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Anne Hampson
Quando Kara foi para a ilha de Bali, participar de uma pesquisa sobre os
costumes daquele povo tão misterioso e sensual, não podia imaginar que lá
reencontraria Charles Millard. Charles, o homem com quem ela sonhava há
anos e cuja lembrança a atormentava de saudade. Mas Charles, tão amado e
desejado, era agora um estranho que a tratava com rudeza e desprezo. Como
era possível um amor tão grande transformar-se em indiferença? Será que ele
ainda estava preso às recordações de Tracy, a esposa morta? Então, era
mesmo verdade que, para ele, Kara era um capítulo do passado que ele tinha
encerrado para sempre?
Este livro faz parte de um projeto sem fins lucrativos, de fãs para fãs.
Sua distribuição é livre e sua comercialização estritamente proibida.
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Doação: Mana
Digitalização: Alê M.
Revisão: Marelizpe
Capítulo I
avermelhados, muito elegante e que parecia ter mais ou menos vinte e três anos.
quem acabou de receber boas novas! Foi outro aumento de seu chefe, é?
morava uma senhora de idade, que raramente era vista, pois fazia todas as suas
chefe, um que era pesquisador? Ele estava tentando formar um grupo de pessoas
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interessadas em viajar até uma ilha na Indonésia, para estudar a cultura dos
seus habitantes.
brilhavam, fitando a amiga com interesse. — Você não mencionou o nome da ilha.
— Muito estranhas. Durante a vida inteira eles são dominados por deuses e
espíritos. Precisam fazer oferendas todos os dias; cada casa tem seu próprio
que queria, mas agora, quase na última hora, a secretária se demitiu e eles não
podem partir sem uma substituta. Parece que ela conheceu um homem muito
— Você conhece esse Hugh Nowell? Quero dizer, ele está querendo
contratá-la? E seu chefe? Ele sempre diz que jamais conseguiria se arranjar sem
você no escritório!
silêncio, notando os cabelos louros que caíam como uma cascata sobre os seus
Margareth nunca tinha visto alguém com uma cor de olhos tão atraente e
original, nem com a linha expressiva dos lábios e o queixo tão perfeitos como os
de Kara. Que ela era um tipo de beleza rara, era inegável, e Margareth sempre se
perguntava por que, durante aqueles três anos em que dividiam o apartamento,
Kara tratava seus muitos admiradores com tanta frieza. Ela podia dar-se ao luxo
de escolher entre eles, mas parecia muito contente com sua vida de solteira.
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falando naquela voz baixa, musical, que era outro atributo que Margareth
admirava na amiga. — Ele estava com o sr. Rexford quando entrei na sala para
servir o chá. Estava tentando persuadir meu chefe a ceder uma de suas
com o outro e não fiquei muito surpresa quando ele perguntou se poderia me
levar.
— O que a deve ter surpreendido foi a boa vontade do sr. Rexford em deixá-
la partir, não é?
— Meu ego sofreu um pouco, pois o sr. Rexford sempre afirmou que eu era
indispensável.
— Ele não deve gostar nem um pouco da ideia de ficar sem você; mas tão
humano, não iria se opor a esta sua oportunidade de participar de uma aventura
— Que coisa mais tola! Você nunca me disse sua idade, Kara. Pela sua
aparência, não lhe daria mais de vinte e dois anos, embora, pelas confidências
que já me fez, presumo que tenha mais ou menos vinte e seis, não é? — Era uma
pergunta, mas Margareth não olhava para a amiga, apenas tomava o chá com
— Você está certa — respondeu Kara por fim. Ela estava ausente, com os
pensamentos perdidos no passado, naquele tempo feliz, oito anos atrás, quando
Margareth era muito calma agora, e trouxe Kara de volta das lembranças
namorado, certo?
— Por que você não tem um marido, eu diria. Você poderia ter até mesmo
um milionário.
— Quem é que está dizendo tolices agora? — Mas sua mente estava outra
vez com Charles. Ele era o herdeiro de uma grande fortuna, como sobrinho de sir
públicos na Inglaterra. Sir Rawson tinha morrido dois anos atrás e Charles era
um milionário agora.
Kara olhou para a amiga com profunda afeição. Claro, Margareth tinha
curiosidade em saber algo sobre seu passado, mas ela nunca pensara em fazer
qualquer tipo de confidência. E por que não? Relatar a história agora traria um
Charles tinha se esquecido dela há muito tempo e, para Kara, parte da angústia
dos primeiros meses e da dor dos anos seguintes tinha se apagado com o tempo.
todos os que a conheciam. Porém, embora não sofresse mais com a lembrança,
sua lealdade para com Charles permanecia. Ela havia prometido esperar por ele
e, embora soubesse com certeza que ele não voltaria, não conseguia gostar de
mais ninguém. Charles fora seu ideal, seu primeiro e único amor. Desconfiava
gentilmente.
colocando a mão na boca, e com certo receio exclamou: — Ele... ele morreu?
— Então...
passado.
— Você quer dizer... bem, que seu amor não era correspondido?
tinha somente dezoito anos. Ele era um homem maravilhoso, maduro, com vinte
e oito anos, que sabia o que queria e estava realmente apaixonado por mim. Nós
pensamentos e sonhos. Amar... como tinha sido maravilhoso! Para ele, era um
amor possessivo, cheio de paixão, e houve momentos em que ela acreditou que
Charles a possuiria antes mesmo do casamento. Mas ele sempre voltava à razão e
terminava beijando Kara com infinita ternura e carinho, dizendo: "Meu amor,
tente entender minha impaciência. Eu adoro você! Quase não posso esperar para
fazê-la minha!"
que Margareth tinha feito há alguns segundos. — Charles foi forçado a me deixar
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e se casar com outra garota. — Ela fez uma pausa, esperando que Margareth
— Sim... — Sua voz, tão suave, ficou mais baixa, enquanto ela começava a
junto ao seu querido Charles. De repente, um mês antes da data marcada para o
casamento, Charles foi até a casa de Kara. Tão logo viu a expressão aflita de seu
Ele fez várias tentativas antes de contar que seu irmão mais novo, Henry,
— Se ele for preso e enviado à prisão, minha mãe não resistirá. Tenho
— Ela já está tão doente... Meu Deus, o que vamos fazer, Charles?
— Você ainda não sabe o pior — ele murmurou com raiva. — Henry casou-
se com dezenove anos e separou-se aos vinte. Não sei por que jamais se
impaciente com ela antes. Imaginou que era por causa da situação. — Bem, ele
— Não tenho a mínima ideia. — Desta vez não havia dúvidas quanto à
— Oh! — Para Kara, criada dentro de padrões muito severos, uma vez que
seus pais já estavam na meia-idade quando ela nasceu, aquilo era terrível. —
— Tracy tem apenas mais dois anos de vida; tem um problema sério na
espinha. Ela tem pressionado Henry para casar, mas ele estava adiando, sem
— Dois anos de vida? — Kara estava penalizada, pois sabia que Tracy tinha
apenas dezenove anos, um ano a mais do que ela. — Mas que coisa terrível! Isso é
do conhecimento de todos?
— O pai dela sabe. Ela não tem mãe, como você deve ter ouvido falar. Tracy
contou a Henry sobre seu problema; disse também que quer esta criança
desesperadamente, pois lhe daria uma alegria imensa enquanto vivesse. Ela
— É verdade. — Kara não sabia o que dizer, exceto talvez sugerir que
adiassem o casamento.
— Acho que, nestas circunstâncias, você... você não tem condições de casar
Kara fez uma pausa em sua história e Margareth, que havia se recostado
— Eu ainda não entendo como é que ele pôde! Ele amava você com
loucura...
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esposa de Henry, acabou descobrindo duas coisas importantes. Primeiro, que seu
marido tinha se envolvido com os criminosos naquele assalto, e segundo, que ele
tinha um relacionamento muito íntimo com a filha de sir Sullivan Findsley. O que
ela esperava ganhar com sua atitude é algo que jamais consegui entender.
Entretanto, resolveu fazer uma visita a sir Sullivan e contou tudo a ele. Não só
que Henry estava sendo procurado pela polícia como também detalhes sobre sua
família. Contou que a sra. Millard era viúva e estava sofrendo do coração. Disse
que qualquer choque poderia matá-la e que Charles, o irmão de Henry, era um
conseguiu informações vitais e mais do que suficientes para o plano que estava se
formando em sua cabeça. Ele nos chamou e colocou sua proposta, ou, melhor
dizendo, seu ultimato diante de Charles. Ou ele se casava com Tracy ou ele, sir
choque de saber que o filho estava sendo perseguido, e sua consequente prisão,
— E daí?
— Nós tentamos tudo para fazer aquele homem mudar de ideia, mas ele
estava totalmente transtornado, sabendo que sua filha só tinha dois anos de vida.
Tracy queria a criança e era dever dele cuidar para que ela não sofresse nenhuma
humilhação por causa deste desejo. Ela precisava de um marido para morrer
feliz, sabendo que seu filho tinha um nome respeitável. Charles levantou a
hipótese de Tracy não querer se casar com ele, mas sir Sullivan já tinha explicado
toda a situação a ela. A atitude de Henry tinha matado todo o amor que ela sentia
por ele e Tracy estava disposta a casar com Charles. De qualquer maneira, ela
rapidamente. Mesmo que ela tivesse mais dois anos de vida, estaria inválida
dentro de no máximo doze meses. A única coisa que a interessava era o bebê,
— Isso pode ser entendido. Se ela era tão conhecida como você disse, devia
uma palavra nas colunas sociais envolvendo-a em qualquer tipo de escândalo. Ela
Durante alguns instantes nenhuma das duas falou, mas Kara percebeu,
pela expressão de Margareth, que ela estava ansiosa pelo final da história.
Henry mataria sua mãe. E ainda havia Henry, que parecia compreender a
pensão. Charles, que não estava ganhando um salário muito alto, se ofereceu
para pagar a diferença, pois Henry não podia fazê-lo sem diminuir a pensão que
pagava para a mãe deles. Acho que não mencionei que ele voltou para a casa da
tomar o chá e colocou a xícara na mesa. — E sir Sullivan deve ter mencionado
que Charles estaria livre em dois anos e poderia então se casar com você, não é?
— Eu achei que dois anos eram uma eternidade. Ao mesmo tempo, não
podia desejar a morte da garota. Charles estava mais desesperado do que eu, pois
sabia que teria que passar os próximos dois anos com outra pessoa, alguém que
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ele não amava. Eu, por outro lado, estaria sozinha, e naturalmente infeliz, mas ao
— A decisão deve ter sido uma tortura. Que posição difícil para dois seres
apaixonados! Se eu estivesse em seu lugar, acho que teria contado cada dia
Kara não disse nada. A decisão tinha sido uma tortura, como Margareth
me ver. Ele concordaria em se casar com Tracy apenas se ela aceitasse morar no
— Tracy tinha amigos lá. Mais tarde esses amigos retornaram à Inglaterra,
— Se você não mantinha contato com Charles, como soube disso tudo?
Uma vez mencionou que estava consciente do meu sacrifício e esperava que eu
pudesse ser feliz com Charles quando nos casássemos. O filho de Tracy morreu
com apenas uma semana de vida, mas, pelos comentários de sir Sullivan, eu tive
a impressão de que ela estava apaixonada por Charles, e mesmo com a trágica
perda ela não parecia tão infeliz como era de se esperar. Sir Sullivan me contou
que Charles cuidava dela com muito carinho e isto era tudo o que ele podia pedir.
Eu sabia que Charles a trataria bem, ele era do tipo gentil e dedicado com
pessoas que estavam em necessidade. Lembro que ele ficou muito abatido com a
ideia de que Tracy estava sofrendo com o que Henry havia feito...
Sua voz mal podia ser ouvida. Ela estava novamente voltada para suas
seus pequenos desejos. Lembrou-se de seu sorriso, sua figura atraente, toda a
— Não foi tão ruim quanto você imagina — foi a resposta surpreendente de
Kara. — Da minha parte, por mais que eu sentisse saudade de Charles, não
podia ficar triste, por causa de Tracy. Ela estava vivendo um tempo extra, um
tempo roubado, como se fosse um prêmio, e eu não podia desejar sua morte,
— Sim, posso ver mais claramente agora. Você sabia que no final teria
Charles e, nesse meio tempo, não poderia sequer invejar a felicidade dessa garota.
Kara, você é uma pessoa maravilhosa. Por que vocês não se casaram depois que
Tracy morreu?
Kara estava corada pelo elogio da amiga, e por alguns momentos não
conseguiu responder.
falecer, sir Sullivan me telefonou dizendo que ele tinha esperanças de que ela
e havia novos tratamentos. Sua vida estava sendo prolongada e sir Sullivan
sem ele. Sugeriu também a possibilidade de Charles estar apaixonado por Tracy,
pois, além de muito bonita, ela também era uma ótima pessoa. Eu sabia que ela
era uma mulher muito atraente. Concordei com as proposições de sir Sullivan,
mas, claro, tinha intenção de ser fiel a Charles até que ele mesmo me confirmasse
tivesse encontrado ninguém até aquela data, eu deveria entrar em contato com
Charles, foi o que sir Sullivan me disse. Ele não sabia do nosso acordo, de que
— Mas você não ficou esperando, ficou? Se eu estivesse em seu lugar, não
hesitaria em tentar encontrá-lo, mesmo que fosse apenas para saber que ele não
me queria mais.
me dito sobre a possibilidade de Charles ter se apaixonado por Tracy. Achei que,
qualquer maneira, se fosse verdade, não seria a melhor hora para procurá-lo, pois
ele estaria triste com a perda. Então, decidi esperar uns três ou quatro meses.
Entretanto, quando escrevi para o endereço que sir Sullivan havia me dado,
minha carta retornou. Telefonei para sir Sullivan e ele me informou que Charles
havia deixado Cingapura uma semana após o funeral e, pelo que ele sabia, tinha
vindo para a Inglaterra. Convidou-me então para ir até sua casa e, pelo que pude
perceber, ele estava preocupado por mim e ao mesmo tempo confuso pela atitude
de Charles.
muito desapontado, pois não veio me visitar ou dar qualquer notícia. Achei que
— Eu não o vi desde que se casou com Tracy. Nós decidimos que seria
melhor assim. Foi por essa razão que Charles quis morar no exterior.
— Eu não sabia disso. Mas, onde ele está? Soube que a mãe dele morreu
um ano depois que ele foi para Cingapura, e Henry emigrou para a Austrália. Ele
Sir Sullivan ficou muito pensativo. Suas próximas palavras foram rápidas e
precisas:
— Eu diria então, minha querida, que minha suspeita era correta e Charles
aprendeu a amar a minha pequena Tracy. Você não percebe que somente isso o
a respeito. Não tenho certeza absoluta de que ele não me queira mais, entende?
Onde ele poderá estar agora? É horrível não saber onde e como está.
vizinhanças. Ele gosta muito daquelas ilhas. Tracy costumava mencionar isso em
— Mas não pode ser, Kara, deve haver alguma maneira de localizá-lo.
esqueceu completamente.
Mesmo dizendo estas palavras, Kara não podia acreditar nelas. O amor que
sentiam um pelo outro era tão intenso, tão profundo... mas oito anos era um
tempo muito longo. Tantas coisas podem ter acontecido na vida de Charles; ele
tinha se casado com Tracy, uma linda garota; deve ter entrado para um círculo
social onde muitas outras mulheres bonitas e atraentes estavam ao seu alcance.
Podia ser que já tivesse se casado novamente e fosse um marido e pai feliz.
Mais tarde, já deitada em sua cama, Kara rememorou tudo o que havia
Ela havia escrito duas cartas para Charles enquanto ele estava em
Cingapura. Uma para notificá-lo da morte de seus pais, com apenas três meses
onde morava e tudo o mais teve que ser vendido, para pagar dívidas que ela
de uma velha senhora e, como iria morar em outra cidade, distante mais de
novo endereço.
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relação que desenvolveram acabou por mudar os rumos da sua vida. Com o
passar dos meses a velha resolveu adotá-la e Kara Lincoln se tornou Kara
Fortescue-West. Mas esta informação não estava na carta que Kara escreveu.
apesar dos esforços de Kara e da sua certeza de poder cuidar dela, uma prima
distante resolveu levá-la para viver no campo sob seus cuidados. E assim, em
menos de quinze meses, Kara estava sozinha outra vez e de volta à sua cidade
Com o dinheiro do salário acumulado e, mais tarde, o depósito feito em seu nome
antes de a velha senhora partir para o campo, Kara pôde frequentar um curso na
parte de seu novo nome e a partir de então passou a ser Kara West.
não ter recebido uma resposta da primeira carta, esperava por uma desta vez.
Mas, quando não recebeu nada durante os próximos meses, disse a si mesma que
tinha sido uma tola. Charles provavelmente não queria começar uma
correspondência normal com ela, pois isso seria doloroso para ambos. Apesar
pouco tempo, uma vez que Tracy tinha poucos meses de vida. Ela jamais poderia
Capítulo II
escritório de Hugh, que fazia parte da suíte alugada para ele e seu pessoal no Bali
Praia Hotel, em Sanur, cujas praias permaneciam com sua beleza natural
intocada, uma vez que a região não era explorada para o turismo.
A sala tinha uma vista da praia e, apesar de seu interesse pelo trabalho,
sua mão para um pequeno barco ancorado perto da areia, para a fila de mulheres
interessante ainda era a garota descontraída que pedalava sua bicicleta pela
ditar para espiar o que havia atraído sua atenção. Ele logo viu a garota e também
começou a rir.
