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Notícia disponível em: https://mantan-web.jp/article/20210718dog00m200019000c.html Acesso em:
20 jul.,2021
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A narrativa de One Piece é dividida em arcos, onde o grupo protagonista se vê de frente a um objetivo
específico a ser cumprido, geralmente com um grande vilão principal.
claramente a povos ameríndios. Seu território era frequentemente alvo de tentativas de
invasão por piratas e exploradores, porém os guerreiros shandians sempre os
expulsavam. Um explorador em específico, Noland, criou laços de amizade com o povo
após ajudar a trata-los de uma doença epidêmica. Ao voltar à sua ilha de origem, Lvneel,
Noland relatou suas viagens ao rei, inclusive sobre a cidade antiga de Shandora,
protegida pelos shandians e toda banhada em ouro. Porém, quando retornou à Jaya
acompanhado de todo o exército real, parte da ilha havia desaparecido. Shandora foi
arremessada aos céus pelo fenômeno marítimo “Knock Up Stream” e foi anexada a
Skypiea, uma ilha do céu. Noland, taxado como mentiroso, foi executado pelo governo
de seu reino.
De certo, podemos identificar neste arco narrativo diversos reflexos do
imaginário coletivo construído pelo Ocidente acerca dos povos mesoamericanos e
também sobre os processos coloniais. Porém, tratando-se de uma obra japonesa, cabe
ponderar se tais representações apenas reproduzem a clássica visão colonialista
ocidental ou se há a criação de um imaginário próprio ao Oriente.
Portanto, tendo como objetivo entender a disseminação, reprodução e eventual
ressignificação desse imaginário pelo Oriente, serão analisadas representações
imagéticas no mangá (arquitetura, caracterizações), bem como referências feitas a
divindades e rituais religiosos, passando também pela representação da figura do
explorador e do conquistador. Tal análise compreenderá os volumes 25 a 32 (capítulos
227 a 305) do mangá One Piece. A análise também será embasada e respaldada em
pesquisa bibliográfica e historiográfica.
Referências imagéticas
Figura 1: Shandora em 1122. Colorido digitalmente. One Piece, Vol. 31, Cap. 290.
3
Governante da parte sul da Confederação Muísca.
4
FREYLE, J. R. El Carnero. VALENZUELA, D. A. (ed.). 10. ed. Caracas: Fundacion Biblioteca Ayacuch, 1979.
592 p. ISBN 9788466000253. E-book.
Gonzalo de Quesada e Diego de Ordaz5 são alguns dos muitos que partiram a procura de
um “El Dorado”. Com o aumento da busca por grandes quantias de ouro durante o
século XVI, a lenda foi se multiplicando. De um rei dourado, passou a se referir a uma
cidade dourada perdida dentro das florestas. Outras lendas sobre cidades de ouro
também surgiam no mesmo contexto: as Sete Cidades de Cibola; Paititi; Cidade dos
Césares; Lago Parime; Antilia; e Quivira.
De fato, uma cidade feita de ouro nunca foi encontrada, porém as explorações
tiveram seus frutos para os invasores espanhóis, que chegavam a encontrar os seus
desejados tesouros: ouro, prata e a dominação de territórios continente a dentro.
Inclusive, a Francisco de Orellana, citado acima, foi atribuída a descoberta do Rio
Amazonas.6
Enfim, lendas derivadas de El Dorado influenciaram por séculos a exploração e
invasão do continente americano e o massacre de seus povos originários. Tal mitologia
penetrou tão fundo no imaginário ocidental que ainda se faz presente no
contemporâneo, principalmente nas mídias de entretenimento. O maior exemplo que
pode ser dado é o filme de animação “O Caminho para El Dorado”, de 2000.
Porém, considerando a nacionalidade do autor, temos um exemplo ainda melhor
para a possível influência de Shandora: a animação franco-japonesa “As Misteriosas
Cidades de Ouro”7. A série foi exibida originalmente no Japão entre 1982 e 1983 8,
quando Eiichiro Oda tinha entre 7 e 8 anos de idade. É muito provável que, enquanto
criança, o autor de One Piece tenha sido impactado pela animação e assim, começado a
ser influenciado por um imaginário a respeito da América Latina construído por visões
ocidentais e orientais.
Arquitetura
5
Ordaz foi um dos primeiros a buscar por ouro na América do Sul, realizando missões desde 1531.
6
HILBERT, P. P.; HILBERT, K.. Um rio para o El Dorado. 1. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005. 204 p. ISBN
9788574305035. E-book.
7
A animação é uma adaptação do romance de Scott O’Dell “The King’s Fifth”, uma “ficção histórica”
sobre o “descobrimento” da América.
8
A série foi transmitida pela NHK, a maior emissora pública do Japão.
pois é evidente que era uma escrita específica dos Shandorians, já que é diferente dos
“poneglyphs”9, a representação mais recorrente de uma escrita “hieroglífica” na obra.
Figura 2: Ruínas de Shandora em 1522. One Piece, Vol. 29, Cap. 268. Figura 3: Templo em Tikal.10
Figura 4: Glifos em Shandora. One Piece, Vol. 28, Cap. 264. Figura 5: Glifos maias.11
Nas figuras acima, e em diversos outros quadros do mangá, podem ser notadas
as claras semelhanças da arquitetura geral de Shandora com as de cidades
mesoamericanas como Teotihuacan, Tula Xicocotitlan, Chichén Itzá, entre outras. Um
paralelo também pode ser feito com Machu Picchu se, pensando em sua localização de
elevada altitude, considerá-la uma “cidade nas nuvens”.
