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PENTECOSTES
Havendo-se completado acorreu e ficou perplexa,
Imagem: Divulgação
o dia de Pentecostes, es- pois cada um os ouvia fa-
tavam todos reunidos no lar em seu próprio idioma.
mesmo lugar. De repen- Estupefatos e surpresos,
te, veio do céu um ruído diziam: “Não são, acaso,
como o agitar-se de um galileus todos esses que
vendaval impetuoso, que falam? Como é, pois, que
encheu toda a casa onde os ouvimos falar, cada um
se encontravam. Aparece- de nós, no próprio idioma
ram-lhes, então, línguas em que nascemos? Partos,
como se fossem de fogo, medos e elamitas; habitan-
que se repartiam e pousa- tes da Mesopotâmia, da
ram em cada um deles. E Judeia, da Capadócia, do
todos ficaram repletos do Ponto e da Ásia, da Frígia
Espírito Santo, começando e da Panfília, do Egito
a falar em outras línguas, e das regiões da Líbia
conforme o Espírito lhes próximas de Cirene; ro-
concedia se expressarem. manos que aqui residem;
Achavam-se então em tanto judeus como prosé-
Jerusalém judeus piedo- litos, cretenses e árabes,
sos, vindos de todas as nós os ouvimos anun-
nações que há debaixo ciar em nossas próprias
do céu. Com o ruído que línguas as maravilhosas
se produziu, a multidão Atos 2, 1-11
Espírito Paráclito*
Queima-me Língua de Fogo! Espírito violento e dulcíssimo, compreendam a minha fala para todos os
Sopra depois sobre as achas incendiadas e recompõe-me quando quiseres /ouvidos que criares.
e espalha-as pelo mundo e cega-me para que os prodígios de Deus Exceder-me-ei em meus limites,
para que tua chama se propague! /se realizem, crescerei em todas as distâncias,
Transforma-me em tuas brasas e ilumina-me para que tua glória se irradie! serei a palavra transcendente, a profecia,
para que eu queime também como tu Espírito, tu que és a boca de todas as a revelação e as realidades!
/queimas, /sentenças, Devora-me, renova-me, ressurge-me em
para que eu marque como tu marcas! toca-me para que os meus irmãos desco tua vontade criadora
/nhecidos e longínquos e estranhos diante da morte e diante do nada!
Esfacela-me com tua tempestade,
*Fragmento do poema de Jorge de Lima
Eventos do período
Junho 30 – Manhã de convivência no Jardim Botânico, incluindo 25 de Agosto – Manhã de convivência no Jardim Botânico, abran-
caminhada contemplativa, comunicação de experiências e lanche, gendo caminhada contemplativa, comunicação de experiências e
a partir das 9 horas. Local de encontro: Praça Dom João VI. lanche, mesmo horário e local de encontro.
Julho 28 – Aprofundando a Meditação. Reunião dos coordenadores 29 de Setembro – Palestra do Padre ortodoxo Francisco de
dos grupos do Rio de Janeiro, aberto aos meditantes e interessados. Assis e Oliveira, na Igreja Cristã de Ipanema, sobre o tema:
Na Igreja Cristã de Ipanema, às 15h30. “A Árvore da Vida na visão do Genesis”. Às 15.30 horas.
Pág. 2 JUNHO 2018 Meditação Cristã – Boletim do Rio de Janeiro, nº 85
notícias da comunidade
Coordenação da Meditação Cristã no mentos da Meditação Cristã, iniciados por Se pensamentos e imagens afluírem à
Rio de Janeiro John Main e continuados por Laurence mente, serão distrações que ocorrem na
Freeman. hora da meditação; continue tentando apenas
Em reunião de maio último, a Comuni- repetir a palavra. Medite toda manhã e toda
dade para a Meditação Cristã, no âmbito Seminário John Main de 2018 tarde, de vinte a trinta minutos.
desse Estado, decidiu estruturar a coorde- Laurence Freeman
Realiza-se na cidade de Bruges/Bélgica,
nação de forma colegiada, ficando assim
no mês de setembro, o seminário deste
distribuídas as responsabilidades:
ano, centrado no tema: “Uma resposta
contemplativa para um tempo de mudan- Prece para iniciar
• Maria Regina (ex-coordenadora) e Maria Lú-
ça”. Informações e inscrições podem ser a Meditação
cia Scerne: contatos com entidades religiosas
para promover o diálogo inter-religioso e efetuadas pelo website www.jms2018.org Divino Pai, ajudai-nos a discernir a
ecumênico; apoio aos grupos de meditação silenciosa presença do Espírito de Vosso Filho
e organizar as celebrações de Natal e Páscoa.