Kara fitou seu chefe com interesse. Ela tinha chegado há apenas uma
semana à ilha de Bali, mas toda a sua mente já estava voltada para aquele povo,
com sua cultura estranha e fascinante. Ela sempre gostara muito de mitologia
mitologia hindu. Tinha tido o privilégio de testemunhar Uma cerimônia sem igual
— Deve ser um belo espetáculo observar uma longa fila de jovens em suas
bicicletas, com vestidos tão festivos como quando vão assistir às grandes
— Espero testemunhar uma cena assim. — Hugh fez uma pausa e ficou
observando Kara.
Ela estava um pouco preocupada, sabendo que ele, como tantos outros
homens, se sentiam atraídos por ela. Era um pensamento perturbador, Uma vez
que naquele tipo de trabalho ela mal tinha tempo para suas horas de descanso.
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Mas Kara se preocupava principalmente com sua própria atitude com relação aos
estava mais suave agora e sua atenção totalmente voltada para ela e não para o
trabalho que estavam fazendo. — Diga-me, como conseguiu chegar aos vinte e
solteira. Tenho a impressão de que já foi casada, e que alguma tragédia fez você
Kara levou um susto. Ele estava muito perto da verdade, apesar de ter
errado quanto ao casamento. Hugh observara sua reação, e ela sentiu que havia
deixado transparecer que ele tinha acertado muita coisa. Mas preferiu não
corrigi-lo. Se ele acreditava que ela fora casada, com certeza não iria tentar
para a próxima. Era o caminho através do qual a alma passava para sua jornada
para o céu. Para o povo mais pobre, o custo da cremação era tão alto que muitas
vezes tinham que enterrar o corpo temporariamente, até que tivessem dinheiro
suficiente para a cerimônia. As pessoas ricas, por sua vez, costumavam ter uma
poupança que a família usava para estes gastos, após sua morte.
Pelo seu tom de voz Kara percebeu que ele havia aceitado o fato de ela ser
casada. Kara não teria mais problemas com a provável tentativa de Hugh querer
desjejum, pegou sua câmara e resolveu passear pela praia. Tirou algumas fotos
barcos ao sabor das ondas, em contraste com o brilho do sol que aparecia no
horizonte. Caminhou pela praia observando tudo, mas várias vezes voltava os
olhos para apreciar cada mudança de cores criada pelo reflexo do sol naquelas
águas tranquilas.
Havia gente por todos os lados. Gente de faces sorridentes e cabelos lisos
Cada família tinha seu próprio santuário rodeado por um muro de barro,
Na entrada, que era bem estreita, havia todo o tipo de oferendas, tanto para os
bons como para os maus espíritos. Acreditavam que, se deixassem ofertas para
Flores, arroz, frutas e muitos outros produtos eram sempre vistos na entrada dos
templos.
— Selamat pagi!
respondeu:
— Selamat pagi!
perfeitos.
Ele tinha mais ou menos quatorze anos, ótima aparência, e parecia estar
— Sim.
— Não deixa de ser umas férias — ela respondeu com precaução, pois não
queria dar motivos para novas perguntas, uma vez que não sabia qual seria a
encontrou uma parte da praia totalmente deserta e, após explorá-la por algum
descobrir como era feita. Havia destas pequenas bandejas em todos os lugares, e
sobre elas eram colocados os mais diversos alimentos. Nas estradas, nas
viu oferendas até nos gramados e nos telhados das casas. Depois de usadas, as
A que Kara tinha nas mãos devia ter vindo com a maré, e ela não podia
sequer avaliar o tempo que uma mulher gastava para tecê-la. Feitas com
folhagens verdes bem estreitas, elas eram tecidas a partir da intersecção dos fios
Kara parou para apanhar mais uma que estava molhada, mas sem nenhum
— É maravilhoso! Como será que eles fazem isto? — exclamou em voz alta.
De repente parou, encabulada, pois havia um homem que caminhava pela praia,
perto o suficiente para ouvi-la. Pela sua aparência, deduziu que fosse inglês, e
homem devia ter uns quarenta anos, olhos azuis e cabelos grisalhos.
— Falando sozinha, não é? Sempre faço isso, também. Creio que é pelo fato
de estar muito só. — Ele parou e começou a examiná-la com interesse. — Não
que você deva ter passado muito tempo sozinha... uma garota jovem e atraente
Ela não pôde deixar de ruborizar diante da referência à sua aparência. Que
tipo de homem será esse, pensou, para falar assim com uma estranha? Mas, nem
por isso deixou de apreciá-lo, e, quando ele perguntou se podia sentar-se ao seu
lado no barco, ela moveu-se para dar-lhe lugar. Conversaram sobre o nascer do
— Tenho um hotel. — Ele indicou, na praia, além do Bali Praia com seus
mais limitadas.
— Eu não estaria aqui se não fosse pelo meu trabalho — ela respondeu e
— Gostaria muito de ir. Vou convidar os outros para irem comigo, mas não
— Espero que você possa vir. — Ela sabia que ele estava somente sendo
educado, e que não ficaria desapontado se ela não fosse. — Meu nome é Carter,
Gareth Carter.
você foi a primeira pessoa que não ficou curiosa a respeito do nome do hotel.
— Bom, acontece que eu sei que há uma árvore chamada "kapalan", usada
pelos nativos para fazer entalhes. Ouvi dizer que sua madeira é ótima.
árvores, sei uma história que poderá ajudá-la em seu trabalho, mas não tenho
— Somos dois no negócio. Meu sócio é viúvo. Sua esposa faleceu há mais
ou menos quatro anos. Ele não precisava se associar a mim, e na realidade nunca
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o considerei um sócio, mas foi quem financiou esse negócio. — Ele fez uma pausa
e Kara teve a impressão que o sócio dele não gostaria de ouvi-lo falar sobre sua
generosidade. — Ele pinta quadros muito bons. Você poderá ver alguns deles se
Enquanto o observava afastar-se, Kara ficou imaginando que tipo de história ele
— Deve ser algo relacionado com uma árvore que caiu, uma árvore
ouvi algo de um de nossos garçons, mas quando tentei obter a história ele
— Certo. Nós não podemos perder esta oportunidade, e, como não terei
tempo disponível nos próximos dez dias, seria bom se você fosse até lá hoje à
noite. — De repente Hugh parou de falar e sorriu para Kara. Ela notou a
admiração em seus olhos, mas se sentiu segura. Ele havia concluído que ela era
Inglaterra ele ia descobrir que ela era solteira, mas já não teria mais importância.
— Você deve aproveitar bem sua noite. Telefone para o sr. Gareth e avise-o de que
está indo. Tenho certeza de que ele vai providenciar um ótimo jantar e você vai
veludo bem estreitas. Seu cabelo estava sedoso como sempre e sua pele saudável
juntos.
nome é Gareth.
enquanto ela se dirigia até o lugar indicado para deixar a capa. Depois de
único homem cuja opinião importava. Sempre que a admiravam, sua mente trazia
imediatamente a imagem de Charles, e era a voz dele que ela queria ouvir. Sua
voz? Como seria agora? Era tão gentil, grave e sensual, e ao mesmo tempo tão
surpreendente.
Ela percebeu, com grande tristeza, que não podia mais lembrar-se da
tonalidade da voz dele. Com pesar, reconheceu que nos últimos anos sua
ela já havia aceitado o fato que, com o tempo, tanto aquela voz tão querida como
direção.
ele a conduziu ao terraço para uma mesa isolada, iluminada à luz de velas. O
desejando saber por que todos os seus desejos e anseios estavam constantemente
com Charles. Tão logo os garçons começaram a servir, Gareth iniciou o relato:
num período em que eu estava sem sorte. Nesta parte tenho que me aprofundar:
quando eu estava pronto para desistir desta ilha maravilhosa e voltar para a
residência aqui na ilha. Nós nos encontramos por acaso, numa mesa de um café
descobri que ele queria comprar um terreno para construir uma casa. Este
narrativa, Kara soube que, por um golpe de sorte, Gareth descobrira aquele
Mas você disse que esse homem queria um terreno para construir uma
casa própria.
— Sim, queria. Mas, quando lhe contei meus problemas, ele resolveu me
ajudar. Sentiu que eu estava sendo sincero e concordou com a ideia de construir
um hotel onde eu seria o gerente. Bem, fiquei surpreso com sua generosidade,
como você pode imaginar. Mais tarde, ele me transformou em seu sócio e
construiu uma casa magnífica do outro lado do terreno, numa área totalmente
isolada, que termina na praia. Talvez você tenha visto uma ponte além da entrada
do hotel?
— Sim, vi. Fiquei imaginando de quem seria a casa atrás destas lindas
— Ele não é de modo algum um homem feliz, Kara. Não me pergunte nada
sobre ele, pois não sei. Entretanto, construímos o hotel. Então, nossos problemas
começaram. Queríamos inaugurar assim que ficou tudo pronto, para começar a
— Claro.
— Bem, não foi tão simples por causa das más superstições e crenças do
empregados disseram que não podiam trabalhar e que não devíamos abrir as
— E você esperou?
da ilha, sabendo que mantinham rituais religiosos milenares, mas até agora
quis saber, porém Gareth apenas balançou a cabeça, pois ele mesmo não sabia.
importo de admitir. Entretanto, vivo nestas ilhas há alguns anos e sei como é: se
a equipe do hotel tinha decidido que seria assim, então eu teria de esperar.
tudo aquilo era uma excelente iniciação às crenças do povo balinês, e havia muito
época, casado com uma nativa. Ele me disse para procurar um sacerdote. Isto foi
Aquele era o dia propício pelo qual todos nós havíamos esperado tanto. O hotel foi
quando você vive em Bali, tem que se conformar com esta fé fantástica que eles
têm no poder dos bons e maus espíritos. Para todo lugar que você olha, vê
oferendas. Eu mesmo não saio com meu carro sem levar flores, que algum dos
Kara concordou; ela sabia que todos os carros levavam ofertas para os
pessoas conduzem suas vidas. Elas realmente acreditam nos espíritos e deuses;
elas têm alguma coisa a que se apegar. — Sua voz estava baixa e um pouco triste.
pensou: "Eu não tenho nada a que me apegar, nem nada que me traga satisfação
— Havia três árvores aqui em Bali. Uma era kapuh. Foi essa a árvore que
caiu. A tristeza dos empregados nativos foi quase inacreditável. Eles acreditavam
que fora obra dos maus espíritos e não havia maneira de se saber como os bons
espíritos reagiriam à perda da árvore sagrada. Outra vez fui obrigado a chamar
os nativos se acomodaram.
— Que fascinante! Meu patrão vai ficar encantado com tudo o que você me
contou esta noite. — Kara pegou o copo e começou a beber o vinho. — O que seu
sombrio, com uma máscara enigmática nas feições. Ele me parece auto-suficiente
em sua solidão, nunca procurando por companhia. Algumas vezes ele vem
jantar aqui, porém tenho que providenciar aquela mesa lá atrás. — Ele indicou o
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lugar, mas Kara só pôde ver algumas plantas. — Atrás das plantas. Ele faz as
chegamos a conversar no dia em que nos conhecemos no bar. — Ele fez uma
pausa, tentando se lembrar da pergunta que Kara havia feito. — Ah, sim, você
estava querendo saber o que ele achou de toda a emoção que envolveu a queda da
árvore. Bem, ele aceitou tudo filosoficamente, afirmando que, se alguém decide
viver aqui em Bali, tem que respeitar o modo de vida dos nativos e viver conforme
as regras.
— Ele me parece um homem muito tolerante. Você falou que ele é solteiro?
disse algo referente ao lugar uma vez. Perdeu a esposa há mais ou menos quatro
anos; foi muito triste, pois ela era muito jovem. Talvez esta perda o tenha
de Kara.
Ela engoliu a comida com dificuldade, consciente de que seu coração batia
— Seu nome? É Charles Millard, por quê? — Kara nem ouviu, pois sua
Ele está chegando. Preciso providenciar para que seja preparada sua mesa
preferida.
gesto. O barulho fez com que todos os olhares se voltassem para a sua mesa,
enquanto ela continuava observando o homem que fora tirado tão tragicamente
Capítulo III
Para Kara, pareceu uma eternidade o tempo que eles ficaram olhando um
redor. Ela deu um suspiro profundo quando encontrou seus olhos, e ao mesmo
tempo se surpreendeu pensando que, se Gareth não tivesse dito que aquele
homem era Charles, ela não o teria reconhecido. Havia uma semelhança, mas
aquele homem parecia tão mais velho, e não havia gentileza em suas feições, nem
piedade em seus olhos ou ternura em sua boca. Finalmente foi ela quem quebrou
— Charles... — Mas foi tão baixo que Gareth, do outro lado da mesa, não
irreconhecível:
Conhecidos... Kara olhou fixamente para ele sem poder acreditar, tentando
achar uma razão para aquela mudança tão drástica na aparência e na atitude
dele.
— Então, vou providenciar para que sua mesa esteja preparada. — E, sem
— Mais ou menos. — Duas simples palavras, mas com que dificuldade ela
conseguiu dizê-las!
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coração à vida, pois ele pertencia a Charles. Mas agora... Ela sabia que estariam
diferentes na aparência, afinal ambos estavam mais velhos, mas nunca poderia
imaginar uma mudança tão profunda. Parecia impossível que aquele homem à
sua frente, um estranho, magro e com roupas malcuidadas jogadas sobre o corpo
em completo desalinho, fosse o seu querido Charles. O que teria acontecido com
ele? Ela não teria escolhido aquele homem sequer para ser um amigo, quanto
A última palavra foi dita com tanto ódio que ela abriu a boca para
perguntar o que ele queria saber, mas fechou-a novamente, amedrontada pela
expressão quase selvagem na face do homem que ela amara por tanto tempo, o
homem a quem ela tinha mantido lealdade, sobre uma promessa feita há oito
mente enquanto ele esperava uma resposta, sem se mover. Kara tentou
desesperadamente pensar em algo para dizer, mas sua mente parecia bloqueada.
desagrado.
Outra vez ela ficou em silêncio, consciente das lágrimas salgadas que não
achar as respostas adequadas para ele. Mas, ao invés disso, só pôde sentir a
tristeza que invadia seu coração e a certeza de que nunca mais encontraria seu
amado Charles.
— Estou trabalhando com o sr. Nowell. — Ela parou e, desta vez, por causa
traço, naquele rosto estranho, que pudesse lembrar a ternura e o carinho que
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Charles sempre tivera e que muitas vezes a fizera pensar como tinha tido sorte
— O sr. Nowell e sua esposa vieram a Bali para estudar a cultura do povo.
ir embora e deixar o povo da ilha em paz! — Era uma voz selvagem, e suas mãos
Kara estremeceu; uma parte dela queria fugir daquele estranho, enquanto a
outra desejava ficar para fazer todas as perguntas que estavam em sua mente.
Queria dizer, gentilmente, que não deveriam estar se tratando como estranhos, e
pela garota com quem se casara, como sir Sullivan havia comentado, mas, mesmo
com a morte da esposa, Kara não podia entender por que aquela trágica mudança
em seu caráter. Outra coisa que a estava incomodando era por que ele perguntara
— Seu marido! Perguntei se você está aqui com ele, mas não tem im
portância.
Ele fitava Kara de uma maneira diabólica, e quando ela fixou seus olhos
— Eu disse a Gareth que ficaria para o jantar. Quando ele voltar, por favor,
adorável de Kara, percorrendo-a da cabeça aos pés, e em seguida, com uma voz
voltara para a Inglaterra depois que Tracy morreu e, por alguma razão, acreditou
— Ele não deve ter recebido as minhas cartas — ela murmurou. Kara
tentou tirar da mente a ideia de que Tracy havia destruído as cartas. — Bem,
creio que é compreensível — ela continuou falando consigo mesma. — Ela por
certo ficou com medo que, a partir de uma simples troca de cartas, pudéssemos
nos encontrar, apesar da grande distância entre Charles e eu. Talvez tivesse medo
de perdê-lo, uma vez que não havia nada para mantê-los juntos depois da morte
do bebê. Mais tarde, Tracy perderia seu medo, uma vez que sabia do amor do
marido, mas seria muito tarde para entregar as cartas. De qualquer maneira, ela
deve ter destruído as duas assim que decidiu não entregá-las a Charles.
Como o engano a respeito de seu estado civil tenha vindo à tona, Kara não
podia imaginar, mas só podia ser por causa da mudança do seu nome. Se Tracy
havia destruído as cartas, Charles jamais poderia saber o que realmente tinha
Ele deve ter ido ao meu antigo endereço, mas isto aconteceu há mais de
quatro anos...
Kara tentava imaginar como Charles chegara à conclusão de que ela estava
casada. Lembrou-se então de que, numa das visitas feitas a velhos conhecidos
em sua cidade, todos perguntaram se ela se casara. Ela explicou a razão do novo
tipo de lugar onde vivera, imaginou que ali estava a razão do engano.
Era só levantar-se e ir atrás de Charles para explicar... mas será que era
semelhança com o homem que ela tinha amado no passado, o homem por quem
apaixonado pela esposa, deve ter se sentido desorientado e tinha ido atrás de
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Sabrina 132
Então, quando estava mais precisando da ajuda de Kara, descobriu que ela
estava casada. Deve ter sido um choque violento para ele e esta era a razão de
estar tão furioso. Afinal, seu casamento era a prova de que ela não cumprira com
a promessa feita. Ele deve ter voltado para Cingapura e mais tarde procurado
E ali estava ele, vivendo quase como um eremita... Como se deixara abater!
sapatos malcuidados. Será que ele não tem empregados, ela pensou com
— Muito típico dele. Algumas vezes me pergunto por que ele não se cuida
melhor. Mas venha, vamos terminar nosso jantar. Você poderá me contar como se
conheceram.
