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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

CENTRO DE TEOLOGIA E CIÊNCIAS HUMANAS


PRÓ-REITORIA ACADÊMICA E DE PESQUISA
MESTRADO EM TEOLOGIA

ANÁLISE DO LIVRO DE JÓ SOB A PERSPECTIVA DA IGREJA EVANGÉLICA


ASSEMBLEIA DE DEUS E DE PAULO FREIRE: UM DIÁLOGO ENTRE A
TEOLOGIA E A PEDAGOGIA

CURITIBA
2010
NATALINO DAS NEVES

ANÁLISE DO LIVRO DE JÓ SOB A PERSPECTIVA DA IGREJA EVANGÉLICA


ASSEMBLEIA DE DEUS E DE PAULO FREIRE: UM DIÁLOGO ENTRE A
TEOLOGIA E A PEDAGOGIA

Dissertação apresentada à banca


examinadora do Programa de Pós-
graduação em Teologia, mestrado, da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná,
na Linha de Pesquisa de Teologia e
Evangelização, como exigência parcial à
obtenção do título de Mestre em Teologia.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Alexandre Solano
Rossi

CURITIBA
2010
AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, o princípio de tudo, soberano e regente de todas as


coisas.

Depois de Deus, minha família: minha esposa Claudneia Gomes das Neves,
meu filho Natalino das Neves Junior e minha filha Nataly Gomes das Neves.

Um especial agradecimento aos meus pais: meu pai, Bevenute das Neves (in
memorian), que me ensinou o respeito e consideração aos demais seres humanos e
à minha mãe, Maria Francisca Dantas das Neves, que mesmo não alfabetizada
sempre me incentivou para estudar e buscar novos conhecimentos.

Sou grato ao meu orientador: Prof. Dr. Luiz Alexandre Solano Rossi, pela
orientação, amizade, paciência em me conduzir na elaboração desta dissertação e
por ter acreditado que eu seria capaz de concluí-la.

Agradeço a todo o corpo docente e secretaria do Programa de Pós-


Graduação em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, bem como
aos demais colegas do corpo discente pela convivência e aprendizado mútuo.

Por fim, meus agradecimentos à Teologia e a Pedagogia por permitirem o


diálogo entre si e possibilitarem a realização deste trabalho e contribuírem para o
crescimento do conhecimento e da liberdade do ser humano.
“E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”.
Bíblia Sagrada

“Gosto de ser gente por que, inacabado, sei que sou um ser condicionado,
mas consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além dele”.
Paulo Freire
RESUMO

A educação teológica, a exemplo da educação secular, não está imune às


interferências do contexto socioeconômico e cultural em que está inserida. Por isso,
corre-se o risco de utilizá-la para atender ideologias que, às vezes, até por falta de
percepção do educador, serve de instrumento de dominação e controle da massa
que recebe os conteúdos sem uma consciência crítica. Nesse sentido, o diálogo
entre a pedagogia e a teologia, bem como a análise do contexto e da fonte
motivadora da escrita dos textos bíblicos são fundamentais para a interpretação e
aplicação na realidade contemporânea, com vistas à transformação e defesa da
humanização. Esta dissertação tem por objetivo principal analisar o conteúdo de
uma revista de educação teológica cristã sobre o Livro de Jó e comparar com uma
releitura, a partir dos conceitos de Paulo Freire, visando contribuir para uma leitura
teológica imparcial da Bíblia. Em busca do objetivo, foi utilizada uma abordagem
qualitativa com procedimentos de análise de conteúdo mediante tratamento dos
dados levantados. Como resultado, identificou-se que a análise do conteúdo, na
perspectiva da Igreja Evangélica Assembleia de Deus (IEAD), considera a
historicidade e literalidade do Livro de Jó e apresenta uma interpretação
“espiritualizada”, sendo identificadas algumas práticas da educação bancária como
de uma educação libertadora. Enquanto a leitura na perspectiva freireana a ênfase é
na educação libertadora, e corre-se o risco de enfatizar demasiadamente o aspecto
social, todavia fica evidenciado que a dialogicidade entre as duas perspectivas é
viável e produtiva.

Palavras-chave: Teologia, Educação, Pedagogia, Livro de Jó e Paulo Freire.


ABSTRACT

Theological education, the example of secular education, is not immune to


interference from the socioeconomic and cultural context in which it operates. So
runs the risk of using it to meet ideologies, sometimes even a lack of awareness of
the educator, is an instrument of domination and control of the mass that receives the
contents without a critical awareness. In this sense, the dialogue between pedagogy
and theology, as well as analysis of the context and motivating source of the writing
of biblical texts is fundamental to the interpretation and application in contemporary
reality with a view to defense transformation and humanization. This dissertation
aims at analyzing the contents of a magazine of Christian theological education on
the Book of Job and compare with a reading from the concepts of Paulo Freire, to
contribute to an impartial theological reading of the Bible. This is a qualitative
approach to content analysis procedures by processing the data collected. As a
result, the content analysis from the perspective of the Evangelical Assembly of God
considers the literal historicity of the Book of Job and offers a spiritual interpretation,
identified some practices of the banking education and liberatory education, while the
reading on Freire's perspective the emphasis is on liberating education, and runs the
risk of overemphasizing the social aspect, but it is evident that the dialogue between
the two perspectives is viable and productive.

Keywords: Theology, Education, Pedagogy, Book of Job and Paulo Freire


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Quadro resumo com interligações dos capítulos ..................................... 20

Figura 2: Passos para a análise de conteúdo ........................................................ 117

Quadro 1: Organização da análise de conteúdo .................................................... 123


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CGADB – Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil.

CPAD – Casa Publicadora das Assembleias de Deus.

EBD – Escola Bíblica Dominical.

EMAD – Escola de Missões das Assembleias de Deus.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

IEAD – Igreja Evangélica Assembleia de Deus.

SENAMI – Secretaria Nacional de Missões.


Sumário
INTRODUÇÃO............................................................................................................12
1 O LIVRO DE JÓ.......................................................................................................21
1.1 ESTRUTURA E CONTEXTUALIZAÇÃO DO LIVRO DE JÓ................................21
1.1.1 Estrutura do Livro de Jó ....................................................................................22
1.1.2 Contexto do Livro de Jó ....................................................................................25
1.1.3 Os “amigos” de Jó – representantes do império persa e líderes religiosos .....28
1.1.4 Jó como representante de uma coletividade oprimida......................................31
1.2 PRÁTICAS IDENTIFICADAS NOS DISCURSOS DE JÓ E SEUS “AMIGOS” . . .34
1.2.1 Discursos de Elifaz: mercantilização religiosa e “revelações”...........................35
1.2.2 Discursos de Bildade: superioridade da tradição e costumes...........................37
1.2.3 Discursos de Zofar: Transcendência de Deus ..................................................39
1.2.4 Discursos de Jó: Conscientização para libertação ...........................................41
2 A CONCEPÇÃO FREIREANA DE EDUCAÇÃO.....................................................44
2.1 A EDUCAÇÃO BANCÁRIA....................................................................................44
2.1.1 Educando como mero recipiente de conteúdos ................................................45
2.1.2 Educação necrófila que provoca revolta ...........................................................48
2.1.3 Educação antidialógica que gera o hospedeiro opressor..................................51
2.2 A EDUCAÇÃO LIBERTADORA.............................................................................54
2.2.1 Conscientização para a humanização...............................................................55
2.2.2 Educação dialógica para a liberdade como uma busca coletiva.......................61
3. O DIÁLOGO DA TEOLOGIA COM A PEDAGOGIA FREIREANA........................67
3.1 O DIÁLOGO DA TEOLOGIA COM A PEDAGOGIA .............................................67
3.2 VIDA E OBRA DE PAULO FREIRE ......................................................................73
3.3 O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DE PAULO FREIRE ..............................78
3.4 PAULO FREIRE E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O FAZER TEOLÓGICO .........83
4. ANÁLISE DE CONTEÚDO DO LIVRO DE JÓ.......................................................88
4.1 ANÁLISE DE CONTEÚDO SOB A PERSPECTIVA FREIREANA........................88
4.1.1 Análise do contexto histórico..............................................................................89
4.1.2 Análise dos discursos dos “amigos” de Jó ........................................................92
4.1.3 Análise dos discursos de Jó...............................................................................95
4.2 ANÁLISE DE CONTEÚDO SOB A PERSPECTIVA DA IGREJA EVANGÉLICA
ASSEMBLEIA DE DEUS ............................................................................................99
4.2.1 Igreja Evangélica Assembleia de Deus e sua editora (CPAD)..........................99
4.2.2 Análise da estrutura e contexto do Livro de Jó................................................103
4.2.3 Análise dos discursos teológicos dos “amigos de Jó” ....................................106
4.2.4 Análise dos discursos teológicos de Jó............................................................109
5. METODOLOGIA E PROCEDIMENTOS...............................................................112
5.1 MÉTODO E CLASSIFICAÇÃO DA PESQUISA .................................................112
5.2 COLETA DE DADOS...........................................................................................113
5.3 ANÁLISE DOS DADOS.......................................................................................114
5.4 PASSOS PARA A ANÁLISE DE CONTÉUDO...................................................117
5.4.1 A pré-análise.....................................................................................................118
5.4.2 A exploração de material..................................................................................119
5.4.3 O tratamento dos resultados............................................................................121
5.4.4 Organização da análise de conteúdo do Livro de Jó.......................................122
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................124
REFERÊNCIAS.........................................................................................................130
13

INTRODUÇÃO

Ao longo da história o ser humano tem utilizado estratégias para conquistar o


poder e ter o domínio sobre os demais e sobre o ambiente em que vive. Para a
dominação ser concretizada se faz necessária a existência de ferramentas que
possibilitem o controle do dominado pelo dominador.

Uma das ferramentas que tem se mostrado eficaz para a dominação, em


qualquer época da história, é a educação. Ela pode ser utilizada para propagar
ideologias que favoreçam a manutenção de um grupo dominante, detentor do poder
e do conhecimento, enquanto o grupo dominado recebe passivamente a doutrinação
determinada por quem detém o poder e o conhecimento. Este processo de
dominação e dominados acontece em todas as esferas da vida do ser humano,
inclusive na religiosa.
Entretanto, esta mesma educação que é utilizada como ferramenta que
promove a dominação pode ser também o instrumento que promova a emancipação
do ser humano, por meio da conscientização da existência da ideologia de
dominação e da possibilidade de transformação e mudança.
As instituições religiosas têm como função principal religar o homem com
Deus e sempre utilizaram a educação para a propagação de suas doutrinas. Se o
objetivo é religar ou promover a comunhão do ser humano com o divino, no sentido
vertical, e com os demais no sentido horizontal, essa educação nunca deveria servir
ao serviço de dominação e opressão dos menos favorecidos.
Dessa forma, a Teologia Cristã, ciência que estuda o relacionamento de Deus
com sua criação e tem a Bíblia como principal objeto de estudo, pode encontrar na
Pedagogia, ciência que tem por objetivo o estudo e a crítica do processo educativo
que influencia a construção social, uma forte aliada para análise e interpretação de
textos bíblicos e para a construção de referencial teórico que contribua para a
transformação social.
Diante disso, esta dissertação buscará o diálogo entre a Teologia e a
Pedagogia para fazer uma leitura do texto bíblico, o Livro de Jó. A leitura se dará sob
duas perspectivas, a saber, teológica pentecostal (Igreja Evangélica Assembleia de
14

Deus - IEAD) e pedagógica (Paulo Freire), visando uma reflexão sobre o papel da
educação na formação social e teológica do ser humano.

Com relação ao Livro de Jó e aos conceitos pedagógicos de Paulo Freire


muito já foi escrito. Entretanto a abordagem conceitual de educação de um autor
moderno e secular para a releitura de um texto bíblico, como o do Livro de Jó, e a
contextualização das práticas educacionais no meio cristão evangélico pentecostal
para uma crítica teológica e bíblica não é comum.

O Livro de Jó, cujo personagem principal leva o nome do livro, vive situações
de tristeza e sofrimentos ao perder seus bens, família e saúde. Essa situação o
conduz à solidão, medo e falta de perspectivas, chegando ao limite de tolerância de
um ser humano. O maior sofrimento é causado pelo desconhecimento do motivo de
sua dor, isso o leva a questionar sua situação e os conceitos até então aceitos por
ele. Tais conceitos eram propagados e mantidos por meio de uma ideologia
legitimada pela própria religião vigente, representada pelos “amigos” de Jó, que o
visitam no momento de dor e aflição. No entanto, em seus discursos defendem o
sistema de dominação e a religião em vigor.

A manutenção dessa ideologia se dá por meio da educação, perpetua os


ensinamentos dos teólogos da educação sapiencial da teologia da retribuição. Estes
aparecem como detentores do conhecimento da verdade, enquanto que o receptor
passivo, Jó, é representante da coletividade oprimida. O personagem de Jó não se
contém diante das acusações e imposições de conceitos prontos e acabados que
não condiziam com a realidade, buscando sua liberdade por meio de um encontro
direto com Deus.

O autor do livro, por meio dos questionamentos e mudança de atitude do


personagem principal, busca confrontar a ideologia dominante que mantinha forte
influência política, socioeconômica e teológica sobre seus contemporâneos,
oprimidos e passivamente controlados pela educação sapiencial da época.

Paulo Freire, autor moderno e reconhecido nacional e internacionalmente


devido ao seu método de alfabetização inovador, tratou de aspectos semelhantes
quando analisa o papel da educação e propõe uma pedagogia para a mudança e
transformação da realidade que conhecia, uma sociedade dividida em dois grupos
antagônicos: opressores e oprimidos. O primeiro representado por uma minoria que
15

oprime e controla, por meio de uma educação que serve como instrumento de
domesticação, chamada por Freire de educação bancária, e o segundo grupo
representada pela maioria oprimida e alienada.

Em contraponto a essa educação opressora, Freire apresenta uma segunda


concepção de educação, denominada de libertadora, na qual tanto o educador
quanto o educando são, simultaneamente, sujeitos do processo educacional,
reconhecendo o ser humano como inacabado, inconcluso e com a realidade
histórica igualmente inacabada.

A forma simples como Freire, a partir da construção de um método para a


alfabetização, consegue contribuir para uma reflexão sobre a vida e o modo como as
coisas, em sentido geral, acontecem em uma sociedade é surpreendente e
enriquecedora.

A releitura do Livro de Jó a partir dos conceitos freireanos possibilita


compreender a que serviço a educação sapiencial se prestava. Além de contribuir
para a releitura do material didático produzido por e para a área de educação cristã
e, também, para a identificação das práticas educacionais utilizadas atualmente.

PROBLEMA DE PESQUISA

Ao longo dos séculos a teologia tem sido auxiliada pela educação,


instrumento poderoso para perpetuação de ideologias. Uma ideologia de dominação,
segundo Karl Marx, serve como um sistema de pensamento que legitima, justifica e
contribui para manutenção do “status quo” vigente, impedindo a mudança social
(apud SANTOS, p.34). Marilena Chauí vai além, ao fazer um detalhamento dessa
ideologia afirma que:

[...] a ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de


representações (ideias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que
indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e
como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que
devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer.
Ela é, portanto, um corpo explicativo (representações) e prático (normas,
regras, preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja função é
dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação
16

racional para as diferenças sociais, políticas e culturais [...].

[...] é a maneira necessária pela qual os agentes sociais representam para


si mesmo o aparecer social, econômico, e político, de tal sorte que essa
aparência (que não devemos simplesmente tomar como sinônimo de ilusão
ou falsidade), por ser o modo imediato e abstrato de manifestação do
processo histórico, é o ocultamento ou a dissimulação do real (CHAUÍ,
1980, p.113-114).

Desde a antiguidade, tanto nos registros seculares como nos textos bíblicos e
teológicos, fica evidenciado o papel da educação na formação dos povos,
influenciando ou sendo influenciada pelo meio, servindo como instrumento de
manutenção das práticas existentes ou para implementação de novas práticas, em
benefício dos interesses daqueles que detinham o poder.

A importância da educação na formação dos povos e no serviço da


manutenção de implementação de novas ideologias continua acentuada por ser
ferramenta eficiente para controle e perpetuação de práticas e estruturas.

No contexto religioso, infelizmente, essa prática também é utilizada. As


estruturas religiosas, com o intuito de manter suas doutrinas ou ideologias e controle
sobre os fiéis, utilizam a educação como ferramenta de propagação da doutrina
denominacional. Rega (2006, p.115) afirma que a educação teológica tem servido
como um instrumento adestrador dos educandos por meio de repasses de
conteúdos com fins de dominação ideológica.

A sociedade contemporânea é, basicamente, uma sociedade de consumo,


tendo como principais características o imediatismo e a busca desenfreada pelo
crescimento econômico e status. Características que determinam a vida das
pessoas e têm influenciado as práticas teológicas.

Instituições religiosas buscam responder às necessidades geradas por essa


sociedade oferecendo o que Rossi (2007, p. 122) chama de teologia consumista,
que vem a ser a promessa de experiências inovadoras, com rápidos resultados, em
maior quantidade e menor esforço. Em troca exigem a fidelização dos consumidores
espirituais, além de sua passividade, cumplicidade e submissão cega.

Essa relação de poder beneficia os líderes dessas denominações, que não se


interessam pelos fiéis, mas pelo sistema de poder que os monopolizam. Diferente da
teologia pregada por Jesus, que privilegiava a solidariedade, a vida em comunidade,
17

simples e sem excesso de consumo. A mercantilização da sociedade tem moldado


práticas religiosas e prestado serviço à desumanização.

As instituições religiosas normalmente utilizam a educação para disseminar


suas doutrinas e manter a fidelização de seus membros. O que diferencia as
instituições são as estruturas, algumas com estruturas mais sólidas e
sistematizadas, enquanto que outras menos estruturadas e organizadas, mas todas
de alguma forma possuem um sistema de educação teológica.

Uma denominação cristã que preza pelos ensinamentos de Cristo deve


priorizar a vida, a humanização e a emancipação dos oprimidos e excluídos.
Schipani (1988, p. 10), com base na referência do Evangelho de João 8.32, afirma
que a educação religiosa deve ocupar uma postura profética na busca da libertação
do ser humano por meio do ensino teológico, papel imprescindível da Igreja, que
deve atuar como as boas novas de libertação. Essa afirmação vem ao encontro do
conceito educacional de Paulo Freire, da liberdade conquistada pela abordagem
crítica da realidade experimentada.

Diante do exposto, a pergunta de pesquisa que este estudo intentará


responder é: a prática educacional desenvolvida a partir do conteúdo teológico das
revistas de educação cristã, utilizadas pela Casa Publicadora das Assembleias de
Deus - CPAD1, se avaliada sob a perspectiva de uma pedagogia libertadora e com
imparcialidade, pode ser considerada hábil para emancipação e humanização?

OBJETIVO GERAL

Identificar as práticas educacionais desenvolvidas a partir do conteúdo das


revistas de educação cristã, publicadas pela CPAD e utilizadas nas Escolas Bíblicas
Dominicais - EBDs, da Igreja Evangélica Assembleia de Deus - IEAD, e compará-las
à perspectiva educacional de Paulo Freire.

1
Para mais detalhes sobre a CPAD, ver seção 5.2.1 desta dissertação.
18

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

• Identificar as convergências entre as práticas teológicas presentes no


Livro de Jó e os dois tipos de educação conceituados por Paulo Freire:
bancária e libertadora;

• Demonstrar que o diálogo entre a teologia e a pedagogia de Paulo Freire é


possível;

• Comparar, por meio da análise de conteúdo, a prática educacional de uma


igreja evangélica pentecostal (IEAD) com a concepção educacional de
Paulo Freire.

JUSTIFICATIVA

Considerando que as práticas educacionais são poderosas ferramentas para


a perpetuação e manutenção de ideologias, podendo ser utilizadas tanto para a
dominação como para a libertação dos seres humanos; considerando que este
conceito se aplica também à educação cristã e que os ensinamentos de Cristo
privilegiam as práticas que favorecem a vida e contesta as práticas necrófilas; a
análise de conteúdo de uma revista educacional que aborda os temas do Livro de
Jó, comparada com os conceitos educacionais de Paulo Freire, contribuirá para
analisar as práticas educacionais utilizadas.

Como as práticas educacionais presentes no Livro de Jó não podiam ser


relevantes para a sociedade da época, e considerando que essas práticas se
perpetuam em sistemas educacionais de instituições religiosas atuais, a releitura
destas práticas sob a perspectiva do conceito educacional de Paulo Freire
possibilitará uma análise atualizada e contribuirá para uma reflexão sobre os
resultados gerados, comparando-os com os resultados propostos por Cristo e
possibilitando uma retomada de rumo pedagógico, visando à melhoria contínua de
uma pedagogia inconclusa e inacabada.
19

DELIMITAÇÃO DA PESQUISA

O número de revistas de lições bíblicas publicadas pela CPAD desde a sua


constituição é significativo. Mesmo considerando que a grade curricular se repete,
aproximadamente, de seis em seis anos, chega-se ao número de trezentas e vinte e
quatro (324) revistas com periodicidade trimestral. Quantidade expressiva que
apresenta conteúdo volumoso, impossível de ser analisado em sua totalidade e
exposto em uma dissertação.

Aliado a isso, considerando que o texto bíblico escolhido como objeto de


estudo foi o Livro de Jó, devido à sua composição em um contexto de opressão e
dominação, com participação de um sistema educacional religioso, foi definida a
revista de lições bíblicas que tratou especificamente de temas teológicos do referido
Livro e que foi utilizada, durante o primeiro trimestre de 2003, nas EBDs da IEAD.

ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO

O estudo está organizado em cinco capítulos, desenvolvidos conforme


descrito na figura 01.
O primeiro capítulo apresenta a estrutura e o contexto do Livro de Jó, tendo
como centro a análise dos discursos de Jó e dos seus amigos (Elifaz, Bildade e
Zofar), que representam o sistema educacional da época, e demonstram as práticas
educacionais utilizadas para a manutenção da ideologia dominante e a
transformação ocorrida no personagem principal após o questionamento destas
práticas.

No capítulo segundo, são explanados os dois conceitos educacionais


principais de Paulo Freire: a educação bancária, que serve de instrumento de
dominação e alienação dos dominados e oprimidos, e a libertadora e
problematizadora, apresentada como alternativa para a emancipação e libertação a
partir da realidade do e pelo oprimido de forma coletiva.
20

O capítulo terceiro apresenta argumentos para comprovar a possibilidade de


diálogo entre a teologia e a pedagogia, em especial a pedagogia freireana. Para isso
são descritas convergências entre as duas ciências, além de um breve resumo da
vida de Paulo Freire e as contribuições que ele trouxe para a teologia.

No capítulo quatro, são realizadas análises de conteúdo, uma sob a


perspectiva de Paulo Freire e outra sob a perspectiva evangélica pentecostal da
IEAD, esta tendo como objeto de estudo a revista de educação cristã que fora
utilizada na EBD da denominação para expor o conteúdo teológico e prático com
base no Livro de Jó.

O capítulo quinto descreve os procedimentos metodológicos realizados, com


ênfase na ferramenta de análise de conteúdo para tratamento dos dados, visando a
estruturação desta dissertação e obtenção dos resultados conforme objetivos
propostos.

Ao final da pesquisa, são apresentadas as considerações finais do trabalho,


com sugestões de temas para serem explorados por pesquisadores em estudos
futuros, bem como as referências utilizadas.
21

Figura 01: Quadro resumo com interligações dos capítulos


Fonte: Do autor
22

1 O LIVRO DE JÓ

O Livro de Jó, apesar de tratar de um tema atual, comum e abrangente não é


de fácil assimilação. Portanto, para compreender sua mensagem não pode ser
utilizada uma análise simplista, mas devem ser levados em consideração alguns
elementos mínimos que são relevantes para o entendimento da pretensão do autor
ao escrever o livro, tais como observância dos gêneros literários e os contextos
histórico, socioeconômico, cultural e teológico.

Esse livro é uma obra especial dentre as literaturas sapienciais de Israel, pois
apresenta uma busca da sabedoria de vida, a partir de um questionamento da
ideologia predominante que possibilitava ao leitor o entendimento do modo sábio de
se viver livre da dominação e em comunhão divina, isento de culpa e
constrangimento espiritual.

O significado do nome de Jó: “hostilizado” ou “onde está o pai”, fornece


antecipadamente uma visão do que é abordado no livro (GRADL; STENDEBACH,
2001, p. 111). Para Ternay (2001, p. 15-16), o fio condutor do livro percorre desde a
provação à conversão do personagem principal, homem aflito que tem sua
integridade questionada e vive na esperança do encontro com Deus, recompensado
com a descoberta de que a sabedoria é alcançada gratuitamente por aqueles que
com humildade a acolhe.

Para auxiliar na compreensão do livro, serão apresentados os personagens e


o contexto no qual foi escrito; na sequência, a análise dos discursos de Jó e seus
“amigos” com a finalidade de identificar o papel da educação nas práticas
executadas.

1.1 ESTRUTURA E CONTEXTUALIZAÇÃO DO LIVRO DE JÓ

Para auxiliar na interpretação teológica do Livro de Jó, será abordada, nesta


seção, a estrutura em que foi montado o livro, o contexto em que estava inserido
quando da escrita e a representatividade dos principais personagens do livro.
23

1.1.1 Estrutura do Livro de Jó

Vários autores, como exemplo Rossi (2005, p. 9-12), Storniolo (200, p. 7-9),
Terrien (1994, p. 8-9) e Gradl e Stendebach (2001, p.111), afirmam que o livro
contém de um lado uma parte textual em prosa (Jó 1-2; 42.7-17), que serve como
moldura do livro, e do outro lado a parte textual em forma de poesia (Jó 3.1 a 42.6),
como parte central do livro, sendo os capítulos 28 e 32 a 37, além de Jó 42.12-17,
acréscimos posteriores.

Storniolo (2008, p. 19-53) divide o livro como se fosse uma peça teatral, em
atos e monólogo. Apresenta uma proposta de estruturação para o Livro de Jó,
conforme abaixo (2008, p. 10-11):

• Prólogo (1-2)

• Primeiro ato: Jó e os três amigos (3-11)

• Segundo ato: Jó e os três amigos (12-20)

• Terceiro ato: Jó e os três amigos (21-27)

• Interlúdio: a Sabedoria (28)

• Monólogo de Jó (29-31)

• Monólogo de Eliú (32-37)

• Quarto ato: Javé e Jó (38,1-42,6)

• Epílogo (42,7-17)

Para Terrien (1994, p.7), o Livro de Jó é um dos mais célebres escritos da


Bíblia, ao mesmo tempo, que é um dos mais desconhecidos. Atribui esta afirmação
ao fato de que quando se fala em “paciência de Jó” é demonstrado o conhecimento
da história em prosa, e ignora-se a parte poética, na qual Jó é apresentado como
mais impaciente dos homens.
Shreiner (2004, p. 344) reforça ser fundamental a distinção do quadro
narrativo (prosa) da parte dos diálogos (poesia) para a interpretação do livro. Esta
24

dissertação dará ênfase à parte poética e central do livro que descreve os discursos
de Jó e seus “amigos”, representantes da Teologia Sapiencial da época.

Para Storniolo (2008, p. 7-8), o Livro de Jó lembra a forma de drama teatral. O


principal beneficiado é o leitor do livro que, como em uma peça de teatro, pode
acompanhar o desenrolar da história, tanto na horizontal (vida terrena) como na
vertical (acontecimentos na corte celestial), sendo possível perceber o que está em
jogo, ou seja, a demonstração da possibilidade ou não da prática de uma religião
gratuita.

Rossi (2005, p. 12, 24) o assemelha a um quadro, pelo fato de estar inserido
em uma moldura. Entretanto, os dois autores têm a mesma visão, um livro bíblico
que expressa o confronto do homem com o Deus da religião vigente. Rossi (2005,
p.10) afirma que “estamos diante de um dos mais extraordinários e impressionantes
testemunhos da fé do Antigo Testamento”.

O tema do sofrimento do inocente está presente tanto no Oriente como no


Ocidente e é atemporal. Esse tema emergiu a partir da opressão imposta pelas
grandes potências que surgiram ao longo da história, e provocaram uma onda geral
de pessimismo e ceticismo (STORNIOLO, 2008, p. 7-9).

Várias obras egípcias já tratavam do assunto, entre as mais antigas estão: “O


diálogo do homem cansado da vida com sua alma” de 2190 a 2040 a. C.
(STORNIOLO, 2008, p. 7-9) e um documento cuneiforme do terceiro milênio a. C.
que tratava do problema do mal, atualmente conhecido como o Jó sumeriano
(TERNAY, 2001, p. 13).

Rossi (2005, p. 12, 22) afirma que Jó era proverbial entre os judeus exilados.
Para Terrien (1994, p. 7) era um tipo lendário que passava por um modelo de
piedade. Portanto, esta antiga lenda é utilizada para fazer parte da moldura do livro
em forma de prosa (Jó 1-2; 42.7-11). Shreiner (2004, p. 345) afirma que não é
possível definir se o texto antigo foi total ou parcialmente absorvido pelo autor do
livro.

Uma peculiaridade do livro é o fato de ter sido composto na maior parte em


poesia, portanto uma crítica poética social que demonstra a aproximação da teologia
com a literatura. Afinal, a poesia também encontra a realidade social dos problemas,
25

desigualdades e dores, mas clama pela consciência adormecida para não se


conformar com o que vê e buscar o potencial para ser (GRENZER, 2005, p.9).

Na parte central, compreendida pelos capítulos três a onze, começa um


extenso diálogo entre Jó e os três amigos, que se apresentam como os legítimos
representantes da teologia sapiencial tradicional.

Jó, ao tomar a palavra, amaldiçoa o dia do nascimento e pede a morte para si


e, inconformado com as desigualdades e injustiças sociais, questiona a Deus.
Segundo Rossi (2005, p 34-36) não é somente uma mudança de atitude, mas
também de estilo literário (prosa para poesia), de autoria dos textos e época da
escrita. Por isso, o surgimento de um Jó questionador, inconformado e com espírito
profundamente abalado, que não faz mais questão da vida ou da morte, passa ser
uma atitude biblicamente vista como inapropriada.

Ternay (2001, p. 13) afirma que o autor do livro provavelmente conhecia a


forma literária do diálogo, com prática de apresentações em público com senso
crítico contra os dogmas e sociedade conformista, especificamente no caso de Jó, a
doutrina ou teologia da retribuição. Dessa forma, a única autoria que se pode fazer
referência é da parte poética, um autor apaixonado por um ideal altíssimo e sensível
à situação de opressão dos fracos.

Diante do apresentado, esta pesquisa tem como pressuposto a autoria de


mais de um autor e utilização de textos antigos, complementados por textos mais
recentes e inserções posteriores, composto na maior parte do gênero literário
poético e uma fração menor em prosa.

A leitura do livro vista sob a perspectiva de um drama teatral auxilia no seu


entendimento, possibilitando separar o ambiente superior (esfera celestial),
relacionado à atuação divina, e o ambiente inferior (esfera terrena), em que surgem
os questionamentos da situação de opressão e sofrimento.
26

1.1.2 Contexto do Livro de Jó

O livro de Jó inicia com um diálogo na esfera mística que desencadeia uma


série de eventos drásticos para Jó, perde seus bens, reconhecimento, filhos e, por
fim, a própria saúde. Uma situação de sofrimento, angústia e desespero. Após
receber a visita de seus “amigos”, em um período de sete dias e noites de silêncio e
questionamentos internos, o silêncio é quebrado (Jó 3).

Em busca das respostas às questões que a teologia e a educação recebida


não conseguiam dar, Jó muda de atitude; de paciente passa a ser rebelde e
questionador. Segundo Rossi (2008, p. 59), bem diferente do símbolo de paciência
formado pela tradição, o que se vê em Jó é um ato de inconformismo diante das
tentações e situações adversas e nunca de uma pessoa passiva e sem ação.

Inicia uma sequência de discursos dos “amigos”, defendendo que o destino


do ser humano era definido pelas suas atitudes. Então, Jó é acusado de ser culpado
pelo seu estado, por ter cometido algum pecado contra Deus. Estamos apenas
diante de um relato histórico ou um relato que prefigura algo mais profundo, outra
realidade?

Segundo Frei Beto (2010), "nossa visão do mundo interfere em nossa visão
de Deus, assim como o modo de concebermos Deus influi na visão que temos da
vida e do mundo". Por trás de todo texto, quer seja teológico ou não, existe
determinado contexto histórico que precisa ser compreendido para uma correta
interpretação da mensagem que o autor busca transmitir.

