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NATAL/RN
2023
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NATAL/RN
2023
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA
AGRADECIMENTOS
Produzir esta dissertação foi uma tarefa, por algumas circunstâncias, especialmente
solitária, no sentido de que a cumpri em um regime remoto, distante fisicamente das trocas com
meu orientador, com os colegas de turma, com a vida que pulsa nos corredores da universidade.
Por isso, concluir a pesquisa foi um desafio ainda maior. Isso não significa, contudo, que eu
estive sozinho durante os mais de dois anos de Mestrado. Nesse momento, gostaria de agradecer
àqueles que, de uma forma ou de outra, tornaram possível minha chegada até aqui:
A Deus, por me possibilitar o dom da escrita e a persistência na caminhada.
A meus pais, Neuma e Samuel, pelo apoio e incentivo, por acreditarem que tudo daria
certo. A minhas irmãs, Marianna e Lorenna, pela torcida e pela ajuda em momentos
importantes. E a minha família em geral, por seguir vibrando com minhas conquistas.
A Marcelo, meu orientador, pelos conhecimentos repartidos, por confiar em minha
capacidade de organizar a pesquisa e por ser sempre tão gentil em suas palavras.
À CAPES, da qual fui bolsista, por viabilizar a dedicação a esta pesquisa.
Aos docentes da UFRN e da PUC Rio, com quem pude aprender através das disciplinas
cursadas, e em especial às professoras que me acompanharam nas bancas dos seminários de
orientação, Valquíria e Maria Érica, bem como a Júnia. Suas contribuições foram fundamentais
para este trabalho.
Aos meus colegas de turma, com quem cada conversa e cada compartilhamento de
experiências serviram como uma injeção de ânimo para continuar, especialmente Hélio,
Leonora, Laura, Anne, Tálison e Sílvio.
A Ana Isabel e Henrique, amigos que me ouviram desabafar várias vezes e sempre me
relembraram daquilo que eu sou capaz de alcançar.
Aos meus amigos da graduação que também foram importantes durante esse processo,
aqui simbolizados por Danilo Borges, o anjo que me fez ingressar na seleção para o PPgEM no
último dia, e Carla Paiva, que me orientou na Iniciação Científica, no TCC e me deu suporte
durante as seleções para pós-graduação, e a quem agradeço sempre por me ensinar o que é
pesquisa acadêmica.
Ao grupo de pesquisa Gemini, por proporcionarem um sentimento de pertencimento a
um contexto maior, do qual senti falta muitas vezes nesse período.
Aos amigos e amigas que fiz virtualmente, que também me apoiaram nesses anos e
tornaram não só o mestrado como a sobrevivência na pandemia possível, em especial aqueles
d’O Grupo, dos Tadinhos e do Untucked.
5
E às demais pessoas não citadas, mas que, de uma forma ou de outra, contribuíram para
o encerramento bem-sucedido desse ciclo.
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RESUMO
ABSTRACT
The northeastern sertão has been consolidated as a recurrent space in the Brazilian audiovisual
productions, often associated with elements such as drought, violence and the persistence of
tradition (Albuquerque Júnior, 2011). And the national television, which main fictional product
is the telenovela, has followed this tendence, especially because of its concerns with
thematizing Brazil and creating a narrative of the nation (Hamburger, 2005; Lopes, 2003). This
research, then, focused on understanding the founding practices that constitute national
television fiction (Balogh, 2002; Martín-Barbero, 1997; Pallottini, 2012), as well as the images
of sertão constructed by Brazilian cultural and audiovisual productions (Cristóvão, 1994;
Menezes, 2018; Moreira, 2018), in order to investigate how television practices represent this
space, under the dialetic between repetition and innovation (Calabrese, 1987; Rossetti, 2013).
The empirical object chosen was the fictional TV show Onde Nascem os Fortes (Land of the
Strong, TV Globo, 2018), which sets its story in a space presented as sertão. The aim was to
identify in which way the northeastern sertão drawn by this production reflects possible
articulations between the traditional images of this space and the ones related to newness, also
focusing on its cultural categories of place, characters and themes. In addition, we investigated
the reflections, in the construction of this world, of the efforts to produce this show as a
superseries, a fictional format placed in the intersection between telenovelas, series and
miniseries (Lopes; Orozco Gómez, 2016). The investigative path adopted combined the
propositions of Calabrese (1987) and Jost (2007), concerned with the show’s production and
exhibition aspects, to the Audiovisual Materiality Analysis (Coutinho, 2016), which provided
procedures to a detailed examination of six of its 53 episodes. At the end, we identified, in TV
Globo production, a polysemic sertão, that embraces places, characters and themes of multiple
characteristics, many of them antagonistic to each other. This universe was built on the
repetition of elements traditionally associated with this space, which were inherited from the
semantic framework shared in national culture. Their qualities were updated and their
connections rearranged, though, forming new meanings and revealing a practice of qualitative
innovation. Finally, it is important to highlight that the efforts of producing Onde Nascem os
Fortes as a superseries allowed the creation of a cohesive and immersive sertão, in a story with
dramatic sets, complex characters and a dense narrative.
LISTA DE FIGURAS
Figura 4 – Quadro de imagens que mostram a vegetação meio seca, meio verde .................. 84
.................................................................................................................................................. 92
Figura 15 – Quadro de imagens com a mudança de Maria na relação com a violência ....... 101
Figura 16 – Quadro de imagens das muitas Marias presentes no último capítulo ................ 102
Figura 18 – Quadro de imagens com a transição que antecipa a violência em Ramiro ........ 105
................................................................................................................................................ 106
Figura 20 – Quadro de imagens que retratam a glória e a derrocada de Ramiro e Plinio ..... 107
Figura 22 – Quadro de imagens que destacam a simplicidade dos moradores da zona rural 110
10
Figura 23 – Quadro de imagens que retratam a desigualdade em personagens anônimas .... 111
LISTA DE QUADROS
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 13
2 METODOLOGIA................................................................................................................ 25
3 TELEVISÃO E TELEDRAMATURGIA NO BRASIL: ENTRE A TRADIÇÃO DE
DISCUTIR A NAÇÃO E A INOVAÇÃO NOS FORMATOS FICCIONAIS .................. 35
3.1 NOS TRILHOS DA TELEVISÃO, AS NOVELAS CONSTRÓEM UM BRASIL ......... 39
3.2 ESTRUTURA FOLHETINESCA, LINGUAGEM MELODRAMÁTICA? O MODO
BRASILEIRO DE FAZER TELENOVELAS ......................................................................... 47
3.3 AS SUPERSÉRIES E A BUSCA POR FORMATOS FICCIONAIS INOVADORES..... 55
4 OS SERTÕES NORDESTINOS NAS PRODUÇÕES CULTURAIS BRASILEIRAS 61
4.1 DOS NORDESTES AOS SERTÕES ................................................................................. 61
4.2 LUGARES, PERSONAGENS E TEMAS DOS AUDIOVISUAIS SERTÕES
NORDESTINOS ...................................................................................................................... 73
5 O SERTÃO CONSTRUÍDO EM ONDE NASCEM OS FORTES .................................. 79
5.1 O PRIMEIRO INDICADOR CULTURAL: O LUGAR .................................................... 83
5.2 O SEGUNDO INDICADOR CULTURAL: AS PERSONAGENS .................................. 95
5.3 O TERCEIRO INDICADOR CULTURAL: OS TEMAS ............................................... 111
5.4 AS MÚLTIPLAS IMAGENS DO SERTÃO DA SUPERSÉRIE .................................... 117
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 122
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 127
APÊNDICE ........................................................................................................................... 134
13
1 INTRODUÇÃO
Uma das obras de ficção mais recentes da TV Globo a ser ambientada em um espaço
identificado como sertão nordestino foi Onde Nascem os Fortes1. Escrita por George Moura e
Sergio Goldenberg e com direção artística de José Luiz Villamarim, teve 53 capítulos 2 e foi
exibida entre os dias 23 de abril e 16 de julho de 2018, sempre às segundas, terças, quintas e
sextas-feiras. Sua história é ambientada na cidade fictícia de Sertão e gira em torno das buscas
de Maria (Alice Wegmann) e Cássia (Patricia Pillar) por Nonato (Marco Pigossi),
respectivamente irmão e filho das protagonistas, após seu desaparecimento. Em suas jornadas,
mãe e filha acabam cruzando com diversos personagens, com destaque para Pedro (Alexandre
Nero), empresário local, e Ramiro (Fabio Assunção), juiz municipal, ambos envolvidos de
diferentes formas no acontecimento que move a trama principal.
A produção foi a segunda a ser chamada pela TV Globo como “supersérie”, um ano
após a exibição de Os Dias Eram Assim3 (2017). A supersérie seria um formato que pretendia
substituir as antigas “novelas das 23h” e tinha a proposta de mesclar características das
telenovelas e das séries e minisséries, com a possibilidade, por exemplo, de narrativas mais
fortes e mais realistas (Lopes; Orozco Gómez, 2016).
A decisão da emissora de lançar um formato de ficção seriada televisiva supostamente
novo insere-se em um contexto de consumo marcado pela constante procura pela novidade.
Uma das principais características do consumo moderno, de acordo com Colin Campbell
(2001), consiste na busca por um prazer baseado no ato de imaginar situações idealizadas, no
qual o próprio desejo e as emoções geradas pela autoilusão – em vez de meras sensações físicas
– proporcionam a experiência agradável. Nesse cenário, que ganhou força no Ocidente após a
ascensão da burguesia pós-Revolução Industrial, a motivação para o consumo surge “do desejo
de experimentar na realidade os dramas agradáveis de que [os consumidores contemporâneos]
já desfrutaram na imaginação, e cada ‘novo’ produto é visto como se oferecesse uma
possibilidade de concretizar essa ambição” (Campbell, 2001, p. 131).
1
Para evitar a repetição constante do título da supersérie, será adotado, nesta dissertação, o uso da sigla ONF para
referir-se à produção.
2
Os capítulos de ONF podem ser assistidos na íntegra pelos assinantes do Globoplay, no link:
https://globoplay.globo.com/onde-nascem-os-fortes/t/ZtyK1dgdfK/.
3
Adota-se, como padrão neste trabalho, a seguinte maneira de identificar as telenovelas, minisséries e demais
obras de ficção: nome da obra, em itálico, seguido do ano de estreia, entre parênteses. Como a maior parte das
criações apresentadas foi veiculada pela TV Globo, sempre que a produção for original de outra emissora, essa
aparecerá referida também entre parênteses.
14
Esse autor destaca, assim, que o sucesso de muitos produtos culturais, como os
romances, filmes, álbuns de música e programas de rádio e televisão, deve-se à capacidade de
estimular a imaginação e os devaneios do público. E, embora não tenham gerado a prática de
devanear, tais produtos, assim como a publicidade, optam por criar elementos – textuais,
visuais, sonoros – que possam ser aproveitados pelo consumidor em sua experiência ilusiva
individual.
Nesse processo, contudo, há sempre uma diferença entre a situação imaginada e o
produto consumido. Segundo Campbell (2001), essa divergência causa uma nova desilusão, da
qual nasce o desejo por um outro item que atenda aos mais recentes anseios. A constante procura
dos consumidores por novidades, consequentemente, requer das instâncias produtivas a criação
contínua de objetos que sejam associados à inovação, inseridos em uma lógica industrial de
criação e recriação de narrativas.
Já Omar Calabrese (1987) entende a produção da novidade em uma parcela dos produtos
culturais contemporâneos como parte de um processo que envolve, também, a repetição. Essa
constatação diz respeito principalmente às obras “neobarrocas”, referidas por esse autor como
opostas às “clássicas” – de gosto baseado na estabilidade – e caracterizadas como aquelas que
excitam “[...] a ordenação do sistema e que o desestabilizam em algumas partes, que o
submetem a turbulências e flutuações e que o suspendem quanto à resolubilidade dos valores”
(Calabrese, 1987, p. 39).
A estética da repetição como uma tendência das criações neobarrocas é exemplificada
por Calabrese (1987) nas obras de ficção e abordada nas instâncias da produção, do conteúdo e
do consumo. No primeiro caso, refere-se à reprodução em série de um modelo que gera
produtos padronizados, ainda que se ofertem opções aparentemente diferentes ao público.
Quanto ao conteúdo, a repetição se manifesta tanto na continuação das aventuras das
personagens como na semelhança entre os recursos – cenários, temas – utilizados. Ainda nesse
âmbito, ressalta-se que a reorganização entre elementos tidos como invariantes e aqueles tidos
como variáveis permite a diferenciação entre as obras e o surgimento de novos estilos. Já o
consumo repetitivo estaria baseado em tendências como a de esperar a oferta de itens iguais e
a de revisitar constantemente um mesmo produto – por exemplo, assistir a um determinado
filme em ocasiões cíclicas. No entanto, devido ao excesso de histórias já contadas e à
consequente saturação dos temas – o que remete à desilusão mencionada por Campbell (2001)
– há uma demanda de produtores e consumidores por mudanças nas obras, ainda que elas
ocorram em elementos menores.
15
4
Apesar de Martins e Penha (2022) terem observado que o formato das superséries não se consolidou por completo
no Brasil, devido à dificuldade em conformar novas práticas em instâncias como o consumo, optou-se por adotar
o termo supersérie para se referir a ONF, nesta dissertação, por dois motivos. Primeiro, porque esses mesmos
autores reconhecem que, no âmbito da produção, um dos focos desta pesquisa, os autores, diretores e demais
profissionais envolvidos conseguiram aproximar a obra exibida pela TV Globo da proposta do novo formato,
especialmente no cruzamento entre as convenções das telenovelas e das minisséries. O segundo motivo para essa
utilização está relacionado tanto à ausência de outro termo mais adequado para caracterizar o novo formato, já que
se entende que ele não é exatamente novela, série nem minissérie, como à própria proposta teórica da investigação,
a qual considera o empreendimento de criação de uma supersérie, formato inédito, como um dos fatores que
viabilizaram práticas inovadoras na construção do sertão nordestino na obra.
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que, embora não sejam predominantes em relação às que se passam no eixo Rio-São Paulo,
muitas das obras ambientadas nesses espaços estão marcadas em nosso acervo como clássicas,
e sua competência técnica e estética ajudou a tornar cult o tema Nordeste, tanto na mídia como
no meio acadêmico.
A escolha de falar sobre Nordeste nesses produtos aproxima-se de discursos da literatura
e do cinema que associam o local às questões da formação de uma imagem do país (Debs,
2007). A ideia do Nordeste enquanto uma região, contudo, começou a ser gestada como um
instrumento político, na transição do século XIX para o século XX, pelas decadentes elites do
açúcar e do algodão, as quais viram seu poder econômico e sua influência diminuírem em
relação às elites sulistas. Durval Muniz de Albuquerque Júnior (2011) afirma, então, que o
movimento regionalista surgido na década de 1920, liderado por nomes como Gilberto Freyre,
foi responsável por criar as bases para que determinadas imagens sobre o espaço nordestino e
seus sujeitos se tornassem fixas nas produções nacionais a partir de então. O sol forte, a seca, o
cangaceiro, o beato, o vaqueiro, o coronel, entre outros, ganharam força como elementos
associados ao Nordeste a partir daí, e o sertão foi eleito, pelos regionalistas, como o centro de
todas essas construções. É importante ressaltar, entretanto, que este trabalho compreende a
pluralidade de elaborações sobre espaços nordestinos e sertanejos como um sinal de que, na
cultura brasileira, há não apenas um, mas vários Nordestes e vários sertões.
Uma das obras de ficção, então, que ambienta sua história em um espaço identificado
como sertão nordestino é ONF. Essa produção aparenta herdar, em um primeiro olhar, as
matrizes imagéticas tradicionalmente associadas à região, ao mesmo tempo, porém, que está
inserida em um contexto de busca por inovação, se levado em conta o fato de ser denominada
pela TV Globo como uma supersérie.
Esse empenho por traduzir a inovação no formato e no conteúdo de sua produção
também é abordado por George Moura (2018b) em uma entrevista concedida a Cristina
Padiglione, ainda durante a exibição de ONF. Durante a conversa, Moura afirma que uma das
novidades em sua narrativa, se comparada às experiências ficcionais tradicionais, consiste em
ser ela como uma "faca só lâmina", expressão cunhada pelo poeta pernambucano João Cabral
de Melo Neto. A crueza inovadora de sua trama, assim, poderia ser percebida na economia nos
diálogos. Essa associação das texturas verbais a elementos áridos, porém, já foi consagrada no
século XX pelo escritor alagoano Graciliano Ramos em seus romances (Albuquerque Júnior,
2011, p. 124).
Nessa mesma entrevista, também chama a atenção a associação feita por Padiglione
entre o ritmo da história e um suposto "ritmo pausado do sertão" (Moura, 2018b). Tal
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constatação, embora não tenha vindo do autor, demonstra a manutenção de uma percepção
cultural sobre como seriam as histórias ambientadas no sertão nordestino. Apesar disso, tanto
os diálogos enxutos como o ritmo lento são tratados como novidades em relação às demais
obras de ficção seriada – ou, nas palavras de George Moura, elas integram uma "aposta" dos
escritores, diretores e da própria Globo em uma forma diferente de narrar.
Essas declarações sugerem, portanto, que há, na produção de ONF, o movimento duplo
da busca pela novidade em uma estética da repetição. Mais do que isso, indicam que não parece
ter sido aleatória a escolha do sertão nordestino – espaço associado à tradição e, por isso, mais
atrativo ao desafio da mudança – como ambientação para a experiência da emissora em criar
novos formatos e histórias de ficção.
Dessa forma, revela-se importante refletir sobre como os Nordestes e os sertões
nordestinos são (re)construídos pela obra em questão. Esta pesquisa, então, parte do seguinte
questionamento: de que forma o sertão nordestino elaborado em ONF reflete possíveis
articulações entre as imagens tradicionais desse espaço e construções associadas à novidade?
O objetivo geral desta dissertação foi analisar a obra de ficção televisiva ONF,
descrevendo a sua construção de sertão nordestino a partir de uma dialética entre repetição e
inovação. Já os objetivos específicos foram: a) Identificar os principais indicadores culturais
que compõem o sertão nordestino da obra; b) Reconhecer em que medida essa construção, em
um duplo movimento, aproxima-se e afasta-se das imagens de sertão consagradas na cultura
audiovisual brasileira; c) Verificar de que forma as decisões produtivas, em especial aquelas
relacionadas à busca pela conformação da obra no formato de supersérie, contribuíram para a
elaboração do espaço sertanejo na criação de George Moura e Sergio Goldenberg.
O questionamento e os objetivos que moveram esta investigação estão alicerçados,
primariamente, no reconhecimento da ficção televisiva como um significativo objeto de estudo,
em primeiro lugar, por sua extensão. Milly Buonanno (2007) defende que, embora as obras
narrativas ocidentais existam pelo menos desde o período clássico grego, o surgimento da
televisão, no século XX, trouxe o cenário propício para a ampliação de sua produção, com a
teledramaturgia constituindo o corpus mais relevante dessas obras na contemporaneidade e,
talvez, em todos os tempos.
Além disso, de acordo com Buonanno (2007), embora as obras narrativas de ficção
distingam-se das de não-ficção por sua liberdade para transcender o real, este pode ser
compreendido também através do material por elas criado. A autora, ao falar especificamente
das produções ficcionais da televisão, ressalta: “Sem espelhar fielmente a realidade, e sem
18
5
Do original: “Without faithfully mirroring reality, and without actually distorting it, televisual stories select,
refashion, discuss and comment on issues and problems of our personal and social life”.
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manutenção da tradição – a qual, segundo tais discursos, estaria sempre enraizada em locais
tidos como a origem de suas crenças e práticas.
Além da relação com o espaço, a tradição também está ligada a uma maneira de ver e
organizar o tempo. Nesse sentido, ela funciona como “uma orientação para o passado, de tal
forma que o passado tem uma pesada influência ou, mais precisamente, é constituído para ter
uma pesada influência sobre o presente” (Giddens, 1997, p. 80). Ao mesmo tempo, a repetição
das práticas tradicionais ajuda a delinear o futuro. A manutenção e repetição das tradições,
porém, não se deve a uma imutabilidade pura: elas são orgânicas e, para que suas fundações
sobrevivam e permaneçam íntegras, necessitam de um contínuo desenvolvimento e
amadurecimento.
Com o advento da globalização nas sociedades contemporâneas, entretanto, mudaram
as dinâmicas entre o nacional e o local, o global e o privado – e as ações exercidas no âmbito
da intimidade tornaram-se ainda mais influenciadas e influentes em um contexto mais amplo.
Ademais, de acordo com Giddens (1997), a noção de distância foi redefinida e as comunidades
locais, que vinham de um processo de afirmação e diferenciação identitária, não conseguiram
mais fugir ao contato com modos de vida tidos anteriormente como estrangeiros.
Nessa nova necessidade de adaptação, explica o sociólogo, reside uma das
possibilidades de persistência das tradições nas sociedades globalizadas: a defesa, por meio do
discurso, do valor das crenças e ações tradicionais em meio a um universo plural. Assim, com
a remodelação do local pelas influências externas, as tradições “persistem na medida em que se
tornam passíveis de justificação discursiva e se preparam para entrar em um diálogo aberto,
não somente com as outras tradições, mas com modos alternativos de fazer as coisas” (Giddens,
1997, p. 129).
A justificação da tradição e o diálogo com o novo ou o estranho, mencionados por
Giddens (1997), remetem à constituição de uma polifonia discursiva e à diluição das fronteiras
locais observadas por Gislene Moreira (2018) nas produções contemporâneas sobre o Nordeste.
O cenário descrito por essa pesquisadora parece indicar um movimento de atualização das
práticas tradicionais de construção do espaço e dos sujeitos nordestinos. É como se, para se
continuar falando da região, não bastasse apenas repetir o que já estava estabelecido: precisa-
se reafirmar a importância do local e conferir-lhe novos elementos, tidos como representantes
da modernidade.
É possível ainda extrapolar as proposições de Giddens (1997) para relacioná-las com a
discussão sobre a estética da repetição nas obras neobarrocas, feita por Calabrese (1987).
Afinal, as práticas criativas que articulam a repetição à inserção da novidade assemelham-se à
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por práticas associadas à inovação, na produção exibida em 2018, não esteve restrita às decisões
da emissora, mas passou pela filosofia de trabalho de seus criadores.
É necessário, então, conhecer os resultados desse encontro entre autores e diretor. A
história conduzida por Moura, Goldenberg e Villamarim aborda as consequências do
desaparecimento de Nonato, enquanto ele e sua irmã gêmea estavam em viagem turística à
cidade de Sertão. Logo no primeiro capítulo, a personagem de Marco Pigossi envolve-se em
uma briga com Pedro, dono de uma fábrica de bentonita. Paralelamente, Maria conhece
Hermano (Gabriel Leone), filho adotivo do empresário e arqueólogo, e passa a noite com ele.
No dia seguinte, a jovem procura por seu irmão, mas não o encontra – e ninguém na cidade é
capaz de lhe dizer onde ele está.
É então que Cássia, engenheira química e ex-moradora de Sertão radicada no Recife,
retorna, a contragosto, a sua terra natal, com o objetivo de procurar por Nonato. Mãe e filha
conhecem Pedro em momentos diferentes, ainda sem saber da briga do empresário com o rapaz.
