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ANAIS DO I ENCONTRO DE MUSICOLOGIA HISTÓRICA DO CAMPO DAS VERTENTES 06 E 07 DE OUTUBRO DE 2017

A BANDA DO CORINHO: FUNÇÃO SOCIAL, HISTÓRIA E LEGADO


DOCUMENTAL
Evandro dos Santos Archanjo131
Edite Rocha132
RESUMO:
A Banda do Corinho, fundada na década de 1850 por José Eustáchio e Luiz Fernandes de Azevedo, seria até a
sua extinção em setembro de 1916, uma das mais importantes agremiações musicais da cidade de Diamantina –
MG. Por ela passaram nomes como os de Antônio Ephigênio de Souza “Paraguay” e João Nepomuceno Ribeiro
Ursini. Após sua extinção, seu acervo musical foi doado pelo maestro Ursini à Pia União do Pão de Santo
Antônio, onde esteve até o ano de 1997, quando dentro do projeto Portal Pólo Jequitinhonha, foi trasladado para
o Arquivo Eclesiástico local e constitui hoje um dos principais fundos de documentos musicais deste arquivo e
da cidade. Foram identificados até o momento no acervo em questão outros dois fundos 133, reunidos sem
qualquer preocupação sistemática de documentação. O presente trabalho, pretende através de pesquisa
bibliográfica, documental e hemerográfica, traçar uma narrativa histórica que nos permita levantar e documentar
a história e o legado documental desta banda que, bastante atuante em sua trajetória, esteve presente nas mais
variadas manifestações sociais e culturais de Diamantina e teria levado a tradição musical da cidade da segunda
metade do século XIX até os primeiros anos do século XX. O seu patrimônio musical, constituído em sua
maioria por fontes documentais manuscritas, traz contribuições para diversos gêneros musicais como a música
sacra, música de participação política e a música de salão.

Palavras-chave: Banda de música. acervo musical; patrimônio material e imaterial;ocumentos musicais.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho se baseia na análise de documentos existentes no Museu


Tipográfico Pão de Santo Antônio, no período entre 1902 e 1916, e nos documentos
existentes no acervo eclesiástico de Diamantina, Minas Gerais, tendo como fundamentação a
pesquisa musicológica de cariz histórico, que visa conhecer e documentar a trajetória da
Banda do Corinho, corporação musical que legou à cidade de Diamantina um de seus acervos
musicais de maior relevância, sendo este, portador de informações que nos permitem
conjecturar costumes de um período onde a música na cidade exerce um papel social tanto na
formação de novos músicos e agremiações musicais, como se fazia presente nas mais variadas
manifestações locais. Com base na pesquisa hemerográfica, nos jornais preservados no Museu
Tipográfico Pão de Santo Antônio de Diamantina e nos documentos musicais remanescentes

131
Mestrando, evandroarchanjo@gmail.com.
132
Doutora, Universidade Federal de Minas Gerais, editerocha@ufmg.br.
133
Fundo da Banda Santa Cecília do Seminário Provincial de Diamantina e fundo proveniente do senhor Vicente
Barbosa, morador de São Gonçalo do Milho Verde.

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desta extinta banda existentes no Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Diamantina


(AEAD), tem se mostrado possível traçar uma narrativa histórica sobre a atuação desse grupo
e de costumes da época e, recolher dados sobre alguns compositores e músicos atuantes no
local na passagem do século XIX para o XX.

Sendo um dos principais fundos musicais deste acervo, a coleção proveniente da


extinta Banda do Corinho, também conhecido como Acervo do Pão de Santo Antônio134, é
constituída em sua maioria por fontes documentais manuscritas, abrangendo um período entre
a segunda metade do século XVIII e a primeira metade do século XX. A reconstrução desse
período histórico da música nas Minas Gerais é parte do trabalho que vem sendo
desenvolvido no que tange ao processo de documentação deste fundo específico. A Banda do
Corão, contemporânea do Corinho, disputava a supremacia musical na cidade e, tendo sido
desativada antes que a Banda do Corinho (CONCEIÇÃO, WANDER. E FERNANDES,
2007, p. 90-91), abriu espaço para que esta se tornasse uma das agremiações musicais de
maior relevância na recém emancipada cidade de Diamantina e, sendo bastante atuante em
sua trajetória, sustentou a tradição musical da cidade do século XIX para o XX.

