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REDAÇÃO JORNALÍSTICA
AULA 1
Nesta aula, veremos como as notícias são escritas e organizadas em textos para serem publicadas e veiculadas em veículos
impressos, televisão, rádio ou web. Nosso objetivo é conhecer as produções jornalísticas nas diferentes modalidades e, para isso,
abordaremos os seguintes temas:
O texto noticioso;
A proposta desta disciplina é prepará-lo para entender os meandros da produção do texto noticioso. Note que texto noticioso
não é sinônimo de notícia: notícia é o que acontece e texto é o relato do acontecido. A disciplina foi construída para ser aplicada,
então tem um forte componente prático. Por isso, esteja pronto para colocar mãos à obra! Você terá orientações teóricas para
encaminhar suas produções, mas a melhor dica é: leia e escreva muito.
CONTEXTUALIZANDO
Saber escrever é fundamental para um bom jornalista. Engana-se quem pensa que não precisa se preocupar com o texto escrito
porque vai falar no rádio ou na televisão. Quem pensa assim tem poucas chances de ir longe na profissão. Todo trabalho jornalístico
possui um processo anterior de trabalho de bastidor, que envolve pesquisa, elaboração, planejamento e muita escrita.
Claro, saber improvisar é parte do nosso trabalho, mas só se consegue essa habilidade com planejamento, muita leitura e escrita.
O bom jornalista precisa saber escrever bem qualquer tipo de texto, em especial, o gênero textual jornalístico, isto é, o texto da
notícia. Veja o que o Nilson Lage diz sobre isso:
Ouve-se dizer, de várias maneiras, que a palavra está morrendo. [...] A morte do idioma nos meios audiovisuais é pura fantasia. Não só eles
falam como neles se escreve: um programa de televisão, antes de ir ao ar, passa, numa produção competente, por diversas versões em
sinopses, roteiros e scripts. Todos os componentes – cenários, enquadramentos de câmera, deslocamentos de equipe, temas e estratégias
das entrevistas, cabeças de repórteres – são textos que se transformam em produto. (Lage, 2005, p. 34)
Nesta disciplina, vamos entender as origens do texto específico que usamos no jornalismo, como ele foi se alterando na história,
seus formatos e estilos, os principais procedimentos de construção etc. Enfim, seremos capazes de fazer um texto noticioso básico.
Parte das atividades jornalísticas se resume a ler, sintetizar e escrever. Por isso, o conselho para ler e escrever muito não é só
um clichê: é a base para você desempenhar bem a profissão. Assim, você precisa estar íntimo dos textos noticiosos, e é isso que vai
A notícia é produzida com base em fatos relevantes de interesse público, mas não basta um fato ser extraordinário se o jornalista
não souber levá-lo ao público em uma linguagem que todos compreendam. “Mesmo tratando de assuntos que exigem certo
repertório do leitor, a linguagem é acessível, o que permite o entendimento do fato mesmo por um receptor que não seja profundo
Para a melhor eficiência da comunicação, Lage (2001) afirma ser preferível a linguagem coloquial, embora reconheça a pressão
social pelo uso da linguagem formal. Então, a linguagem do texto noticioso deve ser “constituída de palavras, expressões e regras
combinatórias que são possíveis no registro coloquial e aceitas no registro formal” (Lage, 2001, p. 38, grifo nosso).
À exceção dos textos opinativos e de certos tipos de reportagens, o texto jornalístico deve ser escrito em terceira pessoa do
singular, para garantir um tom impessoal à narrativa. Deve-se evitar adjetivos que podem levar a diferentes interpretações da
O texto noticioso nem sempre foi como o de hoje. No início do século XX, predominava o estilo empolado de literatos,
advogados e juristas, influenciados pela escola parnasiana europeia. À época, a imprensa dos Estados Unidos já apresentava um
texto mais claro e objetivo, disseminado pelas agências de notícias. Isso influenciou o jornalismo brasileiro.
O lide foi incorporado ao texto noticioso e passou a dar mais objetividade à descrição dos acontecimentos. O modo de relatar os
fatos foi mudando, assim como a língua também foi se adaptando às mudanças sociais. O texto se nutria das mudanças na sociedade
ao mesmo tempo que contribuía para as mudanças.
