Você está na página 1de 7

CAPÍTULO

tras regiões, contavam­se histórias de um deus


ou cultura superior. Não há, porém, longos ciclos
religiosos padronizados em torno de uma divin­

1
dade suprema. Os equivalentes mais próximos
das narrativas espirituais do Velho Mundo seriam
relatos das iniciações e viagens dos xamãs. Fora
isso, há histórias sobre heróis culturais, como o
Ma­na­bozho, da tribo Ojibwa, ou o Coyote, da tribo
PERÍODO INICIAL E Navajo. A esses trapaceiros são dados dierentes
COLONIAL ATÉ 1776 graus de respeito. Numa lenda, podem agir como
heróis, enquanto que noutra, poderão parecer

A
literatura americana se inicia com a trans­ egoístas ou tolos. Embora autoridades do passado,
missão oral dos mitos, lendas, histórias como o suíço Carl Jung, tenham desaprovado
e letras (sempre canções) das culturas histórias sobre trapaceiros, tachando­as de expres­
indígenas. Não havia literatura escrita nas mais de sões do lado inerior e amoral da psique, outros
500 dierentes línguas indígenas e culturas tribais estudiosos contemporâneos — alguns, índios ame­
da América do Norte antes da chegada dos pri­ ricanos — ressaltam que Ulisses e Prometeu, heróis
meiros europeus. Como resultado, a literatura oral reverenciados pelos gregos, eram, em essência,
dos americanos nativos é bem diversicada. As trapaceiros também.
narrativas de culturas caçadoras quase nômades, Exemplos de quase todo gênero oral podem
como os Navajo, dierem das histórias contadas ser encontrados na literatura indígena americana:
por tribos agrícolas, como os Acoma, que viviam letras de canções, cânticos, mitos, contos de ada,
em pueblos (aldeias). Histórias dos habitantes anedotas, encantamentos, enigmas, provérbios, épi­
dos lagos do Norte, como os Ojibwa, muitas vezes cos e lendas. São muitos os registros de migrações
dierem radicalmente das contadas por tribos do e de ancestrais, bem como cantos de visões e de
deserto, como os Hopi. cura e lendas sobre trapaceiros. Algumas histórias
As tribos mantinham sua própria religião — ado­ da criação são particularmente populares. Numa
ravam deuses, animais, plantas ou pessoas sagra­ das mais conhecidas, contada em várias tribos
das. Os sistemas de governo incluíam democracias, com variações, uma tartaruga sustenta o mundo.
conselhos de anciãos e até teocracias. Essas varia­ Numa versão Cheyenne da lenda, o criador Maheo
ções tribais aparecem também na literatura oral. tem quatro chances para modelar o mundo a partir
Mesmo assim, é possível azer algumas gene­ de um universo aquoso. Ele manda quatro aves
ralizações. As histórias indígenas, por exemplo, aquáticas mergulharem para tentar trazer terra do
brilham com reverências à natureza como mãe undo. O ganso da neve, o mergulhão­do­norte e o
espiritual e ísica. A natureza está viva e dotada pato selvagem voam até bem alto e depois mergu­
de orças espirituais; os principais personagens lham, sem conseguir alcançar o undo; o pequeno
podem ser animais ou plantas ou reqüentemente galeirão, contudo, que não pode voar, consegue
totens associados a tribos, a grupos ou indivíduos. trazer um pouco de lama em seu bico. Apenas uma
Na literatura americana mais recente, o que mais se criatura, a humilde Vovó Tartaruga, possui as ormas
aproxima do sentido sagrado indígena é a “Over- necessárias para sustentar o mundo de lama que
Soul” [Sobre­Alma] transcendental de Ralph Waldo Maheo orma sobre seu casco — por isso o nome
Emerson, que permeia toda vida. indígena para a América, ‘Ilha da Tartaruga’.
As tribos mexicanas reverenciavam o divino As canções ou poesias, como as narrativas, vão
Quetzalcoatl, deus dos toltecas e astecas e, nou­ do sagrado ao leve e humorístico: há cantigas de