O ponto de partida de quem faz a leitura define a construção interpretativa do


texto, por isso a importância de analisar o contexto histórico que abrange o texto a
ser interpretado, caso contrário, nega-se a própria história e mensagem para os
leitores da obra em estudo. Por causa disso é que Rossi (2009, p. 111) afirma que
"[...] a história retratada em Jó necessita ser lida a partir do ambiente que a gerou”.

O livro tem como centro uma sequência de discursos, escritos em forma


poética, para explicitar os problemas e questionamentos da época (Jó 3.1 a 42.6).
Segundo Storniolo (2008, p. 09), o fato histórico relacionado está situado nas
27

primeiras décadas do cativeiro babilônico ocorrido em 586 a 538 a. C., data da


autoria do livro.

Rossi (2005, p.13-14; 2008, p. 24) discorda desta afirmação e coloca a data
da escrita do livro por volta dos anos 450 a 350 a.C., período de dominação do
império persa. Ternay (2001, p. 14) também concorda com essa opinião e situa a
composição do livro na primeira parte do século V a. C., enquanto que Terrien (1994,
p. 27) afirma que o autor não poderia ter vivido antes do século VI a. C.

Gradl e Stendebach (2001, p. 115) afirmam que, em geral, a data aceitável da


composição do livro, com exceção das inserções posteriores, está entre os séculos
V e III a. C. Dizem ainda que a composição pode ter sido elaborada por um autor do
círculo da aristocracia de Jerusalém, provavelmente atingida ou ameaçada pela
decadência social da época.

Portanto, o conteúdo do Livro de Jó reflete a realidade da comunidade de


Judá depois do período do exílio da babilônia e durante o início do domínio persa.
Período esse de grande empobrecimento do povo e crise religiosa. Os discursos de
Jó demonstram que essa situação levou o povo a questionar se havia diferença
entre ser ímpio e ser justo, uma vez que os ricos prosperavam e eram felizes e os
justos ficavam cada vez mais pobres (CHIQUIM, 2010).

Para Rossi (2009, p. 112), as condições históricas do Livro de Jó parecem


questionar a justiça de Deus e, por conta disso, a reconstrução deste ambiente é de
fundamental importância para entendimento dos discursos de Jó e de seus “amigos”,
principalmente no que se refere aos aspectos socioeconômicos e teológicos.

A crise sociológica proporcionou uma crise teológica, devido ao doutrinamento


vigente de que Deus sempre protege e abençoa o justo e trata com justiça o ímpio
opressor. Diante da situação de opressão e miséria que os pobres estavam vivendo,
começaram a questionar onde estava a justiça de Deus e qual a vantagem de ser
justo diante de tanta injustiça e sofrimento.

A teologia tradicional sapiencial tentava responder a esses questionamentos


por meio de imposições autoritárias baseadas em supostas delegações de poder
divino, visões, imposição de medo do castigo divino, na mercantilização da religião,
28

entre outros, visando à manutenção dos benefícios e interesses dos representantes


da ideologia dominante.

Segundo Chiquim (2010), a literatura sapiencial era produzida pelos sábios,


que tinham posição privilegiada em todos os períodos de Israel e estavam,
inerentemente, ligados às lideranças em Israel.

Esta vasta literatura era produzida pelos chamados sábios que, antes do
exílio da Babilônia, eram ligados à corte de Jerusalém, e depois do exílio ao
templo e sinagogas. Os sábios formavam uma classe educada que vivia de
serviços prestados aos reis da época. Eram profissionais, sabiam ler e
escrever, inclusive em vários idiomas. A sua função mais importante era
aconselhar os reis. Os sábios tinham que defender o rei, não ofendê-lo e
nem provocar sua ira. Na época, a literatura sapiencial, ajudava na
orientação dos jovens sobre atitudes, deveres e conhecimentos úteis.

Quando o status quo era questionado, a teologia tradicional sapiencial


reportava para a afirmação de que Deus é o criador e senhor da história e, portanto,
impossível de ser questionado. Questionar a situação era questionar a soberania do
próprio deus do dogma (grifo do autor).

Quanto à situação de prosperidade e felicidade dos ricos era justificada pela


fidelidade ao Deus do dogma que, segundo a Teologia da Retribuição,
recompensava os justos com vida longa, saúde, honrarias, grande quantidade de
filhos e prosperidade; enquanto que os ímpios, devido à sua desobediência, seriam
condenados ao sofrimento, vida curta, enfermidades, miséria, entre outros
(CHIQUIM, 2010).

Esta prática teológica influenciava as pessoas, onde os ricos e opressores


justificavam suas atitudes baseados na doutrina defendida pelos líderes religiosos,
que também eram beneficiados pelo sistema dominante, enquanto que os pobres e
miseráveis se conformavam e se mantinham em silêncio, pois estavam pagando
pelos pecados cometidos e pela ofensa ao deus do dogma da Teologia da
Retribuição.

Portanto, os opressores se sentiam justificados pela religião e os pobres e


oprimidos justamente condenados, favorecendo assim a manutenção do status quo.
Resta identificar quem são os opressores presentes no livro de Jó e quem são os
oprimidos, uma vez que o livro apresenta somente diálogos e discursos entre Jó,
sua esposa e seus “amigos”. Quem ou o que esses personagens poderiam
representar?
29

1.1.3 Os “amigos” de Jó – representantes do império persa e líderes religiosos

Os persas, povo de origem indo-europeu, por volta do século VI a. C. eram


vassalos dos medos, outro grupo indo-europeu. Em aproximadamente, 550 a. C.,
sob o comando de Ciro, os persas se rebelaram com sucesso contra os medos. Isso
dá iníco a uma onda de conquistas, inclusive da Babilônia, cuja população era, em
grande parte, composta por judeus, trazidos cativos de Judá (ROSSI, 2009, p. 112).
Segundo Rossi (2009, p. 112-113), “o sucesso de Ciro é creditado ao seu
discernimento militar, ostensivo suborno e uma campanha publicitária enérgica
realizada em toda a Babilônia, que o retratava como um soberano calmo e
religiosamente tolerante”.

No reinado de Dario, 522-485 a. C., foram efetuadas várias reformas


administrativas, com divisão do império em regiões denominadas satrapias,
conduzidas pelos sátrapas. Estes tinham certa autonomia, entretanto eram
severamente fiscalizados pelos comandantes militares persas, que fixavam a
quantia de impostos de acordo com a região e supervisionavam o seu pagamento,
bem como possíveis rebeliões. Os comandantes militares, que compunham um
grupo significativo de inspetores itinerantes, respondiam diretamente ao soberano
persa (ROSSI, 2009, 113).

Durante o império persa, a exploração dos camponeses era dupla: dos


próprios governantes persas (externa) e líderes religiosos judaicos (interna).
Segundo Leith (1998, p. 285), o império persa tinha um padrão de tolerância
religiosa e de tradições culturais dos povos conquistados. No entanto, de forma
inovadora para a época, os líderes religiosos eram obrigados a pagar taxas que
eram requeridas de suas comunidades subordinadas. Demonstrando que essa
prática não significava respeito pelas crenças dos povos dominados, mas sim uma
forma de fortalecer o império e os interesses próprios dos governantes persas.

A Síria-Palestina era marcada por uma economia baseada na vila.


“Suprimentos agrícolas eram extraídos do campo para sustentar tanto a elite urbana
quanto a infraestrutura persa mais ampla”(CARTER, 2003, p. 408). Outra inovação
dos persas foi o estabelecimento do valor de tributo em ouro e moedas, diferente
30

dos impérios dominadores anteriores que aceitavam uma parte dos produtos da
agricultura e rebanhos como forma de pagamento. Emerge nesse período a
cunhagem da moeda e sua acentuada utilização na economia .

Rossi (2009, p. 116) afirma que “no início e durante grande parte do período
persa, Judá foi o mais pobre, o menos populoso e o mais isolado dos territórios ao
redor”. Judá estava na categoria da satrapia “além do rio”, obrigada a pagar tributo,
além de fornecer ao Império taxas fixas de cereais, animais, armas, recursos
humanos e alimentação para tropas do exército persa. O povo tinha certa liberdade
religiosa, mas era subjugado com pesados tributos e taxas para manter o poder
central do império persa (ROSSI, 2009, p. 114-116).

A segunda exploração que a comunidade judaica sofria se dava por meio dos
ricos comerciantes ligados às famílias dos chefes dos sacerdotes que controlavam o
templo e eram responsáveis por arrecadar os impostos, estipulados em ouro e que
deviam ser pagos em moeda. Os camponeses eram obrigados utilizar esse sistema
de câmbio para transformar seus produtos em moeda para pagamento dos impostos
(ROSSI, 2005, p. 14-15; 2008, p. 25-37).

Esse sistema de dominação tinha que ser sustentado por uma ideologia que
evitasse a revolta dos explorados e oprimidos. Segundo Tünnermann (2001, P. 27-
30), a tolerância religiosa e cultural dos persas favorecia a aproximação e a
cumplicidade dos líderes e religiosos das nações subjugadas, cúmplices da
exploração que levou um significativo número de pessoas da população à pobreza,
miséria e escravidão.

Fica evidente que os líderes religiosos da comunidade tinham interesse no


sucesso do sistema, pois, segundo Rossi (2008, p. 37), nesse período o templo
passou a ser o centro econômico, político e religioso do país, fazendo dos seus
controladores cada vez mais poderosos. Além dos tributos repassados ao império
persa, ainda retinham uma parte para o próprio templo, onerando ainda mais os
camponeses e o povo em geral.

Rossi (2008, p.36), afirma também que “[...] o império persa sugava a vida do
povo”, e como os líderes do dogma da retribuição participavam do sistema, eram
além de cúmplices, executores dessa política de morte. Portanto, sustentavam uma
teologia que era contra a vida, em nome de Deus.
31

Ainda de acordo com Rossi (2009, p. 118), pelo controle do templo, os sumos
sacerdotes e familiares se tornavam cada vez mais poderosos e dominadores. Eram
os executores das diretrizes ditadas pelo império persa, mantendo uma parte dos
produtos arrecadados no próprio templo e a outra parte era vendida para pagamento
de tributo aos persas.

Ao longo da história da humanidade é possível encontrar sinais que


demonstram que a educação direcionada é a ferramenta mais eficaz para o
adestramento dos seres humanos para executar um determinado objetivo. Na
história apresentada no Livro de Jó não é diferente. A prática educacional da época,
coordenada pelos representantes da teologia tradicional sapiencial, servia a
interesses do sistema dominante, do qual faziam parte os comerciantes ricos, os
sacerdotes e familiares. Uma educação que não tolerava ser questionada, evitando
assim transformações da situação vigente e dominadora, conduzindo os dominados
ao adestramento.

O Livro de Neemias (5.1-19) descreve a situação de miséria desse período,


que resultou em um protesto generalizado dos pobres e miseráveis, principalmente
das mulheres judias, que precisavam vender seus próprios filhos como escravos,
para poderem se alimentar.

Tünnermann (2001, p. 142) aborda a importância desta perícope para a


compreensão da construção social neste período: “[...] é um texto importante como
fonte para o período pós-exílio, pois apresenta a realidade socioeconômica de Judá
na metade do século V a. C. O texto narra a reforma social realizada por Neemias e
apresenta um resumo da sua conduta como governador de Judá”. Neste período,
Judá enfrentava uma grave crise social, os pequenos camponeses estavam
perdendo suas casas e acumulando dívidas, a ponto de perderem seus próprios
filhos, sujeitados à escravidão e opressão.

A ideologia persa foi sustentada pela educação mantida e divulgada pelos


representantes da religião judaica, dando sustentação para a teologia tradicional
sapiencial e ao dogma da retribuição. A educação como instrumento de
desumanização, que adestrava os camponeses para terem paciência e aceitarem
tudo em silêncio, aguardando passivamente a providência divina.
32

A ideologia não muda somente a situação política e socioeconômica do povo,


mas também a situação e as práticas religiosas, transformando os ricos e poderosos
em justos e abençoados por Deus (o deus do dogma) e os pobres doentes e
sofredores em injustos, pecadores e amaldiçoados (ROSSI, 2005, p. 14-15; 2008, p.
20-21, 38).

Neemias, após ouvir o clamor do povo oprimido e sofredor, convoca os


nobres e magistrados, responsáveis pela causa da extorsão das pessoas por meio
da agiotagem, para uma assembleia geral, na qual é definida uma anistia total como
forma de contornar a situação e conquistar (calar) a população explorada
(TÜNNERMANN, 2001, p. 141-159).

Dessa forma, fica bem evidente a situação de pobreza, doença e opressão


que sofriam os camponeses judeus neste período, vítimas de um sistema
dominante, sob o controle do império persa e dos líderes religiosos judeus, que
mantinham uma ideologia de controle por meio da educação teológica sapiencial,
representada pelos “amigos” de Jó. No entanto, o autor do livro de Jó se propõe a
responder aos questionamentos destes camponeses oprimidos e confrontar a
influência política, socioeconômica e teológica a que estavam submetidos.

1.1.4 Jó como representante de uma coletividade oprimida

O livro conta a história de uma coletividade que é representada por um


personagem chamado Jó, que passa por situações de tristeza e sofrimentos ao
perder seus bens, família e saúde, vítima de uma ideologia de opressão. Isto o
submete a situações de solidão, medo e falta de perspectivas, chegando ao limite de
tolerância de ser humano.

O maior sofrimento é causado pelo desconhecimento do motivo de sua dor, o


que leva o personagem, que inicialmente é tolerante, a questionar sua situação e a
ideologia que era legitimada pela própria religião vigente da teologia tradicional
sapiencial e representada no livro pelos seus “amigos”.
33

Segundo Storniolo (2008, p. 9), o personagem de Jó deve ser encarado


coletivamente (3/4 da população israelita) e conforme Rossi (2005, p. 14; 2008, p.
23, 32) identifica-se com os “muitos camponeses que perderam seus rebanhos, suas
terras e até mesmo seus filhos e filhas”, durante a dominação do império persa.

Na região de Judá, que era eminentemente agrícola, o sofrimento causado


pelo império persa, que exigia o pagamento dos impostos e taxas em moeda, era
mais acentuado. Os camponeses da Judeia tinham que transformar seus produtos e
animais em dinheiro para pagar a tributação que lhes era imputada.

Rossi (2009, p. 118) afirma que “essa necessidade de vender os produtos


gerados no campo somente aumentava a capacidade de exploração a que eram
submetidos os camponeses”. Além disso, o dinheiro do rei era mais valorizado do
que as moedas locais, cunhadas em prata (TUNNERMANN, 2001, p. 25-6).

Os representantes do templo, responsáveis por arrecadar os produtos


agropecuários dos camponeses, ajudavam o império persa a sugar a vida do povo
oprimido. Esse sistema de cobrança de tributos e taxas, forçava os camponeses a
venderem produtos para obter moedas, os quais deixavam de plantar para a
subsistência e passavam a plantar para o comércio para sustentar o sistema. Uma
dupla tributação: para o império persa e para os responsáveis pelo templo (Rossi,
2009, p. 118).

Por outro lado, segundo Rossi (2009, p. 119), a cobrança injusta de tributos
não era o principal problema dos camponeses, e sim o tipo de relação comercial
com o rico, que emprestava dinheiro ao pobre com juros exorbitantes, levando-o à
situação de miserabilidade e fome: “o papel do tributo foi só o de revelar e acelerar o
que já existia no contexto específico das relações de classe da sociedade judaica”.

Uma grave crise social surge em Judá, onde os pequenos camponeses


estavam perdendo suas casas e se aprofundando em endividamentos, a ponto de
perderem seus próprios filhos que estavam sendo sujeitados à escravidão e
opressão. Nos dois primeiros versículos do capítulo cinco de Neemias, aparece um
grupo ainda mais oprimido e indignado, as mulheres: “Ora, o povo, homens e
mulheres, começou a reclamar muito de seus irmãos judeus. Alguns diziam: nós,
nossos filhos e nossas filhas somos numerosos; precisamos de trigo para comer e
continuar vivos” (Ne 5.1-2).
34

Segundo Tünnermann (2001, p. 142), “[...] A menção das mulheres não deve
ser considerada uma simples casualidade, especialmente porque na obra de
Esdras-Neemias elas estão em segundo plano”. Para entender a indignação das
mulheres, numa sociedade na qual elas não tinham voz, é necessário analisar o
ocorrido durante a construção do muro de Jerusalém, em que os homens haviam
sido convocados para o trabalho e as mulheres ficaram sozinhas e na miséria, sem
comida e com os filhos e filhas sendo penhorados pelas dívidas.

Rossi (2005, p. 29) argumenta que a única aparição da mulher de Jó


demonstra um preconceito de gênero e também se constitui um contra discurso ou
um protesto à teologia oficial que não suportava questionamentos.

A mulher de Jó aparece somente em um versículo durante todo o livro, com


uma fala de protesto pela situação de Jó, que a atingia também: “Então sua mulher
lhe disse: ‘Você ainda mantém a sua integridade? Amaldiçoe a Deus, e morra’!” (Jó
2.9). A leitura desta frase, sem considerar o contexto em que o livro está inserido,
pode produzir uma interpretação equivocada da intenção do autor.

De acordo com Rossi (2005, p. 15), esta personagem não entra no texto sem
uma pretensão do autor, mas sim para representar uma parcela do grupo que sofria
opressão e dominação pelo Império Persa e dos líderes religiosos de Israel: “[...] Os
40 capítulos que compõem o núcleo do livro se apresentam como um eco do
protesto das mulheres em Neemias 5,1-5. E a mulher de Jó é apresentada pelo texto
como um contra discurso”.

Não obstante todo esse sofrimento, Tünnermann (2001, p. 142) afirma que
provavelmente as filhas empenhoradas pelas dívidas, originadas pelo sistema
injusto de cobrança de tributos do império persa, eram abusadas sexualmente e
humilhadas pelos poderosos. As mulheres judias não podiam ficar caladas diante de
tal situação.

Rossi (2005, p. 15-17) argumenta que as mulheres representadas pela mulher


de Jó, diante da situação de opressão e sofrimento que se encontravam, protestam
contra a ideologia vigente, agindo como protagonistas. Diferente do que era
esperado pelos representantes da teologia de retribuição, que apregoavam que o
sofrimento era oriundo de pecados e falhas de comportamento, punição justa de
Deus, portanto, segundo eles, não passível de questionamento.
35

Para Rossi (2005, p.17), essa atitude era considerada uma afronta contra
Deus: “[...] Protestar contra a injustiça era não confiar na justiça de Deus. Pior, era
não aceitar o plano de Deus e, portanto, amaldiçoá-lo”.

A mulher de Jó, diferente do que comumente se ensina, representa estas


mulheres que, revoltadas com a situação de opressão, questionam a doutrina da
teologia da retribuição. Portanto, somavam-se ao grupo de camponeses explorados
e oprimidos, representados por Jó.

Storniolo (2008, p.50) argumenta que fica evidente, ao analisar o início do


livro (Jó 1.1-8 e 2.3), que o autor pretende demonstrar que Jó e quem ele
representa, a maioria da população pobre e sofredora, como único grupo com
qualidades necessárias para adquirir a sabedoria.

Conforme Rossi (2005, p. 9-17) e Storniolo (2008, p.7-8), a análise da


experiência vivencial com Deus leva ao descobrimento da verdadeira religião e dará
origem ao que eles chamam de nova teologia que, naturalmente, será conflitante
com a forma oficial de se falar de Deus da teologia tradicional sapiencial.

Portanto, o principal personagem do livro representa os camponeses, maioria


da população, da qual fazem parte mulheres, inseridas numa sociedade na qual não
tinham voz e têm acentuado o seu sofrimento, que também não aceitam a situação e
passam a protestar e questionar um sistema que não lhes dá nenhum amparo e
segurança. Pessoas menos favorecidas e doutrinadas para não questionarem e
aceitarem passivamente o que lhes era imposto.

1.2 PRÁTICAS IDENTIFICADAS NOS DISCURSOS DE JÓ E SEUS “AMIGOS”

A técnica de construção do discurso “visa a criação de um texto fortemente


persuasivo, através de um uso correto da linguagem”, podendo ser considerado de
uma conotação negativa quando identificada com um discurso pomposo e ausente
de conteúdo (BRITTES E AMARAL, 2009, p. 3).

Bakhtin afirma que o discurso é o estudo da enunciação e acrescenta:


36

A enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente


organizados […] A palavra dirige-se a um interlocutor: ela é função da
pessoa desse interlocutor: variará se tratar de uma pessoa do mesmo grupo
social ou não, se esta for inferior ou superior na hierarquia social [...] Na
maior parte dos casos, é preciso supor além disso certo horizonte social
definido e estabelecido que determina a criação ideológica do grupo social e
da época a que pertencemos, um horizonte contemporâneo da nossa
literatura, da nossa ciência, da nossa moral, do nosso direito (BAKHTIN,
2006, p. 113-114).

Segundo Marques (2001, p. 3), “a estrutura da enunciação concreta é


determinada inteiramente pelas relações sociais, ou seja, pela situação social mais
imediata e pelo meio social mais amplo”. A partir destes conceitos, Bakhtin (2006, p.
116) desenvolve os estudos sobre a comunicação diária e sobre a produção da
significação no funcionamento dos discursos e a situação em que são produzidos,
possibilitando a identificação da sua natureza social.

Nesse sentido, em um diálogo estão presentes mensagens explícitas e


implícitas:

Na verdade, qualquer que seja a enunciação considerada, mesmo que não


se trate de uma informação factual [...], é socialmente dirigida. Antes de
mais nada, ela é determinada da maneira mais imediata pelos participantes
do ato de fala, explícitos ou implícitos, em ligação com uma situação bem
precisa; a situação dá forma à enunciação (BAKHTIN, 2006, p. 116).

Rossi (2005, p. 9-12) adverte que deve ficar bem clara a distinção entre os
discursos de Jó e de seus amigos, identificando a motivação de cada um dos
discursos para entender a que se propõem seus autores.

A seguir a ênfase será dada nos discursos dos três “amigos”: Elifaz, Bildade e
Zofar e nas respostas de Jó.

1.2.1 Discursos de Elifaz: mercantilização religiosa e “revelações”

Elifaz inicia a série de discursos dos “amigos” de Jó. Apresenta uma teoria
sobre o pecado e sofrimento para justificar a situação de Jó, com objetivo de
convencê-lo de que era culpado pelo seu próprio sofrimento. Para isso, acusa-o de
desanimado (Jó 4.2-11), impaciente (Jó 4.12-5.7) e aconselha-o a arrepender-se
(5.8-27).
37

A perícope de Jó 4.7-9 merece uma citação direta e integral para demonstrar


parte do discurso de Elifaz:

Reflita agora: Qual foi o inocente que chegou a perecer? Onde os íntegros
sofreram destruição? Pelo que tenho observado, quem cultiva o mal e
semeia maldade, isso também colherá. Pelo sopro de Deus são destruídos;
pelo vento de sua ira eles perecem (BIBLIA DO MINISTRO, 2002, p. 402).

Este pronunciamento demonstra a ideia de que no discurso de Elifaz


predominava um relacionamento mercantil com Deus. Afirmava que as bênçãos de
Deus eram condicionais às práticas de suposta fidelidade a Deus, a famosa frase
popular “toma-lá-dá-cá”.

Elifaz difundia o conceito de que apenas os que desagradam a Deus sofrem,


com isso tentava explicar o sofrimento de Jó, ou seja, ele sofria porque havia pecado
e desagradava a Deus, a ponto de chamá-lo de injusto e louco (Jó 5.1-5).

Segundo Terrien (1994, p. 49), a prática que predominava na época era a de


uma religião de mercado, sendo “a humildade, uma apólice de seguro, e a
moralidade, uma moeda que compra a paz da alma e a prosperidade”. Elifaz, em Jó
4.7-11, compara Jó aos que cultivam a iniquidade e sugere que ele estava colhendo
a semente do mal moral que havia praticado (TERRIEN, 1994, p. 83).

Segundo Storniolo (2008, p.33), a força do dogma da retribuição colocava o


pobre e o sofredor na situação de condenado sem direito a defesa e quem o
defendesse estaria indo contra o próprio Deus, portanto sujeito à mesma
condenação. Essa era a força da tradição, estava acima da verdade e não podia ser
questionada.

Rossi (2005, p. 85-86) enfatiza que em nenhum momento a preocupação é


com o sofrimento de Jó, mas que o interesse era defender a teologia oficial como se
fosse ato primeiro, em detrimento da vida. Rossi (2005, p. 13) chama o deus
defendido pelo dogma da retribuição de anti-Deus e afirma que, no discurso de
Elifaz, a teologia oficial era aplicada até aos animais.

Outra prática utilizada para legitimar a autoridade dos discursos era a


utilização de supostas revelações e visões. No discurso de Elifaz, é citada uma
estranha, confusa e duvidosa visão noturna (Jó 4.12-17). Rossi (2005, p. 39-41)
38

comenta que Elifaz não obtém êxito nesta prática com intenção de convencer Jó de
sua culpabilidade e submissão ao sofrimento como correção do pecado encoberto.

Muitas denominações cristãs contemporâneas se utilizam da mesma técnica.


Rossi (2008, p. 89-99) ao falar sobre líderes atuais que representam a teologia da
retribuição, afirma que esses geralmente usam de artifícios de supostas revelações
para legitimar suas afirmações e discursos inflamados com várias promessas de
parceria e comprometimento de Deus com sua realização. Os ouvintes que estão
em busca de uma libertação, conquista de prosperidade e sucesso, alimentam esse
processo de mercantilização da fé.

Elifaz, sem argumentos mais claros para defender o dogma da retribuição,


parte para uma acusação direta a Jó de exploração dos irmãos, viúvas e órfãos,
além de favorecimento aos poderosos (Jó 22.6-10), justamente o que fazia o grupo
que Elifaz representava. Assemelha o pensamento de Jó ao dos injustos e, sendo
repetitivo, chama-o mais uma vez ao arrependimento para voltar a ter prosperidade
(Jó 22.21-22).

Neste ponto, Storniolo (2008, p. 41) chama a atenção para a propagação do


interesse mercantilista do dogma da retribuição e que tal procedimento não deixa
espaço para a gratuidade da religião. Com isso, a “religião se transforma em sistema
mecânico para manipular o próprio Deus”. Rossi (2005, p. 118) argumenta que isso
faz de Deus um negociante.

Portanto, os discursos de Elifaz defendem uma religião mercantil e se utiliza


de supostas visões e revelações para dar credibilidade às suas afirmações. Porém,
essas práticas não respondem ao questionamento de Jó.

1.2.2 Discursos de Bildade: superioridade da tradição e costumes

Bildade, o segundo amigo, entendendo que Jó com suas afirmações havia


ofendido o Deus de seu dogma (Jó 8.3), argumenta que este é justo e não poderia
ser questionado (Jó 8.20). A exemplo de Elifaz, afirma que Jó estava pagando por
seus erros e que precisava se arrepender, para aproveitar a oportunidade que Deus
39

estava lhe concedendo para voltar a ser abençoado, oportunidade que sua família
não teve. Seu conselho, portanto, era para que Jó praticasse a religião interesseira,
sendo repetitivo em relação ao discurso de Elifaz (Storniolo, 2008, p.22).

Jó se defende ao pedir um pleito judicial com o Deus do dogma, com isso


poderia se defender, mas afirma que segundo a tradição, esse Deus, sendo tão
autoritário não aceitaria sua defesa, mesmo que fosse justa (STORNIOLO, 2008, p.
23). Para Rossi (2005, p. 64) o problema básico de Jó era que sua sentença já
estava consumada. Deus concebido segundo a teologia da tradição sapiencial já
havia dado o veredito e, sendo assim, ele não tinha nada a perder em dialogar
diretamente com Deus.

A reivindicação de Jó, de falar com o próprio Deus sem necessidade de


intermediários de defesa ou acusação, para o sistema organizado não era possível
ao pobre e doente, pois todas as situações já estavam definidas e nada podia ser
diferente do que estava consolidado. Somente os representantes formais da religião
oficial poderiam falar com Deus (Storniolo, 2008, p.26).

Bildade rebate os argumentos de Jó reportando à superioridade de Deus em


relação à inferioridade do ser humano (Jó 25.1-6). Afirma que Deus é absoluto,
vingador contra o mal e que fala com o pobre e sofredor por meio de seus
representantes, estrutura essa que não podia ser quebrada segundo a tradição da
educação tradicional sapiencial. Bildade não consegue responder aos
questionamentos com a educação recebida. Segundo Storniolo (2008, p.44) ele
“foge do campo ético e social para o campo cósmico e metafísico”.

Este procedimento é questionado por Jó que, de forma irônica, afirma que


todo ser humano tem capacidade de discernimento (Jó 12.2-3; 13.2). Aqui ele traz
um conceito inovador e revolucionário para a época e para um tempo bem posterior,
ainda presente nos dias de Jesus, quando exige falar diretamente com Deus “Eu
quero acusar o Todo-poderoso, desejo discutir com Deus” (Jó 13.3). Palavras fortes,
mas é a forma do personagem expressar o desejo de justiça e defesa de sua honra.

Bildade se irrita com a ousadia de Jó e em defesa da educação recebida,


lembra mais uma vez o destino dos injustos, entendendo que Jó fazia parte deste
grupo. Afirma que o destino do injusto é ser acompanhado pela desgraça, doença,
peste, dentre outros males (Jó 18.5-21). Essa era a tradição dos antepassados e do
40

costume defendido pela tradição sapiencial, e quem estivesse nessa situação


deveria aceitar passivamente o que estava determinado, sem questionamento (Jó
5.12-18).

Segundo Storniolo (2008, p.28), na época da escrita, a ideia de vida após a


morte ainda não era concebida. Mas, com o questionamento de Jó, diante de falta
de resposta para sua realidade, é lançada já uma intuição para a esperança além da
vida:

Oxalá me guardasses escondido no túmulo, até que passasse a tua ira e me


marcasses um prazo para te lembrares de mim! Quando morre, o homem
poderá talvez reviver? Eu ficaria esperando durante todos os dias do meu
serviço, até que chegasse a hora da mudança de turno; com saudade da
obra de tuas mãos, tu me chamarias e eu responderia (Jó 14.13-15).

Rossi (2005, p. 81) também comenta sobre essa ideia antecipada de um tipo
de morte e ressurreição, ainda que não fosse a crença da época. Entretanto a
situação do pobre e doente, que não podia se contentar com uma vida curta de
pobreza e doença, leva a criar novas possibilidades. Por isso, o autor de Jó defende
uma relação de amor entre Deus e o homem sem interrupção, uma nova esperança
além do aqui agora.

Jó questiona a autoridade dos representantes da religião, ironiza com a falta


de habilidade e conhecimento de Bildade (Jó 26.4), diz não ser obrigado a dar-lhes
satisfação de sua vida. Afirma que sua consciência não o acusa e que continuará
declarando sua inocência até o fim.

1.2.3 Discursos de Zofar: Transcendência de Deus

O terceiro amigo, chamado Zofar, recorre à onisciência de Deus para afirmar


que Jó estava sendo falso, escondia algo de errado que, supostamente, havia
cometido. Seguindo o exemplo dos amigos anteriores e defensores do mesmo
dogma, e sendo também repetitivo, mais uma vez, chama Jó ao arrependimento e
mostra as bênçãos decorrentes desta atitude (Jó 11.13-20), o famoso “toma lá dá cá”
da teologia da retribuição.
41

Segundo Storniolo (2008, p.24), até esse momento são apresentados três
desafios para o personagem de Jó: “Ou o inocente não é inocente, ou os filhos dele
são errados, ou ele próprio esconde um grande crime”. Resta a ele alguns
questionamentos, como exemplo: a quem recorrer? Se o pobre e o sofredor são
culpados da injustiça a que estão submetidos e o “deus do dogma” concorda com
isso, o que resta a não ser a morte?

As respostas para a população, representada por Jó, certamente não


poderiam estar no dogma formado pela educação recebida pelos amigos de Jó.
Permanece o questionamento a ser respondido: onde encontrar a resposta?
Segundo Simian-Yofre (2000, p. 35) os discursos até esse momento expostos entre
Jó e seus amigos são extremamente contraditórios e nunca poderiam se encontrar.

