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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Emma Andrew
Eleonour Meps
Pedro Alexsander

Síntese da análise de Mendonça


sobre o formativo cherno-

Niterói
30 de novembro de 2023
O presente trabalho sintetiza o conteúdo do texto “O chernoamigo do meu chernoirmão”: uma
proposta de análise para o formativo cherno-”, de Mendonça. Para tal, manteve-se estrutura
semelhante à do texto original, apresentando inicialmente explicações referentes aos conceitos
utilizados na análise e, posteriormente, conjuntos de exemplos. Nesta última seção, ocorreu a
adição de novo material, a partir de pesquisa no twitter, rede social que também foi utilizada para
compor o conjunto de exemplos utilizado no texto original. Finalmente, dá uma análise mais
ampla, explorando o impacto social e significado cultural do uso desta forma.

1. Blends
Os processos de derivação e composição realizados a partir de morfemas não abrangem todos os
fenômenos de formação de palavras existentes na língua portuguesa atual. A esse respeito,
Gonçalves destaca a frequência e relevância das estruturas geradas a partir de blendings, comuns
no estado atual da língua.

Os blendings são fusões de palavras resultantes de processos não-concatenativos em que “a


sucessão de bases é muitas vezes rompida por sobreposições, dando origem à palavras que
condensam o significado de seus constituintes”². Um dos exemplos de blend utilizado no texto é
a palavra “macarronese”, fruto de um blending (macarrão + maionese), entre palavras que
compartilham as sequências [ma] e [on](diongo nasal em macarrão). Vê-se aí que os segmentos
selecionados não são morfemas, mas simplesmente frações das palavras originais que suscitam o
valor semântico do todo perante os falantes. Chama atenção também a relevância dos elementos
fonológicos na composição desse neologismo.

No Cruzamento Vocabular/Blends há uma questão morfológica a qual se é possível criar séries


de palavras, promovendo elementos recorrentes à condição de formativos de devido
direito.Quando isso acontece, aparecem novas unidades de formação, chamadas splinters. CV's
são fusões vocabulares isoladas. Formação com splinters apresentam um elemento recorrente.

Exemplos de blend:

blend Palavras constituintes

paitrocínio pai + patrocínio

pilantropia pilantra + filantropia

familícia família + milícia

macarronese macarrão + maionese

apertamento aperto + apartamento


2. Splinters
Quando o uso de um blend se torna familiar aos falantes, os mesmos são capazes de derivar daí o
valor lexical dos segmentos e formar outras palavras partindo dos mesmos. A partir de
“macarronese”, por exemplo, se formaram os termos ”camaronese”, “batatonese”, “bacalhonese”
dentre outros. O segmento -nese deixa de ser uma estrutura singular referente a um blend para se
tornar um splinter, que carrega o significado original da palavra que base e o relaciona com
novos segmentos, aproximando-se assim de um afixo (ambos são formas presas formadoras de
palavras).

Apesar de serem elementos lexicais, splinters são elementos de interesse dentro dos estudos
morfológicos por serem capazes de gerar novas palavras, em processos análogos aos já
estabelecidos. Segundo Mendonça:

Como os splinters, então, por serem recorrentes, aproximam-se de afixos,


passou-se a dar mais importância aos seus processos de formação.Utiliza-se o
termo "forma combinatória", que Warren (1990) postula, para se analisarem,
dentre outros elementos, os splinters.(Mendonça, 2019. Pg. 47)

Alguns splinters são formados a partir de palavras estrangeiras. Esses elementos, obviamente,
devem se integrar ao todo da língua para poderem se combinar com palavras do português e
assim se tornarem produtivos. A esse respeito, Gonçalves salienta que a capacidade de
distanciamento morfológico e fonológico entre a partícula e sua matriz na língua doadora são
fatores de elevada importância. Baseando-se em processos recentes observados no português
brasileiro, gonçalves escreve:

