Você está na página 1de 7

REVISTA BRASILEIRA

DE TOXICOLOGIA
BRAZILIAN JOURNAL
OFTOXICOLOGY
@SOCIEDADE Revista Brasileira de Toxicologia 20, n.1 e 2 (2007) 13-19
BRASn..EIRA DE
TOXICOLOGIA

Medicamentos veterinários e a apicultura: aspectos


comerciais, regulatórios e de saúde do consumidor

Gustavo Tayar Peres, Flavia Pereira da Silva Airoldi, Felix Guillermo Reyes Reyes*

Laboratório de Toxicologia, Departamento de Ciência de Alimentos, Faculdade de Engenharia de Alimentos,


Universidade Estadual de Campinas -UNICAMP

Abstract

Veterinary drugs on the apiculture: commercial, regulatory and consumer health aspects

Apiculture is subject to attacks by plagues, which impair productivity of the apiary and, consequently, the revenue of the
producer. To control these diseases veterinarian management techniques and the application of veterinary drugs such as
oxytetracycline, chloramphenicol, streptomycin and sulfathiazole are employed. Nevertheless, residues of these antimicrobial
agents can be present in honey, exposing the consumer to health risks in consequenceoftheir ingestion. The aim ofthis work
is to discuss the consequencesof the use of veterinary drugs in the apiculture, considering the aspects related to consumers
health, regulation and intemational trade of honey.

Keywords: veterinary drugs, apiculture, honey, antimicrobials, residues.

INTRODUÇÃO Assim como em outras atividades agropecuárias, a


apicultura está sujeita as doenças de origens diversas, as
A apicultura no Brasil tem apresentadocrescimento quais prejudicam a produtividade do apiário e, conseqtien-
nos últimos anos, consolidando-se como uma atividade ge- temente, a lucratividade do produtor. Entre as enfermida-
radora de renda e empregos, principalmente nas áreas ru- des mais prejudiciais, destacam-se as de origem bacteriana
rais do país. A exportação de mel brasileiro aumentou nos como a Cria Pútrida Americana-AFB {American Foul
últimos anos, como mostra a Figura I. Brood) e a Cria Pútrida Européia-EFB (European Foul

I Dlmportação I

lEiExportaçãO I

Figura 1: Quantidade (em toneladas) de mel importado e exportado pelo Brasil entre os anos
de 1995 e 2005 (1).

* Autor correspondente: Felix Guillermo Reyes Reyes, Laboratório de


Brood) (Wn..SON, 2000). Para combatê-las, a medicina ve-
Toxicologia, Departamento de Ciência de Alimentos, Faculdade de terinária utiliza técnicas de manejo e a aplicação de
Engenharia de Alimentos, Universidade Estadual de Campinas -
UNICAMP. R. Monteiro Lobato, 80, Cidade Universitária 'Zeferino Vaz". antimicrobianos, sendo a oxitetraciclina, o cloranfenicol, a
Caixa Posta16121, 13083-862 Campinas, SP. Tel: (19)3521-2167, Fax: estreptomicina e o sulfatiazol as substânciasmais utilizadas.
(19)3521-2153, e-mail: reyesfgr@fea.unicamp.br O uso de antimicrobianos pode ser uma importante
ferramenta para a criação de animais e insetos utilizados na
@ 2006 Sociedade Brasileira de Toxicologia produção de alimentos. Atualmente, os antimicrobianos são
direitos reservados usados para tratar infecções (uso terapêutico), prevenir o
14 Re.\'e.\, F.GR./Revi.\'fa Bra.\'ilcira de Toxicolo.~ia 20, 11.I e 2 (2007)

