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Revista Brasileira de Educação do Campo

Brazilian Journal of Rural Education


ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10863

O gerencialismo na gestão pública brasileira via parcerias


público-privadas
1 2
Antonio Sousa Alves , Albiane Oliveira Gomes
1
Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão - UEMASUL. Centro de Ciências Humanas, Sociais e Letras -
2
CCHSL. Rua Godofredo Viana, 1300, Centro. Imperatriz - MA. Brasil. Universidade Estadual do Maranhão - UEMA.
Autor para correspondência/Author for correspondence: aslaves2@gmail.com

RESUMO. Este artigo discute e analisa as estratégias atuais de


institucionalização da lógica gerencial na gestão pública por
meio das parcerias público-privadas. Partimos das
reconfigurações do Estado capitalista e das múltiplas
determinações desse processo para a relação entre o público e o
privado na educação, em especial a partir das determinações da
Reforma do Aparelho do Estado na década de 1990. Neste
sentido, serão abordadas as particularidades da Reforma do
Estado no Brasil, assim como as inter-relações dos mecanismos
do Terceiro Setor no interior das instituições públicas a partir
das parcerias público-privadas. A análise bibliográfica e
documental permitiu identificar que os princípios gerenciais
típicos do mundo dos negócios adentraram as políticas sociais,
entre elas as de educação.

Palavras-chave: Reforma do Estado, Parcerias público-


privadas, Terceiro Setor, Gestão Gerencial.

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Alves, A. S., & Gomes, A. O. (2020). O gerencialismo na gestão pública brasileira via parcerias público-privadas.

Managerialism in Brazilian public management via public-


private partnerships

ABSTRACT. This article discusses and analyzes the current


strategies to institutionalize the management logic in public
management through public-private partnerships. We start from
the reconfigurations of the capitalist State and the multiple
determinations of this process for the relationship between the
public and the private in education, especially from the
determinations of the State System Reform in the 1990s. In this
sense, the particularities of State Reform in Brazil will be
addressed, as well as the interrelationships of Third Sector
mechanisms within public institutions through public-private
partnerships. The bibliographic and documentary analysis
allowed for the identification that the typical managerial
principles of the business world have entered social policies,
among them those of education.

Keywords: State Reform, Public-Private Partnerships, Third


Sector, Managerial Management.

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Alves, A. S., & Gomes, A. O. (2020). O gerencialismo na gestão pública brasileira via parcerias público-privadas.

El gerencialismo en la gestión pública brasileña a través de


asociaciones público-privadas

RESUMEN. Este artículo discute y analiza las estrategias


actuales para institucionalizar la lógica de gestión en la gestión
pública a través de alianzas público-privadas. Partimos de las
reconfiguraciones del Estado capitalista y de las múltiples
determinaciones de este proceso para la relación entre lo público
y lo privado en la educación, especialmente a partir de las
determinaciones de la Reforma del Aparato del Estado en la
década de 1990. En este sentido, se abordarán las
particularidades de la Reforma. el Estado en Brasil, así como las
interrelaciones de los mecanismos del Tercer Sector dentro de
las instituciones públicas basadas en alianzas público-privadas.
El análisis bibliográfico y documental permitió identificar que
los principios de gestión propios del mundo empresarial
entraban en las políticas sociales, entre ellas las de educación.

Palabras clave: Reforma del Estado, Alianzas Público-


Privadas, Tercer Sector, Gestión Gerencial.

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Introdução

Durante o governo de Fernando Terceira Viai. Estes foram alguns dos


Henrique Cardoso, entre os anos de (1995- exemplos de alternativas à crise estrutural
2002), a Reforma do Estado formulada por global do capital.
Luiz Carlos Bresser Pereira teve como Outra discussão presente nesse
fator principal o estabelecimento de metas cenário, importante para redefinir o papel
para cumprimento das exigências do Estado, foi o fato de a crise fiscal ser
apresentadas pelos organismos parte do movimento de crise do capital, e
internacionais, entre elas: liberação não causadora da crise, como
comercial; programa de privatizações; e a diagnosticado pelo neoliberalismo e pela
estabilização do Plano Real. Esse conjunto Terceira Via. Como justificativa de que a
de medidas foi intitulado de Plano Diretor crise estava no Estado e não no capital, o
de Reforma do Aparelho do Estado governo brasileiro apresentou a Reforma
(PDRAE). do Aparelho do Estado, elaborada pelo
A Reforma do Estado brasileiro Ministério da Administração e Reforma do
intensificada durante o governo FHC Estado (MARE).
seguiu, de forma implícita ou explícita, Entre os seus teóricos e criadores,
uma gama de diretrizes neoliberais, dentre destacamos Bresser Pereira (1997, p. 12),
as quais podemos destacar o controle do para quem a origem da crise está
Estado em relação a seus gastos com justamente no Estado. Para ele:
pessoal, com receitas e despesas em todos
A crise do Estado a que estou me
os setores para possibilitar maior referindo não é um conceito vago.
flexibilização das ações que seriam Pelo contrário, tem um sentido muito
específico. O Estado entra em crise
essenciais para o progresso, segundo o fiscal, perde em graus variados o
crédito público, ao mesmo tempo que
discurso oficial. vê sua capacidade de gerar poupança
Particularmente a partir da década de forçada a diminuir, senão a
desaparecer, à medida que a
1990, a relação entre o público e o privado poupança pública, que era positiva,
vai se tornando negativa. Em
sofre mudanças. A crise vivida pelo capital consequência, a capacidade de
suscitou à época novas estratégias de intervenção do Estado diminui
dramaticamente. O Estado se
superação, como: a explosão da imobiliza.
globalização de mercado; definição do
neoliberalismo como estratégia política e Entre os teóricos que defendem a

econômica; a reestruturação produtiva; e a Terceira Via e os teóricos neoliberais, há

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um consenso de que a crise não pode ser O plano diretor da reforma do aparelho
do capital em razão de ter suas raízes no do Estado e o público não estatal

Estado. Os defensores dessa perspectiva


Em 1995, teve início no Brasil a
consideram que o Estado efetivou gastos
reforma da gestão pública ou Reforma
excessivos com políticas sociais, de modo
Gerencial do Estado. Deu-se com a
que esse descontrole econômico provocou
publicação do Plano Diretor da Reforma
a crise fiscal. A diferença de pensamento
do Aparelho do Estado (PDRAE) e o envio
das duas concepções se dá pela estratégia
para o Congresso Nacional da emenda da
de superação da crise adotada: para os
administração pública que se
neoliberais, a saída da crise se dá pela
transformaria, em 1998, na Emenda
privatização, enquanto para os teóricos da
Constitucional nº 19, a qual dispõe sobre
Terceira Via a solução está no Terceiro
os princípios e as normas da administração
Setorii.
pública.
Nessa perspectiva, o Terceiro Setor
O PDRAEiii foi elaborado ainda no
materializa a relação entre público-privado
primeiro semestre de 1995, tomando como
por ser uma estratégia de afirmação de
base as experiências recentes em países da
reconfiguração do Estado capitalista. Para
Organização para a Cooperação e
Peroni (2006, p. 12): “com o público não-
Desenvolvimento Econômico (OCDE),
estatal a propriedade é redefinida, deixa de
principalmente o Reino Unido – país onde
ser estatal e passa a ser pública de direito
se implantava a segunda grande reforma
privado”. Dessa forma, as políticas sociais
administrativa da história do capitalismo.
passam a ser executadas pelo público não-
Nesse contexto, surgiu no Reino
estatal através de duas concepções: do
Unido a New Public Management com
público, que passa a ser de direito privado,
uma nova prática de administração pública
ou quando o Estado estabelece parcerias
– a gerencial. Embora influenciada por
com instituições do Terceiro Setor.
ideias neoliberais, ela de fato não podia ser
Nesse sentido, o presente artigo
confundida com as ideias da direita, pois
apresenta um quadro referencial de análise
muitos países social-democratas na Europa
que nos possibilita discutir as estratégias
estavam envolvidos no processo de
atuais de institucionalização da lógica
reforma e de implantação de novas práticas
gerencial presente nas parcerias público-
administrativas (Abrucio, 2007).
privadas a partir da Reforma do Estado
No Brasil, nos primeiros quatro anos
capitalista no Brasil.
do governo de Fernando Henrique Cardoso

