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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL


DIRETORIA ACADÊMICA
CURSO DE TEOLOGIA

RICHARD HENRY PIEPER

POSSESSÃO DEMONÍACA
UM ESTUDO À LUZ DE MARCOS 9.14-29

CANOAS
2021
1

RICHARD HENRY PIEPER

POSSESSÃO DEMONÍACA
UM ESTUDO À LUZ DE MARCOS 9.14-29

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso


de Teologia em cumprimento parcial dos requisitos
obrigatórios para a obtenção do grau de Bacharel em
Teologia pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).

Orientador: Prof. Dr. Gerson Luis Linden

CANOAS
2021
2

RICHARD HENRY PIEPER

POSSESSÃO DEMONÍACA
UM ESTUDO À LUZ DE MARCOS 9.14-29

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso


de Teologia em cumprimento parcial dos requisitos
obrigatórios para a obtenção do grau de Bacharel em
Teologia pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).

Data de apresentação: ___/___/____

____________________________________________ __________
PROF. Dr. Gerson Luis Linden Conceito
ORIENTADOR
3

AGRADECIMENTOS

Terminar um TCC é um alívio, mas ao mesmo tempo uma responsabilidade. É


uma trajetória que termina e outra que começa, uma nova trajetória cheia de
responsabilidades onde colocarei em prática tudo que estudei e aprendi. Momentos
de altos e baixos. Alegrias e tristezas. Mas chegar até aqui e olhar para trás, percebo
o quanto Deus me abençoou e capacitou. O sentimento de gratidão é inexplicável.
Quero agradecer a Deus, por ser a razão da minha existência e fonte de todo
conhecimento. Por todas as dádivas que me concedeu e por ter me capacitado e
provido de todo o necessário para chegar até aqui.
Agradeço aos meus pais, sempre presentes que me ensinaram e sustentaram
nos caminhos e na admoestação do Senhor, colunas que sustentam a minha
formação como cristão e cidadão. Agradeço à minha mãe, Ireny Pieper, por todas as
broncas, por estar sempre disposta a perdoar e me escutar nos momentos que mais
precisei. Agradeço muito ao meu pai, Rev. Natalino Pieper, meu primeiro e maior
professor. Por sempre ser esse pai presente, paciente e amável. Obrigado pai, por ser
esse exemplo de pai e pastor para todas as pessoas e plantar em seus filhos o desejo
de seguir o mesmo caminho. Considero-me muito agraciado por Deus, se um dia for
metade do que meu pai é. Agradeço muito aos meus irmãos, Rev. Alister Pieper e
Daisy Pieper Ucker, também aos cunhados Rev. Carlos Frank Ucker e Rebeca
Schneider Pieper. Todos eles são muito importantes na minha vida. O amor e carinho
que sinto por eles não tem limites. São pessoas que eu sei que posso contar e confiar
sempre. Agradeço à minha linda namorada, Kétlin Bruna Hundt, por todo apoio,
carinho e amor incondicional. Por me escutar ficar falando de demônios e mesmo
assim continuar me amando e suportando. Brincadeiras à parte. Costumo dizer que a
Kétlin é a pessoa com o coração mais bonito e puro que já conheci, ter ela na minha
vida é maior bênção que Deus já me concedeu. Que Deus continue cuidando do nosso
amor e da nossa relação. Agradeço também à família da Kétlin, ao seu Eldor e dona
Anita e ao Ariel, por serem sempre tão receptivos e amáveis.
Agradeço ao meu orientador Dr. Gerson Luis Linden, que esteve comigo
durante a escrita desse trabalho, sempre com seus apontamentos e sugestões
providenciais. Sempre admirei muito o professor Linden e tê-lo como orientador é uma
grande honra. Por isso, muito obrigado por tudo professor!
4

Dedico esse trabalho de conclusão de curso ao


meu irmão, Mendels Éberle Pieper.

(in memorian)
5

“Porque eu estou bem certo de quem nem a


morte, nem a vida, nem os anjos, nem os
principados, nem as coisas do presente, nem do
porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a
profundidade, nem qualquer outra criatura
poderá nos separar do amor de Deus, que está
em Cristo Jesus, nosso Senhor”.

(Romanos 8.38-39)
6

RESUMO

O tópico do presente trabalho de conclusão de curso é a possessão demoníaca. O


assunto faz parte tanto da Bíblia como do imaginário popular. A presente pesquisa
busca investigar o fundamento bíblico/teológico da possessão demoníaca e as suas
decorrências, bem como avaliar o tema da possessão a partir de uma perspectiva
teológica, nos seus mais diferentes aspectos e características, bem como a sua
percepção na contemporaneidade. A presente pesquisa terá uma abordagem
qualitativa e quanto aos seus objetivos ela será de natureza exploratória. Para a coleta
de dados, será usado como procedimento técnico de investigação a pesquisa
bibliográfica e a exegese bíblica. Como resultado da pesquisa, a pergunta que busca
ser respondida será qual a visão bíblico/teológica sobre a possessão demoníaca. A
pesquisa tem por fim uma introdução geral à possessão demoníaca, abordando a
temática através de diversos ângulos.

Palavras-chave: Possessão Demoníaca. Exorcismo. Jesus Cristo. Oração.


Demônios.
7

ABSTRACT

The topic of the present coursework is demonic possession. The subject is part of both
the Bible and popular imagination. This research seeks to investigate the
biblical/theological foundation of demonic possession and its consequences, as well
as evaluating the subject of possession from a theological perspective, in its most
different aspects and characteristics, as well as its perception in contemporaneity. This
research will have a qualitative approach and its objectives will be exploratory in
nature. For data collection, bibliographic research and biblical exegesis will be used as
a technical investigation procedure. As a result of the survey, the question that seeks
to be answered will be what the biblical/theological view of demonic possession is. The
research aims at a general introduction to demonic possession, approaching the theme
from different angles.

Keywords: Demonic Possession. Exorcism. Jesus Christ. Prayer. Devils.


8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................. 9
1 ESTUDO EXEGÉTICO DE MARCOS 9.14-29 ................................ 10
1.1 TEXTO ............................................................................................ 10
1.2 ANÁLISE DO TEXTO ...................................................................... 12
1.3 CONSIDERAÇÕES EXEGÉTICAS FINAIS ..................................... 20
1.4 EXORCISMO DE LUTERO ............................................................. 22
2 O DIABO E SUAS AÇÕES ............................................................. 25
2.1 PADRE GABRIELE AMORTH ......................................................... 25
2.1.1 Quem é Satanás?............................................................................ 25
2.1.2 As ações do diabo ........................................................................... 26
2.1.2.1 A via ordinária da ação diabólica: tentação e pecado ..................... 26
2.1.2.2 A ação extraordinária do Diabo ....................................................... 27
3 VISÃO TEOLÓGICA LUTERANA SOBRE POSSESSÃO
DEMONÍACA .................................................................................. 32
3.1 MARTINHO LUTERO ...................................................................... 32
3.2 BENJAMIN T. G. MAYES ................................................................ 33
3.3 C.F.W. WALTHER ........................................................................... 35
3.4 FRANZ PIEPER .............................................................................. 37
3.5 JEFFREY A. GIBBS ........................................................................ 38
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................ 41
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................... 43
9

INTRODUÇÃO

Possessão demoníaca é um assunto que chama muito a atenção e inclusive


causa arrepios em muitas pessoas. É um tema que parece ser tirado de um filme de
terror e que aguça o fértil imaginário popular. Esse tema juntamente com demais do
mesmo assunto, são pouco tratados dentro da Igreja Evangélica Luterana do Brasil
(IELB), porém, é um tema muito exposto nas mídias e em igrejas neopentecostais,
principalmente na cultura pop. Devido à trajetória pessoal do proponente, que sempre
teve dúvidas e curiosidade sobre o assunto, dúvidas essas que não foram sanadas
ao longo dessa caminhada acadêmica, resolveu se aprofundar na pesquisa do
assunto. No que se refere à relevância eclesiológica do estudo, percebe-se que é um
tema pouco falado e explicado por pastores, apesar de existir tantas dúvidas sobre o
assunto. Por conta disso, muitas pessoas não possuem o conhecimento correto sobre
o assunto e acabam divulgando irrealidades. Por conta disso, esta pesquisa buscar
responder a seguinte pergunta: Qual é a visão bíblico/teológica sobre a possessão
demoníaca?
Como resposta a isso, no primeiro capítulo, é realizada uma exegese bíblica do
Evangelho de Marcos 9.14-29, que relata o exorcismo de um menino, após o fracasso
dos discípulos em expulsar o espírito maligno. Nota-se também a instrução de Jesus
aos discípulos. O capítulo encerra com as considerações exegéticas finais e o
exorcismo de Lutero, que ilustra bem o ensino de Jesus. No segundo capítulo, é
trazido a posição de um padre católico romano, Gabriele Amorth, conhecido como o
maior exorcista do Vaticano. É interessante ver sua visão sobre o tema e suas
contribuições. O terceiro e último capítulo apresenta as posições de teólogos
luteranos, desde o início da ortodoxia luterana, passando por nomes mais recentes
na história até chegar à contemporaneidade.
10

1 ESTUDO EXEGÉTICO DE MARCOS 9.14-29

1.1 TEXTO

O texto a ser trabalhado é Mc 9.14-29, que relata sobre um menino que estava
possuído por um demônio e seu pai pede para que Jesus o ajude. Abaixo, o texto no
original seguido pela tradução literal.

14 Καὶ ἐλθόντες πρὸς τοὺς μαθητὰς εἶδον ὄχλον πολὺν περὶ αὐτοὺς καὶ
γραμματεῖς συνζητοῦντας πρὸς αὐτούς.
14 E quando eles se aproximaram dos demais discípulos, viram grande multidão
ao redor deles e escribas discutindo com eles.

15 καὶ εὐθὺς πᾶς ὁ ὄχλος ἰδόντες αὐτὸν ἐξεθαμβήθησαν, καὶ προστρέχοντες


ἠσπάζοντο αὐτόν.
15 E logo toda a multidão, vendo a Jesus, ficaram surpresos e correndo até ele,
o saudavam.

16 καὶ ἐπηρώτησεν αὐτούς Τί συνζητεῖτε πρὸς αὑτούς;


16 E Jesus perguntou a eles: Que estais discutindo com eles?

17καὶ ἀπεκρίθη αὐτῷ εἷς ἐκ τοῦ ὄχλου Διδάσκαλε, ἤνεγκα τὸν υἱόν μου πρὸς σέ,
ἔχοντα πνεῦμα ἄλαλον·
17 E respondeu a ele um da multidão: - Mestre, eu trouxe o meu filho para ti,
tendo ele um espírito mudo.

18 καὶ ὅπου ἐὰν αὐτὸν καταλάβῃ, ῥήσσει αὐτόν, καὶ ἀφρίζει καὶ τρίζει τοὺς
ὀδόντας καὶ ξηραίνεται· καὶ εἶπα τοῖς μαθηταῖς σου ἵνα αὐτὸ ἐκβάλωσιν, καὶ οὐκ
ἴσχυσαν.
18 e este espírito sempre se apossa dele, o joga no chão, e ele espuma e range
os dentes e vai definhando. Pedi aos teus discípulos que o expulsassem, mas
eles não puderam.

