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Nº 0 | NOV/DEZ 2012

LIBERDADE NA
INTERNET
Como a pirataria e o livre compartilhamento na rede
acabam influenciando o comportamento de toda a indústria de games,
desde o camelô até o mais alto desenvolvedor de jogos digitais

ESPEN AARSETH MULHERES E GAMES


O pesquisador norueguês, em entrevista, Elas estão em todas por toda parte, seja
conta sobre a sua importante contribuição desenvolvendo jogos, escrevendo sobre ou
para a área do Game Studies. simplesmente jogando
editorial

Videogame
é cultura
S
eja bem-vindo a primeira jogos e que desejam compartilhar pois o conteúdo demora mais para
edição da revista Segundo dessa paixão com vocês. Afinal, nós ser devidamente apurado e editado.
Controle que, mais do que também crescemos lendo e colecionan- Outro aspecto importante para nós
apenas informar, deseja que os leitores do revistas de videogames. E também é o projeto gráfico, queremos que a
reflitam sobre os assuntos ligados aos acompanhamos, infelizmente, o declínio arte das páginas reflita também nossa
jogos digitais. Pois sabemos que, desse das publicações impressas do gênero e preocupação com a estética – um dife-
modo, abre-se um vasto leque de o crescimento exponencial dessa cober- rencial importante da revista quando
possibilidades que outras publicações tura no âmbito online. Faz sentido, uma em comparação com os sites/portais do
do gênero não chegaram a explorar. vez que a fluidez da internet combina gênero normalmente estáticos.
Para cumprir esse objetivo apostamos com a interatividade e a agilidade dos Quem acompanhou o processo de
em um jornalismo crítico e opinativo que videogames. Porém, ao mesmo tempo, produção da Segundo Controle sabe
discute os diferentes aspectos do jogo: vale citar que surgiram várias revistas que foi árduo devido a muita pesquisa
lúdico, artístico, cultural, mercadológico, digitais – e surgem quase que mensal- e alguns tropeços na agenda, mas, com
etc. Investimos também em pesquisa e mente – transformando as já antigas muito esforço, finalmente conseguimos
apuração por achar essencial o apro- matérias do papel em pixels. aprontá-la. Então, caro leitor, não se
fundamento do conteúdo com fontes e A Segundo Controle aprendeu essa esqueça, é só o primeiro exemplar. Há
dados relevantes da área. Desse modo, lição, já que para competir com a agili- muitas novas fases ainda pela fren-
em quase todas as matérias você, caro dade dos sites noticiosos e instantâneos, te! Aguardamos a sua opinião para
leitor, observará várias entrevistas, investiremos em matérias aprofundadas construirmos uma publicação cada vez
dados e pouco “achismo”. e com a abordagem cultural diferencia- melhor. Boa leitura!
Ao contrário, teremos é muita da. A periodicidade da revista também
opinião de pessoas interessadas em reflete os seus objetivos: será bimensal Rafael Gloria

2
3
Redação
Editor: Rafael Gloria
Chefe de arte: Guilherme Machado
SUMÁRIO
Editor de arte: Rafael Leite
CLÁSSICO DOS ENTREVISTA
Colaboraram nessa edição: START GAMES NACIONAL
Ariel Oliveira, Amanda Jacobus, Conrado
Barreto, Felipe Neves, Letícia Perani e
Gregory Gaboardi.

Revisão de texto: Guilherme Machado,


Rafael Gloria e Rafael Leite
Notícias, entrevistas, e Legend of Zelda e a Pedro Paiva e a crítica à
Marketing: Guilherme Machado tudo o mais I 6 triforce que sustenta produção gamer I 12
todo o mito I 8
Internet: Guilherme Machado e
Rafael Gloria ENTREVISTA MULHERES
INTERNACIONAL NO CONTROLE CAPA
Jornalista Responsável:
Rafael Gloria - MTB 16.565

Contato: contato@segundocontrole.com.br

“A Segundo Controle é uma revista digital


gratuita. A sua comercialização é
O famoso pesquisador Gênero feminino cada Pirataria e a liberdade
proibida.” Espeen Aarseth fala vez mais presente I 19 de compartilhamentos
sobre o panorama na internet são
de sua pesquisa em questões importantes
jogos digitais I 16 para o comércio de
games I 22

4
METAL GEAR
DESENVOLVEDORES CRÍTICA SOLID JOURNEY

Saiba mais sobre a Saiba como funciona O bom e velho Snake Um dos jogos com um
recente história do o nosso sistema de nunca sai de moda I 30 dos multiplayers mais
estúdio Swordtales e análise e depois nos originais que já
o seu promissor jogo critique à vontade I 29 jogamos I 34
chamado Toren I 26
ALÉM DOS
OPINIÃO ARTIGO GAMES VAI JOGAR

Nossos colunistas Felipe Neves questiona Scott Pilgrim traduz Na nossa última seção,
falam sobre música e se realmente há uma muito bem toda a mis- nossos entrevistados e
RPG I 38 cultura própria dos tureba que é a cultura fontes dão indicação de
videogames I 40 pop atualmente I 42 games I 45

5
start

Foto: Divulgação
RS terá associação
de desenvolvedores
Organizar o setor e melhorar a comunicação entre os
profissionais dos games e o governo são alguns dos objetivos

A
ideia de criar a Associação em um ponto em que vou considerar o esses poucos vão rentabilizar a minha
surgiu em março durante uma cara do meu lado um competidor. Se a empresa para o negócio e, ao mesmo
reunião informal que Marsal Al- gente for pensar assim, simplesmente não tempo, pavimentar um caminho para o
ves Branco, professor de jogos digitais da tem como evoluir”, acredita Marsal. futuro. Então, essa lógica é diferente. Nos-
Feevale e empresário do ramo, organiza Nos últimos tempos a maturidade so papel também é pressionar o para
há alguns meses com parceiros da área. dos desenvolvedores e das universida- eles nos escutarem e perceberem como
“Eu tinha acabado de ser chamado pelo des que trabalham com faculdades de funciona o negócio”, explica.
governo para essa missão no Reino Unido, games cresceu. Soma-se a isso a criação A primeira Associação de Desenvol-
Doing Bussiness with Brasil, e eu comentei da Associação Comercial, Industrial e vedores do Rio Grande do Sul ainda não
com eles que só toparia ir se fosse repre- Cultural de Games (Acigames), que foi está oficializada, mas é só questão de
sentando os interesses deles também. Foi criada com a finalidade de representar e tempo. “Organizamos a estrutura, missão,
como se só faltasse alguém falar de tão regulamentar a indústria e comércio dos objetivos e já indicamos nomes, alguns já
certo que pareceu”, revela. O mercado jogos eletrônicos, e se consegue imaginar confirmados e outros a confirmar. Juridica-
ainda isola os desenvolvedores e, de uma um cenário que chamasse a atenção do mente ainda não estamos estabelecidos”,
maneira geral, não está organizado o governo. Tanto que a própria Acigames completa Marsal. Mais informações é só
suficiente. já tem um diálogo com o governo a entrar em contato com o próprio Marsal
Em sistema de apoio mútuo, o objetivo nível federal bem forte. Marsal, por sua Alves pelo e-mail marsal@ilinx.com.br.
é que os associados troquem informações. vez, conta que alguns profissionais de
“O Brasil está com o mercado em ex- games do estado foram chamados para O Edital
pansão principalmente na área mobile. E, uma maior interlocução com o governo
apesar disso, cada um tem que descobrir estadual, visando uma conversa sobre in- Em agosto, a Secretaria da Ciência,
o caminho das pedras, reinventar a roda vestimentos na área da economia criativa, Inovação e Tecnologia do RS lançou um
18 vezes na hora de produzir e distribuir na qual o videogame é localizado. Esse edital inédito para o setor da indústria
o jogo porque não existe uma conversa”, também foi um dos motivos da criação criativa, no valor de R$ 1,2 milhões. Desti-
explica. Assim, os desenvolvedores mais da Associação. Para Marsal, é preciso nado a contemplar projetos que propo-
veteranos poderão passar informações explicar a diferente lógica de investimento nham a geração e/ou aperfeiçoamento
para os novatos e, dessa forma, o merca- nos games. “Não dá para dar garantia de tecnologia nos setores de Audiovisual,
do se movimentará melhor, gerando mais que o jogo vai dar certo. O que se pode Novas Mídias, incluindo games, e Design,
dinheiro “A gente ainda tem muito o que é fazer um número x de projeto e apostar a expectativa é que o edital contribua
crescer e talvez falte anos para chegar que alguns deles darão certo. Só que para o desenvolvimento do setor.

6
Um evento de Tiago Faccio, sócio-fundador da
Woodoo Oficina Web e organiza-
dor do GoGame, fala sobre sua
games que viaja experiência na área

E
m julho de 2010, Porto Alegre Tiago compara o público gamer o mesmo conceito, se não eles não
sediou o evento GoGame, a o outro público específico, os injetariam dinheiro”. Para finalizar, ainda
no BarraShopping, que amantes da literatura: “É a mesma não há nada definido para esse ano,
ajudou a discutir a história dos jogos história do sarau, todo mundo lê, mas há algumas praças em nego-
digitais. Além de expor videogames mas quem realmente vai em um ciação. Para Tiago não importa onde
e deixar o público jogar, ainda sarau? Penso mais ou menos assim: possa vir a ser, “pode ser Campinas,
contava com palestras de vários todo mundo curte videogames, mas Brasília, onde for, só sei que a gente
profissionais da área. Ano passado, ir a um evento de games, se tu não tem que colocar todas as coisas em um
o evento aconteceu em Belo Hori- trabalha na área, se tu não é um caminhão e ir fazer funcionar”.
zonte em uma versão menor, mas grande fã, ou não é um saudosista
com a mesma proposta. Sabe-se (porque a gente fez um negócio
Bonus:
que infelizmente não há muitos even- para puxar todo mundo), é outra
tos desse segmento em Porto Alegre. coisa.”. É uma boa comparação, mas • O SBGames, evento que reúne
A maior feira que se tem no país é os videogames tem a seu favor as exposição de jogos, palestras inter-
a Brasil Game Show, que na sua crianças, grandes entusiastas das nacionais e sessões para apresen-
edição de 2011, no Rio de Janeiro, novidades tecnológicas e responsá- tação de artigos, vai acontecer em
reuniu cerca de 60 mil pessoas em veis por lotarem o GoGamer em Porto Alegre em 2014. A PUCRS
quatro dias. Porto Alegre. E uma vez que o even- será a sede das atividades em
O GoGamer que ocorreu em to se passou dentro de um shopping 2014, mas uma coalizão das forças
Porto Alegre conseguiu receber em nada mais natural que enquanto do Estado vai ajudar no evento.
torno de 20 mil pessoas no período boa parte dos pais passeava no Professores da UFRGS, Unisinos, Fe-
de um mês, um número considerável centro comercial, elas passeassem evale, Furg e UFSM também estão
para uma iniciativa pioneira no pela exposição interativa, ajudando escalados nas principais trilhas de
Estado. a aumentar a visitação. atividades.
Na parte financeira, o investi-
mento para um evento desse porte • A fase final do concurso da
tende a ser elevado. Há muito con- Square­Enix para descobrir novos
trole, tarifas, impostos e como tudo talentos no desenvolvimento de
precisa estar dentro da lei, há uma jogos começou. A votação vai até
pesada taxa tributária também. “ É o dia 30 de novembro. São oito
muito mais cômodo, para ser sincero, jogos, todos gratuitos, que exploram
ficar sentado jogando videogame as plataformas móveis e sistemas
aqui na agência. Fazemos porque iOS e Android. Os resultados serão
é muito bom para a marca e por divulgados no dia 30 de novembro,
acreditar nisso. Os investidores tem e o vencedor leva US$ 20 mil.

7
SANT
TRINDADE
Falar de Zelda é falar da condição de existência em um
mundo criado por deusas e de uma lenda que tende a se
repetir através de diferentes eras e gerações

S
erá que Miyamoto quando começou a elabo- plicada da triforce: a coragem
rar a história da série Legend of Zelda tinha que o faz seguir adiante, enfrentar todos
consciência do complexo universo que estava os oponentes e descobrir os mistérios da trama.
criando? Um tipo de epopéia que pode ser comparada Na outra ponta, temos o personagem de Ganandorf,
ao que Tolkien realizou com a trilogia Senhor dos Anéis antagonista da série , com uma qualidade que roubou
Por Rafael Gloria

e a que George Lucas constituiu (e também, infelizmente, da triforce. Conta a lenda que quando alguém com
alterou várias vezes) com Star Wars. Por que não? Assim coração impuro toca o sagrado artefato os seus peda-
como essas outras séries, Legend of Zelda discorre ços se dispersam, ficando com tal pessoa apenas a que
sobre grandes questões e é composta por personagens representa a força em que ela mais acredita. E, no caso
com nobres motivações, como a de resgatar a ordem de Ganandorf, sua maior crença é o poder. Já Zelda,
do seu tempo e a de encontrar o papel a que está personagem que dá nome a lenda, e que parece estar
destinado. Junto a esses temas, e a uma narrativa que sempre pronta para dar a vida pelo bem estar do seu
sabe lidar bem com eles, também somos convidados reinado e de seus súditos (então,aquela que mais zela
Série clássica dos Games

a complementar o espírito do jovem Link – por isso a pelo mundo da série), merece a alcunha de a mais
grande variedade de aventura e ação. E esse é só um sábia.
dos três arcos do triângulo equilátero que constitui a Três personagens em um ciclo que tende a se
série. Para mim, os jogadores deveriam parar de tentar repetir por eras, por encarnações, por números
encontrar a Triforce (embora você possa fazer isso em de jogos. Mais do que isso: três personagens que
Skyward Sword ou em A Link to The Past), o artefato precisam um do outro para existir. O herói escolhi-
mais sagrado de Hyrule, e começar a tentar entendê- do precisa salvar o mundo, aquela que o zela
-la, porque é isso que faz da série algo tão especial. precisa protegê-lo do mal encarnado que, por
A Triforce, além de conter e despertar a coragem, o sua vez, deseja dominar esse universo. E quem
poder e a sabedoria, também é motivo de muita cobiça decidiu que iria ser assim? As deusas jogando
pelos protagonistas. Comecemos por Link, o herói que dados com os reles mortais, obviamente. Mas o
ainda não sabe que é o herói. Predestinado, na maioria importante aqui não é a reflexão sobre as divindades,
do início dos jogos acompanhamos e o controlamos mas notar que os motivos e as razões (totalmente altru-
logo após ele despertar de um longo sono (por isso há ístas, ou totalmente egoístas) que movem essa verdadei-
tantas referências de dorminhoco, etc), apenas assim a ra trindade são, antes de tudo, muito humanas. E, talvez
aventura começa. É uma boa metáfora para o também seja por esse motivo que Legend of Zelda tenha
começo do jogador e do herói em uma jornada. O que completado um quarto de século com aclamação
Link tem é, talvez, a qualidade mais pura e a mais com- de púbico e da crítica.

