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CENTRO PRESBITERIANO DE PÓS-GRADUAÇÃO ANDREW JUMPER

Marcony Jahel dos Santos

A PREGAÇÃO EXPOSITIVA COMO CAMINHO PARA A EXPOSIÇÃO FIEL

São Paulo
2023
2

CENTRO PRESBITERIANO DE PÓS-GRADUAÇÃO ANDREW JUMPER

Marcony Jahel dos Santos

A PREGAÇÃO EXPOSITIVA COMO CAMINHO PARA A EXPOSIÇÃO FIEL

Monografia apresentada ao Centro Presbiteriano


de Pós-Graduação Andrew Jumper-CPAJ, como
requisito parcial para obtenção de título de
Magister Divinitatis, MDiv, na área de Estudos
Pastorais. Orientador Professor Dr. Rev. Dario de
Araújo Cardoso.

São Paulo
2023
3

Elaborado pelo Sistema de Geração Automática de Ficha Catalográfica da Mackenzie com


os dados fornecidos pelo(a) autor(a)
S237p Santos, Marcony Jahel Dos.
A pregação expositiva como caminho para a exposição fiel:
[recurso eletrônico] / Marcony Jahel dos Santos.
430 KB; il.

Monografia (Magister Divinitatis) - Universidade Presbiteriana


Mackenzie, São Paulo, 2023.
Orientador(a): Prof.(a). Dr(a). Dario de Araújo Cardoso.
Referências Bibliográficas: f. 40-41.

1. Pregação; Exposição; Fidelidade; Cristocêntrico; Forma; Caminho;


Igreja; Pastoral. I. Cardoso, Dario de Araújo, orientador(a). II. Título.

Bibliotecário(a) Responsável: Eliezer Lírio Dos Santos - CRB 8/6779


4

Marcony Jahel dos Santos

A PREGAÇÃO EXPOSITIVA COMO CAMINHO PARA A EXPOSIÇÃO FIEL

Monografia apresentada ao Centro Presbiteriano


de Pós-Graduação Andrew Jumper-CPAJ, como
requisito parcial para obtenção de título de
Magister Divinitatis, MDiv, na área de Estudos
Pastorais. Orientador Professor Dr. Rev. Dario de
Araújo Cardoso.

Aprovação: 01 / 12 /2023
Orientador: Prof. Dr. Rev. Dario de Araújo Cardoso
5

Folha de Identificação da Agência de Financiamento

Autor: MARCONY JAHEL DOS SANTOS

Programa: MAGISTES DIVINITATIS

Título do Trabalho: A Pregação Expositiva Como Caminho para Exposição Fiel.

O presente trabalho foi realizado com o apoio de:

Instituto Presbiteriano Mackenzie / Isenção Integral das Mensalidades


Instituto Presbiteriano Mackenzie/ Isenção Parcial das Mensalidades
6

Dedico este trabalho a família que o Senhor Deus me confiou. Que tem me apoiado de
forma incondicional, na árdua e gratificante tarefa de proclamar o Evangelho do Reino.
7

Agradecimentos

Gratidão ao Deus de toda glória. Que me chamou e tem me sustentado todos os dias.
Que diante do meu imerecido chamado faz-me pensar e buscar melhorar a cada momento.

Gratidão a minha esposa Summáya, meus filhos Matheus, Felipe e Giovanna, que
incentivam e apoiam de forma abnegada. Louvo a Deus por me deixar ser esposo e pai.

Gratidão ao Rev. Augustinho de Oliveira Junior (in memoriam), que foi um grande
incentivador para a busca do saber.

Gratidão ao Seminário Presbiteriano Noroeste do Brasil, pelo investimento e incentivo


aos professores, fazendo assim que eu fosse agraciado.

Gratidão aos professores do Centro de Pós-graduação Andrew Jumper pelo ensino e


aplicado desejo do aprendizado.

Gratidão ao Rev. Dario pelo pronto atendimento em me acompanhar e instruir nessa


etapa final do MDiv.

Enfim, louvado seja Deus por sua infinita bondade sobre nós pecadores.
8

Sumário
RESUMO....................................................................................................................................9

ABSTRACT.............................................................................................................................. 10

INTRODUÇÃO........................................................................................................................ 11

I- FUNDAMENTOS PARA PREGAÇÃO EXPOSITIVA................................................. 12

I.1 Perspectiva Histórica............................................................................................... 14

I.2 Base Bíblica..............................................................................................................18


I.2.1 Antigo Testamento............................................................................................... 18
I.2.2 Novo Testamento..................................................................................................22

II- FUNDAMENTOS TEOLÓGICOS................................................................................. 29

II.1 O Alvo é Cristo......................................................................................................... 30

II.2 A Graça é o Meio..................................................................................................... 33

II.3 A Dependência é a Forma....................................................................................... 35

CONCLUSÃO.......................................................................................................................... 39

BIBLIOGRAFIA......................................................................................................................41
9

A PREGAÇÃO EXPOSITIVA COMO CAMINHO PARA EXPOSIÇÃO


FIEL
MARCONY JAHEL DOS SANTOS*

RESUMO

A preparação de um sermão é uma tarefa que pode ser abordada de diversas maneiras.
E independentemente da metodologia escolhida, é de suma importância que essa abordagem
esteja profundamente comprometida com a totalidade da Palavra de Deus, tal como registrada
na Bíblia. O pregador é investido com a responsabilidade de levar adiante essa missão, então
deve assumir o encargo de proclamar o completo conselho de Deus e de proporcionar uma dieta
espiritual sólida e abrangente à comunidade de crentes sob sua liderança.
É amplamente reconhecido que os pregadores enfrentam uma série de demandas e
responsabilidades em seus ministérios. Portanto, é imperativo que eles administrem seu tempo
de maneira sábia e equilibrada, de modo a não descuidar de nenhuma de suas obrigações.
Neste contexto, o presente estudo tem como objetivo analisar o compromisso com a
proclamação de toda a Escritura mesmo diante das várias abordagens disponíveis para a
pregação. Além disso, pretende-se avaliar a eficácia do método de pregação expositiva como
uma ferramenta colaborativa que pode auxiliar os pregadores em seu árduo trabalho,
permitindo-lhes cumprir com excelência todas as suas múltiplas tarefas. Esta pesquisa busca
proporcionar uma visão mais aprofundada e esclarecedora sobre a importância da pregação
centrada na Palavra de Deus e a melhor maneira de implementá-la para o benefício da
comunidade de fé.

PALAVRAS-CHAVE
Pregação; Exposição; Fidelidade; Cristocêntrico; Forma; Caminho; Igreja; Pastoral.

*
Mestrando em Teologia (MDiv), em Estudos Pastorais com área de concentração em Pregação, no Centro
Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper. É Bacharel em Teologia pelo Seminário Presbiteriano Noroeste
do Brasil. É Capelão e Professor no SPNB – Seminário Presbiteriano Noroeste do Brasil. É Pastor Presbiteriano
auxiliar na 2ª Igreja Presbiteriana de Ji-Paraná – Rondônia.
10

ABSTRACT

The preparation of a sermon is a task that can be approached in various ways.


Regardless of the chosen methodology, it is of paramount importance that this approach is
deeply committed to the entirety of the Word of God as recorded in the Bible. The preacher is
entrusted with the responsibility of carrying out this mission, and therefore must shoulder the
burden of proclaiming the complete counsel of God and providing a solid and comprehensive
spiritual diet to the community of believers under their leadership.
It is widely recognized that preachers face a multitude of demands and
responsibilities in your ministries. Therefore, it is imperative that they manage their time wisely
and in a balanced manner, so as not to neglect any of their duties.
In this context, the present study aims to analyze the commitment to proclaiming the
entire Scripture even in the face of various available approaches to preaching. Furthermore, it
intends to assess the effectiveness of the expository preaching method as a collaborative tool
that can assist preachers in their challenging work, enabling them to excel in all their multiple
tasks. This research seeks to provide a deeper and more enlightening insight into the importance
of Word-centered preaching and the best way to implement it for the benefit of the faith
community.

KEYWORDS
Preaching; Exposition; Fidelity; Christ-centered; Form; Path; Church; Pastoral.
11

INTRODUÇÃO

Os estilos das pregações são apenas formatações de pensamentos, tipos pessoais, ou


são exposições bíblicas fiéis para cumprir o propósito principal do homem? Essa é uma das
perguntas que pulam aos olhos quando se pensa em pregação. Então qual deve ser, o estilo
mais apropriado para a exposição das Santas Escrituras?

Steven Lawson fala sobre a pobreza da pregação moderna:

Não há escassez de pregação no mundo atual. O número total de igrejas ao


redor do globo dá testemunho deste fato. Em muitos lugares, há um prédio de
igreja em cada esquina, e no interior de cada igreja, um púlpito, e em cada
púlpito, pregação. No entanto, a realidade é que nem toda pregação é idêntica.
Há tipo de pregação que Deus abençoa, e há tipo de pregação que ele abandona.
Há um tipo de pregação que conta com o favor do céu, más há um tipo de
pregação que é mero exercício em retórica vazia. Entre as duas, há um mundo
de diferenças. No momento presente, o que precisa ser resgatado com muita
urgência não é mais pregação. Em vez disso, o que necessitamos urgentemente
é certo tipo de pregação. O problema de hoje não é a escassez de pregação.
Não, o problema está na falência total de muto do que hoje passa por pregação.
À luz de qualquer estimativa espiritual, algo está horrivelmente ausente no
púlpito contemporâneo. Essa escassez na pregação é uma verdadeira fome
contemporânea de ouvir as palavras do Senhor. Vivemos numa época de severa
estiagem de proclamação de Jesus Cristo e ele crucificado, que é capacitada
pelo Espírito Santo. Há poucas nuvens no céu e nenhuma previsão de chuva.
Infelizmente, há tanta poeira na maioria dos púlpitos que podemos escrever
sobre eles a palavra Icabode.1

Outro sim, gostar do pregador “x” ou do pregador “y”, não faz com que o que se
prega seja verdadeiramente saudável. A doutrinação bíblico-teológica vem de um púlpito
Cristocêntrico, e um púlpito Cristocêntrico tem a ver com a exposição fidedigna das Santas
Escrituras. John Koessler ao comentar sobre a mensagem ser acima do mensageiro diz que “é
necessário confrontar a tendência tentadora de imitar certas formas de entretenimento na
pregação, na música e em outros elementos do culto na igreja”.2

Assim sendo, pretende-se abordar neste trabalho a pregação expositiva como um


caminho para a exposição fiel das Escrituras, que de modo direto ou indireto tem sofrido
sistematicamente ataques no seu formato e objetivo. Diante disto o que se vê é um emaranhado
de tipos de “sermões” que não coadunam com o propósito para o qual somos dotados a fazer.
Em meio a tantos tipos e formatos a pregação expositiva nos chama a atenção por sua

1 LAWSON, Steven J. O tipo de pregação que Deus abençoa. São José dos Campos – SP: Fiel, 2013, p. 21-22.
2 KOESSLER, John. Manual de pregação. São Paulo: Vida Nova, 2010, p. 47.
12

operosidade na apresentação das verdades bíblicas de forma Cristocêntrica, colaborando assim


com o discernimento teológico sobre a forma como se pregar.

Diante do desejado neste trabalho, acredita-se que é possível corroborar para um


maior aprendizado sobre o assunto, e sua aplicabilidade no dia a dia da igreja. Através das
pesquisas e conclusões, prover crescimento ao expositor da Palavra de Deus, colaborando com
os demais pregadores na escolha da forma como se prega, e a importância dessa escolha para
que a palavra seja fielmente e claramente anunciada. Levando em consideração outros estilos e
formatações que também apresentam Cristo.

Este trabalho visa, diante da vida ministerial, elucidar a forma como meio de
fidelidade bíblico-referente, que faz uma imprescindível diferença para o rebanho a qual nosso
Senhor nos confiou. Se um pregador no exercício de seu ofício não se preocupa com o modus
operandi ou até mesmo como ou seus ouvintes estão entendendo ou percebendo a mensagem,
como pode este pregador afirmar-se como fidedigno as Santas Palavras? Outro sim levando em
consideração, que quando a pregação não é denotada como Cristocêntrica, perde-se a sua
objetividade. Como ser salutar diante de uma questão que não parece ser apetitosa a pregadores
até mesmo experientes?

