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Silvio Luiz de Almeida

NECROPOLÍTICA E NEOLIBERALISMO

DOSSIÊ 2
Silvio Luiz de Almeida*

O conceito de necropolítica introduzido no debate público por Achille Mbembe tem sido frequentemente
mobilizado para a reflexão acerca das formas de violência perpetradas pelo Estado, especialmente contra as
populações mais pobres e as minorias raciais. Entretanto a leitura do ensaio de Mbembe demonstra que, mais
do que um desdobramento da biopolítica de Foucault – conceito que procura explicar as especificidades da
dominação sob a égide do Estado moderno –, o conceito de necropolítica pretende dar conta do modo como
a governamentalidade e suas tecnologias se impõem diante das mudanças na forma de reprodução social
do capitalismo, no caso, as mudanças provocadas pelo neoliberalismo. Portanto pretende-se analisar como
Mbembe, a partir da leitura crítica de Foucault, concebe a especificidade das formas de dominação no que
considera ser a etapa neoliberal da economia capitalista.
Palavras-chave: Necropolítica. Neoliberalismo. Biopolítica. Estado. Racismo.

INTRODUÇÃO cas da inimizade, de 2016, o colonialismo e o


apartheid não são tratados mais como meras
Em 2003, Achille Mbembe publicou um circunstâncias, mas como formas de domina-
ensaio de grande repercussão intitulado “Ne- ção que transcendem os países e os períodos
cropolítica”. A partir de uma crítica ao concei- históricos em que essas experiências ocorre-
to de biopolítica introduzido por Michel Fou- ram. Dito de outro modo, colonialismo e apar-
cault, o texto propõe uma análise do exercício theid geraram modelos de administração e tec-
da soberania que confere centralidade à expe- nologias de gestão cujo funcionamento se ca-
riência do colonialismo e do apartheid. Diante racteriza pela produção sistemática da morte.
do colonialismo e do apartheid, o exercício da Para estabelecer a diferença entre a bio-
soberania não pode ser descrito apenas como política descrita por Foucault e o que denomi-
a manutenção do equilíbrio entre a vida e a na de necropolítica, Mbembe se vale de dois
morte, ao “fazer viver e deixar morrer”. Neste outros conceitos: estado de exceção e estado de
contexto, o poder soberano se manifesta fun- sítio. “O estado de exceção e a relação de inimi- Caderno CRH, Salvador, v. 34, p. 1-10, e021023, 2021

damentalmente por mecanismos de produção zade tornaram-se a base normativa do direito


sistemática da morte como a guerra, o homicí- de matar”, e que funciona com apelo à “exce-
dio e o suicídio, ou seja, como necropolítica. ção, à emergência e a uma noção ficcional do
Entretanto a necropolítica se refere a inimigo” (Mbembe, [2003] 2018a, p. 17), que
um modo do exercício da soberania que não precisam ser constantemente repetidas nas
se limita às circunstâncias específicas do colo- práticas políticas.
nialismo e do apartheid. Em obras posteriores, O que para Mbembe torna insuficiente
como Crítica da razão negra, de 2013, e Políti- o conceito de biopolítica? É essa questão que
este artigo se propõe a perseguir. O artigo par-
* Fundação Getúlio Vargas.
te da hipótese de que a insuficiência apontada
Avenida Nove de Julho, 2029 – Bela Vista. Cep: 01313-902. por Mbembe repousa no argumento de que o
São Paulo – São Paulo –Brasil. silviovlq@gmail.com
https://orcid.org/0000-0003-0990-9707 conceito de biopolítica não englobaria todas

https://dx.doi.org/10.9771/ccrh.v34i0.45397 1
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as dimensões que a ascensão do neoliberalis- O que Foucault demonstra é que as fronteiras


