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GUARAPUAVA
2019
ANDRÉ CORDEIRO FRUTUOSO
GUARAPUAVA
2019
“Onde estiver, seja lá como for
Tenha fé porque até no lixão nasce flor”
INTRODUÇÃO 7
1. O JOGO COMO PRÁTICA CULTURAL: SOBRE A IMPORTÂNCIA DO
LÚDICO 13
2. JORNALISMO ESPECIALIZADO 19
2.1 PERFIL DO PROFISSIONAL E A PRÁTICA DO JORNALISMO ESPECIALIZADO 24
3. JORNALISMO DE GAMES 29
4. DELINEAMENTO METODOLÓGICO 34
5. O JORNALISMO DE GAMES POR QUEM FAZ 37
6. ANÁLISE DO PORTAL IGN 43
CONSIDERAÇÕES FINAIS 50
REFERÊNCIAS 54
ANEXOS 57
ANEXO I – QUESTIONÁRIO SUBMETIDO AOS PROFISSIONAIS DE JORNALISMO
DE GAMES 57
Veículos de informação voltados aos games existem desde a década de 1970, principalmente
no meio impresso. Com o passar dos anos e o desenvolvimento dos meios digitais, os
produtos jornalísticos desse tema migraram para o meio online, desenvolvendo novas
características e estabelecendo um público próprio. Com a realização desse trabalho, foi
possível definir e problematizar o jornalismo especializado de games, questionando as
singularidades desse fazer jornalístico, ou caracterizando-o como microespecialização ou
subespecialização dentro de editorias como esportivo ou cultural. Para que isso fosse possível,
buscou-se construir um aprofundamento histórico do jornalismo de videogames no Brasil,
além de identificar as características do jornalismo voltado ao mercado de videogames, tais
como critérios de noticiabilidade, público leitor e abordagem editorial para, assim, delinear
esse tipo de produção jornalística como uma especialização contemporânea. Além disso, os
esforços dessa pesquisa se voltaram a mapear jornalistas desta especialização, com a
realização de entrevistas com esses profissionais. Outro ponto que buscou-se contemplar
nesse trabalho é a realização de uma análise de um produto jornalístico voltados ao universo
de games, a saber: o portal de notícias online IGN. Essa pesquisa objetiva refletir sobre novas
aberturas do jornalismo especializado.
1
As primeiras publicações a incluírem os games seriam da área de eletrônica e engenharia, como Popular
Mechanics, Popular Science e Popular Electronics. Além disso, na mesma década surgiram revistas
especializadas em fliperamas, como a PlayMeter, e RePlay.
7
Na mesma década em que a VideoGame debutou nas bancas, outras revistas também
passaram a fazer parte do rol de publicações nacionais no segmento. Com o crescimento do
público que procurava as revistas, outra tendência começa a tomar corpo no período: o
processo de segmentação de mercado. Surgem publicações dedicadas ao público de diferentes
sistemas de videogame. Nesse contexto, são notórias as publicações da Conrad Editora (que
posteriormente migraram para a Futuro Editora e Tambor Digital), como Nintendo World,
Super Dicas Playstation, além da Dicas & Truques Playstation, da editora Europa, e a PC
Gamer/CD Expert.
Outro cenário comum na época de surgimento e que perdura até hoje no mercado de
jornalismo de games é o licenciamento de títulos de outros países. São exemplos disso a já
citada PC Gamer, além da Eletronic Gaming Monthly, que no Brasil era chamada apenas de
EGM2. Muitas dessas revistas migraram, posteriormente, para o meio eletrônico, juntando-se
a novos produtos no mercado de publicações voltadas a games. Fruto do surgimento e da
expansão da internet entre os anos 2000 e 2010 - ambiente descrito por Jenkins (2009) como
um lugar onde diferentes mídias convergem - o público passou a consumir conteúdo de
portais de internet direcionados ao universo gamer, que variam em tamanho de audiência e
comumente são financiados por um grupo de mídia.
Nessa cultura de convergência, conteúdos de uma mídia específica são transportados
para outra, alterando a experiência de consumo dos usuários. Foi assim que o jornalismo de
games passou ainda por algumas experiências em televisão, desde o seu surgimento no Brasil.
Não muito duradouros e muitas vezes conversando com um público generalizado, algumas
atrações chegaram a ser exibidos nas programações de canais abertos, principalmente nas
madrugadas. É o caso do G4 Brasil, que foi ao ar na TV Bandeirantes nos anos 2000, e o atual
Zero1, apresentado por Tiago Leifert, na TV Globo.
A proposta desse Trabalho de Conclusão de Curso é identificar as características
conceituais definidoras e estruturais do jornalismo especializado de games. Para isso,
intenta-se construir um aprofundamento histórico do jornalismo de games no Brasil. Serão
identificadas as características do jornalismo voltado ao mercado de games, tais como
critérios de noticiabilidade e abordagem editorial para, assim, delinear esse tipo de produção
2
A revista teve esse nome até meados de 2009, quando passou a ser chamada de "Entertainment Game World".
Em 2017 a EGW deixou de ser publicada mensalmente. Em entrevista ao portal IGN, André Martins, diretor da
editora responsável, afirmou que a revista passaria a ser publicada esporadicamente em edições especiais. Não
foi possível localizar mais informações. Os websites da EGW e da Tambor Digital não está ativo.
8
jornalística como uma especialização contemporânea. Esse trabalho também procura mapear e
entrevistar jornalistas desta especialidade e, por fim, analisar um produto jornalístico voltado
ao universo de games, a versão brasileira do site IGN3.
Dois pontos justificam o presente trabalho. O primeiro refere-se ao espaço promissor
para essa especialização jornalística. O mercado de games, inserido na indústria de
entretenimento e também no comércio de bens e serviços, com seus produtos correlatos,
apresenta crescimento nos últimos cinco anos. De acordo com matéria publicada no portal de
notícias do jornal O Globo, só os jogos online faturaram em 2016 aproximadamente R$ 4,9
bilhões, incluindo a venda do jogo em si, veiculação de publicidade e também
microtransações, que são compras e vendas dentro do jogo (VELOSO e BRETAS, 2017).
Outra informação sobre a expansão do mercado vem do 2º Censo da Indústria
Brasileira de Jogos Digitais, que evidencia um crescimento no número de estúdios que
desenvolvem jogos no país entre 2013 e 2018. O número de desenvolvedoras passou de 142
para 375 (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2018). Falar do tema é algo que se faz cada vez
mais necessário, visto que o número de pessoas que dedicam tempo e recursos para a prática
de jogos eletrônicos, seja de maneira casual ou mais intensa, também cresce.
Além do aumento de tempo dedicado à prática e ao consumo de produtos relacionados
a essa temática, há um forte apelo social relacionado aos games. Estudos indicam que os
jogos exercem um papel fundamental no modo de vida social. Huizinga (2004, p. 1) aponta
para uma “convicção de que é no jogo e pelo o jogo que a civilização surge e se desenvolve”.
Ainda que tratando do lúdico como um todo, o conceito pode ser transportado ao mundo dos
games, sendo que estes se encaixam numa definição simples trazida pelo próprio autor sobre o
conceito de jogo: “Um fenômeno cultural e não biológico, estudado numa perspectiva
histórica, não propriamente científica em sentido restrito” (HUIZINGA, 2004, p. 2).
Huizinga (2004) aponta uma certa necessidade de competição inerente ao ato de
praticar uma atividade lúdica. Segundo o autor, isso deriva da tensão presente nos jogos.
Quem pratica algum jogo busca ser influenciado por esse sentimento. Nesse sentido, outro
fator determinante para as competições é a sensação de recompensa. O público consumidor de
produtos da indústria dos games e, é claro, dos próprios jogos eletrônicos, está em constante
busca por essas sensações. Como será visto mais adiante neste trabalho, durante toda a
história desta mídia, o ato de competir se fez presente. Esse fenômeno aparece nas disputas
3
Disponível em: < https://br.ign.com/>. Acesso em: 31/05/2019.
9
entre jogadores, ou até mesmo no caso do jogador solitário, ao buscar superar os desafios de
cada título de game. A superação dessas tensões é a recompensa para os competidores.
Outro argumento que justifica a realização desse trabalho se baseia no ponto de vista
acadêmico. De acordo com Aarseth (2006 apud Fragoso et. al., 2017), os jogos não ocupam
um lugar de destaque nos estudos de Comunicação. O autor ressalta ainda que os games não
podem ser vistos como apenas mais um tema de estudo para essa ciência, uma vez que são um
formato promissor dentro do espectro das mídias digitais.