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(1995-1998), a reforma foi executada no da administração de empresas” (Castro,


nível federal por meio do MARE sob o 2008, p. 1).
comando do ministro Luiz Carlos Bresser Uma reforma estrutural que
Pereira. Com a extinção do MARE, por sistematize uma nova perspectiva da
sugestão do próprio ministro no final desse relação entre o Estado e a sociedade civil é
período, a gestão passou para o Ministério o aspecto central na análise de seu mentor
do Planejamento e Gestão, ao mesmo intelectual, Bresser Pereira:
tempo em que estados e municípios
A reforma do Estado deve ser
passavam também a fazer suas próprias entendida dentro do contexto da
reformas. redefinição do papel do Estado, que
deixa de ser o responsável direto pelo
A temática da reforma do Estado no desenvolvimento econômico e social
pela via da produção de bens e
Brasil esteve presente na agenda política serviços, para fortalecer-se na função
internacional desde os primeiros anos da de promotor e regulador desse
desenvolvimento. O Estado abandona
década de 1980. De certa forma, a o papel de executor ou prestador
direto de serviços, mantendo-se
reformulação do aparelho do Estado entrou entretanto no papel de regulador e
na agenda dos governos como resposta à provedor ou promotor destes,
principalmente dos serviços sociais,
crise econômica que paralisou econômica e como educação e saúde, que são
politicamente os países nos últimos essenciais para o desenvolvimento,
na medida em que envolvem
decênios do século XX. investimento em capital humano.
Como promotor desses serviços o
Para Castro (2008 p. 1), “a reforma Estado continuará a subsidiá-los,
do Estado burocrático, ou seja, da buscando, ao mesmo tempo, o
controle social direto e a participação
administração pública é em função da da sociedade (Bresser Pereira, 1997,
p. 16).
necessidade que está posta de uma
administração pública eficiente que tem A reforma do aparelho do Estado
como objetivo reconstruir o Estado”. brasileiro na década de 1990 partiu de
Ainda para a autora, a reforma políticas em que os governos combinaram
administrativa no Brasil teve por objetivo a tentativas de mudanças institucionais e de
implantação da reforma gerencial por meio ajuste fiscal com a finalidade de melhorar
dos seus mecanismos de descentralização. o desempenho do setor público. Para tanto,
Assim, o Estado “deve ter indicadores utilizaram medidas destinadas a controlar a
objetivos preocupados mais com os expansão dos gastos públicos, transformar
resultados do que com o controle do o padrão das despesas governamentais e
processo, a exemplo do que ocorre na área promover importantes inovações

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institucionais, alterando a matriz governos, aperfeiçoando a


democracia representativa e abrindo
institucional de organização e espaço para o controle social ou
funcionamento dos aparatos do Estado democracia direta (Bresser Pereira,
1997, p. 18).
(Abrucio, 2007).
Para Bresser Pereira (1997), os Ainda para o autor, “outra forma de
componentes ou processos básicos da conceituar a reforma do Estado em curso, é
reforma do Estado que levaram ao entendê-la como um processo de criação
desenvolvimento do Estado Social-Liberal ou de transformação de instituições, de
do século XXI foram: forma a aumentar a governança e a
governabilidade” (Bresser Pereira, 1997, p.
a) a delimitação das funções do
Estado, reduzindo seu tamanho em 19). Para Behring (2008, p. 177), a reforma
termos principalmente de pessoal
do Estado no Brasil seguiu os caminhos de:
através de programas de privatização,
terceirização e. publicização. (este ajuste fiscal duradouro; reformas
último processo implicando na
transferência para o setor público econômicas orientadas para o mercado – a
não-estatal dos serviços sociais e abertura comercial e a privatização –,
científicos que hoje o Estado presta);
b) a redução do grau de interferência acompanhadas de uma política industrial e
do Estado ao efetivamente necessário
através de programas de tecnológica para fortalecer a
desregulação que aumentem o competitividade da indústria nacional;
recurso aos mecanismos de controle
via mercado, transformando o Estado reforma da previdência social; inovação
em um promotor da capacidade de
competição do país a nível
dos instrumentos de política social; e
internacional ao invés de protetor da reforma do aparelho do Estado,
economia nacional contra a
competição internacional; aumentando sua eficácia. Diante disso, o
c) o aumento da governança do
ajuste fiscal cabe à equipe econômica
Estado, ou seja, da sua capacidade de
tornar efetivas as decisões do (Planejamento e Fazenda).
governo, através do ajuste fiscal, que
devolve autonomia financeira ao Nesse sentido, fez-se necessário
Estado, da reforma administrativa instituir elementos de gestão que
rumo a uma administração pública
gerencial (ao invés de burocrática),e produzissem resultados imediatos da
a separação, dentro do Estado, ao
nível das atividades exclusivas de redução das responsabilidades do Estado e
Estado, entre a formulação de de aumento do poder de participação da
políticas públicas e a sua execução; e,
finalmente, iniciativa privada em questões que antes
d) o aumento da governabilidade, ou
seja, do poder do governo, graças à
eram exclusivas do Estado.
existência de instituições políticas Assim, há uma institucionalização
que garantam uma melhor
intermediação de interesses e tornem dos mecanismos de privatização,
mais legítimos e democráticos os

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publicização e terceirização, conforme


evidencia a Figura 1, a seguir.

Figura 1 - Bases da Reforma do Estado no Brasil

Fonte: Elaborado a partir de Bresser Pereira (1997).

A delimitação do tamanho do Estado (iii) Setor de Bens de Serviços para o


foi, possivelmente, o curso de ação mais Mercado.
perceptível da reforma. Houve uma grande
(i) Setor de Atividades Exclusivas do
redução do tamanho do Estado por meio de
Estado
programas de privatização, terceirização e
publicização. O diagnóstico era de que o A concepção adotada foi de que
Estado havia crescido muito em termos de essas atividades deveriam permanecer
pessoal e, principalmente, em termos de dentro do Estado. Para tanto,
receita e despesa. verticalmente, deveria haver um núcleo
Nesse sentido, reformar o Estado estratégico, e horizontalmente, secretarias
brasileiro significava, em primeiro lugar, formuladoras de políticas públicas,
redefinir o papel do Estado, deixando para agências executivas e agências
o setor privado e para o setor público reguladoras. Como são passíveis de
não‐estatal as atividades que não lhe eram concessão, os investimentos na
específicas (Bresser Pereira, 1997). infraestrutura e nos serviços públicos não
A reforma do Estado no Brasil seriam, a rigor, uma atividade exclusiva de
distingue três áreas de atuação: (i) Setor de Estado. No entanto, a responsabilidade por
Atividades Exclusivas do Estado, (ii) Setor esse setor continua sendo do Estado, que
de Serviços Não-Exclusivos do Estado e muitas vezes é obrigado a investir
diretamente.