Retiro de Sete Dias em nossos corações. Conduzi-nos àquele mis-
• Jader Britto (ex-coordenador): editar o Bo- terioso silêncio, onde vosso amor é revelado
De 18 a 25/8 próximo, a Coordenação a todos que invocam:
letim da Meditação Cristã/RJ e coordenar as Nacional da Meditação Cristã está pro- Maranatha. Vinde Senhor Jesus!
caminhadas contemplativas. movendo no Centro Marianista de Caná,
John Main
• Hileana Carneiro (ex-coordenadora): cuidar em Campinas/SP, retiro da Escola de Me-
da comunicação visual da comunidade. ditação, proporcionando aos meditantes
• Evangelina Oliveira: realizar a comunicação oportunidade de crescimento no silêncio e
Prece para finalizar
digital, atualizar informações dos participan- na quietude ao longo de um período mais
tes, emitir comunicados e efetuar as inscri- extenso. Trata-se de uma experiência trans-
Que este grupo seja um verdadeiro lar
ções em eventos, especialmente os retiros do formadora com benefícios de longo prazo. espiritual para os que buscam um caminho,
Rio de Janeiro. A cada dia haverá períodos de meditação e um amigo para os que se sentem sós, um
caminhadas contemplativas, sem leituras, guia para os que estão confusos.
• Edith Vargas (ex-coordenadora) e Evangeli-
sem música durante todo o retiro. O valor Que os que meditam aqui sejam fortale-
na: atualizar cadastros de e-mail e whatsapp.
da inscrição é de R$ 1.320,00 podendo ser cidos pelo Espírito Santo para servir aos que
• Edith Vargas e Aloysio Chaves: organização pago em duas parcelas. Inclui instalação chegam e receber cada um como se fosse o
de encontros no âmbito da Igreja Cristã de em quarto individual, com 7 pernoites e próprio Cristo.
Ipanema, além do apoio na realização de refeições. Para informações: e-mail de Que no silêncio deste ambiente, todo
eventos e retiros no RJ. Roldano Giuntoli roldano@wccm.org.br sofrimento, a violência e a confusão do mun-
do encontrem o poder que consola, renova
• Valdelice e Sérgio de Almeida: apoio na ou pelo Whatsapp 119996186897.
e eleva o espírito humano.Que este silêncio
produção editorial do Boletim e aproxi-
seja uma força que abra nossos corações à
mação com os grupos da Barra, Recreio e Como meditar visão de Deus e que assim eles se abram,
Jacarepaguá. uns aos outros, no amor e na paz, na justiça
Sente-se relaxado, mas atento. Per-
• Ana Fonseca (ex-coordenadora nacional: con- maneça ereto e imóvel. Feche suave- e na dignidade humana. Que a beleza da
tatos com a WCCM (Comunidade Mundial mente os olhos. Em silêncio, comece a vida divina preencha este grupo e o coração
dizer interiormente uma única palavra. de todos os seus membros com uma alegre
para a Meditação Cristã) e comunicação de
Recomendamos a palavra-oração: “Mara- esperança. Que todos que chegam aqui, sob
suas orientações espirituais.
natha”. Recite-a em quatro sílabas de igual o peso dos problemas e inquietudes humanas,
A expectativa é de que essa nova estru- duração. Ouça-a à medida em que a pro saiam dando graças pela maravilha que é a vida
tura da Comunidade possa se disseminar nuncia, suave, mas continuamente. Não pense humana. Fazemos esta prece por Jesus Cristo
entre seus participantes, contribuindo nem imagine nada – nem de ordem espiritual, Nosso Senhor.