Fragoso et. al. (2017) buscam analisar as produções científicas em solo brasileiro a
respeito dos games dentro da área de Comunicação entre os de 2000 e 2014. Os autores
encontraram alguns fatos que permitem entender um pouco melhor como as pesquisas e,
consequentemente, as publicações, vêm sendo elaboradas no país. Ferreira (2012, apud
Fragoso et. al., 2017) aponta para uma tendência de dispersão das palavras-chaves utilizadas,
variando entre “game”, “jogo”, “internet”, “tecnologia”. Algo parecido foi encontrado na
pesquisa de Mustaro e Fortim (2012), na qual as autoras também encontraram dispersão de
palavras-chave e diferentes formas de fazer referência aos games, por exemplo, ‘videogame’,
‘games’, ‘jogos eletrônicos’ e ‘jogos digitais. Outro fato percebido na pesquisa de Mustaro e
Fortim (2012) foi a forte presença de termos como “educação” e “jogos educativos”,
apontando uma maior inclinação dos estudos voltados à Educação.
Além de revisar os levantamentos já feitos por outros pesquisadores com o mesmo
objetivo, Fragoso et. al. (2017) propuseram uma análise do material publicado sobre games na
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD)4, além de artigos em eventos
relacionados a Comunicação, como Compós5, Intercom6 e ABCiber7. No total, os
pesquisadores se debruçaram sobre 522 trabalhos. Destes, 327 eram de Pós-Graduação, dos
quais 54 Teses e 273 Dissertações. O restante somou 195, desses, 18 vieram da Compós, 82
da Intercom e 95 da ABCiber (FRAGOSO et. al, 2017, p.6).
Ainda sobre os números encontrados, se considerar apenas programas de
Pós-Graduação da área de Comunicação, ou seja, que incluam aqueles classificados como
comunicação, cultura, cinema, meios digitais e multimeios, os pesquisadores encontraram 64
obras publicadas, sendo 14 Teses e 50 Dissertações. O número de trabalhos que se incluem na
4
Disponível em: http://bdtd.ibict.br/.
5
Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação.
6
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação.
7
Simpósio da Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura.
10
área de comunicação, então, representa cerca de 20%. Aprofundando-se ainda mais nessa
análise e levando em conta pesquisas que abordem os games e o jornalismo (objetos deste
Trabalho de Conclusão de Curso), percebe-se que essas fazem parte de cerca de 8% de todas
as Teses e Dissertação de games da área de Comunicação e apenas 1% de todos os 327
registros encontrados para Pós-Graduação (FRAGOSO et. al., 2017, p.10). Essa mesma
análise, agora considerando os artigos de eventos de Comunicação, encontrou apenas 6% dos
trabalhos que tiveram o jornalismo e os games como objeto de estudos (FRAGOSO et. al.,
2017, p.11).
Portanto, o cenário geral das pesquisas de games na área de Comunicação no Brasil,
bem como a baixa representatividade do jornalismo dentre os trabalhos, torna o tema dessa
pesquisa relevante e necessário, uma vez que isso pode contribuir para o desenvolvimento da
ciência envolvendo esse tema no Brasil.
Nesse sentido, então, este projeto também pretende contribuir para delinear o
jornalismo de games como especializado, identificando características e práticas nesse campo
de atuação que possam ser definidas como pertencentes a uma editoria especialização
jornalística. Essa identificação é uma maneira de descobrir se o jornalismo de games já tem
consolidação suficiente, além de estar presente em um mercado segmentado, para ser
entendido como uma especialização (com o mesmo entendimento que o cultural, o político, o
econômico etc.) ou se trata de algo pontual, como uma microespecialização ou uma
subespecialização dentro do jornalismo esportivo ou cultural. Essa pesquisa atuaria então para
trazer representatividade para profissionais e leitores de veículos midiáticos voltado aos
games. Além disso, espera-se, com a realização do estudo, contribuir para o aumento de
trabalhos a respeito do tema.
Em seguida, a pesquisa aborda a relação do jogo e a cultura, identificando-o como um
elemento essencial da prática social, indicando a importância do lúdico nesse contexto. Para
isso, irá se basear nas argumentações de Huizinga (2004) e Maffesoli (2009), além de
contextualizar os games como uma mídia e entender o ambiente em que eles estão inseridos.
Outro ponto abordado no presente trabalho é o jornalismo especializado. Pretende-se,
com isso, uma compreensão da finalidade a qual se destina a especialização das produções
jornalísticas e como isso afeta a relação com o público consumidor. A ideia é encontrar
características comuns que possam ser consideradas definidoras dessa área, traçar uma
comparação entre o jornalismo especializado como um todo e o jornalismo de games. Para
11
tanto, será necessária também uma revisão sobre o que se entende a respeito da prática
jornalística voltada a jogos eletrônicos, destacando, a partir de um levantamento histórico, as
características comuns para esse tipo mídia e os veículos que marcaram época. Mais adiante,
buscou-se esclarecer o que se entende por critérios de noticiabilidade. Para isso, utilizou-se a
proposta de Silva (2005), que buscou fazer uma revisão dos principais autores da área e
propôs uma tabela operacional atualizada, contendo os valores-notícia que abarcam as
definições comuns na área.
Além disso, são discutidos alguns elementos metodológicos que compõem essa
pesquisa, tanto no quesito teórico, que envolveriam a revisão bibliográfica, quanto prático,
levando em conta a análise do produto de jornalismo de games escolhido para esse trabalho, o
IGN Brasil, bem como as entrevistas realizadas a partir da aplicação de um questionário
semiestruturado a oito profissionais da área. Para essas duas últimas etapas citadas, a
investigação considerou a análise de conteúdo para chegar aos objetivos propostos.
Após a discussão da metodologia, as duas partes empíricas, contendo as duas análises,
correspondendo aos itens cinco e seis deste trabalho. Para constituir o corpus da entrevista os
questionários foram submetidos a 36 jornalistas e oito veículos distintos, com o retorno de
seis repostas. Quanto ao portal de notícias submetido a escrutínio nessa pesquisa, utilizou-se,
para a consolidação do material a ser estudado, uma abordagem que considerou todo conteúdo
possível de ser visualizado na página inicial, ou seções de destaque, durante um período de
um dia, totalizando 24 publicações no site, entre materiais escritos e audiovisuais.
1. O JOGO COMO PRÁTICA CULTURAL: SOBRE A IMPORTÂNCIA DO
LÚDICO
8
Grafia pela qual, por preferência do autor, decidiu-se representar esse termo no presente trabalho.
13
É importante destacar que o aprendizado adquirido nesta fase foi, mais do que lúdico, atrelado
às atividades de negociação, temática e distribuição. Em uma época onde as máquinas eram
facilmente confundidas com caça-níqueis, os pioneiros tiveram de delimitar seu negócio
(PINHEIRO, 2006, p. 2).
O autor cita ainda alguns fatos históricos para mostrar a ligação dos games com o
entretenimento. Um desses fatos é o surgimento do Spacewar, desenvolvido na década de
1960 por alunos do Massachusetts Institute of Technology, o MIT, nos Estados Unidos. O
criador de Spacewar foi Steve Russell, que contou com auxílio de Alan Kotok. O jogo
interativo foi criado para ser jogado no computador PDP-1, que contava com um monitor
monocromático para saída de dados (PINHEIRO, 2006, p. 3).
Mais uma parada na linha do tempo dos games que Pinheiro (2006) elenca é a criação
do primeiro sistema de videogame. Ele cita a invenção de Ralph Bauer, um engenheiro de
televisão alemão radicado nos Estados Unidos, que desenvolveu o Odyssey. A ideia surgiu de
um questionamento pessoal a respeito do que poderia ser feito com uma televisão, além de
sintonizar canais. “Foi neste momento que Baer cria o projeto para o primeiro videogame, que
vai ser comercializado após inúmeras negociações sem sucesso pela empresa de televisores
Magnavox” (PINHEIRO, 2006, p. 4).
Esses dois fatos mostram que os games nascem como uma mídia voltada ao
entretenimento, com base de conhecimento dividida entre televisão, engenharia e computação.
Nessa fase inicial do mundo dos games, é possível perceber dois aspectos que marcam essa
mídia: a interatividade e a narrativa9 (PINHEIRO, 2006, p. 5). Outra característica marcante
dos games como mídia, de acordo com o mesmo autor, é seu caráter multifacetado. Tal qual o
cinema, a literatura ou a música, os games se fazem valer do estímulo a diferentes sentidos
humanos, o que o torna multimídia.
9
Ainda que uma narrativa bastante primitiva, se comparada com a de jogos atuais. Nesse período a narrativa se
apresentação como uma espécie de ambientação que formava o jogo, por exemplo, o próprio Spacewar, onde os
jogadores controlavam espaçonaves. A noção de que aquilo representado em tela se passa no espaço é resultado
de uma narrativa que promete inserir quem faz parte do jogo naquele mundo.
15
10
Os dois tipos de coordenação motora diferem de acordo com os grupos musculares que são trabalhados. A fina
volta-se para os movimentos que utilizam os músculos pequenos, das mãos e antebraços, e que envolvem
atividades que requerem maior precisão e refinamento. Já a ampla, ou a grossa, dedica-se a atividades que
envolvem grupos musculares maiores e envolve ações como correr e pular, por exemplo.