aparecimento de infecções (profilático) e melhorar a taxa de destes produtos possuem indicação de uso na apicultura.
crescimento e/ou conversfu) alimentar (promotores de cres- Não existem produtos registrados que utilizam o
cimento) (WHO, 2003). cloranfenicol (SINDAN, 2005).
Até meadosda década de 1940, a forma maisutiliza- Os resíduos destes medicamentos podem estar pre-
da para controlar a dispersão de doenças na apicultura era sentes no mel, expondo os consumidores e a população
queimar as colméias e utensílios de madeira e ferver outros aos riscos conseqlientes da ingestão e uso indiscriminado
materiais utilizados nos apiários e entrepostos. Apesar de de antimicrobianos. O comércio internacional do mel tam-
sua eficácia, esta técnica causa sérios prejuízos financeiros bém é prejudicado devido às barreiras não alfandegárias
ao apicultor, pois exige a aquisição de novos equipamentos impostas pelos importadores. Por estes motivos, este arti-
e implica em redução da capacidade de produção. go tem como objetivo apresentar as conseqliências do
Após a segunda guerra mundial, o combate às do- uso de medicamentos veterinários na apicultura, conside-
enças utilizando-se medicamentos do tipo "sulfas" ganhou rando os aspectos relacionados à saúde do consumidor, à
repercussão entre produtores e pesquisadores da apicul- legislação vigente e a'ocomércio internacional de mel.
tura. Um dos antimicrobianos mais utilizados desde essa
época é o sulfatiazol. No final dos anos 1950, introduziu-
se a oxitetraciclina, a qual se revelou um potente agente CONSIDERAÇÕES SOBREASEGURANÇA DE USO
no controle de ambas enfermidades, enquanto o sulfatiazol DOS PRINCIPAIS ANTIMICROBIANOS UTILIZA-
é eficaz somente no controle da EFB (CLA Y, 2000). Em DOS NA APICULTURA
alguns países utiliza-se uma combinação destas substân-
cias (DIAZetal.,1990; SALINAS etal.,1991). Cloranfenicol
Mesmo tendo seu uso veterinário proibido para pro-
dução de alimentos na maioria dos países, o cloranfenicol, o cloranfenicol, inicialmente denominado
antibiótico da classe dos anfenicóis, também tem sido ob- cloromicetina, obtido a partir de culturas do Streptomyces
jeto de investigações desde que resíduos desta substân- Ilene;::uelae,foi Oprimeiro antibiótico a ser produzido sinte-
cia foram detectados em méis e outros produtos destina- ticamente emrescalaindustrial, logo após a sua estrutura ser
dos à alimentação humana (HORMAZÁBAL e estabelecida(KA1ZUNG, 1998).
YNDESTAD, 2001; MARTIN, 2003; VERZEGNASSI et al., Em seres humanos, 90% do cloranfenicol adminis-
2003). O seu uso não foi descontinuado devido, provavel- trado é biotransformado no fígado como glucoronídeo e
mente, ao baixo custo do produto e seu amplo espectro de excretado pelos rins. Em torno de 100/cJ é eliminado na for-
ação antimicrobiana. ma ativa pela urina (WHO, 1994).
O uso de estreptomicina para prevenção de AFB e O cloranfenicol apresentou genotoxicidade em al-