mo provocou no exercício da soberania, em entre natureza e política, aparentemente está-
especial a expansão da lógica colonial e as veis, “são menos ponto de partida do que efeito
transformações do racismo, no que denomi- da ação política” (Lemke, 2018, p. 50). A biopo-
nou de “universalização da condição negra” lítica é o conceito que permite apreender o pro-
(Mbembe, [2013] 2018b). Em Mbembe, o neo- cesso histórico a partir do qual a vida emerge
liberalismo implica em uma forma de governa- como resultado das práticas de poder.
mentalidade, que só pode ser adequadamente A trajetória do conceito começa em 1974,
descrita com o aporte dos conceitos de estado quando, pela primeira vez, é utilizado na con-
de exceção e estado de sítio, além de uma nova ferência “A verdade e as formas jurídicas”. A
formulação do que Foucault chamou de racis- partir de História da sexualidade: a vontade de
mo de Estado. saber, de 1976, o conceito se firma no univer-
Portanto o artigo seguirá o seguinte ca- so conceitual foucaultiano. Mas é nos cursos
minho: a) reconstituir o conceito de governa- “Em defesa da sociedade”, de 1975/1976, “Se-
mentalidade tal como apresentado por Michel gurança, território e população”, de 1977/1978
Foucault; b) reconstituir o conceito de racismo e “Nascimento da biopolítica”, de 1978/1979,
de Estado; c) mostrar como a questão do neoli- que o conceito de biopolítica passará ao status
beralismo aparece na obra de Mbembe e como de categoria analítica fundamental. Das men-
ele o relaciona com o conceito de necropolítica. cionadas conferências destacaremos dois ele-
No caso de Michel Foucault, a análise do mentos fundamentais para a definição do con-
conceito de biopolítica, governamentalidade e ceito governamentalidade e racismo de Estado.
racismo de Estado será feita tendo como fontes No que consiste a biopolítica? Foucault
principais os textos “Segurança, território, po- propõe uma mudança na ideia de governo
pulação” ([1978] 2008a), “Nascimento da Bio- que implica em pensar o exercício do poder
política” ([1976] 1999) e “Em defesa da socie- não sobre um Estado, um território ou uma
dade” ([1979] 2008b). Já em relação aos con- estrutura política. O governo é sempre sobre
ceitos trabalhados por Mbembe, servirão como as pessoas, homens, indivíduos ou coletivida-
referência os textos “Necropolítica” (2018a), des. Para Foucault (2008a, p. 164), “os homens
“Crítica da razão negra” (2018b) e “Políticas da é que são governados”. O exercício do gover-
inimizade” ([2016] 2020). no é identificado com as diversas estratégias,
métodos e tecnologias para controle dos in-
divíduos, agora tomados como população. A
BIOPOLÍTICA E GOVERNAMENTA- partir de tais pressupostos, Foucault empre-
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LIDADE enderá a análise das mudanças nas formas de


governo ocorridas especialmente a partir do
O conceito de biopolítica foi sendo pau- século XVIII, com a constituição dos Estados
latinamente apresentado no interior dos traba- orientados pelo liberalismo. Entre os séculos
lhos de Foucault, de forma que não se permite XVII e XVIII, mais do que um conjunto de
determinar facilmente (Lemke, 2018). Afirma ideias sobre o governo, o liberalismo corres-
Thomas Lemke (2018) que a definição de bio- ponde à instauração de um conjunto de prá-
política se encontra muito mais no fato de tor- ticas governamentais ajustadas às exigências
nar visível “a distinção (contingente e precária) da sociabilidade capitalista. Esse conjunto de
entre política e vida, cultura e natureza, entre práticas Foucault denomina de governamenta-
o tangível e o intangível, e o dado de modo in- lidade (Foucault, 2008a, p. 138).
questionado, de um lado, e a ação responsabi- A governamentalidade pode ser defi-
lizada moral e juridicamente, de outro” (p. 49). nida como: a) “o conjunto constituído pelas

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instituições, os procedimentos, análises e re- de governamentalidade? Qual a relação de ne-


flexões, os cálculos e as táticas que permitem oliberalismo com governamentalidade? Talvez
exercer um tipo complexo e específico de po- seja importante dizer, inicialmente, que o ne-
der” e que “tem por alvo principal a popula- oliberalismo não se restringe a uma série de
ção, por principal forma de saber a economia políticas econômicas e nem a uma ideologia
política e por instrumento técnico essencial (Andrade, 2019; Brown, 2019; Dardot; Laval,
os dispositivos de segurança”; b) o “governo”, [2013] 2009). Ainda que o neoliberalismo tam-
entendido como um poder que se sobrepõe a bém se manifeste na forma de políticas econô-
todos os outros como “soberania e disciplina”, micas e de discurso ideológicos, o neoliberalis-
e que se manifesta por meio de uma série de mo é processo de constituição da subjetividade
“aparelhos específicos de governo” e pelo “de- e, consequentemente, de novos sentidos para
senvolvimento de toda uma série de saberes”; a vida e para morte, uma biopolítica, portanto.
c) o processo histórico que resultou na forma- E, como biopolítica, o neoliberalismo corres-
ção, a partir dos século XVII, do “Estado ad- ponde a um conjunto específico de práticas de
ministrativo” ou, em outros termos, o Estado governo orientadas por uma peculiar e circuns-
“racional” é “governamentalizado” (Foucault, tanciada razão de Estado. Cabe sempre lembrar
2008a, p. 143-144). que, ao falarmos de práticas de governo no
A análise de Foucault afasta-se de es- modo proposto por Foucault (2008b), estamos
peculações sobre uma suposta “natureza” ou nos referindo a um “regime de governamentali-
“essência” do Estado da qual poderiam ser de- dades múltiplas” e, assim, à “estatização”.
duzidas todas as suas estruturas e funções. Se O Estado no neoliberalismo não é um
o Estado for entendido como uma espécie de Estado “limitado” ou “ausente”, mas que se ca-
“universal político”, Foucault (2008b, p. 105) racteriza por estabelecer novas formas de inter-
afirma renunciar a uma “teoria do Estado” que venção ou, nos termos foucaultianos, “relações
veja as coisas desta forma. O que lhe interes- de dominação e técnicas de sujeição polimor-
sa é “a identificação da estatização progressi- fas” (Foucault, 1998, p. 182). Apesar de frisar
va, certamente fragmentada, mas contínua, de que o neoliberalismo alemão e o neoliberalis-
certo número de práticas, de maneiras de fazer mo americano guardem diferenças significati-
e, se quiserem, de governamentalidades” (Fou- vas entre si,1 Foucault (2008b) mostra que há
cault, 2008b, p. 105). Assim, os problemas da ao menos três pontos em comum entre essas
doença mental, da medicina clínica e da cons- experiências históricas: a) a crítica ao pensa-
tituição das práticas disciplinares no sistema mento de Keynes; b) a repulsa ao intervencio-
penal são resultados de uma cada vez maior nismo estatal na forma do planejamento e, es-
“estatização” ou, em outros termos, de um con- pecialmente, à planificação; c) a circulação de Caderno CRH, Salvador, v. 34, p. 1-10, e021023, 2021