Este trabalho não pretende esgotar o assunto ou até mesmo resolvê-lo de forma única,
mas, de uma forma norteadora, pretende apresentar as correntes de pregações, para que de uma
forma coesa chegue a um denominador comum, onde as pregações sejam biblicamente
entrelaçadas com exposição centrada no Senhor da história e sua Revelação.

I- FUNDAMENTOS PARA PREGAÇÃO EXPOSITIVA

Diante da necessidade de sermos biblicamente orientados, e fiéis para o ofício que


fomos chamados, devemos fugir das tentações de sermos ovacionados ou até mesmo tidos como
especiais ante a visão extrabíblica. Com isso, a tentação em pregar o que o mundo deseja que
falemos é cada dia mais gritante. Logo, podemos aferir que pregar as verdades de Deus e toda
a verdade de Deus é a única saída. Assim, a pregação expositiva nos comunica essa destreza.
Haddon Robinson nos fala acerca da pregação expositiva e de sua necessidade, demonstrando
num primeiro momento, pondera como está tendencioso o púlpito em muitas igrejas atuais:
13

O homem no púlpito enfrenta a insistente tentação de pregar alguma mensagem


que não seja aquela das Escrituras – um sistema político (quer de direita ou da
esquerda), uma teoria de ciência econômica, uma nova filosofia religiosa,
artigos slogans religiosos ou uma tendência da psicologia. Um pregador pode
proclamar qualquer coisa, com voz imponente, no domingo de manhã, depois
de serem cantados os hinos. Mesmo assim, quando um pregador deixa de
pregar as Escrituras, perde sua autoridade. Já não confronta seus ouvintes com
uma palavra vinda da parte de Deus. Logo, a maior parte da pregação moderna
provoca pouco mais do que grandes bocejos. Deus não está nela.3

Deste modo, Haddon aponta para uma saída dizendo: “O tipo de pregação que melhor
transmite a força da autoridade divina é a pregação expositiva”4. Apesar de não haver
concordância de modo geral, e que à maioria dos pregadores já foi apresentado a pregação
expositiva, entretanto, não a usam por motivos vários.
Antes de prosseguirmos, se faz necessário definir o que é pregação expositiva.
Haddon diz:
Tentar uma definição torna-se uma questão desajeitada, porque, ao definir
algo, às vezes o destruímos. [...] A pregação é uma interação viva que envolve
Deus, o pregador e a congregação, e nenhuma definição pode ter a pretensão
de captar essa dinâmica. Mas por amor a clareza, devemos tentar uma definição
aproveitável para a prática. A pregação expositiva é a comunicação de um
conceito bíblico, derivado de, e transmitido através de um estudo histórico
gramatical e literário de uma passagem em seu contexto, que o Espírito Santo
primeiramente aplica à personalidade e experiencia dom pregador, e depois,
através dele, a seus ouvintes.5

Denis Lane contribui para o entendimento sobre a definição de pregação expositiva:


Exposição das Escrituras, portanto, é aquele processo através do qual o
significado duma passagem especial da bíblia é explicado em termos das
necessidades e circunstâncias da congregação, a fim de entenderem o que de
fato Deus lhes está dizendo. Uma parte essencial da pregação expositiva deve
estabelecer um paralelo entre as circunstâncias em que a Palavra foi escrita e
as circunstâncias prevalecentes nos nossos dias, a fim de que os princípios da
Palavra de Deus, que nunca mudam, possam ser interpretados à luz das
necessidades presentes.6

Nesta mesma vertente, Karl Lachler traz uma excelente contribuição:


Se fossemos obrigados a dar uma definição de sermão expositivo, ela deveria
incluir esta convicção geradora de vida: Deus é, e ele está falando a nós. Sua
Palavra tem valor real no espaço e no tempo, à semelhança de Deus. O sermão
expositivo é uma expressão pratica desta convicção geradora de vida. Se Deus
não é, então não há Palavra. Se não há Palavra, então não há sermão expositivo
.7

3 ROBINSON, Haddon W. Pregação Expositiva: Desenvolvimento e a entrega de sermões expositivos. São


Paulo: Shedd Publicações, 2003, p. 20.
4 Ibidem, p. 21.
5 HADDON, 2003, p. 21-22.
6 LANE, Denis. Pregar a Palavra. São Paulo: Edições Peregrino, 1991, p. 25.
7 LACHLER, Karl. Prega a Palavra: Passos para pregação expositiva. São Paulo: Vida Nova, 1990, p. 50.
14

Também Bryan Chapell traz luz ao pensamento do sermão expositivo dizendo:


A pregação esportiva tem um objetivo simples: dizer o que Deus diz.
Pregadores expositivos presumem que a verdadeira saúde espiritual só pode
ser produzida pelo Espírito de Deus. Esse Espírito inspirou a Palavra de Deus
como o seu único testamento infalível para a mente e o coração de seu povo
(2tm 3.16-17). À medida que o Espírito batalha por meio da Palavra e com a
Palavra em nossos corações, Deus nos ensina as verdades necessárias para que
o possamos compreender, vivência e honrar. Deste modo, o principal objetivo
dos pregadores que desejam proclamar as verdades de Deus deveria ser o de
dizer o que o Espírito Santo tem dito na Bíblia. A maneira mais segura de fazer
isso; e explicar o significado dos textos bíblicos e mostrar como eles se aplicam
a vida dos crentes. Essa explicação conduz o pregador a um sério estudo da
Palavra de Deus para obter uma cuidadosa articulação tanto do seu sentido
original quanto de seu significado presente. Alcançar a certeza de que as
pessoas sabem o que Deus disse e por que ele disse é o duplo objetivo da
pregação expositiva.8

I.1 Perspectiva Histórica

Apesar de alguns terem reivindicado o título de “donos” da igreja, a verdade à luz


das Escrituras é que o único e legítimo dono da igreja é o Senhor Jesus Cristo. Ao longo da
história, Deus sempre manteve servos fiéis para continuar Sua obra na Terra. Isso fica evidente
ao examinarmos o período da Pré-Reforma, onde encontramos diversos líderes dedicados à
exposição das Escrituras, após um longo período de apostasia. Um desses notáveis líderes foi
John Wycliffe9, um homem de erudição, vasto conhecimento e, acima de tudo, um defensor da
pregação e disseminação das Escrituras Sagradas10. Estudiosos quando se referiam a John
Wycliffe o chamava "estrela da manhã" da Reforma. Ele proclamou as Escrituras como a
autoridade máxima na fé e na vida, atacando o papado, as indulgências, a transubstanciação e
as riquezas da igreja11. Wycliffe estava firmemente convencido de que a principal vocação do
clero era pregar a Palavra de Deus. Stott cita suas palavras sobre a responsabilidade dos
ministros:
O serviço mais sublime que os homens podem realizar na Terra é pregar a
Palavra de Deus. Esse serviço é um dever mais específico dos sacerdotes e,
portanto, é diretamente exigido por Deus deles. Por causa disso, Jesus colocava
de lado outras tarefas para se dedicar principalmente à pregação; assim também

8 CHAPELL, Bryan. O Sermão Cristocêntrico: Modelos para a pregação Redentiva. São Paulo: Cultura Cristã,
2017, p. 09.
9 John Wycliffe (1328-1384) nasceu em Yorkshire, Inglaterra, provavelmente no ano de 1328, foi um teólogo,

professor e reformador religioso do século XIV. Foi considerado o precursor de Lutero e Calvino. Propôs uma
reforma religiosa, na Inglaterra, que só iria se concretizar dois séculos depois.
10 MATOS, Alderi Souza de. Fundamentos da Teologia Histórica. São Paulo: Mundo Cristão, 2008, p. 127.
11 STOTT, John. Crer é Também Pensar. São Paulo: ABU Editora, 2001, p. 23.
15

os Apóstolos se dedicavam, e Deus os amava por isso. No entanto, a igreja é


mais honrada quando a Palavra de Deus é pregada, e por isso esse é o melhor
serviço que os sacerdotes podem oferecer a Deus. Portanto, se nossos bispos
não pregarem pessoalmente e impedirem os verdadeiros sacerdotes de pregar,
eles serão culpados dos mesmos pecados daqueles que mataram o Senhor Jesus
Cristo.12

De maneira semelhante, John Huss13 e Jerônimo Savonarola14 foram também


estudiosos e pregadores da Palavra de Deus. Todos esses servos de Deus sofreram perseguições
por causa da pregação da verdade, e Huss e Savonarola chegaram até a ser martirizados pela
própria igreja. A Reforma Protestante foi um retorno à Palavra de Deus. Ela se fundamentou no
alicerce da centralidade das Escrituras, conhecido como "Sola Scriptura". Os Reformadores
compreenderam profundamente que a Escritura é a Palavra de Deus, trazendo de volta a prática
da "lectio continua15" como parte central da adoração da igreja. Ulrich Zwinglio16 ilustra bem
esse estilo contínuo de pregação, pois estava dedicado a uma exposição completa da Palavra de
Deus. Zwinglio começou com o Evangelho de Mateus e o pregou inteiramente, versículo por
versículo, ao longo de um ano inteiro. Ele continuou esse método “de pregar toda a Bíblia,
versículo por versículo, livro por livro”17.
Outro sim, homens que foram profundamente comprometidos com a Palavra de
Deus, e seus exemplos contribuíram para revigorar a igreja, libertando-a da rigidez religiosa.
Vejamos um pouco sobre João Calvino (1509-1564) que indiscutivelmente, no
século XVI se destacou como o mais influente sistematizador da teologia protestante. De acordo
com Calvino, as Escrituras não devem se conformar à pregação; é a pregação que deve se
conformar às Escrituras. Na época de Calvino, a controvérsia central era sobre a autoridade
máxima da igreja. As tradições, decretos papais e decisões dos concílios eclesiásticos eram
considerados superiores à verdade das Escrituras. Contudo, João Calvino, pela graça de Deus,
12 Ibidem, p.23
13 Jan Hus ou Jan Huss (1373-1415) foi um pensador e reformador religioso tcheco. Ele iniciou um movimento
religioso baseado nas ideias de John Wycliffe. Os seus seguidores ficaram conhecidos como os Hussitas. Ele foi
executado em 1415 — foi queimado vivo e morreu cantando um cântico.
14 Girolamo Savonarola (1452-1498), cujo nome é por vezes traduzido como Jerônimo Savonarola ou

Hieronymous Savonarola, foi um padre dominicano e pregador na Florença renascentista que ficou conhecido por
supostas profecias, pela destruição de objetos de arte e artigos de origem secular e seus apelos de reforma da igreja
católica.
15 Refere-se à prática de expor as Escrituras em sequência durante um período. Cada leitura começa onde a sessão

anterior terminou. Por exemplo, todo domingo uma seção da Bíblia é lida de modo que cada leitura continue onde
a anterior terminou.
16Ulrico Zuínglio ou Hulrico Zuínglio (1484-1531), foi um teólogo suíço e principal líder da Reforma

Protestante na Suíça. Zuínglio foi o líder da reforma suíça e fundador das igrejas reformadas suíças.
Independentemente de Martinho Lutero, que era doctor biblicus, Zuínglio chegou a conclusões semelhantes pelo
estudo das escrituras do ponto de vista de um erudito humanista. Zuínglio não deixou uma igreja organizada, mas
as suas doutrinas influenciaram as confissões calvinistas.
17 LOPES, Hernandes Dias. Pregação Expositiva e sua Importância para o Crescimento da Igreja. São Paulo:

Editora Candeia, 2004, p. 48.


