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Mimese (representação)

Segundo Aristóteles, a mimese é capaz de fornecer, ao ser humano, dois


elementos essenciais: prazer e conhecimento.

Platão afirmava que a arte era algo inferior pela sua impossibilidade de imitar a
vida e os homens. Aristóteles, porém, trouxe um conceito muito interessante
em sua Poética para lidar com essa questão: o de mímese, representação.
A arte, nessa concepção, não imita a vida nem os homens. A arte
REPRESENTA a vida e os homens.
Se pensarmos bem, mesmo hoje pouco sabemos concretamente sobre as
coisas da vida e dos homens. Sabemos o que é uma cadeira, uma mesa, uma
moeda. Mas o que é o amor? O que é a saudade? O que é a felicidade?
Não temos como definir conceitos abstratos, como amor, saudade, felicidade,
medo e dor, eles variam de acordo com a experiência de vida de cada um, sua
cultura, suas crenças. Dessa forma, um jovem não busca o amor porque sabe
o que é o amor, e sim porque ele viu muitos filmes, leu muitos livros e
conversou com muitas pessoas sobre o amor. O amor, então, nada mais é do
que uma representação.
Em O Vermelho e o Negro, Stendhal descreve isso perfeitamente ao falar de
uma personagem que não sabia que estava apaixonada simplesmente por
desconhecer o conceito de amor, que então já circulava nos livros "proibidos" e
que ela não lia:

"Em Paris, a posição de Julien face à sra. de


Rênal teria sido depressa simplificada; mas
em Paris, o amor é filho dos romances. O
jovem preceptor e sua tímida senhora
encontrariam em dois ou três romances e
até nas canções do Gymnase o
esclarecimento de sua posição. Os
romances traçariam para eles o papel a
executar, apresentando o modelo que imitariam. E este modelo,
cedo ou tarde, e mesmo sem nenhum prazer, e talvez de mau
humor, seria seguido por Julien, forçado por sua vaidade."(capítulo
VII)

Abrindo um pequeno parêntese, a compreensão desse conceito poderia ajudar


muitas pessoas que buscam desesperadamente (e angustiantemente) ter a
mesma vida que ela vê nas novelas ou lê nos livros. Quanto tempo as pessoas
demoram para perceber que não existe príncipe encantado, que nem todas as
madrastas são ruins e nem todos os vovôs são bonzinhos? Talvez esse seja o
maior mal dessas representações estereotipadas que vemos à exaustão, a
falsa visão de mundo e os valores distorcidos que elas representam e levam
para a sociedade.
Bem, voltando ao tema da aula, hoje se entende que a arte é válida não
apenas porque pode representar a vida e o homem (já que é impossível defini-
los ou explicá-los), mas também porque determinados assuntos são mais bem
tolerados pelos leitores quando apresentados na literatura (ficção, poesia), do
que no mundo “real”, uma vez que não se pode atribuir valor de verdade à
convenção estética.
Não é por acaso que temas como traição, divórcio, homossexualismo, aborto,
AIDS, engenharia genética, drogas etc surgiram antes na ficção do que nos
estudos acadêmicos ou nos jornais. Eles existiam, mas não eram levados ao
grande público, até que um artista os representou e eles se tornaram mais
"palatáveis" para um público maior. A arte, nesse sentido, não apenas imita
como provoca a vida - obrigando o mundo "real" a se repensar.

Cena de Filadélfia (1993)


O jornalismo como representação
Por fim, para seguirmos nessa relfexão importantíssima sobre o que do mundo
de fato conhecemos e o que conhecemos apenas enquanto representação,
vamos pensar nos grandes temas da atualidade. O que é o Estado Islâmico?
Quem é Barack Obama? Por que pode faltar água no Brasil? O que é
corrupção? O que é uma sociedade justa?
Em geral não conhecemo todos os detalhes que nos permitam conhecer de
fato todos esses temas, o que sabemos são as notícias de jornais que chegam
até nós, em geral notícias que passam por filtros ideológicos bastante estreitos.
Com o excesso de informações do mundo de hoje, as empresas, os governos e
as personalidades tentam representar papéis, com enormes esforços de
marketing e relações públicas, transformando todo nosso noticiário em uma
grande ficção.
Claro que não com delírios de teoria da conspiração, apenas tentando
sublinhar a importância da representação e, por conseguinte, a suprema
importância da arte.
São as narrativas - ficcionais ou não, embora em geral as ficcionais sejam mais
eficientes para provocar catarse - que moldam nossa identidade a partir de
suas representações.
Marcelo Spalding

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