junto de múltiplas práticas de poder, de disci- toda uma série de pessoas, personagens, teorias
plina e de regimes de saber (Foucault, 2008b). e livros, especialmente os ligados à chamada
O Estado deve ser tomado como “o efeito mó- escola austríaca (Foucault, 2008b, p. 107).
vel de um regime de governamentalidades
múltiplas” (Foucault, 2008b, p. 105).
Governamentalidade se refere à “razão
governamental” ou aos “tipos de racionalida- 1
Foucault (2008b) ressalta que as distinções entre o neo-
liberalismo alemão e o neoliberalismo americano podem
de que são postos em ação nos procedimentos também ser encontradas em suas diferentes “ancoragens
históricas”. No caso alemão, Foucault vê a ancoragem nos
pelos quais a conduta dos homens é condu- eventos da República de Weimar, na crise de 1929 e no
zida por meio de uma administração estatal” desenvolvimento do nazismo, na crítica do nazismo e, en-
fim, na reconstrução do pós-guerra. Já no caso americano,
(Foucault, 2008b, p. 432). Mas como Foucault a ancoragem está na crítica da política do New Deal e nas
críticas ao intervencionismo federal do pós-guerra implan-
analisa o neoliberalismo a partir do conceito tados pelas administrações democratas.

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ESTADO, GUERRA E RACISMO É sob a lógica da guerra que o Estado se


apresenta no século XIX como o “protetor da
O segundo conceito que tornará possível integridade, da superioridade e da pureza da
a compreensão da crítica de Mbembe à ideia raça” (Foucault, 1999, p. 95). A noção de pu-
foucaultiana de biopolítica é racismo de Esta- reza das raças é a expressão da face antirre-
do. Antes de tudo, cabe notar que em Foucault volucionária, conservadora e reacionária que
(1999) o exame das relações de poder requer o discurso político assume após as revoluções
o abandono do modelo jurídico da soberania, liberais do século XVIII (Foucault, 1999). O ra-
que olha para o poder sob o ângulo da legitimi- cismo “é, literalmente, o discurso revolucioná-
dade do Estado. Em vez de perguntar como os rio, mas pelo avesso”, uma vez que o exercício
sujeitos concedem legitimidade a um poder ao da soberania terá como objetivo a “proteção da
qual irão se sujeitar, a investigação deveria se raça” (Foucault, 1999, p. 95). A isso Foucault
debruçar sobre “como as relações de sujeição denomina de “racismo de Estado”. A integrida-
podem fabricar sujeitos”. Desse modo, a inves- de do Estado se apoia na divisão social criada
tigação por ele proposta se volta à compreen- pelo racismo.
são da maneira como “relações de força que se A partir do século XIX, a soberania dei-
entrecruzam, remetem umas às outras, con- xa de ser o poder de tirar a vida e passa a ser
vergem ou, ao contrário, se opõem e tendem a o poder de mantê-la e prolongá-la, de fazer
anular-se” (Foucault, 1999, p. 319). viver e deixar morrer. O biopoder é cada vez
Nesse ponto em que as relações de for- mais “disciplinar e regulamentador” (Foucault,
ça são apresentadas como a materialização do 1999, p. 304). Todavia o racismo permite o
poder é que a questão da guerra ganha impor- exercício da função da morte em um sistema
tância fundamental na reflexão sobre o Estado. político centrado no biopoder (Foucault, 1999,
Foucault estabelece a guerra como “um anali- p. 304-305), de tal sorte que é possível dizer
sador das relações de força” (Foucault, 1999, que “quase não há funcionamento moderno
p. 320). O que marca o Estado contemporâneo do Estado que, em certo momento, em certo
é o fato de que guerra não é um momento, limite e em certas condições, não passe pelo
mas uma permanência. A guerra, portanto, é racismo” (Foucault, 1999, p. 304). São duas
a forma assumida pelas relações de poder nas as funções do racismo de Estado. A primeira
sociedades capitalistas em que os conflitos de é garantir a divisão no contínuo biológico da
classe, os antagonismos sociais e a concorrên- espécie humana, introduzindo hierarquias,
cia são partes integrantes da vida social (Hirs- distinções, classificações de raças que permi-
tam determinar diferentes valores à vida hu-
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ch, 2010; Mascaro, 2013). Como afirma Fou-