16
O histórico dos games e as características que o definem como mídia e sua capacidade
de suporte de informações são elementos fundamentais para a compreensão da sua relação
com a Comunicação. Essa afinidade entre os campos culmina nas publicações voltadas aos
games. O trabalho de Jenkins (2009) a respeito da cultura da convergência também propicia o
entendimento de mais alguns fatores relacionados à mídia de games.
O principal atributo da cultura da convergência é o fato de ser multimídia. “No mundo
da convergência das mídias, toda história importante é contada, toda marca é vendida e todo
consumidor é cortejado por múltiplas plataformas de mídia” (JENKINS, 2009, p. 30). O autor
relata ainda que a convergência é resultado de uma transformação cultural, por meio da qual
os consumidores passam a buscar novas informações e fazer conexões nesse ambiente de
muitos e dispersos meios.
Outro fator que define a convergência é o ambiente em que ela se dá. “A convergência
ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com
outros” (JENKINS, 2009, p. 31). O ambiente proporcionado pela cultura da convergência
afeta os paradigmas que movem a indústria do entretenimento. Sobre esse tema, o autor diz
que “a convergência ressurge como um importante ponto de referência, à medida que velhas e
novas empresas tentam imaginar o futuro da indústria de entretenimento” (JENKINS, 2009, p.
33). Como consequência, essa mudança de paradigmas afeta a indústria dos games e a
maneira como se relaciona com os meios de comunicação. É possível observar a convergência
em prática com o exemplo da relação dos games e o cinema. Jenkins (2009, p. 36) aponta que
os “magnatas do cinema” enxergam nos jogos eletrônicos a possibilidade de merchandising,
colocando a logo do produto em mais um produto midiático, além de possibilitar que a
narrativa da história original seja expandida.
É nesse cenário convergente que o jornalismo de games se insere. Um ambiente em
que a relação entre conteúdo, quem o consome e quem o produz é impactada.
2. JORNALISMO ESPECIALIZADO
conhecimentos específicos para o tratamento jornalístico, outra razão que motiva a existência
do jornalismo especializado. Nesse âmbito, pode-se destacar que esse surgimento de novos
fatos motiva a existência do jornalismo de games.
Segundo Pérez (2003), “são novos temas que resultam da evolução social, científica,
econômica e política, e despertam grande interesse devido à súbita e crescente preocupação
do público por questões ainda não valorizadas do ponto de vista informativo” (PÉREZ, 2003,
p.79)11. Esses conteúdos até então estavam desatendidos, seja por não serem considerados, ou
por possuírem aspectos para os quais não havia sido dada a devida atenção, já que não eram
temas conhecidos.
Pérez (2003) também concorda que o surgimento das redações em áreas temáticas é
fruto da procura da audiência por notícias com tratamento informativo mais profundo e
rigoroso. Esse foi um dos passos para o fortalecimento da informação especializada como
uma prática habitual jornalística. Outra consequência é o estabelecimento de critérios próprios
para o tratamento jornalístico desses conteúdos, conforme as características de cada segmento.
Esses meios de comunicação especializados são, então, respostas aos “vácuos jornalísticos”
decorrentes dos veículos generalistas, que costumam tratar de todos os temas, com os mesmos
critérios.
O autor faz uma ressalva pertinente a respeito do jornalismo especializado. Ele nota a
existência de dois discursos provenientes da informação especializada: um voltado para
audiências específicas e outra para generalizadas. No primeiro, é quando o jornalista fala com
um grupo reduzido de pessoas, sabendo que o tema abordado interessa a uma audiência
concreta, aqui pode aparecer a linguagem mais técnica, já que se supõe um nível de
conhecimento dos receptores. Já no segundo caso, o profissional se comunica usando os
critérios de uma notícia tradicional para um público geral, mas sem deixar de ser informação
especializada, entretanto, há necessidade de clareza dos conceitos.
Sáez (2010) reitera que um ambiente em que informações circulam em excesso é
característico da Sociedade da Informação. Nesse cenário, a comunicação circula
instantaneamente, sem barreiras geográficas, com conteúdo de toda a sorte sendo disparado
por emissores de procedências variadas, onde quase todos os indivíduos podem ser autores
das próprias mensagens. Com o inchaço das comunicações, acaba ocorrendo um fenômeno
11
No original: “Son temáticas novidosas froito da evolución social, científica, económica e política, e espertan
un grande interese debido á repentina e crecente preocupación da audiencia por temas que aínda non se
valoraban desde o punto de vista informativo” (PÉREZ, 2003, p.79).
21
onde há mais informações do que podem ser consumidas. Como consequência desse
ambiente, a autora explica que a especialização jornalística tem passado por “um crescimento
espetacular, tentando ser a resposta para a complexidade dos conteúdos que compõem a
atualidade e para a demanda seletiva dos usuários da informação”12 (SÁEZ, 2010, p.1).
Outra característica que Sáez (2010) aponta como parte do propósito do jornalismo
especializado é a facilitação da comunicação entre especialistas que trabalham em âmbitos
distintos do conhecimento e a sociedade. Tal atividade deve possibilitar que os benefícios das
descobertas feitas passem a ajudar as pessoas. A especialização jornalística, então, passa a ser
também uma exigência da própria audiência, que se torna cada vez mais setorizada,
entretanto, ela também é uma necessidade dos próprios meios de comunicação para alcançar
uma maior qualidade de informação e um aprofundamento dos conteúdos.
Jornalismo Especializado é aquela estrutura informativa que engloba todo o processo comunicativo para
apresentar a realidade através das múltiplas áreas temáticas que a moldam e que estão sujeitas ao
tratamento jornalístico por profissionais qualificados em dois diferentes níveis de especialização,
capazes de satisfazer usuários em suas demandas por entretenimento, por um lado, e de aprofundar o
conhecimento, por outro, seja qual for o meio escolhido para sua disseminação.13 (SÁEZ, 2010, p.8).
12
“Un espectacular auge, intentando ser la respuesta a la complejidad de los contenidos que conforman la
actualidad, y a la demanda selectiva de los usuarios de la información” (SÁEZ, 2010, p.1)
13
No original: “Periodismo Especializado es aquella estructura informativa que abarca todo el proceso
comunicativo para presentar la realidad a través de los múltiples ámbitos temáticos que la configuran y que son
objeto de tratamiento periodístico por parte de profesionales cualificados en dos niveles de especialización
distintos, capaces de satisfacer a los usuarios en sus demandas de entretenimiento, por un lado, y de
profundización en el saber, por otro, sea cual sea el soporte elegido para su difusión” (SÁEZ, 2010, p.8).
22
14
São fatos, ideias e serviços que antes não eram considerados como objetos de comunicação jornalística.
23
2007). O autor explica então, que o que difere as publicações especializadas do jornalismo
noticioso diário é o estatuto de notícia.
Levando em consideração o portal IGN, que será objeto de análise dessa pesquisa, é
possível observar a ocorrência de uma mescla das características das revistas com a imprensa
generalista. Os conteúdos do jornalismo online de games entretêm, por sua linguagem
diferenciada, sua experiência multimídia e suas temáticas carregadas de informações do
interesse leitor, ao mesmo tempo que informam sobre acontecimentos factuais a respeito do
mercado de games.
A partir da discussão de Tavares (2007) e Tuñon (2000), é possível verificar
características no jornalismo de games. Entre elas destaca-se: a que versa a respeito da
ampliação do conceito de atualidade jornalística; o aprofundamento da explicação de
fenômenos novos, de acordo com as exigências das mudanças sociais; a oferta de mais de
conhecimentos sobre a complexidade do mundo; e a ampliação e democratização do acesso à
cultura.
ESPECIALIZADO
É importante que exista uma multiplicidade de especialistas sondados para uma pauta.
Isso mostra um esforço para oxigenar o assunto tratado e impede que haja um sufocamento
por parte da arrogância de quem se considera autoridade em determinado tema.
A segunda observação que Bueno (2015) ressalta é a ideia de que o jornalismo
especializado não é uma mera tradução do discurso de um especialista no tema. O texto dessa
prática jornalística deve ir além das fontes, trazendo consigo a “experiência, as intenções, as
visões sobre o mundo e sobre o objeto da pauta dos profissionais de imprensa” (BUENO,
2015, p. 291).
Além disso, o autor indica a preocupação com a colocação de jornalistas como
especialistas da área a qual se debruçam. Não que essa prática não possa existir, segundo
Bueno (2015) os profissionais de jornalismo chegam a recorrer à academia para se tornar
25
capacitados no tema que abordam, o que acaba tornando-os portadores de títulos de mestres e
doutores. O problema citado é quando os jornalistas deixam de levar em conta o compromisso
com o público e o perfil do referido segmento, acabando por refinarem seus discursos e se
distanciar daquelas pessoas que consomem o seu conteúdo, instaurando o que o autor chama
de “incomunicação” (BUENO, 2015, p. 292).