Constituído de forma cumulativa e não sistemática, o acervo musical do AEAD vem


sendo alvo de pesquisas sobre a música do período colonial brasileiro e do século XIX
especialmente após a passagem do musicólogo teuto-uruguaio Francisco Curt Lange135 na
década de 1940. Desde então, a visita de outros pesquisadores como Elmer Corrêa Barbosa,
Aluízio Viegas, Cleofe Person de Matos e Mercedes Reis Pequeno acabou por organizar
parcialmente o acervo e, em 1981, com a vinda do XIV Festival de Inverno da Universidade
Federal de Minas Gerais e da pesquisadora Odette Ernest Dias, o acervo sofreu intervenções
que objetivaram sua catalogação e inventariação (ARCHANJO; PIMENTA, 2017, p. 753),
contudo, tais ações mantêm-se inconclusas no que diz respeito ao total de obras catalogadas
do fundo da Banda do Corinho e em 1997, o acervo foi trasladado para a sede da Mitra e
tornou-se ainda maior em 2008, com a decisão do então arcebispo Dom Paulo Lopes de Faria
(1997-200), de fundar o Museu da Música de Diamantina, contando o apoio da musicóloga
Maria da Conceição de Rezende, que somou ao acervo, o fundo da extinta Banda Santa
134
O acervo proveniente da banda do Corinho, também conhecido como acervo do Pão de Santo Antônio, ficou
assim conhecido por ter sido, na ocasião da extinção da banda, doado ao asilo da Pia União do Pão de Santo
Antônio pelo maestro João Nepomuceno Ribeiro Ursini, e lá permaneceu de 1916 até 1997, quando o local que o
abrigava passava por sérios problemas estruturais e de infiltrações. O acervo foi recolhido pelo arquivo
eclesiástico da arquidiocese de Diamantina, onde permanece atualmente (2017).
135
Para maiores informações, visite o site: https://curtlange.lcc.ufmg.br/pinicio_pgs/pinicio01.htm. Acesso em
25/09/2017.

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Cecília do Seminário Provincial de Diamantina136 (ARCHANJO, 2017, p. 273). Encontram-se


em andamento pesquisas137 que visam contribuir para a documentação de cada um dos fundos
que compõem o acervo, sendo este, dedicado ao fundo da Banda do Corinho.

AS ORIGENS DA BANDA DO CORINHO

Os primeiros relatos encontrados referentes a essa banda foram registrados por João
Henrique da Costa138, músico, memorialista e autor do livro Efemérides Diamantinenses, um
diário de acontecimentos locais, publicado em 2007 por Célio Hugo Alves Pereira, onde
consta como origem da banda do Corinho a união de músicos dissidentes de outra banda
atuante na cidade, conhecida como “Banda da Maioria”.

Da Banda da Maioria se desligaram alguns elementos em 1850 fundando a Banda da Minoria.


Em 1868 a Maioria ficou chamando Coro Grande (apelido Corão) e a Mínima (Corinho).
Afinal o Corinho ficou só porque o Coro Grande desapareceu. Lá por 1922 ou 1923 o Corinho
também desapareceu tendo por sucessora a “Euterpe Diamantinense” fundada pelo ex-militar
do nosso Batalhão, Manuel José Nobis, falecido na Praça Dom João em Janeiro de 1962
(PEREIRA, 2007, p. 119-120).

