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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE - UNICENTRO

SETOR HUMANAS, LETRAS E ARTES - SEHLA


DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - DECS

JORNALISMO DE GAMES: DESAFIOS E POTENCIALIDADES COMO


ESPECIALIZAÇÃO JORNALÍSTICA

ANDRÉ CORDEIRO FRUTUOSO

GUARAPUAVA
2019
ANDRÉ CORDEIRO FRUTUOSO

JORNALISMO DE GAMES: DESAFIOS E POTENCIALIDADES COMO


ESPECIALIZAÇÃO JORNALÍSTICA

Trabalho de conclusão de curso apresentado


como critério de aprovação do curso de
Jornalismo, Departamento de Comunicação
Social, Setor de Ciências Humanas, Letras e
Artes, da Universidade Estadual do Centro-Oeste.
Orientadora: Profª. Drª Éverly Pegoraro.

GUARAPUAVA
2019
“Onde estiver, seja lá como for
Tenha fé porque até no lixão nasce flor”

Vida Loka Parte I - Canção de Racionais MC's


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 7
1. O JOGO COMO PRÁTICA CULTURAL: SOBRE A IMPORTÂNCIA DO
LÚDICO 13
2. JORNALISMO ESPECIALIZADO 19
2.1 PERFIL DO PROFISSIONAL E A PRÁTICA DO JORNALISMO ESPECIALIZADO 24

2.2 CRITÉRIOS DE NOTICIABILIDADE NO JORNALISMO CONTEMPORÂNEO 26

3. JORNALISMO DE GAMES 29
4. DELINEAMENTO METODOLÓGICO 34
5. O JORNALISMO DE GAMES POR QUEM FAZ 37
6. ANÁLISE DO PORTAL IGN 43
CONSIDERAÇÕES FINAIS 50
REFERÊNCIAS 54
ANEXOS 57
ANEXO I – QUESTIONÁRIO SUBMETIDO AOS PROFISSIONAIS DE JORNALISMO
DE GAMES 57

ANEXO II – PUBLICAÇÕES DO IGN BRASIL ANALISADAS 60


RESUMO

Veículos de informação voltados aos games existem desde a década de 1970, principalmente
no meio impresso. Com o passar dos anos e o desenvolvimento dos meios digitais, os
produtos jornalísticos desse tema migraram para o meio online, desenvolvendo novas
características e estabelecendo um público próprio. Com a realização desse trabalho, foi
possível definir e problematizar o jornalismo especializado de games, questionando as
singularidades desse fazer jornalístico, ou caracterizando-o como microespecialização ou
subespecialização dentro de editorias como esportivo ou cultural. Para que isso fosse possível,
buscou-se construir um aprofundamento histórico do jornalismo de videogames no Brasil,
além de identificar as características do jornalismo voltado ao mercado de videogames, tais
como critérios de noticiabilidade, público leitor e abordagem editorial para, assim, delinear
esse tipo de produção jornalística como uma especialização contemporânea. Além disso, os
esforços dessa pesquisa se voltaram a mapear jornalistas desta especialização, com a
realização de entrevistas com esses profissionais. Outro ponto que buscou-se contemplar
nesse trabalho é a realização de uma análise de um produto jornalístico voltados ao universo
de games, a saber: o portal de notícias online IGN. Essa pesquisa objetiva refletir sobre novas
aberturas do jornalismo especializado.

Palavras-chave: cultura da convergência; jogos eletrônicos; ludismo.


INTRODUÇÃO

Um homem de estatura mediana vestido com uma camisa e boné vermelhos, e um


macacão azul. Sob o nariz, um volumoso bigode. Enquanto anda por um mundo
aparentemente mágico e enfrenta criaturas peculiares, como uma tartaruga do mesmo
tamanho que ele. Um modo de se locomover é utilizar gigantes estruturas de encanamento,
uma perícia desenvolvida a partir de sua profissão, encanador. Sem a necessidade de que se
cite um nome, a maioria das pessoas consegue identificar este personagem. Trata-se do
protagonista Mario, da trintenária franquia de jogos da empresa Nintendo e um dos maiores
símbolos da indústria dos games. Extrapolando o status de mera atividade lúdica, o jogo
eletrônico assume um papel maior que seu destino como produto, acabando por ser a base
para diferentes mercados, seja de entretenimento ou consumo. Entre eles, aqueles voltados ao
jornalismo.
Há uma gama significativa de publicações que têm seu conteúdo direcionado ao
mundo dos games. Existentes há um bom tempo, como afirma Assis (2007), esses produtos
foram predominantemente presentes no meio impresso durante seu surgimento. As primeiras
reportagens1 apareceram nos anos 1970 na América do Norte (ASSIS, 2007, p. 48), período
que marca também a migração de maior parte do público dos fliperamas para a sala de casa,
com aparecimento de consoles domésticos no mercado. O autor aponta, ainda, que no Brasil o
primeiro veículo que se dedicou a esse fim foi a revista VideoGame, da editora Abril. Fruto de
um segmento de outro produto impresso do mesmo selo, a Semana em Ação (voltada a
esportes e lazer), a VideoGame chegou ao mercado em 1990 (ASSIS, 2007, p. 50).

1
As primeiras publicações a incluírem os games seriam da área de eletrônica e engenharia, como Popular
Mechanics, Popular Science e Popular Electronics. Além disso, na mesma década surgiram revistas
especializadas em fliperamas, como a PlayMeter, e RePlay.
7

Na mesma década em que a VideoGame debutou nas bancas, outras revistas também
passaram a fazer parte do rol de publicações nacionais no segmento. Com o crescimento do
público que procurava as revistas, outra tendência começa a tomar corpo no período: o
processo de segmentação de mercado. Surgem publicações dedicadas ao público de diferentes
sistemas de videogame. Nesse contexto, são notórias as publicações da Conrad Editora (que
posteriormente migraram para a Futuro Editora e Tambor Digital), como Nintendo World,
Super Dicas Playstation, além da Dicas & Truques Playstation, da editora Europa, e a PC
Gamer/CD Expert.
Outro cenário comum na época de surgimento e que perdura até hoje no mercado de
jornalismo de games é o licenciamento de títulos de outros países. São exemplos disso a já
citada PC Gamer, além da Eletronic Gaming Monthly, que no Brasil era chamada apenas de
EGM2. Muitas dessas revistas migraram, posteriormente, para o meio eletrônico, juntando-se
a novos produtos no mercado de publicações voltadas a games. Fruto do surgimento e da
expansão da internet entre os anos 2000 e 2010 - ambiente descrito por Jenkins (2009) como
um lugar onde diferentes mídias convergem - o público passou a consumir conteúdo de
portais de internet direcionados ao universo gamer, que variam em tamanho de audiência e
comumente são financiados por um grupo de mídia.
Nessa cultura de convergência, conteúdos de uma mídia específica são transportados
para outra, alterando a experiência de consumo dos usuários. Foi assim que o jornalismo de
games passou ainda por algumas experiências em televisão, desde o seu surgimento no Brasil.
Não muito duradouros e muitas vezes conversando com um público generalizado, algumas
atrações chegaram a ser exibidos nas programações de canais abertos, principalmente nas
madrugadas. É o caso do G4 Brasil, que foi ao ar na TV Bandeirantes nos anos 2000, e o atual
Zero1, apresentado por Tiago Leifert, na TV Globo.
A proposta desse Trabalho de Conclusão de Curso é identificar as características
conceituais definidoras e estruturais do jornalismo especializado de games. Para isso,
intenta-se construir um aprofundamento histórico do jornalismo de games no Brasil. Serão
identificadas as características do jornalismo voltado ao mercado de games, tais como
critérios de noticiabilidade e abordagem editorial para, assim, delinear esse tipo de produção

2
A revista teve esse nome até meados de 2009, quando passou a ser chamada de "Entertainment Game World".
Em 2017 a EGW deixou de ser publicada mensalmente. Em entrevista ao portal IGN, André Martins, diretor da
editora responsável, afirmou que a revista passaria a ser publicada esporadicamente em edições especiais. Não
foi possível localizar mais informações. Os websites da EGW e da Tambor Digital não está ativo.
8

jornalística como uma especialização contemporânea. Esse trabalho também procura mapear e
entrevistar jornalistas desta especialidade e, por fim, analisar um produto jornalístico voltado
ao universo de games, a versão brasileira do site IGN3.
Dois pontos justificam o presente trabalho. O primeiro refere-se ao espaço promissor
para essa especialização jornalística. O mercado de games, inserido na indústria de
entretenimento e também no comércio de bens e serviços, com seus produtos correlatos,
apresenta crescimento nos últimos cinco anos. De acordo com matéria publicada no portal de
notícias do jornal O Globo, só os jogos online faturaram em 2016 aproximadamente R$ 4,9
bilhões, incluindo a venda do jogo em si, veiculação de publicidade e também
microtransações, que são compras e vendas dentro do jogo (VELOSO e BRETAS, 2017).
Outra informação sobre a expansão do mercado vem do 2º Censo da Indústria
Brasileira de Jogos Digitais, que evidencia um crescimento no número de estúdios que
desenvolvem jogos no país entre 2013 e 2018. O número de desenvolvedoras passou de 142
para 375 (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2018). Falar do tema é algo que se faz cada vez
mais necessário, visto que o número de pessoas que dedicam tempo e recursos para a prática
de jogos eletrônicos, seja de maneira casual ou mais intensa, também cresce.
Além do aumento de tempo dedicado à prática e ao consumo de produtos relacionados
a essa temática, há um forte apelo social relacionado aos games. Estudos indicam que os
jogos exercem um papel fundamental no modo de vida social. Huizinga (2004, p. 1) aponta
para uma “convicção de que é no jogo e pelo o jogo que a civilização surge e se desenvolve”.
Ainda que tratando do lúdico como um todo, o conceito pode ser transportado ao mundo dos
games, sendo que estes se encaixam numa definição simples trazida pelo próprio autor sobre o
conceito de jogo: “Um fenômeno cultural e não biológico, estudado numa perspectiva
histórica, não propriamente científica em sentido restrito” (HUIZINGA, 2004, p. 2).
Huizinga (2004) aponta uma certa necessidade de competição inerente ao ato de
praticar uma atividade lúdica. Segundo o autor, isso deriva da tensão presente nos jogos.
Quem pratica algum jogo busca ser influenciado por esse sentimento. Nesse sentido, outro
fator determinante para as competições é a sensação de recompensa. O público consumidor de
produtos da indústria dos games e, é claro, dos próprios jogos eletrônicos, está em constante
busca por essas sensações. Como será visto mais adiante neste trabalho, durante toda a
história desta mídia, o ato de competir se fez presente. Esse fenômeno aparece nas disputas

3
Disponível em: < https://br.ign.com/>. Acesso em: 31/05/2019.
9

entre jogadores, ou até mesmo no caso do jogador solitário, ao buscar superar os desafios de
cada título de game. A superação dessas tensões é a recompensa para os competidores.
Outro argumento que justifica a realização desse trabalho se baseia no ponto de vista
acadêmico. De acordo com Aarseth (2006 apud Fragoso et. al., 2017), os jogos não ocupam
um lugar de destaque nos estudos de Comunicação. O autor ressalta ainda que os games não
podem ser vistos como apenas mais um tema de estudo para essa ciência, uma vez que são um
formato promissor dentro do espectro das mídias digitais.
Fragoso et. al. (2017) buscam analisar as produções científicas em solo brasileiro a
respeito dos games dentro da área de Comunicação entre os de 2000 e 2014. Os autores
encontraram alguns fatos que permitem entender um pouco melhor como as pesquisas e,
consequentemente, as publicações, vêm sendo elaboradas no país. Ferreira (2012, apud
Fragoso et. al., 2017) aponta para uma tendência de dispersão das palavras-chaves utilizadas,
variando entre “game”, “jogo”, “internet”, “tecnologia”. Algo parecido foi encontrado na
pesquisa de Mustaro e Fortim (2012), na qual as autoras também encontraram dispersão de
palavras-chave e diferentes formas de fazer referência aos games, por exemplo, ‘videogame’,
‘games’, ‘jogos eletrônicos’ e ‘jogos digitais. Outro fato percebido na pesquisa de Mustaro e
Fortim (2012) foi a forte presença de termos como “educação” e “jogos educativos”,
apontando uma maior inclinação dos estudos voltados à Educação.
Além de revisar os levantamentos já feitos por outros pesquisadores com o mesmo
objetivo, Fragoso et. al. (2017) propuseram uma análise do material publicado sobre games na
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD)4, além de artigos em eventos
relacionados a Comunicação, como Compós5, Intercom6 e ABCiber7. No total, os
pesquisadores se debruçaram sobre 522 trabalhos. Destes, 327 eram de Pós-Graduação, dos
quais 54 Teses e 273 Dissertações. O restante somou 195, desses, 18 vieram da Compós, 82
da Intercom e 95 da ABCiber (FRAGOSO et. al, 2017, p.6).
Ainda sobre os números encontrados, se considerar apenas programas de
Pós-Graduação da área de Comunicação, ou seja, que incluam aqueles classificados como
comunicação, cultura, cinema, meios digitais e multimeios, os pesquisadores encontraram 64
obras publicadas, sendo 14 Teses e 50 Dissertações. O número de trabalhos que se incluem na

4
Disponível em: http://bdtd.ibict.br/.
5
Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação.
6
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação.
7
Simpósio da Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura.
10