A última observação feita é um questionamento da especialização do jornalismo por
parte de profissionais e estudiosos da área, que alegam que o mergulho em determinado tema
proposto pelo jornalismo especializado, além das características que são vistas como
diferenciais da segmentação, nada mais são do que atributos que deveriam ser habituais no
jornalismo como um todo. “Para os críticos do chamado jornalismo especializado, os bons
jornalistas serão sempre especializados porque estarão empenhados em dominar o objeto da
sua pauta, em buscar fontes adequadas para repercuti-la e assim por diante” (BUENO, 2015,
p. 292). Apesar de concordar que essa questão faz sentido, Bueno (2015) destaca que, na
prática, jornalistas que tenham esse perfil, em geral, não são facilmente encontrados, além do
que é uma tarefa quase impossível para os profissionais das notícias possuírem a mesma
competência em todas as áreas sob as quais o jornalismo se desdobra.
1. Qualquer coisa referente a uma pessoa de destaque, ou a alguém que se tenha tornado
personagem público; 2. O incomum. Alguma coisa que não pode acontecer e contudo acontece,
é notícia; 3. Qualquer coisa que afete vitalmente o governo do país ou cidade; 4. Qualquer
26
A partir dos conceitos encontrados, Silva (2005) se dedica a propor uma tabela
operacional que contemple um consenso entre os atributos oriundos dos autores citados, além
de incluir novas contribuições, para um enquadramento mais adequado ao cenário
contemporâneo do fazer jornalístico. O resultado é fruto da avaliação da autora e elabora doze
categorias, com diversos conceitos abarcados em cada conjunto, e pode ser conferido no
Quadro 2.
Conforme os valores propostos por Silva (2005), é possível observar, a inclusão dos
conteúdos de jornalismo de games em alguns grupos, como o do Entretenimento/Curiosidade,
Conhecimento/Cultura, Surpresa e Raridade. Esses elementos norteiam não só o jornalismo
próprio de jogos eletrônicos, como também, a cobertura generalista a respeito do tema, tal
qual citada por Assis (2007).
3. JORNALISMO DE GAMES
A gênese das publicações que envolvem conteúdos voltado ao mundo dos videogames
é bem próxima do começo da própria indústria. Assis (2007) traça uma linha histórica com
todos os cruzamentos entre o jornalismo e os games, seja em produtos especializados, ou
aparições na mídia generalista. O autor cita as revistas Popular Mechanics, Popular Science e
Popular Electronics como as primeiras ocorrências de jogos eletrônicos em conteúdo
jornalístico. Nessas publicações, que eram voltadas para a eletrônica, os games apareciam por
meio de artigos com finalidade técnica, em que era ensinado aos leitores como desenvolver os
próprios jogos. Isso acontecia em meados da década de 1970 (ASSIS, 2007).
Com a consolidação dos jogos de fliperama, surgiram as primeiras revistas
especializadas em games. Assis (2007) cita os títulos PlayMeter, de 1974, e RePlay, surgida
um ano depois, como exemplos. Característica importante da época é o surgimento do gênero
textual review, que consiste em uma espécie de resenha dos jogos (ASSIS, 2007).
No começo dos anos 1980, fabricantes de jogos15 e consoles lançaram revistas que
serviam como catálogos para a divulgação de lançamentos e instigar a curiosidade dos
jogadores com as novidades dos games. “Boa parte delas trazia também seções de dicas,
entrevistas com os profissionais por trás da criação dos jogos e rankings periódicos para que o
público pudesse comparar seu desempenho ao de outros jogadores” (ASSIS, 2007, p.49).
É importante evidenciar a presença de uma comunidade consolidada antes da própria
internet. Essa relação convergente entre indústria de jogos e veículo de comunicação criava
espaços de interação para os aficionados por jogos. Nesse sentido, ao se pensar nesse
elemento originário das revistas de jogos, se vê a ocorrência de uma das características do
jornalismo especializado citada por Tavares (2007 e 2012) e Abiahy (2000), que é justamente
essa identificação do público com o conteúdo que consome, com o veículo que acompanha e
com a área de especialização que o interessa.
15
Assis (2007, p. 49) cita as seguintes empresas como as pioneiras: Atari, Activision, Coleco, Imagic, Mattel e
Magnavox.
30
Desde que tenhamos que ser bonzinhos para conseguir resenhar hardware ou games, seremos
tão vendidos quanto os críticos de cinema que sempre parecem ter citações positivas nas
propagandas daqueles filmes que não pagaríamos para assistir. Um post crítico de blog aqui ou
lá não é o bastante para balancear toda a porcaria grátis. Nós podemos fingir que não estamos
no bolso das grandes companhias. Mas a gente cobre uma indústria ao invés de uma forma de
arte (ZENKE, 2006, p.2, grifo nosso).17
16
Disponível em:
<https://v1.escapistmagazine.com/articles/view/video-games/issues/issue_71/409-Game-Journalists-on-Game-Jo
urnalism.2> Acesso em: 30/05/2019.
17
No original: “And as long as we have to play nice to get review hardware or games, we'll be as big a sellout as
those movie reviewers who always seem to have thumbs-up quotes on the ads for movies we would not [pay]
money to go see. A snarky blog post here or there isn't enough to balance out all the free s---. We can pretend
that we are not in the pocket of the big companies. But we cover an industry rather than an art form” (ZENKE,
2006, p.2).
31
publicada entre 1981 e 2004, no Reino Unido. Outros exemplos que são notados pelo autor
são a Eletronic Games Monthly18 e a japonesa Famitsu (ASSIS, 2007).
Assis (2007) relata ainda que o mercado de revistas de games no Brasil seguiu a
mesma tendência que o histórico internacional, porém de maneira tardia, somente nos anos
1990.
Desenvolvida originalmente pela editora Abril como um suplemento da revista Semana em
Ação, a Ação Games chegou ao mercado em outubro de 1990 já sob o comando da editora
Azul. Aproveitando-se do sucesso da geração dos consoles de 8-bits e 16-bits, a revista, que
permaneceu no mercado até o ano 2000, acompanhava o mesmo modelo de suas
correspondentes estrangeiras, com informações sobre lançamentos, resenhas de jogos, dicas
para vencer os jogos e seção de cartas. Em seguida viriam a Super Game, com foco nos jogos
para os consoles da Sega, e a Power Game, esta direcionada aos adeptos da Nintendo, que mais
tarde se uniriam em um só título – também já extinto – batizado de SuperGamePower. (ASSIS,
2007, p. 50)
Os anos 1990 marcam a aparição dos primeiros veículos digitais de jornalismo voltado
aos games. Criado em 1996, o GameSpot.com está em funcionamento até hoje. O portal
conta, desde a época de seu lançamento, com gêneros textuais que definem boa parte das
publicações da área. De acordo com Assis (2007), os leitores encontravam no GameSpot
notícias em geral, as já mencionadas reviews e previews, que são “reportagens que adiantam
informações e imagens sobre jogos ainda em produção” (ASSIS, 2007, p. 51). Outro
representante dessa mesma época e com proposta parecida é o IGN. Tanto o GameSpot quanto
o IGN têm cunho multiplataforma e possuem versões brasileiras19.
Outro elemento desses portais de internet e que fazem menção às revistas de games
dos anos 1980 é a criação de comunidades. Esses portais de jogos passaram a oferecer aos
seus leitores “fóruns e seções em que os leitores publicam suas próprias resenhas e dicas
sobre os games” (ASSIS, 2007, p. 51). Novamente, vemos a presença de algo que ocorre com
os consumidores de conteúdo do jornalismo especializado, que se transformam em uma
comunidade de pessoas com interesses voltados a um mesmo tema.
Ainda no ambiente online, Assis (2007) nota a presença de blogs com conteúdo a
respeito de games e da cobertura desta indústria. Datados dos anos 2000, esses novos veículos
possuem linguagem mais coloquial e um conteúdo mais opinativo, fatores que levaram esses
produtos a serem denominados de “tablóides do jornalismo de games” (ASSIS, 2007, p. 51).
18
Como mencionado na introdução deste trabalho, a EGM contou com uma edição brasileira.
19
A IGN está presente no Brasil desde 2015, já o GameStop foi importado em 2018.
32
O jornalismo de games feito na internet teve seu potencial aumentado com a melhoria
das conexões. De acordo com Assis (2007), além da agilidade na publicação do material,
outra contribuição do ambiente online foi a possibilidade de integração do conteúdo
multimídia. Um exemplo disso é a utilização de vídeos que, além de fazer as tradicionais
reviews e previews, passaram a criar programas de notícias, entrevistas e quadros
humorísticos ligados aos games (ASSIS, 2007). Nesse sentido, reitera-se a relação que o
jornalismo de videogames tem com o conceito de Cultura da Convergência proposto por
Jenkins (2009), já que diferentes conteúdos passaram a se fundir. Partindo de um só lugar é
possível acessar informações sobre um tema de interesse. Exemplos dessa prática são
comuns, como o Daily Fix, produzido pelo IGN Brasil, que publica um vídeo diário contendo
um apanhado geral das notícias do mundo dos games, imitando o formato dos telejornais.
Nessa prática, diversas mídias se misturam: os games, o jornalismo de games, o vídeo para
web e a televisão. Outro exemplo é citado pelo próprio Assis (2007), que menciona os vídeos
do canal Angry Video Game Nerd.