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Nesse sentido: social e científica, como escolas,

Setor de Atividades Exclusivas, onde universidades, centros de pesquisa


fica o Núcleo Estratégico do Estado científica e tecnológica, creches, hospitais,
que formula políticas públicas,
legisla e controla sua execução, ambulatórios etc. Para estas atividades, a
composto pelos três poderes onde são
prestados serviços que só o Estado
Reforma não implicaria privatizações, e
pode realizar, a exemplo da sim “publicização” dos serviços – em
previdência básica, educação básica,
segurança e outros. A definição de outras palavras, implicaria transferência
leis, imposição da justiça, para o setor público não estatal. Para
manutenção da ordem, arrecadação
de impostos, regulamentação das Bresser Pereira, a concessão de atividades
atividades econômicas. Ainda foram
consideradas atividades para o setor público não estatal não seria
correspondentes ao Estado: uma ação oposta à privatização, e sim
formulação de políticas na área
econômica e social; realização de complementar.
transferências para a educação,
saúde, assistência e previdência A privatização é uma alternativa
social (Bresser Pereira, 1997, p. 182). adequada quando a instituição pode gerar
todas as suas receitas da venda de seus
(ii) Setor de Serviços Não-Exclusivos do produtos e serviços, e o mercado tem
Estado
condições de assumir a coordenação de
No domínio do Setor de Serviços suas atividades. Quando isto não acontece,
Não-Exclusivos do Estado, inserem-se as está aberto o espaço para o público não
atividades desenvolvidas pelo Terceiro estatal. Por outro lado, no momento em
Setor via efetivação de políticas em que a crise do Estado exige o reexame das
diferentes segmentos sociais. Para Bresser relações Estado‐sociedade, o espaço
Pereira (1997, p. 182), “nesse setor o público não‐estatal pode ter um papel de
Estado atua simultaneamente com outras intermediação ou pode facilitar o
organizações públicas não estatais e aparecimento de formas de controle social
privadas, como as universidades, hospitais, direto e de parceria que abrem novas
centros de pesquisa e museus”. perspectivas para a democracia (Bresser
Entre os dois extremos – atividades Pereira, 1997, p. 27).
exclusivas do Estado e a produção de bens Behring (2008, p. 200) apresenta
e serviços para o mercado –, existiu uma alguns elementos centrais do processo de
série de atividades que nem são exclusivas privatização presentes no PDRAE no
do Estado nem deveriam ser privadas Brasil, tais como: “atrair capitais,
(voltadas para o lucro e o consumo reduzindo a atividade externa; redução da
privado). Entre elas, as atividades na área

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dívida interna; preços mais baixos para os era o Estado que estava em crise fiscal,
consumidores; qualidade dos serviços; e sem condições de investir, e, pelo
eficiência econômica das empresas, que contrário, necessitando dos recursos da
estariam sendo ineficientes em mãos do privatização para reduzir suas dívidas, que
Estado”. haviam aumentado muito” (Bresser
Pereira, 1997, p. 24).
(iii) Setor de Bens de Serviços para o
Além do problema fiscal, o
Mercado
ex‐ministro também apontava o controle
O PDRAE instituiu, para a nova
estatal como ineficiente quando comparado
organização do Estado, o Setor de Bens de
com o controle do mercado. Além disso,
Serviços para o Mercado. Assim, “o Setor
havia o risco de o setor público submeter
de Bens de Serviços para o Mercado, a
as empresas estatais a critérios políticos
exemplo de empresas não assumidas pelo
muitas vezes inaceitáveis, comprometendo
capital privado”, correspondem a formas
a capacidade da empresa de ser
de propriedade estatal. “Estatal para os
competitiva e gerar lucros (seu objetivo
dois primeiros; pública não estatal para o
por natureza). Dessa maneira, não só se
terceiro; no caso do último, a propriedade
considerou necessário (por conta da crise
estatal não é desejável, mas devem existir
fiscal do Estado), como também
regulamentação e fiscalização rígidas”
conveniente (devido à maior eficiência e
(Bresser Pereira, 1997, p. 182).
menor subordinação a fatores políticos) o
Ainda de acordo com o ex‐ministro,
processo de privatizações.
ao longo do século XX, o Estado investiu
As atividades principais seriam as
em setores cujos investimentos eram
que são próprias ao governo, nas quais se
considerados pesados demais para que o
exerce o poder de Estado, como legislar,
setor privado pudesse fazê‐los, além de em
regular, policiar etc. Mas para que estas
setores monopolistas que poderiam ser
ocorram de forma adequada é necessária
autofinanciados (a partir dos elevados
uma série de atividades ou serviços
lucros que poderiam ser praticados). No
auxiliares, como limpeza, vigilância,
entanto, a partir da década de 1980, a
transporte, serviços técnicos de informática
situação configurada é o oposto disso. A
e outros. Salvo raras exceções, estes
mesma razão que levou à estatização de
serviços deveriam ser terceirizados para
certas atividades econômicas – falta de
pudessem ser realizados competitivamente,
recursos – impôs, a partir de meados da
década de 1980, a sua privatização. “Agora

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gerando economia de recursos para o f) transferência para o setor público


não-estatal dos serviços sociais e
Tesouro. científicos competitivos;
Para Abrucio (2007), acompanhando g) adoção cumulativa, para controlar
as unidades descentralizadas, dos
a tendência mundial, o Brasil foi um dos mecanismos (1) de controle social
direto, (2) do contrato de gestão em
alvos privilegiados de tal transformação no que os indicadores de desempenho
papel do Estado, que se intensificou no sejam claramente definidos e os
resultados medidos, e (3) da
período (1995-2002), com a gestão FHC. formação de quase-mercados em que
ocorre a competição administrada;
Na medida em que combinava ajuste fiscal h) terceirização das atividades
com mudança institucional, a reforma da auxiliares ou de apoio, que passam a
ser licitadas competitivamente no
gestão pública foi um dos aspectos centrais mercado (Bresser Pereira, 1997, p.
42).
deste processo de mudanças.
Nessa perspectiva, Bresser Pereira
Com o PDRAE, a questão da
define as principais características da
propriedade privada é essencial no modelo
administração pública gerencial no Brasil
da reforma gerencial. No domínio dos
ou “nova administração pública”:
serviços sociais e científicos –

a) orientação da ação do Estado para principalmente de saúde, de educação


o cidadão-usuário ou cidadão-cliente; fundamental, de garantia de renda mínima
b) ênfase no controle dos resultados
através dos contratos de gestão (ao – e da própria realização de pesquisa
invés de controle dos
procedimentos); científica, a propriedade deve ser
c) fortalecimento e aumento da essencialmente pública não estatal, porque,
autonomia da burocracia estatal,
organizada em carreiras ou “corpos” segundo o discurso oficial, essa seria a
de Estado, e valorização do seu
melhor alternativa para que o país pudesse
trabalho técnico e político de
participar, juntamente com os ter progresso por meio de reformas do
políticos e a sociedade, da
formulação e gestão das políticas Estado brasileiro como ponte para a
públicas;
privatização disfarçada das parcerias
d) separação entre as secretarias
formuladoras de políticas públicas, público-privadas (Vale, 2017).
de caráter centralizado, e as unidades
descentralizadas, executoras dessas Aqui a questão do público não estatal
mesmas políticas; configura-se como elemento central da
e) distinção de dois tipos de unidades
descentralizadas: as agências administração gerencial e da negação do
executivas, que realizam atividades
exclusivas de Estado, por definição Estado na efetivação dos serviços sociais.
monopolistas, e os serviços sociais e Assim, o PDRAE institui o discurso de que
científicos de caráter competitivo, em
que o poder de Estado não está os serviços sociais não devem ser privados
envolvido;
nem estatais, mas devem fazer parte de um

