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A CATEGORIA DIALÉTICA CONTEÚDO E FORMA NO INTERIOR

DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA

Letícia Vidigal 1 - UEL


Vânia Alboneti Terra Dias 22 - UEL
Sandra Aparecida Pires Franco 33 - UEL

Eixo – Didática
Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

O presente texto tem por objetivo discutir a relação conteúdo e forma de acordo com os
pressupostos da Pedagogia Histórico-Crítica, a fim de desenvolver uma reflexão acerca das
propostas didáticas na educação escolar. O arcabouço teórico que sustenta essa pesquisa
precede de perspectivas que entendem que o desenvolvimento humano acontece por meio das
trocas estabelecidas entre os sujeitos, ou seja, por meio das relações socais, sejam elas, políticas,
culturais, ideológicas, religiosas e outras. Neste estudo, pretendeu-se, primeiramente, expor os
conceitos de conteúdo e forma de diferentes autores, elucidar como essa categoria possibilita,
por meio da mediação, compreender o mundo e as relações sociais, eixos norteadores para a
compreensão e o estabelecimento do pensamento concreto, bem como refletir sobre os aspectos
da Pedagogia Histórico-Crítica que têm por base a relação conteúdo e forma e podem favorecer,
portanto, a superação da sociedade pautada no modo de produção vigente. Como resultados
esperados, podemos, por meio da análise da literatura, evidenciar que a relação conteúdo e
forma no âmbito escolar está ligada diretamente ao modo de produção, uma vez que o contexto
educacional está para responder às necessidades do mercado e à lógica de produção. Por essa
razão, a proposta desse artigo debruçou-se em pensar uma forma que visa possibilitar aos
estudantes relacionarem os conteúdos escolares à realidade social, apresentando novos
enfoques aos seus olhares pela via do conhecimento e tornando-os capazes de transformarem a
sociedade. Pode-se destacar, pois, a literatura como meio de acesso ao conhecimento científico,
por sua relevância como patrimônio social, intuída de contexto histórico, político e social em
sua máxima complexidade.

Palavras-chave: Conteúdo e forma. Pedagogia Histórico-Crítica. Educação Escolar.

1
Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Londrina e aluna do programa de Pós-graduação:
Mestrado em Educação da Universidade Estadual de Londrina. E-mail: leticia_vidigal_@hotmail.com
2
Graduanda em Pedagogia pela Universidade Estadual de Londrina, Bolsista de Iniciação Científica CNPq. E-
mail: vania_terra@hotmail.com
3
Doutora em Letras na UEL (2008). Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (2003).
Graduada em Letras e em Pedagogia pela UEM. Professora Adjunta do Departamento de Educação da
Universidade Estadual de Londrina - UEL, na área de Didática e professora do Programa de Pós-Graduação -
Mestrado em Educação – UEL. E-mail: sandrafranco26@hotmail.com

ISSN 2176-1396
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Introdução

A preocupação com o ensino no interior das escolas brasileiras é objeto recorrente de


análise e discussão no campo dos estudos científicos, bem como nos próprios corredores das
escolas por professores, pedagogos e diretores. Embora desanimados pela situação pela qual
passa a educação no país, pela desvalorização da profissão e retrocesso nos diversos direitos
garantidos pelos próprios cidadãos, muitos professores buscam alternativas metodológicas
capazes de contribuir com a aprendizagem e desenvolvimento dos educandos e a didática passa,
então, a ser o foco de questionamentos, reflexões, dúvidas e anseios. Nos programas de
Formação Continuada, durante os estudos, leituras de textos, relatos de experiências e
discussões, são nítidos os diversos sentimentos porque passam os profissionais da educação na
ânsia e, por vezes, angústia, para encontrarem saídas para a situação vigente.
No ano de 2017, iniciou-se, na Universidade Estadual de Londrina (UEL), o projeto de
pesquisa “A leitura e a sua relação conteúdo, forma e destinatário na Educação Básica”, tendo
como foco investigar como os professores desta etapa de ensino elaboram sua
instrumentalização, como pensam a relação supracitada e se condizem com a realidade dos
educandos. Almeja-se, com isso, melhorar o ensino e a aprendizagem por meio de uma
instrumentalização elaborada de maneira consciente, resgatando a valorização da leitura na
realidade social e na universidade.
Inserem-se como participantes deste projeto: professores de duas escolas básicas do
município de Londrina e uma de Cambé - PR com baixo IDEB (Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica); estudantes de IC Júnior; graduandos do curso de Pedagogia da UEL, pós-
graduandos em Educação na UEL e professores do Ensino Superior. Desta forma, torna-se
possível estabelecer o diálogo entre estes diversos atores sociais e, por meio dos estudos
teóricos e práticos empreendidos, refletir, planejar e desenvolver ações conscientes.
A teoria de fundamentação dos estudos do projeto está pautada nos pressupostos do
Materialismo Histórico-Dialético, haja vista a compreensão de que “[...] o desenvolvimento das
funções psíquicas é condicionado pelas apropriações culturais, sob condições históricas nas
quais elas não são disponibilizadas equitativamente entre os indivíduos.” (MARTINS, 2013, p.
3). Sendo assim, entendemos que o homem é um sujeito social cujo desenvolvimento se dá pela
apropriação dos bens culturais a partir das relações sociais estabelecidas. Com isso, a educação
tem um papel fundamental de possibilitar a equidade na transmissão destes conhecimentos
humanizadores (DUARTE, 2016; SAVIANI, 2011; SAVIANI; DUARTE, 2012).
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Com base nos estudos teóricos focalizados no projeto descrito, o presente texto tem por
objetivo discutir a relação conteúdo e forma de acordo com os pressupostos da Pedagogia
Histórico-Crítica, vertente pedagógica do Materialismo Histórico-Dialético, a fim de
desenvolver uma reflexão acerca das propostas didáticas na educação escolar.