19 ὁ δὲ ἀποκριθεὶς αὐτοῖς λέγει Ὦ γενεὰ ἄπιστος, ἕως πότε πρὸς ὑμᾶς ἔσομαι;
ἕως πότε ἀνέξομαι ὑμῶν; φέρετε αὐτὸν πρός με.
11

19 E Jesus respondeu: - Ó geração sem fé, até quando estarei convosco? Até
quando vos suportarei? Trazei-o a mim.

20 καὶ ἤνεγκαν αὐτὸν πρὸς αὐτόν. καὶ ἰδὼν αὐτὸν τὸ πνεῦμα εὐθὺς
συνεσπάραξεν αὐτόν, καὶ πεσὼν ἐπὶ τῆς γῆς ἐκυλίετο ἀφρίζων.
20 E o trouxeram a ele. Quando ele viu Jesus, o espírito logo convulsionou o
menino, e caindo sobre o chão rolava espumando.

21 καὶ ἐπηρώτησεν τὸν πατέρα αὐτοῦ Πόσος χρόνος ἐστὶν ὡς τοῦτο γέγονεν
αὐτῷ; ὁ δὲ εἶπεν Ἐκ παιδιόθεν·
21 Jesus perguntou ao pai do menino: - Quanto tempo é que isto tem acontecido
a ele? E ele disse: - Desde a infância;

22 καὶ πολλάκις καὶ εἰς πῦρ αὐτὸν ἔβαλεν καὶ εἰς ὕδατα ἵνα ἀπολέσῃ αὐτόν· ἀλλ’
εἴ τι δύνῃ, βοήθησον ἡμῖν σπλαγχνισθεὶς ἐφ’ ἡμᾶς.
22 e muitas vezes o tem lançado no fogo e na água, para o matar. Mas, se algo
tu podes fazer, nos ajude, tenha compaixão de nós.

23 ὁ δὲ Ἰησοῦς εἶπεν αὐτῷ Τὸ Εἰ δύνῃ, πάντα δυνατὰ τῷ πιστεύοντι.


23 E Jesus respondeu: “Se tu podes”? Todas as coisas são possíveis ao que
crê.

24 εὐθὺς κράξας ὁ πατὴρ τοῦ παιδίου ἔλεγεν Πιστεύω· βοήθει μου τῇ ἀπιστίᾳ.
24 Imediatamente, clamando, o pai do menino passou a dizer: - Eu creio! Ajude-
me na minha falta de fé!

25 ἰδὼν δὲ ὁ Ἰησοῦς ὅτι ἐπισυντρέχει ὄχλος, ἐπετίμησεν τῷ πνεύματι τῷ


ἀκαθάρτῳ λέγων αὐτῷ Τὸ ἄλαλον καὶ κωφὸν πνεῦμα, ἐγὼ ἐπιτάσσω σοι, ἔξελθε
ἐξ αὐτοῦ καὶ μηκέτι εἰσέλθῃς εἰς αὐτόν.
25 E Jesus vendo que muita gente estava reunindo-se, repreendeu o espírito
imundo dizendo-lhe: - Espírito mudo e surdo, eu ordeno a ti: Sai deste menino
e nunca mais entres nele.

26 καὶ κράξας καὶ πολλὰ σπαράξας ἐξῆλθεν· καὶ ἐγένετο ὡσεὶ νεκρὸς, ὥστε τοὺς
πολλοὺς λέγειν ὅτι ἀπέθανεν.
26 E ele, gritando e agitando-o muito, saiu, deixando-o como se estivesse morto,
a ponto de muitos dizerem: - Morreu.
12

27 ὁ δὲ Ἰησοῦς κρατήσας τῆς χειρὸς αὐτοῦ ἤγειρεν αὐτόν, καὶ ἀνέστη.


27 E Jesus, pegando-o pela mão, ergueu o menino, e ele se levantou.

28 καὶ εἰσελθόντος αὐτοῦ εἰς οἶκον οἱ μαθηταὶ αὐτοῦ κατ’ ἰδίαν ἐπηρώτων αὐτόν
Ὅτι ἡμεῖς οὐκ ἠδυνήθημεν ἐκβαλεῖν αὐτό;
28 Quando Jesus entrou em casa, seus discípulos lhe perguntaram a sós: Por
que nós não pudemos expulsá-lo?

29 καὶ εἶπεν αὐτοῖς Τοῦτο τὸ γένος ἐν οὐδενὶ δύναται ἐξελθεῖν εἰ μὴ ἐν προσευχῇ.


29 Jesus respondeu: Este tipo de [espírito] só ser expulso por meio de oração.

1.2 ANÁLISE DO TEXTO

No capítulo 9 é relatado principalmente o evento da transfiguração de Jesus.


Mas também retrata sua descida do monte, o relato de mais um milagre, a segunda
profecia sobre sua morte e ressurreição e alguns de seus ensinamentos. Esse capítulo
é introduzido pelos eventos da transfiguração de Jesus, onde ele refulge com a glória
de sua natureza divina. O texto que será objeto do estudo é precedido pelo texto que
relata a descida do monte e a explicação de Jesus sobre a vinda de Elias. A passagem
é sucedida pelo segundo relato de Jesus que prediz sua morte e ressureição. Na
continuidade, seguem outros ensinamentos de Jesus, até o final do capítulo 9.
A perícope analisada trata de um homem que surge do meio da multidão
suplicando a Jesus pelo seu filho. O menino por sua vez, estava possuído de um
espírito e lhe causava convulsões. O homem ainda relata que os discípulos de Jesus
haviam tentado expulsar o demônio, mas não tiveram êxito. Este interessante texto
bíblico deve ser entendido no contexto da revelação de Jesus de si mesmo, sua
missão e o que isso significa para os discípulos, bem como a transfiguração e suas
consequências. Segue abaixo a análise versículo por versículo.

V.14: E quando eles se aproximaram dos demais discípulos, viram grande


multidão ao redor deles e escribas discutindo com eles.

Omanson chama atenção para a leitura das formas verbais no singular, a saber,
ἐλθὼν e εἶδεν, que dá destaque a Jesus, enquanto o plural requer que se faça uma
distinção entre “eles” (Jesus, Pedro, Tiago e João, que retornavam do monte da
13

transfiguração) e os “discípulos” (que haviam ficado na planície). Também, é mais


provável que os copistas dariam um destaque maior a Jesus e trocariam o plural pelo
singular, assim os demais discípulos que estavam com Jesus não seriam excluídos
do grupo chamado de “os discípulos”. Visto que Pedro, Tiago e João também eram
discípulos. Talvez seja mais interessante, em algumas línguas, dizer “quando eles se
aproximaram dos outros discípulos”. (OMANSON, 2010, p. 81-82)
O relato de Marcos sobre este incidente é muito mais detalhado do que os
textos de Mateus e Lucas1. É interessante que todos os três evangelhos sinópticos
seguem o relato da transfiguração com a cura do menino endemoniado. Segundo
Lane (1974, p. 329-330), a impressão que se dá é que o relato do episódio foi dado
de acordo com o ponto de vista de um dos discípulos que volta com Jesus do monte.
Tanto Lenski (1964, p. 375), quanto Mulholland (2006, p. 145) dão destaque para fato
de a ênfase não estar no sucesso de Jesus ao expulsar o demônio, mas sim na falta
de fé dos discípulos.

V.15: E logo toda a multidão, vendo a Jesus, ficaram surpresos e correndo


até ele, o saudavam.

ἐξεθαμβήθησαν é uma forma verbal que transmite surpresa, espanto. Esta é


uma forma verbal de voz passiva que transmite um significado ativo, mas intransitivo.
Além disso, como um verbo de emoção, ele emprega o radical aoristo para adquirir
essa emoção, enquanto o imperfeito seria usado para manter ou ter a emoção. Voelz
dá ênfase nessa forma verbal. Pois segundo ele, no Evangelho de Marcos, os verbos
que indicam um nível alto de excitação (medo espanto), normalmente ocorrem em
contextos em que a atividade divina está em cena. (VOELZ, 2019, p. 671)
Alguns comentaristas bíblicos afirmam que a multidão viu algo de diferente no
rosto de Jesus, algo ainda mais divino, retendo alguns traços da glória de sua
transfiguração, assim como o rosto de Moisés brilhou ao descer do monte 2. Porém,
Lenski (1964, p. 376) discorda dessa opinião. Para ele, não existe razão para pensar
que existe algum esplendor ou brilho no corpo ou no rosto de Jesus. Se Marcos tivesse
a intenção de dizer isso, ele teria indicado. Além disso, a multidão não teria corrido
para cumprimentá-lo, pelo contrário, ficariam temerosos e não felizes com sua
chegada. O motivo de tal espanto, seria a chegada de Jesus de forma inesperada e

1 Conforme texto para do Evangelho de Mateus 17.14-21 e Lucas 9.37-43a


2 Texto bíblico de Êxodo 4.20
14

em um momento crítico. Para Lane (1974, p. 330), Marcos deseja enfatizar que a
própria pessoa de Jesus provoca espanto e não algo particular do evento em si.

V.16: E Jesus perguntou a eles: Que estais discutindo com eles?

Provavelmente Jesus está se dirigindo aos escribas, pois no V.14, temos a


informação de que os escribas estão disputando com os nove discípulos de Jesus.
Por isso, Jesus pergunta aos escribas o porquê eles estão disputando com os
discípulos “αὑτούς”. Lenski afirma que uma das causas dessa disputa é o fato de os
escribas ficarem encantados com a falha dos discípulos ao expulsar o demônio do
menino. Por esse motivo, eles estariam envergonhando os discípulos diante da
multidão. Enquanto os discípulos se defendiam da melhor forma que podiam.
(LENSKI, 1964, p. 376)

V. 17-18: 17 E respondeu a ele um da multidão: - Mestre, eu trouxe o meu


filho para ti, tendo ele um espírito mudo.18 e este espírito sempre se
apossa dele, o joga no chão, e ele espuma e range os dentes e vai
definhando. Pedi aos teus discípulos que o expulsassem, mas eles não
puderam.

No versículo 17, há alguns destaques que precisam ser frisados.


Primeiramente, a pergunta de Jesus dirigida aos escribas que haviam tomado
vantagem de sua ausência não foi respondida. No entanto, um homem da multidão é
quem responde a Jesus. Ele era o pai do menino possesso, tinha trazido seu filho até
Jesus buscando pela cura. Ele começa seu discurso de forma muito respeitosa,
chamando Jesus de “Διδάσκαλε”, que significa Mestre e carrega o mesmo significado
que Rabí. Mateus relata que o homem inclusive se ajoelhou diante de Jesus. O menino
em questão é o filho único do pai (Lucas 9.37-49). A desinência épsilon indica uma
forma de caso vocativo transmitindo um endereço direto. Ou seja, Jesus. A forma
como ele chama a Jesus de Mestre, juntamente com a sua declaração de que havia
trazido seu filho a Jesus, indica uma expectativa de libertação convicta. O pai buscou
por Jesus, mas encontrou somente os nove discípulos, que tentaram expulsar o
demônio, mas fracassaram. Dessa forma, como diz Lenski, Jesus é informado sobre
o que estava acontecendo e o motivo da disputa. (LENSKI, 1964, p. 376-377)
15

O versículo continua retratando o demônio como um espírito mudo, πνεῦμα


ἄλαλον. Segundo Voelz, esse incidente coincide com o de Marcos 7. 31-373 e
demonstra que em Jesus o reino escatológico e o governo de Deus estão em cena.
Esse espírito mencionado é impuro e, portanto, não está no reinado e governo de
Deus. (VOELZ, 2019, p. 672)
Todos os comentaristas bíblicos trazidos até aqui4, concordam que os sintomas
citados no versículo 18, se assemelham muito com crises epilépticas. De acordo com
Lenski, os racionalistas afirmam que esse caso não passa de um caso de ataques
epilépticos, no entanto, colidem com os registros sagrados da Bíblia e com o que
Jesus está lidando. Jesus lida com um espírito surdo e mudo e não com um caso de
epilepsia. (LENSKI, 1964, p. 376-377)
Voelz enfoca o verbo ἰσχύω5 , sugerindo que o uso deste vocábulo seja para
evocar a força que havia em ambas as possessões (Marcos 5.1-20), onde não podiam
ser controlados. A violência descrita de ambas as possessões apoia essa conexão.
Todavia, em ambos os casos, o controle de Jesus é absoluto. (VOELZ, 2019, p. 672)

V. 19: E Jesus respondeu: - Ó geração sem fé, até quando estarei


convosco? Até quando vos suportarei? Trazei-o a mim.