Após a descoberta do entrevero, contudo, Maria ameaça a personagem de Alexandre Nero com
um revólver, atira em Joana (Maeve Jinkings), funcionária da mineradora, e mata um dos
seguranças de Pedro que tentou lhe estuprar. Em seguida, foge, dando início a uma caçada por
respostas.
Com a ajuda de Simplício (Lee Taylor), Maria envolve-se em uma escalada de violência,
que culmina em um plano para sequestrar o empresário, a quem responsabiliza pelo
desaparecimento de Nonato. No entanto, eles acabam sequestrando Hermano e usam o
arqueólogo para chantagear seu pai. Simplício chega a recorrer a métodos de tortura, dos quais
Maria discorda, porém, sem conseguir evitar. Inevitavelmente, essas atitudes levam ao
afastamento entre as personagens de Alice Wegmann e Gabriel Leone.
Cássia, por outro lado, é totalmente contrária ao uso da violência por Maria, mas não
consegue convencê-la a mudar de ideia. Ela se aproxima de Ramiro, que promete ajudar na
busca por seu filho, sem saber que o juiz de Sertão é o verdadeiro culpado pelo desaparecimento
e morte do jovem. Tendo como cúmplice o delegado Plínio (Enrique Diaz), Ramiro arma para
que o foco da desconfiança permaneça sobre Pedro, com quem tem uma rivalidade. Foi essa
dupla que provocou a descoberta da briga por Maria, no início do enredo, e são eles que,
sabendo do sequestro de Hermano, movem o corpo de Nonato do Raso do Breu, local onde ele
morreu, para as terras da fábrica de bentonita, avisando o paradeiro a Cássia de forma anônima.
À descoberta do corpo de Nonato por Cássia, seguem-se outros desdobramentos na
história referentes às tramas dessas quatro personagens principais. Entre eles, destacam-se a
prisão de Maria e a subsequente tentativa de homicídio, na delegacia, pela viúva do segurança
23
morto no início da trama; o início das suspeitas sobre Ramiro, quando se descobre a
aproximação dele com agentes públicos envolvidos no inquérito da morte de Nonato; a
revelação, por parte de Cássia, de que Maria e seu irmão são filhos biológicos de uma amiga de
sua juventude em Sertão e que foram adotados após a morte da mãe, sendo esse o motivo da
partida de Cássia para o Recife; a descoberta de que Pedro é o pai dos filhos de Cássia; a
revelação final dos responsáveis pelo assassinato que move a trama.
Nesse último ponto, é necessário retroceder no enredo para tratar da relação entre
Ramiro e seu filho, Ramirinho (Jesuíta Barbosa). O jovem é artista e performa, nas noites da
cidade, a drag queen Shakira do Sertão. Seu pai, contudo, não sabe desse fato, ao menos não
completamente, e exige dele a masculinidade viril tipicamente associada ao homem sertanejo.
Uma cena emblemática veiculada no meio do enredo é a sequência em que, vestido como
Shakira do Sertão, a personagem de Jesuíta Barbosa se apresenta em público, de dia, para que
o juiz o ouça e o conheça como realmente é.
Outra cena marcante e que ilustra as violências sofridas por Ramirinho é justamente a
que traz, no capítulo final, a elucidação do mistério sobre a morte de Nonato. O jovem conta
que, no dia da briga entre Pedro e o irmão de Maria, Ramiro encontrou uma maleta de
maquiagem no quarto do filho e levou-o ao Raso do Breu para provar sua masculinidade. O
objetivo era assistir à “limpeza” da delegacia feita pelo juiz e por Plínio, forma como os dois se
referiam ao assassinato dos presos sem família. Nesse dia, entretanto, Nonato apareceu no local,
ainda machucado pela contenda com Pedro, e acabou presenciando os crimes. Foi assim que,
forçado por seu pai a exercer um ato tido como viril, Ramirinho apertou o gatilho da arma
responsável pela morte do filho de Cássia.
O desfecho da história, com um tiroteio envolvendo as personagens principais e a prisão
de Ramiro por uma delegada da corregedoria, parece ratificar como a justiça e a violência são
temáticas caras durante toda a obra. Outros temas que, após a observação inicial, despontam
como relevantes para ONF, embora não dominem o percurso da trama principal, são as questões
de gênero e sexualidade, através de Maria, Cássia e Ramirinho, e as discussões espirituais, por
meio de Samir (Irandhir Santos), líder religioso que lembra a figura do beato sertanejo e luta
contra a invasão pela exploração mineral do território que considera sagrado. Já as figuras
sertanejas que parecem ser encarnadas nas personagens variam: dos coronéis em disputa,
representados por Pedro e Ramiro, aos moradores pobres da roça; da mulher-macho, em Maria,
à drag queen vivida por Ramirinho; da mulher religiosa, como Rosinete (Débora Bloch), ao
beato Samir; de Cássia, trabalhadora moderna que confia na justiça, a Simplício e seu espírito
de cangaceiro.
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2 METODOLOGIA
Fernando Cristóvão (1994), Lúcia Lippi Oliveira (1998), Albuquerque Júnior (2011; 2013) e
Moreira (2018), bem como as produções estudadas em um trabalho de revisão integrativa
conduzido por Gomes e Martins (2022).
Ao destacar os aspectos mais recorrentes nas construções tradicionais de sertão, a
análise do material bibliográfico serviu de base para estabelecer um quadro de matrizes
imagéticas, cuja aparição e/ou reorganização foram investigadas na observação das imagens
percebidas em ONF. A pesquisa feita em revisão integrativa (Souza; Silva; Carvalho, 2010)
levou em conta três tópicos centrais nesses processos – e que correspondem a uma parte dos
indicadores culturais tematizados pelas telenovelas (Lopes, 2010, p. 135): o lugar, os
protagonistas e os temas. Nos três casos, foi percebida uma variedade de imagens construídas
acerca do sertão nordestino, embora as categorias dispostas na pesquisa não sejam rígidas, de
forma que o mesmo aspecto pode aparecer relacionado ao espaço, aos sujeitos e aos conteúdos
discutidos – como é o caso da marginalização e do subdesenvolvimento associados a esse local.
Para compreender de que forma as práticas produtivas de ONF articulam inovação e
repetição na ambientação de sua trama, desde as decisões de produção e distribuição até seu
reflexo no interior da obra, foi importante recorrer às observações e procedimentos propostos
por pesquisadores como Calabrese (1987), Jost (2007), Iluska Coutinho (2016) e Renata
Pallottini (2012). O primeiro autor ofereceu parâmetros para observar a estética da repetição
nos produtos contemporâneos, enquanto os últimos apontaram indicações para o
desenvolvimento de pesquisas voltadas especificamente para a televisão.
Ao abordar a repetitividade no âmbito da produção, Calabrese (1987, p. 43) alude à ideia
de estandardização, um mecanismo de herança industrial que articula a replicação de protótipos
e, também, “a individualização das componentes de um todo que sejam produzidas
separadamente e em seguida aglomeradas segundo um programa de trabalho”. Essa prática,
quando absorvida por meios como a televisão, manifesta-se na fragmentação das partes de um
produto – ou seja, na serialidade.
Assim, pensar a lógica de repetição e inovação em uma obra de ficção televisiva implica
considerar, também, quais decisões de serialidade a constituem. A respeito da criação de George
Moura e Sergio Goldenberg, buscou-se observar como sua produção, com uma duração menor
que as telenovelas tradicionais, e sua exibição quase diária, em capítulos de aproximadamente
meia hora inteiramente escritos antes da estreia, refletiram-se nas construções de sertão.
Outra discussão levantada por Calabrese (1987) refere-se às facetas da repetição no
conteúdo dos produtos. Além de realçar a continuação das tramas e o uso recorrente de temas
e cenários-tipo, esse autor propõe parâmetros para análise, dos quais vale destacar dois: a
27
discussão sobre a relação entre diferentes textos e a reflexão sobre o nível em que a repetição
ocorre. No primeiro caso, podem ser observadas duas fórmulas: “a variação de um idêntico”,
quando se parte de um protótipo para multiplicá-lo em situações distintas, e a “identidade dos
mais diferentes”, quando obras aparentemente diferentes revelam a igualdade entre elas
(Calabrese, 1987, p. 44-45). Já no segundo tópico, estabelece-se a distinção entre duas classes,
a do decalque e a da reprodução, sendo a primeira a cópia total de componentes icônicos,
temáticos e narrativos, e a segunda a repetição parcial, marcada pela omissão de algo
(Calabrese, 1987, p. 46).
A dinâmica entre reiteração e mudança no conteúdo audiovisual também é abordada por
David Bordwell e Kristin Thompson (2013). Seu estudo, é necessário ressalvar, está voltado
para o cinema, no qual a repetição de conteúdo se sobressai à reprodução da forma,
especialmente quando analisados os filmes individualmente – ao contrário da ficção seriada
televisiva, em que a abundância de capítulos e episódios torna explícitos os padrões intrínsecos
aos seus formatos. Ainda assim, vale destacar as observações feitas por esses autores, segundo
os quais “repetição e variação são dois lados da mesma moeda: perceber um lado é
necessariamente perceber o outro” (Bordwell; Thompson, 2013, p. 134). Tais polos
manifestam-se, então, de diferentes maneiras. No primeiro, destacam-se os motivos, elementos
narrativos e estilísticos que se repetem com frequência e são significativos para a história, e o
uso de paralelismos, quando as reiterações são perceptíveis por meio de similaridades. Já o
segundo aparece nas demarcações de diferenciação entre personagens, cenários e histórias;
movimento que pode ser de menor alcance, com a apresentação de detalhes variados sobre um
mesmo elemento, ou de maior contraste, ao estabelecer oposições. A própria criação de
paralelismos, aliás, baseia-se na articulação entre repetições e mudanças, uma vez que as
semelhanças entre determinados componentes de uma obra só são distinguíveis pela existência
de desigualdades entre eles.
Os parâmetros elencados por Calabrese (1987) e Bordwell e Thompson (2013)
permitem, assim, estabelecer uma forma de observar a relação entre os elementos observados
em ONF e as construções de sertão levantadas em análise bibliográfica. Ressalta-se que, embora
essas categorias sejam abordadas pelos autores no plano do conteúdo, elas também denotam
práticas produtivas, por permitirem a discussão sobre reprodução de padrões e a reflexão sobre
a repetição integral ou omissão e modificação como fruto de escolhas criativas.
Para os objetivos desta pesquisa, é importante explicitar em detalhes de que forma a
inovação foi compreendida. Um trabalho útil nessa direção é o quadro teórico desenhado por
Regina Rossetti (2013), a qual traça um panorama dos principais termos associados à inovação
28
neobarrocas. Para esse autor, os processos que originam novos estilos ou estéticas são
descontínuos e pertencem à “dinâmica de um sistema, que passa de um estado para outro
reformulando as relações entre as mesmas invariantes e os princípios para os quais se
considerará variáveis os elementos não pertinentes ao sistema mecânico” (Calabrese, 1987, p.
47-48, grifo nosso). Esse rearranjo dos elementos não-variantes e das maneiras de articulá-los
aos aspectos mutáveis pode ser entendido como o ato que gera a inovação qualitativa. No caso
desta pesquisa, abordar a inovação em ONF também passou por compreender quais
reformulações e alterações nas construções de sertão foram empreendidas pelos atores sociais
que a criaram. Nesse caminho, um quadro de elementos variantes e invariáveis, montado a partir
dos indicadores culturais de lugar, personagens e temas sertanejos observados em revisão
integrativa (Gomes; Martins, 2022), foi um instrumento importante para investigar a
(re)elaborações produzidas para a obra da TV Globo. Esse quadro consta na Figura 2,
apresentada ao final do quarto capítulo desta dissertação.
A fim de situar a dialética de repetição e novidade em ONF, ainda foi necessário investir
na compreensão de suas características enquanto um produto televisivo. Segundo Jost (2007, p.
144), a análise de uma obra feita para a televisão deve se dar considerando seu contexto, sendo
necessário “voltar-se para o conjunto e não para as emissões isoladas, examinar como o
programa foi apresentado ao público, situá-lo na grade, estudar sua função em relação à
emissora e ao público”.
Nesta pesquisa, então, foi importante entender, de início, quais lógicas constituem a
identidade da TV Globo enquanto uma emissora especializada na produção de ficção seriada,
quais as promessas contidas na apresentação da obra – e se elas foram compreendidas pelo
público –, quais os contextos de exibição e circulação e qual a posição do produto na grade da
emissora. O caminho para tal compreensão passou por incursões bibliográficas (Gil, 2002) em
estudos sobre a dramaturgia da TV Globo e pela observação do modo como os agentes criativos
referem-se a sua obra, especialmente nas entrevistas dos autores e do diretor geral. Já o objetivo
foi analisar como esses elementos impactam nas decisões que levam à criação do sertão na obra
estudada.
Os ingredientes referentes à produção e distribuição de um programa televisivo, porém,
não elucidariam sozinhos a pergunta sobre o que é o novo no sertão de ONF. A fim de que a
análise fosse completa, tornou-se preciso voltar-se para as particularidades internas à obra. Para
isso, algumas das técnicas elaboradas por Coutinho (2016) em sua Análise da Materialidade do
Audiovisual demonstraram ser úteis.
30
Com o pré-teste realizado, partiu-se, então, para a montagem da ficha de leitura e sua
aplicação em ONF, como ferramentas para a compreensão da construção do sertão em suas
cenas. Para definir as sequências a serem analisadas nessa etapa, levaram-se em conta as
discussões de Pallottini (2012) sobre a estruturação das telenovelas e minisséries, em seus níveis
micro – os capítulos – e macro. Ressalte-se que, embora a produção de George Moura e Sergio
Goldenberg não seja definida pela TV Globo como pertencente a nenhum dos dois formatos, a
pesquisa realizada por Martins e Penha (2022) concluiu que, ao menos no plano do conteúdo,
de responsabilidade de seus autores, diretores e demais agentes criativos, a supersérie conseguiu
posicionar-se no cruzamento entre esses dois modelos de dramaturgia televisiva. Isso justifica,
assim, a recorrência a Pallottini (2012) para esta pesquisa.
A estrutura de uma telenovela é comparada por Pallottini (2012, p. 52) a uma árvore,
com três partes principais. As raízes são “[...] as concepções básicas do autor, sua filosofia e
visão do mundo, sua ideologia”. Já o tronco representa a história principal, a trama que organiza
o restante da obra e garante um sentido de unidade aos acontecimentos. Por fim, os ramos
seriam “[...] as consequências da história central, as outras histórias, linhas de ação, conflitos
menores, secundários” – elementos cujos tamanhos podem variar, crescendo, diminuindo ou
até sendo cortados, a depender da forma como se desenvolvem e do retorno dado pela audiência.
A autora ainda explica que a principal diferença desse modelo em relação às minisséries
consiste na extensão dos formatos, já que essas são obras mais condensadas, enquanto os
roteiristas das telenovelas têm maiores desafios para distribuir os acontecimentos ao longo de
sua duração.
Um dos desafios enfrentados pelos criadores ao pensarem na disposição dos
acontecimentos nessa estrutura consiste em fazê-lo de um modo que gere interesse no público
e o fidelize. Segundo Pallottini (2012), um recurso que se costuma utilizar é a intensificação do
ritmo do enredo no primeiro capítulo, ou mesmo nas primeiras semanas. Esse movimento vê
uma queda a partir de determinada quantidade de capítulos exibidos; então, as telenovelas
passam por fases de altas e baixas intensidades, algo considerado natural pela autora. Já a reta
final retoma o ritmo mais acelerado, recurso que, como nas primeiras semanas, tem o objetivo
de atrair a audiência.
Ainda sobre o capítulo de estreia, Pallottini (2012) afirma ser bastante comum que ele
contenha a apresentação da trama principal e das subtramas. A primeira deve aparecer,
idealmente, em todas as demais unidades narrativas, sempre com alguma novidade – afinal, ela
é o tronco que justifica a história e lhe dá sustentação. Já os núcleos secundários, após uma
32
exposição inicial, variam sua frequência de aparição, de acordo com a hierarquia de importância
pensada pelos autores e, no caso das obras abertas, com a recepção do público.
Essa distribuição em montanha-russa, que articula momentos de alta tensão a trechos de
maior calmaria, é observada em menor escala nos capítulos. Pallottini (2012) explica que, em
geral, as microunidades das telenovelas e minisséries costumam começar no alto, com a
resolução de um gancho – situação relevante deixada em suspenso no final do capítulo anterior
– que envolva preferencialmente o núcleo principal. Depois, o nível diminui, com cenas menos
importantes; volta a subir, mas não muito, nos trechos que antecedem e sucedem os intervalos
comerciais; e segue nesse movimento de pêndulo até crescer de vez no fim, atingindo um pico
mais próximo do observado no começo. É a hora de um novo gancho, que só será solucionado
no dia seguinte.
O modelo proposto por Pallottini (2012), embora esteja pautado principalmente no
roteiro, permite ser estendido às obras como um todo; até porque, como a própria autora explica
ao abordar a construção das personagens, tudo o que o público conhece das histórias vem por
meio das imagens, cuja construção passa por outros profissionais, como diretores e
cinematógrafos. De forma semelhante, Bordwell e Thompson (2013) defendem que o estilo –
termo usado para definir a união de mise-en-scène (cenários, composição, figurino, encenação),
cinematografia, montagem e som – é a porta de entrada do público à narrativa, e, por isso, é um
elemento fundamental nas obras audiovisuais.
Sob essa ótica, é possível pensar o próprio mundo elaborado em uma telenovela ou
minissérie – ou em um formato intermediário como a supersérie – como uma árvore composta
por raízes, tronco e ramos, construída ao longo dos seus capítulos por diversas decisões
produtivas. As raízes do sertão nordestino em ONF, então, estariam fixas não apenas na
ideologia de seus autores, mas também nas intenções dos diretores, nas escolhas das equipes
técnicas e nas definições dos produtores e da emissora; compreensão que também aproxima as
reflexões de Pallottini (2012) às de Jost (2007), sobre a emissão televisiva como obra em
conjunto.
Já a ideia do tronco como o elemento que dá integridade à estrutura arbórea
teledramatúrgica e em torno do qual os ramos se entrelaçam trouxe a possibilidade, para esta
pesquisa, de adotar a trama principal de ONF como o fio condutor na escolha das sequências a
serem submetidas à ficha de análise. Entendeu-se que seria possível ter uma visão do sertão
nordestino construído na obra ao se investigar detalhadamente os momentos em que ganham
destaque os acontecimentos relacionados ao desaparecimento de Nonato. Todavia, como a
história não se limita aos protagonistas, decidiu-se não restringir essa etapa da pesquisa a cenas
33
específicas do núcleo central: o corpus, assim, foi ampliado para a unidade integral dos
capítulos, com a observação tanto das sequências que envolvam as personagens de maior
destaque como daquelas que tragam os núcleos secundários.
A seleção dos capítulos que foram objeto da ficha de análise levou em conta ainda a
compreensão de Pallottini (2012) sobre a variação de intensidade na distribuição dos
acontecimentos da história. Dessa forma, priorizaram-se aqueles veiculados na primeira e na
última semana de exibição, bem como capítulos que contiveram momentos considerados como
pontos de virada na forma que Maria e Cássia lidaram com as investigações sobre o acontecido
com a personagem de Marco Pigossi. Além disso, buscou-se também incluir um episódio menos
intenso, inserido nos períodos intermediários, já que, como o próprio autor de ONF defendeu
(Moura, 2018b), a lentidão no ritmo faz parte do mundo que ele, Sergio Goldenberg e demais
criadores decidiram construir na história. Ao todo, foram selecionados 6 capítulos (cerca de
11% do total) para essa etapa, os quais estão listados no Quadro 1.
Já o Quadro 2 traz uma elaboração da ficha de avaliação que foi aplicada às cenas dos
capítulos. Destaca-se que as categorias mencionadas nas perguntas de 4 a 9 são baseadas nos
indicadores culturais (Lopes, 2010) já listados – lugar, protagonistas e temáticas.
34
É importante ressaltar que as respostas a essas perguntas não constituem o aparato final
da análise, mas sim um material que se buscou relacionar com as demais observações feitas
nessa investigação. Assim, os aspectos levantados nesse questionário só apontaram para as
construções de sertão após consideradas, entre outras, instâncias como a promessa feita pela
emissora e a posição da obra na grade de programação. Já a inovação e repetição na obra – e
sua caracterização, por exemplo, como decalque ou reprodução, ou como “variação de um
idêntico” ou “identidade do diferente” (Calabrese, 1987, p. 44-45), a partir da reorganização
dos elementos imagéticos observados através da ficha de leitura – foi compreendida, ao final
desta pesquisa, enquanto fruto de decisões institucionais e criativas, inseridas em práticas
industriais de produção.
35
Antes que a TV Globo decidisse explorar o formato das superséries no Brasil, pela
segunda vez, ela já possuía um vasto histórico de produções em ficção televisiva, marcado
principalmente por suas telenovelas. Essas, aliás, são reconhecidas como o maior produto do
gênero no país (Lopes, 2003), enquanto, na emissora carioca, o investimento em tais criações,
ao longo da história, foi intimamente atrelado ao seu próprio desenvolvimento e consolidação
como líder de mercado (Hamburger, 2005).
O exercício de compreender como ONF constrói o sertão nordestino, portanto, passa
pelo entendimento de que a iniciativa de produzir uma supersérie não surge de um vácuo
criativo. Tal empreendimento herda, da experiência da TV Globo com as telenovelas, sua
capacidade de discutir ideias de Brasil (Hamburger, 2005; Lopes, 2009) e as características que
moldam a feitura e o conteúdo desse formato majoritário (Balogh, 2002; Martín-Barbero; Rey,
1999). Herda também aspectos das matrizes que deram origem a esse modelo ficcional, com
destaque para o melodrama e o folhetim (Brooks, 1995; Martín-Barbero, 1997), nos quais o
autor da produção aqui investigada revela ter se baseado (Moura, 2018a), embora os subverta
em alguma medida. Além disso, a experiência de estabelecer a supersérie como um novo
formato de ficção televisiva no Brasil, no cruzamento das telenovelas com as séries e
minisséries, aproxima a discussão das práticas de inovação e repetição (Calabrese, 1987).
Para iniciar a incursão na ficção televisiva nacional, é necessário de antemão discutir
características que conformam a televisão enquanto um meio de linguagem e lógica próprias,
as quais impactam diretamente a produção de ONF. Essa discussão parte de elaborações
teóricas sobre as práticas tradicionais desse meio, considerando que, embora fruto de iniciativas
que visam à inovação, a obra objeto desta pesquisa ainda foi veiculada, quase em sua
totalidade6, no mesmo contexto que as demais produções ficcionais da emissora: com uma
posição fixa na programação e exibição praticamente diária.
A importância do estabelecimento de uma programação é defendida por Jost (2007)
como uma das principais características da televisão. Para esse autor, programar consiste em
uma espécie de arte, que ao mesmo tempo organiza a temporalidade dos espectadores e ajuda
6
De fato, a única mudança na forma de exibir a supersérie consistiu na disponibilização de seu primeiro capítulo
no Globoplay com uma semana de antecedência (Martins; Penha, 2022). Outros fatores correlatos, ligados às
inovações em televisão e que podem ter influenciado a produção de ONF, serão discutidos no decorrer deste
capítulo.
36
a forjar a identidade da emissora. Nessa arte, consideram-se dois principais fatores: a adequação
de cada programa ao seu horário na grade e ao público-alvo, bem como a oferta dos canais
concorrentes na mesma faixa. Além disso, esse trabalho enfrenta o desafio de cativar uma
audiência estável, que permita aos anunciantes a segurança de apresentar seus produtos a um
mesmo público regularmente.