EFB não é autorizado nos Estados Unidos e na União Eu- guns sistemas de testes in vivo e in vitro. Mas, apesar da
ropéia. Entretanto, a presençadeste antimicrobiano em méis dificuldade de avaliação da menor concentração capaz de
comercializados nesses países foi relatada por alguns au- causar lesões genéticas em humanos, acredita-se que esta
tores (MARTIN, 2003; MUTlNELLI, 2003). Na China, o concentração é três ou quatro ciclos logaritmos superiores
maior exportador de mel do mundo, a estreptomicina e o às concentrações sanguíneas que poderiam resultar da
cloranfenicol são os antimicrobianos preferenciais para ingestão de alimentos com resíduos do antimicrobiano. Os
utilização na apicultura (ORTELLI et al. ,2004). efeitos adversos mais graves provocados pelo cloranfenicol
Pesquisadores têm testado outros antimicrobianos em seres humanos estão relacionados com sua capacidade
para controle das doenças de origem bacteriana que ocor- de causar diminuição na ati vidade da medula óssea,a qual é
rem nas abelhas, sendo a tilosina e o cloreto de lincomicina reversível e está relacionada à dose, e aplasia (anemia
as substâncias apontadas como alternativas eficientes aplástica), a qual é irreversível e não apresentarelação dose-
no tratamento das variedades resistentes aos medica- resposta (WHO, 1994). A Agência Internacional para Pes-
mentos veterinários tradicionais (PENO et al., 1996; quisa em Câncer (IARC) avaliou que as evidências sobre a
FELDLAUFER etal., 2001). carcinogenicidade em sereshumanos relacionadas à expo-
Não há, até o momento, dados sobre a utilização de sição ao cloranfenicol são limitadas. Entr.etanto. a agência
antimicrobianos pelos produtores de mel brasileiros. Exis- reportou que esta substânciapode induzir a anemia aplástica
tem no Brasil, atualmente, diversos medicamentos veteri- e que esta condição, em alguns casos relatados, foi sucedi-
nários que utilizam como princípios ativos os da por leucemia. A IARC concluiu que o antimicrobiano é,
antimicrobianos estudados neste trabalho. Segundo o Sin- provavelmente,carcinogênicoem humanos(IARC, 1990).Na
dicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Ani- última avaliação toxicológica do cloranfenicol realizada pelo
mal (SINDAN), estão registrados no Ministério da Agri- Comitê FAO/OMS de PeritosemAditivos Alimentares(JECFA)
cultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) 31 medicamen- não foi possível estabelecerum valor de ingestão diária acei-
tos de uso veterinário com estreptomicina, 13 com tável (IDA) devido à falta de dados para avaliar a
diidroestreptomicina, 20 com sulfametazina, 2 com carcinogenicidadee efeitos na reprodução.Conseqilentemen-
sulfatiazol. I com sulfadimetoxina. 45 com oxitetraciclina, te, o comitê também não estabeleceulimites máximos de resí-
12 com tetraciclina e 8 com clortetraciclina. Apenas dois duns (LMR) oaracloranfenicol em alimentos (WHO. 2004).
Re.,.'esF.GR./Re,.i.5taBra.'iileira de To.l:ic(}[ogia20. II.1 e 2 ( 2007) 15