16

permaneceu firme no princípio central da Reforma: “Sola Scriptura”, ou seja, Somente a


Escritura. Ele acreditava que as Escrituras eram o “verbum Dei”, a Palavra de Deus, e somente
ela tinha autoridade para guiar a vida da igreja, em contraposição aos papas, conselhos ou
tradições18. Ele considerava a exposição das Escrituras como a parte mais vital do culto cristão,
afirmando: “O que Deus tem a dizer ao homem é infinitamente mais importante do que as coisas
que o homem tem a dizer para Deus”19.
Calvino acreditava que, quando a Bíblia era aberta e corretamente explicada, a
soberania de Deus se manifestava imediatamente à congregação. Dotado de profundo
conhecimento dos idiomas originais, quando pregava a partir do Antigo Testamento, traduzia
diretamente do hebraico. Da mesma forma, ao pregar sobre o Novo Testamento, usava o grego
original. Nas suas pregações, um Antigo Testamento hebraico ou um Novo Testamento grego
estava sempre à sua frente, e geralmente não fazia uso de anotações, assevera Hernandes20.
Seus sermões eram enriquecidos por uma riqueza de conteúdo bíblico. Alderi no faz recordar
que apesar de sua educação humanista, Calvino rejeitou qualquer teologia fundamentada em
especulações e aderiu às Escrituras como o caminho confiável para conhecer Deus21. Seu
objetivo era conduzir as pessoas a uma adoração genuína a Deus, compreendendo que isso só
poderia ser alcançado através das Escrituras. Sobre esse ponto, Alister MacGrath comenta:
É justamente porque Calvino atribui uma importância suprema à adoração
genuína a Deus, à medida que Ele se revelou em Jesus Cristo, que ele considera
tão crucial reverenciar e interpretar de maneira correta o único meio pelo qual
podemos ter acesso pleno e definitivo a Deus: as Escrituras22.

Citando Parker, Hernandes descreve a pregação de Calvino da seguinte forma:


Domingo após domingo, dia após dia, Calvino subia ao púlpito. Lá, ele
liderava pacientemente a congregação, versículo após versículo, livro após
livro da Bíblia. O que o motivava a pregar e a pregar daquela forma? O impulso
para pregar era teológico. Calvino pregava porque cria. Pregava como fazia
porque acreditava no que estava fazendo23.

O grande reformador de Genebra estava plenamente ciente de que a autoridade de


sua pregação não derivava de si mesmo. Ele afirmava: "Quando subimos ao púlpito, não
levamos conosco nossos sonhos e fantasias". Ele reconhecia que, quando os seres humanos se
afastam da Palavra de Deus, mesmo que minimamente, eles pregam falsidades, vaidades,

18 LAWSON, Steven J. A Arte Expositiva de João Calvino: Um Perfil de Homens Piedosos. São José dos
Campos: Fiel, 2008, p. 34.
19 Ibidem, p. 38.
20 Ibidem, p. 50.
21 MATOS, 2008, p. 156.
22 MACGRATH, Alister E. Teologia Histórica. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 2007, p. 157
23 LOPES, 2004, p. 48.
17

mentiras e enganos. Calvino via como incumbência do expositor bíblico permitir que a suprema
autoridade da Palavra divina influenciasse seus ouvintes24. Para ele, a pregação fiel da Palavra
de Deus era a primeira marca de uma igreja verdadeira. John Stott comenta sobre isso:
Enquanto Calvino escrevia suas 'Institutas' na relativa paz de Genebra, ele
também exaltava a Palavra de Deus. Em particular, ele enfatizava que a
primeira e mais crucial marca de uma igreja verdadeira era a pregação fiel da
Palavra. Sempre que vemos a Palavra de Deus sendo pregada e ouvida com
pureza, escreveu ele, e os sacramentos sendo administrados de acordo com a
instituição de Cristo, ali, sem dúvida, existe uma igreja de Deus25.

Como pastor principal em Genebra, Calvino pregava duas vezes aos domingos e
todos os dias da semana em semanas alternadas, de 1549 até sua morte em 1564. Estima-se que
ele tenha pregado mais de dois mil sermões apenas a partir do Antigo Testamento. Ele passou
um ano pregando sobre o livro de Jó e três anos sobre o livro de Isaías26. Sob a liderança de
Calvino, Genebra experimentou crescimento espiritual, moral e material. Steven Lawson cita
James Montgomery Boyce, que afirmou o seguinte sobre Calvino e seu impacto em Genebra:
Calvino não tinha outra arma senão a Bíblia... Ele pregava a Bíblia todos os
dias e, sob o poder dessa pregação, a cidade começou a ser transformada.
Conforme o povo de Genebra conhecia a Palavra de Deus e era transformado
por ela, a cidade se tornou, como John Knox mais tarde a chamou, uma Nova
Jerusalém, de onde o evangelho se espalhou para o resto da Europa, para a
Inglaterra e para o Novo Mundo27.

As pregações de João Calvino eram reconhecidas por sua profundidade e


minuciosidade em relação às Escrituras. Essa era a essência de suas mensagens. Do início ao
fim, era Soli Deo Gloria, ou seja, somente para a glória e majestade de Deus28.
Seu ministério teve um impacto significativo em Genebra e em todo o mundo da
época. Estudantes de diversas partes do mundo convergiam para estudar e serem treinados para
o ministério sagrado sob a orientação de João Calvino. Como Justo González relata:
Naquela academia, a juventude genebrina se formou segundo os princípios
calvinistas. Porém, seu principal impacto se deve a que pessoas procedentes
de vários outros países cursaram nela estudos superiores. Depois elas levaram
o calvinismo a seus países29.

Do começo ao fim de sua carreira, Calvino manteve seu foco singular na explanação
do significado pretendido por Deus nos textos bíblicos. Como expressou Parker: “A pregação

24 LAWSON, 2008, p.35.


25 STOTT, 2001, P. 26.
26 LOPES, 2004, p. 50.
27 LAWSON, 2008, p. 15.
28 Ibidem, p. 79.
29 GONZÁLEZ, Justo L. História Ilustrada do Cristianismo II: a era dos Reformadores até a era inconclusa. São

Paulo: Vida Nova, 2011, p. 69.


18

expositiva envolve a explicação e a aplicação de um trecho das Escrituras. Sem explanação, ela
não é expositiva; sem aplicação, ela não é pregação”30. Calvino empenhou-se com dedicação a
essa tarefa. Beza disse sobre suas pregações: “Cada palavra pesava uma tonelada”. Ele
influenciou diversos contemporâneos, incluindo Henry Bullinger (1504-1575) e o reformador
John Knox (1513-1572)31. Anos depois, Charles Haddon Spurgeon expressou o seguinte sobre
João Calvino: “Nenhum outro homem pôde expressar, conhecer e explicar as Escrituras com
mais clareza do que Calvino o fez”32.
Pode ser visto até aqui, que a pregação é a base da proclamação do Reino. Sendo a
Bíblia a Palavra de Deus, a exposição dela torna-se indubitavelmente necessária. O Profeta
Oséias alerta que o povo estava sendo destruído por falta de conhecimento (Os 4.6b). E não
estamos distantes desta realidade em nossos dias. A superficialidade tem tomado conta de
muitos púlpitos. E não somente isso, pode-se notar a falta de compromisso com a exposição
fiel das Escrituras. Essas e outras disfunções teológicas nos faz observar que Cristo tem sido
deixado de lado nas exposições, ou pior, tem sido usado como pressuposto para pregações que
enaltecem a egolatria, e, não distantes, arrastam os ouvintes para longe de Cristo. Em toda
história bíblica que o povo de Deus se afasta dos decretos de Deus, sofrem as consequências
em todos os aspectos de suas vidas. Um Deus justo, sendo o justo juiz. Assim sendo, o que nos
afaga o coração é que o retorno as Escrituras, com uma pregação expositiva e de forma fiel,
reerguem o evangelho puro.

I.2 Base Bíblica


I.2.1 Antigo Testamento.

As Escrituras estão repletas de exemplos no que tange a pregação, e assim a forma


expositiva. Já em primeiro aspecto, o profeta é chamado “boca de Deus”, pois era o que
transmitia com fidelidade a Palavra de Deus ao coração do homem. O Significado da palavra
profeta no hebraico ‫נָבִ֣יא‬, nā·ḇî, tem sentido de intérprete ou porta-voz. Sendo este o responsável
direto a anunciar a Palavra de Deus em nome de Deus.33
Tendo em vista que a pregação expositiva, suas marcas, e reais valores significa
“tornar acessível”, “publicar” ou “divulgar”, de um modo que se torne compreensível ao que

30 Ibidem, p. 79.
31 LOPES, 2004, p. 52.
32 LAWSON, 2008, p. 119.
33 James Strong, Léxico Hebraico, Aramaico e Grego de Strong (Sociedade Bíblica do Brasil, 2002).
19

ouve. Ou seja, nada mais é do que apresentar as Escrituras e somente as Escrituras, não
apresentando uma nova verdade, e sim apresentar o que Deus falou de fato. O pregador
expositivo deve cumprir o objetivo de comunicar o poder que a Escritura proclama.
Assim sendo podemos afirmar que os profetas foram eximíeis expositores da Palavra
de Deus. Estes homens piedosos transmitiam com fidelidade a Palavra.
Paulo Anglada contribui para essa definição:

Os profetas, assim como os sacerdotes, eram mensageiros do Senhor, porta-


vozes comissionados da Palavra de Deus. A principal diferença entre eles
consistia em que, enquanto aos sacerdotes cabia o ensino regular da lei, os
profetas eram ocasionalmente instrumentos diretos de revelação divina. A
esses últimos foram geralmente antecipados os planos de Deus. Competia-lhes
proclamar as promessas e ameaças divinas ao povo. [...] O profeta, portanto, e
alguém que recebe e transmite a mensagem ou Palavra de Deus ao povo, a fim
de instruir, confortar e encorajar, mediante o anúncio de gloriosas promessas,
bem como advertir contra o formalismo, corrupção moral, negligência
espiritual, desobediência, rebeldia etc. O profeta e um intérprete de Deus.34

Em Deuteronômio vemos vários sermões proferidos por Moisés. Após passar uma
grande parte de sua vida no convívio dos Egípcios (Êxodo. 2.5) sendo ali instruído em questões
de ciência, cultura etc. Foi por Deus chamado para ser o guia do provo hebreu. Sendo Moisés
um tipo de Cristo que teve a responsabilidade em conduzir o povo hebreu do cativeiro à terra
prometida (Atos 3.22). Um livro que combina exortação e mandamentos serve de exemplo de
como a Lei deveria ser transmitida, recebida e ensinada por gerações. Como vemos em
Deuteronômio 31.10-22:

10Ordenou-lhes Moisés, dizendo: Ao fim de cada sete anos, precisamente no


ano da remissão, na Festa dos Tabernáculos, 11 quando todo o Israel vier a
comparecer perante o SENHOR, teu Deus, no lugar que este escolher, lerás esta
lei diante de todo o Israel. 12 Ajuntai o povo, os homens, as mulheres, os
meninos e o estrangeiro que está dentro da vossa cidade, para que ouçam, e
aprendam, e temam o SENHOR, vosso Deus, e cuidem de cumprir todas as
palavras desta lei; 13 para que seus filhos que não a souberem ouçam e
aprendam a temer o SENHOR, vosso Deus, todos os dias que viverdes sobre a
terra à qual ides, passando o Jordão, para a possuir. 14 Disse o SENHOR a
Moisés: Eis que os teus dias são chegados, para que morras; chama Josué, e
apresentai-vos na tenda da congregação, para que eu lhe dê ordens. Assim,
foram Moisés e Josué e se apresentaram na tenda da congregação. 15 Então, o
SENHOR apareceu, ali, na coluna de nuvem, a qual se deteve sobre a porta da
tenda. 16 Disse o SENHOR a Moisés: Eis que estás para dormir com teus pais; e
este povo se levantará, e se prostituirá, indo após deuses estranhos na terra para
cujo meio vai, e me deixará, e anulará a aliança que fiz com ele. 17 Nesse dia,
a minha ira se acenderá contra ele; desampará-lo-ei e dele esconderei o rosto,
para que seja devorado; e tantos males e angústias o alcançarão, que dirá
naquele dia: Não nos alcançaram estes males por não estar o nosso Deus no
meio de nós? 18 Esconderei, pois, certamente, o rosto naquele dia, por todo o