sobretudo para a transmissão dos ensina- nem de qualquer outra ordem. Laurence Freeman
O
Pai e o Filho se apresentam na Bíblia com uma de- nação, a poesia, a metáfora e a imagem. Então transborda a
finida caracterização masculina. Também a Dulcís- criatividade fervente e carinhosa de todos os que compuse-
sima Personalidade que procede do Pai e do Filho ram a Bíblia, para preencher com louvores o vazio teológico
ficou marcada com essa mesma conotação porque, no latim que cercava a Pessoa mais escondida, porém mais ativa da
ou em outras muitas línguas, a palavra “Espírito” é masculi- divindade.
na, e porque em nossa civilização machista, o feminino trazia “Pomba” é naturalmente um elogio (...)
certo matiz de imperfeição ou passividade, incompatível com “Vem, Amada minha, minha pomba, vem das fendas do
a perfeição divina. rochedo, deixa-me ouvir tua voz, porque tua voz é doce”.
Contudo, a Pessoa Divina que falou pelos Profetas, quan- Todo o Cântico dos Cânticos é um poema de amor, e o amor
do quis revelar-se a si mesma, persistentemente evitou a gosta de exprimir-se em metáforas. A pomba faz-se, de ime-
acepção masculina. diato, ternura, inocência, singeleza. É fácil achegar-se a ela,
A palavra espírito em hebraico é “rúah”, Como substan- não se espanta, não agride. Tais traços aplicam-se com fervor
tivo pode ser masculina ou feminina; como particípio (“es- espontâneo ao Espírito Santo, e a imagem favorece a aproxi-
pirado”) também pode ser neutra. O espírito da mentira, por mação”.
exemplo, aparece em masculino. Mas quando na Bíblia se re- E adiante acrescenta:
fere ao Espírito ou Sopro de Deus, a Rúah sempre é feminina. “O ramo de oliveira chega ao homem no bico da pomba.
Não que tenha sexo, mas para aproximarmo-nos dela e Sempre que se pinta o símbolo ou se cita a imagem, os ho-
conhecê-la em sua íntima personalidade, pode ser-nos útil mens, ainda que o não saibam, estão falando de Deus, e da
aprofundar este tema. Bíblia e do Espírito. Para que haja paz entre os povos, e para
A Rúah, no seu mais primitivo significado, era o alento que haja paz nos corações, precisamos do Espírito Santo que
humano. Esta Espiração que comprova a vida recebida, pode a concede. Pomba Branca de voo ligeiro (...).
ser chamada um Sopro de Deus que nos faz viver. Rabinos entendidos veem a pomba nas palavras da cria-
Daí que o vento passasse a ser, na mentalidade popular ou ção: “o Espírito de Deus pairava sobre as águas”. Embora
poética, Respiração, alento de Javé, refletindo suas variadas ali não se mencione expressamente a pomba, faz-se referên-
emoções. Apresentava-se como Brisa que sopra onde quer, cia a seu voo, e eles captam na citação a imagem implícita
Furacão arrasador. Este conceito foi enriquecido com a ex- e comparam a Pomba que voa sobre as águas originais da
periência dos carismáticos: criação com a Pomba que voa sobre as águas remanescentes
“A revelação profética é revelação da Rúah: o profeta é do dilúvio”
um ish-ha-rúah, um homem de espírito. A Rúah algumas ve- Quando o Gênesis diz que a Rúah voava sobre as águas,
zes é uma graça permanente, e o profeta faz dela uso regular refere-se ao esvoaçar da pomba ou a ave que se agita no ni-
e quase inconsciente; outras vezes explode de repente e fica nho ao ventilar os ovos ou os filhotes. É um símbolo do papel
limitada à experiência de um instante deslumbrante”. fecundante ou material da Rúah sobre as águas iniciais, como
A Rúah é, pois, Inspiração que sopra inesperada, Verbor- as ondulações oxigenam a água dos charcos, onde pulula a
ragia sobrenatural, Palavra revelada, Qualidade Espiritual vida.
