Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Introdução
um consenso de que a crise não pode ser O plano diretor da reforma do aparelho
do capital em razão de ter suas raízes no do Estado e o público não estatal
dívida interna; preços mais baixos para os era o Estado que estava em crise fiscal,
consumidores; qualidade dos serviços; e sem condições de investir, e, pelo
eficiência econômica das empresas, que contrário, necessitando dos recursos da
estariam sendo ineficientes em mãos do privatização para reduzir suas dívidas, que
Estado”. haviam aumentado muito” (Bresser
Pereira, 1997, p. 24).
(iii) Setor de Bens de Serviços para o
Além do problema fiscal, o
Mercado
ex‐ministro também apontava o controle
O PDRAE instituiu, para a nova
estatal como ineficiente quando comparado
organização do Estado, o Setor de Bens de
com o controle do mercado. Além disso,
Serviços para o Mercado. Assim, “o Setor
havia o risco de o setor público submeter
de Bens de Serviços para o Mercado, a
as empresas estatais a critérios políticos
exemplo de empresas não assumidas pelo
muitas vezes inaceitáveis, comprometendo
capital privado”, correspondem a formas
a capacidade da empresa de ser
de propriedade estatal. “Estatal para os
competitiva e gerar lucros (seu objetivo
dois primeiros; pública não estatal para o
por natureza). Dessa maneira, não só se
terceiro; no caso do último, a propriedade
considerou necessário (por conta da crise
estatal não é desejável, mas devem existir
fiscal do Estado), como também
regulamentação e fiscalização rígidas”
conveniente (devido à maior eficiência e
(Bresser Pereira, 1997, p. 182).
menor subordinação a fatores políticos) o
Ainda de acordo com o ex‐ministro,
processo de privatizações.
ao longo do século XX, o Estado investiu
As atividades principais seriam as
em setores cujos investimentos eram
que são próprias ao governo, nas quais se
considerados pesados demais para que o
exerce o poder de Estado, como legislar,
setor privado pudesse fazê‐los, além de em
regular, policiar etc. Mas para que estas
setores monopolistas que poderiam ser
ocorram de forma adequada é necessária
autofinanciados (a partir dos elevados
uma série de atividades ou serviços
lucros que poderiam ser praticados). No
auxiliares, como limpeza, vigilância,
entanto, a partir da década de 1980, a
transporte, serviços técnicos de informática
situação configurada é o oposto disso. A
e outros. Salvo raras exceções, estes
mesma razão que levou à estatização de
serviços deveriam ser terceirizados para
certas atividades econômicas – falta de
pudessem ser realizados competitivamente,
recursos – impôs, a partir de meados da
década de 1980, a sua privatização. “Agora
regime de propriedade pública não estatal, uma economia benéfica à austeridade fiscal
no qual as organizações são de direito do Estado, efetivando-se assim uma
privado, porém, com finalidades públicas, mudança de paradigma da efetivação das
sem fins lucrativos. Essa é uma diretriz que políticas sociais, em que o Estado passa a
marca a redefinição do papel do Estado no ser essencialmente regulador, e não
contexto da reforma e que trouxe diversas executor, de modo que algumas atividades
consequências para os setores sociais como permanecem sob sua responsabilidade e
a educação, que passou a se organizar serão executadas de forma descentralizada.
numa lógica de empresa que produz Concordamos com Castro (2008 p. 1)
mercadorias porque houve a penetração quando nos indica que o papel do Estado
dos ideais mercantis em um espaço de se reconfigura a partir das diretrizes do
formação humana – a escola (Vale, 2017). neoliberalismo, passando a ser “um Estado
Entendemos, contudo, que, nessa articulador e financiador da reestruturação
defesa da reforma gerencial, o que produtiva sob a lógica do mercado. O
prevalece é o interesse em responsabilizar resultado desse processo é a privatização
os cidadãos pelos resultados, sendo ou mercantilização dos direitos sociais”.
