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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


ESCOLA DE COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÍDIAS CRIATIVAS

ESTRELAS DO DESERTO
UTILIZANDO A REALIDADE VIRTUAL NA DIVULGAÇÃO DA ETNOASTRONOMIA
DOS REFUGIADOS SAARAUIS.

FELIPE CARRELLI SÁ SILVA

Rio de Janeiro
2021
FELIPE CARRELLI SÁ SILVA

ESTRELAS DO DESERTO: UTILIZANDO A REALIDADE VIRTUAL NA


DIVULGAÇÃO DA ETNOASTRONOMIA DOS REFUGIADOS SAARAUIS.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Tecnologias e Linguagens da
Comunicação, da Escola de Comunicação, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro como
requisito parcial à obtenção do título de Mestre
em Criação e Produção de Conteúdos Digitais.

Orientador: Prof. Dr. André Fernandes da Paz

Rio de Janeiro
julho/2021
Carrelli, Felipe Sá Silva.
Estrelas do deserto: utilizando a realidade virtual na divulgação da
etnoastronomia dos refugiados saarauis / Felipe Carrelli Sá Silva. —
Rio de Janeiro, 2021.
130 f.

Orientador: André Fernandes da Paz

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de


Comunicação, Programa de Pós-Graduação em Tecnologias e Linguagens da
Comunicação, 2021.

1. Realidade Virtual. 2. Divulgação Científica. 3.Etnoastronomia. 4.


Refugiados. 5. Co-criação I. Paz, André Fernandes II. ECO/UFRJ III.
COMUNICAÇÃO.
ERRATA

Referência da dissertação em questão.

Folha Linha Onde se lê Leia-se


Felipe Carrelli Sá Silva

ESTRELAS DO DESERTO: UTILIZANDO A REALIDADE VIRTUAL NA


DIVULGAÇÃO DA ETNOASTRONOMIA DOS REFUGIADOS SAARAUIS.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Tecnologias e Linguagens da
Comunicação, da Escola de Comunicação, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro como
requisito parcial à obtenção do título de Mestre
em Tecnologias e Linguagens da
Comunicação.

Aprovada em Rio de Janeiro, 13 de julho de 2021:

________________________________________________________
Prof. Doutor André Fernandes da Paz (PPGMC/UFRJ)
(Presidente/Orientador)

________________________________________________________
Prof(a). Doutora Katia Augusta Maciel – (PPGMC/UFRJ)
(Membro Interno)
Dedico esse trabalho ao povo saaraui.
AGRADECIMENTOS

À Leila, minha companheira de travessia.

À minha mãe Fátima, ao meu pai Álvaro e a minha irmã Ligia por sempre estarem lá.

Aos integrantes do GalileoMobile e do Amanar, sem os quais esse trabalho não exis-
tiria: Ana, Andrea, Alba, Alberto, Demetrio, Diego, Edu, Eva, Fábio, Francesca, Hamdi,
Iván, Jorginho, Marja, Mayte, Meghie, Nayra, Pati, Phil, Sandra, Sarah e Tawalo.

Ao orientador e amigo André Fernandes da Paz pela enorme parceria.

Aos integrantes da banca Katia Maciel, Joel dos Santos, Patrícia Spinelli e Julia Salles
pelas contribuições precisas e preciosas.

Aos professores e colegas do PPGMC: Adriane Rodrigues, Alberto Moura, Anderson


Corrêa, Andrea Marques, Aída Marques, Afonso Figueiredo, Amaury Fernandes, An-
dré Paz, Creuza Gravina, Eduarto Martino, Evandro Manchini, Flávia Martinez, Fer-
nanda Costa, Felipe Caixeta, Felipe Varanda, Gustavo Veiga, Igor Dias, João Oliveira,
João Maciel, Katia Maciel e Luciano Saramago Mariana Queiroz, Paula Ferreira, Ro-
gerio Carneiro, Sharon Caldeira e Vanessa Silva.

Ao professor Mohammed Elhajji e ao grupo Diaspotics pelo melhor formato de disci-


plina que experienciei dentro dos muros da escola: Adriana Assumpção, Anaëlle Pou-
let, Catalina Revollo, Catarina Goncalves, Conceição Souza, Fernanda Paraguassu,
Flávia Arpini, Gabriela Azevedo, João Rossini, Marília Fernande, Otávio Ávila, Suzana
Mallard e Victor Fuentes.

À Alexandra Elbakyan, Brian Jackson, Gustavo Barreto, Catalina Revollo Pardo, Juan
Antonio Belmonte e todos(as) colaboradores anônimos do youtube que dedicam seu
tempo para compartilhar conhecimento gratuitamente através de tutoriais.

Ao GPMM, Joel, Victória, Rafael e Gabriel pela generosidade e o imenso coração.

Aos amigos e amigas de todos os momentos: Danilo, Gravity, Juliana, Pavi, Satheesh,
Tobias e Tom.

E especialmente ao povo saaraui.


“A uns trezentos ou quatrocentos metros da Pirâmide me inclinei,
peguei um punhado de areia, deixei-o cair silenciosamente um
pouco mais adiante e disse em voz baixa: Estou modificando o
Saara. O ato era insignificante, mas as palavras nada
engenhosas eram justas e pensei que fora necessária toda a
minha vida para que eu pudesse pronunciá-las.”
(BORGES, Jorge Luis, 1984)
RESUMO

CARRELLI, Felipe. Estrelas do Deserto: utilizando a realidade virtual na divulgação


da etnoastronomia dos refugiados saarauis. 2021. 130f. Dissertação de mestrado
(Programa de Pós-Graduação em Tecnologias e Linguagens da Comunicação ) – Es-
cola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2021.

O deserto do Saara ocupa um terço do continente africano e é uma das regiões mais
inóspitas do planeta. A região é seca o suficiente para mumificar cadáveres e matar
bactérias. Durante séculos, o povo saaraui vive sob essas condições extremas. Além
da paisagem desértica, as estrelas servem para guiá-los junto com seus rebanhos
pelas planícies desérticas em busca de água para sobreviver. Esta dissertação apre-
senta uma reflexão sobre a incorporação da voz do povo saaraui na pesquisa-criação
(OWEN e SAWCHUK, 2012) da narrativa transmídia Estrelas do Deserto, que faz
parte do projeto de divulgação científica Amanar elaborado em parceria com a equipe
do GalileoMobile. A proposta inicial do trabalho era utilizar a realidade virtual na divul-
gação da cosmovisão saaraui desde uma perspectiva decolonial (CASTRO-GÓMEZ
e GROSFOGUEL, 2007), por meio da etnoastronomia, ciência que estuda os conhe-
cimentos astronômicos de um povo por intermédio dos costumes contados através da
oralidade (MAGAÑA, 1986). Ao longo do processo de co-criação (CIZEK, URICCHIO
et al, 2009), surgiu também a demanda por denunciar a situação de refúgio enfrentada
por essa população do Saara Ocidental desde 1976, estimulando o projeto a ramificar
sua narrativa através de uma estratégia transmídia. Assim, baseado em princípios da
lógica de effectuation (SARASVATHY, 2001), essa dissertação descreve as diferentes
linguagens e formatos adotados pelos produtos realizados em Estrelas do Deserto,
focando na tomada de decisão a partir das reivindicação que surgiram durante o an-
damento da co-criação, discutindo as possibilidades, potencialidades e limites dessa
experiência.

Palavras-chave: realidade virtual, divulgação científica, co-criação, pesquisa-criação,


refugiados
ABSTRACT

CARRELLI, Felipe. Desert Stars: using virtual reality to disseminate the ethno-astro-
nomy of Saharawi refugees. 2021. 130f. Dissertation (Master’s Degree in Creative Me-
dia) – Communicarion School, Federal University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2021.

The Sahara desert occupies one third of the African continent and is one of the most
inhospitable regions on the planet. The region is dry enough to mummify corpses and
kill bacteria. For centuries, the Saharawi people have lived under these extreme
conditions. In addition to the desert landscape, the stars guided them along with their
herd through the desert plains in search of water to survive. This text presents a
reflection on the incorporation of the voice of the Saharawi people in the research-
creation (OWEN and SAWCHUK, 2012) of the transmedia narrative Desert Stars,
which is part of the Amanar scientific communication project in partnership with
GalileoMobile team. The initial proposal of the work was to use virtual reality in the
popularization of the Saharawi worldview, from a decolonial perspective (CASTRO-
GÓMEZ and GROSFOGUEL, 2007), through ethnoastronomy, a science that studies
the astronomical knowledge of a people through the customs counted through orality
(MAGAÑA, 1986). Throughout the co-creation process (CIZEK, URICCHIO et al,
2009), there is also a demand to denounce the refuge situation faced by this population
of Western Sahara since 1976, stimulating the project to branch its narrative through
a transmedia strategy. Thus, based on principles of effectuation logic (SARASVATHY,
2001), this research dissertation describes the different media and formats adopted by
the products made in Desert Stars, focusing on the decision-making that arise from the
requirements of the co-creation process, discussing the possibilities, potentialities and
limits of this experience.

Keywords: virtual reality, scientific communication, co-creation, research-creation, re-


fugees
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Imagem 1 ...................................................................................................................... 15
Imagem 2 ...................................................................................................................... 16
Imagem 3 ...................................................................................................................... 22
Imagem 4 ...................................................................................................................... 26
Imagem 5 ...................................................................................................................... 33
Imagem 6 ...................................................................................................................... 35
Imagem 7 ...................................................................................................................... 40
Imagem 8 ...................................................................................................................... 41
Imagem 9 ...................................................................................................................... 43
Imagem 10 ...................................................................................................................... 45
Imagem 11 ...................................................................................................................... 45
Imagem 12 ...................................................................................................................... 46
Imagem 13 ...................................................................................................................... 49
Imagem 14 ...................................................................................................................... 50
Imagem 15 ...................................................................................................................... 52
Imagem 16 ...................................................................................................................... 56
Imagem 17 ...................................................................................................................... 65
Imagem 18 ...................................................................................................................... 72
Imagem 19 ...................................................................................................................... 74
Imagem 20 ...................................................................................................................... 77
Imagem 21 ...................................................................................................................... 80
Imagem 22 ...................................................................................................................... 81
Imagem 23 ...................................................................................................................... 90
Imagem 24 ...................................................................................................................... 91
Imagem 25 ...................................................................................................................... 94
Imagem 26 ...................................................................................................................... 95
Imagem 27 ...................................................................................................................... 95
Imagem 28 ...................................................................................................................... 97
Imagem 29 ...................................................................................................................... 98
Imagem 30 ...................................................................................................................... 99
Imagem 31 ...................................................................................................................... 103
Imagem 32 ...................................................................................................................... 103
Imagem 33 ...................................................................................................................... 104
Imagem 34 ...................................................................................................................... 104
Imagem 35 ...................................................................................................................... 104
Imagem 36 ...................................................................................................................... 105
Imagem 37 ...................................................................................................................... 106
Imagem 38 ...................................................................................................................... 109
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACNUR Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados


CEFET/RJ Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca
AFAPREDESA Associação de Familiares dos Presos y Desaparecidos Saarauis
FAR Forças Armadas Reais
FISAHARA Festival Internacional de Cinema do Saara
GM GalileoMobile
HRW Human Rights Watch
IAU União Astronômica Internacional
I-DOCS Documentários Interativos
POLISÁRIO Frente Popular de Liberação de Saguía el Hamra e Río de Oro
PPGMC Programa de Pós-Graduação em Mídias Criativas
RASD República Árabe Saaraui Democrática
RV Realidade Virtual
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 15

2 DELINEAMENTO DA PESQUISA ............................................................. 23

2.1 JUSTIFICATIVA ......................................................................................... 23

2.2 OBJETIVOS ............................................................................................... 27

2.3 METODOLOGIA DE PESQUISA-CRIAÇÃO ............................................. 27

2.3.1 PESQUISA-CRIAÇÃO-AÇÃO .................................................................... 27

2.3.2 PERSPECTIVA DECOLONIAL .................................................................. 32

2.3.3 PROCESSO DE CO-CRIAÇÃO ................................................................. 36

3 O CONFLITO NO SAARA OCIDENTAL ................................................... 39

3.1 A HISTÓRIA DO CONFLITO ..................................................................... 39

3.2 SITUAÇÃO ATUAL DOS REFUGIADOS SAARAUIS ................................ 44

4 A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E A REALIDADE VIRTUAL .................... 52

DIVULGANDO CIÊNCIA EM CAMPOS DE REFUGIADOS:


4.1 52
GALILEOMOBILE E O PROJETO AMANAR ............................................

4.2 A REALIDADE VIRTUAL E SUAS UTILIZAÇÕES ..................................... 60

4.3 CORPOS NA REALIDADE VIRTUAL: INTERATIVIDADE E PRESENÇA 66

4.4 REALIDADE VIRTUAL E A QUESTÃO DA MIGRAÇÃO ........................... 70

5 CO-CRIANDO NARRATIVAS COM O POVO SAARAUI ......................... 73

6 DESENVOLVENDO OS PRODUTOS ....................................................... 83

6.1 A ESTRATÉGIA TRANSMÍDIA E A LÓGICA DA EFFECTUATION ............ 83

6.2 APRESENTAÇÃO E REFLEXÃO SOBRE OS PRODUTOS ..................... 89

6.2.1 PROCURANDO ESTRELAS ..................................................................... 89

6.2.2 ESTRELAS DO DESERTO 360º ............................................................... 93

6.2.3 ESTRELAS DO DESERTO VR .................................................................. 97

6.2.4 REFÚGIO NAS ESTRELAS, GALILEOCAST E IRIFI ................................. 107

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 110

8 REFERÊNCIAS ......................................................................................... 115


15

1. INTRODUÇÃO

O céu noturno estava perfeito e ele desejou poder compartilhá-lo com sua
família, temendo que eles nunca pudessem partilhar outro. Depois da
meia-noite, a lua minguante subia na ponta do chifre superior de Touro,
perto de Órion em sua eterna dança com as Plêiades. Mais acima, Marte,
vermelho, fervia. No Noroeste, Vega, Altair e Deneb brilhavam intensa-
mente como os olhos das crianças. Elegante, Cassiopeia coroava o Nor-
deste, enquanto Hércules estava assentado no Oeste. Estes eram seus
sinais no céu, seu mapa do planeta. Estremecendo com o vento frio, Riley
invejou a determinação dessas estrelas. Ele não podia fazer nada por sua
família agora. Ele era como a errante Plêiade: separada de sua família
pela eternidade (KING, 2004, p. 133).

Em 28 de agosto de 1815, o navio mercante americano Commerce foi arremessado


contra o Cabo Bojador, localizado na costa da África a oeste do deserto do Saara.
James Riley, capitão do navio, juntamente com seus onze marinheiros, resolveram
abandonar a embarcação encalhada e nadar até a praia. Uma vez recuperados,
Riley explorou a falésia que separava a praia do platô e encontrou uma fenda me-
nos inclinada na qual poderiam subir. Os náufragos usaram todo o restante de suas
forças e escalaram a rocha. Acreditavam que ali, encontrariam segurança. No en-
tanto, não estavam preparados para o que descobririam ao chegar no topo.

O platô vazio abalou sua alma: era a terra antes do Éden; eram ossos sem
carne; era a natureza que enlouqueceu e se devorou. Riley caiu no chão
em choque e tristeza. [...] Um dos homens murmurou desolado: “É aqui
onde daremos o nosso último suspiro”. Outro resmungou: “Não temos es-
perança de encontrar água, nem provisões, nem seres humanos, nem
mesmo feras selvagens. Nada pode viver aqui1” (KING, 2004, p. 206-211).

Imagem 1: A imensidão do Deserto do Saara – Argélia.


Fonte: Felipe Carrelli

1
Tradução e grifo do autor.
16

Eles observavam a borda ocidental do maior deserto quente do mundo (SOARES,


2019) 2. Em 1815, o cenário nunca havia sido cientificamente explorado e era quase
intolerável de imaginar. Para os marinheiros americanos, aquela região não pas-
sava de um vasto desconhecido, representado em mapas com um grande espaço
vazio e com alguns nomes tribais rabiscados nele (KING, 2004).

O Sáara quiviri3 (conhecido então como o Grande Deserto) ocupa um terço do con-
tinente africano, estende-se a mais de cinco mil quilômetros a leste do Mar Verme-
lho e a 320 quilômetros da orla da savana de Sahel ao sul. Ao Norte, as montanhas
do Atlas bloqueiam quase toda a umidade que sopra nos ventos do Nordeste, o que
explica os menos de 15 centímetros de precipitação média anual (KING, 2004).

Imagem 2: Mapa do Saara Ocidental durante o período colonial (dir.) e em 2008 (esq.).
Fonte: Human Rights Watch e Biblioteca Nacional de España.

Assim, os níveis de umidade relativa raramente ultrapassam acima de 30% e che-


gam a mínimos de 5%: seco e letal o suficiente para mumificar cadáveres e matar
bactérias. Até recentemente, a região oeste do Saara possuía somente uma cen-
tena de fontes de água potável, uma vez que “quando a chuva cai no Saara Oci-
dental, um terço evapora, um terço vai para o mar e um terço permanece no

2
O Saara é considerado o terceiro maior deserto da Terra, logo após a Antártida e o Ártico
3
Deserto do Saara em hassania
17

subsolo” (KING, 2004, p. 366). Sobrevivente de outro naufrágio ocorrido na mesma


localidade, Brisson descreve o bioma do Saara Ocidental assim:

Essa região não oferece nenhuma variedade; o terreno é totalmente plano


e não produz plantas. O horizonte é obscurecido por um vapor averme-
lhado. Parece haver vulcões em chamas por todos os lados. As pequenas
pedras formigam os pés como faíscas de fogo. Nem pássaro, nem inseto
são vistos no ar. Um silêncio profundo prevalece, que em si é terrível. Se,
de vez em quando, surge uma pequena brisa, o viajante imediatamente
sente extrema lassidão; os lábios dele se quebram, a pele resseca e todo
o corpo é coberto de pequenas bolhas, que ocasionam uma queimadura
muito dolorosa (BRISSON, 1789, p. 52).

Ao forte calor e a seca extrema se somam ainda as lendárias tempestades de vento


do deserto, conhecidas como Irifi, que podem durar dias.

A quinze quilômetros por hora, o vento do deserto atravessa a planície


juntando areia e poeira ao longo do caminho. A cinquenta quilômetros por
hora, cria condições de quase zero visibilidade. Quando a Irifi atinge cem
quilômetros por hora, ela atira grãos de areia do tamanho de lentilha atra-
vés de tendas e roupas, afia suavemente as colinas de arenito e empurra
aves migratórias para a costa, onde muitas acabam bebendo água do mar
por desespero e morrem. Grandes mamíferos fogem diante da Irifi como
se fosse um incêndio na floresta (KING, 2004, p. 452).

Ao contrário do que canta a música Noites Árabes do filme Aladdin (1992)4, as bai-
xas temperaturas prevalecem no deserto durante a noite e o frio pode ser intenso
com ventos incessantes. Ao descrever sua primeira noite no deserto, o capitão Ri-
ley lembrou que, apesar da exaustão, o frio não deixava os marinheiros dormir e
descreveu a experiência como "uma das noites mais longas e sombrias já passadas
por qualquer ser humano" (KING, 2004, p.247). Alguns anos mais tarde, Michel
Vieuchange confirmaria o relato de Riley "Durante as noites frias do Saara sofro
muito mais com o frio do que com o sol" (VIEUCHANGE, 1987, p. 223).

Todas essas condições tornam a vida praticamente impossível em muitas partes.


Assim é compreensível a desolação dos marinheiros do Commerce, quando afir-
maram que “nada pode viver ali”. Porém, estavam enganados.

Desde o período neolítico, há pelo menos sete mil anos, o ser humano vagueia
pelas costas ocidentais do Saara. Diferentes povos beduínos já habitaram a região,
mas sem nunca conseguir controlar em sua totalidade as planícies remotas do de-
serto. O beduíno é um povo nômade árabe que historicamente habita as regiões

4
“A noite da Arábia e o dia também é sempre tão quente que faz com que a gente se sinta tão bem”.
18

desérticas no Norte da África e do Oriente Médio. A palavra beduíno, deriva das


palavras árabes al bedu - “habitantes das terras abertas” - ou al beit - “povo da
tenda” (ESTRANHO, 2011).

Os primeiros a habitar a região foram os Imraguen, que seriam posteriormente ex-


pulsos pelos beduínos berbers por volta de 1000 a.C. Nos séculos mais recentes,
os árabes mulçumanos ocuparam o território. Eles converteram os berberes ao Islã,
que passaram a se autodenominarem árabes e adotaram a vida nômade, usando
o camelo para vagar pelas planícies desérticas (KING, 2004).

No início do século XIII, as tribos Maqil originárias do Iémen migraram ao oeste, se


estabelecendo no norte da África. Dentre eles, estavam os Beni Hassan, uma divi-
são dos Maqil montados em camelos e que falava o dialeto hassania5, uma variação
do Magrebe árabe. Em menor número, os Maqil acabaram fundindo-se a tribo ber-
bere Sanhaja, que era uma das maiores confederações tribais do norte africano.

No entanto, a cultura do grupo menor dominou a cultura da maioria. Os Sanhaja do


deserto ocidental tornaram-se em grande parte árabes, adotando o Islã e o dialeto
hassania. Por volta de 1800, essas tribos arabizadas se espalharam pelo Saara
Ocidental (KING, 2004), onde se estabeleceu um novo povo, os saarauis.

O povo saaraui é um povo africano, de origem árabe-negra-berbere. Os


saarauis pertencem aos árabes das tribos Hassan, uma fração do Beni
Maquil [...] Os Saarauis eram essencialmente fazendeiros, pescadores,
artesãos, comerciantes, marabus e, acima de tudo, guerreiros. Mas, antes
de tudo, eram nômades. Eles moravam em tendas e andavam de camelo
(ES-SWEYIH, 1998, p. 12).

Em 1815, quando James Riley e os marinheiros do Commerce naufragaram, os


saarauis já ocupavam a região. Após um período submetidos a fome, desidratação
e desespero, o capitão e seus marujos foram capturados pelos saarauis, tornando-
se escravos e vivendo entre os nômades até sua libertação.

A vida nômade era dura e simples, mas com valores característicos da sociedade
beduína, o que permitia enfrentar as dificuldades inerentes ao seu modo de vida
errante. Além disso, os saarauis tinham a capacidade de se adaptar, física e

5
Dialeto derivado do árabe clássico utilizado pelos saarauis (ENTRIALGO, 2012).
19

moralmente ao ambiente hostil do deserto, que eles domesticaram ao longo dos


séculos, até mesmo tornando-o aliado em tempos difíceis (ES-SWEYIH, 1998).

Para os marinheiros americanos, era difícil entender ou aceitar que os beduínos


haviam escolhido esse estilo de vida por amor ao deserto, e que eles eram incrivel-
mente adaptados apesar das dificuldades.

Diferentemente dos marinheiros, os saarauis não olhavam para aquela


terra arrasada com a mesma desolação, mas para um reino multifacetado
de bons e maus yenun, ou espíritos; de homens santos com boa magia,
baraka; e inimigos que poderiam invocar o mau-olhado contra eles. A su-
perstição permeava a vida cotidiana (KING, 2004, p. 261).

Em grande parte, essas tribos permaneceram nômades até o inicio do século 20,
quando os países europeus impuseram gradualmente seus próprios sistemas de
governo sobre esses territórios. A colonização espanhola sobre o território do atual
Saara Ocidental ocorreu em 1884, durante a Conferência de Berlim onde se distri-
buiu o continente africano entre as potências europeias (BERISTAIN e HIDALGO,
2012). Em 27 de junho de 1900, Espanha e França assinaram um acordo estabe-
lecendo as fronteiras coloniais entre ambos os países nessa região (VILLAR, 1987).

Em 1958, os espanhóis anexaram o protetorado espanhol Rio de Oro obtido em


1884 ao território de Saguia el-Hamra, formando o Saara espanhol. Esse, por sua
vez, se tornou o Saara Ocidental, região disputada entre os saarauis e Marrocos
depois que os espanhóis abandonaram a colônia em 1976 (KING, 2004).

Com a invasão marroquina, os saarauis foram expulsos de suas terras. Persegui-


dos, foram obrigados ao êxodo coletivo em direção ao deserto até encontrar refúgio
na Argélia, onde vivem desde então sob status de refugiados e buscam exercer seu
direito de autodeterminação desde 1976 (VIVES, 2003).

A autodeterminação dos povos sob tutela colonial tem sido um dos campos de di-
reito mais exitosos na arena internacional, sendo um fator de soberania baseado
em critérios administrativos e geografia política para colonial:

O processo de autodeterminação no Saara Ocidental é um dos casos de


contundência comprovada em favor da homogeneidade de território e po-
pulação. Possui a mais ampla gama de regulamentações internacionais
existentes em qualquer processo de descolonização e autodeterminação
(ROMEO, 2001, p. 44-45).
20

Embora seja difícil apontar com certeza quando um senso comum de identidade
saaraui emergiu pela primeira vez, Omar (2008) aponta evidências de que antes da
colonização espanhola havia entre os habitantes um sentimento generalizado de
pertencer ao Saara Ocidental como um território distinto e uma população única.

O conceito de povo6 é essencial no processo de autodeterminação. Deste ponto de


vista, Romeo (2001) defende que os saarauis merecem a dupla consideração de
etnia e de povo. Em se tratando do povo saaraui, a resposta para esse dilema pode
estar não só na terra, mas também no céu.

Durante séculos, os saarauis viveram sob as condições extremas do deserto e co-


nheciam todos os vales e montanhas. Mas, além da paisagem desértica da Terra,
também tinham um grande conhecimento sobre o céu. As estrelas serviam para
guiá-los junto com seus rebanhos pela Bedía7 em busca de buracos de água para
sobreviver. Além disso, as noites no deserto inspiraram muitas lendas e mitos. Toda
esta sabedoria está presente na sociedade saaraui há muito tempo e é transmitida
oralmente há gerações. Uma forma de analisar essa cosmovisão8 é através da et-
noastronomia, ciência que estuda os conhecimentos astronômicos de um povo por
intermédio dos costumes contados através da oralidade (MAGAÑA, 1986).

Assim, o objetivo inicial deste trabalho era utilizar a etnoastronomia para documen-
tar e popularizar os conhecimentos sobre o céu da população saaraui e realizar um
ensaio sobre o potencial da realidade virtual para o campo da divulgação científica
(BROSSARD e LEWENSTEIN, 2010). No entanto, ao longo da pesquisa-criação
(OWEN e SAWCHUK, 2012), me deparei com os estudos decoloniais (CASTRO-
GÓMEZ e GROSFOGUEL, 2007) e resolvi absorver essa perspectiva em nossa
abordagem. Com isso, baseado em princípios de co-criação (CIZEK, URICCHIO et
al., 2009), durante as entrevistas realizadas com o povo saaraui uma nova de-
manda emergiu do intercâmbio com a comunidade: alertar sobre a questão política
e social em torno da comunidade.

6
Os elementos que servem para conceder a categoria de povo são a língua, a religião, o território e os hábi-
tos essenciais comuns.
7
Área de pastagem nas planícies desérticas onde os nômades conduzem seus rebanhos.
8
Cosmovisão, ou visão de mundo, é um conjunto ordenado de crenças, valores, sentimentos, impressões e
concepções de natureza intuitiva a respeito da época ou do mundo em que se vive.
21

Portanto, apresento nessa dissertação o relato de como se deu a incorporação


dessa demanda, seus desdobramentos e os processos criativos que acarretaram
na narrativa transmídia Estrelas do Deserto. A obra conta com seis produtos que
pretendem, através da divulgação da cosmovisão do povo saaraui, denunciar a si-
tuação de refúgio enfrentada por este povo.

Este estudo faz parte do mestrado no Programa de Pós-Graduação em Mídias Cri-


ativas (PPGMC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e foi desenvol-
vido em parceria com o projeto de divulgação científica GalileoMobile (GM). Na pri-
meira parte apresento o delineamento do trabalho, delimitando suas justificativas,
objetivos, metodologia adotada e os principais conceitos que serão retomados ao
longo do texto.