5
ninar, cantos de guerra, canções de amor e canções e Montreal.
especiais para jogos inantis, jogos de azar, várias Porém, os primeiros exploradores da América
tareas, cerimônias de magia ou de dança. Em geral, não oram ingleses, espanhóis ou ranceses. O pri­
são canções repetitivas. Curtas canções­poema meiro registro europeu de exploração da América
recebidas em sonhos podem às vezes transmitir as está numa língua escandinava. Vinland­Saga­[A Saga
imagens claras e o clima sutil associados ao haicai de Vinland] conta como Lei Eriksson e um bando
japonês ou à poesia imagística infuenciada pelo de nórdicos errantes se xaram brevemente na costa
Oriente. Uma canção Chippewa diz: nordeste da América — talvez na Nova Escócia, no
Canadá — na primeira década do século 11, quase
Pensei que osse um mergulhão 400 anos antes da próxima descoberta européia
Mas era o remo registrada do Novo Mundo.
do meu amor O primeiro contato conhecido continuado entre a
batendo na água. América e o resto do mundo começou, porém, com
a amosa viagem do explorador italiano, Cristóvão
Canções de visões, bem curtas, são outra orma Colombo, nanciada pelos reis espanhóis, Fernão e
característica. Aparecendo em sonhos ou visões, Isabela. “Epístola”, o diário de Colombo, publicado
às vezes sem aviso, podem ser canções de cura, em 1493, conta o drama da viagem — o terror dos
caça ou de amor. Muitas vezes são pessoais, como homens, que temiam monstros marinhos ou cair da
neste canto Modoc: borda do mundo; o quase motim; como Colombo
alterou os diários de bordo para que os homens
Eu não soubessem quão longe tinham viajado além
o canto de qualquer outro; e a primeira visão da terra, ao
eu caminho aqui. chegarem à América.
Bartolomé de las Casas é a mais rica onte de
A tradição oral indígena e sua relação com a inormação sobre os primeiros contatos entre ín­
literatura americana como um todo é um dos temas dios americanos e europeus. Como jovem padre,
mais ricos e menos explorados nos estudos ameri­ ele ajudou a conquistar Cuba, transcreveu o diário
canos. A contribuição dos índios à América é maior de Colombo e, já no m de sua vida, produziu a
do que se supõe. As centenas de palavras indígenas extensa e vivaz History­o­the­Indians [História dos
incorporadas ao inglês incluem ‘canoe’ [canoa], Índios], que critica a escravização dos índios pelos
‘tobac­­co’ [tabaco], ‘potato’ [batata], ‘moc­casin’ espanhóis.
[mocassim], ‘moose’ [alce], ‘persimmon’ [caqui], As tentativas inglesas iniciais de colonização o­
‘racoon’ [guaxinim], ‘tomahawk’ [machadinha] e ram desastrosas. A primeira colônia oi undada em
“totem”. A literatura americana indígena contem­ 1585, em Roanoke, no litoral da Carolina do Norte;
porânea, discutida no capítulo 8, também contém os colonos desapareceram e até hoje contam­se
obras de grande beleza. lendas sobre índios Croatans de olhos azuis, naquela
região. Durou mais a segunda colônia: Jamestown,
A LITERATURA DE EXPLORAÇÃO undada em 1607. Resistiu à ome, à brutalidade e

S
e a história tivesse seguido outro rumo, os ao mau governo. A literatura da época, entretanto,
Estados Unidos poderiam acilmente ter sido pinta a América com cores vibrantes, como a terra
parte dos grandes impérios da Espanha ou das riquezas e oportunidades. Relatos das coloniza­
França. Seus habitantes poderiam alar espanhol ções tornaram­se mundial mente conhecidos.
e ormar uma nação com o México ou rancês e A exploração do Roanoke oi cuidadosamente
unir­se aos rancóonos canadenses de Quebec registrada por Thomas Hariot em A­Brie­and­True
­
6
­ Report­ o­ the­ New-Found­ Land­ o­ Virginia [Um O PERÍODO COLONIAL
Breve e Verdadeiro Relatório sobre a Terra Recém­ NA NOVA INGLATERRA