área de comunicação, então, representa cerca de 20%. Aprofundando-se ainda mais nessa
análise e levando em conta pesquisas que abordem os games e o jornalismo (objetos deste
Trabalho de Conclusão de Curso), percebe-se que essas fazem parte de cerca de 8% de todas
as Teses e Dissertação de games da área de Comunicação e apenas 1% de todos os 327
registros encontrados para Pós-Graduação (FRAGOSO et. al., 2017, p.10). Essa mesma
análise, agora considerando os artigos de eventos de Comunicação, encontrou apenas 6% dos
trabalhos que tiveram o jornalismo e os games como objeto de estudos (FRAGOSO et. al.,
2017, p.11).
Portanto, o cenário geral das pesquisas de games na área de Comunicação no Brasil,
bem como a baixa representatividade do jornalismo dentre os trabalhos, torna o tema dessa
pesquisa relevante e necessário, uma vez que isso pode contribuir para o desenvolvimento da
ciência envolvendo esse tema no Brasil.
Nesse sentido, então, este projeto também pretende contribuir para delinear o
jornalismo de games como especializado, identificando características e práticas nesse campo
de atuação que possam ser definidas como pertencentes a uma editoria especialização
jornalística. Essa identificação é uma maneira de descobrir se o jornalismo de games já tem
consolidação suficiente, além de estar presente em um mercado segmentado, para ser
entendido como uma especialização (com o mesmo entendimento que o cultural, o político, o
econômico etc.) ou se trata de algo pontual, como uma microespecialização ou uma
subespecialização dentro do jornalismo esportivo ou cultural. Essa pesquisa atuaria então para
trazer representatividade para profissionais e leitores de veículos midiáticos voltado aos
games. Além disso, espera-se, com a realização do estudo, contribuir para o aumento de
trabalhos a respeito do tema.
Em seguida, a pesquisa aborda a relação do jogo e a cultura, identificando-o como um
elemento essencial da prática social, indicando a importância do lúdico nesse contexto. Para
isso, irá se basear nas argumentações de Huizinga (2004) e Maffesoli (2009), além de
contextualizar os games como uma mídia e entender o ambiente em que eles estão inseridos.
Outro ponto abordado no presente trabalho é o jornalismo especializado. Pretende-se,
com isso, uma compreensão da finalidade a qual se destina a especialização das produções
jornalísticas e como isso afeta a relação com o público consumidor. A ideia é encontrar
características comuns que possam ser consideradas definidoras dessa área, traçar uma
comparação entre o jornalismo especializado como um todo e o jornalismo de games. Para
11

tanto, será necessária também uma revisão sobre o que se entende a respeito da prática
jornalística voltada a jogos eletrônicos, destacando, a partir de um levantamento histórico, as
características comuns para esse tipo mídia e os veículos que marcaram época. Mais adiante,
buscou-se esclarecer o que se entende por critérios de noticiabilidade. Para isso, utilizou-se a
proposta de Silva (2005), que buscou fazer uma revisão dos principais autores da área e
propôs uma tabela operacional atualizada, contendo os valores-notícia que abarcam as
definições comuns na área.
Além disso, são discutidos alguns elementos metodológicos que compõem essa
pesquisa, tanto no quesito teórico, que envolveriam a revisão bibliográfica, quanto prático,
levando em conta a análise do produto de jornalismo de games escolhido para esse trabalho, o
IGN Brasil, bem como as entrevistas realizadas a partir da aplicação de um questionário
semiestruturado a oito profissionais da área. Para essas duas últimas etapas citadas, a
investigação considerou a análise de conteúdo para chegar aos objetivos propostos.
Após a discussão da metodologia, as duas partes empíricas, contendo as duas análises,
correspondendo aos itens cinco e seis deste trabalho. Para constituir o corpus da entrevista os
questionários foram submetidos a 36 jornalistas e oito veículos distintos, com o retorno de
seis repostas. Quanto ao portal de notícias submetido a escrutínio nessa pesquisa, utilizou-se,
para a consolidação do material a ser estudado, uma abordagem que considerou todo conteúdo
possível de ser visualizado na página inicial, ou seções de destaque, durante um período de
um dia, totalizando 24 publicações no site, entre materiais escritos e audiovisuais.
1. O JOGO COMO PRÁTICA CULTURAL: SOBRE A IMPORTÂNCIA DO

LÚDICO

Um ponto de partida comum em estudos voltados a videogames, ou games8, é a


definição do conceito de jogo como uma prática cultural inerente à sociedade. Nesse tocante,
é essencial o trabalho do pesquisador holandês Johan Huizinga. Em sua obra Homo Ludens, o
autor define o jogo como um “fato mais antigo do que a cultura”. Além disso, não limita o
jogo como uma atividade exclusivamente humana, já que é possível observar animais
brincando, assim como o ser humano (HUIZINGA, 2004, p. 03).
Mesmo em suas versões mais simples, os jogos ultrapassam os limites da atividade
física ou biológica. Eles têm a função de criar um significado e possuir um sentido
(HUIZINGA, 2004 p.4). Entre as definições de jogo elencadas por diversificadas áreas de
estudo, como a Psicologia e a Fisiologia, nenhuma explica a intensidade do jogo e seu poder
de fascinação.
Castilho (2010, p.49), ao estudar o trabalho de Johan Huizinga, elenca seis
características para o jogo, além, é claro, de reforçar a ideia dele como algo formador de
cultura. A primeira característica diz respeito a um elemento presente em qualquer atividade
lúdica: a liberdade de escolha e de jogar. É comum que se pratique o jogo quando o possível
jogador pensa que não possui mais nada produtivo a ser feito. O segundo elemento que o
caracteriza é que ele não é a vida cotidiana. Quem o pratica está certo de que aquilo
representa uma pausa na rotina. Entretanto, a ideia de que o mesmo representa uma distração
no dia-a-dia não significa que a atividade em questão será encarada sem seriedade. Essa
segunda característica é complementada pela terceira, que apresenta a prática de jogar como
algo distinto da vida real, e não uma fuga dela. E é justamente nesse caráter lúdico do jogo
que se encontra a tendência de absorver o indivíduo participante. “O jogo é desinteressado e
divertido, que cria ordem e é ordem. Ele é livre e, em si mesmo, é a liberdade” (CASTILHO,
2010, p. 49).

8
Grafia pela qual, por preferência do autor, decidiu-se representar esse termo no presente trabalho.
13

Um quarto elemento definidor do conceito é a sua necessidade por ordem. É


necessário que existam e se cumpram as regras presentes e sua desobediência afeta a
percepção da atividade. A quinta característica apontada pela autora é a experiência estética
presente nessa prática, que possui ritmo, harmonia, beleza, entre outros aspectos. O jogo
“lança sobre nós um feitiço: é fascinante, cativante, basta estar aberto para experienciar”
(CASTILHO, 2010, p. 50). Por fim, a sexta e última característica apresentada é a
imprevisibilidade do jogo, o acaso e a incerteza presentes em sua prática. Para a autora, são
essas características que definem o jogo como um elemento cultural:

A liberdade, o se ver fora da vida cotidiana, a distinção da fantasia e do real, a experiência


estética, o acaso do jogo, e as regras que definem o que é possível ou não no jogo, são o que
talvez expliquem a atração que os jogos exercem sobre cada pessoa. É pela realização contínua
dessas atividades, bem como por sua posterior socialização, que o jogo pode ser considerado
um fenômeno cultural. (CASTILHO, 2010, p. 50)

Maffesoli (2009) aponta a centralidade do jogo na vida social. A argumentação do


autor baseia-se na relação entre o lúdico e a socialidade, pois “o lúdico é uma maneira de a
sociedade se expressar” (p. 47). Com essa definição, o sociólogo francês discute também a
formação do jogo que, segundo ele, se manifesta de diversas formas, sendo uma “expressão
bruta ou refinada de um querer viver fundamental” (MAFFESOLI, 2009, p.47). Algo que
denota a importância do jogo é que ele opera em ações não lógicas, que constituem a maior
parte da vida cotidiana. Essa característica faz com que o jogo se manifeste na simulação, na
aparência e no teatro, argumenta Maffesoli (2009).
Mais um ponto destacado é a relação entre a “vida real” e o jogo. Uma dualidade que
também pode ser definida na dualidade ludismo x seriedade. Maffesoli (2009) enfatiza que a
separação que diz que o lúdico é menos importante se separado da vida real não se justifica.
Com isso, podemos entender que os games têm seu espaço nesse universo lúdico como fator
não menos significativo para estudo e de inserção em âmbito social e cultural.
Tanto a definição de jogo de Huizinga (2004) quanto as acepções sobre ludismo de
Maffesoli (2009) auxiliam a elucidar o papel que o lúdico exerce na existência humana. Isso
também é essencial para refletir sobre a relevância de uma cultura de games. Além disso,
essas discussões servem como base para discorrer sobre os games como integrantes da cultura
da mídia e o jornalismo especializado neste segmento.
14

Para Pinheiro (2006), a indústria dos games está totalmente ligada à do


entretenimento. Para ele, desde os primeiros jogos eletrônicos inventados, os pinballs, essa
aproximação era evidente. Tal fato se dava por conta da necessidade de distanciar as máquinas
de jogos dos equipamentos de caça-níqueis.

É importante destacar que o aprendizado adquirido nesta fase foi, mais do que lúdico, atrelado
às atividades de negociação, temática e distribuição. Em uma época onde as máquinas eram
facilmente confundidas com caça-níqueis, os pioneiros tiveram de delimitar seu negócio
(PINHEIRO, 2006, p. 2).

O autor cita ainda alguns fatos históricos para mostrar a ligação dos games com o
entretenimento. Um desses fatos é o surgimento do Spacewar, desenvolvido na década de
1960 por alunos do Massachusetts Institute of Technology, o MIT, nos Estados Unidos. O
criador de Spacewar foi Steve Russell, que contou com auxílio de Alan Kotok. O jogo
interativo foi criado para ser jogado no computador PDP-1, que contava com um monitor
monocromático para saída de dados (PINHEIRO, 2006, p. 3).
Mais uma parada na linha do tempo dos games que Pinheiro (2006) elenca é a criação
do primeiro sistema de videogame. Ele cita a invenção de Ralph Bauer, um engenheiro de
televisão alemão radicado nos Estados Unidos, que desenvolveu o Odyssey. A ideia surgiu de
um questionamento pessoal a respeito do que poderia ser feito com uma televisão, além de
sintonizar canais. “Foi neste momento que Baer cria o projeto para o primeiro videogame, que
vai ser comercializado após inúmeras negociações sem sucesso pela empresa de televisores
Magnavox” (PINHEIRO, 2006, p. 4).
Esses dois fatos mostram que os games nascem como uma mídia voltada ao
entretenimento, com base de conhecimento dividida entre televisão, engenharia e computação.
Nessa fase inicial do mundo dos games, é possível perceber dois aspectos que marcam essa
mídia: a interatividade e a narrativa9 (PINHEIRO, 2006, p. 5). Outra característica marcante
dos games como mídia, de acordo com o mesmo autor, é seu caráter multifacetado. Tal qual o
cinema, a literatura ou a música, os games se fazem valer do estímulo a diferentes sentidos
humanos, o que o torna multimídia.

9
Ainda que uma narrativa bastante primitiva, se comparada com a de jogos atuais. Nesse período a narrativa se
apresentação como uma espécie de ambientação que formava o jogo, por exemplo, o próprio Spacewar, onde os
jogadores controlavam espaçonaves. A noção de que aquilo representado em tela se passa no espaço é resultado
de uma narrativa que promete inserir quem faz parte do jogo naquele mundo.
15

Com o passar do tempo, algumas características, como as citadas anteriormente,


continuam presentes. Pinheiro (2006, p. 6) revela que o avanço da indústria sempre esteve
ligado ao da Comunicação, e que hoje a relação entre as duas áreas é próxima, devido à
constante atualização no formato dos jogos eletrônicos. O autor pondera ainda que o processo
de produção dos games é afetado por seu caráter narrativo e ludológico, além dos avanços
tecnológicos, que também exercem influência no processo. Essas questões afetam diretamente
a linguagem utilizada pelos games.
Outro aspecto que nos permite entender os games como uma mídia é destacado por
Seabra (2008), ele acredita que os suportes de jogos eletrônicos são capazes de emular
informações em diversos formatos. Para exemplificar, o autor cita dois elementos que
compõem um desses produtos em questão: o roteiro e a interface gráfica. Enquanto o roteiro
irá apresentar as informações referentes à história do game de maneira descritiva, a interface
gráfica irá apresentar o roteiro por meio de elementos gráficos e informações visuais. A
maneira como essas informações se apresentam para o jogador poderá ser diversificada. “Na
interface, a informação pode ser encontrada de forma explícita, clara, descritiva, objetiva. Ou
ainda de forma tácita, subentendida, implícita, silenciosa ou subjacente” (SEABRA, 2008,
p.3). O autor destaca ainda a peculiaridade da interface dos games de simular hibridamente
todos os formatos da linguagem humana, que para ele são o gesto, a oralidade, a escrita, o
texto, o áudio, a imagem fixa, o vídeo, a animação, o desenho e a infografia (SEABRA, 2008,
p.3).
Essa confluência de aspectos leva a considerar os games como um excelente suporte
para absorção de conteúdo, já que eles permitem ao usuário relacionar simultaneamente a
memória, seja ela visual, auditiva ou cinestésica; a orientação temporal e a orientação
espacial, sendo essas últimas em duas ou três dimensões; a coordenação sensório-motora,
tanto a ampla, quanto a fina10; a percepção auditiva; a percepção visual, por meio do tamanho,
da cor, dos detalhes, da forma, da posição, da lateralidade e da complementações dos objetos
que compõem o game; o raciocínio lógico-matemático; a expressão linguística oral e escrita; o
planejamento e a organização (SILVA, 1999, apud SEABRA, 2008).

10
Os dois tipos de coordenação motora diferem de acordo com os grupos musculares que são trabalhados. A fina
volta-se para os movimentos que utilizam os músculos pequenos, das mãos e antebraços, e que envolvem
atividades que requerem maior precisão e refinamento. Já a ampla, ou a grossa, dedica-se a atividades que
envolvem grupos musculares maiores e envolve ações como correr e pular, por exemplo.
16

A conceituação proposta por Seabra (2008) permite entender os games como


possibilitadores de uma pedagogia informacional e de uma autonomia de aprendizagem, ou
seja, proporcionam a geração de um espaço pedagógico onde ocorrem processos de
aprendizagem. Característica semelhante à de “filmes, revistas, jornais, brinquedos, anúncios
publicitários, entre outros” (SEABRA, 2008, p. 6).
Carneiro (1998, apud Seabra, 2008) destaca que é o processo ativo de aquisição do
conhecimento um dos principais fatores que contribui para a capacidade pedagógica citada
anteriormente. Isso “demanda apropriação da informação e sua consequente transformação”
(SEABRA, 2008, p. 12).
Uma questão evidenciada por Seabra (2008) é o game como elemento motivador de
uma prática comunicativa entre praticantes. Ele cita Zille (2004) para destacar uma
característica comum da comunidade de jogadores de games, principalmente daqueles que
frequentavam lan houses. Essa troca de informações entre os gamers costuma misturar
vocábulos em português e inglês, criando termos próprios ou reinventando os significados dos
originais. Essas expressões são criadas durante a prática dos jogos e “transpassam todo o
universo que envolve os elementos internos e externos ao jogo” (ZILLE, 2004, apud
SEABRA, 2008, p. 5).
Um meio com a mesma função de trocas de informações voltados aos jogadores são os
fóruns de discussões on line, ambientes similares às lan houses, onde a troca de informações
com características próprias ocorre. Nos fóruns, há conversas a respeito de tópicos que podem
ser relacionados aos games, ou não. Tanto lan houses quanto fóruns podem ser considerados
ambientes informais de aprendizagem (SEABRA, 2008).
A interatividade do jogador com o game em si também é um elemento importante
quando se considerar sua caracterização como suporte de informação. Seabra (2008) relata
que, desde suas primeiras versões, os games já apresentavam maior interatividade do que a
TV, por exemplo, já que o jogo reage às ações de quem o pratica. Há, portanto, a presença de
uma interação. Enquanto o jogador age, o telespectador só pula os canais.
Todas essas conceituações nos permitem entender os games como uma mídia
interativa, com capacidade informacional que, além disso, combina diferentes linguagens e se
utiliza de recursos multimídia que combinam textos, imagens e sons. Além disso, destaca-se
que os games potencializam os sentidos humanos: “o jogador é estimulado a tomar decisões,
muitas vezes, além da mera racionalidade (SEABRA, 2008, p. 13).
17

