Relatório do Estágio de Vivências na Eco Vila Karaguatá, para observar e analisar as multidimensões da sustentabilidade agroecológica
Professores: Adair Pozzebon e Cristina Vergutz
Alunos: Habel Davi de Araújo López
Santa Cruz do sul
2022 Introdução
Este trabalho foi realizado na Ecovila Karaguatá, localizada em Rio
Pardinho, Santa Cruz do Sul- RS e relata os aspectos das multidimensões da sustentabilidade agroecológica, que são: ecológica, econômica, social, cultural, política e ética, estudadas na Disciplina de Vivências Agroecológicas III. Tendo como conteúdo de estudo e apoio para a vivencia, o livro “Cartas à Guiné Bissau- Paulo freire”, o texto “Agroecologia e Extensão Rural, contribuições para a Promoção do Desenvolvimento Rural Sustentável” escrito por Caporal e Costabeber e as rodas de conversas feitas em aula com os colegas de classe e os professores. Através do diálogo com os proprietários, foi possível analisar essas miltidimensões e avaliar em quais dimensões se precisar aperfeiçoar e dar mais atenção e quais são os pontos forte na propriedade. Será também apresentando um pouco da história da Karaguata, quais atividades são propostas na comunidade, o que é produzido e quais são os projetos em andamento.
Metodologia
A vivencia foi realizada no dia 4, 5 e 6 de novembro na Eco Vila karaguata,
onde participei das atividades da propriedade junto com Gloria e Aquiles, e em momentos específicos, se foi discutido e conversado sobre os aspectos da sustentabilidade agroecológica, onde foi levantado temas sobre os seis aspectos. A partir desses temas, adquiridos nas aulas de Vivencias Agroecológicas foi conversado com os responsáveis da comunidade sobre seus aspectos e suas opiniões, e em cada tema foi pedido para que eles dessem uma nota de 0 a 10, fazendo uma avaliação de cada multidimensão. Um breve resumo sobre a Karaguatá
Gloria Conceição Miranda Cáceres, 66 anos e Luiz Aquiles Gusson, 69
anos, são fundadores e moradores da Ecovila Karaguatá, se conheceram na Amazônia e em 2003 decidiram junto com outras pessoas viver em comunidade. Para Aquiles, tinha a ideia de uma comunidade com aspecto de cura da saúde, e para Gloria, tinha um aspecto mais social com a ideia de plantar junto e trabalhar junto. Os outros membros do grupo, tinham também a vontade de viver no campo, para plantar seu próprio alimento, sem veneno e de forma mais agroecológica. Segundo o levantamento feito por Aquiles e Gloria, já moraram aproximadamente 100 pessoas na comunidade, e mais de 25mil pessoas já passaram por lá. A terra da comunidade, atualmente conta com 50 hectares e em 2003, era degradada e compactada, pois há 60 anos, se plantava fumo e se extraia eucalipto e arvores nativas para uso da lenha, e alguns hectares após o plantio de fumo era utilizado para o gado. Segundo o que vizinhos relatam, na década de 70 a propriedade foi totalmente utilizada para roça, resultando na retirada de qualquer resquício de mata. A partir dos anos 90, houve a diminuição do uso da roça e um pouco de mata nativa foi aparecendo na propriedade, o que aumentou com a chegada do grupo em 2003. Com a chegada do grupo, foi semeado jussara por grande parte da propriedade, houve o cuidado com a terra através da utilização de estercos animais, implantação de adubação verde, uso de cobertura do solo, plantio de arvores nativas e exóticas, como banana, laranja, bergamota, abacate, entre muitas outras variedades. A proposta principal da comunidade que até hoje permeia a vida dos moradores, é consumir ao máximo o alimento produzido na propriedade. Na Karaguata atualmente utiliza-se princípios da agroecologia, permacultura, agrofloresta e bio-construção, porém eles não se definem como permacultores, agroecólogos e etc. Pois segundo Aquiles, “o sentido de viver na comunidade, é por que, ela proporciona experiências para gente se conhecer a si mesmo”. Segundo Gloria, a comunidade está muito relacionada ao social, por que, “a pessoa não precisa ter um centavo, ela só tem que ter à disposição, de compartilhar a sua mão-de-obra, seu estar, no espaço coletivo, quando ela entra na porta, aqui já não conta dinheiro...”. Aquiles é formado em medicina, e continua trabalhando como médico em um escritório próximo a sua casa, dentro da comunidade, sendo esta renda a principal fonte de recursos econômicos da propriedade. Gloria é formada em odontologia e trabalhou até recentemente na área, mas atualmente está se dedicando mais a vida do campo, como agricultora, dona de casa e é quem está à frente da administração das duas casas que eles alugam, ambas construídas com técnicas de bio-construcão na comunidade. Atualmente está sendo construído um espaço na propriedade com objetivo de se realizar vivencias coletivas, como: reconhecendo-se terapeuta de si mesmo, encontro culturais de música, dança, poesia e meditação. Imagem 1 – Habel, Aquiles, Gloria e Daiana,
Fonte: Autor, 2022.