No capítulo 3, faço um resumo do conflito no Saara Ocidental, afim de contextuali-


zar a situação política e social na qual os refugiados saarauis estão inseridos (e
este trabalho consequentemente).

Logo, no capítulo 4, identifico os conceitos de divulgação científica no qual está


baseada esta pesquisa ao apresentar o grupo GalileoMobile e o projeto Amanar.
Além disso descrevo os conceitos da etnoastronomia desde uma perspectiva de-
colonial. Em seguida, discuto brevemente a história da realidade virtual, suas diver-
sas utilizações e detalho os conceitos de interatividade e presença, fundamentais
nesta pesquisa-criação. Posteriormente, esboço algumas ideias sobre o papel da
RV dentro divulgação científica e analiso obras de realidade virtual que abordam a
questão dos refugiados, tensionando algumas reflexões ao propor uma abordagem
de representação dos refugiados saarauis a partir de uma perspectiva decolonial.

Em seguida, no capítulo 5, descrevo o processo de co-criação realizado durante as


entrevistas que ocorreram na visita de campo. Através da descrição dessa escuta
ativa, destaco a tomada de decisões a partir das demandas que surgem ao longo
dessa etapa da pesquisa.

Já no capítulo 6, detalho o desenvolvimento dos produtos e a escolha pela estraté-


gia transmídia e da lógica de effectuation (SARASVATHY, 2001). Nessa parte, des-
tricho as técnicas e os processos de desenvolvimento dos três produtos que fazem
parte dessa pesquisa-criação: Procurando Estrelas (um docugame interativo em
22

360º para visualização em web browser), Estrelas do Deserto 360º (documentário


360º com 3DoF) e Estrelas do Deserto VR (documentário em realidade virtual com
6DoF para Óculos Quest). Em cada produto, examino o design de experiência,
traço a jornada pelo qual o participante percorre, revisando as escolhas e adapta-
ções a luz dos conceitos mais importantes descritos ao longo da pesquisa-criação.

Ademais, cito brevemente os outros três produtos que foram criados no contexto
desse projeto, mas que não fazem parte da pesquisa apresentada neste memórial:
Refúgio nas Estrelas (documentário linear longa metragem), GalileoCast (uma série
de podcats) e Irifi: Estrelas do Deserto (uma instalação artística). Todos os produtos
estão disponíveis no hotsite Estrelas do Deserto e podem ser acessados através
do link: https://www.galileomobile.org/desert-stars

Por fim, teço algumas considerações finais sobre os produtos, discutindo as poten-
cialidades, possibilidades e limites das escolhas ao longo da experiência. Pretendo
que essa dissertação colabore para estabelecer relações possíveis entre as áreas
do conhecimento abordadas. Além disso, desejo que a narrativa transmídia Estre-
las do Deserto, apresentada como produto desse trabalho, contribua ao diálogo
entre realidade virtual e divulgação científica, e que os erros e acertos descritos
sirvam como referência para futuros projetos com a mesma abordagem. Por último,
espero que esse trabalho e seus produtos promovam a um público mais amplo a
conscientização sobre a prolongada e ignorada situação dos refugiados saarauis.

Imagem 3: Gotas de chuva no Deserto do Saara em Rabouni - Argélia.


Fonte: Felipe Carrelli
23

2. DELINEAMENTO DA PESQUISA

2.1 JUSTIFICATIVA

O processo imigratório não é um fenômeno recente. Ele está presente em todas as


partes do planeta desde os primórdios de nossa espécie, como citei, por exemplo,
no capítulo anterior no caso dos nômades do deserto. Assim, o fenômeno migrató-
rio em massa acompanha a era moderna e a expansão econômica capitalista, que
incentiva as nações a buscar imigrantes por necessitar de mão-de-obra.

Contudo, esse incentivo a migração é contraditório. Sayad (1998) alerta que o di-
reito de migrar e o fato consumado não estão em conformidade. O autor lembra
que mudanças nas circunstâncias econômicas bastam para que os antes bem-vin-
dos imigrantes passem a ser personae non gratae pela opinião pública, se tornando
os principais “culpados” pelo desemprego. Por isso, para Sayad (1998, p. 54) ser
imigrante e desempregado é um paradoxo, uma vez que o imigrante é essencial-
mente uma força de trabalho provisória, temporária e em trânsito. Em virtude desse
princípio, um trabalhador imigrante continua sendo um trabalhador definido, tratado
como provisório e revogável a qualquer momento.

Ao passo que a imigração é pensada como uma condição provisória, também é


pensada de forma duradoura, mas, ainda assim, provisória. Isso ocasiona muitos
problemas para os imigrantes que são mantidos na incerteza coletiva de sua situa-
ção. Sayad (1998, p.46) define essa condição de provisório-permanente:

As comunidades de destino, apesar de prepararem para o imigrante um


estatuto que o mantém em caráter provisório - muitas vezes como se ele
fosse apenas tolerado, negando-lhe a possibilidade de reconhecer sua si-
tuação como permanente - permite que o imigrante seja tratado, quando
lhe interessa, como se o provisório pudesse durar indefinidamente.

Essa contradição se intensifica ainda mais ao comparar a definição de imigrante


em relação ao termo refugiado. Após a Segunda Guerra Mundial, em 28 de julho
de 1951, a Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados es-
tabelece um tratado global para resolver a situação dos refugiados na Europa, de-
finindo refugiado como qualquer pessoa que temendo ser perseguida por:

motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas,


se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em
virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se
24

não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua resi-
dência habitual em consequência de tais acontecimentos, não pode ou,
devido ao referido temor, não quer voltar a ele (ONU, 1951).

Ou seja, a grosso modo, define-se como refugiados aquelas pessoas que se des-
locam de um país para outro por motivos de perseguição ou guerras em seu país
de origem. Já os imigrantes, seriam pessoas que saem de seus países por opção
com o objetivo de conseguirem melhores condições de vida ou sobrevivência.

A cada ano, dados da Agência das Organização das Nações Unidas para Refugia-
dos (ACNUR) mostram que estamos testemunhando os maiores níveis de desloca-
mento já registrados na história. Segundo o relatório Global Trends: forced displa-
cement in 2019, 79,5 milhões de pessoas em todo o planeta foram forçadas a deixar
suas casas. Entre elas estão 26 milhões de refugiados (UNHCR, 2020).

O aumento população deslocada à força9 no mundo continua superando o cresci-


mento da população global, e já afeta mais de 1% da humanidade (uma em cada
97 pessoas), sendo que um número cada vez menor de pessoas forçadas a fugir
consegue voltar para suas casas. Em 2010, essa relação era de uma em cada 159
e, em 2005, uma em cada 174 (UNHCR, 2020). Esses dados evidenciam que en-
frentamos uma situação de exílio global, onde os países em desenvolvimento hos-
pedaram 85% dos refugiados do mundo, desmistificando a ideia de que esse fenô-
meno afeta exclusivamente os países mais ricos.

A tendência é que esses números subam cada vez mais, já que o aquecimento
global é um dos fatores que poderia intensificar os padrões de migração (PORTER;
RUSSEL, 2018). Portanto, medidas que visam a melhoria do acolhimento desses
refugiados se fazem necessárias e pesquisas que abordam a questão migratória
se fazem urgentes. É nesse sentido que este trabalho está inserido e se justifica.

Por ser uma das ferramentas mais acessíveis e eficazes para envolver os jovens
na ciência, a astronomia tem sido utilizada em benefício da sociedade para o al-
cance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas ao pro-
mover a paz e a diplomacia em regiões pós-conflito (FRAGKOUDI, 2020), propor-
cionado educação de qualidade em comunidades de estrema pobreza (LYRA, W.

9
Fenômeno conhecido como migração forçada, onde pessoas são forçadas a sair de suas casas ou lugar de
residência habitual.
25

et al, 2020) ou encorajando a igualdade de gênero (SPINELLI; BENITEZ-


HERRERA; GERMANO, 2019).

Através de atividades práticas e observações do céu, projetos de divulgação de


ciência desenvolvem habilidades científicas, pensamento crítico e capacidade de
resolução de problemas, treinando professores para usar a astronomia como uma
porta de entrada para outras disciplinas. Assim, a divulgação de astronomia tem
sido tema de pesquisa também dentro do contexto da migração (PENTEADO,
2020). Deste modo, discutimos no trabalho a importância da valorização da cultura
dos refugiados saarauis através dos conhecimentos astronômicos desse povo.

Se, por um lado, abordo o real, através do fenômeno migratório e seus corpos em
movimento (ou não, evidenciando a violência que a fronteira impõe à experiência
do ser material); por outro lado, dialogo diretamente com o digital. Para Castells
(2002), estamos testemunhando um ponto de descontinuidade histórica, causado
pela emergência de um novo paradigma tecnológico organizado em torno de novas
tecnologias da informação. Segundo o autor, isso possibilitou uma nova forma de
economia que surgiu em escala global, ao qual deu o nome de sociedade informa-
cional global e em rede.

O surgimento das tecnologias digitais significou também uma ruptura na percepção


de conveitos como cultura, arte, filosofia e modos de vida. Santos (2015) afirma
que, nessa nova lógica, tudo o que está a nossa volta, inclusive nosso corpo, é
transformado em uma mídia tecnológica. Pesquisadores pós-digitais argumenta-
ram que não vivemos mais em um mundo onde as tecnologias e as mídias digitais
estão separadas da vida humana e social (JANDRIć et al., 2018).

Filósofos da tecnologia vão além, ao defender que hoje não há mais oposição entre
um mundo cibernético e uma experiência cara a cara, pois o digital está integrado
a nossas ações e interações cotidianas (FEENBERG, 2019). Quando estamos
usando as tecnologias on-line, “não deixamos nosso corpo em casa”
(COECKELBERGH, 2013, p. 13) e tão pouco estamos separados da realidade off-
line. Aos poucos, o mundo real começa a emprestar ideias da ficção, como as raí-
zes ciberpunks, cyborgs e pós-humano de Neuromancer (GIBSON, 1984).
26

Em 2020 e 2021, a pandemia da Covid-19 abalou as estruturas de nossas vidas e


sociedades e alavancou ainda mais esse processo. Durante essa crise global, o
processo de digitalização da educação, do trabalho e de outras áreas foi obrigado
a acelerar. A experiência de isolamento social, evidenciou que nossas vidas, lite-
ralmente, dependem das ferramentas digitais (COECKELBERGH, 2020). O desafio
técnico e científico do pós-digital está diante de nós. E junto a isso surgem questões
éticas (como, por exemplo, se devemos permitir direitos autorais de um genoma),
econômicas/políticas (as incursões de big data e algoritmos) e até acadêmicas, com
mudanças na estrutura da pesquisa científica (JANDRIć et al., 2018).

Nesse sentido, o futuro das narrativas imersivas aponta como uma realidade repleta
de desafios e possibilidades. O avanço tecnológico dos últimos anos vem possibi-
litando o ressurgimento da realidade virtual. Interatividade, empatia, atenção, usu-
ário são alguns dos termos que começam a se tornar centrais na criação audiovi-
sual. Salles e Ruggiero (2019) observam um processo de transição das histórias
lineares para narrativas interativas. Nessa nova estética o espectador passa a ter
um papel mais ativo na tomada de decisões, tornando-se um interator. Nesse sen-
tido, o ecossistema criativo audiovisual se aproxima não só ao design de experiên-
cia, mas perspaça todos os campos artíticos.

Por ultimo, é importante destacar que a realidade virtual tem se mostrado uma fer-
ramenta com um grande potencial para ser utilizada na divulgação de assunto ci-
entíficos. Portanto, o estudo da realidade virtual no contexto da imigração, e da
divulgação da astronomia, se faz muito importante. É nesse contexto que esse tra-
balho se insere.

Imagem 4: Crianças saarauis fazendo o sinal Saara Livre com as mãos e vendo suas fotos.
Fonte: Felipe Carrelli e Fábio del Sordo
27

2.2 OBJETIVOS

OBJETIVO GERAL

O objetivo geral deste trabalho é co-criar uma narrativa transmídia para divulgar a
cosmovisão saaraui em diversas plataformas/formatos a fim de alcançar públicos
específicos.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

- Registrar a memória oral do povo saaraui através de recursos audiovisuais (áudio,


foto, vídeo linear e vídeo 360) a fim de preservar a cosmovisão desse grupo.

- Estudar como as potencialidades da realidade virtual na divulgação científica


desde uma perspectiva decolonial.

- Avaliar as potencialidades e limitações do processo de co-criação dentro de nosso


proposta de trabalhar com os refugiados saaraui.

- Analisar as especificidades de cada produto transmídia criado ao longo desse


trabalho e como eles se complementam.

2.3 METODOLOGIA DE PESQUISA-CRIAÇÃO

2.3.1 PESQUISA-CRIAÇÃO-AÇÃO

A pesquisa-criação, como método de investigação, questiona representações for-


muladas do gênero acadêmico e a produção de conhecimento nas culturas impres-
sas (OWEN e SAWCHUK, 2012). Nos dois extremos do espectro estão aqueles
que apoiam a pesquisa com propósitos criativos e aqueles que argumentam que a
criação é uma forma de pesquisa.

Paquin e Béland (2015) apontam que articular pesquisa e criação é uma tarefa de-
licada devido aos espaços contraditórios onde se dá essa perspectiva. Por um lado,
a universidade onde o conhecimento produzido e disseminado tradicionalmente im-
põe distância entre sujeitos e objetos de pesquisa. Por outro lado, a oficina do ar-
tista, local de produção solitário e subjetivo, onde a criação envolve manifestação
expressiva e estética. Essa dualidade é dissolvida nos laboratórios, espaços onde
28

arte, tecnologia, disciplinas e métodos se mesclam. Nesses espaços, a criação é


tão importante quanto o desenvolvimento de técnicas inovadoras, o risco é incenti-
vado e o processo tem precedência sobre os resultados.

O Conselho de Pesquisa em Ciências Sociais e Humanas (CRSH) é uma agência


canadense de fomento que incentiva e apoia a pesquisa e o treinamento em ciên-
cias humanas. Segundo a CRSH, a pesquisa-criação é uma atividade ou aborda-
gem de pesquisa. Constitui uma parte essencial de um processo criativo ou disci-
plina artística, que fomenta diretamente a criação de obras literárias/artísticas. Em
outras palavras, para a CRSH, a pesquisa-criação apresenta dois elementos bási-
cos, a pesquisa científica e a atividade de criação:

O processo criativo, que é parte integrante da atividade de investigação,


permite a criação de obras completas nas mais diversas formas de arte. A
pesquisa-criação não pode se limitar à interpretação ou análise da obra
de um criador, de uma obra tradicional de desenvolvimento tecnológico ou
de uma obra que trata da concepção de um currículo. [...] Os campos que
podem estar ligados à pesquisa-criação são os seguintes: arquitetura, de-
sign, criação literária, artes visuais (pintura, desenho, escultura, cerâmica,
têxteis, etc.), artes performativas (dança, música, teatro, etc.), cinema, ví-
deo, artes interdisciplinares, mídia e artes eletrônicas, bem como novas
práticas artísticas (CRSH, 2020).

No Brasil, observamos iniciativas no sentido de aproximar a academia à criação em


diferentes áreas. Como exemplo, pode ser citado o Mestrado Profissional em Cria-
ção e Produção de Conteúdos Digitais, primeiro mestrado profissional stricto sensu
de natureza prático-teórica na área de comunicação, em instituição pública de en-
sino superior no país, a ser credenciado pela CAPES/MEC. É nesse programa onde
desenvolvo o presente trabalho. O curso é voltado para a inovação e a pesquisa
aplicada, visando a formação científica e profissional em comunicação social e ar-
tes da mídia, intensificando relações interdisciplinares nas áreas das ciências soci-
ais aplicadas, das artes e das tecnologias.

Não por acaso, a pesquisa-criação é frequentemente associada à experimentação


de novas mídias, já que nessa metodologia, a criação é o meio necessário para que
a pesquisa aconteça. Segundo Owen e Sawchuk (2012, p.19) a pesquisa surge a
partir da criação: “É uma forma de exploração direcionada através de processos
criativos que inclui experimentação, mas também análise, crítica e um profundo
envolvimento com a teoria e questões de método”.
29

Neste trabalho, adoto a definição de pesquisa-criação de Owen e Sawchuk (2012),


que descrevem quatro tipos diferentes de pesquisa-criação: "pesquisa para cria-
ção", "pesquisa pela criação", "apresentação criativa da pesquisa" e "criação como
pesquisa". A pesquisa para criação envolve um levantamento inicial de material,
ideias, conceitos, colaboradores e tecnologias a fim de para começar o processo
de criação. Vale ressaltar que o resultado inicial da pesquisa para a criação pode
não ser uma produção em escala real de um produto final, e sim um protótipo ex-
perimental. No caso da pesquisa pela criação performances, experiências e obras
de arte interativas, etc. podem também ser maneiras de gerar dados de pesquisa
que podem então ser usados para compreender diferentes dinâmicas.

Já na apresentação criativa da pesquisa diz respeito a formas criativas de apresen-


tar a pesquisa acadêmica tradicional. Aqui, os autores observam o desejo dos teó-
ricos em se envolverem com formas de expressão mais poéticas e provocativas,
desafiando até mesmo os periódicos, que agora devem enfrentar novos gêneros e
formas online para divulgar o trabalho acadêmico. Por ultimo, Owen e Sawchuk
(2012) apontam a criação como pesquisa como a mais complexa e controversa das
categorias. Esse tipo envolve a elaboração de projetos onde a criação é necessária
para que a pesquisa ocorra. Trata-se de investigar a relação entre tecnologia e as
práticas de mídia, implementando-as de fato e conduzindo-as em direções criativas.

Não é intenção deste texto definir em qual desses quatro tipos nosso trabalho se
enquadra, por acreditar que essas definições, apesar de serem importantes do
ponto de vista conceitual, podem limitar as potencialidades que o real apresenta.
Quando estamos tanto tempo imersos em nossa investigação, corremos o risco de
esganar o real para enquadra-lo dentro dos tipos conceituais ao quais estamos
transbordados: se real não respeita a teoria, muda-se o real para adaptar a teoria
quando na verdade, deveríamos fazer o inverso.

Partindo desses pressupostos, acredito que esta pesquisa-criação apresenta ca-


racterísticas capazes de incorpora-la em dois tipos: pesquisa pela criação e pes-
quisa para a criação. A pesquisa pela criação se manifesta através dos produtos
práticos, que geraram dados de pesquisa e foram posteriormente analisados (esse
processo será melhor detalhado nos últimos capítulos dessa dissertação). Já a pes-
quisa para a criação foi fundamental para definir quais métodos, conceitos e
30

abordagens utilizaríamos em nossos produtos. Assim, a reflexão sobre a incorpo-


ração da perspectiva decolonial, do conceito de co-criação e a lógica de effectuation
no processo criativo dos produtos se deu em diferentes momentos ao longo desta
pesquisa-criação, a começar pelas próprias disciplinas do mestrado.

Uma dessas disciplinas foi “As migrações transnacionais entre teoria e mundo da
vida: a perspectiva dos pesquisadores e dos pesquisados” ministrada pelo Prof. Dr.
Mohammed ElHajji (coordenador do grupo de pesquisa sobre imigrações, diáspo-
ras e tecnologias da informação e da comunicação – DIASPOTICS). Durante esses
encontros dialógicos com teóricos dos estudos migratórios, migrantes e líderes co-
munitários, a disciplina procurava devolver a palavra para uns, provocar uma meta
reflexão teórico-metodológica nos outros e substituir a abordagem de objeto de
pesquisa por sujeito de pesquisa.

Ao longo da aula, tivemos a oportunidade de conversar com migrantes e refugiados


de diferentes nacionalidades e a questão da representação do refugiado foi levan-
tada por diferentes participantes. Uma delas é Mariama Bah, imigrante de Gâmbia,
atriz, estudante de relações internacionais, ativista e criadora do projeto de empre-
endedorismo em moda africana para mulheres imigrantes e refugiadas. Mariama
aponta que é necessário desmistificar a ideia do refugiado como um ser invisível,
genérico e com uma função pré-concebida. Ela diz que é frequentemente questio-
nada pelo fato de estudar teatro mesmo sendo estrangeira, a que responde com
outra pergunta: E por quê não? Ela afirma ainda que seu sonho é contribuir para
que a sociedade entenda e valorize a imagem e a cultura africana: “A África é mais
do que deserto, leão, ebola e savana”.

Outro convidado que contribui nesse sentido é o DJ Bob Selassie, imigrante do


Haiti. Bob se incomoda com o fato de a mídia preferir representar o Haiti desde o
ponto de vista da pobreza e criticou a construção da identidade dos refugiados hai-
tianos no audiovisual brasileiro. Para Bob, é preciso representar a causa dos refu-
giados pela força, mudando a postura assistencialista e de acolhimento por uma
atitude de integração: “Eu não quero ser tolerado, quero ser amado”. Bob concenou
ainda a própria academia: “Não é porque a pessoa não fala língua acadêmica sig-
nifica que é boba”. Ele apontou que algumas vezes, pesquisadores criam sujeitos
de pesquisa que não existem e chegam aos entrevistados com uma agenda pronta.
31

Em sua fala, ele sugeriu uma antropologia menos quantitativa e mais qualitativa,
defendendo uma relação de parceria entre pesquisado e pesquisador. Além disso,
questionou o caráter diretivo das entrevistas, sugerindo que o pesquisador exerça
mais um processo de observação e escuta através de um bate papo. Segundo Bob,
o imigrante precisa desabafar, tem vontade de falar sobre sua comida, sua cultura,
mas falar sobre tragédias pessoais é mais difícil e deve ser abordado com muita
sensibilidade.

Esses dois depoimentos impactaram nossa pesquisa uma vez que iam ao encontro
de alguns textos que usamos como referência durante a etapa anterior a viagem
aos acampamentos. De certo modo, as falas de Bob e Mariama se aproximavam
dos conceitos defendidos pela pesquisa-ação, que consiste na inserção do pesqui-
sador no ambiente de ocorrência do fenômeno e de sua interação com a situação
investigada (PERUZZO, 2003). Atravessados por essa intersecção, resolvemos
adotar a abordagem da pesquisa-ação em nossa metodologia de pesquisa-criação.

Mas o que é a pesquisa-ação? Na área da comunicação social, a pesquisa-ação é


tida como uma metodologia inovadora de caráter qualitativo que permite atingir ele-
vado grau de profundidade. Thiollent (2003, p.14) define a pesquisa-ação como:

um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada


em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um pro-
blema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representa-
tivos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo e
participativo.

A pesquisa-ação estimula o pesquisador a compartilhar de modo consistente o am-


biente investigado e permite que o objeto participe do processo de realização da
pesquisa, tornando-se sujeito. Ao abrir espaço para essa aproximação, o grupo
pesquisado não apenas sabe que está sendo investigado, mas conhece os objeti-
vos da pesquisa e participa da elaboração da mesma. Logo, muitas vezes a seleção
dos problemas a serem analisados emerge da própria população pesquisada e não
apenas da simples decisão dos pesquisadores.

Desta maneira, o pesquisador se torna uma espécie de mediador, procurando au-


xiliar a população envolvida a identificar seus problemas, a realizar a análise crítica
destes impasses e a buscar as soluções adequadas. Por fim, a pesquisa-ação
possibilita que os resultados se revertam em benefício do próprio grupo
32

pesquisado. Mais adiante nos capítulos subsequentes, discorrerei como esse frutí-
fero fenômeno se manifesta em nosso trabalho, principalmente nos produtos.

No entanto, se por um lado essa metodologia questiona a estrutura acadêmica clás-


sica, visto que reduz as diferenças entre objeto e sujeito do estudo, Peruzzo (2003)
alerta que, para esse processo de pesquisa-ação acontecer, é mister o engaja-
mento das pessoas deste grupo no decorrer do estudo, participando da formulação
do problema, dos objetivos, no levantamento dos dados e inclusive se envolvendo
na discussão dos resultados. Além disso, isso não significa que o pesquisador se
camufle entre os pesquisados. Seu lugar de fala nunca será idêntico aos observa-
dos, até porque sua própria história e o seu modo de ver o mundo são diferentes.

2.3.2 PERSPECTIVA DECOLONIAL

Pensando nisso, pesquisei novas formas de representar os refugiados saaraui na


obra de realidade virtual. A fim de evitar abordagens de representação que utilizas-
sem as imagens de vulnerabilidade dos refugiados para perpetuar uma ideologia
colonial paternalista de inocência, dependência e proteção (MANZO, 2008), bus-
quei formas de representar o povo saaraui a partir do ponto de vista de seu conhe-
cimento, valorizando o seu saber. A partir dai, fiz um levantamento e analisei obras
de RV que abordavam a questão de imigração e refugiados.

Durante essa etapa da pesquisa-criação, prévia a viagem de campo, aproveitei os


encontros realizados pela equipe do GalileoMobile10 com especialistas que estu-
dam da questão da imigração. Eduardo Monfardini Penteado (Dr. em astroquímica
pela Radboud University e especialista em Popularização e divulgação científica
pela Fiocruz) foi o responsável por organizar as reuniões. Participamos de palestras
com Brian Jackson (professor associado de física na Boise State University), Gus-
tavo Barreto (jornalista na área de relações internacionais e Dr. em Mídia, Cidada-
nia e Migrações), Catalina Revollo Pardo (Pós-doutoranda do Programa em Psi-
cossociologia de Comunidades e Ecologia Social) e Juan Antonio Belmonte (Pes-
quisador do Instituto de Astrofísica de Canárias com expertise em etnoastronomia).

10
GalileoMobile é um projeto itinerante de divulgação de astronomia, composto por voluntários de diferentes
áreas de atuação: astrônomos, divulgadores de ciência, cineastas e antropólogos. O projeto GalileoMobile faz
parte dessa pequisa-criação e será abordado com maiores detalhes nos capítulos seguintes.
33

Cada encontro tinha foco e objetivos diversos, a fim de abordar o tema interdisci-
plinar e abrangente. Para mim em particular, aproveitei dessas reuniões para ab-
sorver o que os pesquisadores tinham a dizer sobre a representação dos refugia-
dos. Em uma dessas conversas, Catalina Revollo reforçou que muitos discursos
apontam na direção de uma crise de migração, quando na verdade a migração não
deve ser encarada como problema em si.

Imagem 5: Reunião da equipe Amanar no centro de protocolo em Rabouni - Argélia.


Fonte: Fábio del Sordo.

Catalina Revollo apontou ser importante descontruir a ideia de que o refugiado é o


problema, pois eles fazem parte de um sistema global insustentável. Portanto, o
problema estaria na causa desse fluxo de fuga de um país para o outro. Em razão
disso, em seus trabalhos ela propõe deslocar o assunto desde o ponto de vista
eurocêntrico e abordar a questão da imigração desde uma perspectiva descolonial.

O termo decolonialidad é desenvolvido originalmente por MALDONADO-TORRES


(2006). Na perspectiva decolonial, a cultura está sempre entrelaçada com (e não
derivada) os processos da economia-política. Por isso, esses autores levam em
consideração às exclusões causadas por hierarquias epistêmicas, espirituais, raci-
ais/étnicas e de gênero/sexuais implantadas pela modernidade.

Nas palavras de De Oto (2011, p. 22): “a decolonialidade marca projetos epistêmi-


cos políticos que não foram gerados na Europa e que não podem ser cooptados
pelo pensamento europeu sem que esse pensamento reconheça seus próprios li-
mites”. Ou seja, não se trata de negligenciar os desenvolvimentos do pensamento
político e teórico europeu, mas sim de sua crítica desde a perspectiva de que a
34

modernidade ainda é colonial. O pensamento precisa ser abordado em termos his-


tóricos e espaciais.

Para CASTRO-GÓMEZ e GROSFOGUEL, o euro centrismo é uma atitude colonial


em relação ao conhecimento, articulada simultaneamente com o processo de rela-
ções centro-periferia e hierarquias étnicas/raciais.

A superioridade atribuída ao conhecimento europeu em muitas áreas da


vida foi um aspecto importante da colonialidade do poder no sistema mun-
dial. O conhecimento subalterno foi excluído, omitido, silenciado e igno-
rado. Desde o Iluminismo, no século XVIII, esse silenciamento foi legiti-
mado pela ideia de que esse conhecimento representava um estágio mí-
tico, inferior, pré-moderno e pré-científico do conhecimento humano. So-
mente o conhecimento gerado pela elite científica e filosófica da Europa
foi considerado conhecimento "verdadeiro", pois era capaz de abstrair seu
condicionamento espaço-temporal para ser colocado em uma plataforma
de observação neutra (CASTRO-GÓMEZ, GROSFOGUEL 2005, p. 20).