que procede do alto, Prodigiosa Capacidade para as obras
de Deus, Missão espiritual, Graça e Bênção Permanente. Não permitas, Vida de nossa vida,
Através desta experiência mística foi-se definindo o con- Nobilíssima Mestra Interior,
ceito da Rúah Divina, algo assim como a Alma de Javé, Ma- que nos detenhamos agora
nifestação de Deus a nós, irrupção do eterno no terreno, Coi-
em um nível de mera investigação científica.
sa sublime que nos submerge no mistério infinito, Sabedoria
que fala pelos profetas, Fonte da vida moral e religiosa. Tu não és somente uma Incógnita a ser revelada.
Nas primeiras vezes em que ouvimos a palavra “Javé”, Tu és uma Figura polifacética e jovial
não chegamos a uma vivência religiosa. O mesmo ocorre
com “Rúah’’. Inicialmente a sentimos demasiadamente artifi- *Transcrição parcial do capítulo acima indicado, do livro Rúah Santa – A Terceira
cial e exótica para transcender o nível racional. Por isso, ago- Pessoa Divina.do Pe. Alberto Ibáñez. S. J. Rio de Janeiro: Comunidade Emanuel
ra fechemos os olhos, repetindo muitas vezes: “Rúah Santa – Louvar a Deus, 1944.
... Rúah Santa ... Rúah Santa ...”, até sentirmos que estamos **Fundador da Comunidade Convivência com Deus e introdutor da Renovação
falando com a Pessoa mais simpática e amorosa. Carismática em Buenos Aires, com vários livros publicados. Além do citado acima,
Afirma lindamente o Pe. Vallés: “O Espírito escapa à de- destacam-se Pastoral de Nuestra Irradiación e Vida eterna nuestra esperanza..
finição matemática, mas se compraz em estimular a imagi- Falecido em 1915.
“Somos livres, com a liberdade de Jesus, contudo Ele nos chama a examinar o que há dentro de nós
– desejos, angustias, expectativas – e o que acontece fora de nós – os ‘sinais dos tempos’
– para reconhecer os caminhos da liberdade plena: examinai tudo e guardai o que for bom” (1Ts 5,21).
Papa Francisco em Exurtação Apostólica Gaudete et Exsultate. S.Paulo : Paulinas, 2018.
Pág. 5 Março / 2018
Meditação Cristã – Boletim do Rio de Janeiro, nº 85
OS DONS ESPIRITUAIS*
José Comblin**
O grito Pai! é um triunfo sobre o mal se estima no dom é o serviço que presta.
da opressão e da injustiça, uma vitória das Os dons correspondem a diversos papéis
massas esmagadas e derrotadas. É o grito sociais, diversos papéis que concorrem
de vitória, apesar da sensação contrária. É para a construção da comunidade.
o grito de confiança no meio dos gemidos “Vários são, no entanto, os dons es-
da história. pirituais, mas é o mesmo Espírito; vários
“O Espírito vem em auxilio de nos- são os ministérios, mas é o mesmo Se-
O dom do Espírito, que é o penhor sa fraqueza, porque não sabemos o que nhor; várias são as obras, mas é o mesmo
da vida eterna, manifesta-se em formas havemos de pedir como convém. Mas o Deus que opera tudo em todos. A cada um
diversas. É um dom multiforme. Há uma próprio Espírito intercede por nós, com é dada a manifestação do Espírito em vis-
grande variedade de atos, que o tornam gemidos inexprimíveis. Aquele, porém, ta da utilidade. A um é dada pelo Espírito
atual. Paulo citava uma lista de dons. que sonda os corações, conhece qual é o uma palavra de sabedoria; a outro, uma
Veremos esses dons de Paulo. Há também desejo do Espírito, porque ele intercede palavra de ciência segundo o mesmo Es-
a oração. Há os sacramentos. E de cer- pelos santos, segundo a vontade de Deus” pírito; a outro, a fé no mesmo Espírito; a
to modo, os sacramentos prolongam-se (Rm 8,26-27). outro, o dom de curar no mesmo Espírito;
na arte e na festa, realidades também es- a outro, o poder de operar milagres; a ou-
pirituais. Os carismas tro, a diversidade das línguas; a outros, o
A questão dos carismas foi reatuali- dom de as interpretar. Mas tudo isso é o
A oração zada de modo totalmente imprevisto no único e o mesmo Espírito que opera, que
século passado. A teologia cristã conside- distribui em particular a cada um como
A oração é um fenômeno tão antigo
rava-os como uma realidade típica do pri- quer” (1 Cor 12,4-11).
