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Agradecimentos
Estou igualmente muito grata ao Doutor Sérgio Ribeiro pela partilha da sua sabedoria
e pelo apoio manifestado a esta causa, que creio ser também um pouco sua.
Expresso também a minha gratidão a Artur Pinto e a Carlos Brito pelos testemunhos
e vivências partilhadas, pois a História faz-se de protagonistas e sem eles ficaria certamente
empobrecida.
À Dr.ª Susana Martins que, não me conhecendo, deu preciosas indicações sobre os
locais de arquivo que devia seguir.
Pela atenção e simpatia quero também deixar o meu agradecimento a todos aqueles
que me acolheram nos vários arquivos por onde trabalhei.
Aos meus amigos, sobretudo à Ana Rita, à Carla e ao Bruno, agradeço o apoio e
força em todos os momentos. Ao David Fialho agradeço o profissionalismo e carinho.
Acima de tudo, um agradecimento especial ao meu pai, que mesmo não estando
entre nós, sempre me ensinou a nunca desistir
v
Resumo
[RESUMO]
Entre os finais do século XIX e inícios do século XX, o edifício do Aljube serviu de
prisão de mulheres. Contudo a sua história é sobretudo marcante no período em foco neste
trabalho, ou seja, entre 1928 e 1965. Nesta época, o Aljube de Lisboa serviu inteiramente
os interesses do poder instituído, albergando todos aqueles que eram suspeitos de atentar
contra a segurança do Estado, pondo em causa a ordem pública, fundamental e
estruturante para a sociedade saudável que se pretendia criar.
Embora tenha sido uma, entre outras prisões políticas criadas em Portugal, o
Aljube assume uma especificidade particular no panorama repressivo, sobretudo a partir
dos anos 40. Desde esta altura e até à data do seu encerramento em 1965, o Estado Novo
usava o Aljube como cadeia para encarcerar os presos políticos na fase instrutória dos
processos, pois nela existia um conjunto de celas individuais, num total de treze, que muito
embora não correspondessem às exigências regulamentares exigidas, permitiam o
isolamento dos presos. Era nos chamados curros que os presos permaneciam em regime de
incomunicabilidade até ao término das investigações da polícia política, que depois os
encaminhava para as outras prisões existentes quer em Portugal (Peniche, Caxias, Angra do
Heroísmo), quer para os territórios coloniais portugueses (Cabo Verde, Timor, Angola…).
vii
Resumo
prorrogar esse tempo para além da pena a que eram condenados; a inércia (quase total) que
o isolamento lhes trazia e a certeza que as idas à sede da polícia política, na Rua António
Maria Cardoso, ali tão próxima, eram sinónimo (quase sempre) de mais torturas, faziam da
passagem pela cadeia do Aljube um local non grato.
viii
Abstract
[ABSTRACT]
Aljube: a political prison
In the medieval period it was used as a prison for ecclesiastical offenders, at least
until the implantation of liberalism in the 19th century, when the ecclesiastical forum was
extinguished and all citizens stated to have a common justice.
Between the late nineteenth and early twentieth century, the building served as a
women's prison. But its history is particularly important during the period which is the
focus of this work, between 1928 and 1965. At this time, the Lisbon Aljube served fully the
interests of the established power, imprisoning all of those who were suspect of harming
state security, undermining public order, considered fundamental and structuring for the
healthy society that was intended to be created.
Although it was only one, among other political prisons created in Portugal, Aljube
assumes a particular specificity in repression, especially since the 40s. From this time until
the date of its closure in 1965, the New State used the Aljube prison to incarcerate political
prisoners during the instruction processes because it had a set of 13 individual cells, which,
even though they didn’t correspond to the necessary regulatory requirements, allowed the
isolation of prisoners. It was in the so called curros that prisoners remained incommunicable
until the end of the investigations of the political police, who later directed them to other
existing prisons in Portugal (Peniche, Caxias, Angra do Heroísmo) or for the Portuguese
colonial prisons (Cape Verde, East Timor, Angola ...).
The Aljube became markedly present in the memory of all those who went there. If
being arrested was a sentence by itself, the uncertainty of the time that a prisoner would
remain in jail, since the political police had the autonomy and authority to extend the
ix
Abstract
sentences time beyond the condemnation period; the inertia (almost total) that the isolation
brought to them and knowing that visits to the headquarters of the political police, in
António Maria Cardoso street, were synonymous (almost always) of more torture, made
the passage in Aljube prison an unpleasant period.
However, and despite all the outrages and inequities that prisoners were subject to,
the history of Aljube is also made of brave men who have not submitted to the interests of
the regime, which strived in the name of freedom and justice that they aspired for Portugal.
x
Índice
Índice
Resumo ...............................................................................................................................vii
Abstract .............................................................................................................................. ix
Introdução........................................................................................................................... ..1
Capítulo I:.............................................................................................................................. 3
I. Objeto da tese............................................................................................................ 3
I. Os Interrogatórios ..................................................................................................52
xi
Índice
Conclusão ...........................................................................................................................95
Bibliografia .........................................................................................................................99
xii
Lista de abreviaturas
Lista de abreviaturas
xiii
Introdução
Introdução
1
Introdução
fundamentais, sempre que estas colocavam em causa aquilo que o Estado, pela mão dos
governos deste período, considerava um bem supremo, ele próprio.
2
Objeto de tese
Capítulo I
I - Objeto de tese
Apesar de se fazer uma articulação com outras prisões que serviram os interesses
arbitrários do regime, o presente estudo pretende retratar a história do edifício, enquanto
estrutura arquitetónica; a história da prisão, enquanto local onde decorria a fase instrutória
dos processos, assim como o quotidiano daqueles que se viram privados da sua liberdade e
até da dignidade humana. Explicar a forma como as detenções aconteciam, articulando-as
com a legislação prisional em vigor na época, será também objeto de análise.
Para além de retratar a vida na prisão dos detidos políticos, pretende-se analisar as
diferenças de tratamento dos presos militantes dos partidos políticos, que se opunham ao
regime vigente, conforme a sua posição no partido, o seu nível cultural ou a sua origem
social e ainda analisar o código de comportamento a que estavam sujeitos estes indivíduos
quando encarcerados.
No quarto capítulo haverá também lugar para se perceber que o espaço prisional,
para além de sujeitar os detidos à pena, [já que a prisão era, nestes casos, por si só a pena
por excelência] era um local onde se subjugava os presos a toda a sorte de
constrangimentos físicos e psicológicos. Estes eram particularmente vincados no período
em que os presos se encontravam na fase instrutória dos processos e por isso encarcerados
no Aljube, onde, a partir da década de 40, as celas individuais colocavam o preso na mais
rigorosa incomunicabilidade. O Aljube especializou-se, assim, como cadeia de isolamento
na fase dos interrogatórios e é esta especificidade que o individualiza das outras cadeias
para presos políticos.
3
Objeto de tese
Não cabe, no âmbito deste trabalho, fazer uma análise exaustiva nem das outras
prisões políticas em território nacional (como por exemplo: Caxias, Peniche e Angra do
Heroísmo), nem da colónia penal do Tarrafal em Cabo Verde, para a qual já existe uma
extensa bibliografia. Embora se faça referência às várias cadeias que o regime usou para
encarcerar indivíduos por delitos políticos, dada a sua importância no enquadramento
teórico deste trabalho, seria incomportável fazer um estudo detalhado de todas elas,
correndo o risco de tornar o trabalho demasiado ambíguo e pouco profundo.
Este trabalho pretende de alguma forma contribuir para criar uma justa memória por
todos aqueles que foram vítimas das arbitrariedades de um Estado que erguia a bandeira de
amor e respeito à pátria, como se os homens e as mulheres que acorrentou, na sua ação de
limpeza da sociedade enferma, não fizessem parte dessa pátria.
Apesar de não ter a ambição de sarar as feridas que o aparelho repressor do Estado
Novo possa ter causado às centenas de homens e mulheres que se viram privados da sua
liberdade, quer pela mordaça da censura, quer pelas grades que os aprisionavam nas várias
cadeias políticas em Portugal e nas colónias, este trabalho pretende dar à História as
estórias que marcaram todas as fases do Aljube de Lisboa.
1
Artigo de Irene Pimentel, O Silêncio da História, A memória pública da ditadura e da repressão, in
http://pt.mondediplo.com/spip.php?article146 (17 de maio de 2012)
4
Objeto de tese
5
Âmbito cronológico
II – Âmbito cronológico
2
Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 6ª edição, 2009, p. 418
6
Estado da questão
Aljube – uma cadeia política é um trabalho pioneiro, visto não existir nenhuma
monografia académica dedicada ao estudo das cadeias políticas, à exceção da Colónia
Penal do Tarrafal, na Ilha de Santiago em Cabo Verde.
3
Inicialmente estava previsto o seu encerramento no mês de outubro de 2011.
7
Caminhos trilhados
IV – Caminhos trilhados
Fazer uma investigação histórica sobre um tema inédito é, sem dúvida, aliciante,
pois lança uma escada de descoberta e oportunidade. Qual navegador que cruza mares nunca
dantes navegados. Mas tal como o navegador, que teve de enfrentar um sem número de
obstáculos para levar a bom termo o seu barco, fantasiando, no trajeto, um mundo até
então desconhecido, a investigação sobre a cadeia do Aljube obrigou a traçar uma rota.
Que caminhos percorrer?
8
Caminhos trilhados
Para se fazer uma história sobre a cadeia do Aljube é de inegável importância dar
voz aos (antigos) presos, protagonistas de parte da sua história. Para o efeito recorri a
alguns testemunhos, e embora pese a subjetividade inerente às suas vivências, ignorá-las
seria negar uma parte imprescindível da realidade sobre o Aljube, pois constituem provas
«não censuradas» de uma época que os documentos oficiais não contemplavam.
O trabalho que hoje aqui se apresenta é o resultado de toda esta investigação, que
constitui uma possibilidade de interpretar a história sobre a cadeia do Aljube.
9
Contextualização histórica
Capítulo II
Contextualização histórica
Foi com este propósito de criar um Estado forte, longe da instabilidade inerente ao
parlamentarismo, capaz de arbitrar as contradições existentes na sociedade, liquidando,
através de soluções repressivas, as vozes discordantes e as reivindicações mais acesas, que
se caminhou, no período que medeia o movimento militar de 1926 e o advento do Estado
Novo, para o estabelecimento de um regime autoritário e antidemocrático em Portugal.
4
Fernando Rosas, Da Ditadura militar ao Estado Novo: a «longa marcha de Salazar», História de Portugal, (dir.) José
Mattoso, vol. VII, Círculo de Leitores, Lisboa, p. 151.
5 A I Guerra Mundial iniciou-se em 1914, após o assassinato do herdeiro ao trono Austro-húngaro por um
estudante nacionalista sérvio e terminou em 1918, com a derrota das forças da Aliança. Portugal entrou na
guerra em 1916 ao lado dos Aliados.
6 Dicionário de História do Estado Novo, dir. Fernando Rosas e J. M. Brandão de Brito, Círculo de Leitores, vol.
II, p. 865
11
Contextualização histórica
7
Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 6ª edição, 2009, p. 522
8 Idem
9 Plesbicitada em março de 1933, a Constituição que oficializava o novo regime político em Portugal foi
promulgada a 9 de abril.
12
Contextualização histórica
Assim, e fazendo jus ao seu legado messiânico, o regime acabou com os sindicatos
livres, com o direito à greve, substituiu o pluralismo partidário pelo sistema de partido
único, dando início a um período marcado pela repressão contra a oposição. Era o fim da
liberdade de associação e de expressão, dando de alguma forma continuidade a alguns dos
princípios que vigoravam já desde a imposição do regime ditatorial de maio de 192613.
10 A 29 de agosto de 1933 o «Diário do Governo» publica o Decreto-Lei n.º 22 992. Nascia assim a PVDE,
por fusão da Polícia de Defesa Política e Social e da Polícia Internacional Portuguesa. No entanto, a Polícia de
Defesa e Vigilância do Estado (PVDE) só passou a ter competência legal em matéria prisional a partir de
julho de 1934, altura em que se criou a Secção de Presos Políticos e Sociais. Desde a prisão ao julgamento, a
PVDE passou a controlar todo o processo judicial dos crimes políticos e sociais.
11
Dicionário de História do Estado Novo, dir. Fernando Rosas e J. M. Brandão de Brito, Círculo de Leitores, vol.
II, p. 868
12 Idem
13 Em 1926, estabeleceu-se um novo regime mais eficaz e centralizado de censura prévia.
14 Dicionário de História do Estado Novo, dir. Fernando Rosas e J. M. Brandão de Brito, Círculo de Leitores, vol.
II, p. 869
13
Contextualização histórica
Para reforçar este sistema harmonioso e não permitir que se criassem dissonâncias,
os «professores e funcionários públicos passaram a ser selecionados e controlados segundo
critérios de fidelidade ideológica informados pela polícia política» 15 . Assim, ficavam
obrigados a repudiar o «comunismo e todas as ideias subversivas e a aceitar a ordem
estabelecida pela Constituição Política de 1933» 16 . Procurava-se desta forma moldar os
espíritos ao sabor das pretensões do regime. Era o início da «revolução mental» que
segundo Salazar faltava realizar.
15 Dicionário de História do Estado Novo, dir. Fernando Rosas e J. M. Brandão de Brito, Círculo de Leitores, vol.
II, p. 869
16 Decreto-Lei n.º 27 003, de 14 de setembro de 1936, citado por Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE,
14
Contextualização histórica
Salazar acreditava na premissa de que «o que parece, é», justificando assim o facto
da opinião pública ser «dirigida» pelo governo. Nas palavras do jornalista João Paulo Freire,
nas suas memórias sobre o tempo em que esteve encarcerado na prisão do Aljube em
Lisboa 21 , por ser um acérrimo defensor da democracia, da justiça e da liberdade, esta
propaganda tinha a agravante de apregoar «ao mundo a beleza dos nossos costumes, a
pacífica orientação da nossa política, a justiça do Estado Novo e a bondade dos homens
que se encontravam desde 1926, à frente dos destinos da Nação» 22 . Falseava-se, deste
modo, aquilo que era a realidade vivida em Portugal. No entanto, para Salazar esta
conceção sobre a vida em Portugal era fundamental para a manutenção do regime,
defendendo que «politicamente só existe o que o público sabe que existe: a ignorância das
realidades, dos serviços, dos melhoramentos existentes é causa de descontentamento, de
frieza nas almas, de falta de orgulho patriótico, de não haver confiança, alegria de viver»23.
O regime mostrou-se sempre muito zeloso com a tutela da opinião pública, usando
para o efeito um elemento essencial do seu projeto viabilizador, a censura prévia. A
ditadura salazarista, recusando o conflito e a pluralidade de opiniões, tinha sobre o
pensamento e sobre a crítica, a mordaça da censura. Esta funcionava como um elemento
regulador da imagem sobre o Estado, não devendo este correr o risco de ver publicado
algo que, de alguma forma, fizesse tremer o pedestal onde ele próprio se havia colocado.
Neste período entendia-se que «dizer mal» era uma forma de «fazer mal» à Nação, logo
justamente punível. Já durante a Primeira República, o regime republicano tinha procurado,
de forma sólida e consistente, impedir o acesso do público a textos que eram considerados
nefastos para a estabilidade do poder vigente. A censura foi uma constante ao longo de
20
Dicionário de História do Estado Novo, dir. Fernando Rosas e J. M. Brandão de Brito, Círculo de Leitores, vol.
