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CENTRO PRESBITERIANO DE PÓS-GRADUAÇÃO

ANDREW JUMPER

Daniel Leite Simoncelos

UMA ANÁLISE DA ESTRUTURA LITERÁRIA DO EVANGELHO DE


MARCOS COMO BASE PARA A PREGAÇÃO EXPOSITIVA DE CADA
PERÍCOPE: DA ESTRUTURA PARA O SERMÃO

São Paulo
2022
CENTRO PRESBITERIANO DE PÓS-GRADUAÇÃO
ANDREW JUMPER

Daniel Leite Simoncelos

UMA ANÁLISE DA ESTRUTURA LITERÁRIA DO EVANGELHO DE


MARCOS COMO BASE PARA A PREGAÇÃO EXPOSITIVA DE CADA
PERÍCOPE: DA ESTRUTURA PARA O SERMÃO

Dissertação apresentada ao Centro


Presbiteriano de Pós-graduação Andrew
Jumper – CPAJ, como requisito parcial
para obtenção do diploma de Sacrae
Theologiae Magiste (STM), na linha de
pesquisa de Estudos Pastorais em
Pregação.
Orientador: Professor Dr. Dario de
Araújo Cardoso

São Paulo
2022
Elaborado pelo Sistema de Geração Automática de Ficha Catalográfica da Mackenzie
com os dados fornecidos pelo(a) autor(a)
S594a Simoncelos, Daniel Leite.
Uma análise da estrutura literária do evangelho de Marcos como
base para a pregação expositiva de cada pericote : [recurso eletrônico]
da estrutura para o sermão / Daniel Leite Simoncelos.
1390 KB ;
Dissertação (Sacrae Theologiae Magister - Estudos Pastorais) -
Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2023.
Orientador(a): Prof(a). Dr(a). Dario de Araújo Cardoso. Referências
Bibliográficas: f. 136-149.
1. Evangelho De Marcos. 2. Contexto Literário. 3. Inclusio. 4.
Quiasmo. 5. Pregação Expositiva.. I. Cardoso, Dario de Araújo,
orientador(a). II. Título.

Bibliotecário(a) Responsável: Eliezer Lírio Dos Santos - CRB 8/6779


Daniel Leite Simoncelos

UMA ANÁLISE DA ESTRUTURA LITERÁRIA DO EVANGELHO DE


MARCOS COMO BASE PARA A PREGAÇÃO EXPOSITIVA DE CADA
PERÍCOPE: DA ESTRUTURA PARA O SERMÃO

Dissertação apresentada ao Centro


Presbiteriano de Pós-graduação Andrew
Jumper – CPAJ, como requisito parcial
para obtenção do diploma de Sacrae
Theologiae Magister (STM), na linha de
pesquisa de Estudos Pastorais em
Pregação.
Orientador: Professor Dr. Dario de
Araújo Cardoso

Aprovada em 21 de dezembro de 2022.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________
Prof. Dr. Dario de Araújo Cardoso

_____________________________________
Prof. Dr. João Paulo Thomaz de Aquino

_____________________________________
Prof. Dr. Tarcízio José de Freitas Carvalho
Folha de Identificação da Agência de Financiamento

Autor: Daniel Leite Simoncelos

Programa: STM – EP

Título do Trabalho: UMA ANÁLISE DA ESTRUTURA LITERÁRIA DO


EVANGELHO DE MARCOS COMO BASE PARA A PREGAÇÃO
EXPOSITIVA DE CADA PERÍCOPE: DA ESTRUTURA PARA O SERMÃO

O presente trabalho foi realizado com o apoio de:

☒ Instituto Presbiteriano Mackenzie / Isenção Integral das Mensalidades


☐ Instituto Presbiteriano Mackenzie / Isenção Parcial das Mensalidades
À minha esposa, Marina e
meus filhos Davi e Sarah.
AGRADECIMENTOS

A Deus Pai, Jesus Cristo, o Filho de Deus e ao Espírito Santo.

À minha esposa, Marina, e meus filhos, Davi e Sarah, por todo apoio e serem motivo
de alegria em cada momento de minha vida.

Aos meus pais, José Simoncelos e Maria Aparecida Leite Simoncelos, por terem me
dado todo suporte necessário para minha formação.

Ao Prof. Dr. Dario de Araújo Cardoso, pela instrução, orientação e apoio durante todo
o tempo, por ser uma referência no conhecimento e estudos, e por envidar todos os
esforços necessários para a conclusão deste trabalho.

Aos membros da banca examinadora Prof. Dr. João Paulo Thomaz de Aquino e Prof.
Dr. Tarcízio José de Freitas Carvalho pelas preciosas contribuições dadas para o
aperfeiçoamento dessa pesquisa.

Ao Centro de Pós-Graduação Andrew Jumper pela bolsa de estudos, pelo ambiente


fraterno e acadêmico, aos professores do CPAJ que em todo tempo estão dispostos a
ensinar, apoiar e encorajar os alunos.

Ao Conselho da Primeira Igreja Presbiteriana de Vitória que, nos apoiou e encorajou


de diversas maneiras em todo tempo do curso.

Ao Rev. Jailto Lima do Nascimento pelo pastoreio de nossa família e encorajamento


durante todo o percurso para a finalização desse trabalho.
“κατὰ Μᾶρκον. Ἀρχὴ τοῦ εὐαγγελίου
Ἰησοῦ Χριστοῦ Υἱοῦ Θεοῦ”.
RESUMO

O presente trabalho aborda a interpretação da estrutura evangelho de Marcos como


base para a pregação expositiva. Considera os princípios hermenêuticos para o gênero
de narrativas e ferramentas hermenêuticas para interpretação do texto levando em
conta os quiasmos, paralelismos e inclusios presentes no evangelho, e a intenção do
autor ao estruturar o texto dessa maneira. Este trabalho aborda ainda como podemos
pregar uma perícope levando em conta a sua estrutura literária. Por fim, são
apresentados quatro sermões como exemplo de uma pregação que parte da estrutura
para a pregação expositiva.

Palavras-chave: Evangelho de Marcos; Estrutura; Contexto Literário; Inclusio;


Quiasmo; Pregação Expositiva.
ABSTRACT

The present work approaches the interpretation of the Gospel of Mark’s structure as a
basis for expository preaching. This work also regards the hermeneutical principles
for the genre of narratives and hermeneutic tools for interpreting the text considering
the chiasms, parallelisms and intercalations that is in the gospel and the author's
intention in structuring the text in this way. This work also addresses how we can
preach a pericope regarding its literary structure. Finally, four sermons are presented
as an example of a preaching that starts from the structure to an expository preaching.

Keywords: Gospel of Mark; Structure; Literary Context; Intercalation; Chiasmus;


Expository Preaching.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10

1. FUNDAMENTOS E FERRAMENTAS PARA A INTERPRETAÇÃO DE


NARRATIVAS .................................................................................................................. 25

1.1 CLASSIFICAÇÃO HERMENÊUTICA DO EVANGELHO DE MARCOS ...... 25


1.2 OS PRINCÍPIOS HERMENÊUTICOS INDICADOS PARA A
INTERPRETAÇÃO DO GÊNERO DE NARRATIVAS...................................... 28
1.3 FERRAMENTAS HERMENÊUTICAS DO GÊNERO DE NARRATIVAS ...... 31
1.3.1 O Narrador .......................................................................................................... 31
1.3.2 Enredo ................................................................................................................. 35
1.3.3 Estrutura Literária ............................................................................................... 40
1.3.3.1 Emprego da Repetição ..................................................................................... 41
1.3.3.2 Estrutura em Quadros ..................................................................................... 41
1.3.3.3 Estrutura Concêntrica (Quiasmo) ................................................................... 42
1.3.3.4 Inclusio............................................................................................................. 42
1.3.3.5 Eco ................................................................................................................... 44
1.3.3.6 Padrões de Macroestrutura ............................................................................. 45

1.4 O SENTIDO DO TEXTO...................................................................................... 45


1.4.1 O Sentido Implícito ............................................................................................. 45
1.4.2 Ações Parabólicas ............................................................................................... 45
1.4.3 Pragmática........................................................................................................... 47

1.5 CATEGORIAS DE ABORDAGEM INTERPRETATIVA .................................. 50

2. ANÁLISE ESTRUTURAL DO EVANGELHO DE MARCOS ........................ 53


2.1 A IMPORTÂNCIA DE UMA ANÁLISE ESTRUTURAL .................................. 53
2.2 ELEMENTOS ESTRUTURAIS NO EVANGELHO DE MARCOS ................... 54
2.3 PARALELISMOS, QUIASMOS, ECOS E INCLUSIOS EM MARCOS ............ 55
2.4 CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS DO EVANGELHO DE MARCOS .... 102

3. CONTRIBUIÇÕES DA ANÁLISE ESTRUTURAL PARA A PREGAÇÃO


NO EVANGELHO DE MARCOS ......................................................................... 104
3.1 DA ESTRUTURA PARA O SERMÃO .............................................................. 104
3.2 ÊNFASES POR MEIO DAS ESTRUTURAS .................................................... 105

3.3 EXEMPLOS DE SERMÕES EM ESTRUTURAS DE PARALELISMOS,


QUIASMOS E INCLUSIOS NO EVANGELHO DE MARCOS ............................ 110

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 133

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................... 136


10

INTRODUÇÃO
A pregação expositiva tem sido um tema amplamente estudado no meio
reformado e a hermenêutica é um assunto que frequentemente vem à tona. Pregadores
levam em conta as ferramentas homiléticas para a construção do sermão, porém,
algumas ferramentas hermenêuticas como o contexto literário do livro, bem como o
gênero literário de narrativas por vezes é ignorado, levando à uma compreensão
parcial ou mesmo incorreta da perícope.
A presente pesquisa utilizará os pressupostos do método histórico-gramatical e
teológico, assim como adotará uma análise narrativa para a interpretação do texto
bíblico. Além disso, não abordaremos cada perícope do evangelho de Marcos, mas
nos ateremos apenas à estrutura do evangelho considerando o contexto literário do
livro. Desta forma, a presente pesquisa terá o título: Uma análise da estrutura literária
do evangelho de Marcos como base para a pregação expositiva de cada perícope.
O objetivo geral da pesquisa é demonstrar como uma compreensão da
estrutura literária de Marcos é essencial para a compreensão da intenção do autor em
abordar cada tema, na sequência exposta, levando a aplicações válidas em um sermão
expositivo.
Com o intuito de atingir o objetivo geral são propostos os seguintes objetivos
específicos, que servirão de fundamento para a hipótese desta pesquisa.
Primeiramente, demonstrar-se-á que o autor sempre tem uma intenção em sua
narrativa que é explicitada também através do uso de recursos estruturais tais como
quiasmos, inclusios, ações parabólicas, paralelismos, etc. Em seguida, mostrar-se-á
como a compreensão da estrutura do evangelho de Marcos afeta a interpretação de
textos particulares em algumas perícopes. Por fim, demonstrar-se-á a interpretação e o
sermão em textos particulares levando em conta a hipótese apresentada.
A questão principal a ser desenvolvida diz respeito à importância da estrutura
literária na interpretação do evangelho e seu impacto para a pregação expositiva. Para
respondê-la, as seguintes questões são propostas:
1. Quais ferramentas devem ser usadas para interpretar adequadamente o
gênero de evangelhos?
2. Como a estrutura literária de Marcos afeta a interpretação do texto e na
aplicação do mesmo?
3. Como pregar expositivamente levando em conta a estrutura literária do
texto?
11

Em resposta a essas questões, a presente pesquisa tem como hipótese que


somente considerando a estrutura literária do evangelho de Marcos, percebendo como
o autor organizou a narrativa, qual propósito tem e o porquê narrou naquela sequência
podemos interpretar adequadamente cada perícope do segundo evangelho. Essa
hipótese decorre das seguintes afirmações a serem demonstradas no decorrer da
pesquisa:
1. O gênero dos evangelhos deve ser interpretado como o gênero de narrativa
levando em conta o ponto de vista do autor, os personagens, a trama, o
ambiente, as cenas, além disso, deve-se compreender o sentido teológico por
trás do texto bíblico.
2. Marcos estrutura o seu evangelho utilizando paralelismos, uma estrutura
simples de repetição usada pelos judeus com o intuito de memorizar o texto
bíblico. Marcos faz isso do início ao fim do evangelho. Temos dezenas de
paralelismos ao longo do evangelho, sendo uma maior que abrange todo o
evangelho (1.1 – todo o evangelho – 15.39), que inicia com o evangelista
chamando Jesus de Filho de Deus, e finaliza com o primeiro homem em todo
o evangelho a reconhecer Jesus como o Filho de Deus, sendo este o centurião
romano no momento da morte de Jesus na cruz. Dentro desta inclusio há
diversos paralelismos, inclusios e quiasmos que serão abordados ao longo
deste trabalho.
3. Não é possível pregar expositivamente sem nenhum prejuízo se não
compreendemos a estrutura do evangelho como um todo. Mesmo que seja
possível compreender parcialmente a perícope, ao perder de vista o ponto de
vista do autor, perde-se de vista o propósito da perícope na construção da
narrativa como um todo. Cada perícope faz parte de uma obra maior e deve ser
compreendida de tal forma. Para preparar um sermão expositivo
necessariamente precisamos compreender o livro como um todo para então
aplicar corretamente na exposição do texto bíblico. Marcos estrutura todo o
livro com o propósito de comunicar de forma indireta sobre quem é Jesus.
Desta forma, abordaremos como entender a estrutura partindo da
hermenêutica para a homilética de maneira adequada levando em conta a
estrutura do evangelho e da perícope.
12

Gundry afirma que evangelho de Marcos é o que possui a estrutura mais


simples.1 Esse evangelho muitas vezes é subestimado e nele não são reconhecidas as
estruturas que são tão complexas quanto dos demais evangelhos. Marcos utiliza de
ações parabólicas, inclusios, paralelos e repetições ao longo de todo o evangelho que,
se ignorados, podem nos fazer perder a noção do todo. Isso não acontece apenas em
Marcos, mas em toda a Escritura.
Quando lemos o livro de Gênesis devemos levar em conta que o autor está
tratando dos começos. Ao interpretar a história relatada a partir de Gênesis 37 e
finalizando em Gênesis 50, é muito possível que o leitor tenha sua atenção voltada
apenas para a história de José e desta maneira perca de vista a intenção do autor, e o
real propósito de Deus em levar José para o Egito. A ênfase está em proteger o povo
de Deus da morte, o povo de onde virá o Messias, o salvador do mundo. A história
gira em torno de José, mas sempre temos a figura de Judá sendo trazida à tona. O
narrador sempre tem um propósito quando faz uma narrativa. Ele destaca os
personagens que quer. Em Gênesis 37.2 temos a narrativa da história de Jacó. Ou seja,
o relato de Gênesis 37-50 não se trata de um foco em José, mas a história do povo de
Deus (Jacó). Assim há uma ênfase especial do autor em três dos filhos de Jacó: José,
Judá e Rúben. Rúben após se deitar com a mulher de seu pai (Gn 35.22) perde a sua
voz e deixa de ser ouvido tanto por seu pai como por seus irmãos, posteriormente, na
bênção de Jacó vemos que ele perdeu a sua primogenitura também. Judá, depois do
seu nascimento, aparece pela primeira vez em Gênesis 37.26: “Disse Judá a seus
irmãos: De que nos aproveita matar nosso irmão e esconder-lhe o sangue. Vinde,
vendamo-lo aos ismaelitas”. Judá é o líder entre os irmãos. Eles não ouvem a Rúben,
o primogênito, mas a Judá. Ele é quem dá a ideia de mostrar a túnica com sangue a
Jacó. O texto não diz isso explicitamente, mas Moisés vincula Judá a isso no Cap. 38.
A mesma palavra hebraica é usada para quando a túnica chega para Jacó e quando
Tamar mostra o cajado a Judá. “Reconhece isso?”. Alguns estudiosos dizem que
Gênesis 38 é uma interpolação (como uma inserção de texto onde não deveria estar).
Porém Moisés, o autor, tem um propósito nisso. Ele tem um propósito em contar a
história de Judá. Em primeiro lugar temos uma traição. Judá agora leva consigo o fato
de ter vendido seu próprio irmão por 20 moedas de prata. E no capítulo 38, Judá
reconhece seu pecado após se deitar com Tamar: “mais justa é ela do que eu”, o que

1
GUNDRY, Robert H. Panorama do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2011.
13

mostra uma espécie de transformação neste homem após a perda de dois filhos. No
capítulo 43.8-9: Judá diz a Israel: “Envia o jovem (Benjamin) comigo, e nos
levantaremos e iremos, para que vivamos e não morramos, nem nós, nem tu, nem
nossos filhinhos. Eu serei responsável (arab – fiador, tomar como penhor, incumbir-
se em lugar de alguém, dar em garantia) por ele, da minha mão o requererás, se eu to
não trouxer e não to puser à presença serei culpado para contigo para sempre”. No
capítulo 44, depois do estratagema de José para que o filho mais novo (Benjamim)
ficasse como escravo no Egito, Judá entra em ação. A mesma cena de cerca de mais
de duas décadas antes se repete. O filho favorito agora pode se tornar escravo no
Egito. Mas diferentemente da primeira vez em que Judá é o responsável por isso,
agora, na segunda vez, ele diz: “Porque o teu servo se deu por fiador por este moço
para com meu pai, dizendo: Se eu o não tornar a trazer-te, serei culpado para com o
meu pai todos os dias. Agora, pois, fique teu servo em lugar do moço por servo de
meu senhor, e o moço que suba com seus irmãos” (Gn 44.32-33). Judá realmente
experimentou uma transformação, uma redenção. Na bênção de Jacó, antes de sua
morte, em Gênesis 49.8-12 temos: “Judá teus irmãos te louvarão; a tua mão estará
sobre a cerviz de teus inimigos; os filhos de teu pai se inclinarão (shachar - mesma
palavra de Gênesis 37.7 e 9 – os dois sonhos de José) a ti. Judá é leãozinho; da presa
subiste, filho meu. Encurva-se e deita-se como leão e como leoa, quem o despertará?
O cetro não se arredará de Judá, nem o bastão de entre seus pés, até que venha Siló
(aquele de quem é isto); e a ele obedecerão os povos. Ele amarrará seu jumentinho à
vide e o filho da sua jumenta, à videira mais excelente; lavará as suas vestes no vinho
e sua capa, em sangue de uvas. Os seus olhos serão cintilantes de vinho, e os dentes,
brancos de leite.” De Judá vem o Messias. De Traidor a Redentor e Rei. Do traidor,
Deus suscita o redentor. Se perdermos de vista a trama, os personagens e a estrutura
criada pelo autor, pensaremos que esta história se trata apenas de José, e o autor está
apontando para algo muito maior, a história da redenção.
Semelhantemente, quando lemos o Salmo 119, temos na poesia hebraica um
salmo acróstico onde a cada oito versos o autor inicia cada verso com a mesma letra
do alfabeto hebraico. Os primeiros oito versos iniciam com alef, os próximos oito
versos com bet, e assim até a última letra hebraica tav. Em cada um dos cento e
setenta e seis versos o salmista declara o seu amor pela Palavra de Deus, que é
retratada em um paralelismo sinonímico como mandamentos, lei, decretos, palavra,
preceitos. O autor não apenas quer demonstrar seu amor pela Palavra de Deus, mas de
14

forma implícita, em forma de acróstico ele está demonstrando na estrutura do salmo


que do alef ao tav (da primeira até a última letra, como A a Z em português) ele ama a
Palavra de Deus. Se desconsiderarmos a estrutura do Salmo 119 perderemos isso de
vista.
Da mesma maneira, estudaremos no presente trabalho a estrutura do
Evangelho de Marcos com o intuito de compreender o sentido pragmático do autor
em relação ao texto que ele escreveu.
A presente pesquisa, tendo em vista ter um caráter exegético e teológico, a
metodologia mais apropriada para tal será a abordagem utilizando-se da estrutura
literária do evangelho de Marcos, bem como uma análise narrativa do texto. Quanto
ao método de interpretação do texto, esta será executada de acordo com regras
gramaticais e semânticas comuns à exegese de qualquer texto literário, baseada na
situação do autor e do leitor de seu tempo.2 Hirsch, afirma que só podemos ter o
significado como um todo de um enunciado a partir da intenção verbal do autor.3
Quanto à metodologia exegética, usaremos mais especificamente a análise
literária que leva em conta a estrutura do texto bíblico como um todo. Segundo
Werner
a estruturação dos textos procura, na análise literária, familiarizar-nos
com as disposições externas do seu conteúdo. Ela ainda não
pressupõe um exame acurado desse conteúdo... O estudo da estrutura
dos textos procura responder perguntas como: ... qual o nexo
existente entre as diversas partes do texto? Como se relacionam entre
si? ... Há partes, assuntos ou termos destacados no texto, que o
perpassam como um todo e o “amarram”?4

Dentro das ferramentas da exegese bíblica usaremos a metodologia das estruturas


simétricas, que são quiasmos, estruturas concêntricas e inclusios.
O procedimento a ser executado será uma análise de algumas perícopes do
evangelho de Marcos, verificando repetições, inclusios, quiasmos e estruturas
concêntricas que possam auxiliar na compreensão da intenção do autor para a
interpretação do texto.
A estrutura do Evangelho de Marcos sempre foi alvo de estudos acadêmicos,
que abordaremos a seguir, no intuito de compreender sua teologia e intenção. Dentre

2
MARTÍNEZ, José M. Hermeneutica Biblica. Terrassa (Barcelona): CLIE, 1984, p. 121.
3
HIRSCH JR. E. D. Vality in Interpretation. New Haven: Yale University Press, 1967, p. 220.
4
WERNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento: manual de metodologia. São Paulo: Paulus, 1998, p.
88.
15

os estudos sobre a estrutura de Marcos há aqueles que defendem não haver estrutura
definida, antes afirmam ser o evangelho mais simples, e há estudos mais avançados e
atuais que demonstram uma estrutura bem elaborada e com propósito que leva à uma
compreensão do evangelho como um todo.
Em sua obra sobre a Teologia do Evangelho de Marcos5, Telford aborda as
características literárias e teológicas do evangelho que conferem à narrativa uma
coerência, progressão e unidade. Essa coerência pode ser vista no estilo de Marcos em
suas técnicas literárias e dispositivos retóricos (por exemplo, na demonstração
6
consistente de padrões lineares e concêntricos ou “sanduíche” ) e seu
desenvolvimento narrativo. Telford, defendendo a autoria de Marcos, e combatendo
Bultmann, que não admite ser Marcos o autor do evangelho, e para isso percebe que a
estrutura do evangelho é coerente e somente um único autor poderia estruturar o
evangelho em inclusios e com dispositivos retóricos tão bem elaborados.
Ainda apontando para a estrutura do evangelho, Telford afirma que a extensão de seu
envolvimento literário e teológico pode ser vista de várias maneiras. Pode-se
observar, por exemplo, em seu uso consistente de um narrador onisciente e em
terceira pessoa. Presente em todas as cenas, esse narrador não está limitado pelo
tempo e pelo espaço. Ele é capaz de conhecer e informar o leitor sobre o que seus
personagens pensam e sentem, estabelecendo-os na mente do leitor como personagens
"confiáveis" ou "não confiáveis". Evidenciando um "ponto de vista" definido e
consistente, ele orienta o leitor ao longo do texto e o influencia a aceitar sua própria
posição ideológica. Telford demonstra a unidade de Marcos ainda apontando para
dispositivos literários usados pelo autor do evangelho que seria o uso de inclusios. O
que ele chama de intercalação, o encaixe ou entrelaçamento de uma perícope com
outra em um padrão A - B - A. Em cada caso, afirma ele, o evangelista começa a
contar uma história, interrompe-a inserindo outra e depois retorna à história anterior
para completá-la. Essas intercalações não apenas funcionam de maneira literária (para
criar suspense ou tensão na narrativa), mas também convidam o leitor a tirar uma
lição teológica das passagens interligadas, tratando-as de uma maneira mutuamente
interpretativa. Telford usa como exemplo o texto da figueira que foi amaldiçoada por
Jesus. A ação de Jesus amaldiçoando a figueira (Mc 11.12-14, 20-26), por exemplo,

5
TELFORD, W. R. The Teology of the Gospel of Mark. New York: Cambridge University Press,
1999.
6
Uma inclusio.
16

deve ser vista em conexão com sua ação no templo (Mc 11.15-19), assim como a
figueira não gerava frutos e foi destruída, assim acontecerá com o Templo. Telford
defende que toda vez que Marcos estrutura o texto em “sanduíche”, ele tem um
objetivo teológico. Por fim, Telford aponta para as configurações topográficas e
geográficas de Marcos. A primeira parte do Evangelho se passa na Galiléia e
arredores, a segunda parte em Jerusalém, com a jornada de Jesus da Galiléia para
Jerusalém, formando a ponte ou peça central. Há uma oposição narrativa entre
Galiléia e Jerusalém (Galiléia é onde Jesus é acolhido, Jerusalém onde é rejeitado).
Telford então, diferentemente de vários comentaristas que afirmam ser o evangelho
mais simples, defende que o evangelho de Marcos é um mundo de histórias
artisticamente construído por um contador de histórias imensamente criativo e
poderoso. É uma narrativa integrada na qual todo o seu conteúdo está coerentemente
relacionado a si mesmo e constitui um universo independente e sistemático, com suas
próprias estruturas inerentes de tempo e espaço.
Ronald Hock, em seu artigo “Reading the Beginning of Mark from the
Perspective of Greco-Roman Education”7, faz um estudo nos versículos iniciais de
Marcos com o intuito de comparar a estrutura do evangelho da introdução do
evangelho com o currículo educacional greco-romano mais especificamente com a
narrativa que era ensinada no nível terciário nos progymnasmata 8 , onde temos a
introdução ao estudo da retórica. Desta forma, Hock introduz tratados progymnasmata
de Rufus e Perinthus e comentários de Aphtholonius fornecendo evidências
detalhadas do que os estudantes gregos aprendiam, na teoria e na prática, sobre a
definição e divisão da narrativa, bem como os elementos envolvidos na composição
de uma narrativa. Hock afirma que o tratado de Rufus acrescenta que os estudantes no
ensino grego aprendiam sobre a composição da introdução de um discurso. Além
disso, o tratado de Lucian, “Como Escrever História”, é um documento raro que nos
mostra como um indivíduo treinado em retórica teria realmente lido e avaliado uma
narrativa histórica, e provavelmente prestado atenção especial à introdução. Após
uma análise inicial da progymnasmata, Hock compara com os versículos iniciais de
Marcos demonstrando que a forma da introdução não é meramente uma narrativa,
7
HOCK, R. F. Reading the Beginning of Mark from the Perspective of Greco-Roman Education.
Perspectives in Religious Studies, [s. l.], v. 44, n. 3, p. 291–309, 2017. Disponível em:
<http://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLAiFZK171223003645&lang=
pt-br&site=ehost-live>. Acesso em: 21 nov. 2019.
8
Em grego literalmente significa “exercícios preliminares”, e era um método grego antigo para
introduzir retórica aos jovens estudantes.
17

mas uma narrativa histórica e provavelmente uma biografia, dada a menção imediata
do nome de Jesus, seu pai e sua cidade natal (1.1,9). Além disso, a própria palavra
άρχή (princípio) em 1.1 demonstra o intuito de Marcos em escrever uma narrativa
clara e plausível. A narrativa é clara, que advém da prevalência do caso nominativo,
bem como mantém a sequência histórica e usa palavras comuns. Por fim, Hock afirma
que é possível perceber que em 1.14-15 há uma declaração preliminar que concluiu a
introdução e delineou o que seria o restante da narrativa - uma narrativa biográfica
que chamaria a atenção para os leitores, porque o que se segue seja importante,
necessário, pessoal e útil. Ele finaliza afirmando que os versos iniciais de Marcos
apontam para um autor que havia participado de aulas muito além do estágio primário
e, sem dúvida, aprendido aulas de retórica grega.
Larsen, em seu artigo sobre estudos atuais na Estrutura de Marcos9 examina
propostas recentes e atuais que avançaram no estudo de Marcos. Segundo ele, alguns
estudiosos julgam não haver estrutura alguma no evangelho. Entretanto, outros
defendem que uma rede altamente complexa de seções inter-relacionadas, seja
considerando a topografia/geografia (indo da Galiléia para a Judéia); uma separação
na estrutura por temas teológicos; sitz im leben10 dos destinatários ou mesmo alguns
fatores literários. O artigo de Larsen não define uma resposta em termos de qual a
estrutura de Marcos, pelo contrário, ele afirma que dada a multiplicidade das
propostas para a estrutura de Marcos, hoje estamos mais distantes de uma resposta do
que há algumas décadas. Ele afirma que essa multiplicidade de propostas ocorre por
conta dos princípios distintos usados na hora de interpretar o evangelho, sendo que
alguns consideram fatores externos ao texto para sugerir divisões, e outros olham para
o próprio texto para revelar sua estrutura. Em vez de se limitarem a apenas um
princípio, alguns estudiosos até optaram por uma abordagem verdadeiramente eclética
para chegar a uma estrutura do texto. Por fim ele chega à conclusão que apesar de não
haver consenso no sentido de estabelecer uma estrutura para o evangelho de Marcos,
certamente está claro que o evangelho mais antigo é não uma coleção ingênua e
fortuita de incidentes, mas o resultado de uma longa tradição de pregação e ensino.

9
LARSEN, K. W. The structure of Mark’s gospel: current proposals. Currents in Biblical Research,
[s. l.], v. 3, n. 1, p. 140–160, 2004. Disponível em:
<http://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLA0001517768&lang=pt-
br&site=ehost-live>. Acesso em: 22 nov. 2019.
10
Literalmente sitz em alemão significa “assento” e leben significa “vida”. A ideia foi criada pelo
teólogo alemão Hermann Gunkel e a ideia é de levar em conta o texto dentro de seu contexto original e
interpretado em seu gênero próprio.
18

Van Iersel em seu artigo “Concentric structures in Mark 1:14 – 3:35 (4:1)”11
afirma que o Evangelho de Marcos se originou em uma cultura semiliterária, onde os
textos eram lidos para o público a partir de manuscritos escritos em inscrição
contínua. Desta maneira, com o intuito de tornar o conteúdo mais receptível, é
possível notar que há estruturas concêntricas que consistem na repetição dos
elementos usados anteriormente, que eram facilmente reconhecíveis e têm prioridade
sobre as menos identificáveis. Assim, os receptores podiam gravar em suas mentes o
conteúdo por meio das estruturas concêntricas. Com base nesse critério, Iersel, afirma
que há indicadores tanto de macro-divisões quanto de micro-divisões. Ele cita o
exemplo do discurso da parábola em 4.2-34 como uma macro-divisão considerando-a
como uma seção individual e, assim, se torna o centro da segunda parte principal.
Com a ajuda dos critérios usuais, o texto de 1.14-4:1 é analisado e identificado como
a primeira seção do evangelho. Iersel afirma que esta seção é composta por três
segmentos, cada uma concêntrica em sua estrutura. No centro do segmento
intermediário, 2.18-22, a discussão sobre o jejum e os dois ditos a ele relacionados
são sobre a relação entre o antigo e o novo, revelam o tema de toda a seção.
David Ulansey em seu artigo “The Heavenly Veil Torn: Mark’s Cosmic
Inclusio”12 traz um estudo demonstrando uma inclusio no evangelho de Marcos, entre
1.10 e 15.38, trazendo a interpretação de que o rasgo dos céus e o rasgar o véu do
templo estavam interligados na estrutura de Marcos. Ele defende que ambas as
ocorrências acontecem em momentos cruciais da história no ministério de Jesus: o
início (batismo) e o fim (a morte). Considerando esse posicionamento significativo
nesses dois momentos da vida de Jesus e na estrutura do evangelho, Ulansey sugere
que estamos lidando aqui com uma inclusio simbólica: ou seja, o dispositivo narrativo
comum em textos bíblicos em que um detalhe é repetido no início e no final de uma
unidade narrativa. Para apoiar a unidade literária e dar-lhe uma sensação de
fechamento e integridade estrutural, ele ainda salienta que há um conjunto de
repetições que ocorrem em Marcos, tanto no batismo (1.9-11) quanto na morte de

11
IERSEL, B. M. F. van. Concentric Structures in Mark 1:14-3:35 (4:1): With Some Observations on
Method. Biblical Interpretation, [s. l.], v. 3, n. 1, p. 75–98, 1995. Disponível em:
http://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLA0001025750&lang=pt-
br&site=ehost-live. Acesso em: 27 nov. 2019.
12
ULANSEY, D. The heavenly veil torn: Mark’s cosmic inclusio. Journal of Biblical Literature, [s.
l.], v. 110, n. 1, p. 123–125, 1991. Disponível em:
http://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLA0000837692&lang=pt-
br&site=ehost-live. Acesso em: 27 nov. 2019.
19

Jesus (15.36-39). Além do fato que, nesses dois momentos, algo se rasga, o autor
observa que nos dois momentos, uma voz é ouvida declarando que Jesus é o Filho de
Deus (no batismo é a voz do próprio Deus, enquanto na morte é a voz do centurião);
em ambos os momentos, diz-se que algo desce (no batismo é a pomba do espírito,
enquanto na morte é o véu do templo, que Marcos descreve explicitamente como se
movendo para baixo); além disso, em ambos os momentos, a figura de Elias está
simbolicamente presente (no batismo, Elias está presente na forma de João Batista,
enquanto na morte de Jesus os espectadores pensam que Jesus está chamando por
Elias);por fim, o Espírito (πνεύμα) que desce sobre Jesus em seu batismo é lembrado
em sua morte pelo uso repetido por Marcos do verbo εκπνέω (expirar), um cognato de
πνεύμα (espírito). Desta maneira, a repetição por Marcos desse conjunto de motivos,
tanto no batismo como na morte de Jesus, constitui uma inclusio simbólica que
engloba todo o Evangelho, ligando o início e o fim da carreira terrena de Jesus.
Joanna Dewey em seu artigo “Mark as Aural Narrative: Structures as Clues to
Understanding” 13 , afirma que o reconhecimento das técnicas e características da
composição oral é útil para interpretar porções da narrativa que contém agrupamentos
construídos em sequência concêntrica ou paralela. Também é útil para interpretar o
significado da narrativa como um todo. Dewey ilustrando sobre uma narrativa oral
afirma que a primeira metade da narrativa de Marcos está repleta de relatos de curas,
mas estes se tornam mais raros depois de 8.26 e cessam após 10.52. Ela afirma que há
uma mudança no tom da narrativa das curas para a perseguição. A perseguição fica
em primeiro plano à medida que a narrativa continua com a repetição das previsões da
paixão em 8.27-10:45 e a narrativa efetiva da paixão e do fracasso dos discípulos em
Marcos 15.16. Mas, segundo Dewey, as narrativas orais/auditivas são aditivas e
agregativas, o sofrimento não substitui as curas e milagres, mas é adicionado a eles. A
lógica auditiva do evangelho enfatiza tanto milagres (na primeira metade) quanto
perseguição. Segundo a narrativa, os discípulos devem orar e esperar milagres, mas
também devem esperar perseguição. Ambos fazem parte de seguir Jesus no caminho
do discipulado; não é um ou outro. Dewey ainda afirma que ao avaliar a narrativa
oral, precisamos levar em consideração o processo sequencial de identificação com os
personagens que ocorrem na audição da performance auditiva. A narrativa oral antiga

13
DEWEY, J. Mark as aural narrative: structures as clues to understanding. Sewanee Theological
Review, [s. l.], v. 36, n. 1, p. 45–56, 1992. Disponível em:
http://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLA0000859563&lang=pt-
br&site=ehost-live. Acesso em: 29 nov. 2019.
20

permite perspectivas diferentes, mesmo com um narrador onisciente, devido à


identificação sequencial dos ouvintes com os diferentes personagens, conforme eles
são retratados na performance. A identificação ocorre sucessivamente - ou seja, os
ouvintes se identificam sucessivamente com cada personagem, alternando assim entre
a identificação com Jesus e com os discípulos.
David Palmer, em sua tese de doutorado “The Markan Matrix (A Literary-
Structural Analysis of the Gospel of Mark)”14 faz uma análise literária-estrutural do
evangelho de Marcos. Na introdução, Palmer aborda o contexto cultural e histórico do
evangelho bem como faz uma análise do texto e do gênero literário do evangelho de
Marcos. O autor faz uma identificação dos sinais da estrutura primária. Nos capítulos
2 a 7, o texto do evangelho é examinado e analisado completamente. Segundo Palmer,
a narrativa do evangelho (1.21-16.8) consiste em vinte e oito dias, representados em
quatro séries de sete “dias”. Cada série representa um estágio na missão de Jesus. O
prólogo parece estabelecer que as boas novas de Marcos são para os judeus (1.1-20),
mas seu epílogo deixa claro que é para o “mundo”, tanto para judeus quanto para
gentios (16.1-8). No capítulo 8 de sua tese, Palmer apresenta a matriz de Marcos em
tabelas e gráficos. A narrativa do evangelho é representada por um quiasmo, A – B -
B' - A' em quatro grandes séries de sete dias. Além disso, Palmer afirma que as séries
exibem as três características composicionais da tragédia grega: problema, ponto de
virada e desfecho. Todas as quatro séries exibem os mesmos três desenvolvimentos
temáticos: judeus e a antiga aliança, judeus / gentios, a nova aliança e gentios. A
apresentação de cada dia demonstra uma conclusão consciente da participação de
Marcos em sua aplicação de seu método determinante de construção. Nos capítulos 2
a 7, seu uso é identificado nos sete níveis inferiores da ordem literária. Nas
apresentações mais detalhadas, os empregos de paralelismo (a, a'), listagens e
quiasmos também são discernidos. Essa análise literário-estrutural do evangelho de
Marcos é informada, desde o início, pelas regras da retórica antiga. O resultado final,
apresentado no capítulo 8 da tese, é que a ideia principal de Marcos e essas
habilidades teológicas, literárias e composicionais são avaliadas adequadamente em
primeira instância apenas em relação a essas regras de retórica.