enfática a utilização de mecanismos de
Terceiro Setor e a lógica das parcerias
fiscalização e de premiação, de avaliação
público-privadas
de desempenho individual e institucional,
pautada em princípios de eficiência e Não é nossa intenção aprofundar as
produtividade (Alves, 2015). discussões sobre o Terceiro Setor e suas
De acordo com Castro (2008), as implicações nas políticas sociais, mas
reformas efetivadas no Brasil durante a trazer para o debate os aspectos conceituais
década de 1990 tiveram como principal que sustentam a análise do objeto aqui
estratégia a reforma na gestão pública do exposto. Assim, a partir da concepção de
Estado. Dessa forma, estruturou-se uma Montaño (2010), analisamos a perspectiva
reforma do Estado de cunho neoliberal, em de terceiro setor aqui apresentada, pois
que as políticas sociais sofreram os efeitos para ele o conceito de terceiro setor está
centrais desse processo através dos envolto em ideologias neoliberais, uma vez
mecanismos de privatização, que esse termo foi cunhado por intelectuais
descentralização e focalização. orgânicos do capital, sinalizando de forma
Para a autora, esse cenário apresenta clara o interesse de classes.
o mercado como regulador e provedor de
“terceiro setor” se dá a partir de um recorte efetivação das políticas sociais, que não
do campo social em três distintas esferas, seriam nem objeto do Estado nem do
em que o Estado = primeiro setor mercado, já que o terceiro setor “não está à
realidade social” (Montaño, 2010, p. 63). analisa o terceiro setor e o relaciona com a
Quadro 1 - Alguns marcos regulatórios que institucionalizam as parceiras público-privadas no governo de FHC.
GOVERNO DOCUMENTO OBJETIVO
parceria com o setor público (Estado) por setor; nesse modelo, assenta-se a
Quadro 2 - Alguns marcos regulatórios que institucionalizam as parceiras público-privadas nos governos Lula e
Dilma.
GOVERNO DOCUMENTO OBJETIVO
direitos e amplia o espaço privado não só feição tem cumprido um papel de destaque
onde isso é previsível – nas atividades enquanto política de equidade social, não
ligadas à produção econômica –, mas se constituindo efetivamente como um
também onde não é admissível – no campo direito social.
dos direitos sociais conquistados. As análises realizadas neste artigo
nos revelaram alguns indicadores que
Considerações finais
demonstram, especialmente a partir da
reforma do Aparelho do Estado, a
As muitas configurações que o
institucionalização das parcerias público-
Estado assume com o propósito de manter
privadas em decorrência de marcos
e proteger o capital se imbricam à
regulatórios e da inserção dessas parcerias
dinâmica da política de educação, na
no âmbito de políticas públicas de Estado,
medida em que conduzem a ordem
em particular as educacionais.
política, social e econômica através dos
As parcerias público-privadas
processos ideológicos. Por isso, é
ganharam uma nova configuração a partir
necessário considerar as configurações do
dos marcos da Reforma do Estado no
estado brasileiro no capitalismo e suas
Brasil e da inserção das entidades do
diversas formas de manutenção do capital,
terceiro setor na orientação e execução de
que se dão por meio de políticas de
políticas sociais. Nesse sentido, há uma
equidade social em todos os segmentos
diminuição do poder do Estado e uma
sociais e de inúmeros marcos regulatórios
efetiva extensão da ação do mercado, ou
que estabelecem a legalidade dessas
seja, o setor privado passou a atuar na
políticas.
coordenação das políticas sociais em todas
A relação entre o público e o privado
as esferas da administração pública.
tem origens históricas, porém, é na década
de 1990 que ela ganha contornos refinados
Referências
de política neoliberal. Foi sua manifestação
que variou de acordo com o tempo e a Abrucio, F. L. (2007). Trajetória recente da
época. O embate entre os partidários da gestão pública brasileira: um balanço
crítico e a renovação da agenda de
educação pública e os da educação privada reformas. Revista da Administração
no Brasil remonta a outros momentos da Pública, edição comemorativa, 67-96.
https://doi.org/10.1590/S0034-
história e das políticas educativas no 76122007000700005
Brasil. Essa relação se sustenta pelos
Alves, A. S. (2015). As parcerias
vínculos de um Estado patrimonial, cuja público/privadas e as feições da Gestão
Recebido em : 27/10/2020
Aprovado em: 10/11/2020
Publicado em: 04/12/2020
Orcid
http://orcid.org/0000-0003-3020-5544
http://orcid.org/0000-0002-2242-5654