Ainda segundo o pesquisador francês, a programação de uma emissora televisiva pode
ser organizada em dois eixos: horizontal e vertical. O primeiro diz respeito às estratégias de
captura e manutenção do público pelo maior tempo possível, o que inclui técnicas como
“programar, todos os dias, na mesma hora, a mesma emissão, de segunda a sexta-feira” (Jost,
2007, p. 84); ou, ainda, iniciar uma faixa horária com uma obra de grande audiência, a fim de
que as produções seguintes se aproveitem desses espectadores.
Por outro lado, explorar a programação vertical refere-se, em Jost (2007), à
possibilidade de variação dos gêneros veiculados em um mesmo horário em dias diferentes da
semana, a depender de como a rotina dos consumidores está organizada. Esse sentido diverge
de outro significado atribuído ao termo (Siqueira, 2011), segundo o qual distribuir
verticalmente a grade consiste em planejar os horários em um mesmo dia, de modo que a
sequência de exibições siga uma lógica e articule bem a transição entre os diversos públicos de
cada programa. Independentemente de como seja chamada cada uma dessas estratégias,
entretanto, todas podem ser utilizadas por uma mesma emissora, em níveis e momentos
distintos.
Um conceito que amplia a ideia de programação é o de fluxo, proposto por Raymond
Williams (2004) ao analisar a maneira como a televisão se estruturou a partir da radiodifusão.
A proposta desse pesquisador é observar a oferta de conteúdo em uma emissora como uma
sequência completa de emissões unitárias, o que inclui não apenas os programas em si, mas as
inserções comerciais e chamadas institucionais exibidas nos intervalos. Em outras palavras, o
que o público consome ao sintonizar em um canal é um fluxo previamente pensado, no qual o
conteúdo da programação não é apenas uma concatenação de produções isoladas entre si e
distribuídas em uma grade, “[...] mas essa mesma sequência transformada pela inclusão de outro
tipo de sequência, de modo que essas sequências juntas componham o verdadeiro fluxo, a
verdadeira ‘radiodifusão’” (Williams, 2004, p. 91, tradução nossa7).
7
Do original: “[...] but this sequence transformed by the inclusion of another kind of sequence, so that these
sequences together compose the real flow, the real ‘broadcasting’”.
37
Por ser planejado, o fluxo em televisão interfere na criação artística, fazendo com que
os programas sejam pensados, desde o início, para se encaixarem na sequência proposta pela
emissora. Um exemplo citado por Williams (2004) é o das séries de ficção divididas em blocos,
que encerram sua primeira parte com cenas mais chamativas, a fim de não perder a audiência
após a volta dos comerciais. O impacto do fluxo na linguagem televisiva é abordado também
por Anna Maria Balogh (2002), segundo a qual a pausa dos programas para a exibição de
comerciais torna o sentido das obras fragmentário, gerando uma estética de interrupção ou
descontinuidade, marcada pela modulação entre sentidos ora suspensos, ora retomados.
Jesús Martín-Barbero e Germán Rey (1999) também discutem a ligação entre o fluxo
televisivo e a fragmentação nos programas. Segundo essa abordagem, todavia, o cenário
fragmentado é fruto de um contexto maior, o de proliferação das narrativas em uma era de
valorização do presente e de uma instantaneidade formada por histórias rápidas em sucessão
frenética. O fluxo seria, então, a principal solução para unir tais microrrelatos, dando-lhes um
sentido uniforme e gerando um “[...] continuum de imagens que anula a diferença entre os
programas e constitui a forma da janela acesa” (Martín-Barbero; Rey, 1999, p. 26, tradução
nossa8) – isto é, da televisão. Ainda de acordo com esses autores, o fluxo tem impacto na
coletividade, pois produz a sensação de conexão entre pessoas distantes fisicamente, porém
unidas pelo hábito de organizar seu tempo em torno da sequência de criações exibida pelas
emissoras.
Na relação do público com a televisão, a sucessão constante de imagens por ela ofertada
permite, conforme a visão de Ciro Marcondes Filho (1988), a restauração de uma ordem ao
cotidiano. Ainda segundo esse pesquisador, a linguagem televisiva caracterizou-se por
diferentes fatores, como a padronização dos acontecimentos e tipos em esquemas reduzidos, a
alta velocidade com que as informações são apresentadas na tela e, no plano das narrativas, a
substituição da “[...] estrutura épica, isto é, a evolução de uma história concatenada e intercalada
com cenas que conduziam a um final, por uma série de ‘picos’, de cenas de muita agitação,
muita ação, muito impacto” (Marcondes Filho, 1988, p. 44). Como é possível observar, todos
esses aspectos estão ligados à própria linguagem estabelecida pelo fluxo.
Para além das características relacionadas à sequência modeladora da programação
televisiva, é importante mencionar outros elementos que compõem a linguagem desse meio.
Jost (2007), por exemplo, destaca a relação de intimidade que a televisão estabelece com seu
8
Do original: “[...] continuum de imágenes que indiferencia los programas y constituye la forma de la pantalla
encendida”.
38
público, perceptível nas escolhas de estilo, como a do apresentador de jornal que olha
diretamente para as câmeras, e no interesse dos programas pelo cotidiano da audiência. Tais
estratégias, que buscam simular um contato com os telespectadores, são, de acordo com Martín-
Barbero (1997), uma forma de se aproximar das rotinas familiares, em um movimento que
inclui, com frequência, o uso da linguagem coloquial.
Já Marcondes Filho (1988), ao analisar a televisão brasileira, observa como o circo e o
rádio influenciaram sua estruturação, especialmente nos primeiros anos, o que levou à
valorização de programas de auditório e de conteúdos feitos ao vivo. Embora, nesse início, tais
escolhas não tenham sido apenas estéticas, pois passavam pelas condições tecnológicas de uma
época em que não existia videoteipe, a experiência foi bem-sucedida, permitindo aos
apresentadores-animadores e às transmissões em tempo real seguirem com espaço nas telas das
emissoras. As transmissões diretas, aliás, são, para Jost (2007), uma das novidades promovidas
pela televisão no âmbito audiovisual e contribuem para o valor de verdade a ela atribuído;
enquanto, sob o olhar de Martín-Barbero (1997), representam uma segunda maneira de conectar
o meio à cotidianidade das famílias.
A estruturação de uma exibição em fluxo e as constantes elaboração e reconfiguração
de uma linguagem própria são controladas, no final da linha de produção televisiva, pelas
emissoras. Jost (2007) explica que, sendo as responsáveis por decidir o que vai ao ar e em que
sequência, elas não o fazem de forma neutra, mas com a finalidade de criar sentidos sobre si e
sobre sua visão de mundo. Como em um processo de elaboração mútuo, a emissora, por meio
de suas escolhas de programação, “[...] afirma-se não só como responsável editorial, mas
contribui para construir uma imagem de si própria como pessoa e como parceira do
telespectador” (Jost, 2007, p. 53), estabelecendo também os valores que regem sua atuação.
Em território brasileiro, o exemplo mais significativo de uma emissora que, ao
estabelecer uma programação, moldou e fixou sua imagem perante o público é o da TV Globo,
a qual estruturou seu padrão de qualidade, em parte, por meio do investimento na dramaturgia
e no jornalismo e da consolidação desses gêneros na temporalidade dos telespectadores
(Ferraretto; Morgado, 2019). A primeira seção deste capítulo visa a abordar justamente a forma
como a trajetória da televisão nacional, com destaque para a empresa carioca, esteve imbricada
com o percurso trilhado pelas telenovelas e seu compromisso com as diferentes elaborações de
Brasil.
39
A reconstituição de uma história da televisão brasileira é uma tarefa que pode ser feita
de diferentes maneiras, a depender do recorte e do objetivo de cada pesquisador. A este trabalho,
interessa compreender os contextos, no Brasil, em que esse meio se estabeleceu e se modificou
e como as telenovelas foram parte fundamental no processo. Por isso, duas elaborações guiarão
esse breve empreendimento: a periodização da TV no país proposta por Luiz Artur Ferraretto e
Fernando Morgado (2019), cuja abordagem foca nos pontos de corte, em especial nas novidades
tecnológicas, que provocaram rupturas nas práticas televisivas; e a divisão feita por Esther
Hamburger (2005), a qual articula as fases de desenvolvimento da televisão às transformações
nas telenovelas. Embora aparentemente distintas, pois suas análises não dão igual ênfase aos
mesmos elementos, as proposições desses autores se complementam, havendo coincidências e
sobreposições nos intervalos escolhidos para demarcar os períodos da história da televisão. Por
essa razão, sua apresentação será feita de modo concomitante, ao mesmo tempo que posta em
discussão com outras classificações da ficção nacional e latino-americana.
De início, chama a atenção o fato de ambos os trabalhos dividirem a trajetória da
televisão em três fases. No Quadro 3, é possível observar como cada etapa foi nomeada pelos
autores e as durações atribuídas a esses períodos.
musicais, programas de auditório – muitas vezes com o mesmo apresentador dividindo seu
tempo entre emissoras de cidades diferentes – e ações publicitárias conduzidas por garotas-
propaganda que anunciavam seus produtos no momento da exibição. O jornalismo era pautado,
muitas vezes, por trabalhos fotográficos, de forma a reutilizar o material que poderia pertencer
a um mesmo conglomerado de mídia – caso da TV Tupi, que pertencia aos Diários e Emissoras
Associados, de Assis Chateaubriand, e aproveitava as imagens produzidas para seus jornais
(Ferraretto; Morgado, 2019).
Na ficção, o formato privilegiado nos anos iniciais da televisão nacional foi o teleteatro,
tanto por ser feito ao vivo, como porque era visto por muitos profissionais como o mais
adequado para um trabalho autoral (Hamburger, 2005). A primeira telenovela brasileira, 2-5499
Ocupado (Excelsior, 1963), somente seria veiculada no começo dos anos 1960; no entanto, até
o final da década, segundo Hamburger (2005), o formato ainda foi considerado um produto
menor pelas emissoras.
Essa autora conta que, no período, a produção das novelas no Brasil, em rádio e
televisão, baseava-se na importação de histórias e de profissionais de outros países da América
Latina. Na TV Globo, por exemplo, a dramaturga cubana Glória Magadan foi a principal
responsável pelo departamento de ficção até 1969. Por causa da origem latino-americana, as
narrativas produzidas até então incorporavam uma veia puramente melodramática. Martín-
Barbero e Rey (1999, p. 98, tradução nossa9) classificam esse modelo como a forma tradicional
de se criar telenovelas na região, na qual se privilegiam “[...] paixões e sentimentos primordiais,
elementares, excluindo do espaço dramático toda ambiguidade psicológica ou complexidade
histórica e neutralizando com frequência as referências de lugar e tempo”. Seguindo uma linha
semelhante, Lopes (2009) define como sentimental a fase correspondente às obras veiculadas
no país entre 1950 e 1967. Em comum, as proposições desses autores reforçam como o destaque
exacerbado às emoções e a falta de referências espaço-temporais limitou as possibilidades de
as telenovelas tematizarem e discutirem a nação.
Vale destacar que a produção da primeira telenovela pela TV Excelsior só foi
possibilitada por uma inovação tecnológica: o videoteipe. Essa fita magnética, que permite a
gravação, edição e reprodução de vídeos e expandiu os limites criativos para além da
programação ao vivo, caracteriza, para Ferraretto e Morgado (2019), um dos pontos de corte na
trajetória televisiva no país, dando origem à segunda fase delimitada na proposta dos autores: a
9
Do original: “[...] pasiones y sentimentos primordiales, elementales, excluyendo del espacio dramático toda
ambigüedad psicológica o complejidad histórica, y neutralizando con frecuencia las referencias de lugar y de
tiempo”.
41
maior na escolha do produto a que irá assistir, em um processo que se iniciou em meados dos
anos 1980 e invadiu as primeiras décadas do século XXI. As novidades tecnológicas destacadas
por esses autores são: a popularização de dispositivos como o controle remoto e o videocassete,
o desenvolvimento da telefonia móvel, a amplificação na oferta de canais, especialmente em
TV a cabo, e a facilitação do acesso à internet, com a posterior chegada das redes sociais e dos
novos meios de acessar os conteúdos, a exemplo do streaming. Ao progressivamente tornarem
o espectador mais poderoso em termos de decisão, modificando sua experiência com a
linearidade das narrativas e com o próprio fluxo televisivo, essas novas tecnologias deram
origem a uma fase de concentração na demanda.
No mercado nacional, uma das principais consequências foi, conforme defende
Hamburger (2005), a diversificação da programação e da estrutura televisivas. A TV Globo viu
a distância para as demais concorrentes reduzir e suas telenovelas pontuarem cada vez menos
nas medições de audiência. Embora não tenha perdido seu posto como líder do mercado, a
emissora enfrentou, na década de 1990, uma disputa forte com produções de outros canais
abertos, com destaque para a novela Pantanal (Manchete, 1990), cujo sucesso simbolizou um
período no qual as interpretações de Brasil se tornaram um objeto de disputa entre as empresas.
No final da década, o crescimento dos canais a cabo, especialmente entre as classes mais altas,
também impactou as redes de televisão aberta, tanto em termos de audiência como em relação
à linguagem de seus programas, agora voltados para um público de menor poder aquisitivo.
Já na década de 2010, as plataformas de video on demand (VOD) ganharam maior
relevância na indústria, principalmente após a chegada, no Brasil, dos serviços de streaming. A
Netflix, uma das maiores empresas do ramo, iniciou suas operações no país em 2011, enquanto
a TV Globo lançou o Globoplay em 2015 (Lopes; Greco, 2018). O crescimento dessas
plataformas modificou as práticas criativas no âmbito da ficção. Algumas das mudanças listadas
por Lopes e Clarice Greco (2018) foram o surgimento de parcerias entre VOD e redes de TV a
cabo, tanto na produção como na distribuição de séries, e a política do digital first na TV Globo,
consistente em disponibilizar com antecedência, no Globoplay, uma parte ou a totalidade dos
episódios de uma obra – prática que, em 2018, abrangeu 24% dos títulos inéditos da emissora
(Lopes; Lemos, 2019).
Além disso, começaram a ser produzidos materiais ficcionais exclusivos para o
streaming. A experiência inaugural foi feita pela na Netflix, em 2016, com a série 3% (Lopes;
Greco, 2018); cinco anos depois, Verdades Secretas 2 (2021), do Globoplay, tornou-se a
45
primeira novela veiculada em uma plataforma do gênero10 (Bravo, 2021). As séries, aliás, têm
sido dominantes entre as produções exibidas nas plataformas de VoD (Lopes; Lemos, 2019).
Tal crescimento segue uma tendência iniciada em 2017 e notada pelo Observatório Ibero-
Americano de Ficção Televisiva (Obitel): a superioridade numérica desse formato em relação
às telenovelas, o que denota a mudança na forma como a serialidade é trabalhada nas ficções
nacionais (Lopes; Abrão, 2022).
As transformações provocadas pelos serviços de streaming, contudo, não podem ser
entendidas como um símbolo de que os modelos tradicionais de produção e distribuição
televisivas estariam em processo de extinção. Na verdade, compreende-se que “[...] a televisão
distribuída por internet expande o ecossistema televisivo, e é mais razoável pensar o VoD como
uma camada no topo de várias outras já existentes e com interação entre elas” (Lopes, Lemos,
2019, p. 106). Ou seja, as práticas conduzidas por tais plataformas surgem como mais uma
faceta dessa complexa fase de concentração na demanda e diversificação da indústria.
Nesse processo, as telenovelas também promoveram variações em sua maneira de
tematizar o país. A obra de sucesso veiculada pela Manchete em 1990, por exemplo,
questionava o padrão de modernidade e o ideal desenvolvimentista vigentes nas produções
nacionais realistas e apresentava um Brasil rural, mítico e bucólico (Hamburger, 2005). Escrita
originalmente por Benedito Ruy Barbosa, a novela ganhou um remake na TV Globo em 2022,
pelas mãos de Bruno Luperi, neto do autor. Como na primeira exibição, a nova versão obteve
êxito de audiência, fenômeno que pode ser atribuído também à abordagem de temáticas caras à
contemporaneidade, como as mudanças climáticas, a homofobia e a desigualdade de gênero
(Bengo, 2022).
Essa discussão explícita de temas específicos do cotidiano é a marca de outro modelo
através do qual as telenovelas estruturam suas temáticas, desenvolvido na reta final do século
XX e definido por Hamburger (2005) como o das novelas que buscam intervir em assuntos
pontuais da sociedade. Nas criações que seguem tal linha, as referências ao mundo real, “[...]
que durante anos foram consolidando a novela como uma espécie de vitrine de moda, notícia e
10
Em consulta feita ao catálogo do streaming da Globo em agosto de 2023, esta pesquisa encontrou duas novelas
identificadas como originais da plataforma (Globoplay, 2023a): a obra inaugural, lançada em 2021, e Todas as
Flores (2022). Entre as séries de ficção, 25 produções tiveram pelo menos uma temporada lançada com o selo de
originalidade (Globoplay, 2023b). São elas: Além da Ilha (2018); Assédio (2018); Ilha de Ferro (2018-2019);
Shippados (2019); Aruanas (2019-2021); A Divisão (2019-2020); Sessão de Terapia (4ª e 5ª temporadas, 2019-
2021); Eu, a Vó e a Boi (2019); Arcanjo Renegado (2020-2022); Todas as Mulheres do Mundo (2020); Desalma
(2020-2022); As Five (2020-2023); Onde Está meu Coração (2021); Segunda Chamada (2ª temporada, 2021);
Theodosia (2022); Turma da Mônica: a Série (2022); Sob Pressão (5ª temporada, 2022); Rensga Hits (2022); Rota
66: a Polícia que Mata (2022); Encantado’s (2022); Os Outros (2023); A Vida pela Frente (2023); Vicky e a Musa
(2023); As Aventuras de José e Durval (2023) e Humor Negro – A Série (2023).
46
11
Do original: “[...] el desencuentro nacional con lo regional, la centralización desintegradora de un país plural,
y la lucha de las regiones por hacerse reconocer como constitutivas de lo nacional”.
47
com o regional, a centralização desintegradora de um país plural e a luta das regiões para se
fazerem reconhecer como constitutivas do nacional”. Essa visão do local como parte do
nacional, no Brasil, está refletida, entre outras, nas criações que tematizam o Nordeste à procura
de compreender a formação e elaborar uma imagem do país (Debs, 2007) – e aproxima a
discussão sobre as narrativas de nação feitas pelas telenovelas à história contada em ONF.
É importante destacar, por fim, que a ideia da ficção televisiva como um vetor de
reconhecimento cultural aponta para uma das principais heranças deixadas pelo melodrama às
produções desse formato. Afinal, para Martín-Barbero (1997), um dos motivos que justifica o
sucesso do gênero melodramático na América Latina consiste no fato de boa parte dos enredos
ser também movida pela busca por uma identidade inicialmente perdida, como nas histórias em
que o protagonista almeja o reconhecimento de sua paternidade ou maternidade. As telenovelas,
assim, absorvem do melodrama o diálogo com as construções identitárias da região e, também,
outros aspectos de sua linguagem. A compreensão da relação entre essas obras e as matrizes
que a originaram, bem como de aspectos referentes a sua produção, estrutura e linguagem,
consiste em mais uma importante etapa deste processo de investigação.
para Hamburger (2005), que a marca principal da feitura convencional das novelas brasileiras
é a improvisação.
A abertura dada à manifestação do público e a possibilidade de sua opinião interferir na
história é outra característica que os folhetins legaram às telenovelas. Isso porque ambos os
formatos são escritos paralelamente a sua veiculação, o que aproxima as obras do cotidiano da
audiência, dando-lhe a sensação de participar, também, da narração (Martín-Barbero, 1997).
De acordo com Lopes (2009), essa sensação se amplia no decorrer da exibição das telenovelas,
pois, ao criar uma comunidade em seu entorno e estimular o compartilhamento de informações
e pontos de vista sobre as histórias, tais produções fazem dos espectadores participantes da
nação tematizada em seus capítulos. A interferência do público, porém, não tem alcance
irrestrito. Pallottini (2012) reforça que, apesar da importância da avaliação feita pelos
consumidores para eventuais ajustes no rumo dos enredos, a decisão final sobre a estruturação
da narrativa sempre estará atrelada às intenções dos criadores.
Um aspecto da estrutura folhetinesca presente nas telenovelas é a sua organização
episódica. Martín-Barbero (1997) relata que a divisão das histórias em segmentos, seguindo a
periodicidade dos jornais, possibilitou aos folhetins o encaixe na temporalidade de seus
consumidores, as classes populares. Muitas vezes, os episódios tinham subdivisões internas,
facilitando a leitura. A conexão entre essas partes era feita através do suspense, recurso utilizado
ao fim dos fascículos que aguçava a curiosidade do público, e da reiteração de informações ao
longo da narração. Nas novelas, a estratégia se repete. Sua história é fragmentada em capítulos
diários, os quais, por sua vez, são repartidos em blocos e, tanto entre os primeiros como entre
os segundos, lança-se mão dos ganchos com a finalidade de gerar expectativa (Pallottini, 2012).
Além disso, diversos elementos são agenciados em um processo de contínuo reforço: as
vinhetas de abertura e encerramento repetem-se todos os dias; cenas dos capítulos anteriores
são exibidos na introdução dos seguintes; a música-tema de uma personagem sempre é tocada
quando ela aparece (Balogh, 2002).
A organização narrativa do folhetim era marcada por um destaque para os
acontecimentos, no sentido de as personagens estarem constantemente envolvidas em ações que
modificavam os rumos das tramas (Martín-Barbero, 1997). Esse privilégio às cenas com novos
acontecimentos em detrimento de sequências mais reflexivas ou com aprofundamento
psicológico é observado como um padrão das telenovelas brasileiras por Marcondes Filho
(1988) e Pallottini (2012). A regra, claro, tem exceções, sendo as novelas rurais escritas por
50
Benedito Ruy Barbosa na década de 199012 o maior exemplo, nas quais, segundo Balogh (2002)
e Hamburger (2005), o ritmo narrativo e da montagem é mais lento – caminho que ONF, já em
2018, buscou seguir.
Outra propriedade comum às narrativas folhetinescas era o desenvolvimento
progressivo que culminava no triunfo do bem contra o mal. A presença dessas categorias
antitéticas denuncia uma moral convencional no formato, enquanto o desfecho de viés positivo
funcionava como uma forma de oferecer ao público uma compensação, como explica Martín-
Barbero (1997, p. 189): “O folhetim aponta e denuncia contradições atrozes na sociedade, mas
no mesmo movimento trata de resolvê-las ‘sem mexer no leitor’; a solução corresponderá àquilo
que ele espera e assim há de lhe devolver a paz”. Tal movimento de retorno a um ponto de
segurança aproxima-se da maneira como a televisão organiza suas emissões com o objetivo de
restaurar a ordem do cotidiano do espectador, conforme observado por Marcondes Filho (1988).