O Quadro 1 apresenta a diferença do texto noticioso em uma notícia de 25 de maio de 1920 do jornal O Estado de S. Paulo e
outra do portal G1 um século depois, em 25 de maio de 2020. O assunto é o mesmo (apreensão de cocaína), mas note as mudanças
na grafia das palavras e no modo de escrever.
Contra a cocaína Homem é preso com mais de 370 kg de pasta base de cocaína em
“A polícia de costumes, a cargo do dr. Octavio Ferreira Alves, 4º delegado interino, está “Um homem, de 30 anos, foi preso na noite desta sexta-feira (24) mais de
tomando uma série de medidas que muito vêm beneficiar a população e que há muito 370 quilos de pasta base de cocaína em Uberlândia. O material era
Entre ella, uma há que está dando os melhores resultados, e que, a continuar a ser levava sucata na BR-365. Esta é considerada a maior apreensão da droga
posta em pratica, deve coroar-se de grande êxito. realizada este ano em Minas Gerais.
Queremos referir-nos à campanha contra a venda de cocaína, que por ahi se fazia A abordagem ao motorista ocorreu na noite de sexta, no entanto, e o
aberta e escandalosamente. O 4º delegado auxiliar iniciou-a no dia 21 do corrente, processo para descarregar cerca de 20 toneladas de sucata que estava
com uma importante apprehensão do terrível tóxico, e nella está prosseguindo com sendo transportada no caminhão e fazer a contagem e pesagem da droga
tenacidade, voltando as suas atenções, não só para as pharmacias, como para os durou toda a madruga e foi concluída na manhã deste sábado (25)”
próprios vendedores particulares”
O que dá para perceber nesses textos? Eles contam um fato e, portanto, são considerados notícia. Nem todo fato é notícia, mas
toda notícia vem de um fato. O fato é o mesmo, o que mudou foi o estilo do texto, de uma narrativa mais floreada e empoada para
um relato mais objetivo, seguindo a lógica do lide. Aquela forma de narrar não se enquadra nos padrões jornalísticos de hoje.
O texto de um século atrás conta um fato, mas de maneira subjetiva. Já o texto jornalístico de hoje, aquele que narra notícias,
carrega uma característica bem particular, entre outras, que é a objetividade. Relata só o que tem relação ou pode ajudar no
O texto do G1 soa mais familiar com as notícias de hoje. Isso nos leva a compreender que o texto jornalístico possui formas
específicas de ser construído. Num primeiro momento, o texto noticioso só poderá ser construído com base no que é uma notícia.
Parece óbvio, mas o fato é que é possível usar esse estilo com algo que não é notícia. Vamos a um exemplo.
Exemplo
Marília de Souza mexia no celular enquanto tomava o café da manhã nesta quarta-feira (10). Era 8h e a mãe avisou que o ônibus da escola estava chegando, mas
não deu tempo. Outros cinco alunos da Escola Estadual Bia Couto se atrasaram. A diretora da instituição, Mara Nunes, disse ser comum os alunos mexerem no
celular durante o café e se atrasarem para a aula.
Parece notícia, mas não é, pois não satisfaz os critérios de noticiabilidade ou o que faz um fato ser notícia. Logo, não dá para
dizer que este é um texto noticioso, por mais que o uso do estilo jornalístico possa confundir o leitor.
Então, podemos entender, numa primeira acepção, que o texto jornalístico tem de privilegiar o conteúdo, que deve ser verídico e
checado. Mais do que isso: precisa ser feito para alguém. Você não escreve um texto noticioso para guardar na gaveta. O foco do
trabalho jornalístico é atender a uma comunidade que quer se informar. É para isso que serve o texto noticioso, escrito ou falado.
Nilson Lage resgata uma pequena história do contista argentino Julio Cortázar que explica isso:
[...] um homem comprou seu matutino predileto e o folheou no banco da praça, até perceber que, milagrosamente, ele se transformara em
um maço de papel. Deixou-o sobre o banco e, ali, tão logo um transeunte pôs-lhe os olhos em cima, o maço de papel, por milagre, voltou a
ser jornal. E assim aconteceu por várias vezes, até o fim do dia, quando o último personagem da história olhou o maço de papel e, distraído,
o pôs de lado, porque a metamorfose não mais ocorria e o jornal estava definitivamente condenado a ser um reles maço de papel. (Lage,
2005, p. 8)
O trecho do conto de Cortázar mostra que a produção do texto noticioso precisa ter como propósito servir ao seu público,
às pessoas que querem aquela notícia para se informar. Assim, escrevemos para alguém. E quando fazemos um texto jornalístico,
falamos para pessoas de diferentes níveis sociais, de escolaridade e de interesse.