O.\.itetrllcicl i II(/
E.\1rcptolllici/1ll

As tetraciclinas possuem ação sobre bactérias gram A estreptomicina e a diidroestreptomicina pertencem


positivas e gram negativas. O efeito bacteriostático é rever- à classe dos aminoglicosídeos, antibióticos que exibem ati-
sível, e ocorre devido sua interferência na síntese protéica vidade contra o crescimento de bactérias aeróbias princi-
(OKA et aL.,2000). palmente as gram negativas, através da inibição irreversível
Estudos de farmacocinética demonstraram que as da síntese protéica bacteriana.
tetraciclinas não são bem absorvidaspelo trato gastrintestinal. A estreptomicina é usada como medicamento vete-
No caso da oxitetraciclina, a taxa de absorçãopara uma con- rinário e, dessa forma, seus resíduos podem ser encontra-
dição de estômago vazio é de, aproximadamente, 60% do dos em carne, fígado, rim, leite e no mel. São
total ingerido. A absorçãoé afetada pela ingestãoçonjunta de antimicrobianos de baixo custo e potencialmente
produtos lácteos,hidróxido de alumínio, bicarbonatode sódio nefrotóxicos e neurotóxicos. Em geral, a concentração de
e sais de cálcio e magnésio devido à formação de quelatos e estreptomicina no alimento não promove efeitos tóxicos
alteraçõesno pH estomacal.Após a absorção,a oxitetraciclina agudos, mas numero'soscasos de hipersensibilidade alérgi-
.1 é largamente distribuída pelo corpo e eliminada, principal- ca, associadosà exposição à estreptomicina, foram eviden-
mente, pela urina (WHO, 1998). ciados durante os últimos anos, podendo produzir severas
Durante tratamento com administração oral, efeitos erupçõesna pele (EDDERefal..1999).
tóxicos diversos têm sido relatados como irritação A absorção da estreptomicina pelo trato
gastrintestinal, azia, desconforto abdominal, náusea,vÔmi- gastrintestinal é muito baixa. Estudos relataram que, após a
to e diarréia. Após o tratamento de infecções com administração oral do antimicrobiano, em torno de 1 % da
oxitetraciclina, notou-se o desenvolvimento de dose ingerida foi detectada no sangue dos pacientes e, pos-
hipersensibilidade em alguns pacientes, os quais apresenta- teriormente, eliminada pela urina. Entre 60 e 100% do total
ram uma forte reação alérgica quando expostos novamente administrado são eliminados nas fezes sem qualquer altera-
ao antimicrobiano (WHO, 1998). ção. Em geral., os antimicrobianos pertencentes à família
O impacto da oxitetraciclina na microflora intesti- dos arninoglicosídeos não são metabolizados pelos sereshu-
nal foi estudado e determinou-se que a dose na qual não se manos. Em um estudo de teratogenicidade, comparou-se a
observa efeito adverso é de 33 ~g/kg de peso corpóreo por incidência de má formação congênita em recém nascidos
dia. De acordo com os resultados dos estudostoxicológicos cujas mães receberam tratamento para tuberculose com
e dos efeitos microbiológicos da oxitetraciclina, foi estabele- estreptomicina e a incidência em um grupo controle, o qual
cido pelo JECFA um valor de IDA parao grupo de tetraciclinas não recebeu tratamento. Nenhuma diferença entre os gru-
(oxitetraciclina, tetraciclina e clortetraciclina),juntas ou iso- pos foi identificada (WHO, 1997).
ladas,de 0-0,03 mg/kg de peso corpóreo (WHO, 2002). Devido às semelhançasentre a diidroestreptomicina
e a estreptomicina, com relação à estrutura, às propriedades
Sulfollamidas farmacocinétícas, aos perfis toxicológicos e aos espectros
de ação antimicrobiana, dados sobre as duas substâncias
o metabolismo das sulfonamidas no homem ocorre foram considerados pelos peritos do JECFA para determi-
através da conjugação com ácido glucurônico, remoção do nação do valor para a IDA. Assim, o comitê estabeleceu um
grupo amino na posição para, hidroxilação do anel e conju- valor de 0 -0,05 mg/kg de peso corpóreo por dia. O valor
gação com os produtos da hidroxilação. refere-se à soma dos resíduos das duas substâncias e está
O comitê do JECFA não estabeleceu um valor de baseado em avaliações da toxicidade da estreptomicina e
IDA para o sulfatiazol por considerar insuficientes as in- da diidroestreptomicina. Num dos estudos sobre o efeito
formações disponíveis nos estudos toxicológicos utiliza- tóxico das substâncias, determinou-se o nível de 5 mg/kg
dos na avaliação, principalmente em relação aos efeitos de peso corpóreo por dia para administração oral de
hormonais do sulfatiazol. Isso se deve aos resultados de diídroestreptomicina em ratos durante um período de dois
estudos com cães, os quaismostraram aumento no peso anos. sem que fossem observados efeitos adversos. Para
da tireóide dos animais após tratamento com o sulfatiazol. extrapolação dos dados aos seres humanos. foi utilizado um
O comitê também julgou insuficientes os dados sobre a fator de segurança de 100 (WHO, 2002). ,
genotoxicidade do antimicrobiano em mamíferos (WHO,
1989). Entretanto, para a sulfametazina o JECFAestabele-
ceu um valor de IDA 0-0,05 mg/kg de peso corpóreo base- DESENVOLVIMENTO DE RESISTÊNCIA AOS
ado, principalmente, na dose administrada que não incor- ANTIMICROBIANOS
reu em alterações morfológicas das tireóides de ratos e
suínos. O comitê considerou, ainda, a possibilidade de A resistência aos antimicrobianos é objeto de preo-
ocorrência de reações alérgicas em pessoas hipersensí- cupação em todo o mundo. Nas últimas décadas, o uso cres-
veis, conseqUentes da ingestão de resíduos de cente de antimicrobianos. tanto na medicina humana quan-
sulfametazina em alimentos(WHO, 1995). Não foram feitas to veterinária. tem causado uma seleção genética de bacté-
avaliações pelo JECFAda sulfadimetoxina. rias mais resistentes aos medicamentos. AIQumas ha(.t~ri:ls
16 Reyes f:GR./Revista Brasileira de Toxicologia 20, n. J e 2 (2007)