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regime de propriedade pública não estatal, uma economia benéfica à austeridade fiscal
no qual as organizações são de direito do Estado, efetivando-se assim uma
privado, porém, com finalidades públicas, mudança de paradigma da efetivação das
sem fins lucrativos. Essa é uma diretriz que políticas sociais, em que o Estado passa a
marca a redefinição do papel do Estado no ser essencialmente regulador, e não
contexto da reforma e que trouxe diversas executor, de modo que algumas atividades
consequências para os setores sociais como permanecem sob sua responsabilidade e
a educação, que passou a se organizar serão executadas de forma descentralizada.
numa lógica de empresa que produz Concordamos com Castro (2008 p. 1)
mercadorias porque houve a penetração quando nos indica que o papel do Estado
dos ideais mercantis em um espaço de se reconfigura a partir das diretrizes do
formação humana – a escola (Vale, 2017). neoliberalismo, passando a ser “um Estado
Entendemos, contudo, que, nessa articulador e financiador da reestruturação
defesa da reforma gerencial, o que produtiva sob a lógica do mercado. O
prevalece é o interesse em responsabilizar resultado desse processo é a privatização
os cidadãos pelos resultados, sendo ou mercantilização dos direitos sociais”.
enfática a utilização de mecanismos de
Terceiro Setor e a lógica das parcerias
fiscalização e de premiação, de avaliação
público-privadas
de desempenho individual e institucional,
pautada em princípios de eficiência e Não é nossa intenção aprofundar as
produtividade (Alves, 2015). discussões sobre o Terceiro Setor e suas
De acordo com Castro (2008), as implicações nas políticas sociais, mas
reformas efetivadas no Brasil durante a trazer para o debate os aspectos conceituais
década de 1990 tiveram como principal que sustentam a análise do objeto aqui
estratégia a reforma na gestão pública do exposto. Assim, a partir da concepção de
Estado. Dessa forma, estruturou-se uma Montaño (2010), analisamos a perspectiva
reforma do Estado de cunho neoliberal, em de terceiro setor aqui apresentada, pois
que as políticas sociais sofreram os efeitos para ele o conceito de terceiro setor está
centrais desse processo através dos envolto em ideologias neoliberais, uma vez
mecanismos de privatização, que esse termo foi cunhado por intelectuais
descentralização e focalização. orgânicos do capital, sinalizando de forma
Para a autora, esse cenário apresenta clara o interesse de classes.
o mercado como regulador e provedor de

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Compreendemos que a privatização O objetivo de retirar o Estado (e o


capital) da responsabilidade de
do público ou a privatização do Estado intervenção na “questão social” e de
brasileiro se efetivou a partir de um transferi-los para esfera do “terceiro
setor” não ocorre por motivos de
processo de perversão da própria ação do eficiência (como se as ONGs fossem
naturalmente mais eficientes que o
Estado, pois aqueles serviços públicos Estado), nem apenas por razões
resultantes de uma longa luta pela financeiras: reduzir os custos
necessários para sustentar esta função
democracia e cidadania foram cooptados estatal. O motivo é
fundamentalmente político-
por interesses particulares, sedimentados ideológico: retirar e esvaziar a
no clientelismo político. Assim, é possível dimensão de direito universal do
cidadão quanto a políticas sociais
compreender que o público não estatal (estatais) de qualidade; criar uma
cultura de autoculpa pelas mazelas
define as relações entre: o espaço público,
que afetam a população, e de
ou seja, aquilo que é próprio das ações do autoajuda e ajuda mútua para seu
enfrentamento; desonerar o capital de
(Estado); o privado (Mercado), com todas tais responsabilidades, criando, por
as suas políticas econômicas e estratégias um lado, uma imagem de
transferência de responsabilidades e,
gerenciais; e o quase-mercado (Terceiro por outro, a partir da precarização e
focalização (não-universalização) da
Setor), baseado na atuação de políticas ação social estatal e do “terceiro
sociais. setor”, uma nova e abundante
demanda lucrativa para o setor
Ao analisar o conceito de Terceiro empresarial (Montaño, 2010, p. 23).
Setoriv, Montaño (2010) identifica uma
série de debilidades teóricas e conceituais. Desse modo, o terceiro setor coloca-

Para o autor, a construção do termo se como uma nova estratégia do capital na

“terceiro setor” se dá a partir de um recorte efetivação das políticas sociais, que não

do campo social em três distintas esferas, seriam nem objeto do Estado nem do

em que o Estado = primeiro setor mercado, já que o terceiro setor “não está à

(político), o mercado = segundo setor margem da lógica do capital e do lucro

(econômico) e a sociedade civilv = terceiro privado (e até do poder estatal). Ele é

setor (social). Essa estratificação, no funcional à nova estratégia hegemônica do

entanto, tem um caráter “neopositivista, capital e, portanto, não é alternativo, e sim

estruturalista, funcionalista ou liberal, que integrado ao sistema” (Montaño, 2010, p.

isola e autonomiza a dinâmica de cada um 157, grifo do autor).

deles, que, portanto, desistoriciza a Nessa perspectiva, Rico (1998) o

realidade social” (Montaño, 2010, p. 63). analisa o terceiro setor e o relaciona com a

Nesse sentido, o autor defende que: filantropia empresarialvi. Para a autora, a


discussão sobre o terceiro setor, bem como

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sua área de abrangência (público, porém, Compreendemos assim que a


privado), passa pela concepção de um realidade social não pode ser dividida em
Estado enxuto, mínimo na execução das partes (primeiro, segundo e terceiro setor).
políticas sociais e que repassa para a Isso, porque, segundo Montaño (2010),
sociedade (pessoas físicas + pessoas essa divisão elimina a possiblidade da
jurídicas) a responsabilidade da perspectiva crítica de totalidade, tornando
intervenção da ação social. Ainda para a o conceito de terceiro setor ideológico,
autora, “é condição para a compreensão de positivista, institucionalista e estruturalista.
filantropia empresarial a sua inserção no Após a institucionalização do
chamado terceiro setor e sua ação na área PDRAE nos primeiros anos do governo de
pública, com recursos privados” (Rico, FHC, foi criada uma série de documentos
1998, p. 26). para legitimar as entidades vinculadas ao
O terceiro setor configura assim um terceiro setor. Neste sentido, através de
conjunto de organizações sociais que não seus mecanismos políticos, o governo
são pertencentes nem à esfera pública federal sancionou um conjunto de leis que
(estatal) nem à esfera privada (mercado) e normatizou as parcerias público-privadas, a
que não têm fins lucrativos, mas que atuação do voluntariado junto à execução
conseguem benefícios particulares ao das políticas públicas e a definição do
atuarem junto ao Estado já que “é uma espaço de atuação do terceiro setor, a citar:
ação social “bondosa” paga pelo setor “as organizações não governamentais
público via parcerias público-privadas!” (ONGs), as organizações sem fins
(Vale, 2017, p. 64) lucrativos (OSFL), as organizações da
Montaño (2010) enfatiza que: sociedade civil (OSC) ... dentre outros
exemplos” (Montaño, 2010, p. 56).
... “terceiro setor” numa perspectiva
crítica e de totalidade, refere-se a um Na mesma direção, os governos
fenômeno real, ao mesmo tempo estaduais criaram uma estrutura jurídico-
inserido e produto da reestruturação
do capital, pautado nos (ou funcional política com a finalidade de promover a
aos) princípios neoliberais: um novo
padrão (nova modalidade, relação entre o público (Estado) e o setor
fundamento e responsabilidades) privado (mercado) na gestão das políticas
para a função social de resposta à
“questão social”, seguindo os de caráter público (Luz, 2019).
valores da solidariedade local, da
Assim, a institucionalização do
auto-ajuda e da ajuda mútua
(Montaño, 2010, p. 186, grifo do terceiro setor, com a regulamentação das
autor).
Organizações Sociais (OS) e das

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Alves, A. S., & Gomes, A. O. (2020). O gerencialismo na gestão pública brasileira via parcerias público-privadas.

Organizações da Sociedade Civil de O Quadro 1, a seguir, apresenta as


Interesse Público (OSCIP), segue uma principais leis que regulamentaram as
agenda de publicação de leis criadas em entidades do terceiro setor com o objetivo
nível federal ou estadual. Dessa forma, de fortalecer a relação do público e do
figuras jurídicas como fundações estatais e privado no contexto da reforma do Estado.
serviços sociais autônomos são apenas
algumas a serem mencionadas na
institucionalização da relação Estado-
sociedade (Peci et al., 2008, p. 1140).

Quadro 1 - Alguns marcos regulatórios que institucionalizam as parceiras público-privadas no governo de FHC.
GOVERNO DOCUMENTO OBJETIVO

Dispõe sobre o Serviço Voluntariado, considerado


A Lei nº 9.608, de 18 de
FHC como atividade não remunerada prestada por pessoa
fevereiro de 1998
física e entidade pública.
Qualifica como organizações sociais pessoas
jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos,
A Lei nº 9.637, de 15 de cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à
FHC
maio de 1998 pesquisa científica, ao desenvolvimento
tecnológico, à proteção e preservação do meio
ambiente, à cultura e à saúde.
Qualifica pessoas jurídicas de direito privado, sem
A Lei nº 9.790, de 23 de fins lucrativos, como Organizações da Sociedade
FHC
março de 1999 Civil de Interesse Público (Oscip) e institui e
disciplina o termo parceria.
Fonte: elaborado pelos autores a partir de dados do Palácio do Planalto (2014).