Criado pelo cineasta amador James D. Rolfe, inicialmente como Angry Nintendo Nerd, o
personagem surgiu em 2004 como uma brincadeira em cima de games do console NES que,
apesar de ‘clássicos’, ‘sempre tinham alguma coisa irritante’. Publicados no site YouTube dois
anos depois, os vídeos destrincham jogos como Catlevania 2: Simon’s Quest, o primeiro
Teenage Mutant Ninja Turtles, Top Gun, além da famigerada luva Powerglove, e se tornaram
um sucesso instantâneo entre os usuários e jogadores nostálgicos. Por trás do tom
mal-humorado e sempre boca suja, o Angry Nintendo Nerd faz críticas ao design e mesmo a
aspectos culturais do jogo que vão bem além do que Rolfe afirma modestamente em seu site
como sendo apenas ‘comédia’. (ASSIS, 2007, p. 52)
20
Assis (2007) cita como exemplos o diário britânico The Guardian, o jornal The New York Times e as revistas
Wired, Entertainment Weekly, Variety e Rolling Stone.
4. DELINEAMENTO METODOLÓGICO
Para que sejam realizados os objetivos pretendidos por esse trabalho de pesquisa, os
procedimentos metodológicos foram divididos em três etapas. A primeira diz respeito ao
levantamento qualitativo de informações sobre elementos relevantes para o tema, que
posteriormente seriam construídas como referencial teórico. Assim sendo, buscou-se utilizar
trabalhos acadêmicos a respeito de games, jornalismo de games, jornalismo especializado e
ludismo. A segunda etapa tem caráter exploratório e procurou-se submeter um questionário
semiestruturado a profissionais do jornalismo que atuam em veículos de comunicação
dedicados à cobertura da cultura dos games, bem como os demais elementos que compõe a
indústria de jogos eletrônicos. A respeito desse método de obtenção de dados, Duarte (2009)
explica que se parte de um roteiro, composto por questões guias que são de interesse do tema
da pesquisa. As perguntas, então, devem se originar no problema de pesquisa que o trabalho
busca elucidar. O autor aponta que, com a utilização desse método, é possível obter-se
respostas que podem ser comparadas posteriormente. Sendo assim, o roteiro guia inicial serve
também como fundamento para o desenvolvimento da análise.
A escolha dos entrevistados se fez com base em um levantamento de autores que
assinavam textos em oito veículos de comunicação online, bem como dos editores dos
mesmos, quando sinalizado. Além disso, levou-se em conta também um profissional da área
que atualmente atua no setor de assessoria de comunicação de uma empresa de jogos. O
levantamento encontrou 36 nomes. Utilizou-se apenas seis desses nomes, considerando que
foram os únicos que responderam às perguntas durante o prazo de realização deste trabalho.
Outra etapa prática da pesquisa foi a análise de um veículo de comunicação
especializado no mundo dos games. Como indicado na introdução desse trabalho, o produto
escolhido é a versão do portal de notícias IGN21. A escolhe deve-se ao fato de que esse é um
dos mais acessados portais na área, no Brasil, além de a versão americana ser pioneira no
ramo, existindo desde 1996.
21
Disponível em: < https://br.ign.com/>. Acesso em: 31/05/2019
35
deverá ser inferior a 24 horas desde o momento de início da análise22. O principal objetivo da
análise é perceber como é feito o jornalismo de games, quais são os critérios de
noticiabilidade e se assemelham às práticas comuns do jornalismo especializado.
22
A descrição do portal poderá ser observado o item 6 deste trabalho.
5. O JORNALISMO DE GAMES POR QUEM FAZ
Uma das maneiras pela qual a presente pesquisa se dispôs a chegar aos objetivos
propostos foi por meio de entrevistas, feitas com seis profissionais da área de jornalismo de
games. Os selecionados foram escolhidos num mapeamento de 36 nomes levantados, de oito
veículos brasileiros distintos, sendo eles IGN, Webedia, Versus, Nerdbunker, The Enemy,
Mais Esports, Voxel e assessoria de imprensa brasileira da desenvolvedora de jogos Capcom.
A escolha dos entrevistados se deu de maneira a fazer com que pelo menos um nome de cada
veículo fosse convidado a responder, sendo que nem todos responderam ao contato. O
questionário ficou disponível para que entrevistados respondessem entre o dia 30 de julho de
2019 e 30 de setembro de 2019. O instrumento de coleta de dados conta com 13 perguntas,
sendo as quatro primeiras de identificação, compondo a primeira seção, e outras nove
questões a respeito do jornalismo de games e jornalismo especializado (Anexo I).
Com as respostas da primeira seção, foi possível conhecer melhor as pessoas que
responderam as entrevistas. Dos seis que deram retorno, cinco possuem entre 18 e 30 anos de
idade, dois do gênero feminino e quatro do masculino. Duas pessoas possuem ensino superior
incompleto, outras três são graduadas em Jornalismo e uma pessoa é graduada em Letras.
Quanto ao tempo de atuação no mercado de jornalismo de games, dois dos entrevistados
possuem dois anos de experiência, um deles possui três anos de atuação, outro possui cinco
anos e dois estão há mais de dez anos nesse mercado. Com as respostas dessa seção, pode-se
perceber uma certa diversidade entre as pessoas que responderam o questionário no sentido de
experiência, entretanto, a maioria possui a mesma faixa etária, que é entre 18 e 30 anos.
Para essa etapa da pesquisa, buscou-se fazer uma análise, conforme as categorias
citadas por Moraes (1999), investigando o “para dizer o quê?”, ou seja, os esforços de análise
se voltaram ao valor informacional da entrevista, considerando as palavras utilizadas, os
argumentos construídos e as ideias que aparecem. Nesse sentido, construiu-se uma adaptação
da metodologia apontada por Bardin (1977), onde na etapa de pré-análise foi realizada a
leitura flutuante das repostas, com o corpus sendo definido de acordo com as perguntas feitas
pelo questionário semiestruturado e a organização das mensagens levam em conta essa
mesma lógica, por isso preferiu-se analisá-las individualmente. Dessa forma, tanto a criação
39
de indicadores quanto as inferências foram feitas de acordo com cada uma das respostas.
Posteriormente, uma nova etapa de inferências foi realizada, levando em conta o conteúdo
reunido por todas as perguntas e as características do jornalismo especializado, bem como as
definições de valor notícia, encontradas na etapa de referencial teórico desse trabalho.
A primeira pergunta da segunda seção do questionário aplicado é “O que você
entende como jornalismo especializado?”. Entre as respostas, foi possível observar a
recorrência do substantivo “foco”, ou do seu adjetivo derivado “focado”, presentes em quatro
das seis respostas. Outro adjetivo recorrente foi “específico”, presente, também, em quatro
respostas. Uma das respostas utilizou o termo “jornalismo de nicho”, sendo a única onde a
presença dos outros termos não foi encontrada. Compreende-se então, que a visão das pessoas
que atuam no mercado produção de conteúdo informativo sobre games é de que o jornalismo
especializado envolve o foco em assunto específico, o que de certa forma, pode-se traduzir
também como uma prática de jornalismo de nicho, já que o foco na especificidade é a criação
de um espaço delimitado de atuação, tal qual um nicho. A próxima pergunta - “Você
consideraria o jornalismo de games como jornalismo especializado” – confirma essa hipótese,
já que foram seis respostas positivas.
A terceira questão, “Que argumentos embasam a sua opinião da resposta anterior?”,
buscava aprofundar a resposta dada previamente. Aqui não houve tantas repetições de termos,
mas consegue-se perceber a repetição de alguns indicadores. Uma das respostas aponta para a
demonstração de uma “especialidade”, inerente aos veículos de jornalismo de games, já outra,
lembra que os veículos tratam de games, “especificamente”, sendo termos que aparecem
ainda a “exclusividade” e o “nicho”. Apesar de não serem necessariamente sinônimos, todas
as palavras destacadas podem indicar uma forma de segmentação. Outra inferência digna de
nota, nessa pergunta, se trata do aprofundamento por parte do profissional, enquanto um dos
entrevistados optou por complementar sua resposta com a necessidade “se aprofundar em
diversos aspectos para falar sobre o assunto”, outro comenta sobre a maneira como os jogos
são tratados por veículos do jornalismo de games, com “especialidade técnica e analítica
sobre o assunto”.
