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Capitulo VIII – Quimbanda – VII

A Quimbanda não se trata apenas de uma corrente maléfica que elegeu um culto à
perversidade como o autor descreveu. O “mal” que habita na Quimbanda é usado
como valor positivo, pois entendemos que os valores éticos e morais, estabelecidos ao
homem como “boas virtudes” são formas escravistas anti-evolutivas, causadoras de
distúrbios comportamentais irreparáveis. A maldade, sob nosso entendimento, trata-
se de uma expressão de força interior. As religiões estagnadas em códigos e regras
“caídas” efetuam uma “lavagem cerebral” e tornam humanos em apáticos corpos
desprovidos de essência. A perversidade, do latim “perversitas.atis”, é um impulso
selvagem que tende corromper estruturas sólidas. Não se trata de um conceito
simplista e sim da faculdade de usar todos os recursos e formas energéticas para
alcançar objetivos. A Quimbanda usa dessa perversidade em alguns aspectos,
entretanto, os impulsos perversos que tendem a anomalias como a mentira com-
pulsiva, dissimulação, inveja e ao alto índice de narcisismo são arduamente com-
batidas pelos Mestres da Quimbanda.
Outra visão limitada desse autor é acerca da formação da “Quimbanda”. No plano
material, a “Quimbanda” realmente nasceu através dos povos martirizados, en-
tretanto, o “esterco” não foi a perversidade e sim a revolta e o ódio. Dentre essa
formação, não foram apenas os povos martirizados que edificaram as colunas de
Maioral; espíritos de todas as etnias foram agregados aos Reinos que evoluem in-
cessantemente.
Quando falamos em “Hierarquia de Exu”, falamos sobre gerência, a capacidade de
distribuir ordenadamente. Essa graduação demonstra que a organização das fileiras de
Maioral objetiva uma otimização do sistema de embate, um máximo aproveitamento
da capacidade de cada espírito e o Direito evolutivo aos mesmos. Portanto, desde que
um espírito é conduzido às sendas de Exu, sua essência é lapidada, enriquecida e
preenchida com sabedoria e magia. Esse processo não pode ser medido pelo nosso
tempo causal, não existe uma medida certa para que os Exus e Pombagiras
permaneçam nos degraus evolutivos. Certo é que alguns despertam suas chamas
internas com tamanha força que recebem títulos. Essa graduação não faz com que
existam Exus Maiores e Exus Menores, pois a Quimbanda Brasileira classifica os
espíritos pelo grau evolutivo que os mesmos ostentam. Jamais podemos esquecer que
mesmo que existam disputas internas, existe o poder limitador e nada pode ser maior
que as emissões energéticas do Grande Dragão Negro.
No começo da jornada evolutiva, os Exus são direcionados aos Reinos e sub-reinos
donde receberão um árduo processo de decomposição e aprendizado. Quando aptos,
passam a ostentar o nome do Reino e servir nas fileiras de algum Exu com grau
evolutivo superior. Por exemplo: Se o espírito receber o título de “Exu de Encruz-
ilhada”, será direcionado para a falange/legião cuja energia seja compatível com a
essência individualizada. Se a energia compatível for da “Kalunga”, o mesmo servirá
nas “Encruzilhadas de Kalunga”. Dessa forma, a essência formadora do espírito é
respeitada e usada dentro das necessidades do Grande Reino.
O Exu, como todos os espíritos em vias evolutivas, pode evoluir absorvendo forças e
sabedorias nas correntes energéticas astrais. Isso faz com que seus poderes tornem-se
mais direcionados e suas características definidas. Nesse ponto, os Exus recebem
“nomes” que representam suas legiões. O “Exu de Encruzilhada” pode se tornar “Exu
Tranca Rua das Encruzilhadas” ou um “Tiriri das Encruzilhadas” dentre outras
classificações.
A evolução é contínua e longínqua. Após o Exu ter desempenhado sua função com
maestria e força, destacando-se pela busca e despertar, servindo a causa maior com
dinamismo e tendo alcançado a plenitude de forças, recebe o título de “Mestre”. Em
alguns casos, esse título pode ser de “Mestre Sete”. O “Mestre Sete” difere-se do título
de “Mestre” pela necessidade expansiva e organizacional do Reino. Os “Mestres Sete”
possuem maior número de legionários pela máxima necessidade de embate que existe
no Reino.