14
PALMER, David G. The Markan Matrix (a literary-structural analysis of the Gospel of Mark).
1998. 329 f. PhD thesis – Department of Theology, University Of Glasgow, Glasgow, 1998.
Disponível em: < http://theses.gla.ac.uk/1969/>. Acesso em: 21 set. 2019.
21

Edwards em seu comentário sobre Marcos 15 afirma que a narrativa do


evangelho é composta por perícopes como tijolos de uma construção praticamente
sem argamassa editorial entre elas. Detalhes narrativos organizadores – por exemplo,
onde e quando Jesus estava em um dado momento ou quem estava com ele – são
reduzidos a um mínimo, e o resultado dessa estratégia narrativa tem por intuito focar a
atenção totalmente em Jesus. Além disso, Edwards afirma que Marcos usa a técnica
de “sanduíche”. O segundo evangelho interrompe com frequência uma história ou
perícope ao inserir ali uma segunda história aparentemente sem qualquer relação com
a primeira. Ele cita o exemplo de Marcos 5, quando a história de Jairo é interrompida
pela história da mulher com fluxo de sangue, e é retomado com a ressurreição da filha
de Jairo. Edwards afirma haver nove sanduíches ao longo do Evangelho de Marcos
(3.20-35; 4.1-20; 5.21-43; 6.7-30; 11;12-21; 14.1-11; 14.17-31; 14.53-72; 15.40-
16.8). Segundo ele, os sanduíches são convenções literárias com propósitos
teológicos. Cada unidade consiste na sequência A – B - A’, em que o componente B
funciona como uma chave teológica para as metades que o ladeiam.
Além disso, Edwards enfatiza uma segunda característica da narrativa de Marcos que
é a ironia. Ao longo de todo o evangelho Jesus é descrito como aquele que desafia,
confunde e algumas vezes quebra os estereótipos convencionais, quer religiosos,
sociais ou políticos.
Por fim, quanto à estrutura narrativa o autor afirma que o evangelho se divide
naturalmente em duas metades: a primeira diz respeito ao ministério de Jesus na
Galiléia (1.1-8.26); e a segunda, à jornada para Jerusalém e sua paixão ali (8.27-16.8).
Depois da primeira parte com uma introdução (1.1-1.15), há uma série de treze
vinhetas cuidadosamente elaboradas que descrevem Jesus como mestre e aquele que
cura e expulsa demônios em Cafarnaum e suas cercanias (1.16-3.25). O capítulo 4 é
uma reunião seleta de parábolas de Jesus, a maioria sobre sementes em crescimento.
Marcos retoma o ministério de Jesus como pregador ao ar livre e que efetua curas
(4.35-8.26). A segunda metade já não mostra Jesus próximo do mar da Galiléia, mas
no caminho para Jerusalém. No caminho Jesus prediz por três vezes seu sofrimento,
morte e ressurreição (8.31, 9.31, 10.33,34). Edwards ainda afirma que os capítulos 11
a 13 contém uma série de testes e armadilhas no templo e em seus arredores, a
maioria dos quais evidencia a hostilidade do Sinédrio para com Jesus. Os capítulos 14

15
EDWARDS, James R. O Comentário de Marcos. São Paulo: Shedd Publicações, 2018.
22

e 15 enfatizam a paixão. A forma mais antiga do evangelho termina com o relato dos
anjos proclamando a ressurreição (16.1-8), um final secundário posterior inclui várias
aparições do Jesus ressurreto (16.9-20).
Kuruvilla em seu comentário sobre Marcos16 expõe todo o evangelho em vinte
e cinco perícopes assumindo uma unidade integral do texto. Segundo ele, o evangelho
de Marcos é uma narrativa coesa bem elaborada que busca convencer o leitor a seguir
em uma certa direção. Decididamente, não é uma reportagem jornalística neutra ou
desapaixonada, mas o evangelista constrói sua narrativa e os personagens retratando-
os com um propósito específico. Nem tudo o que foi dito ou feito em uma ocasião
específica é descrito e nem tudo o que aconteceu é revelado. A narrativa teológica de
Marcos é determinada através do texto. Essa narrativa teológica que permeia o texto
exige que os intérpretes determinem não apenas o que Marcos está dizendo, mas
também o que ele está fazendo com o que está dizendo (sentido pragmático do texto).
E, na maioria das vezes, o que o autor está fazendo com o que está dizendo é
descoberto a partir do próprio texto. Assim, o discernimento do que Marcos está
fazendo com o que ele está dizendo deve estar diretamente focado nos elementos
concretos do texto e é isso que Kuruvilla procura fazer em seu comentário.
Malbon, em seu livro “Narrative Space and Mythuc Meaning in Mark”17, que
embora publicado em 1986 é uma versão modificada de sua tese de doutorado em
1980 escrita na Florida State University. Seu livro é uma análise estrutural das
relações espaciais / míticas em Marcos baseadas na teoria hermenêutica de Claude
Lévi-Strauss. O que mais interessa Malbon é uma exposição da estrutura mítica de
Marcos, mediada pelas relações espaciais na narrativa. Ela vê a análise estrutural
como apenas um meio para esse fim. Seu trabalho é realmente uma tentativa de
descobrir a “estrutura profunda” de Marcos, manifestada nas várias relações espaciais.
Embora, segundo Malbon, Marcos não seja, estritamente falando, um mito, ele
contém, de acordo com a autora, uma “estrutura mítica”. Malbon descreve os quatro
passos que compõem uma análise Lévi-Straussiana. Primeiro, o texto é reduzido às
menores unidades essenciais e completas. Lévi-Strauss se referia a eles como “feixes
de relações”. Essas unidades incluem um “fazer” e um “fazedor” (ou uma função e
um sujeito). Em seguida, a narrativa é analisada em relações e ordens que são

16
KURUVILLA, Abraham. Mark: a theological commentary for preachers. Eugene: Cascade
Books, 2012.
17
MALBON, Elizabeth Struthers. Narrative Space and Mythic Meaning in Mark. San Francisco:
Harper & Row, 1986
23

consideradas em termos das sequências e esquemas dos elementos míticos. Terceiro,


depois que essas relações são estabelecidas, elas são comparadas e integradas. O
processo de integração dos esquemas horizontal e vertical produz um terceiro
esquema (integração global) que consiste em várias oposições binárias. Isso produz
uma afirmação da “oposição fundamental que a narrativa mítica procura mediar”. Por
fim, essa afirmação da oposição fundamental é aplicada à narrativa como um todo.
Malbon divide a ordem espacial de Marcos em três: geopolítico, topográfico e
arquitetônico. A subordem geopolítica afirma o tema da ordem espacial mais
claramente, porque os vários locais de nomes são categorizados em três grupos:
Galiléia, regiões estrangeiras e Judéia. Uma grande mudança ocorre em 10.1. A
mudança ocorre espacialmente da Galiléia para a Judéia e teologicamente de um
ministério de poder para um ministério de sofrimento. A subordem topográfica é a
mais extensa e complexa das três. O mar é o cenário topográfico dominante nos oito
primeiros capítulos. Depois de 8.27, “o caminho” se torna o tema topográfico
dominante. Enquanto a subordem geopolítica sugere uma surpreendente reversão de
expectativas, a subordem topográfica sugere como essa reversão é possível, seguindo
"o caminho". Por fim, a subordem arquitetônica apresenta vários fenômenos
interessantes: de 1.11-6.6, a sinagoga e a casa estão entrelaçadas como configurações
de ensino, cura e controvérsia. De 6.10-10.16, a casa se torna o centro, e de 13.1 até o
final da narrativa, o templo se torna o centro da ação. A reversão das expectativas
ocorre novamente quando o túmulo não se torna o local final da habitação de Jesus.
Mary Ann Tolbert, em seu livro “Sowing the Gospel – Mark`s World in
Literary-Historical Perspective”18 aborda o evangelho de Marcos como sendo escrito
em um gênero de romance popular. O autor teria escolhido este gênero para alcançar
uma ampla audiência. Os romances antigos eram caracterizados por um enredo
episódico, o motivo da jornada, um ponto de virada central, uma sequência de cenas
de reconhecimento próximas do momento em que a identidade do protagonista se
torna pública e um estilo de narração caracterizada por uma trama bastante óbvia e
direta, uma repetição para ajudar a memória daqueles que ouvem o romance. Segundo
Tolbert, todas essas são características do evangelho de Marcos. Outro aspecto do
romance popular antigo que se torna crucial para a interpretação de Marcos por
Tolbert é a prática de romancistas antigos de fornecer resumos de enredo próximos às

18
TOLBERT, Mary Ann. Sowing the Gospel. Mark's World in Literary-Historical Perspective.
Minneapolis: Augsburg Fortress, 1989.
24

aberturas de histórias para ajudar o público a seguir o enredo. Estes podem assumir a
forma de sonhos, visões ou algum outro tipo de história na história maior. Tolbert
afirma que as duas longas parábolas em Marcos, o Semeador e sua interpretação em
4.3-8, 14-20 e os Lavradores Maus em 12.1-11, servem como sinopses da trama para
as duas principais divisões do Evangelho: 1.14-10.52 e 11.1-16.8. É essa hipótese que
controla sua interpretação de Marcos. Desta maneira, Jesus é o semeador da palavra,
cujos esforços encontram resultados mistos. Alguns personagens da história são o
terreno à beira do caminho; a palavra nunca penetra em seus corações e eles sempre
se opõem a Jesus, e finalmente organizam sua destruição. Estes seriam os escribas,
fariseus, herodianos e judeus de Jerusalém. Segundo Tolbert, os discípulos
representam a segunda resposta a Jesus. Eles são o terreno rochoso no qual a palavra
se enraíza rapidamente, mas quando surgem tribulações e perseguições, ela seca. A
terceira resposta, a do terreno espinhoso, onde o crescimento da palavra é prejudicado
pelos "cuidados do mundo, o prazer das riquezas e o desejo de outras coisas", pode
ser visto no homem rico (10.17-22) e em Herodes (6.14-29). Finalmente, a boa terra
que dá frutos em abundância é representada na história pelo povo que Jesus cura, cuja
resposta à palavra de Jesus revela que são pessoas de fé. Essas pessoas emergem da
multidão e são, com exceção de Bartimeu (10.46-52), anônimas seguindo o caminho
de Jesus. Jesus também é o herdeiro da vinha (12.1-11). O último de uma longa fila de
mensageiros que transmitem a demanda legítima do Criador por frutos a uma geração
adúltera e pecaminosa de lavradores maus. Os lavradores maus matam o herdeiro e o
expulsam da vinha, precipitando a vinda de Deus para executar julgamento contra
eles. A redação deste romance, segundo Tolbert, deveria ser uma continuação da
semeadura da palavra no curto período de sofrimento e perseguição experimentados
pela "boa terra" antes da intervenção apocalíptica de Deus para salvá-los e justificá-
los, assim como Deus salvou e justificou Jesus na ressurreição. Em seu livro, os dois
pilares da abordagem de Tolbert são, em primeiro lugar, uma atenção cuidadosa às
convenções retóricas greco-romanas e, em segundo lugar, uma ênfase na importância
controladora do gênero na interpretação de textos.
Considerando todos os estudos já realizados sobre o evangelho de Marcos,
nosso propósito é ir além do que já foi feito, enfatizando a estrutura literária do
evangelho para uma melhor compreensão do texto bíblico. Para tal, no próximo
capítulo abordaremos as ferramentas e fundamentos hermenêuticos para tal
interpretação.
25

FUNDAMENTOS E FERRAMENTAS PARA A INTERPRETAÇÃO DE


NARRATIVAS
1.1 CLASSIFICAÇÃO HERMENÊUTICA DO EVANGELHO DE MARCOS
A classificação dos gêneros literários diz respeito à compreensão do texto
considerando sua estrutura linguística em sua sintaxe, gramática e semântica.19 Além
disso, deve preceder qualquer interpretação do texto em si, uma vez que, como
afirmam Alter e Kermode, “a menos que tenhamos um entendimento claro do que o
texto está dizendo, ele não terá́ muito valor sob outros aspectos”.20 Em cada ambiente
linguístico há diferentes características para a comunicação e a maneira que devemos
interpretar é diferente considerando o contexto. Não lemos uma carta da mesma
maneira que lemos um jornal, um livro de poesia ou uma revista em quadrinhos. Cada
mensagem está inserida em um contexto que deve ser lido levando em conta as
ferramentas próprias para sua interpretação.21 Segundo Scholz,
O gênero tem muito a ver com a forma do texto. Agora, para se
reconhecer um gênero literário, também é importante notar o assunto
e o tom do texto, isto é, o que está sendo dito e como está sendo dito.
Um poema tende a aparecer em forma de versos e estrofes, num tom
mais ou menos emotivo, com recurso a linguagem figurada.22

Desde o final da década de 1960 os Evangelhos começaram a ser comparados


mais de perto com a literatura antiga.23 Vários estudiosos encontraram no Evangelho
de Marcos elementos do drama grego, incluindo tragédia 24 e comédia, 25 biografia
greco-romana, 26 historiografia escatologicamente orientada, 27 ironia, 28 e romance. 29

19
ALTER, R.; KERMODE, F. (Eds.). Guia Literário da Bíblia. São Paulo: Editora Unesp, 1997, p.
15.
20
ALTER, R.; KERMODE, F. (Eds.). Guia Literário da Bíblia. São Paulo: Editora Unesp, 1997, p.
13.
21
EGGER, W. Metodologia do Novo Testamento. São Paulo: Edições Loyola, p. 1994, p. 142-143.
22
SCHOLZ, Vilson. Princípios de Interpretação Bíblica. Canoas: Editora Ulbra, 2006, p. 75.
23
STRICKLAND, Michael. YOUNG, David M. The Rhetoric of Jesus in the Gospel of Mark.
Minneapolis: Fortress Press, 2017, p. 11-16.
24
Para se aprofundar veja: SMITH, Stephen H. A Divine Tragedy: Some Observations on the
Dramatic Structure of Mark’s Gospel. Novum Testamentum, vol. 37, no. 3, 1995, pp. 209–31. JSTOR,
http://www.jstor.org/stable/1561221. Acesso em: 4 Out. 2022; e BILEZIKIAN, G. The Liberated
Gospel: A Comparison of the Gospel of Mark and Greek Tragedy. Grand Rapids: Baker, 1977 e
MOSER, T. Mark’s Gospel: A Drama?. Bible Today 80, 1975: p. 528–533.
25
HATTON, S. B. The gospel of Mark as comedy. The Downside Review, [s. l.], v. 120, n. 418, p.
33–56, 2002. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLA0001485264&lang=pt-
br&site=ehost-live. Acesso em: 30 set. 2022.
26
TALBERT, Charles H. What Is a Gospel? The Genre of the Canonical Gospels. Macon, GA:
Mercer University Press, 1985; AUNE, David E. The Gospels as Hellenistic Biography. Mosaic 20,
no. 4, 1987: p. 1–10; AUNE, David E. The New Testament in Its Literary Environment.
Philadelphia: Westminster, 1987; BURRIDGE, R. A. What Are the Gospels? A Comparison with
26

Konstan e Walsh propõem que os evangelhos são uma espécie de “biografia


subversiva”, citando outros exemplos que são vidas de filósofos, incluindo Sócrates e
Diógenes. Para eles, enquanto a biografia padrão celebra virtudes cívicas e militares
do herói, como prudência, justiça e coragem, a biografia subversiva se concentra em
outros elementos como integridade e pobreza.30
Grande parte dos estudiosos consideram a biografia grega como o gênero mais
próximo dos evangelhos.31 Bauckham afirma que os evangelhos são biografias, não o
tipo de obras que chamamos de biografias na literatura moderna, mas o tipo que era
corrente na antiguidade greco-romana. Não era necessário que o autor fizesse
declarações explícitas sobre suas fontes, muito menos interromper o fluxo da
narrativa para fazê-lo. Narradores habilidosos tinham maneiras de destacar as
testemunhas oculares por meio da forma como elas aparecem nas narrativas. 32
Burridge afirma os evangelhos são uma forma de biografia greco-romana e , portanto,
precisam ser interpretados à luz de outras biografias antigas, e construiu sobre esse
argumento em sua interpretação de Marcos como uma biografia helenística. Além
disso, ele demonstra porque sua teoria biográfica é atualmente a visão mais
amplamente aceita do gênero dos Evangelhos e é a chave para sua interpretação.33
Burridge ainda afirma que não devemos ler o evangelho visando apenas extrair do
texto questões éticas, como no Sermão da Montanha, em vez disso, toda a narrativa
em si da biografia enfatiza não apenas os ensinamentos, mas também principalmente
os atos de Jesus. A imitação moral do sujeito era um objetivo importante da biografia

Graeco-Roman Biography. Cambridge: Cambridge University Press, 1992; BRYAN, Christopher. A


Preface to Mark: Notes on the Gospel in Its Literary and Cultural Settings. New York: Oxford
University Press, 1993, p. 9–64; e SMITH, Justin Marc. Why Bíos? On the Relationship between
Gospel Genre and Implied Audience. London: Bloomsbury, 2015.
27
COLLINS, Adela Yarbro. Is Mark’s Gospel a Life of Jesus? The Question of Genre. Milwaukee,
WI: Marquette University Press, 1990; e COLLINS Adela Yarbro. The Beginning of the Gospel:
Probings of Mark in Context. Minneapolis: Fortress Press, 1992.
28
CAMERY-HOGGATT, J. Irony in Mark’s Gospel: Text and Subtext. [s. l.]: New York: Cambridge
University Press, 1992.
29
OYEN, Geert Van. Ler o Evangelho de Marcos como um romance. São Paulo: Edições Loyola,
2020.
30
KONSTAN, D. WALSH, R. Civic and subversive biography in Antiquity. in DE TEMMERMAN, K.
and DEMOEN. K. (eds.). Writing Biography in Greece and Rome. Cambridge: Konstantakos, 2003,
p. 26–44.
31
INCIGNERI, Brian, J. The gospel to the Romans: the setting and rhetoric of Mark's Gospel.
Leiden: Brill, 2003, p. 40. Para aprofundar no gênero de biografia, veja: COOK, John G. The
Structure and Persuasive Power of Mark: A Linguistic Approach. Atlanta: Scholars Press, 1995, p.
72-86, 310.
32
BAUCKHAM, Richard. Jesus and the Eyewitnesses: The Gospels as Eyewitness Testimony, 2nd
ed. Grand Rapids: Eerdmans, 2017, p. 515-535.
33
Veja mais em: BURRIDGE, Richard A. What are the Gospels: A Comparison with Graeco-Roman
Biography. Waco: Baylor University Press, 2018, p. 52.
27

antiga sobre seguir e imitar seu personagem central. 34 Dessa maneira, o leitor é
chamado a emular os atos de Cristo. De fato, o evangelho de Marcos é helenizado e
tem características de uma biografia antiga, porque tanto Marcos quanto seus leitores
estavam imersos na cultura greco-romana. 35 Dessa maneira, devemos interpretá-lo
considerando as características de uma biografia antiga, ou seja, não levando em
conta apenas os ensinos de Jesus, mas principalmente suas ações. Kunz afirma que
existem inúmeras ocasiões nos Evangelhos, onde o ensino de Jesus foi realizado
através de ações parabólicas.36 Jesus não só pregou por meio de parábolas, mas usou
milagres para trazer um ensino claro aos seus discípulos.
Além das características de uma biografia antiga, Polzin demonstra a sutileza
retórica dos escritos deuteronômicos que também pode ser encontrada no estilo
narrativo de Marcos. 37 Tolbert afirma que Marcos tem uma influência mais hebraica
do que helenista.38 Marcos tinha origem judaica, tal estilo estava em seu sangue, e é
provável que ele tenha escrito seu Evangelho em continuidade com os textos bíblicos
que ele e seus leitores conheciam bem. Marcos utiliza toda a fundamentação do
Antigo Testamento para a construção do evangelho, bem como é influenciado pela
forma de escrita judaica, utilizando-se de paralelismos, quiasmos e inclusios na
estrutura do texto para ensinar. 39

34
BURRIDGE, R. A. Imitating Mark’s Jesus: imagination, Scripture, and inclusion in Biblical ethics
today. Sewanee Theological Review, [s. l.], v. 50, n. 1, p. 11–31, 2006. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLA0001643590&lang=pt-
br&site=ehost-live. Acesso em: 29 set. 2022.
35
HENGEL, Martin. The ' Helenisation ' of Judaea in the First Century after Christ. Londres:
SCM Press, 1989, demonstrou que o helenismo tinha sido difundido dentro do judaísmo antes da era
cristã. RICHARDS, E. Randolph. The Secretary in the Letters of Paul. Tübingen: Mohr, 1991, p.
150, considera provável que todo judeu educado usou textos gregos como parte de sua educação
judaica. BOOMERSHINE, T. E. (Eugene). Jesus of Nazareth and the Watershed of Ancient Orality
and Literacy. Semeia, [s. l.], v. 65, p. 7–36, 1994. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLA0000899586&lang=pt-
br&site=ehost-live. Acesso em: 4 out. 2022, aponta para o uso generalizado do grego na Palestina.
ROBBINS, Vernon K. New Boundaries in Old Territory: Form and Social Rhetoric in Mark Nova
York: Peter Lang Publishing, 1994, p. 219-20, considera que o Evangelho é “um documento
explicitamente multicultural” e que “combina o modo judaico com modos greco-romanos de
pensamento e atividade”.
36
KUNZ, Claiton André. Ações Parabólicas: Uma análise do ensino de Jesus através de suas ações.
Dissertação (Mestrado em Teologia) – Escola Superior de Teologia. São Leopoldo, 2006, p. 11.
37
POLZIN, Robert. Moses and the Deuteronomist: A Literary Study of the Deuteronomic History.
Nova York: Seabury Press, 1988; Samuel an the Deuteronomist: A Study of the Deuteronomic
History. San Francisco: Harper and Row, 1989; David and the Deuteronomist: A Literary Study of
the Deuteronomic History. Bloomington: Indiana University Press, 1993.
38
TOLBERT, Mary Ann. Sowing the Gospel. Mark's World in Literary-Historical Perspective.
Minneapolis: Augsburg Fortress, 1989.
39
Uma indicação do judaísmo da retórica de Marcos pode estar em seu uso de inclusios: OYEN, G.
Van. Intercalation and Irony in the Gospel of Mark, em SEGROECK, Van. et al. (eds), Four
Gospels, 2.961 n. 58, ele observa que essa técnica só aparece em textos hebraicos.
28

Desta forma, levaremos em conta os elementos narrativos do texto para a


interpretação do evangelho como uma biografia, ou seja, considerando não apenas a
narrativa exposta, mas também o sentido implícito, as ações de Jesus como modelo
para uma prática dos seus discípulos, ou seja, ações parabólicas. Consideraremos
também a influência hebraica de Marcos levando em conta também sua estrutura
literária na narrativa com ênfase nos seus paralelismos, inclusios e quiasmos.

1.2 OS PRINCÍPIOS HERMENÊUTICOS INDICADOS PARA A


INTERPRETAÇÃO DO GÊNERO DE MARCOS
Antes da Reforma Protestante, a maioria dos intérpretes bíblicos considerava
que as narrativas bíblicas tinham mais de um sentido, sendo que os rabinos afirmavam
que cada texto tinha múltiplas interpretações.40 A alegoria, que é uma interpretação
não literal do texto, foi desenvolvida pelos gregos a textos homéricos.41 Platão usou a
alegoria para confrontar a posição imoral dos deuses descritos em Homero, afirmando
que as verdades ali descritas possuem um nível mais profundo de interpretação, a
alegoria. 42 Filo, um judeu praticante, procurou interpretar os escritos mosaicos,
principalmente o pentateuco, usando a abordagem platônica, desenvolveu um método
de interpretação polivalente, que procurava ir além do sentido literal, sendo este
apenas uma interpretação imatura. A interpretação mais profunda, segundo Filo, seria
a interpretação além das palavras, por meio da alegoria. 43 A escola de Clemente,
Orígenes, Ambrósio e outros também enfatizava sentidos múltiplos, por meio de
alegorias.44 Segundo Steinmetz, na igreja medieval era usado o método quádruplo de
interpretação de João Cassiano. Esse método também era chamado de quadriga. Ele
afirma:
Desde o tempo de João Cassiano, a Igreja adotou uma teoria de
sentido quádruplo das Escrituras... o sentido alegórico ensinava sobre
a Igreja e aquilo em que ela deveria crer... o sentido tropológico

40
FEE, Gordon D. STUART, Douglas. Entendes o que lês. São Paulo: Vida Nova, 2019, p. 136.
41
ZUCK, Roy B. A interpretação bíblica: meios de descobrir a verdade bíblica. São Paulo: Vida
Nova, 1994, p. 34.
42
PLATÃO. A república. 3. ed. Trad., introd. e notas de Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1980, p. 53-100.
43
WOLFSON. H. A. Philo: Foundations of Religious Philosophy in Judaism, Christianity, and Islam.
Cambridge: Harvard University, 1962, p. 138.
44
LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e seus intérpretes: uma breve história da interpretação. São
Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004, p. 133.
29

ensinava sobre os indivíduos e aquilo que eles deveriam fazer... o


sentido anagógico indicava o futuro e despertava a expectativa.45

Após a Reforma, os reformadores consideraram o sensus literalis como norma


para toda interpretação.46 Calvino demonstra isso em seu comentário de Gálatas 4.22
quando diz:
Orígenes e muitos outros com ele aproveitaram a ocasião para afastar
de toda maneira possível, as Escrituras do seus verdadeiro sentido.
Eles concluem que o sentido literal é muito fraco e pobre e que, sob a
casca da letra, existem mistérios mais profundos que não podem ser
extraídos senão por meio de alegorias...Saibamos, pois, que o
verdadeiro significado da Escritura é o natural e óbvio (verum
sensum scripturae, qui germanus est et simplex).47

Após a reforma, grande parte dos evangélicos se voltaram para o sentido único
para cada texto. Hirsch afirmava que o sentido do texto é determinado pela intenção
do autor. 48 Para ele, o significado do texto não pode mudar, apenas as aplicações
podem ser distintas. A Declaração de Chicago sobre Hermenêutica Bíblica afirma:
“Afirmamos que o significado expressado em cada texto bíblico é único, definitivo e
fixo”.49
A narrativa é um gênero que também pode ensinar uma doutrina, entretanto de
forma indireta. Scholz afirma que em vez de afirmar uma verdade em forma de tese, o
narrador mostra exemplos que ensinam este ou aquele princípio, este ou aquele
aspecto da realidade e o leitor deve interpretar a narrativa para compreender a
verdade.50 Fee e Stuart afirmam que geralmente uma narrativa não ensina diretamente
uma doutrina, antes, ilustram uma doutrina de modo proposicional, registrando o que
aconteceu e não o que deveria ter acontecido. Além disso eles afirmam que os
personagens da narrativas não necessariamente são bons exemplos, mas com
frequência são o oposto disso. 51 Fee e Stuart ainda afirmam que “Todas as narrativas

45
STEINMETZ. apud PRATT JR. Richard. Ele nos deu histórias. São Paulo: Editora Cultura Cristã,
2004, p. 137.
46
PRATT JR. Richard. Ele nos deu histórias. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004, p. 139.
47
CALVINO, João. Gálatas. São Paulo: Editora Fiel, 2007, p. 125s.
48
HIRSCH, E. D. Vality in Interpretation. Chicago: University of Chicago Press, 1976.
49
Declaração de Chicago sobre Hermenêutica Bíblica, Artigo 7. Disponível em:
https://www.pregueapalavra.org.br/post/a-declaração-de-chicago-sobre-hermenêutica-b%C3%ADblica,
acessado em 18 de março de 2022.
50
SCHOLZ, Vilson. Princípios de Interpretação Bíblica. Canoas: Editora Ulbra, 2006, p. 77ss.
51
FEE, Gordon D. STUART, Douglas. Entendes o que lês. São Paulo: Vida Nova, 2019, p. 69.
30

são seletivas e incompletas [...] O que realmente aparece na narrativa é tudo quanto o
autor inspirado considerava importante para nós sabermos”.52
Os evangelhos são narrativas inspiradas, porém com perspectivas distintas. Os
quatro evangelhos têm quatro autores distintos com intenções distintas, todos eles
afirmando a verdade. Quanto a isso, Kaiser Jr. e Silva afirmam:
Em resumo, devemos ler os Evangelhos e Atos já esperando que
contenham apenas informações parciais e descrições imprecisas que
tornam difícil - às vezes impossível - resolver aparentes
discrepâncias. Isso não significa em momento algum que os
escritores bíblicos não sejam dignos de confiança. A falta de precisão
absoluta é inerente à linguagem humana. O grau de precisão esperado
de um leitor ou escritor depende da questão em pauta assim como
dos objetivos determinados (ou implícitos).53

Na interpretação do texto bíblico há o risco de se fragmentar o texto em busca


de interpretá-lo, isolando-o da narrativa, e pressupondo que seja possível
compreender o significado do texto considerando apenas vocábulos isolados. Todavia,
Scholz afirma que
o intérprete precisa tentar entender a progressão lógica ou a
sequência do texto. Pode investigar o "movimento" do texto. Este
pode ser visual, apresentando uma série de cenas. Pode ser narrativo,
trazendo um pequeno enredo, com começo, meio e fim ou, então,
conflito, complicação e resolução. Pode ainda ser argumentativo,
feito de uma série de teses, com provas, etc.54

Ele ilustra isso em currículos de escola bíblica dominical, onde escolhe-se algumas
histórias bíblicas, tiradas do seu contexto, ignorando a história da redenção e
facilmente moralizando tais histórias.55 É importante compreender que uma narrativa
leva em conta a sequência dos fatos para uma correta interpretação do texto.
Segundo Vitório,
Narrar é a arte de fazer escolhas. O narrador faz contínuas opções e a
narração resulta numa espécie de costura das muitas escolhas feitas.
Ele está sempre se decidindo pelo que mais interessa à narração. As
decisões dependerão do objetivo visado, ou seja, do efeito a ser
produzido no ouvinte-leitor.56

Considerando que o evangelho de Marcos é também uma biografia, devemos


levar em conta que essa narrativa tem por objetivo exaltar a Cristo como o herói a ser

52
FEE, Gordon D. STUART, Douglas. Entendes o que lês. São Paulo: Vida Nova, 2019, p. 69.
53
KAISER JR., Walter. Silva, Moisés. Introdução à Hermenêutica Bíblica. São Paulo: Editora
Cultura Cristã, 2009, p. 104.
54
SCHOLZ, Vilson. Princípios de Interpretação Bíblica. Canoas: Editora Ulbra, 2006, p. 57.
55
SCHOLZ, Vilson. Princípios de Interpretação Bíblica. Canoas: Editora Ulbra, 2006, p. 57.
56
VITÓRIO, Jaldemir. Análise da Narrativa da Bíblia. São Paulo: Paulinas, 2016, p. 16.
31

imitado. Sobre isso, Fee que “Em última análise, Deus é o herói de todas as narrativas
bíblicas”.57
Devemos, portanto, para isso compreender as ferramentas hermenêuticas para
utilizá-las na interpretação do gênero de narrativa no evangelho de Marcos.

1.3 FERRAMENTAS HERMENÊUTICAS DO GÊNERO DE MARCOS


Para interpretar o gênero do Evangelho de Marcos, precisamos considerar
como o narrador construiu a narrativa, levando em conta a estrutura interna e o modo
como a organizou.58 Para tal é necessário compreender a figura do narrador, o enredo
e a estrutura literária do texto.

1.3.1 O Narrador
Toda história contada tem um ponto de vista.59 Não há como esgotar todos os
elementos e descrições do evento em si em uma narrativa. De modo que o relato
necessariamente terá um ponto de vista e não todos os pontos de vista possíveis.
Seymour Chatman60 afirma que os dados articulados da história são sempre seletivos,
nunca podem esgotar a gama infinita de detalhes ou descrições da trama, pelas quais o
mundo da narrativa jamais será “completo”, porém o autor cria o próprio mundo da
narrativa. As narrativas ficcionais nos dão um bom exemplo disso, J.R.R. Tolkien,
renomado autor de narrativas ficcionais afirma:
As crianças são capazes, é claro, de ter “crença literária” quando a
arte do narrador é boa o suficiente para produzi-la. Esse estado
mental tem sido chamado de ‘suspensão voluntária da descrença’.
Mas isso não me parece uma boa descrição do que acontece. O que
realmente acontece é que o criador de histórias é um ‘sub-criador’
bem-sucedido. Ele cria um mundo secundário no qual a sua mente
pode entrar. Dentro dele, o que ele relata é "verdadeiro": está de
acordo com as leis daquele mundo. Você, portanto, acredita nisso
enquanto está lá dentro. No momento em que a descrença surge, o
feitiço é quebrado; a mágica, ou melhor, a arte, falhou. Você está
novamente no Mundo Primário, olhando de fora o pequeno Mundo
Secundário abortado.61

57
FEE, Gordon D. STUART, Douglas. Entendes o que lês. São Paulo: Vida Nova, 2019, p. 69.
58
VITÓRIO, Jaldemir. Análise da Narrativa da Bíblia. São Paulo: Paulinas, 2016, p. 33.
59
CHRISHOLM JR., Robert B. Da Exegese à Exposição: Guia Prático para o Uso do Hebraico
Bíblico. São Paulo: Vida Nova, 2016, p. 196.
60
CHATMAN, Seymour. Story and Discourse: Narrative Structure in Fiction and Film. Ithaca:
Cornell University Press, 1978, p. 27-31.
61
TOLKIEN, J.R.R., FLIEGER, Verlyn (edit), ANDERSON, Douglas A. (edit). Tolkien On Fairy-
Stories. Expanded Edition, with commentary and notes. Great Britain: Oxford University Press, 2008,
p. 52 (tradução minha).
32

O que Tolkien afirma é que o autor, ao escrever uma narrativa, cria um mundo para
ser habitado pelo leitor. Enquanto a narrativa ficcional cria os eventos, a narrativa
histórica seleciona eventos reais em uma sequência a fim de criar o mundo narrativo a
ser habitado pelo leitor. Robert Weimann aponta que a narração de uma história
envolve necessariamente uma postura, um ponto de vista, pelo qual seus vários
elementos são avaliados. Ele diz: “Sem [um ponto de vista] nenhuma narração é
possível... É o pré-requisito absoluto de toda atividade narrativa”.62 Hirsch afirma:
“Banir o autor original como o determinante do significado é rejeitar o único princípio
normativo convincente que poderia emprestar validade à uma interpretação”.63
Além disso, o evento por trás da narrativa pode possuir inúmeros enredos que
se cruzariam de inúmeras maneiras, ao passo que a narrativa possui apenas um
enredo. Para explorar a estrutura da narrativa do evangelho precisamos compreender
que devemos adentrar no mundo narrativo dos evangelhos como estão postos, não
procurando estabelecer uma história por trás da história o que seria criar uma segunda
narrativa, própria de quem está escolhendo os fatos e sua ordem. Brown afirma que a
sequência da trama é essencial para compreender o significado da narrativa.64 Nosso
caminho ao interpretar o texto é de interpretá-lo e não reconstruí-lo, de modo que é
necessário adentrar no mundo do texto como está escrito. Desta forma, cada
evangelho foi preservado como está organizado com um propósito, e somos
chamados a compreendê-los na estrutura e ordem que o narrador adotou. Piaget
defende que os acontecimentos em uma narrativa verdadeira entram em cena como já
ordenados. Ao contrário de um aglomerado aleatório de eventos, eles manifestam uma
organização discernível.65 Chrisholm Jr. afirma que historiador precisa ser seletivo e
em relação às narrativas bíblicas, o que é incluído ou omitido é determinado pela
perspectiva teológica e intenção do autor.66 Como exemplo temos as narrativas de
Crônicas. Davi e Salomão são retratados como figuras heroicas, obedientes e
conquistadoras, sendo abençoados por Deus. Seus erros são omitidos em Crônicas. O
autor tem uma ênfase nos seus bons exemplos para a reconstrução da nação.

62
WEIMANN, Robert. Structure and Society in Literary Theory. Charlottes-ville: University of
Virginia Press, 1973, p. 246.
63
HIRSCH, E. D. Validity in Interpretation. London: Yale University Press, 1967, p. 4s.
64
BROWN, Jeannine. The Gospels as Stories: A Narrative Approach to Matthew, Mark, Luke, and
John. Michigan: Baker Academic, 2020, p. 24.
65
PIAGET, Jean. Structuralism, trad. Chaninah Maschler. New York: Routledge Book, 1971, p.14.
66
CHRISHOLM JR. Robert B. História ou estória? A dimensão literária em textos narrativos. In:
HOWARD JR., David M., GRISANTI, Michael A. (Org). O Sentido do Texto. São Paulo: Cultura
Cristã, 2018, p. 54.
33

Para compreender uma narrativa também é necessária uma compreensão do


significado desta em relação ao referente. Kaiser Jr. afirma que “é possível saber o
significado de cada palavra em um texto e ainda assim não fazer a mínima ideia do
que está sendo dito”.67 Neste caso, o que está faltando é o entendimento do que está
sendo falado. Kaiser ainda afirma que “o referente é o objeto, o acontecimento, ou o
processo no mundo para o qual uma palavra ou toda uma expressão é direcionada”.68
É possível ouvir uma frase fora de contexto, compreender todas as palavras, mas não
ter ideia do significado do que se está falando. Por exemplo, você pode ouvir a
seguinte frase: “você está me matando”. Sem o referente é impossível saber se tal
frase está relacionada a algo figurativo ou literal. Hoggatt afirma que o mundo
narrativo dos evangelhos só é completo quando seus detalhes são articulados
compreendendo o "mundo" dos leitores original.69 Ou seja, o contexto do público a
quem o texto foi dirigido também deve ser compreendido e entendido também à luz
do “mundo referente” dos leitores originais.
O narrador cria o mundo da narrativa para ser habitado pelo leitor, e para isso
precisa direcioná-los trazendo as informações necessárias, estabelecendo uma
estrutura e leis por meio das quais as informações serão transmitidas. Marguerat
afirma que a narrativa não pretende simplesmente transmitir, mas “construir um
mundo, o mundo da narrativa, com seus códigos e suas regras de funcionamento”.70
Ao criar o mundo da narrativa, segundo Eco, o narrador deve “antes de tudo, construir
um mundo, o mais mobiliado possível, até nos menores detalhes”71. O narrador pode
organizar deliberadamente os fatos de modo a contar a história trazendo
contraposições, ironia ou mesmo repetições. Ao fazer isso, o narrador persuade o
leitor a compreender o texto sob o seu ponto de vista.
Neste mundo narrativo há leis, estruturas, e ordem que devem ser
compreendidos para se chegar à intenção do autor e significâncias válidas ao texto.
Hirsch esclarece o que seja a “significância”:

67
KAISER JR., Walter C. SILVA, Moisés. Introdução à Hermenêutica Bíblica. São Paulo: Cultura
Cristã, 2009, p. 34.
68
Ibid.
69
CAMERY-HOGGATT, J. Irony in Mark’s Gospel: Text and Subtext. [s. l.]: New York: Cambridge
University Press, 1992, p. 39.
70
MARGUERAT, Daniel. BOURQUIN, Yvan. Para ler as narrativas bíblicas: Iniciação à análise
narrativa. São Paulo: Edições Loyola, 2009, p. 28.
71
ECO, Umberto. apud MARGUERAT, Daniel. BOURQUIN, Yvan. Para ler as narrativas bíblicas:
Iniciação à análise narrativa. São Paulo: Edições Loyola, 2009, p. 28.
34

Significado é aquilo que é representado pelo texto, é o que o autor


quis dizer pelo uso de uma particular sequência de sinais, é o que os
sinais representam. Significância, por outro lado, nomeia um
relacionamento entre o significado e a pessoa, ou uma concepção, ou
uma situação, ou, de fato, qualquer coisa imaginável.72

Assim, o ouvinte entra no mundo criado da história atravessando um limiar deixando


ou substituindo a “realidade comum” para habitar no mundo do texto, e ali ter
aplicações válidas para si. Segundo Fee e Stuart, o narrador é onisciente na narrativa
pois está em todos os lugares e sabe tudo da história narrada. Porém, ele não
compartilha tudo o que sabe, seu papel é contar a história de modo que o leitor
visualize os fatos por si mesmo.73
Segundo Osborne, há cinco áreas em que o ponto de vista do narrador opera74:
Em primeiro lugar a dimensão psicológica que estuda como o narrador fornece
informações internas sobre pensamentos e sentimentos dos personagens. Em Marcos
1.41 o evangelista afirma que Jesus estava “profundamente compadecido” do leproso,
algo que não é revelado nem no relato de Mateus e nem de Lucas. Em Marcos 3.5, o
evangelista revela que Jesus ficou “indignado e condoído” com a dureza do coração
dos fariseus. Em segundo lugar, há o ponto de vista valorativo ou ideológico que
enfatiza o conceito de certo e errado na narrativa. Marcos utiliza esse ponto de vista
em Mc 3.20-35, onde temos uma inclusio que se inicia com a família de Jesus que o
considera como um louco (vs. 20-21), continua com os escribas (vs. 22-30) que o
consideravam ser mau e mentiroso pois não era quem dizia ser, e por fim retorna à
família de Jesus (vs. 31-35) e mostra que a verdadeira família de Jesus são aqueles
que fazem a vontade de Deus e o reconhecem como filho de Deus. Em terceiro lugar
temos a perspectiva espacial que é a capacidade do narrador passear livremente de um
lugar para o outro da trama para contar a história a partir das perspectivas necessárias
para seu propósito. Por exemplo, em Marcos 6.45-52, quando Jesus anda sobre as
águas, o narrador está com os discípulos no barco e com Jesus tanto no monte quanto
sobre as águas posteriormente. Em quarto lugar, a perspectiva temporal é a
capacidade de considerar a ação de dentro da história ou do passado ou futuro. Em
Marcos 13.1-2 temos uma perspectiva temporal com um comentário sobre algo que

72
HIRSCH, E. D. Validity in Interpretation. London: Yale University Press, 1967, p. 8.
73
FEE, Gordon D., STUART, Douglas. Entendes o que lês?: Um guia para entender a Bíblia com
auxílio da exegese e da hermenêutica. São Paulo: Vida Nova, 2011, p. 114.
74
OSBORNE, Grant R. A Espiral Hermenêutica: uma nova abordagem à interpretação bíblica. São
Paulo: Vida Nova, 2012, p. 260ss.
35

aconteceria no futuro na destruição do Templo: “não ficará pedra sobre pedra”. Por
fim, o ponto de vista fraseológico que se refere a diálogos ou falas em uma narrativa.
O narrador nesse momento traz para o leitor um diálogo que ele jamais ouviria no
mundo normal, algo privado ou pessoal trazendo informações internas importantes
para o entendimento da narrativa. Em Marcos 2.7 o evangelista revela os pensamentos
dos escribas para nós: “por que fala ele deste modo? Isto é blasfêmia!”.
O narrador pode se situar tanto no exterior como no interior da história
contada. Quando está de fora, Margerat chama isso de instância extradiegética.75 Este
é o caso de Marcos em todo o evangelho. Porém, existe a possibilidade de o narrador
estar dentro da narrativa como um personagem, que Margerat chama de instância
intradiegética. 76 Isso ocorre em alguns momentos no livro de Atos, quando Lucas
passa a narrar a história de dentro dela, tornando-se personagem e utilizando a
primeira pessoa do plural na narrativa (Atos 16.8-10; 16.17; 20.5-15; 21.1-18; 27.1;
28.16).
Depois de compreender o ponto de vista do narrador, veremos a seguir como
ele estrutura o texto para nos mostrar por meio do enredo o seu ponto de vista.

1.3.2 Enredo
Osborne afirma que “o enredo contém a sucessão conjunta de eventos que
seguem uma ordem de causa e efeito, os quais levam a um clímax e envolvem o leitor
no mundo narrativo da história”.77 No enredo de Marcos há uma ênfase no encontro
de Jesus com as autoridades, as multidões e os discípulos. Marcos enfatiza o segredo
messiânico mostrando como a natureza messiânica foi rejeitada pelos líderes
religiosos e escondida deles, foi incompreendida pelas multidões e pelos discípulos e
reconhecida pelos demônios (Mc 3). Além disso, em seu enredo ele mostra
geograficamente um deslocamento de Jesus da Galiléia para a Judéia, bem como um
deslocamento da sinagoga para as casas, barco ou mesmo o caminho, e chegando a
Jerusalém, indo para o Templo e por fim a cruz.

75
A palavra diegese é uma designação para história contada. Extragiegético literalmente significa
externo à história contada. Além disso é possível ter um narrador homodiegético que está presente na
história contada e o heterodiegético que está ausente da história contada. MARGUERAT, Daniel.
BOURQUIN, Yvan. Para ler as narrativas bíblicas: Iniciação à análise narrativa. São Paulo: Edições
Loyola, 2009, p. 39.
76
Intradiegético significa interno à história contada. MARGUERAT, Daniel. BOURQUIN, Yvan.
Para ler as narrativas bíblicas: Iniciação à análise narrativa. São Paulo: Edições Loyola, 2009, p. 39.
77
OSBORNE, Grant R. A Espiral Hermenêutica: uma nova abordagem à interpretação bíblica. São
Paulo: Vida Nova, 2012, p. 262.
36

O enredo é uma sequência de eventos em sete etapas segundo Ryken. 78 1.