II, p. 869
21 João Paulo Freire esteve preso no Aljube de Lisboa por doze vezes entre 1924 e 1940.
22 Memórias dum jornalista [manuscrito]: 99 dias no Aljube, João Paulo Freire (Mário)
23 Oliveira Salazar, Discursos, (1926-1934) vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 5ª edição, 1961, p. 263
15
Contextualização histórica
quase todo o século XX em Portugal, pois só com a revolução de 1974 foi restituída aos
portugueses a liberdade de expressão e pensamento.
24
Carta ao Presidente da República por elementos da oposição sobre questões sociais, económicas, políticas e
ultramarinas, 1966, in ANTT/AOS/CO-JU3
25 Bulletin de la Comission Internacionale de Juristes – Pour la defense du droit, n.º 7, Imprimerie Trio, S.A., La Haye –
Pays-Bas,in ANTT/AOS/CO/JU-3
26 António Ferro, pref. Oliveira Salazar, Salazar e a sua obra, Empresa Nacional de Publicidade, p. 48
27 Renato Nunes, Miguel Torga e a Pide, A repressão e os escritores no Estado Novo, Coleção Minerva-História,
Salazar, embora consciente que a censura era injusta e que estava muitas vezes
sujeita ao arbítrio dos censores, justificava a sua existência para que não se deturpassem os
factos que fundamentassem «ataques injustificados à obra dum governo»28.
A repressão cultural foi assim uma constante em todo o período do Estado Novo.
Segundo Carlos Brito reinava a lei de que «tudo o que não estava expressamente
autorizado, era proibido»29. Os jornais, por exemplo, cuja entrada era permitida, no Forte
de Peniche, símbolo das cadeias políticas estado-novistas, eram alvo de dupla censura – a
do país em geral e a que era feita na própria cadeia. Daí que quando chegavam às celas iam
já com inúmeros recortes feitos à tesoura ou mesmo sem páginas inteiras. A entrada de
jornais como a República, o Século Ilustrado, O Debate e a Seara Nova foi interdita. Por outro
lado, os aparelhos de rádio ou gira-discos não eram autorizados, assim como as conversas
sobre qualquer assunto que remetesse para o domínio político. No entanto, a situação
prisional em Peniche melhorou significativamente em meados da década de 60, altura em
que foi reaberta a biblioteca da prisão, Soeiro Pereira Gomes, e permitida a entrada de uma
pequena biblioteca itinerante da Gulbenkian, bem como dos jornais Diário de Notícias e O
Século. Diga-se a este respeito que algumas das permissões que os presos políticos
conquistaram nas cadeias, foram resultado das suas reivindicações constantes e formas de
luta30 que iam encetando.
Para além dos jornais, as cartas das famílias e dos presos também eram alvo da
censura, no entanto, esta variava de prisão para prisão. Numas existiam cartas que não
sofriam qualquer obstáculo, mas estas não passariam na censura noutras prisões.
A repressão, em todas as suas formas, teve períodos em que se fazia sentir mais
visivelmente, sobretudo nos momentos mais conturbados para o poder instituído,
contribuindo, juntamente com os outros mecanismos de suporte do Estado Novo, para
que este se fosse mantendo.
A este respeito diga-se que a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e com ela a
ameaça comunista acabaram por endurecer mais a atuação repressiva do Estado. Este foi o
primeiro grande desafio à estabilidade do regime, que encontrou neste acontecimento uma
28 Renato Nunes, Miguel Torga e a Pide, A repressão e os escritores no Estado Novo, Coleção Minerva-História,
Edições MinervaCoimbra, Coimbra, 2007, p. 46
29 Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 2007, p. 438
30
Sérgio Ribeiro recorda que, quando esteve preso em Caxias, uma das formas de luta que os presos usavam
era recusarem-se a receberem visitas, facto que levava ao descontentamento dos familiares, que depois se
manifestavam junto dos guardas prisionais, criando alguma instabilidade indesejada. E assim conseguiram um
gira-discos que tocava uma hora por dia.
17
Contextualização histórica
De facto, e no que diz respeito à cadeia do Aljube de Lisboa, quer o Boletim Inter-
Prisional32 de abril de 1936, onde se lê «o Aljube está a transbordar; cada vez somos mais
na prisão», quer o Boletim da existência de presos33, de 25 de setembro do mesmo ano, que
aponta a existência de 79 presos aí encarcerados, refletem que, e tendo por base a
capacidade de lotação 34 da cadeia, este período foi um forte momento de repressão em
Portugal. O mesmo é confirmado por Jaime Serra que afirmava, na altura em foi preso pela
primeira vez, em janeiro de 1937, que se vivia um período de grande perseguição política,
característica de um regime instituído mas não consolidado.
Mas se nos primeiros anos da ditadura a repressão era cega, desencadeando uma
vaga de prisões em massa, «nos últimos anos do regime era uma repressão já científica.
Seletiva».35 As cadeias políticas irão encher-se de homens e mulheres de todas as fações
políticas. Anarquistas, reviralhistas, comunistas, sindicalistas e, mais tarde também
maoístas, socialistas e católicos serão protagonistas da história da repressão em Portugal.
O Estado, que sempre soube jogar com os interesses contraditórios que ele próprio
defendia, revelou uma capacidade suprema de «saber durar», organizando e reorganizando
os equilíbrios viabilizadores do regime.
31
Maria da Conceição Ribeiro, A polícia política no Estado Novo 1926-1945, Editorial Estampa, 1995, p. 199
32 Nome dado ao jornal manuscrito pelos presos comunistas do Aljube. in
http://www.pcp.pt/jornais_prisao/boletim-inter-prisional%C3%B3rg%C3%A3o-da-c%C3%A9lula-
comunista-do-aljube (em 20 de abril de 2012)
33 ANTT – AOS/CO/IN/8C - 1
34
Segundo documentos de 1969 a cadeia, após as obras de remodelação projetadas iria ter capacidade para
receber entre 80 a 100 presos. Saliente-se, no entanto, que até abril de 1936, data da conclusão da enfermaria
construída no novo e último andar do Aljube, a capacidade de encarceramento era inferior, atendendo que só
estavam acessíveis quatro andares.
35 Entrevistas conduzidas por Miguel Medina, Esboços: antifascistas relatam as suas experiências nas prisões do
fascismo, Câmara Municipal de Lisboa, Imprensa Municipal, Lisboa, 1999, vol. 2, p. 204
18
Contextualização histórica
ficou quase toda subjugada ao seu domínio. Enquanto isso, Salazar para mostrar as virtudes
do Estado Novo, lançou-se na criação da Grande Exposição do Mundo Português, na
sequência da comemoração do «duplo centenário da nacionalidade» em 1940.
Embora Portugal se tenha mantido à margem deste grande conflito, adotando uma
posição de neutralidade36 perante as fações em jogo, o Estado viu-se forçado, à medida que
o seu desfecho se aproximava e se tornava claro de que lado iria estar a vitória, a encetar
algumas alterações. Mas, apesar de ter gerido a neutralidade ao sabor das conjunturas da
guerra, ora adotando uma postura «equidistante», ora «colaborante», não conseguiu impedir
o impacto económico e social do conflito. Neste período verificou-se uma degradação do
ambiente social, motivado pela falta de géneros e bens de primeira necessidade. Foi neste
contexto de crise social e de iminência da queda do nazi-fascismo que se criaram condições
para a recomposição e ofensiva das oposições.
36 A política externa portuguesa, definida em nota oficiosa de 2 de setembro de 1939, apresentava ao mundo
um país de costas voltadas para o continente europeu e projetado para o Atlântico e para o Império. Com a
neutralidade assumida durante a II Guerra Mundial, Portugal apresentava-se assim como uma «ilha de paz no
mundo em guerra».
37 Irene Pimentel, O Tribunal Plenário, Instrumento de justiça política do Estado Novo, Intervenção proferida no
O ano de 1947 também se caracterizou por uma forte repressão em todo o país,
sobretudo direcionada para os elementos do Partido Comunista Português (PCP),
considerados inimigos do regime, logo da nação. No entanto, a repressão da polícia e a
consequente prisão também atingiu outros alvos como os militares envolvidos nas
tentativas falhadas de sublevação militar da Mealhada de 1946 e da «Abrilada» de 1947.
40 A vitória dos regimes democráticos exigiu maiores cuidados terminológicos, daí que a polícia política
passou a ter outra designação, em 1945. O decreto-lei n.º 35 046 de 22 de outubro de 1945 cria a PIDE,
revogando o decreto-lei n.º 22 992, referente à criação da PVDE.
41 Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 6ª edição, 2009, p. 31
42 Ibidem, p. 32
43 Irene Pimentel, O Tribunal Plenário, Instrumento de justiça política do Estado Novo, Intervenção proferida no
20
Contextualização histórica
45 Já no ano de 1960, a 3 de janeiro, se tinha assistido à fuga do Forte de Peniche de dez presos políticos.
46 Dicionário de História do Estado Novo, dir. Fernando Rosas e J. M. Brandão de Brito, Círculo de Leitores, vol.
II, p. 874
47
ANTT – GBT 8-Cx 80-Proc. P 23-N.º 386/52
48 Francisco Miguel, Das prisões à liberdade, Coleção Resistência, edições Avante! Texto organizado por
igualmente com as obras que decorriam na cadeia do Forte de Caxias, Serra fala da grande
concentração de presos políticos na cadeia do Aljube, em 1957. Algumas dessas prisões
foram fruto das lutas estudantis, entre dezembro de 1956 e janeiro de 1957, em defesa da
manutenção das Associações de Estudantes, que o decreto-lei n.º 40 900 de 12 de
dezembro de 1956, queria controlar ferreamente.
49 A primeira em 1945, época em que passou a designar-se Polícia Internacional de Defesa do Estado –
PIDE, e a segunda, quando Marcelo Caetano subiu ao poder, período em que passou a designar-se por
Direção Geral de Segurança – DGS.
50 Maria da Conceição Ribeiro, A polícia política no Estado Novo 1926-1945, Editorial Estampa, 1995, p. 197
51 Fernando Rosas (pref.), in João Madeira, Irene Flunser Pimentel, Luís Farinha, Vítimas de Salazar, Estado
confessar, apesar de todas as habilidades da Polícia, onde tinham escondido as suas armas
criminosas e mortais. Só depois de empregar esses meios violentos é que eles se decidiam a
dizer a verdade. E eu pergunto a mim próprio, continuando a reprimir tais abusos, se a vida
de algumas crianças e de algumas pessoas indefesas não vale bem, não justifica largamente,
meia dúzia de safanões a tempo nessas criaturas sinistras…».52 Legitimava-se, desta forma,
o uso da violência «sobre alguns como garantia da tranquilidade de todos»53.
52 António Ferro, prefácio de Oliveira Salazar, Salazar e a sua obra, Empresa Nacional de Publicidade, p. 82
53 Maria da Conceição Ribeiro, A polícia política no Estado Novo 1926-1945, Editorial Estampa, 1995, p. 229
54 Carta do Gabinete do Ministro em resposta ao n.º 7 do Bulletin de la Comission Internacionale de Juristes, de
23
Contextualização histórica
mais fraca, a Polícia de Segurança Pública (PSP) e a Guarda Nacional Republicana (GNR)
funcionavam como um importante escudo protetor do regime, servindo não só como um
instrumento de prevenção/dissuasão, mas também como meio repressivo com autonomia
para proceder a prisões.
Para além dos agentes da polícia, o regime contava ainda com uma série de
colaboradores que, à mínima suspeita de atuação política considerada subversiva, sentia-se
na obrigação de comunicar com a polícia. Esta «tecera uma teia tal que lhe permitia fazer de
cada amigo um potencial denunciante, de cada colega um delator, de cada familiar um
insuspeitado informador»57. Esta ampla rede de informadores contribuiu para aterrorizar a
população portuguesa, convencendo-a de que «os olhos panópticos da PIDE os vigiavam
por todo o lado e que meio país denunciava outro meio» 58. Esta rede de informadores,
associada à cultura da denúncia que caracterizava o comportamento de muitos portugueses,
permitiu a difusão da imagem de uma polícia omnipotente e omnipresente.
No Estado Novo as prisões por motivos políticos tinham como principal objetivo
desarticular as organizações e as ações dos opositores ao regime. Assim, para garantir a
«ordem» e segurança do Estado e em «legítima defesa da Pátria», tomaram-se uma série de
decisões políticas, administrativas ou policiais de forma a encarcerar ou banir todos aqueles
que de alguma forma atentassem contra o regime. No período da Ditadura Militar, as
cadeias políticas funcionavam como um depósito temporário dos presos acusados de
atentar contra o poder. Estas tinham como principal função aniquilar politicamente os
adversários, sobretudo sindicalistas, revilharistas e anarquistas, e por isso a deportação era
usada de forma quase sistemática e arbitrária. Só a partir de 1932/33 é que se verificou uma
reorganização séria da repressão. Para isso e procurando dar um caráter legal à necessidade
de estabilidade do regime, criaram-se: o decreto-lei n.º 21 942 de 5 de dezembro de 1932
para regular a forma de punição dos delitos políticos e das infrações disciplinares de caráter
57 Nuno Vasco, Óscar Cardoso, A Bem da Nação, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1998, p. 20
58 Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 6ª edição, 2009, p. 530
24
Contextualização histórica
político e o decreto-lei n.º 21 943, da mesma data, que regulava a situação dos que
cometeram quaisquer crimes políticos59. Mas o governo foi mais longe e a 6 de novembro
de 1933 publicou o decreto-lei nº 23 203, que tipificava todos os crimes políticos e atos que
demonstrassem «espírito de oposição à política do governo»60 e descrevia as penas a atribuir
em qualquer um dos casos.
No seu processo de higienização para reconstruir a pátria, o Estado Novo usou três
lógicas de encarceramento e punição, que seriam aplicadas conforme o destinatário. Assim,
para a população em geral a sanção apresentava-se com um caráter dissuasivo, preventivo e
de intimidação, esperando-se desta forma minimizar o número daqueles que ousariam
quebrar as leis impostas. Para os que tinham sido momentaneamente transviados, a prisão servia
como meio de regeneração e correção, ou seja, acreditava-se que o susto da detenção faria
com que não voltassem a atuar contra o regime. A terceira lógica de punição estava
associada a todos aqueles que ameaçavam o regime, isto é, dirigentes e funcionários dos
partidos subversivos, sobretudo os comunistas. Para estes era necessário a neutralização,
pois o seu estado era de permanente perigosidade e neles não era depositada qualquer
esperança de correção nem de regeneração.
59
Diário do Governo, I Série, n.º 284, in http://dre.pt/pdfgratis/1932/12/28401.pdf ( em 28 de setembro
de 2012)
60 Fernando Rosas (coord.), Irene Flunser Pimentel, João Madeira, Luís Farinha, Maria Inácia Rezola,
Tribunais Políticos – Tribunais Militares Especiais e Tribunais Plenários durante a Ditadura e o Estado Novo, Temas e
Debates, Círculo de Leitores, 2009, p. 51
61 O Tribunal Militar Especial foi extinto por decreto lei n.º 35 044 de 20 de outubro de 1945, na sequência da
operação de cosmética a que o regime salazarista foi obrigado no rescaldo na II Guerra Mundial.