A colonialidade opera a partir da exclusão e subalternização do conhecimento dos


sujeitos colonizados. Desse modo, a proposta de uma ruptura epistêmica com a
modernidade europeia vem das mãos do pensamento decolonial. Essa abordagem
também é defendida por Mateo em seu trabalho sobre a luta do povo saaraui:

Essa busca de subverter a ordem instituída empreendida pelos subalter-


nizados e que lhes permitirá falar a partir de sua história, experiência e
lugar de "ser", não se limita a afirmar sua subjetividade na oposição colo-
nizador/colonizado (em que este último é a parte desfavorecida, em resul-
tado da diferença colonial), mas sim que a sua voz será uma construção
decorrente da relação que é produto da situação colonial (2016, p. 25).

Após nos depararmos com a perspectiva decolonial novos desafios foram postos:
Como evitar impor uma leitura eurocêntrica em nosso trabalho? Como colocar a
voz do sujeito no mesmo lugar do científico e incorporar essa voz ao projeto? Como
abordar a questão do refúgio desde o ponto de vista da injustiça social, e não da
piedade, como propõe Chouliaraki (2015)?

A utilização da etnoastromia, associada a metodologia de pesquisa-ação respondia


algumas dessas inquietações. O céu e a etnoatronomia seriam a porta de entrada
para a interação com as pessoas da comunidade: aprender através do céu suas
histórias, lendas e costumes. Seja no papel de pesquisador, divulgador científico
ou realizador audiovisual, nossa equipe estava disposta ao diálogo, colocando a
comunidade saaraui em primeiro lugar. Desse modo buscamos criar um vínculo de
confiança com os entrevistados.
35

Imagem 6: Sábio escreve o nome das estrelas em hassania e quando elas aparecem no céu.
Fonte: Felipe Carrelli

No entanto, ao longo do processo de pesquisa-criação surgiu a hipótese de que


talvez os saarauis tivessem outras coisas para dizer. Afinal, falar sobre a astrono-
mia cultural saaraui era uma proposta de nossa equipe e não trabalhada em con-
junto. Além disso, estávamos desenvolvendo também um produto sobre os saa-
rauis e não com eles. Dialogar era importante, mas também era necessário escutar.

Nesse momento, percebi que um caminho possível para evitar essa imposição es-
taria no processo de absorver o sujeito na própria conceptualização do produto. Por
tanto, afim de evitar impor essa postura colonial e paternalista, nos deparamos com
a necessidade de escutar a opinião do povo saaraui em relação a nossa sugestão
de enfoque. Do ponto de vista prático do pesquisador/realizador, isso significa não
estabelecer perguntas fechadas e diretivas, mas exercer a interculturalidade.

A interculturalidade é um termo que indica uma dimensão de interação entre pes-


soas de culturas distintas, mas com universos simbólicos compartilhados. Na inter-
culturalidade, o diálogo e a interpelação são priorizados, ao invés da dominação
(DANTAS, 2017). Nesse sentido, a partir da filosofia propõe-se uma visão intercul-
tural crítica que implica a descolonização dos saberes, a favor de um equilíbrio
epistemológico no mundo (FORNET-BITANCOURT, 2009). Em outras palavras, é
preciso colocar o conhecimento do outro no mesmo patamar que o nosso.
36

2.3.3 PROCESSO DE CO-CRIAÇÃO

Todo esse arcabouço de conceitos e metodologias cintilava como belas estrelas no


céu. No entanto, esses pontos de luz estavam dispersos, afastados, perdidos. Fal-
tava algo para conecta-los. Fundamentado nessa perspectiva, busquei apoio no
conceito de co-criação (CIZEK, URICCHIO et al., 2009).

A co-criação não é uma prática recente e tão pouco ocidental. De fato, existem
registros de regimes coletivos de criação desde a pré-história, no alvorecer da hu-
manidade na África, através das antigas artes rupestres:

Here, inscribed in stone, is life on earth, and the cosmos as understood by


humanity over millennia. These carvings also provide evidence of the recur-
rent practice of the co-creation processes that have shaped our languages,
music, early texts, performance, architecture, and art over the millennia. Yet,
these collective practices are often under-documented, under-recognized,
and under-funded, especially in the past 150 years, with the industrialization
of cultural production (CIZEK, URICCHIO et al., 2009, p. 4).

Ao longo da história, a tradição de criação coletiva foi aos poucos substituída pelos
princípios do renascimento europeu, privilegiando a ideia de um autor singular:

Parece que, com a quebra do monopólio da guilda no decorrer do século XV,


a atitude do artista em relação ao seu trabalho mudou. Em vez de ser sub-
metido à rotina regulamentada de uma oficina coletiva, ele agora estava mui-
tas vezes por conta própria e desenvolvia hábitos compatíveis com sua liber-
dade. Períodos de trabalho mais intenso e concentrado se alternavam com
lapsos imprevisíveis de inatividade [...] Solidão e sigilo se tornaram a marca
de muitos artistas (WITTKOWER, 1961, p.293).

Das pinturas a óleo de Da Vinci, passando pela fotografia da câmera clara de Da-
guerre, até a imagem e movimento do cinematografo dos irmãos Lumiere: através
desses exemplos, fica evidente o crescimento da individualização do processo de
criação e do ponto de vista perante os objetos retratados. Ao associar o papel do
cinema enquanto um aparelho ideológico da burguesia, Baudry analisa a estrutura
do espetáculo cinematográfico para identificar como suas práticas concorrem para
a construção de um sujeito transcendental. Segundo o autor, para este sujeito o
mundo é construído, unicamente para ele, não através dele, o que reforça uma
individualidade geradora de sentido isolada e totalitária:

Pouco importa, no fundo as formas do enunciado adotadas, os "conteúdos"


da imagem, desde que uma identificação ainda permaneça possível. Aqui de-
lineia-se a função específica preenchida pelo cinema como suporte e instru-
mento da ideologia: esta passa a “constituir o ‘sujeito’ pela delimitação ilusória
37

de um lugar central (seja o de um Deus ou de um substituto qualquer)”


(BAUDRY, 1983, p. 397).

Ainda hoje, o mercado e as bolsas de estudos tendem a se concentrar em formas


industriais de produção e criação que privilegiam a ideia do autor singular (CIZEK,
URICCHIO et al., 2009). Um exemplo da valorização do indivíduo em detrimento
do coletivo é a cerimônia de premiação do Oscar, que premia os melhores artistas
individualmente mesmo em áreas técnicas compostas por dezenas de pessoas:
efeitos visuais, edição de som, montagem, figurino, cabelo e maquiagem, etc.

Apesar desse movimento de manutenção do status quo estar presente na indústria


das mídias tradicionais, as novas tecnologias começam a obrigar os realizadores a
sair de seus ateliês: obras interdisciplinares demandam equipes multidisciplinares.
Além disso, a internet cria novas maneiras de distribuição de conteúdo, abrindo
novas possibilidades aos autores periféricos, que carregam consigo outras formas
de organização e de contar histórias. Assim, a co-criação ressurge como alternativa
para a visão de autor único, incorporando os sujeitos abordados como participantes
com voz ativa no processo criativo. Nesses casos, os processos de criação acon-
tecem dentro de comunidades e com pessoas, ao invés de serem feitos para ou
sobre elas. Nas palavras de ROSE (2017, p. 49), “não mídia sobre, mas mídia com”.

A co-criação conta com o diálogo aberto para a colaboração entre os participan-


tes/pesquisadores no desenvolvimento do projeto e no processo criativo. Afinal,
ninguém melhor para falar da sua experiência que a própria pessoa. Nesse movi-
mento de auto reflexibilidade, o sujeito fala de sua própria experiência empírica e
subjetiva, visando com que os resultados sejam aplicados em benefício do grupo:
“O conceito de co-criação reformula a ética de quem cria, como e por que. Nossa
pesquisa mostra que a co-criação interpreta o mundo e procura mudá-lo, através
de uma lente de equidade e justiça” (CIZEK, URICCHIO et al., 2009, p. 5).

Os autores do estudo Collective Wisdom, utilizado nesse trabalho como referência


de co-criação, definem quatro tipos de co-criação: dentro de comunidades do
mundo presencial e comunidades digitais on-line, entre disciplinas e humanos tra-
balhando com sistemas não humanos. Esses tipos de co-criação podem estar in-
terligadas e têm qualidades e limitações distintas (CIZEK, URICCHIO et al., 2009).
38

Em nosso caso, por propor a criação de uma obra conjuntamente com a população
local e por ser um projeto transdisciplinar com diferentes instituições, organizações
e áreas envolvidas, acredito que nossa pesquisa-criação se enquadre em dois ti-
pos: co-criação dentro das comunidades do mundo presencial em conjunto com os
refugiados saarauis e também entre disciplinas (como demonstrarei no capítulo 6.2
ao apresentar os produtos transmídia).

Através do processo de co-criação, apresentei nossos objetivos aos saarauis, con-


vidando-os à opinar e propor sobre nossas ideias. Durante esse movimento, o mais
importante era a própria escuta: agora estávamos fazendo um produto com os sa-
arauis e não sobre eles. Assim, a divulgação da astronomia saaraui deixou de ser
o foco principal dos produtos e passou a ser o pretexto para os saarauis nos contar
sobre seus desejos e sonhos. Ao perguntar sobre o céu, escutar o que eles tinham
a nos dizer sobre a terra. As estrelas como o ponto de partida para a memória
afetiva dos entrevistados, resignificadas dentro desse território. A palavra ganhava
outro sentido: o que é dito era mais importante do que quem, quando ou onde.

Porém, a fusão entre os papéis de sujeito e objeto, pesquisador e pesquisado exi-


giam uma energia considerável de ambas as partes. Ao adotar o processo de co-
criação junto aos saarauis, foi fundamental estar aberto para incorporar na pesquisa
demandas e respostas que estavam para além de nossas próprias perguntas. Con-
sequentemente, essas novas exigências geraram novos desafios: a necessidade
de ampliar a obra de realidade virtual para um projeto transmídia, a fim de agregar
essas reivindicações (PAZ et. all, 2021 no prelo).

Além disso, como implementar essa estratégia de co-criação dentro das condições
que temos? Onde isso se expressa no processo criativo e no produto? Essas e
outras questões nevrálgicas serão respondidas com mais detalhes ao longo dos
próximos capítulos. Mas antes de mais nada, é importante entender quem é nosso
sujeito de pesquisa e qual é o contexto em que está inserido.
39

3. O CONFLITO NO SAARA OCIDENTAL

3.1 A HISTÓRIA DO CONFLITO

Localizado no extremo atlântico do continente africano, o território do Saara Oci-


dental tem área total de 266.000 km2 e faz parte do Grande Deserto do Saara.

Em 1975, após pressões da ONU para descolonizar o Saara, o governo espanhol


resolveu realizar um censo da população saaraui, a fim de organizar um referendo,
sob os auspícios das Nações Unidas (BERISTAIN e HIDALGO, 2012). O plano da
ONU previa que o Reino de Marrocos impusesse um requisito de visto aos estados
subsaarianos, onde até então não era obrigatório. Os marroquinos argumentaram
que isso afetaria negativamente suas relações com esses estados e, portanto, sua
posição em relação ao Saara espanhol, que foi unilateralmente anexado em duas
etapas em 1976 e 1978 (CASTLES; MILLER, 2004).

Em seis de novembro de 1975, a autoridade marroquina enviou 350.000 civis e


25.000 soldados para o Saara Ocidental, no que ficou conhecido como a Marcha
Verde (SEGURA, 2001). Esse movimento alcançou seu objetivo principal de intimi-
dar e pressionar o governo espanhol e, em 14 de novembro, um acordo tripartido
foi assinado em Madri entre Espanha, Marrocos e Mauritânia. Dessa maneira, o rei
marroquino Hassan II ocupou o Saara Ocidental sem enfrentar o exército espanhol.

Em 26 de fevereiro de 1976 a Espanha se retirou sem finalizar o processo de des-


colonização. Perante esse vazio jurídico, um dia depois em Bir Lehlu (um acampa-
mento no deserto a 130 quilômetros da fronteira com a Argélia), os saarauis pro-
clamaram a República Árabe Saaraui Democrática (RASD), pedindo “a todos os
países do mundo o RECONHECIMENTO desta nova nação, manifestando expres-
samente seu desejo de estabelecer relações recíprocas baseadas na amizade, co-
operação e não interferência em assuntos internos” (RASD, 1976).

Determinados a impedir a consolidação da ocupação pelos estados vizinhos, a


Frente Popular de Liberação de Saguía el Hamra e Río de Oro (Polisário), um mo-
vimento político-revolucionário em favor da autonomia do território do Saara Oci-
dental e pela autodeterminação do povo saaraui, declarou guerra às Forças
40

Armadas Reais marroquinas e ao exército mauritano. Iniciou-se assim uma guerra


de guerrilha que duraria até 1988 (COBO, 2011).

Imagem 7: Tanques marroquinos capturados pelo exército Saaraui - Museu da Resistência.


Fonte: Felipe Carrelli

Uma campanha de bombardeios, saques, repressões e prisões ocorreu na área


ocupada por Marrocos. Consequentemente, grande parte da população saaraui ini-
ciou seu êxodo pelo interior do Saara em direção a fronteira argelina. O regime de
Hassan II perseguiu os cidadãos saarauis por meio de bombardeios, saques e de-
tenções arbitrárias, além de desaparecimentos forçados. Diante dessa ameaça de
genocídio, os sobreviventes foram acolhidos pelo governo argelino nos acampa-
mentos de refugiados (BERISTAIN e HIDALGO, 2012).

Os reveses militares do exército mauritano levaram a golpes de estado sucessivos


até provocar, em 1979, a capitulação da Mauritânia, que se retirou da guerra e re-
nunciou a qualquer reivindicação territorial do Saara Ocidental (COBO, 2011). Em
1984, a Mauritânia reconheceria formalmente a RASD (BOUKHARI, 2004).

No início dos anos 80, a luta contra as tropas marroquinas, caracterizada por gran-
des e prolongadas batalhas no Saara Ocidental e no interior de Marrocos atingiria
sua intensidade máxima. Marrocos deu a impressão de ter concluído a impossibili-
dade de uma vitória militar. Em razão disso, em agosto de 1980, Marrocos iniciou
41

a construção de um muro na fronteira com a Argélia, dividindo o território saaraui


de norte a sul.

Mais tarde, em 1987, esse muro de areia foi reforçado com pedra, sistemas de
controle, presença militar e baterias de artilharia. Com isso, as tropas marroquinas
conseguiram deter as incursões militares do Polisário ao território ocupado e ao sul
de Marrocos (BOUKHARI, 2004).

O Muro da Vergonha, como ficou conhecido, tem hoje 2720 km de extensão e per-
manece cortando o deserto em dois. Calcula-se que Marrocos tenha colocado mais
de sete milhões de minas terrestres ao longo do muro, afetando a vida nômade da
população saaraui que “sofre com lesões, amputações e mortes por acidentes re-
lacionados com as minas e restos de explosivos de guerra” (BACHIR, 2017, p.
13)11. Uma ferida, incapaz de cicatrizar. Uma parede artificial em um ambiente na-
tural que ao longo de milhões de anos não conheceu fronteiras.

Imagem 8: Minas terrestres encontradas ao longo do Muro da Vergonha, Museu da Resistência.


Fonte: Felipe Carrelli

Esse paradoxo conceitual foi transformado em imagem no filme O passo Suspenso


da Cegonha (1991) do diretor Théo Angelopoulos, que medita sobre a desumani-
dade das bordas em sua Trilogia da Fronteira. Em uma das primeiras sequencias
do filme, o coronel grego (Ilias Logothetis), caminha ao longo de uma ponte que liga

11
Tradução do autor.
42

Grécia e Albânia. Ele para na linha de fronteira pintada no chão enquanto, à distân-
cia, guardas albaneses carregam seus rifles. O coronel mantém o pé direito no ar
pairando acima da linha e diz: “A Grécia termina nessa linha azul. Se eu der mais
um passo, estarei em outro lugar, ou morrerei” (O PASSO, 1991).

Ao traçar limites artificiais no deserto, Marrocos apenas emprestava a ideia implan-


tada pelas potências europeias anos antes. Durante o período de colonização, a
Espanha já havia imposto uma drástica mudança ao estilo de vida nômade. Em
1933, o tenente de infantaria Fernando Álvarez Amado, escreveu:

Para que a exploração do Saara por parte da Espanha dê o máximo de


frutos, é necessário manter entre certos limites o movimento errante dos
nômades. Para isso, é necessário criar-lhes interesses: a organização e
facilitação do comércio, trazendo ao indígena quantos artigos ele possa
precisar, que são bem poucos, e acostumando-os aos nossos mercados
e fábricas; abrir-lhe ao mercado para sua pecuária; abertura de novos po-
ços; e torna-los, na medida do possível, sedentários com a criação de oá-
sis, na confluência das rotas comerciais mais importantes. E com isso,
seria possível tornar os indígenas de certa maneira um escravo do ter-
reno12. A criação de oásis embelezaria essas terras, não deserdadas por
Deus, mas por homens que não contribuem com o mínimo de esforço
(AMADO, 1933, p.239-240).

Étienne Balibar afirma ser absurda a ideia de delimitar, de forma simples, o que é
uma fronteira. O autor destaca que “marcar uma fronteira é, precisamente, definir
um território, delimitá-lo e, assim, registrar a identidade desse território ou conferir-
lhe um [...] tudo isso como sabemos, não é meramente teórico. As consciências
violentas são sentidas todos os dias” (BALIBAR, 2002, p. 76).

Assim, ao criar fronteiras e tornar os saarauis escravos do terreno, os espanhóis


ditaram não apenas mudanças políticas e econômicas, mas também culturais.
Pouco a pouco, os beduínos se tornariam refém das fronteiras, lutando não só por
liberdade, mas também pelo reconhecimento de sua identidade cultural.

É pertinente ressaltar que além de suas dimensões geográficas, políticas, jurídicas


e materiais, a fronteira possui uma importante dimensão simbólica. A fronteira ge-
opolítica não representa de maneira efetiva os limites simbólicos, linguísticos, cul-
turais e urbanos. Pelo contrário, eles se sobrepõem, se conectam e se desconec-
tam de maneiras muitas vezes imprevisíveis, promovendo novas formas de

12
Tradução do autor. Grifo do autor.
43

dominação e exploração (MEZZADRA; NEILSON, 2017). Essa dimensão simbólica


da fronteira será importante para entender, mais adiante, a razão da escolha pela
etnoastronomia como tema de abordagem nesse trabalho.

Entre muros e trincheiras, o impasse do conflito e a pressão internacional levaram


os marroquinos e saarauis a negociações.

Em 1991, através das Nações Unidas, se estabeleceu um cessar-fogo e foi elabo-


rado um documento conhecido como Plano de Paz, aprovado pelo Conselho de
Segurança em 29 de abril de 1991, nos termos da Resolução 690. Nesse docu-
mento, foi prometido ao povo saaraui a realização do referendo, requisito funda-
mental para o exercício do direito de autodeterminação. No entanto, o Plano de Paz
nunca foi cumprido e o referendo, todavia, não foi realizado (BERISTAIN e
HIDALGO, 2012, p. 76), já que Marrocos nega o surgimento de um território saaraui
que não esteja abaixo de sua soberania.

Em 2021, quarenta e cinco anos desde o começo do conflito, a população saaraui


ainda se encontra na condição de provisório-permanente como vou detalhar no
ítem seguinte.

Imagem 9: Blocos evitam que telhado seja levado pela Irifi - Wilaya de Bojador.
Fonte: Felipe Carrelli
44

3.2 SITUAÇÃO ATUAL DOS REFUGIADOS SAARAUIS

For years now I have heard the word "wait". It rings in the ear of every
Negro with a piercing familiarity. This "wait" has almost always meant "ne-
ver” [...] We must come to see with the distinguished jurist of yesterday that
"justice too long delayed is justice denied" (KING JR., 1963).

Como mostrei no capítulo anterior, a situação dos refugiados saarauis é uma das
mais prolongadas do mundo, com refugiados vivendo em campos cerca de Tindouf,
na Argélia, desde 1975 (UNHCR, 2018a). Segundo o relatório da ACNUR de março
de 2018 sobre os refugiados saaraui em Tindouf, 173.600 pessoas residem nos
cinco acampamentos em território cedido pela Argélia (UNHCR, 2018b).

Com o consentimento das autoridades argelinas, a Frente Polisário administra as


cinco wilayas13. Do tamanho de pequenas cidades, os campos emergem do deserto
e levam os nomes das principais cidades saarauis sob ocupação de Marrocos -
Laâyoune, Smara, Bojador, Auserd e Dakhla. Cada wilaya é dividida em dairas, que
seriam os municípios mais importantes da província. Por sua vez, a daira é dividida
em quatro bairros, no meio dos quais estão localizados os serviços públicos mais
importantes (GAONA, 1998).

Apesar de regular as viagens para as áreas do Saara Ocidental sob sua jurisdição,
o Polisário não impede que os refugiados entrem ou saiam dos campos quando
quiserem (WATCH, 2014). Assim, alguns saarauis preferem manter sua tradição
nômade e tentar a sorte no deserto.

À primeira vista, a paisagem lembra os cenários pós-apocalípticos do filme Mad


Max 2: A Caçada Continua (1981). Por todo o deserto, especialmente na periferia
dos acampamentos, montanhas de carros, motos e caminhões formam verdadeiros
cemitérios de ferro velho, esperando para ser usado em outros fins. Aqui tudo se
reutiliza. Os cercados de cabras são feitos com pedaços de carro enferrujado. Em
Rabouni, dezenas de contêineres empilhados formam um muro em torno da cede
da Crescente Vermelho Saaraui14.

13
Uma divisão administrativa, geralmente traduzida como estado ou província.
14
Cruz Vermelha/Crescente Vermelho é um movimento humanitário internacional, não vinculado a qualquer
Estado. O emblema do Crescente Vermelho é reconhecido por 33 países islâmicos.
45

Imagem 10: Contêineres na cede da Crescente Vermelho (esquerda) e cercas para cabras (direita)
Fonte: Felipe Carrelli

Os abrigos nos cinco campos de refugiados saarauis devem resistir a condições


extremas de calor e frio, já que no verão as temperaturas podem subir para 50º
Celsius, enquanto no inverno as temperaturas caem abaixo de zero graus Celsius
à noite. As tradicionais jaimas15 foram substituídas por tendas de lona artificial. No
entanto essas tendas estão propensas a frequentes tempestades de areia, ou Irifis.
Consequentemente, observamos muitas casas de tijolo e adobe, por fornecem um
abrigo mais permanente aos saarauis (UNHCR, 2018a).

Imagem 11: Tenda tradicional saaraui feita de lona artificial – Wilaya de Smara.
Fonte: Felipe Carrelli

15
Grande tenda formada de pele de cabra e/ou camelo, que protege famílias nômades (ENTRIALGO, 2012).
46

Segundo os dados da ACNUR, a população de refugiados saarauis nos acampa-


mentos é quase igualmente dividida entre homens e mulheres, com 49% do sexo
feminino e 51% do sexo masculino. Um pouco mais de um terço da população
(38%) tem menos de 17 anos (UNHCR, 2018b).

Ao contrário de outros povos árabes da religião islâmica, as mulheres ocupam um


lugar prioritário na sociedade e em seus órgãos de decisão. Em toda a organização
dos acampamentos, o papel feminino deve ser destacado: desde fazer jaimas até
a administração de serviços educacionais e de saúde (GAONA, 1998 e FRASER,
2016).

Imagem 12: Reunião na União Nacional das Mulheres Saarauis – Wilaya de Laâyoune.
Fonte: Felipe Carrelli

Ao examinar os diferentes papéis que as mulheres adquirem durante sua experiên-


cia em assentamentos de refugiados do pós-guerra, Sánchez (2016) destaca que
o fato das mulheres saaraui se reunirem para administrar os campos parece ser um
fator positivo no desenvolvimento de estratégias de empoderamento rumo à igual-
dade de gênero na sociedade saaraui. No entanto a autora faz ressalvas ao afirmar
que o cuidado para envolver as mulheres em todas as áreas da administração do
campo deve ser constante, evitando que elas sejam apenas renegadas ao trabalho
doméstico, como acontece em outros campos de refugiados. Como comentarei
mais adiante, no capítulo 6, a ideia de colocar a sábia de estrelas Alhaizza Aldih
Alnah como personagem principal na obra de realidade virtual se deve, entre outros
47

aspectos, a esse movimento de fortalecimento do papel feminino no campo do co-


nhecimento saaraui.

À espera de uma solução política e devido às condições adversas da remota loca-


lização das wilayas, a população saaraui permanece vulnerável e totalmente de-
pendente da assistência internacional para suas necessidades básicas e sobrevi-
vência. Ralf Gruenert, representante do ACNUR na Argélia, ressalta a importância
de criar meios de subsistência que fortaleçam a resiliência e a autossuficiência dos
refugiados saarauis, a fim de criar alguma perspectiva para o futuro (ACHI, 2014).

O relatório Humanitarian Needs of Sahrawi Refugees in Algeria 2018-2019 enfatiza


a importância de motivar os jovens nos campos de refugiados, abatidos por altos
níveis de frustração e falta de perspectiva com relação ao futuro. O acesso a recur-
sos básicos é limitado e as agências da ONU identificaram várias necessidades
humanitárias para 2019. Entre essas demandas, esta precisamente a de fortalecer
a educação continuada para crianças nos campos (UNHCR, 2018a).

A escola é obrigatória para todas as crianças de seis a quinze anos. O acesso à


educação primária e intermediária está disponível e é alta a quantidade de matrí-
culas. Em 2018, cerca de 40.500 crianças estavam matriculadas na pré-escola
(8.000 crianças) e no ensino fundamental (32.500 crianças). Contudo, as crianças
em idade escolar enfrentam desafios em termos de qualidade do ensino, infraes-
trutura inadequada e indisponibilidade de materiais e equipamentos educacionais,
além da falta de um programa de alimentação escolar adequado (UNHCR, 2018a).

Além disso, quase não existem escolas de ensino médio nos campos. Isso significa
que as crianças que terminam o ensino médio (em torno dos 16 anos) precisam
deixar suas casas para continuar seus estudos (UNHCR, 2018a). Já os cursos de
nível superior e especialização são realizados no exterior: Argélia, Cuba, outros
países árabes e Europa (GAONA, 1998).

Cursos de capacitação de professores também são identificados como fundamen-


tais para manter professores engajados, assegurando a educação continuada nos
campos de refugiados. Atualmente, a baixa taxa de incentivos oferecidos aos pro-
fessores refugiados leva a uma alta rotatividade de funcionários e essa instabilidade
afeta o progresso da aprendizagem das crianças (UNHCR, 2018a).
48

Apesar das dificuldades enfrentadas nos acampamentos, a situação encarada pe-


los saarauis nas zonas ocupadas por Marrocos é ainda pior. Uma pesquisa do De-
partamento de Trabalho dos Estados Unidos indica evidências de que crianças no
Saara Ocidental estão envolvidas nas piores formas de trabalho infantil, inclusive
na exploração sexual. Particularmente nas áreas rurais, as crianças estão vulnerá-
veis ao trabalho infantil devido a barreiras educacionais como instalações insufici-
entes, falta de transporte seguro e professores sem qualificação (USDOL, 2018).

Ademais, as autoridades marroquinas são acusadas de restringir os direitos dos


saarauis que defendem abertamente a autodeterminação. O relatório do Human
Rights Watch denuncia o governo marroquino de proibir manifestações pacíficas,
recusar o reconhecimento legal a organizações de direitos humanos e de constan-
temente violar os direitos de manifestantes saarauis ao usar métodos de tortura,
julgamentos injustos e condenações arbitrárias (WATCH, 2008 e WATCH, 2020).
Mesmo sob circunstâncias precárias, os saarauis lutam para manter sua identidade
cultural e compartilham genuína afinidade pela areia com seus ancestrais.

