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BONS ESTUDOS!

O que é a robótica educacional e quais


são os ganhos para o aprendizado
No início dos anos 1960, a ideia de ter um computador pessoal a um preço
acessível não passava de ficção científica. Não é de espantar, portanto, que as
pessoas tenham rido quando, naquela época, o matemático americano Seymour
Papert sugeriu que os computadores fossem utilizados como ferramenta para
potencializar a aprendizagem e a criatividade das crianças. Influenciado pelas
ideias de Jean Piaget, com quem trabalhou na Universidade de Genebra, Papert
desenvolveu nos anos seguintes, como professor do Massachusetts Institute of
Technology (MIT), o construcionismo.

Assim como o construtivismo de Piaget, a teoria vê o aluno como construtor de seu conhecimento
por meio de descobertas, mas no caso do construcionismo o processo de aprendizagem ocorre por
meio da realização de uma ação concreta, que resulta em um produto palpável. Foi assim que, na
década de 1980, Papert criou a tartaruga de solo, um robô programado pela linguagem Logo –
também criada por ele de forma acessível a crianças –, que por meio do uso do computador pelos
alunos era capaz de desenhar diferentes figuras geométricas.

Para o matemático, também um dos fundadores do Laboratório de Inteligência Artificial do MIT, a


máquina é capaz de mudar a forma de aprender das crianças, considerando que ela se dá por meio
da criação, reflexão e depuração das ideias. Essa visão tem influenciado diversas escolas no Brasil e
incentivado a adoção de metodologias e disciplinas que trabalham esse processo de aprendizado,
como é o caso da robótica, ora tratada como meio de ensino, ora como um objeto de aprendizagem

No Liceu Franco-Brasileiro, no Rio de Janeiro, os alunos têm a robótica como curso extracurricular
a partir do 6º ano do ensino fundamental e como disciplina curricular no 8º e 9º anos. Um dos
objetivos da matéria é introduzir conceitos de física já no ensino fundamental e facilitar a
compreensão de conteúdos que serão abordados no ensino médio. “Os alunos veem a teoria em sala
de aula e depois vão ao laboratório construir um protótipo que a explicará na prática. Ao construir
um carro com a missão de fazê-lo andar em diferentes velocidades, os estudantes terão de aplicar a
fórmula de velocidade média”, exemplifica Rosângela Leri, professora de robótica do Liceu Franco-
Brasileiro.

Apesar de a robótica ser trabalhada principalmente com as disciplinas de física e matemática, a


docente afirma que ela é uma ciência multidisciplinar com potencial para desenvolver uma série de
habilidades. “Eles aprendem a organizar o raciocínio lógico, lidam com questões do trabalho em
grupo e estão sempre voltados a resolver um problema atual. São pequenos inventores”, analisa.

No Dia Mundial da Limpeza de Praias e Rios (20 de setembro), por exemplo, os alunos do Liceu
participaram de uma gincana ao lado de outras escolas cariocas, cuja meta era recolher a maior
quantidade de lixo deixado por banhistas. A solução encontrada pelos alunos mostrou como a
robótica pode servir aos mais diferentes propósitos, inclusive à preservação do meio ambiente.
Foram criados quatro robôs com peças de Lego, todos automatizados. “Levamos para o evento uma
esteira seletora para a separação do lixo, uma compactadora de copinhos, um carro coletor de lixo
com mecanismo de varredura, separação e sucção de lixo para depósito em caçamba e uma garra
para coleta de sacos plásticos e latas”, conta a docente.

Com a compreensão da versatilidade dessa ciência, Flávio Rodrigues Campos, doutor em educação
e pesquisador do uso da tecnologia e da robótica na educação, confirma que os educadores já não a
utilizam mais apenas com um único e exclusivo fim. “No início, as escolas criavam laboratórios
para o ensino de determinada matéria, mas nos últimos anos começaram a perceber que a robótica é
muito mais do que isso e criaram uma disciplina curricular para ela. O que se discute é: por que
devemos ficar focados apenas no ensino da área de ciências se a robótica é uma área
interdisciplinar? Por que não ensinamos tecnologia dentro do currículo, explicando, por exemplo,
como funciona um sensor, de que forma ele se comunica com a placa? Focar apenas um saber reduz
o alcance da aprendizagem e a possibilidade de investigação do aluno, uma vez que com a robótica
eu posso trabalhar matemática, engenharia, mecânica, artes, questões sociais, entre outros temas”,
ressalta.