O histórico dos games e as características que o definem como mídia e sua capacidade
de suporte de informações são elementos fundamentais para a compreensão da sua relação
com a Comunicação. Essa afinidade entre os campos culmina nas publicações voltadas aos
games. O trabalho de Jenkins (2009) a respeito da cultura da convergência também propicia o
entendimento de mais alguns fatores relacionados à mídia de games.
O principal atributo da cultura da convergência é o fato de ser multimídia. “No mundo
da convergência das mídias, toda história importante é contada, toda marca é vendida e todo
consumidor é cortejado por múltiplas plataformas de mídia” (JENKINS, 2009, p. 30). O autor
relata ainda que a convergência é resultado de uma transformação cultural, por meio da qual
os consumidores passam a buscar novas informações e fazer conexões nesse ambiente de
muitos e dispersos meios.
Outro fator que define a convergência é o ambiente em que ela se dá. “A convergência
ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com
outros” (JENKINS, 2009, p. 31). O ambiente proporcionado pela cultura da convergência
afeta os paradigmas que movem a indústria do entretenimento. Sobre esse tema, o autor diz
que “a convergência ressurge como um importante ponto de referência, à medida que velhas e
novas empresas tentam imaginar o futuro da indústria de entretenimento” (JENKINS, 2009, p.
33). Como consequência, essa mudança de paradigmas afeta a indústria dos games e a
maneira como se relaciona com os meios de comunicação. É possível observar a convergência
em prática com o exemplo da relação dos games e o cinema. Jenkins (2009, p. 36) aponta que
os “magnatas do cinema” enxergam nos jogos eletrônicos a possibilidade de merchandising,
colocando a logo do produto em mais um produto midiático, além de possibilitar que a
narrativa da história original seja expandida.
É nesse cenário convergente que o jornalismo de games se insere. Um ambiente em
que a relação entre conteúdo, quem o consome e quem o produz é impactada.
2. JORNALISMO ESPECIALIZADO

É a partir da segunda metade do século XX que o jornalismo especializado passa a se


tornar uma tendência mais encorpada, de acordo com Bueno (2015). O autor aponta para a
existência de uma audiência heterogênea, que necessita de informação qualificada. Nesse
sentido, o jornalismo especializado representa um processo de segmentação, que leva até ao
público os conteúdos de interesse. Esse processo é “mediado pela produção e circulação de
discursos intrinsecamente associados a jargões, termos técnico-científicos, neologismos e
conceitos compartilhados pelos diversos campos de conhecimento” (BUENO, 2015, p. 280).
Essa prática é percebida como opositora àquela voltada à informação geral. A
cobertura generalista não costuma se vincular a uma temática específica e se manifesta a
partir de um discurso livre de jargões e termos técnicos ou científicos. Os conteúdos
jornalísticos especializados, para Bueno (2015), pressupõem uma área de cobertura que esteja
voltada a uma determinada temática, além de possuírem um discurso especializado e fontes
que são especialistas no assunto.
Outra autora a tratar do jornalismo especializado é Abiahy (2000), que cita algumas
características da Sociedade da Informação para entender o ambiente em que o jornalismo
especializado cresce. Um desses elementos é a dificuldade de estabelecer um perfil de
consumidor padrão, ainda que os mercados tenham se tornado globalizados. Como aponta a
autora, é uma questão paradoxal. Essa preferência pela personalização e fragmentação exige
uma abordagem com mais nuances e que diferencie as preferências dos consumidores. Esses
aspectos, apesar de voltados para o mercado em geral, também estão presentes naqueles que
oferecerem produtos e serviços de informação. Essa segmentação do público, bem como
fusões dos conglomerados de mídias, são elementos importantes para serem considerados ao
se falar de jornalismo especializado. A autora relata que a informação se diversifica e a
massificação é substituída pela personalização:

O desenvolvimento do jornalismo especializado está relacionado a essa lógica econômica que


busca a segmentação do mercado como uma estratégia de atingir os grupos que se encontram
tão dissociados entre si. Muito além de ser uma ferramenta mais eficaz de lucro para os
conglomerados midiáticos, o jornalismo especializado é uma resposta a essa demanda por
informações direcionadas que caracteriza a formação das audiências específicas. (ABIAHY,
2000, p.5)
19

Esse ambiente vem, de acordo com a autora, de um afrouxamento nos laços da


coletividade. Isso acaba fazendo com que os indivíduos passem a se fechar em grupos de
interesses particulares e a comunidade se divida em nichos diversos (ABIAHY, 2000). As
publicações especializadas, então, passam a oferecer uma resposta para os grupos que buscam
uma linguagem e uma temática apropriada para seus interesses ou contextos. O jornalismo
especializado passa a exercer, de acordo com a autora, um papel de coesão social, que agrega
indivíduos de acordo com suas afinidades, não mais tentando nivelá-los a partir de um padrão
médio de interesses.
A personalização passa a oferecer uma mudança no que a autora chama de
hierarquização da informação, que passa a ser mais flexível, já que temas que não
costumavam ser abordados entram em foco e adquirirem importância (ABIAHY, 2000). Além
disso, esse contexto, onde a disponibilidade de veículos ofertando a informação é maior,
também incrementa a capacidade de escolha do consumidor de conteúdo jornalístico, dessa
maneira, o perfil do público se alterou, agora é mais qualificado para se identificar com o
material midiático que consome (ABIAHY, 2000). Por outro lado, é característica da
sociedade da informação também, “a sensação de atordoamento com o bombardeio de
informações a que temos acesso” (ABIAHY, 2000, p.24). Nesse cenário, o jornalismo
especializado atua como organizador e seletor eficaz do material informativo.
Uma visão consoante sobre o tema é encontrada em Pérez (2003). O autor assinala o
surgimento da informação especializada como um fato ligado ao propósito jornalístico de
abordar com profundidade temas de interesse e dar-lhes uma abordagem diferenciada,
envolvendo um direcionamento dos conteúdos a setores bem determinados, ou até mesmo
uma audiência geral. O autor também enxerga a questão da necessidade do mercado de
comunicação de atingir públicos segmentados. As audiências passaram a não se conformar
com as ofertas homogêneas tradicionais de informações.
A visão de Pérez (2003) é consoante com a de Abihay (2000) ao citar um cenário em
que informações são ofertadas às pessoas de maneira demasiada. Essa característica é uma das
razões que impulsionaram a especialização de conteúdo e a oferta de produtos alternativos à
informação geral. Outro motivo é relacionado ao mercado e ao aumento da concorrência
(PÉREZ, 2003). O aparecimento de temáticas desconhecidas e novidades exige formação e
20

conhecimentos específicos para o tratamento jornalístico, outra razão que motiva a existência
do jornalismo especializado. Nesse âmbito, pode-se destacar que esse surgimento de novos
fatos motiva a existência do jornalismo de games.
Segundo Pérez (2003), “são novos temas que resultam da evolução social, científica,
econômica e política, e despertam grande interesse devido à súbita e crescente preocupação
do público por questões ainda não valorizadas do ponto de vista informativo” (PÉREZ, 2003,
p.79)11. Esses conteúdos até então estavam desatendidos, seja por não serem considerados, ou
por possuírem aspectos para os quais não havia sido dada a devida atenção, já que não eram
temas conhecidos.
Pérez (2003) também concorda que o surgimento das redações em áreas temáticas é
fruto da procura da audiência por notícias com tratamento informativo mais profundo e
rigoroso. Esse foi um dos passos para o fortalecimento da informação especializada como
uma prática habitual jornalística. Outra consequência é o estabelecimento de critérios próprios
para o tratamento jornalístico desses conteúdos, conforme as características de cada segmento.
Esses meios de comunicação especializados são, então, respostas aos “vácuos jornalísticos”
decorrentes dos veículos generalistas, que costumam tratar de todos os temas, com os mesmos
critérios.
O autor faz uma ressalva pertinente a respeito do jornalismo especializado. Ele nota a
existência de dois discursos provenientes da informação especializada: um voltado para
audiências específicas e outra para generalizadas. No primeiro, é quando o jornalista fala com
um grupo reduzido de pessoas, sabendo que o tema abordado interessa a uma audiência
concreta, aqui pode aparecer a linguagem mais técnica, já que se supõe um nível de
conhecimento dos receptores. Já no segundo caso, o profissional se comunica usando os
critérios de uma notícia tradicional para um público geral, mas sem deixar de ser informação
especializada, entretanto, há necessidade de clareza dos conceitos.
Sáez (2010) reitera que um ambiente em que informações circulam em excesso é
característico da Sociedade da Informação. Nesse cenário, a comunicação circula
instantaneamente, sem barreiras geográficas, com conteúdo de toda a sorte sendo disparado
por emissores de procedências variadas, onde quase todos os indivíduos podem ser autores
das próprias mensagens. Com o inchaço das comunicações, acaba ocorrendo um fenômeno

11
No original: “Son temáticas novidosas froito da evolución social, científica, económica e política, e espertan
un grande interese debido á repentina e crecente preocupación da audiencia por temas que aínda non se
valoraban desde o punto de vista informativo” (PÉREZ, 2003, p.79).
21

onde há mais informações do que podem ser consumidas. Como consequência desse
ambiente, a autora explica que a especialização jornalística tem passado por “um crescimento
espetacular, tentando ser a resposta para a complexidade dos conteúdos que compõem a
atualidade e para a demanda seletiva dos usuários da informação”12 (SÁEZ, 2010, p.1).
Outra característica que Sáez (2010) aponta como parte do propósito do jornalismo
especializado é a facilitação da comunicação entre especialistas que trabalham em âmbitos
distintos do conhecimento e a sociedade. Tal atividade deve possibilitar que os benefícios das
descobertas feitas passem a ajudar as pessoas. A especialização jornalística, então, passa a ser
também uma exigência da própria audiência, que se torna cada vez mais setorizada,
entretanto, ela também é uma necessidade dos próprios meios de comunicação para alcançar
uma maior qualidade de informação e um aprofundamento dos conteúdos.

Jornalismo Especializado é aquela estrutura informativa que engloba todo o processo comunicativo para
apresentar a realidade através das múltiplas áreas temáticas que a moldam e que estão sujeitas ao
tratamento jornalístico por profissionais qualificados em dois diferentes níveis de especialização,
capazes de satisfazer usuários em suas demandas por entretenimento, por um lado, e de aprofundar o
conhecimento, por outro, seja qual for o meio escolhido para sua disseminação.13 (SÁEZ, 2010, p.8).

Na definição, a autora acredita que se encontram os elementos que configuram a


prática jornalística especializada:
1) Estrutura informativa que abraça todo processo comunicativo: desde o
acontecimento de atualidade que vai ser informado, até o receptor da mensagem,
sendo os acontecimentos representados através das distintas especialidades que o
jornalismo pode tomar e que configuram a realidade social;
2) O jornalismo especializado atinge o objetivo de satisfazer as necessidades e
interesses dos usuários dos meios de comunicação, proporcionando a eles
informações que lhes são importantes (não necessariamente utilitárias, já que há
interesses diversos e uma oferta ampla de produtos especializados à disposição);

12
“Un espectacular auge, intentando ser la respuesta a la complejidad de los contenidos que conforman la
actualidad, y a la demanda selectiva de los usuarios de la información” (SÁEZ, 2010, p.1)
13
No original: “Periodismo Especializado es aquella estructura informativa que abarca todo el proceso
comunicativo para presentar la realidad a través de los múltiples ámbitos temáticos que la configuran y que son
objeto de tratamiento periodístico por parte de profesionales cualificados en dos niveles de especialización
distintos, capaces de satisfacer a los usuarios en sus demandas de entretenimiento, por un lado, y de
profundización en el saber, por otro, sea cual sea el soporte elegido para su difusión” (SÁEZ, 2010, p.8).
22

3) Relacionamento com as distintas fontes que tenham os mais distintos tipos de


especialização: há a necessidade de um profissional de qualidade para o contato
adequado com os especialistas em cada área;
4) O tratamento específico de informações em todas as suas fases de produção:
seleção, tratamento, redação e transmissão, considerando a linguagem específica
para cada tipo de público, escolhendo o gênero jornalístico mais adequado para
cada aprofundamento e contexto que a notícia exigir. (Adaptado de Sáez, 2010,
p.9)
Outra questão importante para a evolução do jornalismo especializado evidenciada por
Tavares (2012) é a relação entre a especialização e a informação. É necessário que o jornalista
especializado seja um interlocutor entre aqueles que detêm o conhecimento especializado e as
pessoas que não o possuem. É, portanto, tarefa do profissional do jornalismo a conversão da
informação especializada em informação jornalística especializada. Nesse sentido uma
definição bastante didática do campo da informação especializada seria a de um espaço
discursivo onde se abrigam todas mensagens selecionadas, sejam políticas, religiosas,
literárias, científicas, artísticas, econômicas ou esportivas, que são excluídas do caráter de
comunicados gerias.
Outra contribuição importante de Tavares (2012) para o entendimento do jornalismo
especializado é baseada no trabalho de Tuñon (2000), que propõe nove objetivos do
jornalismo especializado: 1) a ampliação do conceito de atualidade jornalística14; 2) essa
prática deve servir como instrumento mediador entre especialistas e a audiência; 3) buscar o
aprofundamento da explicação de fenômenos novos, de acordo com as exigências das
mudanças sociais; 4) aumento da credibilidade dos meios e dos jornalistas; 5) melhoria da
qualidade da informação jornalística; 6) promoção do interesse jornalístico como uma
maneira de acrescentar a curiosidade pelo conhecimento; 7) possibilitar o aumento de
conhecimentos sobre a complexidade do mundo; 8) ampliar e democratizar o acesso à cultura;
9) a substituição da figura do colaborador especialista à do jornalista especializado.
Para Tavares (2007) a produção de conteúdo especializado cobre funções culturais
mais complexas que a simples transmissão de notícias, elas também entretêm. Entre o rol de
conteúdo segmentado há análises, reflexões, enfim, uma experiência de leitura (TAVARES,

14
São fatos, ideias e serviços que antes não eram considerados como objetos de comunicação jornalística.
23

2007). O autor explica então, que o que difere as publicações especializadas do jornalismo
noticioso diário é o estatuto de notícia.
Levando em consideração o portal IGN, que será objeto de análise dessa pesquisa, é
possível observar a ocorrência de uma mescla das características das revistas com a imprensa
generalista. Os conteúdos do jornalismo online de games entretêm, por sua linguagem
diferenciada, sua experiência multimídia e suas temáticas carregadas de informações do
interesse leitor, ao mesmo tempo que informam sobre acontecimentos factuais a respeito do
mercado de games.
A partir da discussão de Tavares (2007) e Tuñon (2000), é possível verificar
características no jornalismo de games. Entre elas destaca-se: a que versa a respeito da
ampliação do conceito de atualidade jornalística; o aprofundamento da explicação de
fenômenos novos, de acordo com as exigências das mudanças sociais; a oferta de mais de
conhecimentos sobre a complexidade do mundo; e a ampliação e democratização do acesso à
cultura.