Alguns, agora obrigados a viver nas cidades para ganhar a vida, enchem
os terraços de areia, onde armam tendas e preparam o chá em vários
momentos do dia. Em uma parte remota de Saguia el-Hamra, onde acam-
pei durante minha pesquisa para este livro, vi outros moradores da cidade
que se aventuraram a sair de Laâyoune para estender cobertores e tomar
chá nas dunas. Um dos meus guias me disse que eles fazem isso porque
sentem falta da areia (KING, 2004, p.727).

Apesar da Frente Polisário monopolizar o discurso político nos campos, segundo o


relatório realizado em 2014 pelo Human Rights Watch, os refugiados descrevem o
Polisário, de modo geral, como tolerante em relação a críticas à sua gestão com
relação aos assuntos do dia-a-dia nos campos. Além disso, os refugiados entrevis-
tados alegam que as autoridades da RASD raramente suprimem, de maneira vio-
lenta ou não, manifestações de refugiados (WATCH, 2014).

Durante suas visitas em 2007 e em 2013, a equipe do Human Rights Watch não
encontrou nenhum caso em que a Frente Polisário tenha prendido alguém por suas
opiniões, expressões ou atividades políticas. Além disso, as práticas de escravidão
que séculos atrás eram uma característica básica da cultura nômade tradicional no
Saara Ocidental (ver introdução) parecem ser inexistentes entre os refugiados sa-
arauis hoje (WATCH, 2014).
49

Além de creches, escolas, centro de formações e hospitais, o governo da RASD


também considerou importante a implementação de aparelhos culturais nos cam-
pos de refugiados. Assim, foram criadas a Rádio Nacional RASD, a TV RASD, a
Biblioteca Nacional e o Museu Nacional do Povo Saaraui (MSP).

Construído em 1998 em parceria com a Universidade de Girona (Espanha), o prin-


cipal objetivo do MSP é reconhecer a identidade nacional saaraui, destacar as ca-
racterísticas da população e suas diferenças em relação às nações vizinhas e di-
vulgar informações sobre a sua situação atual (ALCALDE, 2017).

Localizado na wilaya de Bojador, o museu está alojado em um pequeno edifício de


adobe com aproximadamente 200 metros quadrados. A exposição permanente é
composta por diferentes objetos e textos explicativos, lembrando o museu retratado
no filme Bacurau (2019).

Imagem 13: Museu Nacional do Povo Saaraui – Wilaya de Bojador.


Fonte: Felipe Carrelli

Para os residentes do campo de refugiados, o museu guarda suas memórias naci-


onais, crenças sobre seu direito à autodeterminação, seu direito a sua terra, uma
oportunidade de compartilhar sua situação com visitantes do exterior e a chance de
passar os valores em cada geração sucessiva nascida no exílio (ALCALDE, 2017).
Na mesma linha, Omah Ahmed, diretor da Escola de Treinamento em Audiovisual
Abidin Kaid Saleh (EFA) da RASD, destaca que “todas as formas de expressão
artística foram transformadas, evoluindo e enriquecendo a personalidade cultural
desse povo” (REAL, 2011).
50

O audiovisual tem sido uma dessas expressões, principalmente ao longo da con-


solidação do Festival Internacional de Cinema do Saara (FiSahara), o único festival
de cinema do mundo realizado em um campo de refugiados. Criado em 2003, o
festival manteve caráter itinerante e foi organizado em todos os acampamentos até
sua realização definitiva em Dakhla (REAL, 2011).

Imagem 14: Cede das exibições do Festival Fisahara 2019 – Wilaya de Auserd.
Fonte: Felipe Carrelli

Organizado pela Coordenação Estadual de Associações de Solidariedade ao Povo


Saaraui, em colaboração com o Ministério da Cultura Saaraui, o FiSahara tem como
objetivo formar, capacitar e entreter a população de refugiados do Saara Ocidental,
usando o cinema como instrumento de transformação social (FISAHARA, 2020).
Além disso, o festival busca chamar a atenção da comunidade internacional para
os problemas do Saara Ocidental, o sofrimento da população saaraui e a sua luta
por justiça e dignidade (CEAS-SÁHARA, 2019). Brahim Chagaf, coordenador aca-
dêmico da EFA, explica a importância do festival na comunidade:

Graças a FiSahara, tivemos a oportunidade de treinar na escola sem sair


de casa, por assim dizer. Descobrimos a magia do cinema [...] O treina-
mento local é muito útil para nós, é muito interessante fazer esse inter-
câmbio entre culturas [...] e nos ajuda a não nos afastarmos da realidade.
(BELLIO, 2018)

O FISAHARA incentiva e propulsiona a produção de filmes com temática local e


alguns inclusive fazem parte das referências da pesquisa-criação do presente tra-
balho: Ocupacion S.A (OCUPACIÓN... 2020), Solo Son Peces (SOLO... 2019), Las
51

Ciudades Imposibles (LAS... 2018), Tateh Lehbib, el loco del desierto (TATEH...
2018), Um Fio de Esperança (UM FIO... 2017) e Hijos de las nubes (HIJOS... 2012).

Tanto o museu, quanto o festival de cinema, evidenciam que, para os saarauis, a


questão cultural e política está diretamente interligada. Uma depende da outra. Por-
tanto, é importante destacar essa inter-relação a fim de entender, mais adiante nos
próximos capítulos, as demandas que surgiram a partir do processo de co-criação
adotado nesse trabalho, assim como suas consequências no produto final.

Mas, antes, no próximo capítulo, apresentarei como a divulgação científica e a re-


alidade virtual estão inseridas dentro desse contexto.
52

4. A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E A REALIDADE VIRTUAL

4.1 DIVULGANDO CIÊNCIA EM CAMPOS DE REFUGIADOS: GALILEOMOBILE


E O PROJETO AMANAR

Em 14 de outubro de 2019, a equipe do GalileoMobile (GM) desembarca em Tin-


douf, na Argélia, trazendo telescópios, planetas infláveis e pôsteres de galáxias.

Imagem 15: Equipe realizando atividade com alunos na Wilaya de Bojador


Fonte: Felipe Carrelli

Ao descer do avião, somos recepcionados pela polícia alfandegária Argelina. Para


entrar nos campos de refugiados saarauis, é preciso apresentar uma permissão
especial e por isso solicitamos um visto coletivo para os integrantes do grupo GM.
Ademais, tivemos que emitir um visto específico para nossos equipamentos de gra-
vação como câmeras, lente, tripé e microfones. Essa é a maneira do governo arge-
lino controlar a atuação de jornalistas na região dos acampamentos.

Criado em 2008 em virtude do Ano Internacional da Astronomia, o GalileoMobile é


composto por astrônomos profissionais, comunicadores de ciência, antropólogos e
cineastas de diversos países. O projeto é um programa internacional de divulgação
em ciências sem fins lucrativos, que leva a Astronomia a estudantes, professores e
moradores de comunidades de difícil acesso (SPINELLI, 2014; BENÍTEZ et al.,
2020). Desde 2014, faço parte do grupo e atualmente sou co-coordenador junta-
mente com Mayte Velasques.
53

No aeroporto, sou o último a dar o passaporte para o policial argelino. Em espanhol,


ele pergunta qual é minha profissão. Respondo que sou cineasta. “Cinema?”. Des-
confiado ele pergunta qual é o objetivo da minha viagem aos campos. “Vou realizar
um documentário”. Ele parece surpreso e exclama indignado “jornalista!?”. Ele en-
tão começa a falar agressivamente em árabe.

Depois de um tempo sem nos entender, ele resolve chamar Hamdi A. Aomar, de-
legado da Frente Polisário nas Ilhas Canárias e colaborador do GalileoMobile du-
rante nossas atividades. Eles começam a discutir em árabe. Então, em espanhol,
Hamdi desconversa: “Eles são cientistas. É um documentário sobre as estrelas”. O
policial olha para Hamdi e depois para mim. Por alguns segundos fica em silêncio.
Parece pensar: “Estrelas? Isso parece inofensivo”. Satisfeito, ele devolve meu pas-
saporte e chama o próximo da fila.

Essa anedota marca a chegada da equipe do GalileoMobile para a realização do


projeto Amanar: Under the Same Sky (Amanar), “projeto desenvolvido para apoiar
a comunidade de refugiados saarauis utilizando a astronomia para aumentar sua
resiliência e engajamento na comunidade, por meio de atividades de desenvolvi-
mento de habilidades e auto capacitação” (BENÍTEZ e RIVEIRO, 2020). O objetivo
do Amanar era utilizar a divulgação científica para inspirar crianças e professores
dos campos de refugiados saarauis, promovendo a educação científica de quali-
dade e apoiar os jovens e os professores de cinco campos de refugiados.

Amanar foi organizado pelo GM em colaboração com o Instituto de Astrofísica das


Canárias (IAC) e a Associação Canariana de Amizade com o Povo Saaraui
(ACAPS). Em 2019, o projeto foi selecionado como "Projeto Especial" nas come-
morações do centenário da União Astronômica Internacional (IAU100), por ser um
exemplo de como a astronomia pode servir para motivar habitantes de lugares em
conflito e promover o respeito entre as culturas (BENÍTEZ et al., 2020).

Embora existam muitos programas que apoiem as necessidades básicas desses


acampamentos, diferentes indicadores sugerem que a resolução para situações de
54

refúgio e deslocamento interno carece de outros tipos de ações para além das in-
tervenções humanitárias16 (BENÍTEZ e RIVEIRO, 2020).

A anedota da conversa de Hamdi e do militar no aeroporto evidencia, simbolica-


mente, o potencial da astronomia de abrir portas. Assim, o GM acredita que a as-
tronomia é uma ferramenta acessível e eficaz para envolver os jovens na ciência.
Através de atividades práticas e observações do céu, o grupo busca desenvolver
habilidades científicas e pensamento crítico, treinando professores para usar a as-
tronomia como uma porta de entrada para outras disciplinas. Ademais, o grupo uti-
liza o tema para discutir assuntos não tão inofensivos como as estrelas.

Essa filosofia se reflete no lema do grupo: “Todos sob um mesmo céu”. Ao longo
dos anos, essa frase foi utilizada pelos membros do grupo GalileoMobile a fim de
fortalecer a mensagem do potencial que o céu carrega: ser um elemento unificador
entre diferentes culturas e questionar o próprio conceito de fronteiras.

No entanto, vale ressaltar que Germano (2017, p. 45) questiona essa ideia ao afir-
mar que o lema do GM “tem como ponto de partida as noções da astronomia oci-
dental e acadêmica”. Segundo a autora, cada cultura tem seu próprio céu, não no
sentido físico, mas cultural, uma vez que cada sociedade desenvolve seus mitos
particulares, criando suas próprias constelações baseadas em sua mitologia, am-
biente cotidiano, condições climáticas e estilos de vida. Germano (2017, p. 45) com-
pleta que “se essas diferenças não são contempladas nas atividades de divulgação
da ciência, podemos ter então, processos colonizadores a partir dessas ações”.

A partir dessa crítica, desde 201617 o grupo GalileoMobile passou a inserir dentro
de suas atividades a troca cultural através da etnoastronomia, ciência que estuda
os conhecimentos astronômicos de um povo por intermédio dos costumes contados
através da oralidade (MAGAÑA, 1986). Com isso o GM pretendia valorizar o co-
nhecimento das comunidades sobre o céu.

Como expliquei no capítulo de introdução, as estrelas e o deserto são dois elemen-


tos muito importantes na cultura nômade saaraui. Assim, durante a preparação para

16
Forcibly Displaced: Toward a Development Approach Supporting Refugees, the Internally Displaced, and
eir Hosts (World Bank, 2017). Grifo do autor.
17
Apesar de já existirem registros de astronomia cultural desde 2009 durante o primeiro projeto do GM, é a
partir de 2016 que a etnoastronomia passa a ser utilizada sistematicamente pelo grupo.
55

o projeto Amanar a equipe do GalileoMobile se apropriou dos estudos de etnoas-


tronomia para entender como melhor conduzir as entrevistas de campo. Logo, foi
criado um grupo de trabalho com diversas reuniões, leitura de textos e palestras
on-line com especialistas sobre o assunto.

Ao longo desse processo, o grupo entendeu a necessidade de contar com a pre-


sença de uma especialista na área de etnoastronomia para integrar a equipe que
viajaria aos campos de refugiados. Dessa maneira, a astrônoma cultural Andrea
Antón foi convidada para fazer parte do projeto e passa a coordenar essa etapa de
preparação para as entrevistas com a comunidade saaraui.

Andrea Antón define a etnoastronomia como a disciplina encarregada pelo estudo


desses outros céus, e que aborda o conhecimento astronômico em diferentes cul-
turas, suas representações do cosmos e os costumes associados a esta sabedoria:
“Seu estudo é importante, pois permite apreciar diferentes maneiras de entender o
mundo e o universo ao nosso redor através de algo tão fundamental quanto o inte-
resse no céu” (ANTÓN, 2019).

Assim, um dos objetivos do projeto Amanar era justamente aprender sobre a cos-
movisão da população local, representada pelos seus sábios e sábias:

No Amanar, foi realizado uma troca de conhecimentos astronômicos em


várias fases: através de atividades desenvolvidas com as crianças que
estavam em Tenerife com o programa Férias na Paz no verão de 2019,
em escolas e centros de treinamento de professores nos campos de refu-
giados saarauis em Tindouf (no sul da Argélia) em outubro de 2019 e atra-
vés de entrevistas com anciãos e sábios saarauis (ANTÓN, 2019).18

No campo da divulgação científica, essa abordagem é denominada por Brossard e


Lewenstein (2010) como modelo de conhecimento leigo, onde se reconhece que
as comunidades locais têm conhecimentos coletivos confiáveis. Além disso, ao es-
tabelecer um diálogo entre a cosmovisão da população e sua condição de refugi-
ado, o projeto Amanar também se encaixa no modelo de engajamento público que
busca ampliar o papel do público em questões relacionadas com a ciência, dando
a ele um papel de liderança (BROSSARD e LEWENSTEIN, 2010).

18
Tradução do autor.
56

A proposta de aproximar a ciência à população vem ao encontro das práticas da


população saaraui, uma vez que a popularização do conhecimento é um costume
que remete as tradições nômades desse povo. Durante o Amanar, a equipe do GM
teve a oportunidade de entrevistar os descendentes de Chej Mohammed El Mami,
sábio saaraui que viveu entre os anos 1792 e 1865 e tem grande reconhecimento
no mundo árabe (CORREALE; MARTÌN, 2015).

Vestindo sua tradicional derraá19 azul, o sábio Ahmed B. M. M. M. El Mami afirmou


que para Chej Mohammed El Mami as peculiares condições geográficas e históri-
cas do Saara obrigavam os nômades a se regularem de maneira particular, sem
responder diretamente a uma autoridade central, uma vez que estavam longe dos
poderes centrais do Islã. Ele explicou que por isso, seu descendente

tomou para si o desafio de que nos reconheçam como sociedade indepen-


dente. Além disso, que se reconheça, explicitamente, que nesse Saara
existe ciência. E existem cientistas. E que existem sábios, apesar da
nossa condição nômade (MAMI, 2019).

Imagem 16: Sábio Ahmed (esq.) durante entrevista – Wilaya de Smara.


Fonte: Felipe Carrelli

19
Larga túnica dos saarauis. Quando folgada ela alivia o calor e quando apertada protege do frio
(ENTRIALGO, 2012).
57

Segundo Ahmed B. M. M. M. El Mami, por se tratar de uma sociedade predominan-


temente nômade, a transmissão oral dos conhecimentos era uma necessidade es-
trutural da cultura saaraui:

Para os beduínos, para os nômades do Saara (...) como não haviam bibli-
otecas... haviam bibliotecas, mas eram todas ambulantes. As condições
do deserto não permitiam instalar-se ou fazer instalações. E por isso se-
guiam um método especial, de converter todas as regras, sejam astronô-
micas, sejam matemáticas, gramaticais, linguísticas ou tirânicas, converter
a regra em um verso. Para que o beduíno aprenda e para que se divulgue
a ideia. E para que se retenha, se conserve na mente (MAMI, 2019).20

Na mesma linha, a sábia de estrelas Alhaizza Aldih Alnah, moradora da wilaya de


Auserd, acrescentou que:

“A ciência deve expandir-se a toda a humanidade e não ficar monopoli-


zada por uma pessoa ou um grupo.... Aprendi astronomia com o meu pai.
Que descanse em paz. Meu pai tinha uma memória muito boa. Quando
escutava alguma coisa memorizava rapidamente (...) eu estou tentando
cuidar desse conhecimento. Quando vem alguém a perguntar ou o que
seja, tento ensinar o que sei (...) meus filhos sabem e estão aprendendo...
(ALNAH, 2019)21

Esses dois depoimentos acima exemplificam como, apesar de não viverem mais
como nômades no deserto, a prática de transmissão do conhecimento através da
oralidade ainda está presente na cultura saaraui (CORREALE; MARTÌN, 2015). Ao
longo de nossa estadia, percebemos que muitas dessas trocas acontecem en-
quanto os saarauis tomam chá servido na tradicional berrad22.

O chá (assim como o mingau de cevada, pão e carne/leite de camelo) constitui o


alimento básico da subsistência saaraui (ES-SWEYIH, 1998). Compartilhar o chá e
a comida é parte de uma tradição que os saarauis modernos herdaram de seus
ancestrais. Wilfred Thesiger, o famoso explorador britânico na década de 1940, cri-
tica essa prática:

Esses convidados indesejados nunca esperaram por um convite antes de


se sentar conosco para se alimentar. Eles apenas se juntaram a nós e
compartilharam tudo o que tínhamos enquanto eles estivessem conosco.
Muitos deles nos seguiram, aparecendo noite após noite. Meus compa-
nheiros aceitaram sua presença com serenidade, pois fariam o mesmo [...]
seria impossível recusar-lhes comida: no deserto nunca se pode recusar
um convidado, por mais indesejado que seja (THESIGER, 1991, p. 64-79).

20
Tradução de Hamdi A. Aomar e do autor.
21
Tradução de Hamdi A. Aomar e do autor.
22
Chaleira (ENTRIALGO, 2012).
58

Da mesma forma, Lawrence (1991, p.32) relatou que “o deserto era mantido em um
comunismo enlouquecido pelo qual a Natureza e os elementos eram de livre utili-
zação, de forma que cada pessoa pudesse usar para seus próprios propósitos e
nada mais”. O amanhã não parecia existir para os beduínos até finalmente chegar.

O que Thesiger e Lawrence observaram como uma prática perturbadora, para os


saarauis é visto como um comportamento esperado no deserto. O capitão James
Riley, citado no capítulo de introdução, analisou que essa forma de organização
era necessária na cultura nômade: “justos ou não, os saarauis compartilhavam o
destino uns dos outros, os fortes cuidando dos fracos, incluindo crianças, idosos e
escravos. Este pacto social permitia que existissem no terreno mais árido do pla-
neta” (KING, 2004, p. 332).

Logo, aceitar o convite para compartilhar um chá era uma mostra de respeito e, por
isso, tão importante quanto seguir os protocolos de segurança estabelecidos pela
RASD durante nossa estadia nos acampamentos de refugiados. Por isso, entre as
atividades educativas nas escolas e reuniões com autoridades, a equipe do GM
também sentava para tomar chá e escutar sábios e sábias saarauis contar histórias
do céu. De acordo com Hulan e Eigenbrod (2008, p.7), as tradições orais são:

os meios pelos quais o conhecimento é reproduzido, preservado e trans-


mitido de geração em geração. As tradições orais formam a base das so-
ciedades aborígines, conectando o falante e o ouvinte na experiência co-
munitária e unindo o passado e o presente na memória.

Embora a maioria das sociedades orais tenham adotado a palavra escrita como
uma ferramenta de documentação, expressão e comunicação, muitas ainda depen-
dem dessa tradição e valorizam muito a transmissão oral de conhecimento como
um aspecto intrínseco de suas culturas (HANSON, 2009). Por isso, povos que con-
tam com a oralidade para transmitir suas tradições sofrem perdas irreparáveis com
a morte de seus sábios, detentores de maior parte dessas informações.

A morte repentina de pessoas mais velhas resulta na perda incalculável do legado


cultural dessas comunidades. O mesmo fenômeno acontece no Brasil com os gru-
pos indígenas, quilombolas e religiões de matrizes africanas, e se agravou durante
a pandemia da Covid-19. Luiza Garnelo, médica e antropóloga da Escola Nacional
de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz),
aponta que:
59

O idoso tem um papel extremamente importante nas sociedades indíge-


nas. Estamos diante de uma perda muito grande do ponto de vista da pre-
servação dessas culturas [...] tem o que é especialista em fazer canoa, o
outro em tratamentos xamânicos, em narrativas políticas ou como as po-
pulações se assentarem nos locais onde estão, no conhecimento do am-
biente, dos rios, das matas. Portanto, a perda de indivíduos singulares que
tenham uma apropriação específica é grave (MILHORANCE, 2020).

Pensando nisso, a priori, a ideia do presente trabalho era se apropriar dos meios
audiovisuais e das novas mídias para colaborar com o levantamento etnoastrono-
mico realizado pela equipe do GalileoMobile. Aqui cabe um parêntese para escla-
recer uma distinção importante entre os diferentes autores. Apesar de existir uma
participação orgânica entre as ações da equipe do GM/Amanar e a realização dos
produtos audiovisuais, esse processo de pesquisa-criação foi fruto da minha inicia-
tiva e foi articulado por mim em conjunto com outros grupos independentes ao GM.

Dessa forma, inicialmente o nosso trabalho tinha dois objetivos específicos. O pri-
meiro era registrar essa memória oral através de recursos audiovisuais (áudio, foto,
vídeo linear e vídeo 360) a fim de somar aos esforços da comunidade local na pre-
servação da cosmovisão do povo saaraui. Consequentemente o segundo objetivo
era estudar como a RV poderia auxiliar na popularização desses conhecimentos.

No entanto, conforme já citei anteriormente e detalharei a seguir, esses objetivos


foram alterados no decorrer do processo de co-criação. Para os entrevistados saa-
rauis, a questão política estava intrincada em todos os temas e não poderia ser
separada. Assim, a condição de refúgio deveria estar inserida dentro da divulgação
do projeto como todo. Com isso, surgiu a necessidade da realização de vários pro-
dutos para suprir essas diferentes demandas, transformando o produto solo em um
projeto transmídia.

Assim sendo, ao longo dos capítulos seguintes, relatarei o processo de co-criação


que ocorre antes, durante e depois da visita de campo aos cinco campos de refu-
giados. A partir dai, a pesquisa-criação requeriu um estudo de mídia para compre-
ender as vantagens e desvantagens de cada produto, focando principamente na
linguagem da realidade virtual.
60

4.2 A REALIDADE VIRTUAL E SUAS UTILIZAÇÕES

Antes de me aprofundar no processo de co-criação e nas potencialidades e limita-


ções dos diferentes produtos que fazem parte dessa pesquisa-criação, é preciso
descrever o que é a realidade virtual e qual é o contexto atual dessa mídia narrativa.

A realidade virtual é frequentemente vista como pseudo-realidade, uma imitação do


real, uma simulação, uma substituição do falso pelo real. “É inadequado ver a rea-
lidade virtual como irrealidade. Falamos de realidade virtual, não de virtualidade
irreal” (HORSFIELD, 2003). Portanto, é importante primeiro definir o que entende-
mos por RV, antes de debruçar sobre os conceitos teóricos que a permeiam.

A dificuldade de definir a RV existe desde o seu início e está relacionada à cons-


tante evolução da tecnologia. Por isso, a forma como a RV era vista em 1960 não
é a mesma que hoje nos anos 2020 (KAPLAN-RAKOWSKI; GRUBER, 2019).

De forma prática, a realidade virtual é uma experiência audiovisual imersiva que


oferece ao público a sensação de presença em um ambiente virtual através de téc-
nicas de imagem em 360°, permitindo que o participante olhe para todos os lados
durante a experiência (SALLES; RUGGIERO, 2019).

As obras de realidade virtual são divididas em dois tipos de experiência23. Nos ví-
deos de 360° de três graus de liberdade (3 DoF) o usuário não pode andar pelo
ambiente virtual, apenas movimentar sua cabeça para olhar e ouvir em três eixos:
horizontal, vertical e diagonal. Porém, se o participante movimentar seu corpo no
espaço, a imagem virtual 360° não se altera.

Já os conteúdos de seis graus de liberdade (6 DoF), permitem ao usuário andar e


explorar o ambiente virtual, além da movimentação citada anteriormente. Assim, a
imagem reage aos deslocamentos do participante para os lados, para frente/trás, e
para cima/baixo. Esse tipo de experiência proporciona narrativas mais complexas
onde a impressão de presença do usuário naquele espaço é mais aprofundada
(SALLES; RUGGIERO, 2019).

23
Para alguns teóricos e realizadores, apenas as experiências com seis graus de liberdade são consideradas
como realidade virtual. No entanto, nesse trabalho não farei essa distinção, denominando os dois tipos como
RV.
61

Apesar de muitas vezes aparentar ser uma novidade, a realidade virtual não é uma
tecnologia recente. Experiências com a RV remetem aos meados de 1980 com Ja-
ron Lanier e o centro de pesquisa Virtual Programming Language (VPL). A propó-
sito, Lanier é o primeiro a cunhar o termo realidade virtual, que segundo ele “com-
bina a ideia de mundos virtuais com rede, colocando vários participantes em um
espaço virtual usando óculos montados na cabeça” (LANIER, 2001).

No entanto, a tecnologia ainda apresenta dificuldades para se consolidar no mer-


cado. Em 1995 a Nintendo lançou um dos primeiros dispositivos comercializados a
utilizar imagens 3D estereoscópicas. Porém, os óculos eram muito caros, descon-
fortáveis e o hardware limitado, acarretando no fracasso de vendas e consequente
interrupção de sua produção (SALLES; RUGGIERO, 2019).

Passados alguns anos, o avanço tecnológico dos últimos tempos vem possibili-
tando o ressurgimento da realidade virtual. Esse movimento ganha força em 2015
com o lançamento dos óculos da Samsung Gear (Oculus), seguido pelo Oculus Rift
no começo de 2016 (SALLES; RUGGIERO, 2019). A indústria de jogos é uma das
mais interessadas no desenvolvimento da tecnologia, devido ao potencial da reali-
dade virtual para alavancar ainda mais esse setor (PENDIT et al., 2017). Por isso,
é importante lembrar que existem interesses comerciais por trás dos discursos en-
tusiasmados sobre o futuro da RV. É comum encontrar afirmações otimistas como
“Por que a RV está prestes a mudar o mundo” (STEIN, 2015), “A realidade virtual
é o meio mais poderoso do nosso tempo” (GOTTSCHALK, 2016) ou “Aqui está tudo
o que você precisa saber sobre o que é RV e como isso afetará sua vida em um
futuro próximo” (CNET, 2016).

Parte da popularização da realidade virtual e desse discurso panglossiano se deve


a palestra The birth of virtual reality as an art form (O nascimento da realidade virtual
como forma de arte) realizada em 2015 por Chris Milk promovendo o vínculo entre
a RV e empatia (ROSE, 2018). Durante esse TED talk, Milk cunhou o termo “má-
quina de empatia” para enaltecer as potencialidades da RV:

“A [realidade virtual] conecta humanos com outros humanos de maneira


tão profunda como jamais vi em qualquer outra mídia, e consegue mudar
a percepção que as pessoas têm umas das outras. (...) É por isso que eu
acho que a realidade virtual, de fato, tem o potencial para mudar o mundo”.
(MILK, 2015)
62

Entretanto, o termo máquina de empatia é bastante contestado nos estudos aca-


dêmicos. Janet Murray sustenta que a empatia surge não da tecnologia dos he-
adsets, mas de “histórias bem escolhidas e altamente específicas, interpretação
perspicaz e fortes habilidades de composição em um meio maduro de comunica-
ção” (MURRAY, 2016). Em outro artigo, a autora acrescenta:

Como outras mídias de representação outrora novas, a RV nos oferece uma


oportunidade de encontrar meios mais expressivos de descobrir e compar-
tilhar quem somos, o que sabemos, o que amamos, o que sofremos, o que
desejamos e como podemos juntos fazer um mundo melhor. Não é mágico
e não pode ser um substituto para a realidade mais do que livros, filmes ou
jogos de RPG. Mas poderia ser outra modalidade com novas possibilidades
que podem ser construídas ao longo do tempo pelo processo coletivo de
inventar um meio (MURRAY, 2020, p. 25).