25
Contextualização histórica
62 Maria da Conceição Ribeiro, A polícia política no Estado Novo 1926-1945, Editorial Estampa, 1995, p. 236
63 Autor da obra A Reforma da Justiça Criminal em Portugal e na Europa.
64 Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 6ª edição, 2009, p. 32
65 Ibidem, p. 524
66 Ibidem, p. 33
67 Ibidem, p. 522
68 Fernando Rosas, O Estado Novo, in A História de Portugal, dir. José Mattoso, vol. VII, Lisboa, Círculo de
Leitores, p. 277
26
Contextualização histórica
PIDE podiam prender para averiguações qualquer pessoa suspeita de colocar em causa a
segurança do Estado durante um período de 180 dias, estando dispensadas de qualquer
referendum ou controlo judicial. Assim, ao fim dos 180 dias e concluída a instrução
preparatória pela polícia, esta valia como se tivesse sido feita por um juiz, limitando-se estes
a lavrar os seus despachos acusatórios com base nos papéis remetidos pela PIDE.69
Muitos dos opositores ao regime nem sequer foram submetidos a julgamento. Irene
Pimentel, na sua obra A História da PIDE, regista que entre 1945 e 1974 apenas 15% dos
detidos pela PIDE/DGS (Direção Geral de Segurança) tiveram o privilégio de serem
julgados e, aqueles que o foram, ficaram igualmente sujeitos às arbitrariedades do regime.
Ao Tribunal da Boa Hora o regime foi buscar a cobertura necessária para a ação da sua
polícia política. Este e outros tribunais em todo o país, punindo «atividades políticas,
sindicais, militares, culturais, associativas, reivindicativas, de opinião ou outras consideradas
atentórias da ordem estabelecida e por isso perseguidas e criminalizadas»70, transformaram-
se em instrumentos de repressão política sob o patrocínio do Estado Novo.
Mesmo nos casos em que o preso era presente a tribunal, o encarceramento tinha,
como já foi referido, uma duração indeterminada, ou seja, na prática só saía em liberdade
quando deixasse de ser considerado perigoso para a segurança e estabilidade do Estado. Este
método era usado para «neutralizar os presos políticos, considerados mais perigosos e não
passíveis de “regeneração”» 71 . Assim, «após o cumprimento da pena, sentenciada pelo
tribunal, a polícia verificava se o estado de perigosidade do detido se mantinha e, no caso
69 Irene Pimentel, O Tribunal Plenário, Instrumento de justiça política do Estado Novo, Intervenção proferida no
Colóquio Internacional Administração e Justiças na Res Publica, Universidade do Minho, Braga, 15 e 16
março de 2010
70 Fernando Rosas (coord.), Irene Flunser Pimentel, João Madeira, Luís Farinha, Maria Inácia Rezola,
Tribunais Políticos – Tribunais Militares Especiais e Tribunais Plenários durante a Ditadura e o Estado Novo, Temas e
Debates, Círculo de Leitores, 2009, p. 15
71 João Madeira (coord.), Irene Flunser Pimentel, Luís Farinha, Vítimas de Salazar – Estado Novo e Violência
afirmativo, a medida de segurança preventiva era prolongada»72. Álvaro Cunhal foi um dos
exemplos de quem viu a sua prisão prolongada para além da pena a que tinha sido
condenado, pois segundo os argumentos da PIDE, era «um fanático comunista que nem se
mostra arrependido dos erros cometidos, nem revela vontade de se adaptar à vida honesta,
mantendo-se, assim, o seu grau de perigosidade, pois há a certeza de estar disposto a
prosseguir nas atividades subversivas que ocasionaram a sua condenação, logo que seja
solto»73.
Quer a prisão preventiva, quer a prisão após a condenação, era feita em prisões
controladas pela polícia política, que atuando ao «serviço da ordem», furtou-se muitas vezes
às leis em vigor. Depois de cumprida a pena a que tinham sido condenados os presos, o
tribunal enviava à polícia o mandato de soltura, deixando em aberto a possibilidade de os
manter encarcerados, uma vez que solicitava a sua liberdade «se por outro qualquer motivo
não devessem continuar presos»74. Esta ambivalência permitiu à polícia política prolongar a
prisão mesmo após o fim do cumprimento das penas. Funcionando como um subterfúgio
jurídico, as medidas de segurança colocavam a libertação dos presos políticos à mercê da
PIDE.
72 Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 6ª edição, 2009, p. 415
73 ANTT – AP – PROCESSO 746/49, in, Álvaro Cunhal, Uma biografia política – O Prisioneiro, José Pacheco
Pereira, Temas e Debates, Lisboa, vol. 3, 2.ª edição, 2006, p. 404
74 Fernando Rosas (coord.), Irene Flunser Pimentel, João Madeira, Luís Farinha, Maria Inácia Rezola,
Tribunais Políticos – Tribunais Militares Especiais e Tribunais Plenários durante a Ditadura e o Estado Novo, Temas e
Debates, Círculo de Leitores, 2009, p. 224
28
Contextualização histórica
Foi preciso chegar à fase final do Estado Novo para ver extintas estas iníquas
medidas, com a publicação do decreto-lei n.º 450/72, de 14 de novembro.
No entanto, nem a transparência nem o rigor penal foram apanágio da sua atuação.
A detenção era muitas vezes feita sem recurso a provas objetivas baseando-se portanto na
falaciosa suspeita que podia decorrer de uma denúncia, de escutas telefónicas, da violação
da correspondência ou da vigilância permanente. Sem mandato de captura irrompiam na
privacidade alheia e recorrendo ao uso da violência impediam qualquer tipo de resistência.
Como raramente era apanhado em flagrante e na ausência de provas, recorria-se a uma
longa prisão preventiva 76 . Nesta fase procurava-se extorquir a verdade para elaborar o
processo a submeter a julgamento e por isso, recorria-se a longos e penosos
interrogatórios.
75 Manuel Braga da Cruz citado em Prisões Políticas do Dicionário de História do Estado Novo, dir. Fernando Rosas
e J. M. Brandão de Brito, Círculo de Leitores, vol. II, p. 801
76 Quando se iniciou a operação de “cosmética” no pós II Guerra Mundial e a PVDE se transforma em
PIDE, assistiu-se a uma alteração (limitada) do Código de Processo Penal. O período de prisão preventiva foi
alargado para seis meses, o máximo legal.
29
Contextualização histórica
permitindo eliminar ou reduzir os sinais visíveis das marcas deixadas pelo uso da violência.
No entanto, e como posteriormente vai ser defendido no manual criado pelo Central
Intelligence Agency (CIA), em julho de 1963, «em geral, a brutalidade física só cria
ressentimento, hostilidade e maior desafio»77.
A partir de final dos anos 50, a polícia política estabeleceu contacto com a CIA,
enviando elementos da PIDE para os cursos por ela ministrados. Daí que alguns dos
métodos usados pela polícia política portuguesa sejam idênticos aos apresentados no
79
Manual da CIA em 1963 . Neste recomenda-se, para os mais resistentes nos
interrogatórios, a privação do sono e a privação sensorial, com o objetivo de produzir o
«síndrome DDD», «debilidade, dependência e medo» («debility, dependence, and dread»).
Assim, as salas de interrogatório, segundo o mesmo manual, deveriam ser à prova de som e
as paredes e tetos brancos, apenas sarapintados com marcas arranhadas. Estas eram
fundamentais para estimular as alucinações, que chegavam nos primeiros dias após a
privação do sono. Para além disso, recomendava-se que o pouco mobiliário existente fosse
protegido nas pontas, de forma a impedir que os prisioneiros se tentassem matar ao chocar
lá com a cabeça. A possibilidade de se ouvirem sons ruidosos e terrificantes ou por vezes o
choro de algum membro da família, eram também estratégias a ter em conta para fazer
derrubar a resistência de um preso, provocando-lhe a convicção de que estes também
estavam a ser alvo da tortura. Recorria-se igualmente à estratégia de alteração de rotinas,
como por exemplo na alimentação e nos padrões de sono, de forma a desorientar o preso,
provocando a sensação de medo e fragilidade, logo maior vulnerabilidade perante o agente
interrogador.
77 The Coercive Counterintelligence Interrogation of Resistant Sources, KUBARK Counterintelligence Interrogation, Cap. IX,
pág. 91, http://www.gwu.edu/~nsarchiv/NSAEBB/NSAEBB122/Kubark%2082-104.pdf (em 21 de maio
de 2012)
78 Maria da Conceição Ribeiro, A polícia política no Estado Novo 1926-1945, Editorial Estampa, 1995, p. 235
79 Manual secreto de 127 páginas produzido em julho de 1963, pela CIA, denominado Kubark
por exemplo, pode gerar medos mais perturbadores que a imediata sensação de dor» 80.
Procurava-se deste modo criar um clima de terror, onde a ameaça de violência tinha um
efeito mais aterrador que a própria violência.
Mas o Estado Novo, regime autoritário que controlava tudo e todos, procurava por
todos os meios aguentar-se no poder e, se não o conseguia pela forma preventiva, fazia uso
do seu aparelho repressivo e punitivo para calar as vozes dos dissidentes. Foi este poder
discricionário que caracterizou toda a história das prisões políticas em Portugal, nos
80 The Coercive Counterintelligence Interrogation of Resistant Sources, KUBARK Counterintelligence Interrogation, Cap. IX,
pág. 90, http://www.gwu.edu/~nsarchiv/NSAEBB/NSAEBB122/Kubark%2082-104.pdf (21 de maio de
2012)
81 João Madeira (coord.), Irene Flunser Pimentel, Luís Farinha, Vítimas de Salazar – Estado Novo e Violência
decénios em que Oliveira Salazar e o seu sucessor Marcelo Caetano estiveram à frente dos
destinos do país.
Foi neste contexto de autoritarismo e repressão que as cadeias para presos políticos
ganharam vida. De Caxias ao Aljube de Lisboa, de Peniche a Angra do Heroísmo, em
território nacional ou colonial, as prisões políticas foram somando histórias de homens e
mulheres que, em nome das suas convicções, não vergaram a um regime que consideravam
opressor. E apesar do dia a dia nas prisões políticas ser caracterizado por um interminável
cortejo de brutalidade e arbitrariedades, a grande maioria dos presos encarou a «luta dentro
da cadeia com a mesma indomável combatividade com que o faziam cá fora».83
Carlos Costa que passou por todas as prisões políticas do continente descreve que a
vida prisional era dura. Para além dos diferentes períodos em que permaneceu em
isolamento total e dos castigos de que foi vítima, Carlos Costa conta que as condições
habitacionais, higiénicas, a assistência médica e a alimentação eram em geral más ou
péssimas. «A vida quotidiana dos presos era acintosamente devassada pelos guardas»84, quer
pela censura existente nos jornais e livros que lhe chegavam, quer pela atitude «por vezes
provocatória» que os guardas assumiam no período em que os presos recebiam a visita da
família.
Das cadeias políticas existentes em Portugal, para além do Aljube de Lisboa que
será o tema central deste trabalho, destacam-se a Fortaleza de S. João Batista, a Fortaleza
de Peniche e o Forte de Caxias.
83 Francisco Miguel, Das prisões à liberdade, Coleção Resistência, edições Avante! Texto organizado por
Fernando Correia, Lisboa 1986, p. 100
84 Entrevistas conduzidas por Miguel Medina, Esboços: antifascistas relatam as suas experiências nas prisões do fascismo,
Partido Comunista Português entre 1929 e 1942.86 Aqui as condições a que se submetiam
os presos eram deploráveis, sobretudo quando eram enviados para a cela subterrânea
cavada na rocha, as chamadas poternas, para onde se descia a comida em baldes e se
erguiam os dejetos. Nestas, não existiam enxergas ou cobertores e por isso os presos aí
encarcerados dormiam nos degraus da escadaria de acesso. As condições de alojamento
«eram precárias, sobretudo no inverno, quando as vagas e os ventos metiam respeito e as
casernas chegavam a tremer com a ventania» 87 . Associada a estas condições já se si
desumanas, a comida era péssima, a censura apertada e os espancamentos eram prática
comum dos Guardas Nacionais Republicanos de serviço. Para além das poternas, existiam
também o calejão e as furnas. Na primeira os presos coabitavam com as ratazanas, na
segunda tinham um metro de largura para expandir os seus horizontes.
Foi sob as antigas casernas militares, entretanto demolidas, que se ergueram os três
blocos prisionais – Pavilhões A, B e C. O pavilhão A tinha dois pisos de salas coletivas; o
B, o último a ser posto em funcionamento em finais de 1961, tinha três pisos, o rés do
86
A 11 de setembro de 1942, Bento Gonçalves morreu no Campo do Tarrafal, onde se encontrava preso.
87 Aljube – a Voz das Vítimas, catálogo da exposição, Fundação Mário Soares, Instituto de História
Contemporânea e Movimento Não Apaguem a Memória, Lisboa, 2011, p. 78
88 Existem depoimentos de presos políticos que indicam que logo após o golpe militar de 28 de maio de 1926,
corda, para descer o alto da Fortaleza atirando-se depois para o mar gelado. Quando chegou à praia dos
pescadores foi auxiliado pela população.
90 José Dias Coelho, para além de artista plástico, foi um importante dirigente comunista assassinado pela
33
Contextualização histórica
chão com celas coletivas e o 1.º e 2.ºandares com celas individuais; e o pavilhão C, no
primeiro e segundo pisos tinha salas coletivas e no terceiro celas individuais. O sofisticado
Parlatório, construído na época, separava ostensivamente visitantes e visitados por uma
placa de vidro espessa encimada por uma rede. Aqui não havia lugar a contactos físicos
entre os presos e os familiares, assim como não havia ligação entre os compartimentos de
cada lado. No último piso do pavilhão C, encerrado após a fuga de 3 de janeiro de 1960 de
dez presos, eram encarcerados, nas celas individuais de alta segurança, os que mais se
distinguiam no combate à ditadura, como o caso de Jaime Serra, Joaquim Gomes e de
Álvaro Cunhal.92 Nas salas comuns, as paredes da frente foram substituídas por barras de
ferro, de forma a permitir uma vigilância permanente do carcereiro. «O guarda observa
tudo o que cada preso faz nas 24 horas do dia. Assim acontece, de facto, mesmo quando
ele vai à retrete e está lá dentro, porque a porta é baixa e o carcereiro pode ver por cima o
preso, ainda que sentado na sanita».93 Para além de pretenderem dar a impressão ao preso
que estava «sempre sob o olhar vigilante do guarda», esta invasão da mais ínfima
privacidade era uma forma de tortura lenta e humilhante. Segundo Fernando Miguel
Bernardes, a cadeia de Peniche era também caracterizada pela «aplicação de castigos
exacerbadamente severos para a gravidade das faltas alegadamente cometidas». 94 Para os
destruir psicológica e fisicamente, os presos eram privados da correspondência, de visitas,
de livros e jornais, de alimentos trazidos pela família. Em suma, tudo aquilo que os podia
ligar ao mundo exterior era-lhes inalcançável por longos períodos de tempo. Os castigos
podiam ir até aos 30 dias de «segredo», numa furna húmida, fria e escura, onde o preso
tinha apenas uma tarimba de cimento e muitas vezes era somente alimentado a pão e água.
Apesar de toda a vigilância a que estavam sujeitos, a grande preocupação dos presos
políticos era estudar rápida e minuciosamente todas as hipóteses de fuga, por mais
limitadas que elas fossem. Em liberdade, poderiam voltar à luta política contra a opressão
do governo. Assim o fizeram os dez presos políticos, acompanhados por um GNR,
protagonistas da fuga memorável, anteriormente referida, a 3 de janeiro de 1960. Os
evadidos eram: Álvaro Cunhal, Carlos Costa, Francisco Martins Rodrigues, Francisco
Miguel, Guilherme da Costa Carvalho, Jaime Serra, Joaquim Gomes, José Carlos, Pedro
Soares, Rogério de Carvalho e José Jorge Alves (guarda da GNR). Esta fuga gerou para os
presos que ficaram no forte um aumento da repressão e por isso estes viram-se obrigados a
92 Foi na prisão do forte de Peniche que Álvaro Cunhal elaborou parte do material que integrou nos Desenhos
de Prisão.