Zofar, em defesa da religião, acusa Jó ao afirmar que a riqueza e o poder


conquistados por atos de injustiça trazem consigo a punição (Jó 20.5-29). Segundo
Storniolo (2008, p.36), a afirmação de Zofar é uma insinuação que Jó tinha esse
comportamento.

Portanto, mais uma vez, Jó e a coletividade de pobres e sofredores (3/4 da


população), estão ilesos da acusação da religião dominante. Inocente, mas ainda
encurralado, apela ao Deus vivo: “[...] frente ao Deus inimigo, ele apela para o Deus
salvador” (SHREINER, 2004, p. 346).

Além da dupla exploração (persas e líderes religiosos) que provocava o


empobrecimento dos camponeses, o ambiente social do povo de Judá permitia a
criação de uma linguagem teológica tendenciosa, explícita por meio dos discursos
da educação sapiencial, para justificar a dor e o sofrimento desumano e a
impossibilidade de falar com um Deus intransponível.

Neste período a crença de que a riqueza era um sinal irrefutável da bênção


de Deus foi fortalecida. A riqueza era apresentada como sinônimo de pureza,
enquanto que pobreza e doença significavam impureza. Na época dos patriarcas “o
sinal da benção de Deus era a posse da terra (Gn 12,1), mas agora o sinal da
benção e da presença de Deus passava a ser a riqueza” (ROSSI, 2009, p. 120). O
pobre era amaldiçoado e considerado indigno de ser alcançado por Deus.
42

Não foi somente a situação política, econômica e social que foi alterada
substancialmente, mas também os temas e práticas teológicas. Essas práticas
teológicas da religião vigente são identificadas nos discursos dos “amigos” de Jó,
enquanto que a busca de respostas para a situação de dor e sofrimento do povo de
Judá, camponeses que perderam seus bens, honra, filhos e filhas, não encontradas
na teologia sapiencial, é identificada nos discursos do personagem de Jó.

As respostas para a população representada por Jó certamente não poderia


estar no dogma formado pela educação recebida pelos amigos de Jó, pois não lhe
permitia conversar diretamente com Deus, tinha que passar pelos ungidos da
Teologia Sapiencial.

Jó não se contenta com os discursos repetitivos e já conhecidos dos


representantes da religião, continua na busca de oportunidade para falar
diretamente com o próprio Deus, sem intermediários, na busca de justiça e não de
misericórdia.

1.2.4 Discursos de Jó: Conscientização para libertação

Jó não é mais o mesmo. Ele aprende a questionar o que lhe fora ensinado por
tanto tempo e tem uma nova experiência, começa a perceber que a liberdade de
pensamento é possível, bem como o contato com Deus sem barganha. Jó não
aceita mais essa educação que coloca Deus como um opressor e que não se
importa com o pobre e oprimido, passa a questionar o ensinamento recebido e
demonstra a sua inquietação. O Jó paciente, que aceita tudo mansamente, já não
existe. Ele passa a ser um inquiridor da teologia dominante e parte para a busca de
uma nova compreensão da realidade.

Jó chama os seus amigos de “consoladores inoportunos”, pois estavam em


uma situação privilegiada e em nada o ajudavam, apenas pioravam seu sofrimento
com acusações. Ele se sente abandonado pelos amigos e pelo Deus do dogma
vigente (Jó 16.7-12). Jó pede que a terra não cubra o sangue derramado pela sua
vida assassinada.
43

Storniolo (2008, p.31) comenta esta expressão fazendo alusão a Abel em Gn


4.10, onde o sangue serviu para demonstrar a ocorrência de uma vítima de um
crime. Com isso, Jó estava requerendo a testemunha divina em sua defesa. Rossi
(2005, p. 92) também faz alusão ao caso de Abel e complementa alertando sobre a
mudança de comportamento de Jó ao pedir a definição de uma fiança enquanto
aguarda juízo e não a morte como antes.

Jó afirma sua inocência e reclama a falta de solidariedade de seus amigos, do


abandono dos familiares, servos, vizinhos, dentre outros, e clama por piedade
destes (Jó 19.6-22). Esta era a atitude dos três amigos, em defesa da religião e
oprimindo o amigo sofredor e doente. Para eles, por conta da educação recebida
pela tradição religiosa, o injusto estava devidamente sendo punido e sem direito de
falar com Deus.

Segundo Shreiner (2004, p. 345), se Jó concordasse com seus amigos estaria


assumido a culpa e se rendendo a teologia que eles representavam, ao contrário,
ele contesta e não implora a libertação do sofrimento, mas a morte ou o debate com
o próprio Deus.

Em cena está um Jó surpreendente, combatendo a educação oficial e seus


representantes legais. Jó fere o maior argumento dos amigos, ou seja, a de que
todos injustos estão predestinados a sofrerem pelos seus erros e pecados. Ele
começa alertando de que falaria algo que os espantaria: “Voltai-vos para mim.
Pasmareis e poreis a mão sobre a vossa boca” (Jó 21.5).

Rossi (2005, p. 111) comenta que Jó muda de estratégia e não aborda sobre
a sabedoria dos ancestrais, mas reporta a experiência dos viajantes, conforme
descrito em Jó 21.29. Ele descreve a felicidade do injusto, que tem família feliz, não
sofre, vive e morre em paz (Jó 21.7-13), e chega ao ápice do ultraje da educação
religiosa dominante quando afirma que tudo isso acontece exatamente porque o
injusto recusa Deus e seu projeto (Jó 21.14-16) e ninguém o julga. Complementa
afirmando que a morte iguala a todos: justos e injustos (Jó. 21.22-26). Isto
demonstra que a prédica é uma, mas que a prática é totalmente diferente do que é
ensinado.
44

Segundo Storniolo (2008, p. 41), ele estava falando de ¼ da população que


representava a ideologia dominante que explorava “o resto do mundo com violência
e opressão”, e estava vivendo muito bem.

Portanto, passa a exercer a prática de uma religião gratuita, possibilitada por


meio de uma educação construída a partir da desconstrução da educação defendida
pela teologia tradicional sapiencial da época, que favorecia a manutenção da religião
oficial, mercantilista e interesseira, conforme acusou satã 2 na corte celestial, no início
do livro.

Rossi (2005, p. 203) faz uma reflexão, um balanço de tudo o que ocorreu para
saber o que realmente serviu de aprendizado para Jó além do que ele já sabia, e
chega a seguinte conclusão: “a busca de uma justiça completa em um mundo onde
nem tudo é justificável é um puro erro. É, pois, deste erro que Jó se arrepende”.

Jó não é mais o mesmo. Agora ele aprendeu a questionar o que lhe fora
ensinado por tanto tempo e tem uma nova experiência, começa a sentir sua
liberdade de pensamento desabrochar. O oprimido está consciente da possibilidade
de sua emancipação.

2
Apresentado no texto como um dos anjos de Deus.
45

2 A CONCEPÇÃO FREIREANA DE EDUCAÇÃO

Desde o surgimento, no início dos anos 60, do famoso método capaz de


alfabetizar adultos no tempo recorde de 40 horas, seu autor, Paulo Freire, se tornou
um dos pedagogos mais conhecidos do Brasil. O exílio não conseguiu calar essa
figura que lutava pela liberdade do ser humano, mas pelo contrário, levou suas
ideias a outros países, inicialmente pela América Latina, passando pelo Estados
Unidos e enfim pelos países europeus (PAIVA, 1986, p. 15).

Esta pesquisa não tem por objetivo aprofundar-se na concepção educacional


de Paulo Freire, mas focar em dois de seus conceitos bem difundidos e
publicamente conhecidos: os conceitos de educação bancária e educação
libertadora. O método de Paulo Freire consiste em liberar a consciência humana por
meio da decodificação e reconstituição da situação vivida pelo educando, por um
olhar de fora de seu mundo, dando oportunidade de redescobrir-se como ser
consciente e interagir com o mundo das demais pessoas, dando origem à
conscientização coletiva (FREIRE, 2005, p. 14-15).

Para melhor entender a pedagogia de Paulo Freire é importante a


compreensão de dois conceitos elaborados por ele: educação bancária, que é
antidialógica, e a educação libertadora, que é problematizadora e dialógica.

2.1 A EDUCAÇÃO BANCÁRIA

Paulo Freire, para identificar algumas práticas educacionais, cria uma nova
terminologia - educação bancária. Define essas práticas como essencialmente
narradoras e dissertadoras, onde o primeiro personagem, o educador, é o sujeito da
ação e exerce a função de narrar os conceitos preestabelecidos e dissertativos; o
segundo, objeto da ação, com a função de mero ouvinte passivo, apenas recebe os
depósitos dos conceitos para guarda e arquivo, chamado educando (FREIRE, 2005,
p. 65-66).
46

Na educação bancária, o educador é o sujeito do processo educativo. O


conteúdo é transmitido por meio de uma memorização mecânica onde os educandos
figuram como meros recipientes que precisam ser preenchidos pelo educador.

Segundo CARVALHO (2006, p. 18), a educação bancária criticada por Freire


“oferece aos alunos a única opção de receber os depósitos (conteúdos
programáticos de ensino), guardá-los (memorização dos conteúdos para o
subconsciente)”. Uma educação que não leva os educandos a se reconhecerem
como sujeitos da sua própria história, mas conduz a uma opressão e
desumanização, portanto, uma educação necrófila.

A disseminação da ideologia dominante interioriza nos educandos modelos


para serem admirados e os levam ao desejo pelo poder. Ao hospedarem, dentro de
si, o desejo pela conquista e dominação, perpetuam o status quo. Alguns
conseguem superar as situações, mas não pela conscientização e busca da
liberdade, mas para dominar o outro.

2.1.1 Educando como mero recipiente de conteúdos

Segundo Apple (1999), o que acontece em uma sala de aula é resultado de


uma imposição ideológica, coordenada por uma estrutura social construída dentro
de um contexto de dominação, realizado por meio da grade curricular criada para
manter a hegemonia de poder.

[…] O currículo nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimentos, que


de algum modo aparece nos textos e nas salas de aula de uma nação. Ele é
sempre parte de uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da
visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo. É produto
das tensões, conflitos e concessões, políticas e econômicas que organizam
e desorganizam um povo (APPLE, 1999, p. 59).

Uma das características desta educação é a ênfase na sonoridade da palavra


e desconsideração da sua força transformadora. O educando é forçado a aprender
por meio da memorização mecânica e repetição, sem se preocupar com o sentido
da palavra. Nessa forma de educação, quanto mais o educador depositar conteúdo
narrado melhor será avaliado e o educando, quanto mais permitir ser preenchido
47

como simples recipiente, melhor será avaliado. Portanto, não há criatividade, não há
transformação, não há saber (FREIRE, 2005, p. 67-68).

O saber está nas mãos dos que se julgam e se promovem sábios e, por uma
dádiva, concedem seus saberes aos que julgam nada saber, recipientes vazios,
prontos para serem preenchidos. Os educandos, durante o processo de depósito e
arquivamento do conteúdo, são levados a reconhecerem sua ignorância e
dependência do sistema, e quanto mais se aprofundam nesta forma de educação,
menos consciência crítica terão e mais imersos no mundo da opressão estarão,
contribuindo assim para a manutenção do sistema de dominação.

Segundo Orlandi (1987, p. 58), o discurso pedagógico é “autoritário em


função da imagem dominante do professor e por ser este que tem em si o poder e o
dever de ensinar. Tal dever é negociado pela mediação deste professor com seus
alunos”.

Para Brittes e Amaral (2009, p. 3-4), o discurso não pode ser concebido fora
do sujeito ou do contexto histórico-social em que está inserido. Afirma que esta
concepção demonstra que “o professor não é a fonte absoluta do significado e do
sentido, uma vez que ele existe socialmente e é interpelado por aspectos do meio no
qual está inserido”.

Paulo Freire (2005, p. 68) relaciona algumas características que ocorrem


durante a relação educador-educando nesta forma de educação:

a) O educador é o que educa; os educandos, os que são educados;


b) O educador é o que sabe; os educando, os que não sabem;
c) O educador é o que pensa; os educandos, os pensados;
d) O educador é o que diz a palavra; os educandos, os que escutam
docilmente;
e) O educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados;
f) O educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos, os que
seguem a prescrição;
g) O educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão de que
atuam, na atuação do educador;
h) O educador escolhe o conteúdo programático; os educandos, jamais
ouvidos nessa escolha, se acomodam a ele;
i) O educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional,
que opõe antagonicamente à liberdade dos educandos; estes devem
adaptar-se às determinações daquele;
j) O educador, finalmente, é o sujeito do processo; os educandos, meros
objetos.

Portanto, cabe ao educador, considerado dono do saber, dar, entregar, levar e


transmitir esse saber, como produto/serviço pronto e acabado, ao educando.
48

Quanto mais o educando agir de forma ingênua e passiva, mais os interesses


dos opressores serão atendidos e estes, ainda, sendo considerados generosos pelo
depósito efetuado (falsa generosidade). O que se busca é a transformação da
mentalidade dos oprimidos pela ideologia imposta e não a situação que os oprime,
nunca uma orientação para a conscientização dos educandos.

Em ambientes de extrema privação, as únicas informações que formam a


consciência são da experiência vivida de uma falsa incapacidade, que é moldada,
limitada e imposta pelas mentiras do sistema de opressão. Neste contexto, o
indivíduo tem uma consciência ingênua, não consegue interpretar a sua situação
problema e tende a buscar alternativas mágicas (SCHIPANI, 1988, p. 17). Rega
(2006, p. 135) afirma que, admitindo ou não, sofremos necessariamente influência
por alguma ideologia imposta pela sociedade em que vivemos.

Segundo Brittes e Amaral (2009, p. 1-2), em uma pesquisa recente sobre a


prática docente há uma contradição nos discursos cotidianos que avaliam
negativamente a educação tradicional (educação bancária): “[...] O que se percebe é
uma inércia profissional, em que professores mantêm a tão questionada postura
tradicional e os estudantes permanecem sendo rotulados por desobedientes,
rebeldes e desinteressados”.

A educação tradicional, que não abre espaço ao diálogo, é identificada por


Brittes e Amaral (2009, p. 2) como a educação bancária conceituada por Paulo
Freire. Saviani (2006, p. 82) afirma que esta postura não está alinhada com a função
principal do educador que é priorizar os interesses do educando.

A prática da educação bancária não se restringe somente ao meio secular.


Rega (2006, p. 112) afirma que “todo processo educacional é produto de um
conjunto de paradigmas os quais interagem ativando ou inibindo as práticas
escolares”. Ele questiona a neutralidade dos currículos das educações teológicas,
afirmando que todo currículo é elaborado para atender os interesses daqueles que
detêm o poder.

Portanto, a educação bancária não tem o educando como prioridade e sujeito


do processo ensino-aprendizagem, mas como um mero recipiente. Nele são
inseridos conteúdos previamente estabelecidos e que, geralmente, atendem a
49

interesses do grupo dominante. Este impõe sua autoridade por meio de ideologias
que acarretam na desumanização dos seres humanos.

2.1.2 Educação necrófila que provoca revolta

Apesar do serviço a que se prestam, segundo Freire (2005, p. 70) alguns


educadores não o fazem conscientemente, e que as contradições com a realidade
diária dos educados impostas por essa educação poderão produzir, em determinado
momento, naturalmente nestes uma revolta:

O que não percebem os que executam a educação ‘bancária’,


deliberadamente ou não (porque há um sem-número de educadores de boa
vontade, que apenas não se sabem a serviço da desumanização ao
praticarem o ‘bancarismo’), é que nos próprios “depósitos” se encontram as
contradições, apenas revestidas por uma exterioridade que as oculta. É que,
cedo ou tarde, os próprios “depósitos” podem provocar um confronto com a
realidade em devenir e despertar os educandos, até então passivos, contra
a sua “domesticação” (FREIRE, 2005, p. 70).

A educação bancária produz uma falsa visão do ser humano como expectador
e não como recriador do mundo, como corpo consciente, mas com uma consciência
passiva aberta para enchimento permanente por uma realidade imposta com o
objetivo de transformá-lo em seu conteúdo bancário, tornando-o cada vez mais
passivo e adaptado ao mundo regido pelos opressores (FREIRE, 2005, p.75).

Este conceito faz do educador um disciplinador da entrada do mundo nos


educandos por meio das aulas, métodos de avaliação, entre outras atividades
educacionais em que “[...] há sempre a conotação 'digestiva' e a proibição ao pensar
verdadeiro” (FREIRE, 2005, p.75). Tal procedimento conduz à morte do ser humano,
impossibilita a comunicação que dá sentido à vida, pois isto desestabilizará a
concepção bancária, a superposição do educador e, consequentemente, a prática
de dominação. Como afirma Freire (2005, p. 74), “A opressão, é um controle
esmagador, é necrófila. Nutre-se do amor à morte e não do amor à vida” (grifo do
autor). O que pode ser verificado nos discursos cristãos em que preparam as
pessoas para a morte e não para viver o presente.

Os educandos, possuidores dessa marca necrófila, não têm motivação para


50

pensar e agir como sujeitos de sua própria ação, sentem-se incapazes de usar sua
consciência criativa e sofrem. Isto, segundo Freire (2005, p. 75), os conduzem à
submissão a pessoas ou grupos de manifestações populistas, com os quais se
identificam, produzindo líderes carismáticos que os representam nas suas atitudes
de poder e rebeldia, entre outros. O resultado possível é uma resposta do grupo
dominante com mais opressão em nome da paz e do restabelecimento da ordem.

Schipani (1988, p. 16) afirma que Freire relaciona a falta de consciência


crítica, que surge de acordo com a maneira que vivenciamos a realidade por meio
da linguagem do pensamento, como a causa de problemas sociais e culturais
históricos. A falta de consciência crítica é gerada pelos diferentes discursos que, por
meio de critérios previamente estabelecidos pela ideologia dominante, capturam a
mente das pessoas subjugadas a esse processo, incitando-as a agir, ser e estar no
mundo sob a regulação de seus corpos e almas. A população enquanto constituída
por esses discursos, ao mesmo tempo em que são reprodutoras desses discursos,
torna-se cada vez mais distante da emancipação e da humanização (GARRÉ e
HENNING, 2009, p.8).

A educação que reproduz esses discursos presta serviço à desumanização e


à morte do ser humano como sujeito de sua própria história. Infelizmente, o discurso
pedagógico tem se dado a esse serviço, conforme afirma Diáz (1999, p. 22):

O discurso pedagógico, contra a opinião dos professores, tem se colocado


não como um repertório de textos ou de conteúdos, não como um conjunto
de significações múltiplas que funcionam autonomamente: o discurso
pedagógico tem se colocado como um princípio de controle sobre a
reprodução do discurso, como uma gramática para a geração/regulação de
textos e práticas de reprodução.

Segundo Garré e Henning (2009, p. 9), participamos desses valores


modernos que criticamos, entretanto, “é possível pensarmos em pequenas revoltas
todos os dias, para compor novas formas de ser e viver o contemporâneo”. Eles
apresentam como resultado uma ruptura total, mas defendem ser possível fazer um
exercício de “pequenas revoltas diárias, de pequenas resistências, pequenas
rupturas, pequenos abalos” que movimentem as quietudes, as certezas em busca de
mudanças.

Paulo Freire (2005, p. 76), ao comentar o conceito de educação como prática


de dominação por meio da manutenção da ingenuidade, acomodação e passividade
51

do educando, não tem por objetivo ingênuo de que o grupo dominante mude suas
atitudes e, assim, causar uma revolução por meio dele. Mas busca alertar aqueles
que realmente desejam a humanização, que este conceito de educação não serve
para libertação tão almejada, sendo, portanto, necessário o rompimento com essa
filosofia de educação dominadora.

A superação da questão da escolha dos conteúdos é um grande desafio pois


é de natureza política e, portanto, serve a interesses ideológicos. Segundo Freire
(1977, p. 53) o grande dilema é “a favor de quem e de que estará o ensino, contra
quem, a favor de que, contra que”.

Freire (2005, p. 77) defende que a verdadeira liberdade “não é uma coisa que
se deposita nos homens. Não é uma palavra a mais, oca, mistificante. È práxis, que
implica a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo” (grifo do
autor).

Os seres humanos são seres da práxis, do fazer objetivado, que podem


transformar o mundo em que vivem pelo seu trabalho, diferente dos animais que são
seres do puro fazer. Entretanto, na educação bancária têm a ilusão de que atuam,
mas são manipulados por quem lhes nega a reflexão sobre o próprio fazer, ou seja,
outros seres humanos que impõe uma palavra falsa de caráter dominador (FREIRE,
2005, p. 142).

O processo da educação bancária promove a descrença no ser e, ao mesmo


tempo, o temor de sua emersão, não dá sentido a uma revolução que beneficia
opressor e oprimido, sem a problematização desta falsa consciência do mundo onde
uma minoria cerceia o direito de uma maioria participar como sujeito da história
(FREIRE, 2005, p. 146-149).

O educador tem por função levar o educando a se reconhecer como sujeito e


responsável pela transformação da sociedade, despertando neste uma consciência
crítica, de forma ética, democrática e autêntica (BEHRENS, 2005, p. 74). Para
Gadotti3 (2005, p. 57), a ética é inseparável do educador que está comprometido
com a humanização.

3
Moacir Gadotti, amigo e companheiro de trabalho de Freire, reconhecido autor e educador
brasileiro e um dos cinco diretores fundadores do Instituto Paulo Freire (Torres, 2003, p. 209).
52

A ética é parte integrante do universo do professor, do saber ser professor.


Isso significa que um professor que não tem um sonho, uma utopia, não é
comprometido [...] não é competente, não é ético. Não se pode educar sem
um sonho. Ensinar por ensinar, mecanizar, desumanizar o processo
educativo é não ser ético. Aprende-se ao longo de toda a vida, desde que
tenhamos um projeto de vida. Ética do cuidado, da “amorosidade”
(GADOTTI, 2005, p.57).

Libâneo (2007, p. 48) reforça este conceito ao afirmar que:

O tratamento da questão ética escolar, ainda mais, depende de


investigações mais consolidadas, mas constitui um desafio para educadores
prepararem-se para ajudar os alunos nos problemas morais, tais como a
luta pela vida, a solidariedade, a democracia, a justiça, a convivência com o
diferente, o direito de todos à felicidade e auto realização.

Para Freire (1996, p. 49), “[...] ensinar vai além da transferência de saberes” e
suas obras demonstram o quanto a ética é importante para a transformação da
sociedade em um mundo melhor e mais justo para se viver. Ética que faz muita falta
na sociedade de consumo e valorização excessiva do ter em detrimento do ser,
como a atual. Os conceitos educacionais de Paulo Freire têm como base valores
éticos, defendem a dignidade e autonomia do ser humano, dentro de um contexto de
mudanças da realidade atual. Freire (1996, p. 14) sugere que o educador supere o
“cinismo de uma ideologia fatalista”.

Portanto, não há outra saída para uma sociedade mais justa a não ser por
uma educação emancipadora. Para tanto, é necessário desenvolver a consciência
crítica sobre a situação de opressão, superando o medo de mudar, na conquista da
independência emocional e do convencimento das massas. Afinal, o ser humano
não se liberta sozinho, mas na coletividade e a partir da sua própria experiência de
vida.

2.1.3 Educação antidialógica que gera o hospedeiro opressor

A prática da educação bancária não é novidade, pois em todas as épocas,


dominadores, em defesa da manutenção do poder, sempre monopolizaram o grupo
dominado, não permitindo que este pensasse criticamente. Vejamos um exemplo
citado por Paulo Freire:
53

“Um tal Mr. Giddy”, diz Niebuhr, que foi posteriormente presidente da
sociedade real, fez objeções (refere-se ao projeto de lei que se apresentou
ao Parlamento britânico em 1807, criando escolas subvencionadas) que se
podiam ter apresentado em qualquer outro país: ‘Por especial que pudesse
ser em teoria o projeto de dar educação às classes trabalhadoras dos
pobres, seria prejudicial para sua moral e sua felicidade; ensinaria a
desprezar sua missão na vida, em lugar de fazer deles bons servos para a
agricultura e outros empregos; em lugar de ensinar-lhes subordinação os
faria rebeldes e refratários, como se pôs em evidência nos condados
manufatureiros, habilitá-los-ia a cristandade; torná-lo-ia insolentes para com
seus superiores e, em poucos anos, se faria necessário à legislatura dirigir
contra eles o braço forte do poder (FREIRE, 2005, p. 150).

Esse pensamento perfez o caminho no fio da história. É certo que hoje não se
usaria uma fala tão cínica e aberta, mas a sutileza não pode esconder a opressão de
quem realmente quer ver.

Segundo Paulo Freire (2005, p. 157-191), a educação bancária é uma


educação antidialógica e apresenta quatro características para defini-la: a) a
conquista; b) dividir para manter a opressão; c) a manipulação e d) a invasão
cultural. As três últimas servindo à primeira, conforme descrito a seguir.

a) Conquista – a ação antidialógica tem necessidade de conquista e para ser


realizada precisa de dois opostos: o sujeito e o objeto. O primeiro faz uso dos mais
diversificados meios (duros ou dissimulados) para imprimir a sua forma no segundo,
o objeto conquistado. Este se torna um ser ambíguo, ao introjetar em si a forma do
primeiro para ser seu "hospedeiro".

A elite dominante (sujeito) impõe seus conteúdos alienantes (mitos do


trabalho livre, direito do ser humano, heroísmo do grupo opressor, quem se rebela
peca contra Deus, dentre outros) por meio da comunicação com as massas para
manter a dominação. Portanto, apresenta-se como necrófila, pois mata o ser
humano oprimido.

Toda realidade opressora é antidialógica, tendo como único objetivo a


permanente conquista dos oprimidos, sem espaço para o diálogo ou mudança do
status quo;

b) Dividir para manter a opressão – para evitar o fortalecimento do grupo


oprimido por meio de sua unificação, o grupo dominante utiliza métodos e processos
(burocratização estatal, ação cultural, definição de lideranças, distribuição de
benesses para uns e dureza para outros de forma estratégica, dentre outros) para
54

mantê-los divididos, alienados e enfraquecidos. Com certa conotação messiânica,


primeiro desumanizam os oprimidos, depois se apresentam como seus salvadores.
No entanto, agem para salvar o status quo vigente, o que reforça a primeira
característica, a da conquista;

c) Manipulação – visa a conformação das massas aos objetivos dos


dominantes por meio da apresentação do próprio modelo para ascensão dos menos
favorecidos – “apetite burguês do êxito pessoal”. Pactos com a aparência de diálogo
entre os grupos, mas com imposição da ideologia dominante e para conter possíveis
emersões dos dominados, controle sobre lideranças populistas, são algumas das
formas utilizadas para a manipulação dos oprimidos;

d) Invasão cultural – como as duas anteriores, serve de instrumento da


conquista, por meio da invasão do contexto cultural dos dominados. Isso se dá pela
imposição de uma visão de mundo, que poda a criatividade e a expansão do grupo
oprimido; pela violência cultural, que não permite a formação do ser consciente e
emancipado, modelando-os conforme o padrão que atenda aos interesses da elite
dominadora.

Para o êxito nesta ação faz-se necessário que os dominados reconheçam sua
“inferioridade” e, automaticamente, a “superioridade” do grupo dominante. Esse
reconhecimento provoca o desejo pelo modus dominanti, que resulta no “medo da
liberdade4” quando de uma possível emersão, conforme mencionado no início deste
capítulo.

Segundo Hargreaves (2004, p. 26), dentre os problemas criados pela


comunidade do conhecimento, a mitigação do distanciamento entre os ricos e os
pobres, a superação dos conflitos raciais, étnicos e religiosos devem estar dentre os
objetivos do educador. Souza acrescenta:

[...] É preciso superar o egoísmo, a competição, a inveja, o despeito, o


desrespeito, a exploração, a dominação, a subordinação e nos construir
como altruístas, cooperativos, respeitosos, solidários, capazes de conviver
com os diferentes, sendo melhores e ajudando os outros a serem melhores
ao lutarem pela promoção de uma maior igualdade social e superação das
exclusões entre seres humanos, na convivência de suas diferenças culturais
e psicológicas. (SOUZA, 2002, p.34)

4
Quando isso acontece, para aliviar a consciência, usam explicações mágicas ou para uma visão
falsa de Deus para transferir suas responsabilidades. Isso estimulado pela ideologia dominante
(FREIRE, p. 187).
55

Este modelo se replica nas instituições como família, escola, igrejas, entre
outras. E contribui para que as massas populares não alcancem uma criticidade da
realidade opressora, mantendo-se alienadas, o que dificulta a formação de uma
verdadeira liderança revolucionária.
Na educação bancária, os temas geradores são encobertos pelas situações-
limite, freando o ser humano para não transcendê-las e alcançar o inédito viável
(FREIRE, 2005, p. 106). Segundo Vasconcelos e Brito (2006, p. 179), para Paulo
Freire as situações-limite são:
[...] barreiras que o ser humano encontra em sua caminhada, diante das
quais pode assumir várias atitudes, como se submeter a elas, ou então, vê-
las como obstáculos que devem ser vencidos. Diante dessas barreiras,
pode unir a esperança com a prática e agir para que a situação se modifique
ou simplesmente se deixar levar pela desesperança. Para enfrentar as
situações-limites são necessários, atos-limites‟ [...] a fim de se romper com
as situações-limites. Estes atos-limites são necessários para que se possa
atingir o “inédito-viável”, ou seja, algo novo, tantas vezes sonhado e que,
através da práxis, pode se tornar realidade.

Na práxis revolucionária não existe a dicotomia opressores e oprimidos, mas


uma unidade. A educação bancária, ao contrário, sendo utilizada em um processo
revolucionário, irá produzir seres ambíguos (metade eles mesmos e outra metade o
opressor hospedeiro). Estes, no exercício do poder, serão influenciados por essa
ambiguidade em suas ações e atitudes, tornando a revolução uma ferramenta
também de dominação e não de libertação (FREIRE, 2005, p. 144-145).

Surge então a necessidade de um novo conceito de educação, que evidencie


a comunicação entre educador e educando; que não seja reduzido ao ato de
depositar conhecimentos predeterminados, mas que seja dialógico e desenvolva no
educando o senso crítico e transformador. Um conceito que permita à educação ser
problematizadora e baseada na troca de conhecimentos entre educador e educando.

2.2 A educação libertadora

O ser humano se faz livre ao reconhecer-se como sujeito, por meio do


autoconhecimento que o conscientiza de sua responsabilidade pela sua própria
história. Como no modelo de alfabetização de Freire, onde o ser humano aprende a
56

escrever sua história com palavras que lhe eram desconhecidas, mas que
pertencem à realidade em que se está inserido.

Segundo Freire (1997, p. 46), o ser humano deve “assumir-se como ser social
e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de
sonhos, capaz de ter raiva porque é capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque
capaz de reconhecer-se como objeto”.

O ser humano distingue-se dos demais seres vivos, pela compreensão que
possui de si como ser inacabado, que necessita de educação. De outra forma esta
não existiria, pois a humanização acontece por meio do processo dinâmico da
educação que conduz à conscientização para libertação (FREIRE, 1979, p. 28).

Para entender a conscientização, é necessário ter a noção de que ela ocorre


em vários estágios, conforme as maneiras do indivíduo se relacionar com a
realidade. Freire propõe a superação da consciência oprimida por meio do
desenvolvimento da consciência crítica como abordagem de conscientização,
especialmente com relação aos registros cognitivos e do comportamento linguístico
(SCHIPANI, 1988, p. 16).

O processo inicia-se pelo reconhecimento de como a linguagem, as


condições de vida, autoconceito e visão de mundo influenciam na consciência, até
alcançar o mais alto nível da conscientização, a superação de sua situação limite e a
transformação de sua realidade, destino e futuro (SCHIPANI, 1988, p. 16).

2.2.1 Conscientização para a humanização

O método de conscientização de Paulo Freire incentiva a consciência de uma


capacidade transformadora do mundo e do próprio ser. Por meio do “aprender a
palavra” surge a alfabetização para uma consciência reflexiva da cultura. Para isso,
dentro deste contexto freireano, a compreensão de duas palavras é fundamental:
subjetividade e objetividade.

A prática pedagógica freireana desafia o ser humano a descobrir a


57

consciência do mundo dialético. Para tanto, é importante entender o papel da


subjetividade - o sujeito ético, e da objetividade - o eu-mesmo, o absoluto do nada
no contexto da existência, dentro do processo dialético humanista (FREIRE, 2006, p.
27).