resistentes que emergiram dos alimentos e animais podem ASPECTOS COMERCIAIS


causar infecções em seres humanos, enquanto outras po-
dem transmitir os genes que determinam a resistência para No início de 2002, a Comunidade Européia suspen-
bactérias patogênicas aos seres humanos. O desenvolvi- deu, temporariamente, a importação de produtos de origem
mento de resistência é um fenômeno irreversível e pode ser animal da China, tanto para consumo humano quanto ani-
induzido por baixos níveis de exposição aos mal. O fato ocorreu devido à contaminação de alguns pro-
antimicrobianos. Uma vez alteradas, não é possível restau- dutos derivados da aqUicultura e do mel com cloranfenicol
rar a genética das populações de bactérias (JORGENSEN e (CCE, 2002). Em março de 2006, frente à ameaçade veto de
HALLING-SORENSEN, 2000). A relação entre o uso de importação do mel brasileiro, o Ministério da Agricultura,
antimicrobianos em animais destinados à produção de ali- Pecuária e Abastecimento (MAPA) publicou a Portaria na
mentos e o isolamento de bactérias resistentes em seres 50, a qual aprova o Programa de Controle de Resíduos em
humanos é evidenciada por diversas linhas de pesquisa, Mel-PCRM, afim de atender as exigências da União Euro-
,
tais como a investigação de surtos, as investigações péia anteriormente acordadas entre o bloco comercial e o
epidemiol6gicas, os estudos de campo, os casos reporta- Brasil (BRASIL, 2006). Fatos como estespodem prejudicar
dos na literatura, as associações entre tempo e locais de a entrada de recursos no país e a imagem do Brasil como
utilização de antimicrobianos e a subtipagem molecular fornecedor de produtos com qualidade e livres de contami-
(WHO, 2003). Na Figura 2 são apresentadasrelações entre nações, sejam elas físicas, químicas ou biológicas.
o uso de medicamentos veterinários, seus resíduos no am- Existem riscos também com a importação de mel, pois
biente e em alimentos para consumo humano, o desenvolvi- nos paísesexportadoresde mel para o Brasil, como a Argen-
mento de resistência nos microrganismos e as rotas de tina, o Uruguai e os Estados Unidos já foram relatados
veiculação aos humanos. surtos daAFB eEFB (BRASIL, 2006). Estas doenças, após

Figura 2: Rotas de transmissão dos antimicrobianos e de microrganismos resistentes na cadeia alimentar e no meio ambiente.

Como conseqUênciasdo aparecimento de bactérias


resistentes pode haver a diminuição de eficácia dos trata- causarem enormes prejuízos à apicultura daqueles países,
mentos. aumento da severidade da infecção, aumento do têm sido controladas com o uso de antimicrobianos (ALIPPI
período de tratamento e o uso de antimicrobianos tnais t6xi- eAGun..AR,1998;PICCINIEeZUNINO,2001).
cos e caros. Outro aspecto importante está relacionado com a
No início desta década, foram relatadas novas indústria de alimentos. Durante o preparo de produtos fer-
infestaçães da AFB nos Estados Unidos, Argentina e Ca- mentados, cuja formulação contemple o mel, a presençade
nadá devido ao aparecimento de variedades da bactéria resíduos neste poderá alterar o processo de fermentação
Pae/IihacillllS lan'ae. causadora da doença. resistentes a através da interação do(s) antimicrobiano(s) com os
oxitetraciclina(CLAY,200J; MYAGY etal.. 200J;NELSONe microorganismos inoculados.
~A~T,1T~()Pí)1 TIn~ ?00?)
Reyes F.GR./Revista Brasileira de Toxicologia 20, n.J e 2 (2007) 17

ASPECTOS REGULA TÓRI OS Analisando os valores da Tabela 2. nota-se que o


menor valor para o LMR de estreptomicina e
o Codex Alimentarius e a União Européia (UE) não diidroestreptomicina é 200 ~g/kg em leite. o mesmo sugeri-
estabelecemLMR para medicamentos veterinários no mel, do pelo JECFA (WHO. 2002). Entretanto. este valor não pode
sendo que nos países pertencentes à UE é proibido o uso ser utilizado como referência para o mel e é válido somente
de antimicrobianos na apicultura. Nos Estados Unidos e para dar uma idéia dos níveis que seriam aceitáveis nessa
Canadá é permitido o uso da oxitetraciclina para tratamento matriz. uma vez que o consumo de mel é inferior ao de leite.
da AFB (KOCHANSKY e PElTIS, 2005). No Brasil. não são tolerados resíduos de estreptomicina.
AAgência Nacional de Vigilância Sanitária-ANVISA, diidrostreptomicina e cloranfenicol no mel.
órgão regulador do setor de alimentos no Brasil, criou em
2003 o Programa Nacional de Análise de Resíduosde Medi-
camentos Veterinário em Alimentos, o PAMVet. No seu CONSmERAçÕFB ANAIS
cronograma de implantação, o programa contempla a avalia- ,
ção do mel de abelhano 5° ano de atividade (BRASIL, 2003). A utilização de medicamentos veterinários na api-
O Programa de Controle de Resíduos em Mel do cultura é uma realidade em diversos países do mundo e
MAPA estabelece os LMR para duas classes de medica- tende a torna-se prática também no Brasil devido ao cres-
mentos veterinários, assim como os limites de quantificação cimento dessaatividade no país e ao intercâmbio comerci-
(LQ) exigidos para os métodos de análise dos mesmos. Na al entre países. Como conseqliências principais desta prá-
Tabela 1 estão os valores de LMR e LQ para o PCRM/2006. tica destacam-se dois aspectos: a problemática mundial

Tabela I: Valores de limites máximos de resíduos (LMR) e limites de quantificação (LQ) para os
antimicrobianos inclusos no PCRM/2006 (30).