93 Fernando Miguel Bernardes, Uma Fortaleza da Resistência, Coleção Resistência, Edições Avante!, Lisboa,
1991, p. 94
94 Ibidem, p. 96
34
Contextualização histórica
reorganizar-se para encontrar formas de luta eficazes que lhes trouxessem «alguma
melhoria ao sistema de quase terror implantado»95.
O reduto norte foi esvaziado no período em que o forte recebeu obras e os presos
foram transferidos para o reduto sul. Aí foram colocados em salas, 18 detidos, embora a
capacidade do espaço fosse de 10 pessoas. Concluídas as obras, as novas celas
apresentavam-se com «uma casa de banho, um lavatório e dois beliches com quatro camas,
95 Fernando Miguel Bernardes, Uma Fortaleza da Resistência, Coleção Resistência, Edições Avante!, Lisboa,
1991, p. 112
96
No entanto, já tido sido utilizado como estabelecimento prisional para os soldados insubordinados do
Regimento de Infantaria 1, em 1916.
97 Movimento Cívico Não Apaguem a Memória, in http://maismemoria.org/mm/2006/07/20/locais-de-
uma mesa, quatro cadeiras e um armário»98. O recreio era realizado numa sala sem teto e
com o chão de mosaico. No alto, numa espécie de corredor, passeava um GNR de
metralhadora em punho. Fortemente vigiados, eram também proibidos de «falar, rir,
assobiar alto, cantar, deitar-se ou sentar-se na cama fora das horas de repouso»99.
A Colónia Penal do Tarrafal, na Ilha de Santiago, em Cabo Verde, foi criada pelo
decreto-Lei n.º 26 539, de 23 de abril de 1936 e recebeu os primeiros presos políticos
deportados a 29 de outubro desse ano. Conhecido como campo de morte lenta, o Tarrafal
ficou indelevelmente conhecido pelas péssimas condições a que estavam sujeitos os presos
e pelas torturas de que foram vítimas, a mais conhecida entre os presos portugueses foi a
chamada frigideira. Neste campo morreram 32 presos políticos.
Mesmo os que não lograram sair dali com vida ficaram na memória, escrita ou
verbal, daqueles que testemunharam as vivências prisionais, quer pelo facto de terem sido
protagonistas, quer pela mão dos familiares e amigos arrastados por laços de união e
respeito. Uns e outros relatam as suas experiências e trazem ao conhecimento geral
percursos de uma vida acorrentada e amordaçada.
98 Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 6ª edição, 2009, p. 435
99 Joaquim Pires Jorge, in Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Temas e Debates, Círculo de Leitores,
6ª edição, 2009, p.43
100 Simpósio Internacional sobre o Campo de Concentração do Tarrafal, Praia, maio de 2008, in Fundação
101Clementino Amaro, Aljube – a Voz das Vítimas, catálogo da exposição, Fundação Mário Soares, Instituto
de História Contemporânea e Movimento Não Apaguem a Memória, Lisboa, 2011, p.22
37
que se encontravam entulhados desde o período em que se fizeram alterações na cidade
relacionadas com a construção da muralha (segunda metade ou finais do século IV).102
Já no período muçulmano, terá funcionado aqui uma instalação prisional, que teve
continuidade no período cristão, como cadeia episcopal, herdando no entanto a designação
árabe de Aljube.
O termo Aljube vem do árabe aljobbe, que significa «poço sem água, cisterna, cova
profunda». Muitas vezes também surge associado às palavras «cárcere, cadeia, prisão». «Em
Portugal, he cadêa dos delinquentes em matéria Ecclesiastica». 103 O termo Aljube
generaliza-se designando, assim, todas as cadeias episcopais do Reino.
Apesar do edifício não ter aspeto de ter servido de palácio ou paço episcopal, foi
uma dependência do paço. A provar esta tese encontra-se o escudo de armas do arcebispo
D. Miguel de Castro (arcebispo de Lisboa em 1585), colocado sobre a porta principal do
edifício. A sua existência «faz supor, se não a sua fundação, pelo menos obras na época
deste prelado, ou remodelação do edifício que anteriormente tivesse existido nesse sítio». 104
No entanto, no painel de azulejos sobre a cidade de Lisboa, produzido entre 1700 e 1725,
atualmente visível no Museu Nacional do Azulejo, o Aljube apresenta-se como «Palácio
dos Arcebispos».
Júlio de Castilho em Lisboa Antiga - Bairros Orientais, defende que o edifício, com
exceção dos andares superiores, construídos posteriormente, parece ser obra da segunda
metade do século XVIII, uma vez que nem a arquitetura exterior, nem a estrutura interior
revelam grande antiguidade. O Aljube aparece, nesta obra, assim descrito: «tem uma loja
abobadada, um rés do chão, e mais quatro andares. O rés do chão é dividido em poucos
compartimentos, todos abobadados, com abóbadas de aresta que tomam apoio nas paredes
exteriores, em pilares centrais, e noutras paredes interiores; o primeiro andar tem alguns
compartimentos cobertos com abóbada, e outros com teto plano estucado; os andares
superiores não apresentam cousa digna de menção».105
102 Clementino Amaro, Aljube – a Voz das Vítimas, catálogo da exposição, Fundação Mário Soares, Instituto
de História Contemporânea e Movimento Não Apaguem a Memória, Lisboa, 2011, p.22
103 Fr. João de Sousa, Vestígios da língua arábica em Portuga ou Lexicon Etymologico das palavras e nomes portuguezes que
tem origem arabica, Academia Real das Sciencias de Lisboa, Lisboa, 1789, p. 50
104 Júlio de Castilho, Lisboa Antiga. Bairros orientais, vol.VI, Lisboa, S. Industriais da C.M.L., 1936, p. 215
105 Júlio Castilho, Eng. Augusto Vieira da Silva (anotações), Bairros Orientais, S. Industriais da C.M.L., 2.ª
humanos, crânios com cruzes encimadas, estrela, lua e mão de Fátima». 106 Este facto
corrobora a presença de membros do clero neste local, já que os membros dos outros
grupos sociais «não teriam um conhecimento tão profundo da temática religiosa da Igreja
Cristã».107 As próprias constituições do arcebispado de Lisboa de 1536, publicadas em 1588,
já apontavam a prisão do Aljube para os ministros da igreja que fossem condenados a pena
de encarceramento.
Separado pela escada de pedra, situa-se outro edifício conhecido por celeiro da
mitra. Este apresenta sobre a sua porta principal, em alto relevo, as armas do arcebispo D.
Afonso Furtado de Mendonça, que esteve à frente da diocese de Lisboa entre 1627 e 1630.
«Este emblema heráldico indica, se não a construção original, ao menos obras de
reconstrução ou remodelação no 2.º quartel do século XVII, e, em qualquer dos casos, que
o edifício era uma dependência do paço dos arcebispos, que lhe ficava fronteiro». 109 Este
edifício, em 1914, apenas tinha um andar sobre o térreo, o qual servia de teatro do
Aljube.110 O rés do chão tinha funcionado como cavalariça, uma vez que aí se encontravam
vinte e nove manjedouras. 111 Mais tarde, há registo de uma carta em que se solicita a
utilização desta dependência para alojar a Guarda Nacional Republicana que se encontrava
106 Ana Rita Marques Ferreira, Arqueozoologia num contexto prisional, Métodos e Técnicas de trabalho do osso utilizados
na prisão do Aljube – Lisboa na segunda metade do século XVI. in,
http://repositorio.utad.pt/bitstream/10348/69/3/msc_armferreira.pdf ( em 28 de maio de 2012)
107 Idem
108 Júlio de Castilho, Lisboa Antiga. Bairros orientais, vol.VI, Lisboa, S. Industriais da C.M.L., 1936
109 Idem
110 O Teatro Romano é um significativo edifício de Olisipo, colocado a descoberto após as campanhas
Económicos do Arco do Cego e da Ajuda, faz referência a um número superior de manjedouras em pedra de
lioz, no total de 32.
39
de guarda à cadeia.112 Este pedido acabou por ser recusado, porque essa arrecadação foi
«entregue por despacho ministerial ao Cabido da Sé pelo facto de ser a antiga cocheira do
paço arcebispal, atual edifício do Aljube, fazendo consequentemente, parte da traça dessa
Igreja».113 O ofício n.º116, datado de 19 de julho de 1938 pela Delegação das Obras da Sé
de Lisboa e dos Bairros Económicos do Arco do Cego e da Ajuda, em resposta aos
pedidos anteriores, por parte da Direção Geral da Fazenda Pública, para fazer um
aproveitamento melhor deste edifício, apela para que este continue ao serviço das obras da
Igreja. O edifício, que armazenava vários objetos de culto da Igreja e materiais de
construção, pertencentes às obras de reintegração da Sé, tinha sido entregue «por despacho
do Ministro da Justiça e dos Cultos, e nos termos dos artigos 10 e 11 do decreto 11 887, de
6 de julho de 1926…à corporação encarregada do Culto católico da Sé Patriarcal de
Lisboa»114.
112 Carta datada de julho de 1935. Já em 1932 o Diretor da Direção dos Monumentos Nacionais do Sul
apresentava esta dependência junto da cadeia como uma arrecadação de objetos de culto da Sé e que na época
servia também de armazém do material da obra de restauração da Sé Patriarcal de Lisboa. in IHRU/SIPA –
DSARH – 004/125 – 0193/08
113 Documento datado de 23 de novembro de 1935. in IHRU/SIPA – DSARH – 004/125 – 0193/08
114
IHRU/SIPA – DSARH – 004/125 – 0193/08
115 José Valentim de Freitas afirmou que o edifício do Aljube “ficou de pé e habitado”. in Lídia Fernandes,
Relatório Final da Intervenção Arqueológica no Pátio do Aljube (Lisboa, 2009), Museu da Cidade - Divisão de Museus
e Palácios da C.M.L., Lisboa, 2010, p. 53
116 Idem
Contextualização histórica
eclesiástico e pôs termo aos cárceres eclesiásticos, o Aljube passou a funcionar como uma
prisão civil.
Quer o livro The Stranger’s guide in Lisbon117, de 1847, quer o Novo Guia do Viajante em
Lisboa118, de Júlio César Machado, datado de 1880, apontam o Aljube como um edifício que
recebia réus condenados a pagar os seus crimes realizando trabalhos públicos.
Eunice Relvas, na sua obra Esmola e degredo – Mendigos e vadios em Lisboa (1835-1910),
refere que as cadeias civis de Lisboa (Limoeiro, Aljube e a Penitenciária inaugurada em
1885) eram «verdadeiras escolas de vícios e crimes» 119, devido à superlotação, à falta de
higiene e à promiscuidade existente e agravada pela grande diferença de idades entre os
presos. Críticas semelhantes são também pronunciadas no livro Algumas considerações sobre a
Casa de Correção e Cadeias Civis de Lisboa, de 1877, onde a falta de condições higiénicas e a má
acomodação dos presos, misturando condenados com pronunciados, faz com que as
«cadeias longe de serem logares onde mais tarde ou mais cedo venha o arrependimento,
sejam uma escola perfeita de depravação moral».120
117 The Stranger’s guide in Lisbon, An historical and descriptive view of the city of Lisbon and its environs, Lisbon, 1847
118 Júlio César Machado, Novo guia do viajante em Lisboa, Cintra, Collares, Mafra, Batalha, Setúbal, Santarém,
Coimbra e Bussaco, 4.ª edição, Lisboa, 1880
119
Eunice Relvas, Esmola e degredo – Mendigos e vadios em Lisboa (1835-1910), Coleção Cidade de Lisboa, Livros
Horizonte, Lisboa, 2002, p. 101
120
Joaquim António de Oliveira Namorado, Algumas considerações sobre a Casa de Correção e Cadeias Civis de
Lisboa, Imprensa de J.G. de Sousa Neves, Lisboa, 1877, p. 14
121
Collecção Official de Legislação Portuguesa redigida pelo Desembargador António Delgado da Silva, Anno de
1844-45, Imprensa Nacional, Lisboa, 1845. in, http://net.fd.ul.pt/legis/1845.htm (em 25 de setembro de
2012)
122
Maria José Moutinho Santos, A Sombra e a Luz. As prisões do Liberalismo, Biblioteca das Ciências do
Homem, Edições Afrontamento, Porto, 1999, p. 145
123
Livros: 459 (1862); 458 (1869/77); 320 (1877/91) 321 (1889/92); 313 (1893); 460 (1894/96); 456
(1986/97), Arquivo Histórico do Sul, DGSP.
41
Segundo a Illustração Portugueza de 29 de maio de 1905, as mulheres levantavam-se às
6h da manhã e, por turnos de vinte por dia, tomavam um duche frio. Neste período faziam
roupas brancas [figura 2] e de cotim para os presos em troca de uma pequena remuneração.
Cabia à Associação das Senhoras Viúvas, sob a proteção da rainha D. Maria Pia, e
particularmente à D. Victória d’ Oliveira Martins, vice-presidente da associação e viúva do
pensador e estadista Oliveira Martins, a regeneração das presas. Raramente aplicados, os
castigos passavam por colocar as presas em celas privadas ou ameaçar com a duplicação
dos banhos frios.
Astrigildo Chaves, no seu livro A neta do Gama: no Aljube, retrata a presença de uma
personalidade de destaque da sociedade portuguesa de então, não só pelo brasão antigo que
o seu nome carregava, mas também pelo facto de prestar um importante apoio aos presos
acusados de conspirar contra o regime. Mesmo na condição de presa D. Constança Telles
124
Diário do Governo, n.º 177, I Série, 30 de julho de 1912, in http://dre.pt/pdfgratis/1912/07/17700.pdf
(em 28 de setembro de 2012)
Contextualização histórica
125
Illustração Portugueza, Lisboa, n.º 371, 31 de março de 1913, in, http://hemerotecadigital.cm-
lisboa.pt/OBRAS/IlustracaoPort/1913/N371/N371_master/N371.pdf ( em 14 de julho de 2012)
126 Com a extinção das ordens religiosas em 1834, o Estado transformou o Convento das Mónicas em casa de
correção para rapazes e seguidamente para raparigas, até definitivamente o converter em cadeia civil para
mulheres.
127
I Série, decreto n.º 4 099 /18 de abril de 1918, Diário do Governo, n.º 81, in
http://dre.pt/pdfgratis/1918/04/08100.pdf (em 28 de setembro de 2012)
43
Apesar de pontualmente ter recebido presos sociais e políticos, «vítimas do
confronto que opôs a Primeira República ao movimento operário e sindical»128, o Aljube,
até à data do golpe que iria instaurar uma ditadura militar em Portugal, a 28 de maio de
1926, não era ainda destinado a crimes de natureza política. A edição 73 do Jornal da Região –
Lisboa Oriental (ano II, 31 de julho de 2000) escreve nas suas páginas que «até aos anos 30
do século XX, os presos que ali iam estavam condenados pela justiça por uma dívida à
sociedade», só depois passou a servir de prisão política. A provar esta tese encontra-se a
carta do então Diretor da Cadeia, Antão Nogueira ao Diretor Geral das Obras Públicas, a
24 de março de 1930, a solicitar a urgência de obras na cadeia, por aqui estarem
encarcerados presos políticos.129
Entre as alterações a que foi sendo sujeito o edifício, encontra-se o seu alteamento,
pois e comparativamente com a reconstrução setecentista, este apresenta mais dois andares.
Até 1934, o edifício tinha apenas quatro andares, no entanto a instalação de enfermarias
128 Aljube – a Voz das Vítimas, catálogo da exposição, Fundação Mário Soares, Instituto de História
Contemporânea e Movimento Não Apaguem a Memória, Lisboa, 2011.