Metodologia

O arcabouço teórico que sustenta essa pesquisa precede de perspectivas que entendem
o desenvolvimento humano como aquele que acontece por meio das trocas estabelecidas entre
os sujeitos, ou seja, por meio das relações socais, sejam elas, políticas, culturais, ideológicas,
religiosas e outras. Assim, ao pensar no desenvolvimento do projeto “A leitura e a sua relação
conteúdo, forma e destinatário na Educação Básica”, partiu-se do princípio de que era preciso
romper com a dicotomia teoria e prática. Martins, Dias e Franco (2016, p. 369) abordam essa
questão quando refletem sobre a importância do desenvolvimento na ação transformadora:

Faz-se necessário uma prática que se distancie daquelas que se voltam apenas para a
fragmentada reprodução de saberes instituídos. Assim, atribui-se ao docente e, em
específico, à prática pedagógica, a necessidade da contradição. Neste processo, o
professor caminha em um sentido no qual vai relacionando a dialética com a própria
ação, ou seja, atua de forma a pensar sobre suas ações, buscando o entendimento e a
transformação sobre suas ações, sobre o que faz, como faz e porque faz, levando em
consideração a consciência sobre suas práticas.

Desta forma, o projeto possui a duração de três anos e visa articular encontros quinzenais
sobre a perspectiva teórica em foco e intervenções pedagógicas sistematizadas a partir dos
estudos empreendidos, a fim de vislumbrar, em momento posterior, uma prática pedagógica
consciente com uma didática prescrita sob a relação conteúdo e forma, de modo que viabilize
o aprendizado integral dos educandos.
Para tal, este primeiro trabalho busca elucidar os pressupostos teóricos que sustentarão
o projeto, dando enfoque à categoria dialética conteúdo e forma, por meio de pesquisas
bibliográficas concernentes ao estudo, para em seguida apresentar o trabalho educativo com os
clássicos como via para a socialização do saber sistematizado.

A Categoria Dialética Forma e Conteúdo: O Que Dizem Alguns Autores

Conforme Spirkine e Yakhot (1975), todos os elementos presentes na natureza são


constituídos por uma noção geral que concentra todos os aspectos essenciais que os
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caracterizam. Tais propriedades mais gerais que constituem todas as coisas refletem-se em
categorias filosóficas.

As noções, os conceitos que designam os traços, as ligações, os aspectos e os


fenômenos e objetos mais gerais, chamam-se categorias. [...] As categorias filosóficas
são os conceitos mais gerais. São formulados no processo do conhecimento para
reflectir as propriedades mais gerais dos fenômenos. (SPIRKINE; YAKHOT, 1975,
p. 100).

Assim, as categorias filosóficas procuram compreender o mundo e as relações sociais.


Para Gamboa (1998, p. 20), são a realidade nas suas múltiplas determinações:

É por isso que a dialética pretende revelar as leis do movimento dos objetos e dos
processos tanto da natureza como do pensamento e a lógica do avanço da relação entre
o mundo objetivo e o pensamento, segundo as leis objetivas, assegurando assim que
o pensamento coincida em conteúdo com a realidade objetiva que está fora dele. Nesse
sentido, a dialética materialista apresenta-se como método e lógica do movimento do
pensamento no sentido da verdade objetiva.