2.1 PERFIL DO PROFISSIONAL E A PRÁTICA DO JORNALISMO

ESPECIALIZADO

Uma maneira de compreender o jornalismo especializado é por meio do conhecimento


das características desejáveis ao profissional que exercer esse tipo de prática. Para Abiahy
(2000), trabalhar temas mais elaborados para editorias específicas exige uma proximidade
com aquele assunto. A autora explica que, além dos conhecimentos aprofundados, a
linguagem também sofre mudanças. “Cada veículo constrói uma linguagem e busca uma
intimidade com seu público investindo em sua temática específica” (ABIAHY, 2000, p.25).
Pérez (2003) também faz comentários a respeito do que é desejável em um jornalista
que trabalha em veículos especializado. O profissional deve ser especialista em uma área ou
no assunto, mas com conhecimentos gerais de jornalismo, sendo, sempre, um profissional da
informação. O autor explica que pode haver várias modalidades de especialização jornalística.
Por exemplo, ela pode ser continuada, pontual (para realizar um trabalho específico), feita
numa área temática ou numa microespecialização de um aspecto específico de uma subárea.
24

Outra contribuição para entender as características do jornalista especializado vem de


Bueno (2015). Para ele, o profissional precisa ter um nível de capacitação diferenciado, com
conhecimento que vá além do trivial na área sobre a qual atua. É justamente essa instrução
mais aprofundada que permite que ao responsável pelo processo jornalístico especializado
dialogar com as fontes e acessar recursos que favorecerão o seu trabalho. O autor faz quatro
observações a respeito da prática de jornalismo especializado. A primeira delas envolve o
contato com as fontes. As consultas no momento da produção desse tipo de jornalismo não
devem ser apenas a especialistas. É essencial que se consulte outras fontes, inclusive o
cidadão comum. A ideia é que isso faça com que os temas sejam repercutidos sob a ótica de
outros membros da sociedade, que igualmente têm direito e obrigação de participação no
debate daquilo que impacta a vida social.
Ainda na relação com as fontes, Bueno (2015) sugere que os jornalistas em trabalhos
especializados precisam tomar cuidados com as intencionalidades de quem concede as
entrevistas, ou fornece as informações. O autor explica que é necessário ter atenção aos
possíveis lobbies que visem benefícios a terceiros. Nesse cenário, o caminho que se deve ser
seguido é:

Contextualizar as falas das fontes, identificando compromissos que degradam a autenticidade


delas. Na prática, isso significa estar atento às conexões entre fontes e interesses escusos,
enxergar além da notícia, com o objetivo de perceber informações e opiniões que são reféns de
determinados compromissos (comerciais, políticos, ideológicos ou mesmo pessoais).
(BUENO, 2015, p.286)

É importante que exista uma multiplicidade de especialistas sondados para uma pauta.
Isso mostra um esforço para oxigenar o assunto tratado e impede que haja um sufocamento
por parte da arrogância de quem se considera autoridade em determinado tema.
A segunda observação que Bueno (2015) ressalta é a ideia de que o jornalismo
especializado não é uma mera tradução do discurso de um especialista no tema. O texto dessa
prática jornalística deve ir além das fontes, trazendo consigo a “experiência, as intenções, as
visões sobre o mundo e sobre o objeto da pauta dos profissionais de imprensa” (BUENO,
2015, p. 291).
Além disso, o autor indica a preocupação com a colocação de jornalistas como
especialistas da área a qual se debruçam. Não que essa prática não possa existir, segundo
Bueno (2015) os profissionais de jornalismo chegam a recorrer à academia para se tornar
25

capacitados no tema que abordam, o que acaba tornando-os portadores de títulos de mestres e
doutores. O problema citado é quando os jornalistas deixam de levar em conta o compromisso
com o público e o perfil do referido segmento, acabando por refinarem seus discursos e se
distanciar daquelas pessoas que consomem o seu conteúdo, instaurando o que o autor chama
de “incomunicação” (BUENO, 2015, p. 292).
A última observação feita é um questionamento da especialização do jornalismo por
parte de profissionais e estudiosos da área, que alegam que o mergulho em determinado tema
proposto pelo jornalismo especializado, além das características que são vistas como
diferenciais da segmentação, nada mais são do que atributos que deveriam ser habituais no
jornalismo como um todo. “Para os críticos do chamado jornalismo especializado, os bons
jornalistas serão sempre especializados porque estarão empenhados em dominar o objeto da
sua pauta, em buscar fontes adequadas para repercuti-la e assim por diante” (BUENO, 2015,
p. 292). Apesar de concordar que essa questão faz sentido, Bueno (2015) destaca que, na
prática, jornalistas que tenham esse perfil, em geral, não são facilmente encontrados, além do
que é uma tarefa quase impossível para os profissionais das notícias possuírem a mesma
competência em todas as áreas sob as quais o jornalismo se desdobra.

2.2 CRITÉRIOS DE NOTICIABILIDADE NO JORNALISMO CONTEMPORÂNEO

A discussão a respeito do que deve, ou não, se tornar notícia não é um fenômeno


recente. Em seu levantamento sobre as discussões dos valores notícias, Silva (2005) traz
relatos de autores do século XVII. Na época em questão apontava-se que fatos que fugiam do
comum eram os de maior valor informativo. Nesse período, eram considerados, então, “a
novidade, a proximidade geográfica, a proeminência e o negativismo” (SILVA, 2005, p.101).
No contexto moderno, novas perspectivas vêm à tona, como a de Bond (1962), que
incluem a situação da vida humana, onde se encaixariam questões como saúde, segurança e
bem-estar. Além disso, para o autor em questão, um acontecimento noticiado poderia conter
mais de um elemento de interesse. Bond (1962) enumera, ainda, doze critérios que definem os
valores jornalísticos da notícia:

1. Qualquer coisa referente a uma pessoa de destaque, ou a alguém que se tenha tornado
personagem público; 2. O incomum. Alguma coisa que não pode acontecer e contudo acontece,
é notícia; 3. Qualquer coisa que afete vitalmente o governo do país ou cidade; 4. Qualquer
26

coisa que afete, direta ou indiretamente, o bolso; 5. Qualquer injustiça; 6. Catástrofe; 7


Qualquer coisa envolvendo consequências universais; 8. Qualquer coisa que provoque as
emoções do leitor – que o torne triste, ou alegre; 9. Qualquer acontecimento que interesse
vitalmente a um grande número de pessoas; 10. Qualquer coisa que se relaciona com grandes
somas de dinheiro; 11. Descoberta em qualquer setor – a primeira vez que alguma grande coisa
é feita; 12. Assassinato. (BOND, 1962, p.98)

Considerando a proposta de Bond (1962) vários outros autores passaram a fazer,


durante a segunda metade do século XX, seus próprios elencos de valores notícia, que foram
dispostos, por Silva (2005), e podem ser visualizados no Quadro 1.

Quadro 1: Elenco de valores-notícias, de acordo com diversos autores.


Elencos de valores-notícias
Stieler: novidade, proximidade geográfica, proeminência e negativismo
Lippman: clareza, surpresa, proximidade geográfica, impacto e conflito pessoal
Bond: referente à pessoa de destaque ou personagem público (proeminência); incomum (raridade); referente
ao governo (interesse nacional); que afeta o bolso (interesse pessoal/econômico); injustiça que provoca
indignação (injustiça); grandes perdas de vida ou bens (catástrofe); consequências universais (interesse
universal); que provoca emoção (drama); de interesse de grande número de pessoas (número de pessoas
afetadas); grandes somas (grande quantia de dinheiro); descoberta de qualquer setor (descobertas/invenções) e
assassinato (crime/violência).
Galtung e Ruge: frequência, amplitude, clareza ou falta de ambiguidade, relevância, conformidade,
imprevisão, continuidade, referência a pessoas e nações de elite, composição, personificação e negativismo.
Golding-Elliot: drama, visual atrativo, entretenimento, importância, proximidade, brevidade, negativismo,
atualidade, elites, famosos.
Gans: importância, interesse, novidade, qualidade, equilíbrio.
Warren: atualidade, proximidade, proeminência, curiosidade, conflito, suspense, emoção e consequências.
Hetherington: importância, drama, surpresa, famosos, escândalo sexual/crime, número de pessoas
envolvidas, proximidade, visual bonito/atrativo.
Shoemaker et al: oportunidade, proximidade, importância/impacto, consequência, interesse, conflito
/polêmica, controvérsia, sensacionalismo, proeminência, novidade/curiosidade/raro.
Wolf: importância do indivíduo (nível hierárquico), influência sobre o interesse nacional, número de pessoas
envolvidas, relevância quanto à evolução futura.
Erbolato: proximidade, marco geográfico, impacto, proeminência, aventura/conflito, consequências, humor,
raridade, progresso, sexo e idade, interesse pessoal, interesse humano, importância, rivalidade, utilidade,
política editorial, oportunidade, dinheiro, expectativa/suspense, originalidade, culto de heróis, descobertas/
invenções, repercussão, confidências.
Chaparro: atualidade, proximidade, notoriedade, conflito, conhecimento, consequências, curiosidade,
dramaticidade, surpresa.
Lage: proximidade, atualidade, identificação social, intensidade, ineditismo, identificação humana.
Fonte: Silva (2005, p. 102-103)
27

A partir dos conceitos encontrados, Silva (2005) se dedica a propor uma tabela
operacional que contemple um consenso entre os atributos oriundos dos autores citados, além
de incluir novas contribuições, para um enquadramento mais adequado ao cenário
contemporâneo do fazer jornalístico. O resultado é fruto da avaliação da autora e elabora doze
categorias, com diversos conceitos abarcados em cada conjunto, e pode ser conferido no
Quadro 2.

Quadro 2: Valores-notícia, conforme a proposta de Silva (2005)


Proposta de tabela de valores-notícia para operacionalizar análises de acontecimentos
noticiáveis / noticiados
IMPACTO PROEMINÊNCIA
Número de pessoas envolvidas (no fato) Notoriedade
Número de pessoas afetadas (pelo fato) Celebridade
Grandes quantias (dinheiro) Posição hierárquica
Elite (indivíduo, instituição, país)
Sucesso/Herói.
CONFLITO ENTRETENIMENTO/CURIOSIDADE
Guerra Aventura
Rivalidade Divertimento
Disputa Esporte
Briga Comemoração
Greve
Reivindicação
POLÊMICA CONHECIMENTO/CULTURA
Controvérsia Descobertas
Escândalo Invenções
Pesquisas
Progresso
Atividades e valores culturais
Religião
RARIDADE PROXIMIDADE
Incomum Geográfica
Original Cultural
Inusitado
SURPRESA GOVERNO
Inesperado Interesse nacional
Decisões e medidas
Inaugurações
Eleições
Viagens
Pronunciamentos
TRAGÉDIA/DRAMA JUSTIÇA
Catástrofe Julgamentos
Acidente Denúncias
Risco de morte e Morte Investigações
Violência/Crime Apreensões
Suspense Decisões judiciais
Emoção Crimes
Interesse humano
28

Adaptado de Silva (2005, p. 105).

Conforme os valores propostos por Silva (2005), é possível observar, a inclusão dos
conteúdos de jornalismo de games em alguns grupos, como o do Entretenimento/Curiosidade,
Conhecimento/Cultura, Surpresa e Raridade. Esses elementos norteiam não só o jornalismo
próprio de jogos eletrônicos, como também, a cobertura generalista a respeito do tema, tal
qual citada por Assis (2007).
3. JORNALISMO DE GAMES

A gênese das publicações que envolvem conteúdos voltado ao mundo dos videogames
é bem próxima do começo da própria indústria. Assis (2007) traça uma linha histórica com
todos os cruzamentos entre o jornalismo e os games, seja em produtos especializados, ou
aparições na mídia generalista. O autor cita as revistas Popular Mechanics, Popular Science e
Popular Electronics como as primeiras ocorrências de jogos eletrônicos em conteúdo
jornalístico. Nessas publicações, que eram voltadas para a eletrônica, os games apareciam por
meio de artigos com finalidade técnica, em que era ensinado aos leitores como desenvolver os
próprios jogos. Isso acontecia em meados da década de 1970 (ASSIS, 2007).
Com a consolidação dos jogos de fliperama, surgiram as primeiras revistas
especializadas em games. Assis (2007) cita os títulos PlayMeter, de 1974, e RePlay, surgida
um ano depois, como exemplos. Característica importante da época é o surgimento do gênero
textual review, que consiste em uma espécie de resenha dos jogos (ASSIS, 2007).
No começo dos anos 1980, fabricantes de jogos15 e consoles lançaram revistas que
serviam como catálogos para a divulgação de lançamentos e instigar a curiosidade dos
jogadores com as novidades dos games. “Boa parte delas trazia também seções de dicas,
entrevistas com os profissionais por trás da criação dos jogos e rankings periódicos para que o
público pudesse comparar seu desempenho ao de outros jogadores” (ASSIS, 2007, p.49).
É importante evidenciar a presença de uma comunidade consolidada antes da própria
internet. Essa relação convergente entre indústria de jogos e veículo de comunicação criava
espaços de interação para os aficionados por jogos. Nesse sentido, ao se pensar nesse
elemento originário das revistas de jogos, se vê a ocorrência de uma das características do
jornalismo especializado citada por Tavares (2007 e 2012) e Abiahy (2000), que é justamente
essa identificação do público com o conteúdo que consome, com o veículo que acompanha e
com a área de especialização que o interessa.

15
Assis (2007, p. 49) cita as seguintes empresas como as pioneiras: Atari, Activision, Coleco, Imagic, Mattel e
Magnavox.
30

A prática de surgirem produtos voltados a fabricantes de sistemas de vídeo game


específicos se tornou bastante comum no mercado editorial a respeito de games. Um exemplo
é a Nintendo Power, que desenvolvia material voltado aos jogos e sistema da fabricante
japonesa e ficou em circulação entre 1988 e 2012 (ASSIS, 2007). É nessa época também que
surgem os “detonados”, que são “um fenômeno que mais tarde seria seguido por diversas
outras publicações ao trazer dicas extensivas de como vencer cada uma das etapas e derrotar
os principais inimigos dos jogos” (ASSIS, 2007, p.49).
Outro elemento característico dessas publicações é o acesso a “informações oficiais e
privilegiadas obtidas através dos próprios funcionários da empresa” (ASSIS, 2007, p.49).
Nesse sentido, o autor sugere a ocorrência de possíveis conflitos de interesse e limites para a
publicação de conteúdos críticos por parte dos jornalistas. Esse dilema também se faz presente
em uma entrevista da revista The Escapist16 com profissionais da área, publicada em 2006.
Um dos entrevistados revela que os jornalistas precisam fazer “o melhor possível para
garantir” que nada do que recebiam dos desenvolvedores fosse “excessivamente filtrado”
(ZENKE, 2006, p.2). Outro entrevistado revela que a questão dos conflitos está, de fato,
incluída neste ramo de atuação.