A subjetividade do ser humano deve ser restaurada com vistas à sua


humanização. Na crença de seu potencial e poder criador, em que o mundo
existencial media o processo de educação nesta realidade subjetiva e a educação
atua como prática da liberdade objetiva da negação do ser humano abstrato e
isolado. O educador deve ser motivador da consciência objetiva, para a construção
da história e de um mundo melhor, da liberdade (superação do sofrimento humano,
da opressão e do abandono), da comunhão e da cidadania (FREIRE, 2006, p. 27-
38).

Essa consciência objetiva pode também se dar no âmbito da religião, isto é, o


ser humano pode desenvolver seu senso religioso não como alienação, mas como
libertação. Para Paulo Freire a libertação “[...] é um ponto. É um parto doloroso. O
homem que nasce do parto é um homem novo que só é viável pela superação da
contradição opressores-oprimidos, que é a libertação de todos” (FREIRE, 2006, p.
38).

Para Schipani (1988, p. 15), a grande intuição de Freire foi perceber a


interação entre o método de alfabetização e a dimensão simbólica da linguística,
pela qual se dá o processo de conscientização sobre o nível pessoal e social, por
meio da avaliação do modo como a linguagem forma a percepção das palavras. Elas
não estão desconectadas da experiência existencial das pessoas, mas fazem parte
de um processo dinâmico de conscientização e transformação.

Segundo Schipani (1988, p. 25), o método de alfabetização de adultos,


elaborado por Freire, responde de modo inovador contra a supressão e repressão
da criatividade. Visando a democratização da cultura, o programa leva as pessoas a
serem mais do que meros recipientes, mas sujeitos de sua história. Uma ação
criadora leva ao surgimento de outras ações criadoras.

Em uma sociedade de dominação de consciências, em que os dominadores


mantêm o monopólio da palavra, “os dominados, para dizerem a sua palavra tem
que lutar para tomá-la”. Aprender a tomá-la dos que a detêm é um difícil, mas
58

imprescindível aprendizado (FREIRE, 2005, p.22). Por isso, essa mudança é


ameaçadora para certas comunidades, inclusive a religiosa.

A concepção de educação de Freire deve ser vista dentro de um contexto de


resgate ou do emergir das massas submersas e oprimidas por meio do “falar as
palavras”. Esse processo promove o desenvolvimento da consciência crítica e da
libertação pelo próprio potencial humano na sua vocação ontológica de fazedor de
história (SCHIPANI, 1988, p.15).

Entretanto, duas grandes barreiras para a transformação são denominadas


por Freire como “medo da liberdade” e “perigo da conscientização”, devido à
incerteza do que essa consciência crítica pode resultar. Os oprimidos, refugiando-se
na segurança vital, temem a liberdade arriscada. Freire reforça que suas afirmações
são baseadas em experiências concretas durante suas atividades educativas
(FREIRE, 2005, p. 24-25).

Freire (2005, p. 26-29) afirma que a radicalização, por ser crítica, é a única
que pode transformar a realidade de opressão em libertação. Quem não teme o
confronto é o único que pode realizar a libertação dos seres humanos e estar
comprometido com ela.

A desumanização é uma realidade histórica, mas para Freire, somente a


humanização é vocação do ser humano. Humanização que é negada pela injustiça,
exploração e violência opressiva dos dominadores, mas afirmada no anseio da
liberdade, justiça e na luta dos oprimidos pela recuperação da humanidade roubada
(FREIRE, 2005, p. 32-33).

Ele afirma que os próprios opressores e roubadores da humanidade são


vítimas da desumanização, usam da falsa generosidade com o que foi tirado dos
oprimidos, nutrem a morte e a miséria para aliviar suas consciências. A verdadeira
luta dos oprimidos pela liberdade deve incluir esses opressores, vítimas deles
próprios, para que os oprimidos na luta pela liberdade não se tornem em opressores
dos opressores. Apenas o oprimido consciente de ser hospedeiro do opressor
poderá contribuir para uma pedagogia libertadora (FREIRE, 2005, p. 34-37).

A consciência crítica somente é possível através do exame e questionamento


da realidade, com autoconfiança e senso de emancipação humana. A principal
59

missão de um sistema educacional é a elevação do indivíduo ao mais alto nível de


conscientização, da consciência de falsa opressão para a consciência de libertação
da opressão, definido por Schipani como transitividade crítica (SCHIPANI, 1988, p.
17-18).

Os oprimidos acomodados com a estrutura dominadora e receosos às


consequências da liberdade, não se sentem capazes de fazer parte da mudança,
temendo por si, pelos demais oprimidos e, também, pelos opressores. Querem ser,
mas temem ser, pois a libertação é um parto doloroso e, para superar este dilema,
precisam se reconhecer como oprimidos e se entregarem à práxis libertadora. Da
mesma forma, um opressor deve reconhecer sua situação de opressor e deixar de
sê-lo, transformando, radicalmente, a situação concreta que gera a opressão.
(FREIRE, 2005, p. 38-39).

As realidades sociais ocorridas ao longo da história não foram construídas ao


acaso e, portanto, também não são transformadas por acaso. Por isso, os oprimidos
necessitam se conscientizar da realidade crítica e lutar pela sua liberdade.
Geralmente são absorvidos pela realidade opressora e domesticadora que funciona
como uma “força de imersão das consciências” (FREIRE, 2005, 40-42).

A liberdade somente é possível com a emersão desta realidade


domesticadora, o que Freire chama de “relação dialética subjetividade-objetividade”.
Ele afirma que “somente na solidariedade, em que o subjetivo constitui com o
objetivo uma unidade dialética, é possível a práxis autêntica” (FREIRE, 2005, p. 42).
Daí a justificativa para uma racionalização que exclui a possibilidade da inserção das
massas populares na realidade opressora, devendo os oprimidos tirar o exemplo de
si mesmos. Caso contrário, estarão sujeitos à pedagogia que parte dos interesses
dos opressores, que serve como instrumento de desumanização (FREIRE, 2005, P.
42-45).

A educação libertadora para obter êxito e ser completa precisa ser realizada
em dois momentos distintos:

O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e


vão comprometendo-se, na práxis, com a sua transformação; o segundo,
em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser
oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de
permanente libertação (FREIRE, 2005, 45).
60

Segundo Freire (2005, p. 48), é comum, na transição da primeira para a


segunda etapa, os oprimidos em processo de libertação se sentirem culpados
quando acusados pelo grupo dominante de subversivos, violentos, entre outras
denominações, influenciados pela ideologia repassada ao longo dos anos.

A realidade é bem mais complexa do que às vezes é percebida e o simples


fato de mudar os atores de lugar, oprimidos e opressores, não resolve. A mudança
tem que ser bem maior. A solução, conforme afirma Freire (2005, p.49), “não está
em que os oprimidos de hoje, em nome de sua libertação, passem a ter novos
opressores”.

Mesmo inconscientemente os oprimidos levam consigo os preconceitos


adquiridos, assim como a figura do hospedeiro opressor alojado por meio da atração
pelo padrão de vida dos opressores e da baixa estima dos oprimidos, chamada por
Freire de auto desvalia originado pela ideologia imposta. Enquanto o oprimido não
tiver concreta consciência da razão de seu estado de opressão não terá condições
de emancipação (FREIRE, 2005, p. 54-58).

Como se observa, a questão realmente não é tão simples. A liberdade tem


que ser uma busca coletiva, pois o ser humano não se liberta sozinho. Freire (2005,
p. 58-59) afirma que o esforço de reflexão do oprimido deve ser concreto e
permanente, não somente no campo intelectual, mas deve refletir na ação e,
consequentemente, conduzir à razão nova da consciência oprimida.

Para preparar o oprimido rumo à emancipação é necessária uma ação


cultural, que transforme sua dependência emocional, ocasionada pelo processo de
opressão, em independência. Isso o levará à consciência de si como sujeito,
superando a concepção de “objeto” do sistema; uma transformação para ele e com
ele, pois ele precisa querer se libertar.

Se os líderes revolucionários de todos os tempos afirmam a necessidade do


convencimento das massas oprimidas para que aceitem a luta pela
libertação – o que de resto é óbvio – reconhecem implicitamente o sentido
pedagógico desta luta (FREIRE, 2005, p. 62).

Segundo Schipani (1988, p. 12), no entendimento de Paulo Freire, teoria e


prática não são opostas ou possuem níveis de superioridade diferenciados, mas
existe uma associação dialética entre as duas, tornando-as complementares.
61

A libertação ocorre quando o ser humano submetido a um estado de opressão


toma consciência de que é sujeito e participante da criação de seu próprio futuro
histórico. Schipani (1988, p. 13) afirma que o processo de libertação e
conscientização ocorre em duas dimensões: educação-ação e ação-reflexão. Uma
ação educacional que leve a uma reflexão crítica e de forma prática, constante e
dinâmica em meio a própria história cultural. O ser mais do homem que o conduz à
libertação das forças opressivas dos agentes políticos, econômicos e sociais.

Para Freire (1979, p. 27-28), educação é processo permanente de


transformação da realidade, no qual o ser humano passa a ser mais humano, sujeito
na busca da realização da própria história, em conjunto com outros seres que
também procuram ser mais.

Schipani (1988, p. 14) afirma que Freire usa a utopia de forma positiva,
quando possibilita a transformação de uma da realidade de opressão a partir de uma
visão realista e esperançosa de um futuro possível. Nesse processo, a educação é
vista como uma prática revolucionária, em um contexto de compromisso com a
opressão, para uma mudança radical em busca da liberdade e justiça.

Os educadores que têm vocação ontológica de humanização não podem


esperar a possível reação revolucionária natural dos educandos ao se perceberem
domesticados pela educação bancária, mas devem se identificar com eles e orientá-
los no sentido da humanização.

Entretanto, para Schipani (1988, p.24), a abordagem de conscientização


crítica pode conduzir a um excesso de otimismo revolucionário, determinismo e
dogmatismo na filosofia de Paulo Freire. O processo educacional pode estar
seriamente comprometido quando sua validade está subordinada à autorização
prévia de um determinado tipo de mudança radical ou revolucionária e as pessoas
induzidas ou condicionadas a assumir a opção política de mediadores pedagógicos.

Segundo Schipani (1988, p. 24), a realidade social não pode ser abordada de
forma simplista e a resistência do sistema de dominação subestimada. A
sensibilização e unificação das forças em luta pelos oprimidos, em um grande
movimento para libertação, são coerentes com o curso da história e com o avanço
do reino de Deus. Ele afirma que, infelizmente, esta posição favorece o surgimento
de messiânicos e padrões educacionais autoritários que podem frustrar de forma
62

violenta o processo criativo e libertador de conscientização.

Os conceitos de Paulo Freire conduzem o ser humano para a


conscientização, ao pensar crítico e dialético, para uma releitura do mundo que
possibilite a transformação da realidade, indo além da visão rotineira e mecanicista
das coisas.

2.2.2 Educação dialógica para a liberdade como uma busca coletiva

A ação de um educador humanista deve estar infundida da profunda crença


no poder criador do ser humano e em suas relações com o educando. Ser
companheiro deste, a serviço da libertação e contra a educação que serve à
opressão e a morte do ser humano (FREIRE, 2005, p. 71).

Na educação problematizadora, ao contrário da bancária, a função do


educador não é mais de apenas educar, mas também receber educação enquanto
ensina ao dialogar com o educando. O educando, ao ser educado, também educa e
os dois, educador e educando, se tornam simultaneamente sujeitos do processo
educacional. Os educandos passam de simples recipientes dóceis de depósitos a
investigadores críticos em conjunto com o educador.

O educador deve impor um caráter altamente reflexivo, fazendo emergir no


educando o poder criador, problematizando-o como ser no mundo e com o mundo,
desafiando-o à “negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo,
assim como também a negação do mundo como uma realidade ausente dos
homens” (FREIRE, 2005, p. 81). O educando deve ser preparado para desvendar a
realidade do mundo em que vive de forma crítica, com vistas à transformação
criadora.

Segundo Freire (1991, p. 27), a razão de ser da educação está na reflexão do


ser humano sobre ele próprio e sobre sua natureza. Diferente das plantas e dos
animais, o ser humano é ciente de que é inacabado e pode buscar constantemente
ser mais, colocar-se num determinado momento e em certa realidade. A prática
problematizadora assim o reconhece como inacabado, inconcluso, em e com uma
63

realidade histórica igualmente inacabada. Diferente dos animais, consciente de sua


inconclusão, que se refaz permanentemente, não aceitando um futuro predefinido,
sendo, portanto, uma prática revolucionária.

Essa conscientização gerada, segundo Schipani (1988, p.26), deve ser vista
como um fomento criativo. Para ele, a consciência da natureza inconclusa é gerada
pela unidade criativa intrínseca dos seres humanos. A autêntica educação tem o
papel de desenvolver, por meio do fomento de uma consciência crítica para a
autoafirmação, as pessoas, as comunidades e a transformação da sociedade.

O ponto de partida é o próprio ser humano problematizando sua situação,


superando sua percepção ingênua da realidade e acreditando na transformação
desta realidade por meio de sua participação, como sujeito e não mais como objeto,
na busca do ser mais (FREIRE, 2005, p. 83-86).

Para Schipani (1988, pg. 26-27), o indiferentismo moral, político, social ou


intelectual, ou seja, a alienação, tem sido a principal barreira para a humanização. A
história demonstra que os programas de conscientização geralmente apontam para
histórias ou estórias sagradas, que envolvem o relacionamento humano-divino.
Dessa forma, sugere que o trabalho e pensamento de Freire possui certa leitura
nesse contexto, cita a inconclusão do ser humano e aponta o Êxodo de Israel e a
ressurreição de Jesus como modelos de/para a libertação das pessoas.

Significa a mudança de um simplesmente contar de estórias para um fazer da


história, por meio do processo de aprendizagem dialógica. Seres humanos
assumindo o papel de agentes, dispostos a assumir a autoria na transformação
individual e social. Segundo Schipani (1988, p. 27), isso ocorre devido a estrutura da
conscientização que promove um processo criativo e provoca não somente uma
simples emancipação, mas capacita as pessoas para revitalizar a sociedade e
reconstruir a cultura.

Entretanto, isso não é possível no isolamento e na individualidade, mas na


solidariedade dos existires dos seres humanos conscientes de sua inconclusão e na
luta de sua libertação e humanização. Educadores e educandos como sujeitos do
processo de superação do intelectualismo alienante, do autoritarismo da educação
bancária e da falsa consciência de mundo. Esse modelo de educação não serve ao
sistema de dominação, pois “nenhuma ‘ordem’ opressora suportaria que os
64

oprimidos todos passassem a dizer: ‘por quê?’” (FREIRE, 2005, p. 87).

A essência da educação como prática da liberdade está na ação dialógica,


que Paulo Freire chama de dialogicidade. Não há diálogo quando as palavras não
estão compromissadas com a transformação, tampouco alinhadas com a práxis, não
passando de verbalismo. Da mesma forma, não há diálogo quando se enfatiza a
ação, sem a devida reflexão, o que se torna ativismo (FREIRE, 2005, p. 89).

Portanto, nem o verbalismo, nem o ativismo são eficazes na busca da


liberdade, mas palavras verdadeiras, no trabalho e na ação-reflexão, realizados por
meio do diálogo entre seres humanos. Este diálogo deve ser um ato de criação, de
conquista dos sujeitos dialógicos, nunca para a dominação de um ser humano por
outro (FREIRE, 2005, p. 90-91).

Segundo Schipani (1988, p.29) a conscientização é uma arma poderosa para


a libertação, entretanto é ambígua e pode contribuir para o aumento da alienação,
mesmo das pessoas empenhadas na superação de situações opressivas. O foco na
criatividade é essencial para que a conscientização mantenha a sua integridade nos
fundamentos epistemológicos e éticos. Schipani ainda destaca a afirmação de Freire
que a criatividade não é exclusiva de grandes intelectuais, mas que está presente
também no ser humano comum. Este também tem potencial criativo para libertação.

A base para a formação deste diálogo é o amor ao mundo e aos seres


humanos, possível somente na ausência da situação de opressão e arrogância. O
resultado esperado por esse diálogo, estimulado por um pensar crítico que promove
a solidariedade entre seres humanos, é uma comunicação que conduza à
verdadeira educação (FREIRE, 2005, p. 92-96).

A dialogicidade inicia com a elaboração do conteúdo programático, que


contemple as contribuições do educador e do educando. Além de ser mediatizado
pelo mundo, levando em consideração a situação concreta, existencial e presente,
no intuito de transformar a realidade de vida. Diferente da prática bancária que atua
sobre os seres humanos para “doutrinando-os, adaptá-los cada vez mais à realidade
que deve permanecer intocada” (FREIRE, 2005, p. 98).

Os oprimidos não devem ser usados como hospedeiros, mas levados à


consciência que estão sendo hospedeiros do sistema de opressão e, a partir daí,
65

serem conduzidos para a libertação desta situação (FREIRE, 2005, p. 99).

A busca desse conteúdo programático no universo temático do povo, onde é


possível a objetivação dos temas geradores, a partir da captação da própria
experiência existencial e de uma reflexão crítica das relações homens-mundo e
homens-homens, é que inaugura o diálogo da educação libertadora (FREIRE, 2005,
p. 101).

Espírito Santo (2005, p. 22), por meio da distinção objetiva de dois termos -
“palavras geradoras” e “temas geradores” - utilizados em duas das principais obras
de Paulo Freire, destaca a evolução do seu método de alfabetização para uma teoria
do conhecimento capaz de mudar a realidade das pessoas:

Freire expõe seu método de forma bem detalhada no seu livro Educação
como prática da liberdade. Na obra Pedagogia do Oprimido, manifesta uma
evolução do método inicial que a princípio se ocupava apenas da
alfabetização (palavras geradoras), agora trabalha também com a pós-
alfabetização (temas geradores). Na sua primeira obra Freire lamenta a
interrupção de seu programa de alfabetização elaborado no Governo
Goulart, que segundo ele, se não tivesse sido interrompido, as equipes de
pesquisa teriam partido para o “levantamento temático do homem
brasileiro”. Vemos assim, que Freire estava consciente desde o início, que
não tinha construído apenas um método de alfabetização, mas uma teoria
do conhecimento.

Diferente do animal, o ser humano tem a capacidade de ter consciência de si


e do mundo em que vive, ter propósitos definidos e poder de transformação de sua
realidade. Ele passa a existir e fazer história no mundo físico e histórico, recriando e
transformando sua realidade de vida (FREIRE, 2005, p. 102-104).

O conteúdo construído pela dialogicidade da educação libertadora leva o ser


humano a perceber as situações-limites não mais como uma “fronteira entre o ser e
o nada, mas como uma fronteira entre o ser e o mais ser”, que deve ser superada
para o desaparecimento da opressão desumanizante (FREIRE, 2005, p. 110).
Segundo Espírito Santo (2005, p. 25), a proposta de Paulo Freire “não é educar ou
libertar o povo, mas educar e libertar com o povo”.

Para chegar a esse estágio, Freire enfatiza a necessidade de uma


metodologia conscientizadora, implementada tanto pelo investigador como pelo povo
e ambos sujeitos da investigação. Esta metodologia deve conduzir da consciência
dominada a uma nova postura crítica em relação à situação-limite, a nova
compreensão da realidade até então não descoberta, para uma transformação,
66

quando surgem os temas geradores (FREIRE, 2005, p. 106-114).

A definição dos temas deve ser simultânea à preocupação com a


problematização dos mesmos, ponto de partida da dialogicidade. Segundo Freire,
isto somente é possível quando o educando passa de um nível de consciência real
ou efetiva, quando ainda não percebe além das situações limites, para o nível de
consciência máxima possível, quando é capaz ver além das situações-limites e
vislumbrar soluções para a realidade concreta (FREIRE, 2005, p. 116-123).

Para Schipani (1988, p. 21), a conscientização promovida por Freire fomenta


a superação da acomodação e conformidade dos oprimidos, levando-os a
confrontarem as situações-limite com confiança. Isto é possível porque o ser
humano tem habilidade para utilizar um segundo sistema de símbolos, capacidade
de combinar pensamentos e de construir ideais e sonhos.

O processo de aprendizagem transformadora para libertação deve fornecer


ao ser humano um desenvolvimento moral tal, que seja possível a retirada da
estrutura opressiva e a respectiva identificação com os opressores. Com essa
prática educacional, ao contrário da bancária, o ser humano deixa de ser um mero
recebedor dos conteúdos, deixa de ser um mero agente passivo para se tornar ativo
no processo educacional, realizado com e pelo educando e não sobre o mesmo
(FREIRE, 2005, p. 124-125).

A prática dialógica da educação libertadora/problematizadora tem como ponto


forte a interlocução que ocorre entre o educador e educando, conforme já
mencionado, não pode ser entendido como um simples diálogo, mas como
possibilidade do educando questionar e exercer ações concretas sobre sua
realidade, libertando-se das crenças e mitos impostos pelo sistema opressor
dominante.

Freire aposta numa ação educativa coletiva para gerar nos oprimidos
condições de uma vida melhor, fundamentada no respeito e na dignidade da pessoa
humana. A consciência da inconclusão da vida humana e a busca infinita de sua
realização, como tarefa que norteia a existência de todo ser humano, tendo o
conhecimento como condição única para a liberdade dos homens, e a não
imposição nem submissão entre o educador e o educando, por isso, a importância
do diálogo para uma educação libertadora e igualitária (SCHIPANI, 1988, p.10-12).
67

Portanto, a problematização é caracterizada por um processo de reconstrução


do ser humano, a partir de sua história ou experiência de vida, no qual a
desestabilização inicial provoca uma lacuna do conhecimento adquirido, que o
conduz a uma busca permanente por novos conhecimentos. Agora considerando e
acreditando que o seu mundo pode ser apreendido e modificado, através de
mecanismos que transformem a realidade opressora e injusta. Realidade imposta
por instituições políticas, sociais, educacionais e teológicas.

A conscientização e a dialogicidade possibilitam uma postura profética e de


esperança para as pessoas envolvidas no processo de transformação (SCHIPANI,
1988, p. 14). Uma transformação coletiva e pela humanização.
68

3. O DIÁLOGO DA TEOLOGIA COM A PEDAGOGIA FREIREANA

Espírito Santo (2005, p. 10) afirma que a “a atividade pastoral e/ou qualquer
outra ação que queira ser libertadora, deve ser essencialmente pedagógica”, sendo
a práxis pastoral, um lugar de encontro entre a teologia e pedagogia. Defende a
afirmação de Paulo Freire de que a ação libertadora necessita ser essencialmente
pedagógica, pois a teologia tem o que aprender com a pedagogia e a pedagogia o
que aprender com a teologia, bem como com as demais ciências humanas e sociais.

Schipani (1988, p.31) afirma que Freire também recebeu influência de alguns
pensadores religiosos, além de um forte componente humanista marxista 5 que
reforçou o humanismo radical de Freire. Por isso, neste capítulo será demonstrada a
relação dialógica entre a teologia e a pedagogia e, em especial, com a concepção
educacional freireana, com vistas à comprovação de que o diálogo entre a teologia e
a pedagogia é perfeitamente aplicável.

3.1 O DIÁLOGO DA TEOLOGIA COM A PEDAGOGIA

Para Magalhães (2000, p. 149, 204-207), o grande risco na interação da


literatura e da teologia é o da pretensão de manter a teologia “intocável como reduto
da verdade”. Ele propõe um método próprio que denomina de “método da
correspondência”, em que a Bíblia e a tradição devem ser interlocutoras do diálogo e
não como “normativas únicas do saber teológico”, pois “Deus tramita no espelho das
palavras” e não se revela exclusivamente na Bíblia e na tradição.

Portanto, para que haja sucesso no diálogo entre teologia e pedagogia deve-

5
O humanismo marxista é uma linha interpretativa de textos de Marx, geralmente oposta ao
materialismo dialético de Engels e de outras linhas de interpretação que entendem o marxismo
como ciência da economia e da história. É baseado nos manuscritos da juventude de Marx, onde
ele crítica o idealismo Hegeliano que coloca o ser humano como um ser espiritual, uma
autoconsciência. Para Marx o ser humano é antes de tudo um ser natural, assim como já havia
dito Feuerbach, mas, diferentemente deste, Marx considera que o ser humano, diferente de todos
os outros seres naturais, possui uma característica que lhe é particular, a consciência, que se
manifesta como saber (WIKIPÉDIA, HUMANISMO, 2010).
69

se cuidar para que “verdades dogmáticas” não venham impedir a possibilidade de


uma leitura imparcial no sentido da busca da verdade. Sem isso corre-se o risco de
perder a oportunidade de aproveitar a essência de cada uma das ciências e
contribuir para a emancipação, humanização e libertação do ser humano em uma
sociedade mais justa e comunicativa.

Para Espírito Santo (2005, p. 14-39), é possível o diálogo entre teologia e


pedagogia e utiliza como exemplo justamente a obra principal de Paulo Freire,
Pedagogia do Oprimido. No entanto, o autor faz um caminho inverso desta pesquisa,
ou seja, faz uma leitura teológica da obra de Paulo Freire. Aplicar o próprio método
de investigação temática de Freire para realizar a leitura teológica da referida obra e
demonstra a viabilidade do diálogo entre a teologia e pedagogia. Esta afirmação
vem ao encontro do objetivo desta pesquisa que é demonstrar o caminho da outra
via, demonstrando que a pedagogia também pode auxiliar na interpretação e leitura
de textos bíblicos, como no caso do Livro de Jó, principalmente no que se refere à
contextualização para a contemporaneidade por meio de uma releitura atualizada.

Carvalho (2006, p. 18) defende o diálogo da teologia com a pedagogia ao


afirmar que a educação bancária, que reduz o processo de ensino aprendizagem em
apenas transferências de informações do educador para o educando, é aplicável
também à educação cristã, salvo raras exceções, citando a escola dominical como
um dos meios dessa propagação. Carvalho (2006, p. 18-19) reforça afirmando:

[...] Em muitas igrejas e até em seminários, de modo geral, é o educador


(pastor, pregador, professor de escola dominical, líder eclesiástico, etc.)
pondo-se à frente dos educandos (membros da comunidade) em posições
fixas, invariáveis, dogmáticas, como dono exclusivo da verdade revelado por
Deus aos homens. Ele é sempre aquele que sabe, enquanto o membro da
igreja será sempre aquele que não sabe. A rigidez dessas posições nega à
educação cristã o conhecimento bíblico e a experiência individual da fé em
Jesus Cristo como processos de busca permanente, numa palavra, na
procura do verdadeiro aprendizado.

Portanto, a prática da educação bancária é também reproduzida no meio


teológico. Neste deveria ser praticada uma educação para a libertação e dialógica,
que levasse os membros a valorizarem o ser humano a reconhecerem a si mesmo
como um indivíduo único e os outros como imagem de Deus. Entretanto, não tem
sido essa a prática comum no meio religioso.

Na educação bancária quanto mais os educandos recebem os conteúdos


70

previamente elaborados e carregados da ideologia dominante menos desenvolvem a


consciência crítica. Da mesma forma na educação teológica, não sendo
desenvolvida essa consciência crítica, os cristãos não poderão ser o sal da terra e
luz do mundo (Mt 5.13-16). Se os educandos da educação teológica são objetos e
não sujeitos do processo ensino aprendizagem, então encontramos o mesmo
processo de educação bancária, apresentada por Paulo Freire. (CARVALHO, 2006,
p. 19).

Segundo Borges (2010, p. 68), no mesmo contexto da pedagogia da


libertação de Paulo Freire, e nas pegadas da Teologia da Esperança de Moltmann,
surge a Teologia de Libertação “ecumênica centrada na esperança e na liberdade”.
Seguindo essa sequência, será identificado o diálogo existente entre a pedagogia de
Paulo Freire, a Teologia da Esperança e a Teologia da Libertação.

Ahlert (2010, p. 1-2) elaborou um estudo sobre a formação docente que vem
ao encontro do objetivo desta pesquisa, pois propõe o diálogo da pedagogia e
teologia, tendo como tema a esperança com base nos conceitos de Paulo Freire e
Jürgen Moltmann. Ele afirma que diante dos desafios da educação para o século
XXI, dentre os de questões subjetivas, uma questão fundamental que deve ser
tratada é a esperança.

Jürgen Moltmann, considerado um dos principais teólogos do século XX,


nasceu em 1926, em Hamburgo, na Alemanha; em 1967, tornou-se professor de
teologia sistemática na Universidade de Tübingen. Sua obra “Teologia da
Esperança”, publicada em 1964, destaca a importância da escatologia na doutrina
bíblica do Novo Testamento. Além de defender a realização do Reino de Deus como
promessa fundamental da Bíblia e uma escatologia não baseada em “fatos
concretos remetidos para os finais dos tempos, mas como um impulsionador para a
teologia que sustente a ação cristã no mundo” (AHLERT, 2010, p. 3)

Moltmann (1971, p.8) afirma que o ser humano entra no caminho da


verdadeira vida por meio da fé, uma fé resignada, que não foge da realidade. A única
forma de se conservar neste caminho, escreve Moltmann, é pela esperança, “quem
espera em Cristo não pode mais contentar-se com a realidade dada, mas sofre por
causa dela e começa a contradizê-la”.

Esta esperança transforma a realidade de quem a tem, pois este não se


71

acomoda diante das atrocidades e sofrimentos da vida, como se fossem coisas


naturais, imutáveis e inquestionáveis, aceitando tudo passivamente, mas busca o
confrontamento dessa realidade para transformá-la (AHLERT, 2010, p. 5).

Para Moltmann (1971, p. 23), é a esperança que conserva a fé, sustenta-a em


vida e a impele para frente. Nas suas palavras, é ela “que introduz o crente na vida
de amor, também deve ser a esperança que mobiliza e impulsiona o pensamento da
fé, o conhecimento e a reflexão sobre o ser do homem, da história e da sociedade.”

Dessa forma, o educador, quer seja secular ou teológico, tem um papel


fundamental em transformar a realidade dos educandos, incentivando-os na busca
pela liberdade, pela verdade e pela cidadania (AHLERT, 1010, p. 5-6). Caso
contrário, contribuirá para a perpetuação do produto dessa sociedade, tal qual a
educação bancária conceituada por Freire.

A ideologia que favorece o ambiente de opressão procura tirar a possibilidade


de sonho dos oprimidos ou permite sonhos que possam ser controlados e
direcionados. Por isso a relevância de uma teologia que resgate a utopia, a
esperança em um novo mundo possível. (AHLERT, 2010, p. 6)

Ahlert (2010, p. 4-5), referindo-se à obra “Pedagogia do Oprimido” e da


retomada dessa com a “Pedagogia da Esperança”, em 1992, defende que sua
proposta de transformação cultural humanista e libertadora, tanto para opressores
como para oprimidos, e da apresentação da esperança como elemento fundamental
para a ação educadora, está alinhada com as ideias de Moltmann apresentadas na
Teologia da Esperança.

Freire realça a importância da esperança para prática pedagógica, assim


como Moltmann o faz para a prática teológica:

A esperança de produzir o objeto é tão fundamental ao operário quão


indispensável é a esperança de refazer o mundo na luta dos oprimidos e
das oprimidas. Enquanto prática desveladora, gnosiológica, a educação
sozinha, porém, não faz a transformação do mundo, mas esta a implica.
(FREIRE, 1998, p.32).

Uma das tarefas da educação popular progressista, ontem como hoje, é


procurar, por meio da compreensão crítica de como se dão os conflitos
sociais, ajudar o processo no qual a fraqueza dos oprimidos se vai tornando
força capaz de transformar a força dos opressores em fraqueza. Esta é uma
esperança que nos move (FREIRE, 1998, p.126).

A matriz da esperança é a mesma da educabilidade do ser humano: o


72

inacabamento de seu ser de que se tornou consciente. Seria uma agressiva


contradição se, inacabado e consciente do inacabamento, o ser humano
não se inserisse num permanente processo de esperançosa busca. Este
processo é a educação. [...] nunca, talvez, tenhamos tido mais necessidade
de sublinhar, na prática educativa, o sentido da esperança do que hoje
(FREIRE, 2000, p.114).

A Teologia da Libertação surge no mesmo contexto que gerou a pedagogia da


libertação, isto é, durante o movimento desenvolvimentista 6. Esse movimento gerava
mais riquezas aos que já eram ricos, aliado aos discursos populistas que não
cumpriam com as promessas, aumentavam as insatisfações do povo, bem como
expectativas transformadoras e de libertação.