Exposição. Onde temos o início da narrativa com caracterização dos personagens e
informações necessárias. 2. Momento Complicador. Início de uma ação, força ou
agente contrários na trama. 3. Ação Conflituosa. 4. Momento decisivo. O ponto do
qual, pelo menos em retrospecto, podemos ver como o conflito do enredo será
resolvido, embora não conheçamos ainda os meios para que haja a solução. 5. Nova
Complicação. 6. Clímax. 7. Desfecho.
Considerando esta sequência de Ryken poderíamos ter a seguinte sugestão de enredo
em Marcos:
1. Exposição: O início do ministério de Jesus na Galiléia
2. Nó: A oposição dos fariseus
3. Momento Complicador: Nem mesmo sua família e seus discípulos
compreendem quem ele é
4. Reviravolta: O ministério de Jesus cresce cada vez mais
5. Outra Complicação: Os fariseus decidem matar Jesus
6. Clímax: A traição e morte de Jesus na cruz
7. Desfecho: Ressurreição de Cristo.
Marguerat afirma que “o enredo é o princípio unificador da narrativa, seu fio
vermelho; ele permite organizar, em cenário coerente, as etapas da história
contada”.79
Osborne afirma que “o leitor deve estudar cuidadosamente o enredo e os minienredos
dentro dos textos narrativos para determinar os temas em desenvolvimento e
caracterizações propostas pelo autor”.80
O enredo, portanto, deve ser compreendido em sua totalidade para que se possa
interpretar pequenos trechos de forma válida. Sobre isso, Eco afirma: “na
narratividade, a alma não está nas frases, mas nas macro-proposições mais amplas, no
ritmo dos acontecimentos”.81 Marguerat afirma que o desenvolvimento em cadeia dos

78
RYKEN, Leland. Formas Literárias da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p. 50.
79
MARGUERAT, Daniel. BOURQUIN, Yvan. Para ler as narrativas bíblicas: Iniciação à análise
narrativa. São Paulo: Edições Loyola, 2009, p. 56.
80
OSBORNE, Grant R. A Espiral Hermenêutica: uma nova abordagem à interpretação bíblica. São
Paulo: Vida Nova, 2012, p. 264.
81
ECO, Umberto. apud MARGUERAT, Daniel. BOURQUIN, Yvan. Para ler as narrativas bíblicas:
Iniciação à análise narrativa. São Paulo: Edições Loyola, 2009, p. 28.
37

enredos pode ser tanto por acumulação, adição ou oposição provocando um efeito de
repetição, o que aumenta a tensão narrativa.82
Dentro do enredo, o autor utiliza o sumário, que segundo Marguerat, é
caracterizado por verbos no imperfeito funcionando como uma recapitulação ou uma
síntese do que já foi dito.83 Em Marcos 4.33-34 temos um sumário: “E com muitas
parábolas semelhantes lhes expunha (imperfeito) a palavra, conforme o permitia
(imperfeito) a capacidade dos ouvintes. E sem parábolas não lhes falava (imperfeito);
tudo, porém, explicava (imperfeito) em particular aos seus próprios discípulos”.84 O
narrador normalmente alterna os sumários com as cenas à medida que o tempo da
narrativa se desenvolve.
O enredo é desenvolvido por meio das cenas. Mais do que construir uma
história em torno dos personagens, Fee e Stuart afirmam que a narrativa judaica
predominante é “cênica”.85 Ou seja, a ação é desenvolvida por uma série de cenas que
juntas perfazem o todo. Isso pode ser comparado a um drama cinematográfico ou
televisivo, que possui cenas sucessivas. É como uma câmera que muda de lugar ou
ponto de vista, aproximando ou afastando-se, focando em um personagem ou outro.
As cenas juntas perfazem a história como um todo. Marguerat chama isso de
quadros.86 Ele afirma que estruturar uma narrativa equivale a identificar os quadros
que a compõe. Por exemplo, em Marcos 14.1-11 temos uma mesma perícope com três
cenas. A primeira cena se dá entre os sacerdotes e escribas, que procuram como
matariam Jesus e decidem fazê-lo por meio de traição de alguém próximo deles. A
segunda cena, mostra Jesus, em Betânia, rodeado de seus discípulos, incluindo aquele
que o trairá, e sendo ungido por uma mulher, que derrama aos seus pés um perfume
que valia trezentos denários. A terceira cena, e final, da micronarrativa, foca no
traidor, Judas, agora indo aos sacerdotes para entregar-lhes Jesus e eles lhe prometem
dinheiro.
As cenas, dentro de um enredo, são compostas por personagens que são
inseridos na narrativa. Segundo Fee e Stuart, na natureza cênica da narrativa judaica

82
MARGUERAT, Daniel. BOURQUIN, Yvan. Para ler as narrativas bíblicas: Iniciação à análise
narrativa. São Paulo: Edições Loyola, 2009, p. 68.
83
MARGUERAT, Daniel. BOURQUIN, Yvan. Para ler as narrativas bíblicas: Iniciação à análise
narrativa. São Paulo: Edições Loyola, 2009, p. 109.
84
Um sumário clássico encontra-se em Atos 2.42-47.
85
FEE, Gordon D., STUART, Douglas. Entendes o que lês?: Um guia para entender a Bíblia com
auxílio da exegese e da hermenêutica. São Paulo: Vida Nova, 2011, p. 115.
86
MARGUERAT, Daniel. BOURQUIN, Yvan. Para ler as narrativas bíblicas: Iniciação à análise
narrativa. São Paulo: Edições Loyola, 2009, p. 48.
38

os personagens são centrais.87 Entretanto, a caracterização dos personagens pouco tem


a ver com aparência física (mesmo que isso ocorra, há um propósito teológico por
trás), mas há uma ênfase maior em questões de posição social (pobre, rico, etc.),
profissão (coletor de impostos, escriba, pescador, etc.), dificuldade física ou espiritual
(paralítico, endemoninhado, fluxo de sangue, enfermos, etc.) ou posição religiosa
(publicanos, pecadores, fariseus, saduceus, sacerdotes, etc.). Segundo Fee & Stuart,
na caracterização dos personagens, eles podem aparecer tanto em contraste como em
paralelo (enfatizando uma comparação em similaridade ou oposição).88 Vitório afirma
que
os personagens encaixam-se no projeto narrativo idealizado pelo
narrador. Encarnam o enredo num processo de interação com
proximidade-distância de variados tipos: amizade-inimizade,
benevolência-malevolência, confiança-desconfiança, intimidade-
indiferença, reconciliação-conflito.89

Por exemplo, em Marcos temos a relação de proximidade e amizade de Jesus com


seus discípulos e distância e inimizade com os fariseus e escribas. Pratt afirma que na
caracterização de personagens o narrador pode usar de aparência e posição social
(Jairo como principal da sinagoga – Mc 5.22). Ele ainda afirma que os personagens
são caracterizados pelas ações evidentes (comportamentos, reações). O discurso
direto e pensamentos dos personagens quando expostos pelo narrador também
descreve suas motivações, atitudes e natureza moral (Mc 26-7: Mas alguns dos
escribas estavam assentados ali e arrazoavam em seu coração: Por que fala ele deste
modo? Isto é blasfêmia!”). Por fim, Pratt afirma que os comentários descritivos
também são usados pelo narrador para descrever os personagens (mulher grega, de
origem siro-fenícia – Mc 7.26).90
Considerando uma biografia, que se aplica ao evangelho de Marcos, o
narrador usa os personagens de forma paradigmática, tanto como exemplo a ser
seguido como a ser evitado. Assim temos a criação tanto de “heróis”, aqueles que
devem ser seguidos, como de “vilões”, aqueles que devem ser evitados. Pratt afirma
que os personagens podem ser protagonistas, antagonistas ou ambivalentes. O

87
FEE, Gordon D., STUART, Douglas. Entendes o que lês?: Um guia para entender a Bíblia com
auxílio da exegese e da hermenêutica. São Paulo: Vida Nova, 2011, p. 116.
88
FEE, Gordon D., STUART, Douglas. Entendes o que lês?: Um guia para entender a Bíblia com
auxílio da exegese e da hermenêutica. São Paulo: Vida Nova, 2011, p. 116.
89
VITÓRIO, Jaldemir. Análise Narrativa da Bíblia: primeiros passos de um método. São Paulo:
Paulinas, 2016, p. 78.
90
PRATT Jr., Richard L. Ele nos deu Histórias. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 165-169.
39

protagonista é o personagem principal da história, sendo bom ou mau. O antagonista é


o personagem que se opõe ao protagonista, representa o lado oposto da tensão
dramática da história. Já o ambivalente não apoia claramente nem o protagonista e
nem o antagonista.91 O narrador pode causar diversas emoções no leitor à medida que
caracteriza seus personagens como "bons" ou "ruins" em termos de sua relação com
as figuras paradigmáticas em suas histórias. A identificação dos personagens, segundo
Vitório, se constrói no decorrer de suas falas e ações, e o narrador o faz em função do
papel que o personagem desempenhará na narrativa, seja de forma central, seja
secundária.92 Às vezes, o narrador pode escolher contrastar dois personagens e, assim,
destacar as semelhanças ou diferenças entre eles. Isso é chamado de técnica de
contraste ou semelhança93. Situação na narrativa em que o personagem ou o motivo
principal é colocado em paralelo com outro personagem ou motivo. Esse paralelo
pode ser tanto para mostrar semelhança quanto para mostrar contraste.
Em uma cena, o narrador pode fazer uma asserção autoral94 onde insere uma
avaliação ou explanação objetiva de um personagem ou de um evento a fim de trazer
informações que são importantes para o entendimento do texto. Por exemplo, em João
4.9b, o evangelista interrompe a narrativa do encontro de Jesus com a mulher para
comentar que “os judeus não se dão com os samaritanos”.
O mundo da narrativa possui o seu próprio tempo, que é diferente do mundo
primário (os fatos em si). Como Gerard Genette aponta,95 a narrativa não consegue
representar eventos simultâneos, pois necessariamente cada evento deve ser relatado
um após o outro. O narrador é, portanto, muitas vezes obrigado a narrar eventos
sequencialmente que supostamente ocorreram ao mesmo tempo. Há, portanto, uma
distinção resultante entre o tempo do evento por trás da narrativa e o tempo da
narrativa. O narrador tem propósito ao narrar os fatos na sequência que quer em seu
tempo narrativo, e o leitor deve buscar compreender essa ordem. Osborne afirma que
“o tempo narrativo é diferente do tempo cronológico porque tem a ver com o arranjo
literário e não com a sucessão história”.96 No desenvolvimento do tempo narrativo o

91
PRATT Jr., Richard L. Ele nos deu Histórias. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 172s.
92
VITÓRIO, Jaldemir. Análise Narrativa da Bíblia: primeiros passos de um método. São Paulo:
Paulinas, 2016, p. 79.
93
RYKEN, Leland. Formas Literárias da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p. 36.
94
RYKEN, Leland. Formas Literárias da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p. 158.
95
GENETTE, Gerard. Narrative Discourse: An Essay on Method, trans. Jane E. Lewin. Ithaca, NY:
Cornell University Press, 1980, pp. 33-86.
96
OSBORNE, Grant R. A Espiral Hermenêutica: uma nova abordagem à interpretação bíblica. São
Paulo: Vida Nova, 2012, p. 262.
40

narrador só pode descrever uma cena de cada vez, como então narrar eventos que
acontecem simultaneamente? Hoggatt afirma que “talvez as resoluções mais diretas
do problema sejam através da lembrança ou da chegada de um mensageiro de ‘outra
cena’, que fornece aos personagens e à plateia uma descrição completa dos
acontecimentos ‘fora do palco’”. 97 Philip Harsh chama isso de cronologia dupla
analisando as narrativas das tragédias gregas.98 Genette afirma que
seria, portanto, necessário distinguir, do ponto de vista simples da
posição temporal, quatro tipos de narração: ulterior (posição clássica
da narrativa no passado, sem dúvida a mais frequente), anterior
(narração preditiva, geralmente no futuro, mas que nada proíbe levar
ao presente), simultâneo (história no presente, contemporânea da
ação) e intercalado (entre os momentos da ação).99

Em Marcos 14.12-15, o leitor fica sabendo das medidas tomadas por Jesus para
preparar a Páscoa. Marcos faz uma narrativa no passado, uma narração ulterior: “E,
no primeiro dia da Festa dos Pães Asmos, quando se fazia o sacrifício do cordeiro
pascal, disseram-lhe...”. Jesus, ao responder faz uma narrativa anterior, preditiva dos
fatos: “Ide à cidade, e vos sairá ao encontro um homem trazendo um cântaro de
água”.
Depois de entender que toda narrativa tem um narrador e devemos
compreender a cadeia de acontecimento para interpretar corretamente o texto é
necessário compreender quais estratégias retóricas o narrador pode guiar o ouvinte
para dentro e ao redor do mundo da narrativa de modo que compreenda o seu
significado. Quais estratégias são essas?

1.3.3 Estrutura Literária


No processo de leitura existem regras de retórica e de gênero literário que
governam a organização do conteúdo do texto e que, portanto, devem reger o
processo de leitura. Hoggatt afirma que existem vários tipos de códigos retóricos e
estilísticos - regras de gênero, consciência de expressões idiomáticas, consciência
intuitiva de cenas-tipo, etc.100 Rhoads afirma que há alguns dispositivos retóricos por
meio dos quais o narrador ordena e tece o conto, como a repetição de palavras, a

97
CAMERY-HOGGATT, J. Irony in Mark’s Gospel: Text and Subtext. [s. l.]: New York: Cambridge
University Press, 1992, p. 44.
98
HASCH, Philip. Handbook of Classical Drama. Stanford, CA: Stanford University Press, 1944), p.
27.
99
GENETTE, Gérard. Figures III. Paris: Éditions du Seil, 1972, p. 229.
100
CAMERY-HOGGATT, J. Irony in Mark’s Gospel: Text and Subtext. [s. l.]: New York:
Cambridge University Press, 1992, p. 69.
41

progressão em duas etapas, o uso de perguntas no diálogo, o enquadramento de um


episódio por outro, a disposição dos episódios em um padrão concêntrico e a
repetição de episódios semelhantes em uma série de três.101

1.3.3.1 Emprego da Repetição


Às vezes parece que o narrador está sendo indevidamente repetitivo, quando
na verdade, isso é um recurso literário e retórico que tem um propósito específico.102
Segundo Rhoads, a repetição de palavras ou frases une diferentes episódios. A
repetição é como um fio verbal que tece seu caminho através da história, dando ao
tecido da história uma unidade que de outra forma não teria. 103 Por exemplo, em
Marcos, o “rasgar” do véu do templo pouco antes de o centurião reconhecer Jesus
como filho de Deus lembra o “rasgar” dos céus antes de Deus declarar Jesus como seu
filho. Observe também como o sumo sacerdote rasga sua vestimenta após a confissão
de Jesus.

1.3.3.2 Estrutura em quadros


Em alguns filmes, uma cena muda no meio da ação, deixando o espectador em
suspense sobre como o enredo se desenrolará, enquanto a câmera muda para outro
episódio da história. Posteriormente, a câmera retorna para continuar ou resolver a
ação iniciada na cena anterior. Essa técnica de enquadramento ocorre com frequência
no evangelho de Marcos. Segundo Rhoads, o dispositivo de enquadramento cria
suspense.104 Depois de saber que a filha de Jairo está perto da morte, o leitor deve
esperar enquanto Jesus cura a mulher com o fluxo de sangue antes de descobrir o que
acontece com a menina. Rhoads ainda afirma que esse suspense mantém o interesse
do leitor, instigando-o a manter sua atenção na história. 105

101
RHOADS, David M. MICHIE, Donald M. Mark as Story: An Introduction to the Narrative of a
Gospel. Philadelphia: Fortress Press, 1982, p. 45.
102
RYKEN, Leland. Formas Literárias da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p. 171.
103
RHOADS, David M. MICHIE, Donald M. Mark as Story: An Introduction to the Narrative of a
Gospel. Philadelphia: Fortress Press, 1982, p. 46.
104
RHOADS, David M. MICHIE, Donald M. Mark as Story: An Introduction to the Narrative of a
Gospel. Philadelphia: Fortress Press, 1982, p. 51.
105
RHOADS, David M. MICHIE, Donald M. Mark as Story: An Introduction to the Narrative of a
Gospel. Philadelphia: Fortress Press, 1982, p. 51.
42

1.3.3.3 Estrutura Concêntrica (Quiasmo)


Leland Ryken afirma que o quiasmo é uma forma literária em que a segunda
metade de um texto retoma os mesmos temas da primeira metade, porém na ordem
inversa. A palavra quiasmo fundamenta-se na palavra grega que significa colocar de
forma contrária. Quiasmo, a forma poética hebraica por excelência, deriva seu nome
da letra grega X ou “Chi” e significa uma figura retórica e temática semelhante ao
paralelismo invertido, onde palavras, cláusulas, expressões, caracteres e elementos
narrativos são trocados em uma inversão semelhante a que ocorre no espelho. 106
Rhoads chama o quiasmo de padrão concêntrico. Ele afirma que os episódios neste
padrão formam anéis em torno de um episódio central.107 Ele usa como exemplo os
cinco conflitos entre Jesus e as autoridades na Galiléia relatados nos capítulos 2 e 3 de
Marcos onde mostra uma relação concêntrica de A, B, C, B’ e A’. Os episódios A e
A’ emparelhados com B e B’ formam um anel externo e um interno ao redor do
episódio central C. David Dorsey afirma que o quiasmo é um componente comum na
Bíblia Hebraica. Segundo ele, versos, seções e mesmo livros são organizados nesse
padrão de simetria. Dorsey relaciona dois tipos de quiasmo: o simétrico, com centro
duplo, representado pela estrutura a-b-c//c'-b'-a'; e o quiasmo assimétrico, com centro
único, representado pela estrutura a-b-c-b'-a'. 108 Dentre as funções do quiasmo
destacadas por Dorsey, está também o conceito de que ele aponta para o clímax ou
ponto de mudança da seção. O adendo feito por Dorsey é que em um quiasmo
simétrico ou assimétrico o centro dele é o centro da perícope, visto que todas as suas
partes simétricas apontariam para a única não simétrica.109

1.3.3.4 Inclusio
Há também a técnica da inclusio, uma das mais utilizadas por Marcos em seu
evangelho. Kee chama inclusio de técnica de interpolação110. Segundo Fee e Stuart
uma inclusio ou inclusão “é um termo técnico para a forma de repetição em que a

106
ROSENBLATT, Jason Philip. SITTERSON, Joseph C. Not in Heaven: Coherence and
Complexity in Biblical Narrative. Bloomington: Indiana Univ. Press, 1991, p. 212.
107
RHOADS, David M. MICHIE, Donald M. Mark as Story: An Introduction to the Narrative of a
Gospel. Philadelphia: Fortress Press, 1982, p. 52.
108
DORSEY, David A. The Literary Structure of the Old Testament: a commentary on Genesis-
Malachi. Grand Rapids, MI: Baker Books, 1999, p.30s.
109
DORSEY, David A. The Literary Structure of the Old Testament: a commentary on Genesis-
Malachi. Grand Rapids, MI: Baker Books, 1999, p.40s.
110
KEE, Howard Clark. Community of the New Age: Studies in Mark`s Gospel. Philadelphia: The
Westminister Press, 1977, p. 56.
43

narrativa é iniciada e levada à conclusão com a mesma menção ou do mesmo


modo”.111 Marguerat chama a inclusio de “encaixe”. Para ele, Marcos é o “campeão
do encaixe dos enredos, que é chamado também de “sanduíche””. 112 Segundo ele,
Essa interpenetração de episódios não passa de uma astúcia
dramática. A construção por encaixe desencadeia um fenômeno de
eco entre a cena encaixada e a cena encaixante, e esse eco produz um
ganho de sentido; as duas cenas se interpenetram uma na outra e uma
graças à outra.113

A inclusio nada mais é do que dois temas semelhantes que estão nas bordas da
narrativa, e no centro um outro tema distinto é abordado, porém, com algum tipo de
relação com o tema das bordas. Moj chama inclusio de intercalação e afirma
As características básicas (principais) das intercalações são as
seguintes: – duas histórias (discursos) conjugadas segundo o
esquema A-B-A’; – a falta de relação ostensiva (entre as narrativas,
discursos A e B); – possibilidade de continuação da narrativa
(discurso) A com a omissão da narrativa (discurso) B; – um
funcionamento independente da narrativa B; – aludindo (por
exemplo, referindo-se a personagens, lugares, eventos etc.) em A'
para a parte um da narrativa (discurso) A.114

Moj afirma que a identificamos uma inclusio em uma narrativa iniciada (A – um


discurso ou história), que é interrompida por outra (B), e posteriormente a conclusão
onde a história anterior é retomada (A’). A primeira parte de uma perícope (A)
permanece “incompleta”. Moj ainda afirma que após uma leitura atenta, porém,
chegamos à conclusão de que a narrativa em questão pode carecer de algum
acréscimo, que na verdade é uma espécie de introdução que requer um final. Por outro
lado, sua segunda parte (A’) contém uma referência à primeira (A), e juntas compõem
uma única narrativa (discurso) A-B-A’. Portanto, a primeira característica básica das
intercalações consiste na junção de duas narrativas (discursos) segundo o padrão A-B-
A’.115 Desta maneira, uma inclusio é como se nas bordas tivéssemos um paralelismo

111
FEE, Gordon D., STUART, Douglas. Entendes o que lês?: Um guia para entender a Bíblia com
auxílio da exegese e da hermenêutica. São Paulo: Vida Nova, 2011, p. 119s.
112
MARGUERAT, Daniel. BOURQUIN, Yvan. Para ler as narrativas bíblicas: Iniciação à análise
narrativa. São Paulo: Edições Loyola, 2009, p. 69.
113
MARGUERAT, Daniel. BOURQUIN, Yvan. Para ler as narrativas bíblicas: Iniciação à análise
narrativa. São Paulo: Edições Loyola, 2009, p. 54.
114
MOJ, M. Sandwich Technique in the Gospel of Mark. The Biblical Annals, [s. l.], v. 8, n. 3, p.
363–377, 2018. DOI 10.31743/ba.2018.8.3.03. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLAiGW7180813000457&lang=
pt-br&site=ehost-live. Acesso em: 12 mar. 2022.
115
MOJ, M. Sandwich Technique in the Gospel of Mark. The Biblical Annals, [s. l.], v. 8, n. 3, p.
363–377, 2018. DOI 10.31743/ba.2018.8.3.03. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLAiGW7180813000457&lang=
pt-br&site=ehost-live. Acesso em: 7 out. 2022.
44

sinonímico, interpolados com um paralelismo sintético no centro. A estrutura é


semelhante a um quiasmo, porém mais simples, tendo apenas três partes: A-B-A’. Por
exemplo, em Gênesis 39 temos uma inclusio. Temos o episódio A, onde José é levado
como escravo à casa de Potifar no Egito, e o SENHOR era com José, e o prosperava,
e Potifar passou às suas mãos tudo que tinha (vs. 1-6). No episódio A’, temos José
como prisioneiro no Egito, e o SENHOR era com José, e o prosperava, e o carcereiro
passou às mãos de José tudo o que tinha (vs. 20-23). No centro, temos o episódio B,
que mostra quem é José e o porquê ele era tão especial. Neste episódio o narrador
relata a tentativa da esposa de Potifar de deitar-se com ele, porém ele responde:
“como, pois, cometeria eu tamanha maldade e pecaria contra Deus?” (vs. 7-19).
Temos:
A: José prospera como escravo no Egito (1-6)
B: A fidelidade de José ao Senhor (vs. 7-19)
A’: José prospera como prisioneiro no Egito (20-23)
Vemos que os episódios estão relacionados e trazem mais riqueza à trama narrativa
quando compreendidos desta maneira. A estrutura de eco, paralelismo e inclusio eram
muito usadas pelos judeus que tinham como técnica de ensino e apreensão o uso da
repetição para memorização, seja dos salmos, seja das narrativas.

1.3.3.5 Eco
Este é um recurso literário que funciona como um déja vu. Chrisholm afirma
que este recurso tem sido mal compreendido por muitos estudiosos, que atribuem
repetições a diferentes fontes literárias.116 Na narrativa, o eco funciona como uma
lembrança de um episódio anterior fazendo que o leitor perceba a semelhança ou
estabeleça contrastes em relação ao tema ou os episódios. No nível mais simples, o
eco é parte estética da obra, mostrando o esmero com que o poeta ou narrador elabora
a coesão e coerência da obra. Mas muitas vezes, o eco abriga uma riqueza de
significados. Ryken afirma que “centenas de detalhes têm eco por toda a Escritura,
todos se harmonizando para construir a narrativa da história da salvação”.117 Hays
afirma sobre eco:

116
CHRISHOLM JR. Robert B. História ou estória? A dimensão literária em textos narrativos. In:
HOWARD JR., David M., GRISANTI, Michael A. (Org). O Sentido do Texto. São Paulo: Cultura
Cristã, 2018, p. 62.
117
RYKEN, Leland. Formas Literárias da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p. 44.
45

“Eco” é a forma de referência intertextual menos distinta e, portanto,


sempre a mais discutível; pode envolver a inclusão de apenas uma
palavra ou frase que evoque, para o leitor atento, uma reminiscência
de um texto anterior. Os leitores que ouvirem o eco perceberão
alguma nuance semântica que carrega um excedente de significância
além do sentido literal do texto em que o eco ocorre; normalmente,
no entanto, o significado superficial do texto seria inteligível para os
leitores que não conseguem ouvir a linguagem ecoada.118

1.3.3.6 Padrões de Macroestrutura


Em toda narrativa bíblica devemos detectar padrões maiores em torno dos
quais há temas teológicos. A análise literária revela a presença de prenúncios, uma
técnica bem conhecida na literatura e nos filmes modernos. Um pequeno começo que
revela o que acontecerá no final de forma grandiosa. Por exemplo, em 1Samuel 16.18,
o narrador revela que Davi é “forte e valente, homem de guerra, sisudo em palavras e
de boa aparência; e o SENHOR é com ele”. Isso antes da narrativa de Golias em
1Samuel 17 e a vitória de Davi.
Ryken afirma que na narrativa bíblica temos também a técnica da Cena-
Padrão,119 que é um conjunto de elementos que convergem para um padrão narrativo.
Por exemplo: Abraão em Gênesis 12.10 a 13.2 vai para o Egito, lá é oprimido por
Faraó que lhe toma a esposa. Então o Senhor envia pragas sobre os egípcios e a casa
de Faraó, então este liberta Sara e Abraão, e estes saem do Egito com muitas riquezas.
O mesmo ocorre no livro de Êxodo, quando o povo de Israel vai para o Egito, lá é
oprimido e tornam-se escravos de Faraó. Então o Senhor envia pragas sobre os
egípcios e a casa de Faraó, que então os liberta, e o povo de Israel sai do Egito com
muitas riquezas despojando-lhes.

1.4 O SENTIDO DO TEXTO


1.4.1 O Sentido Implícito
O narrador pode orientar seus leitores na trama narrativa de duas maneiras: ele
pode dizer ao leitor o que ele precisa saber ou pode mostrar-lhe por meio dos fatos.
Sobre a maneira de mostrar do narrador, Oyen afirma:
ao relatar sua história, o autor previu dois níveis de significado: de
um lado, as palavras que ele escreveu e às quais todo mundo teria
livre acesso; de outro lado, um nível de conhecimento oculto e
voluntariamente dissimulado que o autor teria destinado apenas a
118
HAYS, Richard B. Echoes of Scripture in the Gospel. Waco: Baylor University Press, 2016, p.
59s.
119
RYKEN, Leland. Formas Literárias da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p.29s.
46

uma pequena elite de iniciados... A chave de Marcos se encontra no


próprio texto. Ela está a qualquer momento ao alcance de qualquer
leitor. Não há ocultação de informações por parte do evangelista.
Todo leitor pode participar do segredo.120

Oyen defende que há um sentido explícito e um não explícito no texto que deve ser
levado em conta. Podemos esclarecer a distinção entre mostrar e contar fazendo uma
breve pausa para contrastar a narrativa apropriada com o drama. No drama, não há
narrador (exceto, é claro, pela decisão consciente do dramaturgo); portanto, o
dramaturgo deve estruturar a peça de tal maneira que o público seja guiado
automaticamente para dentro e ao redor do seu mundo narrativo. 121 O narrador
também pode querer dizer algo ao leitor ao desenvolver o personagem, ou por meio
da mudança de tempo ou do local. Por exemplo, em 1Samuel 17 temos a descrição de
Golias (capacete de bronze, couraça de bronze, armas e seu tamanho, quase três
metros). Em paralelo ele descreve Davi (moço, vestiu a armadura de Saul com
capacete de bronze, couraça, armas, porém não conseguia andar). Ao descrever ele
cria uma tensão na narrativa, e apesar de não dizer claramente, ele mostra o que quer
dizer, que nesta batalha Davi não venceu por capacidade, experiência ou força,
tampouco pelo uso de armas. Ele continua mostrando isso na narrativa, pelo fato de o
nome de Deus aparecer no relato apenas na boca de Davi no versículo 26: “quem é
esse incircunciso filisteu para afrontar os exércitos do Deus vivo?”. E posteriormente,
mostrando que Davi não vence pelo uso de armas ele diz no versículo 45: “Tu vens
contra mim com espada, e com lança, e com escudo; eu, porém, vou contra ti em
nome do SENHOR dos Exércitos, o Deus dos exércitos de Israel, a quem tens
afrontado”. O autor está mostrando o que deseja que os leitores compreendam por
meio da descrição dos personagens ou mesmo por meio do diálogo entre eles. Isso
pode ocorrer tanto nos elementos da narrativa e nos episódios quanto na estrutura da
narrativa, como afirmamos anteriormente por meio da inclusio, quando o narrador
quer mostrar que os episódios estão relacionados criando paralelos que devem ser
notados.

120
OYEN, Geert Van. Ler o Evangelho de Marcos como um romance. São Paulo: Edições Loyola,
2020, p. 16ss.
121
OYEN, Geert Van. Ler o Evangelho de Marcos como um romance. São Paulo: Edições Loyola,
2020, p. 16ss.
47

1.4.2 Ações Parabólicas


Kunz afirma que existem inúmeras ocasiões nos Evangelhos, onde o ensino de
Jesus foi mediado através de ações parabólicas.122 Neste caso, a ação de Jesus tinha
um propósito maior de trazer um ensino não-verbal. Jesus não só pregou por meio de
parábolas, mas usou milagres para trazer um ensino claro aos seus discípulos. Por
exemplo, quando Jesus passa pela figueira em Marcos 11.12-14, não encontrando
frutos nela, a amaldiçoa e em seguida a figueira seca. Seu propósito ali não era
simplesmente destruir uma árvore, mas trazer um ensino visível por meio de sua ação
aos seus discípulos: porque essa árvore não está cumprindo seu propósito, ela foi
destruída. Logo na sequência, Jesus purifica o templo, mostrando que este não estava
cumprindo seu papel e, portanto, também seria destruído. Temos assim uma ação
parabólica para trazer um ensino, além de no mesmo texto termos uma inclusio
mostrando a correlação entre a figueira e o templo:
A - Figueira sem frutos (Mc 11.12-14),
B – A Purificação do Templo (Mc 11.15-19),
A’ – Figueira seca (Mc 11.20).
Marcos utiliza de duas ferramentas para trazer um ensino que vai além da semântica
das palavras.

1.4.3 Pragmática
Segundo Moura, ao ler um texto é necessário levar em conta não apenas o
sentido de cada palavra, mas também o significado, que é determinado a partir da
especificação de uma situação.123 Desta maneira, Moura afirma que “a cada situação
específica de produção de um enunciado, teríamos um significado diferente para o
enunciado”.124
No final da década de 70 e início da década de 80 vários artigos foram
publicados no campo da pragmática no Journal of Pragmatics.125 Basílio afirma que
tarefa da pragmática é analisar o uso concreto da linguagem na prática linguística e

122
KUNZ, Claiton André. Ações Parabólicas: Uma análise do ensino de Jesus através de suas
ações. Dissertação (Mestrado em Teologia) – Escola Superior de Teologia. São Leopoldo, 2006, p. 11.
123
MOURA, Heronildes M. M. Significação e Contexto: uma introdução a questões de semântica e
pragmática. Florianópolis: Insular, 2013, p. 62.
124
MOURA, Heronildes M. M. Significação e Contexto: uma introdução a questões de semântica e
pragmática. Florianópolis: Insular, 2013, p. 62.
125
Para saber mais visite: https://www.journals.elsevier.com/journal-of-pragmatics
48

estudar as condições que governam essa prática. 126 Kuruvilla afirma que há uma
distinção entre significado de sentença (ou seja, semântica) e o significado de
enunciado (ou seja, pragmática, o que o autor quer fazer com o que está dizendo).127
Enquanto usamos a semântica para decifrar e entender a frase em um processo
objetivo, usamos a pragmática para decifrar e entender a frase em um processo
inferencial e subjetivo, dependendo do contexto ou mesmo da estrutura. Por exemplo,
se uma mulher diz a um homem: “O senhor está pisando no meu pé”, o significado da
sentença indica apenas a posição do homem, pisando no pé da mulher. Enquanto o
significado da expressão exorta que o homem tire seu pé de cima do pé da mulher.
Este é o sentido pragmático do texto.
A pragmática seria a ciência do uso da linguagem. Segundo Moura, a fronteira
entre a semântica e a pragmática é traçada a partir da noção do contexto.128 Goldnadel
afirma que um enunciado linguístico é uma sentença em uso e não pode ser
compreendido considerando apenas o conteúdo linguístico da sentença.129 Ele afirma
ainda que “sem a identificação desse conjunto de determinações contextuais não é
possível acessar o sentido total de um enunciado linguístico”. 130 Goldnadel ainda
afirma
a busca de mais contexto para produzir mais sentido é fortemente
motivada pela busca de plena identificação das intenções de quem
profere um enunciado. Ou seja, não nos contentamos apenas com
interpretações parciais, capazes de evidenciar algum sentido nos
enunciados que processamos, queremos explorar a intenção
informativa em sua totalidade. Nessa busca, a produção de conteúdos
inferidos decorre de um completo processo de reconhecimento de
desejos e intenções, de modo que a comunicação coloca-se a serviço
não apenas do incremento de nossas representações mentais, mas
também de objetivos interacionais mais amplos.131

126
BASÍLIO, Robério. A Linguística e a hermenêutica bíblica: diálogo e desafios para o intérprete
do século 21 In: LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e seus Intérpretes. São Paulo: Cultura Cristã,
2013, p. 261
127
KURUVILLA, A. “What Is the Author Doing with What He Is Saying?” Pragmatics and Preaching
- an Appeal! Journal of the Evangelical Theological Society, [s. l.], v. 60, n. 3, p. 564-566, 2017.
Disponível em:
http://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLAiGU0171211000589&lang=pt
-br&site=ehost-live. Acesso em: 10 mar. 2021.
128
MOURA, Heronildes M. M. Significação e Contexto: uma introdução a questões de semântica e
pragmática. Florianópolis: Insular, 2013, p. 66.
129
ROMERO, Márcia. GOLDNADEL, Marcos. [et al.]. Manual de linguística: Semântica,
Pragmática e Enunciação. Petrópolis: Vozes, 2019, p. 98.
130
ROMERO, Márcia. GOLDNADEL, Marcos. [et al.]. Manual de linguística: Semântica,
Pragmática e Enunciação. Petrópolis: Vozes, 2019, p. 98.
131
ROMERO, Márcia. GOLDNADEL, Marcos. [et al.]. Manual de linguística: Semântica,
Pragmática e Enunciação. Petrópolis: Vozes, 2019, p. 109.
49

Kuruvilla afirma que o texto bíblico possui um mundo em sua frente que deve
ser compreendido para então aplicarmos o texto. De modo que a interpretação do
texto não pode cessar com a elucidação de seus elementos linguísticos, gramaticais e
sintáticos - o que o autor está dizendo (semântica), mas deve prosseguir para discernir
o mundo na frente do texto - o que o autor está fazendo (pragmática). Green afirma
que “enquanto a semântica lida com o significado da linguagem ou o conteúdo
representacional, a pragmática se concentra no uso da linguagem.” 132 Enquanto a
decodificação de um enunciado fornece a semântica, um processo inferencial conduz
à pragmática. Ambos são necessários para a interpretação. Para Ibaños, a pragmática é
uma teoria da compreensão da linguagem, na qual o contexto dá um tratamento
complementar à semântica para que os problemas de que essa não trata possam ser
tratados de maneira adequada. 133 Ele ainda afirma que a pragmática é necessária para
a complementação da semântica, quando esta se depara com questões que envolvem
implícitos. O significado implícito é um fenômeno linguístico que não é possível ser
explicado apenas através da semântica. O implícito é flexível e variável exatamente
porque se molda em função de cada contexto. Desta maneira, a pragmática é
adequada para o tratamento das questões que envolvem o não-dito, o implicado.134
Por exemplo, se o Sr. A diz à Sra. B: “São 18h50”. Considerando o contexto em que
estão se arrumando para ir ao culto, que começará às 19h00, o significado da sentença
indica apenas o horário, enquanto o significado da expressão exorta a Sra. B: “Se
apresse, senão nos atrasaremos”. A pragmática, um processo inferencial, usa a
declaração de um falante como uma entrada e, com informações contextuais, gera
uma saída com o significado pretendido do falante. Portanto, esse mundo projetado
forma o intermediário entre o texto e a aplicação, e permite que se responda
validamente ao texto.135 Em outras palavras, para entender o que o Sr. A quer dizer, é

132
GREEN, Gene L. “Relevance Theory and Biblical Interpretation” in: The Linguist as Pedagogue:
Trends in the Teaching and Linguistic Analysis of the Greek New Testament. Sheffield: Phoenix, 2009,
219s.
133
IBAÑOS, Ana Maria T.; SILVEIRA, Jane Rita Caetano da. (orgs.) Na interface
semântica/pragmática. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002, p. 321.
134
IBAÑOS, Ana Maria T.; SILVEIRA, Jane Rita Caetano da. (orgs.) Na interface
semântica/pragmática. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002, p. 344.
135
KURUVILLA, A. “What Is the Author Doing with What He Is Saying?” Pragmatics and Preaching
- an Appeal! Journal of the Evangelical Theological Society, [s. l.], v. 60, n. 3, p. 568, 2017.
Disponível em:
http://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLAiGU0171211000589&lang=pt
-br&site=ehost-live. Acesso em: 10 mar. 2021.
50

necessário mais do que apenas a decodificação de sua sentença, é preciso a inferência


da Sra. B para que ela entenda o impulso da declaração de seu marido.
Kuruvilla ainda afirma que
a característica distintiva da abordagem pragmática é que seu
objetivo interpretativo não são os acontecimentos históricos e o que
realmente aconteceu, mas o programa do escritor projetado do texto,
discernido quando se privilegia o texto. O texto é, portanto, um vitral
que conta uma “história” nele mesmo, para o qual devemos olhar,
não uma janela de vidro fosco ou de vidro transparente através do
qual se pode olhar.136

Fee e Stuart chamam essa abordagem de ensino implícito. Segundo eles esse
ensino “é aquele que está claramente presente na história, mas não é declarado em
muitas palavras”.137 Além disso eles afirmam que o narrador não torna sua intenção
explícita pois tem os mesmos pressupostos dos leitores e portanto pressupõe que
entenderão apenas pelo modo como ele conta a história.138
Desta maneira, usaremos os elementos literários abordados anteriormente com
o propósito de estabelecer a base para a interpretação do evangelho de Marcos bem
como analisar o texto sob uma perspectiva pragmática, ou seja, qual a intenção do
autor em construir o texto da maneira que foi construído, o que ele quer fazer com o
que está dizendo de forma implícita e com isso chegar a aplicações válidas para os
dias de hoje.

1.5 CATEGORIAS DE ABORDAGEM INTERPRETATIVA


Em primeiro lugar, é possível ter uma abordagem crítica dos evangelhos, que
questiona a narrativa e não confia nela. Essa abordagem olha para o texto tentando
encontrar respostas fora do texto e ao mesmo tempo questionando o texto. Há uma
desconfiança total do texto e de seu autor. A tarefa do intérprete, que utiliza a
abordagem crítica, é investigar por trás do texto desse autor “não confiável” para
recuperar o objetivo interpretativo, ou seja, o que realmente aconteceu.139 Esse tipo de
abordagem começou no século XVIII, e esse teólogos, ao estudar os evangelhos,
utilizavam uma perspectiva antropológica chegando a um resultado antropocêntrico e
não mais teocêntrico. Esse método começa “de baixo para cima”, começando com a

136
KURUVILLA, Abraham. O texto primeiro. São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p. 98.
137
FEE, Gordon D. STUART, Douglas. Entendes o que lês. São Paulo: Vida Nova, 2019, p. 121.
138
FEE, Gordon D. STUART, Douglas. Entendes o que lês. São Paulo: Vida Nova, 2019, p. 121.
139
KURUVILLA, Abraham. O Texto Primeiro: Uma Hermenêutica Teológica para a Pregação. São
Paulo: Editora Cultura Cristã, 2017, p. 97.
51

imanência de Deus.140 O fator determinante para se chegar a um conceito apropriado


para entender quem é Jesus nos evangelhos não é mais o que a Bíblia ensina a
respeito da pessoa e obra de Cristo, mas o que suas próprias investigações e
conclusões lógicas, além de experiências pessoais com ele podem gerar de conceito
sobre quem é o Jesus “além das Escrituras”. 141 Dessa maneira, tais intérpretes
despiram o Senhor Todo-Poderoso de tudo que é sobrenatural, por meio de uma
“demitologização”.142
Em segundo lugar, temos uma abordagem que visa harmonizar os evangelhos.
Para esse intérprete não há distorções no texto, porém considera que o texto não está
completo. Há uma insatisfação com a narrativa do evangelho como está, e por isso
procura harmonizar os evangelhos para descobrir literalmente o que aconteceu, nunca
enfatizando o texto em si, mas sempre utilizando os quatro evangelhos de forma
paralela.143 Esse intérprete desconsidera as ênfases de cada narrador, além de ignorar
a ordem narrada da maneira que foi estabelecida e consequentemente a intenção do
autor, para tentar descobrir e expor o evento por trás da narrativa. Por exemplo:
Evento: A - B - C (conjunto dos eventos por trás do texto).
Narrativa: a - B - c (exposição do texto, com a ênfase do autor, mudança considerada
insignificante pelo intérprete que visa harmonizar os evangelhos).
Interpretação: A - B - C (o intérprete busca encontrar os eventos, para expor os
eventos, desconsiderando a ênfase do autor).
Temos aqui o evento em si (A – B – C). E o narrador ao escolher a maneira de expor
os fatos dá uma ênfase ao ponto B em detrimento dos pontos A e C. A abordagem da
harmonia dos evangelhos procura entender qual foi o evento para interpretar e expor
como foi o evento, ignorando a narrativa em si.
Por fim, temos o que chamaremos de abordagem estrutural, que visa
privilegiar a estrutura do texto. A ordem e a forma como o narrador estruturou o texto
determina como o texto deve ser interpretado. As mudanças, ênfases, estruturas e
estilos são intencionais e apontam para a intenção do autor por trás da narrativa. A
abordagem pragmática leva em conta o texto como foi narrado e não os
acontecimentos históricos em si. O texto é um vitral que narra uma história. A

140
FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2007, p. 497.
141
BERKHOF, Louis. A História das Doutrinas Cristãs. São Paulo: PES, 1992, p. 107.
142
Rudolf Bultmann é um teólogo que propunha esse tipo de análise do texto.
143
KURUVILLA, Abraham. O Texto Primeiro: Uma Hermenêutica Teológica para a Pregação. São
Paulo: Editora Cultura Cristã, 2017, p. 97.
52

pregação deve ser fiel à intenção do autor.144 Devemos ler com os olhos do narrador,
pois a interpretação correta é a do autor. Todorov afirma que “nenhuma narrativa é
natural; uma escolha e uma construção sempre presidem sobre sua forma; a narrativa
é um discurso, não uma série de acontecimentos”. 145 Levi-Strauss complementa
dizendo que toda narrativa permanece inevitavelmente parcial – isto é, incompleta – e
isso é um tipo de parcialidade”.146 Ou seja, o autor tem um objetivo específico em
narrar da maneira que está fazendo. Ele está sendo parcial, e tem um propósito. Por
exemplo:
Evento: A – B – C
Narrativa: a – B – c
Interpretação a – B – c
Desta maneira temos a interpretação seguindo as ênfases dadas pelo narrador e não a
busca por expor o evento em si. Assim deve ser o pregador, ele não procura construir
ênfases, ele busca compreender as ênfases do narrador e expô-las aos ouvintes.
Portanto, no próximo capítulo analisaremos a estrutura do evangelho de
Marcos em inclusios, quiasmos e paralelismos, bem como faremos uma interpretação
a partir das ferramentas abordadas neste capítulo a fim de compreender a intenção do
autor e por fim chegar a aplicações válidas para nós hoje.

144
KURUVILLA, Abraham. O Texto Primeiro: Uma Hermenêutica Teológica para a Pregação. São
Paulo: Editora Cultura Cristã, 2017, p. 98.
145
TODOROV, Tzvetan. The Poetics of Prose. Oxford: Basil Blackwell, 1977, p. 55.
146
LEVI-STRAUSS, Claude. The Savage Mind. Chicago: University of Chicago Press, 1966, p. 257s.
53

ANÁLISE ESTRUTURAL DO EVANGELHO DE MARCOS


2.1 A IMPORTÂNCIA DE UMA ANÁLISE ESTRUTURAL
A análise narrativa deve levar em conta não apenas o enredo e personagens
mas também o ritmo narrativo, o percurso da ação e os recursos literários usados na
narração, como por exemplo o uso de repetição.147 Fokkelman afirma que
Os prosadores hebraicos, como alhures os poetas, fazem uso, de bom
grado, da técnica de repetição e o fazem deliberada e
sistematicamente. Entretanto, os próprios prosadores sabem,
pertinentemente, que a repetição gera, rapidamente, a monotonia. Por
isso, desenvolveram uma técnica de repetição com variantes cuja
primeira finalidade consiste em aumentar a riqueza do significado da
narração e reservar, para nós, múltiplas surpresas. Esse conceito de
repetição exige certo esforço do leitor contemporâneo [a quem foi
ensinado] que é preciso, a todo custo, evitar as repetições.148

O que Fokkelman explicita é que o leitor moderno desconhece o modo hebraico de


construir uma narrativa e por isso pode interpretá-la de modo parcial. A leitura
ocidental tende a ser com uma ênfase cronológica e evitando o uso de repetições, ao
passo que a narrativa hebraica, em muitos casos, utiliza uma ordem lógica, mais do
que cronológica, e utiliza vastamente as repetições para o ensino bíblico. Alter afirma
que “um dos maiores obstáculos que se impõem ao leitor moderno na compreensão
[...] das narrativas bíblicas é o lugar extraordinário que a repetição ocupa”.149 Alter
ainda afirma que
De maneira geral, quando ocorrem repetições contendo variações
importantes, as mudanças introduzidas podem apontar para uma
intensificação, para a elaboração de um clímax, para uma aceleração
das ações e atitudes inicialmente representadas, ou por outro lado,
para uma nova revelação inesperada e, quem sabe perturbadora, do
personagem ou do enredo.150

Ou seja, a estrutura do texto interfere diretamente na compreensão do


desenvolvimento da narrativa, e desconsiderá-la prejudicará a interpretação do texto e
entendimento da intenção do autor. Dessa maneira, demonstraremos em algumas
perícopes do evangelho de Marcos como os elementos estruturais interferem na
interpretação da narrativa.