34
ANGLADA, Paulo Roberto Batista. Introdução à Pregação Reformada: Uma Investigação Histórica sobre o
Modelo Bíblico-Reformado de Pregação. Ananindeua-PA. Knox Publicações, 2005, p. 21.
20

mal que tiverem feito, por se haverem tornado a outros deuses. 19 Escrevei para
vós outros este cântico e ensinai-o aos filhos de Israel; ponde-o na sua boca,
para que este cântico me seja por testemunha contra os filhos de Israel.
20 Quando eu tiver introduzido o meu povo na terra que mana leite e mel, a

qual, sob juramento, prometi a seus pais, e, tendo ele comido, e se fartado, e
engordado, e houver tornado a outros deuses, e os houver servido, e me
irritado, e anulado a minha aliança; 21 e, quando o tiverem alcançado muitos
males e angústias, então, este cântico responderá contra ele por testemunha,
pois a sua descendência, sempre, o trará na boca; porquanto conheço os
desígnios que, hoje, estão formulando, antes que o introduza na terra que, sob
juramento, prometi. 22 Assim, Moisés, naquele mesmo dia, escreveu este
cântico e o ensinou aos filhos de Israel35

Assim podemos perceber que Moisés não sonega a verdade de Deus ao povo, outro
sim, alimenta com verdade pura. Moisés apresentou a leitura da lei, explicou-a e aplicou-a aos
que ouviam, demonstrando que o mais importante é aprender a andar com Deus em detrimento
as bençãos. Paulo Anglada contribui para este pensamento:

A saída do povo de Deus do Egito e os quarenta anos de peregrinação no


deserto constituem-se nova e importante etapa na história do povo de Israel e
na revelação da vontade de Deus com relação ao culto e a pregação. Foi uma
época de formação de uma identidade nacional teocrática. Nesse período, o
culto tinha que ser móvel e era realizado no tabernáculo, segundo as
prescrições de Deus a Moisés no Sinai. O local e o culto passam a ser bem
mais elaborados e riquíssimos em simbologia. Progressi- vamente Deus vai
descortinando a natureza do seu caráter e da sua obra redentora. Através da
oferta de sacrifícios, vai sendo revelada a necessidade de expiação,
consagração, adoração, restauração, separação, reparação etc. Nessa incipiente
teocracia, a pregação competia a Moisés e aos sacerdotes. Moisés foi
vocacionado por Deus para ser instrumento de libertação do povo de Israel, e
porta-voz da revelação divina, a qual escreveu e ensinou nas assembleias
publicas religiosas36.

Davi é outro exemplo de bela exposição dos decretos de Deus, usando a poesia para
engrandecer a majestade de Deus. Estes e outros apresentam as Escrituras, explicam as
Escrituras e aplicam as Escrituras. Sendo Cristo apresentado, mesmo que por sombras no
Antigo Testamento, podemos em uma unidade Bíblica observar a presença de Cristologia nos
discursos de Moisés, Samuel e Davi.
Entretanto não podemos deixar de observar o ministério preponderante de Esdras.
Pois quando se lê a história do povo de Deus no Antigo Testamento, toma-se conhecimento da
grande tragédia sobre Judá, o reino do Sul: Jerusalém invadida, o templo saqueado e destruído,
o reinado de Davi colocado abaixo e uma grande parte do povo exilado (2Reis 23.36-25.30).
Isso por volta do ano 589 a.C.

35 Almeida Revista e Atualizada (Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993), Dt 31.10–22. Obs.: Todos os textos
bíblicos doravante serão extraídos da mesma versão Bíblica.
36 ANGLADA, 2005, p. 17
21

Quando regressaram à sua terra natal, os exilados depararam-se com um panorama


desolador, uma imagem de devastação total. Era evidente que não bastaria a reconstrução dos
muros de Jerusalém e do templo; a restauração plena da nação requeria mais do que isso. Era
imperativo reconstituir não somente as estruturas físicas, mas também reestabelecer os pilares
fundamentais da sociedade. Somente assim poderiam recuperar o sentimento de pertencimento
e a dignidade que derivava de serem o povo escolhido de Deus. Diante dessa circunstância,
emergiram diversos líderes com a missão de marcar a diferença nesse período de reinício na
trajetória do povo de Deus. Entre esses, merece destaque Esdras, o escriba, que foi escolhido
por Deus para desempenhar um papel vital no processo de reconstrução da nação.
O que torna Esdras notável é a sua energia incansável e o comprometimento profundo
com a Palavra de Deus: “Porque Esdras tinha disposto o coração para buscar a Lei do SENHOR,
e para cumprir, e para ensinar em Israel os seus estatutos e os seus juízos” (Esdras 7.10). Esdras
personificava um praticante ardente da Palavra divina, refletindo um zelo profundo pelos
mandamentos divinos. Sua abordagem como um ouvinte atento e um executor diligente dos
ensinamentos tinha como objetivo instruir seus compatriotas a seguir esse caminho. A trajetória
e serviço de Esdras evidenciam que não é suficiente possuir conhecimento da Lei divina ou
meramente acumular sabedoria. É vital transcender o mero conhecimento e se tornar um
porta-voz das verdades de Deus.
Os resultados positivos alcançados por Esdras como expositor da Palavra de Deus
são discerníveis em seu ministério, onde ele exibiu uma notável confiança no Senhor (Esdras
7.6, 9, 27), uma dependência evidente em Deus (Esdras 8.15, 21, 32) e uma sincera identificação
com o povo de Deus (Esdras 9.3-15). Paulo Anglada ilustra bem sobre o contexto da época:

Nesse período da história da revelação, não havia distinção entre igreja e


estado. Israel era uma igreja nacional. Na condição de líder da nação, escolhido
e ungido por Deus, também competia ao rei, assim como aos patriarcas e aos
líderes nacionais anteriores como Moisés e Josué, ensinar a vontade de Deus
ao povo. Tanto Salomão como Davi foram instrumentos de revelação divina e
pregadores da Palavra de Deus. Salomão e chamado de pregador no livro de
Eclesiastes, título aplicado somente a ele em todo o Antigo Testamento.37

Um aspecto intrigante é que a aliança estabelecida continha condições; Deus


cumpriria Suas promessas desde que Israel obedecesse aos Seus mandamentos divinos.
Entretanto, Israel falhou em cumprir essa responsabilidade, resultando no exílio. Mesmo diante
do cenário de devastação, humilhação e escassez, Esdras emergiu como um expositor da
Palavra de Deus (Neemias 8.1-8). Ele não apenas leu a Lei, mas também a explicou, visando

37 ANGLADA, 2005, p. 19
22

assegurar uma compreensão profunda do seu significado transformador. A pregação fiel da


Palavra de Deus tem o potencial de reformular o curso de uma nação inteira, ilustrado pela
comoção do povo ao ouvir as palavras da Lei (Neemias 8.9), pois o verdadeiro entendimento
frequentemente nos leva às lágrimas. Quanto mais nos aproximamos de Deus, mais conscientes
ficamos da nossa própria imperfeição.
Paulo Anglada conclui de forma magistral o pensamento:

A revelação bíblica com relação ao culto e a pregação e progressiva.


Entretanto, o ensino e a proclamação da Palavra de Deus sempre tiveram papel
importante na história do povo de Israel, no Antigo Testamento. Mesmo
durante a dispersão, o povo judeu continuou a ser instruído pela leitura e
explanação da Lei e dos Profetas nas sinagogas. Seja no período patriarcal ou
durante a peregrinação no deserto; no período monárquico ou durante o exílio;
Deus nunca deixou seu povo sem classes especiais de pessoas às quais
competia o ensino e proclamação da sua vontade com relação ao que o povo
deveria crer e fazer para viver, servir e cultua-lo de modo que lhe agradasse.38

Adicionalmente, a pregação fiel da Palavra de Deus também traz consigo alegria,


como evidenciado pela reação do povo. As lágrimas que derramaram refletiam arrependimento
pelos pecados, seguidas por uma profunda alegria pela promessa de restauração (Neemias 8.10).

I.2.2 Novo Testamento.

O método de pregação expositiva não apenas encontra ênfase no Antigo Testamento,


mas também se destaca no Novo Testamento, mesmo que tenha ocorrido uma mudança nos
aspectos. Se faz necessário entender essa transição, como afirma Paulo Anglada:
A inauguração da nova dispensação acarretou mudanças significativas na
igreja institucional. Isso ocasionou alterações importantes no culto, inclusive
no que diz respeito aos ofícios bíblicos e ao elemento essencial do culto
judaico: o sacrifício, e, consequentemente, no lugar da pregação no culto. Visto
que Cristo cumpriu e aboliu a oferta de sacrifícios cruentos, a pregação
substituiu os sacrifícios, tornando-se o elemento central de culto na
dispensação da graça.39

Esta abordagem tem suas raízes nos ensinamentos dos profetas do Antigo
Testamento e continua a ser praticada no ministério terreno de Jesus Cristo e, por extensão,
pelos Apóstolos. O trabalho dos Apóstolos não se limita meramente a curas e milagres; eles
assumiram principalmente o papel de proclamadores da Palavra divina. Como expresso em
Atos 6.4: “e, quanto a nós, nos consagraremos à oração e ao ministério da palavra”.
O livro de Atos dos Apóstolos também relata um evento significativo:

38 Ibidem, p. 22
39 ANGLADA, 2005, p. 22.
23

Naquele dia, levantou-se grande perseguição contra a igreja em Jerusalém; e


todos, exceto os Apóstolos, foram dispersos pelas regiões da Judeia e Samaria.
Entrementes, os que foram dispersos iam por toda parte pregando a palavra.
(Atos 8.1,4).

Através das tribulações e do sacrifício daqueles que estavam dispostos a dar suas
vidas em prol da proclamação da Palavra de Deus, a mensagem foi disseminada ainda mais
amplamente e com maior rapidez. Alister MacGrath assevera que um dos pais da igreja,
Tertuliano, conhecido como o pai da teologia latina devido ao seu impacto significativo sobre
a igreja ocidental, articulou: “O sangue dos mártires é a semente da igreja”40.
Talvez seja válido conjecturar que o cristianismo não teria se expandido tão
vigorosamente caso o Império Romano não estivesse presente. De certa forma, o império pode
ser comparado a um combustível pronto para ser inflamado pela chama da fé cristã, uma fusão
que possibilitou a propagação da mensagem de maneira notável.
Geen ao falar sobre evangelização na igreja primitiva ele assevera sobre a pregação,
nos dizendo:
Assim, a pregação na sinagoga, na reunião dos cristãos ou ao ar livre, em
condições normais ou sob inspiração direta, foi um elemento importante entre
os métodos da missão.41

A pregação tem sido e continuará sendo um papel crucial na vida da igreja. O próprio
Senhor Jesus, antes de ascender aos céus, instruiu: “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho
a toda criatura” (Marcos 16.15). A pregação assume um caráter profético, apostólico e cristão.
Com efeito, as Escrituras proclamam: “Quão formosos são os pés dos que anunciam coisas
boas” (Romanos 10.15b). Paulo Anglada contribui para este pensamento:
Pregação, no Novo Testamento, pressupõe comissão. Trata- se de uma função
exclusiva de homens especialmente comissionados para a tarefa: “E como
pregarão, se não forem enviados?” (Rm 10:15).55 Apenas Cristo, ou alguém
comissionado por Deus com este propósito, tem autoridade divina para se
apresentar publicamente como arauto de Deus e proclamar em nome dele a
sua Palavra.42

Indiscutivelmente, João Batista emerge como um dos proeminentes protagonistas do


Novo Testamento, sendo que Deus o convocou de forma incontestável para inaugurar o
ministério terreno do Senhor Jesus, cumprindo essa missão com nobreza e grandeza. Assim
como os intrépidos profetas do Antigo Testamento, João Batista travou uma batalha incansável

40 MACGRATH, 2007, p. 39.


41 GREEN, Michael. Evangelização na Igreja Primitiva. São Paulo: Vida Nova, 1970, p. 247.
42 AGLADA, 2005, p. 38
24

contra a hipocrisia, a iniquidade e a desonestidade de seu tempo, enfrentando corajosamente a


crise moral, social, econômica, política e espiritual que permeavam aqueles dias. Vejamos:

1No décimo quinto ano do reinado de Tibério César, sendo Pôncio Pilatos
governador da Judeia, Herodes, tetrarca da Galileia, seu irmão Filipe, tetrarca
da região da Itureia e Traconites, e Lisânias, tetrarca de Abilene, 2 sendo sumos
sacerdotes Anás e Caifás, veio a palavra de Deus a João, filho de Zacarias, no
deserto. 3 Ele percorreu toda a circunvizinhança do Jordão, pregando batismo
de arrependimento para remissão de pecados, 4 conforme está escrito no livro
das palavras do profeta Isaías: Voz do que clama no deserto: Preparai o
caminho do Senhor, endireitai as suas veredas.
5 Todo vale será aterrado, e nivelados todos os montes e outeiros; os caminhos

tortuosos serão retificados, e os escabrosos, aplanados; 6 e toda carne verá a


salvação de Deus.7 Dizia ele, pois, às multidões que saíam para serem
batizadas: Raça de víboras, quem vos induziu a fugir da ira vindoura?
8 Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento e não comeceis a dizer entre

vós mesmos: Temos por pai a Abraão; porque eu vos afirmo que destas pedras
Deus pode suscitar filhos a Abraão. 9 E já está posto o machado à raiz das
árvores; toda árvore, pois, que não produz bom fruto é cortada e lançada ao
fogo. 10 Então, as multidões o interrogavam, dizendo: Que havemos, pois, de
fazer? 11 Respondeu-lhes: Quem tiver duas túnicas, reparta com quem não tem;
e quem tiver comida, faça o mesmo. 12 Foram também publicanos para serem
batizados e perguntaram-lhe: Mestre, que havemos de fazer? 13 Respondeu-
lhes: Não cobreis mais do que o estipulado. 14 Também soldados lhe
perguntaram: E nós, que faremos? E ele lhes disse: A ninguém maltrateis, não
deis denúncia falsa e contentai-vos com o vosso soldo. Lucas 3.1-14

Paulo Anglada, ao falar da pregação de Joao Batista, diz:


João Batista foi principalmente um arauto, designado para anunciar a
iminência do Reino de Deus e convocar o povo ao arrependimento. Ele foi
predito como um mensageiro comissio- nado para bradar no deserto (Mc 1:2-
3), e “apareceu pregando...” (Mc 1:4). Duas palavras resumem o ministério de
João Batista: pregar e batizar.43

Num contexto de aridez espiritual, onde o pecado exercia seu domínio desde os
palácios até as moradias humildes, João Batista surgiu para confrontar a nação de Israel com a
Palavra divina.

Naqueles dias, apareceu João Batista pregando no deserto da Judeia e dizia:


Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus. Porque este é o referido
por intermédio do profeta Isaías: Voz do que clama no deserto: Preparai o
caminho do Senhor, endireitai as suas veredas (Mateus 3.1-3).

A Bíblia relata que pessoas de Jerusalém e de toda a Judeia foram ao deserto para
ouvi-lo pregar (Mateus 3.5), e ao serem impactadas pelo poder da Palavra de Deus, eram
batizadas (Mateus 3.6). João Batista atuava longe dos holofotes, não buscava a luz dos holofotes
do palco, mas escolhia o deserto como o lugar para disseminar os preceitos divinos. Apesar de
não estar num cenário sofisticado, o relato bíblico destaca que multidões expressivas acorriam

43 Ibidem, p. 40
25

ao deserto unicamente para escutá-lo, a ponto de o questionarem sobre como agir (Lucas 3.10-
14).
Jesus Cristo, como o Verbo encarnado de Deus (João 1.1), se destacou
inquestionavelmente no Novo Testamento. Embora Seu ministério terreno tenha abraçado os
necessitados, é irrefutável afirmar que a pregação ocupava um lugar central em Sua obra. Sendo
o Filho de Deus encarnado, Ele poderia ter iniciado Sua jornada terrena com uma série de
milagres – e, de fato, realizou muitos – visto que Ele próprio é a Palavra viva, tanto o
mensageiro quanto o conteúdo de Sua mensagem. No entanto, o evangelista Lucas relata a
trajetória de Jesus com estas palavras: “Ele ensinava nas sinagogas, sendo glorificado por
todos” (Lucas 4.15).
Após resistir à tentação no deserto, Jesus dirigiu-Se à cidade de Nazaré, onde proferiu
Sua primeira exposição das Escrituras, conforme registrado no livro de Lucas:

Então, lhe deram o livro do profeta Isaías, e, abrindo o livro, achou o lugar
onde estava escrito: O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu
para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e
restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar
o ano aceitável do Senhor. Tendo fechado o livro, devolveu-o ao assistente e
sentou-se; e todos na sinagoga tinham os olhos fitos nele. Então, passou Jesus
a dizer-lhes: Hoje, se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir (Lucas 4.17-
21).

Paulo Anglada assevera acerca disto:


A pregação foi também tarefa fundamental do ofício profético de Cristo. Ele
começou o seu ministério pregando numa sinagoga em Nazaré, onde declarou
que havia sido ungido para pregar (Lc 4:18,19); percorreu cidades, vilas e
povoados pregando e ensinando (Lc 8:1 e 9:6); e afirmou logo no início do
seu ministério que para esse propósito havia sido comissionado, isto e: para
pregar (Lc 4:43)44.

Conforme Stuart Olyott45, Jesus lia, explicava e aplicava a Palavra de Deus. Sua
profunda compreensão das Escrituras fica evidente no Sermão do Monte e em Seus
ensinamentos a respeito da autoridade das Escrituras, como quando disse aos saduceus: “errais,
não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus” (Mateus 22.29). O conjunto de
ensinamentos de Jesus (Marcos 4.2) essencialmente cumpre o Antigo Testamento em Sua
pessoa, vida, ações, morte sacrificial e ressurreição46. Diferenciando-se dos rabinos
contemporâneos, Jesus não apenas ensinava com autoridade divina, mas também vivia de
acordo com Suas palavras.

44 ANGLADA, 2005, p. 40.


45 OLYOTT, Stuart. Ministrando como o Mestre. São José dos Campos: Fiel, 2005, p. 31.
46 LOPES, 2004, p. 28.
26

Enquanto lia e ensinava as Escrituras, Jesus era um mestre da explicação das


Sagradas Letras, trazendo clareza e entendimento. Lucas relata que, mesmo após a ressurreição,
Jesus elucidou as Escrituras para os discípulos no caminho de Emaús: “e começando por
Moisés, discorrendo por todos os Profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas
as Escrituras” (Lucas 24.27). Ele demonstrou que toda a Bíblia aponta para Sua pessoa e
compartilhou a chave para compreender as Escrituras (Lucas 24.45). Além disso, Jesus ensinou
que o verdadeiro pregador da Palavra não deve elaborar conceitos inovadores de sua própria
mente, mas deve transmitir o testemunho do que Deus já realizou em favor do Seu povo (Lucas
24.48).
Indiscutivelmente, o Apóstolo Paulo se ergue como o mais eminente pregador na
história do cristianismo. Inicialmente um perseguidor dos cristãos, responsável por lançar
famílias inteiras na prisão por causa do evangelho, ele, após sua conversão, começou a pregar
imediatamente (Atos 9.20). Paulo se destacou como o mais prolífico plantador de igrejas de
sua época, um defensor fervoroso da fé cristã que proclamava o evangelho audaciosamente por
onde quer que fosse, e que continua a abençoar o povo de Deus por meio das cartas que
escreveu.
Hernandes, ao discorrer sobre a vida e o ministério do Apóstolo Paulo, afirma:
A fim de cumprir seu ministério, enfrentou conflitos, cadeias e muitos
problemas e tribulações. Foi perseguido, preso, açoitado e apedrejado.
Suportou pobreza, desprezo e abandono. Para cumprir seu ministério, viajou
por todo o Império Romano, foi missionário além das fronteiras, cruzou
desertos, navegou por mares bravios, pregou a Palavra de Deus em muitas
cidades, povoados, templos, sinagogas, praças, ilhas, praias, escolas, tribunais
e prisões. Pregou a grandes multidões, a pessoas livres e escravas, a vassalos e
reis, a sábios e a iletrados, a judeus e gentios. Pregou sempre com grande
entusiasmo, com saúde ou enfermo, como prisioneiro ou liberto, amado ou
odiado, aplaudido ou apedrejado, na abundância e na pobreza. Fez três viagens
missionárias pregando o evangelho e plantando igrejas para a glória de Deus e
para a expansão do reino de Deus47.

Paulo mergulhava nas Escrituras. Homem instruído, temente a Deus e, sobretudo,


um notável expositor da Palavra divina. O Apóstolo Paulo dava um alto valor aos Escritos
Sagrados, reconhecendo a Palavra como a inspirada mensagem de Deus. Então afirmou:
Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão,
para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus
seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra. (2 Timóteo 3.16-
17).

Marck Dever ao citar o pastor puritano Richard Baxter, enfatiza que:

47 LOPES, 2004, p. 34.


27

Todas as igrejas tanto crescem quanto diminuem conforme o ministro cresce


ou diminui, não em riquezas e bens materiais, mas em conhecimento, zelo e
capacidade para a sua missão"48.

O domínio sólido da inerrância, infalibilidade e supremacia das Escrituras deve ser


um requisito primordial para qualquer fiel expositor da Palavra de Deus.
Paulo também estava firmemente convencido de que não havia outro evangelho a
ser pregado aos seres humanos. Escrevendo aos Gálatas, declarou: “Mas, ainda que nós ou
mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado,
seja anátema” (Gálatas 1.8). A fidelidade na exposição das Escrituras demanda o
reconhecimento total da integridade da Palavra de Deus. Paulo acreditava inequivocamente que
o evangelho é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê em Jesus Cristo como o
único e suficiente Salvador (Romanos 1.16) e que a pregação é o meio pelo qual Deus alcança
os perdidos (Romanos 10.17).
Outra faceta notável é que, apesar de sua erudição e profundo conhecimento das
Escrituras, Paulo não negligenciava sua dependência do poder do Espírito Santo para que o
evangelho fosse eficazmente proclamado por meio de sua vida. Por mais que a pregação seja
pura, ela carece de efeito sem a intervenção do Espírito Santo. D. Martyn Lloyd-Jones afirma:
O fato é que, se não houver poder, não haverá pregação. Afinal de contas, a
verdadeira pregação consiste na atuação de Deus. Não se trata apenas de um
homem proferindo palavras; é Deus quem o está usando. O pregador está sendo
usado por Deus. Está debaixo da influência do Espírito Santo. A verdadeira
pregação é aquilo que Paulo chama de “demonstração do Espírito e de poder”
(1 Co 2.4). Ou, então, conforme ele o expressa em 1 Tessalonicenses 1.5: “O
nosso evangelho não chegou até vós tão-somente em palavra, mas, sobretudo,
em poder, no Espírito santo e em plena convicção”. Aí ele está: é um dos
elementos essenciais da pregação autêntica49.

Em sua comunicação com a igreja de Corinto, Paulo declara:


A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva
de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder, para que a vossa
fé não se apoiasse em sabedoria humana, e sim no poder de Deus (1 Coríntios
2.4-5).

Hernandes Dias Lopes, citando Roland Allen, acrescenta acerca do ministério do


Apóstolo Paulo:
Em menos de dez anos, Paulo estabeleceu a igreja em quatro províncias do
império: Galácia, Macedônia, Acaia e Ásia. Antes de 47 d. C., não havia igrejas
nessas províncias; em 57 d.C., Paulo pôde falar como se o seu trabalho já
tivesse feito. Esse é um fato realmente espantoso. Igrejas serem estabelecidas
de forma tão rápida e sólida. Parece quase incrível para nós que estamos

48 DEVER, Mark. A Pregação da Cruz. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 17.
49 LLOYD-JONES, D. Martyn. Pregação e Pregadores. São José dos Campos: Fiel, 1976, p. 93.
28

acostumados a dificuldades, incertezas, fracassos, relapsos desastrosos de


nosso trabalho missionário. Muitos missionários em épocas mais recentes
tiveram um número maior de convertidos do que Paulo; muitos pregaram em
uma área mais ampla do que ele pregou, mas nenhum estabeleceu tantas igrejas
50.