Da mesma forma que os videogames não são a razão pela qual tiroteios acontecem
em escolas (DRAPER, 2019), atribuir a uma plataforma tecnológica o poder da em-
patia, é reduzir todos os processos humanos a uma mera ativação tecnológica.
Assim, se a experiência em realidade virtual não possui um design cuidadoso e
imersivo, personagens envolventes e um processo de narrativa emocional, criare-
mos experiências que podem ser igualadas a um “turismo de situação” (SALLES;
RUGGIERO, 2019, p. 88). Essa discussão é central em nossa pesquisa-criação e
por isso será abordada com mais profundidade nas sessões seguintes.

O fato é que a RV tem despertado o interesse de pesquisadores e uma grande


quantidade de estudos cognitivos que tem sido feito nos departamentos de psico-
logia em âmbito internacional, buscando compreender o que a RV efetivamente
proporciona, principalmente em relação aos indivíduos (VAN LOON et al., 2018).

Na medicina por exemplo, a realidade virtual tem sido utilizada para visualização e
compreensão de dados, bem como para educação continuada e experiências do
usuário. Ao longo da pesquisa, encontrei programas de RV desenvolvidos para au-
xiliar na prevenção de câncer de pele (ABUZAGHLEH; FAEZIPOUR; BARKANA,
2013), aplicações em neuro-reabilitação (WEISS et al., 2014), encefalopatia crônica
(MUCELIN et al., 2016), doença de Parkinson (NOGUEIRA et al., 2018), Alzheimer
(GARCÍA-BETANCES et al., 2015) ou no treinamento cognitivo de usuários de dro-
gas (MAN, 2018).
63

A terapia de realidade virtual também é uma aplicação emergente dessa tecnologia,


por ajudar a expor os pacientes a estímulos em ambientes controláveis (ROMANO,
2005). Assim, encontrei trabalhos que utilizam a RV para redução da ansiedade e
o estresse (LIN et al., 2020), tratamento de distúrbios de saúde mental (FREEMAN
et al., 2017) e de distúrbios psiquiátricos (ROTHBAUM, 2006) como autismo
(BELLANI et al., 2011), ansiedade social (ÖZER; YÖNTEM, 2019) e demência
(TABBAA et al., 2019).

O campo da educação tem se destacado na utilização da realidade virtual em sala


de aula (TRUCHLY et al., 2018), inclusive em países emergentes (GAMMANPILA
et al., 2019), e na capacitação profissional através de treinamentos (HOWARD;
MARSHALL, 2019) em diferentes setores como construção civil (GOULDING et al.,
2012), saúde/segurança (LAWSON et. al., 2019), e-learning (MYSTAKIDIS et al.,
2019) e militar (GIRARDI; OLIVEIRA, 2019).

Outro campo muito fértil é o da arqueologia. Rua e Alvito (2011) apontam a reali-
dade virtual como uma ferramenta de apoio à arqueologia e à reconstrução do pa-
trimônio cultural. González-Tennant (2013) propõe combinar ambientes de mundo
virtual e narrativa digital em locais turísticos associados à morte ou genocídios para
promover justiça social. Eve (2017) estuda como utilizar a realidade mista para fun-
dir a paisagem arqueológica do mundo real com elementos virtuais de relevância
para o passado, incluindo modelos 3D, paisagens sonoras, paisagens olfativas e
outros dados imersivos.

A produção e distribuição de conteúdo para realidade virtual igualmente tem ga-


nhado força no campo do jornalismo (SHIN; BIOCCA, 2017 e HOPKINS, 2017).
The Guardian, New York Times, AJ+ e ARTE são exemplos de veículos pioneiros
na área do jornalismo em RV (SALLES; RUGGIERO, 2019).

Além disso, a RV vem sendo utilizada da mesma forma no turismo (DELLA


MONICA; HACK NETO, 2019; JUDE, 2020), no comércio (MARTÍNEZ-NAVARRO
et al., 2019), em movimentos sociais (SHRIRAM; OH; BAILENSON, 2018 e
KONIOR, 2019), nos esportes (FINKELSTEIN; SUMA, 2011), em exames forenses
(KOLLER et al., 2019) e na música (TATAR, PRPA, PASQUIER, 2019).
64

Apesar da realidade virtual ainda ser uma ferramenta de nicho para pesquisa cien-
tífica (BALL, 2007), a tecnologia tem sido utilizada em diversas áreas, como simu-
lações astrofísicas (RUSSELL, 2016), e principalmente no ensino de ciências
(HUTCHISON, 2018), na engenharia de materiais (DOBLACK et al., 2011) e na
física (YAVORUK, 2019).

Me atrai a atenção, particularmente, a apropriação da RV no campo da divulgação


científica, uma vez que a tecnologia é apontada como o próximo passo na direção
de uma experiência que envolva de forma lúdica o público para além do visual 2D
e 3D táctil (ARCAND et al., 2018), trazendo sistemas complexos da natureza para
espaços físicos em escala humana (JI; WAKEFIELD, 2018).

Mais especificamente, me interesso por obras de popularização em astronomia que


se utilizam da RV para engajar o público em temas como supernovas (FERRAND;
WARREN, 2018), planetas do sistema solar (SIQUEIRA, 2019 e BARAB et al.,
2000) e buracos negros (WEBBVR, 2018). Já no campo da antropologia, Ellenber-
ger (2017) destaca em sua pesquisa que a realidade virtual é uma ferramenta pro-
missora que podemos usar para inspirar os membros do público a terem empatia
com os povos do passado.

Embora seja uma tecnologia ainda pouco acessível devido ao alto custo para ob-
tenção de um headset de qualidade, o caráter virtual dessa experiência possibilita
que o público acesse vídeos científicos de 360 RV no YouTube sem necessitar se
deslocar até espaços culturais (COTABISH, 2017). Esse foi um dos motivos pelo
qual optei em adicionar uma experiência em 3 (DoF) em nosso projeto transmídia,
como apresentarei mais adiante nos capítulos seguintes.

Libâneo (2010) aponta que aos poucos, instituições de educação não formal como
museus e centros de ciências buscam trocar o foco da coleção/exibição de objetos
para incluir elementos interativos e recursos audiovisuais para promover uma maior
participação do público. Em adição a esse movimento das instituições para aumen-
tar a interação e o engajamento do público, novas formas de envolvimento de base
surgem na divulgação de ciência (DAVIES; HORST, 2016).

Naturalmente, esses espaços são os mais interessados em se apropriar da reali-


dade virtual dentro de sua programação (MORAIS et al., 2019). E esse interesse
65

não é recente. Byrne (1996) lembra que o Laboratório de Tecnologia de Interface


Humana (HITLab), da Universidade de Washington em Seattle, utilizou o espaço
do Pacific Science Center em 1991 para realizar vários estudos a fim de examinar
o potencial da RV no campo da educação.

Independentemente de onde e como o participante acessa, uma coisa parece certa


nesse primeiro momento: obras de RV que se referem a temas científicos tem sido
bem recebidas pelo público, que vê nessas experiências uma oportunidade rara e
emocionante (PACE, 2019). A realidade virtual possibilita que o usuário experi-
mente ambientes abstratos que seriam impossíveis de outra forma:

Um estudante pode visitar um país estrangeiro e interagir com outras pes-


soas, mas nunca conseguirá interagir com um elétron no nível humano. A
RV permite que os alunos "vejam" o assunto que aprendem melhor dessa
maneira, em vez de apenas ler ou ouvir sobre. Esse é um uso não trivial da
RV na educação (BYRNE, 1996, p.10).

Imagem 17: Estudante utilizando o Oculus Go durante atividade de cineclube – Wilaya de Dakhla.
Fonte: Felipe Carrelli

Por um lado, a novidade é um fator importante no sucesso da RV entre os partici-


pantes; por outro, esse fator surpresa tende a perder o efeito conforme a tecnologia
avança e se populariza. Heath (2017) destaca que “Eu estaria mentindo se dissesse
que o impacto dos documentários não diminuiu exponencialmente em mim cada
vez que coloco os óculos”.
66

Afinal, o debate sobre empatia e a realidade virtual também se aplica a esse caso:
nenhuma ferramenta por si só é suficiente para promover o interesse do público em
temas científicos. Em vez disso, a tecnologia deve ser combinada às práticas ins-
trutivas construtivistas dos professores e divulgadores científicos (CHEN;
METCALF; TUTWILER, 2014). No entanto, ao mesmo tempo que vemos sua ampla
e diversificada utilização, observamos que a linguagem da realidade virtual está
longe de se estabelecer como um meio maduro:

“Estamos no alvorecer de uma nova tecnologia que ainda não criou sua
linguagem. E linguagem é importante. A linguagem abre e destrói barreiras
do possível ou imaginável. A linguagem nos permite dar nome aos nossos
sonhos e medos e por esse processo, construir o que é possível” (SALLES;
RUGGIERO, 2019).

Por isso, no capítulo seguinte, discutirei sobre recursos de linguagem específicos


da realidade virtual e como ela foi aplicada ao processo de co-criação dentro da
nossa pesquisa-criação.

4.3 CORPOS NA REALIDADE VIRTUAL: INTERATIVIDADE E PRESENÇA

Antes de aprofundar na temática e nos processos de criação, preciso apresentar


alguns conceitos específicos da realidade virtual. Afinal, na experiência imersiva do
dispositivo 360°, a presença do corpo é singular e se encontra no interior de um
ambiente virtual tridimensional (GRECIANO; ZANETTI, 2019).

Os dispositivos tecnológicos não são apenas causas de mudanças abrangentes,


mas também o resultado de um desenvolvimento mais profundo. Criamos ferra-
mentas tecnológicas a partir de nossa experiência e necessidades. Com o tempo,
elas se tornam parte da nossa vida, alterando a própria forma com que lidamos com
a realidade. Por isso, é preciso compreender o desenvolvimento subjacente à era
digital no que diz respeito à corporalidade e à experiência (DURT, 2020).

Ao colocar o público dentro da cena, questões sobre a corporificação do partici-


pante dentro da narrativa emergem. Quais são as dinâmicas que regulam esse es-
paço virtual, que oferece a impressão de um mundo habitado? Onde as pessoas
se localizam dentro de seus corpos na realidade virtual? (VEER et al., 2018). Qual
é o papel do usuário dentro da narrativa? (SALLES; RUGGIERO, 2019). Estamos
67

vivos no espaço virtual ou somos apenas um fantasma pairando sob a superfície e


observando tudo sem ser notado?

Segundo Murray (2003), ambientes digitais são espaciais, enciclopédicos, procedi-


mentais e participativos. As duas primeiras características ajudam a fazer as cria-
ções digitais parecerem tão exploráveis e extensas quanto o mundo presencial. Em
outras palavras isso é o que denominamos de imersão. As ultimas propriedades
citadas por Murray correspondem ao que chamamos de presença. Tanto a pre-
sença quanto a imersão são fatores centrais para entender a realidade virtual, uma
vez que alguns realizadores e pesquisadores afirmam ser esses os elementos fun-
damentais para que uma experiência de RV obtenha sucesso com o público alvo
(CARRELLI, 2019b).

Antes de avançar, vale destacar que é preciso ter cuidado com as definições de
imersão e presença, uma vez que é um tanto difícil cravar o que é cada uma delas,
e alguns trabalhos chegam a utilizar os dois conceitos como sinônimos. (CITAR
TRABALHO INES) Por isso, nesse trabalho, adotamos as definições apontadas por
Murray (2003).

A imersão é determinada pela qualidade de imagem, som e sincronia do conteúdo.


Além disso, ao dar a impressão que o participante está em um ambiente explorável
e infinito, a audiência tende a ficar mais imersa na obra.

Já a presença se dá através da interação do participante com a obra. Mas antes de


abordar o conceito de interação, é importante fazer uma distinção entre interativi-
dade e participação, palavras que muitas vezes são utilizadas indistintamente, mas
que para Jenkins (2009) assumem significados diferentes

A interatividade refere-se ao modo como as novas tecnologias foram pla-


nejadas para responder ao feedback do consumidor. […] As restrições da
interatividade são tecnológicas. Em quase todos os casos, o que se pode
fazer num ambiente interativo é determinado previamente pelo designer.
[…] A participação, por outro lado, é moldada pelos protocolos culturais e
sociais. […] A participação é mais ilimitada, menos controlada pelos pro-
dutores de mídia e mais controlada pelos consumidores de mídia.
(JENKINS, 2009, p. 197).

A ideia de interação não é uma exclusividade da realidade virtual. Livros-jogo de


roling playing game (RPG), videogames e documentários interativos são alguns
68

exemplos narrativos onde o autor expande a história para incluir nela múltiplas pos-
sibilidades, dando a seu público um papel mais ativo:

As histórias contemporâneas, nas culturas avançadas ou não, constante-


mente chamam nossa atenção para a figura do contador de histórias e con-
vidam-nos a opinar sobre suas escolhas. Isso pode ser perturbador para o
leitor, mas também pode ser interpretado como um convite para participar
do processo criativo” (MURRAY, 2003, p. 50)

Janet Murray aponta ainda que embora os pesquisadores e realizadores de RV


possam falar de RV em termos mágicos como uma tecnologia de omni-simulação
capaz de produzir um substituto viável para a realidade física, “na prática não con-
fiam no aparelho para induzir magicamente uma experiência totalmente envolvente.
Em vez disso, constroem cuidadosamente cenários altamente focados com mecâ-
nica de interação social e tecnicamente restrita (MURRAY, 2020, p. 24).

Na mesma linha, Cizek (2016) destaca que a maioria das experiências em RV é


insatisfatória, por parecem demonstrações, pensamentos incompletos, que lem-
bram a testes de conceitos ou protótipos. Ela afirma que as obras que se baseiam
no design de jogos, explorando os recursos interativos, volumétricos e responsivos,
parecem experiências mais completas. Ela cita as obras Collisions (DANIEL, 2018),
6x9 e Notes on Blindness como referências interessantes nesse sentido, por alcan-
çarem um grau de imersão e presença muito sofisticados.

O realizador Félix Lajeunesse, baseado em Montreal, afirma que a RV ainda é uma


mídia frágil. Por isso, ele observa que é preciso conhecer bem os conceitos da
ferramenta que estamos utilizando para não cometer erros a fim de emocionar as
pessoas para que a obra persista nelas (BELVISI, 2019).

Lajeunesse destaca que a ideia de presença na realidade virtual precisa ser mol-
dada em função da história contada, como um instrumento. Ele opina que a narra-
tiva da obra tem que ser construída com parcimônia para que a força da experiência
imersiva não se torne opressora. Segundo ele é necessário entender e equalizar a
quantidade de informação sensorial que o participante irá receber, porque uma pro-
longada intensidade pode criar uma experiência densa demais.

O cérebro do espectador continua consciente de que ele está imerso em


uma experiência, que ele pode sair a qualquer momento. Ele não acha que
foi tele transportado. A RV cria uma sensação de imersão na cabeça do
espectador, mas não se trata de uma desconexão completa. [...] nos filmes
69

que produzimos, há momentos em que tentamos reduzir a intensidade da


sensação de presença, dar tempo de o espectador respirar e retomar o fô-
lego (Lajeunesse in BELVISI, 2019, p. 96).

No entanto, Lajeunesse aponta que o discurso segundo o qual o usuário precisa


interagir para obter a sensação de presença é um conceito que não se baseia no
storytelling, mas na indústria dos games. E alerta:

No fim das contas, é uma tendência a dogmatizar as coisas: “isso deve ser
assim, ou então não é RV”. Para mim, o problema com o fato de se sentir
em movimento, é que isso chega muito rápido no limite! Você se encontra
em uma espécie de jogo, obviamente, cheio de regras muito evidentes para
ser uma experiência da realidade, onde, ao contrário, tudo é possível (La-
jeunesse in BELVISI, 2019, p. 96).

Um dos recursos que contribui para a sensação de presença física na realidade


virtual é o direcionamento do enquadramento através do movimento de cabeça e
corpo do participante durante a experiência. Por isso, alguns realizadores alegam
não ter o controle da narrativa, limitando seu poder a sugestão (ou coreografia da
atenção, principalmente através da construção sonora do áudio). Assim, os direto-
res seriam deslocados para o papel de influenciadores, sugerindo ao participante
por onde seguir, mas a decisão final seria do interator (CARRELLI, 2019b).

De fato, nas experiências de RV, não se pode garantir que o participante observe
exatamente o que o realizador determina. No entanto, isso não significa que o par-
ticipante seja livre para ir onde ele/ela quiser. Pelo contrário, Salles e Ruggiero
(2019) destacam que nas narrativas-de-experiência, o enquadramento ainda existe
como esfera, permitindo ao realizador uma versão mais avançada do seu papel
tradicional, ao construir um espaço 3D com características especiais.

Assim, ao criar a narrativa, os realizadores ainda possuem um predomínio hierár-


quico sobre a história que está sendo contada. A limitação é evidente, o interator
só pode escolher entre as opções e regras pré-determinadas. O que se pode e o
que não se pode fazer durante a experiência é definido durante a realização da
obra. Sobre essa mudança na performance do espectador, SILVA (2019, p.8)
aponta que o participante é convidado para ao head-mounted display (HMD) atra-
vés de uma promessa de interação:

Agora interator, assume uma alegoria do controle do ponto de vista. Através


do HMD e seus sensores, sua posição determina a projeção. Ele estaria
agora não apenas no centro da produção de sentido, mas trabalharia para
essa construção e seria o único responsável pela própria experiência. Porém
70

este elogio da ação não alcança o prometido, já que o sujeito ainda é consti-
tuído enquanto um transcendental, agora reforçado por uma ilusão de práxis.

SILVA (2019) reconhece que tensionar corpos teóricos com novas experiências
permite a desconstrução de conceitos, o que pode levar até a construção de outros.
Mas faz uma crítica ao discurso universalizante de alguns autores e realizadores,
quando afirmam que a realidade virtual surge a partir de noções de terra arrasada,
nas quais ela emerge a partir de seus próprios e misteriosos meios, desconectados
das tradições do pensamento, da linguagem e da técnica.

Diante dessa perspectiva, a RV não é tão diferente das outras mídias já consolida-
das. Bimbisar Irom (2018) argumenta que embora as tecnologias imersivas partam
da premissa de ser uma linguagem não mediadora, ignorar as estruturas de repre-
sentação prejudica as possibilidades políticas da comunicação humanitária. Para o
autor, a tecnologia permanece sujeita a estética/linguagem das ideologias domi-
nantes e cita Horsfield (2003, p.165): “Existe ideologia em quais problemas são
incluídos, ideologia em como esses problemas são identificados e ideologia nas
opções que são dadas para solucionar essas questões”.

4.4 REALIDADE VIRTUAL E A QUESTÃO DA MIGRAÇÃO

Como mostrei nas sessões anteriores, a ideia inicial desse trabalho era utilizar a
realidade virtual como linguagem para divulgar a cosmovisão dos refugiados saa-
rauis. Assim, a RV surgiu como ferramenta a partir de uma necessidade prática.
Entretanto, durante a pesquisa-criação, me debrucei teoricamente sobre essa lin-
guagem, para me apropriar dela da melhor forma, estudando como transportar o
tema abordado para a imagem equiretangular.

Ao longo da pesquisa-criação, analisei diversos documentários de realidade virtual


produzidos com fins humanitários. Para isso, selecionei os projetos que abordam a
temática do refúgio entre as 324 obras catalogadas no Docubase24 até o dia 20 de
maio de 2019. A missão do site é coletar, mostrar e inspirar novos formulários do-
cumentais e as ferramentas, processos e criadores por trás deles, fornecendo da-
dos de produção sobre cada projeto, materiais de bastidores, entrevistas e estudos

24
O Docubase é um banco de dados do Massachusetts Institute of Technology (MIT) que busca fazer uma
curadoria de projetos, pessoas e tecnologias que estão transformando o documentário na era digital. https://do-
cubase.mit.edu/about/
71

de caso. Assim, o site busca ser uma plataforma de diálogo entre os realizadores e
o público, popularizando assim esse novo meio narrativo.

Dentre as 324 obras catalogadas na base, 11 são relacionadas à imigração e refu-


giados: 30 Days/Ramadan, Borderland, Clouds Over Sidra, Dadaab Stories, De-
athTolls Experience, Defector: Escape from North Korea, Do you see what I see,
Life On Hold, Living Los Sures, Refugee Republic e The Displaced. Dessas, apenas
três são obras de realidade virtual: Clouds Over Sidra, DeathTolls Experience e The
Displaced. As outras oito obras são documentários interativos (GAUDENZI, 2013).

Outra base de pesquisa é o VR Nonfiction: A Mediography. O projeto visa compilar


a história da realidade virtual de não ficção lançados entre 2012-2018. O objetivo é
examinar como surge essa tecnologia, como se desenvolve e para onde está indo.
Segundo o site25, foram catalogados 603 títulos de VR não ficcional no período.
Durante a pesquisa, encontrei 22 obras de RV abordando o tema do refúgio26. Tal-
vez o mais conhecido deles seja Clouds over Sidra (CLOUDS... 2015) que trans-
porta o usuário ao acampamento de Za'atari, na Jordânia. Na experiência, o intera-
tor conhece as condições de vida do campo de refugiados através do olhar lúdico
infantil de Sidra, uma garota de 12 anos. Clouds over Sidra é a primeira obra filmada
em realidade virtual para a ONU e o sucesso possibilitou com que muitos realiza-
dores emulassem a abordagem de Cris Milk em outras experiências.

Durante o projeto Amanar, levamos um Oculus Go para exibir um cineclube com


obras de realidade virtual relacionadas a astronomia nas escolas como parte das
atividades de divulgação. Uma das obras selecionadas era justamente Clouds over
Sidra. Ao assistir a obra em sua primeira experiência como usuário de realidade
virtual, nosso colaborador Hamdi A. Aomar ficou muito impressionado e disse: “Isso
não é apenas entretenimento. É um tema muito forte. Te transporta para outro lado”.

Particularmente gosto muito da obra, talvez por ser, assim como Hamdi, uma das
minhas primeiras experiências com óculos de realidade virtual. No entanto, durante

25
http://vrdocumentaryencounters.co.uk/vrmediography/vrmediography/
26
7 Stories for 7 Years: Life After Syria, Aamir, Amazigh, Born Into Exile, Clouds Over Sidra, Dreaming in
Za'atari: Stories After Syria, Forced to Flee: The Rohingya Refugee Crisis in 360º, I Am Rohingya, Interrup-
ture, Life in the Time of Refuge, My Voice-My School: Sidra's Story, Project Syria, Refugees, Schools on the
Frontline: Rama's Story, Sea Prayer, Seeking Home, Syria's Silence, The Crossing, The deported, The Dis-
placed, Under the Net e We Wait. Pesquisa realizada até o dia 20 de maio de 2019.
72

a pesquisa realizada nesse trabalho, me deparei com críticas que fizeram repensar
sobre qual caminhos deveríamos seguir em nossa pesquisa-criação. Salles e Rug-
giero (2019) levantam um debate interessante nesse sentido:

Viagens virtuais podem nos levar a vários eventos e emoções, mas o modo
como chegamos lá fará a diferença entre poverty porn ou uma experiência
de impacto profundo. O termo poverty porn foi introduzido pela primeira vez
nos anos 80 e sugeria o uso de mídia, especialmente filmes e fotos, explo-
rando situações de pobreza ou injustiça para aumentar doações a uma
causa ou para introduzir situações sociais difíceis e específicas para audi-
ências privilegiadas. A RV e essa noção vaga de uma tecnologia empática
e imersiva imediatamente virou um terreno fértil para uma nova onda de
poverty porn. [...] A realidade virtual e nosso mundo mediado por telas onde
narrativas digitais nos protegem da opção de ser vulnerável, nos dão uma
forma segura para participar de uma ação individual ou coletiva, sem real-
mente vivenciar isso e com uma saída de emergência bem definida [...] Em
uma experiência eu posso ser o centro de um conflito, mas se eu estou
olhando para ele de fora (desconexão) eu não consigo atuar, eu continuo
um voyeur externo e flutuante da dor dos outros. Quando crio uma experi-
ência de realidade virtual em que o participante é jogado em uma zona de
conflito, e vive a dor de outros, estaria despertando empatia? Ou provo-
cando empatia? [...] Posso viajar para o interior da dor enquanto estou pro-
tegido com uma armadura digital?

Assim, nesse trabalho, parto do pressuposto que o papel subjetivo dos realizadores
ainda é um fator preponderante em como o participante vai absorver uma obra de
realidade virtual. Portanto, ao longo da pesquisa-criação passa a ser importante
refletir e estabelecer uma abordagem pertinente ao tema que pretendíamos tratar:
a cosmovisão do povo saaraui. No entanto, durante o andamento de pesquisa-cri-
ação, entendemos que seria importante abrir o espaço virtual para perguntar os
saarauis sobre o que eles queriam falar. Ao adotar esse processo de co-criação
durante a viagem de campo, outras demandas surgem nas falas dos saarauis. Esse
será o tema do próximo capítulo.

Imagem 18: Família de Hamdi utilizando o Oculus Go – Wilaya de Auserd.


Fonte: Felipe Carrelli
73

5. CO-CRIANDO NARRATIVAS COM O POVO SAARAUI

Como comentei nos capítulos anteriores, ao longo da pesquisa-criação fiz um pro-


cesso de reflexão sobre a divulgação científica a partir dos estudos decoloniais.
Então, essa perspectiva foi transportada para a realidade virtual, a fim de compre-
ender mais a fundo as potências e riscos dessa linguagem narrativa. Consequen-
temente, ao buscar a forma mais adequada para representar os refugiados saarauis
através da realidade virtual, me deparei com o conceito de co-criação.

Porém, sair de nossa inercia conceitual inicial não é um movimento simples. A inér-
cia é a propriedade da matéria que indica resistência à mudança, e indica a ten-
dência de manter em repouso um corpo que está em repouso. Essa tendência na-
tural que cada corpo tem de manter seu estado inicial também se dá na pesquisa
acadêmica, e só pode ser alterada pela aplicação de uma força externa.

Ao negociar o método com nosso sujeito, abrimos o trabalho ao desconhecido. As


potencialidades são tão grandes quanto as incertezas. Desde o ponto de vista da
realização, essa força externa (o outro) nos conduz ao desapego do papel solitário
do artista. Deste modo, um novo desafio é posto: como incorporar a representativi-
dade coletiva dentro da subjetividade individual, própria da tradição cultural ociden-
tal contemporânea?

Lisa Jackson, realizadora de descendência Anishinaabe, aponta que precisamos


estar atentos durante esse processo. Em sua vasta experiência com documentário,
instalações e realidade virtual, ela gosta de utilizar a palavra “reciprocidade” para
definir sua relação de co-criação com outros povos indígenas:

Muitas pessoas acreditam que entendem o trauma dos povos indígenas no


primeiro contato e sentem a necessidade de garantir que todos saibam disso.
A quem isso se beneficia? Muitas vezes eles têm sua própria agenda que não
está alinhada com a da comunidade, então você tem que se perguntar: O que
você está documentando se não está disposto a ouvir o que seu sujeito o
quer dizer? Isso não significa que as pessoas dentro das comunidades sai-
bam exatamente como tudo deve ser feito (em termos de criação de mídia),
mas é aí que entra a construção de relacionamento. Você tem que se colocar
lá fora e ser honesto sobre o qual são as suas intenções, o que você está
trazendo para a mesa. É preciso tempo, cuidado e respeito (STUDIO, 2020).

Por isso, estou ciente que nosso processo de co-criação não é exemplar, devido as
limitações impostas pelas diferenças culturais, linguísticas, a distância e principal-
mente o curto tempo da viagem de campo. Apesar disso, esse trabalho partiu em
74

direção ao hemisfério norte com a co-criação como nossa Belhadi27: estrela que
guia os nômades em direção o Norte.