T
Descoberta da Virgínia]­(1588). O livro de Hariot alvez não tenha havido na história mun­
logo oi traduzido para o latim, rancês e alemão; o dial outro grupo de colonos tão intelec­
texto e as ilustrações, transormados em gravuras, tualizados quanto os Puritanos. Entre 1630
oram reproduzidos por mais de 200 anos. e 1690, havia tan tos colonos diplomados em
O principal relato da colônia de Jamestown, os universidades no nordeste dos Estados Unidos,
escritos do Capitão John Smith, um de seus líderes, na região da Nova Inglaterra, quanto no país mãe
é o oposto do trabalho preciso e cientíco de Hariot. — ato notável, considerando­se que a maioria das
Smith, romântico incorrigível, parece ter foreado pessoas educadas da época eram aristocratas
suas aventuras. A ele devemos a amosa estória da pouco dispostos a arriscar suas vidas em con­
jovem índia Pocahontas. Fato ou cção, ela está dições primitivas. Os Puritanos autodidatas, que
arraigada no imaginário histórico americano. A len­ venceram por seus próprios méritos, constituíam
da conta como Pocahontas, lha predileta do Chee notável exceção. Eles queriam a educação para
Powhatan, salvou a vida do Capitão Smith enquanto compreender e executar a vontade de Deus no
prisioneiro do chee. Mais tarde, quando os ingle­ processo de colonização da Nova Inglaterra.
ses persuadiram Powhatan a entregar Pocahontas A denição puritana de boa leitura era aquela
como reém, sua suavidade, inteligência e beleza que transmitia a plena consciência da importân­
impressionaram os ingleses. Em 1614, casou­se com cia de se adorar a Deus e os perigos espirituais
John Role, cavalheiro inglês, o que deu início a um enrentados pela alma na Terra. O estilo puritano
período de paz de oito anos entre colonos e índios, variava muito — da poesia metaísica e complexa
assegurando a sobrevivência da nova colônia. até diários caseiros e relatos históricos religiosos
No século 17, piratas, aventureiros e explo­ tremendamente pedantes. Mas a despeito do
radores abriram caminho para uma nova onda de estilo ou gênero, certos temas eram constantes.
colonos permanentes, que traziam suas amílias, A vida era vista como prova; o racasso levava
implementos agrícolas e erramentas de artesãos. à condenação eterna e ao ogo do inerno e o
A literatura inicial da exploração, ormada por sucesso, recompensado com o êxtase celestial.
diários, cartas, relatos de viagens, diários de O mundo era a arena de combate constante entre
bordo e relatórios aos nanciadores dos colonos as orças de Deus e as hostes de Satanás, inimigo
— governantes europeus ou, no caso da Inglaterra terrível com vários disarces. Muitos Puritanos
e da Holanda mercantilistas, instituições societá­ aguardavam ansiosamente a chegada do “milênio”,
rias — oi, aos poucos, substituída por relatos dos quando Jesus voltaria à Terra, acabaria com a
próprios colonos. Como a Inglaterra acabou por miséria humana e inauguraria 1000 anos de paz e
apoderar­se das colônias da América do Norte, prosperidade.
a literatura mais conhecida e documentada é a Os estudiosos vêm, há muito, mostrando a
inglesa. Como a literatura das minorias ameri­ ligação entre o puritanismo e o capitalismo: ambos
canas ainda foresce no século 20 e a sociedade undamentam­se na ambição, no trabalho árduo e
americana torna­se cada vez mais multicultural, na busca incessante do sucesso. Embora, individual­
os estudiosos estão redescobrindo a importância mente, os Puritanos não pudessem saber, em termos
de sua herança cultural mista. Embora a literatura teológicos, se estavam ‘salvos’ e portanto entre os
americana passe agora a concentrar­se nos relatos eleitos ao paraíso, eles tendiam a sentir que o suces­
ingleses, é importante reconhecer seus primórdios so terreno era sinal de eleição. Riqueza e status não
ricamente cosmopolitas. eram almejados por si sós, mas como rearmação
de saúde espiritual e promessa de vida eterna.