147
VITÓRIO, Jaldemir. Análise da Narrativa da Bíblia. São Paulo: Paulinas, 2016, p. 34.
148
FOKKELMAN, J. P. apud VITÓRIO, Jaldemir. Análise da Narrativa da Bíblia. São Paulo:
Paulinas, 2016, p. 35.
149
ALTER, Robert. A arte da narrativa bíblica. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 137.
150
ALTER, Robert. A arte da narrativa bíblica. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 151.
54

2.2 ELEMENTOS ESTRUTURAIS NO EVANGELHO DE MARCOS


Interpretaremos alguns quiasmos, inclusios e paralelismos no Evangelho de
Marcos e perceberemos como a compreensão da estrutura agrega significado à
interpretação da perícope. Para tal, abordaremos as seguintes perícopes:
Perícope Tipo de Estrutura Forma da Estrutura
Marcos 1.1 a 15.39 Inclusio 1 A–B–A’
Marcos 1.21-28 Quiasmo 1 A–B–C–D–C’–B’–A’
Marcos 2.1-3.6 Quiasmo 2 A–B–C–B’–A’
Marcos 3.1-6 Quiasmo 3 A–B–C–D–E–D’–C’–B’–A’
Marcos 3.20-35 Quiasmo 4 A–B–C–D–C’–B’–A’
Marcos 4.1-34 Quiasmo 5 A–B–C–D–C’–B’–A’
Marcos 4.37-41 Quiasmo 6 A–B–C–B’–A’
Marcos 5.1-21 Quiasmo 7 A–B–C–D–C’–B’–A’
Marcos 5.22-43 Inclusio 2 A–B–A’
Marcos 4.35-6.6 Quiasmo 8 A–B–C–D–C’–B’–A’
Marcos 6.1-30 Inclusio 3 A–B–A’
Marcos 6.34-45 Quiasmo 9 A–B–C–D–E–D’–C’–B’–A’
Marcos 6.30-8.10 Quiasmo 10 A–B–C–D–C’–B’–A’
Marcos 7.31-8.26 Paralelismo 1 A–B–C–D–E–F–A’–B’–C’–D’–E’
Marcos 8.22-10.52 Paralelismo 2 A–B–C–D–E–F–E’–F’–B’–C’–D’
– F”– B”–C”–D”–A’
Marcos 9.2-10 Quiasmo 11 A–B–C–B’–A’
Marcos 11.12-21 Inclusio 4 A–B–A’
Marcos 14.1-11 Inclusio 5 A–B–A’
Marcos 14.17-31 Inclusio 6 A–B–A’
Marcos 14.54-72 Paralelismo 3 A–B–C– A’–B’–C’
Marcos 15.40-16.8 Inclusio 7 A–B–A’
Marcos 16.11-20 Inclusio 8 A–B–A’
Marcos 1.1-45 e Marcos Paralelismo 4 A–B–C– A’–B’–C’
16.15-20.
55

2.3 PARALELISMOS, QUIASMOS, ECOS E INCLUSIOS EM MARCOS


A primeira palavra usada no evangelho é arché (tradução grega da palavra
reshiyth – começo, princípio), assim como em Gênesis 1.1, Oséias 1.2, também
presente no evangelho de João 1.1, Marcos também inicia seu relato com a palavra
“princípio”. Ele ecoa Gênesis 1.1. Marcos mostra o propósito maior de todas as
coisas. Se em Gênesis temos o começo de todas as coisas e sombras apontando para o
Redentor, agora Marcos complementa mostrando claramente quem é o Redentor:
Princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus.
Ao longo do evangelho também temos ecos que nortearão os leitores sobre o
propósito da narrativa. No verso primeiro temos o propósito do evangelho: “Princípio
do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus”. Dessa maneira, por sete vezes Marcos
mostrará que Jesus é o Cristo ao longo do evangelho, ecoando o primeiro verso.
Também por sete vezes Marcos ecoará no evangelho que Jesus é o Filho de Deus,
fazendo alusão a Mc 1.1.
Temos:
Texto Quem Reconhece Termo Usado
Marcos 1.1 João Marcos Filho de Deus
Marcos 1.11 Deus Pai Tu és meu Filho amado
Marcos 3.11 Espíritos imundos Tu és o Filho de Deus!
Marcos 5.7 Legião (espíritos imundos) Filho do Deus Altíssimo
Marcos 9.7 Deus Pai Este é meu Filho amado
Marcos 14.61-62 Jesus És tu o Cristo, o Filho do
Deus Bendito? EU SOU.
Marcos 15.39 Centurião Romano Verdadeiramente, este
homem era o Filho de
Deus.

Quem mais chama Jesus de Filho de Deus em Marcos? É importante notar que
a declaração de Jesus como Filho de Deus é repetida no seu Batismo pelo Pai, pelos
demônios, reconhecendo o seu poder, pelo próprio Filho diante do Sumo Sacerdote e
na afirmação de sua ignorância quanto ao dia e a hora e, por fim, na proclamação do
centurião diante da Cruz. Aqui Marcos utiliza o eco para ensinar quem é Jesus ao
longo da narrativa. Por sete vezes Jesus é chamado de Filho de Deus e também por
56

sete vezes sendo chamado de Cristo em Marcos. Osborne afirma sobre o número sete
que
em toda a Bíblia, cada um dos números geralmente sinaliza a ideia de
plenitude ou completude, como no caso dos quatro cantos da terra ou
dos quatro ventos, no uso do número sete nas Escrituras como um
todo ou do número 12 em referência às 12 tribos e aos 12
apóstolos.151

Ou seja, temos o número sete sendo usado por Marcos para mostrar de forma
completa que Jesus é tanto o Cristo quanto o Filho de Deus. Propositalmente Marcos
oculta o termo “filho de Deus” em algumas passagens onde o termo ocorre nos textos
correlatos nos outros evangelhos. Por exemplo, em Mateus 14.33, quando Jesus anda
sobre as águas, ao entrar no barco os discípulos o adoram e dizem: “Verdadeiramente
é o Filho de Deus”. Em Marcos 6.52, quando Marcos narra o mesmo fato, ele apenas
diz que os discípulos ficaram atônitos porque não haviam compreendido e seu
coração estava endurecido. Outra situação ocorre em Mateus 16.16, quando Jesus
pergunta aos seus discípulos quem eles diziam ser ele, ao que Pedro responde: “Tu és
o Cristo, o Filho do Deus vivo”. Porém, em Marcos 8.29 temos apenas: “Tu és o
Cristo”. O propósito de Marcos ao longo dessa inclusio (1.1 / 1.2-15.38 / 15.39-16.20)
é mostrar que Jesus é o Filho de Deus, porém, ao longo da narrativa os discípulos não
compreendem quem verdadeiramente ele é, antes estão com o coração endurecido. Os
demônios sabem quem ele é (Mc 3.11 e 5.7), o Pai sabe quem ele é (Mc 1.11 e Mc
9.7), o evangelista sabe quem ele é (Mc 1.1), e o próprio Jesus diz quem ele é (Mc
14.61-62), porém o primeiro homem no evangelho de Marcos a declarar quem é Jesus
é o centurião romano (Mc 15.39). Além disso, Marcos faz questão de enfatizar que
Jesus é condenado à morte pelo sumo-sacerdote Anás exatamente por Jesus se
declarar “o Cristo, o Filho do Deus Bendito” (Mc 14.61-62). Tanto no batismo quanto
na transfiguração (1.11, e 9.7), nas declarações do Pai, Watss afirma que temos um
eco do Salmo 2.152
Da mesma maneira que Marcos expõe ao longo do evangelho o termo “filho
de Deus”, ele também, por sete vezes, declara ser Jesus o Cristo.

151
OSBORNE, Grant R. Apocalipse: Comentário Exegético. São Paulo: Vida Nova, 2014, p. 19.
152
WATTS, R. E. The Lord’s house and David’s lord: the Psalms and Mark’s perspective on Jesus and
the temple. Biblical Interpretation, [s. l.], v. 15, n. 3, p. 307–322, 2007. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLA0001596250&lang=pt-
br&site=ehost-live. Acesso em: 25 out. 2022.
57

Texto Quem Declara Termo Usado


Marcos 1.1 João Marcos Jesus Cristo.
Marcos 8.29 Pedro Tu és o Cristo.
Marcos 9.41 Jesus Porque sois de Cristo.
Marcos 12.35 Jesus Cristo é Senhor de Davi.
Marcos 13.21 Jesus Eis aqui o Cristo.
Marcos 14.61 Jesus És tu o Cristo, o Filho do
Deus Bendito? EU SOU.
Marcos 15.32 Principais sacerdotes e Desça agora da cruz o
escribas Cristo, o rei de Israel.

Desta maneira temos o evangelista ecoando em todo o seu evangelho os termos que
ele introduz no primeiro versículo: “Princípio do evangelho de Jesus Cristo, o Filho
de Deus”. Cada perícope aponta para isso e a repetição por sete vezes é para mostrar
que ele é perfeitamente o Cristo, e não apenas o Cristo, mas também o Filho de Deus.
Há algumas cenas padrão no primeiro capítulo de Marcos. No livro do Êxodo,
o povo de Israel passa pelo Rio Jordão para entrar na terra prometida. Em Marcos,
Jesus vai ao deserto, e agora passa pelo Jordão (Mc 1.9) para nos conduzir à Nova
Jerusalém. Em Marcos 1.12-13, temos um eco que aponta para o Éden, na tentação e
queda de Adão e Eva em Gênesis 3. 153 Na tentação dos primeiros pais temos um
jardim com animais que são dóceis. Agora, na tentação do segundo Adão, temos um
deserto e feras. Semelhante ecoando em ambos os textos temos a figura de Satanás
tentando tanto o primeiro quanto o segundo Adão. No Éden, a serpente vence e
derruba o homem. No deserto, a serpente falha e o segundo Adão, derruba Satanás e
isso é apenas o começo de seu ministério terreno.

Inclusio 1: Marcos 1.1 – Marcos 1.2-15.38 – Marcos 15.39


Marcos inicia sua narrativa com uma grande inclusio que envolve todo o
conteúdo do Evangelho. Orr afirma que o primeiro versículo é a chave para
interpretar todo o evangelho. 154 Como vimos anteriormente, uma inclusio é uma
estrutura literária A – B – A’. Neste caso Marcos inicia com:

153
HENDRIKSEN, William. Marcos. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 72.
154
ORR, P. Mark as the Backstory to the Gospel: Mark 1:1 as a Key to Mark’s Gospel. Themelios, [s.
l.], v. 47, n. 2, p. 249–260, 2022. Disponível em:
58

A: Marcos 1.1 – Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, o Filho de Deus


B: Marcos 1.2-15.38 – Conteúdo do Evangelho
A’: Marcos 15.39-16.20 – Verdadeiramente este homem era o Filho de Deus.
Essa inclusio é relembrada e retomada no fio narrativo ao longo do evangelho por
meio dos ecos nas sete menções sobre Jesus como o Filho de Deus.
Bauckham afirma que há uma inclusio também em torno de todo o evangelho
de Marcos, em torno da figura de Pedro. Seu nome (Simão ou Pedro) ocorre vinte e
seis vezes no evangelho. Além disso, Pedro é o primeiro dos discípulos de Jesus a ser
nomeado (enfaticamente, com uma repetição redundante de seu nome) e o último
discípulo a ser nomeado no Evangelho de Marcos (1.16; 16.7). Dessa maneira, há um
inclusio A – B – A’ (1.16. – 1.17-16.6 – 16.7). Bauckham chama de inclusio do
testemunho ocular, que marca Pedro como a principal fonte testemunha ocular do
Evangelho. O padrão de nomenclatura corresponde ao fato de Pedro estar presente em
grande parte da narrativa, mais do que no caso de qualquer outro personagem, exceto
Jesus, embora em muitos casos Pedro esteja presente como parte de um grupo de
discípulos.155

Quiasmo 1: Marcos 1.21-28


A: A prática de Jesus em Cafarnaum (vs. 21)
B: A reação do povo – ensinamento com autoridade (vs. 22)
C: A tentativa de resistência do espírito impuro (vs. 23-24)
D: A palavra de Jesus que ordena (vs. 25)
C’: A obediência do espírito impuro (vs. 26)
B’: A reação do povo – ensinamento novo com autoridade (vs. 27)
A’: A notícia sobre a prática de Jesus na Galiléia (vs. 28)156

Em Marcos 1.21-28, após Marcos fazer uma introdução ao evangelho (1.1-


20), já inicia com uma estrutura em quiasmo. Elder afirma que temos aqui uma

https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLAiFZK220822000290&lang=p
t-br&site=ehost-live. Acesso em: 14 out. 2022.
155
BAUCKHAM, Richard. Jesus and the Eyewitnesses: The Gospels as Eyewitness Testimony, 2nd
ed. Grand Rapids: Eerdmans, 2017, p. 114-127, 510-514.
156
SOARES, Sebastião A. G. CORREIA JR. João Luiz. Evangelho de Marcos: Vol. I: 1-8.
Petrópolis: Editora Vozes, 2002, p. 83.
59

inclusio, A (vs. 21-22) – B (vs. 23-26) – A’ (vs. 27-28). 157 Entretanto, Soares,
demonstra que a estrutura é um pouco mais rebuscada, sendo um quiasmo.158
Seu propósito em cada quiasmo, inclusio e paralelismo ao longo da narrativa é
mostrar que Jesus é o Cristo e o Filho de Deus. O centro do quiasmo é a parte mais
importante da estrutura.159 O versículo 21 é paralelo ao versículo 28 que mostra o
ensino de Jesus na região da Cafarnaum, em um paralelismo sinonímico com um
acréscimo: a fama de Jesus corre por todas as regiões da Galiléia (além de
Cafarnaum). O versículo 22 faz um paralelo com o versículo 27 (ensino com
autoridade), também com um acréscimo de que o ensino de Jesus é novo (vs. 27). Na
sequência temos um paralelismo antitético, que inicia com a tentativa resistência do
espírito impuro (vs. 23-24) e no paralelo temos a obediência do espírito impuro (vs.
26). No centro do quiasmo, chamando toda a atenção, está a palavra autoritativa do
Santo de Deus (vs. 25).160 Marcos chama a atenção nessa perícope para o ensino de
Jesus. Quatro vezes aparecem palavras relacionadas ao verbo “ensinar”, além do
centro do quiasmo que é a palavra de autoridade e repreensão de Jesus. No verso 21
temos o verbo “ensinar” (edídasken). No verso 22 temos a sua “doutrina” (didakè) e
os ensinava (didáskon). No verso 27 temos a “nova doutrina” (didakè kainè). Sobre
esse texto, LaGrand afirma:
Na narrativa de Marcos, João Batista já explicou que a fonte do poder
de Jesus é o Espírito Santo (1:7-8). O leitor agora é desafiado a
acreditar que o governo de Deus está sendo estabelecido (1:15) por
"Jesus Messias, o Filho de Deus" (1:1). A fé no Deus Todo-Poderoso
é básica para qualquer compreensão do Evangelho. Aqui o poder de
Deus é canalizado através de Jesus, especificamente em uma ordem
de restrição dirigida ao espírito maligno (1:25).161

O verso 25 mostra que na sua prática ele revela ainda mais. Ele tem autoridade. Não
são meras palavras, mas carregadas de autoridade (exousían). Essa é a novidade no

157
ELDER, N. A. Scribes and Demons: Literacy and Authority in a Capernaum Synagogue (Mark
1:21–28). The Catholic Biblical Quarterly, [s. l.], v. 83, n. 1, p. 75–94, 2021. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLAiFZN210118000685&lang=p
t-br&site=ehost-live. Acesso em: 13 out. 2022.
158
SOARES, Sebastião A. G. CORREIA JR. João Luiz. Evangelho de Marcos: Vol. I: 1-8.
Petrópolis: Editora Vozes, 2002, p. 83.
159
SOARES, Sebastião A. G. CORREIA JR. João Luiz. Evangelho de Marcos: Vol. I: 1-8.
Petrópolis: Editora Vozes, 2002, p. 83.
160
SOARES, Sebastião A. G. CORREIA JR. João Luiz. Evangelho de Marcos: Vol. I: 1-8.
Petrópolis: Editora Vozes, 2002, p. 83.
161
LAGRAND, J. The First of the Miracle Stories According to Mark (1:21-28). Currents in
Theology and Mission, [s. l.], v. 20, n. 6, p. 479–484, 1993. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLA0000870379&lang=pt-
br&site=ehost-live. Acesso em: 13 out. 2022.
60

ensino de Jesus. Marcos está nos mostrando em sua estrutura que Jesus não é mais um
escriba, fariseu ou mestre da lei, ele tem autoridade e poder sobre os espíritos
imundos para expulsá-los cumprindo e ecoando o que diz o texto messiânico de Isaías
61.1: “o Espírito do SENHOR Deus está sobre mim, porque o SENHOR me ungiu
para [...] proclamar libertação aos cativos e pôr em liberdade os algemados”. Marcos
está mostrando por meio do seu ensino autoritativo e da expulsão do demônio que
Jesus é o Messias prometido, ou seja, o Cristo, e que seu ensino não é por mero
conhecimento, mas com poder (exousían) sobre o mundo espiritual, o que mostra que
ele é o Filho de Deus. Nenhum profeta, rei ou sacerdote do Antigo Testamento tinham
poder e autoridade para expulsar demônios, Marcos nos mostra que Jesus tem essa
autoridade. Ele é o Cristo, o Filho de Deus que agora está em Cafarnaum.

Quiasmo 2: Marcos 2.1-3.6


A: Cura do paralítico – perdão de pecado – acusação contra Jesus – Filho do Homem
(Mc 2.1-12)
B: Banquete com pecadores – Médico (Mc 2.13-17)
C: Banquete nupcial – vestes novas, vinho novo, Noivo (Mc 2.18-22)
B’: Banquete com transgressores – Novo Davi (Mc 2.23-28)
A’: Cura do homem da mão ressequida – que tem pecado – acusação contra Jesus –
Filho do Homem (Mc 2.28-3.1-6).162

Temos neste quiasmo, o relato da cura do paralítico (2.1-12) em paralelo com


o relato da cura do homem da mão ressequida. Rhoads afirma que o episódio A (a
cura do paralítico) e o episódio A’ (a cura da mão atrofiada) refletem um ao outro em
estrutura, conteúdo e tema: ambos ocorrem dentro de casa, envolvem a cura do corpo
e incluem os mesmos personagens (Jesus, as autoridades e a pessoa curada. Ambas as
curas são atrasadas enquanto o narrador revela acusações não ditas contra Jesus
(blasfêmia em A e a cura no sábado em A’); e ambos envolvem sérias penalidades
legais.163 Além disso, em ambos os episódios, Jesus responde às acusações não ditas
com perguntas retóricas. Ambos os textos mostram a acusação dos escribas e fariseus
contra Jesus (no primeiro questionando sua autoridade para perdoar pecados, e no
162
SOARES, Sebastião A. G. CORREIA JR. João Luiz. Evangelho de Marcos: Vol. I: 1-8.
Petrópolis: Editora Vozes, 2002, p. 110.
163
RHOADS, David M. MICHIE, Donald M. Mark as Story: An Introduction to the Narrative of a
Gospel. Philadelphia: Fortress Press, 1982, p. 51.
61

segundo, questionando sua atitude de curar no sábado). Em ambos os textos, as


pessoas alvos do amor e da cura de Jesus são marginalizadas e rejeitadas pelos líderes
judeus, sendo vistos como pecadores. Os episódios B (comer com os pecadores) e B’
(colher grãos no sábado) também estão relacionados: ambos estão relacionados a
comer e à impureza (dos cobradores de impostos em B e da violação do sábado em
B’). A forma de ambos os episódios inclui uma ação, as objeções das autoridades e a
explicação de Jesus sobre a ação. Ambos envolvem os mesmos personagens (Jesus,
discípulos e as autoridades). Em ambos os casos, Jesus responde com um provérbio e
depois com uma declaração de seu propósito e autoridade. Na sequência temos o
paralelo do banquete de Jesus com publicanos (2.13-17) com o banquete com
“transgressores” (seus discípulos - 2.23-28), onde Jesus defende tanto os publicanos
quanto os seus discípulos. Jesus passava tempo comendo com publicanos e pecadores.
No primeiro texto eles reclamam de Jesus ter comunhão com pecadores, no segundo
texto, reclamam pelo fato de seus discípulos colherem espigas no sábado. No primeiro
texto, Jesus se apresenta como o médico que veio para curar os doentes. No segundo,
Jesus se apresenta como o Senhor do Sábado. Por fim, temos o centro do quiasmo que
fala do banquete nupcial, em que Jesus apresenta-se como o Noivo. Aqui, Jesus é
questionado pelo simples fato de comer. Os fariseus jejuavam para demonstrar uma
piedade que não existia e os discípulos de João para demonstrar sua tristeza pelo
pecado. Então, “comer ou não comer?” Os inquiridores de Jesus estavam mais
preocupados em manter os rituais que eram a essência de sua religião. Eles
consideravam o jejum como uma disciplina espiritual que de alguma forma ganhava o
favor de Deus. Eles questionam a Jesus e tentam colocar até mesmo João Batista
contra Jesus. Ou pelo menos seus discípulos uns contra os outros. O legalismo faz
isso. E ao olhar para Jesus, eles estavam em festas. Eles comem o tempo todo. Como
podem ter momentos de alegria? Os fariseus questionam sobre o fato de os discípulos
não jejuarem, e então Jesus responde, não dizendo se o jejum não era necessário ou
apropriado, mas que seria impróprio para os seus discípulos jejuarem enquanto Jesus
estivesse com eles pois ele se apresenta como o Noivo. Rhoads afirma que esses
quatro episódios (A, B, B’, A’) formam dois padrões concêntricos em torno do
episódio C, no qual Jesus ensina sobre o jejum (em contraste com o tema alimentar de
B e B’).164 Como resultado, este episódio central enfoca a resposta de Jesus, em vez

164
RHOADS, David M. MICHIE, Donald M. Mark as Story: An Introduction to the Narrative of a
62

de conflitos ou ações, e a resposta de Jesus ilumina todos os cinco episódios que


constituem o padrão concêntrico. Sua referência à "retirada" do noivo aponta para as
possíveis consequências da oposição das autoridades em A e A’, a pena de morte por
blasfêmia ou por quebrar o sábado. Em Marcos 2.19 temos: “Podem, porventura,
jejuar os convidados para o casamento, enquanto o noivo está com eles? Durante o
tempo em que estiver presente o noivo, não podem jejuar”. Esse é o centro do
quiasmo. Ele não está em uma competição. Ele é o Filho do Homem. Ele é o Messias
esperado. Ele é Deus Todo-Poderoso. Ele é o Noivo. Ele se identifica com o Noivo.
O SENHOR é o Noivo. As profecias eram que Deus seria o Noivo do seu povo.
Chegaria o tempo em que o próprio Deus se casaria com o seu povo. Ele está se
identificando com o noivo das profecias. Eu não sou mais um profeta como João
Batista, ou um mestre como os fariseus se chamam? Eu sou o Noivo. Temos em Isaías
54.5: “Porque o teu Criador é o teu marido; o Senhor dos Exércitos é o seu nome; e o
Santo de Israel é o teu Redentor; ele é chamado o Deus de toda a terra”. Em Isaías
62.4-5: “Nunca mais te chamarão Desamparada, nem a tua terra se denominará jamais
Desolada; mas chamar-te-ão Minha-Delícia; e à tua terra, Desposada; porque o
Senhor se delicia em ti; e a tua terra se desposará. Porque, como o jovem desposa a
donzela, assim teus filhos te desposarão a ti; como o noivo se alegra da noiva, assim
de ti se alegrará o teu Deus”. Os discípulos de Jesus já estão caminhando com o Pão
da Vida. Jesus na terra foi o ápice da história humana. A eternidade invade a história.
O mundo é fundamentalmente diferente porque Jesus existiu. Ele mudou
completamente o destino da humanidade. Agora é período de grande alegria e de
celebração. As promessas do pacto estavam sendo cumpridas: curas, milagres, perdão
de pecados. Havia festa na casa de Levi. Mas luto entre os fariseus. Não faz sentido.
Chorar de tristeza e arrependimento no dia do casamento? Faz sentido? Seria um
absurdo eles jejuarem naquele momento. O noivo estava com eles. O melhor
momento da história estava acontecendo.
Nesse quiasmo temos também um eco, o termo “Filho do Homem” que
emoldura a perícope (Mc 2.10, 2.28), esse termo também é citado outras 12 vezes no
evangelho (8.31, 8.38, 9.9, 9.12, 9.31, 10.33, 10.45, 13.26, 14.21, 14.41, 14.62)165. A

Gospel. Philadelphia: Fortress Press, 1982, p. 51ss.


165
Para se aprofundar nesse tema veja: DANOVE, P. The rhetoric of the characterization of Jesus as
the Son of Man and Christ in Mark. Biblica, [s. l.], v. 84, n. 1, p. 16–34, 2003. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLA0001346284&lang=pt-
br&site=ehost-live. Acesso em: 5 out. 2022.
63

expressão “filho do homem” é de longe a mais utilizada a respeito de Jesus em todo o


Novo Testamento e o modo favorito de Jesus ao se referir a si mesmo. Ele refere a si
mesmo como Filho do Homem por mais de quarenta vezes nos evangelhos e catorze
vezes no evangelho de Marcos. No Antigo Testamento, temos o título “Filho do
Homem” no livro de Daniel, quando este tem uma visão, na qual observa quatro
animais selvagens, surgindo um após o outro do mar.166 Depois disto ele diz: “eis que
vinha com as nuvens do céu um como o Filho do Homem, e dirigiu-se ao Ancião de
Dias, e o fizeram chegar até ele. Foi-lhe dado domínio, e glória, e o reino, para que os
povos, nações e homens de todas as línguas o servissem; o seu domínio é domínio
eterno, que não passará, e o seu reino jamais será destruído” (Dn 7.13,14). Por meio
desse título, Jesus Cristo reivindicou para si tanto a dignidade messiânica quanto a
função messiânica.167

Quiasmo 3: Marcos 3.1-6


A: Jesus entra (vs. 1a)
B: um homem tem a mão ressequida (vs. 1b)
C: Os adversários espiam Jesus para o acusarem (vs. 2)
D: Jesus fala ao homem da mão ressequida (vs. 3)
E: A pergunta de Jesus: no sábado é permitido fazer o
bem ou o mal, salvar a vida ou matar? (vs. 4ab)
D’: eles se calam (vs. 4c)
C’: Jesus olha os adversários com indignação e tristeza (vs. 5ab)
B’: a mão do homem é restaurada (vs. 5c)
A’: os adversários saem (vs. 6).168

No primeiro verso temos a entrada de Jesus na sinagoga para trazer vida (vs.
1a), em paralelo, temos a saída dos adversários de Jesus da sinagoga com o intuito de
matá-lo (vs. 6). Temos claramente um contraste entre Jesus e seus adversários. Jesus
entrou na sinagoga para ensinar, porém, algumas pessoas foram à sinagoga não para
aprender, mas, para reunir evidências a fim de montar uma acusação formal contra
Jesus a fim de matá-lo. Na sequência temos o paralelo entre a apresentação do homem

166
HORTON, Michael. Doutrinas da Fé Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 479.
167
LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento. São Paulo; Vida Nova, 2003, p. 206.
168
SOARES, Sebastião A. G. CORREIA JR. João Luiz. Evangelho de Marcos: Vol. I: 1-8.
Petrópolis: Editora Vozes, 2002, p. 148s.
64

que tem a mão ressequida (vs. 1b) e a cura do homem (vs. 5c). Jesus vê o homem e o
cura, mas esse não é o centro do texto. O principal objetivo do evangelista não é
enfatizar a cura.
Em seguida temos a intenção dos adversários de Jesus que o observavam para ver se
curaria no sábado a fim de o acusarem (vs. 2) em paralelo com a reação de Jesus ao
perceber a intenção do coração de seus adversários olhando-os com indignação e
tristeza (vs. 5ab). Jesus entra na sinagoga e os fariseus estão atentos para ver o que ele
vai fazer. O verbo “observar” está no tempo imperfeito em grego, isso significa que
era uma ação contínua. Eles observavam Jesus continuamente. Os fariseus estavam
examinando cada movimento do Senhor Jesus para ver se encontravam alguma falha.
Em paralelo, Jesus sabia o que se passava no coração dos fariseus. Em Lucas 6 está
escrito: “Os escribas e os fariseus observavam-no, procurando ver se ele faria uma
cura no sábado, a fim de acharem de que o acusar. Mas ele, conhecendo-lhes os
pensamentos...” (Lc 6.7–8).
Na sequência temos o último paralelo antes do centro do quiasmo onde Jesus fala ao
homem da mão ressequida trazendo-o para o meio da sinagoga (vs. 3) em contraste
com o silêncio dos seus adversários (vs. 4c). No início do Seu ministério, Jesus não
queria que os milagres fossem divulgados. Mas agora não. Jesus convida o homem
com a mão ressequida para ficar no centro da sinagoga de forma que todos pudessem
ver. Jesus poderia ter declarado ao homem para voltar depois do pôr do sol, quando o
sábado terminasse, mas não havia nada errado em curar um homem no sábado. Jesus
questiona seus adversários antes de curar o homem, e eles apenas ficam em silêncio.
Chegamos ao centro do quiasmo, a coisa mais importante, a pergunta retórica de
Jesus: “Então, lhes perguntou: É lícito nos sábados fazer o bem ou fazer o mal? Salvar
a vida ou tirá-la? Mas eles ficaram em silêncio” (vs. 4). Temos aqui uma ação
parabólica. Jesus ensinando por meio de uma cura. Não há nada no Antigo
Testamento sobre não ajudar as pessoas no sábado. Tudo o que a Bíblia diz é que não
se deveria trabalhar. Deveria ser um dia descanso. Os fariseus e os escribas sabiam o
que a Escritura dizia. Porém os rabinos ensinavam que ajudar alguém no sábado era
considerado trabalho. Se a vida de alguém estivesse em risco, a cura era permitida,
mas se não fosse o caso, a cura não era permitida. 169 A abrangência da tradição é
revelada também na seguinte decisão: se um prédio caísse no sábado, os escombros

169
POHL, Adolf. Evangelho de Marcos. Curitiba: Editora Esperança, 1998, p. 126.
65

poderiam ser removidos para descobrir se alguma vítima estava morta ou viva. Se
viva, ela poderia ser resgatada, mas se estivesse morta, o corpo deveria ser deixado
até o entardecer.170 Essas interpretações dos fariseus eram rigorosamente aplicadas.
Infelizmente, mesmo que este homem não estivesse em perigo de morrer, esses
líderes não tinham compaixão por sua necessidade. Eles não se importavam, eles
apenas se preocupavam com suas regras severas para serem obedecidas. Aqui, com
uma pergunta, ele traz o sábado para a sua luz.171 A pergunta ele faz de uma maneira
que ela já traz em si a resposta. É óbvio que o bem sempre deve ser feito e o mal
proibido. O próprio fato de Jesus fazer esta pergunta aos judeus devotos já os acusa,
no sentido de que evidentemente o mais claro de tudo não está mais claro neles. Isto
levanta a acusação mais grave possível contra eles. O sábado deles não tem mais
poder para curar, só para matar. 172 Jesus tenciona fazer dele de novo um dia de
salvação, em que se pode servir a Deus em seu Reino. Eles conheciam a lei do Antigo
Testamento. É legítimo fazer o bem? Claro! É legítimo salvar uma vida? Claro! É
legítimo matar? Não. Todavia, eles não respondem. Eles estavam cheios de ódio,
querendo fazer mal e matar Jesus no sábado enquanto Jesus queria fazer o bem e
salvar uma pessoa.

Quiasmo 4: Marcos 3.20-35


A: Multidão vem para ouvir Jesus (3.20)
B: Parentes de Jesus – ele está fora de si e saem para o prender (3.21)
C: Escribas – ele está possesso de Belzebu (3.22)
D: Jesus – a blasfêmia contra o Espírito e o homem mais
valente (3.23-29)
C’: Escribas – está possesso de espírito imundo (3.30)
B’: Parentes de Jesus – seus parentes chegam e mandam chamá-lo para o
prender (3.31)
A’: Multidão aprende de Jesus quem é sua verdadeira família (3.32-35)173

170
Yoma, Mishnah 8:7.
171
HENDRIKSEN, William. Marcos. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 153.
172
HENDRIKSEN, William. Marcos. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003, p. 154.
173
KURUVILLA, Abraham. Mark: A Theological Commentary for Preachers. Eugene: Cascade
Books, 2012, p. 69.
66

No primeiro paralelo temos a multidão no entorno de Jesus que o procura para


aprender dele (A – vs. 20 e A’ – vs. 32-35). Nos próximos dois paralelos temos duas
classes de pessoas que não querem aprender de Jesus, antes se opõe a ele de alguma
maneira. No paralelo B - B’ temos os parentes de Jesus, que dizem que ele “está fora
de si”. Seus próprios irmãos e mãe saem no intuito de prendê-lo. Eles querem
controlar Jesus para que faça o que eles querem. Sua própria família não entende
quem ele é, antes pensa que está louco. Kusio afirma que
pode-se notar facilmente que as razões pelas quais a família de Jesus
quer trazê-lo de volta para casa e as alegações feitas pelos escribas
são geralmente semelhantes. Sem dúvida, ambos os grupos vêem
Jesus agindo contra o bom senso e as normas sociais.174

Kusio ainda afirma que a mãe biológica e os irmãos de Jesus só poderiam ser sua
verdadeira família na medida em que seguissem a vontade de Deus, como faz a
multidão. A casa de Jesus, que ele alcançou em 3.20, é onde está sua comunidade,
Jesus fica em casa com a multidão, enquanto sua família fica do lado de fora e não
consegue se comunicar diretamente com ele.175 Os escribas e a mãe e os irmãos de
Jesus assim como os escribas, estão excluídos de sua comunidade, ou seja, sua
verdadeira família. 176 Desta maneira, Marcos mostra essa semelhança agora no
paralelo C - C’ onde temos os escribas afirmando que Jesus não está fora de si, antes
ele está possesso de Belzebu, um espírito imundo. Eles não o chamam de louco, mas
sim de uma pessoa má e endemoninhada. Eles não estão ali para aprender de Jesus,
mas querem prendê-lo para o matar. No centro do quiasmo (D) temos a explicação de
Jesus sobre quem é ele. Essa é a parte mais importante do texto. Jesus começa com
uma questão de simples lógica: “pode Satanás expelir Satanás?”. Como poderia Jesus
exorcizar servos de Satanás sendo Satanás? Isso é feito por um inimigo de Satanás e
não por um aliado ou por ele mesmo.177 Na sequência Jesus explica que um reino
dividido não prevalece e por fim, demonstra que ele é o valente mais poderoso que

174
KUSIO, Mateusz. Theological Implications of Markan Interpretative Intercalations. Ruch Biblijny i
Liturgiczny, v. 68, n. 3, p. 265–288, 2015. Disponível em:
http://cejsh.icm.edu.pl/cejsh/element/bwmeta1.element.ojs-doi-10_21906_rbl_21/c/21-22.pdf. Acesso
em: 2 dez. 2021.
175
WILHELM, Dawn Ottoni. Preaching the Gospel of Mark. Louisville: Westminster John Knox
Press, 2008, p. 59.
176
KUSIO, Mateusz. Theological Implications of Markan Interpretative Intercalations. Ruch Biblijny i
Liturgiczny, v. 68, n. 3, p. 265–288, 2015. Disponível em:
http://cejsh.icm.edu.pl/cejsh/element/bwmeta1.element.ojs-doi-10_21906_rbl_21/c/21-22.pdf Acesso
em: 2 dez. 2021.
177
KIRSCHNER, Estevan F. Amarrando o “valente”. in: PIERATT, Alan (ed.). Chamados para
Servir. São Paulo: Editora Vida Nova, 1994, p. 41.
67

Satanás, que veio para subjugá-lo. Ele é o Messias prometido que viria para trazer
libertação aos cativos e pôr em liberdade os algemados (Is 61.1b). Pohl afirma que
esse texto ecoa Isaías 42.24-25, 53.12 e 63.1-3 que mostra o Servo de Deus (o
Messias) saqueando o valente.178

Quiasmo 5: Marcos 4.1-34


A: Introdução Narrativa – ensinava muitas coisas por parábolas (vs. 1-2)
B: Parábola do Semeador – Parábola do crescimento (vs. 3-9)
C: Mistério – Jesus esconde por parábolas (vs. 10-13)
D: Ensino privado – O elemento humano no crescimento –
ouvem e a recebem (vs. 14-20)
C’: Revelação – Jesus chama os discípulos a serem candeias (vs. 21-
25)
B’: Parábolas das Sementes – O elemento divino no crescimento (vs. 26-32)
A’: Conclusão Narrativa – com muitas parábolas lhes expunha a palavra (vs. 33-34)179

No capítulo 4 temos uma série de parábolas sendo expostas por Jesus e


organizadas pelo evangelista em forma de quiasmo. No paralelo A - A’ temos tanto a
introdução quanto a conclusão da narrativa de Marcos com a repetição de que Jesus
ensinava por meio de muitas parábolas. Na sequência, temos B - B’, onde há um
paralelo entre a parábola dos solos (vs. 3-9) e as parábolas das sementes (vs. 26-32).
Na primeira, Marcos enfatiza o trabalho humano para o crescimento e frutificação que
cada um, dependendo do tipo de solo.180 Em paralelo temos as parábolas da semente e
do grão de mostarda (vs. 26-32), que agora enfatiza não o solo em si, mas o
crescimento grandioso que independe do trabalho humano. Do pouco sai muito.181
Toda essa semeadura, plantação, enraizamento e crescimento acontecem para um
propósito, porque a colheita está chegando. Sempre que o grão estiver maduro, ele
imediatamente “mete a foice”. Lançar foice ecoa o texto de Joel 3.13: “Lançai a foice,
porque está madura a seara; vinde, pisai, porque o lagar está cheio, os seus
compartimentos transbordam, porquanto a sua malícia é grande”. O foto aqui é o
178
POHL, Adolf. Evangelho de Marcos. Curitiba, Editora Esperança, 2018, p. 135.
179
KURUVILLA, Abraham. Mark: A Theological Commentary for Preachers. Eugene: Cascade
Books, 2012, p. 77.
180
WILHELM, Dawn Ottoni. Preaching the Gospel of Mark. Louisville: Westminster John Knox
Press, 2008, p. 67.
181
CAVACO, Tiago. Milagres no Coração. São Paulo: Vida Nova, 2019, p. 114.
68

julgamento de Deus, que ecoará posteriormente em Apocalipse, no juízo: “Outro anjo


saiu do santuário, gritando em grande voz para aquele que se achava sentado sobre a
nuvem: Toma a tua foice e ceifa, pois chegou a hora de ceifar, visto que a seara da
terra já amadureceu!” (Ap 14.15). No próximo paralelo C - C’, temos em primeiro
lugar a atitude de Jesus, que é soberano, de esconder o mistério do Reino aos de fora
por meio das parábolas, mas revelar aos discípulos (vs. 10-13). Hays afirma que
resposta de Jesus indica que ele está falando em parábolas deliberadamente para
ocultar sua mensagem: “Ele lhes respondeu: A vós outros vos é dado conhecer o
mistério (mysτérιοn) do reino de Deus; mas, aos de fora, tudo se ensina por meio de
parábolas, para que, vendo, vejam e não percebam; e, ouvindo, ouçam e não
entendam; para que não venham a converter-se, e haja perdão para eles.'” (Marcos
4:11-12; citando Is 6:9-10).182 Em C’ temos o ensino de Jesus aos discípulos, que não
são soberanos, mas servos, para serem candeias, tendo a responsabilidade de revelar
os mistérios do Reino a todos. Por fim, temos o elemento central (D) do quiasmo, a
revelação de Jesus para os discípulos sobre o que são os tipos de solos e como
acontece no mundo espiritual a proclamação, transformação, salvação e crescimento
daqueles que ouvem a Palavra.

Quiasmo 6: Marcos 4.37-41


A: O temor dos discípulos diante do vento e do mar (vs. 37)
B: Questionamento dos discípulos a Jesus (vs. 38)
C: Ação de Jesus, o Deus Criador (vs. 39)
B’: Questionamento de Jesus aos discípulos (vs. 40).
A’: O temor dos discípulos diante de Jesus – Quem é este? (vs. 41).

A partir de agora, Marcos utiliza três estruturas quiásmicas para mostrar o


poder de Jesus. No quiasmo 6 (4.37-41) ele enfatiza o poder de Jesus sobre a
natureza. No quiasmo 7 (5.1-21), Marcos enfatiza o poder de Jesus sobre o mundo
espiritual. E na inclusio 2 (5.22-43), o evangelista enfatiza o poder de Jesus sobre a
enfermidade e sobre a morte.
No paralelo A - A’ temos o temor dos discípulos diante da tempestade que quase
afunda o barco. Em paralelo, ao final temos completa bonança feita por Jesus, e agora

182
HAYS, Richard B. Echoes of Scripture in the Gospel. Waco: Baylor University Press, 2016, p.
128-132.
69

os discípulos não temem a força do vento e do mar, mas temem o criador e soberano
sobre os ventos e o mar, Jesus Cristo. 183 No paralelo seguinte (B - B’) temos o
questionamento dos discípulos a Jesus, perguntando-lhe se não se importava com eles.
Eles questionam seu poder, sua autoridade e seu caráter.184 Eles colocam em dúvida
quem é Jesus diante de circunstâncias adversas que poderiam tirar suas próprias vidas.
Pohl afirma que esse verso ecoa o Salmo 44.23: “Desperta! Por que dormes, Senhor?
Desperta! Não nos rejeites para sempre!”, duvidando assim como o antigo Israel
duvidou da providência de Deus. 185 Em resposta a isso, Marcos organiza o
questionamento de Jesus em B’, mostrando que o problema não está em quem é Jesus,
mas quem eles são: homens sem fé. No centro do quiasmo, temos a ênfase na ação
parabólica de Jesus que mostra quem ele realmente é: aquele que acalma o mar e os
ventos. O Deus que criou o mundo por sua palavra e agora por meio de sua própria
voz cessa a tempestade.186 Cavaco afirma que a tempestade sobressalta, mas Jesus
aterroriza.187 Antes, os discípulos temiam a tempestade, agora, temem a Jesus. Jesus
repreende o vento. Pohl afirma que esse verso ecoa o Salmo 106.9: “Repreendeu o
mar Vermelho, e ele secou; e fê-los passar pelos abismos, como por um deserto”.188 O
mesmo Deus que abriu o mar vermelho, é o Deus que está diante dos discípulos
acalmando a tempestade. Hays afirma que Marcos ecoa o Salmo 107.23-32 nessa
perícope.189 Marcos provocativamente deixa a pergunta “quem é este” sem resposta.
As palavras ficam suspensas sobre a história – deixando o leitor fornecer a resposta.
Para qualquer leitor versado nas Escrituras de Israel, só pode haver uma resposta
possível: é o SENHOR Deus de Israel que tem o poder de comandar o vento e o mar e
subjugar as forças caóticas da natureza. Marcos ressoa no fundo da história de Marcos
sobre Jesus acalmando o mar está uma passagem vívida do Salmo 107.23-32:
Os que, tomando navios, descem aos mares, os que fazem tráfico na
imensidade das águas, esses veem as obras do Senhor e as suas maravilhas
nas profundezas do abismo.
Pois ele falou e fez levantar o vento tempestuoso, que elevou as ondas do
mar. Subiram até aos céus, desceram até aos abismos; no meio destas
angústias, desfalecia-lhes a alma. Andaram, e cambalearam como ébrios, e
perderam todo tino.