Se não for o caso de um veículo especializado que fala para um público habituado a uma linguagem técnica ou específica, o
texto precisa ser claro o suficiente para ser entendido por todos. Não significa que é necessário nivelar o texto por baixo, mas,
quando o assunto é muito específico, o jornalista precisa “traduzir” os termos técnicos, econômicos, políticos, tecnológicos.
Para o jornalista e filósofo Antonio Gramsci, a imprensa é a escola dos adultos. Em uma época em que não havia tantas escolas e
faculdades, ele dizia que as informações repassadas pelos jornalistas deveriam educar, além de informar. Mesmo hoje, seremos
melhores jornalistas quanto mais pudermos ajudar as pessoas a esclarecer opiniões e a aprender com as notícias.
O ser humano é apaixonado por histórias desde que criou a linguagem e conseguiu se comunicar. Paixão por contar e ouvir.
Histórias nos atraem e são sempre um mercado promissor para quem vive delas. Filmes, novelas, livros e revistas estão sempre
contando histórias.
O jornalismo também vive de contar histórias, mas os jornalistas têm um estilo próprio para contar histórias, como
começamos a ver no tema anterior. Para entender como chegamos a esse estilo, vamos dar um passeio no passado para ver como a
contação de histórias evoluiu ao longo do tempo.
Em português, usava-se o termo história (do grego, historie) para definir algo real, do passado ou do presente, e estória para
ficção. Estória vem do inglês story, usado para qualquer narrativa, e history sempre se refere ao passado. A língua é viva e esses usos
ainda geram discussões. Nesta disciplina, vamos com a maioria dos linguistas e padronizar o uso por história.
Além de ótimos filósofos, os gregos eram grandes contadores de histórias. Depois de o homem passar milhares de anos
contando histórias de maneira oral, os gregos começaram a registrar suas criações. Uma das mais famosas é Ilíada, na qual Homero
conta em poemas a guerra entre Grécia e Troia. Em outra história, a Odisseia, ele relata a volta do herói Ulisses para a esposa,
Penélope.
Homero relatou a guerra quase quatro séculos depois de ela ter acontecido, com base nos relatos orais dos gregos que ouviram
a versão contada pelos pais e avós. Essa história está repleta de deuses e deusas que ajudaram um lado ou outro nessa guerra. Quer
dizer, há componentes de ficção e imaginário incluídos pelas pessoas nos relatos.
A Bíblia também é resultado de histórias orais e testemunhos de fatos. São, aproximadamente, 66 livros (dependendo da linha
religiosa) escritos por mais de 40 pessoas. Quatro deles, os evangelistas Lucas, João, Marcos e Mateus, falam sobre a mesma pessoa
e a mesma época, mas seus relatos são diferentes. Cada um escreveu o que julgava importante, um recorte da história.
Numa livre comparação, os evangelistas usavam os “óculos” usados hoje pelos jornalistas para contar histórias. Para o sociólogo
Pierre Bourdieu (1997), os jornalistas veem o mundo com “óculos” especiais, espécie de “filtro” que os faz ver e recortar os fatos
de uma forma específica para depois contá-los. Esses óculos levam o jornalista a enquadrar os fatos segundo sua visão de mundo ou
uma linha editorial, pondo em dúvida a objetividade jornalística. “As diferentes percepções sobre o que é ou não relevante, o que
deve ou não fazer parte da narração jornalística leva ao entendimento de que cada uma das escolhas induz a uma história diferente”
(Rech, 2018, p. 23).
As múltiplas possibilidades tornam um desafio cumprir as duas grandes funções enunciadoras do jornalismo: “fazer saber”,
utilizando um discurso que produz efeito real por meio de procedimentos de autenticação e estratégias de descrição, e “fazer
crer” com base em um pacto implícito do jornalista com o leitor, firmado em um compromisso de serviço com a verdade (Mouillaud;
Porto, 2002, p. 27 citado por Rech, 2018, p. 21). Neste esforço em busca de fazer o público saber e fazê-lo crer no relato, o trabalho
[...] vale-se de estratégias jornalísticas para transportar ao texto elementos do mundo não ficcional, de modo a criar uma representação da
realidade aceita como crença pelo enunciatário – ou leitor. É o que se pode chamar de realidade jornalística, que nada mais é do que uma
versão da realidade, ou seja, o modo como um determinado jornalista a representa. (Rech, 2018, p. 22)
Então, se o jornalista consegue fornecer apenas uma versão da realidade, dá para entender por que a objetividade jornalística
está sempre em xeque. Isso porque há diferentes percepções da realidade e do que jornalistas consideram relevante, o que nos leva
ao enquadramento das notícias.