7
Pintura, cortesia da Smithsonian Institution

The First Thanksgiving” [O Primeiro Dia de Ação de Graças], quadro de J.L.G. Ferris, retrata os primeiros colonos
americanos e os americanos nativos celebrando uma colheita abundante.

Além disso, o conceito de consciência admi­ ‘da aliança’ (cove­nant­ed) — que juravam lealdade
nistrativa estimulava o sucesso. Os Puritanos ao grupo e não ao Rei. Considerados traidores do
interpretavam todas as coisas e eventos como reino e hereges condenados ao inerno, eram muito
símbolos de um signicado espiritual mais pro­ perseguidos. Sua separação os levou nalmente ao
undo e sentiam que, ao promover seu próprio Novo Mundo.
lucro e o bem­estar de sua comunidade, estavam
também levando avante os planos de Deus. Não William­Bradord­(1590­-­1657)
distinguiam as eseras secular e religiosa: toda a Logo após a chegada dos Separatistas, William
vida era expressão da vontade divina — crença que Bradord oi eleito governador de Plymouth, na
renasce no Transcendentalismo. Colônia de Massachusetts Bay. Era extremamente
Ao registrar os eventos comuns para revelar seu piedoso, autodidata, tendo aprendido muitas línguas,
signicado espiritual, os Puritanos muitas vezes até o hebraico, para poder “ver com os próprios olhos
citavam a Bíblia, capítulo e versículo. A história os antigos oráculos de Deus em sua beleza original.”
era um panorama religioso simbólico que levava Seu papel na migração para a Holanda e na viagem
ao triuno Puritano no Novo Mundo e ao Reino dos do May­ower para Plymouth e seu trabalho como
Céus na Terra. governador o tornavam pereito para ser o primeiro
Os primeiros Puritanos da Nova Inglaterra exem­ historiador de sua colônia. Sua história, O­Plymouth­
plicavam a seriedade do Cristianismo Reormado. Plantation [Sobre a Colônia de Plymouth] (1651)
Conhecidos como ‘Peregrinos’, eram um pequeno descreve com clareza e ascínio os primórdios da
grupo de éis que migrou da Inglaterra para a colônia. Sua descrição da primeira visão da América
Holanda — amosa desde aquela época pela tole­ az juz à ama:
rância religiosa — em 1608, época de perseguições. Tendo atravessado o vasto oceano e um mar de di­
Como a maioria dos Puritanos, interpretavam a culdades... agora não tinham amigos para acolhê­los
Bíblia literalmente. Liam e agiam com base na Se­ nem hospedarias para distrair ou descansar seus
gunda Epístola aos Coríntios — “Saia do meio deles e corpos castigados pelo tempo; nem casas e muito
que separado, disse o Senhor.” Desiludidos quanto menos cidades para onde ir, para buscar auxílio...
a puricar a Igreja da Inglaterra de dentro para ora, bárbaros selvagens... estavam mais dispostos a
os ‘Separatistas’ ormaram igrejas clandestinas —
8
cobri­los de echadas. Como era inverno e aqueles Up­in­America [A Décima Musa Recém­Surgida na
que conhecem o inverno desse país sabem que são América] (1650) revela a infuência de Edmund
rigorosos e violentos, sujeitos a tempestades cruéis Spenser, Philip Sidney e outros poetas ingleses.
e erozes... todos os enrentavam com a ace crestada Recorria com reqüência a conceitos elaborados
pelas intempéries e o país inteiro, cheio de forestas e ou a metáoras dilatadas. “To­My­Dear­and­Loving­
matagais, se mostrava com um ar selvagem e bravio. Husband” [Para Meu Querido e Amoroso Marido]