Todos os “Mestres” tem por obrigação a expansão de seus Reinos. Cada espaço do
plano astral deve ser modelado de acordo com os impulsos da Vossa Santidade
Maioral. Os “Mestres” são potencializadores e organizadores dessa expansão. En-
tendemos que expandindo os Reinos, crescem o número de passagens entre os dois
“mundos” e o despertar das chamas aprisionadas. Quando essa expansão atinge o
número construtivo “49”, ocorre a necessidade de um “Rei” zelar desse espaço. Um
dos “Mestres” é eleito pelos “Poderosos Mortos” e as características nominais são
elevadas ao nobre título de “Rei”. Seguindo o exemplo descrito, o “Exu de Encruzilhada
da Kalunga”, evolui para “Tranca Rua da Encruzilhada da Kalunga”, “Tranca Rua das
Sete Encruzilhadas da Kalunga – Mestre Sete” e “Exu Rei das Sete Encruzilhadas da
Kalunga”. Assim funciona a verdadeira hierarquia de Exu e Pombagira dentro da gnose
da Quimbanda Brasileira.

Para compreendermos a presença e a função de “Exu” na vida dos seres humanos


alguns conceitos são deveras importantes.
Os seres que compõem as linhas e povos de Exu são espíritos, pois possuem todas as
faculdades mentais e vivem em outro estágio da forma corpórea, todavia, já
“habitaram” matérias densas (corpos) e por inúmeras vezes foram parte da história
material na Terra. Esse processo de vida e morte (física) denomina-se reencarnação.
O processo de reencarnação (também chamada de transmigração ou metempsicose) é
um assunto deveras complexo, pois nem todos concordam com os mesmos
parâmetros, porém, a Quimbanda Brasileira enxerga a reencarnação de uma forma
completamente diversa da grande maioria das correntes espiritualistas. Partimos do
pressuposto que o mundo material é uma grande prisão onde os espíritos/almas são
encarcerados em corpos densos, com tempo físico pré-determinado, tentando
desesperadamente encontrar formas para aliviar a carga que o processo impõe. Todas
as formas de revolta, dor, agonia e desespero causam um efeito denominado “Carma”.
Resumidamente, “Carma” significa um grupo de ações que gera um determinado
resultado, ou seja, trata-se da visão espiritual da Lei da Física de “Ação e Reação”.
Neste ponto, mister se faz o entendimento da influência moral, pois segundo a “Lei
Carmática”, se o homem praticar o mal o receberá sob mesma intensidade e se
praticar o bem recebe-o da mesma forma. Portanto, os conceitos de bem ou mal são
relativos e condicionados à cultura, costumes e ética de cada povo, bem como à
religiosidade.
O Livro Sagrado Tibetano “Bardo Thodol”, popularmente conhecido como “Livro dos
Mortos” expressa que aqueles que acumulam muito “karma” negativo ver-se-ão
completamente aterrorizados por demônios carnívoros (rakshas) ao passo que os que
acumularem “bons Karmas” experimentarão as delícias e prazeres inenarráveis. Isso
será competência de “Yama Raja ou Dharma Raja”, o Juiz dos Mortos, que examinará
os atos passados das pessoas com a ajuda de seu “Espelho Narrador”. Em seguida,
segundo seus méritos ou suas faltas, o indivíduo será encaminhado para um dos seis
reinos (Lokas) para renascer ou em casos de plena “iluminação” as portas do “Útero da
Vida” serão fechadas impedindo a reencarnação. No hinduísmo esse processo se
chama “moksha” (a Salvação de Samsara).
O conceito Tibetano assemelha-se em alguns aspectos ao Orfísmo Grego (séc. VI a.C.)
que pregava sobre a imortalidade da alma que, ao reencarnar, era dividida e
aprisionada no corpo físico. Segundo os atos de seus adeptos a alma ia para um
suposto paraíso (Elísio) ou para uma modalidade de inferno.