Ao chegar nos campos de refugiados na Argélia, o primeiro desafio foi encontrar


sábios (as) saarauis para realizar as entrevistas com a finalidade de registrar a cos-
movisão dessa população. Entretanto, desde o inicio percebemos que não seria
uma tarefa fácil. Durante a recepção da equipe, Salec Mohamed Omar, diretor geral
de cooperação da RASD, aprovou a abordagem proposta pelo Amanar, mas alertou
para as dificuldades que o grupo poderia eventualmente encontrar:

Seguramente todos vemos esse céu, mas temos diferentes percepções, di-
ferentes interpretações dele. Todo aquilo que conduza a encontrar-nos, a
aproximar-nos é importante. E o melhor instrumento para isso é a ciência.
[...] É um tema difícil de tratar em uma situação como a nossa em um acam-
pamento de refugiados, onde as pessoas tem em vista outras coisas de pri-
meira ordem, que consideram de primeira necessidade. Mas não cabe a me-
nor dúvida que existe pessoas que estão muito interessados nesse tema.
Mas precisamos fazer um esforço porque é um tema difícil (OMAR, 2019).28

Para nos ajudar nessa pesquisa, a equipe do GalileoMobile recorreu a Hamdi A.


Aomar, nosso colaborador local, conhecedor de muitos líderes locais. Entre as reu-
niões, os encontros com autoridades e as atividades de divulgação de astronomia
nas escolas, erámos frequentemente convidados para tomar chá e ouvir histórias.

Imagem 19: Chá sendo preparado ao modo tradicional saaraui – Wilaya de Smara.
Fonte: Fábio del Sordo

27
A Estrela Polar (ou Polaris) indica sempre a direção do norte e só é visível no hemisfério Norte.
28
Tradução do autor.
75

Hamdi apontou que o chá é um instrumento sócio/cultural dos saarauis para esti-
mular as reuniões, as conversas e a tomada de decisões:

Para os beduínos do deserto na etapa passada o chá era um fator impres-


cindível para contar as histórias, contar os seus feitos e para contar as
vivências. E para reunir as famílias, e os notáveis dessas famílias para
planejar e traçar estratégias da sociedade ou do sistema social dos saa-
rauis na sociedade antiga. O chá estimula a isso [...] O primeiro é forte
como a vida, ele é forte e um pouco amargo. O segundo é suave como a
morte, porque a morte quando é uma morte por uma causa, uma morte
por uma honra ou um direito é suave. E doce como o amor o último. Essas
três xícaras de chá com diferentes sabores, representam um pouco a filo-
sofia de vida e o que é a sociedade saaraui (AOMAR, 2019).29

Justamente entre um chá e outro, escutávamos as histórias dos sábios(as) de es-


trelas e outras pessoas da comunidade. Durante os dez dias de visita de campo,
entrevistamos quatro sábio(as) de estrelas (três homens e uma mulher) além de
quinze colaboradores locais, políticos, agentes públicos, professores e alunos. To-
das as entrevistas foram registradas em vídeo e áudio (em espanhol e hassania) e
depois transcritas para texto. Algumas dessas conversas foram realizadas pela
noite e por isso contam apenas com a gravação do áudio, sem imagem.

O procedimento adotado pelo grupo para realizar as entrevistas era o seguinte.


Primeiro o grupo sentava em circulo com os entrevistados. Enquanto Sandra Beni-
tez ou Jorge Riveiro introduziam a equipe aos entrevistados, eu e Demétrio Rodri-
gues montávamos todo o equipamento de gravação. Em seguida Andrea Rodrigues
(ANTÓN, 2019) iniciava a conversa focando nas perguntas sobre etnoastronomia.

Já na segunda parte, abríamos a conversa para que outros integrantes da equipe


pudessem participar com perguntas não diretivas aos entrevistados. Durante a se-
gunda parte das entrevistas, aproveitava a minha fala para explicar, de forma trans-
parente, o por quê estávamos ali.

Durante essa escuta também abríamos a pesquisa às sugestões e críticas por parte
do entrevistado, efetivando o processo de co-criação. Como essas entrevistas ti-
nham caráter de bate papo esse procedimento era orgânico, dinâmico e contava
com o imprevisível. Mas de modo geral, ocorreram desta maneira.

29
Tradução do autor.
76

Na noite de 18 de outubro de 2019, fomos recebidos pela sábia de estrelas Alhaizza


Aldih Alnah, sentada fora de sua tenda em um grande tapete na areia, iluminados
apenas por um incrível manto de estrelas. Nos acomodamos em círculo nas almo-
fadas ao redor dela enquanto Andrea Antón fez as introduções:

Boa noite. Somos uma equipe de astrônomos e cineastas. E viemos com


um projeto de divulgação de educação em astronomia. Mas estamos muito
interessados em aprender sobre astronomia hassania. E nos disseram
que ela é uma sábia que conhece muito de astronomia. Então viemos para
que nos conte um pouco sobre o que ela sabe (ALNAH, 2019)30.

De forma clara, Andrea resumiu perfeitamente nossa proposta. A fala é tão sintética
que está presente em dois produtos sem cortes (como destacarei no capítulo a
seguir). Em seguida, Hamdi fazia a tradução para Alhaizza. Ela agradeceu as pa-
lavras e brincou em espanhol com a simplicidade característica dos saarauis “eu
sei um pouco”:

Primeiramente bem-vindos. Eu sei como é difícil chegar de terras tão dis-


tantes até aqui. Para nos beneficiar de sua visita e ao mesmo tempo
aprender o pouco que sabemos modestamente (ALNAH, 2019) 31.

Nessa entrevista, percebemos a profunda sabedoria que reside em quem vive no


deserto, sempre em movimento à procura dos melhores lugares para garantir a
sobrevivência. Na vastidão do deserto, longe da poluição luminosa das cidades
grandes, as estrelas brilham tanto que constelações e estrelas são retratados atra-
vés de personagens míticos e lendas. Ao longo dessa e de outras conversas, apren-
demos a constelação mais conhecida é Meshbuha. Conta a lenda que o profeta
Saleh tinha uma camela que dava leite em abundância. Certo dia, seu discípulo
Meshbuha roubou e matou a camela. Então, Saleh perguntou se ele preferia ser
crucificado na terra ou no céu. Meshbuha preferiu servir seu castigo por toda eter-
nidade no céu em forma de constelação. Segundo os sábios saarauis, esta cons-
telação é visível no outono no hemisfério norte e pode ser facilmente identificada
porque tem três grandes estrelas alinhadas, os braços do crucificado. Além disso,
em uma das extremidades a estrela mais avermelhada representa a mão com a
qual Meshbuha matou a camela.

30
Tradução do autor.
31
Tradução do autor.
77

Outro elemento muito marcante do céu noturno é a faixa esbranquiçada que atra-
vessa o céu. No ocidente, chamamos essa faixa de Via Láctea, por lembrar uma
mancha de leite derramada. Na tradição saaraui existe outra história para interpre-
tar esta estrutura: o caminho de palha. Segundo a lenda, um camponês teria rou-
bado a palha em outro povoado e ao longo do caminho de volta para sua aldeia, a
palha foi caindo, formando assim o caminho branco que vemos enfeitando a noite.

Todas estas histórias são apenas uma pequena amostra de todo o conhecimento
astronomico que sobrevive através da oralidade ao longo das gerações. Ao escutar
aquelas histórias de Alhaizza na presença das estrelas do deserto, tive a certeza
que vivia um momento especial, por ser um costume essencial da tradição beduína
e da identidade cultural saaraui. Uma experiência que valia a pena ser eternizada
e compartilhada através da realidade virtual.

Imagem 20: Alhaizza contando lendas sob o céu estrelado – Wilaya de Auserd.
Fonte: Felipe Carrelli

Ao final de sua fala, Alhaizza agradeceu nossa visita e apresentou a principal de-
manda que iria reverberar com diversas falas de outras pessoas da comunidade:

Muito obrigada. Vocês também são uma enciclopédia com a qual pode-
mos aprender muito. Agradeço o interesse de vocês virem até aqui nos
visitar nessa situação. Isso significa que está interessado por nós e por
nossa causa. E aproveitamos para, através de vocês, divulgar ao mundo
nosso calvário (ALNAH, 2019)32.

32
Tradução de Hamdi A. Aomar e do autor. Grifo do autor.
78

Após as perguntas relacionadas ao conhecimento dos saarauis sobre o céu, eu


revelava o dispositivo de nossa pesquisa-criação, explicando nossa proposta:

Tudo isso que estamos gravando, a ideia é criar alguns produtos. Mas
também que isso (os registros) volte aqui para que vocês possam utilizar
como parte de sua pesquisa. Além disso a ideia é vir até aqui e aprender
sobre toda a condição política e social [...] para mostrar isso também às
pessoas através dos produtos. A ideia é utilizar esse conhecimento que
vocês têm sobre o céu, para mostrar ao público que o povo saaraui tem
muita sabedoria. E que merece ter sua terra e sua cultura. Não queremos
que as pessoas vejam o povo saaraui apenas como um povo frágil, mas
um povo que tem um conhecimento que é importante para o mundo. Eu
gostaria de perguntar o que pensam sobre essa abordagem, vinculando a
questão social ao conhecimento sobre o céu (ALNAH, 2019).

Mohammed Ali, secretário do departamento da memória oral do Ministério da Cul-


tura Saaraui também participou da entrevista33, pediu a palavra e informou que o
ministério estava desenvolvendo um projeto de documentação audiovisual das tra-
dições saarauis que se assemelhava a pesquisa que estavamos propondo:

Não se pode separar a parte humanitária, da realidade do todo. Fizemos


um grande esforço nesse sentido de ciência. Mas ainda estamos investi-
gando nas fontes [...] esse trabalho tem que ter uma base comum. Um
fator comum. É um trabalho cultural, científico. É politico e social. Este
trabalho que se compartilha com o ministério de cultura necessita ser di-
vulgado para as pessoas. E está incorporado dentro dos melhores inte-
resses da República Saaraui, já que temos um ministério específico para
isso. Então esse é um componente a mais que contribui para esse movi-
mento que já está sendo feito. Por exemplo, as partes que vocês não con-
seguiram visitar nessa viagem, eu posso fazer as entrevistas para envia-
los, para fortificar ainda mais esse estudo que estão realizando. E isso
também contribui muito às iniciativas que estão sendo realizadas aqui.
Apesar de nosso instrumento ser muito modesto, temos nossos investiga-
dores sobre esse tema, que podem ajudar na continuação desse traba-
lho34 (ALNAH, 2019).

Essa associação entre as questões sociais e científicas reverbera em outros depo-


imentos ao longo de nossa visita. Hamdi A. Aomar, quando perguntado sobre a
importância de falar sobre astronomia nos acampamentos, refletiu que:

Se fizermos a coisa inversa e olharmos para baixo a partir do céu, vere-


mos as duas partes separadas pelo muro. Se fossemos estrelas segura-
mente veríamos essa divisão. E isso é muito doloroso. Ver que sua família
está uma parte ocupada sob tortura e perseguição, e a outra parte em
uma circunstancia precária, sem nada, como estamos vivendo aqui nos
campos de refugiados. Isso é triste (AOMAR, 2019)35.

33
Mohammed Ali foi quem nos levou para até Alhaizza Aldih Alnah.
34
Tradução de Hamdi A. Aomar e do autor. Grifo do autor.
35
Tradução do autor.
79

Ao entrevistar o sábio Mohammed Salek Mohammed Embarek Sidi Baruyemaa, o


astrônomo Fabio del Sordo36 perguntou se existia na cultura saaraui alguma “cor-
respondência entre o que está na terra e o céu? Existe no céu algum reflexo do que
está na terra, seja aqui ou na zona ocupada?” A resposta foi uma surpresa:

Aqui estamos em território argelino. Na parte leste do Saara. E na parte


oeste, sul e norte, se vem exatamente as mesmas coisas. E é o mesmo
céu, a mesma estrela. Mas há uma diferença. É muito mais quente nesse
ponto, que na zona ocupada (BARUYEMAA, 2019)37.

Após a imprevisível resposta, Fabio observou que talvez a pergunta não tinha fi-
cado clara ou que tivesse ocorrido algum problema na tradução. Ele repetiu a per-
gunta de outra forma e aproveitou para dar um exemplo: “Existe algum oásis, mon-
tanha ou vale que tenha o mesmo nome de algo que está no céu?” Essa confusão
exemplifica a dificuldade de comunicação que enfrentamos durante todo o projeto
Amanar. Apesar de muitos saarauis falarem espanhol devido a aproximação histó-
rica com a Espanha, sábios(as) mais idosos(as) não tinham tanta familiaridade com
o idioma e preferiam falar em hassania enquanto Hamdi ajudava na tradução. De
toda forma, nesse exemplo vale ressaltar como os erros inesperados e imprevisí-
veis geram respostas preciosas. Dentro do processo de co-criação esse percurso
acidental não é apenas bem-vindo, como necessário.

Mais adiante na entrevista, eu perguntei: “como este tipo de memória, a astronomia


cultural, é importante dentro do contexto político que vocês estão inseridos? Como
a manutenção da memória desse conhecimento pode ajudar na situação que vocês
estão enfrentando?”. O sábio foi ainda mais enfático:

A ciência é a mãe de todos. É um instrumento que pode utilizar para muitos


fins. Mas o Saara se libera através de guerra, de expulsar os marroquinos
fora. Temos um plano de paz há mais de 26 anos que não trouxe nenhum
resultado. Então é preciso voltar a guerra. [...] A vida aqui é muito dura.
Muito calor. Muito vento forte. Já enterramos muita gente aqui. E é muito
duro, nenhum de vocês poderia durar um mês aqui conosco, pela natureza
que há aqui. Isso é duro. E temos que fazer o possível para voltar a nossa
terra (BARUYEMAA, 2019)38.

36
Fabio del Sordo é integrante do GalileoMobile e do projeto AMANAR.
37
Tradução de Hamdi A. Aomar e do autor.
38
Tradução de Hamdi A. Aomar e do autor. Grifo do autor.
80

Imagem 21: Hamdi (esq.) traduzindo a fala do sábio Mohammed Salek (dir.) – Wilaya de Auserd.
Fonte: Felipe Carrelli

De modo geral, mesmo os saarauis que conhecemos sem vínculo institucional com
a RASD se mostraram pessoas muito politizadas. Na escola visitada pela equipe
do GalileoMobile em Dakhla, a professora Onija Mohamed apontou que:

Quando éramos pequenos, acreditávamos que essa era a nossa terra.


Pouco a pouco aprendemos que temos outra terra, que é a nossa. É um
pouco difícil. Nascer refugiada e crescer assim [...] então por isso desejo
que as pessoas que não saibam que existe um país chamado Saara Oci-
dental, eu quero que elas saibam. (ONIJA, 2019).

Na mesma escola em Dakhla, essa ideia se evidenciou ainda mais na fala do estu-
dante de 8 anos Hayra Mohammed, quando perguntado sobre a sua experiência
durante as atividades de divulgação de astronomia, fez questão de lembrar que:

Não podemos viver aqui porque aqui faz muito calor e frio. E por isso não
podemos viver aqui. Nós, os saarauis, queremos viver uma vida digna. E
por isso, nós vamos seguir até que a gente consiga recuperar a nossa
terra (HAYRA, 2019).

A conjuntura de provisório-permanente retratada na fala de Onija “nascer refugiada


e crescer assim” e no depoimento de Hayra “E por isso não podemos viver aqui”
afeta a própria formação do sujeito. Em um trecho do artigo We Refugees, Arendt
relata a dificuldade em conservar sua integridade enquanto sujeito dentro de um
contexto em que os laços sociais e políticos estão desestruturados:
81

O homem é um animal social e a vida não é fácil para ele quando os laços
sociais são cortados. Os padrões morais são muito mais fáceis de manter
na textura de uma sociedade. Poucos indivíduos têm força para conservar
sua própria integridade se seu status social, político e jurídico for comple-
tamente confuso. Sem coragem de lutar por uma mudança de nosso sta-
tus social e jurídico, decidimos, em vez disso, muitos de nós, tentar uma
mudança de identidade (ARENDT, 1943, p. 116).

No caso de Hannah Arendt, ela discute sobre o assimilacionismo cultural na qual


os refugiados são submetidos quando chegam a um novo país. Esse movimento
estimula a desconstrução de sua individualidade anterior em prol de uma inclusão
social a um novo contexto. No entanto, no caso do povo saaraui que vive em refugio
na Argélia, essa opção não lhes cabe, posto que estão isolados no meio do deserto.
Resta apenas a construção subjetiva através da identidade coletiva de nação.

Assim, a questão política/social se manifestava naturalmente na maioria das con-


versas. Por exemplo, em uma reunião com o grupo de mulheres responsáveis pelo
Conselho Regional da Wilaya de Bojador, a necessidade de divulgar esse assunto
foi novamente lembrada por Fatma Bal-la:

Agradecemos esta visita de vocês a esta região. Apesar de tudo, nós re-
sistimos. Estamos lutando com todos os meios e instituições possíveis
para conseguir nosso objetivo. Temos certeza de que o dia da vitória virá.
Por isso queremos que sejam testemunhas de tudo isso e que comparti-
lhem de alguma maneira a verdade que viram aqui (BAL-LA, 2019)39

Imagem 22: Reunião da equipe GM com líderes do Conselho Regional – Wilaya de Bojador.
Fonte: Felipe Carrelli

39
Tradução de Hamdi A. Aomar e do autor. Grifo do autor.
82

Ao dar voz ao sujeito pesquisado e estar verdadeiramente aberto a esse processo


de escuta ativa, passou a ser inevitável, dentro de nossa proposta de co-criação,
não incorporar essas demandas ao produto. A partir dessas vozes, surgiu uma nova
demanda antes não estabelecida durante a pesquisa-criação: a importância de di-
vulgar ao público não apenas seu conhecimento sobre o céu, mas também sua
condição política e social.

Idealmente, o processo de co-criação deveria seguir ao longo de todo o processo


de desenvolvimento. No entanto, isso se mostrou impossível nesse caso, devido a
inúmeras barreiras. A primeira dificuldade era justamente o tempo limitado de nossa
viagem a campo. Dividida entre reuniões protocolares e atividades nas escolas, o
curto espaço temporal permite apenas que a equipe encontrasse com os entrevis-
tados uma única vez (com exceção aos colaboradores mais próximos que acom-
panharam nossa trajetória por completa). Assim não foi possível estabelecer um
diálogo mais profundo a fim de conversar sobre o roteiro do projeto por exemplo.

Em segundo lugar, temos a barreira cultural. Muitos conceitos como “realidade vir-
tual”, “interatividade”, “imersão” são complexos e podem assustar ouvidos que es-
cutam pela primeira vez. Todos os entrevistados tinham conhecimento sobre a fun-
ção de uma câmera fotografia ou de vídeo, mas era a primeira vez que se depara-
vam com uma câmera 360º ou óculos de realidade virtual. Explicar e demonstrar
exemplos dessa ferramenta também requeria tempo, indisponível em nosso caso.

O obstáculo do tempo e distância poderiam ser parcialmente superados através do


uso da internet. No entanto, o precário acesso à rede nos acampamentos também
impediu a evolução da co-criação. Por último, sofremos com o imponderável blo-
queio causado pela pandemia de Covid-19. Devido a crise global, o projeto de se-
guimento que seria realizado em 2020 pelo GalileoMobile foi adiado e isso impos-
sibilitou o aprofundamento do processo de co-criação.

Embora o processo de co-criação não tenha sido ideal, a solução encontrada é


respeitar ao máximo a demanda saaraui de evidenciar a questão política dentro da
perspectiva da divulgação científica. A partir da necessidade de incorporar esse
assunto ao produto, a proposta inicial de criar um documentário em realidade virtual
se expande, adquirindo um carater transmídia, como detalho no capítulo a seguir.
83

6. DESENVOLVENDO OS PRODUTOS

6.1 A ESTRATÉGIA TRANSMÍDIA E A LÓGICA DA EFFECTUATION

Já discuti a importância das estrelas para o povo saaraui e a dimensão simbólica


da fronteira nos capítulos anteriores. Além disso, demonstrei no capítulo passado
como o processo de co-criação gerou novas demandas não previstas anteriormente
na pesquisa-criação. A partir disso, busquei maneiras de conectar narrativamente
o conteúdo etnoastronomico obtido durante as entrevistas de etnoastronomia com
a questão política/social levantada pelos saarauis.

Hamada é a palavra usada pelo povo saaraui para descrever a paisagem rochosa
e inóspita do deserto ao longo da fronteira entre a Argélia e o Saara Ocidental, onde
estão localizados os campos de refugiados. Aziza Brahim, nascida no campo de
refugiados saaraui e atualmente cantora/ativista, utiliza sua expressão artistica para
refletir sobre a inquieta luta do povo saaraui por sua terra. Em seu álbum Abbar el
Hamada (Do outro lado do Hamada), a letra da faixa Los Muros denuncia a fortifi-
cação de areia (conhecida como Muro da Vergonha) que Marrocos ergueu ao longo
da fronteira com o Saara Ocidental:

Outra estrela cadente foi vista. Atravessando o muro hoje à noite. Não
detectada pelo radar, despercebida pelo guarda. Na terra e no mar, as
paredes continuam subindo, ainda (BRAHIM, 2018).

Assim, a sutileza e beleza dos versos de Aziza Brahim nos inspirou em buscar,
dentro do nosso conteúdo, a mesma poesia. No entanto, a tarefa de unir esses dois
temas dentro de uma obra de realidade virtual acarretou em alguns problemas. O
primeiro deles era a complexidade dos dois temas. A segunda era o tempo limitado
pela experiência de realidade virtual.

Apesar dos estudos recentes serem todavia inconclusivos, uma das alternativas
para evitar o cybersickness40 é, entre outros fatores, criar experiências com breve
duração. No entanto, as entrevistas realizadas durante a viagem de campo tinham
entre uma e duas horas cada. Por isso, era necessário adaptar o conteúdo para

40
O cybersickness (enjoo cibernético) é uma forma de enjoo de movimento que ocorre como resultado da
exposição a ambientes imersivos de realidade extendida como aplicativos de realidade virtual (YILDIRIM,
2019). Os sintomas mais comuns incluem desconforto como dores de cabeça, cansaço visual, tontura, visão
turva, fadiga ocular, salivação, náuseas e até vômito (ISRAEL et. al., 2019).
84

conseguir encaixar em uma experiência de realidade virtual de curta duração. Di-


ante desse quadro, Estrelas do Deserto optou por uma estratégia transmídia.

O universo das criações transmídia inclui desde filmes, livros, animações, jogos,
programas de televisão, séries, HQs, documentários interativos, instalações artísti-
cas. Como exemplos temos as grandes franchises como Harry Potter, Stars Wars
e Matrix que exploram diversas plataformas para engajar seu público.

No entanto, Maciel (2018) alerta que simplesmente o fato de um mesmo conteúdo


estar disponível em múltiplas plataformas, não é o suficiente para caracterizar um
produto como uma estratégia de transmidialidade. Segundo a autora, esse é, no
mínimo, um ponto de partida. Ela destaca que outros elementos precisam ser tra-
balhados para que um determinado conteúdo, ou conjunto de criações, seja de fato
caracterizado transmídia. Nesse sentido as conexões narrativas e estéticas entre
as obras é um fator muito importante.

Por isso, é importante esclarecer as diferenças fundamentais entre os termos mul-


timídia, cross-mídia e transmídia antes de avançar. Jenkins (2010) utiliza multimídia
para referir-se a obras que integram múltiplos meios - como texto, fotos, áudio e
vídeo - em uma mesma interface (documentário interativos por exemplo). Já o
termo cross-mídia se refere quando uma mesma mensagem ou produto é distribu-
ído em diversas plataformas (por exemplo um longa metragem disponível no ci-
nema, televisão e plataforma de streaming).

Por outro lado, um projeto transmídia, pressupõe a criação e difusão de conteúdos


distintos, ainda que relacionados, em plataformas diversas (RENÓ, 2013). Para
Jenkins (2010) transmídia é uma forma diferente de organizar a divulgação do con-
teúdo, que acarreta na mudança em como a cultura é produzida e consumida.

Segundo Maciel (2018), isso significa que embora cada uma das obras seja autô-
noma – não sendo necessário conhecer uma para compreender a outra - na expe-
riência transmídia o público que buscar informações sobre todas as obras, tem uma
experiência expandida, gerando um interesse continuo e mais consumo. Justa-
mente por isso, Jenkins (2010) afirma que na estratégia transmídia, o público pre-
cisa buscar ativamente o conteúdo por várias plataformas de mídia: o público es-
colhe o que quer assistir, por quanto tempo, em que ordem, etc.
85

Assim, em criações transmídia a obra se constrói na relação com o público. No


entanto, esta relação não se limita apenas as interações criadas pelos realizadores.
Pelo contrário, esse processo de participação do público estimula o surgimento de
ações imprevistas. Henry Jenkins (2015, p. 384) aponta que

O conteúdo, como um todo ou através de citações, não permanece em


fronteiras fixas, mas circula em direções imprevistas e, muitas vezes, im-
previsíveis, não o produto concebido de cima para baixo, e sim o resultado
de uma infinidade de decisões locais tomadas por agentes autônomos que
negociam o seu caminho em meio a diversos espaços culturais.

Em nosso caso, ao adotar o sistema transmídia em nosso projeto não vislumbra-


mos o aumento do consumo e sim a gradação do conhecimento de nosso público
sobre o tema abordado. Além disso, a dispersão gradual de material para diferentes
público em diferentes plataformas tinha o objetivo de manter o público engajado na
questão social enfrentada pelos saaraui.

Esta estratégia transmídia41 consistia em desenvolver diferentes produtos narrati-


vos, em distintas plataformas, que oferecessem abordagens, questões e experiên-
cias específicas e complementares ao público. Assim, cada produto explorava as
dimensões mais apropriadas ao potencial de seu formato e linguagem. Eles tinham
autonomia narrativa, mas ao mesmo tempo deveriam alimentar o interesse contí-
nuo dos participantes em outros produtos, fazendo parte de uma narrativa transmí-
dia mais ampla (PAZ et. all, 2021 no prelo). A intenção era que cada obra fosse
uma porta de entrada do público para se aprofundar nas diferentes temáticas do
projeto de acordo com seus interesses pessoais.

Nessa jornada de exploração das conexões de conteúdo, plataformas tecnológicas


e interação, o desafio era identificar uma experiência que vale a pena ser recriada,
e como integrar o conteúdo em cada uma dessas versões alternativas daquela ex-
periência. Outro obstáculo era criar esses diferentes produtos dentro das habilida-
des, recursos e parcerias disponíveis ao nosso alcance. Nesse sentido, a incorpo-
ração da lógica de Effectuation (SARASVATHY, 2001) passou a ser determinante
para legitimar as escolhas e alavancar as possibilidades criativas.

A perspectiva de Effectuation é um desdobramento da pesquisa de Saras

41
O significado dessa estratégia transmídia é o resultado da adaptação de conceitos de outros autores da
área ao projeto de pesquisa-criação (Jenkins, 2010; Maciel, 2018).
86

Sarasvhaty, que analisa a tomada de decisões de empreendedores inovadores su-


cedidos em ecossistemas de alto risco e recursos limitados. Em seu trabalho, Sa-
rasvathy (2001) diferencia os processos de causation e effectuation. Para a autora,
os processos de causalidade têm um efeito específico e se concentram na seleção
entre os meios para criar esse efeito. Já os processos de efetivação usam um con-
junto de meios dentro dos possíveis e se concentram em criar com esse conjunto
de possibilidades. Para demonstrar a diferenciação entre os conceitos ela cita um
exemplo simples.

Imagine um chef encarregado de preparar o jantar. Existem duas manei-


ras de organizar a tarefa. Na primeira, o cliente escolhe um menu com
antecedência. Tudo o que o chef precisa fazer é listar os ingredientes ne-
cessários, comprá-los e, então, preparar a refeição. Este é um processo
de causation [...] No segundo caso, o anfitrião pede ao chef que examine
os armários da cozinha em busca de possíveis ingredientes e utensílios e,
em seguida, prepare uma refeição. Aqui, o chef deve imaginar menus pos-
síveis com base nos ingredientes e utensílios fornecidos, selecionar o
menu e, em seguida, preparar a refeição. Este é um processo de effectu-
ation (Sarasvathy, 2001, p. 245).