Em 2003, os historiadores Wander Conceição e Antônio Carlos Fernandes lançaram a


primeira edição do livro La mezza notte – o lugar social do músico diamantinense e as
origens da Vesperata, reeditado em 2007, onde consta a data de 1º de dezembro de 1852
como sendo a data de fundação da banda, tendo como responsáveis os músicos José Eustáquio
e Luíz Fernandes de Azevedo, e como primeiro regente, o maestro Antônio Ephigênio de
Souza, que estaria por trinta e dois anos à frente desta corporação. A extinção da banda foi
noticiada no jornal Voz de Diamantina em 24 de setembro de 1916:

BANDA DO CORINHO – É com grande pesar que noticiamos o desaparecimento dessa


corporação tradicion[al] existente nessa cidade [por] mais de 60 annos. Motivos imperiosos e
justos resentime[ntos] impozeram ao seu actua[l e] digno diretor, o exímio p[ro]fessor, João
Nepomuceno R[i]beiro Ursini, cavalheiro distincto e dotado de um carácter adamantino, a
convocar quinta-feira, à noite, uma reunião da alludida corporação musical, ficando decidido e
deliberado a sua dissolução. A banda do Corinho, tão tradicional em nossa terra, teve como
seus fundadores os nossos saudosos conterrâneos José Eustáchio e Luiz Fernandes de
Azevedo, geralmente conhecido pelo nome de Luíz do Alberto. Na direção da extincta banda
emprestou por longos anos o brilho de seu talento musical, quer como compositor primoroso,
quer como executor, o saudoso maestro Antônio Ephygenio de Sousa. Em vez de progredir,
retrocedemos! (Jornal Pão de Santo Antonio, 1916, p. 2)

136
Fundo composto por dezenove caixas contendo uma média de 50 envelopes cada. Dentre os documentos, um
grande número de partituras manuscritas com formação para banda, métodos para piano, flauta, órgão, solfejo e
livros de canto litúrgico.
137
O Centro de Estudos dos Acervos Musicais Mineiros (CEAMM) é quem responde pela proposta de
inventariação e catalogação do acervo musical do AEAD junto a Mitra Arquidiocesana de Diamantina.
138
As citações encontradas sobre João Henrique da Costa citam o seu trabalho como memorialista, mas
nenhuma referência biográfica.

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A Banda do Corinho permaneceu em atividade por mais de sessenta anos (1850-1916),


e sua atuação obteve grande receptividade nos periódicos da época, como o jornal Voz de
Diamantina, conhecido entre 1906 e 1933, como Jornal Pão de Santo Antônio, que vem a ser
hoje uma importante fonte de pesquisa no que diz respeito à atuação da banda em eventos e
manifestações socioculturais na cidade. Analisando os jornais que fazem parte do arquivo do
Museu Tipográfico Pão de Santo Antônio, pudemos constatar que a banda esteve presente em
diversas ocasiões, tais como: festas religiosas; procissões, missas, batizados, confirmações,
primeira comunhão, festas do Divino, Rosário, Mercês, Santo Antônio entre outras; retretas
dominicais, desfiles cívicos, inaugurações, aniversários de pessoas, entidades civis e em
exéquias de algumas personalidades locais.

D. João Antonio dos Santos – Comemorando o 3 anniversario de falecimento do saudoso e


venerando antistite desta diocese, D. João Antonio dos Santos, foi celebrada na Sé-Cathedral, a
18 de maio último, uma missa de réquiem, cantada, seguindo-se depois do mais profundo e
religioso silêncio, o Libera-me, executado pela melodiosa orchestra do Corinho, sob a regência
do professor João Ribeiro Ursini. A este acto de caridade e religião compareceram muitas
exmas. famílias e representantes de diversas classes sociaes. Foi celebrante o revd. vigário
cônego Antônio de Sousa Neves. O Pão de S. Antonio fez-se representar (Jornal Pão de Santo
Antonio, 1908, p. 2).

Nossa pesquisa de campo identificou na cidade de Gouveia (Minas Gerais), outro


documento referente ao falecimento do bispo Dom João Antônio dos Santos e da atuação da
banda nas exéquias, uma carta escrita no rodapé de uma partitura, que seria supostamente a
marcha fúnebre executada no enterro do bispo, escrita pelo músico Jean Victor Foureaux e
endereçada a seu irmão Américo Victor, morador da cidade de Gouveia.