183
OSBORNE, Grant R. Marcos. São Paulo: Vida Nova, 2019, p. 81.
184
POHL, Adolf. Evangelho de Marcos. Curitiba, Editora Esperança, 2018, p. 167.
185
POHL, Adolf. Evangelho de Marcos. Curitiba, Editora Esperança, 2018, p. 167.
186
OSBORNE, Grant R. Marcos. São Paulo: Vida Nova, 2019, p. 84.
187
CAVACO, Tiago. Milagres no Coração. São Paulo: Vida Nova, 2019, p. 119.
188
POHL, Adolf. Evangelho de Marcos. Curitiba, Editora Esperança, 2018, p. 168.
189
HAYS, Richard B. Echoes of Scripture in the Gospel. Waco: Baylor University Press, 2016, p.
203-205.
70

Então, na sua angústia, clamaram ao Senhor , e ele os livrou das suas


tribulações. Fez cessar a tormenta, e as ondas se acalmaram. Então, se
alegraram com a bonança; e, assim, os levou ao desejado porto.
Rendam graças ao Senhor por sua bondade e por suas maravilhas para com
os filhos dos homens! (grifos meus).

Quiasmo 7: Marcos 5.1-21


A: Chegou à outra margem com uma multidão o seguindo (vs. 1)
B: O endemoninhado geraseno encontra Jesus (vs. 2-5)
C: Reação dos demônios a quem é Jesus e rogam a ele (vs. 6-8)
D: Jesus liberta o endemoninhado e envia os demônios para os
porcos (vs. 9-13)
C’: Reação dos gerasenos a quem é Jesus e rogam a ele (vs. 14-17)
B’: O homem liberto pede para seguir Jesus e é enviado a pregar (vs. 18-20)
A’: Voltou no barco para o outro lado e uma grande multidão vem para ele (vs. 21).

No início do cap. 5 temos um quiasmo que enfatiza o poder de Jesus sobre o


mundo espiritual. Temos também um paralelo entre os quiasmo 6 e 7, ou seja, entre o
poder de Jesus sobre o mundo visível e sobre o mundo invisível:190

Marcos 4.37-41 Marcos 5.1-21


Jesus, Judeus, Natureza Violenta Jesus, Gentios, Demônios
Tempestade Severa Possessão Demoníaca Severa
Perguntas aos discípulos Perguntas ao endemoninhado
Jesus repreendeu o mar Jesus repreendeu os demônios
Fez-se grande bonança Homem em perfeito juízo
Discípulos temeram Gentios temeram

No quiasmo 7 temos o primeiro paralelo (A - A’) onde no vs. 1, uma multidão segue
Jesus enquanto ele chega à outra margem, e ao final, no vs. 21, uma multidão vem ao
seu encontro, enquanto Jesus vai para o outro lado. Collins afirma que há um paralelo
entre essa perícope e a anterior. Marcos deseja mostrar por meio dos paralelos o poder
de Jesus sobre o mundo visível e o mundo invisível. Ele afirma:
este Jesus não é apenas um homem comum, ele tem autoridade e
poder sobre as forças da natureza e sobre os demônios. A resposta

190
KURUVILLA, Abraham. Mark: A Theological Commentary for Preachers. Eugene: Cascade
Books, 2012, p. 101.
71

para a pergunta: “Quem é este?” deve ser óbvia para o leitor, porque
somente Deus pode realizar atos tão surpreendentes e poderosos na
natureza e milagres em nossas próprias vidas.191

No paralelo B - B’, temos em B (vs. 2-5) uma descrição do endemoninhado geraseno


e seu encontro com Jesus. Wilhelm afirma que essa perícope ecoa Isaías 65.2-4:
“Estendi as mãos todo dia a um povo rebelde, que anda por caminho que não é bom,
seguindo os seus próprios pensamentos; povo que de contínuo me irrita abertamente,
sacrificando em jardins e queimando incenso sobre altares de tijolos; que mora entre
as sepulturas e passa as noites em lugares misteriosos; come carne de porco e tem no
seu prato ensopado de carne abominável”. Segundo ele também há um eco com
Êxodo 15.14-16, na história da libertação de Israel do cativeiro aos egípcios.192 Watts
também acredita que esse texto ecoe Isaías 65.1-7. 193 Marcos começa a narrativa
mostrando que o homem morava entre os túmulos. Os judeus geralmente evitavam
ficar perto dos túmulos por medo de se tornarem cerimonialmente impuros (Nm
19.11). Aqui, em uma região gentílica, havia um homem possuído por demônios que
se sentia mais confortável entre os mortos do que entre os vivos. As forcas do mal que
atormentavam o homem entre os túmulos são iguais e paralelas à violenta tempestade
que assolou o barco no lago (Mc 4.37). Este é o caso mais grave de possessão
demoníaca em toda a Bíblia. Além disso, “nem mesmo com cadeias alguém podia
prendê-lo...” (Mc 5.4). Ninguém podia detê-lo, subjugá-lo ou prendê-lo. A palavra
“prender” (damazo, em grego) era também usada para domar um animal selvagem.
Satanás roubou tudo de precioso que aquele homem possuíra: sua família, liberdade,
saúde física e mental, dignidade, paz e decência. Pohl afirma que aquele homem era a
personificação ambulante do paganismo.194 Em paralelo, temos B’ (vs. 18-20), agora
um homem liberto, em perfeito estado de consciência, vestido, e mais, um missionário
de Jesus. O mais improvável geraseno foi aquele que Jesus escolheu para libertar e
tornar seu discípulo para evangelizar toda região de Decápolis. Jesus devolveu-lhe sua
família, liberdade, saúde física e mental, dignidade, paz, decência e deu-lhe algo ainda
mais valioso: a salvação e a incumbência de ser um embaixador de Jesus. Na

191
COLLINS, J. B. Mark 4:35-5:20: Diachronic and Synchronic Approaches. The Dunwoodie
Review, [s. l.], v. 26, p. 109–118, 2003. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLAiGU0211206000443&lang=p
t-br&site=ehost-live. Acesso em: 20 out. 2022.
192
WILHELM, Dawn Ottoni. Preaching the Gospel of Mark. Louisville: Westminster John Knox
Press, 2008, p. 86.
193
WATTS, R. E. Isaiah’s new exodus and Mark. Grand Rapids: Baker, 2000, p. 157.
194
POHL, Adolf. Evangelho de Marcos. Curitiba, Editora Esperança, 2018, p. 173.
72

sequência temos C (vs. 6-8), a reação dos demônios diante de quem é Jesus. Eles
dizem: “... Que tenho eu contigo, Jesus, Filho do Deus Altíssimo? Conjuro-te por
Deus que não me atormentes!” (Mc 5.7). Eles entendem que não são nada diante de
Jesus. Eles sabem que o destino deles está marcado. Eles sabem que seu fim chegará.
E com absoluta precisão, os demônios declararam quem é Jesus “Filho do Deus
Altíssimo”. 195 Seus discípulos nunca dirão isso em todo o evangelho de Marcos,
porém os demônios o afirmam. Anteriormente, os discípulos perguntam, depois que
Jesus transformou o mar tempestuoso em bonança, “Quem é este que até o vento e o
mar lhe obedecem?” (Mc 4.41). Agora os demônios respondem, “Jesus é o Filho do
Altíssimo”. Um título usado para identificar o verdadeiro Deus de Israel e distinguir
Cristo de todos os falsos deuses. Significa que Jesus possui a mesma autoridade e
essência ou natureza que o Seu Pai (cf. Lc 1.32, 35; Jo 10.30). Em paralelo temos C’,
com a reação dos gadarenos diante de quem é Jesus. Eles rogam (parakalein) a Jesus
que se retirasse da terra deles.196 Os demônios rogam (parekálei) a Jesus que não os
mandassem para fora do país. Apesar de ambos implorarem a Jesus, os demônios
sabem quem é Jesus, o dono da terra, ao passo que os gadarenos não sabem quem é
Jesus, e pensam ser os donos da terra. No centro do quiasmo temos D, a libertação do
homem endemoninhado e a demonstração do poder de Jesus sobre os demônios e o
mundo espiritual. Jesus é poderoso e com apenas uma ordem uma legião 197 de
demônios é expulsa daquele homem e enviada para uma manada de dois mil porcos,
precipitando-os despenhadeiro abaixo.

Inclusio 2: Marcos 5.22-43


A: Jairo, o principal da sinagoga prostra-se aos pés de Jesus e roga para que cure sua
filha (vs. 22-24)
B: Certa mulher, sofredora, toca nas vestes de Jesus e é curada (vs. 25-34)
A’: Jesus ressuscita a filha de Jairo (vs. 35-43)

195
OSBORNE, Grant R. Marcos. São Paulo: Vida Nova, 2019, p. 82.
196
LEWIS, J. P. Farewell Gerasenes: a Bible study on Mark 5:1-20. Evangelical Review of
Theology, [s. l.], v. 30, n. 3, p. 264–270, 2006. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLA0001634193&lang=pt-
br&site=ehost-live. Acesso em: 14 out. 2022.
197
Uma legião de soldados romanos era composta por cerca de seis mil soldados.
73

JAIRO MULHER ENFERMA


É chamado a crer em Jesus (vs. 36) Crê em Jesus (vs. 34)
Tem uma filha que sofre (vs. 23) É chamada de filha por Jesus (vs. 34)
Uma multidão que não crê está no Uma multidão que não crê está ao redor
velório de sua filha (vs. 38, 40) de Jesus (vs. 24)
Sua filha tem 12 anos e está sofrendo (vs. Está sofrendo há 12 anos (vs. 25)
42)
Foi tocada por Jesus (vs. 41) Toca em Jesus (vs. 27)

Nesta inclusio temos cinco paralelos traçados por Marcos. Em primeiro lugar
temos duas pessoas que creem em Jesus. Jairo de um lado, um homem importante,
chefe da sinagoga em Cafarnaum. Era um homem religioso, moralmente respeitável,
rico, próspero e proeminente na sociedade. Marcos disse que Jairo era “um dos
principais” da sinagoga, o mais alto funcionário religioso da região, muito estimado e
muito poderoso.198 Ele dirigia os cultos, supervisionava a escola semanal, distribuía
dinheiro aos pobres e cuidava da sinagoga. Jairo tem fé em Jesus e mantem sua fé por
três vezes. Primeiro ele sabe que só Jesus pode curá-la e vai até Jesus. Segundo, ele
passa pelo atraso, mas não desiste. Terceiro, ele recebe a notícia da morte de sua filha.
Entretanto, Cristo diz: Não temas, crê somente. E Jairo manteve a sua fé. Em paralelo
temos a mulher enferma. Ela é uma anônima, uma excluída.199 Ela tinha posses, mas
agora não tem mais nada. Ela tinha uma hemorragia que, como judia, afetava todas as
partes de sua vida.200 Enquanto Jairo era um líder da sinagoga, ela era uma mulher
que não podia entrar na sinagoga. Jairo era conhecido, ela, nem mesmo tem seu nome
mencionado. Jairo era um homem rico, ela perdeu todos os seus bens em busca da
cura. Jairo teve a alegria de conviver doze anos com sua filhinha que agora estava à
morte, ela sofria há doze anos com uma doença que a impedia de ser mãe.201 Jairo fez
um pedido público a Jesus, ela aproximou-se de Jesus com um toque silencioso e

198
POHL, Adolf. Evangelho de Marcos. Curitiba, Editora Esperança, 2018, p. 178.
199
KUSIO, Mateusz. Theological Implications of Markan Interpretative Intercalations. Ruch Biblijny i
Liturgiczny, v. 68, n. 3, p. 265–288, 2015. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLAn3869316&lang=pt-
br&site=ehost-live. Acesso em: 6 dez. 2021.
200
PARK, M. Y. S. Inerrancy and blood: women and Christology in Leviticus 12 and 15, and Mark
5:21-43. Presbyterion, [s. l.], v. 45, n. 1, p. 83–95, 2019. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLAn4508583&lang=pt-
br&site=ehost-live. Acesso em: 14 out. 2022.
201
KURUVILLA, Abraham. Mark. Oregon: Cascade Books, 2012, p. 108.
74

anônimo. Jairo era um homem respeitado, ela uma mulher desprezada. Mas ela crê no
Senhor Jesus e por causa disso é curada e salva por ele.202
Em segundo lugar temos duas filhas que sofrem. Há duas filhas nessa história. Temos
a filhinha (tigátrion) de um chefe da sinagoga que tinha muitos servos. E uma filha
pobre, que não tinha ninguém que a apresentasse, defendesse. E é essa que Jesus
chama de filha (tigáter). Aquela mulher miserável se torna a filha do centro da
história. Jesus se importa com a filha sofredora e desprezada.
Em terceiro lugar temos duas multidões que não têm fé. Jesus estava sendo
comprimido por uma multidão (vs. 30-31) e pergunta: “quem me tocou nas vestes?”.
A ironia do texto é que Jesus sabia quem o tocou. A mulher enferma também sabia
que o tocou. Nós leitores sabemos quem o tocou. Quem não sabia eram justamente os
discípulos e a multidão. Eles não conhecem bem o cuidado, a misericórdia e o amor
de Jesus. Eles não entendem e não creem, mas aquela mulher crê no Senhor Jesus.
Assim como essa multidão que não entende Jesus e nem seu poder, temos uma
segunda multidão na casa de Jairo (vs. 38). Essa multidão ri de Jesus. Eles não o
conhecem também. Eles não sabem do seu cuidado, misericórdia e amor. Eles não
têm fé. Mas Jairo foi convidado a crer somente.203
Em quarto lugar temos uma mulher que estava morrendo por doze anos e a filha de
Jairo que morreu aos doze anos. A enfermidade daquela mulher começou na mesma
época em que a filha de Jairo nasceu.
Em quinto lugar temos uma mulher que é curada por tocar nas vestes de Jesus e uma
menina que é curada pelo toque de Jesus. Nos versos 25 a 27, Marcos narra usando
sete particípios até chegar ao verbo principal da oração, “tocou-lhe”. Temos sete
gerúndios até o verbo principal. 1: Havia doze anos, 2: vinha sofrendo, 3: muito
padecera, 4: tendo despendido tudo quanto possuía, 5: indo a pior, 6: tendo ouvido a
fama de Jesus, 7: vindo por trás dele, então ela toca em Jesus. Esse é o centro da
inclusio, a cura da mulher que creu em Jesus e tocou em suas vestes. A imundícia
contamina pelo toque. Porém isso não acontece com Jesus. Ela o toca e não é ele que
fica imundo, porém ela é purificada. Em paralelo temos o toque de Jesus que traz vida
à filha de Jairo. No verso 41 temos: “Tomando-a pela mão”. Ao tocar na menina

202
KURUVILLA, Abraham. Mark. Oregon: Cascade Books, 2012, p. 110.
203
HATTON, S. B. Comic ambiguity in the Markan healing intercalation (Mark 5:21-
43). Neotestamentica, [s. l.], v. 49, n. 1, p. 91–123, 2015. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLAn3869316&lang=pt-
br&site=ehost-live. Acesso em: 3 dez. 2021.
75

morta, não é Jesus quem fica imundo por tocar uma pessoa morta (Nm 19.11), antes,
ela é quem ressuscita. Pohl afirma que “as duas mulheres de 5.21-43 representariam
Israel desonrado e prostrado, para o qual raiou o tempo da salvação”.204

Quiasmo 8: Marcos 4.35-6.6


A: Mc 4.35-41 – A Incredulidade dos Discípulos
B: Mc 5.1-20 – O geraseno é liberto, Jesus pede que ele anuncie o que lhe foi
feito a todos e eles se admiravam
C: Mc 5.21-23 – Jairo crê
D: Mc 5.24-34 – A mulher enferma crê
C’: Mc 5.35-36 – Jairo continua crendo
B’: Mc 5.37-43 – Jesus ressuscita a menina, todos se admiram, mas Jesus pede
que ninguém o soubesse
A’: Mc 6.1-6 – A Incredulidade dos compatriotas de Jesus.
É interessante perceber que Marcos tem a estrutura de repetição tão
entranhada em sua mente que utiliza isso não apenas de forma menor em perícopes,
mas de forma ampla no todo de sua obra, seja na estrutura de inclusio do livro como
um todo (inclusio 1) com A - B - A’ (Mc 1.1 – Mc 1.2-15-38 – Mc 15.39), seja agora
neste quiasmo 8 que engloba os quiasmos 6, 7 e a inclusio 2.
Aqui, Marcos trabalha nos paralelos A - A’ mostrando a incredulidade dos discípulos
de Jesus (4.35-41) e a incredulidade dos compatriotas de Jesus em Nazaré (6.1-6). Na
sequência, em B-B’, temos um paralelo entre a admiração de todos diante do
testemunho do geraseno do que Jesus fizera a ele e Jesus ordena que anunciasse o que
lhe foi feito (5.1-20), e a admiração de todos diante da ressurreição da filha de Jairo e
Jesus ordena que não anunciassem a ninguém (5.37-43). Na sequência temos o
paralelo C - C’ em que Jairo crê no Senhor Jesus e pede-lhe que cure sua filha (5.21-
23) e após a notícia da morte da menina, Jairo é chamado a continuar crendo no
Senhor Jesus, agora não para a cura, mas para a ressurreição (5.35-36). No centro
deste quiasmo temos D, a cura da mulher enferma. Ela é um paradigma de fé para
Jairo. Jesus ativamente vai ao geraseno e à filha de Jairo para curá-los, ela vai até
Jesus. Ela é o oposto dos discípulos de Jesus e dos compatriotas de Jesus que não
creem nele, sua fé e confiança no Senhor Jesus é o centro do ensino deste quiasmo.

204
POHL, Adolf. Evangelho de Marcos. Curitiba, Editora Esperança, 2018, p. 185.
76

Inclusio 3: Marcos 6.1-30


A – Os discípulos são enviados para pregar e agir (6.7-13)
B – Rejeição, perseguição e morte de João Batista (6.14-29)
A’- O retorno dos discípulos com o relatório de tudo que fizeram e pregaram (vs. 30)

O envio dos doze e seu retorno emoldura a rejeição e morte de João Batista. O
ensino central desta inclusio é que o trabalho missionário traz muitos frutos, mas
também inclui oposição e rejeição. No primeiro paralelo A - A’, temos o envio dos
discípulos para pregar, curar e expulsar demônios na dependência de Jesus e na
autoridade de Jesus, e seu retorno prestando relatório a Cristo sobre tudo que
pregaram e sobre suas curas e exorcismos. Eles são enviados por Jesus e colhem
frutos preciosíssimos, retornam felizes para Jesus. Mas nem sempre é assim. No
centro do quiasmo em B, temos a rejeição e morte de João Batista, o precursor de
Jesus, quando Herodes o rejeita como profeta e o prende por causa de sua pregação
contra o pecado. 205 Ele foi enviado por Deus e agora retorna para Deus. A sua
trajetória não é curta como o envio e retorno dos doze aqui, mas revelada a nós de
forma completa. João Batista é morto por pregar a verdade e por desejar agradar
apenas a Deus. João Batista é um modelo de discípulo aqui, tanto que o confundem
com Jesus.206 Eles pensavam que Jesus era João Batista ressuscitado. Sim, o Messias
morreria e ressuscitaria, mas não seria João. Outros estavam dizendo: "Ele é Elias". É
interessante, pois Elias também repreendeu corajosamente um rei mau em 1Reis 17.1,
o rei Acabe, que governou o reino do norte de Israel de 874 a 853 a.C. Elias
profetizou que uma seca viria sobre toda a terra como consequência da maldade do rei
Acabe (leia 1 Reis 17: 1–7). E semelhante à situação com João Batista, a vida de Elias
foi procurada por uma ímpia rainha Jezabel, mas ao contrário de Herodias que teve
sucesso, Jezabel não foi capaz de matar Elias. 207 Aqui, João Batista, por ser um
discípulo de Jesus e por pregar fielmente a Palavra de Deus, é morto. Nenhum
milagre foi realizado para a libertação de João. Na verdade, João deixou sua prisão

205
KUSIO, Mateusz. Theological Implications of Markan Interpretative Intercalations. Ruch Biblijny i
Liturgiczny, v. 68, n. 3, p. 265–288, 2015. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLAn3869316&lang=pt-
br&site=ehost-live. Acesso em: 6 dez. 2021.
206
SCHMITT, D. R. Anatomy of a Sermon: On Mark 6:14-29 by Mark Rouland. Concordia
Journal, [s. l.], v. 48, n. 1, p. 71–78, 2022. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLAiREM220507000238&lang=
pt-br&site=ehost-live. Acesso em: 14 out. 2022.
207
POHL, Adolf. Evangelho de Marcos. Curitiba, Editora Esperança, 2018, p. 198.
77

para o paraíso, por um repentino golpe de espada. O que ainda acontece hoje na
perseguição aos cristãos ao redor do mundo, enquanto cumprem o envio de Jesus para
fazerem discípulos. Sobre o paralelo entre Jesus e João neste texto, Miller afirma
Os paralelos entre Jesus e João são mais notáveis, especialmente no
que diz respeito à maneira de suas mortes. Tanto Jesus quanto João
são vozes proféticas que desafiam o status quo e que atraem a
atenção desfavorável das autoridades políticas no processo. Ambos
encontram sua morte porque um terceiro encontrou um 'momento
oportuno' (εύκαιρο) para traçar sua queda (6.21; 14.11). Ambos são
apreendidos (κρατέω) e amarrados (δέω) (6.17; 14,46 ; 15,1). Ambos
são vítimas inocentes que são injustamente executados (6,27; 15,24).
Os dois são "executados por governantes políticos que reconhecem
sua bondade" e que se sentem em conflito por encerrar a vida de um
homem justo (6.20, 26; 15.6-14). Em ambos os casos, o governante
sucumbe à pressão pública e os mata (6,26-27; 15,15).208

O centro deste quiasmo nos ensina quão pouca recompensa alguns dos melhores
servos de Deus recebem neste mundo. Uma prisão injusta e uma morte violenta foram
os últimos frutos que João Batista colheu em troca do seu trabalho. Seu descanso, sua
coroa, seu salário, sua recompensa, estão todos do outro lado da sepultura. Aqui, nesta
vida, ele deve semear, trabalhar, lutar e suportar a perseguição, e saber que haverá um
dia de retribuição. Ainda há uma colheita gloriosa por vir. Como diz a Escritura:
“Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem
ser comparados com a glória a ser revelada em nós” (Rm 8.18). E “ Porque a nossa
leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória, acima de toda
comparação” (2Co 4.17).

Quiasmo 9: Marcos 6.34-45


A: Desembarca na praia, compaixão da multidão (vs. 34)
B: Necessidade de comida expressa pelos discípulos (vs. 35-36)
C: Jesus manda que os discípulos lhes deem de comer (dídomi / esthío)
(vs. 37)
D: Cinco pães e dois peixes são localizados (vs. 38)

208
MILLER, G. D. An intercalation revisited: Christology, discipleship, and dramatic irony in Mark
6.6b-30. Journal for the Study of the New Testament, [s. l.], v. 35, n. 2, p. 176–195, 2012. DOI
10.1177/0142064X12462659. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLAn3778773&lang=pt-
br&site=ehost-live. Acesso em: 4 dez. 2021.
78

E: Jesus ordena que a multidão se sente em grupos em


uma grama verde (vs. 39-40) – Ele é o Pastor do Salmo
23.
D’: Cinco pães e dois peixes partidos por Jesus (vs. 41a)
C’: Jesus dá (dídomi) os pães e peixes aos discípulos para distribuírem,
todos comem (esthío) e se fartam (vs. 41b-42)
B’: Os discípulos colhem o que sobrou (vs. 43-44)
A’: Os discípulos embarcam e passam adiante, multidão é despedida (vs. 45).209

Nesse quiasmo temos oito paralelos que emolduram a multidão assentada em


grupos em uma grama verde. No primeiro paralelo (A – A’) temos primeiramente
Jesus desembarcando na praia, e a multidão encontrando com ele. Então, Jesus se
compadece da multidão porque eram como ovelhas que não têm pastor. Essa frase
dará a ênfase do que será o centro do quiasmo em E. O pastor e rei de Israel era o
próprio Deus no Antigo Testamento (Gn 48.15; Sl 23.1; 95.7; 100.3; Jr 13.17; Mq
7.14; Zc 10.3). Pohl afirma que esse texto aponta para Ezequiel 34.10-24: “Eis que eu
mesmo procurarei as minhas ovelhas e as buscarei. Como pastor busca o seu rebanho,
no dia em que encontra ovelhas dispersas, assim buscarei as minhas ovelhas; livrá-las-
ei, [...] suscitarei para elas um só pastor, e ele as apascentará...”.210 A’ em paralelo, ao
final, temos os discípulos embarcando e saindo da praia, e a multidão sendo
despedida, agora alimentada.
Em B – B’, temos em primeiro lugar os discípulos levantam a necessidade de que a
multidão fosse alimentada, e dão a solução de mandá-los embora para casa pois ali
não havia alimento para eles. Em paralelo, depois da multidão alimentada, agora os
discípulos recolhem as sobras de doze cestos de pães e peixes, em um local que
aparentemente não tinha alimento, mas tinha o Supremo Pastor diante de ovelhas
famintas. Jesus é o Deus que provê o alimento necessário para suas ovelhas. Watts
afirma que esse texto ecoa a provisão de Yahweh para o seu povo no Novo.211 No
paralelo C – C’ temos Jesus ordenando aos seus discípulos que deem (dídomi) de
comer (esthío) à multidão, porém eles nada tinham e questionam a Jesus. Os
discípulos que antes eram incrédulos quanto ao milagre, que veem o problema, mas

209
KURUVILLA, Abraham. Mark: A Theological Commentary for Preachers. Eugene: Cascade
Books, 2012, p. 133s.
210
POHL, Adolf. Evangelho de Marcos. Curitiba, Editora Esperança, 2018, p. 206.
211
WATTS, R. E. Isaiah’s new exodus and Mark. Grand Rapids: Baker, 2000, p. 179.
79

propõe uma solução inadequada em C, são capacitados para serem agentes de Deus
suprindo a necessidade das pessoas ao seu redor de forma abundante no paralelo de
C’. A ordem de Jesus aos discípulos de darem eles mesmos de comer não era para
envergonhar os discípulos, mas para que dependessem dele.212 Quando Jesus viu a
multidão faminta naquele deserto, já sabia o que estava para fazer. Quando Jesus dá
ordens impossíveis de realizar, ele está mostrando que a obra que eles fariam não é
pelo seu próprio poder. Mas os discípulos estão incrédulos. A possibilidade de que
Jesus pudesse criar os alimentos necessários nunca passou por suas cabeças. Eles
estavam tão focados no problema e na necessidade de encontrar uma solução humana,
que deixaram de considerar o poder divino de seu Senhor. Pelo menos alguns
daqueles discípulos experimentaram o poder de Jesus nas bodas de Caná, onde ele
transformou água em vinho para muitos. Eles o viram acalmar uma tempestade.
Entretanto, sua fé ainda é fraca. Porém, Jesus usa as mãos dos discípulos para
abençoar a multidão. O milagre aconteceu nas mãos de Jesus, não nas mãos deles,
pois somente ele pode abençoar e multiplicar. Porém, Jesus os faz garçons,
abençoadores. Eles não são fabricantes, mas distribuidores das bênçãos de Jesus. No
próximo paralelo (D – D’) temos primeiramente os cinco pães e dois peixinhos sendo
apresentados para Jesus. Algo ínfimo diante de mais de cinco mil homens. Entretanto,
a forma de provisão de Deus sempre começa com o que já temos. Jesus ensina aos
discípulos que o primeiro passo não é medir os recursos, mas confiar, baseado em sua
palavra, que ele atenderá às suas necessidades. Aquilo não era suficiente nem para
eles. Entretanto, Jesus estava aproveitando esta oportunidade para mostrar aos
discípulos que o que eles têm é o suficiente e muito mais se entregarem nas mãos dele
e se confiarem nele. Por fim, o centro do quiasmo é a multidão (como ovelhas que
não tem pastor) assentada em grupos na grama verde, uma alusão ao Salmo 23, com a
divina provisão sendo distribuída pelos discípulos. Ao mesmo tempo que as mãos dos
discípulos servem a eles, eles devem servir uns aos outros e comer uns com os outros.
Eles são cuidados pelo Pastor e agora estão cuidando uns dos outros. Aquelas ovelhas
que não tinham pastor, agora estão diante do Bom Pastor que as conduz às águas
tranquilas e verdes pastos para alimentá-las.

212
HENDRIKSEN, William. Marcos. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 323.
80

Quiasmo 10: Marcos 6.30-8.10


A: A primeira multiplicação dos pães (6.30-44)
B: Jesus anda sobre o mar – discípulos ficam atônitos (6.45-52)
C: A cura de muitos em Genesaré (6.53-56)
D: Jesus confronta a tradição dos anciãos e torna puros todos os
alimentos (7.1-23)
C’: A cura de uma menina em Tiro – migalhas de pães (7.24-30)
B’: A cura do surdo-gago – discípulos ficam maravilhados (7.31-37)
A’: A segunda multiplicação dos pães (8.1-10).

Temos agora um quiasmo que tem como moldura as duas multiplicações de


pães e peixes. Entre as duas multiplicações de pães, que alimentam milhares de
pessoas (A-A’), temos na sequência dois milagres de Jesus (B - B’), no primeiro
milagre temos Jesus andando sobre o mar e seus discípulos ficam atônitos diante dele.
Jesus anda por sobre o mar, mostrando ser o Deus todo poderoso, e diz aos seus
discípulos: “Tende bom Ânimo! Sou eu. Não temais!”. Sobre essa afirmação, Pohl
diz:
A propósito, essa pequena frase intermediária é destacada, pelas
palavras de consolo antes e depois, como é característico de
revelações de Deus em toda a Bíblia, bem além de uma apresentação
pessoal. É um ser pleno de que ele fala. Não diz somente que é ele
mesmo, mas também como ele é mesmo: tudo o que ele tem, dá,
pode, quer, promete e faz. Jesus reativa uma promessa de consolo de
Deus no AT (Êx 3.14; Dt 32.39; Is 41.4,13; 43.10,13; 47.8,10).213

Ao dizer “não temas”, Jesus ecoa todas as palavras ditas pelo Senhor no AT aos seus
servos (Gn 15.1; 21.17; 26.24; Nm 21.34; Dt 1.21; 3.2; Js 1.9; Jz 6.23; 2Rs 19.6; Is
41.10, 13-14; 43.1, 5, 44.2, Jr 1.8; Dn 10.12; Jl 2.21; Sf 3.16). Além disso, temos aqui
a afirmação de Jesus: “Eu sou”. Jesus atribui a si o nome de Deus no Antigo
Testamento (Yahweh que quer dizer Eu Sou, traduzido para o grego Egó Eimí). No
Antigo Testamento, quando Moisés pergunta ao Senhor qual é o seu nome, Deus lhe
responde: “EU SOU O QUE SOU” (Êxodo 3.14). Em Deuteronômio 32.39 temos:
“Vede agora que eu sou, eu somente, e nenhum outro Deus além de mim”. O nome
que Deus se apresenta ao seu povo é Yahweh (YHWH), que significa EU SOU.
Berkower afirma: “O EU SOU de Cristo, absoluto e sem predicado, tem o mesmo

213
POHL, Adolf. Evangelho de Marcos. Curitiba, Editora Esperança, 2018, p. 211.
81

alcance que o EU SOU de Iavé.”.214 Além disso, Watts afirma que esse verso ecoa
Isaías 43.1.11, tanto quando Deus diz em Isaías 43.1: “Não temas”, quanto nos versos
3 e 11 quando ele diz: “Eu Sou”.215
Em paralelo, temos outro milagre, a cura do surdo-gago, em que os discípulos
novamente ficam maravilhados. No próximo paralelo temos dois momentos de curas
de Jesus, sendo o primeiro em Genesaré, na região da Galiléia, onde Jesus cura muitos
judeus. Em C’ temos Jesus indo à Tiro, entre gentios, e ali cura apenas uma pessoa. É
interessante que ali Jesus está ensinando a seus discípulos que há pão para todos. Uma
mulher grega de origem siro-fenícia vem até Jesus. Mas, assim como a mulher com
fluxo de sangue, ela é um paradigma de fé. Vejamos o paralelo enfatizado por
Marcos:

Marcos 5.25-34 Marcos 7.24-30


Mulher impura (fluxo) Mulher impura (gentia)
Tendo ouvido a respeito dele, vindo (25, Tendo ouvido a respeito dele, veio (25)
27)
Ela prostrou-se aos seus pés (prospipto) Ela prostrou-se diante dele (prospipto)
(33) (33)
É chamada de filha (vs. 34) Tem uma filha (26, 29)
Demonstra fé e é salva (29) Demonstra fé e sua filha é liberta (34)
Jesus a envia para casa (29) Jesus a envia para casa (34)

A resposta do Senhor para ela é um ditado muito usado pelos judeus naquela época
em relação aos gentios: ‘Não é bom tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos
cachorrinhos”. Os judeus consideravam todos os gentios como cães. Jesus apresenta
um ditado judaico, que era defendido pelos judeus da época. Os judeus chamavam os
gentios de cães. Jesus usa uma parábola. Jesus usa provérbios populares para ensinar.
Ele usa um provérbio popular para ensinar a multidão no Sermão do Monte:
“Ouvistes o que foi dito: amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo” (Mt 5.43).
Essa mulher passa no teste. Ela é humilde. É como se dissesse: “se o que tens para
mim são migalhas, aceito de bom grado”. Ela é a primeira pessoa no evangelho de
Marcos a ouvir e compreender uma parábola de Jesus. Ele não a está relegando, pelo
contrário, em seguida ele a elogia: grande é a tua fé (Mt 15.28). Como seria possível
isso? Ele já sabia de sua fé.216 Ele apenas queria mostrar isso aos seus discípulos, pois

214
BERKOUWER, G. C. A Pessoa de Cristo. São Paulo: ASTE, 2011, p. 109.
215
WATTS, R. E. Isaiah’s new exodus and Mark. Grand Rapids: Baker, 2000, p. 161.
216
RHOADS, D. M. Jesus and the Syrophoenician Woman in Mark: A Narrative-Critical
Study. Currents in Theology and Mission, [s. l.], v. 47, n. 4, p. 36–48, 2020. Disponível em:
82

a fé deles era pequena (Mc 4.40). Essa mulher não é orgulhosa como os fariseus
eram. Eles eram hipócritas, e foram descortinados por Jesus. Essa mulher também,
mas como um paradigma positivo. No centro do quiasmo temos Jesus expondo a
hipocrisia dos fariseus e tornando puros todos os alimentos. Sobre isso Rhoads
afirma:
O episódio central aqui – a declaração de que todos os alimentos são
limpos – fornece as condições para uma transição na trama de uma
alimentação em território judeu para uma alimentação em território
gentio. Como podemos ver, o episódio seguinte da mulher siro-
fenícia é o ponto em que ocorre o avanço para uma missão entre os
gentios. Como tal, nosso episódio, com seus detalhes particulares,
não é uma cura genérica que poderia ocorrer em qualquer outro lugar
da história. Pelo contrário, é o ponto de virada em uma importante
subtrama do Evangelho.217

Além disso, os fariseus são desmascarados em seus falsos ensinos. Os fariseus


pensam que o que os contamina está fora. Consideram-se superiores aos gentios,
sentem-se puros e pensam que sua purificação é meramente exterior. Entretanto, estão
completamente impuros por dentro, e não apenas por fora. Jesus está mostrando que
ele veio para purificar a todos, não apenas judeus, mas também gentios, o que
acontece na sequência quando vai para Tiro provar a fé daquela mulher grega de
origem siro-fenícia.

Paralelismo 1: Marcos 7.31-8.26


A: Um surdo é trazido a Jesus (7.31)
B: Rogam que Jesus toque nele para o curar (7.32)
C: Jesus tira o surdo do meio da multidão (7.33a)
D: Jesus cura o surdo usando saliva (7.33b-35)
E: Jesus ordena que não digam nada a ninguém (7.36)
F: Segundo milagre da multiplicação e sua
explicação (8.1-21)
A’: Um cego é trazido a Jesus (8.22a)
B’: Rogam que Jesus toque nele para o curar (8.22b)

https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLAiGU0201123000513&lang=p
t-br&site=ehost-live. Acesso em: 19 out. 2022.
217
RHOADS, D. M. Jesus and the Syrophoenician Woman in Mark: A Narrative-Critical
Study. Currents in Theology and Mission, [s. l.], v. 47, n. 4, p. 36–48, 2020. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLAiGU0201123000513&lang=p
t-br&site=ehost-live. Acesso em: 19 out. 2022.
83

C’: Jesus tira o cego do meio da multidão (8.23a)


D’: Jesus cura o cego usando saliva (8.23b-25)
E’: Jesus ordena que o cego não entre na aldeia para não
divulgar o que ele fez (8.26)

Marcos continua expondo o evangelho de Jesus Cristo utilizando as estruturas


para ensinar. Não apenas as palavras em si, mas a forma como as organiza e as
estrutura também comunica aos seus leitores. Aqui temos um paralelismo, onde duas
curas realizadas com o mesmo método por Jesus emolduram a segunda multiplicação
de pães e peixes. Em primeiro lugar, tanto o surdo quanto o cego são apresentados a
Jesus (7.31 e 8.22). Ambos são deficientes. Ambos são vistos como pecadores e estão
excluídos. Tanto a cura tanto do cego quanto do surdo e gago não focalizam apenas as
necessidades particulares dos deficientes, mas também apontam para a necessidade
dos discípulos de verem e ouvirem.218 Em segundo lugar, em ambos os milagres a
multidão determina como o milagre deveria ser administrado: por imposição de mãos
(7.32, 8.22). Entretanto, Jesus mostra que não é método que cura, mas o próprio
Cristo, além disso, ele não tem compromisso com o que a multidão deseja, mas
apenas com o propósito de Deus. Em terceiro lugar, tanto o surdo como o cego são
retirados do meio da multidão, para fora da aldeia (7.33 e 8.23). Em quarto lugar, em
ambos os milagres, Jesus utiliza o mesmo método: os cura utilizando saliva. Jesus os
separa da multidão para não atender ao desejo persistente de ver um sinal. Então, ele
colocou os dedos nas orelhas do surdo e nos olhos do cego e pôs sua própria saliva.
Cristo utiliza esse método diferente para mostrar claramente que o poder de curar
procedia de sua pessoa e não de um método específico. Não há uma forma de fazer
milagres, a questão não é como fazer, mas quem está fazendo. Em quinto lugar,
ambos os homens curados são advertidos a não tornarem público o milagre realizado
neles. Por fim, temos o centro do paralelismo, que é a segunda multiplicação de pães
e peixes. O propósito é mostrar que há pão para todos. Há algumas diferenças em
relação à primeira multiplicação, sendo as sobras da primeira multiplicação doze
pequenos cestos, que representam a Israel, ao passo que, na segunda multiplicação
sobram sete grandes cestos, que enfatiza totalidade, uma vez que agora, o milagre é

218
OWENS, C. “Hear, O Israel”: exegetical blindness and Mark 7:31-37. Sewanee Theological
Review, [s. l.], v. 56, n. 3, p. 251–261, 2013. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLA0001951946&lang=pt-
br&site=ehost-live. Acesso em: 19 out. 2022.
84

realizado em Decápolis, entre gentios. Muitos judeus gostariam de ver Jesus


multiplicar pães novamente para proclamá-lo rei de Israel. Entretanto, assim como
nos milagres que emolduram esta multiplicação, Jesus não está preocupado com a
agenda e expectativa das pessoas ao seu redor. Por isso, ele opera este grande milagre
distante dos holofotes de Israel, e ensinando gentios em um território fora de Israel.
Além disso, aqui no centro do paralelismo temos Jesus mostrando que tanto a cura do
surdo e gago quanto a cura do cego apontam para uma necessidade maior dos seus
discípulos. Essa é uma ação parabólica para que seus discípulos ouçam e vejam, como
percebemos exatamente no centro do paralelismo em Marcos 8.18: “Tendo olhos, não
vedes? E, tendo ouvidos, não ouvis?”.