Desde que tenhamos que ser bonzinhos para conseguir resenhar hardware ou games, seremos
tão vendidos quanto os críticos de cinema que sempre parecem ter citações positivas nas
propagandas daqueles filmes que não pagaríamos para assistir. Um post crítico de blog aqui ou
lá não é o bastante para balancear toda a porcaria grátis. Nós podemos fingir que não estamos
no bolso das grandes companhias. Mas a gente cobre uma indústria ao invés de uma forma de
arte (ZENKE, 2006, p.2, grifo nosso).17

Além dos títulos dedicados a uma única desenvolvedora de sistemas de videogames,


há também aqueles voltados ao mercado em geral, que Assis (2007) chama de
multiplataforma. Também datada dos anos 1980, as duas pioneiras nesse estilo são a
Electronic Games, em circulação entre 1981 a 1985, e a Computer and Video Games,

16
Disponível em:
<https://v1.escapistmagazine.com/articles/view/video-games/issues/issue_71/409-Game-Journalists-on-Game-Jo
urnalism.2> Acesso em: 30/05/2019.
17
No original: “And as long as we have to play nice to get review hardware or games, we'll be as big a sellout as
those movie reviewers who always seem to have thumbs-up quotes on the ads for movies we would not [pay]
money to go see. A snarky blog post here or there isn't enough to balance out all the free s---. We can pretend
that we are not in the pocket of the big companies. But we cover an industry rather than an art form” (ZENKE,
2006, p.2).
31

publicada entre 1981 e 2004, no Reino Unido. Outros exemplos que são notados pelo autor
são a Eletronic Games Monthly18 e a japonesa Famitsu (ASSIS, 2007).
Assis (2007) relata ainda que o mercado de revistas de games no Brasil seguiu a
mesma tendência que o histórico internacional, porém de maneira tardia, somente nos anos
1990.
Desenvolvida originalmente pela editora Abril como um suplemento da revista Semana em
Ação, a Ação Games chegou ao mercado em outubro de 1990 já sob o comando da editora
Azul. Aproveitando-se do sucesso da geração dos consoles de 8-bits e 16-bits, a revista, que
permaneceu no mercado até o ano 2000, acompanhava o mesmo modelo de suas
correspondentes estrangeiras, com informações sobre lançamentos, resenhas de jogos, dicas
para vencer os jogos e seção de cartas. Em seguida viriam a Super Game, com foco nos jogos
para os consoles da Sega, e a Power Game, esta direcionada aos adeptos da Nintendo, que mais
tarde se uniriam em um só título – também já extinto – batizado de SuperGamePower. (ASSIS,
2007, p. 50)

Os anos 1990 marcam a aparição dos primeiros veículos digitais de jornalismo voltado
aos games. Criado em 1996, o GameSpot.com está em funcionamento até hoje. O portal
conta, desde a época de seu lançamento, com gêneros textuais que definem boa parte das
publicações da área. De acordo com Assis (2007), os leitores encontravam no GameSpot
notícias em geral, as já mencionadas reviews e previews, que são “reportagens que adiantam
informações e imagens sobre jogos ainda em produção” (ASSIS, 2007, p. 51). Outro
representante dessa mesma época e com proposta parecida é o IGN. Tanto o GameSpot quanto
o IGN têm cunho multiplataforma e possuem versões brasileiras19.
Outro elemento desses portais de internet e que fazem menção às revistas de games
dos anos 1980 é a criação de comunidades. Esses portais de jogos passaram a oferecer aos
seus leitores “fóruns e seções em que os leitores publicam suas próprias resenhas e dicas
sobre os games” (ASSIS, 2007, p. 51). Novamente, vemos a presença de algo que ocorre com
os consumidores de conteúdo do jornalismo especializado, que se transformam em uma
comunidade de pessoas com interesses voltados a um mesmo tema.
Ainda no ambiente online, Assis (2007) nota a presença de blogs com conteúdo a
respeito de games e da cobertura desta indústria. Datados dos anos 2000, esses novos veículos
possuem linguagem mais coloquial e um conteúdo mais opinativo, fatores que levaram esses
produtos a serem denominados de “tablóides do jornalismo de games” (ASSIS, 2007, p. 51).

18
Como mencionado na introdução deste trabalho, a EGM contou com uma edição brasileira.
19
A IGN está presente no Brasil desde 2015, já o GameStop foi importado em 2018.
32

O jornalismo de games feito na internet teve seu potencial aumentado com a melhoria
das conexões. De acordo com Assis (2007), além da agilidade na publicação do material,
outra contribuição do ambiente online foi a possibilidade de integração do conteúdo
multimídia. Um exemplo disso é a utilização de vídeos que, além de fazer as tradicionais
reviews e previews, passaram a criar programas de notícias, entrevistas e quadros
humorísticos ligados aos games (ASSIS, 2007). Nesse sentido, reitera-se a relação que o
jornalismo de videogames tem com o conceito de Cultura da Convergência proposto por
Jenkins (2009), já que diferentes conteúdos passaram a se fundir. Partindo de um só lugar é
possível acessar informações sobre um tema de interesse. Exemplos dessa prática são
comuns, como o Daily Fix, produzido pelo IGN Brasil, que publica um vídeo diário contendo
um apanhado geral das notícias do mundo dos games, imitando o formato dos telejornais.
Nessa prática, diversas mídias se misturam: os games, o jornalismo de games, o vídeo para
web e a televisão. Outro exemplo é citado pelo próprio Assis (2007), que menciona os vídeos
do canal Angry Video Game Nerd.

Criado pelo cineasta amador James D. Rolfe, inicialmente como Angry Nintendo Nerd, o
personagem surgiu em 2004 como uma brincadeira em cima de games do console NES que,
apesar de ‘clássicos’, ‘sempre tinham alguma coisa irritante’. Publicados no site YouTube dois
anos depois, os vídeos destrincham jogos como Catlevania 2: Simon’s Quest, o primeiro
Teenage Mutant Ninja Turtles, Top Gun, além da famigerada luva Powerglove, e se tornaram
um sucesso instantâneo entre os usuários e jogadores nostálgicos. Por trás do tom
mal-humorado e sempre boca suja, o Angry Nintendo Nerd faz críticas ao design e mesmo a
aspectos culturais do jogo que vão bem além do que Rolfe afirma modestamente em seu site
como sendo apenas ‘comédia’. (ASSIS, 2007, p. 52)

Sobre a relação da indústria de games com os meios de comunicação generalistas,


chamados por Assis (2007) de meio de comunicação em massa (jornais diários, revistas de
variedades e redes de televisão), é possível notar a ocorrência de três eras distintas. A primeira
delas são as coberturas em tom entusiasmado, datadas dos anos 1980, período que ficou
conhecido como “era de ouro dos games”. Era comum que revistas como a Time, Newsweek e
o jornal The New York Times publicassem matérias a respeito do crescimento da indústria,
enaltecendo os valores atingidos pelas companhias envolvidas no meio. Já nos anos 1990, o
discurso adotado por esses meios mudou, sendo comum a associação da prática de jogos
eletrônicos com acontecimentos negativos, já que “os veículos de comunicação de massa
engrossavam o coro de acusações à suposta violência nos games, especialmente após casos
como o do massacre da escola Columbine, em 1999” (ASSIS, 2007, p.62).
33

A década seguinte apresenta novamente a mudança no paradigma sob o qual os meios


em questão tratavam o mundo dos games. O avanço tecnológico dos jogos e um novo
crescimento do faturamento perante outros setores do entretenimento fizeram com que a
imagem dos jogos voltasse a ser positiva. Surgiram reportagens que comparam as indústrias
de games a Hollywood, além de iniciar discussões a respeito da existência de um status de
arte (ASSIS, 2007). Além disso, muitos veículos começaram a produzir as próprias críticas
aos jogos que passaram a ser lançados20.
Assis (2007) cita alguns problemas que fariam parte dessa prática, baseado em um
texto de Kyle Orland, que fundou o site Video Game Media Watch, voltado a comentar as
práticas de jornalismo de games. Segundo o autor, a mídia voltada a jogos eletrônicos “estaria
pecando pelo ‘excesso de opinião’ e ‘raramente’ tem apresentado ‘entrevistas aprofundadas
ou análises genuínas sobre a indústria em sua seção de notícias de videogames’ ” (ASSIS,
2007, p.64).
Ainda a respeito da prática, Assis (2007) recomenda que os profissionais envolvidos
não levem em conta só a história dos games e os padrões estabelecidos pelas publicações
tradicionais desse segmento. O autor defende que o jornalismo “sério” de games considere
contemplar padrões de qualidade e de estilo compartilhados com a imprensa
não-especializada. “E é desta troca constante de experiências e informações que deve emergir
um jornalismo de – ou sobre – games bem-informado, responsável e, acima de tudo, crítico”
(ASSIS, 2007, p.67).

20
Assis (2007) cita como exemplos o diário britânico The Guardian, o jornal The New York Times e as revistas
Wired, Entertainment Weekly, Variety e Rolling Stone.
4. DELINEAMENTO METODOLÓGICO

Para que sejam realizados os objetivos pretendidos por esse trabalho de pesquisa, os
procedimentos metodológicos foram divididos em três etapas. A primeira diz respeito ao
levantamento qualitativo de informações sobre elementos relevantes para o tema, que
posteriormente seriam construídas como referencial teórico. Assim sendo, buscou-se utilizar
trabalhos acadêmicos a respeito de games, jornalismo de games, jornalismo especializado e
ludismo. A segunda etapa tem caráter exploratório e procurou-se submeter um questionário
semiestruturado a profissionais do jornalismo que atuam em veículos de comunicação
dedicados à cobertura da cultura dos games, bem como os demais elementos que compõe a
indústria de jogos eletrônicos. A respeito desse método de obtenção de dados, Duarte (2009)
explica que se parte de um roteiro, composto por questões guias que são de interesse do tema
da pesquisa. As perguntas, então, devem se originar no problema de pesquisa que o trabalho
busca elucidar. O autor aponta que, com a utilização desse método, é possível obter-se
respostas que podem ser comparadas posteriormente. Sendo assim, o roteiro guia inicial serve
também como fundamento para o desenvolvimento da análise.
A escolha dos entrevistados se fez com base em um levantamento de autores que
assinavam textos em oito veículos de comunicação online, bem como dos editores dos
mesmos, quando sinalizado. Além disso, levou-se em conta também um profissional da área
que atualmente atua no setor de assessoria de comunicação de uma empresa de jogos. O
levantamento encontrou 36 nomes. Utilizou-se apenas seis desses nomes, considerando que
foram os únicos que responderam às perguntas durante o prazo de realização deste trabalho.
Outra etapa prática da pesquisa foi a análise de um veículo de comunicação
especializado no mundo dos games. Como indicado na introdução desse trabalho, o produto
escolhido é a versão do portal de notícias IGN21. A escolhe deve-se ao fato de que esse é um
dos mais acessados portais na área, no Brasil, além de a versão americana ser pioneira no
ramo, existindo desde 1996.

21
Disponível em: < https://br.ign.com/>. Acesso em: 31/05/2019
35

Para as duas últimas fases do trabalho citadas, a metodologia escolhida é a análise de


conteúdo. Para Moraes (1999), esse método pode descrever e interpretar o conteúdo de todo o
tipo e forma. Cavalcante, Calixto e Pinheiro (2014) também a definem como um conjunto de
técnicas de pesquisa que permite a descrição de mensagens, de seus contextos, bem como de
inferências sobre os dados coletados, tudo isso de uma forma sistemática.
A análise de conteúdo utiliza como matéria-prima todo material, podendo ser oriundo
da comunicação verbal e não-verbal, “como cartas, cartazes, jornais, revistas, informes, livros,
relatos autobiográficos, discos, gravações, entrevistas, diários pessoais, filmes, fotografias,
vídeos, etc.” (MORAES, 1999, p.12). Essa propensão a atuar em diferentes suportes de
informação faz com que ela apresente diversas possibilidades, além de se integrar cada vez
mais como uma maneira de explorar qualitativamente mensagens e informações, de acordo
com o autor.
Para Bardin (1977), a análise de conteúdo é um conjunto de voltado para dois
objetivos distintos. Um deles é a ultrapassagem da incerteza, que seria confirmar a
correspondência entre o que o pesquisador enxerga no objeto analisado e aquilo que
efetivamente está contido na mensagem. O segundo é o enriquecimento da leitura, que seria
um aprofundamento do primeiro olhar sobre o material analisado, assim sendo, a partir da
aplicação do método em questão é possível descobrir estruturas e conteúdos que confirmem o
que se procura demonstrar, além de esclarecer elementos que até então não tinham
compreensão.
Bardin (1977) cita ainda duas funções que são inerentes à análise de conteúdo de
mensagens e que podem coexistir, na prática, de maneira complementar: são a função
heurística e a de administração da prova. A primeira seria o enriquecimento da tentativa
exploratória, aumentando a inclinação das descobertas. Por sua vez, a administração de provas
se relaciona com o teste das hipóteses sob forma de questões ou afirmações provisórias, que
também servem como diretrizes para a exploração, servindo como comprovação do que é
testado. Com esse contexto em mente, a autora classifica a análise de conteúdo como um
método empírico e dependente do tipo de discurso a que pretende se debruçar, por isso,
explica que não existe uma solução pronta em análise de conteúdo, mas um conjunto de
regras base. Desse modo, a técnica de análise de conteúdo necessita ser reinventada de acordo
com os objetivos e objetos do estudo em questão.
36

A opinião também é compartilhada por Moraes (1999), que enxerga no método um


guia prático para a ação que sempre se renova em funções dos problemas cada vez mais
diversificados que lhe servem de objeto de investigação. “Pode-se considerá-la como um
único instrumento, mas marcado por uma grande variedade de formas e adaptável a um
campo de aplicação muito vasto, qual seja a comunicação” (MORAES, 1999, p. 2). Ainda
sobre a amplitude do que se pode analisar a partir da escolha desse método, Bardin (1977)
explica que a mesma pode mirar seus esforços de análise nos significados, por exemplo, a
análise temática, quanto nos significantes, como nas análises léxicas ou de procedimentos.
Voltando-se a um caráter mais qualitativo, que corresponde às duas análises
complementares propostas nesse trabalho, essa metodologia, segundo Moraes (1999, p.2),
“parte de uma série de pressupostos, os quais, no exame de um texto, servem de suporte para
captar seu sentido simbólico. Este sentido nem sempre é manifesto e o seu significado não é
único”. Além disso, compreender o contexto é essencial para entender o texto, é preciso ir
além do conteúdo explícito, considerando também quem está envolvido na emissão da
mensagem, quem é o destinatário, as maneiras pelas quais a mensagem é decodificada e como
ela é transmitida.
Como observado anteriormente, a análise de conteúdo não é, então, um método
fechado, mas sim uma estrutura geral, com algumas regras, que podem ser adaptadas de
acordo com a necessidade da pesquisa. Entre as estão a pré-análise, a exploração do material
(ou codificação), finalizando com o tratamento dos resultados obtidos e interpretação
(CAVALCANTE, CALIXTO e PINHEIRO, 2014).
Na primeira parte elencada, cabe ao responsável pelo trabalho realizar a leitura
flutuante, a constituição do corpus, formular as hipóteses ou pressupostos. A pré-análise é
sucedida pela etapa de exploração, onde o pesquisador se esforça para definir as categorias,
que são “expressões ou palavras significativas em função das quais o conteúdo de uma fala
será organizado” (CAVALCANTE, CALIXTO e PINHEIRO, 2014, p.16). O principal objeto
de análise será o portal noticioso voltado aos games IGN Brasil, Para tanto, o corpus a ser
analisado será constituídos de textos publicados durante o dia 21 de outubro de 2019. Como
recentemente o site passou por uma mudança de visual, não mais separando a navegação de
conteúdo por página, mas sim se valendo da rolagem infinita, se tomará como base todos os
textos presentes até a seção “Direto do YouTube”, levando em conta a hora de publicação, que
37

deverá ser inferior a 24 horas desde o momento de início da análise22. O principal objetivo da
análise é perceber como é feito o jornalismo de games, quais são os critérios de
noticiabilidade e se assemelham às práticas comuns do jornalismo especializado.