O “Carma” gera nos homens o efeito “Samsara” que nada mais é do que o contínuo
renascimento da alma pós-morte física seguindo a linha temporal cósmica. Talvez essa
visão cíclica tenha vindo após a observação dos povos antigos acerca da linearidade
que após séculos foi exaltada pelas religiões monoteístas. Existe divergência com
relação ao posicionamento físico e temporal dessa transmigração, todavia, certo que
necessariamente ocorrem em “Universos Cósmicos”. O sistema cármico é tão
complexo que uma simples insatisfação pode resultar em longos anos numa próxima
reencarnação. Mas, antes de reencarnar, o ser cósmico terá todas as suas lembranças
apagadas para receber um novo invólucro material. Segundo a “Doutrina Espírita
Kardecista”, o ser humano ao desencarnar não pode permanecer com as memórias de
vidas passadas sob pena de viverem supostas prisões ou mesmo a ira diante à situação
atual. Exemplos como o remorso de antigos crimes e atitudes cometidas, a
continuidade de desafetos, situação financeira, intelectual ou física pior do que na vida
anterior, a retomada dos possíveis vícios vivenciados, o apego aos laços familiares,
enfim, a reencarnação garante o bom funcionamento do sistema evitando “embates”
sequenciais que enfraqueceriam a emissão energética e o contínuo estado hipnótico,
afinal, o descontentamento pode existir, porém, a proliferação de ideias libertadoras
torna-se um problema dentro do escravismo. A revolta contra o Criador e o sono
hipnótico faria com que os seres humanos se afastassem das correntes religiosas e,
muito possivelmente, se tornassem seres agnósticos ou ateus desprovidos de dogmas
e ética religiosa.
Na mitologia grega, as águas do rio “Lethe” ao serem sorvidas pelas almas apagavam
todas as lembranças e insatisfações, mantendo-as no estado hipnótico de melancolia
até o momento de reencarnarem. Isso demonstra que o “homem de barro”
hipnotizado e alienado deve continuar nesse estado letárgico sem direito à ascensão e
libertação espiritual consciente.
Todo dogma (ponto religioso indiscutível) ou rígida conduta ética causa no homem
uma estagnação, pois não existe horizonte a ser desvendado. Um exemplo clássico de
aprisionamento é descrito nos ditames bíblicos no livro de Êxodo. Os “10 Man-
damentos” são um conjunto de regras usadas para cercear, manipular e conduzir o
povo. Se o homem, cuja personalidade está enraizada em tais “Leis” cobiçar uma linda
mulher comprometida será punido pela sua própria consciência e, se esse sentimento
tomar rumos condenatórios, certamente estará criando um novo “Carma” para si.
Qualquer situação que fugir ao código bíblico faz com que o homem “aprisionado” se
perca nas sendas e torne-se “alvo” para punições e temores. Esse homem fiel é um ser
manipulável, um “gado” que vagueia nos lindos campos cercados e só tem direito de
procriar e trabalhar para subsistir.
Nem sempre libertar um escravo é simples, pois milênios de escravidão suprimem a
liberdade de tal forma que o espírito reencarnado acredita que a conduta religiosa
está correta e justa e que nada mais serve como parâmetro na busca pelo Divino.
Certamente esse homem será vítima dessa cegueira e vagará melancolicamente no
pós-morte aguardando uma nova oportunidade de estar na matéria. A escravidão faz
parte da construção do mundo material, assim como o sono profundo (motivado por
inúmeras fontes) impede o esclarecimento acerca de tais prisões. Esse é o principal
foco que os “Povos de Exu” combatem; a inércia e o aprisionamento dos seres
humanos.
Como já descrito em outros textos, os espíritos que receberam o título de “Exu ou
Pombagira” foram arrebanhados pelos Reis e Rainhas das Sagradas Sete Legiões em
algum momento de transição no processo pós-morte. Foram instruídos e treinados nas
mais variadas artes mágicas, receberam a abertura de toda memória ancestral e
conseguiram burlar os vórtices da reencarnação.

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