Uma hora mais tarde, Kara já estava em seu quarto no hotel, olhando pelo
balcão, com os olhos perdidos no oceano. A luz refletia-se nas ondas calmas e a
brisa suave soprava as águas pacíficas do oceano Índico. Tudo parecia igual aos
outros dias, quando ela vinha ao balcão antes de se deitar. Tudo continuaria igual
se não fosse o desespero no seu coração. Ela estava diferente. Ter encontrado
Charles perturbava sua paz interior. Era tudo tão surpreendente! Será que fora o
devia ou não dizer a Charles que ela jamais quebrara sua promessa, que ela não
estava casada. Se ela contasse, será que ele tentaria recomeçar do ponto onde
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Sabrina 132
haviam parado? Kara balançou a cabeça com tristeza. Nenhum dos dois tinha
esperava que seriam apenas dois. Oito anos era muito tempo. Charles, da
maneira que estava agora, jamais poderia ser seu marido. Não era mais o amante
encontrei nesta noite. Por que devo sentir isso se não o amo mais? — ela
era inevitável. Não havia nenhum desejo agora. Na verdade ela preferia nunca
Kara se culpava, pois o intenso amor que sentia por Charles havia se
que ele não a queria mais. Amor não correspondido acaba naturalmente,
costuma-se dizer, e o deles certamente já estava morto. Será mesmo? Não quis
imaginar o que aconteceria se ela lhe contasse a verdade. Talvez ele a quisesse.
confundiam em sua mente. Charles amara Tracy; ela já aceitara este fato e,
— De qualquer maneira, não o quero mais. Ele não é o homem que amei,
não o meu querido Charles... — Kara repetia para si mesma enquanto lágrimas,
por muito tempo retidas, corriam livremente agora. Kara passou a mão no rosto
Ela estava mais calma agora. Havia se decidido e o caos em sua mente
dissipou-se.
pescador que iniciava sua jornada na busca de camarões e lagostas e sua figura
escura contrastava com o brilho da lua. Era uma cena solitária e reconfortante.
35
Sabrina 132
Quando Kara se voltou para entrar, descobriu que estava tranquila, algo
Na manhã seguinte, às cinco horas, Kara já estava na praia. Desta vez sem
O mar estava calmo e a maré baixa deixava corais e conchas por toda a orla
santuários. A cena era típica: mulheres se banhando nuas da cintura para cima;
De repente, viu uma figura alta que se aproximava com passos largos pela
Ela ficou nervosa. Eles eram estranhos agora! Não havia razão para sentir aquele
Kara olhava fixamente para Charles sem notar os pescadores que saíam ao
Só uma pessoa importava... só uma! Charles. Kara percebeu então que o tempo
não havia diminuído a força e o magnetismo dele. Parecia que havia aumentado,
caminhando com a cabeça baixa, não tinha notado sua presença e percebia-se
que estava longe dali. Kara notou então sua jaqueta amassada, seus olhos
cansados e sentiu que tudo perdia a importância. Ela só pôde perceber uma
coisa: Charles precisava de alguém para cuidar dele. Naquele instante, sentiu-se
boca. Não houve resposta, no entanto ela continuou: — Você sempre vem aqui
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Sabrina 132
para observar o sol nascer? Claro, é muito natural que venha, já que mora aqui.
Ela estendeu a mão para completar suas palavras, mas ele não se voltou
para ver o espetáculo impressionante dos raios dourados refletidos na água. O sol
do que para ele. — Como devem ser felizes as pessoas que podem viver aqui para
havia só uma coisa que ela queria saber. — Charles, você poderia me responder
uma coisa?
A expressão dele mudou. Ele estava interessado no que ela tinha para dizer.
— Bem...
estava se esforçando para descobrir a razão de tal pergunta. Ele parecia sentir
que ela tinha uma decisão vital a tomar. Kara, por sua vez, tentou captar algum
homem podia lhe dar... — Ele se voltou repentinamente e Kara ficou preocupada
assunto.
estava tão angustiado. Ela tinha feito a pergunta com um propósito: se ele tivesse
afirmado que nunca amara Tracy, contaria que não era casada. Diria que nunca
pensara em se casar com outro homem em todos aqueles anos. Talvez Charles
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Sabrina 132
quisesse a sua amizade. Quem sabe isso o levaria a cuidar-se melhor. Mais tarde,
casar-se com ele. Ele teria que mudar muito antes que Kara voltasse a considerá-
lo como seu futuro marido. Entretanto, todos estes pensamentos não significavam
nada, uma vez que Charles admitiu seu amor pela esposa. Sendo assim, Kara
entre eles.
Quando ele finalmente falou, tanto sua voz como seu rosto estavam
indecifráveis.
— Você não se importa de deixar seu marido sozinho por tanto tempo?
Ela ficou confusa e o sangue coloriu suas faces em vista das mentiras que
— Perguntei sobre você, e não sobre ele. — Embora sua voz estivesse fria e
seca, havia um certo interesse na pergunta. — Você não se importa com esta
separação?
Ela passou a língua nos lábios. Nunca imaginou que fosse capaz de
inventar um marido imaginário, e ainda mais falar sobre ele para Charles.
— Não era o ideal para nós, mas decidimos que era uma chance boa
para o mar.
Kara sentiu que ele estava ausente, voltado para seus próprios
também da falta de curiosidade por parte dos nativos que passavam por ali.
tinha ouvido que, por causa das superstições, o povo tinha medo do mar. Eles
Mas este sentimento não devia ser muito forte agora, pois os balineses usavam o
cumprimentou Charles:
— Selamat pagi!
sorriu, e seu coração deu um salto, parecendo por um momento que o ar lhe
faltava. Aquele sorriso era o mesmo que ela amara com loucura no passado.
— Bagus!
dialeto nativo não era difícil. Após a saudação de bom-dia, Charles perguntara
Outra vez ficaram em silêncio. Ela achava muito estranho que Charles
ainda permanecesse ali. Ele não estava interessado em sua pessoa, então por que
ficava ali desperdiçando o tempo dos dois? Finalmente Kara quebrou o silêncio,
dizendo gentilmente:
— Como você passa seus dias, Charles? Gareth me disse que você tem uma
casa aqui em Sanur e que pinta quadros. Este passatempo ocupa todas as suas
horas?
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Sabrina 132
— A maneira como passo minhas horas não interessa nem a você nem a
— Devo voltar ao hotel. Nós começamos a trabalhar muito cedo — ela falou,
— Então é melhor você se apressar — foi tudo o que ele disse, depois de um
momento de hesitação.
Ao chegar ao estúdio, tão logo se encontrou com Hugh, Kara lhe disse:
— Posso lhe pedir que a partir de agora passe a me chamar de sra. West, ao
— Por que esta súbita mudança? — Ele aguardava nervosamente por uma
sua impaciência.
— Hugh, eu não quero falar sobre minha vida particular, e, além do mais,
não nos veremos mais. Então, por favor, não me faça perguntas, só me chame de
sra. West.
— Tudo bem, farei isso, só acho que para os outros tal mudança será muito
estranha.
— Acredito que sim, porém deixarei a seu encargo fazer com que as Pessoas
— Farei o que puder. Felizmente você não fez amizade com ninguém. É
O caso tinha terminado ali. Pareceu a Kara, pois Hugh dera um jeito de
sra. West. Isso queria dizer que, se alguém eventualmente se dirigisse a ela, na
No dia seguinte Hugh avisou Kara de que ela estaria livre durante a tarde.
— Acho que devo dar uma folga a vocês. Jack e Nora, ontem, estavam
reclamando do jeito que estamos trabalhando, porque eles vão voltar à Inglaterra
sem ter ido à praia para um bom mergulho. Quando me entusiasmo com o
trabalho, esqueço-me dos desejos dos meus assistentes — disse ele, sorrindo.
pensou. — Vai levar mais de três horas, talvez seja melhor deixar para uma outra
oportunidade.
— Você tem toda a tarde ao seu dispor. Porém, lembre-se de que temos de ir
ao baile hoje à noite. É muito importante. Quero que você assista e depois me dê
o mal. O bem era representado por Barong, uma criatura fantástica, com olhos
salientes, dentes enormes e uma vasta cabeleira que chegava ao chão. Era, para
homens. Quem representava o mal era a figura de Rangda, de cuja boca pendia
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Sabrina 132
uma língua flamejante, significando que ela consumia fogo-. Um colar de vísceras
bruxaria e magia negra. Eles faziam muitas ofertas aos espíritos antes de cada
— Não há de quê. Talvez você. traga informações que serão úteis ao nosso
trabalho.
Ela não disse nada, pois pretendia aproveitar ao máximo a sua tarde livre.
Queria visitar o mercado, onde todos os produtos eram vendidos apenas por
água na maioria delas, Kara ficou contente por estar com uma roupa simples e
sempre, não havia curiosidade nos olhos daquelas mulheres, que ofereciam seus
Próxima dela estava uma criança adorável, para quem ela não pôde deixar de
sorrir.
— Eu carrego para você — a menina disse num inglês muito bom, com as
mãos estendidas para o grande pacote que Kara carregava. Em seguida a criança
indicou a tira almofadada em sua cabeça. — Posso carregar para você? — A voz
era tão natural e de um tom musical e encantador, que Kara estava quase
Os repetidos apelos com voz suave fizeram com que Kara sorrisse. Ela
meneou a cabeça, simplesmente para ouvir mais uma vez aquela voz tão musical.
A criança aparentava uns oito anos de idade, e já ficava no mercado, onde tentava
ganhar uns trocados dos raros turistas que ali passavam. E aquela era uma
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Sabrina 132
oportunidade que ela não poderia perder, uma vez que havia poucos turistas em
juntas por todo o mercado. Kara estava maravilhada com aquela menina graciosa
que mais parecia uma princesa do que uma menina comum. E pelo brilho de
seus olhos e pelo seu andar dançante percebia-se o quanto estava feliz. As
crianças olhavam com inveja. Kara comprou outras coisas, mas, como eram
— Não, estas coisas são muito pesadas! Não pode levá-las sozinha. — Kara,
no entanto, sabia que a menina podia, pois estava acostumada àquilo. Quando
pacote.
dividiu todos os trocados que tinha entre elas, e rapidamente saiu dali.
hotel.
que fizera até o mercado. — O povo daqui é maravilhoso. Eu poderia viver nesta
Capítulo IV
levava para o outro mundo. O calendário religioso era o padrão para todas as
suas atitudes, e esta fora a razão de esperarem o "dia propício", que tinha
direções que olhava. Jack e Nora estavam sentados na fileira da frente. Hugh
estava com um outro rapaz, membro do grupo, que também se chamava Hugh.
Para facilitar as coisas, esse último havia concordado em ser chamado de Hugo.
dança iniciou-se com a entrada de Barong e seu amigo, o macaco. Kara, sentada
estar no meio de uma comunidade pagã... Tudo junto atraía Kara profundamente
para aquele lugar onde o frio não existia. Ela estava tão absorta no espetáculo,
que nem moveu a cabeça, quando alguém se sentou ao seu lado, com medo de
perder alguma coisa que estava acontecendo à sua frente.
tempo balançando o rabo, Kara, esquecendo-se de que não sabia quem era a
— A gente até esquece que esta criatura é irreal, não é? Espero que Hugh
homem ao seu lado. — Sinto muito... Eu... — Ela parou novamente e tentou
explicar: — Tinha esquecido que estava sozinha. Eu quis ficar só... — Uma vez
mais sua voz falhou, e Kara ficou contente com a pouca iluminação, pois sentia
as faces ardendo.
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Sabrina 132
Por que estava tão abalada com a presença de Charles? Afinal, esse não era
angustiado e de aspecto cruel, tão marcado pelo sofrimento em que vivia como
um eremita. E que apesar de tudo estava ali, naquela noite. Percebeu que Charles
devia estar se sentindo muito só para se aventurar pela vila e passar algumas
— Por que você queria estar só? Tem alguma razão especial? — Perguntou
secamente.
seguiu após a Dança de Barong. Viu-se projetada a sombra das longas unhas da
terrível Rangda, por entre as portas do templo. Quase imediatamente sua figura
silêncio foi quebrado pelo bramido que saiu de sua boca enquanto, abrindo
onde provinha sua magia negra. Num violento choque de bruxaria, eles colidiram
Kara. Não houve resposta do homem sério e carrancudo que estava ao seu lado.
Sim, era inacreditável que aquele povo achasse que uma boa ou má sorte
aquela dança muitas vezes; eles sabiam que Barong prevaleceria sobre Rangda;
mas assim mesmo esperavam, sérios e com ansiedade nos olhos, pelo final da
sua chance de vitória parecia ameaçada. Rangda foi violentamente atacada, mas
era tão grande o seu poder de transtorná-los, que acabaram dirigindo o ataque a
corpos.
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Sabrina 132
foram fortalecidas e eles não conseguiam cortá-las com as facas. Tudo isso
nessas coisas.
responder:
Kara não respondeu. Toda a sua atenção voltou-se para os dançarinos que
templo, que era capaz de ressuscitar. A água estava em contato com a barba de
Finalmente, uma oferta era feita aos espíritos maus. O sangue de uma
precipitação geral para o portão monumental, o tjandi bentar, que parecia uma
turistas que tinham ido assistir ao espetáculo. Kara não se moveu; ela não tinha
consciente de que a praça estava quase vazia e de que sua equipe não sentia sua
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Sabrina 132
falta. Eles deviam achar que ela estava em algum lugar entre a multidão e a
que seria melhor viver no inferno do que ser casada com aquele homem. Charles
olhou para ela, e seus olhos pareciam mais cruéis do que nunca. As linhas de seu
rosto pareciam talhadas em granito. Ela ficou assim absorvida com um curioso
— Você pretende ficar aí? — A pergunta foi feita tão sem cerimônia, que
Kara estremeceu.
se.
— Com o quê? — ele perguntou rápido, mas com tanta expressão, que a
— Com a dança... começou, ruborizando pela mentira, pois sabia que não
enganaria Charles.
— A dança, é? — falou com ironia. — Você terá muito para discutir com seu
lembrou de nada e acabou dizendo: — Você vai ficar mais algum tempo assistindo
Ele não respondeu e Kara observou seu rosto, detendo-se nas olheiras
profundas tão visíveis. Não pôde deixar de vê-lo como era há oito anos. Pensou na
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Sabrina 132
sua esperança de reencontro, sua devoção leal, sua recusa a qualquer outro
E agora, não se casaria com Charles mesmo que ele lhe implorasse.
Ele não fez nenhum esforço para responder à pergunta feita por Kara.
Kara ficou em êxtase por um longo tempo, incapaz de entender por quê,
mas sabendo que queria que ele olhasse para ela. Ele, porém, não se moveu. Com
Passou-se mais de uma semana antes que Kara o visse novamente, mas
uma raiva indescritível contra as pessoas que trabalhavam com ele. No seu
decidiu visitar a vila de Batubulan. Ali poderia observar os mais lindos templos
de toda a ilha. Ela foi de táxi, e durante o trajeto ficou encantada com as
brilhantes e chapéus de palha com abas largas, dando colorido àquele cenário de
sorriso:
Muito obrigada!
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Sabrina 132
— Então, nos encontramos outra vez. Como o destino pode ser tão
caprichoso!
— Acontece que tenho amigos na ilha — foi a resposta seca e seus olhos
fitavam-na com arrogância. Depois de uma longa pausa, ele falou: — Eu poderia
fazer a mesma pergunta, Kara, se não soubesse que seu único propósito é
— Não é nada disso! — protestou com raiva, sentindo seu rubor aumentar.
— Estou aqui a pedido do meu chefe, admito, mas apenas para ver o que todos os
Kara sabia que começaria a chorar. Nunca o tinha visto com tal expressão. Onde
estava toda aquela gentileza? As maneiras educadas e calmas que ela tanto
amara? A mágoa tinha operado uma mudança radical em Charles. Tanto, que não
havia a menor semelhança deste homem com o jovem a quem ela entregara seu
— Vocês estão aqui, nesta ilha, para bisbilhotar — ele falou sem
como um eterno paraíso tropical. Os hoteleiros virão aos bandos e, antes que
possamos nos dar conta, a beleza da ilha e seu povo serão despojados. — Sua voz
1
O nome desse templo hindu= Pura Dalem Gede Bongkasa
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Sabrina 132
Kara podia entender, e de repente percebeu que também não queria ver
mais nenhum hotel na ilha. Ainda assim respondeu com certa ironia:
que apreciam a beleza natural. Não é uma atração artificial proporcionada por
embusteiros cujo único deus é o dinheiro! Será que dá para você perceber a
diferença?
assunto. Reforçou que estava ali para trabalhar e que devia fazer algumas
anotações.
voz baixa e musical conseguiu atrair a atenção de Charles e ele esperou que ela
templos magníficos.
Charles não falou nada; ele estava apenas observando enquanto ela movia
e ela soube que ele estava experimentando um certo desprezo pela maneira como
razão para Charles a tratar assim. Claro, ele pensava que ela estava casada.