A preocupação com uma moral convencional, quando se observam as matrizes
originárias das telenovelas, não é exclusiva do folhetim, mas pode ser observada também no
melodrama. De acordo com Peter Brooks (1995), as primeiras obras do gênero surgiram no
teatro europeu após a Revolução Francesa, entre os séculos XVIII e XIX, em um cenário de
quebra das tradições sacras ligadas a instituições como a Igreja Católica e a Monarquia. Esse
autor explica que o melodrama “[...] surge em um mundo onde os imperativos tradicionais da
verdade e da ética foram violentamente questionados, ao mesmo tempo que a promulgação da
verdade e da ética, sua instauração de uma forma de vida, são uma preocupação política,
imediata e diária” (Brooks, 1995, p. 15, tradução nossa13). A moralidade e o próprio sagrado,
assim, foram redirecionados para o plano do indivíduo, em vez de associados a instâncias
superiores.
A tradução dessa nova moralidade nas histórias melodramáticas deu-se por meio da
demarcação de bem e mal como agentes fixos, cujo embate permeia toda a narrativa e culmina
na vitória do primeiro. Essa oposição é representada por personagens maniqueístas, bem
caracterizadas embora não complexas (Brooks, 1995) e construídas a partir de esquemas pré-
concebidos, sendo os mais comuns o Traidor, a encarnação do mal; o Justiceiro, correspondente
à figura do herói; a Vítima, geralmente uma mulher, símbolo de inocência e virtude; e o Bobo,
responsável pela parte cômica no melodrama popular (Martín-Barbero, 1997).
12
Além de Pantanal, as obras referidas por Balogh (2002) e Hamburger (2005) como representativas do estilo
rural do autor são Renascer (1993) e O Rei do Gado (1996).
13
Do original: “[…] comes into being in a world where the traditional imperatives of truth and ethics have been
violently thrown into question, yet where the promulgation of truth and ethics, their instauration of a way of life,
is of immediate, daily, political concern”.
51
coincidência, tal predominância do diálogo na ficção televisiva tradicional será questionada por
George Moura e Sergio Goldenberg ao escreverem sua supersérie.
Com a introdução do realismo nas narrativas das telenovelas, determinadas convenções
do melodrama se afrouxaram. O maniqueísmo até segue presente na maior parte das produções,
nas quais a associação das personagens aos polos de bem e mal costuma se dar de maneira fácil
(Pallottini, 2012). Apesar disso, tais figuras ganharam maior complexidade e ambiguidade à
medida que novas criações eram produzidas e incorporavam aspectos do cotidiano da população
(Hamburger, 2005). Outra inovação feita pelos autores nacionais foi a mescla entre o gênero
melodramático e a comédia, especialmente nas novelas exibidas às 19h pela TV Globo (Balogh,
2002).
O modo brasileiro de fazer telenovelas, assim, demonstra-se mais intricado do que a
simples adaptação de um formato e absorção de um gênero prévios. Vale destacar, por exemplo,
o legado de outras matrizes para sua formação, como a contribuição das radionovelas através
da lógica da oralidade, de uma história narrada como quem conta algo a alguém (Martín-
Barbero; Rey, 1999). Na trajetória desse formato ficcional televisivo, ademais, determinadas
práticas se conformaram, tornando relevante a discussão, para os objetivos deste trabalho, do
modo com que essas obras constroem seus indicadores culturais de lugar, personagens e temas,
bem como dos parâmetros que regem, na TV Globo, a disposição das produções em diferentes
horários da programação.
A ideia de lugar é debatida em conceitos como o de espaço narrativo, cunhado
anteriormente pela crítica literária. De acordo com Cândida Vilares Gancho (2004), o espaço
consiste exatamente no lugar em que a ação ocorre. As histórias, contudo, não se limitam a
construir o local de seus acontecimentos nos aspectos físicos, mas dão forma ao ambiente,
referente à dimensão espacial acrescida das condições socioeconômicas, religiosas,
psicológicas e morais das personagens. O ambiente, nas narrativas, pode cumprir funções
distintas, como apresentar indícios para o desenvolvimento futuro do enredo, refletir os
conflitos pelos quais as personagens passam ou mesmo opor-se a elas.
A maneira como as telenovelas constroem sua dimensão espacial, aqui entendida como
lugar físico e ambiente em seu entorno, baseia-se também na experiência cinematográfica.
Nesse sentido, Balogh (2002) evidencia que diferentes estudos em cinema descreveram a
caracterização do espaço audiovisual a partir de dicotomias, presentes nos aspectos diegéticos
– a exemplo da oposição entre natural e artificial, ou entre interno e externo – e nas técnicas
usadas para filmá-lo – como no contraste entre campo e contracampo. Essa abordagem
dicotômica nas novelas foi observada igualmente por Hamburger (2005), segundo a qual a
53
contradição entre tradição e modernidade é manifesta nas categorias de rural e urbano, nos
meios de comunicação e transporte que preenchem as telas, nos comportamentos das
personagens.
Essas, aliás, são outra parte importante das narrativas das novelas. Gancho (2004) define
a personagem como o agente que move o enredo, um ser do mundo fictício que precisa existir
na história e atuar concretamente nela. Sua classificação pode ser feita de acordo com a função
no enredo ou com sua caracterização. A primeira linha de análise divide as personagens entre
protagonistas, antagonistas e secundárias; enquanto a segunda diferencia-as entre planas –
pouco complexas e de características fixas – e redondas, dotadas de maior complexidade e
capacidade de mudança ao longo da trama.
Nas telenovelas realistas, as personagens costumam ter maior abertura para a mudança
(Hamburger, 2005), embora, conforme defende Pallottini (2012), algumas de suas
características fundamentais permaneçam, a fim de preservar a coerência narrativa. Essa autora
também explica que a ficção televisiva é o lugar ideal para o desenvolvimento da personagem-
sujeito, “[...] aquela que é, age, faz e diz coisas que lhe apraz dizer e fazer, [...], como se, enfim,
ela fosse senhora de sua vida e atos, sua vontade tendo como correspondente a sua
responsabilidade e nada mais” (Pallottini, 2012, p. 129). Essa figura geralmente povoa histórias
que supervalorizam o esforço individual nas conquistas, como aquelas que tratam da ascensão
social. E, mesmo havendo exemplos de personagens com menos agência sobre sua trajetória ou
obras que relacionam melhor as condições socioeconômicas às ações de seus sujeitos, a imagem
de uma pessoa tomando decisões soberanas sobre sua vida ainda é a mais comum nas novelas.
Pallottini (2012) enfatiza ainda que tanto o espaço como as personagens audiovisuais
são construídos em um processo coletivo que ultrapassa a dimensão da escrita. Falar em
construção espacial, por exemplo, implica ressaltar a colaboração entre roteiristas, diretores,
fotógrafos e diretores de arte, cujo trabalho define desde as indicações prévias sobre o lugar a
ser criado até a organização cênica e os elementos filmados. Por sua vez, as personagens são
fruto das ações, personalidades e diálogos pensados pelos autores, dos figurinos e da
maquiagem que as caracterizam, dos cenários onde circulam; são personificadas na
interpretação de atores e atrizes, os quais seguem as indicações de um diretor ou diretora; por
fim, são transformadas em imagem pelas lentes das câmeras e associadas a uma trilha sonora
própria após a edição.
Dos indicadores culturais agenciados pelas telenovelas (Lopes, 2003) e investigados
nesta pesquisa, resta abordar os temas. Esses, segundo Gancho (2004), podem ser entendidos
como as ideias que organizam a história ao seu redor e são traduzidas por meio dos assuntos,
54
isto é, acontecimentos concretos relatados no enredo. Já Balogh (2002, p. 80) adota a definição
proposta por José Luís Fiorin, segundo a qual os temas são “[...] categorias que organizam e
ordenam os elementos do mundo natural”, explicando-os e estabelecendo relações entre eles.
Essa autora salienta, por fim, que as temáticas desenvolvidas pelas narrativas costumam remeter
a origens comuns, as quais variam de acordo com as diferentes culturas e são compartilhadas
por seus integrantes. Na ficção televisiva nacional, algumas das temáticas mais recorrentes,
listadas por Balogh (2002) e que bebem das matrizes culturais ocidentais, são: a vingança; a
transformação das personagens menosprezadas, como ocorre com a Cinderela; os amores
impossíveis; o sacrifício para obter algo em troca ou pagar por um pecado.
A associação entre diferentes temas e gêneros é um dos principais parâmetros que guia
o posicionamento das telenovelas na programação da TV Globo. O estabelecimento de posições
fixas para as obras e a associação a horários específicos, vale reforçar, foi uma das principais
estratégias que consolidaram o padrão de qualidade da emissora e o sucesso de sua ficção
(Balogh, 2002; Ferraretto; Morgado, 2019). Nesse processo, as categorias que se fixaram na
dramaturgia da TV Globo e no cotidiano do público foram as novelas das seis, das sete e das
oito/nove horas.
As obras exibidas às 18h, explica Balogh (2002), ficaram marcadas ao longo do tempo
pelas temáticas amorosas, guiadas por um casal protagonista e construídas mais fortemente
sobre o maniqueísmo melodramático. Já o horário das 19h firmou-se como o que melhor
integrou outros gêneros ao melodrama, especialmente a comédia em suas diferentes
possibilidades, e outras linguagens, como as estéticas do videoclipe e das histórias em
quadrinhos. Por fim, as produções originalmente veiculadas às oito da noite, renomeadas como
novelas das 21h a partir de 2011, são as mais adeptas do paradigma realista consagrado pela
tradição nacional e têm maior abertura, entre os três modelos, para temas densos, como
corrupção, decadência moral, dependência química, entre outros.
Uma quarta faixa de telenovelas também fez parte da programação da TV Globo, com
destaque para dois momentos distintos. Na década de 1970, ocupava o horário das 22h e era
voltada para projetos experimentais (Hamburger, 2005) e temas tidos como polêmicos (Balogh,
2002). Em 2011, a iniciativa foi retomada, agora com exibição às 23h. Nessa nova incursão,
temáticas sensíveis, a exemplo da prostituição, passaram por abordagem ainda mais livre que
nas produções das nove; as narrativas foram construídas de modo enxuto e ágil, em um modelo
que já mesclava características das novelas às das séries, e o gênero era menos melodramático
que dramático (Lima; Néia, 2015). Nesse segundo período, uma mudança aconteceu a partir de
2017: as obras de linguagem, duração e estrutura semelhantes às novelas das 23h tiveram sua
55
nomenclatura trocada. Nasceram, então, as superséries, formato que buscou unir características
das telenovelas às séries e às minisséries e que, na perspectiva deste trabalho, simboliza a
dialética entre repetição e inovação na ficção televisiva nacional.
14
A partir deste ponto, as obras do formato serão referidas, neste trabalho, apenas como séries, seguindo a
tendência observada por Balogh (2002) e entendendo o termo como um sinônimo de seriado.
56
15
Exemplos de produções recentes que se aproximam dos dois modelos citados por Machado (2000) são Tapas e
Beijos (2011-2015) e Sob Pressão (2017-2022), análogas ao primeiro tipo, e As Cariocas (2010) e As Cariocas
(2012), referentes ao segundo.
57
e gravadas antes da exibição. Ademais, sua linguagem se conecta mais com a de outras matrizes,
como a do cinema.
Em uma linha semelhante, Balogh (2002) destaca a maior possibilidade de
experimentação que as minisséries carregam, observada em práticas de inovação sobre aspectos
como os ângulos de câmera, o uso da trilha sonora e as gravações em ambientes externos. Essa
autora também salienta que o fato de ser uma obra fechada torna a minissérie um produto com
maior cuidado estético, coesão narrativa e “[...] aprofundamento da trajetória de personagens”
(Balogh, 2002, p. 129). Outro fator que influencia na experimentação estética e temática dessas
produções é sua exibição tardia no fluxo. No Brasil, o espaço consolidado para o formato foi o
horário das 22h, correspondente ao final das novelas das 21h na TV Globo, com a frequência
diária e a duração média de 20 capítulos.
A variedade de organização narrativa, possibilidades estéticas e abordagens temáticas
proporcionada pelas séries e minisséries é o principal ponto que se une à tradição das
telenovelas e suas matrizes culturais na proposta de criação das superséries como um novo
formato. O termo, porém, não foi cunhado pela TV Globo. Na verdade, a primeira vez que
produções seriadas em televisão foram nomeadas como superséries deu-se nos Estados Unidos,
através do lançamento de La Reina del Sur (Telemundo, 2011-2023). Nas práticas
empreendidas pela emissora norte-americana, as obras desse modelo passaram a ser produzidas
com duração reduzida, de aproximadamente 60 capítulos, narrativa ágil, com abertura para o
desenvolvimento de novas temporadas e aproximação ao gênero de ação (Pablos, 2015).
Juan Piñón e María de los Ángeles Flores (2016) contam ainda que a iniciativa da
Telemundo em afastar suas principais produções, exibidas no horário das 22h, do conceito de
telenovelas e aproximá-las das séries está relacionada a uma busca por desassociar as histórias
de um universo tido como feminino e atrair o público masculino, tradicionalmente menos
envolvido com a ficção melodramática. Esses autores tomam como exemplo outro sucesso da
emissora, El Señor de los Cielos (2013-2023), para demonstrar as características herdadas pela
obra dos dois principais formatos que, nos Estados Unidos, a originaram. Das séries, a produção
analisada absorve a abordagem menos romântica de temas como narcotráfico e corrupção. Das
telenovelas, reproduz a exibição diária, com exceção dos finais de semana, o tamanho dos
capítulos e a recorrência ao âmbito familiar como fio condutor da história.
Vistas como uma tendência da televisão internacional no meio da década de 2010
(Stycer, 2015), as superséries tornaram-se uma nomenclatura atribuída a obras de ficção no
Brasil em 2017, com Os Dias Eram Assim. Apesar disso, Lopes e Greco (2018) acreditam que
as novelas das 23h exibidas pela TV Globo entre 2011 e 2016 já seguiam o modelo de histórias
58
mais curtas, com temas considerados polêmicos e violentos e maior aproximação com a
audiência masculina e jovem. No entanto, como a emissora ainda se referia a tais criações como
telenovelas, entende-se que só se começou a implementar o formato nacionalmente a partir da
antecessora de ONF.
Esse recorte se justifica a partir da ideia, proposta por Jost (2007), de que as promessas
contidas nos gêneros – e, por extensão, nos formatos – são fundamentais para que eles se
estabeleçam. Por promessas, compreende-se a definição do nome atribuído a uma categoria
narrativa e a ação das emissoras ao explicá-la e situar seus exemplares na programação em
fluxo. Desse modo, o ato promissivo de nomear determinadas obras como superséries é o ponto
de partida que deve ditar a forma que ela será produzida e distribuída e indicar a relação de
consumo estabelecida pelos telespectadores; embora esses, conforme ressalva Jost (2007), não
sejam passivos em sua prática de audiência, podendo questionar as definições da emissora –
algo observado por Martins e Penha (2022) entre o público e a crítica da produção investigada
por esta pesquisa, os quais associaram ONF às telenovelas e às séries, respectivamente.
Na verdade, por ser um formato em experimentação, nem mesmo as decisões de
distribuição e produção conseguiram alcançar a plenitude da proposta contida no conceito de
superséries. Em sua pesquisa sobre a primeira produção brasileira nomeada segundo o novo
modelo, Lima e Néia (2018) constataram uma insuficiente integração do conteúdo televisivo
com outras mídias – algo consolidado nas superséries dos Estados Unidos (Lopes; Orozco
Gómez, 2016) – e a manutenção do melodrama como o gênero predominante na narrativa,
fenômeno ainda comum a outras produções latino-americanas que adotaram a nomenclatura
lançada pela Telemundo.
O fato de terem sido produzidas apenas duas superséries no Brasil, por conseguinte,
dificulta a especificação de características próprias do formato no país. De fato, Martins e Penha
(2022) defendem que a tentativa de estabelecê-lo como um novo modelo possível não vingou
nacionalmente, ao menos até a exibição de ONF. Ainda assim, é importante compreender como
sua proposta situa-se no cruzamento de outros formatos. A mescla do melodrama com outros
gêneros e a abordagem de temas mais densos são sinais dessa hibridização. Além deles, Lima
e Néia (2018) destacam a articulação buscada por tais obras entre os arcos dramáticos
característicos dos capítulos de novelas e minisséries – com o encadeamento de diversas
histórias, diretamente ligadas às unidades anteriores e subsequentes – e dos episódios de séries
– marcados pela apresentação e fechamento de uma mesma trama em uma exibição única. Já
Martins e Penha (2022) observam, no caso de ONF, outros aspectos que a aproximam das
59
minisséries, como o ritmo narrativo enxuto e a veiculação da obra com todos os capítulos já
escritos e gravados.
A manutenção de características de formatos tradicionais e sua rearticulação com
aspectos consolidados de outros modelos, dando-lhes roupagem de novidade na produção de
uma narrativa seriada, permite compreender a proposta das superséries como um exemplo das
obras neobarrocas estudadas por Calabrese (1987), uma vez que tal iniciativa buscou apropriar-
se das convenções narrativas previamente estabelecidas na ficção televisiva, excitando-as,
desestabilizando-as e reorganizando-as. Ademais, ela reflete um movimento, também descrito
por Calabrese (1987, p. 57), presente no cenário industrial marcado pela estética da repetição,
em que “[...] já está tudo dito, já está tudo escrito. Perante a acrescida capacidade do público,
só existe uma possibilidade para o não saturar: mudar as regras do gosto juntamente com as da
produção”. As superséries, assim, compartilham a tendência das narrativas complexas (Mittell,
2012) de apresentar novas formas de contar e de fruir histórias já conhecidas. Mudam-se as
nomenclaturas, mexe-se na estrutura dos capítulos e episódios, propõe-se um ideal de inovação,
porém a produção, o conteúdo e o consumo seguem baseados, também, na reiteração.
Nessa dialética entre inovar no formato e repetir as práticas de outros modelos, as
superséries também podem se valer do modo como as narrativas de origem trabalham as ideias
de nação e suas propostas estéticas. Assim, se as telenovelas legam a tais produções o posto de
veículo de discussão do país (Lopes, 2003; 2009; Hamburger, 2005), a experiência com as
minisséries permite que tal abordagem seja feita densamente e com melhor acabamento
(Balogh, 2002). Um cenário parecido é herdado das séries, as quais consistem, segundo Martín-
Barbero e Rey (1999, p. 132, tradução nossa16), no formato que melhor permite “[...] a busca
de uma expressividade própria, a elaboração de formas e dispositivos de narração que darão sua
maior especificidade à ficção televisiva” – e, consequentemente, tornarão mais elaboradas as
discussões sobre a imagem e a história do país e de seus lugares e pessoas.
A observação dessa herança múltipla para as superséries, a qual é formada por aspectos
narrativos, industriais e temáticos, oferece ferramentas para compreender, portanto, como ONF
constrói suas imagens de sertão. A estruturação dos capítulos no fluxo da programação da TV
Globo e a forma como personagens e cenários são apresentados em tela e modificam-se ou não
ao longo do enredo são exemplos de tópicos que perpassam esta investigação e estão
diretamente relacionados à discussão sobre a obra como um formato pretensamente inovador
na ficção seriada televisiva nacional. Antes de se debruçar sobre tais pontos, contudo, é
16
Do original: “[...] la búsqueda de una expresividad propia, la elaboración de formas y dispositivos de narración
que van a dar su mayor especificidad a la ficción televisiva”.
60
importante compreender as matrizes a partir das quais George Moura, Sergio Goldenberg, José
Luiz Villamarim e demais profissionais elaboraram os lugares, personagens e temas sertanejos
da supersérie – tema a ser debatido no próximo capítulo.
61
seria composta por “vários Nordestes, de características climáticas, humanas e até culturais,
diferenciadas entre si” (Garcia, 2017, p. 6), em vez de ser uma massa geográfica e social
uniforme.
A própria ideia de nomear uma fração do território nacional como Nordeste, aliás,
nasceu de uma disputa política. Albuquerque Júnior (2011, p. 80) afirma que, antes de ser
adotado como uma macrorregião pelas instâncias oficiais, o Nordeste começou a ser produzido
como tal através de representações engendradas entre o final do século XIX e o início do século
XX. Segundo esse autor, isso ocorreu porque as tradicionais elites açucareiras e algodoeiras
buscavam afirmar-se politicamente, em oposição ao crescimento das elites sulistas. Surgiu
então um movimento regionalista, o qual ganhou força a partir da década de 1920 e instituiu o
uso da palavra “Nordeste” para designar, inicialmente, o conjunto dos estados entre Ceará e
Alagoas.
A retórica adotada por essas elites valeu-se de argumentos como os que situavam a
população local em uma posição de vítimas de injustiças sociais. Evocava-se tal cenário para
justificar a necessidade de atrair investimentos a serem utilizados, supostamente, na solução
dos problemas decorrentes das estiagens e da violência (Albuquerque Júnior, 2011). Essa
mesma retórica da injustiça, da discriminação e do atraso é mencionada por Garcia (2017) em
sua explicação sobre a origem da rebeldia, aspecto considerado fundamental na constituição da
personalidade nordestina e que estaria presente na gênese de fenômenos distintos, desde os
movimentos separatistas liderados por Pernambuco no século XIX até as reivindicações de
igualdade na destinação de verbas federais, em relação ao Centro-Sul do país.
Se o desejo de recuperar poder e atrair investimentos partiu das elites político-
econômicas, a invenção propriamente dita da região Nordeste foi conduzida pelos atores sociais
envolvidos nos meios acadêmicos e culturais, e demandou a afirmação do lugar e a atribuição
de suas supostas características. Tal produção adotou duas principais linhas de abordagem. Os
filhos das elites “desterritorializadas” construíram um Nordeste da saudade, ligado às
lembranças de um passado glorioso e ao ideal de um sertão puro, que aparece, por exemplo,
nas obras sociológicas de Gilberto Freyre e na literatura de Rachel de Queiroz e José Lins do
Rego. Já os intelectuais próximos ao espectro político da esquerda moldaram suas elaborações
como o inverso das primeiras: com os olhos voltados para o futuro, seus Nordestes surgem
“como região da miséria e da injustiça social; o locus da reação à transformação revolucionária
da sociedade” (Albuquerque Júnior, 2011, p. 46-47). É o caso de obras como os romances de
Graciliano Ramos e Jorge Amado e do Cinema Novo de Glauber Rocha. Seja como o lugar da
saudade ou da revolta, porém, os Nordestes fruto da invenção regionalistas tiveram as mesmas
63
imagens como base. Alguns dos elementos consagrados nessas produções foram a seca, o sol
forte, a violência e figuras como o coronel, o beato e o cangaceiro.
Já o tipo nordestino inventado pelos intelectuais regionalistas da década de 1920 foi
definido como um homem rústico e áspero, tradicional e conservador. Sua elaboração decorre
de uma crise dupla: do poder das elites locais e de um modelo de masculinidade que,
tradicionalmente, posicionava o homem no centro de uma família nuclear. Por isso, a imagem
do nordestino foi construída como a de um sujeito dotado de virilidade e “capaz de retirar sua
região da situação de passividade e subserviência em que se encontrava” (Albuquerque Júnior,
2013, p. 150).
Nesse sentido, o sertanejo foi eleito como o modelo ideal de homem da região e
caracterizado como uma reserva da moralidade e da nacionalidade; caso pertencesse às elites,
também poderia ser referido como um defensor da modernização, quando conveniente para os
interesses locais. Outros sujeitos nordestinos construídos nas produções regionalistas do século
XX foram o brejeiro e o praieiro, posicionados mais próximos ao litoral e tidos muitas vezes
como representantes da decadência da região, e tipos como o vaqueiro, o senhor de engenho, o
coronel, o matuto, o retirante, o cangaceiro e o beato (Albuquerque Júnior, 2013).