Teixeira (2010, p. 2) reforça que:

A TdL nasce num momento histórico bem favorável, marcado pela irradiação
de uma consciência libertadora muito ampla. Eram tempos de descoberta
real e exigente do mundo do outro, sobretudo dos mais pobres e
marginalizados. Acompanhando as experiências históricas inovadoras
estava uma reflexão teórica singular, que apontava com vigor os limites do
desenvolvimentismo que marcou o clima de otimismo da década de 50
(TEIXEIRA, 2010, p. 2).

[...] A reflexão da TdL estará intimamente articulada com a afirmação e


crescimento dos movimentos sociais e populares de libertação dos anos 60,
de majoritária inspiração socialista. A título de exemplificação podem ser
lembradas as fecundas experiências relacionadas ao trabalho de educação
popular (vinculadas a Paulo Freire), a experiência das CEBs (comunidades
eclesiais de base), do MEB (Movimento de Educação de Base) e da Ação
Católica especializada, em particular a JUC (Juventude Universitária
Católica), JEC (Juventude Estudantil Católica) e JOC (Juventude Operária
Católica) - (TEIXEIRA, 2010, p. 3).

O processo de conscientização, que Freire aponta como necessário para o


reconhecimento da situação-limite, o rompimento com a situação atual e a busca de
transformação da realidade, é similar ao que acontece também com o
desenvolvimento da Teologia da Libertação:

Os teólogos da libertação percebem na ocasião, com nitidez, que o desnível


entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos vem radicalizado pelas
relações de dependência e que só uma “análise de classes” poderia captar
a dinâmica de oposição entre os povos oprimidos e dominantes. Daí a
aposta feita no movimento de libertação, entendido como processo de
transformação profunda da realidade. Para os teólogos latino-americanos, a
libertação era o instrumento necessário para a ruptura das condições
sociais que marginalizavam e oprimiam os segmentos pobres do continente
(TEIXEIRA, 2010, p. 2).

6
O movimento desenvolvimentista, de caráter nacionalista, ocorreu no Brasil no inicio da década de
1950, e foi fundamentado no processo de substituição de importações e teve efeitos significativos
sobre a economia do estado e na matriz produtiva. Maiores detalhes na seção 4.3 desta
dissertação.
73

Conforme Leonardo e Clodovis Boff, com a Teologia da Libertação a teologia


passou a contribuir de forma mais significativa com os problemas sociais. “[...] Isso
porque a teologia resolveu tomar a sério os grandes problemas que agitam os
grupos sociais” (Boff e Boff, 1985, p.40).

Para Libânio (1985, p. 54) a teologia tem como missão construir um mundo
mais humano, sendo que “o papel da fé está em motivar o cristão para
comprometer-se mais seriamente com esse mundo, com a tarefa da justiça e do
amor, com o bem dos semelhantes”. Com a Teologia da Libertação os cristãos
saíram da teoria para a prática do social, indo ao encontro da realidade de opressão,
exclusão e sofrimento que viviam os semelhantes, num processo de busca pela
humanização.

Floristán (2002, p. 185-188) reforça essa ideia ao afirmar que, à luz da bíblia,
é necessária uma reflexão crítica sobre a prática da fé, pois esta tem como objeto
histórico a libertação do oprimido de sistemas injustos para a criação de uma
sociedade mais humana e justa, fundamentada no reino de Deus. A essência da fé é
a prática da esperança e amor ao próximo, afirma que o verdadeiro cristão pratica o
amor nas relações sociais mediante ações práticas que valorizem a humanização.

De acordo com Gutiérrez (1983, p. 62-72), a Teologia da Libertação parte do


pressuposto de que a igreja deve ir ao auxílio do resgate dos oprimidos subjugados
pelos opressores, transformando essa realidade de injustiça social, pois de outra
forma servirá à ideologia dominante, uma teologia racional e necrófila. Para
Gutiérrez (1983, p. 72), a igreja não pode ficar alienada do que acontece no mundo,
mas deve contribuir para a construção de uma sociedade justa “[...] A Igreja é do
mundo: em certo sentido, a Igreja é o mundo: a Igreja não é um não-mundo”.

Paulo Freire defende a pedagogia como auxiliar da transformação da


realidade social. Gutiérrez afirma que a teologia deve superar sua rigidez, estar
pronta para responder a novas questões que se levantam pela situação de injustiça
e agir no processo de libertação do ser humano.

Dessa forma, fica evidenciado que os “temas geradores”, esperança e


libertação, são fundamentais tanto para a pedagogia como para a teologia. Estas
duas ciências têm como missão contribuir para uma sociedade mais justa e
igualitária. O diálogo entre elas colabora no alcance do objetivo principal de ambas.
74

3.2 Vida e obra de Paulo Freire

Segundo Paiva (1986, p. 9), todo trabalho intelectual pode ser esclarecido por
meio da história de vida do autor. Por isso nesta seção será descrita, de forma
resumida, parte da vida e obras do educador Paulo Freire.

Paulo Freire nasceu em 19 de setembro de 1921, em Recife, e morreu devido


a uma parada cardíaca em São Paulo, no dia 2 de maio de 1997. Torres, que se
define como amigo de Freire, ao lamentar a sua morte define algumas de suas
características:

[...] Paulo era nosso amigo, um homem maravilhoso e espiritual que inspirou
toda uma geração de educadores críticos. Foi um pedagogo que alargou as
nossas percepções do mundo, alimentou os nossos desejos, aclarou a
nossa consciência das causas e consequências do sofrimento humano e
iluminou a necessidade de desenvolver uma pedagogia ética e utópica para
a mudança social. A sua morte deixou-nos as memórias dos seus gestos
vivos, da sua voz apaixonada, da sua face de barba branca parecendo a de
um profeta, bem como a herança dos seus maravilhosos livros socráticos
(TORRES7, 2003, p. 210-211).

Paulo Freire, filho de Joaquim Temístocles Freire, espiritista, e de Edeltrudes


Neves Freire, de Pernambuco, católica. Freire afirma que com seus pais aprendeu o
diálogo que mantinha com o mundo, com a família, demais seres humanos e com
Deus. O respeito de seu pai pelas crenças religiosas da mãe o ensinou desde a
infância a respeitar as opções dos demais (FREITAS, 2004, p. 27).

A crise econômica de 1929 trouxe amargas situações de sofrimentos para


Freire, período em que mudou para Jaboatão a procura de melhores condições.
Neste período seu pai falece, Freire passa fome e, com essa experiência, aprende a
compreender o sofrimento dos outros. Como professor de português, tomou gosto
pelo estudo da língua, ao mesmo tempo, que com os proventos ajudava o sustento
da família (FREITAS, 2004, p. 27).

Em 1944 casou-se, aos 23 anos de idade, com Elza. Tiveram cinco filhos e
Freire afirma ter prosseguido o diálogo que aprendera com seus pais. A partir do
casamento, começa a preocupar-se e envolver-se mais ativamente com os
7
Carlos Alberto Torres é diretor do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade da
Califórnia Los Angeles – UCLA. Ele tem publicado cerca de 40 livros e centena e meia de artigos
de pesquisa.
75

problemas da educação (FREITAS, 2004, p.28). A experiência de vida de Paulo


Freire influencia seu modo de conceber a pedagogia, uma busca da vocação
ontológica a partir das fragilidades e dificuldades do cotidiano dos seres humanos,
valorizando-os como sujeitos de sua própria história.

Em 1956, Paulo Freire havia integrado o Conselho Consultivo de Educação


do Recife. Em 1959, defende sua tese de concurso para a cadeira de História e
Filosofia da Educação na Escola de Belas Artes de Pernambuco, cujo título era
“Educação e Atualidade Brasileira” (SOUZA, 2001, p. 37). Segundo Souza (2001, p.
43), nessa tese de Freire “estão plasmados os princípios e descobertas
fundamentais de sua concepção de educação, mais tarde radicalizados na
Pedagogia do Oprimido e em outros livros”.

A portaria com sua nomeação é assinada em novembro de 1960. Toma posse


como professor efetivo em 02 de janeiro de 1960. Mesmo ano em que é nomeado
Diretor da Divisão de Cultura e Recreação do Departamento de Documentação e
Cultura da Prefeitura Municipal de Recife. Aos 23 de abril de 1962 toma posse como
livre-docente (SOUZA, 2001, p. 37).

Em 1963, Paulo Freire é designado como Conselheiro Pioneiro do Conselho


Estadual de Pernambuco, pelo Governador Miguel Arraes, que também escolheu
outros 14 membros para o conselho, além de participar ativamente do Movimento
Cultura Popular do Recife. Freire também coordenava o Programa Nacional de
Alfabetização do governo João Goulart. Em 1964, com o golpe militar, Miguel Arraes
e Paulo Freire são presos. Freire depois de 72 dias na cadeia vai para o exílio, que
durou 16 anos (SOUZA, 2001, p. 37).

Em 1969, Paulo Freire trabalhou como professor na Universidade de Harvard,


relacionando-se com numerosos grupos engajados em novas experiências
educacionais. “Durante os 10 anos seguintes, foi Consultor Especial do
Departamento de Educação do Conselho Mundial das Igrejas, em Genebra (Suíça)”,
período em que também prestou consultoria a vários países, em especial em países
da África (ao mesmo tempo, deu consultoria educacional junto a vários governos do
Terceiro Mundo, principalmente na África). Como exemplo, na década de 70, Paulo
Freire foi conselheiro do governo revolucionário de Guiné-Bissau e essa experiência
76

resultou em “um dos seus mais populares livros, Cartas à Guiné-Bissau – Registro
de uma experiência em processo” (TORRES, 2003, p. 211).

Paulo Freire retorna do exílio em 1980, e como os demais exilados que


retornaram, começa a luta pela redemocratização do Brasil e a busca pela emersão
do povo na vida política nacional, uma época de nova esperança para os
trabalhadores (SOUZA, 2001, p. 66).

Para Torres (1997, p. 40), se John Dewey foi o protagonista da pedagogia na


primeira metade do século XX, não é exagero afirmar que “Paulo Freire tem sido o
catalisador, senão o animateur principal para a inovação e a transformação
pedagógica na segunda metade do século XX”. Saul (2008, p. 17) vai além ao
afirmar que “Paulo Freire foi o maior educador deste século, um nome de expressão
mundial na área de educação, que teve uma vida intensa e deixou uma obra vasta e
densa”.

Torres (1997, p. 40) comenta que Freire recebeu inúmeros diplomas de doutor
honoris causa, condecorações e prêmios por seu trabalho, incluindo o Prêmio da
Paz da Unesco em 1987. Em 1985 recebe o prêmio Educação Cristã nos Estados
Unidos junto com sua esposa Elza, que veio a falecer no ano seguinte, em 1986.
Dois anos depois, em 1988, casa-se com sua orientanda do programa de mestrado
da PUC-SP, a pernambucana Ana Maria Araújo.

Em 1989, após a vitória do Partido dos Trabalhadores (do qual era membro
desde 1979) nas eleições municipais de 1988, foi nomeado secretário da Educação
da cidade de São Paulo, por suas características de pedagogo socialista e um dos
criadores da educação popular na América Latina que, “também inspirou o
desenvolvimento da Teologia da Libertação” (TORRES, 2003, p. 211-212). Em 1991,
foi fundado em São Paulo o Instituto Paulo Freire com intuito de disseminar as ideias
do educador.

Segundo Torres (2003, p. 212), as repercussões do trabalho pedagógico


inovador de Paulo Freire como secretário de educação ainda se fazem sentir em
São Paulo, “particularmente ao nível do currículo, à formação de professores,
administração escolar e alfabetização, o que ligou os movimentos sociais ao
Estado”. Souza (2001, p. 66) afirma que na função de secretário de educação da
77

cidade de São Paulo foi possível implementar o que havia proposto em sua tese
“uma educação organicamente ligada à contextura histórico-social”.

Depois de dois anos e meio da gestão, Paulo Freire deixou o cargo de


secretário para se dedicar novamente ao exercício da docência na PUC de São
Paulo, por entender que a equipe da secretaria estava em condições de continuar o
trabalho iniciado por ele (SAUL, 2008, p.27).

Souza (2001, p. 67) apresenta uma relação do legado que Paulo Freire
deixou após sua trajetória como educador:

a) uma profunda crença na pessoa humana e na sua capacidade de educar-


se como sujeito da história;
b) uma postura política firme e corrente com as causas do povo oprimido,
temperada com a capacidade de sonhar e de ter esperança;
c) a ousadia de fazer e de lutar pelo que se acredita. E, junto com isto, a
humildade de quem sabe que nenhuma obra grandiosa se faz sozinho, mas
que é preciso continuar aprendendo sempre;
d) um jeito do povo se educar para transformar a realidade – uma
pedagogia que valoriza o saber do povo, ao mesmo tempo em que o desafia
a saber sempre mais;
e) uma preocupação especial com a superação do analfabetismo, e com
uma pedagogia que alfabetize o povo para ler o mundo.

Este legado de Paulo Freire está registrado em suas obras. A Wikipédia traz
uma relação de suas obras:

a) 1959: Educação e atualidade brasileira. Recife: Universidade Federal do


Recife, 139p. (tese de concurso público para a cadeira de História e
Filosofia da Educação de Belas Artes de Pernambuco).
b) 1961: A propósito de uma administração. Recife: Imprensa Universitária,
90p.
c) 1963: Alfabetização e conscientização. Porto Alegre: Editora Emma.
d) 1967: Educação como prática da liberdade. Introdução de Francisco C.
Weffort. Rio de Janeiro: Paz e Terra, (19 ed., 1989, 150 p).
e) 1968: Educação e conscientização: extencionismo rural. Cuernavaca
(México): CIDOC/Cuaderno 25, 320 p.
f) 1970: Pedagogia do oprimido. New York: Herder & Herder, 1970
(manuscrito em português de 1968). Publicado com Prefácio de Ernani
Maria Fiori. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 218 p., (23 ed., 1994, 184 p.).
g) 1971: Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1971. 93
p.
h) 1976: Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Tradução de
Claudia Schilling, Buenos Aires: Tierra Nueva, 1975. Publicado também no
Rio de Janeiro, Paz e terra, 149 p. (8. ed., 1987).
i) 1977: Cartas à Guiné-Bissau. Registros de uma experiência em processo.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, (4 ed., 1984), 173 p.
j) 1978: Os cristãos e a libertação dos oprimidos. Lisboa: Edições BASE,49
p.
k) 1979: Consciência e história: a práxis educativa de Paulo Freire
(antologia). São Paulo: Loyola.
l) 1979: Multinacionais e trabalhadores no Brasil. São Paulo: Brasiliense,
226 p.
78

m) 1980: Quatro cartas aos animadores e às animadoras culturais.


República de São Tomé e Príncipe: Ministério da Educação e Desportos,
São Tomé.
n) 1980: Conscientização: teoria e prática da libertação; uma introdução ao
pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Moraes, 102 p.
o) 1981: Ideologia e educação: reflexões sobre a não neutralidade da
educação. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
p) 1981: Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
q) 1982: A importância do ato de ler (em três artigos que se completam).
Prefácio de Antonio Joaquim Severino. São Paulo: Cortez/ Autores
Associados. (26. ed., 1991). 96 p. (Coleção polêmica do nosso tempo).
r) 1982: Sobre educação (Diálogos), Vol. 1. Rio de Janeiro: Paz e Terra ( 3
ed., 1984), 132 p. (Educação e comunicação, 9).
s) 1982: Educação popular. Lins (SP): Todos Irmãos. 38 p.
t) 1983: Cultura popular, educação popular.
u) 1985: Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 3ª
Edição
v) 1986: Fazer escola conhecendo a vida. Papirus.
x) 1987: Aprendendo com a própria história. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
168 p. (Educação e Comunicação; v.19).
y) 1988: Na escola que fazemos: uma reflexão interdisciplinar em educação
popular. Vozes.
z) 1989: Que fazer: teoria e prática em educação popular. Vozes.
aa) 1990: Conversando com educadores. Montevideo (Uruguai): Roca Viva.
bb) 1990: Alfabetização - Leitura do mundo, leitura da palavra. Rio de
Janeiro: Paz e Terra.
cc) 1991: A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 144 p.
dd) 1992: Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do
oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra (3 ed. 1994), 245 p.
ee) 1993: Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo:
Olho d'água. (6 ed. 1995), 127 p.
ff) 1993: Política e educação: ensaios. São Paulo: Cortez, 119 p.
gg) 1994: Cartas a Cristina. Prefácio de Adriano S. Nogueira; notas de Ana
Maria Araújo Freire. São Paulo: Paz e Terra. 334 p.
hh) 1994: Essa escola chamada vida. São Paulo: Ática, 1985; 8ª edição.
ii) 1995: À sombra desta mangueira. São Paulo: Olho d'água, 120 p.
jj) 1995: Pedagogia: diálogo e conflito. São Paulo: Editora Cortez.
kk) 1996: Medo e ousadia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987; 5ª Edição.
ll) 1996: Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
mm) 2000: Pedagogia da indignação – cartas pedagógicas e outros escritos.
São Paulo: UNESP, 134 p.

A importância de seu trabalho fica evidenciada pelo fato de suas principais


obras (Pedagogia do Oprimido, Educação para uma consciência crítica e Pedagogia
em processo: Cartas da Guiné-Bissau, entre outras) terem sido traduzidas para
diversos idiomas, como inglês, alemão, italiano, espanhol, coreano, japonês e
francês (TORRES, 1997, p. 40). Outra questão da vida de Paulo Freire importante
para esta pesquisa é a questão de gênero.

Freire (1998, p. 66-67) comenta sobre as críticas recebidas com relação à


forma de escrita da obra “Pedagogia do Oprimido” com relação às questões de
gênero (linguagem machista). Ele concorda com as críticas recebidas, reconhece
que a linguagem utilizada é realmente machista, agradece a contribuição e solicita
79

às editoras da obra para que “superem” sua linguagem e afirma que “mudar a
linguagem faz parte do processo de mudar o mundo. A relação entre linguagem-
pensamento-mundo é uma relação dialética, processual, contraditória” (FREIRE,
1998, p. 68).

Pelo exposto, fica evidenciado que a experiência de vida de Paulo Freire é


refletida em suas obras e na forma de entender a pedagogia também como teologia.

3.3 O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DE PAULO FREIRE

Para Paiva (1986, p. 9), a pedagogia de Paulo Freire, para ser entendida, não
pode ser desvinculada do movimento de ideias ocorrido durante a década de 1950,
em especial a ideologia do nacionalismo-desenvolvimentista, que fora desenvolvida
e divulgada por um núcleo de intelectuais agrupados institucionalmente no Instituto
Superior de Estudos Brasileiros - ISEB . Cruz8 (2010, p. 10) afirma que:

Ao refletirmos sobre a temática Brasil Nacional-Desenvolvimentista (1947-


1964) fica-nos a impressão que as aspirações à “modernidade” foram o eixo
central dos quarenta anos que se seguiram à Segunda Grande Guerra. Com
efeito, o projeto Nacional-Desenvolvimentista se esgota na década de 60,
sem incorporar parcelas significativas da população brasileira ao projeto
societário de civilização burguesa, tão caro às democracias ocidentais no
século XX. Neste sentido, é desafiante observar na sociedade brasileira que
os postulados constitucionais que garantem a educação como um bem da
civilização indispensável para a cidadania não são, radicalmente,
concretizados, tendo este impasse alcançado o século XXI.

Segundo Vizentini (1994, p. 25-26), com o incremento da urbanização devido


ao aumento da industrialização, aliado à afirmação de uma burguesia industrial e de
uma jovem classe operária e o aumento da participação popular, os conflitos sociais
se intensificaram. O sistema político é obrigado a buscar uma solução para conter os
conflitos, então o Presidente da República da época, Getúlio Vargas, retoma o
projeto de desenvolvimento industrial por substituição de importações.

O presidente Vargas após acordos fracassados com os Estados Unidos e


acirrados conflitos internos se suicida. As reações conservadoras, interna e externa,

8
Doutora em Educação, PUC/S. Paulo. Pesquisadora e colaboradora junto ao Grupo de Estudos e
Pesquisas, História, Sociedade e Educação no Brasil - Histedbr/Unicamp/UFS.
80

que se seguiram “[...] evidenciaram que a barganha nacionalista havia se tornado


uma política incômoda para o status quo internacional hegemonizado pelos Estados
Unidos” (VIZENTINI, 1994, p. 26).

Segundo Ianni (1975, p. 9):

[...] sob vários aspectos, o populismo Latino-Americano parece


corresponder a uma etapa específica na evolução das contradições entre a
sociedade nacional e a economia dependente. A natureza do governo
populista está na busca de uma nova combinação entre as tendências do
sistema social e a determinação da dependência econômica.

O próprio Paulo Freire afirma que a industrialização e a urbanização do país


passaram a exigir uma educação em curto prazo para atender a demanda criada:

[...] As massas de migrantes deveriam ser educadas em curto prazo para se


integrarem no progresso. Falava-se bastante em educação de adultos. Essa
educação de adultos buscava apontar uma relação entre educar pessoas
com vistas à transformação (o progresso) da sociedade inteira (FREIRE e
NOGUEIRA, p. 16).

Na época, o analfabetismo no Brasil chegava próximo aos 50%, isso deu


origem à concepção de educação de Paulo Freire e seu método de alfabetização em
40 dias. Entretanto, essa preocupação não era somente dele, pois esse número
significativo de analfabetos trazia consigo grandes preocupações políticas, mas para
a dominação. Segundo Paiva (1986, p. 23) a posição cristã de Paulo Freire, bem
como as tensões entre ele e os comunistas, durante a campanha de Arrais para o
Governo de Pernambuco, servia “como segurança contra as suspeitas de
‘subversividade’ do método”.

Dupas (2005, p. 16) afirma que, na década de 1960, houve indícios de


barganhas para obter ajudas ao desenvolvimento “[...] que a confrontação ideológica
permitia e incentivava -, os países subdesenvolvidos fizeram germinar uma tentativa,
a partir da periferia, de induzir em nível sistêmico um direito de crescer e
desenvolver”.

Conforme Vizentini (1994, p. 27-35), o projeto de desenvolvimento industrial


por substituição de importações coincide, no início da década de 1960, com a
política dos Estados Unidos denominada de “Aliança para o progresso”. A
experimentação do método de Paulo Freire foi parcialmente financiada por uma
agência norte americana para o desenvolvimento internacional (US. Agency for
81

International Development). Sobre a influência norte-americana neste período


Borges (2010, p. 25) conclui:

[...] a hegemonia norte-americana primou aqui por seu interesses,


principalmente comerciais, industriais, multinacionais. Chegou mesmo a
criar uma espécie de mecanismo que respaldasse suas iniciativas na
América Latina, a organização dos Estados Americanos. Esta se mostrou
falha, frágil e um mero instrumento de manipulação, mais a serviço do
centro hegemônico do que dos próprios países latino-americanos que a
compunham. [...] Esse capitalismo dependente foi propagador do
desenvolvimentismo, cuja ideologia é difundida pelos meios de
comunicação e defendida pelos aparelhos ideológicos e repressivos de
nossos países latino-americanos. Esse capitalismo, importado dos Estados
Unidos da América ou imposto a nossa região. Além de ditar uma política
econômica, os Estados Unidos são responsáveis por toda uma indústria
cultural, que desfigura a identidade de nossos povos.

A crise no contexto internacional e os conflitos sociais internos culminaram na


interrupção temporária desse projeto diplomático com o golpe militar de 1964. Paulo
Freire refugia-se na embaixada da Bolívia, sendo considerado “subversivo
internacional”, traidor de Cristo e do povo brasileiro (FREITAS, 2004, p.28).

Conforme Paiva (1986, p. 9-10), apesar dos esforços de pedagogos e


pedagogas em implantar o método de Freire, estes acabavam por desvirtuar os
objetivos propostos pelo método devido à formação recebida, produto da reprodução
da estrutura social de desigualdade e exploração: “a formação pedagógica
certamente dificultou os profissionais da educação a apreensão do significado social,
político e mesmo pedagógico do trabalho de Freire”. Uma geração que não foi
educada para compreender que as ideias pedagógicas estão relacionadas com as
histórias das ideias filosóficas, sociais e políticas, ou seja, a educação como um
processo de socialização (PAIVA, 1986, P.11). Realidade que começou a mudar
após a década de 1970:

Aos estudantes dos anos 70, leitores de A reprodução de


Bourdieu/Passeron, dos textos de Poulantzas e Althusser sobre os AIE,
contemporâneos da descoberta de Gramsci como pensador da educação
popular, alunos que não tiveram que enfrentar os compêndios de sociologia
de Ogburn e Ninkoff como árido e pouco útil pão quotidiano, certamente
parecerá estranho este duro processo de descoberta do social a partir do
pedagógico. (PAIVA, 1986, P. 11)

O próprio Paulo Freire fala sobre a necessidade de entender o contexto em


que sua ideia pedagógica foi formada para poder melhor compreendê-la:

[...] Era um momento realmente importante. A nível nacional, estávamos


com um governo populista (João Goulart), com todas as ambiguidade que o
populismo tem. A liderança populista chama com uma mão, reprime com a
82

outra, amacia com outra, convida com a outra, é esse negócio que a gente
sabe. Agora, o trabalho do Movimento de Cultura Popular, de modo geral, e
também na universidade, onde eu dirigia o Serviço de Extensão Cultural,
que assumia essa alfabetização, nos moldes em que falei, tudo isso, no
fundo, era eminentemente político. É interessante observar isso para que os
prováveis leitores deste livro nosso saibam que, se para eles, hoje, é
absolutamente óbvio que a educação tem uma natureza política, essa
obviedade não era tão óbvia na minha geração. Serve, também, para
chamar a atenção dos jovens que estão fazendo as suas dissertações e que
querem analisar o quadro d vinte anos atrás com os instrumentos de que
dispões hoje (FREIRE e BETTO, 1986, p. 17).

O surgimento do método de Freire coincide com um período de intensificação


da repressão e do cerceamento das liberdades. O esvaziamento de agrupações
políticas e formulações intelectuais foram algumas das ações tomadas pelo governo,
com o objetivo de conter o despertar das pessoas por ideias emancipadoras, como o
próprio método freireano. Mas a tática do governo tem efeito contrário e aumenta o
fascínio de muitos pelas ideias pedagógicas, como as de Paulo Freire (Paiva, 1986,
p. 11-12).

A prática educacional de Freire de alfabetizar adultos pobres e menos


favorecidos, em contextos não formais de educação, o conduz a sofrimentos e
perseguição pelo regime militar no Brasil (1964-1985), sendo preso e forçado ao
exílio no Chile, onde trabalhou por cinco anos no Instituto Chileno para a Reforma
Agrária - ICIRA. Segundo Paiva (1986, p. 15) o exílio serviu para levar Freire a
vários países onde suas ideias foram bem recebidas com entusiasmo, sendo
difundidas inicialmente pela América Latina, em seguida nos Estados Unidos e por
fim na Europa.

No entanto, o exílio lhe foi frutífero na escrita do livro “Pedagogia do


Oprimido”. Considerada sua principal obra, é resultado de observações, nos cinco
anos de exílio, acrescentadas à experiência anterior nas atividades educativas no
Brasil. O livro foi escrito para aprofundar alguns pontos discutidos na sua obra
anterior: “Educação como Prática da Liberdade” (FREIRE, 2005, p. 23).

Segundo Paiva (1986, p. 12), as críticas do método por onde deixou seu
rastro (Chile, Peru, México, Tanzânia, Guiné-Bissau) auxiliaram Freire na revisão de
suas ideias e atuação pedagógica. A vasta experiência de Paulo Freire em educação
lhe proporcionou condições para elaborar uma síntese inovadora das mais
importantes correntes do pensamento filosófico de sua época que, somada ao dom
83

da escrita, influenciou e continua influenciando um grande público de pedagogos,


cientistas sociais, teólogos, militantes políticos, entre outros.

Ainda segundo Paiva (1986, p. 16), a aceitação entusiástica das ideias de


Freire ocorreu por um conjunto de fatores, como por exemplo, a ênfase na formação
da consciência política e social aplicável nos países desenvolvidos - “em face da
crescente opacidade das relações econômico-sociais no capitalismo avançado”, a
universalidade da solução pedagógica apresentada, utilização de conceitos e
categorias familiares à tradição teórica europeia, entre outros.

Paiva (1986, p. 16) destaca também a influência de Freire na Alemanha, onde


suas ideias agradam leitores com as mais diversas orientações, dando ênfase para
o diálogo com a Escola de Frankfurt, respeitada a superficialidade da proximidade,
devido à diversidade de níveis dos temas tratados e diferenciação das fontes
histórico-sociais e políticas e as influências por elas recebidas:

[...] Por um lado, ele podia ser identificado com a variante pedagógica da
crítica da cultura que apresenta o fantasma da massificação em oposição ao
ideal de construção de personalidades autônomas; por outro, ele tocava
leve em temas e questões que deram à Escola de Frankfurt a sua feição
característica. Assim, ele se ocupa da manipulação em grande escala
possibilitada pela sociedade industrial, partilha do ceticismo em relação às
formas de socialismo existentes, preocupa-se com as manifestações de
autoritarismo em nome de uma posição pedagógica não-autoritária, aborda
(à sua maneira) os problemas de comunicação interclasses, resultantes de
processos de socialização específicos de acordo com cada classe social e
traduzidos na sua linguagem, nos seus valores, etc., ao mesmo temo que –
através da apresentação de um método de educação política – responde de
forma positiva, otimista, ao pessimismo, à dialética negativa frankfurtiana.

Andreola e Heinz (2010, p. 1), ao falarem sobre processo histórico de


libertação dos povos latino-americanos, afirmam que Freire influenciou pensadores
tanto da teologia como da filosofia e outras áreas afins, mas sua paixão maior era a
teologia.

Tal processo de libertação teve suas expressões teóricas através da


Filosofia da Libertação, da Teologia da Libertação, da Pedagogia da
Libertação, da Psicoterapia do Oprimido de A. Moffatt, do Teatro do
Oprimido de A. Boal, das Comunidades de Base e de um leque imenso de
obras compreendidas sob o título “Educação Popular”. Em todos estes
campos são marcantes as referências ao pensamento de Paulo Freire, em
especial à Pedagogia do Oprimido. Trata-se de influencias em dupla mão,
ou seja, o pensamento de Freire inspira todos estes movimentos, na linha
da ação transformadora e da reflexão crítica. Mas ao mesmo tempo, Freire
se alimenta do diálogo com os pensadores dessas diferentes áreas. Ele
próprio se diz um apaixonado da teologia. (grifo do autor)

A paixão de Freire pela teologia trouxe contribuições significativas para o


84

fazer teológico, conforme será tratado a seguir.

3.4 PAULO FREIRE E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O FAZER TEOLÓGICO

Segundo Schipani (1988, p. 10), Paulo Freire tanto contribuiu para a


reformulação da prática pedagógica como para o desenvolvimento da Teologia da
Libertação, em uma abrangência internacional. Assim, qualquer análise de uma
educação religiosa para emancipação do ser humano deve partir dos conceitos de
Freire.

Ahlert (2010, p. 6-7) justifica a aproximação da teologia e da pedagogia pela


sustentação das inter-relações estabelecidas na teoria e prática pedagógica
freireana com a reflexão teológica emergente na América Latina e internacional. Cita
atuação de Freire no Conselho Mundial de Igrejas (CMI) por um período de dez
anos, o que demonstra a sua universalidade.

Andreola e Ribeiro (2005, p. 109) reforçam essa universalidade de Freire: “[...]


A partir de Genebra, Paulo projetou-se na história da educação no século XX como
um cidadão do mundo”.

Segundo Streck (2001, p. 33), o CMI, além de seu envolvimento com os


movimentos de libertação nas igrejas e por meio delas, também estava envolvido
com “[...] organizações que lutavam pela libertação fora do contexto estritamente
eclesial, naquilo que se chamava ecumenismo de base’’. Neste contexto, a
participação de Freire proporcionou um profundo diálogo entre a pedagogia e a
teologia, construindo importantes projetos de libertação e emancipação do ser
humano.

Assim, pedagogia e teologia compreendidas como educação “[...] construída


sobre uma visão de ser humano e de sociedade na relação explícita com a fé cristã
na perspectiva do Reino de Deus” (STRECK, 1994, p.14), constituem-se de reflexão
interdisciplinar carregada de ressignificações para a educação e áreas afins.