A autora ressalta que embora os dois conceitos sejam partes integrantes do racio-
cínio humano e que podem ocorrer simultaneamente, sobrepondo-se em diferentes
contextos de decisões e ações, é no processo de effectuation que o empreendedor
cria um ou mais vários efeitos possíveis, independentemente do objetivo final com
o qual começou.

Na lógica de effectuation, o desenvolvimento de projetos é processual e acontece


ao longo da exploração das possibilidades viabilizadas pelos recursos disponíveis
ou alavancados em sua trajetória. No lugar de tentar levantar dinheiro e recursos
para iniciar um projeto, os parceiros e alianças humanas são priorizadas. Segundo
a autora, os processos de efetivação são mais frequentes e muito mais úteis para
compreender e lidar com as esferas da ação humana. Por isso, a perspectiva da
effectuation se aproxima dos fundamentos da co-criação, uma vez que se contra-
põe a um processo criativo idealizado a priori por uma pessoa, ou um grupo, como
um processo exclusivamente autoral.

Logo, Sarasvathy (2003) destaca que embora o processo de effectuation não re-
duza a probabilidade de falha, ele reduz os custos da falha. Segundo a autora, o
empreendedor que opta pela effectuation precisa estar atento a improvisação e
adaptação. Consequentemente, dentro de um projeto de pesquisa-criação, a lógica
87

de effectuation permite uma maior experimentação, tentativas, erros, reajustes de


rumo e improviso, uma vez que o custo para errar e tornar a fazer é menor. Certa-
mente, esse processo também demanda momentos de criação autoral dos realiza-
dores, mas em grande parte eles são facilitadores da criação.

Ao olhar para pesquisa-criação desde a perspectiva da effectuation, a co-criação


era uma forma de expandir os recursos e dar início a uma colaboração criativa,
trazendo rumos imprevistos ao desenvolvimento do projeto. Em nosso caso, a in-
corporação dos princípios effectuation se aplicou uma vez que, ao adotar o pro-
cesso de co-criação, o trabalho não estava ancorado em objetivos específicos, per-
mitindo ao projeto não apenas alterar objetivos específicos, mas criar múltiplos no-
vos fins que não poderiam ter sido previstos no início do processo.

Pensando nisso, o projeto concebeu novos produtos conforme expandia os recur-


sos, em grande medida em colaboração com parceiros, por vezes através da co-
criação. Ao final, seis produtos foram desenvolvidos a partir das imagens 360º, fo-
tos, vídeos e áudios gravados durante a viagem de campo. Os seis produtos são:
Estrelas do Deserto VR (documentário em realidade virtual com 6DoF para Óculos
Quest), Estrelas do Deserto 360º (documentário 360º com 3DoF), Procurando Es-
trelas (um docugame interativo em 360º para visualização em web browser), Refú-
gio nas Estrelas (documentário linear longa metragem), GalileoCast (uma série de
podcats) e Irifi: Estrelas do Deserto (uma instalação artística).

Todos os produtos42 estão disponíveis no hotsite Estrelas do Deserto, criado espe-


cialmente para o projeto dentro do site do GalileoMobile. O hotsite tem versões em
inglês, português e espanhol e pode ser acessado através do link: https://www.ga-
lileomobile.org/desert-stars

Além de ter conteúdos complementares, cada produto tem uma abordagem distinta
e proporciona ao público uma experiência única. Por viabilizar uma obra mais es-
tética, o Estrelas do Deserto VR prioriza o esplendor do céu e do cenário para imer-
gir o participante. Estrelas do Deserto 360º explora as possibilidades da imagem
equirectangular para criar uma transição poética entre os elementos da narrativa. O
docugame Procurando Estrelas utiliza os elementos de gamificação para colocar o

42
Alguns dos produtos ainda estão em desenvolvimento durante a escrita dessa dissertação.
88

interator no centro das decisões. Já Refúgio nas Estrelas provoca o espectador a


refletir de uma maneira mais profunda sobre a questão dos refugiados saharaui. O
GalileoCast foi desenvolvido especialmente para trazer de volta aos professores
saarauis os conhecimentos adquiridos durante a viagem a campo. Por fim, Irifi é
uma instalação que busca transportar a experiência virtual para o mundo físico e
imergir os participantes dentro da obra artística.

Ao longo do desenvolvimento desses produtos, começei a direcionar a pesquisa-


criação a fim de entender cada linguagem para direcionar cada conteúdo aos dife-
rentes públicos. Apesar de ter muitas semelhanças, cada peça possui característi-
cas, estéticas e temáticas distintas. No entanto, todos os produtos incorporam ao
roteiro os trechos das entrevistas que falam sobre o contexto político e social cita-
dos no capítulo anterior. Por exemplo, na obra Estrelas do Deserto 360º uma opo-
sição dualistica, marcada entre aspectos políticos e astronómicos, é tratada até 6
minutos e 20 segundos, mas de metade da obra que tem 11 minutos e 12 segundos.

O documentário Refúgio nas Estrelas investiga a problemática da guerra entre sa-


arauis e marroquinos e trata também outros temas, como entrevistas a membros
do GalileoMobile a falar sobre o projeto Amanar e as atividades desenvolvidas nos
acampamentos. A instalação Irifi: Estrelas do Deserto também prioriza a questão
política, mas apresenta o conhecimento astronômico saaraui como pano de fundo.

Por outro lado, em Estrelas do Deserto VR e no GalileoCast, o conhecimento etno-


astronômico saaraui é priorizado, enquanto a questão política permeia a discussão.
Por fim, no docugame Procurando Estrelas, o jogador busca os sábios saarauis
para conhecer a cosmovisão local, mas primeiro precisa viajar pelo campo a pro-
cura de pistas e, consequentemente, encontrar outros personagens que falam so-
bre a questão histórica.

Apesar dessa etapa da criação não contar diretamente com a participação da po-
pulação saaraui, as demandas apresentadas durante as gravações foram levadas
em consideração em todos os produtos. Assim, cada uma dessas obras foi direci-
onada para uma plataforma específica, a fim de alcançar diferentes tipos de público.
Cada produto com sua especificidade, prós e contras que serão apresentados a
seguir, junto ao relato dos meios e processos de criação de cada experiência.
89

6.2 APRESENTAÇÃO E REFLEXÃO SOBRE OS PRODUTOS

6.2.1 PROCURANDO ESTRELAS

O docugame Procurando Estrelas43 é um híbrido entre documentário e jogo, se


encaixando na definição de jogos sérios (serious games) que tem um propósito
além do entretenimento, concentrando-se em educação, treinamento ou política.
Raessens (2006) aponta que os docugames são experiências interativas significa-
tivas na medida que imergem os jogadores na realidade do jogo, oferecendo esco-
lhas com implicações morais. Porém, Raessens ressalta que para ser efetivo, um
docugame necessita certo grau de entretenimento:

Um dos maiores desafios do design de jogos é justamente essa difícil ta-


refa de criar satisfação: incluir harmoniosamente esse ‘pacto de comuni-
cação documentarizado’ em jogos de computador e, assim, ir além do fato
e da ficção (2006, p. 223). 44

Realizado em 2008, Voyage au bout du charbon (VOYAGE..., 2008) é um dos pri-


meiros projetos denominado como documentário interativo (ROSE, 2017). Na ex-
periência o interator toma decisões para onde deseja seguir, com quem conversar
e quais perguntas são feitas aos entrevistados. Essa estrutura narrativa se asse-
melha aos livro-jogos (CARRELLI, 2019a). Outros exemplos de docugame são: Fort
McMoney (FORT McMONEY, 2013); Bugarach: Surviving the Apocalypse
(BUGARACH..., 2016) e Walden, a game (WALDEN..., 2017).

No docugame Procurando Estrelas, o participante faz parte de uma equipe de as-


trônomos, cineastas e etnoastrônomos que vão aos campos de refugiados saarauis
em busca de um especialista em estrelas que possa lhe contar histórias sobre sua
cosmovisão. Durante a experiência, o interator conhece professores, alunos, políti-
cos e líderes locais. Através dos depoimentos dessas pessoas, o jogador(a)
aprende sobre a condição dos refugiados saarauis e sobre a cosmovisão saaraui.

Para criar essa obra utilizamos as filmagens em 360º que realizamos durante o
projeto Amanar, além dos áudios originais dos depoimentos (em hassania ou

43
Procurando Estrelas está disponível no link: https://www.galileomobile.org/searching-for-stars-eng
44
Tradução do autor
90

espanhol) editados para criar cenas de no máximo 2 minutos. O docugame é le-


gendado em português e futuramente será traduzido para o inglês e espanhol.

A experiência inicia no meio do deserto onde o participante é introduzido ao local e


contexto da narrativa. Na imagem seguinte, o usuário é apresentado ao seu papel
e objetivo dentro do jogo. A narrativa começa de fato dentro da caminhonete de
Tawalo, um ex-combatente de guerra que utiliza as estrelas para se guiar pelas
noites frias do deserto. Após escutar o áudio de aproximadamente dois minutos
enquanto o carro se desloca pelo centro comercial de uma das wilayas, o público
pode optar se deseja ir ao centro de protocolo para participar de uma reunião ou ir
até a casa de Hamdi para tomar um chá. Cada escolha leva o participante a uma
história diferente, como destacado na imagem abaixo:

Imagem 23: Cada quadrado é uma cena que se conecta a outra cena do docugame interativo.
Fonte: Felipe Carrelli

Após cada cena, o participante tem duas ou mais opções para escolher por qual
caminho prefere seguir. No caso da cena da imagem 24 (abaixo), o participante
pode escolher entre quatro botões: tanque de guerra, livro, chá ou estrela. Se optar
pelo primeiro, ele vai para o Museu da Resistência onde vai escutar sobre a história
do êxodo da população saaraui. No segundo botão, o jogador escuta sobre como
o conhecimento oral era transmitido entre o povo nômade. Se clicar no símbolo chá,
o interator escuta Hamdi contando a anedota sobre os três chás saaraui. Mas se o
participante preferir escolher o botão com o símbolo da estrela, ele irá até a próxima
cena onde encontra a sábia saaraui que vai falar sobre a cosmovisão saaraui.
91

Imagem 24: Imagem equiretangular da entrevista com o sábio de estrelas – Wilaya de Smara.
Fonte: Felipe Carrelli

Essa variedade de possibilidades produz a impressão de que cada jogador tem


infinitas opções e que os finais são variáveis. Na realidade existem apenas dois
finais possíveis: o encontro com a sábia de estrelas ou a trágica morte do jogador
ao pisar em uma mina terrestre localizada próxima do Muro da Vergonha.

Apesar dessa limitação, cada participante tem uma experiência diferente pois o
conteúdo é diferente dependendo do caminho escolhido. De fato, esse é um dos
motivos da utilização dessa estética, uma vez que o docugame possibilita uma his-
tória mais longa e detalhada. Assim, nesse produto são apresentados conteúdos
complementares as experiências de 3DoF e 6DoF, já que não tivemos a limitação
de tempo (como citado anteriormente). Dessa forma, conseguimos adicionar no ro-
teiro desta obra as questões político/social demandada pelos saarauis durante o
processo de co-criação.

Por ser uma inovação tecnológica assimilada a um jogo, o docugame tem um po-
tencial de atrair um público mais jovem. Por outro lado, a desvantagem é justamente
exigir que os participantes tenham familiaridade com vídeos 360º para explorar a
imagem em todos os ângulos e tomar decisões dentro da narrativa.

Para o desenvolvimento do docugame utilizamos 3DVista Virtual Tour, um pro-


grama projetado para a criação de tours virtuais e muito utilizado no setor imobiliá-
rio, turismo e cultura. O programa permite que os designers se utilizem dos
92

elementos multimídia como fotos, vídeos, sons e plantas baixas, panoramas e ví-
deos 360º para criar exposições virtuais.

Em 2020, durante a pandemia da Covid-19, muitos museus de arte e ciências se


utilizaram de aplicativos semelhantes para criar exposições virtuais em 360º. Como
alguns exemplos podemos citar o Tour Virtual 360º do Castelo-Rá-Tim-Bum45 do
Museu da Imagem e do Som; o Virtual Online Museum of Art (Voma), primeiro mu-
seu de arte totalmente virtual46; e a exposição Computable - Incomputable47 no ZDF
Digital Art Hall que exibe obras de arte digitais geradas por computador.

Além disso, parques nacionais ao redor do mundo disponibilizam diversos percur-


sos interativos para que, mesmo durante o isolamento social, as pessoas pudes-
sem visitar os espaços naturais desde o conforto de sua casa. Algumas delas são:
Machu Picchu 360 VR48, uma experiência de realidade virtual imersiva e interativa
sobre Machu Picchu no Peru em vídeos 360, com modelagem 3D e design de som;
o Virtual Yosemite49, um passeio inovador interativo pelo Parque Nacional de Yose-
mite, na Califórnia; e The Chauvet-Pont d'Arc Cave50, onde público pode explorar
as pinturas rupestres mais bem preservadas da história.

Durante a realização do docugame, o primeiro passo foi escolher com qual pro-
grama iriamos trabalhar. Durante essa pesquisa, percebemos que existe uma vari-
edade muito grande de aplicativos destinados para a construção de passeios virtu-
ais 360, mas o maior problema encontrado foi a descontinuidade de muitos softwa-
res. A falta de atualização os tornava rapidamente obsoletos, já que estavamos
lidando com tecnologia de ponta como a realidade virtual. Por isso, testamos dife-
rentes programas: Wonda VR, KrPano, Pano2VR, Kuula, Klatpy e Orbix360.

Após analisar cada opção, percebemos um outro problema de trabalhar com esses
programas. Por ser pensado para o desenvolvimento de passeios virtuais, esses
aplicativos não apresentam muitas ferramentas narrativas. Por exemplo, algumas
não tem a opção de fade in/fade out para texto ou imagens. Outras trabalham com

45
http://www.fotosintese360.com.br/tour/ratimbum
46
https://visit.voma.space/
47
https://digitalekunsthalle.zdf.de/zkm_en/index.html
48
http://machupicchu360vr.com/#/
49
https://www.virtualyosemite.org/virtual-tour
50
https://archeologie.culture.fr/chauvet/en
93

som 360 espacializado, mas não dão a opção de vincular legendas ao áudio. Algu-
mas exportam o produto final para a web, mas não para óculos de realidade virtual.

A escolha pelo 3DVista Virtual Tour se deu principalmente pelas diversas possibili-
dades de exporte. O programa permitia que o produto final fosse exportado para
diferentes óculos de realidade virtual e/ou um arquivo, podendo ser facilmente
acessado via navegadores web como Firefox, Google Chrome ou Safari. Visando
alcançar um público mais abrangente, principalmente em locais com menos recur-
sos tecnológicos, optamos pela segunda opção, e criamos uma experiência em que
o participante não necessita ter um headset para jogar. Ainda assim, pretendemos
no futuro disponibilizar uma versão para que o público possa optar por assistir a
obra em óculos de realidade virtual.

6.2.2 ESTRELAS DO DESERTO 360º

Como expus anteriormente, o alto custo de headset de qualidade todavia torna a


realidade virtual pouco acessível para públicos com baixo poder aquisitivo. Uma
alternativa para que o público acesse vídeos em 360 sem a necessidade de adquirir
um equipamento caro é a plataforma do YouTube. Por isso, a criação de uma ex-
periência em 3 (DoF) em nosso projeto transmídia foi um caminho óbvio para ex-
pandir ainda mais o alcance do projeto.

A vantagem de Estrelas do Deserto 36051 é justamente ser um produto mais sim-


ples. Se por um lado a interação é aconselhada e até exigida por parte do público
especializado, por outro ela pode ser um fator de aversão e distanciamento de al-
guns participantes que não tem familiaridade com o uso da tecnologia de realidade
virtual. Afinal, por ser uma experiência mais acessível, pode de ser distribuída em
festivais de cinema, eventos, congressos e atividades do GalileoMobile.

Para desenvolver a obra 360º com 3DoF, nos baseamos na lógica de effectuation.
Buscando tutoriais da internet para estudar as técnicas possíveis dentro dos pro-
gramas disponíveis ao nosso alcance: Adobe Premiere, Photoshop e After Effects.

O primeiro passo foi identificar o fluxo de trabalho para criar a experiência com
esses programas. Para isso contamos com a ajuda de Garrett Sneen e seu canal

51
Estrelas do Deserto 360º está disponível em: https://www.galileomobile.org/desert-stars-360-eng
94

STIMULUS disponível no YouTube. No vídeo Create 360° VR Content – Introduc-


tion52, Sneen apresenta os conceitos básicos para criar um vídeo em 360º e como
trabalhar com a imagem equiretangular nos programas Photoshop e Premier.

Em seguida, iniciamos a construção do cenário. Durante a viagem de campo, utili-


zamos uma câmera Cannon 5D Mark III para tirar 1072 fotografias do centro de
protocolo em Rabouni. Dessas fotos, selecionamos 16 imagens que formavam uma
panorâmica completa do local. Então encontramos no YouTube dois tutoriais para
fundir essas fotos separadas em uma panorâmica: RAW Panorama Merge with
Photoshop CC53 do canal Tom's Tech Time e How to make a facebook 360 pano-
rama from any photo54 do canal PhotoshopCAFE.

Imagem 25: Desenvolvimento da panorâmica do cenário – Centro de Protocolo em Rabouni.


Fonte: Felipe Carrelli

52
https://www.youtube.com/watch?v=6bPiQx-9_5g
53
https://www.youtube.com/watch?v=45lPJ5B6mMU
54
https://www.youtube.com/watch?v=wWNSOcxX_xs
95

Após finalizar a costura da imagem equiretangular e testar o resultado no programa


Insta360Player, utilizamos o programa Photoshop para recortar o céu, eliminar as
imperfeições no chão e corrigir iluminação do cenário.

Imagem 26: Panorâmica recortada e com iluminação noturna.


Fonte: Felipe Carrelli

Feito isso, iniciamos a criação do céu. Adicionamos a imagem The Milky Way pa-
norama disponível pela ESO55 licenciado sob uma Licença Internacional Creative
Commons Atribuição 4.0. Além disso, utilizamos o Photoshop para pintar uma ca-
mada de estrelas sob a imagem equiretangular, corrigindo algumas imperfeições.

Na etapa seguinte exportamos a panorâmica do cenário e do céu separadamente


em arquivos .png com fundo transparente. Importamos esses dois elementos para
o Adobe Premier e iniciamos a montagem da cena final. Adicionamos a fogueira
com fumaça e o timelapse que Demetrio Rodrigues realizou durante a entrevista
com a sábia (cada fotografia é recortada no Photoshop e exportada em .png).

Recorremos ao Adobe After Effects para animar as árvores, a bandeira, a lua e a


chuva de meteoros que eventualmente rasga o céu estrelado. Na imagem 27, apre-
sento o resultado final desses elementos juntos no Adobe Premier.

Imagem 27: Frame equiretangular da obra de 3DoF finalizada.


Fonte: Felipe Carrelli

55
https://www.eso.org/public/images/eso0932a/
96

Dessa maneira, obtivemos uma resolução muito superior a imagem capturada atra-
vés da câmera 360. Apesar de trabalhar com elementos de animação, o grau de
imersão da cena é maior do que na imagem real da câmera 360.

Com a cena completa iniciamos a edição da narrativa propriamente dita. Selecio-


namos trechos das entrevistas dos sábios entrevistados, assim como outros repre-
sentantes da comunidade saaraui. Portanto, o roteiro é pensado para contemplar
as demandas do processo de co-criação: em primeiro lugar, contextualiza a ques-
tão política/histórica/social do povo saaraui e em seguida abordar a questão da
cosmovisão dessa população.

Assim, o participante inicia a experiência de 11 minutos no meio do deserto, ilumi-


nado somente pelas estrelas. Depois do texto breve contextualizando a experiên-
cia, o título Estrelas do Deserto se desfaz em pequenas partículas que se misturam
com as estrelas do céu. Em fade, surge a fotografia da sábia Alhaizza sentada em
um tapete preparando um chá. O público ouve então a voz de Hamdi, falando sobre
a importância do chá na cultura saaraui.

Após a narração, a sábia desaparece em fade out, e ao fundo surge em fade in a


cidade de Dakhla. O participante escuta novamente a voz de Hamdi que fala sobre
sua cidade natal e do fim do processo de colonização espanhol e consequente in-
vasão marroquina. Ao fundo, o participante assiste bombas explodindo sobre as
casas até que elas desaparecem em fade out. Em seguida, enquanto Hamdi fala
sobre o êxodo e perseguição sofrido pelo povo saaraui, o público está novamente
no deserto e observa ao fundo bombas, carros destruídos e tendas pegando fogo.

O deserto aos poucos vai se transformando, árvores e casas surgem em fade in.
Hamdi continua a história e explica sobre a chegada a terras argelinas e a constru-
ção dos acampamentos de refugiados, onde o participante se encontra agora.

Após um breve momento de silêncio, o público escuta o relato da professora Onija


de como é nascer e crescer em um campo de refugiado. Aqui, utilizamos fotografias
da equipe do GalileoMobile interagindo com professores e alunos para ilustrar en-
quanto a entrevistada conta sua história. Esse mesmo procedimento acontece nos
depoimentos seguintes dos outros personagens: Mohammed, Hayra, Tawalo, Aha-
med e Alhaizza.
97

Vale citar que a obra foi contemplada com o edital de divulgação científica CoMci-
ência de Ocupação em Arte, Ciência e Tecnologia do MM Gerdau – Museu das
Minas e do Metal. Entre o final de 2020 e início de 2021, a experiência foi exibida
on-line56 e gratuitamente na exposição “Cristais do tempo: emergências nas fissu-
ras do presente” juntamente com outras nove obras de artistas nacionais e interna-
cionais. Além disso, a obra Estrelas do Deserto 360º também foi selecionada pela
plataforma Ucraniana V-ART para ser exibida na exposição Art Spaceship57.

6.2.3 ESTRELAS DO DESERTO VR

Após finalizar o docugame e a obra de 3DoF, começei a desbravar novos desafios.


A primeira dificuldade foi encontrar parceiros para desenvolver a experiência de
6DoF, uma vez que o processo de criação requer profissionais de diferentes áreas
de atuação como game designer, programador, desenvolvedores, etc.

Na versão do Estrelas do Deserto VR58 em 6DoF, a proposta era recriar a experi-


ência vivida durante a entrevista com a sábia de estrelas Alhaizza (ver imagem 20).
Nas palavras de Salles e Ruggiero (2019, p. 90) “a realidade física, sonhos e me-
mórias são cruciais para o processo de design de outras realidades alternativas”.

Imagem 28: Foto do espaço fotogametrado (esquerda) e rascunho da experiência (direita).


Fonte: Felipe Carrelli

56
https://2020.programacomciencia.org.br/virtual/s03360.html
57
https://v-art.digital/
58
Estrelas do Deserto VR está disponível em: https://www.galileomobile.org/desert-stars-vr-eng
98

Em um primeiro momento, ao longo da disciplina de Desenvolvimento de Projetos


do PPGMC desenvolvemos um protótipo de papel que foi apresentado como refe-
rência visual e como exemplo de interação da obra de realidade virtual em 6DoF.

Posteriormente, seguindo a lógica de effectuation citada nos capítulos anteriores, o


projeto buscou apoio nas redes de contato do grupo de pesquisa-criação Bug404,
coordenada pelo professor André Paz. Assim, costuramos uma parceria para o de-
senvolvimento da obra com o professor Joel dos Santos e os alunos Victória Car-
valhal e Rafael Lucas do Grupo de Pesquisa em Multimídia (GPMM) do Centro
Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ).

Imagem 29: Protótipo de papel da obra de realidade virtual em 6DoF.


Fonte: Felipe Carrelli

Devido a pandemia de Covid-19 que assolou o planeta em 2020, organizamos se-


manalmente encontros virtuais de desenvolvimento. No início as funções eram bem
definidas. Enquanto eu pensava a parte narrativa, direcionando os caminhos nar-
rativos e estéticos da experiência, Joel traduzia minhas palavras em soluções e
encaminhamentos para que Victória e Rafael fizessem o desenvolvimento ao longo
da semana. Na reunião seguinte, Victória e Rafael mostravam os avanços e as
dificuldades. A partir dai discutíamos as possibilidades e novas soluções.

Para compartilhar os progressos de cada integrante da equipe, criamos o repositó-


rio GPMM/EstrelasdoDeserto no GitHub, um provedor de hospedagem na Internet
para desenvolvimento de software e controle de versões. Além disso, o Github
conta com uma comunidade de código aberto, onde as pessoas trocam dúvidas e
informações sobre programação.
99

Imagem 30: Victória, Rafael e Joel durante uma reunião online de desenvolvimento no Unity.
Fonte: Felipe Carrelli

Vale destacar que esses fóruns de discussão, assim como os tutoriais disponíveis
no YouTube e a completa documentação no site da Unity são fundamentais para o
desenvolvimento dessa experiência. Sem esses colaboradores remotos, que dedi-
cam seu tempo a ajudar outros gratuitamente nessas comunidades on-line, nosso
trabalho para encontrar soluções rápidas teria sido muito maior. A eles e elas, so-
mos eternamente gratos por sua generosidade.

Ao longo do processo de criação da obra, as fronteiras entre as funções iniciais aos


poucos se misturavam, na medida em que percebemos um novo processo de co-
criação, dessa vez entre diferentes áreas de atuação. Isso se deu pelo fato de eu
ter uma tradição audiovisual linear. Ao entrar no mundo da gamificação, isso signi-
ficou quebrar paradigmas narrativos e deparar me com um universo novo de pos-
sibilidades. Possibilidades essas que eu desconhecia até então. Assim, ao longo
do processo de criação, convidei Joel, Victória e Rafael para propor e contribuir
com referências e soluções narrativas.

Ao mesmo tempo, ao participar das reuniões de desenvolvimento com a equipe do


GPMM, começei a entender a lógica por trás do programa Unity. Em certo
100

momento, Joel me convidou a entrar de vez no processo e auxiliar Victória e Rafael.


De início, tive certa dificuldade em navegar pelo espaço 3D do Unity, mas eventu-
almente consegui manipular a ferramenta e fiquei encarregado da construção do
cenário, enquanto eles focavam na parte de programação.

No entanto, com o tempo, me aventurei em campos mais complexos e arrisquei até


mesmo traçar algumas linhas de programação. Esse processo se intensificou entre
os dias 31 de outubro e 12 de dezembro de 2020 ao longo da oficina Desenvol-
vendo Aplicações Rv Para Quest ministrada por Gabriel Lima de Souza. O
hackathon de 28 horas de duração foi organizado pelo professor Joel dos Santos e
contou com a participação de alunos do CEFET/RJ, e de alunos do professor André
Paz vinculados ao Bug404 e ao PPGMC.

Após esse período intenso de aprendizado e desenvolvimento, criamos um protó-


tipo tofu, que é chamado assim por utilizar blocos brancos (dai o apelido) para testar
de forma otimizada e rápida um esqueleto do aplicativo. Nessa etapa o jogo ainda
tinha uma estética sem graça, bem prosáica, pois priorizamos a criação da mecâ-
nica do produto para explorar os potenciais de interatividade e presença da obra.
Somente após consolidarmos a estrutura do dispositivo e suas interações, nos
aprofundamos na parte estética e na narrativa.

Nessa etapa, como discuti em capítulos prévios, era importante elevar o grau de
imersão do participante para que ele permaneça na história. Assim, além do es-
plêndido céu estrelado, a construção do espaço do acampamento foi essencial para
conferir veracidade ao ambiente. Em um primeiro momento utilizamos fotografias
inseridas em planos 2D para compor as paredes das casas ao redor do participante.
No entanto, após testes com o Oculus Quest, notamos que a falta de profundidade
diminuía a sensação de imersão. Por isso, buscamos técnicas realistas para recriar
essas paredes em nossa experiência. Uma dessas técnicas é a fotogrametria.

Entre os dias 23 à 28 de abril de 2019, ainda na etapa previa a viagem a campo,


participei da segunda edição do Rio Creative Conference (Rio2C)59. Como parte da

59
Evento que reune profissionais dos mercados de audiovisual, música, neurociência, inovação, marcas, ga-
mes e realidade virtual.
101

programação do evento, o Hub Brasileiro de X-Reality60 (XRBR) foi convidado para


organizar painéis e workshops sobre realidade virtual, aumentada (AR) e mista
(MR). Durante o painel XR – Desafios de pós produção, Ranz Razenberguer alertou
que as câmeras 360º mais utilizadas até então61 “ainda estão em desenvolvimento,
nenhuma é realmente boa62. Ano passado saíram novas câmeras com preço mais
acessível e a tecnologia tem melhorado” (CARRELLI, 2019c).