quanto a própria religião, provavelmente
meiro século que desaparecera totalmente O próprio texto interpreta os dons
quanto a própria humanidade, pelo menos
durante os séculos ulteriores. De repente, como ministérios ou serviços dentro da
no que diz respeito à cultura humana. Na
no século vinte, aparece o movimento comunidade. O mesmo ponto de vista re-
oração, há de tudo: coisas boas e coisas
pentecostal que afirma que nele se reno- força-se pelas considerações do Apóstolo
más. Há uma infinidade de orações que
vam os carismas das origens, inclusive o sobre o valor relativo dos diversos dons.
merecem o nome de superstição e consti-
dom das línguas e o batismo no Espírito. Paulo compara longamente a profecia e
tuem uma corrupção da humanidade.
Até 1967, o movimento pentecostal não o dom de línguas. Não sabemos exata-
Oração inspirada pelo Espírito é a que
interessou diretamente aos católicos. Mas mente nem o que era o dom de línguas
Paulo anuncia: “recebestes o Espírito de
justamente em 1967, em distintos luga- nem como Paulo o interpretava. Em todo
adoção que nos faz clamar: Abba! Pai!”
res dos Estados Unidos, nasceu um pen- caso, para ele, o que importa é a escala
(Rm 8,15). Esse grito de reconhecimento
tecostalismo católico. Esse movimento de valores. Para ele, a profecia vale mais
é a oração cristã. Podemos dizer que se
espalhou-se rapidamente em quase todos porque é útil na edificação da comunida-
trata do aspecto de consciência do dom
os países católicos. de, enquanto o dom das línguas serve so-
atual do Espírito. O Espírito revela que
O movimento pentecostal defende a mente ao próprio sujeito que o recebe. “O
no momento atual somos filhos de Deus,
tese de que os fenômenos que ocorrem que fala em língua se edifica a si mesmo;
que o menor dos atos atuais é ato do filho
dentro de suas comunidades (católicas quem profetiza, edifica a comunidade”
frente ao Pai. O dom do Espírito consiste
ou protestantes) são idênticos aos fenô- (1 Cor 14,4).
nisto: que os atos presentes são atos pelos
menos que Paulo e Lucas mencionam nas Daí resulta que, na epístola aos Corín-
quais o filho recebe a vida do Pai e resti-
primeiras comunidades cristãs. tios, Paulo examina os carismas a partir
tui essa vida como oblação ao Pai. Resti-
Por outro lado, a interpretação dos do ponto de vista dos ministérios e dei-
tuir ao Pai, quer dizer, viver plenamente,
fenômenos do Novo Testamento não é xa de lado o outro aspecto, o aspecto de
consumir a realidade na sua totalidade. A
muito fácil. Não existe nenhuma possi- experiência pessoal. Na medida em que
tomada de consciência de tal condição se
bilidade de saber muitos pormenores, por os dons são considerados como ministé-
expressa pelo grito: Pai! O grito é a ora-
falta de documentação suficientemente rios, eles cabem dentro da perspectiva do
ção cristã. O resto não acrescenta nada:
completa. citados nas epístolas paulinas. povo de Deus, quer dizer, do futuro que
vale à medida que for explicitação do gri-
Em todo caso, Paulo insiste longa- há de ser edificado. Os vários dons são
to do filho. O que não é essa exclamação
mente nos dons recebidos pelos Corín- formas da palavra que procede do Espíri-
de confiança, “Pai”, não constitui uma
tios. Não os descreve, pois a epístola to e constrói o povo de Deus.
oração autêntica.