129 IHRU /SIPA – DSARH-004/125-0193/03
130 IHRU /SIPA – DSARH-004/125-0193/03
Contextualização histórica
levou à alteração da fachada, já que esta obra exigia a construção de um novo andar. Até à
data da conclusão das obras, em 1936131, vários documentos foram apresentados à Direção
da Cadeia a apontar outras necessidades de reparação na cadeia, como as fachadas, os
estuques, os caixilhos, as grades de ferro, que se apresentavam danificadas ou em mau
estado de conservação.
Ao longo dos anos o edifício foi sendo alvo de alguns trabalhos de beneficiação,
embora estes nunca tenham sido estruturantes. Entre reparações nas fachadas, caiação,
instalação elétrica e de telefones, pouco mais foi feito no Aljube, não correspondendo nem
às necessidades da cadeia, nem às solicitações que eram feitas pela direção da mesma. A
resposta a alguns dos documentos enviados à Direção Geral de Monumentos e Edifícios
Nacionais a solicitar obras de reparo e beneficiação, foi semelhante, sendo a falta de verba
orçamental a maior justificação para o incumprimento dessas exigências.
131 No IHRU/SIPA encontram-se todos os documentos referentes à construção desta obra, desde o
levantamento das necessidades da construção da enfermaria, aos projetos e respetivos orçamentos. O
documento referente à conclusão da obra data de 25 de abril de 1936. IHRU /SIPA – DSARH-004/125-
0193/07
132 Ver documento em anexo (I) sobre o cadastro da cadeia do Aljube.
45
encerramento ao Ministério do Interior, não só devido à falta de condições de salubridade e
segurança, mas também pelo número limitado de celas para isolamento dos presos,
necessárias no período de investigação. Para além disso, a oposição aproveitava a existência
dos curros para denegrir a imagem do governo e do país.
Após a visita de 12 de março de 1969 dos Ministros da Justiça e das Obras Públicas
às cadeias do Limoeiro, do Aljube e de Monsanto, decidiu-se proceder apenas a obras
sumárias de limpeza e adaptação do edifício, que deveriam decorrer com bastante
celeridade de forma a estarem concluídas até ao término do ano. Assim, atendendo a que se
destinava a uma instalação provisória, até à conclusão da obra de construção da nova
Cadeia Comarcã de Lisboa, nos terrenos pertencentes ao Ministério da Justiça e afetos à
cadeia de Monsanto, o objetivo foi aproveitar ao máximo a construção existente e adaptá-
lo às condições necessárias para receber alguns presos transferidos da Cadeia do Limoeiro.
Os muros quentes.
Tomas Tranströmer136,
136Prémio Nobel da Literatura 2011, escreveu o poema “Alfama”, referindo-se ao Aljube como a prisão
«onde estão políticos». in http://avozdasvitimas.net/ (em 2 de junho de 2012)
49
Aljube, a história de uma prisão
I – Os Interrogatórios
A cadeia do Aljube marca a primeira etapa daquilo que ficou conhecido durante o
período do Estado Novo como um verdadeiro roteiro de terror. Era aqui que a PIDE tinha a
maior parte dos detidos durante a instrução do processo, pois a proximidade com a sede da
polícia política permitia que estes fossem facilmente chamados aos constantes
interrogatórios que se faziam no famigerado terceiro andar na Rua António Maria Cardoso.
Na fase instrutória dos processos, que podia durar até seis meses e apesar da
fachada de legalidade com que se pretendia cobrir este arbítrio, foram constantes os
atropelos ao Direito, sendo a sede da polícia política de Lisboa um palco de torturas por
excelência. No terceiro andar da Rua António Maria Cardoso a lei não entrava, tal como
Fernando Gouveia137 gostava de afirmar. E, fazendo justiça às suas palavras, este terceiro
andar era efetivamente um local de má memória para todos aqueles que o conheceram.
Logo que era detido, o preso era sujeito a um processo de despersonalização, que
começava com a recolha das impressões digitais, de fotografias: de perfil, de frente e a três
quartos e era-lhe cortado o cabelo, a barba ou bigode. «O preso era despido, revistado,
sendo-lhe retirados todos os objetos» 138, em especial óculos, relógio, cinto e atacadores.
Diga-se a este respeito que só quando um preso entrava pela primeira vez na cadeia é que
era rigorosa e minuciosamente revistado. Por exemplo, quando o preso saia para ser
interrogado pela polícia política ou para a visita da família, em caso de ter este privilégio, a
revista limitava-se a uma busca aos bolsos e a uma passagem rápida das mãos ao longo do
corpo. No entanto, a revista era mais cuidada sempre que recebia do exterior roupas ou
comida, livros, jornais ou outros objetos de utilidade ou quando enviava roupa suja à
família para lavar, tendo sido intercetadas mensagens manuscritas em ocasiões como estas.
Veja-se o exemplo da mensagem que Jaime Serra escreveu nas mangas da camisa a 26 de
julho de 1949 e que foi intercetada à saída da prisão [figuras 5 e 6]. Mensagem onde
denuncia a tortura a que estava sujeito durante o período em que esteve sujeito ao regime
de incomunicabilidade no Aljube.
137
Entrou na polícia em 1929 e apesar de ter estado onze anos afastado dela, o seu regresso, em 1944,
elevaram-no a outros patamares da polícia política. Em 1958 passou a dirigir o Gabinete Técnico da Polícia
Política. Grande conhecedor dos métodos de atuação do PCP, por ele passaram inúmeros militantes e
funcionários do partido comunista, vítimas de um «dos principais torturadores da PIDE».
138 Irene Flunser Pimentel, «A Tortura», in João Madeira (coord.), Irene Flunser Pimentel, Luís Farinha,
Vítimas de Salazar – Estado Novo e Violência Política, A esfera dos livros, Lisboa, 2007, p. 107
50
Aljube, a história de uma prisão
Fonte: PT-TT-PIDE-E010-96-19050-c0046
Fonte: PT-TT-PIDE-E010-96-19050-c0047
51
Aljube, a história de uma prisão
Esta não foi contudo a única mensagem que lhe foi intercetada. Do seu processo
consta também uma outra mensagem que este tinha escrito em papel de mortalhas e que
colocara num bocado de miolo de pão amassado e atirara para o banco onde se encontrava
a família, no horário das visitas.
Na fase dos interrogatórios o preso não tinha direito a visitas, nem acesso a livros,
papel, caneta ou lápis. Vivia-se numa tensão crescente à espera que uma ordem mudasse o
seu destino, nem que este implicasse apenas a viagem até à Rua António Maria Cardoso. A
expressão «Prepare-se para ir à polícia» soava como um raio na incerteza que era o futuro
entregue às mãos daqueles que afincadamente serravam bandeiras em nome de um regime
que os dominava, mas que respeitosamente defendiam. O silêncio dos curros, nome dado às
pequenas celas onde permaneciam os presos incomunicáveis, era assim interrompido com
um sinal sonoro do telefone e o consequente tilintar provocado pelo movimento das
chaves do guarda prisional.
O trajeto do Aljube para a sede da polícia política era inicialmente, feito a pé, pelo
preso e pelos agentes que o escoltavam. Existem também relatos de que alguns foram
transportados pelos carros elétricos e por táxis. Mais tarde, o transporte passou a ser feito
em viaturas da PSP de grande dimensão. João Paulo Freire, nas suas memórias refere que já
no início dos anos 40, o meio de transporte, entre o Aljube e a Rua António Cardoso, era
feito numa camioneta fechada. Acrescenta mesmo que existiam três: uma encarnada,
grande, cognominada de Viúva Alegre; outra encarnada, pequena, conhecida pela Mimi e
uma preta, pequena chamada Dona Carlota. O transporte «nestes caixotes, quase sem ar nem
luz, era simplesmente horroroso».139 A partir dos anos 50 e 60 a PIDE começou a utilizar
pequenas carrinhas prisionais da própria polícia. A dificuldade de transporte dos presos foi
um dos argumentos usados para o encerramento da cadeia.
139 Memórias dum jornalista [manuscrito]: 99 dias no Aljube, João Paulo Freire (Mário)
52
Aljube, a história de uma prisão
já que se pretendia que o preso falasse e/ou denunciasse outros. Para isso, recorria-se a
vários métodos, desde os psicológicos, usando a intimidação e ameaças à liberdade e
integridade da família do preso, aos físicos, através de espancamentos, privação do sono e
outros. Existiram interrogatórios em que chegaram a estar presentes «23 agentes para
intimidar fisicamente as visitas».140
Para garantir que o preso tinha condições de saúde que permitissem continuar a
tortura, o médico da PIDE era chamado no início e permanecia acessível durante o
interrogatório, caso fosse necessário. «A PIDE dispunha de um corpo médico formado por
especialistas de cardiologia, médicos de clínica geral e ainda por psiquiatras, a quem
competia distinguir quando a vítima delirava e quando falava verdade».141
140 Repórter Sombra, pseudónimo, Dossier P.I.D.E., os horrores e crimes de uma «polícia», Lisboa, Agência
Portuguesa de Revistas, 1974, p. 18
141 Ibidem, p. 19
142 Expressão usada por Diana Andriga no texto Falar na Polícia, publicado em Caminhos da Memória,
Estado Novo, União Nacional, Tudo pela Nação. Nada contra a Nação, Imprensa Nacional de Lisboa, 1933
144 Carta de 19 de fevereiro de 1965 do Conselho Geral da Ordem dos Advogados para o Ministro da Justiça.
ANTT – AOS/CO/JU - 3
53
Aljube, a história de uma prisão
Mas nem todos os presos políticos encaravam esta fase da mesma forma. Acácio
Aquino, na sua obra «O segredo das prisões atlânticas» escreve que para os anarquistas,
assumidos revolucionários, não existiam «habilidades políticas» e, em caso de prisão
deveriam ser «francos e assumir as responsabilidades dos seus atos com consciência e
coragem» 145 . No entanto, frequentemente recorriam a estratégias para iludir a polícia
omitindo dados e dando nomes intencionalmente falsos ou optando por não prestar
declarações que pudessem levar a novas prisões. Por exemplo, Jaime Rebelo, um
importante militante anarquista de Setúbal, ligado à Associação de Classe dos
Trabalhadores do Mar, quando preso em 1931, cortou a língua com uma lâmina para não
prestar declarações.
145
Acácio Tomás de Aquino, O segredo das prisões atlânticas, A regra do jogo edições, 1978, p. 132
146
Em caso de prisão e se não fosse possível negar a qualidade de membro do Partido, o preso deveria
apenas afirmar: «Recuso-me a prestar declarações.» No entanto, generalizar esta expressão a todos os
militantes podia ser perigosa, pois se o preso tivesse condições de negar a sua qualidade de comunista,
recusar-se a prestar declarações em vez de negar a acusação podia levantar suspeitas pela polícia. in, Álvaro
Cunhal, Obras escolhidas II, 1947-1964, Edições Avante!, Lisboa, 2008, p. 235
147 Maria da Conceição Ribeiro, A polícia política no Estado Novo 1926-1945, Editorial Estampa, 1995, p. 266
54
Aljube, a história de uma prisão
Consciente que acima de tudo estava o Partido, o militante comunista deveria ser
forte para aguentar as torturas, «mentir habilidosamente», nunca confirmar factos que a
polícia apresentasse e evitar «grandes conversas», até porque a polícia, para arranjar provas
incriminatórias, procurava, muitas vezes, envolver o preso numa gigantesca teia de
insegurança e contradição.
No folheto lia-se que «a primeira vez que a polícia tortura é decisiva»150, pois se o
preso fraquejasse, a polícia descobria o seu ponto fraco e redobrava «as brutalidades para
obter novas declarações».151
Se fores preso camarada… para além de expor todo o rol de torturas a que qualquer
comunista podia estar sujeito em caso de prisão, desde os espancamentos a cassetete ou a
148
Se fores preso camarada…, 4.ª edição, in Álvaro Cunhal, Obras escolhidas II, 1947-1964, Edições Avante!,
Lisboa, 2008, p. 597
149 João Madeira (coord.), Irene Flunser Pimentel, Luís Farinha, Vítimas de Salazar – Estado Novo e Violência
A polícia usava uma série de estratagemas para atingir os seus objetivos. Para além
da posição de estátua simples, retratada pela mão de Jaime Serra na figura 7, existia a
estátua onde o preso era obrigado a permanecer imóvel com os braços estendidos à altura
dos ombros voltado para a parede sem a tocar, onde muitas das vezes estavam pregadas, à
altura dos olhos, as perguntas formuladas pela polícia política.
152
PT/TT/PIDE/001/00546 – PIDE, Propaganda apreendida n.º 546
56
Aljube, a história de uma prisão
O peso do corpo, o inchaço dos pés e a dor passavam a fazer parte do preso,
tornando a sua existência quase insuportável. Jaime Serra, vítima da tortura da estátua por
oito dias, denuncia-a em carta ao povo de Lisboa, de 26 de julho de 1949, desta forma:
«obrigado a permanecer de pé dias e noites seguidas com insultos e agressões à mistura, até
cair de sono, ser de novo obrigado a pôr-se de pé para voltar a cair. Isto repetidas tantas
vezes até que os pés e as pernas lhe inchem de tal modo que nem mesmo forçado possa
manter-se de pé».153
Este meio de tortura, contudo, esgotava com maior rapidez o preso, pois muitos
deles chegaram a desmaiar de exaustão. Progressivamente foi sendo abandonado, até
porque o preso podia recusar-se ao sentar-se no chão, como aconteceu com Mateus
Gregório ou Carlos Aboim Inglês. 154 Apesar disso, no início dos anos 60, este método
continuava a ser usado, associado à privação do sono e ao espancamento. À PIDE
interessava que o preso se sentisse esgotado e falasse o mais rápido possível e para isso
colocava ao seu dispor todos os meios necessários para o fazer.
De todas as torturas, a da privação do sono era o método mais temido pelos presos
políticos. Para impedir o preso de dormir, durante largos períodos de tempo, recorreram a
153
PT-TT-PIDE-E010-96-19050-NT5020
José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal Uma biografia política – O Prisioneiro (1949-1960), vol. 3, Temas e
154
sinais sonoros, como riscar um vidro martelado ou bater na janela com moedas155, fazendo
funcionar «altifalantes com vozes e gritos de horror, choros e confissões»156 ou recorrendo
a jogos de luz violentos.
A privação do sono durante longos períodos de tempo era de uma violência atroz,
provocando a partir de determinada altura alucinações. Henrique Espírito Santo, preso em
novembro de 1963, recorda que esteve 72 horas sem dormir. Lembra que os agentes da
PIDE ao passarem com a «unha pelos dentes de um pente provocaram [lhe] uma espécie
de choques elétricos».157
Sérgio Ribeiro, depois de vários dias sem dormir, começou a dar sinais de sofrer
alucinações. Lembra que a partir de determinada altura os nós da madeira da sala onde se
encontrava pareciam ganhar vida, assemelhando-se a bichos e que as paredes pareciam
abater-se sobre ele, criando uma sensação de esmagamento. Conta também que, quando se
encontrava na condição de preso incomunicável na cela 2 do Aljube, cansado física e
psicologicamente pela situação que vivia, teve uma alucinação-pesadelo de fogo. Ao ouvir
barulho de água, provocado pelas agulhetas que procediam à rotineira lavagem das ruas,
pensou que se tratava das mangueiras dos bombeiros que tentavam apagar um incêndio e
que ele tinha ficado «ali fechado, sozinho…os guardas deviam ter fugido a tempo». 158
Recorda que foi difícil convencê-lo. «Pois se eu vira as labaredas, se eu sufocava com o
fumo, se eu cheirava o queimado, se eu sentia o calor…».159
155 Octávio Pato preso em 1961 e impedido de dormir por onze dias afirmava que o barulho que os agentes
da PIDE faziam a bater com as moedas nas janelas pareciam tiros. in, João Madeira (coord.), Irene Flunser
Pimentel, Luís Farinha, Vítimas de Salazar – Estado Novo e Violência Política, A esfera dos livros, Lisboa, 2007, p.