O quarto assunto questionado aos profissionais que atuam no segmento era “Quais os
principais tópicos abordados por publicações jornalísticas voltadas a games?”. Aqui, apesar de
algumas variações, alguns indicadores se repetem e mostram uma inclinação desse mercado
editorial para o lado comercial. “Lançamentos”, “promoção”, “jogos”, “preços”, “vendas”,
40
“audiência” e “repercussão” são algumas palavras que nos ajudam a perceber uma veia
mercadológica nas falas dos entrevistados, sendo que um deles, inclusive, reconhece o
jornalismo de games como “um segmento essencialmente comercial”. Ainda nesse sentido,
vemos algumas citações à produção de textos de crítica, como “análise de produtos”,
“gameplays”, “reviews”. Entretanto, um dos entrevistados acredita que a produção desse tipo
de conteúdo ainda é incipiente. Outra característica sobre o que vira notícia em veículos
voltados aos games possível de ser percebida no argumento dos profissionais da área é a
cobertura de esportes eletrônicos, citado por três entrevistados, sendo que um deles, inclusive,
sugere que o tratamento desse tema, por parte das publicações que o abordam, é semelhante
ao do jornalismo esportivo23. Por fim, nota-se uma categoria que pode abarcar temas mas
esporádicos e voltados ao entretenimento no mundo de games, como conteúdos produzidos
pela comunidade, assuntos relevantes a personalidades da área, jogadores e a plataformas de
streaming.
A última pergunta do questionário era sobre um ponto correlato ao citado acima, por
isso, será abordada antes das outras. O questionamento era sobre “Quais assuntos que se
tornam notícias nesse ramo jornalístico?”. O sentido inicial era descobrir a opinião dos
profissionais a respeito dos valores-notícia que compõe o jornalismo de games, entretanto, ao
analisar as respostas dadas na pergunta quatro e nove, percebe-se uma semelhança bastante
grande. Possivelmente, por um lapso durante a construção do questionário, que não expressou
corretamente a diferença entre os assuntos. Entretanto, é possível entender um pouco melhor
sobre o que é notícia para esse ramo jornalístico. Um exemplo é o termo “lançamento”,
primeiro a ser citado por cinco dos seis entrevistados. A chegada de um novo título é
lembrada também em outros termos que aparecem no restante da mensagem, como em
“trailers”, “desenvolvimento de games”, “prévias”, “novos jogos”, “novos softwares e
hardwares” e “novas plataformas”24. A questão comercial é novamente retomada, com a
citação de “movimentos mercadológicos”, “assuntos relevantes à indústria”, “movimentações
de trabalho do mercado”, “registros de marcas”, “produtos de personagens” e
“investimentos”, que aparecem nas respostas de quatro dos seis entrevistados. Há também a
23
A resposta transcrita do entrevistado citado aqui foi: “É muito relativo. O mercado de games é cada vez mais
amplo. Há pouco tempo atrás (sic) falava-se apenas dos lançamentos, rumores e impressões sobre algo novo.
Hoje em dia ainda há um mundo inteiro novo com a entrada forte do esporte eletrônico. Por lá, o jornalismo
acaba sendo tratado de forma bem semelhante com o jornalismo esportivo, mas ainda voltando aos games”.
24
Refere-se ao anúncio ou lançamento de novos sistemas de vídeo game.
41
prospera, sendo que apenas um deles acredita que exista espaço em todas as mídias, mas que
cada uma delas exige a produção de um conteúdo distinto. Entre as demais cinco respostas, as
justificativas variam bastante e mencionam a “velocidade” do mundo dos jogos que exige
constantes atualizações, o fato de, como os jogos eletrônicos são entendidos como tecnologia,
os conteúdos de um jornalismo voltado para essa área devem ser consumidos no meio digital
e também pelo potencial de crescimento, se valendo do “caráter imagético da mídia”, que
envolve “vídeos e experiências interativas”.
A oitava pergunta era “De que maneira pode ser definido o público que acessa os
produtos de jornalismo de games?”. Nessa questão, o termo “interessado” é mencionado três
vezes. Já “apaixonado” é outra palavra que se repete por duas vezes, assim como “jovem”.
Alguns elementos citados uma única vez, mas que merecem destaque, são o fato de uma
resposta descrever o público como autodenominado conservador e reacionário25. Outra
característica do público é que nem sempre tem capacidade financeira de ter acesso aos jogos
que são abordados pelos veículos de jornalismo de games, mas não deixam de consumir
informações a respeito. Um outro ponto digno de nota é mais sobre o nível de segmentação do
público de jornalismo de games, que mantém interesses distintos e que pode variar de acordo
com sistemas de videogames ou gêneros de jogos.
Como este projeto de pesquisa tem como um de seus objetivos contribuir para
delinear o jornalismo de games como especializado, as definições trazidas pelos profissionais
ouvidos, quando relacionadas com elementos definidores do jornalismo especializado
encontrados na literatura, possibilitam observar semelhanças.
A primeira relação surge logo na conceituação do jornalismo como uma prática
especializada ou não. Os profissionais entrevistados citam o foco em uma especialidade para
justificar a resposta. Para eles o jornalismo de games é especializado por ser focado nesse
tema. E, de fato, autores da área também relatam essa questão como uma das primordiais para
um jornalismo especializado. Bueno (2015) aponta para um jornalismo voltado a uma
temática, Tavares (2012) fala de assuntos tratados a partir de uma área de interesse comum e
Abiahy (2000) cita a construção de um público consumidor segmentado.
Sobre o público interessado no jornalismo de games, observa-se relações desse
segmento com o jornalismo especializado, principalmente no que diz Abiahy (2000), ao falar
25
A resposta transcrita do trecho destacado: “Infelizmente, boa parte desse público se diz ‘conservado’ em
moldes até reacionários e não se mostra aberto a discussões que envolvam inclusividade ou política, em minha
experiência”.
43
26
Além das versões americana e brasileira, o IGN está em mais de uma centena de países por meio de sites
próprios ou por “filiais” regionais, como O IGN Oriente médio, IGN África, IGN Ásia e IGN América Latina. A
sigla significa Imagine Games Network.
45
O Ver Mais também contém uma coluna denominada Social, com os links para as redes
sociais do IGN Brasil, entre elas, Facebook, Twitter, YouTube, Instagram e Twitch. Outra
coluna é chamada de Editorias, onde estão as opções Tech, Movies, TV, Retrô, Anime27 e
Fórum, que leva quem clicar até o fórum da IGN brasileira, onde os leitores criam salas de
discussão. A Vídeos leva a uma página de produções audiovisuais do site, distribuídas por
ordem cronológica.
Duas opções que se destacam aqui são a de Preview e Review, que tratam de textos de
prévias e análises de jogos. Há ainda mais uma coluna dentro de Ver Mais. Aqui, o leitor
pode refinar o conteúdo de textos que falem da geração passada de plataforma de jogos, ou de
sistemas portáteis, as opções são: Playstation 4, Xbox One, Wii U, Switch, Playstation 3,
Xbox 360, PC, 3DS, PSVita e Mobile. Logo abaixo há uma seção com quatro links simples
para matérias/textos distintos, com temáticas variadas.
No espaço chamado de Notícias, todas são publicadas em ordem cronológica. São dez
textos disponíveis em lista, até chegar aos links diretos a vídeos do canal da IGN Brasil no
YouTube. Em seguida, a lista de publicações de Notícias continua, com mais dez matérias, até
chegar na última seção de destaques do site, intitulada Reviews, novamente, copiando o
design do Mais destaques e trazendo quatro links.
Para fins de realização da análise, a delimitação do corpus considerou todos os
conteúdos expostos na página inicial do IGN Brasil no dia 21 de outubro de 2019. Nesse
sentido, foram separadas as publicações presentes nas seções que possuíam os links em
destaque, os principais destaques, o mais destaques, as notícias e o direto do YouTube. Para
delimitar quantas postagens da seção de notícias seriam analisadas, optou-se por utilizar a
data de publicação como recorte, sendo que essa deveria considerar aqueles textos publicados
no dia 21 de outubro. No total, foram 24 itens selecionados para análise (Anexo II).
A respeito do corpus definido, algumas características foram observadas. Quanto ao
tipo de texto publicado, nota-se que o maior número de ocorrência se refere a notícias em
geral, 11 aparições entre os 24 textos analisados. Eram notas pontuais sobre da indústria dos
games, bem como cinema. Além disso, uma das notícias abordava um produto de moda com
temática de games, ou seja, era uma notícia anunciando, em tom de curiosidade, uma linha de
suéter baseada em personagens da Nintendo. Destaca-se ainda a ocorrência de sete previews,
27
Elas possuem o mecanismo de filtragem de conteúdo, direcionando o usuário a matérias a respeito daquilo que
o nome do link descreve, por exemplo, Tech para conteúdo de tecnologia.
46
que são aquelas matérias que contém informações de um produto que ainda será lançado.
Nessas prévias, duas publicações, entre vídeos e textos, se referiam exclusivamente a cinema,
quatro exclusivamente a games, e uma mostrava uma linha de celulares, dos quais um era
voltado ao público gamer.
Com três e duas ocorrências, consecutivamente, aparecem os gêneros artigo de opinião
e reportagem. No primeiro deles, dois dos textos tratavam de games e traziam uma espécie de
melhores jogos dentro de um conceito específico, por exemplo, os “5 melhores games de
corrida para celular”, já no terceiro, o autor listava as referências que apareceram durante o
primeiro episódio de um seriado televisivo. Por sua vez, nas reportagens, uma mantinha o
foco em problemas de assédio enfrentados por mulheres que desenvolvem jogos e outra
entrevistava cosplayers28 no Brasil Game Show, que apesar de ser um evento voltado a
indústria de jogos eletrônicos, exibia personagens da cultura pop em geral. Numa perspectiva
do jornalismo especializado aprofundado e crítico, o único texto que se encaixaria seria a
primeira reportagem citada.