Análise das dimensões e aspectos da Sustentabilidade: social, ecológica, econômico, cultural, político e ético
Aspectos de análise da dimensão Ecológica
Há 19 anos atrás quando compraram a propriedade de
aproximadamente 50 hectares, havia pouca área de mata, e bastante área degradada, na qual se plantava fumo e eucalipto. Com o passar dos anos em boa parte da propriedade foram deixando o mato vir, fazendo a seleção das espécies, semeando jussara e plantando arvores frutíferas, muitas delas nativas. Nas áreas de plantio, que totaliza aproximadamente 6 hectares, utilizam- se de técnicas que beneficiam a vida do solo, como: cobertura do solo, adubação com estercos de vaca (de propriedade vizinhas) e galinha (comprada), fazem pouca capina, utilizando roçadeiras para cortar plantas espontâneas não desejadas, e plantam adubação verde, além da rotação de culturas e consorciação de espécies. Não são utilizados agrotóxicos na propriedade. Em relação a redução de recursos naturais não renováveis, eles construíram um fogão a lenha, atualmente implementaram uma usina solar, produzem o próprio sabão para limpeza em geral, e os proprietários compartilharam que aos poucos desejam ter mais autônomia em relação ao que vem de fora. Nas nascentes da propriedade, eles plantaram árvores e canalizaram essa água para utilizar no dia-a-dia, também possuem sistemas de captação da água da chuva, através de cisternas e “mini laguinhos” espalhados na propriedade. Imagem 2 – Laguinho, captação agua da chuva
Fonte: Autor, 2022.
Imagem 3 – Agrofloresta.
Fonte: Autor, 2022.
Aspectos de análise da dimensão Econômica A principal fonte de renda da família vem do trabalho do Sr. Aquiles, que atua como médico em um escritório próximo a sua casa, dentro da comunidade, as hortas e Sistemas Agroflorestais são destinados para produção de alimentos para consumo da família e para compartilhar com as pessoas que visitam e vão morar lá, apenas a cúrcuma é beneficiada e comercializada em pequena escala. Outras fontes de renda que ajudam na melhoria da renda familiar, mas que aumentam também a qualidade de vida, são as trilhas no meio da mata e duas casas construídas com técnicas de bioconstrução que são alugadas para pessoas e grupos, através do Airbnb. Eles produzem alimentos o ano inteiro, como, verduras, frutas, raízes, conforme a estação do ano. Segundo Aquiles, eles tem banana o ano inteiro.
Imagem 4 – Identificação das trilhas
Fonte: Autor, 2022.
Aspectos de análise da dimensão Social
Como já comentado em outras dimensões, eles produzem alimentos para subsistência, comprando na cidade apenas o que não conseguem produzir, como: óleo, sal, açúcar, café e arroz. Eles compram ovos, leite, queijo e verduras que não possuem em feiras orgânicas (ex: Feira pedagógica da EFASC) e dos vizinhos. Em relação a qualidade de vida, Aquiles e Gloria, possuem bloco de produtor rural e pretendem se aposentar como agricultores. Na região possui posto de saúde próximo a propriedade e existe agentes de saúde que visitam as propriedades. Em relação a educação, as escolas estão sediadas próximo a propriedade e tem ônibus escolares que transitam a região. Os filhos do casal, estudaram nas escolas públicas do Rio Pardinho e um deles estudou na EFASC. E Atualmente um dos filhos deles está cursando agronomia na Universidade Federal de Viçosa (UFV) em Minas Gerais. Foi compartilhado que para fazer a casa deles, e outras construções que existem na comunidade, como galpões e outras moradias, foram utilizados em sua maior parte a adesão de ação coletiva, através do mutirão. Imagem 5 – Casa “Mãe”
Fonte: Autor, 2022.
Aspectos de análise da dimensão Cultural
Em relação a dimensão cultural, algumas técnicas agrícolas, como o uso da palhada em grande quantidade, implantação de Sistemas Agroflorestais Agroecológicos (SAFA) e a não utilização de nenhum insumo químico nas atividades agrícolas, são atividades diferentes e novas em relação as propriedades rurais que estão no entorno da Karaguatá. O Aquiles é filho de agricultor, criado no interior de Lajeado e traz consigo conhecimentos relacionados a agricultura familiar que somado aos conhecimentos locais da vizinhança se manifestam em práticas e técnicas comuns nas propriedades rurais. Tais práticas são: o uso de esterco de vaca nas plantações, neste caso eles não tem vacas, então recolhem o esterco das vacas dos vizinhos, construção de galpão com cobertura de palha, conhecimentos sobre uso de madeiras da mata nativa, etc. Este conhecimento e o saber fazer, passado de geração em geração, é observado também nas etapas dos processos produtivos, como no plantio e beneficiamento de arroz sequeiro, milho e trigo, todos cultivados de forma manual e muitas vezes em mutirão. Outro ponto importante observado na dimensão cultural, é o resgate e preservação de sementes crioulas, utilização de PANC’S na alimentação diária e o plantio de diversas árvores frutíferas, incluindo nativas e exóticas. Está sendo construído um espaço para uso coletivo com viés cultural, onde ocorrerá atividades de música, dança, meditação, poesia e terapias em grupo. Imagem 6 – Construção do Espaço Cultura Fonte: Autor, 2022.