108.
156 Repórter Sombra, pseudónimo, Dossier P.I.D.E., os horrores e crimes de uma «polícia», Lisboa, Agência
58
Aljube, a história de uma prisão
Jogar com a chantagem familiar foi também prática corrente dos agentes da polícia
política, a quem tinha sido dada a incumbência de fazer falar o preso. A humilhação160 foi
uma das estratégias usadas para «extorquir a verdade» de quem interrogavam. Mas fosse
qual fosse o método, o objetivo era desorientar o interrogado e aniquilar a sua vontade de
resistir.
160Para além dos nomes insultuosos que proferiam, alguns presos relatam que foram vítimas de tortura com
conotações sexuais. Humilhação esta que passava por despir os presos, sovando-os e insultando-os na sua
dignidade humana.
59
Aljube, a história de uma prisão
II - Curros
A atribuição do nome curro vem da semelhança entre as dimensões das celas dos
presos e a dos curros onde se guardavam os touros na praça, antes de entrarem na arena.
Tal como os presos ficavam limitados nos movimentos, nestes compartimentos de
pequena dimensão, o animal fica impossibilitado de se mexer. Artur Pinto refere que a
designação de gaveta vem da semelhança com o uso quotidiano que se faz das gavetas, ou
seja, são locais onde se colocam coisas e aí ficam esquecidas, tal como os presos que aí
ficavam até que a PIDE decidisse o seu destino.
161Antes dos curros terem sido construídos, a sala 2 era uma sala coletiva com capacidade para
aproximadamente vinte presos.
60
Aljube, a história de uma prisão
Não foi possível, durante a investigação, chegar a uma data precisa sobre a
edificação dos curros, no entanto, pelo testemunho de Francisco Miguel sabe-se que no
início de janeiro de 1938, data correspondente à sua prisão, as celas de isolamento ainda
não existiam no Aljube. Segundo este, depois de passar pela Rua António Maria Cardoso,
foi levado para a Esquadra de Arroios, pois até à data os períodos de incomunicabilidade
eram geralmente passados nas esquadras da polícia. Francisco Miguel esteve «cerca de sete
meses incomunicável nas esquadras e, por último, na sala 2A do Aljube».162
162
Francisco Miguel, Das prisões à liberdade, Coleção Resistência, Edições Avante! Texto organizado por
Fernando Correia, Lisboa 1986, p. 45
163 Bentham, in José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal Uma biografia política – O Prisioneiro (1949-1960), vol. 3,
Editora Fundão, p. 35; Aljube – a Voz das Vítimas, catálogo da exposição, Fundação Mário Soares, Instituto de
História Contemporânea e Movimento Não Apaguem a Memória, Lisboa, 2011, p. 36
61
Aljube, a história de uma prisão
limitando o movimento a três ou quatro passos para a frente e para trás. «Feitos à medida
de um homem estendido ao comprido, os curros pareciam sarcófagos»166.
Carlos Brito, isolado cinco meses na cela 7 do Aljube, descreveu esta experiência
penosa pois «uma pessoa com os braços abertos tocava nas duas paredes e o comprimento
era pouco mais do que o de uma cama».167 Tal como se observa na figura 10, as celas dos
incomunicáveis, num total de treze, tinham sensivelmente a mesma largura, embora o
comprimento fosse variável, sendo que as cinco primeiras apresentavam um comprimento
menor. Existiam apenas dois corredores a separar os cerca de vinte metros por onde se
estendiam todos os curros.
A largura da cela era de tal forma exígua que quando o bailique se abria, o preso
ficasse apenas com vinte a vinte e cinco centímetros de espaço, ao ponto dos joelhos
tocarem a parede, se o preso se sentasse no bailique.
166 Francisco Horta Catarino, in Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Temas e Debates, Círculo de
Leitores, 6ª edição, 2009, p.432.
167 Entrevistas conduzidas por Miguel Medina, Esboços: antifascistas relatam as suas experiências nas prisões do
entanto, a data sugerida é pouco provável. Assim, o que se apresenta a tracejado, neste caso as celas
individuais dos presos em regime de incomunicabilidade, é aquilo que deve ser destruído e não o estudo para
a sua construção. No decorrer da investigação verificou-se que pela numeração do armário e da gaveta em
62
Aljube, a história de uma prisão
Figura 11: Estudo das obras de remodelação e beneficiação da Cadeia do Aljube – 4.º e 5.ºpavimentos,
planta correspondente à memória descritiva de novembro de 1957
No entanto, o ofício n.º 103/58 S.A. – 2ª. Secção de 6 de fevereiro de 1958, notifica
que só o 4.º pavimento [figura 12] 169 será alvo de remodelação, devido à ampliação do
depósito de presos no Reduto Norte do Forte de Caxias. Em consequência desta alteração
pretendia-se que as celas existentes desaparecessem e fossem substituídas por outras em
número correspondente ao das janelas, para que cada uma das camaratas recebesse
diretamente ar e luz natural.
que o documento se encontra arquivado, a data é posterior à sugerida. Ou seja, os documentos encontram-se
arquivados representando, o número do armário e da gaveta e do próprio documento, a antiguidade do
mesmo. Quanto maior for o número da gaveta e do armário mais recente é o documento. Outro facto que
permitiu chegar a esta conclusão prende-se com a memória descrita datada de novembro de 1957, que
corresponde à planta apresentada e que se pode consultar no anexo (II).
169
Para esta planta o catálogo Aljube – A voz das vítimas também apresenta a data de 1943. No entanto, e
atendendo novamente ao número do armário, da gaveta, do documento e após a leitura dos documentos
textuais, esta planta parece corresponder às alterações exigidas no ofício n.º 103/58, de fevereiro de 1958.
63
Aljube, a história de uma prisão
170
Carlos Brito, Tempo de Subversão, Páginas vividas da Resistência, 2.ª edição, Edições Nelson de Matos, 2011, p.
65
64
Aljube, a história de uma prisão
Figura 14: Desenho da prisão de Jaime Serra – Perspetiva do fundo da cela - 1949
Fonte: PT-TT-PIDE-E010-96-19050 c0064
65
Aljube, a história de uma prisão
Paulo Freire, embora nunca tivesse estado nas celas incomunicáveis, descreve-as,
pelas palavras dos outros presos, como sendo pequeníssimas, sem luz nem janela.
Apresentadas como restos das clausuras inquisitoriais, estas celas eram a «antecâmara da
loucura». Apesar disso, existia aquilo que era reconhecido com «um quarto bom», para
incomunicáveis, no entanto, custava 20 escudos por dia.
Nas celas individuais do Aljube os dias não tinham história, mas a História irá
marcar todos os dias que aqui foram vividos.
Ao preso era distribuída uma enxerga apenas com alguma palha e duas mantas,
normalmente sujas, já que passavam muito tempo sem serem lavadas. A cadeia não
fornecia nem lençóis, nem fronhas, que no entanto podiam ser fornecidos pela família do
preso.
171 Varela Gomes, Tempo de resistência, 1º período: prisão-hospital (1 jan. a 19 mar. 1962),2º período: Aljube (19 mar. a
set. 1962), Ler editora, Lisboa, 1980, parte I, p. 115
172
Carlos Brito, Tempo de Subversão, Páginas vividas da Resistência, 2.ª edição, Edições Nelson de Matos, 2011, p.
64
66
Aljube, a história de uma prisão
Neste espaço físico só o casqueiro de pão que era distribuído diariamente podia
fazer companhia ao preso. Tudo o resto ficava fora do seu alcance, inclusive a muda de
roupa, o cinto, os cordões dos sapatos ou alguns utensílios higiénicos. Ali, como descreve
um dos presos «reinavam a solidão, o silêncio quase absoluto, a escuridão. Entrava-se
noutro mundo»,173 ali, «onde o badalar dos sinos da Sé, o barulho das chaves ou uma porta
a bater soavam como estrondo imenso». 174 Imperava um silêncio mortal, como se não
existisse vida para lá das portas fechadas dos outros curros. Era proibido falar e qualquer
infração era duramente punida.
No isolamento da prisão até os pequenos gestos do dia a dia eram motivo de uma
cuidada apreciação. As pequenas coisas aqui tomavam dimensões que só a imaginação de
cada um podia limitar. O tempo que se passava nos curros permitia ao preso um contínuo
jogo de memória, porque, entre quatro paredes, numa quase permanente ociosidade, só os
pensamentos ajudavam o tempo a passar.
173 Aljube – a Voz das Vítimas, catálogo da exposição, Fundação Mário Soares, Instituto de História
Contemporânea e Movimento Não Apaguem a Memória, Lisboa, 2011, p. 36
174 Idem
175 Aljube – a Voz das Vítimas, catálogo da exposição, Fundação Mário Soares, Instituto de História
de mortalha 176. Algumas destas mensagens foram apreendidas pela PIDE, como ilustram as
figuras 7 e 8 apresentadas no início deste capítulo [subtema – Os Interrogatórios, pág. 59].
Na sua obra Eles têm o direito de saber, Serra177 contou que este tempo em que esteve
no Aljube foi de facto muito difícil, «sem livros, sem jornais, sem poder escrever e sem
visitas, tinha de inventar formas de fazer passar o tempo». 178 A única fuga possível ao
espaço exíguo em que se encontrava era as súbitas chamadas à sede da PIDE para ser
interrogado, intercalados com uns dias de estátua.
Sérgio Ribeiro, preso a 17 de maio de 1963, no seu livro Porque vivi e quero contar, ao
descrever aquilo que era o seu mundo no Aljube, que «alternava entre um metro e sessenta
por um metro e dez, quando de pé, e um metro e oitenta por sessenta centímetros, quando
deitado»,179 já que com a tarimba levantada tinha 3 passos de comprimento por 2 passos de
largura para «passear», fala da imensa alegria que sentiu, quando depois de alguns dias no
isolamento do seu curro descobriu que a diagonal trazia uma nova dimensão ao espaço
físico que o encarcerava.
Carlos Brito lembra que a poesia foi a sua grande companheira na fase da
incomunicabilidade. Impôs a si mesmo um tempo diário que dedicava a recitar poemas de
autores como Florbela Espanca, Miguel Torga, Cesário Verde ou Camões e para compor
alguns originais. Este exercício era de importância vital para a sua saúde física e moral, pois
para além de exercitar a memória e de fazer uso da sua voz, já que recitava os poemas a
meia voz, também o ajudava a quebrar a inatividade a que a prisão o votava.
176 Jaime Serra, Eles têm o direito de saber, Coleção Resistência, Edições Avante!, Lisboa, 1997, p. 66
177
Jaime Serra experimentou novamente a agonia de estar no Aljube em prisões posteriores, em 1954 e em
1958.
178 Jaime Serra, Eles têm o direito de saber, Coleção Resistência, Edições Avante!, Lisboa, 1997, p. 67
179 Sérgio Ribeiro, Porque Vivi e Quero Contar, Prelo editora/Editorial estampa, 1ª edição, Lisboa, 1983, p. 33
180 José Dias Coelho, A resistência em Portugal, Coleção Resistência, Edições Avante!, Lisboa, 2006,p. 146
68
Aljube, a história de uma prisão
prova que «havia sempre um patamar ainda pior do que aquele em que se estava, por pior
que fosse».181
Figura 15: Indicação a vermelho da cela n.º 14, Cadeia do Aljube, 4.º pavimento, data provável 1956
Fonte: IHRU/SIPA – DES. 0109577 (armário 4, gaveta 2)
Francisco Miguel esteve mais de três meses incomunicável na cela 14, «considerada
a mais escura daquela já de si sombria e fria cadeia», 182 na sequência da sua prisão em
dezembro de 1939. Descreve estes dias como sendo terríveis, «vividos num outro mundo,
rodeado de silêncio e imerso nas trevas, onde a resistência só é possível graças a uma
grande força interior, a uma firmeza e determinação inabaláveis».183
A estratégia era levar o preso a desesperar pela incerteza do seu futuro, de tal forma
que quando fosse interrompido o seu isolamento, pela presença de um torcionário
181
Carlos Brito, Tempo de Subversão, Páginas vividas da Resistência, 2.ª edição, Edições Nelson de Matos, 2011, p.
70
182 Francisco Miguel, Das prisões à liberdade, Coleção Resistência, Edições Avante! Texto organizado por
Fernando Correia, Lisboa 1986, p. 52
183 Idem
184 Maria da Conceição Ribeiro, A polícia política no Estado Novo 1926-1945, Editorial Estampa, 1995, pp. 234 e
235
69
Aljube, a história de uma prisão
empregando um discurso mais suave, aparentemente mais simpático, o preso cedia ao novo
interrogatório com maior facilidade. Para Edmundo Pedro foi na «determinação, na
autoconfiança e na imaginação» que conseguiu arranjar forças para suportar o
isolamento.185
Joaquim Pires Jorge, nas suas notas autobiográficas intituladas Com uma imensa
alegria, afirma que esta era uma chave clássica sobejamente conhecida, inclusive dos
guardas. Por isso, existia também uma outra chave em que a estratégia usada era a «de
escrever todo o alfabeto numa quadrícula de 5 por 5».186 O A era 1+1, o B o 1+2, o C 1+3,
o D 1+4 e o E 1+5. Depois o F era o 2+1, o G 2+2, o H 2+3, o I 2+4 e o J 2+5 e assim
sucessivamente. Esta era a única fuga possível ao tédio e ao isolamento total a que eram
votados os presos.
No entanto, este tipo de comunicação era perigosa e era necessário ter muito
cuidado nas mensagens que se transmitiam, pois a polícia, para obter denúncias, também
chegou a usar esta estratégia. Ou seja, colocava-se numa cela e através de pancadas na
parede comunicava com o preso da cela contígua, conquistando a sua atenção e confiança,
para o levar a falar.
185 Movimento Cívico Não Apaguem a Memória! in, http://maismemoria.org/mm/ (em 20 maio de 2012)
186 Joaquim Pires Jorge, Com uma imensa alegria, Coleção Resistência, Edições Avante!,1984 p. 35
187 Entrevistas conduzidas por Miguel Medina, Esboços: antifascistas relatam as suas experiências nas prisões do
Apesar de todo o sistema prisional estar montado para quebrar o ânimo dos presos,
abalando as suas convicções políticas e ideológicas, dissuadindo-os de lutar contra o regime
vigente no qual não se reviam, alguns, mantendo-se fiéis aos seus princípios, resistiram
firmemente a todas as arbitrariedades a que foram sujeitos. Mesmo encarcerados, sujeitos a
uma rigorosa vigilância e privados durante alguns períodos de papel e de outro material de
escrita, os presos conseguiram colocar em circulação informações entre si e com o exterior.
A prová-lo está, por exemplo, o «Boletim Inter-Prisional», nome dado ao jornal manuscrito
pelos presos do Aljube, que os militantes do PCP conseguiram colocar em circulação. Nele
denunciavam não só as arbitrariedades dos guardas como também impulsionavam a luta
dos presos por melhores condições prisionais.