Um fato que se nota quanto ao gênero de cada texto é que no dia definido como
recorte para a análise não houve publicação de reviews, que são aqueles textos que se prestam
a analisar os games após o seu lançamento. A metodologia para construção desse tipo de texto
pode variar de acordo com o veículo, mas no IGN Brasil, normalmente, os avaliadores fazem
análises quanto à parte técnica, à narrativa, aos modos de jogo, à parte visual, levantam prós e
contras do título, comentam a que públicos o jogo pode ser indicado e, por fim, atribuem um
nota que vai de 1 até 10. Os reviews foram citados como um gênero importante dentro do
jornalismo de games, tanto por profissionais da área, quanto pela bibliografia
, principalmente por Assis (2007), que relata em diversos momentos da história do
jornalismo de games a presença desse tipo de texto. Durante o momento da leitura flutuante
desta análise, notou-se que a periodicidade desse conteúdo é consideravelmente menor à de
outros textos, sendo que a última resenha de um título feita pelo IGN ocorreu no dia 11 de
outubro, portanto, dez dias antes do recorte cronológico definido como corpus.
Sobre o principal tema de cada publicação, notou-se que, dos 24 registros que foram
objeto de análise, 16 tratavam de games, quatro de cinema, dois de games e mais algum outro
28
Cosplayers são praticantes do Cosplay, que é a prática de representar uma determinada personagem a caráter,
utilizando elementos como a fantasia e a maneira como a figura de referência se porta.
47
tópico como tecnologia e moda, um de televisão e um de cultura pop em geral. Mais um fato
que revela a veia comercial na prática cotidiana do jornalismo especializado.
A respeito do formato utilizado em cada publicação, o predominante foi o texto, que
fazia parte de 20 dos 24 conteúdos postados. Vale notar que o texto é sempre acompanhado
por imagens, ou vídeos, e, em alguns casos, os dois. Nesse sentido, foram oito matérias que
incluíam texto e vídeo, oito com textos e imagens, e quatro que utilizam os três formatos
juntos. Entretanto, nem sempre essas imagens e vídeos são produzidas pelo site, em muitos
casos são veiculados material de divulgação do jogo, filme ou programa de TV citado, como
trailers, vídeos com cenas do jogo, pôsteres ou capturas de tela. Além disso, um dos registros
era formado por texto e um tweet que foi incorporado no corpo da postagem a partir da rede
social em questão. Quatro das publicações presentes na página inicial do IGN Brasil durante o
dia 21 de outubro eram exclusivamente vídeos, produzidos pelo próprio veículo e hospedados
em seu canal do YouTube.
Esses três itens analisados até aqui - gênero, foco do texto e formatos das matérias -
apontam para um jornalismo diversificado. Essa diversidade pode demonstrar a ocorrência da
convergência de mídias, conforme proposta por Jenkins (2009), com um conteúdo não só
multimídia, mas incluindo também um entrelaçamento de consumo e entretenimento. A
presença dessa convergência se faz presente na linguagem também, o tom coloquial utilizado
nos vídeos por exemplo, se mistura com alguns formatos típicos da televisão, como a escalada
do telejornalismo, ou as entrevistas em formato standup, com repórter se posicionando ao
lado do entrevistado. Outra questão que evidencia uma certa convergência de mídias vem dos
vídeos, com os especialistas do IGN em debate sobre um determinado tema, copiando o
formato de mesa redonda, típico do telejornalismo esportivo. A convergência está também
presente no foco do veículo, que apesar de ser voltado aos games, dedica parte considerável
de suas matérias a outros assuntos convergentes, como cinema, televisão, tecnologia e moda.
Em um primeiro momento, essas temáticas não se relacionam com jogos eletrônicos,
entretanto, ao considerar que títulos de jogos por vezes baseiam-se em produtos dessas outras
áreas, ou que filmes e seriados de franquias de jogos são produzidos, é natural que o público
do jornalismo de game também esteja interessado nessas outras questões, o que faz com que
quem produz conteúdo precise considerá-las ao definir suas pautas.
Outra inferência que surge a partir da análise do corpus é a preferência pela publicação
de conteúdo em quantidade, em detrimento da profundidade. Isso se reflete, por exemplo, no
48
maior número de notícias factuais, em relação a análises, reportagens e artigos de opinião com
maior aprofundamento por parte de quem escreve e em consonância com os princípios gerais
do jornalismo especializado. Entre os 24 registros utilizados por essa pesquisa, apenas uma
reportagem, um vídeo de prévia e um vídeo de discussão promoviam uma reflexão mais
profunda e embasada a respeito do que era publicado. Essa característica se dê, talvez, pelo
argumento levantado por um dos jornalistas ouvidos na seção anterior desse trabalho: a falta
de interesse do público em matérias escritas, o que faz com que um veículo que tenha como
seu principal formato o gênero textual opte por não se aprofundar nos assuntos abordados e,
por consequência, alongar suas publicações.
Para analisar os critérios de noticiabilidade que orquestram os conteúdos
desenvolvidos pelo IGN Brasil, foi tomada como referência a tabela proposta por Silva (2005)
que traz, a partir da literatura da área, uma série de valores-notícia, com o intuito de
operacionalizar análises de acontecimentos noticiáveis/noticiados. Buscou-se, para cada
publicação analisada, definir dois principais critérios ali presentes. A principal categoria
observada foi o de Entretenimento/Curiosidade, que foi um dos dois motivos para a criação da
matéria em 19 das 24 publicadas, considerando principalmente o aspecto de divertimento. A
categoria Conhecimento/Cultura também aparece em quantidade significativa, com dez casos,
em textos ou vídeos que atentam para aspectos como descobertas, invenções, atividades e
valores culturais. Raridade foi um critério que apareceu sete vezes, levando em conta
características como o incomum, o original e o inusitado. Surpresa e Proeminência aparecem
quatro vezes cada, considerando o aspecto inesperado dos fatos reportados, para a primeira
categoria, questões como notoriedade e celebridade, em matérias que tratavam de nomes
importantes da indústria dos games. Impacto, a categoria que para Silva (2005) corresponde
àquelas notícias que envolvem, entre outras coisas, grandes quantias de dinheiro, surge em
apenas dois casos, o que de certa forma, contradiz respostas dos jornalistas entrevistados na
seção anterior deste trabalho, que por mais de uma vez citaram questões relacionadas a vídeo
games como negócio. Assim sendo, esperava-se que notícias com essa mesma característica
aparecessem mais vezes, principalmente levando valores como o número de pessoas afetadas
e grandes quantias de dinheiro. Polêmica e Justiça aparecem apenas uma vez, sendo as duas
no mesmo conteúdo, que é a reportagem especial a respeito de ocorrências de assédio na
indústria dos games. Assim como o fato de ser um texto onde ocorre aprofundamento, esses
49
valores-notícia aparentam ser um ponto fora da curva no que geralmente é publicado na rotina
do IGN, ou do que pode ser de interesse do público.
Outro ponto possível de observação, a partir da análise do corpus, foi o de que maneira
se dava o contato com as fontes em cada texto. Em sete casos, o texto tratava de algum tipo de
análise, sendo a principal fonte o próprio autor. O contato direto com fontes, com a citação
direta do que é dito por ela no texto aparece em dois registros. Já aquelas matérias em que o
repórter apenas repercute declarações dadas pelas fontes em eventos ou entrevistas para
outros veículos ocorrem 14 vezes, inclusive em três das notícias publicadas no período
analisado se tratavam de traduções da versão em inglês da IGN. Esse fato corrobora uma das
dificuldades citadas pelos jornalistas entrevistados anteriormente nesse trabalho, o fato de o
Brasil estar localizado longe dos centros da indústria dos jogos eletrônicos dificulta o trabalho
de contatar e conversar com as principais fontes desse ramo. A ausência do contato mais
direto com as fontes apresenta também mais um problema para o jornalismo de games, já que
elas são as vozes que transmitem a noção de veracidade, confiabilidade e domínio de
conhecimento na especialização. Elas são necessárias.
As análises desenvolvidas nesse trabalho procuraram responder principalmente dois
pontos. Além do delineamento do jornalismo especializado em games, desenvolvido nos
tópicos anteriores, a principal resposta a ser obtida versa a respeito da caracterização desse
fazer jornalístico como especialização de fato, microespecialização ou subespecialização
dentro do jornalismo esportivo ou cultural.