Só havia uma razão: Charles, agora, não sentia sequer vestígios da afeição
com ele. Ela jamais se casaria com esse homem! Como tinham sido tolos ao achar
Parecia que ele ia embora sem se despedir e, com a voz trêmula, Kara
Quero dizer, algo que possa me ajudar com meu trabalho? — O pedido,
reforçado pela súplica em seus olhos, era incompreensível para a própria Kara.
Ela queria que ele a deixasse sozinha... e mesmo assim tentava fazê-lo ficar.
nenhuma simpatia.
respiração, na expectativa.
A resposta dele poderia ser tanto seca e rápida, como uma negativa,
seguida de uma partida imediata. Para sua surpresa, ele parecia disposto a falar.
Uma vez mais ela pensou na solidão que o envolvia e sentiu-se estremecer. Seria
compaixão? Como estavam confusos seus sentimentos! Tinha simpatia por sua
tristeza; preocupação pela maneira como ele estava vivendo; e sobretudo aversão
por ele, complementada pela satisfação de saber que aquele homem não era seu
marido.
Ele estava falando sobre o templo e Kara pensava; pensava que o pior de
tudo fora a mudança em sua voz. Ele costumava ser tão amoroso quando falava
com ela; para os outros, era sempre educado, mas no momento parecia tão
grosseiro!
— Você deve saber que existem pelo menos três templos em cada vila, isto
além dos templos que você encontra em cada casa. Existem ainda os templos ao
lado das casas de banho, dedicados aos espíritos das águas. Todos são
considerados, pelos balineses, como lugares onde se pode entrar em contato com
os espíritos, através de orações e oferendas. Como você sabe, as ofertas são feitas
espíritos, e os temem.
51
Sabrina 132
andando pelas estradas escuras, macacos com dentes dourados, monstros com
olhos de fogo... — Charles continuou e sua voz estava mais calma e menos fria.
Kara não ousou mostrar seu contentamento; ela não tinha dúvidas de que
Charles simpatizava demais com o povo da ilha e sua incrível religião. Ele era
seu charme inocente e aceitação ingênua, sem questionar tudo o que havia sido
Charles continuou como se falasse para si mesmo. Ele estava sorrindo agora,
embora não fosse o sorriso que ela conhecia. Na realidade, era apenas uma
sombra do sorriso que tantas vezes fizera seu coração disparar de amor por ele.
— Não preciso dizer que esses leyaks nunca foram vistos por ninguém, a não ser
pelos balineses.
aquela resposta.
— Não devo mais atrapalhar você — ela falou num tom baixo e seco. —
Você disse que estava aqui para visitar seus amigos, não é?
praça, como uma estátua, observando-o até que ele se perdeu numa daquelas
ruelas. Onde estaria indo? Será que seus amigos eram ricos? Ou talvez
campos de arroz? Ele era tão estranho! Quieto e introvertido, e no entanto tão
expansivo quando falava sobre o templo. Kara ficou imaginando se ele queria
— Por que você mudou tanto? — murmurou. — Você não é Charles Millard,
trabalho para fazer: anotações, observações para memorizar e poder tomar parte
Dando a volta no pátio, sombreado por árvores e pela alta torre cilíndrica,
Kara passou para o outro pátio interno, cujo portão era guardado por dois
das divindades. Ele levantou a cabeça e sorriu, antes de limpar as folhas caídas e
— Selamat siang, pak — ela falou com um sorriso. — Boa tarde. Pai!
rugas e a aparência cansada de suas mãos. Como era dura a vida para todos ali!
Eles eram tão zelosos nas cerimônias, que gastavam quase um quarto de seus
— No Hotel Bali Praia? Você está passando férias em Bali? — Desta vez as
Ela achou melhor dizer que sim e depois, sem poder se controlar,
perguntou:
o... Kapalan?
Millard; ele gosta muito da filha de um dos meus amigos. — De repente ele parou,
Eu... eu não ouvi falar sobre esta jovem, na qual ele está interessado. Ela é
— Seu nome é Ni Made, e ela é muito bonita. Ela é muito jovem também,
— Você acha que ele vai se casar com ela? — Não havia emoções agora,
nem em sua voz e nem em seu coração. Ela achava que seria bom para Charles.
Kara lembrou-se de como ele era apaixonado e de seus beijos ardentes; ela já
admitia que naquela época ele seria um amante maravilhoso. E ele estava só há
muito tempo. Lembrou-se de Tracy, sua linda esposa apenas no nome. Para um
homem como Charles, deve ter sido uma tortura, especialmente depois que se
apaixonou por ela. Sim, para Charles, seria bom um novo casamento.
— Ela está apaixonada por ele. Seu pai não vai impedir o casamento, se é o
ainda estavam presos ao que o sacerdote lhe contara. Charles e uma linda jovem
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Sabrina 132
De repente, Kara pareceu acordar de um sonho. O que tudo isso tinha a ver
com ela? Estava em Bali com a finalidade específica de ajudar Hugh em suas
se de todo o resto.
Capítulo V
No dia seguinte, Hugo foi a Denpasar, para tirar algumas fotos. Jack e Nora
tinham a tarefa de investigar alguns costumes da ilha. Hugh e Kara foram juntos
visitar o templo de Ulu Watu, que ficava no topo de um penhasco a quase cem
arbustos até o templo. Cactos imensos cresciam na terra seca, e Kara pensou que
as raízes deviam tocar as rochas. Havia apenas uma fina camada de terra
fazendas da ilha.
fumadora e mais duas máquinas fotográficas, uma para fotos e outra para slides.
terras centrais de Bali. Ali, rios de águas claras serpenteavam trazendo água
pura e cristalina das montanhas. Kara podia observar isso do alto do precipício.
de Kara não foi o templo em si, nem as grotescas esculturas que adornavam sua
entrada, mas sim a figura de uma macaca, com um olhar nostálgico, sentada no
— Veja! — Ela apontou. A macaca olhou, mas não fez nenhum movimento
para fugir. Logo apareceram um macaco maior e outros que, pelo jeito, também
estavam em Charles.
— Sim, eu sei, mas há algum mistério envolvendo a sua vida. Aqui e agora
você está livre, por assim dizer. Mas a ideia que tenho sobre você é a de uma
adorável esposa de um marido maravilhoso, que lhe deu duas crianças lindas e
inteligentes.
Kara ficou realmente encabulada com aquelas palavras e virou-se para que
Hugh não notasse sua emoção. Naquele momento ela se lembrava de como havia
se sentido feliz naquela tarde encantadora, quando seu amado Charles, com toda
delicadeza, emoção e profundo amor, tocou sua mão e colocou em seu dedo um
tiver vinte e dois, já ter um menino e uma menina", ela tinha dito.
Agora ela estava ali em Bali, com vinte e seis anos, solteira e sem vontade
câmera que estava em cima de uma pedra. — Posso tirar as fotos, se você me
— Dos macacos, é lógico! Você acha que pode tirar uma da mamãe-macaca
com o filhote?
castanhas que Kara jogava para eles, mas quando elas se acabaram eles ficaram
furiosos! Dois deles, machos, rasgaram sua capa e um outro pulou sobre seus
ombros. Hugh viera socorrê-la, mas ela estava tão assustada que precisou ficar
Eles não estão acostumados a receber alimentos. Não acredito que haja perigo,
consigo.
Para sua satisfação conseguiu chegar perto do muro onde a fêmea estava
Kara tirou outras fotos antes de fazer as anotações. Ela já sabia que Ulu
Watu era um dos seis templos mais reverenciados em Bali. Ele fora construído em
honra ao espírito protetor dos mares. Espetacular e solitário, era tão sombrio
quanto bonito. Cada pequena saliência era adornada com ofertas delicadas,
palmeiras.
sonhadoramente, sentindo que estava vivendo de algum modo irreal. Ali não
havia pecado, maus pensamentos e a inveja nunca teria lugar. — Que fé...
Colocar essas ofertas aos espíritos, que eles sabem que nunca vão ver... — Ela
olhou para Hugh, que a observava com uma expressão intrigada. — Por que eu
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Sabrina 132
uma inglesa que vive o lado prático das coisas. Recebe o pagamento uma vez por
mês, e calcula exatamente no que poderá gastar seu dinheiro, quanto poderá
comprar e por quanto tempo terá esse dinheiro; e agora fica emocionada com essa
gente, porque eles são bastante pobres e mesmo assim gastam tudo o que têm
— É um dinheiro que eles não podem gastar, é verdade, mas não consigo
— Você sabe que estas ofertas que eles fazem são inúteis. Por você, eles,
com este dinheiro, deviam comprar sapatos para as crianças e outras coisas que
— Bem, eu estive pensando e acho que você poderia ajudar, porque conhece
aquele homem, Gareth, que vive na ilha há alguns anos. Pelo que ele lhe contou,
tem amigos entre os nativos. Você não acha que ele poderia nos arranjar uma
— Então, faça isso, Kara. — Hugh colocou sua câmera na maleta e pegou
as outras duas que estavam sobre a pedra ao lado de Kara. — Isso quer dizer que
você vai precisar de uma ou duas horas durante a tarde, para ir até o Kapalan.
Charles lhe veio à lembrança. Será que ela iria encontrá-lo? Desejava muito revê-
lo e poder falar com ele. Não sabia bem por quê, mas queria, queria muito
encontrá-lo novamente.
Lembrou-se dos últimos encontros que tiveram. Uma parte dela queria
caminho, enquanto a outra parte desejava permanecer ao seu lado, falar com ele,
fazer perguntas e saber tudo sobre sua vida, seu passado, seu presente, seus
Talvez fosse apenas piedade que lhe dava vontade de ficar ao lado dele.
Sabia que o fato de Charles estar tão solitário e triste pesava em seu coração;
gostaria de fazer algo para iluminar a vida dele, mas o quê? Não tinha poder para
amargura.
— Vamos nos sentar aqui — disse, indicando uma das mesas, junto à
janela.
de Badung. Algumas pessoas tomavam sol, outras nadavam, e quase todas elas
59
Sabrina 132
tropicais.
Ela explicou que Hugh queria visitar uma casa bem pobre da ilha.
— Devo admitir que eu mesmo nunca entrei numa destas casas. Sempre
me pareceu como uma invasão, e assim não tive ainda a preocupação em visitá-
las.
— Como você já deve saber, esses nativos não gostam que sua intimidade
sorriso.
cabeça para esquecer? Charles é muito amigo de algumas dessas pessoas. Você
— Acho que não devemos perturbá-lo, Gareth. Ele gosta de ficar sozinho.
Não, não devemos pedir a Charles — Kara falou, de modo decisivo. Ela estava
— Kara, foi tudo muito vago o que você disse a respeito de Charles, naquela
tarde. Lembra-se de que lhe perguntei como vocês se conheceram? — Ele fez uma
pausa, observando a reação dela. — Depois de alguns dias fiz a mesma pergunta
60
Sabrina 132
a Charles. De uma maneira muito rápida, ele se colocou atrás de uma parede
que ele tinha sido casado, e que ficou desolado com a perda da esposa, ia pensar
que vocês foram mais do que simples conhecidos. Charles deixou transparecer
lembra?
— Chamei você de srta. West. Mas, quando falei com Charles, ele disse:
"Não tenho nada a falar sobre a sra. West, exceto que somos conhecidos".
— Sra. West, Kara. E, quando fui ao Bali Hai Supper Club para encontrar
um amigo, ouvi seus companheiros conversando. Seu nome foi mencionado, sra.
West. Parece estranho, mas porque você não me corrigiu na primeira vez, quando
— Você deve conhecer outra pessoa que possa nos ajudar, Gareth.
Batabulan e do velho sacerdote que lhe falara sobre Charles e a linda jovem
nativa, Ni Made.
ajuda dele?
— Imagino que ele consiga arranjar uma visita numa dessas casas. Será
que devemos pagar aos nativos? Estou perguntando para não fazer nada errado, e
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Sabrina 132
como você conhece o costume desse povo, acho que é a pessoa indicada para me
dizer.
observou Kara por alguns momentos. — Há muito para se aprender aqui em Bali.
— É o tempo que temos e tem que ser suficiente. Bem, Gareth. acho que
não devo mais ocupar o seu tempo. Muito obrigada por receber-me e por
olhou diretamente em seus olhos antes de completar: — Exceto por sugerir que
— Agora preciso ir. Talvez eu o veja passeando pela praia, qualquer dia.
seduziram.
isso. Bali é única; tem surpreendido o mundo por décadas, por sua estranha e
fascinante cultura, seus costumes radicais, seus rituais estranhos e sua crença
no poder dos espíritos bons e maus. Você ainda não assistiu a uma cerimônia de
cremação?
conversa com um garçom, ficou sabendo que o avô dele fora enterrado há quatro
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Sabrina 132
anos; na época a família não tinha dinheiro para a cerimônia de cremação, então
também gravar.
— Podemos tirar fotos? — Kara quis saber, pois tinha sua câmera e já havia
— Espero que sim, mas precisamos ter certeza. Seria desastroso irritarmos
um acontecimento feliz. Para um nativo, esta era a única maneira pela qual a
uma casa onde nossas almas vivem. Ser enterrado não liberta a alma. Somente a
cremação o faz. — Ele era um jovem inteligente, que trabalhava como garçom nos
— Mas é claro que sim! É a verdade. A alma do meu avô vai se libertar hoje
concordou imediatamente.
escola?
morto
63
Sabrina 132
colocado sobre uma plataforma. Ao redor dela, havia ofertas de todas as garotas e
— Isto é feito para confundir a alma. Assim, ela não encontrará o caminho
— É incrível!
— Esses rituais são mantidos há séculos, Kara. E, até agora, nada mudou.
brilhantes contrastante com o azul do céu. Tinha cinco patamares; poderia ter
até onze, dependendo da classe social da pessoa em questão. Como o homem era
plataforma.
espetacular e incrível. A multidão, formada por nativos que viveram perto daquele
da terra, olhava as coroas com olhos ofuscantes. Essas coroas ficavam colocadas
O próximo ato daquele drama espantoso era levar a torre para o local onde
levantou a voz para quebrar o silêncio. Ela estava totalmente envolvida pelo
ritual. A torre era precedida por uma fila única de mulheres em seus sarongs
tempo todo. A torre foi acesa e as chamas se elevaram em direção ao céu, ao som
— Bem... foi uma cerimônia incrível! — exclamou Kara, extasiada pela cena
Hugh.
— Elas devem ir para a água, então? — foi a pergunta que Kara fez, pois
— Coisas naturais.
Muito perto da natureza, pensou Kara que, ainda atordoada com o que
— É mesmo? — Seus pensamentos voaram para Charles, cujo lar era ali,
seguissem a rota planejada, nenhum dos dois estaria em Bali agora. Charles,
como arquiteto, não tinha muito dinheiro; a família que haviam planejado
ocuparia quase todo o seu tempo. É verdade que Charles, mais tarde, herdaria a
fortuna da tia; mas naquela época ela não tinha ideia de quando isso ia
acontecer. Talvez, algum dia, ela e Charles viessem a Bali em férias, mas não
acreditava nisso. Com crianças pequenas, o tipo de férias mais normal seria onde
carro. As outras pessoas foram num outro carro. — Você me parece preocupada.
você. Seu chefe me deu uma ótima referência. Você era eficiente, prática, digna de
confiança. Ele falou como se você nunca tivesse revelado qualquer emoção.
— Ah, isto é diferente! Sei que estou trabalhando, mas também me sinto
— Não gosto de falar sobre minha pessoa. Você já deveria saber disso.
estavam chegando, uma mulher toda vestida de branco chamou sua atenção. Ela
— Você por acaso sabe por que aquela mulher está vestida de branco? —
— Ela está a caminho da casa de alguém que morreu. Ela vai preparar o
— Sim. É um costume.
Chegaram à vila. Como sempre, havia três templos: "Pura Puseh", que era o
Templo da Cidade, ou "Pura Desa", que era usado somente para grandes
presenteadas.
movimentavam, mas tudo era muito lento. Alguns olhavam para o carro, mas era
com um interesse casual, assim como o sorriso e o aceno de mão, caso Kara
quisesse cumprimentá-los.
A vila foi deixada para trás e estavam novamente viajando pelos campos.
a via principal da cidade, ficava uma estátua enorme. Era o guardião das
estradas. Ali, nunca haveria acidentes. Os balineses acreditavam nisso, uma vez
— Receio que não sejam tantas assim. Foi o acontecimento que me deixou
mais empolgada desde que cheguei. Mas fiz algumas observações, e está tudo de
— Ótimo! Então acho melhor fazer isso agora. Nós nos veremos durante o
jantar.
informações ela já tinha daquela ilha maravilhosa! Sentiu que devia manter um
caderno de anotações para si. Assim, poderia de vez em quando lê-lo e reviver
— Estive pensando sobre sua recente visita ao Kapalan. Você falou que
verdade, ela apenas comentara que Gareth tinha um sócio, e que vivia numa casa
— Intromissão?
— Sim, ele é um homem ocupado. — Ela tentava tirar esta ideia da cabeça
de Hugh, pois não queria que ele encontrasse Gareth. De maneira alguma ele
poderia ficar sabendo que Charles e ela se conheciam há muito tempo. — Mas
— Gostaria que você tentasse, Kara. Estive pensando que Oka, nosso
garçom, poderia conseguir alguma coisa. Mas não gosto de pedir tantas coisas a
ele. Oka tem sido muito útil e não seria justo ficar dependendo tanto dele.
cerimônia de cremação.
— Parece que, apesar de tudo, terei que falar com Charles. — Kara estava
estrelas brilhantes.