22
A descrição do portal poderá ser observado o item 6 deste trabalho.
5. O JORNALISMO DE GAMES POR QUEM FAZ

Uma das maneiras pela qual a presente pesquisa se dispôs a chegar aos objetivos
propostos foi por meio de entrevistas, feitas com seis profissionais da área de jornalismo de
games. Os selecionados foram escolhidos num mapeamento de 36 nomes levantados, de oito
veículos brasileiros distintos, sendo eles IGN, Webedia, Versus, Nerdbunker, The Enemy,
Mais Esports, Voxel e assessoria de imprensa brasileira da desenvolvedora de jogos Capcom.
A escolha dos entrevistados se deu de maneira a fazer com que pelo menos um nome de cada
veículo fosse convidado a responder, sendo que nem todos responderam ao contato. O
questionário ficou disponível para que entrevistados respondessem entre o dia 30 de julho de
2019 e 30 de setembro de 2019. O instrumento de coleta de dados conta com 13 perguntas,
sendo as quatro primeiras de identificação, compondo a primeira seção, e outras nove
questões a respeito do jornalismo de games e jornalismo especializado (Anexo I).
Com as respostas da primeira seção, foi possível conhecer melhor as pessoas que
responderam as entrevistas. Dos seis que deram retorno, cinco possuem entre 18 e 30 anos de
idade, dois do gênero feminino e quatro do masculino. Duas pessoas possuem ensino superior
incompleto, outras três são graduadas em Jornalismo e uma pessoa é graduada em Letras.
Quanto ao tempo de atuação no mercado de jornalismo de games, dois dos entrevistados
possuem dois anos de experiência, um deles possui três anos de atuação, outro possui cinco
anos e dois estão há mais de dez anos nesse mercado. Com as respostas dessa seção, pode-se
perceber uma certa diversidade entre as pessoas que responderam o questionário no sentido de
experiência, entretanto, a maioria possui a mesma faixa etária, que é entre 18 e 30 anos.
Para essa etapa da pesquisa, buscou-se fazer uma análise, conforme as categorias
citadas por Moraes (1999), investigando o “para dizer o quê?”, ou seja, os esforços de análise
se voltaram ao valor informacional da entrevista, considerando as palavras utilizadas, os
argumentos construídos e as ideias que aparecem. Nesse sentido, construiu-se uma adaptação
da metodologia apontada por Bardin (1977), onde na etapa de pré-análise foi realizada a
leitura flutuante das repostas, com o corpus sendo definido de acordo com as perguntas feitas
pelo questionário semiestruturado e a organização das mensagens levam em conta essa
mesma lógica, por isso preferiu-se analisá-las individualmente. Dessa forma, tanto a criação
39

de indicadores quanto as inferências foram feitas de acordo com cada uma das respostas.
Posteriormente, uma nova etapa de inferências foi realizada, levando em conta o conteúdo
reunido por todas as perguntas e as características do jornalismo especializado, bem como as
definições de valor notícia, encontradas na etapa de referencial teórico desse trabalho.
A primeira pergunta da segunda seção do questionário aplicado é “O que você
entende como jornalismo especializado?”. Entre as respostas, foi possível observar a
recorrência do substantivo “foco”, ou do seu adjetivo derivado “focado”, presentes em quatro
das seis respostas. Outro adjetivo recorrente foi “específico”, presente, também, em quatro
respostas. Uma das respostas utilizou o termo “jornalismo de nicho”, sendo a única onde a
presença dos outros termos não foi encontrada. Compreende-se então, que a visão das pessoas
que atuam no mercado produção de conteúdo informativo sobre games é de que o jornalismo
especializado envolve o foco em assunto específico, o que de certa forma, pode-se traduzir
também como uma prática de jornalismo de nicho, já que o foco na especificidade é a criação
de um espaço delimitado de atuação, tal qual um nicho. A próxima pergunta - “Você
consideraria o jornalismo de games como jornalismo especializado” – confirma essa hipótese,
já que foram seis respostas positivas.
A terceira questão, “Que argumentos embasam a sua opinião da resposta anterior?”,
buscava aprofundar a resposta dada previamente. Aqui não houve tantas repetições de termos,
mas consegue-se perceber a repetição de alguns indicadores. Uma das respostas aponta para a
demonstração de uma “especialidade”, inerente aos veículos de jornalismo de games, já outra,
lembra que os veículos tratam de games, “especificamente”, sendo termos que aparecem
ainda a “exclusividade” e o “nicho”. Apesar de não serem necessariamente sinônimos, todas
as palavras destacadas podem indicar uma forma de segmentação. Outra inferência digna de
nota, nessa pergunta, se trata do aprofundamento por parte do profissional, enquanto um dos
entrevistados optou por complementar sua resposta com a necessidade “se aprofundar em
diversos aspectos para falar sobre o assunto”, outro comenta sobre a maneira como os jogos
são tratados por veículos do jornalismo de games, com “especialidade técnica e analítica
sobre o assunto”.
O quarto assunto questionado aos profissionais que atuam no segmento era “Quais os
principais tópicos abordados por publicações jornalísticas voltadas a games?”. Aqui, apesar de
algumas variações, alguns indicadores se repetem e mostram uma inclinação desse mercado
editorial para o lado comercial. “Lançamentos”, “promoção”, “jogos”, “preços”, “vendas”,
40

“audiência” e “repercussão” são algumas palavras que nos ajudam a perceber uma veia
mercadológica nas falas dos entrevistados, sendo que um deles, inclusive, reconhece o
jornalismo de games como “um segmento essencialmente comercial”. Ainda nesse sentido,
vemos algumas citações à produção de textos de crítica, como “análise de produtos”,
“gameplays”, “reviews”. Entretanto, um dos entrevistados acredita que a produção desse tipo
de conteúdo ainda é incipiente. Outra característica sobre o que vira notícia em veículos
voltados aos games possível de ser percebida no argumento dos profissionais da área é a
cobertura de esportes eletrônicos, citado por três entrevistados, sendo que um deles, inclusive,
sugere que o tratamento desse tema, por parte das publicações que o abordam, é semelhante
ao do jornalismo esportivo23. Por fim, nota-se uma categoria que pode abarcar temas mas
esporádicos e voltados ao entretenimento no mundo de games, como conteúdos produzidos
pela comunidade, assuntos relevantes a personalidades da área, jogadores e a plataformas de
streaming.
A última pergunta do questionário era sobre um ponto correlato ao citado acima, por
isso, será abordada antes das outras. O questionamento era sobre “Quais assuntos que se
tornam notícias nesse ramo jornalístico?”. O sentido inicial era descobrir a opinião dos
profissionais a respeito dos valores-notícia que compõe o jornalismo de games, entretanto, ao
analisar as respostas dadas na pergunta quatro e nove, percebe-se uma semelhança bastante
grande. Possivelmente, por um lapso durante a construção do questionário, que não expressou
corretamente a diferença entre os assuntos. Entretanto, é possível entender um pouco melhor
sobre o que é notícia para esse ramo jornalístico. Um exemplo é o termo “lançamento”,
primeiro a ser citado por cinco dos seis entrevistados. A chegada de um novo título é
lembrada também em outros termos que aparecem no restante da mensagem, como em
“trailers”, “desenvolvimento de games”, “prévias”, “novos jogos”, “novos softwares e
hardwares” e “novas plataformas”24. A questão comercial é novamente retomada, com a
citação de “movimentos mercadológicos”, “assuntos relevantes à indústria”, “movimentações
de trabalho do mercado”, “registros de marcas”, “produtos de personagens” e
“investimentos”, que aparecem nas respostas de quatro dos seis entrevistados. Há também a

23
A resposta transcrita do entrevistado citado aqui foi: “É muito relativo. O mercado de games é cada vez mais
amplo. Há pouco tempo atrás (sic) falava-se apenas dos lançamentos, rumores e impressões sobre algo novo.
Hoje em dia ainda há um mundo inteiro novo com a entrada forte do esporte eletrônico. Por lá, o jornalismo
acaba sendo tratado de forma bem semelhante com o jornalismo esportivo, mas ainda voltando aos games”.
24
Refere-se ao anúncio ou lançamento de novos sistemas de vídeo game.
41

menção a conteúdos de entendimento em geral relacionado a jogos, evocando a figura de


jogadores ou desenvolvedores de jogos que são celebridades, conteúdo desenvolvido por fãs,
que foram mencionados por quatro profissionais. A presença da crítica também é retomada,
através das palavras “reviews”, “análise” e “avaliações”, que foram listadas por três
profissionais distintos. Por fim, a cobertura de campeonatos de esporte eletrônico também é
lembrada por três entrevistados.
Outra pergunta lançada era “Quais as dificuldades que profissionais que atuam nessa
área encontram?”. Aqui, as respostas diferenciaram significativamente, a única situação de
repetição foi quanto a distância do Brasil a grandes centros da indústria de games, lembrada
por duas pessoas, que alegam que esse fato dificulta o trabalho de apuração, bem como torna
os veículos dependentes das fontes oficiais. Outras questões citadas são a falta de
investimento, críticas aos leitores com “falta de interpretação de texto” e “falta de interesse
geral em matérias escritas”, além do preconceito por parte das pessoas que não fazem parte da
comunidade gamer.
“Quais as potencialidades do jornalismo de games?” foi a sexta pergunta que os
entrevistados responderam, aqui também ocorreram respostas bastante distintas uma da
outras. Destaca-se duas respostas que repetiram o termo “paixão”, proveniente dos jogadores,
sendo que duas associavam o conceito ao esporte eletrônico. A primeira resposta a falar em
paixão também menciona o sentimento que os profissionais de jornalismo da área mantêm. A
questão mercadológica aparece duas vezes, uma no sentido positivo, comentando o potencial
econômico da indústria dos games; e outra no negativo, ao mencionar a necessidade de “tratar
games como cultura e não somente como produto”. Essa resposta que se direciona ao sentido
cultural se complementa com com a justificativa de outro respondente, que cita que “devemos
deixar de ver jogos como mero entretenimento para entender que eles têm o potencial de
despertar discussões sobre política, estética, arte e outros temas que fogem à cobertura
tradicional”. Tal argumento pode ser relacionado à resposta de outro entrevistado, que acredita
“que o jornalismo de games possa usar os próprios jogos para falar de assuntos cada vez mais
presentes no dia a dia das pessoas”.
O sétimo questionamento era a respeito do meio em que o jornalismo de games se
desenrola, com a pergunta “Você enxerga o crescimento do jornalismo de games voltado ao
meio digital, ou há espaço em outras mídias (quais seriam)?”. Nessa questão, cinco dos seis
entrevistados apontaram o meio digital como principal plataforma onde esse nicho jornalístico
42

prospera, sendo que apenas um deles acredita que exista espaço em todas as mídias, mas que
cada uma delas exige a produção de um conteúdo distinto. Entre as demais cinco respostas, as
justificativas variam bastante e mencionam a “velocidade” do mundo dos jogos que exige
constantes atualizações, o fato de, como os jogos eletrônicos são entendidos como tecnologia,
os conteúdos de um jornalismo voltado para essa área devem ser consumidos no meio digital
e também pelo potencial de crescimento, se valendo do “caráter imagético da mídia”, que
envolve “vídeos e experiências interativas”.
A oitava pergunta era “De que maneira pode ser definido o público que acessa os
produtos de jornalismo de games?”. Nessa questão, o termo “interessado” é mencionado três
vezes. Já “apaixonado” é outra palavra que se repete por duas vezes, assim como “jovem”.
Alguns elementos citados uma única vez, mas que merecem destaque, são o fato de uma
resposta descrever o público como autodenominado conservador e reacionário25. Outra
característica do público é que nem sempre tem capacidade financeira de ter acesso aos jogos
que são abordados pelos veículos de jornalismo de games, mas não deixam de consumir
informações a respeito. Um outro ponto digno de nota é mais sobre o nível de segmentação do
público de jornalismo de games, que mantém interesses distintos e que pode variar de acordo
com sistemas de videogames ou gêneros de jogos.
Como este projeto de pesquisa tem como um de seus objetivos contribuir para
delinear o jornalismo de games como especializado, as definições trazidas pelos profissionais
ouvidos, quando relacionadas com elementos definidores do jornalismo especializado
encontrados na literatura, possibilitam observar semelhanças.
A primeira relação surge logo na conceituação do jornalismo como uma prática
especializada ou não. Os profissionais entrevistados citam o foco em uma especialidade para
justificar a resposta. Para eles o jornalismo de games é especializado por ser focado nesse
tema. E, de fato, autores da área também relatam essa questão como uma das primordiais para
um jornalismo especializado. Bueno (2015) aponta para um jornalismo voltado a uma
temática, Tavares (2012) fala de assuntos tratados a partir de uma área de interesse comum e
Abiahy (2000) cita a construção de um público consumidor segmentado.
Sobre o público interessado no jornalismo de games, observa-se relações desse
segmento com o jornalismo especializado, principalmente no que diz Abiahy (2000), ao falar

25
A resposta transcrita do trecho destacado: “Infelizmente, boa parte desse público se diz ‘conservado’ em
moldes até reacionários e não se mostra aberto a discussões que envolvam inclusividade ou política, em minha
experiência”.
43

que o público do jornalismo especializado se identifica com o conteúdo. Nas respostas de


quem trabalha com jornalismo de games, é possível perceber repetidamente a noção de uma
comunidade gamer, que seria a principal interessada em produtos jornalísticos desse
segmento. O fomento às comunidades de jogadores é um papel que o jornalismo de games
exerce, de acordo com Assis (2007), desde os anos 1980.
Outra ponto em que o jornalismo especializado e o de games se encontram é na
questão comercial, recorrentemente citada pelos entrevistados. Tavares (2012), assim como
Abiahy (2000) e Pérez (2003), propõem o elemento mercadológico como propulsor do
jornalismo especializado, que se daria de um de dois pontos de vistas que, apesar de
diferentes, se complementam. Um generalista, no qual, apesar do mundo globalizado e
capitalista, as transformações sociais e o surgimento de novas áreas de interesse criam
demandas de informação distintas. Outro editorial, segmentando o público que consome
conteúdo naquilo que ele tem interesse.
Considerando os nove objetivos do jornalismo especializado, anteriormente
mencionados de acordo com Tuñon (2000, apud Tavares, 2012), vemos que o que foi
apontado pelos entrevistados atende a esses objetivos, como a promoção do interesse
jornalístico como uma maneira de acrescentar a curiosidade pelo conhecimento, ampliação e
democratização do acesso à cultura. Isso fica claro ao se considerar as respostas que tratam
das potencialidades do jornalismo de games e as que falam sobre o público que a consome.
As duas respostas a respeito dos temas tratados pelo jornalismo de games podem ser
comparadas com a proposta de valores-notícia para operacionalizar análises de
acontecimentos noticiáveis, ou noticiados, de Silva (2005). Com citações a lançamentos de
produtos, análise de jogos lançados, cobertura de campeonatos de jogos eletrônicos, conteúdo
de entretenimento no geral e polêmicas envolvendo pessoas famosas da indústria de games ou
jogadores de renome, vemos que o jornalismo de games leva em consideração valores notícia
de “impacto”, “proeminência”, “conhecimento/cultura”, “polêmica” e principalmente
“entretenimento/curiosidade”.
A próxima seção desse trabalho visa analisar um produto de jornalismo de games,
sendo uma maneira de confrontar o que foi apontado pelos profissionais da área com o
conteúdo jornalístico de um dos mais acessados portais sobre o tem
6. ANÁLISE DO PORTAL IGN

Nesta etapa, foi desenvolvida a análise do portal de notícias e conteúdo de jornalismo


de games IGN. A análise utiliza, como descrito no item 4 deste trabalho, a metodologia de
análise de conteúdo. O site objeto de escrutínio por essa pesquisa foi lançado no mercado
nacional de jornalismo de games brasileiro em 2015, sendo a versão brasileira do portal
homônimo nascido nos Estados Unidos em 1996 e de propriedade do grupo Ziff Davies
Media26. Antes da análise propriamente dita, apresenta-se uma breve descrição do portal.
Os conteúdos são voltados, em sua maior parte, ao jornalismo de games, entretanto, há
também textos e vídeos direcionados ao mundo do entretenimento em geral, como cinema,
animes e televisão. O usuário que acessar o endereço https://br.ign.com, correspondente à
versão brasileira, encontrará uma versão de layout lançada em 2019. No cabeçalho, além da
logo, há links para acessar o conteúdo separado por plataforma de jogos: PS4, XOne, Switch,
PC.
O último link no cabeçalho do site é o menu suspenso Ver Mais, que abre um novo leque
de opções secundárias: IGN Brasil, que faz referência ao texto de lançamento da versão
brasileira do site; Fale Conosco; Trabalhe conosco; Publicidade; Imprensa, que contém um
link para o site https://corp.ign.com/press; Termos de Utilização e Privacidade; E Cookies
(um link quebrado, ou seja, aponta para uma página de erro).