Para Ahlert (2010, p. 4), o diálogo que tem como sustentação o referencial da
85

esperança “[...] possibilita refazer a reflexão, superar as contradições, evidenciar


novas perguntas e acrescentar novas dimensões à formação docente com o intuito
de superar sua crise”. Em outras palavras, a educação pode resgatar o sentido do
ser humano, dos sonhos da humanidade, das utopias sociais necessárias para uma
transformação eficaz das estruturas que desumanizam e diminuem o ser humano.

Quando se trata de conscientização para libertação do ser humano e de


questões que devem ser rompidas, como a desumanização criada por meio da
dominação sustentada por ideologias que tornam os seres humanos alienados e
explorados, não é possível tratar isso somente por uma disciplina da área de
humanas, separada das demais disciplinas afins. Se não de forma interdisciplinar e
integrada, pois o objeto de estudo, na sua essência, é a existência humana e a
forma como os seres humanos se relacionam.

Segundo Espírito Santo (2005, p. 13-14), as ideias de Freire estão


nitidamente marcadas por sua fé cristã e trazem consigo a presença do sopro divino.
Afirma que o método Freire não é útil somente para alfabetização, pois vai além de
proporcionar uma formação educacional básica ao ser apresentada como “um novo
e consistente caminho (método) de pesquisa dos fenômenos humanos, e porque
não, também da teologia”.

De acordo com Schipani (1988, p.15), a visão educacional de Freire, de uma


educação pela libertação, fomenta a consciência crítica, a ação transformadora e a
síntese cultural, levando o indivíduo a reescrever a história de sua vida, e é aplicável
em qualquer projeto educacional. Portanto, pode ser perfeitamente utilizada também
na educação teológica.

Espírito Santo (2005, p. 10), ciente desta convergência, faz uma leitura
teológica da obra mais conhecida de Paulo Freire, a Pedagogia dos Oprimidos,
demonstrando que a teologia e a ação pedagógica libertadora são, totalmente,
compatíveis entre si.

Schipani (1988, p. 18-20) colabora com essa visão, ao afirmar que a


concepção de conscientização de Freire pode ser considerada como autêntica
educação para libertação e com forte implicação na educação religiosa. Ela funciona
como um processo de despertamento do indivíduo, como forma de defesa contra a
instrução manipuladora e ideológica, tornando-se crítica e consciente de como a
86

construção social influencia no modo como vemos a nós mesmos e em nossos


relacionamentos, nossos pensamentos, sentimentos e vontades.

Freire (2005, p. 54) afirma que qualquer ação libertadora, independente da


área, é na sua essência pedagógica. Para Espírito Santo (2005, p. 10) essa
concepção pedagógica freireana é inovadora porque “rompe com o modelo
cartesiano de fazer ciência e constrói seu pensamento com categorias próprias que
transcendem o limite de uma disciplina particular”. Com isso, defende que a
pedagogia não conversa somente com a teologia, mas também com as demais
áreas da ciência.

Rega (2006, p. 115-133), ao comentar sobre os modelos educacionais que


podem ser adotados por um sistema de educação teológica, propõe um modelo que
leve em consideração os aspectos do ser humano de forma mais abrangente, o qual
é denominado de “Modelo Integral de Educação Teológica”. Esse modelo visa a
formação integral do indivíduo e está centrado nas ações pedagógicas de
saber/refletir, conviver, fazer, ser e sentir, bem como sob o ponto de vista intelectual,
social, operacional ou pragmática, pessoal (ontológico) e afetivo.

A questão da escolha dos conteúdos tem muito a ver com o objetivo a ser
alcançado, tanto para a educação secular como para a educação teológica.
Segundo Espírito Santo (2005, p. 15), essa questão foi para Freire e continua sendo
para educadores progressistas, um grande desafio. Paulo Freire (1977, p. 53) afirma
que “o problema fundamental, de natureza política é tocado por tintas ideológicas, é
saber quem escolhe os conteúdos, a favor de quem e de que estará o seu ensino,
contra quem, a favor de que, contra o que.”

O modelo de educação que acredita na liberdade e no povo não interessa a


quem exerce a dominação. Uma educação problematizadora, quer seja teológica ou
não, que parte dos oprimidos em direção do confronto com a opressão é indesejável
para quem detém o poder e o controle. A solução adotada por alguns que não tem
interesse nessa educação, “não podendo negá-la”, tem sido ignorá-la (Espírito
Santo, p. 15-16).

Schipani (1988, p. 21-22) afirma que concepção educacional de Freire vem


contribuir para a transição de uma consciência teológica alienada para uma
consciência crítica da responsabilidade sobre as próprias crenças e atitudes,
87

compromissos e estilos de vida das pessoas:

A pesquisa de Espírito Santo (2005, p. 16), elaborada com base no método de


investigação temática de Freire, realiza uma leitura teológica da obra do pedagogo,
reforça a importância do diálogo da teologia com a pedagogia freireana,
demonstrando que essa aproximação contribui para uma ação pastoral e
educacional libertadora.

Schipani (1988, p. 22) não faz somente elogios para Freire. Afirma que para
manter coerência no objetivo declarado de promover a verdadeira libertação, no que
se refere à educação religiosa, a abordagem de Freire precisa de algumas correções
de rumo, pois em alguns pontos ela tende a se tornar passiva.
Além disso, lamenta a ausência de uma postura crítica em relação aos fundamentos
filosóficos da conscientização na abordagem educacional de Paulo Freire. Segundo
Schipani, embora a estrutura hermenêutica de Freire teoricamente fomente uma
dinâmica do processo de conscientização, que supõe a problematização, a reflexão
crítica e a interpretação, há uma assimilação não crítica do marxismo a partir da
pedagogia do oprimido. Isso, ainda de acordo com Schipani, pode conduzir ao
sectarismo reacionário e fatalista, conforme o próprio conceito da educação
bancária.

Schipani aponta outra falha (1988, p. 22-23), o problema do etnocentrismo,


quando é abordada a questão da visão hierárquica de consciência. Esta indica que
pessoas superiores cognitivamente estão em um nível maior de liberdade e
humanidade, em virtude de sua consciência elevada. O que pode levar à conclusão
que algumas pessoas são mais iluminadas e possuem a chave para a abrir a porta
da compreensão e da transformação.

Questiona, também, o fato da consciência crítica ser uma condição


necessária, mas não suficiente para a libertação e humanização. Afirma que, na
proposta de conscientização de Freire, não é avaliado o envolvimento total da
pessoa em interação social e dado demasiada ênfase para a dor, sonhos e desejos
das pessoas, como situações de opressão sentida por elas, em vez de enfatizar
mais a reflexão crítica, transitividade e consciência como tal. Segundo Schipani
(1988, p.23-24), a abordagem freireana de conscientização enfatiza a racionalidade
cognitiva e verbal.
88

A concepção educacional de Paulo Freire tem um grande potencial para o


desenvolvimento da liberdade e integridade do ser humano, especialmente se
reinterpretada à luz da visão e história cristã por meio da educação religiosa e
teológica (SCHIPANI, 1988, p. 29). Esta reinterpretação possibilitaria a
conscientização da capacidade criativa, dada por Deus a todos os seres humanos, e
assim estes poderiam participar ativamente na luta pela libertação em situações de
opressões e de alienação.

Portanto, a teoria do conhecimento e concepção de educação de Paulo Freire


e a complementação e integração com sua visão da fé cristã, constituem a grande
contribuição para o fazer teológico (SCHIPANI, 1988, p. 30).
89

4. ANÁLISE DE CONTEÚDO DO LIVRO DE JÓ

Nesta seção serão descritas as análises de conteúdo, sob as perspectivas


freireana e evangélica pentecostal. Como não há nenhuma literatura escrita por
Paulo Freire que faça a interpretação do Livro de Jó, será apresentada uma releitura
deste livro sob a ótica de Freire, tendo como pressupostos os seus conceitos
educacionais. Para análise contextual será considerada a fonte que tem gerado
ambiente similar ao do autor.

Em seguida, considerando que a instituição evangélica pentecostal em estudo


é a Igreja Evangélica assembleia de Deus, será descrito um breve resumo histórico
sobre sua fundação e desenvolvimento como instituição, bem como da educação
teológica desenvolvida ao longo desse período, até a utilização das revistas de
escolas bíblica dominicais. Estas revistas, conhecidas como “Lições Bíblicas”, são o
material pedagógico utilizado na transmissão sistemática das doutrinas e princípios
da igreja, como prática da educação cristã.

Por fim, será apresentada a análise do conteúdo da revista que abordou,


especificamente, a interpretação teológica da denominação sobre o Livro de Jó e as
aplicações práticas retiradas desse escrito bíblico para os seus fiéis.

4.1 ANÁLISE DE CONTEÚDO SOB A PERSPECTIVA FREIREANA

Semelhante ao conceito de Paulo Freire, o contexto do Livro de Jó apresenta


uma sociedade dividida em dois grupos antagônicos: opressores e oprimidos. Os
opressores identificados como os governantes do império persa, que realizavam a
opressão externa, e os líderes religiosos de Israel, que realizavam a opressão
interna, enquanto a coletividade de camponeses oprimidos é identificada na figura
do personagem de Jó.

Essa abordagem permite um diálogo entre a teologia do Livro de Jó e a


pedagogia de Paulo Freire, o que contribui para a reflexão da educação teológica.
90

4.1.1 Análise do contexto histórico

Dal´Pupo, em sua dissertação de mestrado em Filosofia, apresenta uma


pesquisa interessante que tem como foco uma reflexão pedagógica sobre a
libertação proposta por Dussel9, a partir de um diálogo com as concepções de
educação de Paulo Freire (bancária e problematizadora), verificando algumas
confluências e algumas diferenças. Para isso utiliza como referências bibliográficas
as obras: Filosofia para Libertação e Para uma ética na libertação Latino-americana
– Vol. III, de Dussel, e a Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire (DAL´PUPO, 2005,
p. 14-15).

A pesquisa de Dal´Pupo vem contribuir para o entendimento da construção do


pensamento de Dussel e Paulo Freire, demonstrando que existem várias
convergências. Uma das principais é a origem histórica dos conceitos sobre a
relação opressores e oprimidos, servindo, portanto, como evidência para comprovar
a similaridade entre os contextos do Livro de Jó e a base de construção da
pedagogia de Paulo Freire.

Dal´Pupo (2005, p. 22-79), apresenta um resumo sobre os conceitos


defendidos por Dussel em relação aos fundamentos da dominação e opressão, bem
como do processo de libertação. Para ele, esses fundamentos em Dussel são
oriundos das culturas helênicas e semitas, matrizes da cultura europeia,
profundamente analisadas por Dussel nas viagens, realizadas no período de 1957 a
1968, aos países de cultura semita (Israel, Líbano, Síria e Jordânia), e de cultura
helênica, a Grécia. Conhecimento adquirido que geraram obras como El humanismo
Semita, El humanismo Helénico e El dualismo en la antropologia en la cristiandad
(DAL´PUPO, 2005, p. 22-79).

Ao utilizar como referencial os fundamentos da cultura helênica e semita,


herdados do núcleo ético-mítico dos povos semitas e indo-europeus que exerceram
influência sobre o oprimido e excluído da periferia como do opressor, apontados por
Dussel e apoiado em Paul Ricoeur, Dal´Pupo faz um comparativo entre as ideias
9
Argentino formado em História e Teologia na França e Alemanha, que foi perseguido durante o regime
militar argentino e se radicou no México. Foi durante muitos anos o presidente da Comissão de História da
Igreja Latino-americana (CEHILA).
91

deste com as ideias de Paulo Freire, mais especificamente nos aspectos do


pensamento das concepções educacionais: bancárias e problematizadora (DAL
´PUPO, 2005, p. 94-120).

Os povos indo-europeus (chue-chi, ários, persas, medos, hititas, gregos,


itálicos, celtas e germanos), segundo Dal´Pupo (2005, p. 28-33), remontam ao
século 50 a. C., sendo povos guerreiros e dominadores que construíram grandes
impérios como o medo-persa, helênico e romano. A religião era a urânica: Deus no
céu e forças na natureza. O dualismo era considerado um dogma, sendo a matéria
má e o espiritual bom, conduzindo o ser humano na busca de respostas aos
problemas e questões da existência humana por meio do sagrado e do sobrenatural.
Esta cultura inviabiliza a ação do ser humano na história e, consequentemente, a
transformação de sua realidade de vida era somente possível àqueles que rompiam
com essa cultura e se reconheciam como senhores da história, porém com o risco
de se tornarem também senhores daqueles que se mantinham emoldurados pela
cultura dominante.

Esses conceitos e abordagens fortalecem os fundamentos que alimentam


esta dissertação, que é a análise contextual do Livro de Jó, situado na época do
império medo-persa, também construído por povos de origem indo-europeia.
Portanto, com a cultura de dominação e opressão defendida por Dal´Pupo em sua
análise comparativa de Dussel e Freire. Habilita, também, a escolha do pensamento
de Paulo Freire sobre a educação bancária e libertadora/problematizadora como
variável de avaliação do conteúdo do Livro de Jó, por meio de uma análise de
conteúdo.

Segundo Dal´Pupo (2005, p. 33-35), Dussel trabalha com a contradição da


cultura helênica em relação a semítica, representadas respectivamente por duas
categoria filosóficas: a totalidade (relação de conhecimento e poder fundamentada
na construção do presente como futuro do passado) e a exterioridade (busca o
rompimento com a totalidade e a construção do presente como futuro do presente).
A totalidade é vista como categoria ontológica da dominação; enquanto a
exterioridade, como categoria ontológica da libertação.

Do enfrentamento dos povos resulta a dominação daquele que possui a


totalidade mais poderosa que o outro, subjugando-o e oprimindo-o. Partindo deste
92

conceito, a libertação somente pode ser alcançada por um caminho histórico, onde o
oprimido descobre/reconhece sua totalidade presente, vinda do passado e define
sua exterioridade vinda do futuro. A hipótese fundamentada é a de que a cultura
helênica preconiza a dominação e a cultura semítica a libertação. (DAL´PUPO,
2005, p. 36-43).

Segundo Dal´Pupo (2005, p. 46-53), para Dussel a libertação do oprimido


pode ser obtida a partir de seu resgate, podendo ser conquistado por meio da
educação. A educação pode ser instrumento tanto de dominação como de
libertação, dependendo do modo como o educando é conduzido, ou para descobrir o
significado das coisas para si ou para aceitar o significado já dado a elas, sem saber
quem o definiu. Qualquer tentativa de fuga da situação de opressão é contida pela
repressão, proporcional à intensidade da força de fuga. Esta repressão pode ser
psicológica, podendo a educação prestar-se a esse serviço, institucionalizada entre
outras formas.

Para ser livre, segundo Dussel, é necessário se tornar um “ateu do sistema”


que se apresenta como o sagrado e exige reverências, passando a respeitar o outro
como outro e deixando o outro ser o que é, distinto. O que o diferencia de Paulo
Freire é que, para Dussel, o oprimido não se liberta sozinho, mas somente com a
ajuda do mestre e condutor, mas concorda que o mestre também precisa de
libertação (DAL´PUPO, p. 54-84).

Conclui-se que o contexto de dominação e opressão são oriundos da


antiguidade, das relações criadas pelos antigos impérios, como ocorria nos dias de
Jó. Além disso, o modelo tem se perpetuado até a atualidade, demonstrando que a
análise contextual do Livro de Jó, em que um sistema de dominação regido por uma
ideologia que privilegia uma minoria em detrimento de uma maioria oprimida, é a
mesma que serve de base à Freire, sendo o que os separa é somente o tempo.

Com base neste contexto, é possível perceber o que estava por trás dos
discursos de Jó e seus “amigos”.
93

4.1.2 Análise dos discursos dos “amigos” de Jó

Conforme observado na análise do Livro de Jó, a educação foi um fator


predominante para a formação da Teologia Tradicional Sapiencial, que propagava a
Teologia da Retribuição, indo ao encontro dos interesses da classe governamental
dominante, o império persa. Rossi e Storniolo ao analisarem o Livro de Jó,
Dobberahn ao analisar a função da educação no Antigo Testamento sob o ponto de
vista de Paulo Freire e Foucault, ao analisar a questão do poder - tema também
presente nas obras de Freire, trazem importantes informações que nos auxiliam na
análise do Livro de Jó, sob a ótica freireana.

Segundo Rossi (2005, p. 172), o tipo de teologia formada pela educação da


Teologia Tradicional somente poderia interessar a grupos: “[...] políticos, religiosos,
econômicos etc. que desejam diante de si pessoas mansas, honestas, bem
comportadas, respeitosas, educadas, que se submetam a tudo e a todos, sem se
revoltar contra a injustiça e, principalmente, sem exigir os próprios direitos”.

Dobberahn (1991, p. 21) também identifica essa divisão de grupos ao afirmar


que o autoritarismo da educação hebraica conduzia à estratificação de classes e,
apesar de alguns mecanismos da lei que protegiam os menos favorecidos, nunca foi
uma sociedade igualitária. Portanto, a educação (teologia da retribuição) dos tempos
de Jó servia como instrumento da ideologia de dominação, semelhante à educação
bancária apresentada por Paulo Freire.

Conforme Rossi (2006, p. 194-196), existe uma acentuada relação de poder


entre aqueles que falam em nome de Deus com os seus ouvintes; aqueles, nesta
relação, são revestidos de autoridade simbólica, historicamente construída pela
disciplina e instituições, visando gerir a vida daqueles que os ouvem. Para Rossi
(2006, p. 197), “toda relação social é uma relação de poder”. O ser humano se
submete ao jugo de outro, realizando coisas e atividades determinadas em função
dos discursos poderosos verdadeiros ou tidos como verdadeiros. Essa relação de
submissão, segundo Foucault (2002, p. 35), somente é sustentada pela produção da
verdade e quando submetida ao “[...] sistema político de dominação característico do
poder disciplinar (FOUCAULT, 2008, p. XVII).
94

Rossi (2006, p. 198-199) adverte que a relação de poder na educação


teológica é danosa quando o interesse do educador se refere ao sistema de poder
que controla os fiéis e não a eles próprios. Alerta, ainda, que o poder somente pode
ser entendido a partir da comunidade, no caso a comunidade eclesial, que é a fonte
originária, a realidade primária e principal, enquanto que o poder é a realidade
secundária.

Dobberahn (1991, p. 20-21) cita Freire para conceituar a educação como


transmissão de valores que simbolizam autoridade que está por detrás desta,
portanto despida de neutralidade, pois cada modelo de educação serve a interesses
específicos. Concorda com Freire, afirmando que desde as antigas sociedades do
Oriente a educação tem servido como instrumento de perpetuação do status quo
vigente, como exemplo cita Jó 8,8ss.

Segundo Foucault (2008, p. XVI), aqueles que detêm o poder e buscam a sua
manutenção pelo interesse de dominar e oprimir, agem de forma a diminuir a
“capacidade de revolta, de resistência, de luta, de insurreição contra as ordens do
poder, neutralização dos efeitos de contra poder”. Isso torna o ser humano sem
reação, dócil e facilmente “domesticado”, dentro dos moldes previamente definidos.

Para Foucault (2008, p. XXII), aquele que detém o saber exerce o domínio
sobre o que não tem. Afirma que “todo saber assegura o exercício de um poder”,
entretanto quem o exerce reporta-se a uma autoridade que delega o poder, “[...] todo
agente do poder vai ser um agente de constituição de saber, devendo enviar aos
que lhe delegaram um poder, um determinado saber correlativo do poder que
exerce”.

Por isso, a teologia oficial não podia dar respostas à situação de Jó, pois não
havia sido instituída para esse fim e, como afirma Freire, cedo ou tarde o oprimido
irá se rebelar contra a educação bancária. Exatamente o que ocorreu com Jó
quando foi em busca de respostas. Segundo Rossi (2005, p. 64), o problema básico
de Jó era que sua sentença já estava consumada, o Deus da teologia da tradição
sapiencial já havia dado o veredicto em relação a ele.

De acordo com Storniolo (2008, p. 33), a força do dogma da retribuição, que


privilegiava somente os ricos e poderosos, colocava o pobre e o sofredor na
situação de condenado sem direito a defesa, e quem o defendesse estaria contra o
95

próprio Deus, portanto sujeito à mesma condenação.

Esta era a condição dos três amigos, em defesa da religião e oprimindo o


“amigo” sofredor e doente. Para eles, por conta da educação recebida, o injusto
estava devidamente sendo punido. Semelhante ao que Freire (2005, p. 24-25)
chama de “medo da liberdade” e “perigo da conscientização”, devido às incertezas
das consequências.

Essa teologia não podia ser relevante para a sociedade dos dias de Jó, como
também nos dias atuais. Rossi (2008, p. 89) questiona se uma teologia que apregoa
que a prosperidade e o sucesso pessoal ou coletivo é comprovação do “sinal
irrefutável da presença de Deus” seria relevante para a igreja atual.

Se aplicarmos esse questionamento para o contexto latino-americano,


principal ambiente de atuação de Paulo Freire e que apresenta características,
guardadas as devidas proporções, da sociedade dos tempos de Jó (sofrimento,
fome, pobreza, opressão), as pessoas não teriam condições de pensar em Deus e
no seu reino, pois na realidade em que vivem inviabiliza o espaço para um “Deus”
que privilegia somente os ricos, pessoas saudáveis e financeiramente bem
sucedidas.

As práticas educacionais utilizadas pelos “amigos” de Jó em seus discursos


para domesticação (supostas revelações e superioridade das tradições e costumes,
mercantilização religiosa, únicos mediadores com o divino, entre outras) se
assemelham com as do sistema dominante da educação bancária de Freire, que
legitima a ideologia favorável à minoria detentora do poder. Infelizmente, algumas
denominações tidas como cristãs, ainda nos dias atuais, utilizam-se das mesmas
práticas.

Esta teologia, mantida e disseminada por meio do sistema educacional destas


denominações, forma pessoas alienadas, que não pensam e não questionam,
objetivando mantê-las passivas, pacientes e acomodadas à situação. Vivem sob
ameaças de serem punidas por “Deus”, caso se rebelem.

Os amigos de Jó, insistentemente, acusavam-no de ser culpado pela sua


situação, devendo se arrepender dos pecados; semelhante ao que propõe a
educação bancária, que forma pessoas com sentimento de inferioridade e com
96

conteúdos prontos, que as impede de pensar e questionar, sujeitando-se às


determinações superiores.

Rossi (2006, p. 199-204) é enfático ao afirmar que o rompimento com uma


educação teológica que usa o poder que possui para alimentar a compulsão pessoal
de dominar e ter o controle, é indispensável.

Pois, de acordo com Freire, uma das grandes dificuldades de libertação do


oprimido é o fato de ser hospedeiro do opressor. A exemplo dos personagens do
Livro de Jó, a sociedade atual, regida por uma ideologia de dominação e opressão,
imposta pelo sistema capitalismo de produção que privilegia uma minoria, também
gera seres humanos ambíguos.

A indústria do consumismo e a constante busca do imediatismo influenciam


algumas teologias, apresentando a possibilidade de trazer para o tempo presente o
que antes era prometido para um futuro escatológico; motivando fiéis a se
inflamarem em busca de uma vida de dominante. Para Rossi (2008, p. 95), essa
teologia “valoriza o aqui e o agora; uma possibilidade de acesso, já nesta vida, às
prerrogativas, representadas pela possibilidade de ascensão social e financeira,
antes postergadas para a vida pós-morte”.

A partir dos conceitos de Paulo Freire, é possível identificar nos discursos dos
“amigos” de Jó a prática de uma educação bancária, em que é imposto sobre Jó
(que representa ¾ da população de camponeses judeus) um conteúdo
predeterminado, que favorecia a ideologia dominante e opressora do império persa e
dos líderes religiosos judeus. Uma educação necrófila que sugava a vida dos
camponeses e não permitia questionamentos, impondo-lhes um hospedeiro
opressor para impedir a sua conscientização, emancipação e libertação.

4.1.3 Análise dos discursos de Jó

Paulo Freire analisa a situação de opressão dos seus dias e busca uma
resposta para a transformação dessa realidade. Vê na educação a possibilidade de
ter seu sonho realizado, uma educação libertadora tanto para opressores como para
97

oprimidos. Algo semelhante acontece com o autor do Livro de Jó que, por meio do
personagem principal de seu livro, apresenta alguém que se conscientiza de sua
situação e não vê na educação sapiencial resposta para os problemas de sua
comunidade. Então, passa a questionar e buscar a transformação de sua realidade,
mudando assim, as práticas educacionais e teológicas.

Paulo Freire defende uma pedagogia antropológica, cuja abrangência vai


além da sala de aula, com abordagem da dimensão política, prática e social,
conduzindo o ser humano à libertação com responsabilidade social e de forma
transformadora, a partir do contexto em que está envolvido. Esses aspectos servem
tanto para a educação secular como para a educação teológica. Gadotti (1989, p.
66) afirma que “Paulo Freire é, sem dúvida alguma, um educador humanista e
militante. Sua concepção de educação parte sempre de um contexto concreto para
responder este contexto”.

O personagem paciente de Jó, apresentado no início do Livro, demonstra


conformidade com a situação vigente, tanto política quanto social e religiosa.
Entretanto, sua postura começa a mudar quando percebe que a realidade não
condizia com a justiça de Deus e o que havia recebido até então não respondia aos
questionamentos que começaram a surgir. Aparece um novo Jó, questionador e
impaciente, que não aceita a situação como estava.

O personagem de Jó, representante de ¾ de uma população de camponeses


e familiares explorados pela ideologia dominante que privilegiava uma minoria,
representada pelos governantes do império persa e os líderes religiosos, domínio
que se apresentava tanto na esfera do governo civil quanto no religioso, começa a
analisar esse ambiente, conscientizar-se da situação de opressão e visualizar suas
situações-limite e perceber que podia ir além delas em busca de libertação.

Para que a Educação seja uma prática para a liberdade, com foco no diálogo
e na valorização do ser humano, faz-se necessário que seja exercida dentro de um
contexto de conscientização. Uma forma de educação que surge no contexto latino-
americano, que reintroduz o tema do sofrimento do inocente e na sua proposta
busca superar ou diminuir a dor dos oprimidos, é a Teologia da Libertação. Apesar
de suas contradições, tem o mérito de trazer para a discussão o tema do sofrimento
imposto por uma ideologia dominante (GRENZER, 2005, p. 10-11).
98

Segundo Schipani (1988, p. 10), os conceitos educacionais de Paulo Freire


têm, como centro de seus fundamentos pedagógicos, o potencial de despertar o ser
humano para a liberdade em meio ao contexto de uma realidade histórica de
opressão. Por conta disso, não contribui somente para a reformulação da prática
pedagógica, mas traz também uma importante colaboração para uma nova leitura
teológica, como por exemplo, a Teologia da Libertação.

A leitura a partir destes conceitos muda a forma de interpretar o Livro de Jó.


Nele fica evidente a prática de opressão e desumanização, no caso dos
camponeses judaítas que perdiam seus bens, filhos e a própria dignidade como ser
humano.

Segundo Espírito Santo (2005, p. 12), “[...] A teologia da libertação é, também,


parte fundamental do arcabouço teórico deste trabalho como discurso crítico contra
uma ordem injusta e opressora e uma teologia desencarnada e descomprometida
com a realidade”, o que demonstra a proximidade da filosofia pedagógica de Freire
com esta teologia.

Gabriel defende o diálogo entre o contexto e tema de Jó com a Teologia da


Libertação, que também é analisado por Freire:

[...] Jó é a negação da passividade do pobre, pois é o próprio pobre lutando


contra a opressão sofrida. De objeto do qual se fala, passa a falar por conta
própria: torna-se sujeito da ação. Já, a TdL, diante da opressão extrema
sofrida na América Latina, a partir da experiência de Deus no pobre, relê o
êxodo e a encarnação do Verbo de Deus e propõe uma Igreja que opta
preferencialmente pelos pobres. Nessa opção, o próprio pobre é o
protagonista, sujeito histórico de seu próprio processo de libertação
(GABRIEL, 2006, p. 181).

Entretanto, Rega (2006, p. 119) questiona a prática utilizada pelos teólogos da


Teologia da Libertação, afirmando que eles “buscaram compreender as questões
humanas à luz da realidade e tentaram reinterpretar os referencias bíblicos à luz
dessa compreensão”. Afirma que essa prática torna a Palavra de Deus apenas um
referencial dentre outros.

Ora, com isso, o indivíduo não poderia interpretar a Palavra de Deus a partir
de sua realidade. Se a educação teológica deve abordar a educação integral do
indivíduo, então a sua realidade deve ser levada em consideração, e a interpretação
a partir dessa realidade não desmerece a Palavra de Deus, pois o importante é que
esta possa ser aplicada à sua realidade e transformá-la à luz daquela. Esta pesquisa
99

busca demonstrar que esse diálogo é possível sem desmerecer nem a Teologia,
nem a Pedagogia e as ciências que se relacionam com as áreas de humanas.

Embora Clodovis Boff (2010) faça uma crítica à Teologia da Libertação,


afirmando que apesar de ter tido um início promissor, passou a valorizar mais o
pobre do que o próprio “Cristo dos pobres” e como resultado instrumentalizou a fé
para a libertação; admite que esta teologia pode ser um instrumento para “lembrar a
toda teologia seu dever de integrar sempre mais a dimensão sócio libertadora da fé,
protagonizada pelos pobres” e ser relevante na prática, caso a fé em Deus e os
ensinamentos de Cristo forem o seu princípio primeiro.

Schipani (1989) alerta para o cuidado que se deve ter com o risco de reduzir o
evangelho a uma ideologia revolucionária, das armadilhas de uma interpretação
simplista da evolução histórica, explicações particulares de luta e mudança social
(limitações do marxismo), entre outros.

A emancipação do ser humano somente é possível por meio de uma


educação libertadora que tenha ação na realidade do oprimido, assumindo como
princípio primeiro os ensinos de Cristo, além do amor e respeito ao próximo, sendo
mediada pela fé. A forma educacional para a emancipação, proposta por Paulo
Freire, pode ser percebida na atitude tomada por Jó ao questionar a educação
imposta e no enfrentamento dos opressores dominantes (império persa e líderes
religiosos) para a mudança da realidade, mas sempre em contato com a fé, com o
Deus Criador e sob o controle das coisas e seres criados.

Esta atitude coincide com a educação libertadora propagada por Freire, que é
caracterizada por um processo de reconstrução do ser humano a partir de sua
história (experiência de vida), que gera uma consciência crítica da opressão, cria
uma lacuna que força a busca constante por novos conhecimentos, firma esperança
de transformação da realidade por meio de um trabalho de conscientização e
politização, e capaz de gerar uma nova prática que construa condições sociais mais
igualitárias e inclusivas.

O personagem de Jó pôde reconstruir sua história, por meio de sua


experiência de vida que gerou uma consciência crítica de sua opressão. A educação
recebida até então não respondeu às contradições de sua realidade, criando, então,
uma lacuna que o levou a buscar respostas aos seus questionamentos, gerando um
100

novo conhecimento, trazendo a ele uma nova perspectiva, a esperança de poder


superar a situação-limite, visualizada por meio da conscientização.

Sem medo da mudança, Jó vai à busca da transformação de sua realidade,


questiona a tradição e costumes impostos, desmascara os discursos inflamados por
uma ideologia dominante e interesseira, gera novas práticas teológicas que o
aproximam mais de Deus, levando-o a declarar que não conhecia Deus mais de
ouvir falar, mas pela experiência pessoal.

Esta leitura pode mudar a vida de qualquer leitor que coloque os “óculos” de
Paulo Freire e analise o Livro de Jó, que passe da teoria para a prática, em busca de
uma vida livre e em comunhão com Deus.

4.2 ANÁLISE DE CONTEÚDO SOB A PERSPECTIVA DA IGREJA EVANGÉLICA


ASSEMBLEIA DE DEUS

Antes da análise de conteúdo da revista de educação cristã da CPAD, será


apresentado um breve histórico sobre a fundação e desenvolvimento da IEAD, bem
como do órgão oficial de publicação do material didático utilizado nas EBDs da
denominação.

Na sequência, será feita a análise de conteúdo, com ênfase na questão


contextual e dos discursos de Jó e seus “amigos”.

4.2.1 Igreja Evangélica Assembleia de Deus e sua editora (CPAD)

A IEAD é a denominação evangélica no Brasil com maior número de


membros, mais de oito milhões, segundo do Censo 2000, do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística - IBGE.