É possível compreender, pois, que todos os elementos constituintes da realidade não são
estáticos, mas, guiados por propriedades essenciais e noções gerais, movimentam-se por meio
de um processo contínuo de transformação. Dentre diversas categorias filosóficas que buscam
explicar este movimento, como a causa e o efeito, a necessidade e a contingência, a essência e
a aparência, entre outras, destacamos neste trabalho a categoria dialética conteúdo e forma.
Isto porque, de acordo com Martins (1996, p. 77-78),

A problemática da relação conteúdo-forma no processo de ensino tem se constituído


em uma preocupação constante nos meios escolares entre seus agentes (professores,
especialistas). Ao mesmo tempo, tem ocupado cada vez mais espaço no meio
acadêmico entre os estudiosos da área. A necessidade de articular os conteúdos
escolares com a realidade e os interesses práticos dos alunos e a busca de realizar um
ensino comprometido com as classes trabalhadoras têm sido o centro das
preocupações.

São recorrentes, nos momentos de estudos junto aos professores da educação básica em
formação continuada, diversos questionamentos e dúvidas com relação ao seu papel em sala de
aula, à relação entre os conhecimentos que estão sendo apreendidos na universidade e a prática
escolar que se defrontam diariamente. Por vezes, a descrença nos estudos realizados impera e
a compreensão acerca da dissociação entre teoria e prática faz-se constante. São, pois, comuns
discursos como: “No início de minha participação todas falas e discussões me pareciam
utópicas. Ou seja, discurso de professor universitário, que conhece com profundidade uma
infinidade de teorias, mas desconhece o chão da escola.” (Professora participante do projeto).
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Ocorre que, conforme Saviani (2011, p. 75), “[...] o problema das formas, dos processos,
dos métodos; só fazem sentido quando viabilizam o domínio de determinados conteúdos”.
Nesse sentido, é extremamente recorrente o destaque à categoria dialética conteúdo e forma, a
qual é essencial nas práticas docentes. Segundo Cheptulin (1982), estão intrinsicamente ligadas
ao movimento de apropriação de pensamento do indivíduo posto que conteúdos determinam
formas, que por sua vez atribuem mudanças em conteúdos já estruturados no pensamento,
assim, gerando nova forma ao conhecimento e um novo pensamento. Cabe destacar ainda, que
o autor traz críticas a concepções reducionistas, revela que alguns autores consideram o
conteúdo apenas como um conjunto de elementos constituintes de um objeto, outros ainda o
analisam como não dialético, o que torna-se incoerente, uma vez que os aspectos estão em
movimento e necessitam integralmente um do outro.
Martins (1996) elucida esta categoria na discussão de seu texto ao buscar compreender
conteúdo e forma em diferentes perspectivas pedagógicas. Assim, revela uma categoria que
compreende o homem como um sujeito em desenvolvimento a partir das relações sociais
estabelecidas. Portanto, faz-se necessária a reflexão para além das relações micro estabelecidas,
voltadas para a sociedade macro e de tal forma que todas as respostas partam da indagação:
“porquê é assim?”, a fim de que haja a compreensão em sua totalidade. Nesse sentido, Lukács
(1978, p. 182) busca em Hegel e no Materialismo Histórico e Dialético a discussão da categoria
forma e conteúdo:

Se bem que, desde Hegel, seja claro que forma e conteúdo se convertem
incessantemente um no outro; se bem que o materialismo dialético e histórico – Indo
além de Hegel – estabeleça firmemente a prioridade do conteúdo, mesmo
reconhecendo a recíproca relação de conversão do conteúdo na forma e vise e versa.

Neste aspecto, é possível relacionar com o que aborda Saviani (1982) ao apresentar a
necessidade de uma nova proposta pedagógica que esteja para além da curvatura da vara.
Assim, a discussão acerca de conteúdo e forma torna-se essencial para uma nova prática
pedagógica que não se paute apenas nas formas, bem como, apenas nos conteúdos, tal como
evidenciava-se na escola nova e tradicional, mas, diferentemente, que forma e conteúdo estejam
em consonância para uma práxis transformadora, afinal, as relações sociais não são neutras,
mas expressões materiais no interior do capitalismo.
A relação forma e conteúdo deve ser o ponto de partida, que o ultrapasse os muros da
escola e proporcione correlações advindas das análises macro e micro. Para tanto, Saviani
(1982) apresenta a Pedagogia Histórico-Crítica, que almejou propiciar aos educandos o
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conhecimento em sua forma mais complexa, revelando a importância dos conteúdos clássicos,
pois revelam conteúdo e proporcionam a intersecção do concreto pensado à sociedade.