Alguns aspectos ajudam a responder a esse questionamento. O primeiro digno de nota
é o aprofundamento nos temas que são tratados, que ocorre em alguns casos especiais,
principalmente nos tipos de conteúdo que se caracterizam como análises, como no vídeo que
faz uma preview do título “Star Wars Jedi Fallen Order” e que implementa no discurso alguns
fatores técnicos que são próprios de uma obra da indústria de games, servindo como
fundamento para o que o especialista relata e opina. A fluidez da personagem dentro do jogo,
as opções de customização que ele oferece, a maneira como as animações se passam e
características da gameplay29 são alguns dos pontos tratados.
Entretanto, foi possível constatar que a maior parte do conteúdo tem um tom
informativo e tamanho curto, lembrando notas noticiosas em algumas situações, o que não
29
Termo que se refere a experiência de jogar em si, aquilo que de fato o jogador faz, o controle da personagem.
Nesse sentido, quando se fala em gameplay, o que está sendo considerado leva em conta os controles, as
movimentações e as mecânicas de interações disponíveis.
50
A partir das duas análises desenvolvidas nos capítulos anteriores, bem como das
informações utilizadas para a construção do referencial teórico dessa pesquisa, é possível
dizer que o jornalismo voltado a games segue algumas características do jornalismo
especializado, ao mesmo tempo em que deixa de aproveitar todas as potencialidades desse
formato de produzir conteúdo. Fato é que o fazer jornalístico investigado possui um público
segmentado, que por sua vez tem demandas informacionais também segmentadas e voltadas a
uma determinada área de interesse, além de se formarem comunidades próprias em volta
daquilo que é de sua estima. Esses grupos atuariam de maneira a contribuir para costurar o
tecido social das pessoas que a ela pertencem.
O jornalismo de games também busca entreter o seu público. Algo que, de acordo com
Tavares (2007), também é função do jornalismo especializado. Talvez, por conta dos assuntos
que compõem a pauta desses veículos, que são os games e as obras de cultura pop. De certa
forma, é como se o que se tornasse assunto noticioso servisse como um complemento para
aquilo que as pessoas jogam, dos programas que assistem, dos quadrinhos que leem etc. O
entretenimento transparece também na postura dos jornalistas. Se na linguagem das matérias
isso não fica tão evidente, no vídeo esse elemento é extrapolado, com a presença de jargões
conhecidos pelas comunidades, utilização de técnicas de edição próprias de programas
humorísticos e de produções audiovisuais da internet (como cortes com a inserção de
conteúdo extra para fazer uma piada, por exemplo). E de fato o entretenimento se apresentou
nas investigações como o principal valor notícia encontrado no conteúdo da IGN Brasil.
Como discutido em diversos pontos deste trabalho, esses elementos caracterizantes
contribuem para que se entenda esse jornalismo como um fruto da convergência das mídias. A
maneira como o público consome e discute o conteúdo também são convergentes. O texto é
lido no site, debatido na seção de comentários, compartilhado (e também debatido) nas redes
sociais.
Outra relação com a cultura da convergência é a inclinação para o lado comercial e a
relação com a indústria dos games, sendo inclusive essa a principal fonte de informação das
matérias analisadas. Jenkins (2009) cita que surgem novas formas de a indústria e a mídia se
relacionarem. Provavelmente seja esse o elo que causa essa simbiose entre vender e informar
53
no jornalismo de games, algo que vem desde sua origem, como observou Assis (2007). Ele
cita que as fabricantes de sistemas de vídeo games produziam revistas a respeito de seus
produtos como um de seus esforços de marketing. Boaventura (2016) relata que a expectativa
constante por lançamentos, ou o Hype, termo pelo qual comumente é denominado o
fenômeno descrito, é o principal produto da editoria em questão. Um ponto que parece fazer
sentido, citado por Boaventura (2016), é que essa característica é consequência de dois
fatores: a proximidade das empresas que produzem jogos e os veículos, além da falta de
acontecimentos inesperados e moduladores da agenda jornalística relacionados ao tema.
Outra característica que também salta aos olhos durante a análise reside no tamanho
das matérias, que raramente são extensas. Como alguns dos jornalistas entrevistados
alegaram, a questão de o público não possuir tanto interesse em conteúdo escrito foi um dos
problemas citados. Isso apresenta uma limitação para o aprofundamento típico de
experiências de jornalismo especializado tradicional. Bem como limita os jornalistas de
tecerem uma credibilidade maior para seu trabalho, explicarem de fenômenos novos e
congruentes com as mudanças sociais, promovendo a melhoria da informação jornalística.
A questão do público também foi lembrada por um dos profissionais ouvidos neste
trabalho ao citar uma certa tendência reacionária entre os indivíduos que acompanham o
jornalismo de games. Consalvo (2012) que estudou a cultura do Toxic Gamer. Para ela, essa
toxicidade decorre principalmente pelo machismo e relata ainda a ocorrência de um padrão de
cultura gamer misógina e patriarcal.
Essa visão a respeito do público se relaciona diretamente com um exemplo entre o
corpus analisado. A única reportagem com aprofundamento publicada era intitulada “O
#MeToo nos games: falar do movimento é mexer em uma colméia - mas ainda é necessário”30
. O texto publicado pela jornalista Carol Costa buscava discutir problemas de assédio dentro
da indústria de jogos a partir de depoimentos de mulheres que trabalham na área e foram
vítimas. Nesse exemplo, é possível observar o jornalismo especializado em seu potencial
máximo. Mira um público segmentado, informa a quem está consumindo o conteúdo, busca
promover a reflexão frente ao fato e tenta construir um ambiente mais saudável para as
pessoas que fazem parte da comunidade gamer. A reportagem apresenta mais um contraste
que é digno de nota. Ela gerou mais comentários do que a maioria das outras matérias.
30
Disponível em: <
https://br.ign.com/ign-reportagens/77062/feature/o-metoo-nos-games-falar-do-movimento-e-mexer-em-uma-col
meia-mas-ainda-e-necessario>. Acesso em: 01/11/2019.
54
Enquanto boa parte do conteúdo publicado não passava de 20 comentários, o texto de Carol
Costa chegou a passar de uma centena de comentários, um mês depois de sua publicação.
Quanto à definição do público, um dos objetivos levantados por esse trabalho, é
possível dizer que os frutos da análise são mais instigantes para novas investigações, do que
de fato são conclusivos. Nesse sentido, trabalhos futuros a respeito do jornalismo de games
podem explorar melhor esse aspecto, tanto do ponto de vista quantitativo, quanto qualitativo.
Uma questão interessante que as análises desenvolvidas transmitem é que, assim como
em outras editorias do jornalismo especializado, o profissional também assume o papel de
especialista. Um dos objetivos da especialização jornalística é a substituição da figura dos
colaboradores especialistas pela do jornalista especializado. Esse exemplo fica bastante
refletido em vídeos, como o “Jogamos Star Wars Jedi Fallen Order: O game dos sonhos para
os fãs?”31, no qual o jornalista Diego Lima desenvolve uma análise de um jogo considerando
um embasamento técnico, comparando com outras obras semelhantes e fornecendo exemplos
para o espectador.
Com o levantamento bibliográfico acerca da construção histórica do jornalismo de
games, juntamente com a análise do IGN Brasil, foi possível notar que alguns dos pontos
negativos referentes ao jornalismo de games já eram notados no início dos anos 2000. Assis
(2007) lembra que os portais dedicados a publicar sobre essa temática eram chamados, de
maneira pejorativa, de tabloides de games, em uma crítica ao conteúdo raso que exibiam.
Além disso, ao enumerar os pecados da mídia dedicada a publicação de conteúdo sobre de
jogos eletrônicos, o autor lembra da falta de entrevistas aprofundadas e análises genuínas
sobre a indústria em suas seções de notícias.
De certa forma, com os resultados obtidos por esse trabalho, foi possível delimitar os
elementos editorais que compõem o jornalismo de games e ter uma ideia, ainda que inicial, a
respeito de seu público. Entende-se que esse fazer jornalístico é uma editoria própria de
jornalismo especializado, mas que não se apropria de todos os elementos possíveis do mesmo.
Talvez esse seja até mesmo um reflexo do mundo editorial contemporâneo ou até mesmo do
meio on line. Por exemplo, muitos produtos de jornalismo esportivo usam temas
31
Disponível em: < https://www.YouTube.com/watch?v=XnlsjQ5dtmY >. Acesso em: 01/11/2019.
55
32
Frange (2016) em um artigo aborda o conceito de liquidez das notícias no jornalismo esportivo e debate o
crescimento das pautascaça-cliques. Disponível em: <
Http://portalintercom.org.br/anais/nacional2016/resumos/R11-1106-1.pdf >. Acesso em: 01/11/2019.
REFERÊNCIAS
CONSALVO, Mia. Confronting toxic gamer culture: A challenge for feminist game
studies scholars. Ada: A Journal of Gender, New Media, and Technology, v. 1, n. 1, p. 1-6,
2012
MORAES, Roque. Análise de conteúdo. Revista Educação, Porto Alegre, v. 22, n. 37,
p. 7-32, 1999.
PINHEIRO, Cristiano Max Pereira. A história da utilização dos games como mídia. 4º
Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho, Anais... São Luis: Rede Alcar, 2006.
DE GAMES
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