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TA Zelda na rede
Conversamos com Danilo Passos
o fundador de um dos primeiros sites
no Brasil especializados em Zelda. No
a falta de sites especializados no Brasil
sobre Zelda. E os que existiam possuíam
muito conteúdo não-original e/ou reci-
mundo virtual, ele é mais conhecido clado. Isso, aliado a eu estar escolhendo
pela alcunha de Ninja. Atualmente o um curso na faculdade/universidade na
seu site está passando por uma refor- época, me motivou a tentar computação
mulação, e Danilo agora com 27 anos, e aprender de forma independente. E,
apesar de reclamar por não ter tempo felizmente, o site estourou.
suficiente para se dedicar o quanto
gostaria ao site, mantém a mesma Quais são as novidades para o
paixão pela série desde criança. site do Zelda?
Bom, além de um visual novo para o
Como conheceu a série Zelda? fórum (que já está no ar há algum tem-
O que mais lhe chama a atenção po), teremos um novo visual para o site,
nela? melhor e mais profissional. Também que-
Em uma visita aos meu primos, joguei remos que todas as seções do site sejam
o Zelda 1 de NES e aquele mundo integradas com um único login do fórum,
aberto com aquela fita dourada me facilitando a vida do pessoal, unificando
fisgaram. O desafio de encontrar tudo, todos os sistemas que tínhamos. Teremos
o mapa que acompanhava o jogo e atualizações constante sobre cada jogo,
a falta de dicas (seja ela em revistas começando do Zelda 1 até o Skyward
ou de amigos) me deixavam horas Sword, sempre trazendo textos originais,
a fio jogando e marcando tudo além de imagens e vídeos exclusivos,
nos mapinhas desenhados a mão. seja de placa de captura, seja de rom
Esse senso de descoberta e tomar hacking.Por fim, a nossa grande surpresa
notas era algo sem igual até então. será um sistema de mapas interativo,
Isso me marcou tanto que, uma das onde as pessoas poderão navegar
novidades do site será justamente a pelos diferentes jogos como navegamos
ver com mapas, e os primeiros mapas hoje no googlemaps e similares. Esse
serão do Zelda 1. sistema será totalmente aberto aos
usuários, que poderão adicionar dicas,
Quando criou o site www.zelda. compartilhar locais únicos que eles
com.br? O que o motivou? encontrarem, etc. Estamos esperançosos
A criação do site zelda.com.br foi em que esse sistema de mapas será um
2003, mas o embrião foi muito antes, no grande sucesso perante a comunidade,
Zelda Na Veia, em meados de 2000, podendo se expandir a outros jogos
2001. O que me motivou, na época, era não-zelda.
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TOP5
Arriscamos e resolvemos escolher
cinco momentos marcantes na história
da série Legend of Zelda (sim, você Link enfrenta o seu lado escuro
não vai concordar, provavelmente).
Zelda II: The Adventura of Link,
Então, mande o seu momento para espécie de jogo renegado da série,
nós, queremos saber! é diferente do primeiro Zelda, em que
a tela é vista de cima, nessa segunda
aventura o jogo assume uma visão
O mundo se transforma
lateral, conhecida como side scroolling.
Ninguém esperava ter uma batalha
A Link to the Past é um jogo épico em muitos sentidos. Vendeu mais de 4 millhões na
final contra a própria sombra de Link.
época fazendo sucesso e ajudando a posicionar a liderança da Nintendo no mer-
A luta é muito difícil e definiu uma série
cado. O enredo grandioso surpreendeu na época, porém o que ficou na memória
de conceitos que seriam explorados
dos jogadores foi a transição entre os mundos, da Golden Land para o Dark
mais tarde em outros jogos da série.
World. O que foi utilizado em praticamente todos os jogos posteriores da série.

A lenda começa Hyrule é vasta

Há esse momento muito simbólico e Jogo canônico dentro da série,


também, de certo modo, fundador Ocarina of Time tem excelentes
da lenda de toda série em Skyward momentos, mas o mais marcante
Sword que ocorre após Link passar é quando Link chega em Hyrule
por várias dungeons e finalmente pela primeira vez. Descobrimos
alcançar Zelda. Descobrimos que que o mundo é maior que o
ela, na verdade, é a encarnação nosso vilarejo, deslumbrando a
da deusa da sabedoria, a Hylia. vasta geografia de uma Hyrule
Aos poucos, vários segredos vão se Ganon se explica pela primeira vez ambientada
revelando uma vez que a memória em 3D.
da deusa é recuperada em uma Muitos criticaram a opção da
cena singela e emocionante. escolha dos gráficos cartunescos
ao invés de um visual mais rea-
lista. A verdade é que Link nunca
teve tanta expressão como aqui.
Quando o game foi lançado, o
pessoal se rendeu ao belo visual
e a sólida aventura do jogo. E
o melhor momento dele é o seu
final em uma batalha simplesmen-
te épica com grandes diálogos,
principalmente da parte de Ga-
nandorf. Ele nunca tinha explicado
tanto sobre suas motivações.

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Entrevista PEDRO PAIVA

Questionar para desenvolver


costuma trabalhar ou pesquisar
Com um visão crítica so- jogos?
Sempre gostou de videoga-
bre a indústria e o modo mes? Não, videogame não é arte, né?
de produção dos video- Desde piá eu brincava muito de inven- Inclusive, eu tenho uma posição que é
tar jogos, desenhando, fazendo umas bastante difícil lá dentro visto que eu
games, o desenvolvedor mockups com lápis. Aí conforme eu fui não acredito em arte, assumidamente.
Pedro Paiva nos conta a crescendo, lá pela minha adolescência, Já cheguei em aulas teóricas e disse
descobri os montadores de fóruns, tuto- isso para a professora e para a turma.
sua experiência na área riais, esse tipo de coisa. . Daí chega um A arte limita, não acredito que ela seja
momento em que se enjoa de brincar e libertadora, isso é um mito.
Por Guilherme Machado e se quer fazer jogo mesmo. Lá pelos 17
Rafael Gloria anos, eu desisti dessa coisa de equipe e Como você vê o cenário dos de-
fui me “virando” sozinho. Agora eu pro-

E
le não tem formação na área de gramo com montadores e faço a parte
videogames, mas, mesmo assim, sonora também, não que eu tenha um
faz jogos. Trata-se de um auto- conhecimento musical, pelo contrário,
didata: aprendeu na prática e na troca é muito na intuição. Essa parte da
de experiência com outros interessados. programação é para quebrar o galho.
Quem conhece a sua produção (pode Tem algumas coisas que são grosseiras
encontrá-la no Blog Arcaica) percebe nos meus jogos, inclusive, teve a série
um estilo de design simples, mas anar- do VHS, que eu faço jogos bugados de
quicamente eficiente. E que chamam a propósito. Tem todo um visual de bug,
atenção. Por exemplo, seu jogo “Mel como eles tivessem dando efeito, mas
Gibson The Hedgehog Se Veste De eles são jogáveis.
Negro” foi objeto central de análise de
um artigo do site da conceituada revista Desde quando você faz os pró-
britânica Edge. Conhecemos o trabalho prios jogos?
de Pedro Paiva a partir de leituras do Terminando os jogos e fazendo tudo, é
seu Blog Esses Games Violentos, onde, desde 2011, quando acabei “Moedas”.
como ele mesmo afirma, procura tratar Daí depois veio o “Caça Bobo”. Já fiz
os videogames tal qual uma manifesta- também o “Oniken” – na verdade é
ção cultural. Talvez esse seu ponto de de outro desenvolvedor, o Danilo Dias,
vista vá ao encontro da sua formação, mas eu ajudei em bastante coisa –, tem
atualmente ele estuda Licenciatura em a série do VHS, que têm cinco jogos, o
Artes Visuais na Universidade Federal “Cernuro”, “Cernuro II”, “Odeio Carros”
do Rio Grande do Sul (mesmo afirman- e “Carrocracia”, entre outros.
do que não acredita no conceito de
arte). No instituto de Artes, você

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anestesia

senvolvedores atualmente, acha a escala era muito menor. Em uma


que tem espaço para os que escala mais reduzida, tinha estúdios de
querem fazer algo autoral? desenvolvimento que eram realmente Não, videogame não
Um jogo autoral sempre é possível, mas pequenos. Por exemplo, o cara que é arte, né? Inclusive,
é aquela coisa: agora ele está se cons- fez o “Prince of Pérsia” e o “Karateka”, eu tenho uma posição
tituindo como um nicho. Existe um nicho ele que fez sozinho os jogos, então que é bastante difícil
de mercado por um jogo independen- procurava uma distribuidora, e aconte- lá dentro visto que
te, indie.. Então tem esse fetiche que está cia de ela ser a única responsável pela eu não acredito em
surgindo. Por um lado é bom, mas pode distribuição. Ainda não havia Internet arte, assumidamente.
ser perigoso porque às vezes acaba para o próprio autor divulgar e distri- Já cheguei em aulas
se limitando muito. E tem isso do jogo buir o jogo. Exista uma necessidade de teóricas e disse isso
independente poder ser “corporati- “corporatizar” o jogo. Agora, isso não é para a professora e
zado”. Isso, entretanto, não representa mais uma necessidade, mas, ao mesmo para a turma. A arte
uma coisa negativa, pois, na verdade, tempo, foi tão natural que agora se limita, não acredito que
sempre foi assim. O videogame sempre fala de videogames e se pensa nas ela seja libertadora,
foi uma peça corporativa, só que antes grandes marcas. isso é um mito.

Você acha que os jogos inde- dades das crianças. Na produção dos
pendentes conseguem ser uma gráficos, é tudo feito com desenho, já
alternativa em um mercado os sons também foram todos feitos com
dominado pelas grandes empre- a voz dos alunos, nesse caso, utilizamos
sas? o computador para gravar, mas não
Do tipo comprar um jogo indie ao invés é um som sintético. Busquei entender
do novo Mario? Acho que as coisas a arte como uma manualidade uma
se misturam um pouco, principalmente necessidade para o projeto, além de
quando se tem uma plataforma de uma especificidade da área de artes
jogos online. Vai ter ali os jogos inde- na escola.. Acabamos fazendo uma
pendentes, como jogos da indústria já coletânea de jogos curtíssimos, uma
consagrada. A opção vai ser sempre coisa meio “Wario Ware”, só que sepa-
de quem compra. Eu por exemplo opto rada em dois lados: o Lado A e o Lado
por não comprar jogos das corpora- B. No Lado A ficaram todos aqueles
ções. Eu também não compro jogos jogos que conseguiram obedecer a
independentes, eu sempre jogos os proposta inicial do “Gamewatch”, que
gratuitos (risos). foi o nosso ponto de partida – os jogos
eles não têm uma movimentação física
E como foi o trabalho que tu de- programada, mas tem uma ilusão de
senvolveu no Colégio Aplicação movimentação pelo pisca pisca dos spri-
com as crianças? tes. E no Lado B, os jogos que a gente
O meu foco educacional naquele foi percebendo, ao decorrer da oficina,
projeto foi evitar ao máximo o uso que ficariam melhores de outro jeito.
do computador. Fazer um jogo, mas Esse projeto foi realizado no segundo
procurando usar o corpo e as habili- semestre de 2011.