O quadro em tela apresenta alguns segmento junto às ações desenvolvidas


dos mecanismos jurídico-políticos criados pelo Estado.
pelo governo do presidente Fernando A Lei nº 9.608/98, conhecida como
Henrique Cardoso (1995-2002). É nessa Lei do Voluntariado, foi o primeiro
perspectiva que são regulamentadas dispositivo a regulamentar as atividades
jurídica e politicamente as organizações voltadas para o terceiro setor após a
sem fins lucrativos ou organizações institucionalização do PDRAE. Entre
sociais, com vistas a estabelecer uma outras coisas, ela definiu que:
parceria entre o público e o privado.
Art. 1º Considera-se serviço
A regulamentação das organizações voluntário, para fins desta Lei, a
sociais tem por objetivo sistematizar o atividade não remunerada, prestada
por pessoa física a entidade pública
marco legal ou orientar as ações do terceiro de qualquer natureza, ou a instituição
privada de fins não lucrativos, que
setor, ampliando assim a atuação desse

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Alves, A. S., & Gomes, A. O. (2020). O gerencialismo na gestão pública brasileira via parcerias público-privadas.

tenha objetivos cívicos, culturais, meio do instrumento “Contrato de Gestão”,


educacionais, científicos, recreativos
ou de assistência social, inclusive o que dispensa a necessidade da licitação
mutualidade. pública.
Parágrafo único. O serviço voluntário
não gera vínculo empregatício, nem Outra característica que merece
obrigação de natureza trabalhista
previdenciária ou afim. destaque é a presença do conceito de
Art. 2º O serviço voluntário será cidadão-cliente, que emerge do corpo da
exercido mediante a celebração de
termo de adesão entre a entidade, lei e já estava anunciado no PDRAE, em
pública ou privada, e o prestador do
que prevalece a efetiva prestação de
serviço voluntário, dele devendo
constar o objeto e as condições de serviços pelas OS com base em
seu exercício (Lei nº 9.608, de 18 de
fevereiro de 1998). indicadores qualitativos e quantitativos do
que foi estabelecido através do “Contrato
A Lei nº 9.637/98 dispõe sobre as de Gestão”. Isso reforça o incentivo às
Organizações Sociais, qualificando-as parcerias e fortalece a presença do setor
como pessoas jurídicas de direito privado privado (mercado) na gestão das políticas
sem fins lucrativos. De acordo com o públicas (Alves, 2015).
previsto nessa lei: Na lógica da reforma gerencial,
aquele denominado cidadão‐cliente é
Art. 1o O Poder Executivo poderá
qualificar como organizações sociais responsável individualmente pela
pessoas jurídicas de direito privado,
sem fins lucrativos, cujas atividades qualidade dos serviços contratados, e os
sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa mecanismos de participação do usuário
científica, ao desenvolvimento
tecnológico, à proteção e preservação configuram apenas uma instância jurídica à
do meio ambiente, à cultura e à
saúde, atendidos aos requisitos qual o indivíduo pode recorrer quando se
previstos nesta Lei. sentir prejudicado pelos serviços
...
Art. 5o Para os efeitos desta Lei, disponibilizados.
entende-se por contrato de gestão o
instrumento firmado entre o Poder Tratando sobre essa questão, Neto e
Público e a entidade qualificada Pessoa (2011) revelam que o público não
como organização social, com vistas
à formação de parceria entre as partes estatal é priorizado como um mecanismo
para fomento e execução de
de mediação entre o público-estatal e o
atividades relativas às áreas
o
relacionadas no art. 1 (Lei nº 9.637, privado mercantil, por meio de uma nova
de 15 de maio de 1998).
administração pública vinculada à gestão

De acordo com o exposto na Lei, as social. Desse modo, a gestão social é a

entidades qualificadas como OS firmarão a forma administrativa de atuação do terceiro

parceria com o setor público (Estado) por setor; nesse modelo, assenta-se a

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Alves, A. S., & Gomes, A. O. (2020). O gerencialismo na gestão pública brasileira via parcerias público-privadas.

imbricação entre o público e o privado na fomento e a execução das atividades


de interesse público previstas no art.
execução de serviços e bens aos quais não 3o desta Lei (Lei nº 9.790, de 23 de
se aplicam todas as dimensões do mercado. março de 1999).

A Lei nº 9.790/99, que trata das


De acordo com o art. 3º, podem
OSCIP, foi promulgada um ano após a
solicitar a qualificação como OSCIP as
criação das organizações sociais (OS). Esta
pessoas jurídicas de direito privado, sem
legislação tem por objetivo possibilitar a
fins lucrativos, que tenham pelo menos
outorga de título a outra categoria de
uma das seguintes finalidades: promoção
pessoa jurídica de direito privado, sem fins
da assistência social; promoção da cultura,
lucrativos, integrante do terceiro setor, com
defesa e conservação do patrimônio
objeto social mais amplo e aperfeiçoado do
histórico e artístico; promoção gratuita da
que a legislação anterior (Lei nº 9.637/98)
educação, ou saúde, observando-se a forma
que dispõe sobre as organizações sociais
complementar de participação das
OS.
organizações de que trata esta lei;
De acordo com o texto nessa lei:
promoção da segurança alimentar e
Art. 1o Podem qualificar-se como nutricional; defesa, preservação e
Organizações da Sociedade Civil de conservação do meio ambiente e promoção
Interesse Público as pessoas jurídicas
de direito privado, sem fins do desenvolvimento sustentável; promoção
lucrativos, desde que os respectivos
objetivos sociais e normas do voluntariado; entre outros.
estatutárias atendam aos requisitos As OSCIP podem receber recursos
instituídos por esta Lei.
§ 1o Para os efeitos desta Lei, públicos por meio de “Termo de Parceria”,
considera-se sem fins lucrativos a
pessoa jurídica de direito privado que um novo instrumento jurídico definido por
não distribui, entre os seus sócios ou esta lei. Antes os repasses se davam
associados, conselheiros, diretores,
empregados ou doadores, eventuais exclusivamente por meio de convênios, o
excedentes operacionais, brutos ou
que obrigava tanto o governo quanto as
líquidos, dividendos, bonificações,
participações ou parcelas do seu entidades parceiras a seguirem o disposto
patrimônio, auferidos mediante o
exercício de suas atividades, e que os nas instruções normativas da Secretaria do
aplica integralmente na consecução
Tesouro Nacional – STN nº 01/1997 e nº
do respectivo objeto social.
Art. 9o Fica instituído o Termo de 03/1993. O “Termo de Parceria” é um
Parceria, assim considerado o
instrumento passível de ser firmado instrumento menos rigoroso do que os
entre o Poder Público e as entidades convênios na aplicação dos recursos
qualificadas como Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público recebidos do governo (Peci et al., 2008).
destinado à formação de vínculo de
cooperação entre as partes, para o

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Alves, A. S., & Gomes, A. O. (2020). O gerencialismo na gestão pública brasileira via parcerias público-privadas.