Aspectos de análise da dimensão Política
Dentro da visão política expressada pelos moradores da Karaguatá, é observado uma tendência na ação coletiva, onde os moradores conversam e dividem as atividades segundos as prioridades e segundo o que cada um gostaria de fazer, tendo um senso comum de coletividade. Na propriedade tem a casa “Mãe”, onde quem chega até a Eco vila é recebido e este espaço é um ambiente adequado para compartilhar, participar e usufruir, seja do alimento, das tarefas a serem executas, sonhos a serem planejados, um espaço coletivo, aonde tem cozinha, banheiros, sala de estar e quartos. Na Ecovila, constantemente são construídos coletivamente alternativas de desenvolvimento, através de uma ideia/ação de coletivo e cooperação, e entre os vizinhos essa interação é menor, mas houve casos onde a comunidade se reuniu para atender necessidades em comum. Isto ocorreu através de baixa assinados, por causa do acesso a água, acesso à internet e melhorias de estradas. Até o momento não existe na Karaguatá e nem na comunidade do entorno uma associação da vizinhança formal, o que ocorre como citado acima é um movimento de cooperação em momentos específicos para atender necessidades em comum e normalmente básicas e necessárias.
Aspectos de análise da dimensão Ética
Neste aspecto, é possível observar que na Eco Vila, os donos da propriedade, Aquiles e Glória tem como proposta, viver em comunhão com a natureza e com o seu próximo, procurando através de conversas resolver os conflitos e as diferenças. Dentro da casa mãe, possui alguns cartazes, instruindo as atividades necessárias a serem feitas diariamente e semanalmente, mostrando como faze-las, atividades como: acender o fogão a lenha, preparar café da manhã, manutenção da limpeza e harmonia da casa em geral, atividades na área externa, como, jardins, hortas, pomares, e etc. Esses cartazes, segundo Gloria, nasceram com o propósito de ajudar e facilitar o bom andamento da convivência e harmonia da casa, pois muitas pessoas passaram por lá e cada uma tinha um ponto de vista e um modo fazer uma especifica tarefa. Um aspecto positivo observado na vivencia, foi a preservação da mata nativa e das mananciais, produção de alimentos sem venenos, reciclagem de matérias para a construção de galpões e casas, além de iniciativas que ajudam a preservar a natureza, como, implementação de usina solar, plantio de arvores frutíferas nativas e exóticas e captação da água da chuva para uso em hortas. Para se construir o seguinte gráfico, foi pedido aos entrevistados Gloria e Aquiles, que dessem notas para temas, vistos em aula relacionados a cada aspecto, depois foi feito uma média de cada aspecto, resultando em: Ecológico: 9,0. Econômico: 8,8. Social: 9,1. Cultural: 8,8. Politica:8,6. Ética: 9,7. Gráfico 1 – Multidimensões da Sustentabilidade Agroecológica Multidimensões da sustentabilidade agroecológica Análise das Dimensões ECOLÓGICO 10
ÉTICO SOCIAL
POLÍTICO ECONÔMICO
CULTURAL
Fonte: Autor, 2022.
Conclusão
A Karaguata vem há 19 anos, trabalhando e vivenciando um sonho de
comunidade, utilizando de diversas técnicas que auxiliam nesse processo de desenvolvimento sustentável e que atenda às necessidades do ser humano, mas também que respeite a natureza.
É possível então, observar através da leitura das dimensões analisadas
neste trabalho, que a comunidade Karaguata, tem trabalhado e se alinhado ao saber e viver agroecológico, tendo as dimensões Ecológica, Ética e Social, mais desenvolvidas e aperfeiçoadas, e as dimensões Econômica, Cultural e Política, precisando ser melhores desenvolvidas e aperfeiçoadas, porém todas as dimensões segundo a análise feita neste trabalho estão sendo trabalhadas e de alguma forma atendidas.
Referências bibliográficas
Freire, Paulo. Cartas à guiné-Bissau: registros de uma experiência em.
Processo. 2ª ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978. 173p ilust. (O Mundo, hoje, v. 22). Caporal, Francisco e Costabeber, José. Agroecologia e Extensão rural: Contribuições para a Promoção do Desenvolvimento Rural Sustentável. Porto Alegre, 2004.