Fundada pelos missionários suecos Gunnar Vingren e Daniel Berg que


101

chegaram em Belém do Pará, vindos dos Estados Unidos, em 19 de novembro de


1910. As únicas igrejas não católicas que havia na região, nessa época, eram:
Batista, de Belém do Pará, Presbiteriana, Anglicana e Metodista (CPAD, Igreja,
2010).

Em poucas décadas, a IEAD, expandiu-se e chegou aos grandes centros


urbanos como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre. Esse
crescimento acentuado, aliado às suas doutrinas pentecostais, acarretou várias
perseguições e preconceitos religiosos (CPAD, Igreja, 2010).

Os missionários eram membros da Igreja Batista Americana e trouxerem o


costume do estudo sistemático da Bíblia. Em 1911, dois meses após a fundação da
igreja, foi realizada a primeira aula de Escola Bíblica Dominical. Em 1920, na cidade
de Belém do Pará, começa a circular, como suplemento do "Jornal Boa Somente",
os “Estudos Dominicais”, embrião da atual revista “Lições Bíblicas”, para Jovens e
Adultos, lançada em 1930, atualmente editadas pela CPAD.

A IEAD, quanto à sua estrutura administrativa, não é subordinada a nenhuma


instituição nacional. A ligação existente entre as igrejas do país é realizada por meio
dos pastores filiados à Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil
(CGADB), com sede no Rio de Janeiro. No âmbito estadual, ocorre por meio dos
pastores filiados às respectivas convenções estaduais ou à ministérios. Nestas
convenções, que credenciam os cargos ministeriais de evangelistas e pastores, são
tratados os assuntos de liderança e teológicos das igrejas (CPAD, Igreja, 2010).

A convenção nacional é dirigida por uma Mesa Diretora, eleita a cada dois
anos numa Assembleia Geral. Para várias áreas de atividades da Assembleia de
Deus a CGADB tem um conselho ou uma comissão. Desta forma, existem o
Conselho Administrativo da Casa Publicadora (CPAD), o Conselho de Educação e
Cultura Religiosa, o Conselho de Doutrinas, o Conselho Fiscal, o Conselho de
Missões, a Secretaria Nacional de Missões (SENAMI), e a Escola de Missões das
Assembleias de Deus (EMAD).

A CPAD, uma organização confessionalmente evangélica e pentecostal, é a


editora oficial do material didático (livros, lições bíblicas, periódicos, entre outros)
utilizado pela IEAD. A editora, criada em 1940, no Rio de Janeiro, vai além das
fronteiras do Brasil e tem seu material comercializado na América Latina, Estados
102

Unidos, Europa, Japão e África.

No início da década de 90 investiu na estrutura e serviços pedagógicos,


ganhando e se consolidando no mercado, passando a ser uma das maiores editoras
evangélicas da América Latina e com um dos parques gráficos mais modernos
(CPAD, Uma história, 2010). É responsável pela publicação e comercialização das
revistas de educação cristã, com periodicidade trimestral e utilizadas na EBD de
suas congregações. Revistas que têm por função transmitir e manter o ensino das
doutrinas defendidas pela denominação.

Segundo a CPAD (A fé que realiza o futuro, 2010), “[...] Nos últimos dez anos
a tiragem de revistas de Escola Dominical passou de 1 (um) milhão para mais de 2,2
milhões trimestrais”. Isto significa que a cada três meses mais de dois milhões de
alunos das EBDs da denominação participam das aulas dominicais sobre temas
escolhidos pela equipe pedagógica da CPAD.

A Wikipédia disponibiliza uma lista das edições da série "Lições Bíblicas" da


CPAD desde 1975, separadas por ano e trimestre, contendo informações sobre o
tema do trimestre, o comentarista e o consultor doutrinário de cada revista
(Wikipédia, 2010).

Segundo Gilberto (1997, p. 119), pastor e conselheiro doutrinário da CPAD e


um dos educadores mais respeitados no âmbito das IEAD, os principais objetivos da
EBD são três: ganhar almas, desenvolver a espiritualidade e o caráter cristão do
aluno e treinar o cristão para o serviço do evangelho de Cristo.

A EBD possui um currículo próprio, que segundo Gilberto (1999, p. 81) “é um


grupo de assuntos constituindo um curso de estudos, planejado e adaptado às
idades e necessidades dos alunos”. Deve abranger os principais assuntos bíblicos
necessários ao conhecimento e experiência do crente, de forma adequada e
graduada, de acordo com as faixas etárias, pois cada grupo de idade tem suas
características próprias: físicas, mentais, sociais e espirituais.

As revistas são escritas por um grupo de comentaristas de todo Brasil,


selecionados pela equipe diretora da CPAD. Com respeito à grade curricular da
CPAD, ela é elaborada de acordo com as faixas etárias, conforme segue:
103

Nas classes Jardim da Infância (até 2 anos), maternal (3 a 4 anos), primários


(5 a 6 anos), juniores (7 a 9 anos), pré-adolescentes (10 a 11 anos), adolescentes
(12 a 14 anos) e juvenis (15 a 17 anos) a grade curricular é fechada. O que equivale
a dizer que existe um número determinado de assuntos que são, cuidadosamente,
escolhidos pela equipe pedagógica da CPAD e programados para serem aplicados
durante a amplitude da faixa etária de cada classe, praticamente de dois anos em
dois anos, com exceção da classe de juniores. Dessa forma o aluno que ingressa no
maternal ao chegar à classe de juvenis terá acesso a todos os temas do currículo
sem repetir nenhum.

Na classe de jovens e adultos, a grade curricular não é fechada; os temas


tratados são mais diversificados e os principais temas, desenvolvidos e estudados a
cada cinco anos aproximadamente. São abordados os mais diversos temas
teológicos, tais como: teologia sistemática, escatologia, História de Israel, Antigo
Testamento, Novo Testamento, seitas e heresias, Missões e obras sociais, ética
cristã, profetas, livros poéticos, livros históricos, epístolas, evangelhos, assuntos
relacionados à psicologia, filosofia, assuntos pentecostais específicos, dentre outros.

A EBD geralmente funciona nas manhãs de domingo, em instalações próprias


da denominação e quando a estrutura não comporta todas as classes por faixas
etárias, algumas classes são conjugadas e tem uma duração aproximada de 1h30.

Devido à demanda que se exige de professores e professoras, nem sempre


as pessoas que ocupam essa função são pastores ou demais líderes formais
(presbíteros, diáconos, entre outros). Membros que possuam, preferencialmente,
certa experiência pedagógica, habilidade de falar em público e conhecimento bíblico
teológico, também auxiliam na ministração das aulas.

Com intuito de identificar as práticas educacionais exercidas pelo sistema


educacional da IEAD, a seguir será apresentada a análise de conteúdo da revista
que teve como tema do trimestre o Livro de Jó.
104

4.2.2 Análise da estrutura e contexto do Livro de Jó

A última lição bíblica da CPAD que abordou o ensino teológico do Livro de Jó


foi a revista do primeiro trimestre de 2003, teve como comentarista o pastor
Claudionor de Andrade e como consultor doutrinário e teológico o pastor Antonio
Gilberto.

A revista tem como tema do trimestre “O sofrimento dos justos e o seu


propósito” e apresenta a seguinte estrutura dividida em lições:

a) Lição 01 - 05/01/2003 – Um homem chamado Jó


b) Lição 02 – 12/01/2003 – A aparente felicidade de Jó
c) Lição 03– 19/01/2003 – As calamidades de Jó
d) Lição 04 – 26/01/2003 – Adorando a Deus na provação
e) Lição 05 – 02/02/2003 – Ainda reténs a tua integridade?
f) Lição 06 – 09/02/2003 – O lugar do diabo na provação de Jó
g) Lição 07 – 16/02/2003 – Jó amaldiçoa o dia do seu nascimento
h) Lição 08 – 23/02/2003 – Elifaz e a teologia do relacionamento mercantil
com Deus
i) Lição 09 – 02/03/2003 – Bildade e a Teologia da Prosperidade
j) Lição 10 – 09/03/2003 – Zofar e o perigo do deísmo
k) Lição 11 – 16/03/2003 – Eliú e a teologia do sofrimento
l) Lição 12 – 23/03/2003 – A teologia que mais pergunta do que responde
m) Lição 13 – 30/03/2003 – Com Deus, sempre haverá um final feliz

Jó, de início, é apresentado como personagem literal e único em todo o livro,


citado como um dos homens mais piedosos da Bíblia. Sua historicidade e paciência
são defendidas a partir dos textos do profeta Ezequiel (Ez 14.20) e de Tiago (Tg
5.11). Considera-se como um grave erro ter uma interpretação diferente disso
(Lições Bíblicas, 2003, p. 5 e 53). Os teólogos que não concordam com a
historicidade e literalidade de Jó são denominados como liberais que, segundo a
conceituação apresentada, são:

[...] signatários do movimento iniciado nos Estados Unidos e Europa, no final


do século XIX, cujo objetivo essencial era extirpar da Bíblia todo elemento
sobrenatural, submetendo as Escrituras a uma crítica científica e humanista.
105

Via de regra, questionam e subestimam os milagres, as profecias e a


divindade de Jesus (Lições Bíblicas, 2003, p. 6).

Classifica-se, portanto, tal interpretação como indevida e biblicamente


inaceitável. Além das passagens citadas para justificar ser Jó um personagem
histórico e real, é citado o próprio Deus como testemunha, com base em Jó 1.8.
Dessa forma, tem-se como fato literal o próprio encontro de Satanás com Deus,
afirmando que Satanás foi o primeiro que, historicamente, recebeu o testemunho
divino sobre Jó (Lições Bíblicas, 2003, p. 5-6).

Com relação ao gênero literário, não é aceito a divisão do livro em prosa e


poesia. Critica-se, sim, aqueles que consideram o livro como um poema:

Há quem afirme ser o livro de Jó um poema. Para nós, cristãos, Jó é a parte


do livro-texto, a Bíblia Sagrada, que governa nossa conduta diária como
regra de fé e prática. […] Não devemos, diante da prova, dar ouvidos às
vozes do mundo, mas, confiar inteiramente na graça provedora do Senhor
(Lições Bíblicas, 2003, p. 91).

Como pode ser percebido na citação acima, além de não aceitar que o livro
possui parte no gênero literário de poema, atribui essa afirmação para todos os
cristãos, com isso generaliza tanto católicos quanto protestantes e evangélicos.

Atribui-se a época do livro ao período entre XXV a XXIII a. C.. Utiliza-se a


referência de Jó 22.16 para justificar que Jó nasceu depois do dilúvio e antes dos
pais da nação israelita e da destruição de Sodoma e Gomorra, pelo fato de não
haver nenhuma citação sobre os patriarcas e o evento de Sodoma Gomorra (Lições
Bíblicas, 2003, p. 6). Provavelmente, devido a esta interpretação, é utilizado um bom
espaço para justificar a origem e identificar as regiões citados no livro dos “amigos”
de Jó, bem como para justificar eventos ocorridos com Jó e sua família, como por
exemplo:

A primeira calamidade que se abateu sobre Jó foi a conturbação social.


Naqueles dias, muitas eram as quadrilhas especializadas em roubar gados.
Entre esses bandos, os sabeus eram os mais ousados (LIÇÕES BÍBLICAS,
p. 21).

[...] Que doença era aquela? Alguém sugere a elefantíase – uma hipertrofia
da pele e do tecido subcutâneo, obstruindo a circulação linfática devido a
forte infecção. A enfermidade, que evolui de forma crônica, atinge
principalmente as pernas e a genitália externa. […] Eis porque seus amigos
tiveram dificuldades em reconhecê-lo (Jó 2.12) - (LIÇÕES BÍBLICAS, p. 23).

Outro exemplo semelhante são as inferências sobre detalhes das festas,


realizadas pelos filhos de Jó, que o levava a oferecer sacrifícios:
106

[...] Não sabemos o que se passava naquelas festas que, segundo o texto
bíblico, durava um certo turno de dias (Jó 1.5). Mas Jó estava ciente de que
seus filhos corriam sério perigo. Pois, ao invés de adorarem a Deus,
ajuntavam-se certamente para festejar os deuses e ídolos da gente pagã
que os rodeava (LIÇÕES BÍBLICAS, p. 14).

A mulher de Jó também não é poupada, pelo contrário, é tida como uma


pessoa perturbada, de amor à Jó duvidoso e tida como incentivadora da prática de
eutanásia:

[...] Se os filhos assim procediam, como não lhe andava a esposa? Ele
mesmo chegou a descrevê-la como “qualquer doida” (Jó 2.10). Chegara ela,
de fato, a converte-se ao Senhor, ou acostumara-se a usufruir os bens
divinos como se não passassem estes de coisas banais? Talvez o seu amor
pelo marido não fosse tão intenso e verdadeiro. Pois na hora da provação
sugeriu-lhe, inclusive, a eutanásia: “Amaldiçoa a Deus e morre” (Jó 2.10).
Embora não lhe menosprezemos as angustias, somos levados a concluir
que ela jamais experimentara um encontro real e marcante com o Senhor
(LIÇÕES BÍBLICAS, p. 14-15).

Por fim, é introduzido um parágrafo questionando as mulheres, possíveis


leitoras da revista, sobre qual a postura delas diante das provações: se de uma
doida ou de uma sábia. É importante ressaltar também a primeira “verdade prática”
que a revista apresenta, a qual tem muito a ver com um Jó paciente: “Para quem
ama e serve fielmente a Deus, o sofrimento não é propriamente um problema; é uma
solução: leva-nos a uma comunhão mais perfeita com o Todo-Poderoso” (Lições
Bíblicas, 2003, p. 3).

A felicidade inicial de Jó e sua família proporcionada pela riqueza, presença


de vários amigos e admiradores, reverências, entre outras características de
prosperidade, é tida como aparente, pois a interpretação é de que o mesmo tinha
seus temores: “[...] Mesmo cercado de tantas venturas, tinha Jó os seus temores e
receios. Ele mesmo confessa: 'Por que o que eu temia me veio, e o que receava me
aconteceu?'(Jó 3.25)” (LICÕES BÍBLICAS, 2003, p. 13).

Ao comentar sobre a teologia de Jó, afirma-se que o “patriarca acreditava


firmemente” no advento do Cristo e na justificação pela fé com base nos textos de Jó
19.25 e Jó 9.2, respectivamente (LIÇÕES BÍBLICAS, 2003, p. 6). O livro também é
utilizado para inferir sobre a ação de Satanás no ambiente celestial:

[...] Jó é um dos livros da Bíblia que mais nos mostra como age o Diabo nas
regiões celestes. Embora expulso de lá (Ez 28.16), apresenta-se ele,
quando em quando, diante do Senhor, a fim de acusar os santos (LIÇÕES
BÍBLICAS, p. 43).
107

Com relação à autoria do Livro de Jó, cita que devido à sabedoria


apresentada por Eliú, este é apontado como um dos mais prováveis autores do livro,
entretanto não referencia quais teólogos fazem tal afirmação.

Portanto, a interpretação da estrutura e contexto do Livro de Jó pela CPAD,


órgão oficial de produção do material didático da IEAD, conforme demonstrado na
análise da revista do 1º trimestre de 2003 é de um livro que trata de uma história real
de um homem chamado Jó que viveu no período entre XXV a XXIII a. C., com
provável autoria de um dos “amigos” de Jó citados no livro, Eliú. Esta interpretação
infere que os eventos que o livro cita na região celeste realmente ocorreram bem
como todos os demais eventos na esfera terrena referenciados como ocorridos com
Jó, familiares e “amigos”. Interpretação que pode influenciar também nos discursos
de Jó e seus “amigos” que serão analisados a seguir.

4.2.3 Análise dos discursos teológicos dos “amigos de Jó”

O primeiro discurso dos “amigos” de Jó que é analisado na revista é o de


Elifaz, comparado com a teologia do relacionamento mercantil com Deus. A “verdade
prática” traz a seguinte afirmação: “Deus não trata seus filhos com base num amor
mercantilista e comercial. A base de seu relacionamento para conosco é a sua graça
– infinita e inexplicável graça” (LICÕES BÍBLICAS, 2003, p. 56).

Esta afirmação demonstra que a prática educacional da IEAD combate o


mercantilismo religioso e a imposição de culpa do pecado por meio do sofrimento.
Como exemplo desse combate, no “ponto de contato”, que serve como orientação
para o professor que ministrará a lição, sugere-se: “[...] converse com seus alunos
sobre as diversas formas utilizadas pelas pessoas para receberem benefícios de
Deus”. Orientação que é dada para demonstrar biblicamente, contrastando com o
discurso de Elifaz, que nada que o homem faça poderá resultar em favores divinos
(LIÇÕES BÍBLICAS, 2003, p. 57).

Comenta-se que, a exemplo de Elifaz, muitas pessoas nos dias atuais não
aceitam o sofrimento do justo, atribuindo como causa de todo sofrimento alguma
108

falha ou pecado. Todavia, afirma que tudo o que acontece está sob o controle de
Deus e, dessa forma, tudo deve ser aceito como vontade de Deus, sem
questionamentos. Na “orientação didática” é sugerido ao professor que seja
abordado e analisado com o aluno da EBD a estratégia que Elifaz utiliza para
“convencer Jó de que era culpado pelo seu próprio sofrimento”. (LIÇÕES BÍBLICAS,
2003, p. 57-58)

Em contraponto ao discurso de Elifaz, é afirmado que o fato de ser servo de


Deus não garante a imunidade de sofrimento, lutas e aborrecimentos, pelo contrário,
podendo ser mais atribulado do que os ímpios. Elifaz é reconhecido mais como um
filósofo do que teólogo, inferindo que o conhecimento deste não era oriundo de um
relacionamento experiencial com Deus, mas de especulações. Contudo não é
desmerecido o conhecimento teórico, mas é enfatizado a importância do
conhecimento revelado de Deus (LIÇÕES BÍBLICAS, 2003, p. 58-59).

Com base em Jó 4.7-9, o discurso de Elifaz é identificado como promoção de


um relacionamento comercial com Deus, um “toma-lá-dá-cá”, bênçãos divinas em
troca da adoração. Personagens bíblicos, como Abel, Enoque, Noé, entre outros,
são citados como homens justos e piedosos que sofreram, para combater a teologia
mercantil com Deus (LIÇÕES BÍBLICAS, 2003, p. 59).

A lição é concluída da seguinte forma:

Conclui-se, pois, estar totalmente equivocada a teologia mercantilista de


Elifaz. Nossa comunhão com Deus não é um mero e vulgar e imoral toma-
lá-dá-cá. Se os homens se contentam com os escambos, nosso Deus, não;
Ele não se vende nem se deixa comprar: sua graça é real, eficaz e sempre
abundante (LIÇÕES BÍBLICAS, 2003, p. 61).

O discurso do outro “amigo” de Jó, chamado Bildade, é comparado com a


atual Teologia da Prosperidade. A “verdade prática” afirma: “A verdadeira
prosperidade é ter Cristo no coração Ele é o nosso supremo bem! Louvado e bendito
seja o Cordeiro de Deus!”. (LIÇÕES BÍBLICAS, 2003, p. 64)

Com relação ao discurso de Bildade, que o homem justo não tinha que se
preocupar, pois o futuro promissor lhe era garantido, enquanto que aos ímpios
estava reservado a “calamidade absoluta”, são atribuídos dois graves defeitos: o
primeiro é a falta de simpatia que Jó, vítima de várias calamidades tanto ansiava, o
segundo por estar “totalmente enredado nas malhas da tradição”. (LIÇÕES
109

BÍBLICAS, 2003, p. 64)

O conceito de que a salvação pessoal traz consigo a prosperidade é negado


como fundamento bíblico. Pela primeira vez na revista é criticada a atitude da
minoria de ricos que buscam o constante aumento de sua riqueza em detrimento do
sofrimento da maioria dos menos favorecidos (LIÇÕES BÍBLICAS, 2003, p. 64-65).

Algumas divergências entre a Teologia da Prosperidade e a Bíblia são citadas


na “orientação didática”, como exemplo: Deus não diz não às orações dos justos,
não se pode orar mais de uma vez por uma mesma solicitação, de que sofrimento
está relacionado à falta de fé e que o justo não pode ser pobre. Também é
enfatizado que, a partir das últimas décadas do século XX, a Teologia da
Prosperidade foi tomando espaço da verdadeira adoração nas igrejas evangélicas, e
que o “ter” tem sido mais valorizado do que o “ser”, levando as pessoas a serem
julgadas pelo que “têm” e não pelo que “são” (LIÇÕES BÍBLICAS, 2003, p. 65).

Bildade é apresentado como predecessor da Teologia da Prosperidade,


descrita como diabólica, devido ao discurso de que Jó estava sofrendo e nada mais
possuía pela sua própria culpa, pelo pecado e desobediência, além de usar o
testemunho da tradição e dos antigos, buscando autoridade para sua afirmação. Em
contraponto, é citado Sl 73.1-10 como afirmação ao contrário, ou seja, de que os
“ímpios vêm prosperando materialmente muito mais do que os justos”, e como
exemplo lembra os descendentes de Caim e Cão que eram maus e prosperaram,
enquanto que Enoque, Noé, José, Elias, Amós e Lázaro, considerados justos e
bons, sofreram até necessidades básicas (LIÇÕES BÍBLICAS, 2003, p. 66-68).

Por fim, é citado o exemplo de um “famoso profeta da prosperidade” anônimo,


que fora defensor desta teologia, mas que perdeu toda sua riqueza e glamour e a
multidão que o “ovacionava”. Essa experiência o levou a uma busca sincera nas
escrituras e a uma transformação de atitude a ponto de pedir perdão a Deus por
haver ensinado a Teologia da Prosperidade, ressaltando que esta não é a verdade
de Deus (LIÇÕES BÍBLICAS, 2003, p. 68).

O discurso de Zofar é definido como defensor de conceito teológico, hoje


conhecido como deísmo. Para introduzir a abordagem a ser apresentada na lição, a
“verdade prática” traz o seguinte: “Deus não se limitou a criar o ser humano. Ele se
interessa por nosso destino e, de acordo com a sua soberania, intervém na história.
110

O nosso Deus é o Deus que intervém.” (LIÇÕES BÍBLICAS, 2003, p. 70).

Para desfazer a “reflexão” de Zofar, de que Deus depois de criar o homem


“[...] deixara de acompanhá-lo, não perdendo tempo com sua história particular”, é
defendido que Deus, mesmo com sua grandeza, se preocupa e intervém na história
da humanidade. Afirma-se que alguns teólogos são extremistas, de um lado teólogos
que a exemplo de Elifaz e Bildade vulgarizam a imanência de Deus, reforçando o
relacionamento mercantil com Deus, de outro, teólogos que a exemplo de Zofar,
superestimam a transcendência divina, distanciando as criaturas do criador (LIÇÕES
BÍBLICAS, 2003, p. 71-72).

Questiona-se que esperança poderia o discurso de Zofar dar a Jó, sendo que
supunha que a pequenez do ser humano o distanciava de grandeza de um Deus
Todo-Poderoso e inalcançável (LIÇÕES BÍBLICAS, 2003, p. 73).

Portanto, a interpretação apresentada é de que os discursos dos “amigos” de


Jó não podiam responder à situação deste, porque previam uma mercantilização
com Deus, em que o sofrimento era sinônimo de pecado e se Jó estava sofrendo era
porque havia cometido falhas. No entanto, Jó sabia que essa não era sua realidade.

Os discursos defendiam que a prosperidade era somente para os justos, no


entanto Jó havia perdido bens, família e o prestígio, mas sabia que não era porque
era injusto. Deus é apresentado por eles como alguém distante e que não se
preocupava com o ser criado, então a quem Jó poderia recorrer?

A teologia apresentada pelas Lições Bíblicas da CPAD, baseada nos


discursos dos amigos de Jó, combatem o relacionamento comercial com Deus, a
Teologia da Prosperidade e o Deísmo.

4.2.4 Análise dos discursos teológicos de Jó

Jó é apresentado como um crente que não aceita a imposição dos discursos


de seus “amigos” que defendiam o relacionamento mercantil com Deus, a Teologia
da Prosperidade e o Deísmo.
111

O relacionamento de Jó com Deus é citado como não sendo de “mera troca


de favores”, mas de uma adoração sincera. Entretanto, é feita a seguinte afirmação:
“[...] Infelizmente, achamo-nos contaminados por uma fé tão mercantilista e afeita
aos escambos, que falamos com Deus como se fosse Ele um mero homem de
negócios, e não como o Senhor de quanto existe” (LIÇÕES BÍBLICAS, 2003, p. 30).

A afirmação está na terceira pessoal do plural, contudo não é identificado


quem está englobado nesta afirmação, se a denominação, os evangélicos ou os
cristãos. Mas, adverte: “[…] Não podemos cultivar um relacionamento comercial com
o Todo-Poderoso; isso lhe é abominável. Temos que adorá-lo porque Ele é o Deus
Único e Verdadeiro, e não por aquilo que nos dá”.

O primeiro questionamento apresentado é feito por Jó a Elifaz, tendo como


base o texto de Jó 6.2-3, quando Jó solicita que suas palavras e queixas sejam
ouvidas com atenção e justiça, que avaliem a miséria à qual estava submetido,
justificando que não fora originada por sua falha ou pecado. Defende-se dizendo que
o homem não tem como se justificar por meio de obras, mas somente pode ser
declarado justo com base na justificação de Cristo, base para a doutrina da
justificação pela fé somente (LIÇÕES BÍBLICAS, 2003, p. 60-61).

No discurso de Jó é enfatizado que sua consciência de que era inocente e


obediente a Deus lhe proporcionava gozo, mesmo sofrendo a injustiça. Jó é
apresentado como símbolo da passividade diante das calamidades, mediante a
aceitação de que tudo era proveniente de Deus e, portanto, não permitia ser
questionado (LIÇÕES BÍBLICAS, 2003, p. 61).

A lição que trata do discurso de Bildade não é comentada sobre o discurso de


Jó propriamente dito, mas centrada no combate à Teologia da Prosperidade,
conforme trato na seção específica desta dissertação que aborda o discurso de
Bildade. Entretanto, na conclusão é feita uma defesa da situação de Jó:

Então, a que conclusão chegamos? É prejudicial ao crente possuir


riquezas? Todavia, se a não usarmos para minorar o sofrimento de nossos
irmãos, impiamente agimos. Por isso deve o irmão rico gloriar-se em seu
abatimento (Tg 1.9). Por conseguinte, quer pobres, quer ricos, gloriemo-nos
sempre em Deus, pois Ele fez tanto um quanto outro. Além disso, não disse
o Senhor que sempre haverá pobres na terra? (Dt 15.11) Eis porque deve o
rico ajudar o pobre, afim de que todos tenham o necessário para viver. Que
nenhum Bildade venha, pois, julgar os que, à semelhança de Jó, passam
por dificuldades. A riqueza e a pobreza não podem servir de referenciais
para se julgar a ninguém. (LIÇÕES BÍBLICAS, 2003, p. 68)
112

Portanto, em relação ao discurso de Bildade, não é ressaltado nenhuma


atitude de Jó em defesa de sua fé, como de alguém consciente e em defesa da
emancipação e humanização, mas simplesmente é combatida a prática do discurso
de Bildade diretamente.

Todavia, ao tratar do discurso de Zofar, que segundo a revista defendia o


deísmo, é apresentado um texto que mostra um Jó atuante e ativo: “[...] Apesar de
toda a sua dor, mostra Jó ao seu implacável amigo que, embora seja Deus
transcendente, é também imanente”. Entretanto, nos demais textos não são
argumentados sobre o discurso e atitude de Jó, a não ser, um tópico com o título “A
resposta de Jó”, em que se limita a citar uma referência direta de Jó 12.1-10, sem
nenhum comentário complementar, a não ser o combate direto às doutrinas do
deísmo (LIÇÕES BÍBLICAS, 2003, p. 73).

Dessa forma, não é evidenciada a postura proativa e questionadora de Jó,


mas sim enfatizado o Jó paciente e se refere ao comportamento de Jó diante de Eliú
e Deus: “[...] Se diante de Eliú, não tinha o patriarca mais discurso, como se haverá,
agora, ante o Todo-Poderoso Deus?” (LIÇÕES BÍBLICAS, 2003, p. 86).

A humilhação de Jó e possíveis falhas também são enfatizadas: “[...] Com


profunda humilhação, o melhor dos homens daquela época, ouviu dois
pronunciamentos que, judiciosamente, apontaram-lhe as falhas: o discurso de Eliú e
o monólogo do Todo-Poderoso” (LIÇÕES BÍBLICAS, 2003, p. 92). Podendo,
portanto, dar a entender que a falha realmente estava em Jó.

Outro exemplo interessante é quando se refere ao motivo da conscientização


de Jó de seu sofrimento: “[...] Jó teve que se calar para compreender a natureza de
seu sofrimento; e, perfeitamente, compreendeu-a.” (LIÇÕES BÍBLICAS, 2003, p. 93).

Portanto, fica evidenciado que a ênfase dada é de identificar a doutrina


teológica por detrás dos discursos, combater os conceitos apresentados, mas não é
evidenciada a atitude de questionamento e busca de mudança da realidade de
opressão e sofrimento pelo próprio Jó.
113

5. METODOLOGIA E PROCEDIMENTOS

Este capítulo trata do método e das diversas práticas utilizadas nesta


dissertação. O capítulo apresenta o método e a classificação da pesquisa, a coleta e
a técnica de análise dos dados, a construção do quadro para análise categorial para
tratamento dos resultados.

5.1 MÉTODO E CLASSIFICAÇÃO DA PESQUISA

Para Gil (2009, p. 17), pesquisa pode ser definida como “procedimento
racional e sistemático que tem como objetivo proporcionar respostas aos problemas
que são propostos”. O ato de pesquisar, segundo Oliveira (2002, p. 118) significa
“planejar cuidadosamente uma investigação de acordo com as normas da
Metodologia Científica, tanto em termos de forma como de conteúdo”.

Portanto, para que o trabalho científico obtenha o sucesso pretendido é


exigido, do pesquisador, um conhecimento mínimo dos métodos e procedimentos
necessários para a elaboração de um planejamento de pesquisa criterioso, a fim de
que o caminho percorrido conduza ao objetivo proposto para a pesquisa.

O planejamento e delineamento da pesquisa envolvem a definição da


metodologia adotada para a coleta e análise de dados, tendo por base seus
objetivos. Segundo Gil (2009, p. 41), é usual a classificação de pesquisas com base
em seus objetivos gerais, sendo possíveis três classificações: exploratórias,
descritivas e explicativas. Esta pesquisa, tendo como objetivo principal o
aprimoramento de ideias e a descoberta de intuições, pode ser classificada como
exploratória.

Para elaboração do referencial teórico se faz necessário o levantamento


bibliográfico, que segundo Lakatos e Marconi (1991, p. 57), “trata-se de um
levantamento de toda bibliografia já publicada e que tenha relação com o tema de
estudo”.
114

No que se refere à abordagem da pesquisa, Oliveira (2002, p.115) afirma que


os métodos qualitativos e quantitativos se diferem pela sistemática e pela forma de
abordagem do problema. Entretanto, afirma que “é a natureza do problema ou seu
nível de aprofundamento que irá determinar a escolha do método”.

Dessa forma, quanto à abordagem, a pesquisa utilizada nesta dissertação é


qualitativa, pois, segundo Oliveira (2002, p. 115), não tem foco na análise de dados
estatísticos. Godoy (1995, p. 58) complementa afirmando que essa abordagem não
requer o uso de técnicas e métodos estatísticos e se atém com a interpretação.

Para Minayo (2003, p. 16-18), a pesquisa é atividade básica da ciência na sua


construção da realidade, sendo atribuição da pesquisa qualitativa a construção da
realidade voltada para as ciências sociais em um nível de realidade que não pode
ser quantificado, sujeita à subjetividade trabalhando com o universo de crenças,
valores, significados e outros construtos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis.

Conforme Moreira e Caleffe (2006, p. 71), quanto à tipologia, as pesquisas


são diferenciadas pela finalidade prática, podendo ser básica (pura) ou aplicada.
Como esta pesquisa não tem a intenção de que o conhecimento gerado tenha
aplicação imediata, classifica-se como básica (pura).

Diante do exposto, esta dissertação quanto aos objetivos é classificada como


exploratória; quanto à sua abordagem metodológica, como qualitativa, e quanto à
tipologia, de pesquisa básica (pura).