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oitenta acho que era a melhor época crítico?
Queria que comentasse mais nesse sentido, porque eles não tinham Claro, eu mesmo tenho alguns jogos
sobre esse teu pensamento críti- referência de videogame, então a mais críticos. A partir do “Carrocracia”
co sobre a indústria de games e liberdade era muita. Ao mesmo tempo, eu comecei a ter mais essa tendência.
que vai ao encontro do Manifesto agora, nós temos todas essas referên- Bom, ele é uma referência clara ao
Scratchware (Manifesto crítico a cias e a nossa liberdade também é “Frogger”, então se tem uma rua para
indústria de jogos feito por cria- muita, só que a gente cai naquela coisa atravessar e tem uma moça esperando
dores de jogos anônimos ). do fetiche e do jogo megalomaníaco, do outro lado. Só que tu não consegue
A indústria vai colocar no mercado um de querer fazer um jogo muito incrí- atravessar, porque tem muito carro. É
produto com a intenção de se tornar vel, que 500 pessoas fizeram em um esse o jogo.
obsoleto. Então, é algo do tipo “ah, grande estúdio. Então, por isso acredito
vamos fazer um videogame agora que os anos 80 são bons porque são jogos Mas é impossível chegar do outro
vai ter isso, isso e isso”, só que daqui a que poucas pessoas poderiam fazer. lado?
Na cena de computadores tinha muito Aí só jogando para saber, se não é

A gente não tem


mais espaço de
convívio para
jogadores, para
quem gosta de
videogame. Mes-
mo que o jogo
seja de apenas
um player, se tu
estiveres com CermunoII mario Empalado
outra pessoa te
acompanhando, o
jogo se transforma
em outra coisa.

atira

pouquinho haverá um novo videogame


igual ao anterior só que com uma novi-
dade – sendo que isso poderia ser inclu- disso, no Commodore, o começo do spoiler (risos). Inclusive, é engraçado
ído, poderia ser adaptado no console. PC, DOS, tinha muita gente que fazia porque até então essa minha inserção
Toda máquina ela pode ser adaptada, os jogos de uma forma caseira e depois de crítica nos jogos, a Arcaica (Blog
mas por que isso não é adotado pela procurava as distribuidoras. onde ele disponibiliza seus jogos) era di-
indústria dos videogames? Porque ela vidida entre mim e um amigo, só que ele
quer gerar, quer lucrar, então tem que Você acredita que os videoga- preferiu não seguir essa linha e daí foi
ter uma renovação por aí. Nos anos mes podem ser uma plataforma cada um para um lado. Ele acreditava
para explorar o pensamento que os jogos devem funcionar como um

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escapismo, mais pela diversão, sem mui- todos os outros tipos de jogos.
to compromisso. E eu não vejo nenhum E aquele debate de que videoga-
problema nisso, eu gosto de fazer isso mes possam ser considerados O que mais lhe atrai nos vide-
também. Há espaço para todos os tipos. arte... ogames? Por que você joga e
Eu acredito que eles não devem ser desenvolve games?
Entre os desenvolvedores, quais considerados arte, pois devem se Eu acho que o que mais me atrai é a
tu admira e qual é a característica bastar como videogame. O que se tem estética, o visual dos videogames e isso
mais marcante deles para ti? que fazer é se trabalhar uma cultura do também é responsável por eu preferir
Para mim, a liberdade que os de- videogame para que, assim, ele seja os jogos mais antigos, que tem aquela
senvolvedores têm com o próprio trabalhado como uma expressão, como coisa mais marcada dos oito bits, dos
trabalho é importante. Os meus uma manifestação cultural. Ele não pre- sprites quadriculados e do 3D simplista.
xodós são a Anna Anthropy e o Loco cisa ser elevado ao status de arte para Outra coisa que me interessa muito é
malito da Espanha. Ele faz uns jogos ser respeitado, ele tem que ser respei- a narrativa dos jogos, que te dá outra
retrós, entre oito e dezesseis bits e tado pelo que ele é, e não por uma possibilidade. Ela é totalmente diferente
tem uma visão muito bacana sobre associação. Um caminho para isso é a do cinema, mas também é diferente de
videogames. Não é saudosismo, liberdade em desenvolver o jogo. Não uma narrativa de um jogo de tabuleiro,
mas sim de buscar alguma coisa querer fazer um jogo com o objetivo de do xadrez – embora no xadrez também
da tradição do videogame que já ser reconhecido como arte, acho que há uma narrativa. Um jogo que trabalha
não é corrente, e resgatar isso para isso também é importante. Pode-se fazer de um jeito muito bacana com narra-
transformar o videogame, como uma um jogo filosófico, ou um jogo poético, tiva que eu recomendo é o “Another
manifestação cultural. Ele fala do reflexivo, pode-se fazer jogos com sutile- World”, um jogo do Eric Chahi.
fliperama também, que ele deve ser zas, desde que ele seja produzido com
resgatado, e eu também acredito nis-
so. A gente não tem mais espaço de
essa intenção, e não com o intuito de
ser compreendido como arte. Porque,

conheca os blogs
do pEDRo paiva
convívio para jogadores, para quem quando se faz isso, quando se autointi-
gosta de videogame. Mesmo que tula um jogo de arte, se está diminuindo
• No “Esses Games Violentos” ele
o jogo seja de apenas um player,
escreve textos sobre videogames,
se tu estiveres com outra pessoa te
abordando-o como uma
acompanhando, o jogo se transforma
manifestação cultural.
em outra coisa. Esse lance do reveza-
• No Blog da Arcaica ele
mento, de assistir ao jogo também é
disponibiliza os seus jogos, além
uma participação. Então, essa coisa
de alguns textos também.
do fliperama, de tu jogar socialmente
tem que ser renovado.

Então, você enxerga os videoga-


mes dentro da cultura, correto?
Os videogames são culturais, a cultura é carrocracia
tudo aquilo que a sociedade produz.
odeio carros
Mas não acredita em arte?
Não.

15
Entrevista Espen Aarseth Foto: Daiana Vieira Lopes

Os estudiosos
de games
agradecem
Conversamos com pesquisador norue-
guês Espen Aarseth sobre o panorama
da sua atual pesquisa em jogos digitais

Por Guilherme Machado e campo da literatura eletrônica. rias, mas há vários modos. Por exemplo,
Rafael Gloria Como você avalia a evolução se você fizer um jogo de mundo linear
da narrativa nos jogos de atual- haverá uma certa possibilidade a explo-

E
m março, durante o V Game- mente, que apresentam histórias rar. Agora, se fizer um jogo de mundo
pad, seminário organizado extremamente elaboradas? aberto você tem que estar apto de
pela Universidade Feevale que Eu estudo Narratologia e sempre tra- usar outras técnicas para contar mais
tem como objetivo reunir acadêmicos, balhei em como você pode usá-la para de uma história. Acredito que o crucial
pesquisadores e desenvolvedores de estudar games. De como eles são dife- nisso também está em como se constrói
Games, conseguimos entrevistar um rentes de histórias. É uma questão muito e se desenvolve os personagens. Por
dos mais respeitados pesquisadores complexa. Eu tenho uma teoria, escrevi exemplo, se você observar o “Heavy
da área de jogos digitais, o norueguês um artigo que será publicado logo. A Rain”, pode-se dizer que não é bem
Espen Aarseth. Ele foi convidado para questão é: não há um modo de combi- um jogo, mas utiliza as tecnologias de
dar uma palestra intitulada “The Good, nar games e história. Há vários modos. um jogo para contar uma história. Quer
the bad and the Ludic”, pelo qual foi O que nós chamamos de games não dizer, eu não me sinto realmente jogan-
muito elogiado. Principal pesquisador são realmente games, são softawares do ou me “divertindo” em Heavy Rain.
do Centro de Pesquisa em Jogos de programados a partir de indicações Você controla o personagem pratica-
Computador do departamento de Tec- numéricas, mas que contém também mente por movimentos já premeditados,
nologia da Informação da Universidade histórias. Um game é um softaware que é preciso apertar o botão no momento
de Copenhagen, instituição de onde pode basicamente emular qualquer certo, semelhante a um “Guitar Hero”.
também é professor, Aarseth, em nosso mídia, mas não quer dizer que games Então você, na verdade, é jogado pelo
bate-papo, mostra que, além de ser um e histórias são uma mesma coisa – o jogo.
notável pesquisador, também é uma que acontece é que eles vem juntos.
pessoa muito bem-humorada. Então, eu acho que o problema é que Sobre sua atual pesquisa, você
Muita coisa mudou desde que a maioria das pessoas acha que só há poderia falar em que estágio ela
você começou seus estudos no um modo de combinar games e histó- está agora? E qual a importância

16
Eu tenho uma teoria,
para o campo criar uma ontolo- escrevi um artigo que Aqui no Brasil, videogames
gia para os games? será publicado logo. recentemente passaram a ser
Acho que nós precisamos chegar a A questão é: não há reconhecidos como uma forma
um acordo do que é os games. Se nós um modo de combinar de manifestação cultural pelo
não tivermos isso, se não tivermos a games e história. Há governo. Você acha que isso
noção de todas as coisas que os ga- vários modos. O que trará mudanças para o futuro
mes possam ser, não vamos chegar nós chamamos de ga- dos videogames?
a lugar algum. Desse modo, dá-se mes não são realmente Este é um processo lento, que começou
abertura para as pessoas compara- games, são softawares décadas atrás e continuará durante
rem duas coisas incomparáveis para programados a partir algum tempo. Eventualmente, não
provar que os games são violentos, de indicações numéri- será um problema ver jogos como um
por exemplo. Assim, uma ontologia de cas, mas que contém trabalho artístico, junto com filmes, lite-
jogos não pode começar com uma também histórias. Um ratura e pintura. Mas isso não é tudo
definição nítida e formal do que um game é um softaware que eles são, e, talvez, a maioria dos
jogo é, mas deve aceitar que significa que pode basicamente jogos não devem ser vistos como obras
coisas diferentes para pessoas dife- emular qualquer mídia, de arte, mas simplesmente como jogos.
rentes.Então, a ontologia dos games mas não quer dizer
é necessária para organizar todas que games e histórias O que você acha que faz os
as estruturas ligadas ao game, por são uma mesma coisa videogames diferente de outras
exemplo como os jogos desenvolvem – o que acontece é que mídias, como o cinema ou os
suas estruturas, seus subgêneros. eles vem juntos. quadrinhos?
Eu escrevi um livro inteiro sobre isso,
Há muitas definições para chamado Cibertexto (1997). Basica-
videogames, desde Huzinga a mente, a diferença é que o game te
vários autores contemporâne- força a tomar decisões a fim de experi-
os. Qual é a sua definição de mentar o trabalho, e livros e filmes não.
games? Se você não tem que tomar alguma
Em primeiro lugar, concordo com Witt- decisão, provavelmente não é um jogo.
genstein que escreveu que não é pos- Mas há, naturalmente, muitos outros
sível chegar a uma definição formal sistemas que também fazem isso, sem
de game que vai ser suficientemente ser um jogo.
ampla para todos os fenômenos que
chamamos de games. Entretanto, Para finalizar, o que você anda
eu tenho uma definição que é, jogando atualmente?
de propósito, muito ampla: "Os Estou tentando terminar Skyrim, que eu
games são facilitadores que comecei antes do Natal. Eu também
mexem estruturalmente com estava me divertindo com o jogo
o comportamento, princi- uruguaio "Kingdom Rush". Mas se
palmente para a diversão”. você quer ter tempo para jogos, não
Esta definição também inclui se torne um pesquisador de games!
atividades tais como a tocar
música, e por que não?

17
...continue

Espen
textuais convencionais, que exigiriam esforços “triviais” por parte
de seus leitores, enquanto os cibertextos demandariam este tipo
de esforços “não-triviais”.
Desde o começo dos anos 2000, já como líder do Centro

Aarseth: os de Pesquisas em Jogos Eletrônicos da IT University of Copenha-


gen [http:// http://game.itu.dk], Espen Aarseth voltou sua atenção
à ontologia dos games, o estudo das características e pecu-

games como
liaridades dos jogos eletrônicos, concentrando seus trabalhos
na constituição de uma área do saber específica para estes
produtos de entretenimento digital. Ao escrever um editorial do
primeiro número de Game Studies [http://www.gamestudies.org],

ciência revista científica pioneira dedicada aos games, Aarseth definiu


o ano de 2001 como o “marco zero” destes estudos, já que
esta revista, o primeiro congresso científico internacional da área
e as primeiras disciplinas sobre jogos eletrônicos em cursos de
Letícia Perani é mestre em comunicação pela Uerj, e pesquisado- graduação surgiram exatamente neste período. Para o pesqui-
ra associada ao Laboratório de Comunicação, Entretenimento e sador, os games merecem um campo próprio porque contêm
Cognição (CiberCog) da Uerj. estudos relacionados a diferentes áreas do saber, como Design,
Psicologia e Literatura, mas ao mesmo tempo, não podem ser

S
e hoje observamos o estabelecimento dos game studies reduzidos a apenas uma destas disciplinas.
como um campo do conhecimento, recebendo a aten- Dentre os trabalhos desta fase ontológica de Aarseth, o seu
ção de cientistas de todo o mundo, muito disso se deve artigo mais conhecido é Playing Research: Methodological ap-
ao trabalho de Espen Aarseth. O professor norueguês proaches to game analysis [http://www.spilforskning.dk/
é um dos pioneiros no estudo de jogos eletrônicos, e Com sua gameapproaches/GameApproaches2.pdf], de 2003,
ajudou a estabelecer várias das tendências atuais na simpatia e no qual o professor norueguês propõe que análises de
pesquisa e ensino sobre estes meios de comunicação. bom humor, jogos eletrônicos devem se concentrar em três áreas: o
Logo após terminar seu doutorado em literatura aliado a um gameplay (mecânica de jogo, as ações dos jogadores,
comparada na Universidade de Bergen, Aarseth lançou domínio teóri- suas estratégias e motivações), a estrutura dos jogos em
Cybertext: Perspectives on Ergodic Literature (1997), livro co impecável, si (suas regras gerais de funcionamento, tanto das ações
que cunhou o termo cibertexto (cybertext) para definir a Aarseth quanto do ambiente), e o “mundo” do game (seu conteú-
organização dos elementos textuais de uma atividade demonstra do ficcional, o design de suas fases). Criar metodologias
interativa (jogos, leitura na Internet ou outros tipos de que pesqui- de análise, como Aarseth sugere, não é importante só
narrativas computacionais) de forma a exigir a atenção sar jogos para a área acadêmica, mas também para as práticas
e exploração ativa por parte do jogador/leitor. Estas pode ser do mercado de entretenimento digital, que usam este
explorações em cibertextos podem ser realizadas a um assunto tipo de pesquisas para avaliar o engajamento e a frui-
partir do uso de dispositivos como mouses, touchpads muito sério, e ção de jogadores nas ações e narrativas apresentadas.
e joysticks para a navegação, mas também se referem prazeroso. A partir dos esforços de pesquisadores como Espen
aos esforços cognitivos que fazemos para compreender, Aarseth, os estudos sobre games vêm sendo reconhe-
efetuar conexões entre conteúdos e usufruir as lógicas apresenta- cidos como objetos de estudo em universidades e centros de
das nestes produtos. As obras literárias que surgiram a partir do pesquisa no Brasil e em muitos outros países das Américas, Euro-
uso dos meios digitais para sua produção e consumo ganharam pa e Ásia. Com sua simpatia e bom humor, aliado a um domínio
do pesquisador norueguês o nome de literatura ergódica teórico impecável, Aarseth demonstra que pesquisar jogos pode
(ergodic literature) para defini-las e diferenciá-las das formas ser um assunto muito sério, e prazeroso.