No mesmo painel, Nelson Porto apontou que a técnica de fotogrametria é uma ex-
celente alternativa nesse sentido, por ser a maneira mais próxima de chegar ao real
quando trabalhamos dentro de universos imersivos (CARRELLI, 2019c). O realiza-
dor mostrou ainda que a fotogrametria permite aos realizadores trabalharem com
seis graus de liberdade, onde o interator pode se deslocar dentro do ambiente ao
invés de ficar apenas preso a um ponto fixo, ampliando a capacidade e interação
do participante com o espaço.

O objetivo da fotogrametria é produzir cópias digitais 3D de cenários, objetos e até


pessoas, usando apenas imagens 2D. Usando algoritmos matemáticos, um com-
putador analisa os pontos comuns entre várias imagens e detecta sua posição no
espaço tridimensional, dando origem a nuvens de pontos que por sua vez permitem
a criação de modelos 3D foto realistas (CH’NG; CAI; ZHANG et al, 2019). Esse
processo é muito usado na indústria de games, mas também está migrando para
narrativas de ficção, animação e documentários.

Impulsionada por avanços tecnológicos recentes, juntamente com o acesso a pro-


gramas de baixo custo e até mesmo gratuito, a fotogrametria passou a ser uma
tecnologia acessível para a produção de modelos digitais tridimensionais foto rea-
listas de objetos, monumentos, sites, designs e obras de arte. A técnica é conside-
rada uma ferramenta importante para a conservação, pesquisa e a divulgação de
patrimônios culturais (RESCO, ESPINOZA-FIGUEROA, ULLAURI et al, 2018) e
vem sendo empregada principalmente onde estes correm risco de destruição

60
O XRBR é uma associação sem fins lucrativos, criado por profissionais do mercado, da academia e do
governo para unir esforços e impulsionar o emergente e desafiador mercado brasileiro.
61
Samsung Gear 360, GoPro Fusion 360 e Insta Pro 2.
62
De fato, a qualidade das imagens 360º cinemáticas não são as melhores quando visualizadas nos óculos de
RV. No caso do equipamento utilizado durante esse trabalho, as imagens noturnas são ainda menos satisfató-
rias devido a baixa iluminação, além é claro de limitar as experiências a três graus de liberdade.
102

terrorista, calamidades naturais, urbanização e riscos antropogênicos.

Por isso, vemos um aumento da utilização dessa técnica no campo da arqueologia


e da arquitetura histórica. Assim as imagens de objetos e espaços 3D são reprodu-
zidas a partir de fotografias e posteriormente implantados em um ambiente de rea-
lidade virtual com interatividade (RAHAMAN, CHAMPION e BEKELE, 2019). Um
exemplo é o projeto Archaeological Remote Sensing coordenado por Mazuera e
Burbano (2019) da Escola de Arquitetura e Design de Los Andes, na Colômbia. O
projeto tem como objetivo dar visibilidade ao patrimônio arqueológico de Sierra Ne-
vada de Santa Marta e utiliza a fotogrametria para analisar o terreno em profundi-
dade, causando o menor impacto possível na estabilidade material do sítio arque-
ológico. Segundo os autores, a realidade virtual jamais pode substituir a experiência
de visitar presencialmente o lugar, mas é muito mais eloquente que uma fotografia
e permite ao participante interagir com o sitio arqueológico, percorrê-lo e explorá-lo
(MAZUERA; BURBANO, 2019)

Ao longo do processo de fotogrametria nos baseamos em tutoriais de internet e no


artigo de CH’NG; CAI; ZHANG et al. (2019) que fornece um guia de boas práticas
para realização dessa técnica. Além disso, durante a disciplina Criação e Produção
na Cultura Digital no PPGMC, Nelson Porto detalhou dicas na captação das foto-
grafias, sugerindo realizar as imagens de locais abertos em dias nublados, por fa-
cilitar o posterior processamento das imagens no computador.

Felizmente, ao chegar nos acampamentos saaraui, tivemos a sorte de ser brinda-


dos com um raso dia nublado e até chuva no deserto (imagem 3). Isso possibilitou
a captação de mais de 1072 fotos do centro de protocolo em Rabouni (imagem 31).
Essas fotos foram utilizadas posteriormente para a construção da fotogrametria.

No entanto, após a viagem a campo, essa etapa ficou em suspensão pois a foto-
grametria requer um alto processamento computacional e uma placa de vídeo
avançada, recursos não disponíveis pela equipe. Por isso tivemos que esperar
aproximadamente um ano até contar com o apoio da professora Leila Lobato Graef
do Instituto de Física da Universidade Federal Fluminense que disponibilizou uma
máquina capaz de realizar o desenvolvimento desse processo, efetivando assim
mais um exemplo da lógica de effectuation adotada ao longo do projeto.
103

Imagem 31: No total foram tiradas 1072 fotos do local para realizar a fotogrametria do espaço.
Fonte: Felipe Carrelli

Após o processamento das fotografias o programa RealityCapture gera uma nuvem


de pontos (ver imagem 32). Depois de tanto tempo de espera e expectativa, ver a
materialização dessas fotos 2D em um ambiente 3D foi mais um momento especial,
entre tantos, dessa pesquisa.

Imagem 32: Nuvem de pontos criada a partir das fotos do campo – RealityCapture.
Fonte: Felipe Carrelli

Ao exportar um arquivo no formato .obj, obtivemos um modelo 3D do cenário, mas


ainda com muitas imperfeições geradas pelo programa. Esses buracos na malha
se dão principalmente por falta de imagens em ângulos suficientes. Além disso, o
objeto gerado é muito pesado, com mais de 127 milhões de triângulos.
104

Imagem 33: Modelo 3D do cenário gerado com imperfeições exportado do RealityCapture.


Fonte: Felipe Carrelli

Mesmo após a diminuição do número de triângulos para 5 milhões com ferramentas


do próprio RealityCapture, foi imprescindível realizar o processo de retopologia para
a limpeza e diminuição dos triângulos a fim de otimizar o objeto 3D para a experi-
ência no Oculus Quest (imagem 34).

Imagem 34: O processo de retopologia para limpeza e diminuição dos polígonos – Zbrush.
Fonte: Felipe Carrelli

Após finalizar a retopologia e otimização do cenário no programa Zbrush, o modelo


3D do cenário foi novamente exportado e reimportado para o RealityCapture, onde
aplicamos novamente a textura das casas (imagem 35).

Imagem 35: Modelo 3D do cenário limpo e otimizado.


Fonte: Felipe Carrelli

Com o modelo 3D limpo e otimizado, estavamos prontos para posicionar as casas


no cenário do Unity juntamente com as arvores, fogueira, personagens, tapete, al-
mofadas, etc. Adicionamos também a iluminação da cena com diferentes pontos
105

de luz que foram cozinhados na cena de modo a otimizar a experiência para o


Oculus Quest (ver imagem 36).

Imagem 36: Modelo 3D inserido e iluminado no cenário com outros elementos - Unity.
Fonte: Felipe Carrelli

Assim, obtivemos a seguinte experiência. O participante entra em uma sala, se


senta em um tapete com almofadas e coloca os óculos de realidade virtual Quest.
Ele/ela é então transportado a um pátio circular localizado no centro de protocolo
de Rabouni. No tapete, sentada a frente do participante está a sábia saaraui
Alhaizza vestindo sua tradicional Melhfa63. A cena é iluminada pela luz das estrelas
da fogueira ao lado. Ao redor, as folhas das árvores balançam suavemente com o
vento. Acima, os elementos no céu se movem lentamente, respeitando o eixo da
rotação da Terra. O som ambiente da fogueira, do vento e de cabras ao fundo são
espacializados e permanecem fixos mesmo durante o deslocamento do partici-
pante. Esses primeiros segundos da experiência são dedicados ao ajustamento
físico do participante. É nesse momento em que ela/ele observa a existência de
seu corpo nesse novo espaço virtual e se questiona:

Sinto-me confortável no novo espaço e compreendo as regras do mundo


criado? Quem sou eu? O que acontecerá comigo? O que eu posso fazer?
Tenho pés e mãos? Tenho corpo? Como saberei quem sou como um visi-
tante? Será por uma referência física ou uma pista da história? (SALLES;
RUGGIERO, 2019)

Após o primeiro impacto visual, apresentamos o papel do participante dentro da


narrativa. Segundo Salles e Ruggiero (2019), esse momento é significativo porque
nossa interpretação da história, o impacto emocional e nosso envolvimento mudam

63
Túnica de uma peça usada por mulheres.
106

de acordo com o papel que nos é dado na narrativa. Por meio do áudio, o público
escuta Andrea Antón apresentar a equipe do GalileoMobile e explicar o objetivo do
nosso encontro. O interator é posicionado como parte desse grupo de pesquisado-
res e personagem da narrativa. Isso é retomado ao final, quando a sábia pede que
o participante divulgue ao mundo seu calvário. Desse jeito, a obra convida o público
a difundir essa discussão através de seus próprios meios.

Em seguida, a sábia dá as boas vindas aos visitantes e conta sobre a origem da


faixa esbranquiçada que atravessa o céu, denominada como Caminho de Palha na
tradição cosmológica hassania. Após o áudio inicial, enquanto a sábia prepara um
chá, o visitante é convidado a caminhar pelo espaço de dois metros quadrados e
interagir com outros personagens que surgem conforme a história avança.

Imagem 37: Cena inicial do Estrelas do Deserto VR.


Fonte: Felipe Carrelli

Como citei anteriormente, todas as entrevistas foram registradas em áudio. Com


esse material documental, criamos um roteiro a fim de adaptar o conteúdo a uma
experiência de realidade virtual de entre 10 -12 minutos de duração. Como as en-
trevistas são em hassania e espanhol, a obra conta com legendas em português,
espanhol, inglês e árabe.

O dispositivo narrativo se dá da seguinte forma. Quando o participante se aproxima


da zona de colisão da fotografia 2D de um personagem, o áudio dessa pessoa é
ativado juntamente com a legenda. O próximo áudio só inicia quando o anterior
finaliza. Esses áudios têm entre 1-3 minutos e, enquanto tocam, o participante fica
107

livre para explorar o espaço. Junto ao áudio, outro personagem aparece e o parti-
cipante pode ativar o áudio dessa pessoa ao se aproximar. Dessa forma, a narrativa
faz conexões entre as histórias sobre céu e a situação política e social na qual os
refugiados estão submetidos.

Nessa jornada de exploração das conexões de conteúdo, não é nosso objetivo mo-
nopolizar a atenção do participante, mas é certo que projetarmos um caminho para
chamar a atenção à narrativa, propondo significados através dos diálogos. O es-
paço e a interação são limitados principalmente por se tratar de uma primeira ex-
periência e, portanto, cada passo de desenvolvimento é como andar sob ar rare-
feito: é preciso esforço e atenção. Sabemos que se trata de um primeiro e humilde
passo nesse novo universo narrativo sedutor da realidade virtual e dos jogos. Faço
das palavras de Murray (2003, p. 84) as minhas:

Mas se a chave para contar histórias convincentes num meio participativo


está em impingir ao interator um roteiro, o desafio para o futuro é inventar
roteiros que sejam esquemáticos o suficiente para serem facilmente assi-
milados e correspondidos, mas flexíveis o bastante para abrangerem uma
maior variedade de comportamentos humanos, em vez de limitarem-se à
caça aos tesouros e à matança de trolls.

6.2.4 REFÚGIO NAS ESTRELAS, GALILEOCAST E IRIFI

Apesar de não ser o foco desta dissertação, vale citar rapidamente os outros pro-
dutos que foram desenvolvidos no contexto do projeto Amanar e que também re-
fletem os processos criativos descritos nos capítulos anteriores.

Uma das demandas do grupo GM foi a criação de um documentário linear, que


ainda não foi finalizado, sobre as atividades do Amanar. Por isso, toda a edição de
som e entrevistas que utilizamos para as peças de realidade virtual estão sendo
adaptadas para o longa metragem linear Refúgio nas Estrelas64. Dessa forma, o
GM pretende enviar o produto para mostras e festivais de cinema, além de exibir
para apoiadores do projeto.

Apesar desse produto ter uma abordagem mais institucional do projeto, o documen-
tário também apresenta as pautas da causa saaraui. Por ser uma mídia mais

64
Refúgio nas Estrelas estará disponível em: https://www.galileomobile.org/a-refuge-in-the-stars-eng
108

consolidada, o público está familiarizado com ela e os canais de distribuição são


diversificados: cinema, televisão e internet. Além disso, pretendemos enviar o do-
cumentário para o Festival Internacional de Cinema do Saara.

Ademais, o projeto transmídia conta também com a série de podcast GalileoCast65,


que surgiu a partir de uma necessidade prática. Em 2020, o GalileoMobile foi con-
templado com um edital da Office of Astronomy for Development (OAD) para reali-
zar o projeto e-Amanar. Como resposta aos desafios impostos pela pandemia de
Covid-19, o e-Amanar foi a continuação da capacitação dos professores envolvidos
no projeto Amanar de 2019 (TSAI, 2020).

Apesar de utilizar os recursos do edital para comprar cartão de celular e disponibi-


lizar internet para os professores, a comunicação com o grupo ainda era precária.
A escassez de computadores e a falta de conectividade confiável com a internet é
uma realidade nos acampamentos e por isso as atividades com professores foram
realizadas via Whatsapp, por ser uma ferramenta eficiente e de fácil acesso, já que
não exigia uma conexão de internet rápida e os professores tem familiaridade.

Isso obrigou a equipe ser criativa, trabalhando com podcasts em áudio para que os
professores pudessem ter acesso ao material de maneira assíncrona. Além disso,
enviamos imagens e fotos em .jpg de baixa qualidade para ilustrar as atividades.

Logo no início, sugerimos diversos temas relacionados a astronomia para que os


professores optassem por quatro. Entre as atividades escolhidas, uma delas foi
justamente sobre astronomia tradicional saaraui. Utilizamos os depoimentos regis-
trados nos acampamentos para criar a série de podcasts a fim de discutir o assunto
com aos saarauis. Um dos objetivos propostos pela atividade era incentivar que os
professores pesquisem novas histórias e utilizem o espaço das aulas para estimular
isso a seus alunos. Com isso, este foi nosso primeiro produto que retornou aos
acampamentos e teve uma ótima recepção por parte dos professores (as).

Por último, juntamente com o grupo de pesquisa-criação Bug404, organizamos uma


parceria com o Serviço Social do Comércio (SESC) para ocupar o Sesc Quitandi-
nha, em Petrópolis, com oficinas e instalações com a temática de divulgação de

65
GalileoCast está disponível em: https://www.galileomobile.org/galileocast-eng
109

ciência e tecnologia. Entre as atividades está a instalação Irifi: Estrelas do Deserto66


em parceria com Ana Cunha, Jefferson Duarte e Renato Ribeiro da Silva.

Imagem 38: Instalação Irifi no Sesc Quitandinha em Petrópolis entre 08.10.2021 – 30.01.2022
Fonte: Felipe Carrelli

Nesta experiência, a transição do contar história para o vivenciar história se inten-


sifica: o público entra na narrativa de corpo inteiro. De espectador a participante, o
participante ganha uma nova perspectiva ao entrar em uma narrativa virtual com o
corpo inteiro. Salles e Ruggiero apontam que essa transição é parte fundamental
da experiência total e é a chave para a imersão:

Como se conecta o mundo físico (o espaço onde a experiência ocorre) ao


mundo virtual? A experiência deste universo se faz sentado, de pé, cami-
nhando? Como a sensorialidade do mundo físico penetra no mundo vir-
tual? [...] Dependendo do conteúdo e da sensorialidade da experiência, a
maneira como saímos da história é completamente diferente em cada
caso: não é o mesmo sair da experiência de um documentário de guerra
e sair de um passeio de montanha-russa. É importante ter em mente que
durante essa experiência o visitante é pura emoção, ele não se concentra
em reflexões durante os minutos de existência na realidade virtual, mas
esse tempo de reflexão chega no final. A transição de volta da virtualidade
para o mundo físico deve gerar um espaço adequado para reflexão ou
uma nova ação [...] qual é o sentimento que desejo que o participante traga
de volta consigo para a realidade-física? (2019, p.84-85).

66
Mais informações sobre a instalação Irifi podem ser acessadas em: https://www.galileomobile.org/irifi-eng
ou em https://ocupacaorefugio.com.br/
110

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Parte da minha motivação para realizar esta pesquisa-criação era descobrir novas
formas de integrar o documentário à divulgação científica. Para mim sempre foi um
desafio transmitir essas histórias sobre o céu para a linguagem audiovisual. Afinal,
como podemos nos inspirar pelas estrelas sem vivenciar sua beleza? Como pode-
mos reproduzir o esplendor e magnitude desses céus ao público? Em outras pala-
vras, como reproduzir essas experiências humanas realmente memoráveis e co-
nectar pessoas, sentimentos e sentidos?

Ao escolher olhar para a realidade virtual, este trabalho tentou um primeiro passo
para a compreensão de como essa linguagem pode ser aplicada dentro do campo
da popularização da ciência. Assim, ao longo desse relato, busquei discutir, analisar
e replicar estes elementos em nossos produtos.

A primeira tarefa deste trabalho foi contextualizar a situação político e social na qual
este projeto estava inserido. Para isso, fizemos um breve resumo sobre o conflito e
sobre o estado atual dos refugiados saaraui. Como mostrei, essa discussão não
poderia ficar de fora desta dissertação. Ao adotar a perspectiva decolonial em
nossa pesquisa-criação, sentimos a necessidade de fundamentar nossa prática ao
processo de co-criação e falar sobre essas questões foi uma demanda que surgiu
como consequência dessa escuta ativa com a população saaraui.

Ao se debruçar sobre a pesquisa-criação me deparei com caminhos muito genero-


sos de abordagem, que podem futuramente ser aplicados em diferentes temáticas,
dispositivos e linguagens. Apesar de termos encontrado dificuldades para consoli-
dar o processo de co-criação, a recepção favorável do povo saaraui através de
seus representantes demonstra o potencial que esse tipo de método pode alcançar.
Porém, muitos aspectos relacionados a co-criação e como ela pode ser melhor apli-
cada ainda precisam de outras investigações.

Ao incorporar essa questão em nosso produto fomos levados a expandir a narrativa


através da estratégia transmídia. Assim, a lógica de effectuation legítimou e poten-
cializou a trajetória de desenvolvimento dos produtos, ao priorizar a exploração das
possibilidades a partir dos recursos disponíveis. Esse processo aberto de experi-
mentação, tentativas e erros, reajustes de rumos, convocou ao improviso,
111

contrapondo teoria e prática.

Nesse sentido, os próprios conceitos incorporados a um projeto de pesquisa-cria-


ção podem ser vistos como recursos, ao integrar de forma criativa a reflexão teó-
rica. Dessa forma, por um lado, a co-criação e a estratégia transmídia foram instru-
mentos de orientação no Estrelas do Deserto, norteando as decisões tomadas pelo
projeto. Por outro lado, desdobrei a experiência da pesquisa-criação em reflexões
conceituais, que resultam nessa dissertação.

Logo, relatei o passo a passo do processo criativo e das tomadas de decisão, além
da refletir sobre as questões nevrálgicas levantadas na trajetória da pesquisa-cria-
ção, seja na prática ou na teoría. Essa articulação entre pesquisa e criação se deu
principalmente ao longo do processo de co-criação, efetivado sobretudo através da
lógica de effectuation.

Ao escolher olhar não apenas para o que deu certo, mas também para os percalços
e limitações dentro de nossas decisões, descrevi e refleti sobre como estas se ex-
pressam em cada passo do processo criativo. Acredito que uma decisão frustada,
enquanto pesquisa, pode ser uma lição aprendida pertinente ao leitor e por isso
valeu a pena ser compartilhada.

Ao longo do texto, lembrei que tanto o processo de co-criação, como a estratégia


transmídia empregada, não foram exemplares, devido a diversos fatores. Porém,
busquei dentro da lógica de effectuation, lidar com as adversidades e trabalhar com
as oportunidades e os recursos disponíveis.

Quando comecei esta pesquisa, esperava encontrar soluções de como se apropriar


da realidade virtual no campo da divulgação científica. Como em qualquer tecnolo-
gia em expansão, a RV é uma ferramenta promissora. Ao longo da pesquisa des-
cobri que isso é apenas parcialmente verdade. Se por um lado a RV permite novas
possibilidades narrativas, por outro ainda é um instrumento caro e de acesso limi-
tado, particularmente em países em desenvolvimento ou em se tratando de contex-
tos como acampamentos de refugiados.

Pensar o público desejado de qualquer projeto é um princípio dentro do campo da


divulgação científica. Ao unir essa premissa com a perspectiva decolonial, e
112

assumir o processo de co-criação no desenvolvimento do produto, passou a ser


inevitável não refletir como retornar essa obra de realidade virtual aos refugiados
saaraui. Afinal, a popularização do conhecimento absorvido passou a não ser ape-
nas destinado ao público externo, mas também para os próprios saarauis.

Pensando na democratização do acesso, optei pela estratégia transmídia, criando


produtos diversos que pudessem ser vivenciados dentro de diferentes contextos
e/ou através de distintas plataformas. Nesse sentido, essa pesquisa-criação foi um
pequeno passo no sentido da compreensão das potencialidades da utilização da
realidade virtual para a divulgação científca. Espero que o trabalho aqui desenvol-
vido seja útil para quem, como nós, já não se pergunta o que é a realidade virtual,
mas sim o que podemos fazer, ou mudar, através dela.

Outras questões surgiram ao longo desta pesquisa-criação. A pandemia do Covid-


19 atingiu fortemente a comunidade emergente de narrativa imersivas. Por todos
os cantos, sentimos o impacto de congressos adiados, festivais cancelados, aulas
adaptadas para o meio virtual e a incerteza crescente do que está por vir. Os mais
otimistas enxergam essa crise como uma possibilidade de consolidação da reali-
dade virtual uma vez que o planeta está confinado ao mundo virtual. Por outro, os
pessimistas afirmam ser a suspensão da realidade virtual, uma vez que contamina-
ção via headsets torna impensável a promoção de eventos públicos de RV.

A pandemia trouxe desafios que pareciam, a priori, intrasponíveis. No entanto, ba-


seado na lógica de effectuation, consegui me reinventar e achar soluções através
da colaboração. Se o resultado não é o esperado, reinventa-se o resultado. Afinal,
a inovação é sempre percorrida sobre território desconhecido. Com isso tive que
sair da zona de conforto, aprender novos recursos, novas metodologias e dividir
habilidades. Fruto disso foi a parceria com o grupo do GPMM, onde compartilhamos
momentos de aprendizado genuíno. Na verdade, espero que este ensaio e seus
produtos inspirem parcerias semelhantes em projetos futuros.

Outra janela que se abriu foi a possibilidade de estar presente em diferentes lugares
ao mesmo tempo, através das conferencias, simpósios e festivais on-line. Ao longo
do período de 2020-2021, apresentei o Estrelas do Deserto em 8 eventos: IV Redes
Digitais e Culturas Ativistas (Campinas); Immersivity and Technological Innovations
113

(Montreal); II Simpósio Internacional de Inovação em Mídias Interativas (São


Paulo); NoviembreHD (Buenos Aires); Diálogos de VR: Festival Nacional Cineastas
360 (Rio de Janeiro); V-ART ArtSpaceship (Ucrânia); Exposição CoMciência: Cris-
tais do Tempo (Belo Horizonte) e Communicating Astronomy with the Public (Aus-
trália). Seja em palestras no meio acadêmico, seja nos festivais/mostras em que
exibimos os produtos, a divulgação do Estrelas do Deserto esteve sempre vincu-
lada a questão política e social saaraui. Fizemos questão de levantar esse debate
para nossa audiência, ainda mais após os últimos desdobramentos do conflito entre
dezembro de 2020 e começo de 2021.

A fim de exigir a Missão das Nações Unidas para o Referendo de autodeterminação


no Saara Ocidental, em 21 de outugro de 2020, a Frente Polisário bloqueou a zona
tampão de Guerguerat. A região de Guerguerat está localizada na zona neutra des-
militarizada ao sul do Muro da Vergonha e próximo ao oceano Atlântico. Violando
os acordos de cessa-fogo e o Plano de Paz, caminhões marroquinos, com a anuên-
cia do governo abriram uma passagem que liga o território ocupado e o território
liberado do Saara Ocidental, para escoar mercadorias em direção à Mauritânia, e
de lá para a África subsaariana (CRIVELENTE; ESTRADA, 2020).

Entretanto, dez dias após o bloqueio, em texto elaborado pelos Estados Unidos, o
Conselho de Segurança da ONU renovou o mandato do ministério no Saara por
mais um ano por meio, sem fazer menção ao referendo de autodeterminação exi-
gido pelos saarauis (PEREGIL, 2020). Em 13 de novembro, o Marrocos enviou for-
ças ao local para atacar um grupo de saarauis que protestava pacificamente contra
a passagem. Em razão do fracasso do processo diplomático, na madrugada de 14
de novembro, o Polisario reagiu para proteger os civis e o seu território liberado,
considerando então nulo o cessar-fogo de 1991 e decretando o retorno à luta ar-
mada após 29 anos de espera num estéril plano de paz que apenas consolidou a
ocupação do território por parte de Marrocos (CUARTOPODER, 2021; PAZ, 2021).

Em novembro de 2020, a equipe teve que interromper as atividades do projeto e-


Amanar (citado no capítulo anterior) devido a convocação de jovens saarauis para
se unir ao exército que se prepara para o iminente conflito armado (FERNÁNDEZ;
FERRERA, 2020). Está claro agora que o povo saaraui acerta ao indicar, durante
o processo de co-criação, que a questão mais urgente é a preservação de sua
114

própria existência.

Por fim, gostaria de terminar essa dissertação com uma mensagem positiva e re-
confortante sobre o importante papel da educação, da divulgação científica ou
mesmo da realidade virtual na resolução de todos os problemas sociais que nos
temos nesse planeta. “Mas o Saara se libera através de guerra” (BARUYEMAA,
2019) – a dura profecia do sábio saaraui é tão certeira quanto o movimento das
estrelas no céu do deserto. Sobra pouca esperança. Mas, para não encerrar esse
último capítulo todo de negativas como fez Brás Cubas em suas memórias póstu-
mas, deixo aqui algum alento.

Durante os dez dias em que dividimos xícaras de chá com o povo saaraui aprendi
que apesar da injustiça, da tragédia e da dor, é possível sorrir. A paciência e prin-
cipalmente, a resiliência, desse povo são inspiradoras, e me ajudaram a resistir aos
dias mais difíceis - que não foram poucos - dessa pandemia.

Me lembro que no centro de protocolo em Rabouni, conhecemos o italiano Roberto


Salustri, que se defini como um convicto eco-socialista, inventor, sonhador, agroe-
cologista e pesquisador. Há alguns anos, ele coordena o projeto “Uma árvore para
cada mina: ecologia e direitos do povo saaraui”, que propõe plantar uma árvore
para cada mina terrestre colocada ao longo do muro marroquino que separa o povo
saaraui de sua terra. O projeto luta contra as mudanças climáticas e pelo direito do
povo saaraui viver com independência em sua própria terra (SALUSTRI, 2021).

Plantar sete milhões de mudas no deserto do Saara parece uma tarefa hercúlea.
No entanto, um estudo recente publicado na Nature detectou uma contagem ines-
peradamente grande de árvores no Saara e no Sahel da África Ocidental. Os pes-
quisadores encontraram mais de 1,8 bilhões de árvores isoladas (13,4 árvores por
hectare), com copa media de 212 metros, em locais com precipitação que variam
entre de 0 a 1.000 mm por ano (BRANDT et al., 2020). Ou Como diria Dr. Ian Mal-
colm em Jurassic Park (1993) “Life, uh, finds a way...”.

Afinal de contas, somadas umas coisas e outras, “Não é o que a Vida nos dá. Nem
o que dela colhemos. Mas o que semeamos em pleno deserto” (COUTO, 2016).
115

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