Paralelismo 2: Marcos 8.22-10.52


A: A Cura do Cego de Betsaida (8.22-26)
B: Jesus prediz sua morte e ressurreição a primeira vez (8.27-32a)
C: A reação dos discípulos à primeira predição – Pedro repreende
Jesus (8.32b)
D: O ensino de Jesus diante da reação (8.33-9.1)
E: A transfiguração de Jesus (9.2-8)
F: O ensino de Jesus diante da não compreensão
dos discípulos (9.9-13)
E’: A cura do jovem possesso (9.14-27)
F’: O ensino de Jesus diante da não
compreensão dos discípulos (9.28-29)
B’: Jesus prediz sua morte e ressurreição a segunda vez (9.30-32)
C’: A reação dos discípulos à segunda predição – disputam quem é o
maior (9.33-37)
D’: O ensino de Jesus diante da reação (9.38-50)
F”: O ensino de Jesus diante da não
compreensão dos discípulos (10.1-31)
B”: Jesus prediz sua morte e ressurreição a terceira vez (10.32-34)
C”: A reação dos discípulos à terceira predição – pedem tronos ao lado
de Jesus (10.35-37)
D”: O ensino de Jesus diante da reação (10.38-45)
A’: A Cura do Cego de Jericó (10.46-52).
85

Nesta grande estrutura organizada por Marcos temos o momento entre o


ministério de Jesus na Galiléia (Mc 1.14-8.21) e a entrada de Jesus em Jerusalém para
morrer (Mc 11.1-16.8). Nesta estrutura de Mc 8.22 a 10.52, Jesus está indo para
Jerusalém para morrer e nesse caminho, por três vezes ele alerta seus discípulos sobre
o que aconteceria com ele. Primeiramente, a moldura deste paralelismo são duas curas
de dois cegos (A.- A’), primeiramente o cego de Betsaida (8.22-26) e por último a
cura do cego de Jericó (10.46-52). Essas duas curas revelam o conteúdo de todo o
interior do paralelismo, pois são como uma ação parabólica de Jesus, uma vez que
não dizem respeito apenas a si mesmos, mas também à cegueira espiritual dos
discípulos. Jesus já mostrara isso em Marcos 8.18: “Tendo olhos, não vedes? E, tendo
ouvidos, não ouvis?”. Seus discípulos não são diferentes do surdo-gago e do cego. É
interessante perceber que a cura do cego de Betsaida é narrado apenas no evangelho
de Marcos. Qual o propósito de Jesus em curar um cego em duas etapas? Por que ele
não o curou totalmente na primeira tentativa? Alguns comentaristas não conseguem
explicar o porquê, justamente porque não identificaram a estrutura do texto exposta
por Marcos. Por exemplo, Hendriksen afirma:
Nós não sabemos exatamente porque foi que, nesse caso em parti-
cular, o processo de cura ocorreu em dois estágios. Seria por que essa
pessoa em particular precisasse entender a natureza inestimável da
bênção que estava recebendo? Uma coisa é certa: a razão não pode
ter sido uma falta inicial de poder, da parte de Jesus. Com certeza,
ele, que foi capaz de levantar, instantaneamente, um morto, era
também capaz de recuperar, imediatamente, a vista daquele homem.
Por uma razão que somente o curador sabe, a restauração, nesse caso,
ocorreu em dois estágios.219

Adolf Pohl também não consegue explicar o porquê Jesus faz a cura em duas etapas
afirmando apenas:
Na sequência ficamos sabendo que o homem não nascera cego, já
que sabe como eram as árvores. Seus nervos óticos foram
reanimados, mas ainda não funcionavam direito... Jesus, na ocasião,
não acabou com a cegueira de modo geral. Sua capacidade para
tanto, que evidentemente existia e se manifestou, retrocedeu
novamente e limitou-se a um espaço oculto.220

É fato que o poder de Jesus não falhou, tampouco era necessária a fé do cego para ser
curado. Mas, sim, há uma razão que não apenas Jesus sabe, mas Marcos nos deixa
explicito não por meio de palavras, mas no paralelismo do texto. Jesus opera essa cura
219
HENDRIKSEN, William. Marcos. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 411.
220
POHL, Adolf. Evangelho de Marcos. Curitiba, Editora Esperança, 2018, p. 243.
86

como uma ação parabólica que aponta para a situação espiritual de seus discípulos.
Marguerat afirma que
lidas em sequência, uma depois da outra, as cenas se iluminam
reciprocamente. A difícil cura do cego funciona simbolicamente: ela
ilustra a dificuldade para o homem de captar, de entender, de ter
acesso à verdade, ainda que Jesus intervenha nesta compreensão... o
que está em jogo é a identidade de Jesus como Cristo.221

Eles até enxergam quem é Jesus, mas de forma muito distorcida. Eles também veem
“como árvores”. Eles pensam que enxergam, mas Marcos logo nos mostrará que sua
percepção é como a do cego, antes de ser plenamente curado. Ao final, temos a cura
do cego de Jericó, que aponta para Jesus como o filho de Davi, aquele que dá vista
aos cegos. Agora, ele entrará em Jerusalém, e logo seus discípulos poderão enxergar
claramente como esses dois cegos. Na sequência temos três paralelos (B - B’- B”) que
são os três momentos em que Jesus prediz sua morte e ressurreição (8.27-32, 9.30-32,
10.32-34). Jesus está indo para Jerusalém para morrer. Esse foi o propósito de sua
vinda, e ele sabe o que acontecerá com ele. 222 Por três vezes ele afirma que será
entregue nas mãos dos sacerdotes e fariseus, será escarnecido e morto, mas ao terceiro
dia ressuscitará.223 Watts afirma que essas três alusões ecoam o texto de Isaías 53.224
Em Marcos 8.32 é dito que “E isto ele expunha claramente”. Entretanto, temos na
sequência a cegueira dos discípulos no paralelo (C – C’ – C”). Aqui vemos que eles
não compreenderam ainda quem é Jesus e nem qual é sua missão. Watts afirma em
que nesse texto, se inicia o caminho do Novo Êxodo de Yahweh (8.21-10.45). Além
disso, ele afirma que o que Yahweh prometeu fazer para o Israel “cego” e “surdo”
levando-os por um caminho que não conheciam (Isaías 40-55), ecoa aqui na jornada
de Jesus para Jerusalém e sua tripla afirmação do porquê está indo para Jerusalém.225
Os discípulos ainda não entendiam nem o propósito da vinda de Jesus, e nem quem
ele era verdadeiramente. Jesus pergunta aos discípulos quem eles diziam que ele era
(Mc 8.29), ao que Pedro responde: Tu és o Cristo! Aparentemente ele vê e entende.

221
MARGUERAT, Daniel. O ponto de vista. São Paulo: Edições Loyola, 2018, p. 48.
222
AYE, N. S. N. The Passion and Resurrection Predictions According to Mark. The Dunwoodie
Review, [s. l.], v. 26, p. 119–149, 2003. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLAiGU0211206000444&lang=p
t-br&site=ehost-live. Acesso em: 14 out. 2022.
223
PROCTOR, M. “After three days” in Mark 8:31; 9:31; 10:34: subordinating Jesus’ resurrection in
the second Gospel. Perspectives in Religious Studies, [s. l.], v. 30, n. 4, p. 399–424, 2003. Disponível
em: https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLA0001379388&lang=pt-
br&site=ehost-live. Acesso em: 14 out. 2022.
224
WATTS, R. E. Isaiah’s new exodus and Mark. Grand Rapids: Baker, 2000, p. 222.
225
WATTS, R. E. Isaiah’s new exodus and Mark. Grand Rapids: Baker, 2000, p. 250.
87

Porém, após Jesus explicar o porquê está indo para Jerusalém, temos a primeira
reação (C) de Pedro repreendendo a Jesus. Ele não entende ainda, tem uma visão
desfocada.226 Após a segunda afirmação de que Jesus morreria e ressuscitaria, temos a
segunda reação dos discípulos (C’). Enquanto o mestre está se revelando como o
servo sofredor, seus discípulos estão no caminho discutindo quem é o maior (Mc
9.33-37). Após a terceira predição de morte e ressurreição, temos a terceira reação dos
discípulos (C”). Tiago e João se aproximam de Jesus, aquele que morrerá em uma
cruz entre dois malfeitores, o justo por injustos, e pedem para assentarem-se um à sua
direita e outro à sua esquerda (Mc 10.35-37). Eles pensam em tronos, enquanto seu
mestre caminha para a cruz. Em seguida temos as respostas de Jesus às reações de
seus discípulos no tríplice paralelo (E – E’ – E”). Em face do erro de seus discípulos,
Jesus os ensina. Três vezes eles reagem mal, três vezes Jesus os reprova, exorta e
ensina. 227 Na primeira resposta (E), Jesus repreende a Pedro, mostrando que seus
pensamentos eram provenientes de Satanás e não da verdade. Na sequência ele ensina
seus discípulos que deveriam tomar a cruz e segui-lo. Não deveriam desejar ganhar a
vida, antes, perder sua vida por causa de Jesus e do evangelho. Na segunda resposta
(E’), depois de haver disputa sobre quem era o maior, Jesus ensina aos discípulos que
quem quer ser o primeiro, seja o último, e quem quer ser o maior, seja aquele que
serve (Mc 9.38-50). Por fim, na terceira resposta (E”), Jesus ensina, não apenas a
Tiago e João, uma vez que não apenas eles desejavam tronos e serem importantes,
mas também os outros, que quem quer ser o primeiro, seja o servo de todos (Mc
10.38-45). Em seguida temos o paralelo (E – E’), em que dois outros milagres
ocorrem entre a cura dos dois cegos, justamente porque os discípulos também não
compreendem o que acontece. O primeiro milagre (E) é a transfiguração de Jesus (Mc
9.2-8). Jesus revela quem ele é para seus discípulos. Ele não é apenas um homem
comum, ou um messias político, ele é o próprio Deus encarnado. O segundo milagre
(E’) é a cura do jovem possesso. Seus discípulos, que discutiam com os fariseus,
agora se veem diante de alguém que precisava de ajuda, porém não puderam ajudá-lo.
Jesus, ao descer do monte, expulsa o demônio e devolve o menino totalmente são a
seu pai (Mc 9.14-27). Os discípulos veem os milagres e o ensino de Jesus e o
interpelam para que lhes explique. Então temos o próximo paralelo (F – F’ – F”) onde

226
MARGUERAT, Daniel. O ponto de vista. São Paulo: Edições Loyola, 2018, p. 48.
227
WILHELM, Dawn Ottoni. Preaching the Gospel of Mark. Louisville: Westminster John Knox
Press, 2008, p. 146s.
88

Jesus ensina novamente a seus discípulos diante da sua não compreensão frente aos
milagres e ensino. Primeiramente, Jesus explica após a transfiguração (F) sobre o
Elias que já veio, e era João Batista. Em segundo lugar, Jesus explica após curar o
jovem possesso (F’) o porquê seus discípulos não puderam expulsá-lo, uma vez que
aquela casta não sairia se eles não estivessem em consagração a Deus. Por fim, a
terceira explicação (F”) se dá após três momentos. O primeiro é a pergunta capciosa
dos fariseus sobre o divórcio, e Jesus remonta à criação para mostrar a
indissolubilidade do casamento diante de Deus. O segundo momento é quando seus
discípulos apartam as crianças de Jesus. Essa era a atitude que os fariseus tomavam.
Não se preocupavam em ensinar crianças. Porém Jesus não é como os fariseus e
mestres da lei. Seus discípulos ainda não enxergam isso, ainda estão “cegos”. Jesus
diz: “Deixai vir a mim os pequeninos, não os embaraceis, porque dos tais é o reino de
Deus”. E então as recebe e as abençoa. O terceiro momento é a conversa com o jovem
rico. Ele pensa que serve a Deus, porém não percebe que seus joelhos estão dobrados
diante da riqueza. Jesus descortina isso para ele e para seus discípulos. Após esse
grande paralelismo, agora Marcos nos revela Jesus chegando a Jerusalém. Ele será
recebido como rei, com ramos e toda pompa. Seus discípulos ao ver isso, pensarão
que é chegada a hora de assentarem-se em tronos com ele, porém em breve, após sua
ressurreição enxergarão como o sol do meio-dia.

Quiasmo 11: Marcos 9.2-10


A: Jesus sobe ao monte com seus discípulos e é transfigurado diante deles (vs. 2-3).
B: Elias e Moisés aparecem conversando com Jesus, Pedro, temeroso, sugere
construírem três tendas (vs. 4-6).
C: Uma nuvem os encobre, uma voz vem da nuvem e declara: “Este é
meu Filho Amado, a ele ouvi” (vs. 7).
B’: Elias e Moisés desaparecem, os discípulos estão sozinhos com Jesus (vs.
8).
A’: Jesus desce do monte com seus discípulos, ele pede silêncio e seus discípulos
ficam perplexos (vs. 10).228

228
BRECK, John. The shape of biblical language: chiasmus in the Scriptures and beyond. Creswood:
St Vladimir’s Seminary Pres, 2008, p. 83.
89

Temos neste quiasmo o elemento central (C) a voz de Deus, o Pai, que vem da
nuvem afirmando que Jesus é o Filho de Deus. Esse é o tema central do evangelho de
Marcos (1.1), e aqui temos uma repetição desse tema, que propositalmente é o centro
desse quiasmo. Primeiramente, temos o paralelo A - A’ onde Jesus se revela de outra
maneira aos seus discípulos. Anteriormente, ele perguntou a eles, quem eles diziam
ser ele, ao que respondem ser Jesus, o Cristo. Agora, na transfiguração, Jesus exibe
uma mudança externa que vem de seu interior, sua verdadeira natureza, sua
divindade. A natureza de Cristo, é claro, não poderia mudar; apenas sua aparência. A
glória de Jesus brilhou através de sua humanidade e suas vestes, demonstrando aos
discípulos o que Jesus realmente era por dentro. A glória, que era a natureza divina e
eterna de Jesus, brilhou em seu corpo, por um breve tempo e em um grau limitado.229
Jesus possuía glória desde a eternidade (João 17.5), mas a velou até esse momento.
Sua glória será totalmente revelada a todo o mundo no futuro, quando “vereis o Filho
do Homem assentado à direita do Todo-Poderoso e vindo com as nuvens do céu” (Mc
14.62). A transfiguração em si não é um milagre, mas um leve momento de
descortinar de quem é Jesus para seus discípulos. Enquanto Jesus exibia sua glória,
ele demonstra aos seus discípulos que o que acontecerá adiante, está debaixo da sua
vontade e controle. Se iria sofrer, ser rejeitado e morto, mas ele ainda estava no
controle. A Transfiguração, portanto, serve para confirmar que o sofrimento que Jesus
suportará não é incompatível com sua glória. É um prenúncio do tempo em que Deus
entronizará gloriosamente Jesus após a degradação na cruz. Wilhelm afirma que há
um eco aqui de Daniel 7.9: “Continuei olhando, até que foram postos uns tronos, e o
Ancião de Dias se assentou; sua veste era branca como a neve, e os cabelos da
cabeça, como a pura lã; o seu trono eram chamas de fogo, e suas rodas eram fogo
ardente”. 230 Na sequência temos B – B’, o aparecimento e desaparecimento de
Moisés e Elias. Moisés e Elias são comumente aceitos como os ilustres representantes
“da lei e dos profetas”, que deram testemunho de Jesus. A presença deles com Jesus
testificou a ele como o verdadeiro Messias. Ao mesmo tempo temos a incompreensão
dos discípulos e por causa disso, Jesus os ordena que não contassem a ninguém.
Ainda chegaria o tempo em que revelariam tão grande momento. Mas agora, eles não
tinham condições, pois não compreendiam ainda. No centro do quiasmo, a voz de

229
HENDRIKSEN, William. Marcos. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 431.
230
WILHELM, Dawn Ottoni. Preaching the Gospel of Mark. Louisville: Westminster John Knox
Press, 2008, p. 159.
90

Deus Pai (C). Essa é a segunda vez que Deus Pai fala em Marcos, a primeira vez foi
no batismo de Jesus em Marcos 1.11, quando diz: “Este é meu Filho Amado em quem
me comprazo”. A primeira declaração foi dirigida ao próprio Jesus, mas aqui a
declaração é dirigida aos três discípulos. A fala em meio à nuvem ecoa com a nuvem
de glória que guiou Israel para fora do Egito, que repousava acima do Propiciatório da
Arca da Aliança no Santo dos Santos. A ordem de ouvir Jesus lembra a profecia do
AT do profeta como Moisés, mas maior do que Moisés, Jesus. “O Senhor , teu Deus,
te suscitará um profeta do meio de ti, de teus irmãos, semelhante a mim; a ele
ouvirás” (Dt 18.15). A voz de Deus, o Pai, assegurou aos discípulos que embora os
judeus rejeitassem Jesus e os romanos o executassem, ele ainda agradava ao Pai (cf.
1.11). Além disso revela a superioridade de Cristo sobre Moisés. Essa revelação
encoraja cada discípulo de Jesus. A humilhação do Filho do Homem dará lugar à sua
glorificação. Ele certamente retornará à terra e estabelecerá o reino que os profetas
bíblicos previram.
Temos aqui um eco, o relato batismal subsequente vincula implicitamente
Jesus com o “filho” real davídico do Salmo 2. 231 Além disso, em vista da
proeminência dada a Isaías 40 em Marcos 1.2-3, talvez também devêssemos ouvir
conotações mais fracas aqui de Isaías 42.1: “Aqui está o meu servo, a quem sustento,
o meu escolhido, em quem minha alma se deleita; Eu coloquei meu espírito sobre ele;
ele trará justiça às nações.” Se a voz celestial em Marcos 1.11 está ecoando esta
passagem, a fusão implícita entre o ungido rei davídico do Salmo 2.7 e o servo de
Isaías 42.1 é significativo para a compreensão A cristologia de Markan.68 A mesma
fusão ocorre novamente nas palavras da voz que fala das nuvens na história da
transfiguração: “Este é meu Filho, o Amado ( ὁ υἱός eu ὁ ἀγ απ ητός ); escute-o!”
(Marcos 9.7). Assim, Marcos reforça duplamente a aplicação desse título real a Jesus.
Na história batismal, a voz celestial se dirige ao próprio Jesus; no relato da
transfiguração, os discípulos atemorizados.232

Inclusio 4: Marcos 11.12-21


A: A figueira sem fruto (vs. 12-14)
231
GEDDERT, T. J. The use of Psalms in Mark. Baptistic Theologies, [s. l.], v. 1, n. 2, p. 109–124,
2009. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLA0001841736&lang=pt-
br&site=ehost-live. Acesso em: 20 out. 2022.
232
HAYS, Richard B. Echoes of Scripture in the Gospel. Waco: Baylor University Press, 2016, p.
157
91

B: A purificação do Templo sem frutos (vs. 15-19)


A’: A figueira sem fruto é destruída (vs. 20-21).

A purificação do Templo é emoldurada pelo episódio diante da figueira sem


frutos. Por que Jesus daria tanta importância para uma árvore? Novamente temos uma
ação parabólica. Jesus não está apenas amaldiçoando uma figueira, antes, essa ação
aponta para algo maior, que ocorrerá entre os eventos diante da figueira, no
Templo.233 Primeiramente, Jesus encontra uma figueira. Israel é a figueira estéril e as
suas folhas somente cobriam a nudez, como haviam feito no caso dos primeiros pais
no Éden, depois da queda no pecado (Gn 3.7). Temos aqui um eco, uma vez que no
Antigo Testamento, a figueira simbolizava tanto o Israel frutífero (Dt 8.8), quanto um
quadro de julgamento no caso de sua destruição (Os 2.12, Is 34.4, Jr 5.17, 8.13). O
florescimento da figueira e a sua produção de frutos constitui elemento descritivo em
passagens que descrevem a visita do Senhor a seu povo com bênção, ao passo que a
destruição da figueira ou a ausência de seu fruto figura em imagens que descrevem o
julgamento do Senhor sobre o seu povo. Desta forma, a figueira com apenas folhas
aponta para a religião de Israel, que aparentemente é vistosa, mas não produz nada,
tem apenas aparência e engana. E assim, como a figueira secou e foi destruída, assim
também acontecerá com o Templo. 234 Ele perdeu seu propósito e também será
destruído.

Inclusio 5: Marcos 14.1-11


A: Os escribas e sacerdotes procuram como prender Jesus à traição (vs. 1-2)
B: Maria se entrega a Cristo sacrificialmente (vs. 3-9)
A’: Judas Iscariotes entrega Jesus à traição por dinheiro para os principais sacerdotes
(vs. 10-11).

Marcos agora faz um paralelo entre Judas e Maria. Ele emoldura a ação de
Maria em ungir Jesus com a traição de Judas. Esses dois discípulos são colocados em
evidência e em comparação.

233
KUSIO, Mateusz. Theological Implications of Markan Interpretative Intercalations. Ruch Biblijny i
Liturgiczny, v. 68, n. 3, p. 265–288, 2015. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLAn3869316&lang=pt-
br&site=ehost-live. Acesso em: 6 dez. 2021.
234
POHL, Adolf. Evangelho de Marcos. Curitiba, Editora Esperança, 2018, p. 324.
92

MARIA JUDAS

Uma mulher sem posição social Um homem e um dos apóstolos

Deu tudo que tinha a Jesus Tomou tudo que podia de Jesus

Abençoou o Senhor Traiu seu Senhor

Amou seu Senhor Usou seu Senhor

Entregou sacrificialmente Sacrificou seu Senhor

Serviu seu Salvador Vendeu Jesus como um escravo

Sacrificou 300 denários por


Vendeu Jesus por 30 moedas
Jesus

Lembrada para sempre pelo seu Lembrado para sempre pela sua
serviço traição

Em primeiro lugar, temos o plano diabólico dos sacerdotes e escribas de prender Jesus
à traição. Eles não se importam em sujar suas mãos, desde que Jesus seja morto. Na
sequência temos o contraste, uma discípula sem posição social e sendo uma mulher,
derrama um bálsamo sobre a cabeça de Jesus. Ela entrega um sacrifício diante de
Jesus que custou cerca de trezentos denários (avaliado pelo próprio Judas, Mc 14.5 e
Jo 12.5), quase um ano de trabalho de um trabalhador comum daquela época. Um
sacrifício profuso, puro e precioso diante do seu Senhor. Ela unge Jesus no momento
certo.235 Posteriormente, Maria Madalena e Maria, mãe de Tiago, vão até o túmulo
para ungir Jesus, porém ele não estava mais lá. Em seguida, temos Judas em outra
cena. Ele é um homem, ele é um dos doze, ele é o tesoureiro do grupo. Porém, ele está
traindo Jesus. Aparentemente, todo aquele “desperdício” de bálsamo foi a gota d’água
para Judas, então ele decide entregar Jesus por trinta moedas de prata. Esse valor não
era incomum em Israel, uma vez que estava presente na Lei de Moisés, que diz: “Se o
boi chifrar um escravo ou uma escrava, dar-se-ão trinta siclos de prata ao senhor
destes, e o boi será apedrejado” (Êx 21.32). Ou seja, Judas “vende” Jesus pelo preço

235
OSEI-BONSU, R. The Anointing of Jesus Christ at Bethany: Mark 14:1-11 Examined. Valley View
University Journal of Theology, [s. l.], v. 3, p. 47–59, 2014. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLAi9KZ190722001892&lang=p
t-br&site=ehost-live. Acesso em: 14 out. 2022.
93

de um escravo. Ele sacrifica a Jesus, e recebe as trinta moedas. Temos uma mulher
que se sacrifica por Jesus, seu Senhor, ao passo que Judas, se coloca como senhor e
sacrifica a Jesus.
Sobre essa inclusio, Malick afirma
Ao contrário da mulher que mostra sua devoção a Jesus ungindo sua
cabeça com óleo caro, Judas trai seu mestre. Ao contrário da mulher
que derrama um perfume que vale quase 300 denários, Judas recebe a
promessa de uma soma não especificada de dinheiro "para entregar
Jesus". Ao contrário dos que vivem em Betânia, que desprezam a
mulher pelo bom trabalho que ela fez, os principais sacerdotes se
regozijam com a traição de Judas. Ao contrário da mulher que é
elogiada por Jesus por levar o que tinha para realizar uma boa obra
na preparação para seu sepultamento, Judas pega o conhecimento que
possui e faz uma obra de iniquidade.236

Inclusio 6: Marcos 14.17-31


A: Jesus indica que Judas o trairá (vs. 17-21)
B: Jesus indica que entregará a si mesmo para a salvação dos seus (vs. 22-26)
A’: Jesus indica que todos os discípulos o abandonarão e que Pedro o negará (vs. 27-
31)

Nessa inclusio temos a instituição da Ceia do Senhor sendo emoldurada pela


indicação de Jesus de que seria traído e de que seus discípulos o abandonariam. Ele
sabia antes que ocorresse, e ainda assim ele estava disposto a morrer por discípulos
que o abandonarão. Primeiramente, vemos Jesus indicando que Judas o negará. Judas
o venderá por trinta moedas de prata, o valor de um escravo (Êx 21.32). Em paralelo
(A’) temos Jesus indicando que todos seus discípulos seriam dispersos e o
abandonariam. Entretanto Pedro nega as palavras de Jesus, dizendo que jamais o
abandonaria, antes, estaria disposto a morrer por Jesus. Ao que Jesus responde que
Pedro o negaria por três vezes antes do cantar do galo pela manhã. Emoldurado por
uma traição, abandono e negação, temos a Páscoa sendo celebrada, e em meio a isso,
a instituição da Ceia do Senhor. Jesus não está participando de uma festa cultural, mas
uma festa cheia de significado. É o momento da Festa dos Pães Asmos. Esta era uma
festa judaica diretamente ligada à Páscoa que comemorava a saída apressada dos
236
MALICK David E. An Examination of Jesus’s View of Women through Three Intercalations in the
Gospel of Mark. Priscilla Papers, v. 27, n. 3, p. 4–15, 2013. Disponível em:
https://www.cbeinternational.org/resource/article/priscilla-papers-academic-journal/examination-
jesuss-view-women-through-three. Acesso em: 4 dez. 2021.
94

israelitas do Egito e as dificuldades associadas ao êxodo. Na verdade a celebração da


Festa dos Pães Asmos seguia imediatamente à Páscoa e era indissociável a ela.237 Eles
comiam pão sem fermento, e cingidos para viajar, como peregrinos. É a preparação
para o êxodo. Novamente, temos a Festa dos Pães Asmos sendo celebrada e Jesus é o
Novo Moisés que veio para libertar o seu povo dos seus pecados. Além disso, temos
celebração da Páscoa, que também aponta para Jesus. Ele é o cordeiro de Deus. Para
comprar a liberdade de Israel, Deus envia a última praga: a morte de todos os
primogênitos. Havia um único jeito de se proteger: o cordeiro macho sem defeito ser
morto no lugar do filho. Seu sangue seria o escudo para aquela família. Agora, Jesus
está disposto a entregar seu corpo e derramar seu sangue em favor de discípulos
pecadores. Seu corpo será partido, seu sangue derramado para a redenção de
desertores, ele será a propiciação pelos pecados deles.

Paralelismo 3: Marcos 14.54-72


A: Pedro segue Jesus de longe (14.54)
B: Jesus é julgado injustamente pelo Sinédrio (14.55-60)
C: Jesus é condenado à morte pelos judeus por ser o Filho do Deus
Bendito e humilhado pelos judeus (14.61-65)
A’: Pedro nega a Jesus (14.66-72).
B’: Jesus é julgado injustamente por Pilatos (15.1-14)
C’: Jesus é condenado à morte por ser o Rei dos Judeus, é humilhado
pelos romanos, e em sua morte é reconhecido como Filho de Deus
(15.15-39).

Temos agora um paralelismo que inicia com o proceder de Pedro em relação à


Jesus (A – A’), seguido do proceder o Sinédrio e de Pilatos (B – B’), culminando na
condenação do Filho de Deus (C – C’).
Primeiramente, temos Pedro seguindo Jesus de longe. Ele ama a Jesus a ponto de não
abandona-lo totalmente, entretanto, ama mais a si mesmo, a ponto de apenas segui-lo
de longe. Sobre esse paralelo, Huizenga afirma:
A confissão de Jesus e a negação de Pedro são habilmente
contrapostas eleva dramaticamente as profundezas do fracasso de
Pedro e a ironia na negação de Pedro ser no exato instante em que

237
HENDRIKSEN, William. Marcos. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 699.
95

Jesus está fazendo a boa confissão, contrapondo todos os fracassos de


Pedro e dos discípulos e a fidelidade e a obediência de Jesus. 238

Em paralelo temos A’, onde agora Pedro não apenas segue de longe, mas nega
veementemente a Jesus. Ele por três vezes nega a Jesus, e na terceira vez começou a
praguejar (anathematízo) e jurar. Ele se coloca sob anátema, sob maldição, caso
conhecesse a Jesus. E ele conhecia, não apenas conhecia, mas era o discípulo mais
próximo de Jesus, ele foi o primeiro nome citado entre os doze, quando escolhidos
por Jesus em Marcos 3.16.
Na sequência temos dois julgamentos injustos (B – B’). Enquanto seu discípulo o
abandona, e ninguém resta para defender-lhe, agora ele está diante dos principais
sacerdotes e todo o Sinédrio que não quer julgar Jesus, antes atuam como promotores,
procurando algum testemunho para acusá-lo (vs. 55). Como não conseguiam acusá-lo,
o sumo-sacerdote agora atua como promotor e passa a questionar a Jesus procurando
condená-lo. Ele faz a pergunta que retoma o tema central do Evangelho de Marcos:
“És tu o Cristo, o Filho do Deus Bendito?” (vs. 61). A resposta de Jesus é um dos
pontos altos do Evangelho. Ele diz: “Eu sou, e vereis o Filho do Homem assentado à
direita do Todo-Poderoso e vindo com as nuvens do céu” (vs. 62). Botner afirma que
esse verso ecoa Daniel 7.13-14, bem como os Salmos 2.2,7 e 110.1.239 Deus, o Pai,
já havia revelado que Jesus era o Filho de Deus no batismo (Mc 1.11) e na
transfiguração (Mc 9.7). Os demônios já haviam afirmado que ele é o Filho de Deus
(Mc 3.11, 5.7). Agora, o próprio Jesus afirma quem ele é: EU SOU! Ele é o Cristo, o
Filho do Deus Bendito. Apesar de traído e abandonado por seus discípulos, ele é o
Filho do Homem de Daniel 7.13-14. Seu Reino é eterno e não tem fim. Agora ele está
subjugado, humilhado, porém ele conquistará o direito de assentar-se à destra de
Deus, e voltará nas nuvens para destruir todo o mal. Ele é o Deus Todo-Poderoso.
Eles o matarão, mas ele continua sendo Deus. Ele é aquele que purificou um leproso,
que curou a sogra de Pedro. Ele perdoa pecados e fez um paralítico andar. Ele tem

238
HUIZENGA, L. A. The confession of Jesus and the curses of Peter: a narrative-Christological
approach to the text-critical problem of Mark 14:62. Novum testamentum, [s. l.], v. 53, n. 3, p. 244–
266, 2011. DOI 10.1163/156853611X563451. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLA0001855639&lang=pt-
br&site=ehost-live. Acesso em: 21 out. 2022.
239
BOTNER, M. A Sanctuary in the Heavens and the Ascension of the Son of Man: Reassessing the
Logic of Jesus’ Trial in Mark 14.53-65. Journal for the Study of the New Testament, [s. l.], v. 41, n.
3, p. 310–334, 2019. DOI 10.1177/0142064x18821544. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLAi9KZ190311000873&lang=p
t-br&site=ehost-live. Acesso em: 21 out. 2022.
96

poder sobre o mundo visível e invisível. Os demônios se curvam diante dele. Ele
acalmou tempestades. Ele curou uma mulher com fluxo de sangue e ressuscitou uma
menina. Ele andou sobre as águas. Ele multiplicou pães e peixes. Ele fez um paralítico
andar. Ele é. E por ser o Cristo, o Filho do Deus Bendito, ele é condenado à morte, e
morte de cruz.
Em paralelo temos B’, outro julgamento injusto, agora por um gentio, Pilatos. Ele não
encontrou crime algum em Jesus, e seu desejo era de libertá-lo. Ao mesmo tempo, ele
é um governante corrupto, e pelo desejo de manter-se no poder e ganhar simpatia do
povo, ele condena Jesus aos açoites e à morte de cruz.
Em terceiro lugar, temos o paralelo C – C’, onde Jesus é condenado à morte e
executado por ser o Filho do Deus Bendito. Primeiramente os judeus o humilham.
Eles cospem nele, em sinal de reprovação, humilhação e desprezo. Eles cobrem seu
rosto e dão-lhe murros dizendo: “Profetiza quem te bateu”. Eles zombam do ofício
profético de Jesus. Possivelmente, eles vendaram Jesus e o desafiaram a identificar
seus agressores por causa do texto de Isaías 11.2-4, que diz que o Messias que virá
não julgará por sua vista. Então eles zombam dele. Se és o Messias, então diga quem
foi que te bateu. E ele sabia. Porém, como ovelha muda, não abriu a boca. Na
sequência em C’, temos a humilhação de Jesus por parte dos soldados romanos. Todo
um destacamento de soldados se une para zombar dele e crucificá-lo. Agora, Jesus já
está todo dolorido, eles despem suas roupas, ele está nu. Seus amigos o abandonaram.
Os soldados, querendo zombar daquele que é chamado o Rei dos Judeus, e o
humilham pondo-lhe uma coroa de espinhos na cabeça e uma túnica púrpura. Eles o
escarnecem batendo em sua cabeça com um cetro de madeira que colocaram em suas
mãos. E novamente, Jesus não reage. Provavelmente ele está completamente nu. Uma
vergonha que ecoa a vergonha de Adão e Eva no dia em que se tornaram pecadores.
Ele experimenta a mesma vergonha de nossos pais. Entretanto, Adão teve a dignidade
de ter seu corpo coberto, mas Jesus não. E agora ele é açoitado por tiras de couro com
pedaços e ossos pregados na ponta. Um soldado de cada lado batendo de cada vez
para não dar tempo nem de respirar. As tiras pregam na carne e arrancam pedaços de
carne e expõe ossos e talvez até mesmo órgãos internos. Não é de admirar que ele não
consegue nem carregar a cruz, e os soldados não o obrigam, pois sabem que ele não
aguentaria. Simão, o cireneu então carrega a sua cruz. Ele é forçado pelas autoridades
a carregar a cruz. Os que estão lá provavelmente pensam: Veja, um homem inocente
carregando a cruz de um condenado. É uma grande ironia. Porque ali temos um
97

inocente e justo carregando a cruz de ímpios pecadores, inclusive de Simão o Cireneu.


A cena da crucificação continua, eles o levam para o Gólgota. E dão-lhe vinho com
mirra, era uma última caridade feita a um condenado à morte. Eles oferecem: alivie a
sua dor. Entretanto, para ele isso é uma tentação. Ele precisa ter a mente clara nesse
momento para salvar, ensinar, consumar a obra que veio fazer. Ele sofre dor
inimaginável. Ele é pregado na cruz. Esses pregos perfuram suas mãos e pés trazendo
uma dor lancinante rasgando carne, músculo, tendões. Eles blasfemavam e o
insultavam. Então, ele dá um brado e rende seu espírito ao Pai. Nesse momento o véu
do Santuário é rasgado de alto a baixo. Não há mais separação, ele é o único caminho
para a salvação dos homens. E na sua morte, temos agora, o primeiro homem em todo
o evangelho de Marcos a afirmar que Jesus é o Filho de Deus. O centurião diz:
“verdadeiramente este homem era filho de Deus”. Ele já havia profetizado isso em
João 8.28a: “Disse-lhes, pois, Jesus: Quando levantardes o Filho do Homem, então,
sabereis que Eu Sou”. No momento de sua morte, o responsável pela execução de sua
crucificação, o Centurião Romano crê no Senhor Jesus. 240 Sobre isso Stevenson
afirma:
O centurião permanece claramente como as primícias de uma grande
colheita que resultará da pregação de Cristo crucificado; mas isso não
é toda a história. Pois o clamor do centurião sugere que a cruz é
surpreendentemente o lugar onde a verdade sobre a natureza de Deus
é revelada.241

Nesse momento o Pai atende a oração de Cristo para perdoá-los, pois não sabiam o
que faziam. Assim era aquele centurião. Agora ele, que estava cego, enxerga. Jesus
nasce e é adorado, agora, na sua morte, Jesus também é reconhecido como Deus.
Marcos nesse momento ecoa Marcos 1.1, Jesus é o Cristo, o Filho de Deus.
Sobre a interpretação da afirmação desse centurião, Iverson afirma:
Embora um número crescente de estudiosos tenha argumentado que a
resposta do centurião é um pronunciamento ambíguo ou uma forma
irônica de zombaria, essas interpretações estão amarradas a
perspectivas literárias que não levam em conta a relação dinâmica
entre intérprete e público. ... Em suma, apreciar a confissão como
uma afirmação sincera que reflete uma compreensão genuína de
Marcos da identidade de Jesus é coerente com uma interpretação

240
HOOKER, Morna D. The Gospel according to St Mark. London: Bloomsbury Publishing PLC,
2001, p. 379.
241
STEVENSON, P. K. The crucified God: Mark 15:25-39. Direction, [s. l.], v. 41, n. 1, p. 148–164,
2012. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLA0001902542&lang=pt-
br&site=ehost-live. Acesso em: 20 out. 2022.
98

sensível à matriz oral em que o Evangelho foi realizado e transmitido


pelos seguidores de Jesus.242

Justamente por não fazer uma leitura da estrutura do evangelho, alguns estudiosos
afirmam que a exclamação do centurião na morte de Jesus dizendo ser ele o Filho de
Deus seria mais uma zombaria. Considerando apenas o texto em si, isso poderia ser
levado em conta, dado que muitos zombavam de Jesus. Entretanto, essa afirmação é
chave no evangelho, como vimos na primeira inclusio (Mc 1.1 – todo o evangelho -
Mc. 15.39). Huizenga afirma:
Como, no mundo da história, o centurião saberia alguma coisa sobre
Jesus ser o “Filho de Deus”? Por que ele diria: “Verdadeiramente
este homem era o Filho de Deus!” em vez de “verdadeiramente este
homem era o rei dos judeus”, a acusação sob a qual ele foi
condenado por Pilatos (Marcos 15:2, 9, 12), as palavras com que os
soldados zombam de Jesus (15:18), as palavras do título (15:26)? Se
Jesus responde à pergunta dos sumos sacerdotes de maneira decisiva,
a expressão precisa do centurião faz sentido.243

Dessa maneira, a afirmação desse centurião aponta para sua conversão e revela
exatamente quem é Jesus, o Filho de Deus.

Inclusio 7: Marcos 15.40-16.8


A: Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e Salomé presenciam a morte de Jesus (15.
40-41)
B: Jesus é sepultado por José de Arimatéia, Maria Madalena e Maria, mãe de
José, observaram onde Jesus foi posto (15.42-47)
A’: Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e Salomé compraram aromas para
embalsamar Jesus e presenciam o túmulo vazio (16.1-8)

Temos aqui uma nova inclusio, agora, enfatizando a morte e ressurreição de


Cristo. O sepultamento de Jesus é emoldurado pela presença de mulheres, discípulas
de Jesus. Seus discípulos o abandonaram, e agora, na sua morte, eles não aparecem.

242
IVERSON, K. R. A centurion’s “confession”: a performance-critical analysis of Mark
15:39. Journal of Biblical Literature, [s. l.], v. 130, n. 2, p. 329–350, 2011. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLA0001845443&lang=pt-
br&site=ehost-live. Acesso em: 20 out. 2022.
243
HUIZENGA, L. A. The confession of Jesus and the curses of Peter: a narrative-Christological
approach to the text-critical problem of Mark 14:62. Novum testamentum, [s. l.], v. 53, n. 3, p. 244–
266, 2011. DOI 10.1163/156853611X563451. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLA0001855639&lang=pt-
br&site=ehost-live. Acesso em: 21 out. 2022.
99

Eles enviam mulheres para se arriscarem em seu lugar. 244 Marcos cita Maria
Madalena, Maria, mãe de Tiago e Salomé presentes no momento em que Jesus morre
na cruz. Primeiramente, eles estão com ele no momento em que dá um brado e rende
seu espírito. E na sequência em A’, agora elas vão até o túmulo de Jesus para o
embalsamar, porém não o encontram lá. Nash demonstra um eco aqui em Mc 16.7 em
relação aos pedidos de segredo da parte de Jesus sobre quem ele era na primeira parte
do evangelho. Ele afirma:
Jesus ordena a um espírito imundo que “Cale-se” (1:25), e depois de
expulsar muitos demônios, ele “não permitiu” que falassem (1:34).
Isso foi feito porque os demônios “o conheceram” (1:34). Depois que
um leproso é purificado, ele é instruído a não dizer “nada a ninguém”
(μηδενι μηδέν, 1:44). Em 3:12, Jesus “ordenou severamente” aos
espíritos impuros “que não o dessem a conhecer”. Após a
ressurreição da filha de Jairo, Jesus “ordenou-lhes estritamente que
ninguém (μηδεις) soubesse disso” (5:43). Após a cura de um surdo,
Jesus “ordenou que não contassem a ninguém” (μηδενι 7:36).
Quando Pedro expressa que Jesus é o Messias, Jesus “ordenou
severamente que não contassem a ninguém” (μηδενι, 8:30). Essa
ideologia básica é fundamental para a cena do túmulo. Ao longo do
Evangelho, os personagens foram instruídos a ficarem em silêncio,
mas eles não seguiram o comando. O tema agora foi invertido. As
mulheres são ordenadas a contar, mas elas nada disseram (ούδενι
ούδέν).245

No centro da inclusio temos B que mostra José de Arimatéia, um homem influente,


sepultando Jesus em um túmulo novo, e Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e
Salomé o acompanham até o túmulo, justamente para saberem onde Jesus estava.
Essa informação é muito importante, pois posteriormente alguém poderia dizer que
elas foram ao túmulo errado. Outra questão enfatizada é a presença de mulheres e não
dos discípulos como testemunhas oculares da ressurreição. Esse inclusio inicia com
Jesus na cruz (A), depois a cruz vazia e Jesus morto no túmulo (B), e por fim, a cruz
vazia e o túmulo vazio (A’).

244
ALLEN, O. W., Jr. Easter Sunday: Mark 16:1-8. Currents in Theology and Mission, [s. l.], v. 44,
n. 4, p. 20–24, 2017. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLAiGEV171016004169&lang=
pt-br&site=ehost-live. Acesso em: 21 out. 2022.
245
NASH, B. A. Point of view and the women’s silence: a reading of Mark 16:1-8. Restoration
Quarterly, [s. l.], v. 57, n. 4, p. 225–232, 2015. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLAn3826242&lang=pt-
br&site=ehost-live. Acesso em: 21 out. 2022.
100

Inclusio 8: Marcos 16.11-20


A: A incredulidade dos discípulos de Jesus ao ouvir o anúncio da ressurreição por não
presenciarem (vs. 11-13)
B: A repreensão de Jesus à incredulidade dos discípulos e seu envio para que
preguem o evangelho (vs. 14-18)
A’: Os discípulos presenciam a ascensão de Cristo e o obedecem pregando por toda a
parte (vs. 19-20)

Por fim, nessa última inclusio temos a ênfase na incredulidade anterior dos
discípulos em contraposição com sua obediência e fé posteriores ao encontro com o
Cristo Ressurreto. Marcos, como de costume, emoldura o ensino de Jesus com a ação
dos discípulos. Primeiramente, no paralelo A, temos a incredulidade dos discípulos
diante do relato da ressurreição de Jesus. Eles não creem pois não o viram.
Posteriormente, temos a aparição de Jesus aos seus discípulos, e sua palavra de
repreensão à sua incredulidade, porém, apesar da repreensão, há restauração e graça,
pois ele também os comissiona a irem por todo o mundo fazendo as mesmas obras
que ele fez. Na sequência, temos o paralelo A’, onde os discípulos diante do Cristo
Ressurreto, o Rei da Glória ascendendo para a destra de Deus. A cruz está vazia, o
túmulo está vazio, mas o trono está preenchido. Cristo está reinando em glória sobre
tudo e todos. Agora, em face dessa visão, os embaixadores de Cristo vão por toda
parte proclamando o evangelho do Reino, e os mesmos sinais que Cristo operava,
agora também os segue.
Alguns estudiosos desconsideram essa última perícope do evangelho por não
estar presente em alguns manuscritos antigos.246 Não abordaremos aqui uma defesa

246
Para saber mais veja: LEE, K. Revisiting the Ending of Mark. 신약연구, [s. l.], v. 20, n. 3, p. 437–
465, 2021. DOI 10.24229/kents.2021.20.3.001. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLAiE8N220523000527&lang=p
t-br&site=ehost-live. Acesso em: 20 out. 2022. IVERSON, K. R. A Postmodern Riddle?: Gaps,
Inferences and Mark’s Abrupt Ending. Journal for the Study of the New Testament, [s. l.], v. 44, n.
3, p. 337–367, 2022. DOI 10.1177/0142064x211049348. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLAiE8N220131000713&lang=p
t-br&site=ehost-live. Acesso em: 20 out. 2022. HELTON, S. N. Origen and the Endings of the Gospel
of Mark. Conversations with the Biblical World, [s. l.], v. 36, p. 103–125, 2016. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLAiA14180731002329&lang=p
t-br&site=ehost-live. Acesso em: 20 out. 2022. Para uma defesa da inspiração de Mc 16.9-20 veja:
RIDDLE, J. T. In Defense of the Traditional Ending of Mark. The Confessional Presbyterian, [s. l.],
v. 16, p. 200, 2020. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLAn4870142&lang=pt-
br&site=ehost-live. Acesso em: 20 out. 2022.
101

exegética mais aprofundada da inspiração de Marcos 16.9-20, entretanto, percebemos


que esse final de Marcos está em conformidade com a estrutura que Marcos utilizou
em todo o evangelho, ou seja, ele utiliza uma inclusio para comunicar com os leitores
da mesma maneira. Além disso, os temas abordados por Marcos ecoam suas ênfases
ao longo do evangelho, como por exemplo a expulsão de demônios como sinal da
chegada do Reino (Mc 16.17). Marcos mostra isso em todo o ministério de Jesus na
Galiléia, e agora aponta para os discípulos continuando a obra de Cristo.