Mais uma vez, seu pensamento levou-a muito tempo atrás, quando Charles
estava apaixonado por ela. Eles acreditavam que nada poderia mudar o futuro
que haviam planejado. Eles tinham sido tão unidos, o amor entre eles era tão
forte, que Kara sempre soube que, quando um deles morresse, o outro não
sobreviveria sozinho.
"E se eu tiver que viver sem você?", ela perguntou uma vez para Charles.
"Você nunca viverá sem mim, querida. Estaremos juntos para sempre", ele tinha
afirmado...
espécie humana, símbolo espiritual de tudo o que é- bom e puro na vida. Você me
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Sabrina 132
protegeria? De quê? — Ela balançou a cabeça. — Não sei... Mas aqui, dentro de
Capítulo VI
Kara acordou cedo, como sempre. Olhando para Barong, disse, sorrindo:
— Bom dia! Hoje me sinto bem melhor do que ontem. Será que devo isso a
sozinha. Ela pulou da cama, supondo que a razão de estar se sentindo melhor era
telefonar para Gareth. Se ela pudesse falar com o sacerdote, poderia persuadi-lo a
Sem querer contar a Hugh sua relutância em falar com Gareth, apenas lhe
— Você pode tirar a tarde toda. Fui convidado pelo gerente do Hotel Bali
— Sim. Por favor, não se esqueça de entrar em contato com seu amigo
Gareth!
Ela alugou um táxi, e logo descobriu que o motorista era primo de Oka. Ele
estudava Direito, como Oka, e trabalhava nos períodos em que não tinha aula.
— Estou com sorte. Você poderá me contar muito sobre os lugares pelos
quais vamos passar, no caminho para Batubulan. — Ela pensou em pedir sua
ajuda para visitar uma daquelas comunidades, mas desistiu. Hugh poderia não
aprovar.
70
Sabrina 132
— Claro que sim. Ficarei feliz em poder explicar o que quiser. — Pediu-lhe
que o chamasse de Tommy, pois seu nome era muito difícil para os estrangeiros
pronunciarem.
Kara fez algumas perguntas, mas ficou calada a maior parte do tempo,
novamente, no mesmo lugar, era muito remota. Charles quase não saía; não
encontro em Bali, depois de tantos anos. Era uma chance num milhão, e
acontecera. Se a secretária de Hugh não tivesse se demitido, ela nunca estaria ali.
mesma. — Parece que tinha que ser... — Mas seus pensamentos foram
No entanto, uma voz interior lhe dizia: Não é problema meu. Charles e eu
não significamos nada um para o outro; ele é um estranho, tanto quanto Gareth;
Seus pensamentos estavam cada vez mais confusos, e a voz de Tommy foi
— Quanto tempo você pretende ficar aqui? Se for por mais de uma hora,
terei tempo para visitar minha avó, que mora aqui na vila.
— Ficarei mais de uma hora, Tommy. Pode ir, espero por você aqui mesmo.
divindades. Depois, passou através de uma porta que tinha a ver com as coisas
da vida e do mundo. Uma porta interior levava para o mundo espiritual, além da
morte. Outra vez ela parou imóvel, com as estátuas ao seu redor, estranhas e
sacerdote.
Engoliu secamente e deu uma olhada ligeira. Tinha certeza de que era
Charles.
no idioma nativo.
— Você voltou logo! Haverá alguma atração para você no Templo da Morte?
pedido.
Sem perceber, Kara pegou uma daquelas lindas cestas, nas quais fora
colocado arroz. Havia apenas alguns grãos, visto que os pássaros que por ali
— Com paciência. Os espíritos não gostam de nada que não seja feito com
paciência e reverência.
— Quanto tempo uma mulher leva para fazer uma cesta como esta?
Por fim ela falou, sabendo que a timidez ou a indecisão não iriam ajudá-la
de modo algum.
— Por que você fez este pedido? Você disse que está passando férias no Bali
— Estou interessada em tudo o que diz respeito à ilha. E pode ter certeza
Ele ficou pensativo e por alguns instantes Kara temeu por uma resposta
negativa.
— Posso ver isso para você — disse por fim. — Tenho um amigo e creio que
— Não creio que meus amigos vão apreciar receber dois intrusos ao mesmo
tempo.
— Eu não devia ter pedido. Serei grata se puder conseguir uma visita ao
— Vou fazer o pedido hoje à noite. Se ele concordar, direi que você estará
Ele parecia ansioso para terminar seu trabalho e Kara resolveu esperar por
— Sim, não devo atrapalhá-lo mais. Selamat siang, pak. Terimi kasih.
Tommy voltou e a levou para o hotel. Ela resolveu dar uma volta pela praia
no entanto, estavam fixos no ponto onde ela acreditava ser a casa de Charles. O
escondendo a casa.
imagem era muito vaga e ela sentiu vontade de ver além do portão, só para saber
em que tipo de lugar Charles vivia. Quem sabe, um dia, ela teria coragem de
atenção e ela se sentou novamente. A cada momento uma nova nuança de cor
aproximava.
deserta. Estava só, com os deuses e espíritos bons e maus, que flutuavam à sua
procuravam por tartarugas, um manjar que somente pessoas muito ricas podiam
saborear.
passos a levaram pela praia até o portão da casa de Charles. Quando finalmente
silenciosamente. Tudo estava calmo e tranquilo. Por que ela quis ir até a casa ou
como encontrou coragem para fazê-lo, Kara jamais conseguiu descobrir. Ela mal
iluminada apenas pelo luar. Como se tivesse levado um choque, voltou-se com a
mover. Quando o fez, sentiu que não estava só. Vergonha e culpa refletiam-se em
seus olhos quando ela viu o rosto selvagem do homem que tanto amara.
— O que você está fazendo aqui? — ele perguntou com raiva, enquanto ela
se encostava na parede, amedrontada pelo seu tom de voz. Dirigiu-se a ela como
a um intruso que viera profanar a sua propriedade. — Como você se atreve a vir
Ela balançou a cabeça negando, pois não conseguia dizer uma só palavra.
mãos se estenderam para ele, suplicantes. — Nem sei por que entrei no seu
jardim... — Fez uma pausa, agradecendo à penumbra, que escondia seu rosto
— Sim... sinto muito, Charles. Não pretendia perturbar sua paz, sua
não posso explicar. Mas, creia-me, sinto muito. Estou errada e só posso lhe pedir
correr. Agora estava escuro, e as sombras das árvores tornavam o caminho mais
sombrio. Kara corria mais por instinto do que pelo senso de direção, tentando
encontrar o portão. Ela podia ver o metal trabalhado, que enfeitava a parte
superior, delineado contra o céu escuro. Estava quase alcançando a saída quando
— O que aconteceu? — Era Charles que estava ao seu lado. Suas mãos a
orgulho fez com que Kara, apesar da dor, se sentasse. Mas ele, ajudando-a
imaginar o que ela estava pensando. Ela, preocupada pela falta de emoção
naquele contato físico com o homem que, no passado, podia levá-la às alturas
— Sinto muito por todo este trabalho. Acho que posso dar um jeito de voltar
ao hotel — Kara falou, embora seu corpo todo ainda estivesse dolorido. A dor de
cabeça parecia aumentar a cada pulsação, e ela tinha vontade de fechar os olhos.
— Você está machucada? — Não havia mais aquele tom frio em sua voz,
Ele estava ao seu lado, olhando-a com uma estranha expressão. De repente
Kara se levantou assim que ele saiu da sala, observando seus movimentos.
lugar que estivessem, as mulheres costumavam olhar com inveja para a garota
Ele voltou e ela ficou pensando em por que ainda estava ali. Tinha pensado
em fugir quando Charles saíra da sala, mas não o fez e agora ele voltava trazendo
Mas, afinal, o que estava errado com ela? Charles iria lhe dar uma dose de
veneno?
— Acho que estou bem, agora — Kara assegurou, tentando sorrir. Mas não
conseguiu. Seus lábios tremeram e ela inclinou a cabeça, tentando superar a dor
começando pela beleza da mobília, que era totalmente entalhada. Era, sem
tinham vindo de sua casa em Cingapura. Da casa onde tinha vivido com a
mulher, tão profundamente amada que a sua perda tinha lhe tirado a vontade de
viver. Chega a ser irônico, Kara pensou, que ele tenha odiado a ideia de se casar
com Tracy... Kara decidiu cortar estes pensamentos; não trariam nenhum
resultado, pois o passado já se fora... assim como o amor que existira entre eles.
— É melhor você ficar aqui mais um pouco. A praia está muito escura
agora. A maré deve ter deixado muitos corais na areia, e pode ser perigoso. Você
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Sabrina 132
poderia tropeçar outra vez e cair. — Não havia ansiedade em sua voz; era um
convite impessoal, feito com educação e sem qualquer outro motivo especial.
Kara hesitou. Parte dela queria ir embora, mas a outra metade desejava
Apesar de sua aparência malcuidada, ele ainda possuía algo que a atraía.
— Sinto que devo ir, já lhe dei muito trabalho. — Seu rosto estava pálido e
— Sente-se, Kara — ele falou com delicadeza, mas ela entendeu que era
uma ordem. Kara olhou primeiro para seu rosto cansado, depois para o sofá ao
— Mas vai ficar. — Seus lábios formavam uma linha estreita e cruel, e seus
Fascinada, ela não podia desviar o olhar do rosto dele. Seus cabelos já
mostravam alguns fios prateados e havia algumas rugas em volta do olhos, sob o
bronzeado uniforme que adquirira após tantos anos na ilha. Sem perceber, Kara
balançou a cabeça, tentando fugir daquela atração que ele exercia sobre ela.
— O tempo fez várias mudanças em mim, você está notando e não gosta do
olhar para mim, mas não costumava ser assim, não é? — A voz dele estava mais
suave e ela sentiu que ele não conseguia manter aquele tom cruel. — Lembro-me
que, quando você não podia ver-me com frequência, costumava dizer que o seu
maior desejo era que eu não precisasse trabalhar quando nos casássemos, assim
poderíamos ficar juntos o tempo todo. E hoje você estremece e quer fugir. — Ele
Kara sentiu que a pressão dos dedos dele aumentava, e estava machucando
— O tempo mudou você também, Kara, e para melhor. Você está mais linda
do que nunca. — Uma das mãos dele tocou seus cabelos, seu rosto, acariciando-a
com ternura antes de se mover para seu pescoço, onde se fechou vagarosamente.
colocou sobre a dele. Kara sentiu que Charles estremecia e, antes que ela pudesse
perceber o que estava acontecendo, ele a envolveu em seus braços. Seus lábios
sentia. A boca de Charles, ainda cruel, continuava pressionando a sua, num beijo
como seus modos. Kara viu o momento em que ele passou a mão nos olhos, como
— Sinto muito. Não sei o que aconteceu comigo — ele falou num tom
impessoal.
sentiu mais velha do que ele. — Você não pode viver se lamentando para sempre
— Quanto tempo é para sempre? — Ele não estava mais ali; Kara tinha certeza de
que estava com Tracy, sua adorável esposa... e estas lembranças o crucificavam.
ficou imaginando se ele notara sua saída. Como o caminho estava bastante
Por sorte, não houve nada mais grave, e no dia seguinte Kara estava
Kara tomou café com torradas e participou da conversa. Sua mente, no entanto,
de saber se Charles estava se sentindo melhor naquela manhã. Esperava que não
pediam sua opinião no assunto que discutiam. No entanto, sua mente continuava
voltada para Charles e seu momento de fraqueza... Então ela sentiu que tinha
O sangue coloriu suas faces e ela continuou a imaginar o que poderia ter
acontecido se Charles não tivesse parado a tempo. Ele ainda tinha um controle
excepcional; e ela não teria sido uma boa companhia, especialmente quando ele
Hugh estava falando com ela e Kara procurou prestar atenção às atividades
que iam se realizar naquele dia. Eles deveriam visitar uma fonte sagrada em
Tampaksiring, onde, de acordo com a lenda, Indra, o deus das águas, ferira a
terra para criar a fonte, que por causa disso tinha poderes mágicos. Os balineses
de toda a ilha vinham para a cerimônia de purificação. Numa noite de lua cheia,
uma pedra seria levada da vila de Manukaya para ser limpa pelas águas da fonte.
— Apenas para provar como um costume pode ser mantido através dos
séculos, os balineses têm visitado esta fonte por mais de mil anos, se bem que a
— Sim, ela está datada do ano 962 a.C. E este povo tem mantido a tradição
No outro dia Kara foi com Hugh à sinistra caverna dos morcegos e depois
Kara teve alguns poucos momentos livres, até chegar o dia de seu compromisso
mesmo instante começou a desculpar-se, pensando que estava atrasada, mas ele
— Não se preocupe. Estou aqui desde hoje cedo. Tenho muito trabalho para
fazer.
Ela percebeu que ele estava limpando algumas estátuas e pensou que era
perda de tempo, uma vez que logo estariam cobertas de limo outra vez.
dar muito dinheiro aos nossos jovens, senão eles passarão a esperar sempre por
— Farei como diz — ela prometeu e ficou contente por ter trazido bastante
— Você talvez sinta vontade de ajudar esta gente, mas, lembre-se, eles não
vão gostar de perceber sua compaixão. Eles comem arroz três vezes por dia e se
— Três vezes por dia? Todos os dias do ano, você quer dizer?
81
Sabrina 132
— Exceto nos dias de festa. Mas lembre-se de que temos muitas festas por
aqui.
— E verdade.
— Nossas crianças são alegres e felizes. Você já viu alguma que lhe pareça
subnutrida?
alimentadas e saudáveis.
portão de saída.
ruas da vila com o velho sacerdote. Kara notou, divertida, aqueles grandes olhos
maravilhoso.
sacerdote falou com a família reunida à sua frente. Eles estavam imóveis, o pai, a
mãe e três crianças, todos vestidos com roupas bastante velhas e sem nada nos
pés. O homem era alto e vestia apenas um calção. A mulher tinha uma saia longa
e escura e estava nua da cintura para cima. O garoto sorriu alegremente quando
Kara tirou sua câmera da bolsa. Ele vestia um calção, como seu pai; suas duas
— Eles a convidam para uma visita pela casa — disse o sacerdote depois
que Kara tirou as fotos. — Venha, este é o santuário da família; você pode ver as
— Sim. — Kara lembrou-se de ter visto aquele tipo de oferta sendo feito no
— Elas compram.
Kara não pôde deixar de sentir pena. O dinheiro poderia ser usado para
Olhou para o santuário mais de perto, quando o sacerdote falou que ali
— Dois ou três meses? — Kara não pôde evitar uma expressão de espanto e
repulsa.
corpo.
— Creio que já vimos tudo. Posso dar o dinheiro para as crianças agora?
palavra a Kara e ela pensou que naturalmente não sabiam inglês. Entregou-lhes
bravura que os outros dois, a garota menor se aproximou com os olhos fixos na
inglês.
Kara pegou uma caneta bastante decorativa e deu a ela. A outra garota
— O que poderei dar a ele? — ela murmurou. — Ah, isto deve agradá-lo! —
Retirou um pequeno livro de notas com uma caneta presa por um cordão de seda.
caminhava em sua direção, sorrindo. Seu sarong colorido parecia um raio de sol
pessoa que conhece seu amigo inglês Charles Millard. Sra. West, esta é Ni Made,
Capítulo VII
84
Sabrina 132
para Charles, que um dia teria esta adorável criatura como esposa. Mas esta não
era uma noiva para um homem como Charles, marcado por tanta amargura; um
homem duas vezes mais velho do que ela e cujo ressentimento pela morte da
sotaque encantador. — Ele é meu melhor amigo. Direi a ele que a conheci. — Ela
Gostaria de pedir à garota para não mencionar esse encontro casual, mas
não teve jeito para isso. Bem, se Charles descobrisse que ela conhecera a garota
com quem pretendia se casar, o que poderia dizer? De qualquer maneira, Kara
tinham mais seis semanas ali e Hugh já havia advertido a equipe de que estavam
atrasados com a programação original e teriam que colocar seu trabalho em dia.
poucos dias. Hugh não estava totalmente satisfeito com a visita dela e decidira
como chefe da expedição, devo visitar uma dessas casas pessoalmente. Além
— E foi um excelente trabalho, Kara. Mas, como já disse, devo ver com
meus próprios olhos. — Ele fez uma pausa, observando-a. — Pedi-lhe para falar
85
Sabrina 132
com Gareth novamente, más parece que você não gostou muito da ideia. Acho que
Nada mais foi dito a este respeito até o final da tarde. Depois de passar
Kara foi informada de que Hugh tinha sido convidado para um jantar dançante
Hugh poderia ordenar que o acompanhasse para tomar notas, ou por qualquer
outra razão. Ela sabia que Hugh não hesitaria em fazer algo assim, se ela se
recusasse.
A sala onde seria realizado o jantar tinha uma vista maravilhosa da praia
dos corais e do mar. Palmeiras e outras árvores formavam um jardim logo após as
onde foi servida uma comida típica da Indonésia: lagostas à Taj Mahal.
sócio. Ele tem muita amizade com várias famílias daqui, tanto ricas como pobres,
e... — Gareth falava com Hugh mas observava Kara discretamente. — Talvez ele
não goste de saber que eu mencionei isso, mas ele costuma ajudar o pessoal mais
pobre. Charles não costuma ser muito social e pode não querer nos ajudar. Mas,
— Você já mencionou isso a Kara? — Hugh virou-se para ela com um olhar
surpreso e interrogativo.