Ὦ γενεὰ ἄπιστος, pode ser traduzido como geração incrédula ou geração sem
fé. Mas afinal de contas, a quem Jesus estava se dirigindo ao proferir estas palavras?
É muito interessante a análise textual de Voelz, onde primeiro ele destaca a
importância do uso do tempo presente do indicativo em λέγει, chamando a atenção do
povo. Mas quem seria a geração incrédula? Os discípulos, por sua falta de habilidade
para exorcizar? A multidão, por ver Jesus, essencialmente, como um fazedor de
milagres? As duas coisas, por não verem Jesus como Yahweh vindo visitar o seu
povo? Seriam os contemporâneos de Jesus, por sua incompreensão geral sobre ele?
De acordo com Voelz, todos estes estão em vista, mas com um foco principal nos
discípulos. (VOELZ, 2019, p. 666)
Lenski enfoca o sentimento profundo expresso em palavras por Jesus. Onde
através das palavras, Jesus expressa todo o seu desapontamento. Apesar de
“geração” se referir a todo povo do tempo de Jesus, o grande ponto é o fracasso dos

3 Relato do homem curado por Jesus, que era surdo e mudo.


4 Lane, Lenski, Mulholland e Voelz.
5 Normalmente, este verbo transmite habilidade relativa à aplicação de força.
16

nove discípulos. O Senhor Jesus repreende seus discípulos pela falta de fé. É sua
falta de fé que os impediu de expulsar o espírito maligno. Essa repreensão é seguida
por uma ação imediata, quando Jesus diz: “Traga-o a mim!”. O comando é para os
discípulos que tentaram curar o menino e falharam. (LENSKI, 1964, p. 377-378)

V.20-22: 20E o trouxeram a ele. Quando ele viu Jesus, o espírito logo
convulsionou o menino, e caindo sobre o chão rolava espumando. 21
Jesus perguntou ao pai do menino: - Quanto tempo é que isto tem
acontecido a ele? E ele disse: - Desde a infância; 22 e muitas vezes o tem
lançado no fogo e na água, para o matar. Mas, se algo tu podes fazer, nos
ajude, tenha compaixão de nós.

ἰδὼν/ τὸ πνεῦμα/ πεσὼν - A frase que contém essas palavras é sintaticamente


difícil. De acordo com Voelz, podemos ter duas possibilidades. A primeira é: ἰδὼν
(masculino singular) pode haver a possibilidade de ter como sujeito τὸ πνεῦμα (neutro
singular), compreendendo uma constructio ad sensum6, com "o espírito" como uma
entidade, ao "ver" Jesus se contorce. Então, πεσὼν (masculino singular) se refere ao
menino, que, "ao cair" no chão, rola.
Na segunda possibilidade: ἰδὼν pode ter como sujeito o menino, que também
é o sujeito do πεσὼν. Neste caso, τὸ πνεῦμα εὐθὺς συνεσπάραξεν αὐτόν é uma
cláusula independente sem nenhuma relação gramatical formal com o que a rodeia
(um anacoluto)7. Se, no entanto, a cláusula τὸ πνεῦμα é a oração principal, então o
particípio ἰδὼν deveria, estritamente falando, ter feito parte de uma construção genitiva
absoluta, ἰδόντoς αὐτοῦ αὐτόν τὸ πνεῦμα εὐθὺς συνεσπάραξεν αὐτόν "depois de tê-lo
visto, o espírito imediatamente o convulsionou", mas não é. Contextualmente, a
segunda explicação está mais perto do alvo. (VOELZ, 2019, p. 667)
O interessante de tudo isso, é que na visão de Lenski faz pouca diferença se
referimos ἰδὼν ao menino ou o espírito maligno ao ver Jesus. A visão de Cristo
despertou o espírito maligno que habitava na criança. Ele estava irritado com a
presença de Cristo; pois ele conhecia seu poder e temia ser expulso. Então veio a
última e mais violenta convulsão. Certamente, isso não é um caso comum de
epilepsia, afinal, pessoas não têm ataques epilépticos simplesmente por ver outra
pessoa. O demônio é o causador desse ataque. Isso encaixa perfeitamente com os

6 Construção de acordo com o sentido.


7 Anacoluto é uma figura de linguagem, que consiste na quebra da estrutura sintática de uma frase.
17

demais casos de possessões retratados nos Evangelhos e suas causas nas pessoas.
(LENSKI, 1964, p. 379)
No versículo 21, pode-se entender a pergunta de Jesus não se referindo a um
diagnóstico ou algo assim, mas como manifestação de cuidado, compaixão e
preocupação com o menino. Jesus o vê como uma ovelha sem pastor. No versículo
seguinte, o pai do menino relata as dificuldades enfrentadas com seu filho, como
incidentes que poderiam ter tirado a vida do menino. Lenski relata que o objetivo de
Jesus é alcançado, quando o pai clama pela ajuda de Jesus. Nesse ponto, o pai está
pedindo mais do que pediu aos discípulos. Ele está pedindo pela ajuda divina e isso
requer fé em Jesus como ajudador divino. É necessário lembrar a decepção que
aquele pai passou quando os nove discípulos de Jesus não conseguiram realizar
nada. O homem apela para a compaixão de Jesus e nesse pedido, ele inclui toda sua
família. (LENSKI, 1964, p. 380)

V. 23-24: 23 E Jesus respondeu: “Se tu podes”? Todas as coisas são


possíveis ao que crê. 24 Imediatamente, clamando, o pai do menino
passou a dizer: - Eu creio! Ajude-me na minha falta de fé!

Para Voelz, os versículos 23 e 24 são o centro e o foco de toda a perícope.


Está claro que a lição de discipulado nesta história tem a ver com a fé na vida
cotidiana; em outras palavras, manter o foco em Jesus e não em si mesmo. Aqui
vemos que o verdadeiro discípulo vem a Jesus e não confia em si mesmo. Isso é
acreditar no que há de mais básico. Confiar nele acima de todas as coisas. Mas
também podemos ver que o verdadeiro discípulo vem a Jesus porque ele não pode
parar de confiar em si mesmo (como um ser humano pecador). Reconhecer o seu
lado pecaminoso e carecer da graça e ajuda de Deus. Isso é acreditar em seu nível
mais profundo: βοήθει μου τῇ ἀπιστίᾳ (essa mudança no radical [do aoristo βοήθησον
para o particípio presente βοήθει] é apropriada, dada a reação de Jesus à declaração
do homem), ajude minha descrença. Expresso de outra forma, um verdadeiro
discípulo crê e, portanto, vem a Jesus. Mas um verdadeiro discípulo também sabe que
não acredita verdadeiramente no sentido mais completo e profundo e, portanto, ele
vem a Jesus para ser ajudado com essa incredulidade. (VOELZ, 2019, p. 672)
Quando Jesus profere as palavras: “Tudo é possível ao que crê”. O pai do
menino rapidamente percebe a intenção de Jesus e diz: “— Eu creio! Ajude-me na
minha falta de fé”. Lenski afirma que esse grito do pai expressa a sua humanidade e
18

a sua angústia por ser solicitado a manifestar uma fé radical. Entretanto, a descrença
é a forma da existência humana. Sua confissão é ambivalente, pois por mais que
estivesse ansioso de ver seu filho libertado, ele também faz um pedido sincero de
ajuda. Ele sabe que naquele ponto, sua fé é fraca e está prestes a falhar. Embora sua
fé seja fraca e imperfeita, ele confia em Jesus e no seu poder de libertar o seu filho.
(LENSKI, 1964, p. 381-382)

V. 25-27: 25 E Jesus vendo que muita gente estava reunindo-se,


repreendeu o espírito imundo dizendo-lhe: - Espírito mudo e surdo, eu
ordeno a ti: Sai deste menino e nunca mais entres nele. 26 E ele, gritando
e agitando-o muito, saiu, deixando-o como se estivesse morto, a ponto de
muitos dizerem: - Morreu. 27 E Jesus, pegando-o pela mão, ergueu o
menino, e ele se levantou.

Jesus responde ao clamor do homem, quando liberta o menino do espírito


maligno. Ele cumpre a sua promessa de quando havia pedido para que trouxessem o
menino até ele. Ele se apressa em fazer isto quando vê que uma multidão está indo
em sua direção. Voelz diz que na primeira metade do Evangelho as multidões se
reúnem para curas milagrosas e exorcismos, e Jesus os atende. Agora, por outro lado,
Jesus está interessado em dar instruções, especialmente aos Doze, por isso é
cauteloso com uma multidão que se reúne e faz sua cura de uma forma mais privada.
(VOELZ, 2019, p. 673)
O comando de Jesus para o demônio: “Espírito mudo e surdo, eu ordeno a ti,
sai dele e não mais entres nele”. Para Lenski, o seu comando é positivo e negativo.
Como é o caso em todas essas instâncias, o negativo fortalece o positivo. O espírito
agora é descrito como impuro e, com referência aos sintomas do menino, mudo e
surdo. - μηκέτι εἰσέλθῃς, não entres novamente. Esse era o ponto essencial em um
caso de possessão intermitente. O espírito saiu no final de cada ataque, mas voltou
novamente. A força do comando é que o demônio deve partir de uma vez por todas.
Em comandos negativos no grego o aoristo está no subjuntivo e não, como em
comandos positivos, no imperativo. (LENSKI, 1964, p. 383-384)
Voelz afirma que o exorcismo de Jesus do espírito mudo e surdo confirma o
seu poder e a vinda do reino escatológico e do governo de Deus, conforme exibido na
primeira metade da narrativa de Marcos. Ele diz algo intrigante, de que devemos
entender que talvez o rapaz realmente morra, fazendo desta uma segunda
19

ressurreição neste Evangelho, após Jesus ressuscitar a filha de Jairo (Mc 5:35-43).
Essa possibilidade não deve ser descartada, especialmente porque em ambos os
casos os espectadores têm a impressão de que a morte realmente ocorreu. Além
disso, o vocabulário de morte e ressurreição desses versos é impressionante: "morto
... morreu ... ressuscitado ... ressuscitou" (νεκρὸς, ἀπέθανεν, ἤγειρεν, ἀνέστη) (Mc
9.26-27). Os dois verbos usados no versículo 27, ἤγειρεν, ἀνέστη também são usados
para denotar ressurreição. Se for este o caso, então uma ressurreição ocorreria em
ambas as metades deste Evangelho, com a segunda, que segue um exorcismo e
ocorre diretamente após a transfiguração, fornecendo uma demonstração vívida de
que "o reino e governo de Deus já veio em poder". Mesmo que esta interpretação não
seja adotada, no entanto, a linguagem forte observada acima confirma a declaração
final da paixão e ressurreição de 8:31, que a missão de Cristo como o Filho do Homem
termina com a ressurreição, e confirma o que é visto na transfiguração (9:2-8), a saber,
que o triunfo final finalmente ocorrerá. (VOELZ, 2019, p. 673)

V. 28-29: 28 Quando Jesus entrou em casa, seus discípulos lhe


perguntaram a sós: Por que nós não pudemos expulsá-lo? 29 Jesus
respondeu: Este tipo de [espírito] só ser expulso por meio de oração.