188 Idem
71
Aljube, a história de uma prisão
Na enfermaria, a penumbra era quase permanente ao longo do dia, uma vez que a
visão para o exterior era mínima e a luz muito reduzida devido aos vidros foscos e às
grades. Em carta datada de 23 de março de 1962, Varela Gomes confessa encontrar-se a
caminho de se «tornar um monge ermitão, estrito observante da regra beneditina. Não para
ganhar a vida futura, mas para ir suportando a presente». 189 Do mobiliário a que tinha
direito faziam parte «uma cama, uma banqueta de cabeceira, uma cadeira e uma mesa de
tampo de pedra. Estavam regulamentadas duas deslocações à casa de banho, no fundo do
corredor, uma de manhã, outra de tarde. O olho do guarda, colado ao ralo da vigia, tornava
a atmosfera mais pesada, a penumbra mais escura, inquinava a paz do isolamento». 190 Aqui
o único horizonte visual que se vislumbrava era o telhado inclinado, «uma fila de janelas
com roupa estendida. Nem uma nesga de céu».191
Para a enfermaria eram também levados os presos com idade mais avançada ou
pessoas cujo estatuto social exigisse maiores cuidados, como foi, por exemplo, o caso de
António Agostinho Neto, preso no Aljube em 1960.
189 Varela Gomes, Tempo de resistência, 1º período: prisão-hospital (1 jan. a 19 mar. 1962),2º período: Aljube (19 mar. a
set. 1962), Ler editora, Lisboa, 1980, parte I, p. 66
190 Ibidem, p. 67
191
Ibidem, p. 76
72
Aljube, a história de uma prisão
Foi também aqui que Miguel Torga esteve preso, em 1939, depois de ter sido
levantada a incomunicabilidade e em virtude de correr riscos de uma perfuração numa
úlcera. Ai escreveu os célebres poemas Canção, Ariane e Claridade, imortalizados como um
símbolo de resistência.
O edifício do Aljube tinha ainda outras salas onde os presos eram mantidos em
comum.
A sala 3 funcionava como um verdadeiro «cais de embarque»,192 pois era aqui que se
mantinham provisoriamente os presos políticos que transitavam de uma prisão para outra.
Nesta, chegou a existir uma grande concentração de presos, o que permitia a transmissão
de experiências e debate de ideias.
A sala 2A, onde o Sol nunca entrava, era húmida e escura, daí que precisasse de
iluminação artificial durante todo o dia, o que nem sempre era permitido. Aqui apenas
existia uma janela fechada por grades fortes e uma rede de malhas apertadas, que roubavam
ainda mais o ar e a luz. Esta sala era, nas palavras de José Dias Coelho, fria e de um
desconforto doentio.193
192 Expressão usada por José Dias Coelho, A resistência em Portugal, Coleção Resistência, Edições Avante!,
Lisboa, 2006, p. 146
193 Idem
73
Aljube, a história de uma prisão
IV – Quotidiano na prisão
Paulo Freire, preso doze vezes entre 1926 e 1940, relata, nas suas memórias, o dia a
dia dos presos na prisão do Aljube. Assim, os presos faziam a barba e cortavam o cabelo
no patamar do 3.º e 4.º andar, no entanto só se podiam servir dos espelhos e giletes das
oito às dez horas.
Não podiam receber comida ou fruta fora das horas das refeições e os cestos da
comida que lhes eram destinados pelos familiares eram sempre vistoriados pelos guardas,
«que mexiam e remexiam a comida com as mãos».
À quinta-feira era dia de visita médica, por isso quem tivesse doente antes ou depois
desse dia, tinha que esperar pela quinta-feira seguinte. Em caso de lhe ser prescrito a toma
de medicação, esta tinha de ser feita à frente do enfermeiro de serviço à cadeia. Só
excecionalmente, e com a devida autorização do médico da cadeia, é que o recluso se podia
servir de medicamentos externos.
Na 1.ª classe, situada no 3.º andar e onde Paulo Freire esteve preso, existia um
pequeno vestíbulo, uma retrete, uma pequena sala de jantar, um salão com duas janelas,
uma sala interior de lavatórios, uma sala de banho e uma arrecadação. As camas eram de
ferro com colchoaria de palha e existiam dois cobertores e uma colcha, que só era lavada de
mês e meio em mês e meio. Um lençol era mudado por semana, à segunda-feira. Aqui o
preso era obrigado a fazer a sua cama e não podia deitar-se ou sentar-se nela durante o dia.
Os banhos quentes eram à quinta-feira e ao domingo.
Segundo Paulo Freire, a hora de levantar era às sete horas e trinta minutos, o
almoço decorria do meio-dia às treze horas e o jantar entre as dezoito e as dezanove horas.
Por volta das vinte e uma horas os presos recebiam um «púcaro de café, acompanhado por
casqueiro, que devia durar todo o dia seguinte, porque era o único pão que distribuíam
diariamente».194 No entanto, os presos acusavam que o café «era uma aguada escura e os
casqueiros intragáveis».195
Carlos Brito testemunha que em 1956/57 era distribuído aos presos, pela manhã,
um «zurrapa cor de café» servida num púcaro de esmalte e cheio de mossas e um pequeno
pão, que devia ser bem racionado, atendendo que era para o dia inteiro. Ao almoço
194 Aljube – a Voz das Vítimas, catálogo da exposição, Fundação Mário Soares, Instituto de História
Contemporânea e Movimento Não Apaguem a Memória, Lisboa, 2011, p. 36
195 Manuel Tiago, Sala 3 e outros contos, Coleção Resistência, Edições Avante!, Lisboa, 2001, p. 14
74
Aljube, a história de uma prisão
comiam só uma sopa, embora os guardas apregoassem que se podia repetir e ao jantar os
presos tinham uma sopa e um segundo prato de carne ou peixe, muito embora nas palavras
de Carlos Brito, «nunca se sabia bem o que era», apenas se sabia ser intragável.
Deitar às vinte e duas horas e silêncio às vinte e duas horas e trinta minutos. Na
camarata só existia luz entre as vinte e duas horas e as vinte e duas e trinta. Depois do
silêncio existiam rondas de duas em duas horas. Acendia-se as luzes todas e o guarda
passava a revista minuciosa. As grades das janelas eram sujeitas à ação de uma lâmpada
elétrica, não fosse algum preso serrá-las naquele breve espaço de duas horas.
A visita das famílias, apenas permitida aos filhos, pais, cônjuges ou irmãos, decorria
entre as catorze hora e trinta minutos e as quinze horas e trinta minutos. Os outros
familiares só podiam visitar os presos com especial autorização, apesar de, na prática todas
as visitas dependerem do arbítrio policial.
A passagem dum preso da 1.ª classe para a 3.ª classe significava que o dinheiro tinha
acabado e isso representava o fim de algumas regalias como a cama limpa e o banho
quente. Nos anos 60 esta distinção em classes deixou de existir.
196
in, http://www.ges.pcp.pt/bibliopac/imgs/alj111935.pdf (em 15 de março de 2012)
197
IHRU/SIPA – DREL – 00992/02
198 Memórias dum jornalista [manuscrito]: 99 dias no Aljube, João Paulo Freire (Mário)
75
Aljube, a história de uma prisão
funcionava cerca de três horas por dia. Em Peniche tinham aulas e praticavam vários jogos
ao ar livre, para além que não pagavam «hospedagem».199 É preciso, contudo, referir que no
decénio seguinte a vida dos presos de Peniche tornou-se um inferno.
A cadeia do Aljube não tinha uma biblioteca que servisse simultaneamente de sala
de recreio espiritual e de trabalho mental, nem sequer para os reclusos de 1.ª classe. «A
distração local do Aljube é uma coisa incompreensível pela carência de condições higiénicas
que oferece. E não se diga que os presos de 1ª classe são pesados ao Estado, porque esta
sala, onde passei os meus 99 dias, dá ao Estado um rendimento mensal de 5 mil escudos,
mais parecendo, pelo cuidado de a ter sempre repleta, uma exploração industrial, do que
uma prisão».200
Sem qualquer espaço para recreio, a vida dos presos ficava confinada à sua sala,
quer individual, quer coletiva. Sem espaço para se exercitar, sem acesso à luz direta do Sol
vivia-se num «permanente castigo».
Por não existir cozinha para a confeção das refeições, a comida vinha da cadeia do
Limoeiro e era, na boca daqueles que dela se alimentaram, não por prazer, mas por
obrigação, de péssima qualidade. O «Boletim Inter-Prisional» de maio de 1936 sublinha
mesmo que «a alimentação é intragável, motivo porque muitos camaradas a não comem».202
Só muito mais tarde, já no ano de 1970, é que a cadeia foi equipada com mono-
lumes e com um sistema de ventilação para a copa, pois era necessário aquecer as refeições
que eram preparadas no Limoeiro.
199
Memórias dum jornalista [manuscrito]: 99 dias no Aljube, João Paulo Freire (Mário)
200 Idem
201 Alexandre Manuel, Rogério Carapinha, Dias Neves (coord.), Pide a História da repressão, Jornal do Fundão,
Editora Fundão, p. 34
202
in, http://www.ges.pcp.pt/bibliopac/imgs/alj051936.pdf (em15 de março de 2012)
203 Aljube – a Voz das Vítimas, catálogo da exposição, Fundação Mário Soares, Instituto de História
passou-se a dispor de uma campainha silenciosa que indicava ao guarda o preso que o tinha
chamado. Depois o guarda escoltava-o até à casa de banho, uma única para todos os curros,
onde a porta ficava escancarada, sob o olhar vigilante do carcereiro. Aqui as «necessidades
eram feitas numa turca, ou seja, um sanitário assente no chão, com um buraco no meio e
apoio para os pés: aí ficava-se de cócoras».204 Artur Pinto afirma que às vezes, quando os
guardas assim determinavam, era aqui que tomavam banho, colocando para o efeito um
estrado de madeira em cima da turca.
204
Testemunho de Artur Pinto (entrevista a 13 de agosto de 2012)
77
Aljube, a história de uma prisão
205
Dias Coelho relata, em A Resistência em Portugal, que no Aljube também se encontravam encarcerados
estrangeiros indocumentados da emigração clandestina, na sua maioria espanhóis [p. 146]. Existiam também
falsificadores de moeda e testemunhas de Jeová que tinham um comportamento que colocava em causa a
segurança do Estado.
78
Aljube, a história de uma prisão
As medidas de segurança, usadas como arma política, uma vez que serviam para
neutralizar os presos políticos considerados mais perigosos e não passíveis de
«regeneração»., acabavam por dar uma dimensão de quase perpetuidade às penas a que
tinham sido judicial e inicialmente condenados.
Para além de preso às celas, o preso político era também dominado por uma rotina
carcerária. «De resto, nesse decorrer arrastado e infindável do tempo, cada dia visto à
superfície parece igual a todos os outros dias. Horário, rotina e ritual».206 Pelo contrário, os
presos comuns podiam contar o tempo até à sua libertação. Exemplo disso era o 210,
personagem da obra A Estrela de Seis Pontas, que dia após dia, em voz alta, contava o
«tempo já passado e o tempo a passar. Dos anos, dos meses, dos dias de prisão ainda a
sofrer. Contas feitas dia a dia. Contas rigorosamente certas».207 Ou o Nazaré que contava o
tempo que faltava para cumprir a pena e concretizar a paixão que iniciou no parlatório pela
suposta irmã do 31.
Outra diferença que marcava o universo prisional dos presos comuns e dos presos
políticos prendia-se com a obrigatoriedade dos primeiros usarem uniforme e se
encontrarem identificados por um número. «Fardas e barretes de um castanho sujo com
números estampados a branco».208 Manuel Tiago retrata-a quando se refere à situação de
incomunicabilidade em que os «três políticos do varandim da ala C» viviam há meses. 209 A
sua chegada noturna à Penitenciária ficou envolta num certo secretismo, nas palavras do
autor, embora os «presos tomados de insónia» tivessem sido «surpreendidos por barulho
206 Manuel Tiago, A Estrela de Seis Pontas, Coleção Resistência, Edições Avante!, 4.ª edição, Lisboa, 1994, pp.
9-10
207 Ibidem, p. 129
208 Ibidem, p. 10
209 Ibidem, p. 28
79
Aljube, a história de uma prisão
invulgar». Ao chegarem os «três foram metidos em celas separadas por celas vazias, não
fossem eles comunicar com sinais batendo nas paredes».210
210 Manuel Tiago, A Estrela de Seis Pontas, Coleção Resistência, Edições Avante!, 4.ª edição, Lisboa, 1994, p. 19
211 José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal Uma biografia política – O Prisioneiro (1949-1960), vol. 3, Temas e
Debates, Lisboa, p. 175
212 Ibidem, p. 185
80
Aljube, a história de uma prisão
em defesa dos valores que lutava, Cunhal transportava para folhas sépias sentimentos,
ideais, quase sempre em representação de cenas campestres. Os seus célebres Desenhos de
Prisão revelam o lado artístico de um homem que sempre foi político.
Mas a diferenciação também se fazia sentir entre os presos políticos. A tortura, por
exemplo, assumia várias faces e era usada conforme «filiação partidária, preso intelectual ou
trabalhador, acontecimentos da história pessoal que pudessem ser utilizados contra o preso,
situações familiares, possibilidade de chantagem económica».213
A PIDE, amante das hierarquias e respeitadora das elites, «enviava o intelectual para
a tortura do sono, continuando, porém, a tratá-lo por senhor doutor. Relativamente ao
operário ou ao assalariado rural, mais do que persegui-los pelas suas atividades políticas, a
PIDE punia-os brutalmente, por ousarem sequer pensar que lhes era permitido mudar de
vida e desafiar a ordem imutável e inquestionável».214
213 Nuno Vasco, Óscar Cardoso, A Bem da Nação, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1998, p. 170
214 Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 6ª edição, 2009, p. 531
215 João Madeira (coord.), Irene Flunser Pimentel, Luís Farinha, Vítimas de Salazar – Estado Novo e Violência
Política, A esfera dos livros, Lisboa, 2007, p. 106
216 Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 6ª edição, 2009, p. 361
217 João Madeira (coord.), Irene Flunser Pimentel, Luís Farinha, Vítimas de Salazar – Estado Novo e Violência
A luta de classes, tão detestada pelo regime, esteve sempre presente no seio da
PIDE, que tratava de maneira diferente operários, camponeses, intelectuais, burgueses,
homens e mulheres. Embora com exceções, a PIDE, até finais dos anos 60, «raramente
brutalizava os da classe dos “Dr.”».218 Não se entenda contudo, que esta diferenciação era
positiva para os presos de maior estatuto social. Sérgio Ribeiro vítima da privação do sono
conta que talvez uma bofetada nesta fase servisse como um estímulo para reagir à tortura,
mas efetivamente isso não aconteceu, porque a classe dos «Dr.» não era alvo de
espancamentos.
Álvaro Cunhal, por exemplo, cuja militância comunista o conduziu à cadeia, gozou
de um regime prisional singular pelo facto de ser a figura mais emblemática do comunismo
português com grande notoriedade nacional e internacional. Ou seja, a PIDE, embora o
considerasse um «transviado», reconhecia-lhe a condição social distinguindo-o dos outros
presos. No entanto, a sua situação prisional não foi pacífica e deu origem a conflitos entre a
PIDE e as autoridades prisionais e judiciais. Apesar da polícia política justificar o regime
excecional em que se encontrava Cunhal, por não estar garantida a inocuidade das
atividades subversivas dentro da cadeia e por isso, a necessidade de uma vigilância especial,
o seu regime prisional tornou-se menos violento. Esta nova situação garantiu-lhe, por
exemplo, a devolução de alguns dos seus objetos pessoais, entre eles, algum material de
pintura a óleo. No entanto, esta distinção de tratamento também se ficou a dever às
pressões estrangeiras que recaíam sobre o governo português.