B
(1678) usa imagens orientais, o tema do amor e a
radord também registrou o primeiro técnica da comparação, muito popular na Europa
documento de autogoverno colonial no da época. No nal, a autora reveste seu poema de
Novo Mundo inglês, o Mayower­Compact­ um sentido piedoso:
[Acordo de Mayfower], elaborado enquanto os
peregrinos ainda estavam à bordo do navio. O Se algum dia dois oram um, então certamente nós.
acordo era precursor da Declaração de Indepen­ Se algum dia um homem oi amado pela esposa,
dência que viria um século e meio depois. então você;
Os Puritanos reprovavam as diversões seculares Se alguma mulher já oi eliz com um homem,
como dança e jogo de cartas, que associavam Comparem­se comigo, ó mulheres, se puderem.
ao estilo de vida ímpio e imoral dos aristocratas. Prezo seu amor mais do que minas inteiras de ouro
Escrever ou ler livros “leves” caia na mesma cate­ Ou todas as riquezas que o Oriente possui.
goria. As mentes puritanas dedicavam suas ener­ Meu amor é tanto, que rios não podem saciá­lo,
gias a gêneros piedosos e alheios à cção: poesia, Nada além do seu amor pode dar recompensa.
sermões, textos teológicos e relatos históricos. Seu amor é tal, que nada posso para retribuí­lo,
Seus diários e meditações íntimas registram a rique­ Rogo aos céus que lhe paguem em dobro.
za da vida interior dessas pessoas introspectivas e Então, enquanto vivermos, perseveremos no amor
intensas. Para, quando já não vivermos, vivermos sempre.

Anne­Bradstreet­­(c.­1612­-­1672) Edward­Taylor­(c.­1644­-­1729)
O primeiro livro de poesias publicado por um Como Anne Bradstreet, e, de ato, como quase
americano oi também o primeiro livro americano todos os primeiros escritores da Nova Inglaterra, o
publicado por uma mulher — Anne Bradstreet. Não intenso e brilhante poeta e ministro Edward Taylor
é surpresa que tenha sido impresso na Inglaterra, nasceu na Inglaterra. Filho de um pequeno proprie­
dada a alta de prensas tipográcas nos primórdios tário rural — agricultor independente, dono de suas
das colônias americanas. Nascida e educada na terras — Taylor oi um proessor que preeriu vir para
Inglaterra, Anne Bradstreet era lha do adminis­ a Nova Inglaterra em 1688 a azer o juramento de leal­
trador da propriedade de um conde. Emigrou dade à Igreja da Inglaterra. Ele estudou no Har­vard­
com sua amília aos 18 anos. Seu marido tornou­se College e, como a maioria dos clérigos treinados em
governador da Colônia de Massachusetts Bay, que Harvard, conhecia grego, latim e hebraico. Altruísta
ormaria mais tarde a grande cidade de Boston. e piedoso, Taylor agiu como missionário juntos aos
Ela preeria seus longos poemas religiosos, sobre colonos quando aceitou a posição vitalícia de pastor
temas convencionais, como as estações, embora em Westeld, Massachusetts, cidade de ronteira 160
os leitores de hoje apreciem mais seus poemas quilômetros adentro de forestas echadas. Taylor era
curtos e espirituosos sobre a vida cotidiana e suas o mais culto da região e usou sua educação para
poesias calorosas e amorosas dedicadas ao marido servir como pastor, médico e líder cívico da cidade.
e aos lhos. Ela se inspirava na poesia metaísica Modesto, piedoso e trabalhador, Taylor nunca
inglesa e seu livro The­Tenth­Muse­Lately­Sprung­ publicou suas poesias, que oram descobertas por

9
volta de 1930. Ele certamente creditaria a descoberta metaísica da América protestante ainda não oi
à providência divina; os leitores de hoje devem ser exaurida.)