cault “a guerra é a cifra da paz”, uma vez que mana, a depender do grupo social ao qual per-
divide permanentemente o corpo social inteiro; co-
tençam (Foucault, 1999, p. 304). A segunda é
loca cada um de nós num campo ou no outro. E essa estabelecer uma relação positiva com a morte
guerra, não basta encontrá-la como um princípio de do Outro. É nesse ponto que a guerra, tal como
explicação; é preciso reativá-la, fazê-la deixar as for- mencionamos acima, se torna tão importante.
mas latentes e surdas em que ela prossegue sem que O biopoder funda uma relação de tipo bioló-
a percebamos bem e levá-la a uma batalha decisiva
gico em que o Outro não precisa morrer por-
para a qual devemos preparar-nos, se quisermos ser
vencedores (Foucault, 1999, p. 322).
que ameaça a minha vida e o grupo ao qual
pertenço; o Outro precisa morrer porque é um
Não se faz referência, aqui, a uma guerra degenerado, da “raça ruim” que ameaça o livre,
presente, mas à instituição de uma lógica de sadio, vigoroso e desimpedido desenvolvimen-
guerra cuja importância está em ativar o uso to da minha espécie (Foucault, 1999, p. 304).
das tecnologias e dos dispositivos de poder. É desse modo que o racismo é “a condição de

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aceitabilidade de tirar a vida numa sociedade versal da morte”. É a exposição à morte que
de normalização” (Foucault, 1999, p. 305). completa o delírio nazista da superioridade da
É dessa forma que o racismo, desde o ad- raça diante de outras que devem ser “totalmen-
vento da modernidade, se torna “indispensável te exterminadas” ou ser “definitivamente su-
como condição para poder tirar a vida de al- jeitadas” (Foucault, 1999, p. 310). Mas há uma
guém, para poder tirar a vida dos outros”, de tal observação feita por Foucault (1999) que mere-
sorte que “a função assassina do Estado só pode ce nossa atenção, tendo em vista os propósitos
ser assegurada, desde que o Estado funcione deste artigo. A destruição de outras raças e da
no modo do biopoder, pelo racismo” (Foucault, própria raça – a “solução final” – embora aber-
1999, p. 304). É assim que, conforme ressalta tamente assumida pelo nazismo, é uma possi-
Foucault (1999, p. 308), “a guerra vai se mos- bilidade porque essa contradição mortal já está
trar, no final do século XIX, como uma maneira inscrita no modo de funcionamento de todo e
não simplesmente de fortalecer a própria raça qualquer Estado e se apresenta na forma do
eliminando a raça adversa (conforme os temas inafastável do jogo que coloca frente a frente o
da seleção e da luta pela vida), mas igualmente direito soberano de matar e os mecanismos do
de regenerar a própria raça”. A soberania esta- biopoder (Foucault,1999).
tal sob a égide do biopoder, que pressupõe o É neste ponto que Mbembe encaixa sua
exercício do poder de matar e de classificar a crítica ao conceito de biopolítica. As tendên-
vida, “implica o funcionamento, a introdução e cias racistas, assassinas e suicidas do Estado
a ativação do racismo” (Foucault, 1999, p. 309). encontram no nazismo o seu ponto mais visí-
vel dentro do território europeu, mas não tem
origem na Europa. Mbembe, tal como já fizera
RACISMO E NECROPOLÍTICA Aimé Césaire ([1950] 2020), lembra que é o co-
lonialismo a origem de tais tendências. O colo-
Recai sobre a sociedade nazista e o Es- nialismo é o lugar em que a governamentalida-
tado nazista, consoante Foucault (1999), a de se apresenta como o exercício permanente
responsabilidade por algo “extraordinário”: e sistemático da morte. O que aponta Mbembe
a generalização do biopoder. O nazismo teria (2018a, 2018b) é que as formas de governamen-
realizado a fusão primordial entre o direito talidade e de racismo de Estado têm a experi-
soberano de matar, típico das sociedades pré- ência colonial em sua gênese. O nazismo é, no
-modernas, com os novos mecanismos do bio- máximo, a fratura exposta que coloca a um só
poder. Para Foucault (1999, p. 311), o Estado golpe o direito de matar e a biopolítica na cons-
nazista “tornou absolutamente coextensivos o tituição dos Estados modernos. Mas, na radio-
campo de uma vida que ele organiza, protege, grafia dos Estados modernos, o que aparece é a Caderno CRH, Salvador, v. 34, p. 1-10, e021023, 2021

garante, cultiva biologicamente, e, ao mesmo ossatura do colonialismo e do apartheid.