Antimicrobiano LQ (1.19 k~-1) aLMR (~g kg-1)

Oxitetraciclina
Tetraciclina 25 200
Clortetraciclina

Sulfatiazol
Sulfametazina 25 10n
Sulfadimetoxina

ao LMR se refere à soma dos resíduos de todos os antimicrobianos presentes na amostra analisada.

o programa não faz referência aos outros medica- relacionada ao desenvolvimento de resistência das bacté-
mentos veterinários que possuem relevância na apicultura, rias à ação dos agentes antimicrobianos e a presença de
como relatado anteriormente neste trabalho. Comf) um resíduos desses compostos no mel. O primeiro aspecto é
parâmetro para comparação, a Tabela 2 dispõe os valores de de fundamental importância para a saúde pública, pois as
LMR estabelecidospelo MERCOSUL para o cloranfenicol, bactérias patogênicas aos homens, animais, insetos e plan-
a estreptomicina e a diidrostreptomicina em diferentes ma- tas têm adquirido resistência às substâncias que eram efi-
trizes de origem animal. cazes para seu controle. Com isso, para haver eficácia nos

Tabela 2: Valores de limite máximo de resíduos (LMR) para antimicrobianos em diferentes matrizes
de origem animal estabelecidos para o MERCOSUL (35). .

ao LMR se refere à soma dos resíduos todos os antimicr()hi~n()~


18 Re)'es FG.R./Re\'ista Bra.\"ileira de Toxicolo,~ia 20, n.l e 2 (2007)

tratamentos são utilizados medicamento& mais potentes, REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