Paralelismo 4: Marcos 1.1-45 e Marcos 16.15-20


A: Princípio do Evangelho (1.1)
B: Jesus é batizado e chama pecadores a crerem no evangelho (1.2-22)
C: Jesus opera sinais expulsando demônios e curando enfermos (1.23-
45)
A’: Ide pregar o Evangelho (16.15)
B’: Quem crer e for batizado será salvo (16.16)
C’: Os sinais acompanharão os que creem (16.17-20).

Nos últimos versos de Marcos é possível notar um paralelismo com a


introdução do evangelho, nos apontando novamente para a autoria de Marcos desses
últimos versos. Marcos revela o paralelo A – A’, onde Cristo é o princípio do
evangelho e esse evangelho é anunciar que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus. E agora,
no final de Marcos temos Jesus ordenando aos seus discípulos para ir por todo o
mundo pregando o evangelho, ou seja, anunciando que Jesus é o Cristo, o Filho de
Deus, que veio ao mundo para nos salvar. Na sequência, temos o paralelo B – B’, em
que no primeiro capítulo Jesus é batizado e prega o evangelho a fim de que os
pecadores cressem. No paralelo B’ temos Jesus afirmando que os discípulos devem
chamar pecadores a uma decisão, crer no evangelho e serem batizados. Por fim, temos
em Marcos 1 (C), Jesus expulsando demônios e curando enfermos, e no paralelo no
final de Marcos 16 (C’), Jesus afirma que seus discípulos agora expulsarão demônios
e curarão enfermos.
102

2.4 CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS DO EVANGELHO DE MARCOS


De forma geral, podemos perceber que Marcos faz uso recorrente de
quiasmos, inclusios e paralelismo. Mesmo em uma estrutura maior de quiasmo ou
inclusio é possível encontrar uma estrutura menor que também utilize as repetições
como ênfase.
Uma das principais características estruturais utilizadas por Marcos, como
vimos, é o uso de repetições, em sua maioria quiasmos. Segundo Greidanus o
quiasmo também tem como propósito indicar onde recai a ênfase da perícope,
especificamente no ponto central. 247 Vejamos quais são os elementos centrais dos
onze quiasmos destacados ao longo do evangelho de Marcos.

Centro do Quiasmo Texto


Quiasmo 1 – a palavra de Jesus (1.25) Marcos 1.25
Quiasmo 2 – o ensino de Jesus (2.18-22) Marcos 2.18-22
Quiasmo 3 - A pergunta de Jesus: no Marcos 3.4ab
sábado é permitido fazer o bem ou o mal,
salvar a vida ou matar?
Quiasmo 4 - Jesus é o homem mais forte Marcos 3.23-29
que o valente.
Quiasmo 5 - Ensino de Jesus – O Marcos 4.14-20
elemento humano no crescimento.
Quiasmo 6 - Ação de Jesus, o Deus Marcos 4.39
Criador – Jesus acalma a tempestade.
Quiasmo 7 - Jesus liberta o Marcos 5.9-13
endemoninhado e envia os demônios
para os porcos.
Quiasmo 8 – Jesus cura a mulher Marcos 5.24-34
enferma, que crê nele.
Quiasmo 9 – Jesus ordena a multidão Marcos 6.39-40
para que se sentem em grupos em uma
grama verde – Ele é o pastor do Salmo
23.

247
GREIDANUS, Sidney. O Pregador Contemporâneo e o Texto Antigo. São Paulo: Editora Cultura
Cristã, 2006, p. 84.
103

Quiasmo 10 - Jesus confronta a tradição Marcos 7.1-23


dos anciãos e torna puros todos os
alimentos.
Quiasmo 11 - Uma nuvem os encobre, Marcos 9.7
uma voz vem da nuvem e declara: “Este
é meu Filho Amado, a ele ouvi”.

É interessante notar que em quase todos os quiasmos (de 1 a 10) Jesus está
destacado por Marcos no centro da narrativa, seja por sua ação ou por seu ensino.
Marcos propositalmente em sua narrativa nos mostra, na sua forma de escrever por
meio de quiasmos que o centro de toda sua narrativa é Jesus. O único quiasmo onde
Cristo não está no centro é o último (quiasmo 11), onde quem está no centro é o Pai,
afirmando que Jesus é seu Filho Amado e que seus discípulos deveriam dar ouvidos
às suas palavras. Desta maneira, Marcos está nos ensinando por meio dos seus
quiasmos que toda a sua narrativa é cristocêntrica e portanto assim também deve ser
nossa interpretação do texto do evangelho de Marcos.
Em seguida, abordaremos como podemos expor o texto bíblico a partir dessas
estruturas que foram abordadas. Neste caso, mostraremos que o ouvinte, mesmo que
compreenda o que é um quiasmo em si, deve compreender as ênfases do texto dadas
pelo evangelista por meio da estrutura no sermão expositivo. Para isso daremos
alguns exemplos de sermões em quiasmos, inclusios e paralelismos.
104

CONTRIBUIÇÕES DA ANÁLISE ESTRUTURAL PARA A PREGAÇÃO NO


EVANGELHO DE MARCOS
3.1 DA ESTRUTURA PARA O SERMÃO
Em primeiro lugar, todo sermão deve ser cristocêntrico. Jesus, no caminho
para Emaús, pregou aos seus discípulos mostrando que a Lei e os Profetas apontavam
para ele: “E, começando por Moisés, discorrendo por todos os Profetas, expunha-lhes
o que a seu respeito constava em todas as Escrituras”. (Lc 24.27). A Em Atos, Lucas
afirma que os apóstolos, “todos os dias, no templo e de casa em casa, não cessavam
de ensinar, e de pregar Jesus, o Cristo”. (At 5.42). A centralidade da pregação dos
apóstolos no livro de Atos era Cristo, sua morte e ressurreição. Em 1 Coríntios 2.2
Paulo escreveu: “Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este
crucificado”. Paulo também tinha uma pregação cristocêntrica, não se utilizando de
sofismas ou persuasão humana para ganhar notoriedade, mas anunciando a
centralidade da pessoa e obra de Cristo. Greidanus afirma que “O Novo Testamento
ensina, do começo ao fim, que Jesus Cristo é o cumprimento da História, de
promessas e profecias do Antigo Testamento”.248
Em segundo lugar, a estrutura do evangelho deve ser utilizada para a pregação
do sermão expositivo. Normalmente leva-se em conta uma exposição versículo por
versículo e sequencial para considerar que um sermão é expositivo. Porém, um
sermão expositivo é aquele que expõe claramente aos ouvintes qual era a intenção do
autor, e aplica adequadamente o texto à vida dos ouvintes. Para isso, não
necessariamente levamos em conta a sequência dos versículos em si (os autógrafos
não foram escritos baseados em versículos e capítulos) 249 , mas a obra foi escrita
como um todo sem separações, por isso somos chamados a considerar a estrutura do
texto para interpretá-lo e pregá-lo. Kuruvilla afirma que “perícopes individuais
encontram sua posição adequada no contexto do restante do livro e do cânon, pois há
uma integridade no todo que não deve ser fragmentada”. 250 Desta maneira, é
importante entender qual é a intenção do autor em escrever a narrativa dentro da
estrutura que estabeleceu. O autor tem um objetivo específico em narrar da maneira
que está fazendo. Ele está sendo parcial, e tem um propósito. Entender qual o

248
GREIDANUS, Sidney. O Pregador Contemporâneo e o Texto Antigo. São Paulo: Cultura Cristã,
2006, p. 147.
249
O texto escrito em seu original.
250
KURUVILLA, Abraham. O Texto Primeiro: Uma Hermenêutica Teológica para a Pregação. São
Paulo: Editora Cultura Cristã, 2017, p. 86.
105

propósito do autor, e aplicar adequadamente para nossos dias é a tarefa do pregador.


Quando o pregador enfatiza apenas particularidades, minúcias do texto, então perde-
se o foco do todo do texto. Chrisholm Jr. afirma que
A abordagem interpretativa adequada à narrativa também deve ter
foco literário. [...] A abordagem literária deve: (1) demonstrar a
unidade literária e temática de uma narrativa específica, (2) explicar
como cada detalhe contribui para a narrativa e (3) mostrar como a
narrativa corresponde ao contexto literário mais amplo.251

Por isso é importante que o pregador leve em conta a estrutura literária para
compreender o significado do texto a fim de aplicar aos seus ouvintes. Greidanus nos
ensina que
Um sermão expositivo, portanto encontra seu propósito de acordo
com os propósitos bíblicos. O expositor deve, em primeiro lugar,
compreender por que uma passagem particular foi incluída na Bíblia
e, com isso, em mente, decidir o que Deus deseja realizar nos seus
ouvintes hoje por meio do sermão.252

Se desconsiderarmos uma estrutura quiásmica na hora de pregar, podemos perder de


vista as ênfases do narrador (o centro do quiasmo) e destacar aquilo que na intenção
do autor na verdade era periférico. O sermão expositivo tem por propósito elucidar o
texto de acordo com a intenção do autor, para tal, deve compreender também as
ênfases do autor na estrutura do texto e então, aplicar o texto à vida dos ouvintes.
Por fim, é necessário identificar a estrutura e a partir dela estabelecer os
pontos do sermão e suas ênfases. Veremos isso no tópico a seguir.

3.2 ÊNFASES POR MEIO DAS ESTRUTURAS


Uma estrutura quiásmica não deve ser exposta considerando simplesmente a
sequência de versículos, mas os paralelos incluídos no texto. O autor tem um
propósito ao estruturar o texto dessa maneira, e isso não pode ser ignorado. Greidanus
afirma que
Se os autores bíblicos – no Novo Testamento, assim como no Antigo
Testamento e na “prosa”, assim como na “poesia” – de fato, usavam
esses padrões estruturais para marcar seu texto, para assimilar como
eles desejavam que seu trabalho fosse ouvido por sua audiência, os

251
CHRISHOLM JR., Robert B. Da Exegese à Exposição: Guia Prático para o Uso do Hebraico
Bíblico. São Paulo: Vida Nova, 2016, p. 185.
252
GREIDANUS, Sidney. O Pregador Contemporâneo e o Texto Antigo. São Paulo: Cultura Cristã,
2006, p. 148.
106

pregadores expositores contemporâneos também podem tirar


vantagem destas marcações antigas.253

Em princípio, a elaboração do sermão deve ser semelhante ao de outras formas


literárias nas quais uma pesquisa exegética cuidadosa é realizada, uma ideia exegética
central declarada, esboços são criados, uma ideia central de pregação é formada,
254
ilustrações e aplicações desenvolvidas e um esboço é escrito. Porém,
diferentemente de um texto que é abordado versículo por versículo, um texto
estruturado em paralelismo deve levar a um sermão estruturado considerando os
paralelismos em suas divisões.
Segundo Tornfelt,
as unidades quiásticas têm um centro único, projetado
intencionalmente pelo salmista, para ser o foco de sua atenção. A
partir da estruturação quiástica, você pode descobrir a verdade
central do sermão. Mas, como em toda pregação eficaz, você ainda
precisa trabalhar para declarar essa verdade central de uma maneira
que seja memorável para os ouvintes.255

Compreender as estruturas é uma ferramenta exegética que não precisa ser levada ao
púlpito. No entanto, os pregadores se beneficiam atendendo a tais estruturas, estando
certos de que seus sermões refletem o arranjo quiástico proposto pelo escritor bíblico.
Thomas Long afirma:
O efeito do paralelismo no leitor é que essas ideias e imagens
começam a ganhar vida em sua imaginação. O sermão deve procurar
criar um efeito semelhante para os ouvintes, mesmo que as
estratégias retóricas empregadas sejam bastante diferentes.256

Ou seja, se o evangelista desejava enfatizar por meio da repetição um ensinamento ou


ação de Jesus, isso deve ser aquilo que o pregador mais enfatizará no seu sermão. Por
exemplo, em Marcos 5.21-43, o centro do quiasmo encontra-se na mulher enferma

253
GREIDANUS, Sidney. O Pregador Contemporâneo e o Texto Antigo. São Paulo: Editora
Cultura Cristã, 2006, p. 84s.
254
Para aprofundar em como fazer um sermão expositivo veja: ROBINSON, Haddon W. Pregação
Bíblica. São Paulo: Shedd Publicações, 2003. CHAPELL, Bryan. Pregação Cristocêntrica. São
Paulo: Editora Cultura Cristã, 1994. HELM, David. Pregação Expositiva. São Paulo: Vida Nova,
2016.
255
TORNFELT, J. V. Preaching the Psalms: Understanding Chiastic Structures For Greater
Clarity. The Journal of the Evangelical Homiletics Society, [s. l.], v. 2, n. 2, p. 4–31, 2002.
Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLAiFZK190610000472&lang=p
t-br&site=ehost-live. Acesso em: 17 fev. 2022.
256
LONG, Thomas G. Preaching and the Literary Forms of the Bible. Philadelphia: Fortress, 1989,
49s.
107

que crê em Jesus. Ela é o paradigma de fé a ser seguido pelos discípulos e por Jairo. A
ênfase do texto está na fé em Jesus, não na cura ou questões secundárias.
De acordo com Parunak, as estruturas de paralelismo e quiasmos são
utilizadas nas Escrituras em virtude de a literatura bíblica ser “essencialmente
auditiva... destinada a ser entendida com o ouvido, e não com o olho”.257 Além disso,
Parunak também afirma que
Não podemos supor, porém, que, como os escritores antigos não
usam o mesmo tipo de sinal para o leitor que a impressora moderna,
eles não usam nenhum. Comparativamente falando, [o mundo] dos
antigos é mais orientado para a palavra falada. Onde usamos sinais
especialmente adaptados à página impressa, eles empregam um
sistema de indicadores que podem funcionar em apresentações orais
ou escritas. Estudiosos bíblicos nos últimos anos dedicam atenção
considerável aos padrões estruturais na literatura bíblica.258

Naquela época os manuscritos não circulavam nas mãos dos destinatários,


normalmente eram lidos e ouvidos por todos. Não havia cópias disponíveis para
todos. Dessa maneira, os escritores quando queriam enfatizar algo, não o faziam de
forma visível, mas que poderia ser ouvida, utilizando a repetição e paralelismos.
Sobre o mesmo tema de ênfase a partir da estrutura do texto, Sidney Greidanus
escreve
Enquanto os autores modernos podem dar pistas sobre o significado
pretendido enfatizando palavras e frases com itálico ou negrito e
tirando a ênfase de itens com parênteses ou com colocação em notas
de rodapé ou apêndices, os autores antigos não tinham essa dimensão
gráfica à sua disposição. Assim, tanto para indicar os limites de uma
unidade literária quanto para dar pistas sobre seu significado
pretendido, os autores antigos dependiam de outras técnicas gráficas
que não as modernas. Como suas técnicas tinham que ser percebidas
auditivamente, elas consistiam principalmente em padrões estruturais
que podiam ser percebidos por ouvidos sintonizados com esses
padrões.259

Como em nossos dias temos outras maneiras de chamar a atenção quando


escrevemos, Marcos utilizou das ferramentas do seu tempo para marcar e chamar a
atenção no texto. E é nosso papel quando interpretamos o texto não enfatizar aquilo
que é periférico na narrativa, mas sim aquilo que o autor colocou um grande sinal

257
PARUNAK, H. Van Dyke. Some Axioms for Literary Architecture. Semitics 8, 1982, p. 2.
258
PARUNAK, H. V. D. Oral typesetting: some uses of biblical structure. Biblica, [s. l.], v. 62, n. 2, p.
154, 1981. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLA0000786766&lang=pt-
br&site=ehost-live. Acesso em: 17 fev. 2022.
259
GREIDANUS, Sidney. O Pregador Contemporâneo e o Texto Antigo. São Paulo: Cultura Cristã,
2006, p. 82
108

sobre ele. É como se ao ler um bilhete de um amigo, que escreve: “Por favor, se
lembre que devemos sair AMANHÃ às 07h em ponto. Avise seu pai também.” Ao ler
esse bilhete, a ênfase encontra-se na palavra “amanhã” por causa das letras em caixa
alta, ou seja, o autor quer que o amigo não se esqueça de que sairão amanhã. Há outra
marcação no texto, não por meio das letras em caixa alta, mas na ênfase por repetição,
o em ponto enfatiza o 07h, ou seja, não iremos atrasar. Se o bilhete for escrito: “Por
favor, lembre que devemos sair amanhã às 07h em ponto. AVISE SEU PAI
TAMBÉM”. A ênfase mudou, mantém-se a ênfase por repetição no horário, mas
agora, a ênfase passa ao aviso ao pai. No texto bíblico, Marcos não faz isso por meio
de caixa alta, mas por repetição e paralelismos, de forma que o texto, como foi
escrito, aponta para nós o que o evangelista gostaria que prestássemos ainda mais
atenção. Desta maneira, quando lemos o texto bíblico, precisamos levar em conta
essas marcações e ênfases dadas pelo autor, e refletir isso no sermão, com as mesmas
ênfase, não necessariamente mostrando toda a estrutura do quiasmo, mas mostrando
os paralelos e a ênfase principal que encontra-se no centro do quiasmo.
Parunak ainda afirma que a estrutura do texto além de estabelecer a unidade interna
da perícope, também dá mais ênfase a algumas partes do que a outras. Ele afirma que
as estruturas quiásticas frequentemente têm um único item central
que não é dividido entre os dois painéis do quiasma. A singularidade
deste local torna-o adequado para enfatizar o que quer que seja
colocado ali. Este método de ênfase usa a forma intrínseca da
estrutura para focar a atenção do leitor (ou ouvinte) no item de
interesse.260

Mas como usar essa ênfase em um sermão? Ou seja, como pregar em uma estrutura
de quiasmo, paralelismo ou de inclusio? Sobre como pregar um sermão quiástico,
Tornfelt afirma que
As unidades quiásticas têm um centro único, projetado
intencionalmente pelo salmista, para ser o foco de sua atenção. A
partir da estruturação quiástica, você pode descobrir a verdade
central do sermão. Mas, como em toda pregação eficaz, você ainda
precisa trabalhar para declarar essa verdade central de uma maneira
que seja memorável para os ouvintes.261

260
PARUNAK, H. V. D. Oral typesetting: some uses of biblical structure. Biblica, [s. l.], v. 62, n. 2, p.
165, 1981. Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLA0000786766&lang=pt-
br&site=ehost-live. Acesso em: 29 mar. 2022.
261
TORNFELT, J. V. Preaching The Psalms: Understanding Chiastic Structures For Greater
Clarity. The Journal of the Evangelical Homiletics Society, [s. l.], v. 2, n. 2, p. 4–31, 2002.
Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLAiFZK190610000472&lang=p
t-br&site=ehost-live. Acesso em: 29 mar. 2022.
109

Tornfelt ainda propõe que não necessariamente o pregador precisa afirmar no púlpito
diretamente sobre a estrutura do texto, porém a compreensão da estrutura é necessária
para que seu sermão reflita o arranjo quiástico proposto pelo escritor bíblico. Além
disso, ele afirma que essa estrutura leva à compreensão da verdade central do texto e
sugere que “Em uma abordagem dedutiva, a verdade central é colocada na introdução
ou primeiro ponto principal do sermão com aplicações específicas da vida sendo
fornecidas”.262
Ao elaborar um sermão expositivo em uma estrutura de paralelismo, somos
chamados a identificar essa estrutura, seja de quiasmo, inclusio ou paralelismo, e
então fazer a divisão do texto seguindo esses paralelos. Por exemplo, se é um quiasmo
(A – B – C – B’ – A’), o primeiro ponto do sermão pode ser à partir do paralelo A –
A’, o segundo ponto do sermão pode ser à partir do paralelo B – B’ e o último ponto,
e mais importante, que levará à conclusão e aplicação, o centro do quiasmo C, algo
semelhante será exposto no sermão em Marcos 3.20-35 à seguir. Em uma estrutura de
inclusio (A – B – A’), a divisão pode ser feita em dois pontos A – A’ (primeiro ponto)
e B (segundo ponto), como acontece na exposição em Marcos 14.1-10 no tópico a
seguir, ou podemos identificar outros paralelos no texto que podemos nos auxiliar a
expô-lo de forma mais efetiva, como veremos no sermão a ser apresentado no texto de
Marcos 5.21-43.
Desta maneira, o pregador ao fazer a exegese do texto, deve compreender que
a estrutura do mesmo também é importante para a compreensão do significado, a fim
de que encontre aplicações válidas para o ouvinte. Como podemos fazer isso de forma
prática? Abordaremos a seguir algumas perícopes do Evangelho de Marcos propondo
um esboço do sermão levando em conta principalmente sua estrutura. É importante
ressaltar que os sermões são expositivos, entretanto, não levam em conta a estrutura
de versículos para a pregação, seguindo sequencialmente versículo por versículo, mas
a estrutura do texto considerando o quiasmo ou inclusio, que altera consideravelmente
a divisão do texto.

262
TORNFELT, J. V. Preaching The Psalms: Understanding Chiastic Structures For Greater
Clarity. The Journal of the Evangelical Homiletics Society, [s. l.], v. 2, n. 2, p. 4–31, 2002.
Disponível em:
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=rfh&AN=ATLAiFZK190610000472&lang=p
t-br&site=ehost-live. Acesso em: 29 mar. 2022.
110

3.3 EXEMPLOS DE SERMÕES EM ESTRUTURAS DE PARALELISMO,


QUIASMO E INCLUSIO NO EVANGELHO DE MARCOS
Apresentaremos a seguir alguns exemplos de sermões expositivos organizados
levando em conta a estrutura do texto e como isso influencia na exposição.
Primeiramente apresentaremos o esboço completo e em seguida faremos alguns
apontamentos dos movimentos do sermão levando em conta a estrutura do texto.
Explicaremos como a estrutura é abordada por meio das notas de rodapé e ao final de
cada esboço. Essa estrutura será exposta em cada texto por meio das divisões do texto
e ênfases no sermão, de forma implícita, assim como o evangelista o faz.

Sermão em Quiasmo: Marcos 3.20-35: Louco, Mentiroso ou Filho de Deus


(Quem é Jesus para você?)
Introdução
O Leão a Feiticeira e o Guarda-roupa de C.S. Lewis: A história ocorre durante
A Segunda Guerra Mundial. Quatro irmãos são enviados para sua segurança para fora
de Londres. Eles vão para a casa de um velho cheia de quartos vazios. E Lúcia
brincando de esconde-esconde, entra em um guarda-roupa e esse guarda-roupa a leva
para um outro mundo chamado Nárnia. Ela passa um tempo por lá. E seu irmão
Edmundo vai atrás dela. Eles voltam para casa querendo contar para os irmãos o que
tinha acontecido. Lúcia afirma que entrou no guarda-roupa e entrou em uma terra
mágica. E os irmãos não acreditam. E ela diz: Edmundo também viu. E Edmundo diz:
nós estávamos brincando de imaginar, e então mente. Lúcia chora pois foi acusada de
ser mentirosa. Então eles vão até o dono da casa. E o dono diz: Lúcia é
desequilibrada? Eles dizem não. Ela é mentirosa? Não. Ele então responde: por mais
impressionante que seja, Lúcia está falando a verdade.
As mesmas três opções aparecem neste texto: Ou Jesus esta fora de si
(paralelismo B – B’), ou é um mentiroso maligno (paralelismo C – C’), ou ele é o
Messias Prometido (centro do quiasmo e paralelo A – A’).
C. S. Lewis, falando em 1942 (e depois publicado na obra “Cristianismo Puro
e Simples” em 1952), deu ao argumento a sua formulação mais memorável:
Eu estou aqui tentando prevenir que alguém diga uma coisa
realmente idiota que pessoas usualmente dizem a respeito dele: Eu
estou pronto para aceitar Jesus como um grande mestre de moral,
mas eu não aceito a sua afirmação de ser Deus. Isso é uma coisa que
nós não podemos dizer. Um homem que era apenas um homem e que
disse o tipo de coisas que Jesus disse não seria um grande mestre de
111

moral. Ou ele seria um lunático - ao nível com o homem que diz ser
um ovo escalfado - ou então ele seria o Diabo do Inferno. Você
precisa fazer a sua escolha. Ou esse homem foi, e é, o Filho de Deus,
ou então um homem louco ou algo pior. Você pode tê-lo por um tolo,
você pode cuspir nele e matá-lo como um demônio ou você pode cair
aos seus pés e chamá-lo Senhor e Deus. Mas ninguém venha com
paternal condescendência, dizer que ele não passava de um grande
mestre humano. Ele não nos deixa essa opção, e não quis deixá-la
(...) Ora, parece-me óbvio que Ele não era nem um lunático nem um
demônio; consequentemente, por mais estranho ou assustador ou
insólito que pareça, eu tenho de aceitar a ideia de que ele era e é,
Deus.263

Cristo não é louco e nem maligno, então ele é o Messias, o Filho de Deus.

Estrutura do Texto:
A: Multidão vem para ouvir Jesus (3.20)
B: Parentes de Jesus – ele está fora de si e saem para o prender (3.21)
C: Escribas – ele está possesso de Belzebu (3.22)
D: Jesus – o homem mais forte que o valente (blasfêmia contra
o ES – não é família (3.23-29)
C’: Escribas – está possesso de espírito imundo (3.30)
B’: Parentes de Jesus – seus parentes chegam e mandam chamá-lo para o
prender (3.31)
A’: Multidão aprende de Jesus quem é sua verdadeira família (3.32-35).264

1) Jesus Cristo não é Louco e a Obra de Deus às vezes é confundida com


loucura (vs. 21, 31)265
Mesmo aqueles que estão do seu lado não compreendem quem Jesus é. Sua
própria mãe e seus discípulos. Jesus está perdoando pecados, como se fosse o próprio
Deus. Ele diz que é o Senhor do Sábado. Ele diz que é o Noivo. Ele ataca os líderes
da época Se ele quer ser influente, ele deveria se aliar com as forças da época. Como
o Messias governaria sem o apoio dos judeus? Ao mesmo tempo que ele anda com
coletores de impostos, gente de má reputação. Para piorar, Jesus não tem tempo nem
para descansar. Para seus familiares, que não compreendem sua missão, ele precisava

263
LEWIS, C.S. Cristianismo Puro e Simples. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 69-71.
264
KURUVILLA, Abraham. Mark: A Theological Commentary for Preachers. Eugene: Cascade
Books, 2012, p. 69.
265
Aqui a divisão do texto não leva em conta os versículos de forma sequencial, mas sim o paralelo B
– B’. Considerando a estrutura do texto para a divisão e não a ordem dos versículos sequencialmente.
112

ser parado. Seus parentes pensam que para sua própria proteção, precisavam cuidar
dele, ou senão, ele poderia se prejudicar, ou mesmo ser morto. Eles pensam que
sabem o que é melhor para ele, mais do que ele mesmo.
Aplicação:
1) A igreja foi chamada de louca. Caluniada. Talvez você tenha passado por
isso na sua própria casa. Na escola, as pessoas não entendem por que você
faz a loucura de não fazer aquilo que é mal. Além disso se encontra com
um bando de loucos para cultuar a Deus no domingo. Felizes aqueles que
são chamados de loucos por causa de Jesus, afinal ele também é chamado
de louco.
2) A cruz de Cristo é loucura para os que se perdem, mas poder de Deus para
nós. A pregação do evangelho deve ser centrada na cruz, um chamado ao
arrependimento, confrontação de pecados. Ao fazer isso podemos ser
chamados de loucos, entretanto, nosso Senhor também foi. Viver
piedosamente no senhor Jesus leva à perseguição. Mas a loucura deve ser
por seguir a Bíblia e não por fazer coisas tolas.

2) Jesus Cristo não é maligno, e a Obra de Deus às vezes é chamada de


maligna pelos servos de Satanás (vs. 22, 30)266
Os inimigos dizem que ele é mau. Alguns mestres da lei vêm desde Jerusalém
para confrontá-lo. Os escribas da Galiléia não estavam conseguindo lidar com Jesus,
então vêm os maiorais de Jerusalém. Eles não negam que ele faz coisas
impressionantes. Eles não dizem que ele é um mentiroso. Eles não podem dizer que
ele não curou o paralítico ou o homem da mão ressequida ou que não expulsou
demônios. Todos viram isso. Eles então tentam desmoralizar Jesus, afirmando que ele
faz coisas impressionantes porque Satanás é quem lhe confere poder. Belzebu é o
Senhor das moscas – aquele que comanda a morte. É como se afirmassem que ele é o
próprio Satanás disfarçado. Ele está possuído por Satanás engando o povo dizendo ser
o filho de Deus. Um charlatão, um mentiroso. Segundo eles, Jesus está
intencionalmente querendo enganar dizendo ser alguém que não é.
Aplicação:

266
Aqui, novamente é considerado para a segunda divisão do texto o paralelismo C – C’.
113

1) No início do cristianismo os cristãos eram chamados de perversos. Eram


acusados de canibalismo (antropófagos, por comer a carne e beber o
sangue de Jesus na Ceia do Senhor). Eram acusados de ser incestuosos
(casavam-se entre irmãos). Chamados de rebeldes (pois não se curvavam
diante do Imperador e chamavam Jesus de Senhor - Kyrios).
2) Famosos ateus estão indo além do passo de dizer que o cristianismo é uma
loucura, e agora afirmam que o cristianismo é mau. É algo ativamente
ruim para a humanidade. Desta maneira, incentivam a perseguição de
cristãos, a destruição de Bíblias, a proibição da evangelização e do
chamado ao arrependimento diante dos pecados, que não podem ser
chamados de pecados.

3) Jesus é o Filho de Deus – a verdadeira família de Jesus – Deus cria uma nova
família (vs. 23-29 e 32-35)267
A casa do valente: Como pode Satanás expulsar Satanás? Em uma batalha, um
exército não luta contra si mesmo. Brigas internas destroem grandes impérios. O que
eles pensam é incoerente. A acusação de maldade é infundada. Você não pode delegar
mais do que já delegou. Satanás não pode delegar mais poder do que já possui. Se o
poder que está sendo usado contra Satanás é maior do que o próprio Satanás, então ele
não pode ser a fonte desse poder. Isso é ilustrado por um homem forte que está prestes
a ser roubado. Se você quiser roubar um homem forte, não entre na casa dele e peça a
ele para ajudá-lo. Você deve primeiro amarrá-lo. É isso que Jesus está dizendo. Ele
veio para prender Satanás e saquear-lhe de volta aqueles que ele usurpou. O texto de
Gênesis 3.15 já apontava que os filhos de Satanás iriam tentar confundir o povo de
Deus e persegui-los. Porém, viria o descendente da mulher que pisaria na cabeça da
serpente, sendo maior e mais forte que ela. Jesus utiliza a ilustração de um valente que
entra na casa de outro valente, o saqueando. Mas, Jesus está se comparando a um
ladrão? Certo que não. O valente que está na casa não está lá porque é sua casa por
direito, mas como um usurpador. É como um ladrão que rouba diversos bens da sua
casa, então a polícia encontra onde ele mora, entra lá, o prende e pega os seus bens de
volta. Jesus é o mais valente. Ele não está a serviço de Satanás, antes, ele veio para
lhe destruir.

267
Por fim, a última divisão do texto considera o centro do quiasmo (D), e o último paralelismo (A –
A’). Essa é a parte mais importante do texto, e por isso é enfatizada aqui.
114

Aplicação:
1) Muitos entendem errado esse texto. Não somos nós que amarramos o
diabo. Jesus é quem esmaga a cabeça da serpente. Ele é quem morre na
cruz e os expõe à vergonha. Não é algo que ele nos ensina a fazer. Ele faz
de uma vez por todas. O que a igreja hoje faz, é alegremente buscar os
despojos da vitória. A cabeça já foi esmagada, então vamos lá pregar a
vitória de Cristo.
Com essa parábola, Jesus rememora a missão do sumo sacerdote messiânico de
amarrar Satanás. Os essênios aguardavam dois Messias, um da tribo de Levi, que
seria sumo sacerdote e um da tribo de Judá que seria Rei. O testamento de Levi, que é
parte do Testamento do Doze Patriarcas, diz: “E Belial deve ser amarrado [pelo sumo
sacerdote messiânico], e ele deve conceder a seus filhos a autoridade para pisar os
espíritos perversos”. (T. Levi 18.12).268 Mais importante temos Isaías 49.24-26:
Tirar-se-ia a presa ao valente? Acaso os presos poderiam fugir ao
tirano? Mas assim diz o SENHOR: Por certo que os presos se tirarão
ao valente, e a presa do tirano fugirá, porque eu contenderei com os
que contendem contigo e salvarei os teus filhos. Sustentarei os teus
opressores com a sua própria carne, e com o seu próprio sangue se
embriagarão, como com vinho novo. Todo homem saberá que eu sou
o SENHOR, o teu Salvador e o teu Redentor, o Poderoso de Jacó.

Então Jesus passa a discorrer sobre a blasfêmia contra o Espírito Santo. Negar a Jesus
tem perdão? Sim, Pedro negou a Jesus. Adultério tem perdão? Sim, Davi foi
perdoado. Perseguir a igreja tem perdão? Sim, Paulo foi perdoado. O que não tem
perdão? É justamente aquilo que é o oposto do arrependimento e fé. Achar que Cristo
não é verdadeiro. Aqueles que se recusam a entender quem ele é e o que ele faz. Que
têm o seu coração endurecido e negam o único caminho pelo qual poderiam ter
salvação. A FAMILIA PODE BLASFEMAR E ESTAVAM FAZENDO ISSO.

Conclusão do Sermão:
Quem é o irmão e a irmã e mãe de Jesus? Aquele que faz a vontade de seu Pai.
Aquele que reconhece quem ele é. Ele não é um louco, nem um mentiroso ou mal. Ele

268
FILHO, José Adriano. Expectativas Messiânicas Sacerdotais no Judaísmo e as origens da
Cristologia. Oracula, v. 1, n. 1, p. 54s, 2005. Disponível em:
https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&ved=2ahUKEwiZlaDcu5P2
AhWqGbkGHd7-
DVAQFnoECAMQAQ&url=https%3A%2F%2Fwww.metodista.br%2Frevistas%2Frevistas-
metodista%2Findex.php%2Foracula%2Farticle%2Fdownload%2F5922%2F4792&usg=AOvVaw0coC
8CSlGvhzcdM_aYio5j. Acesso em: 22 fev. 2022.
115

é o Filho de Deus. Sua resposta a princípio parece um tanto áspera, mas não era essa a
sua intenção. Sua intenção era introduzir um novo conceito a respeito da família de
Deus. John Phillips faz um ponto interessante observando que
Agora ele colocou uma eternidade de distância entre ele e sua família
natural. A distância sempre existiu, é claro, dadas as circunstâncias
extraordinárias de seu nascimento, dado quem ele era e quem era seu
Pai , e dado o fato de que, embora ele fosse verdadeiramente
humano, ele era ao mesmo tempo Deus. Sua família natural agora
havia dado a ele a oportunidade de pôr fim à mera conexão
familiar.269

Ele disse: “Quem são minha mãe e meus irmãos?” Claro que Jesus sabia quem eram
sua mãe e seus irmãos e certamente não pretendia tratá-los com desrespeito. Ele não
está dizendo que não os amou, mesmo na cruz, quando “viu sua mãe e o discípulo que
ele amava perto dele, disse à sua mãe:” Mulher, eis o teu filho! Depois disse ao
discípulo: “Eis a tua mãe!” A partir daquela hora, o discípulo a recebeu em sua casa”.
(João 19.26-27). A pergunta de Jesus pretendia chamar a atenção para o fato de que,
em sua obra, havia laços mais elevados do que os de carne e osso. A verdadeira
família de Jesus consiste naqueles que respondem positivamente a ele, em vez de
aqueles que estão fisicamente relacionados a ele. Mais próximos do que sua própria
família terrena, eram aqueles que eram seus irmãos e irmãs e sua mãe na família de
Deus.
Aplicação: Somos chamados a reconhecer quem é Jesus: Não é louco e nem
mentiroso, ele é Deus. Precisamos ter uma vida centrada nele. Não devemos buscá-lo
por conveniência, ou desejar manipulá-lo pensando ter proximidade. Somos
chamados a reconhecer nossos irmãos. Não somos melhores do que ninguém.
Fazemos parte da família da fé. Além disso, nosso inimigo já está derrotado, e temos
a certeza da vitória. Não precisamos temer. Nosso Deus reina para sempre e Cristo já
está reinando.
Da Estrutura para o Sermão (Apontamentos): Em primeiro lugar o texto
não foi exposto seguindo os versículos sequencialmente do vs. 20 ao 35 de forma
linear. Note que as divisões do sermão foram levando em conta os paralelismos do
quiasmo A-B-C-D-C’-B’-A’. Sendo a primeira divisão a exposição do paralelo B-B’,
onde os parentes de Jesus (sua mãe e seus irmãos) o chamam de louco. Marcos os

269
PHILLIPS, John. Exploring the Gospel of Mark: An Expository Commentary. Grand Rapids:
Kregel Academic, 2003, p. 84.
116

coloca em paralelo com os escribas que chamam Jesus de Belzebu, ou seja, mau. Essa
é a segunda divisão do sermão no paralelo C-C’. Por fim, temos o centro do quiasmo,
D, como último ponto juntamente com o paralelo A-A’ na última divisão do sermão.
Aqui temos o contraste entre a visão da família de Jesus (louco), a visão dos escribas
(mau) e quem verdadeiramente é Jesus (o mais valente). Além disso, ao final, Jesus
mostra que mais importante que proximidade de parentesco sanguíneo é fazer parte de
sua família da fé, reconhecendo quem ele é, o Filho de Deus.

Sermão em Paralelismo/Inclusio: Marcos 5.21-43 – Quando a graça de Deus nos


toca em meio à tragédia
Introdução:
Tive um professor de homilética chamado Rev. George Canêlhas. Certa feita,
pregando no seminário, ele contou sobre sua tia. Ela sonhava em ter uma casa, toda a
família sabia disso e acompanhava sua luta por concretizar esse sonho. Mas seu maior
sonho foi frustrado. Ela tentou o financiamento de todas as formas possíveis, mas foi
reprovado. Aquilo a deixou muito mal. É muito triste quando nossos planos são
frustrados. Depois de algum tempo ela foi acometida com um câncer muito agressivo.
E a família quando ia visitá-la ficava chorando pelos cantos, mas diante dela sorriam e
dizendo que iria melhorar. Ela era uma crente no Senhor. Então, em um determinado
dia, aquela mulher juntou toda a família. E disse a todos: “Eu não sou boba. Eu tenho
visto vocês chorando pelos cantos, e sorrindo diante de mim. Eu sei o que eu tenho.
Mas isso não é motivo para chorar. Vocês sabem qual era o meu maior sonho?”. E
aqueles familiares responderam: “Ter a casa própria”. Ao que ela responde: “Pois é,
agora, dentro de pouco tempo eu terei minha própria casa preparada por Jesus. Estou
muito feliz por isso. Isso não é motivo para tristeza, mas de alegria”. Da mesma
maneira, diante da enfermidade ou mesmo da morte, somos chamados a não temer,
mas crer somente. Nossa esperança deve estar no Senhor!

Contexto:
Nesse texto temos duas historias de desastres. Temos aqui um sanduíche. O
evangelista João Marcos gosta disso. Ele começa com uma história, a corta no meio
contando outra história e depois termina com a historia que começou mostrando que
estão relacionadas.
117

A: Jairo, o principal da sinagoga prostra-se aos pés de Jesus e roga para que
cure sua filha (vs. 22-24)
B: Certa mulher, sofredora, toca nas vestes de Jesus e é curada (vs. 25-
34)
A’: Jesus ressuscita a filha de Jairo (vs. 35-43)

A primeira história mostra um chefe da sinagoga. Ele tinha tudo, mas sua filha
estava em estado terminal. Um desastre. Sem esperança. Ele a viu nascer, crescer,
falar as primeiras palavras. Uma filha preciosa de apenas doze anos. Mas, agora sua
vida está se esvaindo. Você sabe qual o sentimento de um pai vendo seu filho
morrer?
Marcos relaciona essa história com uma segunda história, que mostra uma
mulher que está vendo sua vida esvair há doze anos. Uma hemorragia. Uma
enfermidade cruel que a afasta de tudo. Ela não pode ser tocada por ninguém, pois
que a tocar é considerado impuro cerimonialmente. Ela não sabe o que é um abraço
há doze anos. Onde ela senta, ninguém mais senta. Onde ela toca, ninguém mais toca.
Ela perdeu sua vida social, e cerimonialmente não pode entrar no templo. Ela gastou
tudo tentando melhorar mas só piorava. Um desastre. Sem esperança.
Nessa inclusio temos quatro paralelos:

JAIRO MULHER ENFERMA


A: Crê em Jesus e é chamado a continuar A’: Crê em Jesus (vs. 34)
crendo (vs. 22-23, 36)
B: Tem uma filha de 12 anos que sofre B’: É chamada de filha por Jesus e está
(vs. 23, 42) sofrendo há 12 anos (vs. 25, 34)
C: Uma multidão que não crê está no C’: Uma multidão que não crê está ao
velório de sua filha (vs. 38, 40) redor de Jesus (vs. 24)
D: Foi tocada por Jesus e foi curada (vs. D’: Toca em Jesus e é curada (vs. 27)
41)

1) Duas pessoas que creem (vs. 22-23, 34 e 36)270


Quem é Jairo? De repente, um homem chamado Jairo veio e se prostrou aos
pés do Senhor Jesus. Jairo era um homem importante, chefe da sinagoga em

270
Aqui a divisão do texto não leva em conta os versículos de forma sequencial, mas sim o primeiro
paralelo entre a fé da mulher enferma e a fé de Jairo.
118

Cafarnaum. Era um homem religioso, moralmente respeitável, rico, próspero e


proeminente na sociedade. Como chefe da sinagoga, Jairo era responsável pela
manutenção, organização e adoração. 271 Era uma posição de status, prestígio e
dinheiro. Ele presidia a sinagoga e era um homem de reputação e riqueza. Certamente
era conhecido naquela região, tanto que Marcos o chama pelo nome. Porém, Jairo está
em uma situação muito difícil. Sua filha está à morte e ele está desesperado. Ninguém
mais pode ajudá-lo, apenas Jesus. Então, ele se lança aos pés de Jesus, pois Jairo sabe
quem ele é. Ele sabia que Jesus tinha o poder para curar sua filha. Possivelmente ele o
viu curar o homem da mão ressequida em sua própria sinagoga (Mc 3.1-6) e outros
sinais. Por três vezes Jairo tem sua fé provada. Primeiro, ele sabe que só Jesus pode
curá-la e vai até Jesus, lançando-se aos seus pés. Segundo, ele passa pelo atraso, mas
não desiste. Você imagina estar em uma ambulância, mas a mesma está parada em um
trânsito congestionado, enquanto seu filho está morrendo? Algo parecido acontece.
Havia mais alguém precisando de Jesus. Terceiro, ele recebe a notícia: sua filha
morreu. Entretanto, Cristo diz: Não temas, crê somente. E Jairo manteve a sua fé.
Que pai já não ficou desesperado e ansioso ao levar o filho ao pronto-socorro, orando
durante todo o caminho para que Deus poupasse a vida do seu pequenino?
Quem é aquela mulher? Em paralelo com Jairo, temos uma mulher que é
uma anônima. Ela tinha posses, mas agora não tem mais. Ela é uma excluída. Marcos
não cita o seu nome. E para piorar, ela está enferma com uma hemorragia. O grande
problema é que isso não apenas trazia dor física àquela mulher, mas uma separação
conjugal, social e religiosa. É interessante que os judeus ensinavam, através do
Talmude, um livro de leis, que havia 11 formas de cura para a hemorragia. Algumas
eram tratamentos legítimos. Provavelmente, a mulher anônima buscou todas as
formas a fim de resolver o seu problema, entre elas: Beber uma taça de vinho com pó
de açafrão; Comer cebolas persas cozidas em vinho e falar as palavras “saia fluxo de
sangue”; Levar as cinzas de um ovo de avestruz em uma bolsa de linho no verão e
numa bolsa de algodão no inverno. Obviamente nada disso trouxe cura para aquela
mulher. Foram doze anos de sofrimento. Sua enfermidade afetava todas as partes de
sua vida.