Diamantina, 18 – 5º 1905. Américo, não remeti a marcha (esta), hontem, devido aos afazeres e
só hoje conclui a m[es]ma. Hontem escrevi todo dia, a marcha fúnebre destinada aos funeraes
do [senhor] Bispo D. João An[toni]o, cujo enterro terá lugar depois d‟amanhã, 20 do
corrente139.

Segundo entrevista concedida pelo senhor Serafim Moreira, em 12 de janeiro de 2017,


em sua residência na cidade de Gouveia, Jean Victor Foureaux140 teria sido músico e
compositor também da banda do Corinho, e os seus irmãos Américo Victor, Fernando Victor
e Arthur Victor, músicos atuantes em alguns distritos de Diamantina e na cidade do Serro.

139
Transcrição do documento gentilmente apresentado pelo senhor Serafim Moreira, maestro da Banda Santa
Cecília de Gouveia e guardião do documento, a quem agradecemos a generosidade e contribuição na partilha das
informações.
140
Foram identificados no fundo remanescente da banda do Corinho um número considerável de composições,
cópias e arranjos autografados por Jean Victor e seus irmãos Fernando Victor e Américo Victor. Outras
composições deles podem ser encontradas no acervo musical da Biblioteca Antônio Torres – Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nancional em Diamantina e no acervo da Banda Euterpe Diamantinense, criada
após a dissolução da banda do Corinho, que permanece em atividade até os dias de hoje (2017).

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Dentre as profissões exercidas pela família Foureaux, estão as de alfaiate, músico e ourives
(MOREIRA, 2017). Encontram-se nos acervos musicais de Diamantina (AEAD e Biblioteca
Antônio Torres – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), obras de Jean
Victor, Fernando Victor e Américo Victor. Dentre os gêneros identificados temos: valsas,
variações para instrumentos solistas como piston, flauta, oficleide, além de polkas e
quadrilhas.

A FUNÇÃO SOCIAL DA BANDA

Durante a segunda metade do século XIX, as bandas de música já haviam se tornado


parte integrante do cenário cultural das cidades do interior de Minas Gerais, e em Diamantina
não foi diferente. A cada banda que se dissolvia, nascia uma nova banda formada por músicos
civis e militares dissidentes de bandas extintas. Em 1891, o maestro João Batista Teixeira
fundava a Banda da Polícia Militar, formada por músicos das bandas Corinho e Corão 141.
Com a dissolução da banda do Corão, a antiga rivalidade com a Corinho passou para a Banda
Militar. As bandas de música em Diamantina cumpriam papel social na formação artística da
população oferecendo retretas e audições em locais abertos como praças, coretos e jardins
(CONCEIÇÃO, WANDER. E FERNANDES, 2007, p. 98).

Segundo Wander Conceição e Antônio Fernandes (2007, p. 90), o processo de


consolidação das bandas de música em Diamantina se deu concomitante ao processo de
romanização da Igreja Católica, com consequente esvaziamento das funções das irmandades.
O bispado então estreitou laços com alguns músicos da cidade, encomendando e oficializando
várias composições musicais para seus cultos e ritos principais, como aconteceu com a
marcha do Senhor dos Passos para a procissão do Domingo dos Passos e a Marcha da Boa
Morte para a procissão de Sexta-feira Santa142. Os músicos que teriam se adequado ao Motu
proprio143 do papa Pio X acabaram por serem os que conseguiram continuar vivendo e
exercendo suas funções de músico na cidade. João Nepomuceno Ribeiro Ursini e João
Baptista de Macedo são exemplos dessa transformação no fazer musical de Diamantina, e
consequentemente foram alguns dos nomes de referência no que tange a música em
Diamantina.

141
A banda Corão teria se dissolvido antes que a Corinho, devido ao esvaziamento do contingente de músicos da
mesma, quando da ocasião da criação da Banda Militar, que recrutou músicos civis de ambas as bandas.
142
AZEVEDO, Augusto Fernandes de. Jornal Voz de Diamantina. Diamantina, ano II, n. 52, p. 13, 1938.
Motu proprio “Tra le Sollecitudini”, sobre a música sacra, de 22 de novembro de 1903, promulgado pelo
143

Papa Pio X.