26
Além das versões americana e brasileira, o IGN está em mais de uma centena de países por meio de sites
próprios ou por “filiais” regionais, como O IGN Oriente médio, IGN África, IGN Ásia e IGN América Latina. A
sigla significa Imagine Games Network.
45

O Ver Mais também contém uma coluna denominada Social, com os links para as redes
sociais do IGN Brasil, entre elas, Facebook, Twitter, YouTube, Instagram e Twitch. Outra
coluna é chamada de Editorias, onde estão as opções Tech, Movies, TV, Retrô, Anime27 e
Fórum, que leva quem clicar até o fórum da IGN brasileira, onde os leitores criam salas de
discussão. A Vídeos leva a uma página de produções audiovisuais do site, distribuídas por
ordem cronológica.
Duas opções que se destacam aqui são a de Preview e Review, que tratam de textos de
prévias e análises de jogos. Há ainda mais uma coluna dentro de Ver Mais. Aqui, o leitor
pode refinar o conteúdo de textos que falem da geração passada de plataforma de jogos, ou de
sistemas portáteis, as opções são: Playstation 4, Xbox One, Wii U, Switch, Playstation 3,
Xbox 360, PC, 3DS, PSVita e Mobile. Logo abaixo há uma seção com quatro links simples
para matérias/textos distintos, com temáticas variadas.
No espaço chamado de Notícias, todas são publicadas em ordem cronológica. São dez
textos disponíveis em lista, até chegar aos links diretos a vídeos do canal da IGN Brasil no
YouTube. Em seguida, a lista de publicações de Notícias continua, com mais dez matérias, até
chegar na última seção de destaques do site, intitulada Reviews, novamente, copiando o
design do Mais destaques e trazendo quatro links.
Para fins de realização da análise, a delimitação do corpus considerou todos os
conteúdos expostos na página inicial do IGN Brasil no dia 21 de outubro de 2019. Nesse
sentido, foram separadas as publicações presentes nas seções que possuíam os links em
destaque, os principais destaques, o mais destaques, as notícias e o direto do YouTube. Para
delimitar quantas postagens da seção de notícias seriam analisadas, optou-se por utilizar a
data de publicação como recorte, sendo que essa deveria considerar aqueles textos publicados
no dia 21 de outubro. No total, foram 24 itens selecionados para análise (Anexo II).
A respeito do corpus definido, algumas características foram observadas. Quanto ao
tipo de texto publicado, nota-se que o maior número de ocorrência se refere a notícias em
geral, 11 aparições entre os 24 textos analisados. Eram notas pontuais sobre da indústria dos
games, bem como cinema. Além disso, uma das notícias abordava um produto de moda com
temática de games, ou seja, era uma notícia anunciando, em tom de curiosidade, uma linha de
suéter baseada em personagens da Nintendo. Destaca-se ainda a ocorrência de sete previews,

27
Elas possuem o mecanismo de filtragem de conteúdo, direcionando o usuário a matérias a respeito daquilo que
o nome do link descreve, por exemplo, Tech para conteúdo de tecnologia.
46

que são aquelas matérias que contém informações de um produto que ainda será lançado.
Nessas prévias, duas publicações, entre vídeos e textos, se referiam exclusivamente a cinema,
quatro exclusivamente a games, e uma mostrava uma linha de celulares, dos quais um era
voltado ao público gamer.
Com três e duas ocorrências, consecutivamente, aparecem os gêneros artigo de opinião
e reportagem. No primeiro deles, dois dos textos tratavam de games e traziam uma espécie de
melhores jogos dentro de um conceito específico, por exemplo, os “5 melhores games de
corrida para celular”, já no terceiro, o autor listava as referências que apareceram durante o
primeiro episódio de um seriado televisivo. Por sua vez, nas reportagens, uma mantinha o
foco em problemas de assédio enfrentados por mulheres que desenvolvem jogos e outra
entrevistava cosplayers28 no Brasil Game Show, que apesar de ser um evento voltado a
indústria de jogos eletrônicos, exibia personagens da cultura pop em geral. Numa perspectiva
do jornalismo especializado aprofundado e crítico, o único texto que se encaixaria seria a
primeira reportagem citada.
Um fato que se nota quanto ao gênero de cada texto é que no dia definido como
recorte para a análise não houve publicação de reviews, que são aqueles textos que se prestam
a analisar os games após o seu lançamento. A metodologia para construção desse tipo de texto
pode variar de acordo com o veículo, mas no IGN Brasil, normalmente, os avaliadores fazem
análises quanto à parte técnica, à narrativa, aos modos de jogo, à parte visual, levantam prós e
contras do título, comentam a que públicos o jogo pode ser indicado e, por fim, atribuem um
nota que vai de 1 até 10. Os reviews foram citados como um gênero importante dentro do
jornalismo de games, tanto por profissionais da área, quanto pela bibliografia
, principalmente por Assis (2007), que relata em diversos momentos da história do
jornalismo de games a presença desse tipo de texto. Durante o momento da leitura flutuante
desta análise, notou-se que a periodicidade desse conteúdo é consideravelmente menor à de
outros textos, sendo que a última resenha de um título feita pelo IGN ocorreu no dia 11 de
outubro, portanto, dez dias antes do recorte cronológico definido como corpus.
Sobre o principal tema de cada publicação, notou-se que, dos 24 registros que foram
objeto de análise, 16 tratavam de games, quatro de cinema, dois de games e mais algum outro

28
Cosplayers são praticantes do Cosplay, que é a prática de representar uma determinada personagem a caráter,
utilizando elementos como a fantasia e a maneira como a figura de referência se porta.
47

tópico como tecnologia e moda, um de televisão e um de cultura pop em geral. Mais um fato
que revela a veia comercial na prática cotidiana do jornalismo especializado.
A respeito do formato utilizado em cada publicação, o predominante foi o texto, que
fazia parte de 20 dos 24 conteúdos postados. Vale notar que o texto é sempre acompanhado
por imagens, ou vídeos, e, em alguns casos, os dois. Nesse sentido, foram oito matérias que
incluíam texto e vídeo, oito com textos e imagens, e quatro que utilizam os três formatos
juntos. Entretanto, nem sempre essas imagens e vídeos são produzidas pelo site, em muitos
casos são veiculados material de divulgação do jogo, filme ou programa de TV citado, como
trailers, vídeos com cenas do jogo, pôsteres ou capturas de tela. Além disso, um dos registros
era formado por texto e um tweet que foi incorporado no corpo da postagem a partir da rede
social em questão. Quatro das publicações presentes na página inicial do IGN Brasil durante o
dia 21 de outubro eram exclusivamente vídeos, produzidos pelo próprio veículo e hospedados
em seu canal do YouTube.
Esses três itens analisados até aqui - gênero, foco do texto e formatos das matérias -
apontam para um jornalismo diversificado. Essa diversidade pode demonstrar a ocorrência da
convergência de mídias, conforme proposta por Jenkins (2009), com um conteúdo não só
multimídia, mas incluindo também um entrelaçamento de consumo e entretenimento. A
presença dessa convergência se faz presente na linguagem também, o tom coloquial utilizado
nos vídeos por exemplo, se mistura com alguns formatos típicos da televisão, como a escalada
do telejornalismo, ou as entrevistas em formato standup, com repórter se posicionando ao
lado do entrevistado. Outra questão que evidencia uma certa convergência de mídias vem dos
vídeos, com os especialistas do IGN em debate sobre um determinado tema, copiando o
formato de mesa redonda, típico do telejornalismo esportivo. A convergência está também
presente no foco do veículo, que apesar de ser voltado aos games, dedica parte considerável
de suas matérias a outros assuntos convergentes, como cinema, televisão, tecnologia e moda.
Em um primeiro momento, essas temáticas não se relacionam com jogos eletrônicos,
entretanto, ao considerar que títulos de jogos por vezes baseiam-se em produtos dessas outras
áreas, ou que filmes e seriados de franquias de jogos são produzidos, é natural que o público
do jornalismo de game também esteja interessado nessas outras questões, o que faz com que
quem produz conteúdo precise considerá-las ao definir suas pautas.
Outra inferência que surge a partir da análise do corpus é a preferência pela publicação
de conteúdo em quantidade, em detrimento da profundidade. Isso se reflete, por exemplo, no
48

maior número de notícias factuais, em relação a análises, reportagens e artigos de opinião com
maior aprofundamento por parte de quem escreve e em consonância com os princípios gerais
do jornalismo especializado. Entre os 24 registros utilizados por essa pesquisa, apenas uma
reportagem, um vídeo de prévia e um vídeo de discussão promoviam uma reflexão mais
profunda e embasada a respeito do que era publicado. Essa característica se dê, talvez, pelo
argumento levantado por um dos jornalistas ouvidos na seção anterior desse trabalho: a falta
de interesse do público em matérias escritas, o que faz com que um veículo que tenha como
seu principal formato o gênero textual opte por não se aprofundar nos assuntos abordados e,
por consequência, alongar suas publicações.
Para analisar os critérios de noticiabilidade que orquestram os conteúdos
desenvolvidos pelo IGN Brasil, foi tomada como referência a tabela proposta por Silva (2005)
que traz, a partir da literatura da área, uma série de valores-notícia, com o intuito de
operacionalizar análises de acontecimentos noticiáveis/noticiados. Buscou-se, para cada
publicação analisada, definir dois principais critérios ali presentes. A principal categoria
observada foi o de Entretenimento/Curiosidade, que foi um dos dois motivos para a criação da
matéria em 19 das 24 publicadas, considerando principalmente o aspecto de divertimento. A
categoria Conhecimento/Cultura também aparece em quantidade significativa, com dez casos,
em textos ou vídeos que atentam para aspectos como descobertas, invenções, atividades e
valores culturais. Raridade foi um critério que apareceu sete vezes, levando em conta
características como o incomum, o original e o inusitado. Surpresa e Proeminência aparecem
quatro vezes cada, considerando o aspecto inesperado dos fatos reportados, para a primeira
categoria, questões como notoriedade e celebridade, em matérias que tratavam de nomes
importantes da indústria dos games. Impacto, a categoria que para Silva (2005) corresponde
àquelas notícias que envolvem, entre outras coisas, grandes quantias de dinheiro, surge em
apenas dois casos, o que de certa forma, contradiz respostas dos jornalistas entrevistados na
seção anterior deste trabalho, que por mais de uma vez citaram questões relacionadas a vídeo
games como negócio. Assim sendo, esperava-se que notícias com essa mesma característica
aparecessem mais vezes, principalmente levando valores como o número de pessoas afetadas
e grandes quantias de dinheiro. Polêmica e Justiça aparecem apenas uma vez, sendo as duas
no mesmo conteúdo, que é a reportagem especial a respeito de ocorrências de assédio na
indústria dos games. Assim como o fato de ser um texto onde ocorre aprofundamento, esses
49

valores-notícia aparentam ser um ponto fora da curva no que geralmente é publicado na rotina
do IGN, ou do que pode ser de interesse do público.
Outro ponto possível de observação, a partir da análise do corpus, foi o de que maneira
se dava o contato com as fontes em cada texto. Em sete casos, o texto tratava de algum tipo de
análise, sendo a principal fonte o próprio autor. O contato direto com fontes, com a citação
direta do que é dito por ela no texto aparece em dois registros. Já aquelas matérias em que o
repórter apenas repercute declarações dadas pelas fontes em eventos ou entrevistas para
outros veículos ocorrem 14 vezes, inclusive em três das notícias publicadas no período
analisado se tratavam de traduções da versão em inglês da IGN. Esse fato corrobora uma das
dificuldades citadas pelos jornalistas entrevistados anteriormente nesse trabalho, o fato de o
Brasil estar localizado longe dos centros da indústria dos jogos eletrônicos dificulta o trabalho
de contatar e conversar com as principais fontes desse ramo. A ausência do contato mais
direto com as fontes apresenta também mais um problema para o jornalismo de games, já que
elas são as vozes que transmitem a noção de veracidade, confiabilidade e domínio de
conhecimento na especialização. Elas são necessárias.
As análises desenvolvidas nesse trabalho procuraram responder principalmente dois
pontos. Além do delineamento do jornalismo especializado em games, desenvolvido nos
tópicos anteriores, a principal resposta a ser obtida versa a respeito da caracterização desse
fazer jornalístico como especialização de fato, microespecialização ou subespecialização
dentro do jornalismo esportivo ou cultural.
Alguns aspectos ajudam a responder a esse questionamento. O primeiro digno de nota
é o aprofundamento nos temas que são tratados, que ocorre em alguns casos especiais,
principalmente nos tipos de conteúdo que se caracterizam como análises, como no vídeo que
faz uma preview do título “Star Wars Jedi Fallen Order” e que implementa no discurso alguns
fatores técnicos que são próprios de uma obra da indústria de games, servindo como
fundamento para o que o especialista relata e opina. A fluidez da personagem dentro do jogo,
as opções de customização que ele oferece, a maneira como as animações se passam e
características da gameplay29 são alguns dos pontos tratados.
Entretanto, foi possível constatar que a maior parte do conteúdo tem um tom
informativo e tamanho curto, lembrando notas noticiosas em algumas situações, o que não

29
Termo que se refere a experiência de jogar em si, aquilo que de fato o jogador faz, o controle da personagem.
Nesse sentido, quando se fala em gameplay, o que está sendo considerado leva em conta os controles, as
movimentações e as mecânicas de interações disponíveis.
50

permite o aprofundamento no tema. Percebe-se o jornalismo especializado praticado pelo IGN


