Justiça e dos Cultos – Decreto lei


n.º 3 827

. n.º 81 de 18 de abril de 1918 – Ministério da Justiça e dos Cultos – Decreto lei n.º
4 099

. n.º 128 de 11 de junho de 1925 - Ministério da Justiça e dos Cultos – Decreto lei
n.º 10 841

. n.º 284 de 5 de dezembro de 1932 - Suplemento - Ministério da Justiça e dos Cultos –


Decreto lei n.º 21 942

. n.º 284 de 5 de dezembro de 1932 - Suplemento - Ministério da Justiça e dos Cultos –


Decreto lei n.º 21 943

. n.º 181 de 5 de agosto de 1937 – Ministério da Justiça – Decreto lei n.º 27 928

. n.º 183 de 16 de agosto de 1945 – Ministério da Justiça – Portaria n.º 11 063

. n.º 167 de 8 de agosto de 1951 – Ministério da Justiça – Decreto lei n.º 38 386

. n.º 290 de 31 de dezembro de 1953 – Ministério da Justiça – Portaria n.º 14 683

Imprensa

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O Século

Diário de Notícias

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«Fugas das cadeias da PIDE» (dossier), in História, Ano XXII (III Série), n.º 28,
João Madeira e Luís Farinha, setembro de 2000, pp. 23-56

Entrevistas

Artur Pinto, entrevista a 13 de agosto de 2012, via e-mail

Carlos Brito, entrevista a 18 de agosto de 2012, em Alcoutim, Algarve

Sérgio Ribeiro, entrevistas a 8 de agosto de 2012, em Zambujal, Ourém

106
Anexos

Anexos

Anexo I

Anexo I: Cadastro do edifício da Cadeia do Aljube

Fonte: IHRU/SIPA – DSARH-004/125-0193/10

107
Anexos

Anexo II (6 páginas)

108
Anexos

109
Anexos

110
Anexos

111
Anexos

112
Anexos

Anexo II: Memória descritiva - novembro de 1957 (sublinhados a vermelho meus)

Fonte: IHRU/SIPA – DSARH-004/125-0193

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