Além do currículo

Sentados em roda, quatro adolescentes se debruçam sobre a bancada de um laboratório e, em meio a


fios, conectores, leds e sensores, pesquisam e debatem entre si como dar o passo seguinte no projeto
em que estão trabalhando. A cena acontece na escola Stance Dual, em São Paulo, onde alunos do 9º
ano do ensino fundamental desenvolvem um par de óculos com sensor de distância, a ser doado
para uma criança com deficiência visual. A ideia surgiu após os alunos participarem de um projeto
social promovido pela escola em parceria com uma instituição de assistência a deficientes visuais.

“Quisemos fazer algo diferente e que pudesse ajudar alguém. No começo, pensamos que seria
impossível, mas fomos pesquisando e descobrimos que era viável. Montamos um grupo com
pessoas que gostam de diferentes partes do trabalho, um que prefere montar, outro resolver
problemas, outro pesquisar”, conta Thiago Gava, um dos integrantes do grupo.

Na Stance Dual, o ensino de programação e dos princípios da robótica já é trabalhado no ensino


fundamental II há alguns anos, mas em 2015, com a reformulação do currículo de Tecnologias da
Informação e da Comunicação (TIC), as duas áreas foram unidas em projetos complementares e
que, juntos, atuam como ferramenta para a resolução de problemas. Os projetos de robótica não
estão atrelados a nenhuma disciplina específica, mas se relacionam com o currículo de maneira
informal. “A integração das áreas acontece naturalmente, uma vez que os alunos têm liberdade para
traçar a resolução do problema proposto. O aluno mesmo começa a perceber a
transdisciplinaridade”, aponta Juliana Caetano, professora de desenvolvimento de jogos.

Em uma viagem de estudo do meio, por exemplo, os alunos visitaram uma comunidade quilombola
que luta contra a instalação de uma usina hidrelétrica nas redondezas. Além de estudarem a produ&
ccedil;ão de energia e criarem um protótipo de uma usina hidrelétrica, os estudantes quiseram
discutir seu impacto no meio ambiente e para isso pesquisaram características geográficas da região,
a história da comunidade quilombola e apresentaram um vídeo sobre o tema. “Não dá para encarar
um problema sem esse olhar mais amplo”, acrescenta Juliana.

Na opinião de Rui Correa, professor de robótica, os alunos encontram na escola um espaço para
resolver problemas e conflitos, mas falta o momento de colocar a mão na massa. “Essa é uma
geração que consome muito, mas que não sabe modificar nada porque nunca lhe ensinaram como as
coisas funcionam. A partir do momento em que começo a questioná-los sobre como as tecnologias
funcionam, eles se interessam e passam de consumidores a produtores”, defende. Correa destaca
ainda que as necessidades básicas que o mercado de trabalho exige dessa nova geração são outras e
que há vagas na área de tecnologia que não são preenchidas por falta de pessoas qualificadas.

Autonomia e investigação

Outro ponto que professor acredita ser fundamental em suas aulas é a autonomia dada aos alunos.
“Eles se organizam em grupo para exercitar o trabalho colaborativo e nós os incentivamos a,
quando surgir uma dúvida ou problema, conversar antes com os colegas, buscar tutoriais e
informações na internet, construir juntos. O professor entra como mediador entre os alunos e a
ferramenta. Até porque muitas vezes eu também não sei e aprendo com eles. O formato tradicional
de aula não propicia isso”, ressalta.

Para Renata Violante, gerente de formação e monitoramento da Zoom Education for Life,
distribuidora exclusiva da Lego Education no Brasil, a robótica coloca o aluno no centro do
aprendizado. As atividades propostas no programa Zoom Educação Tecnológica buscam sempre
considerar os conhecimentos prévios dos alunos, propor situações-problema, estabelecer relação
entre os conteúdos trabalhados e a vida cotidiana e estimular reflexão. Já atendeu mais de 2 milhões
de alunos e está presente em mais de 5 mil escolas. “A metodologia que concretiza e articula todo
esse processo tem como foco o aprender fazendo, ou melhor, o aprender investigando a partir da
manipulação de objetos concretos, que é estruturada em quatro momentos”, explica. Esses
momentos são: o conectar, quando os alunos relacionam o tema da aula com exemplos reais do
cotidiano de modo a atribuir sentido ao que será construído; o construir, que diz respeito à etapa da
prototipagem; o analisar, quando os alunos analisam o que foi feito, e eles observam, comparam,
argumentam e aprofundam seus conhecimentos a fim de se tornarem capazes de explicar o
funcionamento do modelo e evidenciar a aprendizagem dos conteúdos; e o continuar, etapa em que
testam suas hipóteses, apresentando opiniões e ideias de soluções para o desafio proposto.