Uma das contradições na elaboração das representações sobre o homem nordestino,
conforme explica Albuquerque Júnior (2013), consiste no fato de ela ter sido feita a partir de
algumas correntes de pensamento divergentes. A primeira delas foi o eugenismo, que defendia
a constituição biológica e a hereditariedade como determinantes para os comportamentos e
valores humanos. Para esse autor, “Os Sertões”, de Euclides da Cunha (2002), teria fundado
essa corrente no Brasil, trazendo a tese de que a "sub-raça" nordestina seria a única que ainda
guardaria a mestiçagem que deu origem ao povo brasileiro - mais especificamente, entre
brancos e índios.
Outra linha de pensamento importante foi o darwinismo social, que atribuía o papel
fundamental na constituição física, psicológica e comportamental dos sujeitos à influência do
meio e à luta por adaptação. O Nordeste, portanto, que teve em um de seus traços definidores
uma natureza homogeneizada a partir da seca, seria o lugar de um homem “marcado pela
convivência com uma natureza áspera, árida, bruta, difícil, exigindo deste uma batalha
constante pela vida” (Albuquerque Júnior, 2013, p. 165). A obra de Cunha (2002) também
dialoga com tal corrente, embora não tenha sido mencionada por Albuquerque Júnior (2013)
nesse ponto.
Uma terceira inspiração para os intelectuais regionalistas tinha uma base histórica e
sociológica. Através dela, buscou-se reconstituir uma história para o Nordeste, que atribuiria a
64
pluviosidade. Por fim, o Meio-Norte, de muitas chuvas, está localizado entre o Piauí e o
Maranhão, e representa outra zona transicional entre o Nordeste, o Norte e o Centro-Oeste.
Uma terceira dimensão da diversidade nordestina, presente na abordagem de Garcia
(2017), refere-se à constituição étnica e às atividades econômicas. Nesse sentido, o autor busca
historicizar a presença branca na região – das invasões francesas e holandesas à portuguesa –
relacionando-as à exploração do pau-brasil e da cana-de-açúcar e às figuras do senhor de
engenho, dos lavradores e dos comerciantes das cidades. A presença indígena no Nordeste, para
o pesquisador, estaria associada à familiaridade com a natureza e à interiorização da população
em direção ao sertão. Dos negros, pouco se discorre; o autor restringe-se a mencionar sua
influência na cultura do litoral nordestino.
A ideia de diversidade natural, cultural e humana na região ainda ganha outra dimensão
em Garcia (2017). Mais do que por simples divergências, a construção de Nordeste aqui
elaborada é povoada por contrastes: entre o seminomadismo sertanejo e a fixação à residência
dos moradores das cidades tidas como civilizadas; entre as casas distantes das estradas e as ruas
engarrafadas das metrópoles; e, principalmente, entre a pobreza de uma grande parte da
população do sertão e a alta concentração de renda de uma minoria. Para o autor, portanto, os
muitos Nordestes não seriam apenas plurais, mas dicotômicos.
É importante ressaltar que essa caracterização foi feita por Garcia, originalmente, em
1984, com sua última atualização publicada em 1995. Desde então, ocorreram algumas
transformações no espaço nordestino que podem ter diminuído tais contrastes. A principal
mudança foi provocada pelas iniciativas de redistribuição de renda, como o Bolsa Família, que
aumentaram o acesso das populações mais pobres ao dinheiro e diminuíram o fenômeno das
migrações para as capitais ou para outras regiões do Brasil (Moreira, 2018). Ainda assim, a
construção da região Nordeste como um espaço de contrastes permanece no imaginário e nas
produções culturais, conforme observado em pesquisa sobre as imagens de sertão produzidas
na ficção audiovisual brasileira (Gomes; Martins, 2022).
Outro autor que contribuiu para estabelecer a ideia da convivência de realidades
regionais contrastantes foi Freyre (2013), ao afirmar a existência de, pelo menos, dois
Nordestes. Em uma de suas obras fundadoras, batizada com o nome usado para se referir à
região, o sociólogo pernambucano reconstitui historicamente o surgimento da cultura da cana-
de-açúcar no litoral nordestino e seu impacto no meio ambiente e nas relações humanas. Nesse
livro, contudo, ele restringe sua análise ao chamado “Nordeste agrário”, justamente o mais
próximo à costa, o qual seria oposto ao “Nordeste pastoril”, do interior (Freyre, 2013, p. 33). O
curioso, aqui, é que a segunda fatia da região seria abordada somente por Djacir Menezes
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(2018), em um livro chamado “O outro Nordeste”, título que já posiciona o sertão, objeto do
estudo, como o espaço da alteridade, do diferente.
Essa visão de sertão como o espaço alternativo, da diferença, foi construída
historicamente e remonta a uma época prévia à invasão portuguesa ao Brasil. Segundo Janaína
Amado (1995, p. 147), as palavras “sertão” e “certão” já eram usadas em Portugal, desde o
século XIV, para descrever áreas distantes de Lisboa, e passaram a significar também, no século
XV, “espaços vastos, interiores, situados dentro das possessões recém-conquistadas ou
contíguos a elas, sobre os quais pouco ou nada [os portugueses] sabiam”. Esses termos e seus
significados atravessaram o mar junto com os colonizadores e apareceram, nos documentos
oficiais que tratavam do território brasileiro dominado pela Coroa, em referência a quaisquer
terras apartadas do litoral, povoadas principalmente pelos indígenas e onde não havia o controle
das leis ou da religião cristã.
Amado (1995, p. 148) afirma, então, que o uso da palavra “sertão” no Brasil Colônia
foi fruto de uma construção dos portugueses. Por ser um conceito criado a partir do lugar de
onde os colonizadores fixaram suas bases, ou seja, do litoral, os sertões brasileiros nasceram
como o polo oposto à região costeira, em uma dicotomia entre a civilização e a barbárie, entre
a cultura europeia e o desconhecimento. O fato de funcionar mais como uma demarcação do
litoral, por oposição, do que como uma definição de um lugar específico levou também ao
emprego do termo “sertão” na nomeação de locais distantes e distintos uns dos outros, dos
interiores de Santa Catarina à Bahia, do Amazonas ao Rio de Janeiro.
Por outro lado, a categoria de sertão, no Brasil, foi apropriada pelos grupos sociais
excluídos das posições de privilégio na Colônia, os quais adotaram o termo como uma
representação de “liberdade em relação a uma sociedade que os oprimira, esperança de uma
vida melhor, mais feliz” (Amado, 1995, p. 150). A ideia de sertão, portanto, já carrega uma
pluralidade de sentidos desde o período colonial, podendo representar, segundo a historiadora,
tanto inferno como paraíso, a depender do local onde se encontra quem usa o termo em suas
construções.
A dualidade em torno do sertão também é mencionada por Oliveira (1998), que observa
uma extensão dessa visão dupla sobre as construções acerca dos sujeitos sertanejos. De acordo
com essa autora, as produções literárias ligadas à tradição romântica posicionaram esses
indivíduos, de suposta simplicidade na vida, como representantes da ideal nacionalidade
brasileira. Já os discursos de base realista despiram-se de um olhar idealizado e passaram a ver
os sertões como a antítese do modelo de Brasil, muitas vezes enviesados pelo racismo científico
67
do final do século XIX, que atribuía à miscigenação a responsabilidade por uma degeneração
moral na sociedade.
Há ainda quem entenda que a produção literária acerca dos sertões brasileiros teria
seguido não apenas duas, mas três vertentes distintas. É o caso da investigação feita por
Cristóvão (1994), a qual contempla as obras que se estendem desde o regionalismo romântico
do século XIX até publicações como as de Guimarães Rosa e Ariano Suassuna, na segunda
metade do último século. Em sua abordagem, esse autor percebeu uma construção tripla da
ideia de sertão: como paraíso, como inferno e como purgatório.
A primeira perspectiva está presente, de forma mais destacada, em autores românticos
como Bernardo Guimarães e José de Alencar, mas também encontra seus elementos em poetas
como Álvares de Azevedo, Castro Alves e Catulo da Paixão Cearense. Os sertões elaborados
por esses artistas, afirma Cristóvão (1994), são como um paraíso dominado pela harmonia; um
lugar de muitas flores, onde os pássaros cantam e sopra a brisa, onde vivem pessoas honestas e
corajosas e que falam uma linguagem simples, pretensamente mais próxima do falar original
da língua portuguesa.
Já os sertões do inferno herdam da tradição realista uma visão menos otimista do lugar
e manifestam-se nas criações de autores como Euclides da Cunha, José Américo de Almeida,
Jorge Amado e Graciliano Ramos. Esses espaços sertanejos seriam o local do fatalismo, da
exclusão, do fogo eterno do sol e da seca que expulsa seus moradores. A representação de um
inferno marcado “pelo desespero dos condenados que nele deambulam como em círculo
fechado (retirantes, cangaceiros, volantes, beatos) pretendendo libertar-se pela violência”
(Cristóvão, 1994, p. 49), onde nenhuma tentativa de solucionar suas mazelas teria êxito.
Por fim, as construções literárias que associam os sertões ao purgatório são assinadas
por romancistas e dramaturgos como José Lins do Rego, Guimarães Rosa e Ariano Suassuna.
Aqui, o mistério e o sobrenatural dão a tônica à ambientação sertaneja, e o local surge como o
espaço da travessia entre inferno e paraíso. Cristóvão (1994) o descreve como uma espécie de
deserto: não aquele que condena seus indivíduos a um sofrimento cíclico, mas o que serve como
refúgio passageiro e local de meditação, e que deve ser atravessado pelas personagens, em um
processo de purificação, com destino a uma transformação de vida.
O percurso histórico traçado por Cristóvão (1994) em seu estudo sobre os sertões da
literatura denota a importância dessa categoria na cultura brasileira. Isso é reflexo de que, após
a independência do Brasil, e em especial a partir do final do século XIX, o termo “sertão”
ganhou outra função no imaginário nacional, sendo utilizado na construção de uma ideia de
nação (Amado, 1995). O uso dos elementos tidos como regionais para demarcar uma identidade
68
nacional, aliás, é apontado por Albuquerque Júnior (2011) como uma tendência, nos novos
contornos políticos entre os séculos XIX e XX, fundamental para a invenção do Nordeste. E foi
nesse processo liderado pelos movimentos regionalistas de 1920 que o sertão, termo também
empregado para se referir a outros locais do país, tornou-se uma categoria ainda mais
fortemente associada à região nordestina. Nas elaborações regionalistas, “só o Nordeste passa
a ter sertão e este passa a ser o coração do Nordeste, terra da seca, do cangaço, do coronel e do
profeta” (Albuquerque Júnior, 2011, p. 134).
As construções do movimento regionalista de 1920 são, para Moreira (2018), as
principais representantes do paradigma culturalista que guiou as obras de acadêmicos e artistas
cuja preocupação residia em entender a formação humana e dos grupos sociais da região. Os
sertões nordestinos ainda seriam elaborados por autores direcionados por outras tendências.
Uma segunda parte dos estudos sobre a região voltaria seu olhar para as relações de poder
político e econômico que teriam constituído as sociedades sertanejas, como o patriarcado, o
coronelismo e o uso da seca para fins políticos. Já as produções ligadas ao paradigma
geoclimático focaram em descrever a terra e o clima e em justificar as práticas sociais, culturais
e políticas a partir das características naturais.
Essa terceira tendência encontra no livro “Os Sertões”, publicado em 1903, um de seus
principais representantes. A obra foi uma das primeiras a delinear as imagens de sertão
nordestino, da forma como costuma-se identificá-lo. Nela, Cunha (2002) faz uma extensa
descrição das condições geológicas dos lugares por onde passa, marcados por chapadas nuas,
rios intermitentes e solos estéreis; do clima, ao qual são relacionados a seca, o sol e sua luz
crua; da fauna e da flora, estas vistas como pobres e deprimidas nos períodos secos. Em
oposição a tal cenário, esse autor descreve a natureza como viva após a chegada da chuva.
Cunha (2002) também acredita que as condições mesológicas teriam sido fundamentais
para a formação e diferenciação do homem sertanejo, na sua compleição física, no seu
comportamento e até nas estruturas sociais. De sua descrição do homem sertanejo, vale destacar
uma das frases mais conhecidas da obra, e que encontra eco no título de ONF: “O sertanejo é,
antes de tudo, um forte” (Cunha, 2002, p. 146). Tal afirmação, no livro, remete mais uma vez
à presença da natureza do sertão na constituição desse homem. O sertanejo descrito pelo autor
tem uma aparência de fraqueza, devido a uma postura supostamente cansada, que difere dos
padrões atléticos clássicos; essa dita fraqueza, porém, dilui-se com o despertar de energias
supostamente adormecidas, quando do aparecimento de algum incidente. A construção
elaborada por Cunha (2002) assemelha-se à apresentação da vegetação feita pelo autor, que
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passa da quase morte nos períodos de estiagem, para a vida e exuberância com a chegada das
estações chuvosas.
Já a visão de sertão nordestino elaborada por Menezes (2018) também busca relacionar
a constituição psicológica humana às características do ambiente, acionando, mais uma vez, as
tradicionais imagens do lugar. Inclusive, uma das expressões usadas por esse autor para
designar o dito “outro Nordeste” é “zona das secas” (Menezes, 2018, p. 102), à qual são
associadas a paisagem cromaticamente monótona, a terra estéril e a presença de um sol que
queima.
Apesar de também estabelecer essa relação entre o humano e o ambiental, o pesquisador
cearense dá maior realce a questões históricas e sociais em seu estudo. Nesse caminho, Menezes
(2018) preocupa-se em reconstituir duas atividades econômicas que considera marcantes na
formação sertaneja: a pecuária e a cultura do algodão. A primeira teria um “papel civilizador”
no sertão (Menezes, 2018, p. 182), ao motivar o povoamento branco e mestiço, com o objetivo
inicial de fornecer carne aos senhores de engenho do litoral e animais de carga para as moendas
e o transporte de cana (Garcia, 2017). O caráter extensivo da criação de gado, aliado a uma
agricultura de subsistência que não demandava um cuidado intenso com a lavoura, se
comparado às plantações de cana-de-açúcar, permitia aos vaqueiros um certo nomadismo. Essa
não fixação à terra seria responsável, para Menezes (2018), por plantar uma semente de
liberdade no espírito sertanejo, a qual favoreceria a inserção em lutas por emancipação política
– explicação que diverge, sem a ela se opor, da fornecida por Garcia (2017) para a dita rebeldia
nordestina.
Nesse Nordeste pastoril, uma segunda atividade econômica teria se notabilizado: a
plantação de algodão. De acordo com o sociólogo, a cultura algodoeira ganhou força na dita
zona das secas durante o século XIX e teve como uma das principais consequências o
estabelecimento de uma lenta industrialização no local (Menezes, 2018). Diferente do que
aconteceu nos engenhos litorâneos, contudo, a sociedade surgida em torno do algodão não se
baseou em grandes latifúndios nem na exploração sistematizada do trabalho. Pelo contrário,
frutificou sob a labuta de agricultores em pequenas e médias propriedades, que se organizavam
na produção e no escoamento da matéria-prima.
Ao abordar historicamente as atividades que guiaram a economia sertaneja, Menezes
(2018) busca relacioná-las à formação dos tipos humanos presentes nesse “outro Nordeste”.
Dois deles ganham maior destaque na obra, sendo considerados polos opostos nas reações a
uma mesma realidade de injustiça social: os cangaceiros e os fanáticos religiosos. Para esse
autor, cangaço e fanatismo são ambos sinônimos de desajustes, de um desvio da ordem, mas
70
que seguem por caminhos distintos: o primeiro, pela violência de sujeitos fortes; o segundo,
pelo misticismo de indivíduos fracos.
É importante retomar as descrições feitas por Menezes (2018) porque elas refletem
elementos que se tornariam recorrentes nas construções de sertão nordestino. Na explicação
sobre a reação popular que levaria ao misticismo, por exemplo, esse autor reforça a ideia de
uma população com condições de vida precárias, à margem do trabalho e esquecida pela
sociedade. Além disso, atribui o sucesso dos beatos que arraigavam fiéis às condições
psicológicas supostamente mais frágeis, que impediriam aos populares uma consciência clara
dos problemas enfrentados e levariam a uma fuga da realidade, com a criação de um “mundo
ilusório da felicidade” (Menezes, 2018, p. 97). O protesto social relacionado ao fanatismo
religioso, assim, seria o polo frágil na balança das injustiças.
Por outro lado, o surgimento do cangaço é relacionado, nas elaborações do sociólogo, a
um histórico intenso de lutas por terras. O sertão, nesse cenário, seria marcado por disputas
violentas desde o começo de sua colonização, quando houve derramamento de sangue indígena
pelos portugueses e, em seguida, quando jesuítas e sesmeiros passaram a brigar pelo domínio
do local. Até meados do século XVIII, os enfrentamentos davam-se entre representantes de
poderes locais e entre eles e populações originárias ou negras fugidas da escravidão. Nos anos
1840, segundo Menezes (2018), conflitos registrados em documentos ainda narravam o desejo
de fazendeiros de preservarem suas propriedades contra populações nativas que reivindicavam
as terras. Nesse período, então, teriam surgido as primeiras figuras que dariam origem aos
cangaceiros, após os donos das fazendas armarem jagunços em bandos para combater os povos
indígenas. Somente a partir do século XX é que esses jagunços se organizariam em grupos
autônomos, como o de Virgulino Ferreira da Silva, mais conhecido como Lampião.
O cangaço, portanto, nasceria íntimo dos donos das terras e do poder no sertão. Essa
explicação também agencia outra imagem, comum nas produções acerca da formação social
sertaneja: a das oligarquias como sistema político. Menezes (2018) afirma que, embora não
tenha sido preenchido por grandes latifúndios, o dito Nordeste pastoril viu os clãs familiares,
ligados às propriedades rurais, enfrentarem-se por influência e domínio ao longo dos séculos.
Essa estrutura teria atravessado Colônia, Império e chegado ao começo da República sob a
forma das disputas eleitorais, que mantiveram, como o “único sistema compatível para o
exercício do poder” (Menezes, 2018, p. 192), o comando de poucas famílias, as quais se
sucediam nas vitórias nas urnas.
Além da História, Literatura e Sociologia, os sertões nordestinos foram objeto de
diversas representações em outras áreas, como a Geografia. Caio Augusto Amorim Maciel
71
(2006) explica que a principal característica associada a tais espaços, nas obras de geógrafos e
escritores, foi a seca, onipresente e trágica. Por oposição, também ganharam destaque os
empreendimentos hídricos pensados para lidar com o fenômeno, a exemplo das barragens e dos
projetos de irrigação. Por conseguinte, tais sertões tornam-se palco de contradições, como entre
o atraso e a modernidade, que limitam o alcance discursivo dessas produções.
Essa visão de um sertão povoado por contrastes é reflexo de um discurso também
presente nos Nordestes de Garcia (2017). Esse autor, aliás, segue a lógica observada por Maciel
(2006) e, em sua elaboração sobre o espaço sertanejo, confere destaque à seca, abordando as
possíveis explicações para sua existência, as consequências na sociedade e as políticas públicas
a ela relacionadas. Garcia (2017) defende que as secas não são sinônimos de ausência de
chuvas, mas da irregularidade nas precipitações. Afirma ainda que sua permanência como um
fenômeno relevante na realidade sertaneja teria origem em problemas de ordem
socioeconômica, como o incentivo a lavouras não adaptadas ao clima, a exemplo de milho e
feijão, e a destinação de recursos a obras hídricas que não permitem o acesso da maior parte da
população a água, caso dos açudes instalados nas propriedades rurais dos mais ricos. As
dificuldades no acesso à água, que impactam a produção agrícola durante o período de estiagem,
seriam, então, a causa das migrações para outros lugares do Nordeste ou do país e, também, dos
fenômenos das invasões em massa às cidades e dos saques a comércios e depósitos de
alimentos, comuns até o século XX. Todavia, é importante ressaltar que, consoante Moreira
(2018), as reações mais violentas também desapareceram nas últimas décadas, após os
programas de distribuição de renda implementados pelos governos em nível federal.
Nessas produções que relacionam os sertões nordestinos intrinsecamente à seca, Maciel
(2006, p. 116) também observou o uso frequente da expressão “semiárido brasileiro”, como um
sinônimo para se referir à região. De acordo com Moreira (2018), a ideia de semiárido surge
das discussões sobre os sertões nordestinos como territórios cheios de possibilidades
econômicas. Sua origem remonta a atores sociais que ganharam força a partir da segunda
metade do século XX, cujas origens e intenções são bem distintas entre si. Tal denominação,
portanto, passa a refletir “discussões técnicas bioclimáticas, a ação de movimentos sociais ou,
ainda, a marca de grandes empreendimentos. O ‘semiárido’ é cobiçado e reivindicado tanto
pelo agronegócio e por mineradoras, quanto por organizações sindicais rurais, grupos indígenas
e quilombolas” (Moreira, 2018, p. 82).
Os semiáridos elaborados nos discursos ligados ao agronegócio e às mineradoras
adotaram como lema a ideia de uma modernização do espaço sertanejo. Os sinais estariam em
iniciativas como a implantação da agricultura irrigada, a chegada da energia elétrica, a
72
Martins (2022) observaram a elaboração de sertões marcados pelas injustiças sociais e pelos
efeitos do subdesenvolvimento. A presença massiva das imagens de aridez e marginalização
sertanejas reforça, assim, os apontamentos de Albuquerque Júnior (2011) acerca da
permanência de dizibilidades sobre a região Nordeste, incluindo seus sertões, bem como se
aproxima das ponderações de Andrade (2022), que identificou a seca como o elemento
definidor desse lugar no cinema. A retórica da vitimização sofrida pela região, mencionada por
Albuquerque Júnior (2011) e Garcia (2017), também encontra eco nas criações audiovisuais
estudadas.
Por outro lado, Gomes e Martins (2022) ressaltam que determinadas imagens de lugar,
personagens e temas foram encontradas, pelos autores dos artigos investigados, apenas em
filmes produzidos após a segunda metade dos anos 1990, além de estarem presentes em algumas
telenovelas e na supersérie exibidas nas décadas de 2000 e 2010. É o caso dos dilemas humanos
como assuntos abordados pelas histórias, ascensão que pode ser atribuída, segundo os
pesquisadores, à mudança de foco narrativo do âmbito coletivo para o individual, feita pelos
cineastas do final do século XX.
Outras categorias destacadas por Gomes e Martins (2022), cuja presença só seria
identificada em produções mais recentes, foram aquelas referentes aos sertões modernizados e
como espaço de refúgio, elaborações que também se iniciam a partir do cinema da década de
1990. Já as imagens de personagens sertanejas alternativas, resistentes aos processos de
marginalização, foram percebidas, nas pesquisas investigadas, em obras da década de 2010.
Tais construções aproximam os sertões de determinadas criações audiovisuais à polifonia
defendida por Moreira (2018) como um sinal da contemporaneidade nos espaços sertanejos.
O cruzamento das categorias de imagens elencadas na pesquisa de Gomes e Martins
(2022) com a frequência de sua observação nos estudos e a disposição temporal das obras neles
investigadas permite traçar um panorama da repetição e inovação na ficção audiovisual
brasileira. Nesse cenário, determinadas construções de lugar e temáticas são identificadas como
elementos invariantes nas elaborações. Duas delas estão historicamente estabelecidas; outra
representa um caminho emergente, ao menos no escopo dos artigos estudados, mas que já foi
traçado por diversas produções a ponto de se tornar relevante. Esses elementos invariantes
articulam uma ou mais categorias imagéticas, muitas vezes de diferentes indicadores culturais.