18
reportagem MULHERES E OS GAMES

Elas querem
mais espaço
19
Um caso bas-
tante conhecido
de ativismo
feminino digital é
da canadense,
Anita Sarkee-
sian, que criou
uma websérie
chamada Tropes
VS Women, onde
discute essas
representações
femininas não só
nos videogames,
mas na cultura
pop de um modo
geral.

Por Rafael Gloria, com colaboração de acabam sendo retratados também nos faz uma compilação de alguns desses
Guilherme Machado games, muitas vezes sem percebermos. comentários, no mínimo, vergonhosos.
Um exemplo comum é o da carac- Um caso bastante conhecido de ati-

O
Decreto nº21.076, de 1932, terização das personagens femininas, vismo feminino digital é da canadense,
que permitiu a possibilidade de frequentemente dotadas de alto pa- Anita Sarkeesian, que criou uma web-
voto para a parcela feminina drão estético de beleza e, muitas vezes, série chamada Tropes VS Women, onde
da população, assinado pelo presidente com avantajados e irreais traços físicos. discute essas representações femininas
Getúlio Vargas, foi um marco, apesar A própria mídia também fortalece não só nos videogames, mas na cultura
de ser basicamente o começo, de estereótipos, quando se refere às mu- pop de um modo geral. Freqüentemen-
uma história de revoluções e lutas das lheres que jogam ou participam desse te atacada por usuários nos comentá-
mulheres por mais igualdade. Oitenta universo como novidade, ou raridade. rios dos seus vídeos, Anita já chegou a
anos depois a causa feminista está se Julgamentos como esses servem apenas sofrer uma série de ameaças pelo meio
mostrando mais forte do que nunca. E para fortalecer o estigma de que isso é virtual. Essa reportagem tentou entrarem
um dos grandes motivos para isso é a supostamente estranho, quando dados contato com a autora, mas infelizmente
polêmica Marcha das Vadias, manifes- relevantes, como os que são apontados não obteve respostas até o fechamento
tação que visa protestar pelo fim da pela 1º Pesquisa Games Pop, mostram dessa edição.
culpabilização das vítimas de violência que boa parte do público que joga (e É uma realidade que as mulheres
sexual, de gênero e outras formas de aqui insere-se todo tipo de jogo, não só jogam (ainda bem), participam do de-
machismo que aconteceu em várias o de console) é composto por mulheres. senvolvimento dos games, enfim, vivem
cidades do País ao longo do ano. Já o preconceito, entretanto, parece esse universo. Como fica comprovado
“Tá, e o que isso tem a ver com mais forte em partidas online - onde na página seguinte, em que conversa-
videogames?”, você deve estar se predomina o anonimato - , principal- mos com três mulheres sobre o envolvi-
perguntando agora. Tudo. Uma vez que mente com as jogadores que costumam mento com videogames, seja pesquisan-
os videogames são parte da cultura participar de games de tiro em primeira do, desenvolvendo ou tocando músicas
e, desse modo, parte indelével da pessoa, na qual há a opção de diálogo de games.
vida cotidiana, há várias assimilações tanto por voz, como por mensagens
e traços machistas da sociedade que de texto. O site gringo Fatuglyorslutty

20
Queremos saber a sua
opinião sobre games e
mulheres, entre em contato
pelas nossas redes sociais
ou mandando um email para o
contato@segundocontrole.
com.br

Thais Weiller, 24 anos, São Pau- Alissa Machado, 28 anos, Rio


lo – Game Designer na empresa Grande do Sul – Publicitária e
Joy Masher viciada em games

Thais se formou na faculdade de A publicitária Alissa Machado


jornalismo antes de começar a mexer começou a jogar desde criancinha,
com jogos. Aliás, até então ela sempre quando a sua principal companheira
havia gostado de jogar, mas achava nas aventuras virtuais era a sua mãe.
impossível ser capaz de viver desse Com uma incentivadora dessas, não
mercado no Brasil. “Quando percebi demorou a que ela se tornasse uma
que não queria trabalhar em nenhu- verdadeira gamer. Atualmente ela
ma das áreas que tinha me formado, Laura Intravia, 25 anos, Nova curte jogar Skyrim no computador com
pensei ‘dane-se’ vou tentar os jogos’”. York - Flautista e cantora na afinco e explorar nesse universo, inclu-
E então ela propôs um projeto de Video Games Live sive criando fanfics para continuar a
pesquisa na área e passou no mes- história, mas prefere mesmo os consoles
trado da Universidade de São Paulo Se você já foi a alguma apresen- antigos, como os saudosos Odyssey e o
(USP), que concluiu em setembro de tação da Video Games Live (VGL) com Mega Drive. Alissa participa de um site
2012. Atualmente trabalha lecionando certeza deve se lembrar da Laura destinado à comunidade Mega Drive
na empresa de Computação Gráfica Intravia, que ficou famosa na internet brasileira, que reúne inúmeros fãs do
Alpha Channel e na JoyMasher, produ- por interpretar o personagem Flute Link mais famoso console da Sega. Lá, ela
tora independente, que recentemente lá em 2008. Não é à toa que ela afir- mantém uma coluna intitulada “É culpa
aprontou o prestigiado jogo Oniken. ma que o jogo Zelda Ocarina of Time do boneco”, onde escreve sobre jogos
Thais afirma que nunca sentiu muito foi um divisor de águas na sua vida. e personagens que a marcaram a sua
preconceito como desenvolvedora. “A “Eu me espantei especialmente pela vida no Mega Drive. Alissa diz que o
maioria é bem receptivo e nos trata de música. A trilha sonora é fantástica e me relacionamento com os outros gamers,
igual para igual, como deve ser. Há, fez imergir em um jogo pela primeira principalmente os da comunidade, é óti-
talvez, algum preconceito por parte de vez. Foi mágico”, revela a cantora. Em mo. “Tem essa coisa de sermos poucas
algumas mulheres em relação a jogos, 2009, Tommy Tallarico, criador do VGL, mulheres lá, mas nunca houve nenhuma
mas isto também está acabando, em assistiu ao vídeo do Flute Link e resolveu falta respeito conosco”, diz.
parte também devido aos mal afama- convidá-la para se juntar à orquestra.
dos jogos casuais e sociais”, diz. Laura revela que nunca foi vítima de
preconceito, ao contrário, todos da
indústria sempre a trataram bem. “Você
ficaria surpreso com o número de
mulheres que fazem parte desse meio
e estão com uma ótima carreira! Além
disso, em nossos shows costumo ver
muitas mulheres na plateia, não acho
que exista mais alguma segregação”,
completa.

21
REPORTAGEM PRINCIPAL

DO TORRENT AO MORRO

A pirataria e a liberdade de compartilhamento na internet tornam-se elemen-


tos fundamentais quando se pensa no circuito comercial de games hoje em
dia. Mas que fatores estão envolvidos nessa relação? A Segundo Controle
foi atrás e investigou as controvérsias do assunto.
Por Rafael Gloria com colaboração
de Guilherme Machado

22
N
o Morro da Cruz, em de Porto Revista Segundo Controle acredita que Dona Maria, uma das mais antigas, e
Alegre (RS), há DJs que não para entender essa história também é ela quase faliu quando se mudou para
distribui CDs do artista que importante compreender a figura do lá. Os bancos entraram na jogada,
produz, porque vai desvalorizar o seu camelô que, por anos, foi sinônimo de porque agora eles têm endereço físico
trabalho. Quem conta é a antropóloga games mais baratos (no nosso caso), de cobrança, e endividaram todos”,
Lucia Scalco do Instituto da UFRGS, que mas também de produtos falsificados revela a pesquisadora. Mudou também
pesquisou por um tempo a relação do e de baixa qualidade. Há personagem a compra, antes se comprava mais por
consumo e da pirataria. “Esse DJ, ele mais ambígua? impulso, os gritos valiam mais. Agora, o
tem um pequeno estúdio, internet e Por muito tempo os famosos camelôs cliente vai direto ao local, já sabendo o
tudo mais. É engraçado porque dentro ocuparam as ruas de Porto Alegre que quer. A regra mais importante de
do sistema ele é considerado um e de tantas outras cidades do Brasil. se fixar como um estabelecimento é a
excluído, mas está totalmente incluindo Nos últimos anos, uma acomodação e proibição da venda de produtos ilegais,
digitalmente”, explica. As músicas que formalização do trabalho fez com que principalmente os digitais. A pena pode
Lucia queria que ele gravasse eram se agrupassem nos chamados Came- variar de pagamento de taxas até
do grupo local chamado Os Proletá- lódromos. Antigamente, muitas das suas expulsões.
rios, formado por algumas pessoas mercadorias vinham do Paraguai, mas Isso porque a pirataria digital tem toda
que trabalham no Camelódromo de agora parece que a rota mudou. “Há uma legislação. “Se a pessoa fizer uma
Porto Alegre, ou nos arredores. Elas se muitos que vão até São Paulo, em ôni- pirataria/ cópia digital qualquer um
reuniram e gravaram faixas sobre a bus bate e volta para comprarem mer- de nós pode denunciar. Agora se eu
sua rotina. “O pessoal do grupo mais cadorias mais baratas e revenderem”, fizer de uma marca, de alguma roupa
tarde me deu uma cópia. Para eles diz Lucia. Durante sua pesquisa, ela eu preciso de um mandado judicial da
não tinha problema. Ter o Windows e acompanhou o processo de transição empresa que se sentiu prejudicada, fica
o computador dava uma noção de para o Camelódro (também chamado mais difícil assim”, diz Lucia. Visitamos o
propriedade. Como já tinham pagado de PopCenter). O que mudou principal- Camelódromo mais de uma vez e des-
por isso, copiar não ganhava o sentido mente foi a condição financeira: agora cobrimos que a maiorias dos lojistas de
de fazer algo ilegal”, diz. A questão deve se pagar aluguel, condomínio. A games lá trabalha somente com jogos
da pirataria, apesar de vastos esforços ideia da prefeitura é profissionalizar originais. Visitamos as lojas Easy Ga-
do governo para combatê-la parece o informal, tratar como uma pequena mes, na qual a proprietária Míria Dinei
estar longe de ser compreendida. A empresa. “Eu acompanho bastante a diz que só trabalha com originais e que