Gaye Tuchman (1978) concluiu que o modo como as notícias são construídas determina a forma como a sociedade enxerga
a realidade, e não a realidade em si. Em 1974, Erving Goffman já havia notado que a realidade em si não é o fundamental, e sim a
forma como ela é interpretada. Antes, o psicólogo Gregory Bateson observara, em 1954, que as molduras são estruturas mentais que
nos permitem estabelecer as diferenças entre as coisas.
Para Goffman (2012), a experiência do indivíduo resulta do modo como enquadra a realidade à volta. Cada um constrói o real a
partir dos significados usados para decifrar e compreender o mundo, é subjetivo. “Goffman direciona suas reflexões para o quadro
(frame), um amplo conceito que, ao se distanciar da realidade produzida por amplos sistemas sociais, aproxima-se do aspecto
Imagine uma câmera fotográfica. Cada imagem é um frame, um recorte da realidade, que implica descarte de outras
possibilidades. Então, dentro de uma realidade mais ampla, o indivíduo seleciona os aspectos de uma parte que vai relatar e, a partir
O início do jornalismo foi marcado pelo uso do nariz de cera, parágrafo introdutório prolixo e cheio de floreio. O texto noticioso
era influenciado pela linguagem literária. Era o oposto do lide (lead), que responde a seis perguntas essenciais: o que, quem,
Em inglês, lead significa conduzir, ou seja, deve ser o condutor da narrativa jornalística (Rech, 2018). Essa estrutura textual tem
um propósito. Segundo Lage (2005, p. 73), a origem do lide é de natureza pragmática, “relacionada às condições da comunicação e à
intenção de torná-la eficaz”.
Segundo Genro Filho (2012), o The New York Times foi o primeiro a usar a estrutura do lide nos textos, na segunda metade do
século XIX. A técnica foi introduzida no Brasil em 1950 pelo jornalista Pompeu de Souza, no Diário Carioca (Rech, 2018). Mas para que
serve o lide?
A tese da pirâmide invertida quer ilustrar que a notícia caminha do “mais importante” para o “menos importante”. Há algo de verdadeiro
nisso. Do ponto de vista meramente descritivo, o lead, enquanto apreensão sintética da singularidade ou núcleo singular da informação,
encarna realmente o momento jornalístico mais importante. (Genro Filho, 2012, p. 201)
Estudiosos do jornalismo criticam a técnica da pirâmide invertida por acreditarem que ela informa o leitor apenas de forma
superficial (Rech, 2018). Contudo, há diferentes maneiras de narração, o que veremos a seguir.
Há três tipos textuais: descrição, narração e dissertação. E se fosse possível dar forma geométrica a cada um deles? Vamos
visualizar a cadência textual em que a parte mais importante de diferentes textos esteja associada a um objeto geométrico.
O conto O homem trocado, de Veríssimo, começa com um homem que acorda em uma cama de hospital, com uma enfermeira
ao lado. Ele pergunta como foi a cirurgia, ela responde que transcorreu tudo bem. Ele diz que estava
com medo, ela responde que não havia com o que se preocupar, pois não
O homem diz que, com ele, tudo sempre era um risco, desde que nasceu. E vai descrevendo alguns episódios, inclusive a troca
do seu nome no
enganava, fora preso por engano várias vezes. Nesse ponto, o texto transcorre para o desfecho, quando os dois personagens
começam a falar
sobre a cirurgia. A narrativa passa a discorrer sobre um novo engano
Saiba mais
Se você quer saber qual é o desfecho da história, leia o conto disponível no link a seguir:
VERÍSSIMO, L. F. O homem trocado. Conto brasileiro, 4 mar. 2020. Disponível em: <lhttps://contobrasileiro.com.br/o-home
m-trocado-cronica-de-luis-fernando-verissimo/> . Acesso em: 28 jul. 2020.