Brasil como uma mescla e, quem sabe, uma resposta à cultura de convergência. Há de se
publicar conteúdos de menor extensão, que agradem o público, que sejam informativos e
ofereçam entretenimento. Ao mesmo tempo em que, eventualmente, se publique conteúdos
mais aprofundados e que explorem melhor essa característica do jornalismo especializado,
que é promover um mergulho (crítico, instigante e questionador) em determinado tema.
Pode-se dizer, então, que o conteúdo de um veículo como o analisado flutua entre o
informativo e o opinativo, pelos dados levantados é possível notar a ocorrência de bem mais
do primeiro tipo do que do segundo gênero, o que não exclui a existência concomitante dos
dois em conteúdos e gêneros que são tão diversificados entre si (em estilo textual e função no
jornalismo). Apesar de maior ocorrência de notícias factuais, houve análises prévias, listas de
melhores jogos, reportagens e cobertura de evento. A condição de opinião analítica, inclusive,
é um dos elementos levantados por Bueno (2015) a respeito dessa prática jornalística, já que o
autor defende que o texto deve extrapolar as fontes, incluindo a experiência, as intenções, as
visões de mundo sobre a pauta. Esses elementos estão presentes em alguns dos conteúdos
mais aprofundados do site analisado, como no vídeo que em os jornalistas discutem qual é o
melhor título de uma determinada franquia. Entretanto, isso só é observado nesses mais
especiais.
Outro fator possibilita a observação de um diálogo com a teoria de Jenkins (2009),
além de ofertar uma maneira de enxergar o conteúdo do jornalismo de games como
especializado, reside na linguagem própria do veículo analisado. Isso fica mais latente ao
acompanhar a maneira como os repórteres conduzem os vídeos, procurando empregar um tom
coloquial, utilizando jargões do mundo gamer, além de lançar mão de uso de memes comuns
em redes sociais. A própria produção audiovisual citada no parágrafo anterior possui um
desses momentos de “alívio cômico”, quando um corte na edição exibe um trecho de outro
vídeo que viralizou na internet anos antes, fazendo piada com aquilo que havia sido dito pelo
apresentador. Essa característica da linguagem própria é trazida por Abiahy (2000) em suas
definições do jornalismo especializado. Para a autora, é natural do jornalismo especializado
que cada veículo desenvolva uma maneira singular de conversar com seu público, fazendo
com que se construa uma forma de intimidade.
Um aspecto que também pode ser relacionado com aquilo que o jornalistas
entrevistados responderam é a orientação do jornalismo de games ao mercado. Esse aspecto
51

comercial citado se reflete de maneira a tornar superficial, do ponto de vista da especialização


jornalística, o material publicado. Como citado anteriormente, boa parte do conteúdo diário do
IGN, apesar de ser voltado aos games, é pequeno e muito tendencioso a repercutir o que é dito
por figuras da indústria, ou então releases de produtos e jogos. É impossível afirmar ao certo a
que se deva esse fato, porém alguns apontamentos surgem de maneira a nortear o debate.
Talvez essas publicações mais informativas e menos aprofundadas se devam à necessidade de
publicar conteúdos constantemente, bem como em um formato que agrade ao público. Fato é
que o veículo analisado está presente no meio web e as dificuldades de financiamento da
produção jornalísticas nesse ambiente estão cada vez mais alterando a maneira como meios de
comunicação se relacionam com o público e produzem jornalismo. Esse também pode ser um
dos fatores para explicar o o valor-notícia mais presente nas publicações: o de
Entretenimento/Curiosidade.
O jornalismo de games parece ter se consolidado como uma especialização, se
considerarmos que fala para um público determinado, com interesse em um assunto em
especial, usando uma linguagem adaptada e familiar a esses consumidores e possuindo,
inclusive, alguns gêneros textuais próprios. Esse fazer jornalístico incorpora, inclusive,
elementos de outras especializações, como a esportiva e a cultural, imitando alguns formatos e
objetivos. Porém a impressão final é de que há uma preferência para a quantidade em
detrimento ao aprofundamento, o que impede que seja alcançado alguns dos objetivos finais
do jornalismo especializado: a explicação de fenômenos novos, de acordo com as exigências
das mudanças sociais; a melhoria da qualidade da informação jornalística; a promoção do
interesse jornalístico como uma maneira de acrescentar a curiosidade pelo conhecimento e a
possibilidade de ampliação do que se sabe sobre a complexidade do mundo (TAVARES,
2012).
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das duas análises desenvolvidas nos capítulos anteriores, bem como das
informações utilizadas para a construção do referencial teórico dessa pesquisa, é possível
dizer que o jornalismo voltado a games segue algumas características do jornalismo
especializado, ao mesmo tempo em que deixa de aproveitar todas as potencialidades desse
formato de produzir conteúdo. Fato é que o fazer jornalístico investigado possui um público
segmentado, que por sua vez tem demandas informacionais também segmentadas e voltadas a
uma determinada área de interesse, além de se formarem comunidades próprias em volta
daquilo que é de sua estima. Esses grupos atuariam de maneira a contribuir para costurar o
tecido social das pessoas que a ela pertencem.
O jornalismo de games também busca entreter o seu público. Algo que, de acordo com
Tavares (2007), também é função do jornalismo especializado. Talvez, por conta dos assuntos
que compõem a pauta desses veículos, que são os games e as obras de cultura pop. De certa
forma, é como se o que se tornasse assunto noticioso servisse como um complemento para
aquilo que as pessoas jogam, dos programas que assistem, dos quadrinhos que leem etc. O
entretenimento transparece também na postura dos jornalistas. Se na linguagem das matérias
isso não fica tão evidente, no vídeo esse elemento é extrapolado, com a presença de jargões
conhecidos pelas comunidades, utilização de técnicas de edição próprias de programas
humorísticos e de produções audiovisuais da internet (como cortes com a inserção de
conteúdo extra para fazer uma piada, por exemplo). E de fato o entretenimento se apresentou
nas investigações como o principal valor notícia encontrado no conteúdo da IGN Brasil.
Como discutido em diversos pontos deste trabalho, esses elementos caracterizantes
contribuem para que se entenda esse jornalismo como um fruto da convergência das mídias. A
maneira como o público consome e discute o conteúdo também são convergentes. O texto é
lido no site, debatido na seção de comentários, compartilhado (e também debatido) nas redes
sociais.
Outra relação com a cultura da convergência é a inclinação para o lado comercial e a
relação com a indústria dos games, sendo inclusive essa a principal fonte de informação das
matérias analisadas. Jenkins (2009) cita que surgem novas formas de a indústria e a mídia se
relacionarem. Provavelmente seja esse o elo que causa essa simbiose entre vender e informar
53

no jornalismo de games, algo que vem desde sua origem, como observou Assis (2007). Ele
cita que as fabricantes de sistemas de vídeo games produziam revistas a respeito de seus
produtos como um de seus esforços de marketing. Boaventura (2016) relata que a expectativa
constante por lançamentos, ou o Hype, termo pelo qual comumente é denominado o
fenômeno descrito, é o principal produto da editoria em questão. Um ponto que parece fazer
sentido, citado por Boaventura (2016), é que essa característica é consequência de dois
fatores: a proximidade das empresas que produzem jogos e os veículos, além da falta de
acontecimentos inesperados e moduladores da agenda jornalística relacionados ao tema.
Outra característica que também salta aos olhos durante a análise reside no tamanho
das matérias, que raramente são extensas. Como alguns dos jornalistas entrevistados
alegaram, a questão de o público não possuir tanto interesse em conteúdo escrito foi um dos
problemas citados. Isso apresenta uma limitação para o aprofundamento típico de
experiências de jornalismo especializado tradicional. Bem como limita os jornalistas de
tecerem uma credibilidade maior para seu trabalho, explicarem de fenômenos novos e
congruentes com as mudanças sociais, promovendo a melhoria da informação jornalística.
A questão do público também foi lembrada por um dos profissionais ouvidos neste
trabalho ao citar uma certa tendência reacionária entre os indivíduos que acompanham o
jornalismo de games. Consalvo (2012) que estudou a cultura do Toxic Gamer. Para ela, essa
toxicidade decorre principalmente pelo machismo e relata ainda a ocorrência de um padrão de
cultura gamer misógina e patriarcal.
Essa visão a respeito do público se relaciona diretamente com um exemplo entre o
corpus analisado. A única reportagem com aprofundamento publicada era intitulada “O
#MeToo nos games: falar do movimento é mexer em uma colméia - mas ainda é necessário”30
. O texto publicado pela jornalista Carol Costa buscava discutir problemas de assédio dentro
da indústria de jogos a partir de depoimentos de mulheres que trabalham na área e foram
vítimas. Nesse exemplo, é possível observar o jornalismo especializado em seu potencial
máximo. Mira um público segmentado, informa a quem está consumindo o conteúdo, busca
promover a reflexão frente ao fato e tenta construir um ambiente mais saudável para as
pessoas que fazem parte da comunidade gamer. A reportagem apresenta mais um contraste
que é digno de nota. Ela gerou mais comentários do que a maioria das outras matérias.

30
Disponível em: <
https://br.ign.com/ign-reportagens/77062/feature/o-metoo-nos-games-falar-do-movimento-e-mexer-em-uma-col
meia-mas-ainda-e-necessario>. Acesso em: 01/11/2019.
54

Enquanto boa parte do conteúdo publicado não passava de 20 comentários, o texto de Carol
Costa chegou a passar de uma centena de comentários, um mês depois de sua publicação.
Quanto à definição do público, um dos objetivos levantados por esse trabalho, é
possível dizer que os frutos da análise são mais instigantes para novas investigações, do que
de fato são conclusivos. Nesse sentido, trabalhos futuros a respeito do jornalismo de games
podem explorar melhor esse aspecto, tanto do ponto de vista quantitativo, quanto qualitativo.
Uma questão interessante que as análises desenvolvidas transmitem é que, assim como
em outras editorias do jornalismo especializado, o profissional também assume o papel de
especialista. Um dos objetivos da especialização jornalística é a substituição da figura dos
colaboradores especialistas pela do jornalista especializado. Esse exemplo fica bastante
refletido em vídeos, como o “Jogamos Star Wars Jedi Fallen Order: O game dos sonhos para
os fãs?”31, no qual o jornalista Diego Lima desenvolve uma análise de um jogo considerando
um embasamento técnico, comparando com outras obras semelhantes e fornecendo exemplos
para o espectador.
Com o levantamento bibliográfico acerca da construção histórica do jornalismo de
games, juntamente com a análise do IGN Brasil, foi possível notar que alguns dos pontos
negativos referentes ao jornalismo de games já eram notados no início dos anos 2000. Assis
(2007) lembra que os portais dedicados a publicar sobre essa temática eram chamados, de
maneira pejorativa, de tabloides de games, em uma crítica ao conteúdo raso que exibiam.
Além disso, ao enumerar os pecados da mídia dedicada a publicação de conteúdo sobre de
jogos eletrônicos, o autor lembra da falta de entrevistas aprofundadas e análises genuínas
sobre a indústria em suas seções de notícias.
De certa forma, com os resultados obtidos por esse trabalho, foi possível delimitar os
elementos editorais que compõem o jornalismo de games e ter uma ideia, ainda que inicial, a
respeito de seu público. Entende-se que esse fazer jornalístico é uma editoria própria de
jornalismo especializado, mas que não se apropria de todos os elementos possíveis do mesmo.
Talvez esse seja até mesmo um reflexo do mundo editorial contemporâneo ou até mesmo do
meio on line. Por exemplo, muitos produtos de jornalismo esportivo usam temas

31
Disponível em: < https://www.YouTube.com/watch?v=XnlsjQ5dtmY >. Acesso em: 01/11/2019.
55

sensacionalistas e polêmicos, incluindo muitas vezes boatos (principalmente na cobertura do


mercado de transferências do futebol32) para conseguir cliques.
Como já comentado na introdução desse trabalho, os estudos a respeito do jornalismo
de games ainda são raros no campo acadêmico do Brasil, de forma que o trabalho aqui
realizado objetiva contribuir não só para aumentar esse número, mas para fomentar futuras
investigações a respeito desse fenômeno. Os problemas observados pelo jornalismo de games,
as questões envolvendo o público e o impacto da indústria na atividade jornalística,
considerando, por exemplo, a fusão da linguagem de publicitária no material desenvolvido,
são temas outras que podem render outras pesquisas no futuro.

32
Frange (2016) em um artigo aborda o conceito de liquidez das notícias no jornalismo esportivo e debate o
crescimento das pautascaça-cliques. Disponível em: <
Http://portalintercom.org.br/anais/nacional2016/resumos/R11-1106-1.pdf >. Acesso em: 01/11/2019.
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VELOSO, Ana Clara; BRETAS, Pollyanna. Jogos on-line movimentam R$ 4,9


bilhões e Brasil lidera setor na América Latina. 2017. Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/economia/jogos-on-line-movimentam-49-bilhoes-brasil-lidera-seto
r-na-america-latina-21014736>. Acesso em: 16 out. 2018.
58

ZENKE, Michael. Game Journalists on Game Journalism. 2006. Disponível em:


<https://v1.escapistmagazine.com/articles/view/video-games/issues/issue_71/409-Game-Jour
nalists-on-Game-Journalism>. Acesso em: 30 maio 2019.
ANEXOS

ANEXO I – QUESTIONÁRIO SUBMETIDO AOS PROFISSIONAIS DE JORNALISMO

DE GAMES
60
61
62
63

ANEXO II – PUBLICAÇÕES DO IGN BRASIL ANALISADAS

Título Autor
5 melhores games de corrida para celular Gustavo Petró
BGS 2019: Nioh 2 é o pulso de adrenalina que eu precisava Bruno Yonezawa
Final Fantasy VII, Call of Duty e mais: Os melhores da BGS 2019 Bruna Penilhas
O #MeToo nos games: falar do movimento é mexer em uma
colméia -- mas ainda é necessário Carol Costa
Os lançamentos da semana de 21 a 27 de outubro para consoles
e PC Bruna Penilhas
Novo trailer de Star Wars: A Ascensão Skywalker é divulgado Bruna Penilhas
Mulher-Maravilha: Gal Gadot e Patty Jenkins vão estar na CCXP
2019 Víctor Aliaga
Conheça o game brasileiro 171, novo Resident Evil 7 no Japão -
Daily Fix Carol Costa
Resident Evil 2: Mod leva ganso maluco para aterrorizar jogador Joseph Knoop
NBA 2K20 torna-se o game mais vendido nos Estados Unidos em
2019 Diego Lima
Naruto, Dragon Ball: Nuuvem oferece dois jogos de anime pelo
preço de um Diego Lima
Coringa: Jared Leto tentou cancelar filme de Joaquin Phoenix Víctor Aliaga
Assassin's Creed: Diretor desculpa-se por existência de torres nos
games Matt Purslow
Diablo 4 é citado em suposto livro artístico Matt Purslow
Final Fantasy VIII foi inspirado, de certa forma, em O Mágico de
Oz Diego Lima
Kimetsu no Yaiba - Demon Slayer: Filme ganha primeiro trailer Bruno Yonezawa
Novo game do Batman pode se chamar Arkham Legacy Víctor Aliaga
Watchmen: As referências do primeiro episódio ao quadrinho
original Víctor Aliaga
Você vai querer se esquentar com esses suéteres natalinos da
Nintendo Carol Costa
ZenFone 6 chega ao país por R$ 2.699; ROG Phone II custa R$
4.499 Gustavo Petró, Bruno Yonezawa
Lançamentos de games - novembro 2019 (ps4, xbox one,
nintendo switch, pc) Bruno Yonezawa
Jogamos Star Wars Jedi Fallen Order: O game dos sonhos para
os fãs? (ps4, xbox one, pc) Diego Lima
Os melhores cosplays da BGS 2019 Carol Costa
Diego Lima, Gustavo Petró,
Qual é o melhor GTA já lançado? Bruno Yonezawa

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