Como pregador e expositor da Palavra de Deus, Paulo teve a oportunidade de


ministrar a uma variedade de grupos distintos. Ensinou tanto a crentes quanto a não crentes
(Atos 20.20, 21, 26, 27). Enfrentou perseguições, foi apedrejado e encerrou seu ministério em
prisão, mas declarou: “Por esta razão, tudo suporto por causa dos eleitos, para que também eles
obtenham a salvação que está em Cristo Jesus, com eterna glória” (2 Timóteo 2.10). Certamente
convencido de que havia fielmente apresentado o plano completo de Deus, ele se despediu com
as seguintes palavras: “Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé” (2 Timóteo
4.7).
Encerrando a consideração acerca da exposição bíblica nas Escrituras, torna-se
evidente que essa prática é notável e amplamente documentada tanto no Antigo quanto no Novo
Testamento. Contudo, a única forma genuína de pregação é aquela que aponta diretamente para
Cristo e se alinha com o padrão das Escrituras. No Antigo Testamento, a exposição da Palavra
de Deus conduziu nações ao arrependimento e renovação de vida. No Novo Testamento, a
exposição das Escrituras gerou um crescimento tanto em qualidade quanto em quantidade
dentro da comunidade cristã.
Um sermão cristão fundamentado no Antigo Testamento invariavelmente
direciona-se para o Novo Testamento. Isso se torna claro quando o texto apresenta uma
promessa que encontra cumprimento em Cristo: o pregador não pode estagnar na promessa,
mas naturalmente continua sua mensagem até o seu pleno cumprimento. Similarmente, quando
o texto traz um tipo que encontra seu cumprimento em Cristo, o sermão transita do tipo para o
antítipo. Esse movimento também ocorre quando o texto aborda um tema que é mais
amplamente desenvolvido no Novo Testamento: o pregador, ao expor, conduz o tema do Antigo
Testamento para sua realização mais completa no Novo Testamento, pois o verdadeiro valor da
exposição bíblica encontra-se em Jesus Cristo, o "amém" de Deus. Paulo Anglada no diz que
“O conteúdo da pregação no Novo Testamento e a Palavra de Deus, cuja essência e Cristo”51.
Quando a Palavra de Deus é proclamada sob a influência do Espírito Santo, os
resultados são notáveis. O Senhor afirmou: "assim será a palavra que sair da minha boca: não
voltará para mim vazia, mas fará o que me apraz e prosperará naquilo para que a designei"

50 LOPES, 2004, p. 39.


51 ANGLADA, 2005, p. 41
29

(Isaías 55.11). Desse modo, o autêntico crescimento da igreja só se concretiza por meio de uma
pregação sincera e direta, que não apenas edifica o corpo de Cristo, mas também promove a
expansão do Reino de Deus em todo o mundo.

II- FUNDAMENTOS TEOLÓGICOS

A supremacia da Palavra Divina e a prioridade da pregação genuína são elementos


indispensáveis para o crescimento saudável da igreja. Não existe outro meio pelo qual as
verdades contidas nas Escrituras possam ser proclamadas, a não ser por meio da pregação
autêntica. Jason Meyer diz que “a Palavra de Deus não é algo a ser considerado de modo
leviano; o valor de Deus leva o pregador a atribuir peso correspondente de glória à palavra de
Deus”52. A pregação deve ter por fim último Cristo. Mark Dever assevera dizendo:
Podemos aferir que a primeira característica de uma igreja saudável é a
pregação expositiva. Não é apenas a primeira característica; é, de fato, a mais
crucial dentre todas, pois, ao ser desenvolvida de forma adequada, as demais a
acompanham naturalmente.53

Os puritanos tinham como método o sermão expositivo, em seu livro Entre os


Gigantes de Deus J.I. Packer diz:
A pregação dos puritanos era expositiva em seu método. O pregador puritano
considerava-se porta-voz de Deus e sérvo da Palavra. Cumpria-lhe falar de
acordo com “os oráculos de Deus. Sua tarefa não consistia em impor sobre os
textos bíblicos sentidos que não contêm, nem fazer justaposições, ou seja, usar
o texto bíblico como um gancho para sustentar alguma homilia desvinculada
dele. [...] antes a tarefa do pregador consistia em fazer exposições, ou seja
extrair dos textos bíblicos aquilo que Deus ali embutiu54.

Sendo a Bíblia o padrão supremo de ensinamento e conduta, fé e prática (2 Timóteo


3.16,17). E não somente isso, mas também é singular em sua grandiosidade. Bryan Chapell nos
apresenta cinco princípios que ilustram o impacto transformador da Palavra de Deus:
Cria: “Disse Deus; Haja luz; e houve luz” (Gn 1.3). “pois ele falou, e tudo se
fez; ele ordenou e tudo passou a existir” (Sl 33.9).
Controla: “Ele envia as suas ordens à terra, e sua palavra corre velozmente; dá
a neve como lã e espalha a geada como cinza. Ele arroja o seu gelo em
migalhas... manda sua palavra e o derrete” (Sl 147. 15-18).
Persuade: “... mas aquele em quem está a minha palavra fale a minha palavra
com verdade (...) diz o Senhor. Não é a minha palavra fogo, diz o Senhor, e
martelo que esmiúça a penha?” (Jr 23.28,29).

52 MEYER, Jason C. Teologia Bíblica da Pregação: a mensagem que glorifica a Deus, honra as Escrituras e
edifica a igreja. São Paulo: Vida Nova, 2019, p. 239.
53 DEVER, Mark. A Pregação da Cruz. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p.40.
54 PACKER. J.I. Entre os Gigantes de Deus: uma visão puritana da vida cristã. São José dos Campos: Fiel, 2016,

p. 467.
30

Cumpre seus propósitos: “Porque, assim como descem a chuva e a neve dos
céus e para lá não tornam, sem que reguem a terra... assim também será a
palavra que sair da minha boca; não voltará para mim vazia, mas fará o que
me apraz, e prosperará naquilo para que a designei” (Is 55.10,11).
Anula os motivos humanos: Na prisão, o Apóstolo Paulo se regozijava,
porque quando outros pregavam a palavra, “... quer por pretexto, quer por
verdade”, a obra de Deus seguia adiante (Fp 1.18)55

Não são as tendências do mercado religioso que conduzirá a igreja a um estado puro
e imaculado, mas sim os preciosos ensinamentos contidos na Palavra de Deus. Quanto à
relevância e centralidade das Escrituras na vida da igreja, sobre isso Hernandes Dia Lopes nos
diz:
A Bíblia é a escola do Espírito Santo em que o homem aprende tudo que é
necessário e prático para ter uma vida abundante. É o livro por excelência,
inspirado por Deus, escrito por homens, concebido no céu, nascido na terra,
odiado pelo inferno, pregado pela igreja, perseguido pelo mundo e crido pelos
eleitos de Deus. A Bíblia não só contém a Palavra de Deus, como também e a
Pala- vra de Deus (Jo 17:17). Seu autor e divino, seu conteúdo infalível, sua
mensagem eficaz, sua influência universal e seu poder irresistível.56

A ausência de um crescimento saudável na maioria das igrejas protestantes


contemporâneas é diretamente atribuível à falta de ênfase nas Escrituras nos púlpitos. Eis o
motivo cabal para desesperadamente voltar a somente as Escrituras e a exposição Cristocêntrica
da mesma. O problema central das igrejas atuais reside no fato de que muitos de seus líderes
não estão cumprindo a missão estabelecida por Jesus. O imperativo do Mestre é que a Palavra
seja proclamada por todo o mundo (Marcos 16.15). Entretanto, as igrejas têm substituído o
mandamento de Cristo por práticas que, em grande parte, satisfazem os desejos humanos.
Muitos líderes estão trocando a pregação da Palavra de Deus por encenações teatrais, danças e
tendências passageiras que não contribuem para o crescimento genuíno da vida da igreja.

II.1 O Alvo é Cristo.

O alvo da pregação expositiva deve, e sempre deve ser, Cristo. Se o expositor não
cumprir o que lhe foi dado a fazer não se pode classificar como fiéis expositores. Mesmo que o
modo de expor seja diferente em seu formato, o objetivo final não pode ser diferente das
verdades bíblicas. Neste sentido Dario Cardoso nos diz:

Na pregação, obviamente, o Sola Scriptura tem papel preponderante. A


pregação reformada e a pregação da Palavra. Os pastores reformados são

55 CHAPELL, Bryan. Pregação Cristocêntrica. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 18-19.
56 LOPES, 2004, p. 67-68.
31

preparados para ser expositores bíblicos e fidelidade às Escrituras e o que


principalmente se requer deles. Surgem dai os princípios e procedimentos
hermenêuticos e exegéticos necessários a preparação de sermões. Eles são
complexos e trabalhados para atender adequadamente tanto às dificuldades de
acesso e compreensão da língua e da história bíblica quanto a excelência e
importância que o texto bíblico tem para os crentes da atualidade. Muitos, por
terem desprezado ou abandonado esses esforços, jamais poderão
verdadeiramente ser chamados de pregadores reformados.57

A prática da exposição bíblica é uma arte que desvenda os tesouros escondidos nas
páginas das Escrituras. No coração da exposição está a busca pela compreensão profunda das
verdades divinas e a habilidade de transmiti-las de maneira clara e impactante. No entanto, a
verdadeira excelência na exposição bíblica não apenas esclarece o contexto e os ensinamentos
das passagens, mas também ilumina a beleza da história de redenção que se desenrola através
das páginas da Bíblia.
A pregação reformada tem em seu cerne uma particularidade que é ser Cristocêntrica,
ou seja, tem como alvo Cristo. Paulo Anglada garante: “Os reformadores pregavam a Bíblia
toda. Mas Cristo, sua pessoa, morte expiatória, ressureição e reino eram o tema sempre presente
das mensagens deles58.”
Uma das abordagens mais ricas e edificantes na exposição bíblica é a pregação
Cristocêntrica. Isso significa que cada passagem das Escrituras é vista através da lente de Cristo,
revelando como ele é o cumprimento das promessas antigas e o centro da narrativa bíblica.
Como Jesus mesmo disse: “Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e
são elas mesmas que testificam de mim.” (João 5:39).
Ao adotar essa abordagem, a exposição bíblica Cristocêntrica reconhece que todas
as partes das Escrituras estão interligadas e convergem para o ápice em Cristo. Desde o Antigo
Testamento até o Novo, as figuras, eventos e ensinamentos apontam para o Salvador que estava
por vir e que veio. Como Paulo escreveu aos Coríntios: “Porque quantas são as promessas de
Deus, tantas têm nele o sim; porquanto também por ele é o amém para glória de Deus, por
nosso intermédio” (2 Coríntios 1:20).
Joel R. Beeke em sua teologia puritana, nos diz que:
Desde Calvino, a cristologia reformada tem dado grande ênfase à relação
orgânica entre a pessoa de Cristo e a sua obra mediadora. Ele é profeta,
sacerdote e rei, e todos esses ofícios têm relação com o evangelho de Jesus
Cristo, tanto em sua humilhação quanto em sai exaltação. Quer dizer, o
evangelho é a totalidade de Cristo pela fé. Mais do que isso, historicamente a
cristologia reformada tem dado bastante ênfase ao papel do Espírito em relação
a Cristo. Por conseguinte, a cristologia permeia a pneumatologia e vice-versa59.