Entrada do PopCenter, no centro de Porto Alegre

23
ela faz desse modo desde a época em
que vendia nas calçadas “Tô vendendo
Camelôs brasileiros de jogos digitais. “Não é
de se espantar, então, o seu sucesso.
mais jogo agora, que tenho uma banca somos todos nós Felizmente, no entanto, parece que o
bonita aqui, pessoal vem mais confian- Feche a revista quem nunca baixou um mercado está buscando alternativas de
te”, diz. Outro vendedor, mais assusta- arquivo na internet. Pois é, a verdade é garantir suas vendas sem desfavorecer
do, preferiu não se identificar, mas com que você nem precisa mais comprar um o cliente”, concluir Arhur.
receio de ser pego abdicou do risco de produto físico pirateado. Você mesmo
vender jogos piratas. “Se me pegarem pode baixar aquele jogo, instalar,
no ato, me colocam para fora. É um crackear e começar a se divertir. E se Torrent nosso de
risco que não dá para correr”, admitiu.
Mas isso não quer dizer que não se
não sabe como, qualquer procura do
Google vai te indicar os caminhos. A
cada dia
venda produtos falsificados. No fim, É fato de que a liberdade na internet
partir disso, o que te impede de gravar
sempre acaba se dando um jeito, po- favorece o livre compartilhamento de
os arquivos em um CD e distribuir/
rém com muita cautela. “Lá eles têm mil mídia digital, muitas vezes sem remu-
vender por aí? Para Arthur Protasio,
estratégias para vender por fora. Há nerar a empresa ou o artista criador
coordenador do CTS Game Studies e
pessoas que te acompanham até outro da obra. No início do ano, sites como
presidente da Associação Internacional
lugar, fora do Camelódromo, ou te o Megaupload foram fechados e a lei
de Desenvolvedores de Jogos no Rio
vendem um “cd virgem” que tem filmes, SOPA nos Estados Unidos quase entrou
de Janeiro (IGDA RIO) a pirataria é
que tem jogos, enfim. O que acontece é processo de votação no congresso
um elemento histórico que acompanha
que as empresas de games estão mais norte-americano. Pela lei, qualquer
a sociedade há inúmeros anos e o
espertas agora, fazem muitas atualiza- site poderia ser finalizado apenas por
mercado sempre achou uma nova
ções, ou tu tens que jogar online, salvar ter conexão com outro site suspeito de
forma de tratá-la. “Mais importante do
a progressão de jogo online. Aí começa pirataria a pedido do governo dos EUA
que jogar a culpa e a responsabilidade
as dificuldades, o próprio Playstation 3 ou dos geradores de conteúdo. Depois
na pirataria é entender as suas causas
demorou muito tempo para conseguir de uma temida reação por boa parte
e avaliar meticulosamente as possíveis
fazer rodar jogos piratas”, explica a do público e do grupo Anonymous, que
formas de combatê-la sem prejudicar o
pesquisadora. invadiram sites como o do FBI, a vota-
consumidor”, defende.
ção foi adiada sem data para voltar. O
Dar mais vantagens para o consumi-
No dia nove de outubro uma fantasma de uma regulamentação ou
dor que compra o produto original,
de impor limites, entretanto, ainda paira.
grande operação dos Agentes ao invés de combater diretamente o
Os torrents, que permitem compartilhar
federais, com apoio da polícia aquele que vende/baixa parece um
arquivos maximizando o desempenho,
militar de Porto Alegre, fechou dos melhores caminhos a se seguir pelas
são os grandes responsáveis por boa
o Camelódromo para vistoria, empresas. Arthur acredita que a forma
parte dos conteúdos baixados da
alegando a retirada de circula- mais eficaz de combater a pirataria
internet. A história do Mininova, um dos
ção de brinquedos que podem é entender que há diversas questões
maiores sites de torrents, é interessante
envolvidas (como os tributos excessivos
causar danos à saúde da porque o site conseguiu se reinventar
cobrados pelo governo), mas para ele
população, especialmente na mesmo sofrendo um processo em 2009
é, sobretudo, uma questão de transpa-
semana em que se comemora por direitos autorais. Com base na
rência perante o consumidor. “Torna-se
o dia da criança. Outro objetivo Holanda, o Mininova nos seus tempos
necessário oferecer mais vantagens
era a conscientização da po- áureos chegou a ter cerca de um mi-
que a oferta ilegal e, nesse sentido, fica
lhão de downloads por dia. Quem nos
pulação para a importância de evidente que diversos serviços têm tido
conta é Erik, um dos fundadores, por e-
se adquirir produtos que sejam êxito com o consumidor porque enxer-
-mail. São cinco os fundadores do site e
importados regularmente e que garam a pirataria como um competidor
todos eles são estudantes de Ciências
atendam às normas técnicas. de mercado”, diz. Assim faz sentido
da Computação ou estão fazendo pós-
A operação causou revolta em também pensar que durante muito
-graduação na área. “Nós começamos
alguns comerciantes que recla- tempo o camelô foi um dos serviços a
o Mininova no final do nosso primeiro
oferecer preços e acesso compatíveis
ma dos altos impostos cobrados ano na Faculdade principalmente por
para boa parte dos consumidores
para atuarem no Camelódromo. causa do nosso interesse em tecnolo-

24
gia”, explica. Segundo ele, o objetivo atual do site é fornecer
para artistas e desenvolvedores independentes uma plataforma
de distribuição dos seus conteúdos. “O que mudou desde o início
do site é que agora somente aqueles ‘uploaders’ que foram
pré-aprovados são permitidos para baixar os torrents”, diz. Sobre
Confira a
as leis de proteção à internet, Erik acredita que o compartilha-
mento de conteúdo não pode ser controlado. “Toda vez que um
opinião de dois
grande site é fechado, as pessoas simplesmente vão para outro
site. E sempre há novos todos os dias. Mesmo que essas leis um profissionais
dia bloqueiem o tráfico de torrents, as pessoas vão encontrar
outros jeitos”, diz. da área:

Christopher Kastensmidt Marsal Alves Branco


professor do curso de jogos digitais da UniRitter e escritor professor do curso de jogos digitais da Feevale e sócio-diretor
na empresa Ilinx Entretenimento
“Não temos que nos preocupar com a pirataria, temos é que
oferecer um produto bom que o pessoal vai querer comprar. “Depois de anos trabalhando na área e na indústria me
Por exemplo, muitas pessoas ficam baixando filmes, mas eu tornei mais radical sobre essa questão, vejo como um crime
tenho uma assinatura do Netflix que é apenas quinze reais mesmo. Ah, o jogo é muito caro. É, eu sei, mas se tu não
por mês e tem milhares de coisas para assistir. Então eu vou tens dinheiro para comprar não é um jogo para ti. Não me
ficar no meu PC procurando Torrents? Para mim é necessário entenda errado. Eu quero que o jogo fique mais barato,
pensar dessa forma. Agora o conteúdo é digital, não tem eu não quero pagar 112% de imposto, isso tá errado, mas,
mais volta e quando o conteúdo é digital pode-se copiar por enquanto, esse é o preço. Até mudar vai ter que jogar
mais facilmente e alguém vai encontrar um modo de fazer outro jogo. Se tal jogo é tão caro porque por que não se
isso e distribuir. Então, lutar contra pirataria e até educar o juntar com mais caras e comprar? Depois que ele jogar, o
público acaba sendo inútil. É preciso oferecer um produto le- game dele vai ficar parado na prateleira e não vai sequer
gal com um preço acessível. Penso que a indústria da música emprestar para um amigo. Daí eu te digo que a culpa não é
levou isso maneira errada. Ao invés de oferecer um produto só devido ao imposto alto, é também uma questão de menta-
digital na internet, eles ficaram muito tempo nessa de “tu lidade. “
tem que comprar em CD, porque eu estou mandando”, ou
ameaçando processar as pessoas. Tu vai processar os teus
clientes? É bobagem, não pode. A indústria de cinema e de
games estão se adaptando melhor. “

25
desenvolvedores Swordtales

Uma posição autoral


O estúdio Swordtales decidiu seguir o caminho dos jogos independentes e o
aguardado game Toren é a prova de que essa foi uma boa escolha.

Por Rafael Gloria, com colaboração de conversa informal, para quebrar o gelo. O que só ajudou na
Guilherme Machado entrevista mais, digamos, formal que tivemos logo em seguida
em uma sala do coworking. Mas como esse trio se conheceu?

Q
uem diria que na rua das Andradas, perto da Os três são da primeira turma de formandos do curso de
Casa de Cultura Mario Quintana, um dos espaços pós-graduação em jogos digitais da PUCRS. Alessandro é
culturais expoentes de Porto Alegre, haveria um formado em Design, Luiz em Ciências da Computação, já
pequeno, mas muito inspirado estúdio de games? E mais: que Conrado destoa dos colegas, pois é graduado no campo
lá estaria em desenvolvimento o esperado jogo independen- da Geografia. Ele explica: “Essa pós tem um certo critério de
te Toren? Trabalhando em um espaço de coworking, Ales- avaliação que a torna mais abrangente. Não era só análise
sandro Martinello, Conrado Testa e Luiz Alvarez formam e curricular - se fosse, eu não teria entrado - tinha que mandar
comandam o estúdio Swordtales. Logo que chegamos para a portfólio, entrevistas”. Talvez essa diferença de formações dos
entrevista, fomos surpreendidos pelo carisma e pela simplici- integrantes da Swordtales ajude no desenvolvimento e na
dade do pessoal, que tomava refrigerante em um bar, perto criação de Toren. No curso, havia duas linhas a seguir: progra-
do prédio. Convidados, sentamos e tivemos uma primeira mação e arte. Para se fazer o trabalho final, junta-se alunos

26
das duas áreas para interagir e criar em conjunto, e assim os
três se ajeitaram. “A gente foi se conhecendo ali. Antes, eu
nunca havia trabalhado com os dois, mas fomos nos juntando
por afinidade e, principalmente, porque queríamos realizar
um negócio independente”, diz Alessandro. Eles não queriam
apenas concluir o curso, fazer um jogo e abandonar a ideia.
Queriam continuidade.
Então, trabalharam no projeto Toren, no qual têm uma total
liberdade. E isso já faz quase um ano e meio. Nesse meio
tempo, concorreram no Brasil Game Show de 2011 como
finalista na categoria Arte e Design. “O nosso primeiro prazo
foi o projeto final de conclusão da pós, depois foi a Brasil
Game Show. Ficamos felizes que no dia que a gente saiu
como finalista no BGS, o Toren apareceu no indiegames.
com, acho que foi o primeiro jogo brasileiro a conseguir isso”,
fala Alessandro. Depois, o próximo prazo foi o Independent
Games Festival (IGF) de 2011, o maior festival do mundo
para jogos independentes. “Ganhamos menção honrosa em
arte e por causa disso fomos convidados a participar do Indie
Found”, diz Alessandro. Eles conversaram diretamente com eles querem, o Indie Found ajudará a Swordtales com um em-
Kellee Santiago, criadora de Journey e o Jonathan Blow, préstimo financeiro. “Daí tu tem que pagar de volta o dobro
realizador do cult Braid, integrantes e fundadores do Indie do que eles investem, e se não pagar depois de dois anos,
Found. “Enviamos uma demo para eles, daí baseado no feed- eles perdoam a dívida, é bem amigável”, fala Alessandro.
back mais recente a gente está redimensionando o projeto Um time de três desenvolvedores que desejam realizar um
para algo menor, mas melhor em tudo.”, fala Luiz. Se eles jogo de forma autoral e independente, trabalhando quase
julgarem que o jogo chegou no patamar de qualidade que que exclusivamente para isso, é algo de se admirar.

27
Pequenas descobertas
Quais são as influências no jogo Toren? Quanto a questão da jogabilidade, o que podemos
Conrado Testa: Quando começamos as influências maiores esperar de Toren?
eram o ICO, Shadow of Colossus e a série Zelda. Atualmente Alessandro Martinello: É como se fosse um Point and
também é, mas o jogo ganhou características próprias. Tem Click Adventure, onde o jogador está solto em um um cenário
algo do Heavy Rain na mecânica. e tem que descobrir como vai fugir da torre. Uma série de
ações vão acontecendo. No começo, é muito baseado em
Poderia contar um pouco o enredo do jogo? descobertas. Queremos que, cada vez que haja uma intera-
Alessandro Martinello - Toren é basicamente um conto ção com algum objeto, o jogador sinta que está fazendo algo.
de fadas em que o jogador estás na pele da princesa e não Se a personagem vai fazer força, você tem que pressionar o
do príncipe. E tem que lutar porque se tem apenas um dia de botão, por exemplo. E, depois de um tempo pressionando o
vida naquela torre. Daí a gente vai revelando aos poucos o botão, você puxa para trás alguma coisa e ela cai, e quando
roteiro verdadeiro do jogo, que não é bem assim: as coisas ela cai, já acontece outra coisa que muda o roteiro. É tudo
vão acontecendo e o cenário vai se modificando. Trata-se de baseado nesses pequenos acontecimentos, nessas pequenas
um jogo que tem um quê de adventure antigo da década descobertas, principalmente no início.
de noventa. Mas a gente está tentando deixar ele o mais Conrado Testa: E são coisas bem humanas na verdade,
agradável possível para os padrões atuais. Entretanto não ela não tem super poderes, ou é muito forte. Nem corre super
queremos que o nível de dificuldade seja muito fácil,, nem veloz, ela é mais sofrível, a proposta do jogo é bem elevada
muito difícil. Estamos tentando deixar cada pedacinho dele o nesse sentido. O que ela faz, de fato, é muito mundano, muito
mais interessante possível. da condição humana, não tem nada especial.

Houve alterações no roteiro durante o processo? Qual será a plataforma que o jogo rodará e em que
Luiz Alvarez: Na verdade, agora a ideia é bem mais fase de desenvolvimento ele se encontra?
simples da que nós tínhamos anteriormente, e já é difícil de Alessandro Martinello - O jogo rodará no Pc e Mac. Se
se realizar.. fosse para console, teríamos que comprar um kit de desen-
Alessandro Martinello: No começo, íamos nos centrar a volvimento, gastar um bom dinheiro. O jogo está com mais da
relação da princesa com a árvore, mas descobrimos que uma metade produzido e recentemente fechamos um contrato com
árvore não é lá muito simpática (risos). Atualmente, estamos um profissional da Microsoft para nos ajudar na modelagem,
bem tranquilo com o que funciona e o que não funciona no e com um cara que trabalhou no game Deus Ex Machine,
jogo. Estamos trabalhando para chegar ao nível que nos que vai ajudar a melhorar a animação do jogo. Acreditamos
exigimos e que o mercado atual exige. Para um jogo indie se que isso vai acelerar o desenvolvimento da segunda metade
destacar hoje ele tem que estar muito refinado em tudo. do Toren.

28
crítica como fazer?