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OS MÚSICOS DA CIDADE

As bandas de música em Diamantina eram formadas em sua maioria por civis, mas em
certo ponto da história, os civis foram convocados a assumirem funções militares, sendo
recrutados como voluntários. Caso que ilustra essa afirmação foi o do músico Antônio
Ephygênio de Sousa, que após partir de Diamantina em 13 de abril de 1865 rumo à Guerra do
Paraguai, acabou por tomar a alcunha de Maestro Paraguai:

114 patriotas partem do Tejuco para a Guerra do Paraguai. O Cônego Severiano Campos
Rocha no “Vida de Dom João” (inédita) descreve as solenidades e as saudades desta partida.
Dentre muitos estiveram nesta guerra os irmãos “Felícios” (Antônio e João), Dr. Lucindo dos
Passos Filho, Luís Alves dos Santos, Otaviano Afonso Fernandes e Antônio Efigênio de Souza
(maestro). Entraram em combate a 3 de Setembro de 1866 na Batalha do Curuzú (PEREIRA,
2007, p. 109).

Dez dias depois, partiriam da cidade um contingente ainda maior de voluntários para a
Guerra do Paraguai. A saída dos voluntários teria sido marcada pela presença da banda do
Corão, que ainda era conhecida como Banda da Maioria:

[13 de abril de 1865] Segue para a Guerra do Paraguai o diamantinense Capitão Otaviano
Afonso Fernandes levando desta vez não 114 mas 500 voluntários da cidade do município.
Partiram do Teatro “Santa Isabel” ao som da Banda “Maioria”[?] que executou a “Marcha dos
Voluntários”. Ao deixarem a cidade, narra o Cônego Severiano Campos Rocha, na divisa do
perímetro, um orador fez as despedidas e muitos do povo os acompanharam até a “Palha” e
alguns até a ponte do Ribeirão do Inferno e os voluntários rumarão para o Serro, Conceição do
Serro (PEREIRA, 2007, p. 109).

Outra lista de músicos atuantes nas bandas Corinho e Corão aparece nos relatos da
morte do músico Manuel Rodrigues Bago, que seria além de oficleidista da banda Corão,
lapidário e tipógrafo. Apesar de as duas bandas manterem certa rivalidade pela supremacia
musical na cidade, existiam entre si profundo respeito entre seus músicos, sendo comum a
presença da banda no enterro de seus músicos:

[29 de abril de 1911] Falece na cidade o estimado diamantinense Manuel Rodrigues Bago,
mano dos falecidos José Antônio e Da. Luisa Bago Tameirão esposa de José Tameirão da
Fábrica de Tecidos de Santa Bárbara do atual município de Buenópolis. Manuel era bom
lapidário, tipógrafo e perito executor de “oficlídes” sendo freqüentemente aplaudido com
chuveiro de palmas no “Teatro Santa Isabel”. Em 1880 era músico da Banda “Coro Grande”
ou Corão. Foram seus companheiros: O Maestro João Batista de Macedo (Pururuca), Evaristo
da Cunha Vale, José Pedro Xavier, Cristiano Vieira, Raimundo Galatra, Joaquim Gombê,
Antônio Bago, Simçao Alves, Juca Mourão, Raimundo Galatra Júnior, Joaquim Cardeno de
Godói, Antônio da Cunha Vale e Cláudio Augusto de Almeida que dirigiu o “Corão” por 30
anos. Voltando doente da Fábrica se internou no Hospital “Santa Isabel” onde faleceu (1911)
rodeado de esforços dos médicos, das enfermeiras e das Irmãs Vicentinas. O “corpo”
acompanhado pela Banda do “Corinho” (O Corão não existia mais) teve sua “encomendação”
pelo Vigário Neves no “Amparo” e aí foi inumado (PEREIRA, 2007, p. 111).