Se fôssemos representar essa história em uma figura geométrica, seria uma pirâmide, porque a principal parte está no fim do
texto, quando o homem descobre que houve um problema na cirurgia. É o ápice da narrativa, que vai ficando mais interessante e se
“alarga” no final. O formato seria uma pirâmide, porque começa pequeno e vai aumentando até chegar à grande revelação.
A narração é um texto que narra uma ação. Logo, tem uma cadência temporal, começo, meio e fim. O texto descritivo é aquele
que descreve algo ou uma situação. Já o dissertativo sempre defende uma ideia, e então é formado por introdução,
desenvolvimento e conclusão.
Poucos textos são puramente descritivos, que só descrevem. Em geral, a descrição enriquece um cenário a ser usado para contar
uma história (narração), ou defender um ponto de vista (dissertação). Veja esta descrição pura:
Você consegue identificar um momento mais importante do que outro? Há uma cadência temporal a ser respeitada para a cena
ter nexo? Invertendo a ordem das frases, muda o sentido? A cena surge igual em nossa mente. Então, o texto puramente descritivo
pode ser representado como um retângulo em pé. Não há um momento melhor que outro, nem um ápice na história.
Já o texto dissertativo, em geral, começa com a introdução ao assunto, expõe os argumentos e finaliza com a defesa. A parte
principal do texto é o meio, pois defende um ponto de vista. Então, dá para dizer que esse tipo de texto tem o formato de um
Até a chegada do lide, as narrações dos fatos noticiosos aconteciam em um formato cronológico, o nariz de cera. Veja a notícia
de 12 de novembro de 1958 do jornal Folha da Manhã, carregado desse estilo. Vamos ao texto:
Contrariando normas que haviam imposto seus predecessores Pio XII, Pio XI e Bento XV, o papa João XXIII não toma suas refeições sozinho à mesa. Hoje convidou
ao jantar o monsenhor Girolamo Bortignon, bispo de Pádua. Na noite de sua coroação, jantou com sua irmã e seus três irmãos, na sala de refeições de seu
apartamento particular no terceiro andar do Palácio Vaticano enquanto uma mesa para seus numerosos sobrinhos e sobrinhas era instalada em uma peça ao lado.
Os íntimos de João XXIII citam muitas vezes um traço característico do novo papa que teria afirmado que comer sozinho lhe era muito desagradável, pois sentia-se
O texto em nariz de cera pode ser representado graficamente como um nariz mesmo, porque segue uma ordem cronológica.
Começa com amenidades, coloca o principal do fato no meio do texto e termina com informações de menor valor. Ele também é
usado para se começar um texto de maneira mais leve, sobretudo em veículos menos factuais e mais analíticos, como as revistas.
A pirâmide invertida produziu uma grande mudança no texto jornalístico. Depois do que vimos, é fácil entender que o texto no
formato de pirâmide invertida terá o fato principal no começo e normalmente responde às perguntas básicas. Editando o texto do
papa acima, teríamos uma pirâmide invertida. Veja:
O papa João XXIII, na noite da sua coroação, quebrou o protocolo seguido pelos seus antecessores – que orientava que deveria fazer as refeições sozinho – e jantou
em companhia de seus irmãos e sobrinhos, no seu apartamento, no terceiro andar do Vaticano. Segundo amigos, o novo papa comentou que não concorda em
fazer as refeições sozinho, parecendo um seminarista que está sendo punido quando o faz.
Assim, na figura que estamos vendo acima, o lead (ou lide) seria o retângulo contornado de laranja que conteria as informações
mais importantes de todo o texto informativo.
Todo veículo de comunicação possui uma linha editorial. Às vezes, ela é explícita e norteia o trabalho de toda a equipe por meio
de um manual organizado que dita inclusive os vocábulos a serem usados. Outras vezes, ela é intuitiva, discutida no meio do
processo de produção, quando se ouve: “mas, será que isso é notícia para nós? Será que vale a pena cobrir?”.
A linha editorial está diretamente relacionada a posturas políticas, culturais e religiosas que determinam a lógica da produção de
notícias de uma empresa, os valores e a moral defendida por ela – ou por seus donos. Por mais que se pretenda que a objetividade e
a necessidade de se ouvir os dois lados de uma questão sejam o norte nas redações, há uma tendência de o enquadramento da
informação pender para o modo de pensar e de ver o mundo assumido pelos donos do jornal (Rech, 2018, p. 30).