Ainda para Peci et al. (2008, p. sindicatos, institutos, fundações, centros


1139), voluntários, entre muitos outros, os quais
podem estabelecer parcerias com o poder
Os novos instrumentos jurídicos
acima mencionados foram público (Estado), desde que comprovem
responsáveis por viabilizar a ser uma organização sem fins lucrativos
estratégia de cooperação do governo
com o terceiro setor e o setor (Luz, 2019).
privado, ao longo dos últimos anos.
Seu denominador comum é composto
das relações de natureza contratual, Novos marcos da reforma gerencial do
estabelecidas não apenas entre os Estado nos governos Lula e Dilma
vários níveis de governo, mas Rousseff
também entre o governo, o setor
privado e o terceiro setor. Acordos de
resultados, parcerias público-privadas Neste item, analisamos alguns dos
e termos de parcerias estabelecidos mecanismos jurídico-políticos criados
com OSCIPS são alguns exemplos
desse movimento de pelos governos dos presidentes Luiz Inácio
contratualização.
Lula da Silva (2003-2010) e Dilma
Rousseff (2011-2014) para
Consideramos que, além de
institucionalizar as parcerias público-
reconfigurar o papel do Estado frente às
privadas e legitimar as entidades que
questões do setor privado (mercado), a Lei
compõem o terceiro setor – Organizações
das OSCIP também reorientou o papel de
Não Governamentais (ONGs),
muitas organizações da sociedade civil e
Organizações Sem Fins Lucrativos (OSFL)
redefiniu sua relação com o Estado. Isso
e Organizações da Sociedade Civil (OSC).
aconteceu na medida em que muitas OS
O Quadro 2, abaixo, apresenta as
passaram a mudar sua configuração
principais leis que regulamentaram as
jurídica para atender às novas exigências
entidades do terceiro setor com o objetivo
do terceiro setor – entendendo que o
de fortalecer a relação do público e do
terceiro setor agrega um conjunto de
privado no cenário recente do governo
instituições sociais que não faz parte da
brasileiro.
administração direta nem indireta do
Estado, como ONGs, associações,

Quadro 2 - Alguns marcos regulatórios que institucionalizam as parceiras público-privadas nos governos Lula e
Dilma.
GOVERNO DOCUMENTO OBJETIVO

Institui normas gerais para licitação e contratação de


Lei nº 11.079, de 30 de
LULA parceria público-privada no âmbito da administração
dezembro de 2004
pública

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O Plano Plurianual 2004-2007 é a tradução, em


Programas, do compromisso do Governo de vencer a fome
Plano de Gestão do Governo
e a miséria, construir uma sociedade dinâmica e moderna,
Lula, “Gestão pública para
gerar empregos e riqueza e estabelecer justiça social. O
LULA um país de todos”, do
PPA constituirá um projeto de Brasil alinhado com os
Ministério do Planejamento,
ideais de equidade e dinamismo, exigindo do Estado um
Orçamento e Gestão (2003)
novo perfil de atuação, que transforme esse compromisso
em realidade.

Dispõe sobre a implementação do Plano de Metas


Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal,
Decreto nº 6.094 de 24 de em regime de colaboração com Municípios, Distrito
LULA
abril de 2007 Federal e Estados, e a participação das famílias e da
comunidade, mediante programas e ações de assistência
técnica e financeira, visando a mobilização social pela
melhoria da qualidade da educação básica.
A Carta de Brasília da Gestão Pública foi assinada pelo
Carta de Brasília, que
Conselho Nacional de Secretários Estaduais de
apresenta uma proposta de
Administração (Consad) e pelo Ministério do
gestão pactuada pelo
LULA Planejamento, Orçamento e Gestão. Ela estabelece uma
Ministério do Planejamento e
agenda estratégica conjunta para mobilizar a sociedade em
Secretários Estaduais de
torno da melhoria da gestão pública.
Administração (2009).

Cria a Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e


DILMA Decreto nº 7.478, de 12 de
Competitividade - CGDC, do Conselho de Governo, e dá
ROUSSEF maio de 2011.
outras providências.
Fonte: elaborado pelos autores a partir de dados do Palácio do Planalto (2014).

A Lei nº 11.079/04 foi o primeiro ato direta, aos fundos especiais, às


autarquias, às fundações públicas, às
jurídico-político do governo Lula na empresas públicas, às sociedades de
continuidade do processo de celebração economia mista e às demais
entidades controladas direta ou
das parcerias público-privadas. Essa lei indiretamente pela União, Estados,
Distrito Federal e Municípios.
regulamenta as normas gerais para Art. 2o Parceria público-privada é o
licitação e contratação de parcerias entre o contrato administrativo de concessão,
na modalidade patrocinada ou
setor público (Estado) e a iniciativa administrativa.
§ 1o Concessão patrocinada é a
privada (mercado) no âmbito da concessão de serviços públicos ou de
administração pública, envolvendo todos obras públicas de que trata a Lei no
8.987, de 13 de fevereiro de 1995,
os entes federados (União, Estados e quando envolver, adicionalmente à
Municípios). tarifa cobrada dos usuários
contraprestação pecuniária do
De acordo com a lei: parceiro público ao parceiro privado.
§ 2o Concessão administrativa é o
contrato de prestação de serviços de
Art. 1o Esta Lei institui normas gerais que a Administração Pública seja a
para licitação e contratação de usuária direta ou indireta, ainda que
parceria público-privada no âmbito envolva execução de obra ou
dos Poderes da União, dos Estados, fornecimento e instalação de bens.
do Distrito Federal e dos Municípios. ...
Parágrafo único. Esta Lei se aplica
aos órgãos da Administração Pública

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Art. 4o Na contratação de parceria Sob a égide do discurso voltado a


público-privada serão observadas as
seguintes diretrizes: evitar uma suposta crise fiscal, que seria a
... responsável pelo colapso econômico, o
IV – responsabilidade fiscal na
celebração e execução das parcerias Estado passa a traduzir uma política
(Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de
2004). econômica de austeridade, de controle das
finanças públicas e de legitimação de
Nessa lei, as parcerias público- marcos jurídicos em nome da governança.
privadas passam a ser executadas a partir Esse cenário já havia sido vislumbrado
de um “Contrato Administrativo de quando da efetiva aplicação da política de
Concessão” na modalidade patrocinada ou descentralização do governo de FHC, com
administrativa. É possível perceber que, a criação da Lei 101/2000, denominada Lei
quando se propõe uma concessão de Responsabilidade Fiscal (Alves, 2015).
patrocinada, a lei prevê e legitima a Na concepção de Luz (2019, p. 80):
possibilidade de ônus pecuniário para o
A legislação brasileira, desde a
ente público, ou seja, uma contrapartida década de 1990, vem, contribuindo
financeira do Estado para a iniciativa para institucionalizar e consolidar as
parcerias entre o poder público e a
privada. Já a concessão administrativa não iniciativa privada, dando
possibilita a contrapartida financeira, mas continuidade a uma das
características do Estado brasileiro: a
apenas o contrato de prestação de serviços de que a subvenção ao setor privado,
historicamente, ocorre de forma
entre o ente público e o setor privado, o indireta, amparada por determinados
que pode favorecer ao Estado financiar o mecanismos jurídicos que
possibilitam, por exemplo, a isenção
custo total de serviços prestados pelo setor de impostos, a subvenção de
programas e os projetos da iniciativa
privado (Luz, 2019). privada etc.
Também identificamos na Lei das
parcerias público-privadas a preocupação Ainda no governo Lula, foram
de manter o discurso em torno da política instituídos outros dois importantes
de responsabilidade fiscal, conforme documentos que trataram das parcerias
evidencia o inciso IV do artigo 4º. Sabe-se entre o setor público e o setor privado. O
que essa preocupação com o controle dos primeiro refere-se ao Plano de Gestão do
gastos, em particular dos gastos com as Governo Lula, Gestão pública para um
políticas sociais, é uma característica que país de todos, dentre cujas metas se
atravessou os governos de cunho estabelece que:
neoliberal.
Nas organizações do Poder
Executivo Federal, o Plano de Gestão