Esses versículos têm o caráter de um epílogo do relato, que termina com o


versículo 27. Sem o epílogo, o tema da impotência dos discípulos permaneceria
incompleto e inexplicado. De acordo com Voelz, temos nesses versículos um foco na
instrução dos discípulos. Todo esse incidente de possessão e exorcismo termina com
um momento de ensino, afinal de contas, a pergunta dos discípulos é interessante.
Por que eles não puderam exorcizar o espírito impuro? No que diz respeito à narrativa
de Marcos, as coisas mudaram neste ponto da história. No capítulo 6, Jesus envia os
Doze com autoridade sobre os espíritos imundos (6:7), e eles passam a exercer tal
autoridade: "procedem para expulsar muitos demônios" (6:13). Mais tarde, eles
retornam e relatam seu sucesso, incluindo sua autoridade sobre os demônios (6:30).
Mas os Doze especificamente nunca são comissionados a agir dessa maneira
novamente no Evangelho de Marcos; não são comissionados em tal missão
"apostólica" novamente. Assim, após o capítulo 6, nunca é apropriado que os
discípulos tentem expulsar um espírito impuro pela autoridade que eles próprios
possuem, por assim dizer. Nesse ponto, eles não possuem autoridade alguma sobre
o espírito impuro. Se os discípulos não são orientados para fazer exorcismos, o que
20

eles devem fazer em relação aos espíritos imundos? A resposta está em 9:22-24 e no
exemplo do pai do menino possuído pelo espírito imundo. O pai do menino se volta
para fora de si mesmo e se orienta para o Divino - para Jesus, que é Deus. Nesse
ponto, nota-se que os discípulos tentaram operar por conta própria enquanto Jesus
estava no monte da transfiguração, assim como Arão, quando fez o bezerro de ouro
enquanto Moisés estava no Monte Sinai falando com o Senhor, e é por isso que eles
são incapazes de libertar o menino dessa escravidão, pois confiaram no seu próprio
poder e não no poder de Deus. (VOELZ, 2019, p. 673-674)

1.3 CONSIDERAÇÕES EXEGÉTICAS FINAIS

De fato, o texto é muito intrigante pois mostra um exorcismo falho realizado


pelos discípulos. Eles não conseguiram expulsar o demônio daquele rapaz. Após o
ocorrido, perguntam a Jesus o motivo de não poderem expulsar o demônio e a
resposta foi “Este tipo de exorcismo só pode ser expulso pela oração. Este exorcismo
exigia oração, mas para que a oração fosse eficaz, a fé também é necessária. Bennett
afirma que o exorcismo é o resultado da obra de Jesus e não a dos apóstolos. Jesus
realizou todos os exorcismos, mesmo aqueles feitos por ordem dos apóstolos. Uma
possibilidade é que os discípulos tenham começado a perder seu caminho e seu foco.
Como se estivessem começando a formar um entendimento mecânico da Palavra.
Seja qual for o caso, após o seu fracasso, Jesus disse: “Ó geração incrédula, quanto
tempo vou estar com você?” Sem fé, não há poder para exorcizar. O poder de expulsar
demônios reside em Jesus, isto é, em seu nome. O poder é de Jesus e ele é o único
exorcista (BENNETT, 2013, p.117-118).
Τοῦτο τὸ γένος ἐν οὐδενὶ δύναται ἐξελθεῖν εἰ μὴ ἐν προσευχῇ. - Este é um dos
textos que logo se tornou mal compreendido. A ideia tradicional é que Jesus prescreve
uma certa disciplina pela qual o exorcista pode ganhar poder para enfrentar com êxito
os mais obstinados casos de possessão, um curso de oração e (jejum). O que na
verdade, não acontece. Para Lane, a resposta de Jesus aos discípulos, é de que para
tais espíritos malignos, é necessário que se tenha confiança no poder ilimitado de
Deus, expresso por meio da oração. Apenas dessa forma, esses espíritos malignos
podem ser expulsos. Em outras palavras, os discípulos falharam porque eles não
agiram em oração e fé sincera. (LANE, 1974, p. 335-336)
21

O relato menciona apenas a oração, e traz o [e jejum] como variante textual.


Comparando com o relato de Mateus, temos a frase inteira como uma variante textual.
Sobre isso, Omanson comenta:

À luz da crescente ênfase dada ao jejum, na Igreja Antiga, é compreensível


que um copista tenha acrescentado ao texto, em forma de comentário, a
locução “e com jejum”, que acabou por fazer parte do texto da maioria dos
testemunhos. Entre aqueles que se opuseram a esse acréscimo estão
importantes representantes dos tipos de texto alexandrino e ocidental
(OMANSON, 2010, p. 82).

Dentro da perspectiva de leitura em cima da variante textual, não se tem no


Novo Testamente alguma ordem para o jejum, como se fosse uma regra a ser seguida.
Porém, era uma prática comum entre os judeus, tanto que Jesus ensina aos que
faziam jejum, a forma correta de se fazê-lo (Mt 6.16-18). Ele menciona que isso é algo
que deve ser feito em secreto, para que não seja algo que sirva como motivo de se
“mostrar para os outros”. No livro de Atos, temos alguns relatos sobre jejum, como por
exemplo a partida de Paulo e Barnabé para sua primeira viagem missionária, após um
período de jejum e oração da igreja. Mas afinal, no que consiste o jejum? O jejum era
uma prática comum entre judeus e foi continuada por cristãos, em que se baseava na
abstinência de comida, visando o foco em Deus e nas questões espirituais (BÍBLIA da
Reforma, p. 1837).
Apesar de Jesus ter ensinado a forma correta do jejum, não foi algo instituído
por ele. Entretanto, a oração é algo ensinado e incentivado por Cristo (Mt 6.5-13; Jo
14.13-14). Dentro dessa variante textual do jejum, juntamente com a oração, dá a
entender que a união dos dois seria a “solução perfeita” contra alguns tipos de
demônios. Evidentemente o objetivo desta pesquisa não é entrar no assunto que se
refere à classe ou tipos de demônios, pois isso daria margem para entrar nos estudos
em demonologia, que não é a pretensão da pesquisa.
Mesmo desconsiderando a variante textual “jejum”, o texto de Marcos ainda
fala da oração. E este é o ponto principal, a dedicação em orar era algo que os
discípulos pareciam não ter entendido. Isso se reflete na sua falta de fé e na pretensão
de tentar exorcizar por si mesmos. Na oração, na súplica a Deus é necessário que
haja a fé e este parece ser o ponto em evidência no exorcismo deste texto. O poder é
de Jesus Cristo, ele é o exorcista, e isto deve ficar como uma precaução para os que
são chamados a exorcizar em nome de Jesus Cristo.
22

1.4 EXORCISMO DE LUTERO

Um ponto interessante e que poucas pessoas sabem, é que temos o relato de


um exorcismo que Lutero fez sobre uma moça possessa. O relato se encaixa muito
bem no assunto em que estamos tratando e ilustra bem o ensinamento que Jesus
queria trazer para os seus discípulos. Estará relatado nesta pesquisa, para se
observar a forma litúrgica de como Lutero lida com a situação. Será transcrito o
exorcismo relatado no artigo de Mayes “Demon Possession and Exorcism in Lutheran
Orthodoxy”. Concordia Theological Quarterly Volume 81:3-4 – julho/outubro de 2017.

Tradução própria:

Certa vez, durante a vida do Dr. Martinho Lutero, uma jovem foi trazida a
Wittenberg, que muitas vezes era atormentada pelo diabo. E uma carta foi escrita ao
Dr. Lutero para que ele salvasse e resgatasse esta jovem. Dr. Lutero, perguntou a ela
naquele momento se ela poderia dizer sua fé [o credo]. Ela respondeu: “Sim”. Ela não
conseguiu chegar ao segundo artigo, pois começou a convulsionar. Então o Dr. Lutero
falou: “Eu lhe conheço bem, demônio. Você realmente gostaria que alguém
organizasse uma grande cerimônia e o celebrasse muito. Você não encontrará nada
disso comigo”. Então Lutero mandou trazê-la para seu sermão na igreja no dia
seguinte e depois fosse levada para a sacristia, e ele disse aos outros servos da igreja
para irem à sacristia também. No outro dia, após o sermão, levaram a jovem para a
sacristia. Então, Lutero disse aos servos da Igreja, estudantes e futuros pregadores
da Palavra que observassem e na mesma situação, não fizessem nada diferente.

1. Ele começou dizendo: “Agora, em nosso tempo, as pessoas não deveriam


expulsar demônios como era na época dos Apóstolos e depois deles,
quando era necessário fazer milagres e sinais em prol do Evangelho, para
confirmá-lo como nova doutrina, o que não é necessário em nosso tempo,
visto que o evangelho não é uma nova doutrina, pois o Evangelho está
confirmado. E se alguém quer expulsá-los como era feito naquela época,
tenta Deus”.
2. “Também não se deve expulsar os demônios com conjurações, por
comando, como no papado ou como alguns de nós fazem, mas deve-se
expulsá-los com orações e desprezo. Pois o diabo é um espírito orgulhoso,
23

que não suporta orações e desprezo, mas deseja uma cerimônia. Portanto,
ninguém deve fazer uma cerimônia a ele, mas deve desprezá-lo o máximo
possível”.
3. Dr. Lutero disse mais: “Aquele que quer expulsar o diabo, deve fazê-lo
através da oração, de uma maneira que não prescreva ao Senhor Cristo
nenhuma regra, nem meio ou maneira, nem tempo, lugar ou modo que Ele
deve expulsar o diabo, pois isso é tentar Deus. Mas nós persistimos na
oração tanto, batemos e chamamos à porta por tanto tempo, até que Deus
ouça a nossa oração como Ele mesmo diz: ‘pedi e dar-se-vos-á, buscai e
achareis, batei e abrir-se-vos-á’ (Mt.7).
4. O Dr. Lutero impôs as mãos sobre a virgem, assim como alguém coloca
as mãos sobre aqueles que estão sendo ordenados e consagrados à
pregação. E ele ordenou aos servos para que fizessem o mesmo, e
comandou que dissessem depois dele: a) O Credo dos Apóstolos; b) O Pai
Nosso; c) Depois o Dr. Lutero disse estas palavras: Jo 14, “’Em verdade,
em verdade vos digo, tudo aquilo que pedires ao meu Pai em meu Nome,
isto Ele vos dará. Até agora não pedistes nada em meu nome. Pedi e
recebereis, e vossa alegria será completa’”. Depois disso, Lutero pediu para
que Deus, em seu poder, resgatasse e salvasse aquela pobre jovem do
espírito maligno, em nome de Cristo, a fim de que fosse louvado, honrado e
glorificado. Após esta oração e advertência, ele se afastou da moça e a
empurrou com o pé e zombou de Satanás, dizendo: “Seu demônio
orgulhoso, querias que eu fizesse uma cerimônia para ti, mas não
experimentarás isso. Faça o que quiseres, eu não desistirei”. Após este
procedimento, eles levaram a jovem no dia seguinte para casa. E depois
eles escreveram e relataram várias vezes ao Dr. Lutero e outros que o
espírito maligno depois disso não mais atormentou e convulsionou a garota
como antes.