Linha editorial nada mais é do que a identidade de um veículo de comunicação, que normalmente é composta pela aparência
(que já diz muito), pelo conteúdo, pelas escolhas e posicionamentos. Em um quadro comparativo, poderíamos simplificar desta
maneira:
A linha editorial do veículo influencia muito os critérios de noticiabilidade, uma das etapas do processo de produção dos
jornalistas. Mesmo que saibamos de maneira mais ou menos intuitiva o que seria ou não notícia para o veículo em que trabalhamos,
de 1 milhão de habitantes. Para o primeiro, uma feira de artesanato da cidade teria um espaço em que se explica quem vai expor,
entrevista-se alguns artesãos, descreve-se os produtos e é bem possível publicar mais de uma foto do evento.
Já uma feira de artesanato de uma cidade de 1 milhão de habitantes vai “competir” no site com assassinatos, acidentes de carro
ou visitas oficiais de políticos, entre outros fatos que chamam mais a atenção do público. Então, neste site, a feira teria uma nota
pequena na editoria de cotidiano, pois, na briga por espaço, ela seria menos importante dentro dos critérios de noticiabilidade.
A linha editorial influencia também a construção dos textos. Além da escolha dos assuntos (fatos que serão notícia), a maneira
como construímos o texto e como o organizamos na página do site ou jornal, a ordem da veiculação no telejornal ou radiojornal vai
As escolhas editoriais podem ser diferentes mesmo entre grandes grupos de comunicação. Veja as notícias reproduzidas a seguir
sobre o mesmo assunto.
A matéria da esquerda foi publicada às 8h31 do dia 15 de junho de 2020 no portal G1, pertencente às Organizações Globo. A
matéria da direita foi publicada às 8h30 do mesmo dia no site R7, do Grupo Record. Ambas notícias tratam da prisão de Sara
Giromini, conhecida ainda como Sara Winter. Note que o G1 usou uma foto dela portando armas, enquanto o R7 decidiu usar uma
imagem em que ela parece ser o centro das atenções.
No texto do R7, a gravata diz: “mandado foi expedido pelo ministro do STF Alexandre de Moraes a pedido da PGR (Procuradoria-
Geral da República). Há ordem para deter outras 5 pessoas” (Varandas; Saringer, 2020). Já no G1, diz: “extremista e outros integrantes
de movimento bolsonarista são suspeitos de crime contra a Lei de Segurança Nacional. Advogado diz que prisão é política. Mandado
foi autorizado pelo ministro do STF Alexandre de Moraes” (Falcão; Marques; Ortiz, 2020).
Foto e título expõem a diferença, que fica mais evidente nos vocábulos da gravata. No R7, Sara Winter é chamada de ativista,
enquanto no G1 o termo é extremista. O fato de ela ser defensora do presidente Jair Bolsonaro pesou nas escolhas editoriais. A
Record foi um dos grupos de mídia que passaram a receber mais verbas publicitárias oficiais quando Bolsonaro assumiu o governo,
enquanto a Globo perdeu participação (Santos, 2020).
As escolhas editoriais são movidas também de acordo com o público-alvo de cada veículo. Veja um exemplo disso nas capas de
duas edições aleatórias de dois jornais impressos: o extinto Notícias Populares e O Estado de S. Paulo.
Figura 7 – Capas
Crédito: Jornal Notícias Populares/Folhapress; Arquivo/Estadão Conteúdo.
Essas são algumas observações relacionadas à diferença no tratamento de um mesmo assunto, que pode ser determinado pela
linha editorial do veículo. Estamos falando de características internas da linha editorial, que são intrínsecas ao veículo, mas não tão
claras. Os tipos de letra, as cores, os espaçamentos, as decisões sobre que foto figura na capa, as manchetes, os assuntos, entre
outros aspectos, refletem a linha editorial de cada veículo de comunicação.
Um fato pode ter muitas versões, a depender de quem o relata, da sua visão de mundo, capacidade de apreender os
acontecimentos e valores morais, religiosos, ideológicos. Basta imaginar o resultado de uma matéria sobre aborto produzida por um
Todo texto jornalístico possui um enquadramento ou framing. Como vimos, a realidade em si não é o fundamental, mas sim a
forma como ela é interpretada. A experiência do indivíduo resulta do modo como enquadra a realidade à volta (Goffman, 2012),
assim, a maneira como as notícias são construídas determina a forma como a sociedade enxerga a realidade, e não a realidade em si
(Tuchman, 1978).