5.2 COLETA DE DADOS

A coleta de dados é realizada juntando as informações necessárias para o


desenvolvimento dos raciocínios previstos nos objetivos do estudo. Além das
referências utilizadas na pesquisa bibliográfica, presente em qualquer processo de
pesquisa (SANTOS, 1999, p. 75-76), como fonte essencial para coleta de dados
para o atingimento do objetivo desta dissertação foi selecionada, dentre as revistas
de lições bíblicas publicadas pela CPAD, aquela que tratava especificamente do
115

Livro de Jó, tema de observação desta dissertação.

5.3 ANÁLISE DOS DADOS

Como técnica de análise de dados é utilizada a análise de conteúdo que tem


como uma das principais defensoras Bardin, e é apropriada para os estudos com
abordagem qualitativa.

Segundo Puglisi e Franco (2005, p. 13), a maioria das análises clássicas de


conteúdo são descrições numéricas de algumas características do corpo do texto,
entretanto a atenção tem se voltado para os “tipos”, “qualidades” e “distinções” no
texto, antes que qualquer quantificação seja feita.

A análise de conteúdo, em termos de aplicação, permite o acesso a diversos


conteúdos presentes em um texto, sejam eles explícitos ou não. Portanto, um
recurso metodológico que pode servir a muitas disciplinas e objetivos, uma vez que
todo texto é passível de ser analisado com a aplicação desta técnica (OLIVEIRA,
2008, p. 570).

A abordagem qualitativa fundamenta a avaliação da presença ou ausência de


elementos importantes para a compreensão da análise de conteúdo, identificados
como os indicadores na análise categórica. A análise de conteúdo é considerada
uma técnica para o tratamento de dados que visa identificar o que está sendo dito a
respeito de determinado tema (VERGARA, 2005, p. 15).

Tal abordagem trabalha tradicionalmente com materiais textuais escritos,


classificados em dois tipos: textos que são construídos no processo de pesquisa
(transcrições de entrevista e protocolos de observação) e textos que já foram
produzidos para outra finalidade qualquer (jornais, revistas, memorandos, entre
outros). O ponto de partida é a mensagem, todavia é dada a devida importância às
condições contextuais de seus produtores por meio de uma concepção crítica e
dinâmica da linguagem (PUGLISI; FRANCO 2005, p. 13).

Franco (2008, p. 16-19) acrescenta que os conhecimentos gerados devem ter


116

relevância teórica e ser obtidos por meio de comparações contextuais direcionadas


a partir da sensibilidade, da intencionalidade e da competência teórica do
pesquisador, alcançando o que pode ser decifrado por meio de códigos especiais e
simbólico. Didaticamente, apresenta o seguinte resumo:

[...] o que está escrito, falado, mapeado, figurativamente desenhado, e/ou


simbolicamente explicitado sempre será o ponto de partida para a
identificação do conteúdo, seja ele explícito e/ou latente. A análise e a
interpretação dos conteúdos são passos (ou processos) a serem seguidos.
E, para o efetivo caminhar neste processo, a contextualização deve ser
considerada como um dos principais requisitos, e mesmo como o pano de
fundo para garantir a relevância dos sentidos atribuídos às mensagens
(FRANCO, 2008, p. 16-17).

Segundo Franco (2008, p. 20), para decifrar as mensagens, outro fator que
deve ser considerado são os componentes ideológicos presentes nos discursos que,
socialmente construídos, devem ser descontruídos por meio de um processo
trabalhoso e dialético.

Segundo Bardin (1977, p. 42), uma das principais teóricas da análise de


conteúdo, o objetivo é a compreensão além dos significados imediatos, por uma
leitura atenta para esclarecimento de significações que são, a priori, desconhecidas
ou incompreendidas. Ela define a análise de conteúdo como:

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por


procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis
inferidas) destas mensagens.

Na análise de conteúdo, além da semântica da língua, considera-se a


interpretação do sentido que um indivíduo atribui às mensagens. Em suas primeiras
utilizações, possuía significativa similaridade com o processo de categorização e
tabulação de respostas de questões abertas. Criada inicialmente como uma técnica
de pesquisa para descrição objetiva, sistemática e quantitativa de comunicações em
jornais, revistas, filmes, entre outras. Entretanto, atualmente tem sido crescente a
utilização para análise de material qualitativo (Machado, 1991, p. 53).

Para Minayo (2003, p. 74), a análise de conteúdo visa verificar hipóteses e/ou
o que está por trás dos conteúdos externalizados. Puglisi e Franco (2005, p. 24)
reforçam essa afirmação:

[...] o que está escrito, falado, mapeado, figurativamente desenhado e/ou


simbolicamente explicitado sempre será o ponto de partida para a
117

identificação do conteúdo manifesto (seja ele explícito e/ou latente). A


análise e a interpretação dos conteúdos obtidos enquadram-se na condição
dos passos (ou processos) a serem seguidos.

Bardin observa que a análise de conteúdo “não se trata de um instrumento,


mas de um leque de apetrechos; ou, com maior rigor, será um único instrumento,
mas marcado por uma grande disparidade de formas e adaptável a um campo de
aplicação muito vasto: as comunicações.” (1977, p. 31). Tendo como principal
finalidade a produção de inferência, por meio de vestígios e índices postos em
evidência por procedimentos (PUGLISI; FRANCO, 2005, p. 25).

Oliveira (2008, p. 571) apresenta a seguinte definição para inferência e sua


relação com a análise de conteúdo:

[...] operação lógica através da qual admite-se uma proposição em virtude


da sua ligação com outras proposições já aceitas como verdadeiras. A
intenção maior da AC é a inferência de conhecimentos relativos às
condições de produção e de recepção de uma mensagem, inferência esta
que recorre a indicadores relativos ao texto.

Para Freitas (2000, p. 44-48), a viabilização das inferências é possível


seguindo as seguintes etapas: a) delimitação do conteúdo ou universo estudado; b)
categorização: marcas, temas, títulos utilizadas para classificar os conteúdos; c)
escolha da unidade de análise: relacionar as características dos textos ao universo
estudado.

Oliveira et al. (2003, 15-16) apresenta uma definição de forma resumida e


abrangente sobre a análise de conteúdo:

Pode-se dizer que a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de


exploração de documentos, que procura identificar os principais conceitos
ou os principais temas abordados em um determinado texto. Ela começa,
geralmente, por uma leitura flutuante por meio da qual o pesquisador, num
trabalho gradual de apropriação do texto, estabelece várias idas e vindas
entre o documento analisado e as suas próprias anotações, até que
comecem a emergir os contornos de suas primeiras unidades de sentido.
Estas unidades de sentido - palavras, conjunto de palavras formando uma
locução ou temas - são definidas passo a passo e guiam o pesquisador na
busca das informações contidas no texto. O objetivo de toda análise de
conteúdo é o de assinalar e classificar de maneira exaustiva e objetiva todas
as unidades de sentido existentes no texto. Além de permitir que
sobressaiam do documento suas grandes linhas, suas principais
regularidades.

Bardin (1977, p. 31) afirma que análise de conteúdo possui maior utilidade
para o estudo dentro das ciências humanas. Justifica-se assim, a escolha desta
técnica para esta dissertação, que analisa o que está sendo dito a respeito da
118

interpretação do Livro de Jó por uma das mais tradicionais igrejas evangélicas


pentecostais do Brasil, a IEAD, por meio da publicação das lições bíblicas da CPAD.

A análise de conteúdos possibilita a obtenção de informações não presentes


nos textos das lições bíblicas, mas que contenham indicadores que possibilitem
inferências coerentes sobre o conteúdo estudado.

5.4 PASSOS PARA A ANÁLISE DE CONTÉUDO

A figura abaixo apresenta uma sequência lógica para a análise de conteúdos.

L e it u r a " f lu t u a n t e " o u s u p e r f ic ia l.
A e s c o lh a d o s d o c u m e n t o s (r e g r a d e e x a u s t iv id a d e , r e g r a d e r e p r e s e n t a t iv id a d e e h o m o g e n e id a d e ).
1 P ré - a n á lise
A f o r m a ç ã o d e h ip ó t e s e s (u m a a f ir m a ç ã o p r o v is ó r ia ).
A r e f e r ê n c ia a o s ín d ic e s e e la b o r a ç ã o d e in d ic a d o r e s .
U n id a d e s d e r e g is t r o : a p a la v r a , o t e m a , o p e r s o n a g e m e o it e m .
U n id a d e s d e c o n t e x t o : p a n o d e f u n d o e c o n t e x t o (in f o r m a n t e s , e s p e c if ic id a d e s s o c ia is ,
o r ig e m f a m ilia r , e n t r e o u t r o s ).
E xp lo ra ç ã o C o d if ic a ç ã o R e g r a s d e q u a n t if ic a ç ã o (p a r a p e s q u is a q u a n t it a t iv a ).
2
d e m a te ria l C a t e g o r ia is c r ia d a s a p r io r i (p r é - d e t e r m in a d a s e m f u n ç ã o d e u m a b u s c a d e r e s p o s t a
e s p e c íf ic a d o in v e s t ig a d o r ).
C a t e g o r ia s n ã o d e f in id a s a p r io r i (e m e r g e m d a f a la , d o d is c u r s o , d o c o n t e ú d o d a s
C a t e g o r iz a ç ã o r e s p o s t a s ).
T ra ta m e n to
P r o d u ç ã o d e in f e r ê n c ia s : p r o p ic ia a p a s s a g e m d a d e s c r iç ã o à in t e r p r e t a ç ã o .
3 dos
I n t e r p r e t a ç ã o : ir a lé m d o m a t e r ia l, b u s c a n d o c o n s t r u ir o c o n h e c im e n t o - r e la c io n a m - s e à s e s t r u t u r a s
re su lta d o s
s e m â n t ic a s c o m a s e s t r u t u r a s s o c io ló g ic a s - n e c e s s á r io h a v e r b o a b a s e t e ó r ic a .

Figura 2: Passos para a análise de conteúdo


Fonte: O autor
119

5.4.1 A pré-análise

Esta etapa é a organização propriamente dita das unidades de análise. Tem


por objetivo a elaboração de um plano de análise para operacionalizar e sistematizar
as ideias iniciais. Consiste na preparação do material, na escolha dos documentos e
definição do corpo de análise, na formulação de hipóteses/objetivos da análise e na
elaboração dos indicadores que fundamentam a interpretação (OLIVEIRA, 2008, p.
572; FRANCO, 2008, p. 51).

A primeira atividade, com objetivo de escolher os documentos para análise, é


a leitura “flutuante”, que consiste no contato preliminar com os documentos a serem
analisados, visando extrair as mensagens neles contidas, “deixando-se invadir por
impressões, representações, emoções, conhecimentos e expectativas” (FRANCO,
2008, p. 52).

Oliveira (2008, p. 572) define a leitura “flutuante” como:

[...] leitura exaustiva do conjunto de textos a ser analisado, de forma que o


pesquisador se deixe impressionar pelos conteúdos presentes, como se
flutuasse sobre o texto, ou seja, sem a intenção de perceber elementos
específicos na leitura.

Nesta etapa, segundo Bardin (1977, p. 96), “[...] pouco a pouco, a leitura vai
se tornando mais precisa, em função das hipóteses emergentes, da projeção de
teorias adaptadas sobre o material e da possível aplicação de técnicas utilizadas
com materiais análogos”.

A segunda atividade consiste na escolha dos documentos que representam o


universo demarcado para a análise, que constituirá o corpus, que segundo Bardin
(1977, p. 96) “é o conjunto de documentos tidos em conta para serem submetidos
aos procedimentos analíticos”. Isso implica em escolhas, seleções e nas seguintes
regras: exaustividade (considerar todos os elementos possíveis para configurar e
esclarecer o contexto), representatividade (amostra adequada para representar a
população a ser pesquisada), homogeneidade (os documentos escolhidos devem
ser homogêneos – não se aplica quando utilizado um documento único e singular).

A terceira atividade é a formulação de hipóteses, afirmações provisórias que


serão testadas para sua confirmação ou não. Segundo Franco (2008, p. 55-56), nem
120

sempre são formuladas hipóteses na pré-análise, pois a análise pode ser realizada
sem hipóteses pré-concebidas, sem que isso signifique deixar de utilizar técnicas
adequadas e sistemáticas de pesquisa.

A última atividade da pré-análise é a elaboração de indicadores que têm como


atribuição facilitar a exploração, inferência e interpretação do discurso. Segundo
Franco (2008, p. 57), o indicador pode ser “a menção explícita, ou subjacente, de um
tema em uma mensagem”. Para a elaboração dos indicadores se faz necessário a
definição de unidades de registro e a regras de enumeração, levando sempre em
consideração os objetivos da pesquisa.

5.4.2 A exploração de material

Nesta etapa acontece o processo de transformar sistematicamente os dados


brutos agregados em unidades de análise, de forma que representem o conteúdo
expresso no texto analisado. Estas unidades dividem-se em unidades de registro e
unidades de contexto (FRANCO, 2008, p.41).

A unidade de registro é uma unidade de significação a codificar, visando a sua


posterior categorização. É a menor parte do conteúdo e classificada nos seguintes
tipos (FRANCO, 2008, p.44):

a) Palavra (menor unidade de registro);

b) Tema (considerada a mais útil unidade de registro e indispensável em


estudos sobre propaganda, representações sociais, opiniões, expectativas, valores,
conceitos, de atitudes e crenças – grifo do autor);

c) Personagens (particularmente útil em análise de autores de histórias, de


dramas, de biografias, entre outros); e

d) Item (quando usado com categorias complementares é útil para análise e


interpretação de conteúdo e dados privilegiados em livros, cursos, filmes, entre
outros).
121

Oliveira (2008, p. 572) acrescenta à lista de tipos de unidades de registro:

palavras, frases, parágrafos, temas (regra de recorte do sentido e não da


forma, representada por frases, parágrafos, resumo, etc.), objeto ou
referente (temas eixos, agregando-se ao seu redor tudo o que o locutor diz
a seu respeito), personagem (papel familiar, idade, sexo, etc.),
acontecimento (elementos factuais importantes para o objeto em estudo),
documento (artigo de jornal, a resposta a uma questão aberta, uma
entrevista, etc.).

Nesta dissertação é utilizado como unidade de registro o tema, sendo


utilizados procedimentos para uma análise temático/categorial, que trata do
desmembramento do discurso em categorias, nas quais os critérios de escolha e de
delimitação são orientados pela dimensão da investigação dos temas relacionados
ao objeto de pesquisa, identificados nos discursos (OLIVEIRA, 2008, p. 573).

Segundo Oliveira, para se avaliar a importância qualitativa dos temas para o


objeto em estudo é necessário responder às seguintes questões: “[...] O tema é
fundamental para compreender o objeto de estudo? O tema revela alguma faceta do
objeto de estudo que interessa ao pesquisador? O tema desvela alguma dimensão
do referencial teórico adotado?" (2008, p. 573).

A unidade de contexto é a parte mais ampla e indispensável para análise e


interpretação dos textos (Franco, 2008, p. 47). Auxilia na compreensão da unidade
de registro e corresponde ao segmento da mensagem, cujas dimensões são
maiores que da unidade de registro, além de viabilizar a compreensão da
significação desta, recoloca-a no seu contexto. Tem a relação de maioridade com a
unidade de registro, por exemplo: a frase para a palavra, o parágrafo para o tema
(OLIVEIRA, 2008, 571).

As unidades de contexto podem ser relatadas em formas de um parágrafo,


conjunto de palavras, algumas sentenças, dentre outras, e explicitadas em tabelas
de caracterização, desde que acompanhadas das respectivas análises (Franco,
2008, p. 49).

Conforme Bardin (1977, p. 109), as regras de enumeração na abordagem


quantitativa indicam o modo de contagem das unidades de registro. Enquanto que
na abordagem qualitativa, inerente desta pesquisa, são utilizados indicadores de não
frequências susceptíveis de permitir inferências: presença ou ausência, direção da
afirmação e ordem de aparição.
122

Para Franco (2008, p. 59), a categorização é o ponto crucial da análise de


conteúdo e, via de regra, difícil e desafiante. As categorias são classes reunidas em
grupos de unidades de registro sob um título genérico, visando formar uma nova
organização intencional às mensagens, diferente do discurso original (OLIVEIRA,
2008, p. 571). Com base nas categorias estabelecidas, o pesquisador infere e/ou
induz, de forma lógica, conhecimentos sobre o emissor ou sobre o contexto da
mensagem emitida (OLIVEIRA ET AL., 2003, p. 12)

As categorias podem ser criadas a priori, aquelas que são previamente


determinadas em função da busca do pesquisador de uma resposta específica,
podendo também serem definidas a posteriori, construídas após a análise do
material selecionado (FRANCO, 2009, p. 60-62).

A qualidade da categoria tem impacto direto no resultado da pesquisa. Por


isso, Oliveira (2008, p. 573) apresenta alguns atributos que são pertinentes a
categorias bem elaboradas: “sintetizam as unidades de registro extraídas do texto;
agregam os significados existentes no texto em subconjuntos; são específicas;
comportam a maior parte do material analisado”.

Segundo Oliveira , a análise categorial considera a totalidade do texto na


análise, passando-o por um crivo de acordo com a frequência de presença ou
ausência de itens de sentido. “É um método de gavetas ou de rubricas significativas
que permitem a classificação dos elementos de significação constitutivos da
mensagem” (2008, p. 571).

5.4.3 O tratamento dos resultados

Conforme já mencionado, a análise de conteúdo tem como característica


essencial a inferência como dedução lógica dos saberes implícitos nos conteúdos.
Isso diferencia esta técnica de outras que simplesmente descrevem conteúdos. A
inferência é o procedimento intermediário entre a definição das características do
texto (categorias) e a interpretação, que apresenta a significação concedida a estas
características.
123

Nesta etapa da análise de conteúdo, as informações fornecidas pela análise


são colocadas em relevo e os resultados podem ser apresentados em forma de
diagramas, figuras, descrições cursivas, acompanhadas de exemplificação de
unidades de registro significativas para cada categoria, tabelas, gráficos, quadros,
entre outros (OLIVEIRA, 2008, p. 572).

As categorias escolhidas para representar a reconstrução do discurso a partir


da visão do pesquisador, que expressam uma intencionalidade de reapresentar o
objeto de estudo, devem estar embasadas em um referencial teórico específico e
demonstrar o atingimento do objetivo, a partir da interpretação resultante da
aplicação da técnica (OLIVEIRA, 2008, p. 572).

Segundo Oliveira (2003, p. 16), com base em indicadores bem formulados,


fornecidos pela análise de conteúdo, que atendam os objetivos da pesquisa, é
possível a interpretação dos resultados obtidos, relacionando-os ao próprio contexto
de produção do documento e aos objetivos propostos.

5.4.4 Organização da análise de conteúdo do Livro de Jó

A partir do referencial metodológico foi organizada a categorização com os


respectivos indicadores para a realização da análise de conteúdo do Livro de Jó,
conforme figura abaixo.
124

Unidade de
Unidade de
registro Categoria Subcategoria Indicadores
contexto
(tema)

“Jó lendário”
Império persa
Presença ou
Líderes religiosos ausência de
fraudulentos referência a um
Contextualização Camponeses\menos ambiente de
favorecidos sob opressão por
opressão dominação
ideológica
Dominação
Exploração

Período do Educação bancária Presença ou


império persa e ausência de
Doutrina da retribuição
exploração dos práticas
Práticas camponeses Teologia da educacionais que
educacionais judeus e Discursos dos prosperidade favoreçam a
presente no familiares, “amigos” de Jó mercantilização
Livro de Jó causando Mercantilização
religiosa da religião e a
grandes desumanização
sofrimentos e Distanciamento de
misérias. Deus

Educação libertadora
Conscientização
Transformação
Presença ou
Libertação ausência de
práticas
Discursos de Jó Emancipação
educacionais e
Teologia da libertação teológicas
libertadoras
Humanização
Esperança

Quadro1: Organização da análise de conteúdo


Fonte: O autor
125

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste capítulo, apresentam-se as considerações finais sobre o trabalho,


apontam-se respostas à pergunta de pesquisa e são apresentados os resultados
obtidos, atendendo ao objetivo geral e aos objetivos específicos. Apresentam-se,
também, contribuições para trabalhos futuros por meio de sugestões de temas que
podem ser desenvolvidos a partir do resultado obtido.

Este trabalho teve como foco principal responder ao questionamento que


originou esta pesquisa: a prática educacional desenvolvida a partir do conteúdo
teológico das revistas de educação cristã utilizadas pela CPAD, se avaliada sob a
perspectiva de uma pedagogia libertadora e com neutralidade, pode se considerada
como hábil para emancipação e humanização?

Para responder a essa pergunta de pesquisa foi buscado atingir o objetivo


geral desta pesquisa de “Identificar as práticas educacionais que são desenvolvidas
a partir do conteúdo das revistas de educação cristã, publicadas pela CPAD e
utilizadas nas EBDs da IEAD, a partir de uma perspectiva educacional de Paulo
Freire”.

O objetivo geral foi atingido por meio da identificação das convergências entre
as práticas teológicas presentes no Livro de Jó e a concepção pedagógica de Paulo
Freire (educação bancária e educação libertadora), e a comparação das análises de
conteúdo sob a perspectiva freireana e evangélica pentecostal da IEAD.

O livro de Jó que contém uma parte textual em prosa, que serve como
moldura do livro com um conteúdo de textos antigos, e outra parte textual em forma
de poesia que pertencia à época da escrita do livro, definida como o período entre
os anos V e IV antes de Cristo, durante o império persa.

O personagem principal, chamado Jó, como figura de uma coletividade que


corresponde a 3/4 da população judaica, identifica-se com os camponeses que
perderam seus rebanhos, terras e filhos e filhas, durante a dominação do império
persa, e tinham os líderes religiosos judaicos como cúmplices na aplicação de sua
política desumanizante e opressora.
126

O ambiente é regido por uma ideologia controlada pelo sistema de dominação


e sustentada no âmbito do território israelita por meio da educação propagada pela
teologia tradicional sapiencial, promovida pelos líderes religiosos judaicos, e
representada pelos “amigos” de Jó.

Para responder aos questionamentos gerados desta realidade e confrontar a


influência política, socioeconômica e teológica a que estavam submetidos os
representantes de Jó, o autor do livro desenvolve diversos discursos em forma de
diálogo entre Jó com seus “amigos”, expondo as práticas educacionais realizadas.
Ao analisar as práticas educacionais e teológicas do Livro de Jó foi possível
identificar as convergências com os conceitos educacionais de Paulo Freire que
divide a sociedade em dois grupos antagônicos: opressores e oprimidos.

Paulo Freire chama de “bancária” a educação instrumentalizada para a


dominação, onde o oprimido recebe um conteúdo já previamente estabelecido e que
serve para manutenção do status quo. Mesma forma de educação que Jó havia
recebido antes de sua libertação.

Para contrapor a educação bancária, Paulo Freire apresenta a educação


libertadora, cuja essência está na sua prática dialógica. O conteúdo construído pela
educação libertadora leva o ser humano a perceber as situações-limites, a
desenvolver uma nova postura crítica em relação à sua realidade e a criação de um
espaço para o aprendizado, possível quando o educando passa de um nível de
consciência real ou efetiva para o nível de consciência máxima possível.

Um processo de reconstrução do ser humano a partir de sua história ou


experiência de vida, quando sua desestabilização inicial provoca uma lacuna do
conhecimento adquirido, que o conduz a uma busca permanente por novos
conhecimentos. Passa a considerar e acreditar na transformação da realidade
opressora e de injustiça, imposta por instituições políticas, ideológicas, teológicas,
dentre outras, sendo capaz de gerar uma nova prática que construa condições
sociais mais igualitárias e inclusivas. Semelhante ao que acontece com Jó.

Após fazer uma releitura da educação recebida, decodificá-la e contrastá-la


com a realidade vivenciada, Jó passa a reconstruir a teologia vigente que era
necrófila, por uma que favorece a vida. Para isso, precisou conscientizar-se de que
sua participação, ativa e sem medo da consequência, era necessária para a
127

mudança. Ficou evidenciado que a influência dos ensinos recebidos são barreiras
que foram vencidas gradativamente pelo personagem principal do Livro.

Sua persistência e coragem foram recompensadas, e a mudança veio a partir


da conscientização da realidade e da busca ativa pela transformação e superação.
Vale lembrar que se trata da figura de uma coletividade, o que demonstra, também,
que a mudança não parte de uma pessoa isolada, mas da sensibilização e ação de
uma coletividade.

Outra constatação apresentada foi a figura da mulher de Jó, que de uma


doida, conforme a interpretação tradicional, é identificada como a figura das
mulheres judaicas lutadoras, que questionaram o sistema de opressão que tomava-
lhes os filhos e filhas para explorá-los.

Assim, o estudo do tema em questão despertou atenção para a possibilidade


de diálogo da pedagogia com a teologia. O referencial metodológico permitiu a
elaboração de tabela de categorização com abordagens de temas pedagógicos e
teológicos e seus respectivos indicadores que permitiram a análise conjunta das
duas áreas de conhecimento. O que demonstra como o dialogo entre teologia e
pedagogia é possível e que as duas são complementares entre si.

Confirmou-se, portanto, que os conceitos pedagógicos construídos por Paulo


Freire, a partir de sua experiência de vida com os oprimidos, contribuíram para a
teologia, em especial a Teologia da Libertação, e continua sendo útil para a análise
de textos bíblicos, como ficou demonstrado nesta pesquisa.

Por fim, a metodologia aplicada demonstrou que a análise do conteúdo do


Livro de Jó, sob a perspectiva freireana, permite uma leitura de um contexto
histórico-social que transmite uma mensagem libertadora dos marginalizados e
oprimidos, relevante para o contexto latino-americano por tratar diretamente com o
problema do pobre e sofredor, questiona o sistema de opressão/exclusão e convoca
o ser humano a ser o protagonista e sujeito de sua própria história. A interpretação
freireana conduz a uma teologia construída a partir da realidade do pobre e
oprimido. Apresenta Jó, como um pobre que crê em Deus, mas que questiona a
injustiça dos dominantes, inclusive religiosos.

Todavia, a análise de conteúdo sob a perspectiva evangélica pentecostal da


128

denominação evangélica com maior número de membros do Brasil, a IEAD,


presente no Brasil desde 1910, que implementou a EBD a partir de 1911, cujo órgão
oficial responsável pela publicação e comercialização das revistas de educação
cristã é a CPAD, demonstrou que, apesar de algumas convergências, não permite a
mesma leitura feita por meio dos conceitos freireanos.

A análise da revista “Lições Bíblicas”, que tratou como tema o Livro de Jó,
demonstrou que foi desconsiderado o gênero literário do livro (prosa e poesia); o
personagem foi apresentado como literal e único em todo o livro e os teólogos, que
não concordam com a historicidade e literalidade de todo livro, são denominados
como liberais que submetem as escrituras a uma crítica científica e humanista.
Acrescentam também que tais teólogos subestimam os milagres e profecias e
divindades de Jesus. Atribui essa a todos os cristãos, generalizando tanto católicos
quanto protestantes e evangélicos.

Ora, tal afirmação é superficial e não se sustenta, pois generalizam todos os


teólogos que se encaixam nesse tipo de interpretação como aqueles que também
desprezam questões fundamentais do cristianismo como a própria divindade de
Cristo. Além do mais, os argumentos utilizados para justificar a historicidade de Jó
não são convincentes como Jó 1.8, Ez 14.20 e Tg 5.11.

Dessa forma, a época da escrita e fatos do livro é identificada entre os


séculos XXV e XXIII a. C., somado a isso a suposta citação de possível autoria de
Eliú, sem argumentação satisfatória, nem indicação de outras possibilidades.
Portanto, um contexto bem diferente da época pós-exílica, adotada como
pressuposto por esta dissertação, que segundo referencial teórico interfere
diretamente na interpretação dos textos, inclusive o teológico, como pode ser
observado no decorrer da análise de conteúdo.

Com base na literalidade do livro, é utilizada boa parte da revista para


justificar significado de nome, local de origem e outros detalhes que não agregam
teologicamente, mas que tem como base algumas suposições como a literalidade de
acesso de Satanás na presença de Deus, entre outras.

Como exemplo, podemos citar a própria mulher de Jó que tem o seu


relacionamento e amor por Jó questionado. Ação semelhante à da prática bancária,
chamando a atenção das mulheres para que não sejam como a mulher de Jó, uma
129

“doida” questionadora. Diferente dos conceitos de Paulo Freire que incentivam o


questionamento da realidade com vistas à conscientização e transformação da
situação de opressão.

Ficou evidenciada a prática de incentivo à passividade pela apresentação de


um Jó paciente e passivo diante das situações de calamidade. Outro exagero é a
afirmação de que o “patriarca acreditava firmemente” no advento do Cristo e na
justificação pela fé, com base nos textos de Jó 19.25 e Jó 9.2. Não se questiona a
doutrina, mas a utilização destes textos, enquanto existem tantos outros textos,
principalmente no Novo Testamento, que tratam especificamente do tema. Dentre os
quais podem ser citados Epístola aos Gálatas e Romanos.

Com relação aos discursos dos amigos de Jó, apesar de não ser considerada
a ideologia dominante por detrás das falas, a interpretação permite a visualização da
propagação da prática da teologia do relacionamento mercantil com Deus. Ficou
evidenciado que a prática educacional da IEAD combate o mercantilismo religioso e
a imposição de culpa do pecado por meio do sofrimento, defendendo a possibilidade
de sofrimento do justo. Todavia, percebe-se uma passividade com relação ao
sofrimento e às situações de calamidade, uma acentuada “espiritualização” dos
fatos, inclusive com a defesa do sofrimento como necessário para o crescimento
espiritual.

Outra prática combatida, com base na interpretação do Livro de Jó, é a


Teologia da Prosperidade, considerada sem fundamentos bíblicos e de origem
diabólica. Bildade é apresentado como predecessor da Teologia da Prosperidade.
Defende-se que o crente pode ser próspero, mas isso não como resultado do
relacionamento mercantil com Deus; e em sendo, deve ajudar os pobres. Com base
no discurso de Zofar é combatido o deísmo. Sendo defendido que Deus se preocupa
e intervém na história da humanidade. Um Deus transcendente e ao mesmo tempo
imanente.

Portanto, a interpretação apresentada é de que os discursos dos “amigos” de


Jó não podiam responder à situação deste, porque previam um relacionamento
mercantil com Deus, uma troca da adoração por benefícios pessoais e coletivos e
não a prática de uma religião gratuita e libertadora. Entretanto, vale ressaltar que
somente na página 65 da revista da CPAD é citada e criticada, pela primeira vez na
130

revista, a atitude da minoria de ricos que buscam o constante aumento de sua


riqueza, em detrimento do sofrimento da maioria pobre. A palavra esperança é citada
somente duas vezes em toda revista, e palavras temas da libertação como
emancipação, humanização, conscientização não são citadas.

Jó é apresentado como um crente que não aceita a imposição dos discursos


de seus “amigos”, mas um crente que não praticava “mera troca de favores” com
Deus, com discursos em defesa de sua inocência e obediência à Deus, bem como
da intervenção de Deus na história. Todavia, não é enfatizada a atitude
questionadora de Jó, na busca da transformação da realidade de opressão que
vivia, mas a atitude de paciência e passividade.

Esta pesquisa demonstrou pela análise de conteúdo que, apesar de algumas


convergências com a perspectiva freireana como o combate ao mercantilismo
religioso, à Teologia da Prosperidade e de um Deus presente, a perspectiva
evangélica pentecostal da IEAD tem a tendência de “espiritualizar” mais o tema e
não considera a luta pela emancipação, humanização e libertação como meio de
transformação social. Assumindo uma forma mais alienante da igreja em relação à
sociedade.

Enquanto na Teologia e a Pedagogia da Libertação há o risco da ênfase no


social, na perspectiva teológica evangélica pentecostal da IEAD há o risco da
espiritualização e distanciamento do social. No entanto, o diálogo entre as duas
perspectivas é possível e pode proporcionar o equilíbrio que podemos perceber na
prática educacional de Jesus, que cuidou tanto do social como do espiritual.

Dos resultados desta pesquisa emergem temas para trabalhos futuros como
continuidade do presente estudo, como exemplo podem ser citados:

a) A importância da análise de contexto e discursos nas práticas teológicas.

b) Por uma educação teológica libertadora: diálogo da Teologia da Libertação


com a teologia pentecostal.

c) Teologia da Prosperidade como prática da educação bancária.

d) Educação teológica libertadora para a prática da religião gratuita.


131

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