86
Sabrina 132
Kara sentiu-se corar mas ficou calma. Afinal, ela já esperava que isso fosse
acontecer.
conhece, então?
para responder.
interesse. — É óbvio que você e Charles não estão nos melhores termos de
amizade.
— Não é bem assim. Gareth já disse que ele é quase um eremita. Falei com
ele quando nos encontramos aqui no hotel, por acaso. Depois o encontrei na
praia, e nas duas ocasiões percebi que não iria nos ajudar. Ele é da opinião que
viemos aqui para espionar os nativos e acha que gente como nós trará uma
Kara pegou seu copo de vinho, mas ficou apenas girando-o nas mãos,
brincando com o brilho das velas sobre o líquido. Estava pensando num outro
país, a Tunísia, onde ela estivera. E teve certeza de que aquelas crianças
atrevidas, não muito tempo antes, eram tão agradáveis como as de Bali. O
homens concordaram.
último um escritor.
— As pessoas que lerem seu livro vão desejar vir até aqui, sr. Nowell. A
demanda só será satisfeita com a construção de muitos hotéis. Sim, eu sei que
temos alguns, mas nada parecido com as ilhas do Mediterrâneo; não temos uma
preocupava realmente com o problema. O seu livro, ele esperava, daria muito
lucro, e talvez esta fosse sua única preocupação. Provavelmente ele nunca mais
voltaria a Bali. Sendo assim, não faria a menor diferença se a cultura da ilha
perguntou a Hugh.
— Sim, gostaria muito. Ele poderá recusar o pedido, mas acho que vale a
pena tentar.
— Ele deverá chegar às nove horas, temos tempo para terminar o jantar.
— Claro.
falavam entre si. Kara estava perdida em seus pensamentos. Seu único desejo era
nada. E ela? Ficaria envergonhada? Afinal, tinha invadido sua propriedade, sem
Uma hora e meia mais tarde, Kara estava sentada numa poltrona na
mesma sala que Charles a levara na semana anterior. Ele enviara um recado a
Gareth, convidando os dois para subir até sua casa, pois não estava disposto
O pedido preocupou Kara e mais uma vez ela teve vontade de fugir. Mas
agora. Meditava sobre tudo isso recostada na poltrona. Seu cabelo, solto e
brilhante, caía como ondas delicadas sobre seus ombros. O único adorno que
usava era uma flor branca, cujo perfume discreto podia ser sentido todas as vezes
Charles olhou longa e duramente para ela quando chegaram, mas agora só
e Hugh. Ele serviu bebidas para os visitantes, embora não estivesse bebendo
nada. Isto era algo que não mudara nele. Charles nunca fora de beber, com
cálice que mal tocara. Sua atenção estava totalmente voltada para a conversa.
educação. Creio que vocês já têm algo parecido com os professores de Java. Eles
vêm a Bali periodicamente, mas não será assim para sempre. Veja nosso garçom;
ele estuda Direito. Será que vai se contentar em morar numa dessas
comunidades?
que o turismo vai destruir a beleza da ilha — foi a resposta franca de Charles.
Havia certeza em suas palavras e Kara viu por alguns momentos o Charles
de antigamente. Ela sempre soube que ele seria o chefe da casa quando se
casassem.
Hugh não gostou da resposta e Kara percebeu que ele se controlava com
dificuldade.
— Bem, podemos conseguir alguém para nos ajudar. — Hugh olhou para
Kara. — Temos as informações que você já conseguiu. Creio que será o suficiente
Suspeitando de que era mais para Charles que ele falava, pois estava com
raiva, Kara não disse nada. Pelo jeito, Charles não tinha visto Ni Made desde a
— Onde?
poder atacar Charles, mesmo que só por palavras. — Foi ele quem a apresentou a
uma família muito pobre.
em sua voz, mas também curiosidade. — Como é que você conseguiu conhecer
um sacerdote?
— Foi num templo em Batubulan. Ela explicou o caso e ele se ofereceu para
ajudar.
Outro choque para Charles, pensou Kara. Dando uma rápida olhada para
Hugh, percebeu de imediato sua satisfação. Isso já fora muito longe. Este tipo de
conversa não levava a nada. Será que Charles havia percebido? É claro que sim.
Ele era inteligente e já devia ter notado a raiva de Hugh e o desejo de irritá-lo.
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praia. Assim que chegou, ele se aproximou e perguntou se ela sabia qual a família
que havia visitado. Kara percebeu imediatamente que ele estava ansioso por
ele me falou de sua afeição pela filha de um amigo dele. Creio que eram esses
Os olhos dele estavam ausentes, embora olhando para ela. Havia um misto
— Que sou muito amigo de Ni Made, é isso o que você quer dizer?
— Sim.
Outra vez o olhar dele foi intenso. Charles parecia estar analisando cada
detalhe do rosto dela. Seus olhos brilhantes, sua pele dourada, seu rosto tão
feminino. Os olhos dele pousaram então em seu cabelo, que balançava ao sabor
— Muito bonita.
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— O sacerdote parece pensar que você e Ni Made vão se casar — ela falou,
— É possível.
— Será bom para você, Charles. — Sua voz era gentil, mas ele continuava
impenetrável. Kara mordeu o lábio até sentir que machucava. Como ele está
garota muito agradável. Creio que poderá ser uma excelente esposa. — Mas que
tipo de marido seria Charles? Pensando nisso e naquela criança tão sensível,
Kara se sentiu culpada. Tentava convencer Charles a se casar com ela, mesmo
sabendo que faria Ni Made infeliz em pouco tempo. Ele estava tão mergulhado em
seu sofrimento, tão sem sentimentos para com os outros... Não, ele nunca deveria
Mesmo assim, não pôde deixar de pensar cada vez mais em Charles. Sua
— Será que posso tirar uma hora de folga? — pediu a Hugh uma semana
após sua visita ao Kapalan. Estava decidida a ter uma conversa séria com
Gareth. Não podia entender as razões que a levavam a se preocupar com Charles.
Mas sentia uma grande ansiedade e parecia lógico querer ajudá-lo. — Tenho um
problema para resolver — ela completou, quando percebeu que Hugh ia recusar.
— Problemas?
— Tudo bem. Mas não se esqueça de que preciso de você à noite. Temos que
— Sim, eu sei. Não vou demorar mais do que uma hora. No máximo uma
hora e meia.
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Sabrina 132
Ela não sabia se poderia encontrar Gareth àquela hora, mas para sua
— Gostaria de lhe falar a respeito de Charles. Acho que ele está muito
malcuidado.
observação.
— Por que esta súbita preocupação com Charles? — ele quis saber. Eles
Algumas vezes sinto que não a conheço o suficiente para fazer perguntas; outras
vezes parece que a conheço muito bem. Mas tenho certeza de que há algum
mistério entre você e Charles. — Outra pausa e Kara lembrou que Hugh também
mencionara que devia haver algum mistério em sua vida. — Como já lhe falei
tristeza que o acompanha desde então, suspeitaria que vocês foram algo mais do
Outro silêncio antes que ela respondesse com voz baixa e grave:
— Será que podemos voltar ao motivo que me trouxe até aqui, Gareth?
— Está claro que o Charles que você vê agora é muito diferente do homem
pergunta feita pela segunda vez. — Ele se vestia muito bem e andava com
elegância. Seu rosto era jovem e não apresentava as rugas de agora. Sua boca
93
Sabrina 132
sorria com frequência; seus cabelos eram escuros e atraentes e não tinham
tantos fios prateados como agora. — Ele parou vendo como Kara empalidecera.
— Como você sabe disso? Deu-me uma descrição perfeita de Charles, como
Gareth sorriu. Ele estava pensativo e deixou passar alguns momentos antes
de responder:
— Nada de especial, Kara. Acontece que vi uma fotografia que ele deixou à
ela lembrava muito bem, detestava tirar fotos. Na verdade, não tinha nenhuma
para lhe dar quando ela pediu-lhe uma, para colocar sobre sua cômoda. Porém,
entanto, não se lembrava de ter dado algum deles para Charles. Ele normalmente
dava uma olhada nas fotos e devolvia para ela guardar. No entanto, sempre
em um álbum com capa de couro, que sua mãe lhe dera como presente de
aniversário.
— É que um dia fui até sua casa sem avisar. Como ele não estava, entrei na
sala e vi a foto na mesa. Tenho a impressão de que caiu de algum álbum e ele não
como estúdio, saí imediatamente e fui para a varanda. Sei que ele detesta que
entrem em sua casa sem que ele convide. Fui até a porta da frente e toquei a
campainha. Charles abriu a porta e convidou-me para entrar, mas a foto não
Devia ser alguma foto que ela mesma tinha tirado. Kara tinha certeza disso.
Gareth inclinou a cabeça. Foi um gesto natural, mas tinha tal intensidade
— Sim, ele estava só. Se você está interessada, posso lhe adiantar que a
Gareth tinha mencionado. É claro que ela se lembrava daquele castelo. Era em
Beaumaris, na ilha de Anglesey, onde ela e Charles tinham ido passar alguns dias
com amigos. Foram dias maravilhosos, com o céu azul e o sol brilhando para
combinar com a felicidade de seus corações. Por que as lembranças estavam tão
apagadas? Será que tinham sido esquecidas? Se assim fosse, por que voltavam
prateleiras. Elas poderão ser requisitadas sempre que você queira e vividas com
tanto prazer ou dor como quando não eram lembranças, mas sim realidade."
Alguém lhe tinha dito isso, quem sabe algum professor na escola.
quando se sentia muito só. Sim, muitas vezes, porque era só isso que ela tinha
para ajudá-la através dos longos anos à espera de seu amado Charles.
Mas, neste momento, o castelo de Beaumaris era bem real, assim como o
homem simpático e atraente ao lado de uma das colunas. Ela podia ainda ouvir
sua voz:
— O quê? Outra foto? Meu amor, logo você vai ter centenas de fotos. Diga-
Cingapura para fazer a planta da casa. No entanto, não estava aqui quando
extras. São muito bonitos, mas Charles queria que derrubassem tudo. Eu e outro
esqueceu-se deles.
— É uma senhora. Ela vai todos os dias, das oito da manhã às oito da
noite. -
— Entendo. Ela não mora lá. Mas, mesmo assim, ela poderia verificar se
Charles tem pelo menos uma camisa limpa e passada todos os dias!
você conhece algo sobre Charles, não poderá negar que ele sempre faz o que quer,
horrível?
— Há rumores sobre uma garota nativa, Ni Made, mas talvez você não
tenha ouvido falar sobre ela. Não, você não deve saber, sendo uma turista aqui —
ele concluiu.
também.
— Você a conheceu?
— A maioria das garotas nativas são adoráveis e lindas quando jovens. Elas
mudam com o passar dos anos. A velhice chega muito mais rápido para elas do
96
Sabrina 132
que para as inglesas. — Ele olhou para Kara, apreciando cada detalhe de seu
rosto. Ela encontrou seu olhar e esperou que continuasse. — Não creio que esse
casamento seja bom para Charles. Ela é tão feliz e descontraída, enquanto ele é
compreender isso.
colhendo flores.
outro lado, Charles precisa de uma esposa, Gareth. Isso não é vida para um
— Trinta e seis.
diretamente nos olhos dela, disse: — Então você sabe a idade dele, é?
um bom ouvinte, estarei sempre à sua disposição. E, além disso, pode ter certeza
— Vou acompanhá-la até a saída — ele se ofereceu, quando notou que ela
— Sim?
— Venha sempre que quiser. Sou um homem ocupado, mas não a ponto de
— Você está sendo muito atencioso — ela comentou, sorrindo. — Não sei
— Uma adorável jovem senhora que tenho o prazer de ter como amiga.
Capítulo VIII
Nos dias que se seguiram, Kara teve muito pouco tempo para pensar em
Charles. Pela primeira vez, ela aceitou que não tinham mais nada em comum.
Mas, apesar disso, ela se preocupava com ele, com o futuro dele, ameaçado
— Kara, você não está anotando nada do que estou dizendo! — Hugh falou
com aspereza.
fizeram uma pausa para tomar o café costumeiro do meio da manhã. Ele a olhava
— Não sei o que você quer dizer com isso — respondeu, pegando sua xícara
de café.
— Você está querendo me dizer para cuidar dos meus próprios problemas,
certo?
Kara não respondeu, decidida a não dar qualquer oportunidade para novas
perguntas.
98
Sabrina 132
— Sim, já ouvi falar desses festivais. Eles acontecem em cada vila da ilha,
— Deve ser muito interessante. Será muito bom para nós. — Hugh recolheu
acordo com a lenda, a vila de Kepal estava coberta pelo oceano. Ida, um nobre da
ilha de Java, era o capitão de um navio que naufragou nos recifes e ele e seus
— Esse festival será à noite, como já mencionei. Gostaria que amanhã cedo
você fosse até Gunung Kawi. Tire algumas fotos e anote tudo o que julgar
Kara agradeceu a oportunidade de estar só. Ela não entendia por quê, mas
cada vez mais gostava de ficar sozinha. Em casa, apreciava a solidão, no fim da
Ali, entretanto, parecia se irritar com qualquer companhia. Mesmo com Hugh,
que era seu patrão, e a quem devia a oportunidade de ter conhecido aquela ilha
maravilhosa.
Estou inquieta, mas não posso encontrar uma razão lógica para isso!, Kara
pensou.
99
Sabrina 132
outro lado do vale. Tudo estava silencioso. Caminhou até um lugar onde podia ver
Kara sentiu que ele também estava maravilhado com tantos encontros
inesperados. — Não preciso perguntar o que você está fazendo aqui. Já anotou
Ela olhou para ele, sentindo muita pena. Começou falando com doçura,
depois do longo silêncio que os envolveu naquele vale mágico. Era um lugar cheio
— Posso perguntar por que você está aqui, Charles? — Seu rosto, voltado
deste lugar?
— Sempre dou boas-vindas à solidão. — Uma vez mais, a resposta foi breve
e ele nem sequer se voltou para responder. Olhava para o vale mas não via as
lugar onde se encontrava ele tinha que inclinar a cabeça para olhá-la. Por um
momento não pareceu disposto a considerar seu pedido. Mas, para satisfação e
surpresa de Kara, ele se sentou numa pedra do lado oposto onde ela estava e
disse:
— O que você quer saber, Kara? — Sua voz estava mais suave e não havia
aquele brilho cruel em seus olhos. Se ao menos ela pudesse ajudá-lo, oferecer
conforto e simpatia... Tudo o que ele tinha precisado quando a esposa morreu.
Charles tinha ido para a Inglaterra, para a única pessoa que podia lhe oferecer
útil para nós. — Ela parou, alerta para o fato de que Charles não estaria muito
— Qualquer coisa que possa ser útil para o livro do seu chefe, não é?
— Do quê?
— De mim.
que Charles a estava convidando para aceitar seu amor, naquele lugar e naquele
estiveram juntos no passado. Kara podia sentir a sensação dos braços dele
envolvendo seu corpo com paixão, possuindo-a a cada beijo. Sim, sabia que faria
— Não acho que você vá me molestar, Charles. Você não é esse tipo de
homem. — Pensou que ele podia, mencionar aquela tarde, quando ela invadiu a
casa dele, mas Charles não disse nada. Em vez disso, perguntou o que ela queria
saber a respeito daquele lugar fantástico, onde eles eram as únicas pessoas
presentes, no momento.
— Sim, estão.
— Alguns deles. — Ele fez uma pausa; ela aproveitou para examinar sua
pudesse dizer a ela que conseguira amenizar seu sofrimento, mesmo que só um
seus dois filhos, que governaram após o pai. — Ele parou de falar e ambos
vegetação.
Aproveitando a forma mais amigável com que Charles a estava tratando agora,
Kara queria forçá-lo a falar. Sentia que ele precisava de ajuda, depois de tantos
— Estou aqui há mais de três anos — ele falou sem sorrir, mas com um
tom gentil.
102
Sabrina 132
— Acredito que ele também tenha falado do erro que foi cometido com
respeito ao tamanho.
— Acho que não. Mas aqui, tudo pode acontecer. — Seu olhar parecia
colo, e não ousava levantar a cabeça. Queria olhar para ele e encontrar aquela
velha amizade... mas tinha medo de só encontrar aquele olhar duro e frio, agora
tão familiar.
— Claro, sempre há esse aspecto aqui em Bali. — Ele fez uma pausa,
longo momento. Quando Charles continuou a explicação, sua voz tinha um tom
mais baixo e amável: — De acordo com a mitologia balinesa, o gigante Kbo Iwa,
— Eles realmente acreditam nisso, não? — ela falou, com uma risada
— De verdade?
— Em algumas coisas — ele murmurou, e ela sabia que ele falava apenas
— Você prometeu... que comédia foi tudo aquilo! — Toda a frieza voltou à
sua voz.
103
Sabrina 132
Isso tocou Kara profundamente e ela sentiu vontade de chorar e gritar bem
alto para ele: "Eu mantive a promessa! Sim, por todos esses anos fui fiel. Foi você
que falhou. Esqueceu-me quando se apaixonou por ela. Deixou-me esperando por
verdade agora. Charles não era para ela, Kara já tinha decidido isso quando ele
confessou seu amor pela esposa. Não que ela o condenasse por ter amado a
esposa; sabia que algum tipo de afeição seria inevitável. Mas a afeição viera
acompanhada por um amor tão profundo que até hoje ele não havia se
recuperado da perda.