A Pedagogia Histórico-Crítica: Mediação e o Saber Sistematizado

O professor, no processo sistematizado de ensino, é um dos agentes responsáveis por


realizar a mediação entre o educando e o conhecimento científico, a fim de possibilitar-lhe o
acesso a níveis cada vez mais elevados de desenvolvimento. A preocupação para com as formas
mais adequadas de ensino é recorrente, dado que o desenvolvimento depende da aprendizagem,
resultante de processos sistematizados de ensino, os quais são possibilitados por sujeitos mais
experientes e de maneira intencional (VIGOTSKI, 1998).
Saviani (2011) corrobora com este entendimento, o que nos permite desvelar a primeira
questão acerca da relação conteúdo e forma na educação escolar: a escola possui o papel de
possibilitar às novas gerações o acesso ao saber sistematizado e, para tanto, ela precisa organizar
processos e formas mais adequadas para o alcance desta finalidade, o que determina esta como
a questão central da pedagogia.
Para ampliar a reflexão, apoiamo-nos em Saviani (1999) para iniciar uma nova
compreensão dialética acerca desta questão. Conforme o autor, no que diz respeito à
escolarização e seu acesso, é preciso entender que as teorias educacionais podem ser
classificadas em dois grupos: o grupo das teorias não-críticas e o grupo das teorias crítico-
reprodutivistas. O primeiro grupo compreende a Pedagogia Tradicional, a Pedagogia da Escola
Nova e a Pedagogia Tecnicista. O segundo grupo abrange a Teoria do sistema de ensino
enquanto violência simbólica, a Teoria da escola enquanto aparelho ideológico de Estado (AIE)
e a Teoria da Escola Dualista.
Neste texto não nos debruçaremos sobre cada uma destas teorias. Cabe, no entanto,
compreender que as abordagens presentes no primeiro grupo, chamadas de não-críticas,
entendem a educação como um instrumento de equalização social, enquanto possibilidade de
superação da marginalidade, isto é, da falta de acesso dos indivíduos à escola ou de sua
marginalização em seu próprio interior, com a não-aprendizagem. As teorias crítico-
reprodutivistas, por sua vez, entendem a educação enquanto instrumento de discriminação
social, logo, um fator de marginalização (SAVIANI, 1999).
Dessa forma, as primeiras acabam por considerar a educação de um modo muito
otimista, como se esta não fosse determinada por diversos condicionantes sociais, capazes de
gerar esta marginalização, diferentemente do posicionamento das segundas teorias que veem a
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educação sempre a partir de seus condicionantes e determinantes sociais, compreendendo-a


como reprodutora da sociedade (SAVIANI, 1999).
A segunda visão, embora crítica, não considerou a possibilidade de transformação social
por meio da educação e, com isso, não apresentou nenhuma proposta de intervenção prática,
limitando-se a constatar. No entanto, os professores clamavam por uma busca de saídas e, no
âmago deste anseio, surgiu a necessidade de uma proposta que superasse a visão crítico-
reprodutivista. (SAVIANI, 2011). Diante desse arcabouço teórico que Saviani formulou a
Pedagogia Histórico-Crítica, que perpassada por variadas expressões, em 1983 adquire certa
hegemonia na discussão pedagógica, enquanto concepção educacional capaz de fazer a crítica
do existente, porém, acompanhada da criação de alternativas concretas (SAVIANI, 2011).
A teoria que serviu de base para a proposição da Pedagogia Histórico-Crítica foi o
Materialismo Histórico-Dialético. Marx e Engels (1848) contribuíram no campo da economia
com a filosofia marxista, a qual analisou a história da sociedade a partir da história da luta de
classes, o que lhes permitiu verificar, em todos seus momentos, uma relação de constante
oposição entre opressores e oprimidos, isto é, uma relação presente de posições sociais distintas.
Em nossa época, com a iminência da burguesia, esta relação de oposição caracteriza-se
por um distinção mais acirrada, uma distinção entre burgueses e proletários. No interior desta
oposição, os meio de produção são suprimidos da população como um todo e centram-se nas
mãos de uma minoria – da burguesia. Com isto, ocorre também a centralização da política, por
meio da qual interesses, governos e direitos que deveriam ser de todos e para todos são
comprimidos em interesses, governos e direitos específicos e que dizem respeito a poucos
(MARX; ENGELS, 1848).
Assim, verifica-se a história social marcada pela divisão das sociedades em classes
antagônicas e a divisão social do trabalho, resultando em uma organização dos modos de
produção de tal forma que o trabalhador é expropriado da totalidade da riqueza material e não
material produzida pelo trabalho (SAVIANI; DUARTE, 2012).
Chegamos, portanto, ao objetivo de Saviani ao apresentar a Pedagogia Histórico-Crítica:
“[...] o engajamento da educação numa luta mais ampla, a da superação da sociedade capitalista
pela revolução socialista.” (DUARTE, 2016, p. 3). Tal superação, mediante “[...] a socialização
das formas mais desenvolvidas dos conhecimentos científicos, artísticos e filosóficos.”
(DUARTE, 2016, p. 24). Isto porque, entende-se a educação e a transmissão da cultura, nesta
perspectiva, como necessárias para a superação do ser hominizado em direção ao ser
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humanizado, verificando-se saltos qualitativos no desenvolvimento de sua consciência.