57 CARDOSO, Dario de Araújo. A Forma da Pregação Expositiva. Fides Reformata, São Paulo XXIII, n.2, p.25-
33. 2018, p. 26.
58 ANGLADA, 2005, p.123.
32

A pregação Cristocêntrica enriquece a compreensão das Escrituras, revelando o


propósito de Deus em toda a sua amplitude. Quando Jesus se encontrou com os discípulos no
caminho de Emaús, ele explicou como todas as Escrituras testemunhavam sobre ele (Lucas
24:27). Cada história, cada profecia, cada lei encontra sua consumação em Cristo. O alvo é a
glória de Deus. John Piper enriquece o pensamento quando diz:
A implicação disto para a pregação é óbvia: quando Deus manda seus
emissários proclamar “Teu Deus Reina!”, seu alvo não é o de compelir o
homem à submissão, por um ato de autoridade crua; seu alvo é arrebatar nosso
afeto com exibições irresistíveis de glória. A única submissão que reflete em
sua totalidade o valor da glória dom Rei é a submissão prazerosa. Submissão
de má vontade é uma repreensão ao Rei. Sem regozijo na sujeição não há glória
ao Rei.60

Além disso, a exposição bíblica Cristocêntrica nutre a devoção e a adoração. Ao


contemplarmos o sacrifício de Cristo na cruz, somos lembrados de seu amor insondável e da
provisão divina para a salvação da humanidade. Como Paulo disse aos Gálatas: “logo, já não
sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela
fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim.” (Gálatas 2:20). Sobre
isso Bryan Chapell infere:
A resposta ao relativismo radical de nossa cultura com as incertezas que o
acompanham é a reivindicação bíblica de autoridade. Paulo Elogia os crentes
tessalonicenses porque eles aceitaram a sua mensagem “não como palavra de
homens, e sim como, em verdade é, a Palavra de Deus, a qual, com efeito, está
operando eficazmente em vós, os que credes” (1Ts2.13). a afirmação da
Escritura e a premissa da pregação expositiva é que Deus falou. Nossa tarefa é
transmitir o que ele já confiou à Escritura. Tais esforções não se constituem
em cega adesão a dogmas fundamentalistas, mas um compromisso ao que tanto
a fé como a razão confirmam ser a única base de esperança humana.61

Portanto, ao abraçar a abordagem Cristocêntrica na exposição bíblica, mergulhamos


nas profundezas da Palavra de Deus, encontrando em cada página a glória de Cristo. A pregação
se torna uma jornada de descoberta e adoração, convidando os ouvintes a se maravilharem com
o Deus que se revelou através de sua Palavra viva e transformadora. Neste mesmo pensamento
Bryan Chapell também colabora:
Ao expor a natureza santa de Deus, que oferece redenção, e ao expor a natureza
finita da humanidade, que exige redenção, a lei aponta para a necessidade de
um Redentor e prepara o coração do homem para procurá-lo. A lei, no entanto,
é apenas um aspecto da Escritura que ajuda a revelar a pessoa e a obra de
Cristo, sem fazer menção explícita dele. A exposição das Escrituras centrada
em Cristo não nos obriga a revelar representações de Jesus por alquimias
misteriosas de alegoria ou tipologia; em lugar disso, ela mostra como cada

59 BEEKE, Joel R. Teologia Puritana: doutrina para a vida / Joel R. Beeke e Mark Jones. São Paulo: Vida Nova,
2016, p. 483-484.
60 PIPER, John. Supremacia de Deus na pregação. São Paulo: Shedd Publicações, 2003, p. 23.
61 CHAPELL, 2007, p. 23.
33

texto age para aprofundar nossa compreensão de quem Cristo é, o que o Pai o
enviou a fazer e por quê. O objetivo não é fazer uma referência específica a
Jesus aparecer de forma mágica a partir de cada pegada de camelo da narrativa
hebraica ou de cada metáfora da poesia hebraica (levando a erros alegóricos),
mas sim mostrar como cada texto contribui para o desdobramento da revelação
da graça de Deus que culmina na pessoa e obra de Cristo.62

Desassociar Cristo de sua palavra é o mesmo que retirar o ar e desejar viver. O alvo
do sermão expositivo deve ser Cristo. Se Cristo não for anunciado não se pode afirmar que
houve um sermão genuíno. Bryan Chapell citando Thomas F. Jones, fundamenta este conceito:
A verdadeira pregação cristã precisa centralizar-se na cruz de Jesus Cristo. A
cruz é a doutrina central dos santos escritos. Todas as outras verdades
reveladas, ou encontram seu cumprimento na cruz, ou são necessariamente
fundamentadas sobre ela. Portanto, nenhuma doutrina da Escritura pode
fielmente ser apresentada aos homens a menos que se torne manifesto o seu
relacionamento com a cruz. Aquele que é vocacionado para pregar, portanto
deve pregar a Cristo, pois nenhuma outra mensagem há que proceda de Deus.63

II.2 A Graça é o Meio

Na tradição reformada, a graça de Deus é como um fio dourado que permeia e une
toda a tapeçaria da pregação. O objetivo da pregação é revelar a glória da graça de Deus. A
graça é o coração da mensagem, e a pregação expositiva é a exploração profunda dessa graça.
Valdeci do Santos ao fazer considerações sobre a graça nos diz:
Graça não é uma entidade independente, com conteúdo próprio, separada do
seu Autor. Ela não é uma substância, uma mera força impessoal ou estática.
Ela também não é um princípio mecânico, um instrumento isolado, nem uma
benção independente. Graça é um dom de Deus, ela é um atributo divino, pois
Deus é gracioso. A graça só pode ser experimentada em comunhão e continua
dependência daquele que é a fonte da qual ela emana. A graça caracteriza a
maneira que o Senhor se relaciona com toda a sua criação, pois ela demonstra
o seu favor em relação a tudo o que ele criou [...] não é apenas um favor
imerecido, mas um benefício concedido aqueles que merece real condenação.64

A graça de Deus permeia a história bíblica, conduzindo à plenitude da redenção em


Cristo. A pregação expositiva, guiada pela graça, vê Cristo como o cumprimento de todas as
promessas divinas. Assim, a graça de Deus não é meramente um tópico da pregação reformada,
mas o próprio núcleo da mensagem. Ela é a força que tece a pregação, unindo Antigo e Novo
Testamento, conectando histórias individuais à narrativa divina e ressaltando a necessidade de

62 CHAPELL, Bryan. O Sermão Cristocêntrico – Modelos para a pregação Redentiva. São Paulo: Cultura Cristã,
2017, p. 13.
63 CHAPELL, 2007, p. 294
64 SANTOS, Valdeci da Silva. O triunfo da graça na vida prática. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 17.
34

redenção. A pregação reformada, impulsionada pela graça, convida os ouvintes a uma jornada
transformadora de descoberta e entrega à obra redentora de Deus.
A graça é o coração pulsante da pregação Cristocêntrica. Através da graça, a pregação
se torna mais do que palavras proclamadas; é uma manifestação viva do amor de Deus por meio
de Jesus Cristo. A graça conduz os corações incultos a olhar para Cristo, a entendê-lo como
redentor. Chester nos diz:
Sendo assim, a pregação busca cativar os sentimentos do nosso coração para
Cristo, a fim de que nossa confiança esteja fundamentada nele, e que o nosso
anseio seja conhecer a Cristo e vê-lo glorificado. (...) a função do pregador é
apontar o caminho para esse tesouro, para que as pessoas deem tudo quanto
possuem para tomar posse dele.65

Lawson contribui para este pensamento quando diz:

A elevada visão que Calvino possuía acerca da pregação era sustentada por
uma visão elevada de Deus, uma visão elevada das Escrituras, e um visão
correta do homem. (...) Nas palavras de Calvino, a pregação é “a viva voz” de
Deus” em sua igreja. Seu raciocínio era o seguinte: “Deus cria e multiplica sua
igreja somente por meio de sua Palavra... É só pela pregação da Graça de Deus
que a igreja escapa de perecer.

Richard Baxter dizia que “é de doer o coração, ver pecadores, mortos e entorpecidos,
assentados para receber uma mensagem de vida, e não ouvirem do pastor nenhuma palavra que
os desperte”66. Por mais agradável, alegre e prazeroso que seja o culto, se não houver pregação
genuína da Palavra de Deus para transformação de vida, completamente por meio da graça, tal
culto é inútil. A Confissão de Fé de Westminster declara que “O arrependimento para a vida é
uma graça evangélica, doutrina esta que deve ser pregada por todo ministro do Evangelho, tanto
quanto a da fé em Cristo”67.

Infelizmente, pessoas têm ido para algumas igrejas em busca de Deus, mas ao invés
disso, têm encontrado muito do homem. O pregador precisa estar cheio da verdade de Deus,
cheio da graça de Deus; se a mensagem tem um pequeno custo para o pregador, também terá
um pequeno valor para a congregação68. A autêntica exposição bíblica, que também é
teologicamente embasada, não é uma tarefa simples. A disciplina rigorosa exigida para
interpretar as Escrituras de maneira precisa é um fardo constante, e a mensagem que somos
chamados a proclamar frequentemente pode ser desconfortável. Por essa razão, muitos

65 CHESTER, Tim e HONEYSETT, Marcus. Pregação Centrada no Evangelho. São Paulo: Cultura Cristã, 2017,
p. 15-16.
66 BAXTER, Richard. Manual Pastoral de Discipulado. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 126.
67 A Confissão de Fé de Westminster. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 118.
68 LOPES, 2008, p. 77.
35

escolhem não confrontar os ouvintes com a Palavra de Deus, optando por pregar em suas igrejas
mensagens que acariciam o ego humano, mas que, em última instância, trazem palavras de
morte.

Da mesma maneira, existem também indivíduos que se autodenominam pastores,


bispos e missionários, mas, em vez de alimentar o povo com a verdade das Escrituras, estão
apenas oferecendo ilusões. Eles não pregam o que é correto, mas sim o que é conveniente,
resultando na gradual transformação do local de culto em um mercado, e os crentes se tornam
consumidores que, atraídos por discursos enganosos, acabam se tornando vítimas de falsos
profetas que comercializam a graça de Deus por dinheiro. Sobre esse desvio frequente da
verdade de Deus nos púlpitos de algumas igrejas contemporâneas, Hernandes declara o
seguinte:
A Igreja atual está também substituindo o pão do céu por outro alimento. Está
pregando o que o povo quer ouvir e não o que o povo precisa ouvir. Prega para
agradar e não para alimentar. Dá palha em vez de trigo ao povo (Jr 23.28).
Prega sobre saúde e prosperidade e não sobre a cruz de Cristo. Prega os direitos
do homem e não a soberania de Deus. Prega sobre o que Deus pode fazer para
o homem e não sobre o que Deus requer do homem. Prega sobre acumular
tesouros na terra e não acerca e um lar no céu. Prega sobre libertação e não
sobre arrependimento e conversão. Prega outro evangelho e não o evangelho
da graça. Prega o antropocentrismo e não o teocentrismo. Não ensina que o
fim principal do homem é glorificar a Deus, mas que o fim principal de Deus
é agradar e exaltar o homem.69 (LOPES, 2004, p. 21).

A genuína exposição das Escrituras resulta em uma adoração que se concentra em


Deus e não nas preferências de uma plateia. A verdadeira exposição centra nas Escrituras se
vale da graça salvadora de nosso Senhor. A verdadeira exposição bíblica é amalgamada pela
graça irresistível.

II.3 A Dependência é a Forma.

Antes de prosseguirmos se faz necessário esclarecer que a dependência aqui aferida


é a dependência do Espírito Santo de Deus. Ao falarmos de pregação expositiva, pode ocorrer
um pensamento que não coaduna com a verdade, que é, o sermão é frio e desprovido de
espiritualidade. Entretanto um pregador expositivo que visa a glória de Deus, que prega de
forma Cristocêntrica, se não estiver na dependência do Espírito Santo de Deus, será como o
sino que ressoa ou como o prato que retine. (1Corintios 13.1)

69 LOPES, Hernandes Dias. Fome de Deus. São Paulo: Hagnos, 2004, p. 21.
36

É o Espírito Santo que convence as pessoas do pecado, da justiça e do juízo (João


16.7-11). Quando pregamos sob sua orientação, a mensagem com foco em Cristo, chega da
Graça atinge os corações e levar as pessoas a uma resposta genuína ao evangelho.
Um sermão expositivo que visa ser fiel, deve incontestavelmente confiar na
Soberania de Deus. Reconhecer a necessidade da orientação do Espírito Santo em nossa
pregação nos lembra de que a conversão e o crescimento espiritual são obras de Deus, e não
meramente resultados de esforços humanos.
Hernandes nos diz que “uma das áreas mais importantes da pregação é a vida do
pregador”70, pois quando se pensa em pregador, não se pode desejar apenas a erudição ou
eloquência, porém não deixemos de lado a vida. Hernandes citando E.M. Bounds clareia a ideia
de vida piedosa:
Nós enfatizamos a eloquência, em vez da piedade, a retorica, em vez da
revelação, a fama e o desempenho, em vez da santidade. O resultado é que nós
perdemos a verdadeira ideia do que seja pregação. Nós perdemos a pregação
poderosa e a pungente convicção de pecado... com isso não estamos dizendo
que os pregadores estão estudando muito. Alguns dele não estudam. Outros
não estudam o suficiente. Muitos não estudam a ponto de se apresentarem
como obreiros aprovados do que não tem do que se envergonhar (2Tm 2.15).
Mas nossa grande falta não é em relação à cultura da cabeça, mas `a cultura do
coração. Não é falta de conhecimento, mas falta de santidade. Não é conhecer
muito, mas não meditar o suficiente sobre Deus e sua palavra. Não vigiamos,
jejuamos e oramos o suficiente.71

Ao olharmos para as Sagradas Escrituras nos apercebemos que o livro de Atos dos
Apóstolos relata a ação do Espírito Santo na vida dos Apóstolos e na propagação do evangelho.
Em Atos 16:6-9, por exemplo, Paulo é impedido pelo Espírito Santo de seguir em uma
determinada direção, e depois é conduzido pelo Espírito até a Macedônia.
6E, percorrendo a região frígio-gálata, tendo sido impedidos pelo Espírito
Santo de pregar a palavra na Ásia, 7 defrontando Mísia, tentavam ir para
Bitínia, mas o Espírito de Jesus não o permitiu 8 E, tendo contornado Mísia,
desceram a Trôade. 9 À noite, sobreveio a Paulo uma visão na qual um varão
macedônio estava em pé e lhe rogava, dizendo: Passa à Macedônia e ajuda-nos.

