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Cristóvão Colombo nasceu em Gênova, em 1451, e descobriu em 1492 um Novo Mundo e foi

o primeiro a explorá-lo e a registrar seu infinito assombro. No entanto, o que ele queria
mesmo era encontrar uma nova rota atlântica para as Índias. Mas, na carta que escreveu à
Coroa, tratou de dissimular seu fracasso. Ao descrever as belas e pobres ilhas que havia
descoberto, recorreu a modelos literários. Por isso, escutou rouxinóis em Cuba, respirou o ar
de maio em pleno novembro tropical, e deu fé de ter visto sereias e amazonas, e até homens
com rabo. Em sua prosa imperfeita, na qual o italiano, o português e o espanhol convivem
tumultuosamente, Colombo foi criando a visão europeia do Novo Mundo. Na Carta, Colombo
planejou o futuro do Novo Mundo: descobrimento, conversão e conquista eram para ele uma
só coisa. Novo Mundo este que, como tema foi inventado por este prosaico navegante,
condenado à hipérbole para dissimular seus erros.

Na carta, ele:

- Descreve a paisagem.

- Puxa saco dos monarcas.

- Faz referências cristãs.

- Vende o próprio peixe.

- Fanfica muito.

Tentando minimizar seu fracasso, Colombo busca insistentemente identificar outras riquezas
alternativas, naturais e humanas, que pudessem compensar a carência de ouro e especiarias,
objetivos em que a empresa se mostrara insatisfatória. Daí deriva o fato de já apresentar na
carta um esboço de projeto de exploração que, entre outros aspectos, propõe, sem qualquer
escrúpulo, o embarque de indígenas para serem vendidos como escravos na Espanha. Se nesta
primeira viagem leva apenas dez nativos para a Europa, na segunda (1495) embarca de volta
quinhentos prisioneiros índios reduzidos à escravidão e depois, já na Espanha, envia
autorização para que seu irmão Bartolomeu, que ficou como administrador da Hispaniola
(hoje Haiti/Santo Domingo), carregue três navios com escravos idólatras, reduplicando uma
prática escravagista que testemunhara em sua viagem às ilhas de Cabo Verde. (N. do T.)
Obstinou-se em achar um novo caminho que permitisse atingir o fabuloso mundo descrito por
Marco Polo duzentos anos antes16 e, embora tudo indicasse o contrário, morreu acreditando
que havia chegado ao Oriente navegando para Ocidente, recusando-se a admitir que havia
descoberto um novo mundo. Defendia a grande glória de ter descoberto uma nova rota para as
Índias e negligenciava a glória de ter descoberto um novo continente.

Não chegou a ser tão rico como esperava, contudo, estava longe da pobreza que muitos
querem ver na fase final do grande herói dos descobrimentos.

É certo, porém, que conheceu a humilhação e o desprezo no fim da vida, quando sua grande
protetora, a rainha Isabel, já havia morrido e outros interesses fizeram com que a coroa não
respeitasse as incríveis prerrogativas que lhe havia garantido. Mergulhando em uma época de
ostracismo, sua memória seria redescoberta séculos depois.

Mais que pelos fabulosos lucros que a empresa prometia alcançar, a rainha se fascinou com o
projeto de expansão da cristandade e com a impressionante determinação daquele homem. O
aventureiro, que poucos sabiam onde nascera e que para muitos era pouco digno de confiança,
motivo de zombarias e gracejos, partiu da Espanha quando os cristãos impunham a derrota
final aos mouros, conquistando Granada, último reduto árabe em solo ibérico, e davam início
ao auge demencial da Inquisição com perseguições, torturas e fogueiras sem fim.

Circula Colombo pelo labirinto de ilhas do Caribe, dando nomes às terras como um novo
Adão. Fascina-se com o clima, com o canto dos pássaros e com a diversidade e abundância
das árvores. Seu deslumbramento é total, mas o objetivo maior da viagem, o ouro, só é
encontrado em quantidades insignificantes. Contudo, os tesouros freqüentam seu discurso
como uma miragem onipresente que nunca se atualiza na realidade concreta. Fala de rios de
ouro, mas além do discurso portentoso sobre a nova realidade, sempre na fronteira da ficção,
são poucas as coisas que consegue tirar destas terras. Leva alguns índios, ornamentos
indígenas e alguns papagaios de chamativas penas, faz comparações e tenta dar aos seus
leitores — os reis e demais destinatários desta mensagem que anuncia um novo mundo —
uma visão completa destas ilhas onde em pleno outubro se sente como se estivesse na
Andaluzia em abril.

Vê com olhos fascinados de criança esse novo mundo.