(MARTINS, 2013).
Desvela-se, assim, a segunda questão acerca da relação conteúdo e forma na educação,
a qual será desenvolvida no tópico a seguir: a escola enquanto instituição necessária à
socialização do saber sistematizado, científico e elaborado, em sua forma clássica, tendo por
objetivo a superação do saber cotidiano dos educandos, aqui tidos como destinatários
(SAVIANI 2011).

O Trabalho com os Clássicos: uma Possibilidade para a Categoria Conteúdo e Forma

Como destacado anteriormente, a organização da sociedade está posta de forma a


atender às necessidades do modelo econômico estabelecido. Assim, a escola desde a sua
expansão no interior deste modelo econômico tem um papel correspondente com as
necessidades do mercado, o que faz-se evidenciar ao longo dos anos diferentes perspectivas
pedagógicas que não proporcionam o desenvolvimento de forma integral dos sujeitos.
Restringem-se, em muitos momentos, ao trabalho com conhecimentos instrucionais que
limitam-se às práticas de memorização capazes de aprimorar técnicas de trabalho, o que
evidencia-se como uma manutenção das classes sociais estabelecidas.
Muitas têm sido as discussões em torno destas práticas reducionistas. Saviani (2008)
apresenta esta questão de forma bem reflexiva em seu livro: Escola e Democracia, a fim de que
seja pensado um novo movimento para além da reprodução de classes sociais. Segundo Duarte
(2016), na perspectiva da Pedagogia Histórico-Crítica, a revolução socialista é um meio para a
plena efetivação do trabalho educativo.
Projetos Políticos Pedagógicos de algumas instituições escolares abordam, em sua
concepção teórica, a Pedagogia Histórico-Crítica como eixo norteador do ensino. Contudo,
pelas interfaces do modelo capitalista, nem todos docentes ou pedagogos compreendem de fato
a proposta do professor Saviani, o que justifica o desenvolvimento de estudos/pesquisas que
norteiem a transformação de uma concepção teórica para uma prática pedagógica. Segundo
Duarte (2016, p. 21), “A Pedagogia Histórico Crítica pode ser caracterizada como um
movimento coletivo que tem procurado produzir nos educadores brasileiros uma tomada de
posição consciente em relação ao papel da atividade educativa na luta de classes”.
Fundamentada a partir da concepção de homem, a Pedagogia Histórico-Crítica compreende o
desenvolvimento do sujeito por meio das trocas sociais, assim, justifica a transmissão do
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conhecimento como alicerce ao desenvolvimento humano. Discute o modelo social