271
WALVOORD, J. F., ZUCK, R. B. The Bible Knowledge Commentary: An Exposition of the
Scriptures. Wheaton, IL: Victor Books, 1985, (Lc 8.40–42).
119

Marcos propositalmente coloca os dois em paralelo. Enquanto Jairo era líder


da sinagoga, aquela mulher, considerada impura pela lei cerimonial (Lv 15.25-27),
estava impedida de entrar em qualquer sinagoga.272 Enquanto Jairo era conhecido e
tinha posses, ela não tem seu nome mencionado e perdeu tudo que tinha. Enquanto a
filha de Jairo tem doze anos, aquela mulher há doze anos está impedida de ter filhos.
Enquanto Jairo se aproxima de Jesus publicamente, ela se aproxima em secreto. Mas
ela é um exemplo de fé. Marcos sempre mostra mulheres exemplares no caminho de
Jesus. Essa era uma delas. Ela é um exemplo, um paradigma de fé. Jesus diz para
aquela mulher: “a tua fé te salvou, vá e fica livre do mal”. Assim que Jesus elogia a fé
da mulher, Jairo recebe a notícia da morte de sua filha. Teria ele fé como ela? É
como se Jesus dissesse a ele: “Não tenha medo. Apenas tenha fé. Você viu o que
aconteceu? Apenas creia”.
Ilustração: O grande pregador britânico, G. Campbell Morgan, ao pregar
sobre a história de Jairo, disse:
Há 40 anos minha primogênita estava prestes a morrer. Eu clamei por
ela, então, Jesus veio, e disse ao nosso conturbado coração: “Não
temas, crê somente”. Ele disse a ela: “Talitá, cumi”, “cordeirinha,
levanta-te”, mas no caso dela, não significava, permanecer na terra.
Ele precisava dela e a levou para o céu. Ela foi e por todos esses
anos, eu sinto a sua falta, mas a Sua palavra, “Crê somente”, tem sido
a nossa força em todos esses anos.273

Aplicação: Às vezes a tempestade vem em forma de enfermidade ou pelo


luto. Somos acometidos pelo mal diariamente. E devemos correr para o nosso
Salvador. A notícia da morte de um ente querido, a enfermidade que bate a porta, a
impossibilidade de algo que tanto sonhamos, frustrações diversas, a impossibilidade
de ter um filho, uma traição, uma briga terrível, perseguições inúmeras. A palavra de
Jesus continua a mesma para você: Não temas, crê somente! Confie no seu Redentor,
ele te conduzirá seguro até o fim.

2) Duas filhas que sofrem (vs. 23, 25, 34, 42)274


A mulher teve fé e Jairo é chamado a ter fé. A mulher ficou enferma doze
anos. A filha de Jairo tinha doze anos. Enquanto a mulher enferma estava morrendo

272
MULHOLLAND, Dewey M. Marcos: Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova, 1999, p.
66.
273
MORGAN, Jill. A Man of the Word. Eugene: Wipf & Stock Publishers, 2010, p. 82-83
274
Novamente temos o paralelo entre as duas filhas do texto. Os versículos não são expostos
sequencialmente, mas seguindo a lógica dos paralelos estabelecidos por Marcos.
120

por doze anos, a filha de Jairo morreu aos doze anos. Essa mulher é o discípulo que
devemos imitar. Ela está no lugar certo, ela tem fé, ela é curada. Então ela é chamada
de filha por Jesus. Ela é a única mulher chamada de filha por Jesus no evangelho de
Marcos. Ela agora faz parte da família de Jesus. Purificada, justificada, salva. Filha de
Deus.
“Então, a mulher, atemorizada e tremendo, cônscia do que nela se operara, veio,
prostrou-se diante dele e declarou-lhe toda a verdade. E ele lhe disse: Filha, a tua fé
te salvou; vai-te em paz e fica livre do teu mal”. (Mc 5.33– 34).
Agora há duas filhas nessa história. Temos a filha de um chefe da sinagoga
que tinha muitos servos. E uma filha pobre, que não tinha ninguém que a
apresentasse, defendesse. E é a essa que Jesus chama de filha. Aquela miserável se
torna a filha do centro da história. Jesus se importa. A agenda de Jesus não é a agenda
dos homens. Importa a ponto de parar. Importa a ponto de chamá-la de filha. Ele é o
Deus que para diante dos não importantes.
Aplicação: Eu não sei que desastre acometeu você esse ano. Talvez nenhum
ainda. Morte e enfermidade podem vir. Você sabe que Jesus se importa?

3) Duas multidões que não têm fé (vs. 24, 38, 40)275


Você terá fé como essa mulher ou será como as duas multidões sem fé?
Vs 30-31 - a ironia do texto é que Jesus sabia quem o tocou. A mulher sabia que o
tocou. Nós leitores sabemos quem o tocou. Quem não sabia eram justamente os
discípulos. E Marcos nos revela que eles ainda não conhecem Jesus muito bem. Eles
não conhecem seu cuidado, sua misericórdia e seu amor. Suas agendas são outras.
Seus olhos não veem ainda como ele. Eles não têm fé como essa mulher. Eles
questionam a Jesus, como pergunta quem te tocou, não vê que todos te tocam?
Em paralelo, nos vs. 39, 40 temos outra multidão que ri dele. Quem ele pensa que é?
Ele não entende que ela está morta? Eles não o conhecem também. Eles não sabem do
seu cuidado, misericórdia e amor. Eles não têm fé. Porém, Jairo é chamado a crer
como aquela mulher.
Aplicação: Será que somos como essas multidões sem fé? Deus nos salvou
em Cristo da condenação eterna. Nos livrou do mal. E somos incapazes de confiar

275
Duas multidões são colocadas em paralelo pois não compreendem as palavras e o agir de Jesus.
121

diante dessas tragédias temporárias? Devemos crer mas continuar dependendo


desesperadamente de Jesus. Assim como a mulher enferma.

4) Duas pessoas são tocadas (vs. 27, 41)276


Vejamos como a narrativa termina. Jesus toca a menina, assim como a mulher
o tocou (vs. 41-42). No toque da mulher enferma em Jesus (vs. 25-27) temos sete
particípios até o verbo principal: “tocou-lhe”. São sete gerúndios até o verbo
principal. A imundícia contamina pelo toque, porém isso acontece com Cristo. Ela o
toca e não é ele que fica imundo, ela quem é purificada. Ela recebe a cura física (o
fluxo de sangue é estancado), a cura emocional (foi chamada de filha), a cura
espiritual (sua fé a salvou).
Ilustração: Da mesma maneira Jesus toca o Leproso em Marcos 1.41,
trazendo-lhe de volta a dignidade, a vida social e a restauração religiosa.
Aplicação: Sem o toque de Jesus tudo vai mal. Quando Jesus toca, as coisas
são consertadas. A vida social, a vida emocional, a dignidade, a cura, a
salvação. Precisamos desesperadamente do toque de Jesus. Além disso, quando um
irmão precisa de um abraço, de cuidado, estamos agindo como Cristo. Nós somos o
corpo de Cristo, suas mãos e seus pés neste mundo. Você pode não ser curado (E
aí??)
Conclusão do Sermão:
Jesus é Senhor sobre a tempestade (Mc 4.41); Jesus é Senhor sobre o inferno e
suas hostes malignas (Mc 5.1-14); Jesus é Senhor sobre toda enfermidade (Mc 5.34);
Jesus é Senhor sobre a morte (Mc 5.35-43). Diante de sua temerosa situação, a
palavra de Jesus para você̂ é: “Não temas, crê somente!”.
Da Estrutura para o Sermão (apontamentos): Note que o texto não foi
estruturado em uma sequência de versículos, mas levando em conta os paralelos
estabelecidos pelo narrador. Marcos nos mostra a mulher enferma sendo colocada em
contraste com Jairo e sua filha, bem como um paradigma de fé tanto para Jairo como
para os discípulos. É esse movimento que deve ser demonstrado no sermão. Assim
propomos quatro divisões no texto, onde a primeira é o paralelo entre Jairo e a Mulher
Enferma. A fé de ambos é apresentada, ambos creem, e Jairo é chamado a continuar
crendo assim como aquela mulher creu. A segunda divisão coloca em paralelo a

276
Aqui temos o último paralelo, ambas filhas são curadas mediante a fé e mediante o toque de Jesus.
Novamente não seguimos a sequência de versículos mas dos paralelismos.
122

Mulher Enferma e a filha de Jairo, ambas são chamadas de filhas, ambas sofrem, a
mulher sofre há doze anos, a filha de Jairo tem doze anos. A terceira divisão leva em
conta os paralelos da duas multidões que não têm fé. Por fim, a última divisão mostra
o poder do toque em Jesus e de Jesus. A primeira mulher toca em Jesus e é curada, a
filha de Jairo é tocada por Jesus e é ressuscitada.

Sermão em Paralelismo: Marcos 8.22-26: Cegueira Espiritual277


Introdução:
Sabe quando você pega o bonde andando e tenta compreender mas não está
entendendo nada? Mesmo que esteja ouvindo e vendo, mas não está entendendo. Há
alguns filmes que têm finais surpreendentes. Você acompanhou toda a trama, mas no
final percebe que não tinha entendido nada, só quando o final chega. E depois você
quer ver o filme de novo para entender a trama desde o início. Parece que os
discípulos de Jesus estão passando por algo semelhante. Eles estão vendo e ouvindo
Jesus, porém compreendendo muito pouco.

Contexto:
Na época de Jesus muitos viram seus milagres e ouviram seus ensinamentos.
Mas será que estavam realmente compreendendo ou interpretavam como eles
queriam? Muitos pegaram o bonde andando e não entendiam nada. Os evangelhos nos
trazem alguns milagres que são ações parabólicas de Jesus. Jesus opera esses milagres
com o intuito de ensinar seus discípulos.
A cura do cego de Betsaida inicia uma grande estrutura quiásmica que vai de 8.22 a
10.52, durante toda a jornada de Jesus para Jerusalém.
A: A Cura do Cego de Betsaida (8.22-26)
B: Jesus prediz sua morte e ressurreição a primeira vez (8.27-32a)
C: A reação dos discípulos à primeira predição – Pedro repreende
Jesus (8.32b)
D: O ensino de Jesus diante da reação (8.33-9.1)
B’: Jesus prediz sua morte e ressurreição a segunda vez (9.30-32)

277
Desta vez abordaremos a perícope de Mc 8.22-26 à luz de todo o paralelismo de 8.22 a 10.52. Nesse
caso é necessário compreender toda essa estrutura para conseguir interpretar corretamente a cura do
cego em duas etapas e aplicar essa ação parabólica de Jesus para a vida dos discípulos e posteriormente
para a vida dos ouvintes.
123

C’: A reação dos discípulos à segunda predição – disputam quem é o


maior (9.33-37)
D’: O ensino de Jesus diante da reação (9.38-50)
B”: Jesus prediz sua morte e ressurreição a terceira vez (10.32-34)
C”: A reação dos discípulos à terceira predição – pedem tronos ao lado
de Jesus (10.35-37)
D”: O ensino de Jesus diante da reação (10.38-45)
A’: A Cura do Cego de Jericó (10.46-52).

1) Jesus é o Messias que veio para dar vista aos cegos (8.22-26)
“E lhe trouxeram um cego”. Vemos outros trazendo pessoas a Jesus várias
vezes em Marcos (Mc 2.3 Mc 6.55,56). Esta é a primeira menção no Evangelho de
Marcos de um cego sendo levado a Jesus para cura , sendo o segundo em Mc 10:46.
Lembre-se de que a cura da cegueira é um dos sinais de que o Messias tinha
vindo quando Jesus retransmitiu a João Batista. Uma das profecias de Isaías sobre o
Messias era que Ele traria visão aos cegos (cf. Is 29.18-35.5; 42.7,16,18-19). A
cegueira física é uma metáfora do Antigo Testamento para a cegueira espiritual (cf. Is
56.10; 59.10). Este mesmo jogo com a cegueira física e espiritual é visto claramente
em João 9. Isso também está obviamente relacionado à cegueira dos discípulos em
8.15,18.
Jesus curou vários cegos ao longo de Seu ministério (Mt 9.27–31; 11.5;
12.22; 15.30–31; 20.30–34; 21.14; Marcos 10.46–52; Lucas 4.18; 18.35–42; João 9.1-
12). Porém, apenas aqui a cura foi realizada em duas etapas.
Aqueles que sofriam de cegueira estavam desamparados e reduzidos a um
estado de mendicância (cf. Marcos 10:46). Além disso, como outros com deficiências
ou doenças debilitantes, eles foram considerados amaldiçoados por Deus (cf. João
9.1-2). Esse tipo de estigma tornava a vida com a cegueira duplamente dolorosa.
Aplicação: Essa também era a nossa situação. Mendigos espirituais.
“Rogando-lhe que o tocasse”. Há um paralelo entre as histórias do surdo
(7.31-37) e do cego de Betsaida. Ambos são levados a Jesus. Ambos pedem para que
Jesus os cure com um toque. Ambos são curados por Jesus com saliva. Ambos são
exortados a não compartilharem o acontecimento. A visão e a audição eram uma
metáfora comum para a compreensão. Jesus afirma isso, entre as narrativas dos dois
milagres em Marcos 7.17b-18a: “Ainda não considerastes, nem compreendestes?
124

Tendes o coração endurecido? Tendo olhos, não vedes? E, tendo ouvidos, não
ouvis?”. Os discípulos deveriam ter visto o surdo como uma imagem de si mesmos
como incapazes de compreender o que Jesus os ensinava. Também deveriam perceber
que o homem cego apontava para sua incapacidade de compreender quem era Jesus.
Além disso, eles pedem que Jesus o cure com um toque. Jesus não está sujeito
a regras e não faz aquilo que nós queremos que ele faça. Ele opera segundo o seu
propósito. O Senhor segue seus caminhos usuais, mas não está preso a eles. Ele já
havia curado outros com um toque, então pensavam que o método também era
importante para a cura.
Aplicação: Agimos da mesma maneira quando pensamos em avivamento de
forma estereotipada. Quando pensamos que por meio de regras, pessoas serão salvas
ou a igreja irá crescer.
Jesus o tocou (“tomando o cego pela mão” – vs. 23), mas nenhuma cura veio,
e assim ele provou que o milagre não estava ligado ao método, mas a sua pessoa.
Jesus também não o curou instantaneamente, como eles esperavam.
Jesus o leva para fora da aldeia, para evitar a publicidade. Quanto mais seus
milagres se tornassem conhecidos, mais próximo ele estaria da cruz. Então, Jesus
aplica saliva em seus olhos. O método usado não é importante, mas o propósito da
cura. Como dito, essa cura era uma ação parabólica feita por Cristo, não apenas para
curar o cego, mas para ensinar seus discípulos. E por isso, a cura ocorre em duas
etapas. Depois da saliva, o cego diz: “Vejo os homens, porque como árvores os vejo,
andando”. Então, Jesus novamente põe a mão nos seus olhos, e ele passa a ver
claramente.
O que aconteceu aqui? Por que o cego é curado em duas etapas? Teria o poder
de Jesus falhado? Ou, teria a fé do cego fraquejado? É certo que não. Esse milagre
mostra a cegueira espiritual dos discípulos. Espiritualmente estava como aquele cego,
vendo, mas não claramente. Eles sabiam quem é Jesus, mas uma visão turva. Tendo
crescido no judaísmo tradicional, eles foram ensinados a seguir a orientação dos
fariseus e escribas cegos (Mt 23:16). Mesmo com a luz das Escrituras do Antigo
Testamento (Sl 119.105), sua compreensão da verdade espiritual tinha sido
irremediavelmente borrada por séculos de tradição rabínica e uma expectativa
messiânica segundo suas interpretações. Eles criam que Jesus era o Cristo, mas sua
expectativa era de que o Cristo fosse um líder político que os libertasse da escravidão
de Roma. Marcos coloca a cura do cego de Betsaida no início da jornada de Jesus
125

para Jerusalém, e o fim dessa jornada se dá com a cura do cego de Jericó. Temos
então uma inclusio. Duas curas de dois cegos, e o que temos como centro da inclusio?
A jornada para Jerusalém, onde Jesus ensina seus discípulos sua missão e eles reagem
mostrando sua cegueira e surdez espiritual.
Temos:
A: A Cura do Cego de Betsaida (8.22-26)
B: A Jornada para Jerusalém (8.23-10.45)
A’: A Cura do Cego de Jericó (8.46-52).

2) Jesus é o Messias incompreendido por seus próprios discípulos (8.23-


10.52)278
Durante a jornada para Jerusalém, por três vezes Jesus revela a seus discípulos
o que aconteceria com ele lá.
Em Marcos 8.27-29 temos o relato da pergunta de Jesus aos discípulos:
“Quem dizem os homens que eu sou?”. Ao que eles respondem: “João Batista, Elias,
algum dos profetas”. “Mas vós, quem dizeis que eu sou?”. Pedro logo responde: “Tu
és o Cristo”. Oh, parece que eles enxergam mais do que os outros homens. Eles
reconhecem quem é Jesus. Porém, na sequência percebemos que eles vêem, porém
não claramente, e sim de forma turva, como “árvores”.
Na sequência, em Marcos 8.31-32 temos: “Então, começou ele a ensinar-lhes
que era necessário que o Filho do Homem sofresse muitas coisas, fosse rejeitado
pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas, fosse morto e que, depois
de três dias, ressuscitasse. E isto ele expunha claramente”. Jesus expunha claramente
aos seus discípulos que ele seria açoitado e morto em Jerusalém, mas que ao terceiro
dia iria ressuscitar. Entretanto, qual a reação de seus discípulos? Vemos em Marcos
8.32b: “Mas Pedro, chamando-o à parte, começou a reprová-lo”. Pedro não aceita
essas palavras de Jesus. Afinal, ele é o Messias, o Cristo. Ele não pode morrer, ele
veio para vencer e libertar Israel. Eles estão cegos.
Pela segunda vez, em Marcos 9.31-32, temos Jesus explicando aos seus
discípulos o que aconteceria em Jerusalém: “porque ensinava os seus discípulos e lhes

278
É importante ressaltar que a exposição da sequência do paralelismo é no intuito de elucidar a cura
do cego de Betsaida para mostrar como Marcos apresenta a cegueira dos discípulos de Jesus nas três
vezes em que Jesus afirma que subiria para Jerusalém com o intuito de morrer e ressuscitar ao terceiro
dia, porém eles não compreenderam. Dessa maneira, Marcos faz uma grande inclusio, tendo a cura do
cego de Batsaida e a cura do cego de Jericó emoldurando a cegueira dos discípulos.
126

dizia: O Filho do Homem será entregue nas mãos dos homens, e o matarão; mas, três
dias depois da sua morte, ressuscitará. Eles, contudo, não compreendiam isto e
temiam interrogá-lo”. Claramente ele os ensinava, mas eles não compreendiam que
seu caminho era para a cruz. Logo na sequência, em Marcos 9.33-34, o evangelista
nos mostra que nada compreenderam pois discutiam entre si no caminho sobre quem
era o maior, estão cegos.
Por fim, em Marcos 10.33-34 temos a terceira vez em que Jesus explica sobre
o propósito de sua vinda como Messias aos discípulos: “Eis que subimos para
Jerusalém, e o Filho do Homem será entregue aos principais sacerdotes e aos escribas;
condená-lo-ão à morte e o entregarão aos gentios; hão de escarnecê-lo, cuspir nele,
açoitá-lo e matá-lo; mas, depois de três dias, ressuscitará”. Entretanto, novamente
Marcos nos mostra que eles nada compreendem e estão cegos. Em Marcos 10.35-37
temos Tiago e João pedindo a Jesus para se assentarem em tronos à sua direita e à sua
esquerda. Eles pensam que o reino está próximo, e que devem ter lugares mais
privilegiados do que os outros. Eles acabaram de ouvir que Jesus está indo para a
cruz, mas querem tronos, eles não entendem ainda.
Por fim, chegamos à cura do cego de Jericó, e então Jesus entra em Jerusalém.
Eles logo verão, logo perceberão, logo enxergarão claramente, mas ainda estão
entorpecidos, ainda têm uma visão turva.
Aplicação: Muitas vezes agimos da mesma maneira. Queremos tronos,
queremos ser servidos, queremos que Jesus aja da nossa maneira, e criamos um Cristo
à nossa imagem e semelhança. Somente Cristo pode abrir os nossos olhos, somente
nele temos redenção e vida.

Conclusão do Sermão:
Fanny Crosby, grande poetisa evangélica, ficou cega aos oito meses de idade,
mas decidiu aos nove anos, que sua cegueira não seria motivo de tristeza e desânimo e
sim de alegria. Certa vez recebeu sua amiga Phoebe em sua casa; ela tinha escrito
uma linda melodia e gostaria de saber o que Fanny sentia a respeito. Sentou-se ao
piano e começou a tocar. Quando terminou, Fanny estava ajoelhada e disse: “Que
segurança, pois sou de Jesus, e já desfruto o gozo da luz; sou por Jesus, herdeiro de
Deus, Ele me leva à glória dos céus”.
Que segurança tenho em Jesus, Pois nele gozo paz, vida e luz!
Com Cristo herdeiro, Deus me aceitou Mediante o Filho que me salvou!
127

Conto esta história, cantando assim: Cristo, na cruz, foi morto por mim!
Conto esta história cantado assim: Cristo, na cruz, foi morto por mim!
Cega fisicamente, mas teve seus olhos plenamente abertos para viver o evangelho.
Da Estrutura para o Sermão (apontamentos): Esse texto talvez seja o que
mais deve levar em conta a estrutura para ser compreendido. Por que Jesus cura o
cego em duas etapas? A explicação para isso pode ser encontrada na estrutura do
texto. Marcos responde isso de forma implícita e utiliza para isso uma ação
parabólica. Antes da perícope (Mc 8.22-26), Jesus questiona seus discípulos em
Marcos 8.17-18a: “Jesus, percebendo-o, lhes perguntou: Por que discorreis sobre o
não terdes pão? Ainda não considerastes, nem compreendestes? Tendes o coração
endurecido? Tendo olhos, não vedes? E, tendo ouvidos, não ouvis?”. Na sequência
temos uma estrutura quiásmica onde há um paralelo A-A’ entre a cura do cego de
Betsaida (Mc 8.22-26) e a cura do cego de Jericó (Mc 10.46-52). Essas duas curas
emolduram a ida de Jesus para Jerusalém. Nesse caminho para Jerusalém, por três
vezes Jesus explica aos seus discípulos que seria morto, mas que ressuscitaria ao
terceiro dia e eles não compreendem. Marcos está colocando em paralelo a cura do
cego de Betsaida com os discípulos de Jesus. Ele não diz isso explicitamente, mas usa
a estrutura do texto para mostrar a nós. Os discípulos estão como aquele cego, eles
enxergam, mas não claramente.

Sermão em Inclusio: Marcos 14.1-11 – Quem sou eu no caminho do discipulado?


Introdução:
O evangelho de Marcos narra uma longa jornada da Galiléia para Jerusalém.
Cristo está indo em direção ao Calvário, e seus discípulos não compreendem bem a
sua missão. Mas eles estão no caminho juntamente com Jesus, alguns que se
sacrificam por Jesus e outros que sacrificam Jesus para sua autopromoção. O que
Jesus demanda de nós nesse caminho?

Contexto:
Temos uma inclusio nessa perícope:
A: Os fariseus buscam matar Jesus por meio de uma traição
B: A pecadora que ungiu Jesus
A’: A traição de Judas por dinheiro.
128

Temos dois tipos de discípulos nessa perícope: 1) Aquele que sabe quem é Jesus e
reconhece sua missão sacrificando-se por aquele que sacrificou-se por ele; 2) Aquele
que não sabe quem é Jesus, não reconhece sua missão e por isso sacrifica Jesus para
obter lucro ou autopromoção.

MARIA JUDAS

Uma mulher sem posição social Um homem e um dos apóstolos

Deu tudo que tinha a Jesus Tomou tudo que podia de Jesus

Abençoou o Senhor Traiu seu Senhor

Amou seu Senhor Usou seu Senhor

Entregou sacrificialmente Sacrificou seu Senhor

Serviu seu Salvador Vendeu Jesus como um escravo

Sacrificou 300 denários por


Vendeu Jesus por 30 moedas
Jesus

Lembrada para sempre pelo seu Lembrado para sempre pela sua
serviço traição

1) Sacrificando-se por Cristo (vs. 3-9)279


Seu sacrifício para o Senhor foi:
a) Profuso
Vaso de Alabastro com perfume: Ela quebrou o vaso de alabastro, dando tudo sem
reservas. Ela deu abundantemente.
b) Puro
Não havia mistura. Ela não guardou uma parte e completou com água. Ela ofereceu
tudo, profusamente, um perfume puro.
Na cultura judaica esse perfume era comprado pouco a pouco ao longo dos anos
sendo acondicionado. Porque a moça preparava-se para o grande dia da sua vida: o

279
Na primeira divisão do texto expomos o centro da inclusio, que é a parte mais importante,
mostrando o paralelo que é feito no texto entre Judas e aquela mulher. Ela é o paradigma de discípulo a
ser imitado enquanto ele o exemplo a ser evitado.
129

dia das suas núpcias. Maria coloca a serviço de Jesus aquilo que tinha mais
significado em sua vida. Tudo para o Senhor.
C) Preciosíssimo
Eu estou fazendo para Jesus o meu melhor? O alabastro é uma pedra ornamental com
um perfume precioso - preciosíssimo. Nardo - essência pura. Essa essência não era
encontrada em Israel. Só no alto das montanhas do Himalaia. Mateus 26 diz que o
vaso estava cheio com uma libra de perfume (meio litro). Judas avaliou o perfume em
300 denários (300 dias de trabalho). Era comprado gota e gota e acondicionado nesse
vaso de pedra. Ela quebra o vaso, ela não abre. Ela não quer que sobre nem uma
última gota.
Ilustração: A mulher deixou o frango congelado por 23 anos. Ela então ligou
para a empresa perguntando se ainda estava bom. O atendente respondeu que se
manteve sempre congelado, então possivelmente não estaria estragado, entretanto
certamente o gosto não estaria bom. Recomendou então que eles não comessem.
Perfeito, diz a mulher, vamos doar para a igreja.
Aquela mulher se sacrifica para Cristo e por causa disso é reprovada pelos
discípulos, aqueles que nada querem oferecer (vs. 4 - 5). Como desperdiçar tanto
dinheiro aos pés de Jesus? Tantos iPhones, Macbooks, impressoras, ar-condicionados,
tanto investimento que poderia ser feito para a igreja ou para os pobres. Estão com
raiva não porque derramou o bálsamo, mas pra quem: Jesus. Se fossem os pobres eles
gostariam. Eles murmuravam contra ela por causa do valor ofertado a Jesus. Judas
avalia o perfume em trezentos denários. Esse valor poderia resolver o problema de
muita gente. Não se trata de Jesus não cuidar dos pobres. Em Marcos 10, depois de
encontrar o Jovem rico, Cristo fala do perigo das riquezas. Se trata da prioridade na
missão. Maria entendeu. Ela sabe que Jesus vai morrer. Mas os discípulos não. Eles
ainda não compreenderam sua missão e nem quem é Jesus.
Por três vezes em Marcos 8.31, 9.31, 10.33-34, Jesus fala sobre sua missão
com seus discípulos, sobre sua morte e ressurreição. Qual foi a resposta desses
homens? Em Marcos 8.31, Pedro o repreende. Em Marcos 9.31, eles discutem entre si
quem é o maior. E em Marcos 10.33-34, Tiago e João querem sentar-se à direita e
esquerda de Cristo. Seus discípulos buscam autopromoção. Estão consumidos por um
auto direcionamento. Totalmente ignorantes sobre a missão de Jesus. A mulher dessa
história não fala uma palavra, entretanto, ela entendeu a missão de Jesus. E faz algo
que marcou Jesus profundamente. Ela faz um sacrifício extravagante. Profuso, puro e
130

precioso. Por causa disso ela foi (vs. 9) profundamente prestigiada. Sem nome,
insignificante, inconveniente, pecadora, rejeitada, ignorada. Porém, agora ela será
lembrada para sempre, porque ela entendeu a missão de Jesus. Ela entendeu, ouviu, e
respondeu. Os discípulos? Não deram nada. Queriam levar vantagem por estar com
Jesus.

2) Sacrificando Jesus para si (vs. 1-2, 10-11)280


Enquanto aquela mulher sacrificou tudo o que tinha para Jesus, Judas
sacrificou Jesus para lucrar. Ela deu dinheiro para o enterro de Jesus. Judas ganhou
dinheiro para matar Jesus. Judas avaliou o sacrifício daquela mulher em trezentos
denários, um ano de trabalho. Pelo menos dez vezes mais do que o valor pelo qual
Judas traiu Jesus. Judas avaliou Jesus para sacrificá-lo: 30 moedas de prata. Um mês
de trabalho. Esse era o valor de um escravo segundo Êxodo 21.32: “Se o boi chifrar
um escravo ou uma escrava, dar-se-ão trinta siclos de prata ao senhor destes, e o boi
será apedrejado”.
Aplicação: Temos uma discípula devota x discípulo traiçoeiro. Quem é você?
Porque ele ofereceu a si mesmo como sacrifício, pagando um alto preço. Se
entendemos a missão de sermos seus discípulos, devemos oferecer um sacrifício
extravagante. O que você dará por Cristo? Aquele que deu tudo por você. Pensamos
que nossas vidas são valiosas demais. Importantes demais. Nosso tempo é importante
demais para gastarmos com os outros. Nem estamos fazendo nada demais, mas somos
importantes demais. O que ofereceremos? Tempo, dinheiro, recursos, a vida?

Conclusão do Sermão:
Amy Carmichael (1867-1951) foi rejeitada por duas agencias missionárias. Na
terceira foi enviada para a Índia. Pegou uma febre altíssima que disseram que ela não
duraria 6 meses. Ela ficou 55 anos na Índia sem nunca ter voltado para sua terra natal,
sacrifício extravagante. Seu sacrifício rendeu 35 livros e honrarias. Mas ela nunca
voltou para recebê-las. “Por favor, me ajude! Não me mande de volta para o
templo”, gritou Preena, agarrando o pescoço da missionária. A data era 6 de março de
1901, e o local era Pannaivilai, uma vila do estado de Tamil Nadu, perto da ponta

280
A segunda divisão considera o paralelo A – A’ considerando os sacerdotes e escribas que queriam
prender Jesus à traição juntamente com Judas, que efetivamente trai Jesus. Dessa maneira não expomos
o texto na sequência de versículos, mas considerando a estrutura da inclusio.
131

meridional da península indiana. Os gritos eram de uma criança de apenas 7 anos que
acabara de fugir de um templo hindu, onde era mantida em escravidão, ao lado de
muitas outras, sendo preparada para “casar-se” com os deuses – ou, em outras
palavras, tornar-se uma prostituta cultual.
Preena (ou “olhos de pérola”) já tinha uma história. Vendida ao templo pela
própria mãe, tentara fugir duas vezes. Com apenas 5 anos, conseguiu percorrer mais
de 30 km sozinha e voltar para a família. A guardiã do templo chegou logo atrás, e a
mãe, com medo de incitar a ira dos deuses, desprendeu à força os braços da filha que
a agarravam desesperadamente e a devolveu à sua carrasca. Depois da segunda fuga,
Preena teve as duas mãos marcadas por um ferro incandescente.
Amy Carmichael, filha de pais presbiterianos, com apenas 3 anos, depois de
aprender que Deus faz milagres em resposta à oração, Amy resolveu colocar a lição
em prática: orou para que seus olhos castanhos fossem trocados por azuis, iguaizinhos
aos de sua mãe! No dia seguinte, cheia de fé, acordou e foi diretamente ao espelho
para ver a resposta. Qual não foi sua decepção quando viu que nada havia mudado!
“‘Não’ também é uma resposta”, explicou a mãe.
Foi só muitos anos mais tarde, na Índia, que Amy entendeu o porquê dessa
resposta negativa. Depois de ouvir histórias chocantes sobre o que acontecia com as
meninas que eram levadas para o templo, Amy quis descobrir por si mesma a
verdade. Para não chamar a atenção, ela escureceu a pele com pó de café e colocou
trajes indianos. Ao vê-la, uma amiga exclamou: “Que bom que você tem olhos
castanhos, Amy! Se tivesse olhos azuis, jamais passaria como indiana!”.
Foi assim que, sozinha, sem nem mesmo o apoio de alguns colegas
missionários, Amy começou a invadir os recintos escuros dos templos indianos e
enfrentar o poderoso sistema maligno que imperava ali desde o século 6. Durante os
50 anos de ministério da Amy Carmichael na Comunidade Dohnavur, mais de mil
meninas e meninos (que eram escravizados também, embora em menor número)
foram resgatados e adotados. Ela afirmou: “Se eu não tiver compaixão pelos meus
colegas, como o Senhor teve compaixão de mim, então não conheço nada do amor do
Calvário. Se posso ferir o outro ao falar a verdade, mas sem me preparar
espiritualmente, e sem sentir mais dor do que o outro, então não conheço nada do
amor do Calvário. Se os elogios dos outros me alegram demais e acusações me
deprimem; se não posso passar por mal-entendidos sem me defender; se eu gosto de
ser amado mais que amar, servido mais que servir, então não conheço nada do amor
132

do Calvário. Se quero ser conhecido como quem acertou em uma decisão, ou quem a
sugeriu, então não conheço nada do amor do Calvário. Se eu ficar no lugar que
pertence apenas a Jesus, fazendo-me necessária demais para uma pessoa, em vez de
levá-la a se agarrar nele, então não conheço nada do amor do Calvário. Se eu me
recusar a ser um grão de trigo que cai na terra e morre, então não conheço nada do
amor do Calvário. Se eu quero qualquer lugar no mundo, a não estar no pó ao pé da
cruz, então não conheço nada do amor do Calvário.” Uma mulher que se sacrificou
pelo Senhor. Quem é você no caminho do discipulado?
Da Estrutura para o Sermão (apontamento): Nesse último sermão temos
uma estrutura de inclusio, onde Marcos coloca em paralelo Judas Iscariotes e Maria,
irmã de Lázaro. Dessa maneira, as divisões não levam em conta a sequência dos
versículos, mas os paralelos do texto. O centro do inclusio está na primeira divisão
(Mc 14.3-9), onde Maria é apresentada como paradigma para os discípulos de Jesus.
Ela se sacrifica por Jesus. Enquanto, a segunda divisão do texto (Mc 14.1-2, 10-11) é
o paralelo A-A’, que apresenta Judas como o discípulo que sacrifica Jesus para
benefício próprio. A traição de Judas emoldura a atitude de Maria de ungir Jesus. O
sermão deve então mostrar esse paralelo.
133

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa buscou demonstrar como uma compreensão clara da
estrutura literária de Marcos é essencial para uma correta compreensão da intenção do
autor em abordar cada tema, na sequência exposta, levando a aplicações válidas em
um sermão expositivo. Primeiramente, de forma introdutória foram apresentados
diversos estudos já realizados tanto em relação à análise da estrutura do texto quanto
do evangelho de Marcos.
No primeiro capítulo, abordamos sobre as diferentes ferramentas para a
interpretação do evangelho de Marcos como narrativa biográfica. Desta forma, foram
apresentados princípios hermenêuticos para interpretar narrativas como o narrador,
cenas, personagens, enredo, etc. Depois de entender que toda narrativa tem um
narrador e devemos compreender seu ponto de vista para interpretar corretamente o
texto é necessário compreender quais estratégias retóricas o narrador pode guiar o
ouvinte para dentro e ao redor do mundo da narrativa de modo que compreenda o seu
significado. Vimos que o autor sempre tem uma intenção em sua narrativa e que ao
escrever o texto, também tem uma intenção por trás da estrutura do texto utilizando
quiasmos, inclusios, ações parabólicas, paralelos. Em seguida abordamos a
pragmática, que diz respeito à intenção do autor por trás das palavras, ou seja, o que o
autor quer que compreendamos ou façamos ao narrar da maneira que o fez, desta
forma, a pragmática afirma que o contexto e a estrutura podem nos ajudar a
compreender a intenção do autor.
No segundo capítulo, conforme a sugestão inicial, utilizamos as ferramentas
apresentadas no capítulo anterior para analisar algumas perícopes do evangelho de
Marcos, destacando algumas estruturas do evangelho de Marcos de quiasmos,
inclusios e paralelismos para serem interpretados dentro de seu contexto. Vimos que o
evangelho como um todo está inserido em uma grande inclusio (A – B – A’), onde A
é o primeiro versículo do primeiro capítulo que mostra todo o conteúdo do evangelho:
“Princípio do evangelho de Jesus Cristo, o Filho de Deus”. E A’ seria Marcos 15.39,
quando na morte de Jesus temos o primeiro homem que reconhece Jesus como Filho
de Deus: “Verdadeiramente este homem era o Filho de Deus”. Entre essas duas
afirmações de que Jesus é Filho de Deus, temos o conteúdo do evangelho (B).
Analisamos em seguida 11 quiasmos, 8 inclusios e 3 paralelismos contidos ao longo
do evangelho. Não abordamos todas as estruturas encontradas, apenas aquelas que
134

consideramos mais importantes para a compreensão do significado do texto. 281


Marcos estrutura o seu evangelho utilizando paralelismos, uma estrutura simples de
repetição usada pelos judeus com o intuito de memorizar o texto bíblico. Marcos faz
isso do início ao fim do evangelho. Foram, por fim, apresentadas as categorias para
abordagens interpretativas com vistas à pregação e utilizamos a abordagem
pragmática como ferramenta para interpretação e aplicação do texto bíblico. A ordem
e a forma como o narrador estruturou o texto determina como o texto deve ser
interpretado. As mudanças, ênfases, estruturas e estilos são intencionais e apontam
para a intenção do autor por trás da narrativa. A abordagem pragmática leva em conta
o texto como foi narrado e não os acontecimentos históricos em si. Devemos ler com
os olhos do narrador, pois a interpretação correta é a do autor. Por exemplo:
Evento: A – B – C
Narrativa: a – B – c
Interpretação a – B – c
Desta maneira temos a interpretação seguindo as ênfases dadas pelo narrador.
Assim deve ser o pregador, ele não procura construir ênfases, ele busca compreender
as ênfases do narrador e expô-las aos ouvintes.
No capítulo terceiro vimos como partir da estrutura para o sermão
considerando as ênfases do narrador por meio de paralelismo, quiasmo ou inclusio.
Analisamos também que uma estrutura quiásmica não deve ser exposta considerando
simplesmente a sequência de versículos, mas os paralelos do texto. O autor tem um
propósito ao estruturar o texto dessa maneira, e isso não pode ser ignorado. Desta
maneira, quando lemos o texto bíblico, precisamos levar em conta as marcações e
ênfases dadas pelo autor por meio da estrutura, e refletir isso no sermão, com as
mesmas ênfase, não necessariamente mostrando, no sermão, toda a estrutura do
quiasmo, mas mostrando os paralelos e a ênfase principal que encontra-se no centro
do quiasmo. Assim, propomos em seguida exemplos de estruturas homiléticas em
alguns textos do evangelho de Marcos para ilustrar como partir da estrutura para o
sermão. Em Marcos 3.20-35, uma estrutura de quiasmo, vimos que há um paralelo
entre a família de Jesus e os fariseus, ambos não compreendem quem é Jesus,
chamando-o de “fora de si” (louco) ou de agir no poder de Belzebu (mau). No centro
temos o relato de Jesus afirmando que ele é o mais valente que amarra o valente. Em

281
Para conhecer mais quiasmos e inclusios no Novo Testamento veja
https://chiasmusresources.org/new-testament#4.
135

Marcos 5.21-43 temos uma inclusio e diversos paralelismos que nos mostram duas
histórias em paralelo, Jairo, o principal da sinagoga e sua filhinha de doze anos, em
paralelo com uma anônima, que não podia sequer entrar na sinagoga por ter uma
hemorragia há doze anos. Em Marcos 8.22-26, abordamos todo o contexto de Marcos
8.22 a Marcos 10.52 em um paralelismo quiásmico para compreender o propósito do
Senhor Jesus curar o cego em duas etapas. Apenas Marcos narra tal milagre. Seu
propósito é claro quando visto nos paralelismos seguintes, quando seus discípulos não
enxergam bem quem ele é. Eles até compreendem um pouco dizendo “tu és o Cristo”,
mas enxergam “homens como árvores”, pois não compreendem quando Jesus afirma
que veio para morrer em Jerusalém e que ressuscitaria ao terceiro dia (Mc 8.27-32;
9.30-32 e 10.32-34). Por fim utilizamos o texto de Marcos 14.1-11, uma inclusio,
para mostrar o paralelo entre a mulher que sacrifica-se por Jesus oferecendo-lhe um
sacrifício profuso, puro e precioso, que custava trezentos denários, um ano de
trabalho, em contraposição de Judas, que sacrifica Jesus para lucrar trinta moedas de
prata, o preço de um escravo (Êx 21.32).
Concluímos que de fato a hipótese inicial pode ser comprovada, ou seja, sem
compreender a estrutura do texto não é possível compreender com clareza e
profundidade a intenção do autor e consequentemente as aplicações ficarão
prejudicadas no sermão. Por isso, o pregador necessita utilizar e dominar as
ferramentas que apresentamos neste trabalho para fazer a exegese do texto,
compreender a estrutura literária e seu contexto para então adentrar ao mundo do
texto a fim de fazer aplicações válidas para o nosso mundo.
A presente pesquisa não tratou extensivamente todos os quiasmos e inclusios
do evangelho de Marcos, que podem ser abordados em pesquisas futuras. Futuras
pesquisas também poderão utilizar da mesma hipótese e ferramentas para analisar os
outros evangelhos e atos, ou mesmo narrativas no Antigo Testamento.
136

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