A oração inspirada pelo Espírito é es- dirige-se a interlocutores que dispensam
explicações; são eles próprios os benefi- *Tópico do cap. 6 do livro O Espírito Santo no
pontânea. Não procede do temor, da an- Mundo, publicado pela Editora Paulus em 2010
gústia diante do mal, como a maioria das ciários dos dons. Paulo julga os dons sem
orações dos povos pagãos: temor ante o sentir a necessidade de dar descrições. **Teólogo belga já falecido. Assessorou Dom
mistério da doença, da morte, dos perigos Vejamos primeiro os dons mencio- Helder Câmara na Diocese de Olinda e Recife,
nados por Paulo. O que é interessante é dedicando-se depois às Comunidades Eclesiais
de todo tipo. Não é uma oração cultivada de Base na Paraíba. Com mais de 50 obras publi-
como experiência espiritual, com a fina- que o autor os compara aos ministérios.
cadas, além da citada acima destacamos: O cla-
lidade de realizar experiências místicas. Ele enxerga os dons espirituais a partir do mor dos oprimidos, A força da palavra e o povo
Não é uma oração inspirada pelo desejo. ponto de vista do seu papel na comunida- de Deus (Vozes) e Cristãos rumo ao século XXI,
Simplesmente é uma oração que expressa de: são serviços. O dom não é considera- O caminho – ensaio sobre o seguimento de Jesus
a nossa condição real. do pela satisfação que dá ao sujeito: o que (Paulus).
Pág. 6 Junho / 2018 Meditação Cristã – Boletim do Rio de Janeiro, nº 85
DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO
NA PERSPECTIVA DO TERCEIRO MILÊNIO*
Faustino Teixeira**
Falar em diálogo inter-religioso na muitas vezes usada apenas para fins de injustiça e para a violência é um abuso
perspectiva do terceiro milênio parece poder político, bem como para legitimar terrível que deve ser condenado por to-
à primeira vista algo bizarro ou impro- a guerra (KUNG, KUSCHEL³). dos aqueles que creem verdadeiramente
cedente, já que vivemos uma situação Embora se constate que a realidade em Deus.” (PINTARELLI6). Na mesma
histórica caracterizada pela tônica da da diferença esteja hoje provocando uma linha, o grande líder do budismo tibeta-
violência e das descrispações identitárias espiral degenerada de comunicação, me- no, o Dalai Lama, não cessa de afirmar
em todos os níveis. Como bem assinala diante o acirramento dos etnocentrismos, em seus pronunciamentos e discursos,
o historiador inglês Eric Hobsbaun!¹, antipatias e ódios, devemos reconhecer “que toda religião praticada segundo o
“o velho século acabou bem”; longe de que essa mesma diferença pode signifi- espírito que a inspira tem por objeto a fe-
vivermos uma dinâmica de emancipação, car um espaço para a afirmação de um licidade dos seres e deve ser um fator de
estamos todos envolvidos num “estado de entendimento e solidariedade mútuos. A paz. Aqueles que desnaturam o espírito
inquietação” generalizado. E o que nos comunicação dialógica como “fusão de de sua própria religião são os mesmos
surpreende é que o surto de violência que horizontes” é uma das reais possibilida- que a utilizam para fins de opressão”.
campeia em nosso tempo vem pontuado des que se apresentam hoje como pista (REVEZ7)
ou condicionado pela religião. Somos alternativa para a humanidade. Mesmo O diálogo inter-religioso demonstra
hoje testemunhas de inúmeros conflitos reconhecendo a dimensão utópica de a possibilidade de uma nova perspectiva
da “linha da fratura”, ou seja, conflitos uma ordem social livre da violência, há de atuação das religiões ao reconhecer
comunitários que envolvem Estados ou razões plausíveis para se admitir esfor- que elas podem exercer um papel sig-
grupos étnicos distintos ou comunidades ços concretos para a redução ativa de nificativo na construção de uma ética
religiosas e que tendem a ser perversos e níveis de violência em diversos domínios de superação da violência; que podem
sanguinários já que tocam em questões sociais. (GIDDENS4) igualmente dedicar-se à tarefa comum
fundamentais de identidade (Huntin- Sem desconhecer a responsabilidade de salvaguardar a integridade dos seres
gton²). das religiões na atual dinâmica conflitiva humanos da terra ameaçada.
