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Blog Ostras & Pérolas - Ano 1 - nº 7 - 29 de julho de 2018

Formação de professores para a educação básica: um cenário de indiferenças – 4

A saga da formação de professores para o magistério na educação básica continuou com diversas
resoluções, contraditórias entre si.
Em julho de 2015, o Conselho Nacional de Educacional (CNE), por seu Conselho Pleno (CP), editou a
Resolução CNE/CP n° 2/2015, que institui as diretrizes curriculares nacionais para a formação inicial e
continuada em nível superior de profissionais do magistério para a educação básica. Essas normas
aplicam-se “à formação de professores para o exercício da docência na educação infantil, no ensino
fundamental, no ensino médio e nas respectivas modalidades de educação (educação de jovens e
adultos, educação especial, educação profissional e tecnológica, educação do campo, educação escolar
indígena, educação a distância e educação escolar quilombola), nas diferentes áreas do conhecimento e
com integração entre elas, podendo abranger um campo específico e/ou interdisciplinar”. Teve como
fundamento as Resoluções CNE/CP n° 1/2002, CNE/CP n° 2/2002, CNE/CP n° 1/2006, CNE/CP n°
1/2009, CNE/CP n° 3, de 15 de junho de 2012, e as Resoluções CNE/CEB n° 2, de 19 de abril de 1999, e
CNE/CEB n° 2/2009, as diretrizes curriculares nacionais da educação básica, bem como o Parecer
CNE/CP n° 2/2015.
A Resolução CNE/CP n° 2/2015, em seu art.25, revogou as seguintes resoluções: Resolução CNE/CP nº
2/1997 − Dispõe sobre os programas especiais de formação pedagógica de docentes para as disciplinas
do currículo do ensino fundamental, do ensino médio e da educação profissional em nível médio;
Resolução CNE/CP nº 1/1999 − Dispõe sobre os institutos superiores de educação, considerados os Art.
62 e 63 da Lei 9.394/96 e o Art. 9º, § 2º, alíneas "c" e "h" da Lei 4.024/61, com a redação dada pela Lei
9.131/95; Resolução CNE/CP nº 1/2002 − Institui diretrizes curriculares nacionais para a formação de
professores da educação básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena;
Resolução CNE/CP nº 2/2002 − Institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de
graduação plena, de formação de professores da educação básica em nível superior; Resolução
CNE/CP nº 1/2009 − Estabelece diretrizes operacionais para a implantação do Programa Emergencial
de Segunda Licenciatura para professores em exercício na educação básica pública a ser coordenado
pelo MEC em regime de colaboração com os sistemas de ensino e realizado por instituições públicas
de educação superior; Resolução CNE/CP nº 3/2012 − Altera a redação do art. 1º da Resolução CNE/CP
nº 1, de 11 de fevereiro de 2009, que estabelece diretrizes operacionais para a implantação do
Programa Emergencial de Segunda Licenciatura para professores em exercício na educação básica
pública a ser coordenado pelo MEC.
Após treze filosóficos “considerandos”, a Resolução CNE/CP nº 2/2015, em três parágrafos do art. 1º,
estabeleceu os princípios desejados para a formação docente para o magistério nos três níveis da
educação básica – educação infantil, ensino fundamental e ensino médio:
“§ 1° Nos termos do § 1° do artigo 62 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), as
instituições formadoras em articulação com os sistemas de ensino, em regime de colaboração, deverão
promover, de maneira articulada, a formação inicial e continuada dos profissionais do magistério para
viabilizar o atendimento às suas especificidades nas diferentes etapas e modalidades de educação
básica, observando as normas específicas definidas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).
§ 2° As instituições de ensino superior devem conceber a formação inicial e continuada dos
profissionais do magistério da educação básica na perspectiva do atendimento às políticas públicas de
educação, às Diretrizes Curriculares Nacionais, ao padrão de qualidade e ao Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Superior (Sinaes), manifestando organicidade entre o seu Plano de
Desenvolvimento Institucional (PDI), seu Projeto Pedagógico Institucional (PPI) e seu Projeto
Pedagógico de Curso (PPC) como expressão de uma política articulada à educação básica, suas
políticas e diretrizes.