tempo, o direito soberano de matar quem quer O colonialismo e o apartheid estabele-
que seja – não só os outros, mas os seus pró- cem uma governamentalidade irredutível ao
prios”. Há, a um só tempo, “um Estado abso- “fazer viver e deixar morrer” da biopolítica.
lutamente racista, um Estado absolutamente Trata-se, aqui, do necropoder e da necropolí-
assassino e um Estado absolutamente suicida” tica, em que a guerra, a política, o homicídio
(Foucault, 1999, p. 311). e o suicídio são as formas de exercício da so-
A peculiaridade do Estado nazista – ao berania. As diferenças entre a biopolítica e a
mesmo tempo assassino e suicida – é que sua necropolítica são demarcadas por Mbembe
existência não se define apenas pelo propósi- com o apelo ao conceito de estado de exce-
to de destruir outras raças, mas pela exposição ção (Agamben, 2003; Mbembe, 2018a, 2018b;
“de sua própria raça ao perigo absoluto e uni- Schmitt, [1922] 1992). Para Mbembe (2018a,

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p. 19), “o estado de exceção e a relação de O que notabiliza o contexto colonial é a


inimizade tornaram-se a base normativa do permanente ameaça da guerra, e não a guer-
direito de matar”, que se vale de um apelo ra em si. Se a guerra não foi política e juridi-
permanente à “exceção, à emergência e a uma camente declarada, não há limites a observar.
noção ficcional do inimigo”. Foi na experiên- Mas a ameaça de guerra faz nascer a emergên-
cia colonial que se estabeleceu de forma origi- cia que justifica a exceção. Abre-se espaço às
nária a síntese entre “massacre e burocracia” medidas preventivas, à antecipação ao inimigo
(Mbembe, 2018a, p. 32) que originou a criação que se impõe na forma de ocupação territo-
de políticas de governo baseadas na seleção de rial e suspensão das garantias constitucionais
raças, na proibição de casamentos mistos, na (como o estado de sítio e o estado de exceção).
esterilização forçada e até mesmo o extermínio O estado de guerra sem guerra é uma “forma-
dos povos vencidos, práticas que, como sabe- ção de terror” que corresponde à “concatena-
mos, transcenderam o território das colônias e ção do biopoder, o estado de exceção e o estado
fazem parte até mesmo das ditas democracias de sítio” (Mbembe, 2018, p. 31).
liberais. (Mbembe, 2018a Pires, 2021).
Mais do que a lógica da guerra e da for-
mação do inimigo externo e interno que irá NECROPOLÍTICA E NEOLIBERA-
garantir a integridade do Estado, a necropolí- LISMO
tica tem como base o terror, herança direta do
colonialismo e do apartheid. O terror impõe a Em Crítica da razão negra e Políticas de
absoluta alteridade, em que a soberania “con- inimizade, Mbembe irá tratar do que considera
siste fundamentalmente no exercício de um uma “reintrodução global da relação colonial”
poder à margem da lei – ab legibus solutus – e (Mbembe, [2016] 2020, p. 14-15), uma relação
no qual tipicamente a ‘paz’ assume a face de de guerra, guerras de conquista e de ocupação,
uma ‘guerra sem fim’” (Mbembe, 2018a, p. 32). mas também guerras de sitiamento, de intru-
O necropoder se manifesta neste espaço em são e guerras raciais. E essa reintrodução se
que a legalidade não chega, em que o poder de dá no contexto do neoliberalismo. Mas o que
matar, e não a racionalidade da norma, anuncia Mbembe entende por neoliberalismo, afinal?
a existência do Estado (Mbembe, 2018a). É o Em Crítica da razão negra é interessante no-
território da ocupação colonial, onde a sobera- tar que a definição de neoliberalismo aparece
nia se manifesta em um lugar identificado com no ponto em que são descritos os momentos
desordem, loucura, “zona de fronteira”, onde o de criação do que Mbembe (2018b, p. 10) de-
inimigo está sempre à espreita e onde, mesmo nomina de “vertiginoso conjunto”, ou seja, do
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que não haja guerra, há a permanente ameaça negro e da raça. A associação negro/raça é o
de guerra. Vale lembrar que a guerra, elemento resultado do colonialismo que sempre se atua-
que compõe o Estado moderno segundo Fou- liza no contexto das transformações ocorridas
cault, é regulado pelo direito internacional, nas sociedades contemporâneas. O neolibera-
pelo direito de guerra. A guerra legítima “é, em lismo criou uma associação específica entre
grande medida, uma guerra conduzida por um negro e raça, diferente da existente nas etapas
Estado contra outro ou, mais precisamente, anteriores do capitalismo. Enfim, para que se
uma guerra entre ‘Estados civilizados” (Mbem- compreenda como o racismo se manifesta con-
be, 2018a, p. 34). O Estado é o modelo de uni- temporaneamente é preciso levar em conta o
dade política, “um princípio de organização ra- processo de globalização dos mercados, da pri-
cional, a personificação da ideia universal e um vatização do mundo e da crescente complexi-
símbolo de moralidade”, daí sua centralidade ficação da economia financeira, do complexo
no cálculo da guerra (Mbembe, 2018a, p. 34). militar pós-imperial e das tecnologias eletrôni-