Kara ainda se lembrava das informações dadas por sir Sullivan: Tracy
deverá ter uma vida normal, graças às novas descobertas a respeito da doença,
ele afirmara. Charles também deve ter ouvido essas informações e esperava ter a
esposa com ele por muitos anos. Sua morte deve ter sido um choque, e não algo
— No que você está pensando, Kara? — Ele parecia amistoso outra vez. Era
como se quisesse colocar toda a mágoa e frustração de lado. — Seu olhar está
distante, pensativo...
Ela sorriu, um sorriso trêmulo e tímido, antes de responder com aquela voz
— Por favor, não me pergunte, Charles. Conte-me mais sobre este lugar.
deixou o trono para levar uma vida de consagração. E terminou seus dias em um
mosteiro. — Charles indicou um lugar à direita, mas Kara não pôde ver a
— Foi uma das visitas mais interessantes que já fiz desde que estou em
— Hugh vai ficar contente com tudo o que você está levando. Faço questão
deste povo.
para ir embora.
Kara olhou com relutância para o relógio. Tinha sido tão bom estar ali com
Kara olhou, surpresa, e procurou falar sem dar a impressão do que estava
imaginando. Será que ele tomara essa decisão por sua causa?
— Talvez o encontre lá, então? — ela sugeriu, imaginando por que seu
resposta.
— Espero que sim. Por que não marcamos um lugar e hora para nos
encontrarmos? Creio que no portão do templo, às... — Ele fez uma pausa,
perguntando a que horas ela esperava chegar lá. — Então às sete horas, certo?
viera de táxi. Charles estava de carro e ela esperava, sem perceber sua indecisão,
disse suavemente:
— Se você vai direto para o Bali Praia, posso lhe dar uma carona.
respondia:
105
Sabrina 132
espelho. Estava radiante, agora que tinha certeza de que poderia fazer algo por
Charles. Infelizmente não tinha muito tempo. Mas se pudesse progredir tão
rápido como hoje, então algo muito bom poderia ser feito no tempo que restava.
Seus pensamentos foram interrompidos por uma batida na porta. Ela abriu
sorriso fraco. Aquela letra era por demais conhecida para ela se enganar.
Kara sabia, antes de abrir o envelope, que Charles mudara de ideia e não
— Não poderei ir... — Ela fechou os olhos, não querendo ver as outras
palavras. Ele estava arrependido de seu impulso amigável, e talvez até das horas
sucesso. Mais uma vez Charles se recolhera à sua solidão e ela não tinha meios
Apesar de todo o grupo ter ido junto para Kapal, Hugh pediu para que se
separassem, a fim de que cada um pudesse ter sua própria impressão da festa.
acontecido com sua alegria interior, algo que não podia definir. Estava certa de
que não era apenas por causa de sua derrota no que dizia respeito a Charles. Era
Ela tinha que tirar isso da mente, havia muito trabalho a fazer. Tinha que
observar e anotar o máximo possível em seu caderno, para estar bem informada e
Assim que entrou no pátio, Kara ficou paralisada. Charles, você veio,
Charles pelo espaço abaixo da estátua. Ele parecia estar procurando alguém.
escondidos atrás de estátuas. Ele saiu antes dela e continuou olhando ao redor,
vagamente se algum de seus companheiros estava por perto. Mas a multidão era
Ele a viu e parou; ela teve certeza de que seus instintos estavam certos.
Então Charles tinha reconsiderado sua decisão e mudara de ideia. Kara não
pretendia perguntar nada. Sentiu que devia ser cautelosa se quisesse ajudá-lo.
Ele deu alguns passos para chegar até ela; Kara sorriu e recebeu um sorriso
apagado em troca.
— Consegui resolver tudo e decidi vir até aqui — ele falou, adotando uma
expressão casual que não enganou Kara, que apenas fingiu aceitar a explicação.
— Que bom! Fico contente. — Ela deu uma olhada ao redor. — Que
multidão, hein?
uma alegria que ela não experimentava há muito tempo. Será que o sentimento
Será que havia alguma outra razão para o que estava sentindo?
107
Sabrina 132
— Parece uma feira de interior, não é? — Ela voltou seus olhos luminosos e
muito envolvidos com sua religião pagã, mas sabem como se divertir com tudo
isso.
voltada para as roupas dele. Até agora eles tinham estado nas sombras
projetadas por duas grandes estátuas, mas quando deram alguns passos ficaram
sob algumas lanternas penduradas em uma árvore. Então ela pôde ver como ele
estava vestido: com um temo muito bem passado e uma camisa nova...
Desviou os olhos, para que ele não percebesse como estavam brilhando de
alegria. Não fez qualquer comentário nem revelou a imensa satisfação que sentia
ao vê-lo interessar-se por sua aparência novamente. Podia ser só fogo de palha,
mas Kara sempre fora otimista. Duvidou que no próximo encontro, se houvesse,
— Esse espetáculo está durando o dia todo — Charles falou. — Você sabe
disso, não?
— Hugh mencionou isso. Jack e Nora vieram logo cedo para fazer
— Divisão de trabalho?
— Mas todos vocês vieram esta noite, certo? — Vi seu chefe e um outro
Charles não respondeu. Em vez disso, sugeriu que fossem ao templo para
Capítulo IX
esperava. Havia fumaça de incenso subindo dos santuários, na frente dos quais
se levantou.
— Dançarinas.
— Não, elas não são profissionais, apenas um grupo da vila que dança o
pendei. É uma dança ritual, como você pode ver, com as mulheres carregando as
ofertas na mão direita. — Os olhos de Charles estavam fixos no caderno que ela
levava. Sem saber por quê, Kara colocou o caderno de volta na bolsa. Num
impulso, decidiu que podia guardar tudo na memória e escrever quando voltasse
ao hotel.
flores ou doces.
— Sim; o festival dura o dia todo e essa dança é feita o tempo todo, mesmo
durante a noite.
Charles, pegando-a pelo braço, começou a guiá-la para a saída, pedindo que
109
Sabrina 132
ficasse perto dele para não se perder. O sacerdote estava em transe e todos
observavam.
outro sacerdote correu até ele e imediatamente ofertas foram colocadas à sua
frente.
sussurrando, pois tais coisas estavam além da sua compreensão. Olhou à sua
volta e notou como todos estavam absorvidos. Um silêncio profundo tomou conta
Kara olhou para Charles e percebeu que ele também estava totalmente
Charles ficara tão diferente com o passar dos anos que, se ela quisesse lembrar-se
de como era, tinha que olhar as fotos. Charles agora era parte dessa realidade,
Será que ela era real ali, dentro daquele templo misterioso, um dos dez mil
templos dessa ilha fantástica? Parecia um sonho e Kara tinha medo de acordar,
pois a única realidade era a mão de Charles, que ainda segurava seu braço
suavemente.
as pessoas...
— Apenas porque você não está acostumada com isso, Kara. Se você
vivesse aqui, não pensaria assim. Aceitaria o fato simplesmente como a maneira
é?
— Acho que sim. Ouça! O sacerdote em transe está falando. Isso quer dizer
Mais uma vez ela olhou à sua volta: todos estavam felizes. As ofertas
— Pediram ao espírito um grande favor para a vila. Sinto, mas não entendi
Todos ficaram em silêncio outra vez, enquanto água santa era derramada
— Nem mesmo isso. — Charles deu um sorriso tímido. — Tudo isso deve
ser fascinante para você. Antes de vir para cá, você tinha alguma ideia do que iria
assistir?
— Não, na ilha.
familiarizar com o trabalho que ia executar, nem com o lugar aonde iam
pesquisar.
caminhavam para o pátio que estava lotado de nativos. — Ele pediu emprestada
— Sim, muita mesmo. Não é fácil ter uma oportunidade como essa: um
trabalho bem remunerado que é também as mais lindas férias que já tive.
111
Sabrina 132
— Claro! — Por um momento ela se esqueceu de que, para ele, era casada.
hoje em dia.
Ele ficou em silêncio; não a segurava mais, mas Kara ainda sentia o calor
que ficara em seu braço. Fora agradável, e uma sensação de paz tomava conta de
cerimônia tinha terminado. Num impulso, ela sugeriu que dessem uma olhada
Ele deu um longo suspiro. Kara não podia dizer se era de aborrecimento ou
impaciência. Não acreditava, entretanto, que fosse por sua causa, ou mesmo pela
ela sabia do costume nativo referente a essas warongs, como eram chamadas
pelos balineses.
Isso faz com que os jovens que estão procurando esposas tenham sua atenção
— Fale-me mais sobre isso — ela pediu, feliz com o jeito como as coisas
estavam correndo entre eles. Nem lembrava mais que deveria estar trabalhando,
Será que Tracy também gostava? Talvez ele esteja pensando nas
um amigo, onde fica com ela, tendo a lua-de-mel antes do casamento. — Havia
um tom divertido em sua voz e ela lembrou-se de quando eram noivos e ele vivia
— Por que ela quer ser raptada? — Kara olhou tão surpresa, que ele
começou a rir. Seu coração deu um salto, lembrando-se de quando eram noivos e
ficção. Os pais da garota finmgem estar chocados e organizam uma busca. Ou,
como eu chamo, uma festa de procura. Mas é claro que é tudo uma brincadeira e
termina de uma maneira feliz. — Ele fez uma pausa e sua expressão endureceu.
cerimônia.
classe social.
sentimentos enquanto as horas passavam. Charles parecia querer ficar com ela e
não dizia as palavras que ela estava com medo de ouvir. Até que falou:
Hugh e o resto do pessoal tinham ido embora há muito tempo. Kara tinha
encontrado com eles algumas vezes, o que era inevitável enquanto davam voltas
pelo pátio. Eles pareciam surpresos e olhavam Charles com curiosidade. Quando
estavam de saída e Hugh perguntou a Kara se ia voltar com eles para o hotel, ela
olhou para Charles, querendo fazer apenas o que ele quisesse. Charles ficou
contente com o gesto e ela sentiu que estava cada vez mais perto de conseguir o
que queria.
114
Sabrina 132
— Se você quiser ir, tudo bem — Charles falou com simplicidade, mas
completou rapidamente: — Se preferir ficar, posso dar uma carona em meu carro
mais tarde.
com carinho e respeito. Ela lembrou que Charles sempre fora humano e caridoso.
Quando ele era seu adorado noivo, costumava dar até seu último centavo a um
voltarem.
— Não vai durar muito, de qualquer maneira — ele falou, mostrando a Kara
que os nativos que ainda permaneciam nas redondezas se preparavam para voltar
Eles pararam para vê-la; o sol, com toda a sua glória, invadia o céu. Kara
estava tão emocionada que mal conseguia respirar. Ficou parada, ao lado do
palavras não eram necessárias e nenhum dos dois fez comentários. Kara, no
ele, como antigamente. O sol seguia sua trajetória e a cada instante havia um
Fascinada por tanta beleza, Kara se sentia feliz por ter aceitado o convite.
Esse espetáculo era o mais impressionante que já vira desde que chegara a Bali.
Charles, que à estivera observando por alguns momentos, falou com voz
baixa e suave:
o seu Charles, tratando-a como nos velhos tempos. — Venha, temos que ir. — Ele
não esperou resposta, apenas tocou seu braço, indicando o caminho a seguir.
apagavam o brilho de seus olhos negros. Kara sabia que sua aparência também
— Faz muito tempo que não passo horas tão agradáveis, Kara. Muito
obrigado.
chegaram, Kara desceu e ficou olhando para ele, não querendo se despedir.
Charles também parecia querer prolongar aquele momento, mas finalmente disse:
— Entendo... — Ele sorriu, mas ela percebeu que foi com grande esforço.
Por que ela não tinha mais tempo? Mais dois meses e sabia que poderia
tirá-lo do abismo em que se encontrava. Kara tinha certeza de que poderia ajudá-
e franziu a testa. Se ao menos houvesse outra pessoa, alguém do seu nível, com
os mesmos costumes e tradições. Sim, seria bem mais fácil se houvesse alguma
do hotel.
Ele não tinha mencionado nada sobre um novo encontro, mas agora Kara
estava confiante de que ele a receberia bem em sua casa. Tinha certeza de que
Entretanto, isso não foi necessário. Charles mandou um convite para ela no
dia seguinte.
116
Sabrina 132
Kara mencionou o convite a Hugh. Ele franziu a testa, mas não disse se
concordava ou não.
Claro que o trabalho era o mais importante para todos, no momento. Ela o
ajudava bastante, e se sentia bem com isso, mas não podia ignorar seus próprios
sentimentos.
por dia. Achei que sempre teria algum tempo para mim. Acho que depois das sete
horas da noite, posso cuidar de meus próprios interesses. Como sempre começo
Os olhos dele brilhavam de uma maneira nada amigável, mas ela não se
100 importava. Nada podia ser mais urgente do que este seu compromisso
— Você mudou muito. No princípio, parecia bastante grata por estar aqui.
Ela corou um pouco, mas sua determinação era mais forte do que sua
timidez.
— Ainda sou grata pela chance que você me deu. Sempre vou me lembrar
da sorte que me coube. Mas, apesar de tudo, você também teve sorte com todos
nós, porque estamos felizes por trabalhar aqui e temos nos esforçado ao máximo.
— Concordo que todos têm trabalhado muito, você especialmente. Sei que
deu tudo de si neste trabalho, muito mais do que o normal. Mas, Kara, esse não é
— Certo. Isso resolve o problema. — Ele fez uma pausa e Kara pensou que
não tocaria mais no assunto. Mas Hugh, que estivera absorto, perguntou:
117
Sabrina 132
— Sim, há.
possível:
vida.
Hugh deu uma olhada nos papéis sobre a mesa; estava pensativo e ela
sabia, por intuição, que ele estava com ciúme de sua amizade com Charles. Sabia
disso antes mesmo que ele dissesse, com um pouco de ironia na voz:
— Espero que você não tenha se esquecido de que é casada. — Deu uma
olhada rápida para a sua mão esquerda antes de acrescentar: — Você não usa
aliança?
— A maioria das mulheres não usa aliança hoje em dia. — Ela estava
pensando em Charles e na maneira como ele também olhara para a sua mão
esquerda. Na hora, percebeu que precisava dar alguma explicação, pois ele sabia
que ela era do tipo de garota que usaria uma aliança. Tentou explicar de uma
maneira casual que a aliança estava apertada e que ela mandara alargar um
pouco.
— Igualdade de sexos, certo? Por que ter uma aliança se você não está
pretendendo usá-la?
costume que o povo daqui tem de não deixar os bebês tocarem a terra até que
Mais tarde, em seu quarto, Kara datilografou tudo o que ele ditara e
colocou no arquivo apropriado. Mas percebeu que não era fácil se concentrar e
seus dedos pareciam cegos para o teclado. Deu uma olhada no relógio, um
pequeno relógio de viagem que Charles lhe dera há muito tempo, numa data
especial.
"Faz um mês que nos encontramos, e aqui está o seu primeiro presente" —
— Por favor, enviem um café completo para o quarto cinquenta e oito. Com
enormes e Kara sentiu vontade de dançar, sorrir e brincar com todo mundo.
— Sei que posso comprar centenas de Barongs iguais a você — ela falou,
souvenir. Mas é você mesmo que eu quero. Você acha que o gerente vai perceber
Inglaterra, tão longe de casa? — Ela ficou corada com a ideia de que alguém
pudesse ouvi-la conversando com a estátua, apesar de saber que não havia mais
ninguém no quarto.
mesmo ela, pudesse dar um novo rumo à vida dele. Um suspiro escapou de seus
voltar a vê-los.
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Sabrina 132
Mas o que estava acontecendo com ela? Fazia apenas dois dias e meio 102
que Charles a deixara na porta do hotel e, de repente, sentiu que era justamente
a falta dele, durante esse tempo todo, que a estava incomodando. Ela o veria esta
noite, jantaria em sua casa... mas isso não era suficiente. Precisava vê-lo muito
mais! O tempo parecia voar e Kara se desesperava por não estar cumprindo sua
movimento na praia enquanto saboreava com prazer sua xícara de café. Isso não
frutas e legumes na cabeça. Isso tudo faz parte do ritmo calmo que caracteriza
dele. Mas o costume de não se colocar crianças antes de completar três meses no
chão a fascinava, e sua mente estava outra vez pensando no que Hugh lhe
contara. As crianças de Bali eram carinhosamente tratadas por seus pais, avós e
De acordo com a religião, quanto mais jovem era o bebê, mais perto do céu
estava sua alma. Isso porque ele havia chegado recentemente desse lugar. Eles
eram carregados para todos os lados, principalmente por irmãos e irmãs, e seus
pés não podiam tocar o chão. Com a idade de três meses, as crianças eram
abençoadas pelo sacerdote, ofertas eram feitas aos espíritos em sua honra e,
naturalmente, havia uma festa. Nunca um pai balinês levantava a mão para seu
Kara leu mais uma vez o convite, enquanto terminava seu café.
lugar. Ela que sempre apreciara sua solidão, agora não sabia como usá-la. Não
quis, no entanto, descer até o restaurante do hotel, onde sabia que todos os seus
trabalho para fazer. Precisava datilografar muitas anotações que Hugh lhe dera e
120
Sabrina 132
algumas que ela mesma tinha feito. Parecia que tinha um peso sobre si e não
Capítulo X
Mais uma semana e ela estaria voltando,para a Inglaterra. Kara foi até a
varanda e ficou observando o cenário familiar. O sol estava nascendo além das
águas tranquilas, mostrando toda a sua glória num gigantesco leque de cores
barcos nativos, com suas velas coloridas, navegavam suavemente sob esse
esplendor.