Tais elaborações em torno dos elementos invariantes são consideradas, no diagrama final
(Figura 2), como variáveis.
77
A seca, assim, seria o primeiro dos elementos invariantes. Embora esteja diretamente
mencionado por Gomes e Martins (2022) em apenas uma categoria imagética, o fenômeno que
conforma os sertões da aridez é tão frequente que se estabeleceu como um ícone à parte, quase
uma personagem em muitas histórias. Tamanho é seu impacto na formação das matrizes
culturais dos lugares, personagens e temas sertanejos que a ausência das imagens áridas nas
produções audiovisuais sempre chama a atenção dos pesquisadores. É por isso que, além dos
aspectos naturais e sociais relacionados à seca pelas obras, as elaborações a ela opostas também
aparecem como elementos variantes nas construções de sertão.
O segundo elemento invariante é a temática do atraso e da modernidade, a qual já
carrega a dualidade tradicionalmente associada às ideias de sertão (Amado, 1995; Oliveira,
1998; Garcia, 2017) e reflete, como nos Nordestes da saudade e da revolta delineados por
Albuquerque Júnior (2011), a recorrência às mesmas dizibilidades por criadores de vieses
divergentes. Em torno desse elemento, gravitam construções que vão desde a negação do
progresso e a manutenção de uma tradição à chegada do moderno e suas consequências,
passando pelas elaborações dos lugares sertanejos como o espaço da resistência. Da mesma
forma, tanto as personagens apresentadas como vítimas de injustiças sociais como as que
resistem à precariedade de suas condições de vida são evocadas, sempre, em direção à mesma
dicotomia entre marginalização e desenvolvimento.
78
Por fim, o quadro aqui montado apresenta um terceiro tópico invariante: o dos dilemas
humanos. Emergente, por ter ganhado força apenas nas últimas décadas, essa temática já
articulou diferentes imagens de personagens, como as que têm suas histórias associadas a crises
de pertencimento. Também evocou para si não apenas os lugares da seca e da dicotomia entre
atraso e modernidade, como também os sertões da vastidão e da passagem, cuja presença no
cinema e na televisão foi ampliada. Esses últimos locais, inclusive, são o cenário para alguns
dos sujeitos ficcionais que vivenciam transformações de vida.
Como operadores transversais que podem perpassar histórias construídas em torno dos
três possíveis elementos, encontram-se as categorias das personagens euclidianas e das
temáticas duais. A primeira funciona como uma matriz que pode auxiliar na caracterização
física e psicológica dos sujeitos ficcionais, sejam eles representantes de um lugar seco, atrasado,
moderno ou centrado em dilemas individuais. Já a segunda apresenta-se como um filtro na
construção das narrativas: os sertões elaborados pelas ficções surgem, assim, como espaço de
múltiplas dicotomias: entre a aridez e a paisagem verde; entre o subdesenvolvimento e o
progresso; entre os sonhos individuais e o confronto com a realidade.
O cenário apresentado na Figura 2 permite observar as diferentes possibilidades de
articulação entre as imagens sertanejas, que podem levar a novas construções desses lugares e
suas personagens, em torno das mais variadas temáticas. Retomando as proposições de
Calabrese (1987), ao se empreender uma pesquisa em estética da repetição, mais importante do
que saber o que é repetido, é observar como esse processo ocorre. Ou seja, a investigação deve
voltar-se para as possíveis reformulações nas ligações entre os elementos invariantes e aqueles
considerados variáveis. Nesse sentido, e compreendendo a inovação qualitativa como resultado
de uma prática de alteração (Rossetti, 2013), esta pesquisa busca entender como a construção
do sertão nordestino em ONF apropria-se das imagens já consagradas acerca dos lugares,
personagens e temas sertanejos, estabelecendo novos vínculos entre os elementos variáveis e
invariantes, ou, se for o caso, mantendo as ligações já existentes. Enfim, busca-se traçar um
panorama específico das práticas produtivas da obra de ficção da TV Globo e entender como
elas gestaram uma elaboração particular de sertão nordestino.
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HERMANO – Sou sertanejo. Não é todo dia que eu vejo esse tanto de mar aqui. É
mar de um lado, rio de outro. Isso aqui é maior do que grande. Imenso! [...]
MARIA – É que nem seu sertão. A gente sabe onde começa, mas não sabe onde acaba
(Onde [...], 2018g).
média, 76,8% do tempo destinado às cenas inéditas. Essa estratégia de dividir a emissão em
apenas duas sessões e privilegiar a primeira parte delas colabora para tornar o sentido da
narrativa menos fragmentário que o das telenovelas, mas sem abrir mão de ganchos entre os
blocos e ao final dos capítulos. Consequentemente, o envolvimento com o mundo construído
pela supersérie é maior, já que diminuem as interferências das peças publicitárias que fazem
parte do fluxo televisivo, e, quando há a necessária interrupção nas emissões, o interesse do
público ainda se mantém vivo, instigado pelos acontecimentos deixados em suspensão. O sertão
construído e veiculado por ONF, por conseguinte, torna-se mais coeso, imersivo e estimulante.
A pausa para o intervalo é anunciada pela vinheta de abertura, que se repete em todas
as emissões e contém imagens de diferentes cenários da história, como a fábrica de bentonita,
o espaço urbano de Sertão e uma estrada de terra, bem como de personagens, geralmente em
planos-detalhe – rostos se beijando, mãos que seguram terços ou afagam a nuca – ou com os
rostos cortados. As imagens são intercaladas de modo a formar um quebra-cabeças do mundo
construído pela supersérie, convidando o público a montá-lo à medida que conhece a história.
A Figura 3 traz alguns exemplos das peças desse jogo proposto pela vinheta.
Essa recapitulação também serve para introduzir o mundo construído pela obra, pois ajuda o
público já fidelizado a lembrar os fatos passados e situa os novos espectadores, destacando
informações sobre as personagens e suas intenções. A retrospectiva confere ainda uma sensação
de continuidade a esse mundo, especialmente porque a primeira sequência inédita do capítulo
dá seguimento imediato à última cena da introdução, correspondente ao trecho final – o gancho
– do episódio anterior.
O Quadro 5, apresentado abaixo, retoma os capítulos investigados nesta pesquisa, com
um resumo de seus principais eventos. A partir da submissão desse material à ficha de leitura,
descrita no Quadro 2, buscou-se compreender como as práticas produtivas de autores, diretores,
intérpretes e demais profissionais, aliadas às premissas do formato supersérie, se refletiram nas
imagens de lugar, personagens e temas sertanejos de ONF.
Figura 4 – Quadro de imagens que mostram a vegetação meio seca, meio verde
Outros símbolos áridos que predominam no sertão da supersérie são o sol inclemente e
a poeira, ambos destacados por Villamarim (2018) como fundamentais para a construção da
história. Quanto ao primeiro, é importante destacar que a escolha criativa da direção de
fotografia, ao aumentar a abertura de lente, amplifica a força da luz solar, especialmente nas
cenas externas, o que ocasiona, muitas vezes, o embranquecimento do céu e a diluição dos
contornos dos intérpretes. A dominância desses elementos é perceptível na Figura 5. A seca
também aparece na história por meio da dificuldade no acesso à água. Em determinado
momento da narrativa, Cássia ajuda personagens de uma parcela rural mais pobre de Sertão a
cavar poços por meio da hidroestesia, técnica tradicional sertaneja feita com galhos de árvore
(Mantovani, 2018), o que sugere que, em meio a uma natureza seca, há também alternativas
para a viabilização da vida.
Uma camada menos explícita da sequidão em ONF diz respeito a como um ambiente de
severidade eventualmente reflete a aridez humana. Um exemplo disso pode ser observado na
cena do capítulo 25 em que Cássia encontra o corpo de Nonato. Na Figura 6, que contém um
frame dessa sequência, veem-se diversos morros de areia e bentonita espalhados por uma
grande extensão e, entre eles, uma pequena faixa de vegetação nativa, meio seca, meio verde.
O cenário majoritariamente claro e pouco povoado por figuras humanas – à exceção das
personagens ao redor de uma terra marrom-escura, na porção inferior da tela – transmite, assim,
a sensação de aridez. Não exatamente a natural, relativa ao clima semiárido, mas a que surge
como consequência da ação antropológica, tanto pela intervenção na natureza para a extração
mineral, como, principalmente, pela impessoalidade da solidão forçada de Cássia, cujo único
companheiro em cena é Orlando, e da morte de seu filho. Esse cenário de devastação, inclusive,
entra em choque com os sentimentos da protagonista enquanto mãe, e suas lágrimas rompem o
silêncio que pairava até então e contribuía para reforçar a secura.
que as sequências empregam a ausência de falas, no entanto, varia. Há momentos nos quais a
quietude domina a cena, indicando a solidão das personagens, como no trecho do episódio de
estreia em que Pedro, tendo dispensado os serviços de sua motorista Gilvânia (Clarissa
Pinheiro), janta sozinho em casa. Em outras ocasiões, períodos de emudecimento entrecortam
os diálogos, apontando a existência de lacunas na história – é o caso de uma conversa entre
Cássia e Adauto (Nanego Lira), no capítulo 5, durante a qual a engenheira demonstra inquietude
por não encontrar respostas sobre o paradeiro de seu filho. Além disso, vale ressaltar que a
montagem de ONF se aproveita dos vazios verbais para modular o ritmo da narrativa,
intercalando sequências de ação com passagens desaceleradas e contribuindo para construir um
sertão de pausas e agitações. Essa técnica foi aplicada, por exemplo, no quinto capítulo, no qual
se veiculou uma caminhada de Cássia em uma rua parada entre as cenas que retratavam a fuga
de Maria após atirar em Joana e a corrida de Pedro ao hospital para salvar sua amante e
funcionária.
À parte da sequência relativa à Figura 6, a bentonita aparece na supersérie como uma
marca da modernização e da riqueza. Pedro, no primeiro capítulo, chama a argila de “ouro do
sertão” (Onde [...], 2018b), e sua fábrica é repleta de máquinas industriais, veículos de grande
porte, funcionários trabalhando a pleno vapor, conforme ilustra a Figura 7. A mineração, nesse
sentido, é descrita como um vetor de desenvolvimento. Outros elementos constantes nas
imagens que demarcam a presença de uma dita modernidade são os carros e as motocicletas nas
ruas, os paredões – caixas de som acopladas a veículos – que tocam arrocha e sertanejo
universitário, os aparelhos celulares. Esses elementos, contudo, convivem com ícones
associados a um sertão tradicional, como os cavalos que caminham em meio às mesas do bar
de Adauto e também podem ser vistos na Figura 7.
delineia um sertão rico em histórias. Não à toa, essa investigação de um passado pré-histórico
é financiada pela mesma empresa de mineração. No primeiro capítulo, um diálogo entre o
paleontólogo e Gilvânia revela a descoberta de um esqueleto de dinossauro de mais de 100
milhões de anos. Mais tarde, no mesmo episódio, o filho de Pedro leva Maria para um sítio
arqueológico com inscrições rupestres. Nessa cena (Onde [...], 2018b), a obra traça um paralelo
com os signos da modernidade, por meio da fala de Hermano: “Era assim que os homens se
expressavam naquela época. Não tinha computador, não tinha papel, nada. Eles desenhavam as
histórias assim, na rocha”. A resposta de Maria – “Não sabia que o passado era tão bonito” –
mostra, assim, uma valorização da tradição e da história sertanejas, ligadas à criatividade, à arte
e à capacidade de permanência ao longo dos séculos.
Ao mesmo tempo que a supersérie promove a convivência entre elementos dicotômicos
de modernidade e tradição, urbanidade e ruralidade, passado e futuro, ela também evidencia as
desigualdades sociais por meio da construção de opostos. Essa oposição pode ser observada no
capítulo 1, em cuja análise chamaram a atenção dois cenários correspondentes, porém
compostos de formas distintas: os banheiros em que Nonato e Aurora são apresentados pela
primeira vez, conforme observado na Figura 9. O irmão de Maria aparece em um banheiro
simples, na casa de uma moradora local, onde há uma pia pequena, na qual mal cabe uma
saboneteira; o chuveiro é apertado e separado por uma cortina de plástico, aparentemente
rasgada, e a parede ainda está no reboco. Já a filha de Rosinete é banhada pela mãe em um
grande box de vidro, cuja porta se abre para os dois lados; somente a área de banho, de parede
coberta por azulejos verdes-claros, já é maior do que o cenário em que Nonato apareceu. A
desigualdade representada nessas imagens perpassa toda a história, e será retomada, neste
capítulo, ao abordar-se a estrutura social do lugar e a jornada de personagens como Simplício.
Ainda a respeito dos aspectos físicos do lugar construído em ONF, é necessário discutir
como a obra associa a ideia de vastidão a diferentes sentidos. O espaço vasto, amplo e horizontal
destacado por Villamarim (2018) é realçado em diversos momentos da supersérie, seja nos
cenários rurais/naturais, seja nos urbanos, como demonstram as Figuras 4, 5 e 8. Um dos
sentidos que a vastidão das locações ajuda a acentuar é o de isolamento, presente nos momentos
em que Nonato apanha de Pedro e seus seguranças e, depois, é morto por Ramiro. Essa ideia
de afastamento, nas sequências destacadas na Figura 10, é tanto física, por trazerem lugares
inabitados, quanto simbólica, no sentido de representarem locais fora do alcance das leis. O fato
de as duas cenas serem noturnas e mal iluminadas, deixando as personagens na penumbra,
amplifica a sensação de distanciamento da legalidade.
Essa visão é transferida aos diálogos, como na afirmação de Maria que encerra o último
capítulo, segundo a qual o sertão é um local com começo e sem fim. Logo, por ser vasto e
infinito, esse torna-se um espaço de múltiplas possibilidades: do moderno e do tradicional, do
passado e do futuro, do urbano e rural, das mais diversas identidades masculinas e femininas,
das divergentes visões de justiça e conceitos de força.
Além das imagens espaciais sertanejas, referentes às qualidades físicas do lugar, é
importante destacar as características sociais que dão forma ao ambiente da supersérie. O
aspecto dominante da estrutura de Sertão – sua estratificação e concentração desigual de poder
– é explicitado logo no primeiro capítulo, na cena em que Pedro e seus seguranças, em um
campo isolado, batem em Nonato. Nessa sequência, o empresário explica ao irmão de Maria o
modo como a sociedade local funciona.
PEDRO – Aqui num é que nem cidade grande, fedelho, que cê vem, faz o que bem
entende e fica por isso mesmo.
NONATO – Quem tu pensa que é? Deus?
PEDRO – Aqui tem ordem! Tem os que mandam e tem os que obedecem. Não vou
gastar chumbo contigo não. Hoje não. Tu deu sorte. Vai-te embora. Vai-te embora
daqui.
NONATO – Tu não vai me atirar pelas costas?
PEDRO – Quem dá ordem sou eu! (Onde [...], 2018b)
clandestina, contrariando a lei que deveriam defender: assassinam presos que não têm família,
manipulam provas e inquéritos para incriminar desafetos, matam os cúmplices de seus crimes
para que eles não os delatem.
A estrutura em torno dessas três personagens é marcada, assim, pelo domínio de um
modo paralelo de se fazer justiça, pautado pela violência e pela arbitrariedade dos coronéis.
Esse sistema remete aos sertões das produções estudadas por Albuquerque Júnior (2013),
descritos como espaços autônomos, privados do alcance dos governos, regidos por leis próprias
e habitado por masculinidades em constante conflito. Outros diálogos observados nesta
pesquisa mostram que tal visão é compartilhada pelas próprias personagens. Quando Cássia
expõe a Hermano suas suspeitas de manipulação no inquérito sobre o assassinato de Nonato,
devido à proximidade entre Ramiro e Vitório, ela sugere: “O advogado de teu pai teria que ir
atrás disso [um segundo laudo pericial] no tribunal de justiça de Recife. Se continuar aqui em
Sertão, o Ramiro vai impedir” (Onde [...], 2018f). Nesse mesmo capítulo, Pedro, já em processo
de revisão de sua conduta e valores, confirma à engenheira que a cidade é regida pela lógica da
ação violenta como instrumento de manutenção da ordem e do respeito entre as pessoas,
especialmente entre os homens.
Em uma sociedade estratificada e desigual como a de Sertão, existem também os lugares
e personagens associados às camadas inferiores. Em geral, esses sujeitos contribuem com a
preservação do status quo, por obedecerem aos comandos dos coronéis e temerem sua
influência. É o caso de sujeitos como Gilvânia e Agripino Gogó, funcionários de Pedro; Damião
(Pedro Wagner), segurança de Ramiro; e Adauto, dono do bar onde se inicia a briga de Pedro e
Nonato. O proprietário do botequim representa o cidadão comum, que não tem ligação direta
com nenhum dos donos do poder, mas se comporta de acordo com suas regras. Isso é visível na
forma como ele age a respeito do entrevero entre o empresário e o filho de Cássia. Inicialmente,
por medo da retaliação de Pedro, nega a Maria o acontecido; depois, sob ordens de Ramiro, que
deseja incriminar seu desafeto, entrega o trancelim partido à personagem de Alice Wegmann.
As idas e vindas de Adauto nada mais são do que tentativas de sobrevivência de um integrante
de classe mais baixa, em meio às disputas entre aqueles que dominam a estrutura social.
No espaço urbano construído para a supersérie, o bar de Adauto é um dos lugares
carregados de símbolos culturais relacionados à tradição sertaneja. No botequim, decorado com
referências retiradas de bares reais do Cariri paraibano (Bastidores, 2023), destacam-se as
esculturas de bode espalhadas por paredes e prateleiras. Já no quarto de hotel onde Maria e
Cássia repousam, uma pintura fixada à parede retrata um homem magro e sem camisa, andando
com um jegue que carrega dois barris, em um cenário de terra e vegetação secas. A figura
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caprina volta a aparecer no nome e no logotipo do Bodão Night Club, casa noturna na qual
Shakira do Sertão se apresenta. Essa boate, ao mesmo tempo que se distancia do âmbito da
simplicidade e do ar rural no meio urbano, com sua iluminação colorida neon, aparece na visão
dos donos do poder como um espaço de marginalidade. Nas palavras de Ramiro, no capítulo
33, é uma “espelunca” que ele não frequentaria de forma alguma (Onde [...], 2018f). Na Figura
11, é possível observar os cenários aqui destacados e os símbolos que eles agenciam.
que consagra a permanência da comunidade apresenta-a como um lugar mais próximo do céu
e, portanto, do divino. Essa aproximação é construída através do uso de uma lente grande
angular, em um ângulo posicionado de baixo para cima, aliado a uma maior exposição à luz –
é como se as personagens, aqui, já estivessem tocando o firmamento. A Figura 12 traz os
quadros que ilustram os símbolos católicos da vida de Rosinete e o encontro do Lajedo dos
Anjos com o mundo do sagrado.
Nessa mesma linha de elaborações dicotômicas, não é uma coincidência que as maiores
ameaças à visão de justiça representada por Pedro e Ramiro venham de fora. Tais ameaças são
encarnadas por Maria, que tensiona o ambiente ao desafiar o poder do empresário e exigir as
respostas sobre o desaparecimento de Nonato; Cássia, que busca seguir os procedimentos
legais, mas não aceita passivamente as versões apresentadas pelas instituições corruptas e
defende o diálogo e o afeto como armas contra a violência; e Socorro (Juliana Galdino),
delegada da corregedoria da polícia, que sai da capital para investigar Plínio e o juiz.
O confronto entre a justiça sertaneja paralela, violenta, arbitrária e masculina e as
perspectivas estrangeiras e femininas, inquietas ou conciliadoras, produz, ao final da supersérie,
uma mudança no ambiente, simbolizada pelas prisões de Plínio e Ramiro a partir da ação
institucional da corregedoria e pela modificação no pensar violento de Pedro. Essa
transformação na lógica que rege a estrutura social da cidade é celebrada por Hermano, no
último capítulo, quando o paleontólogo declara a Maria: “A verdade é que Sertão mudou depois
que tu e tua mãe passaram por lá. [...] Mudou com essa, esse teu senso de justiça” (Onde [...],
2018g). A protagonista de Alice Wegmann, assim, personifica a própria metamorfose do sertão
ficcional, já que, ao longo da narrativa, ela caminhou nos limites entre os diferentes modos de
se exercer a justiça: por um período, recorreu a práticas violentas, mas, confrontada com o amor
de sua mãe, abraçou o discurso da legalidade. A jornada de Maria, aliás, é um dos temas
discutidos na próxima seção deste capítulo, acerca das personagens que povoam as imagens do
sertão de ONF.
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A principal característica da sociedade de Sertão, no que concerne aos sujeitos que ali
habitam, consiste na dominação masculina, especialmente da masculinidade tradicional
relacionada à violência e ao direito sobre o corpo feminino. O cartão de visitas a esse mundo
machista é recebido por Maria em uma das primeiras cenas do episódio de estreia. Após retornar
sozinha de uma trilha de bicicleta, a jovem é assediada por dois motociclistas. Ao resistir à
importunação, ouve de um deles que as mulheres não têm autonomia no lugar: “Ixe, só porque
é gostosa acha que pode fazer o que quer, é? Aqui não é assim não!” (Onde [...], 2018b). Mais
tarde, no capítulo 5, ela é vítima de uma tentativa de estupro por Jurandir, situação que reforça
a conduta masculina padrão no mundo da supersérie.
O domínio dos homens sobre as mulheres também se reflete no modo como parte das
personagens masculinas referem-se às femininas, geralmente com menosprezo e julgamentos
sobre seu comportamento ou atribuindo-lhes o papel de meras reprodutoras. Plínio e Ramiro,
nos capítulos investigados nesta pesquisa, são os que lançam mão desse expediente com maior
frequência. No quinto episódio, por exemplo, eles veem Cássia chegar desacompanhada à
fábrica de bentonita e lamentam ela estar sozinha, como se fosse incapaz de defender a si
mesma. Nessa mesma cena, o juiz manifesta interesse em se relacionar com a engenheira,
afirmando ao delegado que “Com uma mãe dessas, eu já era pai de três irmãos” (Onde [...],
2018c). Em outra sequência, 17 capítulos depois, Plínio anuncia do seguinte modo a ida à casa
de Aurora, que recém terminara o relacionamento entre os dois: “Cada um que cuide de sua
cabra, né? Eu vou indo então que eu tenho que cuidar da minha, tenho que amansar a minha”
(Onde [...], 2018d). Nesse diálogo, o responsável pela delegacia de Sertão remete à ideia de
posse dos corpos femininos pelos homens e trata de forma pejorativa o temperamento de uma
mulher, a qual, por ser “braba” – ou seja, por não seguir os desejos da figura masculina –,
deveria ser amansada pelo indivíduo que julga ser seu dono.