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cas e digitais (Mbembe, 2018b). Mas o contrá- não mais repousa no consumo, mas “depende
rio também pode ser afirmado: a compreensão quase inteiramente da capacidade de recons-
do neoliberalismo passa a considerar o racis- truir publicamente sua vida íntima e de ofere-
mo um elemento analítico crucial. cê-la no mercado como uma mercadoria passí-
O neoliberalismo é definido por Mbembe vel de troca”. Esse “sujeito neuroeconômico,”
(2018b, p. 15) como “uma fase da história da cuja vida psíquica e política se orienta pelas
humanidade dominada pelas indústrias do silí- normas de mercado, está “condenado à apren-
cio e pelas tecnologias digitais” e que se carac- dizagem por toda a vida, à flexibilidade e ao
teriza por três elementos: a) o tempo curto em reino do curto-prazo; deve abraçar sua condi-
que a força reprodutiva é convertida na forma ção de sujeito solúvel e fungível, a fim de aten-
dinheiro, e no qual em todos os âmbitos e si- der à injunção que lhe é constantemente feita
tuações se pode atribuir um valor de mercado; – tornar-se um outro” (Mbembe, 2018b, p. 16).
b) a produção da indiferença, que se caracteriza d) Fusão capitalismo e animismo. Esse efeito
pela “paranoica codificação da vida social tanto está diretamente relacionado à importância
em normas, categorias e números, quanto por que Mbembe confere ao racismo na descrição
diversas operações de abstração que pretendem do neoliberalismo. Para o autor, o neoliberalis-
racionalizar o mundo a partir de lógicas empre- mo representa “a época na qual o capitalismo
sariais”; c) a ausência de limites, tanto de fins e o animismo, durante muito tempo obrigados
quanto de meios, ao capital financeiro. a se manterem afastados, tendem finalmente a
Mbembe descreve os efeitos do neolibe- se fundir” (Mbembe, 2018b, p. 16). A moder-
ralismo na constituição dos sujeitos do seguin- nidade operou uma separação entre razão e
te modo: a) Surgimento de nômades do traba- desejo, sujeito e objeto e ser e dever-ser, a fim
lho, em que a tragédia da multidão não é mais de conter as energias pulsionais. Nem tudo po-
a exploração, pois “não poder ser explorada de deria ser reificado, transformado em objeto de
modo nenhum, é ser relegada a uma “humani- cálculo e, consequentemente, em mercadoria.
dade supérflua” e “sem qualquer utilidade para Algumas fantasias e desejos deveriam ser su-
o funcionamento do capital” (Mbembe, 2018b, blimados em nome de um determinado projeto
p. 15). b) Surgimento de uma nova forma de civilizador (Mbembe, 2018b, p. 16).
vida psíquica “apoiada na memória artificial e Porém o neoliberalismo é a era em que
digital e em modelos cognitivos provenientes “entram em colapso os diques de contenção das
das neurociências e da neuroeconomia”. Com pulsões” (Mbembe, 2020, p. 194-195) construí-
isso tem-se a criação de automatismos psíqui- dos pela sociedade industrial. A distinção entre
cos e tecnológicos que consolidam a ficção de pessoa humana, animal ou máquina já não é
“um novo sujeito humano, empreendedor de tão certa, assim como também não há certeza Caderno CRH, Salvador, v. 34, p. 1-10, e021023, 2021

si mesmo, moldável e convocado a se recon- sobre se a fabricação de espécies e subespécies