Colombo acreditava que nestas terras descobertas por ele havia muitas cidades e castelos e
inesgotáveis minas de ouro, e que sua população vivia do comércio. Sonhou um continente e
ao despertar quis acreditar mais no sonho que na vigília. Estava convencido de haver chegado
às ilhas do Japão e às costas da China. Chega ao Caribe, mas vê a Ásia; não encontra
suntuosos castelos, riquezas memoráveis, cortes refinadas ou exóticas especiarias, mas
continua a insistir que esta é a terra do Grande Khan. Sobrepõe o mundo descrito por Marco
Polo à realidade encontrada. O desejo determina seu olhar. Vê com os olhos da imaginação e
descreve as terras com as quais sonhou após povoar sua mente com o mundo delirante
descrito por Marco Polo. Apresenta detalhes esmerados da realidade entre os quais, de
repente, desponta a invenção e o maravilhoso, produto do mundo que ele gostaria de
encontrar e não daquele que verdadeiramente encontrou. Seu discurso pressupõe também uma
contradição evidente com a prática, expõe a incompatibilidade de dois projetos: explorar os
habitantes destes lugares recém-descobertos e ao mesmo tempo cristianizar suas almas; fala
da docilidade dos indígenas e de sua propensão para a fé cristão e por outro lado diz que este
mundo pode fornecer quantos escravos sejam necessários na Espanha; descreve o Paraíso mas
seu discurso alimenta incansavelmente o desejo de riquezas que levaria à destruição do
mesmo. O descobrimento abria, assim, espaço para a sede de ouro, a violência e o genocídio.

O comércio, o ouro, o império das especiarias está sempre perto, mas num ponto não
alcançado pelo Almirante. Depois de projetar um cenário de fantasia para compensar a
frustração de seus objetivos, identificando este com o continente que buscava, decide voltar.

Envolve a descoberta num discurso místico e fantasioso, e a nova rota para as Índias continua
sendo uma lenda tenazmente defendida por ele como seu sonho mais querido. Em seus textos
podemos identificar recortes de diferentes discursos literários, religiosos e científicos de sua
época e de épocas anteriores. Num tom que se tornaria cada vez mais delirante nos diários das
viagens seguintes, continuaria a insistir em seus objetivos: descobrimento, conquista,
exploração e evangelização das Índias, cada vez mais deslocado ou em franco choque com os
interesses da coroa espanhola.

O descobrimento e a colonização constituem processos baseados na violência e na ideologia


como se pode perceber ao analisar o discurso de Colombo, onde se identificam as esperanças
de um imaginário social projetadas na América: paraíso terrestre, Éden, riquezas sem fim,
mão de obra escrava etc. Escravidão, pilhagem, violações, selvageria, desejo sempre
insaciável de mais ouro: essa é a atmosfera que se instala no continente após o descobrimento.
O paraíso começa a ser destruído já na segunda viagem do Almirante. A igreja, que está na
origem do projeto de unificar o mundo sob uma mesma fé, teria uma participação especial
neste processo: os padres que traziam o céu e o inferno na boca, contaminando tribos inteiras
com doenças para as quais os índios não tinham desenvolvido defesas21.

Mais do que um registro da realidade é uma narrativa de encantamento. A primeira carta,


juntamente com o Diário, são as principais fontes de informação histórica do descobrimento e
constituem valiosos documentos, com descrições precisas de um atento observador e vôos de
imaginação dignos dos maiores romancistas. Leitor que era das obras de autores antigos como
Ptolomeu, Aristóteles e Estrabão, onde, geografia, cosmografia e fábulas se mesclam e se
confundem, Colombo descreve os animais, as plantas, os índios e seus costumes: o que
comiam e bebiam, suas armas, a cor de sua pele e o tipo de seu cabelo, mas fala também da
existência de homens com rabo, sereias, amazonas e de fabulosos rios de ouro. Entre as
grandes invenções do Renascimento a América foi a maior. Para dissimular o fracasso de sua
empresa que se propunha a atingir a Ásia pela rota do Ocidente, Colombo se vê obrigado a
recorrer à hipérbole e, com este germe do que seria o realismo mágico e o realismo
maravilhoso, inventa a América e a impõe às mentes européias. Movidos pelo fascínio deste
discurso de invenção, os povos ibéricos e o mundo ocidental descobriram um novo
continente, o oceano Pacífico (com a primeira viagem de circunavegação realizada por
Magalhães, 1520-22) e o caminho marítimo para as Índias. A Europa expandiria seu poder e
sua visão de mundo a partir do contato com outras terras, e o homem jamais seria o mesmo
depois desta viagem e desta carta do obstinado navegante italiano22.

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