Conforme foi visto na exegese de Marcos 9.14-29, pode-se notar que a atitude
de Lutero e a forma como ele aborda a jovem possessa confere com o ensino de
Jesus aos discípulos. O poder é de Jesus Cristo, ele é o exorcista, e isto deve ficar
claro para todos que são chamados a exorcizar em nome de Jesus Cristo.
24

Nos capítulos seguintes será analisada a obra de um padre católico, conhecido


como o exorcista do Vaticano Gabriele Amorth, sem entrar em juízo de valor sobre o
que ele está dizendo. Também serão analisadas obras de teólogos luteranos,
questionamentos e o cuidado pastoral com o tema. Desde pessoas da Ortodoxia
Luterana até professores contemporâneos dos seminários.
25

2 O DIABO E SUAS AÇÕES

2.1 PADRE GABRIELE AMORTH

Certamente, quando se pensa em possessão demoníaca e consequentemente


no exorcismo, o que nos vêm à mente são os filmes de terror que retratam esses
acontecimentos. É difícil em algum filme desse gênero não ter um padre exorcista,
jogando água benta em uma pessoa atormentada por um demônio. O padre Gabriele
Amorth é considerado o exorcista com mais números de exorcismos no Vaticano. Foi
ordenado em 1954 e foi nomeado exorcista da Diocese de Roma em 1986. Sua
experiência como exorcista do Vaticano, resultou, segundo ele, em 130 mil
exorcismos até a sua morte no ano de 2016 aos 91 anos. Reitero que nesta parte da
pesquisa, a ideia será expor o pensamento de Amorth sobre as ações diabólicas, mas
sem entrar em juízo de valor sobre o que ele está dizendo.
O padre Amorth é importante para este trabalho, pois sua vasta experiência e
conhecimento sobre o assunto certamente não poderiam ser deixados de fora. Em
toda sua obra, ele convictamente afirma a presença e a ação do diabo em nosso meio
e em nossos tempos. Muito se especula e se fala sobre o diabo, suas artimanhas e
como ele age. Para entender o que é a possessão demoníaca e como o são as ações
do diabo, primeiramente precisamos responder: quem é Satanás?

2.1.1 Quem é Satanás?

Vivemos em tempos em que o mundo leigo se tornou herdeiro do iluminismo,


do racionalismo e da propagação do ateísmo. Tudo isso tende a afastar os homens
da fé. Segundo Amorth, independentemente da época, o homem sempre irá perceber
a sua insuficiência, portanto, a necessidade de Deus. Entretanto, quando o homem se
afasta de Deus, ele busca outro ponto de apoio, e então, é impelido para a superstição,
para o espiritismo, em geral, para tudo aquilo que definimos como ocultismo. Quando
cala a fé, aumenta a superstição. Ao abandonar a fé, o homem se lança no mundo do
ocultismo, um mundo perigoso e danoso. Neste cenário que Satanás age.
Primeiramente, é preciso deixar claro que Satanás é um anjo criado bom,
porém que se rebelou contra Deus. Sendo anjo, assim como os demais anjos, é puro
26

espírito, não possui corpo e para apresentar-se ao homem, precisa assumir uma
forma visível conforme o seu objetivo. A este ponto, já fica claro e se responde àquela
clássica pergunta sobre a existência de um diabo com chifres, cabeça de bode, cauda,
casco, unhas e asas de morcego, conforme as representações literárias e populares.
(AMORTH, 2013, p. 9)

2.1.2 As ações do diabo

De acordo com Amorth, o diabo, assim como a raiz de seu nome, significa
“aquele que divide”, “acusador”, “caluniador”. Tendo Satanás se afastado de Deus,
também tende a querer afastar as outras criaturas do caminho da salvação e acabem
por sofrer a mesma punição que ele. O esforço do diabo está em agir para que toda a
criação se rebele contra o seu Criador. Segundo Amorth, podemos dividir as ações do
diabo em duas vias: a via ordinária e a via extraordinária. (AMORTH, 2013, p. 10)

2.1.2.1 A via ordinária da ação diabólica: tentação e pecado

Amorth diz que a missão do diabo é explicada claramente por Pedro: “O vosso
inimigo, o Diabo, é como um leão rugindo em torno, procurando a quem devorar” (1
Pedro 5.8). A palavra “devorar” pode ser interpretada como “causar dano”, “levar à
perdição”. Em outras palavras, a missão do diabo é conduzir os seres humanos pelo
caminho da perdição do pecado. O caminho principal, a via mestra pela qual ele age,
é a tentação. Segundo Amorth:

Não deve surpreender a minha afirmação de que a via ordinária faz mais
vítimas do que a via extraordinária, sobre a qual falaremos adiante. Por meio
da primeira, todos somos vítimas; por meio da via extraordinária, somente
algumas pessoas, além disso, muitas vezes sem culpa própria e, portanto,
sem responsabilidade moral. A tentação nos assalta todo santo dia. Até Jesus
aceitou sujeitar-se a ela durante os quarenta dias que passou no deserto,
após ter sido batizado no Jordão (cf. Mateus 4,1ss), e também depois disso.
Tenta-nos Satanás agindo em nossa esfera natural, isto é, ora levando em
conta nossas feridas interiores e a fraquezas de cada um, ora por meio das
ocasiões próximas de pecado que se apresentam a todos. (AMORTH, 2016,
p. 95)

O perigo da tentação é grande, pois nem sempre é fácil ser descoberto em


nossos pensamentos, palavras e ações. Amorth alerta para os perigos das tentações.
27

É necessário se ter discernimento em tudo que se vê, lê e com as companhias. Amorth


continua seu argumento:

A perda de sentido do pecado, que caracteriza a nossa época, ajuda Satanás


a agir praticamente sem obstáculos pela via ordinária, uma vez que,
induzindo o homem ao pecado, afasta-o progressivamente do amor de Deus.
“Tudo é permitido”, “Que é que tem?”, “Todo mundo faz...”. Eis as terríveis
sugestões para enfraquecer a consciência dos homens e conduzi-los a uma
vida de egoísmo, de falta de perdão, de fazer tudo por dinheiro, poder e sexo;
tudo para seduzir as almas, fazendo-as escravas do álcool, da droga, da
imoralidade que se espraia, a fim de matá-las. (AMORTH, 2016, p. 96-97)

Amorth ainda ressalta que ação tentadora ordinária do diabo é exercida,


também, no campo da inteligência. Erros teóricos que são disseminados em nossa
sociedade, em nossas consciências, para assim dissolver os princípios da fé cristã.
Tudo isso soando como “novos tempos”, “evolução”, “modernidade”. Novos estilos de
vida contrários à moral: coabitação extraconjugal, separação de casais, divórcio,
traições, aborto, casamento gay, eutanásia. Isso sem falar da corrupção, das guerras,
do egoísmo sob as mais variadas formas. A lista é verdadeiramente longa. Paulo nos
adverte sobre tudo isso: “A nossa batalha não é, de fato, contra a carne e o sangue,
mas contra os Principados e as Dominações, contra os dominadores deste mundo de
trevas, contra os espíritos malignos que andam pelos ares” (Efésios 6.12). (AMORTH,
2016, p. 97)

2.1.2.2 A ação extraordinária do Diabo

Em primeiro lugar, nota-se a diferença entre a ação ordinária e a ação


extraordinária. Digamos que a ação extraordinária ocorre após a ação ordinária. O
Padre Amorth faz quatro divisões neste tópico de opressão. Seriam eles: a possessão
diabólica, quando a pessoa de fato é possuída; a vexação diabólica, o que seria uma
agressão espiritual do Diabo; a obsessão diabólica, outra espécie de agressão
espiritual, porém onde o demônio comunica pensamentos e alucinações fortes contra
a mente da pessoa; e a infestação diabólica, que seriam distúrbios causados sobre a
casa, animais, objetos, em geral, no que estaria em volta da pessoa. É nesta última
seção que ocorreriam, por exemplo, barulhos de objetos caindo, passos, sons, batidas
na porta, na parede e entre outras anormalidades. (AMORTH, 2016, 98-112)
28

1) A possessão diabólica

De acordo com Mayes, quanto à possessão demoníaca, existem dois tipos: a


possessão espiritual e a possessão corporal. A primeira está ligada à falta de fé, do
estado natural de todo o ser humano sem a fé salvadora em Jesus, nosso Redentor.
Estaríamos perdidos e condenados. Como diz Paulo aos Efésios: “pela natureza,
somos filhos da ira” (Ef. 2.4). Esse tipo de possessão é atacada no Batismo, onde se
realiza um exorcismo. A segunda forma de possessão é a possessão corporal, onde
a pessoa é de fato possuída e manifesta características sobrenaturais. Entretanto,
precisa ser avaliada de forma criteriosa, para não ser confundida com alguma doença.
Por este motivo, é necessário que haja especialistas para averiguar o caso. (MAYES,
2017, p. 331).
Amorth destaca que a possessão diabólica é a forma mais grave, sem dúvidas,
mas em que ela consiste? É a influência de um demônio sobre uma pessoa, da qual
“toma posse”, exatamente no sentido de fazer aquilo que quiser. Segundo Amorth,
nunca o demônio pode tomar posse da alma de um ser humano, somente do corpo.
São bem raros os casos da verdadeira possessão. É mais comum ocorrer casos de
vexação, obsessão e infestação. Com respeito a possessão diabólica, Amorth diz:

Quando se manifesta a possessão, o possesso entra em transe e perde a


consciência, cedendo lugar à ação do espírito do mal, que faz uso do corpo
dessa pessoa para falar, mover-se, blasfemar, vomitar imprecações, pregos,
vidros ou outros objetos, vez por outra também para manifestar uma força
hercúlea. (AMORTH, 2016, p. 98)

Quando a possessão diabólica de fato ocorre, a pessoa perde a consciência de


forma imprevisível. Tem momentos que parece estar normal e em outros não. É muito
difícil que a possessão ocorra sem nenhuma interrupção. O mais comum é que essas
possessões ocorram através de motivos extrínsecos, como por exemplo, durante um
culto, ou oração, confissão ou pelo simples fato de entrar na igreja. Em outras
ocasiões, as possessões ocorrem sem nenhuma causa. O demônio age, quando,
onde e como quer. (AMORTH, 2016, p. 99-100)
Já foi visto que a possessão diabólica é algo que raramente se vê, então surge
o questionamento: A quem atinge a possessão?