C
gratos pela existência de seus poemas — os melhores omo quase toda a literatura colonial, os pri­
exemplares da poesia do século 17 na América do meiros poemas da Nova Inglaterra imitam
Norte. a orma e técnica do país mãe, embora a
Taylor escreveu várias obras poéticas: elegias paixão religiosa e citações reqüentes de passa­
unerárias, poemas líricos, um “debate” medieval gens bíblicas, além do novo cenário, dêem a eles
e o Metrical­History­o­Christianity [História Métrica identidade especial. Os autores isolados do Novo
da Cristandade] de 500 páginas (uma história de Mundo viveram antes do advento dos transportes
mártires). Sua melhor obra, na opinião dos crí­ rápidos e da comunicação eletrônica. Como resul­
ticos modernos, é a série de curtas meditações tado, os escritores coloniais imitavam estilos já ora
preparatórias. de moda na Inglaterra. Portanto, Edward Taylor, o
melhor poeta de sua época, escreveu poesia me­
Michael­Wogglesworth­(1631­-­1705) taísica quando já havia caído em desuso na Ingla­
Como Taylor, Michael Wogglesworth nasceu terra. Às vezes, como no caso de Taylor, riqueza e
na Inglaterra, era ministro puritano educado em originalidade nasciam do isolamento da colônia.
Harvard que praticava a medicina. Foi o terceiro Os escritores coloniais muitas vezes pareciam
poeta de renome na Nova Inglaterra colonial. Dá ignorar grandes autores ingleses como Ben Jonson.
continuidade aos temas puritanos em sua obra mais Alguns rejeitavam poetas ingleses que pertenciam a
conhecida, The­Day­o­Doom [O Dia do Juízo Final] outras seitas, aastando­se assim dos melhores mo­
(1662). Uma longa narrativa que muitas vezes decai delos líricos e dramáticos produzidos pela língua
para o burlesco, esta popularização aterradora da inglesa. Além disso, muitos colonos permaneciam
doutrina calvinista era o poema mais popular do ignorantes devido à alta de livros.
período colonial. O primeiro bestseller americano O grande modelo de escrita, é e conduta era a
é um retrato apavorante da condenação ao inerno, Bíblia, numa tradução inglesa autorizada já há mui­
em métrica de balada. to desatualizada quando oi nalmente divulgada.
É péssima poesia — mas todos adoravam. Mes­ A idade da Bíblia, maior que a da Igreja Romana,
clava o ascínio de uma história de terror com a dava a ela autoridade aos olhos Puritanos.
autoridade de Calvino. Por mais de dois séculos, Os Puritanos da Nova Inglaterra apegavam­se às
as pessoas decoraram esse longo e pavoroso histórias dos judeus no Velho Testamento, crendo
monumento ao terror religioso; as crianças o re­ que eles, como os judeus, eram perseguidos por
citavam com orgulho e os mais velhos o citavam sua é, eram os únicos a conhecerem o Deus
em conversas diárias. Não é grande a distância dos verdadeiro e eram os eleitos para undar a Nova
sorimentos atrozes desse poema à chocante erida Jerusalém — o paraíso na Terra. Os Puritanos esta­
auto­infigida por Arthur Dimmesdale, o pastor vam cientes dos paralelos entre os antigos judeus
puritano culpado, de Nathaniel Hawthorne, em do Velho Testamento e eles próprios. Moisés liderou
The­Scarlet­Letter [A Carta Escarlate] (1850), ou os israelitas em uga da escravidão do Egito, abriu
o aleijado Captain Ahab, de Herman Melville, um o Mar Vermelho com a ajuda miraculosa de Deus
Fausto da Nova Inglaterra cuja busca pelo conhe­ para que pudessem ugir e recebeu a lei divina na
cimento proibido aunda o barco da humanidade orma dos Dez Mandamentos. Como Moisés, os
americana em Moby-Dick (1851). (Moby-Dick era líderes Puritanos criam estar salvando seu povo
o romance predileto do romancista americano do da corrupção espiritual na Inglaterra, atravessando
século 20 William Faulkner, cuja obra prounda miraculosamente um oceano bravio com a ajuda
e perturbadora sugere que a visão obscura e de Deus e criando novas leis e ormas de governo