João Paulo Freire, preso 99 dias no Aljube, não só por ser um jornalista que não
pactuava com o regime, mas também por afirmar no 3.º volume do livro Os Judeus, que
218 Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 6ª edição, 2009, p. 361
82
Aljube, a história de uma prisão
Salazar tinha ascendência judaica,219 descreve, nas suas memórias, a distinção que se fazia
entre os presos. Refere que, em 1940, existia no Aljube a 3.ª classe, a 2.ª classe, as celas
incomunicáveis, a 1.ª classe e no último andar funcionava a enfermaria. Ele próprio foi
«mandado para a 1.ª classe, mediante o pagamento de 10 escudos diários e com comida à
sua custa».
219 Numa Europa ameaçada pelo antissemitismo alemão, era um crime acusar um chefe de Estado de tal
origem.
220 ANTT – MAI/GM – GBT 8/52 Cx 80 [pt.13]
83
Aljube, a história de uma prisão
VI - Fugas da cadeia
221 Elementos para a História da PIDE, Associação de Ex-presos políticos antifascistas, Lisboa, p. 4
222 IHRU/SIPA – DSARH – 004/125 – 0193/07
84
Aljube, a história de uma prisão
janelas do terceiro andar do edifício, a partir das quais de tinha dado uma evasão recente.223
Procurava-se, desta forma, colmatar as vulnerabilidades do edifício e evitar fugas futuras.
Todas as cadeias políticas foram palco de ações de fuga por parte da oposição ao
regime vigente em Portugal. Anarquistas, reviralhistas, socialistas, comunistas e outros
oposicionistas foram protagonistas de algumas dessas experiências. Saliente-se, contudo,
que a «partir de 1940 passam a ser bastante raros os casos de fuga da prisão por parte de
ativistas militantes de organizações e setores da oposição não comunista».226
159
226
João Madeira e Luís Farinha, in «Fugas das cadeias da pide», História, n.º 28, ano XXII (III Série),
setembro de 2000, p. 31
85
Aljube, a história de uma prisão
Pável foi condenado, à revelia, pelo Tribunal Militar Especial, a quatro anos de
prisão correcional.
227
Francisco Paula de Oliveira já tinha fugido, em 1934, do Sanatório da Ajuda, quando era secretário-geral
da Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas.
228
Irene Pimentel, «A cantiga com a arma», in, «Fugas das cadeias da pide», História, n.º 28, ano XXII (III
Série), setembro de 2000, p. 28
229
Idem
86
Aljube, a história de uma prisão
Assim, Palma Inácio, Celestino das Neves, Leopoldo Lino e Amílcar dos Anjos
Pereira pediram ao guarda que os acompanhasse à casa de banho. José Ferreira da Silva,
também preso na sala 2 A, apesar de se ter apercebido que Palma Inácio e Celestino das
Neves levavam escondidos entre as calças e o casaco, dois lençóis cada, não teve qualquer
interferência no plano de fuga, como mais tarde irá declarar à polícia política.
ficavam na sala à espera da sua vez, os presos ficavam sozinhos, já que o guarda de serviço
tinha outras missões às quais tinha de atender.
Assim, enquanto Leopoldo Lino foi à casa de banho, os outros presos aguardavam
na sala de visitas. Depois de atarem os lençóis e entalarem a ponta do último entre a janela
e o peitoril, Palma Inácio iniciou a descida rumo ao mundo exterior, segundo os cálculos
seriam aproximadamente 8 a 10 metros. Mas ao saltar para o solo bateu numas tábuas
[figura 16] que se encontravam no chão e provocou um ruído, que deu imediatamente o
alarme ao guarda da GNR que se encontrava de vigilância. Alerta que impediu que
Celestino Neves fugisse também.
232Auto de declarações ao guarda da GNR responsável pela vigilância no exterior da cadeia do Aljube. ANTT
– PIDE/DGS – SC – Proc. 472/48 – NT 4967
88
Aljube, a história de uma prisão
misturasse na rua, cheia de gente, para evitar que os guardas disparassem sobre si. Correu e
na Rua da Madalena entrou num táxi. Estava consumada a fuga.
233Da lista apreendida contam-se as seguintes ferramentas: «dois escopros, duas facas tipo sapateiro, duas
limas, duas lanternas, quatro cargas para as mesmas lanternas, um serrote, uma serra para ferro, um serrote
em arco completo e várias serras finas para o mesmo». in, Jaime Serra, 12 Fugas das Prisões de Salazar, Coleção
Resistência, Edições Avante!, Lisboa, 3.ª edição, 2011, p. 80; Jaime Serra, Eles têm o direito de saber, Coleção
Resistência, Edições Avante!, Lisboa, 1997, p. 88
89
Aljube, a história de uma prisão
Guimarães e José dos Santos Mesquita, foram fazer a ligação da luz à Rua do Barão. 234 A
escuridão apenas reinava em frente da cadeia.
Para fugir teria de abrir uma passagem no chão da cela n.º 12, onde se encontrava
isolado, para o primeiro andar e daí fazer um buraco na parede que o levaria à liberdade,
diretamente para a Rua do Aljube.
A tarefa de serrar o soalho era morosa e obrigava Jaime Serra a disfarçar o corte
com pregos semelhantes aos do chão, uma vez que a cela era varrida todos os dias e lavada
aos sábados pelos serventes que prestavam serviço na cadeia. Este disfarce só foi possível
porque existiam duas camadas de forro no soalho. Segundo o auto de averiguações Serra
deve ter levantado os pedaços de madeira pequenos e cortado o forro interior, colocando
de novo as tábuas de folhamento sempre que precisava de interromper o trabalho.
Depois de criar a ilusão que tudo permanecia intocável na sua cela, inclusive a cama
onde se deitava todas as noites, enchendo-a de roupa e jornais de forma a criar um volume
idêntico ao do seu corpo, retirou as tábuas do soalho e cortou o estuque do teto do piso de
baixo. O orifício, com dimensões de 31 cm de comprimento e 26,5 cm de largura e aberto
no intervalo de duas traves de vigamento, deu-lhe acesso aos balneários da sala 3, cuja
dependência ficava na extremidade do respetivo pavimento. Alcançado o primeiro andar,
graças à corda de lençóis torcidos que usou, iniciou a tarefa de abrir o buraco na parede
exterior, a partir da qual encontraria a almejada liberdade.
O seu plano acabara de ser frustrado e em resultado desta tentativa, Jaime Serra
ficou quinze dias no «segredo» do Aljube, «a pão e água, sem mantas, nem colchão e apenas
com a roupa ligeira que tinha vestido».235 Jaime Serra, quando foi apanhado pelo guarda
Manuel Fernandes tinha vestido um fato de pijama. Cumpridos os quinze dias, Jaime Serra
foi transferido para a prisão de Caxias.
Apesar de não ter sido uma evasão bem sucedida, levantou várias questões de
segurança e de negligência na vigilância dos presos. A primeira refere-se ao facto dos
presos não serem convenientemente revistados depois das visitas dos familiares. Para além
disso, não existia nenhuma indicação que aquele recluso já se tinha evadido da Cadeia do
Forte de Peniche, nem que era necessária uma vigilância especial sobre ele. No entanto,
quando o guarda responsável pela vigilância da sala 2 foi questionado sobre uma possível
negligência da parte dele, este remeteu para a dificuldade de ouvir qualquer ruído estranho
do interior das celas dos isolados, uma vez que o corredor é paralelo à via pública e junto às
janelas, numa extensão de mais de 20 metros.236
Para planear a fuga tudo tinha de ser articulado com o exterior, através dos
contactos feitos durante as visitas ou por correspondência com a família, usando para o
efeito mensagens cifradas. Para além disso, tudo era meticulosamente pensado, desde a
altura exata para cortar os lençóis, que serviriam de corda para a descida, ao tempo que esta
demoraria a realizar-se de forma a ser coincidente com a ajuda no exterior, ao disfarce
necessário do corte feito nas grades e aos horários a que eram feitas as rondas noturnas
pelos guardas da cadeia. Para o efeito, organizaram turnos de duas horas, nas quais dois
presos se mantinham vigilantes e atentos a todo a atividade noturna da prisão, de forma a
estudar ao mais ínfimo pormenor o comportamento dos guardas de serviço à sala.
Era ainda necessário pensar no tempo que demoraria a serrar as grades e como
anular ou de algum modo diminuir o ruído provocado pelo seu corte. Manuel Tiago, no
seu livro Sala 3 e outros contos, descreve que «no silêncio da sala, o ruído agudo do serrar
soava com inconfundível nitidez»237 e para amortecer o som foi necessário untar a serra,
que chegou às mãos dos presos dissimulada numa prenda de anos, com azeite. No entanto,
o ruído apenas se tornou «menos agudo, mas igualmente percetível».238 Daí que o corte nas
grades avançasse de acordo com o som do barulho que vinha da rua e eram disfarçados, no
interior, com «uma massa de miolo de pão com ferrugem e tinta, que se iam soltando com
o corte».239 Acrescia-lhes a segurança, já estudada anteriormente pelos presos vigilantes do
comportamento dos guardas prisionais, que estes faziam apenas uma «observação muito
superficial às grades, limitando-se a examiná-las com um foco de laterna».240
«Cortámos uma cruzeta que dava o espaço para se passar. No último corte
deixámos apenas um bocadinho para suportar o conjunto do peso da peça, que só foi
arrancada no momento em que saímos».241
Conscientes que a fuga exigia fortes aptidões físicas, dados os obstáculos que teriam
de passar, como os desníveis dos prédios e a altura a que se encontravam 242 os locais de
passagem, era também necessário escolher os presos que iriam rumar à liberdade. Na
seleção foi também tido em conta a situação jurídica e a vontade de cada um. A sorte
coube, como já se referiu anteriormente, a Américo de Sousa, Carlos Brito e a Rolando
237 Manuel Tiago, Sala 3 e outros contos, Coleção Resistência, Edições Avante!, Lisboa, 2001, p. 57
238 Ibidem, p. 58
239 Ibidem, p.59
240 Jaime Serra, 12 fugas das prisões de Salazar, Coleção Resistência, Edições Avante!, Lisboa, 2011, p. 97
241 Entrevistas conduzidas por Miguel Medina, Esboços: antifascistas relatam as suas experiências nas prisões do
a um quinto andar. in Jaime Serra, 12 fugas das prisões de Salazar, Coleção Resistência, Edições Avante!, Lisboa,
2011, p. 97
92
Aljube, a história de uma prisão
Verdial. Nem Francisco Miguel nem Blanqui Teixeira integraram o grupo em fuga, o
primeiro por se encontrar numa situação jurídica vantajosa, já que se pensava que a sua
libertação iria acontecer a curto prazo e o segundo alegando problemas de vista.
A fuga deu-se pela janela da enfermaria desativada no último andar da prisão, onde
eles se encontravam. Depois da ronda das duas da madrugada, deram início ao plano de
fuga. O primeiro a sair foi Américo de Sousa, seguido de Carlos Brito e por último
Rolando Verdial. Depois das acrobacias exigidas para passar o corpo pelas grades serradas,
saltaram para o algeroz em pedra, concebido para remoção das águas, que existia na
fachada e que corria ao longo do prédio. A altura a que se encontravam do chão era
respeitável, uma «sensação de completo desamparo».243 Lá em baixo um guarda da GNR
fazia a vigilância noturna. Apoiados na parede, que era forrada de telhas como nas águas-
furtadas, iniciaram o trajeto que os levariam à liberdade. «Corpo encostado de face ao
edifício, braços abertos à altura dos ombros, palmas das mãos apoiadas na parede, os pés
sempre calcanhar contra biqueira, deslocando-se lentamente pelo estreito rebordo de pedra,
sem qualquer pressa, sem impaciência, devagar, devagar, espírito calmo e confiante».244
Carlos Brito recorda que anos mais tarde conheceu um jovem numa das primeiras
festas do Avante! que, em criança, tinha vivido no último andar do prédio junto ao Aljube.
O jovem contou-lhe que uma noite acordou com barulho e chamou o pai anunciando a
presença de ladrões. O pai respondeu-lhe «Quais ladrões?! São gatos, dorme rapaz!» O
243
Testemunho de Carlos Brito (entrevistado a 18 de agosto de 2012)
244 Manuel Tiago, Sala 3 e outros contos, Coleção Resistência, Edições Avante!, Lisboa, 2001, p. 62
93
Aljube, a história de uma prisão
rapaz não convencido, mas vencido retorquiu «Gatos seriam». Só quando foi dado o alarme
na cadeia da fuga de presos, é que o seu pai lhe explicou aquilo que verdadeiramente tinha
acontecido. Este episódio serve para provar que a cumplicidade espontânea da população
também se revelou crucial para o sucesso desta e de outras fugas nas cadeias políticas do
Estado Novo.
À coragem e audácia individual necessária para fugir aos rigores do sistema prisional
e à paciente capacidade de observação das rotinas carcerárias, foi também fundamental
contar, nalguns casos, com a ajuda externa, sobretudo, e no caso dos evadidos comunistas,
da organização partidária. Mas também é essencial referir que em determinadas situações,
os presos em fuga contaram com a cumplicidade da população em geral. Assim apesar do
terror do exemplo que a polícia política pretendia impor, também existiu em Portugal uma
cultura de resistência e solidariedade.
94
Conclusão
Capítulo V – Conclusão
O Estado Português no período que decorre entre 1926 e 1974 demonstrou uma
grande preocupação pela atmosfera política que se respirava no país, estando sempre em
alerta a qualquer campanha surda de descrédito do poder vigente. Numa total ausência de
liberdades, instituiu uma feroz censura à imprensa, aos livros, ao teatro, ao cinema, à radio
e encarcerou aqueles que representavam um possível foco de dissonância. Para que nada
perturbasse a sua estabilidade apoiou-se num aparelho fortemente policial e repressivo,
com tentáculos em todos os lugares do país.
As prisões, por motivos políticos, estavam por isso envoltas num gigantesco rol de
arbitrariedades e ainda que o governo tenha tentado cobri-las com um manto de legalidade,
apoiando-se na defesa da moral e do direito e na necessidade de garantir o bem da Nação,
elas representaram, sempre, um atropelo à lei base do país, a Constituição. Regulando assim
os direitos e garantias individuais ao sabor das suas pretensões, o regime impôs ao país um
clima onde reinava o medo de cair na sua teia. Apesar disso, a luta pela democracia, justiça
e liberdade continuou a fazer parte dos horizontes da população, que embora amordaçada,
continuou, clandestinamente, a resistir.
Atrás das grades o regime foi mantendo alguns oposicionistas, numa tentativa de os
isolar e aniquilar politicamente. Os presos eram obrigados a permanecerem nas prisões por
mais tempo do que o instituído pelo tribunal, períodos que a polícia renovava sem
interferência do «Estado de direito» que Salazar propagandeava. Usar e abusar de maus
tratos, violação de domicílio, condenação sumária, leis de exceção, arrastar processos sem
julgamento faziam parte da realidade insofismável da justiça portuguesa.
95
Conclusão
245
Fernando Miguel Bernardes, Uma Fortaleza da Resistência, Coleção Resistência, Edições Avante!, Lisboa,
1991, contracapa.
96
Listagem de figuras
Listagem de figuras
Figura 15 4.º pavimento, indicação da cela n.º 14, data provável 1956 p. 69
97
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Entrevistas
106
Anexos
Anexos
Anexo I
107
Anexos
Anexo II (6 páginas)
108
Anexos
109
Anexos
110
Anexos
111
Anexos
112
Anexos
113