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Um fato interessante sobre a atuação das bandas na cidade era o volume de trabalhos a
que cada uma era solicitada. Um dos primeiros pesquisadores a buscar informações sobre a
atuação das bandas Corinho e Corão foi o sociólogo José Moreira de Souza, tendo seus
estudos e pesquisas de campo auxiliado inclusive o musicólogo Francisco Curt Lange em sua
passagem por Diamantina. Numa de suas visitas ao asilo Pão de Santo Antônio, onde se
encontrava o acervo da Banda do Corinho, José Moreira nos relatou em entrevista realizada
em 09 de maio de 2017, que teria encontrado em meio a um monte de papéis velhos, uma
caderneta com anotações sobre as contas da banda do Corinho, ao que gentilmente nos cedeu
juntamente com uma série de informações sobre músicos locais e a trajetória das bandas.
Segundo análises feitas nas contas da banda e cruzamento de outros dados, pudemos inferir
que a banda possuía uma receita maior que a da fábrica de tecidos instalada na cidade, tal era
o volume de trabalho que tinham (SOUZA, 2017).

Tabela 1 - Contas da Banda do Corinho, trimestre abril - junho de 1902. Acervo Pão de Santo
Antônio de Diamantina

ATIVIDADE DATA TOTAL PAGO NÚMERO DE


AOS MÚSICOS MÚSICOS
Missa de Quinta-feira Santa 20$000 27
Ofício de Quinta-feira Santa 30$000 14
Ensaios para a Semana Santa 60$000 18
Missa de Sexta Feira 20$000 10
Ofício de Sexta Feira 30$000 15
Sábado de Aleluia 30$000 21
Domingo da Ressurreição 30$000 19
Procissão da Ressurreição 30$000 15
Toque de Judas Em 29 sáb. 15$000 15
Cartaz espetáculo de teatro Em 29/03 15$000 13
Espetáculo de teatro 29-03 30$000 15
Repetição do espetáculo Em 30[/03] 30$000 12
Cartaz do mesmo 15$000 12
Toque de Judas – Pau de cêbo 20$000 15
Recepção do novo bispo na União Em13-04-1901 20$000 16

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Operária
Encomendação para uma senhora 16/04/1902 15$000 9
no Amparo
Funeral da Senhora Francisco 21/04/1902 35$000 13
Santa Bárbara
Santa Cruz – Bonfim 04/05/1902 50$000 26
Te Deum. Homenagem a Silviano 04/05/1902 40$000 24
Brandão
Mastro – Bonfim 04/05/1902 25$000 21
“Kermesse” – Bonfim 04/05/1902 20$000 21
9 horas. Vésperas da Festa do 10$000 18
Bonfim
Mastro Arraial de Baixo: Santa 10/05/1902 40$000 20
Cruz
Te Deum ao novo Imperador: 18/05/1902 40$000 24
Festa do Divino
Mastro do Divino 17/05/1902 15$000 21
Novena Santa Cruz, na Luz 30$000 21
Cartaz Teatro João Brandão 10$000 17
Espetáculo João Brandão 30$000 16
Espetáculos mágicos 24/11/1901 40$000 16
Espetáculos mágicos 30/11/1901 40$000 21
Mastro Santa Cruz 17/05 20$000 19
Festa do Divino 18/05/1902 200$000 27
Cartaz espetáculo de Teatro Em18/05/1902 10$000 18
Espetáculo de teatro 18/05 20$000 19
Ensaios p/ teatro Dia 18 20$000 9
Recepção de D. Joaquim na 30$000 17
Escola Normal
Recepção do Dr. Herculano César 24/05/1902 50$000 20
Mastro do Rosário 24/05/1902 25$000 19
Acompanhamento do Reinado 25 80$000 18

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Festa do Rosário 25/05/1902 120$000 25