§ 3° Os centros de formação de estados e municípios, bem como as instituições educativas de
educação básica que desenvolverem atividades de formação continuada dos profissionais do
magistério, devem concebê-la atendendo às políticas públicas de educação, às Diretrizes Curriculares
Nacionais, ao padrão de qualidade e ao Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes),
expressando uma organicidade entre o seu Plano Institucional, o Projeto Político Pedagógico (PPP) e o
Projeto Pedagógico de Formação Continuada (PPFC) através de uma política institucional articulada à
educação básica, suas políticas e diretrizes”.
O Instrumento de Avaliação do Inep não alcança esse universo específico dos princípios desejados
para a educação básica. Avalia, genericamente, o cumprimento das DCNs.
Surge novamente a figura da “articulação com os sistemas de ensino, em regime de colaboração”. O
Sistema Nacional de Educação, preconizado pelo Plano Nacional de Educação (PNE-2014/2024), nos
termos do art. 13 da Lei 13.005, de 25 de junho de 2014, deveria ser instituído pelo Poder Público, “ em
lei específica”, contados dois anos da publicação dessa Lei, em 26 de junho de 2014. Esse Sistema seria
“responsável pela articulação entre os sistemas de ensino, em regime de colaboração, para efetivação
das diretrizes, metas e estratégias do Plano Nacional de Educação”. Passados quatro anos, nem a
Presidência da República e nem o Congresso Nacional tiveram vontade e tempo para aprovar essa lei.
E nem a Procuradoria Geral da União provocou o Supremo Tribunal Federal (STF) para determinar o
cumprimento de tal dispositivo pelos Poderes Executivo e Legislativo. Dedicaram-se aos afazeres
políticos e às negociações em torno da Operação Lavajato. Vamos chegar em junho de 2019 e − quem
sabe? – junho de 2020 ou, mais ainda, junho de 2024, a duração decenal do PNE, sem que essa lei seja
consumada. Por esse “pequeno” detalhe, todos podemos avaliar o grau de comprometimento do
Legislativo, do Executivo e do Judiciário, com a educação pública de qualidade.
O art. 13 fixa a carga horária mínima das licenciaturas em 3.200h “de efetivo trabalho acadêmico”, a
serem integralizadas em, no mínimo, oito semestres ou quatro anos, compreendendo 400h de “prática
como componente curricular, distribuídas ao longo do processo formativo”; 400h “dedicadas ao
estágio supervisionado, na área de formação e atuação na educação básica, contemplando também
outras áreas específicas, se for o caso, conforme o projeto de curso da instituição”; pelo menos 2.200h
“dedicadas às atividades formativas estruturadas pelos núcleos definidos nos incisos I e II do artigo 12
desta Resolução, conforme o projeto de curso da instituição”; 200h horas de “atividades teórico-
práticas de aprofundamento em áreas específicas de interesse dos estudantes, conforme núcleo
definido no inciso III do artigo 12 desta Resolução, por meio da iniciação científica, da iniciação à
docência, da extensão e da monitoria, entre outras, consoante o projeto de curso da instituição”. Um
autêntico currículo mínimo, faltando apenas incluir, nessa resolução, o rol de unidades curriculares e
os planos de ensino...