OSquais são. muitas vezes, mais caros e tóxicos. A inser-
ção dos antimicrobianos no meio ambiente e. neste casQ,a Alippi MA, Aguilar MO. Characterization of Isolates of
distribuição através do mel, torna-se uma fonte potencial Paellibacillus [arvae subsp. [an'ae from Diverse
para o desenvolvimento de resistência bacteriana. O se- Oeographical Origin by the Polymerase Chain Reaction
gundo aspecto envolve os riscos à saúde dos consumido- and BOX Primers. J Invertebr Patho11998; 72: 21- 7.
res devido à exposição a essas substâncias através dos BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilân-
alimentos. O Comitê FAO/OMS de Peritos em Aditivos cia Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada N 253 de
Alimentares (JECFA) estabelece valores seguros para os 16 de setembro de 2003. Cria o Programa de Análise de
níveis de ingestão diária de alguns dos antimicrobianos Resíduos de Medicamentos Veterinários em Produtos
após avaliação dos estudos toxicológicos dos mesmos. deOrigemAnimal-PAMVet.D.O.U.,18set.2003.
As recomendações do JECFA podem ser adotadas pelo BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abasteci-
Comitê do Codex Alimentarius com o intuito de proteger a mento. Secretaria' de Defesa Agropecuária. Portaria N°
saúde dos consumidores e desenvolver o comércio global 50 de 20 de fevereiro de 2006. Aprova os Programas de
de alimentos. Essas recomendações são úteis para as agên- Controle de Resíduos em Carne (Bovina, Aves, Suína e
cias governamentais e de saúde pública definirem medi- Eqtiina), Leite, Mel, Ovos e Pescado do exercício de
das de vigilância sanitária a serem adotadas. Entretanto, 2006. D.O.U., 03 mar. 2006b.
os programas de monitoramento de resíduos em mel do BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Indústria e Co-
Brasil precisam ser colocados em prática para que, a partir mércio Exterior. Sistema de Análise das Informações
dos dados obtidos, sejam aperfeiçoados. Atualmente, pou- de Comércio Exterior via Internet -ALICE- Web. Dis-
cos países estabelecem limites máximos para resíduos de ponível em: <http:llaliceweb.desenvolvimento.gov.brl
medicamentos veterinários no mel. Portanto, o default.asp>. Acessado em 22IfevI2006a.
monitoramento dos níveis de resíduos no mel, CCE (Comissão das Comunidades Européias). Decisão da
comercializado no país e exportado, é de fundamental im- Comissão, de 30 de Janeiro de 2002 (2002169/EC), re-
portância para assegurar não somente a saúde dos consu- lativa a certas medidas de proteção no que diz respeito
midores como também para evitar barreiras às exportações aos produtos de origem animal importados da China,
de mel, proporcionando o desenvolvimento da atividade (notified under document number C(2002) 387). Jornal
apícola no Brasil e, em conseqliência, da população envol- Oficial das Comunidades Européias 2002; L30150 EN.
vida na cadeia produtiva. Disponível em: <http:lleur-lex.europa.eu/LexUriServl
l..e.x.
UriSeIv00 ?uri=OJ:L:2OO2:0~ 1:EN :ffF> AI::esSIrlJ
em 11Ifevl2008.
RE5UMO Clay H. American Foul Brood is Back. Hivelights 2000; 13
(4). Disponível em: <http:llwww.honeycouncil.ca/
A apicultura está sujeita ao ataque de pragas. que userslfolder.asp?FolderID=4937>. Acessado em 111fevl
prejudicam a produti vidade do apiário e. conseqUentemen- 2008.
te. a lucratividade do produtor. Para combatê-las. são uti- Diaz TO, Cabanillas Ao, Salinas F. Rapid determination of
lizadas técnicas de manejo e a aplicação de medicamentos sulfathiazole, oxytetracycline and tetracycline in honey
veterinários como oxitetraciclina. cloranfenicol. by high-performance liquid chromatography. Anal Lett
estreptomicina e sulfatiazol. Entretanto. resíduos dessas 1990; 23 (4): 607-616.
substâncias podem estar presentes no mel. expondo os Edder P, CominoliA, Corvi C. Determination of streptomycin
consumidores aos riscos conseqUentes da sua ingestão. residues in food by solid-phase extraction and liquid
Neste artigo são discutidas as conseqUências do uso de chromatography with post-column derivatization and
medicamentos veterinários na apicultura. considerando os fluorometric detection. J Chromatogr A 1999; 830: 345-
aspectos relacionados à saúde do consumidor. à legisla- 351.
ção vigente e o comércio internacional de mel. Feldlaufer MF, Pettis JS, Kochansky JP, Stiles O.
Lincomycin hydrochloride for the cotltrol of American
Unitermos: medicamentos veterinários. apicultura. mel foulbrood disease of honeybees. Apidologie 2001; 32:
antimicrobianos. resíduos. 547-554.
OMC (GRUPO MERCADO COMUM). Regulamento Téc-
nico Mercosul Metodologias Analíticas, Ingestão Diá-
ria Admissível e Limites Máximos de Resíduos Para Me-
dicamentos Veterinários em Alimentos de Origem Ani-
AGRADECIMENTOS
mal. Resolução OMC, n° 54, 2000. Disponível em:
Os autores agradecem ao apoio concedido pelas
< h ttp :1 Iw w w. mercosur .i ntlm s w eblN orma sI

agências financiadoras CAPES e CNPq. resaOOpt.html>. Acessado em 111fev12008.


Re.\'es F.GR,/Rel'i.\"ta Bra,\'ileira {le TtJ.\i('oIo,!,'ia 20. 11,1 e 2 (2007.) 19