Em Atos 4:31, os discípulos são cheios do Espírito Santo e anunciavam


corajosamente a palavra de Deus. “Tendo eles orado, tremeu o lugar onde estavam reunidos;
todos ficaram cheios do Espírito Santo e, com intrepidez, anunciavam a palavra de Deus.”
Augustus Nicodemos falando sobre João Calvino e o ensino sobre o Espírito Santos
diz que o Espírito fala pelas Escrituras, e não que estivesse restrito apenas à pregação da Palavra
e aos sacramentos:

70 LOPES, Hernandes Dias. De Pastor a Pastor: Princípios para ser pastor segundo o coração de Deus. São Paulo:
Hagnos, 2008, p. 66.
71 Ibidem, p. 67.
37

O ponto central de Calvino era que o Espírito fala pelas Escrituras. Não que o
Espírito estivesse restrito à Pregação da Palavra e aos sacramentos, mas sim
que Ele não pode ser dissociado de ambos. O Espírito havia sido dado à Igreja,
não para trazer novas revelações, mas para nos instruir nas palavras de Cristo
e dos profetas. De acordo com Calvino, o Espírito sela nossas mentes quando
ouvimos e recebemos com fé a palavra da verdade, o Evangelho da salvação
(Ef 1.13). Ele limita-se a guiar os crentes e a iluminar seus entendimentos
naquilo que ouviu e recebeu do Pai e do Filho, e não de Si mesmo (Jo 16.13).
Como o ensino divino se encontra nas Escrituras, a obra do Espírito consiste
em iluminá-las, fazendo com que esse ensino seja entendido pelos fiéis.72

Viver na dependência do Espírito Santo faz toda diferença no que devemos


apresentar todas as vezes que estivermos a frente de uma exposição, o Espírito testifica e nos
conduz a Cristo, a um sermão Cristocêntrico.
Steven Lawson aponta para uma crença resoluta de Calvino sobre a pregação
expositiva e sua dependência do Espírito Santos, vejamos:
Quando a Palavra é pregada, o próprio Deus está de fato, presente. Ele
acreditava que através da exposição da Palavra escrita de Deus, acontece uma
manifestação única da sua presença em poder sobrenatural. “Onde quer que
seja pregado o evangelho” declarou Calvino, “é como se o próprio Deus viesse
para o meio de nós” e acrescentou: É certo que se vamos a igreja, não
ouviremos apenas um homem mortal falando, mas sentiremos que Deus (por
meio de seu poder secreto) está falando à nossa alma; sentiremos que Ele é
professor. Ele nos toca de tal forma, que a voz humana entra em nós e nos
favorece de modo que somos revigorados e alimentados por ela. Deus nos
chama para si como se estivesse falando-nos por sua própria boca e
pudéssemos vê-lo ali. Em pessoa.73

Desta forma a operosidade do Espírito nos gerando dependência e assim a eficácia


tanto da preparação quanto da exposição do sermão. Lawson ainda usando do pensamento de
Calvino nos instrui:
O Espírito Santo, disse Calvino, está trabalhando ativamente na pregação da
Palavra, e este poderoso ministério do Espírito era indispensável para o
ministério expositivo de Calvino. Ele afirmava que durante a proclamação
pública, “quando o pregador realiza sua incumbência com fidelidade, falando
apenas o que Deus coloca em sua boca, o poder do Espírito Santo, o qual o
pregador possui dentro de si, une-se à sua voz externa.74

Em suma um expositor das Escrituras deve ter dependência do Espírito Santo de


Deus, se é que este almeja ser fiel. John MacArthur em seu livro Pastor como Pregador, dedica
um capítulo a pregar sobre o poder do Espírito Santo. E nos diz: “O que o pregador deve assumir
é confiar no poder do Espírito, e não em algum método ou técnica humana”75. É forte a

72 LOPES, Augustus Nicodemos, O Teólogo do Espírito Santo: Um Estudo sobre o Ensino de Calvino sobre a
Palavra e o Espírito. Disponível em: <https://thirdmill.org/portuguese/6164~9_19_01_11-11-
33_AM~O_Teólogo_do_Espírito_Santo.html>. Acesso em 05 set. 2023.
73 LAWSON, 2012, p. 36-37.
74 Ibidem, p. 37.
75 MACARTHUR, John. O Pastor como Pregador. Eusébio: Editora Peregrinos, 2016, p. 158.
38

tendencia do pregador assumir o papel do Espírito Santo usando de retórica ou de alguma


técnica que prenda ou leve o auditório a navegar em suas ideias e em sua linha de pensamento.
MacArthur ainda assevera:
Precisamos examinar nossos corações e nos perguntar, “Em que métodos ou
técnicas humanas estamos sendo tentados a confiar? Segundo nosso
entendimento, o que realmente persuade as pessoas quando pregamos?” Talvez
nossa confiança esteja no estilo ou na oratória. Talvez, pensamos, se
empregássemos um pouco mais de energia, se alterássemos o volume da voz,
empapássemos lenços de suor, empregássemos frases de efeito, e
encerrássemos a liturgia com uma história emocionante, persuadiríamos as
pessoas.76

Outro sim, há os que pensam que falar no poder do Espírito Santo ou depender
exclusivamente do mesmo, é a fala mansa no tom de sobriedade inferindo seriedade. Neste tom
MacArthur colabora de igual forma. Vejamos:
Há também os que pensam que a melhor abordagem seria uma fala quieta,
marcada por uma intensa sinceridade. O objetivo seria fazer o sermão soar
como uma conversa. Embora nosso estilo de comunicação deva ser uma
expressão natural de quem somos, não podemos pensar, por um momento
sequer, que nisto reside o poder de nossa pregação77.

E ainda uma outra linha surge no cenário das pregações:


Outros há que são tentados a confiarem nos recursos visuais, na dramatização,
na iluminação adequada, ou qualquer outra abordagem visual experimental.
Há uma ênfase exagerada em criar a atmosfera ideal. Se nossa confiança em
persuadir as pessoas estiver em qualquer outra coisa que não seja o poder do
Espírito, jamais conheceremos esse poder em nossa pregação78.

Neste ponto podemos concluir que não são horas de estudo, técnicas, ou qualquer
método humano que tornam a exposição eficaz, e sim o poder do Espírito Santo. Como diria D.
Martyn Lloyd-Jones, “Podemos nos tornar facialmente profissionais do púlpito, em vez de
pregadores”79. Cabe aos expositores serem fidedignos a Palavra com total dependência do
Espírito.

CONCLUSÃO

Após uma análise deste tema de suma importância, chegamos a algumas conclusões
que destacam o papel e a relevância da pregação expositiva como caminho para pregação

76 Ibidem, p. 159.
77 Ibidem, p.159-160.
78 Ibidem, p.160.
79 MACARTHUR, apud D. Martyn Lloyd-Jones, 2016, p. 160.
39

exposição fiel na igreja contemporânea. Não pode haver dúvida quanto à supremacia das
Escrituras, à prioridade da exposição da Palavra de Deus e à vitalidade de uma igreja saudável.
Concluímos, portanto, que a fiel exposição da Palavra de Deus é um catalisador para o
crescimento saudável da igreja, fundamentado em um compromisso inabalável com a
supremacia das Escrituras. A suficiência das Santas Escrituras é o alicerce que sustenta e
fortalece a pregação expositiva.
A exposição da Palavra de Deus emerge como a maior necessidade na
contemporaneidade da igreja. O principal encargo de um pastor não deve ser o acúmulo de
números em relatórios diários, mas sim o nutrimento do rebanho por meio de uma pregação
fundamentada na Bíblia. Um rebanho mal alimentado se torna presa fácil nas mãos dos astutos.
O objetivo fundamental da pregação é agradar a Deus. Haddon Robinson em seu livro a Arte e
o Ofício da Pregação Bíblica diz que “é uma convicção central da fé que Deus é soberano e que
todas as coisas precisam ser feitas para agradá-lo”80.
Ademais, torna-se evidente que o método expositivo de pregação da Palavra de Deus é
de extrema relevância para a vida cotidiana da igreja, para uma igreja cada dia mais voltada a
Cristo. Isso se justifica pelo fato de que heresias, secularismo e ideologias malignas
continuamente ameaçam o povo de Deus. Um compromisso profundo com a Palavra de Deus
prepara o rebanho para resistir a esses ataques.
A fiel exposição das Escrituras Sagradas é crucial para a igreja contemporânea, visto
que no passado, o equilíbrio, a pureza e o crescimento do rebanho de Cristo foram mantidos
por meio desse estilo de pregação. Na era apostólica, notáveis líderes adotaram o método
expositivo de pregação das Escrituras. Durante a Reforma Protestante, irmãos notáveis tais com
João Calvino restauraram a centralidade da Bíblia (Sola Scriptura). Os puritanos, conhecidos
por sua devoção e intelectualidade, foram fiéis expositores da Palavra de Deus. Atualmente,
alguns pastores amplamente reconhecidos continuam sendo expositores fiéis das Escrituras,
demonstrando que esse estilo de pregação é uma herança bíblica, não uma inovação para atrair
multidões.
Além disso, é importante destacar que o verdadeiro crescimento da igreja é um ato de
Deus (Atos 2.47; 1 Coríntios 3.6), porém, a exposição da Palavra de Deus desempenha um papel
indispensável no crescimento saudável do corpo de Cristo. Deus salva os pecadores através da
loucura da pregação (1 Coríntios 1.21). A edificação da igreja e a salvação dos perdidos
ocorrem por meio da fiel exposição das Santas Escrituras.

80 ROBINSON, Haddon. A Arte e o ofício da pregação bíblica. São Paulo: Shedd Publicações, 2009, p. 37
40

Ao revisitar a história da igreja, fica claro que Deus sempre chamou seu povo ao
arrependimento por meio da exposição fiel da Palavra. Portanto, na igreja contemporânea, não
podemos esperar nada diferente.
Outro aspecto relevante é que, nos tempos atuais, a pregação expositiva perdeu espaço
para um estilo de pregação que enfatiza apenas o que Deus pode fazer pelo homem,
negligenciando o que Deus requer do homem. A verdadeira pregação expositiva não pode ser
centrada no homem, como frequentemente vemos, mas deve ser centrada em Cristo. Ela precisa
proclamar e defender a doutrina de que o propósito primordial do ser humano é glorificar a
Deus e desfrutá-lo eternamente, e não o contrário.
É lamentável constatar o reduzido número de pregadores comprometidos com a
exposição bíblica nos dias de hoje. No entanto, com a graça de Deus, essa realidade está
mudando. Embora a pregação expositiva exija esforço árduo, interpretação correta das
Escrituras e uma vida espiritual disciplinada, a igreja de Deus pode ser ricamente abençoada e
transformada por meio desses esforços. Portanto, em vista de que a fiel exposição da Palavra
de Deus é essencial para o crescimento saudável da igreja, podemos afirmar com confiança
que, tanto no Brasil quanto em todo o mundo, o que mais necessitamos são mensageiros
corajosos que proclamem fielmente todo o desígnio de Deus, em vez de serem meros
propagadores de um evangelho distorcido que priva o povo da verdade essencial. Como nos
lembra a Escritura: “Prega a palavra, insiste a tempo e fora de tempo, repreende, corrige, exorta,
com toda a longanimidade e doutrina” (2 Timóteo 4.2).
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