Arriscar
para ir
além
C
omo escrever uma boa crítica? na totalidade, e não em partes especí-
Quais são os ingredientes? E ficas de uma obra. Reside também em
como fazer uma crítica de um traçar paralelo com outras áreas do
jogo de videogame? O que se precisa conhecimento e tentar criar um pensa-
estudar para conseguir tal façanha? mento, uma reflexão sobre determinado
Se dependesse só do conhecimento apontamento.
adquirido pela leitura de publicações Nossa ideia é que tenhamos
especializadas e de horas de jogatina sempre, no mínimo, a crítica de um jogo
estaria a pessoa apta a escrever uma antigo e de um jogo atual. O antigo,
boa crítica de um game? para valorizarmos a importância
Para quem não sabe a maioria do passado no games, assim como
das revistas especializadas em jogos produzir um registro histórico crítico. O
dividem a sua avaliação por quesitos, atual, para mantermos os olhos nas
normalmente são eles Gráficos/Diver- produções que mais estão dialogan-
são/Som/Replay, etc, o que, no final, do com os problemas e as questões
acaba formando a nota geral do jogo. contemporâneas da área - deixando
Agora, fica a dúvida: é possível mensu- claro que atual não significa necessaria-
rar em um número numa escala de 1 mente um lançamento, e sim que feche
a 10 digamos o valor de um produto com o nosso conceito. Para abrir bem
cultural? os nossos trabalhos, escolhemos dois
Dar nota para uma obra, dividir games que, com certeza, deixaram algo
por etapas, talvez não seja a melhor nos jogadores que o experimentaram. É
escolha se você quiser ir além. Isto é, só virar a página para descobrir..
com certeza fica muito mais fácil para o
leitor uma vez que a nota definiria toda
questão e talvez ele nem precisasse ler
o texto. Mas não estamos acostuman-
do mal o cidadão? Não estamos nos
acostumando mal? Aqui no Segundo
Controle, acreditamos que sim, pois
uma boa crítica reside no argumento,

29
CRÍTICA metal gear

C4
na quarta
parede
Por Gregory Gaboardi

M
etal Gear é uma série de
jogos (que conta com os títulos
“Metal Gear”, “Metal Gear Plataforma: PS1/PC
Solid” e “Metal Gear Acid”, entre outros) Produção: Konami
criada por Hideo Kojima e produzida
pela Konami (que também a distribuiu Desenvolvimento: Thatgamecompany
para diferentes plataformas ao longo Desenvolvimento: KCE
dos anos), o primeiro jogo da série foi
feito em 1987. Talvez esta introdução Lançamento: Setembro 1998 - Japão
seja desnecessária, pois a série já é
renomada e não me ocuparei de falar
de sua história ou de como ela é vista jogabilidade. Porém, tampouco tratarei ocorrência desta grande ideia é bem
pelo público. Nesta breve introdução destes assuntos. Restaria falar do enredo concreto e familiar para quem jogou
também caberia incluir que a série é e das tramas que caracterizam a série, Metal Gear Solid (de 1998): a batalha
colocada no gênero de ação/espiona- mas também não falarei delas, mas sim contra Psycho Mantis.
gem e que diversas vezes foi aclamada do seguinte: a grande ideia que a série Psycho Mantis é um dos chefes do
por suas qualidades técnicas (gráficas e apresenta para as narrativas de jogos jogo e é um oponente que tem poderes
sonoras, por exemplo) e inovações de eletrônicos. O exemplo que darei da telepáticos e é capaz de ler mentes

30
e de mover objetos com a mesma. Sua estória é Solid para falar da noção de “quarta parede”. É
interessante, mas o que importa aqui é que quando uma noção bem simples e oriunda do teatro (que
vamos confrontá-lo coisas estranhas acontecem: o se tornou aplicável às obras de outras formas de Manti estava
próprio Mantis fica fazendo comentários sobre os arte, como o cinema), consiste no seguinte: normal- lendo a mente de
outros jogos que estão salvos no seu memory card, mente quando assistimos uma peça de teatro, por Snake ou a nossa?
ele pede para que o jogador coloque o controle exemplo, nós somos ignorados como espectado- O que separa nossa
sobre algum lugar e depois faz o controle vibrar res, é como se toda a ação se desenrolasse entre mente da mente
(afirmando que faz isto através de seus poderes quatro paredes, sem que estivéssemos ali assistin- de Snake? Enfim, o
telepáticos) e, na hora de combatê-lo, somos do. Contudo, se diz de alguns trabalhos que eles que separa mentes
informados que é preciso trocar o slot do controle quebram ou derrubam a quarta parede, e eles o e faz o indivíduo ter
do console para que Mantis não leia nossa mente, fazem ao se dirigir (pela fala de algum persona- a identidade que
caso isto não seja feito todos os nossos golpes gem, por exemplo) diretamente ao espectador, ao pensar ter?
contra ele são evitados. Enfim, toda a sequência público. O recurso de quebrar a quarta parede já
exige uma interação física do jogador com o jogo não é mais novidade, entretanto, no caso de Metal
que é contextualizada dentro da trama em que o Gear (não só o Solid) ele ganha uma característica
jogador é visto como jogador. Há outros episódios peculiar (talvez não seja tão peculiar assim, mas
nos demais jogos da série em que ocorre a ideia não lembro de tê-la visto em outros casos), notável
que discutirei, mas a batalha contra Mantis é em- na batalha contra Mantis (e em outros episódios
blemática, é representativa dos outros episódios. dos jogos da série, sobretudo as sequências finais
Pararei um pouco de falar de Metal Gear de Metal Gear Solid 2).

31
A peculiaridade é a seguinte: em mente de Snake? Enfim, o que separa levantadas, a referência ao jogador nun-
geral, nos jogos nós só somos tratados mentes e faz o indivíduo ter a identi- ca é arbitrária ou descontextualizada,
como jogadores em certas partes que dade que pensa ter? É uma questão pelo contrário, considerar seriamente
ficam separadas do desenvolvimento da filosófica, mas é também uma questão a existência de jogadores (e tudo que
trama (em telas de menus, por exemplo), levantada pela trama de Metal Gear isto envolve, como a ideia de autonomia
durante o desenvolvimento da trama Solid (que discute a relação entre identi- e de controle de informações) é parte
somos tratados como se fôssemos o(s) dade pessoal e clonagem, entre outras integral das questões propostas pela
personagem(ns) que controlamos. Alguns coisas), e não é uma questão levantada trama (emprego “trama” em vez de
jogos quebram a quarta parede e, só para os personagens, é uma questão “tramas” porque podemos pensar que
eventualmente, nos tratam como joga- levantada para os jogadores e em as diferentes tramas que compõem os
dores (até como um recurso humorístico). que se espera que eles percebam que títulos da série se ligam em uma trama
Metal Gear vai além e explode a são ativos, que não devem meramente maior, um universo). No entanto, não há
quarta parede: não somos vistos apenas assistir como os personagens lidarão explicação que possa ser tão significativa
como jogadores, mas como jogadores com ela. Nada mais físico do que ter quanto a experiência de jogar Metal
que estão de certa forma dentro da que mudar o slot do controle tornaria Gear: é necessário passar atentamente,
trama mesmo sendo jogadores. Uma tão evidente que não estamos sendo rastejando se for preciso, pela brecha
analogia pode esclarecer: jogos em que encarados como se fôssemos observa- que o jogo abre na quarta parede.
a quarta parede fica intacta são como dores passivos.
conversas que ouvimos sem participar e Normalmente os jogos nos fazem *Gregory Gaboardi é publicitário e
que são sobre outras pessoas, não nós; pensar que os problemas dos persona- um grande fã da saga Metal Gear.
jogos que quebram a quarta parede gens são muito diferentes dos problemas
são como conversas em que podemos dos jogadores: o problema do persona-
participar, mas mudando um pouco gem é encontrar uma espada ou salvar
o assunto ou só para fazer um breve uma princesa, o problema do jogador Metal Gear vai virar filme
comentário; já Metal Gear é como uma é fazer as contas dos itens que rende-
conversa que vamos ouvindo e que, rão a combinação mais eficiente em Durante evento comemorativo de
quando somos convidados a participar, combate. Pode acontecer do problema 25 anos da franquia, foi revelado
descobrimos que a conversa era sobre do personagem ser um problema que que a Columbia Pictures e a Kojima
nós o tempo todo. Nem sempre o tempo poderia ocorrer para o jogador, como Productions vão transformar o
todo, mas em partes importantes dele, quando o problema do personagem é game em filme. O anúncio foi feito
sim. alguma questão existencial ou ética. No pelo produtor Avi Arad, o mesmo
Através disto Metal Gear pode entanto, em Metal Gear o problema do de O Espetacular Homem-Aranha.
nos fazer pensar a nossa relação, como personagem muitas vezes é o problema Segundo Arad, os videogames são
pessoas ou jogadores, com as questões do jogador. Metal Gear consegue ser os quadrinhos de hoje em termos
que a trama levanta: não interessa o que direto de uma maneira que, no meu de adaptação. Sabe-se que Kojima
Snake (o protagonista) pensa sobre a entender, não tem precedentes, porque é um grande fã de cinema e
mudança de slot dos controles, interessa consegue ser direto sem se sacrificar almejava ser cineasta, vamos torcer
o que nós pensamos sobre a analogia enquanto ficção, enquanto jogo, sem a para que o filme faça jus ao jogo.
entre mudar o slot do controle e tornar pretensão de ser algo além do que é. Ainda não foram reveladas mais
a própria mente “ilegível”: afinal, Mantis Esta peculiaridade toda pode ser informações sobre elenco, ou datas
estava lendo a mente do Snake ou a explicada assim: há uma conexão íntima para o começo da filmagem.
nossa? O que separa nossa mente da entre a trama e as questões que são

32
Ilustração: Ashley Wood

33
CRÍTICA JOURNEY

Nós
precisamos
umoutro
do
Plataforma: PS3
Produção: Sony
Desenvolvimento: Thatgamecompany
Lançamento: Março de 2012 (PS3, EUA)
Por Rafael Gloria

T
udo em Journey, apesar de controle do personagem, uma espécie como proceder, sabemos que o nosso
vasto, é limitado. Os cenários de entidade não identificável, perce- objetivo,a priori, é simplesmente che-
belos e imensos envolvem o bemos que há uma luz forte no pico gar lá. E tudo em Journey, justamente
jogador suscitando sensação de que da mais alta montanha do horizonte. por limitar as opções do jogador, é
estão complementando algo. Então, sem nenhum aviso, sem muito vasto, pois tem a coragem de
Mas o que eles complementam? indicação de tela de menu para nos apostar no que não é explícito para
Talvez a pergunta certa seja não o direcionar, ou ajuda de qualquer constituir sua história - ou seriam
que, e sim quem. Assim que tomamos outro personagem para nos explicar histórias?

34
35
S
im, há história (s) em Journey. A narrativa fragmentada navegar e a jogar online, tendo contato, muitas vezes, com
do jogo esconde, ou melhor, sugere um enredo pró- pessoas e jogadores que não conhecemos pessoalmente e,
prio, mas o objetivo principal aqui não é entendê-lo, provavelmente, nunca conheceremos. A produtora Thatgame-
é descobrir seu papel durante essa pequena, porém intensa, company entende essa questão de um modo mais, digamos,
travessia que não é só nossa. E é exatamente o fator do outro sensível e produz uma travessia marcante para quem joga,
o mais interessante no jogo da produtora estadunidense indie originando assim uma espécie de laço afetivo, por que não,
ThatGameCompany, responsável por dois games preceden- entre os dois desconhecidos. Que, então, juntos tem uma nova
tes à Journey e que já nasceram cult: flOw e Flower, ambos história para compartilhar, contar e modificar.
também para o PlayStation 3. A verdade é que, para ser
experienciado por completo, Journey deve ser jogado online Para tornar esse momento marcante eles apostaram em
- talvez para incentivar isso ele tenha sido vendido apenas uma belíssima direção de arte, uma das mais bonitas para o
pela PSN. É claro que também há a jornada solo, que pode PlayStation 3, que nos evoca sentimentos e sensações dife-
ter lá suas vantagens, mas, em termos de troca, e é essa a rentes para cada jogador. O modo como tratam a questão
principal proposta do game, a experiência é nula. da luz e a as mudanças bruscas da geografia do cenário
(começamos no deserto e, conforme, aproximamos-nos do
Além de jogar com outro, o fato de ser online ajuda pico com a majestosa luz, o ambiente vai mudando, tornan-
no anonimato do companheiro, um conceito importante em do-se sombrio, profundo, venenoso, nevoso, para, enfim, se
Journey. Em nenhum momento do jogo, a não ser nos créditos tornar paradisíaco) só contribuem ainda mais para motivar
finais, é revelado o nome dos participantes que comple- o jogador a retonar ao jogo, em novas jornadas a fim de
mentaram a travessia consigo. Nosso explorar cada canto daquele mundo. Por
personagem também não tem nome, e A verdade é que, para isso mesmo, os mais experientes, isto é,
na aparência todos eles são semelhan- que já atravessaram mais de uma vez
ser experienciado por
tes, reforçando uma ideia de igualdade. o caminho e conhecem alguns atalhos e
A única maneira de se comunicar com o completo, Journey deve ser segredos, podem ajudar os mais novatos a
estranho que lhe acompanhará em bus- jogado online encararem os perigos juntos. E é aquela es-
ca da luz no fim da estrada é a partir de pécie de cauda- cachecol que reflete essa
uma espécie de canto, acionado quando se aperta o botão experiência e conhecimento de cada viajante nesse mundo
círculo. Trata-se de um grande acerto da produtora, uma vez vasto e limitado de Journey.
que evidencia ainda mais essa ideia de que para ser grande,
ou melhor, para ser grandioso, Journey se limitou. Uma atitude Eu, ao jogar pela primeira vez, estava um pouco perdido,
ousada em uma indústria que tende a reciclar as suas ideias então, ao encontrar outro jogador comecei a seguir os seus
e seguir um padrão já definido - parecido com a indústria de passos. Percebi que se tratava de um bem mais experiente e
blockbusters do cinema. Esse canto, que pode ser compara- que, inclusive, me mostrou alguns itens escondidos, e me aju-
do a um sinal de fumaça, serve principalmente para revelar dou a entender a funcionalidade do jogo - como quando os
as posições do jogador, tentar conduzir um caminho com o dois avatares se tocam a sua energia aumenta e eles podem
outro, e também para ajudar a melhorar o deslocamento dos “voar”, se deslocando com mais força no ar. Sozinho não há
personagens. como fazer isso. Depois, quando já estava mais experiente
foi a minha vez de tentar ajudar e conduzir outros jogadores.
Comunicar e dividir essa experiência com um desconhe- Então, sempre há espaço para interpretações, pois os atos se
cido (que pode ser qualquer pessoa, em qualquer parte do transformam - devido a diferença natural entre os jogadores
mundo) pode - e deve - ser encarado também como uma -, originando novas jornadas.
metáfora das nossas condições mundanas como jogador.
Ainda mais em uma época em que estamos acostumados a Logo, há várias histórias fora a do enredo principal que