Hormazábal V. Y nde$tad M. Simultaneous determination of Verzegnassi L., R()yer D. Mottier P. Stadler RH. Analysis ()f
chloramphenico] and ketoprofen in milk and choramphenicol in h()neys of difterent geographical origin
chloramphenicol in egg, honey, and urine using liquid by liquid chr()matography coupled to electrospray
chromatography-mass spectrometry. J Liq Chromatogr ionizati()n tandem mass spectrometry. Fo()d Addit. Con-
ReITechnoI2001; 24 (16): 2477-2486. tam 2003; 20(4): 335-342.
IARC. (International Agency for Research on Cancer). WHO (World Health Organization). Evaluation of certain
Chloramphenicol.Summaries&Evaluations 1990;50: 169. veterinary drug residues in food. Thirty-fouJ1h Re~)rt of
Jorgensen SE, Halling-Sorensen B. Drugs in the the Joint FAO/WHO Expert Committee on Food Additives.
environment. Chemosphere 2000; 40: 691-9. WHO Technical Report Series ~ 788, Geneve, 1989.
Katzung, B.G.. Farmacologia Básica e Clínica. 6a ed., WHO (World Health Organization). Toxicologicol Evaluation
Guanabara Koogan, RJ, 1998. p. 528. ofCertain FoodAdditives. Forty-forth Report ofthe Joint
Kochansky J, Pettis J. Screening additional antibiotics for FAO/WHO Committee on Food Additives. Food
efficacy against American foulbrood. J Apic Res 2005; Additives Series,N° 33, Geneve, 1994.
44(1):24-8. WHO (World Health Organization). Evaluation of certain
Martin P. Veterinary drug residues in honey. APIACTA2003; veterinary drug residues in food. Forty-second report of
38: 31-3. the Joint FAO/WHO Expert Committee on Food Additives.
Mutinelli F. Pratical application of antibacterial drugs for WHOTechnical ReportSeriesN°851, Geneve. 1995.
the control of honeybee diseases. APIACTA 2003; WHO (World Health Organization). Toxicologicol
38: 149-155. evaluation of certain veterinary drug residues in food.
Myagy T, Peng CYS, Chuang RY, Mussen EC, Spivak, MS, Forty-eigh meeting of the Joint FAO/WHO CQmmittee
Doi RH. Verification of oxytetracycline-resistant on Food Additives. Food Additives Series N° 39,
American foulbrood pathogen Pae1libacillus lan,'ae in Geneve, 1997.
the United States. J Invertebr Pathol 2000; 75: 95-6. WHO (World Health Organization). Toxicologicol evaluation
Nelson D, Melathopoulos A. Managing AFB: Developing of certain veterinary drug residues in food. Fiftieth meeting
new tools to manage American foulbrood in an era of of the Joint FAO/WHO Committee on Food Additives.
oxytetracycline resistance. Hivelights 2002; 15 (1). FoodAdditives Series N° 41, Geneve, 1998.
Disponivel em: <http://www.honeycouncil.ca/users/ WHO (World Health Organization). Evaluation of certain
folder.asp?FolderID=4920>. Acessado em: 10/fev/2008. veterinary drug residues in food. Fifty-eighth report of
Oka H, Ito Y, Matsumoto H. Chromatographic analysis of the Joint FAO/WHO Expert Committee on Food
tetracycline antibiotics in foods. J Chromatogr A 2000; Additives. WHO Technical Report Series n° 911.
882: 109-133. Geneve,2002.
Ortelli D, Edder P, Corvi C. Analysis of chloramphenicol WHO (World Health Organization). Report ofthe Joint FAO/
residues in honey by liquid chromatography-tandem OIE/WHO Expert Workshop on Non-human
mass spectrometry. Chromatographia 2004; 59: 61-4. Antimicrobial Usage and Antimicrobial Resistance:
Peng CY, Mussen E, Fong A., Cheng P, Wong G, Montague Scientific assessment, Geneve, 2003. Disponível em:
MA. Laboratory and field studies on the effects of the http:/ /www. who. int/foodsafety/publ ications/m icro/
antibiotic tylosin on honeybee Apis mellifera I. nov2003/en/. Acessado em 14/nov/2005.
(Hymenoptera: Apidae). Development and prevention WHO (World Health Organization). Evaluation of certain
of american foulbrood disease. J Invertbr Pathol 1996; veterinary drug residues in food. Sixty-second report of
67:65-71. the Joint FAO/WHO Expert Committee on Fo()d
Piccini C. Zunino P. American foulbrood in Uruguay: Addjtives. WHO Technical Report Series N° 925,
Isolation ofPaenibacillus larvae larvae from larvae with Geneve, 2004.
clinical symptoms and adult honeybees and susceptibility Wilson B. 45 Years ofFoulbrood. Bee Culture 2000; 128
to oxytetracycline. J Invertebr Pathol 2001; 78: 176- 7. ( 10). Disponível em: http://bee.airo()t.c()m/st()rycms/
Salinas F, Mansilla AE, Nevado JJB. Simultaneous
index.cfm'?cat=Story&recordID=92. Acessado em
determination of sulfathiazole and oxytetracycline in 11/fev/2008.
honey by derivative spectrophotometry. Microchemical
J 1991; 43 (2): 244-252.
SINDAN{Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para
Saúde Animal). Compêndio de produtos veterinários. Dis-
ponível em: <http://www.cpvs.com.br/cpvs/index.html>.
Acessado em 17/nov/ 2005.

Você também pode gostar