figurar permanentemente em função dos ar- de seres humanos continua sendo um tabu
tefatos que a época oferece”. Mbembe chama consubstanciado, por exemplo, no sistema in-
esse “novo homem” de “sujeito do mercado ternacional de proteção aos direitos humanos.
e da dívida, vê-se a si mesmo como um mero Por fim, chegamos a um dos pontos cen-
produto do acaso” (Mbembe, 2018b, p. 16). trais da descrição do neoliberalismo feita por
c) Aprisionamento no desejo e reconstrução Achille Mbembe. Trata-se da universalização
da vida íntima como mercadoria. O que mar- da condição negra ou devir negro no mundo
ca esse efeito é a distinção entre o sujeito da (Mbembe, 2018b). O neoliberalismo escanca-
sociedade industrial e o sujeito neoliberal. Se ra o colonialismo como governamentalidade e
o primeiro é “trágico” e “alienado”, o segundo a plantation como tecnologia de poder que se
é um prisioneiro do próprio desejo, cujo gozo apresenta mesmo após as lutas de libertação e

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NECROPOLÍTICA E NEOLIBERALISMO

os processos de descolonização jurídica e polí- que parece estar condensada ao zoneamento e


tica (Fanon, [1964] 1980, [1952] 2020; Mbem- à expulsão” (Mbembe, 2020, p. 196). Esse de-
be, [2010] 2019). Se nos períodos anteriores vir negro no mundo, essa expansão global da
do capitalismo apenas os negros escravizados condição negra coincide com a transformação
estavam expostos a certos riscos, o neolibera- do capitalismo em “uma forma de religião ani-
lismo “democratizou” tais riscos, estendendo mista” e, por consequência, do ser humano em
a condição negra para toda a humanidade. A “homem-fluxo, digital, infiltrado de todos os
lógica colonial de captura, predação, ocupação lados pelos mais variados órgãos sintéticos e
e exploração tornou-se a forma de administra- próteses artificias” (Mbembe, 2020, p. 196). O
ção das sociedades contemporâneas, atraves- “negro de fundo” é o inimigo, é o Outro do ne-
sadas pelas exigências objetivas e subjetivas oliberalismo. É contra os perigos deste “negro
da reprodução econômica da etapa neoliberal de fundo”, essa personificação da humanidade
(Mbembe, 2018b). decaída que se fará a unidade política e se ins-
O racismo no período neoliberal ganha tituirá o dispositivo militar e de segurança na
novos contornos, torna-se “espetáculo” e “par- sociedade da inimizade.
te dos dispositivos pulsionais e da subjetivida-
de econômica”. O racismo é “mais um produto
de consumo da mesma categoria que outros CONCLUSÃO
bens, objetos e mercadorias” (Mbembe, 2020,
p. 105) nas prateleiras de uma economia da Ainda que o conceito de necropolítica
atenção e que se move por estímulos pulsio- seja articulado como uma crítica ao conceito de
nais. Para Mbembe (2020, p. 105), “nesta época biopolítica, isso não deve ser entendido como
dominada pela paixão pelo lucro, essa combi- oposição, mas como apontamento de limites,
nação de luxúria, brutalidade e sensualidade extensão e continuidade. Mbembe aponta as
favorece o processo de assimilação do racismo insuficiências teóricas da biopolítica para tra-
pela ‘sociedade do espetáculo’ e sua molecu- tar das mutações sofridas nas relações de po-
larização pelos dispositivos do consumo con- der, especialmente na etapa neoliberal do ca-
temporâneo”. É assim que o racismo “alimenta pitalismo. As insuficiências estariam em dois
nossa necessidade de diversão e nos permite pontos específicos. O primeiro, na ausência de
escapar ao tédio reinante e à monotonia”, fenô- uma reflexão de Foucault sobre o impacto do
meno a que Mbembe chama de nanorracismo. colonialismo na constituição dos dispositivos
O nanorracismo é o “direito de rir às custas de sujeição e de dominação presentes em to-
daquele que se busca estigmatizar” e que for- das as sociedades contemporâneas, mesmo as
Caderno CRH, Salvador, v. 34, p. 1-10, e021023, 2021

nece o “prazer em chafurdar na ignorância” e liberais e democráticas. Em segundo lugar, a


reivindicar “o direito à estupidez e à violência falta de uma reflexão mais profunda sobre as
nela fundadas” (p. 105). especificidades do racismo em conexão com
O negro, no contexto neoliberal, torna- as diferentes formas de governamentalidade.
-se mais do que um significante relacionado Para Mbembe, o neoliberalismo inaugura uma
a um conjunto de características físicas, mas etapa em que a categorização da humanida-
uma categoria subalterna da humanidade. O de em raças superiores e inferiores para fins
negro não é mais o que Mbembe chama de do exercício do poder de matar não depende
“negro de superfície” (que se identifica pela mais de uma ligação direta com o imaginário
aparência), mas o “negro de fundo” (Mbembe, socialmente produzido acerca dos negros de
2020, p. 196). Ser negro no neoliberalismo é origem africana. O racismo é não apenas par-
pertencer a “essa parte supérflua e quase exce- te fundamental das práticas de governo e do
dente de que o capital dificilmente precisará e exercício da soberania, mas também o proces-