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Pública deverá contemplar, no médio Ainda no governo Lula, nos anos de


e longo prazos, a redefinição das
estratégias, a recomposição da força 2008 e 2009, foi assinada a Carta de
de trabalho, a reconfiguração das Brasília da Gestão Pública. Ela se traduz
estruturas e processos e o
redimensionamento de recursos em em um documento que apresenta as
bases mais eficientes e direcionadas
para resultados. Inclui ainda a diretrizes do governo para a administração
construção de um novo padrão de pública e estabelece uma agenda
relacionamento entre o governo e as
empresas estatais, no qual fiquem estratégica conjunta para mobilizar a
definidos os marcos da gestão
sociedade civil em torno da gestão pública.
empresarial e da gestão voltada ao
interesse público (Brasil, 2003, p. 8). O primeiro documento legal a tratar
das parcerias público-privadas no governo
O segundo foi o Decreto nº 6.094/07,
Dilma Rousseff foi o Decreto nº 7.478/11,
em que o governo federal aprovou o Plano
que Cria a Câmara de Políticas de Gestão,
de Metas Todos pela Educação e, com ele,
Desempenho e Competitividade (CGDC).
apresentou as diretrizes para a implantação
Essa Câmara foi criada com o objetivo de
de parcerias na gestão da educação. Isso
discutir competitividade e aprimorar a
fica evidente no texto da Lei, que em seu
gestão pública, não só na formulação de
artigo 2º, inciso XXVII, dispõe sobre a
mecanismos de controle da qualidade de
necessidade de os entes federados (União,
gasto público, mas também no
Estados e Municípios) “firmar[em]
estabelecimento de diretrizes para otimizar
parcerias externas à comunidade escolar,
custos, receitas e qualidade de serviços,
visando a melhoria da infraestrutura da
além de aprimorar o país em sua estrutura
escola ou a promoção de projetos
gerencial como um todo em longo prazo.
socioculturais e ações educativas” (Decreto
A CGDC é composta por grandes
nº 6.094, de 24 de abril de 2007).
empresários e ministros e visa a assessorar
Com essa prerrogativa e dentro da
a presidência na melhoria da gestão
possibilidade de sua autonomia, os
pública, a fim de reduzir custos, aumentar
governos estaduais e municipais seguem o
a produtividade e a competitividade,
receituário do governo federal, com a
otimizar sistemas de compras, entre outros.
instituição de marcos jurídico-políticos
Entendemos que a presença dos
cujo objetivo foi o de legitimar suas
grandes empresários à frente da CGDC
parcerias com a iniciativa privada na
consolida a inserção do modelo de
gestão das políticas públicas educacionais
administração gerencial dentro do espaço
(Alves, 2015).
público, pois parte da referência ao modelo

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de administração utilizado no setor execução e controle social dos serviços


privado, orientado para resultados, (Neto; Pessoa, 2011),
minimização de custos. Para Bresser Pereira (1997, p. 13):
Assim, de acordo com Alves (2015),
Organizações Sociais (OS) são um
é possível compreender que o modelo modelo de organização pública não-
gerencial de administração apontado pelo estatal destinado a absorver
atividades publicizáveis mediante
PDRAE tem como características: ser qualificação específica. Trata-se de
uma forma de propriedade pública
público, não estatal; ser privado, sem ser não-estatal, constituída pelas
completamente mercado. Assim, a atuação associações civis sem fins lucrativos,
que não são propriedade de nenhum
do setor público não estatal invade todas as indivíduo ou grupo e estão orientadas
diretamente para o atendimento do
políticas públicas. Nesse sentido, o interesse público.
governo brasileiro implementou um
Já para Maria da Gloria Gohn:
conjunto de estratégias para a mudança na
gestão das políticas sociais, de forma As OSs e as Oscips fazem parte de
um novo modelo de gestão pública e,
particular no que se refere à inserção do
em longo prazo, a reforma do Estado
setor privado, através das entidades do prevê que toda a área social deve
adotar essa nova lógica e forma de
terceiro setor, na gestão das políticas operar na administração pública
públicas. propriamente dita. As OSs, por
exemplo, inserem-se no marco legal
Nessa direção, entendemos que a das associações sem fins lucrativos,
cuja lei foi regulamentada e
implementação das organizações do promulgada em 1999. Elas são
terceiro setor é uma estratégia central do pessoas jurídicas de direito privado,
estando, portanto, fora do âmbito dos
PDRAE, apresentando como seu propósito órgãos públicos. Seus funcionários
poderão vir de estatais, mas nas OS
mais geral permitir e incentivar a eles não estarão mais sujeitos ao
publicização, ou seja, a produção não Regime Jurídico Único dos
Servidores Públicos, portanto, não
lucrativa pela sociedade de bens ou serão mais funcionários públicos no
serviços públicos não exclusivos de sentido lato do termo. ... Registre-se,
ainda, que as OS ou Oscips têm de se
Estado, levando à crescente absorção de qualificar para se constituírem como
operantes das novas orientações
atividades sociais pelo terceiro setor. políticas. Na prática, são ONGs e
É importante destacar que as organizações do terceiro setor que
estão se qualificando (Gohn, 2008, p.
organizações públicas não estatais atuam 99).
em três dimensões dentro da administração
Assim, uma vez qualificada como
das políticas públicas: na organização,
Organização Social, a entidade estará
habilitada a receber recursos financeiros e

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a administrar bens e equipamentos do responsáveis pela implementação da


Estado. A relação entre a Organização estratégia de publicização através do
Social e o espaço público será efetivada a Programa Nacional de Publicização (PNP)
partir de um contrato de gestão, por meio de 1998, que teve como objetivo permitir a
do qual serão acordadas metas de publicização de atividades no setor de
desempenho que assegurem a qualidade e a prestação de serviços não exclusivos, com
efetividade dos serviços prestados ao base no pressuposto de que esses serviços
público (Bresser Pereira, 1997). serão otimizados mediante menor
Desse modo, concordamos com o utilização de recursos, com ênfase nos
entendimento de Peroni e Pires (2010, p. resultados, de forma mais flexível e
61) quando afirmam que as OS e as OSCIP orientados para o cidadão-cliente mediante
“são pessoas jurídicas de direito privado, controle social (Bresser Pereira, 1997).
submetidas espontaneamente às normas de Na proposta de reforma do Estado,
direito público, que desenvolvem com a publicação do PDRAE, o cidadão
atividades de interesse social (não- passa por um processo de adjetivação,
exclusivas do Estado), com o apoio da tornando-se o cidadão-cliente. Para Maria
administração”. Sylvia Zanella Di Pietro, “não há dúvidas
Ainda para as autoras, quando uma de que as Organizações Sociais
instituição é: constituem-se em um instrumento de
privatização do qual o governo se utiliza
Qualificada como Organização
Social, com ela se firmará um para diminuir o tamanho do aparelhamento
contrato de gestão, que, de acordo da Administração Pública” (Di Pietro,
com o art. 5° da Lei nº. 9.637/98 se
caracteriza como “o instrumento 1999, p. 201).
firmado entre o poder público e a
entidade qualificada como Segundo Chauí (1999), a reforma do
organização social, com vistas à Estado teve um pressuposto ideológico
formação de parceria entre as partes
...”, no qual discriminará atribuições, básico: o mercado é portador de
responsabilidades e obrigações do
racionalidade sócio-política e agente
poder público e da organização
social, especificando programa de principal do bem-estar da república. Esse
trabalho, estipulação de metas e os
respectivos prazos de execução (Pires pressuposto leva a colocar direitos sociais
& Peroni, 2010, p. 61). (como a saúde, a educação e a cultura) no
setor de serviços definidos pelo mercado.
Cabe ressaltar ainda que as
Nesse sentido, a reforma do Estado
organizações sociais (OS) foram
encolhe o espaço público democrático dos
concebidas como instrumentos

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Alves, A. S., & Gomes, A. O. (2020). O gerencialismo na gestão pública brasileira via parcerias público-privadas.