Analisando as construções de Shandora e das cidades mesoamericanas, nota-se
uma grande atenção do autor a detalhes arquitetônicos específicos. As estátuas de
guerreiros, presentes na figura 6, podem ter sido inspiradas nos “atlantes” presentes em
Tula, construídos pelos toltecas. Esses atlantes serviam como as colunas de sustentação
do Templo da Estrela da Manhã e as pessoas representadas nas figuras seriam reis e
altos funcionários do Estado Tolteca.12
9
Poneglyphs são grandes e resistentes blocos de pedra, produzidos por um povo do Século Perdido.
10
Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Tikal_Temple1_2006_08_11.JPG Acesso em: 14
jul. 2021
11
Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Palenque_glyphs-edit1.jpg Acesso em: 14
jul.2021
12
BERNARDES, A. G. M. Urbanismo Mesoamericano Pré-Colombiano: Teotihuacán. Orientador: Prof.
Dra. Betina Schürmann. 2008. 166 p. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) -
Figura 6: Ruínas de Shandora em 1522. One Piece, Vol. 29, Cap. 268. Figura 7: Atlante de Tula13
No episódio 174 do anime de One Piece, que conta com cenas estendidas do
capítulo 265 do mangá, é mostrada uma figura praticamente igual às que estão presentes
na Pirâmide de Quetzalcóatl e em outras construções de Teotihuacan. As estruturas
ornamentais são em referência à divindade homônima ao templo: Quetzalcóatl,
frequentemente representado por uma serpente coberta em plumas. O culto a esta
divindade tinha base em Teotihuacan e se espalhou por praticamente toda a
mesoamérica.
Figura 10: Kashigami. One Piece, vol. 31, cap. 287. Figura 11: Quetzalcóatl no Códice Telleriano Remensis.21
A figura do explorador-conquistador
19
BLANCO, A. L. Hernán Cortez e Montezuma - mentalidades influenciadas pelo sistema coletivo. UFRRJ.
20
NAVARRO, A.G. Armas, templos e guerra: a natureza bélica do culto a Quetzalcóatl na Mesoamérica.
Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 72: 165-176, 2002.
21
Disponível em: http://www.famsi.org/research/loubat/Telleriano-Remensis/thumbs2.html
22
Explorador suíço que escrevia sobre suas viagens à Australásia, porém era visto como um mentiroso.
23
Mustafa Azemmouri, o primeiro berbere a explorar a América do Norte. Possuía conhecimentos
médicos e chegou a auxiliar populações nativas. Teria conhecido a cidade lendária Cibola porém, ao
procura-la novamente, não pode localiza-la.
Acham mesmo que Deus fica feliz com isso? Para nós, esse ritual é
um enorme insulto! [...] Não posso aceitar um ritual como esse, que
insulta a memória dos grandes homens do passado! Sim, isso é um
insulto a todos os exploradores e pesquisadores que se lançaram ao
mar na esperança de trazer progresso à humanidade! (One Piece Vol.
31, Cap. 288, pgs. 51 e 52)
Após isso, Noland confronta Calgara, o líder guerreiro dos shandians, e ao final
do conflito é dada a ele a chance de curar a doença que assolava a tribo. Ao ver que a
epidemia foi realmente curada, Calgara cria amizade com Noland, perdoando-o pela
morte de seu deus e levando-o para a cidade dourada de Shandora.
Assim, vemos como se reproduz a imagem construída pelo imaginário ocidental
a respeito de um explorador que carrega apenas boas intenções, aquele que quer apenas
conhecer o mundo e levar conhecimento e progresso às eventuais civilizações
aculturadas que encontre em suas viagens. O nativo aqui é tratado como alguém que
oferece resistência violenta apenas num primeiro momento e que, ao experimentar um
pouco de “progresso”, logo é apaziguado.
O conquistador “maléfico” é representado pelo rei de Lvneel, aquele que se
sentiu atraído pela história de Noland por conta das imensas quantidades de ouro
protegida pelos nativos. O rei mobilizou grande parte do exército real para chegar em
Jaya e saquear o ouro de Shandora. O saque não aconteceu graças ao fato de que parte
da ilha havia sido lançada ao céu. Acreditando ter sido enganado, o rei sentenciou
Noland à morte. Com o passar dos séculos, Noland virou apenas uma história infantil
sobre um “mentiroso”. Consolida-se assim em One Piece um imaginário sobre a figura
de um explorador-conquistador que não causa nenhum mal ao povo nativo, apenas os
apresenta ao progresso.
Outro aspecto interessante de se comentar é a relação estabelecida pelos
skypieans com o pedaço de terra (onde está Shandora) que foi lançado aos céus. Já que
as ilhas do céu têm nuvens como seu “solo”, a terra (ou vearth, como é chamado por
eles) era algo inexistente por lá. Quando se deparam com este pedaço de ilha do Mar
Azul, os nativos de Skypiea ficam maravilhados e acabam expulsando os shandians de
sua terra natal. A força governante de Skypiea passa a habitar a terra e a torna um local
sagrado, agora conhecido como Upper Yard. Apenas o exército de “Deus” pode pisar na
Terra Sagrada, proibida aos cidadãos comuns de Skypiea e ainda mais aos shandians
expulsos.
Percebem-se nessa relação paralelos com o imaginário acerca dos processos
coloniais: conquistadores justificando a dominação a partir de uma desculpa religiosa;
nativos sendo expulsos de sua terra, obrigados a resistir por séculos; a exploração de
recursos naturais.
Conclusão
Referências bibliográficas
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http://journals.cambridge.org/abstract_S0956536108000291. Acesso em: 14 jul. 2021.