“Mais do que aprender nomes e definições, os estudantes de hoje necessitam desenvolver


competências e aprender a fazer; precisam adquirir habilidades que lhes possibilitem trabalhar em
equipe, planejar e executar projetos de trabalho, além de saber utilizar tecnologias de informação
para realizar registros e interpretar dados”, defende Renata.

Na visão do educador e pesquisador Flávio Rodrigues Campos, o papel do professor dentro de uma
metodologia como essa, de fato, não é o mesmo, uma vez que o docente não deve ser apenas
alguém que vai instruir. “O papel de facilitador e mediador é imperativo e isso não faz do educador
alguém menor, pois é ele quem vai poder regular a aprendizagem. O professor vai mediar conflitos
e dar o caminho do currículo que está sendo desenvolvido, mas ele não pode ir para essa aula com a
mente de quem detém o conhecimento, senão só vai reforçar que o aluno não é ativo no processo de
aprendizagem”, alerta.

Aprendizagem significativa para que o ensino da robótica seja de fato um diferencial na


aprendizagem do aluno e não apenas um discurso vazio sobre o uso da tecnologia no ambiente
escolar, Flávio ressalta que a escola tem de ter objetivos muito claros do que quer com essa
metodologia. “O gestor deve em primeiro lugar entender o que é a robótica e pesquisar que tipo de
recursos pode adquirir. Muitas vezes a tecnologia é vista como um otimizador do tempo, mas é
necessário pensar em uma carga horária que seja suficiente para o aluno construir e refletir. A
tecnologia não pode ser uma ferramenta para fazer o aluno aprender mais rápido; ela serve para dar
autonomia, emancipação e estimular a criatividade”, aponta.

Em relação ao material necessário, o educador explica que existem no mercado diversos kits
prontos de robótica, mas também é possível trabalhar com outros materiais, como a sucata, e montar
kits próprios para privilegiar a construção de projetos em que os alunos comecem a produção do
zero. “Mas, para isso, o professor deve ter conhecimento técnico e saber com quais materiais deve
trabalhar”, lembra.

Apesar da importância da formação técnica, Flávio ressalta que a formação pedagógica é essencial
para o professor refletir sobre o verdadeiro papel do ambiente escolar. “Não adianta adotar a
tecnologia sem uma mudança de postura pedagógica”, acredita. O educador argumenta também que
não adianta ter apenas um professor que entenda sobre robótica e tecnologia. “Assim ele vai
trabalhar isolado e é importante que os docentes tenham contato para explorar a
interdisciplinaridade e trocar experiências”, defende.

Renata Violante, da Zoom, concorda que o processo formativo do professor deve ser constante, pois
é ele que possibilita a apropriação das concepções e propostas didáticas desenvolvidas, o
crescimento profissional, bem como a contextualização da disciplina no projeto educativo de cada
escola. “A formação de professores envolve muitos aspectos, portanto é necessário considerar o
educador no contexto de sua atuação, com possibilidades e dificuldades que lhe são próprias. Diante
dessa realidade, é necessário também respeitar suas aprendizagens e sua autonomia.”

Para o professor Rui Correa, da Stance Dual, essa proposta deve estar inserida dentro da cultura
escolar. “Essa nova estrutura é orgânica e a cada ano tentamos nos integrar mais”, diz. Diante disso,
Flávio lembra que muitas escolas optam por oferecer a robótica apenas como curso extracurricular,
mas, em sua opinião essa decisão acaba segregando os alunos e tirando daqueles que não têm um
interesse prévio pela área a oportunidade de aprender diferentes saberes. “A robótica foi feita para
todos. Se for oferecida no currículo e todos entrarem em contato com a área, aqueles que tiverem
mais afinidade poderão se aprofundar em um curso extracurricular”, sugere. Por isso, o educador
acredita que o segredo é olhar mais para o aluno. “Se não fizer isso, a robótica pode apenas reforçar
o modelo de aula tradicional”, opina.

Fonte: https://revistaeducacao.com.br/

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