Uma vez que os homens creem ter a posse dos corpos femininos de Sertão, não
surpreende que eles se enfrentem na busca por esse controle. O acontecimento que dá início à
trama somente é possível porque há uma disputa entre Pedro e Nonato por Joana. Na cena-
chave do episódio de estreia, o irmão de Maria flerta com a amante do empresário e, quando
esse retoma o seu lugar, literalmente, ao lado de Joana, Nonato o desafia. Pedro inicialmente
resiste, mas depois parte para a briga quando é chamado de frouxo – adjetivo, afinal, que fere
seu ideal de virilidade. Outro exemplo de tensão entre sujeitos masculinos em torno de uma
mulher se dá durante o sequestro de Hermano executado por Maria, Simplício e Mudinho, no
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capítulo 22. Na ocasião, Simplício sente-se ameaçado pela presença do paleontólogo e, mesmo
que o filho de Pedro não tenha condições de se aproximar fisicamente de Maria, já que está
amarrado a uma coluna, a personagem de Lee Taylor reitera constantemente seu status de atual
parceiro da protagonista, recorrendo até a um beijo forçado.
O desejo da dominação sobre outras mulheres não é, contudo, o único motivo para os
embates entre os homens desse sertão ficcional. A rivalidade entre Pedro e Ramiro é o maior
símbolo disso. Iniciada porque o empresário se casou com Rosinete, prima do juiz e pessoa com
quem esse planejava formar uma família, as desavenças entre os dois se estenderam para o
campo econômico, com Ramiro nutrindo inveja dos negócios de seu rival e tentando construir
sua própria fábrica de bentonita. Durante a narrativa, o pai de Ramirinho atua para prejudicar o
marido de Rosinete, desviando as suspeitas da morte de Nonato para ele e tentando sabotar sua
empresa de mineração.
É importante ressaltar que o modelo de masculinidade imperante no mundo de ONF não
é seguido por todas as personagens masculinas. Isso pode ser observado em Hermano, que
rechaça a violência como método para resolução de problemas, portando-se como conciliador
em momentos de conflito. Tal característica aparece na sequência de abertura do capítulo 5, na
qual o paleontólogo roga que seu pai converse com Maria, que empunhava um revólver contra
o empresário, em vez de partir para o confronto. O filho de Pedro também demonstra um
comportamento distinto dos demais homens de sua região por ser gentil com as mulheres no
seu entorno, respeitando suas ações mesmo quando não concorda com elas.
Outra figura que destoa do padrão masculino vigente nesse sertão é Ramirinho. Além
de ser homossexual, a personagem de Jesuíta Barbosa apresenta-se nas noites da cidade como
a drag queen cantora Shakira do Sertão. Nos seus shows, o filho de Ramiro veste-se com itens
associados ao mundo feminino, como vestidos, collants, meia-calça, véu e sapatos de salto alto,
usa maquiagem, em tons predominantemente vermelhos, e performa uma sensualidade oposta
à ideia de virilidade. Fora dos palcos, contudo, é emocionalmente frágil, o que contraria a
rudeza e o equilíbrio de seu pai, e tem uma visão de justiça alinhada ao discurso da lei,
contestando a prática de Ramiro de assassinar os presos da delegacia de Sertão. A música
escolhida para embalar parte das cenas da personagem, nos capítulos 33 e 53, resume sua
posição no mundo construído pela supersérie: “Sou um homem, sou um bicho, sou uma mulher/
Sou a mesa e as cadeiras desse cabaré// [...] Sou a sua voz que grita, mas você não aceita/ O
ouvido que lhe escuta/ Quando as vozes se ocultam// Nos bares/ Nas camas/ Nos lares/ Na
lama” (Mal [...], 1978). O trecho destacado de “Mal Necessário”, canção interpretada por Ney
Matogrosso, corrobora a construção de Ramirinho como um sujeito de identidade transgressora,
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que vivencia uma masculinidade divergente e está deslocado do contexto em que vive, sem,
contudo, desligar-se efetivamente dele.
O principal contraponto ao domínio machista da história, porém, vem justamente das
personagens femininas. Moura (2018b), em entrevista ao Gshow, considerou a supersérie a
história mais feminina entre as escritas por ele até então, na qual, “embora o ambiente áspero
seja um ambiente masculino, quem dá o Norte e as cartadas das decisões são as mulheres”.
Todavia, as experiências dessas personagens são distintas entre si, bem como suas visões de
mundo, conforme ilustra a oposição, principalmente na metade inicial da história, entre os
modelos de maternidade representados por Cássia e Rosinete.
Tanto a personagem de Patricia Pillar como a vivida por Débora Bloch demonstram
valores tradicionalmente associados à maternidade: amor, carinho, preocupação, cuidado. A
diferença entre elas consiste no alcance desses sentimentos e ações sobre as trajetórias de seus
filhos. No episódio de estreia, Cássia explica a Fabrício (Igor Medeiros), seu colega de trabalho,
que deu autonomia cedo a Maria e Nonato, a fim de que eles adquirissem responsabilidade.
Uma confirmação dessa declaração pode ser observada em flashback veiculado no capítulo 25,
no qual a engenheira rememora a partida de seu filho para Sertão. Nesse dia, Cássia demonstrou
aflição com a viagem, mas em nenhum momento cogitou impedir o rapaz de ir embora; pediu
apenas que ele tivesse juízo. Do mesmo modo, embora discorde dos caminhos de Maria após o
desaparecimento de Nonato, ela nunca a tolhe. Tanto que lhe dá um ultimato, no capítulo 33,
em visita à delegacia na qual a protagonista está presa: “Se tu fugir, me esqueça. Não conte
comigo pra mais nada” (Onde [...], 2018f). Como esse anúncio revela, a personagem reconhece
que, apesar das possíveis consequências serem ruins para o vínculo entre elas, a decisão sobre
os caminhos a serem trilhados é da própria filha.
Rosinete, por outro lado, tem uma maior dependência em relação a Aurora, sua única
filha biológica. A moça tem lúpus, o que causa na mãe uma sensação de culpa, “como se a
doença da filha tivesse sido gerada em seu útero” (Moura, 2018b). Essa sensação torna Rosinete
uma pessoa superprotetora, que zela pela filha como se fosse uma criança – dando banho nela
mesmo já adulta, como visto na Figura 9 – e tenta encaminhar seu destino, a exemplo do
constante incentivo para que ela namore Plínio, sob a justificativa de que precisa de alguém que
cuide dela. A compreensão, por parte da prima de Ramiro, de que a personagem de Lara
Tremouroux tem condições de agir de forma independente só é alcançada na segunda metade
da supersérie, paralelamente ao envolvimento de Aurora com Clécio (Ravel Andrade) e sua
busca por cura e recomeço no Lajedo dos Anjos.
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referentes à doença de Aurora. Apesar disso, ele ama os filhos de forma sincera e defende que
tenham mais liberdade. Já o juiz desenvolveu, com Ramirinho, uma relação abusiva: é violento
com o filho, reprimindo a manifestação de sua sexualidade, forçando-o a seguir uma carreira
de negócios e a reproduzir seu comportamento agressivo, inclusive no uso de armas de fogo.
Em determinado ponto da narrativa, o jovem até sai de casa e revela ao pai seu trabalho como
drag queen, mas logo volta a morar com o juiz, a pedido desse, o que indica que um não
consegue se desvencilhar totalmente do outro. Assim, mesmo após a derrota e prisão de Ramiro,
no capítulo final, o filho segue ao seu lado.
As relações entre as personagens principais de ONF apontam, então, para a conformação
de arranjos familiares divergentes, seja nos membros que os compõem, seja nos laços
sentimentais que os unem ou não. A família de Pedro e Rosinete, com marido, esposa e filhos,
corresponde a um modelo tradicional, mas que sempre esteve ameaçado pela instabilidade no
relacionamento entre os pais de Aurora e Hermano. Ramiro, viúvo há anos, até é um pai assíduo
na vida de Ramirinho, mas sua violenta presença torna o ambiente tóxico, enquanto o amor se
transforma em dependência. Já o núcleo liderado por Cássia, mãe solo que criou dois filhos
adotivos, transparece como o mais saudável entre os três aqui mencionados. Nessa família, o
afeto da engenheira por Maria e Nonato e a união entre os irmãos gêmeos são destacados em
todas as cenas – e são esses sentimentos que movem a personagem de Alice Wegmann na busca,
às vezes violenta, por justiça, mas que depois a convencem a recuar em sua trajetória.
A jornada de Maria é marcante por aglutinar as diferentes visões de mundo e temáticas
abordadas na obra. Inicialmente, como define Hermano em certo momento, ela “era uma
menina livre, andando de bicicleta” (Onde [...], 2018d), bem-humorada, de estilo despojado e
aberta a novos relacionamentos. O primeiro capítulo mostra como a personagem também
cuidava de seu irmão, evitando que ele se envolvesse em uma competição com armas e cerveja
e, depois, pedindo-lhe que não bebesse durante a noite. A cena em que a jovem afasta Nonato
do desafio de abrir uma garrafa com um tiro, retratada em frames reunidos nas Figuras 5 e 7,
revela ainda sua aversão a uma exibição gratuita de masculinidade violenta e às possíveis
consequências do uso indevido de arma de fogo.
O ponto de virada na trajetória de Maria acontece no capítulo 5, após o desaparecimento
de Nonato e a descoberta da briga entre seu irmão e Pedro, da qual o empresário inicialmente
nega ter participado. Na cena em que vai à fábrica para tirar a história a limpo, ela rouba o
revólver de Jurandir em um ato de desespero; de modo semelhante, o tiro em Joana é fruto de
um acidente, disparado quando Agripino Gogó avançou sobre a jovem e a assustou. Mais tarde,
nesse mesmo episódio, Maria sofre a tentativa de estupro e mata Jurandir para se defender. É
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nesse momento, portanto, que a personagem sofre sua primeira mudança, pois acredita não
haver mais saída a não ser seguir pelo caminho do confronto contra os agressores de seu irmão,
em vez do diálogo e da lei.
A reação de Maria aos episódios traumáticos é lida de diferentes maneiras por outras
personagens. Jurandir, que enfrenta sua resistência ao assediá-la em um galpão da fábrica de
bentonita, afirma que a jovem é “brabinha como o irmão” (Onde [...], 2018c). Tal fala associa
seu comportamento à ideia de brutalidade, que é agenciada nas construções sobre o sertão para
descrever o universo masculino e, por oposição, ajuda a traçar a imagem da mulher-macho
(Albuquerque Júnior, 2013). Sob esse viés, Maria teria assumido a braveza como tática para
sobreviver no mundo machista sertanejo. Outras elaborações sobre a personagem, observadas
em falas de Gilvânia e Rosinete nos capítulos 5 e 22, atribuem suas atitudes, respectivamente,
à loucura e à inveja. Por fim, é importante registrar que as ações de Maria no quinto episódio
foram sentidas dentro do próprio universo ficcional como uma ameaça aos poderes e às
estruturas sociais de Sertão. Esse incômodo fica expresso na seguinte fala de Pedro: “É muita
humilhação uma menina de 20 e poucos anos fazer o que quer com essa cidade. Não pode!”
(Onde [...], 2018c). O desconforto do empresário, como é possível notar, decorre não apenas
do mero confronto contra o poder que ele representa e a ordem socialmente estabelecida, mas,
acima de tudo, do fato de ser uma mulher jovem a autora de tamanha agitação.
Em seu novo percurso, a filha de Cássia toma para si a missão de buscar a justiça com
as próprias mãos. A violência, usada por ela no quinto capítulo como estratégia de
sobrevivência, passa a ser um recurso de ação – e não mais de reação – quando Maria se envolve
com Simplício. O auge de sua ação violenta se dá no sequestro de Hermano, que se tornou
refém no lugar de Pedro, vítima originalmente planejada pela dupla e por Mudinho. A sequência
da emboscada ao carro do empresário apresenta uma personagem mais fria e controlada no
porte de um revólver, se comparada, em particular, à que alvejou Joana acidentalmente no
começo da supersérie. As expressões de Alice Wegmann, nas imagens da Figura 15,
comprovam essa transformação, do rosto choroso e trêmulo à fisionomia fechada e contida.
101
Eu acho que a construção de um personagem tem que ser sem julgamento moral. A
maneira de fazer isso é construir o personagem entre dois espaços: o que o personagem
gostaria de ser e o que de fato ele é. Nós somos assim. Entre o desejo do que eu quero
ser e aquilo que sou de fato há um abismo imenso. E neste abismo há um espaço para
construir as contradições dos personagens. [...] Um dos mecanismos, além das viradas
de trama, são as viradas que o próprio personagem dá em si mesmo. E esta construção
é um exercício e é preciso esquecer a moralidade.
Pedro precisa ser socorrido por seus seguranças do assédio feito pelos moradores, que o param
a todo momento para conversar, oferecer bebidas ou prestar continência. Pouco depois, quando
Nonato o desafia em uma disputa por Joana, o pai de Hermano alerta: “Menino, tanta gente
nessa cidade, cê vai mexer justamente comigo?” (Onde [...], 2018b). O realce a sua posição
privilegiada não se restringe aos diálogos. Em geral, as sequências que retratam o empresário,
especialmente nos ambientes de sua casa e mineradora e em meio ao povo “comum”, costumam
posicioná-lo no centro do quadro, com as demais personagens organizadas em seu entorno; e,
mesmo quando não aparece em primeiro plano, os elementos cenográficos direcionam o olhar
do espectador para ele. A Figura 17 traz amostras da tradução visual da influência e centralidade
de Pedro na história.
impetuoso como sinal de coragem. Já o empresário age de outra maneira: resiste ao confronto
em público, no primeiro momento, mas, se necessário, recorre aos instrumentos ligados a seu
poder, ou seja, a seus funcionários. Nesse sentido, quando o entrevero com Nonato estoura, a
contenda é logo apartada pelos presentes, e o filho de Cássia é levado por Agripino Gogó e
Jurandir para um lugar isolado, onde sofre a maior parte das agressões. Pedro só volta a sujar
suas mãos posteriormente, para reagir a um novo impulso de Nonato de demonstrar sua
virilidade.
A perturbação da ordem local encampada por Maria, entretanto, mexe com as certezas
da personagem. O diálogo com outras figuras de Sertão também é fundamental para sua
transformação, como na cena em que Pedro desabafa com Samir depois do sequestro de
Hermano. Nessa conversa, o empresário explicita seu modo de agir pautado pela agressividade,
mas ouve do beato um conselho para que mude o comportamento e procure Cássia, até então
convicta de sua responsabilidade no desparecimento de Nonato, para que ambos cheguem a um
entendimento.
A conversa franca entre Pedro e Cássia só ocorre após os acontecimentos que sucedem
o rapto de Hermano, como a descoberta do corpo de Nonato, a prisão de Maria e o
encarceramento de Pedro pela suspeita do assassinato. No capítulo 33, a personagem de
Alexandre Nero consegue um habeas corpus e, livre, vai ao encontro da engenheira. Na cena,
revela-se disposto a testemunhar em favor de Maria, defendendo a versão de que ela agiu por
autoproteção. Também reconhece ter aprendido a ser violento na sociedade de Sertão e descreve
a si mesmo como “um homem arrogante e truculento, mas que quer teu bem” (Onde [...], 2018f).
Cássia, então, expressa relativo espanto por perceber que “os truculentos às vezes lembram que
têm coração” (Onde [...], 2018f) – algo que a supersérie já havia mostrado por meio da relação
de amor paterno de Pedro com Aurora e Hermano e que explicita a mescla, em um mesmo
sujeito complexo, de elementos opostos no espectro tradicional da moralidade.
A mudança na forma que Pedro lida com a violência é reforçada no capítulo que encerra
ONF. Quando Maria está perto de atirar em Ramiro pela segunda vez, o empresário faz coro
aos pedidos de Cássia para que sua filha não mate o juiz. A protagonista ainda questiona seu
pai biológico se ele recuaria caso estivesse em seu lugar, obtendo dele a resposta: “Tu é melhor
105
do que eu” (Onde [...], 2018g). Essa fala demonstra que Pedro passou a entender as ações
violentas como alternativas indesejadas no exercício da justiça, embora admita que suas atitudes
ainda não tenham refletido totalmente sua nova visão de mundo. O conflito interno vivido pela
personagem, entre suas emoções e seu pensamento, reforça a constatação de que as
transformações dos sujeitos presentes na supersérie não se constroem abruptamente, mas são
fruto de um processo contínuo, marcado pelas contradições humanas que os autores dessa
produção buscaram retratar (Moura, 2018a).
Enquanto o empresário interpretado por Alexandre Nero atravessa a fronteira entre as
visões de mundo sobre justiça, seu grande rival mantém a mesma postura ao longo da
supersérie. A maneira com que a história revela as características de Ramiro, no entanto, é
inversa, partindo da sugestão de uma pessoa idônea para o desvelamento de um indivíduo
corrupto. Sua aparição, na cena final do primeiro capítulo, traz um homem de postura ereta e
sóbria; de fala calma e, ao mesmo tempo, econômica, dando-lhe um ar misterioso. Ele veste
branco, cor recorrente em seus figurinos e que contribui para a aparência de retidão esperada
de quem ocupa um cargo como o seu. Essa mesma cena, porém, já expõe sinais da personalidade
do juiz, ao mostrá-lo com um rifle em mãos, caçando passarinhos – uma pista para compreender
sua relação com armas de fogo e o prazer por matar, coroadas pela frase de efeito “Todos os
dias são do caçador” (Onde [...], 2018b). A montagem também contribui com essa insinuação,
prenunciando sua responsabilidade pela morte de Nonato. Isso porque a sequência conecta-se
à anterior por meio de um match cut: o som de um disparo abre a cena, imediatamente após a
exibição de um revólver apontado contra o irmão de Maria. A Figura 18 contém os frames que
ligam as duas passagens e demonstram a caracterização inicial de Ramiro enquanto um homem
de postura equilibrada, porém violento.
são as chagas em seu corpo, que sangram como um sinal de sua conexão com o sagrado. A
personagem de Irandhir Santos defende veementemente os valores nos quais acredita, como o
direito ao perdão, a importância do diálogo e a sobreposição da honestidade à busca desenfreada
por dinheiro. No capítulo final da obra, após superar um período de desencontro consigo
mesmo, marcado pelo desaparecimento de suas feridas, ele reassume a figura do beato em sua
maior glória: lidera a retomada do Lajedo, propõe uma reflexão sobre a vida e a espiritualidade
e, em seu corpo, vê renascer a ligação com o divino. A Figura 21 ilustra o momento em que as
chagas reaparecem, em uma imagem gravada em câmera baixa, ângulo que ajuda a simbolizar
sua reaproximação com o mundo sobrenatural.
pertencentes a esses domínios têm maior diferenciação, especialmente nos figurinos. Conforme
é perceptível nas Figuras 5 e 7, os moradores da cidade vestem shorts e bermudas mais curtos,
camisas masculinas de gola polo ou em estilo de caubói, deixando seus ombros à mostra e as
cabeças descobertas. Já os sujeitos identificados como camponeses, a exemplo dos que
preenchem as imagens da Figura 22, costumam usar roupas mais simples, muitas delas puídas,
e geralmente protegem seus braços, ombros e rostos do sol, sinalizando um hábito decorrente
do trabalho no campo.
Figura 22 – Quadro de imagens que destacam a simplicidade dos moradores da zona rural
A história de ONF aborda temáticas que correspondem ora ao âmbito das questões
sociais, ora à seara dos dilemas humanos. Um dos temas já mencionados nesta dissertação que
se refere à primeira categoria é a oposição entre o ideal de progresso, representado por
elementos como a mineração e a modernização dos meios de transporte, e a permanência das
desigualdades sociais, visível no contraste entre ambientes de personagens ricas e pobres. A
lógica desigual que rege o sertão da supersérie também é discutida por meio das múltiplas
manifestações de preconceito, como a misoginia, presente no olhar machista de uma sociedade
dominada por homens, e a homofobia, praticada contra sujeitos que destoam dos padrões de
sexualidade dominantes.
Outros temas relacionados à estrutura social desse universo são a falta de acesso à água
e o fenômeno da migração. A primeira é apresentada, nos capítulos analisados nesta pesquisa,
por meio do trabalho de Cássia, junto aos moradores rurais, de cavar poços e construir cisternas
– e também reflete a desigualdade econômica, uma vez que as personagens mais ricas e aquelas
que vivem na cidade não têm a mesma necessidade que os camponeses. Já o êxodo do sertão
surge, na história, como a alternativa de fuga que Simplício propõe a Maria depois que descobre
que o irmão dela está morto. A ideia do cangaceiro é acompanhar o exemplo de alguns amigos
e partir para o Pará, com o intuito de trabalhar em garimpos do estado. Essa proposta sinaliza a
existência de uma tendência migratória mais ampla na região; temática comum nas produções
culturais sobre Nordeste que retratam sertanejos retirantes, os quais saem de suas terras em
busca de melhores condições de vida em metrópoles ou grandes empreendimentos.
As diferentes visões sobre justiça que se confrontam no tecido social de ONF consistem
em mais uma das temáticas levantadas pela supersérie. Em geral, a sociedade sertaneja
112
construída na obra segue uma lógica própria, controlada pelas personagens de elite, que usam
seus poderes econômicos, políticos e administrativos para atingir interesses próprios e manter
a ordem que as sustenta no topo. Nessa mesma estrutura, indivíduos como os novos cangaceiros
representam um exercício de justiça marginal, cujo único recurso para combater as opressões
advindas dos poderosos é a violência. Essa, a propósito, é uma ferramenta igualmente utilizada
pelas elites, com a diferença de que suas condutas não se restringem aos atos violentos. A busca
da justiça com as próprias mãos, assim, é uma característica comum à prática dos dois grupos,
simbolizada pela arma de fogo como um instrumento que se repete em toda a história.
Em contraposição à perspectiva vigorante no universo da supersérie, encontra-se a
compreensão de que o caminho para a justiça deve passar pela adoção ética da legalidade. Esse
entendimento está presente em personagens masculinas como Hermano e Ramirinho e ganha
uma importante defensora com a chegada de Cássia. Desde o início da história, é ela quem se
apoia nas instituições oficiais para encontrar as respostas sobre o destino de Nonato e, quando
desconfia da idoneidade da justiça sertaneja, recorre a instâncias superiores, como a
corregedoria da polícia, sem nunca desviar suas ações do caminho legal. Sua insistência em
manter-se próxima à filha, mesmo quando Maria portou-se de forma violenta, e em resgatá-la
de sua jornada marginal indica também que Cássia acredita na possibilidade de uma segunda
chance para as pessoas que erram. Outra personagem que defende a oferta de novas
oportunidades aos sujeitos, como uma alternativa à vingança no exercício da justiça, é Samir,
cuja filosofia de vida abarca a defesa do perdão e do recomeço, bem como o uso do diálogo na
resolução de conflitos.
Os embates entre as visões de justiça divergentes são traduzidos de duas maneiras, por
meio da direção de fotografia e da montagem, nas imagens dos capítulos investigados nesta
pesquisa. Em um desses caminhos, o procedimento de filmagem restringe-se à gravação em
uma única tomada, na qual a câmera, parada ou em plano-sequência, captura a encenação de
atores e atrizes. Já o trabalho do montador consiste apenas na delimitação do começo e do fim
das passagens, sem alternar planos por meio de cortes. Essa técnica pode ser notada nas ocasiões
em que as personagens representam forças distintas de um mesmo sistema, a exemplo das cenas
de tensão entre Pedro e Plínio veiculadas no capítulo 22. Em outras sequências, mesmo quando
o conflito envolve sujeitos de pontos de vista dicotômicos, os criadores da supersérie valem-se
de igual método para privilegiar um dos lados da disputa, seja para demarcar sua superioridade
na balança do poder, como na surra que Pedro aplica em Nonato, na estreia da produção; seja
pela importância narrativa da personagem em destaque, vista na ocasião da fuga de Maria, no
quinto episódio, durante a qual a jovem enfrenta Jurandir. A Figura 24 reúne frames das três
113
entre tais visões de mundo que nascem as transformações no ambiente sertanejo. Duas
passagens que demonstram a técnica descrita, conforme ilustrado na Figura 25, são o embate
entre Maria e Pedro, no começo do capítulo 5, no qual a protagonista emerge como uma ameaça
real ao poder do empresário, e a chacina no Raso do Breu, revelada no episódio de
encerramento, em que Ramirinho, mesmo impotente e algemado a um carro, protesta
desesperado contra a matança comandada por seu pai.