Funeral do Sº N. Comandante 28/05/1902 40$000 24
Missa Santa Cruz em S. Francisco 29-05-1902 15$000 21
Mastro da ....no Macau 15$000 21
Festa e procissão de Corpus 29/05/1902 60$000 24
Christi
Procissão mês de Maria 31/05 25$000 17
Acompanhamento Anjo fº Fco 31/05/1902 30$000 18
Pirapora
Ensaioteatro p/ o espetáculo 31/05/1902 15$000 16
Festa União Operária 01/06 80$000 24
Arrancamento do mastro do 01/06/1902 20$000 19
Bonfim
Cartaz espetáculo de teatro 01/06/1902 10$000 16
Espetáculo na União Operária 01/06/1902 25$000 17
Missa no hospital Em 03/06/ 25$000 16
[1902]
Cartaz Espetáculo teatro 08/06/1902 15$000 17
Missa Santo Antônio 15/06 30$000 23
Funeral f. Lucas 21/06/1902 20$000 17
Manifestação Dr. Salvador 21/06 30$000 37
Acompanhamento e Laudate fº 24/06/1902 40$000 24
Correia
Arrancamento do mastro do 24/06/1902 20$000 18
Divino
Chegada do Dr. Edgar Cunha 29/06/1902 30$000 13
Pereira
Ajuste do trimestre 144 Abril/maio/jun 1:365$000; Menos Corpus
ho Christi

144
A caderneta original não foi localizada até o momento (2017), sendo esta tabela transcrita do documento
cedido pelo sociólogo José Moreira de Souza, a quem agradecemos a gentileza e importantes contribuições para
nossa pesquisa.

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Esta tabela nos dá a dimensão da importância do trabalho desenvolvido pela banda do


Corinho e da importância que a música exercia nas diversas manifestações religiosas, civis e
culturais da cidade. Com base nessa receita trimestral, podemos inferir que o motivo da
dissolução da banda talvez não fosse financeiro, mas de alguma outra ordem. Fato é que, após
a dissolução da banda do Corinho, outra banda surgiu, a Banda Euterpe Diamantinense, que
segue em atividades regulares desde sua criação, mesmo tendo passado por períodos de
interrupção.

Atualmente na cidade, a tradição das bandas se estabilizou em três grandes


corporações: a Banda Mirim Prefeito Antônio de Carvalho Cruz145, que cumpre papel na
formação de músicos mirins, que permanecem na banda até completarem 18 anos de idade.
Como um fluxo quase natural, quando completam a maioridade, os músicos têm a
possibilidade de seguir carreira na Banda do 3º Batalhão de Polícia Militar, corporação
musical mais antiga do Estado de Minas Gerais, sendo esta, a banda criada a partir da
dissolução da banda Corão e, a maioria de seus músicos são remanescentes da Banda Mirim.
A Banda Euterpe, por sua vez, é formada basicamente por alguns professores do
conservatório146 local, por músicos que não seguiram carreira profissional ou que se
aposentaram na banda militar, configurando um terceiro estágio para que os músicos
permaneçam exercendo sua atividade musical com regularidade em diversas ocasiões na
cidade e na região.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora a musicologia brasileira tenha mostrado importantes avanços desde a década


de 1990, quando passa de um modelo positivista para uma nova musicologia focada em novos
métodos, interesses, interrelações, períodos históricos e métodos (CASTAGNA, 2008, p. 32),
ainda é possível identificar uma mescla nas abordagens adotadas, dado o número de acervos
que carecem de cuidados básicos, sendo praticamente necessário retirar deles alguma
personalidade que o coloque em evidência, para a partir daí, ser possível alguma espécie de
conscientização e fomento em prol dos acervos com um todo.

145
Projeto criado na gestão do prefeito Antônio de Carvalho Cruz no ano de 1987, tendo como primeiro maestro,
Irineu de Souza Domingos, conhecido como maestro Alex.
146
Conservatório Estadual de Música Lobo de Mesquita de Diamantina, fundado pela Lei 811 de 13/12/1951, no
governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira e autorizado pela resolução número 16171 da secretaria do Estado
da Educação.

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ANAIS DO I ENCONTRO DE MUSICOLOGIA HISTÓRICA DO CAMPO DAS VERTENTES 06 E 07 DE OUTUBRO DE 2017

Em Diamantina, esse fato pode ser observado com a passagem de Curt Lange na
década de 1950. Sua pesquisa buscava evidências de uma produção musical anterior a José
Maurício Nunes Garcia (1767-1830), e foi através de visitas em irmandades e ordens terceiras
e com a “descoberta” da obra de Lobo de Mesquita (1746[?] -1805), que os acervos musicais
de Diamantina passaram a ser alvo de pesquisadores como Cleofe Person de Matos, Mercedes
Reis Pequeno, Elmer Correa Barbosa, Maria da Conceição de Rezende dentre outros. Esses
pesquisadores visitaram os acervos sempre em busca da música sacra setecentista e, em
especial as obras de Lobo de Mesquita, compositor que alcançou maior visibilidade graças ao
trabalho realizado por Lange, que editou algumas de suas obras e as divulgou no Brasil e no
exterior.