Cada um de nós constrói o real com base nos significados que usamos para decifrar e compreender o mundo, o que é subjetivo
colocando no mundo que vai descrever a moldura que lhe convém – ou ao veículo em que trabalha. A isso dá-se o nome de
enquadramento noticioso, ou seja, trata-se de como um acontecimento da vida cotidiana vai ser representado para leitores,
É preciso escolher uma cena, pois em uma matéria não se consegue dar conta do todo do fato. Assim, o jornalista sempre
recorta uma parte da cena para narrar. Esse recorte é feito por meio de escolhas influenciadas por diversas variáveis. Pode ser a
bagagem ideológica do jornalista, uma orientação do editor, um encaminhamento da linha editorial do veículo, ou, inclusive,
questões práticas que envolvem captação e checagem das informações.
Se olharmos os veículos de imprensa e suas produções, vamos perceber uma busca comum pelas mesmas informações, que
acabam figurando no texto final. É preciso responder ao lide, falar com as fontes oficiais envolvidas na situação ou, ainda, com os
personagens centrais dos fatos.
Há, ainda, um enquadramento que é mais ideológico, mais consciente e que pode ser perigoso para quem prometeu falar
sempre a verdade. O que nos fará dar determinado enquadramento, além das pressões externas, é a nossa posição política e nossas
crenças.
Veja estas duas capas de jornais populares sobre o impeachment da ex-presidenta Dilma Roussef, ocorrido em 2016. A manchete
“Arrasa, querida!”, traz um tom irônico, enquanto a manchete do Diário de S. Paulo, “PT nunca mais”, traz um posicionamento
político-ideológico em relação ao fato.
Manchetes como essas põem em xeque a objetividade jornalística, pois há um claro posicionamento em relação à queda da ex-
presidenta. “As duas capas têm algo em comum, embora tão diferentes: passam os limites do jornalismo imparcial e objetivo. O Meia
Hora, com humor que resvala a grosseria; e o Diário de S. Paulo com seu viés antipetista” (Rabinovici citado por Gonçalves, 2016).
Diante das escolhas editorais, na hora de construir um texto é importante estarmos atentos aos desvios que podemos ter, como
virar o rosto para o outro lado e ver somente o que queremos ver. Também há o enquadramento feito por mera escolha de espaço e
tempo nos veículos. No fim, todas as variáveis estão intrinsecamente ligadas e fica difícil vermos as diferenças ou qual delas está
forçando o enquadramento. Um bom começo é saber disso tudo e ficar atento.
TROCANDO IDEIAS
Que tal rever os temas centrais desta aula? Depois do que vimos, na sua opinião, qual seria a variável mais importante na
A linha editorial?
As crenças do jornalista?
A importância do fato para o público-alvo?
NA PRÁTICA
Você se lembra das duas notícias que expusemos no começo da nossa aula? Volte a elas e, depois de ler com atenção, tente
definir:
FINALIZANDO
Nesta aula, vimos conceitos úteis para nossos próximos passos. Falamos sobre o que é um texto noticioso, depois demos uma
passeada pela história das narrativas e do quanto temos ouvido e contado histórias. Depois, entendemos que alguns tipos de texto
podem ser representados por imagens geométricas e aprendemos que o texto jornalístico comum usa a pirâmide invertida como
estilo.
Por último, falamos sobre o que compõe a linha editorial de um veículo e ficamos sabendo o quanto essas características podem
influenciar a confecção da reportagem. Por fim, descobrimos que não dá para contar tudo que aconteceu em um fato no texto
noticioso, por isso, o jornalista sempre recorta – ou enquadra – uma parte da notícia. E isso não é feito sem algumas variáveis o
influenciarem.
REFERÊNCIAS
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antidemocráticos, em Brasília. G1, 15 de junho de 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/df/distrito-
G1 TRIÂNGULO MINEIRO. Homem é preso com mais de 370 kg de pasta base de cocaína em Uberlândia. G1, 25 de maio de
GOFFMAN, E. Os quadros da experiência social: uma perspectiva de análise. Petrópolis: Vozes. 2012.
GONÇALVES, V. Capas sobre impeachment geram reflexão de especialistas sobre qualidade do jornalismo. Portal Imprensa, 16 de
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