A cena que encerra o principal conflito de ONF – o ataque de Ramiro contra Cássia e
Pedro e sua derrota pelas mãos de Maria – também é construída por meio de tomadas separadas
e planos alternados na montagem e evoca as diversas visões de justiça contrastantes nesse sertão
ficcional. A forma como o confronto é resolvido aponta, por outro lado, para a relevância dos
dilemas humanos na história. Nesse caso, além da submissão aos procedimentos ditados pela
lei, o que motiva Maria a deixar o juiz vivo e não se vingar contra ele é o impacto causado pelos
pedidos de sua mãe e seu pai biológico. Em outras palavras, o afeto familiar é a arma final usada
em cena no combate à injustiça.
A importância das relações em família é, por conseguinte, um tema caro à narrativa da
supersérie, discutido nos modelos de maternidade e paternidade presentes nos núcleos de
115
Cássia, Pedro e Ramiro e na potência dos sentimentos fraternos que motivam a jornada de
Maria. A magnitude do amor materno, em particular, para a construção desse mundo ficcional
é similarmente observada na música que embala a vinheta de abertura. Assim, se a letra da
canção de Zeca Veloso defende que “Todo homem precisa de uma mãe” (Todo [...], 2018), os
acontecimentos da história mostram que, em Sertão, a ação de uma mãe foi fundamental para
transformar parte das estruturas do lugar.
A obra dirigida por Villamarim também busca apresentar variadas demonstrações de
relacionamentos românticos. O par formado por Maria e Hermano, por exemplo, vivencia altos
e baixos, incluindo um sequestro, mas aparece junto na última cena da supersérie; enquanto o
outro casal de destaque da trama, Cássia e Pedro, separa-se pela decisão da engenheira de voltar
para Recife, embora ela deixe em aberto a possibilidade de um reencontro. Hermano ainda se
relaciona, por um período, com Valquíria (Carla Salle), personagem que encara suas paixões
de modo intenso, abrindo margem para discutir as consequências da impulsividade e da
dependência excessiva em uma relação romântica. Já Rosinete descobre novas formas de lidar
com o amor e o prazer a partir do momento que se permite olhar para seu próprio corpo. Há
ainda exemplos de interações abusivas, como as que se desenvolvem entre Ramiro e Cássia e
entre Plínio e Aurora; ambas, contudo, interrompidas por essas mulheres.
Outras temáticas da supersérie, relativas à experiência humana e levantadas
anteriormente neste capítulo, são as múltiplas expressões de masculinidade e feminilidade e a
importância da fé e da religiosidade. Além disso, ONF preocupa-se em apresentar os conceitos
e reflexões em torno de determinados temas filosóficos, como ocorre nas discussões acerca da
justiça, perceptíveis nas elaborações relacionadas à estrutura social sertaneja, e das ideias de
força e verdade.
A demanda pelo conhecimento da verdade é justamente o ponto de partida para as
jornadas de Maria e de Cássia. Assim como se observa em outros temas, os indivíduos
ficcionais da obra lidam com esse ideal de maneiras variadas. Pedro, por exemplo, inicia a
supersérie mentindo, quando confrontado sobre a briga com Nonato. Outras informações falsas
são proferidas em momentos convenientes para seus autores, como a afirmação de Agripino
Gogó, no capítulo 5, de que vira Maria matar Jurandir, algo que não aconteceu, e a manipulação
do laudo pericial sobre a morte de Nonato, feita por Vitório a mando de Ramiro. O juiz, aliás,
adota a perspectiva de que a verdade pode ser vista por mais de um lado, declaração que
denuncia uma prática de impor suas versões, mesmo fraudulentas, sobre os fatos. O debate
acerca da verdade pauta ainda os meios de encará-la, caso seja dolorosa – tema retratado nas
experiências do luto vividas pela mãe e pela irmã de Nonato; bem como a necessidade de
116
reconsiderar pretensas certezas e modificar o olhar sobre o mundo e sobre outras pessoas –
dilemas expostos na relação de Cássia e Maria com Pedro, a qual deixa de ser preenchida por
desconfianças e acusações para se valer do apoio mútuo e da afeição.
Já a construção das ideias de força segue linhas distintas, conforme explicitado por
Moura (2018a). O autor da supersérie divide sua abordagem em três manifestações desse ideal:
a força da terra, representada por Pedro e ligada à valorização do trabalho como motor de
transformações; a da fé, simbolizada por Samir e sua visão espiritualizada do mundo; a do
“coração em movimento”, expressa na trajetória de Maria. Uma nova camada nessa discussão,
relativa ao domínio do poder político e econômico, também é acrescida por Moura (2018a) na
definição do universo por ele construído, descrito como “[...] um Brasil onde prevalece a lei do
mais forte, onde o cidadão não encontra amparo e precisa seguir com os próprios passos”.
As sequências investigadas nesta pesquisa apresentam outras noções relacionadas a tal
concepção. Nonato, por exemplo, é descrito por Joana como um sujeito corajoso, devido ao
interesse em fazer trilhas nas pedras de Sertão – e a ideia de coragem pode ser associada à
precipitação da personagem e sua tentativa frustrada de demonstração de virilidade e força
contra o empresário de bentonita. A disposição para enfrentar os donos do poder aparece
novamente, no discurso de Simplício, como um sinal de bravura e espírito forte. Contrariando
essa apologia ao confronto, Pedro, tendo mudado sua interpretação sobre a vida, reconhece na
pacificação e na humildade uma exibição de força: “É preciso ser forte pra perdoar. Pra admitir
um erro também” (Onde [...], 2018f). Tais valores também são propagados por Samir e Aldina
na comunidade de Lajedo dos Anjos, cuja filosofia engloba ainda a exaltação à resistência, à
perseverança e à união.
O fato de o título da supersérie evocar o sertão como o local da gênese de sujeitos fortes
explicita a importância dessa discussão para a história. É necessário, portanto, comparar as
elaborações da supersérie com o sentido proposto por Cunha (2002) em sua obra clássica.
Nessas páginas, o sertanejo delineado pelo autor aparenta fraqueza e cansaço, mas tal fachada
é desfeita quando algum acontecimento desperta energias, em princípio, adormecidas. Entre as
personagens da produção da TV Globo, quem melhor ilustra essa descrição é Maria, cuja
trajetória passa por uma reviravolta com o desaparecimento de seu irmão e, principalmente,
após os confrontos traumáticos contra Pedro e Jurandir, no capítulo 5. Nessas cenas, uma força
até então desconhecida pela protagonista surge – a das paixões que movimentam seu coração
(Moura, 2018a) – e seus passos passam a ser guiados pela intensidade das emoções e pela
necessidade visceral de descobrir a verdade. Assim, a jovem, que fora criada em Recife, mas é
natural da cidade de sua mãe, renasce no mesmo sertão onde nascem os fortes.
117
pelos grandes empreendimentos industriais, mas que ainda conserva problemas e desigualdades
de um espaço subdesenvolvido; um universo vasto, que serve como purgatório, ambiente de
passagem e metamorfose de alguns dos seus sujeitos. Esse sertão tem ainda, em suas entranhas,
um cenário de refúgio, o Lajedo dos Anjos, que se aproxima, no encerramento da história, do
ideal de um paraíso harmônico, opondo-se à sociedade sertaneja predominantemente infernal,
de personagens violentas, vítimas da exclusão e condenadas à inevitabilidade de seus destinos.
Ao mesmo tempo que as repete, a supersérie altera o tratamento dado a algumas dessas
categorias. Um exemplo diz respeito à vastidão que caracteriza esse sertão e se conecta à
simbologia do espaço como um lugar de passagem, que pouco muda fisicamente, enquanto
parte de suas personagens, como Maria, Pedro e Samir, enfrentam jornadas de transformação
de valores e crescimento espiritual. Nessa construção, há uma inovação: se não é modificado
em seu exterior, o ambiente sertanejo acaba impactado, em aspectos de sua organização social
como a prática da justiça, pelas mudanças dos próprios sujeitos que por ele passam. Outro sinal
da remodelação proposta pela obra é perceptível na união, em um mesmo universo, das
simbologias contrastantes de paraíso, inferno e purgatório. Tal aglutinação, inclusive, atesta a
visão de Moura (2018a) sobre a fertilidade desse vasto sertão, em cujo solo podem brotar todos
os tipos de imagem.
A investigação das personagens de ONF revelou também a retomada e a atualização de
modelos distintos de sujeitos ficcionais. Os grupos que gravitam ao redor da oposição entre
atraso e modernidade, por exemplo, são retratados na obra. Nela, veem-se personagens
marginalizadas, distantes dos privilégios das classes superiores na estrutura de poder local,
muitas delas violentas e condenadas a um fim trágico; é o caso de Simplício, que perambula às
margens do sertão até ser morto, sem nunca sair dele. Parte dos moradores da cidade fictícia,
como o reticente Adauto, corresponde à descrição de Gomes e Martins (2022) de indivíduos
inertes, passivos frente aos desmandos das elites. Essas, aliás, aparecem como as responsáveis
pelo estado injusto e desigual da sociedade, sendo representadas pelas figuras de Pedro, Ramiro
e Plínio. Por fim, ainda no entorno do dilema da permanência de atrasos em um espaço
modernizado, encontram-se as personagens alternativas, que enfrentam de modo ativo os
preconceitos e injustiças, seja através da arte, como Ramirinho/Shakira do Sertão, da legalidade
e do afeto, como Cássia e Hermano, ou da religiosidade, como Samir.
Os indivíduos que preenchem as imagens de ONF também podem ser relacionados aos
tipos regionais elencados por autores como Falci (2004), Albuquerque Júnior (2011; 2013) e
Menezes (2018). Pedro, por exemplo, é o coronel que promove o desenvolvimento no sertão;
seus seguranças, Jurandir e Agripino Gogó, são os novos jagunços. As disputas protagonizadas
119
pelo empresário e por Ramiro remetem ainda aos confrontos entre oligarquias sertanejas e entre
as masculinidades dominantes do lugar, que emulam o modo de ser viril, conservador e violento
associado muitas vezes ao homem sertanejo. Já Maria, em certo ponto da história, é
caracterizada como a mulher-macho, que precisa da violência para sobreviver; enquanto
Rosinete, retratada a maior parte do tempo no ambiente doméstico, lembra as mulheres de elite
da região, sempre preocupada com sua aparência, embora sem os mesmos cabelos longos do
século XIX.
Outros tipos regionais resgatados pela supersérie são os cangaceiros e os beatos, mas a
subversão nos valores de força a eles associados consiste em uma inovação na caracterização
das personagens proposta pelos autores de ONF. A forma como a história costura as trajetórias
de determinados sujeitos, especialmente aqueles que fogem aos padrões de moralidade
convencional, permite também que eles transitem entre alguns dos modelos de personagens
ligados à dicotomia atraso-modernidade. Maria, mais uma vez, representa esse modo inovador
de elaborar indivíduos ficcionais: quando renasce em Sertão, acaba encontrando a
marginalidade do cangaço; posteriormente, no entanto, sua luta contra as injustiças aproxima-
se da empreendida por Cássia, mais próxima à categoria das personagens alternativas.
Na abordagem de suas temáticas, a obra escrita por Moura e Goldenberg apropria-se
dos recursos comumente utilizados pelas produções culturais brasileiras sobre sertão. Nesse
sentido, o universo sertanejo investigado é pautado por diversas dualidades, refletindo a
tendência da teledramaturgia nacional de contrapor versões de diferentes Brasis (Hamburger,
2005) e evocando o sertão de contradições descrito por Maciel (2006), Garcia (2017) e Gomes
e Martins (2022). Algumas das construções antitéticas são posicionadas como polos
conflitantes: as naturezas e as sociedades do interior e das metrópoles; os sujeitos tradicionais
e violentos e as personagens alternativas; a riqueza das elites e as dificuldades dos mais pobres
e dos moradores da zona rural. Há, por outro lado, as imagens dicotômicas que dividem
pacificamente um mesmo espaço: os arbustos verdes em um solo seco e poeirento; os sinais
materiais de modernidade e os signos associados à tradição, como os cavalos que convivem
entre os carros; as lições de um passado pré-histórico e as perspectivas de um futuro
industrializado.
Os autores de ONF também lançaram mão dos dilemas sociais e humanos na construção
de sua história. Os capítulos estudados nesta pesquisa propuseram debates sobre desigualdades
e preconceitos, práticas de justiça e violência, migração e acesso à água, bem como sobre
relacionamentos familiares e românticos, feminilidades e masculinidades, vivências da
religiosidade e ideais de verdade e força. A investigação desses temas possibilitou a constatação
120
de outra ação inovadora: a aproximação entre os âmbitos do social e do humano, por meio da
resolução do conflito final. Assim, quando o último capítulo apresenta o afeto familiar como
instrumento decisivo para o combate à injustiça, a supersérie interliga o mundo individual e
interpessoal à esfera do público e coletivo, em um movimento que destoa da tendência
observada por Gomes e Martins (2022) nas elaborações audiovisuais sobre sertão, focadas
majoritariamente em uma ou outra seara temática.
A construção desse universo sertanejo de repetições e inovações teve influência ainda
de decisões produtivas pertinentes às tentativas de delineamento do formato supersérie. As
práticas aqui destacadas estão relacionadas às possibilidades decorrentes da estrutura dos
capítulos, a seu posicionamento no fluxo televisivo e à maneira encontrada por seus criadores
para absorver e desordenar as referências herdadas das telenovelas, séries e minisséries.
Um aspecto constantemente destacado por autores e diretor em entrevistas é o fato de
ONF ter sido inteiramente produzida antes da estreia. A possibilidade de entregar um texto
fechado deu margem para a reescrita dos roteiros e para um maior diálogo entre os diferentes
agentes envolvidos na produção; consequentemente, houve mais apuro na tradução, em termos
estéticos, do sertão por eles imaginado (Villamarim, 2018; Xavier, 2018). A escrita e gravação
antecipada da história também permitiu a criação de personagens complexas, que
representassem as temáticas escolhidas pelos autores, em toda a sua profundidade e
contradições, sem que suas trajetórias sofressem possíveis interferências da opinião do público.
Intrinsecamente ligada a isso está a escolha pelo relativo paradoxo de abrir mão da moralidade
maniqueísta em meio a uma narrativa preenchida por temas do melodrama e do folhetim, como
os relacionamentos românticos e a busca pelo reconhecimento (nesse caso, da verdade).
O método imersivo de produção, proposto por Villamarim (2018) e favorecido pelo
formato mais curto em relação ao das telenovelas, também serviu para amplificar a importância
do espaço sertanejo na supersérie. O fato de os acontecimentos mais relevantes da trama terem
sido gravados nas locações reais do Cariri paraibano, por profissionais afetados pela
convivência extensiva com a natureza, não apenas ressaltou a horizontalidade e vastidão do
sertão ficcional como proporcionou uma construção mais crua e dramática do local. A função
narrativa do lugar pode ser vista nas cenas, destacadas nas Figuras 5, 6 e 10, que retratam a
morte de Nonato no Raso do Breu, local isolado e sem iluminação; a fuga de Maria da fábrica
de bentonita, onde o vento levanta a poeira e encobre a personagem; e o momento em que
Cássia descobre o corpo de seu filho, em um cenário de aridez humana. Ainda a respeito da
apresentação desse universo, constata-se que a duração de 53 capítulos, maior que o padrão
aplicado às séries e minisséries, tornou mais profundo e intenso o mergulho do público no sertão
121
da obra, uma vez que a inserção dessas imagens em seu cotidiano ocupou um período contínuo
de aproximadamente 13 semanas. A exibição desse sertão, vale reforçar, também foi mais coesa
e menos fragmentária, devido à estruturação dos episódios em apenas dois blocos.
O horário tardio de exibição, costumeiramente utilizado pela TV Globo para
experimentações em linguagem, e a escrita condensada, refeita mais de uma vez por seus
autores, contribuiu ainda para a densificação dos temas abordados. A densidade e crueza das
temáticas refletiram-se, pois, em imagens mais impactantes, como a de Nonato ensanguentado,
conforme retratado pela Figura 19, e na redução dos diálogos expositivos, contrariando a
necessidade de verbalização constante, presente no melodrama e nas telenovelas, o que resultou
em um sertão de ritmo modulado entre a agitação e a lentidão.
Eis, enfim, o sertão de ONF. Suas imagens, múltiplas e contraditórias, atualizam os
lugares, sujeitos e temas de outras produções culturais brasileiras, mas reorganizam tais
referências, com um tratamento específico proporcionado pelas inovações pretendidas ao se
produzir uma supersérie. De sua vastidão, a qual impactou criadores e forjou personagens, nasce
um universo polissêmico, que, como afirma sua protagonista, “a gente sabe onde começa, mas
não sabe onde acaba” (Onde [...], 2018g).
122
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
inovação qualitativa conduzida pelos autores, diretores e demais profissionais. O fato de essas
iniciativas estarem relacionadas a um amplo conjunto de agentes criativos, que se inicia com as
decisões industriais da emissora ao propor a gestação de uma supersérie e chega aos
profissionais de roteiro, direção, edição, atuação, entre outros, demonstra que essa inovação
conforma-se em uma prática social empreendida no meio audiovisual; ou seja, não apenas em
uma experiência isolada, mas um modo coordenado de produção em ficção televisiva.
No caso da obra analisada nesta dissertação, seus criadores agenciaram elementos
comuns às elaborações de lugares, personagens e temas sertanejos encontradas em outros
contextos, mas dispuseram tais aspectos de uma forma particular a sua história. Os elementos
reiterados nas imagens de ONF organizaram-se em torno dos polos fixos da seca, do contraste
entre atraso e modernidade e dos dilemas humanos, e foram observados, nesta pesquisa, em
tópicos como o sol forte, a poeira, as dificuldades de acesso à água; os sinais de progresso
econômico, as desigualdades e preconceitos sociais, os sujeitos que agem pela violência e
aqueles que enfrentam as mazelas das quais são vítimas; os relacionamentos familiares e
românticos, as vivências religiosas e os ideais de força, coragem e verdade. Nesta pesquisa,
também foram identificados perfis que remetem a tipos regionais sertanejos presentes em outras
produções sobre o local, em um quadro que retrata os coronéis e os jagunços, a mulher-macho
e a mulher de elite, os cangaceiros e os beatos.
A disposição de tais imagens no sertão ficcional, todavia, valeu-se de alterações nas
qualidades atribuídas a esses elementos e nas relações entre eles. A própria polissemia
constituinte desse universo é um sinal do processo de inovação empreendido pelos criadores da
supersérie. As consequências do fazer inovador foram observadas também na proposição de
uma natureza híbrida, em que o verde se infiltra nos espaços áridos; na caracterização de
personagens como os beatos, não mais identificados como sujeitos fracos e fanáticos, bem como
de indivíduos complexos que transitam entre as múltiplas possibilidades de se existir; na
aproximação entre as esferas do pessoal e do social, com o destaque para o afeto como arma
para derrotar a injustiça causada pela permanência de uma tradição violenta; na elaboração de
um sertão da passagem, o qual, em vez de permanecer inalterado, muda junto com os sujeitos
que o cruzam e nele se transformam.
Esta pesquisa também compreendeu que a construção desse sertão foi atravessada, em
determinados pontos, pelas características referentes à produção de ONF enquanto uma
supersérie, formato que mescla e subverte diretrizes das telenovelas, séries e minisséries. Sua
duração, mais curta que a do primeiro modelo no qual se baseia, permitiu que os criadores da
obra tomassem as decisões de escrever e gravar todas as cenas antes da exibição e de vivenciar
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um período de cinco meses de imersão em cidades do interior paraibano. Essas decisões, por
sua vez, refletiram-se em uma narrativa de temáticas densas e imagens cruas, algo também
possibilitado pelo horário de exibição, às 23h, e em personagens complexas e não maniqueístas.
Evidenciaram-se ainda na apresentação de cenários dramáticos, com funções explícitas para o
desenvolvimento da história, e elaborados com um maior apuro estético, processo que destacou
a horizontalidade do espaço sertanejo. Por outro lado, o fato de a história ser mais longa que
aquelas contadas por séries e minisséries tornou esse sertão ainda mais presente no cotidiano
do espectador e, portanto, mais profundo.
Vale destacar que a posição de ONF na programação da TV Globo, além de
proporcionar um tratamento mais denso à história, promoveu a exibição de um sertão coeso e
pouco fragmentado, já que os episódios de, em média, 30 minutos de duração eram
interrompidos pelas pausas inerentes ao fluxo televisivo apenas uma vez. Esse espaço de
múltiplos sentidos e imagens também se perpetuava entre as unidades narrativas por meio de
recursos como a vinheta de abertura, cujos recortes do universo ficcional formavam uma
espécie de quebra-cabeças, e as retrospectivas, que introduziam os principais acontecimentos
antecedentes aos capítulos. Os ganchos que conectavam os blocos e os episódios, técnica
herdada do folhetim, também serviam para manter o público ligado à supersérie e ao sertão nela
retratado.
O estudo de uma obra de ficção televisiva que produz imagens de sertão nordestino,
como é o caso de ONF, permitiu atestar a importância dessa categoria temática para o acervo
cultural brasileiro. As discussões de modelos de justiça propostos pela narrativa, por exemplo,
podem ser expandidas para a esfera pública, independentemente da origem dos espectadores.
Os dramas inerentes aos relacionamentos humanos, as vivências de fé e espiritualidade, o
confronto com situações de desigualdade e preconceito são outros aspectos que a supersérie
aborda e que fazem parte da experiência dos consumidores. O molde com base no qual tais
temáticas foram produzidas – os lugares, personagens e temas sertanejos – também representa
mais do que uma simples casca; na verdade, reforça a tradição cultural nacional de debater
ideias de Brasil a partir do olhar sobre o sertão.
Já as práticas de repetição e inovação empreendidas pelos profissionais responsáveis
pela supersérie, conforme reconhecidas nesta pesquisa, apontam para a constante atualização
da chama criativa na cultura audiovisual e ficcional brasileira. Ora, se é praticamente impossível
gerar uma obra a partir de um vazio de referências, segue sendo um desafio significativo, mas
acessível, criar uma história que tenha inovações no modo de produzi-la e em seu conteúdo. Os
resultados desta investigação, assim, colaboram com o registro de mais uma entre as
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para a conclusão de que a produção desta dissertação foi bem-sucedida: o alcance dos objetivos
propostos foi possível porque, desde o início, optou-se pela escolha de um produto com o qual
este pesquisador se identifica, seja por sua origem sertaneja, seja por seu gosto pela ficção
televisiva nacional. Assistir aos capítulos da obra escrita por Moura e Goldenberg, compreender
o modo como foi produzida e o mundo por ela construído e, ao final, emocionar-se com suas
histórias permitiram que o autor deste trabalho também se sentisse parte do vasto sertão de
ONF. Espera-se, pois, que os demais espectadores da supersérie e os leitores desta dissertação
sintam o mesmo.
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