Os demais gêneros musicais e períodos existentes nos acervos da cidade, como a


música de salão oitocentista, passaram a ser alvo de pesquisas com a vinda do XIV Festival de
Inverno da Universidade Federal de Minas Gerais para a cidade em 1981, e pelos trabalhos
realizados por Odette Ernest Dias. Esses trabalhos consistiam basicamente na seleção de obras
para execução imediata em concertos e gravações e, mais uma vez foi-se necessário extrair do
conjunto de obras, um autor específico e uma música que pudesse servir como representação
da alta qualidade dos músicos locais e de suas composições. Durante trinta anos, entre 1956 e
1986, Lange trocou correspondências147 com o arcebispo Dom José Newton de Almeida
Baptista (1904-2001), que esteve à frente da igreja particular de Diamantina entre 1954 e
1960, mantendo-o sempre informado sobre os trabalhos que estava realizando em relação a
música recolhida nos acervos de Diamantina, tanto as edições práticas (LANGE, 1956) e
(FIGUEIREDO, 2014, p. 66), quanto os concertos em diversos locais (LANGE, 1958, p. 1). A
preocupação de Lange com a preservação dos documentos foi tamanha, que ele convenceu ao
arcebispo, a recolher em um só lugar as obras musicais das irmandades e ordens terceiras, o
que fez com que boa parte da produção musical local fosse alocada na sede da Mitra
Arquidiocesana, servindo como referência para depósito de novas coleções, fato que
determinou o traslado do fundo da banda do Corinho também para a sede da Mitra no ano de
1997148.

147
Acervo Curt Lange na Biblioteca Central da UFMG, série 2.1.
148
O traslado do acervo da banda do Corinho da sede do asilo Pão de Santo Antônio para o arquivo eclesiástico
de Diamantina, foi feito dentro do projeto Portal Pólo Jequitinhonha, sob a coordenação do professor Maurício
Freire Garcia e a colaboração de Odette Ernest Dias.

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REFERÊNCIAS

ARCHANJO, E. Acervo musical do arquivo eclesiástico da arquidiocese de Diamantina -


MG: um estudo exploratório e sua reintegração. 2017. p. 271-283.

ARCHANJO, S.; PIMENTA, G. Acervo musical Pão de Santo Antônio Diamantina - Minas
Gerais : reconsiderando a unidade. p. 747-759, 2017.

CASTAGNA, P. Avanços e perspectivas na musicologia histórica brasileira. Revista do


Conservatório de Música da Universidade Federal de Pelotas, v. 1, 2008. p. 32-57.

CONCEIÇÃO, WANDER. E FERNANDES, A. C. La Mezza Notte, o lugar social do músico


diamantinense e as origens da Vesperata. Segunda ed., Diamantina: [s.n.].

FIGUEIREDO, C. A. Música sacra e religiosa brasileira dos séculos XVIII e XIX: teorias e
práticas editoriais. 1 ed. Rio de Janeiro: Edição do Autor. [S.n.].

Jornal Pão de Santo Antonio. Jornal Pão de Santo Antonio, p. 4, 13/06/1908.

Jornal Pão de Santo Antonio. Associação Pia União do Pão de Santo Antônio, p. 4,
24/09/1916.

LANGE, F. C. Carta. Mendoza, 1956.

LANGE, F. C. Carta. Belo Horizonte, 1958.

MOREIRA, S. Entrevista com Gouveia, 2017.

PEREIRA, C. H. A. Efemérides do Arraial do Tejuco a Diamantina. 1 ed. Belo Horizonte:


[s.n.].

SOUZA, J. M. DE. Entrevista. Belo Horizonte, 2017.

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