estabelecido e o papel da escola na socialização do saber sistematizado.
É relevante considerar que a história narra que por muito tempo a educação escolar
esteve restrita aos abastados economicamente, restringindo a alguns o conhecimento construído
pela humanidade, segregando o conhecimento e capital. Duarte (2016) também aponta como
necessária a socialização da propriedade dos conhecimentos científicos, artísticos e filosóficos.
Portanto, neste aspecto, a escola assume um papel primordial. Essa via é a chave para
a socialização do saber construído pela humanidade, capaz de instigar a luta de classes,
superando um modelo econômico que beneficia alguns e segrega os demais. Assim, a
Pedagogia Histórico-Crítica revela a importância da transmissão do conhecimento científico na
mais alta complexidade, pois, por meio deste, será possível o desenvolvimento das funções
psíquicas superiores, o que Duarte (2016) revela ao analisar o critério do desenvolvimento.
Conforme o autor: “O desenvolvimento do psiquismo individual está inserido na totalidade das
relações existentes numa dada sociedade.” (DUARTE, 2016, p. 39).
Deste modo, este estudo compreende a importância do ensino por meio dos clássicos, e
da relação entre conteúdo e forma, o que na fundamentação da Pedagogia Histórico-Crítica,
aparecem como elementos capazes de proporcionar o desenvolvimento em alta complexidade,
pois revelam de diferentes maneiras contextos da esfera histórica, política e social. Apoia-se
ainda na teoria Histórico-Cultural, perspectiva que busca a compreensão do psiquismo humano
e seu desenvolvimento a partir das relações sociais.
Duarte (2016, p. 17) cita Lukács quando revela o campo da literatura, pois, as relações
entre a obra literária e a concepção de mundo são complexas e indiretas, o indivíduo percebe
por meio da subjetividade contida na obra uma nova forma para o que já conhecia. Trata-se,
portanto, de se pensar a relação conteúdo e forma na prática educativa. Revela ainda que por
meio da estética que permeia as obras literárias, tanto na escultura, pintura ou gêneros textuais,
é possível estabelecer inúmeras relações inter históricas e sociais, que proporcionam elevações
psíquicas e um nível mais alto no desenvolvimento humano.
Portanto, a socialização do conhecimento é determinante para a superação na sociedade.
Oferecer aos educandos o conhecimento elaborado propicia a superação do saber popular pelo
acesso ao conhecimento em sua máxima manifestação, tendo em vista a necessidade de
transformação da sociedade a partir da formação crítica do sujeito em sua totalidade.
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Considerações Finais

Este trabalho teve por objetivo discutir a relação conteúdo e forma de acordo com os
pressupostos da Pedagogia Histórico-Crítica, a fim de desenvolver uma reflexão acerca das
propostas didáticas na educação escolar.
As ideias apresentadas evidenciam que a relação conteúdo e forma, no âmbito escolar,
está ligada diretamente ao modo de produção, pois o contexto educacional está para responder
às necessidades do mercado e à lógica de produção.
Conceituam a categoria conteúdo e forma como:
1) Aquela por meio da qual se torna possível compreender o homem a partir das relações
sociais estabelecidas, como um sujeito em constante desenvolvimento.
2) Enquanto categoria voltada à compreensão da totalidade, proporcionando correlações
advindas das análises macro e micro no interior da sociedade.
3) Como correlatas, de tal modo que o desenvolvimento do próprio conteúdo dá origem
à forma que, por sua vez, faz-se presente no conteúdo e, da mesma maneira que a forma cresce
necessariamente do próprio conteúdo.
Por essa razão, a proposta desse artigo debruçou-se em pensar uma didática que visa:
1) Possibilitar aos estudantes relacionarem os conteúdos escolares a partir de uma
perspectiva que possa dar novos enfoques aos seus olhares pela via do conhecimento, tornando-
os capazes de transformarem a sociedade.
2) Pensar o educando enquanto sujeito sócio-histórico que precisa se apropriar das
formas mais elevadas de conhecimento para intervir de maneira crítica na realidade posta.
3) Favorecer a equidade na transmissão e apropriação da riqueza imaterial construída
pelos próprios homens no decorrer da história da humanidade, a fim de proporcionar o
desenvolvimento do sujeito como ser genérico.
Neste sentido, o texto propôs-se a destacar a literatura como meio de acesso ao
conhecimento científico, por sua relevância como patrimônio social, intuída de contexto
histórico, político e social em sua máxima complexidade. Por meio das diferentes
manifestações literárias que podem ser vislumbradas, pode-se pensar em uma didática
permeada de conteúdo científico em diferentes formas de apresentação, além disso, pensar na
apropriação da riqueza científica produzida pela humanidade como direito de todos, sendo
assim, capaz de possibilitar aos educandos, como afirma Saviani (2011), a superação do senso
comum à consciência filosófica.
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REFERÊNCIAS

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LUKÁCS, Gyorgy. Introdução a uma estética marxista: sobre a categoria da


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Luíz Silveira Menna Barreto e Solange Castro Afeche. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes,
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