Uma semana... Seu sucesso fora muito além do que imaginara... Mas a que
preço? Não podia mais negar que se apaixonara por Charles novamente... ou será
interessar-se por si mesmo de uma maneira que Kara jamais podia imaginar.
Estava sempre bem-humorado, mesmo quando ela ia até sua casa sem avisar, o
que não era muito frequente, pois eles costumavam se despedir invariavelmente
muito tarde, todas as noites. Ele tinha engordado um pouco e não apresentava
Para Kara, que se preocupava tanto, parecia que ele estava mais alto, como
livrado dele.
A cada dia, ele se assemelhava mais ao homem que ela tinha amado com
estar apaixonada por ele. Nem queria saber. A única coisa que importava é que o
no Kapalan. Sempre que Hugh lhe dava algum trabalho externo, ela telefonava
para Charles e ele a acompanhava, dizendo sempre que era seu motorista e guia.
Kara havia descoberto tantas coisas novas sobre a ilha que até Hugh ficara
discussão que tiveram quando Kara pediu algum tempo livre para ela.
Charles tinha dito que talvez se casassem, mas nunca mais mencionara o nome
dela. Kara nunca tinha visto Ni Made na casa de Charles, mas naturalmente isso
não queria dizer que ela não o visitasse. Gareth disse uma vez que a vira no
jardim, mas isso antes que Kara resolvesse ajudar Charles.. Por outro lado, era
possível que Charles nunca tivesse pensado em se casar com Ni Made, que tudo
não tivesse passado de um mal-entendido. Quando ela perguntou, ele podia ter
confirmado só porque estava indiferente a tudo, ou por impaciência, uma vez que
Devo dizer a ele que não sou casada? A pergunta estava constantemente em
sua mente e ela tentava imaginar que tipo de reação Charles teria com tal
confissão. Ela o ajudara tanto, que ele certamente receberia com alegria a notícia.
casamento.
Mas o problema é que ele ainda amava sua esposa, ou, para ser mais exata,
queria ser a segunda; não gostaria que ele pudesse pensar em Tracy, quando
estivessem se amando.
E por causa de tudo isso, tinha permitido que ele acreditasse até agora que
ela estava casada. Fizera o possível para que ele se recuperasse, não de sua
122
Sabrina 132
tristeza, pois isso seria impossível, mas de sua letargia que o deixava tão ausente
próprio e o desejo de realizar algo na sua vida, ela estivera cega para o que podia
acontecer em seu próprio coração. E só foi perceber isso quando já era tarde
demais...
Agora ela podia ver como tudo tinha acontecido. Na verdade, podia
sentaram juntos no alto do vale, olhando os palácios e torres dos reis de Gunung
Kawi, e ela decidiu ajudá-lo. Depois aconteceu o festival do templo. Já naquele dia
Charles começou a se parecer com o homem que ela conhecera. A dureza que o
agora, nunca mais voltaria. Assim, pouco a pouco, Charles emergia do homem
Ela deu uma olhada no relógio e percebeu que já era tarde. Rapidamente
tomou banho e vestiu-se com uma camisa de algodão e jeans. Quando chegou ao
restaurante, o pessoal já estava esperando por ela. Mais tarde, quando estava no
escritório com Hugh, soube que seu próximo trabalho seria ir até Bedulu, tirar
conta.
despedir. Hugh estava se tomando intratável ultimamente e ela sabia que era por
ciúme, porque Kara saía com Charles todas as noites e voltava muito tarde. Na
maioria das vezes, chegava ao hotel de madrugada. O que ele não havia
descoberto é que ela também costumava ficar com Charles durante o dia. Sempre
seria quando voltasse para a Inglaterra, sabendo que Hugh e seu chefe eram
amigos e poderiam comentar sua atitude. Apesar de não acreditar que Hugh
poderia falar sobre a animosidade que algumas vezes surgia entre eles, não tinha
havia momentos em que Hugh ficava cansativo, especialmente quando agia como
e deixou o hotel. Seus pés pareciam ter asas enquanto caminhava rapidamente
pela praia em direção ao portão de ferro, que também ficava na praia, mas dentro
da propriedade de Charles. Era branco, com arcos cobertos por plantas tropicais
caminho, com diferentes tipos de plantas, tão bonitas quanto exóticas, com
nomes fascinantes.
O sol brilhava através dos galhos, dando aos seus cabelos um colorido
formado por sua figura maravilhosa naquele cenário encantador fez com que o
Charles já a vira. Parou no meio dos arcos formados pela vegetação e seu cabelo
ficou balançando ao sabor da brisa que vinha do oceano, brilhando sob os raios
palavra não foi dita com voz suficientemente alta para ele ouvir, mas a sentença
— Nada demais.
— É interessante?
para a sala de estar e, sem qualquer aviso, segurou sua mão. — Kara...
— Sim?
olhos, disse: — Farei assim mesmo. — Depois de um tempo que pareceu uma
permanente?
tanta emoção.
seus olhos negros estavam fixos e ansiosos. Não se podia dizer exatamente que
— Como posso responder a isso? Você está me pedindo para... para deixar
meu marido?
Ele desviou o olhar, mordendo o lábio. Deu um suspiro e ela sentiu seu
esforço para dizer o que sentia, apesar do medo de machucá-la ou talvez fazê-la
sofrer.
125
Sabrina 132
Kara não respondeu. Ela não sabia o que dizer, pois tinha entendido
perfeitamente.
— Já falei, quando você me perguntou pela primeira vez, que nós realmente
não gostamos da ideia de eu vir para cá, mas era uma chance boa demais para
eu perder.
— Então...
Mais uma vez ela balançou a cabeça, consciente das batidas de seu coração
e da emoção que estava sentindo. Ela só precisava dizer uma palavra e poderia
ficar com seu amado Charles... para sempre. Mas seria sempre a segunda em sua
vida.
— Não posso, por favor, não me peça outra vez. — As lágrimas escorriam de
semana o dia que ela teria que dizer adeus pela segunda vez, e definitivamente.
Como poderia segurar o impulso de dizer a ele que não era casada? Que estava
livre para ficar em Bali? Que voltaria, logo que pudesse pegar seus pertences e
Charles inclinou a cabeça e pareceu a Kara que ele estava com dificuldade
para falar. Não havia dúvidas de que queria que ela ficasse ali, vivendo com ele.
Sentia-se feliz por tê-lo feito acreditar que era casada. Se tivesse dito a
verdade, ele naturalmente ia esperar que ela aceitasse sua proposta. Teria então
126
Sabrina 132
que lhe dizer que não pretendia ocupar o segundo lugar em seus pensamentos e
Sim, essa era a melhor maneira, deixá-lo acreditar que ela era casada.
pensamentos. Mas ela o chamou baixinho, e isso fez com que ele sorrisse.
na caverna. Era escuro e escorregadio e ela não gostou do lugar. Charles, que a
observava, desculpou-se:
— Não há muito material para nós aqui. Receio que Hugh não vai ficar
muito satisfeito com o meu trabalho de hoje. — Ela não percebeu que sua voz
— Ele pergunta demais, e não vou me preocupar com essa falha de hoje.
— Vamos voltar para minha casa — ele sugeriu. — Você não precisa ir
— Não... mas ele sabe que não vou levar o dia inteiro para visitar a caverna
do Elefante.
Entraram no carro, mas Charles não foi diretamente para Sanur. Em vez
tipos de mobília.
familiar, dita de uma maneira tão gentil, como quando estavam noivos. Mas ela
sabia que, se ele pudesse escolher, teria ficado com a esposa. Procurou tirar esses
— Não vou recusar um presente seu, Charles. Podemos dar uma olhada em
tudo primeiro? Parece haver tantas coisas bonitas, e eu não gostaria de escolher
imediatamente.
— Talvez. Acho que vai ficar bem na minha sala de estar, no aparador. Não
tenho muita coisa para colocar nele. — Ela parou de repente quando percebeu
— Você fala como se a sala fosse só sua — ele falou, de uma maneira que
mais parecia uma acusação, e ela prendeu a respiração quando percebeu seu
deslize.
memorizar aquele lugar, pois sabia que dentro em breve estaria tudo acabado.
Charles levou o pacote para o carro; ela ficou imaginando aquela figura em
mesma: "Mais quatro dias... mais três dias... só mais dois dias..." até que a última
noite chegou.
Às dez horas da manhã seguinte ela estaria no avião, junto com o resto do
grupo, deixando para sempre aquela ilha maravilhosa... e seu adorado Charles.
perceber meu amor — ela repetia para si mesma enquanto se aprontava, com
mais cuidado do que nunca, pois era o seu último encontro com Charles.
Seria um jantar íntimo, na casa dele, com o melhor vinho e a comida típica
vinda especialmente para eles do Kapalan. Charles não dissera nada a respeito
daquela noite, mas Kara sentia que era isso o que ia acontecer. Essa seria a
lembrança maior de todas, aquela que ela guardaria em seu coração para sempre.
Como posso deixá-lo?, pensava. Talvez seja melhor ser a segunda em sua
Não! Ela já fora a primeira uma vez e jamais poderia ser uma substituta,
apenas uma mulher para lhe dar conforto e amizade. Não com todo o amor que
Quando finalmente estava pronta, deu uma olhada no espelho e sabia, sem
ser vaidosa, que estava maravilhosa. Seria, sem dúvida, uma noite inesquecível.
encontrou seu olhar, no momento em que ele fechava a porta para ela.
aqui?
— Não, no avião. O preço estava muito bom. Não costumo tratar a mim
modo estranho.
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Outro deslize! Afinal, o que estava acontecendo com ela? Não podia deixar
— Vou exigir uma promessa de você esta noite — ele disse mais tarde,
Quero que você me prometa que vai me procurar se algo acontecer ao seu
casamento.
Ela não sabia o que dizer. Durante alguns instantes ficou paralisada diante
— O que o faz pensar que meu casamento pode terminar? — Kara não
conseguia entender como conseguia ficar tão calma, quando seu coração parecia
saltar do peito, sabendo que não tinha mais do que duas ou três horas para estar
junto de seu amado Charles. Ele queria ir até o aeroporto, mas ela não pretendia
companheiros.
Ela concordou, mas não conseguiu dizer nada. Seus olhos ardiam e sabia
— Acho que este é nosso adeus, Charles. Não era para acontecer. Não era
para nós nos casarmos. Vamos ficar contentes com o que temos! — Voltou o rosto
para o mar e tentou parecer alegre. — Vamos tomar outro licor? Acho que
também vou querer mais desse café delicioso. Posso? Está uma noite
maravilhosa. Muito obrigada, Charles, por ter me convidado para vir aqui na
minha última noite em Bali... — Kara falava sem parar e sem fitá-lo. Sentia que
não resistiria se encontrasse aqueles olhos tão queridos, fitando-a com tanto
carinho.
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confundido com sua maneira de agir e falar. Kara percebeu como ele engolia o
licor com dificuldade e movia as mãos sobre o copo vazio, que segurava sem
perceber.
o desejo puro e simples de amar e ser amada. Ficou imaginando como seria bom
que nunca mais sentira. Não conseguia pensar em mais nada, só naquele êxtase,
que toda ela ansiava por tornar a sentir. Mas, quanto a Charles, pensava, só
havia o desejo da paixão, do contato físico com seu corpo, pois o seu amor ainda
mais um pouco.
Ele franziu a testa e, sem uma palavra, entrou na casa para atender ao seu
pedido.
Assim que ele saiu, Kara levantou-se e pegou a estola que estava na cadeira
ao lado. Sua bolsa estava dentro da casa; teria que deixá-la ali mesmo. Com uma
última olhada para ver se ele ainda estava dentro da casa, ela se voltou e
começou a correr pelo caminho que levava à praia. Ele não sabia que direção
havia tomado, e assim ela tinha tempo suficiente para chegar ao hotel.
dizer a verdade, ainda que fosse só para tê-lo nessa noite e satisfazer o desejo
era o mais curto, mas ela teria que ir pela calçada para chegar até o portão.
Quando estava quase alcançando seu objetivo, parou e, olhando para trás,
se mover.
Quando a voz de Charles, chamando seu nome com desespero, chegou até
exposta na qual já tinha tropeçado uma vez. Um grito de dor escapou de seus
lábios quando ela caiu e sentiu que batia com a cabeça em algo duro.
piscando à sua frente. Tentou virar a cabeça e soltou um gemido, pois a dor era
muito forte.
Ela sorriu e se lembrou. Seu adorado Charles. Eles iriam casar dentro de
um mês.
Kara piscou; seus olhos deviam estar muito mal, pois esse não era o seu
Charles. Talvez alguém parecido, mas não o seu Charles. Esse homem tinha fios
grisalhos nas têmporas e uma expressão de agonia nos olhos negros. Por quê?
— Ela já está voltando a si. Não precisa mais se preocupar, ela está bem
Havia mais alguém no quarto. Quem seria? Sobre o que estavam falando?
— Meu amor, não tem importância agora. Você está aqui, querida, e este é o
lugar onde vai ficar para sempre. — Ele mantinha suas mãos presas entre as dele
quem falou com você há pouco? — ela perguntou, quase sem dar tempo a ele de
responder.
sua casa? — Ela queria entender o que estava acontecendo. Será que Charles
— Sim, querida, em minha casa. — Sua voz era baixa, mas havia muita
alegria.
— Algumas horas. Você teve febre e delirou. — O médico esteve aqui três
vezes.
— Meu Deus! Então, perdi o avião! Nós íamos sair às dez da manhã. —
Seus pensamentos estavam mais coerentes agora, mas ela se sentia muito
— Não. Foi um pequeno corte na testa, mas o médico disse que logo estará
bem. Se sentir dor, pode tomar um desses comprimidos que ele deixou.
aconteceu?
Ele hesitou um pouco e depois falou: — Você me ouviu dizer que delirou?
— Já sei de tudo, Kara, apesar de ter sido difícil juntar os pedaços. Sei que
você não é casada, que esperou por mim durante todos esses anos e que ainda
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me ama. E sei também a razão pela qual você não me disse tudo isso antes. —
Ele sorriu. — Eu nunca amei Tracy; só disse aquilo porque estava com raiva e
amargurado porque pensei que você tivesse quebrado a promessa. Foi pela
— Você nunca amou Tracy? É mesmo verdade? — Ela sabia que sim. Agora
ele era o seu Charles, que vivera todos aqueles anos amargurado, não por causa
das lembranças de Tracy, mas por ela, Kara. Por seu amor não correspondido.
Um amor que ele julgava perdido para sempre. Quantos desentendimentos! Eles
— Kara... — sua voz vibrava de alegria — sempre foi você. Desde o primeiro
momento em que a vi. Quando voltei para a Inglaterra e descobri que você estava
casada... — sua voz falhou pela emoção — eu não tinha mais nenhuma razão
para viver.
— Durma, meu amor. Vou ficar aqui, ao seu lado, tomando conta de você.
Um sorriso brilhou em seu rosto pálido e ela ainda conseguiu forças para
— Para manter os maus espíritos longe? Creio que meu Barong poderá
— Não, não estou. Ele está no meu quarto no hotel. Pensei em roubá-lo...
não... não exatamente roubar... — Sua voz foi ficando cada vez mais baixa, até
— Não, meu amor. O médico dirá quando poderá sair da cama. Kara, é
— É verdade. — Ela estava emocionada, mas seus olhos falavam por ela.
esperavam que o jantar fosse servido na nova sala de jantar, que estivera tanto
tempo fechada, mas que os dois mobiliaram juntos antes do casamento. Kara já
estava quase boa e, como lembrança daquele tombo, só havia um pequeno sinal
pôde explicar tudo o que tinha acontecido com ela naquele tempo. Ele contou
como a odiara, acreditando que ela o havia esquecido e se casado com outro
homem, quando ele contava as horas até que pudesse estar com ela. Foi essa a
razão de sua atitude tão brusca quando se encontraram pela primeira vez em
Bali.
Mas, depois de vários encontros, ele admitiu que ela não tinha mudado,
Com essa troca de confidência ficou tudo claro, mas havia ainda um
assunto em que não haviam tocado e Kara precisava saber. Falou, um pouco
hesitante:
— Charles, podemos falar sobre Tracy, só mais uma vez? Depois prometo
— Como ela era? Senti muito por ela e desejei que fosse um pouco feliz.
— Ela foi feliz. Eu era atencioso para com ela, pois Tracy merecia ser
tratada assim; era uma garota muito agradável. Mas era muito difícil, quase
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impossível, esconder dela o fato de que era você, sempre você, que ocupava meus
pensamentos.
— Sim, era. Eu sofria muito por você também. Imaginava você sozinha, tão
longe, esperando por mim. Da minha parte era um inferno, especialmente quando
as coisas foram se modificando e achamos então que Tracy teria longos anos de
— Nem eu. Cada dia era um tempo roubado, e eu jamais poderia invejá-la.
— Nós não temos nada de que nos arrepender, Kara. Estou feliz, pois agora
nada poderá nos separar. Quatro longos anos de espera e, quando finalmente
todo o peso daquela carga se foi, corri para você, apenas para descobrir que já
estava casada. Meu Deus! Não gosto nem de lembrar. Eu queria morrer quando
soube... — Ele parou quando sentiu a carícia das mãos de Kara em seus lábios.
— Meu querido, não se torture mais. Nós estamos juntos agora, e ainda
Vou lembrar-me sempre dessas tardes, o entardecer é sempre mais lindo junto a
você.
desejo. Kara se apertou mais ainda a ele. Podia sentir as batidas do coração dele
Quando finalmente ele a libertou, ela só podia pensar que finalmente estava
FIM