direitos e amplia o espaço privado não só feição tem cumprido um papel de destaque
onde isso é previsível – nas atividades enquanto política de equidade social, não
ligadas à produção econômica –, mas se constituindo efetivamente como um
também onde não é admissível – no campo direito social.
dos direitos sociais conquistados. As análises realizadas neste artigo
nos revelaram alguns indicadores que
Considerações finais
demonstram, especialmente a partir da
reforma do Aparelho do Estado, a
As muitas configurações que o
institucionalização das parcerias público-
Estado assume com o propósito de manter
privadas em decorrência de marcos
e proteger o capital se imbricam à
regulatórios e da inserção dessas parcerias
dinâmica da política de educação, na
no âmbito de políticas públicas de Estado,
medida em que conduzem a ordem
em particular as educacionais.
política, social e econômica através dos
As parcerias público-privadas
processos ideológicos. Por isso, é
ganharam uma nova configuração a partir
necessário considerar as configurações do
dos marcos da Reforma do Estado no
estado brasileiro no capitalismo e suas
Brasil e da inserção das entidades do
diversas formas de manutenção do capital,
terceiro setor na orientação e execução de
que se dão por meio de políticas de
políticas sociais. Nesse sentido, há uma
equidade social em todos os segmentos
diminuição do poder do Estado e uma
sociais e de inúmeros marcos regulatórios
efetiva extensão da ação do mercado, ou
que estabelecem a legalidade dessas
seja, o setor privado passou a atuar na
políticas.
coordenação das políticas sociais em todas
A relação entre o público e o privado
as esferas da administração pública.
tem origens históricas, porém, é na década
de 1990 que ela ganha contornos refinados
Referências
de política neoliberal. Foi sua manifestação
que variou de acordo com o tempo e a Abrucio, F. L. (2007). Trajetória recente da
época. O embate entre os partidários da gestão pública brasileira: um balanço
crítico e a renovação da agenda de
educação pública e os da educação privada reformas. Revista da Administração
no Brasil remonta a outros momentos da Pública, edição comemorativa, 67-96.
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história e das políticas educativas no 76122007000700005
Brasil. Essa relação se sustenta pelos
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vínculos de um Estado patrimonial, cuja público/privadas e as feições da Gestão

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emergente de intervenção estatal. São


Paulo: Cortez. mistificaram e o tornaram ideológico. A perspectiva
hegemônica, em clara inspiração pluralista,
estruturalista ou neopositivista, isola os supostos
Peci, A., et al. (2008). Oscips e termos de “setores” um dos outros e concentram-se em
parceria com a sociedade civil: um olhar estudar (de forma desarticulada da totalidade social)
sobre o modelo de gestão por resultados do o que entende que constitui o chamado “terceiro
governo de Minas Gerais. Revista de setor”: estudam-se as ONGs, as fundações, as
Administração Pública, 42(6), 1137-1162. associações comunitárias, os movimentos sociais
etc., porém desconsideram-se processos tais como a
https://doi.org/10.1590/S0034- reestruturação produtiva, a reforma do Estado,
76122008000600006 enfim, descartam-se as transformações do capital
promovidas segundo os postulados neoliberais ...
Peroni, V. M. V. (2006). Conexões entre o Nossa abordagem sobre o “terceiro setor” não parte
público e o privado no financiamento e do conceito de um fenômeno isolado, mas, por ter
como ponto de partida o movimento e as tendências
gestão da escola pública. ECCOS: Revista das transformações do capital como um todo, chega
Científica, 8, 111-132. ao “terceiro setor” como um fenômeno partícipe
https://doi.org/10.5585/eccos.v8i1.461 dessas transformações gerais, como produto delas
(Montaño, 2010, pp. 51-52).
Peroni, V. M. V., & Pires, D. O. (2010). iii
Entende-se por aparelho do Estado a
Terceira via e terceiro setor: aspectos administração pública em sentido amplo, ou seja, a
jurídicos e consequências para a política estrutura organizacional do Estado, em seus três
educacional brasileira. Políticas poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e três
Educativas, 3(2), 56-73. níveis (União, Estados membros e Municípios). O
aparelho do Estado é constituído pelo governo, isto
é, pela cúpula dirigente nos Três Poderes, por um
Rico, E. M. (1998). O empresariado, a corpo de funcionários, e pela força militar. O
filantropia e a questão social. Revista Estado, por sua vez, é mais abrangente que o
Serviço Social & Sociedade, (58), 60-66. aparelho, porque compreende adicionalmente o
sistema constitucional-legal, que regula a população
Vale, C. (2017). Subsunção do público ao nos limites de um território. O Estado é a
organização burocrática que tem o monopólio da
privado na educação paraense violência legal, é o aparelho que tem o poder de
(Dissertação de Mestrado). Universidade legislar e tributar a população de um determinado
Federal do Pará, Pará. Recuperado de: território (Bresser Pereira, 1997, p. 12).
https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/publ iv
ic/consultas/coleta/trabalhoConclusao/view ... a “origem” do “terceiro setor” apresenta alguns
problemas: (i) “surgiu na década de 1980, numa
TrabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_tra construção teórica, com a suposta preocupação de
balho=5426999 certos intelectuais ligados a instituições do capital
por superar a eventual dicotomia público-privado?
Teria data anterior, nas décadas de 60 e 70, com o
auge dos chamados ‘novos movimentos sociais’ e
das ‘organizações não-governamentais’? Seria uma
i categoria vinculada às instituições de beneficência,
A terceira via se refere a uma estrutura de
pensamento e de prática política que visa a adaptar caridade e filantropia, dos séculos XV e XIX (ou no
a social-democracia a um mundo que se Brasil, com as Santa Casas de Misericórdia, Cruz
transformou fundamentalmente ao longo das duas Vermelha etc.)? Sua existência data da própria
ou três últimas décadas. É uma terceira via no formação da sociedade, conforme os contratualistas
sentido de transcender tanto a social-democracia do analisam? ... Tão incerto quanto a origem é sua
velho estilo quanto o neoliberalismo (Giddens, evolução conceitual. Se o termo foi cunhado nos
2005, p. 336). EUA na transição dos anos 1970, ele vem
diretamente ligado a outro conceito: a filantropia.
ii Assim, o III Encontro Ibero-Americano do terceiro
... o uso “predominante” do conceito de “terceiro
setor” expressa uma noção claramente diferenciada Setor, organizado no Rio de janeiro, em 1996, pelo
do que entendemos que realmente esteja em Gife, e que introduziu no Brasil o conceito de
questão. A perspectiva de análise hegemônica parte ‘terceiro setor’, é continuidade do primeiro e
de traços superficiais, epidérmicos do fenômeno, o segundo Encontro Ibero-Americano de Filantropia,

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Alves, A. S., & Gomes, A. O. (2020). O gerencialismo na gestão pública brasileira via parcerias público-privadas.

organizados na Espanha e México, respectivamente


Como citar este artigo / How to cite this article
(Montaño, 2010, p. 55).
v
APA
O conceito de sociedade civil apresentado aqui, Alves, A. S., & Gomes, A. O. (2020). O gerencialismo na
não se relaciona com o apresentado por Gramsci e gestão pública brasileira via parcerias público-privadas.
por Marx. Para Gramsci: o conceito de “sociedade Rev. Bras. Educ. Camp., 5, e10863.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10863
civil” como portadora material da figura social da
hegemonia, como esfera de mediação entre a ABNT
infraestrutura econômica e o Estado em sentido ALVES, A. S.; GOMES, A. O. O gerencialismo na gestão
pública brasileira via parcerias público-privadas. Rev.
restrito ... enquanto Marx identifica sociedade civil
Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 5, e10863, 2020.
com base material, com infraestrutura econômica, http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10863
“a sociedade civil em Gramsci não pertence ao
momento da estrutura, mas ao da superestrutura”
(Coutinho, 2007, pp. 121-122).
vi
A filantropia empresarial é esse espaço público,
porém privado. É o espaço onde coexistem o
Estado, o mercado e o Terceiro Setor. A filantropia
empresarial ao dividir a sociedade não está
prestando favores ou doando benefícios (Rico,
1998, p. 228).

Informações do artigo / Article Information

Recebido em : 27/10/2020
Aprovado em: 10/11/2020
Publicado em: 04/12/2020

Received on October 27th, 2020


Accepted on November 10th, 2020
Published on December, 04th, 2020

Contribuições no artigo: Os autores foram os


responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.

Author Contributions: The author were responsible for


the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.

Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver


nenhum conflito de interesse referente a este artigo.

Conflict of Interest: None reported.

Orcid

Antonio Sousa Alves

http://orcid.org/0000-0003-3020-5544

Albiane Oliveira Gomes

http://orcid.org/0000-0002-2242-5654

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