(...)são menos nativizados aqueles que preservam a grafia e a pronúncia original, a


exemplo de -gate, -leaks e wiki-. Num grau intermediário, com adaptação gráfica,
mas não necessariamente fônica (ou vice- -versa), estão splinters como ciber- e
-tube. Por fim, os mais integrados à língua e, portanto, praticamente sentidos
como vernáculos, são aqueles em que apresentam feição fonológica e gráfica
idênticas a formas plenas existentes em português, a exemplo de info-, euro- e
-lândia. (Gonçalves, 2013. Pg. 151)

Alguns exemplos de splinters observados em português contemporâneo são:

Splinters Formações derivadas


bolso- Bolsobesta, bolsofake, bolsoburro

caipi- Caipiwodka, caipisaquê, caipifruta

-lândia Cracolândia, cristolândia

3. O formativo cherno-
Após essas explicações preliminares relacionadas aos processos de formação de blends e
splinters, podemos partir para a análise do formativo cherno-, utilizado no texto como exemplo
dos processos descritos anteriormente e analisado por via de um corpus composto através de
postagens no twitter, rede selecionada devido à frequência com que palavras que utilizavam o
formativo surgiam entre postagens de seus usuários.

Mendonça argumenta que o blend que originou as construções que partem do splinter cherno- foi
“chernoboy”. O autor alcança tal conclusão ao observar (a) o recorte temporal em que as
estruturas surgiam, sendo chernoboy a mais antiga, e (b) a ausência de outros blends que
poderiam ser apontados como matrizes. Novamente, os fatores fonológicos entram em jogo.
Argumenta o autor:

A partir dos postulados de Gonçalves (2013), é tomada como hipótese que ocorre,nas
construções com cherno- o mesmo processo que se dá em construções com -trocínio. Por
o ataque da última sílaba de "Chernobyl" e o monossílabo "boy" compartilharem a
consoante oclusiva bilabial sonora [b], criam-se condições favoráveis para a reanálise da
sequência "cherno" epara ocorrer o processo de substituição sublexical do segmanto final
de "Chernobyl" por outras palavras. (Mendonça, 2019. Pg. 52)

A forma cherno- vem da palavra “Chernobyl,” uma cidade na Ucrânia onde ocorreu um
desastroso acidente nuclear em 1986. A explosão de um reator nuclear liberou uma quantidade
massiva de material radiativo na atmosfera e deixou as áreas ao redor altamente contaminadas.
Assim, as palavras formadas por cherno- faz referência com algo tóxico, radioativo, perigoso ou
surpreendente. Mendonça encontrou quatro grandes relações expressas com a forma cherno- : a
depreciação, a estranheza, a surpresa, e a apreciação. Encontrou também que a forma cherno-
parece, em maioria, se adjunge a substantivos e escolher palavras que têm características
nominais.
4. Exemplos
Mendonça apresenta 11 tweets até a data de publicação, em 2019, compartilhando as seguintes
palavras: “chernopeople”, “chernoboy”, “chernogirl”, “chernowoman”, “chernomacho”,
“chernogay”, “chernodrink”, “chernopão”, “chernobrother”, “chernobom” e “chernoamor”. Ele
explica que cada uma carrega uma conotação específica associada à forma cherno-. Por exemplo,
“chernopeople” expressa a depreciação, referindo-se às pessoas negativas ou tóxicas.
“Chernopão” pode se referir a um pão com características negativas, tóxicas ou surpreendentes.

No presente trabalho ,foram incluídos também cinco tweets adicionais dos anos seguintes até o
momento presente, 2023, com outras palavras com a forma.

Exemplo I. Esse exemplo sugere de forma humorística com a forma “chernocasa” que a
situação na casa do Big Brother Brasil (#BBB23) se assemelha a um ambiente à la Chernobyl,
repleto de elementos radioativos.