10
com base nos desejos de Deus. aristocratas e dispendiosas, como usar
Os mundos coloniais tendem peruca e carruagem.
a ser arcaicos e a Nova Inglaterra
certamente não oi exceção. Seus Mary­Rowlandson
Puritanos eram arcaicos por opção, (c.­1635­-­1678)
convicção e circunstância. A primeira escritora de prosa
digna de nota oi Mary Rowlandson,
Samuel­Sewall­(1652­-­1730) esposa de um pastor que relata clara
De leitura mais ácil que a poesia e comoventemente as onze semanas
proundamente religiosa, rica em que passou em poder dos índios,
reerências bíblicas, são os relatos num massacre, em 1676. O livro,
históricos e seculares que descre­ sem dúvida, alimentou a chama do
vem atos verdadeiros com detalhes sentimento anti­indígena, como o
vibrantes. O Journal (1790) do Gover­ ez The­Redeemed­Captive [O Cativo
nador Winthrop é a melhor onte de Resgatado] (1707), de John Williams,
inormação sobre o início da colônia que descreve seus dois anos como
de Massachusetts Bay e a teoria polí­ prisioneiro dos ranceses e índios
tica dos Puritanos. após um massacre. Os textos pro­
O Diary [Diário] de Samuel Sewall, duzidos por mulheres são em geral
que registra os anos 1674 a 1729, é vivaz relatos domésticos, que não exigem
e cativante. Sewall segue o padrão dos educação especial. Pode se dizer que
primeiros escritores da Nova Ingla­ a literatura eminina se benecie do
terra, como Bradord e Taylor. Nasceu realismo amiliar e da perspicácia do
na Inglaterra e veio para a colônia ain­ bom senso; é certo que obras como
da jovem. Viveu em Boston, ormou­se Journal [Diário], de Sarah Kemble
em Harvard e seguiu a carreira legal, Knight (publicado postumamente em
administrativa e religiosa. 1825) de grande vivacidade, descre­
Sewall nasceu tarde o bastante vendo uma audaciosa viagem solo de
para ver a mudança do estilo de ida e volta de Boston a Nova York em
vida religioso rígido seguido pelos 1704, são exceção à complexidade
Puritanos para o período yan­kee­ Cotton Mather barroca que marcou muitos escritos
mais mundano de riqueza mer­ Puritanos.
cantilista na Nova Inglaterra; seu
Diary, muitas vezes comparado ao Cotton­Mather­(1663­-­1728)
do contemporâneo inglês Samuel Nenhum exame da literatura colo­
Pepys, inadvertidamente registra essa nial da Nova Inglaterra estaria com­
transição. pleto sem menção a Cotton Mather,
Como o diário de Pepys, o de Sewall mestre dos intelectuais. Terceiro na
az registro minucioso de sua vida coti­ dinastia Mather de quatro gerações
diana e refete sua preocupação em em Massachusetts Bay, escreveu mui­
viver bem e piedosamente. Ele men­ to sobre a Nova Inglaterra, em mais
ciona compras de doces para a moça de 500 livros e panfetos. Magnalia
que ele cortejava e suas discussões Gravura © The Bettmann Christi­Americana (História Eclesiás­
Archive
sobre se deveria ou não adotar maneiras Gravura © The Bettmann Archive tica da Nova Inglaterra), de 1702, sua

11

Você também pode gostar