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Silvio Luiz de Almeida

so de constituição de um tipo de subjetividade REFERÊNCIAS


própria do neoliberalismo. Em outras palavras,
AGAMBEN, G. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo,
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são da lógica colonial, tendo em vista que a re- ______. Nascimento da biopolítica. 1ª edição [1979]. São
Paulo: Martins Fontes, 2008b.
produção das condições objetivas e subjetivas ______. A verdade e as formas jurídicas. 1ª edição [1974].
da vida econômica se estabelece com a cons- São Paulo: Nau, 2013.

tante depreciação da vida material, com o apri- ______. História da sexualidade: a vontade de saber.
1ª edição [1976]. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014. V. 1.
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e com a financeirização de todos os âmbitos da Renovar, 2010.
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Paulo: Politeia, 2018.
exercício da soberania é a constante reinvindi-
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______. Crítica da razão negra. 1ª edição [2013]. São Paulo:
do sujeito no neoliberalismo. N-1, 2018b.
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descolonizada. 1ª edição [2010]. São Paulo: Petrópolis:
Vozes, 2019.
Recebido para publicação em 13 de julho de 2021
Aceito em 26 de setembro de 2021 ______. Pandemia democratizou o poder de matar, diz
autor da teoria da necropolítica. Entrevista concedida
Caderno CRH, Salvador, v. 34, p. 1-10, e021023, 2021
a Diogo Bercito. Folha de São Paulo, São Paulo, 30 mar.
2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/
mundo/2020/03/pandemia-democratizou-poder-de-matar-
diz-autor-da-teoria-da-necropolitica.shtml. Acesso em: 12
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______. Políticas da inimizade. 1ª edição [2016]. São Paulo:
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PIRES, L. M. Estados de exceção: a usurpação da soberania
popular. São Paulo: Contracorrente, 2021.
SCHMITT, C. Teologia política. 1ª edição [1922]. Belo
Horizonte: Del Rey, 1992.

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NECROPOLÍTICA E NEOLIBERALISMO

NECROPOLITICS AND NEOLIBERALISM NÉCROPOLITIQUE ET NÉOLIBÉRALISME

Silvio Luiz de Almeida Silvio Luiz de Almeida

The concept of necropolitics introduced into public Le concept de nécropolitique introduit par Achille
debate by Achille Mbembe has been increasingly Mbembe dans le débat public est souvent utilisé
mobilized to reflect on the forms of violence pour réfléchir à propos des formes de violence
perpetrated by the State, especially against the poor fait par l’État, spécialement à la population plus
population and the racial minorities. However, pauvre et les minorités raciales. Pourtant, la lecture
reading Mbembe’s essay demonstrates that de l’essai de Mbembe montre que, en plus qu’un
more than an unfolding of Foucault’s biopolitics déroulement de la biopolitique de Foucault – un
concept – which seeks to explain the specifics of concept qui cherche à expliquer les spécificités de
the domination carried out under the aegis of the la domination sous la égide de l’État moderne –, le
Modern State –, the idea of necropolitics intends to concept de nécropolitique a l’intention de rendre
account for the form with which governmentality compte de la façon dont la gouvernmentalité et ses
and its technologies impose themselves in the technologies s’imposent face à les changements
face of changes in the way of social reproduction dans la façon de reproduction sociale du
of capitalism, in this case, the changes caused by capitalisme, dans ce cas, les changements causés
neoliberalism. Therefore, this text intended to par le néolibéralisme. Ainsi, ce texte a l’intention
analyze how Mbembe, based on Foucault’s critical d’analiser comment Mbembe, basé sur une lecture
reading, conceives the specificity of forms of critique de Foucault, conçoit les spécificités des
domination in what he considers to be the neoliberal formes de domination dans celle qu’il considère la
stage of the capitalist economy. phase néolibéraliste du capitalisme.

Keywords: Necropolitics. Neoliberalism. Biopolitics. Mots-clés: Nécropolitique. Néolibéralisme.


State. Racism. Biopolitique. État. Racisme.
Caderno CRH, Salvador, v. 34, p. 1-10, e021023, 2021

Silvio Luiz de Almeida – Doutor em Direito pelo Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Largo São Francisco). Mestre em Direito Político e
Econômico e bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Graduado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São
Paulo. Concluiu o pós-doutorado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Foi Mellon
Visiting professor do Center for Latin American and Caribbean Studies (CLACS) da Universidade de
Duke (EUA) em 2020. É autor dos livros Racismo estrutural, Sartre: direito e política e O direito no jovem
Lukács: a filosofia do direito em história e consciência. Preside o Instituto Luiz Gama.

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