Em todos os continentes podemos contemporânea, há porém que sublinhar
testemunhar a presença do acirramento que isso ocorre em razão de sua desfi- ¹HOBSBAUN, E. A era dos extremos. São Paulo:
da violência, que se afigura hoje como guração ou abuso teórico e prático. “As Companhia das Letras, 1995, p. 26.
uma das mais difíceis e dramáticas de- religiões podem tornar-se – e histori- ²HUNTINGTON, S. P. O choque das civilizações,
pois do fim da guerra fria e do confronto camente têm se tornado – um terreno Rio de Janeiro: Objetiva, 1997, p. 320.
Oriente e Ocidente. Os conflitos étnicos, especialmente propício à intolerância, ³KUNG, H; KUSCHELL, K.J. Por un’etica mon-
nacionais ou sociais, estão em toda parte: por suas verdades absolutas, ortodoxas diale. La dedarazione del Parlamento delle religioni
mondiali Milano: Rizzoli, 1995, p.18.
na Ásia, na África, no Oriente Médio e proselitismos. Mas isso não pertence 4.
GIDDENS, A. Para além da esquerda e da direita.
e na Europa. O confronto da tríplice a sua natureza, constitui antes um des- São Paulo: UNESP, 1995, p. 119-120 e p. 274-277).
identidade religiosa na ex-Iugoslávia vio grave do humanismo que implicam 5.
MENESES, P. Tolerância e religiões. In TEI-
constitui um dos exemplos recentes mais (MENESES5). XEIRA, F (Org.) O diálogo Inter-religioso como
dramáticos e revoltantes. Ao drama do Importantes eventos inter-religiosos afirmação de vida. São Paulo: Paulinas, 1997, p.
49-50.
êxodo de cerca de um milhão de koso- como o ocorrido em Assis (Itália) em
PINTARELLI, A. E. O espírito de Assis: discursos
6.
vares de origem albanesa nesse último 1986, têm favorecido uma nova espe- e alocuções de João Paulo II sobre a Paz. Petrópolis:
conflito, soma-se a “esquecida” e triste rança de diálogo e colaboração entre as Vozes, 1996, p. 79.
realidade dos 3.5 milhões de refugiados religiões. Grandes lideranças religiosas 7.
REVEL, J. F. ; RICHARD, M. O monge e o filó-
no continente africano. No documento mundiais têm alçado sua voz contra a sofo. O budismo hoje. .São Paulo: Mondarim, 1998,
p. 115 e 153.
publicado pelo comitê redacional do presença de conflitos como os da Bósnia,
Conselho do Parlamento Mundial das Kosovo e Oriente Médio, que nasceram a * Transcrição parcial de artigo publicado pela revista
Religiões, reunido em Chicago (USA), partir de divisões religiosas. Falando aos Horizonte – Ferramenta de leitura, da PUC/Minas/
Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião,
em setembro de 1993, se dizia: representantes da comunidade islâmica v. 2, n. 3, 2º semestre de 2003.
“Com particular inquietação consta- em 1993, João Paulo II afirmou que “a
** Teólogo com pós-doutorado pela Universidade
tamos que, em poucos lugares deste mun- autêntica fé religiosa é uma fonte de Gregoriana de Roma. Professor do Programa de
do, responsáveis e seguidores de reli- compreensão recíproca e de harmonia, e Pós-graduação em Ciência da Religião da Univ.
giões não cessam de fomentar agressões, que só a reformação do sentido religioso Federal de Juiz de Fora. Autor de vários livros, com
destaque para Ecumenismo e diálogo Inter-religioso,
fanatismos, ódio e hostilidade xenófoba, conduz à discriminação e ao conflito. E Sociologia da Religião, Catolicismo plural - di-
quando não inspiram e legitimam confli- de forma incisiva concluiu dizendo que mensões contemporâneas, além de diversos artigos
tos violentos e sangrentos. A religião vem “usar a religião como pretexto para a em revistas.