Ninguém pode julgar-se excluído: jovens e velhos, homens de fé e ateus,


cristãos e membros de outras religiões, até mesmo os religiosos. Menciono o
caso da irmã Angela, vítima da obsessão da blasfêmia que ressoava
29

constantemente em sua mente. Quem se acha distante da fé certamente é


mais vulnerável a esse risco; contudo, isso é apenas uma indicação de
princípio, a fim de explicar que o demônio atua com mais desembaraço
quando não se depara com oração, jejum, prática eucarística ou sacramental,
por parte das pessoas que “gozam” de sua particular atenção. (AMORTH,
2016, p. 101)

Amorth afirma que também existem possessões múltiplas, onde vários espíritos
demoníacos atuam na mesma pessoa. Temos um exemplo disto no relato de Marcos,
quando Jesus se depara com um endemoninhado possuído por uma legião de
demônios (Marcos 5.1-20). Esse termo “legião”, lembra a organização militar romana
e sugere uma realidade nessas possessões múltiplas: espíritos demoníacos
organizados hierarquicamente, como uma legião militar. Sim, os demônios possuem
uma organização interna: existem os chefes, subchefes e os soldados. Cada um
dotado de um poder específico. O exorcismo só pode ser declarado como eficaz após
ser expulso o chefe daquela possessão múltipla, o líder supremo da legião, aquele
que os próprios demônios temem. (AMORTH, 2016, p. 105)
Porém, não vamos ir muito mais longe, pois não é o objetivo da pesquisa e
estaríamos indo para a área de estudo da demonologia.

2) A vexação diabólica

Segundo Amorth, a vexação diabólica, são os casos mais numerosos, causado


por imprudências pessoais, como: consultar bruxos, atração pelo espiritismo,
reincidência e insistência nos pecados graves ou ainda por algum feitiço dirigido para
alguma pessoa. São casos em que ocorre uma agressão verdadeira e efetiva, seja de
ataques físicos ou psíquicos que o demônio lança sobre a pessoa. Nestes casos,
aparecem arranhões, queimaduras, contusões ou até em casos mais graves, fraturas.
(AMORTH, 2016, p. 105)
A vexação também pode ocorrer numa dimensão onírica, isto é: pesadelos
terríveis que se formam enquanto dormimos. Além disso podem ocorrer dentro de
laços afetivos, afetando assim a relação de dois cônjuges fazendo com que se
separem. Pode ocorrer dificuldades no trabalho ou nas amizades. O demônio pode
agir com o fim de destruir as relações e isolar uma pessoa. É impossível elencar
completamente os casos. Mas como podemos discernir se estamos com uma doença
física ou tendo um caso de vexação diabólica? Amorth responde:
30

Como sempre, devemos ser muito criteriosos na avaliação dos sintomas.


Pode acontecer que pessoas facilmente impressionáveis fiquem inquietas
sem fundamento. De fato, muitas vezes a doença ou o mal-estar psicológico
é de raiz natural e, identificável pelos sintomas patológicos, seja facilmente
caracterizado pelo especialista médico ou psiquiatra, aos quais, conforme
indicamos acima, é sempre conveniente dirigir-se. O discernimento espiritual
pode ser efetuado quando se nota a presença de fenômenos vexatórios
associados a uma inexplicável aversão pelas coisas sagradas, por Deus e
pela oração. O fato de haver frequentado anteriormente locais de práticas
ocultas ou de magia, médiuns, cartomantes ou personagens do gênero, ainda
que de boa-fé, ou a certeza de ter sido alvo de feitiço, tudo isso pode ser
indício significativo para um bom discernimento. (AMORTH, 2016, p, 107-
108)

3) A obsessão diabólica

A obsessão diabólica é uma forma de agressão espiritual que leva o demônio


a comunicar pensamentos ou alucinações muito fortes à mente da vítima. Nesses
casos, a vítima já não tem controle sobre os próprios pensamentos. A pessoa se torna
alvo de uma poderosa força mental, que introduz pensamentos repetitivos,
obsessivos, superiores do que se pode resistir e lutar contra. Esses pensamentos,
fundamentam-se na psiquê do indivíduo, por mais estranhos que sejam. As
alucinações podem se caracterizar como visões, vozes ou ainda sons e murmúrios de
figuras monstruosas, personalidades obscuras, ou qualquer outra situação que nos
cause medo e pavor. Em outros casos, ocorre o impulso para fazer mal aos outros,
ou ainda a si mesmo, levando até ao suicídio. Ou até, em indivíduos mais jovens,
ocorrer confusão mental sobre a própria identidade de gênero. São muitas as formas
de obsessão diabólica, e é impossível elencar todas as formas existentes. Entretanto,
isso não subtrai totalmente a capacidade da pessoa de pensar ou querer,
permanecendo assim consciente e vigilante. Porém, a mente fica fortemente
controlada em relação com o mundo. (AMORTH, 2016, p. 108-109)
Para evitar um equívoco e não confundir com alguma doença mental, como a
esquizofrenia por exemplo, é necessário esclarecer a semelhança que existe entre os
distúrbios obsessivos e patologias mentais. Por esse motivo, necessita-se fazer uso
de um forte discernimento para compreender do que se trata. O mais indicado é contar
com o auxílio de um psiquiatra. Amorth enfatiza:

Em razão da dificuldade de discernir com clareza, nesse elenco de casos,


também a conversa com um diretor espiritual pode ajudar muito. De fato, não
raramente acontece que os efeitos de ordem clínica de uma patologia
demoníaca possam ser facilmente confundidos com problemas psiquiátricos.
31

Nesse caso, deve-se proceder no mesmo ritmo, conjugando a cura médica


com a espiritual. (AMORTH, 2016, p. 109)

4) Infestação diabólica

A última tipologia dos distúrbios de gênero espiritual, são as infestações


Diabólicas. Neste caso, ao invés da influência ser sobre os seres humanos, passam
a ser sobre a casa, objetos ou animais. Isso não quer dizer que a pessoa também não
sofra com este caso, pois evidentemente, a pessoa é o alvo e a vítima última da ação
satânica. Alguns exemplos da infestação diabólica: porta e janelas, que se abrem e
fecham, batendo quando menos se espera; luzes, televisão ou computador que ligam
ou desligam sem nenhuma intervenção humana; sons de passos, de correntes
arrastando, de coisas caindo, vozes misteriosas ou gritos, batidas na parede e entre
outros eventos sobrenaturais. Certamente, esses eventos tornam difícil a vida de
quem mora no local. Os exemplos são muitos, assim como nos outros casos, por esse
motivo, é necessário examinar se o fenômeno pode ser atribuído a uma causa natural,
ou não.

Diante de uma resposta negativa, é útil saber — embora muitas vezes seja
difícil fazê-lo concretamente — se, nessa mesma casa, em épocas passadas,
foram realizadas sessões espíritas, rituais de magia, reuniões de seita
satânica ou maçônica ou coisas similares. Também, neste caso, são úteis a
bênção da casa e a bênção dos objetos, e os exorcismos localizados, ainda
que geralmente sejam muito longos, difíceis e complicados de realizar. Nos
casos mais graves, cabe-me aconselhar às pessoas envolvidas que se
mudem da casa. Às vezes, nas novas moradias nenhum destes fenômenos
se manifesta. Em outros casos, porém, as vexações continuam. (AMORTH,
2016, p. 111-112)
32

3 VISÃO TEOLÓGICA LUTERANA SOBRE POSSESSÃO DEMONÍACA

Antes de tudo, é importante destacar que no que se refere à guerra espiritual8,


Cristo já conquistou a vitória. Ele é o Senhor de tudo e nada nos separará dele, desde
que permaneçamos nele através da fé. A igreja precisa saber e se conscientizar, que
por mais que ainda existam batalhas para lutar nesta guerra espiritual, a guerra já foi
ganha por Cristo através de sua ressurreição. Ele é o todo-poderoso, a quem João
celebra como o Senhor dos Senhores e Rei dos Reis (Ap. 17:14). Estas palavras são
destinadas a dar tranquilidade a cada cristão de que Jesus é o vencedor sobre os
poderes do diabo e que nenhum desses poderes pode nos separar do amor de Deus
em Cristo Jesus, nosso Senhor (Rm 8:39). Isto também deve dar tranquilidade e
incentivo a todos os pastores e líderes que estão na frente dessa batalha. Sua tarefa
é anunciar esta vitória de Cristo sobre o diabo, o pecado e a morte. (COMISSION ON
THEOLOGY AND INTERCHURCH RELATIONS, 2014, 13-14)9

3.1 MARTINHO LUTERO

Lutero acredita que os seres humanos vivem suas vidas entre Deus e o diabo.
O pensamento de Lutero é dualista na medida em que, na questão da salvação, ele
afirma que quem não está sob o poder do Espírito Santo está sob o poder do diabo.
O diabo tenta os seres humanos a pecar e coloca pensamentos malignos em suas
mentes, mesmo assumindo-os. Ele está por trás da heresia e do falso ensino. O diabo
também trabalha em tudo o que contradiz a vontade de Deus para sua criação e,
portanto, pode ser visto em melancolia, doença e morte. Mas esse “dualismo” de
Lutero é, no entanto, bem limitado. Em última análise, todas as experiências, sejam
elas boas ou ruins, vêm da mão de Deus. No final de tudo, Satanás serve aos
propósitos de Deus, sendo o inimigo, mas também o instrumento da obra de Deus.
Deus o mantém em seu serviço e o usa em seu trabalho. Pode-se dizer que o diabo
é o “diabo de Deus”. Enquanto Satanás tem como propósito destruir e trazer
sofrimento, o propósito de Deus é sempre salvar. Mas como podemos “lutar” contra

8 Para algumas pessoas, o termo "guerra espiritual" soa muito militarista. O termo, é claro, tem uma
longa tradição na igreja e não pode ser abandonado, já que grande parte dos textos do NT usa a
linguagem da guerra e da batalha. A batalha espiritual que todos os cristãos são chamados a se
envolver contra os poderes das trevas é claramente descrito por Paulo em Efésios 6:10-20.
9 Disponível em: <https://www.lca.org.au/departments/commissions/cticr/>
33

essas ações diabólicas? A resposta para isso é a fé em Cristo, submeter-se à vontade


de Deus e orar pedindo que Deus nos guarde, proteja e nos livre de todo o mau. 1011
Na visão de mundo de Lutero, as coisas do “cristianismo comum” fazem parte da
batalha contra o diabo, o mundo e a carne pecaminosa. A base fundamental para a
libertação na visão de Lutero, sempre será a fé em Cristo. Nesta guerra espiritual, o
cristão junta-se através dos meios e expressões da fé, como a meditação na Palavra,
o retorno diário ao Batismo, confissão e absolvição, a Ceia do Senhor, resistir à
tentação, seguir os Dez Mandamentos e entre outros. Lutero acreditava que o dom
especial do exorcismo não era mais geralmente ativo na igreja de sua época, como
na época dos apóstolos, e, portanto, a prática de comando direto aos demônios foi
desencorajada. Lutero e aqueles que o seguiram demonstram uma forte aversão ao
"exorcismo", que se refere ao Rituale Romanum papístico, juntamente com
cerimônias, superstições e práticas que obscurecem a simplicidade e a centralidade
de Cristo e da fé. (COMISSION ON THEOLOGY AND INTERCHURCH RELATIONS,
2014, 134-135)

3.2 BENJAMIN T. G. MAYES

O período da ortodoxia luterana foi uma era que começa em 1580 e vai até o
início do iluminismo. Um de seus maiores marcos é a composição do Livro de
Concórdia. O artigo “Possessão Demoníaca e Exorcismo na Ortodoxia Luterana,”12
de Benjamin T. G. Mayes, traz traduções de textos desse período. Com o objetivo de
que sejam utilizados como recursos para a reflexão contemporânea sobre o
diagnóstico adequado e o cuidado pastoral em casos suspeitos de possessões
demoníacas, com base na teologia pastoral luterana clássica.
Primeiramente, Mayes traz uma definição de possessão demoníaca dada por
Johann Ludwig Hartmann13:

10 Ver Althaus, 161-168, esp. p 165, por sua exposição da compreensão de Lutero sobre o diabo e
nossa posição entre Deus e Satanás.