36
o game pode proporcionar, justamente porque há muitos
jogadores. Quando comparados a outros games com multi-
players online - por exemplo os shooters como Counter Strike,
onde se sabe com quem está jogando, monta-se estratégia
e equipes e tudo mais - percebemos que o objetivo aqui não
é só divertir, uma vez que estamos juntos e compartilhando
uma experiência. Journey promove uma travessia curta (o
game pode ser finalizado em uma hora e meia), mas muito
marcante para os envolvidos. Mais do que isso: sua proposta
é atual e também nos ajuda a refletir sobre os rumos que a in-
dústria de games e os jogadores devem tomar. Não estamos
sozinhos nessa.

A arte de Journey
Com uma direção artística muito inspirada era só questão de tempo
até alguém ter a ideia de lançar um livro com toda a arte de Journey,
trazendo mais detalhes sobre o visual e o estilo adotado pela produtora
Thatgamecompany. A publicação foi escrita por Matt Nava, diretor de arte
que incluiu bastante imagens de diferentes etapas do processo do jogo,
até mesmo dos primeiros conceitos de Journey. O legal é que também
terá um espaço só para as fan-art em resposta ao alto nível de artworks
que eles recebem. Uma novidade é compatibilidade com o programa
Darqui para smartphones e tablets, agora ao scanear uma imagem
os leitores podem ter acesso a uma realidade aumentada. O livro
The Art of Journey foi lançado em setembro, sem previsão de
chegar ao Brasil.

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COLunA SONORA

Toque você também


Número de vídeos de
artistas amadores
recriando trilhas sonoras
de jogos na internet
aumenta cada vez mais
Por Guilherme Machado

N
ão é pouco o material que
encontramos na internet de
artistas amadores executando
performances de temas de games
clássicos. Considerando só a tradicional
música do Super Mario Bros., encontra-
mos ótimos arranjos de violão, baixo
de onze cordas, vocais e coisas não próprio de violão para temas do The jogo, como a Laura, fique à vontade.
tão comuns como este manualista. Legend Of Zelda: Ocarina of Time que O mais difícil, no meu caso, foi que-
Foi através deste tipo de vídeo, por recentemente alcançou 37 mil visualiza- rer fazer tudo continuamente, em um só
exemplo, que a musicista Laura Intravia ções. take. Não há mal em fazer vários takes
(entrevistada em reportagem nessa re- O operacional é simples: arranje um e editar depois, mas foi uma opção pes-
vista ) conseguiu integrar-se à equipe do modo de ouvir a trilha sonora original. soal. Graças a essa ideia genial, foram
Um jeito fácil é pesquisar pela trilha mais necessários quase 30 takes e muita pa-
Video Games Live. Após um vídeo de
o nome “4shared” no Google. Muitas ciência pra chegar até o resultado final,
2008 dela executando algumas trilhas
vezes, a pesquisa no próprio 4shared que contou também com o tratamento
da série Zelda ter alcançado milhares
omite vários resultados. Após escutá-la in- do áudio do violão, gravado no PC
de views no Youtube, o fundador do
cessantemente, dedique um bom tempo (não com o som da câmera) através de
VGL convidou-a para realizar sua per-
para fazer o seu próprio arranjo. É claro, uma mesa de som.
formance em algumas apresentações
você pode também pesquisar por ta- Faça o seu vídeo também, mande
do projeto. O convite deu tão certo que
blaturas e cifras prontas na internet, mas pra gente e talvez você apareça na
hoje, além de tocar flauta, ela também é
isso faz com que um pouco da inovação próxima edição da revista. Parte das
arranjadora e solista vocal da equipe.
e criatividade se perca no processo. tablaturas desse arranjo do Zelda você
A questão é:: se você toca algum
Depois, pratique o seu próprio arranjo. encontra aqui.
instrumento, pode muito bem criar a
Parece fácil, já que foi algo “criado” por
própria homenagem. E digo isso como
você, mas, acredite, pode ficar bem
alguém que já se aventurou nesse
complicado. Depois, é só gravar. Se
mundo. Você pode ver aqui um arranjo quiser se vestir como o personagem do

38
coluna rpg

D&D Next!
Meta o bedelho
hoje mesmo!
Conrado Fox Barreto é ex-estudante de jornalismo, sócio- a 5ª edição do D&D. Mais do que isso: ficaria atenta a fóruns
-gerente do Eclipse Studio Bar e criador e produtor da festa “A e discussões de fãs para balizar as atualizações nas regras. Dito
Vingança dos Nerds”. e feito! Eis que em 24 de maio desse ano é liberada a primeira
parte do aclamadíssimo play test colocando a prova o que, por

T
odo o RPGista já quis mudar uma ou mais regras de enquanto, é chamado de D&D Next.
algum sistema específico. As editoras, com razão, nunca O mais divertido é que qualquer falante da língua inglesa
deram muita bola pra isso. Não é possível agradar pode se cadastrar como cobaia no site oficial www.wizards.
todos, afinal de contas. Certo? ERRADO! com e receber sua primeira dose homeopática de nerdice de
Ao menos é o que pensa o pessoal da Wizards of the qualidade. Além do pacote, que inclui também uma aventura
Coast (WotC), responsável por um dos sistemas de RPG mais pronta, o cadastro faz com que o RPGista possa participar dos
conhecidos no mundo: o Dungeons & Dragons (D&D). A editora fóruns de discussão na home page e passe a receber retifica-
está tão ligada na opinião dos fãs, que decidiu disponibilizar um ções periódicas das regras feitas pela editora (tudo com base
play test o qual pode ser jogado por qualquer um. Mas, claro, nos bate-bocas dos usuários do sistema). Na segunda quinzena
toda essa prontidão em atender as queixas e opiniões da galera de agosto, a WotC liberou a primeira leva de correções e a se-
não começou de graça. Se você é fã de Dungeons & Dragons, gunda parte do play test, permitindo que os jogadores evoluam
deve se encaixar em um desses casos: 1) Já está por dentro e até o nível 5 de personagem e endireitando alguns detalhes que
está eufórico com essa novidade; ou 2) Não sabe nada sobre estavam gerando discussões on line.
o assunto, já que abandonou o D&D depois das versões 3.5 e A genialidade do processo não está apenas em fazer os
4.0 (o que é perfeitamente compreensível). Se você não sabe o usuários criarem seu próprio sistema de RPG. A genialidade está
que é RPG, clique aqui e não incomode: pt.wikipedia.org/wiki/ em trazer todos os antigos fãs do D&D para perto novamente,
Role-playing_game com uma espécie de teaser colaborativo em que realmente
Bom, vamos aos fatos. Em 2008, com o lançamento da todo mundo sai ganhando. Eu próprio estou jogando o play
edição 4.0, a WotC desferiu o último golpe no coração do seu test com alguns amigos. Todos compartilham a opinião de que
sistema de RPG. Vários jogadores migraram para as novas mesmo inacabado o D&D Next já está muito bom, e a cada
versões do mundo das trevas da editora White Wolf – excelentes correção que aparece, o comentário geral do grupo é “bah,
cenários e regras, diga-se de passagem – sem contar os que bem melhor assim!”. Isso é sinal de que a iniciativa da WotC está
simplesmente pararam de jogar RPG. As constantes correções e funcionando e que podemos esperar um sistema muito completo
adaptações que começaram na edição 3.0 transformaram, aos e agradável de jogar. Claro, só saberemos o que o D&D Next
poucos, um sistema divertido em um sistema atravancado e difícil nos reserva quando o livro for publicado. A vantagem é que,
de jogar. para essa edição, todos podemos visitar o site e espernear a
Depois desse triste prólogo, uma luz surge no fim da vontade, não permitindo que eles estraguem novamente um
dungeon. No começo de 2012 a WotC divulgou que lançaria sistema de RPG brilhante.

39
ARTIGO Felipe Neves

Participatory Em seu artigo, Felipe Neves ques-


tiona se os videogames realmente

Culture e possuem uma cultura própria

*Felipe Neves é professor e gamer nas horas

Gamecultura vagas. Esse texto foi originalmente publicado no site


Gamecultura.

D
iversos autores que estudam videogames ressaltam jogador a imaginar mudanças e, efetivamente, aplicá-las
a relação direta dele com uma cultura própria, que recriando novos mundos. Como afirma Sotamaa, este grupo
envolve trocas e interações particulares. Ao cami- de fãs que a cultura participatória aponta, também recria os
nhar por tantos conceitos, veremos que o termo Participatory seus games:
Culture (SOTOMAA, 2003; RAESSENS, 2005) é utilizado por
alguns autores para definir um tipo de cultura que é construída “ A natureza digital dos games permite que eles sejam
de um modo coletivo, especialmente, com as novas tecnolo- manipulados e reprogramados - também pelos consumidores.
gias, potencializando a ação do indivíduo e inserindo-o no Jogadores podem personalizar a aparência de seus perso-
campo da autoria compartilhada. nagens no game criando modelos, novos mapas e aventuras
Embora o termo Cultura Participatória ocasione inúmeros baseadas em títulos de games existentes. Por exemplo, os fãs
questionamentos, pois revive a tradicional separação entre de games de esportes podem criar cópias detalhadas das
cultura de massa e alta cultura, ele traz um ponto de vista ligas nacionais e locais, incluindo as estatísticas do jogador,
interessante para se entender alguns dos aspectos do que uniformes e estádios.” (2003:3)
chamamos de Gamecultura.
Originalmente o termo Participatory Culture foi utilizado Ao se incorporar esta prática, vemos que não há apenas
para descrever o universo dos fãs que não assumiam uma po- a intervenção dos fãs, mas há uma apropriação da própria
sição passiva de consumo diante dos meios de comunicação linguagem que os videogames vêm constituindo. E é a partir
de massa. Henry Jenkins em seu "Textual Poachers: Television deste ponto que podemos começar a vislumbrar a emergên-
Fans and Participatory Culture" procura discutir esta questão cia de uma Gamecultura. O erro é imaginar que Gamecultu-
apontando que os fãs “transformam a experiência de consu- ra consiste apenas nesta liberdade de ação dos fãs/jogado-
mo de mídia em produção de novos textos, na verdade uma res que interagem e criam obras derivadas ou que intervém
nova cultura e uma nova comunidade”(JENKINS, 1992:46). nos próprios games existentes.
As modificações de videogames, os mash-ups, as mixa- Podemos vislumbrar uma série de produções que res-
gens são todos exemplos de como este comportamento se gatam a estética dos videogames e envolvem releituras e
apropria das novas mídias e provoca mudanças na forma de interpretações para outros meios. Este é o caso, por exemplo,
consumir tais produtos. Uso o termo consumo, pois é o ideal dos filmes que resgatam a temática dos videogames como
dos produtores da cultura de massa: gerar produtos culturais em “Tomb Raider”, clássico jogo da protagonista Lara Croft ou
enlatados e que invariavelmente são recebidos passivamente, “House of the Dead”, filme baseado no game homônimo da
como as soap operas, para citar um exemplo. Sega. Outro que revive a estética dos First Person Shooters
Nos games especificamente, vemos uma potência de é a película “Doom”, que resgata no cinema as cenas em
intervenção, intrínseca à imagem numérica, que convida o primeira pessoa, comuns ao jogo.

40
Este é o
caso, por exem-
plo, dos filmes
que resgatam
a temática dos
videogames como
em “Tomb Raider”,
clássico jogo da
protagonista Lara
Croft ou “House
of the Dead”,
filme baseado no
game homônimo
da Sega.