A resolução ainda oferece um facilitário no art. 14, criando cursos de “formação pedagógica para
graduados não licenciados, de caráter emergencial e provisório, ofertados a portadores de diplomas
de curso superior formados em cursos relacionados à habilitação pretendida com sólida base de
conhecimentos na área estudada”. Esse “caráter emergencial e provisório” é filhote do inciso II, art. 63,
da LDB, que permite “programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação
superior que queiram se dedicar à educação básica”. Antes da atual LDB, já havia o Esquema I e
Esquema II, instituídos pela Portaria Ministerial nº 432/1971, “duas formas emergenciais para a
formação de professores [..] para as disciplinas específicas do ensino de 2º grau". Ou seja, esse “caráter
emergencial e provisório” já dura quase meio século. É um conceito lato sensu de “emergencial e
provisório”. Mais uma jabuticaba brasileira. Cria-se um complexo sistema de formação docente para o
magistério na educação básica e, paralelamente, institui-se atalhos formativos, que não alcançam, nem
de perto, a formação densa que se requer para uma melhoria contínua da qualidade da educação
básica pública.
O art. 15 estabelece critérios numéricos para a “segunda licenciatura”, com a carga horária mínima
variável de 800 a 1.200h, “dependendo da equivalência entre a formação original e a nova
licenciatura”. Segundo o § 1°, a definição da carga horária deve respeitar os seguintes princípios: 800h
“quando o curso de segunda licenciatura pertencer à mesma área do curso de origem”; 1.200h
“quando o curso de segunda licenciatura pertencer a uma área diferente da do curso de origem”; e
300h dedicadas ao “estágio curricular supervisionado” (prática de ensino), para cumprir o art. 65 da
LDB, que exige, para a formação de professores para o magistério na educação básica, a .prática de
ensino de, no mínimo, trezentas horas”. Trocando em miúdos: a licenciatura de Letras em Português
tem a carga horária mínima de 3.200h, a serem integralizadas, em média, em oito semestres ou quatro
anos letivos. Para obter a licenciatura em Inglês o estudante terá que cursar mais 800h, incluindo 300h
de prática de ensino, sob a forma de estágio supervisionado. Serão mais dois semestres letivos. Caso o
licenciado em Pedagogia queira obter a licenciatura em Letras-Português e literaturas terá que fazer
uma complementação de mais 1.200h, em três semestres letivos.
A resolução tem um capítulo dedicado aos “profissionais do magistério e sua valorização”. No art. 18
traz uma utopia ingênua. Dispõe esse artigo, que “compete aos sistemas de ensino, às redes e às
instituições educativas a responsabilidade pela garantia de políticas de valorização dos profissionais
do magistério da educação básica, que devem ter assegurada sua formação, além de plano de carreira,
de acordo com a legislação vigente, e preparação para atuar nas etapas e modalidades da educação
básica e seus projetos de gestão, conforme definido na base comum nacional e nas diretrizes de
formação, segundo o PDI, PPI e PPC da instituição de educação superior, em articulação com os
sistemas e redes de ensino de educação básica”. E o § 3º completa essa utopia: “a valorização do
magistério e dos demais profissionais da educação deve ser entendida como uma dimensão
constitutiva e constituinte de sua formação inicial e continuada, incluindo, entre outros, a garantia de
construção, definição coletiva e aprovação de planos de carreira e salário, com condições que
assegurem jornada de trabalho com dedicação exclusiva ou tempo integral a ser cumprida em um
único estabelecimento de ensino e destinação de 1/3 (um terço) da carga horária de trabalho a outras
atividades pedagógicas inerentes ao exercício do magistério”. Trata-se de um completo
desconhecimento da realidade da educação básica pública. É de uma candura impressionante.
As DCNs enciclopédicas, como essa em análise e outras, por exemplo para a licenciatura em
Pedagogia e o bacharelado em Medicina, para citar apenas duas, ignoraram o Parecer CNE/CES nº
776/1997, que define as diretrizes gerais para a elaboração e definição das DCNs de cada curso de
graduação, em particular esses dois itens:
“1) assegurar, às instituições de ensino superior, ampla liberdade na composição da carga horária a ser
cumprida para a integralização dos currículos, assim como na especificação das unidades de estudos a
serem ministradas;
2) indicar os tópicos ou campos de estudo e demais experiências de ensino-aprendizagem que
comporão os currículos, evitando ao máximo a fixação de conteúdo dos específicos com cargas
horárias pré-determinadas, as quais não poderão exceder 50% da carga horária total dos cursos;
3) evitar o prolongamento desnecessário da duração dos cursos de graduação;”.