Exemplo II. Nesse exemplo, “chernoescola” denota uma conotação negativa associada à
instituição educacional mencionada, sugerindo que a escola é percebida como sendo de baixa
qualidade, talvez caracterizada por uma má administração e uma equipe docente considerada
desqualificada. O uso do prefixo cherno- intensifica essa crítica, evocando uma associação com
elementos tóxicos ou problemáticos.
Exemplo III. A palavra “chernoigreja” insinua que essa instituição religiosa é associada a
eventos, comportamentos ou atitudes que podem ser considerados chocantes, negativos ou
polêmicos.

Exemplo IV. A palavra “chernochefe” neste contexto parece sugerir que o chefe é visto como
algo negativo, talvez devido a características tóxicas, prejudiciais ou indesejáveis, tanto que
deixou o autor enjoado.
Exemplo V. Nesse contexto, a expressão “chernoamigo” implica que os amigos dessa pessoa são
associados a algo tóxico, negativo ou problemático. Indica que, se alguém tem apenas
“chernoamigos,” isso pode refletir nas características ou na natureza dessa pessoa, insinuando
que ela também pode ter qualidades semelhantes às associadas com a forma cherno-.

5. Análise mais ampla


A análise de Mendonça considera não apenas o significado literal da forma, mas também as
funções atitudinais e indexicais de cherno-, sugerindo que os usuários utilizam essa forma para
expressar emoções e para estabelecer um perfil sociocultural. Como destaca Gonçalves (2019), o
uso de algumas estruturas linguísticas podem expressar função indexical. Mendonça observa que
cherno- é amplamente utilizado em plataformas de mídia social, especialmente em relação a
popular série “Chernobyl”. Assim, o uso dessa forma sinaliza o perfil sociocultural do usuário:
uma pessoa que tem acesso à Internet, ao Twitter, assim provavelmente urbano e jovem. Esse
contexto contribui para a disseminação da forma, demonstrando como a cultura e os eventos
contemporâneos influenciam a linguagem e a comunicação online.

Os exemplos adicionais aqui – “chernocasa,” “chernoescola,” “chernoigreja,” “chernochefe” e


“chernoamigo” – enriquecem a compreensão das conotações associadas à forma cherno-
proposta por Mendonça, reforçando as relações de depreciação, estranheza, surpresa e
apreciação. Além disso, o uso específico em contextos como escola, igreja e amizade destaca a
adaptabilidade da forma em diversas esferas da vida cotidiana. O uso de cherno- reflete não
apenas significados literais, mas também atitudes e emoções dos usuários.

O uso de cherno- no Twitter reflete estilos contemporâneos de comunicação e a cultura da


Internet. Twitter é conhecido por seu formato conciso, onde a brevidade é essencial. O uso do
splinter cherno- oferece uma economia de palavras ao condensar sentimentos complexos ou
emoções intensas de uma forma direta e impactante. Assim, o estudo dessa forma não apenas
serve para entender melhor a morfologia, mas também para destacar a natureza dinâmica da
comunicação e linguagem online.

6. Conclusão
O trabalho apresentado buscou condensar a análise de Mendonça sobre o formativo cherno- e os
processos morfológicos que possibilitam o surgimento dessa inovação. Os conceitos de blend e
splinter foram brevemente introduzidos, para que a apresentação posterior do conjunto de
exemplos fosse fundamentada. Os exemplos evocados foram extraídos do twitter e utilizados
como demonstrações da funcionalidade e produtividade de estruturas geradas a partir de splinters
na língua portuguesa atual.

7. Bibliografia
GONÇALVES, C. A. Morfologia. São Paulo: parábola, 2019.

MENDONÇA, Caio Mieiro. “O CHERNOAMIGO DO MEU CHERNOIRMÃO: uma proposta


de análise para o formativo cherno-”.Rio de Janeiro. Cadernos do Nemp, n°10, vol. 1, 2019.
Faculdade de Letras da UFRJ. Rio de Janeiro.

GONÇALVES, C. A. "Na sextaneja coma caipifruta da mãedrasta": o estatuto


morfológico dos splinters no portugês brasileiro contemporâneio. Revista Diadorim /
Revista de Estudos Linguísticos e Literários do Programa de Pós-Graduação em
Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Número especial 2013.

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