12 Todos os textos que forem citados nesta parte, seja de forma direta ou indireta, estão originalmente
em inglês. Todas as traduções são próprias.
13 Johann Ludwig Hartmann (nascido em 3 de fevereiro de 1640, na cidade de Rothenburg ob der

Tauber, faleceu em 18 de julho de 1680) foi um teólogo luterano alemão e escritor popular.
34

Em geral, a possessão satânica nada mais é do que uma ação do diabo pela
qual, com a permissão de Deus, os homens são impelidos a pecar e ele ocupa
seus corpos para que percam a salvação eterna. Assim, a possessão corporal
é uma ação pela qual o diabo, com permissão divina, possui tanto homens
crentes quanto não-crentes. Habitando assim seus corpos não apenas de
acordo com o seu agir, mas também de acordo com a sua essência,
atormentando-os, seja para a punição ou para a disciplina e provação dos
homens, e para a glória da justiça divina, misericórdia, poder e sabedoria.
(HARTMANN apud. MAYES, 2017, p. 331)

Na visão de Mayes, existem dois tipos de possessão demoníaca. O primeiro


tipo é a possessão espiritual. Para ele, todos os não-cristãos são espiritualmente
possuídos pelo diabo. O diabo levou as suas almas cativas e levará a eles para o
inferno caso morram sem a fé em Cristo. Como diz na Escritura Sagrada: “Éramos por
natureza filhos da ira” (Ef. 2.3). No entanto, o diabo não controla os seus corpos,
embora ele tente. O pequeno exorcismo realizado no sacramento do Batismo trata
esse tipo de possessão. (MAYES, 2017, p. 331-332)
O segundo tipo de possessão demoníaca é a possessão física. Existem alguns
“sintomas” que servem para diagnosticar este tipo de possessão. De acordo com
Johann Andreas Quenstedt14 (apud. MAYES, 2017, p. 332), estes incluem:
“conhecimento de línguas estrangeiras que nunca se aprendeu; conhecimento
sobrenatural de segredos, conhecimento de eventos no futuro; força sobre-humana;
capacidade de fazer ruídos de animais, mesmo não tendo os órgãos necessários para
fazê-los; discurso vulgar; gritos; blasfêmia e convulsões”. Os teólogos pastorais
ortodoxos luteranos enfatizam a ideia de que não se deve confundir a possessão
demoníaca com uma doença natural. É necessário muito cuidado ao realizar esse
diagnóstico. Mayes afirma que não apenas os não-cristãos são acometidos de serem
possuídos fisicamente, mas os cristãos também podem ser possuídos dessa forma.
No entanto, isso não significa que um cristão deixa de ser crente e não está entre os
salvos. (MAYES, 2017, p. 332).
E se houver suspeita de um caso de possessão física, como proceder? Existe
um certo método para expulsar o diabo? Para responder a essas dúvidas, Mayes cita
Friedrich Balduin15. Para Balduin, o tratamento de uma possessão consiste em:

14 Johannes Andreas Quenstedt (nascido em 13 de agosto de 1617, na cidade de Quedlinburg, faleceu


em 22 de maio de 1688) foi um dogmático luterano alemão que lecionou muitos anos na Universidade
de Wittenberg.
15 Friedrich Balduin (nascido em 17 de novembro de 1575, na cidade de Dresden, faleceu em 1º de

maio de 1627 em Wittenberg) foi um teólogo luterano alemão que lecionou na Universidade de
Wittenberg.
35

1. Consultar médicos experientes para verificar se não há uma explicação


médica para o caso. 2. Quando uma verdadeira possessão é reconhecida, deixe a
pessoa ser entregue aos cuidados de um ministro da igreja que ensine a sã doutrina,
e viva uma vida irrepreensível; 3. O ministro deve questionar que tipo de vida o
possesso levava, para assim, aplicar corretamente ou Lei ou Evangelho; 4. Após a
admoestação ou o consolo, o possesso deverá ser encaminhado a um médico, para
que cuide de seu corpo e tome as medidas necessárias para curar as feridas causadas
pela possessão em seu corpo; 5. O possesso não precisa ser levado para uma igreja,
mas sim que seja orientado a confessar sua fé e ser ensinado sobre a vitória de Cristo
sobre o diabo e suas ações diabólicas. Deve então ser orientado para que viva uma
vida fiel em Cristo, sendo exortado à fé em Cristo, às orações e ao arrependimento;
6. Que orações sejam feitas, pedindo a Deus em favor desse possesso que passa por
tal aflição, não apenas pelo ministro, mas por toda a congregação; 7. Com as orações,
pode também haver a prática do jejum; 8. E esmolas de amigos do possesso para ser
dada aos pobres. Em resumo, todas as coisas acontecem por meio de orações e da
Palavra. (BALDUIN, apud. MAYES, 2017, p. 333-334).

3.3 C.F.W. WALTHER

C. F. W. Walther, foi o primeiro presidente da Igreja Luterana - Sínodo de


Missouri. Ele descreve a vocação e o dever dos pastores luteranos de tal forma que
todos devem ser lembrados de seus chamados importantes. Walther escreveu a
Pastorale e fala como Jesus chama pastores e os equipa com Sua Palavra e
Sacramento. Sua função pastoral, é entregar perdão e conforto às vidas do povo de
Cristo. Em sua trigésima quarta tese da Pastorale, Walther traz instruções a respeito
do cuidado pastoral com os aflitos na guerra espiritual. Sobre isso ele diz:

O pastor tem a obrigação de visitar também aqueles membros de sua


congregação que, mesmo não estando corporalmente doentes, lutam com
um pesado infortúnio ou se encontram em perigos espirituais e angústias, que
estão em perigo de se voltarem para religiões falsas; que lutam com sérias
tentações no coração, por parte do mundo e do diabo com dúvidas a respeito
da Palavra de Deus, desespero, pensamentos de blasfêmia e de suicídio; que
estão envolvidos em processo suspeitos de crimes, ou por causa deles serem
lançados na prisão; que caíram em melancolia, depressão, insanidade, etc.;
que estão fisicamente possuídos pelo demônio e coisas semelhantes.
(WALTHER, 2011, p. 156)
36

O restante da tese trata do problema da possessão física. Walther, seguindo J.


W. Baier, demonstra que a possessão demoníaca é uma realidade com a qual o pastor
pode ocasionalmente entrar em contato, inclusive em “cristãos”. Walther alerta que
Deus permite que ocorra a possessão. É difícil ler, entender e aceitar, mas Walther
explica:

Mesmo que o propósito, por parte de Satanás seja danificar e desgraçar, em


parte a própria pessoa, ou outras pessoas, da parte de Deus, no entanto, que
o permitiu, é para castigo e juízo severos sobre pecados (desprezo da palavra
de Deus, segurança carnal, zombarias, conspiração com o diabo, etc.), ou
está castigando ou provando pessoas piedosas, para revelar seu poder,
justiça e bondade, mesmo que não propriamente à pessoa possessa, mas às
pessoas em sua volta, às testemunhas visuais, para movê-las ao
arrependimento, fé e salvação” (BAIER, apud. WALTHER, 2011, p. 157)

Walther traz uma lista de sintomas para identificar uma possessão demoníaca
genuína, a lista de sintomas de Quenstedt16. Ele ainda afirma que esses sinais ou
sintomas, não ocorrem ao mesmo tempo. Em um mais, em outro menos. Por isso é
importante a análise da situação para não taxar uma pessoa simplesmente doente
como endemoniada e possessa. (WALTHER, 2011, p. 157).
Walther ensina para seus alunos que somente Deus tem o poder de expulsar o
diabo. O homem não é capaz de fazer tal façanha. Ele cita Lutero, que diz:

Não podemos e também não devemos expulsar os demônios com certas


cerimônias e palavras com o fizeram os profetas, Cristo e os apóstolos no
passado. Nós devemos orar em nome de Jesus e pedir seriamente a
congregação para que ore, a fim de que o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo liberte a pessoa possessa por sua misericórdia. Se essa oração for
feita com fé na promessa de Cristo (Jo 16.23), então ela é forte e poderosa,
assim que o diabo terá que deixar a pessoa. Eu poderia citar alguns
exemplos. De outra forma, não podemos expulsar demônios e nem queremos
fazê-lo. (LUTERO, apud. WALTHER, 2011, p.157-158)

Então, o que Walther recomenda para cristãos que foram possuídos? Segundo
Bennett, os teólogos luteranos em geral aceitaram a possibilidade da possessão
demoníaca de cristãos por espíritos malignos. Como por exemplo, Walther, Baier,
Quenstedt, Balduin, e Fecht, mas não deve se limitar exclusivamente a eles. Para o
cristão que sofre possessão demoníaca, Walther recomenda os escritos de Balduin e
Fecht, ambos que propõem que receba da Ceia do Senhor e a Absolvição dos
pecados durante as "horas lúcidas" entre os ataques. Walther enfatiza que onde Jesus

16 Lista apresentada no ponto 3.2 desse mesmo capítulo.


37

está, o diabo foge. Na Ceia do Senhor, Jesus prometeu estar presente na forma única
de seu corpo e sangue para o perdão de todos os pecados. Onde o pecado é
perdoado, Satanás não tem poder e é esvaziado de seu poder e da esperança de
vitória. (BENNETT, 2013, p. 189)
Para Bennett, pode-se concluir o pensamento de Walther com dois pontos
importantes: Primeiro, ele reconhece que a possessão demoníaca continua a ocorrer
ainda hoje. Em segundo lugar, ele aponta que o mundo moderno onde vivemos não
aceita essa verdade. (BENNETT, 2013, p. 190)

3.4 FRANZ PIEPER

Franz Pieper foi um pastor e teólogo luterano. Foi também presidente da Igreja
Luterana - Sínodo de Missouri. O trabalho de sua vida foi Christliche Dogmatik. Ambos
os seminários atuais da Lutheran Church - Missouri Synod (LCMS), continuam a usar
este trabalho como base do conteúdo sistemático. No capítulo que trata da
Angelologia, Pieper descreve a atividade diabólica. (BENNETT, 2013, p. 190-191)
Durante a criação, os demônios foram criados como sendo anjos bons, mas no
decorrer dos seis dias da criação, houve a sua queda. Pieper enfatiza que esses anjos
não podem ser remidos, pois o lago do fogo eterno já está reservado a Satanás e os
seus anjos. (Mt 25.41) Não se sabe o momento exato da queda dos anjos. Porém,
sabe-se que ocorreu em algum momento após os seis dias da criação; uma vez que
o homem caiu por consequência da tentação do diabo. (PIEPER, 1950, p. 505)
As Escituras relatam as atividades desses anjos maus com o objetivo de
informar e alertar os cristãos. Pieper coloca em termos sistemáticos alguns pontos
que merecem destaque. A obsessio spiritualis17, que consiste em um estado no qual
todos aqueles que não creem que o sangue de Cristo nos lava de todos os pecados
estão com as almas cativas pelo diabo. O status incredulitatis18 onde a incredulidade
de todas as nações pagãs e pessoas descrentes, é uma obra de Satanás e deve ser
vista como resultado da obsessio spiritualis. Por conta disso, essas pessoas não
creem no Evangelho e inclusive, não acreditam no poder diabólico. (PIEPER, 1950,
p.509)