A bem da verdade, na aprovação das DCNs específicas para cada curso, a composição da carga
horária e a integralização dos currículos não foram cumpridas nas mencionadas diretrizes 1 e 3. Os
pareceres específicos limitaram ao máximo essa liberdade, que deixou de ser “ampla” para ser “mini”.
O mesmo aconteceu com a recomendação de se “evitar o prolongamento desnecessário da duração
dos cursos”. A carga horária mínima de todas as licenciaturas e da maioria dos bacharelados foi
aumentada, contrariando o citado parecer e na contramão das recomendações da Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), consagradas no documento
“Educação para o Século XXI”, constantes do chamado “Relatório Delors”.
As DCNs das licenciaturas estão aprovadas, a partir de 2001, e a Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) somente foi aprovada este ano, quando deveria ser o contrário: primeiro aprovaria a BNCC e,
depois, as DCNs das licenciaturas. Estas jamais foram avaliadas e, agora, terão que se adaptar à
BNCC.
Segundo documento divulgado pelo MEC, a BNCC “deve nortear os currículos dos sistemas e redes
de ensino das Unidades Federativas, como também as propostas pedagógicas de todas as escolas
públicas e privadas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, em todo o Brasil”
(negritos no original). A BNCC “estabelece conhecimentos, competências e habilidades que se espera
que todos os estudantes desenvolvam ao longo da escolaridade básica”. Competências e habilidades
chegam à educação básica brasileira com vinte anos de atraso. Em 1998, a Unesco definiu, em
congresso realizado em Paris, como deveria ser a educação para o século 21, no conhecido Relatório
Delors, incluindo o desenvolvimento de competências e habilidades.
“Competências e habilidades” foram e são ignoradas, pela quase totalidade das escolas da educação
básica e as instituições de educação superior, embora o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e o
Exame de Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enam) tenha por objetivo, exatamente, avaliar as
competências e habilidades desenvolvidas pelos educandos em seus cursos de nível médio ou na
graduação. Chego até a pensar que “os legisladores” do MEC também têm as suas dúvidas:
“competências são objetivos e habilidades objetivos gerais?”. Até o Aurélio coloca minhoca na cabeça
dessas pessoas ao tratar “competência” como sinônimo de “habilidade”.
Mas, o metre Vasco Moretto, doutor em didática pela Universidade Laval de Quebec, Canadá, um
brasileiro que sabe das coisas na área da educação, com seus quarenta anos de experiência no
magistério, destaca um ponto fundamental em relação à “competência” e “habilidade”, em dois
parágrafos concisos:
Competência: "Competência não se alcança, desenvolve-se. Competência é fazer bem o que nos
propomos a fazer”. É “um conjunto de habilidades harmonicamente desenvolvidas e que
caracterizam por exemplo uma função/profissão específica: ser arquiteto, médico ou professor de
química. As habilidades devem ser desenvolvidas na busca das competências”.
Habilidade: "As habilidades estão associadas ao saber fazer: ação física ou mental que indica a
capacidade adquirida. Assim, identificar variáveis, compreender fenômenos, relacionar informações,
analisar situações-problema, sintetizar, julgar, correlacionar e manipular são exemplos de habilidades.
As habilidades devem ser desenvolvidas na busca das competências”.
Desolado, chego ao fim desses quatro artigos sobre a formação docente para o magistério na educação
básica. Os “legisladores” do CNE não conhecem a realidade da educação básica, com as exceções de
praxe. E muito menos os demais órgãos do MEC que atuam nesse nível de ensino. É o reflexo da falta
de comprometimento dos legisladores, dos chefes do Poder Executivo e do Poder Judiciário, como um
todo, de uma educação básica de qualidade. A Educação ainda é, no Brasil, um “tesouro a descobrir”.

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