Embora estes trabalhos sejam apenas continuações nômica, social e psicológica, já que eles ecoam de maneira
ou adaptações dos games para a grande tela, vemos a mudar a forma como determinados grupos se relacio-
trabalhos que se apropriam efetivamente da linguagem nam, convivem e se divertem.
dos games para gerar produções interessantes, como é o Se a Cibercultura aponta como um marco o surgimento
caso de filmes como “eXistenZ” de David Cronenberg, em das redes de comunicação e o ciberespaço, a Game-
que resgata elementos do videogame como o gênero de cultura atinge seu ápice na difusão dos videogames em
aventura, e “Avalon” de Mamoru Oshii (criador do “Ghost larga escala. Ela também se desenvolve em um ambiente
in the Shell”), que retoma o universo dos jogos de guerra. permeado pelas redes de informação e comunicação e se
Estes já são exemplos de filmes que se apropriam da expande não só através dos consoles, mas dos arcades,
linguagem dos games para produzir filmes. dos computadores, dos dispositivos móveis, e através
Os filmes, os quadrinhos, os esportes e o ciberatletismo da difusão da computação pervasiva e ubíqua, povoan-
são exemplos de expansão do universo dos games para a do sistemas de comunicação móvel como celulares, até
esfera cultural. A intersecção entre o videogame e a cultura dispositivos portáteis que podem se tornar em centrais de
se faz cada vez mais presente. Jogos de esporte como entretenimento.
as séries “Fifa” e “Fight Nigh” da EA Sports, por exemplo,
trazem patrocinadores que compram espaços de propa-
ganda nos próprios videogames. Jogos como “Grand Theft
Auto” (Rockstar), veiculam em seus universos s folhetos e pro-
Referências
pagandas reais de grupos de apoio a viciados, mesclando
elementos reais a elementos numéricos. Além das interven- RAESSENS, J. Computer game as participatory
ções dentro de peças comunicacionais já implementadas culture. In handbook of computer game studies.
como o grupo Velvet Strike que procura subverter a lógica Cambridge: MIT Press, 2005.
de utilização do jogo “Counter Strike”, veiculando imagens SOTAMAA, O. Computer Game Modding, In-
pacifistas e de questionamento. termediality and Participatory Culture. University
O termo Gamecultura então se aplica a uma cultura of Tampere, Finland, 2003.
específica que se apropria de elementos que constituem JENKINS, Henry. Textual Poachers: Television
parte do universo do videogame e seus desdobramentos. Fans and Participatory Culture. Routledge, 1992.
Tais elementos podem ser pensados tanto na esfera eco-

41
além dos games Scott pilgrim

A harmonia de

Criada pelo desenhista canadense Bryan Lee O’Malley, a série Scott Pilgrim foi
publicada em quadrinho entre agosto de 2004 e julho de 2010, mesmo ano em
que ganhou uma adaptação para o cinema

Por Rafael Gloria tagem que lembra a quase violenta influenciadas pela HQ que ajudam a
rapidez dos quadrinhos. A agilidade fomentar essa originalidade narrativa

A
Graphic Novel homônima narrativa é o que não deixa o filme do filme.
que inspira Scott Pilgrim vs perder o seu fôlego, o que talvez seja Apesar de todas essas modernida-
The World facilita a adapta- uma herança das HQ’s modernas pois des a trama gira em torno da história
ção para as telonas, pois o autor cana- podemos observar mesmo fenômeno clássica da garota dos sonhos – já
dense Bryan Lee O’Malley monta um no filme KickAss, também adaptação observada várias vezes em filmes
panorama onde a história é ambienta- de um quadrinho. Aqui você não verá americanos. Scott Pilgrim vs The World
da em um mundo real – Toronto, Cana- longas planos sequências no filme, até tira um sarro disso, porque o
dá – e com uma história verossímil, mas ou penetrações ao fundo de alguma protagonista realmente vê sua amada
com o virtual e a fantasia sempre pre- paisagem, a fim de explorar o cenário. pela primeira vez em um sonho, só
sente, a partir de toques de surrealismo Não há tempo para isso. Até nas suas depois que a conhece pessoalmente. A
bebendo na fonte dos videogames partes mais românticas, o filme se utiliza grande sacada – e aqui também entra
e também dos mangas japoneses. O dessa fluidez cartunesca, como quando a importância dos videogames – é
filme, assim como o quadrinho, também Scott fecha os olhos com as mãos e como essa história de amor moderna,
tira um ótimo sarro da cena indie e dos a tela fica preta, ou como antes de indie e hipster é contada. Para ficar
hipsters que lotam essa mistureba que é pronunciar o nome do local para que com sua amada Ramona Flowers (que,
cultura pop mundial. estava indo, a cena é cortada e apare- para variar, muda de cabelo a cada
Depois dessa explicação básica, ce na tela o nome do tal lugar – como semana como qualquer moça que de-
percebemos que, como objeto filmico, o se ele não tivesse que pronunciar, seja ser diferente atualmente) ele deve
seu maior trunfo é conseguir criar uma pois o visual é tão importante quanto derrotar os seus sete ex-namorados
linguagem a partir do corte e da mon- uma fala. São essas cenas justapostas do mal. Lutar não, derrotar, como ela

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o avisa. Esse enredo é típico de jogos espetáculo à parte. Os próprios efeitos
clássicos de luta como Final Fight e sonoros de jogos clássicos como Zelda
A trilha sonora do
Street of Rage onde a progressão de dão dicas de que o filme é cheio de
filme é um espetá-
jogo se dá a partir de lutas. É a mesma referências ao mundo dos games. É
culo à parte. Os
coisa com o filme, só que com o amor divertido para quem conhece esse
próprios efeitos
como o prêmio final. Ramona e Scott mundo identificar os sons de jogos, de
sonoros de jogos
só poderão ficar juntos depois que portáteis, barulhos de quando inicia
clássicos como
ele derrotar os sete ex- namorados. É algum jogo. Fora isso, o filme também
Zelda dão dicas
legal como o filme traça um parâmetro tem excelentes músicas para quem
de que o filme é
como essa luta com os ex-amores da gosta rock alternativo da década de
cheio de referên-
moça também é uma luta de qual- noventa, afinal Scott é baixista de uma
cias ao mundo
quer relacionamento, mas no nosso, banda indie, a Sex Bomb-Omb então
dos games. É
como somos meros humanos, uma luta há momentos fortes de música – inclusi-
divertido para
interna. A disputa de Scott com os ex- ve batalhas de bandas e de baixo.
quem conhece
-namorados de Ramona Flower talvez Seria Scott Pilgrim vs The World
esse mundo
seja a maior metáfora da série.. Pois uma espécie de marco no cinema
identificar os sons
cada ex-namorado superado, é uma contemporâneo? É perigoso, mas
de jogos, de por-
nova fase de vida, e, em novas fases, necessários refletir sobre o filme como
táteis, barulhos
também temos novos problemas a uma das primeiras vezes em que
de quando inicia
serem superados. E é isso que torna a videogames, histórias em quadrinhos e
algum jogo.
identificação com a série tão grande. cinema se deram bem juntos.
A trilha sonora do filme é um

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Conheça um pouco mais sobre o
autor de Scott Pilgrim e do cineasta:

Bryan Lee O’Malley é um cartunista canadense. Na


época em que começou a escrever a obra por qual é mais
conhecido, ele tinha 24 anos, a mesma idade do que Scott
na história em quadrinho. Aliás, muito das características do
protagonista dos quadrinhos e o seu contexto estão ligados
com a vida do autor. É claro que ele não enfrentou sete
ex-namorados para finalmente conseguir uma companheira,
mas a cidade em que os eventos acontecem, assim como
os gostos de Scott e o fato de ele tocar um instrumento são
qualidades que se assemelham a de Bryan. Quanto ao seu
traço, o autor canadense tem características bem marcantes
como, por exemplo, a grande variedade de tamanho dos As influências e citações visuais
quadros, os personagens que ultrapassam os limites impostos
pelo requadro, a utilização de apenas preto e branco em
na obra
toda a obra e o número farto de onomatopéias. Ele tem um
site bem ativo em que responde algumas perguntas dos fãs É indiscutível que O’Malley conseguiu criar um universo
e coloca boa parte da origem de suas produções: www. rico com as suas inúmeras referências, tornando Scott Pilgrim
radiomaru.com. uma boa e complexa mistura de videogames, mangas,
O cineasta britânico Edgar Wright começou a dirigir os moda, enfim, a cultura pop. Uma das mais marcantes nos
próprios filmes aos 14 anos de idade, quando frequentava a quadrinhos é a sua óbvia influência dos mangas japoneses,
escola e trabalhava em um ponto turístico de sua cidade na- o que fica evidente nos exageros de expressões faciais
tal. Sua carreira começou mesmo na televisão, dirigindo uma e física dos personagens, assim como a estilização dos
série que misturava comédia e ficção científica, que acabou traços de movimentos e a ausência das cores. Já no filme,
fazendo bastante sucesso. Foi realizando esse programa que logo no seu início, assim que aparece o logo da Universal
conheceu os escritores e atores Simon Pegg e Jessica Hynes, Pictures, a tradicional música da produtora é apresentada
parceiros ativos de produção. no formato midi, como os jogos das gerações antigas. Essa
marca, inclusive, está toda pixelada, semelhante aos gráficos
gerados pelos games no início da década de 1990. Há
também claras referências ao famoso jogo de coreografia
Dance Dance Revolution da Konami Digital Entertainment,
nas cenas em que Scott e Knives jogam em dupla o Ninja
Ninja Revolution.
Uma ótima cena que homenageia o jogo Zelda Ocarina
of Time é a em que Scott está tendo uma espécie de delírio
e a canção que ele escuta ao fundo é a Fairy Theme,
aquela que aparece nas fontes das fadas. Essas referências
também são utilizadas como ótimos momentos cômicos,
principalmente quando brincam com clichês dos games,.

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Vai jogar

Para todos os gostos


Na última página da Segundo Controle, pedimos para
alguns dos nossos entrevistados da edição indicarem
jogos. Confira as sugestões:

Pedro Paiva
“R-type III para Playstation. Ele é interessante porque quando
você pensa que o terminou ele te manda para o início e com
uma dificuldade maior para fazer tudo de novo.

Letícia Perani
“Xenoblade Chronicles para o Nintendo Wii. Nunca fui muito fã
de RPGs, mas este me conquistou pelo seu gameplay impecá-
vel, uma narrativa envolvente, grande variedade de sidequests
e a beleza dos seus cenários. Já estou com 95 horas de jogo, e
não estou nem perto de terminar!”

Alissa Machado
“Eu vou indicar um dos meus jogos de point and click favoritos:
The Dig, da Lucas Arts. É um jogo que tem uma ótima história
(era pra ser um filme do Spielberg, mas ele preferiu deixar o
roteiro pro jogo), é desafiador e divertido. Com certeza quem
jogar vai se divertir muito.”

Felipe Neves
“Fallout: New Vegas. Embora antigo, o roteiro elaborado e as
belíssimas noites da réplica de Las Vegas o tornam um jogo
muito interessante.”

Tiago Faccio
“Limbo: Hoje com tantos recursos fiquei impressionado como ele
me cativou tanto. Fazia tempo que não jogava um game com o
intuito de virar ele. Gráficos simples, mas com uma estética impe-
cável, uma jogabilidade de dois botões e um grande puzzle. Um
jogo que parece um clipe de musica de tão lindo.”

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Marsal Alves Branco
“Vou indicar o Katamari para o PlayStation 2. Trata­se de uma
verdadeira aula de jogos digitais. E é um game que todos deve-
riam jogar, especialmente os gamers dito hardcores, que
acham que sabem tudo e que só querem saber de fotorealismo,
ou de dar tiros. Jogos como Katamari mostram para o mundo
como genialidade e um trabalho bem feito bastam. Acho que
katamari é um jogo que mudou a minha vida.”

Thais Weiller
“Vou recomendar Castlevania II: Simon’s Quest, ainda mais se for
possível jogar e compará-­lo Castlevania I e IV. É muito fácil falar
mal de Simon’s Quest, é um jogo em que muitas partes
realmente não funcionam, ainda mais em relação ao todo. Re-
levando alguns aspectos, Simon’s Quest é um jogo excelente e
com muitas boas idéias, mas cuja maioria foi aplicada de forma
errada. Recomendo jogar este jogo e, se possível, outros títulos
da série para que o jogador possa observar por si mesmo não
só os bons exemplos de evolução de mêcanicas e conceitos
no decorrer da franquia, mas também os maus exemplos de
como boas idéias implementadas da forma errada podem ser
até mais danosas do que a falta delas.”

Swordtales
Alessandro Martinello: “Indico o Vagrant Story, grande rpg
da geração PlaOne que pouca gente conhece, merecia mais
reconhecimento.”
Conrado Testa: “O Journey, da ThatGameCompany, realmente
mte marcou dessa última leva
de jogos para o PlayStation 3.”
Luiz Alvares: “Para mim, Portal é uma série que deveria ser obri-
gatória de ser jogada”.

Gregory Gaboardi
“Recomendo é Final Fantasy Tactics, na versão do PlayStation.
Acho que é um jogo que pode fazeralguém começar a gostar
tanto de jogos de RPG quanto de jogos de estratégia, isto
porque ele combina o melhor dos dois gêneros. Quer dizer,
talvez alguns discordem da parte do RPG, e realmente esta
parte não é o forte do jogo, mas uma das coisas que um
bom RPG precisa ter é um bom enredo, e o enredo de FFT
é excelente. Já no gênero estratégia a qualidade do jogo é
inquestionável.”

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Reclamações, elogios e sugestão de pautas
mande para nós
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