17 Possessão espiritual.
18 Estado de incredulidade.
38

Devemos, no entanto, reservar esse termo para casos e pessoas em


particular, usando-o para descrever uma operação diabólica intensa nos
indivíduos. Mas, enquanto se faz isso, não devemos esquecer que todo
descrente está completamente entregue ao poder de Satanás, até que a
graça e o poder de Deus o livre do poder de Satanás e o entregue ao Reino
de Seu amado Filho. A possessão espiritual não abona a responsabilidade
individual do homem, nem destrói seu livre-arbítrio19, porque o descrente, de
sua própria vontade rejeita o Evangelho e alegremente faz o que é mau.
(PIEPER, 1950, p. 509)

Sobre a obsessio spiritualis, Pieper escreve:

Também os filhos de Deus podem ser afligidos por este tipo de possessão;
através dela o diabo, sob a autorização de Deus, possui uma pessoa,
pessoalmente entrando em seu corpo e privando o indivíduo do uso de sua
razão e vontade, tornando-se assim, instrumento involuntário de Satanás. A
personalidade humana não funciona mais; o diabo em pessoa se torna o
sujeito ativo. O endemoniado não é mais responsável por suas ações.
(PIEPER, 1950, p. 510)

Com esses textos, pode-se concluir que Pieper claramente aceita a


possibilidade de possessão demoníaca e ainda inclui a possibilidade da possessão
de cristãos crentes. Entretanto, Pieper afirma que tal possessão não pode ocorrer pelo
poder de Satanás, mas que Deus deve dar o seu consentimento para qualquer caso
que se refira a um de seus filhos. (BENNETT, 2013, p.191)

3.5 JEFFREY A. GIBBS

Jeffrey Gibbs é professor de estudos exegéticos no Concordia Seminary, Saint


Louis. Ele reconhece que de fato, muitos de seus leitores podem encontrar
dificuldades em crer na possibilidade de um exorcismo nos tempos atuais, portanto,
ele escreve:

O que devemos pensar da possessão demoníaca no mundo hoje? Não


podemos rejeitar a possibilidade de que algumas pessoas hoje podem ser
possuídas da mesma forma que os endemoninhados foram em [Mt] 8: 28-29.
A Escritura não promete que durante esse tempo antes do retorno de Cristo,
Satanás e seus anjos estariam amarrados e impedidos a nunca mais entrar
e possuir um ser humano. (GIBBS, 2006, p. 452)

Tanto Bennett quanto Gibbs concordam que o problema da possessão


demoníaca continua sendo uma preocupação que se deve ter no cuidado pastoral.

19
Entendido como livre de ser coagido.
39

Pois de fato, as Escrituras não prometem que Satanás e seus demônios seriam
incapazes de possuir e assediar as pessoas, mesmo nos tempos atuais. No entanto,
Gibbs pontua que embora a realidade dos espíritos malignos seja aparente em todo o
AT e NT, os relatos de possessão demoníaca estão concentrados principalmente nos
Evangelhos. Pode-se observar, que de fato, existem poucos relatos que poderíamos
chamar de possessão demoníaca no Antigo Testamento. Em contraste a isso, há uma
ênfase muito grande na atividade demoníaca nos Evangelhos, onde Jesus traz a
mensagem da salvação e a promessa futura do reino de Deus. Cautelosamente
sugere-se que o diabo colocou intensamente as suas forças durante o tempo em que
o Filho de Deus estava trazendo o reino de Deus para perto. Repelindo assim a todas
as investidas satânicas, com sua morte e ressurreição, fazendo com que as hordas
diabólicas batessem em retirada. No entanto, a Bíblia não declara que coisas como
opressão ou possessão sejam impossíveis nos dias de hoje, principalmente em locais
onde o Evangelho não foi amplamente proclamado. Porém, agora vivemos na
confiança da vitória de Cristo sobre o diabo. (GIBBS, apud. BENNETT, 2013, p. 201-
202)
Até aqui, as conclusões de Gibbs foram de acordo com todos os outros
argumentos de teólogos e pastores luteranos apresentados neste trabalho. Porém,
Gibbs discorda de todos eles ao dizer que não há a possibilidade de possessão de
cristãos batizados:

O que fica claro em outras partes do Novo Testamento é que todos os crentes
batizados em Cristo receberam o Espírito de Deus e são filhos preciosos de
Deus, com Cristo vivendo dentro deles (Rm 8: 12-17; 1 Co 12: 3; Gl 2:20; 4:
4-7; Cl 1:27; 1 Jo 4: 4). Portanto, nenhum cristão jamais poderia ser habitado
ou possuído por demônios, ou necessitar de algum exorcismo, como vemos
especialmente nos Evangelhos Sinóticos, incluindo Mt 8: 28-32. Os filhos de
Deus certamente estarão sujeitos às tentações e ataques de Satanás. No
entanto, não precisamos temer a possessão demoníaca. Pois somos os
seguidores de Jesus, que vive dentro de nós e cuja autoridade é
incomparavelmente maior do que qualquer força demoníaca (1 Jo 4: 4).
(GIBBS, 2006, p. 453)

Na opinião de Bennett, o que Gibbs afirma, contradiz os testemunhos de tantos


outros teólogos luteranos que presenciaram as possessões de cristãos, o que para
Gibbs é problemático. Bennett argumenta que talvez o problema seja as definições.
Afinal, quem é cristão? O Batismo por si só nos protege da possessão demoníaca?
Os primeiros teólogos luteranos diriam que não. Cristãos são aquele que receberam
o dom da fé e que se reúnem em torno dos meios da graça. No entanto, nem todos
40

que se reúnem diante do altar do Senhor são cristãos verdadeiros. Alguns se reúnem
por outras razões. Essas pessoas parecem ser cristãs em suas maneiras de vida, mas
internamente permanecem entre os incrédulos; poderiam esses ser aqueles que estão
sujeitos à possessão demoníaca, embora sejam batizados. Porém, assim como é
impossível saber a fé de alguém, também é impossível responder sem dúvida se os
verdadeiros cristãos podem ser possuídos. (BENNETT, 2013, p. 203)
Os autores luteranos analisados afirmam a realidade de Satanás, demônios e
possessão diabólica. Embora em muitos casos o modernismo e o racionalismo
tenham enfraquecido essa verdade, ele permaneceu sendo um ensinamento luterano
confessional. Desde a formação da Igreja Luterana - Sínodo de Missouri, tanto
Walther como Pieper continuaram a advertir aqueles que rejeitaram as ações de
Satanás e a possessão diabólica como superstições ou histórias de faz de conta.
Teólogos exegéticos modernos, como Lenski e Gibbs, continuam a alertar sobre ação
diabólica através de seus comentários bíblicos. (BENNETT, 2013, p. 203)
Por isso fica o alerta: Satanás está ativo e a possessão diabólica continua a ser
um problema pastoral que a Igreja deve enfrentar na vida de seu povo. Como diz
Pedro: “Sejam sóbrios e vigilantes. O inimigo de vocês, o diabo, anda em derredor,
como leão que ruge procurando alguém para devorar”. (1 Pedro 5:8)
41

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho analisou exegeticamente a possessão demoníaca relatada no


Evangelho de Marcos 9.14-29. Dessa exegese foi compreendido que Jesus tem poder
inquestionável sobre os demônios e suas ações, que eles o temem e fogem diante do
seu poder. Pode-se notar que a aflição relatada no texto não era uma doença de
ordem natural, mas uma moléstia sobrenatural. Nota-se também a orientação de
Jesus aos seus discípulos e naquele evento fica claro que o poder para expulsar
demônios não estava nos discípulos e nem em qualquer outro ser humano, mas sim
em Jesus. É por isso que exorcismo é uma oração. Nessa oração, na súplica a Deus
é necessário que haja a fé e este parece ser o ponto em evidência no exorcismo deste
texto. O poder é de Jesus Cristo, ele é o exorcista, e isto deve ficar como uma
precaução para os que são chamados a exorcizar em nome de Jesus Cristo. Depois,
foram trazidas as considerações exegéticas finais, onde muitos pontos são
esclarecidos. Para finalizar esse capítulo, foi trazido um exorcismo feito por Lutero que
ilustra muito bem o ensino de Jesus no texto de Marcos 9.14-29.
No segundo capítulo foram analisadas as obras do padre Gabriele Amorth,
exorcista do Vaticano, que afirma que o esforço do diabo está em agir para que toda
a criação se rebele contra o seu Criador. Segundo Amorth, podemos dividir as ações
do diabo em duas vias: a via ordinária e a via extraordinária. A via ordinária consiste
na ação do diabo através da tentação e do pecado. A via extraordinária consiste em
quatro divisões neste tópico de opressão, que são: possessão demoníaca, a vexação,
a obsessão e a infestação. Cada uma delas com suas características e peculiaridades,
porém, Amorth deixa claro que a via extraordinária é algo que ocorre após a via
ordinária e é algo incomum.
No terceiro capítulo foram analisados textos de teólogos luteranos. Na visão do
reformador Martinho Lutero, não há discussão se existe ou não possessão
demoníaca. Para Lutero os seres humanos vivem suas vidas entre Deus e o diabo.
Após, foram trazidos alguns relatos de teólogos luteranos do início da ortodoxia
luterana em 1580, ainda não afetados pela visão iluminista. Os escritos desses
teólogos surgem como recursos para a reflexão contemporânea sobre o diagnóstico
adequado e o cuidado pastoral em casos suspeitos de possessões demoníacas, com
base na teologia pastoral luterana clássica. Também foi analisada a visão de Walther
e Pieper, oriundos de um período não tão distante e que contribuem com seus ideais
42

sobre a presença da possessão demoníaca em seu tempo. Por último, segundo a


organização cronológica do trabalho, foi vista a posição de Jeffrey Gibbs, teólogo
contemporâneo, que confirma a possibilidade de possessões demoníacas, entretanto
nega a possibilidade de possessão em cristãos batizados.
Esse tema é polêmico e não se fala muito dele nas igrejas luteranas. Muitas
pessoas falam coisas irreais sobre o tema e afirmam muitas inverdades,
principalmente no meio neopentecostal e religiões espíritas. Existem muitas dúvidas
sobre o tema. Por esses motivos, foi observada a necessidade de discutir sobre o
assunto e tentar através do trabalho demonstrar qual é visão bíblico/teológica sobre o
tema. Conclui-se que existe sim uma fundamentação bíblica para se afirmar as
possessões demoníacas ainda hoje, mesmo que não seja algo tão comum como nos
tempos de Jesus.20 Além disso, mesmo com as divergências, o padre Amorth e todos
os teólogos luteranos analisados também concordam que existe possessão
demoníaca e que ainda hoje esse evento acontece.
Existem alguns caminhos que podem ser tomados em pesquisas futuras, que
não foram abordados nesse trabalho, seriam: Posição da parapsicologia com respeito
aos fenômenos da possessão demoníaca; a relação do Batismo e do Exorcismo;
análise bíblico-teológica das igrejas neopentecostais; o adiáforo do Exorcismo
“menor” ou “maior” no Batismo; demonologia; exorcismos ao longo da história da
igreja; a influência iluminista nas ações diabólicas; entre outros temas que poderiam
ser abordados.

20 Comentado no capítulo 3, no ponto 5.


43

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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